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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
Ana Ferreira Silva
Percursos de Legitimação: Caminhos da Crítica em “O Alienista”
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2009
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ANA FERREIRA SILVA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Literatura e
Crítica Literária sob a orientação da
Profa. Dra. Vera Bastazin
São Paulo
2009
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Banca Examinadora:
.....................................................................................
.....................................................................................
.....................................................................................
DEDICATÓRIA
Ao Rui, Mariana, Caroline, Rui Jr. e amigos pelo apoio incansável.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Dra. Vera Bastazin, pela confiança, estímulo e
apoio sem restrições.
Aos professores do Programa de Literatura e Crítica Literária, pela
generosidade e por tudo o que me ensinaram.
Aos professores, Dra. Maria Rosa Duarte e Dr. Luiz Roberto Cairo, pelos
esclarecimentos e apontamentos imprescindíveis ao desenvolvimento desta
dissertação.
À minha amiga, Ana Albertina, pela força incansável.
Ao Projeto Bolsa mestrado da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
EPÍGRAFE
“Lágrimas não são argumentos.”
“A vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.”
Machado de Assis
"
Todo homem que tenha que talhar para si um caminho para o alto encontrará
obstáculos incompreensíveis e constantes. "
(Fernando Pessoa)
RESUMO
FERREIRA SILVA, Ana. Percursos de Legitimação: Caminhos da Crítica em “O
Alienista”. 2009. 116 f. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2009.
O trabalho tem por objetivo o estudo da fortuna crítica de O Alienista, no
período de 1882 a 1982. Com vistas às transformações discursivas da crítica
machadiana, pretendemos realizar um levantamento bibliográfico e refletir sobre os
diferentes métodos interpretativos que marcaram as vertentes da crítica literária, no
período proposto. O texto machadiano, publicado em 1881, no jornal “A Estação”,
provocou reações da crítica vigente, diante das mudanças singulares operadas por
Machado na forma de narrar. Ademais, essa data assinalou o marco de maturidade
e o domínio dos recursos de criação literária do autor, o que prenunciava uma nova
fase de sua produção. Todavia, as novas técnicas narrativas apresentadas à
literatura brasileira impunham-se como códigos inusitados de formalização literária
e levariam a crítica à reflexão sobre os limites da expressão e da análise. Nesse
contexto, assistimos às primeiras tentativas de consciência literária a partir do
próprio Machado de Assis, que nos deixou alguns ensaios de notável lucidez, como
é o caso de “Notícia da atual literatura brasileira”, de 1873, e “Eça de Queirós: o
Primo Basílio”, de 1878. O primeiro texto prediria o estilo que configuraria a
produção da segunda fase do escritor, em que própria obra ficcional materializa-se
como modelo de ruptura com a nossa formação cultural, guiada pelo modelo
europeu, cujos temas e técnicas eram vinculados ao sentido histórico de
identificação da nacionalidade. No segundo texto, o autor circunscreve a feitura da
obra do escritor lusitano, para analisar, entre outros aspectos, narrador,
personagens e verossimilhança. Tanto em um quanto em outro caso, Machado
revelou-se precursor de uma nova consciência sobre a literatura.
Palavras-chave: Machado de Assis; O Alienista; crítica literária; transformação da
crítica.
ABSTRACT
FERREIRA SILVA, Ana. Legitimation course: the Literary Criticism in “O
Alienista”. 2009. 116 f. Dissertation (Master’s Degree) Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
This work aims at studying the critical fortune of O Alienista, related to the period
from 1882 to 1982. Considering the discursive transformations of Machado de Assis
criticism, we intend to do a bibliographical research and to reflect about the different
interpretative methods which marked the literary criticism approaches in the period
studied. Published in 1881 in the newspaper “A Estação”, this Machado de Assis
work caused reactions from the critics, concerning singular changes introduced by
him in the narrative form. Furthermore, the aforementioned date marked the
maturity point and the domain of the author literary creation resources, which
predicted a new phase in his work. However, the new narrative techniques
presented to Brazilian literature imposed themselves as unusual codes of literary
formalization and would make the critics reflect on the limits of expression and
analysis. In this context, it was seen the first attempts of literary consciousness
since Machado de Assis, who left us some noticeable lucidity essays, such as
“Notícia da atual literatura brasileira”, published in 1873, and “Eça de Queirós: o
Primo Basílio”, published in 1878. The first text would predict the style that would
portray the production of the author’s second phase, in which the fictional work
characterizes itself as a rupture model with our cultural formation, guided by the
European model, whose themes and techniques were related to the historical sense
of nationality identification. In the second text, the author describes the production
of the work of the Lusitan writer, to analyze, among other aspects, narrator,
characters and verisimilitude. In both cases, Machado de Assis was the precursor
of a new literature consciousness.
Keywords: Machado de Assis; O Alienista; literary criticism; transformation of the
criticism.
Lista de Abreviaturas e Siglas
FBN: Fundação Biblioteca Nacional
APE: Arquivo Público do Estado de São Paulo
MPBC: Memórias Póstumas de Brás Cubas
PA: Papéis Avulsos
Sumário
Introdução......................................................................................................
Capítulo I
1. Da crítica e suas especificidades...............................................................
1.1. A finalidade da crítica literária: uma perspectiva moderna...........
1.2..Transformações discursivas da crítica literária machadiana..........
1.2.1.As primeiras manifestações..................................................
1.2.2. A crítica machadiana do final do século XIX ao XX..........
1.2.3. Machado de Assis: crítico literário......................................
1.2.4. Tradição e ruptura................................................................
12
18
25
29
29
34
42
49
Capítulo II
2. A recepção crítica de O Alienista..............................................................
2.1. Os meios de divulgação: o jornal e a revista......................................
2.2. A trajetória da crítica sobre O Alienista: Primeira parte....................
2.3. Semelhanças e contrastes.................................................................
56
56
57
71
Capítulo III
3. A trajetória da crítica sobre O Alienista: Segunda parte...........................
3.1. Discussões em torno do gênero: novela ou conto?..........................
74
86
Considerações Finais...................................................................................
90
Anexo..............................................................................................................
95
Bibliografia
Obras de Machado de Assis.......................................................................
Bibliografia Geral.......................................................................................
Obras sobre Machado de Assis e “O Alienista”.........................................
102
102
110
1 2
Introdução
O Alienista se apresenta aos leitores como um diagrama de possibilidades.
A narrativa é organizada em treze capítulos e revela aspectos estruturais
inovadores, que dividem a opinião da crítica quanto à classificação em conto ou
novela, na medida em que essas duas expressões mantêm entre si fortes
relações de parentesco. A indistinção semântica, aliás, é antiga. na Idade
Média, existia a tendência de se nomear conto todo tipo de narrativa curta, e os
subsídios da teoria literária, nem sempre são suficientes para eliminar o impasse
da questão dos gêneros. Daí a necessidade de se buscar outras experiências de
leitura.
Desafios encontrados na leitura, e entre eles a problemática questão do
gênero, exigiram a busca de subsídios da crítica para, retomando a obra,
estabelecer significados. A crença de que a experiência de leitura movida entre o
texto ficcional e o texto crítico seja o procedimento fundamental para a formação
do leitor literário, acabou se constituindo em mola propulsora à investigação que
ora se realiza.
A fortuna crítica gera conhecimentos acerca da discursividade e das
particularidades estruturais, contextuais e técnicas de O Alienista. Assim, frente
ao rico acervo com o qual nos deparamos, pudemos perguntar se não seria essa
a ocasião para uma tentativa de síntese crítica parcial do que se escreveu
sobre essa criação ficcional. O feixe de questões formuladas, as reflexões e as
opiniões emitidas sobre a obra são também formas de apontar caminhos
possíveis para novas interpretações.
Do levantamento da bibliografia crítica, decorreu o nosso interesse em
relacionar tais estudos, na perspectiva de construir uma reflexão que nos
permitisse perceber aspectos concordantes e conflitantes entre eles.
Desde a publicação de Papéis Avulsos (1882), O Alienista alimenta o
interesse de estudiosos da literatura para a compreensão de suas características
ficcionais. No ano de seu lançamento, apareceram, na imprensa jornalística, os
1 3
primeiros comentários sobre a obra, oferecendo ao leitor várias pistas de
interpretação.
As futuras críticas surgiram a partir da comemoração do centenário de
nascimento de Machado de Assis (1839-1939), ocasião em que assistimos a um
farto inventário de leituras sobre sua obra. Tais leituras, que nos provocam e nos
aproximam de O Alienista, suscitaram questionamentos: mediante as concepções
críticas elaboradas entre 1882 e 1982, é possível detectar a existência de um
processo transformador do pensamento crítico sobre a obra? Se a resposta a
essa questão for afirmativa, perguntamos ainda: como ocorreu tal processo? Por
que, num primeiro momento, houve um período de silêncio da crítica com relação
ao texto? Qual é o gênero de O Alienista, segundo as vertentes críticas?
Em se tratando da narrativa selecionada, cujos preceitos estruturais estão
sempre a desafiar seus leitores, não é nossa pretensão apresentar respostas
definitivas para as questões propostas, senão iniciar um estudo, uma vez que os
textos analisados representam apenas parte das muitas concepções críticas
existentes até o momento. Nosso objetivo é, portanto, o estudo da recepção
crítica d’O Alienista, no período entre 1882 e 1982. O confronto entre os textos
demarcará paridades e divergências entre eles.
Diante da problematização e dos objetivos propostos, apresentamos as
seguintes hipóteses:
A produção crítica e ficcional de Machado de Assis propiciou novos
rumos para o exercício da crítica literária brasileira;
Os preceitos estruturais quanto ao gênero ficcional de O Alienista,
apreendidos pela fortuna crítica, são fontes que esclarecem as
transformações do pensamento crítico sobre a obra.
A crítica literária é praticada dentro de um sistema cultural em que está
vigente certa herança de atividades e de formas de ação a que se atribuem
sentidos enraizados. De outra forma, o ato crítico não é apenas um ato de
vontade pessoal do leitor, mas responde a um contexto social e histórico e a um
1 4
paradigma que o configura ideologicamente. Por isso, as tendências críticas
merecem ser observadas dentro do contexto histórico a que se referem e no
contexto do leitor que desarquivou o texto para o horizonte de expectativas de seu
contexto.
Assim, nessa pesquisa, em que propomos o levantamento e análise de
textos da fortuna crítica de O Alienista, procuramos sempre respeitar o contexto
histórico correspondente a cada um dos estudos, pois, do contrário, correríamos o
risco de conceber juízo distorcido acerca da produção do período em questão.
Justificamos a delimitação desse período porque assinalou importantes
transformações discursivas, propiciando novos rumos para o exercício da crítica
literária.
Dos estudos arrolados, a maior parte das referências é marcada por dois
autores. O primeiro, J. Galante de Sousa, que, em Fontes para o estudo de
Machado de Assis, (1969), edição de 1858, recolheu estudos de boa parte da
obra machadiana em jornais, revistas, livros, dissertações e teses, no período de
1858 a 1957, totalizando cerca de mil, oitocentas e oitenta e quatro referências. O
segundo, Ubiratan Machado, atualizou a bibliografia de estudos sobre Machado
de Assis, cobrindo o período de 1959 a 2003 em Bibliografia machadiana (2005),
perfazendo três mil duzentos e oitenta e dois verbetes. As duas obras
representam, ao todo, cinco mil, cento e sessenta e seis fontes sobre a obra de
Machado de Assis. Dessa listagem, separamos as referências que apresentaram
estudos específicos sobre O Alienista; totalizaram cerca de 27 fontes, todas elas
referenciadas nos capítulos II e III deste trabalho.
A partir das informações obtidas na fortuna crítica, foi possível perceber
que as interpretações analíticas se articulam no tempo. Assim, distinguimos, em
cada autor, a sua unidade estética, conforme a época em que ele se inseriu. Isso
porque cada época tem os mais variados critérios de valor e experimentos, o que
faz com que o horizonte de expectativa do leitor mude, independente de o texto
continuar sendo o mesmo.
As diferentes concepções críticas observadas nesta pesquisa despertaram
a suspeita de que a disposição cronológica da fortuna crítica permitiria divisar os
momentos em que O Alienista obteve maior ou menor acolhida. Seria possível
1 5
também perceber até que ponto a obra foi avaliada e enquadrada, injustamente
ou não, em clichês que não abarcaram sua totalidade. Desse fato, resultou a
iniciativa de organizar a fortuna crítica em três fases representativas do período
em discussão. A primeira compreendeu o período de 1882 a 1929; a segunda de
1930 a 1949 e a terceira de 1950 a 1982, conforme critérios especificados a
seguir.
A primeira fase (1882-1929) foi constituída por declarações
correspondentes à publicação de O Alienista, na coletânea Papéis Avulsos,
Lombaerts, 1882. São conferências e resenhas curtas, ambas de caráter
impressionista, publicadas em jornais e revistas. As observações da crítica, nesse
período, eram sumárias e incipientes, adequadas à divulgação jornalística a que
se destinavam. Não como desmerecer as análises realizadas nesse período,
pois atendiam ao horizonte de expectativas dos leitores da época. Mesmo assim,
algumas características apontadas por essa crítica, como o estilo pessimista e
humorista do autor, foram inovadoras e tornaram-se palavras-chave por boa parte
da crítica posterior.
A segunda fase (1930-1949) envolveu dois fatos marcantes para a
transformação do discurso crítico: a comemoração do centenário de nascimento
de Machado de Assis, quando assistimos a uma série de pronunciamentos sobre
o autor e sua obra, em jornais e revistas. Essa fase contempla estudos
significativos, embora ainda enraizados na tradição crítica
1
da época, cujos
aspectos impressionistas, biográficos e psicológicos resistiam ao julgamento das
obras ficcionais. Outro fato marcante para a história da crítica, nesse período, foi
a criação da Faculdade de Filosofia de São Paulo, em 1934, e a do Rio de
Janeiro, em 1938, cujas primeiras turmas de formandos, na década de 40, iriam
disputar com a crítica não especializada os pés de páginas ou colunas exclusivas
dos jornais. A partir daí, surgiu a prática de um novo discurso crítico: a
investigação acadêmica de orientação científica.
1
A expressão tradição crítica aqui utilizada não tem o sentido de conferir um estatuto à literatura, mas, sim o mesmo sentido
interpretado por Antonio Candido em Literatura e Sociedade, que diz “as obras não podem aparecer em si, na autonomia que
manifestam, [...] aparecem por força da perspectiva escolhida, integrando em dado momento um sistema articulado e, ao
influir sobre a elaboração de outras, [forma] no tempo, uma tradição” (1975, p.24)
1 6
Na terceira fase (1950-1982), acentuou-se o processo de enriquecimento
da fortuna crítica, sob farta produção universitária, teoricamente fundamentada e
desenvolvida com rigor metodológico. O início dessa etapa, a década de 50,
prenunciou a divisão das águas na crítica literária brasileira: a passagem da
leitura topológica para a leitura tropológica
2
, predominante até a década de 80.
Para atingirmos nosso objetivo de investigação, assumiremos a crítica tal
como Barthes a coloca: “não [segundo] tabela de resultados ou um corpo de
julgamentos, [mas como] uma série de atos intelectuais profundamente engajados
na existência histórica e subjetiva (...) daquele que os realiza, isto é, os assume”
(2003, p.160).
Como fundamentação teórica sobre a crítica, recorremos, entre outros, às
contribuições de T.S. Eliot, Roland Barthes, Leyla Perrone-Moisés e Flora
Sussekind, os quais nos permitiram constituir um embasamento sobre as
peculiaridades do discurso crítico.
Os três capítulos dessa dissertação estruturam-se da seguinte forma: o
primeiro configura a fundamentação teórica utilizada, portanto visa ao
aprofundamento de conhecimentos sobre a crítica. São conceitos, especificidades
do discurso, vertentes de pensamento, finalidades e transformações discursivas,
no período de 1882 a 1982. Não é nossa pretensão apresentar uma visão
panorâmica dos estados da crítica, mas discutir alguns deles, assim como sua
pertinência para a fortuna crítica.
O segundo capítulo atém-se à fortuna crítica do período de 1882 a 1949.
Ele descreve, compara e analisa os registros do corpus pesquisado, examinando-
lhes as variáveis e distinguindo argumentos, explícitos ou implícitos, de suporte
ao juízo de valores.
O terceiro capítulo abarca o período de 1950 a 1982, etapa em que se
configurou vasta produção sob as mais variadas impressões.
Como considerações finais, será apresentada, não uma síntese
referente às oscilações metodológicas da crítica em cada uma das fases (1ª,
2
Os termos são utilizados no sentido que lhes confere João Alexandre Barbosa (1990, p.58); topologia: discernimento e
análise de temas e motivos; tropológico: análise dos procedimentos retóricos que permitiram a permanência ou modificação
de temas e motivos.
1 7
e 3ª), mas também a discussão sobre as contribuições e inovações que os
estudos sobre O Alienista geraram, facilitando a compreensão do texto pelo leitor
e elucidando o valor estético da obra.
1 8
Capítulo I
1. Da crítica e suas especificidades
[...] há limites além dos quais, numa certa direção, a crítica
literária deixa de ser literária e, numa outra, deixa de ser crítica.
T. S. Eliot
Percorrer a fortuna crítica de uma obra literária significa ter a oportunidade
de não conhecer a consciência estética do autor analisado, assim como, numa
perspectiva mais ampla, compreender as diferentes concepções críticas e as
transformações discursivas da crítica em geral.
Neste capítulo, nossa proposta é uma discussão teórica sobre a própria
crítica: seus fundamentos, o campo de atuação, o objeto, os métodos e as
transformações discursivas. Na perspectiva teórica desta pesquisa, figuram
basicamente: T.S. Eliot, Roland Barthes, Leyla Perrone-Moisés e Flora Sussekind,
autores cujas proposições ofereceram abordagens inovadoras a respeito das
especificidades da crítica.
Cumpre-nos lembrar, com Leyla Perrone-Moisés (1998), que, nos idos do
século XIX, os escritores ficcionais revelaram uma nova prática de escritura, como
auto-reflexão e autocrítica. Ao discorrer sobre a autocrítica como processo de
produção da obra, a autora esclarece que “toda obra de invenção poética é crítica
com relação ao mundo no qual ela nasce e, em particular, com relação à literatura
anterior, que ela vem questionar e modificar com a sua contribuição” (1973,
p.139). Dessa forma, a crítica praticada por escritores não visava simplesmente
auxiliar e orientar o leitor (finalidade da crítica institucional), mas estabelecer
critérios para nortear uma ação: a própria escrita praticada pelos escritores.
Desde então, a obra literária foi se tornando, cada vez mais, uma reflexão
sobre a literatura e, conseqüentemente, sobre a crítica literária. A crítica realizada
pelos escritores ficcionais, no âmago das próprias obras, entrou em confronto
1 9
com a crítica institucionalizada (praticada nos rodapés ou colunas dos jornais e
revistas), cujos métodos tradicionais de análise (que consistiam em biografismos,
psicologismos, impressionismos) tornaram-se obsoletos diante das novas obras
que surgiam.
Foi exatamente o teor moderno, de que é exemplo a obra de Machado de
Assis, que dominou a criação e a reflexão crítica brasileiras nos primeiros anos do
século XX. O modo como o autor armava os enredos surpreende pela
excentricidade. A valorização tipográfica da página, por exemplo, conforme é
possível observar no capítulo O velho diálogo de Adão e Eva, de Memórias
Póstumas de Brás Cubas (doravante MPBC), em que o autor descreve o diálogo
reticente entre Brás Cubas e Virgília, surpreende pela originalidade em conduzir a
narrativa. A inclusão do leitor na história é outro exemplo de que Machado foi um
escritor antropofágico, no sentido cultural.
Ele soube aproveitar o que de melhor existia da tradição literária brasileira
e estrangeira, articulando e adaptando ao seu estilo todo um processo de
transição de valores e de reavaliação estética. É possível perceber em sua obra o
entrelaçamento do antigo com o novo por meio do intertexto, palimpsesto cujo
registro deixa entrever os textos antigos e modernos. Fontes Junqueira já
observara algo semelhante nos poemas de T.S.Eliot, quando afirma que “o antigo
[permanece no novo] como fonte, com expressão viva e matricial de uma cultura
literária e filosófica que constitui a própria herança do homem ocidental” (1993,
p.160). Nesse sentido, o novo seria uma outra forma de pensar o que fora
pensado.
A partir das questões propriamente formais que notabilizaram a obra
machadiana, Eugênio Gomes, autor de Machado de Assis (1963), observa: “[o
seu] hibridismo formal produziu um efeito chocante em nosso meio, ocasionando
um ou outro reparo hostil da crítica naturalista a tais audácias” (p.10). Para o
escritor baiano, Machado desorientou os críticos de sua época e os que, anos
mais tarde, continuavam na linha da tradição metodológica a serviço da
preservação de um sistema de valores. O estilo híbrido de sua produção ficcional
desafiava os parâmetros comuns da época.
2 0
Todavia, o grande desafio do trabalho crítico é, sem dúvida, o
estabelecimento de parâmetros objetivos de julgamento. Segundo Perrone-
Moisés, “toda crítica deve apoiar-se numa base teórica, em pressupostos, sob
pena de ficar exposta a contradições internas ou de nunca ultrapassar a descrição
do objeto” (1973, p.160). Aliás, tal desafio foi colocado nos primórdios de nossa
crítica literária exercida pela fecunda intelectualidade de inspiração romântica, em
meados do século XIX, quando se praticavam análises deterministas da obra
literária, conforme observa a autora, em outro texto intitulado O lugar crítico
(1978, p.12).
