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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM ANTROPOLOGIA
PELA HORA DA MORTE
ESTUDO SOBRE O EMPRESARIAR DA MORTE E DO MORRER
UMA ETNOGRAFIA NO GRUPO PARQUE DAS FLORES, EM
ALAGOAS
ISABELA ANDRADE DE LIMA MORAIS
PROF. DR. ANTÔNIO CARLOS MOTTA
Orientador
RECIFE 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM ANTROPOLOGIA
PELA HORA DA MORTE
ESTUDO SOBRE O EMPRESARIAR DA MORTE E DO MORRER
UMA ETNOGRAFIA NO GRUPO PARQUE DAS FLORES, EM
ALAGOAS
ISABELA ANDRADE DE LIMA MORAIS
Tese apresentada ao Programa de s-
Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Pernambuco, sob a orientação do
Professor Doutor Antônio Carlos Motta, para
obtenção do grau de Doutor em Antropologia.
RECIFE 2009
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Morais, Isabela Andrade de Lima
Pela hora da morte estudo sobre o empresariar da morte e do
morrer: uma etnografia no Grupo Parque das Flores, em Alagoas /
Isabela Andrade de Lima Morais. -- Recife: O Autor, 2009.
289 folhas : il., fotos.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH.
Antropologia, 2009.
Inclui: bibliografia e anexos.
1. Antropologia. 2. Morte. 3. Comércio. 4. Serviço fúnebre. 5.
Cemitérios. I. Título.
39
390
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2009/39
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM ANTROPOLOGIA
A Helena, minha filha.
Dedico.
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Prof. Dr. Antônio Motta por ter comprado” esta ideia. Agradeço pelas
suas contribuições teóricas, enquanto orientador e pelos seus conselhos, preocupações e
ajudas, enquanto amigo. Com sua personalidade marcante, se revelou um grande
pesquisador/orientador e uma grande pessoa.
Ao Programa de s-Graduação em Antropologia por ter me acolhido desde 2002,
ainda no mestrado. Agradeço, sobretudo, aos Profs. Drs. Roberta Campos e Parry Scott pelas
colaborações e sugestões. Às funcionárias Ana Regina, Mirian e Ademilda, pelo constante
atendimento.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, pelo
auxílio.
A todos que fazem parte do Grupo Parque das Flores (diretores, equipe de vendas,
agentes fúnebres, assistente social, equipe administrativa e de comunicação, mestres de
cerimônias, jardineiros) por terem sido sempre muito atenciosos em disponibilizar e trocar
informações e contribuir para a tese e por compartilharem os momentos difíceis e atraentes da
pesquisa.
A todos os entrevistados (consumidores fúnebres) por me receberem atenciosamente
em suas residências e dividir momentos de intensa emoção.
Para além dos agradecimentos institucionais, estendo aos agradecimentos pessoais.
Ao meu esposo, Luciano Morais, pelo companheirismo e paciência ao longo desses
últimos anos, e por compartilhar os momentos intensos do campo e da escrita da tese.
Aos meus pais, José e Josefa, pela preocupação, incentivo e consolo, apesar da
distância.
As minhas irmãs, Renata e Daniela e meus cunhados, Cláudio e Josimar, pelos
momentos de discussão e descontração. Aos meus sobrinhos, Gabriela e Gabriel, pelos
momentos de relaxamento.
A minha sogra e sogro, Maria Clara e Morais; as minhas cunhadas, Verônica, Carla,
Ana e Aparecida; meus cunhados, Eduardo, José Otávio, Marcelo e JoCarlos; e aos meus
sobrinhos, Rafael, Renato, Gabriela, Henrique, Carlos Eduardo e Maria Clara, pelo apoio.
As amigas Wilza, Tânia e Patrícia que, apesar da distância e dos poucos encontros, me
lembravam de que eu era “humana”. E as amigas do PPGA, especialmente Antoinette, Carla e
Dani por compartilharem as ansiedades da pesquisa.
Enfim, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para realização desta
pesquisa.
Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
Morte e Vida Severina
(João Cabral de Melo Neto)
RESUMO
Este trabalho discute o mercado e o consumo de produtos e serviços funerários na
contemporaneidade, objetivando compreender o processo de empresariação da morte e do
morrer pelas empresas privadas, os chamados Grupos, e entender quais os fatores que
influenciam a crescente demanda de consumidores fúnebres em adquirirem produtos e
serviços oferecidos por empresas particulares. Para isso, foi realizada uma pesquisa
etnográfica no Grupo Parque das Flores, uma empresa que atua no ramo da morte em Alagoas
administrando vários empreendimentos fúnebres (cemitérios parques, floriculturas, funerária,
planos assistenciais funerários e central de velórios). Durante os anos de 2006 a 2008 foram
observados os velórios e sepultamentos no cemitério Parque das Flores e a higienização de
cadáveres pelos agentes fúnebres da funerária, também foram analisados os processos de
venda e aquisão dos produtos e os serviços do post mortem, além das análises das
campanhas publicitárias. Observou-se que como não existe oferta sem demanda, o trabalho de
venda de um produto não é nada sem o trabalho de produção do valor do produto e do
interesse pelo produto. É então no donio da cultura que compreenderemos as razões que
levam as pessoas a consumirem produtos e serviços fúnebres. Foram identificados, portanto,
alguns motivos que influenciam a aquisição dos produtos e serviços fúnebres: a praticidade e
comodidade atrelada aos atuais serviços funerários, o receio de ser sepultado em uma vala
comum, a ineficiência da gestão da morte pelo serviço público e o desejo de oferecer as
últimas cerimônias à pessoa morta como forma de retribuição por todas as suas realizações
em vida. Essas situações demonstram um nculo e uma correlação entre os vivos e os
mortos na sociedade brasileira que retroalimenta o consumo e a oferta de produtos e serviços
fúnebres.
Palavras chave: Mercado fúnebre. Consumo Fúnebre. Cemitério. Morte. Morrer.
ABSTRACT
This paper discusses the market and consumption of products and funeral services in
contemporary, aiming to understand the process of management of death and dying by private
companies, called Groups, and understand the factors influencing the increasing demand of
consumers in purchasing funeral products and services offered by private companies. For this
purpose, was conducted an ethnographic research in the group “Parque das Flores”, a
company engaged in the business of death in Alagoas (burial parks, flowers funeral, health
plans funeral and central wakes). During the years 2006 to 2008 were observed funerals and
burials in the cemetery Parque das Flores and cleaning of dead made by agents funeral
undertakers, were also analyzed the process of sale and purchase of products and services of
the post mortem, beyond the analysis of advertisings. It was observed that as there is no
supply without demand, the job of selling a product is nothing without the work of production
of the product value and interest for the product. Therefore in the field of culture we
understand the reasons that lead people to consume products and funeral services. Been
identified, so some reasons that influence the acquisition of products and funeral services: the
convenience and comfort linked to current funeral services, the fear of being buried in a mass
grave, inefficient management of death by public service and desire to after the latest
ceremony for the dead person as a form of retribution for all his accomplishments in life.
These situations show that there is a link and a correlation between the living and the dead in
Brazilian society that feedback the consumption and supply of products and funeral services.
Key words: Funeral Market, Funeral Consumption, Cemetery, Death, Die.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1: pide no Campo Santo Parque das Flores................................................
Fotografia 2: pide com mensagens no Campo Santo Parque das Flores......................
Fotografia 3: pide com mensagens no Campo Santo Parque das Flores......................
Fotografia 4: pide com objetos no Campo Santo Parque das Flores............................
Fotografia 5: pide com objetos no Campo Santo Parque das Flores............................
Fotografia 6 e 7: Lápides no Cemitério Parque das Flores em Maceió com fotografias
das pessoas sepultadas.......................................................................................................
Fotografia 8: Tipos de jazigos..........................................................................................
Fotografias 9 a 13: Cavando o jazigo no Campo Santo Parque das Flores em
Maceió................................................................................................................................
Fotografia 14: Projeto inicial da construção do Campo Santo Parque das Flores............
Fotografias 15 e 16: Imagens atuais do Campo Santo Parque das Flores........................
Fotografia 17: Black Mirror Casket.................................................................................
Fotografia 18: Carnation Empress Casket.......................................................................
Fotografia 19: Parte interna de uma das capelas da Central de Velórios equipada com
paramentos para receber um velório de religião católica...................................................
Fotografia 20: Parte interna de uma das capelas da Central de Velórios equipada com
paramentos para receber um velório de religião evanlica..............................................
Fotografia 21: Parte externa de uma das capelas da Central de Velórios.........................
Fotografia 22: Parte externa de uma das capelas da Central de Velórios.........................
Fotografia 23: Parte externa da Central de Velórios........................................................
Fotografia 24: Parte externa da Central de Velórios........................................................
Fotografia 25: Folder do Plano Assistencial Funerário PréVida.....................................
Fotografia 26: Folder do Plano Assistencial Funerário Previparq...................................
Fotografia 27: Folder da tabela com os valores dos jazigos imediatos e preventivos do
cemitério Parque das Flores...............................................................................................
Fotografia 28: Retirada dos retos mortais realizado no ritual de exumação....................
Fotografia 29: Restos mortais (ossada) retirados da sepultura, colocados num saco
de lona e recolocados no jazigo.........................................................................................
Fotografia 30: Modelo de caixão skate............................................................................
Fotografia 31: Modelo de caixão portsmouth football club.............................................
Fotografias 32 e 33: Modelo de caixão the ballet shoe coffin..........................................
Fotografias 34 e 35: Modelo de caixão the guitar coffin.................................................
Fotografia 36: Sepultamento do corpo da (ex)estilista Vera Arruda no cemitério
Parque das Flores...............................................................................................................
Fotografia 37: Sepultamento do corpo da (ex)estilista Vera Arruda no cemitério
Parque das Flores...............................................................................................................
Fotografia 38: Multidão aguardando a chegada do corpo do (ex)deputado estadual de
Alagoas, Gerônimo Ciqueira, para ser sepultado no cemitério Parque das Flores............
Fotografia 39: Sepultamento do corpo do (ex)deputado estadual de Alagoas,
Gerônimo Ciqueira, no cemitério Parque das Flores.........................................................
Fotografia 40: Chegada do corpo do (ex)deputado estadual de Alagoas, Gerônimo
Ciqueira, para ser sepultado no cemitério Parque das Flores............................................
Fotografia 41: Sepultamento do corpo do (ex)deputado estadual de Alagoas,
Gerônimo Ciqueira, no cemitério Parque das Flores.........................................................
Fotografia 42: Modelo de caixão ecopod blue.................................................................
Fotografia 43: Modelo de caixão ecopod gold.................................................................
Fotografia 44: Modelo de caixão do Plano Previparq das Flores, tipo Plano Diamante..
Fotografia 45: Modelo de caixão do Plano Previparq das Flores, tipo Plano Esmeralda.
Fotografia 46: Modelo de caixão do Plano Previparq das Flores, tipo Plano Rubi..........
Fotografia 47: Calendário do mês de agosto de 2005 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.............................................................................
Fotografia 48: Calendário do mês de março de 2006 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.............................................................................
Fotografia 49: Calendário do mês de janeiro de 2007 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.............................................................................
Fotografia 50: Calendário do mês de março de 2006 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.............................................................................
Fotografia 51: Calendário do mês de maio de 2009 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.............................................................................
Fotografia 52: Artigos fúnebres utilizados pelos agentes da Funerária São Matheus......
Fotografia 53: Restauração facial realizada no cadáver...................................................
Fotografia 54: Restauração facial realizada no cadáver...................................................
Fotografia 55: Modelo de tanatatopraxia padrão realizada em cadáver que não está em
estágio de decomposição....................................................................................................
Fotografia 56: Modelo de tanatatopraxia padrão realizada em cadáver que não esem
estágio de decomposição....................................................................................................
Fotografia 57: Modelo de tanatatopraxia avançada realizada em cadáver com
avançado estágio de deformidade......................................................................................
Fotografia 58: Modelo de tanatatopraxia avançada realizada em cadáver com
avançado estágio de deformidade......................................................................................
Fotografias 59 e 60: Capelas de velório do Cemitério Parque das Flores, em Maceió....
Fotografias 61 e 62: Interior das capelas de velório do Cemitério Parque das Flores,
em Maceió..........................................................................................................................
Fotografias 63 e 64: Cortejos fúnebres no Campo Santo Parque das Flores, em
Maceió...............................................................................................................................
Fotografia 65: Jazigo preparado para receber o sepultamento.........................................
Fotografia 66: Jazigo após o sepultamento, quando os funcionários colocam em cima
do concreto armado as coroas de flores.............................................................................
Fotografia 67: Filhas ornamentando com flores a sepultura de sua mãe, no Campo
Santo Parque das Flores.....................................................................................................
Fotografia 68: Folder do Campo Santo Parque das Flores em comemoração ao dia das
es do ano de 2005..........................................................................................................
Fotografia 69: Folder do Campo Santo Parque das Flores, em comemoração ao dia
dos pais do ano de 2007.....................................................................................................
Fotografia 70: Folder do Campo Santo Parque das Flores em comemoração ao Natal
do ano de 2006...................................................................................................................
Fotografia 71: Stand com exposição de quadros e imagens sacras no dia da saudade de
2006 do Campo Santo Parque das Flores..........................................................................
Fotografia 72: Espaço recreativo infantil no dia da saudade de 2006 do Campo Santo
Parque das Flores...............................................................................................................
Fotografia 73: Apresentação do Coral da Universidade Federal de Alagoas no dia da
saudade de 2006 do Campo Santo Parque das Flores........................................................
Fotografia 74: Stand de vendas de jazigos e do plano assistencial funeral Previparq no
dia da saudade de 2008 do Campo Santo Parque das Flores.............................................
Fotografia 75: Missa com o Arcebispo de Maceió no dia da saudade de 2006 do
Campo Santo Parque das Flores........................................................................................
Fotografia 76: Apresentação dos Arautos do Evangelho e da imagem peregrina de
Nossa Senhora de Fátima no dia da saudade de 2006 do Campo Santo Parque das
Flores..................................................................................................................................
Fotografia 77: Pessoas visitando jazigo no campo Santo Parque das Flores no dia da
saudade de 2007.................................................................................................................
Fotografia 78: Pessoas visitando jazigo no campo Santo Parque das Flores no dia da
saudade de 2007...............................................................................................................
Fotografia 79: Pessoas visitando jazigo no campo Santo Parque das Flores no dia da
saudade de 2007.................................................................................................................
Fotografia 80: Pessoas visitando jazigo no campo Santo Parque das Flores no dia da
saudade de 2008.................................................................................................................
Fotografia 81: Pessoas ornamentando jazigos no dia da saudade do ano de 2006...........
Fotografia 82: Pessoas ornamentando jazigos no dia da saudade do ano de 2006...........
Fotografia 83 a 86: Jazigos ornamentados no dia da saudade do Campo Santo Parque
das Flores...........................................................................................................................
Fotografia 84: Cemitério Nossa Senhora da Piedade, Jornal Gazeta de Alagoas de 17
de outubro de 2002.............................................................................................................
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
ACEMBRA - Associão de Cemitérios do Brasil
ADEFAL - Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas
APEAL - Arquivo Público Estadual de Alagoas
CBO - Classificação Brasileira de Ocupações
CCEB - Critério de Classificação Econômica do Brasil
CIPAL - Construtora Industrial Predial de Alagoas
CTAF - Centro de Tecnologia em Administração Funerária
FOL - Funerária Online
FPT - Fora de Possibilidades Terapêuticas
HDT - Hospital de Doenças Tropicais Drº Hélvio Auto
HPS - Unidade de Emergência Armando Lages
HBO Home Box Office
IHGAL - Instituto Histórico Geográfico Alagoano
IML - Instituto Médico Legal
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
NFDA - National Funeral Directors Association
PNQ - Plano Nacional de Qualidade
PPGA - Programa de Pós-Graduação em Antropologia
SBT Sistema Brasileiro de Televisão
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SESI - Serviço Social da Indústria
SINCEP - Sindicato dos Cemitérios Particulares do Brasil
SINDINER - Sindicato dos Empregados em Funerárias, Cemitérios e Congêneres do Estado
de Minas Gerais
SMCCU - Superintendência Municipal de Controle e Convio Urbano
SVO - Serviço de Verificação de Óbito
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................................
Passeio pelo campo dos mortos: primeiros passos e trilhas para a construção do objeto...
Quando o campo é dos mortos e dos vivos: os limites do fazer campo numa empresa
funerária privada..................................................................................................................
Quando os nativos são cadáveres e os familiares os interlocutores: as subjetividades
num campo fúnebre.............................................................................................................
A morte e suas perspectivas teóricas...................................................................................
Morrer................................................................................................................................
1.1. Das cerimôniasblicas para as cerimônias privadas..................................................
1.2. Interditando, ocultando e banindo a morte e os mortos?..............................................
Sepultar..............................................................................................................................
2.1. Os sepultamentos ad sanctos e extra-urbe...................................................................
2.2. Os sepultamentos nos parques......................................................................................
2.3. Modernização dos espaços tanáticos............................................................................
Empresariar.......................................................................................................................
3.1. Indústria do funeral norte-americana............................................................................
3.2. A Empresariação do Morto no Brasil...........................................................................
3.3. Produtos e serviços diferenciados................................................................................
Antes...................................................................................................................................
4.1. Executivos de vendas e/ou consumidores fúnebres......................................................
4.2. Produtos não procurados..............................................................................................
4.3. Estratégias de vendas: “se não compra no amor, compra na dor”................................
4.4. O Marketing do morrer.................................................................................................
Durante...............................................................................................................................
5.1. Necro-profissionais: especialistas que lidam diretamente com o morrer.....................
5.2. Os ritos purificatórios nos corpos mortos.....................................................................
5.3. Velórios e sepultamentos no Campo Santo..................................................................
Depois..................................................................................................................................
6.1. Grief Terapy: a psicologia (terapia) do luto.................................................................
6.2. Eventos fúnebres: saudade com paz e não dor de desespero........................................
Consumir............................................................................................................................
7.1. Perfil dos consumidores fúnebres.................................................................................
7.2. As denúncias de furtos em cemitério, de subtração e ocultação de cadáveres e de
profanação de sepulturas.....................................................................................................
7.3. Significado e sentido de uma morte digna...................................................................
A morte negociada: rumo ao fim.....................................................................................
Fontes e Bibliografias........................................................................................................
Anexos.................................................................................................................................
15
Introdução
16
Os mortos, porém, não existem.
Ou só existem na memória dos vivos, presentes e futuros.
(Norbert Elias)
Pela hora da morte” é uma expressão genérica e popular comumente utilizada para
indicar que os produtos ou serviços se encontram com preços exorbitantes e que “as coisas
estão caras”. Parafraseando esse dito, sugestivamente poderíamos apli-lo igualmente ao
morrer.
Atualmente morrer custa caro: os gastos com o funeral compreendem o caixão, as
velas, as flores, as vestimentas, as taxas para sepultamento em jazigo, em mausoléu, em cova
rasa, a taxa para aluguel de capela de velório, etc. isto se a morte for repentina, ou seja, se a
pessoa morreu subitamente, rapidamente e inesperadamente, mas, se a morte for lenta ou
demorada, consequência de uma enfermidade, os gastos com o morto aumentam ainda mais,
em virtude das despesas com hospital, médicos, remédios, enfim, a conhecida e cara indústria
hospitalar. Além disso, depois que a pessoa é sepultada, as despesas continuam. São gastos
variados com a construção de mausoléus ou catacumbas, com a identificação do local do
jazigo, com as missas de sétimo dia, com as comemorações das datas de falecimento, com a
manutenção da sepultura, sem contar com outras despesas adicionais como: gastos com
hospitais, cartório, etc.
Mas não existe oferta sem demanda e não existem produtos sem consumidores. Então,
como explicar a crescente demanda de consumidores fúnebres que adquirem produtos e
serviços de empresas particulares e se proem a gastar somas significativas com um funeral
para seus entes?
As despesas com um funeral compreendendo caixão, flores, velas, aluguel de capela,
serviços de funerária (higienizar, vestir, trasladar, etc.) e sepultamento em cova rasa de
cemitério blico podem custar no mínimo um mil e quinhentos reais. Caso o funeral seja
realizado em cemitério particular, esse valor pode se multiplicar ou até quintuplicar,
dependendo dos itens que serão utilizados no funeral. O valor de um caixão modelo stand
varia de trezentos reais até oito mil reais. Mas, se se tratar de um caixão importado, o preço
pode variar até cinquenta mil reais, dependendo das condições e do gosto do cliente.
O aluguel de capela em cemitério público custa trinta e cinco reais; em cemitério
particular, de duzentos a duzentos e quarenta reais, e, nas centrais de velórios, em média
setenta reais. O preço das coroas de flores varia de duzentos a setecentos reais. O
sepultamento em cemitério público custa trinta e três reais, em cova rasa; e sessenta e cinco
17
reais em mausoléus, gaveta ou ossário. Em cemitérios particulares, os jazigos para
sepultamento custam de cinco a seis mil reais, valor ao qual serão acrescidas taxas de
confecção do jazigo, no valor de quinhentos e oitenta reais, e de anuidade do jazigo, no valor
de duzentos reais
1
.
Uma consumidora fúnebre que sepultou sua mãe em cemitério particular e que já
havia adquirido o jazigo em momento anterior assinala que a despesa com o funeral da mãe
ultrapassou o valor de três mil reais, quantia superior à prevista:
Ah! Foi muito mais, porque a urna dela foi mil e oitocentos reais e foi quase
igual à de meu marido, entendeu? a urna. E o que eu gastei lá. É isso que eu tô
dizendo. no [cemitério] Parque [das Flores] foi mil e seiscentos, mil
seiscentos e poucos. Eu sei que, em tudo dela, a gente gastou na urna, em flores,
essas coisas, em tudo foi três mil reais e pouco. Agora, com os remédios, que a
gente dividiu para os quatro irmãos, foi mais quatro mil.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008)
As notícias sobre os altos custos dos funerais são bastante recorrentes nos meios de
comunicação de massa. Em 11 de junho de 2006, o Jornal da Cidade, em Aracaju, no Estado
de Sergipe, publicou uma matéria intitulada: Enterro pode custar a R$ 11 mil”, onde se
divulgavam os gastos com funerais:
Pagar e morrer é a última coisa a fazer. O provérbio popular portugs mostra bem
uma das únicas certezas que se tem na vida: tudo tem um preço. A evolução
tecnológica e a modernidade nos obrigam a pagar para nascer, alimentar-se, casar,
reproduzir, talvez se divorciar, e também para morrer. Numa cidade como Aracaju,
enterrar um parente, além de ser uma tarefa cansativa, cheia de procuras, idas e
vindas, é também bastante dispendiosa. Por aqui, um enterro pode custar entre R$
1.200 e R$ 11 mil. Às vezes até mais que isso.
Os gastos são muitos. Além disso, o que mais encarece um funeral completo são
justamente os preços do item indispensável: a urna funerária. O valor mais barato
de caixão dispovel é R$ 200. Alguns chegam a custar até mais de R$ 7 mil. “Boa
parte do valor do enterro é da urna. Ninguém enterra um parente num caixão de R$
200, comenta Giselda Santos, gerente de vendas da Organização Social de
Assistência Funerária (Osaf), que há cinco anos trabalha com assistência pós-vida.
Caso a pessoa que morreu precise ser transportada para outro Estado ainda é
preciso pagar R$ 880 a um médico para que seja realizada a formolização, um
procedimento que conserva o corpo para a viagem. O caixão, nesses casos, é
diferente. Ele tem que ser revestido por uma placa de zinco para proteger o corpo, o
que custa cerca de R$ 1 mil. Pode custar mais que isso até. O corpo não pode ser
transportado para fora do Estado se não tiver nessas condições, explica Giselda.
Ainda existe um outro fator a que a família tem que se atentar. Se a morte foi
trágica, ela precisa providenciar a 2ª via do laudo cadavérico da Unidade de
Medicina Legal que é usado para o requerimento de pensões, seguros e outros
benefícios. Hoje ele custa em torno de R$ 73.
Depois do caixão e dos trâmites legais vêm os pormenores que compõem o velório.
Para cobrir o corpo, a mortalha feminina custa R$ 50 e o terno masculino R$ 100.
Mas hoje as pessoas quase o compram. A maioria prefere vestir o corpo com
uma roupa que já era da pessoa, comenta a gerente Giselda Santos. Flores sobre o
corpo dentro do caixão também são uma opção para a família. O preço é de R$ 100.
1
Esses valores são referentes às taxas cobradas em cemitérios públicos da cidade de Maceió, no Estado de
Alagoas, e no cemitério particular, central de velórios e floricultura pertencentes ao Grupo Parque das Flores,
uma empresa que atua no ramo da morte no Estado.
18
A maquiagem para correção de pequenas imperfeições no rosto gira em torno de R$
30. No entanto, se o intuito for uma completa repaginada feminina a maquiagem
passa a valer cerca de R$ 50.
Se a família não quiser velar o corpo em casa, algo que ainda não é tão comum no
Nordeste, ela pode apenas alugar uma sala em velatórios especializados. A Osaf
disponibiliza quatro tipos de salas com pros diferenciados. Duas no segundo
andar do prédio da empresa, que custam R$ 200 e R$ 300. O primeiro é mais barato
porque não tem quarto para o descanso da família. As outras duas salas ficam no
andar térreo e custam R$ 400 e R$ 500. Isso porque ambas têm ar-condicionado,
quarto de descanso e a localização favorece a locomoção dos visitantes. Essas
duas são mais caras porque é melhor para idosos ou deficientes que têm dificuldade
de locomoção, informa Giselda.
Como os cemitérios da cidade estão lotados, o custo das gavetas não está nada
barato. No Cemitério Santa Izabel, o aluguel por três anos fica a R$ 770. No São
Benedito, o preço, também por três anos, é bem mais em conta: R$ 550. O aluguel
da gaveta pelo mesmo período de tempo no Cemitério da Cruz Vermelha é ainda
mais barato: custa R$ 330. A situação muda de figura quando o assunto é
cemitério-jardim. Em Sergipe, existe apenas o Cemitério Parque Colina da Saudade
e o valor mais barato de sepultamento num pedacinho de terra na área é de R$ 5
mil. O impacto de um cemitério jardim é outro. É muito lindo o jardim e a
lápide branca. As pessoas fazem até cooper por lá. Além disso, os outros cemitérios
não têm segurança nenhuma. Até roubo tem lá dentro, opina Giselda Santos.
A missa de 7º dia é um capítulo à parte. Caso a família deseje confeccionar convites
para a missa, os famosos santinhos, os valores variam de R$ 40 a R$ 120 o cento.
De acordo com Veríssimo Gonçalves, que trabalha há quase seis anos produzindo
os convites, o que mais influencia no preço é a qualidade do papel. “Tem o
tamanho e o modelo também. Se é colorido ou preto e branco não muda muito o
valor, mas se tiver a foto da pessoa na frente, no lugar de ter a imagem de algum
santo, o preço aumenta, explica. As igrejas também ganham dinheiro com essa
história. Para citar o nome do falecido na missa de 7º dia as igrejas cobram entre R$
5,00 e até R$ 10. (Disponível em: <
http://www.funerariaonline.com.br/News/Default.asp?idnews=5007> . Acesso em:
17 mar. 2009).
Em 05 de dezembro do ano de 2004 o jornal Gazeta de Alagoas divulgou uma matéria
intitulada “Detalhes fazem a diferença no valor do serviço” (FARIAS, 2004), em que
descrevia os custos de um funeral:
Sepultamento em cemitério particular com urna presidencial e cerimonial completo
não sai por menos de R$ 5 mil
Os custos de um funeral são proporcionais ao quanto a pessoa falecida era querida,
benquista ou tinha prestígio em vida. Há funerais que chegam a custar R$ 100 mil
e não muito longe. “Em Recife, uma empresa fornece carruagens do século XIX
para os serviços funerários. Ela possui um haras e todas as peças que usa o
históricas. Tudo vai depender do quanto de homenagens se queira prestar. Mas, não
há limites”, diz o empresário.
Em Maceió, um serviço considerado de classe média custa entre R$ 2,5 mil e R$ 3
mil e inclui traslado, porque muitos casos em que se exige que o sepultamento
seja num mausoléu particular ou na cidade natal da família, e, conforme o plano,
recuperação facial.
Ao contrário de há anos, quando em casos de acidentes a urna ficava lacrada, agora
os serviços oferecem técnicas de reconstituição. Com auxílio de uma foto, os
especialistas garantem que a família possa prestar essa última homenagem sem o
distanciamento de não poder ver o rosto de quem faleceu.
Os preços dos pacotes oferecidos pelas funerárias variam, em geral, de R$ 250 a R$
6,5 mil. Segundo José Luís de Souza, sócio de uma funerária de Mace, na
primeira faixa o pacote inclui traslado do IML para o cemitério escolhido pela
família, no perímetro de 100 quilômetros, preparação do local do velório, com
19
velas, tapete sob a urna funerária e vestes, que se resumem a uma mortalha ou a
uma combinação de calça e camisa, quando trata-se de um falecido.
Outro serviço incluído no pacote é a decoração não do local; mas, do próprio
morto. “Serve para tirar o aspecto cadavérico. Para o homem, inclui fazer a barba;
para a mulher, arrumar o cabelo”, explica Souza, que ostenta um curso em o
Paulo sobre uma das formas de preparação, a aplicação de formol.
Existe ainda uma outra preparação para vítimas de acidentes violentos. Trata-se da
restauração facial, mas que não está nesse pacote. conjuntos de serviços
funerários que saem por R$ 450,00, R$ 600,00, R$ 800,00 e até por R$ 6,5 mil.
Este último inclui urna presidencial, a que abre lateralmente, que acabou
imortalizada nos filmes de Hollywood; cerimonial completo, com coroas de flores e
terno para o morto, e sepultamento em cemitério particular. Entretanto, a distância
para o traslado é a mesma. (FARIAS, 2004. Disponível em: <
http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=59934&a
ss=11&data=2004-12-05> Acesso em: 17 mar. 2009)
Como os produtos e serviços para o funeral são relativamente caros, hoje uma
tendência de adquiri-los preventivamente, conhecida como preened ou preplaning funeral.
Essa ideia surgiu nos Estados Unidos, no final do século XX; e é creditada ao envelhecimento
dos baby boomers, a geração s-Segunda Guerra Mundial, nascida entre as décadas de 1946
a 1964, uma geração de consumo que está envelhecendo e impulsiona o crescimento das
indústrias de serviços e produtos, inclusive a indústria do funeral.
Nessa nova cultura funerária emerge o processo de empresariação da morte. No Brasil,
o empresariar do morrer surgiu no final dos anos de 1980 com os Grupos”, empresas
completas que agregam vários empreendimentos fúnebres (floricultura, casas velatórias,
cemitérios, funerárias, etc.). Esses Grupos passaram a atuar com a finalidade de dar conta
de todo processo do morrer: o antes (com os serviços de prevenção ao funeral), o durante
(com todos os serviços de funeral) e o depois (com os serviços de assistência ao luto).
Portanto, os Grupos passam, nesta pesquisa, a ser os pontos de referência para situar
o surgimento da empresariação do morrer. Muito embora a atuação de profissionais e
instituições envolvidas com esse processo no Brasil seja bastante antiga, tais como as
irmandades ou ordens terceiras que atuaram do século XVII ao XIX, organizando, dentre
outras atividades, funerais para os “irmãos de fé” como eram conhecidos os seus associados
(REIS, 1991); ou mesmo a sociedade agrícola e pecuária dos plantadores de Pernambuco da
segunda metade do século XX (que deu origem às ligas camponesas), organizada com a
finalidade de auxiliar os camponeses com as despesas funerárias, evitando que fossem
enterrados como indigentes e possibilitando aos seus associados um enterro digno. Aliás,
essas sociedades funerárias trazem semelhanças com as burial societies inglesas do século
XIX, formadas por gentes pobres que, inconformadas com a minimalização dos funerais
quando da reforma protestante, poupavam para fugir da sina de ter um funeral indigente em
vala coletiva (LAQUEUR, 1983).
20
Atualmente a estrutura desses “Grupos” especializados no ramo funerário não guarda
nenhuma semelhança com essas organizações do passado, isto porque nelas não havia
intenção lucrativa, mas apenas comunitárias para possibilitar o enterramento de seus
associados. No caso das empresas contemporâneas que atuam no mercado funerário o axioma
principal é o lucro.
Para entendermos e compreendermos as dinâmicas que organizam o processo do
empresariar da morte foi realizada, nos anos de 2006 a 2008, uma pesquisa etnográfica em
uma empresa que atua no segmento fúnebre da cidade de Maceió. Mas, como em toda
pesquisa antropológica, o trabalho de campo tornou-se uma experiência fundamental em que
foi possível traçar percursos e percalços até o delineamento do objeto em questão, sobre o
qual passaremos a discorrer.
Passeio pelo campo dos mortos:
primeiros passos e trilhas para a construção do objeto
Durante o mestrado em Antropologia do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia (PPGA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nos anos de 2002 a
2004, realizei uma pesquisa etnográfica com os filhos e netos dos imigrantes judeus que
chegaram em Pernambuco durante o período da Segunda Guerra Mundial e ajudaram a fundar
a comunidade judaica pernambucana. Nessa pesquisa identifiquei quais os elementos culturais
e religiosos mobilizados por este grupo na tentativa de manter um vínculo e uma identidade
étnica num país que estava iniciando uma intensa campanha nacionalista (LIMA, I., 2004).
Percebi que um dos elementos encontrados pelos imigrantes judeus para continuarem
pertencendo a um grupo étnico e garantir a legitimação de suas fronteiras identitárias foi
consolidado através das práticas de alguns rituais, entre eles os de morte e luto, que atuavam
como símbolos de pertença, possibilitando a continuidade dessa identidade étnica mesmo em
um ambiente procio à mudança. Portanto, o tema da morte e do morrer surgiu como
interesse de pesquisa desde o Mestrado, porém relacionado a um grupo étnico.
Com o fim do Mestrado, fui convidada pelo professor Antônio Motta para participar
de uma pesquisa que visava desenvolver trabalhos na área de patrimônio material e imaterial,
através dos sistemas de objetos funerários e enterramentos nos cemitérios oitocentistas do
21
Brasil, com o objetivo de pensar novas formas de musealização dos cemitérios. Durante a
pesquisa, outros elementos foram sendo considerados, e o foco da observação foi se
deslocando para os cemitérios. A pesquisa, coordenada por Antônio Motta, contemplou os
principais cemitérios brasileiros secularizados, dando ênfase especial às lógicas de
enterramento da família e suas relações de parentesco; considerou também a emergência do
individualismo nos cemitérios e a noção de pessoa. A experiência nessa pesquisa me motivou
a conhecer o campo da morte na sociedade contemporânea, notadamente a dita cadeia
produtiva e econômica da morte, através de ofertas de consumo mortuário.
No final do ano de 2004, fixei residência na cidade de Maceió, no Estado de Alagoas,
em virtude de ter sido nomeada para lecionar numa Instituição de Ensino Superior naquele
Estado. Ao chegar à cidade me deparei com vários anúncios publicitários, merchandising e
comerciais de televisão que divulgavam produtos e serviços fúnebres oferecidos por uma
empresa privada: o Grupo Parque das Flores. Então fui conhecer alguns desses produtos: os
jazigos no Campo Santo Parque das Flores, um cemitério ajardinado localizado na cidade de
Maceió. Em seguida conversei com a Diretora do local, que me recebeu com grande
expectativa e disse que, apesar de o cemitério ter mais de trinta anos, foi somente no ano final
do ano de 2000 que o Grupo Parque das Flores foi criado, quando uma equipe de Diretores
resolveu agregar vários empreendimentos fúnebres (cemitérios, floriculturas, funerárias,
capelas velatórias e empresa de plano assistencial funerário) em uma única empresa que
gestaria todo o processo do morrer. Isso justificava a grande campanha publicitária para
divulgação dos produtos e serviços.
Porém, o que me intrigava naquele momento era o consumo fúnebre. Queria saber se
as pessoas de fato consumiam aqueles produtos e serviços e por qual motivo o faziam.
Todavia, para entender as motivações do consumo, deveria compreender o que efetivamente
estava sendo ofertado. Retomei os contatos com o Grupo Parque das Flores, sendo convidada
para uma nova reunião com alguns de seus Diretores. Desta feita, apresentei minha proposta
de pesquisa acadêmica, com a qual todos se mostraram interessados em contribuir,
disponibilizando as informações necessárias.
Com a aprovação da administração do Grupo, criei o projeto de Doutorado, e, com a
aprovação no Programa de Pós-Graduação em Antropologia, iniciei a pesquisa no ano de
2006. A primeira etapa consistiu em realizar um levantamento histórico nos acervos do
Instituto Histórico Geográfico Alagoano (IHGAL) e Arquivo Público Estadual de Alagoas
(APEAL), com a finalidade de coletar informações sobre os processos do morrer
22
(testamentos, enterramentos, criação de cemitérios, leis sobre sepultamentos, etc.) na
sociedade alagoana dos séculos XVII e XVIII.
Na segunda etapa da pesquisa, iniciei propriamente as observações in situ, passando a
frequentar velórios e sepultamentos que ocorriam no Campo Santo Parque das Flores. Os
velórios e sepultamentos a que assisti eram os mais diversos, independia do tipo de morte, da
idade e do sexo da pessoa morta, já que o que me interessava naquele momento era saber
quais os produtos adquiridos pela família e utilizados nos rituais e como se organizavam os
serviços funerários. Foram realizadas inúmeras observações de velórios e sepultamentos,
inclusive de um ritual de exumação (retirada de ossos). Nessa etapa da pesquisa coletei
algumas informações tanto em conversas formais (gravadas) quanto informais, realizadas com
os jardineiros, mestres de cerimônia e equipe administrativa do cemitério.
O Grupo Parque das Flores possui várias equipes de Executivos de Venda de seus
produtos e serviços. Uma das equipes é composta por executivos que oferecem o plano
assistencial PréVida, destinado a atender uma camada da sociedade de pouca renda que
sepultará seus falecidos em cemitérios blicos. O plano assegura o pagamento da taxa de
sepultamento em cemitério público (caso o associado deseje sepultar em cemitério particular,
terá que arcar com as despesas do sepultamento) e o corpo morto deverá ser velado na Central
de Velórios ou na residência (caso o associado deseje realizar o velório em outro local, deverá
arcar com as despesas). Outra equipe de Executivos de Venda oferece o plano assistencial
Previparq do Agreste, destinado aos associados que residem no interior de Alagoas e que
tenham adquirido jazigo no Campo Santo Parque do Agreste, localizado na cidade de
Palmeira dos Índios. A outra equipe é composta pelos Executivos de Venda do plano
assistencial funerário Previparq das Flores, um plano para os associados que tenham adquirido
jazigo no Campo Santo Parque das Flores na cidade de Maceió
2
.
A terceira etapa da pesquisa foi realizada somente entre Executivos de Vendas do
plano assistencial funerário Previparq das Flores, que também oferecem jazigos no Campo
Santo Parque das Flores. A opção por estes executivos ocorreu em virtude de já ter iniciado a
pesquisa observando os velórios e sepultamentos realizados no cemitério Parque das Flores e
pelo fato de que o perfil dos consumidores fúnebres que interessavam para a pesquisa era os
que haviam sepultado seus falecidos em cemitérios ajardinados.
2
Os planos assistenciais funerais são planos de serviço funerário adquiridos preventivamente, através do
pagamento de uma taxa mensal que assegurará ao associado ou assegurado toda a assistência no momento em
que vier a falecer, ou se morrerem alguns dos beneficiários do plano (familiares e agregados).
23
A pesquisa junto a esses executivos foi realizada nas depenncias do cemitério
Parque das Flores, no local onde os vendedores se concentram para oferecer, via contato
telefônico, os produtos e serviços. Observei, durante o período de três meses, os contatos
telefônicos e realizei entrevistas (gravadas) com alguns Executivos de Vendas. Nesta etapa da
pesquisa também foram realizadas conversas informais com a Gerente de Vendas e com o
Supervisor de Vendas da equipe de executivos.
a quarta etapa da pesquisa foi realizada entre os consumidores fúnebres dos
produtos e serviços do Grupo Parque das Flores, objetivando identificar a motivação para esse
consumo. O perfil desses consumidores foi especificamente os que adquiriram jazigo no
cemitério Parque das Flores e/ou plano assistencial funerário Previparq das Flores na forma
preventiva, fossem eles usuários ou não usuários. O universo dos consumidores fúnebres
pesquisados foi intermediado pelo Grupo Parque das Flores: a Assistente Social entrou em
contato com os consumidores para solicitar-lhes a devida autorização. Outros consumidores
foram selecionados através do meu círculo de amizades. Todas as entrevistas (gravadas)
foram realizadas nas residências dos clientes.
Depois de familiarizada com o universo fúnebre, realizei a quinta etapa da pesquisa
acompanhando o processo de higienização e preparação dos cadáveres executado pelos os
agentes fúnebres da Funerária São Matheus, administrada pelo Grupo Parque das Flores. Foi
realizado um primeiro contato com o administrador da funerária, e, em seguida, articulada,
junto à secretária da funerária, a forma como ocorreria minha intervenção. Ficou acordado
que, quando ocorressem óbitos de clientes do Grupo Parque das Flores, os agentes fúnebres
entrariam em contato e informariam o local em que seria realizado o serviço (normalmente, o
necrotério do hospital onde ocorresse o óbito). Então, seguia ao encontro dos agentes e ficava
observando os serviços de manipulação dos cadáveres, que são: lavagem, higienização,
tamponamento
3
, vestes, necromaquiagem
4
, colocação do corpo no caixão, ornamentação do
3
O tamponamento consiste na inserção de um gel coagulante na boca, nariz, ouvido, reto e vagina do cadáver.
Com auxílio de uma pinça e de algodão, os agentes fúnebres inserem um específico para tamponamento na
boca (que em seguida é fechada com auxílio de uma cola labial), nos orifícios nasais (com cuidado para o
forçar, visto que muitas veias e vasos nos orifícios nasais, que, se estourados, provocam a expulsão de
sangue). O tamponamento no ouvido, reto e vagina ocorre quando causa mortis uma hemorragia, por
exemplo possa fazer com que o corpo expila algumas secreções.
4
A necromaquiagem consiste na aplicação de um corante labial no cadáver, para intensificar a coloração dos
lábios e minimizar a palidez cadavérica, e na aplicação de um corante facial, que é esborrifado na face e nas
mãos para obtenção de uma tonalidade rosada. Ainda podem ser aplicados no cadáver cosméticos de uso
cotidiano, tais como bases, pós faciais, batons, máscaras para cílios, blush, etc. Os vestígios deixados por
acidentes, doenças ou tratamento como picadas de agulhas, por exemplo podem ser escondidos e maquiados.
24
caixão
5
e traslado do corpo até o cemitério Parque das Flores, local das cerimônias de velório
e sepultamento. Foram feitos cinco acompanhamentos de higienização e preparação de óbitos
com os agentes da Funerária São Matheus. Também nesta etapa da pesquisa foram realizadas
entrevistas (gravadas) com os agentes fúnebres.
Por fim, a sexta etapa da pesquisa consistiu na realização de entrevistas (gravadas)
com os Diretores do Grupo Parque das Flores para coletar dados sobre o surgimento da
empresa, os produtos e serviços oferecidos, bem como sobre as dificuldades encontradas na
oferta e venda de produtos não procurados. Neste momento também foi realizado um
levantamento de jornais impressos, no arquivo da Gazeta de Alagoas, que fizessem referência
à hisria dos cemitérios de Maceió, sobretudo o cemitério Parque das Flores, aos eventos
realizados nos cemitérios e às histórias de violação, desaparecimento de corpos e roubos nos
cemitérios públicos.
No total foram realizadas vinte e quatro entrevistas gravadas, tendo sido entrevistados
seis Executivos de Vendas dos jazigos e planos assistenciais funerários, dois Mestres de
Cerimônias, dez clientes do Grupo Parque das Flores, consumidores de jazigos e planos
funerários, quatro agentes fúnebres da Funerária São Matheus e dois Diretores do Grupo.
Todas as entrevistas foram autorizadas pelos entrevistados, que assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido, elaborado especialmente para este trabalho (termo em
anexo).
Todos os indivíduos que participaram da pesquisa tiveram suas identidades
preservadas nesta tese: seus nomes foram trocados por nomes de flores e plantas, conforme
ficou acordado no ponto cinco do termo de consentimento livre e esclarecido. Ao final de
cada entrevista com os clientes do Grupo Parque das Flores, foram feitas perguntas com o
objetivo de identificar o perfil de consumo de cada cliente. Tais perguntas constaram de um
questionário, baseado no Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB), da
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que estima o poder de compra das
pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de classificar a população em termos de
5
No processo de manipulação dos cadáveres outros serviços podem ser realizados, tais como: formolização
(aplicação de formol nas artérias do cadáver, processo que normalmente é realizado quando há necessidade de
trasladar o cadáver), tanatopraxia ( técnica de preparação dos cadáveres visando à desinfeão e ao retardamento
do processo de decomposição do corpo, através da aplicação de produtos químicos que possibilitem garantir uma
aparência natural do corpo, evitando o extravasamento de líquidos e o aparecimento de inchaços), restauração
facial (reparação ou reconstrução corretiva na face ou em outras partes do corpo deformadas em decorrência de
acidentes de qualquer natureza, como: traumas, lacerações, cortes, entre outros).
25
classes sociais e se baseando no critério da divisão de mercado definida exclusivamente a
partir do critério de classes econômicas
6
.
Os outros momentos da pesquisa consistiram em observar os eventos e encontros
realizados pelo Grupo Parque das Flores (Dia de Finados, Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal,
Dia das Crianças e os encontros do PréVida); também consistiram em conversas informais
com familiares dos mortos, Assistente Sociais, Assessores de Comunicação, Assessores
Administrativos, Coveiros; além do acesso a comerciais, campanhas publicitárias e
merchandising do Grupo Parque das Flores.
O material coletado para a pesquisa, além das entrevistas, contou também com
fotografias de jornais, vídeos com depoimentos, palestras e comerciais de tv, um grande
acervo de folders e fotografias de diversas temáticas e observações registradas em diários de
campo, vídeos gravados em velórios e enterramentos, etc. As fotografias selecionadas para
esta pesquisa preservaram a identidade de todos os indivíduos; foram, portanto, utilizadas de
forma ilustrativa, sem a pretensão de denegrir a imagem de pessoas. As imagens dos rostos
foram manipuladas por computador para impossibilitar o reconhecimento (exceto as imagens
retiradas de alguma website, que são de domínio público).
Nos diários de campo constaram, além das conversas informais, os registros obtidos a
partir de observações. Como o campo fúnebre é delicado, por envolver emoções e
subjetividades, na maioria das vezes o pesquisador -se impossibilitado de realizar
entrevistas, conversas ou arguições, sobretudo em momentos de velórios, sepultamentos,
higienização e preparação de cadáveres. Muitas das informações colhidas em um campo
fúnebre, portanto, são obtidas do silêncio, através dos gestos, do olhar ou das lágrimas. É o
silêncio que fala, que diz e que traz informações.
É importante também enfatizar que a pesquisa foi realizada somente após autorização
do Grupo Parque das Flores, através de uma carta de anuência (em anexo) encaminhada ao
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, que, de acordo com a
Resolução n 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, aprovou e liberou a coleta de dados de
acordo com o Registro CEP/CCS/UFPE n° 403/07 (em anexo).
6
Disponível em: < http://www.abep.org/codigosguias/Criterio_Brasil_2008.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2008.
26
Quando o campo é dos mortos:
os limites do fazer campo numa empresa funerária privada
Além das peculiaridades que envolvem os mortos e os vivos, fazer campo numa
empresa funerária privada implica enfrentar alguns riscos. O primeiro obstáculo é fazer com
que a pesquisa não se transforme em uma pesquisa aplicada ou um instrumento de porta-voz
político e/ou comercial do grupo estudado (CARDOSO, 1986, p. 100. In: CARDOSO, 1986).
Sabemos que o trabalho de campo baseia-se na observação-participante ou
participação-observante, enfatizando a relação de intimidade, a convivência com outras
pessoas e a imersão em outra cultura. E que o envolvimento do pesquisador com seus
informantes é uma premissa do trabalho do antropólogo. Porém, a relação de distanciamento é
também fundamental para a análise antropológica.
Durante o período em que observava a dinâmica da atuação do Grupo Parque das
Flores, fui, por diversas vezes, envolvida nos problemas estruturais da empresa. Em vários
momentos fui procurada por trabalhadores que comentavam e denunciavam algumas
situações cotidianas, com o objetivo, talvez, de me fazer uma porta-voz política ou uma
pesquisadora militante. Então, durante todo o trabalho, precisei ter o cuidado de o reduzir a
pesquisa à denúncia; caso contrário, poderia eliminar um dos passos mais importantes da
pesquisa-participante: o estranhamento como forma de compreensão do outro (CARDOSO,
1986, p. 100. In: CARDOSO, 1986).
As situações vivenciadas durante o trabalho de campo possibilitaram delimitar o grau
de proximidade e distância entre a pesquisadora e os pesquisados, fundamental para permitir a
percepção dos problemas enfrentados cotidianamente no espaço de uma empresa particular e
o entendimento das relações sociais estabelecidas naquele ambiente, bem como as relações de
poder existentes no universo da empresa.
No início da pesquisa, enfrentei o mesmo dilema vivenciado por todo e qualquer
antropólogo em campo, seja este campo uma empresa privada, pública ou mesmo um grupo
étnico: a mudança no cotidiano provocada pela simples presença do pesquisador. No entanto,
esta situação foi logo resolvida.
O meu impacto como pesquisadora que estava estudando e analisando uma empresa
privada fez surgirem outros dilemas. A minha rápida aceitação no grupo e na empresa trouxe
a apreensão de que a pesquisa fosse percebida como um elemento de divulgação comercial.
Portanto, tive que deixar claro ao grupo que a pesquisa o resultaria num instrumento de
27
propaganda e publicidade para benefício do Grupo Parque das Flores, tampouco reduziria a
pesquisa apenas a uma crítica ao processo de gestão da morte pelas empresas privadas. O que
se pretenderia mostrar seria como e por que o atual processo de morrer se tornou objeto de
mercado e de consumo a partir da etnografia realizada no Grupo Parque das Flores.
Outro momento de apreensão na pesquisa ocorreu numa reunião com a Assessora de
Comunicação e Gerente de Relacionamento do Grupo Parque das Flores, com o objetivo de
explicar a pesquisa e delimitar como seriam realizadas as abordagens aos funcionários e
clientes da empresa.
Minha intenção nesta reunião era estabelecer um diálogo e manter uma relação
baseada no modelo dialógico da etnografia, com a finalidade de evitar uma suposta isenção
científica, ou seja, posturas adotadas pelos pesquisadores que impedem informar o
entrevistado sobre o conteúdo da pesquisa. Tentei transformar a relação entre pesquisadora e
pesquisado numa via de mão dupla”, para criar um campo de interação, de forma a evitar que
o trabalho de campo se resumisse apenas a uma relação de respostas às perguntas efetuadas
pela pesquisadora. Oliveira (2000, p. 24) chama atenção de que, para se estabelecer um
diálogo entre iguais o informante deve ser transformado em interlocutor, e Silva (2006, p. 57)
sugere que o estabelecimento de uma aliança com os “nativos” e a explicitação da pesquisa
etnográfica são essenciais para uma possível aproximação.
Então, na reunião, tentei explicar o que seria a pesquisa etnográfica, mas essa tentativa
foi frustrada. Após a exposição sobre os objetivos da pesquisa e como percebia a gestão da
morte pelas empresas privadas, a Assessora de Comunicação e Gerente de Relacionamento do
Grupo Parque das Flores disse que “eu estava enxergando o trabalho deles como „verde‟, mas
que eles não eram verdes‟ e sim „azuis‟” (notas do diário de campo). Utilizou esta metáfora
com o objetivo de informar que eu estava equivocada em relação às ações da empresa, à
forma e aos argumentos que a empresa utiliza para oferecer os produtos e serviços; insinuou
que eu estava interpretando a ação da empresa da forma como eu queria que ela fosse e não
como ela realmente é.
Relendo um de meus diários de campo, encontrei uma anotação sobre o
constrangimento surgido a partir do tipo de interlocução estabelecida durante a reunião:
A todo momento ela queria me convencer de que era isso que eu tinha que ver e
sentir. Na verdade, era como se ela estivesse dizendo para mim: É assim que você
tem que enxergar o nosso trabalho, caso contrário tudo é inviável. Tudo que eu
argumentava, ela contra-argumentava. Não aceitava minhas colocações. Foi
sinceramente muito complicada e tensa a conversa. Houve uma pressão muito forte
para que eu enxergasse da forma como eles queriam. Senti isso. Não sei se fiz bem
em argumentar com ela a respeito do que eu achava sobre o trabalho deles (da
empresa). Seria interessante apenas ouvir? (notas do diário de campo).
28
DaMatta (1987, p. 163. In: DaMATTA, 1987) utiliza um importante exemplo que nos
auxilia a refletir sobre as interpretações aferidas pelos pesquisadores sobre determinadas
ações dos grupos sociais:
Um sociólogo pode assistir a uma disputa mortal entre grupos de uma sociedade e
dizer que aquilo é uma guerra causada por fatores econômicos e demográficos; ao
passo que os membros da sociedade implicados no conflito podem dizer que a tal
<<guerra>> era apenas um ritual de vingança, destinado a limpar a honra do grupo
local ameaçado pelos seus irmãos de uma outra aldeia. A causa final para a
sociedade em estudo, nada tendo a ver com um conflito aberto e violento (que nós
chamamos de <<guerra>>), mas com o comportamento dos mortos em relação aos
vivos e dos membros de duas comunidades que estavam se juntando. Pergunto:
quem tem razão? Se reduzirmos todos os conflitos mortais à categoria de guerras,
então o trabalho de campo e o conhecimento antropológico da diferenciação
humana é algo totalmente inútil.
A partir dessas considerações de DaMatta, penso que talvez em determinado momento
da pesquisa, sobretudo no início da inserção de campo, tenha reduzido o Grupo Parque das
Flores à categoria de guerras, ou seja, talvez tenha atribuído um dado valor às ações da
empresa sem me interessar por seus reais motivos, quando, na verdade, deveria ter exercitado
o ouvir antropológico antes de aferir qualquer hipótese, conforme alerta DaMatta (1987, p.
164. In: DaMATTA, 1987): antes de termos aferido o evento pelo nosso sistema de
classificação, é preciso saber como a sociedade em estudo o faz.
Superadas essas armadilhas iniciais, comecei a “ser percebida” pelo Grupo Parque das
Flores, sobretudo quando foram modificadas as assessorias de comunicação e de
administração, no ano de 2007. A nova Assessora de Comunicação me convidou para
participar de algumas atividades no Grupo (entrevistas e depoimentos sobre a empresa) e
possibilitou novos acessos e discussões sobre a política da empresa. Enxerguei nessa
possibilidade uma nova chance de fotografar a realidade vivida, sem a preocupação inicial de
reduzir a pesquisa à ação, à militância ou à um elemento de divulgação comercial.
Em outro momento da pesquisa me deparei com alguns dilemas, principalmente
quando foram estabelecidas as estratégias para a abordagem dos consumidores fúnebres, já
que os dados desses consumidores teriam que ser oferecidos pelo Grupo Parque das Flores,
através de um levantamento entre seus clientes. Por este motivo, surgiram alguns
questionamentos, tais como: como conversar com os consumidores fúnebres sobre os
produtos e serviços adquiridos e utilizados, sem que eles se sentissem incomodados por terem
que se lembrar da morte de algum parente? Como abordar os consumidores sem que eles
interpretassem essa abordagem como uma invasão à privacidade, o que colocaria em risco a
credibilidade e a confiança sobre a empresa?
Em conversa com a Assistente Social do Grupo Parque das Flores, ficou acordado que
29
ela ficaria com a função de intermediar os contatos com os clientes com a finalidade de
solicitar autorização para que participassem da pesquisa. Quando algum consumidor
preventivo usuário autorizava participar da pesquisa, a Assistente Social repassava o contato
do cliente para que fosse marcado o local e a data da entrevista. Entretanto, nem todos os
consumidores estavam dispostos a falar: de uma listagem com mais de quarenta clientes do
Grupo Parque das Flores (preventivos e usuários), apenas três aceitaram participar da
pesquisa.
As orientações metodológicas sugerem que devemos investigar um número
representativo de pessoas e observar todas as suas atividades, mas nem sempre isso é possível.
Com relação ao universo de consumidores fúnebres surgiu uma grande dificuldade em relação
aos aspectos quantitativos da investigação, ou seja, o número de informantes que subsidiariam
as análises, já que se pressupõe que, ao relatar a experiência da compra de um produto ou
serviço, os consumidores lembrarão a sensação de ter perdido um familiar e muitos não
suportam falar sobre este assunto. Busquei então meus círculos de amizades na tentativa que
alguém conhecesse um cliente usuário preventivo do Grupo Parque das Flores e o indicasse
para a pesquisa. Assim, consegui estabelecer contato com um número significativo de
clientes, fundamental para uma análise densa.
Todas as entrevistas foram realizadas nas residências dos consumidores. Todos os
entrevistados disseram que haviam autorizado minha presença e consentido a entrevista
porque a Assistente Social havia entrado em contato com eles anteriormente. Portanto, o que
poderia a princípio ser caracterizado como um problema ou dificuldade no trabalho de campo
foi percebido como estratégias para identificar as etiquetas, os digos e as regras do grupo
pesquisado, pois todas essas situações vivenciadas serviram para refletir tanto sobre a
estrutura da empresa e as relações que estabelece com seus clientes, quanto à maneira como
os clientes se relacionam com a empresa, sobretudo a relação de confiança que os
consumidores depositam em relação aos produtos e serviços adquiridos.
Como se sabe, o trabalho de campo é marcado por imponderáveis. Inúmeras foram as
situações difíceis enfrentadas durante a pesquisa: o desconforto da empresa diante da presença
de uma pesquisadora observando o seu cotidiano; a tentativa de alguns trabalhadores em fazer
da pesquisadora uma porta-voz de suas expectativas em relação à empresa; o constrangimento
surgido a partir de algumas tentativas de interlocução; a interferência da empresa em relação à
forma como estabeleci o contato com os consumidores com objetivo de não incomo-los; e a
reticência dos consumidores em realizar as entrevistas.
Então, como o pesquisador deve se comportar diante dessas circunstâncias? Como
30
realizar uma etnografia com todas essas situações? Penso que o trabalho do antropólogo
consiste também em passar por esses constrangimentos e por essas situações arriscadas que
marcam a inserção em um determinado campo. Uma situação de risco pode ser também
apreendida como um processo da pesquisa. Neste caso, caberá ao pesquisador tirar proveito
teórico e metodológico desses obstáculos.
As armadilhas, os riscos e os obstáculos pelos quais passa o antropólogo devem se
tornar elementos para compreensão das representações etnográficas dos grupos estudados.
Silva (2006, p. 117) alerta que o trabalho de campo como técnica de pesquisa deve servir não
só como condição para a realização do trabalho científico antropológico e como condição para
a construção da etnografia, mas como um objeto do saber etnográfico para melhor
compreensão da alteridade.
Em relação à pesquisa de campo com o Grupo Parque das Flores e seus clientes,
procurei transformar as situações arriscadas em benefícios teóricos e metodológicos para o
estudo.
A expectativa da empresa em relação à etnografia que realizava me levou a concluir
que o trabalho de campo é um momento de negociação de conhecimento, implica uma lógica
de negociações estabelecida entre a pesquisadora e o pesquisado (a empresa). Essas situações
de troca, de reciprocidade, são elementos que marcam o ocio do antropólogo.
Perceber o trabalho de campo como um momento em que o antropólogo está diante de
um jogo de regras, digos de condutas e comportamentos, foi imprescindível para
compreender a interferência da empresa no que diz respeito às técnicas de abordagem aos
clientes e a relação que os consumidores estabelecem com a empresa, inclusive quando
aceitaram participar da pesquisa através da intervenção da Assistente Social.
As armadilhas da pesquisa também se fizeram presentes a partir da familiaridade com
o objeto de estudo. O tema da morte e do morrer investigado era familiar e conhecido, pois
integrava o meu universo social e ideológico. Adquirir produtos e serviços fúnebres (urnas,
jazigos, planos assistenciais, etc.) é situação vivenciada no cotidiano. Desta forma, o campo
faz parte do meu esquema de classificação e da minha visão de mundo. Tive então que
executar o autoexorcismo, ou seja, superar o familiar e transformá-lo em algo estranho.
Assim, tive que exercitar o anthropological blues (DaMATTA, 1987, p. 169. In: DaMATTA,
1987).
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Quando os nativos são cadáveres e os familiares os interlocutores:
As subjetividades no campo fúnebre
Para a realização da pesquisa de campo, me coloquei, em alguns momentos, em
posição de funcioria/estagiária da empresa, principalmente durante as observações de
velórios e sepultamentos, quando a equipe do Campo Santo Parque das Flores, composta pelo
Mestre de Cerimônias, Jardineiros e Assistente Social, se dirigia às capelas velatórias para
finalizar o ritual de velação do corpo e iniciar a inumação. Também utilizei esta estratégia
quando realizei as observações da manipulação dos cadáveres junto aos agentes fúnebres da
Funerária São Matheus.
Esta estratégia foi sugerida por mim e acatada pelos Diretores do Grupo Parque das
Flores, pois tinha receio da reação das famílias se soubessem que estava ali observando os
velórios, os sepultamentos e a preparação do corpo de seus entes, na condição de
pesquisadora/antropóloga.
A premissa de assumir o papel temporário de funcionária/estagiária da empresa foi um
limite colocado por mim como pesquisadora, pela minha sensibilidade e pela minha emoção
ante o meu campo, já que sentia que estava invadindo um espaço privado, embora ninguém
(nem os familiares, nem os Diretores da empresa) houvesse me dito que o poderia gravar,
fotografar, perguntar, enfim ter um relacionamento interpessoal com os familiares enlutados.
Talvez a observação dos velórios, dos sepultamentos e da preparação dos cadáveres
inquietasse mais a mim, como pesquisadora e como pessoa, do que aos meus observados (os
familiares), já que estes sequer sabiam ou percebiam minha presença naquele momento
marcado por fortes emoções. Afinal, era reconhecida como membro da equipe de serviços do
Grupo Parque das Flores.
Mesmo adotando esta estratégia, a pesquisa teve alguns momentos delicados. Um
deles ocorreu durante o velório de um senhor de sessenta e sete anos de idade. Quando me
dirigi, juntamente com a equipe de funcionários do Campo Santo Parque das Flores para a
capela onde estava sendo velado o corpo, com o objetivo de encerrar a cerimônia de velório e
iniciar o ritual de sepultamento, uma pessoa me abordou. Era o sobrinho da pessoa falecida,
que, coincidentemente, trabalha comigo na mesma instituição de ensino superior e me
perguntou: Você conhecia o meu tio?”. Eu jamais esperava me deparar com essa situação, o
que me deixou extremamente constrangida, sem saber sequer o que responder. Como poderia
dizer: Não, não conhecia seu tio. É que ele faz parte de meu objeto de estudo!? Diante de
meu constrangimento, ele (o sobrinho do morto) entendeu, lembrou-se da minha pesquisa do
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Doutorado, sorriu e disse: “Ah! Não. Claro que você não conhecia meu tio, é que tu tá
fazendo tese aqui, né? Nossa! Então quer dizer que meu tio é teu objeto de estudo!”. Então,
descontraído, comentou com alguns dos familiares presentes que “o tio dele era meu objeto de
estudo. E, até hoje, quando ele me encontra no ambiente de trabalho, comenta essa situação
constrangedora e, ao mesmo tempo engraçada.
Outro momento delicado da pesquisa ocorreu quando estava observando a
higienização do corpo de um senhor de, pelo menos, oitenta anos de idade. A funcionária da
Funerária São Matheus entrou em contato comigo, às quatro horas da manhã, me informando
de um óbito no hospital da Unimed e que a equipe de agentes fúnebres estava se deslocando
ao local, mas se esqueceu de avisar aos agentes sobre a minha presença no lugar (o necrotério
do hospital). Eu já havia realizado outras observações de acompanhamentos, porém nunca
com esta equipe.
Quando cheguei ao local do óbito, a equipe, composta por dois agentes fúnebres, que
estava manipulando o corpo, ficou sem entender a minha presença ali. O filho e o sobrinho
do morto, que também estavam presentes no necrotério do hospital, se entreolharam. Um
deles questionou os agentes fúnebres sobre a minha presença. Os agentes (também sem
entender, pois sequer sabiam quem eu era) informaram que eu era a Assistente Social do
Grupo Parque das Flores e que estava ali para prestar uma assistência aos enlutados (já que é
comum as Assistentes Sociais participarem também desse tipo ritual). Em seguida, um dos
agentes fúnebres me alertou de que seria mais prudente sair da sala de necrotério e prestar
assistência à esposa do morto. Eu, constrangida, o me senti à vontade para dizer que era
uma pesquisadora que estava observando o trabalho dos agentes fúnebres, já que na sala do
necrotério se encontravam duas pessoas pertencentes à família do morto. Tive receio da
reação dos familiares, que, inclusive, poderia trazer prejuízos jurídicos e administrativos à
empresa. No momento, a única reação que tive foi dizer que o era Assistente Social, mas
que trabalhava no setor de serviço de qualidade da empresa e estava ali para avaliar o serviço
que estava sendo prestado pelos agentes fúnebres e para verificar se a família estava satisfeita
com o referido serviço.
Esta reação trouxe outro momento de constrangimento, sendo que desta vez com os
agentes fúnebres, que não gostaram sequer da minha presença, porque acreditaram realmente
que estava avaliando suas funções. Esperei o momento em que os familiares saíram da sala do
necrotério para contornar a situação, explicando os reais objetivos da minha presença naquele
local.
Poderia narrar várias outras situações, inclusive mais dramáticas, sobretudo quando se
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tratava de mortes de jovens em decorrência de acidentes ou de crianças. Uma delas e que
reflete bem o desafio de campo nestas condições ocorreu quando participei do velório de uma
jovem mãe e de sua filha ainda criança, mortas em acidente. Chegando ao local do velório,
juntamente com a equipe do Grupo Parque das Flores, fui confundida novamente como
Assistente Social (que já estava a caminho) para dar apoio psicológico ao pai que havia
perdido sua esposa e sua filha, que morreram em um acidente automobilístico, ocasionado por
ele próprio (o pai) quando conduzia o veículo. Tal situação foi uma das mais constrangedoras
por mim vivenciadas durante a pesquisa. Primeiro por se tratar de uma morte em
circunstâncias dramáticas, o que efetivamente procurei evitar. Segundo porque tive que
representar um papel para o qual não estava preparada e, por conseguinte, extrapolava os
objetivos da pesquisa, já que o foco insidia no consumo e não no campo ritual das emoções.
Relendo as anotões de campo, a situação inesperada me colocou numa posição
desconfortável na medida em que fui obrigada a assumir momentaneamente o papel de
consolar o filho de doze anos da falecida, acompanhado da tia, que chegava ao local.
Evidentemente que essa situação em particular, para a qual não estava preparada, me
obrigou a repensar os limites do campo, pois naquele momento acabei me envolvendo com
uma criança que em desespero clamava pela mãe. Por mais tentador que fosse me manter
numa posição mais distanciada, controlada e imparcial, o impacto da cena era mais forte do
que qualquer pressuposto etnográfico perseguido pelo pesquisador.
Essas e outras situações me obrigaram a refletir sobre os próprios limites de minha
atuação no campo, como já bem lembrava Michel Leiris em A África Fantasma (2007).
São limites a serem desafiados também pelos que trabalham no mercado funerário.
Pela própria natureza dos serviços prestados, é comum se ouvir que o indivíduo acaba por
naturalizar a morte dos outros. Numa conversa informal, a atendente da funerária do cemitério
Parque das Flores me confidenciava que, quando começou a trabalhar naquele lugar, perdeu
a sensibilidade diante do desespero. Afinal, no campo fúnebre o “se acostumar” ou o “perder
a sensibilidadesignifica criar estratégias para se proteger da dor dos outros, isto é, não se
envolver com o sofrimento alheio. Esse sentimento é também compartilhado porrios outros
profissionais do Grupo inclusive, não é raro se ouvir essa mesma lógica da parte dos
profissionais da saúde, especialmente os médicos de UTI.
Esta também foi uma das estratégias que adotei no decorrer do trabalho de campo. No
início de minhas observações de velórios e sepultamentos chegava ao auge da exaustão sica
e mental. Cheguei até mesmo a pensar em desistir desta empreitada. Para não abandoná-la,
necessitava encontrar uma forma compensatória qualquer que não me deixasse desviar do
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foco do trabalho que, em última instância, não era o sofrimento dos parentes do morto, nem o
campo das emoções, mas os mecanismos do consumo fúnebre. Entretanto, a cadeia produtiva
de consumo de bens fúnebres me demandava cumprir etapas, entre as quais participar dos
rituais de preparação do cadáver, de velórios e de sepultamentos, doravante mais prevenida de
meus limites.
Então, observar velórios, sepultamentos e manipulações de cadáveres revela que o
trabalho de campo é marcado também por uma intensa relão de subjetividade e de carga
efetiva, que acaba, muitas vezes, interferindo na sensibilidade e na subjetividade do
pesquisador. Afinal de contas, sentimento e emoção são os hóspedes não convidados da
situação etnográfica (DaMATTA, 1987, p. 169. In: DaMATTA, 1987).
Os momentos da pesquisa de grande carga afetiva e emocional ocorreram também
durante as entrevistas com os consumidores usuários de produtos e serviços fúnebres. Embora
minha intenção ao entrevistá-los estivesse focada no tipo de serviço e produto que fora
adquirido, na maioria das vezes os entrevistados relatavam a utilização dos serviços e
produtos quando da realização de algum funeral, portanto, não havia como não enfocar a
experiência da perda de um familiar.
Uma dessas situações ocorreu quando entrevistei uma senhora de setenta e nove anos
de idade que me contou que adquiriu uma concessão de jazigo no Campo Santo Parque das
Flores e se associou ao plano Previparq das Flores. O primeiro a fazer uso dos serviços e dos
produtos fúnebres foi seu único filho, de quarenta e seis anos de idade, que, ao descobrir um
câncer na garganta, faleceu após passar nove dias hospitalizado. A entrevistada narrou o
momento exato em que soubera do falecimento de seu filho:
Ele estava passando mal, ele botou aquela cânula assim, ele não falava, ele
escrevia, ele estava com um médico e todos sabiam que não ia ter cura, somente eu
que não sabia e ele também o sabia não, mas ele previu, previu, ele disse, falava
por acenos [acena], dizendo que ia, que o tinha jeito. Quando foi no dia que ele
faleceu, que a gente ia, a gente revezava. Ele não queria que eu fosse, porque ele ia
chorar e perturbava e ele não podia ficar chorando e eu via o estado que ele estava e
eu não suportava, podia também morrer. E a minha filha lá [no hospital] com a
cunhada e a sobrinha, a gente revezava, eles passavam um horário, outro horário, a
noite, era assim, revezando. Aí chegou uma hora que eu era telefonando de instante
em instante e cadê? Não me o notícia. Me notícia? Me notícia?
[Perguntou para a filha que estava no hospital] Não, não, a gente está resolvendo
aqui uma coisa” [respondeu a filha] eu disse: Vocês estão demorando, quem é
que vai revezar? Quem é que vai revezar? [perguntou para a filha que estava no
hospital] “Ah! Não, a gente vai buscar a roupa dele, que ele foi para não sei aonde,
ele teve uma piorinha, ele está na UTI, e não sei o que, não sei o que, e a gente vai
buscar a roupa dele lá no quarto” [respondeu a filha]. Eu disse: “Ai, meu Deus, meu
filho morreu, morreu, morreu, morreu, morreu. Eu entendi...
(Entrevista com Dália, realizada em 09 de julho de 2008)
Como a pesquisadora pode ficar neutra e não se emocionar, chorar, diante do relato de
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uma mãe que perdeu seu único filho, tima de um câncer na garganta, e que diz, Eu nunca
esperei de sepultar o meu filho, pensava que ele era que iria me sepultar”?
Jaggar (1997, p. 169. In: JAGGAR; BORDO, 1997) alerta que determinadas emoções
(desprezo, desgosto, vergonha, revolta, medo, fúria, tristeza e paixão) podem inibir a
investigação de certas situações ou fenômenos, podem trazer interpretões errôneas sobre o
que outras pessoas dizem e podem provocar desatenção em relação a alguns aspectos ou
situações.
No caso da pesquisa de campo que realizei no Grupo Parque das Flores, algumas das
minhas subjetividades e emoções podem, de fato, ter inibido a análise de alguns fenômenos
ou situações ocorridas. Quando realizei os acompanhamentos e preparação de cadáveres,
evitei situações que envolvessem observar manipulação de cadáveres de crianças,
decompostos ou de pessoas cuja causa mortis tivesse sido resultado de uma morte violenta
(afogamento, atropelamento, acidentes cujo corpo estivesse carbonizado, assassinatos
7
, etc.).
Entretanto, acredito que essas exigências fizeram parte do limite emocional da observação e
do observador. Além do mais, acredito também que o fato de ter evitado observar a
manipulação desses cadáveres não alterou o objetivo da pesquisa, uma vez que sabia que não
era necessário passar por esse momento emocional e trágico para analisar o mercado e o
consumo dos produtos e serviços fúnebres.
Woodthorpe (2007) realizou uma pesquisa num cemitério em Londres entre 2003 e
2004 para entender como os grupos percebiam a experiência da paisagem cemiterial e os
significados do luto contemporâneo. Ela descreveu a observação no cemitério como a highly
charged activity, fazendo-a refletir que era um ser humano capaz de experimentar uma gama
de emoções, de sentir empatia e compaixão pelos outros, o que a fez se autoidentificar não
como uma investigadora, mas como um ser humano (de carne e osso).
Ao sair do campo, Woodthorpe notou que tinha sofrido com a experiência, que
pensava e refletia sobre a morte. A partir desse momento, entendeu a dificuldade que teve em
tentar dividir o que ela estava observando com seus próprios sentimentos sobre a morte.
Então, percebeu que havia uma relação entre os dados coletados durante a pesquisa e os
processos emocionais do pesquisador. Os dados obtidos em campo estavam associados às
7
A única manipulação, velório e sepultamento de um cadáver vítima de assassinato a que assisti foi do sobrinho
de uma das Executivas de Vendas, morto aos dezessete anos de idade, com três tiros, pois entendi que seria
interessante para fazer uma análise comparativa, uma vez que os Executivos de Vendas oferecem serviços e
produtos para os consumidores fúnebres e, nesse caso específico, ela (a Executiva de Vendas) havia se
transformado em consumidora e cliente do Grupo Parque das Flores. Dias depois do sepultamento, entrevistei a
Executiva de Vendas que, a partir daquele momento, se comportava não mais com o status de uma vendedora,
mas com o status de uma consumidora.
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emoções sentidas pela pesquisadora em campo. A partir daí, esses dados passaram a ter outros
significados, a ponto de fazê-la perceber a complexidade emocional do que estava ocorrendo.
Reconhecer o estado emocional na pesquisa é um negócio arriscado para os
pesquisadores sociais, diz a autora, pois pode colocar em risco os dados e pode fazer com que
o pesquisador seja entendido como vulnerável, imparcial e preconceituoso. Entretanto, ao não
fazer isso (reconhecer o estado emocional), o pesquisador pode ser cobrado por ser demasiado
positivista. O que está em jogo para Woodthorpe não é o fato de o investigador refletir ou não
sobre suas emoções dentro das pesquisas, mas reconhecer que essas emoções transmitem
credibilidade e possibilitam uma análise mais densa da cultura. Assim, a autora é favorável ao
pressuposto de que o impacto das emoções sobre o pesquisador é uma forte e poderosa
ferramenta para interpretar e analisar os dados. Esta foi uma das premissas assumidas por
mim durante o trabalho de campo.
A morte e suas perspectivas teóricas
O tema deste trabalho está intimamente ligado ao aparato teórico da antropologia da
morte (THOMAS, 1993), que demonstra que a vida moderna produziu elementos que
modificaram a visão da morte, mas, sobretudo, aos estudos sobre a economia mortuária nas
sociedades contemporâneas.
A morte foi tema importante tratado pela antropologia. O próprio legado antropológico
está fundamento nos estudos sobre os rituais de morte das sociedades ditas “arcaicas. Tylor e
Frazer ressaltaram o quanto a morte e o estudo dos ritos fúnebres eram importantes para
compreensão da cultura. Malinowsky observou que as cerimônias fúnebres eram essenciais
para o restabelecimento da ordem social. Radcliffe-Brown considerou que a função dos
cerimoniais funerários estava relacionada ao processo de coesão social. Lévi-Strauss assinalou
que as práticas funerárias variavam conforme grupos e que em algumas sociedades a morte de
um membro significa um prejuízo para todo o grupo. Durkheim percebe a morte intimamente
relacionada com os ritos piaculares que se celebram na inquietude ou na tristeza.
Na tradição das pesquisas antropológicas houve uma preocupação em descrever os
rituais de morte e as cerimônias fúnebres das sociedades ditas “frias”. Essas cerimônias e
37
rituais eram explorados dentro de um contexto mais expressivo da cultura, como a religião,
por exemplo.
Porém, Marcel Mauss percebeu os ritos de morte o somente como um fenômeno
natural que marca a passagem da vida, mas como fenômeno sociocultural, pois a ideia de
morte sugerida pela coletividade traz um efeito físico no indivíduo, além de tratar a morte
como um fato social total.
Mas foi Van Gennep que percebeu a morte como um campo ritual, como algo em si e
o como apêndice de um mundo religioso. Os ritos são para Van Gennep um elemento
importante para a compreensão da vida social, privilegiou, portanto, a sequência de um ritual
para entender o sentido dos ritos e mostrar como os indivíduos, grupos e sociedades
organizavam sua vivência cerimonial.
Na interpretação sobre as cerimônias e os rituais fúnebres, Van Gennep afirma que
eles marcam a passagem de um estado para outro. Assim, as cerimônias compreendem uma
série de sequências formais no sentido de marcar, simbolizar ou dramatizar separações,
margens ou agregações. Nessa perspectiva, o ritual de morte abrange um período pré-liminar,
caracterizado pela separação dos mortos do mundo dos vivos; liminar, celebrado pela estadia
mais ou menos longa do cadáver, e pós-liminar, que se refere a agregação do morto a outro
mundo.
Nos estudos sobre os rituais, Victor Turner enfatiza que os ritos revelam valores mais
profundos, pois a partir deles os homens expressam aquilo que os toca mais intensamente. É
nos ritos que os valores dos grupos são revelados: eles são a chave para a compreensão da
constituição essencial das sociedades humanas, pois eles não são somente expressões
econômicas, poticas e sociais, mas são decisivos indícios para a compreensão do
pensamento e do sentimento das pessoas sobre aquelas relações, e sobre os ambientes naturais
e sociais em que operam (TURNER, 1974, p. 19).
Turner (1974) classifica os rituais como ritos de elevação de status e ritos de inversão
de status. Os ritos de elevação de status fazem parte dos ritos de crise da vida, que
pressupõem momentos de nascimento, puberdade, casamento e morte. os ritos de inversão
de status fazem parte daqueles fixados pelo calendário, que são os realizados dentro do ciclo
produtivo anual. Sendo assim, os ritos de morte podem ser caracterizados pela elevação do
status individual, sob o qual o sujeito ritual é conduzido da posição mais baixa para a mais
alta.
Sendo um campo ritual, a morte é caracterizada pelo seu poder transformativo, ou seja,
um ritual que induz seus participantes a perceberem de uma nova forma o seu universo
38
(GEERTZ, 1989). Apreender a morte como um campo ritual significa que ela se apresenta
como importante para a compreensão da manutenção e transformação das estruturas
socioculturais.
Atualmente a atitude coletiva frente à morte das sociedades ditas “quentes” tem sido
cada vez mais abordada pelos pesquisadores das mais diversas áreas de conhecimento:
antropólogos, sociólogos, historiadores e psilogos, particularmente.
As pesquisas dos historiadores franceses Philippe Ariès (2003, 2000, 1990) e Michel
Vovelle (1996, 1988) desbravaram as maneiras de como a morte era percebida pelas
sociedades ocidentais. Robert Hertz (1960) em estudo pioneiro investigou as representações
coletivas sobre a morte. o sociólogo Norbert Elias (2001) se dedicou a verificar como as
atuais atitudes diante da morte contribuem para trazer a solidão dos moribundos. Há, portanto,
uma vasta bibliografia que discute o tema das cerimônias e rituais fúnebres (Van Gennep,
1977; Michel Vovelle, 1996, 1988; Phillipe Ariès, 2003, 2000, 1990; Norbert Elias, 2001;
Edgar Morin 1997; Louis Vincent Thomas, 1993, 1989, 1981), que discute a relação do
comportamento médico com o fenômeno da morte (David Sudnow, 1971) e que discute a
temática cemiterial (Jean-Didier Urbain, 1989).
No campo da economia da morte, ao qual essa pesquisa se filia, alguns autores
estrangeiros começaram a tratar da questão. Os de língua inglesa são os que mais
contribram para o aprofundamento desse assunto: Richard Huntington e Peter Metcalf
(1979), discutiram sobre a universalização das celebrações da morte. Robert Habenstein e
William Lamers (1962), apresentaram a hisria dos funerais directors norte-americanos. O
trabalho de Jéssica Mitford (2000), um best-seller norte-americano escrito em 1963, apresenta
o surgimento e a atuação da instria do funeral nos Estados Unidos, e o trabalho de Ruth
Mulvey Harmer (1963), assim como Mitford, tece severas críticas ao estilo de agir dos
agentes nebres norte-americanos. Também Geofrey Gorer (1965), num pioneiro e polêmico
trabalho, mostra que no século XX a morte se tornou um tabu, substituindo o sexo como
principal interdito até então. Este diálogo se mostrou importante para compreender como
surgiu a indústria fúnebre brasileira, suas semelhas e diferenças com a instria do funeral
norte-americana.
No Brasil os estudos sobre o tema da morte têm sido pouco explorados. Gilberto
Freyre (1998) percebeu a analogia entre os jazigos e as relações familiares no Brasil
oitocentista. Manuela Carneiro da Cunha (1978) percebeu que a relações dos índios Krahó
com a morte e com o mundo dos mortos está circunscrita à vida dos vivos. Em JoCarlos
Rodrigues (2006b) temos um painel histórico e antropológico sobre a morte no Brasil. José de
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Souza Martins (1983) organizou uma coletânea de artigos sobre as mais diversas temáticas
que priorizam a morte e os mortos na sociedade brasileira. Roberto DaMatta (1985. In:
DaMATTA, 1985) aponta a existência de dois tipos de sociedades nas suas relações com a
morte: as sociedades individualistas, que se preocupam com a morte e descartam o morto; e as
sociedades relacionais, que se preocupam com o morto e descartam a morte. Para o autor, na
sociedade brasileira encontra-se o sistema relacional, pois se fala mais dos mortos do que da
morte.
Estudos sobre o comportamento social brasileiro perante a morte no final do século
XIX são revelados por João José Reis (1991, 1997). os rituais fúnebres e a escatologia
católica da morte foram objetos de estudos de Mísia Lins Reesink (2003). A análise da
arquitetura e arte funerária foi explorada por alguns autores brasileiros, destacando-se o
trabalho pioneiro de Clarival do Prado Valladares (1972), Maria Elizia Borges (2004),
Eduardo Rezende (2007, 2000), e Renato Cymbalista (2002).
A partir de uma perspectiva antropológica e da antropologia histórica, Antônio Motta
(2008), em trabalho sobre os cemitérios oitocentistas brasileiros, observou a correlação entre
as formas tumulares e os processos sociais, enfocando a importância das relações de
parentesco como estratégia de assegurar uma continuidade na memória familiar post mortem.
Além disso, o seu estudo chama a atenção para a transição das lógicas de enterramento
calcadas na família, para um novo modelo centrado no indivíduo.
Em Alagoas os estudos sobre o cotidiano da morte são escassos. O folclorista Félix de
Lima Jr. (1970, s/d) escreveu duas obras, uma sobre as Irmandades de Maceió, outra sobre os
Cemitérios de Maceió; entretanto, apenas tratou de apontar e descrever pequenas
características tanto das irmandades quanto dos cemitérios da cidade.
Ainda neste cenário de escassa temática funerária, destacam-se algumas teses e
dissertações apresentadas nos programas de pós-graduação em antropologia, história,
sociologia e psicologia do país.
No campo da economia e do consumo mortrio no Brasil não houve, até o momento,
nenhuma pesquisa realizada, o que justifica este trabalho, que tem a intenção de contribuir
com novas perspectivas nesse campo de estudo. Por essa razão, este estudo vincula o tema da
morte e seu aparato teórico a algumas interfaces: consumo, corpo, mercado, gestão,
marketing, propaganda e publicidade. É nesse sentido que algumas categorias são utilizadas
nessa pesquisa, tais como produtos, serviços, cliente e consumidor.
Entende-se por produtos quaisquer coisas que possam ser oferecidas a um mercado
para satisfazer uma necessidade ou desejo. Serviços são as atividades ou benefícios
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oferecidos para a venda; são intangíveis, pois significam uma ação ou um desempenho que
cria valor por meio de mudança desejada no cliente ou em benefício deste. Cliente designa
uma pessoa ou unidade organizacional que desempenha um papel no processo de troca ou
transação com uma empresa ou organização. O termo consumidor foi utilizado no
marketing até a década de 1990, quando surgiu a era do cliente, em que os consumidores
queriam voltar a ser clientes para serem tratados como indivíduos, com suas necessidades
atendidas individualmente. Atualmente, o marketing considera que a utilização do termo
consumidor para se referir ao mercado de bens de consumo ou a indivíduos que compram
ou adquirem produtos e serviços para o consumo pessoal é didática, pois na prática o termo
usado é cliente. Tratar o cliente como consumidor significa considerar que,
independentemente do tipo de mercado, quem influencia e toma as decisões de compra são
pessoas com valores, crenças e atitudes moldados pela sociedade e pela sua própria
personalidade. Dias (2005, p. 38) assim define cliente:
O termo cliente refere-se também às pessoas que assumem papéis no processo de
compra, como o especificador, o influenciador, o comprador, o pagante, o usuário
ou aquele que consome o produto, que percebem e assumem atitudes diferenciadas
diante dos estímulos de marketing, de acordo com o envolvimento e
comprometimento com a compra, numa determinada situação ou contexto.
Nesta pesquisa utilizarei o termo consumidor para me referir aos indivíduos que
compram ou adquirem produtos e serviços fúnebres para consumo pessoal; e o termo
cliente para me referir aos consumidores fúnebres ligados à determinada empresa do ramo
funerário. Portanto, ora será utilizado o termo consumidor e ora o termo cliente.
Optei por utilizar o sistema de divisão de capítulos em partes. A tese conta com sete
partes, intituladas: Morrer; Sepultar; Empresariar; Antes; Durante; Depois e Consumir.
As duas primeiras partes trazem uma interface com a historiografia, dialogando
principalmente com a hisria social e das mentalidades dos historiadores Phillipe Ariès
(2003, 2000, 1990) e Michel Vovelle (1996, 1988). Este diálogo ocorreu a partir da
necessidade de identificar as mudanças nas representações da morte e do morrer nas
sociedades ocidentais.
A primeira parte, intitulada Morrer, percebe a morte como um campo ritual e como
um fenômeno individual e social que sofre mudanças e transformações culturais, e descreve a
passagem da morte familiar para as mortes privadas a partir do deslocamento do local da
morte através do surgimento dos hospitais, além de refletir sobre o momento em que a morte
se tornou interdita, demonstrando também que nem todas as sociedades reagem da mesma
forma ante a morte e os seus mortos.
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A segunda parte, intitulada “Sepultar”, apresenta o ato de sepultar como um ritual
purificatório, que reestabelece a estrutura social abalada com a morte de um indivíduo e que
garante a passagem da alma do defunto. Esses rituais também mudam e, nessas mudanças,
novas culturas fúnebres vão surgindo. É esse processo que possibilita compreender o
empresariar do morrer.
