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signos, das obras e dos textos, nos quais as heranças culturais se inscrevem e se
oferecem à nossa decodificação. Portanto, o que nos faz comunicar a distância é a
coisa do texto que já não pertence nem ao seu autor nem ao seu leitor, ou seja, o
mundo do texto. Mas, a coisa do texto, para Gadamer, só aparece quando os
preconceitos são adequados ao conteúdo ou quando eles são alterados. Ele diz que
para compreender um texto é preciso estar sensível à novidade que ele anuncia.
Porém, isso não significa neutralidade ou anulação da personalidade, traduzindo
essa compreensão como assimilação consciente dos significados prévios e dos
preconceitos, ou seja, dos restos de uma mentalidade não esclarecida que
adquiriram uma conotação negativa no iluminismo. Por causa disso o preconceito
necessita ser reabilitado. Para Ricœur (1986), todavia, a experiência da linguagem
só exerce a sua função mediadora porque os interlocutores do diálogo se apagam,
um e outro, face às coisas ditas que, de certo modo, levam ao diálogo.
Para Ricœur (1986), o distanciamento não pode ser repudiado, mas
assumido. Por isso, é através da apropriação mútua de pertença e distanciamento,
de um quark e um antiquark, que ele desenvolverá sua própria reflexão, recolhendo,
como numa dança de partículas, as noções de interpretação gramatical e
psicológica (mas retomadas com uma nova linguagem, a saber, a análise estrutural
e a compreensão de si diante do texto); a explicação e a compreensão (dicotomia
que, com a lingüística moderna; a sociologia weberiana e a antropologia estrutural
deixa de ser válida como signo de oposição entre ciência da natureza e ciência do
espírito, uma vez que, a partir dessas disciplinas, também as ciências humanas se
tornam ciências explicativas e compreensivas); epistemologia e ontologia (graças à
idéia de “via longa”, com que ele pretende chegar ao mesmo porto de Heidegger,
porém tendo dispensado a devida atenção à tarefa de se instruir com as disciplinas
semiológicas e outras); e as noções de distanciamento, que ele toma, não como
alienante, mas como crítico; e pertença, que ele considera inelutável. Isto tudo,
todavia, por uma razão muito precisa, e não, repitamos, por ecletismo. Pois assim
como a física não pode ser considerada eclética e imatura por sustentar que a luz
são ondas e partículas, uma vez que a luz é isso mesmo, ao mesmo tempo, assim
também Ricœur não poderia ser considerado um autor sem vigor por assumir tantos
compromissos, uma vez que ele, em cada uma dessas apropriações, pressupõe um
conceito que, por sua própria natureza, pede todas aquelas “partículas conceituais”
anteriormente examinadas. Que conceito tão rico, como a luz dos físicos, seria este?