A esse respeito, T.S.Eliot, no ensaio Fronteiras da Crítica, chama a
atenção para os riscos que apresentavam certos métodos de análise. Tomando
como exemplo a crítica biográfica, o poeta e crítico inglês adverte para o fato de
que todo crítico, quando interessado em determinada obra, deverá buscar
informações sobre o autor, mas
a biografia crítica de um escritor é uma tarefa delicada, em si
mesma; e o crítico ou biógrafo que, sem ter preparação e prática
de psicólogo, aplicar ao seu assunto o engenho analítico que tiver
adquirido pela leitura de livros escritos por psicólogos, poderá
contribuir para estabelecer confusão ainda maior.” (1997, p.134)
Precursor da nova crítica, T.S. Eliot entende que a biografia não deve ser
considerada essencial para compreender o que a obra literária significa. Embora
os dados biográficos nos auxiliem a desvendar as raízes e o sentido da obra,
“apenas [com a interpretação literária alicerçada] em critérios especificamente
literários, ainda que nutridos de fundamentação não-literária, poderíamos chegar
a um julgamento de valor.” (CANDIDO, 1964, p.54) Tanto para Eliot quanto para
Candido, a abordagem crítica não deve explicar o significado da obra, ou dizer o
que ela quer dizer, mas conduzir o leitor a uma leitura mais profunda do texto.
T.S. Eliot analisa com muita cautela as vertentes metodológicas
fundamentadas em biografismos e, ao avaliar o resultado de tais críticas, conclui
que o crítico literário deve ter como interesse crucial ajudar os leitores a
2 1
compreender e apreciar a obra. O autor ressalta também a importância de não se
explicar a obra, visto que suas possibilidades de leitura o inumeráveis. O crítico
inglês alerta a crítica contra o encaminhamento por veredas científicas, pois seu
objetivo não é científico.
Sem dúvida, o levantamento biográfico configura farta documentação
crítica, que revela a extensão da pesquisa realizada. Cabe ressaltar, ainda, a
escolha das citações reunidas, relacionadas de modo orgânico e extraídas
diretamente das fontes são fatores dignos de destaque. Em seu conjunto, os
excertos, ao mesmo tempo em que contribuem para a argumentação e para a
apreensão dos autores em estudo, revelam a seriedade e a cientificidade do
trabalho. Mas o discurso biográfico fundamenta-se sobre a função referencial, que
teria compromisso direto com o real e com as chamadas “provas de verdade”,
segundo Phelippe Lejeune:
3
[...] por oposição a todas as formas de ficção, a biografia e a
autobiografia são textos referenciais; exatamente como o discurso
científico ou histórico, eles pretendem trazer uma informação
sobre uma realidade exterior ao texto, e, portanto, submeter-se a
um teste de verificação. (apud. PENA, 2002, p.10)
Tal definição, cujas categorias não cabem aqui discutir, assenta-se no
princípio de identidade entre autor (referência fora do texto), narrador e
personagem, o que nos parece pertinente, pois o que se poderia chamar de
“verdade”, certamente estaria inserido em um modelo de expressão no mínimo
dotado de linguagem, o que seria suficiente para a relativização da função
referencial da linguagem. Dessa forma, para fugir à dicotomia entre ficção e
referencialidade proposta por Lejeune, o próprio discurso deverá ter elementos
3
Esse estudo foi publicado, inicialmente, dentro da coleção Poétiques, dirigida por Todorov. Phelippe Lejeune define a
autobiografia como um pacto entre leitor e autor. A citação no original é: “par opposition à toutes les formes de fiction, la
biographie et l’autobiographie sont des textes référentiels: exactement comme le discourse scientifique ou historique, ils
prétendent apporter une information sur une réalité extérieure au texte, et donc se soumettre à une épreuve de vérification”.
(tradução pessoal)
2 2
assumidamente pertencentes aos dois campos. Além disso, identificar os critérios
e aferir o valor das provas de verificação são sérios problemas para o biógrafo.
Mas o que estamos pondo em discussão, nesse caso, é o caráter
verossímil dos textos ficcionais. Uma das diferenças entre o texto ficcional e
outros não ficcionais reside no fato de, no primeiro, as orações projetarem
simulacros (tentativas de imitação da realidade) e, por meio destes, seres e
mundo tornarem-se puramente intencionais. nas orações dos outros escritos
não ficcionais, a biografia, por exemplo, o compromisso com a realidade exterior à
obra (de acordo com o paradigma de semelhança) e a submissão às chamadas
provas de verdade são aspectos essenciais do discurso referencial, portanto
avessos à característica ficcional dos textos literários, em tese.
Daí as reflexões de T.S. Eliot apontarem, ainda, para um outro fato: o
perigo da interpretação. Cada crítico, diz o autor, segue o seu próprio método,
entretanto todo rigor metodológico tem a sua limitação e perigo. Perigo porque o
crítico fundamenta-se no princípio de que uma única interpretação possível.
Mas, lembrando com João Alexandre Barbosa, o conceito de literatura, em
Leitura: o intervalo da literatura, temos:
[...] o que se chama de literatura é o trabalho com os significantes
responsáveis pela criação daquela multiplicidade de significados
que tecem a tensão que envolve e desafia o leitor. Por isso,
aquilo que é mais do que literatura na leitura da obra literária
está sempre referida a uma organização específica de
significantes, de tal maneira que os significados extraídos da
leitura (psicológicos, históricos, sociais etc.) são definidos por
aquela organização.” (1990, p.15,16 – grifos nossos)
Parafraseando o autor, o sentido é produzido pela própria composição.
Assim, os significados psicológicos, sociais ou históricos são ficcionalizados na
construção textual e devem ser lidos nesse contexto, sob pena de assumir como
realidade os dados inseridos em contexto imaginário.
2 3
É por isso que T.S. Eliot (1997) considera não ser possível esgotar o
significado do texto ficcional com qualquer explicação, pois sempre haverá um
sentido diferente para um novo leitor. Para o autor, "compreender um poema
significa obter aquele deleite que ele pode facultar”, mas “apreciar um poema
estando em erro quanto ao que o poema é, é apreciar, apenas, uma projeção da
nossa própria mente” (p.141)
Outro perigo é considerar que a interpretação de certa obra, quando válida,
constitua “necessariamente a exposição daquilo que o autor, consciente ou
inconscientemente, procurou realizar” (ELIOT, 1997, p.138). O autor afirma,
ainda, que, na crítica literária, não se deve confundir conhecimento com
compreensão. Conhecimento implica informações factuais acerca do autor, das
condições da sociedade em que ele viveu, o estado da língua de sua época, das
idéias correntes no seu tempo e implícitas nas suas obras. Compreensão, por sua
vez, abrange elucidação e promoção do gosto pela arte literária.
Assim, diz T.S. Eliot (1997), a ênfase da crítica também não deve recair no
puro deleite, mas “promover a compreensão e o gosto pela literatura.”
Parafraseando o autor, se o objetivo da crítica não for o de promover a
compreensão e o apreço, sua finalidade recairá em contribuição para os estudos
das áreas de psicologia, sociologia, lógica, pedagogia, ou para qualquer outro
ramo, e, nesse caso, “deverá ser julgada por especialistas, e não por homens de
letras”. (p.140-3)
Por essas considerações de Eliot e retomando os apontamentos sobre a
leitura intervalar de João Alexandre Barbosa, não fica difícil entender porque,
segundo Perrone-Moisés, houve um impasse entre a crítica criadora e a crítica
institucionalizada. É a própria autora quem afirma:
[De] guia de leitores, esses críticos passaram a aparecer como
escritores, cuja obra concorria, em termos de invenção, com a
obra analisada. Assistimos então, a um novo discurso crítico: um
discurso crítico-inventivo, no qual se fundem as características da
linguagem poética e do discurso crítico. (1978, p.12)
2 4
Esse novo discurso deixa de ser genuinamente explicativo; sua finalidade
parece ser a de marcar o fim da literatura como linguagem representativa, e o
“advento da escritura” surge “como exploração da linguagem” (PERRONE-
MOISÉS, 1978, p.12). Como diz a autora, trata-se de o escritor promover e
usufruir a liberdade de unir as atividades de leitura e escrita em uma “aventura
com a linguagem”. Assim, no momento em que a crítica e a literatura adotarem
diante da linguagem os mesmos mecanismos e alcançarem o mesmo prazer,
“fundir-se-ão finalmente na escritura” (p.13).
Diante desse discurso, outro caminho se abriria à crítica, o caminho da
escritura
4
, ao qual se refere Roland Barthes (2004). Na concepção barthesiana, o
texto funciona como malha de significantes. Metonimicamente, o texto trabalha e,
nessa produtividade, se alojam autor-texto-leitor, isto é: ao proporcionar o olhar do
sujeito sobre o texto, e a ação desse sobre o sujeito que o lê, a crítica literária
seria, então, aquela em que o crítico, com seu elevado tino, conseguisse
proporcionar ao leitor comum a compreensão e o prazer que o texto literário é
capaz de oferecer. Portanto, o crítico teria um potencial transformador tanto da
obra quanto do leitor, no sentido de ampliar cada vez mais os horizontes da leitura
e da criação, cabendo-lhe a função de conduzir o leitor comum aos “estados
poéticos
5
” de que fala Paul Valéry (1999, p.187,198,210).
Na medida em que a crítica se torna escritura, o texto criticado se torna
pré-texto para uma aventura com a linguagem. Nesse sentido, crítica e literatura
se fundem na escritura. A propósito dessa afirmação, esclarecedores são os
textos publicados em S/Z, obra em que Barthes (1980) apresenta a sua leitura da
novela Sarrasine, cujos apontamentos recaem sobre a diversidade dos jogos
poéticos e a pluralidade de entradas que o texto apresenta. Formado nos moldes
estruturalistas, Barthes apresenta-se como um transgressor dessa mesma
tradição crítica, ao elaborar uma análise “mais ou menos fundamentada, mais ou
4
Em aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977, Roland
Barthes propõe o uso indiferenciado de literatura, escritura ou texto, para indicar a prática de escrever exercida sob “as forças da
liberdade que residem na literatura” (2004, p.17).
5
O exercício do estado poético, segundo Valéry, seria colocar-se no estado para o qual nos transporta uma obra, recusar “as
substituições medíocres de imagens, de sensações, de impulsos e de idéias que atravessam as outras idéias. Lutar com o que é
obrigado a admitir, produzir ou emitir, e em suma, contra a sua natureza e sua atividade acidental e instantânea” (p.187).
Nesse sentido, a tarefa da crítica seria ainda aproximar o público da obra e sensibilizá-lo para a experiência da comoção
estética: encontro efêmero em que se anula a incompletude do sujeito em face do mundo. O crítico não pode naturalmente
conduzir o leitor à estesia, mas apenas instigá-lo a buscar na obra o prazer:
2 5
menos livre” (p.13). Para o escritor francês, “a crítica é uma leitura profunda”
(2003, p.226), pois cabe a ela descobrir na obra “um certo inteligível, e nisso, é
verdade, ela decifra e participa de uma interpretação” (1980, p.54). Todavia, se o
simulacro não restitui o mundo tal qual o tomou, ele manifesta uma categoria nova
do objeto, que não é o real, mas o “funcional”. Assim, o que a crítica esclarece
são as conexões simbólicas, relações por similaridades.
1.1. A finalidade da crítica literária: uma perspectiva moderna
Se aceito julgar um texto segundo o prazer, não posso ser levado
a dizer: este é bom, aquele é mau. Não quadro de honra, não
crítica, pois esta implica sempre um objetivo tático, um uso
social e muitas vezes uma cobertura imaginária.
Roland Barthes
Para João Alexandre (1990), a função que compete ao crítico seria
essencialmente a de intérprete e não a de filósofo-historiográfico, como a tradição
dos estudos literários, a partir do século XIX, a caracterizou. Lembra o autor que o
trabalho do crítico consiste na leitura e no reconhecimento das camadas de
significado que estão inscritas no texto, via forma e conteúdo, ambas de caráter
indissociável e inseridas no contexto da gênese e da recepção do texto.
Nesse sentido, significativos são os apontamentos de Eliot em seus
Ensaios de doutrina crítica (1997), por meio do qual o autor chama a atenção para
o fato de que a nova crítica estaria voltada para um público diferente. À crítica
moderna não caberiam explicações causais ou biográficas, a partir das quais o
biógrafo usa de pressupostos psicológicos extraídos da sua própria experiência.
O estudo sobre as influências, a pesquisa biográfica e a leitura historicista seriam
exemplos de críticas que deixariam de ser literárias. A crítica unicamente
2 6
impressionista, por sua vez, corria o risco de não ser mais compreendida, devido
a sua falta de objetividade.
Roland Barthes apresenta outra grande contribuição aos estudos de
literatura, quando divulga O Prazer do Texto (1973). Nessa obra, a crítica,
declaradamente, assume sua característica de escritura. Sobrepondo ao discurso
crítico o literário, cria-se uma experiência, na qual escrita e leitura se misturam no
exercício da escritura, visto que, para Barthes, o texto é uma textura, uma
tecelagem artesanal que é trabalhada pelo autor e pelo leitor, de forma a lhes
proporcionar o prazer textual:
prazer (...) não é um elemento do texto, não é um resíduo
ingênuo; não depende de uma lógica do entendimento e da
sensação; é uma deriva, qualquer coisa que é ao mesmo tempo
revolucionária e associal e que não pode ser fixada por nenhuma
coletividade, nenhuma mentalidade, nenhum idioleto”. (BARTHES,
2004, p.30).
Nesse trecho, há dois pontos que merecem ser tratados separadamente.
Primeiro, Barthes apresenta o prazer como algo individual e solitário. Ora, o texto
é uma materialidade de significantes que o autor articula de acordo com a sua
vontade; é o nosso desempenho de leitura que dará sentido ao texto, portanto
trata-se de um ato isolado de prática de leitura. Por último, Barthes (2003)
considera que uma obra ficcional não é passível de ser entendida, por meio de
grandes raciocínios lógicos, pelo simples fato de a crítica ser distinta da ciência. A
ciência trataria dos sentidos, enquanto a crítica os produziria.
Todavia, se atentarmos para a expressão em destaque, entendida, como
sinônimo de avaliar os seres e as coisas, o que irremediavelmente implicará na
faculdade de julgar, notaremos que a crítica literária se apropria de alguns
critérios oriundos da ciência, uma vez que está imbuída da interpretação e,
conseqüentemente, nunca poderá ser neutra nem inocente.
2 7
Mas, na verdade, o que Barthes pretendia com essa polêmica era
promover uma ruptura com o modelo crítico estruturalista vigente na época. Em
Crítica e Verdade (2003), o autor é ainda mais categórico ao discorrer sobre a
função da crítica literária:
[...] toda crítica deve incluir em seu discurso (mesmo que
fosse do modo mais indireto e pudico) um discurso implícito
sobre ela mesma; toda crítica é crítica da obra e crítica de si
mesma; [...] a crítica não é absolutamente tabela de resultados ou
um corpo de julgamentos, ela é essencialmente uma atividade,
isto é, uma série de atos intelectuais profundamente engajados na
existência histórica e subjetiva [...] daquele que os realiza, isto é,
os assume (p.160 – grifos nossos).
Entretanto, a visão que se tinha da função da crítica literária, no final do
século XIX e início do XX, era, sobretudo, a de um discurso de representação de
um outro discurso específico, ainda que dificilmente determinável: o texto literário.
Cumpre-nos explicar, aqui, o sentido da palavra “representação”. Tendo em
conta o seu significado próximo da etimologia da palavra latina repraesentare, o
vocábulo assume como significado primeiro “tornar a pôr em presença, pôr diante
dos olhos, fazer reviver”, conjugando-a, só depois, com o seu sentido segundo, de
que deriva o significado comum associado à palavra: “reproduzir, imitar, ser a
imagem de”. A crítica implica representação, constituindo-se, portanto, como
representante do texto, sendo sua função, senão outra, pelo menos a de voltar a
pô-lo em presença”.
Nesse sentido, a finalidade da crítica consistia em delinear um percurso de
encaminhamento do leitor a um determinado ponto. A transcrição, um dos
recursos utilizados para esse fim, revelava-se como o procedimento mais óbvio e
freqüente, que atuava no sentido do convencimento do leitor da crítica, ou seja,
da existência de uma relação direta entre o texto crítico e o texto literário. É
simulada, assim, uma objetividade que põe em ação o inquérito da prova e da
verdade da crítica na sua relação com a peça literária.
2 8
Levando em conta o caráter metodológico que a crítica deve estabelecer
para tratar o seu objeto, Perrone-Moisés (1973) traça três procedimentos para os
quais a atividade crítica deve atentar. Em primeiro lugar, o crítico deve especificar
o que se busca na obra: a literariedade, o indivíduo autor, a psicologia humana, a
sociedade. Vê-se que a autora não exclui nenhum critério de avaliação, o que não
significa dizer que, independente do critério escolhido, tratar-se-á de crítica
literária. O segundo procedimento faz referência à escolha do método.
Independente da escolha que dele se faça, a autora lembra que cabe à crítica
sustentar suas conjecturas em bases teóricas, sob pena de ficar exposta a
contradições superficiais ou de jamais ultrapassar a descrição do objeto. O
terceiro critério de avaliação diz respeito às inter-relações de um sistema crítico
com aqueles que o antecederam.
Para a autora de Altas literaturas (1998), a nova crítica deverá ultrapassar
críticas anteriores, sem negá-las, e fornecer informação nova sobre o material
analisado. O último critério é o julgamento de valor, que consiste na capacidade
de o crítico pôr em relevo as novas significações da linguagem poética do sistema
analisado.
Como sabemos o significado de um texto ficcional, no seu todo, não é
suscetível de esgotar-se com qualquer explicação, porque o seu sentido é aquilo
que será experimentado por diferentes leitores dotados de sensibilidade. Por isso,
nas mãos do leitor, o texto literário tem o papel específico, dentre outros tipos de
textos, de desestruturar, de tirar do leitor o lugar de acabamento e de modificar
sua experiência por meio de infinitas possibilidades não-acabadas. Dessa forma,
o leitor literário será responsável por alinhavar o texto, por colocar nos entremeios
a sua construção, produzindo a sua escrita, ainda que mental, sobre o que lê. A
partir daí, ele experimentará a espécie de inquietação de que fala Candido (1987);
sensação que terá o seu efeito sobre o leitor comum e também sobre o crítico
literário, considerando-se o fato de que, vinculados ao trabalho construtivo no que
se refere à impressão provocada pela linguagem, ambos desempenharão a
função de recepção crítica, como ficará claro pela exposição a seguir:
2 9
[a obra] se oferece ao leitor como um sistema significante
declarado, mas se furta a ele como objeto significado. Essa
espécie de decepção, de desapreensão do sentido explica, por
um lado, que a obra literária tenha tanta força para fazer
perguntas ao mundo (abalando os sentidos assegurados), que as
crenças, as ideologias e o senso comum parecem guardar em seu
poder, sem, entretanto, nunca a elas responder [...] e, por outro
lado, que ela se ofereça a um deciframento infinito (BARTHES,
2003, p.162).
Diante de certa nebulosidade que parece se formar no pensamento do
leitor, devido a indagações suscitadas pelos próprios caracteres ficcionais, a
função do crítico parece ser indispensável. Desse modo, como afirma Tadié
(1992), a crítica teria a função de iluminar, clarear a leitura das obras como o
“farol de Alexandria” (p.16).
Nesse sentido, não seria exagero afirmar que a legitimação da crítica está
na parcela decisiva com que pode colaborar para a recriação contínua e renovada
das obras do passado. Para dizer de outra forma, cada época recria as obras de
arte, para reavaliá-las, elaborando novos conceitos e discursos adequados à
situação presente. Portanto, Eliot (1997) e Barthes (2003), parecem corroborar no
que tange à tarefa do crítico; grosso modo, tudo consiste no esclarecimento das
obras literárias, de forma que seus gostos e preconceitos pessoais sejam
disciplinados, na busca do autêntico juízo.
1.2. Transformações discursivas da crítica literária machadiana
1.2.1. As primeiras manifestações
O primeiro texto crítico sobre Machado de Assis foi assinado por José
Rufino Rodrigues de Vasconcelos, em 24 de setembro de 1857, no Rio de
3 0
Janeiro. Fundador e redator do Conservatório Dramático Brasileiro, escreveu o
texto sobre A ópera das janelas
6
, estreada pelo autor de Dom Casmurro, quando
este contava apenas dezoito anos:
Li a ópera cômica intitulada A ópera das janelas, e no meu
entender pode ser representada sem inconveniente, tendo apenas
a notar que não haja mais pureza na linguagem e mais vivacidade
no diálogo. Creio, porém, que deve fazer efeito pela originalidade.
(apud. Machado, 2003, p.31)
A crítica, marcada por traços impressionistas baseava-se (e ainda hoje baseia-se)
no gosto pessoal do crítico e trabalhava, com, pelo menos, duas categorias
subjetivas. A primeira consistia na afinidade ou repulsa que mantinha com a obra;
a segunda, em inserir a obra na sociedade. Mas, “a crítica do gosto se encontra
em harmonia com a sociedade”, observa Perrone-Moisés (1973, p.27), ou seja, o
gosto pessoal do crítico acabava por conduzir o gosto coletivo. Assim, essa crítica
tanto conduzia à apreciação quanto à condenação da obra.
Até o início do século XX, o exercício da crítica literária consistia na
interpretação da obra por meio de explicações causais herdadas do século
anterior. A crítica biográfica, por exemplo, atestava que o biógrafo supria o seu
conhecimento a partir de fatos externos, como hipóteses psicológicas a respeito
da experiência interior do autor investigado. Assim, o rigor crítico era reduzido ao
registro de impressões, sob a forma de resenhas publicadas em jornais e revistas
literárias. Essas informações de cunho jornalístico recaíam normalmente como
paráfrases do livro examinado, o que caracterizava um estilo enraizado na
tradição da crítica: noticiária e cronística.
