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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Ilza Mendes da Cruz
Pablo Neruda: o “poeta malacólogo”
um diálogo entre a Arte Literária e a Ciência à luz da História da Ciência
Dissertação de Mestrado: História da Ciência
PUC-SP
2010
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2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Ilza Mendes da Cruz
Pablo Neruda: o “poeta malacólogo”
um diálogo entre a Arte Literária e a Ciência à luz da História da Ciência
Dissertação de Mestrado: História da Ciência
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em História da Ciência, sob a orientação do Professor
Doutor Fumikazu Saito
PUC-SP
2010
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3
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
_______________________________
_______________________________
4
Dedico este trabalho ao meu marido e aos meus filhos, pois eles sempre
confiaram em mim.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus todas as oportunidades que tive até a conclusão
dessa pesquisa.
Ao meu orientador Professor Doutor Fumikazu Saito, pela orientação,
dedicação e paciência na elaboração e conclusão deste trabalho.
À Professora Márcia Helena Mendes Ferraz, pela compreensão e pelo
apoio.
A toda a minha família que me apoiou incondicionalmente em todos os
momentos, principalmente ao meu marido e aos meus filhos.
Aos professores da Escola Estadual Brigadeiro Gavião Peixoto que, de
uma forma ou de outra, apoiaram a minha pesquisa e sempre se dispuseram a
me ajudar, em especial ao Professor Luis Augusto, à Professora Geralda e seu
noivo Cristian e à Professora Edilza.
E, finalmente, à Secretaria de Estado da Educação pela Bolsa
concedida.
6
RESUMO
Pablo Neruda, além de escrever poesia e de participar da vida política
do Chile, costumava colecionar os mais variados objetos, coletados nas mais
diversas formas, em vários lugares por onde viajou, enquanto representante
diplomático daquele país. Muitos dos objetos de sua coleção foram recebidos
de amigos, outros foram encontrados na praia e outros, ainda, foram
comprados.
Neruda, através da poesia, esforçou-se em materializar as imagens
que estava captando ao observar os seus objetos, em especial algumas
conchas que faziam parte de sua coleção de caracóis (como ele mesmo
identifica).
Nesta dissertação, procuramos apresentar alguns aspectos
relacionados à confluência entre poesia e ciência. Para tanto, buscamos
comparar a descrição poética das conchas, com descrição na forma científica.
A linguagem poética difere em relação à utilização das palavras porém não é
menos verdadeira.
Palavras-chave: História da Ciência, Pablo Neruda, poesia, coleção, caracol
7
ABSTRACT
Pablo Neruda, in addition to writing poetry and used to participate of the
political life of Chile, used to collect the most different objects collected in many
different ways and in different places where he travelled. Many of the objects of
his collection were given by friends, others were found in the beach, others
were bought.
Neruda, by his poetry, managed to materialize the image of what was
seeing by observing his objects, in special some shells that were part of his
collection of snail (as he said). In this dissertation, we present some aspects
related to the confluence between poetry and science. To do so, we compare
the poetic description of the shells, with description in scientific form. The poetic
language differs in relation to the use of words but is no less true.
Keywords: History of Science, Pablo Neruda, poetry, collection, snail
8
SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Capítulo I - Pablo Neruda: o poeta e colecionador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
O poeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
O colecionador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Pablo Neruda: o “poeta malacólogo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Capítulo II - A confluência entre a ciência e a poesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
9
INTRODUÇÃO
A sensibilidade de Pablo Neruda teve seu reconhecimento em várias
partes do mundo. Seu trabalho pode ser dividido em diversas fases distintas
entre as quais o poeta rico e angustiado de Vinte poemas de amor e uma
canção desesperada (1924) ou o autor de versos de cunho político com
características épicas, em alguns momentos, como em Canto geral (1950).
Entre os personagens conhecidos que fizeram parte da sua vida, estavam
pessoas envolvidas com a Arte Literária e com a beleza e a estrutura de
conchas marinhas e terrestres, entre elas, Carlos de La Torre, o conhecido
naturalista de Cuba
que obteve relevância internacional nos estudos
malacológicos, o escritor Poli Délano e o escritor Juan de La Cabada.
Embora Pablo Neruda participasse ativamente do partido comunista do
Chile e desenvolvesse sua poesia também para denunciar injustiças, o poeta
dedicou grande parte de sua vida, à coleta de objetos que deu origem a
coleções adoradas por ele. Através de sua poesia, Pablo Neruda desenvolveu,
também, textos para apresentar e descrever seus objetos de adoração,
considerando principalmente suas carrancas de proa e suas conchas (ou
caracóis, como definidos por ele mesmo). Esses mesmos objetos podem ser
descritos de forma denotativa, objetiva, diferentemente daquela linguagem
utilizada pelo poeta, porém o poeta não se sentia atraído por definições - não
de forma objetiva.
Desse modo, esta dissertação está organizada em dois capítulos: no
primeiro, apresentamos Pablo Neruda, o poeta e o colecionador, com a
indicação de algumas coleções que ele tanto desejava completar, além de
10
registrar um pouco sobre sua vida; no segundo, destacamos a confluência
entre a ciência e a poesia, com a apresentação do texto principal, Molusca
Gongorina, na qual algumas conchas (ou caracóis, de acordo com o
identificado pelo poeta) são descritas na forma poética por Neruda.