A terceira parte, intitulada Empresariar”, dialoga com o trabalho de Jéssica Mitford
(2000), para mostrar que o processo de empresariar é consequência das mudanças nas atitudes
perante a morte e os mortos, e que, com isso, o morrer se tornou objeto de comércio e lucro.
No Brasil o empresariar do morrer surge no final do século XIX, com os Grupos, um
segmento empresarial que oferta uma variedade de produtos e serviços. Os Grupos são
empresas privadas que procuram dar conta de todo o processo do morrer (o antes, o durante e
o depois) e que, apesar da semelhança com a indústria funeral norte-americana, têm suas
peculiaridades, que estão relacionadas à maneira como a nossa sociedade lida com seus
mortos.
A quarta, quinta e sexta partes, intituladas “Antes”, “Durante” e “Depois”,
respectivamente, dialogam com as discussões sobre gestão, marketing, publicidade e
propaganda, com o objetivo de entender a dinâmica da empresa o Grupo Parque das Flores
no processo de gerenciamento, gestão e empresariação da morte e do morrer.
A sétima parte, intitulada “Consumir”, traz uma interface com as teorias de consumo
para perceber o porquê de as pessoas consumirem determinados tipos de bens e serviços,
percebendo o consumo não somente a partir de uma razão prática, mas a partir da lógica
cultural que influencia a escolha por determinados bens e serviços. Nesta parte identifico e
relaciono o aumento do mercado consumidor fúnebre preventivo ao envelhecimento dos baby
boomers e mostro que esses consumidores estão à procura de serviços e produtos
personalizados. No que se refere ao consumo de produtos e serviços fúnebres no Brasil,
demonstro que esse tipo de consumo está concentrado em algumas situações relacionadas ao
sentido e ao significado que a sociedade estabelece com os seus mortos.
Por fim, nas considerações finais reflito sobre a temática da oferta e da procura de
produtos e serviços fúnebres, através de uma análise sobre o mercado e o consumo, atentando
sempre para o fato de que a morte é reflexo da visão de mundo (VOVELLE, 1996, p. 25 In:
BRAET; VERBEKE, 1996), e, neste caso, refletir sobre a morte é refletir sobre a vida.
42
Morrer
43
A morte é um problema dos vivos.
Os mortos não têm problemas
(Norbert Elias)
Os rituais mortuários são entendidos na teoria antropológica como rituais de
passagem, pois são caracterizados pela separação dos mortos do mundo dos vivos (rito de
separação ou rito p-liminar), pela celebração da estadia mais ou menos longa do cadáver no
mundo dos vivos (rito de margem ou rito liminar) e pela agregação do morto a outro mundo
(rito pós-liminar ou rito de agregação) (VAN GENNEP, 1978).
Os ritos de morte o executados com a intenção de fazer com que o sujeito morto o
sujeito ritual seja conduzido a um processo de elevação do status individual (TURNER,
1974), isto é, um processo que marca a passagem deste mundo” para outro mundo”. Sendo
a morte um fenômeno natural, ela faz parte de um processo que marca o fim da existência,
caracterizando-se pela perda das atividades celulares (morte biológica), dos signos físicos
(morte clínica) e das propriedades sociais mais importantes (morte social). Morre-se de várias
formas, de várias causas, em diversos locais. Clinicamente a morte de um indivíduo
compreende o interrompimento de suas funções vitais, especialmente o cérebro, o coração e
pulmão, e, quando o sujeito passa a ser considerado como um morto ou como um cadáver,
surgem diversos fenômenos físicos.
Mas o morrer não é apenas um fenômeno biológico e individual: a morte também é
um fato social total, pois a ideia de morte é ritualizada pela coletividade (MAUSS, 2003).
Nesse sentido, o campo ritual da morte oferece uma gama de informações para refletir sobre
as atitudes coletivas, sobre a sociedade e a cultura, já que os processos rituais não o somente
expressões econômicas, poticas e sociais, mas decisivos indícios para a compreensão do
pensamento e do sentimento das pessoas sobre aquelas relações, e sobre os ambientes naturais
e sociais em que operam (TURNER, 1974, p. 19).
Ao longo do tempo o campo ritual da morte sofreu alterações, mudanças e
transformações, assumindo dinâmicas diversas, seja por razões poticas, econômicas, seja por
fatores sociais, culturais, religiosos ou morais (ARIÈS, 2003). Nessas mudanças, antigos
significados foram reinterpretados e novos significados vão sendo adquiridos, num
movimento de reavaliação funcional e simbólica dos ritos funerários. Isto ocorre porque os
significados são sempre reinterpretados quando colocados em prática, pois a cultura é
historicamente produzida e alterada pela ação, isto na medida em que os homens repensam
criativamente seus esquemas culturais (SAHLINS, 2003b).
44
Entender as mudanças dos comportamentos sociais inseridas nos rituais de morte se
apresenta também como importante para a compreensão da dinâmica econômica da morte e
da indústria do funeral. Se todo rito é uma espécie de linguagem, ele próprio traduz uma ideia
(MAUSS, 2003). Poder-se-ia pensar que o estudo dos rituais de morte oferece informações
para que seja possível se entender a maneira como a sociedade se relacionou e se relaciona
com a morte e a partir daí compreender como ocorreu o processo de empresariação e
comercialização da morte, ou seja, como a morte passou, entre outras dimensões da vida
social, a ser também visualizada através de uma lógica utilitária, isto é, objeto de
acontecimento mercantil, e, como tal, objeto de exploração comercial e de consumo, quando
os serviços fúnebres passaram a ser gestados pelas iniciativas privadas.
1.1. Das cerimônias públicas para as cerimônias privadas
Na Europa, como bem assinalou Ariès (2003), durante a Idade Média, a morte era
familiar, marcada pela coexistência dos vivos com os mortos. A cerimônia que marcava o
último adeus do indivíduo era pública, assistida e aguardada por toda a família. No Brasil do
Oitocentos, a morte ideal não deveria ser solitária e privada, contava com a participação da
família, amigos, vizinhos, membros das confrarias, carpideiras, padres, crianças e até
desconhecidos. Quando o sujeito era advertido sobre a proximidade de sua morte, através dos
signos naturais, providenciava e organizava suas próprias cerimônias fúnebres, um modelo de
morte denominado como “morte domada”, que consiste na preparação dos últimos atos e
cerimônias mortuárias pelo próprio sujeito ritual.
O registro do testamento estava entre os atos de preparação da morte no modelo de
“morte domada”. Morrer sem testamento era algo indesejado e evitado, pois era através dele
que as últimas vontades fúnebres eram expressas. Era no testamento que se indicava o tipo de
cortejo fúnebre, os ritos post mortem, a quantidade e qualidade das missas no dia da morte, a
cor da mortalha, etc.
Os testamentos obedeciam a certa padronização: iniciavam-se com um preâmbulo em
que se invocava o nome de Deus e da Santíssima Trindade; em seguida, o testador era
45
identificado através de seu nome, residência, idade, estado civil, número e nome de filhos, e,
logo após, se instituía o destino do corpo e o local da sepultura (VOVELLE, 1988).
Os testamentos apresentam características interessantes para entender a cultura
fúnebre, pois permitem identificar as curvas temporais da mortalidade, os índices de
desigualdades sociais, as epidemias e entender as representações coletivas da morte. Por outro
lado, as análises dos testamentos permitem também compreender outras características
sociais, tais como os arranjos familiares, os sistemas de parentesco, a noção de família e
filiação, pois era na espera da morte que o testador reconhecia (ou não) toda a sua família.
O testamento de José Maria Cortez é um caso emblemático: datado de 09 de agosto de
1871, o testador, de trinta e cinco anos de idade, era um proprietário de terras e escravos da
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, em Alagoas. No seu testamento, José Maria
Cortez, que se encontrava bastante doente e em processo iminente de morte, indicou os ritos
que deveriam ser realizados após o seu óbito:
Declaro que se fallecer nesta Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, seja o meu
cadaver depositado no jazigo geral dos demais fallecidos sem pompa e somente
com os sufragios que a Igreja costuma suministrar [ilegível]. Declaro que de
mandara rezar quatro missas de corpo presente, e no setimo dia duas missas, afim
como tambem de mandara celebrar [ilegível] capela de missas por minha alma.
(Testamento de José Maria Cortez, 09/08/1869 02 fls. Doc. 00576, Caixa 08.
Instituto Histórico Geográfico Alagoano - IHGAL)
Em seguida, Jo Maria Cortez declarou o reconhecimento de dois filhos naturais
como herdeiros, alforriou seus escravos, declarou e partilhou todos os seus bens, instituiu por
testamenteiros três amigos e declarou todas as suas dívidas. Em relação ao reconhecimento da
estrutura familiar, o testador declarou que apenas três dos oito filhos (legítimos) que tivera no
primeiro casamento ainda estavam vivos; declarou ainda que foi casado pela segunda vez,
mas não obteve filhos e, para a segunda esposa, deixou alguns de seus bens, embora
reconhecesse que: não devia o fazer em razão de ella ser agmásia, porém como desfrutou de
minha companhia foi então a dicta escriptura e lhe entreguei segundo data o recibo que
existem em meus poderes (Testamento de Jo Maria Cortez, 09/08/1869 02 fls. Doc.
00576, Caixa 08. Instituto Histórico Geográfico Alagoano - IHGAL).
José Maria Cortez declarou ainda que teve dois filhos com uma mulher solteira, sem
ter empreendimento por onde ou com ela contrahisse matrimônio (Testamento de José Maria
Cortez, 09/08/1869 02 fls. Doc. 00576, Caixa 08. Instituto Histórico Geográfico Alagoano -
IHGAL). Em seguida reconheceu esses dois filhos como filhos legítimos, pois até então eles
eram reconhecidos apenas como filhos naturais. A partir desse reconhecimento, os dois filhos
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de José Maria Cortez estavam aptos a partilhar dos bens do testador, juntamente com os
outros três filhos restantes do primeiro casamento.
Essa situação ajuda a compreender o universo da família patriarcal brasileira, que
segundo Durham (1982, p. 36) preservou-se uma forma que privilegiava o grupo conjugal
como núcleo estrutural da família e manteve-se todo o sistema de parentesco bi-lateral”. Desta
forma, os arranjos familiares alternativos não eram sequer reconhecidos (salvo na hora da
morte, em alguns casos). Esse modelo legalizado implicou uma dominação masculina
instituída a partir da utilização sexual das mulheres sem a contrapartida de vínculos
legalmente reconhecidos, eximindo os homens da responsabilidade para com a prole
(DURHAM, 1982, p.36). Esta situação é representada a partir da distribuição dos bens de José
Maria Cortez para sua segunda esposa, embora reconhecesse que o era obrigação fazê-lo
por não ser esposa “legítima”, mas uma amagsia”; o mesmo aconteceu em relação aos filhos
naturais, o legítimos, contraídos fora do casamento legalizado caso o testador o os
reconhecesse como filhos legítimos, esses o teriam direitos na partilha de seus bens, já que
eram concebidos como prole bastarda, originada a partir de uma união que não era entendida
como forma alternativa de família, sendo, portanto, filhos sem pais e mães sem marido,
indivíduos que, além de moralmente discriminados, estão indubitavelmente na posição de
efetiva desvantagem econômica e social” (DURHAM, 1982, p.39).
Depois de detectada a morte de um indivíduo, tinham início as cerimônias fúnebres,
que compreendiam sequências formais no sentido de marcar, simbolizar ou dramatizar
separações, margens ou agregações. Os ritos de post mortem eram exclusivamente domésticos
e compreendiam o corte do cabelo, da barba, das unhas, o banho do corpo e a escolha da
vestimenta, com o objetivo de preparar o morto para a celebração das cerimônias velarias.
Estes rituais tinham um cunho marcadamente religioso, cuja preocupação estava
concentrada no destino da alma. Entre os ritos do post mortem de manifestação religiosa,
destacam-se: a vela acesa colocada nas mãos do morto, com o objetivo de guiar seu espírito
aos céus; o cerrar dos olhos do cadáver, que tinha o significado de fazer com que o morto os
fechasse para o mundo dos vivos e os abrisse quando chegasse ao mundo espiritual; os sons
dos sinos ou campainhas, cuja finalidade era expulsar os demônios; a extrema-unção, com a
função de purificar a alma e apagar os pecados; e as celebrações de missas e o sepultamento
dentro das igrejas, que exerciam a função de conduzir o morto ao caminho dos céus.
O rito de velar o morto, também conhecido como guardar o defunto, compreende a
estadia mais ou menos longa do cadáver ou do caixão numa mara mortuária ou local
apropriado. As cerimônias de velório são, para Araújo (1964), instituições universais que têm
47
por objetivo unir a comunidade e reafirmar os valores sociais e religiosos. No passado era
comum que o corpo morto fosse velado nas residências, que eram “armadas”, ou seja,
decoradas com símbolos de luto, que atuavam como signos que indicavam o óbito. O morto
era velado em companhia de parentes e amigos. Nessas cerimônias de despedida, aconteciam
vigílias em que eram oferecidas comidas e bebidas para os presentes. Esses rituais de
descompressão distraíam os participantes da dor da perda, ao mesmo tempo em que os
convidavam a participar do momento de dor (REIS, 1991, p. 138).
Enquanto o morto era “guardado”, a sua alma era encomendada aos céus através de
orões cantadas ou recitadas, num hábito conhecido como “sentinela, que compreendia uma
missa laica que os mais pobres realizavam na impossibilidade de financeira de obter a liturgia
católica romana (ARAÚJO, 1964, p. 406). As orações recitadas e cantadas eram conhecidas
como excelências (incelênças) ou benditos
8
. As excelências eram orações entoadas aos pés do
defunto, enquanto os benditos eram cantados à cabeceira do morto
9
.
8
Segundo César (1975, p.173), bendito se origina do termo latino benedictus, que significa louvar,
abençoar. São versos de louvor a determinados santos, engrandecendo as suas vidas e as suas obras; também
são considerados como cânticos de súplica, que são entoados em novenas, procissões, festas, missas e velórios.
Um bendito pernambucano incentiva o moribundo a deixar o mundo dos vivos: Pecadô repara. Que s de
morrê. Chama por Jesus. Que ele há de valê [...]. Não conhece os teus. Que contigo estão. Com ânsia tão grande.
No seu coração?” (REIS, 1997, p. 107-108). Araújo (1964, p. 406) destaca outros benditos: “Nos domingo e dia
santo, que as igreja tão chamano, que nós no nosso batuque, é tu é que Jesus crama. É tu é que deu a morte, tanta
morte arrependida, tanto castigo que vorta. Castigo havemo te, raio, corisco e trovão, tudo isso é de se vê. Essa
arma que morreu, não se salvaro nenhuma, selada este mistério, talvez que salvasse alguma. Valei-me Santa
Teresa, Valei-me Santa Isabé, Valei-me meu anjo da Guarda, Me acuda São Gabrié. Quem reza este bendito,
com toda sua famia, as portas do céu se abre, e o inferno treme de dia, que nos livre do inferno pra sempre.
Amém Jesus.” Em seguida, cantavam-se as orações de despedida, como se fosse o defunto que estivesse se
despedindo: “Sua bençã mãi, nos queira butá, os anju me chama, não posso esperá. Não posso espera, esta
dispidida, hoje é o dia, da minha partida. Meus irmão não chore, que eu não posso, peço que me reze, outro
padre-nosso. Si forim rezado, de bom coração, peço que me ofereça, em minh‟intenção. a ismola aos cego, e
aos filho sem pai, quem faz pra Jesuis Cristo, merecemo mais. Adeus minha mãi, meu povo também, eu pra
eternidade, para sempre. Amém.” (ARAÚJO, 1964, p. 406)
9
Em Araújo (1964, p. 406) podemos apreciar algumas incelências recitadas: “Hoje, os tempos mudaram, uma
incelência ô mãe amorosa, seu filhinho vai morto, na vida saudosa. Duas incelências, etc.No momento em que
as incelências eram cantadas, caso passasse alguma pessoa próximo à residência, uma das pessoas que
acompanhavam o velório chamava o passante: “Chegai irmão das alma!”. Sendo pequeno o número de
participantes do velório, as rezas eram cantadas com o objetivo de aumentar o número de guardadores do
defunto, tal como: “Chegai pecadô que há de morrê, chama por Jesuis para te valê. Chama por Jesuis enquanto é
tempo, quando a morte vem, mata de repente. Quando a morte vem calada, sozinha, dizendo consigo, esta hora é
minha. Chama por Jesuis que Ele mandará, um anju da guarda para te ajudá. Torna a chamá, que ele vem
também, com o seu ao lado, para sempre. Amém. Eu ofereço esta reza ao sinhô que tá na cruz, que nos livre do
inferno pra sempre. Amém Jesuis.” Em certas ocasiões, como alguns velórios eram acompanhados por bebidas
alcoólicas, as excelências cantadas ao tardar da noite eram totalmente jocosas, tal como: “uma incelência que
veio da laia, morresse corno morresse, nós vamos corta-te a gaia”. (Excelência entoada em um velório na zona
da mata pernambucana, por volta do ano de 1947, segundo relato de Severino Urbano Ferreira, em entrevista
realizada em 2006, para o trabalho final da disciplina Família e Gênero”, ministrada pelos Professores Parry
Scott e Marion Quadros, no curso de Doutorado no PPGA da UFPE, que teve como objetivo perceber como os
ritos de morte eram realizados na sociedade do passado na zona da mata pernambucana, quando ainda se tinha
um modelo de morte familiar e domada).
48
Depois que o corpo era velado se iniciava o cortejo fúnebre, que era sempre
acompanhado por uma multidão (alguns eram pagos para isso) até a Igreja, onde o corpo era
sepultado. Nesta tradição fúnebre era comum contratar mulheres, conhecidas como
carpideiras, para chorar e rezar pelos mortos, com o objetivo de afastar tanto os maus espíritos
do morto como a alma do morto de perto dos vivos (REIS, 1991, p. 114).
No cortejo, as pompas fúnebres eram manifestadas através dos luxos dos caixões, da
quantidade de velas queimadas, do número de participantes, da quantidade de missas e
músicas cantadas de corpo presente, da decoração da igreja e do local de escolha da sepultura.
As famílias demonstravam o seu prestígio social e econômico através da organização de
verdadeiros espetáculos mortuários. A morte era uma festa, característica do catolicismo
barroco no Brasil (REIS, 1991).
Esse sentido festivo do funeral podia ser garantido pelas associações corporativas ou
confrarias: as irmandades ou ordens terceiras. A maior parte dessas associações era formada
por pessoas leigas. Os irmãos, como eram conhecidos os associados das confrarias, tinham o
dever de demonstrar um bom comportamento e devoção católica, pagar as anuidades e
participar das cerimônias civis e religiosas. Através destas confrarias os mais pobres tamm
garantiam uma assistência em seus funerais.
Mas se o morrer era uma cerimônia blica e familiar, a partir da segunda metade do
século XIX ele passou a ser uma cerimônia privada. Martin-Fugier (1991, p. 256) observou
que em Paris, na segunda metade do século XX, com o projeto de modernização parisiense
a belle époque , os tamanhos das moradias diminuíram, o que tornou complicada a
manutenção dos velórios nas residências. A exiguidade do espaço residencial fez com que a
proximidade da morte se tornasse bastante penosa.
Foi também no culo XIX que o lugar da morte se deslocou. Se antes os sujeitos
rituais organizavam suas cerimônias fúnebres e morriam nas residências cercados por toda a
família, agora, o morrer se tornou um ato solitário e impessoal, realizado dentro dos hospitais,
pois hoje, quando alguém adoece ou se encontra fadado a morrer, é removido do ambiente
familiar e levado às pressas para o leito de um hospital. Os hospitais se tornaram os lugares
privilegiados da morte. E isso se deve a um novo olhar produzido sobre os hospitais durante o
final do século XVIII, quando eles passaram a ser percebidos como instrumentos terapêuticos
destinados a curar os doentes.
Antes do culo XVIII, os hospitais eram concebidos como lugares de assistência aos
pobres e doentes e como um lugar para morrer. Mantidos por instituições de assisncia, sua
função era caritativa: visava assegurar a salvação da alma do pobre no momento da morte e a
49
salvação do pessoal hospitalar que cuidava dos pobres(FOUCAULT, 1979b, p. 102). Isto
ocorria pelo fato de que a ptica médica estava dissociada da prática hospitalar, a maioria dos
dicos dava consultas particulares às famílias necessitadas, não havia o personagem do
dico de hospital, conforme apontou Foucault (1979b, p. 101-102):
A medicina dos séculos XVII e XVIII era profundamente individualista.
Individualista da parte do médico, qualificado como tal ao término de uma
iniciação assegurada pela própria corporação dos médicos que compreendia
conhecimento de textos e transmissão de receitas mais ou menos secretas ou
públicas. A experiência hospitalar estava excluída da formação ritual do médico. O
que o qualificava era a transmissão de receitas e não o campo de experiências que
ele teria atravessado, assimilado e integrado. Quanto à intervenção do médico na
doença, ela era organizada em torno da noção de crise. O médico devia observar o
doente e a doença, desde seus primeiros sinais, para descobrir o momento em que a
crise apareceria. A crise era o momento em que se afrontavam, no doente, a
natureza sadia do indivíduo e o mal que o atacava. Nesta luta entre a natureza e a
doença, o médico devia observar os sinais, prever a evolução, ver de que lado
estaria a vitória e favorecer, na medida do possível, a vitória da saúde e da natureza
sobre a doença. A cura era um jogo entre a natureza, a doença e o médico. Nesta
luta o médico desempenhava o papel de prognosticador, árbitro e aliado da natureza
contra a doença. Esta espécie de teatro, de batalha, de luta em que consistia a cura
podia se desenvolver em forma de relação individual entre médico e doente. A
idéia de uma longa série de observações no interior do hospital, em que se poderia
registrar as constâncias, as generalidade, os elementos particulares, etc., estava
excluída da práticadica.
No século XVIII o hospital se medicalizou e a medicina se hospitalizou, em
decorrência da introdução de mecanismos disciplinares no espaço hospitalar (FOUCAULT,
1979b, p. 107), o que fez com que os hospitais passassem a ser lugares de cura e lugares de
formação dos médicos:
Pela disciplinarização do espaço médico, pelo fato de se poder isolar cada
indivíduo, colocá-lo em um leito, prescrever-lhe um regime, etc., pretende-se
chegar a uma medicina individualizante. Efetivamente, é o indivíduo que se
observado, seguido, conhecido e curado. O indivíduo emerge como objeto do saber
e da prática médicos (FOUCAULT, 1979b, p. 111).
Não os indivíduos passam a ser objetos de saberes e alvos de intervenção dica,
mas toda a população, toda a coletividade. A medicina que se formou no século XVIII foi
tanto uma medicina dos indivíduos quando da população (FOUCAULT, 1979b, p. 111),
isto porque a medicina moderna científica que surgiu no final do século XVIII, com o
aparecimento da anatomia patológica, foi uma medicina social (FOUCAULT, 1979a, p. 70),
formada a partir do desenvolvimento da medicina de estado (na Alemanha), da medicina
urbana (na França) e da medicina da força de trabalho (na Inglaterra).
Com o avanço da medicina, a vida passou a ser prolongada. A medicina moderna
passou a neutralizar as manifestações da morte. Nos hospitais vários mecanismos são
acionados para minorar o sofrimento do paciente, sedando-o e mergulhando-o num profundo
50
silêncio até a que a morte seja constatada, retirando, assim, toda a carga de dramaticidade que
até então estava presente no momento do morrer (CONSORTE, 1983. In: MARTINS, 1983,
p. 43).
Com isto, houve um afastamento progressivo dos vivos com os “quase mortos” que
foram empurrados para os bastidores da vida social, culminando com a solidão dos
moribundos (ELIAS, 2001). São designados como moribundos os pacientes terminais ou
pacientes fora das possibilidades terapêuticas, ou seja, pacientes que, na evolução de uma
doença, são considerados como incuráveis ou sem condições de prolongamento da vida,
sendo, portanto, pacientes em processo inevitável de morte. Thomas (1991, p. 65) considera
como moribundos aqueles que han llegado al fin de su vida, a los enfermos incurables, los
terminales, los que se hallan in extremis o los que están ya condenados.”
Schramm (2002, p. 19) considera que o processo de medicalização da vida, surgido a
partir da crescente incorporação tecnológica à medicina, permitiu a estabilização de muitas
doenças terminais ou mesmo a manutenção da vida artificialmente durante longos períodos ou
mesmo indefinidamente. E isso contribuiu para o afastamento dos moribundos para os
bastidores da vida social (ELIAS, 2001), num processo que culminou com a dessocialização
da morte, expressão usada por Thomas (1991, p. 87) para fazer referência à falta de
solidariedade e ao abandono aos moribundos, aos defuntos e aos sobreviventes (enlutados).
Ocorre que os viventes evitam uma maior aproximação com os moribundos também
pelo fato de que esses “quase mortos” carregam consigo os signos da morte, tal como a
“máscara da morte”, expressão que toma conta do rosto do moribundo no momento em que a
energia vital está se extinguindo do corpo, indicando que o paciente terminal está na
eminência de falecer. França (2004) descreve que a máscara da morte se caracteriza pela:
presença de fronte enrugada e árida, olhos fundos, nariz afilado com orla escura,
têmporas deprimidas, vazias e enrugadas, orelhas repuxadas para cima, lábios
caídos, maçãs deprimidas, queixo enrugado e seco, pele seca e lívida, cílios e pelos
do nariz e das orelhas semeados por poeira brancacenta, semblante carregado e
desconhecido (FRANÇA, 2004, p. 249).
Assim, os vivos acham difícil se identificar com os moribundos, e a solidão dos
moribundos é consequência desse desconforto sentido pelos vivos com a presença dos “quase
mortos”, conforme demonstrou Elias (2001), que observou também que a convenção social
fornece poucas expressões ou formas padronizadas de comportamento que possam facilitar o
enfrentamento das demandas emocionais diante de uma morte:
Na presença de pessoas que estão para morrer e dos que as pranteiam vemos,
portanto, com particular clareza um dilema característico do presente estágio do
51
processo civilizador. Uma mudança em direção à informalidade fez com que uma
série de padrões tradicionais de comportamento nas grandes situações de crise da
vida humana, incluindo o uso de frases rituais, se tornasse suspeita e embaraçosa
para muitas pessoas. A tarefa de encontrar a palavra e o gesto certos, portanto,
sobra para o indivíduo. A preocupação de evitar rituais e frases socialmente
prescritos aumenta as demandas sobre a capacidade de invenção e expressão
individual. Essa tarefa, porém, está muitas vezes fora do alcance das pessoas no
estágio corrente da civilização. A maneira como as pessoas vivem em conjunto, que
é fundamental neste estágio, exige e produz um grau relativamente alto de reserva
na expressão dos afetos fortes e espontâneos. Muitas vezes, sob pressão
excepcional elas são capazes de superar a barreira que bloqueia as ações resultantes
de fortes emoções, e também sua verbalização. Assim, a falta espontânea com os
moribundos, da qual estes têm especial necessidade, torna-se difícil. Apenas as
rotinas institucionalizadas dos hospitais dão alguma estruturação social para a
situação de morrer. Essas, no entanto, são em sua maioria distribuídas de
sentimentos e acabam contribuindo para o isolamento dos moribundos.
Rituais religiosos de morte podem provocar nos crentes sentimentos de que as
pessoas estão pessoalmente preocupadas com eles, o que é sem dúvida a função real
desses rituais. Fora deles, morrer é no presente uma situação amorfa, uma área
vazia no mapa social. Os rituais seculares foram esvaziados de sentimento e
significado; as formas seculares tradicionais de expressão são poucos convincentes.
Os tabus proíbem a excessiva demonstração de sentimentos fortes, embora eles
possam acontecer. E a tradicional aura de mistério que cerca a morte, com o que
permanece dos gestos mágicos abrir as janelas, parar os relógios , torna a morte
menos tratável como problema humano e social que as pessoas devem resolver
entre si e para si. No presente, aqueles que são próximos dos moribundos muitas
vezes não têm capacidade de apoiá-los e confortá-los com a prova de sua afeição e
ternura. Acham difícil apertar a mão de um moribundo ou acariciá-lo, proporcionar-
lhe uma sensação de proteção e pertencimento, ainda. O crescente tabu da
civilização em relação à expressão de sentimentos espontâneos e fortes trava suas
línguas e mãos. E os viventes podem, de maneira semiconsciente, sentir que a
morte é contagiosa e ameaçadora; afastam-se involuntariamente dos moribundos.
Mas, para os íntimos que se vão, um gesto de afeição é talvez a maior ajuda, ao
lado do alívio da dor física, que os que ficam pode proporcionar (ELIAS, 2001, p.
35-37).
Nesse contexto, o moribundo é interpretado e tratado como indivíduo por quien nada
podemos hacer para impedir que muera(THOMAS, 1991, p. 66), e, por este motivo, será
excluído da vida social, no pudiendo hacer ya nada, no existe para si mismo y existe menos
aún para los demás, puesto que les obliga a enfrentarse con su impossibilidad de atuar [...]
muy pronto no será ya nada” (THOMAS, 1991, p. 66).
O moribundo se tornou um problema social, que, para Elias (2001), só pode ser
contornado com o processo de “desmitologização da morte”. Hoje, se pode afirmar que o
surgimento da medicina humanizada vem contribuindo com esse processo, já que o modelo de
“morto social” tem sido repensado. Os pacientes terminais, conhecidos como pacientes fora
de possibilidades terapêuticas (FPT), estão conhecendo uma nova proposta de assistência,
denominada de cuidados paliativos, com o objetivo de humanizar o morrer, e que consiste
basicamente em:
assistir o moribundo até seus últimos momentos, buscando minimizar tanto quanto
possível seu desconforto e em dar suporte emocional e espiritual a seus familiares.
52
O ideal é que o indivíduo que está morrendo tenha controle do processo de morte,
realizando escolhas a partir das informações sobre as técnicas médicas e espirituais
que considerar adequada. A palavra de ordem é a comunicação franca entre
profissionais de saúde e paciente: o tratamento deve ser discutido, em suas várias
etapas, entre enfermos, seus familiares e o médico responsável. Contrapondo-se ao
modelo da morte moderna, eminentemente curativo, no qual o doente é
despossuído de voz, a nova modalidade de assistência valoriza os desejos do
enfermo. O diálogo entre os atores sociais envolvidos no processo do morrer é
central na proposta inovadora: uma vez explicitados os limites da ação do médico e
dos desejos do doente, é possível a deliberação sobre o período de vida ainda
restante, a escolha de procedimentos e a despedida das pessoas de suas relações
com o suporte de uma equipe multidisciplinar (MENEZES, 2004, p. 37).
Com os cuidados paliativos, o moribundo é legitimado socialmente e tratado de
maneira a preservar sua individualidade, que o princípio básico deste modelo se baseia na
comunicação aberta, na escuta e no cumprimento dos desejos do moribundo, e o processo de
morrer tem se tornado mais humanizado, singularizado e personalizado. Tais cuidados têm o
objetivo de:
preencher este espaço existente entre, por um lado, a competência técnica da
medicina e da cura (que apensar dos incríveis avanços continua sendo limitada) e a
cultura do respeito da autonomia do paciente no que se refere às suas decisões
extremas, as quais implicam também em poder dizer quando o quer mais viver
sofrendo (SCHRAMM, 2002, p. 19).
Kubler-Ross (1998) propõe um diálogo mais aberto, intenso e afetivo com os
moribundos e a criação de associações para tratarem dos problemas da morte e do morrer de
forma que seja possível ajudar as pessoas a viverem sem medo da morte e a se sentirem bem
diante da perspectiva da própria morte:
Há um momento na vida do paciente em que a dor cessa, em que a mente entra num
estado de torpor, em que a necessidade de alimentação torna-se mínima, em que a
consciência do meio ambiente quase que desaparece na escuridão. É o período em
que os parentes andam para lá e para cá nos corredores dos hospitais, atormentados
pela expectativa, sem saber se podem sair para cuidar da vida ou se devem ficar por
ali esperando o instante da morte. é o momento em que é tarde demais para
palavras, em que os parentes gritam mais alto por socorro, com ou sem palavras. É
tarde demais para intervenções médicas (que são duras demais quando acontecem,
apensar da boa intenção), mas também é cedo demais para uma separação final do
agonizante. É o momento mais difícil para um parente próximo, pois ele também
deseja que tudo passe, que tudo termine; ou agarra-se desesperadamente a alguma
coisa que esprestes a perder para sempre. É o momento da terapia do silêncio
para com o paciente, e de disponibilidade para com os parentes.
O médico, a enfermeira, a assistente social ou o capelão podem ser de grande valia
nestes momentos finais, se souberem entender os conflitos da família nesta hora e
ajudar a escolher uma pessoa mais tranquila para ficar ao lado do agonizante,
pessoa que se torna de fato o terapeuta do paciente. Os que se sentem abatidos
demais podem receber assistência sendo aliviados de sua culpa ou assegurados de
que alguém ficará com o moribundo até o desenlace. Podem, então, voltar para casa
sabendo que o paciente o morrerá sozinho, sem se sentirem culpados ou
envergonhados por se terem esquivado deste momento, para muitos tão difícil de
enfrentar.
Aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo,
com o silêncio que vai além das palavras, saberão que tal momento o é
53
assustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo
(KUBLER-ROSS, 1998, p. 281-282, grifo da autora).
O fato é que o ser humano sempre abominou a morte, ela sempre foi considerada
como um acontecimento medonho e pavoroso. Entretanto, foi o modo de conviver e lidar com
a morte, com o morrer e com os moribundos que se modificou com o passar dos tempos. O
isolamento, o evitamento e a dessocialização dos moribundos faz com que atitudes como
acompanhar o agonizante, banhá-lo e higienizá-lo passem a ser cada vez mais repugnadas. E
esse fato contribui para uma profissionalização da morte, conforme observou Thomas (1991,
p. 88):
El abandono por parte de la familia y los amigos determina la intervención de
organizaciones creadas para tal efecto, y éstas, en tanto servicios, deben adaptarse a
las exigencias de la rentabilidad y el beneficio. También pude afirmarse que la
existencia de esas instituciones incita a las personas que se enfrentan con la muerte
y los muertos a recurrir a sus servicios en vez de valerse por sí mismas.
1.2. Interditando, ocultando e banindo a morte e os mortos?
Aa primeira metade do século XIX a morte era pensada, falada e escrita, mas a
partir da segunda metade do século XIX a morte foi se tornando interdita na sociedade
ocidental. A interdição da morte tinha a finalidade de preservar a felicidade social. Com isso,
até mesmo o luto foi sendo suprimido, com o objetivo de evitar perturbar os viventes de
sentimentos que pudessem trazer dor, sofrimento e que fizessem quaisquer referências à morte
e aos mortos.
O luto, que até então era um acontecimento social e blico, passou a ser privativo e
limitado apenas aos parentes mais próximos, concebido como um estado mórbido que deve
ser tratado, abreviado e apagado(ARIÈS, 2003, p. 95). Os signos do luto (uso da cor negra,
etc.) foram apagados e as expressões de dor foram contidas e suprimidas, reduzidas a um
botton, um adesivo ou um lenço, tal como os produtos oferecidos pela empresa “Coração de
Luto”, que são utilizados durante as cerimônias de velório e constam de adesivos usados nas
vestimentas para identificar a família enlutada, conforme destacado na website da empresa:
O luto é um sentimento humano de pesar pela morte de outro ser humano, e tem
diferentes formas de expressão em culturas distintas. O uso da cor preta, por
exemplo, pode indicar que um indivíduo ou grupo está em luto. Antigamente,
54
quando um familiar falecia, as pessoas usavam roupas pretas para demonstrar seus
sentimentos pelo seu ente querido.
Hoje, em função da dinâmica de vida que as pessoas levam, este hábito caiu em
desuso. Pensando nisto, o Coração de Luto traz uma nova e inteligente alternativa
para resgate desta demonstração de sentimento.
O uso de Botton e adesivos ambos com o significado de identificar a família
enlutada e lenços com mensagens de paz e conforto acompanhando o cortejo até
sua última morada.
Nos momentos em que o coração fala, a boca não tem palavras para expressar o
sentimento, afinal, os hábitos mudam, mas o sentimento continua o mesmo.
(Disponível em: <http://coracaodeluto.com.br>. Acesso em: 01 mar. 2008).
No século XX uma nova forma de “sentir” a morte foi se impondo. Os enlutados
passaram a ser divididos em três categorias, de acordo com Gorer (1965): aqueles que
escondem completamente a sua dor, procedendo como se nada tivesse acontecido e continuam
a manter uma vida aparentemente normal sem qualquer interrupção; aqueles que guardam a
dor para si, realizando uma espécie de luto privado, em que quase nada transparece
externamente; e aqueles que deixam aparecer livremente sua dor. Este último grupo de
enlutados passou a ser excluído socialmente, sendo visto e entendido como um caso clínico
que merecia cuidados e tratamentos psicopatológicos.
Para Durkheim (1996. In: DURKHEIM, 1996), o luto é um rito piacular, pois se
celebra na inquietude e na tristeza, mas as condutas sociais dos enlutados são normatizadas
pela coletividade, ao afirmar que seja qual for a violência dessas manifestações, elas o
estritamente reguladas pela etiqueta(DURKHEIM, 1996. In: DURKHEIM, 1996, p. 428).
Dessa forma, o luto é entendido não como uma expressão espontânea das emoções
individuais, ou seja, os indivíduos choram não apenas porque estão tristes, mas porque se
sentem obrigados a chorar. Choram porque é norma:
Não somente os próximos mais diretamente atingidos trazem ao encontro sua dor
pessoal, como também a sociedade exerce sobre seus membros uma pressão moral
para que harmonizem seus sentimentos com a situação. Permitir que eles
permaneçam indiferentes ao golpe que a atinge e a diminui seria proclamar que ela
não ocupa nos seus corações o lugar a que tem direito; seria negá-la. Uma família
que tolera que um dos seus possa morrer sem ser pranteado testemunha com isso
sua falta de unidade moral e de coesão: ela abdica, renuncia a existir. O indivíduo,
por sua vez, quando firmemente ligado à sociedade que faz parte, sente-se
moralmente compelido a participar de suas tristezas e de suas alegrias;
desinteressar-se delas seria romper os vínculos que os unem à sociedade, seria
renunciar a querê-la e contradizer-se. [...] Se ele chora, se ele geme, não é
simplesmente para traduzir uma tristeza individual, é para cumprir um dever que a
sociedade em volta não deixa de lembrar-lhe na ocasião (DURKHEIM, 1996. In:
DURKHEIM, 1996, p. 438).
Entretanto, esta interpretação implica um descrédito dos sentimentos dos enlutados,
conforme observou Sudnow (1971). Se os indivíduos expressam um pesar menor nos
encontros semipúblicos é em decorrência da limitação das expressividades prescritas por
55
alguns modelos culturais que reduz cada vez mais o sentimento de perda. Nesse sentido, o
choro não significa realmente o que se está sentindo, pois o sentimento de dor da perda pode
ser bem maior do que é realmente expresso pelos enlutados. Ocorre, portanto, que a morte e o
morrer não deixaram de ser sentidos, mas que as expressões de perda passaram a ser exibidas
de forma mais contida, recalcada e interdita
10
.
A mesmo nos hospitais, que são locais onde a morte aparece com recorrência, a
morte passou a ser negada e escondida. Kubler-Ross (1998) percebeu que nos hospitais norte-
americanos tanto os médicos quanto a família e o próprio moribundo reagem à morte com
dificuldade. Há uma necessidade de negação visualizada através da privação do moribundo de
seu verdadeiro estado de saúde, mesmo que este saiba ou esteja ciente da gravidade, ainda
que não tenha sido informado oficialmente. O silêncio e a negação da morte por parte dos
dicos é acompanhado do silêncio, da recusa e da negação da morte pela família e pelos
próprios moribundos:
O mais importante é a atitude que assumimos e a capacidade de encarar a doença
fatal e a morte. Se isto constitui um grande problema em nossa vida particular, se a
morte é encarada como um tabu horrendo, medonho, jamais chegaremos a afrontá-
la com calma ao ajudar um paciente. Falo em “morte” de propósito, mesmo que se
tenha apenas de responder se um tumor é maligno ou o. O tumor maligno está
sempre associado à idéia de morte iminente, a uma natureza destrutiva de morte e
detona sempre todas as emoções. Se não somos capazes de encarar a morte com
serenidade, como podemos ajudar nossos pacientes? Esperamos, então, que os
doentes o nos façam este terrível pedido. Despistamos, falamos de banalidades,
do tempo maravilhoso fora e, se o paciente for sensível, fará nosso jogo falando
da primavera que virá, mesmo sabendo que para ele a primavera o vem. Estes
médicos, quando interpelados, dirão que seus pacientes não querem saber a
verdade, que nunca perguntam qual era ela e acham que tudo está bem. De fato,
sendo médicos, sentem-se grandemente aliviados por não terem de enfrentar a
verdade, desconhecendo totalmente, o mais das vezes, quer foram eles que
provocaram esta atitude em seus pacientes (KUBLER-ROSS, 1998, p. 36).
Sudnow (1971) observou em uma pesquisa realizada nos hospitais norte-americanos
que a morte do hospital
11
consiste em cifras são números e é contabilizada, sendo
inclusive uma premissa para assinalar o status de experiência da equipe médica
12
, mas esta
10
Se compararmos a exibição das expressões de dor da perda no início do século XVIII, veremos que neste
período havia uma maior exposição da dor da separação através de gemidos, gritos, desmaios, do querer morrer e
partir com o outro, uma expressão da “morte romântica” ou dos lutos histéricos (ARIÈS, 2003, p. 72), em que se
verifica a intolerância com a separação e com a morte do outro. Por outro lado, em algumas ocasiões esse
modelo de morte interdita não se encaixa, que a morte e seus rituais não obedecem a uma padronização,
depende muito de quem morre (crianças, bebês, suicidas, pessoas púbicas, idosos, mulheres, homens, etc), da
situação econômica do morto, da circunstância da morte (morte natural ou morte trágica, em decorrência de
acidente, assassinato, etc.) e do aspecto religioso.
11
Sudnow (1971) distingue a morte do hospital da morte no hospital: essas são as mortes violentas que foram
geradas no interior da organização hospitalar, tal como um assassinato dentro do hospital, um suicídio na ala
psiquiátrica, etc.
12
Sudnow (1971) observou que muitas vezes contabilizar a morte pode significar um status que possibilita
verificar o grau de experiência do médico. Os novos estudantes e médicos têm o hábito de contar o número de
56
atitude pode significar um indício de preocupação, morbidade ou mesmo medo da morte pelo
staff médico, que procura, muitas vezes, estabelecer uma relação de distanciamento com o
paciente e com a família, sobretudo quanto a assuntos relacionados diretamente à morte e ao
morrer.
Santos (1983. In: MARTINS, 1983, p. 16-17) observou que os profissionais de saúde
negam a morte, desenvolvendo mecanismos de defesa que os ajudam a afastar a dor trazida
pelo envolvimento com os pacientes. São eles: o mecanismo de negação em fantasia (quando
se nega a realidade); o mecanismo de negação em palavras (quando uma instalação
compulsiva de comportamentos motores ou verbais que simbolicamente significam o oposto
da dor); o mecanismo de evasão (quando se evita que ocorra um fato que possa desencadear
uma dor, geralmente a pessoa utiliza como artifício a fuga de uma situação dolorosa).
Na prática médica uma intensa recusa da morte pelo fato de que a medicina é
concebida como uma prática voltada para a vida. Com isso, há uma separação radical entre
vida e morte que resulta numa anulação e supressão da morte, a recusa da morte, por parte
dos médicos, pode transformá-la mesmo em assunto interditado (num interdito),
absolutamente evitado nas suas conversas” (CONSORTE, 1983. In: MARTINS, 1983, p. 41).
A utilização de jargões que atuam na finalidade de negar a morte é comum na prática
dica. Entre os médicos e as enfermeiras o paciente não morre, mas a morte é traduzida
através de eufemismos: “vai a óbito” ou teve uma parada cardíaca”; se estiver para morrer, é
paciente fora das possibilidades terapêuticas”; preparar o morto é “fazer o pacote”.
(SANTOS, 1983. In: MARTINS, 1983). Essas condutas de evitação indicam o temor da
morte e a preocupação em se proteger dela (THOMAS, 1991, p. 117).
A morte passa a ser dissimulada também nas atitudes e nos discursos sociais. Evita-se
dizer que alguém morreu, preferindo-se dizer “descansou”; evita-se falar em morto ou
cadáver, referindo-se a eles (os mortos) como um “corpoou um óbito”; não se fala mais
de centros funerários ou pompas fúnebres, mas de serviços tanatológicos; os cemitérios
se tornaram espaços verdes ou campos-santos. Nessa conjuntura, certas palavras são
proibidas, desaconselhadas e substituídas por outras.
Mitford (2000) observou que as associações norte-americanas que trabalham com a
morte adotaram em 1916 um glossário com nomenclaturas substitutivas para apagar a palavra
morte e todas as suas associações. Em 1956 uma vasta lista foi criada por Victor Landing,
no Basic Principies of Funeral Service, com o objetivo de evitar, tanto quanto possível, a
acontecimentos para medir sua experncia, aumentar a competência e autoridade do praticante. Um dos signos
de maior competência entre os colegas se manifesta quando o médico deixa de contar e diz que já perdeu a conta.
57
utilização da palavra “morte”. Uma certidão de óbito deveria ser chamada de “formulário de
estatísticas vitais”; o transporte de uma pessoa morta deveria ser substituído por “transferir”
ou “remover” e os cemitérios passariam a ser “parques memoriais” (MITFORD, 2000, p. 52).
Novas terminologias foram surgindo no vocabulário fúnebre norte-americano. Os
undertaker (antigos empresários fúnebres do século XIX) foram suplantados pelos funeral
directors (atuais profissionais responsáveis pelos funerais norte-americanos); os coffins
substitdos por caskets; as flores são chamadas de floral tributes; os cadáveres são
denominados de loved ones. Nas etiquetas mortuárias os cadáveres são chamados pelos nomes
e eufemismos como reposing room ou slumber room (MITFORD, 2000, p. 17).
O processo de interdição, ocultação e banimento da morte e dos mortos está aliado ao
sentimento contemporâneo de horror e medo dos corpos mortos e decompostos. Como na
atual sociedade predomina uma sensação de imortalidade (ELIAS, 2001), um cadáver trai a
ilusão de que o corpo não está condenado ao desaparecimento (CATROGA, 2002, p. 17).
Portanto, um cadáver simboliza aquilo que uma sociedade não quer ser. Com isso a morte
que até então estava de alguma maneira integrada à vida, agora aparece como um
apodrecimento” (MARTIN-FUGIER, 1991, p. 257).
Os sentimentos de repugnância, desagrado e nojo foram despertados no curso do
processo civilizador (ELIAS, 1994). A censura às funções naturais do corpo foi se impondo
aos padrões de comportamento da vida moderna. As referências às funções corporais como
defecar”, “urinar”, “peidar”, etc. e às partes do corpo nelas envolvidas foram, aos poucos,
sendo ignoradas e omitidas no comportamento social ocidental. A transformação das relações
entre os homens fez com que as manifestações de algumas funções corpóreas fossem tratadas
como vergonhosas e, portanto, interditas (ELIAS, 1994)
13
. A ruptura em relação ao
significado do corpo e, consequentemente, em relação ao significado do cadáver foi
acompanhada pela recusa e repugnância aos corpos em decomposição e aos cadáveres
carcomidos por vermes.
Mas nem todas as sociedades e culturas reagem da mesma forma à imagem e à
representação de um corpo morto. Para DaMatta (1985. In: DaMATTA, 1985), existem dois
tipos de relações que as sociedades estabelecem com a morte e com os mortos. Nas
sociedades individualistas, modernas e igualitárias, predomina um tipo de sistema que se
13
Para Elias (1994) o pudor em relação ao corpo aparece no século XVI, com o desejo de obter um grau de
controle dos impulsos e das emoções com a finalidade de cultivar sentimentos de vergonha em relação às
funções do corpo. No século XIX os argumentos de natureza médica também serviram como instrumentos para
impelir ao controle e à renúncia de uma satisfação instintiva. Entretanto, o movimento de reformulação das
necessidades humanas ocorreu devido à transformação das relações entre os homens e o desenvolvimento da
aparelhagem técnica e serviu somente para a reprodução e disseminação desses padrões.
58
preocupa com a morte e descarta o morto. Nesse modelo, o indivíduo prevalece sobre o todo e
a morte se torna um problema que será tema de livros, palestras, cursos e seminários, mas
pensar nos mortos faz parte de um sentimento mórbido, sendo mais aceitável o esquecimento.
nas sociedades relacionais uma preocupação com o morto e uma rejeição da
morte. Nesse tipo de sociedade, o sujeito social não é o indivíduo, mas as relações sociais que
se estabelecem entre eles. Os mortos são chorados, invocados, lembrados, e, paralelamente,
um silêncio sobre a morte.
Esse modelo de morte das sociedades relacionais pode ser encontrado nas sociedades
tribais ou tradicionais, como observou Cunha (1978, p. 17) com os Krahó, um grupo indígena
que habita a margem direita do Tocantins, no cerrado do norte de Goiás:
Se no corpo se imprime o simbolismo da sociedade, então a morte de um homem
“significa a morte da sociedade, ou pelo menos de uma sociedade igual a si
mesma. Ora, o que diz a teoria Krahó, senão que a conjunção excessiva com o
círculo familiar em detrimento da vida pública assim como a negação da
reciprocidade comprometem irremediavelmente a sobrevivência da comunidade.
Na morte de um homem enquanto discurso simbólico aflora a inquietação do grupo.
Sobre o elo entre os vivos e os mortos nas sociedades tradicionais, Lévi-Strauss (2008,
p. 218) observou que entre os Bororo, grupo indígena do Estado do Mato Grosso, quando um
índio morre, não só os parentes próximos, mas toda a sociedade é lesada.
DaMatta (1985. In: DaMATTA, 1985) acredita que o caso da morte e dos mortos na
sociedade brasileira se assemelha aos modelos estabelecidos nas sociedades relacionais, pois
no Brasil se fala muito mais nos mortos do que na morte esta é concebida como uma
passagem para “outro mundo”, ao passo que, quanto aos mortos, uma intenção de lembrá-
los através da prática de alguns atos rituais, como comemorar seus aniversários de nascimento
e de morte. No universo fúnebre brasileiro uma proximidade moral e uma relação
permanente entre os vivos e os mortos expressa na visita e nos cuidados aos túmulos e nas
relações de respeito que o estabelecidas com os mortos e os enlutados. Na década de 1870
se aconselhava a não utilizar chapéus e a não fumar próximo aos mortos
14
. na cada de
2006, alguns comportamentos rituais eram sugeridos nas cerimônias e rituais fúnebres, tais
como:
1. Desligue o seu celular ou utilize-o no modo silencioso;
2. Procure manter o tom da sua voz baixo;
3. Diga “sinto muito”, conte comigo” em lugar demeus pêsames”. Soa melhor;
4. Se o consegue falar ou não sabe o que dizer, simplesmente um abraço
carinhoso;
14
Artigo 36 do Regulamento de 20 de julho de 1870, decretado pelo presidente da Província de Mace,
intitulado: “Para o cemitério público da cidade de Maceió. (Arquivo Público Estadual de Alagoas APEAL).
59
5. Evite falar sobre assuntos desagradáveis que envolvem a pessoa que está sendo
velada;
6. Procure ser discreto ao sorrir. Não dê gargalhadas, é de péssimo tom;
7. Em todo tempo mantenha a serenidade e a compostura
15
.
Nas sociedades individualistas não ocorre essa relação entre vivos e mortos. Segundo
DaMatta (1985. In: DaMATTA, 1985), na relação que essas sociedades estabelecem com seus
mortos uma necessidade de destruí-lo e, uma vez despachado, não deve ser lembrado ou
sequer invocado:
Na medida em que se pode discernir como o individualismo torna negativas as
relações sociais e a lógica relacional que a acompanha, pode-se talvez compreender
por que uma sociedade como a norte-americana promove a existência de
instituições especializadas em tomar conta do morto que, no momento em que
deixa este mundo, nada mais recebe da sua família, ficando isolado e sendo
preparado num funeral home (DaMATTA, 1985. In: DaMATTA, 1985, p. 117).
Quando um evento ocorre numa situação de isolamento do morto, nas sociedades
relacionais passa a ser um caso emblemático e paradigmático, sendo lembrado, evocado e
alvo de questionamento e admiração, conforme descreveu o Mestre de Cerimônias do Campo
Santo Parque das Flores, que, ao ser interrogado se havia presenciado algum caso atípico,
lembrou o velório e o sepultamento de uma senhora cujo corpo foi sepultado no horário da
manhã, mas que desde as dezesseis horas do dia anterior havia sido colocado em uma das
capelas velatórias do cemitério, sem que absolutamente ninguém tivesse aparecido para velar
a morta os familiares chegaram ao cemitério somente no dia posterior para realizar a
cerimônia de sepultamento. O Mestre de Cerimônias acrescenta ainda que:
aconteceu de chegar assim colocar, uma velhinha mesmo, colocaram na capela
quatro horas da tarde. A velha ficou aí sozinha. A família veio no outro dia
mesmo para sepultar. A velha ficou. Até um cara [uma pessoa que estava velando
outro morto] disse: “Rapaz eu até com pena da velha, coitada, tava sozinha,
não tinha ninguém pra acompanhar a senhora”. Ficou lá sozinha.
O velório todo?
Foi o velório todo. Ninguém. apareceu eu acho que uma hora antes de sepultar.
E eu fiz sepultamento aqui também que eu acho que família tinha vergonha do
morto, do defunto, que só saiu eu e o coveiro mesmo empurrando. Quem ficou
velando foi eu. Eu acostumado a fazer sepultamento aqui com um monte de gente,
né? Aquela multidão. Saiu assim quando eu olhei para o lado achei até estranho:
“Meu Deus do céu!” Que a família saiu ao contrário, tinham dois, aí saiu na frente
eu e o coveiro empurrando o carrinho, a Cristina aqui da lanchonete teve até pena,
ela veio junto também. Pode crer [risos]. Foi eu, o coveiro e a Cristina. Cristina
disse “Pelo amor de Deus, cadê o povo, hem?”. O povo . O povo no lugar de vir
atrás, não, ficou ali, não tem a floricultura? Ficaram por ali tapeando. Quatro
pessoas da família ficaram pela floricultura, disseram: Pode ir andando”. Ai a
15
Essa lista de comportamentos rituais foi elaborada pela Assistente Social do Campo Santo Parque das Flores,
que, incomodada com a maneira como os acompanhantes se comportavam nos verios e sepultamentos,
elaborou um folder, que fica exposto nas capelas de velório do cemitério, contendo uma lista de sete sugestões
para os acompanhantes com o objetivo de “respeitar os mortos e as famílias enlutadas” (Informações obtidas em
conversa informal com a Assistente Social).
60
gente foi andando. “Pelo amor de Deus!” Só me deu vontade de rir. Eu olhava para
um lado não via ninguém, eu olhava para a cara da Cristina assim, meu Deus!
Quem era a pessoa morta?
Era uma senhora. Uma senhora. Aí quando eu olhei para trás, ninguém. A Cristina
veio para não passar vergonha, ela disse “Porque eu aqui morta de vergonha.
Menino, como é que pode isso, hem?”. E eu procurando a família.
E vocês não procuram nem saber o porquê?
Não, porque se ela [a família] mandou ir andando, vamos andando. Porque é uma
coisa muito pessoal, né? Será que essa mulher [a pessoa morta] fez tanto mal
assim? Ou estão com vergonha porque tem quatro pessoas no sepultamento?
[questiona]. Ela [a filha da pessoa morta] mandou seguir, eu fui embora com o
coveiro, andando, e a Cristina. eles mandaram eu seguir [disseram]: “Não! Pode
seguir”. Quando chegou bem aqui, foi bem aqui, eles chegaram os quatro com
umas florzinha. Desceu [a urna]. Pronto. Colocaram a urna lá.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008).
Este evento descrito com curiosidade é considerado um caso apico no cotidiano
fúnebre da sociedade relacional brasileira, o que levou o funciorio a questionar inclusive o
caráter moral da pessoa morta: “Será que essa mulher fez tanto mal assim?”.
A correlação existente entre os vivos e os mortos na sociedade brasileira foi abordada
por Freire (2005) em estudo sobre a sociabilidade entre famílias enlutadas que frequentavam
um grupo de apoio psicológico no cemitério Morada da Paz, na cidade de Natal, no Estado do
Rio Grande do Norte. Ao observar, nas narrativas dos enlutados, que havia uma necessidade
de manutenção do vínculo com os mortos, a autora assinala:
A manutenção deste vínculo com o parente falecido pôde ser percebida, sobretudo,
principalmente nas falas dos enlutados sobre o morto, referido muitas vezes por
meio do verbo no tempo presente, como “Gustavo gosta disso”, “Andréa é muito
impaciente”. Além disso, algumas atitudes, como manter na agenda do telefone
celular o número do falecido, deixar sua voz gravada na secretária eletrônica do
telefone de casa, ou ainda comprar presentes que agradariam o morto no dia de seu
aniversário, eram reveladas pelos participantes do grupo como naturais (FREIRE,
2005, p. 93).
O vínculo entre os vivos e os mortos se justifica pelo fato de o corpo morto, o cadáver,
possuir mana que é sagrado, tem valor mágico, religioso e social. Segundo Marcel Mauss
(2003), mana é uma ação, um meio, qualidade, substância, atividade. O mana é uma coisa:
Diz-se de um ser, espírito, homem, pedra ou rito, que ele tem mana, o mana de
fazer isso ou aquilo. Emprega-se a palavra mana nas diversas formas das diversas
conjugações, ela significa então ter mana, dar mana, etc. [...] O mana é
propriamente o que produz o valor das coisas e das pessoas, valor mágico, valor
religioso e mesmo valor social (MAUSS, 2003, p. 142-143, grifo do autor).
Sendo assim, pode-se afirmar também que, pelo seu poder mágico, um cadáver exerce
uma magia de contágio, podendo simbolizar tanto a pureza quanto o perigo (impureza)
(DOUGLAS, 1986), através da crença universal de ser puro e impuro ao mesmo tempo.
61
As coisas ou pessoas só são impuras/perigosas porque a sociedade assume em relação
a elas uma atitude ritual. Dessa forma, um cadáver passa a ser impuro também pela imagem
que assume: a palidez do corpo (decorrente da desidratação do cadáver, que faz surgir o
processo de pergaminho da pele, que a pele desseca e o corpo assume uma tonalidade
pardacenta); o cheiro; o enrijecimento (resultante do processo de desidratação); a frieza
(devido à tendência do corpo morto em equilibrar sua temperatura com o meio ambiente); e as
secreções que passam a ser expelidas quando a pessoa morre (sobretudo porque, no momento
da morte, o esfíncter anal se relaxa, dando saída, em alguns casos, a substâncias fecais),
secreções que, mesmo sendo de origem natural, ocupam um espaço exterior, aquele reservado
à cultura, fazendo com que um cadáver passe a ser inaceitável, repudiado, nojento, repulsivo e
repugnado.
A morte é um fato social e um fato social total, já que se apresenta com um caráter
tridimensional, fazendo coincidir a dimensão sociológica, hisrica, fisiológica e psíquica
(LEVI-STRAUSS, 2003, In. MAUSS, 2003, p. 24). Nesse sentido, acredito que, para
compreender o significado dos rituais de morte incluindo a dinâmica do mercado e do
consumo fúnebre , é preciso entender a maneira como cada sociedade ou cultura lida e se
relaciona com o morrer e com os seus mortos, pois, se o morrer é um fato social total, então
cada sociedade simboliza, interpreta e atribui significados para o morrer, para a morte e para
os mortos de acordo com a sua cultura. Sendo assim, a morte e tudo o que está relacionado a
ela (o morrer, o significado do corpo morto, o mercado fúnebre e o consumo fúnebre, por
exemplo) devem ser entendidos observando e respeitando o contexto e espaço sociocultural
de sua representação.
62
Sepultar
63
Cemitério...
infecta morada dos mortos em meio às habitações dos vivos
(Phillipe Ariès)
Quando um indivíduo morre, toda uma estrutura social é abalada, pois a morte tende a
quebrar o ritmo normal da vida do grupo social e familiar. Ocorre que a presença de um
indivíduo morto, de um cadáver, representa a liminaridade. O morto não pertence mais a este
mundo e tampouco chegou ao mundo do além, ele, que era a materialização da estrutrutura,
agora se desestrutura. Agora é antiestrutura (RODRIGUES, 2006b, p. 61). É necessário
então, exorcizar o cadáver, enviá-lo à sepultura num ritual purificatório, que objetiva tanto
eliminar a morte da sociedade, quanto orientar o destino do defunto.
Malinowski (1984, p. 52) observou uma atitude dualista e contraditória nos ritos de
sepultamento revelada através da tendência de preservar o corpo, mantendo intacta sua forma
ou retendo-se parte dele, e do desejo de livrar-se do corpo, de ti-lo do caminho e de
aniquilá-lo completamente. É por este motivo que os ritos e as cerimônias realizadas quando
da morte de um sujeito social irão proporcionar o meio poderoso de reintegração da abalada
solidariedade do grupo e de reestabelecimento do seu moral (MALINOWSKI, 1984, p. 56).
Todas essas cerimônias rituais post mortem desempenham, para Thomas (1991), a
função de preservar o equibrio individual e social dos vivos e de superar a angústia da
morte:
Son ritos todas las conductas corporales más o menos estereotipadas, a veces
codificadas e institucionalizadas, que se basan necessariamente en un conjunto
complejo de símbolos y de creencias. Los ritos funerários, comportamientos
variados que reflejan los afectos s profundos y supuestamente guían al difunto
en su destino post mortem, tienen como objetivo fundamental superar la angustia de
muerte de los sobrevivientes (THOMAS, 1991, p. 115).
O ato de sepultar não deve ser percebido apenas como um gesto instrumental de
motivação higiênica (afastar a sociedade de um cadáver que pode trazer doenças contagiosas).
Se a morte abala a estrutura social, conforme apontou Malinowski (1984), então o ato de
sepultar representa a ordenação. Se a morte é desordem, o sepultamento é a ordem ou o
reordenamento social. Para Thomas (1991, p. 119), o ritual do sepultamento desempenha uma
função fundamental como la de preservar el equilíbrio individual y social de los vivos”.
Eliade (1992, p. 151) observa ainda que, para certos povos, o sepultamento ritual
conforma a morte: aquele que não é enterrado segundo o costume não está morto. Portanto,
a morte de um indivíduo passa a ser validada para a sociedade depois da realização de
alguns rituais e cerimônias fúnebres para se ter a certeza de que a alma do defunto foi
64
ritualmente conduzida a sua nova morada, no outro mundo, e lá foi aceita pela comunidade
dos mortos” (ELIADE, 1992, p. 151).
Se o ato de sepultar tem um significado na sociedade, ele também é ressignificado,
reinterpretado e adaptado simbolicamente à vida cultural de cada sociedade. O ritual de
sepultamento muda, se transforma, pois conforme observou Mauss (2003, p. 56), os atos
rituais são capazes de produzir algo mais do que convenções; são eminentemente eficazes;
são criadores, eles fazem”. Nesse sentido, a maneira como a sociedade sepulta seus mortos se
modifica, podendo, inclusive (re)criar novos significados rituais, e as mudanças ocorridas nos
rituais do post mortem ajudam a compreender a (re)construção e (re)criação de uma nova
cultura fúnebre, que, entre outras coisas, possibilita uma empresariação do morrer.
2.1. Os sepultamentos ad sanctos e extra-urbe
Na Europa da Idade Média não havia distinção entre a igreja e o cemitério, pois era
comum que os cadáveres fossem sepultados no espaço sagrado das igrejas ou em seu entorno.
A palavra cemitério era utilizada somente para designar a parte externa das igrejas: o pátio,
que era chamado de atrium ou aître (ARIÈS, 2003, p. 40). No período medieval os cemitérios
apresentavam as seguintes características:
Ele ainda é construído no pátio retangular da igreja, cuja parede ocupa, geralmente,
um de seus quatro lados. Os outros três são frequentemente guarnecidos de arcadas
ou de carneiros. Acima dessas galerias ficam os ossários, onde crânios e membros
são dispostos com arte a busca de efeitos decorativos com ossos resultará, em
pleno culo XVIII, na criação barroca e macabra de imagens que se pode ver
ainda, em Roma, por exemplo, na igreja dos Capuchinhos ou na igreja della
Orazione e della Morte, atrás do palácio Farnese: lustres e enfeites
surpreendentemente fabricados com pequenos ossos (ARIÈS, 2003, p. 41,42).
Nesse período os sepultados ad sanctos significavam o desejo de se beneficiar da
proteção do santo, cujo santuário era confiado o corpo(ARIÈS, 2003, p. 202). Portanto, a
preocupação com o destino do corpo o era tão significativa pouco importava o que seria
feito com ele, desde que fosse conservado dentro de locais sagrados. Havia uma preocupação
maior com o repouso da alma. Assim, a escolha do local da sepultura obedecia a uma devoção
religiosa.
65
Os mais ricos faziam questão de ser sepultados no interior das igrejas e podiam pagar
por isso. os que possuíam menos condições financeiras eram sepultados normalmente na
parte externa, no atrium das igrejas. E os mais pobres, que o possuíam nenhuma condição
de ser sepultado nos lugares divinos, tinham seus corpos enterrados em valas comuns,
amontoados uns sobre os outros. Essas valas, depois de cheias, eram reabertas, e os ossos
eram retirados e levados para ornamentar os ossários.
Reis (1991) observou que, na sociedade brasileira do Oitocentos, predominava o
costume dos sepultamentos nas igrejas ou em seu entorno: ad sanctos, cuja finalidade era
garantir a salvação eterna. Para o autor, os sepultamentos nos lugares santos sugerem a
permanência da necessidade de uma relação de continuidade com o mundo dos mortos. O ato
de pisar sobre os mortos fazia com que estes fossem sempre lembrados e evocados pelos
vivos nas orações. Conforme verificou Cláudia Rodrigues (1999, p. 01):
[Havia] até meados dos Oitocentos, familiaridade entre vivos e mortos, expressa
nos sepultamentos no interior ou em torno das igrejas. Costume este,
essencialmente cristão, que possibilitava a vizinhança cotidiana entre os fiéis e seus
mortos, pois ao frequentarem, as igrejas, pisavam, caminhavam, sentavam e oravam
sobre as sepulturas.
No final do século XVIII surgiu o que Foucault (1979a) chamou de medo urbano, a
partir do aparecimento de um sentimento de angústia trazido com o desenvolvimento urbano.
Esse medo urbano é caracterizado pelo:
medo das oficinas e bricas que estão se construindo, do amontoamento da
população, das casas altas demais, da população numerosa demais; medo, também,
das epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e
invadem pouco a pouco a cidade; medo de esgotos, das caves sobre as quais são
construídas as casas que estão sempre correndo o perigo de desmoronar
(FOUCAULT, 1979a, p. 87).
Nesse mesmo período a noção de medo urbano se associou a um processo de
inquietude político-sanitária surgida a partir do desenvolvimento da noção de salubridade,
conforme explica Foucault (1979a, p. 93):
Salubridade não é a mesma coisa que saúde, e sim o estado das coisas, do meio e
seus elementos constitutivos, que permitem a melhor saúde possível. Salubridade é
a base material e social capaz de assegurar a melhor saúde possível dos indivíduos.
E é correlativamente a ela que aparece a noção de higiene pública, técnica de
controle e de modificação dos elementos materiais do meio que o suscetíveis de
favorecer ou, ao contrário, prejudicar a saúde. Salubridade e insalubridade são o
estado das coisas e do meio enquanto afetam a saúde; a higiene pública no séc.
XIX, a noção essencial da medicina social francesa é o controle político científico
deste meio.
Sob a égide da noção de salubridade, o cheiro e a maneira como os defuntos eram
depositados nas dependências eclesiásticas comaram a desagradar. Com o passar do tempo,
surgiram as queixas das inumações dentro das igrejas, que se baseavam em dois aspectos: um
66
de higiene pública (ameaça de epidemias) e outro moral e religioso (vergonha de enterrar os
homens da forma como eram sepultados dentro das igrejas: amontoados uns sobre os outros).
Da segunda metade do culo XVIII em diante, uma vasta literatura médica divulgava
que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecções e doenças contagiosas. Baseados na
teoria dos miasmas
16
, os médicos denunciavam as emanações pestilentas trazidas pelos odores
dos corpos, condenavam os velórios em residências e alertavam sobre o perigo dos
sepultamentos ad sanctos:
Para eles [os médicos], a decomposição de cadáveres produzia gases que poluíam o
ar, contaminavam os vivos, causavam doenças e epidemias. Os mortos
representavam um sério problema de saúde pública. Os velórios, os cortejos
fúnebres e outros usos funerários seriam focos de doença, mantidos pela
resistência de uma mentalidade atrasada e supersticiosa, que não combinava com os
ideais civilizatórios da nação que se formava. Uma organização civilizada no
espaço urbano requeria que a morte fosse higienizada, sobretudo que os mortos
fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemitérios extra-muros (REIS,
1991, p.247).
O acúmulo de mortos nas igrejas e em seu entorno se tornou intolerável. A nova
cultura fúnebre pretendia que os mortos estivessem inumados em uma morada própria. Nesse
período foi proibido o sepultamento nas igrejas, e a presença dos cemitérios se tornou
necessária.
Foucault (1979a) explica que a extinção dos sepultamentos no interior das igrejas
francesas se explica em decorrência da inquietude potico-sanitária e do desenvolvimento de
uma medicina urbana que objetivava a organização sanitária das cidades no final do século
XVIII:
Crê-se, frequentemente, que foi o cristianismo quem ensinou à sociedade moderna
o culto dos mortos. Penso de maneira diferente. Nada na teologia cristã levava a
crer ser preciso respeitar o cadáver enquanto tal. O Deus cristão é bastante Todo-
Poderoso para poder ressuscitar os mortos mesmo quando misturados em um
ossuário. Em compensação, a individualização do cadáver, do caixão e do túmulo
aparece no final do século XVIII por razões não teogico-religiosas de respeito ao
cadáver, mas político-sanitárias de respeito aos vivos. Para que os vivos estejam ao
abrigo da influência nefasta dos mortos, é preciso que os mortos sejam tão bem
classificados quanto os vivos ou melhor, se possível. É assim que aparece na
periferia das cidades, no final do século XVIII, um verdadeiro exército de mortos
tão bem enfileirados quanto uma tropa que se passa em revista. Pois é preciso
esquadrinhar, analisar e reduzir esse perigo perpétuo que os mortos constituem.
Eles vão, portanto, ser colocados no campo e em regimento, uns ao lado dos outros,
nas grandes planícies que circundam as cidades (FOUCAULT, 1979a, p. 89-90).
16
A teoria dos miasmas se consolidou durante o século XVIII e baseava-se na noção de que, quando o ar fosse
de má qualidade, as pessoas que respirassem este ar ficariam doentes. A infeão miasmática se dava através do
meio ambiente quando o ar era infectado por gases ou vapores pútridos. A tese contrária à teoria miasmática é a
teoria microbiana, consolidada na segunda metade do século XX, que postulava que as infecções eram causadas
por meio de micro-organismos patológicos, os micróbios (REIS, 1991; ARIÈS, 2003).
67
Nos projetos urbanísticos, os novos cemitérios deveriam ser localizados fora das
cidades e administrados pela municipalidade. Com base nesse pensamento, a municipalidade
da França permitiu a destruição do cemitério intramuros: o Cimetière des Saints-Innocents,
que, localizado no centro de Paris, servia para acumular os cadáveres de pessoas que não
tinham condições financeiras para ser sepultado em túmulos individuais. O empilhamento dos
cadáveres no cemitério dos inocentes” era tal que os cadáveres muitas vezes se empilhavam
em cima do muro, caindo para o lado de fora da necrópole. Quando o “cemitério dos
inocentes” foi fechado, os corpos de mais de vinte mil cadáveres com os caixões foram
exumados e transferidos durante os anos de 1785 a 1787 para as catacumbas de Paris, que
foram criadas com o intuito de servir de depósito (descanso) definitivo para as ossadas
retiradas de cemitérios desativados. As catacumbas compreendem paredes formadas por
crânios e tíbias empilhadas. Em 1785 os ossos de quase seis milhões de corpos foram
transferidos para as catacumbas.
No Brasil os pressupostos médico-higiênicos orientaram a construção de cemitérios
afastados das cidades. A medicina ditou as normas, e os legisladores proibiram as sepulturas
nos espaços sagrados e recomendaram a construção de cemitérios afastados da cidade. A
primeira proibição dos sepultamentos ad sanctos e a orientação para a criação de uma nova
morada para os mortos ocorreu com a Carta Régia nº. 18, de 14 de janeiro de 1801:
Em 1801, o legislador ouviu com cuidado seus conselheiros higienistas e ordenava
que se construísse, fora da cidade e em local seco e varrido pelos ventos, um ou
mais cemitérios, amplos o suficiente para “que não seja necessário abrirem-se as
sepulturas antes que estejam consumidos os corpos, que nelas se houverem
depositado”. Para substituir os jazigos perpétuos, concedia que as famílias
possuíssem “carneiro sem luxo”. Cada cemitério teria capelão próprio e capela
decente onde se rezassem missas fúnebres, inclusive missa solene no dia de
Finados. Todas essas medidas deveriam ser coordenadas pelo arcebispo da Bahia.
Construído os cemitérios, seriam proibidos os enterros nas igrejas (REIS, 1991, p.
274).
Ocorre, porém, que esta lei nunca foi posta em prática e, somente em 1828, outra
orientação nacional ordenou a construção de cemitérios extra-urbe. A Lei Imperial de
Estruturação dos Municípios, de 28 de outubro de 1828, instituída por D. Pedro I,
recomendou, no artigo 66, parágrafo , que as maras municipais elaborassem leis para
estabelecer a construção de cemitérios fora das igrejas. Entretanto, mesmo depois de
promulgada, os sepultamentos nas igrejas continuaram a ocorrer em vários municípios do
país, já que as câmaras municipais adiaram o quanto puderam a construção de cemitérios
públicos nas cidades.
68
Na Bahia, a dificuldade de colocar em prática a Lei de 1828 fez com que a Assembleia
Legislativa Provincial criasse uma lei provincial concedendo o monopólio dos enterros a uma
companhia privada. A Lei 17, de 04 de junho de 1835, autorizou a construção do primeiro
cemitério privado na cidade de Salvador, que foi inaugurado em 23 de outubro de 1836, e,
dois dias depois, foi alvo de uma revolta: a cemiterada, uma manifestação violenta,
organizada pelas confrarias religiosas (irmandades ou ordens terceiras) contra o campo-santo,
pois este representava não o declínio material das confrarias, mas o declínio religioso de
toda uma mentalidade social nesse episódio, “a economia ritual e material eram duas faces
da mesma moeda” (REIS, 1991, p. 330)
17
.
Em São Paulo, os sepultamentos nas igrejas foram proibidos em 1856, através de
uma lei que também regulamentou a construção de cemitérios. A partir deste ano, cada cidade
paulistana foi produzindo arranjos para lidar com a questão dos enterramentos de seus
mortos
18
.
No Maranhão, os enterros ad sanctos foram proibidos através da promulgação da
Lei nº 225, de 30 de setembro de 1846, que dispôs sobre os cemitérios, enterros e aberturas de
sepulturas e, no título II, instituía que ficaria prohibido, depois de construídos os cemiterios,
o enterramento de pessoas dentro do recinto das igrejas... Aos contraventores, inclusive os
parocos, e procuradores das irmandades, a multa de trinta mil reis, e o duplo na reincidência
(COE, 2006, p. 02). Mas foi somente nos fins de 1855 que esta lei foi severamente seguida,
sobretudo após a inauguração do Cemitério do Gavião, no dia 06 de setembro de 1855,
quando tornou-se mais visível em São Luís a laicização dos enterros e o conseqüente
advento dos cemitérios longe das igrejas, distante do ambiente urbano” (COE, 2006, p. 05)
19
.
Em Cuiabá, a Lei Municipal 18, de 28 de agosto de 1835, coibiu os enterros nas
igrejas e a Lei Municipal 21, de 02 de setembro de 1835, regulamentou a construção de
cemitérios na capital mato-grossense, fixando, inclusive:
o número de cemitérios considerados necessários, definindo a manutenção de um
portão com chave e um coveiro com a função de guardar o local e dar sepulturas
aos defuntos, proibindo os enterramentos dentro das igrejas, regulamentando as
práticas religiosas ali desenvolvidas com o objetivo de encomendar os defuntos e
17
Reis (1991) analisa o movimento da cemiterada ocorrido na Cidade de Salvador contra a implantação do
cemitério particular na cidade que representou o fim do monopólio dos sepultamentos pelas confrarias religiosas
baianas. No livro A morte é uma festa, Reis analisa também os ritos fúnebres que faziam parte do cotidiano
brasileiro no século XIX.
18
As discussões e legislações sobre o impedimento dos sepultamentos nas igrejas e a recomendação para a
construção de cemitérios públicos nas cidades do Estado de São Paulo foram analisadas por Cymbalista na obra
Cidade dos vivos (2002).
19
As legislações municipais da cidade de São Luís sobre a transferência dos enterramentos nas igrejas foram
abordadas por Coe (2006), em um breve texto apresentado no XII Encontro Regional de História da ANPUH, no
Rio de Janeiro.
69
permitindo aos familiares dos falecidos erigir túmulos com a decência que
quiserem, ficando o pároco com a obrigação de encomendar o defunto em sua
moradia, devendo o corpo seguir logo depois para o cemitério (ROCHA, M., 2001,
p. 25-26, grifo do autor).
Entretanto, as inumações dentro das igrejas continuaram a ser uma constante em
Cuiabá. Foi somente no ano de 1864, quando o Cemitério de Nossa Senhora da Piedade foi
inaugurado, que a transferência dos enterros se concretizou
20
.
Em Maceió, o digo de Postura da Câmara promulgou a Lei Municipal nº 32, de 03
de dezembro de 1845, que, sob a Secção I tulo I , intitulada Saúde blica”,
determinou, dentre outras proibições caracterizadas por saúde pública, a suspensão dos
sepultamentos nas igrejas e determinou a construção de cemitérios blicos destinados a
enterros provirios e definitivos:
§ 1º. Fica absolutamente prohibido enterrarem-se corpos dentro das igrejas ou
sacristias. Os administradores das igrejas que violarem esta postura pagao dez mil
réis. Esta disposição teseu effeito sómente depois de estabelecidos os cemitérios
fôra da cidade, ou de se terem designado pela câmara municipal os logares em que
se devam fazer os enterros provisoria ou definitivamente.
§ 2º. Nos logares em que fôrem destinados provisoria ou definitivamente para os
enterros, não se poderá abrir nova sepultura, em cova ou catacumba occupada
por outro cadáver, nem as sepulturas serão abertas para qualquer fim, antes do
prazo de dous annos sendo em catacumba, e tres annos nos jazigos ordinários, salvo
se fôr por ordem dos magistrados, os quaes ficam obrigados neste caso a empregar
as convenientes cautelas sanitárias: as covas ordinarias e catacumbas não ficarão
abertas por mais de vinte e quatro horas: os ifractores pagarão dez mil réis de multa.
[...]
§ 4º. Todos os corpos que se enterrarem deverão ficar abaixo da superfície da terra
pelo menos seis palmos, sendo a terra bem socada, e devendo além disso não haver
mais de um corpo em cada cova, salvo se entre um e outro ficar uma camada de
terra da altura de outros seis palmos: os que o contrario praticarem pagarão dois mil
réis de condemnação, e não tendo com que pagar, soffrerão vinte e quatro dias de
prisão.
§ 5º. Nenhum corpo será dado à sepultura, tendo a morte sido repentina, sem prévia
participação à autoridade de polícia, a qual nomea um facultativo para ir
examinar o dito corpo, e quando haja suspeita de propinação de veneno, ou de ter
sido morto por qualquer outro modo violento, não será enterrado sem se proceder à
autopsia e exames necessarios para conhecer a existencia, ou não existencia de
delicto; em todos esses casos o facultativo declarará quando deve ser sepultado. Os
infractores pagarão de cinco a dez mil réis de condemnação, e não tendo com que
pagar, sofferão tres a cinco dias de prisão.
§ 6º. Nenhum corpo de qualquer tamanho que seja, será conduzido á sepultura sem
ser em caixão fechado e coberto com um panno, quando a enfermidade de que
fallecer poder produzir contagio: os que se acharem culpados por contravenção a
esta postura, pagarão dez mil réis de multa, e se não tiverem com que pagar,
soffrerão cinco dias de cadeia. (Lei 32, de 03 de dezembro de 1845. digo de
Postura da Câmara de Maceió, Secção I, Título I, “Saúde pública” Arquivo
Público Estadual de Alagoas APEAL).
20
O estudo sobre as igrejas e os cemitérios e as transformações das práticas de enterramentos na cidade de
Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, durante o período de 1850 a 1889, foram abordadas por Maria Aparecida
Rocha (2001).
70
Mas foi somente em 06 de julho de 1850 que a Lei Municipal nº 130 autorizou que o
Governo da Proncia providenciasse, com a maior brevidade possível, a realização de várias
obras com essa finalidade. O parágrafo da lei determinou a construcção de um cemitério
na Capital, e no lugar que o Governo julgar apropriado”. O primeiro cemitério público da
cidade alagoana foi inaugurado em 19 de novembro de 1855. O local escolhido foi um areal
localizado na margem da estrada que liga o bairro do Trapiche ao bairro do Pontal da Barra.
Este cemitério era de propriedade provincial, exceto a parte ocupada pelas catacumbas das
confrarias e os locais concedidos para os jazigos das famílias mais abastadas da região (LIMA
Jr. s/d, p. 62).
Quando os primeiros cemitérios públicos foram inaugurados, as famílias herdaram os
monumentos e os mobiliários fúnebres das igrejas, ornamentando as sepulturas com imagens
sacras similares àquelas idolatradas no espaço religioso. Essa foi a maneira que a sociedade
encontrou para ser compensada da proibição das inumações ad sanctos, conforme observou
Maria Aparecida Rocha (2001, p. 89):
Nas sepulturas do cemitério haveria um certo sentido de compensação, que
incorporaria aos túmulos imagens sacras similares àquelas idolatradas nas igrejas,
daí a preferência por túmulos-capelas e outros ornamentos religiosos, usualmente
encontrados no interior das igrejas.
Os túmulos construídos nos cemitérios blicos se tornam imitações reduzidas das
capelas laterais das igrejas, contemplando ornamentos religiosos que fizessem referência aos
objetos sacros encontrados no interior das igrejas. Esses túmulos eram marcados por
manifestações figurativas de religiosidade, monumentalidade, domesticidade e humildade,
cuja morfologia se caracterizava por altares, torres e obeliscos, cruzes, capelas, casas e, por
último, o jardim (CYMBALISTA, 2002). E tinha como característica:
Uma pequena cella com um altar encimado por uma cruz, recoberto com uma
toalha, candelabros e vasos de porcelana. Diante do altar, um ou dois genuflexórios;
os nomes dos defuntos e os epitáfios estão nos muros interiores da cella, ela própria
fechada por uma grade, originalmente envidraçada. A capela é, em geral, de estilo
neogótico; no seu frontispício está inserida a expressão Família X (ARIÈS, 1990, p.
583-584).
Cymbalista (2002) explica que os locais de sepultamentos guardam uma proximidade
tanto com a estrutura das organizações religiosas e sociais, quanto com a distribuição do
poder, com os deveres e privilégios da gestão do espaço urbano. A arquitetura dos primeiros
cemitérios públicos era explorada em toda a potencialidade, com o objetivo de:
Produzir a identificação e a diferença, seduzindo, intimidando, propondo novas e
velhas maneiras de se representar a morte e os mortos. Cada túmulo assume
características e identidade próprias a mediação desejada e possível entre tantos
elementos, entre os quais a riqueza disponível (ou a simulão dela), a importância
71
afetiva ou social do morto, o repertório formal e estilístico disponível localmente
(ou a capacidade de buscá-lo mais longe), a escolha por materiais abundantes ou
escassos, a necessidade ou vontade de evocar o espaço sagrado (ou de afastá-lo de
vez) (CYMBALISTA, 2002, p. 72).
Nesse sentido, a arquitetura tumular também serviu como um meio que a sociedade
encontrou para exercer a diferenciação, pois as famílias de maior poder aquisitivo econômico
buscavam ostentar sua condição na construção de ornamentos em seus jazigos. Aliado a esse
pressuposto, foi surgindo no século XIX o preceito da concessão perpétua nos cemitérios. A
concessão de longa duração de um túmulo foi equiparada a uma propriedade e passou a ser
transmitida pela hereditariedade, conforme mencionou Catroga (2002, p. 28):
Nos nossos cemitérios do século XIX, o mausoléu, o jazigo-capela, a concessão
perpétua passaram a constituir bens iveis, privados e transmissíveis por herança
como quaisquer outros. Dir-se-ia que funcionava como uma espécie de prova
última segundo a qual a eternização da memória do proprietário (logo, de toda a
linhagem familiar) ficava dependente da capacidade que os seus descendentes
teriam para perpetuar a totalidade do patrimônio (material e espiritual) herdado; em
certo sentido, o cemitério passou a ser uma espécie de “familistério” para os
mortos.
No cotidiano fúnebre do século XIX se tornou humilhante não possuir uma sepultura
perpétua. Se o fato de não possuir uma sepultura era algo totalmente inadmissível, não
possuir uma concessão perpétua era algo totalmente vergonhoso, “ter uma concessão perpétua
transformou-se em uma espécie de título de nobreza, frequentemente afixado sobre as
sepulturas” (RODRIGUES, 2006b, p. 159).
Esses túmulos serviram para sepultar várias gerações de uma mesma família. Freyre
(1998, p. LX) observou que os túmulos monumentais ou jazigos perpétuos representavam
esforços no sentido de permanência ou sobrevivência da família, que se presumia eterna
através de filhos, netos, descendentes e pessoas do mesmo nome. Motta (2008), em leitura
sobre os significados das morfologias tumulares dos cemitérios oitocentistas no Brasil,
observou que a presença dos túmulos monumentais demonstrava os esforços de continuidade
da família mesmo depois da morte de algum de seus integrantes. A lógica dos sepultamentos,
das inscrições tumulares e da morfologia tumular era orientada pelo princípio da filiação e da
descendência:
Construído em torno de um nome, geralmente do pai, o túmulo de família inscreve
o indivíduo num passado comum, unindo-o a uma cadeia de gerações. É por isso
que o morto deve abdicar parte de sua individualidade para se agregar a um nome
ou sobrenome: o da família. O que prevalece nesse tipo de construção é a idéia do
todo sobre as partes, buscando fortalecer laços entre os membros da família e, por
sua vez, despertando nos vivos o sentimento de uma identificação comum,
freqüentemente relacionada a uma casa ou unidade residencial, mesmo que esta
não mais exista.
72
O que se nas versões mais elaboradas desses túmulos é o desejo de unidade e
continuidade que se ime face à segmentação e dispersão depois da morte, com
isso, evitando que os sepultamentos fossem realizados separadamente. Neles não
importa o indivíduo isolado do seu grupo de filiação, mas o sujeito social genérico,
constituído a partir da referência a um antepassado ou herança comum à qual se
liga através de relações com seus ascendentes e descendentes (MOTTA, 2008, p.
111).
Para se diferenciar e demonstrar a aquisição de uma propriedade cemiterial, o hábito
de individualizar o local da sepultura ressurgiu no cotidiano fúnebre. A individualização das
sepulturas era um rito comum na Antiguidade Ocidental, mas que desapareceu no século V,
quando as sepulturas se tornaram anônimas. As inscrições tumulares reapareceram no
século XII, através de pequenas placas de vinte a quarenta centímetros, com inscrições em
latim que traziam informações como “aqui jaz tal pessoa”, “morta em xdata”, “com y
função”. Estas placas se tornaram bem mais frequentes dos séculos XVI ao XVIII, traduzindo
a vontade de individualizar o local da sepultura e perpetuar a lembrança do defunto (ARIÈS,
2000). A aversão em deixar os túmulos anônimos e invisíveis demonstra o desejo de saber o
destino exato do morto e a necessidade de conservar a identidade da pessoa mesmo após a sua
morte, “o cemitério burguês levou às últimas conseqüências um desejo de sobrevivência
individualizada” (CATROGA, 2002, p. 18).