Posteriormente, ao abandonar esses critérios biografistas, psicológicos ou
impressionistas, estabeleceu-se o trabalho crítico no relativismo de condições
6
Segundo J. Galante de Sousa, em Bibliografia de Machado de Assis. Rio de Janeiro, MEC/INL, 1955, trata-se de uma imitação
de Machado de um texto original em francês. O manuscrito pertence à Biblioteca Nacional.
3 1
ambientais, atreladas, geralmente, aos fatores biográficos. Com esse método de
análise, houve uma supervalorização do autor.
Mas os estudos de literatura acompanhavam e adaptavam a seu campo as
grandes tendências intelectuais do final do culo XIX: a pesquisa histórica com
teor cientificista. Ou seja, havia uma preocupação em dar à literatura e à crítica
literária um caráter de ciência. O mesmo tom cientificista marcou a vertente
lingüística dos anos 70, no século posterior, em que o crítico tinha um método
científico e nele fundamentava a sua análise. Dessa forma, a crítica literária
deixava de ser especulativa para ganhar o status de veracidade, que reveste o
conhecimento científico. Para explicar as raízes dessa concepção de análise,
temos que retornar ao contexto do século XIX, cujas atitudes críticas implicaram
a busca das origens ou causas da literatura em fatores externos a ela,
identificados ou com a vida e a personalidade do escritor, ou com o contexto
social da produção da obra. Dito de outra forma, as abordagens críticas
buscavam explicações causais para os fatos estudados.
Acízelo Souza, em Teoria da Literatura (2007), explica que, na passagem
do século XIX para o XX, se ramificaram diversos modelos de crítica, dentre os
quais sintetizamos:
um, de natureza biográfico-psicológica, que colocava a ênfase da pesquisa
na vida do autor;
outro, de natureza sociológica, que igualmente supervalorizava o autor,
além de desviar do texto literário, o eixo da análise, centrando-o em fatores
políticos, econômicos, sociais e ideológicos, tidos como determinantes da
organização do texto;
o terceiro modelo seria a crítica filológica, que de seu lado, se circunscrevia
à constatação de fatos, melhor dizendo, explicava os textos por meio de
notas esclarecedoras de referências históricas, geográficas, ou, ainda, por
meio de outras informações relativas à língua utilizada em seus aspectos
fonéticos, morfossintáticos e lexicais. O principal objetivo dessa crítica seria
o estudo da sociedade, privilegiando a língua literária como fonte de
3 2
estudos. De outro lado, com essa crítica, era possível inventariar as fontes
e averiguar as influências de autores estrangeiros com relação diacrônica à
produção de nossos autores brasileiros;
por último, uma análise menos sistemática, cujo foco seria direcionado para
a fruição da leitura; os critérios de valores eram, então, condicionados às
impressões pessoais causadas pela leitura: o impressionismo crítico ou
crítica impressionista.
A crítica literária do culo XIX, até o início do XX, foi marcada por
abordagens que buscavam desenvolver esquemas explicativos sobre as origens,
causas ou transformações relativas à literatura e à própria crítica. Em outros
termos, impunham-se, na investigação das obras ficcionais, métodos científicos
com os quais pretendiam atingir o maior rigor científico possível.
No Brasil, Araripe Júnior, Sílvio Romero e José Veríssimo revelaram
marcas dessa tendência, embora houvesse em cada um deles traços singulares
que os diferenciavam quanto aos enfoques críticos praticados. Essa tríade
apareceu no momento em que as idéias românticas estavam perdendo campo, e
o cânone realista surgia como a novidade do momento (CAIRO, 1996).
Assim, ao se estudar uma determinada obra literária, os críticos nacionais e
estrangeiros conheciam muito mais o autor da obra, o público que a consumia, a
sociedade a que pertenciam do que, propriamente, o corpus literário em exame.
Sobremaneira, a crítica aparecia a serviço da ciência, em voga na época.
Para a compreensão do pensamento crítico-intelectual desse período,
reproduzimos um esclarecedor excerto, coletado por Cairo (1996), em que Silvio
Romero
7
revela a lógica do seu pensamento ao contrapor as teses de dois
pensadores: Émile Hennequin (A crítica científica
8
) e Hyppolyte Taine (1992):
7
Esse trecho está em ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943 7ª ed., v.I, p.331.
8
Trad. Agostinho Fortes. Lisboa: Editora da Tipografia e Francisco Luiz Gonçalves, 1910, p.92.
3 3
Este [Taine] procurava tornar na crítica, quero dizer na estética,
salientes os fatores mesológicos, etnográficos e fisiológicos; o
autor d’A Crítica Científica procura batê-lo nestes pontos e
substituir no estudo dos autores aqueles elementos explicativos
por considerações puramente psicológicas, sociais e
estéticas.(apud. CAIRO, 1996, p.41)
Embora a citação fale por si, convém ressaltar que Taine, por seu lado,
procurava mostrar a gênese, a formação dos fatores psíquicos e fisiológicos que
moldavam o temperamento e o humor dos escritores. Por outro lado, Hennequin
propunha uma distinção entre a crítica literária e a crítica científica. Enquanto a
primeira objetivava pronunciamentos sobre o valor de uma determinada obra,
apontando-lhe influências e averiguando quem esses escritores liam, à crítica
científica cabia analisar as causas das indicações estéticas, psicológicas e
sociológicas presentes na obra literária. Como bem observado por Cairo, não
deixava de ser uma investigação científica calcada no repertório do artista que
produziu a obra.
Tanto em um quanto em outro caso, o crítico considerava a realidade do
artista e/ou do mundo exterior como conditio sine qua non da obra ficcional. Daí o
surgimento de diversas obras autobiográficas, nas quais facilmente se evidenciam
as emoções do artista.
Com base nesses dados, devemos ter em conta ainda, que, no contexto do
século XIX, havia um público leitor novato de literatura e que os escritores
nacionais tinham como missão a implementação do processo de circulação
literária. O objetivo era construir o que seria a literatura brasileira, por isso
lançavam mão de recursos que visavam despertar o gosto e o interesse pela
leitura, conforme assinalam Antonio Candido (1973, p.74) e Luis Costa Lima
(1981), citados por Cairo (apud 1996, p. 49,50).
Desta forma, ao crítico coube a tarefa de formação de dois tipos de leitores:
o de textos ficcionais e o de crítica. Ao primeiro caberia o interesse pela leitura
das obras de ficção, enquanto, ao segundo, despertar-lhe-ia o gosto pela
discussão, análise e julgamento das obras.
3 4
Nos dois casos, o crítico literário lançou mão de recursos, como o noticiário
e a crônica. Ambos os textos precisavam apresentar uma linguagem
descomplicada e acessível ao leitor comum, o que justifica sua circulação em
jornais e revistas, informações conteudísticas da obra referida, ou dados sobre a
vida do escritor e da sociedade que a produziu, em detrimento da análise da obra.
Talvez seja o momento de indagarmos sobre a serventia da literatura e do
crítico, naquela época. A idéia básica de Luis Costa Lima, em Questionamento da
crítica literária (1981) sobre o caráter pragmático da crítica, é a de que ela teria
um papel importante na formação da opinião pública, posto a sua contribuição
para “homogeneizar os critérios de gosto do cidadão” (p.201).
Considerando a finalidade da crítica literária em propagar padrões de
gosto a serem seguidos, era mister que o crítico fosse um apreciador de artes
e/ou de literatura, embora em muitos casos não possuísse um conhecimento
específico sobre o assunto. Mesmo assim, sua intenção “consistia em valorizar as
obras a seu alcance e o julgamento do crítico [apontava] para um consenso de
classe progressivamente constituído” (LIMA, 1981, p. 201).
Dessa maneira, a crítica contribuía para a formação da opinião blica.
Tratava-se de igualar os critérios de gosto do cidadão. Para desempenhar bem o
seu papel, o crítico recorria a jornais, revistas e suplementos literários, valendo-se
de uma linguagem acessível ao cidadão comum. O caráter pragmático dessa
crítica consistia em “o escritor, o crítico e o leitor visados serem igualados pelos
valores burgueses: o culto do indivíduo, de sua razão e de sua privacidade.”
(op.cit. p.201) Assim, o crítico se justificava à medida em que bem desempenhava
esse papel.
1.2.2. A crítica machadiana do final do século XIX e início do XX
Muitos críticos contemporâneos de Machado de Assis registraram suas
impressões sobre a obra do escritor, sobretudo a respeito dos romances. Entre
eles, constam nomes como o de Medeiros de Albuquerque, Olavo Bilac, Raul
3 5
Pompéia, Urbano Duarte, José Carlos Rodrigues, Magalhães de Azeredo, Júlio
Dast, Xavier de Carvalho, Gama Rosa, e outros que preferiram ficar no anonimato
sob pseudônimos, tais como Araucarius, Abdiel e José Anastácio (GUIMARÃES,
2004).
Mas foi a tríade Silvio Romero (1851/1914), Araripe Júnior (1848/1911) e
José Veríssimo (1857/1916) que enfrentou a obra machadiana de forma diversa e
metódica. Conforme se nota, ao examinar a reação que tiveram perante a obra de
Machado, esses autores revelaram em suas interpretações marcas de uma visão
historiográfica, com explicações pautadas pela visão determinista, que tratava a
literatura como reflexo direto das conjunturas sócio-econômicas.
A vertente de críticos e historiadores literários, para a qual era essencial a
ênfase na busca dos valores da tradição e da história, foi outra conseqüência do
espírito positivista e naturalista, centrado na explicação genética. Era um novo
ideário, mas, sem “perder de vista o postulado, por essa mesma geração recebida
do romantismo, da equivalência, na literatura brasileira, entre afirmação de
nacionalidade e caráter estético” (NUNES, 1999, p.20).
O naturalismo se abria para a explicação sociológica e histórica,
associando o esclarecimento da obra ao esquema triádico: raça, meio e
momento, exposto por Taine em História da literatura inglesa e Filosofia da arte e
adotado por Romero em História da Literatura Brasileira (1943).
A esse respeito, Afrânio Coutinho (1974) afirma que a crítica literária
tornou-se indistinta da história literária, “esta mesma uma dependência da história
geral, dividida, como ela, em períodos correspondentes aos da história política.”
(p.4) Esse historicismo, observa Coutinho, desencadeou a preocupação
excessiva em se estabelecer relações entre literatura e os fatos históricos,
reduzindo a tarefa do crítico em eruditismo de teor científico e historiográfico.
Essa forma de positivismo, “que não se confunde com o positivismo filosófico de
Comte” (COUTINHO, 1969, cap. XV), influenciou diversos estudiosos do
fenômeno literário.
Sílvio Romero, observa Antonio Candido (1988), permanece como marco,
se quisermos compreender a formação do espírito crítico no Brasil. Protagonista
do movimento do Recife
um dos focos do grande movimento renovador da
3 6
mentalidade brasileira na segunda metade do século XIX representou o aspecto
literário dum processo cultural em que se destacaram homens como Tobias
Barreto, Batista Caetano, Barbosa Rodrigues, Miguel Lemos etc. A sua obra
participa do esforço de revisão ideológica de que brotou o pensamento moderno
do Brasil.
Se por um lado, Romero não atribuiu a Machado de Assis o seu devido
reconhecimento e desmereceu o seu nome em História da literatura brasileira
(1943), por outro, a reação, em linhas gerais entusiástica a Quincas Borbas,
serviu de estímulo e munição para o crítico produzir seu ataque final a Machado,
não mais por meio de artigos na imprensa, mas na forma de um livro Machado
de Assis: estudo comparativo de Literatura Brasileira (1897).
Nesse estudo, Silvio Romero apresentava um Machado que não entendia
as ideologias do culo XIX. O crítico não via na obra do escritor fluminense o
espelho da natureza brasileira, preceito consolidado desde os precursores da
crítica romântica
9
, que tinham como pressuposto vincular a qualidade da obra
literária ao seu caráter de representação da nacionalidade. Se as obras literárias
não abarcassem as idéias herdeiras das teorias francesas, fundamentais naquele
momento, que pressupunham “aspectos locais como estímulos de inspiração”
(CANDIDO, 1975b, p.323) e, principalmente englobando todas as outras, como a
análise problemática do racismo determinista, o escritor não seria reconhecido
pela crítica. Como Machado representava exceção às regras, Romero revelava-se
indignado e chamava a atenção para o tom estrangeirado do escritor, que, a seu
ver, era um “macaqueador de Sterne”:
[...] o estilo de Machado de Assis, sem ter grande originalidade, sem
ser notado por um forte cunho pessoal, é a fotografia exata do seu
espírito, de sua índole psicológica indecisa. (...) Vê-se que ele
9
Ferdinand Denis (1798-1890) é o precursor da crítica romântica no Brasil. A sua obra reflete a convicção de que os trópicos
exerceriam uma ão determinante na cultura: os países submetidos à influência do sol ardente dos trópicos apresentariam,
em seus aspectos e produções, um caráter muito diferente daquele da Europa. Com essa convicção, exerceu uma influência
considerável na poesia brasileira, contribuindo para a exaltação dos povos autóctones. Para maiores esclarecimentos,
sugerimos a leitura de “Raízes da Crítica Romântica” in: CANDIDO, Antonio. (Formação da Literatura Brasileira). vol. II. São
Paulo: EDUSP, 1975b, p. 319-327.
3 7
apalpa e tropeça, que sofre de uma perturbação qualquer nos órgãos
da palavra. Sente-se o esforço, a luta. Ele gagueja no estilo, na
palavra escrita, como fazem outros na palavra falada, disse-me
uma vez não sei que desabusado num momento de expansão, sem
reparar talvez que dava-me destarte uma verdadeira e admirável
notação crítica. De fato, Machado de Assis repisa, repete, torce,
retorce tanto suas idéias e as palavras que as vestem, que deixa-nos
a impressão dum perpétuo tartamudear (ROMERO, 1897, p. 182
grifos nossos).
À luz do espírito positivista, Romero foi um continuador dos preceitos da
crítica romântica iniciada por Ferdinand Denis. E quando se referia a Machado, o
crítico não hesitava em relacioná-lo à problemática do racismo determinista. Nas
expressões em negrito, é a fotografia exata de seu espírito, Romero explicitava
a sua leitura crítica fundamentada na concepção determinista, cuja tríade: raça,
meio e momento seria fator responsável para determinar o talento do artista. O
crítico sergipano via o mestiço como produto fisiológico, étnico e histórico do
Brasil, e, portanto, uma forma genuína de sub-raça brasileira. Logo, sendo
Machado um escritor mestiço, nascido das camadas desfavorecidas, gago e
epiléptico, só poderia escrever como tal, pela visão determinista supracitada.
A combinação desses dois juízos a gagueira narrativa, agravada pela
imitação de outros traços, como meio e raça, por exemplo, abriu caminho para
o real objetivo de Romero: deslocar Machado de Assis do centro canônico da
literatura brasileira.
Mas esse fato foi determinante para os estudos comparativos que se
seguiram, sobre as influências de autores estrangeiros na obra do autor de O
Alienista. Dentre esses estudos, merecem destaque as considerações de dois
importantes pesquisadores: Lúcia Miguel e Augusto Meyer, que serão
evidenciados no segundo capítulo deste trabalho.
Em O ruído das festas e a fecundidade dos erros: como e por que reler
Silvio Romero, de (2004), João César de Castro Rocha destaca que, se o crítico
“naufragou em sua análise, [...] pelo menos vislumbrou terra” (p.6). Ao reler a
3 8
crítica romeriana, afirma Castro Rocha, descobrimos que ele foi o crítico
oitocentista que mais próximo esteve de compreender os traços singulares da
escritura de Machado: sua veia humorística permeada de ceticismo, as influências
e o aspecto técnico de sua ficção: ponto de vista, personagens, enredo,
linguagem, a inscrição do leitor no texto entre outros.
Antigo companheiro de Romero, da escola de Recife e sobrinho de José de
Alencar, Araripe Júnior lançou duras críticas à obra de Machado, por ela
apresentar incongruências com os princípios romântico-naturalistas. Todavia, ao
contrário do companheiro, cujo juízo permaneceu sempre na negativa, Araripe Jr.
reformulou suas considerações sobre a obra machadiana. Assim, ao escrever, por
ocasião do lançamento de Quincas Borba, em 1892, Araripe lembra a visão
rigorosa e limitada de literatura, que expressara no início da década de 1870
10
:
N’essa época eu andava muito preocupado com a idéa do
romance nacional; sabia de cór o Brasil de Ferdinad Dénis e lêra
pela oitava ou nona vez o Guarany de J. de Alencar. No que
respeita á litteratura, ignorava completamente a existencia de
uma cousa chamada proporções; pouco tinha observado, muito
menos comparado (apud.GUIMARÃES H.S, 2004 p.365).
A expressão n’essa época refere-se a dezesseis de julho, de 1870, data em que
Araripe Jr. escrevera sobre Falenas e Contos fluminenses, primeiros trabalhos de
Machado folheados pelo crítico. Como atesta o fragmento, nota-se que o fervor
pela natureza estava entre o horizonte de expectativas de Araripe Jr. e de boa
parte dos leitores e críticos locais, portanto esperavam-se da obra machadiana
características mais exóticas do que a excentricidade que o escritor apresentava.
Em outro excerto do mesmo texto, o crítico sergipano declarava haver certa
unidade no espírito literário de Machado; em outros termos, o escritor teria
marcado sua estética com dois modelos apresentados ao público, por meio de
10
O texto foi publicado por Araripe Jr., no jornal Gazeta de Notícias, Rio de janeiro, 12/1/1892, p.1 e extraído de Os leitores de
Machado de Assis: romance machadiano e público de literatura no século XIX (2004), de Hélio Seixas Guimarães. O livro reúne em seu
apêndice o conjunto dos textos publicados na imprensa sobre os nove romances de Machado de Assis à época de suas
edições em livro. Mantivemos a grafia original do texto, incluindo deslizes tipográficos e erros.
3 9
Falenas e de Contos fluminense. Tal estilo percorreria de ponta a ponta a sua
produção ficcional. As observações de Araripe Jr. quanto ao fato de haver certa
unidade na obra de Machado, independente de se tratar da produção de primeira
ou de segunda fase, como prefere dividi-la boa parte da crítica , apontam para
um escritor apaixonado pelo seu estilo, aprimorando-o continuamente:
Machado de Assis fortaleceu-se na idéa e aprimorou-se na fórma;
mas hoje, como hontem, como em 1870, posso affirmal-o, não
mudou uma linha do seu primitivo eixo. Subiu, subiu muito alto;
porém a linha ou as linhas que prendem o seu papagaio multicor,
são as mesmas com que elle o empinava quando menino, isto é,
na época em que surgiam os seus primeiros livros (apud.
GUIMARÃES H.S., 2004, p.366).
Araripe Jr. também sentia inadequações nos romances machadianos, com
relação aos padrões do naturalismo. As heroínas do romance Quincas Borba, por
exemplo, não seguiam a lógica brutal da respectiva organização naturalista, em
que Zola “forçosamente collocaria uma scena de cannibalismo amoroso e o
desespero da burgueza que não soube conter os arrancos da luxuria” (apud
GUIMARÃES H.S., 2004, p.370). Ao contrário, as mulheres descritas por
Machado eram em regra “incolores, sem expressão” e pudicas. Tais
características e principalmente a timidez na caracterização das personagens
femininas seriam fatores que estariam associados à índole do escritor. em
Araripe percepções interessantes e fecundas, que deixariam longos rastros na
fortuna crítica de Machado.
Na contrapartida de Romero e Araripe Jr., que, comprometidos com
doutrinas científicas, procuravam compreender a obra de Machado à luz do
evolucionismo, no primeiro caso, e romântico-naturalista no segundo, Veríssimo,
a certa altura, parece perceber a insuficiência de tais métodos diante do estilo
excêntrico do romancista: “a obra litteraria do Sr. Machado de Assis, não póde ser
julgada segundo o critério que eu peço licença para chamar nacionalistico” (apud.
GUIMARÃES H.S., 2004, p.358). Veríssimo estabeleceu, no espaço brasileiro, as
4 0
condições para que o exercício da crítica pudesse ter uma feição menos rigorosa,
buscando fugir do espaço de indeterminação, que a caracterizava alguns de seus
antecessores, os quais pensavam a ficção como organismo de assimilação
cultural. (VERÍSSIMO, 1978). Dessa forma, Veríssimo discordava explicitamente
de Romero, como se observa no artigo de 11/1/1892, a propósito do livro Quincas
Borba:
Esse critério, que é o principio director da Historia da Litteratura
Brazileira e de toda a obra critica do Sr. Sylvio Romero, consiste,
reduzido a sua expressão mais simples, em indagar o modo por
que um escriptor contribuio para a determinação do caráter
nacional [...] (apud. GUIMARÃES H.S., 2004, p.358).
Estreitar o campo da atividade literária ao sentimento nacional seria o
mesmo que não reconhecer o talento do escritor. Ademais, Machado deveria ser
estudado sem preconceitos de escolas e teorias literárias, pois ele fugia a
qualquer classificação, fosse ela romântica, nacionalista ou realista.
Além disso, buscando fugir do espaço de indeterminação que
caracterizava a crítica de alguns de seus antecessores, o autor reclamava
critérios para os princípios derivados do estudo, da reflexão e da comparação das
obras literárias. Para Veríssimo, a psicologia, a sociologia e a moral, como
ciências do homem e da sociedade, seriam a base para o estudo das obras, e à
crítica. Portanto, o rol de dados e explicações acabariam por dar à crítica, mesmo
no meio das variações dos critérios pessoais, certo grau de confiabilidade.
