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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)
Violeta Sarti Caldeira
Política, Direito e representação
de interesses coletivos pela via judicial:
vinte anos de Ação Civil Pública.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2009
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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)
Violeta Sarti Caldeira
Política, Direito e representação
de interesses coletivos pela via judicial:
vinte anos de Ação Civil Pública.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do tulo de Mestre
em Ciências Sociais sob a orientação do
Prof. Doutor Cláudio Gonçalves Couto
São Paulo
2009
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Banca Examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
Agradecimentos
À FAPESP, pela bolsa de mestrado.
Ao Prof. Dr. Rogério Arantes, que desde a iniciação científica me guia
em meus tortuosos caminhos. Embora a responsabilidade por esse trabalho seja
evidentemente minha, não poderia realizá-lo sem seus cuidados e suas precisas
observações.
Ao Prof. Dr. Cláudio Couto, que me estendeu a mão no final dessa pesquisa.
Ao Prof. Dr. Adrian Gurza Lavalle e à Profa. Dra. Ana Amélia da Silva, pelas
lições que me deram na qualificação. Não tenho dúvidas de que foram
fundamentais para meu trabalho.
Ao Dr. Rubens Naves, que tirou minhas dúvidas jurídicas.
Ao nosso grupo de estudos da PUC-SP, com quem dividi trabalhos, alegrias e
angústias (principalmente a Tatiana, Augusto, João, Danilo, Fhoutine e Bel)
A meus pais, Cynthia e Jorge, e ao Júlio, que estão sempre presentes.
À minha avó, Sigrid e ao Gino.
Aos amigos: Alpha, Silvinha, Jana, Ana, Tati, Pedro e Cris, que sempre
torceram por esse trabalho.
E ao Lincoln, que esteve todo o tempo comigo.
Política, Direito e representação de interesses coletivos pela
via judicial: vinte anos de Ação Civil Pública.
Violeta Sarti Caldeira
Resumo
Essa pesquisa buscou analisar os efeitos políticos da introdução dos direitos
difusos e coletivos na legislação brasileira e a forma como estes direitos vêm sendo
tratados pelo Judiciário. Depois de mais de vinte anos da elaboração da Lei
7.347/85, sobre a Ação Civil Pública (ACP), ainda não dispomos de balanços
empíricos abrangentes e de análises mais conclusivas sobre como o Judiciário veio
processando ações coletivas. Pretendemos contribuir para o preenchimento desta
lacuna. São dois os objetivos que norteiam a pesquisa: a) análise da forma como a
ACP veio sendo entendida e processada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, por
meio da análise da jurisprudência deste tribunal; b) exame da representação de
interesses coletivos pela via judicial, com ênfase na legitimação extraordinária
atribuída a associações civis e órgãos públicos. Num horizonte mais amplo, nossa
intenção é avaliar a esfera judicial de solução de conflitos coletivos como parte
importante do desenho institucional da democracia brasileira, contribuindo para
uma avaliação do seu funcionamento desde a reinauguração desse regime nos anos
1980.
Palavras chave
Direitos difusos e coletivos
Representação política
Poder Judiciário
Politics, Law and representation of collective interests in the
Judiciary: twenty years of Ação Civil Pública
Violeta Sarti Caldeira
Abstract
This research analyzed the political effects of the introduction of collective
rights in the Brazilian Law and the manner in which these rights are treated in the
Judiciary. After more than twenty years from the creation of the Law n. 7.347/85,
regarding the Ação Civil Pública (ACP), still we do not have a critical assessment
and more conclusive analysis on how the Judiciary is processing collective actions.
We intend to fill this gap. The objectives of this research are twofold: a) analyze the
way in which the ACP is understood and processed by the Tribunal de Justiça de
São Paulo, through the court’s jurisprudence; b) analyze the representation of
collective interests in the Judiciary, with an emphasis in the extraordinary
legitimacy attributed, by law, to non-governmental and governmental
organizations. On a broader perspective, our intent is to evaluate the judicial
sphere of collective conflict resolution as an important part of the institutional
framework of Brazilian democracy, contributing for the understanding of the regime
after the democratization of the late 80’s.
Key words
Collective rights
Political representation
Judicial Power
Índice
1. Reconfiguração da representação política e os direitos difusos e
coletivos 8
1.1 Autorização 8
1.2 Representação quando o interesse é entendido como objetivo 11
1.3 Representação quando o interesse é entendido de forma dinâmica 14
1.4 Representação política e governo representativo 16
1.5 Mecanismos de responsividade 18
1.6 Representação e democracia 21
1.7 Modelos de representação 24
1.8 Novos espaços de democracia 25
1.9 Participação e representação 27
1.10 Novos espaços de representação 28
2. Ação Civil Pública e judicialização da política no Brasil 31
2.1 Judicialização da Política 33
2.2 Ampliação da Esfera Jurídica e Democracia 34
2.3 Sociedade x Indivíduo, no campo dos direitos difusos e coletivos 38
2.4 Um individualismo nem tão individualista 41
2.5 Introdução dos direitos difusos e coletivos no ordenamento Jurídico
Brasileiro 43
2.6 Implicações políticas da ação civil pública 47
3. Ação civil pública no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a
representação de interesses coletivos no Judiciário 55
3.1 Ação civil pública no Tribunal de Justiça de São Paulo 62
3.2 Quem defende o que no Tribunal de Justiça de São Paulo 65
3.3 O desempenho dos defensores dos direitos coletivos no Tribunal de
Justiça de São Paulo 70
3.4 O desempenho das matérias do direito em acórdãos do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo 75
3.5 A ação civil pública e o controle sobre os atos do Estado 78
3.6 A judicialização da política e a representação de interesses 81
4. Principais características da representação de interesses coletivos no
Tribunal de Justiça de São Paulo
4.1 Algumas características da ação civil pública no olhar do Tribunal de
Justiça de São Paulo 83
4.2 O Ministério Público e a proteção dos interesses difusos e coletivos 85
4.3 Matéria da ação civil pública 87
4.4 O novo papel do Ministério Público 89
4.5 Análise de alguns casos 92
4.6 Controle dos atos do poder público 93
4.7 A ação civil pública e o tema da representação política 96
4.8 A representação política quando os Órgãos Públicos representam
a sociedade pela via judicial 98
4.9 A representação política quando a sociedade civil representa a sociedade
pela via judicial 100
4.10 Representação pela via judicial 101
4.11 O tema da Justiça social 102
5. Bibliografia 104
6. Anexos 108
Anexo I: Lei 7.347/85 (versão original) 108
Anexo II: Lei 7.347/85 (versão atual) 113
Anexo III: Descrição do Banco de Dados 119
1. Reconfiguração da representação política e os direitos
difusos e coletivos
Esta pesquisa trata de um tema que permeia o Direito e as Ciências Sociais.
Pretende, do ponto de vista da Ciência Política, examinar as mudanças trazidas pela
introdução dos direitos difusos e coletivos no ordenamento jurídico brasileiro,
especialmente no que diz respeito à representação de interesses. A análise que
será feita tem como base a idéia de que a introdução desses direitos pode ser
considerada um dos elementos importantes a compor o que se vem denominando
de reconfiguração dos espaços de representação de interesses coletivos.
A representação política nas democracias contemporâneas tem sofrido uma
série de transformações que, algumas vezes, são apresentadas como indicadores
de uma possível crise. Essas transformações podem ser associadas a mudanças no
modelo tradicional de representação política democrática, cuja fundamentação era
o nculo criado entre representados e governantes por meio da eleição. Por outro
lado, também o distanciamento entre eleitores e governantes seria a origem de
novos problemas, por reduzir a própria capacidade do governo representativo de
responder aos interesses dos representados. No entanto, pouco sabemos sobre as
consequências dessas mudanças para nosso modelo democracia.
1.1 Autorização
O significado de representação foi discutido por Pitkin (1967). Sua análise
envolve uma interpretação semântica cujo argumento é que a palavra
representação teria ganho o significado de uma possibilidade de atuar para outros.
Essa interpretação linguística é relacionada por ela à teoria política, espaço no qual
a representação ganha conotação social. Segundo a autora, é possível pensar na
representação em termos individuais também, por exemplo, um ator que
representa determinado personagem.
Uma primeira utilização do termo na teoria política ilustrava a idéia de que a
representação se realizava por meio da autorização e pode ser encontrada em
Hobbes (1974 [1651]). Nessa perspectiva, “um representante é alguém que recebe
autoridade para agir por outros, que fica então vinculado pela ação do
representante como se tivesse sido a sua própria” (Pitkin 2006: 28).
1
A representação, do ponto de vista da autorização, pode ser considerada em
termos formais: uma vez estabelecido um contrato, a autoridade de atuar para é
concedida e o problema da representação se encerraria. Nesse sistema, a relação
entre representantes e representados se em termos da autoridade que um
exerce sobre o outro, de forma que quem manda, manda pelo outro e este
obedece. Pitkin (1967) afirma que mesmo Hobbes algumas vezes utiliza o termo
representação com significado mais próximo do usual para época em que o Leviatã
foi escrito, o qual incluía alguma espécie de limitação por padrões ou obrigações.
Mesmo assim, a autora explica que na teoria hobbesiana de representação não
limites para as ações do representante:
“O fato de que a definição de Hobbes deixa todos os direitos à
disposição do representante e todos os encargos para o representado
é parcialmente obscurecido pela distinção que ele traça entre
autorização limitada e ilimitada. Porém, estudo cauteloso desta
distinção revela que ela mantém a posição fundamental de Hobbes
inalterada: o representante, enquanto tal, é livre” (p. 20).
2
1
A representação, na teoria hobbesiana, ocorre por meio da idéia de representação artificial, espaço
onde “em certos casos algumas de suas palavras e ações [do representante artificial] pertencem àqueles
a quem representam” (Hobbes, 1974: 100). Neste tipo de representação, que Hobbes opõe à pessoa
natural, cujas palavras ou ações são consideradas como suas próprias, o representante seria o ator, mas
suas palavras pertenceriam ao autor. Hobbes quer, dessa maneira, explicar a transferência de poder de
uma multidão a um homem ou assembléia de homens. É justamente nessa transferência que sua idéia
de representação aparece: à medida que se a autorização voluntária da transferência de poder, os
súditos passam a ser autores de tudo que faz o Estado. Assim: “São obrigados, cada homem perante
cada homem, a reconhecer e a ser considerados autores de tudo quanto aquele que é seu soberano
fizer e considerar bom fazer”. (p. 111)
2
Tradução nossa, como os demais trechos do livro. No original: “The fact that Hobbes' definition places
all the rights at the representative's disposal and all the burdens on the represented is partially obscured
by a distinction he draws between limited and unlimited authorization. But careful study of the
distinction shows that it leaves his fundamental position unchanged: the representative, as such, is free
Segundo esse modelo, portanto, a representação seria exercida mediante
um acordo entre partes, sendo o representante incapaz de sofrer qualquer sanção.
Alguma semelhança pode ser encontrada aqui e no campo do direito privado.
Originalmente, a representação, em termos individuais, surgiu neste campo. No
direito privado, uma vez autorizado, o representado responde por tudo aquilo que o
representante fizer. Assim, por exemplo, o representado é responsável por todas as
cláusulas celebradas mediante contrato feito por procuração. A representação seria
fundamentada em aspectos legais, portanto a definição de representação se
encerraria na norma ou no contrato, excluindo do campo do direito privado o tema
da representatividade (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2006). Tanto no modelo
de autorização quanto do direito privado, não é possível dizer se alguém é bem ou
mal representado.
No entanto, a palavra representação, em termos políticos, ganhou outros
significados, explicitando a dificuldade de falarmos em atuar para muitos. Para
Pitkin (1967), “representação aqui significa atuar nos interesses dos representados,
de uma maneira responsiva a eles” (p. 209).
3
Isto é, quando nos referimos a
representação política, de alguma maneira, deve haver responsividade em relação
ao representado. Segundo Gurza Lavalle, Houtzager e Castello (2006) a
representação política:
“leva no seu cerne uma dualidade constitutiva graças à qual a mera
existência da representação, mesmo que legalmente instituída ou
respaldada por mecanismo de autorização, não garante a
representatividade ou correspondência com a vontade ou interesse
dos representados” (p. 54).
3
No original: “representing here means acting in the interest of the represented, in a manner responsive
to them.
A representatividade não pode ser resolvida apenas em termos formais.
Pensada sob essa ótica, a representação ganha uma dimensão dinâmica: o
representado delega poder ao soberano para que ele realize escolhas em seu nome,
porém, o governante deve responder, de alguma maneira, ao representado. Essa
dualidade poder ser lida em uma polêmica estabelecida por Pitkin (2006): “um
representante deve fazer o que seus eleitores querem ou o que ele acha melhor?”
(p. 30).
1.2 Representação quando o interesse é entendido como objetivo
A atuação dos representantes em favor dos interesses dos representados
pode ser considerada um núcleo normativo mínimo da representação política
(Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2006). Uma das polêmicas estabelecidas pela
literatura sobre representação tem como pano de fundo, justamente, esses
interesses. O que devem fazer os representantes para que os interesses dos
representados possam efetivamente ser considerados? A forma como os diversos
autores lêem interesse está diretamente relacionada a essa pergunta.
“Para Burke, representação política é a representação de interesse, e
interesse tem uma objetiva, impessoal, desvinculada realidade” (Pitkin, 1967:
168).
4
O interesse dos representados deveria aparecer na assembléia, mas isso
poderia ocorrer mesmo sem um representante diretamente eleito. Seria possível
que uma localidade que não tivesse um representante pudesse, mesmo assim, ser
representada através de uma suposta conexão entre seus interesses e de outra
localidade, tendo essa ultima o seu representante. Esse tipo de representação, que
o autor nomeia virtual, excluía, quase sempre, a idéia de que interesses eram
individuais, ou de grupos, ou de um grupo tendo muitos interesses, afastando-se
bastante da idéia mais moderna do pensamento utilitarista (Pitkin, 1967).
5
Burke
4
No original: “For Burke, political representation is the representation of interest, and interest has an
objective, impersonal, unattached reality”
5
Burke concebe interesses como amplos, relativamente fixos, poucos em número e claramente
definidos, dos quais cada grupo ou localidade possui apenas um. Esses interesses são em geral
econômicos e associados com localidades cujos meios de vida os caracterizam” (Pitkin, 1967: 174). No
original: “Burke conceives of broad, relatively fixed interests, few in number and clearly defined, of
entendia que havia um interesse da nação, o qual deveria ser perseguido. A disputa
por interesses locais ou grupais poderia ser danosa, uma vez que caminharia em
sentido contrário à busca dos interesses nacionais.
Uma das consequências dessa posição era de que, uma vez que interesses
sejam considerados como objetivos e racionalmente decifráveis, como fazia Burke,
o bom governo é constituído por aqueles que são capazes de decifrá-los. Neste
sentido, Burke acredita que o Parlamento deve ser composto por homens sábios. O
autor considera que esses homens não deveriam ser sábios apenas
intelectualmente, mas moralmente também e com fins na razão prática (Pitkin,
1967):
“A função da racionalidade política é descobrir as leis de Deus e da
natureza, não de maneira intelectualizada, abstrata, a priori, tal qual os
philosophes franceses, os quais ele veementemente rejeita, mas sim
com sabedoria prática.” (p. 169).
6
Segundo a teoria de representação de interesses de Burke, seria possível
concluir que eleições seriam desnecessárias, desde que os governantes fossem
inteligentes o suficiente para perceber o interesse daqueles a quem representam.
No entanto, não é essa leitura do autor. A representação virtual deveria ter uma
base na real (actual). Um dos exemplos dessa posição é a defesa que Burke fazia
da ampliação do sufrágio para lugares onde ele considerava que não estavam sendo
representados sequer virtualmente no Congresso (as colônias americanas, por
exemplo). Para o autor, nem toda a representação precisa ocorrer por meio das
eleições, mas elas não são indispensáveis (Pitkin, 1967). A lógica de Burke é da
garantia da representação no congresso, virtual ou real, em um governo formado
por uma elite sábia. Nesse sentido, para ele, as eleições não são necessárias para
which any group or locality has just one. These interests are largely economic, and are associated with
particular localities whose livelihood they characterize, and whose over-all prosperity they involve. He
speaks of a mercantile interest, an agricultural interest, a professional interest”.
6
No original: “The function of political reason is to discover the laws of God and nature, not in the
abstract, a priori, intellectualized manner of the French philosophes, which he vehemently rejects, but
with practical wisdom”.
garantir que haja representação, porém, apenas um governo de homens sábios
também não é suficiente para garanti-la.
No entanto, uma vez eleitos, a responsabilidade desses governantes é de
buscar os interesses da nação como um todo, não dos seus eleitores:
“O representante é, sem dúvida, um porta voz dos interesses de seu
distrito, por exemplo, do interesse mercantil, se ele representa Bristol.
Mas isso não significa que ele precisa consultar o povo de Bristol, nem
que seus votos precisam favorecer Bristol em detrimento da Grã-
Bretanha” (Pitkin, 2006: 33).
Burke é favorável a que um representado informe suas queixas e
necessidades ao representante, pois as pessoas seriam capazes de perceber
quando suas vidas vão bem ou não. No entanto, pouco saberiam elas sobre a
solução para os problemas que as afligem. Elas deveriam informar seus problemas
aos representantes, mas esses deveriam ter total autonomia para deliberar sobre
essas questões. Na teoria de representação de Burke, portanto, é fundamental que
haja independência do mandato. Isto é, os representantes devem ser livres para
tomar decisões e agir segundo seu juízo e raciocínio. A vinculação entre
representante e representado deve ocorrer por meio dos interesses do último, não
de suas opiniões (Pitkin, 1967 e 2006). Para que isso ocorra, o processo
deliberativo da Assembléia é de extrema importância.
O governo representativo foi criado, historicamente, atribuindo-se ao órgão
decisório uma posição central (Manin, 1995). Em grande medida, essa posição foi
adotada devido à importância do processo deliberativo para a concepção moderna
de governo. Manin explica que essa escolha pode ser atribuída a uma crença
anterior na virtude dos governos da verdade: “a verdade deve ser a base da lei, o
debate é o caminho mais adequado para determinar a verdade; portanto, o órgão
central da tomada de decisões deve ser um local de debates, em outras palavras,
uma assembléia” (p. 14). Para Burke, o interesse seria fixo e racionalmente
decifrável, nesse sentido, o debate era o caminho adequado para a descoberta das
respostas políticas mais adequadas. Por isso, fazia pouco sentido que um
representante consultasse seus representados ao tomar uma decisão:
“Que espécie de razão é essa na qual a determinação precede a
discussão, na qual um conjunto de homens delibera e o outro decide, e
onde aqueles que formam a conclusão estão talvez a trezentas milhas
de distância daqueles que escutam os argumentos?” (Burke, Speech
to the Electores, apud Pitkin, 1967: 170).
7
Esse era um sistema que pressupunha a deliberação no lugar do voto, pois
valorizava o interesse comum em detrimento do individual ou de grupos. A razão
deveria guiar a discussão de forma que terminada a deliberação o voto dificilmente
seria necessário (Pitkin, 1967).
1.3 Representação quando o interesse é entendido de forma dinâmica
Essa forma de conceber a representação, exemplificada pelo trabalho de
Burke, entretanto, cedeu historicamente espaço para o que podemos chamar de
representação dinâmica, que pode ser claramente associada ao liberalismo. Tanto
pensadores de terras americanas quanto os utilitaristas ingleses já articulavam
novas teorias de representação política mesmo na época de Burke (Pitkin, 2006).
A principal mudança em relação à teoria burkeana era de que a vontade dos
eleitores também deveria ser levada em consideração pelo governo. O interesse foi
desvinculado de um bem comum já definido socialmente e tornou-se pessoal. A
noção de interesse teria se tornado mais plural e instável (Pitkin 2006).
Essas novas teorias de representação política trouxeram algumas alterações
para a forma como era pensada a representação. Uma das mais importantes é uma
mudança significativa na relação do indivíduo com o Estado. Os melhores
defensores de interesses passaram a ser seus próprios portadores e o Estado
7
No original: “What sort of reason is that in which the determination precedes the discussion, in which
one set of men deliberate and another decide, and where those who form the conclusion are perhaps
three hundred miles distant from those who hear the arguments?
passou a ter que responder, em alguma medida, às vontades dos representados.
Há, como é possível perceber, uma inversão da idéia de que o governo deve
desvendar os interesses comuns aos representados, para uma crença de que os
interesses devem ser elaborados pelos seus portadores. É uma visão menos
paternalista do papel dos representantes. Por outro lado, essa separação também
colocou os interesses como ameaças ao bom andamento da ordem social. Seria
possível que um grupo de pessoas formasse uma facção maléfica aos interesses
permanentes da sociedade. Para Madison (2001 [1780]):
“Por facção entendo certo número de cidadãos, estejam em maioria ou
em minoria, que atuam movidos pelo impulso de uma paixão comum,
ou por um interesse adverso aos direitos dos demais cidadãos ou aos
interesses permanentes da comunidade considerada em conjunto” (p.
36).
8
Da mesma maneira, para os utilitaristas, cada pessoa era movida por um
interesse próprio e um universal, mas se guiava, sobretudo, pelo seu interesse
próprio. A sociedade, nesse sentido, também estaria ameaçada por interesses
particulares (Pitkin, 2006). Em ambos os casos, seria necessário a construção de
barreiras institucionais capazes de frear a tendência egoísta das pessoas que
colocariam interesses particulares ou de grupos à frente da comunidade. Esse
sistema não excluiu a idéia de que possa existir um bem comum, apenas
reelaborou a maneira pela qual ele deveria ser construído. Não poderia haver forma
a priori de definir o bem comum, nem alguém capaz de fazê-lo. Neste sentido, a
construção de bens comunitários torna-se o resultado contingente de conflitos entre
particulares e esses tornam-se perigosos para a comunidade como um todo.
8
Tradução nossa, como os demais trechos. No livro: “Por facción entiendo cierto número de ciudadanos,
estén en mayoría o en minoría, que actúan movidos por el impulso de una pasión común, o por un
interés adverso a los derechos de los demás ciudadanos o a los intereses permanentes de la comunidad
considerada en conjunto”
As diferenças entre a concepção de representação política nas teorias
burkeana e liberal podem ser associadas a uma crença nas habilidades e
capacidades dos representantes e representados.
“Quanto mais o teórico enxerga o representante como um membro de
uma elite racional, sábia e, portanto, superior, como fazia Burke,
menos faz sentido para ele exigir que o representante consulte as
opiniões ou mesmo os desejos daqueles em nome de quem age. (...)
Ao contrário, na medida em que o teórico enxergar representantes e
constituintes como relativamente iguais em capacidade, sabedoria e
informação, tão mais provável ele estar pronto a exigir que o ponto de
vista dos constituintes seja levado em consideração. (Pitkin, 1967:
211).
9
Isso ocorre porque o liberalismo pressupõe uma igualdade entre os homens,
nesse sentido, nada pode garantir que os representantes, necessariamente,
obtenham respostas políticas mais adequadas do que as elaboradas pelos
representados. Por isso, é fundamental para esse sistema que os eleitores tenham
controle sobre seus representantes.
1.4 Representação política e governo representativo
uma distinção entre representação política e governo representativo. Até
agora, esse texto trata desses conceitos sem fazer uma distinção clara entre um e
outro. No entanto, essa diferenciação foi feita por Pitkin (1967) e pode ajudar a
esclarecer alguns aspectos da representação política.
Para a autora, a representação política não pode ser vista de uma forma
muito rígida. Qualquer leitura que tenda muito para algum lado acaba anulando
aspectos substantivos da representação. Assim, podemos pensar que a
representação deveria incluir alguma dose de representação de vontades, mas sem
9
No original: “The more a theorist sees the representative as member of a superior elite of wisdom and
reason, as Burke did, the less it makes sense for him to require the representative to consult the
opinions or even the wishes of those for whom he acts. (...) Conversely, to the extent that a theorist
sees representative and constituents as relatively equal in capacity and wisdom and information, he is
likely to require that the views of the constituents be taken into account”.
que se deixe de levar em conta a importância da construção de argumentos
racionais para se tratar de problemas políticos, alcançando-se um patamar mais
elevado do que a mera contabilidade dos interesses individuais. Ela se encontra,
portanto, em um meio termo entre a realização das vontades dos eleitores e o
conhecimento político para a tomada de decisão que têm os representantes:
“Questões políticas o tendem a ser tão arbitrárias quanto uma
escolha entre duas comidas; nem elas tendem a ser questões de
conhecimento para as quais um especialista pode dar uma única
resposta correta” (p. 212).
