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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
A CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL E A REGULAÇÃO
HOMEOSTÁTICA PARA O HOMO FABER
LUIS ANTONIO LAROCCA
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná.
Orientador(a): Prof. Dra. Maclovia Corrêa da Silva
Co-orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann
CURITIBA
2005
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LUIS ANTONIO LAROCCA
A CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL E A REGULAÇÃO
HOMEOSTÁTICA PARA O HOMO FABER
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná.
Orientador(a): Prof. Dra. Maclovia Corrêa da Silva
Co-orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann
CURITIBA
2005
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UTFPR – Campus Curitiba
L326c Larocca, Luis Antonio
A consciência tecnológica na revolução industrial e a regulação homeostática
para o homo faber / Luis Antonio Larocca. –
Curitiba : CEFET-PR , 2005.
iv, 78 f. : il. ; 30 cm
Orientadora : Profª Drª Maclovia Corrêa da Silva
Co-orientador : Prof. Dr. Ademar Heemann
Dissertação (Mestrado) – CEFET-PR. Programa de Pós-Graduação em Tecno-
logia. Curitiba, 2005.
Bibliografia : f. 76-78
1. Tecnologia – Filosofia. 2. Revolução industrial. 3. Homeostasia. 4. Utilita-
rismo. 5. Grã-Bretanha – Condições econômicas – História. 6. Inovações tecno-
lógicas – Aspectos econômicos – História. 7. Produtividade do trabalho. I. Silva,
Maclovia Corrêa da, orient. II. Heemann, Ademar, co-orient. III. Centro Federal
de Educação Tecnológica do Paraná. Curso de Pós-Graduação em Tecnologia. IV.
Título.
CDD : 601
CDU : 62.01
Dedicar! A quem?
Somente à companheira, amante,
espôsa e mãe, Nilsa,
de rumos tantos
por sonhos distantes,
em comum,
numa viagem que se renova
a cada dia e se guarda
no sorriso e abraço do amigo,
de hoje e sempre
feito filho, Lucas Emanuel.
Desafio enfrentado,
aqui o meu obrigado,
em palavras tortas,
sem palavras,aos dois.
Fica um sentimento profundo
que trago comigo
em meu coração
para sempre.
Amém.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Profa. Dra. Maclovia Corrêa da Silva pela confiança, incentivo e
orientação no desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço ao Prof. Ademar Heemann pela co-orientação e incentivo no
desenvolvimento deste trabalho.
Um especial agradecimento a Profa. Dra. Luciana Martha Silveira por mostrar-
me o foco quando deste ponto crucial denominado – qualificação – para que o rigor
acadêmico do tecno-cientificismo não ofuscasse a busca da linguagem apropriada
ao tema.
Se as grandes máquinas são um perigo para o espírito
do Ocidente, não seriam as pequenas máquinas um perigo
maior para nós?
Rabindranath Tagore (1861 1941)
i
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ..........................................................................................................................................II
RESUMO ............................................................................................................................................................ III
ABSTRACT.........................................................................................................................................................IV
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................5
2. ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL .........................................................................20
2.1 A HOMEOSTASIA ...........................................................................................................................22
2.1.1 Recortes Históricos das discussões sobre a homeostase...............................................................25
2.2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM OS ARTEFATOS......................................................................27
2.2.1 A relação homeostática do ser humano com os artefatos e a natureza.........................................29
2.3 O UTILITARISMO E O PRAZER DAS INVENÇÕES....................................................................31
2.4 AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS RAMOS DO VESTUÁRIO E DO TRANSPORTE....35
2.4.1 A mobilidade humana e o progresso tecnológico..........................................................................38
3. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL..............................................................................................................43
3.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA..............................................................47
4. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A PARTIR DA OBRA DE DAVID LANDES.................................52
4.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL NA INGLATERRA .................................53
4.2 O CAMPO E A CIDADE ..................................................................................................................56
4.3 CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA, TÉCNICA E CIÊNCIA ............................................................58
4.4 A MECANIZAÇÃO E A PADRONIZAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL..........................63
4.4.1 Questões da máquina a vapor e da energia...................................................................................67
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................71
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................................76
ii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 SISTEMA LÍMBICO..............................................................................23
FIGURA 02 REDE DE TRANSPORTES FLUVIAIS NA INGLATERRA NO
PRINCÍPIO DO SÉC XIX.....................................................................39
FIGURA 03 A PEDREIRA (1896) - HENRI ROUSSEAU.........................................47
FIGURA 04 ESTADO AVANÇADO DA INDÚSTRIA BRITÂNICA EM 1815............55
iii
RESUMO
Esta dissertação trabalhou aspectos da Revolução Industrial na sociedade inglesa a
partir dos conceitos de homeostasia, utilitarismo e consciência tecnológica. Temos
em mente como propósito dar a conhecer uma suposta gênese da consciência
tecnológica na história da Revolução Industrial, e principalmente, distinguir um
conceito de conteúdo fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma representação
global das correlações entre os empreendimentos humanos e sociais. Estudamos o
determinismo tecnológico motivado pelas inovações que trazem sensações de
prazer e de dor, as quais fazem parte da regulação homeostática dos seres
humanos. Esta busca contribuiu para a formação da consciência tecnológica coletiva
na sociedade fabril. A visão utilitarista de um futuro prazeroso, previsível, contém a
certeza que a tecnologia garante que todos os seres humanos venham a ter igual
acesso a soluções automáticas como alimentação, vestuário e transporte. O trabalho
está dividido em cinco capítulos. No primeiro capítulo foi feita a introdução ao tema,
dando ao leitor a visão estrutural do conteúdo da dissertação e pressupostos
teóricos. A seguir, são discutidas as questões que antecederam a Revolução
Industrial. As relações do ser humano com as máquinas permeiam os mecanismos
regulatórios entre o ambiente e a vida cotidiana. Não foi somente a possessão de
capitais que possibilitou o rápido avanço da Inglaterra. A indústria inglesa se
destacou mundialmente também pela sensibilidade e receptividade às oportunidades
pecuniárias vindas do comércio e da indústria. O prazer é a única coisa que se
deseja porque é a única coisa desejável. Na doutrina utilitarista, a felicidade geral é
ética, uma vez que ela fomenta bons e maus desejos. O terceiro capítulo trata da
formação da consciência tecnológica na Revolução Industrial a partir das teorias
utilitaristas e homeostáticas. A obra de David S. Landes foi o material de apoio do
quarto capítulo. Nela estão as idéias que nos auxiliaram a encontrar mais respostas
para situar a Inglaterra na liderança da Revolução Industrial. A dissertação encerra
com as considerações finais sobre as discussões presentes no texto do trabalho.
Palavras-chave: Revolução Industrial, consciência tecnológica, homeostasia,
utilitarismo, processo produtivo.
Áreas de conhecimento: Ciências sociais aplicadas, ciências biológicas.
iv
ABSTRACT
This dissertation worked on aspects of the Industrial Revolution in the English society
starting from the concepts of homeostasy, utilitarianism and technological
consciousness. We started from the question "Why did the Industrial Revolution
happen in England? ", which was elaborated by David S. Landes, in his work "The
Unbound Prometheus”, to look for answers for the following research problem: Why
did the Englishmen develop the abilities for the handling of the machines and of the
motors more quickly than other people did? We studied the technological
determinism motivated by the innovations that bring about sensations of pleasure
and pain, which are part of the human beings' homeostatic regulation. This search
contributed to the formation of the collective technological consciousness in the
industrial society. The utilitarian view of a predictable, pleasurable future contains the
certainty that the technology guarantees that all of the human beings come to have
equal access to automatic solutions such as feeding, clothing and transportation. The
work is divided into five chapters. In the first chapter there is the introduction to the
theme, giving the reader the structural view of the content of the dissertation as well
as the theoretical presuppositions. Following that, the subjects that preceded the
Industrial Revolution are discussed. The human being's relationships with the
machines permeate the regulatory mechanisms between the atmosphere and the
daily life. It was not only the possession of capitals that made the fast progress of
England possible. The English industry also globally stood out for the sensibility and
the receptivity to the opportunities for the financial arrivals of the trade and of the
industry. The pleasure is the only thing that is wanted because it is the only desirable
thing. In the utilitarian doctrine, the general happiness is ethical, once it foments good
and bad desires. The third chapter deals with the formation of the technological
consciousness in the Industrial Revolution starting from the utilitarian and
homeostatic theories. The work of David S. Landes was the material of support for
the fourth chapter. His work presents the ideas that helped us find more answers to
place England in the leadership of the Industrial Revolution. The dissertation ends
with the final considerations on the discussions which are present in his work.
Words-key: Industrial revolution, technological consciousness, homeostasy,
utilitarianism, productive process.
Knowledge areas: applied social sciences, biological sciences
5
1 INTRODUÇÃO
Desde o ano de 2002 quando começamos a freqüentar o curso de pós-graduação,
para obtenção do título de Mestre em Tecnologia, linha de pesquisa: Tecnologia e
Interação, no Programa de Pós-graduação em Tecnologia do Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná, nasceu um novo olhar sobre a filosofia,
linguagem e outras áreas correlatas que vieram aprimorar a visão de mundo. Até
então, mais estreita. São fascinantes os contatos literários com, Ashton, Dobb,
Heemann, Henderson, Lefebvre, Maturana, Morin, Rorty, Silva, Skinner, Thompson
e tantos outros, que hoje mais que nunca me fazem crer no “só eu sei que nada
sei.“.
Assim, não de todo distante da área ambiental, na qual exercemos nossa
profissão, mas ao contrário, mais próximo de suas raízes epistemológicas, que nos
propicia uma melhor compreensão dos problemas que nela residem oriundos da sua
interrelação com as demais áreas do conhecimento humano, foi possível aprofundar
nosso pensar ambientalista.
Afinal, parece ousadia acadêmica buscar uma explicação para esse
comportamento estóico que o homem tem de si mesmo, ao descobrir que o
conhecimento humano da natureza suplantou a vontade individual contra a vontade
universal instado pelo avanço tecnológico.
Portanto, a linha de pesquisa ”Tecnologia e Interação”, ao se concentrar na
análise da produção, operação e efeitos que os artefatos produzem em nossas vidas
responde ao desafio de pensar a técnica num contexto antropogênico, isto é, de que
forma se desenvolve a evolução humana.
A originalidade do tema desta dissertação está no enfoque de uma suposta
percepção dos sentidos e da manifestação da consciência entre a tecnologia e a
homeostasia, conceito este vindo da fisiologia, o qual foi introduzido neste texto para
compreender porque a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, sob um olhar que
6
parte do corpo – em grego, phisis – corpo que sente prazer e dor – para entender a
formação da consciência tecnológica. As pessoas deixavam de participar dos
processos de sobrevivência a partir de trocas, no qual existia uma postura entre o
prazer e a dor, para pensar através de cálculos, raciocínios matemáticos, que
visavam acumular moeda elevando para um outro patamar o prazer e a dor. Todas
as sensações corporais, a partir de então podem ser transformadas em medidas
mensuráveis.
Deixamos de lado as questões levantadas pela não presença da Revolução
Industrial em diversos países fora do continente europeu, para considerarmos
apenas o fenômeno da consciência tecnológica alimentado na sociedade inglesa
pelas idéias utilitaristas de economistas e pela homeostasia estudada por fisiólogos.
Este enfoque na localidade, na unidade do próprio país, no transcorrer da história,
faz parte da delimitação desta pesquisa que procura reunir algumas idéias dispersas
nas diversas áreas do conhecimento – filosofia, fisiologia, sociologia, geografia,
economia - e projetá-las para um centro privilegiado, núcleo de uma racionalidade
mercantilista e de uma educação política.
Já compreendemos a Revolução Industrial? Estudiosos do século XIX
tomaram a Revolução Industrial como objeto de pesquisa, havendo uma semelhança
na abordagem do tema, ou seja, a adaptação do ser humano à máquina para atingir
um estado de bem estar. No transcorrer das épocas observamos que as pessoas
serviam-se das máquinas, desde os escravos na Antiguidade, passando pelos
animais que rodavam mós para moer cereais, por moinhos a vento e a água na
Idade Média, até as oficinas de tecelagem. A produção mecânica faz parte da
história da humanidade, mas a Revolução Industrial explorou as forças motoras
naturais: o vapor da água, os gases e a eletricidade.
Quando observamos sistemas sócio-econômicos e culturais no decorrer da
história, muitos aspectos vistos como limitações para a tecnologia são superados por
sociedades
1
mais avançadas. Aquilo que se tinha como matéria prima no seu estado
natural, quando modificada e utilizada pelo ser humano pode ultrapassar qualquer
1
Emile Durkheim (1858-1917), sociólogo francês, definiu a evolução das sociedades desde as mais
primitivas até as mais modernas. De modo geral, elas compreendem uma certa organização
institucional, um sistema de relações sociais, políticas, econômicas, religiosas, grupos familiares,
classes, etnias e uma cultura que contribui para sua unidade.
7
restrição do meio ambiente. Uma das importantes diferenças continentais está na
receptividade das sociedades às inovações.
O poder do ser humano sobre o mundo natural, sobre os meios técnicos,
sobre a compressão do tempo e do espaço provocada pelas máquinas estão
presentes desde os primórdios da civilização. A tecnologia e o seu laço com as
ciências, sobretudo a física e a química, representaram pouco a pouco as certezas.
Os investimentos em pesquisa, o aperfeiçoamento das opções técnicas no
processamento industrial são alguns dos fatores que tornaram as exposições
universais famosas na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Visitadas por
milhares de pessoas no século XIX e início do século XX, naqueles espaços
estavam expostos as maravilhas dos motores que asseguravam o desenvolvimento
humano e tecnológico da sociedade industrial. Descartavam-se as ciências que
apresentavam as incertezas, como aquelas que estavam voltadas para o
humanismo. Bassala nos diz que “a tecnologia é tão antiga como a humanidade. Já
existia muito antes de os cientistas terem começado a compilar o conhecimento
necessário para moldar e controlar a natureza” (2000, p. 28).
Segundo Edgar Morin, o conhecimento científico do século XIX era objetivo, e
esta objetividade vinha das verificações científicas. Era um conhecimento sólido.
Esta teoria científica, no século XX, vai ser compreendida de forma diferenciada, e
Popper, professor de lógica e teoria dos métodos científicos afirmou que a ciência
trabalha com incertezas. Segundo ele, o universo não é um universo de confirmação
de verdades, mas sim de refutação de erros. O universo e a verdade existem, porém
“a única coisa que não pode existir é a certeza sobre o universo e sobre a verdade.
É isto o realismo crítico” (1990, p.14)
O presente trabalho tem por objetivo explorar as certezas permeadas por um
determinismo tecnológico motivado pelo aumento das máquinas e dos motores na
vida dos homens. Estas alegrias, estes prazeres de movimento, de velocidade
aguçam a homeostasia ou homeostase, que busca o equilíbrio e altera a consciência
daqueles seres industriosos/artesãos que trabalham com as inovações tecnológicas.
Temos em mente como propósito dar a conhecer uma suposta gênese da
consciência tecnológica na história da Revolução Industrial, e mormente, distinguir
um conceito de conteúdo fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma
representação global das correlações entre os empreendimentos humanos e sociais.
8
O conceito de homeostasia – equilíbrio ótimo do meio interno do organismo -
foi criado pelo fisiologista americano Walter B. Cannon (1871 – 1945) em 1926.
Homeostasia, palavra oriunda do grego: homeo = igual, stasis = estado. Essa
regulação orgânica que mantém constante certo número de parâmetros biológicos,
restabelecendo seus valores por compensações em casos de modificações do meio
exterior, significa dizer bem-estar no ecossistema do homo faber, o qual se
caracteriza, segundo o filósofo francês, Henri Bergson (1859 -1941), pela faculdade
de fabricar objetos artificiais, em particular utensílios para fazer utensílios, e variar
indefinidamente sua fabricação (Bergson, 2005, p. 151 ).
Há dois milhões de anos atrás, começou uma linha de hominídeos
denominada “homo”, classificada segundo o aumento crescente da caixa craniana (
em cm3 ) O homo mais antigo foi o homo habilis (640 cm3), homo rudolfensis, homo
ergaster, homo erectus, homo sapiens (1.350 cm3), homo heidelbergensis, homo
neanderthalensis ( 1500 cm3 ) Do homo habilis que fazia toscas ferramentas de
pedras até o homo sapiens sapiens (1700 cm3), o gênero atingiu a capacidade
craniana dos seres humanos modernos. Há 500.000 anos o crescimento do cérebro
está estacionado. O aperfeiçoamento das técnicas de confecção de artefatos e a
linguagem foram fatores dominantes para que acontecessem as relações do homo
com o faber, haja vista sua concepção antropológica com o ser humano, para um
fazer nascido do cérebro ocupado por idéias e palavras que se materializou nas
práticas cotidianas do produzir com o auxílio das máquinas.
Quando chegamos ao homo faber, confinado ao tempo e espaço fabril da
Revolução Industrial, ainda existe em seu cérebro o comportamento artesanal para
com a produção. O prazer de criar e de manejar a máquina anestesiava a dor da
perda da liberdade do agir, e assim “O que a evolução nos forneceu foi a capacidade
de reconhecer novos padrões e desenvolver reações comportamentais a esses
padrões” (DEVLIN, p.210).
A vida e a sociedade humana mudaram, embora o tamanho do cérebro,
desde o homo sapiens sapiens, não tenha sofrido alteração. A transmissão genética
do conhecimento levou ao progresso da sociedade. O número de indivíduos e o
conhecimento que cada um possui, forma a inteligência social. Os seres humanos
estão cognitivamente restritos a um contato pessoal dentro de um tamanho padrão
de grupo que lhes possibilita compartilhar seus conhecimentos. As fábricas, as salas
9
de aula, os hospitais, os ônibus, os batalhões de exércitos, restaurantes são alguns
exemplos de espaços de reunião de grupos sociais. Porém, Mithen (2002) fala dos
desestímulos para a vida em grupo, motivada pela competição por recursos e os
encontros agressivos entre membros.
O professor Asthon, no seu livro “A Revolução Industrial” (1974) nos
esclarece que o clube era uma forma de organização social. Os indivíduos
relacionavam-se dentro das associações “desde o clube infernal dos blasfemadores
até o clube sagrado dos metodistas..., desde as associações para a perseguição dos
criminosos até a Sociedade Nacional para Reforma dos Costumes das Classes
baixas” (p.153).
O homo faber, bem como toda linhagem “homo”, busca incessantemente o
bem-estar e acredita que os artefatos fazem dele parte, como próteses em seu
corpo. E esse equilíbrio orgânico por assim dizer, instiga-o permanentemente à
produção de novos artefatos, para a consecução de um mesmo objetivo: a andar de
par com a tecnologia. Com o domínio do uso do fogo sofisticam-se não somente os
artefatos como também o controle sobre o trabalho.
Esse trabalho trata de aspectos da homeostasia presentes no processo da
consciência tecnológica coletivizada a partir da obra intitulada “Prometeu
Desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa
Ocidental desde 1750 até nossa época”, de autoria de David S. Landes
2
. A escolha
da obra se deve, em parte, pela singularidade da abordagem da Revolução
Industrial, que relaciona as dimensões da ciência e da tecnologia ao processo
produtivo, no qual o trabalho é o elemento fundante do progresso. A sociedade está
presente como ator deste processo, pois por meio dela, a técnica foi produzida e
apropriada pelos seres industriosos / homo faber que trabalhavam para fazer
máquinas. Em Landes o mito de Prometeu revela o momento exato em que surgiu o
chamado homo faber, o homem que sabe fazer, foi na Revolução Industrial inglesa.
Ali o homo faber, o homem que trabalhava, precisava de fogo e do conhecimento e é
2
David S. Landes é professor emérito de história e economia política na Universidade de Harvard,
Estados Unidos. Autor de obras como “Prometeu Desacorrentado, Riqueza e Pobreza das Nações,
Revolution in Time”, nas quais ele estuda a história como um processo, procurando compreender
como as culturas do mundo atingiram ou retardaram, fizeram ou desfizeram seu sucesso econômico
e militar. Landes acredita no mercado, na disciplina, no talento, na imaginação, no espírito de
iniciativa e na ética do trabalho para compreender os modelos sociais. Segundo o autor, existia um
modelo social europeu que privilegiou o trabalho, a abertura intelectual e a paixão pela descoberta.
