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Esse novo discurso deixa de ser genuinamente explicativo; sua finalidade
parece ser a de marcar o fim da literatura como linguagem representativa, e o
“advento da escritura” surge “como exploração da linguagem” (PERRONE-
MOISÉS, 1978, p.12). Como diz a autora, trata-se de o escritor promover e
usufruir a liberdade de unir as atividades de leitura e escrita em uma “aventura
com a linguagem”. Assim, no momento em que a crítica e a literatura adotarem
diante da linguagem os mesmos mecanismos e alcançarem o mesmo prazer,
“fundir-se-ão finalmente na escritura” (p.13).
Diante desse discurso, outro caminho se abriria à crítica, o caminho da
escritura
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, ao qual se refere Roland Barthes (2004). Na concepção barthesiana, o
texto funciona como malha de significantes. Metonimicamente, o texto trabalha e,
nessa produtividade, se alojam autor-texto-leitor, isto é: ao proporcionar o olhar do
sujeito sobre o texto, e a ação desse sobre o sujeito que o lê, a crítica literária
seria, então, aquela em que o crítico, com seu elevado tino, conseguisse
proporcionar ao leitor comum a compreensão e o prazer que o texto literário é
capaz de oferecer. Portanto, o crítico teria um potencial transformador tanto da
obra quanto do leitor, no sentido de ampliar cada vez mais os horizontes da leitura
e da criação, cabendo-lhe a função de conduzir o leitor comum aos “estados
poéticos
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” de que fala Paul Valéry (1999, p.187,198,210).
Na medida em que a crítica se torna escritura, o texto criticado se torna
pré-texto para uma aventura com a linguagem. Nesse sentido, crítica e literatura
se fundem na escritura. A propósito dessa afirmação, esclarecedores são os
textos publicados em S/Z, obra em que Barthes (1980) apresenta a sua leitura da
novela Sarrasine, cujos apontamentos recaem sobre a diversidade dos jogos
poéticos e a pluralidade de entradas que o texto apresenta. Formado nos moldes
estruturalistas, Barthes apresenta-se como um transgressor dessa mesma
tradição crítica, ao elaborar uma análise “mais ou menos fundamentada, mais ou
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Em aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977, Roland
Barthes propõe o uso indiferenciado de literatura, escritura ou texto, para indicar a prática de escrever exercida sob “as forças da
liberdade que residem na literatura” (2004, p.17).
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O exercício do estado poético, segundo Valéry, seria colocar-se no estado para o qual nos transporta uma obra, recusar “as
substituições medíocres de imagens, de sensações, de impulsos e de idéias que atravessam as outras idéias. Lutar com o que é
obrigado a admitir, produzir ou emitir, e em suma, contra a sua natureza e sua atividade acidental e instantânea” (p.187).
Nesse sentido, a tarefa da crítica seria ainda aproximar o público da obra e sensibilizá-lo para a experiência da comoção
estética: encontro efêmero em que se anula a incompletude do sujeito em face do mundo. O crítico não pode naturalmente
conduzir o leitor à estesia, mas apenas instigá-lo a buscar na obra o prazer: