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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
CAMPUS DE MARÍLIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIA
Andréa Chicoli Alves Pinto
A CONSCIÊNCIA FENOMÊNICA TERIA UMA
FUNÇÃO ADAPTATIVA?
UM ENSAIO EM FILOSOFIA DA MENTE
MARÍLIA
2008
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ANDRÉA CHICOLI ALVES PINTO
A CONSCIÊNCIA FENOMÊNICA TERIA
UMA FUNÇÃO ADAPTATIVA?
UM ENSAIO DE FILOSOFIA DA MENTE
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito para
qualificação no Programa de Pós-Graduação em Filosofia
da Mente pela Universidade Estadual Paulista UNESP,
Faculdade de Filosofia e Ciência, FFC/ Marília.
Área de Concentração: Filosofia da Mente, Epistemologia
e Lógica
Orientador: Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr.
Marília, SP
2008
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Pinto, Andréa Chicoli Alves
A Consciência Fenomênica teria uma função adaptativa? Um Ensaio de Filosofia
da Mente/ Andréa Chicoli Alves Pinto. Marília, 2008.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia e Ciências,
Universidade Estadual Paulista, 2008.
Orientador: Alfredo Pereira Jr.
1. Consciência Fenomênica 2. Filosofia da Mente 3. Adaptacionismo I. Autor
II.Título
Andréa Chicoli Alves Pinto
A Consciência Fenomênica teria
uma função adaptativa?
Um Ensaio em Filosofia da Mente
Data de Aprovação: 05/08/2008
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr.
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
Instituto de Biociências,
Departamento de Educação. Campus de Rubião Júnior
_____________________________________________________________________________________
Membro: Prof. Dra. Mariana Claudia Broens
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Departamento de Filosofia
Campus de Marília
________________________________________________________________
Membro: Prof. Dr. João de Fernandes Teixeira
Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Departamento de Filosofia
Dedicatória
A Deus
Ao Nelson
À Anna Eduarda
Agradecimentos
A Jesus, por tudo.
Ao meu marido, por ter possibilitado estrutura para que eu continuasse. Obrigada pelo seu
amor.
Ao prof. Kester Carrara, por seu acolhimento, ao entender a importância deste trabalho para
mim. Seu gesto é inesquecível.
À professora Mariana Claudia Broens que tão gentilmente, me introduziu no mundo da
filosofia da mente e, apesar das minhas deficiências no assunto, acreditou e investiu em mim.
Como se agradece isso?
Á professora Maria Eunice Quilici Gonzalez que, com seu conhecimento tão vasto me atraiu
ainda mais para a filosofia.
Ao professor Willem Ferdinand Gerardus Haselager que, com seu jeito tão sábio e alegre, nos
ensina tanto e tanto.
Ao prof. Alfredo Pereira Jr., meu orientador, que com seu conhecimento excepcional, sua
paciência, presteza, atenção, e capacidade de corrigir os erros, sem tirar os olhos dos meus
acertos (ainda que pequenos), ocupou tão perfeitamente o lugar daquele que guia.
Ao prof. João de Fernandes Teixeira, que mudou os rumos deste trabalho, de forma a que se
descortinassem novos e surpreendentes caminhos. Obrigada por ser uma inspiração, uma
referência para mim. Meu agradecimento se junta à minha admiração profunda.
Aos meus amigos de estudos, especialmente: Cristina , Orion, Ramon, Paulo e Gilberto Cesar.
Obrigada pelo apoio, pelos conselhos e principalmente, por terem tornado as coisas mais
divertidas. Sou profundamente grata a vocês.
Á minha mãe que participou desde o começo deste sonho, que se preocupou comigo e vibrou
quando tudo deu certo.
Á minha querida amiga Lúcia que orou por mim e que se alegrou comigo em todas as etapas
de minhas conquistas.
Ao Rogério, por ter facilitado as coisas no trabalho.
Aos meus queridos amigos: Kathi, Rita, Rubiane, Lucelene, Angélica, Isandra, Gualter,
Valentina, Valdemar, “Nice”, Hermeliana, Cris, Cida,Lya, Dani, Renata, Shelley e todos
aqueles que esqueci de mencionar aqui. Obrigada por fazerem parte do meu mundo
Áqueles que duvidaram que eu conseguiria: muitas vezes foram vocês que me impulsionaram
a prosseguir.
(...) “A consciência é um fenômeno fascinante,
mas indefinível; é impossível especificar o que
ela é, o que faz ou por que evoluiu. Nada do que
foi escrito sobre ela vale a pena ser lido.”
Stuart Sutherland
“Porventura não tornou Deus louca a sabedoria
deste mundo?” 1 Corintios 1:20
Resumo
A consciência é um conceito extremamente polêmico, gerando uma série de modelos e teorias
na filosofia e na ciência. Um dos maiores problemas é a questão do aspecto qualitativo da
consciência. Alguns teóricos preferem negar tal aspecto, tanto por sua dificuldade ontológica,
como por sua dificuldade em termos metodológicos. Outros assumem a consciência como
fenomênica, entretanto a qualificam como epifenomênica em relação ao mundo físico. Uma
outra possibilidade é que a consciência seja fenomênica em sua definição e que tenha sido
selecionada no processo evolutivo por apresentar vantagens adaptativas. O presente trabalho
tem por objetivo estudar se a consciência pode ser uma estratégia adaptativa, considerando-a
como sendo qualitativa, por definição. A idéia defendida, por nós, é que a consciência foi
selecionada no percurso evolutivo, inicialmente, por ajudar o organismo a se afastar de
situações perigosas e aproximar-se de situações benéficas, sendo que provavelmente, mais
tarde, a consciência tenha se sofisticado, tornando-se uma via de contato social, propiciando a
compreensão do contexto e a conseqüente resposta adequada a este.
Palavras-chave: consciência, qualia, experiência fenomênica, adaptacionismo, evolução
Abstract
Consciousness is an extremely controversial concept, generating a series of models and
theories in philosophy and science. One of the biggest problems is the question of the
qualitative aspect of consciousness. Some theoreticians prefer to deny such aspect, as much
for its ontological difficulty, as for its difficulty in methodological terms. Others assume that
consciousness is essentially phenomenal, however they characterize it as epiphenomenal
relatively to the physical world. One another possibility is that the consciousness is
phenomenal in its definition and that has been selected in the evolutive process for presenting
adaptive advantages. The present work has for objective to study if consciousness could be an
adaptive strategy, considering it as being qualitative by definition. Our hypothesis is that
consciousness was selected in the evolutive process initially for helping the organism to move
away from dangerous situations and coming closer to beneficial situations. Probably it
became sophisticated later, constituting one way of understanding the social context and
supporting appropriate responses.
Keywords: consciousness, qualia, phenomenal experience, adaptationism, evolution
S
UMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................11
CAPÍTULO 1. Monismo e Dualismo: duas respostas para o mesmo problema............15
1.1 Davidson, Kim, Marras: outras possibilidades......................................................17
1.2 Smart e Nagel: qual é a essência da mente?...........................................................21
1.3 A questão dos "qualia".............................................................................................25
CAPÍTULO 2. Consciência: que diferença traz para o mundo?...............................29
21. Marias sem cores.......................................................................................................29
2.2 Os zombies e a consciência........ ..............................................................................34
2.3 Sobre o epifenomenalismo........................................................................................39
CAPÍTULO 3. Consciência: o que é, para quê............................................................43
3.1 O caminho da ciência e os caminhos da filosofia...................................................44
3.2 Consciência para quê?..............................................................................................49
3.3 Co-evolução e consciência........................................................................................51
3.4 A consciência integrada como fonte de integração: Baars e Morsella.................56
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................60
REFERÊNCIAS..............................................................................................................63
11
INTRODUÇÃO
Descartes, em sua busca pela fundamentação do conhecimento, e lançando bases para o
desenvolvimento científico laico, propôs uma distinção entre o mundo corpóreo e o mundo do
pensamento, a qual ensejou a formulação de um problema que persiste até os dias atuais: como o
pensamento afeta o corpo, e vice versa?
A bem conhecida solução que Descartes apresentou para este problema foi atribuir a
responsabilidade pela interação entre corpo e pensamento à glândula pineal. Tal proposta se
afigura como sendo uma solução de compromisso, pois havia - e ainda há - ausência de
evidências que apontassem no sentido de que esta glândula tivesse uma função tão importante.
Entretanto, o problema levantado por Descartes tem repercussões mais amplas, uma
delas constituindo o objeto de investigação do presente trabalho: teria o pensamento consciente
uma função comportamental, e/ou contribuiria de alguma maneira para uma melhor adaptação
dos seres vivos a seus ambientes, ao longo do processo evolutivo?
O modelo de Homem, proposto por Descartes, é constituído por duas substâncias
distintas: a mente - que seria imaterial, sem extensão, indivisível, imortal, não regida por leis
físicas - e o corpo: material, extenso, divisível, perecível, e regido por leis físicas. Essa seria uma
concepção dualista, na qual os processos físico-biológicos não dariam suporte ao pensamento
consciente, nem teria este a função de promover a adaptação do organismo ao ambiente.
Por outro lado, que razões sustentariam uma concepção oposta à cartesiana,
implicando uma unidade entre corpo e pensamento, e a conseqüente atribuição de valor
adaptativo à consciência? Para abordar esta questão, é preciso levar em consideração as
diversas alternativas de entendimento da relação corpo/mente existentes na filosofia
contemporânea.
A divisão entre o domínio do corpóreo e o domínio do pensamento, formulada por
Descartes, ensejou o problema que Gilbert Ryle (1949) intentou dissolver, classificando-o como
sendo um “erro categorial”. A idéia de Ryle é que nossa mente se exprime nas disposições para a
ação. Assim, para ele, tentar vislumbrar a mente por detrás da ação é como conhecer as salas de
aula, a biblioteca, a secretaria, professores e alunos de uma universidade e ainda assim perguntar
onde está a universidade, como se esta fosse uma entidade a mais. Tal argumentação se deu em
sua obra “The Concept of Mind”, que lançou as bases para a origem da filosofia analítica da
mente. É importante observar que Ryle não pretendia abrir mão do vocabulário mentalista.
Não obstante esta e outras críticas, a herança cartesiana é ainda marcante, tanto nas
ciências como na filosofia, traduzindo-se nas concepções atravessadas pelo dualismo. O
dualismo pensamento/corpo se traduz, no contexto contemporâneo, em um dualismo
12
mente/cérebro
. Tal embate, envolvendo as controvérsias monismo versus dualismo, ou -
como aponta Searle (1997) fisicalismo versus mentalismo, marcam as discussões
contemporâneas, em filosofia da mente.
Um dos corolários dessa dissonância é a dificuldade intensa em se definir
consensualmente o que é a consciência. Esta dificuldade daria margem a propostas de
desconsideração dos aspectos da mente considerados obscuros, os quais são costumeiramente
descritos por meio de uma linguagem mentalista herdeira do dualismo cartesiano. Esta tentativa
de assepsia terminológica, que é semelhante à critica feita por Ryle, aparece no materialismo
eliminativista de autores como Dennett (1997) e os Churchlands (1995,1998).
Uma outra tendência do materialismo de cunho reducionista é a de se considerar a
consciência como existente, mas sem papel causal no mundo físico-biológico. Nesta
perspectiva, a consciência é considerada como sendo um
epifenômeno
dos processos físico-
biológicos. Considerando-se que os fenômenos mentais seriam meras manifestações dos
processos físico-biológicos, que poderiam ser completamente explicados a partir do
conhecimento pleno daqueles processos, todo possível efeito de um estado mental seria, na
verdade, um efeito do estado físico-biológico do qual é uma manifestação.
Uma terceira possibilidade é o funcionalismo, que foca suas atenções nas funções mentais,
ao invés de se preocupar com a constituição material dos sistemas cognitivos. Assim, um estado
funcional descreveria um relacionamento entre certos estímulos sensoriais (inputs), os
correspondentes estados cognitivos (representações mentais) e certos comportamentos (outputs).
Para o funcionalismo, o que importa é esta relação e não exatamente a matéria na qual ela ocorre.
Tampouco é questionado se as funções mentais teriam um papel na adaptação do sistema que as
executa. Portanto, é importante notar que o conceito de “função” utilizado pelos filósofos
funcionalistas é computacional e não biológico. Sendo assim, o funcionalismo deixa em aberto a
questão a respeito do valor adaptativo da consciência.
Em breves palavras, esse seria o painel que serve de contexto para a discussão do tema
proposto neste trabalho, qual seja: o valor adaptativo da consciência. Este valor é defendido por
uma quarta corrente filosófica, que assume não que a consciência tem um estatuto ontológico
próprio no que se distancia do reducionismo como também que tem origem e função no
mundo físico-biológico no que se distancia do dualismo e do mentalismo. Chamaremos a esta
posição de monismo interacionista, para distingui-la das três outras acima identificadas (dualismo
cartesiano, materialismo reducionista e funcionalismo computacional) com as quais
estabeleceremos um diálogo crítico.
Quanto ao estatuto ontológico da consciência, assumimos que esta se caracterizaria por ser
uma “experiência subjetiva com conteúdo” (Pereira Jr., 2006, p.02). Assim, defenderemos a
13
realidade das sensações, sentimentos, emoções e pensamentos, bem como advogaremos que estes
foram selecionados por seu papel adaptativo. Para nos aproximarmos desta proposta, discutiremos
inicialmente a questão do dualismo e do monismo, como as duas categorias com suas
respectivas ramificações que servem de base para a discussão da ontologia da consciência
fenomênica.
Logo em seguida, no segundo capítulo, discutiremos o problema da explicação científica
da consciência, o chamado “Hard Problem” (Chalmers, 1996, 1997), que inclui - e ultrapassa - a
questão central deste trabalho: por que temos consciência? A parte do problema difícil que diz
respeito à função biológica da consciência foi considerada um “problema fácil” por Morsella
(2005). A fim de abordarmos a questão de uma forma bastante ilustrativa, utilizaremos o
experimento de pensamento sobre a neurocientista Mary, proposto por Jackson (1982).
Discutimos também neste capítulo o conceito de ‘qualia’, que tem uma história própria, e
recentemente foi incorporado às discussões do Problema Difícil. Como veremos, um dos
problemas de se considerar a existência dos ‘qualia’ é o estabelecimento de seu estatuto
ontológico, que muitas vezes, fica comprometido com uma postura “misterianista”, não muito
bem vista pela postura materialista contemporânea. Um dos maiores problemas de se considerar
como fato a existência dos ‘qualiaé a implicação de se admitir um conceito que não cabe na
metodologia atual, uma vez que fica implícita a postulação de um ponto de vista irredutível de
primeira pessoa – o que, supostamente não poderia ser atestado pelos métodos científicos.
Ao final do segundo capítulo, abordaremos o epifenomenalismo, vertente que admite a
existência da consciência, embora negue qualquer influência causal desta no mundo objetivo.
Com o epifenomenalismo, não haveria necessidade de explicarmos como a mente pode
exercer influência sobre o corpo e sobre o mundo externo, o que diluiria um problema árduo
para a filosofia. Além disso, sustentando uma posição fisicalista, o epifenomenalismo
supostamente trabalharia com leis legítimas, que têm se mostrado válidas para todas as formas
de organização da matéria.
Mostraremos, no entanto, quão contra-intuitiva é tal tentativa e as dificuldades de
sustentação de tal teoria diante, por exemplo, do fato de que a natureza parece ter se encarregado
de levar adiante a consciência. No decorrer deste trabalho, veremos também como a própria
admissão da existência da consciência, traz subjacente a prova de sua eficácia causal.
No terceiro capítulo, discutimos algumas questões metodológicas presentes no estudo da
consciência, e suas consequências para a temática deste trabalho, nos detendo nas diferentes
perspectivas, científicas e filosóficas, adotadas frente à questão da definição e do valor adaptativo
da consciência.
14
É importante salientar que nosso conceito de consciência abrange a mesma em sua
totalidade, considerando-a em seu aspecto subjetivo e composto por sensações, sentimentos,
pensamentos ligados às operações sensório-motoras. Também levamos em conta, o aspecto
espacial e temporal dos qualia.
Assim, nosso argumento reside em uma postura de admissão dos “qualia” como
manifestação biológica, com um papel adaptativo importante e, por isso mesmo, fruto da seleção
evolutiva. Afinal, caso a consciência fosse uma característica mal-adaptativa, ela teria sido
extirpada.
A proposta deste trabalho é trazer a consciência para um plano menos “misterioso”,
considerando-a como um processo biológico, uma faceta da atividade cerebral, sem contudo
reduzi-la a um mero evento biológico. A consciência seria um fenômeno especial, que poderia
tanto ser descrito objetivamente, em categorias físico-biológicas, como também subjetivamente,
como conteúdo vivenciado na experiência de primeira pessoa.
Nesta perspectiva, nossa posição
monista interacionista
se aproxima das teorias de
duplo aspecto (Block, 2007), na qual os referidos aspectos não seriam meramente fatos
lingüísticos ou epistemológicos (isto é, presentes apenas na mente do observador), mas teriam
um caráter ontológico a ser elucidado.
Utilizaremos a Teoria da Interação Supramodular de Ezequiel Morsella (2005) para
entender a experiência consciente como fruto do processo evolutivo, explicando-a como uma
função biológica especial, responsável pela coordenação da ação músculo-esquelética, quando
diante de um conflito envolvendo os sistemas executivo e motivacional.