10
isso o que se fez na Revolução Industrial inglesa : o conhecimento do fogo,
representado na máquina a vapor, como a grande invenção moderna, ao
testemunhar a transição da oficina para a fábrica. A dinâmica social e humana está
umbilicada a tudo que se passa nas práticas cotidianas.
Landes propõe um estudo histórico dos acontecimentos. Faz isso porque ele
acredita que a melhor maneira de compreendermos os problemas da
industrialização contemporânea pode começar pelas indagações: “por que alguns
países da Europa efetuaram esta transformação antes de outros, e também como o
padrão de desenvolvimento diferiu de uma nação para outra, e por quê?” (p.46).
Para o historiador econômico é importante conhecer as causas e o processo de
crescimento dos países. “Por que, dentro dessa experiência européia, a
transformação ocorreu em época e locais determinados?” (p.18). Seu enfoque se
distingue de outros autores preocupados com o mesmo tema na medida em que
torna saliente no desenvolvimento capitalista a liberação da criatividade, a iniciativa
e a inventividade que brotam da inteligência do ser humano. Sem dúvida, esta
perspectiva de Landes representou pensar nas relações entre ciência, tecnologia,
processo produtivo e os mecanismos homeostáticos que induziram a nossa
compreensão do processo que desencadeou a consciência tecnológica na
Revolução Industrial .
Os questionamentos de Landes (1994) “Por que os ingleses desenvolveram
essas habilidades mais cedo e mais depressa que os outros...?” (p.70), e de
Hobsbawn (2003) “Por que a Grã Bretanha e não outro país? [..] fazem parte das
inquietações que motivaram a escrita desta dissertação. As respostas para essas
perguntas não podem ser simples” disseram os autores. E foram argumentos
importantes para a construção do problema de pesquisa, da hipótese e dos objetivos
deste trabalho.
A pesquisa é de caráter exploratório, bibliográfico, trabalhando com conceitos,
definições e idéias de filósofos, biólogos, médicos, fisiologistas, sociólogos,
economistas para discutir o processo de construção da consciência tecnológica na
Revolução Industrial tendo como referência a obra de David S. Landes, lançada em
1954, e reeditada pela Nova Fronteira em 1994.
Perguntamos como a Revolução Industrial inglesa especializou-se na
fabricação mecânica de artefatos colocando para a máquina outros sentidos que
11
contribuíram para a formação da consciência tecnológica na sociedade fabril? As
idéias expostas nessa questão nos permitem buscar explicações nos fenômenos
homeostáticos observados na ação e nas relações dos seres humanos que
empreenderam a Revolução Industrial. Acolhemos o desafio de afirmar que foi neste
contexto que ocorreram ajustes de conceitos de técnica e de tecnologia vindos dos
resultados das ciências, os quais nos permitiram aplicar o termo consciência
tecnológica para este período histórico.
Pretendemos neste trabalho identificar determinadas formas de pensar de
cientistas, que sistematizaram conhecimentos, e assim poder inferir que foi a
presença do progresso mecânico e da produção de artefatos na Revolução Industrial
que possibilitou uma nova maneira de se referir à consciência tecnológica. A
organicidade, subordinação das partes ao todo, responsável pelo equilíbrio
homeostático, acusa as desordens das relações entre o ser humano e as máquinas.
O maquinismo presente na Revolução Industrial poderia ser comparado a uma
prótese, uma extensão dos seres humanos, capaz de trazer bem estar ou danos na
formação da consciência.
O uso do termo consciência pode ser buscado na filosofia. Platão, filósofo
grego (428 – 347 a.C.) (Abbagnano, 2000 b) diz que consciência é lembrança,
opinião, e raciocínio, isto é, o conjunto de atividades cognitivas em geral. Ela é um
instrumento de conhecimento e de orientação prática. Supõe-se uma esfera de
interioridade, em que aparece o conceito de opinião, um diálogo da alma com ela
mesma. Neste debate, Platão destaca o uso da linguagem para definir o
pensamento, uma linguagem para perguntar e responder. No momento histórico do
ser industrioso houve uma transposição da sua linguagem para o plano tecnológico
causada pelos novos discursos e pelas novas práticas.
Para os filósofos da Antiguidade, as relações com o mundo eram acidentais e
secundárias. A verdade e a realidade estavam no próprio ser. Esta noção de
consciência de extrair tudo de si mesmo foi contestada. No século XVII a concepção
de conhecimento do mundo interior em René Descartes (filósofo, físico, matemático,
astrônomo e naturalista francês, 1596 – 1650) foi usada como instrumento de dúvida
e de libertação. O homem pensante tem idéias e descobre, por meio da observação,
as verdades. Na Revolução Industrial, as relações com o mundo são essenciais e
prioritárias, pois o ser industrioso vai buscar sua realidade e sua verdade fora de si.
12
Essa mudança de conceitos na sociedade industrial resultou em valorização da
independência nas relações mercantis de todas as interferências externas, mas
considerando o princípio homeostático.
René Descartes problematiza esta idéia com Cogito, ergo sum
3
, e introduz a
relação entre o pensamento e a consciência, entendendo que todas as coisas que
acontecem em nós, com consciência, provém do fato de termos consciência dela.
Assim entender, querer, imaginar, e sentir são ações semelhantes ao pensar.
René Descartes passou para a Academia algumas certezas tradicionais como a
existência de um mundo externo, as quais foram pretextos para o desenvolvimento
de grandes pesquisas científicas e filosóficas. Ele entende que sentir é o mesmo que
pensar, que todas as coisas acontecem em nós com consciência, enquanto temos
consciência delas.
Os paradigmas clareiam a realidade, a qual está representada pelos artefatos.
Na fábrica, o que for produzido, é real, dentro da evidência máxima “Produzo,
realizo”.
Assim, os trabalhadores quando produzem, têm consciência da sua
realização, uma vez que pensam o artefato que produzem, mas estão distantes da
essência do artefato como um todo.
H. L. Beales, historiador, citado por Dobb (1977, p. 329), diz que o inventor
pode ser considerado o porta-voz das aspirações do dia, e não o iniciador das
mesmas. Uma invenção vitoriosa não é aquela que resolve um problema, mas sim
aquela que traz benefícios para o desenvolvimento econômico. Por isso, sempre
existe uma defasagem temporal entre a descoberta do princípio e a realização
prática. As descobertas são expostas para a sociedade dentro de um clima de outras
descobertas relacionadas, e a síntese e a aplicação vitoriosas, muitas vezes, provém
do organizador industrial e não dos laboratoristas.
No incremento mercantil, as fábricas faziam parte das boas novas. A filosofia
moderna contempla as idéias utilitaristas do prazer, das necessidades da escassez
que suscitam ações nos limites do espaço e tempo fabris. Assim, podemos dizer que
os seres industriosos/artesãos não compreendem plenamente o que faziam ou
3
Cogito, ergo sum quer dizer que um sujeito pensante existe. Basta uma primeira certeza plena para
que a ordem natural faça jogar luz sobre o que até então permanecia desconhecido. Apresenta-se no
13
realizavam, uma vez que eles não empreenderam, mas somente executaram tarefas
que lhes foram impostas. Existe um fosso entre o empreendimento e os industriosos,
controlado, supervisionado e reificado pelos processos tecnológicos.
Dentre os autores pós-cartesianos que abordaram a questão das raízes da
formulação do conceito de consciência, encontra-se no filósofo alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel
4
(1770 – 1831), que acredita ser a consciência mais objetiva
e absoluta. A noção de consciência acontece com o artefato. A grande diversidade
de reflexões sobre os conceitos de consciência foram motivos de ideais e regras
morais ainda não aceitos pela moral corrente. Na fábrica, os trabalhadores adquirem
a consciência tecnológica pela linguagem ou pelo processo cognitivo?
Nessas idéias de cognição – o ato de fazer – e de linguagem – o como fazer –
vislumbra-se uma perspectiva consciencial trazida no prenúncio da Revolução
Industrial na Grã-Bretanha. Na vida diária, a consciência tem pensamentos e
princípios conduzidos para algo que parece certo, embora seja apenas uma
sensação momentânea, e a convicção fica satisfeita quando atinge um ponto de
equilíbrio que lhe é familiar.
Pretendemos mostrar ao leitor as diferentes condições de equilíbrio sócio-
tecnológico que existiram na coletivização do processo industrial. Essa visão
utilitarista de um futuro prazeroso, previsível, contém a certeza que a tecnologia
garante que todos os seres humanos venham a ter igual acesso a soluções
automáticas, para o manejo dos problemas básicos da vida, tais como alimentação,
vestuário e transporte.
O problema de pesquisa, construído a partir das idéias expostas, levanta um
questionamento sobre as implicações existentes na sociedade industrial entre um
equilíbrio homeostático e aspectos da formação da consciência tecnológica, que
arquitetou máquinas e motores para produzir artefatos visando à regulação da vida
num ambiente
5
de modernidade.
plano prático como um paradigma para as intuições, mas também repercute no plano consciencial,
que reduz a realidade ao objeto de consciência (Abbagano, 2000 b).
4
Hegel, na sua obra intitulada Fenomenologia do Espírito (Coleção Pensadores, 1980) censura a
filosofia de Kant e de Fichte por ter permanecido como filosofias da consciência.
5
Segundo o dicionário de ecologia e ciências ambientais da editora Melhoramentos (2001), a palavra
ambiente neste trabalho se reporta a seguinte definição: conjunto de condições que envolvem e
sustentam os seres vivos na biosfera, como um todo ou em parte desta.
14
Os conceitos de tecnologia tratam do despontar e do florescimento das
técnicas humanas que criam artefatos. Durante a Revolução Industrial os artefatos
tomaram grande força, ocupando muitos espaços. Certos historiadores da tecnologia
preferem estudar temas relacionados ao poder e às fontes de energia das máquinas,
porém tecnologia também está presente nas artes, na lingüística, na cultura. Laruelle
(1998, p.210, 211) define tecnologia a partir de cinco grandes idéias: (1) produção
de discursos; (2) explicação e inventário dos termos de uma arte; (3) teoria da
natureza e da divisão das artes e das ciências; (4) descrição científica das divisões
do saber e das ciências; e (5) a aplicação ou investimento das ciências nas artes,
nos ofícios e nas atividades e processos.
Para análise, nesta dissertação, nos deteremos em uma delas que pode ser
compreendida dentro do contexto industrial, haja vista que a tecnologia está
relacionada a uma ciência da transformação dos materiais e dos produtos naturais, e
a uma ciência da produção dos artefatos. A tecnologia é uma disciplina que tem
como objeto as ciências e os ofícios, e anuncia os futuros estudos das operações
específicas do trabalho e da indústria.
Filósofos discutiram o tema do fazer e do conhecer no século XVIII, quando o
artesanato predominava na fabricação dos artefatos. Para Vico (1668-1744), o
conhecer pelo autor - verum - seria conquistado no momento do fazer - factum – e
eram ações intercambiáveis.
Em Francis Bacon (1561-1626), filósofo e político inglês, há uma identidade
entre ciência e poder, conciliando a aspiração do conhecimento da verdade com o
desenvolvimento do poder humano e do domínio sobre a natureza (OLIVEIRA, 2002,
p. 143).
A perspectiva do “conhece quem faz” precisa ser intermediada pelas
máquinas e pelos motores, porque pressupõe uma lacuna entre os produtos da
natureza e os da arte humana. Natureza e artifício estavam separados. Bacon
retomou a idéia do verum ipsum factum
6
, e disse que a contemplação, a invenção e
a fabricação de artefatos se fundamentam nas mesmas coisas, e que “o
conhecimento da sua gênese” se assemelha a um estado de equilíbrio
6
Verum ipsum factum, expressão utilizada pelo filósofo italiano Giambattista Vico (1668-1744) para
principiologicamente afirmar que o homem só pode conhecer o que ele mesmo fez, porque o
15
homeostático. As esterilidades das teorias, longe do conhece quem faz e sente
prazer, eram a causa e resultado da separação entre a verdade e a utilidade
(OLIVEIRA, 2002).
Ele nos diz que a habilidade e os engenhos mecânicos podem ser
instrumentos de prazer e de morte. Os benefícios dos inventos estendem-se a todos
os seres humanos e duram para sempre. No contexto da Revolução Industrial, os
pensadores ressaltaram o caráter utilitário da reforma do conhecimento proposta por
Francis Bacon a partir de seu aforismo “saber é poder”.
O saber para ele é um meio seguro para conquistar o poder sobre a natureza,
e não tem valor apenas em si mesmo. Três dimensões percorrem sua teoria. A
dimensão instrumental infere que o progresso do conhecimento depende do
conhecimento tecnológico, ou seja, a arte da invenção se fortalece pelas
descobertas. Há uma dimensão experimental da ciência que permite a reprodução
dos efeitos e de fenômenos da natureza. Por fim, a dimensão da finalidade tem um
caráter mais utilitário, pois prevê que a produção de recursos tecnológicos ou
materiais podem aliviar as dificuldades da vida.
Os críticos da interpretação utilitarista de Bacon dizem que não se pode
confundir suas idéias com o utilitarismo do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham
(1748 – 1832) e do filósofo inglês John Stuart Mill (1806 – 1873). Bacon não exigia
que cada conhecimento particular da ciência tivesse uma utilidade prática imediata.
Para ele, a ciência prática é o saber em sua totalidade. A ciência deveria servir à
humanidade, e não ser um instrumento de domínio. Todavia saber é poder para ser
compartilhado com todos.
O utilitarismo afirma que a natureza colocou a espécie humana subjugada ao
prazer e à dor. Ao introduzir a perspectiva do agir na natureza humana “há uma
compreensão da conduta moral como função específica de um “ser vivo que valora”
(HEEMANN, 2001, p.23).
As ações corretas produzem felicidade ao passo que as incorretas produzem
o contrário da felicidade, segundo os utilitaristas. A utilidade é o padrão do que é
bom para os homens, um padrão que aprova ou desaprova toda e qualquer ação.
Bentham entende que por meio da propriedade de um objeto pode-se alcançar o
conhecimento de uma coisa é o conhecimento de sua gênese (VICO, G. A ciência nova. Rio de
Janeiro: Record, 1999).
16
prazer ou impedir a dor. Ele desenvolve um silogismo ao afirmar que em uma
comunidade estão presentes vários interesses, e se todos os indivíduos pertencem à
mesma comunidade, como na guilda, por exemplo, a soma dos seus interesses
representaria o interesse da comunidade dos artesãos.
Os interesses manifestavam-se na forma associativa, contradizendo a idéia
do egoísmo, segundo o professor Asthon (1974), o qual explica que o confinamento
dos trabalhadores em espaços fechados apresentava para os empresários maior
rentabilidade para o seu capital. No início do século XVIII os trabalhadores que
estavam dispersos nos campos e nas cidades foram reunidos primeiramente por
pequenos empresários, e no final século XVIII houve um impulso para a organização
sindical.
O trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo o primeiro esta Introdução
aqui apresentada, que dá ao leitor uma visão estrutural do conteúdo discutido na
dissertação, e faz um panorama dos pressupostos teóricos. Procuramos
fundamentar teoricamente as idéias que serão desenvolvidas no texto da
dissertação, abordando as discussões sobre os princípios homeostáticos e o
utilitarismo como idéias movedoras da formação da consciência tecnológica na
Revolução Industrial inglesa. A obra do autor David Landes citada anteriormente,
nos deu as coordenadas para abordar as dimensões da ciência e da tecnologia
como instrumentos dinamizadores do pensamento industrial movido pela velocidade
e pelo crescimento do consumo de bens disponíveis no mercado mundial. O novo
homem industrioso, o homo faber, os artesãos são termos com traços comuns que
cobrem o texto do trabalho para explicar a formação da consciência tecnológica na
Revolução Industrial.
O segundo capítulo introduz a relação do ser humano com os artefatos e as
primeiras máquinas pré-industriais. Neste cotidiano, a vida humana, e seus
mecanismos de ajuste interno e externo, ficam ocultos pela presença da tecnologia.
O meio interno é interno em relação ao organismo, e é externo em relação ao meio
em que está colocado. O termo homeostasia faz referência à regulação da vida num
ambiente particular no qual a compreensão da mente, das emoções e dos
sentimentos recorrem à regulação biológica, ou seja, a homeostasia, para manter o
organismo humano vivo. O cérebro exerce o papel regulador em sintonia com o
ambiente, e acontece o nascimento da consciência. Charles Darwin (1809-1882),
17
naturalista inglês, é um referencial teórico que pode acrescentar argumentos para
fazermos a passagem das imagens orgânicas para a consciência tecnológica. As
idéias de segurança, confinada ao tempo-espaço fabril, opunham-se à liberdade. O
prazer é a única coisa que se deseja porque é a única coisa desejável. Na doutrina
utilitarista, a felicidade geral é ética, uma vez que ela fomenta bons e maus desejos.
Ela trabalha a intenção de uma ação, e não o seu efeito. As principais atividades das
pessoas são determinadas por desejos, controladas pelos graus de prazer e de dor.
Nas atividades mecânicas e autômatas estavam presente reflexos condicionados, já
estudados pela ideologia utilitarista. A crença na igualdade, deduzida do cálculo dos
prazeres e das dores, vai trazer subsídios para estabelecer uma harmonia entre os
trabalhadores e as máquinas.
Muitos autores, como Landes, Ashton, Henderson, Hobsbawn, dividem a
história da Revolução Industrial em fases ou momentos diferenciados por fatores
como a produção, modos de produção, capitalismo, a acumulação de capital, os
salários, os inventos, o progresso tecnológico. Considerando seus projetos de
trabalho, suas abordagens, procuramos, no terceiro capítulo, tratar a relação da
homeostasia com as máquinas e a tecnologia selecionando as idéias dos autores
que foram pertinentes para a discussão proposta, sem buscar uma seqüência
cronológica dos eventos e dos fatos relatados e discutidos nos textos que
trabalharam com o tema da industrialização inglesa. Enfatizamos os diferentes
olhares dos estudiosos da Revolução Industrial com o intuito de destacar o nosso
ponto de vista, que procura mostrar de que forma as intervenções políticas e
econômicas feitas pelos ingleses foram fundamentais para manter os índices de
felicidade do homo faber em equilíbrio.
E, no quarto capítulo retoma-se a Revolução Industrial em David S. Landes
para do desenvolvimento tecnológico. Três são as abordagens que estão a permear
o livro: (1) a relação entre ciência, tecnologia e processo produtivo; (2) o papel das
condições estruturais nos processos econômicos; (3) o relacionamento entre Estado,
e o planejamento da economia, a liberdade e a criatividade.
Neste capítulo iremos abordar os temas do primeiro aspecto, os quais virão a
complementar a discussão da tecnologia e da homeostasia, ressaltando as idéias
que construíram a separação entre filosofia e ciência. Pretendemos fazer uma
análise que venha relacionar ciência, natureza dominada tecnicamente, e processo
18
produtivo observando a homeostasia e o mito do fogo, que remete à máquina a
vapor. Na visão de Landes, a Revolução Industrial não está representada
isoladamente pelas máquinas e pelas novas técnicas. Elas representaram aumentos
de produtividade e um deslocamento da importância relativa dos fatores de
produção de mão-de-obra para o capital. A revolução está no sistema fabril, na
transformação da forma de organizar e nos meios de produção, que reuniu grandes
corpos de trabalhadores num único lugar, para executar tarefas sob supervisão e
com disciplina.
Mudanças tecnológicas possibilitam consciência tecnológica do ser
industrioso/artesão, uma vez que elas instigam padrões culturais variados. Há uma
convergência cultural provinda da estrutura social, das ideologias e da personalidade
social provocada pelas atividades produtivas. Na Revolução Industrial a ênfase
crescente não está mais no ser industrioso/artesão, que não compactua com o
regime fabril, mas sim no homo faber / trabalhador que não só faz, mas que também
consome: “produzo, realizo e consumo”. Landes, ao ressaltar o papel da Revolução
Industrial, nos diz que o interior da Inglaterra estava permeado de indústrias. Ali
eram maiores as pressões e incentivos à mudança, e mais fraca era a força da
tradição. As perdas de subordinação ao pensar artesanal foram sendo
recompensadas pelo grande ganho de independência trazido pela industrialização.
Esta afirmativa enquadra-se nos seguintes princípios: a substituição da habilidade e
do esforço humanos por máquinas; a substituição de fontes animadas por fontes
inanimadas; o uso de novas e abundantes matérias primas. A Revolução Industrial
revolucionou tanto os modos de pensar quanto os modos de fazer as coisas.
