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MARIO ZASSO MARIN
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E
ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO NA AGRICULTURA
FAMILIAR DA QUARTA COLÔNIA-RS
FLORIANÓPOLIS
2010
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ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MARIO ZASSO MARIN
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E
ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO NA AGRICULTURA
FAMILIAR DA QUARTA COLÔNIA-RS
Orientadora: Profª Drª Walquíria Krüger Corrêa
TESE DE DOUTORADO
Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano
Florianópolis-SC
2010
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iii
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
.
M337p Marin, Mario Zasso
Políticas de desenvolvimento rural e estratégias
de
reprodução na agricultura familiar da Quarta
Colônia-RS
[tese] / Mario Zasso Marin ; orientadora, Walquíria
Krüger Corrêa. - Florianópolis, SC, 2010.
302 p.: il., grafs., tabs., mapas
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Programa
de Pós-Graduação em Geografia.
Inclui referências
1. Geografia. 2. Políticas públicas - Quarta
Colônia
(RS). 3. Desenvolvimento rural - Quarta Colônia
(RS).
4. Propriedades familiares - Quarta Colônia (RS).
I. Correa, Walquiria Kruger. II. Universidade
Federal
de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em
Geografia.
III. Título.
CDU 91
iv
Políticas de Desenvolvimento Rural e Estratégias de Reprodução na
Agricultura Familiar da Quarta Colônia-RS.
Mario Zasso Marin
Tese submetida ao Curso de Doutorado em
Geografia, área de concentração, Desenvolvimento
Regional e Urbano, do Programa de Pós-Graduação
em Geografia do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa
Catarina, em cumprimento aos requisitos necessários
à obtenção do grau acadêmico de Doutor em
Geografia.
_______________________________________
Profa. Dra. Magaly Mendonça
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Geografia
APROVADO PELA COMISSÃO EXAMINADORA EM: 26/02/2010
__________________________________________________________
Dra. Walquíria Krüger Corrêa (Presidente e Orientadora-GCN/UFSC)
__________________________________________________________
Dr. Nazareno José de Campos (Membro-GCN/UFSC)
__________________________________________________________
Dr. Cesar De David (Membro-UFSM)
__________________________________________________________
Dr. Luiz Otávio Cabral (Membro-IELUSC)
__________________________________________________________
Dra. Rosa Maria Vieira Medeiros (Membro-UFRGS)
Florianópolis - 2010.
v
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos
meus queridos pais, José
e Armelinda, pelo
exemplo de trabalho,
humildade e honestidade.
A vocês, MUITO
OBRIGADO!
vi
AGRADECIMENTOS
muitas pessoas que me auxiliaram na construção dessa Tese.
Com elas compartilhei momentos únicos. Por isso, agradeço:
À profª Drª Walquíria Krüger Corrêa, pela oportunidade em
cursar o Doutorado e em ser seu orientando. Agradeço profundamente a
partilha de conhecimento, o constante auxílio nas etapas do trabalho, a
serenidade e confiança transmitidas ao longo da elaboração da Tese e,
particularmente, pela amizade construída.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), representado pelos professores,
coordenadores e secretária. Agradeço o convívio e a atenção dispensada.
Aos produtores rurais, Secretário Executivo do CONDESUS,
EMATERs, e aos secretários municipais da Agricultura e do Turismo da
Quarta Colônia, bases para a construção desse trabalho, pela
disponibilidade e atenção nas entrevistas realizadas.
Aos colegas do Curso de Geografia da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-Erechim-RS) pela troca
de experiências e pelo convívio.
Aos meus irmãos(ãs) Roberto, Paulo, João, Maria Lourdes e
Maria Aparecida. Nunca esquecerei a presença e as palavras de apoio e
de incentivo nos momentos difíceis para a finalização dessa árdua tarefa.
Em especial, agradeço aos meus cunhados(as) Dalcir (in memoriam),
Antônio, Vânia (neca), Ivanete (magra) e Geni, e aos meus
sobrinhos(as) Ricardo, Bruno, Carolina, Talita e Paulyne, pela
compreensão e apoio.
À minha irmã Ângela (in memoriam) que, mesmo ausente,
encontra-se presente em meu coração.
Ao meu querido afilhado Giovanni, que Deus lhe dê grandes
bênçãos.
Aos meus pais José e Armelinda, pela confiança, carinho, respeito
e, enfim, pela vida.
Aos meus amigos(as), Vanderlei Secretti Decian, Sherlei Coan,
Sérgio e Marzélia Righi, Simone Maffini Cerezer, Luiz de Mello Leite,
Luciana Gressana, Antonia dos Santos Viana Hirata e Liliane Feltrin,
pela ajuda, companherismo e, sobretudo, pela amizade.
A todos os que, de alguma forma, contribuíram para a elaboração
desse trabalho.
vii
CAMPO, PAMPA E QUERÊNCIA - Silvio Genro (interprete
João Chagas Leite)
CAMPO...
Ventre que gera meu canto,
Universo de meus versos,
Sementeira onde me planto...
Solo fértil, colo quente,
És o seio onde semeio
Os anseios de meu canto.
PAMPA...
Razão, raiz de meus rumos,
Destino de tantas vidas,
Hino à esperança que canto...
Meu canto vem de tua gente,
Voz dos campos que nas mentes
Vinga as sementes que planto.
CAMPO...
Dos que colhem sem plantar,
Dos que plantam sem colher,
Ah! Pudesses tu escolher
De quem ser e a quem se dar.
PAMPA...
Faz da voz dos que te cantam,
Campo livre onde se lança
As sementes de esperança
Do suor dos que te plantam.
QUERÊNCIA...
Terra da gente,
Essência de gente e terra.
Que lições de vida encerras
Terra humilde e tão capaz!
E pensar que ainda há gente
Que em teu nome faz a guerra
Sem saber que gente e terra
São sinônimos de paz!
viii
RESUMO
A agricultura familiar e o espaço rural brasileiro vêm passando no
período recente por notáveis transformações socioterritoriais. Esta
pesquisa teve por objetivo analisar as transformações do território rural
na Quarta Colônia, localizado na região central do Rio Grande do Sul,
associando políticas de desenvolvimento e estratégias de reprodução
socioeconômica. Por meio de uma abordagem qualitativa buscou-se
analisar as estratégias de reprodução socioeconômica junto aos
agricultores familiares da Quarta Colônia-RS. Constatou-se que, desde
meados da década de 1990, a agricultura familiar e o espaço rural vêm
assumindo novas funções sob o estimulo de diversos agentes que atuam
em diferentes escalas. Os agricultores familiares desenvolvem atividades
agrícolas e não agrícolas como estratégias para se reproduzirem.
Observou-se que as atividades agrícolas que têm a cadeia produtiva
consolidada como, por exemplo, arroz, soja, fumo, milho, representam a
base para a reprodução da agricultura familiar. Já atividades como
hortifruticultura ecológica, turismo e agroindústria familiar são
alternativas de renda difundidas recentemente por agentes que atuam na
região, como é o caso do CONDESUS/Quarta Colônia e do COREDE –
Conselho Regional de Desenvolvimento do Estado do RS. No processo
ocorreram a diversificação e a revitalização do território rural regional,
sendo de fundamental importância o apoio institucional, em especial do
PRONAF Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar e do
Território da Cidadania da região central do RS. Por fim, verificou-se
que, no território da Quarta Colônia, estão sendo realizadas diversas
estratégias de desenvolvimento, redefinindo de modo diferenciado as
formas de reprodução da agricultura familiar, segmento que tem se
adaptado às demandas sempre renovadas do mercado. As ações
regionais, particularmente aquelas que são estimuladas pelo
CONDESUS, ainda são incipientes, mas elas têm produzido resultados
positivos. Conclui-se que, em face das desigualdades socioterritoriais e
dos interesses das prefeituras em obter resultados imediatos, uma
série de dificuldades a serem superadas. Além disso, se faz necessário
pensar o desenvolvimento da Quarta Colônia a partir do maior
envolvimento e participação da sociedade a fim de facilitar o
desenvolvimento de ações regionais.
Palavras-chave: Políticas públicas. Desenvolvimento rural. Agricultura
familiar. Quarta Colônia/RS.
ix
ABSTRACT
The familiar agricultural and the countryside Brazilian space has been
passing by remarkable socio-territorial transformations. This research
has as objective to analyze the rebuilt process of the rural land in the
fourth colony, localized in the central region of Rio Grande do Sul state,
associating development politics and economic globalization. It was
observed that since the mid of the 1990 decade the familiar agriculture
and the rural area has been assuming new functions over the stimulus of
many agents which act in different scales. The farmers develop
agricultural and non agricultural activities to reproduce themselves. It
was observed that the agricultural activities which have the productive
chain consolidated, as an example rice, soy, tobacco, corn, represent the
base to the familiar production. Already activities such as ecological
yard and fruit culture, sightseeing and agribusiness family are alternative
of income spread recently by agents which act in the region as an
example CONDESUS/Fourth colony and COREDE - (Regional Counsel
of development of RS State). In the process occurred the diversification
and the revitalization of the rural territory, being of the fundamental
importance the institutional aid in special the PRONAF one - Program
of familiar strengthening and of the citizenship territory of the central
region of RS. Finally it was verified that in the fourth territory colony is
being done many development strategies, redefining by different model
the reproduction forms of the familiar agricultural, segment that has
been adapted the renewed demands of the market. The regional
measures, particularly those which are stimulated by CONDESUS, are
still incipient, but they have produced positive results. It was concluded
that because of the socio territorial differences and the city hall interest
to get immediate results, there are many difficulties to be overcome.
Besides it is necessary to think about the development of the fourth
colony from the biggest development and participation of the society to
facilitate the development of the regional actions.
Key Words: public policies, rural development, familiar agriculture, the
fourth colony/RS.
x
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Localização da região da Quarta Colônia-RS ........................22
Figura 2 - Unidades Geomorfológicas da Quarta Colônia-RS...............23
Figura 3 - Mapa das unidades de vegetação da Quarta Colônia-RS ......27
Figura 4 - Mapa das unidades de solos da Quarta Colônia-RS..............28
Figura 5 - Comportamento demográfico da Quarta Colônia-RS ...........43
Figura 6 - Recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (1998-2010) no Brasil............................................................147
Figura 7 - Montante do crédito rural do PRONAF por ano fiscal na
Quarta Colônia (2000-2008)................................................................149
Figura 8 - Recursos para a assistência técnica e extensão rural no Brasil
(2001-2008) (ATER) ...........................................................................154
Figura 9 - Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Estado do Rio
Grande do Sul (COREDEs) .................................................................158
Figura 10 - Localização dos municípios integrantes do Conselho
Regional de Desenvolvimento do Centro do Rio Grande do Sul
(COREDE Central)..............................................................................161
Figura 11 - Logomarca do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável
da Quarta Colônia (CONDESUS/Quarta Colônia)..............................169
Figura 12 - Fôlder de divulgação dos Roteiros Integrados de Turismo
Rural, Cultural e Ecológico da Quarta Colônia-RS .............................175
Figura 13 - Terminal de comercialização ‘Casa da Quarta Colônia-RS’
.............................................................................................................185
Figura 14 - Sinalização turística na linha dos pomeranos – Agudo.....187
Figura 15 - Capa de Fôlderes de divulgação dos Roteiros Integrados da
Quarta Colônia-RS...............................................................................187
Figura 16 - Sinalização da Rota Paleontológica da Quarta Colônia ....189
Figura 17 - Imagem de maquetes dos Parques Integrados da Quarta
Colônia: sítios paleontológicos e fotos do Centro de Apoio à Pesquisa
Paleontológica......................................................................................191
Figura 18 - Localização do Território Rural Central no Rio Grande do
Sul........................................................................................................199
Figura 19 - Pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários, da
Quarta Colônia, com e sem laço de parentesco com o produtor..........206
Figura 20 - Uso da terra nos estabelecimentos agropecuários da Quarta
Colônia.................................................................................................210
Figura 21 - Área plantada de lavouras temporárias na Quarta Colônia
(1993-2006)..........................................................................................210
xi
Figura 22 - Agroindústria de derivados da cana-de-açúcar em Agudo
............................................................................................................. 229
Figura 23 - Agroindústria de mel Shüller............................................ 231
Figura 24 - Vegetação secundária em área que era ocupada com
produção agrícola................................................................................ 237
Figura 25 - Interior da Agroindústria Pupii......................................... 239
Figura 26 - Agroindústria Delícias de Ivorá........................................ 240
Figura 27 - Agroindústria Vô Bepi...................................................... 242
Figura 28 - Agroindústria Pilecco e Dotto .......................................... 244
Figura 29 - Antiga e nova sede da Cooperativa Alternativa São Miguel
Ltda (COOPASA) ............................................................................... 246
Figura 30 - Cantina Santa Flora .......................................................... 248
Figura 31 - Folder de divulgação do Festival Internacional de Inverno
............................................................................................................. 252
Figura 32 - Artesanato em palha de milho .......................................... 263
Figura 33 - Logomarca Trilhas de Vale Vêneto, São João do Polêsine
............................................................................................................. 264
Figura 34 - Imagens da Trilha do Pororó no Sítio Somavilla.............. 267
Figura 35 - Folder de divulgação da propriedade Quinta Dom Inácio e
imagens da propriedade....................................................................... 271
Figura 36 - Mini restaurante da propriedade Quinta Dom Inácio ....... 272
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Área territorial, florestal e percentagem de cobertura
florestal, por município..........................................................................24
Quadro 2 - Produção agrícola, em 1884, nas Colônias de imigrantes
italianos no RS.......................................................................................35
Quadro 3 - Síntese da configuração socioeconômica dos municípios da
Quarta Colônia.......................................................................................45
Quadro 4 - População rural e urbana recenseada em domicílios
particulares permanentes na Quarta Colônia..........................................46
Quadro 5 - Número de estabelecimentos, área e Valor Bruto da
Produção no Brasil (Categorias Familiares por Tipo de Renda e
Patronal)...............................................................................................142
Quadro 6 - Número de projetos e recursos disponibilizados pelo RS
Rural por município da Quarta Colônia...............................................163
Quadro 7 - Resultados alcançados pelo PRODESUS/Quarta Colônia
(1996-1998)..........................................................................................173
Quadro 8 - Roteiros integrados de turismo rural, cultural e ecológico
implantados pelo PRODESUS/Quarta Colônia ...................................176
Quadro 9 - CONDESUS/Quarta Colônia (10 anos): Projetos e recursos
executados............................................................................................194
Quadro 10 - Demanda social do MDA/SDT na Quarta Colônia – RS
.............................................................................................................200
Quadro 11 - Eixos aglutinadores e objetivos do desenvolvimento rural
sustentável do Território Central do Rio Grande do Sul......................202
Quadro 12 - Distribuição do número e da área total dos estabelecimentos
agropecuários na Quarta Colônia.........................................................205
Quadro 13 - Produção animal em mil litros (leite de vaca) .................216
Quadro 14 - Orçamento dos Municípios da Quarta Colônia-RS..........217
Quadro 15 - Investimentos municipais, absolutos, na agricultura da
Quarta Colônia-RS...............................................................................218
xiii
LISTA DE SIGLAS
AIA – American Internacional Association
ASCAR/EMATER Associação Sulina de Crédito e Assistência
Técnica Rural/Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de
Assistência Técnica e Extensão Rural
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
(Banco Mundial)
CAIs – Complexos Agroindustriais
CAMNPAL – Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma Ltda
CAPPA – Centro de Apoio a Pesquisa Paleontológica
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CISPOA – Coordenadoria de Inspeção Sanitária de Produtos de Origem
Animal/RS
CNDR – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
CNDRS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o meio Ambiente e o
Desenvolvimento
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONDESUS – Consórcio de Desenvolvimento Sustentável
CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, Reforma
Agrária e Agricultura Familiar
COOPAAGRO Cooperativa Agroindustrial e Artesanal da Quarta
Colônia
COOPIVORÁ – Cooperativa da Agricultura Familiar de Ivorá
COREDE Conselho Regional de Desenvolvimento do Rio Grande do
Sul
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EUA – Estados Unidos da América
EZ/EC – Zonas de Empoderamento e Comunidades Empresariais Rurais
FAO/INCRA Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
FEE – Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul
FEPAM/RS – Fundação Estadual de Proteção Ambiental/RS
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LEADER – Liaison entre Actions de Développment de l’Économie
Rurale
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MaB – Homem e Biosfera
xiv
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MS – Ministério da Saúde
MT – Ministério do Turismo
NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
OMC – Organização Mundial do Comércio
OMS – Organização Mundial da Saúde
OMT – Organização Mundial do Turismo
PEA – População Economicamente Ativa
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
PNMA – Programa Nacional do Meio Ambiente
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRODESUS Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Quarta
Colônia
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar
PTDRS – Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável
SAA/RS – Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do
Sul
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SDT – Secretaria do Desenvolvimento Territorial
SEDAI/RS Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos
Internacionais
SIM – Serviço de Inspeção Municipal
SNCR – Serviço Nacional de Crédito Rural
SRA – Secretaria de Reordenamento Agrário
SUASA – Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária
UDESSM Unidade Descentralizada de Educação Superior de Silveira
Martins
UFSM/CCR Universidade Federal de Santa Maria/Centro de Ciências
Rurais
UICN – União Mundial para a Natureza
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura
VBP – Valor Bruto da Produção
xv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................... 01
I A FORMAÇÃO TERRITORIAL DA QUARTA COLÔNIA E
SUA INSERÇÃO NA DINÂMICA SOCIOECONÔMICA DO RIO
GRANDE DO SUL.............................................................................. 10
1.1 A OCUPAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES .......................................................................... 10
1.2 A FORMAÇÃO DAS COLÔNIAS DE IMIGRANTES NO RIO
GRANDE DO SUL ........................................................................... 17
1.3 A QUARTA COLÔNIA: ELEMENTOS DA FORMAÇÃO...... 21
II POLÍTICA DE MODERNIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO
ESPAÇO AGRÁRIO NA QUARTA COLÔNIA-RS....................... 47
2.1 POLÍTICA DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL E
NO RIO GRANDE DO SUL............................................................. 47
2.2 OS REFLEXOS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
NA QUARTA COLÔNIA-RS........................................................... 65
2.2.1 A trajetória da agricultura colonial: alguns aspectos... 65
2.2.2 A modernização da agricultura e seus reflexos na
economia da Quarta Colônia-RS............................................. 68
III DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO RURAL: TRAÇOS
DO DEBATE ....................................................................................... 73
3.1 A NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E SUA
RESIGNIFICAÇÃO.......................................................................... 73
3.2 A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE E AS NOVAS FUNÇÕES DO
RURAL.............................................................................................. 82
3.3 AS CARACTERÍSTICAS E A DEFINIÇÃO DE RURAL ...... 108
3.4 DESENVOLVIMENTO RURAL: CONCEPÇÃO E
ABORDAGEM................................................................................ 117
3.5 A AGRICULTURA FAMILIAR E A POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL............................. 137
IV DAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL ÀS FUNÇÕES DO ESPAÇO RURAL NA
REGIÃO DA QUARTA COLÔNIA................................................ 156
PARTE I: ESTRATÉGIAS POLÍTICAS DE
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL...................................... 156
xvi
4.1 O CONSELHO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (COREDE) .......................156
4.2 CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA
QUARTA COLÔNIA (CONDESUS/QUARTA COLÔNIA): SEU
PAPEL E AÇÕES NAS TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO
REGIONAL......................................................................................163
4.2.1 Ações do CONDESUS/Quarta Colônia...................................171
4.3 ARRANJOS INSTITUCIONAIS E AÇÕES PARA PROMOVER
O DESENVOLVIMENTO NO ÂMBITO DO TERRITÓRIO RURAL
NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL .................198
PARTE II: ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO NA
AGRICULTURA FAMILIAR E NOVAS FUNÇÕES DO ESPAÇO
RURAL ...............................................................................................204
4.1 AS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS....................................204
4.2 AS ATIVIDADES NÃO AGRÍCOLAS ....................................218
4.2.1 As agroindústrias familiares..........................................218
4.2.2 Traços característicos das agroindústrias familiares ..227
4.2.3 Turismo rural e a exteriorização da região para outras
escalas .......................................................................................250
4.2.4 O turismo rural e suas características ..........................259
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................273
REFERÊNCIAS.................................................................................276
ANEXOS.............................................................................................299
INTRODUÇÃO
O meio rural brasileiro passou por significativas transformações
nas últimas décadas, intensificando-se a partir dos anos de 1970, quando
ocorreu a difusão do modelo de desenvolvimento agrícola centrado no
uso de motomecanização, agroquímicos e melhoramento genético. No
processo intensificaram-se os agravantes ambientais e socioeconômicos,
com implicações para a agricultura familiar. Na década de 1990, para
atender a interesses nacionais e internacionais, iniciou-se outras
estratégias de desenvolvimento rural, e a agricultura familiar tornou-se
alvo das políticas públicas. Nesse sentido, criou-se, em 1996, o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), adotando-se como discurso a sustentabilidade do meio
rural. Em 2000, o Governo Federal criou os Territórios Rurais e os
Territórios da Cidadania (respectivamente, em 2003 e 2008) objetivando
desenvolver ações tendo por base o planejamento participativo. O meio
rural passou a ser visualizado pelo Estado dentro de uma perspectiva
territorial.
A nova estratégia de desenvolvimento nacional, respaldada pela
Constituição de 1988, teve como marca a descentralização
administrativa. O Rio Grande do Sul inseriu-se nesse contexto e, em
1994, foram criados os Conselhos Regionais de Desenvolvimento
(COREDES), havendo, hoje, vinte e oito Conselhos. Em escala regional,
em 1996, foi criado o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da
Quarta Colônia (CONDESUS/Quarta Colônia), vinculado ao Projeto de
Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (PRODESUS),
incorporando nove municípios da região central do Estado. Foi nessa
área que se realizou a pesquisa da presente Tese. Pode-se inferir, que a
partir da década de 1990, vários agentes passaram a influenciar na (re)
organização da agricultura familiar e do meio rural na Quarta Colônia-
RS.
As dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares, da
Quarta Colônia, em reproduzirem-se socioeconomicamente,
particularmente no período pós-1990, estimularam o surgimento de
alternativas de renda. Dentre as atividades econômicas no meio rural,
que se criaram, mencionam-se as agroindústrias familiares e o turismo.
A participação do Estado, através das políticas públicas e das ações
articuladoras do CONDESUS, contribuindo na busca de rendas
complementares no meio rural, tem sido fundamental, que as
2
atividades agrícolas, entre os agricultores da Quarta Colônia, estão
sendo insuficientes para a melhoria de suas condições de vida.
Entretanto, cabe destacar que as iniciativas, em favor da criação de
alternativas de renda no meio rural da Quarta Colônia, são ainda
limitadas e carecem de maior estímulo.
A importância da agricultura familiar, na economia do Estado do
Rio Grande do Sul e na Quarta Colônia, é indiscutível. Segundo dados
do IBGE (1996/1997), no Estado Gaúcho, 96,74% dos estabelecimentos
agropecuários possuem até 100 hectares. Na Quarta Colônia, 96,48%
dos estabelecimentos possuem até 100 hectares. Nesse sentido, optou-se
por pesquisar em uma área onde predominam estabelecimentos
explorados com força de trabalho familiar, sendo, esta, marcada pela
diversificação de atividades (agrícolas e não agrícolas), que viabilizam a
reprodução familiar e são apoiadas por políticas públicas.
Os municípios que fazem parte do território da Quarta Colônia
são: Silveira Martins, Ivorá, São João do Polêsine, Restinga Seca,
Faxinal do Soturno, Dona Francisca, Nova Palma, Agudo e Pinhal
Grande.
É importante lembrar que as primeiras colônias agrícolas italianas
no Rio Grande do Sul foram organizadas pelo Governo Provincial.
Assim, a partir de 1870, surgiram Conde d’ Eu, atual Garibaldi, e Dona
Isabel, atual Bento Gonçalves. Em 1875, o Governo Imperial fundou
Nova Palmira, atual município de Caxias do Sul, também no Nordeste
do Rio Grande do Sul. Três anos depois (1878), também em área de
encosta e em terras devolutas, na porção central da Província, foi
fundada a Quarta Colônia agrícola de imigração italiana, denominada
Silveira Martins.
A Colônia Silveira Martins foi regida, até dezembro de 1879, pelo
Regulamento imperial, administrada por este no período de 1878 a
1882, quando ocorreu a sua “emancipação” do Regime colonial, o
sendo mais usada a expressão Quarta Colônia. Com isso a Colônia não
passou a ser administrada pelo Império, e sim pelos municípios
circunvizinhos, isto é, Santa Maria, Júlio de Castilhos e Cachoeira do
Sul. Mesmo assim, até 1889, sofreu interferências tanto do Governo-
Geral como do Provincial (Saquet, 2003). De acordo com Saquet:
Assim, os agentes sociais e os moradores da
Colônia Silveira Martins se diluíam frente às
forças externas que determinavam a (re)produção
de seu território. [...] com a tripartição, cada
Núcleo passou a viver por si, dependendo dos
3
governantes dos municípios a que pertenciam, o
que também dificultou a união das lideranças, as
lutas e reivindicações daqueles produtores
praticamente abandonados (2003, p. 122).
A Sede da Quarta Colônia Silveira Martins e os núcleos que se
formaram, limítrofes a ela, constituem-se nos atuais municípios de Dona
Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, São
João do Polêsine e Silveira Martins, nos quais a população é
predominantemente de descendentes de imigrantes italianos. Com a
constituição do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta
Colônia (CONDESUS/Quarta Colônia), em 1996, a expressão Quarta
Colônia (há décadas esquecida), foi recuperada, a fim de denominar o
Consórcio Intermunicipal que inclui os municípios de colonização
italiana, mais Agudo (colonização alemã) e Restinga Seca (colonização
portuguesa, italiana, alemã e afro-descendente). Assim, utilizou-se a
expressão Quarta Colônia para designar uma organização política
(CONDESUS/Quarta Colônia) que reúne esforços para o
desenvolvimento regional.
A área, objeto de estudo, apresenta um conjunto de características
culturais e naturais que a identificam no cenário regional. Desde meados
da década de 1990, esse território vem assumindo novas funções, além
daquelas tradicionais ligadas às atividades agropecuárias. Nesse sentido,
destacam-se a hortifruticultura ecológica, serviços relacionados ao
turismo e ao lazer, a agroindustrialização caseira dos produtos
agropecuários. Assim, modificam-se as feições tradicionais do espaço
rural, originando também novas territorialidades. Desse modo, pode-se
perceber a organização de diversos arranjos e de novas práticas no rural,
resultantes de ações políticas que envolvem diversos sujeitos. Entretanto
essas mudanças não podem ser desvinculadas do processo de
globalização
1
dos mercados e da reestruturação das políticas para
favorecer a reprodução do capital.
Assim, constata-se que, por um lado, partes das unidades de
produção familiar não têm mais trabalho para todos os membros da
1
O termo globalização se refere a processos gerais concernentes às relações de trabalho,
difusão de informações e uniformização cultural. Compreendida pela expansão da atividade
econômica capitalista, a globalização
acelera-se a partir dos anos de 1960 e consolida-se no
decorrer da década de 1970. Todo esse processo é facilitado e torna-se possível conforme se
intensifica a velocidade da circulação, mediada pela técnica, em particular pelas novas formas
de telecomunicações e comunicações mediadas por computadores que constituem a base
material do “espaço de fluxos” do capital financeiro (HAESBAERT e LIMONAD, 1999, p.
07).
4
família. Por outro lado, a queda nos rendimentos obriga parcela dos seus
membros a buscar alternativas econômicas para complementar a renda e
assegurar a reprodução. Portanto, as mudanças políticas globais e
nacionais têm provocado reações no espaço rural e, deste modo, surgem
novos atores e modifica-se o conteúdo social.
Deve-se ressaltar que os municípios da Quarta Colônia
vivenciavam descaso político dos municípios-mãe (Júlio de Castilhos,
Cachoeira do Sul e Santa Maria) a que pertenciam na condição de
distritos. Mesmo após a emancipação política, iniciada na década de
1950, os esforços, para promover a integração regional, e a busca de
soluções aos entraves socioeconômicos da área tiveram resultados
modestos. Esforços maiores se iniciaram somente a partir da década de
1990.
Dessa forma, a pesquisa buscou contribuir para a compreensão da
dinâmica do meio rural contemporâneo e o papel das políticas públicas,
quem são os agentes sociais que influenciam na organização do espaço
rural e quais são as alternativas de renda dos agricultores. Esses
elementos indicam a construção de novos processos socioterritoriais que
merecem ser desvendados.
Partiu-se do pressuposto de que a agricultura familiar e o espaço
rural da Quarta Colônia vêm passando, no período recente, por notáveis
transformações socioterritoriais. A agricultura familiar tem se adaptado
às demandas sempre renovadas do mercado. Assim, no contexto da
intensificação da globalização, com o apoio das políticas públicas, o
segmento “encontra” soluções para viabilizar sua reprodução. O eixo
norteador da Tese, portanto, visou a destacar o papel das políticas
públicas de desenvolvimento rural como geradoras de alternativas de
rendas aos agricultores familiares.
A pesquisa focou a atenção para responder a seguinte questão
principal: em que medida as políticas públicas de desenvolvimento rural
vem redefinindo as estratégias de reprodução da agricultura familiar no
território da Quarta Colônia-RS? Ainda, buscou-se responder às
seguintes questões: Quais são as transformações socioterritoriais, em
curso, no espaço rural da Quarta Colônia pós 1990? Por que a
agricultura familiar se tornou o centro desse novo modelo de
desenvolvimento rural? Quem são os agentes envolvidos e que ações
têm sido desenvolvidas para promover a transformação do território
rural? Quais são as estratégias de reprodução na agricultura familiar e
quais as funções do espaço rural?
Diante disso, se propôs como hipóteses da tese:
5
- O espaço rural vem passando por transformações socioespaciais
diversas, sendo influenciado por mudanças políticas e econômicas
operadas em diferentes escalas;
- O espaço rural não se caracteriza, hoje, somente por atividades
agrícolas, mas também por atividades não agrícolas, como é o caso dos
serviços relacionados ao turismo, ao comércio e à prestação de serviços,
fruto do estímulo de políticas públicas e das oportunidades criadas pela
sociedade urbano-industrial;
- A agricultura familiar e o espaço rural da Quarta Colônia vêm
assumindo novas funções estimuladas pelas políticas públicas;
- As atividades agrícolas e não agrícolas representam importantes
estratégias de reprodução da agricultura familiar, sendo alternativas de
renda e emprego no espaço rural da Quarta Colônia.
Desse modo, considerou-se como objetivo geral da pesquisa:
- Analisar o papel das políticas públicas no processo de
transformação do território rural na Quarta Colônia, as novas funções do
rural e as estratégias de reprodução socioeconômica da agricultura
familiar.
Como objetivos específicos, buscou-se:
- Identificar e analisar as estratégias utilizadas pelo Estado para a
transformação do território da Quarta Colônia;
- Verificar os arranjos institucionais e as ações para promover o
desenvolvimento no âmbito do território rural;
- Discutir as estratégias de reprodução desenvolvidas pela
produção familiar e analisar as novas funções do meio rural.
Até os anos de 1950/60, o espaço rural da Quarta Colônia se
caracterizava pela presença de unidades familiares de produção agrícola,
que desenvolviam sistemas de produção tradicionais. Utilizando,
fundamentalmente, a boa fertilidade natural do solo, os agricultores
realizavam sucessivas roçadas e queimadas que, paulatinamente, foram
exaurindo a sua capacidade produtiva, enquanto as florestas foram se
empobrecendo de modo acelerado, exceto nas áreas mais íngremes.
Nesse período predominava a agricultura colonial policultora.
Com o advento da modernização da agricultura, nas décadas de
1960 e 1970, houve uma mudança radical na estrutura da produção
agrícola, marcada com uso maciço de insumos modernos e
mecanização. Esses elementos foram absorvidos pelas propriedades
consolidadas financeiramente e com agroecossistemas favoráveis à
mecanização. Nesse processo, o uso acentuado de agrotóxicos e
fertilizantes solúveis provocou inúmeros problemas relacionados à
degradação ambiental, merecendo destaque: contaminação das águas e
6
dos solos; erosão acelerada e empobrecimento do solo, agravada pelo
desmatamento ciliar e das encostas. Formaram-se na região um cenário
de êxodo rural, crise socioeconômica e perda da identidade cultural,
entre outros.
Na década de 1990, a agricultura brasileira, em especial a dos
Estados da Região Sul, foi fortemente afetada pelo processo de abertura
comercial e de desregulamentação dos mercados, o que causou uma
concorrência intensa com os países do MERCOSUL. Devido às
dificuldades para a disponibilização de créditos, particularmente a partir
de meados dos anos de 1980, e da queda da renda, os agricultores se
sentiam debilitados frente à função da nova conjuntura econômica e
comercial.
Portanto, o espaço rural brasileiro passou a ser influenciado, a
partir da década de 1990, por uma série de valores típicos do mundo
rural que se pensava em vias de extinção. Muitas atividades
revigoraram-se e começaram a ganhar a adesão da sociedade em geral
(VILELA, 2002). Para Schneider (2005), todos os aspectos que
envolvem o “mundo” rural, desde o econômico até o social e o
ambiental, na forma de produção, de lazer, ou sob a visão de
patrimônios, natural e cultural, podem ser considerados como um
fenômeno denominado de ruralidade.
A “industrialização” da agricultura e a “urbanização” das
comunidades rurais acabaram com a versão tradicional da ruralidade;
porém, a ruralidade ainda persiste. O espaço rural, hoje, em
determinados lugares, não possui apenas atividades agrícolas. Muito
mais que isso, o rural abriga outras atividades como, por exemplo,
comércio, serviços, turismo, sendo também espaço de moradia às
populações urbanas (segundas-residências, condomínios rurais). Esses
elementos dão o “tom” à “nova” ruralidade. Deve-se ressaltar que:
A ruralidade tradicional associava o espaço rural
como tradicional e atrasado, enquanto o espaço
urbano era moderno e próspero. Em outras
palavras, a forma como se desenvolve a atividade
agropecuária, cria a condição para exigir uma
baixa densidade populacional, por sua vez,
determina condições de atraso material e
tradicionalismo cultural. Essa concepção leva a
valorização do urbano. Supunha-se que somente
a cidade era capaz de entregar bem-estar a seus
habitantes (GÓMEZ, 2001, p. 1).
7
Essa metamorfose do rural está associada ao parcial “esgotamento
do modelo agrícola tecnológico”, como atesta o seguinte comentário:
Do ponto de vista econômico à reconfiguração do
espaço rural diretamente influenciada pela
desestabilização (trajetória decrescente da renda
agrícola) da agricultura produtivista e da
regulação fordista e que, em consequência,
ocorrem mudanças concomitantes em busca de
políticas mais amplas; na dimensão social, a crise
provocou um despovoamento do meio rural; na
dimensão ambiental a valorização de técnicas
cada vez mais poluentes, em nome da
produtividade física, provocou riscos de
contaminação alimentar e degradação do meio
ambiente (VILELA, 2002, p. 95).
Entende-se que as novas políticas de desenvolvimento rural
partem do reconhecimento da agricultura familiar como segmento social
básico à economia. Ao mesmo tempo, tais políticas admitem o caráter
multifuncional do meio rural contemporâneo, isto é, além do caráter
produtivo/econômico, há os papéis ecológicos, culturais e sociais.
De modo geral, as políticas públicas para o espaço rural,
atualmente, devam perseguir: a) a geração de emprego agrícola e não
agrícola; b) o aumento do nível de renda da sua população; e c) a
melhoria das condições de vida e de trabalho (MONTEIRO, 2006).
Assim, as políticas públicas que podem ser concebidas para dar
conta das novas configurações socioterritoriais e ocupacionais, no meio
rural, devem evitar o forte viés (setorial e agrícola) que sempre esteve
presente no Brasil, buscando estimular uma dinâmica multissetorial.
Nesse sentido, a gestão de territórios deve tentar integrar aspectos
sociais, espaciais e ambientais, apoiando consórcios municipais (a
exemplo do CONDESUS/Quarta Colônia), que compartilham uma base
territorial, com potencialidades e dificuldades similares, além de
incorporar diversos agentes sociais presentes (ONG’s, Poder público e
iniciativa privada e, principalmente, a sociedade civil e organizada).
Saquet (2003) coloca que o território passa a existir quando se
manifesta e se exerce qualquer tipo de poder, de relações sociais. São as
relações sociais que dão o concreto ao abstrato; são as relações que
consubstanciam o poder. Toda a relação social, econômica, política e
cultural é marcada pelo poder, porque são relações que os homens
mantêm entre si nos diferentes conflitos diários. E o essas relações
8
que cristalizam um território e as múltiplas territorialidades. Portanto, a
territorialidade é cotidiana, multifacetada, e as relações são múltiplas e,
por isso, os territórios também o são (com territorialidades), revelando a
complexidade social e ao mesmo tempo as relações de indivíduos e
grupos sociais com uma parcela do espaço, relativamente delimitada.
Buscou-se, no método qualitativo de pesquisa, a base para a
construção do trabalho. Como mencionou Goldenberg (2001), o
pesquisador qualitativo busca casos exemplares que possam ser
reveladores da cultura em que estão inseridos. O número de pessoas é
menos importante do que a teimosia em enxergar a questão sob várias
perspectivas. Busca-se, através da pesquisa qualitativa, um nível de
compreensão do significado e a “descrição densa” dos fenômenos
estudados em seus contextos e não a sua expressividade numérica.
Para a autora, os dados qualitativos consistem em descrições
detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos
em seus próprios termos. Esses dados não são padronizáveis como os
dados quantitativos, obrigando o pesquisador ter flexibilidade e
criatividade no momento de coletá-los e analisá-los.
Em uma fase inicial, buscou-se construir o quadro teórico da
pesquisa. Desse modo, realizou-se o levantamento bibliográfico através
da revisão da literatura específica e especializada que abordou o
tema/objeto de estudo. Analisaram-se os processos políticos,
econômicos e culturais que explicam a dinâmica atual do meio rural e da
agricultura familiar, destacando em particular o território da Quarta
Colônia.
Entretanto, procurou-se integrar os dados quantitativos (IBGE,
FEE, banco de dados do PRONAF, COREDE Central, Território Rural
Central e Territórios da Cidadania, CONDESUS/Quarta Colônia) e
qualitativos (entrevistas). A integração de dados qualitativos e
quantitativos proporcionou uma melhor compreensão do problema
estudado.
A fim de se entenderem as transformações socioespaciais da área
do objeto de estudo, buscou-se realizar trabalho de campo, entrevistando
os agentes responsáveis pela construção de uma nova territorialidade na
Quarta Colônia. Realizaram-se, inicialmente, diálogos informais com os
Secretários da Agricultura e do Turismo nos municípios-alvo da
pesquisa e com o Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia.
Intencionou-se buscar um reconhecimento inicial do objeto de pesquisa,
isto é, as políticas públicas que repercutem na Quarta Colônia; os
agentes; as ações e as implicações no meio rural e na agricultura familiar
da mesma.
9
Em um segundo momento, passou-se a realizar entrevistas com
Secretários da Agricultura e do Turismo, EMATER, COREDE Centro,
CONDESUS/Quarta Colônia com os agricultores e empreendedores
vinculados às alternativas de renda no meio rural da Quarta Colônia.
Nas entrevistas com os agricultores (Anexo 1) priorizaram-se questões
abertas (resposta livre, não limitada por alternativas apresentadas) e o
entrevistado falava livremente sobre o tema que lhe era proposto.
No primeiro capítulo, A formação territorial da Quarta Colônia e
sua inserção na dinâmica socioeconômica do Rio Grande do Sul,
buscou-se analisar o povoamento do Estado e a formação das colônias
agrícolas de imigrantes. Dentre as regiões de colonização, destacou-se a
Quarta Colônia que teve uma formação singular. A vida econômica
tinha especificidades ligadas à dinâmica do lugar, e inúmeros
condicionantes limitaram o seu desenvolvimento econômico até fins do
século XX.
O segundo capítulo, Política de modernização e características
do espaço agrário na Quarta Colônia, analisou os impactos que a
modernização da agricultura provocou no Brasil, no Rio Grande do Sul
e na Quarta Colônia.
No terceiro capítulo, Dimensões do desenvolvimento rural: traços
do debate, discutiu-se a (re)significação da noção de desenvolvimento e
sua relação com o meio rural e a agricultura familiar. Discutiram-se,
ainda, a abordagem territorial do desenvolvimento rural, as abordagens
em torno da relação rural-urbana e a mudança de significado do rural.
Trabalharam-se, ainda, as características, o conceito de rural e as novas
funções do espaço rural.
Por fim, no último capítulo, Das estratégias políticas e práticas
de desenvolvimento territorial às funções do espaço rural na região da
Quarta Colônia, buscou-se analisar as políticas públicas e os agentes
sociais presentes no processo de transformações socioterritoriais da
Quarta Colônia. As novas relações políticas, econômicas e culturais,
proporcionadas pelos agentes do desenvolvimento local, vêm criando
alternativas de renda; junto aos agricultores familiares da área/objeto da
pesquisa, que, como consequência, vêm transformando lentamente o
território.
10
I A FORMAÇÃO TERRITORIAL DA QUARTA COLÔNIA E
SUA INSERÇÃO NA DINÂMICA SOCIOECONÔMICA DO RIO
GRANDE DO SUL
1.1 A OCUPAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
A ideia de povoar o Brasil, com colonos
2
não portugueses, era
antiga. Desde 1750, o Conselho Urtramarino
3
se preocupava com a
escassez de população no imenso território brasileiro, especialmente
entre São Paulo e a Colônia do Sacramento
4
, ao Sul do Rio Grande do
Sul. Legislação a respeito surgiu somente em 1808, quando da chegada
da Corte portuguesa
5
ao Brasil. No mesmo ano, D. João VI, com a Carta
Régia de 28 de janeiro, abriria os portos às Nações amigas, e o Decreto
de 25 de novembro concedia terras aos estrangeiros residentes no Brasil,
na forma de sesmarias (BONI & COSTA, 1984).
A primeira experiência de imigração não portuguesa, promovida
por D. João VI, acontece com colonos suíços, em 1818, na província do
Rio de Janeiro, na localidade depois denominada Nova Friburgo. A
ausência de previsão administrativa, as expectativas frustradas, a falta de
melhor seleção entre os imigrantes e demora no atendimento às
2
Denominação empregada no período colonial para se referir aos pequenos proprietários,
estrangeiros ou nacionais, que receberam ou adquiriram terras, em pequenos lotes, para
desenvolver a policultura e prover a subsistência (KLIEMANN, 1986, p. 13 apud DE DAVID,
2005, p. 55). Este termo continua a ser usado atualmente: colono como sinônimo de agricultor
e colonial como sinônimo de agricultura familiar.
3
O Conselho Ultramarino foi um organismo criado em 1642, regimento dado em 14 de Julho
de 1643. Foi criado para se ocupar de todas as matérias e negócios de qualquer qualidade, que
fossem relativos à Índia, Brasil, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e a todas as demais
partes ultramarinas (COTRIM, 2007).
4
Foi fundada pelo capitão-mor da capitania do Rio de Janeiro Manuel Lobo, a mando do
Império português, no século XVII. A intenção do Governo era estender os domínios pela
fronteira meridional, construindo uma fortificação à margem esquerda do Rio da Prata,
duramente hostilizada pela Coroa espanhola. A Colônia integrou os domínios do Império do
Brasil até 1828, quando da Independência do Uruguai.
5
A Família Real portuguesa permaneceu no Brasil de 1808 a 1821. O deslocamento do
governo metropolitano foi provocado pela conjuntura européia, durante o período napoleônico,
e influenciou diretamente o processo da Independência brasileira. Dom João era o regente do
Reino, no lugar de sua mãe, Dona Maria I, quando as tropas francesas invadiram o território
português, em novembro de 1807. A invasão era conseqüência da aliança de Portugal com a
Inglaterra e a rejeição portuguesa ao bloqueio continental, decretado pelo imperador francês
Napoleão Bonaparte contra o comércio com a Inglaterra. Com o apoio da esquadra britânica,
Dom João transferiu o Governo e a Corte para o Brasil (COTRIM, 2007).
11
reivindicações são apontadas como causas que fizeram o Governo julgar
ser mau negócio o investimento na Colônia (BONI & COSTA, 1984).
Havia, de forma geral, interesses por parte do Estado em
“modificar” as estruturas da sociedade brasileira, recorrendo para tanto a
povos europeus dispostos a cultivar a terra e sustentar o modelo
latifundiário e escravocrata. A partir de 1830, procurou-se força de
trabalho, livre e branca, para garantir a existência de estruturas
ameaçadas. No primeiro momento, os europeus eram vistos como os
indicadores de um futuro diferente; no segundo, como os perpetuadores,
sob outro rótulo, da forma de produção hegemônica no Brasil, baseada
no latifúndio. A classe dos grandes proprietários e do Parlamento,
habilmente, transformaram o Projeto de colonização (que poderia minar-
lhes o sistema fundiário) em uma forma de manutenção do sistema:
passou-se da escravatura para um sistema de trabalho assalariado sem
que as instituições sociais sofressem um abalo revolucionário (BONI &
COSTA, 1984).
Oficialmente o tráfico de escravos foi proibido em 1831, mas a
abolição definitiva do ocorreu apenas em 1850, constituindo um rude
golpe para a economia latifundiária sustentada pelo braço escravo.
Então, a imigração européia passou a ser considerada a salvação dos
cafezais do Brasil (MANFROI, 1975).
Importante considerar que o crescimento da imigração, no fim do
século XIX, foi motivado pela grave crise econômica européia e, apesar
da íntima relação, não teve nenhuma relação causal com a abolição da
escravatura no Brasil. Os imigrantes, especialmente italianos, não
conheciam a situação política brasileira e, menos ainda, os problemas da
escravidão (MANFROI, 1975).
A partir de 1840, o centro econômico brasileiro deslocou-se do
Nordeste para São Paulo. A lavoura cafeeira crescia, enquanto se
exauria a fonte de suprimento de mão-de-obra, devido à pressão inglesa
para pôr fim ao escravismo (BONI & COSTA, 1984). A preocupação
era dispor de trabalhadores assalariados para a grande lavoura
monocultora paulista.
A primeira tentativa de solucionar o problema da escassez de mão
de obra proveio de Nicolau Vergueiro, fazendeiro e senador do Império.
Em 1847, introduziu 80 famílias de alemães, com 400 pessoas, através
do chamado Contrato de Parceria. O trabalhador vendia seu trabalho,
com o qual devia pagar todos os gastos feitos em seu favor, desde a
viagem do país de origem até os adiantamentos para compras. Aos
contratados, cabia a metade do dinheiro obtido com a venda da colheita,
cabendo, porém, ao proprietário, efetuar a transação. Além de contrair
12
uma dívida, da qual dificilmente se livraria pelo resto da vida, o
imigrante era colocado ao lado de escravos e acabava recebendo um
tratamento idêntico ao negro cativo (BONI & COSTA, 1984).
Tal situação repercutiu na Europa que passou a acusar o Brasil de
práticas de escravismo camuflado. Reações surgiram na Alemanha, em
1871, na Inglaterra, em 1875, na França, em 1876, e na Itália que
proibiu a emigração para o Espírito Santo, em 1895, e para São Paulo,
em 1902 (BONI & COSTA, 1984).
A oligarquia rural não via com bons olhos a distribuição de terras
entre colonos estrangeiros e não aceitava que isto pudesse solucionar o
problema da falta de mão de obra. Em 1842, o Conselho de Estado se
manifestou a respeito e sua proposta era clara: o modo de atrair europeus
para as grandes plantações era o de dificultar-lhes o acesso à
propriedade agrícola (BONI & COSTA, 1984).
Nesse contexto, criou-se a Lei Geral nº 601, de 18 de setembro de
1850, bem como seu regulamento, aprovado pelo Decreto 1.318, de
30 de janeiro de 1854. O mais importante é que as terras não poderiam
mais ser doadas: a compra tornava-se o único meio de acesso à
propriedade. Com isso, o imigrante, carente de recursos, seria levado a
vender inicialmente seu trabalho, a fim de acumular os meios
necessários para a posterior aquisição de terras. A Lei possibilitou o
encaminhamento dos imigrantes pobres aos cafezais de São Paulo. Com
esta Lei, o Estado passou a receber pela concessão das terras aos
colonos, sendo uma fonte de recursos. O art. da Lei 601 permitiu que
se continuasse com o sistema de aquisição pela simples posse, e
inúmeras autoridades continuaram a fazer doações de terras devolutas.
Entre 1854 e 1900, no Rio Grande do Sul, perto de 1 milhão de
hectares de terras públicas passou, mais ou menos fraudulentamente, às
mãos de particulares (BONI & COSTA, 1984).
Em 1850 foi criada a Repartição Geral das Terras, sendo esta
responsável pela formação e administração das colônias, venda das
terras e legalização das mesmas. O Decreto 3.787, de 1867,
estabeleceu a competência das Províncias sobre a fundação, distribuição
e venda de lotes das colônias, bem como sobre o registro, recepção,
transporte, alojamento e distribuição dos imigrantes. E, finalmente, o
Decreto 6.129, de 1876, organizou a Inspetoria Geral das Terras, que
veio substituir a Repartição. Com tal legislação, tornou-se possível a
imigração sistemática de colonos europeus (GIRON, 1984).
A partir de 1867, como não se registrava aumento no reduzido
número de imigrantes, e como a campanha abolicionista tomava vulto,
elaborou-se um novo regulamento, com uma série de vantagens: o lote
13
rural poderia ser pago em 10 (dez) anos; viagem gratuita dentro do País;
ajuda no período inicial e assistências médica e religiosa. Previa-se, com
isso, a introdução de 350 mil colonos: suíços, alemães e ingleses.
Porém, os povos daqueles Países permaneceram arredios à propaganda
brasileira. A solução foi encontrada no contexto da crise
socioeconômica da Itália, que veio de encontro aos planos dos
latifundiários, e os pobres agricultores acabaram sendo aceitos, como
sucessores dos escravos, nos cafezais paulistas (BONI & COSTA,
1984).
Em 1879, através do Decreto Lei 7.570, de 20 de setembro, o
Governo Geral suspendeu todos os favores oferecidos
6
, restando apenas
a possibilidade de aquisição de um terreno à vista, ou a prazo, e a oferta
de 15 dias por mês de trabalho nas obras de construção de estradas. Tal
medida que bloqueava a verba para imigração, foi aplicada pelo
Parlamento, de maioria latifundiária ruralista, que temia a abolição da
escravatura e que considerava elevado o número de imigrantes que
poderiam dispor de um lote rural. Isso comprova que a venda de lotes
devia funcionar apenas como propaganda da Imigração (BONI &
COSTA, 1984; SPONCHIADO, 1996).
Em 1885, porém, quando ficou claro que a escravidão estava com
seus dias contados, o Governo retomou novamente a Colonização,
reorganizando o Serviço de Cadastramento e venda de lotes, e voltando
a fazer propaganda na Europa. A grande demanda brasileira coincidiu
com o auge da crise italiana. Até 1884, jamais haviam entrado mais de
15 mil italianos no Brasil, em um ano. Em 1885, foram 21.765; 40.157,
em 1887; 104.353, em 1888; 132.326, em 1891, não baixando dos 30
mil até o fim do século. A grande maioria dirigiu-se para São Paulo
6
Denominada de imigração financiada, até 1879, pela qual os imigrantes recebiam: transporte
da Europa para o Brasil, e neste, hospedagem e transporte até as colônias; venda à vista, ou a
prazo, do lote de terra; derrubada da mata e casa provisória no lote, bem como instrumentos
agrícolas e sementes; subsídio de 20$000 (vinte mil Réis), em dinheiro, ao imigrante maior de
10 e menor de 50 anos; tratamento médico e farmácia; culto religioso e instrução escolar
primária. A partir daí, deu-se início à imigração espontânea pela qual receberiam, do Governo
Imperial, transporte dentro do País e poderiam comprar a prazo as terras cobertas por mato.
Alguns imigrantes encontravam apoio nos patrícios já instalados (SPONCHIADO, 1996).
Porém, na Quarta Colônia, pelo menos até 1881, os colonizadores receberam do Estado, além
da oferta de trabalho na construção de estradas, o auxílio gratuito de vales de 20$000 (Vinte
Mil Réis), que eram trocados com os comerciantes do lugar; instrumentos de trabalho como um
machado, uma foice, um facão e uma enxada; sementes de feijão, milho e batatas, e 80$000
(Oitenta Mil Réis) para cada família construir a casa de madeira, tamanho 8 x 4 m (SAQUET,
2003).
14
(mais de 4/5). Entre 1875 e 1935, entrou no Brasil cerca de 1,5 milhão
de italianos (BONI & COSTA, 1984).
Enquanto isso, no século XVII, a Província do Rio Grande do Sul
era habitada somente por indígenas: o Jê (depois denominado de
kaingangue) ou Tapuia, que ocupava a região em que havia abundância
de araucárias, onde atualmente localizam-se os municípios de Bom
Jesus, Vacaria, Lagoa Vermelha, Passo Fundo, Caxias do Sul. O grupo
pampeano (Charrua, Minuano, Guenoa) ocupava o pampa gaúcho e
uruguaio. E, por último, o grupo Tupi, ao qual pertenciam os guaranis
que ocupavam o litoral (Pato ou Carijó), margens da Lagoa dos Patos
(os Arachanes) e as circunvizinhanças dos grandes rios (os Tapes).
O Guarani foi o principal grupo das reduções, consolidadas pelos
padres jesuítas, que haviam propiciado o povoamento, nas colônias
espanholas, e que se lançaram à catequese em áreas servidas pela rede
Fluvial Platina. Instauraram-se conflitos entre paulistas e reduções
jesuíticas. Aos paulistas, ocorreu a ideia de recorrer a esses núcleos para
suprirem de braços indígenas as zonas agrícolas privadas do braço
escravo. Tal fato repeliu um possível povoamento de origem hispano-
jesuítica no Sul do País.
A partir do século XVIII, o Governo português passou a estimular
migração para promover a ocupação do Extremo Sul, objetivando
garantir a posse das terras contra possíveis invasões espanholas,
diversificar a economia sulista e fomentar o processo de formação do
mercado interno. Em 1748, promoveu-se a vinda de açorianos,
estimulando-os às práticas agrícolas, pois, até então, predominavam na
Província a pecuária extensiva e as charqueadas. Os resultados desse
primeiro empreendimento colonizador, em termos de povoamento e
economia não foram muito satisfatórios.
A colonização da Província do Rio Grande de São Pedro
comparada à de São Paulo era uma meta secundária, mas se fazia
necessária para atingir um objetivo prioritário: atrair um grande número
de imigrantes capazes de substituir a mão de obra escrava e atender as
necessidades das plantações de café em franca expansão (MANFROI,
1975).
O atual território do Rio Grande do Sul foi muito disputado por
Portugal e Espanha, sobretudo porque a Linha de Tordesilhas fixava,
como limite do domínio português, Laguna, na Província de Santa
Catarina, ficando, o Sul, praticamente sob donio espanhol. Mesmo
depois da revogação desse Tratado, as hostilidades continuaram,
alternando-se o domínio dessa região pelos dois países (LANDO, 1984).
15
A produção do território rio-grandense foi diretamente
condicionada pela atuação do Estado e pelas forças do capital.
Inicialmente, com o interesse de proteger certos pontos estratégicos da
Costa, a fim de impedir possíveis invasões de espanhóis localizados na
bacia do Rio da Prata. Num segundo momento, decidiu-se pelo
povoamento das planícies, para integrar o Sul à sociedade e à economia
do restante do País (LANDO, 1984).
Dessa forma, o povoamento da Província rio-grandense, no início
de sua conquista, no século XVIII, foi atribuído a duas correntes: a
lagunista, de origem paulista, e a açorita
7
, de origem portuguesa. A
lagunista promoveu o povoamento e a colonização da Costa, em direção
ao Sul; e a açoriana, chegou por iniciativa oficial e por conta própria,
com algumas ferramentas, sementes e algum dinheiro, sendo conduzida
à Barra de Rio Grande. A primeira corrente, ligada à aventura, ocupava-
se com o apresamento no interior da Província de São Pedro,
entregando-se ao pastoreio e vivendo na Campanha; a segunda se
localizou no Litoral, sendo criada por iniciativa oficial, formava centros
estáveis e organizados de povoamento (LANDO, 1984).
Deu-se origem a dois tipos de sociedade: de um lado, a sociedade
patriarcal dos paulistas, localizados no campo, dedicando-se à criação de
gado originando a propriedade pastoril, chamadas de estâncias; de outro,
a sociedade das pequenas e médias unidades familiares, formadas no
litoral, dedicavam-se à agricultura e à pecuária. Na Campanha se
estruturou a estância que passou a dominar a paisagem sulina. A
estância propiciou a fixação do homem à terra, a hierarquização social, a
introdução das charqueadas, que serviu para suprir, com charque, a
alimentação de escravos do restante do País (LANDO, 1984). Os negros
cuja atuação foi decisiva para a formação do Estado, embora pouco
citados e lembrados, passaram a ser incorporados, na condição de
escravos, nas Charqueadas, a partir de fins do século XVIII, na região de
Pelotas e nos campos da Serra Geral e Planalto.
A estância originou-se da concessão de sesmarias, “prêmios” a
quem tivesse prestado algum serviço de relevância ao interesse nacional.
Criou-se, com isso, a propriedade da terra, aparecendo, esta, como
equivalente de capital. A Campanha passou a produzir para abastecer o
7
Quando a Coroa portuguesa quis, em meados do século XVIII, instaurar no Rio Grande do
Sul um povoamento mais enraizado e desenvolver uma agricultura inexistente, ofereceu aos
açorianos propriedades de 372 hectares a cada família. Porém, foram aos poucos se dedicando
à pecuária, tida como maior status econômico, e a atividades comerciais. Em 1822, novamente,
a agricultura já encontrava-se em segundo plano (LANDO, 1984).
16
mercado consumidor, o estancieiro era a figura dominante e, em torno
do qual, gravitavam os peões. Contudo, a política de distribuição de
sesmarias provocou um povoamento disperso e ralo, formando grandes
“vazios”. Em 1822, a concessão de sesmarias foi extinta (LANDO,
1984).
À Província era destinada a função de produção para o mercado
interno, apoiando a produção latifundiária, agroexportadora e escravista
do restante do País, especialmente de São Paulo.
Pode-se observar o caráter de complementaridade
que a pequena produção assume em relação à
economia como um todo. Na medida em que o
latifúndio constitui a base da economia nacional,
valendo-se da exportação para o mercado externo,
configura-se como fator dinâmico do sistema de
produção brasileiro. A pequena propriedade,
voltada para o abastecimento do mercado interno,
funcionará como setor complementar à economia
nacional. Desta forma, no momento que a
estrutura latifundiária começa a se desintegrar, a
partir da abolição da escravatura, todo o sistema
entra em crise. Não é, portanto, uma crise que se
restringe ao meio rural, embora tenha sido este o
setor que ela mais abalou. Trata-se de uma crise
interna à forma de realização do capitalismo no
Brasil. É justamente neste período que se observa,
na estrutura agrária, a passagem para uma forma
de produção do tipo capitalista. Dois
acontecimentos marcam o início desta crise: a
universalização jurídica da propriedade privada da
terra, pela Lei de Terras de 1850, e a
implementação completa do trabalho livre, pela
Lei Áurea de 1888. No primeiro caso, a terra não
podia mais ser adquirida por outro meio que não
fosse a compra e, assim, tornou-se equivalente de
capital, isto é, renda territorial capitalizada. No
segundo caso, deu-se a separação da forma de
trabalho e a pessoa do trabalhador, de modo a se
instituir um mercado de trabalho. Na verdade,
porém, a propriedade capitalista da terra e o
trabalho livre são instituições combinadas na
sociedade brasileira para atender aos imperativos
históricos do processo de desenvolvimento
desigual, imperativos que na fase anterior haviam
17
gerado a combinação entre escravismo e produção
de mercadorias. Pela peculiaridade da estrutura
econômica, que consiste no fato de ser a
agricultura o centro polarizador de toda a vida
econômica, o capitalismo, como sistema de
produção, vai emergir ligado ao setor agrícola,
surgindo, portanto, o sistema capitalista antes do
aparecimento do modo industrial de produção
(LANDO, 1984, p. 41).
Foi nesse contexto que teve lugar a imigração estrangeira que se
inseriu no espaço agrário brasileiro. No estado de São Paulo, a
imigração visava solucionar a escassez de mão de obra, nas lavouras
cafeeiras, gerada pela Abolição. Como relembra Lando (1984), no Rio
Grande do Sul, a colonização destinava-se a ocupar áreas “desocupadas”
de matas e a sanar dificuldades inerentes à particularidade da situação da
economia rio-grandense, no contexto da economia nacional. Tal
peculiaridade se explicava pelo caráter de dependência e
complementaridade em que se colocava sua economia, ao nível do
sistema econômico brasileiro.
1.2 A FORMAÇÃO DAS COLÔNIAS DE IMIGRANTES NO RIO
GRANDE DO SUL
Após experiências de colonização com imigrantes açorianos, a
Província do Rio Grande de São Pedro iniciou a colonização com
alemães, no início do século XIX, e com italianos, em fins do mesmo
século.
No Rio Grande do Sul, havia um grande vazio demográfico: a
metade Norte. Compreendia a Zona de floresta na Planície, a margem
dos grandes rios do Estuário do Guaíba, a Encosta Nordeste da Serra e
as matas do Alto Uruguai. Ocupara-se, até então, a região da Campanha
e do Litoral onde o gado representava fonte principal de renda, com a
vantagem de quase não exigir investimento de capital. Relegara-se a
mata virgem, de difícil exploração, requerendo contingente maior de
mão de obra, tão escassa na época, e cujo modelo de ocupação sequer
fora definido, por não se saber exatamente a que tipo de produção
haveria de servir. Foi para essas regiões que foram enviados os
imigrantes (BONI & COSTA, 1984).
18
A colonização, Oficial, encontrou êxito nas áreas onde a ausência
da grande propriedade propiciou a formação de unidades de produção
exploradas com mão de obra familiar para abastecer o mercado interno.
Propunha, o Governo, alcançar objetivos bem específicos: evitar a
concentração da propriedade, proibindo a concessão de mais de um lote
à mesma pessoa, e a transferência das glebas antes da totalização de seu
pagamento; as áreas concedidas deveriam ser efetivamente exploradas; e
o colono deveria morar no seu lote de terra, explorando-o pessoalmente,
ou através da produção familiar (LANDO, 1980).
Mediando as conquistas e a manutenção do poder daqueles que o
consubstanciam, o Estado, gestor da sociedade, é também reprodutor de
relações sociais de dominação. O Estado sob a égide do Modo
Capitalista de Produção e sob o domínio político e econômico da classe
hegemônica intervém na produção de relações não capitalistas. É nesse
contexto que surgiu a unidade familiar produtora de mercadorias
(policultura), explorada por imigrantes europeus.
Em 25 de julho de 1824, chegaram à então Imperial Feitoria do
Linho-Cânhamo, junto ao Rio dos Sinos, na Província do Rio Grande,
38 famílias de imigrantes alemães, contratadas pelo Governo. A
imigração sistemática constituiu a colônia alemã de São Leopoldo,
nome oficial atribuída pelo Governo (MÜLLER, 1984; LANDO, 1984).
Tal colônia
8
foi instalada distante das unidades pecuaristas, pois feria os
interesses dos grandes proprietários que a consideravam dispendiosa e
sem interesse. A pressão exercida pelos latifundiários, segundo Manfroi
(1975) interrompeu a política de colonização entre os anos de 1830 e
1848. Além disso, desencadeou (a cessão da corrente imigratória) a crise
política que eclodiu no Rio Grande do Sul (Revolução Farroupilha,
1835-1845), fazendo com que o Parlamento suprimisse todos os créditos
para a imigração estrangeira (ROCHE, 1969).
Os alemães recebiam em torno de 77 hectares de terra. Mas as
promessas, porém, mesmo em se tratando das mais simples, nem sempre
foram cumpridas como seria de se esperar e, inúmeras vezes, os colonos
se sentiam abandonados (BONI & COSTA, 1984). Em 1848, a
dimensão da unidade de produção concedida aos colonos que
desejassem dedicar-se à agricultura, foi reduzida a 48 hectares. A
concessão gratuita das terras estava condicionada à exploração imediata
pelo proprietário.
8
Pela legislação imperial, estabeleceu-se a denominação de colônia para designar as terras
destinadas ao recebimento dos imigrantes europeus, que tinham como objetivo o
estabelecimento de pequena e média propriedade no Brasil (GIRON, 1984).
19
Entre 1824 e 1830, aproximadamente 5.300 colonos alemães
foram enviados para a Província de Rio Grande de São Pedro,
radicando-se, inicialmente, em São Leopoldo e espalhando-se aos
poucos pela região de Planície, ao longo dos rios que formam o Estuário
do Guaíba. Ao todo, em 150 anos de imigração, os alemães que
entraram no Brasil, totalizaram 310 mil pessoas. A importância dessa
tentativa e o sucesso posteriormente alcançado permitem colocá-la como
marco inicial da colonização do Brasil (BONI & COSTA, 1984). Os
limites do território do Rio Grande do Sul estavam apenas estabelecidos
quando os alemães começaram a imigrar. A ocupação da Província, em
primórdios do século XIX, resumia-se à fronteira Oeste, a pecuária era a
atividade econômica predominante.
Após a ocupação dos Vales dos Rios Caí e dos Sinos, passou-se a
ocupar os Vales dos Rios Pardo, Taquari e Jacuí. Em 1848, pela Lei
Geral 514, cada Província do Império recebeu uma extensão de 36
léguas quadradas de terras devolutas
9
, a fim de promover a colonização,
dando co-participação na tarefa
10
. (BONI & COSTA, 1984; LANDO,
1984). Nessa época, colonizou-se, em 1849, Santa Cruz do Sul e, em
1855, foi criada a Colônia Santo Ângelo (atual Agudo), instalada em
1857 no Vale do Jacuí. Em 1858, na região de Pelotas, criou-se a
colônia de São Lourenço, totalmente separada das demais colônias
(BONI & COSTA, 1984; ROCHE, 1969).
As terras recebidas do Governo Geral (36 léguas quadradas)
estavam ocupadas por imigrantes alemães e, em 1869, a Província,
requereu a concessão de mais duas glebas, com um total de 32 léguas
quadradas. Em 1870, o pedido foi deferido e, em 24 de maio do mesmo
9
Conforme a Legislação das Terras Públicas do Rio Grande do Sul (1961), na Lei n. 601, de
18 de setembro de 1850, que autoriza o Governo a promover a colonização e regulamenta em
termos gerais a colonização em Silveira Martins, terras devolutas são:
‘$1. - As que não se acharem aplicadas a algum uso público, nacional, provincial ou municipal;
$2. - As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem
havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em
comissão por falta de cumprimento das condições de medição e cultural;
$3. - As que não se acharem dadas por sesmarias ou outras concessões do Governo, que, apesar
de incursas em comissão, forem revalidadas por esta Lei;
$4. - As que não se acharem ocupadas por posses, que apesar de não se fundarem em título
legal, foram, legitimadas por esta Lei’ (p. 5 apud SAQUET, 2003 p. 14).
10
A partir de 1848, o Governo provincial passou a interferir diretamente no processo
colonizatório. Promulgou a Lei 229, de 1851, estabelecendo a exploração, demarcação e
medição de terras “devolutas” para a criação de Colônias com a concessão gratuita de lotes a
imigrantes, o que perdurou somente até 1854, quando o mesmo Governo provincial promulgou
a Lei 304, em conformidade com a Lei de Terras e colonização nº 601, proibindo a doação
de terras aos colonizadores e com o Decreto nº 1318, também imperial, de 1854, que mandava
executar a Lei de 1850 (SAQUET, 2003).
20
ano, o Presidente da Província criou as Colônias de Conde d’Eu, atual
Garibaldi e Dona Isabel, atual Bento Gonçalves, em homenagem ao
Príncipe e à herdeira do Trono (BONI & COSTA, 1984).
Foram poucos os imigrantes italianos que se instalaram no Rio
Grande do Sul até 1875. O plano da Província de estabelecer 40 mil
colonos, em 10 anos, foi um fracasso. Desinteressada em colonizar, a
Província repassou ao Império a obra colonizadora. No mesmo ano
(1875), o Império criou mais uma Colônia, chamada Fundos de Nova
Palmira
11
. Em 1877, tal Colônia passou a ser chamada de Colônia
Caxias (BONI & COSTA, 1984).
Dois anos depois de assumir os trabalhos de Colonização, isto é,
em 1877, o Governo Geral resolveu criar uma Quarta Colônia para
imigrantes italianos, utilizando, para tanto, as terras de mata nas
proximidades de Santa Maria onde houvera tentativas anteriores de
colonização. Surgiu, assim, a colônia Silveira Martins
12
(BONI &
COSTA, 1984).
A zona de colonização italiana, no Rio Grande do Sul, teve como
povoadores, quase que de modo exclusivo, indivíduos ou grupos
provenientes do Norte da Itália, a região mais atingida pela crise
econômica no período da Unificação. Em fins do século XIX, cerca de
68% dos vênetos trabalhavam no setor primário, e a densidade
demográfica era alta (125,69 hab./km²) comparada com a média do
restante do território italiano, que era de 90,45 hab./km². Nesse mesmo
período, 67% dos emigrantes eram camponeses. Cerca de 54%
provinham do neto, e 33% da Lombardia (BONI & COSTA, 1984;
SAQUET, 2003).
Todos os que viajaram para o Brasil, o fizeram através da
navegação a vapor, terceira classe e sem conforto algum.
As Colônias foram divididas em travessões ou linhas que, por sua
vez, dividiam-se em lotes rurais. A linha era uma estrada traçada em
linha reta, tendo aproximadamente 13 km de comprimento. Margeavam
essa estrada os lotes coloniais, em forma de retângulo, tendo uma frente
de, aproximadamente, 250 metros, que se encontrava com o lote de
outra linha.
11
Antiga colônia alemã.
12
Silveira Martins, nome que perdura até hoje, foi em homenagem ao líder do Partido Liberal e
anti-republicano gaúcho, Gaspar de Silveira Martins, Conselheiro do Império, Deputado na
Província do Rio Grande de São Pedro, Ministro da Fazenda e Presidente do Rio Grande de
São Pedro por três meses, em 1889. Era defensor da vinda de imigrantes para o Brasil
(AZEVEDO, 1975, p. 81, apud SAQUET, 2003, p. 14).
21
Até o final do culo XIX e início do culo XX, outros povos
adentraram-se pelo Rio Grande do Sul como: Poloneses, Russos,
Ucranianos, Romenos, Japoneses, entre outros. Novas migrações e
Colônias ainda estavam por se consolidar na primeira metade do século
XX, e novos fatores políticos, econômicos e sociais estavam por
acontecer. Em grande parte, porém, a ocupação do território estava
efetivada, e a unidade de produção familiar consolidada. Resta, neste
momento, entender a formação da Quarta Colônia e dos municípios que
a compõem.
1.3 A QUARTA COLÔNIA: ELEMENTOS DA FORMAÇÃO
Historicamente, a Quarta Colônia de Imigrantes Italianos no Rio
Grande do Sul, por ter sido extinta do Regime de Administração
colonial, em 1882, não existe desde aquela data. Assim sendo, a mesma
deixou de existir ainda em fins do século XIX, passando a denominar-se
ex-Quarta Colônia de Imigração Italiana. A área originariamente
ocupada por imigrantes italianos formou vários municípios (Dona
Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, São
João do Polêsine e Silveira Martins). A denominação Quarta Colônia,
conforme mencionado foi resgatada a partir da década de 1990, para
designar o território compreendido pelo Consórcio de Desenvolvimento
Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS)
13
. Assim, quer se deixar
claro de início que o termo que será utilizado a partir de agora se
refere a Quarta Colônia política, que inclui os municípios que se
reuniram para formar um consórcio intermunicipal (Figura 1). Assim,
incluem-se os municípios que, historicamente, originaram-se da Quarta
Colônia de Imigração Italiana, mais os municípios de Agudo (de origem
étnico-cultural predominantemente alemã) e Restinga Seca (de
colonização portuguesa e afrodescendentes).
O quadro natural favoreceu a ocupação, possibilitando o
desenvolvimento das atividades econômicas.
A escarpa do Planalto e Chapadas da Bacia do Paraná (Encosta
inferior do Nordeste), onde se localiza a maior parte da Quarta Colônia,
apresenta relevo forte ondulado a montanhoso, profundamente
desgastado pela erosão. Essa Escarpa é constituída por arenito da
formação Botucatu (eólicos e fluviais) na base, seguido de um derrame
basáltico e arenítico intercalar, na formação Serra Geral, rumo ao topo.
13
Tratar-se-á sobre o Consórcio intermunicipal no quarto capítulo.
22
É nessa região que se encontram as maiores dificuldades em termos de
reprodução socioeconômica dos agricultores. São nessas áreas que os
agricultores vem buscando alternativas de renda.
No território da Quarta Colônia, predominam as seguintes
unidades Geomorfológicas: Depressão do Rio Jacuí e Planície Litorânea
interna, pertencentes ao domínio dos Depósitos Sedimentares
Interioranos Quaternários; Patamares da Serra Geral, Planalto de Santo
Ângelo e Planalto dos Campos Gerais pertencentes ao domínio Bacias e
Depósitos Sedimentares da Bacia do Paraná (Figura 2) (ITAQUI, 2002).
FIGURA 1: Localização da região da Quarta Colônia-RS.
Fonte: DECIAN, Vanderlei (2007).
23
Quanto à vegetação, segundo Itaqui (2002), o Rio Grande do Sul
não apresenta uma flora arbórea completamente própria, evoluída em
seu espaço territorial. Muitas emigraram de outras regiões.
FIGURA 2: Unidades Geomorfológicas da Região da Quarta Colônia-RS.
Fonte: Decian (2009).
24
No Rio Grande do Sul, é possível distinguir três grandes
formações florestais, quais sejam: a Floresta Estacional, formada
principalmente por representantes das floras da Bacia Amazônica e do
Brasil Central; a Floresta Ombrófila Densa, caracterizada por espécies
tropicais afro-brasileiras, muito evoluídas nas “serranias” próximas ao
Oceano Atlântico; e a Floresta Ombrófila Mista, representada pelas
floras tropical (afro-brasileiras) e temperada (australantártica e andina)
(ITAQUI, 2002).
A região da Floresta Estacional Decidual (caducifólia)
compreende as florestas das porções médias e superiores do Vale do
Uruguai e da maior parte da vertente sul da Serra Geral e de diversas
áreas dispersas pelas Bacias dos rios Ijuí, Jacuí e Ibicuí, cobrindo uma
superfície territorial de, aproximadamente, 47.000 km² (ITAQUI, 2002).
De acordo com o mapeamento realizado pelo Departamento de
Engenharia Rural, da UFSM, a Quarta Colônia tem uma cobertura
florestal de 21,77% (63.263 hectares) da área territorial total (ITAQUI,
2002) (Quadro 1).
QUADRO 1 – Área territorial, florestal e percentagem de cobertura
florestal, por município.
MUNICÍPIO ÁREA
MUNICIPAL
(Km²)
ÁREA
FLORESTAL
(Km²)
COBERTURA
FLORESTAL
Agudo 520,70 154,33 29,64
Dona Francisca 105,50 27,16 25,74
Faxinal do Soturno 165,88 53,70 32,37
Ivorá 130,00 29,99 23,07
Nova Palma 342,40 141,86 41,43
Pinhal Grande 480,09 107,86 22,47
Restinga Seca 954,76 62,16 6,51
São João do Polêsine 84,71 17,97 21,21
Silveira Martins 122,52 37,60 30,69
TOTAL/MÉDIA 2.906,56 632,63 21,77
Fonte: Departamento de Engenharia Rural da UFSM, 2002, apud (ITAQUI),
2002.
Observa-se, no quadro 1, que a cobertura florestal dos municípios,
componentes do território inventariado, varia de 6,51% em Restinga
Seca a 41,45% em Nova Palma. Observa-se, também que, com exceção
de Restinga Seca, todos os demais municípios apresentam uma
cobertura florestal superior a 21%, índice mínimo considerado pela
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO,
25
equanimemente distribuído, para assegurar o equilíbrio dos ecossistemas
naturais e garantir o bem-estar físico das populações.
As florestas da área constituem o tipo fitogeográfico Floresta
Estacional Decidual, no qual mais de 50% dos indivíduos arbóreos do
estrato superior perdem suas folhas nas épocas do outono e do inverno.
As florestas da Quarta Colônia constituem um ecótono
14
, formado pela
interpenetração das floras da Floresta Estacional Decidual do Alto
Uruguai, Floresta Ombrófila Mista e Floresta Ombrófila Densa, de
elevada importância ecológica, ambiental e científica. Portanto, por sua
extensão, abrangência, distribuição, composição e riqueza florística,
singularidade, raridade e beleza de suas paisagens, possuem os atributos
fundamentais para o desenvolvimento de programas de Turismo
Ecológico, de Educação ambiental e de Pesquisa científica (Figura 3).
Na região da Quarta Colônia, os solos pertencem às seguintes
Unidades de Mapeamento: Ciríaco (Associação Ciríaco-Charrua)
15
,
Santa Maria
16
e Oásis
17
. Ocorrem também, com menor expressão, as
unidades São Pedro
18
, Venda Grande
19
e Vacacaí
20
, no município de
Restinga Seca, e a unidade Júlio de Castilhos
21
nos municípios de Nova
Palma e Pinhal Grande (Figura 4).
14
É a região de transição entre duas comunidades, ou entre dois ecossistemas. Na área de
transição (ecótono) encontra-se grande número de espécies e, por conseguinte, grande número
de nichos ecológicos (ITAQUI, 2002).
15
A unidade de mapeamento Ciríaco o constitui unidade de mapeamento simples no Rio
Grande do Sul, estando sempre associado com os solos Charrua, formando a Associação
Ciríaco-Charrua. No território da Quarta Colônia, esses solos ocorrem nas Encostas da Serra
Geral. Classificados como Brunizem Avermelhados, relevo forte ondulado, e substrato basalto.
São susceptíveis à erosão devido ao relevo movimentado (ITAQUI, 2002).