Num movimento avesso aos sepultamentos nas igrejas, onde tudo era feito pela alma e
nada era feito aos corpos e aos túmulos, os cadáveres necessitam ser individualizados, pois
o se tolera mais o anonimato. Os mortos se individualizam. É a ideia de “pessoa”, a ideia do
eu(MAUSS, 2003, p. 369). O século XIX entendeu muito bem a noção de pessoa através
da premissa de que a perpetuidade das coisas e das almas é garantida pela perpetuidade
dos nomes dos indivíduos, das pessoas(MAUSS, 2003, p. 377).
Durante a primeira metade do século XIX era comum que os túmulos fossem
marcados por epitáfios (fases escritas nos túmulos) longos e pessoais. Na verdade os
primeiros epitáfios são verificados já no período medieval e manifestam a necessidade de
afirmar a identidade das sepulturas. Os mais antigos epifios se reduzem apenas a curtas
declarações da identificação do defunto ou a palavras de elogios. Até o século XIV os
epifios eram compostos de duas partes: uma que identificava o morto através de seu nome,
função, elogio e data de morte; e a segunda parte dedicava uma oração a Deus pela alma do
defunto. A partir do século XIV se junta a essa epígrafe a indicação da idade do defunto. Do
século XV em diante, os epifios se tornaram verdadeiras declarações familiares, compostos
por: ficha de identidade, interpelação do passante, fórmula piedosa e inclusão da família
(ARIÈS, 2000, p. 262).
73
Para Urbain (1989), os epifios desempenhavam múltiplos papéis: escrever e ler. A
escritura funerária não indicava apenas o sinal do lugar de uma inumação, que o texto que
se encontra gravado nas sepulturas tinha também a função de celebrar um defunto contanto
toda a sua vida:
Ecrire est une pratique mémoriale, embaumante, qui fixe, qui immobilise, qui
retient, qui conserve. Par l‟écriture, le monument, qu‟il soit de granit, de bronze ou
de bois, devient manifestement un document, une archive, une mémorisation
matérielle indefinie de la vie (URBAIN, 1989, p. 195-196, grifo do autor).
Do século XV ao XVII a redação dos epifios era encomendada pela pessoa ainda em
vida, através do testamento. Do século XVII em diante, era a família que se encarregava de
redigi-lo, e as inscrições eram compostas de duas partes: a primeira trazia uma nota biográfica
da pessoa sepultada, com elogios e relatos de suas realizações; a segunda parte era dedicada
ao sobrevivente que inspirou o epitáfio. As inscrições, além de elogiarem o morto, também
eram utilizadas para expressar o lamento e a tristeza dos viventes (ARIÈS, 2000).
Motta (2008) observou que o início do século XX no Brasil foi marcado por uma fase
de transição dos túmulos familiares para os túmulos individuais, quando a epigrafia tumular
passou a cumprir a função de memorializar as competências profissionais dos indivíduos. O
indivíduo e a história de suas ações trabalhistas passaram a ser mais valorizados,
predominando a “prefixação do título honorífico representado sempre por meio de uma
referência individual da qual deveriam se beneficiar seus descendentes(MOTTA, 2008, p.
94). Foi nesse período que surgiram os primeiros túmulos desvinculados da genealogia
familiar, e as lógicas dos rituais funerários passaram a ser organizadas em torno do indivíduo,
valorizando todos os atributos da pessoa morta:
Em última instância, o grupo de filiação, a posição social ocupada pela família e
uma memória genealógica que se queria preservar comum deixavam de ser o alvo
perseguido para que o foco pudesse ser direcionado à pessoa do morto. Na verdade,
era o indivíduo que se pretendia original, cujo mérito próprio poderia ser revelado
através de um valor moral, espiritual ou profissional, motivado quase sempre por
razões afetivas e que deveria, antes de tudo, tornar-se o atributo maior de reverência
e de recordação (MOTTA, 2008, p. 150).
Seja representando a genealogia familiar ou a ideia de pessoa, os túmulos foram
marcados pela monumentalidade. Os túmulos monumentais asseguravam a imortalização da
morte e da pessoa morta. Monumentum é uma palavra latina que deriva da raiz européia men,
utilizada para exprimir as funções nucleares do espírito, a memória. Então, monumento é
tudo que evoca um passado, uma recordação (CATROGA, 2002, p. 20-21). Dessa forma, o
cemitério monumental é um “lugar de memória”. Nele se convoca o “invisível” através do
“visível”, que os mulos são percebidos como uma totalidade significante que articula
74
dois veis bem diferenciados: o invisível (situado debaixo da terra) e o visível, o que faz
com que (...) o túmulo seja um monumento colocado entre os limites de dois mundos
(CATROGA, 2002, p. 17). Essa arquitetura tumular passou a ter uma grande importância para
a sociedade do passado:
O túmulo visível deve ao mesmo tempo dizer onde está o corpo, a quem pertence e,
finalmente, lembrar a imagem física do defunto, sinal de sua personalidade. Se o
túmulo designava o local necessariamente exato do culto funerário, é porque tinha
também por fim transmitir às gerações seguintes a recordação do defunto. De onde
o seu nome de monumentum, de memória: o túmulo é um memorial. A
sobrevivência do morto o devia ser garantida apenas no plano escatológico por
meio de oferendas ou sacrifícios; dependia também da fama que mantinha na terra,
quer os túmulos com os seus signa, e as suas inscrições, quer os elogios dos
escritores (ARIÈS, 2000, p. 239, grifo do autor).
Os monumentos têm dois objetivos: um tradicional ensinar a morrer e um didático
um pedido ao passante para não mais rezar a Deus por aqueles mortos, mas chorá-los e, o
que é completamente novo: a visita ao cemitério(ARIÈS, 2003, p. 527). Nesse sentido, o
culto à memória da pessoa morta também significou o culto moderno aos cemitérios. A ideia
era que os cemitérios deveriam ser visitados, já que eram percebidos como um museu de
belas-artes, como um imenso jardim com monumentos. O cemitério parisiense Père-Lachaise,
inaugurado em 21 de maio de 1804, é um modelo desse tipo de arquitetura cemiterial, onde a
natureza recuou diante da arte
e os túmulos se dissolveram na paisagem ao ponto de se
confundir com essa, conforme é descrito na visita virtual à website do Père-Lachaise:
Le Cimetière du Père-Lachaise :
lieu de mémoires…
Ce site Internet, comme tout cimetière, peut se définir par les relations qu‟il établit
entre les vivants et les morts. Se rendre au Père-Lachaise, c‟est faire un voyage
dans un monde étrange et fascinant lart et la nature s‟unissent pour créer une
harmonie qui apaise et invite au recueillement, à la méditation, à la rêverie...
La science est impuissante face à la mort.
Seuls l‟art et les rêves nous offrent une consolation.
L'ampleur du cadre du re-Lachaise, la poésie qui en émane, l‟univers darbres et
de pierres mêlés, les tombes multiformes enchâssées dans la verdure, linfinie
diversité des tombeaux font que le décor est unique.
La poésie prend vie dans les régions les plus mystérieuses du langage, elle a pour
mission de suggérer l‟indicible
Chaque rêve est nouveau, unique et inconnu. Chaque parcours, chaque promenade
(virtuelle) vous transportera dune tombe à lautre, au gde votre sensibilité, dans
ce lieu insolite et unique, sans doute le dernier endroit le plus romantique de Paris
(Disponível em: <http://www.pere-lachaise.com>. Acesso em : 05 abr. 2008).
Mas, no século XX, uma nova arquitetura funerária se destacou: os cemitérios
ajardinados ou lawn-cemetery, ou seja, grandes gramados, onde a arte pede que a natureza lhe
tome o lugar (ARIÈS, 1990, p. 582).
75
2.2. Os sepultamentos nos parques
O século XX traz uma nova arquitetura fúnebre surgida com os rural-cemetery e com
os lawn-cemetery, de origem anglo-americana e alemã. O primeiro rural-cemetery norte-
americano foi o Mount Auburn Cemetery, localizado em Cambridge, Massachusetts. Criado
em 1835, previa uma relação entre natureza e monumento, entre natureza e arte, inaugurando
um novo conceito da estética paisagística cemiterial, que deu origem ao rural cemetery
movement and the tradition of garden cemeteries (Disponível em:
<http://www.mountauburn.org/national_landmark/architecture.cfm>. Acesso em: 05 abr.
2008), onde os túmulos passaram a ser esculpidos com personagens realistas e se dissolveram
na paisagem ao ponto de se confundir com essa, conforme é descrito na website do Mount
Auburn Cemetery:
Sculpture
Mount Auburn Cemetery contains an exceptional and diverse collection of 19th,
20th and 21st-century monuments. Over 30,000 monuments and associated
structures provide a unique overlay to the Cemetery's horticultural landscape. The
Cemetery includes important examples of works by the first generation of
American sculptors. Before public art museums, visitors came to the Mount Auburn
to view the art of the sculptor and monument carver. Popular monument styles
include Neoclassical, Gothic and Egyptian forms and motifs. Marble, granite and
brownstone monuments and gravestones are balanced by their natural settings and
contribute to the site as a whole, establishing its historical significance. The cultural
landscape also contains a rich variety of vernacular memorial art, including iron
fences, granite curbing and mausolea of a wide range of styles, with particular
strength in the mid-19th century.
Original Landscape Design
Mount Auburn has been recognized as one of the most significant designed
landscapes in the United States. The original landscape was a beautiful mature
woodland. General Henry A. S. Dearborn, President of the Massachusetts
Horticultural Society, took primary responsibility for laying out the new cemetery
in 1831 and 1832. With the assistance of a young civil engineer and surveyor,
Alexander Wadsworth, and a committee of well-educated Bostonians, Dearborn
laid out Mount Auburn's grounds following the natural features of the land.
Inspired by re Lachaise Cemetery, founded in 1804 outside Paris, and design
ideas from English picturesque gardens, this group of knowledgeable and gifted
amateurs (working 25 years before the famous Frederick Law Olmsted began his
landscape design career) created a new American landscape, the “rural cemetery
(Disponível em:
<http://www.mountauburn.org/national_landmark/architecture.cfm>. Acesso em:
05 abr. 2008).
Os lawn-cemetery ou garden-cemetery compreendem grandes gramados onde a
natureza tomou o lugar antes reservado às arquiteturas artísticas dos cemitérios monumentais
(ARIÈS, 1990, p. 582). A proposta é fazer com que os cemitérios se pareçam com imensos
jardins. Os túmulos, que se confundiam com a grama, foram reduzidos a pequenas placas
76
funerárias em pedra ou em bronze para indicar o local exato da sepultura. Na Alemanha o
mais antigo cemitério ajardinado foi inaugurado no ano de 1877: o Ohlsdorf Cemetery está
localizado na cidade de Hamburg e realiza cerca de sete mil funerais por ano. Desde a sua
inauguração, acomoda um milhão e quatrocentas mil sepulturas, num terreno com dezessete
quilômetros de rede rodoviária, contendo atualmente doze capelas, três locais para realização
das cerimônias e trezentos empregados
21
.
Essa concepção cemiterial indica uma esthétique de la disparition (URBAIN, 1989, p.
140), cuja característica é a dissimulation des signes de la mort (URBAIN, 1989, p. 139),
observada também na arquitetura e na morfologia cemiterial, que a ideia é fazer com que
esses cemitérios se pareçam com parques ou edifícios eles se travestem de lugares da vida
com a finalidade de ne fait pas cimetières (URBAIN, 1989, p. 145). Esses cemitérios
dificilmente serão identificados como locais fúnebres. Neles, qualquer coisa que possa
lembrar a conexão entre sepultura e morte é evitada. Essa neutralização da associão dos
cemitérios com a morte é adotada para proteger a sociedade da lembrança de morte e de tudo
relativo a ela (ELIAS, 2001, p. 39). Nos cemitérios ajardinados a lógica é se parecer com
centros verdes ou parques planejados dentro das cidades, fazendo com que os visitantes quase
nunca reconheçam o cemitério como um espaço fúnebre, mas como um parque ou como um
local que transmite uma sensação de tranquilidade”, conforme o relato da Executiva de
Vendas do Grupo Parque das Flores, que oferece serviços e produtos fúnebres:
Vonão tem receio em pisar, em passear, eu tenho isso aqui como um jardim,
inclusive quando eu estou psicologicamente... quando eu não estou muito bem
psicologicamente, eu costumo ir fazer uma caminhada, refletir um pouquinho sobre
a minha vida e isso sempre certo, porque o [cemitério] Parque das Flores me
transmite muita coisa boa, muita paz, muito sossego.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008).
A estética paisagística dos cemitérios estilos parques também serve para encobrir
sentimentos, pois no parque não há nada que lembre sofrimento
22
. No contexto ocidental as
pessoas são encorajadas a controlar e suprimir suas emoções (JAGGAR, 1997, p. 168), e os
garden-cemetery contribuem para essa lógica por serem concebidos e percebidos como local
que alivia um pouco a dor da perda
23
, conforme o relato do Mestre de Cerimônias que
exerce sua profissão no Campo Santo Parque das Flores:
Quando voé tratado bem, apesar da perda, voalivia um pouco a dor, né? Até
vocênum lugar assim que nem o [cemitério] Parque das Flores, que você vê que,
21
Disponível em: <http://www.ohlsdorf-photos.de/Inf_Frz.htm>. Acesso em: 05 abr. 2008.
22
Resposta de uma consumidora de jazigo do Cemitério Parque das Flores, ao ser perguntada sobre o que sentia
quando estava no cemitério (Entrevista com Hortência, realizada em 10 de junho de 2008).
23
Idem.
77
quando você olha assim parece que é um jardim, alivia um bocado, do que voir
para um cemitério público com um monte de catacumba, desorganização. Eu acho
que a dor é maior. Eu tiro isso porque eu já fui para um sepulamento assim. Pôxa, a
dor é maior, não tem pra onde, mesmo [no cemitério público de arquitetura
monumental] é na terra, você ver aquela zoada [da terra batendo no tampo do
caixão]. Quando eu fui para um sepultamento de um irmão de uma ex-namorada
minha que se matou, quando a gente foi entrando que ela viu aquele [cemitério
público de arquitetura monumental], ela entrou em desespero. Não é brincadeira
não. Aquele negócio, até eu notei, eu disse: Rapaz o desespero realmente aqui é
demais”. Porque aqui [no cemitério estilo parque, o cemitério Parque das Flores]
ainda dá pra você, você chega ali, bota [o morto] na capela, começa a conversar um
com o outro, [bebe] um cafezinho, aquele vento, você olha, o jardim, você
não vê aquele mausoléu, aquelas coisas, ai pra amenizar um pouco. Eu mesmo
imagino que sim, viu?
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008)
No pressuposto da ocultação, o cemitério ajardinado passou a ser um lugar para
meditar
24
, um parque verde, de reflexão e celebração dos grandes momentos da vida e suas
mais singelas recordações
25
, ou um verdadeiro parque, onde a valorização da natureza está
em primeiro plano e com total integração de vários elementos
26
, conforme demonstrado num
dos panfletos de divulgação do Campo Santo Parque das Flores:
Mais que um cemitério. Uma usina de recordação. O Campo Santo Parque das
Flores é considerado um novo paradigma na relação de discussão da vida e do s-
vida, um vetor filosófico e uma alavanca prática para pensarmos sobre nossa
existência. (Um lugar para meditar)
27
.
Se a esthétique de la disparition dos cemitérios parques demonstra uma necessidade
de dissimular os signos da morte, por outro lado, a concepção ideológica desses cemitérios
demonstra que morte não deve desaparecer por completo da paisagem urbana, fazendo com
que haja uma conciliação entre as tradições de morte com as interdições da vida. Nesse
sentido, os cemitérios ajardinados passam a ser:
Local pacífico e poético em que os mortos são depositados e onde são visitados: o
belo parque onde as pessoas passeiam e se comunicam com a natureza. Além disso,
far-sedele um lugar de vida, um teatro de atividades diversas, ao mesmo tempo
museu, centro comercial de arte e de objetos de lembrança, local de celebrações
serenas e alegres, batismos e casamentos (ARIÈS, 2000, p. 654).
Os pressupostos da estética cemiterial dos lawn-cemetery ou dos garden-cemetery se
baseiam na eliminação dos traços da morte, ao mesmo tempo em que se proe reter e manter
a morte num lugar visível. Portanto, a morte não desaparece por completo da paisagem
urbana, caso contrário os cemitérios e os rituais funerários deixariam de cumprir seus papéis,
conforme demonstrado num artigo divulgado no boletim informativo InFamília do Campo
24
Folder do Campo Santo Parque das Flores.
25
Idem.
26
Idem.
27
Idem.
78
Santo Parque das Flores, em novembro de 2006, que propõe refletir sobre a importância do
cemitério no ritual fúnebre e, assim, divulgar a necrópole como um parque memorial e como
uma usina de recordações:
Qual é o papel do cemitério e do funeral no processo de luto?
O Cemitério e toda sua equipe têm um importante papel no processo de luto. Muito
mais do que guardar mortos, o cemitério guarda maridos amados, filhos queridos,
mães fortes, amigos fiéis, namorados apaixonados, guarda as histórias vividas por
aquelas pessoas enterradas. É um lugar que, embora seja marcado pela tristeza,
guarda lembranças de momentos felizes. Daí a imporncia deste espaço para
milhares de pessoas. A cerimônia do funeral sempre foi um ritual idealizado pelos
homens para marcar a passagem da vida para a morte.
Desde a pré-história, nossos ancestrais da caverna se preocupam com as questões
relativas ao funeral. Temos registros de que o homem mais primitivo sepultava
os seus mortos e realizava celebrações com flores, alimentos e outros utensílios.
É bom lembrarmos que funeral significa cerimônia de enterramento, pompas
fúnebres, prestígio fúnebre. Assim como uma cerimônia de casamento possui um
ritual de celebração com trocas de alianças, que marca simbolicamente a condição
de solteiro para a nova condição de casado, o funeral também possui rituais de
celebração.
As cerimônias e os rituais do velório e sepultamento, mesmo sofrendo variações de
cultura, religião ou costume familiares, são uma maneira de compartilhar a
passagem da vida para a morte, de socializar a dor e iniciar um longo e doloroso
processo de desvinculação para os familiares conhecido como luto. Neste sentido,
é o funeral que dispara o início deste processo, marcando concretamente esses
acontecimentos, além de propiciar oportunidade para as últimas homenagens ao
morto. É comum que morte sem corpo ou sem ritual de sepultamento, seja motivo
de muitos complicadores emocionais para os familiares, o que nos confirma a
importância do funeral. De certa forma, podemos dizer que ao mesmo tempo em
que os rituais fúnebres aproximam a família da dor da perda, eles também
proporcionam uma segurança psicológica aos enlutados, na medida em que dão um
direcionamento ao processo de luto, validando locais e momentos para a dor e o
pesar.
Durante o funeral, podemos ver uma socialização do processo de luto onde, por
meio de histórias contadas pelos familiares e amigos, ao redor do caixão, a vida de
quem está partindo é reconstruída, para poder dar início ao enfrentamento do
período de sofrimento daqueles que ficaram. A chegada dos parentes e amigos, os
abraços e manifestações públicas de apoio também são de grande importância para
o enlutado, que se sente desamparado nesta hora.
(InFamília, Informativo do Grupo Parque das Flores, ano IV n. 03, novembro de
2006).
Nos cemitérios ajardinados uma nova forma de representar e memorializar os mortos
se ime. Os sepultamentos nos grandes gramados são identificados apenas por simples e
pequenas lápides, que trazem o nome completo do morto, a data de nascimento, a data de
falecimento e a indicação do local da sepultura.
Sendo os cemitérios parques concebidos como uma paisagem natural, não é permitido
erguer qualquer tipo de monumento, exceto as lápides padronizadas. Entretanto, o desejo de
individualizar os mortos faz com que seja possível acrescentar ao local da sepultura alguns
sinal ou símbolo que permita relacioná-lo à identidade da pessoa morta, tal como: fotografias,
adesivos, flores, mensagens, objetos, etc.
79
Fotografia 1: Lápide no Campo Santo Parque das Flores.
Atualmente, nos cemitérios ajardinados há vestígios, fendas e fragmentos textuais
da escrita funerária, se comparada à escrita dos séculos anteriores. Para Urbain (1989, p.235-
239), essa minimalização dos textos funerários representa a desintegração de uma tradição,
mas não o fim de uma linguagem. Para compreender estes textos funerários contemporâneos,
epifios ou dedicatórias, é necessário compreender o gesto que está presente na escrita curta,
onde a morte é evocada minimamente, mas o morto é evocado intensamente. Esta escrita
funerária, mesmo curta, tem um valor simbólico, representa uma forma encontrada para
expressar sentimentos, para reter a memória da pessoa morta e para fazer com que o morto
esteja sempre presente.
Fotografia 2: Lápide com mensagens no Campo
Santo Parque das Flores
28
Fotografia 3: Lápide com mensagens no
Campo Santo Parque das Flores
29
28
Lápide de uma jovem, no Cemitério Parque das Flores de Maceió. Abaixo da identificação do jazigo encontra-
se uma fotografia da pessoa morta, com uma mensagem certamente do esposo da pessoa falecida, expressando
sentimento da perda, do amor à esposa, e a saudade: “Meu amor, a tua pureza interior sempre te fez muito linda.
Te amo. (nome do esposo)”.
29
Lápide de uma garota falecida aos 17 anos de idade, no Cemitério Parque das Flores de Maceió. Abaixo da
identificação do jazigo, encontra-se uma fotografia da pessoa morta com uma mensagem deixada pela família,
contendo: “Deus é a energia que habita dentro de você dando-lhe vida e força. Confie nesta força inesgotável que
está dentro de você. Mantenha sua mente ligada a ela, e não mais se lamente do que lhe desagrada ou faz sofrer.
80
Fotografia 4: Lápide com objetos no Campo
Santo Parque das Flores
30
Fotografia 5: Lápide com objetos no
Campo Santo Parque das Flores
31
Outra maneira encontrada para identificar e lembrar o morto é inserir uma fotografia
nas lápides. É o desejo da imortalização de uma imagem. A representação da imagem dos
mortos surgiu no Ocidente por volta do século XII, através da prática das máscaras mortuárias
moldadas sobre o rosto da pessoa morta de forma que a representação fosse semelhante ao
retrato do defunto. Estas máscaras mortuárias tinham a finalidade de obter uma reprodução
instantânea e o mais realista possível, mesmo que através de um cadáver (ARIÈS, 2000, p.
302-309). O objetivo das máscaras mortuárias era de representar e lembrar o morto ou o
cadáver. o objetivo da fotografia também é conservar uma imagem da pessoa morta, mas
lembrando-a como se ainda estivesse viva.
Fotografias 6 e 7: Lápides no Cemitério Parque das Flores em Maceió com fotografias das pessoas sepultadas.
Sorria diante das dificuldades e confie n‟Aquele que o fortalece e vivifica. “Nada temas, pois eu te resgato, eu te
chamo pelo nome: és meu (Isaías, 43,1)”.
30
Lápide de uma criança falecida aos três anos de idade, no Cemitério Parque das Flores de Maceió. Abaixo da
lápide é possível notar alguns bonecos de porcelana, certamente colocados pela família.
31
Lápide de um senhor falecido aos setenta e três anos de idade, no Cemitério Parque das Flores de Maceió.
Abaixo da placa de bronze que identifica o jazigo, nota-se uma fotografia da pessoa falecida e ao lado alguns
bonecos de porcelana, certamente colocados pela família.
81
Nos cemitérios parques também não é permitido construir mausoléus ou outras
construções similares acima do nível do solo. As sepulturas devem ser cavadas diretamente
sob a grama. Estas sepulturas, denominadas de jazigos,
32
também são conhecidos por “lote”,
terreno” ou área” e são compostas de gavetas empilhadas.
Fotografia 8: Tipos de jazigos. Imagem retirada da website do cemitério parque Vale dos Pinhais. Disponível
em: <http://www.valedospinheirais.com.br/jazigos.htm>. Acesso em: 24 abr. 2008.
Os jazigos que nunca foram utilizados são conhecidos por “jazigos virgens”, ou seja,
jazigos que ainda não foram cavados. Quando ocorre um sepultamento e é necessário utili-
lo, a área é cavada, medindo normalmente dois metros e vinte centímetros de comprimento,
noventa centímetros de largura e um metro e sessenta centímetros de profundidade. Depois da
área cavada, são inseridas quatro placas de concreto armado
33
: duas na lateral, medindo dois
metros e vinte centímetros de comprimento e um metro e sessenta centímetros de
profundidade, com uma diviria ao centro e duas menores, medindo noventa centímetros de
comprimento e um metro e sessenta centímetros de profundidade. As laterais de cada placa de
concreto são amarradas com um fio de aço. Depois desse processo, é inserido um saco de
óxido de cal e o jazigo passa a receber o nome de “jazigo preparado”, já que se encontra
totalmente preparado para receber um sepultamento
34
.
32
Compreende-se por “jazigo” o local onde foram realizados um ou mais sepultamentos primários, ou seja, onde
foram dispostos corpos articulados de um ou mais indivíduos, em posição distendida, normalmente em caixões.
33
O concreto armado é um material utilizado na construção civil e tornou-se um dos mais importantes elementos
da arquitetura do século XX. É composto por concreto com barras de aço imersas, sendo diferenciado do
concreto (ou betão) devido ao fato de receber uma armadura metálica responsável por resistir aos esforços de
tração, enquanto que o concreto em si resiste à compressão.
34
As categorias de jazigos virgens e jazigos preparados são utilizadas no cotidiano dos jardineiros (coveiros) do
Campo Santo Parque das Flores. Essas informações foram obtidas no trabalho de campo, através de conversas
informais.
82
Fotografias 9 a 13: Cavando o jazigo no Campo Santo Parque das Flores em Maceió
35
35
Na primeira fotografia o jardineiro (coveiro) do Campo Santo Parque das Flores cava um jazigo virgem.
Depois de cavado os jardineiros (coveiros) colocacam as placas laterais do jazigo, em seguida a amarração das
placas. As últimas fotografias mostram o jazigo virgem em fase de finalização, uma sem óxido de cal e a outra
com óxido de cal.
83
A composição dos sepultamentos nos cemitérios ajardinados permite compreender os
novos arranjos familiares da contemporaneidade, já que nesses cemitérios não existe a
presença de túmulos monumentais que invoquem a necessidade de agregação familiar,
tampouco a presença de túmulos personalizados que evoquem a memória e identidade de um
único indivíduo. Os jazigos nos cemitérios ajardinados são divididos em gavetas, criadas para
abrigar apenas um único sepultamento num período de, pelo menos, três anos, que
corresponde ao período em que ocorre o processo de decomposição do corpo. Após esse
tempo os ossos são retirados e colocados em pequenos sacos, que são depositados em
pequenas caixas. Isso demonstra uma nova dinâmica sociocultural, que deve ser analisada à
luz da rapidez das mudanças das relações familiares nas últimas décadas, que instituíram
novos padrões de comportamentos e fizeram com que a família fosse percebida o mais
como uma totalidade homogênea, mas como um universo de relações diferenciadas (SARTI,
2000. In: CARVALHO, 2000).
Nas duas últimas décadas do século XX ocorreu uma modificação na estrutura
familiar brasileira, em que se configura uma instabilidade dos vínculos conjugais e o
surgimento de arranjos familiares alternativos: mães solteiras, “não famílias” (unidades
familiares pessoais), famílias mosaicos, famílias homossexuais, etc. Todos esses novos estilos
de arranjos familiares devem ser levados em consideração quando se analisam os
enterramentos nos jazigos dos cemitérios ajardinados e os rituais fúnebres na
contemporaneidade.
As mudanças ocorridas nas relações familiares são concebidas como parte de um
projeto em que a individualidade vem adquirindo uma maior importância social. Goldani
(1993, p. 43) observou que:
Nas sociedades tradicionais, ao contrário das sociedades modernas, onde a
dimensão da individualidade é valorizada, os papéis familiares não são conflitivos,
porque estão predeterminados. A partir do momento em que existe espaço social
para o desenvolvimento desta dimensão individual, os papéis familiares se tornam
conflitivos na sua forma tradicional, embora a vida familiar continue tendo o
mesmo valor social que sempre teve. O problema da nossa época é, então, o de
compatibilizar a individualidade e a reciprocidade familiares. As pessoas querem
aprender, ao mesmo tempo, a serem sós e a “serem juntas”. Para isso, m que
enfrentar a questão de que, ao se abrir espaço para a individualidade,
necessariamente se insinua uma ou outra concepção das relações familiares.
Nesse contexto, os padrões de comportamentos familiares não estão tão claramente
estabelecidos, são passíveis de serem negociados, possibilitando cada vez mais o exercício de
uma individualidade em detrimento de uma familiaridade. Essa situação se reflete na
concepção fúnebre da atualidade, em que é o indivíduo, e não mais a família, que detém o
84
poder de nomear os insiders e os outsiders, definindo, inclusive, quem será enterrado na
sepultura de sua propriedade, pois os jazigos nos cemitérios parques são de propriedade de um
único indivíduo, e apenas esse pode permitir o sepultamento de qualquer pessoa, seja ela
pertencente ou o à sua descendência ou ascendência. Nesse contexto, até os
desentendimentos familiares vivenciados em vida são, muitas vezes, estendidos para o
momento da morte
36
, conforme o relato de uma senhora que havia cedido seu jazigo para
enterrar um familiar (o tio), mas depois se arrependeu e comentou com uma das funcionárias
do cemitério Parque das Flores, onde havia adquirido o jazigo: Olhe, qualquer dia, pode
escrever aí viu, eu vou tirar aquele cabra safado lá de dentro, vou jogar aí os ossos dele
37
.
2.3. Modernização dos espaços tanáticos
Atualmente os cemitérios parques compreendem complexos funerários completos,
pois, além dos espaços destinados aos jazigos, possuem capelas velatórias, lanchonetes,
floriculturas, funerárias, salas de descanso, etc. Esses complexos funerários reúnem todos os
espaços tanáticos em um lugar e todo o serviço fúnebre é realizado em um único local,
conforme observou Thomas (1991, p. 132):
A los muertos ya no se los vela en su domicilio, y los cortejos fúnebres no
atraviesan nuestras ciudades atestadas. Aparecen en cambio nuevos lugares, en
especial los complejos funerarios que reúnen todos los espacios tanáticos. Hay en
ellos una sala de recepcn, una “capilla” para todos los cultos, un funerarium
donde los cadáveres son tratados, conservados en cámaras frías y expuestos en
salones particulares, un crematorio, un cementerio clásico, un columbario y un
campo del recuerdo donde esparcir las cenizas; también negocios donde se venden
ataúdes y diversos artículos funerarios, una florería, y eventualmente un bar y un
restaurante (grifo do autor).
36
No cotidiano dos cemitérios parques ocorrem rias situações em que os sepultamentos são marcados por
desentendimentos familiares. Os relatos dos funcionários do Campo Santo Parque das Flores permitem
exemplificar alguns casos: um irmão que ameaçou espancar a irmã na hora do sepultamento da mãe e teve que
ser contido pelos seguranças da necrópole; um jovem alcoolizado gritava e cantava um hino de um clube de
futebol no sepultamento de sua mãe, sendo observado por seus irmãos com desprezo; a amante do morto
apareceu no velório, sendo recepcionada com agressões por parte da esposa do falecido. Outras situações mais
corriqueiras estão relacionadas aos vários tipos de uniões familiares: em velórios e/ou sepultamentos de um
morto que tenha sido casado por mais de uma vez, é comum que uma das famílias demonstre indiferença em
relação à outra. Já ocorreu, por exemplo, de haver sepultamentos em que uma das famílias do morto só soube do
seu falecimento no dia posterior ao enterro (Relatos concedidos em entrevistas gravadas com os funcionários do
cemitério Parque das Flores).
37
Relato descrito pela Executiva de Vendas do Campo Santo Parque das Flores quando interrogada se havia
presenciado algum desentendimento familiar no local de trabalho (Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de
março de 2008).
85
No Brasil existem cerca de duzentos e dez cemitérios parques cadastrados pelo
Sindicato dos Cemitérios Particulares do Brasil (SINCEP) e pela Associação de Cemitérios do
Brasil (ACEMBRA). Mas, segundo estimativas do SINCEP existem seiscentos cemitérios e
crematórios particulares no país, que, juntos, movimentam anualmente cerca de sete bilhões
de reais.
A ACEMBRA é uma associação que congrega os cemitérios jardins-parques para
promover o intercâmbio e aproveitamento mútuo de novas ideias e conceitos entre os
cemitérios. É uma instituição criada exclusivamente para unificar, fortalecer e fomentar esses
tipos de cemitérios em todo o Brasil. Ela advoga, orienta, defende e ajuda os cemitérios
jardins-parques no que tange a problemas de legislação específica, procura manter ainda
contatos com todas as associações de cemitérios jardins-parques no Brasil e no mundo, com o
objetivo de aprimorar os empreendimentos. A ACEMBRA promove ainda congressos, cursos,
seminários e conferências para discutir questões de interesse da entidade e seus associados
38
.
O SINCEP é uma associação surgida em junho de 1999 para representar a atividade
econômica dos cemitérios e crematórios particulares do Brasil (com exceção dos Estados do
Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina), com a finalidade de atuar na defesa dos interesses
dos associados, subsidiando-os e apoiando-os nas atividades administrativas e jurídicas. O
SINCEP promove ainda dois eventos: o Encontro Nacional dos Administradores de
Cemitérios e Crematórios, onde são debatidas questões administrativas e operacionais, além
de troca de experiências entre os participantes; e o Encontro Nacional dos Cemitérios e
Crematórios, onde são apresentadas palestras enfocando diversos assuntos, tais como
economia, meio ambiente, estratégia, planejamento, gestão empresarial e tributos. O SINCEP
oferece, desde 2007, atividades no centro de capacitação, objetivando oferecer capacitação
especializada e contínua para profissionais que atuam em cemitérios e crematórios, para
garantir a profissionalização do setor e uma atuação prática, visando a uma melhor prestação
de serviços aos clientes
39
.
O SINCEP e a ACEMBRA criaram o Plano Nacional de Qualidade (PNQ),
objetivando promover entre os associados a conscientização para a qualidade, a produtividade
e a troca de informações sobre as práticas modernas da gestão das empresas que atuam no
ramo de cemitério e crematório. Os empreendimentos que desejam obter o selo de
participação e certificação do PNQ SINCEP/ACEMBRA devem realizar a inscrição
38
Informações na website da Associação de Cemitérios do Brasil (ACEMBRA). Disponível em:
<http://www.sincep.com.br/?Acembra>. Acesso em: 28 abr. 2008.
39
Informações sobre o Sindicato dos Cemitérios Particulares do Brasil (SINCEP) na website. Disponível em:
<http://www.sincep.com.br/?Sincep>. Acesso em: 28 abr. 2008.
86
preenchendo um formulário que é remetido à Comissão Nacional de Auto-Regulamentação,
que enviará um grupo auditor para avaliar o empreendimento.
Os critérios de avaliação são desenvolvidos observando os fundamentos de qualidade,
meio ambiente, saúde, segurança e responsabilidade social, sendo analisados mais de vinte
aspectos que correspondam aos critérios de conformidade legal e comprometimento
(autorização de funcionamento pela prefeitura, código de ética, habilitão junto ao corpo de
bombeiros); foco no cliente e relacionamento (administração com local para atendimento aos
clientes, serviço de atendimento vinte e quatro horas, sistema de tratamento de reclamação e
sugestão); gestão dos processos e prestação dos serviços (salas de velório, serviço de apoio ao
sepultamento, rastreabilidade de sepultamento, exumação e traslado); meio ambiente; saúde;
segurança (equipamentos de proteção individual, extintores de combate a incêndio, luzes de
emergência); gestão da infraestrutura (plano de manutenção e conservação das instalações).
As queses avaliadas vão desde a acessibilidade para portadores de deficiência física,
conforto de salas de velórios, condição dos sanitários, estacionamento, aos uniformes de
trabalho dos funcionários dos cemitérios e crematórios
40
.
O Cemitério Morada da Paz, administrado pelo Grupo Vila, localizado na cidade de
Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, é um dos exemplos ilustrativos desses “complexos
funerários completos”. Criado no ano de 1993, é composto por seis capelas ecumênicas, uma
capela do Santíssimo, uma sala vip, salas de repouso, estacionamento, uma galeria e ateliê de
arte, lanchonete, cafeteria e floricultura. o Cemitério Parque da Passagem, também
administrado pelo Grupo Vila, na cidade de Natal, foi inaugurado em 1996 e possui uma
estrutura com duas capelas ecumênicas, uma sala vip, salas de repouso, estacionamento e
lanchonete. Em Recife, o Grupo Vila administra desde 2003 o cemitério Morada da Paz, que é
composto por cinco capelas ecumênicas, salas de repouso, estacionamento, floricultura,
lanchonete e cafeteria.
Outro empreendimento tanático completo é o Memorial da Necrópole Ecumênica, o
mais alto cemitério vertical do mundo, localizado na cidade de Santos, no Estado de São
Paulo, que começou a ser erguido em 1983 e hoje conta com mais de quatorze mil lóculos,
distribuídos em quatorze andares, sendo que já está em construção um novo prédio de cento e
oito metros de altura (o equivalente a uma edificação de quarenta andares), que permitirá o
aumento da capacidade para vinte e cinco mil lóculos. O Memorial da Necrópole Ecumênica é
composto por cinco prédios com uma moderna infraestrutura: áreas arborizadas, capelas
40
Informações sobre o Plano Nacional de Qualidade (PNQ) do SINCEP/ACEMBRA na website. Disponível em:
< http://www.sincep.com.br/?PNQ>. Acesso em: 28 abr. 2008.
87
ecumênicas, restaurante com cascata, lagoa artificial com carpas e tartarugas, viveiro com
pavões e faisões e criadouro conservacionista instalado numa área de setenta e seis metros
quadrados
41
.
o Campo Santo Parque das Flores, localizado na cidade de Maceió, no Estado de
Alagoas, foi inaugurado em 14 de novembro de 1973 e está instalado num espaço de quinze
hectares (150.000 m
2
) de área verde, com capacidade para abrigar quinze mil jazigos; possui
capelas ecumênicas, floricultura, funerária, lanchonete e estacionamento.
Criado para solucionar um problema social a falta de espaço nos cemitérios públicos
da capital alagoana , o Campo Santo Parque das Flores foi noticiado como um dos mais
ousados empreendimentos da engenharia alagoana
42
e como uma obra corajosa
43
. Antes
mesmo de sua inauguração, a imprensa anunciava-o com grande entusiasmo e expectativa:
Cemitério moderno poderá ser solução para falta de espaço.
O prefeito João Sampaio anunciou a construção de um cemirio particular muito
semelhante aos que existem nos Estados Unidos como solução para o grave
problema da falta de espaço nos cemitérios públicos de Maceió. O campo santo
seria localizado no Farol, não com características fúnebres, mas dotado de um
aspecto urbanístico, semelhante a um jardim, que oferece uma sensação de paz e
tranqüilidade. O cemitério, idealizado pelo Grupo CIPAL, possui toda a área
destinada aos sepulcros totalmente gramada com um serviço de irrigação destinado
a permitir a vida da grama continuamente. Tem lojas para venda de flores e um
serviço de café, tudo envolvido por uma laje de cobertura com cerca de 400 metros
quadrados sobre uma área com bancos destinada aos visitantes. Ainda de acordo
com a idéia, o cemitério teria um amplo estacionamento para veículos, condições de
rápido escoamento. Cada velório, individual e isolado, apresenta-se com uma
câmara ardente, um quarto de repouso, duas instalações sanitárias e uma pequena
cozinha, 25 mil jazigos terá o cemitério, cuja primeira etapa permitirá sepultamento
para cinco mil cadáveres. Será um cemitério-parque desde já chamado “parque das
flores”, cuja construção, segundo o projeto se feito em apenas 180 dias. Mace
depara-se com o problema da reduzida capacidade dos tradicionais cemitérios,
insuficientes para atender à demanda. Em alguns cemitérios, os cadáveres têm sido
enterrados em pé, face à falta de espaço. A necessidade de cemitério foi
evidenciada, inclusive, pelo Plano Diretor de Maceió (Gazeta de Alagoas, 14 dez.
1972).
41
Informações sobre o Memorial da Necrópole Ecumênica na website. Disponível em:
<http://www.memorialcemiterio.com.br/>. Acesso em: 30 abr. 2008.
42
O jornal Gazeta de Alagoas (11 mar. 1973, s/p), trazia uma matéria intitulada: Construção do Parque das
Flores começa esta semana” e noticiava ser o cemitério “um dos mais ousados empreendimentos da engenharia
alagoana”.
43
O jornal Gazeta de Alagoas (15 nov. 1973, s/p), trazia uma matéria intitulada “Sampaio e Afrânio entregam
Parque das Flores à população maceioense” e noticiava a construção do cemitério como “uma obra corajosa,
merecedora de aplausos de todo alagoano”.
88
Fotografia 14: Projeto inicial da construção do Campo Santo Parque das Flores.
Fotografias 15 e 16: Imagens atuais do Campo Santo Parque das Flores.
Em março de 1973 o projeto de um cemitério particular foi aprovado pela prefeitura da
cidade, através do Decreto 910, que concedeu à Construtora Industrial Predial de Alagoas
(CIPAL), a tulo perpétuo, o direito de implementar, explorar e administrar o cemitério
denominado Parque das Flores, no bairro do Farol. À prefeitura da cidade cabia o direito de
fiscalizar as atividades do campo-santo no que diz respeito aos livros, fichas e registros das
inumações. Através deste decreto ficou instituído também que o campo-santo seria tipo
89
parque. Neste sentido, a concessionária CIPAL não poderia permitir a construção de
mausoléus e outras constrões similares acima do nível do solo.
Na época, o que impressionava era a estética paisagística da necrópole, que,
comparada aos cemitérios monumentais, era ausente de características fúnebres, por ser
semelhante a um jardim, conforme foi noticiado pela imprensa alagoana:
Parque das Flores: A realização de um conceito
O Cemitério Parque das Flores de Maceió, inteiramente pronto, em nada ficou a
dever aos mais arrojados e modernos projetos do gênero, da Europa e dos Estados
Unidos, como também das grandes capitais brasileiras. Construído pela Cipal, o
cemitério-jardim possui um estilo semelhante ao de Arlington, de Washington,
onde está enterrado o Presidente Kennedy e centenas de pessoas famosas daquele
país.
Na verdade, o Parque das Flores representa a aceitação e a realização de um novo
conceito, pois o estágio de consciência atingido pelo homem moderno o mais
admite a solução tradicional para cemitérios. Hoje, quando nos preocupamos, e
com razão, pelo grande crescimento das cidades, veremos que o ser humano busca
sempre solões mais adequadas às suas necessidades e de seu tempo. O Cemirio
Parque é uma delas. É uma decorrência imediata do desenvolvimento, tanto
material tanto intelectual, do homem.
No cemitério-jardim de Maceió este novo conceito foi plenamente realizado. No
seu extenso e verdejante campo, apenas simples lápides e flores marcam o local dos
jazigos, fazendo com que a beleza dos gramados e das árvores em volta amenize a
saudade dos nossos entes queridos. É um lugar de tranqüilidade, propício à
meditação e às boas recordações. Lá, as capelas, construídas com linhas
arquitetônicas atuais, com mármore e vidro fumê possuem locais próprios para a
realização de velórios. Ao lado destas foram construídos apartamentos para o
descanso das famílias, com toiletes e todo conforto necessário. Estes apartamentos
são privados das famílias que possuem um jazigo perpétuo no Parque das Flores e a
necessária intimidade das horas de repouso é plenamente resguardada.
Existem, ainda, lanchonete e floricultura, ambas funcionando durante todo o
horário em que o Parque das Flores encontra-se aberto.
Como pode-se perceber, o Parque das Flores de Maceió foi construído obedecendo
a um projeto dos mais modernos, com similares somente nos grandes centros do
nosso país e do mundo.
Ele significa uma nova concepção de cemitério e foi antes de tudo a realização de
um conceito coerente com nosso tempo.
Na verdade, foi uma resposta à altura do progresso de Maceió, que não admite mais
preconceitos sobre este assunto (Gazeta de Alagoas, 25 nov. 1973).
Depois de inaugurado, iniciou-se uma campanha publicitária para venda dos jazigos
44
.
Mas o valor das sepulturas fez com que apenas uma pequena camada da população, aquela
44
No dia 18 de novembro de 1973 (p. 05) o jornal Gazeta de Alagoas publicou o anúncio publicitário: Se você
está disposto a ler sem preconceito, nós vamos lhe falar sobre o Parque das Flores. Analise a possibilidade de
participar de um empreendimento arrojado, com similares apenas nas grandes cidades do Brasil e do Mundo:
Parque das Flores. O cemitério-jardim de Maceió. Definitivamente implantado. Adquirindo a concessão de um
jazigo familiar perpétuo no Parque das Flores você passa a viver livre de uma preocupação comum a muita
gente. Um jazigo no Parque das Flores torna-se um patrimônio da família. Pertence a ela de geração a geração.
Existem rios tipos de financiamento. Um deles está ao alcance do seu orçamento. ver como se acaba com
um preconceito. Visite o Parque das Flores. Encare objetivamente o fato e decida-se pelo Parque das Flores.
Depois, preocupe-se apenas com a vida. O Parque das Flores de Maceió é assim: Simples lápides e flores
marcam o local dos jazigos. Capelas em mármore e vidro fumê, com locais para velório. Toiletes, apartamento
para repouso, lanchonete, floricultura. No dia 25 de novembro de 1973 (p. 01), o jornal Gazeta de Alagoas
publicou o anúncio publicitário: “O Parque das Flores está totalmente concluído. ver como se acaba com um
90
que apresentava condições financeiras para adquirir um jazigo em cemitério particular,
conseguisse obter a concessão para o jazigo. Essa situação fez com que um, ano após a sua
inauguração, o cemitério Parque das Flores ainda apresentasse um número pouco expressivo
de sepultamentos
45
.
Ocorre que, embora os jazigos no Campo Santo Parque das Flores pudessem ser
financiados por todas as camadas sociais, o eram todos os segmentos da sociedade que
dispunham de condições financeiras para adquirir um jazigo no cemitério
46
. Mas tratar da
ausência de sepultamentos através de uma explicação estritamente econômica não é suficiente
para explicar o comportamento social ante a recusa. É necessário, portanto fugir das
explicações utilitaristas e instrumentais, já que estas, por si só, o bastam para compreensão
da permanência e difusão de algumas práticas sociais. É então no domínio da cultura que se
compreende o comportamento de rejeição social ao Campo Santo Parque das Flores. O fato
era que grande parte da camada social alagoana rejeitava a ideia de uma necrópole concebida
como uma paisagem natural, além de não aceitar a proibição da construção de mausoléus, e
essa situação contribuía para a não solução do problema da superlotação dos cemitérios
preconceito. O Parque das Flores é assim: Simples lápides e flores marcam o local dos jazigos. Capelas em
mármore e vidro fume, com locais para velórios. Toiletes, apartamentos para repouso, lanchonete, floricultura.
Faça uma visita ao Parque das Flores. Lá voperderá qualquer atitude preconceituosa de encarar um cemitério.
E se sentirá muito mais livre para adquirir a concessão de um jazigo familiar perpétuo. Existem rios tipos de
financiamento. Um deles es ao alcance do seu orçamento. Um jazigo no Parque das Flores torna-se um
patrimônio da família. Pertence a ela de geração a geração. Encare objetivamente o fato e decida-se pelo Parque
das Flores. Depois, preocupa-se apenas com a vida.”
45
Dez meses após a inauguração do Campo Santo Parque das Flores, o jornal Gazeta de Alagoas destacou, em
21 de setembro de 1975 (p. 01), uma matéria sobre o pequeno número de jazigos adquiridos pela sociedade
alagoana: Parque das Flores tem vaga até demais. Construído no mais sofisticado padrão de linhas modernas,
completamente diferente de todos os outros, localizado no Km 7 da BR-101, o Parque das Flores é exceção no
que concerne à superlotação dos cemitérios alagoanos, uma vez que, idealizado para atender à chamada classe
“A”, apenas sepultou 180 pessoas, havendo ainda todo o seu espaço restante a ser ocupado. O parque é divido
em 4 tipos de áreas facilmente identificadas pelos preços cobrados pelas sepulturas: existem a área especial e as
áreas A, B e C, com os pagamentos, à vista, variando em 4.893,60 e 2.476,60, podendo, através de juros e
entradas de 15%, ser divididos em prestações de até 30 meses. Além da mensalidade ou do preço de cada gaveta,
para o sepultamento também se paga uma taxa de 25% do preço normal, para a conservação das sepulturas,
diminuindo, ainda mais, a possibilidade da aquisição”.
46
A rejeição da sociedade ao modelo cemiterial estilo parque fez com que a administração do Campo Santo
Parque das Flores realizasse uma intensa propaganda na imprensa local conclamando a sociedade a se “despir de
preconceitos. Os anúncios publicitários da década de 1970 investiam nessa mesma linguagem: Decida-se
agora pelo Parque das Flores. Depois, preocupe-se apenas com a vida” (Gazeta de Alagoas, 11 dez. 1973, p. 04).
Os que aderissem a essa nova arquitetura cemiterial eram considerados como “precavidos e inteligentes”:
“ACEITAÇÃO. O fato impressionante é a aceitação que o empreendimento estendo junto a toda a população
de Mace. O que demonstra o alto grau de cultura do nosso povo, completamente despido de preconceitos dessa
natureza. Esta abertura do cidadão comum para um fato que a princípio se pensou difícil de ser abordado, pode
ser constatada pelo número de visitas que o Parque das Flores recebe diariamente, aumentando de forma
considerável nos fins de semana. A maioria dessas pessoas não hesita em procurar os agentes de venda,
permanentes no local, buscando informações sobre a forma de pagamento e concessões” (Gazeta de Alagoas, 16
dez. 1973, p. 03).
91
públicos da cidade, únicos baseados na arquitetura monumentalizada dos túmulos, conforme
relatou a atual Diretora do cemitério Parque das Flores:
No início da implantação do cemitério você se lembra se seu pai e os outros
cios comentavam alguma coisa sobre a aceitação do público?
Tinha uma rejeição imensa no início. Como até hoje a gente ainda sente. Porque até
quando eu cheguei aqui eu senti, muito, uma rejeição muito. O ocidental, ele rejeita
a morte. Então tem pessoas aqui, por exemplo, que vêm fazer uma compra, que diz
“Eu não quero nem pisar aí porque é um agouro”. E não vem aqui nem escolher a
área, é por telefone e a pessoa [o executivo de vendas] tem que ir porque, para
ele passar aqui, ele não passa.
Mas por que vo acha que havia essa rejeição?
As pessoas, como elas estavam muito apegadas àquelas partes de mausoléus.
Famílias antigas o tinham esse costume de enterrar debaixo da terra. Era aquele
mausoléu, colocava ali, não tinha. Depois, nesses trinta anos, eles foram vendo que
isso aqui era um parque, que não tinha aqueles mausoléus enormes, não dava
aquela sensação terrível, que hoje você entra aqui e é um jardim.
Então você fala que aqueles cemitérios que m mausoléus...
[interrompe] Dá uma sensação horrível, mas era por isso que as pessoas rejeitavam
[o parque] mesmo (Entrevista com Cláudia Melros, realizada em 05 de novembro
de 2008).
O que faltou, segundo o relato de um dos atuais Diretores do Parque das Flores, foi
programar uma cultura da habitação que facilitasse a aceitação social à nova arquitetura
cemiterial baseada na estética da paisagem natural:
Quando eles [os primeiros idealizados do cemitério Parque das Flores] viram esse
loteamento, eles viram a possibilidade, porque Mace não tinha um cemitério
desses [estilo parque]. Eles se empolgaram. meu sogro foi para os Estados
Unidos, foi visitar rios cemitérios desses e voltou com a ideia, fez o projeto e
implantaram o cemitério tipo, tipo parque. Só que o cemitério como todo cemitério,
empresarialmente ele demora a acontecer financeiramente porque tem que criar
uma cultura de habitação. Da mesma maneira que vovai para um restaurante e
não gosta de ir para um restaurante vazio, as pessoas não gostam de enterrar num
cemitério que esteja vazio. É uma cultura do ser humano de que o isolamento não é
bom. Então essa transição de sair dos cemitérios públicos, as famílias, para o
cemitério [parque] foi que demorou mais, um grande tempo. Até o momento que
meu sogro quis vender o cemitério (Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em
10 de novembro de 2008).
Após vinte e seis anos de funcionamento, o cemitério Parque das Flores tinha
concessões para apenas três mil jazigos. As capelas funcionavam precariamente, a funerária, a
floricultura e a lanchonete estavam desativadas e existiam apenas dois funcionários que
trabalhavam no cemitério, fazendo com que os concessiorios de jazigos contratassem
serviços terceirizados para manter os terrenos ajardinados, conforme relembra uma das
clientes do cemitério que adquiriu uma concessão de jazigo em novembro de 2007 com o
objetivo de trasladar os restos mortais de sua mãe que falecera nove anos e seis meses e
fora sepultada em um jazigo no mesmo cemitério, cuja concessão pertencia a outra pessoa da
família:
92
Na época que a minha mãe morreu era muito à mercê, porque era assim, o que
funcionava era assim, vopagava uma anuidade que era baixa mais por uso do
serviço, mas, se vofosse usar a capela, qualquer coisa que você fosse usar lá,
você vai pagar. Só que, por exemplo, você tem o seu terreno, seu jazigo, sua gaveta,
qualquer que seja, e você tinha que pagar uma pessoa pra cortar a grama por fora e
organizá-la. A gente passou um tempo pagando uma pessoa que cortava. A gente
pagava uma pessoa porque a taxa era tão irrisória que eles nem se ligavam em fazer
esse tipo. Na época que minha mãe foi enterrada podia usar flores artificiais,
entendeu? Então toda hora que você passasse lá tinha flores. Agora não, você
aquela grama, mas na época tinha as flores artificiais, então toda vez que você
passasse lá, além da grama, tinha aquelas flores naqueles vasos, entendeu? E agora
não, pode flores naturais, quando envelhecem as flores eles vão e recolhem,
tiram as flores naturais.
Quando minha mãe morreu tinham três capelas na época. Ou eram três ou eram
quatro se eu não me engano eram três , e as capelas, elas eram praticamente
idênticas, o tinha diferença, tinha uma que era mais requintada. Entendeu?
Com umas cadeiras diferentes, que era mais cara, com certeza, para usar e agora
elas, de uma forma ou de outra, estão no mesmo padrão praticamente.
(Entrevista com Hortência, realizada em 10 de junho de 2008).
Com a pouca procura por concessões de jazigos, os idealizadores do empreendimento
decidiram se desfazer da necrópole, e foi a partir daí que seus filhos e genros assumiram a
direção e a administração do cemitério, no final do ano de 1999, iniciando as reformas no
Campo Santo Parque das Flores no começo do ano 2000, plantando gramas nas áreas que
abrigavam os jazigos, reabrindo a floricultura, a lanchonete e reformando as capelas,
conforme lembra a atual Diretora do Parque das Flores:
Meu pai, na verdade, ele era muito desencantado com isso aqui. Ele tinha um
desencanto com isso aqui, porque ele via que não dava rendimento. Mas deixa que
era porque a parte de propaganda e tudo não era feito. Ele o se adequou, ele não
soube fazer, não soube fazer esse trabalho aqui dentro. Então, ele perdeu o ânimo.
Na verdade, ele largou de mão. Em [19]99 isso aqui tava o caos absoluto. Só
existiam dois funcionários aqui dentro, o resto era pessoas que vinham de fora que
os concessionários contratavam para cuidar do jardim, por isso que o índice de
inadimplência era tão alto. E aqui não tinha mais grama, nada. Era uns bolinhos
de terra e era um caos absoluto. As capelas não funcionavam direito, não existia
lanchonete, o existia funerária, não existia floricultura, nada, nada. A gente pegou
isso aqui um caos, tudo era um caos. Aí nós, quando chegamos, tiramos um
empréstimo, porque a gente não tinha caixa. Então, a gente pegou um empréstimo e
começou a chamar cliente por cliente, de um a um, pedindo pra eles darem um voto
de confiança na nova administração, ajudasse a gente, pagasse o que eles tavam
devendo, em vez de pagar o pessoal do campo que eles pagavam, pagasse ao
Parque. Então, o que a gente fez? A gente subiu uma taxa de manutenção de trinta e
sete reais, que era pago na época, para cento e sessenta, por quê? Porque eles
pagavam até duzentos ali fora. Ai a gente mostrou pra eles que, se eles ajudassem e
continuassem com essa taxa de manutenção, a gente ia fazer um trabalho excelente
e não precisava de ninguém mais e eles não precisavam ficar mais se aborrecendo.
Então, com isso, nós ganhamos de três mil clientes, dois mil e seiscentos acataram,
a gente ficou com um índice de quatrocentas, quinhentas pessoas que não quiseram
nem saber. Era tanta raiva que não quiseram nem saber. A gente ganhando hoje,
que eles estão vindo e tão vendo que a gente trabalhando. Então, o início foi
assim, corpo a corpo, um a um. Teve uma cliente que olhou pra mim, uma senhora
velhinha e fez: “Eu vou lhe dar um voto de confiança, mas se daqui a três meses eu
voltar e encontrar desse jeito, abro um desse buraco e enterro você viva” [risos].
Depois de três meses que ela voltou, ela viu que a primeira quadra tava toda
plantada. a gente abriu a floricultura muito rústica, mas abriu. Abriu uma
93
lanchonete muito no início, mas abriu. reformou a primeira capela ficaram
duas capelas sem reformas, uma reformada. Aí depois de uns oito meses, ela voltou
aqui, aí me deu um abraço, me deu um beijo, pediu desculpas [risos].
(Entrevista Cláudia Melros, realizada em 05 de novembro de 2008)
Atualmente o Campo Santo Parque das Flores possui uma entrada principal onde está
afixada uma placa de bronze com a seguinte inscrição: Parque das Flores. Empreendimento
da Cipal Comécio e Indústria Predial Ltda. Decreto de concessão número 910, de 12 de
maio de 1973, na administração de João Sampaio. Maceió, 14 de novembro de 1973”. Na
entrada do cemitério, é possível visualizar um monumento de concreto armado, com treze
metros de altura, que simboliza duas mãos postas.
Ao entrar no cemitério, verifica-se, na lateral direita, o prédio da administração,
composto por três ambientes. O primeiro ambiente corresponde à área de vendas, com três
salas climatizadas. Na primeira sala, através de uma janela de vidro, localiza-se o(a)
vendedor(a) de plantão para receber os possíveis clientes que porventura venham a solicitar
informações sobre o processo de aquisição dos jazigos. Nesta sala há uma porta que dá acesso
a uma segunda sala: a sala da supervisão e da gerência de vendas, local onde normalmente são
assinados os contratos de aquisição dos jazigos. Nesta sala há uma janela de vidro, de onde se
observa o trabalho dos Executivos de Vendas que trabalham numa terceira sala, que dispõe de
armários, divisórias e telefones para que os dez Executivos de Venda realizem o
telemarketing ofertando os produtos e serviços aos clientes. Por trás dessa sala se encontram
os banheiros para uso dos funciorios do cemitério.
O segundo ambiente corresponde à área da funerária, composta por uma sala
climatizada com janelas e portas de vidro, onde é possível encontrar a telefonista, que atende
todas as ligações direcionadas ao cemitério. Por trás dessa sala existe uma ampla sala com
dois ambientes, onde são expostos rios tipos de urnas mortuárias. No corredor lateral da
funerária está localizada uma cozinha, com geladeira, fogão, armários e um lavatório. É neste
local que os funcionários da empresa realizavam suas refeições.
O terceiro ambiente é o da área da administração, composto também por janelas e
portas de vidros, uma grande sala, onde se concentram os funcionários que trabalham na
administração do cemitério, bem como a Diretora da necrópole. Por trás desta sala existe um
segundo espaço, para a realização do trabalho da Assistente Social.
Ao adentrar na avenida principal do cemitério, o visitante se depara com um largo
espelho d‟água com repuxos. Ao centro, situam-se a floricultura Flores do Parque, a
lanchonete e três capelas para celebração dos velórios. No início do ano de 2007, uma das
94
capelas sofreu uma modificação em sua estrutura, sendo dividida para dar espaço a duas
capelas. Assim, o cemitério passou a contar com quatro capelas para celebração de velório.
95
Empresariar
96
One of the interesting things about burial practices is
that they provide many a clue
to the customs and society of the living
(Jéssica Mitford)
Como assinalado nos capítulos anteriores, as mudanças dos vivos em relação à
morte e ao sepultamento dos seus mortos, deram origem ao processo de gestão e
empresarião privada da morte. Isto significa que o morrer se tornou objeto de comércio e
lucro, percebido como um negócio rentável, conforme observou Mitford (2000, p. 140-141)
num estudo sobre o estilo americano de morrer:
A “long, slow development, with its roots deep in the history of Western
civilization,” or a short, fast sprint with its roots deep in moneymaking? A brief
look backward would seem to establish that there is no resemblance between the
funeral practices of today and those of even seventy-five to one hundred years
ago, and that there is nothing in the history of Western civilization” to support
the thesis of continuity and gradual development of funeral customs. On the
contrary, the salient features of the contemporary American funeral (beautification
of the corpse, metal casket and vault, banks of store-bought flowers, the
ubiquitous offices of the “funeral director”) are all of very recent vintage in this
country, and each has been methodically designed and tailored to extract
maximum profit for the trade.
O tratamento do ramo funerário como um segmento empresarial se iniciou nos Estados
Unidos por volta da segunda metade do século XIX, e se profissionalizou com o surgimento
dos funeral directors. O segmento da morte na indústria do funeral norte-americana teve um
crescimento na década de 90, calcula-se que no final dessa década existiam cerca de vinte e
três mil funeral homes e nove mil e quinhentos cemitérios nos Estados Unidos. Em 1996 as
perspectivas econômicas apontavam um lucro de quinze bilhões de dólares anuais
(WHITTAKER, 2005, p. 07).
No Brasil, o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da modernização dos
espaços tanáticos que possibilitaram o surgimento dos “Grupos” no final da década de 1980, o
que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado numa única empresa. Os
Grupos” são, portanto, empresas completas que agregam vários empreendimentos fúnebres
com o objetivo de dar conta de todo processo do morrer: o antes (com o serviço de prevenção
do funeral), o durante (com o serviço funeral) e o depois (com os serviços de assistência ao
luto).
Embora a instria nebre brasileira tenha algumas semelhanças com a instria do
funeral norte-americana, no Brasil, contudo, a indústria fúnebre tem sua peculiaridade e
singularidade que está intimamente relacionada à maneira como a sociedade se relaciona com
97
a morte e com os seus mortos, conforme apontou um dos Diretores do Grupo Parque das
Flores:
A história dos Grupos no Brasil tem alguma relação com a forma de
organização dos funerais norte-americano?
Não. Não tem. Tanto é que o norte-americano é diferente. Ele vira uma festa. é
um almoço. Como o americano não convive em família, eles se reúnem na ação
de graças e no enterro. Então você vê isso muito em filmes , existem as casas de
velório que são casas mesmo, que a pessoa fica dois dias lá, o corpo abandonado,
inclusive, sem a família, vem para o almoço, enterra, deixa isso aí. Não, não,
não, não tem nada a ver. Eu não vou dizer nem qual é a nossa influência, eu não sei
se é européia, americana, argentina, eu não sei dizer, eu ainda não estudei isso. Mas
a gente sabe que o nordestino, principalmente, ele fica ali vendo o corpo. Por causa
de questão de segurança, hoje os cemitérios do Rio de Janeiro e São Paulo, as
pessoas estão deixando o corpo velando, tranca e vai pra casa. Eu tenho certeza que
no Nordeste a gente morre com os bandidos dando tiro na gente, mas a gente não
vai deixar um corpo da gente nunca, não em Alagoas, acredito que isso é todo
nordestino, a gente não iria deixar um familiar da gente nunca. É cultura nossa, do
nordestino. Como é diferente o sulista, por insegurança. Mas hoje o [cemitério]
Parque [das Flores] nós temos três seguranças. Hoje o meu maior custo na minha
empresa é segurança.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008).
O fato é que, hoje o segmento da morte é considerado como empresarial, configurado
pelo estabelecimento de uma relação comercial entre a empresa fúnebre e a família enlutada,
sendo que o objeto que materializa essa transação comercial é um corpo morto, conforme
observou Zapata (2006, p. 99):
La muerte de un ser para quienes han vivido con él significa la pérdida de una parte
de mismo, la terminación de una construcción. Este mismo cadáver para la
empresa funeraria significa el suceso que lo conecta con sus futuros demandantes, y
para lo cual se dispone a prestar sus servicios. Es importante entender que,
contrario a lo que habitualmente se escucha en un lenguaje común, sus
demandantes no son los futuros cadáveres; el demandante es la sociedad, motivada
por el conocimiento de su finitud, y el reconocimiento de su obligación moral
frente a los otros, además de la incertidumbre que ocasionan las condiciones
económicas y, por lo tanto, la capacidad de pago y de respaldo frente a esta
situación. Las personas y la funeraria se encuentran bajo una relación comercial.
Nessa relação comercial surgem vários produtos e serviços oferecidos aos
consumidores fúnebres, e, para sobressair num mercado competitivo, as empresas fúnebres
procuram tornar o funeral como um evento cerimonial, cujo foco são as cerimônias
personalizadas que refletem o aspecto da pessoa morta, da sua personalidade e da sua
individualidade enquanto estava viva.
98
3.1. Indústria do funeral norte-americana
Do século XVIII até a primeira metade do século XIX os funerais norte-americanos
foram exclusivamente um negócio familiar. Eram os familiares e amigos que realizavam as
funções de manipulação do corpo do defunto, lavando-o e requisitando o caixão a um
carpinteiro local. Entre a morte e o funeral, o corpo do morto era colocado na residência para
que fosse velado, depois a família carregava o caixão a até a igreja e dali para o cemitério.
Nas regiões campestres os sepultamentos ocorriam na propriedade da família.
Por volta da segunda metade do XIX começaram a surgir os primeiros empresários
fúnebres os undertakers, que passaram a ocupar três tipos de funções: eram, ao mesmo
tempo, os proprietários de carruagens e carros fúnebres, os carpinteiros que preparavam os
caixões e os anunciantes dos falecimentos. Os undertakers forneciam à família um catálogo
de caixões de seu estabelecimento, depois supervisionavam a remoção dos caixões para os
carros fúnebres e realizavam as tarefas necessárias até que o corpo estivesse finalmente
sepultado.
Mas a instria funeral norte-americana começou a se desenvolver somente após a
Guerra Civil, também conhecida como Guerra de Secessão, ocorrida entre os anos de 1861 a
1865
47
, que causou um total estimado de novecentos e setenta mil mortes, dos quais,
seiscentos e vinte mil soldados, cerca de 3% da população norte-americana da época. Durante
a Guerra Civil a função dos undertakers foi alargada através da prática do embalsamento dos
cadáveres, uma técnica que permitiu o traslado dos cadáveres dos soldados mortos. Foi
Thomas Holmes, considerado the father of American embalming, o primeiro a popularizar a
ideia de preservar os mortos através do embalsamento e o primeiro a receber financeiramente
por este tipo de serviço. Holmes tinha um grande interesse nas técnicas de dissecação dos
cadáveres e viu na Guerra uma grande oportunidade, partiu para o campo de batalha e
ofereceu seus serviços às famílias dos soldados mortos pelo valor de cem lares por
cadáveres. Estima-se que Holmes embalsamou quatro mil e vinte e oito cadáveres em quatro
anos.
A prática do embalsamento persistiu depois da Guerra. A exposição do corpo
embalsamado do presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, assassinado em público
47
A Guerra Civil norte-americana constitui na luta entre os onze Estados do sul latifundiários, cuja economia
dependia da exportação de produtos agropecuários especialmente o algodão , da mão de obra escrava; contra
os Estados do Norte, que passavam por um período de expansão industrial com a utilização do trabalho
assalariado.
99
logo após o término da Guerra Civil
48
, contribuiu para a divulgação do embalsamento. Os
undertakers começaram a experimentar o embalsamento como alternativa à outras
modalidades de preservação. O embalsamento se transformou numa prática padrão em muitos
países dos Estados Unidos, os undertakers norte-americanos, que antes produziam caixões,
começaram a se interessar pelas técnicas de transformação da aparência do corpo.
A indústria do funeral se profissionalizou. Da necessidade do controle das atividades
dos undertakers, surgiram as primeiras escolas de mortuary science. A profissão foi sendo
definida legalmente e seu exercício sujeito a aquisição de uma formação universitária. Os
undertakers se transformam em funeral directors o que significou o surgimento de uma
profissão: o doctor of services
49
.
Nesse momento surgiram as primeiras associões dos profissionais fúnebres. A
National Funeral Directors Association (NFDA), por exemplo, é uma associação fundada em
1882 por um grupo de vinte e seis emprerios de pompas fúnebres de Michigan. A NFDA
estabelece que a missão dos funeral directors é proporcionar a defesa, educação, informação,
produtos, programas e serviços para ajudar os membros e realçar a qualidade dos serviços
prestados às famílias. Os profissionais são regidos por um digo de conduta, aprovado em
dezenove de outubro do ano de 2002, que regulariza suas obrigações em cinco pontos chaves:
com a família, com o cuidado com a pessoa falecida, com o público, com o governo e com a
NFDA
50
. O primeiro código de ética, aprovado em 1884, dizia There is, perhaps, no
profession, after that of the sacred ministry, in which a high-toned morality is more impera-
tively necessary than that of a funeral director‟s. High moral principles are his only safe
guide” (MITFORD, 2000, p. 158).
A NFDA oferece serviços de desenvolvimento profissional para seus membros, tais
como conferências, seminários, teleconferências; ainda jornais e boletins informativos,
bibliotecas com coleções de livros, periódicos e outros materiais sobre assuntos fúnebres,
48
Abraham Lincoln foi presidente dos Estados Unidos durante os anos de 1861 a 1865. Sua eleição para a
presidência, em 1860, provocou manifestações que levaram o país a enfrentar uma Guerra Civil, a Guerra de
Secessão. Em 01 de abril de 1865 a Guerra terminou, e na noite do dia 14 de abril de 1865 Lincoln foi
assassinado em público enquanto assistia a uma peça no Ford’s Theatre, na cidade de Washington. Lincoln foi
morto com um tiro na cabeça deferido por um defensor da causa sulista na Guerra de Secessão. Seu corpo
embalsamado e exposto à visitação pública tendo sido transportado de trem, em um cortejo fúnebre, para
diversos Estados norte-americanos. O corpo de Abraham Lincoln foi enterrado somente no dia 04 de maio de
1865.
49
Mitford (2002) revelou que os discursos utilizados funeral directors para se diferenciarem dos undertakers são
os da profissionalização do serviço. Um membro da National Funeral Directors Association (NFDA), assim se
descreveu: “I am not an undertaker. He served his purpose and passed out of the picture. I am a funeral director.
I am a Doctor of Service. We are members of a profession, just as truly as the lawyer, the doctor or the minister
(MITFORD, 2000, p. 155-156).
50
Informações na website da National Funeral Directors Association (NFDA). Disponível em:
<http://www.nfda.org/files/CodeofConduct.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2008.
100
aconselhamentos às empresas sobre os métodos de contabilização dos custos e outros
processos empresariais. A NFDA também realiza anualmente uma conferência com
seminários sobre o futuro do funeral director, estratégias para repensar a comercialização,
habilidades e técnicas de embalsamento e reconstruções, serviços de perda de animais
domésticos, fóruns de discussões sobre mulheres em serviços fúnebres, cemitérios e
cremações
51
.
No decorrer de sua atuação, a NFDA tem procurado dinamizar os requisitos para a
concessão de licenças para embalsamento. O curso de embalsamento ou ciência mortuária é
realizado em estágios que discutem temas referentes às questões e preocupações para os
profissionais modernos, marketing e merchandising no serviço funeral, e restauração. Um
diploma de serviço funerário pode ser obtido pelo National Education Institute of New
England em quarenta semanas. As exigências educacionais variam em cada Estado, Mitford
(2000), em estudo sobre o estilo americano de morrer, observou que apenas seis Estados
norte-americanos exigiam diploma de ensino médio com um ou dois anos de aprendizagem
para o licenciamento do embalsamento. A NFDA não exige nenhum requisito educacional
para os seus sócios, somente o pagamento dos direitos para requerer a licença. Então, embora
possua um código de ética, a NFDA o institui normas nimas para a adesão dos
associados, qualquer membro de uma associação presente nos Estados filiados poderá se
tornar sócio da NFDA.
Com a valorização da profissão, os funeral directors passaram a ser responsáveis por
uma multiplicidade de tarefas que vão além da colocação do cadáver em um caixão. Suas
auto-impostas atribuições se dividem em duas categorias: a atenção ao defunto e a gestão de
todo o funeral (MITFORD, 2000, p. 43). No american way of death o os funeral directors
os atuais responsáveis pelo processo do post mortem. Quando alguém morre, a família se
encarrega de contratar os serviços do funeral director que i transportar o corpo morto do
lugar do falecimento (hospital ou residência) para um local específico para realização do ritual
do embalsamento.
O ritual de embalsamento é realizado sem consulta prévia aos parentes, pois é
considerado como uma prática rotineira e totalmente indispensável, que permite a
desinfecção e a preservação do cadáver por um longo período para realização da cerimônia de
velamento do corpo. O objetivo do embalsamento é tornar o cadáver apresentável para
visualização, mesmo que inexistindo leis que exija tal procedimento. Como o embalsamento é
51
Informações na website da National Funeral Directors Association (NFDA). Disponível em:
<http://www.nfda.org> Acesso em 05 mai. 2008.
101
uma tradição inventada pela sociedade norte-americana, sua aplicabilidade é legitimada. A
menos que a família especifique a forma como deseja preservar o cadáver, o ato de confiar o
cuidado do corpo morto a um funeral director atesta uma implícita autorização para o
embalsamento.
Primeiro é realizada a higienização (lavagem) do cadáver, em seguida o corpo é
embalsamado, numa sala de cirurgia considerada como um lugar sagrado, cuja porta é
fechada, impedindo a entrada de outras pessoas. Os componentes utilizados para o
embalsamento o tesouras, fórceps, agulhas, tubos, bombas, etc.; além dos apetrechos
químicos (fluídos, sprays, pastas, óleos, cremes, pós e batons cosméticos) utilizados para
corrigir ou amenizar as aparências decorrentes dos fenômenos abióticos consecutivos do post
mortem, tais como os fenômenos de pergaminho da pele, o dessecamento da mucosa e lábios,
a modificação do globo ocular, as manchas de hipóstase cutânea e a rigidez do tecido humano.
Depois de embalsamado o cadáver é vestido com as indumentárias fornecidas pela
família ou compradas quando da contratação dos serviços do funeral director, e maquiado.
Em seguida se inicia o ritual do casketamento: a colocação do cadáver no caio. Os caixões
norte-americanos são conhecidos por caskets, pois são fechados com chaves e não com
parafusos ou porcas. O casket não é feito de madeira, mas de metal, e sua aparência é de um
cofre esculpido
52
. O casket de metal é um fenômeno da América moderna, sua escolha e
aquisição estão intimamente relacionadas ao ritual de embalsamento, pois existe a crença de
que o casket protege o corpo e contribui para sua preservação
53
.
52
Na Europa da Alta Idade Média, o morto era estendido sobre um tecido ou mortalha e colocado sobre um
esquife totalmente visível e exposto por um tempo na parte frontal da residência, em seguida era transferido para
o local onde seria sepultado. No século XII, o rosto nu do morto se tornou insuportável e quando a morte era
atestada, ainda no local do falecimento, o corpo era totalmente coberto por uma mortalha, em seguida colocado
dentro de uma caixa de madeira ou caixão. Os mais pobres que não podiam obter seu próprio caixão, eram
levados à sepultura num caixão de transporte e ao chegarem era retirados e lançados à cova. O caixão servia
apenas para transportar o corpo ao local em que seria inumado. Tanto os ricos quanto os menos abastados
passaram a esconder seus corpos dentro de mortalhas, numa recusa à morte da carne e à decomposição do corpo.
Porém, em algumas regiões esse costume não foi colocado em prática. O uso de caixões de madeira foi aceito em
detrimento do escamoteamento do rosto, os caixões eram deixados abertos ao momento do sepultamento do
cadáver, ou fechando apenas metade da tampa, fazendo com que a parte superior do cadáver ficasse visível. Este
costume prevaleceu nos funerais norte-americanos, onde se mantém o rosto dos cadáveres descobertos, fazendo
com que os caixões ou casket sejam elaborados com uma abertura na parte superior (ARS, 2003).
53
Mitford (2000) observou que entre os norte-americanos a qualidade do casket está relacionada ao processo de
descontaminação e de apresentação do cadáver. Se a justificativa da indústria fúnebre para o processo de
embalsamento compreende a preservação dos cadáveres, a aquisição de um casket de qualidade é colocada como
parte essencial para a eficácia do embalsamento, conforme atestou a presidente da Setteagast-Kopf Funeral
Home em Huston, no Texas:
The majority of the American people purchase caskets, not for the limited solace
from their beauty prior to funeral service, or for the impression that they may create
before their friends and associates. Instead, they full-heartedly believe that the
casket and the vault give protection to that which has been accomplished by the
embalmer (MITFORD, 2000, p. 54).
102
Por outro lado, a aquisição dos caskets atua como um elemento compensatório para a
simplicidade dos cemitérios e dos túmulos. Se no passado os túmulos eram verdadeiras obras
de arte, no presente,o os caskets os objetos de arte.
Fotografia 17: Black Mirror Casket. Modelo de
casket preto, com toques de coloração prateada. O
espelho em todos os lados do casket reflete toda
luz ao redor do caixão. Imagem retirada da
website. Disponível em:
<http://casketgallery.com/caskets.phtml>. Acesso
em 10 mai. 2008.
Fotografia 18: Carnation Empress Casket.
Modelo de casket feminino, com design
arredondado, total vedação e bloqueio. De cor
marfim branca, com sombreamento de flores no
exterior e com emblemas de flores bordados sobre
o painel superior. Imagem retirada da website.
Dsponível em:
<http://casketgallery.com/caskets.phtml>. Acesso
em 10 mai. 2008.
O posicionamento do corpo no casket requer um delicado senso de equilíbrio. O corpo
o deve ficar tão elevado, pois a tampa superior ao ser fechada pode comprimir o rosto do
cadáver, tampouco deve ser colocado muito abaixo para não ter a impressão de que está
dentro de uma caixa. Depois de totalmente posicionado dentro do casket, o cabelo do morto é
penteado, suas roupas são arrumadas e a maquiagem é retocada. Este ritual é demasiado lento,
pois é o resultado final do trabalho do funeral director e compreende a arte do funeral: o
beautiful memory picture.
Todo o processo de casketamento é realizado no local onde o corpo será exposto:
numa igreja, numa capela ou numa funeral home (casas velatórias). Normalmente os funeral
directors preferem que o velório seja realizado nas funeral homes pela facilidade em
organizar o serviço.
As funeral homes são locais apropriados para velar os defuntos. Elas são salões
funerários, cujo ambiente é planejado para amenizar o sentimento de dor e de perda na
cerimônia do último adeus. Rodrigues (2006b, p. 181) descreve a função das funeral home no
american way of death:
Em nome do “respeito ao defunto” e da “preocupação de não traumatizar os vivos”,
os funcionários desses funeral homes cuidam da restauração do cadáver (apagar os
traços de agonia), de sua conservação (disfarçar a tanatomorfose), de sua beleza
103
(dando ao morto um aspecto saudável), de sua higiene (se não parece morto, não
parece poluir), de seu ambiente (as pessoas se sentem mais à vontade, conversam
mais livremente, em tom normal, ao som de música...). Em casos extremos, mas
não raríssimos, o morto é colocado em posição de vivo, “falando ao telefone,
sentado em seu escritório, maquiado, de óculos, pernas cruzadas, às vezes sentado
em sua sala de visitas (living, em inglês). Ele está vivo, vai se mexer! (grifo do
autor)
A Newcastle Funeral Home é um exemplo das várias funeral homes norte-americana.
Localizada em uma casa histórica restaurada, oferece às famílias um espaço com quartos,
capela de visitação que acomoda cento e cinquenta pessoas em lugares sentados, sala
preparada especialmente para a família enlutada, salões para acomodar recepções,
estacionamento e cadeiras de rodas. A lógica é fazer com que os familiares e amigos se
sintam em casa no momento que os profissionais cuidam dos serviços fúnebres. A Newcastle
Funeral Home oferece também o serviço de luto o Gênesis Resouce Center , contêm uma
biblioteca com mais de cento e cinquenta livros, panfletos, deos abrangendo temas sobre
todos os aspectos da perda e da separação para todas as idades
54
.
De acordo com a expectativa da Newcastle Funeral Home basicamente três áreas
de despesas que a família deve considerar quando organiza um funeral: a primeira diz respeito
às taxas de serviço do funeral, que se refere especificamente ao trabalho dos funeral directors
e ao traslado do cadáver. A segunda é o custo total, que se refere à aquisão do casket e
outros itens. A terceira inclui os custos externos que o funeral home assume em nome da
família; estes custos incluem o pagamento do cemitério ou cremario, os avisos em jornais e
o serviço religioso. No caso da Newcastle Funeral Home, os serviços se iniciam com uma
taxa no valor de oitocentos e sessenta lares para uma simples cremação ou sepultamento,
sem nenhum serviço funeral, e, caso sejam incluídos os serviços de impostos e taxas de
cremação, o custo total do serviço prestado pela funeral home pode ser de aproximadamente
um mil quinhentos e cinquenta dólares (considerando que este valor não está incluído os
serviços prestados pelos funeral directors)
55
.
Durante a estada do cadáver numa funeral home, o funeral director providencia a
presença de um clérigo, de músicas, de flores e do transporte da família e dos amigos. Todo
esse serviço, no entanto, deve ser realizado com objetivo de passar a impressão de que esses
necro-profissionais são orientadores ou auxiliares na hora da morte e do luto, e que estão a
serviço da família (MITFORD, 2000, p. 40-50).
54
Informações na website da Newcastle Funeral Home. Disponível em:
<http://www.newcastlefuneralhome.com/index.html> Acesso em: 10 mai. 2008.
55
Idem.
104
Depois da estada do cadáver na funeral home para que a família e os amigos prestem a
última homenagem, o casket é transportado para um Memorial Park (cemitério) em um
funeral coach veículo apropriado para transporte de caixões. Chegando ao cemitério o
casket é baixado a terra, o clérigo menciona as seguintes frases: terra a terra, cinzas de
cinzas, ao ”. Essa é a “simple, dignified, beautiful, reverent! The modern way!
(MITFORD, 2000, p. 51).
A função do funeral director inclui o cuidado específico com o cadáver afin de le
préparer à sa confrontation finale avec les vivants (SARAIVA, 1993, p. 3)
56
, que os
funeral directors prepararam os cadáveres para a exibição pública. Entretanto, não é um
morto que se pretende expor, mas um “quase vivo”, procurando fazer com que o cadáver
tenha uma aparência mais natural possível, como se o estivesse morto, mas apenas
dormindo. A aparência natural é realizada através do desenvolvimento das técnicas de
embalsamento e necromaquiagem que objetiva “mascarar as aparências de morte e conservar
no corpo os ares familiares e alegres da vida” (ARIÈS, 2003, p. 255). A utilização dessas
técnicas permite dar ao morto uma ilusão de vida conforme apontou Ariès (1990, p. 653-654):
Muitas vezes, o morto é apenas exposto na sala do funeral home como em casa, e
as pessoas vêm vê-lo pela última vez, segundo o rito tradicional, cujo local foi
apenas mudado. Por vezes, ele é apresentado numa encenação, como se estivesse
ainda vivo, no seu escririo, numa poltrona e por que não? com um charuto na
boca. Imagem caricatural, mas freqüente no cinema e na literatura do que na
realidade. Contudo, mesmo fora desses casos excepcionais e pouco representativos,
procura-se sempre eliminar, pelo artifício do mortician, os sinais da morte,
maquilando o morto para fazer dele um quase vivo.
É muito importante, com efeito, dar a ilusão de vida. Permite ao visitante vencer
sua intolerância, comportar-se em relação a si mesmo e à sua consciência profunda,
como se o morto não estivesse morto, e não houvesse qualquer razão para não se
aproximar dele. Ele pôde assim enganar a interdição.
O embalsamento serve menos, portanto, para conservar e homenagear o morto, do
que para manter por algum tempo as aparências de vida, para proteger o vivo (grifo
do autor).
A função do funeral director não se resume apenas em tornar o cadáver apresentável
para exibição pública, seus serviços extrapolam o limite da morte e se dirigem também para
os vivos, através da gestão das emões das famílias (SARAIVA, 1993, 06), utilizando o
discurso psicanalista e psiquiátrico, os funeral director se transformaram em psychologues
spécialistes du deiul (SARAIVA, 1993, p. 06) ou em doctors of grief, com vocação de grief
56
O serviço do funeral director pode ser observado na rie Dearly Departed Live as Funeral Director”.
Dividida em sete capítulos, a série foi exibida pelo canal 14 e pode ser visualizada na website
http://www.youtube.com, após inserir o título da rie no link “pesquisa” da website. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=q6jMA8J-Eu0>; <http://www.youtube.com/watch?v=4nmSnI24Rec>;
<http://www.youtube.com/watch?v=58vVYB2m3YE>; <http://www.youtube.com/watch?v=wavZwumxnk0>;
<http://www.youtube.com/watch?v=_9dxwdRSQnY>; <http://www.youtube.com/watch?v=x2yLJr-5Cqc>.
<http://www.youtube.com/watch?v=qpSidI500Pk&feature=PlayList&p=F1323848A6AF1A47&playnext=1&pla
ynext_from=PL&index=11>.Acesso em: 10 mai. 2008.
105
therapy, que se inicia a partir do momento que os especialistas organizam todos os detalhes da
cerimônia fúnebre, inclusive melhorando a aparência natural do cadáver. Os doctors of grief
fazem tudo para que o funeral seja menos doloroso e mais aceivel para a família enlutada.
A grief therapy é utilizada pelos funeral directors para descrever o alívio emocional
que a família enlutada atinge ao ver o defunto embalsamado e restaurado, pressupondo que o
trauma mental sofrido por aqueles associados ao defunto se menor com os serviços
ofertados pela indústria fúnebre. A visualização do corpo embalsamado e restaurado tem, para
o funeral director, um valor psicoterapêutico. A grief therapy abrange, portanto, não o
beautiful memory picture, mas todos os aspectos do funeral. A indústria fúnebre ao promover
a grief therapy conduziu as cerimônias fúnebres a uma escala de serviços adicionais
oferecidos aos seus clientes, tais como o aconselhamento do post mortem.
É nesse contexto que Whittaker (2005, p. 06) divide a indústria do funeral em três
componentes: o primeiro compreende as cerimônias e os tributos, oferecidos habitualmente na
forma de um funeral ou serviço comemorativo; o segundo é a disposição dos restos mortais,
realizada através dos enterros ou cremação; o terceiro é a memorialização, realizada através
dos monumentos, marcadores ou inscrições.
Entretanto, as críticas a indústria do funeral norte-americana não são poucas, a mais
célebre veio do livro publicado em 1963, The american way of death, escrito por Jéssica
Mitford que se tornou um best-seller quando a autora denunciou que a preparação dos corpos
para exibição blica utilizada pela indústria do funeral nos Estados Unidos visava apenas à
obtenção de lucro (MITFORD, 2000, p. 65).
Criticando o estilo americano de morrer, Mitford (2000) procurou saber em que
medida um cadáver sem estar embalsamado representaria uma ameaça à vida, e quais os
danos para a saúde blica um corpo morto poderia representar. Para isso, recorreu a um
especialista em patologia, Dr. Jesse Car, Diretor do Hospital de San Francisco e professor de
patologia da Universidade Médica da Califórnia. O especialista explicou que, no caso de
transmissão de doenças, um cadáver oferece menos perigo do que uma pessoa viva, e no caso
de doenças infectocontagiosas o embalsamento é ineficaz como medida de segurança,
portanto, não existe eficácia do embalsamento como meio de preservação do corpo. Além do
mais, em países onde o embalsamento não é uma prática costumeira (como no Brasil) haveria
uma mortalidade ou uma infecção de doenças causadas pelos cadáveres, o que não é o caso.
Dessa forma, a autora conclui que o embalsamento é um procedimento que se resume às
vendas e lucros da indústria fúnebre, pois, caso ele não fosse realizado, os funeral directors
perderiam sua fuão:
106
If embalming is taken out of the funeral, then viewing the body will also be lost. If
viewing is lost, then the body itself will not be central to the funeral. If the body is
taken out of the funeral, ten what does the funeral director have to sell?
(MITFORD, 2000, p. 64).
Outra justificativa utilizada pelos funeral directors para o embalsamento está
embasada no discurso da saúde mental. O artifício utilizado é que a grief terapy é um método
que suaviza a dor da perda, então, o embalsamento tem um valor psicoterapêutico que traz o
alívio mental e emocional para a família que verá o cadáver como se ele não estivesse morto.
Os profissionais da indústria fúnebre alegam que a prática de preservar os corpos mortos com
produtos químicos e enfeitando-os com tinta e surgiu na Antiguidade, com os egípcios e
atingiu seu ponto mais elevado no segundo milênio a.C.. Portanto, os funerais directors, para
justificar o emprego do embalsamento nos funerais americanos, utilizam uma retórica do
respeito à tradição e da crença, baseada na ideia de que a técnica de embalsamar corpos faz
parte de um antigo costume da sociedade.
Mas Mitford (2000) afirma não haver nenhuma semelhança entre as práticas dos
funerais contemporâneos com as de milhares de anos atrás, e que não nada na história da
civilização ocidental que justifique a tese de continuidade das técnicas de embalsamento. Os
egípcios utilizavam o embalsamento por acreditarem que havia vida após a morte e que a
alma voltaria para o corpo, nesse sentido, o corpo deveria estar conservado. nos funerais
norte-americanos contemporâneos, os embalsamentos o concebidos para extract maximum
profit for the trade” (MITFORD, 2000, p. 141).
Mitford (2000) critica não só a atuação dos funeral directors mas também a sua atitude
frente à morte. Para a autora, os funeral directors podem assumir um discurso de profissionais
dedicados e até afirmarem serem doctors of grief, mas seus verdadeiros motivos são os da
caixa registradora”, interessados apenas em vender sua mercadoria e seus serviços
57
.
57
Segundo Mitford (2000) os funeral directors se interessam apenas pelos lucros, conforme apontou a revista
Mortuary Management ou o National Funeral Service Journal:
Yet, just as one is beginning to think what dears they really are - for the prose is
hypnotic by reason of its very repetitiveness-one‟s eye is caught by this sort of
thing in Mortuary Management: You must start treating a childs funeral, from the
time of death to the time of burial, as a golden opportunity for building good will
and preserving sentiment, without which we wouldn‟t have any industry at all”. Or
this in the National Funeral Service Journal: Buying habits are influenced largely
by envy and environment. Don't ever overlook the importance of these two factors
in estimating the purchasing possibilities or potential of any familyEnvy is
essentially the same as pride It is the idea of keeping up with the Joneses…
Sometimes it is only necessary to say,… Here is a casket similar to the one the
Joneses selected‟ to insure a selection in a substantially profitable bracket
(MITFORD, 2000, p. 155).
107
Mitford acusa ainda a indústria fúnebre norte-americana de se aproveitar do choque
causado pelo falecimento de um indivíduo para fazer com que as famílias contratem os
dispendiosos serviços funerários. Por isso, a autora sugere a criação de uma funeral societes
ou memorial associations, dedicada ao princípio de oferecer funerais a custos razoáveis.
O fato é que, entre as famílias e/ou indivíduos e a indústria de serviços fúnebres, se
estabelece uma relação comercial onde existe de um lado o ofertante dos serviços (a empresa
funerária) e de outro lado os consumidores (a família). Nessa empresa fúnebre, como qualquer
outra empresa prestadora de serviço, a meta organizacional compreende um conhecimento das
necessidades, dos desejos e dos motivos dos consumidores, com a finalidade de garantir que
seus clientes tenham satisfação em adquirir seus serviços e produtos. Mas, diferente de outras
empresas que comercializam produtos e serviços, a instria fúnebre é uma organização sui
generis, pois o produto que oferta é um “produto diferente”, portanto ela deve ter una doble
sensibilidad frente al concepto de ser humano(ZAPATA, 2006, p. 108), ou seja hay uma
humanización de la empresa funeraria”, conforme apontou Zapata (2006, p. 108):
La empresa funeraria debe tener una doble sensibilidad frente al concepto de ser
humano, es decir, como organización su constitución y esencia son las personas que
la conforman, sin ellas la organización no existiría y, además, su papel social es la
manipulación del cadáver, la vivencia de la muerte en la cultura. La empresa
funeraria presencia la muerte de los otros bajo una perspectiva económica, lo que la
puede tentar a percibir que recibe un objeto, un insumo, una mercancía, cegando el
reconocimiento del otro, ya cadáver, en su calidad de sujeto y, por tanto, merecedor
de un trato digno.
Para que um produto seja comercializado e adquirido é necessário que exista uma
demanda (e vice-versa), então tanto a produção como o consumo são intenções culturais,
que são os arranjos culturais que oferecem significações para a produção e para o consumo de
determinados tipos de produtos ou serviços. A indústria de produtos e serviços fúnebres está
então imersa na cultura e por consequência é o ponto de referência para o entendimento das
relações sociais e culturais.
108
3.2. A Empresariação do Morto no Brasil
Conforme foi ressaltado, desde o século XIX, existiam no Brasil profissionais e
instituições envolvidas no processo do morrer
58
. Os coveiros, pedreiros, carpinteiros,
armadores, campeiros, cirieiros, comerciantes de tecidos, alfaiates, músicos, padres, frades,
sacristão e sineiros, eram especialistas que ofertavam produtos e serviços fúnebres, tais como:
encomendação da alma, acompanhamento do defunto, missas, dobres, músicas, transporte de
objetos, mortalha, aluguel da segue, aluguel da tumba, castiçais, tocheiros, necrológios,
incensos, velas, etc.
Mas, foi somente a partir da segunda metade do século XX (precisamente após a
década de 80) que o processo do morrer se empresariou no Brasil, com o surgimento dos
chamados “Grupos”. Os Grupos são empresas privadas que iniciaram suas atividades
administrando algum empreendimento fúnebre (normalmente um cemitério ajardinado-parque
ou uma funerária). Com a modernização dos espaços tanáticos surgiu a ideia de agregar e
centralizar todos os empreendimentos fúnebres (funerárias, cemitérios parques, floriculturas,
etc.) em uma única empresa, que passou a atuar com a finalidade de dar conta de todo
processo do morrer: o antes (com o preplaning funeral), o durante (com o serviço funeral) e o
depois (com os serviços de assistência ao luto).
Foi a partir dos Grupos que o segmento fúnebre do Brasil virou empresarial. Estamos,
portanto diante do empresariar do morrer, que es relacionado ao desenvolvimento da
indústria fúnebre na sociedade de consumo, quando o morrer foi percebido como um negócio
rentável que deve ser vendido e consumido.
O Grupo Vila, por exemplo, é um dos maiores e mais antigo Grupos do segmento
funerário do Nordeste, que iniciou suas atividades por volta da década de 90 no Estado do Rio
Grande do Norte. Os cios-proprietários atuavam no ramo fúnebre desde o ano de 1948
administrando a Funerária São Francisco, na cidade de Natal/RN. No ano de 1993 foi
inaugurado o Cemitério Morada da Paz, e em 1996 o Cemitério Parque da Passagem, ambos
58
As Associações Corporativas ou Confrarias são exemplos de instituições envolvidas com o mercado funerário
no Brasil do século XIX. As Irmandades ou Ordens Terceiras, como eram conhecidas essas Confrarias, eram
formadas, na grande maioria, por pessoas leigas, e para que funcionassem era necessário primeiramente
encontrar uma igreja que as acolhessem, em seguida elaboravam-se os estatutos que deveriam ser aprovados por
autoridades eclesiásticas. Os irmãos, como eram conhecidos os associados das Confrarias, tinham o dever de
demonstrar bom comportamento, devoção católica, pagar anuidades e participar das cerimônias civis e
religiosas. Dentre as tarefas desenvolvidas pelas Confrarias uma das mais importantes era a organização dos
funerais de seus associados. A atuação das irmandades ou ordens terceiras no Brasil do século XIX foi analisada
por Reis (1991).
109
em estilo parque na cidade de Natal, e no ano de 1994 foi criado o Plano Safra de Assisncia
Familiar, atualmente conhecido por Sempre: Proteção Familiar. Em 1998 foi criado um
Centro Funerário composto por funerária, salas para velório, lanchonete, floricultura e
tanatório, no ano de 2003 o Grupo Vila expandiu suas atividades para a cidade de Recife, no
Estado de Pernambuco, inaugurando o Cemitério Morada da Paz. Atualmente o Grupo possui
ainda empreendimentos: nas cidades de Mossoró e Cai, no Estado do Rio Grande do Norte,
possuindo lojas do plano Sempre; nas cidades de João Pessoa e Campina Grande, no Estado
da Paraíba, com as lojas do Plano Sempre e uma funerária com salas de velório; na cidade de
Recife, no Estado de Pernambuco, administra o Cemitério Morada da Paz e uma afiliada do
Plano Sempre. Na cidade de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, administra dois
cemitérios parques: o Morada da Paz e o Parque da Passagem, o Centro o Jo, a funerária
São Francisco, e o plano Sempre que é associado à uma clínica de assistência médica e
odontológica: a Clínica Multifan.
Já o Grupo Parque das Flores é uma empresa que atua no ramo da morte no Estado de
Alagoas. A ideia de criar um Grupo para atuar no segmento funerário surgiu a partir do
empreendimento do Campo Santo Parque das Flores, um cemitério estilo parque, inaugurado
em 1973
59
. No ano de 1999 o cemitério sofreu uma reforma e, a partir daí, nasceu a ideia de
agregar novos empreendimentos fúnebres com a finalidade de ofertar produtos e serviços
dentro da lógica da modernização dos espaços tanáticos, conforme apontou um dos atuais
Diretores do Grupo Parque:
A gente imaginava cemitério, cemitério, mas quando a gente começou a prestar
um bom serviço no cemitério e verificamos, por exemplo, que a funerária ou o
pessoal da funerária chegava lá descalço, de sandália, bêbado, sem menor condição.
O plano funerário que existia, era num carro velho, caindo aos pedaços, sem dar
assistência. A floricultura não sabia fazer coroas. Então a gente viu que como é que
a gente iria prestar um bom serviço com o cemitério, mas a gente ia ficar uma ilha,
isolada e todos nossos fornecedores de serviços o estavam aptos. Então ai nós
fizemos. Compramos a funerária São Matheus, que hoje a gente tem setenta por
cento dela. Implantamos o plano funerário. Botamos uma Central de Velórios, a
floricultura é nossa também. Por quê? Pra criar o mesmo padrão de qualidade, que
o da gente, a gente chama dignidade e respeito para todos esses setores,
entendeu? Então essa foi a evolução, isso em oito anos. Que foi em 2000. A gente
começou em janeiro de 2000. A gente foi pra lá [em Natal, visitar o Grupo Vila] em
setembro de 99, para estudar como era, até dezembro. E realmente primeiro de
janeiro de 2000 foi que a gente começou a fazer gestão, a trabalhar.
A Funerária São Matheus já existia?
existia mais de dez anos e nós compramos setenta e cinco por cento. Nós
escolhemos no mercado quem seria a melhor pessoa, que mais tinha conhecimento
sobre funerária. Era o Luís, que era o antigo proprietário. Aí nós absorvemos
setenta e cinco por cento dessa empresa. O plano não, nós não tínhamos planos, que
a gente viu que nenhum poderia ser comprado. Aí a gente implantou o nosso plano.
59
A história do campo santo Parque das Flores da cidade de Maceió foi abordada no capítulo 2.3., intitulado
“Modernização dos espaços tanáticos”.
110
Floricultura? s também implantamos a nossa floricultura. Aí compramos em
Palmeira dos Índios o cemitério de Palmeira e compramos agora, pouco tempo,
tem um ano, o cemitério de Arapiraca.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008)
Atualmente o Grupo Parque das Flores administra vários empreendimentos fúnebres:
uma funerária, duas floriculturas, uma central de velório, uma empresa de planos assistenciais
funerários e cemitérios.
A Funerária São Matheus opera há mais de vinte anos no mercado funerário atendendo
todo o Estado de Alagoas. Dispõe de uma equipe de profissionais trabalhando durante vinte e
quatro horas, para tomar todas as providências para a realização de um sepultamento. Os
agentes fúnebres trabalham em dois turnos: diurno e noturno, revezando em equipes de quatro
agentes fúnebres e um supervisor no turno da manhã, e três agentes fúnebres e dois auxiliares
no durante a noite. No caso de surgir algum óbito durante esse período, uma equipe composta
por dois agentes fúnebres é deslocada para realizar a preparação do cadáver. A Funerária São
Matheus possui hoje a maior frota de carros funerários do Estado de Alagoas, realizando
traslados estaduais, nacionais e internacionais.
A floricultura Flores do Parque está localizada nas dependências do cemitério Parque
das Flores e a floricultura Flores Vida está localizada na Central de Velórios, ambas,
oferecem trabalhos em flores, arranjos, buquês e coroas.
A Central de Velórios é um produto do plano assistencial funerário do Grupo Parque
das Flores, já que toda a sua estrutura é voltada para atender aos clientes destes planos, tanto
na assisncia ao óbito dos associados do plano PréVida ou Previparq das Flores, quanto na
oferta do espaço para velar os mortos até o momento do sepultamento. As capelas velarias
da Central de Velório também são alugadas para velar óbitos que não fazem parte do grupo de
associados dos planos assistenciais funerários.
Com o slogan cada coisa no seu lugar”, o Grupo Parque das Flores criou a Central de
Velórios que contribuiu para uma nova cultura fúnebre, que grande parte dos velórios era
realizada nas residências, pois as poucas capelas velatórias existentes nos cemitérios blicos
da cidade de Maceió não conseguiam suprir a demanda. Assim, o ritual de velar os mortos nos
espaços dos vivos (as residências) foi, aos poucos, dando lugar para outro tipo de ritual: o de
velar os mortos nos espaços destinados para os mortos (as capelas velatórias). O atual Diretor
do Grupo Parque das Flores relatou a ideia de criar a Central de Velórios:
A Central de Velórios. Nós víamos o seguinte, que aqui as capelas dos cemitérios
não davam o menor conforto e ainda não dão hoje. E as pessoas iriam ser veladas
nas residências. Eu fico imaginando qual fica a última imagem daquela família de
uma pessoa ser velada na sua sala que você vê televisão todo dia, uma mãe ou uma
filha, eu acho que aquilo deve ser o pior, eu acho que o grande equívoco ainda é
111
alguém fazer isso, porque eu acho que isso não é saudável para as pessoas. Porque
você viveu feliz, cinquenta, sessenta, setenta ou quantos anos for, mas eu garanto
que o que vai marcar vai ser aquele cheiro, aquela imagem que vai ficar, porque o
enterro tem muito cheiro característico por causa da flor, por causa da madeira, o
próprio corpo. E a gente colocou essa Central de Velórios nessa intenção. s
estamos fazendo um cemitério no [bairro] Benedito Bentes agora, vão ser mais
quatro salas de velação lá, de velório. Nós temos quatro no parque e nós temos
cinco aqui [na Central de Velórios]. s temos quatro em [na cidade de] Arapiraca
e três em [na cidade de] Palmeira [dos Índios]. Então no Estado de Alagoas nós
vamos ter quatro, oito, doze, dezessete, dezenove, vinte salas de velório que dá pra
assistir toda a população alagoana. Pra ninguém fazer isso, porque isso, eu ainda
acho que isso, apesar de ter um número grande ainda viu? De fazer verios nas
residências, isso é um equívoco. Porque não é saudável isso.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008)
A Central de Velórios está localizada num espaço físico que compreende o escritório,
a área administrativa, uma lanchonete, banheiros, a floricultura Flores Vida e seis capelas
velatórias. Possui uma equipe de vinte agentes funerários que trabalham por equipe nos
períodos diurnos e noturnos, cada equipe é composta por cinco agentes funerários, sendo que
apenas dois são deslocados para atender algum óbito. Das seis capelas velatórias da Central de
Velórios, cinco são conhecidas como capelas simples que compreendem uma pequena sala
aberta onde são colocados os paramentos e o caixão, e uma das capelas é conhecida por vip
por ser totalmente fechada e climatizada artificialmente com ar-condicionado. As capelas da
Central de Velórios recebem uma média de cinco ou seis óbitos por dia, quase cento e
sessenta óbitos mensais.
Fotografia 19: Parte interna de uma das capelas da
Central de Velórios equipada com paramentos para
receber um velório de religião católica.
Fotografia 20: Parte interna de uma das capelas da
Central de Velórios equipada com paramentos para
receber um velório de religião evangélica.
112
Fotografia 21: Parte externa de uma das capelas da
Central de Verios.
Fotografia 22: Parte externa de uma das capelas da
Central de Verios.
Fotografia 23: Parte externa da Central de Velórios.
Fotografia 24: Parte externa da Central de Velórios.
O Previparq é uma empresa que administra planos de assistência funeral, que são
adquiridos preventivamente através do pagamento de uma taxa mensal que assegura ao
associado e aos beneficiários do plano (familiares e agregados) toda assistência no momento
em que vierem a falecer. Essa assistência funeral compreende a obtenção do registro de óbito
em cartório; a liberação dos trâmites legais em hospitais, Institutos Médicos Legais ou demais
locais de ocorrência do óbito; o serviço de higienização do cadáver; as despesas com taxas de
sepultamento (em covas, jazigos ou catacumbas); o transporte da família ao local do
sepultamento; o traslado do cadáver; a colocação do corpo morto em uma capela para
113
celebração da cerimônia de velório (com todos os paramentos) e a aquisição de urnas
(caixões) mortuárias ornamentadas com flores e coroas de flores
60
.
O plano assistencial funeral do Grupo Parque das Flores iniciou suas atividades como
um plano assistencial familiar, ou seja, oferecendo aos seus associados alguns benefícios de
convênios em diversos segmentos, tais como: descontos em medicamentos adquiridos nas
redes de farcia associadas ao Previparq, descontos em especialidades médicas e
odontológicas na clínica médica Previmed, atendimento funeral e cobertura das despesas
funerárias e seguro de vida com cobertura no valor de até um mil reais. Entretanto, a
vinculação do plano funeral com plano assistencial familiar não conseguiu obter sucesso,
conforme relatou um dos Diretores do Grupo Parque:
s começamos inclusive [como plano assistencial familiar]. É porque se você não
sabe, talvez o grande sucesso nosso é porque todos os planos funerários tem medo,
fora os nossos concorrentes, tem medo de dizer que é um plano funerário. Então
eles inventam uma desculpa dizendo que é um plano assistencial, inventa que dá
médico, que desconto, o que é uma mentira, porque é impossível médico a
dezoito reais por mês para dez pessoas, qualquer pessoa um pouco inteligente vai
perceber que ele está enganando esses clientes. ele uma consulta médica
muito da mixuruca que eu imagino como deve ser, uma vez por ano, para o titular.
Então ele não quer assumir, tem medo de assumir que é um plano funerário e diz
que é um plano assistencial. Talvez a nossa verdade é que tenha feito a gente
crescer tanto, porque nós sempre oferecemos. Depois que a gente mudou, porque
nós começamos a mesma coisa, como todos outros. Era o Previparq, mostrando
uma pessoa comprando, a primeira propaganda a pessoa comprando no shopping,
uma ambulância passando. Então a gente mascarava o plano e quando a pessoa ia
utilizar, e não ia utilizar médico, e não era bem assistido, quando ia o desconto, a
farmácia dava o mesmo desconto para outra pessoa, então descaracterizava aquela
propaganda, e a gente apanhou nisso no início tá. Aí nós lançamos o produto
PréVida. É plano funerário. Foi quando estourou o sucesso nosso. Porque isso ainda
hoje, até os nossos concorrentes, até o [Grupo] Vila ainda diz que é plano
assistencial, ele dá médico e tal. Isso é um equívoco porque, por exemplo, por lei a
gente não pode nem dar médico. E qualquer pessoa de consciência sabe que é
impossível dar um plano funerário e ainda dizer que tem dico por dezoito reais
ou quinze reais. Impossível. É conta matemática, esenganando alguém e nós não
queremos enganar ninguém. Se no futuro nós viemos a dar algum benefício ao
nosso cliente é porque a gente vai estar em condições de dar o beneficio, sim,
um desconto privilegiado.
Mas sempre divulgando como plano funerário?
Como plano funerário. Como a gente tem hoje uma carteira hoje de quarenta mil
pessoas, a gente tem uma carteira grande, aí alguns fornecedores podem querer
fazer uma parceria. Mas nunca mentir ao cliente que isso não é um plano funerário.
Isso é um plano funerário. Agora eu tenho uma multidão de gente no plano que aí
diz: O que é que você pode me dar para esse meu cliente?” É bem diferente, do
que enganar e dizer eu tenho um plano médico, eu tenho um plano disso, eu tenho
plano de viagem. Tudo mentira dessa pessoa.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008)
60
Alguns planos de auxílio funeral no Brasil oferecem ainda connios com clínicas médicas, laboratórios,
farmácias, óticas, etc. para que seus associados obtenham descontos em consultas, exames ou quaisquer outros
procedimentos.
114
O plano Previparq compreende três tipos de planos assistenciais funerários: o PréVida,
o Previparq das Flores e o Previparq do Agreste. O PréVida é um plano destinado a atender a
uma camada da sociedade de pouca renda financeira que sepultará seus falecidos em
cemitérios blicos (caso o associado deseje sepultar em cemitério particular terá que arcar
com as despesas) e velará na Central de Velórios ou na residência (caso o associado deseje
velar o corpo em outro local, devearcar com as despesas). Através do pagamento de uma
taxa mensal de quinze reais
61
o associado e os dependentes terão direito aos seguintes
serviços:
1. Urna mortuária envernizada com sobre-tampo em alto relevo,
modelo com visor, alça tipo varalzinho, forrada em tnt, com babado e
renda, no tamanho adequado à necessidade, modelo especificado pelo
código 010VR;
2. Higienização do corpo;
3. Vestimenta social (homem: terno/ mulher: tailleur);
4. Ornamentação da urna, com três pacotes de flores naturais;
5. Véu para ataúde;
6. Montagem de paramentos conforme credo religioso;
7. de café (250g), biscoitos Maizenas (500g) e biscoitos Cream
Cracker (500g), fornecidos quando o velório for em residência;
8. Botijão de vinte litros de água com suporte e cem copos
descartáveis, fornecidos quando o velório for em residência;
9. Taxa de sepultamento em cemitério público;
10. Assessoria para obtenção da certidão de óbito;
11. Taxa de velório em cemitério blico municipal (quando esta
acontecer fora da cidade de Maceió);
12. Traslado em todo o Estado de Alagoas;
13. Carro funerário;
14. Carros para deslocamento de adezesseis pessoas, indicadas pelo
titular ou responsável, saindo de um único local, ida e volta, até o
velório ou até o local de sepultamento. Este serviço estará disponível
apenas para a cidade de Maceió.
15. Capela na Central de Velório Previparq;
61
No ano de 2007 o valor da mensalidade do PréVida passou a custar dezoito reais, atualmente o valor da
mensalidade é de vinte e quatro reais.
115
16. Pagamento da taxa da Missa de Sétimo dia (de acordo com a
religião), na igreja escolhida pelo responsável ou titular. O PréVida
apenas efetuará o pagamento da taxa da Missa quando esta for Missa
Comunitária
62
.
O plano assistencial PréVida presta serviços de assistência funeral ao associado
(denominado no contrato de prestação de serviços de assistência funeral como contratante ou
titular, e conhecido popularmente por associado ou cliente) aos seus dependentes e aos seus
agregados. O contratante ou titular deve ser uma pessoa maior de dezoito anos de idade, caso
esteja acima de sessenta e cinco anos, será cobrada uma taxa de adesão no valor de duzentos
reais. São considerados dependentes do titular o esposo(a), companheiro(a), pais, sogros e
filhos(as), solteiros até 24 anos, filhos solteiros a partir de 25 anos que comprovem residir
com os pais através de um comprovante de residência em seu nome, filhos com deficiência
mental sem limite de idade, desde que formalmente comprovado
63
. Os agregados
compreendem quaisquer pessoas com ou sem grau de parentesco com o titular
64
. Os
serviços adquiridos através do contrato de prestação de serviços de assistência funeral do
plano PréVida têm uma carência de noventa dias após a assinatura do contrato, caso o titular,
62
Informações contidas na cláusula do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano
PréVida. O § da cláusula do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano PréVida
ressalta que: “O presente contrato não compreende a concessão nem direito a terrenos em cemitérios públicos ou
privados, nem tampouco a construção de jazigos e gavetas, bem como não abrange sepultamento de membros
amputados”. E o § da cláusula 2º do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano PréVida
ressalta que: “Na hipótese do CONTRATANTE desejar alterar o padrão dos itens arrolados na cláusula 2º retro
mencionado, optando por um padrão superior da URNA MORTUÁRIA e ou demais artigos e serviços não
previstos nesta cláusula, serão os mesmos cobrados diretamente do CONTRATANTE”.
63
Informações contidas na cláusula do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano
PréVida.
64
Informações contidas na cláusula do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano
PréVida. O § da cláusula do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano P-vida
ressalta que: “O número total de dependentes inscritos neste contrato não poderá ultrapassar a 9 (nove)”. O §
da cláusula 3º do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano PréVida ressalta que: “No caso
do falecimento do TITULAR (Contratante), o presente CONTRATO deverá ser respeitado em todos os seus
termos por uma das pessoas inscritas, podendo quaisquer dos dependentes e/ou agregados dar continuidade ao
presente contrato com os mesmos direitos e obrigações, cumprindo o tempo vigente deste. O § 3º da cláusula 3º
do Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Funeral Plano PréVida ressalta que: Os inscritos neste
contrato não poderão ser substituídos em hipótese alguma, e somente poderá(ão) ser acrescentado(s) filho(s)
nascidos e ou adotados as a assinatura do presente contrato, com a apresentação da CERTIDÃO DE
NASCIMENTO ou DOCUMENTO DE ADOÇÃO”. O § 4º da cláusula 3º do Contrato de Prestação de Serviços
de Assistência Funeral Plano Pré-vida ressalta que:O titular do plano pode na aquisição, ou a qualquer tempo,
nomear para fazer parte integrante do plano até 03 (três) agregados, que deverão pagar as taxas de manutenção,
na forma abaixo discriminada: a) Cada agregado pagará por mês a quantia equivalente a 20% (vinte por cento)
do valor da taxa de manutenção vigente, sendo o pagamento de tais quantias de responsabilidade do titular do
plano, a título de taxa de agregado. Quando o agregado tiver mais de 65 anos a taxa será de 50% do valor pago
como taxa de manutenção. b) A taxa de agregado especificada no item “a” acima, secobrada mensalmente
através do boleto bancário ou cartão de crédito, em conjunto com a taxa de manutenção do titular.”
116
um dos dependentes ou um dos agregados possua idade acima de oitenta anos, a carência é de
cento e oitenta dias.
Em três anos de funcionamento o plano assistencial funerário PréVida passou de dez
mil associados para um total de duzentos e dez mil, novecentos e trinta e um associados
(incluindo titular, dependentes e agregados), equivalendo a um aumento de mais de dois mil
por cento do número pessoas que deverão ter assistência funeral fornecida pelo Plano
PréVida.
O Previparq das Flores e o Previparq do Agreste são planos destinados a uma camada
da sociedade de maior renda financeira que sepultará seus falecidos nos cemitérios parques do
Grupo Parque das Flores (o Previparq das Flores é um plano para os associados adquiriram
jazigo no Campo Santo Parque das Flores, na cidade de Maceió e o Previparq do Agreste é
um plano para os associados que residem no interior de Alagoas e que adquiriram jazigo no
Campo Santo Parque do Agreste, na cidade de Palmeira dos Índios). O plano Previparq
divide-se em três tipos de planos:
O Plano Rubi: o associado pagará uma quantia mensal de trinta
reais para o associado, dependentes e agregados terem direito a uma
urna tipo padrão médio luxo, ao uso das capelas dos cemitérios
parques, ao traslado em todo o Estado, a ornamentação da urna
mortuária, aos serviços de tanatopraxia e de assessoria cerimonial, e as
taxas de sepultamento nos cemitérios parques (taxa de sepultamento,
taxa de confecção das gavetas (jazigos) e placas (lápides)).
O Plano Esmeralda: o associado pagará uma quantia mensal de
quarenta reais para o associado, dependentes e agregados terem direito
a uma urna tipo padrão luxo, ao uso das capelas dos cemitérios
parques, ao traslado em todo o Estado, a ornamentação da urna
mortuária, aos serviços de tanatopraxia e de assessoria cerimonial e as
taxas de sepultamento nos cemitérios parques (taxa de sepultamento,
taxa de confecção das gavetas (jazigos) e placas (lápides)).
O Plano Diamante: o associado pagará uma quantia mensal de
sessenta reais para o associado, dependentes e agregados terem direito
a uma urna tipo padrão super luxo, ao uso das capelas dos cemitérios
parques, ao traslado em todo o Estado, a ornamentação da urna
mortuária, a uma coroa de flores, aos serviços de tanatopraxia e de
assessoria cerimonial e as taxas de sepultamento nos cemitérios
117
parques (taxa de sepultamento, taxa de confecção das gavetas
(jazigos) e placas (lápides)).
O que diferencia o valor de cada tipo de plano do Previparq das Flores o os modelos
de urna funerária que serão utilizadas para sepultar os beneficiários dos planos, conforme
relatou uma das Executivas de Vendas do Campo Santo Parque das Flores:
Vamos supor... Aquele plano rubi que cobre urna de até mil e setecentos, mil e
oitocentos reais, tem vários modelos [mostra livro que contém fotografias dos
modelos de urnas funerárias que são usadas em cada tipo de plano do Previparq das
Flores] Entendeu? Tem vários modelos. Tem o modelo branco, branco que eu digo
é numa madeira mais branca, tem aquela madeira trabalhada, escura, envernizada,
tem para pessoas que o tem religião nenhuma, são agstico que eles falam,
então para pessoas agnósticas não tem emblema nenhum. Para aquelas pessoas que
são católicas vem o Cristo, imagens de Nossa Senhora, vem uma imagem do
terço, tem talhada. Para as pessoas que são evangélicas geralmente eles optam pela
Bíblia ou então uma pomba da paz, uma pombinha. Então tem o mostruário com
esses tipos, a pessoa na hora é que vai escolher. vem os padrões, têm esses
padrões do rubi que é um padrão [de caixão] de até mil e setecentos reais, o
esmeralda que é o de quarenta reais, que é um pado [de caixão] que vai até dois
mil e quinhentos reais o valor da urna, e vem o padrão diamante que são aquelas
urnas mais caras até de quatro mil e quinhentos reais e tem a presidencial que vai
até seis mil reais.
Ainda tem essa presidencial?
Tem a presidencial
65
. Só que a gente não tem plano para ela, ela é uma urna que se
você quiser comprar é por fora, ou se votiver pagando esse plano diamante na
hora você tem direito a uma urna de até quatro mil e quinhentos e se você quiser
levar uma mais cara que é a presidencial você vai complementar a diferença no
valor dessa urna, entendeu?
E tem também as capelas?
Esse plano ele vai cobrir tudo. Esse plano ele vai cobrir. Porque quando vo
compra uma área [um jazigo no cemitério Parque das Flores], quando você tem a
concessão [do jazigo], é como eu te falei, ela [a área do jazigo adquirido] não foi
cavada, não foi usada, quando você aciona o Parque [o cemitério Parque das Flores]
para fazer uso da área [jazigo] essa área [jazigo] vai ser cavada. Como a gente o
enterra diretamente na terra, a gente tem umas gavetas de pré-moldado, então essas
gavetas são cobertas por aquele plano.
O plano dá direito a isso também?
É esse plano Previparq que direito a urna, as capelas.
Custa quinhentos e oitenta reais o valor para abrir um jazigo e confeccionar as
gavetas não é?
É. Quinhentos e oitenta para abrir.
Se não tiver o plano vopaga esse valor?
Se não tiver o plano é que você paga esse valor. Mas se votiver esse plano, vo
é ligar que você tem tudo. Você tem a necromaquiagem, você tem a tanatopraxia
que é a retirada do líquido pra que você não fique no dia do sepultamento não fique
[pausa]. Porque quando a gente morre, vodeve saber mais do que eu, existe um
monte de germes, bactérias, vermes, eles não morrem, eles só morrem depois que a
gente morre, quer dizer eles nem morrem, eles tentam sair para encontrar outro
hospedeiro, é nessa saída que nesse meio ele não sobrevive então quando a gente
está morto, se o tapar o fiofó [ânus] [risos], as orelhas, o ouvido, o nariz e a
65
O modelo de urna chamado de presidencial pelos Executivos de Vendas do plano Previparq das Flores é o
modelo de urna norte-americana conhecido por casket, caixões com abertura na parte superior. Os modelos e a
história do surgimento dos caskets foram abordados no capítulo 3.1., intitulado: “3.1. Indústria do funeral norte-
americana”.
118
boca, os olhos, eles ficam saindo. Tem funerária que arrocha algodão, fica aquela
coisa [faz a cara de enojada] [risos]. Aí, no caso da funerária São Matheus que é a
funerária que presta esse serviço [para o plano Previparq], que faz essa
tanatopraxia, eles colocam um material tipo um veda-rosca, uma massa, lá no
finalzinho, lá pra dentro, você o vê, quando você olhar vai estudo. O lábio
eles costuram por dentro ou colam, a boquinha fica tapadinha, na orelha é a mesma
coisa, é esse tipo de material coloca lá dentro.
Para dar tempo daquele corpo não extravasar
Para dar tempo. Para vonão ver, vofica normal. E tem ainda o trabalho da
necromaquiagem. Eles fazem também reconstituição também facial. Tem pessoas
que morrem de afogamento e até achar ou o a parte do rosto eles reconstroem.
Isso é feito aonde?
Isso é feito lá na [funerária] São Matheus.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Todos os tipos de planos do Previparq das Flores possuem uma carência de noventa
dias, mas caso um dos beneficiários tenha acima de oitenta anos de idade, a carência aumenta
para cento e oitenta dias. Para todos os tipos de planos o titular pode incluir nove dependentes
e três agregados. São considerados dependentes: os njuges, filhos, pais e sogros. Para cada
agregado o titular pagará uma taxa suplementar de vinte e cinco por cento do valor total da
mensalidade.
Os cemitérios estilo parque que fazem parte do Grupo Parque das Flores o: Campo
Santo Parque do Agreste, na zona rural do município de Palmeira dos Índios, que possui
capelas velatórias, estacionamento, floricultura e lanchonete, e o Campo Santo Parque das
Flores, localizado na cidade de Maceió
66
. O Grupo Parque das Flores irá implantar mais dois
cemitérios estilos parques, um localizado no bairro do Benedito Bentes, na cidade de Maceió
e outro localizado na cidade de Arapiraca.
Os jazigos nos cemitérios do Grupo Parque das Flores o adquiridos na forma de uma
concessão:
Depois que a gente vende a área [o jazigo], a gente explica que ele [o
comprador/cliente] está comprando uma área que na realidade ele está recebendo, a
gente chama de concessionário. Ele tem a concessão de uso de um espaço aqui
nesse campo [no cemitério], na realidade ele não é dono, ele é um concessionário,
ele tem o direito de usar um pedaço aqui, ele tem a concessão, o parque é que é o
dono de toda a área e ele tem a concessão de usar aquele pedaço que nunca foi
cavado, nunca foi usado, que quando isso vai ser feito o procedimento de usar
aquela área ali, existe toda uma despesa que envolve aquilo ali.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
66
A história do Campo Santo Parque das Flores da cidade de Maceió foi abordada no capítulo 2.3., intitulado:
“Modernização dos espaços tanáticos”.
119
Fotografia 25: Folder do Plano Assistencial Funerário PréVida.
Fotografia 26: Folder do Plano Assistencial Funerário Previparq.
120
Os jazigos ainda podem ser adquiridos na forma imediata ou preventiva. A imediata
ocorre quando é constatado algum óbito e a família deseja adquirir imediatamente a concessão
do jazigo para o sepultamento; a preventiva ocorre quando não nenhuma necessidade
imediata de utilização do jazigo. A tabela a seguir demonstra os valores relativos ao uso
imediato e preventivo.
Fotografia 27: Folder da tabela com os valores dos jazigos imediatos e preventivos do Campo Santo Parque das
Flores.
Ao adquirir a concessão de jazigo na forma preventiva nos cemitérios do Grupo
Parque das Flores, o concessionário deve esperar um prazo de sete dias para fazer uso da área.
Esse prazo, denominado de carência, ocorre porque caso se deseje utilizar a área antes, o valor
da concessão do jazigo passará a ser considerado como imediato. Passado o prazo da carência
e o concessionário necessite utilizar a área (o jazigo) deverá ainda antecipar trinta por cento
121
do valor total do jazigo, o que acarreta uma antecipação de doze parcelas, equivalente a um
ano de pagamento, conforme explicou uma das Executivas de Vendas:
Fazendo a compra no parcelamento em quarenta vezes o que se exige? Vamos
supor, o prazo é de sete dias para fazer o uso. Vamos dizer, daqui a uma semana
faleceu alguém da família, o que é que se pede? Que se antecipe trinta por cento do
valor dessa área, os trinta por cento acarreta doze parcelas, aí antecipa doze
parcelas do carnê de trás para frente e já pode fazer o uso do jazigo. Mas no caso
aqui é o terreno, o terreno é o terreno puro, precisando fazer uso, precisa que se
coloquem as duas gavetas de concreto armado. Essas duas gavetas ela está no valor
de quinhentos e oitenta reais.
Quer dizer que para usar o jazigo precisa adquirir as gavetas?
Para usar precisa das gavetas, que são duas gavetas de concreto armado que servem
para a vida toda. São colocadas lá.
Caso o cliente termine de pagar os quarenta meses do jazigo, e necessite usar
terá que pagar esse valor de quinhentos e oitenta reais?
Não. As gavetas você precisou, fez o uso do jazigo, elas são colocadas depois
você não vai pagar mais nada, é uma taxa única.
vai pagar a taxa de manutenção?
É. Essa aqui [as gavetas] é uma taxa única.
A primeira vez que for usar terá que pagar?
a primeira vez você vai ter que pagar essa taxa, só o primeiro uso, só no
primeiro uso. Agora nós temos a taxa de manutenção que está no valor atual de
[pausa]. Esse ano esde cento e noventa e oito [reais]. Em 2006. Mas a partir de
2007 ela está em duzentos e cinco [reais], certo? No ano que vem ela vai está nesse
valor aqui, duzentos e cinco [reais]. Essa taxa de manutenção ela é anual, é por ano.
O valor pode ser divido também?
É. Vo pode pagar ela de uma vez esse valor, você pode pagar em duas vezes.
Parece que é duas de cento e cinco [reais] e pode pagar em doze vezes, doze vezes
de vinte reais, referente a taxa de manutenção.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008)
As taxas para utilização e preservação do jazigo compreendem o valor da concessão; a
taxa de confecção das gavetas para o jazigo
67
, no valor de quinhentos e oitenta reais; a taxa
anual de manutenção do jazigo, no valor de duzentos e cinco reais, sendo que esse valor pode
ser dividido em duas parcelas de cento e cinco reais, perfazendo um total de duzentos e dez
reais, ou doze parcelas de vinte reais, perfazendo um total de duzentos e quarenta reais. Além
disso, caso o concessionário deseje utilizar as capelas velatórias do cemitério Parque das
Flores é necessário alugá-las, sendo duzentos reais para as capelas normais e duzentos e
quarenta reais para a capela vip.
Outro serviço muito utilizado por quem adquire jazigo nos cemitérios do Grupo
Parque das Flores é o da exumação, que ocorre quando o concessiorio precisa reutilizar
uma das gavetas. Caso exista um corpo sepultado na área, antes da realização de um novo
sepultamento, o concessiorio solicita da administração do cemitério a retirada dos ossos do
corpo que se encontra sepultado, que só poderá ser retirado depois de completado três anos da
67
As gavetas são as placas de concreto armado que são inseridas nos jazigos virgens para que estes se tornem
jazigos preparados. A confecção das gavetas foi apresentada no capítulo 2.2., intitulado: “Os sepultamentos nos
parques”.
122
data do óbito, e, caso o corpo tenha recebido formol, poderá ser exumado após seis ou dez
anos.
Quando os restos mortais são retirados da sepultura, são limpos e inseridos dentro de
um saco de lona branco que é lacrado e identificado por um pequeno crachá com a
identificação (nome, data de nascimento e data de falecimento). O saco de lona pode ser
colocado dentro de uma pequena urna funerária apropriada para recepção dos restos mortais.
O ritual de exumação deve ser assistido por pelo menos duas pessoas que tenham laços
familiares com o morto que essendo exumado. Para realização deste ritual o concessionário
deverá desembolsar uma taxa no valor de cem reais. Depois de exumado, os restos mortais
são recolocados na gaveta de baixo da sepultura.
Fotografia 28: retirada dos retos mortais
realizado no ritual de exumação
Fotografia 29: restos mortais (ossada) retirados
da sepultura, colocados num saco de lona e
recolocados no jazigo.
O Grupo Parque das Flores possui atualmente cerca de duzentos e cinquenta
funcionários. Quando questionado sobre o que garantia o sucesso da empresa no segmento
funerário, o Diretor Administrativo e Financeiro do Grupo Parque respondeu:
É a qualidade dos nossos serviços. Nós entregamos um produto diferenciado em
Maceió, em Alagoas, e muitas vezes, como vojá viu, dentro de Alagoas, dentro
do Nordeste. Então nós entregamos um produto que as pessoas são surpreendidas
pela qualidade do nosso atendimento. Então hoje eu acho que o grande segredo
nosso é a qualidade do nosso atendimento. Tanto no atendimento receptivo, ou seja,
antes da pessoa participar da empresa, antes, quando vai comprar um jazigo ou
quando vai comprar uma urna, ou quando vai comprar um plano. Esse atendimento.
E o atendimento quando eu sou obrigado a entregar o serviço comprado, que aí sim,
é o jazigo no parque, é a urna no São Matheus e é o serviço do plano funerário.
Essa qualidade do nosso serviço é que garante esse sucesso que nós temos. Porque
não adiantava a gente ter máquina de mídia, não adiantava ter a melhor propaganda,
nada disso ia funcionar se nós não entregássemos coisas que o cliente fica
surpreendido do que recebe. Então essa dignidade e respeito que a gente entrega é
mais até do que ele esperava. É isso que eu acho que é o nosso diferencial.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008)
123
O fato é que, no final da década de 80 a morte se empresariou no Brasil a partir do
surgimento dos “Grupos”, um segmento empresarial e privativo que, para se destacar perante
a concorrência do ramo fúnebre, oferece vários produtos e serviços a crescente demanda de
consumidores fúnebres.
3.3. Produtos e serviços diferenciados
O mercado fúnebre no Brasil compreende uma imensa gama de artigos: caixões,
vestimentas, velas, urnas, flores, auto-fúnebres, candelabros, cenários, mantos, véus,
paramentos (castiçais, suporte, etc.), lápides, ferramentas (agulhas, bisturis, tesouras, etc.),
equipamentos (bombas injetoras e aspiradoras, luvas, batas, máscaras, esparadrapos, algodão,
caixa ou sacos para ossos, suporte para cabeça, etc.), necrológios, produtos químicos e outros
acessórios (terços, lenços, livros de presença, etc.). também uma variedade de serviços:
planos de assistência funeral, assistência ao luto, eventos comemorativos, cerimoniais,
preparação e higienização de cadáveres (tanatopraxia, necromaquiagem, restauração facial,
etc.), trasladações, limpezas de jazigos, exumações, etc.
Essa variedade fez surgir empresas dedicadas a comercializar artigos relacionados com
a atividade funerária e empresas que desenvolvem produtos para responder às necessidades do
mercado fúnebre. A Funeart
68
, por exemplo, é uma dessas empresas cuja área de atuação é o
mercado empresarial, localizada na cidade de Biritiba Mirim, no Estado de o Paulo, tem a
função de distribuir artigos funerários. A Tanatus: pioneirismo científico em tanatopraxia
69
,
localizada na cidade de Botucatu, no Estado de São Paulo, é especializada em tanatopraxia,
68
A FUNEART é uma empresa que oferece produtos especializados para empresas do setor funerário através do
marketing online que liga os consumidores (empresários do setor funerário) com os vendedores, por meio da
internet. A principal ferramenta da FUNEART é o e-commerce ou comércio eletrônico em que o produto é
oferecido por meio eletrônico e os compradores buscam informações, identificam, realizam orçamentos e fazem
pedidos também via website. Disponível em: <http://www.funeart.com.br>. Acesso em 22 mai. 2008.
69
A TANATUS: pioneirismo científico em tanatopraxia, é uma empresa que oferece produtos especializados,
relacionados exclusivamente com a técnica de tantopraxia para as empresas do setor funerário através do
marketing online que liga os consumidores (empresários do setor funerário) com os vendedores por meio da
internet. A principal ferramenta da FUNEART é o e-commerce ou comércio eletrônico em que o produto é
oferecido por meio eletrônico e os compradores buscam informações, identificam, realizam orçamentos e fazem
pedidos também via website. Disponível em: <http://www.tanatus.com.br/Default.aspx>. Acesso em: 22 mai.
2008.
124
surgida no início do ano de 1994, oferece equipamentos, instrumentos e produtos químicos,
além de assessorar e ministrar cursos na área de tanatopraxia.
Mas, com a crescente existência de empresas atuando livremente no mercado de bens
e serviços fúnebres e numa época em que as novidades são copiadas rapidamente pela
concorrência, as empresas ficam atentas às necessidades dos consumidores, pois são eles que
irão determinar o mercado (KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 190). Os atuais
consumidores nebres têm procurado experiências diferenciadas dos serviços funerários
tradicionais, eles não querem apenas produtos e serviços, mas eventos cerimoniais que
tenham como foco único a pessoa que morreu: o indivíduo.
Assim, o segmento funerário tem criado produtos e serviços alternativos para se
destacar e angariar maior parcela do mercado possível. Esses serviços alternativos visam a
criação de eventos cerimoniais com o objetivo de tornar o funeral personalizado, refletindo o
aspecto da pessoa que morreu e de sua personalidade. Dessa forma, o segmento funerário tem
desenvolvido várias maneiras de personalizar os produtos e serviços fúnebres.
Os designs dos caixões contemporâneos não se parecem em nada com os antigos
caixões de madeiras. Os novos estilos de caixões, denominados de caixões temáticos,
possuem uma variedade de cores, tecidos, modelos e podem ser equipados com espumas de
borrachas, espelhos e sistema de informação (sinos e fios) que permitem ao ocupante se
comunicar caso ainda esteja vivo. O primeiro caixão temático foi fabricado pela empresa
britânica Vic Fearn & Company no ano de 1990 e encomendado por uma ilustradora para
sepultar sua mãe, o caixão era decorado com flores e um animal (um veado) no alto de um
monte. Os caixões temáticos continuaram a ser produzidos pela Vic Fearn & Company e
recentemente foram exibidos numa exposição itinerante intitulada crazy coffins. (Disponível
em: <http://www.crazycoffins.co.uk/index.html>. Acesso em 22 mai. 2008).
No Brasil ainda não são fabricados os caixões temáticos nos modelos produzidos
pela Vic Fearn & Company, entretanto as funerárias já começam a oferecer uma variedade de
modelos, tipos e tamanhos baseados na lógica da personalização dos produtos, são caixões
com símbolos de times de futebol, com imagens de santos estampadas, com acabamentos em
detalhes de ouro e prata ou em cores diferenciadas (rosa, pink, roxo, etc.)
125
Fotografia 30: Modelo de caixão skate que foi
encomendado pela família de um menino, que
morreu aos onze anos de idade em um acidente
com um skate, e foi enterrado dentro do caixão
que se assemelha ao skate (Disponível em:
<http://www.crazycoffins.co.uk/index.html>.
Acesso em 22 mai. 2008).
Fotografia 31: Modelo de caixão portsmouth
football club. Este modelo faz parte da
estratégia de marketing da empresa que criou um
pacote para torcedores do Clube Portsmouth, que
inclui um velório no campo do time de futebol e
o direito a espalhar cinzas no local (Disponível
em:<http://www.crazycoffins.co.uk/index.html>.
Acesso em 22 mai. 2008).
Fotografias 32 e 33: Modelo de caixão the ballet shoe coffin que foi encomendado por uma
enfermeira que praticava ballet. O Caixão em forma de sapato de ballet é todo em cetim rosa
(Disponível em: <http://www.crazycoffins.co.uk/index.html>. Acesso em 22 mai. 2008).
Fotografias 34 e 35: Modelo de caixão the guitar coffin. Caixão encomendado pela família de um
rapaz adolescente que gostava de tocar guitarra e ao morrer em acidente doméstico, foi enterrado numa
réplica de sua guitarra (Disponível em: <http://www.crazycoffins.co.uk/index.html>. Acesso em 22
mai. 2008).
126
A ideia de personalizar os funerais resultou no surgimento dos funerais tributos que
tem a função de fazer com que as cerimônias se tornem mais criativas e únicas e não incidam
sobre a morte, mas sobre a celebração da vida do morto, através de cerimônias que o
individualizam como pessoa. Com o funeral tributo, o funeral se tornou o momento de
celebrar a vida (e não a morte) de alguém através de detalhes que façam referência e possam
refletir qualquer aspecto da pessoa e de sua personalidade (profissão, religião, esportes ou
outros elementos que façam referência a individualidade da pessoa morta):
Profissão: O serviço funeral estará totalmente voltado para incluir a vida
profissional da pessoa morta. Caso o morto tenha sido um professor, por
exemplo, uma série de serviços pode ser incluídos em sua cerimônia fúnebre,
tais como: contratar banda ou coral da escola em que ensinou para tocar
músicas; incentivar os alunos a escreverem redações sobre o professor que
serão exibidas durante todo o funeral. Caso a pessoa morta tenha sido um
bombeiro expõem-se seus uniformes, equipamentos, etc.
Religião: O serviço funeral estará totalmente voltado para incluir aspectos da
religião da pessoa que morreu. Caso a pessoa expressasse em vida alguma
religião, o serviço funeral deveincorporar sua espiritualidade, decorando o
velório com símbolos de da pessoa, fazendo leituras de orações, tocando
algumas músicas religiosas, convidando algum serviço religioso (padre,
pastor, rabino) para proferir algumas palavras.
Prática de esportes: O serviço funeral estará totalmente voltado para incluir
aspectos que lembram a prática de algum esporte da pessoa que morreu.
Caso a pessoa em vida tenha praticado algum tipo de esporte, o serviço
funeral mostrará itens utilizados, como: equipamentos esportivos, medalhas,
troféus, prêmios, personalização do caixão com o símbolo que façam alusão
à prática do esporte (caso seja um jogador, por exemplo, o caixão pode ser
personalizado com a bandeira do time), apresentação de fotografias ou
vídeos com imagens que mostre a pessoa praticando o esporte.
Individualidade: O serviço funeral estará totalmente voltado para destacar a
personalidade da pessoa, considerando todas as suas realizações pessoais e
encontrando formas de ligar sua individualidade ao aspecto do funeral. Caso
a pessoa tenha sido um apreciador de cavalos, por exemplo, o serviço funeral
deve disponibilizar equipamentos de equitação, ter cavalos nos cortejo
127
fúnebre. Caso tenha sido um membro das forças armadas o funeral deverá ser
organizado com honras militares.
No Brasil as cerimônias personalizadas com a utilização dos funerais tributos ainda
estão em crescente avanço, sendo, na maioria das vezes, realizadas quando a pessoa expressa
o desejo de personalizar seu funeral ainda em vida.
O sepultamento da estilista Vera Arruda e de um dos organizadores de um bloco
carnavalesco alagoano são outros exemplos de cerimônias personalizadas. A estilista Vera
Arruda morreu aos trinta e oito anos de idade, vítima de falência múltipla de órgãos,
certamente em decorrência de um câncer no timo que havia descoberto dois anos antes de seu
falecimento. A estilista foi hospitalizada em São Paulo, provavelmente no dia dez de julho do
ano de 2004, vinte dias depois o quadro de hepatite atípica se agravou, ocorrendo
complicações como pleurite e paralização do gado. Sua morte foi constatada no dia trinta e
um de julho de 2004 e seu corpo foi sepultado às dezesseis horas do dia primeiro de agosto de
2004, no cemitério Parque das Flores, na cidade de Maceió. O serviço funeral personalizado
se iniciou com decoração da capela mortuária com flores, fitas e filó. A tampa do caixão foi
pintada e decorada com contas e strass. Na cerimônia de sepultamento algumas personagens
da cultura popular alagoana do Guerreiro do Mestre Benon entoavam cantigas da terra durante
o cortejo fúnebre que foi acompanhado por quase mil pessoas, entre familiares, amigos e fãs
que participaram da cerimônia de sepultamento.
Fotografia 36: Sepultamento do corpo da
(ex)estilista Vera Arruda no cemitério Parque das
Flores. Imagem retirada do jornal Gazeta de
Alagoas (Gazeta de Alagoas, 03 ago. 2004, p. 01).
Fotografia 37: Sepultamento do corpo da
(ex)estilista Vera Arruda no cemitério Parque
das Flores. Imagem retirada do jornal Gazeta
de Alagoas (Gazeta de Alagoas, 03 ago. 2004,
Geral, p. 01)
128
a cerimônia fúnebre de um dos organizadores de um bloco carnavalesco alagoano,
foi acompanhada por orquestras de frevos contratadas pela família a pedido do próprio morto
antes deste falecer que, ainda doente, pediu um enterro sem choro e tristeza, mas com muita
alegria e frevo, e assim foi feito conforme relatou o Mestre de Cerimônias do Campo Santo
Parque das Flores:
E os sepultamentos personalizados?
Teve aum sepultamento ai que eu fiz que teve muito é frevo, o rapaz morreu e
gostava de carnaval, era um dos organizadores do Pinto da Madrugada daqui de
Maceió, um pessoal muito conhecido aqui, aí ele pediu duas orquestras que na hora
do sepultamento fosse tocando o carnavalzinho dele e na urna dele tinha a
sombrinha, negócio de frevo, de carnaval, na urna tinha um monte de coisas. E o
sobrinho dele tava com um chapéu, aquele chapeuzinho que vende em Recife, que
coloca uma sombrinha, a família também e começou. Eu tava aqui em baixo e ouvi
o barulho, faltava parece que uns quinze dias para o carnaval. Começou aquele
tum, dum, tum, dum, pararararararan. Então eu olhei assim e disse: Oxente! Acho
que é o pessoal do Canaã, o Cané um bairro que fica próximo daqui, eu pensei
que eram as pessoas do Cantreinando para o carnaval, uma orquestra que tava
treinando. Então o pessoal que tava em cima, nas capelas, passou o dio: Vem
pra cá que daqui a pouco vai sair o sepultamento da capela um e está um carnaval
danado aqui em cima”. Eu disse: “Conversa rapaz!”. Então eu subi, eu cheguei lá e
realmente era verdade, eu mesmo fiquei meio assim, eu até estranhei, e a coisa
tocando mesmo “pan, pan, paran”. Não parava não, a banda, o pessoal na capela,
todo mundo olhando, conversando e a banda “pan, pan, pan”. Quando uma
[orquestra] cansava a outra começava. Então teve uma senhora que estava sendo
velada na capela dois ai o filho veio de pra cá ai disse: “O senhor trabalha aqui
moço?”. Acho que os meninos disseram: “Esse rapaz trabalha aqui”. era umas
seis horas, era dezoito horas já, ai ele [o filho da senhora que estava sendo velada
na capela dois] disse: “Rapaz como é que pode esse negócio aqui, a minha mãe
aqui sendo velada aqui, um barulho, carnaval, você o acha que isso es errado
não?Eu disse: “Olhe moço infelizmente eu não posso fazer nada porque o rapaz
aqui ele pediu para a família que quando morresse ele queria que tocasse carnaval,
e na capela eles podem fazer o que quiser”, [o filho da senhora que estava sendo
velada respondeu] “Ah! Mais o som está batendo na capela da minha e”. Eu
disse: “Olhe, infelizmente eu o posso fazer nada, o senhor querendo ir na
administração amanhã o senhor pode reclamar, agora infelizmente aqui o pessoal
tem música ao vivo”. Eu falei para ele: “Tem música assim voz e violão, depende,
tem até candomblé, cada um que faça o que quiser”. Então ele [respondeu] “Rapaz
isso é um negócio errado”. Então saiu e foi pra lá. Pronto, na hora de fechar a urna,
fechou, eu sai na frente com o coveiro levando e eu na frente e a banda tocando
como se fosse um bloco. “Pan, paran, paranpanpan”. O pessoal pulando, tomando
uma cervejinha, uma latinha, o sobrinho dele. E tome só, frevo, frevo, [o
sepultamento] foi na [área] tipo B, ali depois dos eucaliptos, na B direita daqui
desse lado aqui, não na B esquerda. Foi ali. Depois colocou a urna lá, demorou
mais um pouquinho para a banda tocar mais dois frevos e na hora de descer a urna,
a família alegre, aquele choro de alegria que estava realizando o que ele pediu.
Estava fazendo o que ele pediu quando estava vivo, tudo alegre, abraçado e pulava
e às vezes ficava alegre. [o sobrinho do morto disse] “Ah! nós estamos aqui, ele não
queria choro, queira alegria, é carnaval, toca vassourinhas”. [a orquestra] “Pan,
ranranranranranran, pan ranra”. [o sobrinho do morto disse] “Pode descer meu
amigo”. Então eu comecei a descer a urna e eles tocando carnaval “Pan, pan, pan,
pan, pan, pan, pan” e o frevo rolando.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de mao de 2008)
Como a personalização é incipiente e exceção nos funerais brasileiros (muito embora o
mercado fúnebre já disponibilize elementos para garantir a personalização de cerimônias
129
fúnebres) existe, porém, alguns atrativos que são oferecidos aos consumidores com o objetivo
de proporcionar uma cerimônia diferenciada, tal como os memoriais eletrônicos ou vídeos-
tributos que consistem em uma homenagem áudio-visual através de uma seleção de
fotografias, músicas e imagens que são transmitidas durante a cerimônia do funeral e
oferecidas para a família ou hospedadas em uma website, permitindo que a família e os
amigos mais distantes possam acessar o deo-tributo através de senhas, com a finalidade de
lembrar a pessoa que morreu. Exemplos de vídeos-tributos também são encontrados no
sistema norte-americano Vidstone
70
que consiste numa lápide digital, com monitor LCD, em
que, através do simples toque na tela do monitor tem acesso a um sistema de sons, imagens e
vídeos das pessoas falecidas. O vidstone é um sistema de memorialização da vida da pessoa
morta. as lápides japonesas kuyou no mado (janela memorial) têm um digo de barras
bidimensional impresso na lápide tumular, ao fotografar o código é possível acessar uma
website em memória do falecido, contendo fotos, vídeos e depoimentos da família.
Outros atrativos também são utilizados com objetivo de personalizar as cerimônias,
tais como a celebração de cerimônias religiosas com padres católicos para celebração das
exéquias e encomendação da alma do defunto ou pastores evangélicos para celebrar orações
pela pessoa morta, a utilização de músicas e a ornamentação das capelas velatórias com coroa
de flores. A utilização desses elementos nos cerimoniais fúnebres demonstra que mesmo
sendo a personalização uma exceção no cotidiano brasileiro, as cerimônias de velórios, de
cortejos fúnebres e de sepultamentos nunca o padronizadas, depende muito de quem morre
(crianças, bebês, suicidas, pessoas púbicas, idosos, mulheres, homens, etc), da situação
econômica do morto, da circunstância da morte (morte natural, morte trágica, acidente,
assassinato, etc.) e do aspecto religioso.
Os rituais fúnebres de pessoas públicas o significativos exemplos que denotam as
cerimônias diferenciadas. Um caso significativo ocorreu quando do falecimento do
(ex)deputado estadual alagoano, Gerônimo Ciqueira, conhecido como Gerônimo da
Associação dos Deficientes sicos de Alagoas (ADEFAL)
71
que faleceu aos cinquenta anos
de idade num hospital na cidade de Brasília, às quatro horas e trinta minutos do dia onze de
março do ano de 2007, onde se encontrava hospitalizado desde o dia sete de março. O corpo
foi trasladado e velado na sede da ADEFAL, localizada na cidade de Maceió, no Estado de
70
As lápides digitais Vidstone estão disponíveis na website da empresa. Disponível em:
<http://www.vidstone.com>. Acesso em 27 mai. 2008.
71
A ADEFAL é uma entidade filantrópica sem fins lucrativos, fundada em 22 de abril de 1981, que oferece
apoio de saúde aos que possuem qualquer tipo de deficiência física no Estado.
130
Alagoas. Em seguida o corpo do deputado foi conduzido ao cemitério Parque das Flores,
chegando por volta das onze horas da manhã do dia doze do mês de março.
No cemitério havia uma grande concentração de pessoas vindas de vários municípios
vizinhos, algumas traziam cartazes de agradecimentos pelos serviços prestados pelo político,
outros lamentavam a morte do deputado que “era um homem honesto
72
. O caixão do
parlamentar foi levado da ADEFAL para o cemitério em carro aberto do corpo de bombeiros
e foi acompanhado por veículos de autoridades civis, do público em geral e do departamento
de trânsito do Estado de Alagas. Ao chegar à entrada do cemitério o caixão foi retirado do
carro do corpo de bombeiros e carregado por autoridades políticas e militares, escoltado pela
guarda de honra da cavalaria e levado para o jazigo onde foi sepultado, sendo aplaudido pela
multidão que se encontrava presente no cemitério. Antes de o caixão descer ao jazigo, a
esposa do deputado fez um pronunciamento longo lamentando sua morte e lembrando suas
virtudes e realizações enquanto pessoa pública e enquanto político do Estado.
Fotografia 38: Multidão aguardando a chegada
do corpo do (ex)deputado estadual de Alagoas,
Gerônimo Ciqueira, para ser sepultado no
cemitério Parque das Flores.
Fotografia 39: Sepultamento do corpo do
(ex)deputado estadual de Alagoas, Gerônimo
Ciqueira, no cemitério Parque das Flores.
Fotografia 40: Chegada do corpo do
(ex)deputado estadual de Alagoas, Gerônimo
Ciqueira, para ser sepultado no cemitério
Parque das Flores.
Fotografia 41: Sepultamento do corpo do
(ex)deputado estadual de Alagoas, Gerônimo
Ciqueira, no cemitério Parque das Flores.
72
Comentários de algumas pessoas que estavam presentes no sepultamento do (ex)Deputado no Campo Santo
Parque das Flores.
131
Portanto, os consumidores fúnebres não são todos iguais, uma complexidade de
realidades. Sabendo disso, a indústria fúnebre cada vez mais divide o mercado, num processo
denominado de segmentação de mercado que consiste em dividir mercados em grupos de
consumidores potenciais com necessidades e/ou características semelhantes e que
provavelmente terão comportamentos de compra semelhantes(WEINSTEIN, 1995, p. 18). O
processo de segmentação do mercado ocorre na oferta dos planos assistenciais funerários que
são serviços adquiridos antecipadamente, conhecidos como preened ou preplaning funeral
que surgiu nos Estados Unidos e consiste na contratação antecipada (preventiva) dos serviços
funerários
73
. A oferta de planos assistenciais funerários no Brasil utiliza o critério de
segmentação do mercado na medida em que diversos tipos de planos que são oferecidos,
de acordo com as características socioeconômicas dos consumidores
74
.
Na segmentação do mercado os produtos e serviços são criados e oferecidos para
atender a demanda de um segmento específico. Um exemplo de segmentação de mercado são
os enterros ecológicos que são cada vez mais crescentes no Reino Unido, representando 8%
dos funerais e com a perspectiva de chegar a 12% até o ano de 2010. Nos funerais verdes o
caixão deve ser confeccionado em material ecológico e biodegradável, como: papelão,
bambu, vime ou papel mache. Os Ecopod são caixões artesanais feitos totalmente de papel
reciclado de várias cores e formas, que visam atender a demanda dos funerais verdes ou
enterros ecológicos.
Nos últimos anos tem sido cada vez mais crescente o número de empresas que
trabalham com a perspectiva da consciência ecológica e preservacionista, e essa perspectiva
também tem afetado o segmento fúnebre. As empresas que adotam a consciência ecológica ou
preservacionista visam atrair a crescente demanda dos consumidores verdes, segundo
Chamorro (2001), os consumidores verdes ou ecológicos são aqueles que manifestam uma
preocupação com meio ambiente em seu comportamento na hora da compra, buscando
produtos que são percebidos como de menor impacto sobre o meio ambiente.
As empresas que atuam com perspectiva da consciência ecológica ou preservacionista
utilizam o ecomarketing para atrair os consumidores verdes, e, ao adotar o ecomarketing elas
devem informar as vantagens de se adquirir produtos e serviços ambientalmente responsáveis,
de forma a estimular onde já exista e despertar onde ainda não existe o desejo do mercado por
esta categoria de serviços/produtos, que no marketing ecológico os consumidores desejam
73
No ano de 1994 aproximadamente setecentos e sessenta mil norte-americanos contrataram antecipadamente
(preventivamente) seus serviços funerários (WHITTAKER, 2005, p. 05-06).
74
Os critérios de ofertas dos planos assistenciais funerários e os benefícios que esses planos oferecem foram
discutidos no capítulo 3.2., intitulado: “A Empresariação do Morto no Brasil”.
132
encontrar qualidade ambiental nos produtos e serviços que adquirem (LIMA, R., 2003). Nesse
sentido, os caixões ecológicos ou Ecopod, são recomendados para enterros ou cremações,
sendo que esta última é sempre criticada por ser poluente, indo de encontro à proposta da
consciência ecológica e preservacionista. A empresa que fabrica os Ecopod esclarece aos
consumidores verdes que: The Ecopod is suitable for burial or cremation. We would
however always urge those considering cremation to reconsider their choice, as cremation
inevitably causes pollution (Disponível em:
<http://www.ecopod.co.uk/index_32.php>.Acesso em: 04 abr. 2008).
Fotografia 42: Modelo de caixão ecopod blue. Caixão em papel reciclado para atender a demanda
dos funerais verdes e dos enterros ecológicos. (Disponível em:
<http://www.ecopod.co.uk/store/files/podblue.jpg>. Acesso em: 04 abr. 2008).
Fotografia 43: Modelo de caixão ecopod gold. Caixão em papel reciclado para atender a demanda
dos funerais verdes e dos enterros ecológicos. (Dispovel em:
<http://www.ecopod.co.uk/store/files/podgold.jpg>. Acesso em: 04 abr. 2008).
Entendendo a demanda e sabendo que os consumidores têm procurado cada vez mais
serviços e produtos diferenciados, o mercado fúnebre cria serviços alternativos para se
destacar e atrair novos consumidores. Foi com esse objetivo que no dia quatro de setembro do
ano de 2008 foi inaugurada a primeira casa funerária de luxo no Estado de São Paulo,
inspirada nos padrões das funeral home norte-americanas. A Funeral Home de São Paulo está
localizada num casarão neocolonial tombado pelo patrimônio histórico, num espaço de
setecentos e trinta e nove metros quadrados dividido em dois andares, numa das áreas mais
nobres da cidade, precisamente nos Jardins, com vinte e seis ambientes, sendo quatro salas de
133
velórios, uma capela ecumênica, banheiros, terraços, deck, sala equipada com televisão e
computadores, conforme divulgado na website:
O FUNERAL HOME leva os serviços que fornecemos a você, muito a sério e
estamos orgulhosos em atendê-lo para homenagear a memória de um membro de
sua família, por isso dedicamos total atenção aos detalhes e ao modo de receber as
pessoas.
Em nosso primeiro piso estão as salas Roma e São Paulo, que podem ser utilizadas
separadas ou conjuntamente.
Neste andar temos ainda três amplos banheiros, sendo um adaptado para pessoas
com mobilidade reduzida, cozinha, as salas de enfermagem e biblioteca com
computadores ligados à Internet e Capela Ecumênica. Na parte externa temos um
lindo deck devidamente decorado com mesas e cadeiras e um charmoso café.
No segundo piso mais duas salas Paris e Nova York, ambas com terraços, mais dois
amplos banheiros, sala de atendimento ao cliente e um belíssimo hall.
Nosso edifício é servido por um elevador para satisfazer as necessidades de nossos
clientes e rodeado por um jardim com árvores frutíferas e nativas.
Tenha certeza que aqui no FUNERAL HOME você encontrará, além de serviços
de elevadíssima qualidade, ajuda, atenção, conforto e todo apoio que você espera
nessa hora de necessidade (Disponível em:
<http://www.funeralhome.com.br/servicos.htm>. Acesso em: 11 abr. 2008).
A Funeral Home de São Paulo foi criada por empresários que atuam no setor fúnebre
desde o ano de 1996 administrando o cemitério parque ajardinado Vale dos Pinhais e uma
empresa de planos assistenciais a Plena Assistencial criada em 2001. De acordo com a
proprietária, a finalidade da Funeral Home é garantir a última festa do falecido através de
uma despedida alegre com todo conforto e glamour:
Você trabalhou duro para dar o melhor a seus filhos. A vida inteira frequentou bons
restaurantes, viajou e fez questão de consultar médicos de renome. Na hora de
morrer, o que acontece? Seu velório é feito em uma salinha apertada, muitas vezes
sem janelas ou no subsolo de hospitais. Isso não faz sentido!
(Entrevista concedida a Revista Veja SP, em 03 de dezembro de 2008)
Os serviços oferecidos pela Funeral Home inclui serviço de manobrista, assistente
social para auxiliar as famílias nos trâmites burocráticos, aviso do falecimento a parentes e
amigos, anúncios fúnebres em jornais e rádios, livros de condolências, lembrancinhas, vídeos
tributos, salas de descanso com internet, e buffet. O velório básico com o serviço de
manobrista, assistente social e buffet incluindo café, chá, água e bolachas doces e salgadas,
custa em média quatro mil reais, já o velório com exclusividade, onde a casa é fechada apenas
para recepção de um único velório, custa em média quarenta mil reais. Os serviços de velório
possuem ainda a transmissão online das cerimônias e mensagens eletrônicas.
Os serviços online ou virtuais já são recursos utilizados por empresas que atuam no
segmento fúnebre, através do posicionamento de meras no local onde o corpo está sendo
velado ou no local onde será sepultado, lançando imagens em tempo real para uma website.
Este tipo de serviço é direcionado aos amigos e familiares do falecido impossibilitados de
134
presenciar o cerimonial. No Brasil várias empresas realizam serviços de transmissão online. O
velório virtual do Grupo Vila, criado no ano de 2000, transmite imagens virtuais pela webcam
dos velórios realizados na capela central do Centro de Velório São José, na cidade de Natal, e
na capela central do Cemitério Morada da Paz, na cidade de Recife. O serviço foi criado para
atender os familiares e amigos da pessoa falecida, que, por um motivo qualquer, se encontram
distantes e desejam observar o velório. Esse serviço pode ser acessado, desde que as meras
estejam disponíveis, através da website do Grupo Vila (Disponível em:
<http://www.grupovila.com.br/velorio_virtual/>. Acesso em: 20 abr. 2008). A empresa
admite que em breve será possível conversar virtualmente com os familiares e amigos
presentes nos velórios, através de uma sala de bate-papo virtual.
A URBAM, empresa responsável pela realização dos serviços funerários e
administradora do Complexo Funerário de São José dos Campos, em São Paulo, também
possui o serviço de velório virtual através de webcam que disponibilizam via website as
imagens dos velórios em tempo real. O serviço de velório virtual é liberado quando a família
autoriza a transmissão e, quando disponível, pode ser visualizado na website da URBAM
(Disponível em: <http://www.urbam.com.br/php/velorio_virtual.php>. Acesso em: 20 abr.
2008). No cemitério Memorial da Necrópole Ecumênica, os familiares e amigos podem
realizar uma visita virtual à sepultura. Na hora combinada, uma câmera é instalada na frente
do jazigo, as imagens ficam em uma website e o acesso é possível através de uma senha. O
cemitério também possui uma floricultura online, onde coroas de flores podem ser
encomendadas virtualmente para serem entregues durante o velório.
Mensagens eletrônicas de condolências e sames também podem ser enviadas
virtualmente. Amigos e parentes ausentes podem, através da website, encaminhar e-mails que
são impressos e entregues aos familiares presentes nas cerimônias. também mensagens
eletrônicas feitas pelos familiares direcionadas a prestar homenagem às pessoas falecidas. O
Grupo Vila disponibiliza na website as homenagens virtuais. A maior parte das mensagens
demonstra a saudade da pessoa falecida e a dificuldade em enfrentar a dor da separação,
algumas mensagens solicitam ajuda da pessoa morta e outras informam à pessoa morta
notícias do mundo dos vivos:
“Mamãe,
Há um ano e meio nos separamos Deus a levou, mas eu sinto como se fosse hoje.
Quantas saudades eu tenho, das nossas conversas, da sua companhia. Como a
senhora me faz falta, mamãe. Eu luto muito para suportar esta dor, procuro apoio
nas pessoas que estão ao meu redor. Muitas vezes elas nem percebem como ainda
sofro pela sua falta. Como é difícil suportar, principalmente por você ter sido uma
mãe tão maravilhosa, que nunca me deixou faltar nada, não deixava nada a desejar,
sempre tão presente em todos os momentos.
135
Enquanto você estava conosco tudo era festa pra mim, hoje tudo mudou a
felicidade não é completa, fica sempre um vazio, uma tristeza.
Mas eu também sei, que se Deus a levou é porque tinha algo melhor para a senhora
e é com a ajuda dele que eu venho suportando esta dor, esta ausência.
Quanta saudade do seu sorriso, do seu jeito especial de ser!!!
Como éramos felizes, hoje me dou conta das pequenas coisas que nos faziam tão
felizes.
Quantas saudades!!!
Te amei...te amo...te amarei eternamente!
Beijos.
De sua filha, (nome)”
(Mensagem enviada pela filha da pessoa falecida às vinte e duas horas e quarenta e
cinco minutos do dia 18 de agosto de 2008).
“Minha irmã, minha amiga, minha companheira hoje faz exatamente 4 anos que
você se foi lembro como se fosse hoje nossa amizade nunca nos separamos,desde
que você partiu minha vida mudou muito não da pra ser feliz completamente que
saudade se fico triste sinto sua falta se fico alegre sinto sua falta pois tudo
dividíamos.
Naquele dia que você partiu estava em coma não aceitava isso meu deus que doeu
sentia no peito na alma no terceiro dia seu em coma pedi a nossa senhora aparecida
para cobrir você com o manto fechei os olhos e recebi a noticia da sua partida a
mãe foi a mesma coisa pediu a nossa senhora aparecida e em instantes você partiu
que dor parecia o fim do mundo.... mais você tinha que nos deixar pois precisavam
de você Jesus.... já tinha nos dado a maravilha da sua companhia,da sua amizade do
seu amor você é e era tudo de bom. (nome da pessoa falecida) um dia vamos nos
encontrar a família inteira juntos novamente. Que saudade, que saudade.... meu
deus minhas lagrimas secaram... meu coração arde de saudade..... te amo (nome da
pessoa falecida)....
nossa mãe irmãos sente sua falta seja feliz.....................”
(Mensagem enviada pela irmã da pessoa falecida às quatroze horas e doze minutos
do dia 10 de julho de 2008).
Mãe sinto muito a sua falta. Depois que você partiu tudo mudou, eu mudei. Mas
estou mais forte, aliás, uma laranjeira é guerreira né mãe? Você foi exemplo de
bravura. O que alivia meu coração e me conforta é saber que o mundo onde você
está é mil vezes melhor que esse. Fico imaginando sua reação diante de tantas
notícias ruins. Esteja em Paz Mãe. Vo cumpriu a sua missão, tenho certeza.
Colha os frutos. Deixa eu falar só mais uma coisa: foi tão bom aquele dia que senti
o seu abraço..que delícia. E agora que passei no concurso? Tenho certeza que vo
vibrou comigo. Olha, apesar de contar os dias e as horas desde que você partiu eu
estou bem, é a saudade que faz isso. Mãezinha receba todos os buquês que envio do
meu coração prá você. São luzes que te desejo. Quando nos encontrarmos te darei
aquele beijo e aquele abraço que faltaram! Fica com Jesus!”
(Mensagem enviada pela filha da pessoa falecida às vinte horas e onze minutos do
dia 02 de agosto de 2008).
(Exemplos das mensagens eletrônicas extraídas no website do Grupo Vila.
Disponível em: <http://www.grupovila.com.br/homenagens/>. Acesso em: 20 abr.
2008).
Dentro da lógica da oferta de serviços diferenciados e personalizados, o mercado
fúnebre oferece ainda serviços que o realizados no corpo morto. A tanatopraxia, por
exemplo, consiste na técnica de preparação dos cadáveres visando a desinfecção e
retardamento do processo de decomposição do corpo através da aplicação de produtos
químicos que possibilita garantir uma aparência natural, evitando o extravasamento de
líquidos e o aparecimento de inchaços. A realização da tanatopraxia depende da causa mortis,
136
o tempo mínimo para preparação de um corpo com causa morte natural varia de sessenta a
noventa minutos podendo se estender até quatro horas.
A denominação de tanatopraxia é utilizada para se referir a preparação dos cadáveres
tal como é realizado na técnica de embalsamento norte-americana. A denominação
tanatopraxia é usada em detrimento da denominação embalsamento já que este é comumente
conhecido como uma técnica que utiliza a retirada de órgãos e inserção de fluídos
embalsamadores. O mercado fúnebre normalmente diferencia o embalsamento da
tanatopraxia levando em consideração que na tanatopraxia existe ausência de evisceração,
pois as vísceras são mantidas nas próprias cavidades.
No Brasil a técnica da tanatopraxia foi implantada no início do ano de 1994 e para
realizá-la o tanatopraxista deve passar por um treinamento através de cursos
75
. A tanatopraxia
oferecida pelo mercado fúnebre é conhecida como o silêncio da morte que traduz e reflete a
vida, ocultando todos os signos, objetivando preservar a imagem original da pessoa falecida,
que a realização da tanatopraxia tem o objetivo de manter uma aparência mais natural
possível do corpo fazendo com que o morto não pareça morto.
75
O Sindicato dos Empregados em Funerárias, Cemitérios e Conneres do Estado de Minas Gerais
(SINDINER), ofereceu, entre os dias vinte e cinco a trinta e um do mês de agosto de 2008 os cursos de
tanatopraxia, tanatopraxia avançada e restauração facial com o objetivo de capacitar o profissional funerário para
desempenhar a técnica da tanatopraxia com conhecimentos avançados de conservação e restauração facial do
cadáver humano. O curso consiste em módulos sobre tanatopraxia padrão (preparação de corpos humanos após a
morte, visando à preservação e a integridade dos tecidos corporais, retardando o processo biológico da
decomposição, atendendo as exigências legais e evitando constrangimento dos familiares em verio);
tantopraxia avançada (técnicas avançadas da tanatopraxia padrão para preparação de corpos em estágio de
decomposição) e restauração facial (preparação de corpos para velório e viagens, onde a aparência feia da morte
deve ser amenizada apresentando o corpo com uma imagem próxima a que ele tinha em vida). Com o valor de
um mil e oitocentos reais o curso foi divido em duas partes: a primeira parte discutiu teorias e foi ministrada no
auditório da funerária Pax de Minas, a segunda parte é prática e ministrada no Tanatos, um laboratório de
tanatopraxia na funerária Pax de Minas. O certificado do curso foi emitido pela Faculdade de Ciências Médicas
de Minas Gerais. No Estado de São Paulo cursos oferecidos pelo Departamento de Anatomia do Instituto de
Biociências da Universidade Estadual de São Paulo e organizado e patrocinado pelo Centro de Tecnologia em
Administração Funerária (CTAF), este curso tem embasamento teórico com informações sobre o sistema do
corpo humano, especialmente o sistema circulatório e embasamento prático, realizado durante três dias no
Serviço de Verificação de Óbitos da cidade de Campinas onde é possível desempenhar o procedimento em
diversos tipos de óbitos que possam aparecer, tais como: obesos, infarto agudo do miocárdio, trauma crânio
encefálico, insuficiência pulmonar aguda, caquexia oncológica, queimados, asfixia mecânica, enforcamento,
broncopneumonia, metástases, aneurismas ou outras causas mortis. No curso prático normalmente é realizada a
higienização corporal, a injeção em várias artérias (femoral, tronco braquiocefálico, carótida comum, subclávia,
braquial, aorta abdominal, ilíaca etc.), a massagem corporal, a aspiração das cavidades torácica e abdominal com
posterior colocação de líquido conservador, a aspiração nasal e os cuidados finais para a perfeita aplicação da
tanatopraxia. Ensina-se também a utilização dos vários produtos químicos que deverão ser utilizados nos
diversos tipos de falecimentos; a regulagem, diluição e conservação da bomba injetora; a ligação, manutenção e
finalidade da bomba aspiradora; e a utilização dos vários instrumentos cirúrgicos e sua preservação em estufa de
esterilização e secagem.
137
Os produtos e serviços diferenciados são ofertados de acordo com a demanda, estando,
portanto, relacionados à maneira como cada sociedade se relaciona com seus mortos e como
querem que seus mortos sejam sepultados e conduzidos ao outro mundo. A oferta e utilização
dos produtos e serviços passam pelo processo que compreende o antes, momento em que os
produtos e serviços são negociados e quais estratégias utilizadas para vender produtos não
procurados; o durante, que ocorre depois da aquisição de um produto e/ou serviço fúnebre e
compreende os serviços que o efetivamente realizados com o corpo morto; e o depois, que
diz respeito aos produtos e serviços que são oferecidos e consumidos após o sepultamento.
138
Antes
139
Não se vende bem o que não tem valor por ser demasiado familiar e comum,
nem o que provoca medo, horror ou sofrimento.
Para vender a morte é preciso torná-la atraente.
(Phillipe Ariès)
A morte se profissionalizou e isso fez com que a morte fosse percebida como um
evento, objeto de operações comerciais, como um fato econômico qualquer (THOMAS,
1978, p. 109-110). A percepção da morte como um negócio rentável fez com que Mitford
(2000) admitisse que a atuação dos profissionais fúnebres estivesse baseada na venda de uma
mercadoria. Questionando o desempenho dos funerais directors, a autora observou que:
Funeral people are always telling one another about the importance of ethics (not
just any old ethics but usually “the highest ethics”) sentiment, integrity, standards
(again, “the highest”), moral responsibility, frankness, cooperation, character. They
exhort one another to be sincere, friendly, dignified, prompt, courteous, calm,
pleasant, kindly, sympathetic, good listeners; to speak good English; not to be
crude; to join the Masons, the Knights of Columbus, the Chamber of Commerce,
the Boy Scouts, the PTA; to take part in the Community Chest drive; to be pleasant
and fair-dealing with employees and clients alike; not to cuss their competitors;
and, it goes without saying, so to conduct themselves that they will be above
scandal or slander. In short, they long to be worthy of high regard, to be liked and
understood, a most human longing.
Yet, just as one is beginning to think what dears they really are - for the prose is
hypnotic by reason of its very repetitiveness-one's eye is caught by this sort of
thing in Mortuary Management: “You must start treating a child's funeral, from the
time of death to the time of burial, as a golden opportunity for building good will
and preserving sentiment, without which we wouldn't have any industry at all.” Or
this in the National Funeral Service Journal: “Buying habits are influenced largely
by envy and environment. Don‟t ever overlook the importance of these two factors
in estimating the purchasing possibilities or potential of any family. …Envy is
essentially the same as pride. …It is the idea of keeping up with the Joneses.
…Sometimes it is only necessary to say, „…Here is a casket similar to the one the
Joneses selected‟ to insure a selection in a substantially profitable bracket”.
Merchants of a rather grubby order, preying on the grief, remorse, and guilt of
survivors, or trained professional men with high standards of ethical conduct?
(MITFORD, 2000, p. 154-155, grifos da autora).
Os produtos e os serviços fúnebres negociados pelos Grupos são classificados como
produtos não procurados:
são produtos de consumo que o consumidor não conhece ou conhece mas
normalmente o pensa em comprar. A maioria das inovações é proveniente de
produtos não procurados até que o consumidor se conscientize de sua existência por
meio da propaganda (...) por sua própria natureza, os produtos o procurados
exigem muita propaganda, venda pessoal e outros esforços do marketing (KOTLER
e ARMSTRONG, 2003, p. 208).
Por ser um produto não procurado, as empresas criam estratégias de vendas e podem
oferecer aos seus possíveis clientes alguns benefícios que são aliados aos seus produtos e
serviços, com isso passam uma ideia que não são apenas vendedoras de um produto, mas
140
fornecedoras de solões para as necessidades.
Os serviços funerários adquiridos antecipadamente são conhecidos como preened ou
preplanning funeral. Essa tendência surgiu nos Estados Unidos no final do século XX e em
1994, acredita-se que aproximadamente setecentos e sessenta mil norte-americanos
contrataram antecipadamente (preventivamente) seus serviços funerários (WHITTAKER,
2005, p. 05-06).
No Brasil os serviços de prevenção tiveram um rápido crescimento a partir da atuação
dos Grupos, o que significa o gerenciamento da morte, na medida em que é o próprio
indivíduo que assumitodos os encargos de seu funeral, escolhendo os tipos de serviços e
produtos mais adequados às suas necessidades financeiras, culturais e religiosas,
possibilitando uma maior comodidade para o momento em que vier a falecer, conforme
ressaltou um dos Diretores do Grupo Parque das Flores:
que a gente tenta colocar para ele [para o cliente], que nós hoje praticamos isso,
que apesar de ser o pior momento dele, ele tem que ser feito com dignidade e aquilo
é a última homenagem. Não é a toa que os fars quando morriam faziam
[homenagens]. As grandes homenagens das pessoas não são quando estão vivas, é
quando morre. Os grandes mausoléus são quando a pessoa morre, porque ele vai
deixar de existir. Hoje não existe mais mausoléu. (...) Então hoje a gente mostra a
sociedade que aquela última homenagem é fundamental. Não em gastar dinheiro,
tanto é que o plano, tanto faz ele, pode ser que ele compre antes, ele vai continuar
pagando aquilo. Que aquela última homenagem seja significativa para aquela
família, porque a pior coisa é a última imagem ser ruim.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008)
Para que a oferta de produtos e serviços faça parte da estrutura social e cultural, as
empresas do ramo funerário fazem uso dos mass media. Os meios de comunicação de massa
os mass media , compreendem os jornais, revistas, rádios, TV, internet, ou seja, todos os
meios que tenham como principal função a transmissão de informações para determinados
públicos, comunicando à sociedade os códigos cultuais que estão presentes nos bens de
consumo. Everardo Rocha (2000, p. 26) diz que a dia faz com que a produção possa ter
sentido e, portanto, possa ser consumida.