Além disso, destacaremos através da teoria da Evolução Baldwiniana (Baldwin, 1896) -
a possibilidade de que a consciência possa o ser influenciada por fatores biológicos, como
também possa, ao longo do tempo, vir a moldar as próprias estruturas biológicas sobre as quais se
assenta, fazendo parte, portanto, de um grande processo de aprendizagem evolutiva.
Na conclusão, desejamos oferecer uma resposta refletida - embora, certamente, não seja
definitiva - à nossa questão inicial, isto é: qual é o papel da consciência fenomênica na natureza?
Expressamos então a idéia central deste trabalho: os “qualia” existem, não se encontram separados
dos processos físico-biológicos do corpo vivo e são evolutivamente úteis para a adaptação do
organismo ao ambiente.
15
Capítulo 1. MONISMO E DUALISMO: DUAS RESPOSTAS DIFERENTES PARA O
MESMO PROBLEMA
e osso não pergunta/quem pergunta?/alguém que não é osso (nem carne) em mim
habita?” Ferreira Gullar
Como vimos, a controvérsia entre monismo e dualismo permeia a filosofia da mente.
Isso porque é através de tal categorização que se traça o enfoque, a perspectiva adotada pelo
autor, em relação à consciência e demais temas relacionados.
A busca pela materialidade da consciência vem sendo reforçada na ciência pelas
descobertas nas neurociências, mas estas ainda não respondem a importantes questões como as
que pontuaremos adiante. Por outro lado, ao se postular um mundo composto por dois tipos de
substâncias, que caracterizariam a mente e o corpo, se assume um dualismo ontológico, ou seja,
tem-se subjacente a idéia de que coexistem no mundo dois tipos de substâncias que podem ou
não influenciar uma à outra ou interagirem entre si.
Na filosofia da mente, o dualismo tem várias formas, sendo que o que apresentam em
comum é a admissão de dois planos de realidade distintos.
O dualismo de substâncias concebe a mente como algo não físico, uma coisa (
res)
cujas propriedades independem do mundo físico, embora ambos os mundos possam interagir,
de alguma forma. Aqui temos a realidade proposta por Descartes, dividida em dois planos
contrastantes: o plano do ordinário, material e o plano do mental, que não se submeteria às
leis físicas.
Por conta de nosso acesso privado e direto à nossa própria consciência, teríamos um
conhecimento indubitável sobre a mesma. Tal conhecimento não poderia ser acessível
publicamente. Esse seria um dos problemas deste tipo de abordagem: a dificuldade para se
postular esta outra substância que é a mente, isso porque, ela sairia dos limites do conhecido e
comprovado pela ciência de hoje, tomando uma proporção incognoscível, uma vez que foge do
paradigma cientifico atual, fundamentado na objetividade.
Para se escapar de tal situação, para o dualista a possibilidade de se adotar o monismo
substancial juntamente com um dualismo de propriedades. Nesta perspectiva, não seria necessário
se considerar uma outra substância a mais do que a que constitui o próprio cérebro/mente.
Entretanto, um dualismo de propriedades ainda se baseia em uma oposição entre o físico e o
mental, não abrindo a possibilidade de que determinadas propriedades do cérebro/mente
pudessem ser físicas e mentais ao mesmo tempo. Para o dualista de propriedades, pensamentos,
emoções, experiências perceptuais e sensações poderiam depender da organização físico-biológica
do cérebro, mas não poderiam ser explicados a partir das propriedades desta organização. A
16
consciência fenomênica emergiria de um substrato material sendo, entretanto, pertencente a um
outro domínio ontológico, como algo para além do mundo físico-biológico objetivamente descrito
pelas ciências.
O representante típico de tal postulação é Chalmers, cuja concepção é a de que corpo e
mente formam um único ser, porém tal ser possuiria dois tipos de propriedades incompatíveis
(se uma propriedade é fenomênica então não é física, e se é física então não é fenomênica).
Chalmers (1996) chega a reivindicar que a consciência seja tratada como um princípio
fundamental, irredutível, do mundo, assim como o são os conceitos de
tempo
e
massa,
por
exemplo. Dessa forma, existiria uma postulação de um mundo mental, cuja explicação não
poderia ser dada pelos conceitos ortodoxos da física atual, senão mediante a introdução de
princípios-ponte que estabelecessem uma comunicação entre os dois domínios distintos.
Um outro tipo de dualismo é o paralelismo, e sua melhor metáfora é a dos dois
relógios que funcionam em sincronia, embora um não interfira no funcionamento do outro.
Assim, os eventos mentais ocorreriam em paralelo aos eventos corporais, sem interagirem uns
com os outros. Aqui o problema é explicar porque nos parece então, haver uma interação
(Morsella, 2005, p.1001), ou seja, por que quando eu bato um martelo sem querer,
obviamente em meu dedo, eu
sinto
dor instantaneamente? Ou ainda: por que minha sede
cessa, quando eu bebo água?
O idealismo é uma outra vertente, cuja idéia central é a de que o mundo das idéias tem
prevalência sobre o mundo material. Isso poderia ser traduzido, em termos de filosofia da mente,
como sendo a consciência determinante da atividade cerebral, embora esta última não tenha efeito
causal algum sobre aquela.
Por outro lado, a posição daqueles monistas que, como Damásio (1996), o
estabelecem uma oposição entre substâncias ou propriedades, procurando mostrar que os
fenômenos mentais estão em continuidade evolutiva com os fenômenos biológicos. Trata-se aqui
da posição monista interacionista, que admite a consciência e as atividades cerebrais como
diferentes manifestações de um mesmo sistema, as quais não se opõem, mas se complementam.
Assim, o monismo apregoa que os sujeitos conscientes seriam constituídos de uma única
substância, que pode se manifestar em diferentes aspectos, de ordem material e mental. No limite
do monismo, temos as tendências mais radicais, como os materialismos reducionista e/ou
eliminativista, que interpretam a realidade e suas expressões como puramente materiais.
uma tentativa de se ultrapassar o monismo por aqueles que tendem a procurar por uma
identidade nas diferentes manifestações do cérebro/mente. A teoria da identidade, que
discutiremos mais adiante, se pauta na idéia de que atividades cerebrais e consciência seriam
17
idênticas, mas teriam manifestações diferentes. Entretanto, tendo em vista a identidade proposta
no plano ontológico, tais diferenças seriam puramente lingüísticas ou epistemológicas, sendo sua
existência restrita à mente daqueles para os quais se manifestam.
1.1 Davidson, Kim, Marras: outras possibilidades
Uma alternativa à teoria da identidade seria o monismo anômalo de Davidson, cuja
proposta é a de um
monismo não reducionista
. Esse tipo de monismo prescreve uma relação de
causalidade entre os acontecimentos físicos e mentais. Diz Davidson:
Todos os eventos mentais são causalmente relacionados a eventos físicos.
Por exemplo, as crenças e desejos motivam os agentes a agir e as ações
causam mudanças no mundo físico. Eventos no mundo físico
frequentemente nos motivam a alterar nossas crenças, intenções e desejos.
(p.231, 1997)
A premissa desse tipo de monismo é que, embora exista unidade entre eventos físicos e
mentais, os últimos não se reduzem aos primeiros. Embora não exista, para Davidson, diferença
substancial entre a natureza dos eventos físicos e a natureza dos eventos mentais, ele nega a
existência de leis estritas regendo os eventos mentais, ou seja, a física não daria conta de explicar
crenças e pensamentos, daí seu monismo ser “anômalo”. A sutil diferença é que a identidade
estabelecida por tal teoria se processa entre os acontecimentos (mentais e físicos) e não entre os
estados. No plano ontológico, o universo mental não somaria nada à mobília física do
mundo.”(1997, p. 232)
A impossibilidade da criação de regras psicofísicas estritas justificaria a idéia de
irredutibilidade que norteia o monismo anômalo. Para Davidson, ao contrário do que ocorre na
relação entre os números e o mundo físico, no âmbito da racionalidade não teríamos condições de
comparar ou concordar com os padrões adotados, pois afinal utilizaríamos nossos próprios
padrões para interpretar os outros. Isto não seria um fracasso em termos de objetividade, mas sim,
um “ponto em que as questões terminam.” (1997, p. 233)
A estratégia utilizada por Davidson para levar adiante seu “monismo ontológico
acoplado ao dualismo conceitual” é uma utilização do conceito de superveniência. Este
conceito reza que dizer que não pode haver mudança na propriedade mental sem que haja
modificação na propriedade física, é equivalente a dizer que aquela é superveniente a esta.
Essa é uma forma de Davidson estabelecer uma relação entre
o mental e o físico.
18
Célia Teixeira (2000) critica a utilização do conceito de superveniência feito por
Davidson, demonstrando que por algumas propriedades acompanharem certas mudanças, não
se dá que elas sejam responsáveis causalmente pelas mesmas.
Um
a versão mais extremada do monismo é o panpsiquismo, uma concepção filosófica que
atribui mentalidade a toda a matéria. Haeckel (2002) explicita tal posicionamento filosófico da
seguinte forma:
Exprimimos também, sem dúvida alguma, a convicção de que um espírito
está em tudo e que todo o mundo conhecido existe e se desenvolve por
uma lei fundamental comum. Por isso insistimos particularmente na
unidade fundamental da natureza orgânica e inorgânica, cuja última
começou relativamente tarde a evolucionar da primeira. (...) Por
conseqüência nós consideramos também toda a ciência humana como um
único edifício de conhecimentos, repelimos a distinção habitual entre a
ciência da natureza e a do espírito. (Haeckel, 2002, p. 01)
Parece interessante a crítica de Searle (1997) sobre a categorização da realidade em
termos do que é mental e físico. Isso seria simplificar demais, “empobrecer” a realidade – pois, de
forma alguma abarca todos os objetos do mundo. Ele lista então alguns exemplos: problemas de
balança de pagamentos, sentenças não-gramaticais, razões para suspeitar da lógica modal, a
habilidade para esquiar, o governo do estado da Califórnia, tentos marcados em jogos de
futebol.” (1997, p.40) Esses itens segundo Searle o se enquadrariam nem na categoria de
físico, nem de mental. Sua crítica, portanto, incide sobre uma tendência dicotomizante do
pensamento humano, a qual possivelmente estaria na base do dualismo.
De fato, nos atermos à categorização do que é mental e do que é físico, concluindo de
antemão que são categorias excludentes, pode nos levar à obscuridade. Um exemplo disso seria a
crença de que teorias que levam a subjetividade mental em conta não poderiam ter um estatuto de
cientificidade sério.
Ainda no terreno do monismo, as diversas críticas à teoria da identidade entre cérebro e
mente conduziram às proposições mais recentes de um fisicalismo não-reducionista. Esta posição
foi inicialmente defendida por Jaegwon Kim (1984), sendo mais tarde recusada por ele próprio
(1998).
Kim tendeu para o fisicalismo reducionista, à procura de respostas consistentes para o
problema da causação mental, que fossem fisicalistas mas sem incorrer no epifenomenalismo. Em
sua crítica ao fisicalismo não reducionista, ele utiliza uma versão mais restrita do conceito de
superveniência, admitindo que os fatores mentais seriam supervenientes aos físicos apenas na
medida em que possam ser reduzidos à física.
19
Através desta idéia, juntamente com a noção de fechamento causal, ele pretende mostrar
que o fisicalismo não-reducionista estaria inviabilizado. Isso porque, para Kim, a utilização do
mental como um fator causal gera uma “superabundância causal”. Assim, se as propriedades
físicas básicas são suficientes como causa de um fenômeno, estabelecer que propriedades mentais
também o são gera uma multiplicidade de causas indesejável. Para ilustrar, podemos pensar que se
alguém morre atropelado por um carro quando estava fugindo de um bandido, não poderíamos
dizer que foram o atropelamento, o bandido e o carro as causas de sua morte, pois isso geraria
superabundância causal: o atropelamento sozinho seria causa suficiente da morte. Com isso,
estabelece-se o argumento da exclusão, em que se nega uma das causas. Desse modo, o
argumento seria esquematizado da seguinte forma:
F dá origem a M:
M
F
M* ocorre, sendo gerada por F*
M*
F*
M não é suficiente para a ocorrência de M*
M →M*
M não é necessária como fator explicativo para M, pois:
M M*
↑ ↑
F → F*
Portanto, apaga-se o M, preservando-se apenas o F, no circuito causal (princípio da
parcimônia).
20
Por conta do “fechamento causal”, a causa estabelecida seria a causa física, nunca a causa
mental. Contra Kim, pode-se argumentar que contrariamente ao que ele defende - seu
fisicalismo reducionista implicaria no epifenomenalismo da consciência, uma vez que, para ele,
toda causação mental se reduz a uma causação física. Podemos até admitir a existência do mental,
mas apenas o físico serviria como causa explicativa.
Sua proposta mais recente “Physicalism, or Something Near Enough” (2005) sugere que a
forma dos “qualia”, mas não seu conteúdo, poderiam ser descritos e comunicados, de tal forma
que os estados mentais intencionais (como crenças e desejos) seriam funcionalmente reduzidos à
neurologia, enquanto que os estados mentais qualitativos (sensações, sentimentos) seriam o
físicos, portanto, irredutíveis e epifenomênicos.
Marras (2007) tece críticas em relação à tentativa de Kim, de solapar o fisicalismo não
reducionista. Para Marras, a idéia de que a discussão sobre os ‘qualia’ deveria se pautar na
questão da causalidade mental é um engano.
Isso porque Kim consideraria apenas a descrição fisicalista como participante do circuito
causal, respeitando o princípio de fechamento causal no domínio físico, porém às custas de uma
aproximação com o epifenomenalismo, o qual não é desejado por Kim pelo contrário, é uma
concepção que ele imputa à posição filosófica da qual se coloca como adversário, o fisicalismo
não-reducionista.
Para Marras, existe uma falha nesse raciocínio, pois o existiria, no dilema enfocado por
Kim, um real problema para os fisicalistas não reducionistas. Marras apresenta dois argumentos
em prol desta tese.
O argumento da explanação diz que se a propriedade Q supervém de uma propriedade
Q* de um micro-nível sem ser reduzida a ele como propõem os fisicalistas não-
reducionistas - então o poder causal de Q poderia ser
explicado
em termos do poder causal de
Q*.
no argumento da derivação/determinação, se Q supervém de Q*, o poder causal de
Q
derivaria de Q*,
sendo determinado por ele e dependente dele.
Assim, concluímos que: a) conceber que o poder causal de Q é
explicado através
do
poder causal da base Q* subjacente
não implica que um dos elos da cadeia causal (Q ou Q*)
não tenha poder causal;
e b) não devemos excluir a possibilidade de que M possa ser uma
causa derivativa
de F* em virtude da superveniência em F. Dessa forma, para Marras, não
motivo para excluirmos o fisicalismo não-redutivo, à procura de uma tese da múltipla
realizabilidade, por exemplo.
Não obstante estas e outras críticas, e muito embora o dualismo de substâncias tenha
sido praticamente excluído por um recorte fisicalista nas ciências, subsiste o problema da
21
causação em termos de propriedades. Assim, o dualismo pensamento/corpo se traduz, no
contexto contemporâneo, em um dualismo
mente/cérebro
, ou seja, voltamos à velha questão
quando nos questionamos sobre a relação existente entre a sensação de dor, por exemplo, e os
eventos neurobiológicos correspondentes à ela ou ainda, por que é que existe essa sensação de
dor, acompanhando os eventos neurobiológicos.
Como foi dito, neste trabalho adotamos uma posição monista, uma vez que o
defendemos que a consciência se situe em um domínio separado da natureza, mas sim que
constitua uma continuidade evolutiva do funcionamento cerebral. Essa postura difere da teoria da
identidade, pois considera as nuances do aspecto qualitativo.
1.2 Smart e Nagel: qual é a essência da mente?
Um representante do monismo, em fins da cada de cinquenta, foi Smart. Esse autor
introduziu a idéia de identidade, apregoando que a consciência é idêntica às atividades cerebrais,
apesar de se manifestarem de formas diferentes.
A idéia é que se um evento ocorre sempre ao mesmo tempo e no mesmo espaço que o
outro, logo, não seriam dois eventos, mas um só. No caso da mente/cérebro, a identidade seria
interpretada como sendo a identidade entre os referentes de duas descrições. Um exemplo disso
seria a análise fregeana do caso da utilização das expressões “estrela da manhã” e da “estrela da
noite” para designar o mesmo referente. Assim, o mesmo objeto (no caso, a estrela) é nomeado
através de formas diferentes, conforme seu contexto. O raciocínio é que sensações e processos
cerebrais podem significar coisas diferentes; no entanto, se referem ao mesmo fenômeno físico, de
tal forma que as sensações seriam idênticas aos processos cerebrais. Sempre que houver um
estado, haverá um outro. Assim, se quando ativação da fibra-C ocorre dor, e se todas as
ocorrências de dor são ocorrências de ativação da fibra-C, logo a dor será igual à ativação da
fibra-C.
A teoria de identidade é uma forma de fisicalismo, e se propõe como uma teoria cientifica.
Então, assim como a água=H20, genes=moléculas de DNA, a consciência seria igual às atividades
cerebrais.
Essa é uma tentativa de se solucionar o problema mente-corpo, identificando a mente com
o próprio corpo, ainda que reconhecendo que existe uma diferenciação nas manifestações da
atividade cerebral. É importante frisar que tal diferenciação tornaria a identidade entre sensação e
atividade cerebral contingencial. Isso significa que a ciência teria ainda que descobrir que tipos de
ativações são equivalentes às sensações correspondentes.