16
No território da Quarta Colônia, esses solos são encontrados nos municípios de Silveira
Martins, São João do Polêsine, Dona Francisca, Pinhal Grande e Agudo. É classificado como
Brunizem Hidromórfico e relevo suavemente ondulado e substrato siltito-arenito. Ocorrem em
altitudes de 100 a 200 metros (ITAQUI, 2002).
17
No território da Quarta Colônia, esses solos são encontrados nos municípios de Faxinal do
Soturno, Nova Palma, Pinhal Grande e Agudo. É classificado como Laterítico bruno
Avermelhado Distrófico, relevo ondulado a forte ondulado, e substrato basalto, susceptíveis à
erosão e com altimetria entre 400 e 700 metros (ITAQUI, 2002).
18
É encontrado no município de Resting
a Seca. Classificados como Podzólico Vermelho Amarelo, relevo ondulado e substrato
arenítico. Ocorrem em altitudes ao redor de 150 metros, em relevo ondulado (ITAQUI, 2002).
19
Está restrito ao município de Restinga Seca. Classificados como Brunizem, relevo ondulado
e substrato siltito. Ocorrem em altitudes variáveis de 80 a 200 metros (ITAQUI, 2002).
20
Esses solos ocorrem nas várzeas, ao longo de rios e arroios. São classificados como
Planosol, relevo plano e suavemente ondulado, substrato de sedimentos aluviais recentes
(ITAQUI, 2002).
21
Ocorrem restritamente em Nova Palma e Pinhal Grande. São classificados como Podzólico
Vermelho Amarelo. Ocorrem em relevo ondulado, em altitude de 400 a 700 metros (ITAQUI,
2002).
26
Quanto ao clima, segundo classificação climática de Köppen, o
Rio Grande do Sul se enquadra na zona temperada e no tipo temperado
úmido. A região da Quarta Colônia apresenta o clima Cfa, caracterizado
pela distribuição de chuva em todos os meses do ano. A temperatura, do
mês mais quente, é superior a 22ºC, e no mês mais frio, pode alcançar
até -3ºC (MORENO, 1961, apud ITAQUI, 2002, p. 44).
Na região da Quarta Colônia, a precipitação média anual oscila
entre 1.500 e 1.750 mm, sendo a época de maior precipitação os meses
de julho, agosto e setembro, enquanto que novembro, dezembro e março
são os meses que apresentam menor índice pluviométrico. A
temperatura média anual situa-se entre 18 e 20ºC. O mês mais quente é
janeiro, com uma temperatura média em torno de 25ºC, e o mês mais
frio é julho, com uma temperatura média em torno de 13ºC (NIMER,
1990, apud ITAQUI, 2002, p. 44). Tanto o clima quanto o solo
contribuíram para as explorações econômicas atuais da Quarta Colônia.
27
FIGURA 3: Mapa das unidades de vegetação da região da Quarta Colônia-
RS.
Fonte: Decian (2009).
28
FIGURA 4: Mapa das unidades de solos da região da Quarta Colônia-RS.
Fonte: DECIAN (2009).
29
Como parte do processo de ocupação e colonização do Rio
Grande do Sul a área em questão foi ocupada inicialmente por
indígenas, especialmente ao longo do vale do rio Jacuí. No século XIX,
a região passou a ser povoada por descendentes de portugueses, através
do sistema de sesmarias. Portugueses e demais etnias, influenciados pela
construção da ferrovia Uruguaiana/Porto Alegre, em 1885, dão origem
ao município de Restinga Seca. Em 1857, a Província de Rio Grande de
São Pedro cria a Colônia Santo Ângelo e, desde então, os alemães
passaram a ocupar esse território, formando o atual município de
Agudo.
Em 1877, se da a imigração italiana, formando o Núcleo de
colonização na Província (Quarta Colônia de Imigração Italiana), cuja
sede era o atual município de Silveira Martins. Alguns anos mais tarde
foram se formando núcleos, em terras devolutas do Império cedidas à
Província para a colonização, e em terras, adquiridas de particulares,
pelos próprios imigrantes italianos. Em 1882, um decreto imperial
fragmentou a Quarta Colônia de Imigração Italiana, que passou a
pertencer aos municípios de Santa Maria, Júlio de Castilhos e Cachoeira
do Sul.
Após longo período na condição de Distritos aos municípios antes
referidos, a Sede (Silveira Martins) e demais Núcleos de colonização
italiana passaram a alcançar a emancipação político-administrativa, o
que se deu a partir da década de 1950. Também as áreas de colonizações
portuguesa (Restinga Seca) e alemã (Agudo), que também estavam
condicionadas na condição de Distritos, nesse caso a Cachoeira do Sul,
passaram a se emancipar politicamente. Portanto, o território político da
Quarta Colônia é atualmente formado pelos municípios cuja origem é a
Colonização italiana, de fins do século XIX, incluindo Agudo e
Restinga Seca.
O território atual da Quarta Colônia possui muitas cavernas ou
grutas e elas indicam que houve ocupações humanas nessas áreas, antes
da chegada de colonizadores. Segundo Sponchiado (1996, p. 277):
Pela sua localização no Vale do Rio Jacuí,
servindo como um corredor de acesso entre o alto
e o baixo da serra, é uma terra que ha muito tempo
foi habitada.
Pesquisas feitas nas cavernas ou ‘grutas’
existentes na região confirmam que houve
sucessivas ocupações humanas, nem sempre
continuadas. A datação de algumas peças de pedra
30
lascada remonta a 1080 a.C. a presença humana.
Nova ocupação a 750 d.C. e finalmente a presença
dos índios Guarani no ano de 1100 de nossa era.
Deu-se continuidade na ocupação quando o ciclo patriarcal
pastoreiro fixou os primeiros moradores brancos. Esse processo teve
início quando, no século XVII, os padres da Companhia de Jesus,
vindos do Paraguai, chegaram ao atual município de Pinhal Grande e
fundaram a Redução de Natividade de Nossa Senhora, que, em 1633,
chegou a abrigar mais de 4 mil índios. Um ano antes, em 1632, à
margem esquerda do rio Jacuí, atual município de Agudo, fundou-se a
Redução de Santa Ana, destruída pela expedição do Bandeirante Raposo
Tavares. Em 1638, a Redução de Natividade também foi destruída, e
seus ocupantes migraram para a Argentina. A partir de 1800,
começaram as primeiras estâncias de criação de gado, fundadas por
portugueses, paranaenses e paulistas, em terras doadas pelo Império (as
sesmarias
22
) aproveitando-se do gado deixado pelas reduções
(SPONCHIADO, 1996). A ocupação por sesmarias trouxe reflexos à
estrutura fundiária de municípios como Restinga Seca, Pinhal Grande e
Norte de Nova Palma, onde as unidades produtivas possuem maiores
dimensões.
Essas terras particulares (as estâncias) influenciaram na formação
de grandes ‘vazios’ nos primórdios da ocupação da Colônia, não lhe
dando contiguidade. Em poucas décadas, porém, os imigrantes e seus
descendentes foram adquirindo-as e, rapidamente, alguns proprietários
de fazendas perderam as propriedades.
Em 1857, teve início a ocupação do que seria o atual município de
Agudo, que pertencia a Colônia Santo Ângelo. A Colônia Santo Ângelo,
criada nesse ano para abrigar imigrantes alemães, deu início à ocupação
com colonização não-portuguesa.
A Quarta Colônia de Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul,
Silveira Martins, foi criada em 19 de maio de 1877, por Decreto
imperial, em 20 léguas de terras devolutas. Deve-se observar que, pouco
antes dos italianos, foram encaminhados para essa mesma região, com
22
As sesmarias eram doadas pelo Império por serviços prestados à Coroa, particularmente
como pagamento pela participação na Guerra do Paraguai (1864-1870). Paulistas e seus
descendentes se estabeleciam nas terras planas, após envolverem-se, também, no transporte de
muares e bovinos para Sorocaba - SP, no início do século XIX (SAQUET, 2003).
31
fins de colonização, 400 russo-alemães
23
que, após pouco tempo de
permanência no barracão que os abrigava, debandaram para Porto
Alegre, vitimados por forte estiagem, condições higiênicas precárias e
alimentação escassa. Para não se perderem os trabalhos iniciais de
colonização, passou-se a ocupar a mesma região com colonos italianos.
No mesmo ano de 1877, logo após a fuga dos russo-alemães em
direção a Porto Alegre, quatro grupos de imigrantes italianos,
24
num
total de cerca de 1.500 pessoas, chegaram ao Barracão de Val de Buia,
próximo ao atual monumento do Imigrante,
25
na rodovia vicinal que
segue para Silveira Martins. Foram obrigados a uma precária, triste e
longa espera, até tomarem posse de seus lotes, o que demonstrou a
pouca atenção dispensada pelas Autoridades. Foi preciso o surgimento
de uma epidemia, que dizimou 400 pessoas, para que os trabalhos
fossem incrementados.
Após cansativa travessia oceânica, os imigrantes italianos
chegavam ao Brasil ao Porto do Rio de Janeiro. Daí, dirigiam-se à
hospedaria Ilha das Flores, na mesma cidade, da qual rumavam ao Porto
de Rio Grande. Desse ponto, em embarcações fluviais, deslocavam-se,
pela Lagoa dos Patos, a Porto Alegre (BUSANELLO, 1999). Daí, em
pequenos vapores, rumavam até o Passo do Jacuí (Rio Pardo) e, deste,
até Silveira Martins. Deslocavam-se a pé. Seus utensílios eram
transportados em carretas, por particulares. Esse percurso tinha em torno
de 70 km, e levavam cerca de 15 dias para realizá-lo. O término da
Estrada de ferro Porto Alegre - Uruguaiana, em 1885, passando por
Santa Maria, na Estação Colônia, hoje Camobi, facilitou o acesso de Rio
Pardo a Santa Maria. Da estação Colônia à Sede da Colônia, são 15 km.
A viagem até a Sede da Colônia, a partir desse momento, tornava-se
menos penosa (SPONCHIADO, 1996).
Em junho de 1878, os imigrantes subiram a Serra onde auxiliaram
na construção da Sede da Colônia, Silveira Martins. A partir daí, a
23
Segundo Sponchiado (1996), eram alemães que, a partir do século XVIII, tinham fundado
pequenas comunidades nas planícies da Rússia. Não aceitando a nacionalização e o serviço
militar que a Rússia passava a exigir, optaram pela emigração.
24
Para Santin (2002), os responsáveis pela imigração resolveram convencer alguns grupos de
imigrantes, mal chegados ao Porto de Rio Grande, a optarem pela nova frente de ocupação que
se situava na Região central do Estado, mais especificamente, em Santa Maria. Os argumentos,
sem se saber exatamente quais foram, fizeram com que imigrantes achassem muito bom ir a
um lugar com o nome de Nossa Senhora.
25
Inaugurado em 1977, em honra ao Centenário da Imigração Italiana na Quarta Colônia.
Localizado em Val de Buia, a grande cruz, principal componente arquitetônico do monumento,
representa a fé e a religiosidade dos imigrantes, e também homenageia aos muitos italianos que
padeceram no local, em decorrência de doenças. Localiza-se na subida ao Planalto, na VRS
304, a 4 km da Sede.
32
Colônia começou a prosperar, e as plantações surgiram rapidamente.
Mais imigrantes chegaram e, quatro anos após a Fundação, havia 8
mil pessoas, população superior à de Santa Maria.
A expansão se fez rapidamente, e os 6 mil lotes iniciais foram
insuficientes para satisfazer a demanda. Nessa ânsia, primeiramente
todas as terras devolutas existentes foram ocupadas e, logo após, os
imigrantes passaram a adquirir terras de particulares/fazendeiros. A
partir da Sede, Silveira Martins, Núcleos foram se formando desde a
várzea do rio Vacacaí até as cabeceiras do rio Soturno, tanto à margem
direita quanto à margem esquerda.
Em 25 de setembro de 1883, inauguraram-se os lotes ao norte da
Sede da Colônia de Silveira Martins, com a denominação de Núcleo
Norte (atual Ivorá) (SPONCHIADO, 1996).
Ainda em 1883, junto ao rio Jacuí, o negociante da Capital,
Antônio José Gonçalves Mostardeiro, abriu uma colonização particular.
Os mais de sessenta lotes, vendidos em retalhos, a preços módicos e a
prestações, puderam ser adquiridos por colonos. Esse núcleo de
colonização passou a ser chamado de Dona Francisca, em homenagem à
esposa do colonizador Mostardeiro (SPONCHIADO, 1996).
Em 1857, fundou-se a Colônia provincial alemã, denominada
Santo Ângelo (atual Agudo), mas nem todas as terras loteadas foram
ocupadas. As terras dessa Colônia, localizadas à direita do rio Jacuí,
passaram a ser ocupadas, por ordem do Governo imperial, por
imigrantes italianos, em 1884. Assim teve início a formação do Núcleo
Soturno
26
ou Núcleo Barracão
27
, atual Nova Palma (SPONCHIADO,
1996).
Ao Sul, havia terras particulares de Barbosa Lima, próximas a
Dona Francisca. Filhos de imigrantes passaram a adquirir essas terras e
formaram o Núcleo Faxinal do Soturno (atual município de mesmo
nome), a partir de 1890. Isso permitiu o avanço, na mesma direção, a
demais terras de particulares, de Silvano Soares de Souza e Miguel
Martins, onde, por volta de 1900, houve o enxameamento
28
dos
descendentes, formando São João do Polêsine.
A Quarta Colônia de Silveira Martins foi emancipada
29
em 19 de
agosto de 1882, ‘do Regime colonial ao domínio da Legislação comum
26
Nome do rio que forma a linha Base.
27
Provisória armação para abrigar imigrantes à margem do arroio Portela.
28
É o termo usado para designar o deslocamento do meio rural para outro meio rural motivado
pelo excesso de população e/ou esgotamento da terra (SPONCHIADO, 1996).
29
Quando se refere à emancipação está se colocando ao fim da condição de colônia sob
administração imperial e não a de emancipação política na forma de municípios.
33
às outras povoações do Império’ e, dois anos depois, as demais Colônias
italianas do Rio Grande do Sul foram também emancipadas. A
corrupção e os desmandos administrativos elevaram demasiadamente os
custos de manutenção, por parte do Império, e a solução encontrada foi
conceder a autonomia administrativa às Colônias (SANTIN, 1987). Para
Sponchiado (1996), a emancipação da Colônia Silveira Martins está
relacionada à ausência de terras devolutas circundantes e a recusa do
Governo em desapropriar as propriedades particulares próximas, em
decorrência dos altos preços, e alegando gastos elevados com a
Colonização. A perda da condição de Colônia sob a administração
imperial, num primeiro momento, não garantiu a elevação à condição de
Município para nenhuma das quatro Colônias. Caxias, por exemplo,
reduziu-se a distrito de São João de Montenegro.
Da ‘emancipação’ até por volta de 1889, a Colônia Silveira
Martins esteve sob gestão da Comissão de Medição dos Lotes. Ao
mesmo tempo, sofreu a interferência de Santa Maria, Cachoeira do Sul e
São Martinho. Em 1889, a Comissão de Medição dos Lotes de Silveira
Martins foi extinta, pois não havia terras devolutas na ex-Colônia. A
partir de 1891, quando da criação de Júlio de Castilhos, em homenagem
ao líder estadista e republicano de mesmo nome
30
, São Martinho foi
substituído da administração de partes da ex-Colônia. Essas três
administrações passaram a influenciar a vida e a produção desse
território.
A Colônia Caxias conseguiu sua emancipação política, em 20 de
junho de 1890. No mesmo ano, foi a vez de Dona Isabel, em 11 de
outubro, tendo seu nome substituído por Bento Gonçalves. Por fim,
Conde d’Eu alcançou sua emancipação político-administrava, em 31 de
outubro de 1900, tendo o nome substituído por Garibaldi (SANTIN,
1987).
Em Silveira Martins, a emancipação política não chegou. Tinha-
se tudo: população, superfície, produção, e os dados eram de pleno
conhecimento do Governo. Através de um Decreto, promulgado em
1886, pelo Governo Imperial, o território da ex-Colônia Silveira Martins
foi anexado definitivamente a três jurisdições municipais distintas. Uma
30
Júlio Prates de Castilhos, na certeza de que seria escolhido como primeiro Governo
republicano do Estado do Rio Grande do Sul, teria influenciado o Vice-Governador em
exercício, seu grande amigo, pedindo a emancipação política de sua terra natal. Assim, em 14
de julho de 1891, mesmo dia em que foi promulgada a primeira Constituição do Rio Grande do
Sul, foi criado o município de Vila Rica, hoje Júlio de Castilhos. Esse município passou, a
partir de então, política e administrativamente, a controlar parte do território da ex-Colônia
Silveira Martins (Saquet, 2003).
34
parte, a mais significativa da época, por incluir a Sede e os Núcleos mais
desenvolvidos
31
, ficou com o município de Santa Maria; uma segunda
parte coube ao município de Cachoeira do Sul; e a última parte foi
incorporada ao município de Júlio de Castilhos. Pode-se atribuir aos
agentes políticos do município de Júlio de Castilhos, a influência maior
na diminuição do ritmo de desenvolvimento nos Núcleos Norte e
Soturno, atuais municípios de Ivorá e Nova Palma, respectivamente.
A criação de Júlio de Castilhos influenciou sobremaneira o
destino da ex-Quarta Colônia de Imigração Italiana, pois, a partir desse
momento, a mesma seria definitivamente partilhada. Em fins do século
XIX, havia disputas entre republicanos e liberais, em nível estadual, isto
é, entre Júlio Prates de Castilhos e Gaspar de Silveira Martins: “Júlio de
Castilhos era republicano, positivista, [...] e era inimigo (político)
32
de
Silveira Martins, que era um dos grandes do Império e a ex-Colônia [...]
tinha o nome dele” (SAQUET, 1999, p. 59). Com a Proclamação da
República Federativa do Brasil (1889), na política gaúcha concretizou-
se a substituição da aliança gasparista pela aliança castilhista. Enquanto
as ex-Colônias Caxias, Conde d’Eu e Dona Isabel, emancipadas, na
condição de municípios, mantiveram uma certa unidade territorial, a ex-
Colônia Silveira Martins, fragmentada, diluía-se frente às forças
externas responsáveis pela reprodução do seu território.
Com Júlio Prates de Castilhos no Poder, construiu-se a Estrada de
ferro Porto Alegre - Caxias e realizaram-se estudos para melhorar a
navegação no Rio Caí. Enquanto isso, o entroncamento da Estrada de
ferro Porto Alegre - Uruguaiana, que se deslocaria em direção Norte,
rumo a Silveira Martins, segundo propusera a Lei 1.832 de junho de
1889, fora desviada rumo a Júlio de Castilhos (SAQUET, 1999).
A primeira tentativa de emancipação da ex-Colônia Silveira
Martins, como município, da mesma forma que nas demais Colônias
italianas em fins do século XIX, ocorreu em 1898 e, entre os motivos
das frustrações, destacam-se os empecilhos impostos pelos Poderes
político e econômico dos municípios de Santa Maria, Júlio de Castilhos
e Cachoeira do Sul. Outras tentativas sem sucesso aconteceram em 1899
e em 1900. As determinações principais foram extra locais, vinculadas
aos interesses dos governos de Santa Maria, Cachoeira do Sul e Júlio de
Castilhos, favorecidos pelas produções agrícolas e artesanais e pela
31
Constituem a ex-Colônia de imigrantes italianos: a Sede (Silveira Martins, Arroio Grande
atual Distrito de Santa Maria e Vale Vêneto – atual Distrito de São João do Polêsine), Núcleo
Norte (Ivorá) e Núcleo Soturno (Nova Palma).
32
Grifo do autor.
35
circulação de mercadorias na ex-Colônia Silveira Martins através do
pagamento de diversos impostos. Também foram motivos locais,
vinculados aos interesses econômicos da classe dominante, isto é, os
comerciantes que dificultavam a emancipação política por receio de
terem outros concorrentes no território da ex-Colônia Silveira Martins.
O movimento emancipacionista, na ex-Colônia, somente teve êxito na
década de 1950, quando Nova Palma e Faxinal do Soturno, distritos de
Júlio de Castilhos e Cachoeira do Sul, respectivamente, conseguiram a
emancipação, portanto, 60 anos após a emancipação da Colônia Caxias.
A Sede da Ex-Colônia obteve sua emancipação apenas em 1987.
Cabe destacar que o desenvolvimento econômico da Colônia
Silveira Martins assustava e incomodava o conservadorismo dos
latifundiários de Santa Maria, pois em suas mãos estava o Poder político
e econômico de toda a região. A eles não interessava o surgimento de
um novo município.
É importante lembrar que, de início, as Colônias italianas no Rio
Grande do Sul tinham poucas diferenças entre si. As quatro Colônias
imperiais tinham identidade semelhante. Em 1884, por exemplo, Caxias,
com 12.540 habitantes, e Silveira Martins, com 6.001, apresentavam a
mesma produção de vinho: dois milhões e novecentos mil litros (Quadro
2). No Cinquentenário da Colonização italiana no Rio Grande do Sul
(1875-1925), Silveira Martins seguia o mesmo ritmo de
desenvolvimento de suas co-irmãs. Porém, no Álbum Comemorativo do
75º aniversário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul (1875-
1950), Silveira Martins nem aparece.
O Cônsul Pascoale Corte apresentava, em 1884, a seguinte
situação das quatro Colônias italianas.
QUADRO 2 - Produção agrícola, em 1884, nas Colônias de imigrantes
italianos no RS.
Colônias Hab. Equinos
(cab.)
Suínos
(cab.)
Bovi-
nos
(cab.)
Trigo
(ton.)
Feijão
(ton.)
Milho
(ton.)
Vinho
(mil
litros)
Caxias 12.540 10.700 12.000 3.500 1.200 1.600 3.200 2.900
Dona
Isabel
8.339 11.700 12.000 3.800 1.445 1.736 3.011 2.795
Conde
d’Eu
6.036 1.732 8.422 701 794 1.608 3.556 2.795
Silveira
Martins
6.001 2.000 10.000 1.000 1.200 1.600 3.200 2.900
Fonte: SANTIN (1987, p. 44).
Apesar de ser a última a ser fundada e ter o menor número de
habitantes, a Colônia Silveira Martins supera a produção agropecuária,
em quase todos os itens, a Colônia Conde d’Eu (Garibaldi). Em relação
36
a produção de milho, trigo, feijão e vinho, mantém os mesmos índices
de Caxias. Além disso, Silveira Martins cultivava a mais: algodão, arroz
e fumo. O bom desempenho teve continuidade, pelo menos até o
primeiro quarto do século passado, nos três setores: agricultura,
indústria e comércio. Porém, para Santin (1987, p. 50) “antes de dobrar
a primeira metade do século a caminhada diminuiu o ritmo”. Como
explicar, se os elementos humano e geográfico eram tão semelhantes?
Silveira Martins ficou isolada das demais co-irmãs
33
e pouco
lembrada de todos. Situada no Centro do Estado, sem comunicação
direta com outros Núcleos, ficou entregue à sua própria sorte. Sua
situação, além do isolamento, era peculiar, talvez em certos aspectos
mais favorável. Faltou-lhe, porém, algum ingrediente básico, motivo por
que não logrou os mesmos índices de desempenho alcançado pelas
demais Colônias (SANTIN, 1987).
Santin (1987, p. 22) coloca o próprio descaso da literatura quando
se trata da Quarta Colônia imperial de imigrantes italianos.
Nas abundantes referências sobre a imigração
italiana, a ex-Quarta Colônia é mencionada de
forma tangencial e extensiva, do que de forma
direta e substancial. As expressões usadas na
maioria das vezes têm este teor: também no
Centro do Estado teve um contingente expressivo
de imigrantes italianos que se situaram na região
de Santa Maria.
Para Saquet (2003), as forças produtivas rudimentares, a divisão
do trabalho simples e a pequena produção para o comércio provocaram
um ritmo lento de desenvolvimento econômico artesanal na Colônia
Silveira Martins, entre 1878 e 1950. Os agricultores familiares não
conseguiram acumular capital, apenas o necessário para sobreviver e
foram envolvidos pela política de mando local em favor dos
latifundiários. As determinações advindas provocaram limitações no
desenvolvimento econômico artesanal.
Para o mesmo autor, foi na expansão e re-produção do Modo
Capitalista de Produção no Brasil (e em escala internacional) que levou
a formação e a produção do espaço. Da mesma forma, foi a partir da
circulação simples de mercadorias que seus agentes sociais (agricultores
33
Interessante lembrar que, enquanto as Colônias do Nordeste do RS tinham como referência
Porto Alegre, Silveira Martins tinha Santa Maria que era uma cidade pequena.
37
familiares) articularam-se ao modo de produção, mesmo que as
atividades econômicas fossem levadas a efeito com trabalho familiar.
A unidade produtiva familiar, na Colônia Silveira Martins,
combinou a produção de gêneros de subsistência com a produção de
excedentes, comercializados no local em cidades vizinhas, sendo o caso
por exemplo de Santa Maria, ou ao nível nacional. Dono da terra e de
instrumentos de trabalho, o agricultor trocava os excedentes por
dinheiro e adquiria no mercado o necessário para a reprodução
socioeconômica da família, lógica inerente ao Capitalismo. Através da
circulação, comprando e vendendo, os agricultores eram integrados e
subordinados à lógica do Modo Capitalista de Produção, relação
mediada pelos comerciantes (SAQUET, 2003).
Nesse caso, os agricultores estavam subordinados,
disfarçadamente, ao capital: tanto pela complementaridade da
colonização em pequenas propriedades para a imigração, como através
dos agentes dos capitais comercial e industrial, na circulação simples de
mercadorias, uma vez que não existiam financiamentos no período
inicial de ocupação.
Para Saquet (2003), em meados do século XX, na Colônia
Silveira Martins, a produção artesanal, na maior parte, era rudimentar. A
vida cotidiana tinha especificidades ligadas à dinâmica do lugar: os
meios de transportes mais utilizados continuavam sendo os cavalos, as
carroças e carretas, além de alguns automóveis, caminhões e ônibus. Em
geral, para a iluminação das moradias rurais, usavam-se a lamparina a
querosene e o lampião, e nas Vilas, a energia elétrica; as roupas, os
sapatos, chapéus, etc, eram comprados quando extremamente
necessários, em virtude do baixo poder aquisitivo que possuíam.
Pode-se, então, afirmar que havia diversos condicionantes que
explicou o ritmo lento de desenvolvimento econômico da Colônia
Silveira Martins, no período inicial de colonização até os anos de 1950.
Saquet (2003) aponta os seguintes fatores:
1) A lógica, não capitalista, não estimulou a reinvenção dos
ganhos no processo produtivo e na modernização da produção
artesanal
34
, determinando a permanência de processos rudimentares que
não impediram a subordinação e a exploração violentas, cristalizadas na
produção familiar (agricultores e artesãos agricultores). A sujeição do
trabalho e do trabalhador ao capital e concomitante exploração
34
Cada Vila e cada uma das principais Linhas tinha sua ferraria, sua selaria, suas serrarias e
carpintarias, etc, configurando territórios no território da ex-Colônia.
38
impediram investimentos na produção, porque limitaram a acumulação
de capital na unidade de produção familiar e condicionaram a
permanência de uma produção, em geral, sem qualidade.
2) A concentração fundiária nas Vilas que elevou o preço do solo
urbano, dificultando a aquisição por parte dos artesãos e outros
residentes nas Linhas.
3) A elevação dos preços do solo rural, o número significativo de
pessoas no lote de chão e a permanência da prática agrícola tradicional,
com forças produtivas rudimentares e conservadoras que desgastaram o
solo, contribuíram para o empobrecimento dos agricultores. A prática
mais comum de preparo do solo agrícola, nesse território da
colonização, até meados do século passado, foi a rotação de terras. O
agricultor deixava uma parte de suas terras “descansar”, onde crescia a
capoeira. Depois da queimada, o cultivo era feito no meio dos tocos das
árvores e das cinzas. Sucessivamente, deixava-se crescer a capoeira,
derrubava-se, queimava-se e plantava-se, até 1950, e mesmo
posteriormente. Assim faziam as roças para o cultivo. Os principais
instrumentos de trabalho eram a enxada, a foice e o arado. As forças
produtivas eram bastante simples, baseadas em instrumentos de
trabalho, em madeira e ferro: machados, foicinhas, enxadas, mós
afiadeiras, carros-de-mão, carroças, debulhadeiras de milho, moendas,
arados, etc.
4) A migração, sobretudo de comerciantes, porque haviam
acumulado capital na Colônia Silveira Martins e haviam investido em
outros lugares. Já em fins do século XIX, alguns comerciantes migraram
para Santa Maria quando as condições locais desfavoráveis
influenciavam no ritmo de desenvolvimento econômico no território da
Quarta Colônia. Epidemias, chuvas, estradas precárias, baixo preço dos
produtos agrícolas e falta de financiamento contribuíram para a
estagnação. A primeira junta de bois comprada na ex-Colônia Silveira
Martins, por exemplo, foi em 1895, o que sugere a tamanha pobreza em
que viviam os agricultores.
5) A falta de energia elétrica, mesmo após a década de 1930.
6) As características dos colonizadores italianos, na maioria
vênetos (70% dos italianos da Colônia); agricultores (mais de 90%) em
parte considerável, analfabetos (em torno de 50%). Isso não significa
dizer que os italianos da Colônia Silveira Martins e seus descendentes
não tinham conhecimentos técnicos artesanais. Pelo contrário, embora
com o predomínio da prática agrícola em que a produção artesanal era
complementar, a quantidade e diversidade de unidades produtivas
artesanais mostram que não faltaram iniciativas e habilidades técnicas.
39
Também não foram as relações de trabalho familiar que impediram a
acumulação. O principal determinante era sua lógica, não genuinamente
capitalista. Isto é, a comercialização artesanal estava sujeita à produção.
Produzia-se e vendia-se o que se precisava para sobreviver.
7) Os baixos preços dos produtos agrícolas e artesanais.
8) O mercado consumidor local incipiente (baixo poder
aquisitivo) decorrente do anacronismo na distribuição/apropriação da
renda, que se traduzia numa limitação para o consumo.
9) A falta de investimentos em infraestrutura, por parte do
Governo do Estado, a política de mando local voltada aos interesses dos
latifundiários e dos comerciantes mais fortes e o abandono a que
estiveram submetidos pelas administrações municipais. Esse abandono
teve influência no ritmo de desenvolvimento, favorecido pelas não
emancipações políticas antes de 1950. A divisão do território da ex-
Colônia de Silveira Martins, entre Santa Maria, Cachoeira do Sul e Júlio
de Castilhos, provocou uma deterioração no espírito associacionista,
influenciando no que se denominam decadência e estagnação. Também
a rivalidade, entre os diferentes grupos de imigrantes, pode ter
influenciado no desenvolvimento econômico artesanal lento. O
bairrismo acabava influenciando as decisões nas áreas política, cultural e
econômica.
10) A precariedade nas vias e meios de circulação e comunicação.
As estradas asfaltadas na região não possuem mais que vinte anos.
11) A concorrência externa, industrial e mercantil, de importados,
ou não, e os impactos da crise do pós-Guerra.
O autor ainda chama a atenção para a reprodução da produção
familiar, artesanal e/ou agrícola, na ex-Colônia Silveira Martins onde os
produtores imediatos eram subordinados e explorados pelos mecanismos
de mercado, na circulação. Na circulação ocorria a apropriação do
trabalho excedente. A circulação era o elo de articulação e de
comunicação, da agricultura familiar e dos produtores, ao Modo de
Produção Capitalista:
A sujeição não é apenas uma sujeição da renda da
terra ou do trabalho excedente ao capital, mas
uma sujeição do trabalhador, de toda a sua
família, nas diferentes situações e momentos de
sua vida cotidiana. É a subordinação disfarçada,
pois o produtor familiar, dono das terras e dos
instrumentos de trabalho, ou do estabelecimento
artesanal, aparece como livre e autônomo, desde
40
os primórdios da colonização italiana. Aquela
apropriação e expansão territorial favorecida pelo
Estado e pelos agentes do Capital significa
simultânea e posterior apropriação de trabalho
excedente por e para este mesmo capital
(SAQUET, 2003, p. 197).
Para Saquet (2003), os comerciantes conseguiam acumular
capital. Eram a personificação do capital. Manipulavam e
monopolizavam o circuito mercantil, graças ao relativo isolamento desse
território e ao conhecimento dos mecanismos de sujeição dos produtores
diretos: suas cadernetas e livros caixas eram instrumentos de controle e
subordinação alheia. Eles eram intermediários nas relações sociais,
mercantis, entre os produtores imediatos e os demais revendedores,
tanto dos excedentes agrícolas como dos secos-e-molhados e
instrumentos de trabalho. Os comerciantes ganhavam revendendo os
produtos agrícolas e revendendo os secos-e-molhados e os instrumentos
de trabalho. Ganhavam também emprestando e guardando dinheiro.
Complementavam-se mutuamente, produtores diretos e comerciantes,
numa relação de dominação e subordinação.
As casas comerciais, além de venderem diversos produtos,
também compravam a produção agrícola e emprestavam dinheiro,
cobrando juros. Juros que contribuíam no crescimento do seu capital
familiar e significavam transferência gratuita de trabalho excedente. Os
empréstimos concedidos eram uma forma de garantir a permanência da
subordinação, de produtores agrícolas e artesãos, ao comerciante. Com
isso, o produtor direto transferia uma fração de seu trabalho excedente
ao comerciante. Muitos comerciantes instalaram filiais, formando redes
locais e extra locais, firmando-se e permanecendo hegemônicos,
econômica e politicamente, no território da ex-Colônia Silveira Martins,
até as migrações futuras.
Em decorrência das condições precárias de vida e de reprodução
da e na unidade de produção familiar, agrícola e/ou artesanal, os
imigrantes e seus descendentes foram em busca de terras mais planas e
férteis. Primeiramente se movimentaram em direção às terras e cidades
nas proximidades (Faxinal do Soturno, São João do Polêsine, Pinhal
Grande, Santa Maria e Júlio de Castilhos) e, posteriormente, para
lugares mais distantes, como Restinga Seca e Uruguaiana. Lentamente,
por volta de 1920, expandiram a fronteira agrícola situada nas Novas
Colônias do Norte do Rio Grande do Sul e, a partir da década de 1940,
41
em direção ao Oeste catarinense e paranaense. Em pouco tempo,
atingiam-se os Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Essas migrações são facilitadas pelas crises da
lavoura colonial: queimadas, discagem,
esgotamento do solo, baixos preços dos produtos
agrícolas, baixa produtividade, partilhas por
heranças e pelo mero elevado de pessoas por
lote de chão [...] outros fatores decisivos neste
processo, são a construção de estradas ligando o
Rio Grande do Sul com os estados de Santa
Catarina e Paraná e a propaganda das terras
existentes nestes Estados comercializadas a baixos
preços. As desigualdades e as diferenças são
mistificadas pela aparente estagnação e
homogeneidade. Nem todos são pobre, nem ricos,
nem culturalmente iguais. Nem todos migram.
Nem todos conquistam melhorias [...] (SAQUET,
2003, p. 203).
No período de 1895 a 1930, migraram para Santa Catarina e
Paraná, do ex-Núcleo Soturno, atual Nova Palma, cerca de 120 famílias.
Só no ano de 1945, foram 80 famílias que migraram (SAQUET, 1999).
A migração não atingiu somente agricultores que viam poucas
perspectivas de desenvolvimento na ex-Colônia, mas também
comerciantes, como atesta Santin (1987, p. 73):
Assim, não são os agricultores que deixam a terra
em troca da cidade, estes partem para novas
terras; quem vai deixar a Colônia são os
comerciantes dos Núcleos coloniais: vendo
diminuir a população com as sucessivas
migrações, resolvem fixar-se num centro maior.
Grande parte das casas comerciais do comércio
tradicional de Santa Maria tem suas raízes e
começos, em certos casos de grande esplendor,
nos pequenos núcleos da imigração italiana.
Nostalgicamente, Pe. Luiz Sponchiado comenta a migração em
massa a outras terras e, principalmente, lamenta a impossibilidade de
emancipação político-administrativa do complexo colonial, como houve
nas demais Colônias italianas no Estado.
42
A Colônia, reduzida desde o início pela falta de
espaço [...], alargada a caro custo em sobras de
São Martinho e Cachoeira, onde surgiram Núcleos
distanciados pela intermediação de terras
particulares, perdeu a unidade para,
oportunamente, tornar-se um município autônomo
como os demais. Sua inicial prosperidade foi
estancando desde que se iam perdendo as
esperanças de autonomia. Com a mesma
alacridade com que entraram, os imigrantes
saíram para outros lugares onde se apresentassem
melhores perspectivas de empregar as economias
amealhadas. Assim aconteceu com os mais bem
sucedidos, numa grande sangria de capitais. Os
filhos dos imigrantes, apenas anos depois
conseguiram comprar e tomar posse de latifúndios
intercalados, formando a continuidade territorial
[...]. Mas era tarde para a unidade política capaz
de emancipar o complexo como um todo, que
nunca foi (1996, p. 167).
Nesse processo, o que se percebe é que o Estado agiu, orientando
o movimento de reprodução do capital e a simultânea dominação social,
desde o financiamento da imigração e da colonização até subsídios
diretos e indiretos à prática produtiva, a partir da criação de uma
infraestrutura nima para a produção e a realização dos excedentes. O
Estado motivou a produção e controlou a apropriação dos excedentes,
desde a década de 1930.
Nessa mediação política feita pelo Estado, no intuito de garantir
econômica e politicamente a reprodução da dominação da classe
hegemônica, da produção de alimentos e do movimento geral de
acumulação de capital, os negociantes intermediários tiveram um papel
central, articulando o produtor a outras escalas socioespaciais.
Sucintamente, eles desempenharam o papel que, mais tarde, passou a ser
das cooperativas agrícolas empresarialmente desenvolvidas.
Esse quadro marcou a trajetória da Quarta Colônia. Dominada
pelos interesses das classes hegemônicas, tardou em encontrar rumos
para o desenvolvimento. A partir da década de 1960, esse território
passou a ser incorporado aos mecanismos da Revolução Verde
35
e,
35
Buscou aumentar a produção agrícola por meio do melhoramento genético e de novas
técnicas de produção. Tratar-se-á da Revolução Verde com maior atento no próximo capítulo.
43
novamente, a grande maioria de seus agentes passaram a estar sujeitos
aos interesses do capital hegemônico.
Atualmente, os nove municípios da Quarta Colônia possuem
2.899,5 km², onde vivem 60.439 habitantes, com a presença de
descendentes de alemães, portugueses, africanos, índios, mas com uma
forte predominância de italianos.
Com exceção de Restinga Seca, que se originou nos primórdios
do século XIX, os demais municípios começaram a formação territorial
em fins do século XIX (Quadro 3). As emancipações políticas
iniciaram-se em fins da década de 1950, estendendo-se a fins da década
de 1980 e início da década de 1990. A densidade demográfica na Região
é de 24,25 habitantes/km²; o índice de analfabetismo é de 8,22%; a
expectativa de vida é de 72 anos em média, e a renda per capita média é
de R$ 8.703 (FEE, 2006) (Quadro 3).
O processo de urbanização na Região da Quarta Colônia ainda é
lento. Segundo dados do IBGE (2007), a população urbana é de 28.814
habitantes (47,67%), e a população rural é de 31.625 habitantes
(52,32%). Esse comportamento demográfico é semelhante ao do Rio
Grande do Sul, na década de 1970, quando a população rural
representava 53,33%, e a população urbana, 46,67%. Atualmente o
Estado apresenta taxa de urbanização de 81,65% (IBGE, 1970 e 2000).
A região da Quarta Colônia vem reduzindo sua população.
Segundo o Censo demográfico de 2000 e Contagem da população de
2007 a população total da Região diminuiu 4,97%, e a população rural
reduziu 14,50%, enquanto que a população urbana teve um acréscimo de
5,79%. Tal redução pode ser atribuída a busca de trabalho ou estudo em
outros municípios do Estado e do País (Figura 5).
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
2000 2007
anos
Total
Urbana
Rural
FIGURA 5 – Comportamento demográfico na Quarta Colônia - RS.
Fonte - IBGE (2000 e 2007).
44
A população rural reduziu-se mais significativamente, na Região,
na passagem da década de 1980 para a década de 1990 (com 17,8%) e
ainda foi significativa à redução na passagem da década de 1990 para
2000 (com 11,72%). O acréscimo na população urbana foi mais
expressivo na passagem da década de 1970 para a década de 1980 (com
aumento em 54,44%) culminando com as políticas de modernização da
agricultura promovidas pelo Estado. Entre os anos de 2000 e 2007 a
redução da população rural foi de 14,50% e a população urbana cresceu
8,95%. Tudo indica que ainda um fluxo populacional em direção às
cidades da região.
45
QUADRO 3 - Síntese da configuração socioeconômica dos municípios da Quarta
Colônia
Fonte: IBGE (2006); Sponchiado (1996); FEE (2006) e IDESE, 2004.
Em relação à população total, destacam-se dois municípios:
Agudo (16.577 hab.) e Restinga Seca (15.574 hab.) com área,
respectivamente, de 536,1 km² e 961,8 km², os mais extensos da Região.
Os municípios de Ivorá (2.365 hab.), São João do Polêsine (2.656 hab.)
e Silveira Martins (2.470 hab.) possuem pequena população absoluta,
com área municipal, respectivamente, de 122,9 km², 85,6 km² e 118,3
km². Ivorá se destaca pela população rural (67,74%), é um Município
predominantemente agrícola e tem o relevo bastante ondulado. Dona
Francisca, como mostra o quadro 4, se sobressai pelo percentual de
população urbana (61,42%). A agricultura é a atividade econômica
predominante no município e grande parte dos produtores (rizicultores),
residem no espaço urbano.
36
IDESE – Índice de Desenvolvimento Socioeconômico: avalia Educação, Renda, Saneamento
e Saúde, entre os 496 municípios do Estado. Classifica os municípios em três níveis de
desenvolvimento: baixo (índices até 0,499); médio (entre 0,500 e 0,799), ou alto (maiores ou
iguais a 0,800).
Municípios Agudo Dona
Francis-
ca
Faxinal do
Soturno
Ivorá Nova
Palma
Pinhal
Grande
Restinga
Seca
São João do
Polêsine
Silveira
Martins
Ano da
colonização
1857 1886 1884 1883 1884 1917 1817 1893 1887
Ano da
Emancipação
1959 1965 1959 1988 1960 1992 1959 1992 1987
Município de
origem
Cachoeira do
Sul e
Sobradinho
Faxinal
do
Soturno
Cachoeira do
Sul e Júlio de
Castilhos
Júlio de
Castilhos
Júlio de
Castilhos
Júlio de
Castilhos
e Nova
Palma
Cachoei-
ra do Sul
Faxinal do
Soturno
Santa
Maria
Território
(Km²)
536,1 114,3 169,9 122,9 313,5 477,1 961,8 85,6 118,3
Hab./km² 31,18 31,33 37,31 19,33 20,48 10,05 16,21 31,41 21,00
Analfabetism
o (%)
8,46 11,16 7,23 6,30 5,86 9,37 10,39 7,17 8,10
Expectativa
de vida
(anos)
73,24 69,00 71,40 72,75 73,16 73,16 69,00 71,40 73,11
Renda per
capita R$
9.446 7.091 8.989 7.774 12.821 11.436 7.692 7.189 5.890
IDESE
36
/po-
sição no RS
0,667/306º 0,666/310
º
0,701/206º 0,648/349
º
0,713/173
º
0,680/271
º
0,694/222
º
0,674/284º 0,664/316
º
46
QUADRO 4 - População rural e urbana recenseada em domicílios
particulares permanentes na Quarta Colônia
Municípios
Variável
Situação do
domicílio
Agudo
Dona
Francisca
Faxinal
do
Soturno
Ivorá
Nova
Palma
Pinhal
Grande
Restinga
Seca
São João
do
Polêsine
Silveira
Martins
Rural 10.055 1.370 2.592 1.602
3.534
2.730 6.782 1.570 1.390
Urbana 6.522 2.181 3.730 763 2.898
1.762 8.792 1.086 1.080
Habitantes
Total 16.577 3.551 6.322 2.365
6.432
4.492 15.574 2.656 2.470
Rural 60,66 38,58 41,00 67,74
54,94
60,77 43,55 59,11 56,28
Urbana 39,34 61,42 59,00 32,26
45,06
39,23 56,45 40,89 43,72
Percentual
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Fonte: IBGE - Contagem da População, 2007.
Segundo o IDESE
37
Índice de Desenvolvimento
Socioeconômico, criado em 1991 pela FEE Fundação de Economia e
Estatística do Rio Grande do Sul, todos os municípios apresentam médio
nível de desenvolvimento e, entre os municípios da Região, apenas
Nova Palma apresenta melhor posição no Estado. Ocupa a 173ª
colocação dentre os 496 municípios do Rio Grande do Sul. O menor
índice encontrado, entre os municípios da Quarta Colônia, foi em Ivorá,
estando na 349ª colocação no Estado.
37
O IDESE é um índice inspirado no IDH – Índice de Desenvolvimento Socioeconômico, que
abrange um conjunto amplo de indicadores sociais e econômicos classificados em quatro
blocos temáticos: Educação; Renda; Saneamento e Domicílios; e Saúde. O IDESE varia de
zero a um e, assim como o IDH, permite que se classifiquem o Estado, os municípios ou os
Coredes em três níveis de desenvolvimento: baixo (índices a0,499); médio (entre 0,500 e
0,799), ou alto (maiores ou iguais que 0,800)
(http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/estatisticas/pg_idese.php).
47
II POLÍTICA DE MODERNIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO
ESPAÇO AGRÁRIO NA QUARTA COLÔNIA-RS
Este capítulo procura analisar as ações do Estado sobre o espaço
agrário brasileiro, entre as décadas de 1960 e de 1980, e as implicações
sobre a área, objeto da pesquisa. Para David (2005), o papel do Estado,
como gestor de projetos, deve ser enfatizado quando se analisam os
processos econômico-sociais no espaço agrário.
Para o autor, a atuação do Estado no setor agrícola não pode ser
dissociada da economia, nem, de maneira mais ampla, da sociedade
como um todo. A fim de atender a determinados interesses internos e
externos, o Estado criou condições e meios para promover a reprodução
do Capital na agricultura. Essas condições permitiram a modernização
tecnológica da agricultura brasileira, que avançou no Pós-Guerra e
ganhou intensidade na década de 1970, acarretando significativas
transformações no espaço agrário, nos meios de produção e,
consequentemente, nas formas de exploração agrícola.
2.1 POLÍTICA DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL E
NO RIO GRANDE DO SUL
O processo de modernização da agricultura brasileira e da gaúcha
esteve estreitamente ligado às profundas mudanças econômicas
ocorridas no mundo a partir do término da Grande Guerra Mundial
(1939-1945), quando se intensificou a mundialização do Modo
Capitalista de Produção, sob orientação norte-americana, e tendo por
base as empresas transnacionais. Essas mudanças se refletiram no país,
desencadeando a modernização dependente da economia nacional
incluindo-se ai o setor agropecuário.
A globalização, que exerce poderosa influência sobre a dinâmica
do meio rural através da abertura dos mercados, aceleração das trocas
comerciais e intensificação da competitividade, segundo o historiador
Eric Hobsbawm, pode ser entendida como uma divisão mais elaborada e
complexa do trabalho e uma rede cada vez maior de fluxos e
intercâmbios que ligam todas as partes da economia mundial ao sistema
global. A revolução nos transportes e nas comunicações tornou possível
uma economia de produção verdadeiramente mundial. Essa globalização
econômica desenvolveu-se na década de 1960, acelerando-se
posteriormente (apud MÜLLER, 2002).
48
A globalização ou a mundialização, termo utilizado geralmente
como homônimo – é, antes de tudo, segundo Haesbaert e Limonad
(1999, p. 8) “um produto da expansão cada vez mais ampliada do
capitalismo e da sociedade de consumo”. Para os autores, a globalização
da atividade econômica capitalista é, qualitativamente, diferente da
internacionalização que se refere ao aumento da expansão geográfica
das atividades econômicas capitalistas através das fronteiras nacionais.
A globalização implica um grau de integração funcional, entre as
atividades econômicas dispersas em escala planetária, e um crescimento
cada vez mais pronunciado dos fluxos do capital financeiro de caráter
volátil ou fictício.
Em fins da década de 1930, percebia-se que a Europa e o mundo
caminhavam para uma guerra de grandes proporções. O conflito trazia a
ameaça de desarticular a produção de alimentos, até então concentrada
especialmente nos EUA, Canadá e Europa. Era, portanto, importante e
urgente pensar uma nova estratégia alimentar para o mundo,
introduzindo novos procedimentos à produção agrícola, integrando no
processo a América Latina, a África e a Ásia, sobretudo os países e as
regiões mais propícias à agricultura. Na divisão de tarefas destinadas a
preparar o caminho e criar as condições para a implantação e o avanço
da nova estratégia, coube, inicialmente, à Fundação Rockfeller, com
sede em Nova Iorque, nos EUA, idealizar e patrocinar a produção na
América Latina (BRUM, 1983).
A integração técnica da indústria com a agricultura ocorreu,
inicialmente, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, no começo do
século XX. Contudo, foi após a Segunda Guerra Mundial que esse
modelo difundiu-se pelo mundo através do que se convencionou chamar
de Revolução Verde
38
.
Para Brum (1983, p. 55):
A chamada Revolução Verde foi um programa
que tinha por objetivo explícito contribuir para o
aumento da produção e da produtividade agrícola
no mundo, através do desenvolvimento de
experiências no campo da genética vegetal para a
criação e multiplicação de sementes adequadas às
condições dos diferentes solos e climas e
resistentes às doenças e pragas, bem como da
38
A Revolução Verde tentou despolitizar o debate da fome, atribuindo-lhe um caráter
estritamente técnico. A fome era propagada como possível de ser solucionada por meios
técnicos e não pela via social, política e cultural (GONÇALVES, 2004).
49
descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou
tratos culturais mais modernos e eficientes. Deu
seus primeiros passos por volta de 1943, ainda
durante a Grande Guerra Mundial, quando a
vitória para os aliados, sob a liderança dos EUA,
já se delineava no horizonte.
A primeira fase da Revolução Verde teve caráter pioneiro e
experimental e estendeu-se de 1943 a 1965. A Fundação Rockfeller
39
patrocinou projetos-piloto em determinados países cuidadosamente
selecionados, entre os quais estavam o México, as Filipinas e, em menor
intensidade, o Brasil, além dos EUA. As ações se desenvolveram em
duas dimensões convergentes: a) infraestrutura de produção, sobretudo
em relação ao uso de sementes, adubos e equipamentos; e b) controle da
articulação dos agricultores, através da assistência técnica e do crédito
rural.
A partir de 1965, a Revolução Verde ganhou impulso. O sucesso
das experiências no México e nas Filipinas (respectivamente, com
sementes de milho e de arroz), lançou a Revolução Verde com grande
intensidade na América Latina, na Ásia e no Extremo Oriente,
principalmente. Os países eram orientados e induzidos a usarem novas
técnicas de correção do solo, fertilização, combate a doenças e pragas,
bem como a utilizarem maquinaria e equipamentos modernos.
No Brasil esse processo se consolidou, lentamente, através da
montagem de um complexo industrial que atenderia às necessidades do
campo e aos interesses do Capital. Segundo Montoya e Guilhoto (1999),
o crescimento da economia brasileira, pelo menos até o final da década
de 1920, dependia basicamente da expansão da produção agrícola.
A expansão do setor agroexportador cafeeiro, entre os anos de
1890 e 1930, produziu um aumento da renda interna que desencadeou a
diversificação no consumo nacional. Tal processo permitiu concentração
demográfica nos centros urbanos, dando início ao desenvolvimento de
atividades voltadas ao mercado interno. Estabeleceram-se as primeiras
agroindústrias de óleos vegetais, açúcar e álcool; consolidou-se a
39
No Brasil, por exemplo, ainda em 1943, a Rockfeller fundou três empresas vinculadas ao
grupo: A Cargill, ligada principalmente à comercialização internacional de cereais e à
fabricação de rações; a Agroceres, destinada a pesquisas genéticas com o milho e à produção
de sementes de milho híbrido; e a EMA (Empreendimentos Agrícolas), voltada para a
fabricação de equipamentos à agricultura (BRUM, 1983). Apesar dos aparentes objetivos
humanitários da Rockfeller, ocultavam-se enormes interesses econômicos sobre a América
Latina.
50
indústria têxtil como a primeira grande indústria nacional e, a partir de
1930, com a implantação, pelo Governo, da política de substituição de
importações
40
, houve a produção de uma gama de bens de consumo não
duráveis ou “leves”. No processo de substituição de importações,
algumas indústrias que já estavam plenamente estabelecidas, ou que
estavam se estabelecendo, receberam grandes investimentos,
estimuladas pelo aumento gradativo do mercado interno. Podem-se
mencionar: as indústrias do cimento, metal-mecânica, ferro e aço, papel
e celulose, produtos da borracha, produtos químicos, farmacêuticos e
perfumaria; de moagem de trigo, frigoríficos, beneficiamento de carnes
e cervejarias.
A nova estrutura da indústria nacional, em gradativo
fortalecimento, apresentava-se promissora, a partir de 1930, para uma
industrialização mais profunda, quando começou a abranger as faixas de
produção de bens de consumo duráveis, intermediários e de capital. As
atenções do Governo voltaram-se para a atividade industrial. Assim, no
período de 1930 a 1960, ocorreu a integração dos mercados nacionais de
alimentos, de trabalho e matérias-primas, culminando com a
implantação do setor de produção de bens de consumo duráveis,
intermediários, de capital, e insumos básicos (D1). Esse período foi
chamado de industrialização “pesada” que se acentuou de 1956 a 1960,
sob o impulso do Plano de Metas, e caracterizou-se por uma intensa
diversificação industrial em um espaço de tempo relativamente curto e
pela expansão do Capital monopolista transnacional e do estatal
(MONTOYA e GUILHOTO, 1999; RUCKERT, 2003).
Rückert (2003) afirma que, a partir da década de 1930, emergiu o
Estado burguês que, derrotando o Estado oligárquico, condenou o
liberalismo econômico, organizou o mercado brasileiro e centrou sua
ação no desenvolvimento do nacional - Capitalismo. Ampliou-se, a
partir daquele momento, o mercado nacional para o Capitalismo
industrial.
Na fase conhecida como “milagre brasileiro”, (1967/1974), a
necessidade de importar bens de capital para a implantação de um
parque industrial transnacional sofisticado, levou o Governo a incentivar
40
O processo de substituição de importações no Brasil, no período de 1930 a 1960, idealizado
pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), consistia em buscar
alternativas para alavancar o parque industrial brasileiro e fortalecer o mercado interno. Esse
processo foi motivado pela condição vulnerável em que o Brasil, enquanto país agroexportador
se encontrava frente às crises externas trazidas, principalmente, pela Grande Depressão e pela
Segunda Guerra Mundial.
51
a agricultura de exportação. No processo, coube à agricultura as funções
de transferir recursos para o financiamento da industrialização e de
produzir alimentos baratos para viabilizar o processo de industrialização
dependente do pagamento de baixos salários para a força de trabalho
(BRUM, 1983; LEITE, 2001). A associação dos interesses de empresas
transnacionais, no mercado, com os do próprio Governo brasileiro
favoreceu a difusão da modernização da agricultura, sua consolidação na
década de 1970. Com isso formou uma nova base para dar sustentação
ao modelo de desenvolvimento urbano-industrial.
O processo de industrialização brasileiro aos poucos permitiu a
constituição de um parque industrial a fim de operacionalizar a
modernização da agricultura. Assim:
A partir do Governo Geisel (1974/1979), a
agricultura e a pecuária deveriam desempenhar
um novo papel na estratégia governamental de
desenvolvimento, efetivando o país como
fornecedor mundial de alimentos e matérias-
primas agrícolas. Para tanto, torna-se necessário
promover capitalisticamente a agropecuária
nacional, através da disseminação da chamada
empresa rural, com o apoio financeiro e fiscal do
Estado. Além disso promove-se a expansão da
utilização dos insumos industriais, adotando-se a
política dos preços mínimos, o seguro agrícola e
o crédito rural orientado para o consumo das
novas tecnologias difundidas pelo Capital
monopólico (SELINGARDI, 1984 apud
RÜCKERT 2003, p. 37).
No Rio Grande do Sul, nessa época, a crise da/na agricultura
tradicional, nas décadas de 1950 e 1960, contribuiu para efetivar as
políticas de modernização da agricultura.
A crise na agricultura tradicional/complexo rural e a sua
substituição por uma agricultura modernizada representaram a abertura
de importantes canais para a expansão dos negócios das corporações
econômicas transnacionais. Isso abria possibilidades tanto no
fornecimento de máquinas e insumos modernos, na comercialização
mundial e nas indústrias de transformação dos produtos agropecuários,
como no financiamento aos países que aderissem ao processo de
modernização (BRUM, 1983).
52
A origem da crise associava-se à presença de famílias numerosas
nas pequenas unidades de produção, obrigando-as a uma intensa
exploração do solo o que resultava em rápido esgotamento da fertilidade
natural. Esses fatores, acrescidos à sujeição da renda da terra aos
Capitais comercial e industrial, através das relações de troca desiguais -
preços baixos para os produtos agrícolas que o agricultor vendia, e
preços mais elevados pelos bens que a família adquiria no comércio -
explicam a generalizada estagnação e declínio da agricultura tradicional
(BRUM, 1983).
A agricultura tradicional caracterizava-se pela incipiente divisão
social do trabalho; intensa ligação entre as atividades agrícolas e
manufatureiras; utilização intensiva dos recursos naturais;
comercialização do excedente agrícola; utilização de instrumentos de
trabalho simples e técnicas de preparo do solo, cultivo e colheita
herdadas da experiência, transmitidas de uma geração para outra e
aperfeiçoadas lentamente (SILVA, 1999, p. 89). Segundo Brum (1983,
p. 82): “A sabedoria da vida e do trabalho tinham grande valor”.
Predominava a população rural. Nas cidades, vilas e povoados
mais ativos, prosperavam atividades comerciais e incipientes indústrias
destinadas à produção de objetos e artigos de uso mais comum da
população, de acordo com padrões tradicionais: produtos simples,
práticos, resistentes, de longa durabilidade.
Em diversas localidades desenvolvia-se o comércio nas “casas de
negócios”, com lojas e armazéns de secos e molhados. Exerciam uma
dupla intermediação: em um sentido, abasteciam a família rural,
vendendo-lhes os artigos essenciais para o consumo; em outro sentido,
compravam-lhe a produção agrícola ou animal, com destino aos
atacadistas nas cidades maiores. Através dessa dupla intermediação,
com lucros nos dois sentidos, operava-se maior transferência da riqueza
e da renda (valor excedente) produzida na agricultura para os
comerciantes (BRUM, 1983).
A economia apresentava elevado grau de integração, local e
regional:
Na localidade, no município ou na região
produzia-se a maioria, ou ao menos grande parte,
dos instrumentos de trabalho e de outros bens de
uso mais comum, nas serrarias, marcenarias,
carpintarias, fábricas de móveis, olarias de telhas
e tijolos, ferrarias, selarias, oficinas, etc.
Igualmente, grande parte da produção agrícola
53
era beneficiada com vistas ao consumo, nos
moinhos de milho e trigo, engenhos de arroz [...],
alambiques de fabricação de aguardente, fábricas
de banha, fábricas de manteiga, fábricas de
bebidas, além da numerosa e variada ‘indústria
caseira’. Toda essa diversidade de atividades -
ocupando predominantemente a mão-de-obra
familiar e voltada para a auto-suficiência
familiar, local e regional - assegurava relativa
abundância e mesmo certa fartura de bens, dentro
de padrões simples, mas valorizando, sobretudo,
as ‘coisas’ consideradas fundamentais para o
atendimento das necessidades básicas (BRUM,
1983, p. 87).
De modo geral, a modernização da agricultura provocou, em um
primeiro momento, a redução e, em muitos casos, o total
desaparecimento das atividades, de caráter artesanal, de pequenas
indústrias características dessa fase, que produziam grande parte dos
equipamentos e instrumentos de trabalho, ou beneficiavam a produção
agrícola (BRUM, 1983). Portanto, as décadas de 1960 e 1970
culminaram com a crise da agricultura tradicional (fracionamento da
terra, perda de fertilidade, pressão sobre os recursos naturais e
descapitalização do agricultor familiar) com o avanço da modernização
da agricultura.
É nesse contexto de mudanças que a modernização da agricultura
foi se desenvolvendo no Brasil, iniciando-se no Rio Grande do Sul no
Planalto gaúcho. A modernização foi viabilizada pela mudança da base
técnica de produção e visou a garantir, além da produção e
produtividade crescentes na agricultura, a rentabilidade crescente e
contínua do Capital que se territorializou no espaço rural. O processo foi
conduzido pelas grandes corporações transnacionais e pelo Estado,
sendo criados organismos específicos para este fim.
Ao conjunto de técnicas inovadoras, absorvidas pelas atividades
agropecuárias, deu-se o nome de “pacote tecnológico” e às estratégias
de produção, de “modernização tecnológica” ou “conservadora”, pois,
não houve qualquer alteração da estrutura fundiária. No processo de
desenvolvimento da modernização da agricultura ocorreu a
concentração da propriedade da terra.
Em termos de produtos, foi possível perceber três fases no
processo de modernização: a primeira, até o início da década de 1970,
centrou-se no trigo e no arroz, tendo, a partir dos anos de 1960, a soja
54
como lavoura secundária em crescente expansão e importância; a
segunda, ainda na década de 1970, com ênfase para o período
1972/1978, liderada pela soja
41
, passou o trigo para uma posição
secundária e declinante; a terceira, a partir de 1978/79, marcando uma
maior diversificação de culturas, diante da vulnerabilidade e dos riscos
da agricultura em depender de apenas duas culturas: trigo e soja
(BRUM, 1983).
O cultivo da soja se expandiu, primeiro no sul do Brasil (anos
1960 e 1970) e, posteriormente, nos Cerrados, área Central do país (anos
1980 e 1990). Dentre os fatores que contribuíram para o seu
estabelecimento na Região Sul, podem-se destacar: semelhança do
ecossistema do Sul do país com aquele predominante no Sul dos EUA,
favorecendo o êxito na transferência e adoção de variedades e outras
tecnologias de produção. Também contribui os incentivos fiscais
disponibilizados aos produtores de trigo nos anos 1950, 1960 e 1970,
beneficiando igualmente a cultura da soja. É oportuno lembrar que a
soja utiliza, no verão, a mesma área, a força de trabalho e a maquinaria
usada para o trigo cultivado no inverno. Outro fator foi o mercado
internacional em alta, principalmente em meados dos anos 1970, em
resposta à frustração da safra de grãos na Rússia e China, assim como da
pesca da anchova no Peru, cuja farinha de peixe era amplamente
utilizada como componente proteico na fabricação de rações para
animais, para a qual os fabricantes do produto passaram a utilizar-se do
farelo de soja. Ocorreu também a substituição das gorduras animais
(banha e manteiga) por óleos vegetais, bem como o estabelecimento de
um importante parque industrial de processamento de soja, de máquinas
e de insumos agrícolas, havendo incentivos fiscais, disponibilizados
tanto para o incremento da produção quanto para o estabelecimento de
agroindústrias. que se ressaltar as facilidades para a mecanização da
cultura e o surgimento de um sistema cooperativista dinâmico, que
apoiou fortemente a produção, a industrialização e a comercialização
das safras; o estabelecimento de uma rede de pesquisa de soja
envolvendo os Poderes públicos federal e estadual, apoiada
financeiramente pela indústria privada (Swift, Anderson Clayton,
Samrig, etc.). Por fim, foram realizadas melhorias nos sistemas viário,
41
A produção de soja passou de 323 mil toneladas, em 1963, restrita apenas ao norte e ao
nordeste do Rio Grande do Sul, para 12,6 milhões de toneladas, em 1977 (variação de 3.800%)
expandindo-se para outros Estados do País. A produção de soja, em 2006, foi a maior da
história. Nesse ano foram colhidos 52 milhões de toneladas do grão. O Brasil é, hoje, o
segundo maior produtor de soja do mundo, estando atrás apenas dos EUA que, em 2006,
obtiveram uma produção de 84,18 milhões de toneladas (http://www.ambienteemfoco.com.br).
55
portuário, e de comunicações, facilitando e agilizando o transporte e as
exportações (EMBRAPA, 2008).
O período Pós-Guerra vai ser marcado, portanto, por profundas
intervenções políticas do Governo brasileiro sobre a economia e o setor
agrícola. Do ponto de vista da intervenção do Estado na agricultura,
segundo Leite (2001), dois tipos de política econômica devem ser
destacados: a política macroeconômica e a política setorial.
A política macroeconômica incide sobre os grandes agregados da
economia, tanto em termos de quantidade como, por exemplo, o nível, a
composição e a taxa de crescimento da renda e da demanda, da
quantidade total de moeda, dos gastos governamentais, das exportações
e das importações, bem como dos fluxos de entrada e saída de divisas
estrangeiras e de Capital externo em geral, quanto de preços, os
chamados preços macroeconômicos básicos, como a taxa de câmbio, a
taxa de juros, a taxa de salários e o nível geral de preços. A política
macroeconômica é composta basicamente pela combinação das Políticas
fiscal, monetária, comercial e cambial.
a política setorial como parte da política econômica nacional
foi formulada com o objetivo de influenciar diretamente o
comportamento econômico-social de um setor específico da economia
nacional (indústria, agricultura, transportes, etc.). Em relação à
agricultura, podem-se mencionar três tipos principais de política
setorial: a agrícola, a agrária e a de desenvolvimento rural.
Para Leite (2001, p. 23):
A Política agrícola visa afetar tanto o
comportamento conjuntural (de curto prazo) dos
agricultores e dos mercados agropecuários, como
os fatores estruturais (tecnologia, uso da terra,
infraestrutura econômica e social, carga fiscal,
etc.) que determinam seu comportamento de
longo prazo. Assim, a Política agrícola engloba
tanto Políticas de mercado (preços,
comercialização, crédito), como Políticas
estruturais (fiscal, de pesquisa tecnológica e de
extensão rural, de infra-estrutura e de recursos
naturais e meio ambiente).
A política agrária, por sua vez:
Tem como objetivo influir na estrutura da
propriedade e da posse da terra prevalecente no
56
meio rural, através de sua transformação ou
regularização nas regiões onde a terra foi
historicamente apropriada privativamente
(Políticas de reforma agrária) e de sua influência
no processo de ocupação de novas terras
consideradas, pelas agências estatais ou pelos
atores privados, como de fronteira agrícola
(Política de colonização). Isso significa que a
Política agrária é eminentemente uma Política
estrutural, de intervenção direta em estruturas
existentes, tendo em vista sua alteração ou
consolidação, e de longo prazo, pois seus efeitos
serão plenamente percebidos apenas passado
algum tempo após sua implementação. Nesse
sentido, a Política agrária é considerada um
instrumento indispensável para que se
desencadeie um autêntico processo de
desenvolvimento rural sustentado e não apenas
de desenvolvimento agrícola (LEITE, 2001, p.
24).
Mesmo não existindo uma política agrária explícita, os objetivos e
os instrumentos utilizados pela política agrícola influenciaram
decisivamente a estrutura fundiária. A política agrícola da modernização
da agricultura levou a um aumento da concentração da posse e da
propriedade da terra no meio rural.
a política de desenvolvimento rural
42
representa tentativa de
integração das políticas agrícola e agrária, procurando levar em conta a
especificidade dos segmentos empobrecidos e não integrados da
agricultura familiar e a necessidade de desenhar políticas que atendam a
particularidades locais/regionais. Em suas propostas mais recentes,
passaram a incorporar a sustentabilidade do processo de
desenvolvimento rural, o que pressupõe, entre outros objetivos, a
conservação de recursos naturais e do meio ambiente.
A intervenção estatal e com o intuito de orientar e estimular a
implantação de novas técnicas de cultivo entre os agricultores, bem
como de criar estratégias para internalizar a modernização da
agricultura, foi criada, em 1948, em Minas Gerais, a Associação de
Crédito e Assistência Rural ACAR/MG. Sua origem foi o convênio
assinado entre o Governo do Estado de Minas Gerais e a American
Internacional Association - AIA, pertencente à família Rockefeller,
42
Explorar-se-á mais detalhadamente esse assunto no próximo capítulo.
57
culminando com o início dos serviços de extensão rural no Brasil.
Naquela época, a ACAR servia de entidade creditícia. Constituiu o
primeiro organismo Público a operar de acordo com a estratégia de
difundir a modernização da agricultura, e revelou que o Governo
brasileiro havia assimilado a responsabilidade de acelerar o processo
no País, tomando para si a responsabilidade de conduzir a expansão e a
acumulação capitalista no campo.
Por ter alcançado grande número de municípios brasileiros, houve
a necessidade de se criar um órgão central para coordenar o sistema, o
que de fato aconteceu em 1956 com a fundação da Associação Brasileira
de Crédito e Assistência Rural - ABCAR. A criação de tal Órgão
inseriu-se no contexto do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
(1956-1960) denominado de “50 anos em 5”, passando a representar-se
nos Estados pelas Associações de Crédito e Extensão Rural (ASCAR).
O orçamento e os programas prioritários centralizados e levados à
prática, em à escala estadual, não beneficiaram os interesses locais nem
a agricultura familiar (BIANCHINI, 2000).
O autor, acima, ainda observa que, no PND de 1972/1974, foi
criada, em 1974, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMBRATER), substituindo a ABCAR. As EMATERs
estaduais passaram a definir como prioritários os agricultores que
explorassem comercialmente suas propriedades. A agricultura familiar
passou a ser atendida por programas de baixa renda, com equipes de
técnicos agrícolas e extensionistas em programas sociais, com objetivos
assistencialistas.
Aos poucos as EMATERs foram se transformando em empresas
estaduais, como o caso da Empresa de Empreendimentos e Assistência
Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio Grande do Sul
(ASCAR/EMATER - RS
43
).
A internacionalização da pesquisa agrícola também se
caracterizou como instrumento de consolidação da modernização da
agricultura. Processou-se através da criação de centros internacionais de
pesquisa, em países estratégicos, com atuação acima das fronteiras
nacionais dos mesmos. Os países de economia periférica, em geral,
incluso o Brasil, atrasados em relação à pesquisa, passaram a
subordinar-se ainda mais aos interesses das corporações transnacionais
43
A Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar) atua, desde 1977, junto com a
Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência cnica e Extensão Rural -
Emater/RS.
58
que centralizaram sempre mais o controle da tecnologia de sementes
(BRUM, 1983).
O avanço da modernização, no Brasil, na década de 1970, exigiu
instrumentos mais eficientes e uma articulação mais eficaz. Para atender
a essa necessidade, o Governo brasileiro criou, em 1971, a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A atuação dessa
empresa acabou sendo influenciada, direta ou indiretamente, pelos
centros internacionais de pesquisa agropecuária (BRUM, 1983).
Os princípios norteadores da EMBRAPA, na época, eram: a)
transferência e adaptação de pacotes tecnológicos produzidos no
exterior; b) colaboração mais estreita com a indústria de insumos e
equipamentos agrícolas, bem como com os agricultores empresariais na
definição de projetos de pesquisa; e c) esforço de pesquisa por produto e
concentrados nos mais importantes (ROMEIRO, 1998).
Coube à EMBRAPA, após a extinção da EMBRATER em 1990,
através de Medida Provisória posteriormente homologada pelo
Congresso Nacional, coordenar o sistema de assistência técnica no
Brasil, através de uma Secretaria Nacional, passando as EMATERs para
o ônus exclusivo dos Governos Estaduais. Tal medida foi efetuada sob
uma nova ótica de gerência do Estado, iniciada naquele período, regida
pela “reforma administrativa”, com extinção de empresas estatais.
Para o impulso à agricultura capitalista, principalmente no
Sudeste e Sul do Brasil, participaram decisivamente os capitais
transnacional e estatal, através de uma Política específica de crédito
(RUCKERT, 2003). A política específica do crédito rural, adotado pelo
Estado pós-1964, caracterizou-se por três fases distintas que refletiram
intensamente na produção agrícola, no conjunto do País e no Rio
Grande do Sul, no contexto da internacionalização da economia.
A primeira fase, entre 1965/1976, caracterizou-se pelo crédito
público, altamente subsidiado, aos maiores produtores, o que gerou a
concentração da riqueza para os capitalistas da agricultura. Nessa
primeira fase, foi instituído, em 1965, o Sistema Nacional de Crédito
Rural (SNCR), juntamente com outros mecanismos como a Política de
agroindustrialização específica, instituída a partir dos chamados fundos
de financiamentos (MONTOYA & GUILHOTO, 1999).
A segunda fase, entre 1976 e 1980
44
, caracterizou-se pela retração
do crédito, porém com a inclusão, tímida, dos agricultores familiares ao
44
Caracterizou-se pelos recursos públicos que se concentraram mais para o financiamento de
custeio do que para o investimento. A venda de máquinas, de implementos, benfeitorias
59
SNCR
45
. Em 1978, as dificuldades se ampliaram, pois decresceram as
disponibilidades de obtenção de recursos para a agricultura. A dívida
externa cresceu, e a inflação de 1978 dobrou em relação a 1973. A
segunda explosão dos preços do petróleo, em 1979, contribuiu com o
aumento das taxas de juros internacionais em 1979/1980. Na terceira
fase
46
, após 1980, o Estado reduziu progressivamente o subsídio
agrícola.
Para exemplificar, em 1970 o Governo Federal destinou para o
Crédito Rural U$ 5,3 bilhões e, em 1979, U$ 23 bilhões. Esse crédito
rural foi subsidiado na medida em que não existia correção monetária, e
os juros eram fixados anualmente entre 10% e 15% até 1978, e de 21% a
38% até 1980. Em 1979, 90% do valor das vendas de tratores e
fertilizantes e mais de 75% das vendas de agroquímicos foram pagos
com dinheiro do crédito rural (BIANCHINI, 2000).
As políticas públicas da época (décadas de 1960, 1970 e,
parcialmente, a de 1980) foram marcadas pelo crédito rural, pelos
incentivos fiscais (desonerações do Imposto de Renda IR, e no
Imposto Territorial Rural - ITR), políticas de fomento produtivo e
comercial, direcionadas às clientelas das entidades criadas ou recicladas
no período, e pelas políticas de garantias de preços, seguro agrícola,
pesquisa e extensão rural.
O SNCR atuou como alavanca da modernização da agricultura e
viabilizou financeiramente o consumo dos “pacotes tecnológicos
(máquinas, equipamentos e insumos). A Região Centro-Sul e os
produtos “mais dinâmicos” (soja, café, trigo, algodão, entre outros)
foram privilegiados. Os agricultores familiares sem terra ou com pouca
terra foram marginalizados com políticas aquém das necessidades
(GALVÃO 1995).
Nessa época, a institucionalização do SNCR, a estruturação
interna do parque industrial e a consequente implantação do D1
,
consolidaram os Complexos Agroindustriais (CAIs). Os CAIs baseiam-
se num setor industrial de bens de produção para a agricultura, a fim de
se produzirem internamente máquinas e insumos, e de indústrias
produtivas, reprodutores bovinos, etc. eram menores frente às vendas de fertilizantes,
defensivos, etc., para a agricultura (RUCKERT, 2003).
45
No Rio Grande do Sul a agricultura familiar tinha, em 1977, 35,7% do número de contratos,
mas apenas 5,4% do valor total para o Estado. Em 1985, a agricultura familiar no Rio Grande
do Sul vai obter 75% do número de contratos, mas apenas 17,5% do valor total para o Estado.
Permanece a concentração dos valores para a agricultura capitalista.
46
Segundo Ruckert (2003), o crédito agrícola perde importância no contexto da Política
agrícola. Disparam as taxas de juros internacionais, e cai a atividade econômica em escala
mundial.
60
processadoras de produtos agrícolas (GALVÃO, 1995). Os CAIs
representam a integração da agricultura a esses dois segmentos
industriais. Desse modo, seu encadeamento (da agricultura) à montante
(bens de produção - máquinas, equipamentos e insumos) e à jusante
(processamento de matéria-prima agrícola) pressupõe sua inserção nos
mercados interno e externo.
Para Brum (1983, p. 118), os Complexos Agroindustriais (CAIs)
constituem:
um conjunto de atividades econômicas-agrícolas,
industriais, comerciais e financeiras - que
apresentam elevado grau de integração entre si.
Dentro desse conjunto de atividades a agricultura
se encontra numa situação desvantajosa,
dependendo do sistema financeiro como também
das indústrias de máquinas e insumos, das
indústrias de transformação e das empresas de
comercialização.
Conforme Silva (1999), a modernização da agricultura e a
consolidação dos CAIs afetaram a agricultura, e esta perdeu a auto-
suficiência de que dispunha. Os agricultores passaram a desenvolver
atividades especializadas, produzindo mercadorias, ou seja, valores de
troca. O processo produtivo perdeu suas características artesanais,
exigindo crescente divisão do trabalho, como se verifica na fase da
manufatura e da grande indústria. A nova dinâmica da produção rural
não pode mais ser entendida somente pelos mecanismos internos da
própria atividade agrícola (propriedade da terra, a base técnica da
produção e a fronteira agrícola), nem pela segmentação do mercado
interno versus o externo. Tratou-se de uma dinâmica conjunta das
indústrias à montante da produção rural e das indústrias à jusante.
Nesse período, as cooperativas que representavam importantes
canais de comercialização da produção, tornaram-se um instrumento
para o avanço e expansão da agricultura com fins comerciais. Da mesma
forma, a atividade comercial passou por transformações. Com o
fortalecimento das cooperativas, gradualmente desapareceram os
pequenos comerciantes das localidades interioranas. Representantes de
fábricas e máquinas e insumos agrícolas “modernos”, produzidos
principalmente no Estado de São Paulo, passaram a encontrar amplos
mercados para a comercialização de máquinas e de insumos agrícolas
(BRUM, 1983).