O quinto capítulo encerra com as considerações finais. A Revolução Industrial
é um tema recorrente na história da humanidade. Muitos autores reforçam as
invenções e o progresso como objeto de estudo. Esta dissertação procura explorar o
processo de consciência tecnológica na Revolução Industrial, buscando alimentar e
retroalimentar esta história.
Ainda fica em aberto a questão de David Landes: Por que a Revolução
Industrial aconteceu na Inglaterra e não em outros países? Procuramos focar alguns
aspectos pertinentes ao objetivo proposto por esta dissertação que se ateve ao
mecanismo de regulamentação homeostática e à consciência tecnológica.
Abordamos alguns fatores importantes que sinalizaram a Revolução Industrial na
19
Inglaterra. Algumas pré-condições estavam presentes na Grã-Bretanha do século
XVIII, as quais proporcionaram o primeiro movimento impetuoso para o
desenvolvimento do capitalismo industrial. O realce de comportamentos e atitudes
deu ao povo inglês destaque entre as economias européias: maior comércio
ultramarino, a supremacia naval, acumulação de capital, práticas creditícias e
financeiras, disseminação de fábricas, maquinismo e dominação de outras terras
perduraram até o princípio do século XX. Os atos de navegação e comércio
asseguraram o transporte de mercadorias para os ingleses, e com isso tornou-se
possível a colonização de outros continentes. Após a conquista de territórios, as
populações passavam a fornecer matérias primas e a consumir os produtos
industrializados. O êxodo rural contribuiu para fornecer mão-de-obra, rebaixando os
salários e elevando a produtividade na indústria. Prevaleceu a monarquia
parlamentarista sobre a monarquia absolutista permitindo a participação da
burguesia na construção do país. O governo inglês, ao conceder direitos e aceitar
legalmente a política do laissez-faire, cooperou para o desenvolvimento e a
promoção do bem estar econômico da nação.
20
2. ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
São muitos os olhares de estudiosos para abordar um grande movimento social que
se denominou Revolução Industrial. Algumas teorias tentam explicar este fenômeno
em termos de clima, geografia, história, mudança biológica na população. David
Landes, na obra escolhida nesta dissertação para analisar a relação entre a
consciência tecnológica e a homeostasia, idéias mais próximas da crença no
incremento da produção artesanal e industrial que estimula o mercado. Porém a
organização de sua obra permite ao leitor depreender os mecanismos reguladores
da interação do ser humano com as máquinas. Ele fala das invenções e da
tecnologia que originaram o sistema fabril, alterando o equilíbrio existente e a rotina
da vida: “a mudança tecnológica nunca é automática, ela significa a substituição de
métodos numa combinação de considerações que incitem esta mudança...” (1994, p.
50). Isto quer dizer, as mudanças tecnológicas significam, para Landes, Revolução
Industrial.
O enfoque que nos propomos a desenvolver nesta dissertação vai ao
encontro da idéia de que as habilidades artesanais e o esforço humano foram sendo
substituídos pelas rápidas máquinas, constantes e próximas da precisão, que
alteraram o equilíbrio do meio ambiente rural e urbano existente na época.
Os problemas tecnológicos já existiam no início do século do século XVIII, e
as pessoas estavam familiarizadas com dispositivos mecânicos simples e com o
trabalho em metal. A mão de obra que possibilitou o futuro desenvolvimento
industrial era formada por pequenos empresários e hábeis artesãos industriais. As
habilidades dos artesãos e seus métodos costumeiros penetram no território das
fábricas restabelecendo um novo equilíbrio com o advento das máquinas.
A Grã-Bretanha era uma ilha que apresentava no século XVII as condições
para modificar o seu sistema produtivo. Isto foi dito por Hobsbawn que afirma ser a
Inglaterra um país que, nesta época, não tinha um campesinato estruturado em
propriedades rurais, mas havia acumulado capitais. Por isso, é seguro que não
podemos mais falar de uma agricultura de subsistência (2003, p. 37).
Até o século XV, segundo Oliveira (2002), artistas e técnicos são
considerados artesãos e seus meios sociais são praticamente os mesmos. O sentido
das artes mecânicas era oposto às artes liberais. Os artesãos eram denominados
21
”mechanicals”, e subordinados aos praticantes das artes liberais. No século XVI,
segundo dados biográficos do poeta inglês e dramaturgo Willian Shakespeare (1564
– 1616), na cidade de Londres estavam concentradas muitas lojas e casas, e o
comércio nela prosperava. Enquanto que no interior destacavam-se os fabricantes,
na capital grande era o prestígio social daqueles que freqüentavam as escolas e as
universidades. Vesalio, na sua obra “De corporis humani fabrica”, em 1534,
escrevera que a ciência e a técnica necessitavam de uma união.
Albretch Dürer (1471-1528), pintor e gravador alemão, (citado por Oliveira
2002, p. 91), expressava a ausência de reconhecimento social pela falta da cultura
oficial: “Não duvido que muitos irão criticar-me por meu propósito de escrever e
ensinar sem ter tido educação, de ter pouca compreensão e não ser prendado em
muitas habilidades”. Aqueles que eram iletrados em latim também enfrentavam
dificuldades para discutir com os lógicos, os quais publicavam suas experiências
como conhecimento dirigido a uma determinada comunidade.
Barbeiros, enfermeiros, farmacêuticos e cirúrgicos eram considerados
artesãos superiores. Aqueles artesãos que entravam para a guilda, que era a
corporação dos artífices, atingiam um grau de distinção.
O número de artesãos vai sendo multiplicado pela Europa, e na vida urbana
eles foram organizando hierarquicamente, pela divisão do trabalho, as profissões.
François Rabelais (1483-1553), através da fala de seu personagem Gargantua
7
,
mostra ao leitor como era feita a divisão do trabalho artesanal. Por um lado, havia
fundidores de metais, ourives, talhadores, relojoeiros, gráficos, tintureiros, que
trabalhavam na indústria e nos negócios, operando na natureza (experiência), e por
outro, os cientistas formulavam métodos de investigação da natureza
(experimentação).
Havia uma hierarquia social entre os artesãos e os cientistas. A vida humana
estava regulada pelos instrumentos homeostáticos de uma nova ordem do ambiente
físico e social que vinha se constituindo A vida humana precisa ser regulada por
convenções, regras de ética, administradas por instituições “que funcionam no grupo
social como instrumentos homeostáticos” (DAMÁSIO, 2004, p.179). Aqueles
artesãos que funcionaram como combustível para os motores da Revolução
7
Rabelais F. era escritor, monge e humorista. Escreveu a obra intitulada “Crônica do grande e
enorme gigante Gargantua”.
22
Industrial, no decorrer do tempo, mudaram seu estilo de vida e sua ocupação.
Antônio Damásio, neurocientista português, radicado nos Estados Unidos, introduz a
noção de que quando a tarefa do artesão se afasta das idéias e imagens
construídas, ele se torna um operário da máquina, fabricando imagens: “A nossa
mente é feita de imagens, representações ou pensamentos que dizem respeito a
partes de nosso próprio corpo em ação espontânea ou no processo de responder a
objetos exteriores ao corpo” (p.226).
2.1 A HOMEOSTASIA
Nas duas últimas décadas, diversas áreas do conhecimento tiveram um avanço
qualitativo no refazimento das relações entre a biologia humana, a linguagem, a
cognição e os fenômenos ditos mentais e psicológicos, como a razão, a consciência
e a emoção. As ciências cognitivas, anteriormente fundamentadas na perspectiva
formal abstrata das ciências naturais, têm recebido contribuições de diversos
domínios sobre a questão mente-cérebro, e Maturana reacende “o debate sobre os
fenômenos tradicionalmente tratados como propriedades inerentes e distinguidoras
do humano – como a racionalidade, a consciência e a linguagem – e sua
interrelação, agora pensada em outros termos”. (MATURANA, 2001, p.12 ).
O célebre médico grego Hipócrates (460-370), escreveu 72 obras sobre o
organismo humano. Seu registro de 42 casos clínicos, os únicos registros de sua
espécie ao longo de dois mil anos, deu à medicina o espírito científico, substituindo a
superstição pela observação diagnóstica. Acreditava na força curadora da natureza,
apoiando-se mais na experiência do que na experimentação. Ele era partidário da
natureza e não do método. Ele praticava a arte da medicina e não a ciência médica.
Como um artesão da medicina, Hipócrates nos ensina que o corpo humano
tem seus mecanismos de ajuste. O processo de regulação homeostática da vida
humana fica ocultado pela forte impressão do caráter da tecnologia. As instituições
sociais, pelo seu próprio funcionamento eficaz, encobrem a regulação automática da
vida, mas “Indubitavelmente, no entanto, o alvo de todas essas instituições é
precisamente a regulação da vida num ambiente particular”, um ambiente técnico-
fabril (DAMÁSIO, 2004, p. 179).
Baruch Spinoza (1632-1677),filósofo holandês e Damásio, afirmam que o
corpo está relacionado com o ambiente, dando origem à consciência. Consciência e
23
mente não são sinônimos. Nas palavras de Antônio Damásio “A consciência é um
processo que enriquece a mente com a possibilidade de saber da sua própria
existência, e saber da existência dos objetos que a rodeiam” (ibid., p. 194). A alma é
a consciência do corpo; ela acompanha os seus movimentos, exprimindo em
conjunto com a estrutura física o mesmo evento na constituição da individualidade.
O ser humano é uma estrutura, com partes relacionadas entre si. Baruch Spinoza diz
que somos uma máquina complexa que forma um todo orgânico, e não um
ajuntamento de partes. Na proposição XIII, na segunda parte – Spinoza diz que “o
homem consiste de alma e corpo, e que o corpo humano existe conforme o
sentimento que temos dele” (1957, p. 80). Damásio concorda com Spinoza no que
diz respeito à mente e ao corpo como processos mutuamente correlacionados.
As operações regulatórias do cérebro estão sujeitas à criação e à
manipulação de imagens mentais, num processo que se chama mente. O corpo e o
cérebro formam um organismo integrado, conforme Damásio. A atividade cerebral
atua no regulamento dos processos de vida do organismo, através da coordenação
do meio interno e do meio externo.
Temos um corpo que pensa com um cérebro triúno: reptiliano, mamífero e
límbico (ver figura 1).
FIGURA 01 - SISTEMA LÍMBICO
FONTE: Ballone, 2005 a. (Disponível na internet. acessado em 26 de junho de 2005)
24
Conforme Ballone, “emoções e sentimentos, como ira, pavor, paixão, amor, ódio,
alegria e tristeza, são criações mamíferas, originadas no Sistema Límbico”. Além
disso, o Sistema Límbico é responsável por determinados aspectos de identidade
pessoal e por importantes funções ligadas à memória (Ballone G.J., 2005 a).
Heemann (2001) nos coloca como seres que valoram, na medida que
trabalhamos dentro de um mundo de idéias, um mundo do belo e do bom como
entidades intemporais, imutáveis e absolutas numa relação causal entre a vida e
valores, questionando se é o observador que atribui valor à natureza ou é a natureza
que é provida de valor. A consciência tem antecedentes biológicos assimilados: “A
consciência confere ao ser valorizante o conhecimento de si mesmo, de sua
existência e de sua própria atividade mental (p.37)”.
Em contraponto, Silva (2003) como critico da obra de Antônio Damásio, nos
diz que o projeto de reduzir o social ao biológico, assentado na hipótese materialista
para procurar os mecanismos da consciência, não pode ser reducionista. Damásio
destaca que a ciência do século XX deixou de fora o corpo, e que se quisermos
compreender a mente, as emoções e os sentimentos precisam recorrer à regulação
biológica, ou seja, a homeostasia, que mantém o organismo humano vivo. O cérebro
exerce o papel regulador em sintonia com o ambiente, e acontece o nascimento da
consciência.
A filosofia moral é a ciência do bem e do mal, dos apetites e das aversões, na
sociedade humana. Os seres humanos divergem nos seus julgamentos do que é
agradável e do que é desagradável para a razão.Thomas Hobbes (1588-1679),
filósofo inglês (citado por Morris, 2002), diz que o mesmo homem em tempos
diversos diverge de si mesmo. Às vezes ele chama de bom àquilo que em outro
momento chama de mau. Esta forma de pensar faz parte da formação da
consciência. Na Revolução Industrial, na condição de miserabilidade, os
trabalhadores podem repulsar a presença da máquina, e na condição de
abundância, eles podem aceitar que a máquina faça parte da sua tarefa.
Baruch Spinoza no século XVII demonstra, através de proposições axiomas e
corolários, que o corpo molda os conteúdos da mente, muito mais do que a mente
molda os conteúdos do corpo, embora os processos da mente também influenciem
os do corpo (DAMÁSIO, 2003).
25
Deste modo, podemos dizer que a fábrica molda o corpo, o qual molda a
mente. Uma idéia não cria outra idéia, numa autonomia criativa, porque a mente não
molda o corpo, e sim o corpo é moldado pelo artefato. Assim, a tecnologia existe no
tempo histórico, marcado pelo relógio, a qual avança linearmente em direção ao
futuro, inexoravelmente, deixando para trás o tempo cíclico ritmado em que o saber,
o fazer e o ser eram regulados pela natureza.
Os três grandes gestos – postural, digestivo, rítmico – associados aos três
cérebros citados por Heemann -reptiliano, mamífero, límbico – representam uma
matéria e uma técnica e suscitam um material imaginário – os artefatos. O gesto cria
o artefato, e o artefato instiga novos gestos.
Lembrando as técnicas de nosso ancestral da linhagem Homo, há dois
milhões de anos atrás, o H. habilis, que ao trabalhar blocos de pedra, manipulando
matérias-primas, ocasionalmente talha a pedra, e faz uma lâmina, insinua uma
associação neural entre a lâmina e o corte. Surge dai um processo cognitivo que
deu origem a uma consciência técnica. Ele deixa de ser exclusivamente caça e se
torna caçador. Há uma outra homeostase na sua relação entre o seu ambiente
interno – corpo - e externo – meio ambiente.
2.1.1 Recortes Históricos das discussões sobre a homeostase
A homeostasia traz fundamentos da fisiologia humana que trata das funções, as
quais são processos vitais coordenados de tal forma a permitir a conservação dos
seres vivos. As funções de relação nos põem em contato com os nossos
semelhantes e o meio externo; as de nutrição conservam o indivíduo; e as de
reprodução asseguram a perpetuidade da espécie.
O trabalho do fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), fundador da
medicina experimental, introduz a idéia que os organismos possuem um ambiente
interno o qual devia ser mantido constante. Para ele, o princípio do isolamento do
meio exterior “macrocósmico” e da estabilidade relativa do meio interno ou
“microcósmico”, denomina-se homeostase, propriedade tanto dos seres vivos como
das máquinas, a exemplo da máquina a vapor: “em ambos os casos a perfeição da
26
máquina consistirá em ser mais livre e independente, de maneira a sofrer cada vez
menos as influências do meio exterior” (MARTINS, 1998, p. 157).
A palavra homeostasia foi o título de uma conferência ocorrida na França em
1922
8
, na Universidade de Paris, na Sorbonne, pelo fisiólogo americano Walter B.
Cannon. Alguns textos atribuem a criação da palavra a ele. Ele explica que a
mobilização energética em um organismo começará quando o equilíbrio interno
estiver perturbado, e continuará a manifestar-se até que este equilíbrio seja
restaurado.
Os avanços na medicina possuíam uma analogia com o contexto histórico das
máquinas que estavam nas fábricas: tal quantidade de alimento, para tal quantidade
de esforço, como se fora uma quantidade de carvão para tal pressão de vapor.
Ritchie Calder ao falar do homem e da medicina em sua obra, destaca um repertório
compartilhado entre a medicina e a fábrica que estava presente na academia:
o sistema nervoso era semelhante ao telégrafo Morse. O estomago e
o sistema digestivo compunha a usina de manipulação, possuindo
seu sistema adequado de disposição de resíduos ou de dejeções. A
circulação do sangue assemelhava-se à uma correia contínua, à um
tapete rolante, de transporte, levando oxigênio e substâncias
químicas para os tecidos, e retirando deles os resíduos dejetados,
para que tais resíduos se juntassem aos outros no sistema de
despejo Calder, 1976, p.178).
Para se atingir o equilíbrio característico dos organismos vivos, a entrada e a
saída do sistema devem ser, necessariamente, controladas. São os inputs
(entradas) e os outputs (saídas) de um processo de retroalimentação positiva e
negativa, - entrada de insumo e saída de produto nas fábricas - aumento e
diminuição de temperatura corporal, da pressão arterial - hospedeiro e parasita nos
seres vivos - ao traçar um caminho a favor e um caminho contra para manter a
estabilidade do sistema. Na ecologia, quando os biólogos se referem aos sistemas
vivos, utilizam a expressão mecanismos homeostáticos, como por exemplo, o
sistema de regulação de água no organismo humano. Caso o nível esteja abaixo do
normal, levando-se em conta um referencial, o sistema reduz a perda e aumenta a
aquisição.
8
w w w . c e n t r o p s i c o l o g o s. c l
27
No jogo das relações das pessoas com os objetos, e com outros seres
humanos, a homeostase começa a construir seu próprio papel no ambiente sócio-
tecnológico. As atividades dos dois níveis, biológico e social, interpenetram-se, e os
princípios da retroação
9
e da regulação tornam-se necessários para a compreensão
das diferentes fases de organização e evolução nos comportamentos e experiências
humanos. A vida humana expande-se, e pode-se dizer que existe uma homeostase
automática, a qual é reforçada pelos avanços tecnológicos, que envolve o trabalho
de todo e qualquer organismo no sentido de adaptação ao ambiente físico e ao
ambiente social.
2.2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM OS ARTEFATOS
Charles Darwin é um referencial teórico que pode acrescentar argumentos para
fazermos a passagem das imagens orgânicas para a consciência tecnológica.
Adequar um pensamento evolucionista às ilhas britânicas pode nos dar pistas sobre
o porque da Revolução Industrial acontecer inicialmente nesse espaço geográfico.
Darwin (s/d), ao explicar as classificações das espécies biológicas, toma
como exemplo as línguas faladas naquela atualidade. Um arranjo genealógico das
raças humanas apresentaria uma melhor classificação das diversas línguas faladas.
Nesse caso teríamos um único arranjo. A distribuição geográfica pode ser
empregada na regularização dos grandes gêneros, porque todas as espécies de um
mesmo gênero habitando em uma região isolada e distinta descendem, segundo
todas as probabilidades, dos mesmos pais. A cadeia de afinidades, para ele, tem
sempre uma origem genealógica, e grupos estão subordinados a outros grupos.
Na sociedade industrial inglesa, bem como em outras culturas que se
distinguem por seus diferentes modos de vida, havia regras que se ajustavam às
circunstâncias, e conformavam comportamentos para trabalhadores e empresários.
Do mesmo modo, podemos transferir esta idéia para os artesãos que se
diferenciavam dos não artesãos pelo uso de instrumentos cognitivos, e pela
potencialização das capacidades operativas (Oliveira, 2002, p.80). Como grupo, eles
poderiam ser classificados como membros de uma sociedade ligados pelas mais
complexas e divergentes linhas de afinidade.
9
Retroação é o efeito que repercute sobre a causa e a modifica (Edgar Morin, Ciência com
28
A condição de ilha de muitas cidades britânicas, conforme o raciocínio
desenvolvido por Charles Darwin, permitiu a disseminação dos artefatos na
Inglaterra, e não na Irlanda, Escócia, e País de Gales. Ele explica a situação do
arquipélago de Galápagos, ilhas habitadas por diversas espécies, que mantém muito
mais relações entre si do que com o continente americano ou outra parte do mundo.
A semente de uma planta quando transportada para estas ilhas sofre variações, mas
no caso daquelas analisadas no arquipélago: “as novas espécies uma vez formadas
numa ilha não se espalham prontamente nas outras” (DARWIN, s/d, p. 385).
O zoólogo, cientista e compositor da música popular brasileira, poeta, Paulo
Vanzolini
10
, ao explicar a teoria sobre a formação de espécies em 1970, nomeada
Teoria dos Refúgios, também acredita nas “idiossincrasias” das ilhas. Ele constatou
que a mata amazônica, na época de clima árido, ficou com manchas isoladas e
nelas os animais foram confinados. Sem contatos genéticos, estes seres foram
desenvolvendo características distintas.
Alguns pesquisadores como Maria Lúcia Absy, Thomas van der Hammen
defendem as constatações de Vanzolini, professor da Universidade de São Paulo, e
outros preferem aprofundar suas pesquisas para acrescentar novos conhecimentos
para esta discussão. A pesquisadora Sandra Knapp, do Museu de História Natural
de Londres acredita que as evidências da teoria dos refúgios são muito esparsas
para explicar a biodiversidade
11
.
A mudança tecnológica está no uso artefato, e não diretamente no
conhecimento científico, ou em fatores socioeconômicos. O artefato, produto do
intelecto e da imaginação das pessoas, faz parte da sobrevivência humana. Bassala
(2001) ilustra esta idéia: “o historiador Brooke Hindle afirmou que na tecnologia, o
artefato ocupa uma posição superior à ocupada pelos artefatos na ciência, na
religião, na política, ou em quaisquer outras atividades intelectuais ou sociais” (p.31).
Os pontos de vista de Bassala aproximam-se daquelas noções que desenvolvemos
ao relacionar a tecnologia e a teoria da origem das espécies desenvolvida por
Charles Darwin: “os artefatos são tão importantes para a evolução tecnológica, como
as plantas e os animais o são para a evolução orgânica” (Bassala, 2001, p.31).
consciência, 2003, p.279).
10
Scientific American, número 7, dez. 2002, p.24.
11
Folha da Ciência, São Paulo, 4 de abril de 2003.
29
A consciência da materialidade das produções humanas em sua interação
com a atividade criadora, na execução de ações, desde o modo rústico de cozer um
alimento, até a composição de uma peça musical, induz uma reflexão sobre a cultura
material. As atitudes, frente aos artefatos, pressupõem que uma história de consumo
pode ser vista como uma maneira de atar o artefato ao ser humano, a sua
interioridade com a exterioridade para explorar cada vez mais os segredos da
natureza. Dentro da mitologia, este fato pode ser ilustrado pelo mito prometeico, um
titã acorrentado pelos deuses por ensinar aos homens o uso do fogo. Estendendo
este relato simbólico, Landes (1994) lança a idéia de um Prometeu Desacorrentado,
vivendo numa sociedade industrializada e moderna. Assim, houve uma passagem
de uma economia da raridade de bens materiais para uma economia da abundância
após a Revolução Industrial.
A existência de novos artefatos e do consumo justifica a presença
intermediária do mercado, o qual se transforma em regulador do equilíbrio
homeostático. Conforme Daniel Roche, existe uma nostalgia, que vê nas sociedades
antigas o mundo que está atrás de nós, e os valores e a felicidade são avistados
como perdidos, já que eles se deslocaram para uma dimensão fetichista com a
reificação dos artefatos, do produtivismo sem limites: “o homem cercado de objetos
não seria um prisioneiro como lembra Jean Jacques Rousseau e Adam Smith?”
(Roche, 2000, p.18).
O sistema técnico não é autônomo em relação ao social, mas transformador.
Há uma racionalidade fundamentada em normas para regularizar a fabricação que
têm valores de uso e de troca – criação e consumo. A convivência social foi
transformada, entre o corpo e suas disciplinas, entre o dia e a noite, entre
conveniências indumentárias, modificadas pela fábrica e pelos códigos de costumes.
Os seres humanos se constroem de outra forma e reajustam constantemente suas
relações com a coletividade (Roche, 2000).
2.2.1 A relação homeostática do ser humano com os artefatos e a natureza
Na história da Revolução Industrial pretendemos elucidar uma suposta gênese da
consciência tecnológica, e principalmente distinguir um conceito de conteúdo
30
fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma representação global das correlações
entre os empreendimentos humanos e sociais.
Concebemos a produção industrial como parte de um organismo social,
inserida na divisão do trabalho, movimentada por classes sociais e que cria relações
humanas.
O que provém da história e da consciência pode ser desdobrado numa
realidade que inventa prazeres ou dores “sociais”. Imaginemos que existem nas
práticas dos trabalhadores momentos salutares e momentos danosos. No seu
cotidiano, eles saberiam criar um espaço harmonioso condizente às suas realidades.
Poderíamos chamar este equilíbrio homeostático de “salubridade consciente”
momentânea, talvez mal compreendida, mal percebida. Ela terá que ser considerada
e reconsiderada a cada nova situação de trabalho, pois faz parte da formação de
mentalidades.
Ao fazer parte do acionamento e do uso das máquinas, os trabalhadores
travam relações diretas com suas profissões, corporações, famílias e outros corpos
organizados, os quais são projeções dos princípios morais e jurídicos da sociedade.
Nas condições históricas da Revolução Industrial, a promoção e a
generalização da troca, dominadas pelo lucro e pela rentabilidade, prescrevem uma
ordem de mercado, com níveis de transparência nem sempre aceitáveis. Subjazem
no comércio formas e estruturas mentais e sociais que regulamentam atos, ações,
decisões, condutas e a própria homeostasia. A realidade social imposta pelas
relações de troca desenvolve potencialidades para reflexões sobre o aprendizado
provindo da experiência produtora. Daí, um determinismo tecnológico que afasta a
idéia de criação atribuindo valor aos ritmos mecânicos, e conferindo motivações para
os trabalhadores, provindas das forças sociais e históricas, que não aquelas
existentes entre os seres humanos e o seu meio ambiente.
Acontece uma inovação no modo de viver com o crescimento da produção
material no decorrer dos séculos XVIII e XIX. As mudanças nas relações campo-
cidade, e nas relações de propriedade põem em evidência as distorções e as
defasagens que se sucederam no tempo e no espaço. A fábrica era o local das
atividades aceleradoras de processos de troca, como se fosse um esconderijo
habitado, onde a ilusão do prazer se reproduzia, num espaço fabril percebido e
concebido pelos desejos e pelas necessidades. As conversas, os gestos, as
31
maneiras de viver, as satisfações e insatisfações dos seres industriosos/artesãos
estavam sendo organizadas por uma racionalidade que ocultava as significações da
felicidade, do poder, da ciência, da técnica e da riqueza. Os trabalhadores se
percebem segundo uma racionalidade organizadora de seu cotidiano, que alimenta
suas imaginações e os faz estabelecer uma lógica do equilíbrio homeostático entre
determinismos e liberdades.
Na sociedade industrial da abundância, produtivista, liberta dos limites de
escassez, os direitos não fazem parte da prática social: o emprego do tempo e os
ritmos de vida dos trabalhadores não lhes permitem usufruir os melhores resultados
de suas atividades. A idéia do consumo como prazeroso deturpa o sentido da
atividade produtora e criadora. O domínio sobre a natureza material, entretanto,
circula entre o produto e a obra. Lefebvre (1967) nos diz que a classe operária não
tem de modo espontâneo o sentido da obra, que envolve questões de tempo,
espaço, corpo e desejo. Este sentido, ou esta consciência desapareceu com o
artesanato. O autor vê o campo como um lugar de produção – a produção agrícola
que faz nascer produtos é de obras – a paisagem é uma obra modelada que
posteriormente será absorvida pela racionalidade
A produção agrícola, pouco a pouco, perde sua importância para a produção
artesanal, e no século XVIII ganha espaço à planificação racional da produção, da
indústria, da técnica.
Uma invasão de novas idéias, ainda que houvesse sempre contradições,
permitiu aos poderes organizar a indústria nas cidades inglesas. A todo instante, a
consciência tecnológica encontra momentos pra se esparramar e metamorfosear.
2.3 O UTILITARISMO E O PRAZER DAS INVENÇÕES
A natureza atribuiu ao ser humano dois modos de fazer que o governam: a dor e o
prazer. Este dualismo está presente na teoria de Jeremy Bentham (Morris, 2002). O
princípio da utilidade, que aprova ou desaprova toda e qualquer ação, está
fundamentado no prazer e na dor para construir a felicidade na razão e na lei. O
prazer está na obediência da lei.
32
Por outro lado, a utilidade enquanto realidade é a aplicação do princípio, na
medida em que a propriedade do objeto nos faz ora mais felizes, ora menos felizes.
A posse e o uso de artefatos tecnológicos produzem ou não benefício, felicidade.
Entre os princípios adversos da utilidade, está o da simpatia e da antipatia,
que ora aprova ou desaprova certos atos, não por conta de aumentar, nem por conta
de diminuir a felicidade, mas apenas porque um ser humano se encontra disposto a
aprová-los ou desaprová-los como uma razão suficiente em si, rejeitando a
necessidade de procurar algum motivo extrínseco. Este mecanismo de regulação,
transposto para a fábrica funcionaria da seguinte forma: um trabalhador em um novo
ambiente de trabalho realizando uma prática repetitiva pode sentir antipatia sem ser
capaz de remontar à causa que deu origem a esta nova forma de levar a vida. Os
sentimentos internos dele serão guiados pelas considerações externas – aprovação
e desaprovação - para que ele construa as adaptabilidades necessárias ao equilíbrio
homeostático.
Heemann acredita que a essência do senso moral admite uma dimensão
emotiva assentada numa base primária de comandos cerebrais, em grande parte
automáticos e inconscientes, tais como a execução de rotinas em fábricas. Quando
um trabalhador dedica-se exclusivamente à fabricação de um único objeto, aprende
a executá-lo com exímia aptidão.
As rotinas asseguram um juízo de valor – antipatia e simpatia – em relação às
tarefas desempenhadas pelo trabalhador. O autor entende
que “...a mente, não existe sem o cérebro. É o cérebro que produz os
sentimentos básicos da aversão e do prazer e todo corpo participa
dele e de seus desdobramentos emocionais, como a cólera e o
medo, a alegria e a tristeza, a alegria e a indignação” (2001, p. 57).
Charles Darwin elaborou o princípio dos hábitos associados úteis, no qual
existe uma tendência, pela força do hábito, de os mesmos movimentos se repetirem,
por menos úteis que eles sejam, induzidos por um sentimento, ora de prazer, ora de
dor, e
“os movimentos que ajudam a satisfazer algum desejo, ou aliviar
alguma sensação, se repetidos com freqüência, tornam-se tão
habituais, que são realizados, tendo ou não utilidade, sempre que o
mesmo desejo ou sensação são experimentados, ainda que muito
levemente” (2000, p.323).
33
É evidente o poder da força do hábito. Os mais complexos movimentos
podem ser executados com esforço e consciência mínimos. Os movimentos fabris se
assemelham a órgãos mecânicos, com harmonia ininterrupta, estando todos eles
subordinados a uma força motriz que regula a si própria.
A fábrica, uma forma revolucionária de trabalho com máquinas
especializadas, acionadas por trabalhadores especializados, funcionando na
ritmicidade dos motores, impunha uma disciplina desumana de mecanização. As
idéias de segurança, confinada ao tempo-espaço fabril, se opunham à liberdade.
A temperança, bem como o prazer moderado, eram entendidos como virtude
pelos utilitaristas. Na verdade, parece que o sistema fabril, quando combinado com
uma determinada vigilância, possibilitava aos empresários usufruir benefícios em
prol de seus interesses particulares, mostrando-se úteis para a sociedade na medida
que geravam produção e trabalho.
O prazer é a única coisa que se deseja porque é a única coisa desejável. Na
doutrina utilitarista, a felicidade geral é ética, pois ela fomenta bons e maus desejos.
Ela trabalha a intenção de uma ação, e não o seu efeito. As principais atividades das
pessoas são determinadas por desejos, controladas pelos graus de prazer e de dor.
Nas atividades mecânicas e autômatas estavam presente reflexos condicionados, já
estudados pela ideologia utilitarista. A crença na igualdade, deduzida do cálculo dos
prazeres e das dores, vai trazer subsídios para estabelecer uma harmonia entre os
trabalhadores e as máquinas.
A filosofia de Jeremy Bentham está calcada em dois princípios: o da
associação e o da maior felicidade. O trabalho artesanal domiciliar era semelhante
ao trabalho artesanal fabril, embora, espaço e tempo tivessem conotações
diferentes. Nesta passagem, o salário tomou a dimensão da felicidade. O bom é o
prazer e a felicidade. Na formação da consciência tecnológica, trabalhar na fábrica
dava mais prazer que dor. As justificativas deste prazer foram reificadas pela
legislação criada pelo governo, e obedecer às leis, para os cidadãos, tornou-se um
prazer. As pessoas eram castigadas pelos delitos. Este aparato sistêmico
assegurava a manutenção e a expansão do mercado ora vigente.
Como foi possível trazer para as fábricas os artesãos, homens livres,
agricultores e convencê-los que confinados seriam felizes? Todo valor é conferido
pelo trabalho, disse David Ricardo (1772-1823), economista inglês (Dobb, 1977).
34
Ora, este valor, enquanto julgamento moral, era capaz de definir modelos de
comportamento. A busca da riqueza era compreendida a partir do prazer e da dor,
dos interesses individuais e dos interesses gerais, da aversão ao trabalho e do
desejo do gozo contínuo. Uma situação é melhor que a outra quando implica em
uma maior ou menor quantidade de prazer e de dor. Os conflitos de distribuição da
riqueza giravam em torno da diferença estabelecida entre os lucros dos capitalistas e
os salários dos trabalhadores.
David Ricardo corrobora com Jeremy Bentham com a devida ressalva para o
que diz respeito à felicidade. O otimismo de Bentham é substituído pelo pessimismo
de Ricardo. De todas as situações possíveis, a melhor conduta do homem é
determinada pelas expectativas do prazer e da dor. Porém, Ricardo ressalta que
este antagonismo assemelha-se aos interesses dos proprietários da terra e aos
interesses da coletividade. As análises de Ricardo centram-se no salário do
trabalhador e no lucro capitalista. Os proprietários de terrenos mais férteis, que
produzem a um custo inferior, têm um excedente de lucro que constitui a renda da
terra. Entretanto, esta doutrina econômica está ligada às doutrinas filosóficas
utilitaristas de Bentham: “a máxima felicidade possível para o maior número possível
de pessoas”. (Abbagnano, 2000, p.93).
Desta forma, a economia política deixa de ser justificada por uma ordem
sócio-moral existente, e o valor do prazer do trabalho artesanal subjuga-se à mais-
valia explorada pelo mercado. As obras de Ricardo e de Bentham - “Princípios de
economia política de impostos” (1817) e “Introdução aos princípios da moral e da
legislação” (1789) deixam margem aos leitores para pensar que ambos estudiosos
tratam de prazer e de dor sobre prismas diferentes. Para Bentham, a homeostasia é
explicada dentro do campo moral, ao passo que para Ricardo, esta aparece,
sobretudo, no campo econômico.
James Mill (1773-1836), filósofo e político inglês, anos mais tarde, em sua
obra filosófica fundamental intitulada a “Análise dos fenômenos do espírito humano”
(1829), trata das sensações, reduzindo os fenômenos mentais aos elementos
primitivos. Levando em conta as associações das idéias, ele conclui que as
sensações sincrônicas produzem idéias sincrônicas, e as sensações sucessivas,
idéias sucessivas. Ele explica a vida da moral utilizando a lei da associação. Quando
35
duas coisas são percebidas em conjunto, no espaço e no tempo, é impossível
pensar em uma sem pensar na outra. Salário e lucro são pensados juntos.
A idéia do prazer é novamente explicada pela moral. Ela suscita uma ação
que é a causa do prazer. Quando a idéia existe, a ação a segue. Um fim aproxima-
se de um prazer desejado e mobiliza a ação. Era o salário recebido pelo trabalhador
um prazer, que o mobilizava a ação, excluindo toda liberdade de outros quereres,
como estar fora da fábrica, realizar trabalho artesanal, estar desempregado. O fim
era terminar tarefas em um espaço determinado, em um tempo determinado que
vêm a se constituir no modo fabril de produzir. O prazer está constantemente
associado ao fazer, ao produzir coisas.
Abbagnano explica que “desenvolvimento da vida moral seria, assim, devido
ao aparecimento de novos fins, devido à associação, fins que se sobreporiam aos
outros, assumindo em si aquele caráter atraente que primitivamente não possuíam”
(2000, p.96).
Estendendo esta idéia, Heemann (2001) nos fala da motivação interior, que
impulsiona o agir. A homeostasia, na teoria utilitarista, a qual acompanhou as
transformações nas formas de produção, pode ser compreendida a partir do prazer
de produzir, do ser industrioso/artesão induzido pelo desejo, pela vaidade, e pelos
seus interesses.
Hobsbawn (2003) supõe que a felicidade individual está baseada no consumo
de coisas, e a felicidade social é explicada da mesma forma em termos de uma
acumulação maior possível. Estas afirmações podem fazer parte de valores sociais
do ambiente. Assim, o sentido da vida explicado pelos bens disponíveis em
pequenas ou grandes quantidades, produtos de uma tecnologia e de uma
organização política, nos permite afirmar que consideramos mais feliz uma pessoa
que tinha um aparelho de jantar do que aquela que não o possuía.
2.4 AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS RAMOS DO VESTUÁRIO E DO
TRANSPORTE
Os avanços tecnológicos na Europa Setentrional, com a primazia inglesa no
arranque para a industrialização, começaram com a resolução de problemas mais
simples – aritmética, soluções mecânicas para atividades artesanais, metalurgia – e
36
com a recombinação de materiais. O estilo de vida sedentário foi decisivo para o
sucesso do sistema fabril e para a acumulação de bens. Por outro lado, os avanços
no transporte foram decisivos para o desenvolvimento de economias especializadas
e para o deslocamento de mercadorias. Especialista no vestuário e no transporte, a
Inglaterra estará envolvida nas futuras descobertas de modelos mecânicos.
Como a Inglaterra é servida de mares e ilhas, era possível que a difusão das
tecnologias se desse de forma mais rápida do que nos continentes, A causa do
sucesso da Revolução Industrial nas ilhas britânicas, acrescida da ausência de
barreiras geográficas e ecológicas, está na origem, difusão e manutenção de
invenções e inovações tecnológicas, às vezes oriundas de outros territórios.
Máquinas a vapor estavam distribuídas pelas cidades inglesas para produzir
algodão, o qual era exportado, sobretudo para as colônias, Índia e Extremo Oriente.
As inovações fabris permitiram a formação de casas de fiação. A tecnologia da
manufatura de algodão era relativamente simples, bem como as demais mudanças
que constituíram a Revolução Industrial. No começo do século XVIII, poucos
conhecimentos científicos ou qualificações técnicas eram exigidos. A situação
mudou no século seguinte. O mecânico prático já não era suficiente para resolver os
problemas da fábrica. Abundaram as pesquisas puras e aplicadas absorvidas pelos
homens de negócios e artesãos hábeis motivados pelo mercado que se abria para
outros continentes.
A energia hidráulica na produção do algodão ainda existia, porém foram à
energia a vapor e a eletricidade que permitiram racionalizar o trabalho nas fábricas.
Com o progresso na química os tecidos puderam ser descoloridos com cloro. Idéias
simples e pouco dispendiosas produziam resultados satisfatórios. O bem estar do
ser humano industrioso estava atrelado “não ao florescimento do gênio inventivo
individual, e sim na situação prática que fazia voltar o pensamento humano para
problemas solúveis” (HOBSBAWN, 2003, p.57).
Na Inglaterra, os bens de consumo, tais como as roupas, podiam ser
confeccionadas sob medida, compradas de pessoas que não as queriam mais, ou
serem feitas pelas próprias pessoas. Havia uma intranqüilidade social provinda da
pobreza material, pois muitos trabalhadores perderam sua posição social ficando
sem condições de encontrar um equilíbrio satisfatório. A natureza oferecia ao ser
37
humano, recursos e amenidades, mas ameaçava sua vida e suas instalações
quando não se tinha o mínimo para viver.
Charles Darwin propôs ler a evolução dos costumes sob a ótica da evolução
dos organismos. Esta idéia pode ser passada para o vestuário, que vai se
modificando conforme as necessidades de uso e de hierarquia social. Roche (2000)
nos exemplifica com o casaco vermelho, que antes era traje de gala, foi reservado
para os caçadores e provinciais. Existe a vestimenta proposta pelo grupo e a
indumentária para situações formais.
Na Inglaterra, o vestuário teve um papel na luta contra o frio. Ele mantinha
uma relação entre as pessoas e a comunidade. A linguagem que ele constrói é
compreendida, nas suas diversas nuances, na sociedade. Assim, ele faz parte da
vida das pessoas. Foi o artefato “vestuário” uma das razões das invenções dos
teares mecânicos, máquina de pisar, carda mecânica e outras. Landes (1994, p.86)
descreve quatro etapas na fabricação de produtos têxteis na Revolução Industrial.
Eram casas de fiação, onde se trabalhava (1) a preparação das fibras, (2) a fiação
para formar o fio, (3) a tecelagem para formar o tecido, e o (4) acabamento que
compreende a feltragem, a engomagem, a lavagem, a aparação o tingimento, a
estampagem ou o alvejamento.
A indústria do algodão estava ligada ao comércio colonial que encorajou os
empresários a usar esta matéria-prima. Oferecia bons preços, e fazia uma aliança
perfeita com as novas invenções: máquina de fiar, o tear movido à água, fiadeira
automática, e depois, o tear a motor.
O problema técnico que colaborou para a mecanização na fabricação do
algodão, segundo Hobsbawn (2003), foi o desequilíbrio entre a eficiência da fiação e
da tecelagem. Mas por outro lado, podemos projetar esta transformação no setor
têxtil para as questões culturais. O discurso das civilidades expressava a noção de
decência, que fazia do vestuário o corpo do corpo, o essencial de uma atitude. O
aumento do ritmo de produção, introduzido pelas novidades, resultantes das
inovações tecnológicas trouxe revoluções no vestuário.
A vida cotidiana das pessoas foi modificada com a expansão do mercado de
algodão. A preferência pela fibra, pela sua leveza, bom preço e sua facilidade de
lavagem mudou o padrão do vestuário. Landes nos diz que
38
Já não eram apenas os ricos que podiam desfrutar do conforto e da
higiene da roupa de baixo; o algodão possibilitou a milhões de
pessoas usar ceroulas e combinações, onde, anteriormente, não
havia nada além da áspera e suja roupa de fora (1994, p.89).
2.4.1 A mobilidade humana e o progresso tecnológico
No movimento sempre existe um motor de potencialidades que guardam uma
determinada energia. As circunstâncias desencadeiam um processo energético
quando colocadas em movimento. Aristóteles desenvolveu um teorema fundamental
apropriado pelas ciências físicas, o qual enuncia: “tudo que se move é movido por
alguma coisa”. René Descartes define o movimento como o transporte de um corpo
da proximidade dos corpos que o tocam imediatamente, e que consideramos em
repouso.
A revolução na indústria foi acompanhada pela revolução nos transportes. A
forma como se projeta no espaço uma estrutura viária está relacionada aos fatores
indutores de mobilização. Por isso, as escolhas por outras formas de locomoção
para atender as necessidades de circulação de mercadorias e pessoas estavam
ligadas aos veículos rápidos, regulares e econômicos para distribuir geograficamente
estes bens.
Os barcos fazem parte das inovações tecnológicas da Antiguidade. O
transporte marítimo e as técnicas de navegação proveram as mercadorias e as
riquezas vitais ao processo de industrialização da Inglaterra. Esta inovação
tecnológica era um efetivo meio de transporte para bens e pessoas. Inicialmente os
barcos à vela, sem combustível fóssil, solucionavam os problemas de transporte
interno, e mais tarde, eles foram substituídos pela tecnologia do vapor.
O sistema fluvial inglês recebeu investimentos públicos e privados a partir do
século XVII. No aspecto econômico, isto representava um aumento de ganhos, e
atendia as necessidades das fábricas de acesso aos centros de produção. Os
economistas ingleses do século XVII e XVIII teorizaram o liberalismo econômico, e
constataram que o Estado, ao interferir na vida econômica do país, desregulava os
mecanismos de mercado. A ausência de barreiras alfandegárias e tributos feudais
eram fundamentais para o equilíbrio da oferta e da procura. As mercadorias
precisavam circular livremente entre os feudos (Landes, 1994).
39
FIGURA 02 - REDE DE TRANSPORTES FLUVIAS NA INGLATERRA NO PRINCÍPIO DO SÉC XIX
FONTE: ASHTON, 1974, p.106.
As crises favoreceram a implementação de medidas liberais na Inglaterra.
Implantou-se uma espécie de geopolítica na ilha, favorecida pela natureza, com uma
massa terrestre de tamanho reduzida comparada a outros territórios, uma linha
costeira recortada, a topografia, e aliada às medidas de protecionismo: laissez-faire,
laissez passer
12
(Landes, 1994).
Entretanto, a classe dos empregadores não estava familiarizada com a livre
força do mercado e com as regras do jogo industrial. Havia uma busca competitiva,
sem restrições de vantagens econômicas. Esta idéia está ligada a resultados, e
envolvia custos de produção, preços de venda, taxas cambiais, qualidade dos
produtos, e eficácia da rede de comercialização.
12
Liberais como Vincent de Gournay (1712-1759) afirmavam que era preciso deixar passar as coisas
(laissez passer les choses) e deixar os homens fazerem (laisser faire les hommes).
40
No aspecto religioso, além dos protestantes, os puritanos inconformistas
(presbiterianos, congregacionistas, batistas, e Quakers) tiveram um importante papel
na Revolução Industrial, embora contestassem a religião de compromisso da rainha
Elizabeth I. Filha de Henrique VIII com Ana Bolena, ela restituiu o anglicanismo
como religião oficial na Inglaterra (Hurst, 1996).
Pontes foram construídas para conectar adequadamente os centros e
viabilizar o transporte. Richard Reynolds e William Reynolds, quakers, pai e filho,
foram financiadores da construção de canais no vale mais industrializado da
Inglaterra, para atender importantes empresas. Na região de Coalbrookdale,
localizada às margens do rio Severn em Shropshire, desenvolveram-se métodos de
fabricação e produtos inovadores com o minério de ferro.
Os grupos humanos deixaram de produzir no local os materiais empregados
na fabricação dos bens. A exploração de recursos mais sofisticados, a
transformação do ferro em aço, a sublimação e a quintessência
13
dos materiais e dos
metais essenciais, trouxeram a possibilidade de se utilizar máquinas eficientes. A
água, a terra, o ar, e o fogo deixam de pertencer somente ao mundo das coisas para
pertencer ao mundo dos artefatos (Roche, 2000).
O progresso das técnicas de transporte transformou as relações dos seres
humanos com o meio ambiente. Primeiramente houve a mobilização de energias
exteriores ao homem – animais na terra e força do vento no mar - e em seguida
aconteceu a motorização na Revolução Industrial. A Inglaterra tinha mar, rios, e
canais para transportar mercadorias a granel. Não havia uma relação causa e efeito
entre desenvolvimento industrial e transporte, uma vez que este faz parte da história
da humanidade. Era racional deslocar vagonetes de carvão por carris da entrada
das minas até canais ou rios, e a locomotiva veio para tracioná-los ou para empurrá-
los. Vale lembrar que o transporte dentro das minas era feito por vagonetes
empurrados por crianças, que por serem pequenas cabiam nos estreitos túneis.
13
Este termo, traduzido por “quinto elemento” faz alusão à antiga filosofia grega, que sugeria que o
Universo é composto de terra, ar, fogo, água e uma substância efêmera que impede a Lua e os
planetas de caírem em direção ao centro da esfera celeste. O termo foi reintroduzido em 1997 por
cientistas da Universidade da Pennsylvania para fazer referência a um campo quântico dinâmico que
gravitacionalmente repele. A quintessência interage com a matéria, evolui com o tempo, e pode
assumir muitas formas. Na teoria quântica, ela tem uma densidade de energia muito baixa que varia
de forma gradual, uma partícula leve e grande do tamanho de um superconglomerado de galáxias.
(Scientific American, ano 1 n
º.7, dez. 2002, p40-45).
41
Na dinâmica da sociedade inglesa, o equilíbrio e a expansão da indústria foi
atingido primeiramente pelos canais, e mais tarde com as estradas de ferro. Era uma
forma de transporte intermodal, em que o ponto de parada de uma hidrovia, era a
partida de trilhas e trilhos, cujas vias desembocavam sempre na alimentação do
transporte fluvial e marítimo. Desta forma, a circulação de mercadorias podia ser
acelerada e racionalizada. Assim, os cálculos acusavam que este tipo de transporte,
conjugando os três tipos, apresentavam os seguintes resultados: “Um cavalo podia
transportar 150 quilos no lombo, puxar três toneladas em uma carroça, ou 15
toneladas sobre trilhos, mas podia arrastar, na mesma velocidade, até 100 toneladas
em barcaça”. (HURST, 1996, p. 96).
A locomotiva era a máquina a vapor móvel que corria por estradas de ferro
que avançavam para outros países. Empreiteiros ingleses com capitais,
equipamentos e materiais promoveram a exportação do capital para o exterior. A
oficina mecânica do mundo situada na Inglaterra trazia satisfação para o estilo de
vida revolucionário daqueles que dirigiam o processo de industrialização (Landes,
1994).
A evolução da máquina a vapor, segundo Hurst (1996), com seu papel de
fornecer energia bombeante até o de acionar uma locomotiva, aconteceu no período
de um século. Até o século XVIII, os estudos químicos sobre os gases ainda eram
insípidos. Intitula-se o mérito deste conhecimento ao francês Denis Papin (1647-
1714) físico e médico que partiu da idéia da propriedade da água de se transformar
ora em vapor, ora em água novamente, sob condições diferenciadas de temperatura
e de pressão, para chegar à conclusão de que o homem poderia construir máquinas
impulsionadas pelo vapor. Construiu o primeiro barco a vapor, e trabalhou em outros
inventos que favoreceram a indústria.
Este princípio foi útil para a invenção da máquina hidráulica por volta de 1700.
As primeiras máquinas a vapor estão presentes nas minas de carvão. Enquanto os
barcos serviram homens e mercadorias na abertura de novos caminhos, a
locomotiva foi construída para auxiliar os trabalhos nas minas.
Landes (1994) coloca a máquina a vapor como um objeto incansável capaz
de acompanhar o ritmo da industrialização. Ela era alimentada com o carvão,
minério abundante, enquanto que a comida para os homens não dava a eles a
mesma resistência das máquinas. Os homens estavam sujeitos à fadiga, à disciplina
42
e necessitavam serem substituídos. A produção de mercadorias exigia energia
constante. O autor procura mostrar que a máquina foi valorizada em relação ao
homem e ao animal. Landes destaca a teoria da população Thomas Robert
Malthus
14
(1766-1834)pastor e economista inglês, o qual estava preocupado com o
crescimento acelerado da população em relação ao lento crescimento da produção
agrícola. Malthus acreditava que na época, vivia-se uma desigualdade entre as
forças sexuais e os insumos naturais. Outros pensadores como os filósofos
escoceses David Hume (1711-1776) e Adam Smith (1723-1790), também
economista, já haviam discutido a teoria da população, os quais trouxeram subsídios
para a sistematização de suas idéias.
Na verdade, o êxodo rural prejudicava a agricultura, que se encontrava
desprovida de mão-de-obra
15
. Contudo, o alimento era necessário à subsistência das
pessoas. Na obra de William Godwin (1753-1836), uma figura do clero, vemos que a
realização da utopia dependia da eliminação de entraves – sociais, políticos,
econômicos, culturais, mas para Malthus, estes entraves eram freios para controlar a
miséria, decorrente do acréscimo ilimitado da população em geral, podendo resultar
na completa desintegração da sociedade. O conceito de homeostasia perpassa a
utopia de Godwin que pregava a equidade das riquezas, e de Malthus que duvidava
da capacidade do homem para atingir o equilíbrio entre as paixões sexuais e o
alimento.
14
A obra de Malthus (1798) foi intitulada “Um ensaio sobre o princípio do povoamento e sua
influência no melhoramento futuro da sociedade, contendo observações sobre as idéias de Mr.
Godwin e M. Condorcet e outros autores”. Mr. William Godwin escreveu em 1783 “Inquérito
concernente à justiça política e sua influência na virtude e felicidade gerais”. O marquês de Condorcet
(1743-1794) escreveu “Esquisse d’um tableau historique des progrès de l’esprit humain” (Esboço de
um quadro histórico do progresso do espírito humano).
15
Thorold Rogers sugere que a população da Inglaterra não passava de 2,5 milhões no final do
reinado de Elisabete I. Se esta suposição for certa, a duplicação da população ocorreu no século
XVII, época em que a reserva de trabalho anormal dava lugar a um certo aperto no mercado de
trabalho, com a revivificação do cultivo da terra e a expansão da indústria (Dobb, 1977, p. 274,75).
43
3. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Muitos autores dividem a história da Revolução Industrial em fases ou momentos
diferenciados por fatores como a produção, modos de produção, capitalismo, a
acumulação de capital, os salários, os inventos, o progresso tecnológico. Como
estamos abordando a relação da homeostasia com as máquinas e a tecnologia, não
adotamos nenhuma divisão em específico, mas consideramos todas elas inseridas
em nossa análise.
Todo e qualquer acontecimento está ligado a algum acontecimento anterior,
fazendo parte de ciclos recorrentes, e nesta noção parece estar implicada a divisão
do desenvolvimento em períodos históricos e épocas, seguindo tendências de
progressão e diminuição de atividades. Os economistas explicaram os períodos
históricos através dos ciclos econômicos, nos quais existe um ritmo mais acelerado
do que o normal, rompido por mudanças abruptas que alteram a direção dos
acontecimentos (Dobb, 1977, p.24).
Maurice Dobb, preocupado em estudar aspectos do desenvolvimento econômico, faz
um quadro do sistema econômico com uma abordagem histórica, o qual, segundo
ele, jamais se encontra inalterado, e cada período histórico é modelado por uma
forma econômica única, ignorando-se as complexidades da situação. O autor está
interessado em analisar quando uma forma econômica nova pode imprimir sua
marca no todo da sociedade, modelando as tendências de desenvolvimento.
O problema da escala de produção de bens de capital, dos inventos e dos
combustíveis foram alguns referenciais para Hobsbawn estabelecer uma divisão
histórica periodicizada para a Revolução Industrial. Ele usa termos como fases,
épocas, eras com tendências de ascensão e declínio, expansão, crises, e depressão
da atmosfera empresarial para explicar s características dos períodos. O autor, na
conclusão do seu livro, “Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo” dirige-se
44
aos leitores conjeturando que é possível que eles tenham notado essas alternâncias
de passagem: a “expansão” da década de 1780 até o fim das guerras napoleônicas,
seguida, desse período até a década de 1840, por crises; a expansão durante os
“anos áureos” dos vitorianos, seguida pela “Grande Depressão” de 1873-96;” (2003,
p.293).
Henderson (1969) afirma que a Grã-Bretanha foi o primeiro país a tornar-se
industrializado, porém ele diz que os historiadores divergem quanto ao exato período
em este processo começou: “em 1780, de acordo com alguns historiadores; segundo
outros, em 1740” (1969, p.8). Em mais de 100 anos rendeiros, artesões e quintas,
ferreiros, cervejeiros, carpinteiros navais, alfaiates, sapateiros, marceneiros,
tipógrafos, relojoeiros, joalheiros, padeiros, foram transformados em trabalhadores
industriais.
O autor usa uma abordagem diversa de outros autores para situar no tempo
as invenções. Ele as divide em duas fases distintas. Entre 1780 e 1850 aconteceu a
transição da oficina para a fábrica, e da empresa individual para a companhia de
ações. Predominou a exploração do carvão, do ferro e do vapor. Após 1850, o aço, a
eletricidade, a síntese de novas substâncias, e o motor de combustão interna
transformaram os materiais e a fontes de energia.
Ambas as fases, diz Henderson, demonstraram que
embora o avanço em tecnologia não possa por si próprio levar ao
progresso industrial, pode conseguir-se, em pouco tempo, um
impressionante avanço, se empresários e artífices habilidosos
tiverem a vontade e a capacidade de reconhecer e aplicar novas
idéias e invenções úteis. (1969, p. 35).
Landes diz que os historiadores tentam periodizar a Revolução Industrial.
Segundo eles, houve uma Revolução Industrial primitiva no século XIII, uma
segunda Revolução Industrial no século XVIII que teve início na Inglaterra, e uma
terceira Revolução Industrial que está ligada à automação, aos transportes aéreos, e
ao átomo.
Ashton (1974), dedicou-se ao estudo dos inventos presentes na Revolução
Industrial dando raízes históricas e sociais ao gênio inventivo. O caráter social e
coletivo de uma invenção tem um tom pessoal do inventor, o qual é um animal
fabricante de instrumentos. Conforme o autor, as alterações econômicas não eram
45
absorvidas imediatamente pela população. Além disso, a mobilidade geográfica da
população não aconteceu do campo para as cidades industriais. A redistribuição da
mão-de-obra aconteceu sem o deslocamento de emprego para emprego. Houve
uma regulação homeostática no processo de migração, e homens e mulheres
dividiam suas atividades entre agricultura, tecelagem e mineração. À medida que
eles adquiriram a consciência tecnológica, compreendendo o processo fabril,
aconteceu a passagem definitiva para o trabalho nos teares e nas minas de carvão.
Em todas as teorias da Revolução Industrial, a matemática e a vida humana
persistem. Para onde quer que olhemos, onde quer que pesquisemos, há sempre
que se levar em consideração uma visão bio-lógica sobre o viver e o fazer em suas
diversas expressões que buscam, na homeostasia, a regulação por mecanismos
diferentes e complexos entre si.
Os gregos explicavam o comportamento humano por meio das idéias vindas
da anatomia, da fisiologia e dos sentimentos. Alguns pensadores colocavam na voz
humana a forma de expressar sentimentos e idéias, ao passo que outros
relacionavam esta manifestação aos movimentos do coração. Estes traços da
fisiologia ainda resistem nas explicações sobre o comportamento do ser humano,
sobre a economia, e são transportados para as outras áreas do conhecimento para
explicar as crises. Skinner ao falar do comportamento diz que
podemos estar adquirindo rapidamente o poder de modificar e
controlar as capacidades e as atividades dos homens por meio da
intervenção e manipulação diretas de seus corpos e mentes” (2004,
p. 182).
O comportamento operante é o exercício do poder e tem efeito sobre o meio.
O avanço do saber, proposto por Francis Bacon, era a promoção do comportamento,
no interesse da condição humana, e a tecnologia vem comprovar o que foi previsto
por ele.
Bacon expressa que a ação não exige a utilização do conhecimento, e sim a
produção de resultados, defendendo o pragmatismo. Ele considera que os homens
continuarão tendendo a impor suas próprias percepções inatas, aprendidas e
vinculadas à sua linguagem, como realidade da natureza. A natureza idealizada
recebe características de uniformidade bem maiores do que ela possui. Os novos
métodos, instrumentos, instituições auxiliam na busca do conhecimento, diz Bacon,
46
possibilitando mudanças desejadas para esta visão. Todavia, não é possível
suplantar as inclinações psicológicas, imposições sociais e limitações lingüísticas do
ser humano.
Rorty (1999, p.208) associa este pensamento de Francis Bacon com o auge
do movimento da mecanização que começou no século XVII, o qual substituiu o
ensaio de contemplar a essência do ser humano pelo esforço de remodelar as
máquinas que fazem parte do mundo. A natureza é adequada ao pensamento do ser
humano, o qual deseja um referencial para apoio. O psiquiatra austríaco Sigmund
Freud (1856 – 1941) também acredita que a ciência, com suas teorias e métodos,
permite pensar em nós mesmos como máquinas que precisam de manutenção e
remodelamento.
Contrastando os seres humanos com as máquinas, que se combinam e se
dissociam com as leis universais, Rorty afirma que os seres humanos têm um centro
e que a máquina não tem uma essência central. Uma máquina, descentralizada,
pode ser usada para propósitos diversos, para fazer ou produzir coisas diferentes. A
visão de Bacon era voltada para a predição e o controle, e não para a centralidade
do homem em relação à natureza. Versões remodeladas de máquinas são máquinas
diferentes. Se os seres humanos não são máquinas, é possível encontrar seu
centro, com versões diferentes para a homeostasia, e assim, viver bem.
A mecanização significou que o mundo no qual vivemos, não teria mais nada
para ensinar como viver. A mente pode também ser mecanizada, fazendo
mecanismos associativos, sem significação disse Freud. Descobertas fisiológicas
nos ensinam como predizer e controlar a nós mesmos, nossas crenças e desejos
sem ameaçar nossa auto-imagem. A mecanização da natureza colaborou para que
os seres humanos se aproximassem do pragmatismo, desprezando as questões
referentes às suas essências.
No século XVIII falava-se numa transformação no ambiente das idéias e dos
fatos. Na natureza as mudanças também eram visíveis. Henri Rousseau (1844-
1910)
16
, ao pintar o quadro intitulado “A Pedreira”, empresta sentido à realidade do
avanço técnico que tomava conta das paisagens. (vide figura 04). As relações entre
a natureza, o homem e a máquina acontecem no movimento de criação, pondo em
16
Pintor popular francês, empregado de alfândega municipal.