A partir do poema, buscamos identificar as conchas. É importante
lembrar que depreende-se do texto em questão o esforço do poeta em
materializar as imagens que ele estava captando naquele momento, o que é
uma das intencionalidades do texto, voluntária ou não, quando usamos
recursos ligados à literariedade.
A partir desta análise, buscamos elementos capazes de apresentar a
possibilidade de um diálogo entre a História da Ciência e a Literatura,
apresentando questões relacionadas ao real e ao ficcional.
11
CAPÍTULO I:
PABLO NERUDA, O POETA E COLECIONADOR
12
PABLO NERUDA, O POETA
Pablo Neruda é o pseudônimo de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto,
como o próprio poeta declara em seu livro de memórias:
Quando eu tinha 14 anos de idade, meu pai perseguia minha
atividade literária. Não estava de acordo em ter um filho poeta.
Para encobrir a publicação de meus primeiros versos,
procurei um sobrenome que o despistasse totalmente.
Encontrei numa revista esse nome tcheco, sem saber sequer
que se tratava de um grande escritor, venerado por todo um
povo, autor de muitas baladas magníficas e romances e com
monumento erigido no bairro de Mala Strana de Praga. Mal
cheguei a Checoslovaquia, muitos anos depois, coloquei uma
flor nos pés de sua estátua barbuda.
1
Escritor chileno, nascido a 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile
2
Neruda se refere ao escritor alemão Jan Nepomuk Neruda, (1834-1891) que
estudara direito, história e filologia.
3
Segundo Dominique Auzias, Jan Neruda
1
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 160
2
Ibid., p. 351
3
AUZIAS, Dominique. Le Petit Futé Prague, p. 40 - tradução nossa, Internet ; disponível em
http://books.google.com.br/books?id=iGQW_GMXNuQC&printsec=frontcover&dq=Le+Petit+Fut
%C3%A9+Prague&hl=pt-
BR&ei=KyyiTJScC4H_8AbL3e3aBQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CC0Q
6AEwAA#v=onepage&q&f=true; acessado em 05/08/2010
13
era considerado o homem de letras mais importante de seu país. Ele era,
segundo Auzias, o “príncipe dos poetas tchecos, símbolo da luta nacional no
século XIX”
4
O estudioso também observa que Jan Neruda simpatizava-se
com “o movimento da ‘Renascensa Nacional’ Checa e era engajado
politicamente, o que seria notório em suas criações líricas naturalistas em que
descreve as duras condições de vida dos camponeses e trabalhadores.
5
Desse modo, sem saber exatamente quem era Neruda, o jovem Nefta
passaria a se denominar Pablo Neruda. A sua poesia, vida e seu pensamento
mais profundo revelam um encontro com sua infância, com a natureza e uma
autêntica “iniciação científica”, uma experiência que contribuiria para uma
definição futura de sua poesia e de sua visão do mundo. A relação entre o
poeta e a natureza é tão intensa que ele, através de metáforas, atribui
características físicas a seres inanimados:
Um tronco podre, que tesouro!... Fungos negros e azuis deram-
lhe orelhas, plantas parasitas vermelhas cobriram-no de rubis,
outras plantas preguiçosas emprestaram-lhe seus filamentos e
brota, veloz, uma cobra de suas entranhas podres como uma
emanação, como se do tronco morto lhe escapasse a alma...
6
4
Ibid.
5
Ibid.
6
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p.
5
14
Neruda escreveu textos sobre as mais variadas partes do mundo
(Rangoon, Colombo, Batávia, Cingapura - na Ásia, Barcelona e Madri - na
Espanha, Paris na França ...) em virtude das várias viagens que ele fez
7
como
representante diplomático do Chile, recriando, assim, a vida do escritor em
suas viagens pela América Latina, pelo mundo comunista e pelo oriente, desde
a juventude, com “seus amores, suas paixões, suas reflexões sobre o homem e
a sociedade.”
8
Podemos dizer que, ainda menino, Neruda não escrevia verso, mas o
seu amor à Natureza parecia definir sua condição de poeta. Com efeito,
como bem observa Jorge Edwards
9
Em Confesso que vivi, nos encontramos por detrás da casa
de sua infância, com um jardim de amapolas que se parecem
com borboletas imóveis na umidade e na escuridão, que o
poeta menino imagina que estão prestes a levantar vôo.
páginas sobre os besouros, plantas, líquens, cisnes, animais
marinhos. . . . As memórias revelam que o poeta menino, ainda
não escondido sob seu célebre pseudônimo, era um
colecionador, e nos sugerem que seu colecionismo era parte
7
Ibid., p. 352-357
8
NERUDA, Pablo. Confiesso que he vivido, p. 7 – tradução nossa
9
Idem, Antologia Poética, p. 18
15
de sua investigação constante, passional, instintivo, do mundo
natural. . .
10
Assim, em relação à sua iniciação à poesia, Pablo Neruda escreveu
que:
Muitas vezes me perguntaram quando escrevi meu primeiro
poema, quando nasceu em mim a poesia. Tratarei de lembrar.
Muito longe na minha infância e tendo apenas aprendido a
escrever, senti uma vez uma intensa emoção e tracei algumas
palavras semi-rimadas mas estranhas a mim, diferentes da
linguagem diária. Passei a limpo num papel, preso de uma
ansiedade profunda, de um sentimento até então
desconhecido, espécie de angústia e tristeza. Era um poema
dedicado à minha mãe, isto é, a que conheci como tal, a
madrasta angelical, cuja sombra suave protegeu toda minha
infância. Completamente incapaz de julgar minha primeira
produção, levei-a a meus pais. Meu pai, distraidamente, tomou-
o em suas mãos, leu distraidamente e distraidamente mo
devolveu, dizendo:
- De onde o copiaste?