Em História da Literatura Brasileira (1963), Veríssimo mescla dados do
autor com elementos literários, para justificar o humor e a ironia na obra
machadiana. Veríssimo observou que, na primeira fase do romancista, existia a
marca da ironia em seus textos, fato esse que o distinguia dos demais escritores
do seu tempo:
4 1
Histórias da meia-noite (1870) e Contos fluminenses (1873) traziam
ressaibos românticos, embora atenuados pelo congênito
pessimismo e nativa ironia do autor. Ora, o Romantismo não
comportava nem a ironia nem o pessimismo, na forma desenganada,
risonha e resignada de Machado de Assis. Mas os contos que
sucederam imediatamente àqueles, Papéis Avulsos (1882),
Histórias sem data (1884), Várias Histórias (1905), muitos deles
anteriores a Brás Cubas, trazem evidente o tom deste. Desde,
portanto, os anos 70, renunciando ao escasso Romantismo que nele
havia, criava Machado de Assis uma maneira nova, muito sua, muito
particular e muito distinta e por igual estreme daquela escola e das
novas modas literárias. (p.429-430 – grifos nossos)
A “nativa ironia do autor”, observada por Veríssimo, estaria associada à
índole de Machado, como convinha à análise determinista. Mas, se como
afirmava Veríssimo, havia uma unidade com relação ao tom irônico nos contos
machadianos, seria possível pensar numa espécie de narrador que forja uma
unidade na diversidade da obra, como esclarece Maria Helena Werneck (1996),
no seu estudo sobre a composição do conteúdo biográfico na escrita literária.
Para a autora, o mito autobiográfico foi “desbastado pela investigação
temática e pela ênfase na relação entre a figura da personagem principal do
romance e o foco narrativo” (p. 231). Apesar de Veríssimo estar distante no tempo
e no espaço, com relação às concepções de Werneck, ao menos vislumbrou os
desafios que a obra machadiana prescreveria à crítica.
Assim, a partir do exame da produção crítica de Sílvio Romero, Araripe
Júnior e José Veríssimo, foi possível constatar os desafios e mudanças de
parâmetros que uma obra desse porte coloca para a crítica, desestabilizando
concepções e colocando em xeque a aplicação rígida de teorias e doutrinas. O
surgimento de questões, como a do humorismo e da representatividade nacional
do romance machadiano, teriam desdobramentos importantes em estudos
futuros.
4 2
1.2.3. Machado de Assis: crítico literário
A crítica literária é uma forma de criação, e como tal, exige do criador
qualidades apreciativas de bom gosto, de cultura, de sensibilidade receptiva e de
análise. Tristão de Ataíde (LIMA, 2004), ao analisar o crítico Machado de Assis,
diz: “ como o ser humano é um só, não criador que não seja um crítico latente,
como não crítico que não possua em si os elementos de um criador” (p.779).
Daí, a genialidade do escritor, apontada por Ataíde, como aquele que conseguiu
transitar pelos dois gêneros: ficcional e crítico.
Como crítico literário, Machado nos legou, por meio de sua escassa, mas
produtiva obra crítica, os elementos que esclareceriam sua própria atividade, além
de orientar os rumos da crítica subseqüente. São ensaios sobre o que pensava a
respeito da literatura brasileira da época e sobre o exercício da crítica, praticado
no século XIX. Sua produção crítica envolve ensaios teóricos, como O Passado, o
Presente e o Futuro da Literatura (1858); O Ideal do Crítico (1865), Notícia da
atual Literatura Brasileira Instinto de Nacionalidade (1873), diversas resenhas
críticas, como aquela para o livro O Primo Basílio
11
, de Eça de Queiroz (1878),
além de inúmeras críticas de teatro. Algumas reflexões revelaram-se na própria
construção poética de seus textos.
Uma de suas preocupações centrava-se na questão da identidade
nacional, preocupação expressa claramente nos três mencionados ensaios que
escreveu. A propósito do ensaio de 09 de abril de 1858, Lúcia Miguel declarou:
É realmente notável sob muitos aspectos esse trabalho de um
jovem de 19 anos que encarava a literatura como um meio de
fixação da nacionalidade, reclamando contra a escravização aos
cânones portugueses, condenando o indianismo porque ‘a poesia
indígena, bárbara, a poesia do boré e do tupã, não é poesia
nacional’. (1988, p.62)
11
A produção crítica de Machado encontra-se disponível em ASSIS, Machado. Machado de Assis. Obra Completa. Vol. III. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 2004 pp.779-940 [1959]
4 3
No ensaio de 1858, Machado (ASSIS, 2004c) reclamava dos excessos da
poesia indianista
12
: “o que temos nós com essa raça, com esses primitivos
habitadores do país, se os seus costumes não são a face característica da nossa
sociedade?”. Para o autor, era preciso que a literatura fosse “sacudida por uma
revolução intelectual”, capaz de tonalizá-la com o verdadeiro caráter nacional, que
não se resumia, apenas, em aspectos locais. Assim como nossa emancipação
política em 7 de setembro de 1822, fazia-se necessária também a “emancipação
intelectual, vacilante sob a ação influente de uma literatura ultramarina” (p.786).
Embora a produção por aquela época fosse fruto de condições históricas,
em que os autores brasileiros apresentavam fidelidade documentária com o nosso
passado e apreciação meditativa da natureza, é possível perceber no seu ensaio
crítico estreante (1858), uma tentativa, se não de ruptura, um prognóstico do seu
projeto estético, caracterizado pelo próprio autor como um “golpe de estado
literário” (op.cit., p.789).
A questão da nacionalidade estava ligada ao nosso passado histórico e,
portanto, caracterizava uma tradição que era seguida. Como crítico, Machado
elogiava os autores que, dentro desse contexto, apresentavam aspectos
inovadores em suas obras. Destaca dentre os poetas do arcadismo, Basílio da
Gama, escritor que fugia da trilha dos antecessores portugueses. Para Machado,
o poema épico O Uruguai sobre a guerra movida por portugueses e espanhóis
contra indígenas e jesuítas em Sete Povos de Missões do Uruguai, em 1759
“se não [apresentava característica] puramente nacional”, ao menos [não era]
nada europeu” (ASSIS, 2004c, p.786).
Quando, em 1858, Machado afirmou: “se uma parte do povo está ainda
aferrada às antigas idéias, cumpre ao talento educá-la, chamá-la à esfera das
idéias novas, das reformas, dos princípios dominantes” (ASSIS, 2004c, p.787), na
verdade, ele decretava a tarefa que iria executar em boa parte de sua produção
ficcional: educar o gosto do leitor, valendo-se, para isso, dentre outros, do recurso
12
A crítica se estabeleceu no Brasil, com o romantismo, e se baseava na teoria do nacionalismo literário, cujo iniciador foi
Ferdinand Denis, que aplicou, ao nosso caso, certos princípios da teoria romântica: visão do trópico, o índio como fonte de
poesia, apego pela natureza. Como esclarece Antonio Candido (1975b), Denis principia a aventura dos fatores mesológicos e
etnológicos na crítica brasileira.
4 4
de inscrição do leitor no texto, como é possível evidenciar, no prólogo de
Memórias Póstumas de Brás Cubas:
[...] a gente grave achará no livro umas aparências de puro
romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu
romance usual; ei-lo fica privado da estima dos graves e do
amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião
(ASSIS, 2004a, vol.I, p.513)
Embora a evocação do leitor pelo texto tenha sido utilizada por
Cervantes, no século 17, no contexto da produção machadiana, o diálogo com o
público pode ser uma chave para se compreender a preocupação do autor em
estabelecer comunicação, mesmo quando afirma a impossibilidade do
entendimento, ou quando zomba do leitor, objetivando antes sua reação do que
sua concordância. Nesse fragmento de MPBC, Machado textualiza
13
dois tipos de
leitores: o grave e o frívolo; ambos seriam guiados pelo narrador, no que
concerne aos retornos, emendas, saltos etc. O mais exigente encontraria na obra
“processo extraordinário [empregado] na composição” (ibidem, p.513), como por
exemplo, a opção pelo foco narrativo ser a de um defunto autor e a preferência
do escritor em iniciar a estória pelo fim, ou seja, pela morte do narrador. O leitor
“frívolo” seria convocado a completar os sentidos da narração e a perceber as
intenções do narrador, manifestas por meio das interpelações, seja pelo desprezo
ou pela “constatação da exigüidade do leitorado” (GUIMARÃES H.S., 2004, p.46).
Retornando ao ensaio O Passado, o Presente e o futuro da Literatura, é
possível evidenciar que a compreensão do destino apontado para a literatura
seria o início de novas idéias para sua própria produção estética, a qual revelaria
uma variedade de tipos e temas.
A forma pela qual a questão da nacionalidade era tratada na literatura
causava desassossego a Machado, levando-o a refletir de forma contundente
13
A expressão é de Hélio Seixas Guimarães em Os leitores de Machado de Assis (2004b), o qual evidencia no projeto estético de
Machado tensão entre três instâncias leitoras: a ficcional, a real e a ideal, apontando para uma teoria do leitor.
4 5
sobre a questão, em outro ensaio: Notícia da Atual Literatura - Instinto de
Nacionalidade (2004c), publicado pela primeira vez em 24 de março de 1873. A
essa altura, o texto revela um Machado mais maduro. Se, de um lado, afirma ele,
a preocupação em vestir as formas literárias com as cores do país pudesse
exprimir sinal de “vitalidade e abono de futuro” (ASSIS, 2004c, vol.III p.801), de
outro, reconhecer o espírito nacional, somente nas obras que tratavam de
assuntos locais, significaria reduzir a riqueza de nossa literatura.
Não dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura
nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe
oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão
absolutas que a empobreçam. (op. cit., p.804).
Nesse ensaio, Machado demonstrava sua preocupação com a literatura
brasileira e propunha uma reflexão quanto às necessidades que possuíam os
escritores nacionais em ressaltar continuamente a vida brasileira e suas
condições como prova e atestado de independência e de originalidade. O autor
argumentava contra a exclusividade de tais critérios para o processo de criação.
Uma vez retirada de cena a superioridade do conteúdo como critério de
legitimidade, Machado reivindicava autonomia para o plano da relação
estabelecida entre ficção e realidade, ambas simbolizadas pela forma estética.
O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento
íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda
quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço (op.cit.,
p.804)
Machado era leitor dos clássicos da literatura estrangeira, devendo muito
do seu estilo, entre outros, a Shakespeare. Numa comparação entre o local e o
universal na literatura, justificou o fato de Hamlet, Otelo, Júlio César e Romeuo
4 6
representarem a história inglesa, nem o território britânico. Assim, Shakespeare
pôde ser considerado um gênio universal.
Na década de 70, Machado havia publicado seu primeiro romance,
Ressurreição (1872), cuja tentativa de ruptura se confirma na página de
Advertência da primeira edição: “Não quis fazer romance de costumes; tentei o
esboço de uma situação e o contraste de dous caracteres; com esses simples
elementos busquei o interesse do livro” (ASSIS, 2004a, vol. I, p. 116).
Destarte, no ensaio de 1873, Instinto de Nacionalidade..., Machado não
prenunciava o estilo que revestiria sua produção estética, como também
registrava o seu clamor por uma crítica doutrinária, abrangente, elevada,
transcendente e capaz de reconhecer o verdadeiro valor da obra literária para
além dos aspectos locais. Para o criador de Capitu, “a falta de uma crítica assim
[era] um dos males de que [padecia] a nossa literatura”; era necessário que a
análise crítica corrigisse ou animasse “a invenção, que os pontos de doutrina e de
história [fossem investigados e] o gosto [apurado e educado]” (ASSIS, 2004c, vol.
III, p.804).
Mas não era apenas a questão da nacionalidade na literatura que
preocupava o romancista. Os critérios de valores praticados pela crítica são
discutidos em outro ensaio, O Ideal do Crítico, de 1865: uma espécie de
compêndio do todo analítico exercido por Machado nos seus pareceres sobre
autores e obras, no qual o escritor inicia uma crítica de natureza orientadora e
imparcial. Para ele, a crítica era indispensável à formação de opiniões, além de
servir como orientação aos escritores em geral. Era necessário, portanto, “que a
crítica se impusesse para o justo reconhecimento dos valores, ou do talento e da
capacidade criadora de cada um”. (CASTELLO, 1969, p.27)
naquela época, refletindo sobre uma das características cruciais para se
exercer o bom julgamento de uma obra, Machado comparava a responsabilidade
do exercício crítico com a tarefa do legislador, no que tange ao estabelecimento
de regras no campo das artes. A alusão reclamava a necessidade de paradigmas
críticos, diante dos falsos ou superficiais julgamentos praticados com relação à
literatura brasileira. Tais julgamentos, infiltrados no elogio fácil, ou retribuído à
4 7
crítica polêmica, estavam freqüentemente impregnados da linguagem retórica. É o
próprio Machado quem diz:
O crítico atualmente aceito não prima pela ciência literária; creio
até que uma das condições para desempenhar tão curioso papel,
é despreocupar-se de todas as questões que entendem com o
domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve ser a marcha do
crítico; longe de resumir em duas linhas, cujas frases já o
tipógrafo as tem feitas, o julgamento de uma obra, cumpre-lhe
meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo,
aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim, até que ponto a imaginação
e a verdade conferenciaram para aquela produção (ASSIS, 2004c,
vol.III, p.798).
Machado clamava por uma atividade crítica capaz de apreciar as obras
literárias com imparcialidade, livre de intolerâncias; uma crítica que, de fato,
orientasse o leitor e oferecesse ao escritor sugestões positivas, como a que
escreveu sobre O Primo Basílio, de Eça de Queirós, no periódico O Cruzeiro, em
16 e 30 de abril de 1878, por ocasião do lançamento do livro, no Rio de Janeiro.
O livro fora alvo dos mais variados comentários, esclarece Beatriz Berrini,
no estudo A polêmica recepção de Eça de Queiroz no Brasil (2004). A sociedade
brasileira, conservadora e preconceituosa da época julgou o romance queiroziano
uma ofensa aos princípios morais, por promover “o relaxamento moral dos
costumes” (p.210). Como esclarece o trabalho da autora, havia não os ensaios
que assinalavam o aspecto “imoral” da obra, mas também os que nela
reconheciam admirável criação estética.
Machado de Assis, sob o pseudônimo de Eleazar
14
, comentou o talento de
Eça, sem, entretanto, deixar de apontar-lhe “defeitos”:
14
Segundo Galante de Souza (1955), a obra de Machado evidencia assinaturas de diversos pseudônimos, dentre eles, as
iniciais J.J. subscreveram vários contos do escritor no Jornal das Famílias, no Rio, entre 1866 e 1875. Manasses foi outro
pseudônimo usado em A Época, revista de efêmera duração, no Rio de Janeiro, em 1875 e, na Ilustração Brasileira, entre 1876 e
1878; O conto Chinela Turca, publicado pela primeira vez em 14 de novembro, 1875, na Época n.1, foi recolhido em Papéis
Avulsos (1882). Eleazar foi o nome adotado para assinar o conto Na Arca, folhetins e a crítica ao livro de Eça de Queiroz,. n’
O Cruzeiro (Rio, 1878).
4 8
o esmero de algumas páginas e a perfeição de um dos seus
caracteres [...], mas o seu livro traz defeitos que me parecem
graves, uns de concepção, outros da escola em que o autor é
aluno (ASSIS, 2004c, vol. III p. 909)
Nesse ensaio, Machado refuta a doutrina realista incorporada na obra que,
a seu ver, era responsável pela descrição exterior e superficial das personagens.
Para ele, faltava vida própria na caracterização de Luíza, personagem do
romance queiroziano. Suas aflições não viriam dela mesma, mas representariam
hipóteses lógicas.
Para exemplificar sua tese, ele realizou uma comparação entre Luíza e
Eugênia Grandet, de Balzac. A distinção de Eugênia “provinciana singela e boa,
cujo corpo, aliás robusto encerrava uma alma apaixonada e sublime [...] figura
moral” , prenderia a atenção mais do que a de Luíza, do Primo Basílio,
considerada “antes títere do que uma pessoa moral” (ASSIS, 2004, vol. III, p.905).
No romance, Luíza não apresentaria complexidade, ao contrário de Juliana, que
seria o caráter mais completo e verdadeiro do livro.
Na crítica em questão, Machado se demorou na análise das personagens,
comentou sobre a temática que percorreria toda a obra de Eça, levantou
hipóteses, orientou, de certa forma, as leituras do romance queiroziano entre nós,
além de nos apresentar como ele visava à criação literária, às idéias estéticas que
ela nos comunica, às discussões. Ademais, tão importante quanto estudar a
recepção da crítica de determinada obra é observar o quão a própria obra
contribuiu para a renovação das expectativas da crítica e da criação ficcional. Nos
ensaios de Machado, é possível entrever, na lógica do seu pensamento, as
renovações que ele buscava para a literatura. De certa forma, ele esquadrinhava
na leitura dos autores nacionais e estrangeiros aquilo que buscava para construir
o seu projeto literário.
Cabe ressaltar ainda que os ensaios sobre crítica pertencem à primeira
fase de produção do escritor. Conforme divisão proposta por muitos críticos, essa
fase abarcaria as produções do autor, dito, não maduro. Mas não é o que
4 9
observamos na produção crítica de Machado, em que o autor deixa entrever seu
desligamento do projeto romântico nacional (JUNQUEIRA, 2008) e prenuncia
critérios de julgamento das obras literárias.
1.2.4 Tradição e ruptura
Na década de 40, a crítica literária brasileira assinalou o embate de dois
modelos críticos. De um lado, um modelo representado pelo "homem de letras", o
bacharel que, sob a forma de resenhas, utilizava o jornal como instrumento
necessário para a divulgação de suas críticas. É o caso de Álvaro Lins, Alceu
Amoroso Lima, Otto Maria Carpeaux, entre muitos outros. De outro lado, surgia o
crítico universitário que, ligado à "especialização acadêmica", utilizava o livro e a
cátedra como propagadores de suas idéias. Um grande exemplo é Afrânio
Coutinho, que desencadearia uma campanha contra os chamados “críticos de
rodapé”. O nome de “rodapé” é decorrente do espaço físico ocupado por essa
crítica que, às vezes, era alternado com as colunas do jornal.
A crítica de rodapé era fundamentada numa espécie de "não-
especialização" e oscilava entre a crônica e o noticiário. O espaço reservado à
literatura, inicialmente, tinha a finalidade de divulgar autores e obras literárias. Ao
crítico-cronista, que tinha o seu lugar ao pé da gina ou em colunas de jornais,
cabia o papel de orientar e divulgar cultura aos leitores.
Todavia, com a criação das faculdades de Filosofia de São Paulo, em 1934,
e do Rio de Janeiro, em 1938, o crítico de rodapé entrou em disputa, diariamente
nas páginas dos jornais, com os chamados críticos-scholares.
Desse modo, como afirma Flora Sussekind:
[...] se abriria espaço para um outro tipo de critério de avaliação
profissional, para uma substituição do jornal pela universidade
como "templo da cultura literária" e da figura do crítico
5 0
enciclopédico e impressionista, com a sua habilidade para a
crônica, pela do professor universitário, com seu jargão próprio e
uma crença inabalável no papel "modernizador" que poderia
exercer no campo dos estudos literários. (1993, p.20)
O jornal, entretanto, continuou sendo o veículo de comunicação da crítica
universitária, que, absorta em indagações de caráter teórico-metodológico,
estabelecia diálogo com especialistas e não com o leitor comum. Daí uma das
hipóteses
15
de Silviano Santiago, quanto ao processo de “desliteraturização”, do
final do século 19 e princípios do século 20: “[a literatura foi perdendo o seu]
“lugar, função, prestígio e poder na imprensa diária e semanal” (2004 p.159).
Para Santiago, professores universitários inconformados com o
impressionismo do ensaio e com a crítica não especializada exigiam a primazia
dos seus ensaios no jornal. Assim, aos poucos, a literatura perdeu seu espaço no
rodapé e, a partir de 1940, passou a ocupar os suplementos literários, nos quais
se destacavam os críticos: rgio Miliet, Lúcia Miguel-Pereira, Álvaro Lins, Otto
Maria Carpeaux e Brito Broca, como observa o autor.
Nesse contexto de ruptura com o exercício da crítica praticada na época,
emergiram duas vertentes. De um lado, “os defensores do impressionismo, do
autodidatismo, da review
16
como exibição de estilo, aventura da personalidade”.
(SUSSEKIND, 1993, p.15). De outro, Afrânio Coutinho, do Rio de Janeiro e
Antonio Candido, de São Paulo, especialistas e contestadores da crítica subjetiva,
como prática acadêmica.
Com Afrânio Coutinho iniciou-se uma mudança nos critérios de avaliação
dos textos ficcionais. Tratava-se de um momento de transformação da crítica
brasileira, sobretudo quando Coutinho regressou dos Estados Unidos, trazendo
15
No estudo A crítica literária no jornal, Santiago elenca quatro fatores responsáveis pela desliteraturização da grande imprensa
no final do século XIX e início do século XX. De modo geral, são: 1) a preferência pelo cosmopolitismo modernista que
reduz as questões abordadas pelo folhetim crítico e literário em quimeras; 2) o jornal se transformando cada vez mais em
espaço de informação e menos em “órgão opinativo”; 3) “o advento de novas formas artísticas proporcionadas pelo
desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação”; 4) o surgimento do livro. (p.160-163).
16
Segundo o dicionário Houaiss, a palavra de origem inglesa significa resumo; por extensão de sentido, publicação periódica,
especializada em resenha e crítica de livros recém-lançados, exposições de arte, peças teatrais etc., além de conter alguns
artigos literários, políticos etc.
5 1
um novo conjunto de referências teóricas. Ele compilou textos dispersos da
grande tríade da crítica literária do final do século XIX, com Silvio Romero, e início
do XX, com José Veríssimo e Araripe Júnior.
Em sua obra, A literatura no Brasil (1959), Coutinho apresentou sua
maneira de ver a literatura brasileira e apontou os elementos para os quais o
crítico deveria olhar ao analisar um texto de ficção. Em capítulo exclusivo sobre
Machado de Assis na Literatura Brasileira, Coutinho assinalou os aspectos,
“dignos de juízo”, que deveriam guiar o método crítico e garantir a legitimidade de
uma obra. Essa nova maneira de olhar rejeitava o biografismo, o impressionismo
e pressupunha a afirmação de uma autonomia plena dos elementos estéticos.
Sob influência do close reading técnica de esmiuçamento textual fornecida pelo
New Criticism anglo-americano, e da Estilística, as considerações de Coutinho
pareciam apontar para o desaparecimento da tensão entre análise formal e
interpretação histórica, o que significa dizer que o eixo analítico prevaleceria
sobre o interpretativo.
Na verdade, como esclarece João Alexandre Barbosa (1990), as
manifestações do impressionismo, do esteticismo do final do século XIX e as
experiências de vanguarda nos inícios do século XX colocavam em risco os
positivismos que haviam alimentado a crítica naturalista, de modo que era preciso
reconsiderar as relações entre estética e ideologia.
Entre os anos 40 e 50, o problema foi colocado em termos de sociologia e
estética, e falava-se em métodos estético-sociológicos, ou mesmo estilístico-
sociológicos, como se encontra em Otto Maria Carpeaux e Afrânio Coutinho.
Antonio Candido é outro nome de destaque dentro da geração de críticos que
procuraram pensar, por essa época, de modo teórico e sistemático, o problema
das relações entre forma e história na literatura. Para o autor de Literatura e
Sociedade (1973), o elemento social deveria ser observado “como fator da própria
construção artística”, o que equivale dizer que o social e o estético deveriam ser
considerados em relação dialética. Em outro texto, que compõe Literatura e
Cultura de 1900 a 1945 (1970), o crítico paulista chamava a atenção para a
importância de se diferenciar o papel do romancista e do sociólogo.
5 2
Influenciado pelos estudos antropológicos, articulados pela leitura
sociológica de herança marxista e por uma teoria da obra literária como estrutura
estética, Candido defendia a articulação entre critérios estéticos e sociológicos, de
modo que análise e interpretação fossem diluídas ao mesmo sabor.
Na contramão de Afrânio Coutinho, Cândido afirmava que uma onda de
esteticismo mal compreendido parecia negar legitimidade às relações entre forma
e história na literatura. Mal compreendido, porque negaria o pressuposto de que
as obras se articulam no tempo. O autor explicou que a tentativa de negação da
história talvez decorresse de uma forma de reação contra os excessos do todo
histórico, que reduzia as obras literárias ao estudo da sociedade, ao utilizá-las
como “meros documentos, síndromes da realidade social” (CANDIDO, 1975,
p.30). Diante disso, Candido propôs apreender os fenômenos literários da
maneira mais completa possível, o que significa trazer para a leitura, em um
primeiro momento, as impressões preliminares, ou melhor, intuir, perceber,
compreender e julgar.
Em artigo polêmico para a época, publicado no jornal Folha da Manhã, em
11 de julho de 1943, Candido considerava que
a distinção entre os limites da crítica é uma questão [...] mais cultural
do que específica [...]. À medida que se vai enriquecendo uma
cultura, as suas produções se vão diferenciando; e a atividade crítica,
paralelamente, se diferencia também. (apud SUSSEKIND, 1993,
p.19).
Na concepção do autor, as teorias e conjecturas críticas se diferenciavam
segundo a natureza do trabalho analítico, que por sua vez determinaria vários
caminhos, ora com maior ênfase na análise formal, ora com mais atenção aos
fatores (sociológicos, políticos, médicos, psicanalíticos etc.) conforme o objeto em
foco.
Ao discorrer sobre os elementos de compreensão da atividade crítica,
Candido esclarecia que o texto não anulava os elementos não literários, mas os
5 3
transformava “e sendo um resultado, poderia ganhar pelo conhecimento da
realidade que serviu de base à sua realidade própria” (1975, p.35). Ignorá-los
seria, para Candido, privar a crítica de seu caráter analítico e permanecer apenas
no impressionismo, primeira etapa da leitura judicativa.
A partir da década de 60, a crítica passou a ser representada por dois
grupos: a crítica universitária e a dos poetas-críticos. Nos dois casos, é possível
perceber uma leitura firmada na “prospecção daquilo que o texto literário integra
não apenas como experiência do mundo mas como experiência de outros textos.”
(BARBOSA, 1990, p.73).
Nesse contexto, articularam-se diversos artifícios de abordagem: new-
criticism, formalismo, estilística, estruturalismo, lukacsianismo etc. Essas
correntes de pensamento transformaram-se em métodos que eram seguidos à
risca por quem os tomava. Muitas análises praticadas sob essa óptica
configuravam a frieza da linguagem enciclopédica e reduziam o teor de
literalidade da obra. Todavia, autores que optaram por depurar e assimilar de
forma crítica os “ismos” dessas vertentes, traduzindo o esforço de correlacionar
forma e história, deixaram uma herança riquíssima para os novos estudos que se
seguiram, como é o caso de Luiz Costa Lima e Haroldo de Campos.
Nessa fase de transformação dos métodos críticos, Luiz Costa Lima, no
ensaio de 1976, Duas aproximações ao não como sim (2004), recuperou, no
pensamento de Augusto de Campos, as teorias do concretismo e concluiu que as
discussões em torno das formas literárias não poderiam ser tratadas como
frivolidade.
Ao pensar a literatura como forma, Lima produziu um brilhante artigo O
Palimpsesto de Itaguaí (1991). No texto, o autor referiu-se à técnica do discurso
rasurado, freqüentemente explorado por Machado de Assis, que, segundo Lima,
consiste em dizer sem deixar vestígios. Em O Alienista, esse recurso consistiria
na estratégia de distanciamento do narrador, que intentaria marcar a sua
impessoalidade, apenas dissimulada, diante dos fatos narrados.
Outro crítico, Haroldo de Campos, incompreendido muitas vezes, pela
complexidade de seu pensamento, em brilhante artigo, Arte pobre, tempo de
pobreza, poesia menos (1992), observou que a contradição e a ambigüidade em
5 4
Machado de Assis estariam presentes, inicialmente, nos recursos lingüísticos e
estilísticos adotados pelo escritor. O estilo machadiano feito de “lacunas e
reiterações, de elipse e redundância, de baixa temperatura vocabular e alta
temperatura informacional estética”, caminharia no sentido oposto de nossa
tradição literária, interessada antes numa “poesia mais” (p.222). A esta, Haroldo
contrapôs a “poesia menos”, que teria em Machado seu primeiro representante,
num fio que conduziria em seguida a Oswald de Andrade e continuaria com
Graciliano, Drummond e João Cabral, chegando a Augusto de Campos e à poesia
concreta.
Esse texto de Haroldo de Campos (1992), quando veio a público em 1963,
forneceu uma discussão sobre os equívocos cometidos por Silvio Romero (1897),
a respeito da apresentação de Machado de Assis. Na tese de Haroldo de
Campos, Romero teria sido o crítico oitocentista que mais próximo esteve de
compreender os predicados da prosa machadiana: a fragmentação narrativa; a
recusa ao discurso grandiloqüente; a visão cética do mundo; a desconstrução de
sistemas filosóficos; a irônica compreensão da realidade brasileira e o estilo gago
que atravessa o texto ziguezagueando.
Das proposições arraigadas nas teorias lingüísticas e semióticas, Haroldo
de Campos comprovou a sua tese de que o “procedimento menos” na literatura
brasileira apareceu quando Sílvio Romero denunciou o estilo “gago” de Machado
de Assis. Para Romero, a arte de Machado era pobre porque se opunha ao
colorido abundante, porque lhe faltava a vibração de períodos amplos e fortes,
como os de um Coelho Neto, por exemplo. Para o crítico, não havia em Machado
uma cadência oratória, nem uma riqueza vocabular enquanto “acumulação
quantitativa de efeitos”. No entanto, encontramos no texto machadiano uma “alta
temperatura informacional estética” muito valorizada como característica literária,
e que não foi reconhecida por Sílvio Romero, talvez por sua “cegueira pessoal”
(CAMPOS, 1992, p.221-224) em relação à obra e à figura do autor de O Alienista.
Ao refletir sobre as escolhas conscientes de recursos estilísticos e
lingüísticos de Machado de Assis, à luz das observações apontadas por Sílvio
Romero, Campos reafirmou a importância de se lançar um olhar atento para o
objeto literário.
5 5
Falou-se até aqui das transformações discursivas da crítica literária. No
início do século XX, uma reação contra o impressionismo se espalhou por esse
campo; a partir daí, percebemos vestígios de preceitos deterministas nos estudos
literários. Estabeleceu-se, assim, o trabalho crítico no relativismo de condições
ambientais atreladas, geralmente, aos fatores biográficos.
Com os críticos brasileiros preocupados com a literatura como
representação da história, não poderia ser de outra forma. O resultando aparece
na pesquisa histórica com teor cientificista. Ou seja, havia uma preocupação em
revestir a literatura e a crítica literária de um caráter científico. O crítico tinha um
método científico e com ele fundamentava a sua análise. Dessa forma, a crítica
literária deixava de ser especulativa para ganhar o status de veracidade que
reveste o conhecimento científico. De outra forma, as abordagens críticas
buscavam explicações causais para os fatos estudados.
O decênio de 40 assinalou o embate entre dois métodos, nem sempre
antagônicos: o estético e o sociológico. Aplicados por Antonio Candido, os dois
métodos traduzem o esforço de correlacionar forma e história, esta como
mecanismo de decifração das representações.
Os anos 60 assinalaram a passagem da fase topológica para a tropológica.
A leitura crítica passou a ser fundamentada na pesquisa não apenas do que o
texto apresentava como experiência do mundo, mas como experiência de outros
textos. A fase tropológica marcou os estudos da crítica literária brasileira até os
anos 80. A partir daí, o interesse dos estudiosos apontou para os estudos
culturais.
5 6
Capítulo II
2. A recepção crítica de O Alienista
2.1. Os meios de divulgação: o jornal e a revista
O Alienista foi publicado inicialmente na revista A Estação, Jornal Ilustrado
para famílias, entre outubro de 1881 e março de 1882, em forma de folhetins.
Editada no Rio de Janeiro por Lombaerts, a revista, publicada quinzenalmente,
era um “completo jornal de modas, com abundância de belos figurinos, gravuras,
riscos, trabalhos manuais, editorial sobre a moda em Paris e correspondência de
leitores” (MEYER, 1993, p.73). A revista incluiria em suas futuras publicações
obras que viriam a consagrar Machado de Assis como o escritor de renomada
referência para a literatura brasileira.
Em novembro de 1882, aparecia a primeira edição de O Alienista em forma
de livro, pela tipografia e litografia a vapor, Encadernação e Livraria Lombaerts.
(SOUSA, 1955, p.79). O Alienista fazia parte do volume Papéis Avulsos, ao lado
de outros onze contos do autor: Teoria do medalhão, A chinela turca, Na arca, D.
Benedita, O segredo do Bonzo, O anel de Polícrates, O empréstimo, A
sereníssima República, O espelho, Uma visita de Alcibíades e Verba
testamentária.
Papéis Avulsos não foi o primeiro livro de contos do autor. Seu livro de
estréia foi Contos Fluminenses, lançado em 1869. Todavia, foi Papéis Avulsos
que desempenhou em sua carreira o mesmo papel histórico que obteve com o
romance MPBC.
5 7
2.2. A trajetória da crítica sobre O Alienista: primeira parte
1ª fase (1882-1929)
Foi no contexto da crítica impressionista que surgiram as primeiras
considerações sobre O Alienista. Baseadas no gosto pessoal do crítico, esses
textos trabalhavam com, pelo menos, duas categorias subjetivas. A primeira
centrava-se na afinidade ou repulsa do crítico para com a obra; a segunda, na
inserção da obra na sociedade, tendo em vista a difusão de um gosto pessoal.
Os primeiros autores dessa vertente crítica remontam a 1882, ano em que
foi publicada a novela. Eis alguns representantes dessa vertente, com os seus
pareceres sobre a obra em questão: Araripe Júnior, com um artigo na Gazeta da
Tarde, Rio de Janeiro, 28 de outubro; Carlos de Laet, Jornal do Commercio, Rio
de Janeiro, 29 de outubro; Xavier de Carvalho, Le Messager du Brésil, Paris, 29
de outubro; Gama Rosa, Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, 2 de novembro; Júlio
Dast, Revista Ilustrada, 4 de novembro; A., Revista Ilustrada, 4 de novembro;
Turff, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 12 de novembro.
Praticante da crítica de rodapé, Xavier de Carvalho (1862-1919), jornalista
e cronista português, escreveu Le Messager du Brésil, Paris, 29 de outubro de
1882, quando ocupava a função de correspondente da Gazeta de Notícias e de O
País, em que mantinha a seção de Cartas de Paris, como informa Ubiratan
Machado (2003), do qual reproduzimos a tradução integral do original francês:
Para realçar tudo o que de humano e de delicado no novo livro
do Sr. Machado de Assis, seria preciso poder juntar o exemplo à
asserção, e citar pelo menos algumas passagens nas quais o
escritor coloca em cena tipos tão vivos que seria fácil colocar em
seu rosto um nome conhecido. Leiam “O Alienista”, “O
empréstimo”, “Verba testamentária”, e ficarão tão surpresos
quanto encantados pela exatidão dos detalhes e a finura de
observação. Depois de começar a leitura dessa obra-prima, é
5 8
impossível abandoná-la. Quanta vida nestes quadros
mundanos e populares, ao mesmo tempo. Como a palavra é
empregada sempre a propósito para pintar o objeto ou o
pensamento; eis o verdadeiro realismo, não o realismo
grosseiro que finge ser apenas uma fotografia brutal, mas
sinceridade da impressão, a pintura ao natural, deixando entrever
constantemente o filósofo por detrás do observador. Machado não
pertence a nenhuma escola; se as tendências de seu talento
lembram um pouco o temperamento extravagante e estranho de
Baudelaire, o tradutor daquele louco que se chamou Edgar Poe, o
seu estilo brilhante e castigado ao mesmo tempo, a cinzeladura
aristocrática da frase, lembram ainda melhor a maneira de
Daudet
17
. Dele pode-se dizer o mesmo que Ernest Daudet disse
de seu irmão mais velho: “Por mais que nos esforcemos para lhe
colar uma etiqueta, este esforço será em vão. Ele é ele mesmo,
está a essência de sua originalidade nativa, a marca pessoal de
sua obra (MACHADO, 2003, p.140).
Como se percebe por esse julgamento, a crítica sobre O Alienista
objetivava apresentar a obra aos futuros leitores; a posteriori, a literatura,
conforme experimentada pelo leitor comum, daria margem à formulação de
julgamentos abertamente subjetivos, resumidos aqui por meio dos adjetivos mais
usuais nessas circunstâncias: bem escrito, emocionante, chato, ruim..., enfim, a
apreciação de uma determinada obra ficcional era variável em menos ou mais
cotada. Outro ponto expressivo desta citação está na comparação do autor
brasileiro com escritores estrangeiros, como Baudelaire, Edgar Alan Poe e Ernest
Daudet. Desta maneira, nossas produções artísticas e culturais, na perspectiva de
Luis Costa Lima (1981), acatavam os produtos e preceitos de uma linguagem
legitimadora empregada nos centros urbanos, nos quais nos reconhecíamos.
Neste outro artigo, assinado por Francisco Luís da Gama Rosa e publicado
no jornal Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, em 02 de novembro de 1882, foram
17
Alphonse Daudet (Nîmes, 1840/1897) gozou de grande prestígio no século XIX. Autor de romances e contos nos quais
palpita um certo sentimentalismo, apesar da adesão do autor ao naturalismo.
5 9
enfatizadas algumas características da escritura machadiana, que se tornarão
palavras-chave em boa parte da crítica brasileira:
Os Papéis avulsos o, na essência e na modalidade, uma
continuação da maneira iniciada nas Memórias [Póstumas]de Brás
Cubas. O mesmo maneirismo, o mesmo pessimismo, o mesmo ar
sarcástico, cético, desiludido de tudo e de todos, as mesmas
revelações apocalípticas, os mesmos sentidos obscuros e
ambíguos, o mesmo humorismo doentio, o mesmo espírito
enigmático fazem desconhecer, no primeiro como no segundo
livro, o poeta lírico e o escritor romântico de outrora. [...] Na
opinião do ilustre pensador, a sociedade é o que de mais
infame; toda essa gente está contaminada pelo vício e pelo crime;
precisamos bem de uma pequena chuva de fogo purificadora da
indignidade; mas enquanto ela não vem, tisnemos com o
cinzento do humour e marquemos com a eletrólise do sarcasmo
essas frontes torpes. Por toda a parte pululam os medalhões, os
pomadistas, os parasitas, os boêmios, os caloteiros, os sórdidos,
os invejosos miseráveis... Vícios, infâmia, loucura são coisas que
não existem individualmente porque são o apanágio da multidão;
a probidade, a honra, a virtude, tudo isso foge cobardemente
apenas surge um interesse importante. Filosofia triste, triste e
verdadeira, pura filosofia de Schopenhauer,
18
o Diógenes
19
alemão.[...] Se não fora a intenção, ostensivamente manifestada
na ironia pungente, no humorismo contínuo, nas reflexões
venenosas, teríamos nos Papéis avulsos um belíssimo
trabalho realista, porquanto existe ali muita observação,
18
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (Dantzig, 1788/1860) foi uma das leituras constantes de Machado, que a partir de
certa época, se identificou com seu pessimismo, segundo observam diversos críticos machadianos, entre eles Ubiratan
Machado (2003, p.141)
19
Gama Rosa compara Shopenhauer ao filósofo grego, Diógenes, séc. IV a. C (considerado o fundador da escola dos
Cínicos, junto com Antístenes, seu mestre), cujo pensamento baseava-se no desprezo pelas convenções sociais e morais,
pregando o retorno à vida natural. Os cínicos faziam gala na sinceridade dos seus juízos e respostas. A palavra “cinismo”
permaneceu na linguagem comum para designar certo descaramento. Em REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São
Paulo, vol. I, Edições Loyola, 1993 e ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 21ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
6 0
muita análise psicológica, um profundo conhecimento do
homem individual e coletivo. [...] O estilo sintético, o período curto,
rápido, conceituoso, a colocação das palavras e a pontuação, tudo
se acha ali fundido com a maneira exata, correta, peculiar ao
autor. [...] Resumindo: o trabalho de Machado de Assis é a todos
os respeitos muito notável; aquelas páginas dos Papéis avulsos
não são escritas, são cinzeladas; quer pelas idéias quer pelo
estilo, a obra possui a força das coisas perduradouras, sendo em
tudo digna do escritor eminente, de reputação largamente
estabelecida, chegando ao último estágio de um brilhante e
completo desenvolvimento (apud. MACHADO, 2003, pp.140:143
grifos nossos).
Nesse fragmento é curioso destacar, ainda, dois aspectos que continuam
influenciando inúmeros estudos sobre Machado de Assis: o humor e o
pessimismo. Gama Rosa alude à presença constante desses dois conceitos na
escritura machadiana. O primeiro estaria imbricado no segundo, atestando um
traço da personalidade do autor, “algo como um defeito [ou] virtude do indivíduo”
(PERROT, 2006, p.22). Nesse caso, o limite entre o autor real e o narrador parece
não existir. O estilo humorístico, somado ao pessimismo da filosofia de
Shopenhauer, como atitude do escritor frente à vida, era o que diferenciava
Machado de Assis de outros autores, segundo Gama Rosa.
O período de 1883 a 1909 não registra estudos críticos sobre a obra. O
silêncio de vinte e sete anos nos leva a conjecturar que O Alienista causou certo
estranhamento ao seu público leitor.
De 1910 até 1915 também não registros críticos sobre a obra. Depois
das resenhas jornalísticas, escritas em 1882, por ocasião da publicação de
Papéis Avulsos, foi a partir de 1916 que ressurgiram os próximos estudos sobre O
Alienista.
1916
6 1
VERÍSSIMO, José. “História da literatura brasileira: de Bento (1601) a
Machado de Assis (1908)”. ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1963 [1916]
Nesse estudo, entre outros, o autor apresenta as características
inovadoras de Machado, cujas singularidades estéticas podem ser evidenciadas
desde a primeira fase de sua produção literária. Nesta fase, o escritor
apresentava “mais espírito crítico que sentimento romântico” (p.311), observa
Veríssimo.
O Alienista, Conto Alexandrino e MPBC seriam exemplos do tom “ligeiro de
fantasia humorística” (p.314) utilizados por Machado. Para Veríssimo, a natureza
inverossímil de tais artifícios revelaria a verdadeira realidade humana.
1917
PUJOL, Alfredo. “Conferências”. In: Machado de Assis. São Paulo:
Tipografia Brasil, 1917, exemplar nº. 111.
As conferências realizadas por Pujol apresentam estudos sobre a obra
machadiana (romances, contos e crônicas) com ênfase nos aspectos biográficos,
como, aliás, era regra na época. O autor relaciona as duas fases de Machado de
Assis, apontando diferenças de maturidade na sua produção.
No capítulo intitulado Quarta conferência, Pujol comenta as obras da
segunda fase: Papéis Avulsos (1881/1882), Histórias sem data (1884), Várias
histórias (1896) e Páginas recolhidas (1899), as quais, para o crítico, constituíram
o momento em que Machado de Assis destacou-se como grande escritor.
Sobre Papéis Avulsos, o crítico afirma ser o primeiro volume de contos da
segunda fase da produção machadiana em que configura uma miscelânea de
textos de teor filosófico e moralista. Pujol divide as histórias que formam os quatro
6 2
volumes citados em “contos de observação da vida exterior e de analyse
psychologica, phantasias, diálogos e apólogos (...)” (p.160).