10
Sobre a perspectiva das eleições, podemos pensar que o voto seria uma
forma de controle do eleitorado, mas ele é também uma forma de conceder aos
representantes poder sobre a população. sempre uma dualidade quando
falamos em representação política (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2006). Do
mesmo modo, a representação se encontra em um meio termo entre a
representação dos que votaram no representante e dos interesses da nação como
um todo.
Para Pitkin, a representação não deve ser pensada em termos
absolutamente liberais, nem burkeanos. Mesmo que esses dois modelos sejam
fundamentais para se pensar a representação, e que algumas vezes ela se
aproxime mais de um do que de outro, ambos devem ser levados em conta quando
falamos em atuar para. Isso ocorre porque representação política o significa uma
relação pessoa-a-pessoa, mas deve ser pensada como algo da ordem do público.
“O quê a torna representação não é nenhuma ação singular de
nenhum participante, mas a estrutura total do funcionamento do
10
No original: “Political questions are not likely as arbitrary as a choice between two food; nor are they
likely to be questions of knowledge to which an expert can supply the one correct answer”
sistema, os padrões que emergem das múltiplas atividades de muitas
pessoas” (p. 222).
11
Segundo Pitkin (1967), é possível afirmar que um governo é representante
de um estado, uma nação, um país ou de pessoas. É possível também falar em
representação do governo no âmbito do Executivo, na figura do presidente, ou
mesmo no Judiciário, das cortes, juízes e ris. No entanto, falar que um governo
representa, idéia a autora incluiu na sua discussão sobre representação política,
não significa o mesmo que dizer que um governo é representativo. Vê-se um
governo como representativo o quando ele controla seus representantes, mas
sim quando é controlado por eles. Segundo Pitkin, isso precisa ocorrer de forma
institucional. Pois pouco adianta que um governo responda ao representados hoje e
pare de responder amanhã, a demarcação do governo representativo precisa ter
lugar nos meios institucionais.
É possível perceber que, mesmo que se leve em conta que falar em
representação política não implica necessariamente em responsividade, não dá para
falar em governo representativo sem que se discuta esse aspecto.
1.5 Mecanismos de responsividade
A representação política, historicamente, aproximou-se do modelo liberal.
Hoje, quase tudo que se pensa sobre representação está ancorado na idéia de que
o Estado deve responder à sociedade, isto é, de que são necessários meios de
garantir responsividade na política. A eleição tornou-se a forma mais aceita de
assegurar que o interesse e a vontade dos representados fossem considerados. Por
outro lado, a representação virtual, como havia sido pensada por Burke, ganhou
pouco espaço nas instituições criadas para garantir a participação da sociedade nas
políticas do Estado.
11
No original: “What makes it representation is not any single action by any one participant, but the
over-all structure and function of the system, the patterns emerging from the multiple activities of many
people”
“A alegação que conecta a democracia e a representação é que na
democracia os governos são representativos porque são eleitos: se as
eleições são concorridas livremente, se a participação é ampla, e se os
cidadãos desfrutam das liberdades políticas, então os governos agirão
em favor do interesse da população” (Manin, Przeworski e Stokes,
2006: 105)
As eleições deveriam garantir a seleção de boas políticas, por meio da
apresentação e seleção das melhores propostas entre os candidatos. Seriam
também um momento fundamental para que haja prestação de contas, pois
eleições permitiriam a responsabilização dos governos por suas ações passadas na
medida em que candidatos queiram ser reeleitos. (Manin, Przeworski e Stokes,
2006).
A eleição, mesmo que tenha algumas deficiências, é o modelo mais aceito
para produção de representação política. Entretanto, outros elementos que são
necessários para que a representação de interesses e vontades efetivamente
ocorra. Algumas características dos governos representativos foram destacadas por
Manin (1995). Segundo o autor, essas são características dos governos
representativos desde sua formação e teriam permanecido ao longo do tempo. A
primeira delas, que apresentamos, é de que “os representantes são eleitos pelos
governados”. O modelo representativo é uma forma de governo em que “o processo
seletivo resulta na atribuição de autoridade a determinados indivíduos para que
governem sobre outros” (p. 8). O processo da eleição para a seleção dos
governantes refletiria um princípio do pensamento político moderno, de que
nenhum homem tem atribuições que lhe permitam impor sua vontade a outras
pessoas. Mas, segundo Manin, esse processo não implica que o governo não seja
exercido por uma elite.
A segunda característica dos governos representativos é que “os
representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos
eleitores” (p.8). Apesar de serem eleitos e poderem ser destituídos, os governantes
mantém um grau de independência nas suas decisões. Segundo Manin, isso se
deve ao fato de que não mandatos imperativos, tampouco obrigação legal de
instruções dadas por eleitores. Portanto, o controle que o povo tem sobre os
governantes, muitas vezes, reduz-se à vontade de se reeleger que tem o
representante, fato que não necessariamente garante que o representante agi
conforme o interesse/vontade do representado (Manin, Przeworski e Stokes, 2006).
Em terceiro lugar, Manin discute que “a opinião pública sobre assuntos
políticos pode se manifestar independentemente do controle do governo”. Para um
governo representativo, é importante que os governados possam expressar
livremente suas opiniões, portanto, é necessário que haja acesso à informação
(publicização das decisões governamentais). A liberdade de expressão seria
fundamental para que os governantes tomem conhecimento das vontades dos
governados, incentivando-os a agir de maneira responsiva aos últimos, se quiserem
ser reeleitos. Além disso, o autor explica que essa é uma divisão fundamental entre
o governo representativo e o chamado da “representação absoluta, baseada na
autorização como meio exclusivo de representatividade: a liberdade para expressar
opiniões. “O governo representativo é um sistema em que os representantes jamais
podem declarar com confiança e segurança absolutas: 'Nós, o povo'” (p.13).
Por último, “as decisões políticas são tomadas após debate”. Esse é um item
que deve ser pensado em função da assembléia, a qual desempenha um papel
importante no governo representativo. Uma das características dos governos
modernos seria a aceitação da diversidade social que encontraria significado nas
assembléias e se realizaria por meio dos debates.
1.6 Representação e democracia
Esse governo representativo, eleito, com mecanismos de controle da
sociedade sobre as decisões políticas do Estado e suas implementações, muitas
vezes, é associado com a democracia. Governo representativo e democracia, na
verdade, costumam ser usados como sinônimos. Mas nem sempre.
Historicamente, o governo representativo surgiu numa época em que se
buscava a igualdade de direitos entre todos os homens, inclusive de serem eleitos.
No entanto, uma sólida discussão dentro da literatura de representação política,
sobre a possibilidade de o governo representativo ser ou não democrático. Para
Manin (1995), a criação da assembléia como importante instrumento do governo
representativo vem associada a um legado histórico de associação com as
“assembléias dos estamentos”, típica do modelo feudal. A assembléia seria um
emblema da mistura do novo modelo de representação com o velho sistema feudal.
Segundo seu raciocínio, nem mesmo as eleições seriam um sinal de democracia:
“O fato de que os fundadores do governo representativo tenham
escolhido a eleição, e não o sorteio, como método legítimo de seleção
de representantes mostra que eles não viam incompatibilidade alguma
entre representação e governo de elites” (p. 8)
No entanto, nem só da vinculação da representação com um governo
elitista podemos extrair argumentos que desviem a representação do âmbito da
democracia. Se levarmos a cabo os argumentos expostos por Madison (2001),
certamente teríamos que dissociar governo representativo de democracia:
“A falta de segurança, a injustiça e a confusão a que abre a porta nas
assembléias populares, tem sido realmente as doenças mortais que
fizeram perecer todo governo popular; e hoje continuam a ser os
tópicos prediletos e fecundos dos quais os adversários da liberdade
obtém suas mais plausíveis declamações.” (p. 36)
12
Para Madison, o governo representativo poderia proteger melhor os cidadãos
das paixões políticas do que a democracia pura:
12
No livro: “La falta de fijeza, la injusticia y la confusión a que abre la puerta en las asambleas públicas,
han sido realmente las enfermedades mortales que han hecho perecer a todo gobierno popular; y hoy
siguen siendo los tópicos predilectos y fecundos de los que los adversarios de la libertad obtienen sus
más plausibles declamaciones.
“Uma democracia pura, pela qual entendo uma sociedade integrada
por um reduzido número de cidadãos, que se reúnem e administram
pessoalmente o governo, não pode evitar os perigos do espírito
sectário.” (p. 39)
13
certo paralelismo entre o argumento de Madison e ao processo descrito
por Manin, isto é, ao par da vinculação entre representação e elitismo, surge a
ligação entre democracia e autoritarismo. A representação, portanto, seria um
ótimo remédio contra esse mal e um filtro das paixões que acometem com
freqüência as democracias puras:
“Por o bem público e os direitos privados a salvo do perigo de uma
facção semelhante e preservar ao mesmo tempo o espírito e a forma
do governo popular, é, neste caso, o fim magno de nossas
investigações.” (p. 38)
14
Os Estados Unidos, tornando-se uma federação, correriam menos riscos de
serem solapados por uma facção do que ocorreria com governos pequenos,
argumenta Madison, contrapondo-se ao até então bem estabelecido argumento de
Montesquieu, segundo o qual grandes estados e grandes populações tenderiam ao
despotismo. O que daria suporte ao argumento federalista, desenvolvido mais
especificamente por Madison, é da superioridade do governo representativo em
relação à democracia pura. Como a Federação seria um governo baseado em freios
e contrapesos, em que o poder só poderia ser freado por outro poder, um número
maior de interesses sendo disputados e resolvidos em ambientes afastados das
paixões populares por meio de um governo representativo, seria um tipo de
governo mais desejável do que a democracia pura. Esse argumento torna a
13
No livro: “Una democracia pura, por la que entiendo una sociedad integrada por un reducido número
de ciudadanos, que se reúnen y administran personalmente el gobierno, no puede evitar los peligros del
espíritu sectario”.
14
No livro: “Poner el bien público y los derechos privados a salvo del perigo de una facción semejante y
preservar a la vez el espíritu y la forma del gobierno popular, es en tal caso el magno término de
nuestras investigaciones”.
representação um governo mais próximo dos desejos e interesses populares do que
a democracia pura.
O argumento de que um governo do povo pelo povo pode ser uma ameaça
para as liberdades civis, chave do liberalismo, pode ser a base que aproximou o
governo representativo daquilo que convencionalmente se chama democracia. O
encontro entre liberalismo e democracia, do qual nos fala Bobbio (2000), decorre
do fato de que a defesa das liberdades civis passou a ser fundamental para a
manutenção da própria democracia política, assegurando aos indivíduos uma esfera
própria de liberdades frente ao Estado, gerando a idéia de que deveriam ser
construídos mecanismos institucionais capazes de defender os primeiros de um
eventual abuso de poder por parte do segundo.
Esse pensamento foi fundamental para caracterização do que hoje se chama
democracia: a sociedade não pode governar a si mesma, seja por razões elitistas
ou razões de logística, mas precisa participar do jogo político por meio de eleições
livres, liberdade de expressão, liberdade de articulação política, etc. Portanto, o que
se convencionou chamar democracia tem a ver muito mais com essa capacidade da
sociedade de interferir nas políticas do Estado do que propriamente um governo do
povo e pelo povo. O governo representativo, diante disso, acabou se aproximando
do governo do povo, mas no sentido de permitir à sociedade controlar o poder.
Muitos autores que defendem que a representação é democrática se
baseiam nessa percepção, inclusive, alguns autores que discutem democratização.
Para esses autores a sociedade estaria caminhando ruma a uma ampliação de sua
importância na política institucionalizada, portanto caminharia no sentido da
democratização. Para Urbinati (2006) “a história moderna sugere que a genealogia
da democratização começou com o processo representativo” (p. 195). Dois
aspectos, segundo a autora, seriam fundamentais para esse processo: a separação
entre Estado e sociedade civil e a dissociação de candidatos e posições sociais pré-
estabelecidas, que teria destacado debate de idéias políticas. A representação
espelharia uma tensão da junção/separação da sociedade civil e do Estado e das
fronteiras que os afastam e conectam.
1.7 Modelos de representação
Um primeiro modelo de representação política adotado historicamente é o
modelo parlamentar. Resumidamente, ele se baseava numa relação pessoal entre
representantes e eleitores garantida pela proximidade entre ambos em um colégio
eleitoral bastante reduzido. A relação entre representantes e representados ocorria,
portanto, de forma pessoal. Com o aumento do tamanho do eleitorado, esse
sistema foi cedendo espaço à representação realizada por meio de partidos políticos
(Manin, 1995).
A representação por partidos políticos tinha como base relações de classe
estabelecidas. Formaram-se blocos que agiam em conjunto politicamente, tanto no
sentido do debate público como em termos de votação política no congresso. A
sociedade podia ser dividida, em suas diferenças econômicas e culturais, grosso
modo, em dois campos: os conservadores e os socialistas. Os eleitores costumavam
se identificar com uma delas, na qual votavam e da qual se aproximavam. Nesse
sentido, “na democracia de partido, a representação se torna, fundamentalmente,
um reflexo da estrutura social” (Manin, 1995: 20).
Para Manin, em um primeiro momento, a representação partidária teria sido
vista como indicadora de uma crise da representação. Passado algum tempo, ao
contrário, seria considerada como intensificadora da relação entre representantes e
representados por meio de uma aproximação dos governantes com a vida dos
governados, além da aproximação popular da política por meio da militância.
Segundo o autor, algo semelhante parece acontecer com a representação hoje. A
queda da importância atribuída aos partidos de massa tem sido apontada como
uma crise, mas o autor considera que o mesmo tipo de processo ocorrido na
mudança anterior pode estar em curso agora, isto é, trata-se muito mais de uma
transformação do modelo representativo do que de uma crise da representação per
si.
A crise da representação é um problema que vem sendo tratado, muitas
vezes, sob a perspectiva de uma possível crise da democracia: alguns autores
acreditam que a queda de importância dos partidos políticos é um sintoma grave
de deficiência da representação democrática. Segundo Manin (1995), esses
autores se espelhariam na idéia de que fatores técnicos que os cidadãos não
dominam vêm ganhando espaço na arena política. Além disso, a mídia estaria
exercendo um papel de transformar o debate público, de apresentação de
propostas políticas em eleição de pessoas que são muito mais “construídas” para
o público do que identificadas com posições ou propostas políticas. No entanto, o
autor acredita que as mudanças que têm ocorrido nos espaços de representação
política não alteram as principais características do governo representativo.
Nesse sentido, a representação política não estaria em crise, apenas estaria
passando por transformações que precisam ser mais bem examinadas.
1.8 Novos espaços de democracia
uma vasta literatura, entretanto, que acredita que a sociedade está
criando novos espaços democráticos. Santos (2005), afirma que alguns fenômenos
políticos têm aproximado as opiniões populares das decisões políticas. Segundo o
autor, em contrapartida a visões elitistas da democracia,
15
alguns novos espaços de
participação popular nas decisões governamentais foram criados. Pesquisa
organizada por Dagnino (2002) confirma essa tese. Para a autora, a criação de
espaços públicos em que o governo dialoga com a sociedade contribuiu para o
aperfeiçoamento da democracia. O orçamento participativo e conselhos gestores
são considerados alguns desses espaços. Mas a ampliação do diálogo do Estado
15
Schimitt, Kelsen, Michels e Schumpeter são alguns dos autores com quem Santos dialoga. Uma das
características marcantes desses autores era a maneira de tratar a democracia como um governo de
elites. Segundo esses autores, a democracia não seria um sistema aberto a participação das camadas
populares no jogo político, mas um sistema de troca de elites no governo, por meio das eleições. O
governo seria sempre composto por uma elite (industrial ou financeira, por exemplo), o que variava
efetivamente era que elite estaria no poder, mas o sistema não abriria espaço ao poder popular.
com a sociedade civil também pode ser pensada em decorrência da atuação das
ONGs e movimentos sociais.
Para alguns estudiosos do caso brasileiro, uma relação intrínseca entre o
desenvolvimento de mecanismos populares de participação política e o
desenvolvimento da sociedade civil no período da democratização. A retomada da
sociedade civil brasileira teria se dado com o fim da ditadura militar, época em
que se multiplicaram movimentos sociais e a sociedade civil ganhou voz (Avritzer,
2002). Depois de um longo período de repressão às formas coletivas de
organização, novos movimentos se desenvolveram despertando novamente a
atenção dos analistas. Entre os estudos que se desenvolveram a partir dessa
época, é comum o resgate do conceito de cidadania para caracterizar os novos
movimentos sociais (Telles, 1994 e Dagnino 1994), embora tenha ocorrido também
uma idealização da noção de sociedade civil em meio a essa retomada (Gurza
Lavalle, 2003).
Podemos encontrar, portanto, uma vinculação entre democracia e
participação da sociedade civil em decisões políticas e implementação de políticas
públicas. dois pilares que sustentam essa teoria: a criação dos direitos
(cidadania) e a separação entre Estado e sociedade civil. Podemos pensar,
portanto, que um elo entre as teorias de representação política e de
democratização: para que a democracia se efetive, é necessário que a sociedade
civil organizada possa controlar os atos do Estado.
1.9 Participação e representação
Apesar de ter pontos em comum, a literatura sobre representação política
parece não dialogar com a literatura sobre democratização. A primeira costuma
centrar sua atenção nos mecanismos institucionais clássicos da teoria de
representação política, sem pensar em novos espaços que têm sido abertos. Por
outro lado, a teoria da democratização parece não se preocupar com o tema da
representação de interesses. “Em palavras mais sintéticas, embora de modo
brutalmente esquemático, quem pensa a representação política tem atentado pouco
para a reforma da democracia e vice-versa” (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello,
2006: 50).
A forma como alguns autores tratam a abertura de novos espaços de diálogo
entre sociedade civil e Estado sob a ótica da participação, excl da discussão o
problema da representação de interesses (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello,
2006). Possivelmente, esse olhar torna esses novos espaços mais democráticos do
que eles efetivamente são. Nesse sentido, o que tornaria democrática a
participação de atores civis em políticas estatais seria sua posição exógena ao
Estado, sendo desnecessárias indagações sobre que atores ocupam que espaço e
com quais interesses. A relação seria democrática pelo fato de o poder público
manter espaços para o diálogo com atores da sociedade civil. O que parece conferir
presunção de legitimidade a estes atores simplesmente por não serem estatais.
Essa visão acabou criando a idéia de que as associações da sociedade civil
estariam necessariamente agindo conforme os interesses coletivos. O que se
discute são espaços de democracia, mas pouco se diz sobre quem atua nesses
espaços. A nova sociedade civil foi definida como uma trama diversificada de
atores coletivos, autônomos e espontâneos a mobilizar seus recursos associativos
mais ou menos escassos via de regra dirigidos à comunicação pública para
ventilar e problematizar questões do interesse geral” (Gurza Lavalle, 2003: 97).
Como vimos, falar em interesse implica um delicado e antigo debate que essa
literatura parece evitar.
Gurza Lavalle, Houtzager e Castello (2006) explicam que um problema
analítico que vem sendo criado pela literatura dos novos espaços de participação
política. Os autores acreditam que há uma falta de diferenciação clara entre
sociedade e sociedade civil criando uma expectativa de que uma, necessariamente,
representa a outra. O pressuposto de uma certa continuidade ou conexão natural
entre um bloco de atores societários e a sociedade civil ou alguns seguimentos
dela, (...) [torna] descabidas indagações acerca dos processos de representação
que vinculam ambos” (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2006: 80).
É possível que essa falta de diferenciação tenha sido criada justamente pela
vinculação entre controle da sociedade sobre as ações do Estado e democracia,
tornando essa uma relação democrática a priori, sem que seja necessário indagar
quem representa o que e em que espaços. Para Gurza Lavalle, Houtzager e
Castello, a relação sociedade versus sociedade civil é uma forma de representação.
1. 10 Novos espaços de representação
Por outro lado, a teoria sobre representação também tem deixado de lado,
muitas vezes, esses novos espaços de diálogo entre sociedade civil e Estado. Esse
fenômeno, entretanto, tem se destacado como uma das importantes
transformações da democracia contemporânea. A representação política tem
ocorrido para além das suas formas institucionais.
Novos espaços, para além dos mecanismos eleitorais, têm sido abertos à
representação e o tema da representatividade emerge novamente. Gurza Lavalle,
Houtzager e Castello (2006) recuperam a noção burkeana de representação virtual,
para aplicá-la ao debate sobre novas formas de representação, a partir da
participação da sociedade civil. Isto é, ela ocorre quando um determinado grupo
torna-se porta-voz de demandas de algum grupo social mais amplo. Isto poderia
ocorrer tanto no que se refere a temas pouco debatidos nos espaços tradicionais de
representação, como poderia ocorrer com grupos sub-representados no sistema
tradicional da política.
Para os autores, “os dilemas da representatividade são inerentes à
representação política moderna, cujas potencialidades máximas apareceram
particularmente cristalizadas nos limites estruturais do mecanismo eleitoral para
garantir a representatividade das instituições democráticas” (Gurza Lavalle,
Houtzager e Castello, 2006: 52). Podemos dizer que a representação pela via do
voto não têm sido a única forma de representação de interesses nas democracias
contemporâneas. Mais do que isso, novas formas de representação aparecem,
justamente, em espaços onde o voto não é suficiente para garantir a
representação.
É possível, nesse sentido, dizer que a representação política encontrou
novos espaços para além do mecanismo eleitoral, os quais tiraram o Legislativo do
centro do debate sobre a representação. “O modelo de representação política que
organiza as democracias contemporâneas, cristalizados nos séculos XVIII, XIX e
XX, entrelaçou o Legislativo como lócus da representação”. (Lavalle, Houtzager e
Castello, 2006: 57). Como vimos, a relação entre representantes e representados
tinha sua principal sede no Legislativo, assumida, a eleição, como legitimadora do
processo de representação. No entanto, a eleição como método de garantia da
representação política tem sido questionada: “há sólido repertório de críticas
técnicas ou de método quanto à impossibilidade de se produzir diagnósticos ou
maximizações deste ‘interesse geral’ a partir da agregação de votos” (p. 59). Novos
caminhos têm se aberto para a representação dos interesses coletivos.
Alguns autores têm tratado de novos espaços criados dentro do Poder
Executivo que dão margem para que se debata a representação de interesses por
meio da participação direta da sociedade nesse poder. No entanto, pouco se fala
dos espaços de representação que estão sendo abertos também pela via da Justiça,
sobretudo na figura dos direitos difusos e coletivos e dos atores legitimados a
defendê-los perante o Judiciário.
Este trabalho tem por objetivo introduzir o debate sobre representação de
interesses nos marcos da novidade representada pela introdução das ações
coletivas no direito brasileiro. Buscaremos analisar o entendimento que o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo construiu nas últimas décadas sobre tais ações e
o alcance dos chamados direitos difusos e coletivos. Dada a importância que este
Tribunal tem para o sistema de Justiça de todo o país, esperamos que a presente
análise possa ter resultados mais amplos. Veremos também quais interesses têm
sido defendidos e por quais atores, pensando no impacto desse novo espaço de
representação de interesses para a democracia.
2. Ação Civil Pública e judicialização da política no Brasil
A ação civil pública, criada por lei durante o processo de redemocratização
do Brasil, tem se mostrado um importante instrumento para a representação de
interesses coletivos no Judiciário. Desde a incorporação dos direitos difusos e
coletivos no ordenamento jurídico brasileiro, a judicialização de conflitos tem sido
uma forma bastante utilizada para a defesa de direitos como do meio ambiente, da
habitação e urbanismo, do consumidor, da criança e do adolescente, do patrimônio
público e probidade administrativa, entre outros. Uma nova arena que vincula a
representação dos interesses coletivos ao direito ganhou vida não sem gerar
também algumas controvérsias.
O debate sobre os direitos difusos e coletivos, no Brasil, teve origem no
meio jurídico e, de , transformou-se em Lei, como demonstraremos mais adiante.