22
Amaral (2007) aponta uma crítica feita à esta teoria, que diz que não seria possível,
através da razão, afirmarmos coisas acerca das nossas sensações de dor. Como se poderia afirmar
que a ativação da fibra-C seria idêntica à dor em todos os mundos possíveis? O caráter
contingencial da teoria de identidade ensejou várias críticas. Uma das críticas mais contumazes foi
a crítica de Putnam (1975), que aventa a possibilidade de que organismos com constituições
físicas diferentes, instanciados em múltiplos tipos de substratos físicos, poderiam gerar dor a
partir de diferentes estruturas físicas. O fato de que nada, a princípio, inviabiliza tal hipótese,
significaria, necessariamente, que o evento dor não seria igual à ativação na fibra C.
Assim, como não conhecemos exatamente a natureza dos processos neurológicos que
geram a dor, não podemos afirmar que ela não possa se dar em outras constituições. Para Hansem
(1995), tal crítica é uma falácia argumentativa, pois apenas porque eu conheço a identidade de um
evento e não conheço a identidade do outro evento, não significa, necessariamente, que este
evento não seja aquele. Assim, o fato de não conhecermos outras constituições neurológicas, não
anula os processos neurológicos que já conhecemos.
De qualquer forma, a hipótese de Smart fica a mercê da ciência demonstrar que todos os
eventos e estados mentais de determinados tipos são realmente dependentes de determinados tipos
de eventos e estados físicos, o que ainda não se concretizou. Como diria Hansem o problema da
teoria da identidade é que ela faz uma profissão de fé numa ciência inexistente” (1995, p. 19).
Forte opositor do fisicalismo reducionista, Nagel faz um contraponto a Smart, pontuando
o valor da experiência pessoal, daquilo que vai além da objetividade física. Através de seu texto
What is it like to be a bat?”, de 1974, ele enfatiza a consciência subjetiva e seu caráter
fenomênico. O texto diz respeito à experiência de “ser como”, que é privativo de quem tem a
experiência. O argumento de Nagel é contrário ao reducionismo. Isso porque, para ele, o
reducionismo exclui aspectos do fenômeno (neste caso, a experiência fenomênica) e ao fazer isso,
se equivoca na sua problematização. Disso, ele deduz a inviabilidade da teoria fisicalista
reducionista quanto à explicação da consciência. Para Nagel, a limitação do fisicalismo ocorre
quando este se depara com o aspecto subjetivo, que não pode ser abarcado por uma teoria física
objetiva. Diz ele:
É impossível excluir as características fenomenológicas da experiência através
da redução, do mesmo modo que se exclui características fenomênicas de
substâncias ordinárias através da redução física ou química nomeadamente,
para explica-las como efeitos nas mentes de observadores humanos. Se o
fisicalismo é defensável, as características fenomenológicas devem, elas
mesmas, ter um conteúdo físico. Mas quando nós examinamos seu caráter
subjetivo parece que tal resultado é impossível. A razão é que todo fenômeno
subjetivo é essencialmente conectado a um ponto de vista singular, e parece
inevitável o abandono de tal ponto de vista em uma teoria objetiva, física. (1974,
p. 160).
23
O argumento central de Nagel se alicerça no caráter de primeira pessoa da
experiência consciente, isto é, embora possamos
imaginar
o que é ser um morcego, não
conseguimos
saber
o que é ser um morcego, pois não temos a mesma constituição dele.
Poderíamos imaginar como seriamos se tivéssemos membranas sob asas, etc, mas ainda
seríamos nós mesmos, e a posição de Nagel é outra: não poderíamos jamais saber como é
para o morcego ser um morcego. É a experiência do outro que nos escapa. Nagel entende
que talvez nunca consigamos entender certos fatos de forma objetiva, pois nossa estrutura,
segundo ele, não pode operar com os conceitos do tipo requerido. Assim, para Nagel existem
fatos que fogem às possibilidades da linguagem humana, ao menos, por enquanto.
Mesmo em se tratando de seres da mesma espécie, por exemplo, a espécie humana, a
dificuldade persiste. Assim, mesmo que - em uma experiência bastante bizarra - alguém pudesse
lamber meu cérebro enquanto estou comendo chocolate, tal pessoa não sentiria o gosto que sinto.
Da mesma forma que essa pessoa, se pudesse olhar para dentro do meu cérebro quando estou
vendo algo, não poderia ter a minha experiência visual.
Para além disso, Nagel (1964) afirma que seu afastamento de Smart se dá especialmente
em razão de considerar a identidade uma condição do corpo e não do cérebro. Não porque este
abstraia estados psicológicos do cérebro, mas porque o cérebro está em um corpo, isto é, se o
corpo for destruído, tais estados não existirão mais. Ao ampliar para o corpo a questão da
identidade dos estados psicológicos, Nagel desfaz qualquer pretensão localizacionista. Como ele
coloca a questão:
Processos cerebrais são localizados no cérebro, mas uma dor pode ser
localizada na canela e um pensamento, definitivamente, não tem
localização. Se os dois lados da identidade não são uma sensação e um
processo cerebral, mas o meu ter uma certa sensação ou pensamento e
meu corpo, estando num determinado estado físico, então eles estarão
ambos no mesmo lugar, isto é, onde eu e meu corpo porventura
estivermos. É importante que o lado físico da identidade não seja um
processo cerebral, mas ao contrário,
meu corpo estando naquele estado
especificado
como sendo o processo relevante acontecendo no cérebro.
(1964, p. 90)
Para Nagel, ao tratarmos de um atributo psicológico, estamos tratando de um fenômeno
(diferente, como ele exemplifica, de uma verruga) possuído pela pessoa como um todo.
A despeito disso, Nagel não descarta a possibilidade de buscar uma compreensão acerca
dos estados psicológicos, que se enquadrem em teorias fisicalistas, proporcionadas pelo progresso
da neurociência, desde que – como já dito – se encontrem os conceitos adequados para isso.
24
A idéia de Nagel de considerar o corpo em sua totalidade, ao se referir ao fenômeno
consciente, é retomada atualmente na abordagem da Cognição Incorporada e Situada (CIS).
Tal abordagem preconiza que a interação corporal com o ambiente é de fundamental
importância para a cognição, sendo esta interação que determinaria, muitas vezes, o conteúdo
de nossos estados mentais e a condução de nossos comportamentos. O sistema cognitivo que
suporte à consciência seria formado pelo circuito cérebro-corpo-ambiente, circuito este em
que nenhum elemento seria privilegiado em termos explanatórios. O processo cognitivo se
daria na interação entre organismo-ambiente.
Muitas vezes, o próprio ambiente traz consigo as respostas para tarefas cognitivas
quando estas são apenas automáticas. Para Haselager (2004), o ambiente pode definir
respostas complexas do organismo, sem que haja, para isso, a necessidade de representações
ou processamentos internos. Haselager utiliza a idéia gibbsoniana de affordance”, em que o
ambiente oferece um leque de possibilidades para a ação, sendo a coordenação de nosso corpo
estabelecida nessa “dança” com o meio. O diferencial dessa teoria é que o cérebro não
determinaria por si a cognição e o comportamento; ele não seria o maestro, mas atuaria
como um dos músicos em um conjunto de jazz.
A crítica feita pela CIS se dirige para as teorias clássicas que colocam os dados
sensoriais como inputs que levam à ação, passando por um planejamento cerebral. Tal idéia
tem implícita a visão de um homem racional; no entanto, esse modelo não corresponde com o
homem cotidiano, cujas inferências muitas vezes são inválidas, e que tem comportamentos
que não condizem com a lógica formal. Nesse modelo, os sentidos e comportamentos
ocorreriam paralelamente, na interação com o ambiente, e não mais em uma ordem
seqüencial, hierárquica.
Para uma das correntes da abordagem CIS, os comportamentos criativos precisariam
das representações internas, ao contrário dos comportamentos automáticos. Essa idéia de um
maior processamento interno, quando em situações de maior exigência, corresponde à teoria
de Bringsjord e Noel, que discutiremos mais tarde.
25
1.3 A Questão dos “Qualia”
Embora primordial para a discussão, Nagel não foi o primeiro a mostrar o papel
central da experiência consciente para uma teoria da consciência. Crane (2000) nos conta que
o termo qualia (singular:
quale
), conceito que abrange sensações, percepções, sentimentos,
teria sido usado primeiramente por Peirce, em 1866, sendo um termo resgatado do latim.
Ainda segundo Crane, a partir de 1929 os ‘qualia’ passaram a ser conceituados como sendo
relativos aos “dados dos sentidos” (
sense data
), uma noção muito utilizada pelos filósofos
empiristas lógicos na primeira metade do Séc. XX. Atualmente, podemos definir ‘qualia’ sem
referência explícita à controvertida noção de
sense data
, entendendo-os como relativos às
experiências subjetivas que as qualidades de objetos suscitam no agente que as possui, isto é,
são propriedades das experiências perceptivas. Um exemplo seria a vermelhidão de uma maçã
que eu percebo. Deste modo, a noção de “qualia” é central à consciência fenomênica.
Segundo Chalmers,
A verdade é que ninguém sabe por que é que estes processos físicos são
acompanhados por uma experiência consciente. Por que é que quando os nossos
cérebros processam a luz num certo comprimento da onda, temos a experiência de
vermelho vivo? Já agora, por que é que temos a experiência? Não poderia um
autômato inconsciente realizar as mesmas operações tão bem quanto nós? Estas
são perguntas às quais gostaríamos que a teoria da consciência pudesse responder.
(1995, p. 4)
Para Chalmers
,
é certo que a experiência consciente se origina de processos físicos,
porém não sabemos como ou porque estes processos estão acompanhados de propriedades
fenomênicas. Em um trabalho anterior, Dennett (1991) defendia que tais propriedades não
teriam caráter ontológico:
O observador (ou propriedades do observador) têm provido uma moradia segura
para as cores e as outras propriedades banidas do mundo externo, tais como:
sentimentos “brutos”, percepção, qualidades fenomênicas, propriedades
intrínsecas da experiência consciente, conteúdos qualitativos dos estados mentais,
e claro, qualia...Existem sutis diferenças na definição de tais termos, mas...Eu
nego a existência de tais propriedades. (tradução nossa, 1991, p. 399-400)
1
1
Philosophers have adopted various names for things in the beholder (or properties of the beholder) that have been
supposed to provide a safe home for the colors and the rest of the properties that have been banished from the
“external” world by the triumphs of physics: raw feels’, ‘sensa’, ‘phenomenal qualities’, ‘intrinsic properties of
conscious experiences’, the ‘qualitative content of mental states’, and of course ‘qualia’[…]There are subtle
differences in how these terms have been defined, but...I am deniyng there are any such properties.”
26
A afirmação de Dennett implica a negação da realidade das propriedades da consciência
fenomênica. Para quem pensa que tal idéia é contra-intuitiva, Dennett responde que também é
contra-intuitivo pensar que a terra gira ao redor do sol, assim como é contra-intuitivo pensarmos
que seres vivos são compostos de elementos não-vivos. Para ele, a consciência não passa de um
conceito cultural que precisa - assim como ocorreu com nossos conceitos de doenças e terremotos
ser revisto. A grande resistência segundo Dennett que temos para explicar a consciência
cientificamente, é que conceitos caros a nós como amor, dor, liberdade e etc, seriam reduzidos a
algo muito menos romântico que nos tiraria da condição de agentes morais dotados de vontade
livre.
De fato, parece-nos um tanto complicado negar a existência dos qualia, pois, citando o
exemplo de Searle (1997), se eu me beliscar, sentirei algo. Ainda que recorramos ao argumento de
Dennett de que se trata apenas de um julgamento sobre um estado interno e não o próprio estado
interno, ora: por que haveríamos de conceber tal julgamento? Existiria novamente um deus
enganador ou ainda um gênio maligno como aquele de Descartes?
Quanto ao argumento, utilizado por Dennett, de que procuramos preservar certas crenças
como liberdade, consciência, amor, etc; parece-nos um paradoxo, pois dizer que preservamos algo
porque nos agrada, significa estabelecer justamente uma relação causal entre sentimentos e ação.
Searle (1998) faz um contraponto à negação da consciência fenomênica. Para ele, para se
conhecer a consciência é imprescindível entender seu aspecto subjetivo, uma vez que, segundo
ele, não existe diferença entre a consciência e a experiência da consciência.
Para Searle, a ontologia da consciência é subjetiva, de primeira pessoa, de tal forma que
não pode ser reduzida a nada que tenha uma ontologia de terceira pessoa ou objetiva(1998,
pg. 224). Isso não a torna mágica, misteriosa, ocorre que ela é propriedade do cérebro, sendo
causada pela dinâmica do sistema nervoso que, além de lhe causar, permite sua percepção
através de suas estruturas.
Block, por sua vez, define ‘qualia’ como sendo propriedades de sensações, sentimentos,
percepções e, mais controversamente, pensamentos e desejos(1995, p.01)
2
. Para ele, os ‘qualia’
podem ser estudados cientificamente e, embora aceite o seu enfoque como um estado físico,
critica uma postura reducionista na análise de tais fenômenos. Assim, condena a utilização de um
enfoque único na análise do ‘quale’ (uma perspectiva apenas funcional ou representacional ou
cognitiva, por exemplo).
2
Qualia are experiential properties of sensations, feelings, perceptional, more controversially, thoughts and desires as
well. (1995,p.01)
27
Dennett (1991) entende que os ‘qualia’ têm uma natureza não relacional, incorrigível e de
natureza não científica. Já para os defensores dos ‘qualia’, como o próprio Block, estes devem ser
estudados em termos relacionais.
A corrente filosófica funcionalista defende a existência de uma consciência identificada
com seu papel funcional, o qual, segundo algumas versões do funcionalismo, poderia ser
replicável em qualquer outro material, além do biológico. Para tal escola, cada estado interno é
função de outro estado, estímulo (input), que tanto pode vir do mundo exterior quanto do interior.
Segundo Churchland:
De acordo com o funcionalismo, a característica essencial que define todo tipo de
estado mental é o conjunto de relações causais que eles mantêm com (1) os efeitos
do meio ambiente sobre o corpo, (2) com outros estados mentais e (3) com o
comportamento corporal (1995, p. 67)
Uma crítica a esta escola é feita – entre outros, por Chalmers (1997) - a partir da idéia de
que ela não conta de explicar a experiência fenomênica, isto é, embora ela explique alguns
fenômenos mentais a partir de suas funções, não explica o caráter qualitativo de tais fenômenos.
Tais propriedades da experiência subjetiva qualitativa - os “qualia” - se relacionam, no
trabalho de Chalmers, com o problema da dependência de sua descrição à perspectiva da primeira
pessoa. Seguindo o argumento de Nagel (1974), Chalmers considera as experiências subjetivas
como intransferíveis: como posso saber se o azul que vejo é o azul que o outro vê? Portanto, em
sua abordagem a dificuldade em explicar como um sistema físico faz surgir um fenômeno
qualitativo (ou mesmo, o porquê de tal fenômeno ocorrer) aparece como relacionada com o
caráter irredutível de primeira pessoa das experiências conscientes.
Como vimos, a idéia de que características qualitativas acompanham o fenômeno físico
constitui o chamado “Hard Problem of Consciousness”, proposto por Chalmers (1995). Tal
designação é tida como inapropriada por Patrícia Churchland (2006, p.52). Isso porque ela
acredita que não haveria um fundamento empírico, cientifico para a divisão entre problemas fáceis
e difíceis no que tange a consciência. Segundo ela, tal divisão seria um equívoco promovido por
Chalmers.
Para ela, não nada de especial nos qualia: trata-se apenas de adquirirmos um
conhecimento mais rico e completo acerca do cérebro para podermos explicá-los e comprovarmos
que a sensação é apenas uma questão de padrão de ativação cerebral em um determinado
contexto.
Paul Churchland (1995), mesmo sendo reconhecido como um materialista
eliminativista, não recusa a realidade dos ‘qualia’; ao contrário, ele defende a importância da
natureza qualitativa de fenômenos como a dor, por exemplo, chegando a afirmar que uma teoria
28
da mente que desconsidere isso seria negligente. Por outro lado, Churchland defende a
eliminação de conceitos que remeteriam a uma noção de propriedade intrínseca, pessoal, ao
chegarmos ao amadurecimento das neurociências. Tal suposta contradição lhe conferiu o titulo de
“confuso”, por Blackmore (2006, p.05).
Searle é bastante explícito e taxativo ao afirmar que não concebe a consciência fora do
campo da experiência. Assim, para ele, a consciência se refere a sensações, sentimentos e também
a pensamentos e crenças, isso porque pensar numa subtração em hebraico sem conhecermos tal
língua é completamente diferente de pensá-la em português, por exemplo. A idéia de uma
consciência constituída pela experiência remete a uma ontologia de subjetividade. Para ele, o
entendimento da consciência pela perspectiva subjetiva não implica em uma impossibilidade
epistemológica, isto é, ainda que eu não possa vivenciar a dor de alguém, isto não me impede de
entendê-la, de alcançá-la epistemicamente e até de tratá-la.
Como podemos perceber, o tema “consciência” carrega consigo grandes problemas
filosóficos, tanto em relação à sua natureza quanto à sua participação em termos causais. O
capítulo dois tratará justamente do problema da causalidade, investigando através de experimentos
de pensamento e situações de fato, a questão do epifenomenalismo.
29
Capítulo 2. CONSCIÊNCIA: QUE DIFERENÇA TRAZ PARA O MUNDO?
“Quem não ficaria deprimido se ouvisse que dentro de cinco minutos teria a vida interna de uma laje de
granito?” (Bringsjord)
3
Anteriormente, abordamos a situação da consciência, seu status ontológico e como seu
entendimento fica ainda mais
complexo
quando trazemos o conceito de qualia para a
discussão.