O trabalho de produção do valor do produto é realizado pela publicidade. É ela que
transfere o significado cultural dos bens, na medida em que funciona como um léxico de
significados cultuais correntes” (McCRACKEN, 2003, p. 109). Quando a transferência é
concluída, os bens passam a ter significados culturais e quando estes significados transportam
do mundo cultural para o bem de consumo, este bem figura com um significado cultural de
cuja carga estava previamente imaculado” (McCRACKEN, 2003, p. 108).
141
Os meios de comunicação de massa transformam produtos e serviços em
necessidades, desejos e utilidades, pois ao reproduzir no plano interno (no mundo dentro do
anúncio, por exemplo) a vida social, permite a definição pública de produtos e serviços como
necessidades, sua explicação como modos de uso, e a confecção de desejos como
classificações sociais(DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 17). Portanto, a utilização dos
meios de comunicação de massa pelas empresas do ramo funerário também permite o acesso
ao consumo, contribuindo para que os produtos e serviços sejam consumidos.
4.1. Executivos de vendas e/ou consumidores fúnebres
A prevenção é oferecida aos consumidores fúnebres através da abordagem orientada
para o cliente, ou seja, através da venda pessoal. A venda pessoal é um processo de
comunicação interativo que permite a flexibilização das mensagens do vendedor de acordo
com as necessidades, desejos, crenças e valores dos clientes ou consumidores(DIAS, 2005,
p. 10). A venda pessoal é realizada pelos vendedores, também conhecidos como Executivos
de Vendas, contratados pelas empresas. Os vendedores vão servir tanto a empresa quanto ao
comprador, já que eles representam a empresa junto aos clientes e representam os clientes
junto à empresa, e:
À medida que as empresas adotam uma abordagem mais forte de orientação do
mercado, suas forças de vendas tornam-se cada vez mais focadas no mercado e
mais orientadas ao cliente. Segundo a antiga visão, os vendedores deveriam se
preocupar com as vendas, e a empresa, com os lucros. a visão corrente sustenta
que eles não devem se limitar apenas a produzir vendas devem também saber
como produzir satisfação para o cliente e lucro para a empresa. Além de ganhar
novos clientes e fazer vendas, devem estar habilitados a auxiliar a empresa a criar
relacionamentos duradouros e lucrativos com os clientes (KOTLER e
ARMSTRONG, 2003, p. 416).
O Grupo Parque das Flores adota várias maneiras para realizar a venda pessoal de seus
produtos e serviços funerários. Como o Grupo Parque das Flores oferece jazigos e dois tipos
de planos assistenciais funerários, possui uma equipe composta por vários Executivos de
Vendas: os que oferecem o plano assistencial funerário PréVida e os que oferecem jazigos no
142
cemitério Parque das Flores e o plano assistencial Previparq das Flores
76
. Esses últimos
realizam suas atividades nas dependências do cemitério, onde existe um local apropriado para
atendimento dos clientes e para o desenvolvimento de suas funções.
A equipe de Executivos de Vendas dos jazigos e do plano Previparq das Flores era
composta nos anos de 2006 a 2008 (períodos de realização da pesquisa) por dez vendedores,
além de um Supervisor de Vendas e de uma Gerente de Vendas. Os vendedores m que
vender uma meta de oito jazigos mensalmente e recebem uma comissão, por cada venda, de
três por cento do valor total do jazigo. No caso de venda de plano assistencial funeral
Previparq das Flores, a comissão recebida pelo vendedor compreende o valor total da primeira
parcela do tipo de plano que foi adquirido pelo cliente.
Para se tornar um vendedor não é necessário obter formação acadêmica específica,
qualquer pessoa pode ser tornar um Executivo de Vendas, desde que esteja seja aprovado nas
etapas classificatórias realizadas pela empresa.
Uma das primeiras Executivas de Vendas de jazigos do cemitério Parque das Flores e
do plano assistencial funerário Previparq das Flores explica que no início do mês de maio de
2002 passou por uma seleção com mais vinte mulheres para vender o Previparq das Flores,
das vinte, apenas seis foram selecionadas, mas o produto foi cancelado pela empresa
77
. Então
essas vendedoras foram reaproveitadas para trabalhar num escritório oferecendo jazigos aos
possíveis clientes através de contato telefônico. No final do mês de agosto de 2006 apenas três
das seis selecionadas foram trabalhar como Executivas de Vendas no escritório localizado nas
depenncias do cemitério Parque das Flores. A Executiva lembra a dificuldade em realizar o
telemarketing já que não houve nenhum treinamento à época:
No início nós fazíamos telemarketing de jazigos, para vender o terreno. A gente
ligava para o cliente e fazia um trabalho de telemarketing mesmo, no cru”, que a
gente realmente não tinha nem estrutura pra fazer, aparelho [telefone], era um
aparelho ou era três para dividir. Então nós fizemos um horário, dividimos de três e
três pessoas, três de manhã e três a tarde até a noite para fazer esse trabalho. E a
busca da gente era realmente pela Editel [lista telefônica]. Hoje a gente vai buscar,
tem cd-rom, vai diretamente no sistema da Telemar [lista telefônica via internet].
Tudo isso não tinha lá, a gente tinha que ir buscar na Editel.
Já existia algumas pessoas aqui no cemitério que faziam esse serviço. Os corretores
[vendedores] daqui do [cemitério] Parque [das Flores] já faziam, mas não um
trabalho assim como a gente começou a fazer [numa sala que foi alugada pela
empresa para realizar o telemarketing], porque lá a gente ligava direto e aqui ([o
76
A história da atuação do Grupo Parque das Flores e os tipos de produtos e serviços oferecidos foram
abordados no capítulo 3.2., intitulado: “A Empresariação do Morto no Brasil”.
77
A proposta de implantação do plano assistencial funerário pelo Grupo Parque das Flores foi associada ao plano
assistencial familiar, onde o associado do plano recebia descontos em especialidades médicas, medicamentos. A
vinculação do plano funeral com plano assistencial familiar não conseguiu obter sucesso e a empresa teve que
atrasar a implantação do produto.
143
cemitério Parque das Flores] não, eles não tinham estrutura ainda, ainda não tinha
essa estrutura para um telemarketing aqui também. Então a gente dividiu, ficava
três de manhã e três a tarde. Aí a gente foi conseguindo, a gente fazia o
telemarketing, agendava, mostrava o produto para o cliente. Aquele cliente que nós
conseguíamos agendar, a gente já agendava com data, com tudo marcado só para ir
na casa do cliente. A gente não fazia atendimento ao cliente [numa sala que foi
alugada pela empresa para realizar o telemarketing]. A gente passava para o
supervisor que com os corretores [vendedores] daqui [do cemitério Parque das
Flores], que vendiam, ia [na residência ou no local do trabalho do cliente] fechar
[concretizar a venda]. A gente só fazia a parte de telemarketing.
(Entrevista com Rosa, realizada em 27 de abril de 2008)
Outra Executiva de Vendas (uma das três selecionadas para trabalhar como Executivas
de Vendas no cemitério Parque das Flores) também revela a dificuldade que teve em oferecer
produtos (jazigos) para os possíveis clientes:
Como é que foi a sua primeira experiência. Como é que você iniciou com
vendedora?
Eu trabalhava na outra empresa, fazia parte do escritório, aí depois fui transferida
para vir aqui por [cemirio] Parque [das Flores]. Eu vim com medo, porque é
uma coisa e aqui você tem que enfrentar, o dia a dia. Eu vim com medo.
Lá (no escritório) você não trabalhava com o produto não?
Não. Lá era mais ou menos parecido com este daqui. Este telemarketing que a gente
faz aqui a gente fazia lá, que a gente não vinha no parque, não tinha acesso de
ficar com o cliente aqui direto na empresa certo? E também outra coisa, a gente
ligava e o cliente vinha para cá, é diferente, que aqui a gente liga, vai até o
cliente e também o cliente aqui vem no [cemitério] Parque [das Flores]. É diferente
né, a gente não tava aqui direto no cemitério, entendendo? Aí assim quando eu
vim, eu me assustei, eu disse: “Meu Deus!” E eu sofri muito, chorei muito viu, até
eu me acostumar. E outra coisa, quando morria um cliente meu doía tanto dentro de
mim, eu chorava, na frente deles o né, mas por trás eu chorava, de noite eu me
desmanchava todinha. Hoje a gente vai se acostumando com a realidade, até porque
eu encaro como missões, tem que ter um alguém, se não sou eu tem que ter um
outro, Então além da nossa necessidade primeiramente, segundo essa missão que a
gente tem a cumprir, porque para trabalhar com esse produto tem que ser, ser bem
paciente, maleável a gente, é como se a gente tivesse um pouco de sei lá, eu acho
que a gente tem alguma coisa para dar pra ele [para o cliente], para conformar,
porque o é fácil, quem quer perder o seu ente querido não é? Ninguém quer
perder.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
Em junho do ano de 2006, uma Executiva de Vendas foi selecionada para trabalhar na
área de vendas da empresa. Essa Executiva soube da existência da vaga através de uma
indicação, entretanto pensava que fosse realizar serviços de administrativos na empresa.
Deixou a documentação (currículo) no cemitério Parque das Flores e foi selecionada, somente
após a realização de uma entrevista é foi informada que a vaga existente era para o
departamento de vendas, aceitou e iniciou um treinamento de dois dias que objetivava
percorrer e conhecer alguns cemitérios blicos da cidade. Durante o treinamento pensou em
desistir já que não tinha experiência em vendas de produtos não procurados e sim em vendas
144
de lazer, porém refletiu: Eu não vou [desistir]. Eu não vou passar por isso. Eu não cheguei
até aqui profissionalmente para isso [desistir]:
Eu vendia passagens de ônibus, vendia férias, vendia passeios, ai de repente você
sai de um lugar que você fica falando que tal praia é linda. Vendia lazer, é muito
bom, vai em tal barzinho. Porque eu vendia passagens de ônibus e a gente tinha um
roteiro dos lugares, a gente vendia para muitos turistas. Eu trabalhei dez anos
vendendo passagens de ônibus. Eu vendia para Natal, pra São Paulo, pra Rio, pra
Feira de Santana, pra Ilhéus, para vários lugares. Ai a gente como trabalhava na
empresa, uma vez no mês, ou no ano mesmo, ou nas rias, a empresa fornecia pra
gente o trecho que era para a gente fazer para então poder indicar, e eu aproveitava
que eu gosto de viajar e todas as minhas folgas eu dava uma escapulidinha. [...]
Uma coisa é você vender uma diversão, outra coisa é você trabalhar com um
produto ligado a uma perda como a morte.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008).
Logo, surgiram as primeiras dificuldades em oferecer o produto aos clientes:
Como foi a sua primeira experiência como vendedora?
Desastrosa, horrível [risos]. Tudo de ruim que você possa imaginar, não por ser
cemitério, mas quando você ia abordar o assunto, o produto. Porque uma coisa é
você vender algo que você está pegando, que vo está vendo, principalmente a
gente que é mulher, que tem uma vaidade, você vai vender uma coisa assim que
você já usou, um perfume, aí você pega, você diz: “Fica lindo essa cor, esse cheiro,
combina”. Agora é vender um produto que você não tava pegando, nem vendo,
além de ser uma coisa de difícil aceitação que assuntos que é ligado a morte eu
acho que ele é muito difícil. A morte quando você diz que chega preparado,
ninguém quer. no começo eu achei que não ia dar certo, ia desistir, queria
desistir, aí [outras pessoas diziam] “Não. É assim mesmoEu ligava para as casas
das pessoas, as pessoas achavam que eu estava brincando, que era uma pegadinha,
achava que era alguma amiga passando um trote. As vezes quando eu falava que
era do Campo [cemitério], do [cemitério] Parque [das Flores]: “Aqui é Parque das
Flores”, tinha gente que pensava que era um clube de recreação, porque tem o
Ecoparque [parque aquático] aqui. [os clientes respondiam]: “E aí, a gente pode
visitar, pode levar quantas pessoas?”. no desenrolar da conversa você percebia
que a pessoa não estava ligando, aí quando você dizia que era um cemitério
particular [respondiam]: “Oxente! Cemitério?”, aí [respondiam] “Tá doida!”,
essas coisas assim. Depois, com o tempo fui adequando as palavras, ouvindo os
colegas trabalhando que tinha mais tempo e fui começando a criar um
vocabulário para lidar com isso até chegar ao nível que estou hoje.
[...]
Eu tinha um acanhamento em vender esse produto, não que eu não aceitasse porque
eu sempre achei que era importante ter, agora eu não me via vendendo esse
produto, eu não me via vendendo, até porque, hoje mesmo, essa semana eu dei um
pulinho pra fazer uma panfletagem na empresa que eu trabalhei antes, aí todo
mundo: “Vo está trabalhando num cemitério?”. Vo esentendendo? Era esse
medo que eu tinha de poxa eu não arranjei nada, vim arranjar num cemitério, essa
ideia negativa que vo tinha. É como eu falei para você, que no cemitério
também tem toda uma estrutura de contas a pagar, contas a receber, eu achava que
eu vinha trabalhar em algo ligado a isso, no trabalho interno e não na venda de área
[jazigo]. Isso aí eu tive que fazer um trabalho comigo mesmo de aceitação de saber
como chegar até o cliente de conversar sobre isso.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Após as primeiras experiências, os vendedores vão desenvolvendo estratégias de
aceitação do produto e de abordagem aos clientes. Entretanto para que isso seja possível
145
dois princípios básicos. O primeiro é tratar a morte como um evento natural que ocorre com
todos:
Antigamente antes de eu trabalhar aqui no [cemitério] Parque [das Flores] eu tinha
muito medo da morte, eu era um tipo de pessoa que eu passava em frente a uma
casa funerária eu virava o rosto. Eu entrava dentro de um cemitério quando eu ia
para algum sepultamento eu chegava em casa e ficava o tempo todo pensando
naquela pessoa e morrendo de medo de morrer. Eu começava a dizer: “Meu Deus!
Quando será eu?”. Ficava com aquela preocupação. Hoje eu encaro a morte como
uma coisa natural. Um dia todos nós vamos então porque temer. Deus é quem sabe
o dia que eu vou partir. Hoje eu o tenho mais medo, claro que eu quero é viver,
se eu vivo, ainda estou nesta terra é porque eu tenho missões a cumprir nela, não
tenho mais medo da morte.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
O trabalho dos Executivos de Vendas vai sendo percebido como uma missão que é
expressa no discurso messiânico. O segundo princípio adotado pelos vendedores é o se
envolver diretamente com a morte dos clientes. Porém, quando o morto é alguém conhecido
dos vendedores ou mesmo pessoas públicas, a morte passa a ser tema recorrente no cotidiano
do cemitério e nos discursos dos funcionários, até porque quando ocorre um desses eventos a
rotina do cemitério é abalada. O falecimento de algum parente dos vendedores, de um
funcionário, de pessoas públicas ou mesmo sepultamentos trágicos de grande comoção
pública, trazem para os funcionários a lembrança da morte que tanto se pretende evitar, isso
porque a morte do outro traz a sensação e a lembrança da morte de si, conforme observou
Rodrigues (2006b, p. 82) a morte do outro é o anúncio e a prefiguração da morte de „si‟,
ameaça da morte do „nós‟”.
Quando se trata do falecimento de um familiar de algum dos Executivos de Vendas, os
vendedores deixam de se tornar vendedores e se colocam na posição de consumidores, foi o
que aconteceu quando do falecimento do sobrinho de uma das Executivas de Vendas, um
rapaz de dezessete anos que foi assassinado com ts tiros.
Após ser baleado, o sobrinho da vendedora foi levado para o pronto socorro e
submeteu-se a uma cirurgia, foi nesse momento a vendedora (tia do morto) soube do ocorrido
e se dirigiu ao pronto socorro, chegando lá uma assistente social informou que o seu sobrinho
o resistiu aos ferimentos e faleceu. Do pronto socorro, o corpo do morto foi transferido para
o Instituto Médico Legal (IML) para realização do procedimento de necropsia. No dia
seguinte, quando o corpo foi liberado do IML, a equipe de agentes fúnebres da Funerária São
Matheus do Grupo Parque das Flores realizou o transporte do cadáver para o cemitério Parque
das Flores, o corpo do sobrinho da vendedora chegou ao cemitério às onze horas e foi
colocado em uma das capelas. Neste momento os agentes fúnebres realizaram alguns
procedimentos de higienização do morto e ornamentação do caixão. Em seguida teve início o
146
velório que foi acompanhado por um pastor e por cânticos evangélicos. Por se tratar de uma
morte trágica houve muita comoção durante o velório e o sepultamento, manifestada por
choros e desmaios de alguns familiares. O sepultamento que estava previsto para ocorrer às
treze horas, só ocorreu às dezesseis horas e trinta minutos.
Esse caso atípico altera a rotina dos Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores
e o cotidiano do cemitério. No decorrer do velório, vários funcionários da empresa
(Jardineiros, Executivos de Vendas, Gerente de Vendas, Supervisor de Vendas, Assistente
Social, Diretora e outros) cumprimentavam e se solidarizavam com a família enlutada.
Durante esse evento, os funcionários se transformaram em “pessoas” e até em enlutados,
chorando, se emocionando e se solidarizando com a família do morto, sobretudo com a
Executiva de Vendas, tia do morto.
Dias depois a Executiva de Vendas revelou alguns aspectos que marcaram sua
passagem de vendedora que oferta produtos e serviços fúnebres para consumidora que
utilizou os produtos e serviços:
Vousou a sua área, como é que foi? Como é que você encarou, porque você
vende, mas naquele momento você usou?
Foi horrível, me chocou muito, mas até o momento quando eu estava resolvendo
tudo não parecia que era eu. Deus deu uma força maior, você tava aqui no dia você
presenciou, foi tudo eu quem resolvi. Eu que tive que ir para pronto socorro
reconhecer corpo, vê ele naquele estado lá todo baleado, todo furado ainda, melado
de sangue e depois ainda tive que encarar no IML, tive que entrar para reconhecer
também o corpo dele, já no IML algumas partes costuradas mas vi tudo, nem
parecia que aquilo ali era o meu sobrinho. Eu encarei. Eu não sei, Deus é quem me
deu uma força, só depois que eu cheguei já aqui no [cemitério] Parque [das Flores]
foi que eu comecei a ver que era eu assim, essa que sou hoje. Sofri um bocado
mais Deus ele vai dando forças, confortando, ele vai dando o conforto, hoje eu
estou normal. Dá falta? Dá, mas já estou mais ou menos conformada com a
situação, fazer o quê?
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008).
4.2. Produtos não procurados
O que os Executivos de Venda oferecem aos possíveis clientes o jazigos e plano
assistencial funerário (este último assegura toda assistência funeral, tais como: cobertura de
147
taxa de capela e abertura de jazigo, higienização do corpo, caixão, etc.
78
):
Dos produtos e serviços que vocês vendem existem os jazigos e mais o quê?
Tem o jazigo. O serviço que a gente fala, a gente vende o jazigo. O serviço? Qual
seria o serviço? Tanto o serviço de funeral, como o serviço de taxas, que também é
uma coisa que o cliente paga. Ele comprou o jazigo, mas quando ele vai precisar
desse jazigo, ele precisa pagar as taxas. Então assim, tem as capelas, que eu
acredito que é uma das coisas mais importantes que um cemitério tem que ter,
porque a gente tem visto por aí, em cemitério público, eu já fui para alguns velórios
em cemitério público que as vezes ficam duas pessoas na mesma capela, porque se
existe uma, ficam duas famílias, as vezes um [óbito] foi morte natural o outro
[óbito] foi assassinado. Então quando é uma morte natural a gente vê que o
comportamento da pessoa que foi uma morte natural é diferente do comportamento
da família de uma pessoa assassinada. É totalmente diferente.
E os serviços de funeral que vocês oferecem é o serviço de taxas. As taxas são o
que?
Taxas seria o quê? As capelas que o cliente paga para deixar o corpo ali velando.
Tem as placas com identificação que a gente chama lápides e tem a taxa de
sepultamento. São essas taxas que o Parque [plano Previparq das Flores] cobre na
hora de um funeral.
E quais são os serviços de funeral?
É a parte de urnas, caixão que é o nome popular que muita gente o conhece por
urna. São as flores que eles dão, outro serviço do funeral é a higienização, as vestes.
Isso é muito importante, tudo isso o cliente olha.
E como é que é feito os serviços de funeral?
Os serviços de funeral como nós temos aqui o [plano assistencial funerário]
Previparq das Flores que é um plano que vai dar toda assistência nessa área de
funeral. Como a gente tem uma funerária, porque se o cliente não tem esse plano a
gente indica essa funerária. Porque a gente indica a funerária? Porque além dela ser
do Grupo [Grupo Parque das Flores] é uma funerária que faz o melhor serviço
dentro do Estado de Alagoas. Foi ela que realmente revolucionou a parte de funeral,
ela toda assistência. O tratamento que eles dão para o cliente é um tratamento
assim. Eu já vi, eu também já passei, tive esse tratamento e é um tratamento que
realmente eles o atenção para o cliente eles vão servir o cliente na hora que ele
está mais fragilizado, que é disso que a gente precisa. Infelizmente aqui no Estado,
não sei se hoje acontece mais, mas acontecia, tinha até brigas por causa de algumas
funerárias, tinha briga, eles brigavam na hora ali, a família ali fragilizada, perdeu
um parente, um ente querido e as pessoas brigando. É constrangedor. Então o
Parque das Flores com o Grupo Parque, como ele tem esse serviço, então ele
realmente está acabando com isso. Então além do serviço que o [Grupo] Parque
oferece para o cliente, o cliente que passou por isso [pela morte de um familiar
ou amigo], ele realmente vai buscar um plano funeral que é para ele não se
constranger mais da próxima vez que ele venha precisar usar novamente.
(Entrevista com Rosa, realizada em 27 de abril de 2008)
Ao agendar uma visita aos seus futuros clientes, os Executivos de Vendas procuram
demonstrar os produtos através de folders e tabelas de valores, de disponibilidade e de
localização dos jazigos, e de catálogo com modelos de urnas fúnebres. É a morte se
transformando num catálogo, consequência da comercialização da morte, conforme observou
Rodrigues (2006b, p. 179-180):
Outra conseqüência dessa comercialização da morte: a lógica do sistema impõe a
produção em série. A criatividade tradicional desaparece, a morte se transforma em
78
Os benefícios dos planos assistenciais funerários foram abordados no capítulo 3.2., intitulado “A
Empresariação do Morto no Brasil”.
148
catálogo. Os catálogos contêm tudo: modelos de sepulturas, de caixões, de
epitáfios, de alças de metal, de cerimônias fúnebres, de coroas de flores, de
anúncios fúnebres tudo preparado, em conserva (ou congelado), pronto para
ser consumido. Todos os produtos têm nomes que os identificam, como as marcas
dos automóveis.
Fotografia 44: Modelo de caixão do Plano
Previparq das Flores, tipo Plano Diamante.
Fotografia 45: Modelo de caixão do Plano
Previparq das Flores, tipo Plano Esmeralda.
Fotografia 46: Modelo de caixão do Plano Previparq das Flores, tipo Plano Rubi.
No ramo fúnebre os produtos e serviços são considerados como não procurados, ou
seja, em produtos de consumo que o consumidor não conhece ou conhece mas normalmente
o pensa em comprar (KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 208). Esses produtos o
considerados pelos Executivos de Vendas do setor fúnebre como delicados”, o que faz com
que a não aceitação, o pouco interesse ou até mesmo o interesse negativo por parte dos
clientes seja inevivel, ao ponto de existirem situações de repulsas ao produto quando da
abordagem pelo telemarketing:
Existem pessoas que dizem: “Minha filha, pare de ligar para mim, eu o quero,
você esme agourando, ligue para isso, ligue para aquilo”. É, a gente encontra de
tudo.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008)
Teve um que disse assim para mim, teve um que disse: Você tem buraco ?” Eu
disse: “Tenho”, [o cliente respondeu] “Quando eu quiser eu vou me enterrar no seu
buraquinho”. Foi. [o cliente respondeu] “Quando eu quiser, eu me enterro no seu”.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Ocorre, muitas vezes, que um tabu em relação à aquisição desses produtos ou
149
serviços, os possíveis consumidores acreditam que adquiri-lo representa um agouro, um
prenúncio da morte. E, caso adquiram, a morte ficará bem mais próxima:
Tem pessoas que na hora de dar os nomes dos dependentes para botar no plano
funeral, quando vai dar o nome dos filhos diz: “Ave Maria! Ave Maria! Ave
Maria! Meu Deus do céu! Eu não quero nem pensar numa coisa dessas”.
[pergunta] “Diga o nome?”, [o cliente responde] “Meu Deus eu não quero nem
botar esse nome. Não, não, não, não, não, pelo amor de Deus, meu filho, meu filho
é muito novo. Aí reluta meia hora para poder dizer o nome para botar no plano
funeral. O plano funeral é uma venda mais delicada do que a área, porque tem
pessoas que compra a área e deixa para e o plano funeral, o plano funeral
geralmente as pessoas compram quando já tem alguém velhinho na família,
pensando naquele velhinho e muitas vezes quem usa é até uma pessoa mais jovem.
o plano funeral as pessoas tem medo de dar o nome, tá entendendo? É um
produto mais delicado porque [o cliente diz] “Eu estou comprando o meu caixão, o
meu caixão. Meu Deus do céu!”.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Entretanto esses clientes que a princípio não aceitam a ideia de possuir um produto ou
serviço funerário são considerados um futuro consumidor para os vendedores do ramo
fúnebre:
Existe dificuldade de aceitação por parte dos clientes?
Existe no telemarketing situações em que os clientes dizem tomar naquele
canto...”. É. [dizem] “Olhe não ligue o mais sua puta, sua isso, sua aquilo”.
Existe. [risos]. A gente responde “Tá bom. Desculpe!”
E o que é que vocês fazem?
Desligar o telefone na cara também não pode, porque a gente não pode ir muito por
esse lado, porque a gente nunca diz: “Esse cliente não quer, vou jogar ele pra lá”. A
gente diz: “Esse cliente não quer no momento, mas em janeiro, fevereiro eu vou
tentar de novo falar com ele”. Pode ser que ele estava com algum problema, alguma
coisa o fez rejeitar o produto dessa forma, mas daí a gente não descarta ele não, ele
ainda fica na nossa mira.
Ate esses tipos de clientes vocês não descartam?
É. A gente trabalha em formas de relatório, a gente tem um agendamento aonde a
gente vai agendando os clientes tudo direitinho, mais para a frente, no mês de
janeiro mesmo eu já tenho vários.
Então se você ligar hoje e não consegue fazer o telemarketing, então vocês
trabalham com o seguinte pensamento Daqui a três meses eu vou ligar de
novo”, certo?
É. eu tenho que agendar para, vamos dizer, daqui a três meses. Em fevereiro,
por exemplo, na minha agenda nova de fevereiro eu passo esse cliente que
eu falei hoje para fevereiro, que é para não existir o esquecimento, porque daí eu
me perco, porque são muitas ligações que a gente faz. Olhe em janeiro quantos
não tem [mostra a tabela com os números de telefone dos clientes e as ligações
para serem realizadas no mês]. Isso é tudo que eu tenho que ligar em janeiro, todos
estão pedindo para janeiro. Olhe, está entendendo? Então a gente tem que ter um
controle para a gente poder ir. O cliente diz: “Ah! Ligue no final do mês”, “Ligue
quando a promoção estiver próxima”, aí a gente já marca a data.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008)
As vendas de produtos e serviços fúnebres se baseiam em pelo menos três tipos. Uma
delas se consolida através da procura pelo próprio cliente, embora este tipo de situação
raramente ocorra se baseia no interesse do consumidor em buscar informações sobre os
produtos e serviços oferecidos pela empresa. Nesse tipo de venda, o provável cliente liga para
150
uma central telefônica e solicita de algum vendedor, informações para, eventualmente,
realizar a aquisição, a Gerente de Vendas sorteia um vendedor para prestar informações e,
realizar a venda. Caso esta seja efetivada, uma porcentagem da comissão é creditada à
telefonista do escririo central e a outra parte é creditada ao vendedor sorteado.
também entre a equipe de vendedores do Grupo Parque das Flores o vendedor
plantonista. A cada dia da semana um dos Executivos de Vendas fica de plantão no cemitério
Parque das Flores para atender os clientes que vão até o local em busca de informações ou
para atender aqueles que buscam informações através do contato telefônico diretamente com
o cemitério Parque das Flores. O plantonista agenda um encontro com o cliente (na
residência, no local de trabalho ou no cemitério) para a assinatura do contrato de adesão dos
produtos e serviços que foram adquiridos. Caso a venda seja efetivada a comissão é creditada
ao vendedor.
O segundo tipo de venda pessoal é a venda direta, que consiste na venda em que os
vendedores entram em contato direto com o consumidor, apresentando produtos ou serviços
porta a porta, nas residências e nos locais de trabalho(KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p.
153). A abordagem realizada pela venda direta é considerada como uma abordagem corpo a
corpo, realizada em empresas ou mesmo abordando possíveis clientes em quaisquer locais,
conforme relato da Executiva de Vendas:
Olhe só, a gente procura, vamos dizer, a gente corre atrás de tudo, tudo onde exista
a possibilidade da gente conseguir contato, a gente corre atrás, a gente procura
associações para fazermos, tipo assim, parcerias no sentido de que eles nos
forneçam a listagem dos funcionários. Nós apresentamos o produto e daí eles
analisam e nos fornecem a relação dos funcionários da empresa. Nós trabalhamos
também no sentido, vamos dizer, eu realizo uma venda numa rua, eu realizo uma
venda ali e eu sei que é uma venda onde as pessoas que moram, que residem ali,
ganham bem. O nível das pessoas se encaixa no padrão do Parque das Flores. Não
que existe classes sociais, a gente o discrimina nenhuma classe social, mas pelo
nível do cemitério, o nível do parcelamento, do produto, então a gente não pode
dizer que não é qualquer pessoa que possa adquirir o Parque das Flores. Então a
gente pede que se tire pelo computador a listagem daquela rua, daí a gente começa
a trabalhar, fazendo trabalho naquela rua.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008)
O terceiro tipo de venda pessoal consiste no telemarketing. Atualmente o
telemarketing se tornou a principal ferramenta de comunicação das vendas diretas e é
definido como o uso do telefone para desempenho das atividades do marketing (KOTLER e
ARMSTRONG, 2003, p. 447). O marketing por telefone é realizado de dentro para fora com
a finalidade de vender produtos e serviços diretamente para os consumidores.
A equipe de Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores utiliza o
telemarketing ativo que consiste na mídia propriamente dita, pois é por meio dele que a
151
mensagem da empresa flui para o cliente potencial ou atual” (DIAS, 2005, p. 415). A
aplicação do telemarketing ativo consiste na pré-venda, na venda e na s-venda, garantindo
a satisfação do cliente. Uma das Executivas de Vendas relatou que o telemarketing foi
implantado na empresa com a finalidade de divulgar e vender os produtos e serviços
fúnebres. No início do telemarketing a empresa alugou um espaço e contratou funciorios,
quando esses profissionais conseguiam agendar uma visita aos clientes para informá-los
sobre os produtos e serviços, repassavam as informações dos clientes para os vendedores que
à época (início do ano de 2002) ficavam instalados no cemitério Parque das Flores.
Anos depois os próprios Executivos de Vendas passaram a realizar também o
telemarketing nas depenncias do cemitério Parque das Flores. Atualmente o telemarketing
é realizado de duas formas: através de uma abordagem insistente em alguns bairros, quando
os Executivos entram em contato com os moradores do bairro; e/ou através da listagem de
possíveis clientes adquiridas em repartições públicas ou empresas, conforme relato da
Executiva de Vendas:
Essa listagem eu faço assim, vamos supor, eu atendo alguém no bairro que eu vou
entregar um contrato, vejo que o bairro é um bairro bom, umas casas boas, eu
vejo que ali tem um campo, quando eu chego eu digo para ela [a gerente de
vendas] pegar esse bairro aqui para mim, essa rua, então ela puxa [através do
sistema da Telemar na internet] aquela rua ali, é uma listagem onde eu vou ficar
ligando para aquelas pessoas, outras [listagens de possíveis clientes] vem [são
adquiridas] de repartições públicas, outras [listagem de possíveis clientes] de
pessoas de amigos meus que trabalham em alguns órgãos eu [pergunto]: “Dá
para descolar uma lista de funcionários, de pessoas que eu possa fazer um
telemarketingoutras [listagem de possíveis clientes] é de clientes que eu atendo
que eu vejo que é um cliente que tem um relacionamento na empresa dele eu
pergunto se ele pode abrir as portas para que eu possa fazer um trabalho dentro.
Assim você vai formando a sua clientela dessa forma, foi assim que eu fui
formando a minha clientela, meu marido trabalhou uma época como supervisor de
vendas de uma empresa que trabalhava com condomínio daqui e como ele
trabalhava com condomínio e tinha bom relacionamento com o síndico eu dizia:
se tu consegue com esse síndico uma relação para mim fazer um trabalho nesse
prédio, se tu consegue com esse síndico para mim botar um stand aqui, se tu
consegue o menino para ele botar umas tabelinhas minhas na corresponncia”.
Então são ideias que você vai tendo, a partir daí a coisa vai desenrolando e como eu
falei para você todo esse trabalho, todo esse resultado que eu tive esse mês foi tudo
disso, de listagem que eu peguei, de pessoas que eu fui atender que eu disse: “Não
tem como abrir não para mim ir amanhã no seu trabalho levar uma tabela para suas
amigas?”. Eu acho que quase todo mundo aqui faz isso.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Outra estratégia utilizada pelo Grupo Parque das Flores para atrair os clientes,
viabilizar as vendas, fixar os produtos e serviços e colocá-los sempre em evidência, são as
promoções de vendas. As promoções de vendaso incentivos de curto prazo para estimular a
compra ou a venda de um produto ou serviço. Ela oferece incentivos para o cliente comprar
imediatamente (KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 400). Dias (2005, p. 348) diz que o
152
papel da promoção de vendas está implícito em seu próprio nome: é uma técnica utilizada
pelas empresas para promover e aquecer as vendas.
Dentre as principais ferramentas de promoção de vendas (amostras, cupons, pacotes
promocionais, reembolsos em dinheiro, brindes, recompensa de fidelidade, demonstrações,
concursos, sorteios e jogos), o Grupo Parque das Flores oferece aos seus prováveis clientes os
pacotes ou descontos promocionais sobre os preços normais de seus produtos e serviços.
Entre os meses de agosto a setembro do ano de 2006 o cliente que adquirisse um jazigo ficaria
isento do pagamento das taxas de gavetas (no valor de quinhentos e oitenta reais) quando
viesse a utilizar o jazigo
79
. Ao término do tempo dessa promoção, se iniciou outra que
compreendia a isenção da taxa de manutenção dos jazigos (no valor de duzentos e cinco reais)
durante três anos (até o ano de 2010) para quem adquirisse jazigo no cemitério Parque das
Flores durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2006.
No mês de janeiro de 2007 ocorreu outra promoção de vendas no cemitério Parque das
Flores que compreendia um desconto para o cliente que adquirisse um jazigo na área A do
cemitério. Pela tabela de aquisição de jazigos do Campo Santo Parque das Flores, o valor de
um jazigo na área A adquirido imediatamente é de sete mil e quinhentos reais, caso o
mesmo jazigo seja adquirido antecipadamente o valor a vista é de seis mil duzentos e oitenta e
três reais, mas durante o período da promoção de vendas, o mesmo jazigo poderia ser
adquirido no valor de dois mil e quinhentos reais, caso o pagamento fosse realizado imediato
(a vista) ou por dois mil e oitocentos reais em oito parcelas mensais no valor de trezentos e
cinquenta reais
80
. Entretanto no dia 12 de janeiro de 2007 foi publicado um Decreto Estadual
3.555 que dispôs sobre a suspensão da eficácia de leis concessivas de aumento de
servidores públicos do Estado de Alagoas, suspendendo os reajustes e gratificações nos
salários dos servidores blicos estaduais; esta situação resultou numa greve geral dos
servidores públicos estadual, afetando diretamente a economia do Estado. Com esse cenário, o
Grupo Parque das Flores resolveu estender a promão até o final do mês de maio.
79
Para fazer uso dos jazigos no cemitério Parque das Flores, além do valor do jazigo, os clientes pagam uma
taxa única quando for necessário fazer uso da área. Essa taxa, conhecida como taxa de gaveta, compreende a
confecção do jazigo com placas de concreto armado. Além da taxa de gaveta, existe também a taxa de
manutenção que é paga anualmente. A discussão sobre as taxas de utilização e preservação dos jazigos foi
realizada no capítulo 3.2., intitulado: A Empresariação do Morto no Brasil”.
80
Os valores de aquisição de jazigos no cemitério Parque das Flores foram apresentados no capítulo 3.2.,
intitulado: “Empresariação do Morto no Brasil”.
153
4.3. Estratégias de vendas: “se não compra no amor, compra na dor”
Como os produtos e serviços fúnebres são considerados como delicados, os
Executivos de Venda utilizam várias estratégias para apresentá-lo e vendê-los. Uma dessas
estratégias é realizada quando da abordagem ao cliente e corresponde às palavras e formas de
aproximação. Muitas vezes os vendedores usam a lógica da ocultação, suprimindo algumas
palavras ou mesmo evitando alguns termos a morte e o morrer o trocados por “ela” ou
por “isso”, por exemplo
81
. Mas o tema da morte e do morrer não desaparece por completo do
vocabulário dos Executivos de Vendas, pois se assim o fosse, os vendedores perderiam parte
de suas funções. Então o que ocorre é que o vocabulário nebre é comumente substituído
por outras palavras e terminologias.
A abordagem é uma das etapas do processo de venda pessoal que o vendedor precisa
dominar com o objetivo de conquistar novos clientes, “durante a fase de abordagem, o
vendedor deve saber como se dirigir ao comprador e dar um bom início ao relacionamento.
Essa etapa abrange a aparência pessoal do vendedor, as frases de abertura e as observações
subseqüentes” (KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 429). Os Executivos de Venda do
Grupo Parque reconhecem que a primeira abordagem é uma das etapas essenciais para
consolidação de uma venda e para a conquista de um cliente e que é preciso utilizar algumas
técnicas:
Outra coisa que eu acho bem interessante no trabalho da gente é que por ser um
produto delicado a gente tem que medir as palavras. Não é o mesmo que está
vendendo uma peça de roupa que você diz é lindo, é bom, é maravilhoso, tá
entendendo? A gente tem que medir as palavras que a gente vai usar porque um
vacilo que a gente der a gente perde uma venda, se voo souber, se você não
direcionar bem o seu vocabulário, se você não sentir o cliente. Quando [a
abordagem] é pessoalmente eu mesmo tenho uma boa percepção, com um olhar,
com um gesto, entendeu? (Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de
2008).
As estratégias de abordagem utilizadas pelos vendedores para oferecer jazigo no
Campo Santo Parque das Flores e o plano assistencial funerário Previparq das Flores quando
do primeiro contato por telemarketing com o possível cliente, consiste primeiro em se
apresentar como um pesquisador que faz parte do Departamento de Pesquisa e Promoções do
Grupo Parque das Flores que deseja saber quem possui jazigo ou plano assistencial funerário.
Caso o possível cliente responda que o possui nenhum produto ou serviço da empresa
81
A gica da ocultação da morte e do morrer foi abordada no capítulo 1.2., intitulado: “Interditando, ocultando
e banindo a morte e os mortos?”
154
então os Executivos de Vendas relatam quais os produtos e serviços existentes e quais os
benefícios em adquiri-los:
Eu queria que você me dissesse como é que ocorre as vendas, como é feita a
abordagem. Você explicou um pouco que vocês fazem um serviço de
telemarketing e que fica expondo o produto para o cliente?
O primeiro contato que temos com o cliente é de pesquisar se ele tem ou não esse
produto. Se ele não tem, então pesquisa se o produto assusta ele. Eu sempre
pergunto: A ideia lhe assusta? Como é a ideia da compra de um produto desse na
sua mente?” Eu sempre questiono isso com o cliente [se o cliente responder] “Não,
não, para mim é uma coisa normal”. Quando ele uma abertura de que é normal,
eu digo: “Olhe nós estamos com uma excelente promoção, você o gostaria de
agendar um dia para que eu pudesse ir até a sua casa, levar os nossos folders,
tabela, tirar as dúvidas?”. Quando a pessoa diz: É pode ser. Ligue tal dia para
marcar”, eu já tenho ele como um [cliente] agendado para mim. Eu tenho cliente
ali na minha agenda se você ver que eu boto assim: “muito grosso”, “muito
ríspido”, o lida bem com o produto”. Porque cada vez que eu vou tentar ligar...
Eu deixo passar uns seis meses, quando eu vou ligar e se o cliente... Uma vez eu
liguei ele [o cliente] riu tanto, riu tanto, riu tanto. Eu botei [anotou na agenda que o
cliente havia sorrido]. Quando eu liguei para ele depois passado assim uns quatro
meses eu liguei. Ele atendeu. Eu disse Eu vou dizer meu nome, mas eu tenho
certeza que o senhor vai rir porque da última vez que eu falei com o senhor, o
senhor riu tanto”. Aí ele disse: “A mulher do cemitério[risos]. Ele já se lembrou.
eu disse “É, tem medo ainda da mulher do cemitério?”, aí a conversa já
desenrolou de uma forma diferente.
(Entrevista com Orquídea, realizada em 05 de março de 2008)
Adquirir um produto ou serviço fúnebre não é o mesmo que adquirir um carro ou uma
casa, por exemplo, pois esses são produtos desejáveis por proporcionarem uma alta satisfação
imediata e grandes benefícios em longo prazo. Entretanto, é característica de todas as
empresas a transformação de todos os seus produtos (mesmo os não desejáveis) em produtos
desejáveis, agregando benefícios de longo prazo sem reduzir as qualidades dos produtos ou
serviços (KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 55). Então, para que os produtos e serviços
fúnebres se transformem em produtos desejáveis, os vendedores utilizam a técnica de
apresentá-los como um investimento, comparando-os a um seguro de carro, a um seguro de
vida ou a um plano de saúde, que são serviços adquiridos por consumidores, mas que não
desejam ser usados ou consumidos e, caso seja necessário fazer uso, o produto ou serviço
estará sempre dispovel:
A gente geralmente rios exemplos, como se fosse um seguro de um carro,
como se fosse um plano de saúde. Ninguém faz pensando em acontecer e até
mesmo sem querer a gente compra. A gente não compra porque quer, porque a
gente gosta.
(Entrevista Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
A apresentação da venda também é uma das etapas do processo de venda pessoal que
consiste na hisria do produto que é contada ao consumidor, onde:
O vendedor descreve a característica do produto, mas se concentra em apresentar
os benefícios ao cliente. Utilizando a abordagem da satisfação de necessidade,
155
começa pesquisando s necessidades do cliente, fazendo-o falar a maior parte do
tempo. Essa abordagem requer boa capacidade para ouvir e habilidade para
solucionar problemas. “Eu me considerado mais como (...), bom, um psicólogo,
observa um experiente vendedor. “Ouço o cliente. Ouço seus desejos, necessidades
e problemas e depois tento encontrar uma solução. Se você não for um bom
ouvinte, não vai obter o pedido”. Outro vendedor sugere: “Ter um bom
relacionamento não é mais suficiente. Você tem de entender os problemas de
seus clientes. Tem de sentir o que eles sentem.” (KOTLER e ARMSTRONG,
2003, p. 430).
A Executiva de Vendas Rosa confessa que na apresentação da venda do produto e do
serviço, o vendedor se torna muitas vezes um psicólogo”, ouvindo não só as necessidades de
cada cliente, mas a história de vida de cada pessoa, hisrias emotivas que incluem também
perdas familiares.
Para vender produtos e serviços o vendedor não deve persuadir seus clientes, a menos
que tenha plena convicção de que seus produtos atendam suas necessidades (DIAS, 2005, p.
310). Todos os Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores confessam que a lógica da
empresa é o forçar uma venda, mas uma venda conscientizada em que o cliente adquiriu o
serviço ou produto consciente daquilo que está sendo comprado.
Todos os Executivos de Vendas utilizam a palavra conscientização para se referir ao
seu trabalho. Identificamos, portanto seis lógicas que perpassam nos discursos que os
Executivos de Venda chamam de conscientização do cliente. A primeira lógica é a
naturalização da morte que se configura na retórica do “todos nós vamos morrer um dia”. A
lógica da naturalização é acompanhada da lógica da necessidade, configurada na ideia de que
“se a morte é inevitável, então o produto é essencial”. A outra lógica é a comparação com o
serviço público, na retórica da comparação com o serviço público está explícita outra lógica:
a dos benefícios que o consumidor obterá com os produtos ou serviços. A lógica da
comodidade (financeira e prática) está presente na ideia de que através de um custo menor e
de apenas uma ligação, o cliente vai resolver tudo. Outra lógica é a da venda propriamente
dita, onde conscientizar o cliente significa que ele está apto a adquirir o produto e/ou o
serviço.
A lógica da naturalização consiste na ideia de que a morte é a única certeza da vida,
com isso os produtos e os serviços funerários oferecidos pelo Grupo Parque das Flores se
tornam necessários, essenciais e fundamentais:
Então nosso trabalho, eu costumo dizer a nossos clientes que nosso trabalho real é
a conscientização e que a venda é uma consequência. Então independente de
linguagem de cada um pra cada um, é esse o trabalho primordial que a gente faz, a
gente conscientiza, um com jeito mais metódico outro com jeito mais agressivo,
outros tentam fazer uma certa amizade com o cliente para que o cliente venha a
confiar em você para comprar o produto, mas o nosso trabalho em si, independente
156
de linguagem é dessa forma. E assim a gente tenta conscientizar, conscientizar de
que é importante: “Imagina o senhor se acontecer dessa forma”. Usando as vezes o
comparativo do nosso serviço, do serviço da empresa com o serviço público, que
esse é o nosso carro chefe, entendeu? [...] A linguagem é assim, a gente tenta ser o
mais agradável possível com o cliente. [...] O trabalho do parque das flores, o carro
chefe é dignidade e respeito e também comodidade a gente usa muito assim, a
gente tenta entrar naquele lado mais apelativo, sentimental de dizer Imagina o
senhor, no momento que perder um ente querido, além da dor que o senhor vai ter
que perder e a dor material, porque é bem mais caro”. Então a gente tenta, como eu
disse desde o início, conscientizar. [...] Então a gente entra nesse lado, porque ele
[o cliente] vai lembrar no momento que a gente fala no sepultamento que ele foi no
[cemitério] São José que tem aquela sujeira e aquilo outro e do lado financeiro que
pro cliente é o mais importante. Principalmente aquelas pessoas mais
tradicionalistas que dizem: “Ah! Bota lá dentro, mas e a família vai querer? Então
a gente tenta sempre muitas vezes nós somos até investigador mesmo, porque a
gente tenta puxar do cliente aquele feellingzinho, aquela brechazinha que ele :
Ah! Mais o enterro no [cemitério] São José, mas imagina o senhor no enterro no
[cemitério] São Jodessa forma”. E dessa forma acontece assim, a gente mostra
como é mais ou menos o serviço e a venda termina acontecendo.
(Entrevista com Narciso, realizada em 06 de abril de 2008).
Para conscientizar o cliente de que os produtos e os serviços oferecidos pelo Grupo
Parque das Flores são necessários, os Executivos de Venda comparam os serviços oferecidos
pelo setor público, sobretudo o cemitério de o José administrado pela Superintendência
Municipal de Controle e Convívio Urbano (SMCCU) da cidade de Maceió que atualmente
atende a maior demanda do município. Segundo o chefe do Departamento de Administração
de Cemitérios da SMCCU, Múcio Moura, há atualmente uma média de trezentos
sepultamentos por mês nos oito cemitérios públicos da cidade, sendo que quinze por cento
desses sepultamentos são realizados no cemitério de São José que recebe em média dez
enterros por dia
82
. Em conversa informal, um dos funcionários da SMCCU informou que não
como a administração controlar toda demanda dos sepultamentos nos cemitérios públicos
da capital alagoana já que ocorrem muitos enterros e não informatização das informações,
nem profissionais suficientes para controlar a demanda e que, como uma intensa procura
nesses cemitérios, os restos mortais dos sepultados são retirados após três anos para que a área
seja reutilizada.
Nesse sentido, a comparação com o cemitério público é inevivel no trabalho de
conscientização realizado pelos Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores. Histórias
sobre o acúmulo de corpos, de desorganização, de retirada de restos mortais antes de
completar o prazo de três anos e até de desaparecimento de restos mortais no cemitério de São
José são contadas pelos vendedores para conscientizar os futuros clientes da necessidade da
aquisição dos produtos e dos serviços oferecidos pelo Grupo Parque das Flores:
82
Informações obtidas em conversa informal com o chefe do departamento de administração de cemitérios da
SMCCU, Múcio Moura, realizada em 14 de julho de 2008.
157
A gente também fala muito do cemitério público, porque não era para acontecer
mais a área pública não tem respeito, não tem dignidade. Na realidade o
[cemitério] Parque das Flores a gente vende o quê? A gente vende os serviços, a
gente vendendo os serviços. Cemitério público é complicado, cada dia a
tendência é ficar piorando, não tem aquele respeito, devia ter porque quantas
famílias por ai não tem condições ainda de ter uma área aqui no Parque das Flores,
mas infelizmente são cemitérios públicos e o funciona assim entendeu? A
família deixa ali, muitas das vezes não dá um ano, eles vão lá, cavam, joga fora, tá
entendendo? Então assim, é complicado. Então assim, é um resto mortal de um
ente querido da pessoa, de uma mãe, de um pai, de um filho. Então machuca né?
Imagine aquela pessoa que não tem condição e que tá machucado e quando chega
e não encontra mais. Então assim, quem tem condições compra aqui no
cemitério Parque [das Flores]. E quem não tem? Não é? É complicado.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
Para que os futuros clientes optem pela aquisição dos produtos e serviços oferecidos,
os Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores utilizam a lógica do benecio. Ao
comparar os produtos e serviços do Grupo Parque das Flores com os serviços oferecidos pelo
setor público, os vendedores exploram o discurso dos benefícios que o consumidor obterá,
com o objetivo de que estão prestando um serviço e não um favor (DIAS, 2005, p. 310),
conforme relato da vendedora Rosa:
Tem gente que não conhece [o cemitério Parque das Flores], a gente vai falar um
pouco, a gente fala realmente do [cemitério] Parque [das Flores], o que é o
[cemitério] Parque [das Flores], os benefícios que o [cemitério] Parque [das Flores]
traz para quem compra um jazigo no [cemitério] Parque [das Flores]. Então com
esse trabalho a gente consegue também conscientizar.
E quais são os benefícios?
Benefício que a gente fala é assim. Quando a gente mostra que é um jazigo para
família, é uma coisa de herdeiros para hereditários. E o benefício que a gente
mostra é que é um cemitério com um certo [pausa] Ele tem um respeito pelo
cliente onde ele vai dar todo o serviço naquele momento que o cliente mais
precisa, que é aquele momento que o cliente também está fragilizado, que é o
momento que ele perdeu um ente querido. Então a gente mostra para ele [o cliente]
que é uma empresa responsável onde ele [a empresa] vai dar todo serviço para o
cliente na hora que ele [o cliente] precisa, como capela. A gente tem um pado
que é o padrão todo na grama, com placas, com tudo.
(Entrevista com Rosa, realizada em 27 de abril de 2008)
Para conscientizar os clientes dos benefícios que o produto e o serviço oferecem, os
vendedores utilizam, muitas vezes, o apelo emocional recorrendo ao discurso de uma morte
menos sofrida e da lembrança do familiar morto. Esse apelo emocional é utilizado
principalmente quando os vendedores comparam os sepultamentos nos cemitérios blicos
com os sepultamentos que ocorrem no cemitério Parque das Flores:
A empresa faz o trabalho institucional, de conscientização, de prevenção, de
desmistificar que todo o sepultamento tem que ser feio, tem que ser mórbido.
gico que a gente sente a dor, mas que o tem que ser aquela coisa triste,
sofrida, dolorida ao extremo. A empresa ela faz tudo isso, mas o nosso trabalho,
não o meu, mas como de toda equipe, influencia de certa forma sim. Às vezes
mica, as vezes mais ria, as vezes mais taxativa pro cliente de que a prevenção
é o melhor remédio se a morte ela acontece pra todo mundo, ela acontece para todo
158
mundo. Então se acontece para todo mundo, porque não se prevenir? Por que não
se prevenir? Encarar de uma outra forma, de uma outra perspectiva da morte, não
como uma morte morreu, acabou, botei no cemitério e o vou nem e sim
como a morte assim, pôxa, vai acontecer, mais cedo ou mais tarde vai acontecer,
mas quando acontecer eu vou dar um lugar digno, um lugar de respeito, um lugar
que eu posso ir dar uma caminhada, espairecer. Ir fazer minhas orações e lembrar,
ter pensamentos bons daquela pessoa, lembranças boas daquela pessoa que ta ali,
entendeu? O trabalho da gente dá uma outra perspectiva da morte, se a gente pode
falar assim, dá sim uma outra perspectiva.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 07 de março de 2008)
O meu trabalho com certeza ajuda a conscientizar eles [os clientes]. s fazemos
realmente um trabalho de conscientização e as vezes eu deixo mesmo bem claro,
mesmo quando não compra eu digo: “Mas ou senhor ou a senhora está
conscientizado que realmente é uma necessidade ter uma área aqui”. [...]
Geralmente tem aquela rejeição, [o cliente] toma aquele susto porque é um jazigo,
porque é um lugar onde ele vai se enterrar, onde ele vai botar um ente querido dele,
geralmente tem. Mas tem que comprar mesmo, não tem para onde correr não, se
não compra no amor compra na dor, ou vai ser jogado num cemitério público.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008, grifos nossos)
A comodidade financeira e prática é um dos principais atrativos do consumo de
produtos e serviços fúnebres. A aquisição de um jazigo parcelado em dez, vinte, trinta ou
quarenta meses equivale a obtenção de um desconto de até trinta e três por cento do valor de
um jazigo de uso imediato. O mesmo ocorre com o serviço funeral, onde, por uma parcela de
trinta, quarenta ou sessenta reais mensais, o consumidor não mais arcará com as despesas de
um funeral (aquisição de caixão e flores, aluguel de capela, taxa de sepultamento, etc.):
Na verdade o é um produto aceitável que as pessoas queiram comprar, elas
compram por necessidade, por prevenção. Principalmente fugindo disso aqui olha
(faz um gesto com as os simulando gasto financeiro) e fugindo disso (mostra
uma tabela com os valores dos jazigos e destaca o valor do jazigo no uso
imediato), desse valor. Pode acreditar nisso que os que compram estão fugindo
desses valores, sempre existiu alguém que teve que comprar nesses valores, então
corre para comprar aqui.
(Entrevista com Tulipa, realizada em 04 de abril de 2008).
A lógica da praticidade também está inserida no discurso da comodidade. Os
Executivos de Vendas utilizam a retórica de que quando ocorrer algum óbito, o cliente através
de apenas um telefonema para a central telefônica do Grupo Parque das Flores aciona toda
uma equipe que estará prontificada a tomar todas as provincias necessárias para higienizar,
limpar, vestir o corpo, colocá-lo num caixão, ornamentar a urna, le-lo ao cemitério e
sepultá-lo:
A gente deixa muito claro, a gente tem essa preocupação de deixar claro para o
cliente de que ele tá comprando o terreno, mas quando ele vai precisar usar ele vai
ter umas taxas de serviço. Então quando a gente mostra essas taxas de serviço, a
gente mostra também o plano, a gente oferecemos o plano funeral onde vai dar a
tranquilidade para o cliente na hora, no momento né? Na hora, no momento em
que ele vai precisar usar, a gente vai dar essa tranquilidade para ele. Ele não vai
precisar estar em busca de funerária, ele o vai em busca de flores, ele não vai
precisar em busca de vir aqui no [cemitério] Parque [das Flores] para reservar
159
capela entendeu? Porque o plano funeral ele vai dar, fazer toda essa parte, além
de dar assistência com o corpo, vamos dizer de vestimenta, vai dar assistência das
flores, da urna, vai buscar se tiver em qualquer interior de Alagoas, em casa, no
hospital, ele vai fazer toda essa parte de traslado, higienização. Então a gente
mostra essa tranquilidade que o cliente um dia vai ter na hora que ele precisar, que
realmente dar essa tranquilidade, o cliente apenas numa ligação ele vai resolver
tudo isso.
(Entrevista com Rosa, realizada em 27 de abril de 2008).
Por fim, poderíamos dizer que o trabalho de conscientização realizado pelos
Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores consiste na venda propriamente dita, ou
seja, em fazer com que o possível cliente tenha noção do que está sendo adquirido. Mitford
(2000, p. 151) admite que o desenvolvimento e a prosperidade da indústria fúnebre consistem,
acima de tudo, na crença do funeral director em si próprio e nos seus produtos. Os princípios
de gestão do marketing preconizam que o que leva o cliente a acreditar na empresa é, dentre
outras coisas, o discurso dos vendedores e as estratégias de vendas desenvolvidas, mas para
que isso ocorra é necessário que os próprios vendedores acreditem na empresa e nos produtos
e serviços que estão oferecendo. Entre os Executivos de Vendas do Grupo Parque das Flores o
discurso da crença na empresa e nos produtos é recorrente. Conscientizar o cliente implica em
vender, em conscientizar o cliente de que ele deve adquirir o produto. Porém, há outros
atrativos para atrair o cliente, tais como o uso dos meios de comunicação de massa pelas
empresas.
4.4. O Marketing do morrer
A utilização dos meios de comunicação de massa, da propaganda e da publicidade
permite o acesso ao consumo, pois comunicam à sociedade os códigos cultuais que estão
presentes nos bens e serviços. É nesse contexto que a divulgação e exposição da morte e dos
produtos e dos serviços funerários nos meios de comunicação de massa têm sido uma das
premissas utilizada pela indústria do funeral com o objetivo de atrair novos consumidores.
A série Six Feet Under exibida pelo canal televisivo Home Box Office (HBO) é um
exemplo da exposição dos serviços funerários nos meios de comunicação. O primeiro
episódio da série foi transmitido nos Estados Unidos em 03 de junho do ano de 2001, ao todo
foram sessenta e três epidios, e após cinco temporadas, encerrou em 21 de agosto de 2005.
160
A trama se desenvolve em torno de uma fictícia empresa fúnebre, a Fisher & Sons Funeral
Home, e dos dramas sociais vividos pela família Fisher, abordando os temas da morte e outros
assuntos como infidelidade, homossexualidade e religião. Cada episódio se iniciava com a
morte de um cliente da funerária e era em torno desta morte que a trama se elaborava, com os
personagens refletindo sobre suas vidas. No Brasil a série foi estreada em 06 de julho de
2005, com o título: A Sete Palmos, sendo exibida pelo Sistema Brasileiro de Televisão
(SBT), HBO e Warner Channel.
No início do ano de 2008 foi criado na Alemanha o primeiro canal funerário do mundo
que consiste em homenagear pessoas falecidas através do serviço de obituário televisionado
transmitido pela Rede Ethos TV. Anualmente morrem cerca de oitocentas mil pessoas na
Alemanha e o tele-obituário, com cerca de dois minutos de duração, é reprisado quase dez
vezes por dia.
O tema da morte e do morrer está presente também em revistas e jornais. A revista
norte-americana Mortuary Management é uma publicação semanal que circula desde o ano de
1914 abordando assuntos relacionados à instria de serviços fúnebres é voltada para os
funeral directors e traz uma contínua análise sobre o serviço mortuário, incluindo: estratégias
para auxiliar a indústria fúnebre a aumentar sua produtividade, aconselhamento jurídico,
técnicas de mercado e uso das inovações tecnológicas. o jornal semanal Funeral Monitor
circula semanalmente no cotidiano fúnebre norte-americano, apresentando relatórios e
tendências do setor funerário.
Se para comunicar a morte é preciso torná-la atraente, a Cofanifunebri, uma empresa
italiana produtora de caixões, utiliza desde o ano 2003 como estratégia de marketing para
vender seus produtos a divulgação de um calendário com um forte apelo erótico e sensual. Em
cada mês mulheres seminuas aparecem próximas a um modelo diferente de caixão.
No Brasil as indústrias do funeral utilizam vários atrativos para informar, lembrar,
difundir e divulgar seus produtos e serviços. Algumas websites se dedicam a informar
assuntos fúnebres e divulgar empresas que atuam no setor funerário. A funerária online
(FOL)
83
é uma website dedicada exclusivamente para divulgar classificados de empregos e
negócios, fóruns de discussão, informações sobre cursos, dicas sobre saúde, além de um guia
funerário contendo cadastros com nomes e endereços de treze associações de assistência
familiar, duzentos e oitenta e quatro cemitérios (a maioria cemitérios parques), trinta e dois
crematórios, cento e vinte seis fábricas de urnas, quatro mil seiscentos e quatorze funerárias,
83
Informações sobre a funerária online dispovel em: <http://www.funerariaonline.com.br>. Acesso em 05 abr.
2008.
161
cento e vinte e dois corcios (incluindo artigos funerários cirúrgicos), trinta e sete entidades
(incluindo administrações de cemitérios e outros óros ou entidades envolvidos diretamente
e indiretamente com o morrer), cento e seis indústrias (incluindo instria de velas, de
veículos nebres e de coroa de flores), vinte empresas de paramentação, duzentos e trinta e
sete planos assistenciais e trinta e nove empresas de cerimonial para velórios.
Fotografia 47: Calendário do mês de
agosto de 2005 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.
(Disponível em:
<http://www.cofanifunebri.com/calendario-
2005.htm>. Acesso em: 05 mai. 2008)
Fotografia 48: Calendário do mês de março
de 2006 para divulgação dos caies
fabricados pela empresa Cofanifunebri.
(Disponível em:
<http://www.cofanifunebri.com/calendario-
2006.htm>. Acesso em: 05 mai. 2008)
Fotografia 49: Calendário do mês de
janeiro de 2007 para divulgação dos caixões
fabricados pela empresa Cofanifunebri.
(Dispovel em:
<http://www.cofanifunebri.com/calendario-
2007.htm>. Acesso em: 05 mai. 2008)
Fotografia 50: Calendário do mês de março
de 2006 para divulgação dos caies
fabricados pela empresa Cofanifunebri.
(Disponível em:
<http://www.cofanifunebri.com/calendario-
2008.htm>. Acesso em: 05 mai. 2008)
162
Fotografia 51: Calendário do mês de maio de 2009 para divulgação dos caixões fabricados pela empresa
Cofanifunebri. (Disponível em: <http://www.cofanifunebri.com/calendario-2009.htm>. Acesso em 05 mai.
2008).
A revista Diretor Funerário, voltada para os profissionais que atuam no ramo funerário
brasileiro, oferece informações sobre o ramo funerário brasileiro e mundial.
Mas é com a propaganda que as empresas projetam suas imagens, informam e
divulgam seus produtos e serviços aos possíveis consumidores. Dentre as estratégias
propagandísticas utilizadas pelas empresas do ramo funerário para divulgar os produtos e
serviços nos meios de comunicação de massa, é recorrente a utilização de imagens de
paisagem (céus, nuvens, florestas, etc.) acompanhadas por músicas românticas ou clássicas.
Um comercial para TV da Funerária Gonzaga, localizada na cidade de Governador Valadares,
no Estado de Minas Gerais, possui quinze segundos de duração e apresenta cinco imagens
com paisagens naturais que são acompanhadas pelo som de uma música clássica e pela voz de
um locutor que narra as mensagens que vão surgindo quando cada imagem é revelada. Já o
comercial de TV do Sistema Prever Assistência Familiar, localizado na cidade de São José do
Rio Preto, no Estado de São Paulo, possui trinta segundos de duração e apresenta doze cenas
com imagens cotidianas, acompanhada por locuções e por mensagens.
A Funerária Central, localizada no município de Barueri, no Estado de São Paulo,
divulgou em um programa local de televisão um merchandising
84
, com um tom jocoso, para
84
Merchandising é definido por Dias (2005, p. 349) como: “uma técnica de ajustamento e adequação do produto
ao mercado consumidor, ele envolve as atividades de escolha do produto a ser produzido, e assim toma decisões
quanto ao tamanho, aparência, formato, embalagem, cores, quantidades a serem fabricadas ou compradas, épocas
de produzir ou comprar, linha de preços a ser estabelecida, etc.” Dessa maneira o merchandising é “a operação
163
transformar os produtos e serviços em necessidades, desejos e utilidades. O apresentador do
programa Conversa de Botequim aparece ao lado de um jovem chamado Pedrão, por trás dos
dois há uma TV de plasma exibindo, com letras na cor branca sob um fundo azul, a logomarca
da Funerária Central e a mensagem: “Funerária Central. www.funerariacentral.com.br”. Os
dois (o apresentador do programa e Pedrão) iniciam um diálogo num clima alegre e
descontraído:
- Apresentador: “Muito bem! O Programa Conversa de Botequim sempre a frente de
seu tempo e, claro, sempre inovando no ramo publicitário. E hoje Pedrão, nós vamos
falar do que?
- Pedrão: “Olha, hoje nós vamos falar de mais um parceiro do Programa Conversa
de Botequim. É o seguinte, se você está pensando em morrer, ou se não tá pensando
pelo menos sabe que vai morrer, não sabe?”
- Apresentador: “É verdade. É destino certo”
- Pedrão: “Vo vai morrer, sabia?”
- Apresentador: Com certeza. Você vai também”
- Pedrão: “E você que está em casa também vai morrer”
- Apresentador: “Isso é verdade”
- Pedrão: “Então você não pode deixar de conhecer a Funerária Central, porque
morrer é triste, agora mais triste é ir pro cemitério de uma maneira sem graça e sem
vergonha”
- Apresentador: É verdade. Ir totalmente desconfortável, num caixão que vonão
sabe se o fundo vai aguentar”
- Pedrão: “Numa Caravan daquelas bem horrorosa, porque tem funerária com esse
tipo de carro ainda!”
- Apresentador: “Tem funerária que usa esse tipo [de carro]. Que é aquela
Caravanzona e ainda o cara vai batendo atrás e segurando o defunto, não é
verdade?”
- Pedrão: “Exatamente. Mas na Funeria Central não tem nada disso
- Apresentador: “Claro que não!”
- Pedrão: “As melhores urnas. As melhores condições de pagamento. Você paga em
trinta e seis, setenta e oito, oitenta vezes a sua urna funerária”
- Apresentador: “E olha, faz o financiamento sem consulta ao SPC, Serasa. Vo
pode ter nome no protesto, não tem problema nenhum, a gente aceita até cartão de
crédito. Olha! com prazo de validade vencido”
- Pedrão: E na hora de ir para a sua última morada você vai de primeira classe. Vai
numa caranga bonita e toda a família atrás, buzinando e tocando buzina pela cidade.
Você tá pensando o quê?”.
Ambos sorriem.
- Apresentador: “E se falar que viu no Programa Conversa de Botequim ganha uma
coroa de flores Pedrão!”
- Pedrão: “Exatamente! E quanto você pagaria por tudo isso? Não responda ainda,
pois a missa de sétimo dia, a Funerária Central também marca pra vo
- Apresentador: “E a de trigésimo dia é inteiramente grátis. Você não paga nada para
levar. Tudo isso na Funerária Central”.
- Pedrão: “E se falar que assistiu no Conversa de Botequim, duas carpideiras grátis
para chorar na beira do seu caixão. Você não pode deixar de participar dessa
promoção da funerária central, www.funerariacentral.com.br”
- Apresentador: “Agora se você falar o nome do Edson. Ele que é o dono da
Funerária Central. Você tem um desconto de quarenta e cinco por cento. Estou
falando quarenta e cinco por cento pela palavra Edson, eu vi no Conversa de
Botequim”
de planejamento necessária para colocar o produto ou serviço certo no mercado, no lugar e tempo certos, em
quantidades certas e a preço certo”.
164
- Pedrão: Há mais de quinze anos no mercado nenhum cliente da Funerária Central
voltou para reclamar”
- Apresentador: “Olha, Pedro, certeza de um bom negócio. Vonão pode perder
tempo. Vo tem que ligar agora e, claro, adquirir o seu modelo básico, o seu
modelo stand e o seu modelo extra luxo.
Nesse momento o apresentador e Pedrão caminham na dirão de três urnas
funerárias que estão expostas no ambiente ao seu lado esquerdo
- Pedrão: “Olha! uma olhada na qualidade dos caixões e ainda vai ganhar as
velinhas viu! As velas. É tudo igual a aniversário, com velinhas, carpideiras. O seu
velório vai se tornar um grande evento, amigo telespectador”
- Apresentador: “É verdade”
- Pedrão: Quanto vale tudo issoque tá indo embora desse mundo?no melhor
estilo. de Funerária Central. Vopode ir no simplão [aponta para o modelo
básico do tipo de caixão que está exposto]. Você pode ir no mai ou meno [aponta
para o outro tipo de caixão, o modelo stand]. Você pode ir no xique no último
[aponta para o terceiro tipo de caixão que está exposto, o modelo extra luxo]
- Apresentador: “E olha, você quer outros modelos? Não perca tempo, ligue agora
ou acesse o site www.funerariacentral.com.br e tem diversos modelos”
- Pedrão se dirige para o apresentador segura-o pela cintura e diz, em referência ao
peso do apresentador: “E faz sob medida”
- Apresentador: “É verdade. Para mim tem que ser sob medida”
- Pedrão: “E reforçado no fundo”.
- Apresentador: Reforçado. Com alças caba de leão. Tem também essa alça tipo
varão [aponta para a alça do caixão modelo extra luxo]. Tem a tipo varão. Tem essa
daqui que é uma alça para seis pessoas [mostra a alça do caixão modelo extra luxo].
De repente você não tem tantos amigos assim, você só tem quatro amigos
- Pedrão: “Tem de quatro alças também”
- Apresentador: “Tem de quatro alças?”
- Pedrão: “Opa! Não vai, vo não vai ficar a pé”
- Apresentador: “Não! De jeito nenhum”
- Pedrão: “Funerária Central, empresa que vai levar você pro buraco meu filho
[começa a sorrir]. Não perde esta oportunidade. www.funerariacentral.com.br. Olha!
Embalsama. Se a sua sogra morre em São Paulo, morreu aqui, e se você quer
mandar ela pra Austrália tem traslado internacional, num caixão bacana. Pode levar
até naquele de papelão. Aquele de caixa de uva? Tem também. Não tem problema,
porque sogra não merece muito, né verdade?”.
Ambos sorriem.
- Apresentador: “E além de tudo, pra sogra, voenterra e depois de sete dias eles
retiram o caixão e crema, pra ter certeza mesmo que a „véia‟ desapareceu”
Ambos sorriem.
- Pedrão: “Exatamente. Olhe não deixe de participar do conrcio da Funerária
Central. Compre um no nome da sua sogra e se ela for contemplada o assassinato é
gratuito para enterro imediato
Ambos sorriem.
- Pedrão: “Dá uma olhada que beleza essa qualidade de caixão” [mostra para o
telespectador o tipo de caixão modelo stand]
- Apresentador: “Olha é muito bom. É um caixão stand. De primeira linha e claro
ele é todo em MDF e é um caixão de primeira categoria. Tá certo ou não Pedrão?
- Pedrão: “Tá certo”
Nesse momento sai de dentro do caixão modelo stand um jovem que diz: “E além de
tudo é confortável”.
Todos sorriem bastante.
- Apresentador: “É isso ai. Não perca tempo. Funerária?
- Todos [o apresentador, Pedrão e a terceira pessoa que saiu de dentro de um dos
caixões]: “Central”.
- Terceira pessoa: “Com ar condicionado e tudo”.
Todos sorriem.
165
O Grupo Parque das Flores também investe na propaganda e na publicidade, sendo
uma das poucas empresas fúnebres no Brasil a divulgar intensamente seus produtos e serviços
nos meios de comunicação de massa, através de comerciais de TV e merchandising que
abordam diretamente a temática da aquisição de jazigos e de planos assistenciais funerários.
Um comercial de televisão que divulga o cemitério Parque das Flores, de trinta
segundos de duração, vinculado em outubro de 2003, mostra seis cenas em que aparece um
casal de idoso e algumas mensagens, acompanhadas por narrações:
cena: Senhor olhando para ts. Mensagem: Tempo. Narração: “Quantas vezes
você olhou pra trás e achou que o tempo passou?”.
cena: Senhora olhando para trás. Mensagem: “Vida. Narração: “Quantas vezes
você olhou pra trás e sentiu que a vida passou?”.
3ª cena: Casal. Narração: “Quantas vezes você ainda vai precisar olhar para trás pra
perceber que o tempo e a vida...
4ª cena: Casal se abraça. Narração: “... não estão lá trás, estão sempre ao seu lado?
cena: Casal caminha pelo cemitério Parque das Flores. Mensagem: Olhe pra
frente”. Narração: “Olhe pra frente”
6ª cena: Casal continua caminhando pelo cemitério. Mensagens: “Campo Santo
Parque das Flores”, “Jazigos em até 40 vezes iguais [aparece o número do
telefone]. Narração: “Campo Santo Parque das Flores, jazigos em até quarenta
vezes iguais”.
Outro comercial de TV vinculado em junho de 2005, com trinta segundos de duração,
mostra várias cenas com imagens do cotidiano do cemitério Parque das Flores e algumas
mensagens acompanhadas por narrações:
cena: Entrada do Campo Santo Parque das Flores. Narração: Aqui no Parque é
assim...”.
2ª cena: Mestre de Cerimônias do cemitério. Narração: “... A gente cuida de tudo”.
cena: Jardim do cemitério, um funcionário surge com um cortador de gramas,
aparando as gramas do campo-santo. Narração: “Apara as gramas...”.
4ª cena: Flores sendo regadas. Narração: “... Rega as plantas...”.
5ª cena: Funcionária varrendo as calçadas de acesso aos jazigos do cemitério.
Narração: “... limpa as ruas, deixa tudo impecável”.
6ª cena: Funcionária coloca um jarro de flores em uma das prateleiras da floricultura
Flores do Parque. Narração: “A gente tem mais que fazer isso mesmo”.
cena: Funcionários no interior da floricultura Flores do Parque preparando um
arranjo de flores. Narração: “no Campo Santo Parque as Flores respeito e
dignidade...”.
8ª cena: Funcionário do cemitério limpa uma lápide de um jazigo. Narração: “... Não
tem preço”.
cena: Jazigos do Parque das Flores. Narração: “Ligue”. Mensagem: “adquira
jazigo em até 40 vezes iguais [aparece o número do telefone].
10ª cena: Funcionário do cemitério rega as plantas. Narração: “Afinal...”.
11ª cena: Funcionária da floricultura Flores do Parque coloca um jarro de flores em
um jazigo. Mensagem: “atendimento 24 horas”. Narração: “... Estamos cuidado da
memória das pessoas que lhes são mais preciosas...”.
12ª cena: Jazigos do cemitério. Narração: “... De quem você jamais vai esquecer”.
Mensagem: “Campo Santo Parque das Flores [aparece o número do telefone]”.
Os eventos comemorativos (Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal, Dia das Crianças e Dia
da Saudade) também são divulgados através de comerciais de TV. No Dia da Saudade do ano
166
de 2007, um comercial com trinta segundos de duração, mostrou quatorze cenas com imagens
do Campo Santo Parque das Flores, acompanhadas de narrações e de mensagens:
1ª cena: Jazigos do cemitério. Narração: “Para você homenagear quem tanto ama...”.
2ª cena: Pessoas colocando flores nos jazigos do cemitério. Narração: “O Parque das
Flores vai realizar mais um Dia da Saudade. Este ano have uma grande
programação”.
cena: Pessoas sentadas em cadeiras, no interior do cemitério, sugerindo
participarem de algum evento. Mensagem: “1 de Novembro 9 h Missa”. Narração:
“Nos dias um, dois e três...”.
cena: Pessoas andando pelo cemitério Parque das Flores. Mensagem: de
Novembro 15h Orquestra de Câmara da UFAL”. Narração: “... De novembro”.
5ª cena: Pessoas tocando instrumentos. Narração: “Culto evangélico
cena: Missa realizada nas dependências do cemitério. Mensagem: “1º de
Novembro 16h Ato Carismático da Saudade”.
cena: Coral da Universidade Federal de Alagoas. Mensagem: “2 de Novembro
8h30 Culto”. Narração: “Corufal”.
cena: Orquestra de Câmara da UFAL. Mensagem: “2 de Novembro 10h e 16h
Missas”. Narração: “Orquestra de Câmara da Universidade Federal de Alagoas”.
9ª cena: Pessoas tocando instrumentos. Mensagem: “2 de Novembro 12h Grupo de
dança Cláudio Souza”.
10ª cena: Pessoas cantando. Narração: “Ato carismático”.
11ª cena: Crianças se divertindo no espaço recreativo infantil instalado no interior do
cemitério. Mensagem: “2 de Novembro 15h Corufal”. Narração: E espaço
infantil, tudo isso preparado...”.
12ª cena: Pessoas assistindo uma missa celebrada no interior do cemitério.
Mensagem: “3 de Novembro 15h Grupo de Dança Cláudio Souza”. Narração: “...
Com muito carinho, pra você relembrar...”.
13ª cena: Jazigos no cemitério. Mensagem: “3 de Novembro 16h Missa.
Narração: “... Os bons momentos da vida”.
14ª cena: Imagem da entrada do cemitério. Mensagem: Campo Santo Parque das
Flores [aparece o número do telefone]”. Narração: “Campo Santo Parque das Flores,
suas melhores lembranças vivas para sempre”.
As campanhas promocionais de jazigos no Parque das Flores também são exibidas em
comerciais de TV. A campanha de isenção do pagamento das taxas de gavetas (no valor de
quinhentos e oitenta reais) quando da utilização do jazigo, para o cliente que adquirisse
concessão de jazigo entre os meses de agosto a setembro do ano de 2006, foi divulgada
através de um comercial de trinta segundos, em que apareciam várias imagens com cenas
cotidianas do cemitério, seguidas das mensagens: “Adquira jazigo em até 40 vezes iguais
3305-1700”, “Bônus de R$ 580,00 na prestação de serviços”, “Atendimento 24 horas”,
Campo Santo Parque das Flores [aparece o número do telefone] e da narração:
Dar o melhor de si para as pessoas que amamos é tudo. Cuidar com carinho para que
as boas lembranças sejam eternas. Isso nós fazemos todos os dias aqui no Parque.
Adquirindo jazigo familiar nos meses de julho e agosto você ganha um bônus
especial de quinhentos e oitenta reais na prestação de serviços. Campo Santo Parque
das Flores, suas melhores lembranças vivas para sempre. Ligue [locutor narra o
número do telefone].
A campanha de isenção da taxa de manutenção dos jazigos (no valor de duzentos e
cinco reais) durante três anos (até o ano de 2010) para quem adquirisse jazigo no cemitério
167
Parque das Flores durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2006, foi divulgada
através de um comercial, de trinta segundos de duração, exibido durante a programação local
de TV, mostrando cenas do cemitério Parque das Flores, seguidas por mensagens: “Jazigos
em até 40 vezes a partir de R$ 125,47 mensais”, “1ª anuidade administrativa em 2010”,
“Ligue: 3305-1700”, Campo Santo Parque das Flores [aparece o número do telefone]”, e da
narração:
O Parque das Flores está com uma oportunidade pra de imperdível. Durante este
mês de novembro você adquire jazigos em até quarenta vezes iguais e você só paga
a primeira anuidade administrativa em dois mil e dez. Essa chance você não pode
perder. Ligue [locutor narra o número do telefone] e adquira agora. Cuidar com
carinho de quem a gente ama é tudo. Campo Santo Parque das Flores, aqui suas
melhores lembranças ficarão vivas para sempre.
No final de dezembro de 2006 foi exibido um comercial de TV, de trinta segundos de
duração, em que um apresentador local de programas de TV, Wilson nior, divulgou uma
promoção do Campo Santo Parque das Flores que compreendia um desconto para os clientes
que adquirissem jazigos na área A do cemitério. No comercial, o apresentador dizia:
Neste mês de janeiro o Parque das Flores oferece uma grande oportunidade para
você adquirir jazigos familiares com mais de sessenta por cento de desconto. De seis
mil duzentos e oitenta e três reais por apenas dois mil e quinhentos reais a vista ou
em até oito vezes iguais. Este sim é um grande investimento. Você o pode perder
esta chance de dar mais tranquilidade para a sua família. Ligue [locutor narra o
número do telefone] e fale com os nossos executivos. Parque das Flores, aqui suas
melhores lembranças ficarão vivas para sempre.
Neste comercial de TV o apresentador aparecia caminhando em vários locais do
cemitério e algumas mensagens iam surgindo: “Mais de 60% de desconto”, “Jazigos na área
“A” por R$ 2.500,00 em até 8xde R$350,00”, “Mais tranquilidade”.
No mês de fevereiro do mesmo ano, outro comercial de TV divulgou a continuidade
da promoção do mês de janeiro, o apresentador Wilson Júnior narrava:
Devido ao grande sucesso da nossa promoção, o Parque das Flores coloca a sua
disposição as últimas unidades de jazigos familiares por um preço imperdível, são
apenas oito parcelas de trezentos e cinquenta reais ou dois mil e quinhentos reais a
vista. São as últimas unidades pra voaproveitar mais essa chance de oferecer
tranquilidade para a sua família. Ligue agora [locutor narra o número do telefone].
Parque das Flores, aqui suas melhores lembranças ficarão vivas para sempre
Enquanto o apresentador falava, apareciam várias imagens do cemitério e algumas
mensagens iam surgindo: “Últimas Unidades na área “A””, 8 x 350,00”, “a vista 2.500,00” e
“Ligue [aparece o número do telefone]”.
Além de comerciais de TV, o Grupo Parque das Flores realiza o merchandising diário
em um programa de TV local Plantão Alagoas , da TV Alagoas, canal 05. No mês de
março do ano de 2007, o Diretor Comercial e de Marketing do Grupo Parque das Flores,
168
Eugênio Sampaio, foi ao Plantão Alagoas para divulgar a promoção de desconto para o cliente
que adquirisse jazigo na área A do cemitério Parque das Flores. Nesse merchandising
houve uma chamada ao vivo, diretamente do cemitério, onde o Supervisor de Vendas falou
sobre a promoção, mostrou a área A com poucas unidades disponíveis para a venda,
convidou toda a família alagoana para adquirir jazigos pelo preço promocional até o dia 31 de
março, disse que o Parque das Flores se preocupava com o bem estar de seu concessionário e
lembrou que no cemitério existiam capelas, floricultura, lanchonete e estacionamento próprio.
Em seguida, o apresentador do Plantão Alagoas, Oscar de Melo, e o Diretor Comercial e de
Marketing do Grupo Parque das Flores, reforçaram a promoção e lembraram que o
agendamento e a efetivação da compra terminariam no dia 31 de março.
Os serviços prestados pelos funcionários da Central de Velórios também são
divulgados em comerciais que são vinculados na programação local de TV. O plano
assistencial funerário PréVida é um dos serviços do Grupo Parque das Flores mais
divulgados, possuindo um merchandising drio no programa de Plantão Alagoas, além de
rios comerciais.
Outras formas de divulgação dos produtos e serviços do Grupo Parque das Flores são
realizadas através de folders e de uma website que divulga todos os empreendimentos e
eventos e possui espaço para notícias cotidianas dos temas mais diversos e de notas de
falecimento (Disponível em: <http://grupoparque.com.br>. Acesso em: 03 mai 2006). O
Grupo Parque das Flores possui também um boletim informativo gratuito, o InFamília, que
publica vários artigos sobre e temática fúnebre e divulga eventos e os empreendimentos.
O InFamília de agosto do ano de 2006, ano IV, 7, teve uma tiragem de dez mil
exemplares e trouxe um artigo produzido pela Assistente Social do Grupo Parque das Flores,
intitulado: Compreendendo o luto”. O informativo divulgou o Dia das Mães, realizado no
segundo domingo do mês de maio no cemitério Parque das Flores, a Funerária São Matheus,
como a der no setor de funerárias e o Programa Nacional de Qualidade (PNQ) dos
cemitérios e cremarios. No espaço intitulado: “Mural do Parque” divulgou o falecimento de
um jardineiro do Campo Santo Parque das Flores, a abertura de mais uma loja do PréVida no
bairro do Prado em Maceió e a equipe de vendas do PréVida da cidade de Arapiraca. O
espaço intitulado: “Pra viver sorrindo!!!” trazia algumas piadas.
O InFamília do mês de novembro de 2006, ano IV, nº 03, teve uma tiragem de dez mil
exemplares e trouxe um artigo intitulado: Qual é o papel do cemitério e do funeral no
processo de luto?”. Divulgou o III Encontro PréVida e o lançamento do PréVida empresarial.
No espaço Mural do Parque” divulgou o Dia dos Pais no Campo Santo Parque das Flores e a
169
distribuição de kits de lanches pelos funciorios às crianças dos bairros do Cane Benedito
Bentes, em comemoração pelo dia das crianças. Trouxe ainda piadas no espaço Pra viver
sorrindo!!!”.
O InFamília de agosto de 2007, ano V, nº 3, teve uma tiragem de vinte mil exemplares
e trouxe um artigo produzido pela consultora e escritora motivacional Leila Navarro,
intitulado: “Qualidade de vida, em busca da felicidade” e divulgou o IV Encontro PréVida.
No espaço “Mural do Parque” divulgou um treinamento intensivo em técnicas de vendas
realizado entre os vendedores do PréVida, a website do Grupo Parque das Flores e o curso de
alfabetização dos funciorios do Campo Santo Parque das Flores. Trouxe também
informações sobre a loja do PréVida da cidade de Arapiraca e piadas no espaço “Pra viver
sorrindo!!!”.
Em novembro de 2007, o InFamília, ano V, nº 04, teve uma tiragem de vinte mil
exemplares e trouxe um artigo produzido pela Assistente Social do Grupo Parque das Flores,
intitulado: “Uma reflexão sobre o tempo. Divulgou o IV Encontro PréVida, o Dia da
Saudade no cemitério Parque das Flores e a aula prática realizada na cidade de Penedo pela
turma de alfabetização dos funcionários do Grupo Parque das Flores. No espaço “Mural do
Parque” divulgou o aumento de dois mil por cento no crescimento do plano assistencial
funerário PréVida, a doação de sangue dos funcionários do Grupo Parque das Flores ao
hemocentro do Alagoas, o cultivo de uma pequena horta no jardim anexo ao cemitério Parque
das Flores e a loja do PréVida no centro de Maceió. No espaço Pra viver sorrindo!!!”,
vinculou algumas piadas.
O InFamília de agosto de 2008, ano VI, nº 02, teve uma tiragem de dez mil
exemplares e trouxe um especial de trinta e cinco anos do Campo Santo Parque das Flores,
intitulado: “Especial 35 anos: Resgate às memórias, eternamente vivas, dos seus
idealizadores”, um artigo produzido pela Assistente Social do Grupo Parque das Flores,
intitulado: “Como posso ajudar? e outro artigo, intitulado: “Por que acredito na educação
empresarial?produzido pela Especialista em Educação Empresarial Celina Araújo. Divulgou
os sorteios de brindes realizados entre as clientes do PréVida, a manutenção do cemitério
Parque das Flores e a participação dos Diretores do Grupo Parque das Flores no II Encontro
Nacional de Administradores de Cemitérios e Crematórios. No espaço “Mural do Parque” foi
divulgada a campanha de prevenção contra a gripe realizada entre os funcionários do Grupo
Parque das Flores, a visita do Diretor Comercial e de Marketing do Grupo Parque das Flores
na Vila dos Idosos na cidade de Palmeira dos Índios, a participação do PréVida na Feira do
Empreendedor, na cidade de Maceió, a presença de alguns funciorios do Grupo Parque das
170
Flores no IV Fórum de Responsabilidade Social, na cidade de Maceió, um treinamento
realizado entre os funcionários do Campo Santo Parque das Flores e a festa de São João
realizada entre os funcionários do Grupo Parque das Flores.