61
Contudo, se até o final da década de 1970 a conjuntura mundial,
apesar de alguns percalços, fora favorável, o que permitiu relativos
lucros também para os agricultores que se modernizaram, a partir de
1979
47
, porém, a segunda grande alta dos preços do petróleo no mercado
internacional promoveu uma crise na economia mundial, estrangulando
a economia brasileira na década seguinte. Os países do Norte, passaram,
então, a tomar medidas mais ou menos rígidas em defesa de suas
respectivas economias. A política monetária dos Estados Unidos, por
exemplo, triplicou a taxa de juros internacionais. Consequentemente, o
serviço da dívida externa brasileira, contraída a juros flutuantes,
aumentou consideravelmente. Tais fatores, adicionados ao recuo nas
cotações mundiais dos principais produtos de exportação, puseram em
xeque o padrão de desenvolvimento então vigente (BRUM, 1983;
BIANCHINI, 2000).
Em consequência, a década de 1980 ficou conhecida no Brasil
como a “década perdida”, marcada por juros elevados, inflação
crescente, corrupção generalizada e estímulos às exportações para o
pagamento dos serviços da Dívida. Em 1981, o Brasil recorreu à
Moratória
48
, estatizando a dívida externa. O Estado inadimplente não
podia manter as mesmas Políticas financeiras do período
desenvolvimentista
49
. Os efeitos sobre a Política agrícola não tardaram a
acontecer:
A política agrícola centrada no crédito abundante
e altamente subsidiada não era mais possível. A
redução do volume de dinheiro para os
financiamentos rurais, a demanda interna
reprimida pelo achatamento salarial, resultante da
recessão, as baixas cotações internacionais dos
principais produtos agrícolas exportáveis e a
oportunidade de ganhos fáceis no mercado
determinaram a queda no nível de investimentos
e a estagnação da produção agrícola
(BIANCHINI, 2000, p. 11).
47
De 1979 a 1984 o volume de crédito subsidiado se reduziu em 50%, sendo mantido apenas a
grupos “modernos, capitalizados ou dinâmicos”. O direcionamento de recursos financeiros
estatais, para um número limitado de produtores, tornou-se suficiente para manter os veis de
produção e produtividade do setor como um todo durante o período da crise do crédito
subsidiado (MARTINE, 1990).
48
Concernente ao Direito internacional público, consiste no ato unilateral de um Estado
declarando a suspensão do pagamento dos serviços da sua Dívida Externa.
49
Corresponde o período de 1930 a 1990.
62
Elevaram-se, na época, os preços dos produtos industrializados,
importados pelo Brasil. Como consequência, os custos da produção
agrícola subiram. Os preços dos combustíveis e dos insumos modernos
(máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos) que os
agricultores precisavam comprar, se elevaram em ritmo muito maior do
que os preços da produção agrícola. Os juros bancários se tornaram mais
elevados. Os artigos de consumo mais caros. Como efeito, os
agricultores se descapitalizaram e se endividaram.
As condições de articulação, de financiamento e de continuidade
desse padrão de crescimento econômico romperam-se bruscamente a
partir do início da década de 1980, como consequência da crise da
dívida externa e de suas principais formas de manifestações: a
impossibilidade de acesso ao mercado internacional de Crédito
combinado com a elevação da remessa de juros por conta do aumento
das taxas internacionais, as profundas crises institucional e financeira do
Estado e a aceleração vertiginosa da inflação. Com isso, a Política
macroeconômica - especialmente monetária, fiscal e comercial - ficou
refém da necessidade de viabilizar internamente os pagamentos relativos
ao serviço da Dívida Externa e de impedir que o agravamento do
endividamento público interno e da taxa de crescimento dos preços
empurrassem a economia para a hiperinflação. O resultado foi a adoção
de uma política econômica recessiva, acompanhada de desvalorizações
significativas da taxa de mbio, tendo em vista promover um amplo
deslocamento de recursos dos setores produtores de bens não-
comercializáveis para os comercializáveis, de modo que a possibilidade
de retomada do crescimento econômico passasse a depender do
comportamento do mercado externo e não mais do mercado interno,
viabilizando uma significativa transferência de poupanças para o
exterior, pela obtenção de superávits na balança comercial, a
transferência de renda dos assalariados através da aceleração
inflacionária e o desequilíbrio financeiro progressivo do Setor público
(LEITE, 2001).
Segundo o autor, com a aceleração da inflação e com a crise da
Dívida e do balanço de pagamentos, no início dos anos 1980, passou a
predominar no Brasil uma Política monetária contracionista que elevou
as taxas de juros internas e reduziu a disponibilidade de crédito na
economia. Essa política monetária teve efeitos imediatos na Política
agrícola, pois inviabilizou a continuidade da política de crédito rural
subsidiado, dominante nos anos 1970.
63
Os efeitos do modelo agrário tecnológico e sua crise, a partir dos
anos 1980, passaram a se tornar visíveis no Brasil e no Rio Grande do
Sul, abarcando consequências de caráter social, econômico e ambiental.
Pode-se afirmar que os responsáveis pela operacionalização da
modernização da agricultura nunca tiveram compromisso com a grande
massa da população, a fim de realizar um projeto nacional de
desenvolvimento não excludente.
A família rural foi assimilando valores e ideias provenientes da
cultura e da vida urbana, assumindo cada vez mais suas características.
Na década de 1970, o preço da terra cresceu extraordinariamente,
ocorrendo, a partir de então, um crescente processo de aglutinação de
unidades produtivas, principalmente através da incorporação, por
compra, das pequenas unidades produtivas, pelos médios e grandes
produtores. A retirada dos subsídios sobre o Crédito oficial e a sujeição
da renda da terra ao Capital, promovendo o empobrecimento e a
exacerbação das condições de expropriação, fizeram emergir enormes
obstáculos ao agricultor, especialmente familiar. Em muitos casos, a
solução encontrada foi colocar à venda a terra para saldar dívidas.
Tais impactos aumentaram o êxodo rural, acentuando nas
periferias os chamados “cinturões de miséria”, que o crescimento
urbano industrial esteve/está muito longe de assegurar empregos
suficientes para absorver esses contingentes, cada vez mais numerosos,
de força de trabalho com pouca ou nenhuma qualificação (BRUM,
1983; RUCKERT, 2003).
Dufumier e Couto (s/d, p. 90), a respeito dos impactos negativos
do modelo, colocam:
Não se pode negar que a modernização da
agricultura brasileira tenha suscitado, em duas
décadas, uma progressiva elevação do
rendimento físico e do desfrute para algumas
culturas comerciais. Tampouco se ignoram os
ganhos de produtividade do trabalho no contexto
daquelas mesmas atividades, fortemente
subsidiados pela política agrícola. Porém, a
exploração e a superexploração de mão-de-obra
cada vez mais temporária, o aumento do
desemprego, da subocupação em decorrência do
êxodo rural, constituem o aspecto dramático da
modernização conservadora. Mais cedo ou mais
tarde esses desequilíbrios vão acabar levando a
sociedade brasileira a tomar consciência do
64
produto dessa modernização que sequer tocou no
latifúndio.
O êxodo rural pode ser considerado como uma das grandes
consequências da modernização conservadora da agricultura.
Descapitalizados e sem emprego, agricultores familiares passaram a
deixar as suas unidades de produção rumo ao amplo mercado de terras
da fronteira agrícola do Oeste brasileiro, ou em direção às cidades.
A busca por novas áreas de cultivo, realizada especialmente por
gaúchos provenientes do norte, nordeste e noroeste do Rio Grande do
Sul, insere-se em uma conjuntura onde a presença de unidades agrícolas
de pequenas dimensões e com excedentes populacionais, fruto da
descapitalização e de partilhas sucessivas promovidas por heranças,
obriga a migração.
Ainda não se pode deixar de mencionar os problemas ecológicos
advindos da modernização da agricultura. A erosão dos solos agrícolas,
fruto do constante tráfego de máquinas e equipamentos, talvez tenha
sido um dos mais preocupantes. Contudo os problemas de erosão do
solo não ficaram restritos às áreas agricultáveis. efeitos sobre rios e
lagos, atacados pelo processo de assoreamento e de poluição
provenientes de fertilizantes e resíduos de agrotóxicos carreados pela
água, como também ao ser humano que acaba sendo atingido direta ou
indiretamente (ROMEIRO, 1998).
A esse respeito, pode-se observar o seguinte comentário:
O sucesso da agricultura ‘moderna’ na última
metade do século XX está no processo de minar a
própria fundação sobre a qual foi construída. As
técnicas, inovações, práticas e políticas que
permitiram aumentos na produtividade também
minaram sua base. Elas retiraram excessivamente
e degradaram os recursos naturais dos quais a
agricultura depende - o solo, reservas de água e a
diversidade genética natural. Também criaram a
dependência de recursos não renováveis e
ajudaram a forjar um sistema que cada vez mais
retira dos agricultores, que estão na melhor
posição para serem os guardiões da terra
agricultável, a responsabilidade de produzir
alimentos. Em resumo, a agricultura moderna é
insustentável - ela não pode continuar a produzir
65
comida suficiente para a população global, em
longo prazo, porque deteriora as condições que a
tornam possível (BIANCHINI, 2000, p 2).
É visível, portanto, que a modernização da agricultura permitiu a
expansão da territorialização do capital no espaço rural, sob a influência
do Estado e das empresas transnacionais tanto à montante quanto à
jusante do processo produtivo. É também perceptível que o modelo de
desenvolvimento urbano-industrial trouxe uma série de repercussões
socioterritoriais, afetando negativamente o segmento familiar e, por isso,
passou a ser contestado pela sociedade.
2.2 OS REFLEXOS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NA
QUARTA COLÔNIA-RS
Este item retrata os impactos da modernização da agricultura, na
Quarta Colônia-RS, que se mostraram mais evidentes a partir da década
de 1970. Procurou-se discutir o tema de forma subjetiva, já que as
sucessivas emancipações políticas, no decorrer das últimas três décadas,
dificultariam o tratamento dos dados estatísticos, de forma global e
linear, envolvendo os nove municípios da região. A Quarta Colônia
integrou-se efetivamente ao ambiente produtivo nacional na década de
1970, culminando com o processo de modernização da agricultura. A
partir desse momento, a Região começou a responder às demandas
urbano-industriais. Modificaram-se, desse modo, as estruturas
produtivas da agricultura tradicional, proporcionando novas articulações
ao mercado.
2.2.1 A trajetória da agricultura colonial: alguns aspectos
Até o final dos anos de 1960, a agricultura de base familiar era a
atividade econômica predominante na Quarta Colônia e o modo de vida
das famílias agricultoras era influenciado pela dinâmica regional/local.
Os agricultores utilizavam a fertilidade natural do solo e realizavam
sucessivas roçadas e queimadas que, paulatinamente, foram exaurindo a
sua capacidade produtiva, enquanto as florestas se reduziam de modo
acelerado, exceto nas áreas mais íngremes
50
.
50
Segundo informações de agricultores, na década de 1940, percebia-se que as matas da
Região já haviam sofrido processo intenso de derrubadas, restando as áreas menos apropriadas
66
A crise do sistema de rotação de terras, associado a partilhas
devido às heranças, promoveu maior pressão sobre os sistemas naturais,
uma vez que as famílias eram numerosas
51
, e os filhos, em idade de se
emanciparem da casa paterna, não conseguiam mais obter novas áreas
de terras com facilidade. A necessidade de utilizar intensivamente o solo
e a subdivisão da terra entre herdeiros fazia crescer o número de
unidades de produção, particularmente no estrato de área de até 25
hectares.
De acordo com Feldens (1989), o agricultor explorava cultivos
anuais, para os quais necessitava arar a terra uma ou mais vezes, durante
o ano. Todas (ou quase todas) as áreas deveriam ser cultivadas a fim de
manter a família e manter a unidade produtiva. A erosão e a redução da
fertilidade pela superexploração do solo tornaram necessárias a
derrubada e a queimada de novas áreas de mata para o cultivo agrícola.
Muitas vezes, se isso não era possível, a solução era a migração que se
constituía em um novo desafio, tornando-se uma importante estratégia
de reprodução familiar.
As migrações na região da Quarta Colônia iniciaram ainda na
década de 1920, e os fluxos dirigiam-se para Frederico Westfhallen-RS,
Palotina-PR
52
, além de Santa Catarina. As migrações mais intensas se
mantiveram durante todo o período da década de 1970, até meados da
década de 1980.
A agricultura colonial era realizada com tração animal e
equipamentos simples de trabalho, e se resumia na produção do feijão,
arroz, milho, produtos para o autoconsumo, fumo
53
, além da
vitivinicultura
54
. Predominava um sistema de produção
55
que consistia
para os cultivos anuais. A percepção de problemas ambientais naquele período são decorrentes
das derrubadas e queimadas da mata, que, como conseqüência, provocaram a erosão e a
redução da fertilidade do solo. Não havia a preocupação com a conservação do solo e, ligados a
esse fator, não existiam órgãos que desenvolvessem o trabalho de conservação, preservação e
melhoria da qualidade dos mesmos. A a década de 1960, o uso de fertilizantes não era
amplamente difundido.
51
Até a década de 1960/70, o tamanho das famílias era consideravelmente grande, uma vez que
não se fazia presente o controle de natalidade. Havia terras disponíveis, e a necessidade de
braços para trabalhar uma justificativa. O número de filhos de uma família podia chegar a 10
ou mais.
52
A migração de muitos agricultores para o município de Palotina-PR, a partir dessa época, foi
motivada pelos padres Palotinos que incentivaram os agricultores a colonizarem o local, os
quais adquiriram terras baratas e de boa qualidade. A colonização de Palotina-PR se deu a
partir de 1940. Para lá migraram famílias de várias comunidades da Quarta Colônia.
53
A cultura do fumo passa a integrar os sistemas de produção agrícola da Região a partir da
década de 1960.
54
Grande maioria dos agricultores da região desestimulou-se com à produção e venda de
vinho, em meados do século passado, em virtude do aumento da fiscalização e das normas
67
em roçadas e queimadas. O milho era plantado logo em seguida às
restevas do trigo. Completava, esse sistema de produção, a criação
extensiva de suínos, em locais apropriados, comumente denominados
“chiqueirões". No inverno, produzia-se basicamente o trigo e, no verão,
o feijão, o milho e o fumo, todos em pequena escala.
Durante a primeira Guerra Mundial (1914-1918), salienta
Pesavento (1984), ocorreu incremento na demanda de derivados de
suínos ao nível mundial. No Rio Grande do Sul, nessa época, se
exportava banha para o norte do País e a outros países como: Itália,
Alemanha, Inglaterra e países do Prata. No entanto, de 1937 em diante,
o Estado sofreu maior concorrência com o azeite platino e a banha
norte-americana. Para Lazzarotto (1976), durante a Segunda Grande
Guerra, os europeus deixaram de importar banha, provocando grave
crise na suinocultura gaúcha e, consequentemente, na produção do
milho. A região da Quarta Colônia, também vivenciou esta crise.
O trigo, amplamente cultivado nas áreas de Planalto da região da
Quarta Colônia, desde a colonização até a década de 1960, era semeado
a lanço e coberto com uma camada de terra através de uma enxada ou
grade puxada por junta de bois. Somente as maiores famílias
conseguiam plantar mais de três sacos, constituindo-se, isso, um
importante fator de diferenciação, entre os agricultores, e fundamental
na melhoria da qualidade de vida dos mesmos. A cultura do trigo
propiciou, nas maiores famílias, a acumulação para a aquisição, ou de
mais terras, de equipamentos (principalmente trilhadeiras, tão
necessárias na época para a debulha do trigo), ou de ambos.
O trigo era beneficiado para o consumo familiar em moinhos
artesanais existentes na Região, e o excedente era vendido a
comerciantes locais e para o moinho Zago no atual município de Faxinal
do Soturno. Mas grande parte da produção era transportada por via
ferroviária a Porto Alegre, para abastecer o Moinho Rio-grandense,
maior empresa moageira do Estado, da época, pertencente ao grupo
Bunge e Born, que procurava canalizar para si o escasso trigo produzido
no Estado. Contudo, tal cultura firmou-se até 1955, quando o trigo
importado dos EUA começou a “degenerar” as condições de mercado
para o trigo local.
de produção, bem como com a concorrência com outras regiões do Estado especialmente a
Serra Gaúcha – e do país, particularmente a Sudeste.
55
“Combinação de sistemas de cultivo e de criação simples, conduzidos nos limites
autorizados pelo aparelho de produção de uma unidade de produção (força de trabalho,
competência, meios mecânicos, químicos, biológicos e terras disponíveis da unidade de
produção considerada)” (MAZOYER, 1987).
68
Pequenas fábricas artesanais se desenvolveram, como enfatiza
Sponchiado (1996), desde o início da colonização. Vários moinhos de
moagem de milho e trigo foram construídos. Para o autor, os italianos
vindos do Norte, junto aos Alpes, conheciam bem a arte de construção
dos moinhos-d'água. Todos esses moinhos tinham a principal finalidade
de gerar alimento consumido em âmbito local, através da fabricação da
farinha de milho e de trigo. Tais moinhos tiveram um papel importante
no mercado local, pois a farinha servia de moeda de troca por outras
mercadorias. Além dos moinhos, foram se instalando ferrarias,
carpintarias, marcenarias, casas comerciais, etc. O artesanato
caracterizava-se pela confecção, na unidade de produção, de chapéus de
palha de trigo para uso familiar, cestas, queijos e salames, onde somente
uma pequena parte da produção era comercializada. A produção
artesanal de derivados da cana-de-açúcar, como o açúcar mascavo,
também foi importante, pois diminuía as despesas nas unidades de
produção. De modo geral, as famílias restringiam ao máximo possível
os gastos, buscando na própria unidade produtiva as condições de
reprodução socioeconômicas.
2.2.2 A modernização da agricultura e seus reflexos na economia da
Quarta Colônia-RS
No Pós-guerra, como outras regiões do Sul do Brasil, a Quarta
Colônia passou a sofrer os efeitos da mundialização do capitalismo
culminando com a desarticulação gradativa da economia colonial. A
partir das décadas de 1960-1970 instaurou-se o processo de
transformação estrutural da agricultura, marcado pela introdução de
máquinas e equipamentos que, lentamente, foram substituindo a força-
motriz animal nas unidades de produção. Além disso, também, ocorreu a
introdução de fertilizantes, defensivos e sementes geneticamente
melhoradas. As novas tecnologias, especialmente as máquinas, os
implementos e os agrotóxicos fascinaram os agricultores,
principalmente no que se referia à diminuição da penosidade no trabalho
que podia ser feito, a partir de então, de uma maneira mais rápida e com
menos pessoas envolvidas no processo de produção.
A partir desse momento, introduzem-se novos padrões de
consumo, passando a população a consumir novos produtos,
desenvolvidos pela indústria. Para isso, os costumes locais também
deveriam sofrer alterações, pois o local passou a pertencer a um jogo
econômico de escala mundial com intensa integração. Muitas
69
transformações ocorreram nesse período, ligadas a costumes, tradições e
na estrutura econômica local, quando incorporam-se, por exemplo,
equipamentos produzidos não mais na escala local, mas sim, na escala
nacional.
Isto se reflete nas casas comerciais
56
que, depois de experimentar
um maior dinamismo no período colonial em que deram o impulso
necessário para o desenvolvimento local, passam a declinar nesse
período. Tal fato foi causado, principalmente, pela concorrência de
cooperativas e indústrias que começavam a comercializar e produzir,
respectivamente, equipamentos e ferramentas de menor preço, de
melhor qualidade e, portanto, de melhor aceitação entre os agricultores.
O caso da fundação da Cooperativa Mista Nova Palma Ltda (Camnpal)
é um exemplo para entender o enfraquecimento das casas comerciais na
Quarta Colônia.
Ao se observar a desarticulação de um determinado padrão de
desenvolvimento econômico, social e tecnológico, representados pelas
casas comerciais e pelas fábricas artesanais, um novo padrão começou a
surgir a partir de 1960. Assim, a nova dinâmica ultrapassou as barreiras
regionais, articulando-se com a dinâmica nacional e internacional. Ao
mesmo tempo, o local daquele Município (Nova Palma) se re-
organizava, através da criação de três entidades (Prefeitura, Cooperativa
e Sindicato), impulsionando o processo de desenvolvimento local.
Em 31 de março de 1962, com apoio da Prefeitura de Nova Palma
e do Pároco (Pe. Simonetti), criou-se a Camnpal. Em 1970, a
Cooperativa já possuía uma infraestrutura razoável: o produto mais
comercializado, na época, era o fumo, seguido pelo feijão e, a partir de
1970, começou a receber a soja. Assim, a Camnpal começou a
centralizar a comercialização de produtos agrícolas de Nova Palma e
demais municípios (MARIN, 2000).
Para Müller (1989), as cooperativas abarcaram a produção que,
anteriormente, era destinada a comerciantes e a indústrias. Com elas,
ampliam-se as bases de negociação no núcleo de poder da cadeia
56
As casas comerciais ou “vendas” possuíam os suprimentos necessários de uso doméstico e
agrícola como remédios, roupas, calçados, alimentos, ferramentas, etc. Salienta-se a
importância concedida ao comerciante. A “casa de negócio” diferia muito de uma firma
comercial moderna e assemelhava-se mais a um misto de supermercado, banco, transportadora
e manufatura de produtos agropecuários. As grandes firmas comerciais localizavam-se em
Porto Alegre, as quais eram as responsáveis pela formação de preços: “este sistema baseava-se
na exploração do agricultor pelo comerciante, o qual recebia os produtos e só creditava o valor
correspondente após realizada a venda no mercado de Porto Alegre” (DE BONI & COSTA,
1984, p. 212).
70
agroindustrial alimentar, tornando-se canais internos e internacionais de
comercialização da produção agrícola.
Naquele momento (década de 60), as empresas fumageiras,
principalmente a Companhia de Fumo Souza Cruz e a Universal Leaf
Tabacos Ltda, instaladas em Santa Cruz do Sul, intensificaram a atuação
na região, visando à expansão da sua área de abrangência, assim, foi
introduzido o fumo Burlei e o Virgínia, tipo exportação, substituindo em
parte o fumo comum que passou a ser produzido em menor escala. A
partir daí se desenvolve o sistema de integração produtor-indústria. As
fumageiras disponibilizam financiamentos para a construção de galpões
e para a compra de defensivos químicos, comprando a produção
fumageira.
A impossibilidade de ampliar os criatórios extensivos de suínos e
o plantio em áreas maiores de trigo impuseram a produção do fumo
aliada a do feijão como alternativas para a reprodução das unidades
produtivas e das famílias, especialmente aquelas situadas nas áreas de
escarpa do Planalto. Devido a degeneração das condições de mercado
enfrentada pelo trigo, na década de 1970 a soja tornou-se uma
alternativa especialmente para as áreas do Planalto e da Depressão
Central. O bom preço foi um estímulo a sua expansão levando os
agricultores a arar hortas, parreirais, potreiros e retirada de
“chiqueirões”, para o plantio da oleaginosa. A soja possibilitou a
inserção da Quarta Colônia no mercado internacional em meados da
década de 1970 (MARIN, 2000).
A modernização da agricultura na Quarta Colônia não foi um
processo homogêneo. A mecanização e o emprego de insumos químicos
variaram de acordo com as características sociais, econômicas e
ecológicas de cada município e também com o tipo de cultivo. Uma
parcela significativa de agricultores, especialmente aqueles que tem suas
unidades de produção no Rebordo do Planalto, ou seja, ao norte da
região, como é o caso de áreas dos municípios de Silveira Martins,
Ivorá, Nova Palma, norte de Agudo, e áreas centrais de Pinhal Grande, o
relevo se impôs como um fator restritivo à mecanização.
Além disso, com a difusão da modernização se tornaram
explícitas as heterogeneidades entre os agricultores da área objeto de
estudo. Ficou evidente que o pacote tecnológico não foi incorporado, em
sua totalidade, deixando a margem particularmente os agricultores
situados nas porções mais declivosas. Porém os agricultores situados em
porções de relevo mais plano (Planalto e Depressão), e aqueles com
maior capacidade de investimento, puderam absorver maior as
tecnologias ofertadas pela modernização de caráter urbano-industrial. Os
71
demais produtores não tiveram condições de absorver as novas
tecnologias e por isso ficaram marginalizados ou foram excluídos da
modernização.
O Estado teve papel fundamental na organização do sistema
produtivo agropecuário mediante a formulação e implementação de
políticas em diferentes esferas. Assim, foram criadas as condições que
permitissem a vinculação de diferentes regiões ao modelo econômico
vigente. O Estado se tornou o porta-voz do Sistema capitalista. De
acordo com Souza (2007, p. 93):
O capital se orienta espacialmente em função das
suas possibilidades de reprodução. O evento
denominado modernização da agricultura
caracterizou-se como uma expressão da
acumulação desse mesmo capital no território por
meio de uma intensiva disseminação de
componentes tecnológicos.
De qualquer forma, no contexto da modernização assistiu-se na
região da Quarta Colônia crescente especialização da produção de grãos
(soja, feijão e milho), de fumo e, mais recentemente, de leite. Esta
mudança nas estratégias de reprodução dos agricultores, segundo
Schneider (1999), são interpretadas como o resultado das escolhas,
opções e decisões dos indivíduos em relação à família e da família em
relação aos indivíduos. Essas estratégias ocorreram nos limites de
determinados condicionantes sociais, culturais, econômicos e até mesmo
espaciais, que exerceram pressões sobre as unidades familiares.
Assim, mesmo que, de início, o aumento da produtividade tenha
gerado um aumento relativo da renda nas unidades de produção, com o
passar do tempo percebeu-se que a mudança tecnológica alterara os
preços agrícolas que entraram em queda. Se, por um lado, os preços dos
produtos foram diminuindo cada vez mais, as despesas do agricultor,
para produzirem aumentaram consideravelmente, em função do aumento
do consumo intermediário que se referia aos insumos de produção
(despesas com sementes, defensivos, fertilizantes, medicamentos para
animais, aluguel de máquinas, embalagens e outros itens que possam ser
considerados matérias-primas ou insumos produtivos). Esse é apenas um
dos aspectos que provocou questionamentos no modelo agrário
tecnológico, que se tornou evidente em fins da década de 1980.
Na década de 1980, começaram a se esgotar as fontes de
financiamento do Estado, gerando inúmeras crises de ordem fiscal e
72
monetária, acentuando-se o processo inflacionário. Nessas condições,
houve redução da oferta de crédito rural, surgindo grandes dificuldades
econômicas para os agricultores da Quarta Colônia. Além disso,
ampliaram os problemas ambientais, associados ao desmatamento e a de
doses excessivas de fertilizantes e defensivos químicos. Com efeito,
intensificou-se na região o êxodo rural e a migração tornou-se uma
estratégia para prover a reprodução, tanto no espaço urbano, como no
espaço rural.
Apesar das transformações, o espaço rural continuou sendo visto
como um espaço particular de vida e de trabalho dos agricultores, porém
com uma profunda inserção na vida da cidade. As mudanças decorrentes
da modernização da agricultura na vida das famílias rurais, está
claramente registrada na seguinte afirmação:
Mesmo que [...] determinados traços culturais
(festas, bailes, jogos, etc.) continuem a
representar os padrões de conduta e
relacionamento social, eles [os agricultores]
passam a conviver com outros valores sociais e
morais, característicos das sociedades industriais
modernas. Através das mudanças nos hábitos
sociais, no estilo de vida (forma de
comportamento, vestuário, música, etc.), na
alimentação e na sociabilidade como um todo,
observa-se que esse espaço social e econômico,
embora guarde pontos de contato com o
ambiente e o modo de vida colonial, é
perpassado pelo conjunto dos valores e normas
da sociedade moderna. Essa influência do
exterior [...] ocorre, sobretudo, pelo efeito dos
meios de comunicação de massa que determinam
e universalizam certos estilos de vida e normas
sociais de comportamento (BLAKELY e
BRADSHW, apud SCHNEIDER, 1999, p. 175).
Contudo, são os agravantes negativos em relação aos aspectos
ambientais e socioeconômicos que indica ser necessário se pensar um
novo modelo de desenvolvimento rural que possa promover as
potencialidades locais.
73
III DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO RURAL: TRAÇOS
DO DEBATE
Inserida em um conjunto amplo de transformações institucionais,
sociais e econômicas globais, a década de 1990, no Brasil, é marcada
por uma nova trajetória para o desenvolvimento rural. As mudanças
ocorreram tanto ao nível institucional/governamental, quanto no que se
refere ao campo operacional, trazendo repercussões significativas ao
meio rural brasileiro.
3.1 A NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E SUA
RESIGNIFICAÇÃO
As discussões mais intensas, a respeito do desenvolvimento das
sociedades, adquiriram notoriedade com o findar da Segunda Grande
Guerra Mundial. Em 26 de junho de 1945, ao término da Conferência de
São Francisco, Estados Unidos, a Carta das Nações Unidas, assinada por
51 países, fundava a Organização das Nações Unidas - ONU. Seus
objetivos primam pela manutenção e melhoramento dos níveis de
qualidade de vida, ou seja, têm como meta contribuir para a elevação
dos níveis de desenvolvimento, em todas as acepções do termo
(OLIVEIRA, 2002).
Com a criação da ONU, intensificaram-se os debates acerca do
conceito e dos meios para se conquistar o desenvolvimento. Passado o
pior da crise bélica, foram criados, pelos próprios Aliados e pela ONU,
uma série de Programas e Organismos especiais para ajudar os países a
tratarem dos problemas econômicos e sociais, de modo a manterem o
equilíbrio mundial. Dentre esses, pode-se citar o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD Banco Mundial), o Acordo Geral de Tarifas
e Comércio (GATT hoje Organização Mundial do Comércio - OMC),
o Programa das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),
o Programa para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do
Trabalho (OMT). Cada um com função e instrumentos específicos de
atuação, mas com um objetivo em comum: melhorar a qualidade de vida
das pessoas (Idem).
Contudo, os significativos avanços do pós-guerra, em todas as
áreas da Ciência, não foram acompanhados de um desenvolvimento (no
sentido amplo do seu termo, isto é, melhoria da qualidade de vida) junto
74
a todas as nações do mundo. Ao contrário, as desigualdades entre elas se
intensificaram, ao mesmo tempo em que a concentração de riquezas se
acentuou em favor das minorias.
muitas controvérsias em torno do conceito de
desenvolvimento. Não raramente, conceitos como progresso,
crescimento, industrialização, modernização, têm sido utilizados como
sinônimos de desenvolvimento. Para Almeida (1997), a ideia, de
desenvolvimento ganha força no início do século XX, revigorada por
teorias e princípios econômicos que viam no Estado um dos
impulsionadores da modernização, garantindo um importante papel ao
desenvolvimento econômico e técnico.
É dentro do Liberalismo que o termo desenvolvimento substituiu
a noção de progresso, que vigorou de forma predominante até a década
de 1930, associada a uma outra ideia de crescimento. A noção de
progresso, princípio fundante do espírito dos enciclopedistas franceses
do século XVIII e do Positivismo no século XIX, até então vinha sendo
entendida como um movimento evolucionista, na direção do
crescimento e da ampliação dos conhecimentos. O progresso não era
restrito apenas ao campo das Ciências, mas, sobretudo, referia-se a
melhorias das condições de vida, no sentido das liberdades políticas e do
bem-estar econômico (Idem).
O progresso assumiu, antes de tudo, um sentido parcial e prático:
o progresso é um “melhoramento”. Nos âmbitos técnico e científico, é
esse sentido que ainda predomina.
O mito do progresso, fragilizado pela crise financeira mundial,
nos anos de 1930, entra em colapso, definitivamente, no “mundo
civilizado ocidental”, industrialmente avançado, no final dos anos de
1970. Nos países pouco desenvolvidos industrialmente (periféricos),
esse é um conceito que nunca pôde ser verdadeiramente considerado, na
medida em que o avanço indefinido dos melhoramentos técnico-
científicos não aconteceram e não houve um recuo progressivo e
definitivo da miséria. A noção de progresso, que, dos séculos XVIII ao
XX, foi associada às ideias de crescimento, evolução, não é mais, hoje,
generalizável para todos os povos e sociedades (Idem).
As “crises” ambiental, econômica e social colocaram em xeque
essa noção generalizadora do progresso. Tais crises e a evolução social
das sociedades “modernas”, no século XX, esgotaram a força
mobilizadora dessa ideia.
Do mesmo modo, a noção de crescimento também é insuficiente
para dar conta das transformações estruturais dos sistemas
socioeconômicos, apesar de sua importância, pois apenas leva em
75
consideração a produção sob o aspecto quantitativo. Já a noção de
desenvolvimento, ao contrário, pretende evidenciar todas as dimensões
econômica, social e cultural da transformação estrutural da
sociedade, enfatizando a interação entre a dimensão econômica e as
dimensões sociocultural e ambiental (Idem).
Na década de 1960, a via de desenvolvimento, proposta para os
países de economia periférica, foi tomada de empréstimo daquela
seguida pelas nações ocidentais, hoje consideradas “ricas” ou
“avançadas” industrialmente. Aos países mais pobres, para se tornarem
também “ricos” ou avançados, era preciso imitar o processo de
industrialização desenvolvido nos países ocidentais, a fim de se alcançar
o crescimento econômico.
A noção de desenvolvimento não se impõe
somente como evidente, mas também como
universal. O desenvolvimento é um bem para
todos os lugares. É por isso que foi pensado e
aplicado de maneira uniformizante [...]. É um
modelo idêntico que se propaga em detrimento
de todas as diferenças de situação, de regime e de
cultura (ALMEIDA, 1997, p. 37).
Pode-se dizer que as nações capitalistas periféricas procuraram se
esforçar para promover o desenvolvimento econômico. Sendo assim, o
propalado desenvolvimento contribuiu para ampliar a pobreza e os
problemas ambientais.
Souza (2005, p. 105), ao discutir o conceito de desenvolvimento,
o faz na perspectiva de uma sociedade mais livre, democrática e menos
desigual. Para ele:
O desenvolvimento pode ser entendido como o
processo de auto-instituição da sociedade rumo a
mais liberdade e menos desigualdade; um
processo, não raro doloroso, mas fértil, de
discussão livre e racional’ por parte de cada um
dos membros da coletividade acerca do sentido e
dos fins do viver em sociedade, dos erros e acertos
do passado, das metas materiais e espirituais, da
verdade e da justiça.
Seguidamente, a ideia de desenvolvimento é reduzida à de
modernidade e, em consequência disso, os países de economia periférica
76
são julgados à luz dos padrões dos países de economia avançada, todos
de modernidade precoce. Esse etnocentrismo conduziu à aplicação, no
mundo inteiro, de um modelo único de modernização e, portanto, a ver
“em atraso” os países de economia periférica. Almeida (1997, p. 39)
destaca a diferença existente entre ambas: “a modernização indica a
capacidade que tem um sistema social de produzir a modernidade; e o
desenvolvimento se refere à vontade dos diferentes atores sociais (ou
políticos) de transformar sua sociedade. A modernização é um processo
e o desenvolvimento uma política”.
Também é comum associar desenvolvimento com
industrialização, pois a indústria é responsável por incrementos
positivos no vel do produto, no, assim chamado, crescimento
econômico.
Na América Latina e no Brasil, de forma mais intensa entre as
décadas de 1950 e 1970, as políticas de desenvolvimento enfatizavam a
necessidade de promover o crescimento do produto e da renda por meio
da acumulação de capital e da industrialização baseada na estratégia de
substituição de importações. Essa estratégia visava a produzir,
internamente, o que antes era importado. Para tanto, protegiam-se os
produtos internos, contra a concorrência estrangeira, por meio de taxas e
tarifas de importação, além de uma série de benefícios concedidos pelos
governos que acreditavam ser, a industrialização, a chave do
desenvolvimento. Esse foi o caminho escolhido para tentar romper os
laços de dependência que os países periféricos mantinham, e ainda
mantêm, com os países centrais (OLIVEIRA, 2002).
Entretanto, essa estratégia de desenvolvimento promoveu maior
desigualdade, além de fortalecer os laços de dependência externa.
Dentro de cada país, o crescimento industrial concentrou-se em alguns
centros, promovendo um forte desequilíbrio na ocupação do espaço.
Com a industrialização, a partir da segunda metade do século XX,
ampliou-se a estrutura produtiva, mas também se acentuou o hiato entre
as taxas de crescimento e de desenvolvimento. O que importa, na
verdade, mais do que o simples nível de crescimento ou de
industrialização, segundo Oliveira (2002), é perceber como os resultados
do crescimento econômico são distribuídos para a população, de modo a
melhorar a vida de todos.
A partir da década de 1970, a crise ambiental, gerada por um
modelo de desenvolvimento impactante nos recursos naturais e humanos
e baseado na evolução técnico-científica que tinha por fim promover o
crescimento econômico, passou a chamar a atenção de diversos setores
da sociedade, especialmente dos ambientalistas. Com isso novos atores
77
passaram a participar do debate em torno do desenvolvimento das
populações do mundo.
A preocupação com a degradação e conservação do meio
ambiente ganhou legitimidade, inicialmente, através do meio científico-
acadêmico, a partir da década de 1950, sobretudo nas Ciências naturais.
Nos anos de 1970, Ignacy Sachs apresentou a teoria do
ecodesenvolvimento, que se tornou precursora dos princípios do
desenvolvimento sustentável. Esta teoria relacionava a degradação
ambiental ao modelo de desenvolvimento calcado no uso intensivo e
exploratório dos recursos naturais, sugerindo mudanças no modelo
produtivista de desenvolvimento (CANDIOTTO; CORRÊA, 2004).
Para Sachs, o ecodesenvolvimento se integrava com outros
aspectos, não estritamente ambientais, para definir um verdadeiro
desenvolvimento. Os principais aspectos desse desenvolvimento seriam:
a satisfação das necessidades básicas da humanidade; a solidariedade
com as gerações futuras; a participação da população; e o respeito às
culturas nativas (Idem). Entretanto, um expressivo distanciamento
entre a realidade e a teoria, sobretudo quanto a possibilidade concreta da
operacionalização de tais princípios do desenvolvimento.
A preocupação em preservar o meio ambiente foi gerada pela
necessidade de oferecer às populações futuras as mesmas condições e
recursos de que se dispõe hoje. Em 1972, o Clube de Roma, composto
por industriais, políticos e cientistas preocupados em discutir os limites
do crescimento econômico, pelo uso crescente dos recursos naturais,
elaborou e publicou um relatório intitulado “os limites do crescimento”,
sob a organização de Dornella H. Meadows (OLIVEIRA, 2002).
Os autores do texto apresentado no Clube de Roma reacenderam a
chama do debate sobre o sentido do desenvolvimento, chamando a
atenção para problemas, principalmente poluição e degradação do meio
ambiente, que afetam a qualidade de vida de todo o Planeta.
Portanto, a partir da década de 1970, a pressão ambientalista e a
propagação da teoria do ecodesenvolvimento, de Ignacy Sachs,
passaram a ter um peso considerável nas economias capitalistas
avançadas, sobretudo Estados Unidos e Europa, tornando as discussões,
sobre desenvolvimento e meio ambiente, mais próximas. Emergiu nesse
contexto de “explosão ecológica”, a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente Humano, organizada em Estocolmo, Suécia, em
junho de 1972. Nessa conferência se estabeleceram os princípios
orientadores da relação homem-natureza e a gênese teórica do
desenvolvimento sustentável (SOTO, 2002; GUZMÁN, 1997).
78
Na primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente Humano, a ONU aceitou a constatação de que a degradação
ambiental – que se manifestava cada vez mais intensa – tinha uma
profunda ligação com o modelo de desenvolvimento adotado, calcado
no uso intensivo e indiscriminado dos ecossistemas terrestres e
aquáticos (CORRÊA; CANDIOTTO, 2004).
A Conferência de Estocolmo e o Relatório “os limites do
crescimento”, do Clube de Roma, ambos de 1972, foram marcos
importantes, ao nível internacional, na tomada de consciência de que os
recursos do Planeta são limitados e que, entre os diferentes países, existe
uma interdependência muito grande (RAMPAZZO, 2002).
No entanto, a questão ambiental foi afastada temporariamente das
discussões, uma vez que a situação de relativa folga no mercado de
matérias-primas (década de 1980) de certa forma desmentiu o
diagnóstico pessimista do esgotamento das reservas de recursos não
renováveis, apontado pelo estudo do Clube de Roma. Porém, esse
quadro de aparente otimismo que omite a escassez a longo prazo,
principalmente de combustíveis fósseis, se encerra, no final de 1980,
quando ocorre o ressurgimento da tomada de consciência dos limites
materiais do crescimento (Idem).
Ainda em 1983, a Assembléia Geral da ONU criou uma Comissão
para buscar harmonizar as questões de meio ambiente e do
desenvolvimento, culminando com a publicação, em 1987, do Relatório
Brundtland, conhecido no Brasil como Nosso Futuro Comum, e que se
constituiu no texto preparatório à Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) (CANDIOTTO;
CORRÊA, 2004; ALMEIDA, 1997). No Relatório Brundtland,
desenvolvimento sustentável aparece nos seguintes termos: “é aquele
que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer que as
futuras gerações possam suprir as suas próprias necessidades
(ALMEIDA, 1997, p. 42).
A definição de desenvolvimento sustentável, passa a ideia de
promover uma integração sistêmica entre diferentes níveis da vida
social, ou seja, entre a exploração dos recursos naturais, o
desenvolvimento tecnológico e mudança social. Contudo, não existe
consenso na comunidade científica, tanto no referente ao conceito
quanto nos princípios práticos para alcançar “esse desenvolvimento”.
Para Almeida (1997), o desenvolvimento sustentável ainda é uma noção
genérica e difusa, pouco precisa, transitando, portanto, em um campo
emergente e que está ainda muito sujeito às diferentes concepções e
definições. Para o autor:
79
A noção de desenvolvimento sustentável tem
como uma de suas premissas fundamentais o
reconhecimento da insustentabilidade ou
inadequação econômica, social e ambiental do
padrão de desenvolvimento das sociedades
contemporâneas. Esta noção nasce da
compreensão da finitude dos recursos naturais e
das injustiças sociais provocadas pelo modelo de
desenvolvimento vigente na maioria dos países
(2002, p. 25).
Em 1992, foi realizada a segunda Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de
Janeiro. Na época, formulou-se a Agenda 21 Global que indicaria as
diretrizes para o desenvolvimento sustentável no Planeta e que deu base
à formulação da Agenda 21 (século XXI) nacional, na qual há uma série
de princípios à agricultura sustentável (CORRÊA; CANDIOTTO,
2004).
Rampazzo (2002) propõe, sinteticamente, que o desenvolvimento
econômico deve vir acompanhado do desenvolvimento social e
ambiental.
Não pode haver desenvolvimento econômico sem
um desenvolvimento humano que o preceda ou
acompanhe. Esse desenvolvimento depende da
qualidade do território em que vivemos e da
qualidade das atividades humanas que ele
hospeda. Qualquer agressão a essa qualidade, se
for em benefício de poucos e em detrimento de
todos os outros, deve ser recusada, mesmo que
motivada por necessidades econômicas
presumidamente irrecuperáveis (p. 182).
Mesmo com tanta controvérsia, o crescimento econômico,
segundo Oliveira (2002), apesar de não ser condição suficiente para o
desenvolvimento, é um requisito para a superação da pobreza e para a
construção de um padrão de vida que pode ser relativo, mudando de
pessoa para pessoa, dependendo do contexto socioeconômico em que
vive. Mas, de modo geral, pensar em desenvolvimento é, antes de
qualquer coisa, pensar em distribuição de renda, saúde, educação, meio
ambiente adequado à vida, liberdade, lazer, dentre outras variáveis que
podem afetar a qualidade de vida das pessoas na sociedade.
80
A geógrafa Bertha Becker (2002) traz uma importante discussão a
respeito do desenvolvimento sustentável. Para ela, uma nova
racionalidade do sistema capitalista propõe o desaparecimento das
grandes utopias, o fim da era dos grandes modelos de desenvolvimento
e, ao mesmo tempo, enquanto tendência, tem um outro lado: cria a
possibilidade para o surgimento de novas e diversas utopias. Dessa
forma, geram-se as condições concretas para a coexistência de múltiplos
modelos de desenvolvimento. Essa diversidade de processos de
desenvolvimento orientar-se-á pelas necessidades e interesses locais.
Cada localidade (comunidade, municipalidade, sub-região, região,
território) poderá optar por um processo de desenvolvimento que
respeite seus valores e recursos específicos e melhor lhe oportunize
participar do processo mundial de desenvolvimento.
Contudo, prossegue a autora, essa nova fase expansionista ocorre
dentro dos limites do Modo Capitalista de Produção (MCP). As
transformações atuais são transformações capitalistas, cuja
funcionalidade está a serviço da valorização do capital financeiro,
transnacionalizado.
Qualquer ‘novo’ modelo de desenvolvimento
aparecerá ou se conformará dentro dos parâmetros
e limites do processo de valorização do capital
financeiro, cujas relações dominantes realizam-se
através do controle das informações, a
apropriação do conhecimento e da capacidade de
coordenação ‘pós-modernos’ que, ao mesmo
tempo que viabilizam a dominação em escala
mundial, abrem a possibilidade, embora dentro de
limites muito objetivos e concretos e muito mais
por necessidade do próprio sistema capitalista,
para as histórias locais, as tradições do lugar,
enfim, para os desejos, necessidades e fantasias
fragmentadas (BECKER, 2002, p. 68).
A citada geógrafa deixa claro que existe possibilidade de surgirem
novos modelos, novas utopias e, por consequência, que coexistam
múltiplos modelos de desenvolvimento. Esta é uma realidade decorrente
do próprio processo de transformação do sistema capitalista e é
funcional ao mesmo. Ao mesmo tempo, cada território ou região, deve
se organizar para enfrentar a nova realidade e arcar com os custos
sociais de sua própria reprodução. Essa é a lógica do processo.
81
Ao analisar o conceito de desenvolvimento sustentável, Becker
(2002) sublinhou que a sustentabilidade deve ser compreendida como as
múltiplas alternativas que cada localidade, região, ou nação, tem, pelas
suas diferenças culturais, ambientais e valores (éticosmorais) de se
inserir no processo geral de desenvolvimento. Em outras palavras,
sustentabilidade deve ser entendida como:
A capacidade de uma região em construir seu
padrão de desenvolvimento, num padrão de
desenvolvimento diferenciado, potencializando
suas especificidades (econômicas, sociais,
políticas, culturais, tecnológicas e ambientais) que
por si só são diferenciadoras e, por isso,
possibilitadoras de inserções diferenciadas (p. 77).
Cada local e região combinam o social, o político e o econômico
de acordo com suas necessidades e possibilidades, dando à
sustentabilidade um forte caráter local e regional.
Dessa forma, abre espaços para as especificidades
(culturais, naturais, valores éticos e morais) locais
e regionais. Portanto, são as especificidades locais
e regionais que possibilitam um desenvolvimento
diferenciado e diferenciador. Se isso pode ser
tomado como verdade, como pressuposto, cada
local e cada região procuraria potencializar suas
especificidades. Isso quer dizer que cada espaço
(local, regional, nacional), passaria a considerar a
cultura, a natureza, o humano como um valor.
Enquanto valor (o humano, a natureza, a cultura)
deveria ser valorizado. Isso implica considerar a
natureza, o humano como sujeitos. Enquanto
sujeitos, as relações entre ambos acabaria em
transformações não quantitativas mas,
principalmente, qualitativas (BECKER, 2002, p.
79).
A participação da população nos planos de desenvolvimento só se
tornou possível, em nossos dias, porque funcional e necessária ao
próprio sistema capitalista. O rompimento da rigidez tornou-se uma
necessidade do processo de valorização do capital. Flexibilizar a
acumulação, a reprodução, o trabalho, o espaço compreende também
82
flexibilizar a participação plural, do diverso, do diferente (BECKER,
2002).
Para a geógrafa, cada lugar terá que produzir seus mecanismos e
instrumentos institucionais de participação. Além da construção desses
mecanismos e instrumentos participantes, é preciso decidir por uma
marca, por uma identidade social, econômica, política, cultural,
tecnológica e ambiental, pela qual cada lugar será conhecido e
reconhecido como parte do processo de desenvolvimento
global/nacional. Neste contexto, o meio rural passa a assumir novas
funções, estreitamente vinculadas ao meio urbano.
3.2 A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE E AS NOVAS FUNÇÕES DO
RURAL
O rural, segundo Duran (1998), constrói-se socialmente e, como
construção social, está sujeito a mudanças. Assim, o meio rural
experimentou, nas últimas décadas, sucessivos processos de construção
(ruralização), desconstrução (desruralização) ou
reconstrução/reinvenção (revalorização). Em um momento uma
ordem social singularizada, autárquica e especializada na produção
agrícola que tem pouco a ver com o rural que emergiu nos anos de 1950,
1960 e 1970, caracterizado por um processo intenso de mudanças
tecnológicas, incrementos de produtividade, e influenciado
crescentemente por decisões e influências exógenas. Nesse sentido,
pôde-se falar em declínio do rural, em desaparecimento de um tipo de
apropriação do espaço e de padrões culturais específicos. De outro lado,
o rural do Pós-produtivismo, com possibilidades de novas
configurações ainda em construção: revitalização sociodemográfica,
revalorização simbólico-cultural, diversificação produtiva e
ocupacional, trocas produtivas, comerciais e socioculturais intensas, em
escalas local/regional, nacional e, mesmo, internacional.
Historicamente, o urbano foi caracterizado como símbolo de
liberdade, de desenvolvimento e de civilização. Era tido como um lugar
que possibilitava o pluralismo e uma grande variedade de estilos de
vida.
Em relação ao rural, tanto as teorias da modernização quanto a
ideia de progresso oriunda desta, permaneceram orientando as imagens e
concepções do rural por muitas décadas. Para Froehlich (2002), tanto em
83
uma mentalidade coletiva (as representações sociais
57
), atitudes e
intervenções sociopolíticas, amplamente difundidas, como em
sucessivos desenvolvimentos teóricos da sociologia (clássica), que
foram aplicados ao estudo das transformações do mundo agrário, a
interpretação prevalecente, historicamente, nos dois últimos séculos,
acerca da natureza, usos e funções do rural foi a sustentada em sua
valorização cultural como um estágio social atrasado, arcaico e
subdesenvolvido a ser superado com o desejável progresso
modernizador.
De acordo com o pensamento moderno, os seres humanos são
considerados protagonistas e donos absolutos de sua realidade sócio-
histórica, assim como do seu ambiente natural, concebido como uma
realidade externa a eles, que podia ser colocada, sem maiores
inconvenientes, a seu serviço, e possível de ser regulada, controlada e
submetida às suas exigências. Na óptica moderna, o rural era um
ambiente e um mundo oposto ao urbano, que deveria ser dominado e
superado (FROEHLICH, 2002).
À medida que o cotidiano nas metrópoles exibiu suas vicissitudes,
que o crescimento das grandes cidades acompanhou uma crescente
deterioração dos modos de vida considerados urbanos (violência,
insegurança, poluição, desigualdades sociais, etc.), os valores projetados
no contraste rural-urbano começaram a esmorecer: enquanto a sociedade
urbano-industrial começou a ser criticada, o meio rural começou a ser
valorizado. O grande avanço tecnológico e a compreensão espaço-
temporal por ele possibilitado, permitindo a deslocalização e a
relocalização (de mercadorias, capitais, pessoas, ideias) como amplo
fenômeno social, convergiram no sentido de diminuir as diferenças entre
o rural e o urbano e, ao mesmo tempo, ressaltar outras. Enquanto amplas
áreas rurais passaram também a contar com eletricidade, telefonia, vias e
meios de transportes e comunicação mais rápidos e sofisticados, e ainda
com os mais variados tipos de bens de consumo modernos, o interesse
pelos atributos (naturais e sociais) dos espaços rurais também cresceu
(Idem).
Para Marques (2002), as discussões realizadas em torno da
relação rural versus urbano podem ser relacionadas a duas grandes
abordagens: a dicotômica e a do continnum. Na primeira, em um modo
57
“As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e
compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social” (JODELET, 2002, p. 22 apud ARRUDA, 2002, p. 138).
84
geral, o rural é pensado como meio social distinto, que se opõe ao
urbano, enfatizando as diferenças entre esses espaços. Na segunda,
defende-se que o avanço do processo de urbanização é responsável por
mudanças significativas na sociedade em geral, atingindo também o
espaço rural e aproximando-o da sociedade urbana.
O enfoque dicotômico tem, como uma de suas principais fontes
de inspiração, as ideias do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies sobre
comunidade (relações pessoais face a face, vínculos de vizinhança) e
sociedade (relações impessoais e laços contratuais). Em fins do século
XIX, Tönnies deu expressão ao contraste conceitual entre o comunitário
e o não comunitário, através dos termos gemeinschaft e gesellschaft, em
um contexto social marcado pela reação ao avanço das ideias e valores
do racionalismo individualista. Assim, a antítese comunidade/sociedade
se ligou à antítese tradicional/moderno, transferindo-se para a oposição
campo/cidade com frequência (MARQUES, 2002).
Nos anos de 1930, sob o forte impacto das mudanças provocadas
pela expansão do Modo Capitalista de Produção, as ideias dos
sociólogos Pitirim Alexandrovitch Sorokin e Carle C. Zimmermann, de
caráter marcadamente dicotômico, tornaram-se referência na discussão
da temática rural-urbana. Os autores defendiam que a construção de uma
definição sociológica desses universos requereria uma combinação de
várias características de ordem econômica, espacial, social e cultural.
Para os mesmos, a cidade foi, desde os seus primórdios, uma sociedade
complexa, constituindo-se em um corpo social mais diferenciado do que
uma vila rural (MARQUES, 2002).
As diferenças fundamentais, identificadas por eles entre esses dois
meios sociais, referem-se às características de ordem econômica,
espacial, social e cultural, consideradas a partir de oito traços:
(1) diferenças ocupacionais ou principais
atividades em que se concentra a população
economicamente ativa; (2) diferenças ambientais,
estando a área rural mais dependente da natureza;
(3) diferenças no tamanho das populações; (4)
diferenças na densidade populacional; (5)
diferenças na homogeneidade e na
heterogeneidade das populações; (6) diferenças na
diferenciação, estratificação e complexidade
social; (7) diferenças na mobilidade social e (8)
diferenças na direção da migração (MARQUES,
2002, p. 100).
85
Mingione e Pugliese (1987) defenderam que, a partir dos anos de
1970, tem-se discutido amplamente a validade dessa dicotomia. Para os
autores, não se deve atribuir a essa dicotomia um valor interpretativo,
podendo, quando muito, se aceitar como uma forma convencional de
agregar as questões. Para eles, a presença de diversas atividades não
agrícolas no rural, por exemplo, tendem a aproximar o rural ao urbano.
Segundo Veiga (2004), o debate sobre a chamada “dicotomia”
rural-urbana opôs, em seus extremos, à hipótese da completa
urbanização, lançada pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre
(1970), à hipótese de um renascimento rural, contraposta pelo geógrafo
e sociólogo francês Bernard Kayser (1972).
Lefebvre defendia a hipótese da completa urbanização
(universalização da cultura urbana). Segundo Veiga (2004), ele
denominou sociedade urbana aquela que resulta da urbanização
completa, “hoje virtual, amanhã real”. A expressão denominou a
sociedade que nasce da industrialização. A ideia de generalização da
cultura urbana, contudo, desqualificava a pertinência do rural como
espaço portador de singularidades.
Segundo Lefebvre, a cidade tradicional foi “destruída pela
industrialização e, em um processo dialético, a sociedade inteira tende a
se tornar urbana. A sociedade urbana se anunciou muito tempo depois
que se estruturou a dominação urbana (ainda na Idade Média). A cidade
em expansão prolifera e, com seus subúrbios, invade o campo. Lefebvre
identificou duas importantes características do processo de urbanização:
a formação do tecido urbano e a afirmação da centralidade da cidade
quanto ao seu caráter decisório. O espaço rural estaria, então, cada vez
mais envolvido pelo tecido urbano que, além das cidades, é constituído
pelos espaços construídos para a circulação das mercadorias e das
pessoas (MARQUES, 2002).
Para Ferreira (2002), quando se produziram as teorias do
desaparecimento do rural, os processos de modernização da agricultura e
as mudanças do mundo rural haviam atingido o seu auge no Brasil
(década de 1970). Vários sentidos vinculavam-se à ideia de declínio:
Um sentido de esvaziamento demográfico, que era
evidente e trazia importantes consequências
sociais e ambientais, tanto para os espaços rurais
como para as cidades. Apontava-se para o
esvaziamento do rural e para o declínio do seu
peso demográfico nos diferentes países. Fazia-se
uma correlação imediata entre o declínio
86
demográfico e o papel social do rural: via-se o
lugar dos rurais num mundo em urbanização
como secundário;
Um sentido de diminuição da participação da
agricultura no PIB e da sua subordinação
crescente ao processo de agroindutrialização.
Falava-se de uma agricultura conduzida pela
indústria e organizada para a indústria, vale dizer,
de modernização agrícola e de qualidade do
produto agrícola estandardizadas pelas
agroindústrias; de agricultura tecnificada,
crescentemente separada de sua base natural
(identificada como rural). Falava-se de uma
agricultura que perdia a capacidade de produzir
empregos e ocupações, tanto nas suas
modalidades patronais como nas diferentes formas
sociais da agricultura familiar;
Um sentido de proletarização de grupos sociais e
de generalização do modelo empresarial moderno.
A efetiva permanência de formas sociais
diferenciadas da produção agrícola não teve
viabilidade: se as via, o paradigma modernizador
as entendia como resquícios ou expressões
transitórias de um rural em extinção (p. 29).
A hipótese inversa à completa urbanização surgiu, a partir de
1972, com Bernard Kayser que passou a perceber que o revigoramento
demográfico do meio rural, nos países desenvolvidos, seria um sinal do
renascimento rural.
O argumento central de Kayser é de que a
alteração da tendência demográfica não deveria
ser vista como um fenômeno superficial ou
passageiro. Para ele, algo que até poderia parecer
acidental, ou localizado, se revelava um
verdadeiro fenômeno ‘societal’. O repovoamento,
os modos de vida, a recomposição da sociedade
em vilarejo (villageoise), as atividades não
agrícolas, as políticas de ordenamento, as políticas
de desenvolvimento local, e as práticas culturais
estariam mostrando que a dimensão demográfica
seria apenas um indicador do que estava
ocorrendo nos países desenvolvidos: um
renascimento rural (VEIGA, 2004, p. 53).
87
Para Veiga (2004), a hipótese da completa urbanização de
Lefebvre pode ser hoje refutada. A única maneira de entender como
Lefebvre fora levado a essa hipótese, segundo o autor, está ligada ao
hábito de resumir o rural ao agrário. A hipótese de Kayser poderia
parecer mais correta, já que todas as evidências apresentadas confirmam
aqueles indícios que levaram o autor a vislumbrar um renascimento
rural. Segundo Veiga (2004), o termo renascimento também não parece
apropriado para caracterizar um fenômeno inteiramente novo, como é
esse rural, que tem sido chamado de Pós-industrial, Pós-moderno ou
Pós-fordista. Para o autor, o que é novo no rural contemporâneo pouco
tem a ver com o passado, pois nunca houve sociedades tão
desenvolvidas como as que, hoje, tanto estão valorizando sua relação
com a natureza e o que o rural pode oferecer à sociedade.
Assim, segundo Veiga (2004), na atual etapa da globalização, o
rural dos países avançados (e acrescenta-se, no Brasil), não desapareceu,
nem renasceu, fazendo com que as duas hipóteses fossem ao mesmo
tempo parcialmente verificadas e refutadas, o que leva à formulação de
uma terceira: a valorização do meio rural não está renascendo, e sim,
nascendo.
A segunda abordagem da relação rural-urbana é aquela que nasce,
na segunda metade do século XX, com o avanço do processo de
urbanização e com a modernização da agricultura e que passou a ser
denominada de continuum rural-urbano. Nessa abordagem, afirmava-se
a tendência a uma maior integração entre cidade e campo, com a
modernização deste e a destruição de formas arcaicas. Admitiram-se
diferenças de intensidade e não contrastes entre esses dois espaços.
Henri Mendras foi um desses representantes, nesse período, na França, e
Raymond Edward Pahl, nos Estados Unidos (MARQUES, 2002).
Wanderley (2001) analisou a abordagem e entendeu que o fim do
isolamento entre as cidades e o meio rural podia ser analisado por meio
do conceito de continuum rural-urbano. Contudo, ela afirmou que este
conceito (tanto quanto o de urbanização do campo) é utilizado em duas
vertentes principais: a primeira corresponde a uma visão “urbano-
centrada”, defendida por Rambaud, que privilegiou o polo urbano do
continuum como a fonte do progresso e dos valores dominantes que se
impõem ao conjunto da sociedade. Essa vertente das teorias da
urbanização do campo e do continuum rural-urbano apontam para um
processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria no fim
da própria realidade rural, espacial e socialmente distinta da realidade
urbana. É defendida, no Brasil, por José Graziano da Silva e Octavio
Ianni.
88
A segunda vertente considera o continuum rural-urbano como
uma relação que aproxima e integra dois polos extremos. Nessa segunda
perspectiva, a hipótese central é de que, mesmo ressaltando-se as
semelhanças entre os dois extremos e a continuidade entre o rural e o
urbano, as relações entre o campo e a cidade não destroem as
particularidades dos dois polos e, por conseguinte, não representam o
fim do rural. É defendida por Wanderley (2001); Carneiro (1999);
Alentejano (2003); Moreira (2005); Veiga (2004); Abramovay (2003); e
Schneider (2003).
Está ocorrendo um processo de valorização do meio rural, sob
novas bases técnicas/mercadológicas, em parte pelas evidências das
relações social, econômica, técnica e cultural mais próximas entre os
meios rural e urbano, que não destroem as especificidades do rural. Os
estudiosos procuram discorrer sobre essas questões.
Alentejano (2003) defendeu que o desenvolvimento do
Capitalismo e a modernização da agricultura desencadearam a
“urbanização do campo”. Tal tese é reforçada pela proliferação de
atividades não agrícolas no campo, antes eminentemente urbanas, como
o turismo no meio rural, segundas-residências, o comércio e a prestação
de serviços. Contudo, embora tendo o seu significado alterado, o rural
permaneceria caracterizado por sua natureza distinta do urbano.
Para o autor (2003, p. 29):
Ainda há lugar para o rural como elemento de
descrição e explicação da realidade, mas seu
significado atual mudou. [...] Apesar das inegáveis
transformações sociais, econômicas, culturais e
espaciais resultantes do desenvolvimento do
fenômeno urbano, o rural não deixou nem deixará
de existir, apenas teve e está tendo seu significado
alterado.
Prossegue o autor, abordando que o rural tende a ser visto, nos
debates, como um modo particular de utilização do espaço e da vida
social. A compreensão da imagem do rural implicaria, portanto, a
compreensão dos contornos (o espaço ecossistêmico), das
especificidades (o lugar onde se vive) e das representações (o lugar onde
se e se vive o mundo). Os habitantes do campo, segundo o autor,
manteriam relações específicas com a natureza, relações próprias de
interconhecimento e de comunicação direta, face a face.
89
Carneiro (1998) defendeu as relações e as especificidades entre o
rural e o urbano. Destacou que o ritmo das transformações das relações
sociais e de trabalho no campo transforma as noções de “urbano” e
“rural” em categorias simbólicas a partir de representações sociais que,
em algumas regiões, não correspondem mais a realidades distintas,
cultural e socialmente. No entanto, a autora deixa claro que tal processo
não resulta em uma homogeneização que reduziria a distinção entre o
rural e o urbano a um continuum (urbano-centrada).
É importante considerar que o ‘campo’ não está
passando por um processo único de transformação
em toda a sua extensão. Se as medidas
modernizadoras sobre a agricultura foram
moldadas no padrão de produção (e de vida)
urbano-industrial, seus efeitos sobre a população
local e a maneira como esta reage a tais injunções
não são, de modo algum, uniformes, assim como
tais medidas não atingem com a mesma
intensidade e proporções as diferentes categorias
de produtores (p. 53).
Os limites da abordagem da completa urbanização são defendidos
por Carneiro (1998). Segundo a autora, afirmações de que o tecido
urbano (conjunto de manifestação do predomínio da cidade sobre o
campo) estender-se-ia, consumindo os resíduos da vida agrária, era
típico nos anos de 1960 e 1970, quando a pujança do Capitalismo
apontava para esse caminho. Nos anos de 1980, os limites do
produtivismo no campo e da expansão industrial nas cidades,
principalmente nos países de Capitalismo avançado, geraram formas de
reprodução social no campo (e nas cidades).
José de Souza Martins também considerou que, para compreender
o mundo rural, é imprescindível levar em conta suas conexões com o
urbano, ou seja, entender a sociedade brasileira como uma totalidade em
que o urbano e o rural são aspectos da sociedade nacional, mas não
como a concepção dualista que considerava o rural e o urbano como
polos separados e até antagônicos (SOTO, 2002).
Carneiro (1998) analisou que as transformações na comunidade
rural, provocadas pela intensificação das trocas com o mundo urbano
(pessoais, simbólicas, materiais...) não resultam, necessariamente, na
descaracterização de seu sistema social e cultural. Mudanças de hábitos,
costumes e mesmo de percepção de mundo ocorrem de maneira
irregular, com graus e conteúdos diversificados, segundo os interesses e
90
a posição social dos atores, mas isso não representa uma ruptura
decisiva no tempo nem no conjunto do sistema social.
A inserção plural do agricultor (e seus filhos) e de parte da
população rural no mercado de trabalho não agrícola tem estimulado
trocas mais frequentes dos bens materiais e simbólicos entre o mundo
“urbano” e o mundo “rural”, contribuindo para a diluição das fronteiras
entre a cidade e o campo, entre o rural e o urbano. Carneiro (2002)
abordou que as preocupações econômicas, as maneiras de se vestir, de
habitar e outras práticas culturais não são mais eficientes para distinguir
a origem urbana ou rural dos indivíduos, mas reforça que não se trata de
um processo de homogeneização em direção ao padrão urbano.
Ferreira (2002) também apontou que, no Brasil, não é apenas a
agricultura que define o meio rural, apesar de seu peso significativo e
ainda predominante. Portanto, não se pode generalizar e abordar o meio
rural brasileiro como exclusivamente setorial (agricultura e pecuária).
A partir dos anos de 1970/80, nos países capitalistas centrais e,
nos anos de 1990, no Brasil, registraram-se processos de recomposição
dos espaços rurais (retomada do crescimento demográfico,
diversificação ocupacional, aumento na oferta de trabalho, etc.). A
maior proximidade (social, econômica e cultural) entre os meios rural e
urbano estimulou o surgimento de novas dinâmicas no meio rural. As
Ciências Sociais passaram a analisar esse fenômeno falando de
ruralização, neorruralismo, novo rural, novas ruralidades, rurbanismo e
renascimento rural, como mencionava Kayser.
Novas formas de perceber e valorizar culturalmente o rural se
desenvolveram, sobretudo na Europa, tanto por uma considerável
proporção de sua população como por parte dos representantes das
instituições encarregadas de determinar e pôr em marcha as políticas
agrárias/públicas. Há, na Europa, um fenômeno de revalorização e
recuperação de certos aspectos da sociedade rural, que foram delegados
pelos “estímulos do progresso”. Para Durán (1998), desde os anos de
1980, sobretudo, vem se observando, naquele continente, uma paulatina
intensificação das atividades de associações e instituições, públicas e
privadas, encaminhadas à conservação e propagação da cultura e da
arquitetura das áreas rurais, assim como à proteção da natureza (turismo,
lazer), à produção de alimentos saudáveis (com qualidade gustativa,
nutricional e sanitária) e à manutenção da rede social de tais áreas
(segundas-residências, moradia).
Está estendendo-se a esses países uma nova concepção de meio
rural cada vez menos voltado à produção, em que experimentam
processos denominados por Durán (1998, p. 144) de ruralização, não
91
mais vinculados necessariamente à sua potencialidade e capacidade
agroecológica ou às condições do meio ambiente. Pelo termo
ruralização se faz referência “a difusão e gradual assimilação em uma
comunidade determinada de padrões/pautas/leis de comportamento,
sistemas de valores, atividades ocupacionais e atividades para o entorno
consideradas como rurais”.
Na França, por exemplo, o espaço rural vem vivenciando uma
queda crescente na oferta de emprego (agrícola). Isso vem acontecendo,
segundo Carneiro (2002), porque, desde a década de 1960, o campo tem
sido valorizado (como lugar onde predominam o ar puro, a simplicidade
de vida e a natureza, em oposição à cidade, cada vez mais poluída pelo
crescimento industrial) e exerce um poder de atração sobre a população
urbana que, sem abandonar seus empregos, estabelece suas residências
nessas áreas, promovendo um deslocamento regular e cotidiano entre
cidade e campo. É o que demonstra Durán (1998):
Tudo isso acontece simultaneamente às
tendências, bastante generalizadas nas sociedades
avançadas, para a recuperação da vitalidade
demográfica, econômica e ocupacional de certas
zonas rurais. Assim, nestas sociedades se está
produzindo uma crescente expansão do fenômeno
da localização, por parte da população urbana, da
sua segunda-residência no entorno rural. Cada vez
é maior o número de profissionais urbanos que
optam por viver permanentemente nas zonas
rurais circundantes às cidades de onde trabalham,
as quais, devido às facilidades de comunicação e
locomoção hoje existentes, podem deslocar-se
diariamente com relativa facilidade. Sem vida,
nesta recuperação de algumas áreas rurais
repercute a/na contínua melhoria da qualidade de
vida que nelas tem lugar, pois isto faz que
reclamem mais serviços, os quais, unidos a novas
funções que se requer do meio rural, dão lugar a
um apreciável (considerável) incremento do grau
de diversificação ocupacional do mesmo, que está
compensando a perda da população
economicamente ativa na agricultura, produzida
como consequência da crescente modernização e
tecnificação deste setor produtivo (p. 147).
92
Para o autor, as novas formas de conceber o rural podem ser
entendidas como construções sociais tendentes a simbolizar distintas
alternativas às insatisfações e aspirações de muitos dos atuais urbanos.
Os processos de lento aumento populacional no meio rural dos países de
economia avançada, especialmente, inserem-se, entre outros contextos,
na crescente valorização da agricultura como guardiã e protetora da
natureza e do entorno ambiental, provocando a revitalização de
determinados espaços e a intensificação das relações entre os meios
rural e urbano, através do lazer, das segundas-residências e do turismo.
Carneiro (2002) discute que, enquanto na França a agricultura tem
como função principal a produção de uma paisagem a ser consumida
pelos turistas e novos residentes (a agricultura é vista, neste caso, como
um subproduto da preservação ambiental), no Brasil, nem a preservação
ambiental nem a manutenção da coesão social são funções da
agricultura. Ao contrário, as atividades que preenchem essas funções são
exercidas ou estimuladas pelos que vieram de fora (os neorrurais, por
exemplo, que são as pessoas provenientes das cidades que vão usufruir
da qualidade de vida do campo). A autora admite, ainda, substituir a
expressão multifuncionalidade da agricultura pela multifuncionalidade
do território, sendo a agricultura uma atividade, entre outras, de geração
de renda.
Na mesma direção, Wanderley (2001) discutiu que o recorte
campo-cidade, como forma de apreender as diferenças espaciais e
sociais nas atuais sociedades, se enriquece, hoje, no novo contexto
gerado pelos processos de globalização e do Pós-modernismo. A
revalorização dos espaços locais, a capacidade de organização e de
pressão revelada pelos movimentos sociais que se reclamam do rural e
do agrícola, reiteram a existência do rural como espaço específico e ator
coletivo, assumindo e incorporando novas funções e atores sociais.
Para a autora, o espaço local é o lugar do encontro entre o rural e
o urbano. Nele as particularidades de cada um não são anuladas; ao
contrário, são a fonte da integração e da cooperação, tanto quanto das
tensões e dos conflitos.
Contudo, Wanderley (2001) deixou claro que, apesar da
emergência de novos sentidos ao rural, a agricultura ainda é e será, por
muito tempo, a atividade principal, a fonte primordial de ocupação e
renda, a base para a criação de novas alternativas econômicas e para o
desenvolvimento de atividades de transformação e comercialização. Ao
mesmo tempo, defende a importância do agricultor como principal ator
social do meio rural.
93
Até os anos de 1970, tudo parecia indicar que os modelos
industriais e urbanos iriam impor-se de forma rápida e definitiva ao
campo, em função da modernização da agricultura, transformando a
agricultura em “um ramo a mais da indústria”, e os agricultores em
produtores e habitantes suburbanos. Para Giuliani (1990), o que parecia
uma tendência inevitável, na década seguinte revelou possibilidades
de produzir um movimento em sentido contrário, o que os franceses
passaram a chamar de neorruralismo (neorrurais).
Para o autor, o neorruralismo expressa a ideia de que uma série de
valores típicos do “velho mundo rural”, e que se pensava estar em vias
de extinção, passou por um certo revigoramento e começou a ganhar
para si a adesão de pessoas da cidade. A volta às relações diretas com a
natureza, a ciclos produtivos e tempo de trabalho mais longos e menos
rígidos, ao ar puro e à tranquilidade, assim como o desejo de relações
sociais mais profundas e, sobretudo, da autodeterminação, são as
dimensões que atraem pessoas da cidade ao campo.
Os “novos-rurais” brasileiros, segundo Giuliani (1990), podem
expressar as mesmas motivações de seus correspondentes franceses;
porém, as estruturas em que, respectivamente, se inserem são bastante
diferentes. À diferença dos europeus, que vão ao campo reproduzindo o
modelo de produção familiar, no Brasil os “novos rurais” vão ao campo
reproduzindo o modelo de produção capitalista: são pessoas instruídas e
com condições financeiras. O que é comum é que o tempo de lazer e o
tempo produtivo se confundem, porque as atividades desempenhadas
são fruto de uma escolha. Não raro, contudo, são os distanciamentos
(social, cultural) entre os modos de vida dos “nativos” com os
neorrurais.
À relação complementar entre rural e urbano, Durán (1998), em
uma mesma concepção de Carneiro (1998), denominou de rurbanismo.
Para ele, frente à tradicional vinculação do rural a um território com
características específicas e claramente separado do urbano, está
bastante presente o fenômeno do rurbanismo, de tal modo que, da
mesma forma que o meio rural está cada vez mais penetrado por
práticas, comportamentos e símbolos notadamente urbanos, nas cidades
estendem-se os hábitos, as manifestações socioculturais ou as
predisposições favoráveis a esse meio (rural).
Tanto Silva (1996) quanto Ianni (1996) entenderam que o rural
possui uma nova imagem que já não se diferencia do urbano. Ianni
(1996) abordou que os padrões e valores e o modo de vida urbano são
estendidos ao campo, industrializado por meio da “tecnificação,
maquinização e quimificação” dos processos de trabalho e produção.
94
Silva (1997) mencionou que é cada vez mais difícil delimitar o
que é rural e o que é urbano e afirmou que o rural de hoje pode ser
entendido como um continuum do urbano, do ponto de vista espacial.
Para o autor, o meio rural brasileiro se urbanizou, nas duas últimas
décadas, como resultado do processo de industrialização da agricultura,
de um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo urbano naquele
espaço que tradicionalmente era definido como rural.
Tal transbordamento é favorecido pela expansão de atividades
não agrícolas em algumas regiões do País. Para o autor, entre as
principais atividades não agrícolas, com importância crescente no meio
rural brasileiro, devem-se destacar aquelas relacionadas com a
proliferação de agroindústrias familiares; aquelas atividades
relacionadas à crescente urbanização do meio rural (como moradia,
turismo, lazer e outros serviços) e à preservação do meio ambiente e à
proliferação dos sítios de recreio ou chácaras de final de semana.
Essas atividades originaram, no Brasil, o que o autor denominou
de “novo rural, que possui quatro principais subconjuntos:
- agropecuária moderna, vinculada às agroindústrias, formando os
complexos agroindustriais;
- atividades de subsistência assentadas em uma agricultura
rudimentar de pequeno porte, também chamada de ‘sem-sem’, que foi
excluída pelo processo de modernização;
- conjunto de atividades não agrícolas, ligadas ao lazer, moradia, e
várias atividades industriais e de prestação de serviços;
- “novas” atividades agropecuárias, voltadas a um mercado menor
e mais sofisticado (criação de aves exóticas e outros animais para
alimentação e venda, ornamentação com espécies vegetais – flores, entre
outros).
As críticas a essa imagem de rural, de Graziano da Silva,
respaldam-se de que o autor baseou-se em demasia no meio rural
paulista para caracterizar o “novo rural” brasileiro que, apesar de
apresentar uma nova dinâmica, não pode ser generalizado.
Moreira (2005) também vai se posicionar no contexto das
transformações do rural, recentemente. Para ele, o “novo rural” passa a
ser compreendido não mais como espaço exclusivo da atividade
agrícola, mas como lugar de uma sociabilidade mais complexa que
aciona novas redes sociais regionais, estaduais, nacionais e mesmo
internacionais. Redes sociais, as mais variadas, que, no processo de
valorização do espaço rural, envolvem a reconversão produtiva
(diversificação das atividades), a reconversão tecnológica (tecnologias
alternativas de cunho agroecológico e natural), a democratização da
95
organização produtiva e agrária (reforma agrária e fortalecimento da
agricultura familiar), bem como o fortalecimento e a expansão do
turismo no meio rural. A promoção de festas, os rodeios e as feiras
agropecuárias associam-se à valorização da cultura local e de etnias e ao
apoio à produção de artefatos, os mais diversos, como conservas,
artesanatos e manufaturas associados à natureza e à cultura popular e
tradicional, bem como na dinamização de agroindústrias associativas ou
não de agricultores familiares. Esses processos de revalorização do meio
rural consolidam atividades rurais e urbanas em cidades interioranas,
reduzem (podendo mesmo reverter) o processo de migração rural-urbana
e são associados à consolidação de processos participativos de
planejamento e gestão social como, por exemplo, nos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural.
O mesmo autor, em uma importante interpretação, discute que o
“novo rural” estaria indicando tensões no núcleo de poder hegemônico
(da indústria e da cidade) da modernidade. Rearranjos desse poder
hegemônico poderiam ser visualizados nas novas posições que assumem
o capital financeiro, as indústrias da informação, da propaganda e da
cultura, as empresas transnacionais e as instituições econômicas,
políticas e culturais transnacionais, enfim o Capitalismo. As
ressignificações do rural emergiriam dessas tensões no polo hegemônico
capitalista.