E continuou conversando em voz baixa com minha mãe seus
assuntos importantes e remotos.
11
10
Idem, Confieso que he vivido, p. 10
11
Ibid., p. 19
16
Na infância, o menino, ainda Neftalí, sofrera a perseguição de seu pai
Don José Del Carmen que,
após perceber a propensão do filho para a literatura, e em
particular, para a poesia - essa notória atividade feminina - ,
decide educá-lo espartanamente para que em troca se faça
homem. Nada melhor então do que fazê-lo madrugar e
embarcar com ele e com seus peões no trem lastreiro a seu
cargo, um trem necessário para a manutenção na Fronteira,
região de grandes vendavais e chuvas que levariam os trilhos
se os espaços entre os dormentes não fossem continuamente
reforçados com cascalho ou pedregulhos. Em busca daquele
material o trem de Don José Del Carmen se internava pela
ferrovia até o coração da selva austral.
12
Assim ao escrever suas memórias, o poeta não deixou de registrar
essa fase de sua vida:
Meus pais chegaram de Parral, onde nasci. ... Sem que me
lembre, sem saber que a olhei com meus olhos, morreu minha
12
LOYOLA, Hernán. “A dimensão científica na obra de Neruda. Primeira parte.” » In Pluma y
Pincel – Portal Cultural - Artigos – Literatura, abril / 2010; Internet; disponível em
http://www.plumaypincel.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=241:la-dimension-
cientifica-en-la-obra-de-neruda-segunda-parte-hernan-loyola&catid=27:literatura&Itemid=27,
acessado em 10/08/2010
17
mãe, D. Rosa Basoalto. Nasci em 12 de julho de 1904 e, um mês depois,
esgotada pela tuberculose, minha mãe já não vivia. Meu pai se chamava
simplesmente José Del Carmen. ... Era maquinista de um trem lastreiro. ...às
vezes me levava com ele. ... A natureza ali me dava uma espécie de
embriaguez. ... minhas explorações enchiam de curiosidade os trabalhadores.
Logo começaram a se interessar pelas minhas descobertas. Assim que meu
pai se descuidava, largavam-se pela selva virgem e com mais destreza, mais
inteligência e mais força que eu, encontravam para mim tesouros incríveis.
13
No que diz respeito à parte “... minhas explorações enchiam de
curiosidades os trabalhadores...”, Neruda assim se referiu a um dos
funcionários da estrada de ferro que o ajudava nas descobertas:
Havia um que se chamava Monge. Monge ... uma vez
descobriu para mim a coisa mais deslumbrante: o coleóptero
do cohiue e da luma. ... Era um relâmpago vestido de arco-íris.
O vermelho e o violeta e o verde e o amarelo deslumbravam
em sua carapaça. Como um relâmpago me fugiu das mãos e
voltou à selva.
14
13
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 8, 9
14
Ibid.
Segundo nota, da tradutora da obra, Olga Savary, na página 9, o termo cohiue faz parte da
Botânica e significa: “variedade de esteva pequena, própria dos Andes Patagônicos” e o termo
luma, também da “Botânica, é uma árvore chilena ... que cresce até 20 m de altura, de madeira
dura, pesada, resistente; madeira desta árvore”
18
Quando Neruda escreveu sobre o coleóptero [besouro], no trecho
citado, ele se referia ao besouro listrado conforme podemos observar pela
descrição do próprio escritor: O vermelho e o violeta e o verde e o amarelo
deslumbravam em sua carapaça, cujas cores fazem parte do arco-íris. Uma
vez que esse tipo de besouro é veloz ao voar, o poeta define sua condição
como um relâmpago, em virtude da velocidade com que o raio, de energia e
luz, atinge o solo e, considerando o fato desse inseto ser colorido,
poeticamente, ele torna-se um relâmpago vestido de arco-íris.
Fig. 1 - Exemplo de coleóptero [besouro] colorido
15
Na obra Neruda La biografia literária, o escritor Hernán Loyola
registrou alguns testemunhos relacionados ao bosque explorado por Neruda.
Num desses testemunhos, [Pedro José] Amado Pissis, “geólogo francês que
mudou-se para o Chile em 1848 e foi contratado pelo Ministro do Interior
Manuel Camilo Vial ‘para fazer a descrição geológica e mineralógica da
15
BETOZANGA, “Besouro colorido”, Internet; disponível em
http://www.digiforum.com.br/viewtopic.php?t=45890&sid=1365af069449c33d31190c41640f1a3
6; acessado em 03/09/2010
19
república do Chile, cuja obra será composta de textos e mapas.’”
16
escreveu
sobre o lugar afirmando que algumas árvores
formam a essência dos bosques: o número das espécies
aumenta mais e mais à medida que avança até o norte, ... onde
os bosques chegam a seu maior esplendor e os vegetais a seu
maior desenvolvimento, favorecidos por uma temperatura
suave e por contínuas chuvas; as árvores, apertadas ali, umas
com as outras, se elevam verticalmente e estendem suas
ramas a uma grande altura, até onde podem receber a luz
necessária para seu desenvolvimento.