No mês de novembro de 2008, o InFamília ano VI, 03, teve um espaço intitulado
curiosidades”, onde explicou a origem da palavra cemitério e Dia de Finados. Trouxe
também dois artigos, um intitulado: “Recordar é viver” produzido pela Assistente Social do
Grupo Parque das Flores e o outro intitulado: “A finitude humana no século XXI”, produzido
pela Estagiária de Psicologia do Grupo Parque das Flores, além de um espaço lembrando os
trinta e cinco anos do cemitério Parque das Flores. No espaço “Mural”, antes “Mural do
Parque”, divulgou o curso de alfabetização dos funciorios do Campo Santo Parque das
Flores, o livro Dom Casmurro: a encenação de um julgamento” e a visita do Diretor
Comercial e de Marketing do Grupo Parque das Flores ao Clube Sempre Vivas na cidade de
Palmeira dos Índios.
A constante exposição dos produtos e serviços do Grupo Parque das Flores nos mass
media, consiste, em parte, pelo fato de que a TV Alagoas (hoje a única no Estado de Alagoas
a retransmitir duas emissoras de televisão: o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) através do
canal 05 e a Band (Rede Bandeirantes de Televisão) pelo canal 38), implantada no ano de
1982 pela empresa Sampaio Rádio e Televisão Ltda., tem como proprietário um dos sócios
fundadores do Campo Santo Parque das Flores.
Por outro lado, essa exposição dos produtos e serviços fúnebres nos mass media
também está atrelada ao processo de aceitação, ou seja, ao que Bourdieu (2006, p. 163) chama
de conluio objetivo de interesses, que passa tanto pela divulgação, quanto pela crença no
produto (tanto por parte do mercado que oferece os serviços e produtos, quanto por parte dos
consumidores).
171
Durante
172
No espelho de sua própria morte cada homem redescobre
o segredo de sua individualidade.
(Phillipe Ariès)
A nova cultura fúnebre, como já foi aqui ressaltada, fez com que a tradicional toilette
funerária realizada com os cadáveres, passasse das mãos da família para as mãos de
profissionais especializados. E esse processo é decorrente de uma série de fatores surgidos
com as mudanças ocorridas no campo ritual da morte, tais como: a esthétique de la
disparition, a interdição e ocultação da morte e dos mortos, o deslocamento do lugar da
morte, a solidão dos moribundos, etc.
O que vemos é que os cuidados com o morto (lavar, vestir, barbear, pentear, aparar as
unhas, etc.) que antes eram ritos familiares, estão sendo transferidos para as empresas. E nesse
contexto, outros serviços vão sendo criados, tais como: tanatopraxia, formolização,
necromaquiagem, restauração facial, etc., com o objetivo de amenizar as aparências da morte,
conservando no corpo os ares familiares e alegres da vida (ARIÈS, 2003, p. 255), fazendo do
morto um quase vivo (ARIÈS, 1990, p. 654), conforme observou Ariès (2003, p. 269) em
análise sobre as técnicas de conservação de cadáveres realizadas pelos especialistas da morte
norte-americanos:
Na América de hoje, as técnicas químicas de conservação servem para fazer
esquecer o morto e criar a ilusão do vivo. O quase vivo vai receber pela última vez
seus amigos, em um salão florido ao som de uma música suave ou grave, mas
nunca lúgubre.
Esses ritos de limpeza e purificação estão relacionados ao sentido mágico que é
atribdo aos cadáveres e à morte, conforme observou Thomas (1991, p. 118-119):
Lavar el cadáver no satisface únicamente las exigencias de la higiene y el decoro:
equivale, para la imaginación, a eliminar la sociedad de la muerte.
[…]
En primer lugar, el aseo purificador elimina el riesgo de contagio de la muerte,
creencia inevitablemente vinculada con la fantasía universal de la impureza del
cadáver, y en muchos lugares la regla de las abluciones no se aplica solamente al
cadáver, sino también a todos los que lo tocaron o estuvieron cerca y a los objetos
que pertenecían al difunto.
Os ritos de purificação são acompanhados por outros ritos que demonstram respeito ao
defunto:
A decir verdad, no se trata tan sólo del aseo mortuorio sino del conjunto de ritos
funerarios que demuenstran el respeto y el apego que se siente por el difunto: buen
entierro, bella tumba, visitas frecuentes al cementerio, cantos y alabanzas, luto
riguroso, cuidado de las reliquias, oraciones ara las almas del purgatorio, etc
(THOMAS, 1991, p. 120).
173
Na contemporaneidade grande parte dos rituais que o realizados imediatamente após
atestada a morte de algum indivíduo o praticados por profissionais adequados. Em nossa
cultura e no contexto de atuação dos Grupos, os serviços são realizados por uma variedade de
profissionais fúnebres.
5.1. Necro-profissionais: especialistas que lidam diretamente com o morrer
Os funerais norte-americanos são realizados por profissionais especializados em
pompas fúnebres: os funeral director. Nos Estados Unidos essa é uma profissão definida
legalmente. Para se tornar um funeral director é necessário a aquisição de uma formação
universitária e filiação a uma associação especializada
85
. Já em Portugal não existe nem
formação qualificada nem legislação específica para se tornar um especialista da morte (os
fossoyeurs portugais), isso faz com que os funerais directors norte-americanos sejam
percebidos pelos fossoyeurs portugueses como vrais professionnels (SARAIVA, 1993,
p.05). Saraiva (1993, p. 08) discute a diferença dos agentes de pompas fúnebres portugueses
para os especialistas da morte norte-americanos:
Les agents de pompes funèbres montrent eux aussi un net plaisir à affirmer quils
nont pas de difficulté à déplacer des corps putréfiés, à se confronter aux aspects de
la mort vus par la société comme les plus polluants. De tels propos ne s'entendent
jamais de la part dun funeral director, toujours préoccupé d'affirmer quil est le
vecteur indispensable de la victoire sur la mort et qui limite strictement les
remarques ou les plaisanteries de cet ordre aux échanges faits « en coulisses » avec
ses collègues (grifo da autora).
No Brasil o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) disponibilizou em 2002 uma
nova Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) que reconhece, nomeia, codifica e
descreve as ocupações no mercado, instituindo uma nova classificação para os agentes
fúnebres e determinando as funções dos sepultadores e dos operadores de forno de serviços
funerários
86
.
De acordo com a CBO são agentes funerários os tanatopraxistas, os atendentes
funerários e os auxiliares de funerária. A CBO determina que para se tornar um agente
85
A atuação dos funerais directors na indústria do funeral norte americana foi explorada no capítulo 3.1.,
intitulado: “Indústria do funeral norte-americana”.
86
Informações sobre a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) disponível em: <http://granulito.mte.gov.br/cbosite/pages/home.jsf>. Acesso em: 28 mai. 2008.
174
funerário é necessário a conclusão do ensino fundamental. Os agentes funerários são
profissionais que realizam tarefas referentes à organização de funerais, providenciam registros
de óbitos e demais documentos necessários; providenciam a liberação, remoção e traslado de
cadáveres; executam preparativos para velórios e sepultamentos; conduzem o cortejo fúnebre;
preparam cadáveres em urnas; ornamentam as urnas; executam a conservação de cadáveres
por meio de técnicas de tanatopraxia ou embalsamamento, substituindo fluidos naturais por
líquidos conservantes; e embelezam cadáveres aplicando cosméticos específicos
87
.
A CBO considera como sepultador os coveiros e os oficiais de obras cujas funções
são: auxiliar nos serviços funerários; construir, preparar, limpar, abrir e fechar sepulturas;
realizar sepultamento; exumar e cremar cadáveres; trasladar corpos e despojos; conservar
cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho e zelar pela segurança do cemitério. O
exercício da ocupação de sepultador requer o ensino fundamental, sendo que o desempenho
pleno das atividades deverá ocorrer somente após um ano de experiência
88
.
Para se tornar um necro-profissional (agentes fúnebres, jardineiros ou mestre de
cerimônias) do Grupo Parque das Flores é necessário apenas obter a aceitação da empresa e a
aprovação em alguns testes classificatórios. Esses necro-profissionais lidam diretamente com
a morte e com os mortos, diferentemente dos Executivos de Vendas que lidam indiretamente
com a morte e o morrer.
Os agentes fúnebres da Funerária São Matheus do Grupo Parque das Flores realizam
os serviços de higienização e limpeza dos cadáveres, ornamentação do caixão e transporte do
cadáver ao local em que será velado e sepultado. Esses serviços são realizados com os clientes
87
A CBO considera que os agentes funerários devem atuar em sete as áreas de atividades (prestar o primeiro
atendimento à família; preparar documentação; providenciar funeral; remover o corpo; preparar o corpo;
organizar o cerimonial e comunicar-se) e dezesseis competências (transmitir confiança; dar provas de paciência;
ouvir; agir com discrição; identificar-se com a profissão; demonstrar habilidade para negociação; identificar a
pessoa adequada para conversar; evitar preconceitos; controlar-se emocionalmente; trabalhar com ética; manter
boa postura profissional; atualizar-se; manusear cosméticos para necromaquiagem; administrar o estress;
demonstrar conhecimentos técnicos e legais; manter sigilo) (Disponível em:
<http://granulito.mte.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 28 mai. 2008).
88
A CBO considera que as áreas de atividades do sepultador e operador de forno de crematórios são: abrir
sepulturas; realizar o sepultamento; cremar corpos, membros e despojos; confeccionar carneiros; exumar
cadáveres; trasladar corpos e despojos; fazer conservação dos cemitérios; conservar máquinas e equipamentos;
zelar pela segurança do cemitério; comunicar-se. São consideradas competências pessoais do sepultador e
operador de forno de crematório a execução das tarefas com presteza; o manejo dos caixões; a demonstração
educação e paciência; a responsabilidade com o serviço realizado; a utilização de equipamentos de proteção
individual; a assiduidade ao trabalho; a manutenção da aparência; a discrição; a integridade dos companheiros; a
utilização de equipamentos de proteção coletiva; o manejo de máquinas e equipamentos (tratores e roçadeiras); a
postura diante da família do falecido; a presteza; a tolerância à odores; a demonstração de bom preparo
psicológico; o respeito as opções religiosas; a resistência física; a capacidade de conviver com situações
imprevistas; o interesse e a capacidade de desenvolver outros trabalhos (Disponível em:
<http://granulito.mte.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaAtividades.jsf>. Acesso em: 28 mai.
2008).
175
particulares (externos) e com clientes associados ao plano assistencial funerário Previparq das
Flores. Mas, os agentes fúnebres também podem prestar serviços para os clientes associados
do plano funerário PréVida (e os agentes funerários que realizam suas funções na Central de
Velórios para atender exclusivamente aos clientes do PréVida podem auxiliar os agentes
funerários da Funerária São Matheus), tendo em vista que os atendimentos realizados nos
associados do PréVida são em número muito superior que os atendimentos dos associados do
Previparq das Flores, já que os agentes funerários que atendem exclusivamente os associados
do plano assistencial funerário PréVida realizam uma média diária de cinco ou seis serviços
em cadáveres e mais de duzentos sepultamentos mensais. Isto significa que oitenta por cento
dos atendimentos a óbitos realizados por todos os agentes fúnebres do Grupo Parque das
Flores são de clientes associados ao plano funeral PréVida.
Os agentes fúnebres da Funerária São Matheus atendem de dois a três óbitos por dia,
sendo que oitenta por cento são de clientes associados ao Previparq das Flores e vinte por
cento de clientes externos (não associados a nenhum plano assistencial funerário). Os
procedimentos realizados nos cadáveres são iguais tanto para os clientes associados ao plano
assistencial funeral PréVida ou Previparq das Flores, quanto para os clientes
particulares/externos. A única diferença é que os clientes particulares negociam os valores dos
serviços diretamente com a funerária e os clientes do plano apenas aguardam a realização dos
serviços, conforme relato do agente fúnebre Girassol:
Tanto a gente pode prestar serviços para ele [PréVida], quanto eles [os agentes
fúnebre que atendem óbitos de associados do PréVida] podem prestar pra gente.
São nós três hoje aqui, se eu sair, viajar e outros dois saírem pra fazer um serviço e
aparecer outro [óbito] a gente pode requisitar [o auxílio dos agentes fúnebres que
realizam serviços para os associados do PréVida]. Entra em contato com
responsável para ele liberar duas pessoas pra fazer o serviço, prestar serviço pra
gente.
Mas é o mesmo procedimento?
O mesmo procedimento.
O mesmo serviço que os agentes do PréVida fazem com os clientes do PréVida,
vocês fazem aqui também?
É. Nós fazemos.
Lá deve ter bem mais?
A quantidade de serviçoé bem maior do que aqui.
Vocês atendem quantos por dia, tem uma média?
Por dia aqui as vezes a gente faz dois, três, as vezes passa dois, quatro dias, sem ter
nada. O último que a gente fez veio do Parque das Flores, foi o pai do cero
Amélio [Deputado Estadual de Alagoas], foi domingo, o, foi segunda. temos
terça, hoje é quarta sem fazer nada.
São quantas pessoas que vão?
Duas. Pra fazer o serviço?
É.
Duas pessoas, que no caso é os dois agentes, que a gente não tem auxiliar, são os
dois agentes que vão.
E são sempre dois?
176
Sempre dois. Hoje tem três e amanhã são dois, porque tem um de férias, a gente
vai mesclando o turno e sempre dá normal.
Sempre um agente fica aqui e dois vão prestar o serviço?
É.
Fica um aqui porque pode ser que apareça outro serviço né?
É. no caso aqui, vamos supor, amanhã eu e o Antúrio, se sair nós dois
pra fazer um serviço, mas tem Acácia e Violeta [secretária e atendente da
Funerária] aqui, que no caso também elas vão ajudar, se o Malmequer sair e eu
ficar sozinho, precisando um serviço, tiver ou a Acácia ou a Violeta aqui, eu
posso sair com qualquer uma das duas.
Elas vão também?
Elas ajudam também. É como a gente fala: “Pega na massa também”.
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008)
Um dos agentes fúnebres que exerce a função há mais de quinze anos, diz que entrou
nessa profissão como vigilante particular de uma funerária, até o momento em que um dos
agentes fúnebres da funerária o chamou para vestir um corpo no Instituto Médico Legal
(IML), a partir dessa experiência mudou de profissão e se tornou um agente da funerária:
Como é que foi o começo?
Eu comecei como vigia aqui nessa rua certo? conheci um rapaz da funerária,
ele disse: Quer vir trabalhar aqui de vigia?”. eu disse: “Vou.”. eu comecei,
trabalhei de vigia e teve um dia que ele me chamou pra ir vestir um corpo no
IML. Eu fui. Era noite, umas onze horas da noite.
Você foi vestir?
Sim. Eu nunca tinha vestido, quando eu cheguei lá tava chovendo, tava lá, tinha uns
oito corpos que tava lá, aí ele disse: “Fica aí, eu vou lá dentro”. Aí eu fiquei, fiquei,
depois tive um medozinho [risos]. E eu disse: “Oxe!”. fui pra dentro, pronto,
quando eu cheguei lá ele disse: “E aí? Já vestiu?”, Eu disse: “Rapaz, consegui não
[risos]. Ele disse: “Você á com medo?”. Eu disse: “Não, tô não”. Só que na
realidade eu tava com medo né [risos].
Então ele veio mais eu e vestiu, mas naquele momento eu gostei de vestir, porque aí
foi que eu fui, fui vestir na [hospital] Santa Casa, aí fui vestir no [hospital] Santa
Juliana, aí me interessei. Eu só não me interessei de vestir no IML, porque o IML é
desorganizado né? Aí pronto. Eu dei banho, limpei e pronto.
A partir daí você começou a ficar como agente?
Foi. Aí comecei como agente.
Mas você fez algum curso ou começou assim mesmo?
Não, não fiz nenhum curso, comecei assim mesmo. Fui pegando a prática.
(Entrevista com Crisântemo, realizada em 20 de agosto de 2008).
Outro agente fúnebre que exerce a profissão há mais de treze anos diz que também
iniciou suas atividades no ramo fúnebre fazendo vigilância em uma funerária, depois se
tornou motorista, até virar agente funerário. Durante a entrevista lembrou que a dificuldade
encontrada no início da profissão foi o cheiro dos cadáveres.
O cheiro da morte é uma das dificuldades encontradas por grande parte dos agentes
fúnebres quando do início de suas atividades como necro-profissionais, como lembra o agente
fúnebre Antúrio que iniciou suas atividades dois anos e oito meses, após a indicação de
uma funcionária do Grupo Parque das Flores. Antes, Antúrio havia trabalhado como fiscal de
uma loja de departamento durante oito anos:
177
Agora o que é mais difícil no início é o fato de você ter o contato [com o óbito] e
logo após você almoçar, por exemplo, o fato de você comer, principalmente o IML,
uma pessoa aberta, não sei se você viu, ela cheira muito, mesmo uma pessoa
inteira. O cheiro é forte, é muito forte. Eu senti aquele cheiro de frango [risos].
Aquele cheiro frio, e logo depois que eu acabei de sair do IML coincidiu de a
minha esposa o pôde fazer meu almoço e a minha cunhada fez almoço pra mim e
mandou frango guisado. Aí foi terrível, não desceu.
(Entrevista com Antúrio, realizada em 15 de setembro de 2008).
A desodorização da morte foi uma das táticas de ocultamento do morto surgida com a
noção de salubridade do pressuposto médico-higiênico. No Brasil a medicalização da morte
ocorreu no início do século XIX e trouxe como consequência a reeducação dos cheiros e sons,
conforme observou Reis (1991, p. 264-266) em análise sobre o cotidiano fúnebre no Brasil do
oitocentos:
A vigilância olfativa mas também a vigilância auditiva tornaram-se lemas da
campanha médica. O cheiro simbolizava a presença dos miasmas na atmosfera,
perigo a ser evitado e combatido. O cheiro da morte devia ser excluído de entre os
vivos.
[...]
Os médicos expunham nova sensibilidade olfativa, ensinavam a vigiar o cheiro da
morte, a temê-lo, evitá-lo e inclusive a não disfarçá-lo, por exemplo, com o aroma
de incensos.
Uma das estratégias para amenizar os efeitos da morte é transformar o morto
cadáver em morto manequim, num processo que implica em não identificar os cadáveres
como seres humanos, desumanizando-os e anulando-os de qualquer vestígio que possa fazer
referência à sua identidade. Essa é uma técnica realizada pelos profissionais de anatomia que
procuram minimizar os impactos da morte de várias maneiras, a fim de romper com todo
vínculo humano que possa trazer sofrimento ao profissional conforme observou Concone
(1983. In: MARTINS, 1983, p. 35-36):
A estratégia pessoal mais comum, contudo, é a de não ver tais corpos como homens
(alguns conseguem mais rápida e facilmente que outros, é óbvio, mas este é sempre
o caminho)
[...]
A dificuldade surge cada vez que a identidade do morto se insinua, ou que a
presença da vida se insinua. Uma aluna se referiu ao choque de encontrar na
Anatomia uma mão de unhas longas e pintadas. É evidente que este detalhe de
vaidade feminina faz insinuar a vida e, humanizando o cadáver, anula o esforço de
desvesti-lo de identidade. [...]
Sugestivo é o depoimento de um jovem médico, que viu morrer mal dera entrada ao
P.S. um paciente desconhecido, com uma parada cardíaca. Todo esse
desconhecimento foi rompido por um incidente banal, que recolocando a identidade
humana desse desconhecido, lhe construiu uma identidade ad hoc que, embora
precária, levou o jovem médico a profunda depressão: o fato banal, foi que ao cair
morto o homem, tombou-lhe da cabeça a peruca. Tal fato bastou para criar o
vínculo de humanidade. É este vínculo que precisa ser rompido a todo custo para
evitar o sofrimento (grifo da autora).
178
Um dos agentes fúnebres lembrou que uma das dificuldades iniciais foi perceber o
morto como uma pessoa que parece que está sentido dor. Porém, com o passar do tempo, foi
percebendo o morto cadáver como morto manequim, já que a sensação de que morto
estava sentindo dor foi desaparecendo com o tempo:
Agora me vinha a mente, hoje issodiminuiu bastante, não digo que acabou, mas
diminuiu bastante, porque nós chegamos no hospital e [o cadáver] dentro de um
saco e vinha uma interrogação, no início isso era muito, muito, o que é que eu vou
ver quando eu abrir esse saco? A primeira pessoa que eu fui pegar, a primeira
pessoa, foi uma senhora, no HPS [Unidade de Emergência Armando Lages], ela
tinha a perna amputada, diabetes. eu não esqueci, eu vi aquele corpo ali e é
muito esquisito porque você vai mexer com ele e parece que ele ta sentindo dor,
principalmente na hora de você colocar uma pinça desse tamanho no nariz adentro,
com algodão, então é aquele cuidado que é como se tivesse doendo, por isso que as
vezes a gente pede pra família não assistir aquilo, tem gente que diz: Não. Eu
quero ver e tal”, mas quando começa a ver aquela pinça ali, sai. Então no início a
dificuldade também é essa, parece que o corpo está sentido dor, e que vai
desaparecendo com o tempo.
(Entrevista com Antúrio, realizada em 15 de setembro de 2008).
Essa estratégia de desumanizar o cadáver não deve ser totalmente presente entre os
profissionais fúnebres, já que estes lidam com a família enlutada no momento de dor da perda
de um ente. Então, em alguns momentos é necessário sentir a dor da família, conforme
observou o agente fúnebre Antúrio:
Agora o que é difícil ahoje é o contato com os parentes, a perca, o choro, o
sofrimento, aquilo ali não tem como acostumar, vez por outra eu estou pelos cantos,
chorando aqui, disfarçadamente, porque o desespero, aquela angústia, aquela
gritaria, aquilo ali não tem como acostumar.
[...]
O meu trabalho, veja bem, é basicamente pegar corpo. Basicamente é pegar corpo.
Eu procuro ser o mais humano possível no trato com a família, a pessoa apesar de
estar morta mais toda dor do defunto, toda dor do defunto, foi passado para o
parente.
A [Funerária] São Matheus me condições de eu trabalhar e ser humano com as
pessoas, de não querer me aproveitar da dor, do desespero, do sofrimento daquela
pessoa. De repente o meu trabalho, naquele momento ali é ser o mais humano, eu
procuro ser mais humano possível, entender o lado de quem ta sofrendo, de quem ta
chorando, por quê? Bom pouco tempo eu passei por isso. Meu avô, meu avô
paterno morreu no começo de janeiro, final de dezembro não to lembrado bem.
Então foi a minha vez, depois que eu comecei a trabalhar nisso, foi a minha vez de
passar pelo momento difícil, então vovê, toda minha família, pessoas vinda do
interior, leigas, totalmente leigas, sem saber que direção tomar e eu. Aí você , eu
perdi um avô, mas mesmo assim quem era que tava em mais condições de agir?
Você. Todo mundo vai procurar você, mesmo porque sabe que você trabalha
com isso.
foi a minha vez. Mas graças a Deus o senhor Jose Luis [sócio-proprierio da
Funerária] que me deu um apoio. O pessoal aqui foi e, enfim, eu tive esse apoio.
Então, como é que você perdeu um parente e ainda chega um sujeito grosso,
vestido de qualquer jeito, de chinelo, de nis, de barba grande, com aparência,
cheirando a cachaça muitas vezes, a culpa não é muitas vezes dele, mas das
condições de trabalho que ele tem. Então meu trabalho é isso, é aconselhar, de vez
em quando até sentir um pouquinho a dor da família.
(Entrevista com Antúrio, realizada em 15 de setembro de 2008).
179
A humanização da empresa funerária conforme sugere Zapata (2006), também é
evidente quando se trata de um “morto nós” (alguém que faz parte dos laços afetivos dos
necro-profissionais). Os “outros mortos (pessoas que os agentes fúnebres não mantêm
nenhum contato afetivo) são apenas mais um morto que faz parte da rotina, já o “morto nós” é
percebido com outro significado que envolve processos de subjetividade, afetividade e
emão. Quando se trata de um morto nós” o profissional que fala e explica sobre o processo
da morte e do morrer cede lugar a um indivíduo que se emociona, que chora, que sofre, que
sente e que se sensibiliza:
Nesse tempo que você está trabalhando você teve algum caso de algum parente
que faleceu?
Tive. Pronto, meu primo que foi assassinado. Eu que fiz o funeral dele. Fiz questão
de fazer o funeral dele.
E como foi?
Tranquilo. Eu pensei assim, quer dizer no momento você está tratando ali com ele
tal, fazendo a higienização e dá aquela parte sentimental. Eu pensei: “Poxa! Era pra
ta vivo”, mas se meteu com quem não devia e ocorreu, um imprevisto, imprevisto
assim que não era pra ter ocorrido, mas como ele tinha enveredado por aquele
caminho. E agora pouco fiz da minha avó.
Vofez [o serviço de higienização, limpeza e ornamentação do caixão]? É
diferente de um para outro? De uma pessoa que você não conhece?
É sim. Diferente assim aquela parte sentimental, de você fazer higienização de uma
pessoa que você não conhece você ta tratando ali do óbito da melhor maneira, e
você fazer serviço numa pessoa que vomesmo vai velar. muda por causa
desse lado sentimental, do meu primo e também da minha avó né?
(Entrevista com Cravo, realizada em 13 de agosto de 2008).
Representativo é o depoimento do agente fúnebre Girassol que, quando da morte de
sua e, realizou os procedimentos de higienização e vestimenta do cadáver, porém, não
deixou que o procedimento de tamponamento fosse realizado e autorizou o sepultamento
somente após vinte e quatro horas de detectada a morte, pois acreditava que sua mãe pudesse
ter sido tima de catalepsia, uma doença rara em que os membros amolecem, mas não
contrões, e, por este motivo, acredita que muitas pessoas foram enterradas vivas no
passado:
aconteceu algum falecimento de algum parente seu nesse tempo que você
está trabalhando aqui?
aconteceu comigo. Minha mãe e meu pai. Olha a minha e ela estava
hospitalizada no HPS [Unidade de Emergência Armando Lages], aí eu fui de
manhã, ela tava na UTI cardíaca, olhei pra ela e voltei a trabalhar, aí uma senhora
veio (na funerária) e disse: “Olha..”, ela veio fazer o funeral da mãe dela, tava
pertinho as duas [a e do agente e da senhora que foi na funerária estavam no
mesmo leito do mesmo hospital]. Ela disse: “Tua mãe morreu também”.
Nossa!
eu olhei assim. Eu fiz: “Como é que é?” [Ela respondeu] “Foi. Tua mãe
morreu”. [o agente respondeu] “Vou resolver o da senhora e depois eu vejo”. Agora
fiquei com aquilo por dentro né. Aí resolvi direitinho o dela, liguei pra [para a
Unidade de Emergência Armando Lages]. Quando eu liguei aí disseram: “É”. Aí foi
onde eu vim perceber que eu não estava preparado. Eu fiz.
E foi você mesmo que fez o procedimento na sua mãe?
180
Foi eu mesmo. Vesti, fiz tamponamento, tudo direitinho.
E tem diferença?
Tem. É uma diferença e grande. Por causa que aquilo mexe muito com o
sentimento da gente de saber aquilo dali, voolhar, observar. Da minha mãe eu
não fiz o tamponamento.
O quê? Eu não entendi?
Da minha mãe eu não fiz o tamponamento.
Você não fez?
Não.
Ficou observando?
Não.
Você fez todo o procedimento e não fez o tamponamento?
Eu fiz todos os aparatos, agora o tamponamento eu não fiz. Nem fiz, nem ninguém
fez [risos].
Como assim?
Porque aquele sentimento meu era que ela estaria ali e a qualquer momento
levantaria. É o pensamento nosso é esse. Aí eu fiquei olhando assim disse: “Não.
Eu vou não, porque se eu botar o algodão como é que ela vai respirar” [risos]. Isso
é só o pensamento da gente. E ela só foi sepultada após passar vinte e quatro horas,
que tem um problema aí que antigamente existia mais frequentemente, que era uma
parada do coração, é um nomezinho que se que eu não lembro agora, e após
vinte e quatro horas o coração voltaria ao normal, e aconteceu de muita gente ser
sepultado vivo. Mas isso é antigo. eu fiquei com aquilo em pensamento.
deixei sepultar após vinte e quatro horas. Foi ela e meu pai. Já fiz outros, de minha
sogra, meu cunhado aí são, tem os sentimentos né, mas é diferente de pai e mãe.
Até por sinal hoje tem um ano e seis meses que ela faleceu e hoje eu ainda não fui
na casa onde ela mora. Na casa onde ela morava. Nem no cemitério eu tenho
condições de ir. Chego bem próximo, mas não vou.
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008)
Essa sensação de afetividade e de humanização tamm é presente quando da
realização de procedimentos tanáticos em corpos de crianças mortas:
Vocês não ficam pensando nas pessoas [nos cadáveres] que vocês fazem o
serviço?
Não. O único que eu acho que é eu e os outros também, que a gente sente fazer é de
criança. É o único que a gente faz, porque primeiro somos casados e a primeira
coisa que a gente pensa é nos nossos filhos. Então a gente trata aquilo dali, aquela
criança. De a gente as vezes o quer fazer tamponamento, faz no último caso
mesmo, a gente diz: “Não. pra aguentar um pouco mais a secreção”. É
porque a gente tem aquele sentimento mesmo de ver uma criança, já o adulto a
gente já faz, a gente já faz de praxe assim, como se fosse o dia a dia da gente, como
se fosse não, como é o dia a dia da gente, a gente faz, se eu disser igual, vamos
dizer, a gente sabe que o serviço nosso é aquilo, então a gente tem que fazer aquilo
dali. É o dia a dia nosso.
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
No imaginário social é inconcebível que um pai ou e sepulte um filho, pois a morte
de criança altera a lógica convencional. Normalmente se aceita que um filho enterre um pai
ou uma mãe, mas nunca o contrário
89
, portanto, a higienização e o sepultamento de crianças é
89
A concepção de que a morte de crianças é inaceitável no imaginário social foi reforçada durante o Dia de
Finados (02 de novembro) do ano de 2007, quando duas senhoras (avó e mãe da criança), ao ornamentar com
flores o jazigo de uma criança que faleceu aos treze anos de idade, no dia 16 de julho, do mesmo ano; contaram a
história da doença e da morte da criança (um cavaleiro de hipismo que havia recebido vários prêmios por
praticar o esporte) e, ao tentarem explicar a dor da perda de um filho e de um neto, interrogaram-me: “Você tem
181
percebido por todos os profissionais do Grupo Parque das Flores (Diretores, Coveiros, Mestre
de Cerimônias, Agentes Fúnebres, Administradores, Assistentes Sociais e Executivos de
Vendas) como o mais difícil de ser realizado, conforme relato dos dois Mestres de Cerimônias
do Campo Santo Parque das Flores:
Crianças a gente sente mais porque a gente vê aquele chororô das mães, dos pais e
de avô, quando é mais adulto a gente não sente tanto.
[...]
A gente se emociona mais acho que quando é criancinha, como eu disse a você,
teve um relato ali, eu mesmo fiz esse sepultamento de uma criancinha que ela ficou
internada um bom tempo, a família não se falava uma com a outra, era intrigado e
através dessa criança eles voltaram a se falar, começaram. O próprio avô dela
mesmo disse quando a gente chegou para fazer o sepultamento, ele chegou até a
sepultura, a gente ia pegar [o caixão] para descer [colocar no jazigo]. Ele [o avô
disse] Não. o desça não, agora não. Bota ela aqui em cima da grama”. O nome
da menina era até Maria Clara, ele [o a] começou a falar: “Ela que era uma
menina forte”. comava a chorar, a gente se emociona também, a gente fica
segurando para não chorar, a equipe da gente, mas fica um negócio né, vendo
aquele senhor chorando e [dizendo] “Ela só veio para fazer a união da gente,
porque a gente era desunido demais, o sei o que...”. [o avô] Começava a falar e
chorando e a família toda, a mãe e o pai da criança. o tem como não se
emocionar.
(Entrevista com Lírio, realizada em 29 de março de 2008).
Agora tem fato que realmente não para vose segurar, você tem que aguentar
mesmo e chorar né. Quando é criancinha, principalmente quando é criança, vo
não aguenta. Quando é criança é triste, todo mundo chora e quando é criança
sempre tem outras crianças chorando não é? Sempre tem, tem amiguinhos, colegas,
não tem que aguente o.
Você já fez esse tipo de sepultamento?
Já. fiz. Fiz dois. Um pivete que a televisão que matou, dois [duas crianças],
Gabriel, todos dois se chamavam Gabriel, foi trinta dias depois, um atrás do outro,
que um foi no apartamento e o outro foi numa casa. Eles brincando [com a
televisão de 29 polegadas, a tv caiu por cima das crianças, matando-as]. eu fiz
[sepultei]. Mais foi a maior tristeza do mundo. Pense! Eu sai daqui arrasado, deu
um nó aqui, a lágrima desceu na hora.
Vocês choraram?
Foi. Chorar a gente pode, a gente o pode rir né. Pode chorar, porque até pelo
sentimento não é. Agora vo rir é que não pode. Agora chorar pode. No caso
mesmo desses dois meninos eu chorei, o chorei desesperadamente né, mas eu
tentei travar mais não aguentei deu um nó e a lágrima desceu, desceu, aí eu tive que
deixar descer, aí quando terminou, até o coveiro, o coveiro que trabalha aqui
quase trinta anos que trabalha aqui não aguentou, o outro também não aguentou.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008).
A função dos Mestres de Cerimonial consiste em conduzir as cerimônias de velório e
sepultamento desde o recebimento do cadáver no cemitério Parque das Flores, até o enterro do
corpo. Enquanto necro-profissionais que lidam diretamente com o morrer, esses profissionais
vivenciam experiências mais diversas. Dos dois Mestres de Cerimônias existentes no Campo
Santo Parque das Flores, um exerce a profissão quatro anos, foi trabalhar no cemitério a
partir de uma indicação de outro funcionário, realizou uma entrevista com a Diretora da
filho? Então não sabe a dor que estou passando”; deixando claro que perder um filho vai de encontro à lógica
natural de que são os filhos que sepultam os pais e não o contrário.
182
necrópole e, no dia seguinte, comou a trabalhar como segurança do cemitério, depois de um
tempo, passou a exercer a atual função. O outro exerce a profissão três anos, sendo que
antes era office-boy do escritório de arquitetura da atual Diretora do cemitério, depois foi
trabalhar no Parque das Flores como vigilante, até ser convocado pela administração para a
atual função. O último relembra as dificuldades que teve no início da profissão, sobretudo
envolvendo situações emocionais:
Nos três primeiros meses que eu comecei a trabalhar aqui eu me sentia mal. Porque
você entrar num ambiente, numa capela, vê choro, aquele negócio, um clima
negativo, tristeza, você não está acostumado com aquilo, quer dizer, se abala. Eu
entrava na capela tremendo, com o coração acelerado, aquela coisa ruim e o
pessoal chorando, chorando, eu sentia dor no peito, eu disse: Meu Deus! Eu tô
com problema no coração”. Mas não era, era eu acho que era o sentimento né? O
sentimento. choro, vendo choro, eu nunca tinha visto, de vez em quando que
eu ia no sepultamento, eu trabalhava aqui na frente [no portão de entrada do
cemitério exercendo a função de vigilante]. Mas quando eu comecei a ver só choro,
choro, choro, desespero, eu comecei a sentir né. Os três meses eu senti mesmo. Eu
disse: Rapaz eu vou pedir para sair, pra trabalhando assim do jeito que eu tô é
melhor pedir para sair, ir para outra função, eu acho que eu não vou aguentar não”.
E eu trabalhando, trabalhando, eu sai daqui meio tenso, eu chegava [em casa] e vou
tomar uma cervejinha, aí tomava, melhorava um pouquinho, começava a distrair.
[...]
Eu acho assim sabe, esse meu trabalho é muito complicado. Quem trabalha no
IML, morreu, limpou, tá tendo contato com o defunto né, limpou, botou lá, tudo
bem. Mas no meu caso, eu trabalho muito assim, o meu trabalho é muito emocional
não é? É porque sou eu todos os dias que vejo o sofrimento da família. Naquela
hora, querendo ou não eu sinto, querendo ou não mais eu sinto na hora que tem
sepultamento que você vê o amor que aquela pessoa tinha pelo próximo, pelo
defunto, quando tava lá vivo, entendeu? Tem sepultamento que eu faço de família
aí, não vem muita gente, mas se você vê a união da família que pega na o,
aquela oração, você sente que ali era uma pessoa querida e ali está todo mundo
realmente sentindo, sentindo mesmo a perca de um ente querido, mas tem
sepultamento que você faz que você que tem família que tanto faz como tanto
fez. Infelizmente é isso, é a realidade é essa, do mundo hoje é essa. Você olha
assim é uma frieza total, entendeu?
Tem sepultamentos que a família pede até para esperar um pouco mais?
Oxê! Eu fiz sepultamento que a menina olhou para mim se ela pudesse ela me
matava, voacredita, quando eu fui chegando perto assim, ela viu o negócio [o
símbolo] do [cemitério] Parque [das Flores], o paletó, ela chegou na urna assim e
olhou para mim, olhou que nem queria me engolir mesmo e disse: Não vai fechar
não” e pegou na urna, pegou na urna, segurou e olhou para mim com aquela cara de
“você não vai fechar”. Entendeu? Aí eu tive que baixar a cabeça e fiquei olhando
assim. Sempre eu procuro mais a pessoa calma, um homem, sempre é mais um
homem, tem muita mulher, mais é mais difícil, eu procuro um homem e mando tirar
ela, ele vai tirando devagarzinho, mas tem pessoas que entram em desespero.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008).
O dia a dia desses profissionais implica estar em permanente contato com situações
adversas e por vezes arriscadas. A presença de corpos em estado avançado de decomposição e
a ausência de informações sobre a causa mortiso ameaças constantes que denotam a
vulnerabilidade que esses profissionais estão expostos:
183
A primeira vez que eu trabalhei, como eu disse a vo, eu tinha medo. Depois fui
me habituando, normalmente. Eu não subia para cima porque eu não gostava de
ficar vendo essas coisas. Depois fui me acostumando.
[...]
Eu fiz um sepultamento que uma pessoa chegou [no jazigo, no momento em
que iria sepultar] pediu para abrir a urna, a urna tava fechada e começou a beijar [o
cadáver]. E se for uma doença que pega? Passa. E a gente não fica sabendo, porque
na realidade a gente não sabe qual é o tipo da morte.
Vocês não têm contato, não ficam sabendo de que a pessoa morreu?
Não.
se a família comentar?
É. Conversa com a gente, a gente vai pergunta assim: “E qual foi a causa da
morte?”. Então eles vão e dizem: “Ah! Foi isso e isso”. E também as vezes eu
pergunto [aos outros funcionários] “Quando chegar aqui [o óbito] e se vocês
ficarem sabendo das coisas vocês me dizem”. Quando morre de hepatite ou de
qualquer tipo de doença contagiosa e a gente não está sabendo de nada, chega lá [na
capela de verios] o pessoal quer abrir a tampa da urna e a gente têm que abrir,
eles querem olhar a última vez, a família quer olhar. E aí? Todo mundo
contaminado. Acontece isso. aconteceu de um sepultamento a noite mesmo a
gente fazer corpo em estado de decomposição fedendo, chega o terno [fardamento]
fica podre, a gente manda logo lavar o terno.
Isso já ocorreu?
Encontram [o cadáver depois de] três, quatro dias, aí a família traz pra cá para fazer
o sepultamento. Aconteceu um caso que o sobrinho chegou, para fazer o
sepultamento, estavam aguardando o sobrinho chegar, quando o sobrinho chegou e
ninguém queria entrar [na capela]. Tava todo mundo do lado de fora, o fedor
dentro, quando ele [o sobrinho do morto] entrou, queria abrir a urna, aí o tio dele
disse que não, queria se enrolar no tapa pra lá, [o sobrinho disse] “Não. Eu vou
abrir, não sei o que..., começaram a discutir, eu sei que fecharam a urna, não
quiseram nem segurar a urna para botar no carrinho, foi que a gente pegou
colocou em cima [do carrinho que transporta o caixão das capelas de velório até o
jazigo] e fez o sepultamento. Tem casos que a família já encontra três, quatro dias
depois no apartamento, já em estado de decomposição. Quando é um sepultamento
assim é chato.
Ninguém quer fazer, ninguém quer nem pegar na urna.
Quer nada e o fedor. Eu fiz um sepultamento que a mulher dele [do morto] viajou.
A gente sempre pergunta. O máximo que tinha era dez pessoas no sepultamento.
Ele [o morto] tinha ido para casa, a mulher dele viajou ele se sentiu mal, foi para
o médico, aí chegou naquele pronto socorro ali do [bairro] Tabuleiro, aí foi e
mandaram ele para a emergência, chegou em baixo [na Unidade de Emergência
Armando Lages] ele teve uma parada cardíaca e faleceu e ficou para lá, aí a mulher
dele chegou, ligando para ele e tudo, nada de encontrar ele, aí o rapaz que tava com
ele disse: “Ele disse que tinha ido lá para o Tabuleiro, ali para o pronto socorro”. Aí
quando chegou lá [no pronto socorro] a mulher dele se informou e disseram que ele
tinha descido lá para baixo [para a Unidade de Emergência Armando Lages] e ele já
tava morto há quatro dias já, quatro dias.
No hospital?
Sim. E a família entrando em contato, quando chegou lá [no hospital] pegou ele e
trouxe direto [para o cemitério]. Quando é assim o rosto começa a ficar aquilo
preto, cheio de mosqueiro, a urna fica pesada, já tava fedendo. Ninguém quer pegar
[no caixão], sobra para os coveiros [risos].
(Entrevista com Lírio, realizada em 29 de março de 2008)
O receio da morte, os momentos de emoção e o tratamento que esses profissionais
devem dispor aos familiares enlutados, demonstram que o exercício de suas funções envolve
uma intensa subjetividade. A estratégia usada pelos Mestres de Cerimônia para não se
envolver com a “morte do outro” é percebê-la como natural e como um evento corriqueiro:
184
As pessoas o dizem que o ser humano se acostuma com tudo né? Não é que eu
esteja acostumado, mais não é mais como era antes. Eu não sinto mais, se for
uma coisa muito chocante que acontece e às vezes você sente. Eu sou humano,
tenho coração, sentimento, mas eu tento levar assim: Não conho, não é minha
família. Na minha mente né. Porque senão, se todo mundo que entrar aqui, que
morreu, se você botar na sua cabeça, eu acho que vai morrer antes do tempo, não é?
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008).
Mas quando o morto passa a possuir uma identidade humana e social, ou seja, quando
o cadáver é uma pessoa que faz parte do cotidiano dos funcionários, a estratégia do o
envolvimento deixa de existir e, mais uma vez, o profissional se transforma em pessoa:
Aqui faz sepultamento de todo mundo e a gente se emociona. Mais teve um
funcionário aqui que a gente gostava que só, ele trabalhou com a gente, ele
trabalhava no campo [como coveiro]. Aí no outro dia chegou trabalhando aqui ele
passou mal, foi pra o hospital e quando chegou faleceu. veio para [para
ser sepultado]. A gente gostava que dele e todo mundo aqui chorou, até a gente
que fez o sepultamento. Não é fácil o, porque a gente via a dificuldade dele, era
um cara trabalhador, a hora que a gente chegasse e pedisse um favor a ele, ele não
negava favor a ninguém. Não é fácil. A gente olhar assim e ver uma mãe ou um pai
da gente indo embora, olhe a dificuldade que é? Imagine se for um da gente mesmo
(Entrevista com Lírio, realizada em 29 de março de 2008).
É a presença da vida que se insinua com a presença da morte, conforme observou
Elias (2001, p.70) de que a imagem da morte está intimamente ligada à imagem de nós
mesmos, de nossa própria vida e da natureza dessa vida”. Entre os necro-profissionais a
reflexão da vida surge da reflexão da morte:
O fato de vo está trabalhando aqui, dois meses e meio, pra você,
pessoalmente, teve alguma mudança?
Com certeza. Certamente mudou sim, principalmente a minha maneira de ver a
vida, o que é viver de fato. Porque cada pessoa que eu vejo morta me vem à mente,
principalmente, quando eu vejo jovens assassinados, viveu muito menos. Não viveu
de fato, existiu, apenas existiu e se envolveu com drogas, se envolveu com isso,
com aquilo. O que foi que mudou? Mudou o meu valorizar a vida e as pessoas, até
as pessoas, porque se eu tinha uma visão de mais valorizada de pessoas, de vida,
isso veio a aumentar, aumentou, porque a vida é tão fragilzinha, tão frágil, vo
vivo aqui, daqui a pouco você morre, então mudou um pouco, acrescentou, não
era que eu o tinha, eu tinha, mas ficou mais aguçado sabe? De valorizar as
pessoas, de valorizar a vida e ver que pra morrer precisa estar vivo como diz o
ditado.
(Entrevista com Antúrio, realizada em 15 de setembro de 2008).
Eu sempre gostei de sair muito, pra balada a noite ir pro interior, que quando eu
comecei a fazer esse trabalho. Eu não sei se com todo mundo é a mesma coisa, mais
você começa a ficar preocupado, você se conscientiza mais. Porque eu tenho um
amigo que ele gosta muito [de bebidas alcoólicas] e eu sempre falo para ele:
“Bicho! Maneire, maneire esse negócio porque eu trabalho”. Acho que você
trabalhando no dia a dia, vo não tem um exemplo melhor que balada, álcool e
volante o combina, não combina. Às vezes eu estou em casa ele chega lá “Vamos
na casa da minha sogra?” Que eu tenho uma tia que mora em Atalaia, ele gosta de ir
para lá, eu digo: “Vou o. Tu bebe demais, o tem controle”. Ele diz: “Rapaz tu
tais, menino tu tais ficando biruta”. Eu digo: “Biruta não, eu vejo a realidade, o dia
a dia, quantos eu não sepultei aqui por causa de álcool, álcool e volante”. Não é
não? Aí eu fico com medo. Às vezes eu vou com ele, aí tomo dois copinhos e digo:
185
“Rapaz bom, tá bom, vamos maneirar aí, que a gente tem estrada”. Ele diz:
“Rapaz tu já tá ficando é maluco”. Eu digo: “Não”.
Você acha que mudou alguma coisa depois que você veio trabalhar aqui?
Mudou. Mudou. Mudou. Mudou. Eu acho que não é medo, não é medo, é a
realidade que eu vejo no dia, parece que entra na sua mente ali e pra tudo acho que
você fica mais consciente, se é para vosair para brincar com os amigos com
álcool essas coisas, negócio de confusão, você já pensa. Quantos jovens eu fiz o
sepultamento aqui assassinado, ou volante, álcool e volante, aí você se conscientiza
mais. E eu fico pensando hoje quando eu tinha a idade deles que eu tinha vinte e
um anos, dezenove, eu menino chegava passava dois dias no meio do mundo, assim
zoando, curtindo, hoje é que eu venho pensar: Eu fiz isso também, eu já fiz.
Quantas vezes eu não já fiz isso aí?” Sair para beber, cinco horas da manhã ainda tá
no meio do mundo, na pista, na estrada com os amigos. Graças a Deus nunca
aconteceu nada comigo, mas hoje eu tô consciente, mais consciente, hoje eu não
faço mais, se for para ir para um show assim eu (digo aos amigos): “Vai beber o?
Se não for beber a gente vai, agora para beber e voltar embriagado meu amigo aí
não dá para mim não”.
[...]
Eu também comecei a dar mais valor ao que é meu. Assim, não as coisas materiais,
mas à essas coisas de família, vocomeça a dar mais valor. Coisas materiais vo
não leva nada mesmo. Mais principalmente aos amigos, pessoas que você nunca
mais viu, tem muita gente que é assim: “Ah! Esqueceu” Eu era assim. Hoje em dia
não, pessoas, amigos meus que eu não vejo mais eu sempre tento entrar em contato
[pergunto] “Tudo bem? Como é que tá?”. Porque um dia vovai ter que partir, e
você tem que deixar pelo menos uma recordação boa pros amigos. os colegas
meus perguntam: Rapaz quando tu descendo a urna assim, o caixão, tu o
pensa não que um dia tu vai para não”. Eu digo: “Ah! Lógico que um dia eu
penso, eu penso né, mas eu não boto nem na caba isso, porque um dia vai ter que
ir mesmo”, ele dizem: “Oxente! Se fosse eu não conseguia não, sabendo que um
dia eu vou ficar ali, num lugar daquele” Eu digo: “Ah! Mais isso aí o tem para
onde correr não, tem que ficar mesmo.
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008).
5.2. Os ritos purificatórios nos corpos mortos
Quando um cliente, associado ou beneficiário dos planos assistenciais do Grupo
Parque das Flores morre, a família comunica a ocorrência do óbito à telefonista de uma
central telefônica que funciona durante vinte e quatro horas e repassa para os agentes fúnebres
da Funerária São Matheus as informações sobre o tipo de plano, os dados pessoais e o local
onde se encontra o óbito.
Então os funciorios da Funerária São Matheus entram em contato com os familiares
da pessoa morta e solicitam que se dirijam à funerária para escolher o modelo do caixão:
Quando é um cliente parque como é o procedimento?
Eles telefonam pra Central do telemarketing, o telemarketing se encarrega de pegar
todas as informações, onde se encontra o óbito, o credo religioso e geralmente
quando ligam pra que acionam, a gente pede também um número pra contato,
que é um celular e a gente entra em contato e pede, solicita, que o cliente venha até
186
a loja, porque não é uma urna padrão e sim é uma diversidade. Então é melhor que
o cliente venha, escolha aquela urna que para o ente querido dele que ele achar
melhor, porque se a gente levar o cliente pode dizer: Rapaz eu pago um plano tão
caro, vome trouxe uma urna dessa!”. Às vezes até a tonalidade da cor da urna
não agrada, então para que não ocorra isso eu prefiro assim, solicitar que eles
venham, a o ser que ele diga: Não, traga qualquer uma aí, a que você achar
melhor, é pra minha e, é como se fosse pra sua e. Mitos dizem até assim,
então a gente procura ver o melhor, talvez o melhor pra mim não sei se vai ser o
melhor pra ele.
Vocês fazem alguma pergunta específica?
Sim. O credo religioso. Se for evangélico geralmente [a tampa da urna] vai
[ornamentado] com a bíblia, se for católico vai com o crucifixo, então tem uma
urna que tem um design assim de Nossa Senhora. Tem cliente que vem aqui,
escolhe a urna de acordo com o credo, temos urna com blia, sem bíblia, não
temos assim, com emblema da maçonaria que é compasso, essas coisas, isso não
tem. Também é difícil de morrer um maçom.
(Entrevista com Cravo, realizada em 13 de agosto de 2008)
Após o primeiro contato uma equipe com dois agentes fúnebres se dirige ao local onde
se encontra o óbito. Caso a morte tenha ocorrido na residência (os chamados casos clínicos) e
o morto não tenha sido acompanhado por nenhum médico, os agentes fúnebres transportam o
cadáver até o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) para que os médicos atestem a morte e a
família providencie a declaração de óbito. Em seguida o corpo é encaminhado para o local
onde ocorrerá o velório (Central de Velórios, residência, igreja ou capela do cemitério Parque
das Flores, mas normalmente é removido para a Central de Velórios) para realização dos
procedimentos de higienização e preparação do corpo para a cerimônia de velório e
sepultamento.
Caso a pessoa tenha falecido em algum hospital, o próprio staff médico encaminha o
óbito colocando o cadáver “na câmara fria” ou “na pedra” (como usualmente é conhecido o
necrotério). Ao chegar ao local, a equipe de agentes fúnebres solicita que a família libere o
óbito junto à administração hospitalar, em seguida se dirigem ao necrotério e iniciam os
procedimentos de higienização no cadáver ou encaminham o corpo para o local onde ocorrerá
o velório para realizar os serviços:
Você faz o procedimento lá na Central de Velórios é?
É. A gente veste, arruma [o cadáver].
Do cliente particular [externo]?
Tanto faz particular quanto do plano.
se a morte for em residência?
Não. Se for qualquer hospital, dependendo a localidade do hospital nós trazemos
pra aqui.
Mas também pode fazer lá?
Pode fazer lá na residência.
E no hospital também?
No hospital pode fazer. Na [hospital] Unimed, a gente pode fazer mais é que é
muito abafado. No Hospital Universitário não tem condições de vo fazer. No
IML a gente faz, mas também é sem condições. HPS. [Unidade de Emerncia
Armando Lages] não faz, é proibido fazer ornamentação lá.
Ai vocês pegam o corpo e trazem?
187
Pegamos o corpo, botamos no caixão e trazemos direto aqui pra Central de Velórios
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
Dependendo do hospital onde ocorreu o óbito os agentes fúnebres deduzem a causa
mortis e o estado do cadáver que vão encontrar:
Em muitas situações quando a gente ouve o lugar que o corpo está, que não seja em
residência, a gente espera alguma coisa, por exemplo, IML a gente sabe que é
pesado, principalmente o ambiente de IML, aquilo ali é horrível. Agora é que eles
colocaram uma mesa que tem rodas, que quando está desocupada facilita vo
retirar o corpo da mesa de necropsia e colocar nela e conduzir até uma rampa pra
você jogar água e tirar o sangue. Mas essa rampa pra praia e tem uns
apartamentos próximos.
É.
As pessoas assistem tudo, é querer, ficam vendo de do apartamento, às vezes
eles colocam meio mundo de corpos naquela calçada, corpos em decomposição,
então nós esperamos que vai ser essa situação , que o cara vai tá crivado de
bala, vai ta com faca, vai ta aberto. A gente ouve [a telefonista] falar HDT [Hospital
de Doenças Tropicais Drº Hélvio Auto] a gente espera AIDS, meningite, alguma
coisa assim. Então nós chegamos lá, encontramos às vezes a barriga deste tamanho,
ta cheio de água, às vezes nem cabe a tampa da urna, então falamos com a família e
explicamos a situação, pede para avisar que vai fazer uma incisão do lado [no
abdome do cadáver] pra tirar a água, drenar, a barriga baixa, e depois sutura. Às
vezes o ta tão alta, o precisa fazer uma incisão, mas tem que tirar pela boca,
virar o corpo, tirar secreção, limpar. Se tá machucado o rosto, depois cada um tem
que fazer uma maquiagem, passar um verniz de pele, botar um pozinho, ajeitar o
máximo pra ficar assim uma coisa o o chocante. Então a gente se prepara
[perguntamos] Que hospital ?” E a gente imagina a situação, até porque os
hospitais têm uma especialidade né?
(Entrevista com Antúrio, realizada em 15 de setembro de 2008).
Caso o cadáver seja “morte de IML”, decorrente de acidente, assassinato ou suicídio, o
cadáver é removido para o Instituto Médico Legal para realização da necropsia médico-legal
com o objetivo de identificar a causa mortis. Os agentes fúnebres esperam que a família libere
o óbito junto à administração do IML, em seguida realizam uma primeira limpeza no corpo
(se for necessário) e transfere-o para a realização dos procedimentos na Central de Velórios.
Como os “mortos de IML são necropsiados, os procedimentos realizados nos cadáveres
pelos agentes fúnebres é bem mais demorado e cuidadoso, pois implica a reparação do corte
feito pelos médicos legistas, conforme descreveram os agentes fúnebres Girassol e
Crisântemo:
Se ocorrer um acidente, a pessoa vai para o IML?
A procedência é o IML. Acidente automobilístico, queda, alguma arma branca.
Todo esse procedimento tem que passar pro IML.
Do IML é que vocês pegam pra fazer os procedimentos?
Quando eles fazem a liberação do corpo, tem que chegar e o corpo tá liberado junto
a família. Aí é que a gente vai lá pegar [o cadáver] para fazer o procedimento.
Mas lá no IML não fazem nada disso. Se a pessoa tiver um trauma na face, por
exemplo, o IML não faz reparação?
Não. Faz não.
E quem vai fazer?
É a gente que fazemos.
Então o IML só faz a liberação mesmo?
188
Ele faz a liberação e faz a autópsia. As vezes faz aquela sutura de todo jeito,
principalmente se tiver dez, doze corpos [para os médicos legistas necropsiarem].
a gente não espera que eles façam uma sutura bem feita não, faz uma sutura
que é igual, a gente chama de costurando um saco, ele pega aqui, faz aqui, puxa
aqui.
É onde essa sutura?
Até aqui a baixo do umbigo
Qualquer causa morte, eles fazem isso?
É. E no crânio. Serra o crânio, ele puxa essa parte pra frente pra olhar qual foi a
lesão norebro.
Em qualquer pessoa?
Qualquer. Faca, tiro [se for na cabeça]
E depois é vocês que fazem o resto?
O resto é com a gente.
Você disse que eles mal costuram, então vocês tiram e costura de novo?
A gente corta e vai fazer a sutura todinha de novo pra ficar, pra que não venha
sangrar. A gente coloca um plástico aqui por cima, um plástico com algodão porque
se no caso vier vazar fica no plástico, não venha manchar a camisa nem nada, e o
caixão também é forrado com um plástico porque no caso se qualquer coisa que
vier vazar vai ficar ali.
Tem que ter todo esse cuidado?
Todo esse cuidado. Principalmente a cabeça que as vezes a gente tem que ajeitar
porque ela foi serrada aí ela faz isso, vem uma parte pra trás e a outra fica pra
frente, a gente tem que dar um jeitinho que é pra família não perceber. Nós
arrumamos tudo isso.
E fica perfeita a testa?
Fica. Fica diferente coisinha pouca.
Mas fica aparecendo?
Fica só uma listazinha aqui assim, porque assim, porque as vezes ela faz isso, vem
pra frente a gente tem que voltar ela [o couro cabeludo do crânio], que é pra chegar
[juntar], porque fica tudo solto, mesmo com a sutura que ele faz, mas fica solto
porque é serrado mesmo.
Fica como se fosse uma lista na cabeça né?
É. Só no couro cabeludo.
Eu já vi uma sutura de IML no aqui [no abdômen].
Fica uma coisa horrorosa. Eles abrem o abdômen e costuram. E no crânio quando
eles abrem, eles só fazem o couro cabeludo aqui, ele puxa e fica tudo solto, as vezes
ainda fica saindo aquela massa encefálica, tem que limpar tudinho.
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
E se for acidente, como é que vos fazem o tratamento?
Como assim?
No corpo. Tem diferença?
Tem, tem. Tem tratamento. Todos acidentes que venha ter uma fratura. Pronto, teve
um acidente de uma menina que vinha com uma pessoa, um rapaz, que ficou
debaixo da carreta
90
. Pronto. No IML eles sempre, o pessoal, quando eu digo IML,
mas é uns funcionários de lá, ta entendendo? Não são todos, ta entendendo? É
porque é o seguinte, eles vêm e o um ponto, da um ponto aqui, outro aqui, um
aqui, outro aqui, certo? Então quando a gente vai botar dentro do caixão fica
90
O acidente que o agente fúnebre se refere foi de uma jovem de vinte e três anos de idade que morreu em um
acidente automobilístico na noite do dia cinco de fevereiro do ano de 2007, na rodovia AL-215, no município de
Marechal Deodoro. Às vinte e três horas e tinta minutos ela seguia com destino a Maceió, acompanhada do
advogado e presidente do Sindicato dos Lotéricos de Alagoas quando a caminhonete que ele dirigia, uma Hilux
branca colidiu com uma carreta Volvo vermelha. A jovem vinha no banco, ao lado do motorista, quando a
caminhonete bateu na traseira da carreta que estava parada no acostamento. A Hillux rodou na pista e ficou no
sentido oposto da rodovia. O motorista do carro teve ferimentos leves e foi encaminhado para um hospital de
Maceió, mas a jovem teve morte instantânea, sofreu um trauma na face direita, o nariz sangrava bastante e saia
secreções e além disso sofreu um grande corte na palma da mão.
189
sangrando, fica escorrendo, aí a gente tem um local certo, que é a Central de
Velórios, certo? A gente bota lá [o cadáver] aí a gente vai pontear melhor ainda, pra
não ta escorrendo.
É porque eles dão pontos muito espaçosos?
É. Porque um aqui, outro aqui, um aqui, outro aqui. E quando a gente vai botar
numa Central de Velórios ou na capela do Parque fica melando o chão, melando o
tapete.
(Entrevista com Crisântemo, realizada em 20 de agosto de 2008)
Apesar dos procedimentos realizados pelos agentes fúnebres serem os mesmos para
todos os tipos de óbito, uma diferença apenas nos cadáveres timas de morte violenta,
cujo corpo é transferido para o Instituto Médico Legal:
Quando a morte é acidente como é que vocês fazem para fazer o procedimento
do corpo, você já disse que sutura, e depois?
O corpo vai pro IML e a gente espera a liberação, quando é liberado, a gente busca,
o banho, nós vamos ver como é o estado que tá, se der pra gente fazer uma
reparação a gente faz, se não der, a gente chega fala com o Luis [sócio
proprietário da funerária] e explica a ele: Olha, não tem condições” e conversa
com a família. Quando a gente não fala diretamente pra ele passa pro supervisor,
porque fica bem melhor o supervisor ou o Zé Luis conversar com a família do que a
gente ir lá diretamente, que é aquele choque. Sou eu que tô fazendo e a família pode
entender que eu o quero fazer porque às vezes a gente nem deixa a família ver o
estado, diz: “Aguarde um momento aí”.
Já ocorreu de você não fazer, de não mesmo num corpo que não tem jeito?
Já. Vamos dizer esmagamento mesmo da face não tem jeito, aconteceu uma vez,
mas eu não tava aqui, eu tava no Planvida [outro plano assistencial funerário de
outra funerária] e uma carreta passou pela caba de um rapaz, aí quando chegou lá
não tinha jeito de fazer nada, o único jeito foi enfaixar, pra fazer mais ou menos que
tivesse o crânio dele ali. A mulher dele disse: “Mas não nem pra ver os olhos”.
Eu disse: “Olhe senhora é por causa da faixa que a gente teve que passar”. Mas era
que o tinha olho não.
Não tinha mais nada?
Não tinha mais nada. Só ficou a parte cabeluda da caba por trás foi que a gente se
baseou por ela e encheu de algodão e passamos a faixa, aí ficou aqui assim
[enfaixado a parte de cima da cabeça até a boca]. Parecendo uma múmia. Foi o
único jeito. Porque se a gente fosse deixar do jeito que tava, é difícil. Às vezes é de
tiro, tiro de doze, às vezes é um tiro mesmo que pega no maxilar e sai rasgando
tudo, a boca fica toda tronxa, aí a gente temos que dar um jeitinho.
E como fica?
Não fica cem por cento, mas uns noventa por cento. Às vezes é queimaduras,
queimaduras aí a gente vê, analisa direitinho aí faz uma maquiagem.
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008)
A equipe de agentes fúnebres se dirige ao local onde será realizado o procedimento
com o cadáver em um automóvel da Funerária São Matheus levando consigo alguns
materiais: uma maleta contendo pinça, bisturi, agulha, linha, gases e maquiagem (pó facial,
blush e esmalte de unhas); de três a seis pacotes de flores monsenhor; e os paramentos de
velórios (caso o velório seja realizado na residência), que consistem em dois apoios para o
caixão, um tapete, um porta Bíblia (se for velório de pessoas evangélicas) ou quatro castiçais
e um suporte com imagem de Cristo crucificado (se for velório de pessoas católicas).
190
Os serviços/procedimentos que o realizados nos cadáveres consistem em higienizar,
tamponar, vestir, necromaquiar e ornamentar a urna funerária. A higienização é a lavagem do
corpo para retirar o sangue, secreções e fezes. Em seguida é realizado o tamponamento do
nariz, boca e eventualmente ouvido, ânus e vagina, com o objetivo de evitar a saída de
algumas secreções durante as cerimônias de velório e sepultamento. O ritual de
tamponamento e explicado pelo agente fúnebre Girassol:
O tamponamento é na boca e nariz.
Como é?
É algodão, você pega algodão, vai colocando algodão, tem um gel que é
coagulante, coloca o gel, depois coloca algodão. No nariz também, a gente coloca
na cavidade assim e na outra cavidade.
Vocês levantam [o orifício nasal] e colocam é?
Normalmente. Nós temos uma pinça que ela é curvada, voé pegar aqui
[no orifício nasal] ela vai forçando. Agora a gente não pode forçar muito porque
tem umas veias, veias não, uns vasos, se a gente estourar um daquele vai
sangrar bastante.
Então tem que ter uma técnica?
Toda técnica pra fazer. Não é a pessoa chegar e colocar de qualquer jeito não. Se
forçar demais.
E no ouvido coloca?
As vezes a gente coloca, a gente faz no ouvido. Se for necessário mesmo, que é
muito constrangedor, a gente faz retal. Aí a gente tem que fazer. Se tiver secreção
começa a sair. Aí a gente é obrigado a fazer, mas é difícil tá fazendo porque é muito
constrangedor, principalmente se a família tiver próximo para observar. Porque a
gente pede, a maioria das vezes a gente pede a família pra sair, porque a gente tá
fazendo o tamponamento lá do nariz ficou ali perto aí acha tudo meio chato. E
aconteceu de a gente levar empurrão, dizer que o vai fazer aquilo. E a gente ser
obrigado a pedir aquela pessoa pra sair e ela não quer sair dali, atrapalha o
serviço da gente.
[...]
A gente faz no ouvido agora é bem pouco.
É porque depende de como a pessoa faleceu não é?
É. Porque de ouvido é só se abrir a cabeça é que ele volta a sangrar, tirando isso ele
não sai nenhuma secreção não. É mais na narina.
Mas não fica aparecendo o algodão não?
Não. A gente não deixa. [quando fica aparecendo o algodão] É igual a Papai Noel
[risos]. A gente faz pra que ele fique o máximo que puder sem aparecer, as vezes
aparece, que é a parte interna [do nariz], aí o caixão fica inclinado e se a gente olhar
de frente vai ver o branco do algodão. Mas a gente não deixa aparece, nem no
nariz nem na boca. A gente sempre faz o máximo possível pra fechar a boca.
Quando não consegue a gente passa uma cola labial que tem que prender a boca
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
A próxima etapa consiste em vestir o cadáver (esse procedimento também pode ser
realizado após a higienização) e necromaquiar. A nocromaquiagem corrige as imperfeições e
suaviza a aparência facial com o objetivo de dissimular a morte e o morto. As unhas do
cadáver são limpas e cortadas (no caso de mulheres as unhas também podem ser pintadas); os
cabelos são lavados; os pelos faciais são removidos, incluindo os excessos de cabelos
decorrentes de medicações recebidas antes do óbito; os vestígios deixados por acidentes,
doenças ou tratamento (como picadas de agulhas, por exemplo) podem ser escondidos e
191
maquiados; as barbas e bigodes também podem ser retirados com uso de navalhas, caso a
família assim solicite. Um corante labial é aplicado nos lábios para intensificar a coloração e
um corante facial natural é esborrifado na face e nas os para obter uma tonalidade rosada.
Podem ser aplicados também cosméticos de uso cotidiano tais como bases, pós faciais,
batons, máscaras para cílios, blush, etc:
Vocês maquiam também?
Exatamente. s temos todo o material de maquiagem. Mas só se a família quiser.
Às vezes tem muita família que diz: Não, pode deixar que eu vou maquiar”. A
gente deixa, porque aí no caso o corpo fica faltando só a maquiagem. Temos feito o
tamponamento. Faz a maquiagem, batom, a limpeza que a gente faz na pele dele
[do cadáver] é com leite de rosas [desodorante].
E barbeia?
Barbeia, dependendo, se ele tiver bigode a gente deixa. Primeiro se informa com a
família se quer que faça ou o, tem delas que as vezes diz: Não, ele gostava de
ficar barbudo, então eu quero barbudo”. Tudo bem. As vezes acontece casos de a
gente perguntar a família, a pessoa: “Não. Ele era assim, vai ficar assim”, aí o
outro chega e pergunta: “Porque vocês não fizeram. Eu quero que faça”, aí a gente
diz: “Olhe sua irmã, ou sua tia disse que queria assim. Agora converse com ela, se
ela aceitar a gente faz”, aí as vezes: “Não, não, vai ficar assim mesmo”. Então tudo
bem. A gente nunca se envolve assim de fazer sem a permissão da família não,
porque depois eles o queiram, ai sobra pra gente [risos]
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
Durante a necromaquiagem as partes ausentes do corpo decorrente de acidentes ou
doenças podem ser substituídas. Olhos, nariz, lábios, mãos, orelhas são devidamente
substitdos por ceras reparadoras. Amesmo corpos decapitados podem ser manipulados
com técnicas que envolvem fios e suturas para aderir à cabeça ao tronco. Os inchaços na boca
e pescoço são resolvidos a partir da remoção dos tecidos dentro da boca. Os orifícios naturais
(nariz, boca, ânus, vagina) são tapados com produtos especiais e os lábios são fechados:
Olho. A gente tem um olho postiço aqui, que é as vezes a pessoa perde [os olhos] e
a gente vai e coloca esse pra ficar aparentemente.
Vocês sempre fecham os olhos?
Fecha. Quando é um olho assim aí a gente coloca cola e fecha e há um
procedimento que a gente faz é um pontinho de nada de papel aí a gente põe na
menina [córnea] do olho e puxa, aí quando ele bate na menina [córnea] do olho ele
não abre mais.
É o papel que cola?
É. Qualquer papelzinho fininho e colocou na menina [córnea] do olho e puxou a
pálpebra, porque ele [o olho] não tem mais líquido, então o papel dá uma aderência.
Se a pessoa tiver perdido o olho, então a gente coloca o algodão e tampa. Uns três
meses a gente fez um aqui foi um tiro que o cara levou, o olho saiu, a gente colocou
algodão e depois colocamos o olho dele. Não fica igual, não fica normal não.
Fica meio fundo?
Meio fundo. É, vo tem que puxar ele um pouco pra fora pra ele ficar
aparentemente.
Agora as vezes não quer fechar né, nem o olho nem a boca, eu acho que é a
questão do enrijecimento?
É, as vezes o cara ta entubado.
Fica muito tempo com a boca aberta.
não tem condições de você fechar a boca dele, aí a gente vai pra cola labial, e
coloca e segura.
192
(Entrevista com Girassol, realizada em 02 de setembro de 2008).
A restauração facial também é uma técnica bastante utilizada nos cadáveres para
reparar ou reconstruir correções na face ou em outras partes do corpo decorrentes de acidentes
de qualquer natureza. Traumas, lacerações, cortes, podem ser corrigidos ou revertidos a partir
do desenvolvimento dessa técnica que tem o objetivo de preparar os corpos para os velórios
dando uma aparência mais próxima da imagem que a pessoa morta tinha enquanto estava
viva.
Fotografia 52: Artigos fúnebres utilizados pelos agentes da Funerária São Matheus. (da esquerda para a direita)
Temos um par de olhos postiços, o modelo de rosto para a restauração facial, os tanatofluidos labial e facial, o
gel para tamponamento e os instrumentos (tesouras e pinças).
Fotografia 53: Restauração facial realizada no cadáver que teve a parte superior do rosto (acima do nariz)
totalmente esfacelada decorrente de um acidente que expôs grande parte da massa encefálica. O profissional
reconstruiu a face fazendo com que o crânio voltasse a sua forma original e a pele do cadáver assumisse uma
coloração mais próxima que a natural
91
. (Dispovel em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso
em: 03 jun. 2008).
91
Fotografia retirada da website da Protanato indústria e comércio de produtos funerários, uma empresa que atua
mais de dez anos oferecendo cursos e equipamentos necessários para o desenvolvimento da técnica de
tanatopraxia no Brasil.
193
Fotografia 54: Restauração facial realizada no cadáver cuja caixa craniana deixou de existir, também havendo um
grande corte no rosto. O profissional reconstruiu a face e o crânio, fazendo com que o crânio voltasse a sua forma
original e a pele do cadáver assumisse uma coloração mais próxima que a natural
92
(Disponível em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso em:
04 abr. 2009).
O cadáver é colocado no caixão e a urna funerária é ornamentada com flores. Depois
que o corpo é colocado no caixão, os agente fúnebres cortam galhos de flores e insere-os nas
laterais do caixão para “dar o cheio do caixão”, em seguida ornamentam as laterais com
flores, tipo monsenhor. Depois disso o caixão é fechado e trasladado para o local onde será
realizada a cerimônia de velório. Caso o velório seja realizado em residência ou igrejas os
agentes ainda retornam ao local do velório para trasladar o corpo ao cemitério.
Todos os procedimentos que são realizados nos cadáveres dependem do tipo de morte
e do horário do velório e do sepultamento, conforme relato do agente fúnebre Cravo:
Eu procuro esclarecer o máximo a família, orientar também que é um momento que
estão todos emocionados. Eu oriento sobre o tempo que eles têm pra registrar um
óbito, procuro também dizer qual é a responsabilidade, o horio, falo: Olha o
horário pode ser tal hora, tal hora”. O horário que o óbito vai aguentar, não pode
ultrapassar disso porque tem óbito que aguenta mais de vinte e quatro horas, mas
tem outros que não. Então pra evitar que venha a ter inchaço, como aconteceu de
funerária levar, na Central de Velórios mesmo, deixou lá e disse que aguentava pro
outro dia e no mesmo dia o camarada [o cadáver] começou a inchar, o olho pulou
pra fora, quase que não pra fechar o caixão e foi uma danação. Então é melhor
eu passar pro cliente se for algo que pode ocorrer. Você pega o laudo e vê o tipo de
morte pra ver as condições que [o cadáver] pode aguentar.
(Entrevista com Cravo, realizada em 13 de agosto de 2008)
Caso o cadáver passe mais de vinte e quatro horas para ser sepultado, recomenda-se,
além dos procedimentos cotidianos que são realizados nos cadáveres, a utilização da técnica
de formolização ou de tanatopraxia.
Os agentes fúnebres da Funerária São Matheus diferenciam a formolização da
aplicação de formol. A aplicação de formol consiste em aplicar uma quantidade de formol no
cadáver (normalmente na cavidade abdominal). a formolização consiste na aplicação do
formol na veia femoral do cadáver através de uma pequena incisão na perna (próximo a
92
Idem.
194
virilha). A aplicação de formol é um procedimento que não é realizado pelos agentes fúnebres
da Funerária São Matheus, pois corre o risco do cadáver extravasar e estufar, ou seja, do
corpo expelir o formol durante o velório, estourar os olhos e inchar. Apenas a formolização é
permitida por ser uma técnica mais segura que consiste numa rápida rigidez cadavérica,
fazendo com que o corpo não exale nenhum odor e resista durante vários dias ou meses antes
de ser sepultado:
Ultimamente o que a gente faz mais é formolização. Um corpo ele dura mais ou
menos em estado normal até vinte e quatro horas ele dura tranquilo, dependendo
também do estado, se vinha sofrendo, qual foi a causa morte. Tem deles que morreu
hoje daqui a três horas ou vai direto pro cemitério ou ninguém aguenta porque por
dentro os órgãos já ta tudo comprometido, então nesse caso a família quer estender
o velório porque vem alguém de fora, aí nesses casos específicos tem que se fazer a
formolização. O formol ele deixa vorígido, você fica [bate na mesa] como uma
pedra. Então estaciona pra que você não venha entrar em processo de putrefação.
O formol dura quanto tempo?
Depende da formolização. Pode durar dois, três, quatro, cinco dias.
E demora mais a se decompor é?
É. Tem casos que você vai fazer o sepultamento e tá com cinco, seis anos, sete anos
que foi sepultado alguém ali, quando você tira, ele tá perfeito lá. No caso quando
vai sepultar no Parque das Flores que alguém quer a formolização em virtude de vir
parente de fora, a gente sempre avisa: Olhe a área [o jazigo] vai ficar interditada
de sete a oito anos”.
no cemitério tem uma tabela que coloca, tem um questionário que a pessoa
informa se foi formolizado.
Isso. Porque ali vosabe que aquela área, se houver um bito], se ocorrer
algum incidente ou aparecer outra pessoa, lá tem um controle e sabe que aquela
área não vai poder ser aberta porque o corpo foi formolizado e não tem como, o
corpo não se desfez.
(Entrevista com Cravo, realizada em 13 de agosto de 2008)
A tanatopraxia é também uma técnica utilizada nos cadáveres para amenizar os signos
da morte e para que o corpo conserve os ares de vida por mais tempo. A diferença da
tanatopraxia para a formolização é que esta deixa o corpo enrijecido e àquela deixa o morto
como se estivesse dormindo, atrasando o enrijecimento e a decomposição.
Os equipamentos adequados para realização da tanatopraxia consistem em uma bomba
injetora, uma bomba aspiradora, instrumentos cirúrgicos (pinças, agulhas, bisturi, tesouras,
algodão, esparadrapo, etc.) e uma estufa para esterilização do material.
Na bomba injetora (ijetânatus) com capacidade para dez ou doze litros é colocada uma
quantidade de água e acrescentado o tanatofluído arterial. Essa mistura é injetada no sistema
circulatório do cadáver, possibilitado o retorno da coloração natural do corpo, a fixação dos
óros e tecidos e o retardamento da decomposição.
A técnica consiste numa pequena incisão na parte inferior do pescoço na região onde
se encontram as veias circulatórias (a artéria carótida e a veia jugular). Com o auxílio da
bomba injetora, insere-se na artéria carótida (que conduz o sangue arterial do coração para o
195
cérebro) de três a seis galões de fluídos (esses fluídos são compostos por soluções de
formaldeído, glicerina, bórax, fenol e álcool, que são misturados à água) para desinfecção e
preservação do cadáver. Na veia jugular (que transporta o sangue venoso para o cérebro) um
dreno tubo é colocado para drenar ou sugar o sangue do corpo.
Depois é feita uma pequena incisão acima do umbigo e com ajuda da bomba
aspiradora insere-se uma longa agulha no interior da cavidade abdominal e torácica para
aspirar o sangue e outros quidos, em seguida insere-se uma quantidade de fluídos de
preservação com a finalidade de fixar os tecidos e as vísceras, impedindo o inchaço e o
extravasamento.
Existem vários tipos de fluídos (arterial e de cavidade) que são utilizados nos
cadáveres. Para inserir no cadáver o tanatofluído apropriado o tanatopraxista deve avaliar a
causa mortis e o tempo em que o corpo sevelado, até ser sepultado
93
. Existem dois tipos de
procedimento de tanatopraxia: a padrão que consiste na preparação de corpos humanos após a
morte, visando à preservação e a integridade dos tecidos corporais e retardando o processo
biológico da decomposição; e a avançada que consiste na utilização de técnicas avançadas da
tanatopraxia padrão, objetivando preparar corpos que estejam em estágio avançado de
decomposição.
Fotografia 55: Modelo de tanatatopraxia pado realizada em cadáver que não está em estágio de decomposição,
mas que possui algumas manchas de hipotástase cutânea (manchas arroxeadas na pele) decorrente do processo
de acumulação sangnea. A partir da técnica da tanatopraxia adotada no cadáver a coloração do corpo foi
restaurada
94
(Disponível em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso
em: 03 jun. 2008).
93
As referências aos usos e efeitos dos fluídos arteriais e de cavidade (abdominal e torácica) podem ser
encontradas na website. A Tanatus é uma empresa criada em 1994, localizada na região de Botucatu, São Paulo,
especializada em oferecer equipamentos, instrumentos, produtos químicos, assessoria de montagem de
tanatórios, preparação de corpos e cursos teórico-práticos na área de serviços tanáticos. (Disponível em:
<http://tanatus.com.br>. Acesso em: 05 abr. 2008).
94
Fotografia retirada da website da Protanato indústria e comércio de produtos funerários, uma empresa que atua
mais de dez anos oferecendo cursos e equipamentos necessários para o desenvolvimento da técnica da
tanatopraxia no Brasil.
196
Fotografia 56: Modelo de tanatatopraxia padrão realizada em cadáver que não está em estágio de decomposição,
mas que possui algumas manchas de hipotástase cutânea (manchas arroxeadas na pele) decorrente do processo de
acumulação sanguínea. A partir da técnica da tanatopraxia adotada no cadáver a coloração do corpo foi
restaurada
95
. (Disponível em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso em:
04 abr. 2009).
Fotografia 57: Modelo de tanatatopraxia avançada realizada em cadáver com avançado estágio de deformidade,
cuja morte (provavelmente decorrente de afogamento ou enforcamento) trouxe como consequência o inchaço do
corpo, fazendo com que o rosto ficasse deformado. A partir da técnica da tanatopraxia adotada no cadáver os
olhos, nariz e lábios inchados e distendidos voltaram à sua forma original
96
(Disponível em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso
em: 03 jun. 2008).
Fotografia 58: Modelo de tanatatopraxia avançada realizada em cadáver com avançado estágio de deformidade,
cuja morte trouxe como consequência o inchaço do corpo, fazendo com que o rosto ficasse deformado. A partir da
técnica da tanatopraxia adotada no cadáver os olhos, nariz e lábios inchados e distendidos voltaram a sua forma
original
97
(Disponível em:
<http://www.protanato.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=30&Itemid=34>. Acesso em:
04 abr. 2009).
95
Idem.
96
Idem.
97
Idem.
197
A tanatopraxia é uma técnica quase inaplicável entre os agentes da Funerária São
Matheus, realizada apenas pelo sócio-proprietário da funerária que fez um curso em São
Paulo. Os serviços que são mais realizados entre os agentes fúnebres são a lavagem,
higienização, restauração facial, necromaquiagem, formolização, vestimenta, colocação do
cadáver no caixão, ornamentação a urna e transporte do morto até o local de velório e/ou
sepultamento.
Se a tanatopraxia não é uma prática corriqueira entre os agentes fúnebres da Funerária
São Matheus isso se deve ao fato de que não é comum o velório ultrapassar vinte e quatro
horas até o corpo ser sepultado, sendo, portanto, desnecessário conservar o corpo através da
tanatopraxia e optar pela formolização caso o cadáver demorar mais de vinte e quatro horas
para ser sepultado. A utilização da técnica formolização de cadáveres só é realizada em
decorrência do tempo de velório e do sepultamento e não em decorrência da cultura da
poluição dos cadáveres (da forma como é presente na sociedade norte-americana). O que há é
uma cultura da impureza e pureza dos cadáveres que tem mana, nessa relação deseja-se que o
corpo seja mantido intacto e inviolável ao mesmo tempo em que não se suporta tocar o corpo,
optando por deixar a toillete fúnebre nas mãos dos agentes especializados.
Os serviços de higienização dos corpos mortos realizados pelos agentes fúnebres da
Funerária São Matheus são muito bem recebidos pelos clientes do Grupo Parque das Flores.
Azálea, uma cliente que adquiriu uma concessão de jazigo no cemitério Parque das Flores no
ano de 2001 e em 2005 se associou ao Plano Previparq tipo Rubi, fez uso dos serviços dos
agentes fúnebres quando do falecimento de seu esposo no ano de 2006. O esposo de Azálea
morreu aos oitenta e cinco anos de idade, num hospital local, vítima de pneumonia:
Seu esposo faleceu no hospital
Foi. No hospital.
E como foi esse trâmite
Quando a médica. Ele tava no hospital, tava na UTI, quando disseram de
madrugada que ele tinha falecido. Eu já peguei toda documentação e já partir pra lá
[para o hospital], quando eu cheguei lá na [hospital] Santa Casa. Fui com meu filho
na casa funeral e o rapaz disse que não precisava levar nada, que tava tudo certo,
que eles tem lá, ligam né? Disseram que tava tudo certo. Pronto, mandou eu
escolher a urna, não teve problema nenhum, eles fizeram tudo, aí levei a roupa dele,
que eles não dão. Levei a roupa dele, aí levei, levei tudo. Ele preparou, eu não tinha
feito a barba dele porque ele tava com febre, ele disseram: “Tem problema o!”
Fizeram a barba dele, arrumou, se quiser maquiar, maqueia. É uma beleza. Foi um
serviço perfeito.
Eles fizeram tudo?
Tudo.
Levaram para o cemitério também?
É. Meu filho acompanhando. Meu filho e minha filha ficaram acompanhando e eu
vim pra casa porque não havia necessidade de ficar todo mundo lá. Fiquei um
pouco aqui com meu irmão, a sobrinha dele, com essa outra filha. A minha outra
filha e meu filho ficaram lá. Depois, de quatro e poucas da madrugada, eles [os
filhos] disseram: “Já estamos seguindo, tá pronto”. Então saímos daqui e
198
seguimos pra pro Parque das Flores pra ficar no funeral. De cinco horas eu
tava lá, fui comprar mais flores porque eles não dão. Eles não dão cordelias, eles
não dão. Isso não entra. Então eu fui mandar fazer aquelas cordelias bonitas,
aqueles arranjos. Isso eu fui fazer. Então eu cheguei lá o que? Umas cinco e poucas.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008).
Íris, uma dependente do Plano Funeral Previparq, tipo Rubi, fez uso dos serviços de
higienização quando do falecimento do seu pai, em março do ano de 2007. A concessão do
jazigo no cemitério Parque das Flores foi adquirida por seu pai no ano de 2004, três anos
antes de falecer. O pai de Íris resolveu adquirir um jazigo depois de descobrir que sofria de
um enfisema pulmonar. o contrato do plano Previparq tipo Rubi foi realizado no ano de
2006. O pai de Íris faleceu aos noventa anos de idade no quarto de sua resincia, local onde
foi montada uma semi-UTI um dia depois de várias tentativas de interná-lo, sem sucesso, nos
cemitérios públicos da cidade de Maceió:
A minha mãe me chamou, comecei a chorar, parei naquela mesma hora, foi um
desabafo, liguei pro Previparq. Isso era três horas da manhã, eles disseram:
Olhe a gente não pode ir agora porque o IML tem que está aberto, porque ele
morreu em casa e tem que ir pro IML, o parque tem que levar ele pra poder pegar o
laudo senão não enterra”. Aí eu disse: “Que horas abre lá?”. Ele disse: “Sete, sete e
pouca tem um médico lá”. eu disse: “Tá certo”. ajeitamos ele. Isso foi de
três horas da manhã, de quatro e meia o rapaz do Previparq chegou, aí arrumou ele,
deixou ele lá. Quando deu seis horas ele voltou com o carro de novo da funerária e
levamos ele pro IML.
Os agentes chegaram de quatro horas na sua casa?
Entre quatro e quatro meia.
Ajeitaram ele?
Ajeitou ele.
Ajeitou como?
Ajeitou assim, trouxe já o caixão, botou ele dentro já todo arrumadinho e deixou ele
sem flor sem nada, porque ele foi resolver a questão da flores no Parque. Aí
deixou ele dentro do caixão todo arrumado, dentro, já que já tava duro né? Teve
que arrumar ele.
E os outros procedimentos, teve algum outro procedimento que eles
realizaram?
Eu vi isso. A gente tirou a roupa que ele tava, colocou a roupa pra se enterrar e
botou no caixão e pronto eu não vi mais nada. Agora quando ele voltou, que a gente
levou pro IML eu pedi pra não abrirem ele, pra não fazer nada, nenhum tipo de
exame, que ele tinha acompanhamento, eu levei tudo prontinho, os receituários
que eu tinha, tudo, exame, tudo, aí o médico graças a Deus ele foi bom e não abriu,
mas ele tinha que abrir porque a médica que tava lá na hora falou, graças a Deus
ele o abriu ele, porque eu não queria ele tava todo prontinho, pra tá mexendo
com ele, já tinha sido tanto sofrimento que já tinha passado, já tava todo roxinho, já
de falta de ar que deixa a pessoa toda roxa. o rapaz ficou conversando até
chegar o perito e olhou ele, aí a gente foi embora pro Parque. Quando chegou lá, aí
foi quando o rapaz do Previparq foi maquiar ele, fazer barba, botar aquele gelzinho,
botou um monte de algodão dentro, aí fez a arrumação todinha do caixão.
Ele fez isso no cemitério?
Ele já fez no Parque. Foi. Ele botou as flores.
Isso foi de que horas?
Quando ele fez isso já era mais de dez horas da manhã. A gente ficou muito tempo
no IML porque o perito demora atender. A gente chegou no cemitério.
Ficou você?
Eu e uma tia do meu marido, ela foi junto comigo.
199
E o resto da sua família ficou em casa?
Ficou em casa. Quando ele faleceu a gente perguntou logo se podia enterrar ele no
mesmo dia, como ele foi morte de falência múltipla dos órgãos não tinha
necessidade de deixar pro outro dia. Ele já tava duro, ali ele não ia voltar mais, aí o
Parque disse: “Tudo bem então a gente marca, você quer de cinco horas ou de
quatro horas”. Eu disse: “De quatro, que tá pelo dia ainda”. Ele morreu as três horas
da madrugada e se enterrou as quatro horas do mesmo dia, na tarde. Aí eles
pegaram ele de dez horas, arrumaram com flores, aí foi o restante da tarde o
velório. Eu gostei do atendimento do parque.