A questão dos qualia se torna um problema por sua suposta dificuldade metodológica:
como tratar de um problema tido como específico da primeira pessoa, se nosso paradigma
científico trabalha com seus objetos, sempre na terceira pessoa? Como tratar disso com
objetividade?
Um viés facilitador, em termos metodológicos, é o de exclusão da chamada primeira
pessoa, o que permitiria que a teoria da consciência permanecesse passível de estudo, pautada na
racionalidade, travestida de objetividade.
Por conta disso, Jackson trouxe de volta o problema dos qualia, com um novo enfoque, a
saber: o problema do conhecimento. Assim, a questão proposta por ele é: a uma pessoa que nunca
experenciou as cores, mas com compreensão teórica completa sobre as mesmas, pode faltar algum
tipo de conhecimento sobre este assunto?
Outro experimento de pensamento bastante interessante é o do zombie: qual a
diferença entre alguém que não tem os qualia de alguém que tem? Mais que isso: como
saberíamos se realmente temos consciência, se um zombie provavelmente não sabe?
Com tais ilustrações, pretendemos nortear nossa discussão nesse capítulo, a fim de
abordar o papel dos qualia, tanto para a pessoa que o possui, como causalmente (sendo que
esta última questão será realçada no tópico sobre o epifenomenalismo).
2.1 Marias sem cores
Em 1982, Jackson criou um experimento de pensamento bastante interessante, para o
problema dos qualia. Tal experimento ganhou uma série de matizes. Aqui, para nosso estudo,
delimitaremos a questão, segundo o eixo de nosso problema. Jackson discute a questão dos
‘qualia’, oferecendo-nos o chamado “argumento do conhecimento”. Suponhamos que exista uma
3
Wouldn't you be depressed upon hearing that starting five minutes from now you would have the inner life of a slab
of granite? (Bringsjord,2000, p.11)
30
cientista, Mary, que conhece tudo o que existe, inclusive o funcionamento cerebral, em termos
físicos e objetivos. Desse conhecimento todo, não lhe escapa o entendimento físico da
experiência das cores. No entanto, Mary foi confinada em um quarto que não possui outras cores
que não o preto e o branco, tendo ela acesso ao mundo apenas através de um monitor, também
em preto e branco. A questão é que apenas ao sair deste quarto, Mary poderia aprender algo
sobre a cor na perspectiva da primeira pessoa, e então ela saberia como é ver aquela cor
(“what it is like to see that colour”).
O objetivo de tal experimento de pensamento é provar que os ‘qualia’ existem e, uma
conseqüência deste experimento, parece ser a conclusão de que são relevantes, uma vez que faz
diferença tê-los ou não (afinal, Mary adquiriu um conhecimento extra, que não tinha antes de
sair do quarto). Assim, existe aqui, mais uma vez, a rejeição ao fisicalismo, pois supõe-se que
Mary pôde adquirir um conhecimento a mais sobre a experiência das cores, após tê-lo vivido
na primeira pessoa, de tal modo que as teorias reducionistas sobre a consciência excluem
elementos que a constituem e fazem alguma diferença.
que se observar, no entanto que, para Jackson, os ‘qualia’ não teriam eficácia causal,
isto é, seriam um epifenômeno. Dennett responde a esta experiência, argumentando que Mary
não poderia aprender coisa alguma a mais ao sair do quarto, pois ela sabia tudo o que tinha
para saber ao se deparar com o vermelho, por exemplo. Assim, Dennett (2003) uma outra
experiência de pensamento como resposta ao argumento da Mary-cientista. Sua experiência
conta que Mary foi liberada do quarto por cientistas que, por brincadeira, lhe dão uma banana
azul, ao que ela exclama: “Vocês estão tentando enganar-me, bananas são amarelas e esta é
azul.”
Bem, e como ela poderia saber isso? - poderia perguntar Jackson - então Dennett
(1991) lembra que ela sabe realmente tudo o que para saber sobre causas e efeitos físicos
da visão em cores, de tal modo que ela sabia qual a impressão física exata provocada por
um objeto amarelo ou azul (ou de qualquer outra cor) em seu sistema nervoso. A questão,
segundo Dennett, é que é difícil precisar as conseqüências de se conhecer fisicamente
tudo
acerca do que quer que seja.
Um outro argumento utilizado por Dennett, relaciona-se com a questão levantada
anteriormente - da singularidade e subjetividade da experiência. Esse argumento é o do espectro
invertido. Segundo ele, caso tivéssemos
experiências visuais completamente diferentes tal
como um indivíduo A ver como azul um objeto que o individuo B enxerga como vermelho -
isso não faria diferença alguma. Além disso, tal hipótese não pode ser confirmada nem
negada. Isso é possível porque todos aprendemos que uma maçã é vermelha, por exemplo,
mas, de fato, como poderíamos afirmar que o que eu vejo é o vermelho que você vê? Na
31
realidade, o argumento de Dennett tem a ver com sua forma de entender a consciência
fenomênica como uma construção cultural.
Assim, através do que designa como intuition pumps”, que se propõem a quebrar as
intuições comuns sobre a consciência fenomênica, Dennett pretende romper com a tradição
filosófica que assume que existe algo relativo à mente humana que a ciência nunca poderá
alcançar. Dennett nega que existam ‘qualia’ inefáveis, intrínsecos, privados e diretamente
apreendidos pela consciência na primeira pessoa.
Quando se trata da experiência fenomênica - explica Dennett (2001) - o que temos
são
inputs
de estímulos e disposições para o comportamento (observe-se a influência de Ryle
aqui), ou seja, disposições reativas. Para ele, são os estados discriminatórios que possibilitam
respostas diferentes para diferentes pressões na pele. Parece ter se evidenciado que tal
estado não pressupõe nenhum tipo de sentimento interno, uma vez que Dennett nega a
existência de algo assim.
Em seu texto “Consciousness: How Much is that in Real Money” (2001), Dennett
compara os ‘qualia’ ao valor do dinheiro, para dizer que assim como não existe um valor
intrínseco ao dinheiro, não existem propriedades intrínsecas à experiência.
Comparemos, por exemplo, os qualia da experiência ao valor do
dinheiro. Alguns americanos nativos insistem em dar aos dólares,
francos, marcos e yens um valor intrínseco (quanto é em dinheiro
real?). Eles reduzem o valor de outras moedas em termos
disposicionais para sua troca cambial, mas, ainda assim, eles têm um
entendimento de que dólares são diferentes. Todo dólar, eles declaram,
tem alguma coisa logicamente independente de seu poder de troca
funcional, que nós podemos chamar de energia. Assim definido, a
energia, o poder, de cada dólar está para além das teorias dos
economistas, mas nós não temos razão para acreditar nisso. (
tradução
nossa
, 2001, p. 2, online)
4
Partindo também de uma concepção materialista, Patrícia Churchland (1998)
questiona a idéia central da
“folk psychology”
que propõe crenças como causadoras de
4
To see this, compare the qualia of experience to the value of money. Some naive Americans can’t get it out of their
heads that dollars, unlike francs and marks and yen, have intrinsic value (“How much is that in real money?”). They
are quite content to “reduce” the value of other currency in dispositional terms to their exchange rate with dollars (or
goods and services), but they have a hunch that dollars are different. Every dollar, they declare, has something
logically independent of its functionalistic exchange powers, which we might call its vim. So defined, the vim of each
dollar is guaranteed to elude the theories of economists forever, but we have no reason to believe in it–aside from the
rate heartfelt hunches of those naive Americans, which can be explained without being honored. (Dennett, 2001)
32
fenômenos. Para ela, ao se propor um modelo permeado por entidades psicológicas, temos já
de inicio uma inviabilidade, uma vez que existe uma incompatibilidade na linguagem
intencional desse modelo e a linguagem das neurociências que para Churchland seriam as
únicas ciências habilitadas a falarem de cognição. A proposta dela, diante de tal situação, é
que se elimine o vocabulário mentalista, através do reducionismo.
A redução é de uma ciência para outra, ou seja, trata-se aqui de um reducionismo inter-
teorético. Assim como a termodinâmica reduziu a temperatura ao conceito funcionalista de
energia cinética das moléculas, o funcionalismo permite que se reduza a mente a uma função
instanciada em cérebros ou máquinas, por compartilharem da mesma organização cognitiva,
sendo eliminada, portanto, a questão fenomênica. Aqui, a ausência ou presença de cores na vida
de Mary não seria um problema.
Em seu artigo The Hornswoogle Problem, Patrícia Churchland (1998), critica o
argumento dos qualia como sendo uma falácia, do tipo
argumentum ad ignorantiam
, isto é um
argumento que apela para nossa ignorância acerca de um fenômeno como impossibilidade
para conhecê-lo, de fato, algum dia. Assim, para ela, se não conhecemos agora, isso não
implica que nunca conheceremos. A questão - diz ela - não é metafísica, nem tampouco uma
característica do fenômeno (de não ser conhecido), mas é epistemológica. Churchland
enfatiza:
Além disso, o mistério de um problema não é um fato sobre o problema,
ou uma característica metafísica do universo mas, sim um fato
epistemológico sobre nós. Isto é sobre como está a atual ciência, sobre o
que nós podemos e não podemos entender, sobre o que nós podemos ou
não imaginar. Assim, não é uma propriedade do problema em si.
(tradução nossa, 1998, p. 40,)
5
A solução, para ela, é perscrutarmos a consciência através das neurociências e não
através de exercícios de pensamento. Dando vários exemplos de descobertas pela história da
ciência, ela tenta provar que, na verdade, os problemas acerca da consciência estão para serem
resolvidos pela ciência. Diz ela: Aprenda ciência, faça ciência e veja o que acontece.”(1998,
pg. 25, tradução nossa)
6
Quanto ao problema dos qualia, ela parece achar um problema muito
vago, confuso e que poderá ser eliminado por um vocabulário mais sofisticado.
5
Moreover, the mysteriousness of a problem is not a fact about the problem, it is not a metaphysical feature of the
universe -- it is an epistemological fact about us. It is about where we are in current science, it is about what we can
and cannot understand, it is about what, given the rest of our understanding, we can and cannot imagine. It is not a
property of the problem itself. (Churchland, 1998)
6
Learn the science, do the science, and see what happens. (Churchland, 1998, pg.25)
33
Paul Churchland (1995) diz, em relação aos qualia, que faltou uma forma de
conhecimento da cor, no experimento de Mary. Assim, para ele, Mary estava destituída de um
tipo de conhecimento da sensação de vermelho, por exemplo. Para ele, existe diferença entre
conhecer algo através de um aprendizado neurocientífico do vermelho e conhecer o vermelho
vendo-o, porque são trilhas epistêmicas diferentes. Ambas as formas de conhecimento, é
importante ressaltar, são físicas, para os Churchland.
Para Block (2004), Mary não aprendeu algo novo, mas sim adquiriu um novo modo de
ver algo que ela conhecia. Assim, ela tinha o conhecimento de primeira pessoa, e saindo do
quarto apenas adquiriu uma nova forma de acesso deste conhecimento. Dessa forma, ele
preserva o fisicalismo, utilizando sua própria distinção entre consciência de acesso e consciência
fenomênica.
A experiência de pensamento de Jackson parece evidenciar a importância dos ‘qualia’
para uma teoria da consciência. Provavelmente, o problema de tal experimento seja o
epifenomenalismo contido nele. Dennett considera que a idéia do epifenomenalismo é um
absurdo, pois então teríamos que admitir a possibilidade de uma consciência impotente
causalmente, o que não teria cabimento na evolução biológica.
Uma outra crítica feita ao experimento de Jackson é que, provavelmente, Mary
enxergaria a banana na cor cinza, pois seus receptores para cores não foram estimulados
devidamente quando nasceu, assim, não haveria a possibilidade dela enxergar nem o azul, nem
tampouco o amarelo. Essa crítica não nos parece fazer qualquer diferença no contexto proposto,
pois o experimento supõe que ela poderia enxergar as cores quando em contato com elas e este
não é um problema colocado em questão, assim como supõe que ela poderia realmente não ter
contato com nenhuma outra cor que não o preto e o branco (descartando a possibilidade de que
ela entrasse em contato com seu sangue, com a cor de sua pele, etc)
Curiosamente, Jackson mudou de idéia a respeito da validade de seu argumento do
conhecimento. Para ele (1986), quando Mary se surpreende ao ver as cores, cai por terra o
epifenomenalismo (a visão de cores produziu diferença). Junto com o epifenomenalismo, ele
renega também sua afirmação anterior de que o fisicalismo é falso e diz preferir ficar ao lado da
ciência ao invés de prosseguir com “intuições”.
Graças à uma síndrome rara, algumas pessoas podem experenciar como é ser uma
espécie de Mary, sem no entanto, terem a oportunidade de saírem de seus quartos, uma vez que,
a limitação não é imposta ambientalmente.
De fato, a impossibilidade da visão de cores fica sendo não apenas uma possibilidade
conceitual, mas também uma realidade para as pessoas portadoras da acromatopsia, distúrbio que
34
se traduz pela ausência de percepção de cores. Tais pessoas enxergam o mundo em preto,
branco e tons em cinza. Tal ausência de cores produz uma grande diferença para os portadores
dessa deficiência, pois uma grande parcela das atividades humanas são processadas através da
discriminação das cores.
Acredita-se que os primitivos tenham vivido, se alimentando especialmente da coleta
de frutos. Atividade realizada especialmente por mulheres, ao longo da evolução. Alguns
autores (Hurlbert & Ling, 2007) apontam que mulheres têm maior capacidade de perceberem
cores em tons avermelhados, sendo uma das possíveis explicações para isso, tal habilidade ter
sido selecionada pela vantagem de se captar melhor a informação de qual fruto estaria maduro
ou não para a alimentação.
De qualquer forma, a percepção de cores parece ter sido muito útil para a
identificação de situações perigosas, como rastros de sangue, anomalias na alimentação, etc.
O que faz pensar que provavelmente, essa habilidade cumpriu um importante papel no
processo adaptativo.
No caso do acromaptoso, percebe-se quão importante é a visão de cores, pois não
obstante sua acuidade visual seja aguçada, existe muita dificuldade para distinguir a figura do
seu fundo, como nos mostra Sacks (1995) no caso do paciente que iniciou uma história de
acromatopsia após um acidente de carros. Esse senhor manifestava profunda dificuldade com sua
nova realidade por não conseguir enxergar as cores dos alimentos, de suas roupas, etc. Embora,
possamos pensar que seu sofrimento se deva ao fato de que ele enxergava cores anteriormente,
isso apenas corrobora a idéia de que enxergar cores faz diferença, pois antes do acidente, ele
claramente tinha maior capacidade de adaptação ao seu meio.
Nos casos de daltonismo mais graves, em que o indivíduo pode até enxergar cores que
não enxergamos com maior facilidade, em detrimento das outras que vemos, grande
dificuldade para lidar com o trânsito, por exemplo. limitações profissionais para os
daltônicos, como nas profissões de piloto de avião, eletricista, arqueólogo e tantas outras
carreiras. Tais restrições são um argumento a mais em favor da experiência qualitativa como um
elemento que não só existe, como faz diferença no mundo.
2.2. Os zombies e a consciência
Como vimos, Nagel e Jackson contribuíram bastante para a ênfase na consciência
fenomênica, assim como Chalmers é responsável pela inserção da discussão sobre a consciência
fenomênica na ordem do dia através de uma concepção dualista de propriedades. Chalmers
35
propõe uma teoria da mente que coloque a consciência como algo a mais, que acrescenta
novidade ao mundo, uma vez que o mundo físico seria possível na ausência da consciência.
A crítica de Chalmers (1996) se endereça ao materialismo e ao funcionalismo
reducionistas, que estão preocupados com os fundamentos físicos da consciência, mas não
dariam conta da consciência fenomênica, de primeira pessoa. Assim, ele se alicerça no
conceito de
superveniência
, que, como vimos anteriormente, estabelece “a relação entre dois
conjuntos de propriedades: o conjunto B intuitivamente, de propriedades de alto nível e
o conjunto A, que são as propriedades mais básicas(1996, pág. 33, trad. nossa)
7
. B seria
superveniente a A, se esta produz aquele. Assim, se as propriedades A variarem, as
propriedades B também variarão.
Como nos explica Teixeira (1997), a determinação de propriedades supervenientes pode
ser da ordem do lógico ou do natural. Na superveniência lógica, só poderíamos conceber A, com
a presença de B, isto é, a propriedade B seria uma conseqüência lógica de A. na
superveniência natural, a propriedade A poderia existir sem B, embora haja conexão natural ou
causal entre um e outro. A superveniência suposta por Chalmers seria, portanto, natural.
Chalmers (1996) tenta mostrar que se a consciência é um plus, algo para além do físico,
ela tem um estatuto ontológico próprio. A fim de ilustrar melhor seu argumento e torná-lo mais
consistente, ele utiliza o argumento dos “zombies”, que se refere a seres que teriam as mesmas
funções e comportamentos que nós, porém sem a consciência fenomênica.