Segundo Arantes (2002), a preocupação da doutrina jurídica com este tema tomou
impulso nos anos de 1970. A base teórica da literatura sobre direitos difusos e
coletivos teria origem em um artigo de Mauro Cappelletti, Formazioni Sociali e
Interessi di Gruppo Davanti Allá Giustizia, publicado em 1975. Arantes explica que
este artigo “tornou-se rapidamente a mais importante referência dos primeiros
juristas brasileiros que se ocuparam do tema, com destaque para José Carlos
Barbosa Moreira, Waldemar Mariz de Oliveira Jr. e Ada Pelegrini Grinover” (Arantes,
2002: 54).
O tema dos direitos difusos e coletivos emergiu do debate sobre acesso à
Justiça. Seu principal argumento dizia respeito à idéia de que o direito individualista
não era capaz de produzir justiça. Mais especificamente, uma vez que seu foco se
concentraria no indivíduo, o direito de matriz liberal clássica não seria capaz de
responder a problemas sociais. Neste sentido, essa discussão surgiu em meio a
uma feroz crítica à matriz teórica do direito liberal.
Um dos livros mais importantes sobre este tema, Acesso à Justiça, de
Cappelletti e Garth (1988) caminha, justamente, no sentido desta crítica. Quando
introduzem sua leitura sobre o problema do acesso à justiça, os autores
argumentam que “nos estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove,
os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia
essencialmente individualista dos direitos, então vigorante” (Cappelletti e Garth,
1988: 09).
Nessa perspectiva, o acesso à justiça era visto como um direito natural,
que o precisaria da intervenção do Estado para efetivar-se. Todavia, é
justamente essa a crítica que será feita ao Estado liberal clássico: a criação dos
direitos não garantiria sua implementação. O Estado precisa intervir socialmente
para que seja possível a efetivação dos direitos.
Grande parte da origem dessa crítica está na matriz (teórica e prática)
criada pelo wellfare state em alguns países da Europa. Cappelletti e Garth
argumentam que essa forma de Estado transformou a relação da Justiça com o
cidadão comum. O Judiciário teria deixado de ser, ele próprio, um instrumento do
Laissez-faire do direito liberal clássico, por meio do qual cada pessoa lesada nos
seus direitos deveria buscar justiça conforme sua vontade, e teria passado a
mecanismo de intervenção social do Estado. Como na economia, espaço em que o
Estado passou a ter um papel afirmativo de intervenção social através de políticas
públicas que visavam diminuir as desigualdades sociais e ampliar direitos, a Justiça
deveria agir em favor de uma diminuição das significativas diferenças existentes
entre as partes em litígio no processo, de maneira a tornar mais igualitária a
relação entre elas ou tornar efetivo o acesso à justiça àqueles que nem sequer
conseguiam ingressar com ação. A grande repercussão deste livro de Cappelletti e
Garth teve origem no esforço que fizeram os autores ao problematizar as
dificuldades do acesso à justiça, relacionando-as com a incapacidade do sistema de
Justiça de produzir respostas a problemas sociais. Destaca-se, no livro, a busca por
saídas institucionais para o problema do acesso à Justiça. Entre elas, a da
normatização dos direitos difusos e coletivos.
A principal argumentação dos autores sobre o tema do acesso coletivo à
Justiça é a necessidade da criação de meios para possibilitar a coletividades o
acesso ao Judiciário. Como explica Arantes (2002), os autores defendem a criação
de instrumentos jurídicos que possibilitassem o acesso dos grupos intermediários à
Justiça. Seria necessário que o Judiciário fosse capaz de absorver interesses
coletivos da sociedade civil. O livro Acesso à Justiça, de Cappelletti e Garth, tornou-
se um marco na história do Direito por sistematizar experiências e formular
propostas que levassem ao reconhecimento dos interesses coletivos da sociedade
civil no mundo do Direito.
2.1 Judicialização da Política
O tema dos direitos difusos e coletivos pode ser inserido em um debate mais
amplo, o da judicialização da política. Em linhas gerais, este debate trata do
problema do deslocamento, como arena de intermediação e solução de conflitos
coletivos, do sistema político representativo para o âmbito do Judiciário. É vasta a
utilização do termo judicialização da política na literatura e há vários autores que se
dedicam ao tema.
16
Cittadino explica que “a ampliação do controle normativo do
Poder Judiciário no âmbito das democracias contemporâneas é tema central de
muitas discussões que hoje se processam na ciência política, na sociologia jurídica e
na filosofia do direito” (Cittadino, 2002: 17). No entanto, ainda podemos encontrar
bastante divergência sobre os possíveis significados dessas mudanças: autores
que defendem claramente a judicialização da política como um princípio
democratizante, outros, no entanto, vêem nela riscos ou distorções no que diz
respeito ao desenvolvimento da democracia representativa. São duas vertentes que
se dividem de maneira clara quanto às interpretações sobre os rumos da ampliação
do sistema de Justiça, e ambas reivindicam para si o princípio da defesa da
democracia.
A literatura sobre a judicialização da política abarca vários temas
relacionados à ampliação do sistema de Justiça: aumento do tamanho das
16
Arantes (1997 e 2002), Cittadino (2002), Eisenberg (2002), Werneck e Burgos (2002) são alguns dos
autores que utilizam explicitamente a expressão Judicialização da Política. Em artigo publicado na
Revista Lua Nova (2002), Maciel e Koerner fazem uma análise sobre a utilização deste termo.
constituições, do número de processos movidos no Judiciário, ampliação dos temas
passíveis de tutela jurisdicional, controle de constitucionalidade e, finalmente,
novas formas de ingresso ao Judiciário, inclusive dos direitos coletivos.
17
Essa vasta
literatura nos permite afirmar que há uma ampliação em curso do sistema de
Justiça. Porém, neste trabalho vamos nos ater aos significados da introdução dos
direitos coletivos para a judicialização da política. Como tentamos demonstrar, a
construção dos direitos coletivos está relacionada à ampliação do sistema de Justiça
e a literatura que trata do tema, normalmente, procede desta maneira: associa a
ampliação do papel do Judiciário aos direitos difusos e coletivos, tanto na
perspectiva de defender que assim se suceda, como de criticar essa via.
2.2 Ampliação da Esfera Jurídica e Democracia
Um dos grandes problemas que emergiram do debate em torno dos direitos
difusos e coletivos incide sobre a capacidade que teriam eles de tornar o Judiciário
mais responsivo a demandas coletivas da sociedade. Em um dos mais importantes
trabalhos realizados sobre o tema dos direitos difusos e coletivos no Brasil,
Werneck e Burgos (2002) fazem o apenas um apanhado empírico sobre ações
civis públicas - que analisaremos mais adiante - mas também uma discussão
teórica sobre a introdução dos direitos difusos e coletivos no país.
Para os autores, a criação destes direitos tem um papel histórico
fundamental, no sentido de ampliação da cidadania e de busca por justiça social.
Segundo Werneck e Burgos, uma relação entre conquista de direitos e sua
efetivação, que daria suporte para a ampliação da cidadania. O sistema de Justiça
moderno teria sido capaz de condensar a matéria de reivindicações sociais
produzidas através de lutas ao longo da história, para o conteúdo normativo das
leis, portanto, a disputa pela sua implementação e execução seria uma forma de
garantir a efetivação destes direitos.
17
Sobre aumento nas constituições, ver Arantes e Couto (2003, 2006); sobre o aumento do número de
processos movidos no Judiciário, ver Gavronski (2005), Yoshida (2005); sobre a ampliação dos temas
passíveis de tutela jurisdicional, ver Gavronski (2005); sobre o controle de constitucionalidade, ver
Cittadino (2002) e Mendes (2005); novas formas de ingresso ao Judiciário, ver Arantes (1997 e 2002),
Grinover (2002), Mancuso (2002), Mazzilli (2007), Milaré (2005a), Werneck e Burgos (2002).
Os autores defendem que houve uma mudança histórica no Estado de
Direito desde a incorporação de questões sociais pelas Leis, de forma que o
Judiciário passou a exercer um papel social como afirmam Cappelletti e Garth
(1988) tornando-se um órgão capaz de ir além da defesa do indivíduo, pica do
Estado liberal clássico, ou Estado burguês.
Para defender essa tese, Werneck e Burgos voltam ao conceito gramsciano
de americanismo. Segundo eles, Gramsci teria percebido, nos Estados Unidos, uma
possibilidade de criação de cidadania a partir da execução da filosofia em ato, dada
a relação que tinha essa sociedade com seu Estado. Assim como Tocqueville,
Gramsci teria enxergado um germe para o desenvolvimento da cidadania, através
do desenvolvimento e capacidade de articulação (no sentido de se fazer
representada) da sociedade civil americana. Ambos os autores fariam uma oposição
desta sociedade com a européia, constituída pelo domínio de uma classe sobre o
Estado. Werneck e Burgos apontam que tanto Gramsci quanto Tocqueville teriam
visto, nos Estados Unidos, uma forma de estruturação da sociedade civil que
potencializava o desenvolvimento da cidadania. Os autores explicam que o direito
teria um papel fundamental nessa construção. Para eles, Gramsci veria justamente
no direito essa potencialidade de elaboração da cidadania, uma vez que estaria ele
“destinado a cumprir importante papel de caráter educativo e criativo na mudança
social” (Werneck e Burgos, 2002: 358).
Porém, na defesa que fazem da esfera jurídica como espaço de
desenvolvimento da cidadania, Werneck e Burgos deixam claro que não seria
apenas o desenvolvimento de uma sociedade civil articulada que tornaria o Direito
apto a condensar problemas sociais. uma mudança no próprio âmbito da esfera
jurídica que seria fundamental para essa articulação. Mais uma vez, retomam a
idéia de Gramsci sobre a potencialidade do Direito.
Neste texto, fazem uma oposição entre a visão gramsciana do Estado de
Direito e a weberiana. Trata-se de uma concepção gramsciana de um direito
que poderia ser capaz de desenvolver meios de ampliação dos laços sociais e a
outra weberiana incapaz de condensar problemas coletivos. Segundo os
autores, “em Weber, a racionalização como perda da liberdade encontra na análise
sobre o trabalho industrial um caso sintomático desde a perspectiva do direito à
sua inscrição no processo da produção” (Werneck e Burgos, 2002: 350). Isto é, não
haveria possibilidade de desenvolvimento de reivindicações sociais no campo do
Direito em meio a um sistema de produção que circunscreve a liberdade do
indivíduo à produção fabril e às relações de classe por ele estabelecidas. Na visão
gramsciana, ao contrário, haveria uma possibilidade de desenvolvimento de laços
sociais na fábrica, podendo essa dimensão chegar ao mundo do Direito. É
sobretudo através da idéia de americanismo de Gramsci que isto se tornaria
possível, de um civismo capaz de condensar reivindicações sociais e transformá-las
em direitos.
Essa transformação no Estado de Direito, segundo Werneck e Burgos, teria
sido responsável por uma mudança no papel do próprio Direito, permitindo que
reivindicações sociais pudessem ser incorporadas no sistema de leis. Os autores
defendem que isso expressaria uma nova forma de cidadania (em relação ao
Estado liberal clássico) que transformaria o papel da Justiça para além da proteção
individual. Segundo os autores, esse papel exercido pela Justiça teria uma
capacidade de desenvolver laços sociais, rumo a uma nova perspectiva não
individualista de sociedade. Neste sentido, os autores apontam a idéia de revolução
passiva de Gramsci, pela qual a sociedade deveria remodelar hegemonicamente os
princípios do capitalismo. Werneck e Burgos defendem que o Direito tem essa
capacidade, dada a forma como teria sido capaz de condensar lutas sociais e
incorporar, na sua doutrina, reivindicações filosóficas da esquerda ao longo da
história.
A capacidade do Direito de transformar princípios hegemônicos do
capitalismo estaria no processo de criação e aplicação das leis. Isto é,
historicamente, o Direito incorporou temas sociais que surgiram, principalmente, de
lutas travadas por trabalhadores. Werneck e Burgos defendem que, desta forma, o
Direito desenvolveu uma capacidade de condensar, nas leis, reivindicações sociais.
Neste sentido, a luta pela criação de novos direitos e por sua aplicação poderia
resultar de fato em transformação social.
Em resumo, podemos perceber no texto de Werneck e Burgos uma defesa
da esfera do Direito como meio de desenvolvimento da cidadania. Em conseqüência
disso, defendem estes autores que a esfera do Direito pode ser vista como um
espaço de transformação social, chegando mesmo à noção de revolução passiva
gramsciana, mas realizada por meio do Direito, o dos partidos políticos como
havia proposto Gramsci originalmente.
18
Esta idéia da esfera jurídica como espaço de transformação social é comum
na literatura. Houve, no entanto, uma transformação na leitura que a esquerda
tradicional faz do Direito. Em um primeiro momento, boa parte da literatura
marxista sobre o Estado de Direito negava que este poderia ser um caminho de
transformação social, pois seria ele espaço de dominação da classe burguesa. No
entanto, em parte, esta visão foi se transformando, tanto pela posição de alguns
teóricos como é o caso de Gramsci, que visualizavam a possibilidade de uma
transformação social sem a necessidade do brusco rompimento com o Estado via
uma revolução, quanto por experiências históricas concretas, como o Estado de
Bem Estar Social, que foi capaz de produzir uma melhora efetiva para a vida dos
trabalhadores dentro do próprio Estado de Direito.
Gostaríamos de destacar, até aqui, esta problemática na qual os direitos
difusos e coletivos estão inseridos. O tema da ampliação da esfera jurídica é
bastante relevante atualmente. É difícil pensar em política, hoje, sem dar destaque
para essa mudança que vem sofrendo o espaço onde se travam as disputas e se
18
Nas palavras de Ortiz (2006): “Gramsci faz parte de uma geração que acreditava que a política, e
mais propriamente o partido, tem uma função especifica, qual seja, a de ‘encantamento do mundo’. Em
outras palavras, o partido teria a capacidade de compreender e organizar coletivamente as vontades
individuais. Sua organicidade estaria calcada em valores partilhados por todos e conseguiria, inclusive,
orientar a conduta das pessoas. A filosofia da práxis, como interpretação abrangente e coerente do
mundo, fundada na imanência da história, apresentava-se, assim, como uma ideologia positiva. O
partido seria o Príncipe dos tempos modernos, o centro de irradiação de uma ‘grande narrativa’,
apreenderia o mundo na sua totalidade, ressignificando-o e conferindo-lhe inteligibilidade.”
realizam reivindicações. O Direito vem se destacando, para muitos autores, como
instância democrática de resolução de conflitos.
2.3 Sociedade x Indivíduo, no campo dos direitos difusos e coletivos
Uma defesa comum, na área jurídica, sobre o tema dos direitos difusos e
coletivos baseia-se no argumento de que esses teriam alterado a forma como o
Direito se apresenta socialmente: sua finalidade não estaria mais dirigida à solução
de problemas individuais, mas agora serviria de base para o tratamento de
questões coletivas, podendo responder, efetivamente, a demandas sociais.
Cittadino (2002) trabalha essa nova perspectiva do Direito. Em seu texto
sobre mecanismos de defesa da Constituição, a autora aponta exatamente nesta
linha. Para ela, a ampliação do poder da esfera jurídica teria inaugurado “um tipo
inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições político-
representativas” (p. 18). Espaço este que seria marcado por um forte ativismo
judicial, acompanhado de outros processos que também entrariam no tema da
judicialização da política:
“o fenômeno da normatização de direitos, especialmente em face de
sua natureza difusa e coletiva; as transições pós-autoritárias e a
edição de constituições democráticas (...) com o reforço das
instituições de garantia do Estado de Direito, dentre elas a
magistratura e o ministério público; as diversas investigações voltadas
para elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política,
(...) e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e
doutrinários, vinculados à cultura jurídica, que percebem a expansão
do poder judicial como reforço da lógica democrática” (p. 18).
Podemos perceber, neste texto, uma forte vinculação do direito com a
democracia, tanto no que se refere às instituições jurídicas, quanto à sua própria
doutrina. Cittadino, no entanto, faz uma ponderação a esta visão, levantando
questões que podem suscitar problemas sobre a relação entre política e direito,
mas conclui: “acreditar, no entanto, que a ‘fraqueza do direito’ possa ser garantia
de liberdade para os indivíduos é certamente um risco maior” (pp. 18-19). A autora
acredita que:
“No passado, as críticas ao processo de judicialização da política
partiram daqueles comprometidos com a defesa de uma hermenêutica
constitucional restritiva, uma vez que vinculados a uma cultura jurídica
positivista e privatista” (p. 19)
Em especial, a autora um papel fundamental a ser exercido pela
Constituição no estabelecimento de um diálogo democrático entre judicialização da
política e desenvolvimento da cidadania. Na opinião da autora, a Constituição
poderia tanto sintetizar a vontade do povo, quanto construir valores e desenvolver
a comunidade rumo a uma cidadania ampliada. Algumas vezes, seria preciso que a
Constituição “ajudasse” na elaboração de uma cidadania, em casos históricos onde
esta última, efetivamente, sofre algum abalo, como no caso do nazismo, ou mesmo
de uma ditadura. Como as Constituições teriam a capacidade de resumir “a
autocompreensão ético-normativa de uma comunidade” (Cittadino, 2002: 23),
aproximá-las da realidade histórica seria uma forma de ampliação da cidadania. Por
último, seria necessário, para a autora, que houvesse um alargamento no número
de intérpretes da Constituição, pois esta seria uma forma de ampliar o sopro que
daria vida, de fato, ao Direito.
Em uma outra perspectiva algumas vezes debatida no meio jurídico,
Benjamin (1995) também relaciona a análise dos direitos difusos e coletivos com
uma mudança no cerne da justiça individualista. Segundo o autor, essa
transformação do Direito acompanharia mudanças na realidade econômica e social
introduzidas pelo capitalismo. O autor explica que houve um grande
desenvolvimento tecnológico, de produção, comercialização, comunicação, entre
outros, que teria alterado as relações sociais, tornando-as massificadas. Seria
necessário, para essas sociedades, que houvesse um meio de ingresso no Judiciário
capaz de absorver esses conflitos. Segundo o autor, os princípios tradicionais do
direito:
“trazem uma marcante concepção individualista, própria da sociedade
interpessoal do século XIX, o que os leva, em sobrevivendo, a
sacrificar os próprios fins do processo, que são a realização de uma
tutela jurisdicional eficaz e justa” (p. 79) .
Isto é, o autor acredita que seguir os princípios tradicionais do Direito seria
uma forma de perpetuar injustiças. Sua análise tem como base as mudanças
ocorridas com o direito do meio ambiente e do consumidor. Segundo ele, seriam
estes tipos de direito que tornam especialmente claro este problema da falta de
meio processual para a resolução de conflitos coletivos no espaço do Judiciário.
Podemos perceber, entre os autores citados neste trabalho, uma forte
crítica da vinculação entre o direito de matriz individualista e uma sociedade
produtora de injustiças sociais. Além disso, vê-se também a defesa da ampliação
da esfera jurídica como espaço de representação de reivindicações coletivas. A
imagem, até aqui construída, é de uma relação construtiva entre democracia e
ampliação do papel político exercido pela esfera jurídica.
Vimos que grande parte da sustentação deste argumento decorre da
vinculação entre proteção individual na esfera jurídica e propagação de injustiças
sociais. Posto isto, há uma defesa de que o Judiciário desempenhe um novo papel
rumo à proteção de direitos coletivos, pois estaria ele mais apto a condensar
reivindicações sociais do que tradicionalmente acontecia com o direito individualista
do Estado Liberal Clássico.
2.4 Um individualismo nem tão individualista
Vamos interromper um pouco a discussão que vinha sendo feita acima para
retomarmos algumas questões sobre a origem dos argumentos utilizados no debate
sobre diretos difusos e coletivos, a fim de tornar mais claro como se construíram
alguns dos conceitos aqui apresentados.
O primeiro seria da própria idéia do direito individualista e o que ele
significa. Descrevê-lo simplesmente como propagador das injustiças do capitalismo
não conta do problema como um todo. A origem do direito de matriz individual
vem da filosofia iluminista, que trouxe uma nova forma de conceber a relação entre
indivíduo e sociedade.
Rouanet (1993) faz uma análise sobre as inovações que a filosofia iluminista
trouxe em seu livro Mal-estar na modernidade que pode ser interessante para essa
discussão. Segundo o autor:
“Este projeto [o iluminista], em síntese, visava a auto-emancipação de
uma humanidade razoável. A emancipação se daria através de um
conjunto de valores e ideais, consubstanciados em tendências como o
racionalismo, o individualismo e o universalismo” (p. 97)
O racionalismo implicaria a negação, feita por meio do uso da razão, de
valores arraigados historicamente, da religião ou da tradição; e por outro lado, na
crença em uma sociedade capaz de fundar uma ordem racional, e uma ciência que
seria capaz de dominar a natureza hostil a fim de melhorar a vida dos homens.
Além disso, a ciência poderia “tornar mais eficazes as instituições econômicas,
sociais e políticas, aumentando com isso a liberdade do homem como produtor e
consumidor de cultura, como agente econômico e como cidadão” (p. 97).
O individualismo relacionava-se com a libertação do ser humano de um
papel pré-estabelecido pela comunidade na qual estava inserido. Liberto do
coletivo, o homem valeria por si. “Este individualismo não era atomístico, porque a
autonomia dos sujeitos pressupunha a auto-imposição de limites, que tornassem
possível a intersubjetividade e a realização cooperativa de objetivos comuns.
Emancipar implicava em individualizar, desprender o homem das malhas do todo
social” (p. 97).
Quanto ao universalismo, tratava-se de um projeto civilizatório que abrangia
toda a humanidade. Não se tratava de uma sociedade, ou um Estado, era, de fato,
universal. “Ele partia de postulados universalistas sobre a natureza humana” (p.
97).
Neste mesmo livro Rouanet faz uma análise sobre o processo de
individuação que a filosofia iluminista trouxe à tona. Trata-se de uma crença em
um indivíduo maduro, capaz de responder socialmente a suas escolhas e a livrar-se
dos valores sociais impostos pela religião e pela tradição. Isto é, trata-se de uma
nova relação entre indivíduo e sociedade que pressupõe um indivíduo apto a tomar
escolhas políticas próprias e responder por elas através do uso da razão.
Para o autor, o maior risco que este indivíduo iluminista corre hoje em dia
não é a tradicional análise do individualismo exacerbado, mas justamente o
contrário, quando o indivíduo passa a não ter que arcar com o ônus de suas
escolhas através da opção por valores elaborados socialmente, deste modo,
livrando-o do peso da escolha.
“Nas condições atuais, por mais que se fale no hedonismo, no
consumismo e na lei de Gerson, a deformação holística, que privilegia
o grupo, parece uma ameaça mais real que o hiperindividualismo, que
o ignora. Em toda parte assistimos a tentativas mais ou menos bem-
sucedidas de dissolver o indivíduo em diferentes subjetividades
coletivas. (...) Não se procura mais proteger o direito à igualdade, mas
o direito à diferença, e como essa diferença é sempre grupal, os
direitos do indivíduo se subordinam aos direitos do grupo” (pp. 108-
109).
Portanto, podemos perceber aqui que a discussão travada em torno dos
direitos difusos e coletivos no Brasil e sobre o tema da judicialização da política
abarca questões mais profundas, mas que o debate atual parece evitar: a criação
dos direitos difusos e coletivos alterou a relação entre indivíduo e sociedade,
criando novas formas de representação da coletividade.
É possível perceber certa semelhança entre as idéias sobre
redemocratização trazidas pela literatura sobre participação política, discutida no
capítulo anterior, e sobre ampliação do meio jurídico como espaço para solução de
conflitos, aqui apresentada. Ao tratarem das novas possibilidades que têm sido
abertas por meio da reconfiguração de espaços para o exercício da política,
pressupõe-se o avanço da democracia, sem que seja indagado como ele ocorre,
nem quais os significados que ele pode ter para o modelo de representação das
democracias contemporâneas. É como se a democracia existisse per se, sem que
tivesse vínculos com princípios sociais e institucionais que lhe dão suporte.
2.5 Introdução dos direitos difusos e coletivos no ordenamento jurídico
brasileiro
A normatização dos direitos difusos e coletivos no Brasil gerou algumas
polêmicas. Como todas as leis importantes, sua construção não se deu de forma
linear, ao contrário, implicou em algumas disputas que representavam diferentes
visões sobre como deveriam vigorar direitos coletivos no país. Como poderemos ver
mais adiante, o tema da representação que muitas vezes se traduz, no direito,
como legitimidade para agir em nome de terceiros foi dos mais controversos na
elaboração desta lei e ainda hoje pode ser visto como um ponto de polêmica entre
estudiosos da área e operadores do direito.