Você ficou lá?
Eu só fui pra casa quando eles terminaram de ajeitar ele, deixou ele todo
arrumadinho, que tava chegando pessoas e minha e tava prevista pra chegar,
pronto, ela tá chegando eu vou pra casa tomar um banho, como alguma coisa,
porque eu tava esse tempo todo com ele e não tinha comido nada, tava de estômago
vazio, eu disse: “Vou para casa”. E tava com dor de cabeça, uma dor de caba
tão grande, tem que chorar né, porque eu vim chorar depois que cheguei no
Parque, de dez horas em diante, que eu olhava pra ele, o rapaz maquiando ele,
botando aqueles algodão, é muito algodão que eles botam na boca pra não sair
secreção. Botam no nariz, botam no ouvido. É tanta coisas que eles fazem.
E você ficou vendo?
Eu vendo tudo. Ele botou uma parede móvel pra tapar, ele botou aquilo ali pra
poder fazer tudo nele. Eu achei até interessante. Ele disse: “Você quer que eu faça a
barba dele?” Porque fazia uns dias que eu tinha feito, como ele tava doente eu
não tava conseguindo fazer porque ele ficava agoniado aí tava um pouquinho
grande, eu disse: “Tá, é melhor fazer, ele se enterrar sem a barba, ele nunca gostava
dessa barba”. Aí ele fez. Eu gostei do atendimento dele.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008).
Esses serviços de higienização e restauração do cadáver são bem aceitos pelos
consumidores fúnebres, pois mantêm nos cadáveres a imagem da vida, sobretudo se a morte
foi violenta, consequência de algum acidente cujo corpo ficou deformado. Quando estes
serviços são realizados (sobretudo a restauração facial), os velórios são marcados por tristeza
e comoção. Entretanto quando estes procedimentos não são realizados nos cadáveres, os
velórios são também marcados por grande desespero e aversão (e até curiosidade).
Foi o que aconteceu nos velórios de quatro jovens que faleceram em decorrência de
um acidente de carro no dia 05 de agosto de 2006 na Avenida Fernandes Lima, em Maceió.
Neste acidente, cinco jovens ocupavam um veículo, um Fiat Uno, quando o motorista perdeu
o controle do automóvel e se chocou, numa velocidade de aproximadamente 140 km por hora,
contra um poste, por volta das quatro horas e trinta minutos. O carro partiu-se em três pedaços
e dos cinco ocupantes, apenas um sobreviveu, o motorista, de 26 anos de idade, que foi
socorrido e medicado. Dos outros quatro ocupantes do veículo, três faleceram imediatamente
(dois irmãos, um com 21 anos e outro com 24 anos de idade e outro jovem de 21 anos de
idade) e o quarto, com 19 anos de idade, foi socorrido, mas não resistiu.
Os velórios dos mortos neste acidente ocorreram nas capelas do Campo Santo Parque
das Flores. Todos os velórios foram muito emocionantes por se tratarem de mortes violentas
em pessoas jovens. Entretanto, apenas em um dos cadáveres a funerária contratada pela
200
família não realizou o procedimento de reconstituição facial e, por conta da gravidade do
acidente, a face deste jovem ficou irreconhecível, inchada e deformada, os ossos esfacelaram-
se de tal modo que era impossível identificar o local dos olhos e da boca.
As aparências dos cadáveres trouxeram diversas reações entre os presentes. Nos
corpos onde a reconstituição facial foi realizada, o velório transcorreu sem nenhuma
atipicidade, mas no velório do jovem cuja face não foi reconstituída, algumas pessoas sequer
tentaram se aproximar do caixão para visualizar o defunto e os que se aproximaram do
cadáver faziam em virtude da curiosidade, nestes, era perceptível os sentimentos de aversão,
desespero e enojamento. Com isso, os familiares decidiram fechar a tampa do caixão antes do
término da cerimônia.
Em razão da aparência dos cadáveres, este é um caso embletico que sempre é
lembrado por todos os funcionários do cemitério para exemplificar a “necessidade” dos
serviços de higienização e restauração facial. Portanto, esses serviços por mais dispendiosos
que sejam, contribuem para amenizar e ocultar as aparências e os signos da morte,
proporcionando um aspecto mais saudável e mais vivo do morto.
5.3. Velórios e sepultamentos no Campo Santo
Quando um óbito chega para ser velado em uma das quatro capelas do Campo Santo
Parque das Flores, o caixão é colocado, com a tampa aberta, sobre uma mesa de rmore. O
cadáver fica exposto dentro do caixão, com objetivo de receber as últimas homenagens da
família e dos amigos.
Os funcionários do cemitério Parque das Flores providenciam uma ficha com o nome
da pessoa falecida, o horário e a data do sepultamento que é colocada na frente da capela.
Depois solicitam que algum familiar assine um registro da entrada do óbito na capela e
apresentam um livro de condolências com as informações sobre a pessoa falecida que é
colocado próximo ao caixão e serve para que os familiares, amigos e todos que presenciarem
a cerimônia de velório, assinem ou deixem alguma mensagem de condolências ou
lembranças.
201
Em seguida é confeccionado um crachá com a identificação do morto (nome, data de
nascimento, data de falecimento) que é colocado na alça do caixão e a família recebe as
chaves da suíte da capela velatória. Todas as capelas possuem piso em mármore, ventilação e
iluminação artificial, cadeiras acolchoadas, duas mesas em rmore onde são realizadas as
últimas celebrações e onde o caixão é colocado, esta mesa é ladeada por quatro candelabros.
Todas as capelas são equipadas com uma sala de estar (suíte) iluminada e climatizada
artificialmente (com ar condicionado) para repouso dos familiares. Esta sala possui banheiro,
sofá para descanso, um frigobar e serviço de buffet com salgados, doces, refrigerantes e águas.
As capelas de velório do cemitério Parque das Flores são elogiadas pelos familiares
que velam os corpos de seus entes, já que a estrutura das capelas possibilita um maior
conforto para a realização das cerimônias de velórios:
As capelinhas de verio do Parque é uma beleza. Foi uma beleza, o velório [do
esposo] foi de madrugada, foi de quatro e meia da manhã, foi velado o corpo todo
lá, com maior assistência, tudo de bom. Essa capela é muito boa, tem ar
condicionado no quarto para você descansar, frigobar, com tudo.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008)
O velório do Parque é bem melhor. A capela é muito melhor. A capela do Parque
quando eu entrei na sala de descanso que tinha aquela cesta, refrigerante, água,
chocolate de tudo, todo mundo que chegava eu oferecia alguma coisa, porque a
cesta tinha muita coisa, era biscoito, era chocolate, era doce, era muita coisa, a
gente ainda levou pra casa porque não deu pra comer lá, porque tem uma hora que
você começa a chorar aí não tem apetite mais. O banheiro é tudo limpinho, aí tem a
ventilação lá é boa, as cadeiras, tudo. Tem um papel pra pessoa assinar quem
participou do velório. Eu gostei.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
Nessas capelas velatórias o tempo de estada do cadáver, antes de ser levado à
sepultura, é prescrito pela família, é ela quem vai dizer quantas horas o corpo deve ser velado
e à que horas deverá ser o sepultamento. Se uma pessoa falece pela madrugada, por exemplo,
seu corpo poderá ser sepultado no dia seguinte à tarde. Caso o indivíduo faleça durante o
período diurno, o velório pode acontecer durante a noite ou por toda a madrugada do dia
seguinte, sendo sepultamento realizado somente no dia seguinte
98
. As informações sobre o
local de velório, a data e o horário do sepultamento, são repassadas pelos funcionários que
ficam na portaria do cemitério Parque das Flores, aos visitantes, parentes e amigos que
porventura estejam à procura do velório.
98
Nestas regras algumas exceções podem ser aplicadas. No Campo Santo Parque das Flores já houve ocorrência
de um corpo que estava embalsamado passar três dias na capela à espera de ser transladado para outro país.
202
Fotografias 59 e 60: Capelas de verio do Cemirio Parque das Flores, em Maceió.
Fotografias 61 e 62: Interior das capelas de velório do Cemitério Parque das Flores, em Mace.
No Campo Santo Parque das Flores as cerimônias de velório e sepultamento o
realizadas por uma equipe composta por cinco funcionários: um Mestre de Cerimônias, três
jardineiros (coveiros) e um administrador, mas são os Mestres de Cerimônias que conduzem o
velório e o sepultamento:
E como é a tua atividade?
De sepultamento?
Sim.
Eu vou lá para cima [para as capelas], dou auxílio à família, caso a família precise
antecipar o sepultamento ela vem até a mim, eu tôpresente, aí a gente antecipa
o sepultamento, se quer demorar mais conversa com a gente a gente mais um
prazo de uma ou duas horas, quem sabe é o cliente o horário que ele quer fazer o
sepultamento, quem diz o horário é eles. Aí tá na hora de fechar, a gente vai lá, eles
chamam ou senão se o sepultamento é de seis horas a gente tá de seis horas em
ponto na capela, a gente vai até os familiares do falecido, conversa com ele e
pede para quando precisar pode fechar, se autorizar a gente fecha, pede para alguém
pegar do lado, pegar de um lado e do outro [do caixão] e a gente coloca [o caixão]
no carrinho, do carrinho a gente traz até o jazigo, para a área do sepultamento.
Aquele carrinho que desce [descensor]?
Não. A gente coloca no carrinho [de transportar a urna até o local do jazigo] e
depois coloca no descensor. Porque aí a gente vai tá guiando o sepultamento. Lá na
área do jazigo a gente manda alguns familiares pegarem o caixão e botar no
descensor, tem as cadeiras ao lado para família, tem as cadeiras de um lado e do
outro, para a família do falecido né? na hora a gente pergunta se pode descer o
caixão. Acionando com a cabeça balançando, indicando, a família pega e
203
ordens com a caba, a gente vai e desce e faz o sepultamento. Terminando, os
coveiros tiram o descensor, bota as gavetas no local e depois bota a tampa da gaveta
de cima e finaliza o sepultamento.
Depois vos cobrem o jazigo com as flores não é?
É. Coloca as coroas e sai. Nesse período a gente fica do lado porque caso haja
alguma dúvida, porque as vezes eles perguntas: “Como é? Não vai botar a grama
agora não?”. A gente diz a eles: “Amanhã ou depois quando plantar a grama”. As
coroas de flores ficam tudo em cima do jazigo novamente e fica aterrado.
(Entrevista com Lírio, realizada em 29 de março de 2008)
Apenas três dos cinco funcionários (o Administrador, o Mestre de Cerimônias e um
Jardineiro) se dirigem para a capela onde o corpo está sendo velado. Quando isso ocorre a
família, os amigos e todos que estão velando o morto, entendem como o momento de
encerramento do velório e o início da cerimônia do sepultamento.
Neste momento as pessoas procuram se aproximar do caixão. Os choros e lamentos
ficam mais intensos. Beijos, afagos ou um simples toque no cabelo, no rosto ou nas os do
morto são atitudes comuns entre os presentes.
O Mestre do Cerimonial acena (baixando a cabeça em tom afirmativo) para um dos
familiares para autorizar o fechamento da tampa do caixão. A espera para o processo de
fechamento da tampa do caixão pode durar vários minutos e a tampa pode ser fechada e
reaberta diversas vezes se a família assim desejar, pois há sempre aquele que deseja ver o
corpo do defunto pela última vez. Todo esse ritual é realizado em silêncio pelos funcionários
que se comunicam entre si e com os familiares apenas através de sinais e gestos.
O caixão é levado para o local onde será sepultado, dando início ao cortejo fúnebre.
No cortejo fúnebre o Mestre de Cerimônias vai à frente, seguido pela urna funerária e logo
atrás os parentes e amigos.
Fotografias 63 e 64: Cortejos fúnebres no Campo Santo Parque das Flores, em Maceió.
204
Ao chegar ao local onde o corpo sesepultado, o restante da equipe (dois jardineiros)
aguarda para proceder a cerimônia do sepultamento que compreende o processo de tapamento
do jazigo. A área que vai abrigar o sepultamento é organizada da seguinte forma: primeiro, é
colocando um toldo sobre o local que tem a finalidade de bloquear os raios solares. Em cima
da grama se colocam as placas de concreto armado
99
para fechar o jazigo. Um descensor
funerário (uma espécie de carrinho de alumínio com quatro rodas e com uma pequena
alavanca para descer a urna funerária até a gaveta do jazigo) é posicionado em cima do jazigo
cavado. Ao redor do jazigo são colocadas algumas cadeiras para que a família e os amigos
possam se sentar enquanto a cerimônia do sepultamento é realizada.
Quando o caixão chega ao local do jazigo é colocado em cima do descensor. O Mestre
do Cerimonial acena para a família solicitando autorização para baixar a urna e proceder a
cerimônia do sepultamento. Depois disso a equipe de funcionários retira o descensor e inicia o
tapamento do jazigo, colocando as placas de concreto armado e encimentando. Em seguida os
funcionários colocam as coroas e os jarros de flores e se retiram do local.
Fotografia 65: Jazigo preparado para receber o
sepultamento (preparado com um toldo, em cima do
local do jazigo está posicionado o descensor, nas laterais
algumas cadeiras, próximo do jazigo o carrinho que
transporta o caixão da capela velatória a o local do
sepultamento e outros paramentos para fechamento do
jazigo (placas de concreto armado, cimento, etc.)
Fotografia 66: Jazigo as o sepultamento,
quando os funcionários colocam em cima do
concreto armado as coroas de flores.
O caixão é colocado no jazigo numa posição em que os pés da pessoa morta fiquem
direcionados para a entrada do cemitério. Segundo Cascudo (1971) a posição correta do
cadáver no espaço do velório e da sepultura tem uma eficácia simbólica que assegura a
99
Caso em que a urna fique na gaveta dois, localizada no nível mais abaixo, os funcionários colocam oito placas,
sendo que quatro placas irão cobrir a gaveta inferior e as outras quatro irão cobrir a gaveta superior. No caso do
caixão ficar na gaveta um, localizada na parte superior do jazigo, os coveiros colocam apenas quatro placas para
cobrir a parte superior da área.
205
passagem do defunto para o território da morte, sempre com os pés voltados para a rua e
quando é carregado no féretro conserva-se a direção. Sai para a sepultura com os pés, ao
inverso de como entrara no mundo”. Essa posição do morto é que delimitará o lado em que o
jazigo está localizado (se direito ou esquerdo).
O momento da descida do caixão à sepultura, juntamente com o momento de fechar a
tampa do caixão durante a cerimônia de velório, é marcado por grande comoção, as pessoas
choram, desmaiam, gritam, enfim, expressam suas emoções das mais diversas formas. Íris
lembra que o pior momento da cerimônia de velório e sepultamento de seu pai foi quando da
descida do caixão à sepultura no cemitério Parque das Flores, já que se configurava a certeza
de uma ausência:
Quando painho faleceu é que eu vim ver o que era a pessoa ter alguém da família e
não ver mais, ver ali e saber que depois de fechar [o jazigo] não vai ver mais ele, aí
foi a dor pra mim. É o pior momento, os piores momentos que eu achei no
Parque foi a hora que fecharam o caixão e na hora que colocaram ele dentro do
jazigo, que botaram as pedras e que chumbaram com aquele cimento, que eles
botam um monte de cimento lá, lacra aquilo tudo, depois bota flores, foi quando a
gente começou a rezar, aí a gente chorava, chorava, chorava, não podia parar, foi as
piores partes pra mim foi essas, o fechamento do caixão e o fechamento do jazigo,
ali acabou.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008).
Algumas cerimônias fúnebres e rituais de sepultamentos podem ser acompanhadas por
músicas, orações, voz e violão, dobres fúnebres e orquestras. Há velórios onde a família exibe
um vídeo com cenas do morto em vida, outros solicitam padres católicos para celebração das
exéquias e encomendação da alma do defunto, outros convidam pastores evangélicos para
celebrar orações pela pessoa morta. Outra cena comum nas capelas velarias é a
ornamentação da sala, quando as capelas passam a receber coroas de flores de parentes e
amigos da pessoa falecida. Esse hábito de ornamentar os túmulos ou capelas com flores
sugere uma demonstração de carinho que os vivos têm por seus mortos, quando presenteadas
por amigos ou conhecidos também podem sugerir solidariedade para com a família enlutada.
No momento da descida do caixão à sepultura, dependendo da religião dos familiares
ou da pessoa morta, podem ser proferidas orações, leituras de passagens bíblicas, cânticos de
hinos religiosos e palavras de conforto para os viventes através de lembranças da virtude e das
benfeitorias do morto. As referências elogiosas à pessoa falecida é um tipo de costume muito
peculiar dos rituais fúnebres brasileiros. Rodrigues (2006b, p. 26) observou que diante da
notícia do falecimento de alguém, imediatamente se pergunta: “De que?”, com objetivo de
traçar o gênero da morte. Em seguida, quando se trata de um morto próximo, é hábito tecer
algum elogio à pessoa do tipo: Que pena, ele era tão bom...”.
206
As cerimônias de velório, cortejo fúnebre e sepultamento nunca são iguais. Os Mestres
de Cerimônias do Campo Santo Parque das Flores relatam algumas cerimônias consideradas
anormais e diferentes do cotidiano fúnebre:
Quando tem um velório vocês ficam sempre por ali pela frente das capelas?
É. A gente sempre fica por ali por cima.
Vocês começam a ficar ali a partir da hora que chega o caixão?
Não, a gente fica normalmente uma hora antes da hora marcada para o
sepultamento. Por exemplo, se o sepultamento for marcado pra quatro horas, uma
hora antes a gente começa a ficar em cima para dar atenção à família se
precisar de alguma coisa. A gente fica lá em cima para isso e porque as vezes tem
muita família que não sabe que tem pessoas que levam a urna até o local, até o
jazigo. eles pegam e fecham a urna quando você menos esperar. aconteceu
isso, quando você vai para a capela não tem ninguém na capela mais, o pessoal
vai com a urna toda ao contrário, a cabeça no lugar errado, os pés.
Já aconteceu outros casos diferentes?
Uma vez eu fiz um sepultamento aí, ali em cima, todo mundo sério e de repente
eu vi uma mulher gritando: “Silvana, Silvana, venha aqui Silvana”. Todo mundo
olhando. A mulher gritava: “Silvana”. Era a cachorrinha poodle dela que desceu do
carro e entrou na hora do sepultamento. Ela dizendo: Silvana”, tava doida,
desesperada a mulher. Que mulher maluca, ficava gritando: Silvana, Silvana”. Aí
quando eu olho, a cachorra no meio, a cachorrinha poodle.
Estava no velório ou já tava no sepultamento?
Estava no sepultamento, tava chegando no descensor. eu pensei: Ai, meu
Deus do céu!” e a mulher gritando pela cachorra. Aí a cachorra correu, correu e ela:
“Venha Silvana” e mandou o motorista dela ir atrás da cachorra, o motorista pegou
a cachorra, todo mundo sorrindo. pronto bateu aquela vontade de rir em mim
[risos]. Eu pensei que não ia me controlaro. eu baixei a caba assim e disse:
“Meu Deus, meu Deus me controla”. A cachorra era tão bonitinha e a mulher a
gritar. Era uma zoada danada, gritando: “Silvana, Silvana. Eu me controlei, graças
a Deus, e fiz o sepultamento, depois que eu sai, eu comecei a rir, sozinho. Existe
cada maluco.
Você me contou uma vez de um velório que os filhos tiraram a mãe da capela e
botaram o caixão em baixo da árvore, não foi?
Foi. Pense numa família assim acho que uma família que fazia tudo que a mãe
gostava entendeu? Uma família que amava a mãe mesmo assim. Eles deixaram ali
debaixo do de árvore, disseram: “Não vamos deixar ela aqui porque minha mãe
ama planta e gosta do verde, árvore, vamos deixar ela aqui”. Eu disse: “Mais moço
o senhor não acha melhor botar ela na capela”, o filho disse: “Não. Aqui ela tá
maravilhosa. Ah! Você não sabe, você não conheceu a minha mãe não, pode deixar
ela aí”. Aí deixou ela lá, aí a velha ficou lá debaixo do de árvore e eu: “Meu
Deus! Quando o povo entrar aqui e ver essa mulher aqui”. Era bem ali, não tem
esse pé de árvore bem grande aqui quando você entra.
Sei. Logo na entrada? Eu pensei que tinha sido aquele perto do
estacionamento,trás.
Não foi nesse daqui mesmo. Porque o sepultamento foi aqui [na área A]. Aí você
vai aqui direto e tem um pé bem grande aqui do lado esquerdo.
Tem. Tem.
Pronto. Eles colocaram ela ali naquele banquinho ali debaixo daquela árvore e
deixaram ela lá, e eu disse: Mais moço, e se entrar alguém aqui”. Ele disse: “Não
se preocupe com isso não, minha mãe ama árvore, deixe ela aqui”. tamparam,
fecharam a tampa do caixão e ela ficou lá, aos meninos acabarem de cavar o
jazigo. E ela lá debaixo da árvore e os filhos conversando a maior alegria e a velha
lá debaixo do pé de árvore [risos] olhando as flores [risos].
(Entrevista com Monsenhor, realizada em 17 de março de 2008)
Dias depois que o corpo é sepultado a administração do cemitério providencia a
ornamentação do jazigo com gramas verdes. À família compete providenciar as lápides junto
207
à administração do cemitério, essas pides serão posicionadas em cima do jazigo para
identificar o local da sepultura e a pessoa sepultada (com informações sobre o nome do morto,
data de nascimento e data de falecimento).
208
Depois
209
O que se teme da morte é exatamente o que ela tem de morte
e o que nela se cultua é o amor à vida
(José Carlos Rodrigues)
O solgan dignidade e respeitodo Grupo Parque das Flores propõe uma ideologia de
convívio s-enterro, através de uma lógica denominada de “humanização” e de “democracia
fúnebre”, conforme relatou um dos Diretores:
Da humanização, como um local de jardim né? De convívio pós enterro né? Que o
outro mausoléu não incentiva o convívio s enterro. É uma coisa muito feia, né?
Apesar de ser uma obra de arte, mas ele é muito frio, muito, muito individualizado
e muito levado assim pro lado quem é mais rico vai ter uma maior quantidade de
granito, quem é pobre não vai ter nada e o tipo parque talvez seja o local mais
democrático que existe, porque tanto o homem mais rico de Alagoas, como o mais
pobre que tiver ali, tão iguais. Não tem, realmente ele, nessa vida é onde ele
consegue ter o mesmo padrão de despedida.
(Entrevista com Cláudio Bentes, realizada em 10 de novembro de 2008).
A ideia de convívio s-enterro está relacionada com a estética da humanização que é
propagada pela ideologia dos cemitérios ajardinados. Essa estética da humanização é
organizada tendo como antítese a arquitetura tumular nos cemitérios monumentais. Thomas
(1991, p. 135-136) observou outras características da proposta de humanização na lógica
cemiterial contemporânea:
Los servicios tanatológicos ya no se dice pompas fúnebres se orientan en el
mismo sentido, como lo demuestran los indicios siguientes: la multiplicación de las
funerarias con su ambiente humanizado, sus recepcionistas elegantes y su música
ambiental, que contrastan con la apariencia siniestra de los depósitos de cadáveres;
el cambio del color negro por el violeta en las berlinas que reemplazan a las
carrozas fúnebres y por el gris en la vestimenta del maestro de ceremonias y los
portadores; la función de consejero (a veces semejante a la del sacerdote y la del
psicólogo, sobre todo en los Estados Unidos) que asume el responsable de los
servicios fúnebres, quien se niega a ser considerado un mercader de la muerte y se
atribuye una función humanitaria; por último, los loables esfuerzos que se realizan,
sobre todo en Francia, para personalizar, enriquecer y dotar de simbolismo a los
ritos (se han creado comisiones especiales con este objeto).
A ideologia da humanização compreende também ritos que são realizados depois da
morte. Se a morte do indivíduo causa uma desestrutura social (MALINOWSKI, 1984), então
os ritos do depois, os ritos post mortem, pretendem a reestrutura social, objetivando a
manutenção da relação e da comunicação dos vivos com os mortos:
Se a sociedade é um sistema de comunicações, o desaparecimento de um
componente de sua organização põe em crise todo o sistema. A morte de um
indivíduo o é um evento isolado, mas representa tantos eventos quantas relações
o indivíduo morto mantivesse: amizades, inimizades, paternidade, filiação, aliança,
propriedade... Todas essas relações, que constituem o tecido social, correm o risco
de se romper ou se rompem definitivamente. Por isso, o desaparecimento de um
indivíduo põe em marcha uma hiperintensificação das relações sociais. Desdobra
diante dos indivíduos e grupos um jogo de espelhos que se inter-refletem e se
210
reduplicam, de modo a encerrar no seio da comunidade a auto-identidade própria
do grupo, produzindo, pelo reforçamento da solidariedade dos que ficaram, a
superação do vácuo deixado pelos que partiram. Cada grupo à sua maneira impõe
aos sobreviventes o desempenho de papéis reclistalizadores que consistem em
privilegiar determinadas relações e evitar outras (RODRIGUES, 2006b, p.75).
O convívio s-enterro nos cemitérios ajardinados foi analisado por Freire (2005) ao
estudar o processo de sociabilidade entre as famílias enlutadas no cemitério ajardinado-parque
Morada da Paz, na cidade de Natal, no Estado de Rio Grande do Norte. A autora percebeu a
existência de uma alteração nos espaços cemiteriais através da prestação de serviços
denominados de grupos de apoio psicológico aos enlutados.
Essa proposta de convívio s-enterro compreende a criação de eventos cerimoniais
com a finalidade de lembrar o morto, fazendo com que sua memória esteja sempre presente.
Esses eventos cerimoniais são: a assisncia ao luto com auxílio de profissionais capacitados
para este tipo de ação (Psilogos ou Assistentes Sociais) e as comemorações de datas
significativas: o Dia dos Pais (segundo domingo do mês de agosto), o Dia das Mães (segundo
domingo do mês de maio), o Dia das Crianças (dia doze do mês de outubro), o Dia de Finados
(dia dois do mês de novembro), o Natal (dia vinte e cinco de novembro) e os aniversários de
nascimento e morte do sepultado.
Esses eventos vão interagir com o sistema sincnico e a partir do momento em que
são apropriados pelo esquema cultural e penetram na cultura, adquirem significância histórica,
conforme demonstrou Sahlins (2003b, p. 15) em análise sobre os eventos: “um evento
transforma-se naquilo que lhe é dado como interpretação. Somente quando apropriado por, e
através do esquema cultural, é que adquire uma significância histórica”. Os eventos
cerimoniais propostos pela ideia de convívio pós-enterro passam a fazer parte do cotidiano
fúnebre e são repetidos. Isto ocorre porque como qualquer outro evento, eles se desdobram
em dois planos: um que se refere às histórias de vida e as ações individuais de cada enlutado,
e outro que abriga as representações de todos os enlutados, formando uma história coletiva
que está acima das histórias individuais, pois abriga a estrutura cultural (SAHLINS, 2003b, p.
142-143).
211
6.1. Grief Terapy: a psicologia (terapia) do luto
A terapia do luto ou luto terapêutico é uma das premissas da indústria fúnebre norte-
americana criada pelos funerais directors com o objetivo de aliviar a família enlutada de
todos os detalhes da morte e do morto
100
.
A terapia do luto no Brasil consiste no acompanhamento psicológico aos enlutados. O
Grupo Vila oferece desde o ano de 2001 a psicologia do luto através do atendimento
psicológico individual ou de grupos de apoio, conforme consta na website do Grupo Vila:
A Psicologia do Luto é um serviço pioneiro no Nordeste, oferecido pelo Grupo Vila
nos cemitérios Morada da Paz e Parque da Passagem. Após sete anos de atividade,
o projeto vem passando por um processo de reestruturação e ampliação de suas
atividades com o objetivo de ajudar ainda mais pessoas a superarem a dor da perda.
As perdas vivenciadas por todos nós, seja para a vida ou para a morte, costumam
trazer sentimentos novos e de intensidade e duração variadas. Esse período
vivenciado após as situações de perda é o que a teoria do luto chama de processo de
luto. Para cada pessoa, o processo de luto acontece de forma única e vai depender
das características individuais de cada um, do tipo de relacionamento que se tinha
com a pessoa que partiu, do suporte psicossocial que se recebe e da forma como
aconteceu a perda.
O processo de luto costuma seguir etapas que são comuns às pessoas que o
vivenciam e geralmente trazem sentimentos como solidão, angústia, tristeza,
sentimentos de culpa, falta de interesse pela vida, raiva e também sensações de
ordem física. Tudo isso é natural quando se passa por perdas, sobretudo a morte de
pessoas queridas.
Dessa forma, a Psicologia do Luto do Grupo Vila traz um espaço de atendimento
individual e de grupos de apoio, em que todo esse processo de luto pode ser
acolhido, respeitado e vivenciado.
As atividades desenvolvidas por esse serviço o gratuitas e oferecem ainda
palestras informativas visando esclarecer sobre os temas relacionados à morte, luto,
enfrentamento e superação.
Missa da Família. Sábados, às 15:30 horas. Semanalmente no Morada da Paz e
quinzenalmente no Parque da Passagem.
Psicologia do Luto. Quinta-feira à tarde e sábado, após a missa. Quinzenalmente,
no Morada da Paz e Parque da Passagem.
(Disponível em: <http://www.grupovila.com.br/psicologia_do_luto/servico/>.
Acesso em 20 abr. 2008)
Os grupos de apoio realizam palestras com os enlutados nas dependências dos
cemitérios Morada da Paz e Parque da Passagem (ambos na cidade de Natal) com a finalidade
de:
Possibilitar o aprendizado para conviver com a saudade e retomar a vida. Um
encontro de pessoas que se dão as mãos para viver a dor e dar um novo sentido a
existência, compartilhando experiências e emoções, permitindo que o ente querido
continue fazendo parte de sua vida, sem tanto sofrimento.
(Disponível em:
<http://www.grupovila.com.br/empreendimentos/natal_rn/cemiterio_parque_da_pa
ssagem/>. Acesso em: 20 abr. 2008)
100
A função da grief terapy foi discutida no capítulo 3.1, intitulado: “Indústria do funeral norte-americana”.
212
Freire (2005) analisou o serviço de psicologia de luto do Grupo Vila entre os enlutados
que frequentavam o grupo de apoio do cemitério Morada da Paz, na cidade de Natal, através
de incursões ao longo de dois anos (2003 e 2004), onde manteve conversas informais com os
enlutados, acompanhou o grupo de apoio psicológico e realizou entrevistas com visitantes,
funcionários e gerentes do cemitério, com o objetivo de analisar a sociabilidade existente
entre os enlutados e o papel destes vínculos na elaboração da perda.
A autora percebeu que a proposta de criar um serviço para os enlutados partiu da
psicóloga responsável pelo grupo de apoio psicológico, que, ao terminar uma especialização
em psicoterapia para pessoas enlutadas, criou o projeto e apresentou à direção do Grupo Vila.
A proposta do grupo de apoio é descrita da seguinte forma:
A proposta do grupo é desenvolver o trabalho de apoio em doze sessões, realizadas
quinzenalmente, também aos sábados, após a missa, no ambiente da sala-de-estar
do cemitério. Apesar de existir uma programação idealizada pela psicóloga para
discussão dos temas e duração do grupo, ela faz questão de ressaltar, no primeiro
encontro, que os debates se desenvolveriam de acordo com a fala dos participantes
e que a proposta das doze sessões poderia ser alterada, seguindo uma necessidade
de ampliação, ou não, dos encontros (FREIRE, 2005, p. 76).
Os interessados em participar da psicologia do luto devem realizar inscrições na
secretaria do cemitério e assistir quatro palestras com temas diferenciados: perda, morte,
sintomas psíquicos e corporais, importância de externar e compartilhar a dor, etc. O grupo de
apoio psicológico era, à época da realização da pesquisa, o único formado para atender
enlutados de parentesco diversos, na cidade de Natal e o único do país a ser realizado dentro
do ambiente de um cemitério.
O objetivo do grupo de apoio era permitir uma permanência mais demorada no
cemitério. Esse estímulo à assiduidade fazia com que os enlutados utilizassem o cemitério
como local de sociabilidade, como um local onde era possível falar de algo impossível no
cotidiano: o luto. O cemitério se transformou em palco para expressar uma dor silenciada no
dia-a-dia, o cemitério era, portanto, “o som do silêncio” (FREIRE, 2005).
No Grupo Parque das Flores não existe a psicologia do luto tal como é praticada no
Grupo Vila, devido a ausência de um espaço apropriado no cemitério Parque das Flores.
Entretanto, há serviços de assistência aos enlutados durante o momento da perda, através de
auxílio terapêutico aos familiares nos velórios e/ou sepultamentos de seus entes, durante as
conversas informais realizadas através de contatos telefônicos com a família, ou em visitas às
residências dos enlutados. Esses serviços são realizados por Assistentes Sociais contratadas
pelo Grupo Parque das Flores para prestar assistência aos enlutados associados dos planos
funerários PréVida ou Previparq das Flores.
213
Durante uma conversa informal, a Assistente Social que realiza o auxílio ao luto aos
associados do plano Previparq das Flores revelou que seu serviço consiste numa humanização
da morte e não apenas em vender a morte, pois quando uma pessoa morta pensa-a não
como um morto ou como um cadáver, mas como um pai, uma mãe, um irmão, um filho, etc.
Porém, essa proposta de humanização é ambígua que, se por um lado, está baseada
na crítica à desumanização, por outro lado, essa humanização da morte faz parte de uma
ideologia de uma empresa que comercializa produtos e serviços fúnebres. Então mesmo
optando por uma característica humanista, o serviço é oferecido por uma empresa e para ser
consumido é necessário adquiri-lo financeiramente, pois o serviço de assistência ao luto e
acolhimento da família enlutada é oferecido apenas para os clientes do Grupo Parque das
Flores associados dos planos assistenciais funerários.
A proposta de humanização da Assistente Social do Grupo Parque das Flores está
concentrada em palavras de conforto e na valorização da expressão de sentimentos e
sensações de choros pela família enlutada, tendo em vista que grande parte do público do
cemitério Parque das Flores procura inibirem as sensações e emoções e desviar as conversas
sobre o tema da morte na tentativa de esquecer o trauma da perda. São filhos, esposos,
esposas, mães e pais que tentam esconder as emões para que pareçam pessoas fortes. Então,
a Assistente Social encoraja essas pessoas a chorarem, a falarem sobre a dor da perda e a
expressarem seus sentimentos e emoções.
Em uma ocasião, uma senhora havia se dedicado aos cuidados dicos ao seu pai,
abrindo mão, inclusive, de sua vida pessoal. Quando do falecimento deste, durante a
cerimônia de velório, não conseguia chorar, porém, em determinado momento teve uma crise
nervosa tremendo e debatendo-se. A assistente social pediu aos familiares que esvaziassem a
capela de velório, se aproximou da senhora e insistiu para que ela chorasse, para que ela
sentisse a dor que quem estava morto era o seu pai, a quem ela havia cuidado e dedicado a
vida toda. A senhora então chorou intensamente, diminuindo a crise nervosa.
O que a Assistente Social faz foi encorajar a expressão em público de sentimentos que
estão associados ao luto. Essa característica da sociedade moderna de suprimir o luto foi
discutida por Gorer (1965)
101
, mas é Thomas (1991, p. 121-127) que apresenta três etapas
principais do luto que são marcadas por intensas e diferentes dores (delirante, melancólica,
maníaca, obsessiva, histérica) e até mesmo por ausência de reações. A primeira etapa é o
choque psicológico e físico, onde perturbações somáticas (perda de apetite e de sono, fadiga,
101
O processo de interdição e escamoteamento do luto foi apresentado no capítulo 1.3., intitulado: “Interditando,
ocultando e banindo a morte e os mortos?
214
etc.) são acrescidas de uma sensação de aflição e neste momento podem também surgir
sentimentos de negação da morte e de raiva. A segunda etapa é a depressão, resultante do
sentimento de vazio deixado com a perda. E a terceira é a readaptação quando desaparece o
estado depressivo e a pessoa busca uma reabertura para o mundo.
Todas essas fases o acompanhas pela Assistente Social do Grupo Parque das Flores
que pretende que os familiares enlutados encontrem a terceira etapa. Dessa forma, o trabalho
desenvolvido pela Assistente Social compreende um ritual de função terapêutica que é
necessário ao reequilíbrio mental dos sobreviventes (THOMAS, 1991, p. 133).
Uma das associadas do plano assistencial funerário Previparq das Flores disse que
quando seu pai faleceu, em março de 2007, sua mãe entrou em processo de luto, usando
roupas escuras (pretas), chorando, fatigando e sonhando repetidamente com o esposo falecido,
ao ponto de tomar antidepressivos para se tratar clinicamente:
Depois que ele faleceu eu nunca sonhei com ele chegando pra falar alguma coisa
não. Ela sim. Mas a questão da minha mãe é tudo a consciência porque ela tá
dormindo e de repente ela vê um flashzinho de luz e já achava que era ele que tava
ali que era aquela luzinha. Aí ela olhava e dizia que ele aqui e sentia a presença
dele. Se o cachorro latisse, que a gente tem um poodle dentro de casa, pronto, ele tá
por aqui, aí eu: “Mainha acabe com isso”, eu fui tirando isso dela e a medicação
antidepressiva ajuda. Ela chora menos, ela parou de sonhar, porque os sonhos vem
porque a sua consciência fica martelando aquela mesma coisa, até que vo dorme
e sonha. Ela não comia. Olha pra você ter ideia, depois que meu pai faleceu, ela
hoje se você olhar pra ela vodiz: “Minha mãe como você está mais magra”. Tudo
dela não era porque ela comia e engordava e sim o stress que tava inchando ela de
tanta agonia que ela via ele doente, ela tava inchada, toda fortona, os braços.
Quando ele morreu, ela hoje com uma cinturinha bem fina, que ela é baixinha,
ela é aquelas baixinhas fortinha, ela perdeu eu acho que uns cinco quilos de pra
cá, de março pra cá. É porque hoje ela reage de uma forma diferente.
Vocês tiveram algum tempo de luto?
Teve a minha mãe (risos). Ela passou um bom período usando preto.
Foi?
Infelizmente. Pra tirar isso da cabeça dela, olhe para você ter ideia. Sim e outra
coisa quando meu pai era vivo ele prendia demais, ela não tinha segurança de sair
na rua, ela sempre pensava: Ele tá reclamando porque eu tô saindo”. Ela tinha que
em casa o tempo todinho pra olhar ele, que ele não gostava que ela saísse se
fosse com ele, e ele também não gostava de sair, então ela ficava entocada dentro
de casa, a depressão dela também iniciou assim. Ficava enjaulada. Depois que ele
faleceu que a gente começou a ir na igreja, teve a missa de sétimo dia então o
pessoal que era conhecido começou a resgatar ela, a puxar ela pra dentro da igreja,
ela hoje faz parte do apostolado, todo dia de manhã ela vai lá, reza o terço, isso
tirou ela mais também da questão de pensar: Ele morreu, acabou a minha vidae
o luto dela durou mais de um mês, não passou mais tempo eu acho que foi mais
a gente brigando com ela pra ela tirar o luto ficar de preto, era marrom escuro e
preto ela só usava essas cores. Ela não usava outra roupa.
Hoje ela já usa?
Hoje usa. Foi mais de um mês que ela ficou assim. Ela não usava nada, uma blusa
colorida ela não usava porque ela dizia que era carnaval, felicidade, ela usava tudo
liso e com cores fechadas. Era uma coisa horrível. Ela não queria sair pra canto
nenhum, tanto que o médico ela veio se tratar depois de um mês da depressão
que ela não queria ir pra médico nenhum, queria fazer nada, queria chorar,
chorar, chorar, chorar, chorar.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
215
Esses casos recebem atenção redobrada da Assistente Social do Grupo Parque das
Flores:
Depois que meu pai foi enterrado a assistente social perguntou, comentou com a
gente: Voprecisando de ajuda, você e sua mãe?”. eu disse pra ela que a
minha mãe tava bem deprimida, ela se ofereceu em ir lá ou a minha e ir no
Parque para elas conversarem, só que aí eu disse pra ela o seguinte que a mainha ia
se tratar e provavelmente ela não iria falar com ela naquele momento, ela iria falar
com um médico que a minha mãe não conhecia ela, a minha mãe pra falar é
muito difícil com pessoas estranhas, mesmo sendo do Parque, porque ela eu não
sei, ela é uma psicóloga lá é?
Ela é assistente social. Ela está lá pra fazer esse serviço, ela está lá pra ajudar a
família
Quando eu fui outro dia, ela tava lá, perguntou como é que estava a minha
mãe, eu disse: Está bem”. Depois ela ligou pra mim pra falar do seu caso e
perguntou de novo sobre minha mãe. Ela sempre pergunta, ela o esquece, eu
gostei dela.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
Os associados do plano assistencial funerário Previparq das Flores que conhecem e
fizeram uso do serviço, comentam sobre a assistência social que tiveram durante e depois do
velório e sepultamento de seus entes:
Então eu cheguei lá no Parque era umas cinco e poucas. Mas a moça ia muito lá na
capela. O velório já estava na hora e ela com muito cuidado comigo.
A Assistente Social?
É. Eu estava cansada, o pessoal conversando. Ela me liga sempre. É uma atenção. É
muito bom, eu aconselho qualquer pessoa fazer, muito, muito bom, muito bom
mesmo. Fui muito bem servida.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008)
Eu gostei muito, fui muito bem assistida, o povo muito bem educado de lá do
Grupo, do Parque, pessoas boas mesmo, educadas, e sabem consolar, ajuda.
A senhora teve contato com a Assistente Social?
Muito, eu gosto muito dela, da Assistente Social.
(Entrevista com Dália, realizada em 09 de julho de 2008)
O auxílio aos enlutados durante e depois do velório e do sepultamento, oferecido pela
Assistente Social do Grupo Parque das Flores garante uma maior aproximação dos clientes
pela empresa, além de revelar uma atmosfera de credibilidade e respeito dos enlutados em
relação à empresa. Essa situação se revelou durante uma entrevista com uma das clientes do
plano assistencial Previparq das Flores que disse ter pensado em não me receber na sua casa e
que me recebeu porque o contato anterior foi feito com a Assistente Social, e
complementou: Se a assistente social não tem me prevenido eu não aceitaria. Diante de um
mundo que a gente está. O mundo está fazendo medo. Eu iria recuar se ela não tem me
prevenido” (Entrevista comlia, realizada em 09 de julho de 2008).
216
6.2. Eventos fúnebres: saudade com paz e não dor com desespero
Segundo DaMatta (1985. In: DaMATTA, 1985, p. 120) na sociedade brasileira a
morte mata, mas os mortos não morrem, pois estes são entidades relacionais que comandam a
atenção e a reverência dos vivos, sendo assim, diz o autor:
Há obrigações diante dos mortos e de suas almas que são palpáveis: seus
aniversários de nascimento de morte são lembrados, sua memória deve ser cultuada
e há até mesmo uma possibilidade curiosa, pois falar periodicamente com eles a
quem o faz uma certa sabedoria, poder e aquela invejável e tranqüila resignação
diante “deste mundo”.
O ato de falar com os mortos ou recordá-los em datas comemorativas revela uma
intensa correlão existente entre vivos e mortos. A maioria dos familiares que possuem
algum ente sepultado no Campo Santo Parque das Flores visita o cemitério em eventos
comemorativos: Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia das Crianças, Natal, aniversário de
nascimento e morte do falecido e Dia de Finados.
Numa ocasião, no dia 01 de novembro de 2006, duas irmãs ornamentavam um jazigo
no Campo Santo Parque das Flores onde estava sepultada a sua mãe. Uma delas disse que
toda semana frequentava o jazigo para colocar flores e que quando isso não ocorria, sentia um
vazio, relatou ainda que muitas pessoas a repreendiam por isso, mas que ela se sentia bem
com este ato e tinha certeza que sua mãe também se sentia bem onde quer que ela estivesse.
Outra cliente que possui a mãe e o esposo sepultado em jazigos no cemitério Parque
das Flores revelou em entrevista a frequência que visita o cemitério:
Eu vou, visitar muito, vou agora, no dia das mães eu vou levar flores. É tudo muito
bem cuidado. Tudo muito bem limpo, tudo muito organizado. Quando meu marido
aniversaria eu vou, no natal eu vou, aniverrio de morte eu vou, da minha mãe
também.
A senhora vai quantas vezes lá no cemitério. Nessas datas é?
É. Nessas datas importantes. Dia das mães eu tô indo , de manhã levo flores, no
dia 30 né, agora. No dia 24, 23 de junho é aniversário dela [da mãe que está
sepultada no cemitério], aí a agente vai lá, eu mando rezar missa e levo flores e vou
fazer visita, e no dia 30 é aniversário de morte dela, vou de novo lá, aí quando eu
vou visitar é lógico que eu estou visitando meu marido [que também está sepultado
no cemitério], eu estou levando também e quando eu vou fazer visita dele estou
fazendo visita para minha mãe. E no Natal eu vou, quando meu marido faz
aniversário eu vou lá levar flores.
Dia de finados também?
Finados também. E fica lindo. O Parque das Flores fica lindíssimo de flores, muito
bem organizado, fica lindo, lindo, lindo, lindo. Muito bonito a gente ter um lugar
daquele, muito bonito, foi muito bem elaborado.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008)
217
Fotografia 67: Filhas ornamentando com flores a sepultura de sua mãe, no Campo Santo Parque das
Flores.
Esses rituais têm uma eficácia tranquilizadora, como lembra Thomas (1991, p. 137):
Es oportuno señalar que ante el vacío provocado por la desaparición de los ritos de
cesación del duelo, algunas familias promueven hoy espontáneamente reuniones en
ciertos aniversarios: se habla del desaparecido, se miran sus fotos, se escuchan sus
discos preferidos, se cantan las melodías que le agradaban…; estas reuniones, en
las que a veces de bebe y se come, contribuyen al sosiego de los parientes y amigos
que participan en ellas. En efecto, no es en el momento de los funerales sino
después de pasado un tiempo, que puede abarcar desde una semana hasta varios
meses, cuando el rito pude intervenir para cumplir con eficacia su función
tranquilizadora.
Sabendo dessa correlação existente entre vivos e mortos, as empresas do ramo
funerário utilizam como uma das estratégias de marketing a oferta de experiências, ou seja,
aliam a compra à oferta de atividades divertidas, como espetáculos ou eventos promocionais
aos seus consumidores, são os chamados shoppertainment (KOTLER e ARMSTRONG,
2003, p. 06). O Grupo Parque das Flores, por exemplo, possui eventos comemorativos e
encontros com os enlutados com a finalidade de promover uma integração entre as famílias e
um convívio pós-morte. Todos os domingos uma missa realizada às oito horas da manhã
nas dependências do cemitério Parque das Flores. Nas datas comemorativas (Dia das Mães,
Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal) a administração organiza eventos durante todo o dia
no espaço cemiterial.
No Dia das Mães dos anos de 2005, 2006 e 2007 foram realizadas duas missas em
homenagem as mães, uma às nove horas e trinta minutos e outra às dezesseis horas. No Dia
dos Pais do ano de 2005 foram realizadas duas missas em homenagem aos pais, uma às nove
horas e trinta minutos e outra às dezesseis horas e trinta minutos e no ano de 2006 houve uma
programação com um culto evangélico às oito horas, uma missa às nove horas e trinta
minutos, uma palestra com o tema Compreendendo o luto às quinze horas, uma missa às
dezesseis horas e às dezessete horas e trinta minutos a apresentação de um concerto com o
218
Grupo de Câmara da Universidade Federal de Alagoas, além de um espaço infantil com
atividades artísticas para as crianças. O Dia dos Pais do ano de 2007 teve apresentação de um
culto evangélico às oito horas e trinta minutos, missas católicas às nove horas e trinta minutos
e às dezesseis horas e uma palestra discutindo o tema “Perder e continuar vivendo”. No Natal
do ano de 2006 houve missas católicas às nove horas e trinta minutos.
Fotografia 68: Folder do Campo Santo Parque das Flores em comemoração ao dia das mães do ano de
2005.
Fotografia 69: Folder do Campo Santo Parque das Flores, em comemoração ao dia dos pais do ano de 2007.
Fotografia 70: Folder do Campo Santo Parque das Flores em comemoração ao Natal do ano de 2006.
O Dia de Finados ou Dia dos Mortos (02 de novembro) é atualmente conhecido como
o Dia da Saudade. A mudança da denominação visa perceber a comemoração não como um
dia penoso ou doloroso, mas como um dia onde se comemora as lembranças dos que partiram.
Ao sentimento de perda vai sendo acrescentado o sentimento de lembrança e de saudade. A
implantação do Dia da Saudade no Campo Santo Parque das Flores tem como proposta
mudar o conceito do dia de finados”, substituindo a dor da perda pelo clima de saudade e
219
nostalgia
102
. Ao relatar sobre a proposta do Dia da Saudade, a atual Diretora do cemitério
Parque das Flores disse que:
É. A gente tenta aliviar a dor... É, é um dia da saudade, só. O que a gente tenta fazer
com que as pessoas cheguem aqui é que elas não sintam aquele peso, desespero.
Venham aqui e sintam uma tranquilidade. Não sentir prazer, porque é difícil a
pessoa sentir prazer em vir no cemitério, mas ela sinta paz, pelo menos. Tranquila...
Ou seja, aquela saudade com paz e não aquela dor de desespero, sabe? (Entrevista
com Cláudia Melros, realizada em dia 05 de novembro de 2008).
A fixação de um dia para celebração das festas dos mortos ocorreu durante o ano de
1.030 quando o abade de Cluny, Odilon, determinou a celebração da festa dos mortos para o
dia dois de novembro, dia seguinte à festa de todos os Santos, isso porque na Idade Média
existiam várias datas destinadas aos defuntos: em Cluny, a festa dos mortos era comemorada
do dia três de fevereiro ao dia seis de junho, em Chaise-Dieu o dia dos mortos era
comemorado no dia quatorze de janeiro e os dominicanos festejavam seus mortos no dia
quatro de fevereiro. De acordo com Schmitt (1999, p. 197) a transferência da festa dos mortos
para o dia dois de novembro teve a seguinte justificava:
[Era no outono que os monges dispunham] de mais viveres para fazer face ao
afluxo dos pobres ao mosteiro: ora, os pobres eram considerados como substitutos
dos mortos e os alimentos materiais que lhes eram dados simbolizavam os
“alimentos espirituais, isto é os sufrágios que abreviavam as provações dos
defuntos.
Ao século XVIII no dia de todos os santos e no dia dos mortos eram realizadas
apenas preces de intercessão pelas almas do purgatório, após o século XIX essas datas
começaram a implicar a presença física perante os túmulos, fazendo com que o culto aos
túmulos estivesse relacionado à memória dos defuntos. Atualmente, o Dia dos Mortos,
substitdo pela ideia do Dia da Saudade, visa promover a visita aos túmulos homenageando
os que se foram com a finalidade de proporcionar momentos de recordações. Com essa
filosofia, o dia da saudade tem sido preenchido por momentos de lembrança nos cemitérios
ajardinados.
No Campo Santo Parque das Flores o Dia da Saudade foi implantado no ano de 2000
através de uma programação especial que contou com a apresentação de corais, missas,
cultos, orquestras, etc. Em 2001 houve apresentações de corais católicos, evangélicos e dos
mórmons pela manhã, à tarde houve uma apresentação de um cantor acompanhado do Coral
Prisma e às dezessete horas houve a celebração de uma missa pelo arcebispo de Maceió em
102
Entrevista da assessora de comunicação do Grupo Parque das Flores, concedida ao jornal Gazeta de Alagoas,
no dia 03 de novembro de 2005.
220
intenção de todos os falecidos, contando com a entrada da imagem de Nossa Senhora de
Fátima carregada pelos Arautos do Evangelho
103
.
Em 2002 a programação se repetiu, mais contou com uma exposição artística. No ano
de 2003 houve apresentações da orquestra da Igreja Batista, celebração de missa católica e
apresentação de música instrumental durante o período da manhã; no período da tarde houve
apresentação de um coral formado por crianças e por adultos da terceira idade, da Orquestra
de Câmara da Universidade Federal de Alagoas, além disso, foi celebrada uma missa católica
e a exibição de um filme sobre a vida de Jesus Cristo. Durante os anos de 2004 e 2005 o Dia
da Saudade teve uma programação que contou com missas católicos, cultos evangélicos,
corais e música, sendo que em 2005 houve a apresentação de um grupo teatral com atores
realizando perfomance com danças e músicas.
No ano de 2006 e 2007 os eventos se iniciaram no dia primeiro de novembro e se
estenderam até o dia três de novembro. No cemitério foi montado um espaço artístico com
exposição de artesanato, pinturas, telas e imagens sacras, além de um espaço infantil com
atividades recreativas para as crianças. Houve apresentações de culto evangélico, missas
católicas, músicas instrumentais, coral e orquestra da Universidade Federal de Alagoas, sendo
que o ápice do Dia da Saudade ocorreu com uma missa realizada às dezesseis horas e tinta
minutos pelo Arcebispo de Maceió com a apresentação da imagem peregrina de Nossa
Senhora de Fátima carregada pelos Arautos do Evangelho, que foi coroada, no final da missa,
pelo Arcebispo.
O Dia da Saudade no Campo Santo Parque das Flores é amplamente divulgado pela
imprensa alagoana. Em 2001 estimava-se que quarenta mil pessoas visitassem o local,
conforme anúncio no jornal Gazeta de Alagoas do dia 03 de novembro de 2001:
Multidão vai ao Parque das Flores lembrar seus mortos
Direção do único cemitério particular de Maceió estima em 40 mil número de
visitantes.
Uma multidão estimada em 40 mil pessoas visitou, ontem, o cemitério Parque das
Flores. O ambiente foi de saudosismo: muita gente contrita e com grimas nos
olhos. Um dos momentos de maior emoção ocorreu durante a apresentação de
corais contratados pela direção do cemitério.
Corais de comunidades católicas, evangélicas e dos Mórmons emocionaram os
visitantes durante todo o dia de ontem. À tarde o cantor Didha Lyra, com José
103
Os Arautos do Evangelho é uma associação internacional de fiéis de direito pontifício, foi a primeira
associação a ser erigida pela Santa Sé no terceiro milênio, o que ocorreu por ocasião da festa litúrgica da Cátedra
de São Pedro (22 de fevereiro) em 2001. Composta predominantemente por jovens, esta associação está presente
em cinquenta e sete países. Seus membros praticam o celibato, e dedicam-se integralmente ao apostolado,
vivendo em casas destinadas especificamente para rapazes ou para moças, os quais alternam a vida de
recolhimento, estudo e oração com atividades de evangelização nas dioceses e paróquias, dando especial ênfase à
formação da juventude. Os Arautos têm sua espiritualidade alicerçada em três pontos essenciais: Eucaristia,
Maria e o Papa. Esses pontos estão representados em destaque no brasão que os distingue.
221
Ducarmo no teclado, o maestro Gustavo e o Coral Prisma proporcionaram
momentos de muita emoção no cemitério.
Por vota das 17 horas houve a entrada solene da imagem de Nossa Senhora de
Fátima com os Arautos do Evangelho. O arcebispo de Maceió, Edvaldo Amaral,
celebrou missa na intenção de todos os falecidos (Gazeta de Alagoas, 03 nov. 2001
Geral, p. A06).
Fotografia 71: Stand com exposição de quadros e
imagens sacras no dia da saudade de 2006 do
Campo Santo Parque das Flores.
Fotografia 72: Espaço recreativo infantil no dia
da saudade de 2006 do Campo Santo Parque das
Flores.
Fotografia 73: Apresentação do Coral da
Universidade Federal de Alagoas no dia da
saudade de 2006 do Campo Santo Parque das
Flores.
Fotografia 74: Stand de vendas de jazigos e do
plano assistencial funeral Previparq no dia da
saudade de 2008 do Campo Santo Parque das
Flores.
222
Fotografia 75: Missa com o Arcebispo de Maceió
no dia da saudade de 2006 do Campo Santo Parque
das Flores.
Fotografia 76: Apresentação dos Arautos do
Evangelho e da imagem peregrina de Nossa
Senhora de Fátima no dia da saudade de 2006 do
Campo Santo Parque das Flores.
No dia da saudade do ano de 2002 mais de sessenta mil pessoas visitaram jazigos no
Campo Santo Parque das Flores. No ano de 2005 o jornal Gazeta de Alagoas do dia 03 de
novembro destacava a programação cultural do cemitério. Nos anos de 2006 e 2007 estimava-
se que mais de vinte mil pessoas visitassem as sepulturas do cemitério Parque das Flores. No
ano de 2007 o jornal Gazeta de Alagoas exibiu uma matéria sobre os eventos organizados
pela direção do cemitério e divulgou a programão cultural do cemitério:
Homenagem comsica e exposições
CAMPO SANTO PARQUE DAS FLORES, NO TABULEIRO, RECEBE
DENTRO DA PROGRAMAÇÃO DO DIA DA SAUDADE CERCA DE 25 MIL
VISITANTES
Shows, exposições de arte e apresentações de coral. A programação montada pelo
Campo Santo Parque das Flores serviu como bálsamo e ajudou a amenizar a dor da
saudade de muitas famílias que foram prestar homenagens a entes queridos, ontem,
no Dia de Finados. O “Dia da Saudade”, como foi “batizado”, acontece desde 2002
e a cada ano o número de pessoas que comparece ao local vem crescendo.
“Além das pessoas que vêm visitar familiares e amigos que estão sepultados aqui,
muita gente comparece apenas para acompanhar a nossa programação diz a
assessora de comunicação do Parque das Flores, Mylene Leite. Ao fim da tarde
de hoje, quando a programação se encerrada, cerca de 25 mil pessoas devem
transitar pelas agradáveis alamedas do tradicional cemitério maceioense.
Em uma tenda montada, artistas plásticos expunham seus trabalhos. O pintor Luis
Campos, natural de Arapiraca, mas radicado em Maceió desde os 8 anos de idade,
adaptou os temas de suas telas para a exposição no dia dos mortos.
“No hotel onde trabalho, faço retratos dos hóspedes, mas hoje o tema é diferente”,
diz ele, enquanto os últimos retoques em uma tela que acabara de conceber.
“Aqui os quadros têm que ficar prontos em pouco tempo, não podemos perder
tempo com acabamento”, diz ele.
O escultor João de Paula, natural de Pernambuco, era outro que produzia suas peças
no local. “É a primeira vez que estou expondo em um Dia de Finados. Acho muito
importante essa iniciativa da administração do cemitério, é mais um espaço para
nós artistas mostrarmos nosso trabalho”, disse João de Paula.
223
Mais adiante, enquanto orava sob o túmulo da mãe, o católico e aposentado
Oswaldo Ramos se agradava da música do coral evangélico, que se apresentava a
poucos metros de onde ele estava.
“Realmente todas as atividades que estão sendo realizadas trazem um clima muito
agradável para quem está visitando o cemitério”, disse Oswaldo.
EMOÇÃO
Para outras pessoas, a música só fazia aumentar a emoção, e as grimas se
tornavam inevitáveis. Mesmo depois de 30 anos da morte do pai, a emoção da
aposentada Elsa Maria Soriano é a mesma ao visitar o túmulo onde, além dele, sua
mãe também está sepultada.
“Eu sinto muita falta dele ainda. Fico aqui ouvindo essa música e lembrando o
quanto fui feliz ao seu lado. Todos os anos faço a mesma coisa. Amanhã (hoje), ele
completaria 100 anos de idade”, diz, emocionada e sem conseguir conter o choro.
A programação será encerrada hoje, com a apresentação do Grupo de Dança
Cláudio Souza, às 15 h, e uma missa, que será celebrada a partir das 16h
(Gazeta de Alagoas, 03 nov. 2007, p. A13).
A finalidade do Dia da Saudade ainda é o culto aos mortos e às sepulturas, entretanto,
a diferença do Dia de Finados para o Dia da Saudade encontra-se no comportamento fúnebre
adotado pelos que visitam os túmulos nos cemitérios. É possível verificar uma atmosfera
comemorativa e um clima de nostalgia entre os visitantes que trazem cadeiras ou sentam na
grama para conversar, chorar e se alimentar.
Fotografia 77: Pessoas visitando jazigo no Parque
das Flores no dia da saudade de 2007.
Fotografia 78: Pessoas visitando jazigo no
Parque das Flores no dia da saudade de 2007.
Essa ideia de um dia dedicado não ao choro e aos lamentos, mas a saudade e a
lembrança é reforçada pela estética dos cemitérios ajardinados-parques que permite uma
maior integração dos enlutados no espaço cemiterial, retirando o aspecto fúnebre existente nos
cemitérios monumentais, conforme destaca uma das clientes que possui jazigo no Parque das
Flores onde sua mãe encontra-se sepultada:
Domingo eu vou pra lá. Nos últimos dez anos eu vou lá, no dia das mães e vou
também no aniversário dela, muitas datas assim. Mas eu vou mais porque, por
visitar mesmo, quando eu vou lá às vezes eu lembro de tudo que se passou, mas ela
não está ali, mas foi o último contato que eu tive com ela, onde deixamos ela ali, foi
ali, entendeu? Então, se fosse em outro cemitério eu não iria, porque, primeiro em
224
outro cemitério não tem missa, não tem culto, não tem essas coisas, mesmo que
tenha eu não iria, porque justamente por aquela imagem que tem. Finados por
exemplo, quando a gente ia pra outro cemitério que tinha parentes em outros
cemitérios, eu achava aquilo ali como se fosse um culto a nada, porque o que a
pessoa faz nesses cemitérios, que não são feito o Parque, é justamente isso, eles vão
lá, acendem uma vela e vão embora, só que lá no Parque vopode ficar, não é uma
coisa tão desagradável de se olhar, você, por mais que tenha o nome, foto e data
que tem, você só olha se você quiser, se olhar pra baixo, entendeu? E não, no
outro são aquelas coisas, parece um templo, eu não iria, como eu ia quando eu era
pequena porque me levavam, ia, mas que eu gostava, eu não gostava não.
(Entrevista com Hortência, realizada em 10 de junho de 2008)
Fotografia 79: Pessoas visitando jazigo no Campo
Santo Parque das Flores no dia da saudade de
2007.
Fotografia 80: Pessoas visitando jazigo no
Campo Santo Parque das Flores no dia da
saudade de 2008.
Fotografia 81: Pessoas ornamentando jazigos no
dia da saudade do ano de 2006.
Fotografia 82: Pessoas ornamentando jazigos no
dia da saudade do ano de 2006.
No dia da saudade é comum os familiares enlutados ornamentarem os jazigos dos seus
entes com flores de forma a personalizar, diferenciar e identificar seus mortos.
225
Fotografias 83 a 86: Jazigos ornamentados no dia da saudade do Campo Santo Parque das Flores.
226
Consumir
227
Todo lo que está sujeto a la ley del tiempo está condenado a morir y desaparecer;
todo ser viviente está destinado ineluctablemente
desde su nacimiento a dejar de existir en un futuro incierto
pero probablemente programado.
Reflexionar sobre la muerte es enfrentarse con la certeza primordial.
(Louis Vicent Thomas)
O ato de produzir e consumir bens é algo existente em todas as culturas. Em todas as
sociedades os indivíduos consomem para se reproduzirem socialmente, para se diferenciarem
ou para atribrem status ou pertencimento. Ocorre que, entre as sociedades ditas primitivas”
ou “frias” e as sociedades ditas “complexas” ou “quentes” há uma diferença no ato e no
sentido do consumo, conforme aponta Gomes e Barbosa (2004, p. 16):
Uma das diferenças relativas ao consumo e a manipulão de objetos entre as
chamadas sociedades primitivas ou tradicionais e as sociedades complexas e
individualistas não está na ausência ou mesmo na pouca intensidade do
materialismo, mas no fato de naquelas o consumo e a relação com a cultura
material serem, em grande parte, presididos e, portanto, controlados, pelos rituais
coletivos. Nas sociedades modernas e individualistas contemporâneas, o consumo e
a relação com a cultura material, embora continuem sendo objetos de ritualizações,
passaram a ser, em grande medida, um fato da vida privada e uma decisão
individual.
Na complexa sociedade ocidental o consumo é uma atividade individual, mas que não
flutua em um vácuo cultural, pois os bens servem como pontes para o significado
deslocado
104
, tanto para os indivíduos quanto para os grupos. Constituem um dos mecanismos
usados para ajudar na retomada destes significados(McCRACKEN, 2003, p.141). Mas, uma
vez adquiridos os bens, os significados deslocados são colocados à prova empírica deixando
de estar plenamente deslocado, visto que já foi adquirido. E, mais uma vez, outros
significados vão ser deslocados e outros objetos que não foram possdos irão servir de ponte
para os ideais irrealizáveis. É assim que a nossa sociedade se depara com a insaciabilidade
para com novos produtos (CAMPBELL, 2004, p. 64).
Na sociedade contemporânea o consumo de bens está preenchendo uma função acima
e além da satisfação das necessidades materiais e da reprodução social. Nesse sentido, a
produção e o consumo de bens e serviços têm sido percebidos como algo maior e diferente de
uma lógica prática de eficiência material, ou seja, o consumo e a produção de bens e serviços
são intenções culturais (SAHLINS, 2003a). São os arranjos culturais que oferecem
104
McCracken (2003) chama de significado deslocado todo o segmento cultural que foi removido da vida
cotidiana e recolocado em um domínio cultural distante no tempo ou no espaço, passando a serem vistos como
realidades impraticáveis.
228
significações para a produção e o consumo de determinados tipos de produtos e serviços.
McCracken (2003, p. 11) ao discutir a relação entre cultura e consumo afirma que o consumo
possui um caráter completamente cultural:
A cultura é profundamente ligada ao e dependente do consumo. Sem os bens de
consumo, as sociedades modernas desenvolvidas perderiam instrumentos-chave
para a reprodução, representação e manipulação de suas culturas. [...] O significado
dos bens de consumo e a criação de significado levada a efeito pelos processos de
consumo são partes importantes da estruturação de nossa realidade atual. Sem os
bens de consumo, certos atos de definição do self e de definição coletiva seriam
impossíveis nessa cultura (grifo do autor).
O consumo é um sistema de significação na medida em que supre uma necessidade
simbólica. E essa significação é cultural, pública e compartilhada por todos, isto porque a
cultura é blica e o seu significado também o é (GEERTZ, 1989). Então o consumo é um
código onde:
São traduzidas muitas das nossas relações sociais. Ainda mais: este código, ao
traduzir relações sociais, permite classificar coisas e pessoas, produtos e serviços,
indivíduos e grupos. Consumir é exercitar um sistema de classificação do mundo
que nos cerca a partir de si mesmo e, assim, como é próprio dos códigos, pode ser
inclusivo (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p 16).
Na atualidade o consumo opera a partir do individualismo nas opções de compra, da
liberdade de escolha e da autonomia. Apesar de serem os indivíduos que consomem os bens, a
prática de consumo é social, pois é mediada pelas intenções cultuais. Com isso a oferta e o
consumo dos produtos e serviços fúnebres não surgem a partir de uma razão prática ou
simplesmente utilitária, eles surgem dentro de uma lógica simbólica que organiza a demanda,
que nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana, exceto
pela significação que os homens lhe atribuem(SAHLINS 2003a, p.170).
Bourdieu (2006, p. 163) observou que “na produção dos bens simbólicos, as
instituições aparentemente encarregadas de sua circulação fazem parte integrante do aparelho
de produção que deve produzir o o produto, mas a crença no valor do produto”. Então o
trabalho de venda de um produto não é nada sem o trabalho de produção do valor do produto
e do interesse pelo produto. Portanto, é no domínio da cultura que compreendemos as razões
que levam as pessoas a consumirem produtos e serviços fúnebres, os significados e a
importância desse consumo e em que medida ele funciona como uma janela para
entendimento dos múltiplos aspectos sociais e cultuais da sociedade contemporânea.
229
7.1. Perfil dos consumidores fúnebres
Nos Estados Unidos o crescimento do consumo de produtos e serviços fúnebres,
inclusive o aumento do consumo personalizado e preventivo está creditado ao envelhecimento
dos baby boomers. Denomina-se baby boomers a geração norte-americana nascida entre as
décadas de 1946 a 1964, quando houve um boom de natalidade no pós-Segunda Guerra
Mundial. Os baby boomers estão divididos em dois grupos distintos: os que nasceram entre
1946 a 1954 (geralmente chamados de Primeiros Boomers) e os nascidos entre 1955 a 1964
(frequentemente chamados de Boomers Posteriores ou Geração Jones).
Culturalmente os baby boomers foram a primeira geração que cresceu unida pelo
fenômeno televisivo e compartilhando eventos culturais com todas as pessoas de seu grupo de
idade, independentemente de onde elas estavam. Outra característica dos baby boomers é o
poder de confiança em si mesmos, eles são conhecidos como a geração eu. A principal
característica dos boomers é que compreendem uma geração de consumidores, o que fez com
que todo um mercado de produtos e serviços seja organizado para aten-los, sendo hoje o
maior público almejado pelos publicitários.
Mas a atual realidade é que os boomers estão envelhecendo. É uma geração com mais
de sessenta anos de idade. Estima-se que no ano de 2025 haverá sessenta e quatro milhões de
baby boomers com idade entre sessenta e um e setenta e nove anos. É a geração que tem
deixado de ser a geração do fervor da juventude para ser a geração da dor nas costas e, à
medida que vão envelhecendo, criam um mercado totalmente voltado para atendê-los
(KOTLER e ARMSTRONG, 2003, p. 67). Essa situação impulsiona o crescimento da
indústria de serviços, incluindo as empresas de cuidado com saúde, de cemitérios e de
produtos e serviços fúnebres.
Os boomers passaram a vida comendo alimentos saudáveis, praticando exercícios e
basicamente se recusando a envelhecer. Agarrado a esse conceito de juventude, evitam falar e
pensar sobre a morte. Por isso a indústria fúnebre passou a ser organizada para receber essa
geração de consumidores, incentivando-os a planejarem preventivamente seus funerais.
Mas tanto a produção quanto o consumo de produtos e serviços fúnebres o é algo
exclusivo da sociedade norte-americana, pois “a cultura de consumo contemporânea é de fato
produzida por todo o mundo” (MILLIER, 2004, p.35).
No Brasil os consumidores fúnebres são divididos em imediatos e preventivos. Os
imediatos são aqueles que consomem produtos e serviços no momento em que ocorre um
230
óbito e os preventivos são aqueles que adquirem produtos e serviços preventivamente, ou seja,
sem a necessidade de fazer uso imediatamente. Os consumidores preventivos dividem-se em
dois tipos: os usuários, que adquiriram os produtos e serviços preventivamente e fizeram
uso; e os não-usuários, que ainda não fizeram uso dos produtos e serviços adquiridos
preventivamente.
Normalmente os consumidores fúnebres que adquirem produtos e serviços
preventivamente o fazem por já terem passado por (ou tiveram conhecimento de) alguma
experiência anterior, realizaram a compra no valor imediato, o que, na maioria das vezes,
chega a ser de cinco a quarenta por cento mais caro, conforme relato de uma Executiva de
Vendas de jazigos e planos assistenciais preventivos do Grupo Parque das Flores:
Geralmente a pessoa quando vem aqui [no cemitério] é porque viu acontecer com
alguém. Quem vem até o Parque procurar é porque morreu um vizinho, é porque
viu que o vizinho não tinha, por exemplo, e teve que chegar aqui no uso imediato e
teve que dar oito mil numa área. Entendeu? Aí aquela pessoa vem quando
acontecer ou então quando tem alguém que vê que está entre a vida e a morte e
sabe como aqui funciona, corre e vem pro Parque, vem comprar, porque passou
por algumas coisas.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
Os consumidores fúnebres clientes do Grupo Parque das Flores que consomem jazigos
no cemitério Parque das Flores e/ou plano assistencial funerário na forma preventiva são os
que possuem renda familiar mensal de R$ 980,00 até/acima de R$ 7.794, moram em
residências próprias e o grau de instrução varia de ensino dio completo a superior
completo
105
. Mesmo que não haja distião social durante a oferta, alguns produtos e serviços
fúnebresestão acessíveis para os que possuem condições financeiras para adquiri-los:
Como é seu público, tem um perfil, classe, idade?
Não. Eu vendi a um cliente mais novo do que eu, ele comprou para prevenção
porque viu a propaganda, viu a situação que a tia dele passou que vieram comprar
aqui de caráter imediato, foi muito caro e viu a propaganda e me ligou e disse:
Olha, eu indo ”. Aí veio aqui. Mais novo do que eu, ele tinha vinte e dois
anos, um poder aquisitivo legal e veio aqui e disse: “Olha posso passar um cheque?
Vou fazer em meu nome, posso? Eu disse: “Pode”. Não existe o público alvo
relacionado a idade ou a classe econômica. Não existe. É como eu disse, o trabalho
tanto corpo a corpo, quanto o trabalho de listagem, a gente vai pegar uma casa de
sonho, de cinema e uma casa com um vão só, a gente vai pegar apartamento muito
chique e um que por exemplo comprou aquele terreno há tantos anos atrás e anda
de bicicleta, um cara que tem uma Pajero e um cara que tem uma brasiliazinha
velha. O público alvo eu acredito, eu pelo menos não tenho, eu tenho cliente de
sessenta, setenta, oitenta, quarenta, cliente de vinte e tantos anos, cliente da minha
idade. O público alvo, classe média, classe alta, o pessoal de idade superior a
cinquenta, inferior a cinquenta, o, eu acredito até que não exista. Mas o público
alvo não existe, mas o trabalho em si é destinado pra todos.
105
Estimativa baseada no Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB), da Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa (ABEP), que estima o poder de compra das pessoas e famílias urbanas abandonando a
pretensão de classificar a população em termos de classes sociais e se baseia no critério da divisão de mercado
definida exclusivamente a partir do critério de classes econômicas.
231
Aconteceu um caso interessante comigo até falei uma vez aqui, a gente tava com
uma campanha chamada de trans-dignidade, que acontece todo fevereiro, que é a
remoção de restos mortais pra cá, certo? Então o que é que acontece? Eu recebi
uma ligação no meu plantão, e essa pessoa disse: “Olha, eu quero comprar um
terreno que eu quero transferir minha filha e ela vai completar três anos daqui a
dois anos. Posso comprar?”. eu disse: “Pode” e eu expliquei o plano a ela, como
é que procedia, ela disse: “Dá pra vovir na minha casa? eu disse “Dá”. O
endereço dela: É aqui no Jacintinho”. Eu disse: Tudo bem, eu vou”. Eu cheguei
lá, pelo endereço que ela me deu, eu cheguei na porta eu tive pena, eu pensei em
voltar, eu disse: “Rapaz essa mulher o vai comprar o, essa mulher me botou
pra andar, ela confundiu com o PréVida que é quinze reais , essa mulher vai
voltar”. eu olhei assim e disse: “Não, mas peraí eu tô fazendo meu trabalho, eu
vou fazer meu trabalho”. Bati na porta e entrei. Na casa da mulher, o sofá dela tinha
um buraco, coberto com um pano o buraco, aí ela disse: “Quanto é moço?”. Eu
disse: Olha a entrada é isso e a senhora vai..” Ela disse: “Tá certo e o que é que
precisa?”, eu disse: Identidade e CPF”. Eu pensei: “Essa mulher tá de brincadeira
comigo”. Porque a entrada era um pouco mais alta, a gente até dividia, mas nessa
campanha era um pouco mais alta, não era cento e vinte e cinco, tinha entrada
até de dois mil reais. ela: “tá certo meu filho, pode preencher”. Eu preenchendo
e dando massada, até pra ver. Eu disse: “Meu Deus do céu, essa mulher não vai
comprar, ela brincando”. Mas ela mandou, eu deixei. Ela veio com o dinheiro
contado, de um real, de dez, de cinco, de cinquenta, contado. O dinheiro correto,
nem faltando, nem passando e num sistema de fidelidade que a gente tem aqui ela
foi a minha cliente mais fiel que eu já tive em todos os tempos, mais fiel.
(Entrevista com Narciso, realizada em 06 de abril de 2008)
Apesar de os produtos e serviços fúnebres estarem dispoveis para todo o público que
deseja consumi-lo, já que o consumo é uma escolha individual e autônoma, eles não estão
acessíveis para todos, pois são produtos e serviços caros:
Quem é o teublico, perfil, classe social, idade?
A gente atende tudo. Todos. As demais classes sociais, idade, também depende
muito, velho, novo, depende. Todo mundo compra, as pessoas mais idosas, as
pessoas mais jovens também compram, depende muito, cada caso é um caso. Agora
os que compram mais são as pessoas idosas e a classe, é a classe social mesmo alta
e a gente trabalha geralmente com a classe A, A e B, onde existe mais condições de
ter um jazigo com a gente. A classe C eles tem vontade mais não tem condições de
fazer, o salário não dá pra ele ter uma área aqui no Parque das Flores.
(Entrevista com Angélica, realizada em 06 de março de 2008)
O que é que você acha que motiva uma compra?
É o cliente está com dinheiro. Eu sou muito consciente disso, porque você tentar
empurrar uma coisa para uma pessoa que não esrealmente em condições. Então
aquele cliente ele vai ser um cliente inadimplente mais para frente, entendeu? Então
o importante é a gente saber como a gente faz um trabalho, tem muita gente que
tem interesse mais o pode comprar né? E a gente faz um trabalho, a gente
direciona este trabalho para as pessoas que tenham um poder realmente aquisitivo
vamos dizer que bom. A gente tem que ter isso também, porque não adianta eu ir
pegar uma classe que eu sei que as pessoas ali com dificuldade não têm como
comprar, então vai ser um trabalho que eu vou fazer, no futuro quem sabe, mas um
trabalho que eu vou ter muito problema, eu vou ter problema de retorno rápido, que
a gente realmente tem um retorno rápido que a gente vive disso, a gente vive disso,
de vendas. Mas a gente tenta direcionar esse trabalho para as pessoas que tenham
um poder aquisitivo bom. O que motiva eu acho que é além do trabalho que a gente
faz de conscientização, é o serviço que a empresa oferece, o serviço que a empresa
oferece ele também conta.
(Entrevista com Rosa, realizada em 27 de abril de 2008)
232
Apesar de o consumo fúnebre preventivo ser hoje uma realidade, o tempo para efetivar
uma compra varia em função de o produto ser considerado como um produto não
procurado
106
. O que os consumidores nebres procuram são produtos e serviços
personalizados e variados e os fatores que motivam a compra são os mais diversos. Na
pesquisa realizada entre os consumidores de produtos e serviços fúnebres clientes do Grupo
Parque das Flores foram identificados alguns motivos que influenciam a aquisição: a
praticidade e comodidade atrelada aos atuais serviços funerários, o receio de ser sepultado em
uma cova rasa nos cemitérios públicos, a ineficiência da gestão da morte pelo serviço público
e o desejo de oferecer as últimas cerimônias à pessoa morta como forma de retribuição por
todas as suas realizações em vida.
A prevenção e o gerenciamento da morte, que antes era realizada através dos
testamentos, se tornaram uma realidade através da aquisição dos serviços preventivos dos
planos assistenciais funerários. Houve uma reavaliação funcional e simbólica dos ritos e das
cerimônias fúnebres, percebida também pela ideia de praticidade embutida na lógica de que as
empresas do ramo funerário os Grupos cuidarão de todo o funeral.
Os consumidores preventivos não usuários de planos assistenciais funerários e jazigos
destacam a praticidade e a comodidade financeira como principais motivos que levaram a
consumir produtos e serviços fúnebres. A consumidora Margarida adquiriu seu jazigo no
cemitério Parque das Flores parcelado em quarenta e oito meses a partir do momento em que
presenciou o sepultamento de uma pessoa conhecida, cuja família, não tendo onde sepul-la,
pediu emprestado o jazigo de um parente. Margarida diz que quando viu essa situação se
apavorou e decidiu comprar o jazigo, além disso, a comodidade financeira foi outro fator que
contribuiu para a aquisição:
Depois disso eu pensei: “É melhor que eu já compre epagando devagar”. Porque
normalmente a gente espera que os pais morram primeiro, eu preferi facilitar a
vida dos meus filhos, comprando isso eles não teriam essa preocupação porque é
caro, e aí eles podem estar ou não com uma reserva financeira que facilitar esse
momento, porque é um momento de perda que eles vão estar desorientados e teriam
que desprender algum dinheiro e eu não sei se eles estariam preparados, então eu
pensei em facilitar, em comprar, eu vou pagando vagarosamente e aí quando eu
terminar de pagar pode ser que esteja usado, pode ser que não. No meu
pensamento era pra meu uso e de meu marido inicialmente, mas hoje eu penso
que qualquer um dos quatro, porque somos quatro, tem eu, meu marido e meus dois
filhos, qualquer um pode ir primeiro. Eu perdi um sobrinho recentemente e veio
ainda mais reforçar essa tese de que ninguém sabe quando vai morrer. Eu comprei
pensando nos mais velhos, na família tem os pais, eu pensei que os pais vão morrer
primeiro e os filhos vão ficar meio desorientados, até pela inexperncia da vida,
pela situação financeira que eu não poderia garantir que eles pudessem, e eu
pensei vou comprar pra isso.
106
A noção de que os produtos e serviços fúnebres serem considerados como produtos o procurados foi
discutida no capítulo 4.2., intitulado: “Produtos não procurados”.
233
Eu prevenida, hoje eu posso dizer assim: “Eu posso morrer” porque meus
filhos estão estudando, o tem ainda situação financeira boa e se acontecer de eu
morrer hoje eles não tem tantos problemas financeiros. Eu aproveitei que havia
espaço financeiro meu pra parcelar, dava no meu orçamento. O principal motivo foi
financeiro mesmo. Muita gente tem problemas hoje financeiros pra vida de hoje,
poucos tem como se prevenir para o futuro e muitos dizem assim: “Quando eu
morrer cada um que se vire pra me enterrar”. Então eu acho que você com isso fica
criando um problema pra outras pessoas, se você pode resolver agora, que resolva
agora, é uma coisa a menos pra pessoa tá preocupado quando acontecer, é uma
correria a menos.
(Entrevista com Margarida, realizada em 16 de julho de 2008)
Os consumidores fúnebres preventivos e usuários também destacam a praticidade e
comodidade financeira como um dos motivos para aquisição dos produtos e serviços fúnebres
do Grupo Parque das Flores. Uma cliente que adquiriu uma concessão de jazigo no cemitério
Parque das Flores no ano de 2001, em 2005 se associou ao Plano Previparq das Flores tipo
Rubi e fez uso dos serviços e dos produtos quando do falecimento de seu esposo no ano de
2006, explica que adquiriu o jazigo para o dar trabalho, nem despesas financeiras para
ninguém:
Como foi que a senhora comprou?
Eu vi, me interessei, gostei e fiz. Depois usei pra meu marido e fui muito bem
atendida, muito bom, eu aconselho todo mundo a fazer. Digo a muita gente: “Faça
o Previparq porque é válido, muito bom”. Porque muita gente diz: “Eu não! Vou
me preparar pra morrer?”. Eu digo: “Já estou preparando pra não dar trabalho a
ninguém”. Eu tenho para onde ir, tenho o meu terreno, agora pode ser depois
de três anos, porque meu marido escom sete meses que se foi e minha mãe vai
fazer dois anos, minha mãe tá em baixo e ele tá em cima e lá são duas gavetas.
Eu digo eu comprei, digo: “Olha meu terreno. Quando eu passo lá eu digo: “Olha o
terreno. Eu tenho um terreno aqui”. Então eu comprei meu terreno. Tenho certeza
que eu tenho um lugar pra eu ir, tá tranquila, sem depender de ninguém. E agora pra
completar o Previparq, muito embora que eu tenho meu ordenado, meu dinheiro, a
minha repartição dá, dá um mês de ordenado. Mas eu não quero dar despesa a
ninguém dos meus filhos. Eu tenho. Graças a Deus, obrigada senhor, ralei um
bocado na minha vida pra eu conseguir, mas eu tenho. Eu comprei para não dar
trabalho pra ninguém. Eu sei aonde eu vou, ninguém fica preocupado, ninguém vai
depender porque sabe que eu tenho a minha pensão e não tem problema. É uma
coisa que eu quis bem, num lugar bem, e eu achei ali bonito, eu quero ficar num
lugar bonito.
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008)
Íris, outra consumidora usuária que adquiriu jazigo e plano assistencial funerário
Previparq das Flores e utilizou quando da morte de seu pai, explica que a praticidade foi um
dos motivos que a fez adquirir o serviço:
E o plano vo comprou por qual motivo?
O plano funeral?
É?
Foi pra me tranquilizar mais na hora né, não ficar tão aperriada, porque se eu fosse
providenciar tudo aquilo, caixão, flores, tudo, provavelmente ia sair muito mais
caro porque eu não ia buscar o mais barato, não ia ter condições de fazer isso, nem
ia ficar ligando pra um e pra outro, porque eu o ia ter tempo e no dia que ele [o
pai] faleceu eu tive tempo de ligar, tive um intervalo que foi o tempo que o rapaz do
234
Previparq deixou a gente em casa enquanto o IML abria né, enquanto amanhecia, aí
deu tempo de eu ligar pras pessoas, mesmo de madrugada eu ligava pras pessoas
mais próximas avisando que ele tinha falecido, porque a minha mãe ela não ligava
pra ninguém, ela fazia chorar. Eu gostei disso. pensou se eu não tivesse o
plano? Eu tinha que correr pra um lado e pro outro pra comprar tudo. Eu nunca
passei por isso não, mas deve ser um transtorno você ligar pro cemitério e o
cemitério dizer: “Não tem vaga não”. Sei lá acho que eles devem dizer isso quando
a pessoa não compra com antecencia. Eu nunca passei por isso mais eu acho que
deve ser assim.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
Simbolicamente o ato de ter uma sepultura em jazigo perpétuo representa o medo do
sepultamento em covas rasas. Esse temor já era percebido na Europa desde o século XIX
quando da extinção das sepulturas ad sanctos e do surgimento dos primeiros cemitérios
públicos, conforme observou Motta (2008, p. 32):
Eram as fossas ou valas comuns os locais mais temidos pela população pobres ou
classes laboriosas das cidades. Deste modo, o surpreende que o fantasma da
morte biológica, em seu último estágio, aumentasse ainda mais o pavor individual
diante da irremediável situação de alguém se ver jogado num verdadeiro poço.
Obrigado a compartilhar a decomposição de seu próprio corpo com o do anônimo
vizinho, igualmente em processo de putrefação. Ao fim e ao cabo, tudo isso
resultava na profusão de substâncias líquidas, emaranhados de ossos humanos em
meio aos quais se perdiam completamente os vestígios do morto e, como tais, os
traços de sua pretensa identidade.
O ato de possuir uma concessão de jazigo em cemitérios privados, por exemplo, está
relacionado com a preocupação da sociedade com o destino do corpo. Mauss (2003)
demonstrou que em relação às técnicas do corpo, cada sociedade tem seus hábitos próprios e
que até os movimentos corporais que consideramos como naturais e hereditários são, na
verdade, da ordem da significação social e cultural. É a apropriação social e cultural do corpo,
conforme revelou Rodrigues (2006a, p. 48-49), e, nesse sentido, é a cultura que dita normas
em relação ao corpo, então, os comportamentos individuais em relação ao corpo está
subordinado aos códigos sociais e culturais.
Portanto, uma das características que motiva o consumo de produtos e serviços
fúnebres está relacionada ao receio de que o corpo morto seja sepultado covas rasas ou
mesmo ao temor de que o corpo morto não possa sequer ser identificado, lembrado ou
cuidado. Ferreira (2007) em uma pesquisa sobre os corpos não identificados do Instituto
Médico Legal do Rio de Janeiro observou que os corpos sem identificação são sempre
tratados como cadáveres não identificados, uma categoria que não se resume apenas pela
ausência de um nome próprio passível de registro e certificação, mas que significa uma
ausência de identidade.