47
marcha a função do conhecimento. O homem, na pintura, está no centro do quadro,
e ele tem a potencialidade de dialogar com o mundo natural que ele descobre e se
apropria. Como já foi dito anteriormente, Francis Bacon colocava que “saber é
poder”.
FIGURA 03 - A PEDREIRA (1896) - HENRI ROUSSEAU
FONTE: HENDERSON, 1969, p.134.
3.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA
Walter B.Cannon, prêmio Nobel de medicina, definiu em 1932, no livro “The Wisdom
of the Body”, uma categorização para os mecanismos de regulação homeostáticos.
Dentre eles, destacamos os que se referem à fisiologia, e que podem ser
emprestados para explicar as questões tecnológicas. O conceito de controles
antagônicos
17
, que implica numa mudança de direção, e na busca de fatores opostos
para correção, pode ser visto na fábrica. Quando a indústria têxtil sufocou o trabalho
artesanal, houve uma alteração no equilíbrio das forças provocada pelas
17
São 8 princípios que regem a homeostasia, entre eles os controles antagônicos, que significa que
quando um fator ou agente muda um estado homeostático em uma direção, existe outro fator que
tende o primeiro com efeito oposto. É o que se chama de retroalimentação negativa, ou “feed
back”negativo.
48
necessidades de ampliação do mercado. Landes (1994) diz que as mudanças
tecnológicas caracterizam a Revolução Industrial. A “arte fez progressos” buscando
equilibrar a participação da força física, da inteligência e da ciência.
A efetividade dos mecanismos homeostáticos é variável no decorrer da vida
das pessoas, disse o fisiólogo americano. Ao analisarmos esta assertiva para
explicar o processo de consciência tecnológica, é especial relevar o papel do
trabalhador que precisava aprender a trabalhar de uma maneira adequada à
indústria, a “techné”, num ritmo intermitente. A novidade percorreu as tendências
manufatureiras e chegou aos conhecimentos científicos para afirmar a superioridade
epistêmica
18
. Os novos sistemas industriais ensinaram os artesãos a fabricar um
único objeto, tendo mais habilidades, mas sendo menos industriosos.
Tocqueville, (citado por De Masi 1999) nos ilustra com suas observações: “um
homem que gasta toda sua vida realizando poucas e simples operações não têm
nenhuma oportunidade de aplicar sua inteligência ou de exercitar sua inventividade
na descoberta de novos expedientes para superar dificuldades que nunca encontra”.
O autor nos ajuda a pensar na idéia de uma oposição entre a homeostasia do ser
humano e a homeostasia do seu entorno que coloca em risco o seu bem estar: “o
próprio corpo deste homem terá adquirido hábitos fixos que nunca mais perderá; em
uma palavra, ele deixa de pertencer a si mesmo para pertencer ao ofício que
escolheu” (Tocqueville, citado por De Masi 1999, p. 15).
A homeostasia humana tende a corrigir os efeitos perturbadores sobre o
corpo e a mente. São respostas adaptativas para buscar o bem estar do organismo,
no momento em que ocorre um desequilíbrio. Cannon, em 1932, citando mais uma
propriedade de regulação, nos diz que quando os mecanismos homeostáticos
falham, ocorre um estado de enfermidade. Em Manchester, a primeira cidade
industrial do mundo, (Rosen, 1994) havia muitas epidemias no século XVII que
atraíram a atenção dos médicos. A disseminação da febre tifóide gerou um conselho
de saúde e levou a classe médica a afirmar uma relação entre a produção de
algodão nos engenhos e as doenças.
18
Epistéme vem da língua grego e significa ter conhecimento de algo. A techné, trata-se do fazer
algo.
49
O homem sempre faz a adequação às máquinas, mas o processo inverso
não é verdadeiro, uma vez que os motores, pela própria natureza de seus
desgastes, demandam constantes reparos, atualizações. Eles engolem as forças
humanas, que se dissipam no tempo histórico, porém o homem não “engole” a
máquina. No final do século XVIII, as pestes, como a febre tifóide, declinaram,
todavia, nas primeiras décadas do século XIX, os estados febris, relacionados ao
confinamento dos trabalhadores, irrompeu nas novas fábricas: “invocavam-se, como
explicações, contágios diretos, defeito da constituição corporal e condições
climáticas e terrestres.”( Rosen, 1994, p. 141/142) . Os efeitos nocivos causados
pela forma de produção nas fábricas e a insalubridade eram grandes: “enquanto a
indústria florescia as cidades de coque polulavam, a saúde e o bem estar dos
trabalhadores se deterioravam” (ibid. p.146).
A Inglaterra não possuía uma organização administrativa para cuidar dos
problemas de saúde em nível nacional, nem tampouco política que sustentasse tais
medidas. Rosen (1994) diz que o economista Adam Smith, ao escrever sobre a
riqueza dos países, referenciou a importância de se ter, naquela época, uma
legislação sanitária para lidar com problemas de saúde. Jeremy Bentham, ao
elaborar o código constitucional de 1820, propôs uma pasta da saúde, responsável
por saneamento ambiental, doenças comunicáveis e medicina preventiva. Ele
admirava o sistema francês instituído depois da queda da Bastilha em 1789 que
realizava uma política centralizadora que se ocupava de todas os setores do
governo, inclusive dos serviços de saúde pública.
As estatísticas representavam um grande passo para entender a conjuntura
dos problemas sociais da Revolução Industrial. Bentham reconhecia a importância
dos números e a necessidade de dados precisos de populações. O processo de
compreender numericamente as questões de economia, de medicina era o resultado
de “efeitos do industrialismo sobre a massa do povo que despertavam preocupação”
(Rosen, 1994, p.137). Os problemas de doenças e contágios nos ambientes fabris
impulsionaram os estudiosos para o uso desse campo da matemática em temas
relacionados à saúde.
Geografia, saúde e doença já eram teorizadas por Hipócrates e, estas áreas
do conhecimento foram retomadas no século XVIII, por causa dos levantamentos
sanitários. Esses instrumentos, de caráter sanitarista, geraram um movimento de
50
educação em saúde, aliado à crença no progresso e ao uso da racionalidade. A
necessidade de mais trabalhadores permitiu uma organização comunitária para
proteger a saúde, e as freguesias eram responsáveis pelos desempregados
empobrecidos: “a moderna saúde pública se originou na Inglaterra porque a
Inglaterra foi o primeiro país industrial moderno” (ibid p. 152).
Esta posição da Inglaterra, baseada em cálculos, constata a presença da
doença devido às condições sanitárias precárias. As esferas do Estado, mantendo o
status quo, criam legislações e aparatos de saúde pública para financiar,
indiretamente, os avanços da industrialização. Hobsbawn (2003) escreve sobre o
papel do governo inglês no sentido de criar incentivos para a inovação técnica e
para o desenvolvimento de indústrias.
Edwin Chadwick (1800-1890), pioneiro da moderna saúde pública, tentou
estabelecer um escritório de estatística médica em Londres para registrar as causas
das doenças, determinar os locais insalubres, calcular as taxas de mortalidade, e os
graus de salubridade. Os cálculos podem ser extrapolados para os graus de
felicidade e de sofrimento, segundo Bentham.
O “cálculo felicífico” idealizado por ele pode ser transposto para o
comportamento de mercado em que as condições de livre concorrência são
respeitadas e se fixa um preço de equilíbrio. Assim, a oferta e a demanda de
felicidade e sofrimento, podem ser representadas em eixos cartesianos por
equações matemáticas. O prazer e a dor não são constantes universais, pois eles
decorrem de uma variabilidade homeostática. O ponto de equilíbrio seria um juízo de
valor que estabeleceria uma harmonia entre a oferta salarial dos empresários e a
demanda das necessidades e desejos dos seres industriosos/artesãos.
Retomando as idéias de Jeremy Bentham, Hobsbawn (2003, p.74) explica
que a aritmética
19
foi um instrumento vital da evolução tecnológica na Revolução
Industrial. Calculava-se a diferença entre comprar mais barato e vender mais caro,
entre o custo da produção e o preço da venda, entre o investimento e o retorno.
19
A partir do século XV, com a invenção da imprensa na Europa, generaliza-se o uso e a
normalização progressiva dos algarismos arábicos na Europa, de forte influência no desenvolvimento
da ciência. Na Idade Média, os artesãos desenvolviam as medições de maneira diferenciada daquela
feita nos monastérios e nas universidades. Há muitas matemáticas, autônomas, e limitadas no tempo.
(Ifrah, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. Rio de Janeiro, Globo, 1989).
51
Essa racionalidade extrapolou-se para a moral e para a política: “a felicidade
era objeto das políticas de governo. O prazer de cada homem podia ser expresso
como uma quantidade, da mesma forma que seu sofrimento. Deduzindo-se do
prazer o sofrimento, o resultado líquido seria sua felicidade”.
52
4. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A PARTIR DA OBRA DE DAVID LANDES
Landes, na sua obra sobre a Revolução Industrial, faz menção ao mito do Prometeu,
personagem que passou anos acorrentado em uma montanha. Na história
tecnoeconômica, o autor transporta esta imagem mítica para a Revolução Industrial
e fala de um Prometeu Desacorrentado pela modernização industrial e tecnológica.
Publicado em 1968, nos Estados Unidos, o texto original foi escrito em 1954. As
idéias desenvolvidas por David S. Landes ainda estão vivas, e este fato pode ser
atribuído à mensagem de que o projeto simbolizado por Prometeu, o da liberação da
criatividade, iniciativa, criatividade do ser humano, continua intacto, embora com
outros nomes, seja iluminismo, modernidade, pós-modernismo.
Três são as abordagens que estão a permear o livro: (1) a relação entre
ciência, tecnologia e processo produtivo; (2) o papel das condições estruturais nos
processos econômicos; (3) o relacionamento entre Estado, e o planejamento da
economia, a liberdade e a criatividade.
Neste capítulo iremos abordar os temas do primeiro aspecto, os quais virão a
enriquecer a discussão da tecnologia e da homeostasia, ressaltando as idéias que
construíram a separação entre filosofia e ciência. O aspecto do mito grego, até então
não mencionado neste trabalho, não será objeto de estudo aprofundado.
A tradição prometeíca evoca uma das linhas de pensamento sobre a técnica,
e está contextualizada na obra de Landes, em três momentos: no título, na
introdução e na conclusão. A parte central do livro está no segundo capítulo, que
trata em específico da Revolução Industrial na Inglaterra. Pretendemos fazer uma
análise que venha relacionar ciência, natureza dominada tecnicamente, e processo
produtivo observando a homeostasia e o mito do fogo, que remete à máquina a
vapor, símbolo da fase pioneira da industrialização britânica, juntamente com as
novas máquinas e os novos processos de fabricação do aço.
53
Prometeu, figura mítica grega, e a técnica do fogo, podem estar associados
às artes dos homens que desenvolveram a metalurgia e a cerâmica. Na lenda, o
deus Zeus esconde o fogo da raça humana, o qual faz parte da alimentação e da
sobrevivência do ser humano. A garantia da conservação da vida seria dada por
Prometeu que ofereceu à humanidade a técnica do fogo natural. Ele roubou um
poder de Zeus, que separava os mortais dos imortais, e foi punido. A raça humana
teve também que pagar um preço pelo desenvolvimento tecnológico com dor e
destruição.
4.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL NA INGLATERRA
No século XVIII, a indústria do algodão na Inglaterra estava implantando o que
podemos chamar de sistema fabril. O pensamento utilitarista, o qual trabalha com o
prazer e a dor, aparece num primeiro momento na substituição da habilidade e
esforço humanos pelas máquinas – rápidas, constantes, precisas e incansáveis, na
substituição das fontes animais para transformar o calor em trabalho, e no uso de
matérias-primas novas e muito mais abundantes, em particular a substituição das
substâncias vegetais ou animais por minerais.
As inovações tecnológicas modificaram tanto a maneira de pensar do homem
quanto sua maneira de fazer. A ciência e a produção cresceram com rapidez
suficiente para gerar um fluxo contínuo de investimentos que elevou para além dos
limites o equilíbrio entre o crescimento populacional e produção agrícola previstos
por Malthus: “a população, quando não encontra obstáculos, aumenta em proporção
geométrica, ao passo que o acréscimo dos meios de subsistência se dá em razão,
aritmética” ( Trattner, 1956, p.159).
A mudança tecnológica nem sempre é automática. Ela implica na substituição
de métodos, numa combinação de considerações que incitem a mudança. Ocorre
então, uma oportunidade de aprimoramento, em virtude da inadequação das
técnicas vigentes, e uma superioridade marcante que permite que os novos métodos
sejam suficientemente compensatórios para cobrir os custos da transformação.
Podemos dizer, corroborando com Landes, que os progressos tecnológicos e o
desenvolvimento de técnicas que estimularam a expansão da indústria algodoeira
durante a Revolução Industrial representaram um rompimento drástico com o
passado. A consciência tecnológica estava presente nas cabeças dos inventores e
54
nos braços dos trabalhadores. Inovações significativas e oportunas funcionavam
como sistemas de incentivo que aumentavam a capacidade de agir.
Há uma excitação diante do novo, e o pensamento tecnológico se torna um
desafio para o ser humano. Parece existir uma sensação homeostática entre a
novidade da arte do fazer e o desejo de conhecer o potencial das máquinas. Para os
artesãos foi imposto um novo papel ocupacional, e novas formas de viver. Diferentes
mecanismos de regulação foram impostos pelas máquinas velozes, interferindo nas
concepções tradicionais do agir e da disciplina. A adaptação do ser humano à vida
na fábrica é um processo inicialmente incentivado pela curiosidade ainda instintiva.
Charles Darwin fala da aptidão ao ambiente, que permite ao ser humano sobreviver
e multiplicar os artefatos na Revolução Industrial. A verdadeira felicidade está ligada
aos valores humanos, e quando o trabalhador ainda se atém à sua sobrevivência,
este estado de alegria fica longe do seu alcance. Neste momento, o fazer ainda
predomina sobre o pensar, e o pensar está articulado com o existir.
Landes diz que o artesão raramente reconquistava sua independência, e o
seu trabalho era suficiente somente para sustentá-lo. Na fábrica, os trabalhadores,
nas suas funções estavam isolados. Todo momento de distração era um risco. O
padrão motor ocorria para ajustar a vida humana às variadas tensões fisiológicas e
mentais dos ambientes fabris.
As fábricas apinhadas, insalubres brutais eram atraentes mesmo que os seus
ambientes fossem repugnantes. Existia uma adaptação ao feio, ao escuro, ao
barulho, e à monotonia, contrastando com a produção de riquezas. Os operários nas
fábricas, os mineiros nas minas de carvão, os artífices nas oficinas, e os
camponeses na terra tinham que se adaptar ao novo modo de vida. Henderson
(1969) diz que havia relutância quanto à entrada nas fábricas, que exigiam
disciplina, atenção constante para com as máquinas, e arruinavam a saúde dos
trabalhadores. Os oleiros, os pintores e os cortadores de arame sofriam de
envenenamento pelo chumbo, enquanto que mineiros ficavam tuberculosos.
Perturbações nos brônquios, anemia, deformações na coluna vertebral, asma, eram
algumas doenças originadas no ato do fazer industrial. Muitos acidentes nas minas e
nas fábricas eram ameaças ao bem estar do homo faber.
Landes mostra um outro quadro do cotidiano do trabalhador inglês. Ele diz
que sua alimentação melhorou e que ele gastava menos com alimentos. Dessa
55
forma, sobrava-lhe uma reserva maior para comprar outras coisas, dentre elas
produtos manufaturados. Os ingleses mantinham a reputação de comprarem
calçados de couro, enquanto os holandeses ou franceses usavam tamancos.
Vestiam roupas de lã, enquanto os camponeses franceses ou alemães em trajes de
linho, passavam frio.
A teoria dos refúgios de Vanzolini
20
também pode ser aplicada às afirmações
de Landes. Para o autor, a inexistência de barreiras alfandegárias internas ou de
tributos feudais criou, na Inglaterra, o maior mercado coeso da Europa. Essa união
política era confirmada pela geografia da ilha: a massa terrestre era pequena, a
topografia, simples, e a linha costeira, profundamente recortada. No mapa da
Inglaterra do século XVIII, a modernidade do padrão urbano expressava a era dos
apinhamentos de fábricas.
FIGURA 04 - ESTADO AVANÇADO DA INDÚSTRIA BRITÂNICA EM 1815.
20
A teoria dos refúgios elaborada por Paulo Vanzolini, é uma teoria do ano de 1970, fundamentada
nas descobertas do professor da Universidade de São Paulo Aziz Nacib Ab’Sáber sobre palioclimas.
A tese foi baseada no estudo de uma espécie de lagartixa do gênero liolaemus. A teoria assegura
que a biodiversidade da Amazônia é resultado de um processo de interação de ilhas de ecossistemas
na região. Scientific American, dez. 2002, n. 7, p 25, 26.
56
FONTE: HENDERSON, 1969, p.11.
Landes (1994, p. 63), ressalta a argumentação de autores quanto ao avanço
tecnológico grandioso, dizendo que este requereria um mercado no mínimo grande
demais para basear-se num país isolado. Por isso, o empurrão decisivo dependeria
também do acesso a uma fatia significativa de um mercado mundial em expansão.
Assim, poder-se-ia dizer que uma combinação singular de circunstâncias
econômicas e políticas é que teria permitido à Inglaterra conquistar para si, no
século XVIII, uma parcela tão grande do comércio de produtos manufaturados.
4.2 O CAMPO E A CIDADE
O padrão global era de um contato estreito e um intercâmbio freqüente entre a
cidade e o campo. O comércio inglês do século XVIII era ativo, empreendedor e
aberto às inovações. O mercado interno de produtos manufaturados estava
crescendo, com o avanço das comunicações, e com o aumento da população. A
renda média elevada e crescente favorecia um padrão de consumo favorável aos
produtos duráveis, padronizados e de preço moderado, e a iniciativa comercial não
era cerceada.
A tecnologia impôs modos de vida incompatíveis com a manutenção da
sanidade física e mental. Landes não faz relações com o comportamento e o
ambiente do trabalhador. Os aumentos populacionais na Revolução Industrial foram
prejudiciais ao ser humano. Distúrbios biológicos e sociais foram criados com a
aglomeração intensa em alojamentos e fábricas no século XIX. Sabemos que “as
causas precisas das doenças da civilização são difíceis de identificar, mas não há
dúvida de que muitas delas se originam direta ou indiretamente de influências
ambientais nocivas, às quais os seres humanos parecem ter se adaptado”. (Dubos,
1968, p. 131).
Quando a tecelagem se espalhou para o interior e os homens abandonaram o
cultivo da terra em prol da indústria, o desequilíbrio entre produção e consumo
parecia ser um obstáculo à expansão da economia. Landes diz que algumas
fiandeiras, em razão da demanda, haviam começado a se especializar em tipos
específicos de fio em meados do século XVIII, ao menos em algumas partes de
Lancashire.
57
As cidades, com a presença da indústria passam a ter funções diversas,
entre elas a de liderar um processo de urbanização provocado pelo afluxo de
grandes massas de pessoas que passaram a viver perto das fábricas. As vantagens
da localização e as economias externas da proximidade favoreciam até mesmo as
fábricas concorrentes porque o local era conveniente, e a presença de diversos
produtores possibilitava a existência de especialistas. Uma constelação de áreas
urbanas se formou em torno das fábricas.
Charles Darwin, no seu livro “The Descent of Man, and Selection in Relation
Sex” diz que os instintos sociais são mais fortes do que os instintos biológicos,
fazendo a cooperação se impor em relação aos instintos egoístas do ser humano.
Lencioni (1999) nos fala de um dos pensadores darwinistas da geografia, o alemão
Friedrich Ratzel
21
, que influenciado pelo evolucionismo de Herbert Spencer (1820 –
1903), pensador inglês, incorporou a idéia do movimento como uma das
características centrais do mundo orgânico, em especial o ser humano. Este procura
ampliar seu território à custa dos vizinhos. Assim, na Revolução Industrial um
argumento pertinente para explicar o crescimento das cidades pode estar próximo
das idéias de Ratzel.
Lencioni (1999) diz que Ratzel distingue os povos a partir da técnica. Existem
dois tipos: para o primeiro tipo, a sobrevivência está adaptada ao meio em função do
seu estágio de desenvolvimento; e aqueles que estão mais avançados no
desenvolvimento tecnológico neutralizam o meio natural na sua organização social e
política. A Inglaterra lembrava o campo como um paraíso esquecido, e a cidade
nascia como provocadora de sensações de dominação da natureza. Na luta
competitiva pela vida, o ser humano se deparava com os conflitos gerados pelas
aglomerações, e que se tornavam motivos favoráveis para conduzir o processo de
assimilação biológica dos movimentos das máquinas nas cidades.