17
Dando continuidade à descrição citada, o geólogo informa que:
Debaixo deste vasto teto de folhas, onde nunca penetram os
raios do sol, reina uma temperatura igual e uma umidade
constante; ali é também onde crescem as plantas mais
delicadas, plantas que não poderiam resistir à ação direta do
16
MEMÓRIA CHILENA: PORTAL DA CULTURA DO CHILE. Pedro José Amado Pissis:
Geografía física de la República de Chile” - tradução nossa, Internet , disponível em
http://www.memoriachilena.cl/temas/index.asp?id_ut=geografiafisicadelarepublicadechile
acessado em 22/09/2010
17
LOYOLA, Hernán. Neruda La biografia literária. p. 41 - tradução nossa
20
sol. Neste solo, inteiramente formado de despojos vegetais, se
estendem os musgos, ...
18
Aos seis anos, Pablo Neruda iniciou seus estudos no Liceu. A esse
respeito, o próprio poeta observa que:
O ano de 1910 chegou à cidade de Temuco. Neste ano
memorável entrei no liceu, um vasto casarão com salas
desarrumadas e subterrâneos sombrios. ... Fugíamos das
aulas para mergulhar os pés na água fria que corria sobre as
pedras brancas.... No entanto, o lugar de maior fascínio era o
subterrâneo. Havia ali um silêncio e uma escuridão muito
grandes. À luz das velas brincávamos de guerra. Os
vencedores amarravam os prisioneiros nas velhas colunas.
19
Até 1920, Neruda viveu em Temuco que segundo Ximena Antonia Díaz
Merino
20
era uma pequena cidade em fins do século XIX localizada na região
denominada La Frontera: faixa de terra localizada entre os rios Bío-bío e
Toltén. Constituíam a paisagem de Temuco grandes florestas, vulcões, rios e
mares. Eram frequentes as inundações, os tremores e os incêndios que
devastavam a cidade, mas que, num piscar de olhos era reconstruída com
18
Ibid.,
19
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 11
20
Ximena Antonia Díaz Merino, Pablo Neruda e o olhar poético sobre as cidades
chilenas:Temuco, Santiago e Valparaíso” (Dissertação, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2008), p. 121 - 124.
21
novas casas de madeira fresca e cheirosa. Temuco, em idioma Mapuche
(mapudungun), quer dizer agua de temu. O temu é uma planta medicinal usada
pelos nativos para curar suas doenças. A população que habitava a cidade de
Temuco, nas primeiras décadas do século XX, estava constituída na sua
maioria por colonos e comunidades indígenas. Hoje a cidade de Temuco é um
importante centro administrativo, comercial, universitário e cultural, sendo
considerada uma das cidades chilenas mais importantes e progressistas. Foi
nesta cidade que Neruda cursou o Ensino Fundamental e Médio, em um liceu
atualmente chamado Liceo Pablo Neruda que atende grupos homogêneos,
com estudantes do sexo masculino e do sexo feminino, situação impensável
durante a infância do poeta.
Apesar das peraltices na infância, Pablo Neruda participava da vida
acadêmica. Entre outros eventos, ele participou dos jogos florais de Maule com
seu poema “Comunión ideal” e ganhou o terceiro prêmio. A esse respeito,
Víctor Farias notifica-nos que encontrara um documento-diploma no arquivo
central da Universidade do Chile e que está registrado o seguinte:
Diploma. Jogos Florais de Maule. A composição poética
‘Comunión ideal’ de dom Neftalí Reyes foi qualificada pelo júri
como merecedora da terceira recompensa. Portanto, se lhe
outorga o prêmio respectivo e se deixa constância desse triunfo
por meio do presente diploma.
21
21
NERUDA, Pablo. Cadernos de Temuco, p. 49
22
Em seguida, o documento-diploma está datado “Cauquenes, 8 de
outubro de 1919” e segue com a assinatura do “presidente do jurado: A.
Méndez Bravo,” e do “secretário: Guilhermo Rojas Carrasco.”
É importante registrar que, seu primeiro poema conhecido tem data de
1918 e se chama Nocturno e, de acordo com o escritor Hernán Loyola, o texto
em questão foi inspirado em outro, de mesmo nome, do escritor Rubén Darío,
poeta que será apresentado nas próximas páginas. No poema em questão,
Pablo Neruda escreveu sobre o “Sujeito em ação, envolvido desde afora,
desde o externo, desde o mundo”, embora “tal ação consista em pensar o
mundo, o que supõe pré-consciência de limites e vontade de rigor expressivo,
de honesta precisão. Do começo ao final do poema, o marco noturno de tal
ação é de tristeza e solidão...”
22
A vocação para dedicar-se à poesia, como pudemos ver, surgiu muito
cedo. Uma das características que podemos constatar em seus poemas é o
intenso envolvimento de Neruda no que diz respeito à denúncia de injustiças:
Como o solidarizar-se com esse povo atacado por ferozes
invasores, cercado por implacáveis colonialistas,
obscurantistas de todos os climas e aspectos? Poderiam a
literatura e as artes tomar uma atitude de aérea independência
junto de acontecimentos tão essenciais?
23
22
LOYOLA, Hernán. Neruda La biografía literaria, p. 55, 56
23
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 200
23
Cabe observar que, nessa época, o Chile vivia em meio a greves e
campanhas eleitorais e, como bem observava o poeta, o Chile tinha “uma longa
história civil com poucas revoluções e muitos governos estáveis,
conservadores e medíocres.”