Alentejano (2003), na mesma direção, abordou a apropriação
capitalista das novas funções do rural. Depositários principais da
biodiversidade, de um rico patrimônio paisagístico e de formas de vida
crescentemente valorizadas nos dias de hoje, os espaços rurais, segundo
o autor, ganham dimensões promissoras para o processo de
desenvolvimento. Essa ampla diversidade é a marca fundamental desse
“novo rural” (turismo rural, produção agroecológica, ampliação dos
serviços no meio rural), onde o capital avança buscando apropriar-se
delas.
Contudo, o campo não passa por um processo único de
transformação em toda a sua extensão e de modo idêntico em todo o
Brasil. As novas dinâmicas presentes no meio rural variam
consideravelmente nos territórios, fazendo com que os tipos de
atividades geradoras de renda no meio rural também variem, a partir das
particularidades de recursos locais, sendo, hoje, incorporadas à dinâmica
capitalista.
Em alguns territórios, o investimento na produção agrícola poderá
continuar a ser estratégico, não só por causa da renda propriamente
agrícola, mas também pela demanda por outros tipos de atividades como
96
prestação de serviços, instalação de agroindústrias familiares, que virão
a criar uma dinâmica adequada àquela realidade. Outros
territórios/unidades de produção optarão pelo turismo no meio rural, por
exemplo, mesclado com a produção agrícola (WANDERLEY, 2000).
As transformações recentes do meio rural são, segundo
Wanderley (2000), o resultado de fatores externos (exógenos) e internos
(endógenos). No primeiro caso, trata-se do efeito das novas relações
econômicas e políticas, dominantes em um mundo cada vez mais
internacionalizado, sobre as formas de financiamento e de regulação da
produção agrícola e de valorização do meio rural. A autora mencionou:
a globalização da economia em seu conjunto; a presença cada vez maior
das instâncias internacionais (ou macrorregionais) na regulação da
produção e do comércio agrícola; a profunda crise do emprego, que
atingiu as sociedades modernas em seus diversos setores; as
transformações Pós-fordistas das relações de trabalho e as novas formas
de regulação.
Internamente, o meio rural sofreu um profundo processo de
diversificação social, e suas relações com o meio urbano perderam
definitivamente o caráter de antagonismo, em benefício das relações de
complementaridade (WANDERLEY, 2000).
Para Durán (1998), a crescente inserção do meio rural no mundo
globalizado tem significado que, em muitos casos, ele já não se constitui
numa ordem/categoria social com capacidade e autonomia (tão pouco
foi no passado) para decidir a gestão socioeconômica de seu território,
ou para conservar ou desenvolver uma cultura notadamente local ou
autóctone. Ao mesmo tempo, portanto, devido a oportunidades criadas
pela própria globalização, registra-se uma redescoberta do local,
impulsionada por habitantes urbanos em busca de outro modo de vida;
difusão de padrões tecnológicos, mercantis e informacionais no meio
rural; por políticas públicas ou iniciativas mais ou menos espontâneas de
desenvolvimento.
Novas atividades e novas funções, para além do agrícola-
alimentar, passaram a ser atribuídas ao rural. Ao ser condicionado pelo
processo de globalização em curso e ser associado a uma noção positiva
de natureza, ultrapassa muitas das valorações negativas que lhe eram
imputadas no ideário da modernização.
Para Saraceno (1996 apud FROEHLICH, 2002), um dos fatores-
problema da representação sobre as relações cidade-campo, associada ao
modelo de desenvolvimento urbano-industrial, foi fazer coincidir o rural
(uma categoria territorial) com um setor (a agricultura) opondo-o ao
97
urbano, também uma categoria territorial, coincidindo com outros
setores – a indústria e os serviços.
Em relação as novas funções do meio rural, a agricultura
representa uma parcela cada vez menor da ocupação da mão de obra e
da geração de renda nos países capitalistas centrais. O emprego agrícola
está em declínio não somente em termos relativos, mas também
absolutos. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 10% do pessoal
ocupado no meio rural vive da agricultura. Mesmo nos condados
(equivalentes a municípios, no Brasil) de base fundamentalmente
agrícola, menos de 35% da mão de obra empregada dependem da
agricultura e da agroindústria. Em 1991, nos Estados Unidos, havia 1,6
milhão de domicílios agrícolas e 23 milhões de domicílios não agrícolas.
Em outras palavras, 93% dos domicílios rurais norte-americanos não
eram unidades de produção agropecuária. As pessoas trabalham para o
Governo, na indústria, na construção, na mineração, em finanças, no
comércio e em outros serviços. O importante é que, enquanto
declinavam os agricultores, os residentes rurais de pequenas localidades
mantiveram sua proporção no total de habitantes. Em outras palavras,
apesar do declínio da agricultura, o tecido social do meio rural se
manteve vivo, e sua trama é enriquecida pelo desenvolvimento de novas
atividades (LINDSEY, 1995/1999, p. 2 apud ABRAMOVAY, 2003, p.
36).
Os dados franceses são muito próximos. Cerca de 90% dos
domicílios em espaço de predominância rural não contam com nenhum
trabalhador agrícola (INSEE/INRA, 1998, p. 6 apud ABRAMOVAY,
2003, p. 36).
Hoje, os agricultores franceses são minoria no espaço rural, pois
apenas 13% deles dependem diretamente da atividade agrícola. A
maioria trabalha em pequenas e médias cidades e outros em atividades
não agrícolas nos próprios estabelecimentos agropecuários
(transformação de produtos agrícolas, turismo e uma gama variada de
serviços). Essas pessoas (somadas às que possuem segundas-residências
e mais às que desenvolvem atividades de lazer, que vão desde
caminhadas, passeios de bicicleta, até caça e pesca) tornaram-se novos
atores da gestão do espaço, com direitos que até então estavam
reservados estritamente aos agricultores. Elas querem uma paisagem
bonita, a água limpa, o ar agradável, e isso coloca aos próprios
agricultores o desafio de partilhar, com outras categorias sociais, o
espaço do qual eram, até recentemente, detentores quase exclusivos. O
que vai se tornando cada vez mais evidente, na Europa ocidental, é que
o espaço rural é composto por um conjunto variado de bens públicos aos
98
quais estão ligados valores que vão muito além, simplesmente, da
produção de alimentos, fibras ou energia (ABRAMOVAY, 2003).
Ao mesmo tempo, nesse contexto de valorização do rural, nos
Estados Unidos, no Japão e na Europa, as políticas de sustentação da
renda dos agricultores e das famílias rurais caminham para ajudas
diretas e transferências sociais (previdência social e aposentadorias)
autorizadas para os agricultores, e aos mais idosos, de modo a permitir
que continuem residindo no meio rural, mas com dedicação a outras
atividades, incluindo às não agrícolas (BALSADI, 2000).
Nesse sentido, o rural não seria apenas o lugar da produção
agrícola, mas também um espaço diferenciado, capaz de oferecer à
população urbana padrões de residência específicos (segundas-
residências) e formas de lazer e turismo no meio rural, ligados ao
contato com a natureza e com a cultura local. No Brasil, estudos
recentes sobre o meio rural apontam para o crescimento de atividades
não agrícolas, sobretudo na área de serviços; contudo, de modo mais
incipiente do que vem acontecendo nos países recém-mencionados.
A possibilidade de acesso a formas diversificadas de lazer e
turismo das populações urbanas e os padrões de qualidade e conforto
que o meio rural pode oferecer a seus visitantes, são, entre outros
fatores, os que influenciam no desenvolvimento de atividades não
agrícolas no meio rural brasileiro. Essas atividades passaram a ter um
peso cada vez maior na renda dos residentes e das famílias rurais
(WANDERLEY, 2001). Entretanto, muitas dessas atividades tem
favorecido mais a empresários externos do que a população local.
Para o total do Brasil, segundo a PNAD
58
, a PEA agrícola
representava pouco mais de um quarto (26%) da PEA total em 1995,
sendo que, da PEA agrícola, 73% residiam no meio rural e o restante no
meio urbano (27%). Porém, a PEA agrícola diminuiu no período 1992-
1995, em função de redução dos trabalhadores com residência urbana, o
que não ocorreu com a PEA rural. A razão para isso, segundo Silva,
Balsadi e Del Grossi (1997), está no aumento da PEA não agrícola
58
A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) é uma pesquisa amostral que toma
como referência o universo dos dados fornecidos pelo último censo demográfico disponível e
utiliza as informações por domicílio como unidade de análise. A PNAD cobre todo o País,
exceto a área rural dos Estados da Região Norte, onde residem cerca de 2,5% dos habitantes do
território nacional. Essa pesquisa não é realizada nos anos do levantamento dos censos
demográficos, quando passa por amplo processo de revisão. Ocorre nos períodos
intercensitários, desde 1967, e investiga, basicamente, as características demográficas e
socioeconômicas dos domicílios e dos indivíduos aí residentes (SCHNEIDER, 2003). A PNAD
serve de base ao Projeto Rurbano que foi inicialmente coordenado pelo professor de Economia
Agrícola da Unicamp, José Graziano da Silva, e encontra-se atualmente em sua IV fase.
99
residente no meio rural, que cresceu, nesse período, com a expressiva
taxa de 3,5% a.a., para o Brasil, e quase 10% a.a. para o Estado de São
Paulo.
Com isso, a proporção de trabalhadores rurais ocupados em
atividades não agrícolas cresceu entre 1992 e 1995, passando de 20,8%
para 22,8%, no Brasil, e de 35,5% para 44,2%, em São Paulo.
Pode-se dizer que as atividades agropecuárias
constituem uma atividade de tempo parcial para
um contingente expressivo de trabalhadores no
Brasil, não apenas porque as atividades não
demandam todo o tempo de trabalho disponível
das famílias rurais, mas também porque as
atividades agrícolas não geram renda suficiente
para todas as pessoas ocupadas em tempo integral,
que também deveriam ser consideradas parte dos
subocupados (SILVA; BALSADI e DEL
GROSSI,1997, p. 3).
As pesquisas do Projeto Rurbano, que defendem o “novo rural”
brasileiro, indicaram que, em números absolutos, as pessoas com
domicílio rural, ocupadas em atividades não agrícolas, aumentaram de
3,06 milhões, em 1980, para 3,49, em 1992, chegando a 4,62 milhões de
pessoas em 1999. Isso representa um aumento de mais de 1,5 milhão de
postos de trabalho no período de duas décadas. Segundo os cálculos de
Del Grossi e Silva, o número de famílias rurais, em que há membros que
estão ocupados em atividades não agrícolas, alcança algo em torno de
1,8 milhão (cerca de 24%) do total de 7,5 milhões de domicílios rurais
existentes no País (1998, p. 36).
Os dados do Projeto Rurbano demonstraram, também, que o
emprego agrícola experimentou uma significativa redução nos anos de
1990, mas o crescimento das atividades não agrícolas compensou a
redução do primeiro e estabilizou a PEA rural, ao contrário do que
acontecia nas décadas anteriores (DEL GROSSI; SILVA, 2006).
A PNAD apontou 29% da PEA rural ocupada em atividades não
agrícolas, envolvendo 3,7 milhões de pessoas, em 2004. O crescimento
de pessoas ocupadas em atividades não agrícolas e residentes no meio
rural, entre 2001 e 2004, continua forte (2,2% a.a.), mas em um ritmo
inferior ao da década anterior (1992/1999) quando atingiu as taxas de
3,7% a.a. (DEL GROSSI; SILVA, 2006).
Em linhas gerais, nos anos de 2000, confirmou-se a combinação
de atividades entre os residentes rurais apontada nos anos de 1990. Mas,
100
enquanto, nos anos de 1990, a PEA agrícola vinha se reduzindo, nos
primeiros anos de 2000 as pesquisas apontam para uma estabilidade da
PEA rural, ocupada na agricultura, em torno de 8,8 milhões de pessoas,
no período 2001-2004. Também se destaca o acelerado crescimento do
número de pessoas ocupadas na agricultura, com residência urbana, em
contraposição com a forte redução observada na década anterior: em
2004, eram 4 milhões de pessoas. Uma das possíveis explicações é a
performance excepcional do agronegócio brasileiro no início do século
XXI, em função dos elevados preços alcançados pelas commodities
agropecuárias (DEL GROSSI; SILVA, 2006).
O espaço rural incorporou outras atividades além daquelas
vinculadas à agropecuária e à agroindústria. Silva, Balsadi e Del Grossi
(1997) utilizaram a expressão urbanização do meio rural (moradia,
turismo, lazer e outros serviços que são atividades não agrícolas) para
designar uma série de “novas” funções do meio rural; dentre elas, as
atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de
pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura, horticultura,
floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais, etc.), que
buscam “nichos de mercado” muito específicos para sua inserção
econômica.
Os mesmos autores destacaram, ainda, que o termo “novas” foi
colocado entre aspas porque muitas dessas atividades são seculares no
País, mas não tinham, até recentemente, importância como atividades
econômicas. Várias dessas atividades passaram a integrar verdadeiras
cadeias produtivas, envolvendo não apenas transformações
agroindustriais, mas também serviços pessoais e produtivos,
relativamente complexos e sofisticados.
Mesmo não se podendo generalizar os aspectos do “novo” rural,
descritos anteriormente para todo o Brasil, pode-se aferir que uma
série de fatores que influenciam na conformação desses novos cenários
em determinadas regiões/territórios do meio rural nacional.
O crescimento das ocupações rurais não agrícolas da PEA com
domicílio rural es vinculado com a crise na agricultura nos anos de
1980 e 1990
59
: queda nos preços das commodities, redução da
rentabilidade, aumento dos juros e a redução do crédito subsidiado, de
um lado, e diminuição da demanda de produtos agropecuários no mundo
e aumento da produção devido ao melhoramento tecnológico, de outro;
59
Apesar da recuperação da agricultura brasileira pós-1994 (Plano Real) muitos desses
problemas persistiram.
101
com as novas funções do meio rural e a emergência de novos atores
rurais; com as mudanças nas famílias rurais e nas explorações
agropecuárias (múltiplas fontes de renda às famílias); e com as
similaridades entre os mercados de trabalho urbano e rural (as
ocupações de membros da família no mercado de trabalho não agrícola
aproximou os mercados de trabalho urbano e rural). Esses pontos,
conjuntamente com o avanço tecnológico que reduz as ocupações
agrícolas, ajudam a explicar, de forma mais adequada, por que cada vez
mais a PEA rural nos diferentes países, desenvolvidos ou em vias de
desenvolvimento, ocupa-se fora das atividades agropecuárias
(BALSADI, 2001).
Para o autor, os novos atores sociais estão procurando e
explorando oportunidades para obter ganhos com o desenvolvimento
das novas atividades, enquanto o planejamento e a definição de políticas
públicas são fundamentais para direcionar esse processo e definir os
direitos e usos da terra no meio rural. Reforça o autor que se não houver
uma regulação adequada para os novos usos do meio rural, esse
processo beneficiará apenas alguns atores sociais, não promovendo um
desenvolvimento integral das áreas rurais, com melhorias para a
população rural residente.
Sintetizando as principais ideias do Projeto Rurbano, Schneider
(2003, p. 153), apontou:
A principal é de que está em curso uma
diminuição consistente domero de ativos rurais
(PEA) ocupados em atividades agrícolas.
Segundo, que já não se pode ignorar o
crescimento das atividades não agrícolas no
espaço rural brasileiro. Em terceiro está a ideia de
que as transformações ocupacionais e
demográficas impõem aos estudiosos a
necessidade de reconhecer que é preciso romper
com a percepção de que o rural se restringe ou é
sinônimo de agricultura. E, quarto, de que as
atividades não agrícolas estão contribuindo para o
crescimento da pluriatividade das famílias rurais.
Contudo, Schneider (2003) esclareceu que a ampliação das
atividades não agrícolas, que está ocorrendo com virtuosidade nos
espaços rurais brasileiros, pode não implicar um aumento proporcional
de famílias pluriativas. Isso porque o crescimento do número de
atividades não agrícolas está relacionado com as alterações nos
102
mercados de trabalho rurais, expressando os novos modos de ocupação
da força de trabalho. A pluriatividade, por sua vez, refere-se a um
fenômeno que se caracteriza pela combinação das múltiplas inserções
ocupacionais (rural ou urbana) das pessoas que pertencem a uma mesma
família. Ou seja, a pluriatividade resulta da interação entre as decisões
individuais e familiares com o contexto social e econômico em que estas
estão inseridas.
Acredita-se que o meio rural esteja relacionado sócio, política e
economicamente ao meio urbano, mas guarda em si, especificidades
sociais, econômicas e culturais que não o anulam diante do urbano. Ao
mesmo tempo, o meio rural não é exclusivamente agrícola e passa por
um processo de valorização, que se diferencia de um território para
outro, tanto por políticas de estímulo e capitais que passam a incorporar
o rural mais intensamente na ciranda capitalista, quanto pela ação dos
movimentos sociais rurais que, em conjunto com os agricultores,
reivindicam maior atenção dos governos e da sociedade e, que como
consequência, passam a visualizá-lo como distintas oportunidades
(lazer, negócios, qualidade de vida).
Há um consenso de que as funções da agricultura, para as famílias
rurais, vão muito além da produção para o mercado. Para Carneiro
(2005), deve-se considerar as motivações culturais e sociais para a
manutenção da atividade agrícola, tais como: a manutenção de uma
identidade social; a de um patrimônio familiar; a de redes de
solidariedade e de sociabilidade. Além disso, deve-se reconhecer o papel
da agricultura em fornecer alimentos à própria família. Esse debate
aciona a discussão em torno da multifuncionalidade da agricultura. O
conceito de multifuncionalidade contraria a ideia de que a agricultura
tem, apenas, a função de produzir alimentos, mas atribui-se à mesma um
papel determinante na manutenção das populações locais; na
preservação do ambiente e das paisagens; acolhimento das populações
urbanas, entre outros aspectos (SILVA; ALMEIDA, 2002).
A abordagem da multifuncionalidade incorpora a noção de
pluriatividade, considerando-se que as múltiplas funções da agricultura,
para a sociedade, podem se traduzir em atividades exercidas por
diferentes membros das famílias de agricultores, que não estão
diretamente associadas à produção de alimentos para o mercado. A
primeira vez em que o termo “multifuncionalidade da agricultura e do
território” apareceu foi durante a ECO-92. À época, se discutia um
rural não exclusivamente agrícola (CARNEIRO, 2005).
No Brasil, as discussões, em torno da questão das atividades não
agrícolas no meio rural e da pluriatividade, tornaram-se mais intensas a
103
partir da década de 1990. Os esforços do professor José Graziano da
Silva, desenvolvendo o Projeto Rurbano, permitiram entender melhor o
meio rural brasileiro. Para Schneider et al. (2006, p. 137):
Lentamente, a pluriatividade passa a ser
reconhecida entre os especialistas e formuladores
de políticas como parte integrante de uma
estratégia de desenvolvimento rural que visa
fortalecer as formas de reprodução social e
econômica dos agricultores familiares. A
pluriatividade não pode ser entendida como um
recurso transitório ou mesmo um mecanismo de
precarização das famílias. Parece evidente,
contudo, que a pluriatividade não é capaz de
promover o desenvolvimento rural sem estar
conectada a outras condições como o acesso à
terra, aos mercados, capacidade de inovação,
disponibilidade de crédito, etc.
Para Alentejano (1999), o debate em torno da questão da
pluriatividade é recente no Brasil. Difundido, na década de 1980, na
Europa, ganhou espaço no Brasil a partir da década de 1990. De um
lado, o autor concorda em que a pluriatividade significa uma forma de
acentuação da exploração capitalista (por meio do que o autor
denominou de urbanização do meio rural), na medida em que faz parte
de um conjunto de transformações, em curso no mundo de hoje, que
apontam para a flexibilização das relações e precarização das relações
de trabalho, e para a reestruturação produtiva que tem, como efeito
básico, o aumento da exploração do trabalho e a ampliação da margem
de lucro dos capitalistas. De outro, o autor menciona o caráter de
resistência que está presente em muitas formas de trabalho pluriativo,
que representam uma negação da expansão das formas capitalistas de
organização do trabalho e da produção. O autor deixa claro, entretanto,
que não se deve associar a pluriatividade apenas aos processos de
urbanização e industrialização, pois o trabalho pluriativo cresce também
associado a outras formas, como o turismo e o lazer.
O significado de pluriatividade, para Alentejano, é o da:
Diversificação das formas de organização na
agricultura, com multiplicação de estratégias
complementares de reprodução dos agricultores,
que envolve, inclusive, o recurso a outras
104
atividades, seja o assalariamento urbano, seja a
transformação industrial ou artesanal da produção
agrícola, seja o desenvolvimento de atividades
terciárias (serviços e lazer) na propriedade rural.
O fundamental é perceber que essas múltiplas
estratégias representam o caminho, às vezes
único, para assegurar a reprodução da unidade
familiar agrícola, quer porque a renda dita
complementar é essencial, quer porque a
especialização na atividade agrícola não aparece
como opção desejável para os descendentes
(1999, p. 157).
A pluriatividade se refere, basicamente, ao fenômeno de
multiplicidade de formas de trabalho e renda, dentro e fora das unidades
agrícolas, bem como para apontar a emergência de um conjunto de
novas atividades que tomam lugar no meio rural (SCHNEIDER, 2003).
Enquanto fenômeno social e econômico, presente na estrutura agrária
dos países desenvolvidos e em alguns países emergentes, como no caso
do Brasil, o citado autor definiu a pluriatividade como um
Fenômeno através do qual membros das famílias
de agricultores que habitam no meio rural optam
pelo exercício de diferentes atividades, ou mais
rigorosamente, optam pelo exercício de atividades
não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e
uma ligação, inclusive produtiva, com a
agricultura e a vida no espaço rural. Nesse
sentido, ainda que se possa afirmar que a
pluriatividade é decorrente de fatores que lhe são
exógenos, como o mercado de trabalho não-
agrícola, ela é uma prática que depende das
decisões dos indivíduos ou das famílias (2003, p.
92).
Schneider (2003) considerou que uma família pluriativa é aquela
em que algum dos membros que compõem o núcleo familiar, exerce um
tipo de atividade não agrícola. Por atividades não agrícolas, o autor
levou em conta aquelas tarefas (dentro e fora da propriedade) que não
implicam o envolvimento direto nos processos de produção vegetal e/ou
animal. “Famílias rurais que produzem doces coloniais ou derivados de
leite, como o queijo, serão consideradas pluriativas” (p. 174).
105
Entretanto, Schneider (2003) esclarece que o crescimento das
atividades não agrícolas não deve ser imediatamente associado ao
aparecimento da pluriatividade nas famílias rurais.
Assim, pode-se afirmar que a emergência da
pluriatividade ocorre em situações em que os
membros que compõem as famílias domiciliadas
nos espaços rurais combinam a atividade agrícola
com outras formas de ocupação em atividades não
agrícolas. Ou seja, a pluriatividade resulta da
interação entre as decisões individuais e familiares
com o contexto social e econômico em que estas
estão inseridas. Desse modo, a pluriatividade é, ao
mesmo tempo, causa e efeito das atividades não
agrícolas. Por isso, insiste-se que não se pode
confundir o estudo das atividades não-agrícolas
com a análise da pluriatividade, pois esta decorre
das decisões e das estratégias dos indivíduos e das
famílias rurais que podem ou não optar pela
combinação de mais de um tipo de trabalho (2003,
p. 231).
Isso significa dizer que uma família rural poderá desenvolver
apenas atividades não agrícolas em sua Unidade de produção e ser
caracterizada, nesse caso, como não pluriativa. Isso acontece porque,
para ser considerada pluriativa, a família rural deve desenvolver
atividades agrícolas e não agrícolas, na própria propriedade ou fora dela.
casos, entretanto, que a pluriatividade se torna uma solução
possível, com resultados econômicos e sociais insignificantes. Ao
mesmo tempo, para muitos agricultores familiares a pluriatividade se
torna uma única saída para reproduzirem-se socioeconomicamente.
A modernização da agricultura provocou forte impacto na
estrutura demográfica e ocupacional da população rural do Rio Grande
do Sul, como descreve Schneider et al.:
A partir da análise dos dados da PNAD, verifica-
se que as características demográficas e
ocupacionais da população rural gaúcha vem-se
alterando significativamente nos anos recentes.
No que se refere especificamente à PEA rural,
constata-se que houve uma redução no número de
ativos entre 1992 e 1999, reduzindo-se de
106
1.261.140 para 1.142.753, e um ligeiro aumento
para 1.178.345 em 2004. Analisando-se o tipo de
atividade em que se ocupava a PEA rural,
verifica-se que os ocupados em atividades
agrícolas reduziram-se de 964 mil em 1992 para
789 mil em 1999, mas em 2004 somavam 873 mil
pessoas, indicando uma pequena recuperação. A
mudança mais significativa observa-se entre os
ativos ocupados em atividades não-agrícolas, que
aumentaram de 297 mil em 1992 para 352 mil em
1999 e em 2004 voltaram a 304 mil, registrando
uma taxa anual consistente de crescimento de
2,7% entre 1992 e 1999 e de 4,9% entre os anos
de 2001 e 2004 (2006, p. 142).
As mudanças, relacionadas à PEA rural, indicam que o espaço
rural gaúcho revela uma nova função para além da tradicional atribuição
de local de produção primária. Em 2004, uma parcela não desprezível da
população rural, algo como 15% do total (304.940 pessoas) habitava no
meio rural, mas estava ocupada em atividades não ligadas ao setor
agropecuário (SCHNEIDER, 2006).
Para o autor supracitado, o número de famílias, com domicílio nas
áreas exclusivamente rurais, da região não metropolitana atingia, em
2004, 545 mil. Destas, 347 mil famílias (64%) se ocupavam na condição
de conta própria (que é a forma como o IBGE designa os domicílios em
que o chefe está ocupado com trabalho autônomo) e que são os
agricultores familiares. Com base nos dados da PNAD de 2004, é
possível afirmar que a ampla maioria (68,5%) das Unidades de
agricultores familiares ocupam-se, exclusivamente, com atividades
agrícolas; 6,6% ocupam-se com atividades exclusivamente não
agrícolas, e 24,7% são famílias pluriativas. Isso significa que, no Rio
Grande do Sul, de cada quatro famílias de agricultores familiares, uma é
pluriativa.
Em pesquisa realizada entre 2003 e 2004, no Rio Grande do Sul,
Schneider et al (2006), constataram que as famílias pluriativas tendem a
ter um maior número de membros, ao mesmo tempo em que possuem
menor quantidade de terra (entre 4 a 5 hectares, para menos). Outra
constatação é que são as famílias pluriativas que apresentam maior grau
de instrução. Isso pode significar melhores chances de inovar e
diversificar as fontes de ingressos monetários na propriedade (tão
importantes para proteger os agricultores contra quedas de preços ou
mudanças nas condições do tempo atmosférico). Segundo o estudo, da
107
renda total das propriedades analisadas em quatro casos (Veranópolis,
Morro Redondo, Salvador das Missões e Três Palmeiras) as rendas não
agrícolas representam 34% nas famílias pluriativas. Isso demonstra, ao
mesmo tempo, a importância das rendas não agrícolas e do papel das
atividades agrícolas. No estudo, demonstrou-se que as rendas agrícolas
correspondem a 59% da renda total; as transferências sociais,
particularmente aposentadorias, representam 19,6% da renda total, e as
atividades não agrícolas representam 17,5% da renda total. A renda mais
elevada, entre as famílias pluriativas, permite investir no sustento da
família e na propriedade. A maior presença de membros, em Unidades
pluriativas, pode contribuir para a sucessão da Unidade familiar de
produção (mas, em muito, influenciada pelo dinamismo das atividades
econômicas da região e pelo potencial das atividades da Unidade
familiar). O desenvolvimento dos setores secundário e terciário, bem
como a proximidade das famílias rurais a centros urbanos populosos
interferem na promoção de empregos não agrícolas e da pluriatividade.
Para Schneider (2003), a análise da pluriatividade, entre os
agricultores familiares, permite entender que os mesmos podem
estabelecer variadas estratégias para garantir sua reprodução social,
econômica e cultural que não passa, necessariamente, pela
modernização técnico-produtiva de seus sistemas agrícolas e
estabelecimentos rurais. A pluriatividade funciona, ao mesmo tempo,
como estratégia de reprodução familiar e mecanismo de inserção dos
indivíduos na divisão social do trabalho. O processo de diferenciação do
mercado de trabalho rural, a queda das rendas das atividades agrícolas e
os crescentes avanços tecnológicos, em geral, poupadores de mão de
obra, têm influenciado na expansão das atividades não agrícolas no meio
rural.
Pode-se considerar que a pluriatividade não é uma prática
estranha às dinâmicas de reprodução social das famílias agricultoras. A
mesma atua mais como mecanismo de manutenção da atividade agrícola
ou das famílias do que como uma ameaça ou negação da forma familiar
de produção agrícola.
Segundo Carneiro (2005), um dos primeiros casos registrados, na
literatura especializada, sobre pluriatividade, foi o dos descendentes de
colonos alemães do Vale do Itajaí, que combinavam a agricultura
praticada em seus lotes, de dimensão já bastante reduzida, devido à
partilha da herança, com o trabalho assalariado nas indústrias têxteis que
se estabeleceram na região, na década de 1970. Tal processo foi
denominado, por Seyferth, de “colonos-operários”. Caso semelhante foi
analisado por Schneider (1999): a busca da redução das pressões
108
salariais levou as indústrias do ramo coureiro-caçadista (da região do
Vale do Rio dos Sinos/RS) a se interiorizarem e a terceirizarem sua
produção, passando a empregar, em caráter formal ou informal,
agricultores em regime parcial, ou a subcontratar determinadas fases da
produção em caráter, inclusive, artesanal.
Carneiro (2005) analisou que o recurso às atividades não
agrícolas, no Brasil, é antiga. Para a autora, só se pode entender a noção
de pluriatividade como algo recente, distinto do que havia
anteriormente, em um contexto da crise da modernização da agricultura
e de ampliação de alternativas de emprego ou ocupação, oriundas do
estreitamento das relações entre campo e cidade.
Há, portanto, tanto fatores de ordem externa quanto interna à
Unidade de produção familiar, que favorecem ou não ao
desenvolvimento da pluriatividade. Em alguns casos, há, inclusive, o
abandono da pluriatividade a fim de desenvolver, novamente, apenas a
agricultura.
Carneiro levanta a questão, inclusive, de que os agricultores
pluriativos poderiam ser considerados uma categoria diferente de
agricultor e interroga se não estaria em curso um processo de
diferenciação social. “Essas pessoas se distinguiriam também por terem
uma outra concepção sobre o trabalho e estariam tentando implementar
um modo de vida alternativo ao modelo hegemônico produtivista”
(2005). Acima de tudo, pode-se compreender que esse processo denota a
própria diversidade presente na agricultura familiar, ou melhor, a sua
capacidade de adaptação a diferentes contextos socioeconômicos e
políticos.
3.3 AS CARACTERÍSTICAS E A DEFINIÇÃO DE RURAL
Muito embora a relação rural-urbana ainda gere diferentes
abordagens, os autores também divergem em relação à conceituação de
rural. Nesse sentido Kayser (1990), ao apontar sua visão a respeito do
meio rural, defendeu que o mesmo é um modo particular de utilização
do espaço e de vida social:
Seu estudo supõe, portanto, a compreensão dos
entornos, das especificidades e das representações
deste espaço rural, entendido, ao mesmo tempo,
como espaço físico (referência a ocupação do
território e aos seus símbolos), lugar onde se vive
109
(particularidades do modo de vida e referência
identitária) e lugar de onde se vê e se vive o
mundo (a cidadania do homem rural e sua
inserção nas esferas mais amplas da sociedade)
(WANDERLEY, 2000, p. 88).
Wanderley (2000) apontou duas características quando se discute
o meio rural: por um lado, uma relação específica dos habitantes do
campo com a natureza com a qual o homem lida diretamente, sobretudo
por meio do seu trabalho e do seu habitat; por outro lado, relações
sociais, também diferenciadas, que Mendras definiu como “relações de
interconhecimento” (relações sociais específicas baseadas nos pequenos
grupos).
A autora se associou ao que Mendras (1976) abordava, isto é, que
as sociedades rurais (camponesas) tradicionais apresentavam cinco
características: uma relativa autonomia face à sociedade global; a
importância estrutural dos grupos domésticos; um sistema econômico de
autarquia relativa; uma sociedade de interconhecimento; e a presença de
mediadores entre a sociedade local e a sociedade global.
Prossegue a autora (2001) ao discutir o conceito de meio rural:
Quando estou falando em meio rural, refiro-me a
um universo socialmente integrado ao conjunto da
sociedade brasileira e ao contexto atual das
relações internacionais. Não estou, portanto,
supondo a existência de um qualquer universo
isolado, autônomo em relação ao conjunto da
sociedade e que tenha lógicas exclusivas de
funcionamento e reprodução. Porém, considero
que este mundo rural mantém particularidades
históricas, sociais, culturais e ecológicas, que o
recortam como uma realidade própria, da qual
fazem parte, inclusive, as próprias formas de
inserção na sociedade que o engloba (p. 32).
Para Wanderley (2000), a distância (física e social) que
tradicionalmente existia entre os habitantes do campo e da cidade foi
sendo, pouco a pouco, reduzida.
A ‘paridade’ econômica e social foi o resultado,
sobretudo, da efetiva expansão das cidades, das
crescentes facilidades de acesso da população
rural, tanto aos bens e serviços modernos,
110
produzidos nos centros urbanos, como a níveis de
renda mais próximos aos dos habitantes das
cidades e da tendência à uniformização dos
modos de vida (p. 97).
Segundo a autora, a categoria ‘rural’ carrega em si a diversidade
das próprias relações entre os espaços rural e urbano (e entre as
populações do campo e das cidades), tais como se modificam, histórica
e socialmente, no tempo e no espaço. Demonstra dessa forma a
proximidade entre o rural e o urbano.
Alentejano (2003) discutiu o rural e o urbano a partir dos vínculos
sociais, econômicos e espaciais com a terra. Para o autor, “enquanto a
dinâmica urbana pouco depende de relações com a terra, tanto do ponto
de vista econômico, como social e espacial, o rural está diretamente
associado à terra, embora as formas como estas relações se dão sejam
diversas e complexas” (p. 30). Para o autor, as relações econômicas
passam pela importância maior ou menor que a terra tem como elemento
de produção, reprodução e valorização. As relações sociais incluem as
dimensões simbólicas, afetivas, culturais, bem como os processos de
sucessão e herança. As relações espaciais estão vinculadas aos arranjos
espaciais de ocupação da terra, distribuição da infraestrutura e das
moradias.
Assim, conclui o autor que cada realidade (rural ou urbana) deve
ser entendida em sua particularidade, mas também no que tem de geral:
sua territorialidade mais ou menos intensa. É essa territorialidade que
distingue o rural do urbano, podendo-se afirmar que o “urbano
representa relações mais globais, mais deslocadas do território, enquanto
o rural reflete uma maior territorialidade, uma vinculação local mais
intensa” (p. 30).
A discussão sobre a definição de rural é praticamente inesgotável,
mas, segundo Kageyama (2006), parece haver um certo consenso sobre
os seguintes pontos: a) o rural não é sinônimo de e nem tem
exclusividade sobre o agrícola; b) o rural é multissetorial
(pluriatividade) e multifuncional (funções produtiva, ambiental,
ecológica, social); c) as áreas rurais têm densidade populacional
relativamente baixa; d) não um isolamento absoluto entre os espaços
rurais e as áreas urbanas.
Segue nessa direção Abramovay (2000), discutindo que existe
uma notável convergência, na literatura internacional, em torno de três
aspectos básicos sobre o meio rural: a relação com a natureza; a
importância das áreas não densamente povoadas; e a dependência do
111
sistema urbano. Quanto à relação com a natureza, a ruralidade supõe, em
última análise, o contato muito mais imediato dos habitantes locais com
o meio natural do que nos centros urbanos. Entretanto, a ênfase na
relação com a natureza é inteiramente adequada às situações em que o
peso da agricultura na ocupação e na formação da renda rural já é muito
baixa. Na Europa, o meio rural é visto cada vez menos como espaço
fundamentalmente produtivo; mas, mesmo ali, onde ele cumpre funções
de oferta agropecuária, é sensível a pressão para que essas atividades
convivam com valores naturais aos quais é atribuída importância social
crescente.
Outro aspecto importante para a análise do rural é a relativa
dispersão populacional que pode representar um valor importante nas
sociedades contemporâneas, em dois sentidos: por um lado, pela
oposição aos transtornos e à insegurança da vida urbana e metropolitana,
um dos fatores que produzem mundialmente um movimento migratório
(inclusive de camadas de média e alta renda e com boa formação
educacional) para o meio rural (ou áreas não densamente povoadas,
como prefere Abramovay); por outro lado, nas áreas não densamente
povoadas é com frequência menor o sentimento de solidão trazido pelo
anonimato da vida metropolitana. Sobretudo quando essas áreas podem
representar a recuperação e o esforço de relações de proximidade
familiar, comunitária e de vizinhança. Se esses valores podem
transformar-se em fontes de desenvolvimento e geração de renda vai
depender tanto da organização dos habitantes e das instituições rurais
como, sobretudo, do tipo de relação que conseguem estabelecer com as
cidades (ABRAMOVAY, 2000).
Por fim, a importância e o valor das regiões não densamente
povoadas não podem escapar de sua completa dependência com relação
às cidades. De um lado, as áreas rurais são sempre polarizadas por
pequenos ou médios assentamentos, onde se concentram alguns serviços
e infraestruturas básicas. Por outro lado, é fundamental o estudo das
relações entre essas regiões rurais com os centros metropolitanos de que
dependem mais ou menos diretamente (ABRAMOVAY, 2000).
Também Marques (2002) considerou cidade e campo como dois
espaços pensados como segmentos de uma forma dialética, ou seja,
totalidade cuja unidade se forma na diversidade. Cidade e campo não
podem ser entendidos separadamente, apesar de suas particularidades.
Para ela, “o espaço rural corresponde a um meio específico, de
características mais naturais do que o urbano, que é produzido a partir
de uma multiplicidade de usos nos quais a terra ou o ‘espaço natural’
aparecem como um fator primordial, o que tem resultado muitas vezes
112
na criação e recriação de formas sociais de forte inscrição local, ou seja,
de territorialidade intensa” (p. 109).
A dificuldade em definir o que é rural e o que é o urbano fez com
que alguns autores como Carneiro (1998), Rua (2002 e 2006),
Abramovay (2003) e Moreira (2005) optassem pela ideia de ruralidades
e urbanidades como fenômenos do rural e do urbano. Candiotto e Corrêa
explicam:
As ruralidades seriam objetos e ações
característicos do rural, e fazem parte da
identidade da população rural, enquanto as
urbanidades corresponderiam a objetos e práticas
de caráter urbano. Todavia, assim como o espaço
urbano e rural estão imbricados, o mesmo
acontece com as ruralidades e urbanidades. Além
da existência de atores, objetos técnicos e ações
de caráter urbano no meio rural, conduzindo a
urbanidades no espaço e na sociedade rural,
existem ações e objetos técnicos característicos do
rural (com origem rural ou industrial-urbana) que
acabam se inserindo no urbano (estilo country,
músicas, festas, hortas), levando a ruralidades no
espaço e na sociedade urbana (2008, p. 230).
Segundo Carneiro (1998), a ruralidade não tem uma definição
uniforme, pois a homogeneização dos valores e estilos urbanos
difundidos no campo não se refere à uniformização dos padrões de vida,
mas à reprodução das heterogeneidades das cidades no campo. Assim, a
ruralidade não é vista como realidade empiricamente observável, mas
como representação social definida, culturalmente, por atores sociais
com atividades não homogêneas e não necessariamente remetidas à
produção agrícola. Nesse sentido, não se pode falar de ruralidade em
geral. Ela se expressa de formas diferentes em universos culturais,
sociais e econômicos heterogêneos.
É com base nas relações sociais do meio rural (e urbano) que
Carneiro (1998) formulou algumas de suas considerações. Ela propôs a
recusa da operação com as oposições binárias do “rural” e do “urbano”,
propondo pensar em espaços socialmente definidos, ocupados por
grupos sociais diversos que mantêm relações sociais distintas entre si e
com os “outros”. Para a autora, não se pode entender a ruralidade, hoje,
somente a partir da penetração do mundo urbano-industrial no que era
definido tradicionalmente como “rural”, mas também do consumo pela
113
sociedade urbano-industrial, de bens simbólicos e materiais (a natureza
como valor e os produtos naturais, por exemplo) e de práticas culturais
que são reconhecidas como tendo a sua origem no meio rural.
Assim, para Carneiro (1998), importa, mais do que tentar
redefinir as fronteiras entre o rural e o urbano, ou, simplesmente, ignorar
as diferenças culturais, contidas nessas representações sociais a partir da
expansão da sociedade urbano-industrial, devem-se buscar os
significados, do ponto de vista dos agentes, das práticas sociais que
operacionalizam essa interação e que se manifestam tanto no campo
quanto nos grandes centros urbanos. Poder-se-ia citar, como exemplos
dessas interações, a pluriatividade, a presença dos neorrurais, das festas
de rodeio, das exposições, etc.
Na mesma direção propôs Moreira (2005). Segundo o autor, as
complexas relações sociais contemporâneas apresentam, ao mesmo
tempo, fluxos culturais e materiais da ruralidade e da urbanidade,
rompendo, assim, com a concepção essencialista de um ser rural que se
opõe ao ser urbano. Poder-se-iam considerar, então, elementos da
ruralidade no meio urbano, bem como de elementos de urbanidade no
meio rural. Essa argumentação, se consistente, nega algumas das teses
que falam do fim do rural, como a industrialização e a urbanização do
campo: nesta, a urbanidade em todos os espaços rurais, e, naquela, a
urbanidade industrial dos processos produtivos.
Carneiro (2005) mencionou, ainda, em um “rural
desterritorializado” implícito na ideia de ruralidade como “expressão de
identidades sociais abertas e múltiplas” que não se restringe, no mundo
rural globalizado, a uma espacialidade pré-definida nem a atividades
ocupacionais específicas do setor agrícola.
A ruralidade, segundo Souza (2007), é vista como expressão do
território. É a partir da noção de territorialidade que se pretende
compreender a ruralidade. Desse modo, admite-se que:
A ruralidade é um conceito territorial que
pressupõe a homogeneidade dos territórios
agregados sob essa categoria analítica, e isto
naturalmente vale também para o conceito de
urbano. Ainda que não contíguos, os territórios
rurais compartem, de fato, algumas características
comuns que, no entanto, não foram definidas de
maneira clara nem no que concerne aos
indicadores que devem ser utilizados, nem no que
se refere ao limite que deveria distinguir o rural
do urbano. Na maior parte dos casos, o que é rural
114
e o que é urbano vem intuitivamente reconhecido
e depois medido (SARACENO, 1996, p. 2).
Para Abramovay (2003), ruralidade é um conceito de natureza
territorial e não setorial, e o mesmo se aplica ao urbano. As cidades não
são definidas somente pela indústria, nem o meio rural pela agricultura.
Isso acontece porque o desenvolvimento rural é um conceito espacial e
multissetorial, e a agricultura é parte dele. A abordagem espacial e o
pressuposto da multiterritorialidade do meio rural permitem que não se
suponha, mesmo nas nações mais desenvolvidas, que o campo tenha se
“urbanizado”.
Ferreira (2002), da mesma forma que Carneiro (1998), esclarece
que os processos em curso não permitem alimentar a hipótese de uma
urbanização generalizada do território, nem de uma homogeneização
dos modos de vida e das culturas dos espaços. Para Ferreira (2002, p.
44), há no Brasil “uma ruralidade em construção sob um processo
complexo, não unidirecional, e que se revitaliza na sua
complementaridade intrínseca com o urbano”.
Rua (2002), destacando a forte influência do processo de
urbanização no campo, avançou em relação a ideia de “ruralidades”, e
urbanização proposta por Carneiro (1998), Alentejano (2003) e Moreira
(2005). O autor considera que tais expressões obscurecem o conteúdo
urbano do processo de reestruturação espacial do mundo
contemporâneo. Rua utilizou a expressão urbanização no rural ou
“urbanidades”, a fim de demonstrar as manifestações do urbano sobre o
rural e do surgimento de “novas territorialidades” constituídas da
interação do global com o local.
Nesta perspectiva rural e urbano relacionam-se, mas sem se
tornarem a mesma coisa, já que preservam suas especificidades. Essa é a
ideia, portanto, defendida por Rua (2006) tratando a relação rural-urbana
na perspectiva de urbanidades no rural.
Hoje em dia, os serviços se estendem ao campo
reforçando aquilo que chamaremos de
‘urbanidades no rural’ aceleradas pela
industrialização do (e no) campo e da própria
agricultura. O modo de produção capitalista recria
o campo. um movimento de expansão física e
de expansão ‘ideológica’ dos padrões urbanos que
vão caracterizar o que alguns denominam ‘novo
rural’ que, cada vez mais, se distancia do
predominantemente agrícola. Desaparece o
115
tradicional corte rural/urbano; a pluriatividade,
que mescla atividades não agrícolas (a maioria de
‘caráter’ urbano) e agrícolas no espaço rural; a
diminuição do tempo necessário para o trabalho
agrícola (mecanização etc), que podem levar o
agricultor à dedicação parcial à agricultura,
podendo incorporar outras fontes de renda ao
orçamento familiar; políticas de redução das áreas
cultivadas, onde tecnologias são incorporadas -
área menor com mais produtividade; novas
atividades surgem no campo, antes exclusivas da
cidade; a localização de fábricas no campo: a
difusão de trabalho industrial no campo (trabalho
a domicílio); a unidade familiar tornando-se cada
vez mais distinta da unidade de produção e
marcando o momento presente do mercado de
trabalho rural. Procura-se cada vez mais trabalhar
fora da unidade produtiva, quando membros da
família dedicam-se à prestação de serviços
(tratorista, turmeiro, frentista, comerciário,
bancário, veterinário, piloto agrícola etc);
estabelece-se uma estratégia de não fragmentação
da terra, aceita por alguns membros da família, em
troca de outras vantagens (estudo, liberação para
trabalhar na cidade, por exemplo). Essa
caracterização da chamada pluriatividade marca
uma nova relação com a terra. Define, ainda, uma
estratégia de resistência para permitir à família
nela permanecer. Graças à pluriatividade, as
funções familiares, ultrapassam em muito aquelas
abarcadas pela produção, permitindo alternativas à
família para gerir um projeto coletivo de
incorporação de gerações [...] (p. 86).
O rural passa a estar integrado às transformações do momento
atual de (re)organização do espaço pelo Capitalismo. Entende-se que o
rural e os agricultores permanecem como tais, mas recriados e
integrados a novas lógicas.
Para Rua (2002), “urbanidades” em áreas rurais seriam todas as
manifestações do urbano (mas nem sempre de origem urbana),
60
em
áreas rurais, sem que, por isso, se identifiquem tais espaços como
60
“Urbanidades”, às vezes, são criadas nas próprias áreas rurais (ao atrair estruturas urbanas
como melhorias na infraestrutura, por exemplo) (RUA, 2002).
116
urbanos. O autor defende que a urbanização no rural é mais ideológica
que física.
As “urbanidades” são constituídas por uma enorme gama de
manifestações que vão desde a melhoria da infraestrutura e dos meios de
comunicação até a aposentadoria e as atividades não agrícolas. A
urbanização no rural, segundo Rua (2004), discute a manutenção das
especificidades no espaço rural, mesmo quando impactado pela força do
urbano.
Sobre a visão de Rua, Alentejano (2003) abordou que a ideia do
autor é que o que move o rural e lhe dinamismo é o urbano e não a
própria dinâmica do rural. Isso significa que, embora Rua insista em que
o rural deva continuar a ser percebido em suas especificidades, ao
atribuir à influência das “urbanidades” as transformações que não são
tão profundas como as produzidas pela urbanização, o autor permanece
no campo dos que não atribuem dinamismo próprio ao rural.
Carlos (2004, p. 12) enfatizou nas suas discussões que as relações
entre urbano e rural são caracterizadas por um continuum ou pela
contínua urbanização do rural.
O choque entre o que existe e o que se impõe
como novo está na base das transformações dos
lugares que vão se integrando de modo sucessivo
e simultâneo a uma nova lógica, aprofundando as
contradições entre o centro e a periferia e não
entre o campo e a cidade. Essas articulações
sinalizam uma tendência da sociedade urbana que
resulta da urbanização quase que completa da
sociedade com a transformação radical das antigas
formas urbanas e dos antigos modos de vida.
Porque a urbanização generalizada tem como
devir a sociedade urbana como horizonte.
Para a autora, considerando as mudanças socioespaciais,
decorrentes da globalização, uma nova dinâmica emerge no campo, haja
vista que nossa época se caracteriza pela constituição da sociedade
urbana realizando-se em um espaço mundial, articulado, mas
profundamente hierarquizado. Isso não significa, no entanto, que o
campo deixe de existir, mas que ele se articula agora, em um outro
plano, ao conjunto do território, com outras particularidades. As
atividades voltadas ao turismo no campo, por exemplo, caminham nessa
direção.
117
Considera-se que, apesar das diferenças (relações sociais,
ambientais ou de concentração demográfica) entre o meio rural e o meio
urbano, uma articulação bastante intensa entre os mesmos. Pode-se
inferir que os vínculos entre o campo e a cidade são expressivos e que as
relações (políticas, econômicas e culturais) entre eles criam novas
territorialidades e, como consequência, novas ruralidades.
3.4 DESENVOLVIMENTO RURAL: CONCEPÇÃO E
ABORDAGEM
As políticas de desenvolvimento rural, dos últimos cinquenta
anos, poderiam ser resumidas em dois grandes períodos, intimamente
ligadas às condições socioeconômicas globais. O primeiro deles entra
em cena no Pós-guerra e mantém-se como predominante até fins dos
anos de 1970. Esse período é marcado pelos princípios da Revolução
Verde (melhoramento genético e uso de máquinas e equipamentos) que
propunha que o simples desenvolvimento agrícola (tecnologias
mecânicas e biológicas à produção agrícola) levaria a um
desenvolvimento rural. Pode-se, contudo, enumerar uma série de
problemas, provocados pelo modelo produtivista no Brasil. Pode-se citar
os que se referem às desigualdades sociais e, especialmente, à
sustentabilidade (econômica e ecológica) na produção agrícola no longo
prazo. No plano econômico (aliado à elevação expressiva de
rendimentos ou de produtividade de alguns cultivos/atividades) observa-
se aumento nos custos dos insumos e queda dos preços recebidos pelos
agricultores. No plano ecológico, destacam-se os problemas
relacionados à dilapidação das florestas tropicais e da biodiversidade, à
erosão e à degradação dos solos agrícolas, à poluição e esgotamento dos
recursos naturais não renováveis, entre outros (NAVARRO, 2001).
Zander Navarro (2001) deixa muito clara a dependência criada,
nesse primeiro período, entre a agricultura e o espaço urbano-industrial,
com vantagens a este último. Segundo o autor, com a disseminação de
um novo padrão na agricultura, baseado nos princípios da Revolução
Verde, desde então chamado de “moderno”, o meio rural e as atividades
agrícolas, em particular subordinaram-se, como mera peça dependente, a
novos interesses e formas de vida e de consumo, que a expansão
econômica do período ensaiou, em graus variados, em diferentes países.
Para Almeida (1997), a noção de desenvolvimento difundida
nesse momento era restritiva, visto que se aplicava essencialmente às
mudanças e ao progresso das cnicas. Os planos de desenvolvimento
118
oficiais, inspirados na visão desenvolvimentista/produtivista passaram a
definir as competências dos agricultores e as características do sistema
técnico que eles deveriam colocar em operação. Os órgãos públicos de
difusão de tecnologia tiveram a tarefa de “enquadrar” os agricultores no
“modelo” de desenvolvimento idealizado, segundo as regras da
modernização, e não o contrário. Tratou-se de ampliar a clientela do
desenvolvimento, aportando novos conhecimentos àqueles que estavam
em atraso na rota do progresso, ou seja, os “retardatários da
modernização”. Nessa visão, o desenvolvimento era um processo
considerado único, que levava do atraso ao “moderno”, e que passava a
considerar esse modelo encampado pelos agricultores, empresariais
“modernos”, como o único possível e desejável (ALMEIDA, 1997).
O fato é que o modelo desenvolvimentista (produtivista)
provocou a desvalorização das formas de produção tradicional. Além
disso, a diversidade e a diferenciação das formas de produção eram,
também, consideradas empecilhos ao desenvolvimento no eixo tradição
à modernidade (Idem).
Esse primeiro período esgotou-se no final dos anos de 1970 em
decorrência dos insatisfatórios resultados das propostas de
desenvolvimento rural, implementadas em diferentes países,
particularmente com relação à redução da pobreza rural, que pouco se
modificou. Associa-se o estancamento da fase econômica expansionista
do Pós-guerra (refreado já em meados dos anos de 1970).
No Brasil, a elevada inflação e a elevada Dívida Externa e, como
consequência, a redução do crédito rural marcaram a década de 1980.
Nessa mesma década, políticas inspiradas em enfoques que,
posteriormente, seriam rotulados de neoliberalismo, enfraqueceram
fortemente o papel do Estado na condução eficaz de suas políticas.
Igualmente retiraram o desenvolvimento rural da cena de discussões
(NAVARRO, 2001).
O segundo período, sob o qual o tema desenvolvimento, incluindo
o rural ressurge, é recente: este novo momento foi marcado a partir de
meados da década de 1990, influenciado pelos movimentos sociais, pela
redemocratização e pelas reformas econômicas e institucionais.
Nos anos recentes, as motivações para o
reaparecimento do debate sobre o
desenvolvimento (e o desenvolvimento rural)
modificaram-se radicalmente, caracterizando-se
muito mais, ao contrário do primeiro período, por
uma percepção acerca da aparente impossibilidade
119
do desenvolvimento ou, pelo menos suas intensas
dificuldades de materialização. Aliás, pode-se
ousadamente afirmar que talvez a inquietude
social e política gerada pela disseminação da
desesperança com relação ao futuro é que, de fato,
tenha reavivado o crescente interesse pelo tema do
desenvolvimento (NAVARRO, 2001, p. 85).
Sendo assim, de um padrão tecnológico homogêneo, centrado nos
pressupostos da Revolução Verde, passou-se a reconhecer a existência
de diferentes modelos de agricultura. Estes abrangem desde a
continuação do padrão tecnológico produtivista, agora sob os auspícios
da biotecnologia e agricultura de precisão, até formas alternativas de
produção agrícola, como a produção orgânica, agroecológica, etc.
(MIOR, 2005).
Passou-se de uma regulação, marcada pela forte intervenção
estatal, para um contexto heterogêneo, tanto no referente ao papel do
Estado quanto da importância e variedade de atores não estatais.
Embora, certamente, não deixando de atuar, especialmente nos países
desenvolvidos, a ação do Estado tem se dirigido para esferas mais
descentralizadas, valorizando os espaços locais/regionais. Paralelo a
isso, organizações privadas e não governamentais ampliaram sua
presença e importância na relação do desenvolvimento agrícola e rural
(Idem).
Navarro (2001) destaca as distintas expressões que o
desenvolvimento no meio rural passou a assumir; dentre elas, a de
desenvolvimento rural e de desenvolvimento rural sustentável.
A expressão desenvolvimento agrícola refere-se às condições de
produção agrícola e/ou agropecuárias, suas características, no sentido
estritamente produtivo, identificando suas tendências em um período de
tempo dado. Relaciona-se à base propriamente material da produção
agropecuária, ligada a área plantada, produtividade, formatos
tecnológicos, uso do trabalho como fator de produção, economicidade,
entre outros aspectos.
Outra expressão é desenvolvimento agrário. Nessa expressão, que
engloba o desenvolvimento agrícola, as condições próprias da produção
(o desenvolvimento agrícola) constituem apenas uma faceta. A análise
centra-se usualmente também nas instituições, nas políticas do período,
nas disputas entre classes, nas condições de acesso e uso da terra, nas
relações de trabalho e suas mudanças, nos conflitos sociais e nos
mercados.
120
Ainda, a expressão desenvolvimento local, que deriva de duas
grandes mudanças no período atual: primeiramente, a multiplicação de
ONGs que, por atuarem normalmente em ambientes geograficamente
mais restritos (a região ou o município), lentamente instituíram seu raio
de ação em tais ambientes e, em decorrência, criaram uma estratégia de
“ação local” que se tornou ainda mais acentuada por oposição, quando
os impactos dos processos globalizantes se aceleraram. A outra mudança
refere-se aos processos de descentralização. Essa transferência de
responsabilidade de Estados, antes tão centralizada, passa a valorizar
crescentemente o “local”, no caso brasileiro, o Município. Assim, na
convergência desses fatores, portanto, tem se utilizado a noção de
desenvolvimento local que vem servindo de base para orientar diversas
ações, governamentais ou não (NAVARRO, 2001).
Para Gehlen (2004, p. 102) desenvolvimento rural local é
resultado das “dinâmicas social, econômica, política e cultural num
território demarcado por especificidades que induzem mudanças
qualitativas naquele espaço”. O desenvolvimento fundamenta-se,
sobretudo, nas potencialidades dos recursos humanos, institucionais e
naturais que compõem o patrimônio sociocultural.
A expressão desenvolvimento rural incorpora todas as noções
discutidas anteriormente, e trata-se de uma ação previamente articulada
que induz (ou pretende induzir) mudanças em um determinado
ambiente. O desenvolvimento rural pressupõe melhoria do bem-estar
das populações rurais. As diferenças surgem nas estratégias escolhidas,
na hierarquização dos processos (prioridades) e nas ênfases
metodológicas. Tais diferenças são fundamentadas, também, em leituras
de realidade distintas, apontando objetivos igualmente distintos, ou seja,
a análise do que tenha sido exatamente o desenvolvimento agrário
fundamentará projetos correspondentes de desenvolvimento rural.
Sabe-se que o conceito de desenvolvimento rural alterou-se ao
longo do tempo, influenciado por diversas conjunturas e,
principalmente, pelos novos condicionantes que o desenvolvimento
geral da economia e da vida social gradualmente impõem às famílias e
às atividades rurais. Hoje, pode-se pensar em uma definição de
desenvolvimento rural na direção do que propõem Schneider e
Tartaruga (2004, p. 111).
Desenvolvimento rural pode ser definido como
um processo que resulta ações articuladas que
visam induzir mudanças socioeconômicas e
ambientais no âmbito do espaço rural para
121
melhorar a renda, a qualidade de vida e o bem-
estar das populações rurais. Dadas as
especificidades e particularidades do espaço rural,
determinadas pelos condicionantes sociais,
econômicos, edafo-climáticos e tecnológicos, o
desenvolvimento rural refere-se a um processo
evolutivo, interativo e hierárquico quanto aos seus
resultados, manifestando-se nos termos dessa
complexidade e diversidade no plano territorial.
Em face às transformações societárias que se operaram, a partir
do processo geral de reestruturação econômica e institucional, as
abordagens em torno da noção de desenvolvimento rural também
mudaram. Schneider (2003, p. 5) apontou os fatores que levaram a uma
nova abordagem do desenvolvimento rural.
Estes múltiplos níveis da nova abordagem do
desenvolvimento rural estariam apoiados em seis
mudanças gerais, todas elas relacionadas aos
limites e problemas decorrentes do modelo
agrícola produtivista (assentados nos princípios da
Revolução Verde), que estaria em fase de
superação. Primeiro, o crescente
interrelacionamento da agricultura com a
sociedade, fazendo com que esta perceba que o
rural pode fornecer muito mais do que alimentos e
matérias-primas. Segundo, uma necessidade
urgente em definir um novo modelo agrícola, que
seja capaz de valorizar as sinergias e a coesão no
meio rural, entre atividades agrícolas e não-
agrícolas, entre ecossistemas locais e regionais,
permitindo a convivência de iniciativas e
atividades diversificadas. Terceiro, um
desenvolvimento rural capaz de redefinir relações
entre indivíduos, famílias e suas identidades
atribuindo-se um novo papel aos centros urbanos
e à combinação de atividades multiocupacionais,
com claro estímulo a pluriatividade. Quarto, um
modelo que redefina o sentido da comunidade
rural, e as relações entre os atores locais, sejam
eles os agricultores ou os novos usuários
(proprietários de sítios de lazer, moradias
secundárias, empresas, condomínios, etc). Quinto,
um desenvolvimento rural que leva em conta a
122
necessidade de novas ações de políticas públicas e
o papel das instituições, que não podem ser mais
exclusivamente direcionadas à agricultura. Sexto,
e último, levar em consideração as múltiplas
facetas ambientais, buscando garantir o uso
sustentável e o manejo adequado dos recursos.
Esta concepção de desenvolvimento rural passou a ser vista como
uma tentativa de reconstrução das bases econômicas, sociais e
ambientais, e das próprias unidades familiares, em face das limitações e
lacunas intrínsecas do paradigma produtivista.
Tornou-se consensual, que as novas políticas de desenvolvimento
rural deveriam ter um caráter distinto das políticas anteriores. Assim, os
aspectos relacionados à multidisciplinaridade e à sustentabilidade se
tornaram fundamentais, não somente privilegiando os aspectos
econômicos, mas contemplando fundamentalmente, as variáveis sociais
e ambientais, sem as quais torna-se praticamente impossível a
conformação de um modelo sustentável ao longo do tempo.
Pode-se, por fim, mencionar a expressão desenvolvimento rural
sustentável, que surgiu em meados da década de 1980, a partir da
crescente difusão da expressão, mais geral, desenvolvimento sustentável
(NAVARRO, 2001).
A ideia de sustentabilidade nasceu da crescente percepção acerca
dos impactos ambientais do padrão civilizatório acelerado, após a
Segunda Grande Guerra Mundial, cujas evidências empíricas
multiplicaram-se a partir da década de 1970. Nesse sentido, o
componente “sustentável da expressão refere-se exclusivamente ao
plano ambiental, indicando a necessidade de as estratégias de
desenvolvimento rural incorporarem uma apropriada compreensão das
chamadas dimensões ambientais. O “sustentável”, para Navarro (2001),
refere-se tão-somente aos padrões ambientais requeridos em ações
movidas sob a óptica do desenvolvimento rural.
Mattei (1998, p. 7) apresentou três considerações em relação ao
modelo de desenvolvimento rural sustentável:
a) desenvolvimento rural em oposição à idéia de
desenvolvimento agrícola. Trata-se aqui de
atribuir novas funções para o espaço rural, não o
restringindo ao aspecto específico da produção
agrícola. Assim, é possível combinar uma série de
atividades capazes de garantir a sustentabilidade
desse modelo ao longo do tempo [...];
123
b) a produção familiar como elemento articulador
do novo desenvolvimento rural. A ideia aqui é
tornar a produção familiar menos dependente da
renda e do trabalho gerados pelas atividades
agrícolas [...];
c) novo papel das políticas e instituições públicas.
[...] torna-se necessário uma reformulação das
políticas públicas para o meio rural. [...] Dentre
elas, destacam-se as políticas de ‘urbanização’ do
meio rural, levando a infraestrutura básica, como
por exemplo, lazer, transporte, comunicações etc;
as políticas de geração de renda a partir de
ocupações não agrícolas (turismo rural,
preservação ambiental, requalificação
profissional, etc); as políticas sociais de estímulos
aos jovens agricultores, de renda familiar para
manter as crianças nas escolas, aposentadorias
para trabalhadores de áreas desfavorecidas, etc. e
as políticas de desprivatização do espaço rural.
Navarro (2001), contudo, deixou claro que não como não
relacionar as expressões de desenvolvimento agrário, agrícola, local e
rural entre si:
Evidentemente, as fronteiras entre as expressões
mencionadas não são inteiramente segmentadas e
seus significados se interpenetram. Assim, será
sempre necessário analisar-se corretamente o
desenvolvimento agrícola para interpretar o
desenvolvimento agrário de determinado país ou
região, o que permitirá construir uma estratégia de
desenvolvimento rural (ou, mais apropriadamente,
por incluir dimensões ambientais, o
desenvolvimento rural sustentável).
Adicionalmente, sob tal estratégia, é provável que
um conjunto de iniciativas no plano propriamente
local (desenvolvimento local) será igualmente
imprescindível (p. 90).
Os limites do desenvolvimento rural no Brasil, segundo Navarro
(2001), esbarram, inicialmente, na extrema heterogeneidade das
atividades agrícolas e rurais que exigem iniciativas institucionais
distintas. Essa heterogeneidade é marcada pela presença de regiões (ou
atividades intrarregionais), com forte intensificação econômica e
124
dinamismo tecnológico, e de regiões envoltas em contextos do passado,
seja no plano da (falta de) integração econômica, seja no que concerne à
natureza das relações sociais e políticas.
Nas duas últimas décadas, proliferaram abordagens nos estudos e
pesquisas acerca das dinâmicas do desenvolvimento rural. Mior (2005)
destacou as principais abordagens discutidas: a) as teorias que buscam
dar conta da dinâmica do desenvolvimento rural, em geral, e da
agricultura, em particular, a partir da existência de pressões advindas da
globalização da economia e do sistema alimentar, bem como as que
enfatizam a persistência da diversidade da agricultura com suas
especificidades; b) teorias que buscam destacar a relevância dos espaços
(região, localidades, etc.) para entender a dinâmica do processo de
desenvolvimento; c) o debate acerca da abordagem endógena versus
exógena; d) a integração da agricultura nas noções de cadeia produtiva,
distrito industrial ou cluster
61
.
Em síntese, pode-se dizer que as principais discussões em torno
da problemática do desenvolvimento rural estão ligadas a temas como a
globalização, o desenvolvimento local (endógeno), a base territorial
como elemento a ser considerado, no desenvolvimento de políticas
públicas diferenciadas, e as distintas formas de integração da agricultura
aos demais setores da economia.
Nos últimos anos do século XX, e nesta primeira década do
século XXI, tem-se constatado a importância crescente dada à
abordagem endógena, em detrimento à exógena. Da primazia de uma
forte intervenção externa, passou-se a defender a mobilidade social
endógena às áreas rurais. Frequentemente, tais concepções vêm
associadas ao debate entre as análises que enfatizam a dicotomia rural-
urbano e às que buscam sair desse recorte setorial e defendem uma
análise territorial do desenvolvimento rural (MIOR, 2005).
Pode-se, ainda, destacar, no debate sobre o desenvolvimento
rural, a incorporação da agricultura sustentável
62
. Foi, também, no final
da década de 1980, que o adjetivo sustentável passou a atrair a atenção
de um número crescente de profissionais, pesquisadores e agricultores,
61
Um cluster, no mundo da indústria, é uma concentração de empresas relacionadas entre si,
numa zona geográfica relativamente definida, que conformam um polo produtivo especializado
com vantagens competitivas.
62
Inclui-se nesse debate a agroecologia. Segundo Leff (2002, p. 36): a agroecologia foi
definida como um novo paradigma produtivo, como uma constelação de ciências, técnicas e
políticas para uma produção ecologicamente sustentável no campo. As políticas agroecológicas
remetem à recuperação dos saberes tradicionais, a um passado no qual o humano era dono do
seu saber, a um tempo em que seu saber marcava um lugar no mundo e um sentido da
existência.
125
fazendo surgir uma infinidade de definições sobre o termo. Os termos
agricultura e desenvolvimento (rural) sustentáveis, influenciados pelo
debate intenso dessa época, indicam um anseio por um novo paradigma
tecnológico que não agrida o meio ambiente, servindo para explicitar a
insatisfação com a agricultura convencional ou “moderna”.
Assim, os conceitos de agricultura sustentável incorporam, de um
modo geral, as preocupações de integrar a produtividade dos sistemas
agrícolas a aspectos econômicos, sociais e ambientais: a) manutenção a
longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola; b)
mínimo de impactos adversos ao ambiente; c) retornos financeiro-
econômicos adequados aos agricultores; d) otimização da produção das
culturas com o mínimo de insumos químicos; e) satisfação das
necessidades humanas de alimentos e de renda; e f) atendimento das
necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais.
Para Jalcione Almeida (1999), um princípio fundamental na
agricultura sustentável é o conceito de “autonomia”. Essa ideia supõe
que os adeptos de uma agricultura sustentável/alternativa definam, eles
próprios, as técnicas e os procedimentos que vão utilizar em função da
disponibilidade dos recursos e das necessidades locais.
Há, no entanto, uma diferença entre desenvolvimento agrícola
sustentável e desenvolvimento rural sustentável, pois o primeiro tem seu
enfoque restrito na produtividade dos sistemas agrícolas, enquanto o
segundo seria bem mais amplo e centrado em ações pautadas na
melhoria da qualidade de vida, que vão além da produtividade agrícola,
pois envolveriam aspectos como a conservação e a recuperação
ambiental (água, ar, solo, fauna e flora); saúde e saneamento básico;
atividades de lazer e valorização da cultura local; educação; afirmação
da auto-estima, avanço nas relações e na organização social, entre outros
(CANDIOTTO; CORRÊA, 2004, p. 270). Portanto, a agricultura
sustentável encontra-se inserida no desenvolvimento rural sustentável.
Na década de 1990, influenciado pelas políticas neoliberais, o
Estado passou a gestar um novo modelo de desenvolvimento rural,
pautado na agricultura familiar e na incorporação da sustentabilidade.
Trata-se, é claro, da reestruturação constante do modo capitalista de
produção, fortalecendo a agricultura familiar, objetivando inseri-la e
mantê-la no mercado e no meio rural.
Esse movimento de perda deliberada do poder de regulação por
parte do Estado se intensificou nos anos de 1990. A abertura da
economia e a queda de barreiras à importação transformaram a
agricultura e o agronegócio em segmentos afastados de qualquer política
preferencial, em uma situação muito diferente daquela do período de
126
modernização compulsória da agricultura. Na década de 1990, novos
horizontes estavam a caminho.
Dentre as mudanças a caminho a partir da década de 1990, em
relação ao modelo de desenvolvimento rural, é a incorporação da
abordagem territorial nas políticas públicas.
O conceito de território e a abordagem territorial são considerados
distintos e são utilizados para diferentes fins. No objeto de estudo,
consideraram-se ambas as discussões. Do ponto de vista conceitual,
considerou-se o território da Quarta Colônia no Rio Grande do Sul como
produto da apropriação e dominação, material e (i)material do espaço
pelas múltiplas dimensões do Poder, sejam elas política, econômica ou
cultural, que, como consequência, vêm construindo, atualmente, no
contexto da globalização e da reforma do Estado, novas territorialidades.
A abordagem territorial permitiu compreender que o território
estudado é constituído por atores sociais, políticos e econômicos que
atuam em múltiplas escalas espaciais que podem ser trunfos para as
políticas de Desenvolvimento Rural. A abordagem territorial possui um
caráter instrumental e visa a conceber o desenvolvimento rural numa
perspectiva integradora dos componentes/dimensões que constituem o
território.
Entende-se, por abordagem territorial, o contexto existente, ou a
ser construído em uma determinada escala, pela participação de
múltiplos atores (sociais, econômicos, políticos, institucionais), pelas
distintas escalas e pela participação da sociedade civil e organizada nas
propostas de Desenvolvimento rural. Diante dos contextos
socioeconômico e ambiental, o território, nessa perspectiva, é a base
para atuação do Estado inter-relacionado à sociedade civil e organizada.
Apesar das diferenças entre o conceito de território na Geografia e
na abordagem territorial do Desenvolvimento, observam-se interfaces,
pois em ambas privilegia-se a múltipla/diversificada presença de
atores/poderes.
Schneider e Tartaruga (2004), em artigo sobre a questão,
colocaram que, enquanto na Geografia o território tem estatuto de
conceito heurístico, que faz referência às relações de poder no espaço,
na abordagem do desenvolvimento seu sentido passa a ser instrumental.
Assim, a forma como o território é tratado diferencia-se,
substancialmente, do debate sobre a abordagem territorial do
Desenvolvimento rural.
Os autores ainda assinalaram que a abordagem territorial aparece
como uma noção que permitiria explicar o papel do contexto e do
espaço social como fator de desenvolvimento. O território passou a ser
127
entendido como uma unidade de observação, atuação e gestão do
planejamento estatal.
Nesse caso, o território é uma unidade de referência, um vel de
operação e agregação adequado para operar o planejamento de ações
governamentais e políticas públicas a partir de alguma escala (local,
regional ou microrregional), que promova mudanças e transformações
do “tecido” social. Para Schneider e Tartaruga (2004), o território
passou a ser utilizado “numa perspectiva de desenvolvimento”, ou seja,
como uma variável a ser considerada quando se pretende fazer algum
tipo de intervenção sobre o espaço e as populações, que resulte em
alterações do quadro existente.
Wanderley (2000) corroborou para o entendimento da abordagem
territorial, ressaltando que a construção de territórios:
Deve levar em conta a especificidade local, a
partir de seus recursos naturais, das relações
sociais e da relação da produção local com o
mercado global, relações essas que tendem a criar
um novo entrelaçamento entre recursos locais e
mercado, imbricando tradição e inovação
tecnológica, produzindo, assim, um padrão de
transformação e uma dinâmica econômica
particular, original e localizada, promotora de uma
construção social do mercado, específica e
particularizada, uma verdadeira territorialização
do desenvolvimento (p. 169).
Ao longo da primeira metade do século XX, o conceito de
região
63
suplantou temporariamente a de território. Em suma, o conceito
de região teve uma primazia frente a outros conceitos espaciais, o que
acabou decretando o descrédito do território como conceito explicativo
da realidade.
O conceito de território voltou a ser debatido somente na década
de 1970, com Jean Gottman, tendo como base a obra o significado de
território”, publicada em 1973, seguido de outros autores como Claude
Raffestin (1983) e Robert Sack (1986).
A geógrafa Bertha K. Becker, utilizando-se explicitamente da
obra de Raffestin, colocou que:
63
A contraposição a estas ideias vem, sobretudo, dos trabalhos do geógrafo francês Paul Vidal
de La Blache a escola francesa de Geografia conhecida como possibilismo – que se
efetivaram no final do século XIX e no início do século XX. Trabalhos que tinham a noção de
região como contraponto ao de território (SCHNEIDER; TARTARUGA, 2004, p. 101).
128
[...] no plano internacional, as organizações
supranacionais, como por exemplo, as empresas
transnacionais, vêm confrontando o poder do
Estado de forma cada vez mais vantajosa para as
primeiras. Portanto, o conceito de Estado e,
consequentemente, do território estatal, devem ser
alterados para assimilar, de um lado, os poderes
de escalas inferiores ao estatal, dessa forma,
presentes dentro do âmbito jurídico e político do
Estado, entretanto não estatais; e, de outro, os
poderes de escalas superiores (supranacionais)
(SCHNEIDER; TARTARUGA 2004, p. 103).
Portanto, o território a que Becker se refere é aquele que vai além
do poder estatal ou do território estatal, sendo construído por uma
multiplicidade de atores em diferentes escalas, criando um ambiente
social às políticas de desenvolvimento territorial. Para Rückert (2005),
macro e micropolíticas, nesse sentido, não são excludentes; ao contrário,
fundem-se na construção das ricas determinações da totalidade.
Portanto, o território, como base para políticas públicas, emergiu
junto às mudanças socioespaciais e político-institucionais do
Capitalismo, em sua fase Pós-fordista (HARVEY, 1993 apud
SCHNEIDER, 2003, p. 9). Trata-se dos efeitos mais gerais da
reestruturação dos processos produtivos que o apenas se
internacionalizam (ou globalizam), mas também recompõem e afetam os
territórios e as localidades que são a projeção particular sobre um espaço
determinado. O território passou a ser afetado pela reestruturação,
econômica e institucional, sendo influenciado/construído pela inter-
relação entre o lugar e o global. Então, ora o território (rural, por
exemplo) favorece as pessoas que nele vivem, seu cotidiano, ora o
território se sujeita aos ordenamentos que vêm de fora. Isso acontecendo
sob as interfaces do local e do global, constantemente.
A primeira razão que estimula fortemente o interesse crescente
pelo enfoque ou abordagem territorial está relacionada ao contexto das
transformações societárias como sendo o resultado da crise do Fordismo
e do processo de reestruturação do Capitalismo. Como resposta à crise,
o processo de reestruturação capitalista teria desenvolvido um regime de
acumulação, baseado na acumulação flexível, entendido como um novo
modelo de organização dos processos produtivos com base na
descentralização das plantas industriais e na maior flexibilidade na
produção.
129
A segunda razão que favoreceu o interesse pela abordagem
territorial que, no Brasil, emergiu particularmente, nos anos de 1990,
está relacionada aos aspectos políticos e institucionais que derivam,
basicamente, da crise do Estado e da perda crescente de seu poder de
regulação. A crise do Estado refere-se à sua incapacidade de regular e
intervir na economia privada, especialmente a partir da ampliação da
capacidade da economia capitalista de ajustar, em escala planetária, a
interdependência, entre as condições de tempo e espaço, no processo
global de produção de mercadorias.
A redefinição do papel do Estado nacional manifestou-se pela
crescente descentralização político-fiscal-administrativa que fez com
que Estados e Municípios (e a associação entre eles na forma de
Mesorregiões, Consórcios, Conselhos, etc.) passassem a ter maiores
atribuições e recursos, e o desenvolvimento de estratégias visando à
participação da sociedade civil e organizada nos programas de
desenvolvimento. Consequentemente, potencializou-se o papel das
escalas, local e regional, como âmbitos do desenvolvimento e da
regulação territorial dos sistemas produtivos e das atividades
econômicas (FUINI; PIRES, 2009 e RÜCKERT, 2005). Como exemplo
se pode considerar o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da
Quarta Colônia (CONDESUS/Quarta Colônia).
É o que Rückert (2005, p. 87) enfatizou:
Os espaços locais, tidos como novas unidades de
análise, são entendidos numa nova lógica de
articulação dos espaços, privilegiando-se o
aproveitamento dos recursos endógenos para
diversificar o crescimento, criar emprego e novas
formas de gestão pelos agentes locais, em
contraposição ao desenvolvimento centralizado
autoritário que teve vigência recente em vários
países, em diferentes regiões do mundo.