Nigel (1996) explica o conceito de zombie da seguinte forma:
Eles têm a mesma capacidade de processamento de informações que os
humanos, e por causa disso, têm uma capacidade similar de formar
representações cognitivas e talvez mesmo de entrar nos estados
intencionais, mas eles não têm consciência porque eles não têm
sensações, ou qualia. Um zombie pode nos dizer que a rosa é vermelha, e
estremecer, retirando rapidamente sua o quando em contato com uma
fornalha quente, contudo, diferentemente de nós, ele nunca teria
experimentado a quintessência da vermelhidão, o “sentimento bruto” do
vermelho, o horror e a miséria da dor da queimadura.( tradução nossa
,1998, p. 171)
8
7
In general, supervenience is a relation between two sets of properties: B-properties—intuitively, the high-level
properties—and A-properties, which are the more basic low-level properties. (Chalmers, 1996, pág,33)
8
They have the same information processing capacities that we humans have, and, because of this, a similar capacity
to form cognitive representations and perhaps even to enter into intentional states, but they are not conscious because
they do not have sensations, or qualia as the jargon has it. A zombie can tell you that the rose before it is red, and it
will wince and hastily withdraw its hand if it touches a hot stove; however, unlike us, it never experiences the
quintessential redness, the 'raw feel' of red, or the awfulness and misery of burning pain.
36
Isso tornaria possível pensar, em termos lógicos, que o mundo físico prescinde da
consciência. A questão é que se aceitarmos a possibilidade da existência de um zombie, isso
significa que concebemos que propriedades físicas, funcionais, não implicariam em consciência,
ou seja, a consciência não seria logicamente superveniente em relação aos estados físicos, nem
mesmo em relação às funções computacionais estabelecidas por estruturas físicas. Ainda assim,
por leis próprias de nosso mundo, sendo a consciência um dado bruto dele, ela se faz presente, se
manifestando de modo inquestionável por quem a possui.
Tal tipificação é importante porque nos coloca diante da questão da consciência
qualitativa e seu papel: teria ela algum papel causal ou seria a consciência epifenomênica?
Flanagan e Polger (1995) discutem a ausência de uma teoria completa que conta de explicar o
porquê da consciência, enquanto estratégia evolutiva. Segundo eles, a consciência pode ser
entendida, no caso dos humanos, como um facilitador de aprendizagem, sendo ela a conferir
plasticidade à nossa espécie, porém, existem várias lacunas no entendimento teórico da
consciência, de tal forma que o argumento dos zombies poderia elucidar melhor, por exemplo, o
porquê de não sermos, enfim, zombies.
A idéia inicial é a de que se é possível concebermos ainda que conceitualmente a
existência de um ser que nada sente que não possui experiências subjetivas possuindo o
mesmo funcionamento cognitivo de alguém que possui tais experiências, isso descartaria a
necessidade metafísica ou lógica da consciência no âmbito de uma explicação objetiva do
comportamento.
Levando tal idéia mais longe, Moody (1994), cria a “Terra dos Zombies”, mundo similar
ao nosso em quase tudo, com réplicas físicas e funcionais nossas, cuja diferença consistiria na
ausência de experiências qualitativas.
Nesse lugar, nossos doppelganger” teriam uma linguagem bastante parecida com a
nossa, afinal, eles devem ser idênticos a nós. Para Moody, o problema tem início aí: não obstante,
boa parte de sua cultura e descobertas científicas possam ter similaridade com a nossa, seu
vocabulário seria consideravelmente diferente, pois não seria constituído por expressões
mentalistas, uma vez que eles seriam destituídos de vivências internas. Caso nos encontrássemos
com nossas plicas zombies, seria frustrante - segundo ele - explicar nossa experiência de sonho
e, dificilmente conseguiríamos explicar o conceito de espectro invertido para quem não tem
sensações de cores e outros tipos de sensações. Ao contrário do que Patrícia Churchland apregoa,
não seria então nosso vocabulário mentalista o responsável pela invenção de um “mundo
subjetivo”, mas sim, este mundo subjetivo o responsável por uma “linguagem mentalista”.
Utilizando o argumento do quarto chinês de Searle, Moody argumenta que mesmo
expressões equivalentes, como por exemplo, o entender, seriam alvo de diferenças entre os
37
zombies e nós. No argumento do quarto chinês, Searle demonstra que uma máquina, ainda que
possa produzir outputs - respostas corretas para questões apresentadas à ela - não teria a
compreensão das mesmas, pois lhe faltaria semântica, o significado de tais dados. Assim, entender
teria um conteúdo fenomenológico.
Com tal argumento, Moody conclui que haveria uma marca, uma diferença significativa e
intransponível entre nós e os zombies, o que solaparia o fisicalismo bem como o funcionalismo,
ao demonstrar que seres física e funcionalmente idênticos poderiam constituir uma diferença tão
marcante.
Segundo Chalmers,
Em nosso mundo, existem experiências conscientes. Existe um mundo lógica e
fisicamente possível idêntico ao nosso, no qual os fatos positivos sobre a
consciência em nosso mundo não “funcionam”. Dessa forma, fatos sobre a
consciência estão além dos fatos de nosso mundo, a mais e acima dos fatos
físicos. Então, o materialismo é falso. (trad. nossa, Chalmers, 1996, p. 123)
9
Chalmers (1993) coloca que uma forma para se fugir de tais contradições seria negar a
possibilidade conceitual dos zombies e isso pode ser feito se nos permitirmos pensar que a
organização funcional do sujeito é conceitualmente constituída por conteúdo qualitativo, porém
isso não ocorre com o exemplo de Chalmers, uma vez que ele não especifica qual seria a natureza
da diferença entre a ausência dos qualia e a presença dos mesmos.
Leal-Toledo (2005) trabalha justamente com o problema do paradoxo existente na tese de
Chalmers. Leal-Toledo sublinha o equívoco que há no argumento do zombie como alicerce para o
dualismo, pois para ele, este argumento, na verdade, acaba por aniquilar o dualismo. A questão,
segundo ele, é que a consciência não seria superveniente logicamente ao domínio físico (afinal, os
zombies teriam a mesma constituição física nossa, sem que isso implique em qualia), o que
conduz a um domínio físico causalmente fechado. Ocorre que, mesmo não tendo implicação
causal, a consciência – como vimos - se faria óbvia aos que a possuem, isto é, ela influenciaria o
julgamento (que, segundo o próprio Chalmers, seria logicamente superveniente ao físico). O
paradoxo se encontra na idéia de que, ainda assim, nós sabemos que somos conscientes, graças à
nossa própria consciência. Para simplificar, a questão é: como pode a consciência influenciar em
nosso julgamento sobre si mesma, se ela não está no domínio causal?
O autor segue explicando que Chalmers antevendo tal paradoxo, afirma que teremos
que conviver com o mesmo, uma vez que a consciência é um fato dado, bruto, cuja existência se
9
In our world, there are conscious experiences.There is a logically possible world physically identical to ours, in
which the positive facts about consciousness in our world do not hold.Therefore, facts about consciousness are further
facts about our world, over and above the physical facts. So materialism is false.
38
faz saber pelo seu possuidor. Tal resolução, para Leal-Toledo, o explica, de fato, a
incongruência, sendo que a idéia de que os qualia não poderiam causar nenhuma diferença em
nosso julgamento resulta em dizer que nós não seriamos em nada diferentes dos zombies, o que
acabaria por dar um “tiro no pé” do dualismo.
Nigel (1996) também critica a teoria dos zombies, ao demonstrar como um suposto
zombie-réplica pode vir a se distinguir do seu “original”, se ele se auto-denominar consciente, por
exemplo. Tal declaração, traria diferenças na dinâmica cerebral, pois ele estaria mentindo e isto,
por si, o distinguiria de sua réplica consciente. Assim, não poderia haver uma equivalência
funcional, estrutural ou dinâmica entre nós e os zombies.
Supondo que o zombie-réplica se declare consciente, acreditando nisso, a contradição se
derivaria de sua crença falsa, aliás, da noção de formação de crenças em um zombie. Tal
formação adviria de um exercício de inferência, pautado na observação do outro e de algo
correlacionado à consciência de mundo. Para o funcionalismo, o conhecimento é algo direto, não
inferencial. Aqui, é relevante notar que haveria comunicação entre os zombies afinal, eles são
idênticos a nós e comunicação pressupõe a decodificação, a significação das palavras e
intencionalidade, pois falamos e pensamos sobre coisas, coisas que têm sentido para nós.
Parece bastante estranho pensarmos em zombies com formação de crenças o que seria,
segundo o uso do argumento do quarto chinês, por Moody – uma impossibilidade para os
zombies.
Nigel conclui em seu artigo que a consciência será melhor compreendida quando nos
concentrarmos na noção de intencionalidade e, como um zombie poderia tê-la?
O próprio Chalmers (1993) questiona o porquê de termos consciência fenomênica se,
aparentemente, podemos executar as mesmas funções, na sua ausência considerando como
possível o caso dos
zombies
. Estes seriam seres idênticos a nós, em sua estrutura e função,
porém, destituídos da consciência fenomênica. Os
zombies
poderiam hipoteticamente - se
comportar exatamente como nós. Diante disso, pergunta-se: se a consciência fenomênica, de
fato, existe, qual seria seu papel no mundo?
Enfim, não há como se pensar em como é ser um ‘zombie’, dada a impossibilidade teórica
do mesmo, atravessado por contradições filosóficas e sua inadequação para elucidar pontos de
nossas lacunas na teoria da consciência. Ao contrário do esperado, parece que uma ontologia
pautada na ausência da consciência (qualitativa) não consegue nos ajudar a entender as razões de
sua existência.
De qualquer forma, dado o fato de que o epifenomenalismo está sendo enfocado na tese
dos zombies, gostaríamos de contemplá-lo um pouco mais em suas diversas nuances, que é o que
faremos no próximo item.
39
2.3 Sobre o Epifenomenalismo
Como vimos, dentre aquelas que defendem a existência da consciência, encontramos duas
grandes correntes na filosofia da mente atual: de um lado, os epifenomenalistas, que negam
qualquer papel causal (e, portanto, qualquer função biológica adaptativa) para a consciência; de
outro lado, encontramos aqueles filósofos que atribuem um papel causal para o processo
consciente, e, portanto, estariam mais inclinados a inserir este processo no âmbito dos processos
evolutivos que caracterizam o ser vivo (e o universo físico em geral), atribuindo à consciência um
papel adaptativo.
Para o epifenomenalismo, os processos mentais se situam fora do sistema fechado de
relações causais do mundo físico que constituem o mundo objetivo, e, portanto, não podem
exercer um papel relevante para a adaptação dos sistemas cognitivos em seus ambientes. A
consciência fenomênica - aquela que se manifesta na perspectiva da primeira pessoa e se
caracteriza pela presença dos qualia - seria, para os epifenomenalistas, análoga ao apito na
locomotiva, isto é, algo que é real, mas não influencia na operação física do sistema. Nos seres
vivos, os processos cerebrais poderiam causar a consciência, mas aqui trata-se de uma via deo
única, pois a consciência não poderia afetar causalmente os processos cerebrais. Pensar que é
porque eu sinto meu braço queimando que retiro o meu braço da proximidade do fogo seria, para
eles, uma falácia do tipo ‘post hoc, ergo propter hoc’; isto é, inferir que algo é causa de um evento
simplesmente porque ocorreu antes deste.
Uma das conseqüências do epifenomenalismo é a crença de que nossas vivências
subjetivas não teriam nenhuma implicação física. Assim, seríamos completamente impotentes no
mundo material, sendo esta materialidade que nos determinaria. Quando postulam que apenas
entidades materiais podem causar eventos, os epifenomenalistas manifestam uma concepção
ontológica materialista. Tal idéia implica em uma consciência “fechada”, que não poderia trazer
nenhuma mudança no mundo, tampouco em si própria. Todos os nossos valores seriam explicados
biologicamente, sendo puramente uma manifestação de processos neurológicos.
Teixeira (1994) aponta um dos problemas de tal proposição, ao lembrar que mesmo que
nós possamos identificar que uma pessoa está sonhando através de um aparelho de
eletroencefalografia – não podemos saber qual o conteúdo do sonho. O que nos remete novamente
à questão de que algo da ordem do subjetivo fica de fora da objetividade da descrição científica,
ao menos, nos moldes das ciências atuais.
Por conta de tal postulação (de que o mental o pode ter influência sobre o mundo
físico), poderia o epifenomenalismo ser classificado dentro do fisicalismo? Nas palavras de Kim,
o fisicalismo pode ser descrito como sendo
40
a doutrina de que tudo o que existe no mundo espácio-temporal é
físico, e que cada propriedade de algo físico ou é uma propriedade
física ou uma propriedade intimamente relacionada de algum modo
com a sua natureza física. (Kim, 2006, online)
Admitindo a existência da consciência, mas negando qualquer outro papel que não de um
sub-produto para a mesma, Jackson (1982) se mostra um porta-voz de tal teoria.
Segundo o argumento de Kim, discutido por Marras (2007), o fisicalismo do qual o
epifenomenalismo se derivaria seria o não-reducionista, pois este aceita propriedades de nível
superior, como elementos irredutíveis, sendo seus maiores exemplos, as propriedades
psicológicas. Por conta disso, exclui-se o materialismo, pois os não-reducionistas admitem
propriedades de nível superior (propriedades mentais) que não se reduzem às propriedades de
nível inferior (propriedades da matéria), considerando-se que todas estas propriedades sejam
físicas. Haveria, portanto, para os últimos, uma duplicidade de níveis organizacionais no mundo
físico, sendo que a consciência aqui seria considerada como uma realidade física imaterial.
Na interpretação de Kim do fisicalismo não-reducionista, a consciência não teria poderes
causais sobre o mundo material, o que incorreria no epifenomenalismo. Contudo, tal tese tem sido
contestada, por exemplo, por Marras (2007), mostrando que o fisicalismo não-reducionista é
capaz de dar conta do poder causal da consciência, e que, na verdade, seria o fisicalismo
reducionista que implicaria no epifenomenalismo, uma vez que, para este último, o suposto poder
da consciência não derivaria da própria consciência, mas de suas causas materiais subjacentes.
Uma explicação do poder causal da consciência, pelo fisicalismo não-reducionista
contemporâneo, se baseia no desenvolvimento das categorias explicativas da própria física, que
inclui entidades imateriais como padrões de energia, informação, espaço absoluto e micro-cordas
que vibram em diferentes freqüências. Neste contexto, a ação da consciência sobre o mundo
material pode ser comparada, por exemplo, com a ação organizadora dos padrões de informação
encarnados no DNA sobre os processos estruturantes do fenótipo do sistema vivo.
Uma flexibilização possível do fisicalismo de Kim é aparente em seu texto Fisicalismo”
(2006). Para ele, o fisicalismo aceitaria as propriedades físicas, o que está submetido às leis da
física; no entanto, quando se analisa o assunto mais detidamente, pode-se ver o quanto a física é
mutável e neste terreno tão movediço, o que hoje é considerado não-propriedade física, amanhã
pode ser considerado, com tranqüilidade, propriedade submetida às leis de tal ciência.
A maior implicação do epifenomenalismo é a idéia de que nosso mundo subjetivo, idéias,
pensamentos, sensações, emoções e sentimentos não teriam qualquer papel causal em nossas
ações e comportamentos externos. Como Rivas e van Dogen (2003) explicitam, o
epifenomenalismo promove uma espécie de “consciência encerrada”, impotente frente à realidade
41
física e a si mesma. Ainda segundo o raciocínio destes autores, tal metafísica associada envolve a
idéia de que nossos valores são “epifenômenos de processos neurológicos”.
A própria admissão da existência de uma consciência encerrada em si própria, que não
entra no circuito causal, é uma contradição. Isso porque, para se admitir que a consciência é um
fato do mundo - ainda que impotente causalmente - é necessário se conhecê-la, a forma de
conhecê-la seria, por ora, através da auto-consciência, portanto, ela faria diferença no mundo
acrescentando, no mínimo conhecimento de si. O mesmo argumento continua valendo, se entendo
que conheço a consciência por sua manifestação através de uma outra pessoa.
Uma outra questão que o epifenomenalismo parece não explicar é por que pessoas cuja
percepção, sensações e emoções, estão prejudicadas ou ausentes se comportam de forma diferente
das pessoas que não sofreriam tal ausência ou prejuízo.
Utilizamos no decorrer deste trabalho, o argumento de que a natureza não preservaria um
sistema tão complexo, se este não fosse vantajoso em termos de adaptação. A resposta dos
epifenomenalistas seria de que, nem tudo o que existe no organismo é funcional. Um exemplo
seria a pele do urso polar, que é quente e pesada. Ser quente é funcional, pois ajudaria o animal a
suportar o clima frio de seu habitat, no entanto, o peso da pele não traz vantagem alguma: é um
epifenômeno.
A resposta que um causalista pode dar é que ser pesado é um atributo, não um sistema
complexo. Além disso, o peso da pele pode ser considerado um atributo que traz diferença para o
organismo, mesmo que consideremos apenas o aspecto de ser pesada para o corpo. Assim, de
alguma forma, o peso influenciaria no funcionamento total do organismo.
A discussão entre epifenomenalistas e causalistas está estreitamente relacionada com o
chamado “Problema Difícil” (
Hard Problem
) da consciência. Para Chalmers (1995), o
problema central no estudo da consciência seria o de explicar, utilizando-se os padrões usuais
da explicação científica,
a razão da existência
da consciência fenomênica. O caminho para tal
entendimento da consciência fenomênica seria espinhoso para o método científico ou, para
utilizar uma expressão do próprio Chalmers, a experiência fenomênica seria o
problema difícil
com o qual se defrontam a ciência e a filosofia contemporâneas. A grande dificuldade para o
entendimento da consciência fenomênica reside na metodologia, uma vez que, somente o
possuidor da experiência teria acesso a ela, contrariando os padrões de uma metodologia que
visa a objetividade e a observação em terceira pessoa, que é a metodologia comumente
empregada na ciência.