24
Assim, diante de tal visão, é compreensível que
Pablo Neruda considere que “Passaram-se alguns anos desde que ingressei
no partido... Estou contente... Os comunistas formam uma boa família... Têm a
pele curtida e o coração moderado...”
25
Dessa forma em 1945, Neruda ingressou no Partido Comunista do
Chile e, em 1969, foi indicado à Presidência da República, honra a que
renunciou em favor de Salvador Allende, seu amigo e companheiro, que foi
eleito no ano seguinte. Com a intenção de justificar sua participação no Partido
Comunista, o poeta escreveu que:
Ao mesmo tempo, [em que Arturo Alessandri Palma governava
de forma autoritária e o país continuava a debater-se em
conflitos] um líder operário, Luis Emílio Recabarren, com uma
atividade prodigiosa organizava o proletariado, formava
centrais sindicais, (. . .) Uma avalanche de desemprego abalou
as instituições. Eu escrevia semanalmente em Claridad. [Nós]
Os estudantes apoiávamos as reivindicações populares e
éramos espancados pela polícia nas ruas de Santiago. À
capital chegavam milhares de operários despedidos das minas
24
Ibid., p. 347
25
Ibid., p. 333
24
de salitre e de cobre. As manifestações e a repressão
correspondente paralisavam tragicamente a vida nacional.
Desde aquela época e com intermitências se infiltrou a política
em minha poesia e em minha vida. o era possível fechar-me
em meus poemas, assim como não era possível tampouco
fechar a porta ao amor, a vida, à alegria ou à tristeza em meu
coração de jovem poeta.
26
uma vez que seu desejo foi sempre estar ao lado do povo, considerando o
partido comunista do Chile uma “organização de longa história e de origem
predominantemente proletária,
27
Embora estivesse intensamente envolvido com a vida pública, não era,
entretanto, diretamente na política que Neruda desejava transformar o mundo:
“A vida política veio como uma tempestade para me tirar de meu trabalho.”
28
Neruda, na realidade, procurou contribuir para uma transformação na vida do
povo por meio da poesia: “Percorri praticamente todos os rincões do Chile,
derramando minha poesia entre a gente de meu povo.”
29
Podemos dizer que Neruda era amante das palavras, contudo, não
gostava de falar de literatura - ele preferia desenvolvê-la a partir daquilo que
vivia e observava. Segundo José Donoso, Neruda fugia das pessoas que
levavam ao campo da literatura. Observa que “ele gostava de objetos, de
26
Ibid., p. 50
27
Ibid., p. 330
28
Ibid., p. 336
29
Ibid., p. 257
25
antiguidades ou curiosidades compradas no Mercado das Pulgas, no Rastro,
em Portobello, ...”
30
. Tal afirmação se deve ao fato de o poeta não sentir-se
atraído pelas definições pois elas podem aludir à ciência pela ciência. No
trecho transcrito a seguir, observa-se que Pablo Neruda entende que o modo
eficaz de mostrar a existência e importância de um processo científico não é
classificar a todo o tempo mas reconhecê-lo na natureza, na realidade
circundante, o que ele busca apresentar a partir da cidade Valparaíso, num
ciclo vital: “Valparaíso então se iluminava e assumia um ouro sombrio que foi
se transformando numa laranjeira marinha, teve folhagem, teve frescor e
sombra, teve esplendor de fruta”.
31
Essa aversão à definições pode ser verificado a partir da passagem:
Sempre me perguntam, especialmente os jornalistas, que obra
estou escrevendo, que coisa estou fazendo. ( . . .) Nunca deixei
de fazer a mesma coisa. Poesia? soube muito depois que o
que eu escrevia se chamava poesia. Nunca tive interesse pelas
definições, pelos rótulos. Aborrecem-me mortalmente as
discussões estéticas.
32
30
DONOSO, José. Diarios, ensayos, crônicas. La cocina de La escritura, p. 191 - tradução
nossa
31
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 88
32
Ibid., p. 336
26
De acordo com Antonio Skármeta, “Neruda foi um homem que amou tanto
as palavras como os objetos”
33
Além disso:
Tal como a natureza que não precisa de dula de identidade
nem passaporte, esse poeta não precisa de explicações. Ele
foi um homem que se definiu como mais uma folha da grande
árvore humana. . Percorreu o mundo e foi amigo dos grandes
poetas do século XX. Antes de receber o Prêmio Nobel de
Literatura, em 1971, havia obtido o consenso de milhões de
pessoas em torno de suas imagens. Em vida era um mito
34
.”
Talvez, Neruda seja mais conhecido do público em geral por causa do
Prêmio Nobel de Literatura. A esse respeito, entretanto, queremos esclarecer
que a obra Pablo Neruda para niños
35
registra que o poeta ganhou o Prêmio
Nobel de Literatura em 1971, com a edição limitada da obra La rosa separada.
Todavia, outras informações sugerem que La rosa separada foi publicada em
uma edição limitada em 1972. Esse livro foi concebido como o primeiro dos oito
33
SKÁRMETA, Antonio. Neruda por Skármeta, p. 48
Escritor chileno, Antonio Skármeta, nasceu em Antofogasta. Estudou filosofia e literatura . Seus
livros de contos e romances foram publicados em mais de 25 línguas, com destaque para O
carteiro e o poeta, levado às telas dos cinemas e recebendo cinco indicações para o Oscar.