Schneider e Tartaruga (2004) analisaram que, diante das rápidas
transformações proporcionadas pela globalização e pela
internacionalização econômica, o Estado, incapaz de acompanhar tais
mudanças em curso, deixou de ser o (único ator) indutor do
desenvolvimento econômico, via de regra, de “cima para baixo”, e
passou a ser o seu regulador, alterando o seu caráter centralizador para
uma forma mais susceptível e permeável à participação das diversas
instâncias e organizações da sociedade civil.
130
Nesse cenário, ganharam destaque as ONGs e os beneficiários
diretos das Políticas. Redefiniu-se o papel das instituições e cresceu a
importância das esferas infranacionais do Poder Público, como as
Prefeituras. Para Schneider e Tartaruga (2004), o enfoque territorial
passou a funcionar como instância de mediação capaz de contemplar as
relações entre os atores locais e as demais esferas e escalas, como a
regional e a nacional, além da global. O desenvolvimento territorial
apoiou-se, antes de tudo, na formação de uma rede de atores trabalhando
para a valorização dos atributos de uma certa região.
Segundo Haesbaert (1999), a diversidade territorial é a base para a
regionalização (instrumento de análise a fim de se buscarem os recortes
mais coerentes que dêem conta das diferenciações no espaço). Essa
diversidade territorial é o resultado de uma imbricação entre as
dimensões global e local. Nesse caso, a definição de região deve
considerar problemáticas como a das escalas e fenômenos sociais mais
específicos (os regionalismos políticos e as identidades regionais) como
aqueles que produzem a diversidade geográfica do mundo.
Assim, hoje, diante da globalização, o conceito de região se
atualiza, basicamente em função de três pressupostos: a) o grau de
complexidade muito maior na definição dos recortes regionais,
atravessados por diversos agentes sociais que atuam em múltiplas
escalas; b) a mutabilidade muito mais intensa que altera, mais
rapidamente, a coerência ou a coesão regional; e c) a inserção da região
em processos concomitantes de globalização e fragmentação.
Tendo por base um determinado recorte geográfico, Haesbaert
(1999, p. 29) conceituou região como “um espaço (não
institucionalizado como Estado-nação) de identidade ideológico-cultural
e representatividade política, articulado em função de interesses
específicos, geralmente econômicos, por uma fração ou bloco ‘regional
de classe que nele reconhece sua base territorial de reprodução”. Nesse
conceito, o autor tentou integrar as dimensões política, econômica e
cultural em que o espaço regional é, ao mesmo tempo, um espaço de
reprodução econômica, locus de representação política, e um espaço de
identidade cultural.
Reforça-se, portanto, a necessidade de se articular estruturas e
projetos de desenvolvimento local que estejam baseados em atores,
capacidades, e conhecimentos endógenos. Na visão de Fuini e Pires
(2009), o desenvolvimento territorial expressou de forma mais ampla
essas iniciativas oriundas de contextos local/regional, ancoradas em
recursos específicos e que buscaram alavancar as vantagens
competitivas locais.
131
A política territorial consiste em despertar os potenciais para a
criação de riquezas, iniciativas e coordenadas novas, que a própria
interação entre atores locais é capaz de criar. A estrutura piramidal (“de
cima para baixo”) procurou ser substituída por uma abordagem dotada
de múltiplas instâncias de decisão, sabendo-se que, no Brasil, as
organizações públicas, voltadas ao desenvolvimento regional, foram
historicamente marcadas pela centralização de iniciativas e pela falta de
articulação com os atores locais.
O enfoque territorial, aplicado ao planejamento, permitiu que
determinadas características locais fossem valorizadas, como os
atributos naturais (ou amenidades) e a herança cultural de determinadas
localidades rurais, por exemplo, se transformem em vantagens
competitivas dos territórios. De acordo com Schneider (2003, p. 8):
A emergência da abordagem territorial do
desenvolvimento rural pressupõe que o nível
adequado de tratamento analítico e conceitual dos
problemas concretos deva ser o espaço de ação em
que transcorrem as relações sociais, econômicas,
políticas e institucionais. Este espaço é construído
a partir da ação entre os indivíduos e o ambiente
ou contexto objetivo em que estão inseridos.
Portanto o conteúdo deste espaço é entendido
como território. Esta perspectiva também propõe
que as soluções e respostas normativas aos
problemas existentes nestes espaços encontram-se
nele mesmo.
Para Schneider e Tartaruga (2004), o território passou a ser visto e
compreendido como a nova unidade de referência e mediação das ações
do Estado, e o enfoque no desenvolvimento territorial tornou-se,
portanto, um modo de ação que valoriza os atributos políticos e culturais
das comunidades e dos atores sociais ali existentes. Fuini e Pires (2009)
ampliaram a discussão, afirmando que, na perspectiva do
desenvolvimento e dinâmica socioprodutiva, os territórios podem ser
vistos tanto como recursos quanto como atores locais, situados em
contextos específicos de relações de poder e de interação, envolvendo
empresas e atores coletivos.
Assim, o desenvolvimento territorial é o resultado de uma ação
coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação territorial;
portanto, uma ação associada a uma cultura, a um plano e instituição
132
locais, tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais (FUINI;
PIRES, 2009).
Dentre os atributos do desenvolvimento territorial, pode-se
mencionar a governança local (interação e regulação entre atores,
instituições e Estado) e a participação social. Tais atributos são
essenciais para relacionar os níveis sociais, políticos e econômicos nas
propostas de desenvolvimento rural.
É importante lembrar que na década de 1970, o termo governança
passou a circular pelo debate político, na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos, associado à governabilidade, ou seja, às necessárias
mudanças das instituições e organizações para melhorar a capacidade de
gestão do Estado frente aos cidadãos. Na década de 1980, o termo
governance ressurgiu em documentos do Banco Mundial, tratando da
capacidade financeira e administrativa do Estado mormente aqueles
em desenvolvimento – para tornar efetivas as ações de governo na
implantação de políticas e consecução de metas coletivas, para otimizar
e gerir recursos econômicos e sociais (FUINI; PIRES, 2009). A
governança inseriu-se intimamente à perspectiva da reforma do Estado,
referindo-se às iniciativas que expressam a capacidade de uma
sociedade organizada, territorialmente, para gerir assuntos públicos a
partir do envolvimento, conjunto e cooperativo, dos atores sociais,
econômicos e institucionais.
A definição de uma estrutura de governança (territorial) se
compõe, pois, de um determinado contexto territorial (podendo ser uma
associação ou um consórcio de municípios) onde os atores locais entram
em relação e concebem instituições que os representem nesse acordo,
além do próprio ambiente institucional pré-existente. Neste sistema, as
relações entre atores, instituições, governanças, recursos e
desenvolvimento territorial, são continuamente alimentadas por fluxos
comerciais, políticos e de informações, concebendo, portanto, um
mecanismo aberto, sujeito às modificações por qualquer uma de suas
partes, e refratário/resistente às inovações e estímulos concorrenciais
oriundos de fora ou de dentro do sistema (FUINI; PIRES, 2009, p. 303).
Outro atributo do desenvolvimento territorial é a participação ou
envolvimento da sociedade nas políticas de desenvolvimento. Para
Bandeira (1999), tem-se aceito, no Brasil, a ideia de que é necessário
criar mecanismos que possibilitem participação mais direta da
comunidade na formulação, no detalhamento e na implantação das
Políticas públicas. A crescente difusão desse enfoque pode ser atribuída,
por um lado, ao próprio avanço da democratização do País e, por outro,
a uma nova abordagem que se vem tornando dominante no contexto
133
internacional, que enfatiza a importância da participação da sociedade
civil e da articulação de atores sociais para as ações relacionadas com a
promoção do desenvolvimento. Como consequência dessa difusão, já se
tornou prática corrente promover consultas aos segmentos direta ou
indiretamente interessados, quando da elaboração de projetos e
programas específicos.
Um dos fatores que, ainda, dificulta a plena promoção da
participação ou de articulação de atores sociais, segundo Bandeira
(1999), é a ausência, na estrutura federativa brasileira, de uma instância
político-administrativa intermediária entre o Estado e o Município.
Quando ela existe (a exemplo dos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento do Rio Grande do Sul), acaba não coincidindo ou não
sendo compatível com as demais regionalizações propostas pelas
Secretarias de Estado (como a de Saúde, Educação, Agricultura, etc.).
Ao mesmo tempo, ainda existe um grau decisório bastante limitado
nessas instâncias institucionais infranacionais.
No caso específico do desenvolvimento territorial rural, pode-se
afirmar que a implementação de programas e ações tornar-se-iam
capazes de produzir, simultaneamente, transformações produtivas e
institucionais. Além disso, proporcionaria a ampliação do conceito de
rural para além da agricultura (em função da concepção territorial,
múltiplos protagonistas, e não setorial) e valorizaria a heterogeneidade
nos/dos territórios, bem como sua capacidade endógena de desenvolver
capacitações e iniciativas assentadas na sua identidade socialmente
legitimada (SCHNEIDER, 2003).
Uma questão importante, na discussão a respeito de
desenvolvimento rural, e que é muito influente nas organizações
internacionais de desenvolvimento, é a concepção de capital social. A
noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem
independentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira
isolada, e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta.
Assim, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um
ativo de capital de que os indivíduos podem dispor (ABRAMOVAY,
2000, p. 382).
A cooperação voluntária é mais fácil em uma comunidade que
tenha herdado um bom estoque de capital social, sob a forma de regras
de reciprocidade e sistemas de participação cívica. “O capital social diz
respeito a características da organização social, como confiança, normas
e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade,
facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 2006, p. 186).
134
Os estoques de capital social como confiança, normas e sistemas
de participação, tendem a ser cumulativos e a reforçar-se mutuamente.
Os círculos virtuosos redundam em equilíbrios sociais, com elevados
níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar
coletivo: eis as características que definem a comunidade cívica.
Para Putnam (2006), a história institucional costuma evoluir
lentamente. No que se refere ao fortalecimento das instituições, o tempo
é medido em décadas. A história evolui, talvez ainda mais lentamente,
quando se trata de instituir regras de reciprocidade e sistemas de
participação cívica.
Entretanto Mior (2005), assinala a presença de capital social,
aliado ao capital humano (competências acumuladas), ao capital natural
e, em menor grau, ao capital econômico, reage às crises ambiental e
socioeconômica existentes, ao mesmo tempo em que reafirma sua
capacidade de iniciativa. Essa situação colabora com a ideia de uma
evolução rumo à constituição de redes horizontais de Desenvolvimento
rural.
No plano internacional, hoje, diversas experiências ilustram
transformações no marco político-institucional, em curso a partir da
década de 1990, sobre o planejamento para o desenvolvimento dos
territórios rurais.
O Programa LEADER (Ligações entre ações de
Desenvolvimento da Economia Rural),
implantado no início da década de 1990 na União
Européia, trouxe a tona a necessidade de se
utilizar uma abordagem territorial em face das
crises experimentadas por inúmeras áreas rurais
europeias. A abordagem dessa iniciativa, que
privilegia o enfoque no planejamento com base na
competitividade dos territórios, incorpora de
forma inovadora os aspectos econômicos,
ambientais, sociais e culturais nas suas ações.
Além disso, com a experiência de mais de uma
década e mais de mil projetos apoiados, a
iniciativa LEADER, acumulou grande quantidade
de lições aprendidas, que podem ser
compartilhadas com outros países que estão se
lançando na inovação de seus processos de
planejamento (BEDUSCHI FILHO;
ABRAMOVAY, 2004, p. 47).
135
Essa competitividade territorial, portanto, coloca em evidência a
necessidade de se estruturarem projetos de desenvolvimento que
incorporem, de forma definitiva, os diferentes atores sociais na
construção de uma visão comum do futuro desejado para determinada
área. A abordagem territorial baseia-se na definição de um “projeto
territorial”, construído com a participação de atores locais, públicos e
privados, que vão desenhar um programa de desenvolvimento para a
área, que, posteriormente, será discutido e negociado com as autoridades
regionais e nacionais.
Segundo Beduschi Filho e Abramovay (2004), o programa
funciona por meio dos “grupos de ação local”, que são os responsáveis
pela animação do processo de mobilização comunitária para o
planejamento do território, a médio e longo prazos. Os grupos realizam
atividades como diagnósticos da realidade local e discussões com a
comunidade, facilitando a elaboração de uma visão comum de
desenvolvimento, que vai orientar os projetos específicos que podem
levar à construção da visão comum de desenvolvimento do território e,
ainda, fazem a intermediação entre os projetos locais e as instâncias
regionais, nacionais e europeia.
Sob a abordagem territorial, os projetos de desenvolvimento se
focam nos elementos de identidade local (percepções coletivas do
passado dos habitantes, suas tradições, herança cultural, recursos
materiais) que, como consequência, tornam os produtos da região mais
desejáveis e únicos no mercado. Busca-se identificar algo que torne as
regiões singulares, o que acaba por contribuir também para modificar a
forma como os próprios habitantes enxergam-na.
A segunda experiência é o programa EZ/EC (Empowerment
Zones and Enterprise Communities Zonas de Empoderamento e
Comunidades Empesariais Rurais), desenvolvido nos Estados Unidos,
desde 1993. Diferentemente de outros programas americanos, voltados
ao meio rural, geralmente baseados em taxas de incentivos para
determinados setores, o Programa EZ/EC agrega novos elementos, em
especial a noção de accountability (responsabilidade/comprometimento).
A sua orientação vai no sentido de conseguir o comprometimento dos
cidadãos em se engajarem em uma ação de planejamento estratégico de
longo prazo, que seja permanentemente monitorada e envolva os
diferentes atores das comunidades. Um dos pontos de destaque do
programa foi a rápida transformação do ato legislativo que o instituiu,
em regulamentações e procedimentos que orientam os atores e
territórios que pretendem se engajar no Programa (BEDUSCHI FILHO;
ABRAMOVAY, 2004).
136
Além disso, segundo os mesmos autores, a lógica de
planejamento para os territórios baseia-se na participação ativa das
comunidades envolvidas, desde a elaboração de um plano de médio e
longo prazos para a região, até a implantação e o acompanhamento dos
projetos. Os planos devem refletir os 4 princípios básicos da iniciativa
EZ/EC, que são: a) oportunidade econômica; b) desenvolvimento
sustentável; c) cooperação e parcerias nas comunidades; d) visão
estratégica de mudanças.
Os autores colocaram que à semelhança do Programa LEADER, o
EZ/EC leva em conta a participação da comunidade na elaboração dos
projetos de desenvolvimento. O princípio de responsabilidade que guia
o projeto, exige a participação ativa dos diferentes atores sociais, como
lideranças governamentais e políticas, grupos comunitários,
organizações ambientalistas, religiosas, empresários, enfim, todos os
segmentos sociais dos locais. Essa participação é ainda mais estimulada,
uma vez que o Programa tem como princípio que a comunidade não
pode prosperar se depender apenas dos recursos públicos. É necessário,
portanto, um comprometimento dos atores na busca e aplicação de
outros tipos de recursos que possam contribuir com o sucesso dos
projetos de desenvolvimento local.
No Brasil, a abordagem territorial foi incorporada pelo Governo
Federal em 2003, quando criou, junto ao MDA, a Secretaria do
Desenvolvimento Territorial (SDT). Seu objetivo é contribuir para o
desenvolvimento de regiões onde predominam agricultores familiares e
beneficiários da Reforma e do Reordenamento agrário. A definição de
território, adotada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, é:
Um espaço físico, geograficamente definido, não
necessariamente contínuo, compreendendo
cidades e campos, caracterizado por critérios
multidimencionais, tais como o ambiente, a
economia, a sociedade, a cultura, a política e as
instituições e uma população, com grupos sociais
relativamente distintos, que se relacionam interna
e externamente por meio de processos específicos,
onde se pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade e coesão social, cultural e
territorial (BRASIL – RESOLUÇÃO, 2005).
Fica clara, na definição acima, a incorporação, por parte do
Governo federal, da abordagem territorial do desenvolvimento nas
políticas para o meio rural. Pode-se aferir com isso que sinais de
137
mudanças no processo de planejamento do meio rural, incorporando a
agricultura familiar nas políticas de desenvolvimento.
3.5 A AGRICULTURA FAMILIAR E A POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL
Após um período de descrença quanto ao futuro da agricultura
familiar
64
, há atualmente um resgate da importância dessa categoria
social (concomitantemente à recuperação do rural no pensamento social
contemporâneo) nas sociedades de economia avançada, particularmente
na européia. Esse processo se verifica, também, no Brasil. A
preocupação com o meio ambiente, com a qualidade de vida e com o
desemprego nas cidades deu ainda mais força a esse resgate,
acompanhado por discussões teóricas intensas.
A agricultura familiar brasileira, apesar de ter sido penalizada até
meados dos anos de 1990 pela carência de políticas públicas específicas
de apoio, sempre representou um importante sustentáculo à produção
agrícola nacional, especialmente na produção de alimentos básicos. Este
segmento concentra o maior percentual de pessoal ocupado no total de
unidades de produção do País e responde por notável parcela da
produção de alguns produtos agrícolas. Ao mesmo tempo se insere em
atividades não agrícolas, e muitas unidades de produção tornaram-se
pluriativas.
Mesmo não se podendo generalizar, em função da tamanha
diversidade (social, econômica e ecológica) dessa categoria social no
rural brasileiro, pode-se, de modo geral, dizer que a agricultura familiar,
devido a suas características internas, (ênfase na diversificação, na
durabilidade dos recursos naturais e maximização do uso e reciclagem
dos insumos internos), é a grande protagonista de um desenvolvimento
rural sustentável. “A produção familiar, dada suas características de
diversidade/integração de atividades vegetais e animais, e por trabalhar
em menores escalas, pode representar o lócus ideal ao desenvolvimento
64
Não existe consenso entre os estudiosos acerca do uso do termo agricultor familiar, pequena
produção e campesinato. Maria de Nazareth Wanderley utiliza os termos agricultura familiar e
camponês; João Carlos Tedesco usa colono e camponês; Graziano da Silva aceita pequeno
produtor, camponês e agricultor familiar como sinônimos; Bruno Jean utiliza agricultor
familiar moderno, e Sérgio Schneider usa agricultor familiar e formas familiares (DEPONTI,
2007). Alentejano (1997) sugere usar indistintamente os termos agricultura familiar, pequena
produção e propriedade, e campesinato, por entender que, no caso brasileiro, são expressões
equivalentes, uma vez que é praticamente inexistente no Brasil a exploração familiar de
grandes extensões de terra. Neste trabalho utilizou-se a expressão agricultura familiar.
138
de uma agricultura ambientalmente sustentável” (CARMO, 1998, p.
231). Nesse caso, tornam-se importantes as políticas de permanência e
reprodução econômica e social da agricultura familiar no meio rural
brasileiro.
Para Wanderlei (1998, p. 42), a questão do caráter familiar da
unidade de produção continua a se colocar na atualidade:
Em primeiro lugar, [...] continuam a existir nas
sociedades modernas unidades de produção cuja
força de trabalho fundamental é fornecida pela
família proprietária. E isso mesmo quando a
produção familiar se moderniza e se integra ao
processo global de acumulação do capital na
sociedade. Em segundo lugar, o reconhecimento
de um processo mais amplo e determinante de
subordinação da produção agrícola ao
‘movimento do capital’ não é incompatível com o
reconhecimento da existência de um movimento
interno da unidade de produção familiar, cujo eixo
é dado pelo seu caráter familiar e que tem como
objetivo preservar uma margem de autonomia da
familiar proprietária que trabalha.
Pode-se considerar que a inserção da produção e do agricultor
familiar ao movimento do Capital não o exclui dessa condição e o
afeta totalmente sua autonomia. Conclui-se que o Modo de Produção
Capitalista não anula a produção familiar, diferente do que se afirmava
entre os pensadores marxistas clássicos, em fins do século XIX,
particularmente Marx, Kautsky e Lênin.
As evidências comprovam a presença da agricultura familiar em
todas as sociedades do mundo, mesmo com a crescente
internacionalização da economia capitalista. Para Lamarche (1993, p.
13):
Independente de quais sejam os sistemas
sociopolíticos, as formações sociais ou as
evoluções históricas, em todos os países onde o
mercado organiza as trocas, a produção agrícola é
sempre, em menor ou maior grau, assegurada por
explorações familiares, ou seja, por explorações
nas quais a família participa na produção.
139
O autor reconheceu a diversidade presente nas explorações
familiares. São situações particulares, vinculadas a histórias e a
contextos socioeconômicos e políticos diversos, que demonstram a
enorme capacidade de adaptação da exploração familiar, sendo esse um
dos motivos que explicam sua permanência. Contudo, apresentou uma
conceituação geral para essa forma de produção na agricultura: “a
exploração familiar tal como a concebemos, corresponde a uma unidade
de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente
ligados à família” (1993, p. 15). Portanto, trabalho, propriedade e
família, de modo geral, caracterizam as unidades de produção familiar,
apesar da grande diversidade que as caracteriza, como capacidade de
financiamento, uso de tecnologia, contratação esporádica de mão de
obra.
Para Lamarche (1993), as explorações agrícolas familiares não
constituem um grupo social homogêneo, ou seja, uma formação social
que corresponda a uma classe social, no sentido marxista do termo. Os
grupos sociais, na agricultura, associando família e produção,
diferenciam-se uns dos outros por sua capacidade de se apropriar dos
meios de produção e desenvolvê-los. Resumidamente, mesmo
parecendo paradoxal, pode-se dizer que o agricultor familiar é um
proprietário trabalhador.
Lamarche reforça o quanto os agricultores familiares podem se
distinguir, uns dos outros. Para ele:
A exploração familiar não é um elemento da
diversidade, mas contém nela mesma toda esta
diversidade. Em um mesmo lugar e em um
mesmo modelo de funcionamento, as explorações
dividem-se [...] segundo suas condições objetivas
de produção (superfície, grau de modernização,
nível técnico, capacidade financeira) (1993, p.
18).
Para entender a diversidade na agricultura familiar, Lamarche
(1993) propôs um esquema de análise em que haveria um “modelo
original” (camponês) e um “modelo ideal” (familiar). A exploração
camponesa seria uma exploração familiar, mas nem todas as explorações
familiares seriam camponesas.
Assim, o autor analisou a exploração familiar em torno de um
eixo definido pelo grau de integração na economia de mercado, em cujas
extremidades se encontram, de um lado, o “modelo original” e, de outro,
140
o “modelo ideal”. As explorações familiares, segundo sua própria
história e o ambiente específico no qual elas funcionam, posicionar-se-
iam ao longo da escala. O modelo original é aquele que o agricultor
encontra suas referências históricas e reencontra suas tradições, ao qual
permanece mais ou menos ligado.
Já Alentejano (1997) discutiu que não faz sentido estabelecer
distinção entre agricultura familiar e campesinato a partir de aspectos
como a maior ou menor modernização, ou a existência de diferentes
lógicas de reprodução. A forma mais correta de entender o lócus da
agricultura familiar, no Brasil, é percebê-la como subordinada
indiretamente ao Capital.
O agricultor familiar apresenta-se como um personagem híbrido,
acumulando em si mesmo uma tríplice identidade: proprietário
fundiário, empresário privado e trabalhador. Como proprietário
fundiário, deveria receber rendas fundiárias ligadas à posse do solo,
sendo a renda da terra (fundiária) a forma específica de renda ligada à
propriedade de uma área de terra. Ao mesmo tempo, o agricultor
familiar aparece como um empresário privado: possui seus meios de
produção, isto é, as terras, as máquinas, as benfeitorias, os animais, etc
(JEAN, 1994).
Contudo, o agricultor familiar é, antes de tudo, um trabalhador
que executa suas tarefas por conta própria, com sua família e,
eventualmente, assalariados, para enfrentar os períodos de pico do ciclo
produtivo, e não para extrair mais-valia do trabalho do(s) assalariado(s),
lógica própria do Capitalismo. Esse agricultor, que deveria acumular
três tipos de renda (a renda do proprietário fundiário ou renda da terra, o
lucro do empresário e o salário do trabalhador), teve que doar a renda
fundiária e o lucro capitalista à economia e à sociedade, para sobreviver
(JEAN, 1994).
No Brasil, a afirmação recente, sobre a noção agricultura familiar
deveu-se por fatores sociais, políticos e intelectuais. Do ponto de vista
social, a categoria emergiu como resultante de mobilizações
patrocinadas pelo movimento sindical, no início da década de 1990
(especialmente a CONTAG) que, lentamente, foi deixando de lado o
discurso de representações dos trabalhadores rurais, até o surgimento de
formas de representação que reivindicam especificamente a identidade
da agricultura familiar (como é o caso da Federação dos Trabalhadores
na Agricultura Familiar - FETRAF). Em termos político-institucionais, a
agricultura familiar alcançou legitimidade crescente a partir da criação
do PRONAF. No campo intelectual, o reconhecimento começa pelos
estudos que buscam definir o universo de estabelecimentos rurais que
141
não contratam força de trabalho, denominados, por isso, de familiares,
em oposição aos patronais (SCHNEIDER, 2006).
O estudo da FAO/INCRA, no início dos anos de 1990, buscou
inserir a agricultura familiar no mundo agrícola, no contexto da Reforma
Agrária, dando destaque à agricultura como indutora do
desenvolvimento no espaço rural. A FAO/INCRA assim denominou a
agricultura familiar:
A agricultura familiar pode ser definida a partir de
três características centrais: a) a gestão da unidade
produtiva e os investimentos nela realizados é
feita por indivíduos que mantem entre si laços de
sangue ou de casamento; b) a maior parte do
trabalho é igualmente fornecida pelos membros da
família; c) a propriedade dos meios de produção
(embora nem sempre da terra) pertence à família e
é em seu interior que se realiza sua transmissão
em caso de falecimento ou de aposentadoria dos
responsáveis pela unidade produtiva (2000, p. 4).
Novamente se percebe o elo indissociável entre trabalho,
propriedade e família.
Na Lei 11.326/06
65
, artigo 3º, considera-se agricultor familiar e
empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: a) não detenha, a
qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; b) utilize
predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; c) tenha renda
familiar predominantemente originada de atividades econômicas
vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; dirija seu
estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Existem, no Brasil, 4.859.864 estabelecimentos agropecuários.
Destes, 4.139.369 são estabelecimentos familiares que representam
85,2% do total, ocupam 30,5% da área total e são responsáveis por
37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional (VBP). Por
outro lado, os estabelecimentos patronais (que são 554.501
estabelecimentos agropecuários) representam 11,4% do total e ocupam
67,9% da área total agricultável (Quadro 5) (FAO/INCRA, 2000).
65
Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais.
142
QUADRO 5 - Número de estabelecimentos, área e Valor Bruto da
Produção no Brasil (Categorias Familiares por Tipo de Renda e
Patronal).
Estabelecimentos Área Total Valor Bruto da
Produção
Categorias
Número % Hectares % 1.000
Reais
%
Familiar
4.139.369 85,2 107.768.450 30,5 18.117.725 37,9
Patronal
554.501 11,4 240.042.122 67,9 29.139.850 61,0
InstituiçõesReligiosas
7.143 0,1 262.817 0,1 72.327 0,2
Entidades Públicas
158.719 3,3 5.529.574 1,6 465.608 1,0
Não Identificado
132 0,0 8.280 0,0 960 0,0
TOTAL
4.859.864 100,0 353.611.242 100,0 47.796.469 100,0
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE. Elaboração: Convênio
FAO/INCRA.
- O zero "0"indica um valor muito pequeno.
A metodologia, adotada pela FAO/INCRA (2000) para delimitar
o universo familiar, baseou-se em duas condições básicas: a direção dos
trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor; e o trabalho
familiar era superior ao trabalho contratado.
A Região Sul é a mais expressiva em termos de agricultura
familiar, representada por 90,5% de todos os estabelecimentos da
Região, ou 907.635 agricultores familiares, ocupando 43,8% da área e
produzindo 57,10% do VBP regional. Já a Região Nordeste é a que
apresenta o maior número de agricultores familiares, representados por
2.055.157 estabelecimentos (88,3%), os quais ocupam 43,5 da área
regional e produzem 43% de todo o VBP da Região (FAO/INCRA,
2000).
Blum (1999), analisando os dados do IBGE (1995/1996), adotou
o critério de área, e observou que, no Rio Grande do Sul, os
estabelecimentos com menos de 100 hectares representam 92,0% do
número total. Esse extrato detem apenas 32,90% da área e emprega
87,52% da mão de obra ocupada na agricultura. Contrastando com isso,
8% dos estabelecimentos possuem 67,10% da área e apenas 12,48% da
mão de obra ocupada na agricultura.
Quando os dados das cinco Regiões brasileiras são cruzados, o
Nordeste desponta com o maior percentual de estabelecimentos,
abarcando 49,7% dos estabelecimentos familiares. Ocupa, entretanto,
apenas 31,6% da área total e é responsável por 16,7% do VBP dos
agricultores familiares. A Região Sul detém 21,9% dos estabelecimentos
familiares e ocupa 18,0% da área total (dos familiares) (FAO/INCRA,
2000).
A área média dos estabelecimentos familiares, no Brasil, é de 26
hectares (21 hectares no Sul) enquanto que a patronal é de 433
143
hectares(283 hectares no Sul). Contudo, a renda total (RT) por hectare
demonstra que a agricultura familiar é muito mais eficiente que a
patronal, produzindo uma média de R$ 104 ha/ano contra apenas R$ 44
ha/ano dos agricultores patronais (FAO/INCRA, 2000).
No Brasil, 87% dos estabelecimentos familiares possuem menos
de 50 hectares. A agricultura familiar, mesmo dispondo de 30% da área,
é responsável por 76,9% do pessoal ocupado. Na Região Sul, a
agricultura familiar ocupa 84% da mão de obra (FAO/INCRA, 2000).
Com apenas 30,5% da área e contando somente com 14% do
financiamento total, os estabelecimentos familiares são responsáveis por
37,9% de toda a produção nacional. Dado o grande número de
estabelecimentos familiares, muitos dos quais com área muito pequena,
destinada principalmente para moradia e plantio para subsistência, este
percentual é elevado (FAO/INCRA, 2000). Cerca de 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) do Brasil resulta da contribuição dos agricultores
familiares (MDA/CONDRAF, 2008).
Os agricultores familiares produzem 24% do VBP (Valor Bruto
da Produção) total da pecuária de corte, 52% da pecuária de leite, 58%
dos suínos e 40% das aves e ovos produzidos. Em relação a algumas
culturas temporárias e permanentes, a agricultura familiar produz 33%
do algodão, 31% do arroz, 72% da cebola, 67% do feijão, 97% do fumo,
84% da mandioca, 49% do milho, 32% da soja e 46 do trigo, 58% da
banana, 27% da laranja e 47% da uva, 25% do café e 10% do VBP da
cana de açúcar (FAO/INCRA, 2000).
Entre as cinco Regiões, os agricultores familiares da Região Sul
são os que mais se destacam pela sua participação no VBP regional,
sendo responsável por 35% da pecuária de corte, 80% da pecuária de
leite, 69% dos suínos, 61% das aves, 83% da banana, 43% do café, 81%
da uva, 59% do algodão, 92% da cebola, 80% do feijão, 98% do fumo,
89% da mandioca, 65% do milho, 51% da soja e 49% do trigo
produzido pela agricultura familiar na Região (FAO/INCRA, 2000).
Entende-se que a agricultura familiar e o meio rural apresentam
funções de fundamental importância à sociedade. Torná-la competitiva,
permitindo inseri-la em mercados dinâmicos, requer um programa de
desenvolvimento rural que não se restrinja à expansão de atividades
agropecuárias, mas de novos mercados, quando for possível, e adaptado
à realidade da unidade de produção (agricultura sustentável, turismo,
lazer, agroindústrias), através da ação de atores públicos, privados e
organizações de produtores.
Nesse processo, pode-se acrescentar o papel desempenhado pelo
crédito, pelo acesso à terra, pela informação e pela organização para o
144
aumento da produção e da renda. Ainda, as características dos
territórios, como coloca Abramovay (1999), dizendo que os setores
sociais que souberem valorizar os atributos de sua localização têm mais
chances de desenvolvimento que os ligados a mercados anônimos e
indiferenciados. Cabe enfatizar a importância da formação de capital
social como respostas às situações de crise. É neste sentido que o
desenvolvimento rural passa pela construção de novos territórios, isto é,
pela capacidade que terão os atores econômicos locais de manejar e
valorizar ativos específicos dos territórios em que habitam.
Diante das discussões sobre Desenvolvimento Sustentável, das
pressões dos movimentos sociais e das reformas no Estado brasileiro, na
década de 1990, o Governo Federal passou a assumir o compromisso de
promover o desenvolvimento rural “sustentável”. Para isso, lançou uma
política de apoio aos agricultores familiares, incorporou no discurso a
questão da Sustentabilidade e promoveu, via processo de
descentralização de decisões, mecanismos de participação dos distintos
atores da sociedade nos projetos, sobretudo através do enfoque,
territorial/endógeno/local, de desenvolvimento rural.
Para Mior (2005), na década de 1990, o Brasil passou a conviver
com os desafios da integração ao Mercosul e à abertura da economia. As
dificuldades da agricultura familiar cresceram, ao mesmo tempo em que
se fortaleceu a mobilização social de segmentos ligados ao campo
brasileiro, especialmente ao da agricultura familiar.
Para o autor, as políticas públicas, para o meio rural, se
transformaram, necessitando um alinhamento às novas demandas sociais
que estavam emergindo no contexto dos anos de 1990. Ao mesmo
tempo em que a agricultura passou a conviver com a abertura da
economia e a desregulação, as políticas públicas brasileiras voltadas ao
meio rural começaram a dar seus primeiros sinais de diferenciação, com
políticas dedicadas a tratar das questões ambientais, de desenvolvimento
rural, da produção agrícola e da agricultura familiar. Embora tenha
havido políticas específicas para o agricultor familiar anteriormente,
estas nunca tinham tido um alcance nacional.
Além disso, até os anos de 1990 as políticas agrícolas, no Brasil,
eram formuladas de forma descendente, “de cima para baixo”, de caráter
setorial, restando pouco espaço de manobra para os agentes locais
participarem, efetivamente, da formulação de programas e projetos de
seu interesse.
Nos anos de 1990, o adjetivo sustentável ganhou força para
caracterizar o desenvolvimento, expressão que se consolidou com a
ECO-92. No meio rural, essa noção também passou a ser discutida, e
145
pode-se tomar como referência um documento, no contexto de
elaboração de Políticas públicas ao Desenvolvimento Rural Sustentável,
e que foi publicado pela Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), em 1994, denominado de “Diretrizes de
Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável
66
(MIOR, 2005).
Nesse documento, o objetivo declarado foi o de “contribuir na
elaboração de uma nova estratégia de Desenvolvimento Rural para o
Brasil”, tendo, como preocupação maior, a agricultura familiar como
linha estratégica do desenvolvimento rural. Além dos agricultores
familiares, o Documento apresenta Diretrizes para os assentados da
Reforma Agrária, que também são considerados agricultores familiares
(CANDIOTTO; CORRÊA; 2004).
As Diretrizes também segmentam os agricultores familiares em:
consolidados; aqueles que se encontram fragilizados, mas estão em
transição para se consolidarem; e os agricultores periféricos, que seriam
os com maiores dificuldades, incluindo os assentados da Reforma
Agrária (CORRÊA; CANDIOTTO, 2004, p. 272). Tais diretrizes foram
fundamentais para a elaboração do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF).
Pressionado pelos movimentos sociais do campo, sobretudo pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG),
que reivindicava políticas específicas para os produtores familiares, o
Governo Federal criou uma política para facilitar o acesso ao crédito.
Assim, em 1995, foi lançado o Plano Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PLANF) que, em 1996, transformou-se no
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), criado pelo Decreto nº. 1.946/96 (CANDIOTTO;
CORRÊA, 2004).
Embora a ênfase da Política Agrícola brasileira ainda seja o apoio
ao modelo produtivista ou de desenvolvimento agrícola através de
incentivos ao aumento da produtividade e da competitividade agrícola
o que se percebe com o PRONAF é que se propõe uma explícita
descentralização, com aumento da influência dos espaços estaduais,
regionais e locais na elaboração e execução de políticas agrícolas. Essas
e outras características colocam o PRONAF como algo novo dentro do
66
FAO/INCRA. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável para a pequena
produção familiar. Brasília: FAO/INCRA, 1994. Através dessa parceria FAO/INCRA, nasceu a
classificação quantitativa dos estabelecimentos considerados familiares, servindo de base à
constituição do PRONAF. Ainda, a partir dele, houve a separação entre agricultores patronais e
familiares.
146
conjunto de políticas agrícolas elaboradas e implementadas nas últimas
décadas. Da mesma forma, representa, de forma prática, a reestruturação
do Estado, descentralizando funções de planejamento a Estados e
Municípios.
Com o reconhecimento oficial, em 1996, da necessidade de uma
política específica de fortalecimento da Agricultura Familiar, foi criada
a Secretaria de Desenvolvimento Rural, ligada ao Ministério da
Agricultura. Mais tarde, em 1998, criou-se o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) com a criação da Secretaria da
Agricultura Familiar que, juntamente com a Secretaria do
Desenvolvimento Territorial (SDT) e a Secretaria de Reordenamento
Agrário (SRA), assumem, hoje, as Políticas específicas de
Desenvolvimento Rural e de Agricultura Familiar. O Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ainda tem a ver com o
público da Agricultura Familiar, que cuida da comercialização dos
produtos e sua regulamentação (sanitária e de qualidade), da legislação
sanitária, da pesquisa e do abastecimento via Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) (TONNEAU; SABOURIN, 2007).
Dentre os acontecimentos mais marcantes que ocorreram, na
esfera das Políticas Públicas, para o meio rural brasileiro, em período
recente, pode-se destacar a criação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em 1996 (Figura
20). O surgimento desse Programa representa o reconhecimento e a
legitimação do Estado em relação a essa categoria social (os agricultores
familiares). De um modo geral, pode-se dizer que, até o início da década
de 1990, não existia nenhum tipo de Política pública especial, com
abrangência nacional, voltada ao atendimento das necessidades desse
segmento social da agricultura (SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI,
2004). Hoje, contudo, pode-se afirmar que a agricultura familiar tem
status de categoria social, responsável por garantir a segurança alimentar
brasileira, além de “aquecer” a economia com a aquisição de
equipamentos, máquinas, insumos, entre outros produtos.
A partir de 1999, no segundo Governo de FHC, uma série de
reformulações desenvolveram-se em torno do PRONAF a fim de
adaptá-lo à diversidade social dos agricultores familiares e às diferenças
regionais. Mas foi em 2003, no governo Lula que ocorreu uma maior
reformulação. No âmbito do MDA, foi criada a Secretaria do
Desenvolvimento Territorial (SDT), a qual passou a definir e gerenciar o
PRONAF infraestrutura e serviços antes municipais passando agora para
a escala territorial e não mais municipal (Idem). Segundo Schneider,
Cazella e Mattei (2004), em 1996, houve uma forte concentração sobre
147
o total tanto dos contratos (78%) como dos recursos (65%), na Região
Sul. A figura 6 mostra o aumento nos recursos destinados aos
agricultores familiares no Brasil.
0.42
2.15
2.17 2.19
2.38
4.49
6.13
7.61
8.5
12
13
15
0
2
4
6
8
10
12
14
16
R$ (Bilhões)
1998/99 1999/00 2000/01 2001/02 2002/03 2003/04 2004/05 2005/06 2006/07 2007/08 2008/09 2009/10
Ano agrícola
FIGURA 6: Recursos do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar no Brasil (1998-2010).
Fonte: MDA/SAF (2009).
Em estudo realizado entre os cem municípios brasileiros que
tiveram maior volume de contratação do PRONAF, no período 2001-
2004, e que tinha o objetivo de verificar o impacto econômico dos
recursos sobre tais municípios, afirmou-se que: “a aplicação consistente
de recursos na agricultura familiar tem uma indubitável contribuição
positiva na produção de alimentos, na geração de renda e, até mesmo, na
geração de emprego formal” (MDA/NEAD, 2005, p. 4). O estudo
discutiu, ainda, que os resultados são parciais, diante do caráter informal
de muitas atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares. Isso
significa que a contribuição dessa categoria social à economia (mas
também à sociedade, ao meio ambiente e à valorização da cultura) é
maior do que é apresentada nos censos.
O estudo realizado pelo MDA/NEAD (2005) aponta que entre os
municípios maiores tomadores de crédito do PRONAF, 82 estavam
localizados na Região Sul do País e 12 na Região Norte. Dos 82
municípios da Região Sul, presentes na lista dos cem maiores tomadores
de crédito, 43 localizam-se no Estado do Rio Grande do Sul; 21, no
Paraná, e 18, em Santa Catarina. Há, portanto, uma grande concentração
dos contratos (58%) no Rio Grande do Sul.
148
Entre os cem maiores municípios brasileiros tomadores de
crédito, entre 2001 e 2004, encontram-se dois municípios da Quarta
Colônia: Agudo (11.995 contratos e R$ 45.264.662,29 de recursos) em
14ª colocação em volume de recursos, e Nova Palma (8.855 contratos e
R$ 35.492.898,25) em 22ª colocação em volume de recursos
(MDA/NEAD, 2005). Tais municípios também se destacam entre os
demais municípios da Quarta Colônia, tanto em número de contratos
quanto em volume de recursos.
Analisando-se os dados do crédito rural do PRONAF observou-se
que, em média, na Quarta Colônia, realizaram-se 10.035 contratos entre
2000 e 2008. Não se observou intensas variações no número de
contratos neste período. O montante do crédito na Quarta Colônia,
analisando-se a média do período, foi de R$ 46.588.672,79. O que mais
chama atenção foi o aumento no montante de recursos na Quarta
Colônia, entre 2000 e 2008, que foi de 442%. As novas linhas de
crédito, como o Mais Alimentos, favoreceu o aumento nos recursos. Já a
média dos contratos por agricultor no período, foi de R$ 4.533,62.
Os dados referentes ao PRONAF entre os municípios da Quarta
Colônia demonstram que Agudo e Nova Palma são os que mais
concentram, tanto número de contratos quanto volume de recursos.
Agudo com uma média (entre 2000 a 2008) de 2.938 contratos e R$
11.162.939,42 de recursos. Nova Palma também se destaca com 2.171
contratos e R$ 9.609.137,49 de recursos. Ambos representam, em
média, 50,91% de todos os contratos realizados entre 2000 e 2008 e
44,58% do volume de recursos concentrados na Quarta Colônia, no
período analisado. Pode-se atribuir essa concentração nesses Municípios
devido a expressividade da agricultura familiar e também a presença das
culturas que demandam crédito, especialmente o feijão e o arroz. A
figura 7 demonstra a evolução do volume de recursos do PRONAF na
Quarta Colônia.
149
0
20000000
40000000
60000000
80000000
100000000
120000000
2000 2002 2004 2006 2008
Montante (R$1,00)
FIGURA 7: Montante do crédito rural do PRONAF por ano fiscal
na Quarta Colônia (2000-2008).
Fonte: BACEN (Somente Exigibilidade Bancária), BANCOOB, BANSICREDI,
BASA, BB, BN e BNDES (2009).
Seguindo a lógica global, o Governo Federal procurou mostrar-se
aberto à descentralização das decisões de interesse social. Na
perspectiva da participação e do exercício da democracia, começaram a
ser criados Conselhos nacionais, estaduais e municipais, em vários
segmentos, como na Saúde, Trabalho, Meio Ambiente,
Desenvolvimento Rural, Turismo, Educação, entre outros
(CANDIOTTO; CORRÊA, 2004).
Disseminados amplamente nos últimos anos, os Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural constituem uma inovação
institucional considerável no campo das políticas públicas concebidas
para o meio rural. No Rio Grande do Sul, segundo Marques; Alles;
Beroldt et al. (2007), os primeiros Conselhos desse gênero datam da
primeira metade dos anos de 1990. Esse fenômeno associa, às
sinalizações insistentes, que a transferência de fundos do Governo
estadual para os municípios seria apenas autorizada quando houvesse
uma Secretaria da Agricultura, um Conselho voltado para o
desenvolvimento agrário, e um Fundo de investimento rural no âmbito
das Prefeituras municipais, com instrumentos de participação social. No
Rio Grande do Sul, a maior parte das prefeituras estabeleceu um
Conselho de Política Agrícola no decorrer da primeira metade dos anos
de 1990.
150
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural (CNDR), criado
pelo Decreto nº. 3.200/99, foi orientado pelas Diretrizes do Programa
Nacional de Reforma Agrária e do PRONAF. Coube ao CNDR elaborar
o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDR). Posteriormente, o
Decreto 3.508/2000 transformou o CNDR em Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS). O referido Decreto
também transformou o PNDR em Plano Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável (PNDRS) (CANDIOTTO; CORRÊA, 2004).
O Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável,
elaborado pelo CNDRS, foi concluído, em 2002, com o intuito de
indicar diretrizes para o desenvolvimento sustentável do Brasil rural. O
Plano enfatizou os aspectos financeiros; dentre eles, a necessidade de
uma política mais agressiva de estímulo às exportações e de substituição
das importações; queda na taxa de juros; e maximização da
competitividade sistêmica do agronegócio. Contudo, apesar da exaltação
de ações vinculadas à lógica do mercado, o Governo, ao menos,
reconheceu que a expansão do agronegócio traria desemprego, pois
empregaria pouca mão de obra (CANDIOTTO; CORRÊA, 2004).
Assim, ao mesmo tempo que o Estado crítica a agricultura patronal
favorece-a em muitas políticas públicas, dentre elas, as de crédito.
Nos documentos que foram elaborados, o Governo parte do
princípio de que o Desenvolvimento Sustentável e o Desenvolvimento
Rural Sustentável serão conquistados através da maior competitividade
da agricultura familiar no mercado, com uso de tecnologias e insumos
modernos, transformando o agricultor em um empreendedor que, por
sua vez, deverá administrar suas práticas agrícolas juntamente com
atividades não agrícolas, na perspectiva da pluriatividade e da
multifuncionalidade do espaço rural (CORRÊA; CANDIOTTO, 2004).
Em outubro de 2003, através do Decreto nº. 4.854, foi instituído o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, Reforma
Agrária e Agricultura Familiar (CONDRAF), resultado da reformulação
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e
integrante do MDA. Em seu regimento interno, consta que o
CONDRAF se constituirá em espaço no qual as diferentes esferas de
Governo e da sociedade civil organizada proporão diretrizes para a
formulação e implementação de políticas públicas, tendo como foco o
Desenvolvimento Rural Sustentável, a Reforma Agrária e a Agricultura
Familiar. Consta, ainda, como atribuições do CONDRAF considerar o
território rural como foco do planejamento e de gestão de programas de
151
desenvolvimento rural (BRASIL - DECRETO, 2003)
67
. O CONDRAF,
passou a conceber que a abordagem territorial está baseada em uma
visão essencialmente integradora de espaços, agentes governamentais,
atores sociais, agentes de desenvolvimento, mercados e políticas
públicas de intervenção.
No artigo 5º, parágrafo V da Resolução nº. 52, de 16 de fevereiro
de 2005, do CONDRAF consta a abordagem territorial como uma
ferramenta para o desenvolvimento rural: “dotar os territórios de
instrumentos que possibilitem o rompimento das práticas de
verticalização dos processos decisórios, favorecendo a descentralização
do poder de decisão e contribuindo para que as decisões estratégicas
sejam tomadas de forma democrática e participativa” (BRASIL
RESOLUÇÃO, 2005). No parágrafo VI, consta: “envolver outros
gestores públicos e sociais nos estados, territórios e municípios,
técnicos, dirigentes de organizações sociais, entre outros” (Idem).
O documento “Diretrizes para o Desenvolvimento Rural
Sustentável”, do CONDRAF, registra a posição teórica do Governo em
relação à agricultura patronal: “[...] a agricultura patronal reproduz no
país um modelo embasado na monocultura e no latifúndio, que gera
degradação ambiental, exploração do trabalho agrícola, exclusão social e
concentração da terra e da renda” (MDA/CONDRAF, 2006, 13)
68
. Por
outro lado, enfatiza os elementos necessários à promoção do
Desenvolvimento Rural Sustentável: “sistemas de produção focados na
biodiversidade, na valorização do trabalho familiar, na inclusão de
jovens e de mulheres, na produção de alimentos destinados à segurança
alimentar e nutricional da população e na promoção da democratização
do acesso à terra e aos demais meios de produção [...]” (Idem).
O mesmo documento, apoiando-se nos dados do Censo
Demográfico (2000), constata que o meio rural brasileiro é plural e
heterogêneo, e que detem mais de cinco milhões de famílias rurais
vivendo com menos de dois salários mínimos mensais. Além disso, o
rural registra os maiores índices de mortalidade infantil, de incidência de
endemias e de analfabetismo (MDA/CONDRAF, 2006).
67
BRASIL. Decreto 4.854, de 8 de outubro de 2003. Institui o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/condraf>. Acesso em: 10 de fev.
de 2009.
68
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável. Diretrizes para o desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF, 2006.
Disponível em: <http://www.mda.gov.br/condraf>. Acesso em: 10 de fev. de 2009.
152
Em linhas gerais, o documento “Diretrizes para o
Desenvolvimento Rural Sustentável” do CONDRAF, propõe um
desenvolvimento rural assentado sobre os seguintes elementos básicos:
Reforma Agrária, Sustentabilidade, Agricultura Familiar e abordagem
territorial do Desenvolvimento:
Propõe-se que um novo projeto sustentável de
desenvolvimento para o meio rural do país esteja
ancorado na reforma agrária, no reordenamento
agrário e no fortalecimento da agricultura
familiar. Tal projeto visa alterar a atual estrutura
agrária e criar as condições para que as políticas
de estímulo à produção, à sustentabilidade
ambiental e à universalização do acesso aos
direitos sejam mais eficazes e conduzam a um
modelo de desenvolvimento equitativo e
sustentável para as gerações presentes e futuras.
Nessa perspectiva, nega-se o viés setorial, uma
vez que as áreas rurais diversificam suas
economias, colocando novos temas
(pluriatividade, territorialidade,
multifuncionalidade e sustentabilidade) e desafios
no centro dos debates que procuram construir o
desenvolvimento sustentável do Brasil rural
(MDA/CONDRAF, 2006, p. 17).
Sob a óptica do desenvolvimento territorial, o MDA criou, em
2003, a Secretaria do Desenvolvimento Territorial, sugerindo os
territórios rurais como foco para o desenvolvimento rural. Hoje, são 164
territórios rurais que buscam, no seu próprio Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), desenvolvido segundo as
diretrizes do CONDRAF (com o envolvimento de amplas camadas da
sociedade) proposições e decisões para o desenvolvimento rural.
Dentre outros objetivos dos Conselhos Nacional, estadual e
municipal de desenvolvimento rural, está a elaboração dos Planos
Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável. Segundo a SDT, as
Políticas públicas implementadas, nas últimas décadas, pelo Governo
Federal trataram sempre o País como um todo homogêneo, pouco
sensíveis às particularidades locais e isentas de processos decisórios às
populações atingidas (MDA/SDT, 2005)
69
. O Plano Nacional de
69
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável. Primeira Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e
153
Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável (PNDTRS), é entendido
como um conjunto organizado de diretrizes, estratégias e compromissos
relativos às ações que serão realizadas no futuro visando ao
desenvolvimento sustentável nos territórios, resultante de consensos
compartilhados dos atores sociais
70
e o Estado, nas decisões tomadas no
processo dinâmico de planejamento participativo.
Para o Governo Federal, um novo projeto para o Brasil Rural
deve ter um enfoque territorial de desenvolvimento, que contemple as
várias dimensões da Sustentabilidade (econômica, social, política,
cultural, ética e ambiental); que capacite, fortaleça e assegure a gestão
social; que estimule a organização e a participação política; que amplie
as redes locais de cooperação solidária; e que valorize os saberes e
experiências dos(as) agricultores(as) familiares e camponeses(as), dos
povos indígenas e comunidades tradicionais, visando à melhoria da
qualidade de vida (MDA/CONDRAF, 2008
71
).
A descentralização, a participação, a visão multidimensional de
desenvolvimento rural foram incorporadas pelo Governo Federal, a
partir de 2003, também na política de Assistência Técnica e Extensão
Rural (ATER). Pelo Decreto nº 4.739, de 13 de junho de 2003, as
atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural passaram a ser
coordenadas pelo Departamento de ATER - DATER, da Secretaria da
Agricultura Familiar – SAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDA (MDA/SAF/DATER, 2007)
72
. No mesmo ano, foi construída a
Política Nacional de ATER.
No início da década de 1990, o Governo Federal extinguiu a
EMBRATER. Este órgão havia sido estatizado em meados de 1970 e
Solidário. Documento Final. Brasília, DF, agosto, 2005. Disponível em:
<http://www.mda.gov.br/sdt>. Acesso em 10 de fev. de 2009.
70
Atores sociais são grupos e segmentos diferenciados da sociedade civil que constituem
conjuntos relativamente homogêneos segundo sua posição na vida sociocultural e econômica e
que, por sua prática coletiva, constroem identidades, interesses e visões do mundo
convergentes. Representações do Estado (município, estado ou união) não são considerados
como atores sociais, mas a instância jurídico-política que expressam e sintetizam o jogo de
cooperação e conflitos dos atores sociais com seus poderes e interesses diversificados (Buarque
1997 apud MDA/SDT, 2005).
71
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável. Primeira Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e
Solidário. Documento Final. Brasília, DF, agosto, 2008. Disponível em:
<http://www.mda.gov.br/condraf>. Acesso em 10 de fev. de 2009.
72
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria da Agricultura Familiar.
Brasília, DF. Nov. 2007 Disponível em:
<http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/institucional/assistenciatecnicaextensãorural>.
Acesso em: 12 de jul. de 2009.
154
tinha a função de coordenar o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica
e Extensão Rural (SIBRATER), que era executado pelas empresas
estaduais de ATER nos Estados, as Ematers. Na mesma época, 1990, o
SIBRATER foi desativado. As tentativas de coordenação nacional por
meio da EMBRAPA e, posteriormente, pelo MAPA, não evitaram a
crise na ATER oficial que, somente, foi reestruturada em 2003, quando
foi publicado o Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
(PNATER).
A gestão da ATER pública é compartilhada entre representantes
do Governo Federal, de instituições dos Estados, entidades de
representação da Agricultura Familiar e organizações representativas da
sociedade civil, que atuem na promoção do desenvolvimento rural
sustentável, por meio da participação em diferentes colegiados
consultivos. No plano federal, a PNATER está articulada às orientações
do CONDRAF. Já a manutenção orçamentária dos Serviços públicos de
ATER é compartilhada entre União (50%), Estados (40%) e os
Municípios (10%), seguindo uma lógica de pacto federativo
(MDA/SAF/DATER, 2007). Na figura a seguir se observa a evolução
positiva nos recursos destinados a ATER no Brasil, particularmente
entre 2007 e 2008.
3 2
18
47
58
109
168
397*
0
50
100
150
200
250
300
350
400
R$ (em
milhões)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Anos
FIGURA 8: Recursos para a assistência técnica e extensão rural no
Brasil (2001-2008) (ATER).
Fonte: MDA (2009).
* Não inclui os R$ 160 milhões do INCRA para a assistência técnica da reforma
agrária.
155
Na PNATER, consta como objetivo geral dos Serviços públicos
de ATER:
Estimular, animar e apoiar iniciativas de
desenvolvimento rural sustentável, que envolvam
atividades agrícolas e não agrícolas, pesqueiras,
de extrativismo, e outras, tendo como centro o
fortalecimento da agricultura familiar, visando a
melhoria da qualidade de vida e adotando os
princípios da Agroecologia como eixo orientador
das ações (2007, p. 8).
As orientações da política de ATER destacam a necessidade de
ter-se sempre em conta as diferenças regionais, de natureza
socioeconômica e ambientais, assim como as especificidades dos grupos
sociais beneficiários da ATER. De igual forma, as ações de ATER,
deverão incorporar, em todas as suas dimensões, as questões relativas a
gêneros, raças e etnias, elaborando conteúdos e formas de ação que
contemplem estas especificidades.
Em resumo, pode-se perceber as significativas transformações nos
campos econômico, político e institucional do Estado brasileiro, que
operaram pós a década de 1990 e trouxeram repercussões no meio rural.
As políticas de Desenvolvimento Rural, priorizando a Agricultura
Familiar, a Reforma Agrária, a Sustentabilidade do desenvolvimento
rural e a abordagem territorial no planejamento das regiões rurais,
sinalizam novos rumos nos meios social, econômico, político e
ambiental do meio rural.
156
IV DAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL ÀS FUNÇÕES DO ESPAÇO RURAL NA
REGIÃO DA QUARTA COLÔNIA
PARTE I: ESTRATÉGIAS POTICAS DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
4.1 O CONSELHO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (COREDE)
A falta de participação da sociedade em Programas e Projetos de
desenvolvimento foi considerada, por muitos anos, como uma das
principais causas do fracasso de Políticas públicas. Quando tratada
como objeto e não como um dos sujeitos do processo de concepção e
implantação dessas políticas, a sociedade tende a não se identificar com
as mesmas, reduzindo sua participação política e aumentando o risco de
que se tornem efêmeras. Assim, tem se tornado cada vez mais evidente a
inadequação das Ações formuladas de “cima para baixo”, sem
envolvimento dos segmentos da sociedade civil.
Nos últimos anos várias organizações internacionais como o
Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) passaram a recomendar o envolvimento direto dos segmentos
interessados da sociedade em planos de desenvolvimento.
Assim, a partir dos anos de 1990, no Brasil, se passou a enfatizar
a natureza democrática da governança, abrangendo os mecanismos de
participação, de formação de consensos e de envolvimento da sociedade
civil no processo de desenvolvimento. Reconheceu-se, também, o
importante papel desempenhado pelas Organizações Não
Governamentais (ONGs). Reavaliou-se a função desempenhada pelas
instituições existentes, admitindo-se a necessidade de se desenvolverem
novas instituições, mecanismos e processos que desempenhassem ações
para viabilizar essa nova concepção de desenvolvimento.
A participação dos diferentes segmentos da sociedade na
discussão dos problemas locais é, significativamente, funcional para a
consolidação de uma identidade regional, entendida como o “sentimento
compartilhado de pertinência a uma comunidade territorialmente
localizada” (BANDEIRA, 1999, p. 29). Uma identidade regional se
refere tanto à base física e material (natureza, paisagem, cultura,
economia, etc), ou seja, uma identidade “da região”, quanto à esfera
157
mental, pela fixação de uma imagem da região, tanto entre seus
habitantes (que podem incorporar às suas identidades individuais uma
dimensão territorial, no sentido de “identificação com uma região”)
quanto entre os de outras áreas. É essa identidade regional que procura
ser valorizada e construída nas Políticas voltadas à Quarta Colônia.
De acordo com Bandeira (1999), a identidade regional surge
como resultado de processos políticos, sociais e culturais que fazem com
que os habitantes de um determinado território consolidem a percepção
do fato de que, apesar das diferenças e divergências que possam ter,
também têm fortes afinidades e muitos interesses em comum
(BANDEIRA, 1999).
Conforme assinala Bandeira (2007), a politização do tema das
desigualdades regionais, no Rio Grande do Sul, foi um dos fatores que
abriram espaço para o surgimento dos COREDEs, a partir de 1991.
Assim, tanto as Associações de Municípios (que serviram de base para a
formação das regiões dos COREDEs), quanto as Universidades
revelaram papel importante na mobilização para o processo de criação
dos Conselhos.
A institucionalização dos COREDEs ocorreu em setembro de
1994 quando, foi aprovada a Lei Estadual 10.283, de 17 de outubro
de 1994, que definiu as atribuições dos Conselhos Regionais. Essa Lei
foi, posteriormente, regulamentada pelo Decreto 35.764, de 28 de
dezembro de 1994 (BANDEIRA, 2007). Atualmente, existem 28
COREDEs no Rio Grande do Sul, abrangendo todos os seus municípios
(Figura 9).
158
FIGURA 9: Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Estado do
Rio Grande do Sul (COREDEs).
Fonte: Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul (2009).
Os COREDEs são produto de forças e tendências políticas globais
(geradas em processos sociais mais amplos), mas também de condições
locais e específicas. Para Frantz (2002), a crise das soluções globais e
das grandes estruturas, os mecanismos de coordenação autoritária, com
certeza, compõem um fundo amplo de origem explicativa para o
surgimento de experiências locais ou regionais, de natureza
participativa, como a dos COREDEs. “Assim, de certo modo, seriam os
Conselhos uma reação a tudo isso, uma nova realidade política em
construção, uma nova promessa, o horizonte de um novo futuro. Seriam
uma afirmação da regionalização, no contexto das dificuldades impostas
pela globalização” (p. 93).
Por outro lado, a dificuldade, ou mesmo a inoperância do Estado
nacional (de suas promessas e atribuições frente às expectativas da
159
sociedade) também compõem outro leque de possíveis explicações para
o surgimento de uma reação, de uma nova consciência política que
defende maior participação, maior espaço à sociedade civil (Idem).
Como relembra Frantz (2002), o processo de implantação dos
COREDEs no Rio Grande do Sul contou, com fatores locais, históricos
e específicos, tais como: a) existência de regiões com identidades
culturais e econômicas regionais bem demarcadas, em virtude do
processo de colonização do Estado; b) o avançado processo de
integração regional, proporcionado pelas experiências das associações
de municípios; c) a existência de grandes cooperativas agrícolas, cuja
presença e atuação regional produziram identidades regionais; d) o
apoio e o engajamento de Universidades, especialmente as comunitárias
regionais que, além de contribuírem com identidades regionais
específicas, muitas delas assumiram a coordenação e os custos dos
trabalhos de organização dos COREDEs. Pode-se acrescentar, ainda,
que a Constituição do Brasil (1988) e a Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul, promulgada em outubro de 1989, ofereceu uma base
legal e política para a participação e a descentralização da administração
pública.
De um modo geral, um Conselho Regional de Desenvolvimento
é: “um fórum de discussão a respeito de políticas e ações que visem ao
desenvolvimento regional” (BECKER, 2002, p. 17). Conforme
estabelecido em Lei, os COREDEs têm por objetivo:
a) formular e executar estratégias regionais, consolidando-as em
planos estratégicos de desenvolvimento regional;
b) avançar a participação social e cidadã, combinando múltiplas
formas de democracia direta com representação pública;
c) constituir-se em instância de regionalização das estratégias e
das ações do Executivo, Legislativo e Judiciário do Rio Grande do Sul,
conforme estabelece a Constituição do Estado;
d) avançar na construção de espaços públicos de controle social
dos mercados e dos mais diversos aparelhos do Estado;
e) conquistar e estimular a crescente participação social e cidadã
na definição dos rumos do processo de desenvolvimento gaúcho;
f) intensificar o processo de construção de uma organização social
pró-desenvolvimento regional, e
g) difundir a filosofia e a prática cooperativa de se pensar e fazer
o desenvolvimento regional em parceria.
Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do
Sul representam uma nova escala territorial para a gestão pública
intermediária entre o Estado e os Municípios. Primam por articular
160
atores políticos, econômicos e sociais, estimulando-os a participar em
atividades relacionadas à promoção do desenvolvimento regional.
Segundo Bandeira (2007), os COREDEs gaúchos são considerados
como uma das mais bem-sucedidas experiências do gênero no País.
De uma forma distinta daquela que ocorreu, a partir da década de
1970, na França, por exemplo, com os Conselhos Econômicos e Sociais,
que surgiram como parte de uma reforma ampla que envolveu a criação
de um novo nível territorial da Administração pública, no Rio Grande
do Sul, ao contrário, o surgimento dos Conselhos Regionais não esteve
associado à criação de uma nova instância territorial da administração
pública. Desde a sua implantação, os COREDEs ainda não foram
adotados como referência territorial e de planejamento por muitos dos
órgãos que compõem a administração estadual. “Sua criação não foi
seguida por um esforço consistente e continuado no sentido de
descentralizar a estrutura administrativa do Estado, com aumento da
influência das chefias regionais e locais dos órgãos públicos sobre a
tomada de decisões” (BANDEIRA, 2007, p. 7).
Para Bandeira:
Estando organizada exclusivamente em bases
‘setoriais’ (saúde, educação, transportes, etc.),
com cada área utilizando uma regionalização
administrativa diferente, a Administração Pública
Estadual não consegue compor, a partir do
somatório das visões setoriais, um referencial que
possibilite sua atuação integrada em escala
regional (2007, p. 8).
Além disso, Veiga (2006) concluiu que há, nos COREDEs, uma
precariedade de projetos de desenvolvimento, que tenham por base o
território. Na visão do autor,que se construir territórios-projeto, com
ações muito bem identificadas. Nesse caso, ainda não houve avanços
expressivos.
Inserido neste contexto o COREDE Central é formado,
atualmente, por dezenove municípios
73
(Figura 10). Fazem parte do
mesmo os municípios da Quarta Colônia, com exceção de Restinga Seca
73
Agudo, Dilermando de Aguiar, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Formigueiro, Itaara,
Ivorá, Jarí, Júlio de Castilhos, Nova Palma, Pinhal Grande, Quevedos, Santa Maria, São João
do Polêsine, São Martinho da Serra, São Pedro do Sul, Silveira Martins, Toropi e Tupancire
(FEE, 2009). O COREDE Central passou a ter dezenove municípios, apenas, em 2008, quando
nove municípios do então COREDE formaram o COREDE Vale do Jaguari.
161
que pertence, desde 2004, ao COREDE Jacuí Centro. Antes disso, o
município pertencia ao COREDE Central.
FIGURA 10: Localização dos municípios integrantes do Conselho
Regional de Desenvolvimento do Centro do Rio Grande do Sul
(COREDE Central)
Fonte: FEE, 2009.
A Lei 11.179, de 25 de junho de 1998, alterada pela Lei
11.920, de 10 de junho de 2003, e regulamentada pelo Decreto nº
42.293, de 11 de junho de 2003, dispõe sobre a consulta direta à
população quanto à destinação de parcela do orçamento do Estado do
Rio Grande do Sul, voltada a investimentos e serviços de interesse
regional e municipal. A referida Lei (2003), em seu Artigo primeiro,
descreve:
O Poder Executivo promoverá, anualmente,
consulta popular direta à população, visando a
destinar parcela do Orçamento do Estado para
serviços e investimentos de programas finalísticos
a serem incluídos na Proposta Orçamentária do
Estado, para fim de atendimento a prioridades de
interesse municipal e regional (RIO GRANDE
DO SUL, 2003, p. 1).
162
No Parágrafo primeiro, menciona-se que a Consulta Popular será
precedida de Assembléias-Gerais Regionais, realizadas pelos
COREDEs, destinadas a informar a realidade financeira do Estado, os
programas governamentais e definir as diretrizes estratégicas e os
programas estruturantes do desenvolvimento regional que subsidiarão o
debate sobre as prioridades regionais e municipais, a serem
desenvolvidos nas Assembléias Públicas Municipais (RIO GRANDE
DO SUL, 2003). Após as demandas prioritárias serem relacionadas
pelos COREDEs, a comunidade é convidada a participar da eleição das
demandas que comporão o Orçamento do Estado. Esse processo é
realizado através de urnas, espalhadas pelo município, ou pela Internet.
Segundo dados disponibilizados pela Consulta Popular e
Secretaria do Tesouro Nacional, entre os anos de 2003 e 2009, destinou-
se uma média de 1,72% do orçamento do Rio Grande do Sul para fins de
investimentos e serviços aos COREDEs. O volume de recursos,
destinados a investimentos e serviços, aos municípios e às regiões, ainda
são muito baixos. O COREDE Central recebeu, naquele período, em
média, 4,63% do volume de recursos destinados aos COREDEs, via
Consulta Popular. Em valores absolutos, o COREDE Central, formado
por uma população de 400.150 habitantes, tem à disposição,
anualmente, em média, R$ 3 milhões, a serem investidos em 19
municípios (Consulta Popular, 2003 a 2009). Acredita-se que, quanto
menores são os COREDEs (em população, número de municípios e
área), maior a possibilidade de planejamento de atividades, bem como
de mobilização da sociedade em favor da participação (CONSULTA
POPULAR, 2003 a 2009).
Cabe destacar uma Política do Estado do Rio Grande do Sul, que
está desativada, mas que exerceu um impacto expressivo à Quarta
Colônia, que é o RS Rural
74
. O Programa vigorou entre 1997 e 2003 e
destinou, aos municípios da Quarta Colônia, R$ 1,8 milhão (Quadro 6).
74
O RS RURAL, Programa de Manejo dos Recursos Naturais e de Combate à Pobreza Rural,
firmado em julho de 1997 e para um período de seis anos, foi um Programa desenvolvido pela
Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado do Rio Grande do Sul e decorreu
de empréstimo do Banco Mundial (BIRD) e contrapartida do Estado do Rio Grande do Sul,
num total de R$ 100 milhões. O Programa desenvolveu ações, projetos, capacitações, pesquisas
e estudos direcionados às comunidades rurais de todo o Estado, onde havia maior concentração
de pobreza e problemas de degradação ambiental. Teve como público-alvo os agricultores
familiares, agricultores assentados, pecuaristas familiares, pescadores profissionais artesanais,
povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombolas. Concentrou suas ações na
conservação e manejo dos recursos naturais, na melhoria da infraestrutura social básica e renda
familiar, buscando diminuir os níveis de pobreza e degradação ambiental. Os Projetos eram
discutidos em âmbito municipal e elaborados pela Emater local. Oitenta por cento dos recursos
eram financiados pelo Estado, 10% pelo município e 10% pelo beneficiário. Estudo realizado
163
QUADRO 6: Número de projetos e recursos disponibilizados pelo RS
Rural por município da Quarta Colônia
Municípios Número de projetos Valor - R$
Agudo 15 365.999,97
Dona Francisca 2 178.529,75
Faxinal do Soturno 3 137.710,80
Ivorá 4 233.524,32
Nova Palma 5 342.983,81
Pinhal Grande 3 218.964,69
Restinga Seca* - -
São João o Polêsine 2 147.990,23
Silveira Martins 3 220.892,96
Total 37 1.846.596,53
* município não contemplado. Valores pagos entre jan. de 2003 a jul.
2005
Fonte: Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul.
Pode-se mencionar que os grandes eixos de Ação no meio rural
dos COREDEs (Centro e Jacuí Centro), nos quais inserem-se os
municípios da área-objeto da pesquisa, são o turismo no meio rural, as
agroindústrias familiares e a capacitação para os agricultores familiares.
Trata-se de um redirecionamento das políticas públicas que passaram a
apoiar, também, a agricultura familiar e as atividadeso agrícolas.
Apesar dos recursos serem ainda baixos, são as comunidades que
decidem onde os mesmos serão aplicados, sobretudo através da
Consulta Popular. Ainda, deve-se esclarecer que demandas eleitas
que atendem às necessidades de diferentes setores da sociedade, como
saúde, saneamento, educação, esporte, turismo, segurança, meio
ambiente, entre outros.
4.2 CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA
QUARTA COLÔNIA (CONDESUS/QUARTA COLÔNIA): SEU
PAPEL E AÇÕES NAS TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO
REGIONAL
pela FEE (2007), destacou que, na primeira fase do Programa (1997-2000), mais de 90% dos
beneficiários receberam recursos (infraestrutura social básica e geração de renda,
subvencionados até o valor de R$ 450,00. Acima disso, caracterizavam-se como empréstimos
para infraestruturas, aplicados em eletrificação, abastecimento de água, saneamento básico e
melhorias de moradias. Em torno de 10% das ações foram voltadas à geração de renda, como
foi o caso do estímulo às agroindústrias familiares da Quarta Colônia.
164
O Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia
(CONDESUS/Quarta Colônia) teve sua gênese em 1988 quando Silveira
Martins, berço da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande
do Sul, emancipou-se de Santa Maria. Na época, deixou um conjunto de
ações socioculturais que foram sendo articuladas, tanto ao nível social
(comunitário) quanto político, através do Projeto Identidade (PROI), um
projeto inovador que tinha a finalidade de discutir o Município e a
Região.
As motivações, para criação do PROI, pela Secretaria Municipal
da Cultura, Desporto e Turismo do município de Silveira Martins, foram
as consequências negativas do modelo de desenvolvimento agrícola que
provocou êxodo rural, desvalorização cultural, empobrecimento, falta de
alternativas de renda, problemas ambientais. Este modelo, em fins da
década de 1980, começou a ser questionado e logo iniciaram-se os
trabalhos e as ações para promover a valorização dos recursos natural,
cultural e históricos.
Buscou-se atender, inicialmente, a questões pontuais da realidade,
identificando-se elementos materiais e imateriais que faziam parte da
cultura local, mas que se encontravam fragilizados na memória,
individual e coletiva, dos moradores. Para mediar essas questões, foi
necessário criar e/ou recriar espaços em que tais questões fossem
discutidas, tanto em escala local quanto em escala regional. Segundo
Itaqui (2002, p. 23), as ações se desenvolveram em duas escalas
integradas: “escala local, [...] valorizando e animando as referências de
base afetivas da comunidade; e escala regional, em que a articulação
com os (municípios)
75
vizinhos e as ações integradas realimentou e
agilizou o processo, aproximando parceiros históricos e sujeitos na
construção da Quarta Colônia de Imigração Italiana”.
A discussão regionalizada envolveu o conjunto das localidades
históricas que formaram a Quarta Colônia de Imigração Italiana. Para
tal, Silveira Martins realizou parcerias com Ivorá (antigo Núcleo Norte),
Faxinal do Soturno (tinha como distrito São João do Polêsine), Nova
Palma (Pinhal Grande ainda era distrito de Nova Palma) e Dona
Francisca. Cabe destacar que os esforços, em torno do desenvolvimento
regional, tornaram-se possíveis apenas com as emancipações dos
Distritos, em fins da década de 1980 e início da década de 1990, casos
de Silveira Martins e Ivorá, criados, respectivamente, em 1987 e 1988, e
São João do Polêsine e Pinhal Grande, ambos criados em 1992. Na
época, os prefeitos eleitos possuíam grande afinidade política, o que
75
Destaque do autor.
165
permitiu criar estratégias de integração regional. Entretanto, não se
pensava em Consórcio, o que se efetivou somente em 1996.
Dentre as ações desenvolvidas pelo PROI (grupos comunitários
de animação e resgate da história oral, filós
76
culturais, palestras,
debates, inventário do patrimônio histórico), destacou-se o Primeiro
Fórum de Cultura da Quarta Colônia, que reuniu, pela primeira vez, a
comunidade regional para discutir criticamente a sua própria história.
Em 1992, foi realizado o Segundo Fórum de Cultura da Quarta
Colônia, tendo como tema central “Educação: socialização primária e
secundária”. Para realizá-lo, as escolas da Região foram mobilizadas e,
por meio de uma oficina, os professores municipais apreenderam os
processos básicos da metodologia da Educação Patrimonial, que
objetiva a compreensão de um patrimônio cultural dado, através do
estudo de objetos, testemunhas materiais dessa cultura (ITAQUI, 2002).
A cultura foi um dos fundamentos, pelo qual a Quarta Colônia de
Imigração Italiana passou a ser discutida (pelo PROI), promovendo seu
resgate e valorização nos cenários regional e estadual.
Como consequência do II Fórum de Cultura, desenvolveu-se o
Projeto Regional de Educação Patrimonial (PREP)
77
, entre 1993 e 1997.
Nessa época, São João do Polêsine e Pinhal Grande emanciparam-se,
respectivamente, de Faxinal do Soturno e de Júlio de Castilhos. O PREP
envolveu 290 professores, 120 escolas, 2.985 alunos, pais e membros
das comunidades. O Projeto tinha o objetivo de inventariar e registrar o
patrimônio cultural e natural de cada município e de promover, na
comunidade, no município e na região, programas de valorização e
preservação desse patrimônio, assim como promover a criação de
espaços para a comunicação e discussão científico-pedagógica, a partir
da realidade (Idem).
A integração regional, operada pelo PROI, e as ações
desenvolvidas pelo PREP possibilitaram que a região fosse indicada
como Área-Piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, tornando-
se prioridade nas políticas, federal e estadual, de Desenvolvimento
Sustentável. Com essa orientação, em 1995 foi elaborado, aprovado e
76
O filó é um costume trazido pelos imigrantes italianos e que constituía na reunião das
famílias para visitar, conversar, trocar sementes para os futuros plantios, rezar o terço, cantar,
confraternizar, comemorar os aniversários, saborear alimentos e bebidas da culinária italiana,
além de jogar.
77
O bem-sucedido trabalho, desenvolvido pelo conjunto de escolas municipais e estaduais dos
municípios da Quarta Colônia de Imigração Italiana, mais os municípios de Agudo e Restinga
Seca, no Projeto Regional de Educação Patrimonial, foi agraciado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com o Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade,
categoria Educação Patrimonial, na edição de 1997.
166
executado o Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia
(PRODESUS), integrando o Programa de Execução Descentralizada
(PED/RS). O PED/RS estava associado ao Programa Nacional do Meio
Ambiente (PNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), sendo o
PRODESUS gerenciado pelo Consórcio de Desenvolvimento
Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS) (ITAQUI, 1998).
As questões ambientais ganharam relevo a partir da década de
1990 e lugar de destaque nas preocupações das organizações
internacionais. As Reservas da Biosfera, por exemplo, sustentaram-se,
em todo o mundo, por meio do Programa MaB
78
(Homem e Biosfera) da
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), desenvolvido em conjunto com o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com a União Mundial para a
Natureza (UICN), e Agências internacionais de desenvolvimento. Esse
Programa de Cooperação Científica Internacional (MaB) foi
desenvolvido, no Brasil, no início da década de 1990, com o objetivo de
coibir a deterioração sistemática de ecossistemas e recursos naturais
singulares, por meio da criação de Reservas da Biosfera. De acordo com
Froehlich (2002, p. 64):
O programa MaB, através do Banco Mundial,
disponibilizava recursos de financiamento a fundo
perdido para projetos que preenchessem estes
requisitos, desde que no âmbito de áreas
reconhecidas como ‘Reservas da Biosfera’.
Atendendo a solicitação oficial do governo
brasileiro, o MaB-UNESCO declarou como
‘Reserva da Biosfera’, entre 1991-1992, as partes
mais significativas dos remanescentes da Mata
Atlântica demarcadas no Brasil. O País, assim,
habilitou-se a concorrer aos recursos
disponibilizados pelo Programa, tendo como
gestor federal o Ministério do Meio Ambiente, o
qual criou para este fim o Programa Nacional do
Meio Ambiente (PNMA) e, como parceiros, os
órgãos estaduais de Meio Ambiente.