As análises empreendidas por Pujol mostram a influência da crítica
biografista desenvolvida na época, cujo todo de análise lançava mão de
elementos da vida pessoal do escritor, utilizando-os como justificativas ou causas
de seu estilo literário. Essa corrente de pensamento estava arraigada nos
procedimentos da crítica determinista e sociológica de diversos críticos, desde
Silvio Romero, com a publicação de Machado de Assis: estudo comparativo de
literatura brasileira, em 1897.
VALLE, Luiz Ribeiro do. “Psichologia Mórbida na obra de Machado de
Assis”. ed. Rio de Janeiro: Typ. Pimenta de Mello, 1918. (p.139
150)
O livro constitui a edição comercial da dissertação defendida pelo autor, na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 1917, conforme
Galante de Sousa, em Fontes para o Estudo de Machado de Assis (1969).
Ao longo das doze páginas, o autor realiza uma interpretação à luz da
psiquiatria, focalizando os tipos de mania, os tratamentos, os estudos sobre a
loucura realizados pelo alienista e hipóteses patológicas sobre a loucura, do ponto
de vista da personagem protagonista da história, Simão Bacamarte.
Os argumentos se fundam em conceitos de ordem psiquiátrica e, desse
modo, o médico alienista na trama, por conta de sua prática profissional, é
comparado aos psiquiatras. Na análise empreendida por Valle, a figura do
narrador se confunde com a presença do autor, Machado de Assis. O fragmento a
seguir evidencia tal confusão semântica: o autor começa a desconfiar da
dedicação do alienista” (p.139).
Para o crítico, nesse “conto” Machado demonstra admirável sapiência
sobre a loucura. O arquétipo do alienista, a descrição do maníaco e das manias
evidenciadas na Casa Verde atestar-lhe-iam “larga erudição philosóphica sobre a
loucura”, pois “os conceitos do alienista [seriam] precisos e scientificos” (p.150).
6 3
1920
A década de 1920 não assinalou estudos críticos sobre a obra.
2ª fase (1930-1949)
1935
MEYER, Augusto. “O Homem subterrâneo”. In: Machado de Assis. Rio
de Janeiro: Livraria São José, 1958, [1935]
Em 1935, Meyer tornou público Machado de Assis, análise considerada
como um dos melhores trabalhos sobre a obra do autor. Suas idéias são
inovadoras e ousadas pela aproximação de Machado de Assis com o homem
subterrâneo de Dostoievski. No capítulo O homem subterrâneo, o autor traça um
retrato psicológico de Machado de Assis e chama a atenção para a questão da
ambigüidade que se multiplica na ficção machadiana.
Meyer vai para além da visão humorista e filosofante e nos apresenta um
múltiplo Machado. Suas considerações acerca do desdobramento do eu abrem
caminho para a ampliação e mesmo complementação de suas propostas,
contidas na obra que reúne seus estudos comparativos entre vida e obra de
Machado de Assis.
Inovadoras são as considerações do crítico sobre MPBC e O Alienista.
Meyer fala sobre o método machadiano de duvidar de tudo e reduzir conceitos,
como o cientificismo e o determinismo, ao nada. Para o crítico, essas duas
referências ficcionais apresentam a visão humorística do escritor, a qual consiste
em apontar, na aparência lógica das coisas, “o absurdo de tudo” (MEYER, 1935,
6 4
p.54). Meyer relativiza o conceito de loucura tratado nas duas obras, como sendo
uma forma de sátira ao pensamento positivista da época.
MEYER, Augusto. “Na Casa Verde”. In. Machado de Assis. Rio de
Janeiro: Livraria São Jose, 1958, [1935]
Sobre O Alienista, Meyer dedica um capítulo exclusivo, intitulado Na Casa
Verde, no qual observa, na personagem Simão Bacamarte, uma autocaricatura
irônica, pela forma grotesca com que o médico alienista alegoriza o racionalismo
científico e o método determinista, fatores que influenciaram inclusive o
pensamento de escritores e críticos literários.
Mesmo que não tenham sido o foco do seu trabalho, as observações do
crítico abrem caminho para futuras reflexões sobre a metalinguagem utilizada
como recurso irônico, desconstruindo o estilo determinista em voga na literatura e,
ao mesmo tempo, despertando novos estudos sobre o arsenal irônico, presença
marcante na obra machadiana. Vale ressaltar que o humor, para Meyer, “envolve
uma forma de auto-ironia” (p.83), que estaria associada à visão de mundo e ao
princípio filosófico do escritor.
1936
PEREIRA, Lúcia Miguel. “O artista”. In: Machado de Assis: estudo
crítico e biográfico. São Paulo: EDUSP, 1988 [1936]
Nas décadas de 1930 e 1940, verificou-se um consenso entre os críticos e
os editores sobre o valor intelectual e mercadológico das biografias. Uma das
explicações para tal ocorrência seria a influência da linguagem das ciências no
discurso literário, declarada por Lúcia Miguel Pereira:
6 5
[...] pedimos emprestado à mecânica, à física, à geometria, à
psicologia ou à psiquiatria os seus termos. Qualquer ensaio que
se preze - sobretudo no ensaio é que a moda pegou - precisa ter
aquele aspecto rebarbativo outrora reservado aos livros de
ciência. Se não falar em ângulo, incidências, entropia, dinamismo,
reflexão, esquizofrenia e recalques a coisa não fica com aparência
profunda. (apud WERNECK, 2004, p.3)
O projeto biográfico de Miguel Pereira, observa Werneck, o se contentava com
os dados disponíveis pela ordem da visibilidade, daí a autora atrair para a escrita
biográfica os discursos da psicologia, da psiquiatria, os conceitos da medicina e a
visão de historiadora da literatura brasileira.
No capítulo intitulado O artista, a autora observa que Machado de Assis
teria adquirido maturidade intelectual com o gênero conto, principalmente após a
publicação de Papéis Avulsos (1882).
Para Lúcia Miguel, o conto parece ter servido aos interesses do escritor,
que o utilizou como uma espécie de lente de aumento, para suas “análises
minuciosas”. Segundo a autora, no conto, o autor teria desenvolvido novo estilo.
O “aspecto indeciso e ziguezagueante”, decorrente das “delongas e intromissões
do autor” é uma característica que pode ser observada nos romances, mas não
nos contos.
A biógrafa descreve a correspondência entre a personalidade de Machado
e a índole de alguns personagens, cuja relação estaria “cifrada no foco narrativo”,
como esclarece (WERNECK, 1996, p.246). Ao analisar a estrutura de O Alienista,
Lúcia percebe o sentido interno e o externo do texto, como demonstra o
fragmento a seguir:
No fundo, Itaguaí é o mundo e todos são loucos ou ajuizados
conforme o ponto de vista. Descrença ou lucidez? Descrença pela
lucidez, Machado de Assis, intimamente, não duvidava tanto das
forças morais a sua vida é uma prova disso como da dificuldade
de descobrir a sua ação sobre os homens (p.230).
6 6
O excerto evidencia ainda uma análise focada em traços biográficos, que,
aliás, percorre toda a crítica de Lúcia Miguel e de muitos outros, como Mário
Matos em seu Machado de Assis, o homem e a obra: os personagens explicam o
autor (1939).
Em outros momentos, a autora pratica um misto de impressionismo e
psicologismo, como veremos no trecho a seguir, em que Lúcia Miguel comenta
sobre a loucura em O Alienista:
[...] como pode o homem distinguir entre as coisas? o
raciocínio o guia, operação mental que obedece às próprias leis, e
não às da realidade; o raciocínio que se nega a ver a verdade
completa, e se apega às aparências simplificadoras,
artificialmente encadeadas, que se reduz a um jogo de idéias e
quase palavras (1988, p.231).
Lúcia Miguel, Augusto Meyer e Mário Matos têm em comum a preocupação
em buscar na vida do autor sustentação para o que aparece na obra, ou vice-
versa. Em outras palavras, utilizam a obra para esclarecer a vida e a
personalidade de Machado. Esse fato poderia desencadear o reducionismo
biográfico, mas, como sugere Werneck, há na escritura machadiana uma espécie
de narrador que “forja uma unidade na diversidade da obra” e, nesse processo de
escrita, “sujeitos fraturados compartilham da construção de biografias e se
disseminam na rasura das assinaturas e no embaralho dos textos” (2004, p.3) .
Atenta aos aspectos composicionais da obra, às tensões discursivas
decorrentes da ambigüidade que percorrem de ponta a ponta as narrativas
provenientes da fase de maturidade do escritor, as observações de Lúcia abriram
caminho para as muitas pesquisas que vieram a seguir.
Outro aspecto das observações da autora a ser considerado é que Lúcia
Miguel quebra o estereótipo criado pela crítica literária vigente, de que três
6 7
palavras definiam Machado de Assis: céptico, pessimista e humorista. No lugar de
céptico, ela preferia “lúcido”.
1947
Filho, Barreto. Apresentação de Machado de Assis”. Rio de Janeiro:
Livraria Agir, 1947.
Nesse texto, o autor lança o seu olhar sobre a tradição literária inglesa
herdada por Machado de Assis: Sterne, Shakespeare e Swift; do francês Moliere;
dos gregos; Eclesiastes, das Sagradas Escrituras e de Pascal. O interesse do
crítico nesse livro está voltado para as questões relacionadas à angústia
existencial e associadas aos aspectos biográficos.
É curioso observar que Barreto Filho tentou interpretar a obra de Machado
de Assis por meio da reconstituição biográfica, mas advertia para a imprecisão
do seu método de análise, porque o escritor fluminense era escorregadio e fugia
às convenções literárias da época. Por romper com o rigor literário, que consistia
na análise sociológica e determinista, muitos críticos não souberam reconhecer o
valor da escritura machadiana, entre eles, o crítico destaca Silvio Romero, com o
seu Machado de Assis. O trecho a seguir é imprescindível para se entender a
lógica do pensamento de Barreto Filho:
Esses riscos de método são ainda agravados pelas disposições
meticulosas do escritor, que encobriu com certa malícia a sua vida
íntima e o seu pensamento secreto, velando-os por gosto, cálculo
e tendência natural. Do fundo do passado, parece que ele ainda
sorri para os críticos, um sorriso misterioso, e lhes aponta de
quando em vez caminhos que parecem os certos, mas que não
vão dar a parte alguma, soluções que logo se revelam como
simples armadilhas, meandros e labirintos onde acaba por faltar
um fio condutor. Machado não quis dizer um segredo, Machado
6 8
de Assis o fez com tanta reserva que não o pode formular, nem
para si mesmo. (p.8)
Sobre O Alienista, o crítico apresenta um breve resumo da “novela” e
comenta a incompatibilidade do humanismo machadiano com as concepções
positivistas. O desprezo de Machado ao racionalismo científico produz o que o
crítico classifica como tira à concepção filosófica da época, aos nossos defeitos
e, especialmente, à nossa imaturidade política. Ao observar em O Alienista a
crítica ferrenha empreendida por Machado de Assis ao “nosso gosto por imitações
e teorias importadas”, Barreto abre caminho para futuros trabalhos sobre a função
metalingüística na ficção machadiana. Nesse sentido, é possível afirmar que a
personagem Simão Bacamarte, médico alienista de Itaguaí, representa a própria
estrutura de um pensamento com todos os modismos de época , que o
narrador metalinguisticamente desconstrói.
1949
BROCA, Brito. A política, a frase e os papéis velhos”. A Manhã, Rio
de Janeiro, 16-outubro, 1949.
Nesse artigo, o autor apresenta a releitura sobre a política e os políticos na
obra de Machado. O Alienista teria sido escrito sob influência das “novelas
extraordinárias” de Edgar Alan Poe, mas, ao invés da fantasia, o romancista
brasileiro articularia uma sátira política e filosófica de sentido universal.
Na época da publicação desse “conto longo” primeira edição no jornal A
Estação, em 1881, “havia relativa serenidade em nosso panorama político”,
afirma Brito Broca, de modo que o escritor o teve em mente um caso
especificamente brasileiro.
Para o crítico, nesse conto, Machado meditaria sobre a demagogia e o
sentido político das revoltas entre os mais diferentes países. No entrecho de O
6 9
Alienista, a personagem Porfírio, o barbeiro, representaria as falsas promessas e
o jogo de interesses dos políticos e indivíduos dominados pelo mando.
O sentido filosófico do “contonão é aprofundado, pois o crítico comenta
apenas a tendência à relativização de conceitos, como razão, bom senso e
loucura, tão presentes na obra machadiana.
GOMES, Eugênio. “Espelho contra espelho: estudos e ensaios”. São
Paulo: Instituto Progresso Editorial, [1949]. p.34-37
Eugênio Gomes, comparatista e estudioso da obra de Machado de Assis,
observou vestígios do ensaio A serious and useful scheme to make an hospital for
incurables (1733), de Swift, em O Alienista, apontando para possíveis influências
inglesas no estilo do autor. Prova de tal inspiração, entre outras, o fato de que
a subvenção da comuna de Itaguaí para a Casa Verde, o
manicômio de Simão Bacamarte, consiste no produto de uma taxa
que, tal qual o imposto sugerido por Swift, incidindo sobre artigo
mortuário, visa indiretamente à vaidade humana. Sim, na
vereança de Itaguaí ‘depois de longos estudos, assentou-se em
permitir o uso de dois penachos nos cavalo dos enterros (já não
havia ali o que taxar) [...] (p.35).
O crítico pernambucano faz analogia entre os enclausurados da Casa
Verde e os incorrigíveis morais de Swift, no entanto considera a sátira empregada
em O Alienista mais abrangente do que a do escritor inglês: Machado faria
dissipar os limites entre a razão e a loucura.
BERARDINELLI, Waldemar. “Loucos, médicos e viúvas em Machado
de Assis”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 mar. 1949. p.1
7 0
O autor explica que, no “conto”, as neuroses e psicoses não foram tratadas
por um psiquiatra intuitivo; mesmo assim, admira a forma pela qual Machado
descreveu a “psico-patologia” da vida cotidiana em sua obra, especialmente em:
MPBC, Ressurreição e O Alienista.
Na interpretação do autor, Simão Bacamarte inclinava-se a dizer que todos
os habitantes de Itaguaí eram loucos, mas nem todos o estavam ainda. Para
provar a sua tese, o médico acabou internando no manicômio quase toda a
população de Itaguaí para a aplicação do seguinte método terapêutico:
Com efeito, era difícil imaginar mais racional sistema terapêutico.
Estando os loucos divididos por classes, segundo a perfeição
moral que em cada um deles excedia as outras, Simão Bacamarte
cuidou em atacar de frente a qualidade predominante.
Suponhamos um modesto. Ele aplicava a medicação que pudesse
incutir-lhe o sentimento oposto; e não ia logo às doses máximas,
graduá-va-as, conforme o estado, a idade, o temperamento, a
posição social do enfermo. Às vezes, bastava uma casa, uma fita,
uma cabeleira, uma bengala, para restituir a razão ao alienado;
em outros casos a moléstia era mais rebelde; recorria então aos
anéis de brilhantes, às distinções honoríficas etc. ( 1949, p.2)
Ao explicitar a eficácia do seu método terapêutico, “o ilustre alienista fez curas
pasmosas, que excitaram a mais viva admiração em Itaguaí” (ASSIS, 1882, p.52);
ter-se-ia antecipado a Freud, esclarece Berardinelli, para quem “o excesso
consciente [seria o] mecanismo de defesa contra o oposto do insconsciente” (p.3).
Ademais, o interesse pelo estudo sobre a loucura é antigo. Na psiquiatria,
tal interesse nasceu dentro dos asilos e da necessidade de abrigar, proteger,
cuidar, investigar, diagnosticar e tratar os indivíduos que da loucura fossem
acometidos. Fica bastante claro pelas considerações de Berardinelli e de
Machado que a loucura representa um grande desafio para todos os interessados
em estudá-la. O empenho de Machado, nesse sentido, pode ser comprovado por
meio de cinco obras do acervo de sua biblioteca, hoje encontrado na Academia
7 1
Brasileira de Letras. Foram estes os livros encontrados na biblioteca que versam
sobre a saúde mental e a psiquiatria:
- Philosophie de I’inconscient, de Édouard von Hartmann, 1877.
- Prolégomènes à la psichogénie moderne, de Pierre Siciliani, 1880.
- L’Homme selon la science e La vie psychique des bêtes, ambos da autoria do
Dr. Louis Bûchner, e ambos editados em 1881.
- Les maladies de la mémoire, de Th. Ribot, 1881.
- Physiographie, de Th. H. Huxley, 1882.
Tanto a loucura é um desafio que muitas outras áreas do conhecimento se
associam nesse processo de investigação dos seus segredos. Filósofos,
sociólogos, antropólogos, neuroscientistas, psicofarmacologistas são apenas os
mais notáveis nessa pesquisa.
2.3. Semelhanças e contrastes
A primeira fase (1882-1929) de pronunciamentos sobre O Alienista é
constituída, a princípio, por resenhas curtas de caráter impressionista, publicadas
a partir da 1ª edição de Papéis Avulsos. Objetivando apresentar a obra aos
futuros leitores, essas resenhas contêm teor comercial, cuja publicidade,
emanada de características imperativas, propõem a chamada para a leitura do
texto: “leiam O Alienista, e ficarão tão surpresos quanto encantados pela exatidão
dos detalhes e a finura de observação. Depois de começar a leitura dessa obra-
prima, é impossível abandoná-la” (apud. MACHADO, 2003, p.140).
Os próximos pronunciamentos sobre a obra apareceram cerca de trinta e
quatro anos a partir do seu lançamento (1882). São os estudos de José
Veríssimo, publicados em 1916, a conferência de Alfredo Pujol, de 1917, e a
dissertação de mestrado de Luiz Ribeiro do Valle, em 1918.
Pujol apresenta conferências ministradas entre novembro de 1916 e março
de 1917, na Sociedade de Cultura Artística de o Paulo. Dentre as principais
7 2
contribuições da obra Machado de Assis, destacam-se as informações recolhidas
a respeito da infância, da juventude e dos anos de formação do escritor. Contudo,
é na quarta conferência que Pujol apresenta a análise sobre Papéis Avulsos, na
qual objetivou, sobretudo, divisar as histórias que formariam o volume: “contos de
observação da vida exterior e de analyse psychologica, phantasias, diálogos e
apólogos (...)” (PUJOL, 1934, p.160).
com Luiz Ribeiro do Valle, a obra é utilizada como pretexto para
discorrer sobre questões psiquiátricas. Na observação do crítico, o narrador não
se distingue do autor real, embora saibamos que o narrador é o elemento
estruturador da história e que não se confunde com o escritor.
Passada a primeira fase da crítica, a dos precursores, foi necessário
aguardar até 1935 para a retomada de contato, pela crítica brasileira, com O
Alienista. No centenário do nascimento de Machado de Assis, em 1939,
propagaram-se diversas interpretações modernas sobre o autor.
Uma das obras representativas desse período é Na casa verde (1958), de
Augusto Meyer, no qual nos deparamos com o primeiro estudo diferenciado sobre
a obra. Meyer analisa com cautela a narrativa e apresenta importantes
considerações sobre a poética de Machado, como os subentendidos irônicos
contidos nas entrelinhas. O crítico desenvolve o caminho traçado por Alcides
Maya (1912) sobre o humor e afirma que o “humorismo transcendental estreou
com O Alienista(p.60), ou seja, a história apresenta algo que nos levaria aos
domínios do absurdo. Segundo o autor, a trama encobriria a sátira mais
impetuosa da obra machadiana, a sátira da própria atividade mental, com suas
inevitáveis contradições. Para Meyer, O Alienista seria a autocaricatura de
Machado, no que tange a um dos temas recorrentes em sua obra: a prescrição de
um estado permanente de dúvida.
Em princípio, tal conceito seria analisado como algo ligado à personalidade
do escritor, como demonstram os estudos de Alcides Maya, evidenciados por
Meyer. Ao fundamentar sua tese na filosofia, entre outros campos do saber, Maya
via o humor como algo inerente à identidade pessoal de Machado, o que talvez
tenha levado Augusto Meyer a desconfiar de que se tratava de um tipo de “humor
transcendental”.
7 3
Os pontos discutidos por Meyer principalmente a presença do
humorismo na obra de Machado significaram desdobramentos importantes para
estudos futuros. Desafiados a compreender as singularidades da estética
machadiana, é possível perceber, na fase de estudos sobre O Alienista, o
interesse por análises comparatistas relacionadas não só com as questões sobre
conceituação e caracterização do humor, como também com diversas influências
estrangeiras na obra de Machado, como demonstram os estudos de Eugênio
Gomes (1949:1976:1997).
No estudo comparatista entre Swift e Machado (GOMES, 1949), o crítico
baiano apresenta não afinidades temáticas entre os dois textos, como também
evidencia a poética do legado da literatura inglesa da qual teria bebido Machado.
Diferente de Agripino Grieco (1959), que via a obra machadiana como um
mosaico de autores estrangeiros, Gomes, por meio do estudo das fontes,
demonstrou a capacidade de superação de Machado diante dos seus modelos.
Tanto os estudos da primeira fase (1882-1929) como os da segunda (1930-
1949) trazem à discussão questões do humanismo exploradas por Machado na
sua produção ficcional.
7 4
CAPÍTULO III
3. A trajetória da crítica sobre O Alienista: segunda parte
3ª fase (1950-1982)
Não registros críticos nos primeiros quatro anos da década de 1950.
Apenas em 1955, Galante de Souza tornou público seu trabalho sobre a
bibliografia de Machado.