Skármeta foi embaixador do Chile, na Alemanha, de 2000 a 2003.
34
Ibid, p. 11
35
NERUDA, Pablo. Pablo Neruda para niños, p. 30 - tradução nossa
27
livros que Neruda parecia escrever em conjunto, para comemorar o seu
septuagésimo aniversário. Os outros sete foram póstumos.”
36
E voltam a aparecer nesta última época as reflexões sobre a
condição inevitável da poesia e a indefinição do poeta, num
tom cada vez mais mesurado e profundo, com frequencia
humorística, alegre ou melancólico, sobretudo nos numerosos
volumes publicados a partir de 1970, em boa parte depois de
sua morte: La espada encendida(1970), Maremoto (1970), Las
piedras del cielo (1970), Geografía infructuosa (1972), La rosa
separada (1972), ...
37
De qualquer modo, é importante considerar que na maioria das obras
cujo assunto é Pablo Neruda, a indicação mostra apenas “Prêmio Nobel de
Literatura em 1971”, sem a informação da obra principal que premiou o poeta.
Dessa forma, cabe notar que ele teve seu prestígio internacional reconhecido
uma vez que sua profissão era ser poeta, cujo projeto de vida, além do prazer,
também era sua fonte de renda, que o mantinha e que possibilitou que ele
recebesse, inclusive, um retorno financeiro pelo seu trabalho.
36
WILSON, Jason. A companion to Pablo Neruda: evaluating Neruda’s poetry, p. 215 -
tradução nossa
37
MOYA, Domingo Ródenas de. 100 escritores del siglo XX: âmbito hispánico, p. 261- tradução
nossa
28
PABLO NERUDA, O COLECIONADOR
Além de poeta, com prestígio e reconhecimento, Neruda amava
incondicionalmente colecionar objetos. A esse respeito, Jorge Edwards, nas
memórias registradas através da obra Confesso que vivi, observa que:
As memórias nos revelam que o poeta menino, embora não
estivesse escondido sob seu célebre pseudônimo, era
colecionador, e nos sugerem que seu colecionismo era parte
de sua indagação constante, apaixonada, instintiva, do mundo
natural. O menino juntava ovos de codornas, insetos coloridos,
formas e anomes extraordinários, plantas, pedras, caracóis.
Esse colecionismo foi seu primeiro passo para a poesia e
esteve sempre próximo, de certo modo, do melhor, do mais
livre e fantasioso de seu trabalho
38
.
Retomando as palavras de Skármeta, isto é, que Neruda foi um
homem que amou tanto as palavras como os objetos, é curiosa não o que é
objeto de coleção, mas também a organização e a descrição que o poeta faz
de seus objetos. Uma dessas coleções, por exemplo, é o Crepusculário que,
segundo Edwards:
38
NERUDA, Pablo. Confieso que he vivido, p. 10,11 - tradução nossa
29
... é uma coleção de crepúsculos. O poeta, mediante seu
domínio da palavra, colocava os crepúsculos que via da sua
varanda da rua Maruri, recém-chegado a Santiago, era algo
parecido a um insectário: um livro de versos. Vinte poemas é
uma coleção de poesias de amor. Tampouco é casual o título
de seu livro de 1958, Estravagario, coleção de
extravagâncias... Os críticos falam muitas vezes das
enumerações de Neruda, ... mas não observam que são
equivalente a coleções: tentativa de organizar a natureza e até
a vida, para escapar, talvez, da angústia provocada pelo
caótico e pelo disforme...
39
Por meio da poesia, Neruda classifica, organiza e descreve a natureza.
É a partir de objetos como “crepúsculos”, “insetos”, “conchas” (como veremos
mais adiante) que Neruda recolhe a natureza em seus escritos. Podemos
assim dizer que, em alguns escritos de Neruda, é notória uma confluência entre
coleção e poesia. De fato, estudiosos da obra de Neruda têm-se manifestado a
esse respeito. Por exemplo, no que diz respeito ao Neruda colecionador, Eloisa
Capovilla da Luz R. diz:
39
Ibid.
30
Colecionar objetos é uma ação ordinária, comum, mas pode
ser também um entretenimento, uma paixão ou mesmo uma
arte. Pablo Neruda fez dessa paixão uma arte. Ele era o que se
poderia chamar de um colecionador, definindo-se num auto-
retrato como um investigador num mercado, alguém que não
resistia a um objeto que lhe agradava.
40
Poli Délano
41
também observa que:
Nosso poeta [Neruda], foi um dos mais apaixonados
colecionistas de coisas que o mundo tem conhecido. Uma
manhã, viajando desde Isla Negra a Santiago, fez escala em
Cartagena a fim de visitar meus pais e pedir a Lola Falcón,
minha mãe, que por favor fosse até o porto de San Antonio
40
Eloisa Capovilla da Luz R. “O discurso museográfico e o pensamento de Pablo Neruda: um
estudo introdutório”– grifo da autora - Internet; disponível em
http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0716-58112003001400004&script=sci_arttext; acessado
em 30/07/2010
Eloisa Capovilla da Luz Ramos, Profa. Doutora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
atuando inclusive na linha de pesquisa Colonização e Imigração na América Latina.
41
LAZZARA, Michael J. Los años del silencio. Conversaciones com narradores chilenos que...