78
O Programa Homem e Biosfera (MaB Man and the Biosphere) foi criado como resultado
da Conferência sobre a Biosfera, realizada pela UNESCO, em Paris, em setembro de 1968. O
MaB foi lançado em 1971 e é um programa de cooperação científica internacional sobre as
interações entre o homem e seu meio. Atualmente existem, aproximadamente, 450 Reservas da
Biosfera em, cerca de, 100 países do mundo (MaB/UNESCO, 2009).
167
Em virtude disso, em 1992, o Rio Grande do Sul efetuou o
tombamento de remanescentes de Mata Atlântica e Ecossistemas. A
Mata Atlântica ocupava 39,7% do território gaúcho, limitando-se, hoje,
a 2,67%. Segundo Itaqui (2002), Silveira Martins integrou-se nesse
processo, organizando e promovendo, com o apoio da Fundação
Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM/RS) e
patrocínio da GTZ
79
, o II Curso de Manejo Sustentável da Mata
Atlântica, seminário que reuniu técnicos e especialistas de Órgãos
governamentais dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
Em 1994, foi realizado o III Fórum de Cultura da Quarta
Colônia, reunião científica, de caráter internacional, que focou o tema:
Memória e Desenvolvimento Socioeconômico em uma Reserva da
Biosfera. Durante a realização do Fórum, o Presidente
80
do Conselho
Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNRBMA), com o
apoio da Comissão de Tombamento da Mata Atlântica do Rio Grande
do Sul, propôs que a Quarta Colônia fosse uma das Áreas-Piloto da
Reserva da Biosfera no Estado (ITAQUI, 2002). Por abranger uma área
muito extensa (48.695 km
2
), o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul optou por implantá-la através
de áreas-piloto (FEPAM, 2009).
Ao término do III Fórum de Cultura, realizado em novembro de
1994, foi redigido um relatório-síntese das propostas levantadas e
sugeridas, assim denominado: “diretrizes básicas para o
desenvolvimento integrado da Quarta Colônia”. O documento foi
referendado pelos prefeitos da Quarta Colônia de Imigração Italiana,
mais os prefeitos de Agudo e Restinga Seca. Logo após o Fórum, em
reunião, os prefeitos discutiram e aprovaram a inserção desse território
como Área-Piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Iniciava-se, a partir daí, o uso da expressão Quarta Colônia, para
designar o território constituído pela Quarta Colônia de Imigração
Italiana, mais os municípios de Agudo e Restinga Seca, com o fim de
promover a articulação política e a (re) valorização de seus aspectos
79
A Deutsche Gesellschaaft für Technische (GTZ), Cooperação Técnica Alemã, empresa
pública de direito privado, foi criada, em 1974, com o objetivo de gerenciar projetos de
cooperação técnica. A Cooperação Técnica constitui um instrumento de apoio a iniciativas
inovadoras de desenvolvimento empreendidas por instituições e organizações brasileiras. A
contribuição alemã visa a fortalecer essas iniciativas por tempo limitado, até que os
beneficiários alcancem uma situação que lhes permita prescindir do aporte externo. É uma
parceira da Fundação Brasil Cidadão, ONG criada, em 1996, em Fortaleza (CE) (FBC, 2009).
80
José Pedro de Oliveira Costa, doutor em Arquitetura e Urbanismo.
168
culturais e naturais. Além da Quarta Colônia, mais duas áreas-piloto
foram escolhidas para a implantação da RBMA/RS: a Área Piloto do
Litoral Norte e a Área-Piloto da Lagoa do Peixe.
Finalmente, em 1995
81
, o Governo do Rio Grande do Sul, por
meio da Secretaria da Saúde e Meio Ambiente, sob a coordenação da
FEPAM, e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), elaborou o Projeto
de Execução Descentralizada (PED), integrante do Programa Nacional
do Meio Ambiente (PNMA). A Quarta Colônia passou a ser, então, alvo
de Políticas de desenvolvimento, tendo como pano de fundo a sua
inclusão como Área-Piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Em função disso, passou-se ao detalhamento do Projeto de
Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (PRODESUS/Quarta
Colônia), composto por quatro subprojetos integrados que passaram a
orientar todas as demais Políticas à Quarta Colônia, transformando seu
território, pela emergência de uma nova territorialidade: a) manejo dos
Recursos naturais da Quarta Colônia; b) desenvolvimento da
Agricultura sustentável; c) desenvolvimento do Turismo, ecológico,
rural e cultural; e d) programas de Educação patrimonial e ambiental.
A elaboração do PRODESUS/Quarta Colônia vinculou-se à
oportunidade de receber recursos do Banco Mundial, que o mesmo
financiava projetos que tivessem como foco a questão ambiental e o
desenvolvimento sustentável. Reconhecida como Área-Piloto da
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, e com o Projeto de
Desenvolvimento Sustentável (PRODESUS), aprovado pelo MMA, a
Quarta Colônia passou a receber recursos para financiar projetos de
desenvolvimento, especialmente rural.
Entretanto, para a implantação e a execução do PRODESUS, foi
necessária a criação de um instrumento de articulação que tivesse
respaldos político e jurídico, para mediar as relações entre Executor e
Coexecutores e Órgãos financiadores. Para isso foi criado o Consórcio
de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia
(CONDESUS/Quarta Colônia) (Figura 11). O CONDESUS/Quarta
Colônia, Entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, foi
criado, oficialmente, em 5 de agosto de 1996, com sede no município de
Faxinal do Soturno, com o objetivo de responder às necessidades
81
Segundo J.I., Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia (2007): “Em 1995, o
Ministério do Meio Ambiente necessitava investir U$ 30 milhões de recursos internacionais
(Banco Mundial) em programas ambientais; caso contrário, teria que devolvê-los. Foi criado,
então, o Projeto de Execução Descentralizada (PED), a fim de aplicar os recursos em todo o
Brasil”.
169
administrativas do PRODESUS e abrir caminhos alternativos para, por
meio de projetos, captar recursos e executar ações e programas de
interesse territorial, fundamentados nos recursos naturais e culturais da
Quarta Colônia. O CONDESUS/Quarta Colônia originou-se dentro dos
princípios e funções básicas das Reservas da Biosfera: a) conservação da
biodiversidade do ecossistema; b) promoção do desenvolvimento
sustentável em suas áreas de abrangência; e c) promoção da pesquisa
científica, da educação e do monitoramento permanente. Pode-se
afirmar que o principal objetivo do CONDESUS/Quarta Colônia é ser
um espaço de discussão de ações, projetos e programas de interesse
territorial, que tenham como objetivo a integração e o desenvolvimento
dos Municípios consorciados. Ainda, repensar o desenvolvimento do
território a partir das referências culturais, naturais e históricas, como
elementos de congregação e articulação (ITAQUI, 2002).
FIGURA 11: Logomarca do Consórcio de Desenvolvimento
Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS/Quarta Colônia).
Fonte:http://quartacolonia.prumosweb.com.br/quartacolonia_condesus.jsp
(2009).
Para C.F., Agrônomo da EMATER de Silveira Martins (2009):
O CONDESUS serviu de impulso inicial de uma
interface da Região, de uma forma mais
organizada com as Políticas públicas. E, com esse
processo, resgatou-se a denominação Quarta
Colônia. Fortaleceu-se esse nome
como um
símbolo da retomada da identidade dos moradores
da Região com sua história. Foi incluída também
Restinga Seca porque esta tem descendentes da
Colonização Italiana, e Agudo, porque era a
170
Colônia Santa Ângelo e por influência política.
Além disso, trata-se dos dois municípios mais
populosos da Região.
Pode-se mencionar, também, que, com o CONDESUS/Quarta
Colônia, passou-se a diagnosticar o patrimônio natural e cultural da
Quarta Colônia. Como consequência, este impulsionou as
alternativas de renda para os agricultores. O CONDESUS/Quarta
Colônia permitiu retirar, minimamente, o território do anonimato, em
termos regional e estadual.
Conforme o Estatuto do CONDESUS/Quarta Colônia, são
suas finalidades:
Implementar ações para o desenvolvimento
através de manejo adequado dos recursos naturais
renováveis, da recuperação das áreas degradadas e
enriquecimento das florestas nativas, integradas
ao fortalecimento da agricultura ecológica e
diversificada a usos múltiplos do patrimônio
cultural, destacando-se, dentre estas, a
implantação de programas de turismo ecológico,
rural e cultural, permeando essas ações com um
processo formal e informal de Educação
ambiental que buscará reduzir os impactos
decorrentes dos sistemas tradicionais de manejo,
permitindo, assim, preservar e recuperar o
patrimônio ambiental da Quarta Colônia e
estabelecer modalidades sustentáveis e inovadoras
de renda compreendidas no território dos
municípios consorciados (Capítulo Primeiro,
Artigo 7º, 1996).
A integração regional é um processo que não se consolidou
completamente. O interessante é que o que existiu nas demais colônias
agrícolas italianas, há mais de um século, (com a emancipação das
mesmas em municípios), começou a ocorrer somente agora na Quarta
Colônia que, em fins do século XIX, se fragmentou e agora tenta
resgatar uma forma original e ampliada de Colônia. É como se houvesse
uma tentativa de emancipação tardia.
Assim, o CONDESUS/Quarta Colônia visa, acima de tudo a
representar o conjunto dos municípios,
que o integra, em assuntos de
interesse comum perante outras entidades, especialmente entre as
demais esferas constitucionais de Governo, exercendo, dessa forma, o
171
papel de mediador na execução de ações territoriais. A execução dos
projetos é feita de maneira integrada (CONDESUS/Quarta Colônia e
Prefeituras) com o apoio de instituições, técnicas e científicas,
governamentais (Universidade Federal de Santa Maria, Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Ministério do Turismo, Ministério do Meio Ambiente),
não governamentais (Conselhos Nacional e Estadual da Reserva da
Biosfera da Mata Atlântica) e privadas (Serviço Brasileiro de apoio às
Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE). Os projetos são financiados
com recursos governamentais (federal, estadual, municipal) e pela
Iniciativa privada.
Entretanto, pode-se afirmar que o CONDESUS/Quarta Colônia
ainda possui uma ação excessivamente institucional, prefeiturizada. As
Prefeituras representam a sociedade civil, mas se deveria abrir maior
espaço, dentro do Consórcio, para uma atuação mais direta da sociedade
civil, dos movimentos sociais, dos empreendedores. Seria importante,
portanto, que o CONDESUS/Quarta Colônia se tornasse um fórum
permanente de discussão do desenvolvimento regional.
4.2.1 Ações do CONDESUS/Quarta Colônia
A partir de 1996, ano de criação do CONDESUS/Quarta Colônia,
uma série de ações passou a ser desenvolvida pelo Consórcio
Intermunicipal. De modo geral, nesses treze anos de existência, o
CONDESUS/Quarta Colônia criou diversos projetos, angariou recursos
em distintas esferas governamentais, promoveu maior articulação
política entre os Municípios, projetando a Quarta Colônia no cenário
estadual, e até no nacional, e estimulou a diversificação de atividades
agrícolas e não agrícolas nas unidades de produção familiar, a exemplo
do turismo no meio rural, da hortifruticultura ecológica e das
agroindústrias familiares. Tais ações vêm, sensível e sucessivamente,
remodelando esse território. A seguir, dar-se-á um panorama das
principais ações do CONDESUS/Quarta Colônia nesses últimos anos.
No relatório de atividades desenvolvidas pelo
PRODESUS/Quarta Colônia, entre 1996 e 1998, com recursos do
Programa Nacional do Meio Ambiente/PED(RS), mencionou-se: “o
Projeto de Execução Descentralizada (PED/RS) foi o projeto mais
importante realizado na história de nossa região”. Segundo o relatório,
as ações desenvolvidas, naquele momento, promoveram impactos
172
significativos; dentre estes, alternativas de renda para os agricultores
familiares da Quarta Colônia.
No Relatório de Atividades, em sua versão final, o item
“resultados específicos alcançados” apresenta um balanço quantitativo
que demonstra o alcance do PRODESUS/Quarta Colônia, em termos
territoriais, e uma ideia de suas ações (Quadro 10). Deve-se lembrar
que o PRODESUS/Quarta Colônia teve, à sua disposição, cerca de R$
921.000,00 A fonte dos recursos ficou assim distribuída: MMA: R$
644,7 mil (70%); Governo do Estado: R$ 184,2 (20%); Municípios: R$
92 mil (10%). Segundo J.I., Secretário Executivo do
CONDESUS/Quarta Colônia (2007): “nossa proposta era fortalecer a
transformação da produção primária para gerar mais renda e emprego
com o fim de diminuir a pressão sobre as áreas de encostas”.
As ações do PRODESUS/Quarta Colônia atenderam a novecentas
unidades de produção (5% do total dos nove Municípios). A estimativa
de público envolvido foi de 5,5 mil pessoas e 3 mil alunos. Os recursos
buscaram atender às necessidades de diversificação, preservação e
conservação dos recursos naturais. Para tanto, instalaram-se viveiros,
reflorestaram-se encostas, recuperaram-se áreas degradadas e
promoveram-se 70 viagens de estudo e 5 Seminários Regionais com
temas ligados ao desenvolvimento do Projeto (Quadro 7).
173
QUADRO 7: Resultados alcançados pelo PRODESUS/Quarta Colônia
(1996-1998).
Descrição Unidade Quantidade
Área mapeada Km
2
2.906,56
Florestas inventariadas Km
2
632,63
Viveiros florestais qualificados Un 07
Viveiros criados Un 02
Árvores matrizes e produtoras de sementes
identificadas e catalogadas
Un 78
Mudas de espécies nativas adquiridas e
plantadas
Un 23.000
Mudas de espécies de rápido crescimento
adquiridas e plantadas
Un 200.000
Áreas degradadas recuperadas Ha 50
Florestas degradadas enriquecidas Ha 50
Mudas de erva-mate plantadas Un 23.000
Colmeias recebidas Cx 630
Unidades demonstrativas de agricultura
ecológica implantadas nos Municípios
Un 37
Hortas ecológicas implantadas Un 37
Pomares ecológicos implantados Un 155
Hortas de essências aromáticas implantadas Un 12
Agroindústrias criadas Un 30
Tanques para criação de alevinos construídos Un 226
Alevinos de jundiá adquiridos Un 580.000
Roteiros de turismo rural, cultural e ecológico
implantados
Un 18
Guias formados em turismo regional Un 16
Fôlderes turísticos confeccionados Un 25.000
Placas de sinalização turística colocadas Un 166
Kits com 10 cartões-postais confeccionados Un 7.500
Reuniões de formação e informação com as
comunidades
Un 100
Reuniões técnicas Un 70
Cursos de formação em agricultura ecológica Un 01
Viagens de estudos Un 70
Seminários regionais Un 05
Cartilhas de educação patrimonial e ambiental
confeccionada
Un 2.000
Cartilhas de agricultura ecológica e
fruticultura ecológica
Un 2.200
Cartilhas de essências aromáticas
confeccionadas
Un 3.000
Vídeo de educação ambiental produzido Un 01
Exemplares de 12 informativos tamanho
tablóide e 3 cadernos de 24 páginas
produzidos
Un 120.000
Programas radiofônicos semanais produzidos Un 40
Fonte: PRODESUS/Quarta Colônia, 1998.
174
No eixo do turismo, se desenvolveram ações pontuais, porém
básicas, para a animação do território a partir da afirmação das suas
potencialidades culturais e ambientais. Nesse sentido, foram formados
dezesseis guias de turismo regional pelo Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA) (Pinhal Grande não participou devido à
distância), para fazer frente a uma carência de pessoal com formação
técnica, para atender aos roteiros turísticos que se planejavam criar. Do
mesmo modo, foram efetivamente criados, demarcados, sinalizados e
divulgados, com fôlderes específicos, dezoito roteiros (dois em cada
Município do CONDESUS/Quarta Colônia) de turismo rural, cultural e
ecológico, que buscaram integrar o território, dentro de suas mais
marcantes características, e atrair maior fluxo turístico (Figura 12).
Essas atividades desencadearam outras ações; dentre estas, a inclusão
dos Roteiros Integrados de Turismo da Quarta Colônia no Rotas e
Roteiros do Rio Grande do Sul, da Secretaria do Turismo do Governo
do Estado. Os Roteiros Integrados da Quarta Colônia foram o embrião
para o desenvolvimento de ações mais intensas de permuta e de
caminhadas de integração regional. Tal iniciativa foi inédita no contexto
da promoção de atividades não agrícolas no meio rural da Quarta
Colônia. Na época, foram aplicados cerca de 10% (R$ 100 mil) dos
recursos do PRODESUS/Quarta Colônia em ações para o
desenvolvimento do turismo. A partir de 2002, desenvolveram-se novos
projetos e ações para a promoção do turismo na Quarta Colônia,
particularmente através da presença do SEBRAE.
Analisando-se os referidos Roteiros integrados de turismo rural,
cultural e ecológico, (Quadro 8) duas características principais são
observadas: a primeira refere-se ao entrelaçamento dos meios rural e
urbano, e a segunda, à composição diversificada do chamado “produto
turístico”, como ilustra o título dos roteiros, pois as atrações são amplas,
envolvendo, ao mesmo tempo, gastronomia, arquitetura, paisagens,
religiosidade, entre outras. Nessa diversidade turística, o rural é, ao
mesmo tempo, paisagem, pano de fundo e também história, tanto do
modo de vida e trabalho dos colonizadores quanto dos atuais habitantes
da Quarta Colônia. Esse entrelaçamento do rural com o urbano
promovido pelos Roteiros Integrados, tornou-se mais evidente ainda
pelo fato de os núcleos urbanos da maioria dos Municípios, participantes
do CONDESUS/Quarta Colônia, serem de pequena magnitude,
demonstrando que a cidade e o campo relacionam-se intensamente.
Apesar de muitos dos roteiros já existirem e receberem visitantes, coube
ao PRODESUS/Quarta Colônia formatá-los e divulgá-los amplamente,
175
em escala regional e estadual.
FIGURA 12: Fôlder de divulgação dos Roteiros Integrados de
Turismo Rural, Cultural e Ecológico da Quarta Colônia-RS.
Fonte: PRODESUS/Quarta Colônia (1996).
Nota-se nos “roteiros” a ênfase, nos aspectos ambientais, à
diversidade dos remanescentes da Mata Atlântica na Região,
evidenciando, especialmente, o relevo acidentado de onde surgem
muitas cascatas e quedas-d’água. Destacam-se, também, a religiosidade
acentuada dos descendentes de imigrantes italianos (as muitas igrejas
constantes nos roteiros são um dos aspectos observados nesse sentido), a
arquitetura colonial e os hábitos e costumes herdados (a gastronomia
“almoços típicos”, o trabalho e a produção, o vinho, o alambique, o
moinho). Deve-se destacar que o objetivo principal, em promover os
“roteiros turísticos”, era inserir o território no mercado de atração
turística. Assim, o foco utilizado foi a valorização dos aspectos natural e
cultural: arquitetura colonial, artefatos de trabalho e produção,
gastronomia, religiosidade.
As áreas de encostas foram, historicamente, entraves ao
desenvolvimento de uma agricultura convencional, seja nos moldes de
exploração no sistema agrícola colonial-policultor (agricultura
tradicional), seja no sistema difundido pela modernização da agricultura
(mecanizado, quimificado e monocultor intensivo). Ao enfatizar a
riqueza natural de regiões com relevo escarpado, o PRODESUS/Quarta
Colônia procurou propor uma alternativa de renda aos agricultores,
176
situados nessas áreas, que pudesse proporcionar, ao mesmo tempo,
renda e proteção ambiental.
QUADRO 8: Roteiros Integrados de Turismo Rural, Cultural e
Ecológico implantados pelo PRODESUS Quarta Colônia.
Muni-
cípio
Roteiro Percurso Descrição
Cascata e
Gruta do
índio
62 Km - 4
horas, nível
fácil
Visita à Cascata do Raddatz, mata nativa, contato com a
comunidade, descida por degrau para avistar a queda-
d’água de 32 metros de altura. Visita à Gruta do índio
com inscrições rupestres. Estacionamento para ônibus e
veículos de passeio. Pode-se aproveitar para visitar o
Museu do Instituto Cultural Brasileiro-Alemão.
Agudo
Barra-gem 56 Km - 4
horas - nível
fácil
Travessia do Rio Jacuí em “barca por cabo” com vista da
inundação da Usina Dona Francisca e visita à Igreja
Evangélica.
Toca da
Onça e
Barragem
de Itaúba
14 Km - nível
fácil - acesso
de carro.
Cascata do Lajeado da Várzea com três quedas.
Caminhada aa Toca da Onça com grande mero de
aves nativas no local. Finaliza o percurso com a visita à
Barragem de Itaúba.
Pinhal
Grande
Roteiro dos
Pinhais
nível fácil
Saída na sede do Município com caminhada por mata de
araucária, visita à cascata do Fio Azul e visita à
arquitetura típica do local.
Roteiro da
Cartuxa
15 Km - 8
horas - nível
médio
Visita ao Mosteiro dos Monges Cartuxos com
caminhada pela mata nativa até a cascata dos monges.
Na sede do Município, visita à Igreja Matriz e Torre do
Cristo. Escalada e vista do Monte Grappa (580 metros).
Almoço típico italiano. Pode-se aproveitar para visitar a
casa onde nasceu Alberto Pasqualini.
Ivorá
Roteiro das
Cascatas
12 Km - 6
horas - nível
médio
Visita ao Balneário do Pé Seguro, em contato com a
natureza, travessia do rio através de ponte pênsil
(pinguela). Cascata da Queda Livre, Cascata da Pedra e
Cascata dos Degraus. A flora do local é rica e variada e
com sorte avistam-se exemplares da fauna nativa como
tucanos, saracuras, veados e cutias.
Cerro Com-
prido
18 Km - dia
inteiro - nível
alto
Caminhada pela trilha do Cerro (subida de 3 horas),
entre as cadeias de morros que fazem parte da Serra
Geral, com vista panorâmica do Vale do Soturno, Várzea
do Rio Jace Vale do Novo Treviso. Após, descida à
localidade de Novo Treviso, cleo histórico que
recebeu os primeiros imigrantes italianos de Faxinal do
Soturno, com elementos típicos da arquitetura italiana do
RS. Pode-se visitar a Igreja de São Marcos, o Museu de
Novo Treviso e aproveitar o almoço típico.
Faxinal
do
Soturno
Trilha do
Soturno e
Guarda-
Mor*
dia inteiro -
nível fácil
Visita ao distrito de Santos Anjos, com ponte de ferro
sobre o Rio Soturno, várzeas com lavouras de arroz,
mata nativa, pinguelas e córregos. Passeio pela
localidade de Val Veronês, onde se apreciam a Igreja de
Nossa Senhora do Monte rico e Monumento do
Centenário da Imigração Italiana. Pode-se apreciar a bela
vista da Guarda-Mor. Almoço em Faxinal do Soturno.
Roteiro das
Pedras
Brancas
18 Km - nível
médio
Deslocamento até a entrada da trilha das Pedras Brancas,
com trajeto a de, aproximadamente, 1 Km. No
mirante, a 472 metros, tem-se um magnífico panorama
do Vale do Soturno.
São João
do
Polêsine
Vale
Vêneto
40 Km - nível
fácil
Visita ao local onde nasceu o diácono João Pozzobon,
Igreja de São Pedro e passeio ao distrito de Vale Vêneto,
incrustado entre morros, com visita ao Moinho do
177
Brondani, Recanto do Maestro e Balneário Dom Vitório.
Roteiro das
Usinas
40 Km - 8
horas - nível
médio
Usina Celetro, construída em 1926, com percurso por
mata nativa. Usina do Cafundó, Monumento à Nossa Srª
da Salete. Quedas da Cascata Pedras Brancas.
Caminhada até a Cascata do Pingo. Visita ao Centro de
Pesquisas Genealógicas de Nova Palma e ao Balneário
Municipal. Finaliza com visita à Igreja Santíssima
Trindade, na sede, concluída em 1929, em estilo
Renascença.
Nova
Palma
Cascatas e
Capelas
74 Km - dia
inteiro - nível
médio
Gruta Nossa Srª de Lurdes, caminhadas até as Cascatas
do Pingo e das Pedras Brancas, Capelas São José e Santa
Cruz, com belos vitrais. Após, gruta indígena do
Caemborá e “Caverna” de Nossa Srª de Fátima. Por
último, a capela de São Pedro, pintura do forro foi feita
pelo pintor Amadeu Kuliska, em 1928.
Berço da
Quarta
Colônia
8 horas - nível
médio
Saída de Santa Maria e passagem pelo monumento do
Sol. Visita ao Moinho Colonial da Família Moro, onde
se pode saborear uma boa cachaça ou suco de cana.
Visita a Val Feltrina, com caminhada pelo interior da
mata, podendo-se visitar as cascatas do Mezzomo e do
Rosa, chegando ao conjunto histórico da Pompeia, ao
monumento ao imigrante italiano e ao sítio histórico de
Val de Buia. Almoço típico italiano.
Silveira
Martins
Roteiro da
Pompéia**
6 horas - nível
médio
Visita a locais que exemplificam a beleza da arquitetura
colonial italiana. Visita ao conjunto da Pompeia e
caminhada pela trilha do Sartori, no interior da mata, a
o Moinho Colonial do Brondani. Almoço típico italiano.
Roteiro dos
Alemães
60 Km - 8
horas
Igreja Evangélica, Casa da Família Erahdt, antigo
armazém, Salão Rockembach, Casa Prochnow, São
Miguel Velho (vila de ex-escravos) e Mirante da Lomba
Alta, com vista panorâmica da cidade. Almoço e roteiro
urbano com visita ao Buraco Fundo”, fenda geológica
de 2 mil m
2
e Cabanha Campo Novo.
Restinga
Seca
Roteiro das
Tunas
120 Km - 10
horas
Igreja Evangélica, Casa da Família Erahdt, antigo
armazém, Salão Rockembach, Casa Prochnow, São
Miguel Velho (vila de ex-escravos), Passo da Barca na
Colônia Borges e descida pelo Rio Vacacaí, de caiaque,
chegando até o Balneário das Tunas.
Morro da
Cruz
6 horas - nível
médio
Roteiro urbano com visita ao Museu Municipal, Porto do
Jacuí e Tobogã. Caminhada em mata nativa ao Cerro
da Cruz e visita ao Parque Municipal, com casas típicas
alemãs e italianas. Pode-se provar um gostoso ca
colonial no Parque.
Dona
Franci-
sca
Alemães e
Itálianos do
Jacuí
50 Km - 8
horas - nível
médio
Visita à Casa da Família Segatto e ao Sobrado da
Família Secretti. Caminhada pela mata, chegando à
Caverna do Morcego e à Cascata do Segatto (queda-
d’água de 40 metros). Visita à Casa dos Friederisch e
almoço na Comunidade Evangélica do Trombudo.
Descida, de bote, pelo Rio Jacuí, com saída do Passo
Saint-Clair. Visita ao Museu do Parque e café colonial.
Fonte: FROEHLICH (2002). Adaptação: Marin (2009).
*Envolve também os municípios de Silveira Martins e Ivorá.
** Envolve também o município de São João do Polêsine.
Destacam-se, ainda, outras alternativas de renda, estimuladas pelo
PRODESUS/Quarta Colônia, aos agricultores familiares. Pode-se
mencionar a piscicultura, a apicultura e a criação de agroindústrias
178
familiares (trinta ao todo).
A difícil tarefa de articular os Municípios, diante da perspectiva
do desenvolvimento territorial, pode ser colocada como uma das
principais dificuldades, encontradas pelo PRODESUS/Quarta Colônia,
que até hoje estão presentes. Historicamente, os Municípios atuaram
isoladamente, com raras ações territoriais. Além disso, as propostas,
apresentadas pelo PRODESUS/Quarta Colônia, tinham um caráter de
desenvolvimento de médio e longo prazos, que não atendiam aos
interesses imediatistas das Prefeituras, interessadas, em um primeiro
momento, em ações de curto prazo. Os Coordenadores Técnicos do
Projeto da época afirmaram, ainda, que a visão produtivista, presente em
muitos técnicos da EMATER, também se transformou em um obstáculo
ao desenvolvimento de outras formas de agricultura, particularmente a
sustentável. Outro problema mencionado foi de que o Projeto teve
pequena participação e inserção sociais (agricultores, sindicatos,
cooperativas), dando a impressão de uma gestão muito
“institucionalista”, excessivamente restrita, no caso, principalmente à
EMATER e aos Municípios participantes do PRODESUS/Quarta
Colônia. Ainda segundo as avaliações feitas pela Secretaria Executiva
da época, houve também uma excessiva fragmentação das ações de
intervenção, reduzindo as ações de caráter territorial. Essas foram as
dificuldades apontadas que, em ações posteriores, procurou-se amenizá-
las. Em entrevista, o Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta
Colônia (2007) fez uma avaliação das ações iniciais do Consórcio:
O que se percebe é o excesso de erros cometidos
[...]. A ação pública pode ser muito interessante
no papel, mas na prática nem sempre funciona. O
problema é: como enfrentar a oposição ao
planejamento, que é feita por intrigas e
discordâncias internas que nem sempre afloram
para que se possa combatê-las? Por outro lado, o
suporte técnico deveria ser sistemático e
permanente, e não pontual como ocorre.
Atividades, como agricultura ecológica,
requereriam acompanhamento contínuo, e isso
não acontece. Antes de mais nada, deveria ser um
processo educativo pelo qual o agricultor
(produtor) pudesse experienciar mediante supore
técnico ininterrupto. A proposta (nossa) foi de
unidades de produção modelo, porém não
conseguimos articular além de uma única
179
propriedade. Com isso, muitos aspectos ficaram
demasiadamente individualizados, e a assistência
foi dificultada pela distância que separava as
ações. Faltaram diálogo político, ações técnicas e
programas permanentes. Os técnicos da
EMATER, por exemplo, estão sobrecarregados e
com isso não conseguem dar a atenção devida aos
agricultores. Limitaram-se a atender, de forma
superficial e pontual, os problemas de certa
complexidade. Nem sempre as alternativas eleitas
atenuavam os problemas dos produtores.
A fruticultura, por exemplo, exige presença
constante do produtor no pomar. Diante disso, se
perde a cultura da soja, do arroz. Uma doença que
afete o pomar compromete toda a produção.
Implantar uma nova cultura na propriedade, sem
levar em conta o contexto das demais culturas que
são desenvolvidas, não é a solução. Há que se
avaliar a questão dos pontos de vistas do mercado,
da transformação, da comercialização,
individualizada ou em conjunto, dos padrões de
qualidade. São muitas questões que se juntam ao
processo, sem os necessários recursos para tal,
sobretudo a questão do acompanhamento e a do
monitoramento. Outra questão: Como existem
poucos técnicos para um número muito grande de
propriedades, os mesmos deveriam ter uma
memória do seu processo junto aos agricultores.
Além do mais, esses técnicos estão
comprometidos com outras entidades
(agroindústrias, agroecologia, psicultura,
fruticultura) e também com atividades agrícolas e
burocráticas. O PRODESUS foi uma experiência
fantástica para nós. No entanto, nos próximos
programas não podemos incorrer nos mesmos
erros.
Segundo o Secretário Executivo, propor novas atividades
agrícolas ou não agrícolas aos agricultores requer discussão e
acompanhamento. Uma das principais falhas do PRODESUS/Quarta
Colônia foi a ausência desse acompanhamento às atividades construídas
como alternativas de renda para os agricultores. Por isso, tantas
desistências ao longo do desenvolvimento das mesmas (como foi o caso
180
junto à hortifruticultura ecológica ou às agroindústrias familiares).
Quanto aos cursos de capacitação em agricultura ecológica, que
foram um dos destaques do PRODESUS/Quarta Colônia junto aos
agricultores, pode-se afirmar que, em primeiro lugar, não houve
continuidade, o que prejudicou o processo de construção da agricultura
sustentável. Em segundo lugar, exigiram-se mudanças muito rápidas aos
agricultores, e um curto espaço de tempo; portanto, não foram
assimiladas por estes. “Não adianta pensarmos em recursos para
investimentos em infraestrutura se não tivermos recursos para
capacitação. A capacitação deve partir das condições reais do agricultor,
sem exigir dele o que não estiver ao seu alcance” (J.I., Secretário
Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia, 2007).
Quanto à presença da UFSM na Quarta Colônia, o Secretário
Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia assim avaliou:
Naquele momento (1995) concorremos com
quinze projetos patrocinados por universidades. A
UFSM veio participar de nosso projeto depois,
para desenvolver atividades pontuais:
mapeamento, inventário florestal. Posteriormente
a Universidade passou a pesquisar a Região,
dando-nos informações para entender mais a sua
dinâmica, sua complexidade e sua riqueza.
Entende-se, entretanto, que a principal contribuição do
PRODESUS e do CONDESUS/Quarta Colônia foi criar um sentimento
de pertencimento em relação ao território. Os nove Municípios passaram
a ser conhecidos como pertencentes à Quarta Colônia, termo que passou
a ser comum, em âmbito interno e externo. Após treze anos de
CONDESUS/Quarta Colônia, com erros e acertos, buscou-se estimular a
integração e a discussão em torno de uma concepção territorial. Pode-se
mencionar, também, a inclusão de outras variáveis, além da econômica,
no processo de desenvolvimento, como a cultural e a ambiental. O
CONDESUS/Quarta Colônia passou a enfocar a importância das
culturas locais, revelando que o conhecimento e a capacidade dos
habitantes locais, isto é, o capital humano e social, são decisivos para o
desenvolvimento rural.
Para J.I., Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia
(2007):
O que mais funcionou nesse Projeto
(PRODESUS) foi o seu sistema de divulgação.
181
Tínhamos um jornal que publicava artigos e
agendas. Foi produzido mais de um milhão de
páginas que passaram a ser distribuídas
gratuitamente nas escolas, além de programas
radiofônicos semanais em que se explanavam as
ações que estavam sendo desenvolvidas nos nove
municípios. As reuniões com a comunidade eram
frequentes. E, a partir daí, iniciou-se a tratar, com
mais intensidade, da Quarta Colônia.
Segundo C.F., EMATER de Silveira Martins (2009), apesar dos
esforços em desenvolver a Quarta Colônia, ainda há o problema do
êxodo de recursos humanos qualificados da Região. Os projetos do
Reuni do Governo Federal e os Polos de Educação a distância tendem a
favorecer a redução da fuga de pessoas qualificadas. A Unidade
Descentralizada de Educação Superior da UFSM, em Silveira Martins
(UDESSM), também tem esse papel. A UDESSM possui cursos
vinculados ao desenvolvimento regional (envolvendo produção,
transformação da produção, gestão, formação de redes entre os atores da
Região). Pode-se afirmar que o “esvaziamento” político, cultural e
econômico da Região foi intenso ao longo das décadas. Hoje, tenta-se
minimizar a “fuga” de recursos humanos.
Ao longo desse esvaziamento da Quarta Colônia,
algumas décadas após a chegada dos imigrantes
até o advento das emancipações na década de
1990, houve uma erosão política, cultural,
econômica, um enfraquecimento intencional da
Região. E isso acabou ferindo muito a autoestima
das pessoas. Saiam os mais jovens e os ‘mais
capacitados’ C.F. (2009).
Dentre as ações estimuladas pelo PRODESUS/Quarta Colônia, a
agroindústria familiar pode ser considerada como a atividade que mais
trouxe resultados significativos, em termos de renda às famílias, com
um volume não muito grande de investimentos. Esse êxito parece estar
preso ao nculo, estreito, entre o empreendimento econômico e a
dimensão cultural, isto é, a produção de salames, queijos, pães, cucas,
doces sempre esteve ligada, diretamente, às atividades rotineiras dos
agricultores, ao seu saber-fazer. A agroindústria familiar passou de um
caráter, meramente informal e tradicional, para uma situação de maior
qualificação, tanto na produção quanto na venda e divulgação.
182
Após a execução do PRODESUS, com recursos do Banco
Mundial, principalmente, o CONDESUS/Quarta Colônia passou a
desenvolver outros programas. Grande parte destes ligados à presença
da Quarta Colônia na RBMA. Um desses programas foi o Programa de
Reflorestamento da Quarta Colônia, desenvolvido, entre 2001 e 2002,
com recursos do Pró-Guaíba
82
. O Programa investiu R$ 280,4 mil no
replantio de 500 mil plantas nativas.
entre os anos de 2002 e 2004, o CONDESUS/Quarta Colônia
desenvolveu o projeto Rede de produção e comercialização associada
de produtos ecológicos, um Projeto que se propunha ser de grande
impacto para o território. O Projeto contou com a parceria das
Prefeituras Municipais do CONDESUS, das EMATER, SEBRAE
83
,
Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado (SAA), MDA/SDT
e UFSM/CCR
84
, e Conselhos Nacional e Estadual da RBMA. Ficou
explícita a inserção de múltiplas esferas políticas na delimitação do
Projeto que buscou dar continuidade às ações do PRODESUS, buscando
articulações em redes associadas locais e regionais para, de forma
integrada, programar e comercializar a produção, basicamente de
hortifrutigranjeiros, artesanato, produtos coloniais das agroindústrias
familiares, além de fortalecer o turismo através da ampliação de ações
ligadas ao mesmo. Inicialmente, os recursos recebidos permitiram a
capacitação das agroindústrias. Somente em 2007 foram aprovados
recursos para produção e comercialização em rede dos hortifruticultores.
O objetivo geral do Projeto foi:
Implementar ações, associadas em rede, para o
fortalecimento de práticas agroecológicas da
produção primária, agroindustrialização de
alimentos e comercialização, instrumentalizadas
por programas de formação cooperativa,
capacitação técnica e de Educação ambiental,
patrimonial e turística de técnicos, agricultores e
seus familiares (CONDESUS/QUARTA
COLÔNIA, 2003, p. 26).
A fim de se desenvolver o Projeto, realizaram-se um
82
O Programa de Gerenciamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Guaíba (Pró-Guaíba) foi
lançado, em 1995, com o objetivo de estabelecer as condições necessárias para a utilização
racional dos recursos renováveis da região hidrográfica do Guaíba (que compreende 70% do
território gaúcho).
83
Oito consultores permanentes e dois por área (embutidos, farináceos e artesanato).
84
Vinte consultores entre professores e alunos.
183
levantamento e um diagnóstico de 200 Unidades de Produção, nos seus
aspectos físicos, sanitários, culturais, turísticos, ambientais e
econômicos, e estudo de mercados local e regional; Programas de
Capacitação de Produtores (agroindústrias e artesanato), e a construção
do Terminal de Comercialização da Quarta Colônia, também
denominado de Casa da Quarta Colônia. Acertou-se que a
comercialização seria na forma cooperativa e em rede
85
. Cada prefeitura
disponibilizou, no período 2002 a 2004, R$ 22.333,26 um total de R$
200.544,04. Os agricultores beneficiados devolveram, ao Fundo de
Desenvolvimento da Quarta Colônia (FUNDESUS), R$ 667.220,10
referentes a 30% dos R$ 2.910.316,80 (disponibilizados pelo
MDA/Caixa Federal), totalizando R$ 3.110.860,84 em investimentos.
A Rede, criada efetivamente em 2006, passou a ser chamada de
“Associação Rede das Agroindústrias da Quarta Colônia”, popularmente
conhecida como “Rede da Casa”, e contou com quinze das trinta
agroindústrias familiares, inicialmente incluídas nas ações do
PRODESUS/Quarta Colônia, em 1996. Sua origem vincula-se ao fim do
convênio entre o CONDESUS/Quarta Colônia e o SEBRAE em 2005,
em que os agricultores tiveram que encontrar uma alternativa para
fortalecerem-se diante do mercado. Como será analisado a seguir, o
CONDESUS/Quarta Colônia realizou um convênio com o SEBRAE, em
2003, para realizar ações de capacitação, em artesanato e agroindústrias
familiares, e de divulgação turística. Em 2005, tendo em vista que o
Estado do Rio Grande do Sul não repassou recursos (em torno de R$
200 mil) da Consulta Popular ao CONDESUS/Quarta Colônia, este não
conseguiu honrar os compromissos diante do SEBRAE. Somente em
2007, diante do repasse de recursos do CONDESUS/Quarta Colônia ao
SEBRAE, é que o convênio foi firmado novamente. Foi então que
houve a necessidade da reorganização dos atores locais que passaram a
discutir com a EMATER, com maior proximidade.
O SEBRAE perdeu crédito junto a quem
trabalhou, junto às agroindústrias, aos
agricultores. A própria Rede da Casa é uma Rede
da qual a EMATER não fazia parte, não
85
O Terminal de Comercialização (Casa da Quarta Colônia), construído ainda em 2003 e que
necessitou de reformas em 2009, contou com os seguintes recursos: R$ 200.000,00 do MDA;
R$ 60.000,00 das Prefeituras; R$ 15.000,00 do CONDESUS/Quarta Colônia; R$ 30.000,00 do
município de Restinga Seca, pela compra do terreno, e R$ 40.000,00 para as pequenas
reformas e o mobiliário. Total: R$ 370.000,00 (CONDESUS, 2009).
184
trabalhava, e as agroindústrias, queriam
distânciamento. Mas trabalhavam muito com o
SEBRAE que, ficou dois ou três anos atuando, e
com ótimos resultados. Quando o Convênio
terminou, o SEBRAE se retirou. Então a Rede da
Casa veio procurar a EMATER (S.P.,
Extensionista da EMATER, Dona Francisca,
2007).
Entretanto, C.D. (secretária da cultura e do turismo, Pinhal
Grande) declarou que faltavam técnicos na EMATER para atender aos
agricultores. Nesse caso, o desenvolvimento de ações amplas, como as
desenvolvidas pelo SEBRAE, não seria possível de ocorrer
integralmente pela EMATER. Já para C.F., EMATER de Silveira
Martins (2009), a pequena participação da EMATER, durante o período
de trabalho do SEBRAE na Região, ficou prejudicada pela dificuldade
da gerência regional inserir a mesma no processo.
Quando o convênio SEBRAE/CONDESUS se encerrou, a
EMATER foi contactada, e a mesma conseguiu, via Secretaria Estadual
do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (SEDAI/RS), dois
consultores da UFSM, que se encarregaram de dar suporte para a criação
da Associação Rede da Casa (permitindo compra associada de
embalagens, matéria-prima, etc). A partir desse processo, tiveram início
as discussões para criar uma cooperativa de comercialização. Surgiu
assim a Cooperativa Artesanal e Agroindustrial da Quarta Colônia
(COOPAAGRO) mais conhecida como a “Casa da Quarta Colônia”.
A Casa da Quarta Colônia é um terminal de comercialização de
produtos coloniais, artesanais e hortifrutigranjeiros, construído entre as
RST 287 e RS 149 (que acesso à Quarta Colônia). Trata-se de uma
Cooperativa em que todos os produtores, aptos a comercializarem de
acordo com as normas de fiscalização, poderão associar-se à mesma.
Sua construção foi aprovada e financiada pelo MDA/SDT, por meio do
PRONAF Infraestrutura (Figura 13). Nesse local passam, em média, três
mil veículos diários, o que o torna propício e único como ponto de
venda de produtos da Quarta Colônia. O terminal, após passar por um
longo processo para a sua operacionalização, passará a funcionar a partir
de dezembro de 2009, contando, inicialmente, com 66 cooperados. Os
agricultores venderão sua produção através de Bloco de Produtor
(Inscrição Estadual), e a produção será fiscalizada pelos Órgãos
responsáveis. O planejamento da gestão da “Casa” foi realizado pelo
SEBRAE: qualificação dos agricultores (fornecedores), produtos
185
ofertados de acordo a sazonalidade, capital de giro, perfil dos
funcionários.
Pode-se dizer que essa ão é uma nova forma para que a
população da Quarta Colônia pense o seu desenvolvimento. Como
destaca o texto do Projeto de produção e comercialização em rede:
“desta forma estaremos fomentando o processo de preservação e
revitalização dos recursos renováveis, em especial da Mata Atlântica e
do patrimônio biológico, cultural e histórico das comunidades
descendentes de portugueses, afro-brasileiros, italianos e alemães que
integram a Quarta Colônia” (CONDESUS/QUARTA COLÔNIA, 2003,
p. 30).
FIGURA 13: Terminal de comercialização ‘Casa da Quarta
Colônia-RS’.
Fonte: Marin, (2007); local: convergência entre as RST 287 e RS 149.
Os agricultores já comercializavam alguns dos seus produtos,
individualmente, em feiras, mercados e diretamente ao consumidor.
Entretanto, a qualificação dos produtos, a capacitação técnica dos
produtores, o planejamento da produção, os investimentos na melhoria
da infraestrutura de produção (primária e secundária) e a divulgação
permitiram o fornecimento constante e crescente dos produtos no
mercado e, consequentemente, um aumento significativo nos
rendimentos.
Durante os anos de 2003 e 2005, o CONDESUS/Quarta Colônia
realizou o primeiro convênio com o SEBRAE, para dar continuidade e
ampliar as ações de turismo, inicialmente desenvolvidas pelo
PRODESUS/Quarta Colônia, em 1996. Realizaram-se, também,
capacitações em agroindústrias e artesanato. Para tanto, o SEBRAE
186
desenvolveu o Projeto de Turismo Integrado (cultural, religioso,
gastronômico e ecoturismo), objetivando criar as condições necessárias
para que as unidades de produção agrícola familiar desenvolvessem o
turismo como alternativa de renda (Anexo 1).
O SEBRAE disponibilizou
86
diversas consultorias como:
arquitetura, marcas e rótulos, paisagismo, formatação de trilhas
ecológicas, pesque-pague, oficinas para artesãos e para empreendedores
de produtos coloniais. Promoveu, ainda, capacitações em turismo no
meio rural; qualidade no atendimento turístico (“5 S” -descarte,
organização, limpeza, higiene, ordem mantida); oficinas de artesanato;
boas práticas de fabricação; administração de pequenos negócios de
turismo; comercialização do produto turístico, e monitores de trilhas
ecológicas. Decorrentes dessas ações, muitos agricultores motivaram-se
em desenvolver atividades não agrícolas em suas propriedades, como as
destacadas anteriormente.
O Projeto dos Roteiros Integrados de Turismo desenvolveu-se em
três fases. No total, foi investido, para tais ações, R$ 1,8 milhão, sendo
que, deste, 75,27% foram provenientes do SEBRAE; 10,90%, do
CONDESUS/Quarta Colônia e Prefeituras, e 13,83%, do Governo do
Estado por meio da Consulta Popular (demandas eleitas pela população
do COREDE central em 2004).
Em 2005, dando continuidade às ações de desenvolvimento do
turismo, o SEBRAE desenvolveu, em duas fases, o Projeto de
Sinalização Turística da Quarta Colônia. Esse Projeto, executado em
2006, contou com o apoio financeiro do Ministério do Turismo (R$ 316
mil) e do próprio CONDESUS/Quarta Colônia e Prefeituras (R$ 40,5
mil), totalizando R$ 356,5 mil em recursos, para fins de diagramação,
confecção e colocação de 244 placas turísticas (Figura 14). Nesse
mesmo ano, o SEBRAE elaborou materiais de divulgação turística
(Figura 15) com recursos da Consulta Popular do Governo do Estado
(R$ 84 mil) e do CONDESUS/Quarta Colônia (R$ 16,8 mil),
totalizando R$ 100,8 mil. Foram elaborados 425 mil fôlderes de
divulgação dos Roteiros Integrados de Turismo.
86
O SEBRAE “subcontratou” a UFSM que realizou trabalhos com as agroindústrias:
logomarca, gestão, melhoria das condições de trabalho.
187
FIGURA 14: Sinalização turística na linha dos pomeranos – Agudo.
Fonte: Marin, (2009).
*
**
***
FIGURA 15: Capa de Fôlderes de divulgação dos Roteiros Integrados da Quarta
Colônia-RS
87
.
Fonte: CONDESUS/Quarta Colônia.
87
* Casa Colonial, Agudo.
** Igreja Matriz São José de Ivorá.
*** Lago da Barragem de Itaúba (Pinhal Grande).
188
Destaca-se, ainda, a sinalização da rota paleontológica
88
que
recebeu do Governo do Estado, através da Consulta Popular de 1998, R$
213 mil, e do CONDESUS/Quarta Colônia, R$ 1 mil. A discussão para
a construção de uma Rota Paleontológica, envolvendo os Municípios do
CONDESUS/Quarta Colônia, teve início ainda em 1996. O Projeto foi
aprovado pelo Governo do Estado em 1998, mas, na época, de todas as
demandas, apenas a de sinalização foi atendida; porém, executada
somente em 2004 (Figura 16).
As ideias nessa direção mantiveram-se e, baseando-se nos
afloramentos e na grande quantidade de descobertas científicas, o
Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia apresentou, em
2003, o projeto Parques Paleontológicos da Quarta Colônia. Naquele
ano, ocorreu o Diálogo de Concertação da Quarta Colônia, em Silveira
Martins, promovido entre o CONDESUS/Quarta Colônia e a Secretaria
de Desenvolvimento Social e Econômico da Presidência da República, e
que tinha o objetivo de discutir programas e projetos de interesse do
desenvolvimento regional. Na época, foi proposta a criação de um
Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA) a serviço das
entidades de pesquisa (Universidades e Centros de Pesquisa, blicos
e privados) e a construção de três Unidades Museológicas que
comunicariam e socializariam esse patrimônio cultural à sociedade.
88
A Quarta Colônia é riquíssima na ocorrência de sítios fossilíferos, na grande maioria do
período Triássico (200 milhões de anos atrás), especialmente nos municípios contidos na
Depressão Central (Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno e São João do Polêsine). No
Rio Grande do Sul são encontrados os fósseis de dinossauros mais antigos do mundo, como
nas cidades de Candelária, São Pedro do Sul e Agudo. Em Agudo, pontos considerados os
mais fossilíferos de todos os encontrados, do período Triássico, no Rio Grande do Sul.
evidências de que não os dinossauros, como também os mamíferos tiveram sua origem no
Sul da América do Sul. Em 2001, no município de Agudo, foram encontrados fósseis do
Sacissauro, de 220 milhões de anos, batizado dessa forma, pois, dos 19 mures encontrados,
todos eram direitos e nenhum esquerdo. Não se sabe o porquê disso, mas foi por essa
particularidade que o nome saci foi apropriadamente dado ao dinossauro descoberto. Em julho
de 2008, em uma rocha, à margem de um açude, construído para reter água para irrigação de
uma lavoura de arroz, em Dona Francisca, foi encontrado o crânio fossilizado de um animal do
grupo dos Cinodontes, datado de 242 milhões de anos (A ERA DOS DINOSSAUROS, 2009).
189
FIGURA 16: Sinalização da Rota Paleontológica da Quarta Colônia
Fonte: Marin, (2007). Local: RST 287, próximo ao acesso para Silveira Martins.
A construção dos Parques Paleontológicos da Quarta Colônia
89
(Geoparques), aprovados em 2007, conta com um investimento total de
R$ 8,9 milhões, provenientes do Ministério da Cultura, PETROBRAS e
ELETROBRAS (apenas 0,11% do CONDESUS). A execução do
Projeto está prevista para ser realizada entre 2007 e 2010, sendo que o
CAPPA
90
, em São João do Polêsine, já se encontra em construção. Além
89
Em 2008, o Projeto de Parques Paleontológicos da Quarta Colônia recebeu o prêmio Rodrigo
Melo Franco de Andrade, concedida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) na categoria Proteção do Patrimônio Natural e Arqueológico.
90
O Centro, 2.649 m
2
, abrigará um museu, centro de pesquisas, laboratórios, auditório, salas de
aulas, local de hospedagem, restaurante e diversos serviços que serão oferecidos aos visitantes,
190
dele, serão construídos mais três Unidades Museológicas,
respectivamente em Agudo, Dona Francisca e Faxinal do Soturno
(Figura 17).
Sendo de grande atratividade, esse Patrimônio Cultural e Natural
poderá desencadear o desenvolvimento turístico local/regional. Segundo
o Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia, a Paleontologia
fortalecerá, devido à sua grande potencialidade atrativa, as demais
modalidades turísticas, tais como o turismo ecológico, rural,
gastronômico, religioso, científico e de eventos, permitindo ‘irrigar’ as
atividades tradicionais e promover a geração de emprego e renda,
associada à produção primária, à de transformação, e ao artesanato.
A criação do Centro de Apoio à Pesquisa
Paleontogica tem por objetivo disponibilizar, às
Universidades públicas e privadas, cursos de
Graduação e Pós-graduação em Biologia, Geologia e,
de forma específica, ao Mestrado e Doutorado em
Paleontologia a infraestrutura necessária para o
ensino e o desenvolvimento da pesquisa nos
afloramentos fossiferos da Região Central. O
CAPPA se projeta como um centro de
convergência, capaz de reunir as principais
Universidades do Rio Grande Sul (UFSM, UFRGS,
UNISINOS, PUC/RS, ULBRA e UNISC) em
programas permanentes de pesquisa
paleontológica. As descobertas e a produção
científica desenvolvida pelas Universidades
colocarão a Quarta Colônia (o que vem
ocorrendo) no primeiro plano dos meios de
comunicação aberta (rádios, jornais e TVs) e
fechada (em revistas científicas nacionais e
internacionais). Essa mídia, sem custos, permitirá a
divulgação do patrimônio fossilífero associado ao
território, estabelecendo vínculos com os demais
públicos de interesse, o que torna a Quarta
Colônia uma referência, nacional e internacional,
nesse campo da ciência e em turismo cultural e
científico (J.I., SECRETÁRIO EXECUTIVO DO
CONDESUS/QUARTA COLÔNIA, 2009).
pesquisadores e alunos que estudam na área da Paleontologia. Será um centro de apoio à
pesquisa ao geoparque da Paleorrota.
191
FIGURA 17: Imagem de Maquetes dos Parques Integrados da
Quarta Colônia: sítios paleontológicos e fotos do Centro de Apoio à
Pesquisa Paleontológica
91
.
Fonte: CONDESUS/Quarta Colônia (2009).
A Paleontologia se integra aos demais atrativos e serviços
culturais, e ao próprio cotidiano da Quarta Colônia, modelando-a como
território. Pode-se acrescentar que a criação do Parque representa as
ações da sociedade civil, nesse caso, representada pelo
CONDESUS/Quarta Colônia, na condução das políticas de
desenvolvimento.
Deve-se ainda destacar que no final dos anos de 1990, a Quarta
Colônia passou a receber investimentos para a fruticultura. O processo
se iniciou em 1997, quando se criou o Comitê de Fruticultura da Metade
Sul do Rio Grande do Sul, gestor do Programa de Fruticultura Irrigada
da Metade Sul do Rio Grande do Sul, com sede na Embrapa Clima
Temperado de Pelotas, agregando secretarias municipais e estadual da
agricultura, universidades, Ministério da Agricultura e Emater. Para
isso, a Metade Sul foi dividida em 11 regiões, identificadas em zonas
com condições edafoclimáticas semelhantes ou afinidade político-
91
Obs: Em sentido horário, a partir da imagem da maquete situada na parte superior esquerda:
Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA) em São João do Polêsine e Unidades
Museológicas de Agudo, Faxinal do Soturno e Dona Francisca.
192
administrativa
92
. O Comitê atua nas seguintes áreas: mercado e
comercialização, mudas e insumos, assistência técnica e capacitação,
crédito, pesquisa, marketing e logística, produção integrada (COMITÊ
DE FRUTICULTURA DA METADE SUL, 2009).
Em 1999, uma emenda da bancada gaúcha na Câmara garantiu a
liberação de R$ 9,2 milhões para a criação de patrulhas agrícolas,
compra de equipamentos de irrigação e outros maquinários e a
construção de Unidades de Processamento de Frutas (packing house).
Nessa época, o município de Dona Francisca recebeu o financiamento
para a instalação de um packing house.
Inaugurado em 2002, o packing-house (Programa de Fruticultura
da Metade Sul), lava, seca, poli e classifica por peso (pêssego, ameixa,
nectarina e uva). São três câmaras frias, com capacidade total de 150
ton. Hoje, tal infraestrutura encontra-se desativada, pois não houve
resultados expressivos na oferta de frutas a fim de colocá-lo em
funcionamento. Segundo pesquisa de campo, a falta de apoio das
prefeituras à fruticultura pode ser considerado como o principal motivo
da não continuidade dos projetos. Como destacou A.R., Secretário da
Agricultura de Dona Francisca: “O problema é que nós não tínhamos
conhecimento algum sobre fruticultura. Os agricultores não tinham
nenhuma tradição e nem conhecimento”. Entretanto, o Secretário
afirmou que, quem deu continuidade à fruticultura, conseguiu uma renda
extra de significativa importância. Em 2009, a fruticultura recebeu novo
fôlego, através de novos investimentos em treinamento, capacitações,
etc.
Por fim, deve-se mencionar as ações mais recentes desencadeadas
pelo CONDESUS/Quarta Colônia, em parceria com a EMATER e a
UFSM. Entre 2005 e 2006 foi realizado pela UFSM um novo estudo de
mercado dos produtos da Quarta Colônia. Os recursos (R$ 70 mil)
foram da Consulta Popular de 2004. Ainda, foi realizado um diagnóstico
de fluxo turístico (R$ 70 mil), executado em 2006, com recursos da
Consulta Popular de 2005. Referente à Consulta Popular de 2006/07,
com R$ 192 mil) e complementados por R$ 38 mil do
CONDESUS/Quarta Colônia, estão sendo realizadas capacitações a fim
de organizar em rede os hortifruticultores da Quarta Colônia, estando
92
A região em que a Quarta Colônia se insere, abrange os seguintes municípios:
Dona Francisca, Faxinal do Soturno, São João do Polêsine, Agudo, Ivorá,
Formigueiro, Paraíso do Sul, Novo Cabrais, Cerro Branco, Silveira Martins,
Restinga Seca, Nova Palma, Pinhal Grande, Santa Maria, Candelária, São Martinho
da Serra, São Pedro do Sul.
193
prevista, ainda, a construção de 27 estufas para a horticultura. Segundo
as EMATERs da Região, são valores muito expressivos, diante do
número de hortifruticultores que existem. O investimento total é de R$
230 mil (CONDESUS, 2009). São ações que os recursos, para o projeto
de Rede de Produção e Comercialização Associada de Produtos
Ecológicos da Quarta Colônia, desenvolvido entre os anos de 2002 e
2004, não contemplaram e que, na época, foram desenvolvidas ações de
capacitação somente em artesanato e agroindústrias. Dessa forma,
atualmente, tem-se um conjunto de ações que permitirão colocar em
funcionamento, parcial, o Terminal de Comercialização da “Casa da
Quarta Colônia”.
O quadro 9 uma ideia dos projetos desenvolvidos pelo
CONDESUS/Quarta Colônia. Os investimentos, em dez anos, foram de
R$ 4,1 milhões, sendo 89,78% provenientes dos Governos federal,
estadual e municipal, e de empresas privadas. Acrescentando-se os
investimentos do Projeto de Paleontologia, orçados em R$ 8,9 milhões,
ter-se-ia um volume de recursos de R$ 13 milhões (CONDESUS/Quarta
Colônia, 2009). Os impactos dessas ações ainda serão observados,
que é um processo que revela apenas, seus primeiros sinais. Entretanto,
pode-se concluir que são ações territoriais que dificilmente seriam
desenvolvidas apenas pelo esforço de um único município.
Por fim, cabe, ainda, destacar a repercussão que a Quarta Colônia
tem representado no cenário regional. Desde o dia seis de agosto de
2006, o Diário de Santa Maria, veículo da Rede Brasil Sul de
Telecomunicações (RBS), de circulação nas Regiões Central e
Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul, publica, semanalmente, o
Caderno da Quarta Colônia. Essa ação tende, por um lado, a reforçar o
aproveitamento e a valorização do patrimônio material (natureza,
edificações históricas, equipamentos antigos, gastronomia) e imaterial
(tradições locais, saberes artesanais e culinários, religiosidade) do
território e, por outro, ser uma consequência da afirmação da
identidade
93
regional, criada em torno da Quarta Colônia, e manifestada
em escala regional.
93
As identidades são construídas socialmente nas interações sociais internas ou externas, nos
laços estabelecidos pelos sujeitos nas situações cotidianas, formando círculos étnicos,
territoriais ou de grupos que possuem elementos identificadores com significados comuns, seja
num processo de afirmação ou distinção (RODRIGO, 1996).
194
QUADRO 9: CONDESUS/Quarta Colônia (10 anos): Projetos e
recursos executados
PROJETOS CONDESUS
(R$)
OUTROS (R$) TOTAL R$
PRODESUS 92.100,00 828.900,00 921.000,00
Educação Ambiental - 280.465,00 280.465,00
Casa da Quarta Colônia 75.000,00 240.000,00 315.000,00
SEBRAE/RS 202.623,00 1.655.809,00 1.858.432,00
Sinalização Turística 40.500,00 316.122,00 356.622,00
Divulgação Turística 16.800,00 83.650,00 100.450,00
Sinalização Rota
Paleontológica
1.000,00 213.000,00 214.000,00
Estudo de UPA e de
Mercado
- 70.000,00 70.000,00
Hortifruticultura em rede - 70.000,00 70.000,00
Total Investido 428.023,00 3.757.946,00 4.185.969,00
Percentuais de
Participação
10,22 89,78 100%
Fonte: CONDESUS/Quarta Colônia (2009).
A conservação dos patrimônios material e imaterial, pelos atores
locais, transformam-se em possibilidades para o desenvolvimento local.
Chama a atenção, também, a dimensão territorial demonstrada no
fascículo do Jornal, ao caracterizar os nove Municípios pela
denominação Quarta Colônia, marcando, dessa forma, a integração da
diversidade étnica-cultural.
Pode-se dizer que o CONDESUS/Quarta Colônia desencadeou,
desde a década de 1990, quando foi criado, uma nova forma de gestão
dos Projetos de Desenvolvimento, voltados à construção de um território
e à preservação dos patrimônios cultural e natural. Desenvolvendo
atividades de valorização das tradições, da história e do saber-fazer
local, em suas perspectivas étnico-culturais, históricas e naturais locais
(italiana, alemã, portuguesa e afro-descendente), o CONDESUS/Quarta
Colônia contribuiu para, sensivelmente, (re)construir o território,
emergindo uma nova territorialidade (resultado da produção de cada
território) e novos territórios, que se soprepõem. O território passa a
incluir um patrimônio identitário que é produto dos processos históricos
e relacionais, ou seja, da formação de cada território em um contexto de
relações sociais com o ambiente externo à vida em sociedade. Tal
patrimônio (o saber-fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os
dialetos, as crenças, os arquivos históricos, as relações sociais das
famílias, as empresas, as organizações políticas) pode ser potencializado
em projetos e programas de desenvolvimento que visem a sua
preservação e valorização.
195
A estratégia do CONDESUS/Quarta Colônia consolidou um
sentimento de pertencimento a um território em que se mesclam
distintas culturas, criadas pelas diferentes etnias que o ocuparam durante
e, principalmente, em fins do século XIX. Segundo Froehlich (2008),
descendentes de italianos, alemães, portugueses e africanos dão
dinâmica às novas territorialidades a partir do compartilhamento de
saberes, tradições e costumes preservados na sua etnicidade, ou
recriados nas fricções interétnicas.
O território envolve, ao mesmo tempo, ainda que em diferentes
graus de correspondência e intensidade, uma dimensão simbólica,
cultural, através de uma identidade atribuída pelos grupos sociais ao
espaço onde vivem, e uma dimensão mais concreta, de caráter político-
disciplinar, de controle do espaço como forma de domínio dos
indivíduos. A identidade, componente essencial na construção dos
territórios, é a força política e cultural dos grupos sociais, que neles se
reproduzem, e sua capacidade de produzir uma determinada escala de
identidade, territorialmente mediada. De acordo com Saquet e
Briskievicz (2009), as comunidades tentam reafirmar as suas identidades
que foram, de alguma forma, perdidas, podendo estar produzindo outras
identidades. Assim, a redescoberta do passado faz parte do processo de
construção da identidade de certo grupo social. A identidade é
construída, desconstruída e reconstruída com o passar do tempo, nos
mesmos ou em lugares diferentes, como ocorre através das migrações. A
identidade e as imagens antecedem a formação do território, a
territorialização. As novas territorialidades são criadas a partir da
incorporação de novos elementos sociais. Por isso tudo, dificuldades
em se promover o turismo, porque isso depende da construção de novas
identidades/territorialidades e, ao mesmo tempo, resgatar as que foram
abandonadas/esquecidas. Baseadas nas identidades/territorialidades
formadas (saber-fazer, costumes, intensa ruralidade), foi possível
motivar, com maior facilidade, e apesar dos entraves, as comunidades da
Quarta Colônia em favor do desenvolvimento de alternativas de renda,
como as agroindústrias familiares.
Para Froehlich (2008), a mesma lógica cultural contemporânea
que estigmatizou as características tradicionais do meio rural, passou a
apreciar a proximidade com a natureza, os laços sociais e de cooperação,
assim como as peculiaridades de um modo de ser, falar e agir e os
saberes vinculados a tradições e cultivados por gerações. Nesse cenário,
os projetos do CONDESUS/Quarta Colônia vislumbraram alternativas
turísticas, de preservação e apreciação do patrimônio natural e dos bens
culturais, materiais e imateriais, com maior ênfase à gastronomia
196
regional, decorrente dos saberes étnicos. Os modos de fazer, os saberes e
os hábitos alimentares dos “antigos” estão sendo resgatados e
transformados em bens comercializados, interna e externamente,
apoiados pelo marketing, sistemas de divulgação, padronização e
fiscalização. A apreciação dos sabores gastronômicos se torna, assim,
um contato com as belezas naturais e a cultura do território.
Enfim, há, na Quarta Colônia, um movimento entre o estabelecido
(o velho) e o novo, que impulsiona as relações do lugar com o mundo
onde este atravessa aquele com novos costumes, hábitos, maneiras de
falar, mercadorias, modos de agir etc.. E, assim, também nesse
movimento, a própria identidade do lugar é constantemente recriada,
produzindo um espaço social híbrido, onde o velho e o novo fundem-se,
dando lugar a uma nova configuração socioterritorial (Luchiari, 2000).
Segundo J.I., Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia
(2007):
Todas as ações que têm nossa presença, ou somos
seu desencadeador, estão inseridas no contexto
territorial: seja o PRODESUS, seja o Projeto de
Turismo Integrado da Quarta Colônia (nas
diferentes fases) seja o estudo de mercado, seja
a Casa da Quarta Colônia, seja o Projeto de
Paleontologia, seja a sinalização de toda a Região.
O papel do CONDESUS/Quarta Colônia é atuar
nos campos vazios da Ação Pública e,
principalmente, buscar tornar, a mesma ação,
comum a todos os municípios. Não porque
investir de forma isolada, pontualista e
segmentada. Deve-se buscar a ação integrada,
apesar das resistências ainda existentes.
Independentemente dos recursos externos que
possam mobilizar o Consórcio e os prefeitos, é
preciso ter políticas continuadas nos Municípios.
Ainda não se tem uma política para a agricultura
familiar. Para tanto se tem o calcário, patrulha
agrícola, o PRONAF que libera em média R$ 100
milhões/ano. Se o consórcio tivesse esse
orçamento, seríamos Primeiro Mundo.
O Secretário destacou a visão territorial que o Consórcio possui.
Mencionou, também, a importância do Consórcio angariando recursos,
em escala estadual ou federal.
197
No projeto de sinalização turística (no valor de R$
356 mil) somente em Nova Palma mais de 30
placas, recebeu do Município a contrapartida no
valor de R$ 4.490,00. Somente uma placa, a 4,5
metros do solo, custa R$ 3.800,00. Isoladamente,
o Município não consegue viabilizar recursos
junto ao Ministério do Turismo (J.I., Secretário
Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia,
2007).
As estratégias de desenvolvimento rural, criadas na Quarta
Colônia a partir da valorização das especificidades culturais e naturais
do território, têm propiciado o desenvolvimento de Unidades produtivas
pluriativas, particularmente pela presença do turismo no meio rural e a
agroindustrialização familiar. Tais atividades foram impulsionadas pelo
CONDESUS/Quarta Colônia que surgiu em decorrência de ações locais
(o PROI e o PREP), e globais, isto é, do cenário das preocupações
ambientais da década de 1990. Com o CONDESUS, a Quarta Colônia
passou a sofrer transformações socioterritoriais, que todas as demais
ações, em diferentes níveis e escalas, estiveram ligadas, direta ou
indiretamente, ao Consórcio Intermunicipal.
Assim, pode-se dizer que a gestão de novas configurações
socioterritoriais são prenhes do mundo e do lugar. Antes, se as
populações dos lugares tinham a sua percepção do espaço social,
limitado àquele necessário à sua própria reprodução, hoje, o mundo (as
evoluções de uma ordem internacional) se coloca também como
referência incontornável (LUCHIARI, 2000). As ações do
CONDESUS/Quarta Colônia, baseadas na integração de atores, em
distintas escalas, são uma experiência de aproveitamento das novas
estruturas de oportunidades promovidas pelo processo de globalização, a
partir das potencialidades específicas e interessantes (herança ecológica,
paisagística, social, cultural) que o território apresenta.
A seguir se observará que as políticas de desenvolvimento rural,
em escalas federal e estadual, para a Quarta Colônia, privilegiaram a
perspectiva territorial, bem como as atividades que buscassem gerar
renda complementar às pequenas propriedades.
198
4.3 ARRANJOS INSTITUCIONAIS E AÇÕES PARA PROMOVER O
DESENVOLVIMENTO NO ÂMBITO DO TERRITÓRIO RURAL NA
REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL
Dos 164 territórios rurais, apoiados pela SDT, sete encontram-se
no Rio Grande do Sul, atendendo a 196 municípios (do total de 496
municípios do Estado), englobando 115.531,50 km
2
de área, 2.627.868
de habitantes e uma população rural de 746.196 habitantes,
correspondendo, respectivamente a 41,49%, 25,79% e 39,91% da área
total, do total de habitantes e da população rural do Estado (SDT/MDA,
2006). Os municípios da Quarta Colônia fazem parte do Território Rural
Central
94
, desde junho de 2004 (Figura 18).
No texto do Colegiado de Desenvolvimento Territorial
Sustentável do Centro do Rio Grande do Sul (MDA/SDT -
Codeters/Central, 2006, p. 3), a respeito do impacto da Política
territorial de Desenvolvimento rural, afirma-se o seguinte: “Este é um
momento muito importante no desencadeamento deste processo, pois
se notam avanços nos projetos propostos e nas discussões que adquirem
um tom um pouco mais territorial e menos de disputa por recursos”.
No quadro 10 tem-se a apresentação da demanda social (público
prioritário) por município considerada pelo MDA/SDT na Quarta
Colônia, integrante do Território Centro. Os agricultores familiares são
predominantes (96,16%), e eles são o foco das políticas de
desenvolvimento sustentável.
94
São sete Territórios Rurais apoiados no Rio Grande do Sul: Alto Uruguai, Centro-Serra,
Médio Alto Uruguai, Missões, Noroeste Colonial, Região Central e Zona Sul do Estado. O
Território Rural Central é formado por 34 municípios: Agudo, Cacequi, Cachoeira do Sul,
Capão do Cipó, Dilermando de Aguiar, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Formigueiro,
Itaara, Ivorá, Jaguari, Jari, Júlio de Castilhos, Mata, Nova Esperança do Sul, Nova Palma,
Novo Cabrais, Paraíso do Sul, Pinhal Grande, Quevedos, Restinga Seca, Santa Maria,
Santiago, Silveira Martins, São Francisco de Assis, São João do Polêsine, São Martinho da
Serra, São Pedro do Sul, São Sepé, São Vicente do Sul, Toropi, Tupanciretã, Unistalda, Vila
Nova do Sul.
199
FIGURA 18: Localização do Território Rural Central no Rio
Grande do Sul
Fonte: MDA/SDT, 2009.
200
QUADRO 10: Demanda social do MDA/SDT na Quarta Colônia - RS.
Municípios
Agricultores
familiares (nº
famílias)
Famílias
assentadas
(Federal)
Pescado-res
(nº famílias)
Quilombolas (
de
núcleos/famílias)
Agudo
2.279 0 1 0
Dona Francisca
381 0 0 0
Faxinal do Soturno
545 8 0 0
Ivorá
405 0 0 0
Nova Palma
782 0 0 1/40
Pinhal Grande
684 52 1 0
Restinga Seca
996 0 5 2/128
São João do
Polêsine
254 0 0 0
Silveira Martins
323 0 0 1/30
Total 6.649 60 7 4/198
Fonte: IBGE, Censo agropecuário (1995/96); MDA/INCRA/SDT (2006).
A política de desenvolvimento territorial possui como foco a
integração e a articulação de Políticas públicas entre a gestão social
participativa e a construção de novos arranjos institucionais, em âmbito
dos territórios. Essa visão, a partir de 2005, desencadeou um intenso
processo de debate e mobilização, de um conjunto de atores sociais, no
âmbito do Território Rural Central do Rio Grande do Sul (PDTRS,
2006).
Com os convênios firmados, no final de 2005, com o MDA/SDT,
juntamente com a articulação territorial e a capacitação dos atores
envolvidos, cresceram a mobilização e o envolvimento de um conjunto
de novos atores. Mediante as novas Oficinas realizadas, as reuniões de
mobilização de atores, em níveis local, microrregional e regional, bem
como o processo de capacitação, houve um avanço na definição da
concepção de desenvolvimento rural sustentável, priorizando os eixos
estruturantes para o Desenvolvimento Sustentável (Idem).
No PDTRS Centro do Rio Grande do Sul, de 2006, destacou-se o
território “desejado”:
- Organizado, economicamente, com as cadeias
produtivas fortalecidas, capazes de gerar emprego
de qualidade e renda para suprir as necessidades
dos agricultores familiares e ainda dar condições
para investir na propriedade e na sua permanente
qualificação;
- Com maior consumo de produtos produzidos no
território, dinamizando a economia local e
colocando, á disposição do consumidor, produtos
de qualidade, através da criação de inspeção,
municipal e regional;
201
- Que as ações sejam planejadas e executadas com
seriedade e ética, através de uma concertação
95
entre Municípios. Que as Políticas públicas
estejam acima de interesses de governos e possam
ser continuadas. Que a Reforma Agrária seja
implantada com diálogo e vinculada ao potencial
econômico e ecológico da Região;
- Com educação para todos e que forme cidadãos
e profissionais capacitados para o mercado de
trabalho, capazes de influir e, quando necessário,
modificar a sua realidade;
- Que a identidade territorial, as manifestações
culturais e as etnias sejam reconhecidas e
valorizadas. Que organizações sociais e a
agricultura familiar sejam fortalecidas;
- Que respeite o ambiente com aplicação de
práticas e técnicas agroecológicas, com
preocupações ambientais, buscando a
Sustentabilidade.
O território desejado pelos atores locais envolve a organização, a
agroindustrialização familiar, a produção de alimentos de qualidade, a
prioridade a ações territoriais continuadas, a capacitação dos atores, a
fim de se inserirem plenamente na sociedade como cidadãos e apoio à
produção agroecológica.
O Território Rural Central passou a ser pensado a partir do
estabelecimento de eixos aglutinadores e de diretrizes que norteiam o
processo de desenvolvimento sustentável do território. Nos três eixos
aglutinadores, eleitos como prioritários para o território, destacaram-se:
apoio ao associativismo, produção agroindustrial familiar inspecionada,
turismo rural, educação ambiental e cursos de agroecologia,
municipalização da gestão ambiental, estímulo à produção de
biocombustíveis, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
familiar do Território, qualificação profissional de jovens e agricultores,
entre outros. Os três eixos aglutinadores, com os objetivos, são descritos
no quadro 11.
95
Diálogo/discussão, com o objetivo de estabelecer acordos ou consensos.
202
QUADRO 11: Eixos aglutinadores e objetivos do desenvolvimento rural
sustentável do Território Central do RS
Eixos Objetivos
I – Desenvolvi-
mento das
Cadeias
Produtivas
Regionais
- Ampliar a geração de renda e emprego através de formas associativas (redes, economia solidária,
cooperativas etc.);
- Ampliar a sustentabilidade ambiental através de tecnologias limpas;
- Agregar valor às cadeias produtivas através do fortalecimento das agroindústrias familiares;
- Incentivar o consumo solidário de produtos da agricultura familiar da região, ecológicos e
inspecionados;
- Incentivar o turismo rural na região;
- Realizar estudos para definir quais as cadeias potenciais que estão contempladas dentro de uma
política de DTRS;
- Direcionar programas de segurança alimentar e combate à fome, alimentação institucional e
compras de governos, preferentemente para aquisição de alimentos produzidos na região;
- Estimular a municipalização da inspeção sanitária, articulada ao SUASA
96
.
II – Educação
para o campo
- Focar projetos nas dimensões da cidadania, sustentabilidade e solidariedade (eixos transversais),
principalmente capacitando os educadores;
- Proporcionar uma maior interação entre escola e comunidade;
- Promover maior troca de experiências educativas (ex.: projeto de educação patrimonial);
- Implantar programas de educação ambiental e agroecologia;
- Desenvolver atividades extracurriculares e de qualificação profissional para jovens rurais e
agricultores, aproveitando estruturas físicas e equipamentos já existentes;
- Organizar cursos de educação a distância para a agricultura familiar como, por exemplo, o curso
de Agricultura e Sustentabilidade ofertado pela UFSM (Programa Universidade Aberta);
- Capacitação para Conselheiros municipais com vistas à construção de Planos Municipais e
Microrregionais de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente.
III – Meio
Ambiente e
Energia
- Estimular a gestão municipal do meio ambiente;
- Implantar programas de reciclagem e aproveitamento de resíduos sólidos;
- Definir programas permanentes e microrregionais de educação ambiental;
- Resgatar, sistematizar e divulgar experiências, tecnologias e práticas de transição agroecológica;
- Incentivar a implantação de projetos e programas de biocombustível e energia alternativa;
- Buscar formas de priorizar a sustentabilidade ambiental em Poticas públicas como, por exemplo,
o PRONAF [...].
Fonte: PDTRS Centro, 2006.