Entendemos, como Chalmers, que os qualia são o problema difícil da consciência, por
apresentar barreiras metodológicas em sua pesquisa, no entanto, discordamos de seu dualismo de
propriedades, que promove uma separação entre o mundo subjetivo dos ‘qualia’ e o mundo
42
objetivo da natureza, no qual ocorre a evolução biológica e demais processos estudados pelas
ciências. Entendemos que a qualidade subjetiva da consciência existe, e que poderia ser melhor
compreendida e definida a partir de uma compreensão de seu papel na natureza. Portanto,
procuramos evitar o dualismo de propriedades, entendendo que mesmo que o universo dos
‘qualia’ seja distinto do mundo da natureza (isto é, recusamos a teoria da identidade), isto não
implica que este universo seja separado ou não mantenha estreitas relações com a natureza.
Para além disso, chama-nos a atenção aqui o fato de a impotência causal da consciência
gerar uma lacuna nas teorias da mente, pois seria estranho admitir que a natureza selecionou uma
característica sem proveito para a sobrevivência (Morsella, 2005). Além de deixarem uma
sensação de estranheza, as teorias que supõem os qualia como epifenomênicos carregam grande
dose de incongruência, como vimos anteriormente.
Partindo de tais indagações vigentes na filosofia da mente contemporânea, pretendemos,
neste trabalho, discutir se a consciência fenomênica exerce alguma função comportamental e/ou
adaptativa, ou seja, se participa das redes causais físicas, biológicas e psicológicas, contribuindo
para a sobrevivência e sucesso adaptativo dos seres conscientes. Nosso objetivo é defender a idéia
de que a consciência fenomênica existe, é física (embora não redutível a propriedades da matéria)
e traz vantagens adaptativas no mundo material. Tal conclusão não é óbvia e encontra uma série
de adversários.
No terceiro capítulo apresentaremos hipóteses a respeito da relação entre propriedades
fenomênicas da consciência e a interação com o ambiente físico-biológico-sócio-cultural, ou seja,
nos ateremos aos argumentos que trabalham com a idéia de função causal da consciência no
mundo.
43
Capítulo 3. CONSCIÊNCIA: O QUE É, E PARA QUÊ?
Onde no mundo se há de notar um sujeito metafísico? Você diz que tudo se passa aqui como no caso do olho e do campo visual. Mas o olho
você realmente não vê. E nada no campo visual permite concluir que é visto a partir de um olho". (Wittgenstein, 5.633)
Até aqui, vimos a polêmica existente no que diz respeito à consciência fenomênica.
Gostaríamos agora de enfocar o conceito de consciência de forma mais abrangente, analisando
brevemente três dos modelos teóricos de consciência mais discutidos em filosofia da mente.
Como vimos anteriormente, Dennett é representante da vertente que nega a
consciência fenomênica. A idéia básica é de que não uma consciência com propriedades
intrínsecas, com intencionalidade em si mesma. A consciência seria uma seqüência de inputs
e outputs, circulando informações. Seu método de estudá-la passa pela heterofenomenologia,
isto é, pela perspectiva da terceira pessoa.
Para Dennett, a consciência não está em parte alguma do cérebro e sua preocupação
em ressaltar isso é uma forma de evitar o que ele chama de “teatro cartesiano”, isto é, um
palco onde se passariam todas as sensações, impressões, etc com um homúnculo
selecionando-os, conforme suas necessidades.
Seu modelo é o da realizabiblidade múltipla, isto é, a mesma função pode estar sendo
processada em várias partes do cérebro, ao mesmo tempo, sendo possível que os processos
paralelos travem “disputas”. O fato de que o processo narrativo das informações, dos dados
sensoriais, ocorra em rios lugares, ao mesmo tempo, mas em fases distintas de edição, fez
com que Dennett chamasse nosso cérebro de “máquina joyceana”, evocando a forma
“estilhaçada” com que James Joyce escreve (mais ou menos como nosso cérebro processa as
informações).
Chalmers seria representante de um outro viés, qual seja, o que admite a existência da
consciência fenomênica, porém, nega que a mesma produza diferença em termos causais. Para
ele, a definição de consciência se constitui de seu aspecto qualitativo, sendo esta um fato do
mundo, um dado primitivo: ela existe e quem a possui sabe disso. Sua postulação é dualista, à
medida em que credita à consciência propriedades que o podem ser descritas ou explicadas
fisicamente, seja pelo processamento neurofisiológico do cérebro ou pelo corpo em suas relações
com o ambiente.
Como lembra Giro (2001), a crítica de Chalmers ao modelo da múltipla realizabilidade é
que esta explicaria a “reportabilidade” e não a consciência, isto é, ele explica como se o
processo narrativo, mas não explica o narrador.
44
Com a postulação do duplo aspecto da informação, Chalmers (1995) defende que a
informação tanto tem um aspecto físico e objetivo, como um aspecto subjetivo, possibilitando
assim que a partir desta noção se encontre um caminho para se resolver o “Problema Difícil”.
Contudo, devido a seu dualismo de propriedades, ele acaba por assumir uma teoria
epifenomenalista a respeito do papel da consciência no mundo físico.
Uma posição que tanto defende a existência da experiência, como lhe atribui função
adaptativa, é a de Humphrey (1994). Para ele, a consciência emergiria como produto da ação de
partes do cérebro, que agiriam de forma ajustada.
Além disso, ela seria fruto da evolução, inicialmente com o objetivo de através das
sensações afastar o organismo do que lhe era prejudicial e aproximá-lo do que lhe trouxesse
benefícios. No decorrer do processo evolutivo, a consciência teria tido suas funções
complexificadas e atualmente sua vantagem maior seria a percepção do que se passa com o outro
e, a partir daí, a possibilidade de se calcular a melhor resposta a se dar em contextos sociais.
Assim como Searle, Humphrey tem um conceito de consciência como qualitativa, fenomênica.
Esta última vertente, exemplificada com Humphrey, ilustra a posição que defendemos
neste trabalho.
3.1 O caminho da ciência e os caminhos da filosofia
Alguns cientistas procuram um refinamento maior do conceito de consciência, através do
trabalho empírico. Assim, experimentos científicos e alguns estudos de casos de lesões em áreas
específicas deram margem a propostas de um “fatiamento” conceitual da consciência,
subdividindo-a em tipos específicos, conforme suas várias funções.
Algumas observações de casos avalizaram a divisão na definição de consciência,
tornando-a várias. Por exemplo, a síndrome de Anton – decorrente de uma lesão das áreas visuais
occipitais – caracteriza-se por um quadro no qual o paciente está clinicamente cego, sem, contudo,
reportar a cegueira e sendo capaz, inclusive, de reagir e pegar um objeto, caso ele seja jogado em
sua direção, fenômeno conhecido como “blindsight” (Weiskrantz,1986)
Gazzaniga (1967) desenvolveu um longo trabalho com pacientes que têm uma espécie de
cegueira semelhante à descrita acima: as mesmas luzes que podiam ser enxergadas pelos pacientes
quando apresentadas ao hemisfério esquerdo, não o eram quando apresentadas ao hemisfério
direito. Tal fenômeno advinha de um procedimento médico então adotado, de se fazer uma secção
do corpo caloso de pacientes, por conta de um tipo de epilepsia multifocal e intratável. O objetivo
da cirurgia, chamada comissurotomia ou bissecção cerebral, era reduzir o número de surtos
45
epilépticos, limitando-a ao hemisfério de seu foco, através da desconexão dos dois hemisférios.
No entanto, a despeito da incapacidade de se relatar a percepção do hemisfério direito, eles eram
capazes de atender às instruções dos investigadores, apontando diretamente para a luz
apresentada, o que pode ser tomado como indicativo de que a informação foi processada.
A divisão de tarefas em nosso cérebro cada hemisfério com funções específicas, com
“personalidades diferentes” leva Gazzaniga (2000) a considerar a possibilidade de múltiplas
consciências em um cérebro, ressaltando que teríamos a impressão de uma consciência
unificada por conta de processos inconscientes deste mesmo cérebro. Tal processo de integração
daria suporte à nossa crença na unicidade da consciência, permitindo a construção de teorias
sobre a relação entre os eventos percebidos, as ações e sentimentos.” ( 2000, p. 1293)
Tais estudos conduziram à elaboração de uma concepção de consciência dividida,
para a qual seria possível a ocorrência de awareness (processamento de informação
sensorial) sem a consciência fenomênica. Seria um exemplo dessa situação, o acesso a um
estímulo visual, guiando um ato motor, sem que exista a percepção consciente deste
estímulo.
Na filosofia, alguns autores acabaram por ratificar a divisão conceitual da
consciência. Dretske (1997) introduziu em sua teoria o conceito de “metaconsciência”, que
designa a consciência de que se tem consciência. Sem tal capacidade diz-nos ele a
consciência fenomênica perderia o sentido.
Ned Block (1995), também empresta ênfase à metaconsciência, colocando que o motivo
pelo qual existem tantas controvérsias em torno dos ‘qualia’ é o desentendimento quanto à sua
definição técnica, mais precisamente quanto aos parâmetros que os definem. Para ele, atribui-se
à consciência fenomênica propriedades que são da “consciência de acesso”.
É importante que entendamos, de forma mais precisa, o conceito de consciência
fenomênica e consciência de acesso para Block: consciência fenomênica seria um estado
experencial, no qual se manifestam propriedades da experiência. Temos consciência fenomênica
quando vemos, ouvimos, cheiramos, saboreamos ou sofremos com dores. A consciência
fenomênica ainda incluiria propriedades de sensações, sentimentos e percepções, pensamentos,
desejos e emoções.
Quanto à consciência de acesso, é definida por Block (2004) como sendo o processamento
das coisas que vivenciamos durante a experiência, ou seja, o conteúdo, ou a informação. Para este
autor, a consciência fenomênica se referiria à experiência qualitativa, enquanto que a consciência
de acesso se refere ao acesso à experiência, possibilitando o controle sobre a ação. Consciência
fenomênica é o estado de estar ciente, em vigília. a consciência de acesso se refere a estar
ciente de algo, tal como quando dizemos "estou ciente deste ruído”.
46
Essa distinção é fundamental para entender o referido autor. Ela nos permite pensar a
possibilidade de existência de um tipo de consciência sem a outra e, mesmo, a interação entre uma
e outra. Block (2004) exemplifica tal situação da seguinte forma: imagine que o leitor esteja
conversando com alguém e, de repente, ao meio-dia, se conta de que fora, para além de sua
janela, uma broca está em ação. A referida broca está sendo utilizada há algumas horas, mas só ao
meio-dia, o leitor se dá conta do ruído provocado pela broca. É nesse momento que consciência de
acesso e consciência fenomênica se encontram. Até meio-dia, a consciência fenomênica estava
em atividade. Para ilustrar esta interação, ele vai exemplificando com casos nos quais a
consciência de acesso configura a consciência fenomênica. Assim, ele argumenta que é muito
diferente ouvir frases em francês antes e depois de aprendermos tal língua. Contrapondo o
clássico exemplo do morcego, ele diz que o problema não é a consciência fenomênica do morcego
que não temos, mas a consciência de acesso – não teríamos a perspectiva de significados dele.
Seria possível também a ocorrência da consciência fenomênica sem seu acesso, como no
exemplo da não-percepção da presença da geladeira, devido à habituação para com o seu ruído de
funcionamento, o que deixa de ocorrer quando ela se desliga de súbito (isto é, neste momento se
tem o acesso a tal percepção).
Assim, a diferença básica entre consciência fenomênica e consciência de acesso, para
Block, é que aquela trata de um conteúdo qualitativo e esta trata de um conteúdo
representacional. Embora admita que alguns conteúdos fenomênicos possam ser também
representacionais, ele diz que nem todos são assim e cita, como exemplo, o orgasmo, cujo
conteúdo fenomênico não seria representacional.
Block ainda tem cuidado para assegurar que a consciência fenomênica não seja
confundida com a auto-consciência e a consciência monitorada. Ele prossegue fazendo uma
relação entre consciência fenomênica e auto-consciência. Para ele, embora haja um tanto de
auto-consciência na experiência fenomênica, estas não podem ser confundidas. É nessa
diferenciação entre consciência fenomênica e consciência de acesso que Block se distingue em
sua interpretação do fenômeno blindsightPara ele, não se trata de dizer que a consciência se
mostra ausente e, portanto, não necessária. Trata-se de especificar de qual consciência está se
falando.
Ele também questiona o raciocínio que conclui que se a consciência está faltando, (em
um sentido ou outro) e, simultaneamente, também faltam a criatividade ou ação voluntária, então
a função da consciência seria promover tais habilidades nas pessoas normais. Novamente, a
questão é que aqui ele não se refere ao caráter qualitativo da experiência.
Quanto à consciência fenomênica, Block (2004) esclarece-nos que sua principal função
seria promover o acesso ao mecanismo de memória de curto prazo, a categorização perceptual,
47
raciocínio e tomada de decisão. A questão é que se os qualia fossem os sinalizadores dos
processos inteligentes; sua ação ocorreria em conjunto com o mecanismo pré-consciente e o
mecanismo pós-consciente. Esses três aspectos em conjunto produziriam o processo inteligente,
sendo função do caráter qualitativo tornar acessíveis as representações para os mecanismos
inteligentes, mas ressalta ele “dar ao caráter qualitativo todo o crédito pela criatividade,
flexibilidade, etc é como atribuir à impressora o crédito pelas idéias impressas.” (2004, p. 7).
Assim, para Block (1995), é falaciosa a idéia de que a experiência fenomênica tem a função de
guiar ações, pois confunde funções da consciência fenomênica com as funções da consciência de
acesso.
Para Rosenthal (2002) tal posição é insustentável por sua ambigüidade. Para ele, Block
fez a distinção entre os tipos de consciência de uma forma confusa, porque propõe dois tipos de
estados qualitativos: o de que se tem e o de que não se tem acesso. Para solucionar o que ele
chama de disparate” na teoria de Block, Rosenthal propõe a hipótese do Pensamento de Ordem
Superior (HOT: Higher Order Thought), que prescreve uma forma de se ter consciência das
coisas que não passa pelas sensações e percepções, mas sim pelo cognitivo, isto é, pelos
pensamentos.
A teoria HOT privilegia, no estudo da consciência, seu aspecto abstrato, reflexivo, em
detrimento das emoções. A idéia é que haveria uma maior margem de controle sobre nossas
ações, que se torna possível exatamente pela presença das representações (pensamentos de
ordem superior).
Bringsjord e Noel (2000) criticam a divisão da consciência, argumentando que esta
poderia ser uma tentativa de diluir a consciência fenomênica. Rossano (2002) faz algumas
considerações sobre a consciência de acesso, na acepção dada por Block, mas também
questiona tal divisão, argumentando que a consciência fenomênica e a consciência de acesso
não ocorrem separadamente, elas atuam sempre em conjunto. Assim, quando alguém foca
sua atenção em um estímulo, a representação interna do mesmo está acessível para uma
variedade de estados
mentais. A consciência fenomênica pode ocorrer sem a consciência de
acesso, mas esta sem aquela parece ser rara, podendo ser apenas conceitualmente possível,
como no caso dos zombies ou robôs, segundo Rossano (2002).
De qualquer forma, parece que uma divisão no conceito de consciência produz uma
redução conceitual da complexidade deste fenômeno, sendo tal redução passível de
questionamento, à medida que parece desconsiderar o fenômeno consciência em sua totalidade.
Ainda que consideremos que a metaconsciência (ou a consciência de acesso) seja de capital
importância para o sujeito, ao pensar que ela poderia ser um fenômeno diferente de consciência
fenomênica, não podemos nos esquecer que ambos os fenômenos estão interligados. Afinal,
48
como a metaconsciência poderia ocorrer sem a consciência fenomênica? O mesmo raciocínio
valeria para a consciência fenomênica sem a consciência de acesso.
Searle (1998) simplifica o conceito de consciência, a partir de sua comparação com
um interruptor. Assim, se estamos dormindo ou em coma estamos inconscientes; do
contrário, estamos conscientes. Então ele aprimora sua definição, lembrando-nos que a
consciência tem estados de intensidade, diz respeito a uma sensibilidade ao meio e é um
fenômeno qualitativo de primeira pessoa.
Damásio (2000) propõe uma consciência de base biológica, formada por sentimentos e
emoções correspondentes a estados corpóreos, cuja base seria, portanto, biológica. Uma
concepção semelhante foi proposta por Pereira Jr. (2006), que refere-se à consciência como
sendo “experiência subjetiva com conteúdo”. O autor divide o conteúdo em prototípico e
episódico. Segundo ele:
Os conteúdos prototípicos são compostos pelos elementos básicos (building
blocks) da vida consciente, a saber: sensações como as de fome, sede, saciação,
frio, calor, dor, prazer, raiva, medo, etc.; e elementos sensoriais como cor,
forma, direção de movimento (visão), altura, volume e timbre (audição), doce,
salgado, amargo e azedo (paladar), etc.; Já os episódios conscientes dizem
respeito a uma composição de diversos protótipos, formando uma experiência
integral, localizada em um contexto espacial e temporal; por exemplo, sentir o
calor do sol, perceber a cor do mar, e saborear a água de côco. (2006, p.12).
Assim, segundo Pereira Jr., os conteúdos da consciência – incluindo os pensamentos
abstratos são formados por uma composição de protótipos, cada qual constituído a partir de
operações sensório-motoras. Os conteúdos prototípicos tomados em si mesmos são meras
potencialidades, isto é, possíveis componentes de episódios conscientes. Em condições
consideradas normais, os conteúdos atuais da consciência fenomênica de uma pessoa são
constituídos por episódios integrados.