Por Poli Délano, p. 21- tradução nossa
Luis Enrique (Poli) Délano nasceu em Madrid em 1936. Ali se produziu uma discussão sobre
chamá-lo de Luis Enrique o Policarpo. Dessa discrepância, permaneceu o nome Poli com o
qual ele é conhecido hoje. Mudou-se para o México em 1940 e dali, após viver um período em
Nova York, transferiu-se para Santiago do Chile. O que mais interessa a Poli Délano é narrar a
experiência da vida cotidiana. Ele se considera um escritor que tenta captar a vida das pessoas
tal como se vive na rua.
31
para fazer a melhor oferta por uma âncora que estava à venda.
Em outra ocasião, ele mandou um recado desde Paris a
Estocolmo: que busquem grandes máscaras de proa nessa
aquática cidade. Quando eu era menino e minha família dividia
uma casa na quinta Rosa María - uma casona fora da cidade
do México, íamos aos domingos à Lagunilla, um imenso
mercado persa onde se podia encontrar desde uma coroa de
diamantes até meias usadas. Num desses dias, Neruda esteve
a ponto de comprar um canguru embalsamado. Delia, sua
esposa, a “Formiguinha”, lutou muito até fazê-lo desistir.
42
Em relação às coleções de Pablo Neruda, Edmundo Briones
43
, ainda
observa que:
Não vida de que a fixação naturalista de Neruda - esse
agudo interesse em insetos, aves, árvores e plantas em geral -
foi algo que veio desde a infância, mais ou menos como
aconteceu com a poesia. Como é compreensível, as primeiras
42
Poli Délano, “Neruda coleccionista” - tradução nossa, Internet; disponível em
http://bncatalogo.cl/htdocs/RC0221246.pdf; acessado em 04/08/2010
43
Edmundo Olivares Briones, escritor, nasceu em Santiago do Chile em março de 1935. É um
intelectual do Chile que tem contribuído imensamente com a cultura do seu país,
homenageando e mantendo viva a história do Poeta Pablo Neruda. No campo profissional,
Olivares desempenha por muitos anos como redator criativo e publicitário, com algum trabalho
paralelo e ocasional em fotografias publicitárias. Internet; disponível em
http://www.netbabillons.com.br/gente/Olivares/olivares02.htm; acessado em 30/07/2010
32
manifestações desse interesse não seriam mais do que uma
simples curiosidade e beleza, surpresa e variedade que o
mundo colocou diante de seus olhos. Não é raro, por outro, que
desta fascinação com as coisas da natureza também surjam os
primeiros sinais de uma coleção espontânea. Começacomo
um desejo acumulador - incipiente e primitiva - que os
tesouros próprios da infância serão, para ele, os insetos de
armaduras e cores extraordinárias, os tesouros serão os
manchados e minúsculos ovos de aves selvagens, tesouros
por outros desprezados, serão para ele, as pedras com formas
e cores caprichosas que podem ser coletados nas margens
dos rios.
44
Convém observar que o próprio poeta assume essa obsessão por
colecionar objetos que, de acordo com a Eloisa, “Ao recortá-los de seu
contexto original, Pablo Neruda os (re)significava com sua própria história de
vida.”
45
uma vez que “Os objetos colecionados têm sentido e valor porque
estão ligados às vivências e lembranças de Neruda.”
46
E segue a Professora
44
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 149 - tradução nossa
45
Eloisa Capovilla da Luz R. “O discurso museográfico e o pensamento de Pablo Neruda: um
estudo introdutório”– Internet; disponível em
http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0716-
58112003001400004&script=sci_arttext
; acessado em 30/07/2010
46
Ibid.
33
Eloisa, explicando sobre o significado do colecionismo para o poeta Pablo
Neruda:
o museógrafo de seus objetos foi o próprio Neruda pois era ele
quem os selecionava em viagens pelo país ou pelo mundo,
quem os conservava e quem os exibia. Mesmo que o processo
se desse intra muros, isto é, dentro da própria casa do poeta,
ele tinha um significado, que ... os objetos o portadores de
discursos e têm historicidade, ou seja, não são neutros.
47
Desse modo, o próprio Neruda se reconhece como um incansável
colecionador de objetos, o que é reforçado pelo poema a seguir:
ODE ÀS COISAS
Amo as coisas louca,
loucamente.
Gosto das pinças,
das tesouras,
adoro
os copos,
os anéis,
as sopeiras,
47
Ibid.
34
sem falar, por suposto,
do chapéu.
Amo
todas as coisas,
não só as supremas,
não só
as supremas,
mas as
infinita-
mente pequenas,
o dedal,
as esporas,
os pratos,
os vasos.
(...)
em fim,
tudo
o que foi feito
pela mão do homem, todas as coisas:
as curvas do sapato,
o tecido,
o novo nascimento
do ouro
sem sangue,
35
(...)
Ah, quantas coisas
puras
tem construído
o homem:
(...)
Vou por casas, ruas,
elevadores,
tocando coisas,
avistando objetos
que em segredo ambiciono:
(...)
Oh rio
irrevogável
das coisas,
não se dirá
que só
amei
os peixes,
ou as plantas da selva e da pradaria,
que não só
amei
o que salta, sobe, sobrevive, suspira.
36
Não é verdade:
muitas coisas
(...)
acompanharam
de tal modo
minha existência
que comigo existiram
e foram para mim tão vivos
que viveram comigo e morrerão comigo
48
.