O primeiro direito de tipo difuso e coletivo no Brasil foi introduzido pela Lei
6.938/81, que instituiu a política nacional de meio ambiente. Na verdade, sua
inovação processual mais importante foi a criação de uma nova forma de acesso
desse direito à Justiça: a ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados ao meio ambiente. A legitimidade para utilizá-la, todavia, ficou restrita ao
Ministério Público. Segundo Arantes (2002), “a lei conferiu o monopólio do uso da
primeira ação coletiva brasileira ao Ministério Público e, por esse motivo, seu nome
de batismo acabou sendo ação civil pública” (Arantes, 2002: 52).
Como explica Arantes (2002), o próximo passo na direção da normatização
dos direitos difusos e coletivos no Brasil foi a Lei Complementar 40 que definiu
como uma das funções institucionais do Ministério Público a promoção da ação civil
pública. Em seguida, o Ministério Público paulista teria ganho, em 1982, sua própria
lei orgânica, que ampliaria significativamente os direitos coletivos passíveis de
tutela judicial realizada pelo Ministério Público do Estado: o meio ambiente (já
previsto da Lei 6.938/81), o consumidor e o patrimônio cultural e natural do
Estado. Arantes explica que essa Lei teria possibilitado a criação da Curadoria de
Proteção ao Consumidor e a Curadoria de Proteção ao Meio Ambiente. O autor
argumenta que este termo, curadoria, era usado pelo órgão do Ministério Público
responsável pelas funções excepcionais na esfera cível (curador de menores de
idade, “loucos”, surdos-mudos e outros incapazes), segundo ele, a utilização deste
termo para a proteção de direitos difusos e coletivos expressaria de modo
emblemático a concepção subjacente àqueles direitos que vinculava a defesa de
incapazes com a proteção judicial da sociedade civil brasileira, também vista, sob
essa ótica, como incapaz.
O debate sobre os direitos difusos e coletivos no Brasil teria, segundo
Arantes, se intensificado no meio jurídico entre as décadas de 1970 e 1980, o que
culminaria em dois projetos de leis distintos, apresentados ao Congresso Nacional:
o primeiro, que teve origem em um seminário sobre a tutela dos interesses difusos,
realizado por juristas em São Paulo em 1982, e levado ao legislativo federal pelo
deputado Flávio Bierrenbach, do PMDB, em 1984; e o segundo, que teve sua
origem no XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudo do Ministério Público do
Estado de São Paulo, de 1983, quando foi aprovada uma proposta de Lei sobre
ação civil pública. Segundo Arantes, este projeto se baseou no original dos juristas,
mas ampliou significativamente as atribuições do Ministério Público na defesa dos
direitos difusos e coletivos em detrimento das associações da sociedade civil. É
importante ressaltar que, nesta época, o Ministério Público ainda fazia parte do
poder Executivo. Este segundo projeto obteve o apoio do Ministério da Justiça e foi
aprovado no Congresso Nacional em 1985. Vamos analisar alguns artigos desta Lei:
Lei 7.347/85:
Art. 1.º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:
I – ao meio ambiente;
II - ao consumidor;
III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
Art. 5.º Ação principal e cautelar poderão ser propostas pelo Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser
propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de
economia mista ou por associações que:
I – esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;
II inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.
§ 1.º O Ministério Público, se não tiver no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal de Lei.
Art. 8.º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às
autoridades competentes as certidões e informações que julgar
necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1.º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência,
inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou
particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que
assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis”.
19
19
Lei 7.347/85, versão original, in: Milaré (2005a).
Esta Lei
20
foi a solução dada, no Brasil, à discussão sobre direitos coletivos e
para parte do problema do acesso à Justiça. Foi ela que delimitou a forma como
seriam exercidos esses direitos no país, nomeou o que poderia ser defendido
coletivamente e quem estava autorizado a fazê-lo. Há, no entanto, alguns pontos
destacados acima que gostaríamos de discutir. São peculiaridades da Lei brasileira
que acreditamos serem importantes do ponto de vista da política e da
transformação da representação de interesses potencializada pelos direitos
coletivos, já apresentada neste trabalho.
A primeira delas se refere às diferenças entre o Ministério Público e
associações da sociedade civil. A lei expressa que Ministério Público, órgãos estatais
e associações estão autorizados a propor ação civil pública em nome de outros
indivíduos, mas a lei não deu os mesmos recursos para todos os defensores dos
direitos coletivos.
É interessante ressaltar que a legitimidade dada a um e a outro, para agir
em nome do direito de todos, isto é, para representar terceiros, não tem o mesmo
fundamento. A Lei 7.347/85 explica que estão legitimadas organizações não
governamentais a agirem se: a) estiverem formadas há mais de um ano; b)
atuarem na área em que querem mover a ação. Quanto ao Ministério Público, não
há nenhuma restrição e vigora a presunção de legitimidade “a priori”.
Podemos perceber essa diferença entre Ministério Público e sociedade civil
na maneira como os principais pensadores da área dos direitos coletivos explicam o
papel que tem o Ministério Público na defesa desses direitos. Segundo Milaré
(2002), “a participação do Ministério Público no processo é sempre ditada pelo
interesse blico”. (p. 223, grifos do autor). A justificativa para essa diferença é da
necessidade de controle sobre os organismos da sociedade civil, para que o
ocorra nenhum abuso ou ação de fé. Alguns críticos do poder do Ministério
Público acreditam que estas questões também deveriam ser colocadas em relação
ao próprio MP.
20
A íntegra da Lei encontra-se no anexo I.
Outras distinções que a Lei 7.347/85 estabelece entre a sociedade civil e o
Ministério Público são: a) a possibilidade de mover inquérito civil, dada somente ao
último; b) se o Ministério Público não participar como parte da ação, deve
participar como fiscal da lei; c) o Ministério blico e os demais órgãos públicos
legitimados a mover ação civil pública podem realizar compromisso de ajustamento
de conduta.
O que buscamos descrever até aqui sugere implicações ainda não muito
claras da escolha política realizada pela normatização dos direitos difusos e
coletivos no Brasil. Buscaremos demonstrar, neste trabalho, justamente quais são
essas implicações e as conseqüências políticas desta escolha.
2.6 Implicações políticas da ação civil pública
Algumas dessas implicações políticas sobre a forma como foram introduzidos
os direitos difusos e coletivos no Brasil já foram pensadas por autores especialistas
na área. Arantes (2002) explica que, além do privilégio dado, institucionalmente,
pela Lei 7.347/85 ao Ministério Público, haveria uma falta de incentivo a
associações civis não organizadas para defesa jurídica. Segundo o autor, a Lei “só
reconheceu os setores previamente organizados e, quanto aos não organizados, ela
sinalizou que o caminho mais racional seria bater às portas do Ministério Público”
(Arantes, 2002: 71). Uma conseqüência possível desse tratamento é a exclusão do
processo de defesa de direitos difusos e coletivos no Brasil de movimentos sociais
não institucionalizados, indicando que estes não poderiam representar interesses
coletivos pela via judicial.
Uma outra análise que pode ser feita, neste sentido, é da maneira como os
promotores brasileiros propuseram os termos da Lei 7.347/85, distanciando-se da
idéia original, apresentada neste trabalho, de Cappelletti e Garth (1988), sobre a
representação coletiva pela via judicial. Para os últimos, tanto a representação
coletiva através de um indivíduo, que poderia representar a outros atuando em
nome próprio no Judiciário, quanto a representação pela via do Ministério Público
não seriam suficientes para garantir que os interesses coletivos da sociedade
pudessem chegar eficientemente ao Judiciário. Por isso, os autores fazem uma
defesa da representação privada de interesses coletivos, com o controle exercido
pelo Judiciário e por vezes, pelo próprio Ministério Público. A idéia destes autores
era fornecer poderes ao juiz sobre as questões coletivas, tanto no que se refere à
possibilidade de julgar a efetiva representatividade dos autores de uma ação,
quanto no que diz respeito à amplitude de sua sentença. Como resume Arantes
(2002: 57) a intenção do jurista italiano era abrir espaços à representação coletiva
da sociedade e incentivar a participação ativa dos juízes, mas não incrementar o
papel político do Ministério Público.
Essa proposta expressa a diferença de visão dos autores sobre o tipo de
institucionalização que se deveria dispensar aos direitos difusos e coletivos. No
livro, Acesso à Justiça, os autores não exercem a defesa de interesses sociais,
pensados de forma ampla, porém, apontam na direção de uma defesa da
necessidade de introduzir representação de grupos intermediários da sociedade no
sistema de Justiça. Intermediário, para os autores, tem um sentido de algo entre o
indivíduo e o Estado. Por isso, a importância que dão à defesa privada das ações
coletivas, e a necessidade de abrir espaço a estes grupos deveria possibilitá-los a
falar por si.
no Brasil, essa idéia de proteção de interesses sociais tornou-se mais
ampla, criando a idéia de que estes direitos não expressariam conflitos, mas seriam
uma forma de representação da sociedade civil como um todo. Idéia que pode ser
bastante questionada, como vimos no capítulo anterior. Essa maneira de pensar
direitos difusos e coletivos se expressa na forma como foi elaborada a Lei 7.347/85.
Em vez de ser um instrumento de representação de interesses particulares, mas
coletivos, aqui, criou-se a idéia da possibilidade da defesa de um interesse comum,
público, no Judiciário.
O problema sobre quem seria capaz de falar em nome de toda a sociedade
circunscreveu-se àqueles capazes de interpretar as Leis, veiculadoras de bem social
tido como inequívoco. Como o Ministério Público teria como função a defesa destas
Leis, não agiria como portador de interesse particular, mas sim de interesse
público.
21
A sociedade civil, por sua vez, seria incapaz de representar esse tipo de
interesse e passou a ser vista, no Brasil, como uma representante menos “pura” de
interesses coletivos do que o Ministério blico, que defenderia esses interesses
como cerne de sua definição institucional.
Voltando a Werneck e Burgos (2002), podemos reavaliar agora o argumento
desses autores acerca do direito como uma forma de transformação social. A
defesa que fazem esses autores da forma como foi introduzida a Lei de direitos
difusos e coletivos no Brasil está associada à capacidade de absorção de problemas
sociais pelas Leis, como explicamos no capítulo anterior. Os autores fazem uma
defesa da esfera jurídica como espaço de desenvolvimento da cidadania através de
uma relação entre conquista de direitos e sua efetivação, permitindo que
reivindicações sociais possam ser incorporadas no sistema de Leis. Neste sentido, o
foco da preocupação destes autores é o conteúdo destas Leis e sua efetiva
implementação, distanciando seu argumento da discussão sobre os caminhos
institucionais percorridos no Brasil para definir quem exerce essa representação e
como. A questão teórica apresentada por estes autores circunscreve a capacidade
de mudança social potencializada no Direito ao campo da aplicação e efetivação das
Leis.
No estudo empírico que fizeram sobre a utilização dos direitos difusos e
coletivos, entretanto, o problema da representação aparece. A pesquisa foi
realizada no Município do Rio de Janeiro, na Justiça Estadual e Procuradorias do
Ministério Público estadual, com processos em andamento, disponíveis nos cartórios
das Varas de 1º grau. Foram consultados, aproximadamente, 30% dos processos. É
importante ressaltar que esses processos foram analisados um a um, o que torna
essa uma das maiores pesquisas já realizadas sobre o tema no Brasil.
21
Essa idéia está próxima da noção burkeana de interesse público, distanciando-se da perspectiva liberal
do enriquecimento político realizado por meio do conflito.
O dado mais curioso apresentado por essa pesquisa é o número de ações
movidas por associações da sociedade civil: 37,7%. Embora não houvesse pesquisa
sistemática sobre o mero de ações civis públicas movidas no Brasil, esse número
contradiz boa parte da literatura jurídica sobre o tema. Parte dessa diferença pode
se dever ao fato da pesquisa de Werneck e Burgos não possuir o dado de
associações movendo ações em co-autoria com outros órgãos, e nessa hipótese
todas elas teriam sido contabilizadas para a sociedade civil. Porém, mesmo assim,
esse dado pôs em questão tudo que se dizia sobre a falta de participação da
sociedade civil no Judiciário. A pesquisa destaca que a maior parte das ações
movidas pela sociedade civil está na área do direito dos consumidores, na qual o
Ministério Público não tem tido muito sucesso, inclusive por sentenças que
consideram esse direito como individual homogêneo o que, muitas vezes, afasta-o
da tutela jurisdicional pelo MP. Cabe, portanto, a pergunta: será que a sociedade
civil realmente se organiza na defesa pela via judicial em áreas nas quais o
Ministério blico o predomina? Werneck e Burgos (2002) defendem que esse
fato estaria mais próximo de uma conscientização social do problema na defesa de
direitos pela via judicial do que, exatamente, uma tensão entre sociedade civil e
Ministério Público. a argumentação de Arantes (2002), anteriormente
apresentada, aponta no sentido contrário.
No que diz respeito ao poder público, Werneck e Burgos fazem uma ressalva
também interessante. Explicam que a maioria das ações movida nessa área não diz
respeito a conflitos de poder, mas a problemas relacionados à administração da
cidade, o que tornaria a prefeitura responsável por grande parte das ações na área
de meio ambiente e patrimônio histórico. Os autores defendem, portanto, que
nessa área a ação civil pública tem representado “um espaço para a
governabilidade em ambiente democrático” (Werneck e Burgos, 2002: 441). É
mérito dessa pesquisa discutir o Poder Público como autor legitimado a mover
ações civis públicas. A maior parte da literatura do tema dedica-se ao embate entre
sociedade civil e Ministério Público, no entanto, a prefeitura do Rio de Janeiro é
responsável, segundo a pesquisa, por 16,2% das ações movidas entre 1996 e 2001
na cidade, o que torna o poder público um ator relevante e pouco discutido nos
temas dos direitos difusos e coletivos.
Quanto ao Ministério Público, antes de entrarmos propriamente nas ações
movidas pelo órgão, cabe ressaltar que a pesquisa também confirmou “a opinião
geral, que a esmagadora maioria dos conflitos administrados pelo Ministério Público
tem sido resolvida de modo extrajudicial, de sorte que apenas uma pequena
parcela de inquéritos chega a se transformar em uma ação civil pública” (Werneck e
Burgos, 2202: 442).
A pesquisa de Werneck e Burgos explicita que a maioria das ações movidas
pelo Ministério Público está inserida na área dos direitos indisponíveis, o que
colocaria sua atuação nos moldes da Constituição de 1988. Somadas as ações do
órgão nas áreas de Meio Ambiente, proteção da criança e dos adolescentes e
idosos, alcançariam o número aproximado de 70% das ações civis públicas movidas
pelo órgão.
A pesquisa realizada por estes autores argumenta que a Lei 7.347/85 teria
possibilitado diferentes papéis aos autores legitimados a mover ação em nome de
terceiros que se complementariam entre si. Segundo eles, “pode-se afirmar,
portanto, que entre a sociedade e o Ministério blico, a relação não é tanto de
assimetria e dependência da primeira vis-à-vis o segundo, e sim de
interdependência”. (Werneck e Burgos, 2002: 445). Os autores acreditam que há
uma rede articulada entre vários órgãos da sociedade que caminha rumo à
proteção dos direitos, para eles:
“o quadro institucional criado em 1988 terá posto em movimento um
complexo sistema de complementaridades e interdependências, do
qual participariam o Legislativo, o Executivo, o Judiciário, o Ministério
Público, a mídia, a cidadania organizada e os indivíduos” (p. 432).
Werneck e Burgos fazem a defesa de que o Ministério Público, dado a forma
como age institucionalmente e em relação aos demais poderes, inclusive da
sociedade civil, não se comporta de forma predominante no tema dos direitos
difusos e coletivos. Inclusive, defendem que ele encontraria barreiras que freariam
seu poder em centros complexos, como as grandes cidades brasileiras, tais como o
próprio “poder público, a dia, a opinião pública, as entidades civis e os
indivíduos” (p. 444). Neste sentido, os atores defendem que a legislação que
introduziu os direitos difusos e coletivos no Brasil possibilita uma ação coordenada
de atores autorizados a mover ação em nome de terceiros, que caminha rumo à
defesa de Direitos já conquistados.
A maneira como Werneck e Burgos (2002) estruturaram seu argumento
diverge amplamente da posição adotada na pesquisa de Arantes (2002). Uma das
grandes diferenças empíricas das pesquisas é o foco: o primeiro na distribuição da
promoção das ações coletivas, tanto no que diz respeito a seus autores quanto ao
tema das ões; o segundo, no modelo institucional de Ministério Público adotado
no Brasil.
A pesquisa de Arantes descreve a construção política da criação do
Ministério Público no país. Sua argumentação é clara no que tange a criação deste
órgão como um projeto de poder. Sua pesquisa procura justamente definir quais
significados políticos tinham esse projeto.
Segundo o autor, a disputa do Ministério blico pela ampliação de poder,
no que concerne à normatização dos direitos difusos e coletivos, estava articulada
a uma concepção estratégica de que a sociedade civil brasileira sofria de suposta
hipossuficiência, portanto, seria incapaz de buscar seus direitos, de forma
autônoma, no âmbito da Justiça. Esta idéia pode ser encontrada em alguns dos
autores da área do direito, para Milaré (2005b): “A população, castigada por anos
de despotismo e repressão, ainda não está de todo habituada com as infinitas
possibilidades do Estado Democrático de Direito” (p. 261). Neste sentido, a tese de
Arantes descreve a criação do Ministério Público no Brasil em um contexto mais
amplo de interpretação da política brasileira: da descrença nos meios democráticos
do direito liberal para solução de conflitos, dada certa ideologia que põe em
questão a capacidade do brasileiro de vislumbrar boas escolhas políticas. Esta
crítica de Arantes pode ser associada à idéia de que, no Brasil, ainda não foi
possível levar a cabo a noção de igualdade nos meios institucionais. O autor
argumenta que a ampliação do poder do Ministério Público, em grande medida,
veio associada a essa concepção de sociedade. Parte disso justifica-se pelo
problema apresentado neste trabalho de que o Ministério Público seria o
defensor nato de bens inequívocos inscritos nas Leis.
Segundo a tese de Arantes, esta forma de interpretar o papel do Ministério
Público na defesa dos direitos difusos e coletivos, acabou incorporada na legislação
brasileira que não deu as mesmas armas institucionais para a representação de
terceiros pela via judicial à sociedade civil e ao Ministério Público. Além dos
problemas apresentados neste trabalho, o autor afirma que a possibilidade de
mover inquérito civil dada ao MP teria desequilibrado de uma vez por todas a
defesa dos interesses transindividuais no país. Sua argumentação tem por base a
idéia de que a legislação distribuiu recursos e incentivos que constrangem a
atuação das associações civis e tornam racional bater às portas do Ministério
Público para que este exerça a representação de seus interesses.
Segundo essa lógica, podemos pensar se a relação positiva entre os atores
legitimados a propor ações coletivas na Brasil, ressaltada por Werneck e Burgos,
ocorreria apesar da institucionalização do direito coletivo no Brasil, e não
incentivada por ela, como defendem os autores.
Como é possível perceber, o problema da relação entre Ministério blico e
sociedade civil no Brasil desencadeou um importante debate sobre caminhos
institucionais que devem ser percorridos rumo a uma mudança social de caráter
democrático. Mais do que isso, esse debate levantou o problema de como deve ser
exercida a representação de interesses coletivos pela via judicial. A criação dos
direitos difusos e coletivos trouxe à tona a fragilidade da representação de
terceiros no país e das teias institucionais capazes de defender esses direitos. Essa
pesquisa tem a finalidade de avaliar esse problema do ponto de vista do Judiciário,
examinando como o Tribunal de Justiça de São Paulo tem dirimido a questão da
legitimidade dos agentes autorizados por lei a defender interesses difusos e
coletivos na Justiça e o que isso pode significar para a democracia no Brasil.
Em certa medida, consideramos que é no âmbito do Judiciário que as Leis,
efetivamente, ganham corpo no país, portanto, o olhar sobre a forma como são
julgadas as ações civis públicas pode contribuir para a compreensão desse
processo, especialmente no que diz respeito à representação de terceiros pela via
judicial no Brasil.
3. Ação civil pública no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo e a representação de interesses coletivos no Judiciário
Esse trabalho foi norteado por dois objetivos: em primeiro lugar, analisar
como a ação civil blica veio sendo entendida e processada pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, por meio da análise da jurisprudência. Nos últimos anos, os
tribunais vêm sendo chamados a arbitrar conflitos coletivos e a dirimir as
controvérsias sobre ação civil pública. Parte dessas controvérsias foi tratada no
capítulo anterior e mobilizou nossa pesquisa junto ao tribunal: definição dos direitos
que podem ser tutelados pela via judicial, em quais casos, quem são os legitimados
a postular direitos em nome de terceiros e em que medida são reconhecidos pela
própria autoridade judicial, dentre outros problemas processuais e de direito
material. Em segundo lugar, examinar o tema da representação de interesses
coletivos pela via judicial, com ênfase na legitimação extraordinária atribuída a
associações civis e órgãos públicos.
Nossa pesquisa seguiu duas linhas de trabalho: a leitura da jurisprudência
do Tribunal de Justiça de São Paulo (doravante TJSP), que nos permitiu uma
análise qualitativa das ações que ajudaram a delinear limites e alcances da ação
civil pública e a possibilidade de atuação dos defensores dos direitos coletivos. Os
resultados dessa primeira análise serão mais bem discutidos no próximo capítulo; e
uma pesquisa quantitativa sobre o trâmite das ações coletivas no TJSP, cujos
resultados serão apresentados neste capítulo.
A pesquisa empírica teve início no site
22
do Tribunal com a busca de
processos relativos a ações civis públicas. A idéia inicial era trabalhar com a íntegra
das ações, entretanto, logo apareceu um problema: a precariedade dos meios de
pesquisa do site. Não havia campo algum que permitisse fazer uma pesquisa
específica pelo tipo da ação. Entretanto, o site apresenta o campo pesquisa livre,
22
www.tj.sp.gov.br
onde foi possível pesquisar por ação civil blica. Em um primeiro momento, a
pesquisa se concentrou nesse campo. O termo ação civil pública, no entanto, tinha
muitas entradas: mais de 25.000 ocorrências. Era um mero muito grande e,
além disso, a fragilidade do método de seleção não permitia concluir que se
tratavam, necessariamente, de ações civis públicas. Foi feita então uma pesquisa
por ação civil pública + legitimidade, a fim de fazer uma seleção que fosse viável
para a pesquisa e, ao mesmo tempo, que dialogasse com o tema da representação.
O resultado foi de aproximadamente 350 ações.
Em meio ao período de levantamento de informações, o site passou por
uma reforma, que agravou a já frágil busca que estava sendo realizada. As
mudanças não foram apenas do site, o sistema de busca também mudou, assim
como o número de ações que apareciam com as pesquisas elaboradas. A pesquisa
por ação civil pública, em fevereiro de 2008, passou a resultar em número próximo
a 6.300. A pesquisa por ação civil pública + legitimidade, no entanto, aumentou
para mais de 700. Em outubro de 2008, a pesquisa por ação civil pública estava
próxima de 32.500, já por ação civil pública + legitimidade o número de ações
aproximava-se de 8.000.
Com a insegurança decorrente dessas oscilações e a dificuldade para
levantar material das ações completas, a pesquisa se concentrou na jurisprudência.
Seu foco passou a ser a Revista de Jurisprudência do Tribunal da Justiça do Estado
de São Paulo, que contém acórdãos selecionados de decisões do TJSP. A pesquisa
realizada apenas pelos acórdãos o permite colher tantas informações quanto a
leitura das ações. No entanto, tem outras vantagens. Apesar de não permitir
observar autores envolvidos no processo da ação desde o seu inicio no Judiciário
que não sejam oficialmente parte em 2ª instância, a concentração na revista
permite uma seleção de ações que se destacaram para a formação da
jurisprudência, garantindo a seleção de casos importantes. Além disso, foi possível
lidar com um número grande de acórdãos (656), o que seria impossível fazer com
ações completas. As ões civis públicas costumam ser complexas, uma vez que
seus temas abrangem questões coletivas e que nem sempre se encaixam
perfeitamente dentro do processo civil. A concentração nos acórdãos nos permitiu
trabalhar com um número grande de casos, sem que muitas informações fossem
perdidas, como veremos mais adiante.
