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Freud se estabelece por uma potência de amor!) apenas garante uma
inclinação à posição psíquica, e não obrigatoriamente sua sintomatologia.
O caráter selvagem e polimorfo da sexualidade perversa é parte
integrante das manifestações da própria sexualidade humana. Comum a todos,
esta polimorfia é o estado bruto, infantil, no qual a libido se exerce por meio das
pulsões. Neste caso, então, é como se o sujeito se tenha feito crer, por uma
“via curta” e através de um mecanismo de fixação, que a sua sexualidade pré-
genital seria superior à genitalidade, e assim à unificação final das pulsões
parciais. A denegação do recalque se traduziria, em Freud, mais exatamente,
por “uma supressão parcial do recalque” (Chasseguet-Smirgel, 1991, p. 174,
grifos meus). Sua ação, que se inclina ao afastamento da realidade, suscita
marcas de um abalo em seus alicerces. Nessa medida, a conjuntura da crença
e da tautologia ganha aqui plena significação.
Aprofundando anda um pouco mais, esta supressão funciona como uma
estratégia de controle à ameaça de castração, sendo que seu objetivo é
sustentar a relação entre o sujeito e a realidade circundante. Além do mais,
trata-se de uma posição em viragem dialética porque é negativa em relação à
neurose (leia-se: ao recalque), se aceitarmos que “a neurose é, por assim
dizer, o negativo da perversão”,
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tal como a famosa proposição de Freud fizera
crer (1996, [1901-1905], p. 150) no início de sua teoria. Nesse momento
(estamos em 1905), desprovidos dos artigos de metapsicologia,
12
há de se
entender que esta máxima se dirige em particular ao nível “pré-tópico” do
aparelho. Em termos clínicos, o fantasma inconsciente do neurótico seria
manifestado de maneira consciente nas perversões; e se não é o caso, deve-
se reconhecer no mínimo que o desmentido (Verleugnung) seria, com efeito,
uma espécie de “alucinação negativa”, assim como adverte André Green.
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A despeito de uma série de autores sugerirem a incapacidade desta tese (McDougall, 1983),
mantenho-a pelo nível dialético que comporta e que não deixa de fazer sentido aqui. A título de
exemplo, Freud chegou a propor, em carta a Fliess datada de 06 de dezembro de 1896, que a
histeria não seria a sexualidade repudiada, “e sim a perversão repudiada” (Moussaieff-Masson,
1986, p. 213)
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Carta a Fliess de 24/01/1897. É sugestivo mencionar que toda esta conjuntura implica em
uma regressão ao estádio anterior (ou seja, anal) da organização psíquica; se o sujeito não
consegue se ancorar na genitalidade, e isso por questões específicas à sua posição psíquica,
como vimos, então o retorno e a fixação decorrente a uma etapa anterior se fazem
necessários. A neurose é também uma espécie de conservação ou regressão da sexualidade
ao estado infantil, mas neste caso não há fixação.