Escolhemos essa definição porque parece abranger tanto a questão das sensações,
sentimentos, emoções, como do pensamento. Além disso, o autor se preocupou com a questão
metodológica da consciência, abordando-a como incorporada e - em princípio - tratável do ponto
de vista da terceira pessoa, sendo, portanto, perfeitamente “investigável” pela ciência.
49
3.2 Consciência para quê?
Acerca da participação da consciência no controle de nossas ações, Libet (1985) traz a
participação dos processos inconscientes ou pré-conscientes quando conclui que nossas
decisões são tomadas, de forma inconsciente, até meio segundo antes de se tornarem
conscientes.
Em um experimento, seis voluntários foram instruídos a prestarem atenção à trajetória
de um pontinho pela tela e, sempre que sentissem vontade de moverem um dedo, deveriam
anotar a posição em que estava o pontinho. Os voluntários estavam conectados a um aparelho
de eletroencefalograma, que registrava a atividade elétrica na região que comanda os
movimentos musculares. Assim, através da posição em que se encontrava o ponto, era
possível se estimar o tempo ocorrido entre a vontade e o movimento.
Ocorre que se descobriu que a vontade precedia a ação, no tempo de dois décimos de
segundos, mas o mais intrigante é que antes da tomada de decisão a área de planejamento motor
do cérebro foi ativada três décimos de segundos antes da “vontade” de mexer o dedo. Assim,
antes de se ter consciência da decisão, ela já foi tomada em nosso cérebro.
Libet (2001) interpreta isso como sendo indicativo de que, embora a consciência não seja
a iniciadora das ações, ela permite que se selecione e escolha as mesmas.
Timo-Iaria (1998), por sua vez, entende a consciência como um estágio posterior ao
inicio da volição, mas indutor de um comportamento específico. Para ele, consciência seria o
produto de um processo de identificação de informações no sistema nervoso. Seu papel seria
decisivo para a programação e execução de um comportamento, incluindo a decisão pelo
mesmo, aspecto em que se diferencia de Libet.
Bringsjord e Noel (2000) mostram uma inquietação no sentido de entender qual a
necessidade evolutiva da consciência, especialmente a fenomênica, que eles entendem ter
uma razão especifica. Eles argumentam que se houve uma “preocupação” da evolução em
nos presentear com a consciência, deve haver algum motivo. A resposta é que a consciência
fenomênica tem a função de propiciar a cognição criativa. Citam então que nossos
comportamentos automáticos acontecem sempre em momentos muito rotineiros e, que em
momentos em que se precisa de um pensamento de alta ordem, é necessária a criatividade
instanciada, segundo eles, pela consciência fenomênica. Um exemplo dado por eles é o de
dirigirmos por quilômetros de forma automática enquanto devaneamos sobre uma questão
teórica, por exemplo. Nesse momento, poderemos percorrer bons quilômetros sem ao menos
nos darmos conta disso. Com isso, eles vão nos mostrando que a consciência fenomênica
50
está vinculada ao processo criativo, a situações que exigem comportamentos diferenciados e
não rotineiros. Como eles dizem: a função da consciência fenomênica é habilitar a
cognição criativa.” (2000, p. 13)
Bringsjord e Noel escrevem sobre a experiência com BRUTUS, o computador que escreve
contos. Não obstante, o computador “conseguisse escrever” tais contos, os autores fazem a
ressalva de que quem selecionava as frases a serem escritas eram os programadores, de forma que
BRUTUS não saberia dizer que o que poderia ser interessante para uma boa história ou não, por
lhe faltar justamente a consciência fenomênica. Podemos, aqui, utilizar o conceito de “critério de
relevância”. Tal conceito implica na capacidade de se identificar no contexto aquilo que realmente
é importante no momento. Para Bringsjord e Noel, o critério de relevância parece atrelado à
consciência fenomênica.
Humphrey (1994) segue um raciocínio similar ao desses autores, quando persegue
uma função evolutiva para a consciência fenomênica. Ele aceita, segundo diz, que o cérebro
possa
realizar atividades sem consciência, no entanto, não admite a possibilidade de uma
consciência epifenomênica. Através da teoria darwinista, com uma perspectiva adaptacionista,
ele enfatiza a capacidade de adaptação das espécies para se adequarem ao sistema. Assim, ele
chama a atenção para o fato de que, se há consciência fenomênica, provavelmente, ela cumpre
algum papel adaptativo.
Dentro dessa perspectiva, Humphrey (2004) questiona a ênfase dada ao pensamento nas
teorias da consciência, especialmente naquelas embasadas no paradigma dos processos de alta
ordem, isto é, teorias que condicionam o uso da experiência aos pensamentos, crenças, etc. Na
realidade, segundo ele, o principal motivo para a existência da consciência está nas sensações
corporais. Para ele, uma teoria completa da consciência teria que dar conta de explicar tais
sensações, sem tê-las, no entanto, como um a priori, ou seja, ela deveria dar conta de explicar as
sensações de forma tão objetiva, que até mesmo um ser – no caso um marciano sem tais sensações
– pudesse entender do que se trata.
O problema, diriam os autores adeptos da consciência dividida, é que a experiência não é
válida se não for acessível ao seu portador. Quanto a isso, Dretske (1997) entende que a
informação é o mais importante: de nada adiantaria, por exemplo, uma gazela ver e ouvir seu
predador se ela não tivesse a informação de que ele é um perigo para sua vida.
Para alguns teóricos, tal argumentação de forma alguma invalidaria a relevância da
consciência fenomênica, isto porque, segundo eles, a experiência fenomênica conteria a própria
informação. Assim, Humphrey (1994) coloca que é um absurdo dizer que a consciência não tem
conteúdo informacional. Se alguém se diz com alguma dor, certamente, seu interlocutor saberá
mais sobre essa pessoa, assim como a própria pessoa saberá mais sobre si, ilustra ele.
51
A complexidade da consciência também pode dar suporte à argumentação contra o
epifenomenalismo. Nichols e Grantham (2000) raciocinam que a seleção natural não possibilitaria
a formação e a manutenção de um aparelho tão complexo como a consciência, caso esta não
tivesse um papel causal. Assim, a questão que se coloca é que a complexidade atestaria o papel
causal e adaptativo da consciência fenomênica.
Uma das possíveis funções para a existência deste aparelho tão complexo que é a
consciência seria a aquisição de habilidades. Rossano (2002), estabelece uma conexão entre
sistema motor e consciência, demonstrando que, para se obter uma habilidade, o organismo
precisa se engajar em alguma prática deliberada que, por sua vez, requer consciência, pois é esta
que proporcionará as representações mentais acessíveis que ocorrem quando a atenção focada está
concentrada em um estímulo ou em um evento. A consciência seria importante por proporcionar
o aumento dos poderes discriminativos e flexibilidade para “afiar” as respostas comportamentais.
A idéia de consciência como fruto do processo co-evolutivo já aparecia em 1896, na teoria
de Baldwin, que apresentaremos a seguir.
3.3 Co-evolução e Consciência
“O mundo muda/ a gente muda/o mundo muda/a gente muda/o mundo muda” André Abujamra
Em discussões atuais sobre a consciência, seu caráter funcional (no sentido de
“computacional”) e/ou seu caráter biológico são objetos de polêmica. Por exemplo, Chalmers
(1996) discute o principio da invariância organizacional que postula que dois sistemas idênticos
em termos funcionais, terão o mesmo tipo de experiência consciente, independentemente do
material de que são constituídos. Tal princípio abre possibilidade para máquinas terem
consciência. Esta possibilidade é desqualificada por Searle (1998), que entende que a consciência
pode surgir em sistemas que tenham os mesmos poderes causais do cérebro (ou como ele
designa: waterware), e portanto a consciência surgiria em sistemas biológicos. Campos, Santos
e Xavier (1997) enfatizam que quanto mais informações o organismo obtiver do ambiente, mais
capacidade ele terá de resolver problemas apresentados por este. Para os referidos autores, o
sistema imunológico, bem como o sistema nervoso (que inclui a consciência) fariam parte da
evolução, assim como todo sistema seletivo capaz de lidar com novidades.
Evolucionistas do século XVIII e XIX, como Lamarck, acreditavam em um papel da
aprendizagem na condução do processo evolutivo. Adotavam a teoria das gêmulas, que afirmava
que alterações somáticas decorrentes de hábitos individuais poderiam causar alterações nas
células germinativas, promovendo então a herança das características adquiridas. Com o avanço
52
da genética e da teoria celular, no século XX, verificou-se que as células germinativas estão
relativamente bem isoladas das células somáticas, o que inviabilizou esta teoria como explicativa
do papel da aprendizagem na evolução biológica. Entretanto, os processos cognitivos e os hábitos
que produzem alterações somáticas, embora não se traduzam imediatamente em características
herdáveis, como pensavam Lamarck e o próprio Darwin, criam um novo ambiente seletivo,
trazendo para determinados indivíduos da população certas vantagens em termos de sobrevivência
e reprodução.
Para Darwin (1985), a seleção natural produz sistemas biológicos, através de um processo
histórico gradual. Os organismos mais aptos e os que conseguem se antecipar às mudanças trazem
maior capacidade de sobrevivência. Quando o ambiente se torna imprevisível, por sua
complexidade, é necessário um mecanismo mais flexível.
Baldwin (1896) trabalhou com o conceito de evolução individual. Tal evolução se
expressaria em termos de aprendizagem, com o desenvolvimento de hábitos e estabelecimento
de padrões culturais, e seria produtora de diferença na evolução filogenética. Baseando-se nas
idéias de Baldwin, Deacon (1997) propõe uma teoria da co-evolução gene/meme, na qual as
bases biológicas se desenvolvem juntamente com a evolução cultural. Assim, a mutação
gênica poderia ser acompanhada de um efeito cultural,
possibilitando adaptações evolutivas
convergentes.
Por esta teoria, os processos cognitivos dos indivíduos, em uma população, estabelecem
parâmetros seletivos, os quais, sendo estáveis por um período de tempo, podem guiar o processo
filogenético. Por exemplo, na sociedade humana, um padrão cultural que relaciona a beleza
feminina com os quadris largos, pode fazer com que os indivíduos de sexo masculino
desenvolvam preferência por mulheres que possuam tal característica, fazendo com que, ao longo
do tempo, aumente a freqüência relativa de seus genes (indutores de quadris largos) na população.
Portanto, ao longo do tempo tal padrão cultural faria com que aumentasse a freqüência de tal
fenótipo na população.
A importância desta teoria é seu deslocamento do foco exclusivo dos processos de
competição intra e inter-espécies, ligados à concepção corrente do processo evolutivo como sendo
aleatório. Ao contrário, este processo poderia ser guiado, ao menos em parte, pelos indivíduos e
populações que se auto-organizam, o que conduz a uma revalorização do papel da aprendizagem,
ampliando-a do âmbito puramente individual para o contexto ambiental e a interação. Tal
estratégia permitiria a recolocação da experiência na pauta do dia, em termos de seu valor
adaptativo. Assim, a plasticidade conferida ao cérebro no pós-natal, permitiria a adaptação do
mesmo a um ambiente dinâmico. Fazendo uma análise mais próxima, entendemos que tal
plasticidade se justamente na experiência, na intersecção entre ambiente e indivíduo. É aquilo
53
que permite ao organismo interpretar e codificar o ambiente, favorecendo a sua adaptação às
necessidades circunstanciais, ao contexto.
Através do conceito de “evolução orgânica” referido atualmente como
Efeito
Baldwin
Baldwin apresenta sua defesa da plasticidade fenotípica. Quando uma espécie
encontra novas ameaças em seu ambiente (ameaças não previstas em suas habilidades
genéticas) e, mesmo assim, consegue aprender novas formas de lidar com tais perigos,
transmitindo essas novas formas de vigilância e evitação às novas gerações, temos a
manifestação da plasticidade fenotípica ou Efeito Baldwin. A idéia central, ou a premissa
inicial de Baldwin, seria então que tais características fenotípicas, moldadas pelo
comportamento, se tornam seletivas para as gerações seguintes. Assim, embora, a mutação
fenotípica individual não tenha influência direta na modificação genotípica, a tendência é
que modificações comportamentais favoráveis à sobrevivência sejam codificadas
geneticamente, a longo prazo, pois organismos com modificações comportamentais
interessantes à sobrevivência, tendem a ter maior número de descendentes, incrementando a
frequência de genes responsáveis por tais modificações, pelo aprendizado.
Com seu texto
Evolution and Consciousness
(1896), Baldwin se questionava se a
consciência em seu aspecto qualitativo (sensações de dor e prazer) fariam parte de um
processo evolutivo, e, mais que isso, se ela teria um papel essencial na evolução. Para
desenvolver esse tema, promove uma discussão, tendo como pano de fundo um debate entre
os Epigeneticistas e os Preformistas. A Epigênese refere-se àquilo que não está contido na
genética, isto é, tudo o que extrapola a herança genética. Considera, portanto, a herança
contida no meio ambiente. Quanto ao Preformismo, considera que nossa herança genética
determina nosso comportamento, bem como nossas características orgânicas. Trata-se de
uma espécie de determinismo hereditário.
A discussão ressaltada por Baldwin é sobre o papel das lições sociais, isto é, ele levanta a
seguinte questão: se uma criança aprende habilidades de seu pai, esta herança estava contida
geneticamente ou ela aprendeu tão somente por imitação, através da Hereditariedade Social? Ele
raciocina que quanto maior a influência genética, menor a capacidade de aprender. Assim,
animais nos quais o instinto está fortemente desenvolvido teriam menor potencial para a
aprendizagem social, uma vez que seu sistema nervoso estaria imobilizado por características
pré-fixadas em seus genes. Já os organismos capacitados a aprender (através da imitação, por
exemplo), teriam maior vantagem para lidar com acontecimentos imponderáveis no meio. Aqui,
a aprendizagem se daria através da consciência, que causaria ou dirigiria as ações do organismo.
54
Sua discussão se envereda pela forma de evolução da consciência. Ela estaria presente
individualmente? Ele coloca que mesmo um preformista poderia considerar que sim, e que sendo
a consciência uma variação, o que o indivíduo faz através dela seria “preformado” nessa
variação.
Para Baldwin, as habilidades aprendidas nos indivíduos com maior plasticidade seriam
preservadas em suas variações, de tal modo que a ontogenia (desenvolvimento individual) teria
uma influência na filogenia (desenvolvimento da espécie). Segundo ele, este é um argumento
aceitável inclusive para os Preformistas. Assim, para ele, os detalhes do desenvolvimento
individual são determinados pelo meio e não pela hereditariedade natural.
A importância da consciência em tal processo e o motivo pelo qual ela teria participado
da evolução é que ela permite o acontecimento das relações sociais, através de situações como,
por exemplo, os cuidados maternos e a imitação de comportamentos dos pais, garantindo,
portanto, comportamentos de cooperação. Para Baldwin, a consciência é a avenida de todas as
influências sociais.” (1896, p. 255)
Tal idéia parece congruente com a teoria de Humphrey (1994), que traça uma possível
história da evolução da consciência, descrevendo-a inicialmente como um processo sensório,
constituinte de fronteiras entre um organismo e o outro. Através da sensibilidade, o organismo
poderia evitar estímulos danosos, bem como procurar por sua sobrevivência.
A partir da descoberta de fronteiras entre o organismo e o meio, e a conseqüente noção
de convivência social, foram ampliadas as possibilidades de complexificação dos seres.
Humphrey (1976) sugeriu que a capacidade de se relacionar com os membros do grupo, e até de
manipulá-los, seria uma estratégia de sobrevivência, que teria influenciado na evolução do
cérebro dos primatas, inclusive. Em tal estratégia, encontram-se envolvidos as capacidades de
avaliação das informações contidas no contexto, incluindo a predição do comportamento alheio e
das conseqüências do próprio comportamento.
Para Dennett (1987), a própria convivência social é regida por estratégias, em que o
individuo sempre leva em conta como seu próprio comportamento pode influenciar a ação do
outro. Para esse tipo de raciocínio praticamente calculado sobre a teia de relações estabelecidas,
são necessários atributos cognitivos complexos. Aqui entra seu conceito de “inteligência
maquiavélica”.
Na definição de inteligência maquiavélica, temos que esta se constitui através da atuação
(como se todos fossem atores sociais) e da manipulação do outro. Em consenso com Humphrey,
defendemos que tal inteligência é substanciada pela consciência, ou seja, para que se interprete a
ação do próximo é necessário que se “leia” seus desejos, crenças, sentimentos, etc. Para tal
leitura, utilizamos nossa própria percepção, sensação, sentimentos, crenças, etc.
55
Longe de serem habilidades relacionadas ao uso exclusivo da razão ou dos pensamentos,
as sensações estão relacionadas intimamente com a avaliação do contexto e as tomadas de
decisões (Damásio, 2004), o que reforça a idéia de uma definição de consciência como um
todo, que inclua sensações, sentimentos, emoções, pensamentos, etc.
Podemos relacionar estas abordagens com o conceito de
teleonomia
(Monod, 1970),
que diz respeito à informação atuante no ser vivo, envolvendo o conceito de se ter um
propósito, embora tendo em conta que, para Monod, tal propósito seria inconsciente.
A idéia de
coevolução
pode ser relacionada
com os conceitos de “contexto
maquiavélico” e de cooperação. Contexto maquiavélico (Abrantes, 2006) é um contexto no
qual os indivíduos não desejam que seu comportamento seja previsto. no contexto de
cooperação, há interesse de que haja previsibilidade do comportamento.