A análise de casos de segunda instância é importante também porque o
julgamento do Tribunal de Justiça ocorre em uma etapa já adiantada do processo
no Judiciário, permitindo à pesquisa lidar com questões que se destacaram como
relevantes para a defesa dos direitos difusos e coletivos (por isso também a
publicação na revista). Além disso, a jurisprudência do Tribunal costuma
uniformizar as decisões da primeira instância, o que pode dar mais abrangência a
alguns resultados dessa pesquisa.
A Revista de Jurisprudência traz uma seleção feita pelo próprio Tribunal de
Justiça de São Paulo de decisões relevantes para o julgamento de casos. Uma lei,
quando criada, toma forma quando é efetivamente julgada nos tribunais. Esses
julgamentos ajudam a delinear questões que não ficaram claras com a criação da
lei pelo Legislativo. Podemos dizer que no âmbito do Judiciário a lei ganha corpo,
forma-se e nos permite perceber seu real alcance. Dúvidas, antinomias ou lacunas
que eventualmente tenham restado ao texto legal promulgado pelas assembléias
têm que ser examinadas e resolvidas pelo Judiciário. Portanto, a concentração na
Revista de Jurisprudência do Tribunal nos permitiu tratar dos temas e problemas
que cercam o uso de ações coletivas para tutela de direitos difusos e coletivos,
especialmente em casos polêmicos e de repercussão dentro e fora do Judiciário.
Nossa pesquisa foi feita pelo índice da revista e orientou-se pelo tópico ação
civil pública. Porém, apesar de conter esse termo, nem todos os acórdãos
envolvendo ACPs foram publicados apenas sob este item. A pesquisa, por isso, foi
ampliada e abarcou os seguintes tópicos presentes nos índices: ação civil pública,
legitimidade da parte e ilegitimidade da parte, Ministério Público, associação civil,
Lei Federal 7.347/85, Código de Defesa do Consumidor (depois de 1991), e alguns
outros itens que são citados como referência no índice de ação civil pública da
revista. Esses últimos mudam a cada revista.
Foi feita a leitura de todos os acórdãos referentes à ação civil pública
encontrados na revista de agosto de 1985 até junho de 2006. Foram pesquisados
207 volumes - do nº. 95 ao nº. 301, dando conta dos primeiros vinte anos da
criação da Lei 7.347/85. O total de acórdãos pesquisados foi de 656. Um banco de
dados foi elaborado a partir dessa leitura e inclui tanto dados primários, que foram
simplesmente extraídos dos acórdãos, como algumas classificações realizadas a
partir da leitura dos casos.
Entre os dados que foram extraídos dos acórdãos, temos: mero do
processo, data do acórdão, origem da ação, tipo de recurso, autor do recurso, parte
contra quem o recurso foi movido, artigos da Lei 7.347/85 que aparecem no
acórdão, unanimidade da decisão
23
, posição do parecer da Procuradoria de Justiça
(quando possível), sentença favorável a quem, acórdão favorável a quem e alguns
dados sobre a revista de que foram tiradas as ações: ano, número, página e a
classificação do acórdão no seu índice.
24
A leitura dos acórdãos e o preenchimento do banco de dados nos levaram a
elaborar algumas codificações. A primeira diz respeito a quem defende os direitos
coletivos na instância, que corresponde à parte do processo legitimada a mover
a ação civil pública (Quadro 1).
Quadro 1: Classificação da
parte no banco de dados
Governo do Estado
Ministério Público
Ministério Público e Poder Público
Ministério Público e sociedade civil
Partido político
Prefeitura
Sociedade civil
23
As decisões de 2ª instância, na maioria dos casos, são compostas por três votos.
24
Maiores detalhes sobre o banco encontram-se no Anexo III.
Cabe frisar que os atores assim codificados não representam
necessariamente nem o autor da ação, nem o autor do recurso. Trata-se apenas de
uma classificação elaborada a partir da leitura dos acórdãos. Ela não se refere
necessariamente ao autor da ação porque esta pesquisa foi elaborada a partir da
análise de casos em 2ª instância e os acórdãos não refletem, obrigatoriamente, o
processo em 1ª. Por exemplo, em instância pode ter havido litisconsórcio, mas
que não foi adiante em 2ª. Pode ter ocorrido também abandono de uma ação em
instância, neste caso o Ministério Público é obrigado a assumir a ação e leva-la
adiante. Entretanto, o mais provável é que o autor da ação, aquele que entrou com
o pedido de defesa do direito coletivo em instância seja o mesmo responsável
pela defesa desses direitos em 2ª, mas isso não acontece sempre. Nossos dados,
portanto, referem-se apenas ao defensor dos direitos difusos e coletivos em
instância. Essa qualificação da parte é possível produzir e sua codificação resultou
no quadro acima. Também não estamos tratando do autor do recurso, pois este é
sempre aquele que perdeu a ação em instância. O autor do recurso não tem a
ver com o defensor dos interesses coletivos, na maioria das vezes o autor do
recurso é o réu da ação principal, ou seja, o possível agressor desses direitos
derrotado em 1
a
instância.
A segunda classificação é do réu em 2ª instância, que corresponde ao
possível infrator do direito coletivo. Essa classificação também se difere do réu em
1
ª
instância e daquele contra quem o recurso é movido. vimos que o autor do
recurso o tem a ver com o autor da ação, o mesmo acontece em relação ao réu:
o recurso é movido contra aquele que ganhou a ação em primeira instância, na
maioria das vezes o defensor dos direitos coletivos. A classificação do réu também
não corresponde, necessariamente, ao réu da ação em 1ª instância, pois esse pode
não ser igual ao réu em 2ª. Em alguns casos, por exemplo, uma ação pode ter sido
movida contra muitos réus, mas apenas um ou alguns aparecem no recurso. Ao
contrário, também pode haver pedidos para que mais réus sejam incluídos no
processo, em casos em que apareçam novas provas. Nossos dados, portanto,
referem-se apenas aos possíveis infratores dos direitos difusos e coletivos que
respondem o processo em 2ª instância.
As dificuldades decorrentes da interpretação desses dados estão
relacionadas com a separação gida que no Direito entre e instâncias.
dois sistemas separados para o julgamento de ações que quase não dialogam. Às
vezes, chega a ser difícil localizar um processo que está em 2ª, enquanto estava
em 1ª. A informatização do Judiciário tem avançado bastante nessa área, mas a
rígida separação entre instâncias quase nada mudou. As e instâncias são
compostas por funcionários diferentes, em prédios separados, na maioria das vezes
em diferentes cidades e os funcionários públicos que acompanham o processo em
instância são outros completamente diferentes daqueles que acompanham o
processo em 1ª. Isso inclui o membro do Ministério Público responsável pela ação.
Essa gida divisão torna a instância um espaço singular, para onde essa
pesquisa buscou olhar. A maioria das pesquisas que discute representação dos
interesses coletivos busca analisar os autores das ações, por isso tem como foco a
instância. Como nossa pesquisa tem como foco a forma como o Judiciário vem
formando jurisprudência sobre interesses coletivos, a análise do que ocorre em
instância nos pareceu mais favorável.
Além disso, para o próprio problema da representação de interesses é
possível observar algumas vantagens em relação à analise da instância. Mesmo
que os defensores dos direitos difusos e coletivos no Tribunal de Justiça não sejam
a correspondência exata dos autores das ações, são eles os representantes efetivos
desses direitos em uma instância mais alta do poder Judiciário, portanto, detém
grande poder de influência na defesa dos interesses coletivos.
Mas nem todas as codificações elaboradas durante a leitura dos acórdãos
mudam quando passamos da 1ª para a 2ª instância. Nossa terceira classificação se
mantém durante todo o processo: a matéria do direito coletivo. Essa classificação
diz sobre que tipo de direito a ação trata.
Quadro 2: Classificação da matéria do
direito no banco de dados
Direito de portadores de deficiência
Direitos da criança e do adolescente
Meio ambiente
Patrimônio histórico, cultural e artístico
Patrimônio público e probidade administrativa
Relações de consumo
Habitação e urbanismo
Outros
A base para essa codificação é o próprio artigo da Lei 7.347/85 e a
doutrina sobre ação civil pública, de onde extraímos as principais matérias do
direito defendidas via ACP. Esta classificação não corresponde necessariamente ao
fator que deu motivo ao tema do recurso, que pode ser de natureza processual
como, por exemplo, conflito de competência ou anulação de prova por prazo de
entrega, mas trata da matéria do direito sobre a qual a ação principal incide, e por
isso não muda da para instância. Não é possível entrar com uma ação sobre
meio ambiente em instância e transformá-la em direito do consumidor em 2ª.
Elaboramos esses dados com base na leitura da íntegra dos acórdãos, mas houve
alguns casos em que não foi possível identificar a matéria do direito.
A quarta codificação que realizamos diz respeito ao que dá base á decisão do
Tribunal. Os recursos podem incidir sobre temas específicos, alguns com relação ao
processo, outros à matéria do direito, ou mesmo a ambos. Essa codificação trata da
base da decisão dos desembargadores expressa nos acórdãos. É muito comum que
se discuta tanto direito processual quanto material nas ações. Portanto, mesmo que
tenha havido em uma ação alguma discussão processual, mas a decisão ocorreu
em função de direito material, a classificação adotada foi do direito material, isto é,
a base da decisão. Uma outra possibilidade é dos desembargadores decidirem em
função de conflito entre poderes. Como as ações civis públicas são complexas e
muitas vezes movidas contra o poder blico, algumas vezes elas podem esbarrar
no tema do limite do poder Judiciário na intervenção das políticas do Executivo ou
mesmo do Legislativo, alguns acórdãos têm como base da decisão esse dilema,
nesse caso codificamos a base da decisão como conflito de poder.
Outra classificação que elaboramos em decorrência do grande número de
ações movidas contra o poder público é sobre política pública. Toda vez que a ação
insidia sobre tema de política pública esse campo foi anotado.
25
Por último, e dialogando diretamente com o tema da representação de
interesses, marcamos as ações em que a legitimidade do defensor dos direitos
coletivos na 2ª instância foi questionada.
3.1 Ação civil pública no Tribunal de Justiça de São Paulo
Há diversas formas de ingressar com recursos em um tribunal. Alguns
desses podem ser movidos quando a ação ainda está em instância, como é o
caso do agravo de instrumento. Quando algum problema que deve ser resolvido
antes da decisão do juiz monocrático, é comum que se apresente ao TJ pedidos
com essa finalidade, na forma de recurso. Também é possível entrar com pedido de
revisão de uma decisão proferida em instância, a apelação cível é o recurso
mais comum para esse caso. Pode ainda haver recurso para que uma decisão da 2ª
instância seja revista, mas somente em casos em que ela não é unânime, para isso
utilizam-se embargos infringentes. Esses três tipos são os recursos mais comuns
para o acesso à instância do poder Judiciário por meio de ação civil pública. A
tabela 1 apresenta os resultados de nosso levantamento a este respeito.
25
Os critérios para classificação como política pública são: a) questões de Política Pública clássica tais
como educação, saúde, transportes, moradia, infra-estrutura, etc.; b) destino e tratamento de lixo; c)
criação e preservação de estrutura para locomoção de portadores de deficiência; d) obras de empresas
estatais como SABESP, ELETROPAULO, etc.; e) administração de parques e centros públicos; f)
policiamento; g) questões relacionadas à cobrança de impostos; h) contratação e despesa com
funcionários públicos; i) sistema carcerário; j) uso de espaço público como ruas, praças, praias, etc. l)
restauração de patrimônio histórico.
TABELA 1: TIPO DE RECURSO E ACÓRDÃO FAVORÁVEL
Acórdão
favorável?
Não Parcial Sim TAC
Total
188 70 108 1 367
Apelação
cível
54% 51,2% 65% 19% 54,50%
30% 100% 0,3% 56% 100%
145 37 0 266
Agravo de
instrumento
41,5% 54,5% 34% 14% 42,5% 31,5% 0% 0% 40,5% 100%
7 1 4 0 12
Embargos
infringentes
2% 58,3% 1% 8,3% 2% 33% 0% 0% 1,8% 100%
9 0 2 0 11
Outros
2,5% 82% 0% 0% 1% 18% 0% 0% 1,7% 100%
349 108 198 1
656
Total
100% 53,2% 100% 16,4% 100% 30,2% 100% 0,2% 100% 100%
Fonte: Elaboração própria
A maioria das ações civis públicas publicadas na revista chega ao Tribunal de
Justiça por meio de apelação cível, dado relevante, pois nessa forma de ingresso
em instância, houve decisão terminativa em 1ª. A ação civil pública foi
bastante inovadora no que tange ao processo civil brasileiro. A introdução dessa lei
implicou a alteração de alguns princípios clássicos do processo civil. Segundo
Benjamin (1995: 78), os princípios do acesso tradicional à justiça seriam: a) o
autor do processo define a questão como deseja (princípio dispositivo); b) cabe
apenas a quem sofreu o dano a decisão de recorrer ou não à justiça (princípio da
demanda); c) igualdade das partes: autor e réu devem receber tratamento
igualitário do juiz (princípio da isonomia); d) ninguém está legitimado a postular o
direito alheio em seu nome, salvo raras exceções (regra do nul ne plaide par
procureur); e) o resultado da decisão judicial atinge somente a quem participa do
processo (os limites da coisa julgada). A introdução dos direitos difusos e coletivos
no processo civil alterou de forma significativa grande parte desses princípios.
Essas inovações incorporadas ao ordenamento jurídico poderiam resultar na
dificuldade de continuidade no trâmite das ações coletivas. Não é isso que os dados
indicam. Ao contrário, o trâmite das ações no Tribunal de Justiça de São Paulo
parece não se afastar do que se pode esperar de uma ação comum. Mesmo assim,
o número de agravos de instrumento, é bem alto, contabilizando 40,5% dos
recursos movidos no Tribunal de Justiça e publicados em sua Revista de
Jurisprudência, indicando a existência de alguns entraves no julgamento em
instância. Entretanto, esse é um procedimento comum para um processo jurídico.
O baixo número de embargos infringentes publicados deve-se ao fato de que
poucas decisões no Tribunal que não são unânimes, e a existência de votos
divergentes do resultado final é exigência necessária para a entrada com esse tipo
de recurso. O número de decisões que o foram unânimes é de aproximadamente
7% do total dos acórdãos.
A maioria dos autores dos recursos de acórdãos publicados na revista do
Tribunal de Justiça não consegue ter seu pedido atendido. O número de
indeferimentos em instância é de pouco mais da metade dos acórdãos
pesquisados, 53,2%, enquanto o de recursos deferidos é de 30,2% do total.
Podemos afirmar que certo padrão nos julgamentos do Tribunal de Justiça em
que os recursos indeferidos, na maioria dos casos, se aproximam da média de
53,2% do total, assim como os pedidos deferidos de 30,2% e os recursos que
tiveram suas decisões parcialmente favoráveis, de 16,4%.
uma variação um pouco mais significativa para Embargos Infringentes,
mas como, neste caso, trata-se de um julgamento relativo a acórdão que foi
proferido, podemos esperar menos mudanças nas decisões, além de menos
decisões parciais, uma vez que o problema já foi visto e está sendo revisto pelo
Tribunal.
3.2 Quem defende o que no Tribunal de Justiça de São Paulo
A legitimidade para defesa de direitos em nome alheio, como vimos, pode
vir da matéria do direito, que pode tornar o caso socialmente relevante, ou do
autor da ação (Tabela 2).
TABELA 2: DEFENSOR DO DIREITO COLETIVO E MATÉRIA DA AÇÃO CIVL PÚBLICA
MP MP e PP MP e SC SC PP e Par Pol.
Total
197 8 1 5 211
Pat. Pub. e
prob. adm.
33,5%
93,5%
80% 4% 3% 0,5% 26,5%
2% 32% 100%
148 2 6 7 3 166
Meio
ambiente
25% 89% 20% 1,5% 100% 3,5% 21% 4% 15,5%
2% 26% 100%
64 8 5 77
Habitação
Urbanismo
11% 83% 24,5%
10,5%
26,5%
6,5% 11,5%
100%
52 10 1 63
Relações
consumo
9% 82,5%
30,5%
16% 5% 1,5% 9,5% 100%
30 30
Dir. CA
5% 100% 4,5% 100%
14 1 15
Pat. Hist.
Cult. e art.
2,5% 93,5%
3% 6,5% 2,5% 100%
7 1 8
Dir. de
por. Def.
1% 87,5%
3% 12,5%
1% 100%
76 5 5 86
Outros
13% 88% 15% 6% 26,5%
6% 13% 100%
588 10 6 33 19
656
Total
100% 89,5%
100% 1,5% 100% 1% 100% 5% 100% 3% 100% 100%
Fonte: Elaboração própria
Vimos, sobre direitos coletivos no Brasil, que a criação da Lei 7.347/85
gerou um importante debate sobre o favoritismo institucional concedido ao
Ministério Público em detrimento das associações da sociedade civil para
propositura de ões. Os dados obtidos nessa pesquisa permitem constatar que a
hipótese de que o Ministério blico tem se destacado como guardião dos direitos
difusos e coletivos parece estar correta. O Ministério Público é responsável pela
defesa dos direitos coletivos em 89,5% dos acórdãos pesquisados, quando age
sozinho. Ainda o é por mais 2,5% deles, quando age em litisconsórcio. Os demais
autores, juntos, somam apenas 8%. Dentre esses acórdãos, nos quais não
autoria do Ministério blico, associações da sociedade civil se destacam por ser
parte do maior mero, seguida do poder público e partidos políticos. Pelo que se
pode notar, a judicialização de conflitos coletivos tem sido iniciativa principalmente
do Ministério Público, cabendo a associações civis apenas 5% do total de casos
analisados.
É interessante notar que, mesmo em lugares onde as associações da
sociedade civil desempenham papel significativo em termos de condensação de
interesses e propositura de políticas, como é o caso de São Paulo, ainda forte
predominância do Ministério Público no que tange à representação desses
interesses pela via judicial. Com a análise desses dados, não é difícil concluir que o
Ministério Público é autor fundamental das ações civis públicas. Sem ele, esse
instrumento jurídico praticamente não teria força alguma.
É possível notar também a clara predominância do Ministério Público em
todas as matérias passíveis de tutela judicial. Mesmo na área de relações de
consumo, em que o Ministério Público atua, proporcionalmente, em menos casos,
ele é responsável por 82,5% das ações encontradas. Isto é, em qualquer matéria
passível de tutela via ação civil pública, mais de 82,5% dos casos encontrados são
tutelados pelo Ministério Público.
Em relação às preferências ministeriais, fica claro que a defesa do
patrimônio público e probidade administrativa tem se destacado como a principal
área de atuação do MP (33,5% dos casos), seguida pelo meio ambiente (25%),
habitação e urbanismo (11%) e relações de consumo (9%). Os direitos da criança e
do adolescente, área em que o Ministério blico atuava na esfera vel antes da
criação da ação civil pública, não tem se destacado como tema importante da tutela
coletiva realizada pelo órgão, apenas 5% dos casos encontrados em que o MP
defende o direito coletivo tratam desse tema. Patrimônio histórico, cultural e
artístico (2,5%) e direitos de portadores de deficiência (1%) são os temas menos
tutelados pelo Ministério Público.
Quando age em litisconsórcio, a atuação do MP se restringe ao tema do
patrimônio público e probidade administrativa (4% do total das ações nessa área) e
meio ambiente (5% do total das ações nessa área). É curioso perceber que a
atuação do Ministério Público junto com a sociedade civil foi encontrada quando
o tema da ação é a preservação do meio ambiente. Um estudo mais cauteloso
sobre os motivos dessa união seria importante. Esse dado parece apresentar a idéia
de que Ministério Público e sociedade civil têm encontrado dificuldade para atuarem
em conjunto no Judiciário, salvo essa exceção. Mas mesmo assim, litisconsórcio
entre ambos foi encontrado em menos de 1% dos casos pesquisados.
Em relação aos acórdãos em que as associações da sociedade civil são
responsáveis pela defesa dos direitos difusos e coletivos em juízo, relações de
consumo é a matéria com maior número de recursos propostos, 30,5% dos casos.
Logo em seguida, encontramos o tema de habitação e urbanismo (24,5%) como
uma preocupação importante das associações da sociedade civil. O seguinte tema
mais tutelado por elas é do meio ambiente (21%). Patrimônio público e probidade
administrativa, patrimônio histórico cultural e artístico e direito dos portadores de
deficiência são os temas menos tutelados (3% dos acórdãos pesquisados cada um).
Nenhuma ação em que as associações da sociedade civil tutelassem direitos da
criança e do adolescente foi encontrada.
o poder público atua principalmente na área de patrimônio público e
probidade administrativa, além de habitação e urbanismo (26,5% dos acórdãos
pesquisados cada). Há poucas ações em que o poder público é defensor dos
interesses coletivos na área de meio ambiente (15,5%) e das relações de consumo
(5%). É importante ressaltar que a grande maioria das ações tuteladas pelo poder
público é das prefeituras. O governo do estado é responsável por apenas quatro
delas e os partidos políticos apenas por uma.
A Tabela 2 também mostra que, em algumas áreas, praticamente,
atuação do Ministério Público: é o caso de direitos dos portadores de deficiência,
direitos da criança e do adolescente e patrimônio histórico, cultural e artístico.
Esses dados o bastante interessantes, pois são temas que estão próximos do
papel mais antigo do Ministério blico: a defesa dos hipossuficientes. Esses temas
também se aproximam da sua função de defesa dos direitos indisponíveis,
indicando que pode haver uma relação forte entre essas duas funções reservadas
ao órgão. Isto é, podemos pensar em uma forte vinculação entre o papel civil que o
Ministério Público tinha antes da criação dos direitos difusos e coletivos e o papel
que adquiriu depois (Arantes, 2002).
Em relação à matéria do direito tratada por essas ações, patrimônio público
e probidade administrativa (33,5% dos casos pesquisados) é o tema que suscitou o
maior mero de recursos em ações civis públicas publicadas na revista do TJSP,
indicando que o principal foco da ação civil pública tornou-se o controle dos órgãos
governamentais.
O meio ambiente também é um tema bastante tutelado entre aqueles que
estão publicados na revista do Tribunal de Justiça (25%), assim como habitação e
urbanismo (11%). A separação entre esses últimos temas é difícil. Se levarmos à
risca a legislação ambiental, ela sequer poderia ser feita, pois habitação e
urbanismo deveriam ser considerados simplesmente como meio ambiente urbano.
No entanto, para melhor clareza de que tipo de ação está sendo movida e levando
em conta o artigo 1º da Lei 7.347/85 (anexo II), fizemos essa distinção.
O seguinte tema mais tutelado via ACP é das relações de consumo (9%).
Inicialmente, esta era uma das mais importantes áreas da tutela coletiva, inclusive
sendo base das primeiras análises no final dos anos 1970 sobre a importância da
criação de mecanismos de tutela coletiva de direitos. Vistas como detentoras de um
grande potencial de defesa jurídica coletiva, as relações de consumo, ao final,
acabaram se tornando um tema relativamente pouco tutelado.
Outros temas que têm menos ações ajuizadas são: direitos da criança e do
adolescente (5%), patrimônio histórico cultural e artístico (2,5%), além dos direitos
dos portadores de deficiência (1%). No entanto, se algum tema em que
podemos identificar lacuna no tratamento judicial coletivo é, certamente, o dos
direitos dos idosos. Não nenhuma ação civil pública sobre o tema publicada na
RJTJESP em todo o período analisado.
Podemos perceber também uma quantidade grande de outros direitos
(13%) que não puderam ser classificados entre os temas mais comuns dos textos
analíticos, de jurisprudência e doutrina sobre a ação civil pública. Esse dado indica
que novos direitos têm sido defendidos coletivamente, o que nos levou a criar uma
tabela sobre esses outros direitos coletivos (Tabela 3).