Definiram-se três grupos de linhas de ação para todos os eixos:
ações em infraestrutura; ações de capacitação e ações de pesquisa e
desenvolvimento. A seguir, as políticas desenvolvidas na Quarta
Colônia, integrante do Território Rural Central, entre 2005 e 2008.
Em 2005, priorizaram-se três Ações, todas em Silveira Martins,
mas com a intenção de atender a todo o território: desenvolvimento do
agroturismo (investimento) (placas, ajardinamento de trevos, fôlderes,
mapas, página na Internet); processamento, padronização e
comercialização da cachaça, vinhos e outras bebidas artesanais da
Quarta Colônia, na Cooperativa Mista de Produtos e Serviços de
Silveira Martins (Cooprosesma) (aquisição de máquinas e
equipamentos); e desenvolvimento do agroturismo (custeio)
(capacitação, divulgação e eventos para a divulgação). No total, foram
aplicados, pelo MDA/SDT (95%) e Prefeituras, (contrapartida) R$
118.500,00. Nitidamente se percebe a intenção em estimular atividades
de agregação de valor e o cooperativismo, como estratégias de
96
SUASA – Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária.
203
reprodução socioeconômica da agricultura familiar da Quarta Colônia
(MDA/SDT, 2005).
Em 2006, priorizaram-se quatro Ações para a Quarta Colônia:
apoio ao cooperativismo (ampliação de agroindústria de destilados
Silveira Martins; aquisição de equipamentos para agroindústria de
amendoim Ivorá; e equipamentos para panificação da Cooperativa do
Quilombo São Miguel COOPASA Restinga Seca); apoio à
comercialização (construção da sede da COOPASA); apoio à
infraestrutura (aquisição de equipamento de multimeio, de apoio diverso
e administrativo Silveira Martins); e apoio a projetos (aquisição de
veículo utilitário à COOPASA). Naquele ano, aplicaram-se R$
157.831,00, com participação de 90,60% do MDA/SDT, e o restante,
contrapartida das Prefeituras(MDA/SDT, 2005).
Em 2007, houve apenas uma Ação desenvolvida. Essa Ação
(desenvolvimento das cadeias produtivas regionais) foi executada no
município de Pinhal Grande, com um investimento de R$ 41.000,00
(97% do dinheiro proveniente do MDA/SDT).
em 2008, das propostas consideradas para o Território Rural
Central, duas Ações desenvolveram-se na Quarta Colônia:
desenvolvimento das cadeias produtivas regionais (aquisição de secador
de grão Pinhal Grande; aquisição de equipamentos para agroindústria
de aipim e resíduos Faxinal do Soturno; aquisição de equipamentos
para agroindustrialização da batatinha Silveira Martins); e Educação
para o campo (recuperação de prédio e aquisição de equipamentos para
fortalecer a agricultura familiar, através de capacitação Pinhal
Grande). Os investimentos, para essas duas Ações, foram de R$
395.556,00 (com participação de 96,89% do MDA/SDT).
Transparece, nas ações desenvolvidas, nos últimos quatro anos, na
Quarta Colônia, que a intenção é promover a agregação de valor à
produção da agricultura familiar, estimulando, especialmente, a
agroindústria familiar. São equipamentos e serviços (capacitação) que
buscam atingir um número expressivo de agentes. Contudo, chama-se a
atenção para os valores ainda incipientes investidos e para os
investimentos ainda pulverizados no território. Apesar de serem
atividades que buscam contemplar o território como um todo,
municípios que ficam à margem dos investimentos, em detrimento a
outros que, em virtude da maior organização dos agentes e do poder
público local, conseguem, via mecanismos de participação, organização
e pressão, desenvolver projetos de desenvolvimento rural.
É importante ressaltar que, em 2007, a SDT foi incumbida de
realizar um estudo para identificar, entre os territórios rurais com os
204
quais atuava desde 2003, aqueles com os maiores índices de pobreza no
País e que deveriam receber os investimentos do Programa Territórios
da Cidadania (PTC), de acordo com as necessidades específicas de cada
um. Então, em 2008, o Governo Federal lançou os Territórios da
Cidadania (MDA/SDT 2009).
O objetivo do Programa dos Territórios da Cidadania é integrar
políticas públicas para reduzir as desigualdades e garantir direitos
sociais aos territórios que mais necessitam, especialmente no meio rural,
através de programas básicos de cidadania. Os agricultores familiares,
assentados da Reforma Agrária, quilombolas, populações indígenas,
famílias de pescadores, beneficiários do Bolsa Família e povos e
comunidades tradicionais são o público-alvo. São três áreas distintas de
atuação do Programa: apoio às atividades produtivas (assistência
técnica, acesso ao crédito, apoio à comercialização, regularização
fundiária e estímulo à produção de matéria-prima do biodiesel);
cidadania e acesso a direitos (educação, saúde, cultura, documentação
civil); e recuperação e qualificação da infraestrutura (melhoria do
abastecimento de água, eletrificação rural, programas habitacionais e
licenciamento e manejo ambientais) (MDA/SDT 2009).
Para a Região Central do Rio Grande do Sul, o Programa
destinou, em 2009, R$ 440.559.477,61, a fim de atender 58 das 66
Ações propostas pelo Governo Federal, envolvendo doze Ministérios e
uma Secretaria (MDA/SDT, 2009). O Programa Territórios da
Cidadania procura integrar ações da política agrícola entre si e, desta,
com ações de educação, saúde, infraestrutura e cultura, entre outras,
articulando-se inclusive com outros Programas como, por exemplo, os
Territórios Rurais e as Mesorregiões Diferenciadas do MIN.
PARTE II: ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO NA AGRICULTURA
FAMILIAR E NOVAS FUNÇÕES DO ESPAÇO RURAL
4.1 AS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS
Segundo o IBGE (2006) a região da Quarta Colônia possui 8.536
estabelecimentos agropecuários e estes ocupam uma área de 246.078
hectares. A área média dos estabelecimentos é 28,82 hectares (Quadro
12).
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE (1996), 86,9%
do total de estabelecimentos e 44,83% da área total dos
estabelecimentos da Quarta Colônia possuem até 50 hectares. Os
205
estabelecimentos que possuem entre 50 e 100 hectares representam
9,09% do total, ficando com 18,42% da área total dos estabelecimentos.
Assim, 96,00% do total de estabelecimentos possuem até 100 hectares,
agregando 63,25% da área total dos estabelecimentos. os
estabelecimentos com mais de 100 hectares representam 4,01% do total,
ficando com 35,75% da área total dos estabelecimentos. Nova Palma,
Pinhal Grande e Restinga Seca destacam-se pelo número de
estabelecimentos entre 100 a mais de 500 hectares, sendo 5,13%, 8,54%
e 12,52%, respectivamente. Quanto à área dos estabelecimentos entre
100 e mais de 500 hectares de tais municípios, correspondem,
respectivamente, a 28,83%, 53,84% e 66,39% da área total.
QUADRO 12 Distribuição do número e da área total dos
estabelecimentos agropecuários na Quarta Colônia
Número de estabelecimentos
agropecuários
Área dos estabelecimentos
agropecuários (Hectare)
Municípios
1996 2006 1996 2006
Agudo 2.352 2.724 42.607 43.795
Dona Francisca 386 438 8.187 7.525
Faxinal do Soturno 562 527 13.067 13.580
Ivorá 414 536 9.297 9.718
Nova Palma 800 790 29.344 30.850
Pinhal Grande 714 861 36.491 41.117
Restinga Seca 1.118 2.005 71.724 86.153
São João do Polêsine
266 266 6.829 6.719
Silveira Martins 329 389 8.074 6.621
Fonte - IBGE - Censos Agropecuários, 1996 e 2006.
As sesmarias (Restinga Seca) e a expansão de agricultores
descendentes de italianos e alemães (Nova Palma e Pinhal Grande), em
direção a terras de particulares, favoreceram o surgimento de unidades
produtivas com maiores extensões de terras. Os terrenos levemente
ondulados dessas áreas favoreceram a pecuária extensiva e, a partir da
década de 1970, o cultivo da soja.
Considerando-se o período de 1996 a 2006
97
, houve um aumento
do número e da área total dos estabelecimentos em 22,98% e 9,07%,
respectivamente, enquanto que a área média dos mesmos se reduziu
12,77%. Isso significa que novas áreas foram incorporadas para o
97
IBGE, Censos Agropecuários, 1996 e 2006.
206
cultivo (a lavoura temporária teve um acréscimo de 20,28%) e ao
mesmo tempo é possível afirmar que a redução da área média dos
estabelecimentos está relacionada ao fracionamento da unidade
produtiva (heranças).
O IBGE (1996 e 2006) mostra que 23.861 pessoas ocupadas
nos 8.536 estabelecimentos agropecuários da Região da Quarta Colônia.
Desses, 87,54% possuem laços de parentesco com o produtor e 12,46%
não possuem laços de parentesco com o produtor. Comprova-se a
predominância de força de trabalho familiar nas unidades de produção.
Contudo, houve redução (de 1996 para 2006) de 2,64% no total de
pessoas ocupadas nas atividades agropecuárias. A força de trabalho
ocupada em estabelecimentos, com laços de parentesco com o produtor,
teve redução de 7,58%, enquanto que a força de trabalho, sem laços de
parentesco com o produtor, teve aumento de 35,51%. Isso significa o
aumento da contratação de mão de obra e o arrendamento. Ivorá e
Silveira Martins destacam-se pelo predomínio da mão de obra com
vínculo de parentesco com o produtor (97,84% e 94,65%,
respectivamente). A presença da força de trabalho sem nculo com o
produtor se notabiliza em Restinga Seca, sendo 20,20% do total, o mais
significativo da Região. Isso se explica pelo predomínio da lavoura
rizícola e, principalmente, pela presença da pecuária extensiva. A média
de pessoas ocupadas nos estabelecimentos diminuiu de 3,59 para 2,72,
redução de 32% (Figura 19) (IBGE, 1996 e 2006).
2579
21952
3495
20405
0
5000
10000
15000
20000
25000
Com laço de parentesco
com o produtor
Sem laço de parentesco
com o produtor
Pessoal ocupado nos est.
agropecuários da região
1996
2006
FIGURA 19 - Pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários,
na Quarta Colônia, com e sem laço de parentesco com o produtor.
Fonte - IBGE - Censos Agropecuários de 1996 e 2006.
207
Na Quarta Colônia, segundo dados do IBGE (1996), predomina a
condição de produtor
98
proprietário. Este segmento detem 79,56% do
número de estabelecimentos e ocupa 88,5% da área total. O percentual
de estabelecimentos ocupados por arrendatário é baixo, ou seja, 5,17%,
a área ocupada perfaz 2,98% do total.
Entretanto, como ressalta Rückert (2003), o arrendamento
capitalista da terra é um dos componentes essenciais no processo de
consolidação do Capitalismo no campo. No modo capitalista de
produção, o proprietário da terra obtém, o direito de cobrar um tributo
ao Capital, para que o capitalista invista na condição de arrendatário. A
condição prévia do modo capitalista de produção, conforme Marx
(1985, p. 710, apud RÜCKERT, 2003, p. 69) é a de que:
os agricultores efetivos são os trabalhadores
agrícolas, empregados por um capitalista, o
arrendatário, que explora a agricultura como
campo particular de aplicação de capital, como
investimento de seu capital numa esfera particular
de produção. Esse capitalista arrendatário paga ao
proprietário das terras, ao dono do solo que
explora [...] quantia contratualmente estipulada
[...] pelo consentimento de empregar seu capital
nesse campo especial de produção. Chama-se essa
quantia de renda fundiária. Esse pagamento se
efetua durante todo o período em que o
proprietário contratualmente emprestou, alugou o
solo ao arrendatário. Assim a renda fundiária é a
forma em que se realiza economicamente, se
valoriza a propriedade fundiária.
98
Terra Própria: Área do estabelecimento de propriedade do produtor (referente àquele que
produz) com título de posse (escritura pública), registrada em hectares.
Terra Arrendada: É a área do estabelecimento de propriedade de terceiros, que está sendo
explorada pelo produtor, mediante pagamento de uma quantia fixa, previamente combinada
(em dinheiro ou por equivalência em produtos), registrada em hectares.
Terra em Parceria: É a área do estabelecimento de propriedade de terceiros, explorada pelo
produtor, mediante pagamento de uma parte da produção (meia, terça, quarta, etc.),
previamente estabelecida entre as partes, registrada em hectares.
Terra Ocupada: É a área do estabelecimento pertencente a terceiros (pública ou privada), por
cuja utilização o produtor nada paga (ocupação, posse ou cessão), registrada em hectares
(http://cepa.epagri.sc.gov.br/ acesso em 15 julho 2008).
208
Dessa forma, no modo capitalista de produção, o monopólio da
terra confere aos seus proprietários, o direito de cobrar um tributo aos
capitalistas sobre determinada fração do território.
Na Quarta Colônia, a condição legal das terras, evidencia que o
pagamento da renda da terra equivale a 12,74% do total de
estabelecimentos e 8,50% da área total. Tal proporção, se comparada à
superfície das terras de estabelecimentos próprios (64,10% do total de
estabelecimentos e 78,56% do total da área), é ainda pequena (IBGE,
1996).
As formas de uso da terra, ligadas ao arrendamento e à parceria,
destacam-se especialmente nos municípios onde predomina a lavoura
rizícola, isto é: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Restinga
Seca e São João do Polêsine.
Em Nova Palma e Faxinal do Soturno, houve diminuição do
número de estabelecimentos, entre 1996 e 2006, (1,26% e 6,64%,
respectivamente) mas a área total aumentou, respectivamente, em 5,13%
e 3,92%, bem como a área média dos estabelecimentos (25,77 hectares e
39,05 hectares) que teve incremento com aumento de 10,83% e 6,46%,
respectivamente, no período considerado. Isso significa que houve
incorporação de áreas de terras pela compra. Em Ivorá ocorreu aumento
no número e na área total dos estabelecimentos, respectivamente, em
29,46% e 4,52%. A área média dos estabelecimentos reduziu em
23,82%, indicando um expressivo fracionamento da terra, e também a
incorporação de novas áreas.
No município de Silveira Martins, houve aumento do número de
estabelecimentos (18,23%), a área dos mesmos reduziu-se em 21,94%.
Registra-se expressiva redução da área média das unidades produtivas
(44,18%), significando forte fracionamento da terra.
Em Dona Francisca, o número total de estabelecimentos
aumentou em 13,47%, mas a área total dos estabelecimentos reduziu
8,80%. A área média das unidades de exploração agropecuária teve
redução de 23,39%. Isto indica que houve fracionamento da terra, sem
incorporação de novas porções às já existentes.
Em Restinga Seca, o comportamento da estrutura fundiária
apresenta especificidade, ou seja, ocorreu aumento no número (80%) e
na área total dos estabelecimentos (20,11%). A área média das unidades
produtivas reduziu 49,32%. Houve, portanto, grande fracionamento das
unidades produtivas e aumento no número de estabelecimentos.
Em relação aos maquinários, destacam-se os tratores. Há, na
Quarta Colônia, 4.248 tratores, e a área agrícola trabalhada por trator é
em média 53 hectares. No Estado do Rio Grande do Sul, a média é de
209
122 hectares por trator. Houve um aumento de cerca de 21,30% no
número de tratores entre 1996 e 2006. Assim, a área agrícola trabalhada
por trator reduziu 18,51%. Mas o percentual de estabelecimentos que
possui trator aumentou 21,05%, bem como o percentual de tratores
existentes nos estabelecimentos agropecuários, isto é, passou de 1,83
para 2,25 (IBGE, Censos agropecuários 1996 e 2006).
Segundo os dados do IBGE (2005), o PIB total da Região é de R$
588.982 mil, correspondendo a 0,41% do PIB total do Estado.
Destacam-se, com os maiores PIBs, os municípios de Agudo (R$
169.252 mil) e de Restinga Seca (R$ 131.718 mil). Contudo, Agudo,
com uma área 80% menor que Restinga Seca, tem um PIB 28,50%
maior que Restinga Seca. Deve-se, isso, a presença predominante de
unidades familiares de produção agrícola (94,89% das unidades
possuem até 50 hectares que correspondem a 78,46% da área total) e
pela cultura do fumo, que gera uma alta rentabilidade. Em Restinga Seca
as unidades de até 50 hectares correspondem a 75,22% do total, mas
ficam somente com 20,41% da área total. Predominam, nesse
Município, conforme referido, a rizicultura e a criação extensiva de
gado bovino. Ivorá e Silveira Martins destacam-se pelos menores PIBs
da Região (R$ 19.061 mil e R$ 15.849 mil, respectivamente)
predominando unidades de produção familiar. O valor adicionado na
agropecuária da Região é de 24,11% em relação ao PIB total,
representando 1,62% do Estado, o que faz a Região destacar-se no setor.
o valor adicionado na indústria, por sua vez, é de 19,52% em relação
ao PIB total da Região, representando 0,31% do Estado. Já o valor
adicionado no setor de serviços é 49,40% em relação ao PIB total,
representando 0,37% do Estado. A arrecadação de impostos representa
6,97% do PIB da Quarta Colônia.
Na Quarta Colônia predominam as lavouras temporárias. Segundo
dados do IBGE (1996 e 2006), conforme figura 20, as lavouras
temporárias tiveram, nesse período, acréscimo de 20,28%, passando de
88.122 hectares para 105.992 hectares, especialmente pelo aumento da
área cultivada com a soja. As lavouras permanentes tiveram um
aumento de 55,19%. As áreas de matas e florestas, também aumentaram
em 30,61%. As pastagens reduziram de área em 23,91% e este espaço
foi ocupado pelas lavouras permanentes e temporárias.
210
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
1996 2006
anos
área dos estab. agropecuários
(ha)
Lavouras permanentes
Lavouras temporárias
Pastagens
Matas e florestas
FIGURA 20 Uso da terra nos estabelecimentos agropecuários na
Quarta Colônia.
Fonte: IBGE (1996 e 2006).
A figura 21 mostra a área de lavouras temporárias na Quarta
Colônia no período 1996 a 2006. Conforme referido, destacam-se os
cultivos de arroz, soja e milho. Os dois primeiros vem experimentando
expressiva expansão nos últimos anos.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
1993
1
9
9
5
1997
1
9
9
9
2
0
0
1
2003
2
0
0
5
anos
Área plantada (ha)
Arroz
Feijão
Fumo
Milho
Soja
Trigo
FIGURA 21 - Área plantada de lavouras temporárias (1993-2006).
Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal.
O sistema de produção predominante na Depressão Central, que
envolve os municípios de Restinga Seca, Agudo, Dona Francisca, São
João do Polêsine, Faxinal do Soturno e sul de Silveira Martins e Nova
211
Palma, é formado pela presença de três produtos que se destacaram nas
últimas décadas: o arroz, o fumo e a pecuária leiteira. O arroz é o
principal produto cultivado em função das condições adequadas que o
relevo proporciona, geralmente consorciado com o fumo, com a
pecuária leiteira ou com ambos.
Nos Rebordos do Planalto, ocupando parcialmente os municípios
de Nova Palma, Ivorá, Faxinal do Soturno, Dona Francisca e Silveira
Martins predominam terrenos declivosos e pedregosos. A dificuldade
em mecanizar as lavouras consolidou um sistema de produção formado
pelo fumo, feijão e pecuária leiteira. Historicamente, o feijão e o fumo
se firmaram como principais cultivos, adaptando-se à feição do relevo.
Nos Planaltos e Chapadas da Bacia do Paraná, ocupando
especialmente Pinhal Grande, norte de Nova Palma, Silveira Martins e
Ivorá, desenvolveu-se um sistema de produção adaptado às condições
agroecológicas. Essa característica (relevo com áreas planas para a
mecanização) permitiu a introdução de culturas como a soja e o milho
em maiores áreas.
Destaca-se também a hortifruticultura ecológica, que recebeu um
apoio inicial, na Quarta Colônia, através do PRODESUS (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia), em 1996, e do
Programa de Fruticultura Irrigada da Metade Sul do Rio Grande Sul
(PROFRUTA/RS) a partir de 2002, quando, na época, criaram-se
dezenas de projetos de hortifruticultura. A falta de acompanhamento não
permitiu que a atividade avançasse como se projetava inicialmente, e
muitas experiências acabaram fracassando. Atualmente, vem se
estimulando novamente a hortifruticultura, através de recursos do
COREDE Central (Conselho Regional de Desenvolvimento), por meio
da Consulta Popular. As ações, voltadas à qualificação de produtores, e
recursos para a construção de estufas, poderão, novamente, fortalecer a
hortifruticultura como alternativa de renda agrícola aos agricultores.
Uma das propriedades visitadas, que desenvolve a horticultura
ecológica, está localizada na Linha Grande, Dona Francisca, e possui 55
hectares. A área útil, contudo, é de 33 hectares. A unidade de produção
foi obtida parte por herança e parte por compra. O casal tem quatro
filhos, que já saíram de casa, mas trabalham juntos na propriedade
paterna. O proprietário não soube precisar a respeito da participação da
horticultura ecológica na renda líquida total da propriedade. Apenas
referiu que, apesar de movimentar menos dinheiro, o lucro na
horticultura (mais de 60%) é maior que o do arroz (em torno de 30%),
em que há maiores gastos.
212
Segundo C.B. (2009), produtor de horticultura ecológica, ainda
não um preço diferenciado para o produto. Quanto à atividade na
Quarta Colônia, o agricultor admite que não houve avanços, pois
pararam os investimentos, os cursos, etc. Também se deve destacar que
a cadeia produtiva das culturas tradicionais é consolidada na região
diferente, por exemplo, da hortifruticultura que ainda não possui uma
cadeia produtiva consolidada.
Ele destacou, também, a necessidade de dar continuidade a
Projetos alternativos de produção de alimentos. Em 1996, o
PRODESUS apoiou cerca de 37 horticultores. Grande parte deles
desistiu ao longo do processo, em razão de não terem permanecido as
estruturas que dariam sustentação (capacitação, apoio institucional,
organização e crédito). A retomada iniciou em 2009, com recursos
expressivos para treinamento de agricultores em hortifruticultura, bem
como aquisição de equipamentos, além da instalação de 27 estufas para
horticultura, a fim de atender à demanda da Coopaagro (Casa da Quarta
Colônia).
As atividades com a horticultura iniciaram em 1983, quando, a
partir dessa época, reduziram o cultivo de fumo.
Começamos a pesquisar, sem muito apoio
institucional. A busca pela diversificação surgiu
ao perceber que a monocultura da soja estava
trazendo uma série de consequências negativas à
propriedade. A EMATER deu o apoio inicial. Em
1986, fizemos uma parceria com o Centro de
Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA
99
) (C.B.,
2009).
O mesmo relatou, inclusive, que adquiriu livros (Miguel Altieri,
Sebastião Pinheiro, José Lutzemberger) para se inteirar sobre as
99
O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) é uma organização não governamental,
criada em 1978, que busca contribuir de forma decisiva para a prática social e de serviço junto
a agricultores familiares e outros públicos ligados à área rural. Sua atuação se dá em diferentes
regiões dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. As equipes técnicas,
formadas por profissionais das áreas da Agricultura, Saúde, Administração e Comunicação,
prestam assessoria na organização social e política, na formação e na produção econômica das
famílias beneficiadas. O apoio financeiro do CAPA vem do Serviço Evangélico de
Desenvolvimento (
Evangelischer Entwicklunsdienst EED), com sede em Bonn (Alemanha),
uma Organização que visa ao desenvolvimento autossustentável integral, proporcionando vida
digna a todas as pessoas (CAPA, 2009).
213
questões ligadas à ecologia. Ele é Cooperado do Projeto Esperança
100
em Santa Maria, e todos os sábados realiza feira naquela cidade, através
de uma camionete adquirida através dos recursos do PRONAF
investimento. O proprietário, os demais filhos e outra família de
agricultores criaram, em 1994, a Associação Familiar de Agricultura
Sustentável. Foi, a partir dessa época, que passaram a ter maior contato
com o PRODESUS e, posteriormente, com o CONDESUS/Quarta
Colônia (Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta
Colônia).
Para o agricultor C.B. (2009), a horticultura é uma renda
complementar à renda principal que é a do arroz. Plantam-se também,
feijão e tem-se pecuária leiteira. “Nós temos a visão de equilíbrio entre a
produção animal e a vegetal, porque não acreditamos numa produção
de uma cultura. Não ecologia sem ter produção animal e
diversidade”. Assim, espera-se que os novos investimentos em
hortifruticultura, na Quarta Colônia, tenham acompanhamento
necessário para a sua sustentação. A atividade poderá tornar-se uma
nova alternativa de renda aos agricultores. Para isso, são necessários
acompanhamentos e investimentos.
Pode-se mencionar, também, a propriedade do agricultor O.D.
(2009) que possui 49 hectares e cerca de 1 hectare com noz-pecã
(nozes), com cerca de 180 pés. A unidade de produção é trabalhada pelo
casal, mais um filho (os demais saíram de casa). Além da fruticultura, há
cultivo de soja e fumo e se desenvolve pecuária leiteira (há mais de 40
anos) com uma média de 120 litros/dia, que se dirige, como os demais
agricultores de Pinhal Grande, à Parlacto, uma indústria que recebe em
torno de 5 mil litros de leite/dia e produz 500 kg/dia de queijos.
Os recursos para o plantio de noz-pecã originou-se do Programa
de Fruticultura Irrigada da Metade Sul. Segundo o proprietário, em um
hectare é possível, depois de 4 anos, obter até 150 kg/pé (R$ 5, bruta, e
100
O Projeto Esperança nasceu em 1987, fruto de uma discussão coordenada pela Diocese de
Santa Maria e com apoio da UFSM e Emater Regional, em torno da necessidade de se criarem
projetos alternativos de desenvolvimento. O Projeto Esperança permitiu a fundação da
Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores Rurais e Urbanos (Cooesperança), em 1989, e de
um terminal de comercialização direta (com apoio da Miserior da Alemanha). A Cooperativa e
o Projeto Esperança assentam-se sobre a proposta da Economia Solidária, buscando atingir a
pessoa, a família, a comunidade e a sociedade; por isso, Rede de Solidariedade. Faz parte da
Secretaria Nacional de Economia Solidária do Governo Federal. A Projeto Cooesperança
congrega 230 empreendimentos solidários em 30 municípios da Região Central do Rio Grande
do Sul. Comercializam-se produtos coloniais, hortigranjeiros ecológicos, caseiros, artesanais,
panificação, confecção, serigrafia, artesanato em material reciclado, produtos da agroindústria
familiar, carne de ótima qualidade e prestação de serviços.
214
R$ 15, descascada). Ainda não houve produção, já que o plantio ocorreu
em 2006.
Outro caso interessante que recebe apoio das políticas de
desenvolvimento rural, na Quarta Colônia, é o caso da produção de
frutas ecológica por L.R. em Ribeirão, São João do Polêsine. Antes de
se dedicar como agricultor, L.R. trabalhou em fábricas de fumo e,
depois, no Moinho Zago, de Faxinal do Soturno. Quando surgiu a
oportunidade, L.R. comprou uma propriedade agrícola.
A propriedade em que L.R. se encontra, foi adquirida mais de
30 anos (o agricultor tem 73 anos) de um antigo morador que passou a
morar na cidade. Inicialmente, comprou a casa e mais 22 hectares.
Trabalhava, apenas, com tração animal. Quando ficou sozinho com a
esposa (as três filhas e os dois filhos saíram de casa), vendeu 22 hectares
e passou a se dedicar ao cultivo de três hectares de fruticultura. Nas
palavras do proprietário: “ganho mais hoje em três hectares do que
antigamente em 22 hectares”.
Em 2002 comecei com plantação de figueiras.
Nesse meio tempo a EMATER me propiciou
cursos para os quais tive financiamento do
Programa de Fruticultura Irrigada da Metade Sul.
Como havia ficado sozinho para cultivar cereais
(trigo, milho, soja, arroz) me dediquei à
fruticultura que tinha sido, em parte, uma cultura
praticada por meu pai. No primeiro ano plantei
200 pés de figueiras e, no ano seguinte, 200 pés de
pessegueiros. O Programa financiava cerca de
80% da planta. Quanto aos cursos que realizei,
alguns foram em Encruzilhada do Sul, e outros em
Polêsine. Hoje cultivo 100 (cem) pés de
caquizeiros, 300 (trezentos) pés de figueiras e 50
(cinquenta) pés de macieiras (L.R. 2009).
Somente com pêssegos, o produtor colhe em média 4.000 kg
(comercializado a R$ 2,5/kg preço em janeiro de 2009). O trabalho é,
ainda, todo manual e não contratação de força de trabalho. Para o
armazenamento da produção, ele possui câmara-fria, com capacidade
para 1.000 kg. O mesmo fabrica, também, vassouras, cerca de 3.000 ao
ano. Consegue o equivalente a um salário com a comercialização de
vassouras, acrescido de um salário de aposentadoria, e mais o
equivalente a um salário com a fruticultura.
215
A comercialização é direta, na própria propriedade e, segundo
L.R. (2009), consegue comercializar toda a produção dessa forma.
pensou em beneficiar a produção; entretanto, percebeu a deficiência em
mão de obra. A divulgação da sua produção é interpessoal, mas foi,
por três vezes, assunto de reportagem no Campo & Lavoura, programa
vinculado à RBS TV. Depois das matérias, aumentaram as vendas.
Dentre as políticas de apoio, encontram-se o PRONAF e o
Programa de Fruticultura Irrigada da Metade Sul, o que lhe permitiu
adquirir materiais para irrigação e compra de mudas. L.R. relatou que
prefere trabalhar na fruticultura a plantar soja, feijão ou fumo. É
considerado como um dos maiores produtores de fruticultura ecológica
da Quarta Colônia, mas terá problemas para a sucessão da Unidade de
produção, já que os filhos têm outra ocupação.
De modo geral, as Políticas públicas podem gerar novas
transformações no meio rural. A fruticultura tende a ser uma alternativa
de renda aos agricultores, situados em áreas declivosas. O importante é
fortalecer a cadeia produtiva da fruticultura através da organização dos
agentes locais e de Políticas de apoio.
Na criação, a região da Quarta Colônia se destaca com a pecuária
leiteira, que obteve aumento de 10,05% de 1996 para 2006 (Quadro 13).
No município de Agudo a produção de leite reduziu-se 51,28%. Em
contrapartida a área de cultivo do arroz ampliou 19,11% e a de fumo
76% no período. Em Restinga Seca, a produção de leite reduziu 21,11%
e a área de soja aumentou em 353,84% e a de arroz ampliou 51,73%.
Em São João do Polêsine, Ivorá e Silveira Martins também houve
redução da pecuária leiteira em 29,72%, 5,47% e 19,62%,
respectivamente. Todavia ocorreu expansão dos cultivos de arroz
(17,28%), fumo (60%) e soja (430%) (IBGE, Produção Agrícola
Municipal, 1990 a 2006 e IBGE, 1996 e 2006). Pode-se afirmar,
portanto, que a pecuária leiteira tem sido reduzida para o aumento na
produção de soja, principalmente, mas também de fumo e de arroz.
No período 1996-2006 houve aumento na produção de leite nos
municípios de Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Pinhal Grande e
Nova Palma sendo registrado respectivamente 28,95%, 13,69%, 6,65%
e 65,06%. A expressiva produção leiteira registrada no município de
Nova Palma é resultado do estímulo e da assistência técnica promovida
pela Cooperativa Mista Nova Palma Ltda, desde o início da década de
1990. Paralelo a expansão da pecuária leiteira houve aumento na área de
cultivo de arroz (9,52%) e de fumo (21%) em Dona Francisca, de arroz
(43,92%) em Faxinal do Soturno, de soja (81,53%) e de trigo (460%)
216
em Pinhal Grande e de fumo (150%), soja (18,42%) e trigo (166%) em
Nova Palma.
Quadro 13 – Produção animal em mil litros (leite de vaca).
Ano
Município
1996 2006
Agudo - RS 2.820 1.864
Dona Francisca - RS 822 1.060
Faxinal do Soturno - RS 1.906 2.167
Ivorá - RS 1.600 1.517
Nova Palma - RS 4.360 7.197
Pinhal Grande - RS 2.992 3.191
Restinga Seca - RS 2.128 1.757
São João do Polêsine - RS 912 703
Silveira Martins - RS 573 479
Total 18.113 19.935
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006.
Quanto ao orçamento dos municípios da Quarta Colônia (Quadro
14) pode-se mencionar que nos últimos 5 anos houve um crescimento de
64% na região da Quarta Colônia, com significativos acréscimos,
especialmente, no período 2006 a 2008, com destaque a São João do
Polêsine (54,18%), Faxinal do Soturno (42,14%) e Silveira Martins
(36,81%). O menor acréscimo, em cinco anos, foi em Ivorá (10,36%). A
queda no orçamento de 2006 em Pinhal Grande se deve, entre outros
fatores, à redução, naquele ano, da Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Hídricos. São João do Polêsine se destacou,
entre 2004 e 2008, pelo aumento em 112% no seu orçamento e Pinhal
Grande o menor aumento, apenas 26%.
217
QUADRO 14: Orçamento dos Municípios da Quarta Colônia-RS.
Anos/Orçamento (R$ mil)
Municípios
2004 2005 2006 2007 2008
Agudo
13.771 15.248 17.905 21.463 22.672
Dona Francisca
4.400 5.030 5.873 6.622 7.990
Faxinal do
Soturno
5.875 6.536 6.762 8.663 9.612
Ivorá
3.898 4.557 5.837 6.092 6.442
Nova Palma
7.610 9.544 9.884 10.506 13.171
Pinhal Grande
10.538 11.597 10.402 11.038 13.286
Restinga Seca
12.311 14.583 15.039 17.695 20.499
São João do
Polêsine
3.510 4.469 4.832 5.128 7.450
Silveira Martins
3.862 4.489 5.030 5.502 6.882
Total 65.775 76.053 81.564 92.709 108.004
Fonte: STN (2004, 2005, 2006, 2007 e 2008).
O percentual de aplicação médio na agricultura, na região da
Quarta Colônia, sobre o total do orçamento, é de 4,15%. Houve, ainda,
nos últimos cinco anos, um aumento de cerca de 140,24% nos
investimentos públicos para a agricultura, nesta região. O aumento nos
investimentos públicos municipais foi mais significativo na transição de
2007 para 2008, com acréscimo de 46,34%. Nesse período, dois
municípios se destacaram no aumento dos investimentos na agricultura:
Nova Palma (217,77%) e Dona Francisca (144,84%). Por um lado,
municípios que se destacam na aplicação média anual na agricultura nos
últimos cinco anos, como Nova Palma (5,69%) e Ivorá (5,48%),
seguidos por São João do Polêsine (4,96%) e Pinhal Grande (4,80%).
Por outro, os municípios que, em cinco anos, aplicaram menos, em
percentuais, na agricultura, como Dona Francisca (2,33%) e Restinga
Seca (2,74%), seguido por Silveira Martins (2,89%).
218
QUADRO 15: Investimentos municipais, absolutos, na agricultura da
Quarta Colônia-RS.
Anos/valores absolutos investidos na agricultura (R$), sobre o total do
orçamento
Municípios
2004 2005 2006 2007 2008
Agudo
731.516 578.287 810.330 852.223 1.073.617
Dona
Francisca
126.639 109.266 103.053 107.097 262.203
Faxinal do
Soturno
n/d* 135.769 308.282 435.495 576.240
Ivorá
175.952 232.050 462.562 260.326 361.448
Nova Palma
221.208 271.719 591.208 497.439 1.580.752
Pinhal
Grande
566.630 452.496 458.420 435.867 853.287
Restinga
Seca
433.833 340.262 390.480 606.251 384.793
São João do
Polêsine
n/d 151.697 191.260 421.255 321.946
Silveira
Martins
86.946 71.015 169.010 230.051 213.960
Total 2.342.724 2.342.561 3.484.605 3.846.004 5.628.246
Média 334.674 260.284 387.178 427.333 625.360
Fonte: STN (2004, 2005, 2006, 2007 e 2008).
s/d: não há dados.
Considerando-se os investimentos municipais em relação ao
número de habitantes do meio rural, também se observou um aumento
nos investimentos, particularmente no intervalo 2007 a 2008. Em média,
nos últimos cinco anos, os investimentos públicos na Quarta Colônia por
habitante do meio rural foi de R$ 136,57. Os maiores investimentos são
em Pinhal Grande (R$ 200,27), Nova Palma (R$ 184,05), São João do
Polêsine (R$ 174,61) e Ivorá (R$ 168,86). Os Menores investimentos
são em Agudo (R$ 79,15) e Restinga Seca (R$ 62,33) (STN, 2004,
2005, 2006, 2007 e 2008).
4.2 AS ATIVIDADES NÃO AGRÍCOLAS
4.2.1 As agroindústrias familiares
As agroindústrias da Quarta Colônia possuem um forte vínculo
com as tradições, familiares, de beneficiamento da produção para o
autoconsumo. O PRODESUS/Quarta Colônia foi o principal ator que
participou, na viabilização de agroindústrias, como alternativa de renda
à agricultura familiar. Porém, o impulso maior foi dado pelo Programa
219
de Agroindústrias Familiares (PAF) do governo do Estado do Rio
Grande do Sul e pelas consultorias do SEBRAE, além dos recursos
municipal e federal.
O Programa da Agroindústria Familiar (PAF) foi criado, em 1999,
pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio
Grande do Sul, através do Decreto nº 40.079, de maio de 2000, e
apostou em três campos de possibilidades: distribuição de renda, na
medida em que os pequenos e médios estabelecimentos multiplicam
postos de trabalho de forma descentralizada; valorização dos produtos
tradicionais e artesanais das diversas regiões gaúchas; e generalização
de lógicas ecológicas de produção (MARQUES; ALLES; BEROLDT et.
al., 2007, p. 73).
O Programa (1999-2002) concebeu uma série de fatores
facilitadores à atividade, como: venda dos produtos com nota de
produtor (em escala municipal); financiamentos em condições especiais;
adequação na legislação sanitária; licenciamento ambiental; criação do
selo “Sabor Gaúcho”, para identificação dos produtos e, ainda,
investimentos na capacitação de agricultores e técnicos envolvidos.
Guimarães e Silveira (2007, p. 11), baseando-se em relatórios técnicos,
emitidos pela EMATER/RS, observaram que, “entre 01/01/2000 e
11/12/2002, o Programa investiu R$ 6.444.387,71, beneficiando 2.719
famílias”.
O processo de (re)criação de agroindústrias familiares é
estimulado pelas políticas públicas e se constitui como estratégia de
agregação de valor aos produtos da agricultura familiar. No passado,
muitos agricultores familiares haviam se dedicado a essa atividade, mas
a abandonaram, pressionados pela legislação sanitária e serviços de
fiscalização. É importante lembrar que, a partir da década de 1950, as
políticas públicas passaram a apoiar o desenvolvimento de grandes
plantas industriais (GUIMARÃES; SILVEIRA, 2007). Pode-se afirmar,
também, que a atividade artesanal de alimentos, desenvolvida, sobretudo
pela mulher agricultora, evidencia, ainda, a existência de aspectos
culturais associados aos hábitos alimentares de uma determinada
região/território.
Atualmente, em decorrência das restrições à legalização,
especialmente junto às esferas estadual e federal, verifica-se a
manutenção de muitas agroindústrias familiares na informalidade. Nesse
contexto, as agroindústrias familiares tendem a restringir-se ao mercado
local, recorrendo, frequentemente, à venda na propriedade ou feiras de
produtores, o que é um obstáculo a um aumento da oferta. Além disso, a
pressão da legislação sanitária vigente leva a um processo de
220
substituição de procedimentos artesanais de produção por
procedimentos industriais. Desse modo, a busca da legalização leva à
perda do diferencial do produto artesanal e despotencializa o apelo ao
turista rural, geralmente, um urbano em busca de produtos diferenciados
aos ofertados no mercado de massa.
Para o Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia:
Não se pode desconhecer as questões sanitárias:
os cuidados, os procedimentos técnicos
correspondente a cada um desses segmentos. Isso
tudo deve ser respeitado, mas têm de ser
respeitadas também as formas condimentares de
produção, os sabores; pensar estruturas
compatíveis com a escala. Aumentar a escala de
produção é o caminho para uma pequena
empresa? Ou é aumentar a qualidade do produto,
a seletividade do produto? Escala em diversidade,
produtos de qualidade e com uma forte identidade
cultural. Esse é o universo possível. Ou seja:
resgata-se da cultura tradicional a ruralidade
italiana, a alemã e as demais etnias, elementos
fundamentais desde o ponto de vista étnico, das
formas de fazer, dos produtos utilizados, dos
sabores [...], a mesma coisa em relação aos vinhos
[...] (J.I., Secretário Executivo
CONDESUS/Quarta Colônia).
Prezotto (2002) também enfatiza a importância da diferenciação
dos produtos, principalmente pela sua qualidade, comparados àqueles da
agroindústria convencional. A qualidade, segundo Prezotto (2002), está
vinculada às características sanitárias ou higiênicas (quando um
alimento não é nocivo à saúde): a nutricional, em função da satisfação
das necessidades fisiológicas; a organoléptica, que proporciona prazer
ao consumidor; a facilidade de uso, ligada à comodidade; e a
regulamentar, por respeitar as diversas normas. Essa visão considera os
principais aspectos técnicos da qualidade. Tais aspectos são importantes
em relação à saúde dos consumidores, em especial à incorporação do
aspecto nutricional. A qualidade se refere, ainda, ao aspecto ecológico
do processo de produção da matéria-prima e sua industrialização,
buscando não prejudicar a saúde dos consumidores e o meio ambiente.
O autor acrescenta, ainda, que vem se intensificando uma
tendência de os consumidores buscarem alimentos associados aos
valores culturais, típicos do meio rural e da agricultura familiar, além de
221
uma relação com a diversidade. Ao se estabelecerem no mercado, as
agroindústrias encontram outros tantos desafios como impostos, taxas,
contabilidade, gestão, transporte, embalagens, comercialização,
marketing, responsabilidade técnica e escala de produção. Em vista de
todas essas questões, muitas acabam fechando (ou permanecendo na
ilegalidade) por não se adaptarem à nova condição que lhes é imposta.
Segundo A.S., Secretário da Agricultura de Ivorá:
A produção de sucos é a mais fácil de legalizar. Já
a legalização de vinho requer um custo adicional
de 50%. O maior entrave nosso é que o MAPA
vai exigir que se trabalhe com um vinho
industrializado que contém conservantes e
produtos químicos. Com isso se perde a
identidade, a origem (vinho colonial). Nós temos
um público consumidor que não quer esse vinho
industrializado. É por isso que estamos na
informalidade até hoje.
Para Mior (2005), embora a discussão e a legitimidade de
estratégias de agroindustrialização familiar somente tivessem lugar a
partir dos anos 1990, processar alimentos foi fundamental para a
trajetória de desenvolvimento da agricultura familiar. A ideia foi
recuperar esse processo como parte constituinte da própria lógica da
agricultura familiar, a qual vem embasando a constituição da chamada
família rural.
Segundo Mior:
A agroindústria familiar rural é uma forma de
organização em que a família produz, processa
e/ou transforma parte de sua produção agrícola
e/ou pecuária, visando, sobretudo, à produção de
valor de troca que se realiza na comercialização.
Enquanto isso, a atividade de processamento de
alimentos e matérias-primas visa,
prioritariamente, à produção de valor de uso que
se realiza no autoconsumo (2005, p. 191).
Na opinião de A.S., Secretário da Agricultura de Ivorá:
Como a grande maioria das agroindústrias tem
uma produção que gera uma renda complementar,
especialmente à mulher, não interesse em
222
legalizá-las, porque isso praticamente
inviabilizaria a produção, a não ser que se
aumentasse a produção, mas isso geraria uma
alteração na organização da propriedade, o que
não é do seu interesse.
Para Gomes (2006), outro sério entrave, encontrado pelas
agroindústrias familiares de pequeno porte, no momento de colocar seus
produtos no mercado formal, são as exigências fiscais. As agroindústrias
familiares não possuem, na Legislação brasileira, um tipo de
personalidade jurídica adequado às suas peculiaridades, e os produtos
industrializados não podem circular sem o acompanhamento de nota
fiscal. Obrigados a criarem empresas, ficam, assim, excluídos da
condição de agricultores familiares e assegurados especiais
101
do
Instituto Nacional de Previdência Social (INSS).
O ambiente institucional, referente à legislação e ao sistema de
fiscalização de alimentos no País, é formado por diversos Órgãos
governamentais e envolvem as áreas de agricultura e pecuária, saúde e
meio ambiente, além de questões do Código de Defesa do Consumidor,
dos Conselhos de Classe e Legislações de ordem trabalhista, tributária,
previdenciária e cooperativa (CENCI, 2007).
No que se refere às Certificações, necessárias ao funcionamento
das agroindústrias familiares, as mesmas incluem Alvará de
Localização, Alvará Sanitário ou documento equivalente das Secretarias
ou Ministério da Agricultura, Certificado de Registro de Produtos e
Rótulos, Licenciamento Ambiental e Anotação de Responsabilidade
Técnica, entre outros itens (Idem).
Para que os produtos se apresentem com a qualidade desejável, de
forma a proteger a saúde da população, o Governo, por meio do
Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento - MAPA - tem a atribuição de exercer a inspeção sobre a
geração dos produtos destinados à alimentação. As agroindústrias que
processam alimentos de origem animal, são inspecionadas pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pelas Secretarias
101
O agricultor familiar é enquadrado como segurado especial, na Legislação previdenciária,
contribuindo com 2,2% sobre a receita bruta da produção comercializada. Ao ser constituída
uma agroindústria, seja sobre a forma de micro e pequena empresa, seja sobre a forma de
associação ou cooperativa, assumem-se outros deveres previdenciários, acarretando perda da
condição de segurado especial, o que implica que todos os membros de uma família de
agricultores passam a ser considerados empregados rurais, sendo equiparados a autônomos,
para efeitos de Legislação tributária. Perdem, também, o benefício de poder se aposentar cinco
anos antes que os demais segurados do INSS.
223
Estaduais de Agricultura e pelas Secretarias Municipais de Agricultura,
por meio dos Serviços de Inspeção Federal, Estadual e Municipal,
respectivamente, estando, essa vinculação, relacionada ao âmbito de
comercialização desejado (Idem).
Por meio do Decreto 5.741/06, foram regulamentados os artigos
da Lei Agrícola que institui o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade
Agropecuária (SUASA), que possibilitará a integração efetiva entre os
Municípios, Unidades federativas e o Governo Federal nesse processo.
Após a regulamentação do SUASA e a livre adesão de Estados e
Municípios, os produtos inspecionados nessa instância poderão ser
comercializados em todo o território nacional (Idem).
A forma de adesão de um município ao SUASA pode ser
individual (cada município solicita sua adesão) ou coletiva
102
(por meio
de consórcio de municípios). A vantagem da adesão, em consórcio de
municípios, é a estrutura do serviço (equipe técnica de inspeção,
veículo, computador, telefone e sala de trabalho) que pode ser a mesma
para todos os municípios que fazem parte do consórcio, e os custos
podem ser divididos entre os mesmos (Idem). A intenção do
CONDESUS/Quarta Colônia, para pôr em funcionamento a Cooperativa
Agroindustrial e Artesanal (COOPAAGRO) da Quarta Colônia, é criar o
SUASA coletivo. Entretanto, até hoje, Crissiumal-RS é o único
município do Rio Grande do Sul a possuir o Sistema. No País, o Estado
do Paraná é o único a ter adesão confirmada. Os Estados do Rio Grande
do Sul, Bahia e Minas Gerais também pediram adesão.
A agroindústria familiar não representa, entretanto, a solução para
todos os problemas ou necessidades dos agricultores familiares, ou do
meio rural. Segundo Prezotto (2002), a mesma deve ser entendida e
trabalhada como parte de um conjunto de ações e de outras atividades,
articuladas entre si, que busquem construir um desenvolvimento local
sustentável nos aspectos social, ambiental, cultural e econômico, tendo
por base a agricultura familiar.
Um outro ponto que merece destaque é a possibilidade de
organização entre as agroindústrias familiares na forma de redes. Isso
significa que cada agroindústria se articula com outras para que, juntas,
possam resolver problemas, os quais, separadamente, seriam de difícil
superação (PREZOTTO, 2002).
102
Cabe lembrar que os municípios que optarem pelo Consórcio devem primeiro criar o seu
Serviço de Inspeção, individualmente, por meio de Lei Municipal e de Regulamento, para
depois estruturar e executar o serviço em conjunto.
224
O desenvolvimento da agroindústria familiar, na Quarta Colônia,
tem sua origem na década de 1990. As Políticas públicas (Fundo
Rotativo Municipal, PRONAF, Programa das Agroindústrias Familiares
do Estado do Rio Grande do Sul, COREDE Central e Território Rural
Central) e os agentes locais e regionais (CONDESUS/Quarta Colônia,
EMATER e SEBRAE), exerceram papel fundamental para a
reestruturação do território, ao incorporarem “novas” atividades no meio
rural. Pode-se, entretanto, considerar que, apesar dos avanços
(capacitações, formação de Cooperativa, construção do terminal de
venda “rede da casa”, financiamentos) um caminho ainda longo no
desenvolvimento das agroindústrias. O importante é que um impulso
inicial já foi dado.
As agroindústrias familiares da Quarta Colônia são representadas
por: farináceos, embutidos, derivados da cana de açúcar (melado, açúcar
mascavo e cachaça), mel. Muitas agroindústrias, comandadas pelas
mulheres agricultoras, possuem na agroindústria familiar a principal
fonte de renda da propriedade. Para S.P., EMATER Dona Francisca
(2009):
A agricultora (mulher) ainda está submissa e
dependente do homem (marido). É ele que
coordena, dirige e controla o produto agrícola por
meio do “bloco” que sempre está em seu nome,
nunca no nome da mulher que, para ele, não passa
de uma coadjuvante. Diante disso, a mulher partiu
para algumas atividades que ela mesma coordena,
independente do marido (S.P., Extensionista da
Emater de Dona Francisca, 2007).
Além das iniciativas individuais de agroindústrias familiares, que
serão analisadas a seguir, tem-se também o caso da Cooperativa
Agroindustrial da Agricultura Familiar de Ivorá (Coopivorá). A
Cooperativa foi formada com recursos do MDA para o Território Rural
Central (hoje Território da Cidadania) e do PRONAF agroindústria. A
Coopivorá, formada em 2008, é uma Cooperativa Agroindustrial (ainda
está em fase de implantação) que processará sucos, embutidos, mel,
derivados da abóbora e conservas. O objetivo ainda é agregar os
produtores de leite e de grãos. A assistência técnica será fornecida por
profissionais pagos pela cooperativa.
A Coopivorá é a única cooperativa agroindustrial na Quarta
Colônia. Os produtos de origem vegetal serão fiscalizados via vigilância
225
sanitária regional de Santa Maria. os embutidos terão a necessidade
de possuir o SUASA ou o CISPOA. O agricultor servir-se-á do CNPJ da
Cooperativa e venderá, desse modo, através do Bloco de Produtor
(Inscrição Estadual). Segundo o Secretário da Agricultura de Ivorá, o
êxodo rural ainda é intenso em algumas localidades (como é o caso da
Linha Barreiro) e a presença da Cooperativa permiti amenizar as
migrações.
O desenvolvimento das agroindústrias na Quarta Colônia é lento e
uma série de fatores contribuem para isto. Neste sentido destaca-se a
distância de centros de comercialização, as vias de transportes mal
conservadas, a resistência de alguns membros da unidade de produção
em aceitar mudanças no processo produtivo, a visão imediatista do
produtor, as rivalidades políticas, o descrédito da comunidade, os
entraves da Legislação (fiscal e sanitária, principalmente), o despreparo
dos técnicos em promover/sugerir mudanças. Uma outra constatação é
que o modelo produtivista de agricultura ainda exerce forte poder sobre
as decisões dos agricultores: “aqui temos poucas agroindústrias, porque
temos culturas que ainda estão sustentando a propriedade rural: pecuária
leiteira, feijão, fumo e soja, principalmente” (V.G., Secretaria da
Agricultura, Nova Palma, 2007). Na mesma direção, o secretário da
agricultura de Nova Palma fez o seguinte comentário:
Os doze técnicos da Camnpal oferecem orientação
técnica, basicamente, para a produção da soja, do
milho, do feijão e do leite (pecuária leiteira). A
demanda por máquinas, por isso, é para enterrar
pedras, destocar o terreno, levar terra para cobrir
buracos na área a ser plantada porque o agricultor
quer sua propriedade pronta para mecanizar e
plantar. É uma questão cultural. Mas ele não se dá
conta de que a fruticultura é mais rentável por
hectare e com menos mão de obra (V.G.
Secretário da Agricultura Nova Palma, 2007).
Ao lembrar a campanha de divulgação para o desenvolvimento de
novas atividades no meio rural, o referido secretário assim se
manifestou:
Em 2005, por exemplo, realizamos uma forte
campanha de divulgação para que os agricultores
que estivessem pensando em desenvolver uma
“nova” atividade em sua propriedade, fizessem a
226
inscrição na Prefeitura. Houve a inscrição (em
torno de vinte) mas todos desistiram. O SEBRAE
sugeria mudanças, mas na primeira dificuldade, já
desanimavam (V.G. Secretário da Agricultura
Nova Palma, 2007).
Outra questão que dificulta a consolidação das agroindústrias, é
que as atividades tradicionais (milho, soja, arroz, fumo e feijão) já
possuem uma cadeia produtiva consolidada. Assim o desenvolvimento
de novas atividades agrícolas ou não agrícolas implica em organizar
uma nova cadeia produtiva que só poderá se consolidar a longo prazo. E
para isso, se faz necessário o esforço de várias entidades, políticas e
agentes sociais. Para S.P., EMATER/Dona Francisca, (2009):
necessidade de um impulso, um investimento,
um estímulo por parte do poder público para
introduzir fatores geradores de renda e emprego.
O fracasso de muitas agroindústrias está vinculado
a não se adaptarem a algum fator (social,
econômico ou natural) local. Além disso, o
individualismo dificulta o desenvolvimento de
projetos que requerem a integração.
Observou-se, também, que algumas culturas agrícolas como o
fumo e o feijão (demandam elevado contingente de mão de obra) foram
reduzidas a fim de se investir na agroindústria. Contudo, a cultura do
fumo é lucrativa e ela é um obstáculo ao desenvolvimento de outras
alternativas de renda:
Enquanto existir, aqui, em Agudo, a cultura do
fumo como a principal fonte econômica do
Município, com alta lucratividade, a implantação
de outras atividades agrícolas encontra muita
resistência. Ocorre que a fumicultura gera muitos
empregos, muito mais que outras culturas, sem
contar com o grande volume de recursos (lucro)
que produz, em comparação com outras. Além
disso, tem excelente organização (infraestrutura).
Um hectare de fumo produz 160 arrobas com
preço de R$ 90,00/arroba.
É preciso deixar claro, porém, que o custo de mão de obra, na
lavoura de fumo, é elevadíssimo e que o agricultor não leva em conta no
227
momento de calcular a renda líquida obtida com a fumicultura. Não
receio em afirmar-se que os rendimentos, obtidos pelas famílias na
atividade fumageira, constituem-se no principal motivo de permanência
das famílias na atividade. As perdas monetárias, no caso dos riscos na
produção, são baixas. Isso porque, em torno de 90% dos fumicultores
gaúchos, são associados à AFUBRA (Associação dos Fumicultores do
Brasil), cujo seguro permite uma remuneração do trabalho, mesmo
quando ocorre perda total da produção. O elemento negativo principal é
o risco à saúde, mais do que o risco do negócio (PRIEB, 2005).
A seguir, serão apresentadas algumas características das
agroindústrias familiares da Quarta Colônia. Importante destacar que
todas elas surgiram pós-1990.
4.2.2 Traços característicos das agroindústrias familiares
Agroindústria Giacomini
A agroindústria de embutidos e farináceos, iniciou em 1998 e está
localizada próxima à cidade de São João do Polêsine. Recebeu apoio do
CONDESUS/Quarta Colônia, do Programa de Agroindústrias
Familiares “Sabor Gaúcho”, do SEBRAE (entre 2001 e 2002) e de
financiamento via PRONAF agroindústria. A área útil da propriedade é
de 10 hectares. De forma distinta das demais propriedades, o carro-chefe
da renda, hoje, da família, é a agroindústria, secundada com produção
complementar de milho, mandioca e galinhas. O proprietário está
tentando viabilizar o CISPOA (Coordenadoria de Inspeção Sanitária de
Produtos de Origem Animal), mas está encontrando dificuldades em
razão das inúmeras exigências. O CISPOA garantiria a comercialização
da produção em todo o território gaúcho.
Segundo um dos proprietários:
O início foi em novembro de 1998. Nosso pai era
doente, encontrava-se acamado e não acompanhou
o processo. Nós (e a mãe) trabalhávamos com
feijão e milho (mão de obra familiar) em áreas
acidentadas. Meus irmãos trabalhavam fora: um
em Santa Maria (no comércio) e dois na Fronteira
(Alegrete). Então decidimos trabalhar juntos.
Naquela época, havia grande procura por produtos
coloniais (R.G., Agroindústria Giacomini, 2007).
228
A atividade permitiu o retorno de familiares que tinham buscado
emprego fora do Município.
[...] resolveram voltar e foi então que abrimos a
Agroindústria que prosperou, embora o início foi
difícil: vendíamos de casa em casa, mas o lucro
era muito baixo. Fabricávamos salame, bolachas,
pães, cucas, mas sem a infraestrutura necessária.
Com o aumento das vendas, deixamos de vender
de casa em casa e vendemos para mercados.
Hoje, somos treze que trabalhamos no ramo (seis
da família) (L.M. Agroindústria Giacomini,
2007).
Agroindústria de derivados da Cana de Açúcar
A propriedade está situada no município de Agudo, na Linha
Teotônia Norte. Possui 30 hectares e, destes, apenas 11 hectares são
úteis às atividades agrícolas. Nessa propriedade mora apenas o casal,
que seus três filhos saíram em busca de emprego fora da propriedade, o
que dificultará a sucessão na propriedade. Os terrenos, fortemente
ondulados, não permitem a mecanização e, por isso, usa-se apenas
tração animal. O agricultor cultiva, basicamente, feijão, milho e cana de
açúcar, e as demais atividades são para o autoconsumo. O
desenvolvimento da agroindústria permitiu que o agricultor deixasse de
cultivar fumo.
A agroindústria (figura 22) teve apoio do Programa de
Agroindústria Familiar (do estado do Rio Grande do Sul), do Fundo
Rotativo Municipal e do CONDESUS/Quarta Colônia. Segundo o
agricultor E.I.M. (2009) do município de Agudo:
Aqui, a maioria das propriedades sempre produziu
uma pequena quantidade de açúcar mascavo e
melado, para ter uma outra renda. O produto é de
boa qualidade. Temos solos bastante apropriados,
principalmente para açúcar [...]. A agroindústria
surgiu, em 2000, em um momento de safras
frustradas de fumo. Inicialmente, havia mais
famílias interessadas na agroindústria.
Começamos entre seis, caiu para três, e hoje
229
apenas nós. Os demais voltaram a cultivar o fumo.
Eu troquei o fumo pela cana e pelo feijão.
FIGURA 22: Agroindústria de derivados da cana-de-açúcar em
Agudo.
Fonte: Marin, (2009).
A EMATER propiciou a capacitação em Centro de
Treinamento
103
. Segundo o agricultor, a produção anual de cerca de
2.000 kg de açúcar mascavo (R$ 2,80)
104
e melado (R$ 3,20) é
totalmente comercializada, porém, sem fiscalização. A comercialização
é de casa em casa, na cidade, ou diretamente na propriedade. Para o
agricultor, mais de 50% da renda líquida da propriedade origina-se da
venda dos derivados da cana de açúcar. Destacou, o produtor, que a
intenção é não migrar para a cidade e que se sente feliz, vivendo no
meio rural.
Para o produtor E.I.M. (2009):
dez anos atrás ninguém imaginava produzir 2
ou 3 mil kg de derivados da cana e ter mercado.
103
O Curso foi realizado no Centro de Treinamento de São Miguel do Oeste (SC)
(CETRESMO/Epagri).
104
Preços de janeiro de 2009.
230
Era difícil no início. Hoje em dia, por causa de
doenças e outros problemas que surgiram,
começou-se a consumir os produtos mais naturais.
crianças hoje, que estão sofrendo de anemia, e
o açúcar mascavo possui uma série de vitaminas
que podem ajudar a resolver o problema.
Percebeu-se que a agroindústria permitiu, também, a socialização
dos agricultores com outros grupos sociais (através do recebimento de
visitantes, viagens técnicas, capacitações).
Em Agudo, a cultura do fumo encontra-se consolidada.
Entretanto, levando em conta os custos sociais e ambientais da cultura
fumageira se faz necessário que os agricultores busquem outra renda
como é o caso da agregação de valor aos produtos
(agroindustrialização). Para o agricultor E.I.M., a agroindústria familiar
auxiliou na “recuperação da confiança no futuro”.
Mel Shüller
A agroindústria de mel está localizada na cidade de Agudo e,
segundo o proprietário L.S., a tradição da família nessa atividade, é
antiga (Figura 23).
Trabalhei desde criança com mel. Comecei aos
oito anos de idade, depois que morreu meu avô.
No início havia poucas caixas de abelhas eram
caixas comuns e pequenas e pouco mel. Depois
dos 18 anos, passei a usar outros modelos de
caixas e centrífuga e outros aparelhos do gênero:
havia alguma infraestrutura. Paralelamente
trabalhava com plantação de amendoim, em terra
arrendada, e fazia feira [...]. Também plantava
fumo que era lucrativo.
231
Figura 23: Agroindústria de mel Shüller
Fonte: Marin, (2009).
A produção da agroindústria é de 3 mil kg, aproximadamente.
Além da produção de mel, L.S. possui 7 cabanas (turismo no meio rural)
no Balneário Drews, a fim de aproveitar a sazonalidade da apicultultura
que vai de março a novembro. O trabalho é realizado pelo casal. Em
torno de 30% da renda total líquida, aproximadamente, provem da
apicultura. Como não possui terra própria, utiliza outras propriedades
que lhe cobram 10% da produção para utilizá-la.
O primeiro ponto de visitação da Rota de Turismo Rural,
Ecológico e Cultural de Agudo (os Caminhos da Pommern-serra) é a
agroindústria de mel. Esta participa tanto da Rota Turística do
Município, como também dos Roteiros Integrados de Turismo da Quarta
Colônia. O agricultor teve apoio do CONDESUS/Quarta Colônia, do
SEBRAE e do PRONAF. Segundo o proprietário, a sua maior
dificuldade é legalizar o empreendimento:
Ter tudo legalizado é difícil porque tem muitas
exigências: presença de veterinário, entre outras,
além da necessidade de se montar um frigorífico,
praticamente, para se possuir um CISPOA. Foi
feito um levantamento junto ao SEBRAE e se viu
que os custos são muito altos. Exemplo: se a
produção de mel fosse de 3 mil kg, seria
necessário 40 a 50 mil kg só para manter um
CISPOA.
232
Como solução, o apicultor associou-se na Associação de
Apicultores de Cachoeira do Sul, pois eles possuem CISPOA (com
CNPJ). O agricultor leva o mel até Cachoeira do Sul, uma vez por mês,
onde é analisado e rotulado (com informações nutricionais). O produtor
participa da Associação Rede da Casa e é cooperado da Coopaagro.
O produtor mencionou, ainda, que a comercialização, hoje, é mais
difícil do que antigamente, especialmente porque o hábito de consumir
mel foi, em parte, substituído pelo consumo de margarinas, nata, etc.
Para o mesmo, falta ainda divulgação, especialmente junto às crianças e
jovens, que o consumo de mel é maior entre os idosos. A produção é
vendida, basicamente, na Cooesperança (feira regional em Santa Maria),
na Cooperativa de Agudo, na própria residência e em feiras regionais.
As feiras são um importante espaço para a divulgação do produto.
O agricultor reforçou que se faz necessário encontrar alternativas
à cultura do fumo. Este trocou a fumicultura para se dedicar à
apicultura: “eu sou um exemplo de que para viver sem o cultivo de
fumo; devagarinho saí do fumo e produzi outras coisas”.
Agroindústria de Conservas Irmãos Prade
A propriedade onde se constituiu a agroindústria de conservas
possui 16 hectares, localizada na Linha Morro Pelado, em Agudo. Na
propriedade moram os pais e quatro irmãos. A horticultura se iniciou em
2001 como relembra o proprietário:
Na época pensei em mudar de atividade, embora
tivesse crescido plantando fumo que era
cultivado pelos meus pais. E até pensava que não
saberia fazer outra coisa na vida senão trabalhar
naquela atividade. Mas, em 2001, um projeto me
incentivou a montar estufas para cultivo de
verduras e legumes (horticultura). Entrei para essa
atividade e comercializava o produto aqui, em
Agudo (D.P., Agudo, 2009).
Prossegue o agricultor D.P., Agudo (2009):
Eu era apaixonado pela fumicultura e não queria
abandonar esse ramo de trabalho. Mas, aos 28
anos, ao ver meus pais, com idade e sem terem
progredido (melhores condições de vida) cheguei
233
à conclusão que o mesmo aconteceria comigo, se
não mudasse de ramo, com outra atividade mais
lucrativa. Comecei então o novo trabalho que me
dá tanto prazer, que até esqueci a fumicultura.
Hoje, me realizo com o que faço, estou bem
melhor e até aconselho as pessoas a mudar de
atividade, buscar outro caminho (que existe) e não
passar a vida apegada a um tipo de trabalho que
não garante o seu futuro.
Os recursos para começar a produção de horticultura, foram
concedidos pelo PRODESUS/Quarta Colônia, com 60% a fundo
perdido. Na época, o agricultor plantou, também, em torno de 300 pés
de parreiras, com recursos do Programa de Fruticultura Irrigada da
Metade Sul do Rio Grande do Sul. Em 2003, quando ocorreu a
diversificação dos cultivos deixaram de plantar o fumo. “Começamos a
produzir pepino, tomate, vagens e então notamos que dava uma boa
renda e produzia muito bem nas estufas” (D.P., Agudo, 2009).
Até 2003, a produção era comercializada in natura, em feiras e
para uma agroindústria de conservas de Agudo. A partir dai, ocorreu a
expansão do negócio. Foram construídas quatro estufas para o cultivo e
começaram a industrializar pepinos. Os irmãos Prade fizeram um curso
no Distrito de Fazenda Souza
105
, Caxias do Sul, por intermédio da
EMATER, custeado pelo Governo Gaúcho.
Depois disso, os Irmãos Prade decidiram montar a agroindústria
que ficou pronta em 2004. Então fizeram um financiamento pelo
PRONAF Agregar que disponibilizou R$ 18 mil para investimento.
Nessa época, houve a participação do SEBRAE via CONDESUS/Quarta
Colônia. Junto ao SEBRAE, realizaram cursos, vinculados à produção,
armazenagem, venda, higiene, etc.
Os dois Irmãos empreendedores lembram que: “Na época do
curso, em Caxias do Sul, fizemos amizade com um casal de Carlos
Barbosa o qual informou que havia uma empresa (Agroindústria
Coblens)
106
que iniciou atividades em 1999 e, em 2005, já possuía uma
estrutura bem grande e estava fazendo parcerias com agroindústrias
pequenas”.
Firmada a parceria com a agroindústria Coblens, os Irmãos
passaram a vender para Carlos Barbosa o produto beneficiado.
105
Centro de Treinamento de Fazenda Souza (CEFAS): localiza-se a 18 km de Caxias do Sul e
pertence à Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO agroindústria).
106
Destaque do autor.
234
recebia rotulagem. “A empresa fornece o frasco, o vinagre e a tampa, e
nós entramos com o produto e a mão de obra, embalamos e mandamos
para lá” (D.P., Agudo, 2009).
Em 2007, a agroindústria Irmãos Prade começou a comprar a
produção de outros agricultores. “Hoje, cerca de 30 produtores vendem
sua produção de pepinos para nós industrializarmos”. A média de
cultivo é de 3 mil pés (9 mil kg, e recebem R$ 0,70/kg), que ocupa uma
área média de 1.500 m
2
. Os Irmãos Prade fornecem a muda (produzida
por eles) aos agricultores. As técnicas para a produção das mudas foram
aprendidas pela tradição de cultivo de hortaliças e fumo, em que usam o
mesmo processo.
No verão, período de safra, são enviados cerca de 15 mil vidros
de conserva de pepinos por semana, para Carlos Barbosa. Entre os 30
agricultores que fornecem a matéria-prima para beneficiar, são
produzidos 100 mil pés de pepinos, perfazendo uma produção de quase,
300 mil kg (3 kg por pé), resultando em torno de 700 mil vidros de
pepino de 300 g cada (1 kg de pepino in natura gera 2 vidros, em
média). A margem de lucro é entre 15% e 20%. Na opinião do
entrevistado “é um bom lucro porque trabalhamos com quantidade”
(D.P., Agudo, 2009).
O lucro líquido para o produtor de pepinos é de R$ 1,5 por pé (em
média R$ 4.500,00 por safra). Segundo o agricultor D.P. (2009) “O
pepino, hoje, tem uma margem de lucro boa, comparado ao fumo que
tem um lucro cada vez menor, em torno de 50%. Já o pepino rende em
torno de 75% de lucro líquido”. Através da parceria entre os irmãos
Prade e a Empresa Coblens de Carlos Barbosa (possui um mix de mais
de 40 produtos), que também iniciou a atividade de beneficiamento de
horticultura, via Programa das Agroindústrias Familiares do Governo
gaúcho, foi comprado um terreno de meio hectare, no distrito industrial
do município de Agudo, para construir uma fábrica nova (previsão para
final de 2009). Serão investidos em torno de R$ 500 mil para
processamento, estocagem e rotulagem da produção que irá atender à
Região Central do Estado. A capacidade de processamento da fábrica
será de 4 mil ton. de pepino, 280 mil kg de aspargo e 270 mil kg de
palmito. “é um grande investimento para Agudo sair um pouco da
monocultura do arroz e principalmente do fumo” (D.P., Agudo, 2009).
Na visão do empreendedor D.P., Agudo (2009):
Temos o pepino como carro-chefe, mas estamos
começando a plantar alcachofra (5 ha) e palmito
(10 ha). Com isso temos a intenção de chegar a
235
100 o número de produtores fornecedores. Hoje, o
produtor de fumo tem uma certa dificuldade para
produzir o pepino, pois, quando o mesmo está
pronto para ser colhido deve ser feito uma vez por
dia. Mas agora, por exemplo, nesta época (em
janeiro) termina a produção de fumo. Então
muitos produtores plantam após a safra, por terem
tempo para se dedicar. também produtores de
arroz que têm mais tempo. Eles fazem duas safras
na mesma área. uma dedicação maior das
mulheres nesse processo.
Nas palavras de D.P., (2009):
Às vezes, quando aparecia alguma dificuldade
dizíamos: ‘como vamos resolver isso’. Hoje a
gente que para todo o problema tem uma
solução, então, de começo, a falta de experiência
foi o fator mais difícil. Nessa parte o SEBRAE,
via CONDESUS, veio na hora certa, e nos
orientou muito no início.
A assistência técnica aos agricultores é oferecida pelos próprios
Irmãos Prade. Segundo D.P. (2009), a comercialização será com a marca
Coblens. “Esperamos que a gente consiga tirar um lucro suficiente para
poder viver bem e quem planta também tenha seu retorno”.
Comentando sobre a vida no meio rural, D.P. (2009) ponderou:
Vejo o meio rural, ainda, como o melhor lugar
para se viver, pois, hoje, toda a produção de
alimentos tem venda garantida. Mas não podemos
nos acomodar. Temos que buscar alternativas. Por
isso, quem não espera as coisas acontecerem (até
porque elas não acontecem sem nossa
intervenção) certamente se realiza plenamente
nesse meio. Foi o que ocorreu conosco. Corremos
atrás de um sonho que demorou para se realizar,
mas se realizou e, agora, estamos colhendo os
frutos de um projeto implantado há anos atrás.
Não foi fácil, pois depois de se aposentarem,
nossos pais permitiram outra iniciativa. Até então,
a fumicultura. E em terra arrendada do vizinho,
e isso significava menos lucratividade.
236
A horticultura es se tornando, no município de Agudo, uma
alternativa viável de renda no meio rural, especialmente aos produtores
de fumo. As instalações da agroindústria, para o beneficiamento da
produção da horticultura, poderão estimular novos agricultores a
substituírem a fumicultura pela horticultura.
Agroindústria Felin
A propriedade onde foi construída a agroindústria Felin
(embutidos) está localizada na Linha Guarda Mor, em Faxinal do
Soturno. Possui cerca de 90 hectares, mas apenas 20 hectares são
aproveitados. Parte dessa área útil foi usada para o cultivo de milho para
silagem e com pastagens, o que permite a venda de 60 litros/dia de leite.
O restante foi arrendado para o cultivo do fumo. Moram na propriedade
o casal (com mais de 60 anos), uma filha portadora de necessidades
especiais, um filho, a nora e um neto. As demais filhas (quatro ao todo)
saíram, para estudar e trabalhar. Moram, 38 anos, na propriedade,
recebida por herança.
O relevo da área onde se localiza a propriedade é fortemente
ondulado dificultando certas práticas agrícolas mecanizadas. Assim, a
agroindústria de embutidos tornou-se uma solução para substituir
determinadas culturas, como o feijão e o fumo. A figura 24 mostra parte
de uma área que possuía cultivo de fumo e feijão e que, hoje, foi tomada
por vegetação secundária.
237
FIGURA 24: Vegetação secundária em área que era ocupada com
produção agrícola.
Fonte: Marin, (2009).
As atividades da agroindústria de embutidos (suínos) tiveram
inicio em 1999 quando foram realizados cursos de qualificação
profissional via SEBRAE. A agricultora N.F. (2009) relata a formação
da agroindústria:
Há 22 anos atrás (1987) nossa casa queimou e
ficamos sem nada. Os filhos eram pequenos.
Plantávamos fumo, mas tudo braçal: não tínhamos
trator, nada. Trabalhávamos somente eu, meu
marido e minha sogra, que era idosa, mas
ajudava um pouco. Então nos obrigamos a fazer
um financiamento. Para iniciar a agroindústria,
fizemos um Pronaf investimento de R$ 90 mil, em
2002. Estamos ainda pagando o empréstimo.
Uma parte do abate é feito no abatedouro da agroindústria, com
fiscalização municipal (SIM de Faxinal do Soturno). Outra parte é
abatida na Cooperativa Agrícola Nova Palma Ltda (CAMNPAL) que
238
fornece a inspeção CISPOA, garantindo a comercialização fora do
Município. Cada animal, abatido e inspecionado na CAMNPAL, tem
um custo de R$ 40 ao produtor.
Passaram a vender a produção, aos sábados, em Santa Maria, na
Cooesperança e também na Praça Saldanha Marinho. Além disso
inseriram-se no mercado regional (Formigueiro, São Sepé, Agudo)
abastecendo fruteiras e feiras. Esse processo de comercialização direta
ao consumidor representa a intensificação das relações interpessoais, o
que permite a firmação da autoestima dos agricultores.
A agroindústria produz presunto, salame, linguiça e salsichão.
Eles vendem em torno de 500 kg de salame/semana. A empreendedora
N.F., (2009) informou que tentam obter o CISPOA há sete anos; porém,
estão encontrando dificuldades, pois as exigências são grandes. “Os
impostos são muito elevados”. A matéria-prima não é própria.
A agroindústria vem permitindo gerar renda e emprego e tem
mantido uma boa qualidade de vida à família Felin. A agroindústria de
embutidos tornou-se a base da propriedade, com atividades
complementares, como o cultivo de milho e a pecuária leiteira.
Agroindústria Pupii
A propriedade que é sede da agroindústria Puppi está localizada
na Vila Rosa, Restinga Seca, e possui 21 hectares. Os principais cultivos
são cana de açúcar e arroz. Além disso processam cana de açúcar e
produzem melado e açúcar mascavo, como comentou A.P. (2009), tais
produtos “eram feitos desde o tempo do avô, nesse mesmo lugar.
Demolimos tudo para construir um novo espaço. Antigamente se fazia
em torno de 100 tachadas ao ano”. O açúcar mascavo sempre foi uma
alternativa de renda à família Puppi. Hoje produzem, cerca de 5.000 kg
de melado e açúcar mascavo por ano. Eles tem atividade praticamente
todos os meses, com exceção de janeiro e fevereiro. Entretanto, como
possuem câmaras frias, estocam a produção para suprir a demanda nos
meses em que não há produção.
Em 2006 a agroindústria passou por uma reestruturação (figura
25): “nosso objetivo era aumentar e melhorar a produção. O casal de
empreendedores reforçou: “houve uma preocupação maior com a
higiene a partir do momento em que os consumidores passaram a
perguntar onde fazíamos o açúcar e o melado. Então tínhamos que
mostrar, e era chão batido”.
A EMATER fez o projeto da nova agroindústria e parte desta foi
financiada pelo PRONAF. A forma de produzir, de modo geral, segundo
239
os agricultores, não mudou. Mudaram as instalações, os equipamentos,
os cuidados com a higiene e alguns procedimentos que permitem a
geração de um produto (de qualidade e padronizado). Os cursos
promovidos pelo SEBRAE, em convênio com o CONDESUS/Quarta
Colônia, auxiliaram nesse processo. Não contém conservantes, assim
não muda de sabor.
FIGURA 25: Interior da Agroindústria Pupii
Fonte: Marin, (2009).
Mais de 80% da produção é comercializada na unidade de
produção, que, em média, permite obter uma renda equivalente a um
salário mínimo. Além disso, eles vendem a outros municípios que
possuem fiscalização da Vigilância Sanitária Regional de Santa Maria.
A comercialização ocorre por meio de Bloco de Produtor. Segundo os
proprietários da agroindústria, a sua Legalização, por meio de CNPJ, é
necessária. Com isso
[...], venderíamos mais, contribuiríamos para a
Previdência e nos aposentaríamos com mais de
um salário mínimo. Mas, como temos o Bloco do
Produtor e não sabemos como será o futuro (se
240
vamos ter condições de produzir sempre) nos
mantemos dessa forma.
Os agricultores próximos vêm produzindo cada vez menos
derivados da cana-de-açúcar, tendo em vista a fiscalização que vem se
tornando rigorosa.