O contexto maquiavélico acaba por desenvolver uma pressão seletiva em favor de uma
maior plasticidade do organismo, que deve lidar com o obscurecimento do comportamento
alheio. Aqui vemos implícito o conceito de Efeito Baldwiniano, uma vez que a referida pressão
seletiva vai favorecer os organismos cujo fenótipo apresenta maior plasticidade se comparado
com outros indivíduos. A característica de maior plasticidade - mais vantajosa- tende a se
propagar na população, sendo passada para as próximas gerações. Assim, a coevolução passa a
modificar o ambiente, pois favorecerá mais e mais os indivíduos cujos genótipos depois de
transmissões por gerações os possibilitem a aprender mais rápido e eficazmente. A paisagem
ficará cada vez mais repleta de organismos, que apresentam maior plasticidade. Após algum
tempo, a aprendizagem individual (ontogenia) deixa de ser necessária, uma vez que a própria
ação seletiva do ambiente social levará a uma modificação genotípica.
Por outro lado, Stelreny (2003) trabalha com a idéia de
seleção de grupos
através do
contexto de cooperação, isto é, com a idéia de que a cooperação pode ser extremamente
vantajosa do ponto de vista evolutivo. Aqui, a cooperação pode se referir tanto a questões de
defesa, como de partilha de alimentos, informações, cuidados com os mais frágeis, etc. Para
Stelreny, a mudança ambiental e climática, com a transformação de florestas em savanas, por
exemplo, levou a uma série de modificações, tanto corporais, como a introdução de novos
comportamentos, tais como de dietas, imposição de normas e etc. A imitação foi selecionada
como um comportamento vantajoso dentro do contexto de cooperação, em um ambiente em
que a introdução de regras sociais se legitimou por trazer ao grupo novos dispositivos de
defesa em um ambiente inóspito.
Assim, tanto a necessidade de convivência e de compartilhamento com o outro quanto a
necessidade de decodificação do que o outro está pensando poderiam ter refinado ainda mais a
56
consciência, à medida em que esta passou a ser o espaço de entendimento da mente alheia, além
da própria. Não obstante Stelreny tenha considerado a hipótese da evolução grupal como
oposição à hipótese da seleção individual, não entendemos tal contraponto como relevante, uma
vez que o vemos contraste necessário entre a seleção individual e a grupal, mas, sim um
processo de continuidade entre um e outro.
Assim, temos que: o contexto age no sentido da sofisticação da consciência, que por sua
vez, age na complexificação do ambiente e daí, por diante.
3.4 A consciência integrada como fonte de integração: Baars e Morsella
Como vimos anteriormente, a idéia de consciência como conceito dividido, inclusive
para fins metodológicos, pode gerar uma série de confusões. Por conta disso, optamos por um
conceito de consciência amplo e uma definição integrada da mesma.
Baars parece fazer o mesmo em sua teorização e propõe um modelo em que a
consciência seria constituída de várias fontes, inclusive o inconsciente; de tal forma que,
processos conscientes e inconscientes trabalhariam entrelaçados, não sendo possível a
separação dos dois. A consciência poderia, então, disseminar informações por todo o cérebro,
sendo considerada como um possibilitador da integração entre as funções neurais separadas.
Assim, por ser um espaço de integração, a consciência é considerada, por Baars, como sendo
um espaço de trabalho global (global workspace). Para ele, a consciência teria uma série de
funções. Seria através dela que podemos receber as informações provenientes do contexto,
interpretá-las, aprender com elas e nos adaptarmos ao meio. Com a interpretação e a
aprendizagem, viriam as capacidades de seleção de metas e a concretização das mesmas, por
meio da ação.
O uso de analogias com situações anteriores, já vividas, também seriam vantagens
viabilizadas pela consciência, que ajudariam a estabelecer a melhor resposta demandada pelo
contexto. Para além da relação com o meio, a consciência também possibilitaria o “auto-
monitoramento”, através de funções como a introspecção e a capacidade imagética, assim
como a auto-programação, através das informações externas, que permitiriam a auto-
estabilização do sistema. Tudo isso para o auto-controle de nosso próprio funcionamento.
Enfim, para Baars, os comportamentos não-automáticos seriam possíveis por conta da
consciência, que possibilitaria o controle e priorização no acesso às informações.
57
similaridade entre esse modelo de Baars e a
Teoria da Integração Supramodular
proposta por Morsella (2005). Embora entenda que o comportamento de imitação, por
exemplo, possa ser um comportamento automático, Morsella (2005) compartilha da idéia de
consciência como expressão da plasticidade cerebral e possibilitadora da ação modificadora
do organismo em seu meio. Ele refina a discussão sobre a função da consciência propondo um
modelo no qual ela aparece
como forma de organização e coordenação dos movimentos,
principalmente como mediadora de conflitos entre duas classes de ação opostas.
Através de sua teoria, Morsella procura entender os processos inconscientes e conscientes.
A idéia central de tal teoria é que os processos conscientes servem para integrar as informações, o
que permitiria um controle sobre os comportamentos observáveis, isto é, as ações. Isso porque tal
integração agiria sobre o mecanismo esqueletomotor.
Ele explica que existem módulos (circuitos neuronais em diversas partes do cérebro)
que têm um funcionamento independente e automático, inconsciente. A fim de que seja
produzida uma resposta unitária, a consciência integraria os sistemas que são constituídos
pelos módulos. Assim, inicialmente, os módulos realizariam seus processamentos
informacionais independentes, que, então, seriam integrados pela consciência, a fim de que os
músculos esquelético-motores possam estar coordenados, gerando uma resposta coerente e
adaptativa, uma vez que, sem tal integração, as respostas dos músculos seriam contraditórias
e, portanto, desadaptativas. Isto não significa que sempre que haja necessidade de integração
dos módulos, esta ocorrerá através da consciência. Morsella discute a solução de conflitos que
ocorreriam inconscientemente, sendo que somente sua resolução se manifesta à consciência.
Como exemplos, ele aborda o efeito ventriloquismo, a rivalidade binocular e o efeito
McGurk.
O efeito ventriloquismo é o conflito gerado entre os sistemas visual e auditivo: este
percebe um som que vem da boca fechada do ventríloquo, enquanto que aquele percebe o
movimento da boca do boneco, isso gera confusão para o cérebro que “entende” que visão e
som partem de um mesmo lugar no espaço. A tendência é que o visualizador resolva tal
conflito ouvindo a voz como sendo daquele que está movendo os lábios, ou seja, do boneco
ao lado do ventríloquo.
A rivalidade binocular consiste em um conflito
entre circuitos do sistema visual, diante
de estímulos diferentes ao mesmo tempo. Assim, se colocarmos um óculos cujas lentes sejam
coloridas com cores diferentes uma verde e uma vermelha, por exemplo ao olharmos para um
papel branco, não o enxergaremos branco como resultado da fusão das cores. Na realidade,
enxergaremos o papel ora verde, ora vermelho. As cores se alteram, não pela instabilidade do
58
objeto (que, na verdade, permanece estável), mas pelas mudanças no padrão cerebral, cujas
atividades variam produzindo alterações perceptivas.
o Efeito McGurk, se refere a um conflito entre os sistemas visual e auditivo, no qual
um sujeito fala silenciosamente a sílaba ga, enquanto que o som articulado é o da sílaba ba, sendo
o resultado que se ouve, a sílaba da. Essa é, neste caso, a forma do cérebro resolver o problema
do conflito entre percepção auditiva e percepção visual.
Esses são os conflitos resolvidos inconscientemente. Fica para a consciência resolver
conflitos cujos sistemas cerebrais envolvidos são o sistema instrumental (que se refere ao
direcionamento da ação para um objetivo) e o sistema de incentivos (referente às necessidades
básicas e motivações). Um exemplo é escolher entre carregar um recipiente quente cujo conteúdo
nos é apetitoso ou largá-lo, deixando seu conteúdo se perder; ou, de modo muito similar,
controlarmos ou não nossa fome, em uma dieta. Assim, embora não possamos controlar nossa
experiência, podemos controlar nossas capacidades motoras.
Uma característica básica dos processos conscientes é sua relação com os processos
músculo-esqueléticos, ou seja, a ação da consciência incide diretamente sobre as ações, sendo a
consciência qualitativa a responsável pela integração de diferentes respostas dos sistemas, para
permitir uma resposta coerente e adaptativa. O músculo-esquelético é o único efetor que está sob
o controle direto dos processos conscientes. Estes seriam requeridos para integrar os sistemas de
alto nível no cérebro que estão rivalizando pelo controle do sistema esqueletomotor. A função da
consciência seria permitir o cruzamento entre os sistemas especializados e multi-modais que
ficariam em paralelo, sem tal sistema.
Assim, também para Morsella a consciência estaria ligada à supressão das respostas
automáticas, sendo responsável pelo refinamento das habilidades através de ações que, às vezes,
exigem “sacrifícios” do sujeito. Os atos de incentivo seriam impossíveis sem a consciência. Os
estados fenomênicos carregariam vários tipos de informações, integrando-os. Através de tal
integração, conseguiríamos ter um controle sobre nossas ações. Ao permitir a integração entre os
sistemas de respostas supramodulares, os estados fenomênicos confeririam propósito ao
comportamento. O campo fenomênico, assim como o Global Workspace de Baars, constituiria um
fórum no qual ocorreria a comunicação das diversas informações sobre o sistema. Processos
nervosos que, de outra forma, seriam separados e independentes, são integrados pelos estados
fenomênicos, que tratam de situações que requerem uma resposta flexível e adaptável, não
estereotipada.
Como vimos, não se trata de negar os processos inconscientes. Na verdade, eles o
considerados, inclusive, como muitas vezes, co-existindo com os processos conscientes e até
podendo integrar informações também. Assim, o autor deixa claro que processos inconscientes e
59
conscientes podem trabalhar em conjunto, e como exemplo o sistema digestivo, no qual o
processo consciente entra apenas na fase de mastigação, ou seja, justamente a fase que necessita
de coordenação de músculos esqueléticos.
Morsella também chama a atenção para o fato de as sensações serem sempre harmônicas
com o comportamento adaptativo, por exemplo: o comportamento de beber água quando se está
sedento, é sempre acompanhando de um sentimento de prazer; assim, como uma lesão em um
tecido muscular costuma ser acompanhado de um sentimento desagradável (no caso, a dor). Nesse
sentido, o universo qualitativo parece ter importância como fator causal. O autor chega a dizer que
a tentativa de querer entender o funcionamento do comportamento humano, excluindo os estados
fenomênicos, equivaleria à tentativa de se entender o funcionamento do rádio sem a explicação do
espectro eletromagnético.
Morsella também defende que nossa ignorância acerca do problema mente-corpo
representa menos nossa falta de entendimento dos fenômenos mentais e sua relação com o cérebro
que nossa falta de entendimento dos fenômenos físicos propriamente ditos. Para ele, é muito
simplório descartar outras dimensões na análise e compreensão dos fenômenos mentais que, ainda
que tenham propriedades físicas, são mais complexos que o funcionamento de polias, bombas a
vácuo e alavancas, por exemplo. Segundo ele, a Teoria da Integração Supramodular explicaria
satisfatoriamente o papel primário da consciência ao comparar as tarefas executadas pelos
processos conscientes “penetráveis” (comportamentos como respirar, ouvir, etc) e os processos
impenetráveis conscientemente (por exemplo, reflexo da pupila).
Como vimos, boa parte dos autores que trabalham com a idéia de uma consciência que
tenha uma papel causal, parecem lhe atribuir um aspecto informacional importante, que traz
vantagens para o organismo e para seu grupo, até mesmo pela viabilização de integração de
informações que esse mesmo sistema tão complexo que é a consciência, traz.
Em nossas considerações finais, nos debruçaremos, ainda um pouco, nessas vantagens
trazidas pela consciência.
60
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das divergências em vários pontos, os adaptacionistas parecem concordar na
concepção da consciência como estratégia evolutiva facilitadora de um certo controle sobre nossas
interações com o meio e, portanto, propiciadora da flexibilidade aos sistemas biológicos, em tais
interações.
Como podemos ver, existem vários argumentos - tanto favoráveis quanto desfavoráveis - à
existência e vantagens da consciência fenomênica qual aqui nos referimos, muitas vezes, como
equivalente ao termo ‘qualia’).
Defendemos que existem mais evidências que comprovam as vantagens evolutivas dos
‘qualia’ que o contrário. Como diria Morsella (2005), o fato de podermos imaginar a adaptação
humana sem a consciência fenomênica diz mais do poder da nossa imaginação que do caminho
percorrido por nossa história evolutiva.
É uma visão recorrente em determinadas correntes filosóficas a consideração do mundo
subjetivo como separado do mundo físico, com base em argumentos como o de que a consciência
seria um produto da linguagem. A idéia central é que, através da linguagem, teríamos criado uma
subjetividade imaterial que só se sustentaria por nosso vocabulário mentalista.
Outras correntes nos fazem cair na armadilha do solipsismo, e daí, a resposta que acabam
por provocar é a do fechamento absoluto de um mundo mental, constituído por sensações,
sentimentos e experiências individuais, completamente subjetivas.
Tal solução não nos parece dar conta de algumas questões, por exemplo: por qual razão
teria a idéia de um mundo mental subjetivo subsistido por tanto tempo, sendo apenas uma ilusão?
Qual a vantagem adaptativa de tal crença e como ela teria se formado? Além disso, estudos têm
comprovado que a ausência daquilo a que chamamos qualia interfere no funcionamento do
organismo, trazendo algumas anomalias. Por exemplo, em felinos a ausência do olfato pode trazer
anorexia – o que é altamente desadaptativo.
Assim, parece que o epifenomenalismo, ao colocar a consciência fenomênica na periferia
das relações causais, fica desprovido de explicações importantes como, por exemplo, se a
consciência não age no circuito causal, por que os organismos com ausência de estruturas que
permitem alguns tipos de percepção, se comportam de forma diferente dos que contam com a
presença das mesmas?
Defendemos que a consciência teria um papel importante em nossas ações. Mesmo Libet
assumiu que, ao fim de tudo, podíamos decidir se queríamos ou não prosseguir com nossas ões
– ainda que estas tenham sido, inicialmente, uma escolha inconsciente.
61
Como vimos, as implicações éticas do epifenomenalismo são grandes, pois ao
desconsiderar todo um universo subjetivo aos seres, alguns limites deixam de existir. Um exemplo
típico disso é a crença de que animais não sofrem dor, tendo como conseqüência, inúmeros
experimentos de laboratório desnecessários e sem proteção alguma ao animal.
Ao imaginar que a consciência fenomênica é inexistente ou mesmo sem função, igualamos
homens a máquinas, e as conseqüências disso podem ser perigosas, pois ao desconsiderar a
subjetividade do outro e sua importância, facilmente poderíamos (oficialmente) justificar atos de
exclusão, extermínio, experiências bizarras, etc.
Não pretendemos dar um tom panfletário a este trabalho e, obviamente, não estamos
descartando o argumento da ausência da consciência ou do epifenomenalismo apenas por conta de
suas conseqüências éticas. Tal raciocínio seria absurdo por implicar na negação de um possível
fato por sua possível conseqüência: ora, um fato o deixa de sê-lo apenas porque não gostamos
dele. A questão é que, como vimos, tais argumentos nos parecem lacunares em questões
fundamentais.
Admitimos, como Searle, que a consciência é um elemento típico de organismos
biológicos. Destacamos que a divisão - ainda que metodológica - da consciência não nos parece
realmente útil, à medida em que leva mais à confusão e à uma fragmentação perniciosa do
referido conceito.
Assim, nosso conceito de consciência é como dissemos o que abrange tanto as
sensações, sentimentos, emoções, como os pensamentos. Quanto ao chamado problema mente-
corpo, acreditamos que este se dilui ao caracterizarmos a consciência como biológica e passível
de ser estudada, embora guarde suas peculiaridades pela questão da experiência em primeira
pessoa.
A aceitação da consciência fenomênica como receptora e integradora de informações e
coordenadora de ações, resgata a idéia de um uma relação entre organismo e meio menos passiva,
além de explicar porque tal elemento foi preservado em nossa história evolutiva. A existência de
um universo subjetivo com papel causal no mundo externo remete a um modelo interacionista, em
que o organismo promove alterações em seu meio, assim como é modificado por este.
Como vimos, a idéia da consciência como elemento protagonista na paisagem
evolucionista é bastante defendida por diversos autores. Embora adquira nuances diferentes em
cada teoria, o tom que fica em comum nessas diversas teorias, é o de uma consciência associada
profundamente com a ação, uma ação adaptativa.
A idéia de consciência como via adaptativa remete à construção de uma relação entre o
contexto e o organismo de constante evolução. Assim, na concepção de Bringsjord e Noel, por
exemplo, a consciência é vista como um instrumento de criatividade e Morsella enfatiza a
62
coordenação dos movimentos diante de fatos ambientais, sublinhando a possibilidade de escolha
do organismo frente às alternativas do meio.
Parece que a palavra de ordem dos defensores da consciência como estratégia adaptativa é
a plasticidade. Plasticidade aqui entendida como uma condição fenotípica, que se refere a
comportamentos referentes à flexibilidade do organismo, diante de situações que demandam
novas habilidades, até então, não requeridas.
Assim, a consciência se destaca como estratégia evolutiva, em consonância com um meio
que ora exige a predição da intenção do outro para manipulação deste, ora exige a resposta de
cooperação e solidariedade.
63
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