TABELA 3: MATÉRIA - OUTROS
(%)
Saúde
21 24,5
Imposto/Taxa
12 14
Sistema carcerário
12 14
Relações de trabalho
10 11,5
Instituição financeira
3 3,5
Jogos de azar
3 3,5
Torcida de futebol
2 2,5
Política de cotas
1 1
Outros
8 9,5
Desconhecido
14 16
Total
86 100%
Fonte: Elaboração própria
A criação dessa tabela é importante, pois reflete a forma como a
judicialização dos conflitos vem alargando as matérias do direito passíveis de tutela
coletiva, para além daquelas que foram pensadas pela Lei e pela doutrina. A rigor,
a legislação não faz menção explícita a estes direitos e sua tramitação na Justiça
certamente envolveu algum esforço de interpretação da aplicação da lei. A maioria
desses casos incide sobre assuntos relacionados à saúde. Imposto e taxas, além do
sistema carcerário, vêm logo em seguida. Todos esses temas estão relacionados a
políticas estatais. Ainda com um mero relativamente alto, temos ações sobre
problemas trabalhistas. Outros temas menos tratados o: instituições financeiras,
jogos de azar, política de cotas e torcidas organizadas de futebol. Em 14 casos não
foi possível verificar o tema das ações e 8 delas tinham questões específicas que
não couberam na nossa classificação.
3.3 O desempenho dos defensores dos direitos coletivos no Tribunal de
Justiça de São Paulo
Como vimos, o Ministério Público tem se destacado como o principal
defensor dos interesses coletivos na instância do poder Judiciário paulista. O
Ministério Público é o único autor legitimado a propor ação civil pública que atua,
entre as ações pesquisadas, em todas as áreas. Além disso, em todos os temas
passíveis de tutela coletiva ele é responsável por, no mínimo, 82,5% dos casos que
chegaram a ser publicados na revista do Tribunal da Justiça do Estado de o
Paulo.
Após verificar que o Ministério Público é, em certa medida, o grande
responsável pelas ações civis públicas movidas em São Paulo, devemos nos indagar
se seu desempenho é efetivamente melhor que os demais legitimados. Iniciaremos
nossa análise a partir dos dados obtidos em relação à instância. A leitura dos
acórdãos de apelação cível permite descobrir o resultado da ação na instância,
pois, como vimos, esse é um recurso usado para alterar uma decisão terminativa já
proferida por um juiz. Como nosso número de apelações civis é 367, esse seo
total dos casos analisados (Tabela 4).
Como é possível perceber, o desempenho do Ministério blico é realmente
melhor que o dos demais autores em instância. Sua atuação, em relação aos
demais legitimados, é melhor inclusive quando o Ministério Público age sozinho do
que em litisconsórcio.
TABELA 4: DESEMPENHO NA 1ª INSTÂNCIA
Sentença favorável?
Sim
(%)
Não
(%)
Parcial
(%)
Total
Ministério Público 52 34 14 100
Ministério Público em litisconsórcio 50 41,5 8,5 100
Poder Público 30 50 20 100
Sociedade civil 13,5 73 13,5 100
Total 50 36 14 100
Fonte: Elaboração própria
As associações da sociedade civil têm um desempenho bastante ruim na
instância, entre os casos pesquisados. Apesar de mover poucas ações, tais
associações são as representantes mais ativas em instância depois do Ministério
Público (Tabela 2). Mesmo assim, parecem enfrentar bastante dificuldade de
representar interesses coletivos pela via judicial e de obter êxito processual. Esse
dado é importante, pois pode ajudar a explicar porque tão poucas associações
atuando em instância. Como elas perdem a grande maioria das ações em 1ª,
muitas devem acabar abandonando os casos. Processos jurídicos são caros e
demandam bastante empenho das associações até porque, como vimos, poucos
incentivos para que elas ingressem no Judiciário. Isto é, o número alto de casos
indeferidos na instância pode ser uma das causas do baixo número de
associações que têm chagado na 2ª.
Esses dados parecem indicar que uma resistência do Judiciário ao
deferimento de ações movidas por agentes da sociedade civil. Porém, os dados
mais significativos da nossa pesquisa dizem respeito à 2ª instância, nosso foco de
levantamento dos dados (Tabela 5).
Antes de apresentar os resultados da Tabela 5, é importante explicar porque
seu resultado total difere da Tabela 1. Como dissemos anteriormente, a Tabela 1
trata dos pedidos dos recursos em 2ª instância, vimos que a maioria dos autores
dos recursos tem seu pedido negado. A Tabela 5, por outro lado, mostra o
resultado final das ações para os defensores dos direitos difusos e coletivos,
independente de quem ingressou com recurso. É possível perceber, portanto, que
os defensores jurídicos dos direitos coletivos m melhor ou igual desempenho em
relação aos possíveis agressores desses direitos ao final do processo na 2ª instância
(na média, conseguem ter seus pedidos atendidos, total ou parcialmente, em
63,8% dos casos).
TABELA 5: DESEMPENHO NA 2ª INSTÂNCIA
Resultado da final
Favor.
(%)
Desfavor.
(%)
Parcial
(%)
TAC
(%)
Total
Poder público 53% 37% 10% 100%
Ministério Público em litisconsórcio 50% 31% 19% 100%
Ministério Público 43% 36% 20,8% 0,2% 100%
Sociedade civil 39,5% 39,5% 21% 100%
Total 43,5% 36% 20,3% 0,2% 100%
Fonte: Elaboração própria
Em relação às ações tuteladas pelo Ministério Público, é possível perceber
uma queda no número de decisões que lhe favorece da para instância. As
associações da sociedade civil, em compensação, passam a ter mais decisões
favoráveis aos seus pedidos, mas continuam sendo o defensor dos direitos coletivos
com mais dificuldade de obter bons resultados no Tribunal. o desempenho do
Poder Público melhora muito, embora o número de casos não nos permita fazer
grandes generalizações a respeito. Parte do bom desempenho do Ministério blico
em litisconsórcio, portanto, pode ocorrer porque ele atua junto com o Poder blico
em muitos casos. É preciso considerar, entretanto, que a média de pedidos
favoráveis aos defensores dos direitos coletivos em 2ª instância é menor do que em
1ª. É possível concluir que isso ocorre em decorrência dos problemas enfrentados
pelo Ministério Público, que moveu 89,5% das ações analisadas (Tabela 2), pois os
outros defensores de interesses coletivos têm uma significativa melhora entre os
resultados dos acórdãos analisados.
O pior desempenho do Ministério Público em instância, se comparado à
1ª, pode ser explicado pela própria forma como ele atua institucionalmente. O
promotor é responsável pelas ações apenas na instância. Ele realiza o
levantamento de provas, monta a ação, tem contato com os interessados no
processo (quando se dispõe a isso), enfim, tem uma postura bastante ativa para a
propositura da ação. Em instância, quem representa o Ministério Público é o
Procurador de Justiça. O procurador não participa da criação do processo, apenas
analisa o caso e produz um parecer, que pode ou não ser levado em conta pelo juiz
e, em alguns casos, pode até ir contra ação do Ministério blico em instância.
Encontramos pareceres da Procuradoria de Justiça contrários aos promotores em
6,5% dos casos. Portanto, em instância, o Ministério Público está mais distante
da ação, o que pode explicar, em parte, seu pior desempenho.
Porém, mesmo que o desempenho do Ministério Público tenha piorado e o
das associações da sociedade civil melhorado, essas continuam sendo as
defensoras de direitos coletivos com mais pedidos negados entre os acórdãos
pesquisados. Esses dados indicam que, mesmo com uma melhora, as associações
da sociedade civil enfrentam algumas dificuldades para defender interesses
coletivos pela via judicial. Isso pode ocorrer tanto porque essas associações não
estão preparadas para atuarem no Judiciário, como por resistência desse poder em
concebê-las como legitimadas a defender direitos difusos e coletivos.
Provavelmente, ambas as coisas acontecem e se retroalimentam. No capítulo
anterior, vimos que esse é um dos grandes problemas levantados pela criação dos
direitos coletivos no Brasil. Alguns dados levantados na pesquisa qualitativa, que
serão tratados mais adiante, podem ajudar a resolver essa questão.
Outro dado apresentado na Tabela 5 é o excelente desempenho do Poder
Público. Mesmo com uma larga experiência, e defensor da grande maioria dos
casos, o Ministério Público não consegue ter um desempenho jurídico tão eficiente
como as prefeituras e o Estado no que tange os casos de ação civil pública que
aparecem na revista do Tribunal de Justiça no período em que a pesquisa foi
realizada. Outro dado relevante sobre a defesa de direitos coletivos realizada pelo
poder público é que, entre todos os legitimados a propor ação para defesa de
interesses coletivos, ele é o que tem sua legitimidade menos questionada para
defesa desses interesses (Tabela 6).
TABELA 6: LEGITIMIDADE DOS AUTORES QUESTIONADA
Legitimidade em questão?
Sim
(%)
Não
(%)
Total
Sociedade civil 42 58 100
Ministério Público em litisconsórcio 25 75 100
Ministério Público 24 76 100
Poder público 21 79 100
Total 25 75 100
Fonte: Elaboração própria
A literatura sobre direitos difusos e coletivos costuma se concentrar na
relação entre Ministério blico e sociedade civil para defesa de interesses
coletivos. Parece que, sem chamar muita atenção dos analistas, o poder público
vem se destacando como um bom defensor de interesses coletivos em juízo, apesar
de que é responsável por poucos casos, apenas 3% do total.
É importante destacar que, devido ao grande número de ações que propõe,
em termos de números absolutos, o Ministério blico é, de longe, o mais
questionado. No entanto, em termos proporcionais, as associações da sociedade
civil são a que mais sofrem com esse problema. Em relação aos demais autores,
uma diferença significativa, pois esses apresentam algum equilíbrio em termos da
legitimidade questionada, de 21% a 25%, enquanto a legitimidade para agir da
sociedade civil é posta à prova em 42% dos casos.
Esses dados nos levam a concluir que pode haver resistência para considerar
associações da sociedade civil como legítimas para representar interesses coletivos
pela via judicial. É importante ressaltar que, muitas vezes, os advogados invocam
tudo que lhes é possível para, quem sabe, convencer o juiz com algum argumento.
Por isso, a legitimidade muitas vezes é questionada apenas por mera estratégia
processual. No entanto, como isso ocorre para todos os legitimados a propor ações
em nome de terceiros, o dado sobre a sociedade civil pode ser relevante para
ilustrar uma diferença de tratamento em ações civis públicas para os diferentes
autores.
Entre os acórdãos pesquisados, também foi possível verificar que as
associações da sociedade civil estão no pólo passivo de 35 ões e estão no ativo
de apenas 33. Isto é, foi mais fácil encontrar as associações da sociedade civil
como de uma ação do que como defensora de um direito coletivo entre as ações
pesquisadas.
26
Esse dado é relevante para desmistificar a atuação da sociedade civil
como representante inequívoca de interesses da sociedade, problema que foi
levantado no primeiro capítulo por meio das observações de Gurza Lavalle (2003).
3.4 O desempenho das matérias do direito em acórdãos do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
Além dos diferentes autores que movem ação civil blica, vimos que a
legitimidade para agir em nome de terceiros no Judiciário também pode derivar na
relevância do tema tutelado. Alguns dos temas passíveis de tutela pela via judicial,
no entanto, sofrem mais com problemas processuais que outros. Isso significa que,
ao final do processo, algumas ações de diferentes temas têm mais dificuldades de
ter seu conteúdo efetivamente julgado (Tabela 7).
A ordem em que, proporcionalmente, mais direitos materiais sendo
julgados é: 1) direitos dos portadores de deficiência; 2) direitos da criança e do
adolescente; 3) patrimônio histórico, cultural e artístico; 4) Meio Ambiente; 5)
habitação e urbanismo; 6) patrimônio público e probidade administrativa; 7)
relações de consumo; 8) outros. Portanto, é possível afirmar que uma forte
relação dos problemas processuais apresentados em uma ação com o quanto o
direito de que ela trata é indisponível.
26
As associações da sociedade civil que mais apareceram no banco dos réus são: sindicatos, associações
de condomínios, associações religiosas (algumas ligadas à gestão de hospitais), torcida de futebol
organizada e algumas associações comunitárias.
TABELA 7: MATÉRIA DO DIREITO E BASE DA DECISÃO
Base da
decisão
Dir Mat Dir Proc Dir P e M Conf Pod Total
95 40 23 8 166
Meio ambiente
32,5%
57% 18% 24% 20% 14% 30% 5% 25% 100%
84 69 58 211
Pat. pub. Prob.
administrativa
29% 40% 31% 33% 51% 27% 32% 100%
31 32 12 2 77
Habitação e
Urbanismo
10,5%
40% 14,5%
41,5%
10% 16% 7,5% 2,5% 11,5%
100%
21 35 7 63
Relações de
consumo
7% 33% 15,5%
56% 6% 11% 9,5% 100%
19 6 5 30
Direitos Criança
Adolescente
6,5% 63% 2,5% 20% 18,5%
17% 4,5% 100%
9 3 2 1 15
Patrimônio hist.,
cult. e artístico
3% 60% 1,5% 20% 2% 13% 4% 7% 2,5% 100%
6 1 1 8
Dir. portadores
deficiência
2% 75% 0,5% 12,5%
1% 12,5%
1% 100%
27 38 10 11 86
Outros
9,5% 31% 17% 44% 10% 12% 40% 13% 13% 100%
292 224 113 27 656
Total
100%
45% 100%
34% 100%
17% 100%
4%
100%
100%
Fonte: Elaboração própria
Os direitos que enfrentam menos problemas processuais em seu trâmite no
Tribunal de Justiça de São Paulo são os direitos humanos. Em seguida, os
direitos do patrimônio histórico cultural e artístico, do meio ambiente e habitação e
urbanismo que, como vimos, tem uma forte relação com o meio ambiente. Depois,
estão os direitos relacionados ao patrimônio público e probidade administrativa. Por
último, as relações de consumo. Nesse sentido, quanto mais próxima a matéria
do direito de uma ação civil pública se encontra dos direitos indisponíveis, maior
serão as chances de ela ter seu pedido efetivamente julgado, sem esbarrar em
problemas processuais.
No capítulo anterior, vimos que os direitos difusos e coletivos no Brasil
ganharam um significado de direito indisponível, para toda a sociedade, o de
direitos que expressariam conflitos entre particulares agindo coletivamente.
Justamente por isso, o Ministério Público é apresentado pela doutrina jurídica como
defensor de um bem tido como inequívoco: as leis. O respeito aos direitos
indisponíveis, tais como o direito à vida, normalmente, é visto como uma forma de
respeito à sociedade como um todo. Em grande medida, é essa a característica que
a defesa dos direitos difusos e coletivos adquiriu no Brasil: um instrumento pela
busca do bem comum. E como o Ministério Público é um órgão do Estado ele goza
da presunção de legitimidade para agir, por estar “naturalmente” mais próximo
desse bem comum.
A matéria dos direitos dos consumidores deve enfrentar, por isso, mais
resistência processual no Tribunal, como de fato acontece. Essa resistência
também pode ser associada aos direitos individuais homogêneos. Além de
apresentarem certa distância dos direitos indisponíveis, entre todos os direitos
passíveis de tutela coletiva - difuso, coletivo e individual homogêneo as ões
sobre proteção do consumidor normalmente se aproximam do último, que pode
facilmente ser confundido com um direito individual comum. Em muitos acórdãos,
encontramos uma discussão sobre a possibilidade dos direitos dos consumidores
serem efetivamente tutelados via ação civil pública. Alguns desembargadores
consideravam que, em certos casos, eles deveriam ser tutelados via ação individual
apenas para e pelos próprios interessados. Nesse sentido, assim como se
distanciam dos direitos indisponíveis, os direitos do consumidor podem enfrentar
dificuldades processuais nos julgamentos, também por serem individuais
homogêneos, sobretudo quando o Ministério Público é o autor, que ele é visto
como o defensor dos interesses públicos, não particulares e coletivos.
Em relação ao tema da representação de interesses coletivos pela via
judicial, duas características puderam ser definidas: a) em relação à primeira
justificativa desenvolvida pela doutrina jurídica para legitimar alguém a mover ação
em nome de terceiros, do autor da ação, foi possível verificar a clara predominância
do Ministério Público na defesa de direitos; b) em relação à segunda justificativa,
da matéria da ação, foi possível verificar que o poder Judiciário paulista tende a
julgar mais direitos materiais em ões que se aproximam dos direitos
indisponíveis.
Essas características indicam que, em termos efetivos, a ação civil pública se
aproxima de um instrumento para a defesa de um suposto bem comum. Vimos no
capítulo anterior que a Lei 7.347/85 foi pensada para responder a demandas
coletivas dessa forma, ao que os dados indicam, parece que as ões coletivas têm
correspondido a esse papel que lhes foi atribuído pela Lei.
No entanto, foi possível constatar alguns novos rumos que as ações civis
públicas vêm tomando. O interessante de observar o Tribunal de Justiça é que ele
permite verificar algumas características que a efetivação dos direitos apresenta e
que não foi pensada pela legislação. O direito ganha vida no Judiciário e lá podemos
ver as efetivas consequências da criação das leis.
3.5 A ação civil pública e o controle sobre os atos do Estado.
Os acórdãos pesquisados mostram que ações civis públicas têm sido
movidas em novas matérias do direito, para além das previstas na Lei 7.347/85
(Tabela 3). A maioria desses novos temas (52,5%)
27
incide sobre políticas estatais.
Além disso, a matéria do direito que mais apareceu entre os acórdãos pesquisados
é da defesa do patrimônio público e probidade administrativa. De fato, a grande
maioria dos acórdãos de ões civis públicas que encontramos foi de ações que
tinham como réu o Estado (Tabela 8).
27
Somadas as ações na área de: saúde, imposto/Taxa e sistema carcerário.
TABELA 8: RÉUS
(%)
Poder Público 313 48
Empresa privada 134 20,5
Pessoa física - particular 74 11
Poder Público e empresa 33 5
Poder Público e pessoa física 28 4,2
Sociedade civil 25 3,8
Pessoa física e empresa 23 3,5
Outros 26 4
Total 656 100
Fonte: Elaboração própria
Podemos afirmar que quem mais sofre com as ações civis públicas que
tiveram seus acórdãos publicados na revista do Tribunal de Justiça é o Poder
Público e seus agentes - políticos ou burocratas. Empresas privadas e particulares
também têm tido alguns problemas com a Justiça. Quem menos sofre com essas
ações são as associações da sociedade civil.
A maioria dos acórdãos encontrados que tinham como parte o poder público
era de ações movidas contra prefeituras, 44% deles. Outros 35% dos acórdãos
foram de ações movidas contra representantes de cargos públicos, eletivos ou
burocráticos, em função de atos cometidos durante administração, sendo a maioria
deles, também de cargos da prefeitura. Apenas 21% delas tinham como parte o
governo do Estado.
Podemos dizer, portanto, que uma das principais características da ação civil
pública, pelo menos no que tange as questões que m sendo tratadas pela
jurisprudência, é o controle dos atos do governo, sobretudo na figura das
prefeituras. Outro dado que confirma essa tese é o de que muitas ações têm sido
movidas para regular políticas públicas. Entre os acórdãos pesquisados, 27,5%
eram de ações que incidiam sobre esse tema. Isso significa que quase 1/3 dos
acórdãos tratava de ações que tinham como pedido a implementação, a anulação
ou a alteração de alguma política pública.
Se considerarmos esses dados junto com o grande número de ações sobre
patrimônio público e probidade administrativa, não fica difícil notar a função de
controle sobre os atos do Estado que a ação civil pública passou a ocupar dentro do
Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo menos no que tange a sua jurisprudência.
É possível encontrar políticas públicas questionadas em todos os temas que
apresentaram tutela jurídica via ação civil pública nos acórdãos publicados durante
o período em que realizamos a pesquisa. poucas ações que tratam de política
pública e de patrimônio público e probidade administrativa ao mesmo tempo
(Gráfico 1).
GRÁFICO 1: MATÉRIA DO DIREITO E POLÍTICA PÚBLICA EM QUESTÃO
1
7
50
126
40
12
199
52
7
23
27
40
46
3
12
11
0
50
100
150
200
250
Direito de
portadores de
deficiência
Direitos da
criança e do
adolescente
Habitação e
Urbanismo
Meio ambiente Outros Patrimônio
histórico, cultural
e artístico
Patrimônio
público e
probidade
administrativa
Relações de
consumo
Sim
Não
Fonte: Elaboração própria
Os temas em que é possível encontrar um mero maior de acórdãos sobre
ações que tratam de políticas públicas, proporcionalmente, são os dos direitos dos
portadores de deficiência e da criança e do adolescente e, numericamente, do meio
ambiente e outros. Como vimos na tabela 3, entre esses outros temas estão saúde,
sistema carcerário e impostos/taxas, portanto era de se esperar que entre esses
casos a questão da política blica estaria bastante presente. Esse dado indica que
a maioria dos temas que estão sendo tutelados via ação civil pública e que não
foram concebidos originalmente na Lei 7.347/85, abarcam questões de política
pública. Nesse sentido, é possível considerar que o número de ações que incidem
sobre temas de políticas públicas tende a aumentar, pois o Judiciário tem aberto
novos caminhos e possibilidades para que isso ocorra.
3.6 A judicialização da política e a representação de interesses
Depois da apresentação desses dados, é possível concluir que o controle dos
atos do Estado é um importante foco da judicialização dos conflitos coletivos no
Brasil. Esse fato está diretamente relacionado com a análise teórica feita nos
primeiros capítulos desse trabalho.
Os direitos difusos e coletivos, como ficou demonstrado, são tratados como
um instrumento que deve visar o bem comum por meio do respeito às normas
jurídicas. Esse fato pode ser verificado tanto no que se refere à matéria do direito,
como à predominância do Ministério blico como defensor dos direitos difusos e
coletivos.
Vimos que um aumento dos temas e problemas sobre os quais as ações
civis públicas têm incidido. Foi possível verificar que novas áreas passíveis de tutela
coletiva têm sido incorporadas à jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo,
demonstrando que conflitos de diferentes espécies têm sido judicializados. Além
disso, a maioria dos novos temas encontrados nos acórdãos visa obter, pela via
judicial, o controle de políticas públicas. Portanto, a ação civil pública pode ser vista
como uma forma de controle da legalidade, em muitos casos, dos atos do Estado.
Com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, também foi
possível verificar que os órgãos públicos e principalmente o Ministério Público têm
se destacado como principais representantes desses direitos. Ao contrário do que
acontece com o tema das ações, que tem alargado as possibilidades de tutela pela
ação civil pública, parece que a defesa desses direitos tem se restringido ao
Ministério Público.
Portanto, podemos concluir que a introdução dos direitos difusos e coletivos
no Brasil tem aberto novos espaços para a representação de interesses no
Judiciário e que essa representação é exercida, na grande maioria das vezes, pelo
Ministério Público. Além disso, foi possível verificar que ele tem atuado em novos
temas, para além dos previstos na Lei 7.347/85. Vimos também que um dos
destaques das ações que tiveram seus acórdãos publicados é o controle das
políticas públicas, fato que coloca não apenas o Judiciário no âmbito da política,
mas também o próprio Ministério Público.
A politização desses órgãos está diretamente relacionada com escolhas
institucionais feitas no período de democratização do Brasil, em que, depois de uma
ditadura militar, a importância da defesa dos direitos ganhou uma nova dimensão.
A nova posição adquirida pelos atores jurídicos foi beneficiada por esse processo e
tem consequências bastante relevantes para o tema da representação política.
Algumas dessas escolhas institucionais podem ajudar a explicar como o Ministério
Público acabou adquirindo esse papel. Por outro lado, é necessário lembrar que a
abertura dessa nova arena de representação na qual o Ministério Público tem
ocupado a liderança teve um elemento “endógeno” muito importante. Referimo-nos
às ações deliberadas conduzidas pelo próprio Ministério Público no sentido de
tornar-se o principal tutor dos interesses e direitos coletivos, como demonstrou
Arantes (2002). No próximo capítulo, analisaremos as consequências desse modelo
de solução de conflitos coletivos adotado no Brasil, com foco nas transformações
geradas para a representação de interesses coletivos.
4. Principais características da representação de interesses
coletivos no Tribunal de Justiça de São Paulo
A representação de interesses coletivos pela via judicial, realizada por meio
de ação civil pública no Tribunal de Justiça do Estado de o Paulo, tem algumas
características que se destacaram na pesquisa quantitativa realizada: a) o
Ministério blico apresenta-se numericamente nos processos como principal
representante dos direitos difusos e coletivos; b) esses direitos são vistos pelo
Tribunal como um mecanismo de defesa de um suposto “bem comum”; c) tem
havido um alargamento dos tipos de direito que podem ser defendidos via ação civil
pública; d) boa parte das ações tem aberto espaço para o controle judicial dos atos
do governo.