1950
SOUSA, Galante de. “Bibliografia de Machado de Assis”. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1955. p.79-81
Pesquisador da bibliografia de Machado de Assis, Galante reúne nesse
livro o estudo do código bibliográfico da obra machadiana. O crítico observa que
as edições feitas em vida do autor, pela Lombaerts, em 1882, ainda que
apresentem erros tipográficos, seriam preferíveis às que foram publicadas
posteriormente à sua morte. Para o autor, tanto a Garnier, que teve direitos
adquiridos para a publicação da obra machadiana, em 1920, como a
W.M.Jackson, em 1937, interferem na integridade dos textos. A falta de
credibilidade citada por Jo Galante de Sousa se deve às modificações
estabelecidas conscientemente ou por negligência dos editores e revisores, como
por exemplo, a “falta de vocábulos e de frases, intromissões de palavras alheias
ao texto de origem, trocas, substituições, truncamento, enfim... colaboração
literária dos editores!” (p.40)
7 5
Por sorte, em Papéis Avulsos, se conservou o plano textual autorizado por
Machado, com exceção à atualização gramatical e ortográfica da língua
portuguesa. As escolhas de um conto a outro por Machado, nesse volume, não
foram aleatórias, porque se observa um esforço em suas advertências em compor
explicação sob os títulos dados e as escolhas que comporiam os seus planos
textuais, como justifica o autor no seguinte trecho:
Este titulo de Papeis avulsos parece negar ao livro uma certa
unidade; faz crer que o autor colligiu vários escriptos de ordem
diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser
bem essa. Avulso são elles, mas não vieram para aqui como
passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São
pessoas de uma família, que a obrigação do pae fez sentar á
mesma mesa. (ASSIS, 1882, p.I)
1956
IVO, Ledo. “O Penacho”. O Estado de São Paulo. Suplemento de
literatura e arte. São Paulo, 22-janeiro, 1956.
Para o autor, O Alienista seria a “sátira muito precisa dos nossos defeitos,
especialmente da nossa imaturidade política, [o que nos tornaria] candidatos à
tirania.” Ao refutar a tese de Barreto Filho (1947), de que o tema da “novela” seria
a instalação em miniatura de uma ditadura científica no universo itaguaiense
local fictício em que se passa a história , Ivo Ledo defende a tese de que sob a
aparência de uma ditadura científica, o que Machado “nos propõe no tom
malicioso das alegorias [seria] uma ditadura política”.
Na intenção de firmar sua leitura política, o crítico confere supremacia ao
episódio relatado na Câmara Municipal de Itaguaí, em que Simão Bacamarte
agiria em consonância com o poder legislativo. A análise esclarece ao leitor
aspectos políticos alegorizados na obra.
7 6
IVO, Ledo. “Os papéis. Letras e Artes”. Suplemento de A manhã, Rio
de Janeiro, 08-março, 1956a.
De todas as histórias de Machado, O Alienista seria a mais rica de
episódios e personagens. Pela sua natureza narrativa, explica o crítico, ela se
aproxima mais da novela do que do conto:
[...] possui O Alienista um desenvolvimento de ação exterior que
não é habitual nas histórias de Machado de Assis. aqui uma
dinâmica, uma sucessão de imagens que se processa sem
prejuízo do comentário e da análise. O fluir ininterrupto de
imagens de movimento se aproxima da linguagem
cinematográfica; os lances inesperados, os incidentes que se
informam através de uma tensa locomoção de personagens, a
vibração humana que se acelera ao correr das páginas, tudo
concorre para tornar mais singular este momento da criação
literária... (1956)
Quanto à fixação do gênero exato, o autor recorre ao próprio autor em
prefácio de Papéis Avulsos, texto em que Machado reconhece a vida que
poderia pairar sobre o leitor a respeito do gênero daquelas páginas. Para o crítico,
seria o momento oportuno para a revisão do gênero proclamado.
1959
COUTINHO, Afrânio. Machado de Assis na Literatura Brasileira”. In:
ASSIS, Machado de. Obra completa vol. I. Org. Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. [1959].
7 7
Nesse texto, Afrânio Coutinho observa que Machado de Assis foi um
incansável experimentador. Teria ele trabalhado arduamente, até que as suas
observações e experiências com o método artístico fossem aprimoradas, razão
pela qual ele foi consagrado um dos melhores escritores brasileiros.
Para o crítico, o conto foi um “laboratório” de experiências, no qual o autor
atingiu a maturidade do método artístico. A prova de que o escritor vinha
refletindo sobre o seu método está em Instinto de Nacionalidade, publicado numa
revista de Nova Yorque, em março de 1873, observa Coutinho. É por isso que o
crítico não concorda em classificar a obra machadiana em duas fases, como é
senso comum na crítica literária: a primeira fase, caracterizada pelo autor
romântico, a segunda, pelo escritor maduro. Segundo Coutinho, Machado
hibridizou o seu método com uma porção de cada momento literário, que ele
considerava válido para a sua composição estética.
Afrânio Coutinho foi, sem dúvida, um divisor de águas nos estudos de
crítica e de teoria literária, defendendo uma crítica estética inerente à obra.
Coutinho considera que, em Papéis Avulsos, há um grande “apuramento técnico”.
O crítico comenta aspectos peculiares da composição artística, como: enredo,
foco narrativo, tempo ficcional, personagens, temática, criação do suspense,
dramatização, movimento da narrativa.
Outro aspecto apontado por Coutinho, nos textos machadianos, é a opção
do escritor pelo tema que percorre grande parte da sua produção: a introspecção
e a sondagem psicológica. Essas duas vertentes “punham à mostra uma nova
espécie de realidade a que Machado aliou uma visão trágica da existência,
persuadido de que à visão trágica se devem os maiores momentos da arte e de
que a tragédia é o tema central da vida” (p.32).
Matos, Mário. “Machado de Assis, contador de Histórias”. In: Machado
de Assis. Obra Completa. vol. II Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997
[1959].
7 8
Nesse artigo, Mário Matos comenta a forma com que Machado de Assis
elaborava seus contos. Eram técnicas expressivas utilizadas como forma de
prender a atenção do leitor. Uma das estratégias apontadas por Matos é a da
surpresa, evidenciada em diversos contos, entre eles O Alienista. Esse recurso,
segundo Matos, pode ser observado na narrativa sob os seguintes aspectos:
originalidade em conduzir a narrativa; idéias, episódios extravagantes e desfecho.
Mais três aspectos são apontados nessa crítica, com relação à composição
de Papéis Avulsos. O primeiro é o fato de subsistir o cronista nos contos. O crítico
justifica sua tese pela carência de trama nos contos machadianos. O segundo é a
presença marcante de aforismos, que representam um dos recursos do
humorismo de Machado. Matos chega a desenvolver o conceito de humor, ainda
que de forma simplificada, assinalando-lhe dois níveis: o trágico e o cômico. Em O
Alienista, confirmar-se-iam esses dois níveis em convergência. O terceiro aspecto
está relacionado ao fato de que Machado sempre retoma proposições
anteriormente tratadas. Incluem-se nesse rol nomes de personagens e a questão
da dúvida.
1960
MATOS, Marco Aurélio. “Cinema machadiano.” Jornal do Brasil, RJ,
16 mar., 1960.
Nesse artigo, o autor reclama a falta de interesse dos diretores brasileiros
para adaptações cinematrográficas da obra machadiana, especialmente dos
contos, dos quais destaca O Alienista. Para o autor, a razão para tal desinteresse
seria o fato de a indústria cinematográfica da época, não ter descoberto, ou dado
a devida atenção às ressonâncias universais do mundo machadiano.
O autor falha ao afirmar que até o momento da publicação do seu artigo,
em 1960, nenhuma obra machadiana fora filmada; isso revela desconhecimento
sobre a apresentação, em 1939, do curta-metragem Um apólogo, de Umberto
7 9
Mauro, uma versão dramatizada do célebre apólogo da linha e da agulha, conto
homônimo de Machado de Assis.
Além de Umberto Mauro, outro cineasta brasileiro, Nelson Pereira dos
Santos, lançou uma nova versão de O Alienista sob o título Azyllo muito louco, em
1969/1970, demonstrando, assim, que o conto machadiano provoca não a
crítica de literatos como a crítica cinematográfica.
LA CHAUSSÉS, Marcelo Viana de. “Machado e a ficção humorista”.
Diário de Notícias, Rio de Janeiro 3 fev., 1962.
O autor afirma ser Machado o criador de um gênero de bases humorísticas,
no entanto esse humorismo se afirmaria a partir de MPBC, obra em que o
autor declararia “de modo sarcástico seu pessimismo, seu ceticismo e desamor à
humanidade, sob a forma de humorismo”.
La Chaussés analisa o alheamento e o pessimismo machadianos como
decorrências patológicas, como demonstra o trecho: “Machado não ama a vida.
Todo o livro pressente da contração cadavérica do seu instinto da morte, comum
nos epilépticos do seu tipo [...] Machado [teria] a “mania da análise pela razão de
ser introvertido e é introvertido por ser tímido, por fugir da luta vital.” Essa
explicação satisfez a uma série de intérpretes, entre eles Ribeiro do Vale (1917).
Em outro momento, La Chaussés comenta, sem aprofundar, a predileção
de Machado pelo humanismo, entendido pelo autor, como a procura da verdade
humana.
GOMES, Eugênio. “Machado de Assis”. Rio de Janeiro: Livraria Agir,
1963.
Em Machado de Assis, Eugênio Gomes comenta os propósitos do escritor
no que diz respeito à renovação literária e às experiências com o gênero conto.
Considera “ambígenas” as composições reunidas em Papéis Avulsos, devido à
8 0
problemática de conceituação do gênero desses escritos, dificuldade admitida
pelo próprio Machado, no prefácio desse volume.
Eugênio chama a atenção para o “sentido simbólico predeterminado” de
cada uma das composições de Papéis Avulsos, “sem cujo entendimento o
humorismo extravagante que lhes dá certa vivacidade seria apenas exterior e
inócuo.” (p.10)
Segundo o crítico, em diversas composições machadianas configuram-se
idéias científicas do século, o que demonstra que o escritor não anulou a simpatia
quanto a essas teorias. Eugênio fundamenta parte das suas observações na
filosofia e na psicanálise.
1968
Candido, Antonio de Mello e Souza. “Esquema de Machado de Assis”.
In: Vários Escritos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977 [1968].
Esse texto foi apresentado na Universidade da Flórida (Gainesville) e
Wisconsin (Madison), entre abril e maio de 1968. No ensaio, o crítico carioca
afirma que, devido ao modo “romântico” de o brasileiro ver as coisas, têm-se a
tendência de interpretar o escritor como se o dueto vida e gênio ficcional fossem
incompatíveis. Por isso, muitos críticos não deixavam de destacar como causas
fortuitas de inquietação social e individual a “cor escura, origem humilde, carreira
difícil, humilhações, doença nervosa” de Machado (p.15). Esses fatores são
apresentados como se a peculiaridade dos escritos machadianos, de alguma
forma, pudesse explicar o fenômeno literário. No entanto, Candido observa que,
certamente, esse tipo de crítica contribuiu para os inúmeros estudos sobre a obra
de Machado de Assis.
Sobremaneira, o método irônico e refinado de Machado de Assis escapava
à orientação esquemática proposta pelos naturalistas, por isso muitos críticos,
8 1
entre eles Silvio Romero, não compreendiam nem queriam compreender a obra
machadiana, afirma Candido.
Ao comentar O Alienista, o crítico destaca a questão da loucura e a
circunscreve aos problemas de identidade. Quanto à destreza do autor, Antonio
Candido comenta:
[...] a sua técnica consiste em sugerir as coisas mais tremendas
da maneira mais cândida, como os ironistas do século XVIII; ou
em estabelecer um contraste entre a normalidade social dos fatos
e a sua anormalidade essencial; ou em sugerir sob aparência do
contrário, que o ato excepcional é normal, e anormal seria o ato
corriqueiro (p.22).
Nesse trecho, Candido se refere à singularidade de Machado de Assis em
desconstruir conceitos e relativizá-los. Outro ponto que merece destaque é a
questão da tradição literária inscrita no método machadiano. Enquanto alguns
críticos defendem a força da tradição francesa nos textos machadianos, como o
quer Agripino Grieco, em Machado de Assis (1959), outros, como Eugênio Gomes
(1976), discorrem sobre as Influências Inglesas na primeira fase de produção
do escritor. Antonio Candido, por sua vez, sugere que essas vertentes de
pensamento sejam estudadas de forma dialética e em relação sincrônica e
diacrônica.
Candido foi um dos primeiros críticos literários brasileiros a questionar o
alcance dos preceitos deterministas que nos chegavam da Europa. Esses
preceitos estavam muito presentes na tríade Sílvio Romero, José Veríssimo e
Araripe Jr. Em outro livro, Formação da literatura brasileira (1975), o crítico
discute o caráter da formação literária à luz das obras ficcionais e analisa a
transformação do conceito de crítica ao longo da história. Foi, sem dúvida, um
trabalho delimitador nos estudos de literatura no Brasil, especialmente o conceito
de “sistema literário”, que valoriza os elementos internos da obra em diálogo com
a tradição literária, o que caracteriza uma relação dialético-sincrônica.
8 2
Machado de Assis em antologia de humor negro”. In: O Estado de
São Paulo, São Paulo, 02 de novembro de 1968. p.4 Suplemento
Literário.
Trata-se de uma pequena resenha a respeito do lançamento do livro Get
off my back!, antologia organizada por Sondra Touster, com precio de Eric
Berner, M.D e editada por Dell (Nova Yourk), em 1968, em formato pocket.
Sob o título The Psychiatrist, O Alienista inaugura o primeiro texto da
coletânea, ao lado de Ítalo Sueno, Terry Southern, Joseph Heller, J. P. Donleavy,
Ken Kesey, James Purdy, Calder Willinghan, Elliott Backer, Jeremy Larner e Alan
Harrington.
1969
MOISÉS, Massaud. “Memorial de Aires. O Alienista”. In: Machado de
Assis. 4ª ed. São Paulo: Cultrix, 1969. [1961]
No texto de introdução desse livro, Massaud Moisés justifica a sua opção
pelo gênero “contoem O Alienista. O crítico arrisca: “se fosse novela, seria a
única que a pena de Machado escreveu” (p.173). Os aspectos ficcionais não são
deixados de lado, e Moisés comenta a estrutura do texto quanto à linguagem
depurada, às estruturas sintáticas, aos vocábulos simples e à ironia, esta última,
como recurso filosófico. Na interpretação do crítico, trata-se de uma história sobre
a problematização da existência humana, na qual a loucura é entendida como um
estado de alienação ultrapassado por meio de dois caminhos: a morte ou a
loucura.
Para Moisés, em O Alienista, também é possível perceber um sarcasmo
em relação a duas áreas científicas: a Psicologia e a Fisiologia.
8 3
1970
CARONI, Ítalo. “O Alienista”. In: O Estado de São Paulo, São Paulo,
01 e 15 de setembro de 1970.
O autor ressalta o humor como o grande diferencial da escritura
machadiana e interpreta o texto considerando, em um primeiro momento, estilo e
personagens; em seguida, considera a estrutura do “conto”. Fundamentado em Le
Riso, de H. Bergson, Caroni observa que a comicidade em Machado não seria
fruto de enigmas enfadonhos, ao contrário, o humor machadiano, pelo menos por
meio de O Alienista, seria baseado num imperceptível manuseio da linguagem.
Para tanto, Machado teria utilizado meios para a obtenção do cômico: a
linguagem. Em O Alienista, é possível observar num mesmo plano pormenores
concretos e abstratos, instituindo, assim, o primeiro indício da distância entre
autor e a história contada. O narrador expressa a limitação de seu papel, “uma
espécie de vidro transparente e frio isola-o do mundo que ele inventa”.
Para acentuar o humor, o escritor recorre a um processo que consiste em
exagerar a importância dos acontecimentos e comportamentos das personagens,
ao que o crítico denominou “estilo épico” de narrar, pois O Alienista estaria repleto
de comparações eruditas: a história da Revolução Francesa, a antigüidade greco-
latina e a Bíblia forneceram material narrativo para a história concebida como
acontecimento exemplar e heróico pelos próprios personagens.
Caroni analisa o uso das aspas na fala do médico, cuja intencionalidade
narrativa seria a de evidenciar as contradições ou mentiras do ser humano. Outro
ponto interessante dessa análise são as relações que o crítico estabelece entre
as etapas do raciocínio lógico (tese, antítese e conclusão) com a estrutura da
narrativa.
O crítico não tocou em aspectos da vida do escritor para explicar a obra,
nem comentou aspectos históricos aludidos no texto, ao contrário, focou a análise
nas personagens, na linguagem e na estrutura narrativa.
8 4
1971
O Alienista de Machado de Assis”. O Estado de São Paulo: São
Paulo, 21 de novembro de 1971.
Trata-se de uma pequena resenha a propósito do lançamento do livro, pela
Editora Ática, 1971, na série Bom Livro. Para o resenhista, o identificado, O
Alienista seria uma espécie de “minúscula jóia de ironia e sátira”, aspectos
estilísticos marcantes na obra de Machado.
1976
LIMA, Luiz da Costa. “O Palimpsesto de Itaguaí”. In: José Literatura
crítica & Arte, nº 3, setembro, 1991 [1976] p.27-33.
Em O palimpsesto de Itaguaí, ensaio de feição metacrítica, o autor
considera Machado de Assis um criador de palimpsestos. Segundo Lima, o
escritor
aprendeu as boas maneiras de uma sociedade hostil a seu ofício,
imitando os modos da subserviência e do alheamento político,
socializando-se pelas crônicas periódicas. Deixou de dar na vista e,
considerado pacato cidadão, [...] pôde rasurar o seu texto,
reservando-se à habilidade de dar piparotes por debaixo da frase. No
piparote, o seu palimpsesto (p. 27-33).
8 5
Para Lima, na escrita machadiana uma primeira camada, apenas aparente,
que encobriria uma segunda camada. As entrelinhas, entretanto, deixariam
entrever pequenos indícios da camada borrada, o texto palimpsesto.
É por isso que, sob o pano de fundo da temática da loucura, haveria em O
Alienista, como explica Lima, uma denúncia das articulações entre três variáveis:
ciência, poder e linguagem. Seriam essas variáveis que, em diversos momentos
da narrativa, moveriam os passos de Simão Bacamarte.
O autor também interpreta o texto como novela, e como tal, a subdivide em
duas subestórias. A primeira introduz o “questionamento de uma ciência que, por
sua vocação taxinômica, não atenta para o trabalho ao nível do sensível e deixa
escapar a metáfora” (p.8), ou melhor, o absolutismo da ciência não admite o
sentido metafórico, nem se interessa pelas paixões humanas. A segunda
subestória teria por protagonistas Bacamarte e Porfírio, cujos vereadores
atuariam como coadjuvantes. Porfírio seria o agente principal da segunda estória,
pois, articulado à figura de origem da “novela”, a ciência, deixaria entrever as
relações entre ciência e poder articuladas pela linguagem da oratória.
Lima esclarece que a retórica do médico afetaria os ouvintes por excluí-los,
pois o alienista declara “não escutar senão os mestres e a Deus”. a retórica do
barbeiro seria “includente, reiterativa e liberal”. No primeiro caso, a força da
linguagem geraria o medo, no segundo, o entusiasmo, e nessa peleja imediata,
seria a retórica de Porfírio que venceria, o fossem os dragões da ordem
entrarem em cena para apaziguar a multidão.
1979
Bosi, Alfredo. “A máscara e a fenda: sobre alguns contos de Machado
de Assis”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.117 - 149
8 6
Nesse artigo, Bosi classifica como contos-teorias as composições de
Papéis Avulsos. Para o crítico, em O Alienista, configuram teorias do
comportamento, ou seja, escondem a “contradição entre parecer e ser, entre a
máscara e o desejo, entre o rito claro e público e a corrente escusa da vida
interior” (p.122).
Em outro momento, observa que não basta dizer que O Alienista é uma
sátira do cientificismo aplicado ao estudo da loucura. Trata-se de uma “situação
de força”, de uma crítica ao poder, por meio da psicologia realista do
desmascaramento. Nesse sentido, pela perspectiva da máscara, o crítico
considera que o poder das instituições resulta da racionalidade pragmática do
discurso científico, que coloca a verdade acima de tudo.
Embora tenha se referido à expressão “contos teorias” para as
composições de Papéis Avulsos, Bosi assume O Alienista como novela, cujo “eixo
[seria], portanto, o arbítrio do poder, antes de ser o capricho de um cientista de
olho metálico”.
3.1. Discussões em torno do gênero: novela ou conto?
Dos estudos arrolados na terceira fase (1950-1982), as discussões
abarcam análises sobre o apuramento técnico de Machado como contista. O
escritor ter-se-ia consagrado “mestre no gênero” a partir de Papéis Avulsos,
explica Lúcia Miguel Pereira (1988, p.225).
A própria natureza do conto exigiria uma tendência a se aproximar mais do
objeto analisado, como uma espécie de lente de aumento servindo ao míope,
conforme declarou o próprio Machado numa de suas crônicas: “Eu gosto de catar
o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a
curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto”. (ASSIS, 2004c, vol. III)
Sua preferência pelo gênero pode ser comprovada pela vasta produção que o
escritor nos deixou.