Patrick Geddes, mais tarde, nos seus estudos de urbanismo no final do século
XIX, introduziu a idéia de cidade orgânica, dizendo que ela teria condições de
desempenhar as mesmas funções do corpo humano. O desenho das máquinas fazia
parte da imaginação daqueles que projetaram cidades. Estradas de ferro
21
Friedrich Ratzel (1844-1904), geógrafo alemão, doutor em Geologia, Anatomia e Zoologia,
escreveu “Antropogeografia: fundamentos da aplicação da geografia à história” em 1882. Ele propôs
uma geografia do homem entendida como uma ciência natural.
58
suplantaram o referencial das igrejas. As idéias utilitaristas vão aparecer nesta
ciência, e o urbanista francês Donat-Alfred Agache (1875-1959), citado por Silva
(2000, p.40), em entrevista para o jornal expressou mecanismos de regulação
homeostáticos na reorganização das cidades e na percepção do ambiente urbano:
“A cidade não é malha de ruas. É ambiente de vida, e por isso não pode deformar a
vida. Precisa técnica, higiene, alegria e arte”.
4.3 CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA, TÉCNICA E CIÊNCIA
Landes nos mostra que a cidade inglesa de Lancashire mobilizou e treinou aptidões
tecnológicas na segunda metade do século XVIII, preparando mão-de-obra
especializada para transformar marceneiros em construtores de fábricas e em
torneiros, ferreiros em fundidores, e relojoeiros em frezadores de ferramentas e
matrizes. O conhecimento teórico também se desenvolveu com as especializações.
O simples construtor de moinhos, como observa Fairbairn
22
, (citado por Landes)
costumava ser
“bom em aritmética, conhecia um pouco de geometria, nivelamento e
mensuração e, em alguns casos, possuía um conhecimento muito
competente de matemática aplicada. Era capaz de calcular a
velocidade, a força e a potência das máquinas; sabia desenhar no
plano e em corte...”. (1994, p.71).
Em Manchester, nos anos 1800 existiam academias e sociedades eruditas
criadas por dissidentes religiosos. Os professores locais e visitantes lecionavam em
escolas particulares “de matemática e comércio”, que ofereciam aulas noturnas.
Muitos manuais práticos, publicações periódicas e enciclopédias circulavam pelas
cidades.
Landes afirma que existia na Inglaterra do século XVIII um nível de
qualificação técnica mais elevado e um interesse maior pelas máquinas e
engrenagens do que em qualquer outro país da Europa. Porém, este conhecimento
não era visto como científico. A Revolução Industrial e a revolução nas ciências dos
séculos XVI e XVII, não parecem estar associadas, porém ambas refletiram um
marcante interesse pelos fenômenos naturais e materiais e uma aplicação mais
22
Fairbairn W. Treatise on Mills and Millwork, 2 ed., 2 v. Londres, 1864, I, p. vi. (Landes, 1994, p.
583).
59
sistemática da investigação empírica. O autor crê que o aumento dos conhecimentos
científicos decorreu muito das preocupações e das conquistas da tecnologia, tendo
havido um fluxo muito menor de idéias ou métodos no sentido inverso.
Por outro lado, Landes coloca como misteriosa a questão da aptidão
mecânica inglesa. Certos autores colocam em destaque a criatividade e o talento
dos artesãos, ao passo que outros os consideram simples imitadores inteligentes.
Não há relatos de grandes inovações antes do século XVIII, ou de qualquer
reservatório excepcional de talentos na área das máquinas. Todavia, existiam
artesãos cuja experiência de construção e ideação realmente os tornava aptos a
serem os mecânicos de uma nova era. A Inglaterra não era o único país dotado de
tais artesãos, “e apesar disso em nenhum outro lugar encontramos essa colheita de
invenções” (1994, p. 69).
Não há provas concretas de um nível superior de aptidão técnica na
Inglaterra, contudo existe um forte argumento indireto a favor dessa suposição:
mesmo depois da introdução das máquinas têxteis, de técnicas de metalúrgicas e
químicas, os países do Continente Europeu não se mostraram preparados para
imitá-las.
Depois de discorrer sobre as origens das habilidades técnicas, Landes
questiona por que os ingleses chegaram na frente da Revolução Industrial. Seria
porque os controles corporativos da produção e do aprendizado estavam
praticamente desarticulados no fim do século XVII, enquanto a influência contínua
da organização das guildas e a supervisão ativa dos governos mercantilistas do
Continente tendiam a congelar as técnicas num molde e a bloquear a imaginação?
(1994, p. 70)
Landes faz suposições de que a literatura enciclopédica com suas descrições
cuidadosas da maneira certa de fazer as coisas contribuiria para aprimorar as
habilidades. As possibilidades de ascensão social na Inglaterra mostraram ser mais
fácil entrar nos negócios, nos projetos e na invenção. Landes diz que John Kay era
filho de um “pequeno proprietário abastado”, Lewis Paul, filho de um médico. Os
antecedentes de John Watt são vagos, mas ele freqüentou o ginásio e é presumível
que tinha vindo do tipo de família que considerava desejável a escolarização. O pai
de Samuel Crompton era um fazendeiro que produzia tecidos como ocupação
secundária e que, aparentemente, tinha uma situação apenas confortável. Edmund
60
Cartwright era filho de um cavalheiro e diplomado em Oxford. No século XVIII, não
era depreciativo para os filhos de boas famílias serem aprendizes de tecelões ou
marceneiros. O trabalho e a destreza manuais não eram estigmas do povo, em
contraste com a burguesia (p. 70).
No fim da era medieval e início da era moderna, a indústria têxtil inglesa
construiu sua fortuna com base na indústria rural. Landes coloca que a indústria
rural, essencialmente livre das restrições das guildas ou das regulamentações
governamentais, tinha condições de tirar o máximo proveito dessa superioridade de
recursos, adaptando seu produto à demanda e às modificações da demanda.
O utilitarismo pregava a segurança e não a liberdade. O cálculo dos prazeres
e das penas resulta numa igualdade. Os ingleses foram influenciados pelo
utilitarismo na política e na legislação. A ordem moral resulta do equilíbrio de
interesses. Numa sociedade como essa, a mobilidade é uma força em prol da
padronização, segundo Landes. A mobilidade social, pensada a partir da ascensão
da queda, implica em imitação, o que leva as pessoas a harmonizarem seus
desejos, igualarem a suas preferências no mercado. Quando os consumidores
estiverem diante de objetos vendáveis irão administrar suas riquezas a fim de obter
a satisfação de suas necessidades. Neste momento de aquisição e de consumo, os
desejos, processados no cérebro límbico, jogarão com as secreções corporais que
regulam as sensações de prazer e de dor.
Heemann (2001) acrescenta o aspecto afetivo contido nestas informações,
guardadas em memórias neuronais ora aversivas e ora prazerosas, que regulam a
homeostasia no ato de consumir. Esse comportamento faz parte do agir nas
movimentações entre os grupos de status. Landes explica que
quando começa a haver mobilidade, como no fim da Idade Média,
leis suntuárias
23
são necessárias para manter as pessoas no seu
lugar. E quando a mobilidade torna-se tão corriqueira, a ponto de
parecer a muitos uma virtude, é impossível controle discriminatório
sobre os gastos (1994, p.58).
O aumento das exportações viria reforçar as pressões favoráveis à
padronização e contrárias à diferenciação, a quantidade em oposição à qualidade.
23
As leis suntuárias foram eliminadas em 1604, no reinado de Jaime I. Foram as leis suntuárias,
como o decreto que exigia que todos os mortos fossem enterrados com mortalhas de lã, as proibições
referentes à importação de tecidos concorrentes e as restrições à produção de chita no país.
61
Novos métodos de produção reduziam os custos em detrimento da solidez ou da
aparência. O abandono dos velhos métodos trocava o orgulho artesanal pelo lucro,
reforçando, por outro lado, uma separação mais acentuada entre o produtor e a
produção. Assim, dentro desta lógica de mercado, e não de fábrica, os artesãos
ficavam reduzidos à condição de meros empregados do contratante da produção
domiciliar.
Quanto aos trabalhadores pobres, Landes nos diz que eles se sentiam
frustrados e irritados com o tratamento dado a eles enquanto consumidores,
desconsiderando os seus direitos de cidadãos. Estes homens e mulheres, no fim do
século XVII e início do XVIII, eram vistos como pecadores, e vítimas de sua própria
iniqüidade. Eles eram punidos pela indolência, e pelo desperdício de tempo no ócio
e em diversões rasteiras, e pelo vício que os levava a dissipar seus escassos
recursos no álcool e na devassidão.
Landes coloca como lógico o raciocínio dos empregadores ao substituir a
mão-de-obra pela máquina, já que ela viria solucionar a escassez de mão-de-obra e,
ao mesmo tempo, cercearia a insolência e as desonestidades humanas (1994, p.
68). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, sociólogo e pedagogo francês,
diz que a maioria dos povos é dócil apenas na juventude, e quando os homens
envelhecem, tornam-se incorrigíveis. Na verdade, estes mecanismos poupadores de
mão-de-obra na indústria, aliados ao comércio, uma atividade respeitável, conferia
louvores à racionalidade pecuniária. A imposição de um novo agir e de um novo
pensar implicava na força mais intensa da destruição do que da construção. Neste
estilo de vida, em que prevaleceu a economia de mão-de-obra e a produção em
massa, na relação ativa com a natureza e com a sociedade, o ser humano criou um
modo específico de produzir, que proporcionou um acomodamento às circunstâncias
diferenciadas do modus operandi do artesanato.
Thompson (2002, p. 439) diz que os trabalhadores eram vistos como
instrumentos ou máquinas, e encontraram o utilitarismo em suas vidas, na medida
em que eles sentiam prazer em manusear e lidar com a máquina, e por outro lado
sentiam a dor das relações com seus superiores, com a obediência, com a
disciplina, com os horários, com os baixos salários. Entre a vida dos artesãos e dos
seres industriosos algo foi destruído, e ousamos afirmar que ficou patente a
62
substituição de uma consciência artesanal presente em um modo de vida mais
antigo, por uma consciência coletiva tecnológica.
Karl Marx (1818-1883), socialista alemão, citado por Thompson (2002, p. 12),
diz que o tear manual está na origem da sociedade feudal, e o tear a vapor conduziu
à sociedade industrial. Estas modificações na forma de produzir criaram um novo ser
humano com comportamentos, ocupações e concepções reproduzidos nas
instituições e nos hábitos culturais. As atividades sindicais, as crises, o jornalismo
radical, os movimentos reivindicadores, resultaram numa intensa agitação popular:
”a tecelagem é vista tanto com agente de uma Revolução Industrial como também
social, produzindo não apenas maior quantidade de mercadorias, mas o próprio
“Movimento Trabalhista” (2002, p. 14).
Contra o sistema produtivo, mas admiradores das máquinas, os trabalhadores
se rebelaram com os mecanismos de mercado, os quais dominaram o tempo e o
espaço dos trabalhadores. Confinados ao tempo histórico e não mais ao tempo
cíclico, eles passaram a serem controlados socialmente. Foi uma mudança da
condição de homens livres para trabalhadores vinculados ao cotidiano fabril,
manejados operacionalmente pelos empregadores.
Ocorreu uma defasagem crescente entre a máquina e o homem, segundo
Landes, mostrada pelas estatísticas aproximadas dos teares mecânicos em
funcionamento na Grã-Bretanha: 2.400 em 1813, 14.150 em 1830, 55.500 em 1829,
100.000 em 1833 e 250.000 em meados do século XIX. Por outro lado, o número de
tecelões em teares manuais declinou
24
, embora num ritmo obstinado, e também a
tenacidade de homens que não estavam dispostos a trocar sua independência pela
disciplina mais bem remunerada nas oficinas.
Foi muito importante o papel dos bancos e do crédito bancário. A Inglaterra foi
o país da Europa do século XVIII mais avançado na operação papéis, e na estrutura
financeira. Estes fatos também eram reforçados pelas leis de hierarquia da
sociedade inglesa, em que a nobreza e a aristocracia rural costumavam praticar a
primogenitura. Landes explica que somente o filho mais velho herdava o título e as
terras, e a maioria dos filhos era obrigada a ganhar a vida fora daquele meio. Dentre
os primeiros proprietários de tecelagens estavam homens de posses, que
24
Em 1810 havia na Grã-Bretanha 250.000 tecelões; em 1830 o número total era de 40.000, 1842,
havia somente 3.000 tecelões (Landes, 1994).
63
trabalhavam como mercadores, cujo cotidiano era vender produtos acabados, os
quais estavam preparados para mudar na direção da produção mecanizada em
larga escala.
A nobreza na Inglaterra era composta por um pequeno número de pessoas
portadoras de títulos de nobreza, cuja prerrogativa essencial era a possibilidade de
fazer parte da Câmara dos Lordes. Abaixo da nobreza ficava a pequena aristocracia,
também chamada de fidalguia rural – um grupo sem status legal, que não tinha
equivalentes no continente europeu.
4.4 A MECANIZAÇÃO E A PADRONIZAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Na visão de Landes, a Revolução Industrial não está representada isoladamente
pelas máquinas e pelas novas técnicas. Elas representaram aumentos de
produtividade e um deslocamento da importância relativa dos fatores de produção
de mão-de-obra para o capital. A revolução está no sistema fabril, na transformação
da forma de organizar e nos meios de produção, que reuniu grandes corpos de
trabalhadores num único lugar, para executar tarefas sob supervisão e com
disciplina.
A visão marxista explica esta marcante mudança social – a criação de um
proletariado industrial em face de uma resistência – pela postulação de um ato de
expropriação forçada proveniente das demarcações de terras que desarraigaram os
produtores domésticos e os pequenos agricultores e os empurraram para as
fábricas.
Pesquisas empíricas recentes invalidaram essa hipótese, afirma Landes. Os
números apontam para um resultado contrário. A revolução agrícola associada às
demarcações (enclosures) demandou mais trabalhadores agrícolas. As áreas rurais
que tiveram mais demarcações foram as que assistiram ao maior aumento da
população residente. Em alguns condados agrícolas da Inglaterra, a população
dobrou entre os séculos XVIII e XIX.
Mudanças tecnológicas possibilitam consciência tecnológica uma vez que
elas instigam padrões culturais variados. Há uma convergência cultural provinda da
estrutura social, das ideologias e da personalidade social. Na Revolução Industrial a
ênfase crescente não está mais no ser industrioso/artesão, mas sim no homo faber /
trabalhador que não só faz, mas que também consome: “produzo, realizo e
64
consumo”. Landes, ao ressaltar o papel da Revolução Industrial, nos diz que o
interior da Inglaterra estava permeado de indústrias. Ali eram maiores as pressões e
incentivos à mudança, e mais fraca era à força da tradição. As perdas de
subordinação ao pensar artesanal foram sendo recompensadas pelo grande ganho
de independência trazido pela industrialização.
A personalidade social da Inglaterra foi construída a partir dos impactos
técnico-econômicos, e da formação da consciência tecnológica – transporte,
mercado, relações de consumo, homeostasia, utilitarismo, graus de prazer e dor -
em um ambiente histórico específico, com variáveis históricas específicas
impossibilitando generalizações.
Dentro desta cultura coletiva, as similaridades que caracterizavam os grupos
de artesãos mais habilidosos eram respostas diretas do seu habitat cultural. A
introdução de meios técnicos disponíveis permitiu a exploração de uns sobre os
outros. Charles Darwin fala da produção de animais superiores, em que o mais
capaz sobrevive e lidera o seu ambiente bio-cultural. Presume-se que na interação
das variáveis, há influências de todas as partes de uma cultura, e nenhuma delas
revela uma medida de desenvolvimento autônomo, porém, destacam-se aqueles
artesãos mais conscientes que introduziram novas idéias e novas formas de agir na
produção.
Landes nos diz que o sistema de produção domiciliar era deficiente, pois o
artesão doméstico raramente tinha habilidade suficiente para fazer produtos
acabados individuais de alta qualidade, o que o impossibilitava de competir com a
fábrica na produção em massa de artigos padronizados.
Com a divisão do trabalho cresceram os níveis notáveis de produção em
alguns ramos – os metalúrgicos, em particular – e as primeiras máquinas de punçar,
cortar e estampar eram adequadas à casa ou ao porão dos artesãos. Essa
especialização facilitou a mecanização e permitiu o avanço tecnológico e a criação
de indústrias. (1994, p. 125).
Landes nos explica que a difusão da indústria mecanizada exigiu grandes
aperfeiçoamentos no projeto dos instrumentos. As máquinas, na medida que
ficavam mais aperfeiçoadas, aumentavam a produtividade. A crescente velocidade
das operações, possível graças à utilização eficiente da energia, com peças
funcionando uniformemente, afetava os interesses daqueles envolvidos com a
65
produção. Apesar dos trabalhadores seguirem especificações aproximadas, os
desempenhos não eram uniformes. Entretanto, reinava a tendência ao prazer no
manejo de máquinas velozes.
No início do período moderno, diz Landes, foi introduzido o punção, que
possibilitou a regularização da forma e do tamanho. Um campo fértil da
padronização de produtos foi a cunhagem, que remonta à Antigüidade. Usavam-se
as matrizes para cunhar moedas de desenho uniforme. Na indústria propriamente
dita, a técnica da uniformidade passou do objeto para o sujeito. Não somente a
fabricação de botões, berloques, fivelas e outros pequenos objetos similares eram
padronizados, mas também atitudes e comportamentos do homo faber eram
explicados pela sensação de repetir a mesma coisa (1994, p. 113).
A tendência de transformação das técnicas metalúrgicas e de trabalho com a
madeira, no “espaço de duas gerações – graças, em grande parte, a um punhado de
figuras talentosas que aprendiam umas com as outras e que formaram como que
uma família de fabricantes de instrumentos” criação de valores de uso (1994, p.112).
As pessoas associavam suas idéias, partilhavam um repertório, e os interesses em
questão estavam direcionados ao prazer. De geração em geração, a busca da
felicidade, dentro dos princípios utilitaristas, assemelhava-se a um comportamento
condicionado. Melhorar os instrumentos significava melhorar a produção e dominar a
natureza.
A ciência prática era concebida na realidade dos trabalhadores, que
usufruíam do prazer e da felicidade de produzir valores de uso. Francis Bacon (1999,
p. 11) diz que o utilitarismo está relacionado ao saber na sua totalidade. Ele diz que
todos detêm parcelas do saber, as quais se associam num esforço para servir a
humanidade. No intercâmbio, as pessoas sentem o prazer de ver suas contribuições
reificadas.
O prazer, para os trabalhadores, de produzir objetos na Revolução Industrial
estava fundamentado nas ferramentas e nas máquinas que eles construíram, mas
que eles desconheciam o potencial econômico que interagia entre o homem e a
máquina. Os motores não apenas substituíam o trabalho manual, mas obrigavam a
concentrar a produção em fábricas. As máquinas, então não mais alojadas nas
casas, pela sua superioridade mecânica, exigiam uma grande indústria que
fabricasse um produto de demanda ampla.
66
Por outro lado, o sistema explorava os novos potenciais das inovações
tecnológicas, pois constatamos uma série de leis e decretos aprovados que
estimulava a produção e o consumo de mercadorias. O crescimento interno e
externo da economia havia transformado os produtores de algodão em capitalistas
mais poderosos do que os comerciantes de lã. Na realidade, o algodão prestava-se
à mecanização de modo mais fácil do que a lã. Landes explica que o algodão é uma
fibra vegetal, resistente e de características relativamente homogêneas, ao passo
que a lã é uma fibra orgânica, instável e com várias sutilezas de comportamento.
Todos podiam desfrutar do conforto e da higiene da roupa de baixo, que cobria a
áspera e suja roupa de fora. A roupa para o trabalho, ainda que tosca, era mais
confortável para a pele. Até mesmo os mais abastados ficaram encantados com a
cor e a elegância das padronagens de algodão, adaptando-as às estações do ano.
O século XVIII assistiu, portanto, ao desenvolvimento de todo um complexo
de máquinas pré-fiação. As primeiras invenções da famosa série que transformou a
indústria têxtil, entre elas o primeiro importante utensílio têxtil, a lançadeira e a
máquina para as cardas desenredarem as fibras de John Kay em 1773 e a máquina
de fiar de James Hargreaves em 1760 projetadas para a fabricação de lã, foram
adaptadas para a fabricação de algodão porque havia um desequilíbrio entre a
fiação e tecelagem. Além disso, o monopólio dos mercados coloniais e
subdesenvolvidos veio complementar a supremacia comercial do império britânico.