Essas características também podem ser verificadas qualitativamente nos
acórdãos do TJSP. No entanto, essa leitura ainda permite novas conclusões
significativas sobre como a ação civil pública vem direcionando a representação de
interesses coletivos pela via judicial. Neste capítulo, serão analisados esses quatro
aspectos relacionados com os problemas teóricos levantados durante o trabalho.
4.1 Algumas características da ação civil pública no olhar do Tribunal de
Justiça de São Paulo
A ação civil pública é muitas vezes interpretada no meio jurídico brasileiro
como uma “revolução processual” que encerraria uma etapa individualista do
sistema de Justiça. Conforme apresentado no segundo capítulo, para alguns
juristas, estaríamos diante de uma profunda alteração no direito tradicional. A
criação dos direitos difusos e coletivos teria inaugurado uma nova era que
transformaria o direito de matriz individual. A conquista de direitos e sua
efetivação teriam inaugurado um novo espaço de busca e realização de justiça
social, tornando o Judiciário um protetor ativo e essencial para a sua efetivação:
“A notória origem da ação civil pública brasileira no modelo norte-
americano das class actions faz dela algo de institucionalmente
excepcional no sistema romano-germânico de direito processual, ao
qual filia-se o brasileiro. O individualismo dos romanos chega até nós
de modo bastante veemente e quase intransigente, sendo a raiz mais
remota e profunda de disposições como a do art. do Código de
Processo Civil. Foi somente quando a sociedade de massa passou a
impor regras de um direito de massa que surgiu a consciência da
necessidade de medidas integrantes de um verdadeiro processo civil
de massa, caracterizado na ordem jurídica brasileira mediante medidas
como o mandado de segurança coletivo e a ação civil pública
destinada à tutela dos valores ambientais, dos consumidores como
comunidade, dos deficientes físicos e das crianças e adolescentes.
Tais medidas vieram a ser adotadas em resposta ao clamor de
doutrinadores brasileiros impressionados com a existência de
verdadeiros bolsões de ilegalidade imunes à atuação jurisdicional.
Grassava a sistemática e incontrolável violação a bens e interesses
que, justamente porque indivisíveis e insuscetíveis de personificação
em sujeitos identificáveis (interesses difusos), não podiam ser objeto
da tradicional tutela jurisdicional individualista”. (Cândido Dinamarco,
Fundamentos do Processo Civil Moderno, apud Apelação cível
171.799-5, de 19/12/2001)
Nota-se que os direitos difusos e coletivos não são pensados meramente
como uma forma de acesso à Justiça, mas como um novo espaço para resolução de
conflitos. O Judiciário teria passado, portanto, a agir de acordo com um novo papel
que lhe teria sido atribuído pela sociedade. Esse argumento pode ser verificado em
outro acórdão, o qual discutia uma sentença que considerou o Ministério Público
parte ilegítima para promover ação indenizatória por prejuízos causados a
moradores de um conjunto habitacional:
“Além de não ter sido feliz o Juízo quanto à fundamentação da
sentença, também não fez justiça social, na medida em que não
viabilizou, através desta ação civil pública, o acesso à justiça, de resto
festejada pela moderna doutrina processualista que busca, sobretudo,
a ordem jurídica socialmente equânime“. (Apelação cível 133.197-
4/8, de 10/09/2002)
Foi possível verificar que, no meio jurídico, uma das características da
introdução dos direitos difusos e coletivos, a qual seria marcante, é um suposto
caráter social afirmativo que eles teriam trazido ao Judiciário. Isto é, a forma como
foram criados lhes consagraria como um instrumento para a resolução de conflitos,
cujo intuito seria a realização da tão desejada justiça social por meio de um novo
papel atribuído ao Judiciário.
Mas não foi apenas a esse Poder que a criação dos direitos difusos e
coletivos atribuiu um novo papel. O representante mais ativo da proteção de
interesses coletivos no Judiciário, como foi apresentado no capítulo anterior, é o
Ministério Público; a ele também esses direitos atribuíram novas funções.
4.2 O Ministério Público e a proteção dos interesses difusos e coletivos
O novo papel que o Ministério Público vem exercendo na proteção dos
direitos difusos e coletivos pode ser verificado para além da quantidade de ações
que ele move. Muitos desembargadores o vêem como o mais importante
representante desses direitos:
“Com efeito, o Ministério Público assumiu a posição de verdadeiro
defensor da sociedade em todos os seus seguimentos, sendo uma
instituição fundamental para a existência do Estado Democrático de
Direito” (Agravo de instrumento nº 226.745-5, de 03/10/2001; Apelação
cível 168.223-5/2-00, de 13/11/2002 e Apelação cível 171.799-5,
de 19/12/2001).
uma forte vinculação entre o Estado de Direito e o novo papel que vem
sendo atribuído ao Ministério Público. Cabe a ele, segundo alguns
desembargadores, a defesa dos interesses sociais. Nesse sentido, como
apresentado no capítulo anterior, os direitos individuais homogêneos encontram
mais dificuldades de serem tutelados pelo Ministério Público:
“Quando haja um interesse coletivo na sua universalidade, por isso
que chamado difuso, se, em certo momento, em razão direta do
contrato firmado entre partes certas, determinadas e conhecidas, a
lesão afeta parcelas de indivíduos, bem identificados, não se de
reconhecer como definida a participação do Ministério Público, na
defesa apenas desses interesses, particulares e individuais, e não dos
interesses da sociedade, como um todo, em ordem a justificar sua
presença para fazer cumprir a lei como norma geral, na defesa do
todo, quando apenas alguns se poderiam afirmar prejudicados ou até
mesmo não admitir a existência do prejuízo, o que importaria na
atuação do Ministério Público sem provocação do interessado”.
(Agravo de instrumento nº 289.731-4/0-00, do dia 14/08/2003)
Na verdade, é possível verificar na jurisprudência do Tribunal paulista certa
necessidade de que os interesses sejam “gerais” para que o Ministério blico seja
legitimado a agir no Judiciário. uma vinculação entre proteção dos interesses
difusos e coletivos e um suposto bem comum que deveria ser defendido pelo
Ministério Público. Dessa maneira, ele não deveria representar direitos individuais
homogêneos. Esses dados ficam ainda mais significativos com a análise do seguinte
trecho:
“A pretensão trazida em juízo versa proteção de interesse individual
homogêneo; titulares identificáveis, prejuízos oriundos de uma situação
de fato, qual seja, aglomeração de pessoas na saída do espetáculo,
dano e a responsabilidade passíveis de divisibilidade.
Ocorre que, em se tratando de tais interesses, a legitimidade do órgão
do Ministério fica condicionada a certos pré-requisitos, tais como:
manifesto interesse social e relevância do bem jurídico defendido”.
(Apelação cível nº 185.856-5/0-00, de 10/06/2002)
É possível notar que, o Ministério Público deveria agir em casos em que
não seja possível identificar as pessoas que participam do processo. Isto é, casos
em que não seja possível que cada um individualmente recorra ao Judiciário. Além
disso, cabe notar outros fatores que dariam legitimidade ao Ministério Público para
agir em nome de terceiros, mesmo que identificáveis: o interesse social e a
relevância do bem jurídico defendido. Isto é, quando a representação do MP não
decorre dos beneficiados pelo processo (representados), se refere ao tema da ação,
que deve ter significado social relevante. Quando a matéria do direito se aproxima
de um direito indisponível, portanto, o Ministério Público deveria estar presente.
Segundo Arantes (2002), essa foi uma polêmica que se instalou no meio Jurídico
com a autorização do Ministério Público para atuar na defesa de ações na área dos
direitos dos consumidores, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor. A
tendência, segundo o autor, era de que, uma vez autorizado a representar o direito
do consumidor, como aconteceu em muitos casos, o Ministério Público acabasse
alargando suas áreas de atuação. De fato, pudemos verificar essa tendência, como
apresentado no capítulo anterior. No entanto, ainda é possível encontrar resistência
a legitimar o Ministério Público a agir em casos de direito individual homogêneo.
4.3 Matéria da ação civil pública
As matérias passíveis de tutela via ação civil pública, como apresentadas no
capítulo anterior, vêm aumentando. Isso significa que uma maior quantidade de
conflitos coletivos, em diferentes áreas, tem sido administrada pelo Judiciário.
Mesmo assim, podemos afirmar que esse é um espaço atípico para a solução de
conflitos coletivos, pelo menos no que tange ao direito tradicional.
Como, no Brasil, uma vinculação entre direitos difusos e coletivos e a
defesa de direitos indisponíveis, a matéria do direito é considerada um dos mais
importantes requisitos para que se mova uma ação civil pública. A hipótese inicial
dessa pesquisa era a de concentrar a atenção na legitimidade dada ao autor da
ação como forma de explicar a representação de interesses pela via judicial. No
entanto, percebemos que tão importante quanto o autor de uma ação, era o tema
sobre o qual ela incidia, para que um direito difuso e coletivo fosse legitimado a ser
tutelado juridicamente.
O exemplo mais claro desse fato é que, no Tribunal de Justiça de São Paulo,
quando o tema de uma ação se aproxima de um direito indisponível, a ação civil
pública pode ser movida para a defesa do interesse de apenas um indivíduo. Ela é
considerada ação civil pública pela relevância do tema sobre o qual incide, mesmo
quando trata do direito de apenas um, claramente, um direito que não é coletivo.
Encontramos 11 casos de ação para defesa de direitos de um indivíduo. A maioria
deles era para matricula de um aluno em escola pública ou fornecimento de
medicamentos para um paciente. Todas essas ações foram movidas pelo Ministério
Público e apenas duas delas tiveram pedido indeferido por ilegitimidade da parte,
todos os demais acórdãos aceitaram integralmente o pedido do MP:
“É fato que a petição inicial refere-se especialmente ao cidadão
Fabiano Henrique Ramos, demonstrado omissão do poder público.
Não é exato, portanto, asseverar-se que a ação destina-se à defesa de
um cidadão. Basta a leitura do pedido.
E mesmo que a ação tutelasse exclusivamente direito do cidadão
Fabiano Henrique Ramos, ainda assim seria cabível. É que embora o
direito seja individual, é socialmente indisponível” (Apelação cível,
244.478-8/9-00, de 11/05/2004)
Essa estratégia do Ministério Público pode estar relacionada à dificuldade de
questionar uma política pública como saúde ou educação em tese. Em muitos casos
em que o Ministério Público tentou fazer isso, o pedido foi negado pela interferência
indevida do Judiciário na administração pública. São, portanto, mais bem sucedidas
as ações em que o Ministério Público atua na defesa de um único indivíduo, mesmo
se tratando de direitos difusos e coletivos.
O tema a ser tutelado em uma ação civil pública é de tal importância para o
Judiciário paulista que torna plausível pensar que a alteração do artigo 5º, da Lei
7.347/85, ocorreu em função do aumento de temas passíveis de tutela judicial.
Esse artigo trata dos atores legitimados a promover ação civil pública. Em 2007,
foram ampliados os atores legitimados a representar terceiros pela via judicial.
Entretanto, desde a criação da ação civil pública, poucas mudanças ocorreram em
relação à atuação jurídica dos legitimados para propor ação civil blica. Isto é, o
Ministério blico é o principal autor, desde que a ação civil pública foi criada.
Portanto, essa mudança pode ser explicada, justamente, pelo aumento do número
de temas passíveis da tutela judicial. Dada a importância que o tema da ação tem
para a tutela jurídica dos direitos difusos e coletivos, a expansão dos autores
legitimados a mover ação civil pública deve ter aumentado em função da matéria
do direito: mais temas precisam ser tutelados, portanto, mais pessoas precisam
estar legitimadas a tutelá-los. Resta saber se outros atores, de fato, vão tutelar
novos direitos ou se apenas o Ministério Público vai atuar em mais áreas.
4.4 O novo papel do Ministério Público
O destaque da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses difusos
e coletivos pode ser associado à própria criação da ação civil pública. Isto é, a
forma como ela foi elaborada, como já foi demonstrado, pressupunha que os
interesses defendidos por esse instrumento jurídico tinham um caráter de “direitos
de toda a sociedade” e deveriam ser defendidos por um órgão capaz de representar
esses interesses: o Ministério Público, como defensor das leis. Paralelo a isso, um
processo interno do Ministério blico criou um novo papel a ser exercido pela
instituição que pode ser a principal razão da atuação predominante do MP na defesa
dos interesses difusos e coletivos nas ações pesquisadas. “Em menos de vinte anos,
a instituição conseguiu passar de mero apêndice do Poder Executivo para a
condição de órgão independente e, nesse processo que alterou sua estrutura,
funções e privilégios, o Ministério Público também abandonou seu papel de
advogado dos interesses do Estado para arvorar-se em defensor blico da
sociedade” (Arantes, 2002: p. 19).
Segundo Arantes, o novo papel do Ministério Público foi desencadeado por
um movimento interno que teve início durante a ditadura militar e que se
beneficiou do contexto da democratização. O Ministério blico teria se afastado do
seu antigo papel de defensor do Estado e se aproximado da sociedade em um
contexto de valorização da cidadania no período de redemocratização do país. O
curioso dessa fase, segundo o autor, é que justamente no momento em que os
movimentos sociais afloraram como uma alternativa ao poder Estatal, o Ministério
Público, que era parte do Poder Executivo, se destacou como o grande defensor da
cidadania, do Estado democrático de direitos e da sociedade.
O Ministério Público, historicamente, estaria ligado a funções da área penal
(acusação do Estado), em função do monopólio da violência legítima que o Estado
detém. Na esfera vel, sua atuação limitava-se à defesa de direitos individuais
indisponíveis e dos direitos envolvendo indivíduos considerados incapazes. Segundo
Arantes, foi da vinculação da sociedade civil brasileira com essas funções que ele
conquistou um novo espaço de atuação civil. Portanto, o crescimento da instituição
nessa área poderia ser associado: a) com a indisponibilidade do direito a ser
tutelado; b) com uma suposta incapacidade da sociedade civil brasileira, vista sobre
esse prisma como “hipossuficiente”.
Duas foram, portanto, as formas de legitimação para agir em nome de
terceiros no Judiciário: a natureza da lide ou a qualidade da parte. (Machado, A
intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro 1998 apud Arantes,
2002). Em outras palavras, trata-se de uma legitimação dada segundo a matéria da
ação (que no Brasil aproxima-se do direito indisponível), ou o autor da mesma (que
no Brasil é quase sempre o Ministério Público).
Segundo Arantes, o controle das instituições públicas feitas pelo Ministério
Público vinha desde a ditadura militar. Como estaria ligado ao Poder Executivo, o
órgão, em países submetidos a regimes autoritários, acabava sendo incorporado ao
governo. Mas, no Brasil, o Ministério Público, que era parte do Executivo durante a
ditadura, teria sido associado à defesa do Estado de Direito. Provavelmente o
controle das instituições públicas, antigo para o Ministério público, deve ter forte
influência na sua atuação na área de improbidade administrativa.
Criado sob essa aproximação com o autoritarismo, o Ministério Público teria
se desvinculado do Estado e, aproximando-se do defensor das leis, passou a se ver
e a ser visto como uma instituição fundamental para a defesa da democracia,
portanto, da defesa da sociedade que tinha sido sufocada pelo governo ditatorial ao
qual o órgão ainda estava ligado. Essa mudança ocorre pela vinculação do
Ministério Público com a defesa da lei, o de um interesse. Com a nova esfera
pública brasileira, que desencadeou a defesa da cidadania, o Ministério Público teria
se associado ideologicamente à esquerda nacional, ganhando espaço. A ampliação
do papel do Ministério Público é defendida inclusive em detrimento do papel
exercido pelo juiz:
“O Ministério Público, em verdade, no sistema jurídico nacional,
experimenta interessante evolução, adquirindo poderes para
investigação e propositura de ações judiciais no campo de interesse
público em geral, legitimando-se como representante da sociedade em
Juízo, alçando às consequências mais elevadas de fiscal da lei, cuja
aplicação é, sem dúvida, um dos mais significativos aspectos do
interesse público geral. Essa evolução realiza-se ao lado de outra
evolução, desta vez restritiva, mas não menos civilizatória, que é a
diminuição dos poderes do Juiz na provocação da jurisdição e no uso
do poder inquisitório, passando, em marcha decisiva, ambos os
poderes, progressivamente, ao Ministério Público”. (Apelação cível
119.952-5, de 23/08/2000).
O Ministério Público passou a ser visto como um órgão defensor do Estado
do Direito e da cidadania, sem que precisassem, portanto, de qualquer forma de
controle. Sua atuação foi pensada como inequívoca e correta pela associação do
órgão com a defesa de direitos.
4.5 Análise de alguns casos
Entretanto, essa visão sobre o Ministério Público pode não ter sempre
fundamentos empíricos, sobretudo quando controvérsia sobre os temas das
ações que o Ministério Público move. Dois casos podem exemplificar esse
argumento.
O primeiro deles envolve a associação comunitária “Caminho da Luz”.
Formada por famílias pobres, em São José do Rio Preto, tinha como intuito o
cuidado com os filhos dos associados. O Ministério Público entrou com uma ação
civil pública contra essa associação, pois os direitos da criança e do adolescente não
estariam sendo respeitados por ela. Cabe ressaltar que esse o era programa de
atendimento aos menores carentes, mas apenas alguns pais que se reuniram para
melhorar a condição de criação dos seus filhos, motivo que fez com que o Tribunal
de Justiça de São Paulo derrubasse a decisão de 1ª instância de interditar a
associação. No entanto, o acórdão argumenta que apenas os filhos dos associados
podem permanecer na casa, uma vez que não se tratava de uma entidade de
atendimento, mas “local onde famílias se reúnem e vivem em conjunto,
assegurando a todos condições nimas de subsistência (que, se não o ideais,
são melhores que nada)” (Apelação cível nº 68.049-0, de 08/03/2001).
O segundo é o de uma ação civil pública que o Ministério Público entrou para
derrubar a política pública de troca, permuta, distribuição ou fornecimento de
agulhas, seringas descartáveis e outros apetrechos para usuários de drogas
injetáveis como forma de combate a AIDS e outras doenças. Segundo o parquet,
essa era uma forma de incentivo ao uso de drogas. O Tribunal de Justiça manteve
indeferimento dado a essa ação em instância. (Apelação cível 33.788-5, de
13/11/1999).
Esses o dois casos que, no mínimo, colocam em questão a atuação
inequívoca do Ministério Público. Não se pode questionar toda a instituição por
causa de alguns casos infelizes, é certo. No entanto, também não se pode ignorar
que a representação que o Ministério Público exerce da sociedade civil brasileira
nem sempre é representativa.
4.6 Controle dos atos do poder público
Este talvez seja o mais delicado tema sobre o qual incide a criação dos
direitos difusos e coletivos e a forma como ele vem sendo tratado no Brasil: até
que ponto a ação civil pública pode interferir na relação dentre poderes.
Encontramos certo desacordo quanto a isso dentro do Judiciário:
“Quanto ao controle dos atos do Poder Executivo pelo Poder
Judiciário, o exercício do direito de ação através da presente ação civil
pública nada mais representa que a realização do sistema de freios e
contrapesos previsto na nossa ordem constitucional. O exame da
legalidade é função institucional do Poder Judiciário, não representa
violação ao princípio de independência de harmonia dos Poderes
mediante ingerência nos atos do Executivo”. (Apelação cível
284.838-5/5-00, de 12/11/2002).
De fato, algumas vezes o Judiciário leva em conta questões administrativas
para julgar ações. Numa ação movida pelo Ministério blico para que todas as
crianças do Estado fossem matriculadas em Escola Pública, o acórdão argumentou:
“Sem dúvida, a Lei Maior do País direciona sua preferência pelo ensino
público, destacando que é dever também do Estado-membro da
Federação organizar os sistemas de ensino fundamental (artigo 208).
O legislador constitucional, com a melhor das intenções, buscou o
aprimoramento dos infantes e dos jovens brasileiros. Apesar disso, não
pôs à disposição dos governantes, como seria de se esperar, o
dinheiro necessário para realização de suas intenções. Pensou apenas
na realidade virtual da norma, esquecendo-se da realidade monetária
concreta para a satisfação de seus objetivos. Enfim, a ausência de
dotação financeira adequada faz, por vezes, com que este ou aquele
ente estatal erija certo caminho para alcançar determinado desiderato.
E, como se sabe, em se tratando de julgamento de atividade
organizacional própria dos serviços públicos, a atividade do Poder
Judiciário deve ser pautada dentro de limites bem definidos, restritos
ao controle dos atos administrativos, sob a vertente dos preceitos de
regência da atuação do agente público. De maneira que, qualquer
determinação de fazer ou de não fazer encontra como parâmetros os
princípios administrativos correspondentes, não se podendo invadir o
mérito do ato administrativo, em especial a seara da conveniência e da
oportunidade, assim como é defeso esquecer-se da legalidade estrita.
A Administração Pública, diferentemente da particular, tem sua
conduta pautada pela ordem legal, o que, em matéria de gastos
públicos, revolvem a diretriz orçamentária, a lei de licitações e o
concurso público para contratação de funcionários”. (Apelação cível
060.084-0, de 02/02/2001)
Mas, nem sempre, isso ocorre na prática, e, muitas vezes, o Judiciário se
considera legítimo a interferir em Política Pública:
“No mérito, como dito, a assistência integral à saúde das pessoas
necessitadas é obrigação constitucional e legal do Estado e do
Município. Assegurar esse direito social ao cidadão não constitui
ingerência do Poder Judiciário na Administração Pública, na medida
em que apenas garante ao necessitado o direito à saúde” (Apelação
cível nº 197.471-5/0-00, de 19/05/2004).
Em outro trecho:
“Será que a abertura de uma nova creche ou escola representa o valor
tão substancial que não possa ser realizado, atendendo a uma
garantia tão fundamental como o direito à educação?
Ou será que ignorar este problema passou a ser apenas um hábito,
uma vez que sabemos, a nossa classe mais sofrida possui canais para
reivindicar seus direitos e exerce pressão política inversamente
proporcional às suas carências e densidade demográfica.
Até quando vamos nos contentar em ver crianças pedindo esmolas,
sem qualquer condição de higiene, evidenciando completo abandono
moral e material nos semáforos de nossa cidade?” (Apelação cível
82.006-0, de 14/01/2002).
É possível perceber, portanto, que o tema dos limites entre os poderes é
cativo da ação civil pública. Em verdade, a criação desse instrumento e os rumos
que ele tem tomado dentro do Judiciário, podem significar muito mais do que a
simples abertura de um novo espaço de resolução de conflitos coletivos, mas sim,
uma nova forma de controle judicial sobre atos do governo o prevista na política
clássica. Algumas vezes, esse controle pode ocorrer, inclusive, com certo
despreparo:
“Se não o fez, se pretexta a retórica, com argumentos destituídos de
significação, como a impossibilidade orçamentária, assiste ao cidadão
ou ao Ministério Público o direito de exigir do Estado a implementação
de tais direitos”. (Agravo de instrumento nº 364.414-5/3-00, de
24/08/2004).
Segundo muitos acórdãos, o controle das políticas blicas pelo Judiciário
nada mais é do que a implementação efetiva do Estado de direito. É possível,
inclusive, encontrar a defesa de que o Judiciário deve orientar os demais poderes:
“Postas estas considerações, de se anotar que a ação civil pública se
mostra um instrumento jurídico de grande relevo e valia, cujo escopo
maior seria o de permitir ao Poder Judiciário, com o apoio em normas
programáticas, orientar os demais poderes do Estado” (Apelação cível
nº 192.824-5/6-00, de 21/05/2002).
Esses trechos deixam bem claro que a interferência do Judiciário em Políticas
Públicas tem sido freqüente. Mais do que isso, que o Judiciário tem sido visto como
um defensor de direitos contra um Estado agressor dos mesmos, fato que tem
levado muitos desembargadores a considerar a interferência em política pública
nada mais do que a defesa da legalidade. O curioso dessa situação é que quem
deve frear o poder do Judiciário é ele mesmo. Isto é, quem deve julgar se há abuso
de poder por parte do Judiciário, ou não, é esse próprio Poder. Na teoria política
clássica é dado que nenhum poder impõe limites a si mesmo, portanto não é difícil
pensar que o Judiciário, devendo julgar se ele mesmo deve ou o ter poder, não
será autor dos seus próprios limites.
