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Revista de Ciências da Administração • v. 12, n. 26, p. 221-243, jan/abril 2010
Maria Cristina Sanches Amorim • Regina Helena Martins Perez
e as leis podem ser destruídas, mas as práticas sociais fundadoras do poder
serão reconstruídas, imanentes que são à condição humana. O poder é
simultaneamente central e periférico, funciona porque é controle, e seu objeto
final é o corpo do indivíduo.
A leitura de Foucault sugere a causa do campo conceitual da liderança
ser, até hoje, de difícil delimitação. Se liderança é também uma das formas
de exercício de poder, se esse, pela sua natureza, não se sujeita à classificação
quanto à forma, como classificar estilos de liderança, de foco, etc.? A grande
dificuldade teórica das taxonomias da liderança é ser tão ampla que acaba
perdendo a característica de conceito (que impõe, obrigatoriamente, um limite
de descrição da realidade, ou não seria um conceito), ou, tão restrita, que
não dá conta da realidade. A teoria da liderança contingencial tenta abordar
esse impasse, buscando um conceito flexível o suficiente para se adaptar à
realidade, porém, retorna ao problema conceitual de origem, estoura o
conceito ao sugerir que todos podem ser líderes ou liderados, dependendo
da situação. A prática e a reflexão políticas de Maquiavel e Gramsci destroem
essa possibilidade, pois há significativas diferenças entre os valores, as
características, as práticas, os papéis e as responsabilidades dos líderes e dos
liderados.
No cotidiano das organizações do Século XXI, as ações de capacitação,
promoção e remuneração são orientadas para diferenciar líderes de liderados,
subalternos de postos gerenciais. O incentivo da liderança em todos os níveis,
à luz da ciência política e da experiência, pode significar: 1) confusão teórica
entre liderança e motivação (há poucos líderes, mas todos profissionais
deveriam ser motivados); 2) tentativa de despolitizar as relações de trabalho,
na linha de que não há mais funcionários, mas “colaboradores”; 3) tentativa
de estimular a ultracompetição entre as pessoas, todos lutando contra todos,
pelo papel de líder.
No universo foucaultiano, a mecânica do controle é a permissão ou
proibição para gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos,
movimentos. Nas organizações, muitas têm sido as formas de se exercer o
controle, dos tempos e métodos de Fayol à constituição da cultura (HELOANI,
2003). O controle é a capacidade de vigiar e punir, ou, em linguagem mais
próxima das organizações, de determinar objetivos, de acompanhar, de
distribuir recompensas ou punições. O controle impõe à disciplina uma
técnica, um todo sobre o corpo, a organização do tempo, do movimento e
do espaço de cada um de nós.