Agroindústria Delícias de Ivorá
A agroindústria de farináceos (Figura 26) está localizada, no
município de Ivorá, em uma unidade de produção que tem pouco mais
de 2,5 hectares de terra. O núcleo familiar é constituído pelo casal e dois
filhos (um rapaz e uma moça). Esta família plantava fumo, feijão e soja,
apenas com auxílio de tração animal.
FIGURA 26: Agroindústria Delícias de Ivorá
Fonte: Marin, (2009).
A agroindústria Delícias de Ivorá começou a funcionar em 2000.
O principal fato que contribuiu para isso foi o desejo da família de
ampliar a plantação de figos. A família procurou a EMATER e foi
informada que havia financiamento para agroindústrias familiares e para
fruticultura. O objetivo era produzir geléia para comercializar, que
este produto tem boa aceitação no mercado regional. Segundo a
agricultora A.C., (2009):
Precisávamos de uma renda, a mais, para a
família. Meu esposo trabalhava na lavoura, mas
isso não era suficiente. Eu trabalhava fora, na
241
cidadezinha, para somar um pouco no orçamento
doméstico (meio salário mínimo). Na propriedade,
tínhamos ovos, frutas, leite, etc, mas não se vendia
nada que todo mundo tinha isso também. Então
passamos a beneficiar todos esses produtos que
tínhamos, com boa margem de lucro. Era melhor,
mais lucrativo do que o meu trabalho fora de casa.
Dessa forma, com o apoio do Programa das agroindústrias
familiares do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e do PRONAF
investimento (R$ 18.000,00) surgiu a agroindústria Delícias de Ivorá.
A Agroindústria está legalizada (com CNPJ) e é regularmente
fiscalizada pela Vigilância Sanitária da Regional de Santa Maria. Possui
uma funcionária permanente, e a comercialização acontece na região:
Ivorá, Silveira Martins e Santa Maria. A agroindústria tornou-se a base
financeira da propriedade, e a produção animal e a vegetal são
destinadas a prover as necessidades da mesma.
Outro agente que foi importante, no desenvolvimento da mesma,
foi o SEBRAE. A Instituição elaborou a logomarca e promoveu os
cursos de capacitação.
Segundo os agricultores, proprietários da Agroindústria, a
qualidade de vida melhorou depois que surgiu a atividade de
beneficiamento da produção primária. A produção (tais como massas,
biscoitos, pães e cucas) vincula-se a tradição familiar, além do prazer
em trabalhar nessa atividade. Segundo A.C. (2009): “ele sempre gostou
mais de trabalhar na agricultura, mas aqui dá mais retorno. Sempre
gostei de trabalhar com massas”.
Uma das preocupações do casal é com relação ao futuro da
unidade de produção e também da agroindústria, que, ao que tudo
indica, os filhos saem para estudar e não retornarão. Para isso, acreditam
que necessidade de maior incentivo e políticas de apoio à
permanência dos jovens no meio rural.
Agroindústria Vô Bepi
A propriedade está localizada próxima à rodovia RS 149, em São
João do Polêsine, e possui 11 hectares de área útil (Figura 27). O núcleo
familiar é formado pelos pais, o filho e a esposa. Surgiu, inicialmente,
como uma alternativa a mais de renda. Hoje, a atividade representa 50%
da receita da propriedade que cultiva, também, arroz (7 hectares), cana
de açúcar, feijão, e criação de suínos. Toda a produção que não é
242
comercializada, é usada para o autoconsumo, ou para a própria
agroindústria.
FIGURA 27: Agroindústria Vô Bepi
Fonte: Marin, (2009).
Segundo o proprietário J.G., (2009) a agroindústria:
Surgiu em 1992, mas ficava em segundo plano.
Notamos, então, que faltava uma agroindústria
aqui para dar outro rumo às coisas. Por isso,
iniciamos produzindo apenas para consumo da
família e aos poucos foi se ampliando. O projeto
inicial foi feito pela EMATER; depois vieram o
SEBRAE e a própria UFSM. A agroindústria
funcionava, inicialmente, nos finais de semana.
Com o passar do tempo se estendeu para outros
dias a partir da infraestrutura que ia sendo
montada (rotulagem, legalização, espaço físico,
mais pessoal, etc.) tornando-se, assim, prioridade
nas atividades da propriedade.
A agroindústria e o cultivo de arroz são as principais atividades da
propriedade. Basicamente, o desenvolvimento do empreendimento se
utiliza da sazonalidade do cultivo de arroz.
O agricultor obteve apoio do CONDESUS/Quarta Colônia e do
SEBRAE, o que lhe permitiu realizar os cursos de capacitação. Segundo
J.G. (2009), proprietário da mesma:
243
O problema maior nas agroindústrias é a questão
da legalização. Quando chega nessa fase, o
produtor já sente receio e fica aguardando. O
produtor deveria ter muito claros, antes de instalar
uma agroindústria, todos os passos para a
instalação, legalização, fiscalização, qualificação.
Na verdade, acontece o contrário. Faz-se a
construção do prédio, compram-se as máquinas e
ai, quando entra no mercado, falta a legalização.
Com a legalização, segundo J.G., é preciso aumentar o preço, e a
produção tem de ser maior e constante, a fim de cobrir os encargos e as
necessidades de mão de obra.
Ao se legalizar um empreendimento, é necessário
aumentar a produção, elevar o preço, ampliar a
clientela para que se torne viável a nova iniciativa
(agroindústria). Se isso não ocorrer, cai a margem
de lucro (de 50% para 20%). Com essa margem é
difícil trabalhar.
De acordo com esse agricultor (2009), necessidade de
qualificação para as pessoas interessadas em trabalhar em
agroindústrias. “Há muitas pessoas, ainda, que deveriam se qualificar:
quanto mais qualificação, mais a Quarta Colônia ganha com isso”.
Agroindústria Pilecco e Dotto
A agroindústria Pilecco e Dotto (figura 28) iniciou em 1994 e
pode-se considerar que foi a primeira agroindústria que surgiu em São
João do Polêsine, e na região, com as características atuais (legalizada e
fiscalizada). Naquele ano, o casal proprietário da agroindústria
encontrou problemas na agricultura, especialmente na lavoura de arroz
(que era plantado em Cachoeira do Sul) e decidiram retornar a São João
do Polêsine, onde adquiriram uma propriedade menor (cerca de 35
hectares) e passaram a se dedicar à agroindústria e ao cultivo de arroz.
Na propriedade, vive apenas o casal, sendo, ela a responsável pela
agroindústria, com ajuda de uma diarista, e ele trabalha com arroz e
auxilia, eventualmente, na agroindústria. Os dois filhos do casal
saíram de casa e trabalham na cidade.
244
Em um ano perdemos 20 quadras de arroz,
arrendadas em Cachoeira do Sul em função de
enchentes. Deu apenas para pagar as contas. Então
saímos de lá, compramos 35 hectares de terra aqui
e começamos a agroindústria. Inicialmente, era
tudo de modo tradicional. Lembro-me que, no
primeiro Natal, cheguei a produzir 40 cucas. Mas
consegui produzir 500 cucas por semana (I.D.,
2009).
FIGURA 28: Agroindústria Pilecco e Dotto
Fonte: Marin, (2009).
A agroindústria trouxe resultados tão positivos que “compramos
dois carros zero num ano, e então as pessoas viram que estavamos
fazendo dinheiro. Elas começaram a copiar a ideia” (I.D., 2009). Os
proprietários fizeram os cursos via SEBRAE, porém não fizeram
nenhum tipo de financiamento.
A agroindústria é legalizada (com CNPJ) e com fiscalização
(Vigilância Sanitária de São João do Polêsine) e a matéria-prima, em
grande parte, é comprada. Inicialmente, a produção era comercializada
em Santa Maria, em pequenos supermercados. Agora, devido à
proximidade com a RS 149, comercializam, basicamente, na
propriedade, diretamente ao consumidor. “No início lucramos mais, pois
não tínhamos tantos concorrentes”. A agroindústria é administrada
somente pela proprietária e, de acordo com o relato: Isto daqui é
para mim”. O lucro representa em torno de 15% da renda líquida da
propriedade.
Agroindústria Michelin
245
A agroindústria Michelin está localizada em Val Veronês, Silveira
Martins. Moram na propriedade o casal e um filho, e a filha é estudante
universitária. A propriedade se originou por meio de herança.
Segundo a agricultora I.M. (2009): “Faz doze anos (1997)
107
que
iniciamos com a Agroindústria. Começamos porque o meu marido
trabalhava na lavoura e ocorreu um problema de coluna, e ele não podia
mais trabalhar com plantações. Então começamos, aos poucos, na minha
cozinha, com uma máquina manual”.
Os agricultores trabalhavam com o cultivo de fumo, batata-
inglesa, feijão e milho e, a partir do momento em que iniciaram com a
agroindústria, interromperam essas culturas e arrendaram as terras.
Segundo a agricultora I.M., (2009) “Nossa qualidade de vida mudou
para melhor. O trabalho na agroindústria é intenso, mas a satisfação em
se observar os resultados positivos é grande. Além disso, na
agroindústria o lucro é maior do que na agricultura”, afirmou a
agricultora.
A comercialização, realizada pelo marido, ocorre em Silveira
Martins e em Santa Maria, em supermercados como os Dois Irmãos,
Feiras de produtos coloniais, na Cooprosesma de Silveira Martins, e
também, diretamente, na propriedade. Via PRONAF realizaram um
financiamento para a compra de máquinas. Produzem agnoline
(capeletti), massa caseira, pães, bolachas, tortéis e lasanhas. A maior
produção é de agnoline, principalmente no inverno. A produção média
semanal, de maio a setembro, é de, aproximadamente, 800 bandejas (R$
4,00 por bandeja). Via SEBRAE, realizaram os cursos de qualificação,
necessários para trabalhar na Agroindústria.
A agroindústria tem contrato com três diaristas. Adotam
fiscalização municipal e comercializam pelo Bloco do Produtor.
Possuem um prédio adequado à produção, mas não possuem CNPJ,
pois, segundo a agricultora, isso traria redução no lucro, além da
preocupação em relação à perda da condição de assegurado especial do
INSS.
Em relação à qualidade do produto comercializado, I.M. (2009)
afirmou o seguinte: “Eu tentei fazer algo da época da minha mãe (que
ela me ensinou) e mantive o tradicional, o antigo, e todo mundo fala
bem dos agnoline”. A proprietária procurou manter a identidade do
produto colonial, suas características de sabor e, principalmente, o modo
de fazer tradicional.
107
Destaque do autor.
246
Quanto ao meio rural atual, I.M. (2009) disse: “aqui na região, há
uns anos atrás, ninguém tinha carro (a maioria não tinha carro) porque
era pouco que se plantava, e manualmente. Na minha época de solteira,
se andava de carroça. Hoje se tem carro bom e melhor qualidade de
vida”. As atividades na agroindústria foram fundamentais para evitar o
êxodo rural, como relatou a agricultora: “Uma vez eu não queria ficar
aqui. Eu dizia para o meu marido que não ia morrer ali, de jeito nenhum,
eu queria ir embora, mas hoje eu penso totalmente diferente”. De modo
geral, a Agroindústria proporcionou um novo sentido à vida da família
Michelin, gerando renda suficiente para se manter no meio rural, com
dignidade.
Cooperativa Alternativa São Miguel Ltda (COOPASA)
A Cooperativa surgiu, em 2000, na Comunidade Quilombola de
São Miguel (possui, aproximadamente, 160 famílias), a 10 km da sede,
em Restinga Seca. A origem da Cooperativa Agroindustrial esteve
ligada à necessidade de criar uma alternativa de renda às famílias,
principalmente aos jovens. Receberam apoio do MDA (Território Rural
Central, hoje Território da Cidadania Central), do SEBRAE, do
CONDESUS/Quarta Colônia, da Prefeitura Municipal e da UFSM.
Além de trabalharem na cooperativa, os agricultores produzem arroz e
fumo, em muitos casos em terras arrendadas. Os investimentos federais
na Cooperativa foram em torno de R$ 77 mil (Figura 29).
FIGURA 29: Antigal e nova sede da Cooperativa Alternativa São
Miguel Ltda (COOPASA).
Fonte: Marin, (2009).
Segundo o agricultor J.C. (2009):
247
Iniciamos fabricando pães, bolachas, biscoitos e
doces do gênero, sem ter espaço físico adequado.
Depois da nossa, surgiram mais de 20
agroindústrias do ramo. Logo que legalizamos a
cooperativa, o CONDESUS, a partir de 2002, nos
proporcionou vários cursos via UFSM e
SEBRAE.
Para ele, até 2005 tinha-se uma venda mais expressiva.
Produziam-se cerca de 300 pães de amendoim por semana, além de
outros produtos, como biscoitos e cucas. Como houve a redução do
número de empregados em uma indústria de móveis, as vendas
diminuíram, com uma redução de 50% na produção que é fiscalizada
pela Vigilância Sanitária Municipal.
Uma nova sede está sendo construída para aumentar a produção.
Atualmente, a renda gerada para cada cooperado gira em torno de um
salário mínimo/mês. Segundo J.C. (2009), a agroindústria auxiliou na
melhoria da qualidade de vida das famílias cooperadas, possibilitando a
aquisição de produtos (como eletrodomésticos) nas residências. A
agroindústria permitiu, também, melhorar o relacionamento interpessoal
na comunidade.
Cantina Santa Flora
A Cantina Santa Flora (Figura 30) iniciou suas atividades em
2001. Produz vinhos com matéria-prima própria e, também adquirida da
Serra gaúcha. De acordo com o agricultor J.P. (2009): “como a nossa
região é mais quente que a de Caxias do Sul, a uva produz antes e nós
conseguimos, em função disso, preço melhor no mercado: nós podemos
vender um quilo de uva e comprar dois quilos de uva para fazer vinho”.
As variedades cultivadas são: uva Niágara, branca e rosa, Bordeaux,
Merlô e Cabernet Sauvignon.
248
FIGURA 30: Cantina Santa Flora
Fonte: Marin, (2009).
O proprietário da Cantina foi comerciante e se aposentou na
atividade, mas sempre manteve contato com a agricultura, plantando
arroz, soja e milho. Como possuía experiência no ramo, resolveu
dedicar-se, em sua chácara, à fruticultura. Atualmente, vive com sua
esposa e um filho na cidade, sendo que os outros dois filhos realizaram
curso superior e estão trabalhando fora do Município.
O agricultor possui capacidade de armazenamento para 30 mil
litros de vinho. Obteve, inicialmente, recursos da Prefeitura por meio do
Fundo Rotativo Municipal, o que lhe possibilitou o cultivo de 1.000 pés
de parreira e, depois, em 2003, do Programa de Fruticultura Irrigada da
Metade Sul (Profruta/RS), que lhe permitiu plantar mais 2.000 pés de
parreira. “Hoje tenho um investimento de R$ 300 mil”, relatou J.P.
(2009), proprietário da Cantina. Também obteve recursos do PRONAF
agroindústria, porque ainda comprova ser agricultor. Para ele, “os
recursos iniciais foram importantes para desenvolver a agroindústria”.
Ele havia trabalhado, inicialmente, com o pai, em uma área de 50
hectares, mas, segundo o agricultor, “não fazíamos o que fazemos hoje
com cinco hectares”. Possui nessa área cerca de três hectares de
parreiras, e cinco funcionários temporários. Os investimentos são altos,
especialmente, os ligados à Legalização. A Cantina é legalizada e, para
o agricultor, o custo se elevou em torno de 30% em razão disso. De certa
forma, isso favoreceu o produtor que comercializa um produto ilegal,
que não possui nenhum tipo de imposto e que pode comercializá-lo a
um preço mais baixo.
249
O mesmo relatou que, antes da legalização, por três vezes teve
todo o seu produto recolhido de supermercados da Região, por não estar
legalizado. A fiscalização é realizada pelo representante do MAPA em
Santa Maria. Os cursos que o agricultor realizou foram ministrados
diretamente na EMBRAPA Uva e Vinho de Bento Gonçalves.
A Cantina Santa Flora de J.P. é tida como uma das maiores da
Quarta Colônia. O agricultor destaca, entretanto, o papel que a iniciativa
privada tem em investimentos no meio rural. Como tais investimentos
ainda são limitados, o desenvolvimento de alternativas de renda ficam
restritas a iniciativas pulverizadas no território, além de depender,
demasiadamente, das Ações das Prefeituras locais. A principal
consequência desse processo é a limitação no desenvolvimento das
agroindústrias, do turismo, das pousadas, hotéis, etc.
Agroindústria Delícias da Terra
A Agroindústria Delícias da Terra gera produtos derivados da
banana, na cidade de São João do Polêsine. Para S.B. (2009),
proprietária da Agroindústria: “Meu pai, que morava a uns 2 km daqui,
desde os 11 anos se envolvia com plantação de banana e até os seus
85 anos de idade cultivou o produto. Comercializava na própria cidade,
visitando todas as residências, atendendo o cliente em domicílio.”
A Agroindústria localiza-se no meio urbano, e as plantações de
banana foram instaladas na propriedade do pai, falecido, onde reside
um irmão que cultiva outros produtos e cria animais. Possui em torno de
10 mil pés de banana, cultivados em 8 hectares. Não se utiliza nenhum
tipo de agroquímico na produção da matéria-prima e, por isso,
alcançou, nos mais de 50 produtos, derivados da banana, a Certificação
Orgânica. Toda a linha de produtos também é considerada natural, por
não apresentar nenhum tipo de conservante na sua composição. É
considerada, também, produção artesanal, por utilizar equipamentos
apenas para a desidratação da matéria-prima. Utiliza, ainda, na
composição de suas receitas à base de banana, a uva, o moranguinho, o
figo, a tangerina, a manga, a framboesa, o maracujá e o pêssego. Muitos
produtos são adquiridos dos agricultores do próprio município. Outros,
no entanto, são compradas de fora do município. A proprietária da
agroindústria preocupa-se em se favorecer da sazonalidade, utilizando
sempre que possível frutas da época.
Saí do meio rural com 14 anos e logo comecei a
trabalhar. Morei em Ijuí, Santa Maria e em
250
Fortaleza, onde trabalhei com Administração e
Marketing (que é a minha formação). Mas minha
mãe começou a fazer bananadas e comercializar
em Santa Maria e lá em Fortaleza havia quem
fazia banana chips e vendia no supermercado.
Conversando com essas pessoas, havia surgido
a ideia de se fazer passas de banana, mas não se
sabia como. E ai começou um trabalho aqui com o
bombom de banana em 2001. De 2003 para 2004
vim para cá, comprei uma quina de desidratar
tomate e comecei a fazer as primeiras bananas
desidratadas. A comercialização começou de 2004
para 2005. Na mesma época, comecei a produzir
passas de banana (S.B., 2009).
Hoje, a proprietária da Agroindústria produz mais de 800 kg de
polpa de banana, e em torno de 2.500 kg/mês de banana in natura são
usados para tal. Usa, também, cerca de 1.000 kg de chocolate. É um
empreendimento que contou, apenas, com recursos próprios. Possui dois
funcionários permanentes. Na propriedade, localizada a uns 2 km da
sede da Agroindústria, cultivavam-se soja e fumo, mas foram
substituídos pelo cultivo de banana prata (mais de 80% dos bananais).
Segundo a proprietária S.B. (2009), a Agroindústria atende a um
público seletivo que busca um produto de qualidade. A comercialização
ocorre nos supermercados Dois Irmãos e Carrefour, em Santa Maria, e
em lojas especializadas, em cestas e produtos naturais. A divulgação
ocorre por meio de feiras, jornais e em programa de televisão e rádio.
O empreendimento tornou-se uma alternativa de renda à
agricultura familiar. Com recursos próprios, não houve vínculo com o
CONDESUS/Quarta Colônia nem com o SEBRAE. Entretanto,
caracteriza-se como uma importante estratégia de reprodução
socioeconômica, que tende a se expandir, gerando novos empregos.
4.2.3 Turismo rural e a exteriorização da região para outras escalas
A expansão do turismo no meio rural, por um lado, vincula-se a
uma imagem que a sociedade vem criando em torno da independência,
da natureza, da saúde, da tranquilidade e da conservação do patrimônio
cultural do meio rural. Por outro lado, há os problemas que a vida
urbana acarreta ou que são percebidos, como tais, pelos habitantes
urbanos (massificação, poluição, congestionamentos). Essa nova
legitimidade tem dado origem à emergência de novas procuras e
251
comporta potencialidades que podem e devem ser aproveitadas a favor
do meio rural.
O turismo, no meio rural da Quarta Colônia, foi impulsionado
através das ações de determinados agentes, como o CONDESUS/Quarta
Colônia, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE), as Prefeituras e as Políticas públicas federais e estadual.
Inicialmente, deve-se considerar que a atividade turística na Quarta
Colônia é, ainda, incipiente, sendo que os principais avanços estão
ligados à divulgação e à sinalização dos atrativos. Entretanto, há
algumas experiências bem-sucedidas (que serão destacadas a seguir) que
demonstram que o turismo no meio rural da Quarta Colônia tem
possibilidades de avançar. Há, certamente, uma série de limitações
quanto ao desenvolvimento do turismo, de modo geral, na Quarta
Colônia. Pode-se citar as deficiências nas vias de comunicação e
transporte e carência de hotéis, pousadas e restaurantes qualificados. Em
razão disso, a permanência dos turistas é bastante restrita, limitando-se a
poucas horas.
As atividades que atraem turistas à Quarta Colônia estão ligadas,
especialmente, à religiosidade e à gastronomia. Cabem destaque: as
Festas de Padroeiro nas comunidades dos municípios; as Semanas dos
Municípios e as Festas; Feiras e exposições (Festival da Uva e do Vinho
e Mostra Gastronômica em Silveira Martins
108
, Expocolônia e Expofax,
em Faxinal do Soturno; Volksfest e Festa do Morango e da Cuca, em
Agudo - a XI edição, em 2008, abrigou 12 mil pessoas; Festival de
Inverno de Vale Vêneto e Festa do Arroz, em São João do Polêsine;
Festa da Soja, em Pinhal Grande; Veloterra - acontece em todos os
municípios; Festival do Peixe e do Porco no Rolete e Festa de
Navegantes, em Dona Francisca; e Jogos de Verão e Olimpíadas Rurais
que atraem públicos significativos). Os públicos variam entre 15 mil
pessoas (na Expofax, em Faxinal do Soturno) a 38 mil participantes, na
XV Expovolks, em 2008, no município de Agudo. Tais atrativos
caracterizam, basicamente, a identidade turística da Quarta Colônia.
108
Em 2009, realizou-se em Silveira Martins a Mostra Gastronômica da Quarta Colônia. A
proposta da Mostra foi congregar os 13 estabelecimentos participantes em torno de um evento
que divulga a culinária da região. São servidos pratos típicos da cozinha de origem italiana,
alemã e campeira, além de serem comercializados produtos coloniais como embutidos, cucas,
pães, bolos, doces, laticínios, entre outros. São dois dias de evento. Participam Agudo: Padaria
e Confeitaria Ki-Delícia; Ivorá: Recanto do Moinho; Nova Palma: Pizzaria Pança Piena; São
João do Polêsine: Bar da Romilda, Giacomini Produtos Coloniais, Padaria Brilhante, Pousada
Recanto, Sítio da Vovó; Silveira Martins: Agroindústria Michelin, Loro Produtos Coloniais,
Restaurante Val de Buia, Ristorante La Sorella, Quinta Dom Inácio.
252
Há, de um modo geral, um grande potencial turístico no território,
a partir de aspectos naturais, gastronômicos, religiosos e culturais que
podem significar alternativas de renda. De âmbito regional, e que têm
aglutinado atores no intuito de promover o turismo na Quarta Colônia,
destacam-se os casos do Festival Internacional de Inverno, no Distrito
de Vale Vêneto, em São João do Polêsine (turismo cultural) e a
Campanha em favor da canonização do Diácono João Luiz Pozzobon
(turismo religioso).
Em 2008, realizou-se o 23º Festival Internacional de Inverno, da
UFSM (o evento reúne músicos nacionais e internacionais que
participam de oficinas e cursos) e XXIV Semana Cultural Italiana
(gastronomia, corais, teatro, missa em dialeto vêneto, desfile típico).
Segundo o coordenador do Festival, L.P., (2009), 200 pessoas da
comunidade são envolvidas com o evento: “Nessa semana muitas
famílias param de trabalhar na lavoura ou no comércio e passam a
ganhar para trabalhar no festival”. Parte do dinheiro arrecadado naquele
evento é usada para a restauração do patrimônio arquitetônico do
Distrito de Vale Vêneto e para promover o festival subsequente (Figura
31).
FIGURA 31: Fôlder de divulgação do Festival Internacional de
Inverno.
Fonte: Material de divulgação do Festival Internacional de Inverno (2008).
253
Pode-se, ainda, mencionar, em relação ao turismo na Quarta
Colônia, o turismo religioso em torno da canonização do Diácono João
Luiz Pozzobon. Tem sido frequente a visitação ao “Santuário” do
Diácono João Luiz Pozzobon
109
.
Em relação à atividade turística, de modo geral, J.I., Secretário
Executivo do CONDESUS (2007) afirmou que:
Nossos principais eventos são de caráter religioso
ao qual se vincula o Turismo Gastronômico
110
,
mas tudo ocorre de maneira informal, isto é, os
recursos que ingressam não tem nenhuma
tributação sobre os mesmos. Seu destino é a
Igreja: manutenção da Paróquia, do Vigário e da
Capela. Nos eventos (na maioria de cunho
paroquial) a mão de obra é voluntária,
confirmando importante elemento da cultura
italiana. Apesar disso, a arrecadação (lucro) dos
eventos é muito baixa, bem aquém do esperado.
Quem neles comparece (as visitas) gasta pouco,
consome pouco, até porque pouco tempo (apenas
algumas horas) permanece no local das festas. A
região, por outro lado, não conta com serviços de
restaurantes, e recentemente teve início a
infraestrutura hoteleira. O público, na grande
maioria, vem de Santa Maria e não pernoita.
Retorna no mesmo dia.
A maior parte dos visitantes que participam das feiras e festas da
região, são provenientes de Santa Maria. A pouca permanência dos
109
Segundo o Pe. A.P. (2009), o Diácono João Luiz Pozzobon nasceu, em 1904, em Ribeirão,
atual município de São João do Polêsine, onde viveu até os 23 anos. Trabalhou na agricultura e
foi comerciante. Foi ordenado Diácono permanente em 1972. Dedicou parte de sua vida a levar
a Mãe e Rainha Três Vezes Admirável de Schoenstatt às famílias, hospitais, escolas e
presídios, rezando o terço, aconselhando os casais, doentes, crianças e consolando os presos.
Percorreu 140.000 km a pé, levando aos ombros a imagem de Nossa Senhora. Faleceu em
1985, atropelado, indo à Missa no Santuário de Schoenstatt, em Santa Maria. Foi casado com
T.T., em 1928, tendo dois filhos com a mesma. Com o falecimento da esposa, o Diácono João
voltou a casar-se com V.M.F., em 1933, tendo mais cinco filhos. Para divulgar a sua
Campanha do Rosário, viajou por países da América Latina, Alemanha, França, Portugal, Itália
e Roma onde recebeu, em 1979, a Benção do Papa João Paulo II. O processo de canonização se
iniciou em 1994.
110
“Depois da missa, o almoço. O Turismo Gastronômico não se manifesta isoladamente na
região. O aspecto religioso está sempre presente” J.I. Secretário Executivo do
CONDESUS/Quarta Colônia (2007).
254
visitantes na Quarta Colônia dificulta o fortalecimento dos serviços, a
geração de impostos e a estabilidade de postos de trabalho nesses locais.
As visitas rápidas impossibilitam a sustentação da atividade.
O Secretário Executivo do CONDESUS/Quarta Colônia analisou
a atividade turística na Quarta Colônia e apontou seus pontos fracos e
fortes. Segundo ele:
Quando promovemos nosso produto turístico
que está ligado às culturas alemã e italiana,
encontramos concorrentes fortes, estruturados e
organizados, que comercializam seus produtos
pelas principais operadoras nacionais e
internacionais. Se apresentarmos nossos produtos
a essas Agências de Turismo, é difícil que as
mesmas os aceitem, dado que nada de novo é
mostrado. Além do mais, nosso produto turístico
está marcado por carências, isto é, deficiências em
infraestrutura, hotéis, vias de acesso, entre outras.
Então, o que acontece? Os visitantes que aqui
vêm, retornam a Santa Maria (de onde a maioria
procede) e, com isso, a Quarta Colônia deixa de
ter receita. Tendo em vista que nossos elementos
culturais são fundamentais para a autoestima,
local e regional, fundamentais para a história
individual dos italianos, alemães, portugueses,
negros (afro) – é imprescindível que se preservem,
que sejam estimulados, que se valorizem em
função da integração e interação dessas
comunidades. Para tanto, é também necessário
que gerem desenvolvimento econômico no
segmento turístico.
[...] necessitamos de infraestrutura capaz
de atrair o público mais distante para aqui vir e
consumir o que lhe podemos oferecer com
qualidade. Desse processo, o agricultor familiar é
o ator principal. É ele que detém o patrimônio
cultural, as práticas da cultura italiana, o saber-
fazer e as linguagens (dialetos). É sabido que o
principal patrimônio arquitetônico e as festas
religiosas (comunitárias, paroquiais) encontram-se
no meio rural.
A escassez de recursos financeiros são consideradas as principais
dificuldades das administrações municipais para promover o
255
desenvolvimento da atividade. Mas, de acordo com C.F., EMATER
Silveira Martins (2009):
O grande problema é a falta de continuidade
político-administrativa, pois os prefeitos que
assumem seus mandatos têm dificuldade de
entender que o CONDESUS é um projeto social,
permanente, que não deve sofrer interrupção e/ou
paralização. Eles, no decorrer dos mandatos,
acabam rompendo com o mesmo, ou então
esvaziando-o por não participar ativamente. Sem
envolvimento efetivo de todos (Secretários,
EMATER, prefeitos e demais atores) não se
atingem os objetivos desejáveis, pois a divisão de
interesses não soma; pelo contrário, reduz
potencialidades, amarra, não faz evoluir o
processo que beneficiaria toda a região.
Para C.F., EMATER de Silveira Martins (2009), o turismo na
Quarta Colônia ainda não deslanchou como atividade complementar de
renda, em grande parte porque muitas Prefeituras colocam-na em
segundo plano, além de não haver nem competências nas Secretarias,
nem orçamento adequado. Se isso não bastasse, muitos municípios não
possuem um Conselho Municipal de Turismo. Também se percebeu que
os empreendimentos não conseguem desvincular-se das Ações públicas,
não conseguem “se apropriar daquilo e depois dar continuidade
independente da troca de governo”. A região, incluindo Santa Maria,
ainda não tem a visão de turismo que se está criando na Quarta Colônia
(religioso, cultural e natural). E essa predisposição para turismo terá de
ser adquirida. Ainda se tem uma percepção de turismo de massa, de
dirigir-se às praias, ou, no inverno, ir a Gramado ou Canela, por
exemplo. De certa forma se vem construindo uma visão positiva da
Quarta Colônia; entre outros fatores, pela divulgação via programas da
RBS TV e o Jornal Diário de Santa Maria, veículos de comunicação
social de atuação regional.
Nos últimos anos a criação de novas Rotas turísticas (Rota
Turística e Gastronômica Santa Maria-Silveira Martins) e o Projeto de
Turismo Integrado da Quarta Colônia, promovido pelo
CONDESUS/Quarta Colônia, em parceria com o SEBRAE, estimularam
sensivelmente a atividade.
As preocupações, em relação ao desenvolvimento do turismo, não
são consensuais na Quarta Colônia. Prefeituras que o encaram como
256
uma alternativa de renda, enquanto outras não dão o valor que o mesmo
merece. As ações ligadas ao desenvolvimento rural, na Quarta Colônia,
ainda possuem o setor agrícola como o foco das principais atenções.
Portanto, a questão do desenvolvimento do turismo no meio rural
não é vista, de forma homogênea, pelos gestores municipais. Alguns
municípios estão melhor economicamente e possuem mais instrumentos
legais, para incentivá-lo, do que outros. Em linhas gerais, as Prefeituras
procuram divulgar feiras e festas, em seu “Calendário de Eventos”, e
realizar, eventualmente, empréstimos de máquinas para algumas
benfeitorias em propriedades. Apesar de os Municípios não possuírem
projetos próprios para desenvolvimento do turismo, com exceção de
Silveira Martins, os mesmos encontram-se alinhados ao Projeto dos
Roteiros Integrados, conduzidos pelo CONDESUS/Quarta Colônia,
principal mentor e estimulador do setor na região.
Para Souza et al. (2008), “embora existam vários projetos em
andamento ou em vias de serem efetivadas as iniciativas na maioria não
obtêm o respaldo do governo, sendo em geral patrocinadas pela
comunidade ou estão inclusas nas atividades de outras pastas que não a
do turismo” (p. 25). Em ações integradas para a promoção do turismo
regional, espera-se que cada um dos Municípios ofereça a sua parcela de
contribuição (na discussão, debate de projetos, construção). No entanto,
o que se verifica é a ausência de iniciativas de uns e o excesso de ações
de outros.
Dentre as dificuldades de desenvolvimento do turismo, Souza et
al. (2008, p. 34) apontam “a resistência da comunidade em aceitar mais
facilmente o turismo como proposta de desenvolvimento”. A ideia de
turismo apresenta um caráter exógeno, difícil de ser aceito pela
população local, devido às suas características culturais. A adoção da
ideia de turismo representaria uma espécie de “rompimento” com a
visão tradicional cultural existente. Destacam-se, ainda, as constantes
desistências dos empreendedores e das deficiências na comunicação
(celulares, internet) que dificultam a sustentação das atividades ligadas
ao turismo. A integração também é dificultada para dois municípios
(Ivorá e Pinhal Grande) em virtude da dificuldade de acesso (rodovia
sem asfalto). Há certa resistência das comunidades em aceitarem o
turismo como alternativa de renda, especialmente devido ao retorno ser
a médio e a longo prazo.
Há, também, dependência em relação ao SEBRAE, como
instituição formatadora do turismo, no processo de continuidade das
atividades na Quarta Colônia. Ainda não sinais que indicam esforços
em promover o turismo de forma conjunta entre os Municípios. O
257
CONDESUS/Quarta Colônia tenta realizar tal função. Há um nítido
esforço, por parte do CONDESUS/Quarta Colônia, em desenvolver
projetos, fomentar a atividade turística e constituí-la como uma
alternativa de renda. A partir dos esforços do CONDESUS/Quarta
Colônia, por meio de projetos, sinalização turística, divulgação através
de fôlderes, o turismo, em sentido amplo, tem sido discutido entre seus
pares.
A complexidade para desenvolver a atividade turística pode ser
percebida na seguinte fala: “nosso foco é o turismo, mas, para
desenvolver o turismo, tem de serem promovidas várias outras
iniciativas: não é descobrir cachoeiras, trilhas. que promover a
melhoria dos restaurantes, da gastronomia, dos acessos, e das
informações” (J.J. Gestor de Projetos do SEBRAE, 2008). Segundo este
Gestor, que atua em Santa Maria, existe uma sazonalidade nas culturas
do fumo e do arroz, por exemplo, que poderia ser utilizada com a prática
de outras atividades, agrícolas e não agrícolas.
A estabilidade econômica de Unidades de produção também é um
fator decisivo para o não desenvolvimento do turismo: “meus filhos
estão todos moços, eu não preciso disso. Quando posso me reunir com a
família, aos sábados e aos domingos, é quando os turistas estão
chegando. Não quero me envolver com isso” (P.S. Restinga Seca, 2007).
Em 2000, entrou em funcionamento a agência de turismo
ViaggioTur, em Faxinal do Soturno. Segundo a proprietária:
Eu trabalhava com transporte escolar, na cidade, e
para as Universidades de Santa Maria e de
Cachoeira do Sul. Em 1998 foi implantado o
Programa de Desenvolvimento de Emprego e
Renda (PRODER) um projeto do SEBRAE
em Faxinal do Soturno, com a finalidade de
diagnosticar as potencialidades do Município, o
que realmente veio a ocorrer. [...]. Entre tantas
oportunidades levantadas, o turismo foi o que
prevaleceu. Assim, como eu atuava no ramo do
transporte, surgiu a necessidade de abrir uma
agência para organizar excursões para a região.
Teve início em 2000, com o objetivo de realizar
tanto o receptivo quanto o emissivo. De imediato
participei (como aluna) do Curso de Turismo para
me qualificar, mas como eram demasiadas as
minhas atribuições no ramo, em 2004 acabei me
desfazendo de minha parte na Agência. Uma vez
258
que a Faculdade de Turismo me havia aberto
inúmeras oportunidades, fui trabalhar em hotelaria
em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, junto ao
SEBRAE, na área de projetos. No entanto, em
2007, voltei para a sociedade (VIAGGIO TUR) e,
no final de 2008, adquiri as partes das demais
sócias. O mais interessante é verificar o nível
superior de organização que temos, aqui, em
comparação com o das outras existentes em outros
centros. A organização consiste no vínculo com o
CONDESUS e no forte espírito de
cooperativismo, que é um dos elementos fortes,
do ponto de vista cultural, do descendente de
imigrantes. Mas nem sempre nos damos conta
dessa característica (A.B., Faxinal do Soturno,
2009).
Entretanto, a proprietária da Agência ressaltou que se trabalha
muito mais o turismo emissivo do que o receptivo. “Aqui, na Quarta
Colônia, ainda não temos um produto turístico para vender, isto é, ainda
não temos um produto formatado. O interessado que não aguardar, que
não contatar com antecedência, ao chegar aqui, não encontrará ninguém
para te recebê-lo” (A.B. Faxinal do Soturno, 2009).
Deve-se considerar que um incipiente desenvolvimento do
turismo no meio rural da Quarta Colônia. Entretanto, os avanços mais
significativos estão vinculados à divulgação desse território nos cenários
regional e estadual.
Muita coisa mudou nesses anos todos. Naquela
época, eu ia no Festival de Turismo de Gramado,
levando fôlderes com roteiros da Agência, mas
ninguém sabia da existência da Quarta Colônia.
Então teve início essa caminhada os trabalhos
do SEBRAE, a partir de 2003 [...]. Agora, no final
de 2008, quando estive novamente em Gramado,
existe um grande interesse, por parte do
público, em conhecer a Quarta Colônia e seus
atrativos. Deve-se, também, ao SEBRAE a
divulgação, em todo o Estado, dos pontos
turísticos que nossa Agência oferece (A.B.
Faxinal do Soturno, 2009).
259
Para C.D., Secretária da Cultura e Turismo de Pinhal Grande
(2009), as atividades não agrícolas ainda estão restritas a alguns pontos
da Quarta Colônia. As culturas tradicionais exercem uma espécie de
bloqueio ao desenvolvimento de outras atividades. Para a Secretária,
houve evolução no turismo da Quarta Colônia, mas lenta. “Como,
nessas cidades, não indústrias ou atividade comercial com geração
considerável de renda, a Prefeitura se torna o centro promotor do
desenvolvimento”. Em razão de tais fatores, o Poder público, por vezes,
acaba sendo o único núcleo pelo qual emana o desenvolvimento. Daí
sua importância em exercer articulações, criar estratégias de
desenvolvimento e outras iniciativas.
O desenvolvimento do turismo na Quarta Colônia deve-se ao
empenho do CONDESUS/Quarta Colônia em fazer a divulgação e a
exteriorização da região para outras escalas, inclusive a estadual e a
nacional. A seguir, apresentar-se-á as características dos
empreendimentos turísticos no meio rural.
4.2.4 O turismo rural e suas características
Café da Colônia Sabor da Serra
A propriedade, originada por meio de herança e compra,
encontra-se a 25 km da sede do município de Agudo. A família é
proprietária de uma área de, cerca de, 30 hectares onde moram o casal e
um filho. Pai e filho são caminhoneiros e transportam fumo para uma
fumageira de Santa Cruz do Sul. A propriedade possui vegetação
primária e secundária e 12 hectares utilizados com eucaliptos o restante
é cultivado com produtos destinados à subsistência e à comercialização.
A proprietária explicou que o público visitante é bem diversificado. Para
este, significa um reencontro com as raízes coloniais, dos tempos dos
avós, ou mesmo, dos pais. A atividade envolve três famílias de
agricultores, o preparo das iguarias e o atendimento é realizado,
exclusivamente, pelas mulheres. Segundo M.B., proprietária do Café da
Colônia, a renda da atividade representa em torno de 5% da renda
líquida total.
Esta propriedade inseriu-se no turismo, a partir do incentivo do
Programa de Agroindústrias Familiares (PAF) do governo do Rio
Grande do Sul, estruturou o Café da Colônia, como relata uma das
sócias:
260
Iniciamos, em 2002, em três sócias. Uma delas
veio aqui e conversou comigo e, como aqui é um
lugar que neva na estação fria, disse-me que
podíamos inventar alguma coisa, um café [...].
Turistas paravam na frente das casas, mas não
tínhamos nada a oferecer. Então organizamos um
café e convidamos pessoas de Agudo, para nos
dar opiniões. Todos aprovaram a iniciativa.
Passamos a participar das reuniões do
CONDESUS/Quarta Colônia, do SEBRAE, e
fizemos cursos (M. B., Agudo, 2009).
O fluxo de turistas não é contínuo, sendo estes, em sua maioria,
oriundo da região e de Santa Maria. Para frequentar o Café da Colônia,
os grupos de turistas entram em contato com a prefeitura, ou diretamente
com a proprietária, ou, também, com as agências de turismo da região.
Nas palavras da proprietária, a atividade representa uma possibilidade
para interagir com outras pessoas, fortalecendo a autoestima: “gosto
mais de trabalhar com o café [...] porque a gente faz as coisas, (bolacha,
pão) e, é tão bom o contato com pessoas diferentes (M.B., Agudo,
2009).
O Café da Colônia, recebe em torno de 500 pessoas por ano, e
segundo a entrevistada a principal dificuldade é o acesso (por estrada
ensaibrada) o que, para muitos turistas, representa um ponto negativo. A
atividade não possui Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Segundo a proprietária, a legalização ficou inviável, devido à baixa
frequência dos turistas, além de que esse processo a impediria de
adquirir a aposentadoria especial como agricultora.
Assim, deve-se destacar que para ser um vetor de
desenvolvimento local, o turismo tem que considerar o potencial da
comunidade envolvida e as diversidades geográficas, culturais e
ambientais das áreas rurais. Deve, também, basear-se na interação e
integração entre os seus diferentes atores (Estado, instituições privadas e
comunidade local).
Balneário Drews
No município de Agudo encontra-se o Balneário Drews, um dos
mais frequentados e está encluso nos Roteiros Integrados de Turismo da
Quarta Colônia. Localizado na Linha Boêmia, a 14 km da sede (com
estrada ensaibrada) oferece área de banho, nas águas do Arroio Corupá,
261
com trampolim para mergulho, área com churrasqueira, salão de festas
(abriga até mil pessoas), campo de futebol e de vôlei na areia, cancha de
bocha, pracinha, sete cabanas e quartos para locar, três piscinas, espaço
para caminhadas, venda de produtos coloniais, além de uma gruta com a
imagem de Santo Expedito. “Tínhamos um ambiente bastante rústico
que, de certo modo, se manteve, mas se ampliaram as infraestruturas, a
fim de atender a maior número de turistas. Mas o aspecto natural
continuou sendo a base” (L.D., Agudo, 2009).
Para Schneider e Fialho (2000), o turismo rural propicia a
valorização do ambiente, onde é explorado, por sua capacidade de
destacar a cultura e a diversidade natural de uma região, proporcionando
a conservação e a manutenção do patrimônio histórico, cultural e
natural. Pode contribuir, nesse sentido, para a reorganização social e
econômica local, uma vez que oferece benefícios diretos à população
local que participa, direta ou indiretamente, das atividades relacionadas
com o turismo. Outra potencialidade é a criação de mercado de consumo
local para os produtos de origem agrícola, oferecendo uma alternativa
para complementar a renda das famílias rurais. Entretanto, a atividade
turística deve ser planejada e acompanhada pelo Poder público e demais
atores sociais, a fim de evitar impactos indesejados sobre o meio
ambiente, sobre a economia e sobre a sociedade local.
uma área de 10 hectares com cultivo de arroz, que representa
80% da renda líquida total da propriedade, e o restante da renda tem
origem no Balneário. O Balneário Drews passou a funcionar em 2001. O
núcleo familiar é constituído pelo casal e uma filha que auxilia no
Balneário, mas que não mora na propriedade. Segundo L.D., filha do
proprietário:
O pai comprou uma propriedade de um vizinho
que foi morar na cidade. Isso faz 20 anos, mas
sem a intenção de fazer um balneário. Primeiro
ele plantou arroz e fumo. Na volta de uma
excursão ao Balneário Camboriú, de posse
dessa propriedade, meu pai viu que havia um local
com sombra para construir um balneário. Essa
ideia foi posta em prática (L.D., Agudo, 2009).
Não se cobra ingresso, e o lucro é sobre o que os turistas
consomem. O empreendimento gera em torno de nove empregos. A
maior parte da matéria-prima (vinhos, farináceos, embutidos), utilizada
262
no Balneário, é da própria propriedade, o restante é adquirido dos
vizinhos. Este sempre tem frequentadores que usam as cabanas.
O público que frequenta o Balneário é, oriundo,
predominantemente, de Santa Maria, Sobradinho, Ibarama, Salto do
Jacuí, Formigueiro, São Sepé, Faxinal do Soturno, Nova Palma, dentre
outras localidades. A infraestrutura foi financiada pelo PRONAF, e o
CONDESUS/Quarta Colônia participou com a sinalização e a
logomarca. O SEBRAE forneceu os cursos e montou um projeto que
transformou uma antiga estufa de fumo em quartos para turistas. No
verão, frequentam, em média, 250 a 300 pessoas/dia.
Segundo L.D.: “Minha mãe está sempre no meio de pessoas;
assim, ela sempre tem com quem conversar. Mas quando passa a
temporada, ela se sente sozinha, porque meu pai vai para a lavoura”.
Isso demonstra a importância da nova atividade no processo de
socialização dos membros da família da área rural.
Artesanato em Palha de Milho
A artesã iniciou a atividade, cerca de 15 anos, no Centro de
Treinamento da EMATER em Venâncio Aires. Atualmente, mora no
meio urbano de São João do Polêsine, com o marido e uma filha
portadora de necessidades especiais. O marido trabalha com a cultura do
arroz. A artesã realiza artesanato em palha de milho e, segundo a
mesma, (I.P., São João do Polêsine, 2009), “na época (1994)
111
iniciamos em grupo de 15, mas, para fins comerciais, somente eu
permaneci”.
O trabalho é considerado, pela artesã, mais difícil do que o
artesanato em palha de trigo. Ela faz chapéus, tapetes, guardanapos,
empalha cadeiras, garrafas e luminárias, entre outros. “Inicialmente não
pensei em fazer o curso porque não ia fazer para vender, mas sim para
passatempo [...] acredito que seja uma herança de meu pai, porque ele
empalhava cadeiras”.
Em 2004, a artesã recebeu do SEBRAE as etiquetas de divulgação
e a placa de sinalização, via convênio do mesmo com o
CONDESUS/Quarta Colônia.
Os consumidores, em sua maioria, de Santa Maria, compram
diretamente com a artesã. Dona Ivã, como é conhecida, participa como
expositora nas Feiras sobressaindo-se a FEISMA Feira da Indústria e
111
Grifo do autor.
263
Serviços de Santa Maria, e festas, como a do arroz, e o festival de
inverno, ambos em São João do Polêsine. Em média, obtém uma renda
de um salário mínimo por mês (Figura 32).
FIGURA 32: Artesanato em palha de milho
Fonte: Marin, (2009).
A artesã é Cooperada da Coopaagro (Cooperativa Agroindustrial
e Artesanal da Quarta Colônia) e, segundo ela, a atividade lhe
possibilitou fazer um resgate cultural e, ao mesmo tempo, lhe uma
renda extra. Trabalha em torno de 5 horas/dia, mas já chegou a trabalhar
12 horas; “a atividade possibilita interagir com outras pessoas”, diz ela.
Ecoturismo - Trilhas de Vale Vêneto
As Trilhas de Vale Vêneto (Figura 33) iniciaram em 1996. Na
época, recebeu o apoio do PRODESUS/Quarta Colônia, por meio de
capacitações em ecoturismo. As Trilhas foram organizadas em
264
propriedades rurais, no Distrito de Vale Vêneto, em São João do
Polêsine. Segundo T.R. (2009):
FIGURA 33: Logomarca Trilhas de Vale Vêneto, São João do
Polêsine.
Fonte: T. R. (2009).
Fiz o curso de guia turístico através do
PRODESUS e mais tarde, em 2003, fiz o curso de
condutor de Ecoturismo, oferecido pelo
CONDESUS via SEBRAE. Como eu era guia,
comecei a abrir trilhas, em toda a Quarta Colônia.
Na época, 30 pessoas tinham feito o curso de
condutor, mas dois se dedicaram ao ramo: um
em Vale Vêneto, e outro em Pinhal Grande. Nessa
atividade eu trabalho em parceria com
proprietários. Já na época, alguns caminhos já
estavam formatados: eram cinco trilhas que
comecei a divulgar para o público que passou a
gostar do passeio e do meu trabalho (T. R. São
João do Polêsine, 2009).
As trilhas são divulgadas por e-mail e através de jornais e rádios.
No início eu fazia bilhetinhos à mão, fazia cópias,
coloria com canetinha, para chamar a atenção e
passava nas lojas, nas empresas, abordava as
265
pessoas na rua e fui divulgando. É incrível como
aquele bilhetinho, bem simples que era, chamava
atenção, e as pessoas passaram a me telefonar
(T.R., São João do Polêsine, 2009).
No início, havia cinco trilhas ecológicas. Mas, com o tempo, o
número de trilhas diminuíram, pois requeria muita mão de obra para
mantê-las, como diz T.R.: “tem de limpar, constantemente tem de
organizar e manter”. Restaram três, isto é, as mais procuradas. “Assim
comecei a criar eventos: criei a caminhada noturna e a caminhada do
entardecer; foi o que consagrou as trilhas”.
As trilhas são percorridas durante todo o ano, inclusive no
inverno, buscando sempre articular um atrativo natural e um cultural (p.
ex. uma cascata e um moinho à roda-d’água). “A minha equipe são os
meus filhos. Existe uma certa carência de mão de obra qualificada e que
seria importante para aumentar o número de trilhas”.
Também chamou atenção o envolvimento dos agricultores mais
idosos com essas trilhas. “Nas propriedades envolvidas, os agricultores,
especialmente os mais idosos, gostam de participar [...]” (T.R., 2009).
Ao mesmo tempo eles se preocupam porque a infraestrutura é precária
havendo a necessidade de pessoal qualificado para promover a
atividade.
Os grupos que percorrem as trilhas são compostos de 10 pessoas,
em média. Mas a Condutora de Trilhas já chegou a fazer dois grupos, de
50 pessoas. A cada final de semana predominam grupos com mais de 40
anos. Em média, as trilhas têm 4 a 5 km, sendo possível reduzir ou
aumentar o percurso para atender as características do grupo. Os
percursos possuem níveis de dificuldade, do fácil ao difícil.
Ecoturismo – Trilha do Pororó
112
No município de Pinhal Grande o Sítio Somavilla possui uma
área de 32 hectares, com uma superfície de área útil de 15 hectares,
sendo isso complementado com o arrendamento de oito hectares para
sustentar uma família composta por sete pessoas (o casal, três filhos e os
pais).
As atividades agrícolas ocupam a maior parte do tempo na
propriedade. Os cultivos predominantes são: feijão, milho-verde e
112
A origem do nome da Trilha do Pororó vem do indígena. Pororó, portanto, significa
“barulho da queda-d’água”.
266
mandioca. Além disso, cultivam, também, o fumo e todos os produtos
são comercializados.
A propriedade começou a se envolver com a atividade turística
em 2002, explorando a Trilha do Pororó (Figura 34). Esse agricultor
apostou em uma atividade não agrícola, a partir de 2002, com o apoio do
CONDESUS/Quarta Colônia. Deve-se destacar que a área, em que o
aproveitamento turístico, é escarpada.
Em 2002, quando o SEBRAE firmou convênio
com o CONDESUS, o turismo começou a ser
visto como alternativa para o desenvolvimento da
Quarta Colônia. Então os Municípios da região
foram estimulados a participarem do movimento
que lhes traria benefícios, a médio e longo prazos.
Para s, eram as trilhas que interessavam porque
tínhamos área de mata que estava ociosa, por ser
acidentada, mas que poderia gerar renda se fosse
bem explorada. Graças ao SEBRAE, que prestou
consultoria, foi formatada a trilha que, na época,
era a única no Município (L.S. Pinhal Grande,
2009).
O proprietário do Sítio Somavilla realizou um curso (100 horas)
para ser o Monitor da Trilha. Segundo informações do proprietário, de
2002 a janeiro de 2009, a Trilha foi frequentada por mais de mil
pessoas. A frequência de turistas se tornou tão intensa a ponto de o
agricultor ter de reduzir o número de grupos. “De 2007 para cá, tive que
reduzir os grupos porque eu não tinha mais condições de atender. “Então
pensei em integrar mais famílias, se preparar melhor [...]. Mas, por
haver pouco pessoal, pouca estrutura, a demanda estava ficando além
de nossas possibilidades”.
O trabalho realizado na feira COOESPERANÇA (aos sábados),
em Santa Maria, também se tornou uma dificuldade para o agricultor
conciliar as duas atividades. “A maioria das pessoas queria fazer a
Trilha aos sábados, mas é justamente nesse dia que tenho feira. Como
não conseguia conciliar, integrei mais sete famílias. Assim, pude atender
melhor” (L.S., 2009).
Os turistas interessam-se pela trilha, com maior frequência no
verão, mas, segundo o agricultor: “para nós é melhor no inverno, pois
menos trabalho na propriedade”. O público é bem diversificado (em
termos de idade, sexo, renda, etc) sendo a grande maioria proveniente de
Santa Maria. Para percorrer a Trilha, o turista faz um agendamento
267
prévio, via Secretaria da Cultura e Turismo, que depois repassa para o
agricultor.
FIGURA 34: Imagens da Trilha do Pororó no Sítio Somavilla.
Fonte: Nardi (2007).
O nível de dificuldade da Trilha é considerada de fácil a
moderado. Dessa forma, o agricultor a descreveu:
Esta trilha se localiza em mata primária e
conserva o máximo de suas características
originais, sem cortes de árvores ou escavação. É
um percurso (carreiro) onde se passa
naturalmente, tendo alguma proteção somente nos
locais mais acidentados, onde foram colocadas
cordas ou barreiras de proteção para as pessoas
passarem com segurança. Mas nada que degrade a
natureza (L.S., Pinhal Grande, 2009).
Nos termos de L.S. (2009) “é muito bom trabalhar com as
pessoas, conseguimos satisfazer sua curiosidade, seus interesses com
268
essas coisas simples que temos. De início, eu não imaginava que
conseguiríamos atender”.
O agricultor revela, também, sua opinião a respeito do turismo na
Quarta Colônia, e destaca a preocupação ambiental.
Quanto ao turismo, a Quarta Colônia tem enorme
potencial. Estamos apenas iniciando. muito
que melhorar e desenvolver. O grande centro de
consumo de nosso produto turístico é Santa Maria.
É preciso atender a essa demanda, porém as coisas
não acontecem de uma hora para outra. Levam
tempo até porque, junto com o turismo, outras
ações devem acontecer. Por exemplo, tenho que
dar melhor visual para minha propriedade e outras
medidas que a tornem atrativa também. Foi o
SEBRAE que alertou, que estimulou e orientou
para mudanças, melhoramentos. Muitas
propriedades que não tem vocação para a
agricultura. Porque insistir nessa atividade quando
existe saída com o turismo rural (L.S. Pinhal
Grande, 2009).
Para Schneider e Fialho (2000), a atividade turística no meio
rural, que se desenvolva harmoniosamente com a agricultura, e em
regiões que apresentem características compatíveis às necessárias ao
desenvolvimento dessa atividade, pode alavancar a economia local,
gerando aumento na oferta de emprego e, consequentemente, elevando o
nível de vida da população atingida. O turismo rural, planejado,
organizado e administrado com coerência e responsabilidade, tem
condições de ser um instrumento valioso para promover o
desenvolvimento de regiões que estão à margem do crescimento
econômico.
Além do atrativo da Trilha do Pororó, um Sítio Arqueológico
indígena nas proximidades da propriedade, onde apareceram muitas
peças (lascas de pedra, artefatos) devido à erosão. Como diz o
entrevistado, “em 30 m
2
,
eu retirei uma camada de grama para fazer o
piso e achei 30 pontas de lanças. Grupos permaneceram instalados por
muitos e muitos anos”. Na realidade, quem habitava na região eram os
indígenas Pampianos e Guaranis.
O ecoturismo, na propriedade do Sr. L.S., tem permitido uma
maior renda (atinge, aproximadamente, 10% da renda total) à família. O
empreendimento tem passado por melhorias, com o objetivo de atender
269
melhor ao turista. De modo geral, é um bom exemplo, de articulação
entre atividades agrícolas e não agrícolas.
Chácara Santa Eulália
A Chácara Santa Eulália, localizada na Vila Cattani, em Silveira
Martins, possui 2 hectares, pertencente a um funcionário público que
passou a residir em Silveira Martins, há, aproximadamente, 10 anos
atrás, após a aposentadoria. Trata-se, portanto, de um “neorrural”.
“Moro nesta, mas tenho também apartamento em Santa Maria aonde
vou e volto, quase todos os dias” (F.B., Silveira Martins, 2009). Quando
foi comprada a propriedade, se fez a restauração da casa, que estava,
alguns anos, abandonada. Os móveis são do início da colonização
italiana e foram adquiridos de outras propriedades, sendo, hoje, objeto
de visitação.
A primeira atividade que marcou a inserção da chácara na
atividade turística foram caminhadas. Estas iniciavam na propriedade
em questão e percorriam os demais Municípios da Quarta Colônia.
Batizada de “La prima camminata della Quarta Colônia”, se percorria
um trajeto de 104 km, mas isso foi realizado apenas 5 vezes. Os
participantes eram, oriundos particularmente de Santa Maria. Hoje esta
atividade se encontra desativada.
O CONDESUS/Quarta Colônia apoiou a consultoria do
SEBRAE, proporcionando a adequação da propriedade ao turismo e
contribuindo com a criação da Logomarca do turismo para essa
propriedade.
O proprietário criou e patenteou uma bebida chamada de
Aquavit
113
(do latim Aqua vitae água da vida). Em parceria com a
UFSM, foi criado, também da batatinha, um adubo foliar, utilizado em
plantações de soja.
Quinta Dom Inácio
A propriedade Quinta Dom Inácio
114
, localizada na Linha Quarta,
a 10 km da sede de Silveira Martins, desenvolve atividades agrícolas e
113
A Aquavit Alacarávia (bebida típica nos países escandinavos) é um bidestilado produzido a
partir da batata inglesa. A Indústria Familiar Santa Eulália, que produzia o Aquavit, tinha uma
produção média anual de 1.200 litros. A ideia surgiu porque o proprietário constatou que
somente 45% da batatinha é vendida aos supermercados, e o restante é descartada.
114
Refere-se a uma pequena propriedade rural, normalmente com casa de moradia. A família é
devota de Santo Inácio de Loyola.
270
não agrícolas. Seu proprietário era representante comercial de uma
empresa multinacional de defensivos agrícolas. Comprou a propriedade
de um vizinho que decidiu vendê-la e instalar-se na cidade.
A área total da propriedade é de 36 hectares, mas apenas 8
hectares são de área útil, especialmente ocupados com pastagens para a
pecuária leiteira. Segundo I.O., proprietário da Quinta Dom Inácio:
Estressado de tanto lidar com defensivos
agrícolas, comecei a fazer taipas (de pedra) na
minha propriedade. Nesse meio tempo chegou o
SEBRAE, oferecendo cursos que acabei fazendo
para buscar outras alternativas de renda. Isso em
2003. Como a Quinta não mais se autossustentava
com o turismo, pensamos em agregar outra
atividade que foi a pecuária leiteira. Assim,
montamos um tambo de leite. Hoje temos 22
vacas em lactação e quem cuida disso é meu filho,
formado em zootecnia (Silveira Martins, 2009).
Esta propriedade é dotada de uma enorme riqueza natural, como
piscinas e cascatas (09), formadas devido à forte ondulação do terreno.
A beleza das cascatas a fauna e flora diversificada podem ser
contempladas durante o percurso. Ressalta-se, em meio à mata nativa,
duas trilhas que, na época da colonização italiana, eram utilizadas para o
escoamento dos produtos cultivados na propriedade. O trabalho de
condução dos grupos nas trilhas é terceirizado, sendo realizado pelo
Grupo Bandeirantes da Serra, entidade de Santa Maria, atuante,
especialmente, no montanhismo e meio ambiente. A Quinta Dom Inácio
oferece as seguintes modalidades de turismo de aventura: Caminhadas,
Canyoning, Rapel, Mergulho, Escalada e Tirolesa.
O turismo, na Quinta Dom Inácio, representa em torno de 10% da
receita líquida da propriedade. Além das trilhas ecológicas, é oferecido
passeios de “aranha” (espécie de charrete) e restaurante (Figura 35). Os
potenciais desta propriedade não são divulgados em nenhum veículo de
comunicação, pois não ha mão de obra suficiente e qualificada para
atender à demanda de turistas.
Os passeios turísticos, na propriedade, são realizados mediante
agendamento prévio e se atende a grupos de, no mínimo, 10 pessoas,
sendo oferecido um pacote, ou seja, programação para o dia todo,
contemplando percurso guiado em uma trilha, pela parte da manhã e
almoço típico italiano no restaurante da propriedade. À tarde se faz mais
uma trilha, passeio de aranha e o “chá da nona” (café colonial).
271
FIGURA 35: Fôlder de divulgação da propriedade Quinta Dom
Inácio e imagens da propriedade.
Fonte: Marin, (2009).
Para o turista que não esteja disposto a gastar muito, se oferece
um pacote mais econômico, contemplando a programação da parte da
tarde. Além disso uma terceira opção, fazer o passeio nas trilhas,
conforme o número de pessoas interessadas.
Os turistas normalmente visitam a propriedade aos sábados,
domingos e feriados. O agendamento ocorre diretamente com o
proprietário. Segundo este, o pequeno restaurante da propriedade (tem
capacidade de abrigar 60 pessoas) (Figura 36), era a casa onde morava o
antigo proprietário, a qual foi restaurada e, alguns investimentos foram
feitos com os recursos do PRONAF. “Há muita coisa que não mexemos,
para preservar”. O apoio do SEBRAE, a disposição de arquitetos e
nutricionistas e a confecção da logomarca, foram aspectos fundamentais
para a inserção e a permanência da família na nova atividade e a
formatação das trilhas. A EMATER também deu contribuições
272
importantíssimas para melhorar a questão da qualidade da água e do
saneamento básico.
FIGURA 36: Minirrestaurante da propriedade Quinta Dom Inácio
Fonte: Marin, (2009).
A propriedade movimenta turistas durante o ano inteiro, e recebe
em torno de 1.800 a 2.000 pessoas/ano. Eles são provenientes da região
central do Estado. Desse modo a Quinta gera emprego,
temporariamente, para 6 a 10 pessoas, sobressaindo-se entre guias,
condutores de “aranha” e outros funcionários.
273
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo agrícola implantado no Brasil, a partir da década de
1970, pautado em mecanização, insumos industriais e melhoramento
genético provocou uma série de efeitos negativos, tais como o êxodo
rural, a excessiva pressão sobre os recursos naturais, o desmatamento, o
assoreamento e o empobrecimento dos agricultores familiares. Tais
impactos fizeram-se sentir na maioria dos agricultores familiares da
Quarta Colônia. Somente a partir da década de 1990 o território rural
dessa Região passou a abrigar novas funções e agentes de
desenvolvimento. As ações na Região buscaram alternativas de renda
agrícola e não agrícola.
Analisando-se o papel das políticas públicas de desenvolvimento
rural e as estratégias de reprodução da agricultura familiar na Quarta
Colônia, chegou-se a determinados pontos que merecem ser destacados.
Inicialmente deve-se observar o papel desempenhado pelos
agentes do desenvolvimento regional, propondo, discutindo e
implantando alternativas de renda à agricultura familiar na Quarta
Colônia. O Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta
Colônia (CONDESUS) e o Conselho de Desenvolvimento da Região
Central do Rio Grande do Sul (COREDE Central) vêm buscando
promover tais funções. Destaca-se, ainda, o apoio institucional do
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e do
Território da Cidadania da região central do Rio Grande do Sul, que
vem estimulado novas atividades agrícolas e não agrícolas na Região.
As alternativas de renda encontradas, a partir das ações das
políticas públicas e principalmente do CONDESUS/Quarta Colônia,
agindo em favor dos interesses regionais, não estão conseguindo
resolver, totalmente, os problemas socioeconômicos (como a pobreza e
o êxodo rural) dos agricultores familiares da Região. As atividades
agrícolas tradicionais (soja, arroz, fumo, milho) ainda são a base da
reprodução da agricultura familiar, particularmente por possuírem uma
cadeia produtiva consolidada. Entretanto, as atividades ligadas ao
turismo no meio rural, às agroindústrias familiares e à hortifruticultura
ecológica têm se destacado como aspectos favoráveis na busca de
alternativas de renda, que merecem ser estimuladas e constantemente
acompanhadas através de cursos e capacitações. O recurso às atividades
não agrícolas, entre muitos agricultores familiares da Quarta Colônia,
tornou-se um mecanismo para melhorar a renda das propriedades.
Dentre os desafios ainda a serem enfrentados pelos agentes do
desenvolvimento regional e pelas políticas institucionais na Quarta
274
Colônia, pode-se citar: a) a distância até os centros de comercialização,
(particularmente Pinhal Grande) e a ausência de ligação asfáltica em
dois municípios (Pinhal Grande e Ivorá), o que dificulta, por exemplo, a
integração às rotas turísticas; b) a necessidade de apoio as iniciativas de
desenvolvimento rural, por parte das prefeituras municipais e das
EMATERs, sem as quais elas tendem a se diluir; c) a visão imediatista
dos produtores (em parte pelo papel ainda impactante que a agricultura
produtivista exerce sobre a agricultura e sobre os agricultores) e das
prefeituras (com interesse maior em reeleição do que em projetos de
desenvolvimento a longo prazo); d) a necessidade de criação do Serviço
de Inspeção Municipal (SIM) a fim de permitir a venda de produtos de
origem animal, no município, com fiscalização; e) a necessidade de
legalizar e fiscalizar as agroindústrias e, ao mesmo tempo, dar suporte
técnico-financeiro, a fim de que as mesmas possam se manter, gerando
lucro; f) a necessidade de fortalecer a discussão entre prefeituras,
EMATERs, CONDESUS, UFSM e demais universidades regionais
(Vigilância Sanitária, SUASA e produtores interessados), a fim de
encontrar saídas para a legalização e a fiscalização da produção das
agroindústrias familiares da Quarta Colônia; g) fortalecer o
cooperativismo e o associativismo, como forma de estimular alternativas
de renda à agricultura familiar; h) estímulo às ações continuadas à
hortifruticultura e ao turismo no meio rural, que são atividades com
grande potencialidade e que ainda dependem de organização; i) buscar
inserir as mulheres nas discussões que são as principais mentoras das
agroindústrias; j) realizar minicursos e palestras no sentido de informar
os agricultores, antes que instalem agroindústrias, das exigências em
termos de qualificação, infraestruturas, capacitação, legalização,
fiscalização etc; k) permanente envolvimento das prefeituras municipais,
buscando recursos, projetos comuns e divulgação da Quarta Colônia em
escala regional e mesmo nacional.
que se desenvolver um esforço conjunto dos agentes e das
políticas em promover atividades não agrícolas no meio rural, pois elas
não permitem uma renda extra, como também possibilitam a
socialização dos agricultores com grupos sociais, os mais diversos;
enfim, com a sociedade. Acrescenta-se a necessidade de estimular a
participação da iniciativa privada, especialmente em investimentos
como pousadas, hotéis, restaurantes, que tais atividades viabilizariam
diferentes modalidades de turismo.
De forma distinta às das agroindústrias familiares, em que os
agricultores possuem tradição e o saber-fazer, a atividade turística,
apesar da riqueza (cultural e natural) não tem avançado. Há necessidade
275
de capacitação, conscientização e esforços contínuos. Uma proposta é a
promoção de fóruns de discussão na Quarta Colônia, a partir da
articulação do CONDESUS. Entende-se, também, que necessidade
de maior participação dos agricultores nas propostas desenvolvidas pelo
CONDESUS, a fim de facilitar o desenvolvimento de ações regionais.
Necessita-se, ainda, estreitar os laços entre agricultores,
prefeituras e serviços de aprendizagem como o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC), Centros de Treinamento da EMATER, Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) e demais Universidades. Tais articulações
promoveriam o debate em torno do desenvolvimento da Quarta Colônia.
A Quarta Colônia ainda busca trilhar os caminhos do
desenvolvimento. Os avanços pós-1990 são importantes e devem ser
continuados através do apoio das políticas públicas para a agricultura
familiar e pelas ações dos agentes regionais. Muitas ações surtiram
efeitos positivos, fazendo com que a Região se projetasse em escalas
regional e nacional. Entretanto, ainda pode-se avançar, buscando mais
recursos, maior envolvimento dos agricultores, parcerias e debates em
torno do desenvolvimento rural dessa Região.
276
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Familiar. Anais do I Congresso Internacional de Desenvolvimento
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Salvador: Hucitec/Fundação Centro Estadual de Planejamento Agrícola
– CEPA-BA, 1986.
299
ANEXOS
300
Anexo 1
Roteiro para entrevistas
301
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO
ROTEIRO PARA ENTREVISTA - AGRICULTORES
I INFORMAÇÕES A RESPEITO DA UNIDADE DE
PRODUÇÃO FAMILIAR
1- Nome do produtor:
2- Município: Localidade:
3- Área total da propriedade:
4- Condição atual de uso da terra?
( ) Proprietário ha.____________
( ) Arrendatário ha.___________
( ) Parceiro ha._____________
302
5- Caracterização do núcleo familiar.
Nome/grau de
parentesco
Sexo
Idade
Escolaridade
Função Tempo p/ ativ.
agric.
Grau de parentesco: avós, pais, cônjuge, filhos, netos,
dependentes, o próprio.
Escolaridade: analfabeto, ensino fundamental incompleto, ensino
fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio
completo, superior, não alfabetizado.
Função: agricultor, assalariado rural permanente, assalariado rural
temporário, assalariado urbano, do lar, comerciante, estudante,
aposentado, outros.
Tempo dedicado a agricultura: integral, metade, eventual,
nenhum.
6- Qual é a origem da propriedade?
7- Qual a área destinada a:
a) Agricultura:
b) Pecuária:
c) Reserva Florestal:
8- Base técnica da propriedade:
a) manual
b) tração animal
c) mecanização
d) manual + tração animal
e) manual + tração animal + mecanização
f) tração animal + mecanização
303
9- Equipamentos e máquinas:
a) trator
b) semeadeira
c) pulverizador
d) demais equipamentos
e) patrulha agrícola municipal
10- Como decide o que produzir? Como produzir? Quanto
produzir? Para quem produzir?
11- Quais as principais atividades produtivas desenvolvidas na
propriedade?
II INFORMAÇÕES A RESPEITO DA(S) “NOVA(S)
ATIVIDADE(S) AGRÍCOLA(S) E/OU NÃO AGRÍCOLA(S) NA
UNIDADE DE PRODUÇÃO
1- Qual a origem e a evolução da agroindústria, fruticultura [...]
na propriedade?
2- Descrição da produção:
Produto Quantidade (Kg,
litros)/período
3- qual a origem da matéria prima?
a) própria
b) comprada
c) via associação
d) outra forma ________________________________.
304
4- Que fatores influenciaram no desenvolvimento dessa
atividade? Quais as maiores dificuldades na implantação e manutenção
da agroindústria, fruticultura [...]?
5- Qual a origem dos equipamentos que você utiliza em sua
agroindústria, fruticultura [...]?
a) Compra
b) associação
c) aluguel.
6- Quem trabalha na agroindústria, fruticultura [...]?
7- Algum membro da família trabalha fora da propriedade?
Aonde? Porque?
8- Da renda total líquida da propriedade, qual o percentual
proveniente da agroindústria, fruticultura [...]?
9- Como tem evoluído a renda anual? Como tem evoluído os
gastos com a manutenção da família? Quais as despesas tem sido mais
significativas?
10- Alguma atividade agropecuária da propriedade foi reduzida
ou eliminada para dar lugar à agroindústria, fruticultura [...]?
11- As atividades agropecuárias foram ampliadas devido à
agroindústria, fruticultura [...]?
12- Com qual(is) atividade(s) gosta mais de trabalhar?
Agricultura/pecuária/ agroindústria/ fruticultura/ comercialização.
305
II INFORMAÇÕES A RESPEITO DA CAPACITAÇÃO,
PRODUÇÃO, ASSISTÊNCIA TÉCNICA, CRÉDITO E
COMERCIALIZAÇÃO
1- Você realizou algum curso de capacitação?
a) Quem ministrou?
b) Duração do curso?
c) Foi prático para o seu dia a dia?
d) Houve continuidade?
2- A tradicional forma de se fazer os produtos a serem
comercializados ainda são respeitados? Como fica a questão do produto
colonial versus qualidade da produção?
3- Quem lhe fornece assistência técnica? Periodicidade? O que
deveria mudar na assistência técnica?
4- Qual a forma de financiamento para as atividades agrícolas e
não agrícolas?
5- Qual a sua opinião a respeito do sistema de crédito federal,
estadual e municipal para a agricultura familiar?
6- Sua atividade é desenvolvida durante todo o ano?
7- Aonde vende a produção? Intermediários, direto ao
consumidor, atacado, varejo, feira, cooperativa
8- Como realiza a armazenagem e o transporte da produção?
9- Quais as dificuldades na comercialização?
306
10- Quais as principais características dos consumidores?
11- Como você tem divulgado sua agroindústria?
12- Quem realiza a inspeção?
13- Qual tem sido o papel da prefeitura, Condesus, Emater,
SEBRAE na atividade?
III INFORMAÇÕES A RESPEITO DAS RELAÇÕES
SOCIAIS
1- Você é sócio e participa de alguma organização sindical e/ou
cooperativa?
2- Qual a sua opinião a respeito da profissão de agricultor? Como
você se sente sendo agricultor?
3- Como entende o espaço rural no momento atual, está melhor
ou pior que há anos atrás? O que falta e o que avançou?
4- Houve outra opinião em momentos anteriores sobre o espaço
rural e a agricultura familiar?
5- A qualidade de vida da família melhorou nas últimas décadas?
Que fatores influenciaram?
6- Mudaria sua atividade profissional? Por que?
307
7- Quais as formas de lazer da família?
8- Qual o provável futuro dos filhos? Alguém vai ficar na
propriedade?
9- Como você avalia as ações do Condesus, junto à Quarta
Colônia, ao município e aos agricultores familiares?
10- Como você percebe a Quarta Colônia hoje, em termos de
qualidade de vida, especialmente no espaço rural?
308
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO
ROTEIRO PARA ENTREVISTA – TURISMO NO ESPAÇO
RURAL
Nome:
Função:
1- Como se originou e evoluiu o processo de instalação da
atividade?
2- Qual a média mensal de turistas, época de maior frequência e a
proveniência?
3- Dias e horários de abertura aos turistas?
4- Infraestrutura existente para atender os turistas?
5- Há empregados para a atividade?
6- Quais os impactos em termos de geração de renda e emprego
na propriedade e no município?
7- Quais os aspectos negativos presentes na atividade e que
devem ser melhorados?
8- Nº de pessoas/propriedades envolvidas?
309
9- Como a população local envolve-se na atividade e a percebe?
10- Qual política pública que da sustentação a atividade?
11- Quem ministrou/ministra a capacitação das pessoas
envolvidas?
12- Qual tem sido o papel da prefeitura, Condesus, Emater,
SEBRAE na atividade?
13- Como se realiza a divulgação da atividade?
14- Extensão, grau de dificuldade e tempo de duração do
percurso?
15- Como são organizados os grupos e quais os preços
praticados?
16- Perfil do visitante:
ORIGEM
a) ( ) População local
b) ( ) Quarta Colônia
b) ( ) Santa Maria
c) ( ) Municípios RS
d) ( ) Outros estados:_________
PERFIL
a) ( ) Famílias
b) ( ) Jovens
c) ( ) Idosos
d) ( ) Grupos escolares
e) ( ) Casais
f) ( ) Outros:__________________
310
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO
ROTEIRO PARA ENTREVISTA – TURISMO
RELIGIOSO/FESTAS/FEIRAS
Nome:
Função:
1- Qual é a origem desta festa religiosa e como se transformou em
um atrativo turístico?
2- Qual a programação envolvida na festa religiosa?
3- Quem são os responsáveis pela festa. Envolve apenas trabalho
voluntário?
4- Quais as principais características desta festa religiosa,
(número de participantes, proveniência).
5- Qual a infraestrutura disponível? O que tem que melhorar?
6- Qual tem sido o papel da prefeitura, Condesus, Emater,
SEBRAE na atividade?
7- Qual a sua opinião a respeito do turismo no espaço rural da
Quarta Colônia? Qual tua visão sobre a Quarta Colônia?
311
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO
ROTEIRO PARA ENTREVISTA – Agência de turismo
1- Qual é a origem e como evoluiu a Agência de Turismo Viaggio
Tur?
2- Quais os serviços prestados pela Agência?
3- Qual o número de turistas que contratam os serviços da
Agência (média mês/ano)?
4- Quais os locais da Quarta Colônia mais procurados?
5- Quais os meses do ano com maior procura?
6-Com relação ao público:
Qual a origem (local)___________
Faixa etária média _____________
Sexo ________________________
7- Tarifário.
8- Qual tem sido o papel da prefeitura, Condesus, Emater, SEBRAE
na atividade?
9- Qual a sua opinião a respeito do turismo no espaço rural da Quarta
Colônia? Qual tua visão sobre a Quarta Colônia?
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