235
Foi a partir do receio de ver o cadáver do pai sem identificação que Íris, relatou um
protesto contra a administração do cemitério Parque das Flores:
Agora uma reclamação. Meu pai morreu no dia três de março e eu esperando que a
lápide fosse colocada em cima do jazigo na mesma hora. Aquela documentação que
a gente assina autorizando enterrar a pessoa, eu pensei que a partir daquilo ali vo
fazia a lápide e não foi assim. Ninguém me contou que tinha que anotar um
documento lá com o nome que quer que tenha na lápide. Não me disseram isso.
eu esperando o Previparq, eu pensei: “Eu acho que ta fazendo ainda”. Uma semana
depois nada da lápide aparecer, nisso, a outra filha do primeiro casamento do meu
pai foi lá, no segundo mês do falecimento dele e nada da lápide, deu três meses,
eu fui lá, aí eu disse: “O que foi que aconteceu?” Quando um funcionário foi buscar
a lápide disse: “É porque ninguém assinou o documento que era pra fazer a lápide”.
Eu disse: “Eu não acredito. Juro pra você, três meses meu pai como indigente, o
jazigo só mesmo fechado com a grama e não tinha placa nenhuma de identificação.
É impressionante uma coisa dessa, três meses. eu disse: “Vocês tem o número
do terreno da gente, tem o nosso cadastro, telefone, porque vocês não ligaram pra
gente pra perguntar se tinha algum problema? Porque a gente não tinha ido já que
tinha três meses?”, aí eles responderam: “Ah! Olhe é bom você ligar, deixa uma
reclamação. Quer fazer o preenchimento da sugestão, reclamação. Eu disse: “Não
precisa, eu já estou dizendo a vo.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
Os corpos não identificados são vulgarmente chamados de indigentes, sugerindo
pessoas destituídas de identidade e como figuras desprovidas de laços sociais (FERREIRA,
2007). Em Maceió o único cemitério destinado a enterrar mortos sem identificação é o Divina
Pastora, localizado em Rio Novo, que recebe cerca de setecentos a mil enterros por ano. Ao
invés das cruzes ou lápides, os túmulos são marcados por pedaços de paus encravados na
terra. Os corpos o sepultados em sacos plásticos nas covas rasas do cemitério. Muitos dos
cadáveres sepultados como não identificados são parentes de familiares que não procuram o
morto a tempo ou de familiares que não têm condições financeiras para realizar o
sepultamento em outros cemitérios da cidade. Os altos custos de um funeral levam as famílias
a sugerirem os sepultamentos de seus entes em cemitérios destinados a enterrar apenas corpos
sem identificação.
Como alguns tipos de produtos e serviços fúnebres ofertados por empresas privadas
o estão acessíveis ao público em geral, mas exclusivamente àqueles que possuem condições
financeiras para adquiri-los, o consumo fúnebre transforma-se então em elemento de distinção
social, essa é inclusive uma das estratégias utilizadas pelos Executivos de Vendas do Grupo
Parque das Flores para oferecer seus produtos e serviços a determinados seguimentos sociais:
Tem outros fatores que faz com que uma pessoa adquira uma área?
Com certeza. Por exemplo tem uma área especial que vai ser comprada. As famílias
tradicionalistas como a família Lyra, do deputado federal João Lyra, dos Oiticicas,
que é mais rica do Estado, Collor de Mello e tem da ex-primeira dama dona
Rosane, tem do PC Farias, então todas essas concentrada numa área que é a
central, que é a área que a gente chama de Especial, que não é especial por conta
disso, é especial por conta que é ao redor das capelas. Então existe esse status, a
pessoa chega e pergunta logo: “Onde tá a de fulano?”. Ter o Parque das Flores é ter
236
status, dizer: “Olha, eu comprei o Parque das Flores!” Tem esse status, tem, existe
isso. E é por tudo que é o Parque das Flores hoje, outra vez eu atendi uma cliente
minha a cliente disse: “Olhe é tão bom vir aqui, isso nem parece um cemitério, até
cheiro bom de biscoito tem”. Até porque existe essa comodidade toda, existe esse
status, até porque tem pessoas que, por exemplo, não sei se aconteceu com você,
especificamente com você, mas quando a gente vai num cemitério de terra o que
é que a gente faz? Toma banho. Eu passei, eu já presenciei acontecimentos aqui
das pessoas vim do trabalho, você vem do trabalho para cá e daqui vai pro trabalho,
passa o dia e vai chegar em casa de noite. Tem pessoas que sentam na grama,
comem, coisas que não poderia ser feito num cemitério público, o poderia ser
feito e até por uma questão higiênica, tem aquela comida suja. Então o status ele
oferece por todo o serviço que o Parque das Flores oferece, por todas as celebrações
que o Parque das Flores dá nas datas comemorativas, enfim, por tudo que é o
Parque das Flores hoje. Então existe esse status: “Eu comprei o Parque das Flores”,
“Eu tenho Parque das Flores”.
(Entrevista com Narciso, realizada em 06 de abril de 2008)
Para destacar o fator da distinção social, os Executivos de Vendas utilizam como
premissa o discurso da comparação com os serviços públicos. Essa retórica é absorvida pelos
consumidores e o consumo fúnebre transforma-se num elemento de status e distinção social,
conforme relato de uma consumidora de produtos (jazigo) cliente do Grupo Parque das Flores
que sepultou sua mãe no cemitério Parque das Flores:
Imagine a sua a vida, certo? Mesmo que seja uma passagem. A vida é uma
passagem mais você teve um objetivo aqui, certo? E você passou na vida de
pessoas e por mais esquecida que vo fique depois que você morre, por mais
esquecida que você fique, aquelas pessoas podem até se lembrar um dia: “Eu
lembro do enterro dela, foi assim, assim, assim”. Porque a gente não sabe como
nem quando a gente vai morrer, mais uma das poucas lembranças que a pessoa tem
é do seu velório, de onde você ficou. Pode ser que essas pessoas nunca vão lhe
visitar, e você o vai tá lá, não vai importar, mais pelo menos foi a última coisa
que vai lembrar. É a última lembrança.
(Entrevista com Hortência, realizada em 10 de junho de 2008)
Todavia, por trás dessa razão prática da distião social um significado cultural,
correlacionado com o sistema simbólico (SAHLINS, 2003a), pois a utilidade e a
funcionalidade de um objeto estão relacionadas ao código cultural do objeto prescrito pela
sociedade:
A unidade da ordem cultural é constituída por um terceiro e comum termo: o
significado. E é esse sistema significativo que define toda funcionalidade; isto é, de
acordo com a estrutura específica e as finalidades da ordem cultural. Daí, decorre
que nenhuma explicação funcional por si só é suficiente, que o valor funcional é
sempre relativo a um esquema cultural (SAHLINS, 2003a, p. 205).
Essa observação do autor, porém, não significa que a utilidade ou praticidade de um
objeto, de um bem ou de um serviço o seja um dado significativo para análise do consumo
dos bens, pois, conforme observou:
Não é que as forças e limitações materiais sejam deixadas de lado ou que elas não
produzam efeitos reais na ordem cultural. É que a natureza dos efeitos não pode ser
interpretada a partir da natureza das forças porque os efeitos materiais dependem de
237
sua localização cultural. A própria forma da existência social da força material é
determinada por sua integração no sistema cultural (SAHLINS, 2003a, p. 205).
Ocorre que as análises sobre a utilidade e a praticidade material de algum objeto
devem ser somadas às análises sobre o sentido e o significado de tal objeto na sociedade.
Dessa forma, o consumo de produtos e serviços fúnebres deve ser percebido também a partir
do sentido e do significado cultural para a sociedade. Essa discussão nos leva a entender
primeiramente quais as diferenças dos serviços prestados pelas empresas blicas e pelas
empresas privadas para compreender a “opçãodos consumidores pelos serviços e produtos
oferecidos pelos Grupos (pelas empresas privadas). A partir daí compreende-se a relação
cultural que a sociedade estabelece com o morrer e, sobretudo, com os seus mortos.
7.2. As denúncias de furtos em cemitério, de subtração e ocultação de
cadáveres e de profanação de sepulturas
Em Maceió existem oito cemitérios blicos. O mais antigo é o Nossa Senhora de
Piedade, localizado no bairro do Prado, construído no ano de 1850 e inaugurado em
novembro de 1855 com quatrocentos e setenta e sete catacumbas. No ano de 1966, o
cemitério possuía duas mil catacumbas, sendo dividido em quarenta artérias, sendo cinco
avenidas e trinta e cinco ruas, num terreno de duzentos metros de comprimento por centro e
trinta metros de largura. No ano de 1910, devido a grande quantidade de enterramentos, foi
proibida a construção de novos mausoléus e sepulturas perpétuas e no ano de 1920 o
funcionamento do cemitério foi criticado por possuir mais de trezentas sepulturas rasas e
cerca de oitocentas catacumbas e mausoléus.
O cemitério mais populoso do município é o São José, localizado no bairro do
Trapiche da Barra, que começou a funcionar no ano de 1920 e eslocalizado numa área com
mais de trezentos e cinquenta metros de comprimento por cento e cinquenta metros de largura
e é dividido em dez quadras e cinco avenidas. No ano de 1963 o cemitério recebia uma dia
mensal de duzentos e cinquenta sepultamentos, quase um mil e setecentos por cento a mais do
que o cemitério de Nossa Senhora de Piedade. Em 1966 havia sete mil sepulturas e uma
dia de dois mil e trezentos sepultamentos anuais. No ano de 1973 o cemitério era a
preocupação da municipalidade que procurou evitar um colapso pela falta de espaço, uma vez
238
que recebia certa de oito a dez enterros diários. Em 1975 a dia de sepultamentos anuais era
de três mil enterros, ou seja, de oito a dez sepultamentos diários.
Outro cemitério administrado pela municipalidade é o Nossa Senhora Mãe do Povo,
localizado no bairro de Jaraguá, inaugurado no final dos anos de 1800. Em 1950 passou para a
jurisdição municipal, e, nessa época, surgiram queixas de superlotação, culminando com a
proibição dos enterramentos no ano de 1961 e com a solicitação de ampliação do espaço
cemiterial em decorrência do aumento do número de habitantes em seu entorno, sobretudo
nos bairros do Jaraguá, Pajuçara, Mangabeiras, Poço, Ponta da Terra, Ponta Verde e Jatiúca.
Mesmo com a recuperação do cemitério em 1966, o Jornal de Alagoas publicou em 21 de
setembro de 1975 a seguinte matéria:
O cemitério de Nossa Senhora Mãe do Povo, por exemplo, localizado em Jaraguá,
recebe de 5 a 6 enterros diários e não há condições de suportar muito tempo,
segundo o seu administrador. O mesmo ocorre com o bairro de bebedouro, onde o
cemitério de Santo Antônio sobre o mesmo problema de falta de espaços para
sepultamento de novos cadáveres que surgem todo o dia. Jason Xavier é o
responsável pelo cemitério de Jaraguá e diz que o encontra solução para o seu
ampliamento, o que fora feito, deixando-o completamente sufocado, apesar de
seus 150 metros de comprimento por 70 de largura, o que não é mais suficiente
hoje em dia (LIMA Jr., s/d, p. 60-61).
O cemitério de Santo Annio, localizado no bairro do Bebedouro, foi interditado no
ano de 1966 por falta de espaço para sepultamento e devido aos rumores de que no mês de
julho daquele ano uma criança havia sido enterrada em sentido vertical. Esta situação
continuou no ano anterior e somente no ano de 1968 houve a ampliação do cemitério.
Os demais cemitérios administrados pela Superintendência Municipal de Controle e de
Convívio Urbano (SMCCU) da cidade de Maceo: cemitério de Santa Luzia, localizado
no bairro do Riacho Doce; cemitério de Nossa Senhora do Ó, localizado no bairro de Ipioca;
cemitério de São Luís, localizado no bairro do Tabuleiro dos Martins e o cemitério Divina
Pastora, localizado no bairro de Rio Novo.
O maior problema dos cemitérios públicos da cidade continua sendo a superlotação. A
falta de espaços foi tema de uma discussão na Câmara dos Vereadores da cidade no mês de
setembro de 1972, uma vez que os cemitérios blicos não estavam em condições de atender
aos óbitos que ocorriam diariamente na cidade de Maceió, encontrando-se, portanto
superlotados. No ano posterior as denúncias se avolumavam e em setembro de 1973 o jornal
Gazeta de Alagoas, através da matéria intitulada: “Falta de espaços nos cemitérios é o grande
problema de Maceió”, trouxe a seguinte notícia:
Com o aumento da população, agrava-se, a cada dia, o problema de sepultamento,
em Maceió, uma vez que o último cemitério da capital foi construído em 1918 e
239
daquela época até agora, somente dois dos seis cemitérios tiveram sua capacidade
elevada em virtude da aquisição de novas faixas de terreno.
Dentro de pouco tempo, o haveespaço nem para se colocar o morto, pois
houve casos em que cadáveres foram sepultados em pé. Mesmo com dificuldade de
espaço e sendo hoje quase impossível a aquisição de um mausoléu nos tradicionais
cemitérios de Maceió, cerca de 4.234 cadáveres foram sepultados, em 1972, nos
cemitérios de Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora Mãe do Povo, São José,
Santo Annio, Santa Luzia e Nossa Senhora do “O”, este último em Ipioca.
FALTA DE ESPAÇO
No momento todos os campos santos da capital carecem de espaço físico, mas estão
impossibilitados de crescer, devido à falta de terrenos. Dessa forma, agrava-se o
problema do sepultamento, principalmente, quando se está numa época em que o
número de óbitos é assustador. O índice de criminalidade, ultimamente, tem sido
dos maiores, fazendo com que muitos corpos sejam sepultados num insuficiente
espaço de terra. A solução seria a criação de novos cemitérios (Gazeta de Alagoas,
20 set. 1973, 03).
O discurso da superlotação continuou recorrente na imprensa escrita. Em outubro do
ano de 2002 o jornal Gazeta de Alagoas publicou a seguinte matéria:
Cemitérios de Mace estão com capacidade esgotada.
A maioria dos cemitérios públicos de Maceió está com sua capacidade esgotada,
situação que preocupa a Secretaria Municipal de Controle e Convívio Urbano
(SMCCU). Dos oitos cemitérios de Maceió, o que apresenta situação mais
complicada é o de São José, no Trapiche da Barra, que enfrenta problemas de
superlotação. No Nossa Senhora da Piedade, no Prado, não mais espaço para
sepultamento em cova rasa; lá é enterrado que possui mausoléu de família.
Segundo o chefe do Departamento de Cemitérios da SMCCU, Onélio Braga, o
município está empenhado em adquirir um terreno na região do Tabuleiro do
Martins, para iniciar a construção de um cemitério a partir de janeiro do próximo
ano. O projeto de um cemitério no bairro do Benedito Bentes teve que ser suspenso,
porque o Instituto do Meio Ambiente (IMA) alertou para o perigo de contaminação
do lençol freático da rego.
Onélio salienta que nos cemitérios Divina Pastora, em Novo Lino (onde a maior
parte dos sepultamentos é de indigentes), Nossa Senhora do Ó (Ipioca), Santa Luzia
(Riacho Doce), São Luiz (Tabuleiro) e Nossa Senhora Mãe do Povo, em Jaraguá,
ainda não há tantos problemas de superlotação.
Já no Cemitério de Santo Antônio, em Bebedouro, a situação começa a ficar
complicada. O mais problemático, no entanto, é de o José. “O problema é que
mesmo gente que mora em bairros mais distantes quer enterrar seus parentes no
Cemitério de São José”. Enquanto o novo cemitério o é construído, a SMCCU
procura alternativas para superar o problema de superlotação. A proposta é
construir mausoléus com cerca de 400 gavetas e, após três anos, os ossos serem
removidos para ossários (Gazeta de Alagoas, 17 out. 2002, p. 01).
Para destacar essa informação, o jornal trouxe uma imagem em que duas pessoas
transitam entre os vários enterramentos no cemitério Nossa Senhora da Piedade, com a
seguinte informação: Cemitério da Piedade, no Prado, também dá sinais de esgotamento”:
240
Fotografia 84: Cemitério Nossa Senhora da Piedade. (Gazeta de Alagoas, 17 out. de 2002).
Além da superlotação dos cemitérios blicos de Maceió, existem ainda denúncias de
furtos de objetos, de retirada e desaparecimento dos restos mortais antes do prazo de três anos.
Em outubro de 2002 duas pessoas foram presas por policiais da Delegacia de Roubos
e Furtos de Maceió, acusadas de furtar objetos de bronze e alumínio, principalmente imagens
de túmulos do cemitério Nossa Senhora da Piedade. Os acusados vendiam as imagens, cruzes
e até caixas usadas para colocação de ossos humanos para serem derretidas
107
.
Em março de 2003 numa ameaça de greve dos funcionários do cemitério de São José
em protesto contra a demissão do então administrador do local, o tema do furto de objetos nos
cemitérios voltou à tona. Os funcionários alegavam que se o dirigente fosse substituído o
cemitério voltaria a ser alvo da ação de vândalos”. Um dos coveiros relatou que: o
cemitério vivia sujo, abandonado, invadido por usuários de drogas. As pessoas o tinham
tranquilidade nem mesmo para visitar os túmulos dos parentes. Era comum objetos deixados
como lembrança serem roubados
108
. Outro coveiro alegou não ter condições de trabalho e
que o cemitério vivia entregue à ação de vândalos antes do atual administrador tomar posse.
Uma das zeladoras relatou que muitos objetos eram furtados, que as famílias o tinham
segurança para visitar seus mortos e que até mesmo os funcionários temiam se distanciar das
107
Gazeta de Alagoas, 03 out. 2003.
108
Gazeta de Alagoas, 08 mar. 2003.
241
valas com receio das pessoas que entravam para usar drogas e praticar alguns delitos nas
depenncias do cemitério
109
.
Em junho de 2003 os roubos nos mausoléus dos cemitérios públicos de Maceió
continuaram, conforme a matéria publicada no jornal Gazeta de Alagoas do dia 22 de junho
de 2003:
População denuncia roubos em mausoléus no cemitério do Trapiche.
Peças produzidas em bronze são roubadas de mausoléus na madrugada, na ausência
de guardas municipais. A doméstica Esmeralda Amorim da Silva, residente na
Ponta Grossa, faz um apelo para que a prefeitura coloque guardas municipais para
fazer a segurança noturna no Cemitério de São José, no Trapiche, por causa da
ocorrência de furtos nos mausoléus. Segundo ela, as pessoas têm medo de
denunciar. “Muita gente está sendo prejudicada, mas não fala. Alguma provincia
deve ser tomada, e com urgência. Se não depende do administrador e sim da
prefeita, que ela adote as medidas cabíveis. Do contrário, não vou me calar”.
Esmeralda disse que o a, uma tia e um irmão foram sepultados naquele cemitério
e ela sempre faz visitas ao túmulo porque mora perto e sente saudade dos
familiares. “Semana passada roubaram cinco argolas e a imagem de Jesus Cristo,
toda de bronze. É um absurdo”, afirmou. O administrador do cemitério, Henrique
José, disse que durante o dia é impossível acontecer qualquer vandalismo porque
sempre há pessoas trabalhando. Já durante a madrugada fica difícil fazer o controle.
Segundo ele, seria preciso pessoal suficiente para revezamento no turno noturno.
Esta situação fez com que a SMCCU articulasse uma parceria com os órgãos de
segurança blica do Estado de Alagoas para coibir os furtos em pelo menos três cemitérios
de Maceió: o o José, o Nossa Senhora da Piedade e o Nossa Senhora Mãe do Povo.
Em novembro de 2003 um possível caso de violação ou profanação de sepultura ou
urna funerária e de destruição ou subtração ou ocultação cadáver ou parte dele
110
, foi
denunciado à justiça alagoana, conforme matéria da Gazeta de Alagoas:
Jornalista denuncia violação de sepultura em cemitério municipal.
Corpo de professora foi retirado da cova antes do tempo, para sepultar outro
cadáver.
A jornalista Adriana Brandão acionou a Defensoria Pública Estadual para apurar a
violação da sepultura e subtração de cadáver de sua mãe, Eleuza de Farias Brandão,
ex-professora estadual, sepultada no Cemitério de São Jo, no Trapiche, em 20 de
junho de 2001. A família passou pelo constrangimento, ao visitar a sepultura de
Eleuza, no Dia de Finados, e constatar que a cova de 291, quadra 8, havia sido
ocupada pelo corpo de uma outra pessoa, cujos parentes estavam no local.
“Ainda faltava quase um ano para terminar o prazo de permanência de três anos,
legado pela Lei Orgânica do Município, entretanto, o corpo foi retirado ainda em
estado de putrefação e a família o foi avisada. Nem a cruz que colocamos no
local foi preservada”, reclama Adriana, mostrando comprovante de pagamento
referente à “taxa de sepultamento em cova rasa por três anos”.
O advogado Fábio Feitosa, em sua petição, diz que “a taxa visa reprimir atentados à
tranqüilidade e à quietude a que têm direito os que nos deixaram (...). A proteção
jurídica envolve, portanto, respeito aos mortos”. Segundo ele, os responsáveis pelo
109
Gazeta de Alagoas, 11 mar. 2003.
110
Artigos 210 e 211 do Código Penal Brasileiro. O Código Penal Brasileiro no item: violação de sepultura,
prevê, no artigo 210, multa e reclusão de um a três anos para aquele que violar ou profanar sepultura ou urna
funerária; e no item: destruição, subtração ou ocultação de cadáver, prevê, no artigo 211, pena de multa e
reclusão de um a três anos para quem destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele.
242
cemitério incorreram na violação de dois artigos (210 e 211) do Código Penal
Brasileiro, que diz que a violação de sepultura ou urna funerária e que a destruição,
subtração ou ocultação do cadáver ou parte dele implica pena de reclusão de um a
três anos e multa.
A família quer um exame de DNA para identificar a ossada de Eleuza Farias e que
os restos mortais sejam recolocados em túmulo construído pela própria Prefeitura.
“Vamos exigir todos os nossos direitos”, garante Adriana Brandão. O Inquérito
para apurar o crime foi instaurado na Delegacia do Distrito, pelo delegado
Tarcísio Vitorino da Silva e, na próxima terça-feira, serão ouvidas as primeiras
testemunhas.
O coordenador-gral dos cemitérios públicos de Maceió, Onélio Braga, confirmou o
caso e responsabilizou os coveiros pelo incidente. “São abertas cerca de 10 a 15
covas rasas por dia e eles sabem onde podem abrir. É comum o recolhimento da
ossada num saco, decorridos três anos do sepultamento, para dar lugar a outro
corpo”.
No caso de Eleuza Farias ele reconhece que, realmente, ocorreu um erro e com a
retirada antes do tempo, mas assegura que a ossada não estava mais em estado de
decomposição.
Onélio disse ainda que, diante da dúvida de Adriana, aconselhou-a a procurar um
legista no IML e requerer um exame de DNA (Gazeta de Alagoas, 09 nov. 2003).
O cemitério Divina Pastora, destinado a enterrar mortos sem identificação, também foi
alvo de denúncia de desaparecimento de corpos em junho de 2007:
Ossada desaparece de cemitério público.
Cova que deveria conter ossada de jovem executado em 2004 estava aberta e com
restos mortais de outro cadáver.
Ainda sem desfecho judicial, o seqüestro e morte do jovem Carlos Roberto da
Rocha em 2004, ganhou essa semana mais um capítulo tenebroso com o
desaparecimento de seus restos mortais do Cemitério Divina Pastora, onde são
enterrados os corpos sem identificação que dão entrada no Instituto dico Legal
(IML). O caso veio à tona porque Sebastião Pereira dos Santos, pai da vítima,
tentou localizar a ossada do filho para enterrá-la no túmulo da família em outro
cemitério.
Ao tentar localizar os restos mortais pela terceira vez, Sebastião foi surpreendido
com uma ossada que o apresentava as caractesticas do corpo de Carlos Roberto,
executado com um tiro na cabeça (Gazeta de Alagoas, 16 jun. de 2007, p. A16).
As denúncias de que com a falta de espaço para sepultamentos nos cemitérios públicos
da cidade, os corpos estavam sendo desenterrados antes do prazo de três anos, motivou uma
sessão especial na Câmara de Municipal de Maceió no mês de fevereiro de 2003, conforme
noticiou a imprensa alagoana:
CORPOS PODEM ESTAR SENDO DESENTERRADOS ANTES DO PRAZO.
A Câmara Municipal de Maceió vai realizar sessão especial para discutir um grave
problema social: a falta de espaço nos cemitérios públicos da Capital. A situação é
tão grave que os vereadores começaram a receber denúncias de que corpos estão
sendo retirados dos túmulos antes do prazo legal, que é de três anos, e que há ossos
humanos espalhados nesses logradouros.
O vereador João Luiz (PL), que vai propor a sessão especial, afirmou que seu
colega Robert Manso, também vereador, relatou ter visto uma criança brincando
com um osso (fêmur) dentro do Cemitério de São Jo, no Trapiche da Barra.
Outra denúncia feita pelo vereador, durante entrevista a um programa de TV local,
é de que algumas famílias estão reclamando o desaparecimento da ossada de algum
parente. O coordenador de Cemitérios, da Secretaria Municipal de Controle e
Convívio Urbano, Onélio Braga, admite que os espaços estão reduzidos, mas nega
243
as denúncias. “São infundadas. um esforço da prefeitura para que todos os
mortos sejam enterrados”, assegura ele, acrescentando que, como paliativo, a
prefeitura está construindo ossários.
Nem mesmo a prefeitura nega que superlotação nos oito cemitérios públicos de
Maceió, quase todos funcionando mais de 70 anos. A falta de espaço acabou
com as ruas dentro dos cemitérios, local agora utilizado para abertura de covas,
praticamente coladas umas nas outras.
A solução é criar novos cemitérios, mas a prefeitura alega que não dispõe de uma
área adequada para essa finalidade. Todos os fatos relacionados ao problema serão
discutidos na sessão pública especial da Câmara de Vereadores, que deverá
apresentar propostas de solução para a superlotação (Gazeta de Alagoas, 27 fev.
2003).
Apesar das várias obras realizadas nos cemitérios pela administração pública para
sanar os problemas, as denúncias continuaram. Verdadeiras ou não, essas denúncias de
desaparecimento e de retirada dos restos mortais antes do prazo de três anos revelam uma
sociedade que possui uma cultura da morte que repudia as ações de furtos em cemitério, de
subtração e ocultação de cadáveres e de profanação de sepulturas. Essas ações são
consideradas impróprias, imorais, inaceitáveis, um verdadeiro atento aos mortos e aos
enlutados.
7.3. Significado e sentido de uma morte digna
As histórias (verídicas ou não) de denúncias de furtos, de subtração e ocultação de
cadáveres e de profanação de sepulturas nos cemitérios públicos, penetraram na cultura
funerária e são utilizadas pelos consumidores dos produtos e serviços do Grupo Parque das
Flores para justificar suas escolhas por produtos e serviços ofertados por uma empresa
particular.
Dália, uma consumidora usuária de jazigo e plano assistencial funerário do Grupo
Parque das Flores, conta que decidiu virar consumidora fúnebre depois da morte do esposo
em agosto do ano de 2004. O esposo de lia sofria de mal de Alzheimer
111
e faleceu aos
oitenta e dois anos de idade, tima de um ataque cardíaco na residência onde moravam e foi
sepultado no cemitério de São José:
111
O mal de Alzheimer ou doença de Alzheimer é uma forma comum de demência. É uma doença degenerativa
e incuvel que afeta geralmente pessoas acima de sessenta e cinco anos de idade. Cada paciente sofre a doença
de forma única, porém existem pontos em comum como perda de memória, confusão, irritabilidade,
agressividade, alterações de humor e falhas na linguagem.
244
Ele morreu conversando com a gente, conversando, depois ele deu o último suspiro.
Eu assisti, eu e a minha filha, o meu filho tava em casa ele não assistiu, a gente
chamou. Foi três horas da madrugada, meu filho tratou logo de vestir, a minha
filha fez a barba dele, ela é disposta, a menina é disposta, é disposta. Ela mesma fez
a barba dele, cortou as unhas, ajeitou, vestiu juntamente com o meu filho. E o
tempo vai passando. Era pra enterrar no cemitério ali no Prado, mas o tinha
canto. Aí arranjaram vaga lá no São José, foi conduzido o corpo pra lá, o carro veio
buscar. Isto tudo pago na hora, mas com a graça de Deus a gente tinha. Nós sempre
fomos cuidadosos de olhar o dia de amanhã. Não foi nada emprestado. A
dificuldade era arranjar local no cemitério.
(Entrevista com Dália, realizada em 09 de julho de 2008)
Depois que o esposo faleceu, Dália decidiu adquirir uma concessão de jazigo no
cemitério Parque das Flores e o plano assistencial funerário Previparq das Flores, tipo
esmeralda, cujos dependentes eram o filho, a filha e três netos e como agregada a esposa do
filho. A compra foi efetivada em dezembro do ano de 2004 e a decisão se deveu
principalmente por o ter que passar pela experiência em procurar vagas nos cemitérios
públicos da cidade caso alguém da família viesse novamente a falecer. No ano de 2007, Dália
utilizou o produto e o serviço do Grupo Parque das Flores para sepultar seu único filho que
faleceu aos quarenta e seis anos de idade, tima de um câncer na garganta:
Meu filho faleceu, foi uma morte repentina, não durou dois meses, no hospital
durou nove dias. Ele apareceu com a garganta, ele me telefonou: “Minha mãe eu
tive a papeira?”, eu disse: “Meu filho eu não me lembro, o me lembro não”.
Ele disse: “Isso é papeira, isso é papeira”. foi no médico, o médico disse que na
garganta ele o tinha nada, foi crescendo, foi crescendo de um lado [do
pescoço]. Foi crescendo e ele foi a um médico, foi em outro, foi a diversos
médicos, foi constatado que era ncer, mas ele não sabia. Ele foi interno e
dentro de nove dias apagou-se. O médico disse que foi um câncer de uma qualidade
rara que ele conhecia três casos, uma foi o cantor, aquele cantor da dupla Ze
de Camargo e Luciano. Pois bem, então eu havia já comprado esse jazigo, eu disse:
“Bem, vamos sepultar ele lá no meu jazigo”.
Ele tinha quantos anos?
Ele tinha quarenta e seis, quarenta e seis anos. E ele foi sepultado lá. Então eu
comprei logo gaveta pra transferir os ossos do meu marido para o Parque. Foi
transferido já, os ossos já se encontram lá.
(Entrevista com Dália, realizada em 09 de julho de 2008)
Atualmente no jazigo do cemitério Parque das Flores pertencente a Dália, estão os
restos mortais de seu esposo e o corpo do seu filho. Sobre a diferença entre os serviços
mortuários prestados pelo cemitério público e pelo cemitério privado,lia diz que:
O São José é um cemitério público, é um cemitério público e não há tanto interesse
e o cemitério particular ali tem dono, ali tem quem fiscalize, não tem nada de
tumulto, nem aquela danação, é tudo educado [...]
Tem uma grande diferença. No Parque existe equilíbrio. É tudo controlado. E nos
outros cemitérios é aquela danação, pisam por cima de cova, arengam e arrancam o
defunto antes do tempo. É aquela danação [...]
Já de muito tempo que eu me entendia de gente que todas as vezes onde eu morava,
no cemitério era uma agonia, até morte havia no dia de finados. Eu disse: “Eu quero
isso nada, se Deus me deu dinheiro eu vou comprar um canto sossegado”...
Tem muita diferença, é outra coisa, no Parque é outra coisa, é uma
civilização, é uma coisa que agrada, a pessoa tendo dinheiro pode comprar o jazigo
245
que é uma coisa, é uma jóia, é uma jóia, vai ficando pra os seus descendentes. Eu
gostei, eu gostei e quem me perguntar eu digo: “se tiver o dinheiro é bom”. Agora é
caro para quem não tem, mais eu tinha, Deus havia me dado.
(Entrevista com Dália, realizada em 09 de julho de 2008).
Amarílis, outra consumidora não usuária de jazigo no Campo Santo Parque das Flores,
diz que realizou a compra no s de março de 2007, três meses depois que o pai faleceu,
tima de um acidente de trânsito, cuja morte foi detectada no local do acidente que ocorreu a
meia noite do dia quinze de janeiro de 2007. Quando soube do acidente, Amarílis ligou para
alguns familiares para comunicar o óbito e se dirigiu ao local do acidente. O corpo de seu pai
foi transferido para o IML para realização dos procedimentos de necropsia, Amarílis também
se dirigiu para o IML para providenciar a entrada do corpo de seu pai e depois visitou
algumas funerárias para escolher o modelo do caixão. Às seis horas da manhã do dia seguinte
foi novamente para o IML para saber se o corpo estava liberado, porém o médico legista ainda
o havia examinado, então retornou para a residência, escolheu a roupa que o pai seria
sepultado e seguiu para a funerária para efetivar a aquisição. Quando o corpo foi liberado pelo
IML, Amarílis foi para o cemitério blico de São Joe marcou o horário do enterro para o
dia seguinte às onze horas da manhã.
Quando o pai de Amarílis faleceu, o Grupo Parque das Flores realizava uma promoção
que compreendia um desconto para os clientes que adquirissem jazigos preventivamente na
área A do cemitério Parque das Flores
112
. Mas como seu pai já havia falecido, ela não
poderia ser contemplada com esta promoção uma vez a aquisição do jazigo se caracterizaria
por uso imediato. Dois meses depois e com a continuidade da promoção, adquiriu um jazigo e
diz que comprou por desespero, pois o pai faleceu em janeiro e mesmo com as despesas do
funeral, concretizou a compra do jazigo no mês de março.
O pai de Amarílis foi sepultado no cemitério público de São Jo e, diante dessa
situação, resolveu adquirir um jazigo em uma empresa privada para não ter que passar por
tudo de novo”:
Em janeiro do ano passado a gente perdeu o meu pai. Entrou todo mundo em
paranóia e quando foi depois da perca apareceu a promoção do jazigo lá, a gente
procurou saber e foi comprar e foi lá, se informou, na verdade acho que foi mais
uma forma de se proteger pra que se perdesse outra pessoa não fosse parar no São
José. Meu pai foi enterrado no São Jo.
[A e de Amarílis interrompe e diz] Eu acho pelo desespero que na hora vo
acha que acontece com qualquer outra pessoa, menos com a gente, mas na hora que
acontece com a gente, a gente pensa diferente, porque você ver uma pessoa que
você amava tanto se enterrar num lugar que nem o buraco certo tem. Nem a altura
certa, porque o que eles cavam não pra cobrir nem o caixão direito. vo
fica desesperado, tentando resolver uma coisa que vopodia ter resolvido há
muito tempo.
112
Esta promoção foi discutida nos capítulos 4.2., intitulado: “Produtos o procurados”.
246
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008)
A mãe de Amarílis, Papoula, ainda comenta sobre o abandono das sepulturas por parte
dos parentes no cemitério de São José:
Até as catacumbas. Tem pessoas que compra e deixa lá, fica abandonada,
aquele buraco, quando você vê é só aquele buraco lá. É uma imagem que fica na
sua mente que mexe muito com você, porque ali no São Joé o que mais tem, as
pessoas enterram, outras compram e faz a catacumba, às vezes compram até
clandestino porque agora mesmo não estão mais vendendo terreno lá no São José.
(Entrevista com Papoula, realizada em 30 de junho de 2008)
As denúncias de venda clandestina de terreno e o descaso do setor público com os
mortos enterrados nos cemitérios públicos da cidade também são evidenciadas, sobretudo em
relação às retiradas dos cadáveres das sepulturas antes do prazo mínimo de três anos:
Na verdade eles vendem o local que já tem outra pessoa enterrada, entendeu? Lá se
você quiser construir aquelas catacumbas não pode vender, porque não tem mais
espaço lá, não tem nada, vende o que não é pra vender, o que tem gente
enterrada. E outra, a situação é tão crítica que a mainha já entrou em desespero
também porque é assim, é enterrando um e você vendo ao lado os ossos do outro.
[Papoula interrompe e diz] Tem pessoas que são enterradas. Com a gente não
aconteceu isso porque já fazia dias que tinham tirado [o outro cadáver do local onde
seu esposo foi sepultado]. Mas sempre eu vou lá e já vi, já assistir várias vezes, teve
um senhor que foi enterrado, tiraram e os ossos estavam do mesmo jeito. Os
coveiros foram quem desconjuntaram as juntas dos ossos pra poder botar de lado o
outro caixão. O que acontece aqui em Maceió, acontece muito é que as pessoas
enterram e enterrou vai naquele dia e pronto, acabou. Entendeu? Não vai mais lá, aí
pronto, aquela pessoa que é enterrada que os coveiros acham que a família, os
coveiros acham não, na realidade isso é o certo que enquanto tá vivo, vivo,
gosta enquanto vivo, morreu, acabou-se, virou e pronto. tem pessoas que
não ligam mais, ai pronto. Uma pessoa que é enterrado nessa situação, que a família
não vai , a família o ajeita a cova, esse ele passa poucos dias, antes de dois
anos eles tiram.
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008)
Outra situação denunciada é o que elas (Amarílis e sua mãe, Papoula) chamaram de
“máfia entre o coveiro e a família” que consiste num acordo realizado entre a família e algum
dos coveiros dos cemitérios blicos para que estes se responsabilizem (mediante algum
pagamento acordado anteriormente) em manterem limpa e bem cuidada as sepulturas:
Essa proposta de fazer isso [de limpar e cuidar da sepultura de algum ente] parte
do próprio coveiro. Se vofor dizer que quer comprar eles dizem que não tem.
Também parte do próprio coveiro, eu não sabia, mas se você fosse lá antes, falasse
com o coveiro, porque voo escolhe a parte que você vai se enterrar, você
chega e o buraco tá feito e é naquele e pronto, mas aí eu queria que ficasse num
lugar fácil de encontrar, depois a gente soube que eu teria que ter ido lá,
conversado com o coveiro [A mãe de Amarílis interrompe e diz] É. Fazer um
joguinho de cintura né?
Como assim? Pagar é?
[Amarílis diz] É. Exatamente. tem um que cuida do de painho. ficou
combinado de cinquenta reais foi? [pergunta para a mãe]. [A mãe de Amarílis
responde] Não. É vinte reais que eu estou pagando. [Amarílis confirma] Vinte reais.
Por mês?
247
[A mãe de Amarílis diz] É. que é assim, no mês que eu não vou eu pago dois
meses.
[Amarílis interrompe e diz] Quando eu cheguei eu disse: “Mainha isso aqui não
foi aguado”, porque imediatamente também foi feito logo a catacumba, foi feito no
espaço onde ele foi enterrado foi feito uma casinha, quem fez foi esse coveiro. Foi
feito lá, arrumadinho, mas quando a gente chegou no Dia de Finados, agora
em novembro, eu disse: “Olhe isso aquio foi aguado”. Ela disse: “Não, mais ele
cuidando”. Eu disse: “Ele não tá cuidando, ele tá cuidando agora porque tá na sua
frente”. Mesmo assim ela se compromete e ela paga.
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008).
Os roubos nas sepulturas também são lembrados pelas consumidoras fúnebres:
E o medo que a gente ficou depois do enterro de roubarem o caixão, não era
mainha? A gente ficou indo lá durante semanas, logo no início foi uns quinze dias.
[A mãe de Amarílis interrompe e diz] Porque aconteceu, não sei se você
soube, aconteceu isso, aconteceu com a sogra do meu sobrinho.
Fizeram o que?
Abriram a cova, tiraram o caixão, jogaram o corpo lá e carregaram o caixão.
Botaram o morto lá, sem nada, dentro da cova.
E como ela descobriu?
Ela foi fazer a catacumba oito dias depois, aí pra fazer a catacumba tem que cavar
pra fazer o alicerce, aí tava o morto, pelado. Isso aí não foi história de ouvir
dizer, isso aí aconteceu com a sogra do meu sobrinho. Eu acho que ela fez isso, eu
disse ao meu sobrinho, ela fez pra se amostrar, porque se ela tinha oito mil reais pra
dar num caixão, pra enterrar num cemitério daquele, ela tinha dinheiro pra enterrar
no Parque das Flores. Porque foi um absurdo ela oito mil reais num caixão,
aquele caixão todo de madeira, pra que isso? Ela deu oito mil reais num caixão e no
fim foi tirado. Então ela não deu porque o marido merecia, ela deu pra machucar a
segunda mulher do esposo, não, a primeira, que ela era a segunda. Mas aconteceu
isso lá. pronto, você sabe disso aí, dessas histórias, você fica desesperada,
[Amarílis interrompe e diz] Além de você ficar desesperada porque perdeu, você
fica desesperada com medo de ser roubada. A gente tinha um amigo do painho que
ia lá direito olhar se tinham mexido, se não tinham.
[A e de Amarílis interrompe e diz] Nos outros cemitérios tem a programação
Dia de Finados, mas a coisa tá tão absurda que sabe o que é que eles fazem? Até as
velas que leva pra pessoa acender, o menino o ano passado não teve o que fazer e
cortou as velas e tava vendendo. Tira as velinhas e acende as velas, aí quando a vela
é grande, sabe o que eles fazem? Eles vão cortam aquela vela que foi acesa, porque
tem pessoas que vai e acende e sai, não fica ali aa vela queimar, porque eu
mesmo eu deixo a vela queimar até o fim, mas tem pessoas que só vai, acende e faz
aquela obrigaçãozinha ali e desaparece, aí os vendedores vão lá, tiram as velas,
corta, quando é depois vendem. [Amarílis interrompe e diz] Aqueles arranjos de
flores, eles vão lá roubam e vendem de novo, vendem de novo. [A mãe de Amarílis
interrompe e diz] Pra você ter uma ideia é isso tudo que você fica traumatizada, eles
vendem as cruz, cruz, santos, o que botar.
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008)
Ao relatarem sobre as histórias de furtos nos cemitérios públicos, Amarílis e sua mãe
fazem uma comparação com os serviços prestados pelo cemitério Parque das Flores:
[mãe de Amarílis] Esse medo [de roubarem o caixão no cemirio público depois
do sepultamento] se voenterrar uma pessoa no Parque das Flores, você o vai
ter. [Amarílis interrompe e acrescenta] O comercial deles termina tendo razão. [mãe
de Amarílis interrompe e diz] Isso sem falar que você anda ali e o fica com
aquele trauma, com aquele medo, vo anda e é tudo verdinho, tudo bonitinho,
você não nada, só aquele campo verde e as placas. Todo mundo chega,
senta lá, fica a vontade.
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008).
248
Mesmo ao serem informadas que a municipalidade está realizando modificações na
estrutura dos cemitérios públicos de Maceió, ampliando terrenos, construindo gavetas e
contratando empresas de segurança para evitar os furtos, a mãe de Amarílis diz: A gente tem
que ver de perto pra acreditar”.
A prestação dos serviços fúnebres pela administração pública, aliada à praticidade e
comodidade atrelada aos serviços funerários prestados pelas empresas privadas e a
possibilidade de gerenciamento da morte através dos serviços preventivos, são fatores que
motivam os consumidores fúnebres a procurarem as empresas privadas para consumir
produtos e serviços funerários. Todas essas situações, aliada à estética paisagística do
cemitério Parque das Flores, contribuem para o consumo de produtos e serviços do Grupo
Parque das Flores, conforme relatos dos consumidores fúnebres preventivos usuários ou não:
O parque é um empreendimento muito interessante, diferente do normal, daqueles
cemitérios públicos. Quando a mamãe morreu, eu ia de tarde, naquele tempo eu
não era evangélica ainda, eu ia e passava a tarde todinha lá, sentava e ficava lá, nem
rezava nem nada, ficava olhando aquele verde, bem plano, sem aquelas
catacumbas, sem aqueles mausoléus, bem tranquilo, quando era de tardezinha eu ia
embora, era como se eu tivesse perto dela. Eu acho que lá da paz, da tranquilidade a
pessoa.
(Entrevista com Açucena, realizada em 16 de julho de 2008)
Em relação ao Parque foi assim. Meu pai ele trabalhava na Utinga, na Usina Utinga
Leão, que é um interiorzinho de Rio Largo, não sei se você ouviu falar. Ela saiu
da Utinga e foi pra Forene. E ele dizia sempre que não queria se enterrar na Utinga,
que quando ele saísse de queria se enterrar no Parque, que ele achava o cemitério
muito agradável, ele não via aquelas catacumbas, aquelas coisas horríveis [risos]. E
realmente eu gostei de entrar ali por este motivo. Aqueles de catacumba eu não
ia entrar não, eu morro de medo daquele cemitério, no São Jomesmo eu não
entro de jeito nenhum. Tem o Piedade, eu nem invento de ir, nem de querer passar
por perto, eu tenho medo, tenho um medo tão grande [risos]. ele dizia: “Olhe eu
quero me enterrar lá”. Então quando ele adoeceu em 2002 a gente foi logo e
comprou o jazigo e pensando que ele ia falecer de imediato a gente pagou até a
carência, porque disseram que em seis meses não podia falecer que eles não
permitiam. Aí eu disse: “Pronto do jeito que ele tá mal, ele vai morrer e a gente não
vai ter ele por perto né, vamos pagar a carência”. Aí quando passou dois anos ele
melhorou do problema dos rins, ficou melhorzinho, para chegar a falecer. 2002 para
2007 é mais ou menos isso, quase 5 anos.
E qual foi o motivo dele ter escolhido o Parque?
Pela qualidade do cemitério.
Você acha que esse foi o motivo?
O principal motivo do meu pai foi a organização de lá. Quer dizer eu não sei
exatamente qual foi o motivo principal, eu acho que a opinião dele era essa, meu
pai não era de conversar muito, ele era muito calado, ele brincava com as pessoas
de fora, mas dentro ele era uma pessoa trancadinha, aí com minha mãe ele
conversava mais um pouco mais eu nunca perguntei qual era o motivo dele querer,
porque ele querer ficar lá, apenas que eu sei é assim que ele achava interessante era
aquele método do cemitério ser tipo um jardim né, as pessoas colocam as flores e é
todo gramado, não tem aqueles montes de catacumbas, gavetas, mausoléus, aos
nomes são feios. Pronto eu acho assim que ele gostou disso, a diferença que tem
o Parque para o resto.
(Entrevista com Íris, realizada em 02 de junho de 2008)
249
Os gastos com os funerais representam a última homenagem aos seus entes, conforme
relato de uma consumidora fúnebre:
Eu sempre ficava preocupada por causa da minha avó, porque como ela diz pra
mim que um dia vai acontecer, ela vai morrer e ela queria ser enterrada ali,
entendeu? Então isto foi um fato a mais, além da minha mãe estar enterrada lá, que
fizesse com que eu procurasse o produto, porque se eu não quisesse saber, a minha
mãe morreu, acabou, não quero saber, dane-se o mundo ou qualquer pessoa da
família, quem quiser ser enterrado seja enterrado em qualquer lugar, então, mais foi
assim, não foi um pedido, foi assim, sabe, ela tem uma vontade, então se é a última
vontade que aconteça com ela seja essa, eu vou fazer essa vontade dela. É mais pela
idade que ela já ese eu andei mais preocupada com isso também porque a gente
nunca sabe quando vai acontecer. Se não fosse pela minha avó eu não pensaria em
comprar agora, eu compraria pelo motivo da minha mãe está ali, mas se não fosse a
minha avó, vamos supor que eu não tivesse a minha avó, eu não pensava nisso.
(Entrevista com Hortência, realizada em 10 de junho de 2008)
E mesmo aqueles consumidores que possuem parentes sepultados em cemitérios
públicos, esperam trasladar esses corpos para os cemitérios privados quando viram
consumidores das empresas privadas, conforme o relato de uma consumidora preventiva e
usuária de jazigo no cemitério Parque das Flores e do plano assistencial funerário Previparq
das Flores:
A senhora teve outros parentes, outras pessoas enterradas em outros
cemitérios públicos? E tem diferença?
Sim. Porque realmente o tem nada dentro, bota e acabou, entendeu? Não
tem. Porque meu pai, meu pai há muitos anos, já cinquenta e tantos anos, que eu era
muito garota quando meu pai faleceu, eu tinha o que? Parece que treze anos, treze,
quatorze, uma coisa assim, e não teve nada disso, também muitos anos, não
tinha nada disso. Pronto, e depois disso eu vim perder agora.
E teve alguma diferença?
Ah! É lógico, porque o Parque das Flores é outra coisa. Muito, muito, muito bom.
O Parque das Flores tem uma assistência formidável. A aparência? É lógico! Que a
aparência, ele é muito bonito. Ninguém vai dizer que é cemitério, você se sente
bem. Eu vou, visitar muito, vou agora, no dia das mães eu vou levar flores. É tudo
muito bem cuidado. Tudo muito bem limpo, tudo muito organizado. Quando meu
marido aniversaria eu vou, no natal eu vou, aniversário de morte eu vou, da minha
mãe também. O Parque das Flores é muito mais bem organizado. Quem puder
minha filha, eu digo a todo mundo, compre um terreno no Parque das Flores,
porque muita gente, tem pessoas que não ligam, que diz: “Não, morreu, compra lá,
bota em qualquer canto” é uma coisa que é somente só a matéria que está lá, porque
o espírito não está mais. Eu acho isso errado. Com um ente querido eu vou ao
final. Não estou indo mais visitar o túmulo do meu pai porque euo sei nem onde
estão os ossos mais, porque eles tiraram tanto, fizeram tanta modificação que eu
não sei nem onde é que existe, porque se eu soubesse eu tirava e levava pra junto da
minha mãe. Já tem cinquenta e poucos anos né?
(Entrevista com Azálea, realizada em 11 de junho de 2008).
Consumir produtos e serviços fúnebres de empresas particulares representa a
possibilidade de oferecer uma morte digna aos entes falecidos. Rodrigues (2006b, p. 179) diz
que:
São numerosos os sobreviventes que se endividam por muito tempo, às vezes até a
própria morte, por terem querido dar a seus pais, a seu esposo, irmão, etc. um
250
funeral „compatível‟, „digno‟, „à altura‟... Por terem sido obrigados a colocar sua
angústia à disposição do lucro de outrem.
Para Tomas (1991, p. 121) esses gastos com os funerais têm uma função
tranquilizadora para os viventes:
Como el temor al muerto y a la solicitud que mostramos por el muerto o los gastos
que incurrimos por su causa contribuyen a tranquilizarnos. Como si, para borrar esa
culpa real o imaginaria, fuera necesario provenir la agresividad del difunto
ocupándose del él. Esta es la razón por la que los cuidados y atenciones que
acompañan el trato que se manifestaciones de fidelidad neutralizarán la mala
voluntad que se le atribuye. En general la necesidad de expirar, de pagar, se concibe
como un conjunto de obligaciones, ritualizadas o no, que es necesario asumir para
cumplir con el muerto y quedar en paz con el.
Esta concepção foi endossada pela consumidora Amarílis quando revelou que todos os
gastos com o funeral do seu pai foi a única forma que encontrou para “recompensar a perda”.
O fato é que os gastos com os funerais têm dois significados: o primeiro é a possibilidade de
dar uma morte digna aos entes que faleceram e o segundo é a possibilidade de retribuir ao
ente que morreu algo que ele ofereceu aos viventes quando vivo.
Consumir produtos e serviços fúnebres de empresas privadas é a possibilidade de
retribuir algo recebido. É quase uma dádiva contratual, um potlach, um kula (MAUSS, 2003),
conforme relatou Amarílis e sua mãe ao descreverem um velório presenciado em um
cemitério público:
Se votiver com dinheiro vodá. Teve um caso que eu vi, foi um dia depois do
enterro do painho, que a gente foi no cemitério que estava morto dois irmãos e
um tinha sido enterrado primeiro e o outro, quando a gente tava saindo do cemitério
um corpo chegou, aí eu fiquei curiosa, perguntei, aí eram dois irmãos, só que um
foi enterrado primeiro porque tinha com o que pagar o caixão e o outro tava
esperando que alguém arrumasse dinheiro pra poder comprar o caixão,
entendendo? é onde esses planos entram como uma luva. [a mãe de Amarílis
diz] Eu acho que é muito triste morrer uma pessoa que você ama tanto, quando
acabar você olhar para os quatro cantos da casa e você não ter com o que enterrar,
ficar pedindo ajuda a um e a outro.
(Entrevista com Amarílis, realizada em 30 de junho de 2008)
Oferecer uma boa morte ou uma morte digna aos entes que faleceram significa poder
retribuir algo recebido. Mauss (2003, p. 286) ao explicar sobre a reciprocidade e a dádiva nas
sociedades arcaicas diz que:
É que o vínculo que a dádiva estabelece entre o doador e o donario é demasiado
forte para os dois [...] A dádiva, portanto, é ao mesmo tempo o que se deve fazer, o
que se deve receber e o que, no entanto, é perigoso tomar. É que a própria coisa
dada cria um vínculo bilateral e irrevogável...
Portanto, a ideia de oferecer uma boa morte ou uma morte digna é que não se deve
ficar em dívida com o morto, e assim, retribuir o que recebeu através dos gastos com os
251
funerais. Essa troca ou retribuição é que manm o vínculo e a correlação entre os vivos e os
mortos na sociedade brasileira, e, por outro lado, retroalimenta o consumo de produtos e
serviços fúnebres e as empresas que oferecem estes tipos de bens e serviços.
252
A morte negociada:
rumo ao fim...
253
Como foi visto até aqui, o consumo fúnebre tornou-se uma realidade e, mais do que
isso, um promissor negócio para as empresas que o explora. Algumas famílias chegam a
gastar, com um único funeral, quantias de quarenta a duzentos mil reais. É verdade que tal
realidade é circunscrita apenas a segmentos abastados que preferem marcar a distinção social
ao delegarem esse tipo de serviço às firmas especializadas, o que vem se tornando um bom
ramo de negócio.
Alguns tipos de serviços são destinados a elites de alto poder aquisitivo, com a
finalidade de proporcionar a beleza, a distinção, o luxo e o conforto aos parentes e aos amigos
do morto, durante o velório. Para tal fim, são contratados serviços que pareçam mais
adequados a cada tipo de defunto e ao que a família pode e deseja pagar, ficando a empresa
responsável por todos os detalhes do cerimonial a exemplo das casas de luxo especializadas
em cerimoniais fúnebres, tal como a Funeral Home de São Paulo. A depender da modalidade,
esses serviços podem incluir flores importadas, belo déco, peças de arte, ambience regada à
Moët & Chandon ou Veuve Clicquot, com fundo operístico ou acordes de jazz, enquanto o
pretexto é lembrar o morto. Mas se os convivas preferirem, têm ainda direito a um jantar
elaborado por algum chef de moda, ou a um petit déjeuner du matin depois da ressaca matinal
de velar o defunto e, quiçá, outras mordomias desejadas. Evidentemente que este tipo de
cerimonial é bem distinto do que fora estudado nesta pesquisa, que se trata de serviços
disponibilizados para as famílias de altíssimo poder aquisitivo e que, na maioria das vezes,
o são adquiridos preventivamente.
Mas se em alguns casos há excessos, em outros escassez. Não são poucas as
situações em que as famílias se encontram desprevenidas financeiramente para arcar com as
despesas básicas de um funeral. E quando isso ocorre uma frustração de expectativa,
vendo-se os mais próximos obrigados a se renderem a serviços de quinta categoria”, como
lamentava um dos familiares participantes desta pesquisa ao se queixar que a morte de sua
genitora o pegou desprevenido, pois não havia se programado com antecedência para os
gastos do sepultamento e a pequena reserva de capital houvera sido consumida com as
despesas hospitalares. Acrescentava, com ar desolador, que desejava dar a mãe um funeral
digno e compatível com aquilo que ela merecia e, por isso, sua tristeza diante de um “caixão
barato” e das “poucas flores” que pudera encomendar à funerária do bairro. Além disso, como
a família o possuía túmulo, apelou para uma prima de sua mãe que emprestou
temporariamente um local no pequeno túmulo da família de seu esposo.
Situações dessa natureza não são estranhas ao universo pesquisado, tornando-se
recorrentes, o que explica a adesão de muitos dos pesquisados aos planos preventivos de
254
enterramentos. Somado-se a isso, o apelo das peças publicitárias e do marketing de vendas,
calcado na ideia da previsibilidade das despesas com o funeral e do reconforto de uma morte
digna. É baseada nessa lógica que algumas empresas criaram serviços e produtos que podem
ser adquiridos preventivamente e ofertados para que os consumidores possam adquiri-los
antecipadamente, sem que isso venha a onerar e desequilibrar o seu orçamento doméstico.
Tal lógica se pauta pela mesma que orienta os planos de saúde e de seguros, em geral;
em que o indivíduo contrata uma seguradora e fica obrigado a pagar, ao longo da vida,
determinada quantia para fazer uso dos serviços a qualquer momento. É assim que também
funcionam os modernos planos de assistência funerários.
No início da pesquisa, acreditava-se que o perfil do consumidor preventivo estava
relacionado às pessoas idosas, entretanto, percebeu-se que o uma distinção por idade ou
classe social, já que o consumo é uma escolha individual, autônoma e, desde que se possua
condições financeiras, os produtos e serviços estão disponíveis para todos os públicos.
Aliada à possibilidade de gerenciamento da morte através da aquisição de produtos e
serviços preventivamente (planos assistenciais funerários), verificou-se ainda nesta pesquisa,
o surgimento de outras tendências, como a personalização das cerimônias fúnebres: caixões
temáticos, funerais tributos, transmissões online, necromaquiagem, formolização,
tanatopraxia, etc. Em última instância, trata-se de recursos estéticos que amenizam e diluem o
aspecto repulsivo da morte materializado no cadáver, e que as famílias começam a introjetar
com naturalidade. Referindo-se ao simulacro que convém a esse tipo de situação, comentava
uma das entrevistadas em relação à restauração facial e a necromaquiagem realizada no
cadáver de seu genitor: “às vezes a ilusão é melhor do que a realidade nua e crua”.
Não vida que o segmento da morte é considerado uma fatia empresarial em
expansão, e, portanto, o morrer se tornou objeto de comércio e lucro, percebido como um
negócio rentável, através do estabelecimento de uma relação comercial entre a empresa
fúnebre e a família enlutada, sendo que o objeto que materializa essa transação comercial é
um corpo morto e os serviços de inumação.
Durante a pesquisa, identificamos alguns fatores que possibilitaram que o processo do
morrer fosse empresariado, fatores esses que foram compreendidos na medida em que se
entendeu a mudança histórica na forma como a sociedade percebe a morte e sepulta os seus
mortos.
No Brasil, em meados do século XX, apareceram os primeiros cemitérios parques
ajardinados, totalmente integrados com a estética da ocultação por possuírem uma paisagem
natural que os fizessem não se parecer com os tradicionais cemitérios oitocentistas, repletos
255
de escultura e de túmulos monumentais que abrigavam verdadeiras árvores genealógicas
(MOTTA, 2008).
O fato é que, a partir da modernização dos cemitérios ajardinados parques, os
enterramentos foram cada vez mais se individualizando. Em vez dos túmulos de família
surgiram pequenos lóculos para enterramentos individuais. Neste contexto, emergiram os
Grupos”, empresas particulares que passaram a atuar no ramo da morte na sociedade
brasileira. Com esses Grupos o processo do morrer se tornou objeto mercantil e elemento de
consumo, transformando-se “em uma transação comercial, em um ato que os vivos e os
mortos desempenham como atores econômicos, em proveito da reprodução das relações do
sistema social” (RODRIGUES, 2006b, p. 181).
Mas se a concepção da morte revela a concepção da vida (MARTINS, 1983, p. 09),
tratar os rituais de morte é também refletir sobre a vida, sobre os processos socioculturais e
sobre a maneira por meio da qual a sociedade se relaciona com o seu cotidiano. Neste sentido,
as mudanças ocorridas no final do século XIX na cultura fúnebre, estão correlacionadas com
outros elementos tais como a modernidade, o individualismo e, sobretudo, com o consumo.
Com isso, as empresas privadas do ramo fúnebre, aqui denominada de Grupos”,
entenderam a “necessidade” da sociedade de consumo e logo se adequaram às novas
demandas e dinâmicas sociais. Deste modo, começaram a oferecer produtos e serviços
personalizados que tem com foco único a pessoa que morreu, refletindo todo o aspecto da
vida do indivíduo e de sua personalidade, influenciando na lógica da individualização.
Como os Grupos são empresas completas, que agregam vários empreendimentos
fúnebres para dar conta de todo o processo do morrer: o antes, o durante e o depois; o
segmento funerário reflete a lógica prática da sociedade contemporânea na medida em que
agora as famílias precisam fazer uma ligação para que todos os serviços fúnebres sejam
realizados e o cadáver possa ser reverenciado, sem que para isto seja necessário se preocupar
com os detalhes do funeral.
Todavia, a atuação do segmento empresarial no ramo da morte é, sem dúvida, sui
generis, pois, mesmo sendo uma empresa como outra qualquer (com diretores, funciorios,
produtos, clientes, etc.), trabalha com “produtos não procurados”, isto é, a morte. Há,
portanto, toda uma estrutura peculiar para ofertá-los, que é acionada por meio dos executivos
de vendas, dos agentes nebres, das assistentes sociais e de outros funcionários que fazem
parte dessas organizações empresariais. E, naturalmente, por trás de todo esse aparato
mercadológico existem códigos culturais, próprios a cada grupo social, o que torna peculiar
esse tipo de experiência.
256
É importante lembrar que os “Grupos”, mesmo contribuindo para o processo de
interdição e ocultamento da morte e dos mortos, não corroboram para o desaparecimento dos
signos e vestígios da morte na sociedade contemporânea, pois se assim o fizessem, perderiam
suas funções. Mesmo evitando algumas referências à morte e aos mortos e utilizando-se de
um vocabulário que substitui algumas terminologias fúnebres, divulgam a morte e o morrer
nos meios de comunicação de massa, através de suas peças publicitárias e realizam eventos
com a finalidade de manter os mortos sempre presentes na lembrança e na memória dos vivos.
Conforme o leitor pode observar, todas essas situações analisadas revelam que uma
nova cultura funerária tem surgido na contemporaneidade, embora esteja em constante
processo de mudança e de expansão, especialmente no caso estudado. Nesse novo tipo de
experiência, o consumo se apresenta como ferramenta essencial, mas é o morto o atrativo que
deve comandar a cadeia produtiva da demanda, através dos sistemas de objetos funerários
ofertados.
Com efeito, o trabalho partiu de algumas hipóteses para tentar entender o fenômeno do
consumo de produtos e serviços funerários das empresas particulares: a praticidade e a
comodidade atreladas a esses serviços, o receio de ser sepultado em cova rasa nos cemitérios
públicos, o temor de que o corpo morto não possa sequer ser lembrado ou cuidado e a
possibilidade de se distinguir socialmente através dos gastos com os funerais, compreendendo
notadamente o velório, ritual de sociabilidade e parte mais teatralizante da cerimônia.
Convém notar ainda que os consumidores fúnebres utilizam o consumo para se
distinguir socialmente, como sugere este trabalho. Assim, os gastos com um funeral refletem
o poder aquisitivo de cada família, pois no imaginário de alguns entrevistados, um funeral
custoso es relacionado ao status financeiro e a importância dada ao morto, inclusive
afetuosa. É ali onde se mede a capacidade e o poder socioeconômico da família ou do morto,
o número de pessoas, a importância social de alguns presentes, a quantidade de coroas, a
qualidade das flores, o tipo de retro, os objetos mortuários, enfim, todos os aparatos
adicionais utilizados numa cerimônia dessa natureza. Percebeu-se também que o consumo
está atrelado à praticidade e à comodidade que estes tipos de produtos e serviços oferecem ao
consumidor, pois com a prevenção é possível gerenciar o próprio funeral, escolhendo os tipos
de produtos e serviços mais adequados às suas necessidades culturais, religiosas e
econômicas.
Entretanto, outros fatores que estão relacionados aos códigos culturais e sociais de
cada grupo, já que a utilidade e a funcionalidade de alguns objetos estão intimamente ligadas
aos digos prescritos pela sociedade (SAHLINS, 2003a, p. 205). Nesse contexto, percebeu-
257
se também que o consumo de produtos e serviços fúnebres se coaduna com outras noções
presentes na sociedade e na cultura contemponea, tais como a noção de corpo e de
reciprocidade.
Portanto, o consumo fúnebre está também atrelado ao significado e ao sentido de uma
“boa morte” ou de uma “morte digna”. A ineficiência da gestão da morte pelo serviço público
é motivo para a adesão de muitos dos entrevistados à empresa privada.
Poderíamos aqui também indagar sobre qual o impacto e quais as consequências que
essas mudanças no cenário funerário têm acarretado no âmbito do comportamento e do
sistema de valores dos indivíduos. Entretanto, tais questões não caberão ser discutidas neste
momento, pois o que a pesquisa pretendeu analisar foram apenas as práticas de consumo e as
dinâmicas do mercado funerário. A partir deste campo o que se constata é que a nova cultura
fúnebre está baseada numa nova estrutura: a do consumo, mas sem deixar de lado a correlão
e a manutenção do vínculo existente entre os vivos e os mortos, característica da sociedade
brasileira.
Porém, sabemos que como o consumo fúnebre é hoje uma realidade em constante
crescimento e modificação, outras discussões poderão surgir mais adiante, tais como as
reflexões sobre quais os rumos e limites do gerenciamento sobre o morrer e sobre o processo
de negociação antecipada dos funerais. São questões importantes que motivarão certamente
uma próxima discussão.
Em todo caso, não podemos esquecer que o sistema de morte, a maneira como
morremos, como sepultamos e lidamos com os nossos mortos revela muito o modo como
vivemos. Afinal, é a lógica da vida que pauta a lógica da morte e, por isso mesmo, toda
sociedade pode ser medida e avaliada pelo seu sistema de morte. Por fim, é a partir do
tratamento dado ao morto que passamos a melhor conhecer e entender as dinâmicas
socioculturais e, sobretudo, o mundo dos vivos. Foi esta, em última insncia, uma das
premissas que norteou este trabalho.
258
Fontes e Bibliografias
259
Fontes impressas
1. Matérias de Jornais
Adeus a Vera Arruda. Gazeta de Alagoas, Alagoas. nº 136, ano LXX, pág. 01 ago. 2004,
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fev. 2003. Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazeta/Frame.php?f=1998.php>.
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Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazeta/Frame.php?f=1998.php>. Acesso em: 28
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Jornalista denuncia violação de sepultura em cemitério municipal. Gazeta de Alagoas,
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260
Multidão vai ao Parque das Flores lembrar seus mortos. Gazeta de Alagoas, Alagoas. nº 214,
ano LXVII, Geral, 03 nov. 2001, p. A 06.
O Parque das Flores está totalmente concluído. ver como se acaba com um preconceito.
Gazeta de Alagoas. Alagoas, nº 222, ano XXXIX, Caderno B, 25 nov. 1973, p. 01.
Ossada desaparece de cemitério público. Gazeta de Alagoas, Alagoas, 585, ano LXXIII,
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Parque das Flores aumenta vendas com prestações de Cr$ 52,50. Gazeta de Alagoas,
Alagoas, nº 239, ano XXXIX, 1º Caderno, 16 dez. 1973, p. 03.
Parque das flores tem vaga até demais. Gazeta de Alagoas. Alagoas, Caderno B, 21 set.
1975, p. 01.
Parque das Flores: A realização de um conceito. Gazeta de Alagoas. Alagoas, 222, ano
XXXIX, 19º Caderno, 25 nov. 1973, p. 03.
População denuncia roubos em mausoléus no cemitério do Trapiche. Gazeta de Alagoas,
Alagoas, 22 jun. 2003. Disponível em:
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Sampaio e Afrânio entregam Parque das Flores à população maceioense. Gazeta de Alagoas.
Alagoas, ano XXXIX, 15 nov. 1973, s/p.
Se você está disposto a ler sem preconceito, nós vamos lhe falar sobre o Parque das Flores.
Gazeta de Alagoas. Alagoas, nº 216, ano XXXIX, 1º Caderno, 18 nov. 1973, p. 05.
2. Documentos
ALAGOAS. Regulamento de 20 de julho de 1870. Arquivo Público Estadual de Alagoas
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Artigos 210 e 211.
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VERBEKE, Werner (eds.). A morte na Idade Média. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1996. (Ensaios de Cultura; 8). p. 11-26.
VOVELLE, Michel. La mort et l’Occiddent de 1330 à nous jours. Paris: Gallimard, 1988.
_______. La Ville des Morts: Essai sur l‟Imaginaire urbain contemporain d‟aprés les
cimetières provençaux. Paris: Editions du Centre National de La Recherche Scientifique,
1983.
______. Mourir autrefois. Attitudes collectives devant la mort aux XVIIe. et XVIIIe.
Siècles. Paris : Gallimard/Julliard, 1974.
VERNON, Glenn M. Sociology of Death. New York: Ronald Press, 1970.
WEINSTEIN, A. Segmentação de mercado. São Paulo: Atlas, 1995.
WHITTAKER, William G. Funeral services: the industry its workforce, and labor standards.
In: Congressional Research Service. Fevereiro, 2005, p. 01-41. Dispovel em:
<http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1208&context=key_workp
lace>.
WOODTHORPE, Kate. My life after death: connecting the field, the findings and the
feelings. In: Anthropology Matters Journal, 2007, vol. 9 (1), p. 1-11.
ZAPATA, Claudia Patricia Velez. Hacia una humanización de la empresa funeraria. In:
Pensamiento y Gestión, 21, Universidad del Norte, 2006, p. 93-113. Disponível em:
<http://ciruelo.uninorte.edu.co/pdf/pensamiento_gestion/21/hacia_una_humanizacion_empres
a.pdf>.
273
Anexos
274
Anexo A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformação das representações
simbólicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia, na Av. Professor Acadêmico Hélio Ramos, 1235, Cidade Universitária, Recife
PE, CEP 50670-901, Tel.: (81) 2126.8286.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap. 001, Santa
Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
A pesquisa trata de um estudo etnográfico pela qual se pretende compreender o mercado fúnebre tanto no que se
refere ao processo de venda de produtos e serviços fúnebres do Grupo Parque das Flores, localizado na cidade de
Maceió/Alagoas, quanto do consumo destes produtos e serviços por parte da sociedade alagoana. Enfoca as
representações sobre o cotidiano e a mentalidade fúnebre com relação à morte, aos mortos, a atuação do mercado
e as motivações para o consumo, objetivando compreender as novas atitudes coletivas perante a morte.
Possibilitando assim, uma análise sobre os processos sócio-culturais e sobre a forma de como os indivíduos se
relacionam com seu cotidiano e sua cultura, visto que há uma conexão entre a maneira como se vive e a maneira
como se morre, então, a concepção da morte revela a concepção da vida. Alguns procedimentos de pesquisa
serão utilizados, tais como: entrevistas gravadas com aparelhos gravadores de áudio, anotações em cadernos de
campo e observações etnográficas. Também, sempre que necessário, utilizaremos recursos visuais (fotografias)
para captar imagens, objetivando utilizá-las apenas de modo ilustrativo. Não podemos esquecer que a pesquisa
que se pretende possui alguns riscos, que dizem respeito a constrangimento ou invasão de privacidade ao
submeter os entrevistados a realizarem depoimentos sobre temas aos quais desejam manter certos segredos. A
pesquisa não oferece benefícios imediatos aos participantes e visa contribuir para a melhor compreensão e
atendimento a de suas relações com o cotidiano.
Todos os participantes da pesquisa concordarão em participar da mesma através da assinatura de um termo de
consentimento livre e esclarecido após serem explicados os riscos e benefícios da pesquisa bem como o fato de
que podem se retirar da pesquisa em qualquer momento e que seus nomes não serão divulgados.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ___________________________________________________________, R.G. nº____________________, venho por
meio do presente termo, declarar ter sido informado(a) claramente sobre a finalidade da pesquisa acima:
1.) Declaro estar ciente que a pesquisa aborda as relações cotidianas, para melhor entender esta situação e descobrir
caminhos que possibilite melhor compreensão do comportamento fúnebre.
2.) Declaro que entendo que a minha participação pode implicar em falar de intimidades sobre as quais não me sinto
cômodo em falar, sabendo que posso recusar fornecer quaisquer informações em qualquer hora.
3.) Declaro que a presente autorização é feita a título gratuito, não sendo nada devido de ambas as partes.
4.) Reconheço que o núcleo de pesquisa da UFPE, neste ato, coloca ao meu dispor todas as informações sobre os métodos
utilizados, a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis.
5.) Declaro que fui informado(a) que não serei identificado(a), que os riscos de impor a intimidade ou de representar apenas
parcialmente as demandas de grupo são menores que os benefícios previstos para o grupo nesta participação em termos
de possíveis ações a favor do coletividade.
6.) Declaro que entendo que em nenhum caso os dados que informo serão usados em meu prejuízo.
7.) Reconheço que participo livremente desta pesquisa, apenas para os fins previstos neste termo e que tenho a liberdade de
recusar minha participação ou de retirar meu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e
sem prejuízo pessoal.
8.) E, para todos os fins e efeitos de direito, assino este instrumento em 02 (duas) vias de igual teor e forma, na presença das
testemunhas abaixo.
Maceió, _______de ____________________ de _________.
_____________________________________________ ___________________________________________
Concedente Nome: Pesquisador Nome:
R.G. nº:
_______________________________________________ ___________________________________________
Testemunha 1 Nome: Testemunha 2 Nome:
275
Anexo B Roteiro de Entrevista com Executivos de Vendas
Atuação
Nome:
Quanto tempo trabalha na área?
Como foi sua primeira experiência?
Explique como é seu trabalho?
- Como ocorre as vendas? Como se dá a abordagem?
Quais são os produtos que vende e os serviços que oferece?
Existiu e existe algum treinamento?
Teve alguma dificuldade de aceitação? (pessoal e com o público)
Como avalia hoje seu trabalho? No sentido de aceitação do público.
Histórias
Quem é seu público? (perfil, classe social, idade, situação que faz com que a pessoa adquira o
produto)
Como é seu trabalho com o público?
Há ainda alguma dificuldade de aceitação? Relacione.
Como são contornadas essas dificuldades?
Houve alguma situação interessante, inesperada? (exigência familiar, não aceitação de alguns
familiares)
Você acha que teu trabalho tem ajudado para uma mudança na percepção da morte e dos mortos?
Pessoal
Religião?
Como você percebe os produtos e serviços que você oferece, inclusive o cemitério? Você compraria
algum produto? Com que finalidade?
Durante este tempo de trabalho você acha que houve uma mudança na forma de você perceber a
morte?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformão das
representações simbólicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de
s-Graduação em Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap.
001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
276
Anexo C Roteiro de Entrevista com Consumidores de Jazigo
A venda
Como foi o primeiro contato com o produto e/ou serviço?
Quem foi o vendedor que lhe vendeu tal produto?
Como foi que ele lhe abordou? O que ele falou?
Quanto tempo demorou desde o primeiro contato até a compra? Se houve demora, saber o motivo?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc.)
O produto
Já conhecia o serviço?
O que é o produto e/ou serviço que você está adquirindo?
Por qual motivo você está adquirindo este produto e/ou serviço?
Já utilizou outros tipos de produtos e/ou serviços (enterros em outros cemitérios)?
Como foi a experiência?
Qual a diferença?
O que motivou a comprar um jazigo no Parque?
Faz uso de outros tipos de serviços ou produtos? (plano, etc)
Houve alguma resistência (pessoal ou familiar em adquirir tal tipo de produto)?
Como você avalia comprar este tipo de produto?
O cemitério
O que você acha do cemitério?
Como percebe o cemitério Parque? O que diferencia-o de outros cemitérios?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc)
Você tem algum parente, conhecido que esteja sepultado lá? Onde?
Realiza visitas ao cemitério?
Quantas vezes você vai ao cemitério? 1x na semana, 1x no mês, 1 x no ano, outros.
Por que das visitas? (da recorrência ou não)
Pessoais
Renda familiar? (fazer uso do questionário)
Religião?
Houve alguma mudança na percepção da morte com o processo de aquisição do produto?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformão das
representações simbólicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de
s-Graduação em Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap.
001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
277
Anexo D Roteiro de Entrevista com Consumidores de Plano
A venda
Como foi o primeiro contato com o produto e/ou serviço?
Quem foi o vendedor que lhe vendeu tal produto?
Como foi que ele lhe abordou? O que ele falou?
Quanto tempo demorou desde o primeiro contato até a compra? Se houve demora, saber o motivo?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc)
O produto
Já conhece o serviço?
O que é o produto e/ou serviço que você está adquirindo?
Por qual motivo você está adquirindo este produto e/ou serviço?
Já utilizou outros tipos de produtos e/ou serviços (jazigos, outros planos,etc.)?
Como foi a experiência?
Qual a diferença?
O que motivou a comprar um Plano?
Já tomou conhecimento de outros tipos de produtos (PréVida)?
O que você espera do produto?
Você utilizaria todos os serviços que estão disponíveis? (tanatopraxia, necromaquiagem, etc.)
Faz uso de outros tipos de serviços ou produtos?
Houve alguma resistência (pessoal ou familiar em adquirir tal tipo de serviço)?
O cemitério
O que você acha do cemitério?
Como percebe o cemitério Parque? O que diferencia-o de outros cemitérios?
Qual a primeira imagem do Parque?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc)
Você tem algum parente, conhecido que esteja sepultado lá? Onde?
Realiza visitas ao cemitério?
Quantas vezes você vai ao cemitério? 1x na semana, 1x no mês, 1 x no ano, outros.
Por que das visitas? (da recorrência ou não)
Pessoais
Renda familiar? (fazer uso do questionário)
Religião?
Houve alguma mudança na percepção da morte com o processo de aquisição do produto?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformação das representações simbólicas dos
rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap. 001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-
000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
278
Anexo E Roteiro de Entrevista com Consumidores de Jazigo e Plano
A venda
Como foi o primeiro contato com o produto e/ou serviço?
Quem foi o vendedor que lhe vendeu tal produto?
Como foi que ele lhe abordou? O que ele falou?
Quanto tempo demorou desde o primeiro contato até a compra? Se houve demora, saber o motivo?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc)
O produto
Como foi o primeiro contato com o produto e/ou serviço?
Já conhecia o serviço?
O que foi o produto e/ou serviço que você está adquirindo?
Por qual motivo você está adquiriu este produto e/ou serviço?
Já utilizou outros tipos de produtos e/ou serviços (jazigos, outros planos,etc.)?
Como foi a experiência? Qual a diferença?
O que motivou a comprar um Plano ou jazigo?
Já tomou conhecimento de outros tipos de produtos (PréVida)?
Houve alguma resistência (pessoal ou familiar em adquirir tal tipo de serviço)?
Como você avaliava comprar este tipo de serviço?
O uso
Depois de efetuada a venda, com quanto tempo utilizou o produto ou serviço?
Como foi feita a assistência? O processo de assistência e como se processou o uso?
Atendeu as expectativas?
Utilizou todos os serviços que estavam disponíveis? (tanatopraxia, necromaquiagem, etc.)
O cemitério
O que você acha do cemitério?
Quantas vezes você vai ao cemitério? 1x na semana, 1x no mês, 1 x no ano, outros.
Por que das visitas? (da recorrência ou não)
Como percebe o cemitério Parque? O que diferencia-o de outros cemitérios?
Qual a primeira imagem do Parque?
Quem vai usar o jazigo? Quem está usando?
Como avalia o trabalho da equipe? (vendas, etc)
Pessoais
Renda familiar? (fazer uso do questionário)
Religião?
Houve alguma mudança na percepção da morte com o processo de aquisição do produto?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformação das representações simbólicas dos
rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap. 001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-
000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
279
Anexo F Roteiro de Entrevista com Agentes Fúnebres
Atuação
Nome:
Como foi sua entrada no Grupo?
Como foi o início?
Teve Dificuldades?
Quais as mudanças?
Quanto tempo trabalha na área?
Explique como é seu trabalho?
Existiu e existe algum treinamento?
Teve alguma dificuldade de aceitação? (pessoal e com o público)
Como avalia hoje seu trabalho? No sentido de aceitação do público.
Histórias
Quem é seu público? (perfil, classe social, idade, situação que faz com que a pessoa adquira o
produto)
Como é seu trabalho com o público?
Como é hoje a aceitação do público?
Há ainda alguma dificuldade de aceitação? Relacione.
Como são contornadas essas dificuldades?
Houve alguma situação interessante, inesperada? (exigência familiar, o aceitação de alguns
familiares)
Pessoal
Como você percebe os produtos e serviços, inclusive o cemitério? Você compraria algum produto?
Com que finalidade?
Durante este tempo de trabalho você acha que houve uma mudança na forma de você perceber a
morte?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuão do mercado fúnebre na transformação das
representações simbólicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de
s-Graduação em Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap.
001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
280
Anexo G Roteiro de Entrevista com os Diretores
História
Nome:
Como foi sua entrada no Grupo?
De onde partiu a ideia?
Como foi no início?
Dificuldades?
Quais as mudanças?
Como foi a aceitação do público?
Quais as estratégias utilizadas para aceitação do público no tocante aos produtos e serviços?
Como fizeram para consolidar a marca?
Qual a sua atuação na empresa?
Explique o que é efetivamente o seu trabalho?
Grupo:
Quais as empresas que fazem parte?
Quantos anos?
Quem são os funcionários?
Como se dividem?
Quais os prêmios conquistados?
Participam de capacitação? Congresso, etc.?
Mudanças
Houve alguma mudança em relação à forma como as pessoas vêem hoje o produto e o serviço?
O que é que você acha das pessoas que compram este tipo de produto/serviço?
Há ainda dificuldade na área?
Quem é o público? (perfil, classe social, idade, situação que faz com que a pessoa adquira o produto)
Você acha que teu trabalho tem ajudado para uma mudança na percepção da morte e dos mortos?
Como avalia seu trabalho?
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformação das
representações simbólicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de
s-Graduação em Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap.
001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
281
Anexo H Critério de Classificação Econômica Brasil
282
283
284
Anexo I Questionário de Critério de Classificação Econômica
Nome: Idade:
Estado Civil: ( ) solteiro(a) ( ) casado(a) ( ) viúvo(a) ( ) outros
Quantidade de Filhos:
Grau de instrução do Chefe de família
( ) Analfabeto
( ) Primário incompleto
( ) Primário completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Médio Incompleto
( ) Superior Incompleto
( ) Superior Completo
Tipo de Residência:
( ) própria ( ) alugada ( ) parentes
Renda familiar
( ) Acima de 7.794
( ) De4.649 a 7.793 ou mais
( ) De 2.805,00 a 4.648,00
( ) De 1.670,00 a 2.804,00
( ) De 928,00 a 1.669,00
( ) De 425,00 a 927,00
( ) De 208,00 a 424,00
( ) Até 207,00
Aparelhos domésticos (Informe a quantidade)
a) Televisão em cores
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
b) Rádio
(incluir qualquer tipo de rádio, mesmo que esteja incorporado a outro equipamento
de som ou televisor, rádios walkman, conjunto 3 em 1 ou microsystems, exceto
rádios de automóveis)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
c) Banheiro
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
d) Automóveis
(exceto táxis, van ou pick-ups usados para fretes ou qualquer outro veículo usado
para atividades profissionais ou de uso misto lazer e profissional)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
285
e) Empregados (as) domésticos (as)
(apenas empregados mensalistas, os que trabalham pelo menos 5 dias por semana,
durmam ou não no emprego. Inclui-se babás, motoristas, cozinheiros, copeiros,
arrumadeiras, sempre mensalistas)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
f) Aspirador de pó
(incluir os portáteis e máquinas de limpar a vapor)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
g) Máquina de Lavar
(incluir tanquinho)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
h) Vídeo cassete ou DVD
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
i) Geladeira
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
h) Freezer
(aparelho independente ou parte de geladeira duplex)
( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais
Geladeiras e Freezer: possibilidades
Tipo: Simples (não duplex) e não possui freezer ( )
Geladeira duas portas e não possui freezer ( )
Geladeira duas portas e possui freezer ( )
Freezer e não possui geladeira ( )
PESQUISA: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformação das representações simbólicas dos
rituais e das cerimônias fúnebres”
ORIENTADOR: Antônio Carlos Motta de Lima.
PESQUISADOR: Isabela Andrade de Lima, Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia, estabelecida na Av. Jorge Montenegro Barros, 3098, Bloco A, Ap. 001, Santa Amélia, Maceió AL, CEP: 57063-
000, Tels.: (82) 3314-1714 - (82) 8828-8277.
286
Anexo J Carta de Anuência enviada ao Grupo Parque das Flores
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
Ao Grupo Parque das Flores
Maceió/AL.
Solicitamos à V.Sª uma Carta de Anuência do Grupo Parque das Flores, a fim de atender às
exigências do Comitê de Ética da UFPE, ref. ao Protocolo de Pesquisa nº ________ CEP/CCS, que trata de
um projeto de pesquisa intitulado: Pela Hora da Morte: a atuação do mercado fúnebre na transformão
das representações simlicas dos rituais e das cerimônias fúnebres”. Esta proposta trata de analisar a
atuação do mercado fúnebre tanto na venda quanto ao consumo de produtos e serviços fúnebres, objetivando
identificar a transformação simbólica da organização dos rituais e das cerimônias fúnebres, indicando assim uma
nova sensibilidade do viver humano na contemporaneidade. Essas informações subsidiam tanto o debate
acadêmico, assim como contribuem para o entendimento do cotidiano e da mentalidade fúnebre, possibilitando
assim, uma análise sobre os processos sócio-culturais e sobre a forma de como os indivíduos se relacionam com
seu cotidiano e sua cultura, visto que há uma conexão entre a maneira como se vive e a maneira como se morre,
então, a concepção da morte revela a concepção da vida.
Para alcançar esses objetivos pretendemos utilizar alguns procedimentos de pesquisa, tais como:
observações etnográficas (no Campo Santo Parque das Flores, na Central de Velórios, na Central de
Atendimento, na Funerária São Matheus, etc.); recursos visuais (fotografias) para captar imagens objetivando
utilizá-las apenas de modo ilustrativo; anotações na caderneta de campo; e entrevistas gravadas com aparelhos de
áudio que serão realizadas entre profissionais do Grupo Parque (diretores, executivos de vendas, assistentes
sociais, etc.) e consumidores dos produtos e serviços.
Nesta investigação empírica entre os consumidores a amostra representativa sebuscada através de
profissionais do Grupo Parque. Entretanto, devido à complexidade encontrada no grupo de clientes,
concentraremos a amostragem apenas nos clientes que adquirem o Plano Assistencial Funerário Previ-parq,
jazigos no Cemitério Campo Santo Parque das Flores (lócus da investigação empírica) e/ou fazem uso de
serviços prestados pela Funerária São Matheus. Serão levadas em considerações as representações produzidas
pelos consumidores e profissionais, mas também aquelas observações nas vivências etnográficas.
Essa investigação tem a ver com questões relativas aos ritos e rituais contemporâneos, considerando que
estes são sempre re-significados e re-interpretados, sendo, portanto, contemporâneos, pois o que existe é uma
constante recomposição das formas simbólicas adaptadas aos sucessivos e vertiginosos instantes da vida cultural,
isto porque a cultura é historicamente produzida e alterada na ação, na medida em que os atores repensam
criativamente seus esquemas culturais.
Considerando que a existência de profissionais e instituições envolvidas no mercado funerário é uma
prática bastante antiga no Brasil, mas que a atuação do atual mercado fúnebre contribui para revelar o novo
significado que a morte vem adquirindo na contemporaneidade. O objetivo geral da pesquisa é então estudar a
atuação do mercado fúnebre em Alagoas como instrumento para perceber como ocorre a reavaliação simbólica
dos rituais e das cerimôniasnebres.
Com a perspectiva de iniciarmos essa atividade de pesquisa, gostaríamos de obter o referido documento
deste Grupo, nos disponibilizando para maiores esclarecimentos.
Atenciosamente,
Isabela Andrade de Lima Morais
Doutoranda do PPGA/Departº de Ciências Sociais/CFCH/UFPE
287
Anexo K Carta de Anuência do Grupo Parque das Flores
288
Anexo L Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
289
Anexo M Taxas dos Cemitérios Públicos de Maceió
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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