A tecnologia da manufatura do algodão exigia um trabalho mais constante e
mais forte em proporção ao peso, como também a mule, que estirava e torcia a
mecha simultaneamente e continuava a puxar mesmo depois de terminada a torção,
era capaz de fiar quantidades maiores (LANDES, 1994, p. 90).
Hobsbawn (2003) fala que o algodão, apesar de ter sido a matéria prima que
movimentou a Revolução Industrial por duas ou três gerações, não foi unicamente a
razão da transformação da economia inglesa. Todavia, foi esta fibra branca e macia
que fomentou o aparecimento de novas regiões e deu forma diferenciada para
aquela sociedade. Unidades produtoras e transformação técnica causavam um
impacto social que impulsionava a transição da fabricação doméstica para as
fábricas. A ruptura chamada de Revolução Industrial também trouxe
aperfeiçoamentos simultâneos na produção agrícola.
67
Foi impressionante o aumento e o movimento populacional criando
aglomerações cada vez maiores de pessoas, maior especialização do trabalho, e do
progresso intelectual no campo da ciência e da tecnologia.
David Ricardo, ao responder às posturas de Thomas Robert Malthus, tinha
uma opinião otimista do progresso. Para Malthus, a superprodução representava um
perigo para a demanda efetiva. Porém, Ricardo via nesse aumento da população as
possibilidades de aumentar a oferta de mão-de-obra para o capitalismo em
expansão (Dobb, 1977, p. 333).
Os empresários que tiravam proveito das máquinas estavam voltados aos
aperfeiçoamentos mecânicos, orientando as inovações tecnológicas para aumentar
a concentração da produção. Colocavam ênfase na feitura do artefato e podiam
alterar as técnicas e as condições de trabalho a seu critério. Conseqüentemente, a
técnica tornou-se uma aliada das oportunidades econômicas. Landes coloca que a
fábrica foi uma nova ligação entre a invenção e a inovação (1994, p. 128).
4.4.1 Questões da máquina a vapor e da energia
Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, diz que se a Doutrina dos Costumes -
a ética do dever - fosse simplesmente a doutrina da felicidade, seria absurdo
procurar Princípios a priori como fundamentos para ela. Segundo o pensador,
somente a experiência pode nos mostrar o que nos dá prazer. Encontramos
prazeres na alimentação, no repouso e no movimento, no instinto sexual, no desejo
de honra, na aquisição de conhecimento, e no desenvolvimento de nossas
capacidades naturais. Todavia, as Doutrinas da Moralidade são bastante diferentes,
pois estabelecem ordens para todos, sem levar em conta as inclinações particulares,
mas sim porque os homens são livres e têm uma Razão Prática. A razão ordena
como devemos agir, embora nenhum exemplo de tal ação possa ser encontrado.
A fisiologia da estabilidade diz que o organismo humano é um sistema aberto,
na medida em que o homem interage com o meio externo. Heemann (2001) aborda
a história da vida como supridora de um repertório de condutas que permite que o
ser humano se relacione com o mundo e consigo mesmo. Os seres vivos passam
por mudanças estruturais e a conduta e as ações deles são coerentes com o meio
externo.
68
O pensamento econômico tradicional considerava a contabilidade do mercado
um sistema fechado dentro do ciclo de produção e consumo. Nos sistemas fechados
os mecanismos naturais são substituídos pelos mecanismos artificiais. Os ritmos dos
preços se contrapõem aos ritmos naturais. Por isso, o mercado vai procurar
acompanhar os ritmos do ser humano na construção das máquinas. A produção de
trabalho útil, ou seja, a relação do ser humano com a máquina, é diferente do modo
como o seu trabalho é apropriado pelos empresários.
Na Revolução Industrial, a homeostasia entre os sistemas abertos – os
trabalhadores – e os sistemas fechados – máquinas – seria buscada na dinâmica da
ordem e da desordem que provocava tensões, até que estas instabilidades atinjam
novos níveis de equilíbrio.
As máquinas são idealizadas para o sucesso comercial, e não para a
realização profissional dos trabalhadores. Em 1824, os fluxos energéticos da
máquina a vapor foram enunciados através das leis da termodinâmica. O vapor de
alta pressão foi uma combinação aplicada de forma mais ampla na navegação, com
economia de combustível e a liberação do espaço para a carga e para os
passageiros.
A grande vantagem da máquina a vapor era seu poder incansável. Além do
mais, ela foi a chave dos efeitos revolucionários no ritmo do crescimento econômico,
pois consumia combustível mineral, uma fonte de energia nova e aparentemente
ilimitada para o fornecimento de força motriz, em contraste com o simples calor
(Landes, 1994, p. 102).
Uma revolução na metalurgia foi provocada pelas máquinas a vapor. Landes
diz que este fato pressupõe uma ligação entre ciência e tecnologia. Alguns autores
afirmam que a máquina de Newcomen e suas precursoras seriam impensáveis sem
as idéias teóricas de Boyle, Torricelli e outros. Watt trabalhou com cientistas e
instrumentos científicos em Glasgow. Landes acredita que isto é em parte
verdadeiro, embora seja impossível medir esta afirmação. O princípio do
condensador separado, os avanços subseqüentes surgiram sem teoria. Todo um
ramo inteiro da física, a termodinâmica, desenvolveu-se a partir de observações
empíricas dos métodos e do desempenho da engenharia. Não foi por acaso que o
trabalho teórico teve início na França, onde havia uma escola como a École
Polytechnique que procurava enquadrar a técnica em generalizações matemáticas.
69
O martelo-pilão a vapor foi usado na fabricação de rodas de trens,
desencadeando um novo tipo de construção mecânica que abriria possibilidades
para a fabricação dos bens de consumo duráveis modernos como automóveis,
televisores, aparelhos de refrigeração e bicicletas.
Não houve uma passagem rápida das ferramentas manuais rudimentares
para as máquinas. Não foram os carpinteiros e construtores de moinhos que usavam
talhadeiras e limas, cortando e desbastando a olho e pelo tato que trouxeram
conhecimentos para maquinistas e engenheiros operarem instrumentos
mecanizados de precisão e trabalharem de acordo com especificações e projetos.
Na verdade, os artesãos do século XVIII, particularmente na relojoaria,
estavam familiarizados com uma variedade de máquinas, tornos, furadeiras, brocas
e máquinas para cortar roscas de rodas. Elas não eram rápidas e de precisão, mas
eram adequadas à indústria da época, e elas ainda sobrevivem atualmente em
algumas localidades.
Caso a opção dos ingleses fosse pela a utilização de força animal, Landes
ressalta que haveria um insumo de energia útil proveniente dos nutrientes orgânicos
de l0% a 20%, enquanto que as máquinas a vapor, mesmo com o desperdício de
combustível, estavam, considerando os limites malthusianos da fome e da doença,
sendo utilizadas em detrimento dos seres humanos. Investir em máquinas era mais
lucrativo que investir em alimentos para os trabalhadores.
Landes explica que o desenvolvimento da indústria mecanizada, concentrada
em grandes unidades produtoras, foi possível porque existia uma fonte de energia
maior do que aquela oferecida pelas forças humana e animal, independente das
incertezas da natureza. A resposta foi uma máquina transformadora de energia – a
máquina a vapor – e a exploração, em grande escala, de um combustível, até então
bastante conhecido, que era o carvão mineral.
Foram as fontes inanimadas de energia que permitiram aos seres humanos
ultrapassar os limites biológicas e aumentar aceleradamente sua produtividade.
Landes destaca que o acaso não esteve presente no momento em que a indústria
mundial tendeu a se localizar perto das jazidas de carvão , ou que o aumento do
capital foi proporcional ao consumo de combustível mineral. O carvão alimentou a
indústria. A combinação carvão-vapor propiciou a única fonte de energia inanimada
70
acessível às economias européias do século XVIII, disse Landes (1994, p.104). O
carvão e o vapor permitiram o crescimento da indústria na Inglaterra.
A tecnologia do vapor propiciava um aumento no volume de trabalho
executado por insumo de energia. Ainda não se pensava exclusivamente em
aumentar a quantidade de trabalho executado por unidade de tempo, mesmo que
ambas as metas estivessem conjugadas. A demanda de maior energia era a
mineração de carvão, e a Inglaterra, despojada de florestas, procurou substituir o
combustível vegetal pelo mineral, numa ampla variedade de operações industriais
que usavam o calor. Contudo, haviam riscos nas contínuas escavações, que no fim
do século XVII, chegaram abaixo do lençol freático e as inundações inibiam, muitas
vezes, as novas extrações.
É importante ressaltar o espírito de inovação e de seus efeitos, bem como o
fato da sociedade inglesa criar poucas barreiras institucionais para as mudanças no
processo produtivo. O economista J. Schumpeter diz que a principal função dos
empreendedores é realizar inovações. Ele vê o crescimento econômico como um
processo permanente de destruição e de reestruturação das atividades ligado ao
caráter descontínuo das inovações.
71
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscando conhecimentos nas áreas da filosofia, da economia, da sociologia e da
história, o problema de pesquisa desta dissertação procurou explorar os contextos
que favoreceram a consciência tecnológica na Revolução Industrial na Inglaterra.
Segue-se a idéia de que a teoria utilitarista fundamentou o pensar e o agir do homo
faber, no qual o prazer e a dor, a sensação e o estímulo, o corpo e a mente, o
trabalho e o salário estão associados a mecanismos de regulação homeostáticos.
Por que a Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra e não em outros
países? Desde 1651, quando os atos de navegação e comércio, que asseguraram o
transporte de mercadorias para o país, tornou-se possível a colonização em outros
continentes. Após a conquista de territórios, as populações passavam a fornecer
matérias primas e a consumir os produtos industrializados. Minério de ferro, de
carvão, lã e algodão, moviam máquinas e facilitavam o desenvolvimento industrial. O
êxodo rural contribuiu para fornecer mão-de-obra, rebaixando os salários e elevando
a produtividade na indústria.Prevaleceu a monarquia parlamentarista sobre a
monarquia absolutista permitindo a participação da burguesia na construção do país.
A mecanização da natureza colaborou para que os seres humanos se
aproximassem da experiência, desprezando as questões referentes às suas
essências. Hans Selye (1907-1982), (citado por Ballone 2005 b) médico francês,
endocrinologista, radicado no Canadá, nas pesquisas sobre o stress em 1930,
estava preocupado com o tema da adaptação ao meio. Ele afirmou que o organismo
humano reage aos estímulos que o agridem. Fatores como o trabalho e os afetos
atacam o ser humano. Antes de ele concluir que a freqüência e a precipitação de
estímulos podem levar as pessoas a doenças, outros estudiosos trilharam por este
caminho.
Gustav Fechner (1801-1887) (Dicionário Enciclopédico Brasileiro, 1947,
p.702) médico, físico, matemático, filósofo, estudioso dos métodos fisiológicos e
72
psicofísicos, para investigar os fenômenos mentais, supôs um vínculo entre a
sensação mental e um estímulo físico. Ele afirmou que determinados fenômenos
mentais estão sujeitos a leis reguladoras. O que ele chamou “princípio do prazer”
fazia parte dos métodos de medidas psicofísicas para quantificar a relação
“sensação e intensidade de estímulo”.
Tal como Thomas Robert Malthus colocou sua teoria da população, ele
trabalhou com o crescimento geométrico e aritmético da sensação e do estímulo.
Assim, a intensidade do estímulo estaria sempre em relação à quantidade de
sensação.
Freud inspirou-se em Fechner
25
para afirmar que existe algo que vai além do
princípio do prazer, o qual permite a construção de um novo princípio de
funcionamento mental. Antônio Damásio, neurologista
26
, explica que a consciência
desenvolve estratégias originais quando encontra adversidades do ambiente
externo. Como disse Freud, “o mal estar da civilização” é fruto desta caminhada para
além do prazer e da adaptação à realidade.
Ao transpormos estas idéias para a Revolução Industrial vemos que estes
pensadores desejosos de conhecer o funcionamento da mente encontraram um
público – pacientes - que buscava a regulação homeostática. As máquinas, quando
eram ligadas, propiciavam um estímulo padrão que mantinha a homeostasia do
homo faber”. Quando elas eram desligadas, as pressões do meio externo,
ambientais e orgânicos, explicadas pelas exigências da sociedade e pela falta de
recursos do “homo faber" para organizar seus conteúdos mentais em pensamentos
cada vez mais complexos, criavam patologias.
As idéias de ciclos na Revolução Industrial introduzem mudanças
progressivas estruturais na sociedade: o ciclo do carvão, do ferro, do aço, do vapor,
da eletricidade, do motor de combustão interna, os quais passam obrigatoriamente
25
Sigmund Freud, nas suas obras completas, revela a importância da contribuição de Fechner para
explicar o tema do prazer e do desprazer. Nas palavras de Fechner, “...todo movimento psicofísico
que se eleve acima do limiar da consciência é assistido pelo prazer na proporção em que, além de
um certo limite, ele se aproxima da estabilidade completa, sendo assistido pelo desprazer na
proporção em que, além de um certo limite, se desvia desta estabilidade, ao passo que entre os dois
limites, que podem ser descritos como limiares qualitativos de prazer e de desprazer, há uma certa
margem de indiferença estética...” (Fechner citado por Freud, 1976).
26
Antonio Damásio nasceu em Portugal em 1944, professor do Departamento de Neurologia da
Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Escreveu “O erro de Descartes” e o “Mistério da
Consciência” publicado em mais de 20 de línguas.
73
pelas fases de ascensão e de queda de vigor. Entre estas fases encontram-se as
tentativas de regulação homeostática, de proximidade ao equilíbrio.
A personalidade social da Inglaterra foi construída a partir dos impactos
técnico-econômicos, e da formação da consciência tecnológica – transporte,
mercado, relações de consumo, homeostasia, utilitarismo, graus de prazer e dor -
em um ambiente sócio-econômico cultural específico, com variáveis geo-políticas
específicas impossibilitando generalizações.
As coisas são boas ou más em relação ao prazer e a dor. O que chamamos
de bom, diz o filósofo inglês John Locke (1632-1704) é o que está apto para
aumentar o prazer ou para diminuir a dor em nós mesmos. O desejo é movido pela
felicidade. A felicidade é o maior prazer de que somos capazes. Perseguimos a
felicidade, que é o fundamento de toda liberdade. Porém, as idéias utilitaristas que
nortearam a Revolução Industrial giraram em torno da segurança e não da liberdade.
Locke antecipou as idéias de Jeremy Bentham no alvorecer da Revolução
Industrial. Ele afirmava que a liberdade estava baseada na necessidade de
perseguir a verdadeira felicidade e o domínio de nossas paixões.
Franz Seitelberger, médico, professor, doutor em neurologia em Viena,
Áustria, diz que a consciência faz um quadro seletivo de um cosmos relevante para
o indivíduo, não sabemos por quais critérios, a partir de artefatos, lugares e
acontecimentos (Popper & Lorenz, 1990). Dessa forma, a consciência é dada ao
homem. No processo modelador da Revolução Industrial, a consciência tecnológica
nasce na seleção de possibilidades de regulação homeostática para idealizar um
extrato da realidade. O homo faber representou então uma estratégia de
conhecimento vinda das repetições e das regularidades apresentadas na sua
relação com as máquinas. Isto permitiu que o cérebro triúnico, nas suas três
instâncias – reptilíneo, mamífero e límbico - deixasse, por vezes que a razão
governasse a emoção e vice versa, e nessa turbulência aflorasse a imaginação.
Inventar e trabalhar, imaginar e produzir no ritmo das máquinas são atos que
permeiam o processo de consciência tecnológica. Ashton (1974) diz que a invenção
faz parte da história do homem. Mas foram os camponeses ingleses, que se
dedicaram a uma única atividade, ou seja, fabricar tecidos, em que nasceu uma
situação específica que propiciou a interrelação entre a invenção e divisão de
trabalho. Para o autor, os ingleses estavam mais voltados ao desenvolvimento de
74
idéias não fragmentadas, o que possibilitou sistematizar o conhecimento do
conhecimento.
Darwin nos fala de um arranjo de línguas, de gêneros, em uma ilha isolada,
com afinidades entre si, e Vanzolini nos mostra as idiossincrasias das ilhas, como
fatos que pudemos transpor para a realidade da Revolução Industrial e explicar a
difusão das técnicas na Inglaterra. Edgar Morin, ao tratar da frase de Descartes,
“cogito ergo sum”, diz que ela tem diversas leituras. Para ele, numa primeira
instância - “eu produzo”, eu sou um trabalhador -,o pensar reflexivo significa que o
ser humano pensa que ele pensa produzir, e constata que ele é um ser pensante
produtor. Há uma separação entre o lugar egocêntrico do sujeito e ele mesmo. No
momento seguinte, “Produzo, realizo” opera-se a reidentificação entre o eu pensante
–produtor - e o eu que o pensa - produzir.
O circuito “eu sou eu” na Revolução Industrial aconteceu nas externalidades,
uma vez que o cérebro estava aberto para o mundo exterior, a fábrica, o emprego, o
salário, os artefatos fabricados, tornando possível que os trabalhadores se
familiarizam com esta dimensão cognitiva: “Produzo, logo tenho consciência e
realizo artefatos” e não pudessem dizer “Produzo, e realizo uma experiência
consciente”.
A visão utilitarista, construída dentro da Revolução Industrial, num primeiro
momento, apontava que a tecnologia proporcionaria prazer por meio das soluções
automáticas para produzir. O princípio do prazer decorre do princípio da constância,
da estabilidade. Podemos falar de tendências ao prazer, existentes nas experiências
dos trabalhadores por ocasião de busca do equilíbrio homeostático e da formação
da consciência tecnológica.
A redução do espaço físico limita a agressividade. Densidade populacional e
patologia social fizeram parte das discussões dos economistas ingleses como Smith,
Ricardo, Malthus e Stuart Mill, e Bentham. Na Revolução Industrial, as fábricas
foram espaços em que a consciência tecnológica se formou, e a sociedade inglesa
consolidou leis de boas maneiras e códigos morais. Mesmo que ficassem
estressados com a obediência e os maus tratos, os trabalhadores preservaram e
criaram regras de convivência.
No período entre 1760 e 1830, a infelicidade dos trabalhadores estava sendo
objeto de discussão no Parlamento inglês. Existiam propostas para limitar as horas
75
de trabalho, e estabelecer padrões mínimos de higiene e educação. Mais tarde,
estas idéias fizeram parte do código de trabalho.
Além daqueles que louvavam o seu cotidiano, os tecelões manuais, os
fabricantes de malhas, de prego, agricultores do sul da Inglaterra respondiam
lentamente a nova ordem das coisas. Eles plantavam, coziam suas próprias roupas,
e estavam satisfeitos com o grau de liberdade que possuíam. Por outro lado, os
salários e o poder repulsivo da fome lideraram a corrida para as fábricas.
As emoções atuam no corpo e o contrário também é verdadeiro. A
homeostasia é tema recorrente de estudo nas ciências. São muitos os
conhecimentos que permitiram a evolução do pensar humano e trouxeram
ingredientes para a construção de máquinas e a exploração de combustíveis para
movê-las. Alimentar máquinas e alimentar homens são ações fundamentais para
que ocorra o movimento e a produção. O movimento e a produção demandaram
ritmos, repetições, redundâncias, e retroações no ambiente fabril.
Seguindo a argumentação de Landes, podemos dizer que não foi somente a
possessão de capitais que possibilitou o rápido avanço da Inglaterra. A indústria
inglesa se destacou mundialmente também pela sensibilidade e receptividade às
oportunidades pecuniárias vindas do comércio e da indústria.
Na Revolução Industrial estão impressas as idéias utilitaristas que
trabalharam o valor de uso fundamentado nos princípios de associação entre prazer
e dor para atingir índices de felicidade. Atualmente, psicólogos americanos estão
fazendo parcerias com economistas a fim de criar uma metodologia para medir a
satisfação das pessoas com suas próprias vidas. Os governos ficariam com a
responsabilidade de trabalhar os resultados de tal pesquisa. A história humana
contada através da riqueza e da saúde pode estar incompleta. Saber como as
pessoas avaliam suas experiências e como usam seu tempo livre podem ser fontes
históricas para contar uma outra história das invenções humanas.
76
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