4.7 A ação civil pública e o tema da representação política
Resta-nos verificar, portanto, como ocorre a representação dos interesses
pela via judicial, sobretudo quando realizada pelo Ministério Público. No primeiro
capítulo, foram destacadas as principais características da representação moderna.
Entre elas, a autorização, que se destaca como a primeira idéia de representação
na teoria política pensada por Hobbes. Do ponto de vista da autorização, a
autoridade de atuar para é concedida via norma ou contrato e o problema da
representação se encerraria aí. Trata-se de uma transferência da autoridade de
atuar para alguém. Fato semelhante ao que ocorre no direito privado.
Não a menor dúvida de que esse aspecto pode ser verificado na criação
dos direitos difusos e coletivos no Brasil. Em alguma medida, os direitos difusos e
coletivos podem ser pensados, justamente, como uma transposição da forma como
se pensa a representação no direito privado para um direito coletivo, isto é, o
problema da representatividade se encerra na norma:
“Art. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,
sociedade de economia mista ou por associação que:
I - esteja constituída pelo menos um ano, nos termos da lei
civil;
II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao
meio-ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte,
atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ Fica facultado ao Poder Público e a outras associações
legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de
qualquer das partes.
§ 3º Em caso de desistência ou abandono da ação por associação
legitimada, o Ministério Público assumirá a titularidade ativa.” (Lei
7.347/85, versão original)
Desse ponto de vista, a Lei 7.347/85, definiu o que poderia ser
defendido ou não via ação civil pública e o problema da representatividade se
encerraria nela mesma, o apresentando qualquer relação com as teorias mais
modernas de representação. De fato, para alguns desembargadores mais
positivistas, é possível encontrar a defesa da representação de interesses coletivos
no Judiciário vista somente do ponto de vista da lei, como em um direito privado
qualquer.
Entretanto, vimos que é no campo do Judiciário que as leis efetivamente
ganham corpo. O Judiciário não atua como um corpo único e sem contradição
interna, nesse sentido, mesmo que haja desembargadores que interpretem a lei de
um ponto de vista mais formal, muitos gostam de inovar. A própria jurisprudência
do Tribunal de Justiça de São Paulo algumas vezes é contraditória, mas, grosso
modo, é possível perceber que a representação de interesses coletivos é pensada
pelo TJSP, como apresentado nesse trabalho, dessa forma: a) o Ministério Público,
como defensor das leis, é considerado defensor do interesse geral; b) a
legitimidade aos demais órgãos blicos, assim como do MP, é dada ainda segundo
a defesa do bem público; c) a sociedade civil é vista como defensora de bens
coletivos, mas particulares. Fato que confirma a apresentada tese de Arantes
(2002) que dizia que os interesses coletivos foram um passo dado pelo Ministério
Público no sentido de se colocar como representante da sociedade civil brasileira.
Como explica o autor, inclusive em detrimento da representação realizada pela
própria sociedade civil.
4.8 A representação política quando os Órgãos Públicos representam a
sociedade pela via judicial
A lei brasileira sobre direitos difusos e coletivos criou algumas diferenciações
sobre os autores que devem representar terceiros, como apresentado. Em relação
aos órgãos públicos, uma presunção de legitimidade a priori, o que não ocorre
em relação à sociedade civil.
Essa forma de percepção da legitimidade para agir em nome de terceiros
dos órgãos públicos, exclui o tema da representatividade da representação exercida
por eles. Isto é, não casos em que é legítimo um órgão público representar
terceiros pela via judicial e casos em que não é. A legitimidade ocorre pelo simples
fato de que está na lei.
Como foi demonstrado, não é sempre assim que o Tribunal de Justiça de São
Paulo interpreta a Lei. Segundo o TJSP, o Ministério Público deveria agir para a
defesa dos interesses de todos, o que nem sempre o torna legítimo para
representar direitos individuais homogêneos. Portanto, seria possível pensar em
alguma forma de representação virtual desses órgãos em relação à sociedade. A
idéia de Gurza Lavalle, Houtzager e Castello (2006) de que a representação virtual
burkeana pode ser aplicada ao debate atual sobre novas formas de representação
pode ser retomada. Segundo os autores, ela poderia ocorrer em casos nos quais
um determinado grupo se torna porta-voz de demandas tanto no que se refere a
temas pouco debatidos nos espaços tradicionais da política, como em relação a
grupos sub-representados. Nesse sentido, poderíamos pensar que o Ministério
Público se tornou porta voz de algumas demandas que não eram defendidas pela
via judicial e de grupos que não tinham acesso aos meios jurídicos. Tanto o tema
da ação, quanto o autor dela, justamente os temas mais importantes para uma
ação civil pública ser considerada legítima, poderiam ser considerados uma forma
de representatividade dos órgãos blicos e, ada sociedade civil, para agir em
nome de terceiros no Judiciário.
O Ministério Público poder ser pensado, dessa forma, como um órgão que
estaria preenchendo uma espécie de lacuna, pela qual a sociedade civil e o poder
público estariam enfrentando dificuldades para atuar, que representa a grande
maioria dos interesses coletivos pela via judicial. Entretanto, a ampliação da defesa
judicial coletiva e a ampliação do papel político desempenhado pelo Ministério
Público caminharam juntas desde a criação da Lei 7.347/85. Segundo Arantes
(2002), o papel endógeno no Ministério Público o teria levado a tornar-se porta voz
dos direitos coletivos e não as lacunas do acesso à justiça:
“Em linhas gerais, demonstraremos a seguir como o voluntarismo
político dos integrantes do Ministério Público está baseado numa
avaliação crítica e pessimista da sociedade civil (tanto de suas
carências quanto de sua incapacidade de mobilização) e também dos
poderes de Estado (que se encontrariam divorciados da sociedade e
incapazes de garantir os direitos fundamentais). Desse binômio
negativo emerge o terceiro elemento da matriz ideológica do
voluntarismo político: cabe ao Ministério Público tutelar os direitos
dessa sociedade civil fraca, dirigindo suas ações prioritariamente
contra o Estado inoperante e as instituições políticas muitas vezes
corrompidas por interesses particularistas. De certo modo, esse tripé
do voluntarismo político pode ser sintetizado por meio da idéia básica
que orienta o Ministério Público hoje: ocupar e reduzir o espaço vazio
existente entre a sociedade e o Estado, decorrente da fragilidade do
nosso tecido social e do desempenho pífio do nosso sistema político
representativo” (Arantes, 2002: p. 119)
Para o autor, o Ministério Público teria, a partir de um movimento interno,
tomado a frente da defesa dos direitos difusos e coletivos antes que a sociedade
tivesse acesso a essa ferramenta. Sua atuação prioritária na defesa de interesses
coletivos pela via judicial ocorreria por uma trajetória de ampliação do poder desse
órgão, não pela ocupação de espaços de grupos sub-representados juridicamente.
De fato, alguns dos temas que o Ministério Público mais atua, como meio
ambiente, habitação e urbanismo, e mesmo a área do patrimônio blico e
probidade administrativa, são temas em que é possível verificar muitas associações
da sociedade civil com trabalhos sociais voltados para a área. Porém, o mesmo não
ocorre quando olhamos para os meios jurídicos.
É possível pensar que a prioridade da atuação dada ao Ministério Público
pela lei 7.347/85, está associada ao pensamento tradicional da política brasileira de
que a sociedade civil é incapaz, o que tornaria necessário alguma instituição que a
defendesse, tornando difícil a implementação efetiva da igualdade civil em território
nacional (Arantes, 2002).
4.9 A representação política quando a sociedade civil representa a
sociedade pela via judicial
Mesmo que tenha priorizado o Ministério Público, a Lei 7.347/85 também
autorizou as associações da sociedade civil a mover ação civil pública se: a) estiver
formada mais de um ano; b) atuar na área em que vai mover ação. É difícil
pensar em que termos o preenchimento desses dois critérios pode dar alguma
espécie de representatividade a essas associações.
Ao contrário do que ocorre com o Ministério Público, em relação às
associações da sociedade civil, a legislação brasileira procurou fundamentar a
legitimidade para ação no Judiciário. Como a intenção do projeto de Lei sobre ações
coletivas elaborado pelo Ministério Público e aprovado pela Assembléia Legislativa
era diminuir a possibilidade de atuação dos juízes, não foi dado a eles, nesse
projeto, a possibilidade de julgar a representatividade do autor de uma ação em
casos coletivos, como ocorre, por exemplo, na class action americana. Para resolver
a questão, foi definida como deveria ocorrer a atuação da sociedade civil, não
havendo qualquer espaço para que a representatividade de uma associação
formada mais de um ano e que atue na área em que promove uma ação seja
questionada. A vinculação feita entre sociedade e sociedade civil criticada por Gurza
Lavalle (2003) pode aqui ser verificada.
A Lei 7.347/85 permite que qualquer associação com essas características
possa representar terceiros pela via judicial. O único controle que essas associações
podem receber é o parecer do próprio Ministério blico que entra sempre em uma
ação como fiscal de lei.
4.10 Representação pela via judicial
Foi possível, nessa pesquisa, verificar que, apesar de estar ocorrendo de
fato, a representação pela via judicial está muito longe de conseguir absorver os
problemas da representatividade. Ainda muito próxima da representação realizada
pelo direito privado, a representação de interesses coletivos no Judiciário parece
explicitar um problema que talvez seja de natureza mais ampla: o Judiciário não
está preparado para receber conflitos coletivos de forma compatível com as
características desenvolvidas pela democracia moderna.
Ainda que se possa pensar em alguma forma de representação virtual,
como apresentado, não é possível pensar em nenhuma forma de controle sobre os
representantes quando falamos em representação pela via judicial. Nesse sentido,
ela ainda está distante do que chamamos, modernamente, de representativo.
Se retomarmos as idéias apresentadas no primeiro capítulo sobre
representação política, podemos ver como a representação de interesses pela via
judicial ainda deixa muito a desejar. Segundo Pitkin (1967 e 2006), a representação
deve ser de alguma forma responsiva aos representados. Além disso, deve ocorrer
em termos estruturais, não pela ação singular de um participante. Nesse sentido,
mesmo que algumas ações civis públicas tenham ampla participação dos
representados, isso o ocorre sempre. Nem uma obrigação legal para que a
representação de terceiros no Judiciário tenha qualquer base em uma
representação real.
Segundo Pitkin, a diferença entre um governo representativo e um governo
que representa é justamente o controle que os representados podem ter sobre o
primeiro. Se transportarmos essa idéia para o Ministério Público, poderíamos dizer
que, mesmo se considerarmos que promotores nos representam, não é possível
dizer que eles são representativos. Para que isso fosse possível, na teoria de Pitkin,
seria necessário que pudéssemos exercer alguma espécie de controle sobre a
atuação do Ministério Público, coisa que não acontece em nenhum grau. Nem
mínimo. Ainda segundo a autora, esse controle deve ser exercido de forma
institucional, pois pouco adianta que um governo responda aos representados hoje
e pare de responder amanhã.
4.11 O tema da Justiça social
Em alguma medida, podemos dizer que a raiz desse problema está,
justamente, em um novo papel que tem sido atribuído ao Judiciário, sem que se
pense nas formas como ele vem acontecendo. A descrença na capacidade da
política de possibilitar meios de execução de justiça social tem transferido a
esperança de que ela possa se realizar dentro da ordem jurídica e por meio do
Direito, sem que se pense claramente sobre as consequências dessa mudança. O
Judiciário, como espaço para solução de conflitos coletivos, é um órgão recente,
com pouca experiência. Por outro lado, seu passado está associado muito mais com
a defesa da propriedade privada e da ordem, do que das causas sociais.
Nessa pesquisa, foi tratado o tema da representação de interesses. Mas esse
é um dos muitos temas que podem por em questão esse novo espaço político
que tem sido aberto para o Judiciário.
Com a ampliação do poder exercido pela magistratura, é provável que
reivindicações de maior controle sobre as decisões jurídicas ocorram. E também
poderá haver reivindicações de controle sobre aqueles que tomam decisões como
representantes, promotores e associações da sociedade civil.
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5. Anexos
Anexo I: Lei 7.347/85 (versão original)
Lei No 7.347, de 24 de julho de 1985.
Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos causados:
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IV - Vetado
Art. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde
ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a
causa.
Art. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio-ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO).
Art. A ão principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por
- 1 -
autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por
associação que:
I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;
II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio-ambiente,
ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO).
§ O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos
termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.
§ Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada,
o Ministério Público assumirá a titularidade ativa.
Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a
iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que
constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem
conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão
peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Art. Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades
competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas
no prazo de 15 (quinze) dias.
§ O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil,
ou requisitar, de qualquer organismo blico ou particular, certidões, informações,
exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10
(dez) dias úteis.
§ Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada
certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta
desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.
Art. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se
convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil,
- 2 -
promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas,
fazendo-o fundamentadamente.
§ Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão
remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao
Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério blico, seja
homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações
legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos
autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§ A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do
Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.
§ Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de
arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério blico para o
ajuizamento da ação.
Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério
Público.
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida
ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de
cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia, em decisão sujeita a agravo.
§ A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
- 3 -
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
§ A multa cominada liminarmente seexigível do réu após o trânsito
em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado
reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais
de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará
depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção
monetária.
Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar
dano irreparável à parte.
Art. 15. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença
condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo
o Ministério Público.
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for
julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova.
Art. 17. O juiz condenará a associação autora a pagar ao réu os honorários
advocatícios arbitrados na conformidade do § do art. 20 da Lei 5.869, de 11
de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, quando reconhecer que a pretensão
é manifestamente infundada.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os
diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados
ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
Art. 18. Nas ações de que trata esta Lei não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.
- 4 -
Art. 19. Aplica-se à ação civilblica, prevista nesta Lei, o Código de Processo
Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não
contrarie suas disposições.
Art. 20. O fundo de que trata o art. 13 desta Lei será regulamentado pelo
Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.
Art. 21. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, em 24 de julho de 1985; 164º da Independência e 97º da República.
JOSÉ SARNEY
Fernando Lyra
- 5 -
Anexo II: Lei 7.347/85 (versão atual)
Lei N
o
7.347, de 24 de julho de 1985
Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação
dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III à ordem urbanística; (Incluído pela Lei 10.257, de 10.7.2001) (Vide
Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico; (Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
V - por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada
pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VI - à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória 2.180-35,
de 2001)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões
que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos
beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida
provisória nº 2.180-35, de 2001)
Art. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde
ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a
causa.
- 6 -
Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para
todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou
o mesmo objeto.
(Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Art. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Art. 4
o
Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou
aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO). (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
Art. 5
o
Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído
pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia
mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei
11.448, de 2007).
a) esteja constituída pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
(Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei
11.448, de 2007).
§ O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.
- 7 -
§ Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos
termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.
§ Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação
legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando
haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do
dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei
8.078, de 11.9.1990)
§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que
cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)
(Vide REsp 222582 /MG - STJ)
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei
8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)
Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a
iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que
constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem
conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão
peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Art. Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades
competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas
no prazo de 15 (quinze) dias.
§ O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil,
ou requisitar, de qualquer organismo blico ou particular, certidões, informações,
exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10
(dez) dias úteis.
- 8 -
§ Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada
certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta
desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.
Art. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se
convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil,
promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas,
fazendo-o fundamentadamente.
§ Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão
remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao
Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério blico, seja
homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações
legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos
autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§ A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do
Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.
§ Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de
arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério blico para o
ajuizamento da ação.
Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério
Público.
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a
cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de
multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de
requerimento do autor.
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia, em decisão sujeita a agravo.
- 9 -
§ A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
§ A multa cominada liminarmente seexigível do réu após o trânsito
em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado
reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais
de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará
depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção
monetária.
Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar
dano irreparável à parte.
Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença
condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo
o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
(Redação
dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
(Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)
Art. 17. Em caso de litigância de -fé, a associação autora e os diretores
responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em
honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade
por perdas e danos. (Renumerado do Parágrafo Único com nova redação pela Lei
8.078, de 1990)
- 10 -
Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação
da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas
e despesas processuais.
(Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
Art. 19. Aplica-se à ação civilblica, prevista nesta Lei, o Código de Processo
Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não
contrarie suas disposições.
Art. 20. O fundo de que trata o art. 13 desta Lei será regulamentado pelo
Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o
Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)
Art. 22. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado do
art. 21, pela Lei nº 8.078, de 1990)
Art. 23. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado do art. 22,
pela Lei nº 8.078, de 1990)
Brasília, em 24 de julho de 1985; 164º da Independência e 97º da República.
JOSÉ SARNEY
Fernando Lyra
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 25.7.1985
- 11 -
Anexo III: Descrição do Banco de Dados
Os dados construídos nessa pesquisa tem como base um banco elaborado
no access a partir da leitura dos acórdãos sobre ação civil pública da Revistas de
Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entre os meses de
agosto de 1985 a junho de 2006. Os dados foram armazenados nestes campos:
1) Número do processo: corresponde ao número do recurso julgado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo.
2) Data do acórdão: corresponde à data em que foi proferido o acórdão.
3) Origem da ação: diz de qual cidade a ação partiu.
4) Tipo de recurso: corresponde ao tipo de recurso do acórdão.
5) Parte legitimada a mover ACP: corresponde à parte do recurso que é
legitimada a mover a ação civil pública, provável autor em primeira instância.
Obs: Como esta pesquisa foi elaborada a partir da análise de casos em 2ª
instância, os acórdãos não refletem, necessariamente, o processo em 1ª. Por
- 12 -
exemplo, em 1ª instância pode haver litisconsórcio, mas que não foi adiante em 2ª.
Pode ocorrer, também, abandono de uma ação em instância, neste caso o
Ministério Público é obrigado a assumir a ação. Portanto, a parte legitimada a
mover ACP corresponde ao provável autor em primeira instância, mas não é
possível fazer essa afirmação através da leitura de acórdãos.
6) Classificação da parte: trata-se da classificação da parte legitimada a
mover ACP.
A classificação foi elaborada segundo os seguintes critérios:
Governo do Estado
Ministério Público
Ministério Público e Poder Público
Ministério Público e sociedade civil
Partido político
Prefeitura
Sociedade civil
7) ão movida contra: trata-se da nomeação de um ou mais us da
ação.
8) Número de réus: trata-se do número de réus da ação que é parte no
recurso.
9) Classificação dos réus: trata-se da classificação dos réus que fazem
parte dos recursos.
A classificação foi elaborada segundo os seguintes critérios:
Empresa estatal
Empresa privada
Empresa, Sociedade civil e Pessoa Física
Governo do Estado
Governo do Estado e Prefeitura
OAB
Pessoa física
Pessoa física - cargo burocrático
Pessoa física -
cargo burocrático e cargo
eletivo
Pessoa física - cargo eletivo
Pessoa física – particular
Pessoa física - particular e cargo burocrático
Pessoa física - particular e cargo eletivo
Pessoa física e empresa
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Poder Público e empresa
Poder Público e pessoa física
Poder Público e Sociedade civil
Poder Público e Universidade
Poder Público, empresa e pessoa física
Poder Público, empresa e sociedade civil
Poder Público, pessoa física e sociedade civil
Prefeitura
Sociedade civil
Sociedade civil e empresa
Sociedade civil e pessoa física
10) Recurso movido por: explica quem é o autor do recurso que chegou
ao Tribunal de Justiça. O campo pode ser preenchido como: parte legitimada a
mover ACP, réu ou ambos.
11) Artigos da Lei 7.347/85 na ação: foi preenchido com artigos da lei
que apareceram nos acórdãos.
12) Matéria do direito coletivo: tema sobre o qual as ações versam.
Foi feita uma classificação segundo os seguintes critérios:
Direito de portadores de deficiência
Direitos da criança e do adolescente
Meio ambiente
Patrimônio histórico, cultural e artístico
Patrimônio público e probidade administrativa
Relações de consumo
Habitação e urbanismo
Outros
13) Outros Matéria: como no campo matéria foram encontrados muitos
outros, fizemos uma reclassificação do tema dessas ações.
A nova classificação foi elaborada segundo os seguintes critérios:
Desconhecido
Imposto/Taxa
Instituição financeira
Jogos de azar
Política de cotas
Relações de trabalho
Saúde
Sistema carcerário
Torcida de futebol
Outros
- 14 -
14) Base da decisão: diz qual a base da decisão.
Foi feita uma classificação segundo os seguintes critérios:
Conflito de poder
Direito material
Direito processual
Direito processual e material
Obs: É muito comum que se discuta tanto direito processual quanto material
nas ações. Neste campo, nos referimos às bases das decisões. Portanto, mesmo
que tenha havido em uma ação alguma discussão processual, mas a decisão
ocorreu em função de direito material, a classificação adotada foi do direito
material, isto é, a base da decisão.
15) Sentença favorável: diz se a sentença foi favorável em primeira
instância. Este campo não é preenchido sempre, mas apenas em casos de apelação
cível, quando a ação já foi sentenciada.
Obs: Em caso de embargos infringentes esse campo também foi preenchido,
mas nesse caso, não se trata de sentença, mas da decisão anterior ao recurso, isto
é, outro acórdão.
16) Acórdão favorável: diz se a decisão do recurso foi ou não, ou se foi
parcialmente favorável.
Obs: Esse campo diz se o recurso foi favorável ao autor do recurso, que
pode ser o réu da ação. O campo a quem, ao lado, é preenchido em caso de
recurso movido por autor e réu.
17) Decisão unânime: diz se a decisão do acórdão foi unânime.
18) Parecer da PJ: diz, quando possível, a posição do parecer da
Procuradoria de Justiça em relação ao autor do recurso.
Obs: dados a partir do ano 2000. O campo de quem, ao lado, é
preenchido em caso de recurso movido por autor e réu.
19) É da PGJ: este campo foi preenchido quando o parecer era dado pela
Procuradoria Geral de Justiça.
Obs: Só há dados a partir do ano 2000
- 15 -
20) Política Pública em questão: este campo foi preenchido quando a
ação insidia sobre tema de política pública.
21) Legitimidade: este campo foi preenchido quando a legitimidade da
parte ativa foi questionada.
22) Observações: corresponde ao resumo do acórdão.
23) Livro: livro de onde foi tirado o acórdão.
24) Ano: ano do livro de que foi tirado o acórdão.
25) Volume: volume do livro de que foi tirado o acórdão.
26) Página: página em que se encontra o acórdão no livro.
27) Classificação do tema: tema em que estava classificada a ação no
livro.
Outras observações importantes:
- Quando mais de um réu ou autor pode haver mais de um recurso. O
banco foi preenchido levando em consideração todos, mas como se fosse um.
- No campo acórdão favorável o preenchimento por parcial pode significar
que, entre vários recursos, o acórdão acolheu apenas alguns. No entanto, isso é
bem raro.
- Quando o Poder Público perde uma ão em instância um recurso
obrigatório. Além desse, pode haver um recurso voluntário, nessa pesquisa os dois
foram considerados da mesma forma. Isto é, não diferenciamos recurso obrigatório
de recurso voluntário quando este era movido pelo Poder Público.
- Algumas ações que estão na revista não foram incorporadas à pesquisa
porque não foi possível completar os dados necessários para preenchimento do
banco apenas com a leitura do acórdão. Um exemplo de onde isso ocorria com
- 16 -
freqüência é dos conflitos de competência que raramente fazem referência ao tema
da ação e, algumas vezes, sequer ao autor do recurso.
- Não foram considerados acórdãos que julgavam várias ações ao mesmo
tempo, pois esses tornavam difícil o preenchimento dos campos.
- Em acórdãos sobre o tema de Direitos da Criança e do Adolescente é
comum não haver referência ao local de onde veio a ação.
- Para dizer se um recurso foi provido ou o consideramos, em relação ao
pedido inicial, quem foi beneficiado pelo acórdão. Desta maneira, um acórdão pode
ser favorável tanto pelo julgamento do mérito como por outras questões
processuais da ação.
- Das Revistas consultadas do ano de 2006, só entraram no banco acórdãos
que foram julgados em 2005, pois o objetivo dessa pesquisa era dar conta dos
primeiros 20 anos da introdução de ação civil pública no ordenamento jurídico
brasileiro.
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