Enquanto Machado aprimorava sua técnica de narrar, por meio do gênero
curto, pelo menos em Papéis Avulsos é possível perceber uma tentativa de
8 7
transgressão, para a época, sob a óptica da literatura “enquanto um processo
sistêmico de transformações contínuas que motiva a revisão permanente de
pressupostos teóricos e críticos referentes ao fenômeno literário”. (BASTAZIN,
2008, p.131)
Entre as décadas de 50 e 70, O Alienista suscitou inúmeras discussões
sobre as marcas de transformações e recorrências da história dos gêneros
literários. Nesse contexto, percebe-se a preocupação em se analisar a obra por
meio de “instrumentais por demais limitados ou segmentados, de forma a não
darem conta do desafio que significa a pluralidade e a complexidade do texto
literário”. (ibid.p.138)
Graças aos avanços dos estudos literários, especialmente às contribuições
dos formalistas russos, no início do século XX, falar em gêneros literários hoje
significa reconhecer o processo de hibridização das formas, levando-se em conta
que o conjunto de procedimentos ora se assemelha, ora se diferencia devido às
qualidades poéticas estruturais. Por isso Bastazin afirma que “refletir sobre os
gêneros literários, tal como sobre as questões literárias assemelha-se à tentativa
de mapear uma região em constante mutabilidade” (ibid. p. 132), haja vista tais
questões estarem atreladas às condições históricas e sociais de cada tempo e
lugar.
A produção de contos de Machado nos permite refletir sobre a hibridização
do gênero com outras formas literárias. No caso de O Alienista, a forma com que
o narrador principia a estória revela marcas recorrentes à crônica jornalística: “as
crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo
médico...” (ASSIS, vol. II, p.253)
No texto de abertura da coletânea Papéis Avulsos, Machado parece não
negar ao livro certa unidade: “são pessoas da mesma família” (op.cit. p.252), no
entanto a própria estrutura narrativa revela o descomprometimento do escritor
com regras pré-estabelecidas. Como esclarece Bastazin:
o conto está entre as formas narrativas [machadianas] que, a
partir desta época [séc.19] tomam corpo e maior expressividade,
8 8
criando características próprias, seja em relação à sua temática
[...] e estrutura composicional, seja em relação ao perfil de seu
leitor e mesmo de seu escritor, que passa a elaborar, em paralelo
ao conto propriamente dito, a reflexão sobre a especificidade do
seu fazer literário” (2008, p.140).
Ao leitor desconfiado não faltam razões para suspeitar que as
surpreendentes reviravoltas do enredo de O Alienista escapam às normas de
enquadramento canônico. A narrativa combina tempos e espaços, temas e tramas
distintos. Para os críticos Ledo Ivo, Luiz Costa Lima e Alfredo Bosi, (1956a, 1976,
1979) melhor se poderia definir como novela do que como conto.
A questão do gênero aparece sistematizada e discutida pela primeira vez
com Ledo Ivo, embora Barreto Filho, em 1947, se tenha referido ao texto, sem,
contudo, recorrer a uma sistematização como novela.
Para os autores que vêem O Alienista como novela, a trama estrutura-se
em torno de uma série de expedientes, como por exemplo, os anseios de dona
Evarista como esposa que reclamava a atenção do marido, além do dilema da
desejada gravidez que não acontecia, apesar dos esforços médicos do marido.
Outro expediente seria o aspecto político da trama, como a revolta dos Canjicas
liderada pelo barbeiro, caracterizando o jogo de interesses entre políticos e
cidadãos comuns. Os dois expedientes seriam engendrados pela expectativa e se
articulariam de forma seqüencial ao longo dos treze capítulos, convergindo para a
idéia central da novela: um médico chega a Itaguaí, funda um manicômio e
começa a internar quase toda a população da cidade.
Mas há autores que, de forma categórica, preferem discordar dessa
classificação, como Massaud Moisés em A Criação Literária (1967). Nessa obra,
o autor apresenta um estudo acerca das distinções qualitativas entre conto,
novela e romance. Ocorre que, conforme o próprio autor, suas reflexões sobre a
teoria da novela foram fundamentadas “com base nas novelas de cavalaria
francesas, espanholas e vernáculas, e nas sentimentais e picarescas, em cotejo
com similares românticos e modernos” (MOISÉS, 2001, p.14), portanto tais
estudos demonstram não levar em conta o processo de transformação contínua
8 9
do fenômeno literário. Ademais, o autor previne o leitor “contra a idéia de que em
nosso espaço cultural [seria] impossível erigir teorizações válidas para além de
seus limites naturais”. (op. cit. p.14)
Admitir tal afirmação implicaria negar o processo de hibridização das
formas literárias modernas, das quais faz parte O Alienista, embora tenha sido
publicado pela primeira vez em 1881, por meio dos periódicos do jornal A
Estação. No sentido que confere Moisés, a respeito de uma teoria do gênero, a
obra de Machado apresenta rupturas e provocações como um original desvio dos
aspectos convencionais
De nossa parte, rompidas as estruturas rígidas de compreensão e
classificação dos gêneros, os diferentes pontos de vista sobre a questão atestam
o caráter da literatura como sistema que integra o diálogo com subsistemas,
sejam eles de caráter social, histórico e/ou cultural, conforme as noções de
sistema e de dominante formuladas por Tynianov e Jakobson:
A unidade da obra não é uma entidade simétrica e fechada, mas
uma integridade dinâmica que tem seu próprio desenvolvimento;
seus elementos não são ligados por um sinal de igualdade e de
adição, mas por sinais dinâmicos de correlação e integração.
(apud BASTAZIN, p. 138)
A forma evolui no processo literário. O elemento formativo está em constante
metamorfose; em suas várias faces e funções, ele é responsável pelo que se
convencionou chamar de evolução. Por esse motivo, é possível afirmar que os
gêneros não são inflexíveis.
9 0
Considerações finais
Tendo em vista o amplo acervo de estudos sobre a obra de Machado de
Assis, nossa pesquisa procurou lançar um olhar sobre esse material,
selecionando e analisando textos da fortuna crítica de O Alienista, no sentido de
agregar-lhe novos significados. Outro de nossos objetivos foi reforçar a
divulgação desses textos e tornar essa pesquisa um canal facilitador para o
trabalho de estudiosos e pesquisadores sobre a obra em questão. Assim,
reunimos, organizamos e analisamos tais estudos, guiando-nos pelas datas de
suas primeiras versões, em jornais, livros e revistas.
Da diversidade de análises interpretativas coletadas em resenhas, ensaios
e traduções, pudemos não refletir sobre a especificidade da crítica literária,
bem como sobre sua finalidade. Buscamos fundamentação teórica a respeito da
crítica como atividade de interpretação e análise das obras, sempre comparando
teoria e prática, isto é, lendo, em cada um dos estudos sobre O Alienista, suas
concepções de base topológica ou tropológica.
Nossa análise percorreu estudos compreendidos entre 1882 e 1982. Tal
período, divisado de maneira mais específica em três fases, mostrou-se bastante
representativo quanto às transformações da crítica literária brasileira,
contribuindo, assim, para um incentivo à reflexão de leitores, escritores e dos
próprios críticos interessados na obra do escritor.
Na primeira fase (1882-1929), O Alienista parece conferir uma nova direção
ao processo literário. É interessante observar que, nesse período, a obra
permaneceu circundada por uma produção que, amiúde, a vista foi incapaz de
abranger. A carência de estudos nesta fase justifica-se, de um lado, pela
preferência da crítica ora para a biografia do autor, ora para os seus romances.
Por outro lado, obras que, no momento de sua publicação, rompem
completamente o horizonte de expectativas literárias, e o seu público somente
começa a se formar aos poucos.
Como não poderia deixar de ser, no momento histórico de sua aparição, O
Alienista tanto causou prazer, como estranhamento. Considerando-se o fato de
9 1
que, na ocasião, a literatura era vista como sinônimo de representatividade
nacional, ou como espelho da realidade social, era natural que o caráter artístico
da obra estivesse condicionado a tais elementos, segundo o ponto de vista da
estética da recepção da época.
Dessa forma, a obra de Machado parece destoar do que se tinha como
parâmetro de julgamento. Pelo menos foi o que evidenciamos a partir de Papéis
Avulsos, obra em que foi possível perceber uma unidade temática de caráter
universal atravessando os doze textos da coletânea: a problematização da
existência humana. Seguindo as pistas deixadas por Machado, como a carta a
Joaquim Nabuco, em 14 de abril de 1883, referente à publicação de Papéis
Avulsos: os textos “não [são] propriamente uma reunião de escritos esparsos,
porque tudo o que ali está (exceto justamente a Chinela Turca) foi escrito com o
fim especial de fazer parte de um livro” (ASSIS, 2004, vol. III, p.1037). O autor
também confirma esta unidade na parte da própria obra intitulada como
ADVERTÊNCIA.
O cenário de silêncio que marcou a primeira fase da fortuna crítica sobre O
Alienista mudou em decorrência da comemoração do centenário de nascimento
de Machado (1939), ocasião em que foram publicados inúmeros artigos sobre a
obra do autor, por meio de jornais, revistas e livros, como vimos. No entanto, o
grande interesse da crítica, por essa época, recaiu, preferencialmente, sobre Dom
Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, restando apenas um espaço restrito
para O Alienista.
Ressalte-se, contudo, que a atenção foi restrita se comparada à quantidade
de estudos sobre as obras mencionadas, isso porque o material foi importante e
significativo pelas inovações e contribuição que veio prestar à própria crítica. Dos
estudos arrolados na segunda fase (1930-1949), foram sugeridos ou apontados,
pelo menos, cinco aspectos fundamentais:
reflexões sobre a metalinguagem, em consonância com a ironia, ou seja,
em O Alienista, Machado teria utilizado o próprio código determinista na
construção da personagem Simão Bacamarte, para desconstruir o estilo
determinista em voga na literatura (MEYER, 1958);
9 2
presença marcante da dúvida na constituição narrativa;
estudo comparativo das fontes (FILHO, GOMES 1947, 1949);
exame dos caracteres políticos O Alienista (BROCA, 1949);
considerações sobre a loucura (BERARDINELI 1949).
Tais estudos sinalizam a diversidade de interpretações sobre a obra,
ampliando suas possibilidades significativas, por isso mesmo considerada uma
das mais enigmáticas criações de Machado.
Na terceira fase (1950-1982), a crítica foi enriquecida com abundantes
estudos, tanto sobre a forma como sobre a história na literatura. Nesse intervalo
de tempo, a ascensão da disciplina Teoria Literária nos cursos de Letras
enobreceu o ingresso da atividade crítica na Universidade, gerando incessante
produção de monografias, dissertações e teses universitárias.
Na década de 50 foi possível evidenciar, de um lado, mecanismos de
apreensão mais refinados analiticamente, embora Augusto Meyer os tenha
apresentado no estudo Na casa verde, em 1935. De outro, está a crítica intra-
textual, influenciada pelo close reading, isto é, a leitura fechada no texto, sem
janelas para o psicológico, o social ou o histórico.
Os critérios nos quais se externou a crítica dos anos 50 período
entendido como divisor das águas entre a crítica universitária (resultante do
estudo científico da literatura em tedras especializadas) e a crítica dos rodapés
(praticada por bacharéis) presumiam, ora a preocupação com o gênero
narrativo, ora o interesse pela natureza sócio-histórica da trama. Esses dois crivos
interpretativos não se configuram necessariamente de forma indissociável.
Indicam-nos, sim, os níveis de estudos sobre O Alienista, que quebraram a idéia
de distanciamento do enfoque sócio-político na obra, bastando citar O Penacho e
Os Papéis. Letras e Artes. (IVO, 1956, 1956a).
Na verdade, um dos olhares mais radicais sobre o cânone da crítica
literária brasileira, ocorreu com Afrânio Coutinho em Machado de Assis na
Literatura Brasileira, de 1959. Em releitura marcada, principalmente por um
9 3
critério de cunho estético, o autor propôs um estudo sobre os aspectos peculiares
da composição artística, tais como: enredo, foco narrativo, tempo ficcional,
personagens, temática, criação do suspense, dramatização, movimento da
narrativa (COUTINHO, 1997).
Os anos 60 assinalaram a passagem do eixo “topológico (discernimento e
análise de temas e motivos) para o tropológico (análise dos procedimentos
retóricos que permitiriam a permanência ou modificação dos temas e motivos)”
(BARBOSA, 1990, p.75). que nessa fase, a radicação na história é percebida
como decorrência da própria constituição do texto. O texto literário configuraria
palimpsestos culturais apreendidos pela análise do tecido narrativo.
Decorreram da preocupação com o repertório das representações
iconográficas no texto dois interessantes artigos: O Alienista (CARONI, 1970) e O
Palimpsesto de Itaguaí (LIMA, 1976). Esses trabalhos foram lançados à luz de
uma perspectiva comparatista sobre a comicidade, no primeiro caso, e à reflexão
de caráter metalingüístico no segundo, em que o método de escrita seria
concretizado por meio dos códigos explícitos ou implícitos apagados pela camada
borrada do texto, como a leitura dos palimpsestos proposta por Luiz Costa Lima
em relação a Machado de Assis.
Como demonstrou a pesquisa realizada, a critica se define não pela
fisionomia própria de cada momento, mas também pela necessidade de ruptura
com os modelos, uma vez que os textos se apresentam como códigos inusitados
de formalização literária, levando a crítica à reflexão sobre os limites da
expressão e da análise. Mas essa transformação ocorre a longo prazo, como foi
possível avaliar pela análise empreendida.
Concluímos, portanto, que uma obra como O Alienista cria a real
necessidade de tal ruptura e que pode ser interpretada segundo vários aspectos,
pois, na leitura do texto, as relações entre pares, tais como literatura e história,
literatura e sociedade, literatura e psicologia subjazem à atividade crítica. No
entanto, esses elementos intrínsecos ao ficcional, devem ser analisados pelo
crítico literário, não como documento sócio-cultural, mas sim como arte.
A pesquisa demonstrou que a crítica experimentou consideráveis
vicissitudes no decurso dos séculos XIX e XX. Os vários esquemas teóricos
9 4
propostos respondiam às condições históricas e sociais em que eles foram
concebidos. Assim, estamos de acordo com que todos os fatores concorrentes na
apreciação da obra literária são subsidiários com relação ao fator estético.
Contudo, nem a sociologia, nem a biografia, nem as condições históricas, por
exemplo, poderão revelar a beleza da criação poética.
Diante dos vários métodos críticos existentes, uma das grandes
contribuições que pode prestar o trabalho crítico acerca do valor estético de uma
obra, é a leitura dos elementos extra-literários, antes na composição do que como
pressuposições de significados independentes do texto.
9 5
ANEXOS
9 6
Bibliografia crítica publicada em periódicos e em livros (1882/1982)
Convenções: NL (não localizada)
Autor Obra Fonte
1
JUNIOR, Araripe. Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, 28 de outubro NL
2
LAET, Carlos. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 29 de outubro. NL
3
CARVALHO, Xavier de. Lé Messegar du Brésil, Paris, 29 de outubro
4
ROSA, Gama. Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, 2 de novembro;
5
DAST, Júlio. Revista Ilustrada, 4 de novembro. NL
6
A. Revista Ilustrada, 4 de novembro. NL
7
TURFF. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 12 de novembro. NL
8
VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento (1601) a
Machado de Assis (1908). 4ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1963 [1916]
9
PUJOL, Alfredo. Conferências. In: Machado de Assis. São Paulo:
Tipografia Brasil, 1917 exemplar nº 109
10
VALLE, Luiz Ribeiro do. Psichologia Mórbida na obra de Machado de Assis.
ed. Rio de Janeiro:Typ.Pimenta de Mello, 1918. (p.139 –
150)
11
MEYER, Augusto. O Homem subterrâneo. In: Machado de Assis. Rio de
Janeiro: Livraria São José, 1958, [1935]
12
MEYER, Augusto. Na Casa Verde. In. Machado de Assis. Rio de Janeiro:
Livraria São Jose, 1958, [1935]
13
PEREIRA, Lúcia Miguel. O artista. In: Machado de Assis: estudo crítico e
biográfico. São Paulo: EDUSP, 1988 [1936]
14
Matos, Mário. Machado de Assis: O homem e a obra. Os personagens
explicam o autor. São Paulo: Nacional, 1939.
15
PEIXOTO, Afrânio. O Alienista de Machado de Assis. Revista da Academia
Brasileira de Letras, RJ. Anais de 1943, julho-dezembro,
vol. LXVI, p.118-120
NL
16
Filho, Barreto. Apresentação de Machado de Assis. Rio de Janeiro:
Livraria Agir, 1947.
17
BERNADINELLI, W. Medicina em Machado de Assis. Correio da Manhã, RJ,
25 dez. 1948 - 2 pp.
18
BROCA, Brito. A política, a frase e os papéis velhos. A Manhã, Rio de
Janeiro, 16-outubro, 1949.
19
GOMES, Eugênio. Espelho contra Espelho: Estudos e Ensaios. São Paulo:
Instituto Progresso Editorial, 1949. p.30-37
9 7
20
BERNADINELLI, W. Loucos, médicos e viúvas em Machado de Assis. Correio
da Manhã, RJ, 20 mar, 1949 - 1 p.
21
SOUSA, J.Galante de. Bibliografia de Machado de Assis. Rio de Janeiro:
Instituto Nacional do Livro, 1955.
22
IVO, Ledo. Os papéis. Letras e Artes. suplemento de A manhã, Rio
de Janeiro, 08-março, 1956.
23
IVO, Ledo. O Penacho. O Estado de São Paulo. São Paulo, 22-
janeiro, 1956.
24
COUTINHO, Afrânio. Machado de Assis na Literatura Brasileira In. ASSIS,
Machado de. Obra completa vol. I. Org. Afrânio
Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. [1959].
25
Matos, Mário. Machado de Assis, contador de Histórias. In: Machado
de Assis. Obra Completa. vol. II Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1997 1ª [1959]
26
MATOS, Marco Aurélio. Cinema Machadiano. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16
de março de 1960.
27
MOISÉS, Massaud Memorial de Aires. O Alienista. In: Machado de Assis.4ª
ed. São Paulo Cultrix, 1969.
28
Gomes Eugênio. Machado de Assis. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1963.
29
MAGALHÃES, Almeida Os tesouros de Machado de Assis. In: Machado de Assis,
“O Alienista”, São Paulo, Clube do Livro, 1964, p.7-10
NL
30
SARAIVA, Paulo “O Alienista” de Cosme Velho. Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n.15, pp.43-50,
dez.1965
NL
31
Machado de Assis em Antologia de Humor Negro. In: O
Estado de S.Paulo, São Paulo, 2 nov.1968.
32
SANTOS, Nelson Pereira
dos.
Adaptação livre do conto “O Alienista”, de Machado de
Assis, sob o título Azyllo muito louco, Nelson Pereira dos
Santos
33
CARONI, Ítalo. “ Alienista”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 e
19 set.1970
34
“O Alienista” de Machado de Assis. O Estado de
S.Paulo, São Paulo, 21 nov.1971
35
CASILLAS, Martins y. El Alienista, de Machado de Assis.Trad.Barcelona:
Tusquets, 1974
NL
36
ALCÂNTARA, Lúcio
Gonçalo
De Simão Bacamarte a Ronald Laing. In: A Tarde,
Salvador, 24 agosto 1974.
NL
37
LIMA, Luiz da Costa. O Palimpsesto de Itaguaí. In: José – Literatura crítica &
Arte, nº 3, setembro, 1976: p.27-33
9 8
38
GARBUGLIO, José Carlos. O Alienista. [Apresentação] In: Machado de Assis. 4ª ed.
São Paulo: Ática, 1976.
NL
39
ECHEVERRÍA, Lidia
Neghme
Uma imagem Quixotesca em Machado de Assis. In:
Colóquio/Letras, Lisboa, n.31, pp.41-48, maio 1976
NL
40
FORNAZARO, Antonio F. O Avesso do Poder em O Alienista. Minas Gerais, Belo
Horizonte, 31 jul. 1976.
NL
41
MILANO, Paolo. Quando Pazzo é l'Alienista, L'Espres. Roma, 10 out.
1976 [sobre a tradução italiana]
NL
42
RISÉ, Claudio. L'Alienista di Machado de Assis. Tempo, Roma, 17 out.
1976.
NL
43
JACOBBI, Ruggero. Um Capolavoro Assoluto: L'Alienista. Paese. Sera,
Milão, 19 nov.1976
NL
44
O Alienista enlouquece a Itália. Folha de S. Paulo, 15
dez. 1976.
NL
45
O Alienista, o melhor do Brasil. O Globo, Rio de Janeiro,
15 dez. 1976.
NL
46
Desmobilização da narrativa pela consciência da
realidade ficcional. Revista de Cultura da Bahia,
Salvador, pp. 73-90, dez. 1976 [ver também Retirando os
Óculos das Ilusões ref. 1309 - Ubiratan]
NL
47
MAROTTI, Giorigio. Margini, em Machado de Assis, L'Alienista.
Parma/Milão, Franco Maria Ricci, 1976, pp.IX-XII.
NL
48
SOUSA, Antonio Candido
de Mello e Souza
Esquema de Machado de Assis. In: Vários Escritos. São
Paulo: Duas Cidades, 1977.
49
Nota de los Editores, em Machado de Assis, La Casa
Verde de Itaguái [tradução de O Alienista, por María Inés
Silva Vila, Montevidéu, Club del Libro, 1977, pp.7-9.
NL
50
LUÍS, Macksen. Da Chanchada à atrocidade. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 14 fev 1978 [sobre a peça A Lata de lixo da
história, de Roberto Schwarz, baseada em O Alienista]
NL
51
Bosi, Alfredo. A máscara e a fenda: sobre alguns contos de Machado
de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
p.117 - 149
52
RUDOLFER, Noemi da
Silveira.
Pré-concepções Psicanalíticas em Alguns Contos da
Autoria de Machado de Assis. In: Anais do XIII
Congresso Latino-americano de Psicanálise, Rio de
Janeiro, 16-20 nov 1980, pp.410-412
NL
9 9
Bibliografia crítica publicada em periódicos e em livros (1883/1989)
não consultada
Autor Obra 1ª ed.
1 COUTADA, Letícia Maria.
História, Literatura e Cinema: Azyllo Muito Louco,
Tampo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 81, p.116-126,
abr-jun 1985.
1984
2 BOCHAT, Eberhard
Muller
Ecos de Zola e da Medicina experimental na arte de
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