Além disso, em Confesso que vivi, Neruda informa que:
Em minha casa fui reunindo brinquedos pequenos e grandes,
sem os quais não podia viver. ... Tenho um barco veleiro dentro
de uma garrafa. Para dizer a verdade, tenho mais de um. É
uma verdadeira frota, com seus nomes escritos, seus mastros,
suas velas, suas proas e suas âncoras. Alguns vêm de longe,
de outros mares minúsculos. Um dos mais belos me foi
mandado da Espanha em pagamento de direitos autorais de
um livro de minhas Odes.
49
48
CALDERÓN, Alfonso. Poesia chilena: antologia, p. 44-47 – tradução nossa
49
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 272
37
Ainda sobre a sua coleção de barcos, ele complementa a informação,
observando que:
Em minha coleção sobressaem, entre os outros barcos
comprados em Amberes ou Marselha, os que saíram das
modestas mãos do navegante de Coronel. Porque não ele
lhes deu vida como também os ilustrou com a sua sabedoria,
colando-lhes uma etiqueta que conta o nome e o número das
proezas do modelo, as viagens que manteve contra vento e
maré, as mercadorias que distribuiu pelo Pacífico com seus
velames que já não veremos mais.
50
Após descrever os barcos que possui em sua coleção, o poeta escreve
sobre as carrancas, que fazem parte dos brinquedos que colecionava:
Meus brinquedos maiores são as carrancas de proa. ... Os que
as julgam com benevolência riem compreensivamente e dizem:
- Que sujeito mais louco! O que lhe deu para colecionar!
Os malignos vêem as coisas de outro modo! Um deles,
amargado pelas minhas coleções e pela bandeira azul com um
peixe branco que eu icei em minha casa de Isla Negra, disse:
- Eu não ponho bandeira própria nem tenho carrancas.
50
Ibid., p. 273
38
O coitado chorava como um garoto que inveja o pião dos
outros garotos. Enquanto isso, minhas carrancas marinhas
sorriam, lisonjeadas pela inveja que despertavam.
51
E segue o poeta, informando e descrevendo o objeto que faz parte de
uma de suas coleções:
Na verdade deveria se dizer carrancas de proa. São figuras
com busto, estátuas marinhas, efígies do oceano perdido. ... [O
homem]. Colocou antigamente nos navios figuras de aves,
pássaros totêmicos, animais míticos talhados em madeira.
Depois, no século XIX, os barcos baleeiros esculpiram figuras
de caráter simbólico: deusas semi-nuas ou matronas
republicanas de gorro frígio.Tenho carrancas e mais
carrancas.
52
51
Ibid., p. 273, 274
52
Ibid.
39
Fig. 2 - Figuras de proa em exposição na casa de Pablo Neruda, em Isla
Negra
53
Sobre as figuras de proa, cabe notar que, com o passar do tempo, as
figuras foram se transformando até que no século XIX, elas passaram a
representar pessoas, ou, conforme informação do escritor Joseph Conrad:
figuras de mulheres com vestidos esvoaçantes, com fitas
douradas nos cabelos ou faixas azuis envolvendo a cintura,
estendendo seus braços roliços como que apontando o
caminho; cabeças de homens com ou sem capacete; grandes
extensões de guerreiros, reis, estadistas, lordes e princesas,
todos brancos da cabeça aos pés; aqui e ali a parda figura de
53
LARREA, Antonio. Isla Negra, p. 15
40
turbante vistosamente adornada de algum distante herói ou
sultão oriental, todas curvadas para a frente pela inclinação dos
imponentes gurupés, parecendo ansiosas para empreender
uma nova travessia de 11.000 milhas pela aparência inclinada
de suas posturas.
54
Enamorado por uma das figuras de proa, o poeta Pablo Neruda
escreveu que:
A menor e mais deliciosa, que muitas vezes Salvador Allende
55
tentou me arrebatar, chama-se Maria Celeste. Pertenceu a um
navio francês, de tamanho menor, e provavelmente não
navegou senão nas águas do Sena. De cor escura, esculpida
em madeira de azinheira, com tantos anos e viagens virou
morena para sempre. É uma mulher pequena que parece voar
com os sinais do vento talhando suas belas vestes do Segundo
Império.
56
54
CONRAD, Joseph. O Espelho do Mar, p. 110, 111
55
Salvador Allende, nasceu em 26 de junho de 1908 em Valparaíso. Após o serviço militar, ele
entrou na Universidade, onde logo se tornou líder. Entre as muitas atividades e
responsabilidades, destaca a participação na fundação da milícia socialista. Eleito presidente
do Chile em 1970, morreu assassinado em 1973. Internet; disponível em http://www.salvador-
allende.cl/; acessado em 30/07/2010
56
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 273, 274
41
Fig. 3 - Figura de proa Maria Celeste
57
Em relação às coleções do poeta Pablo Neruda, a Profa. Dra. do
Instituto Universitário Puebla, Sra. Rosa María, afirma que: “Sua paixão por
reunir coisas belas o levou a conservar, entre muitos outros objetos, a primeira
edição do poemário Azul, de Rubén Darío
58
, sem abrir, totalmente virgem, tal
como a havia adquirido de um antiquário
59
.
57
Enrique Robertson, “Pablo Neruda, Julio Verne y las lágrimas de María Celeste” - tradução
nossa, Internet; disponível em
http://espanol.agonia.net/index.php/article/155333/Pablo_Neruda,_Julio_Verne_y_las_l%C3%A
1grimas_de_Mar%C3%ADa_Celeste; acessado em 31/07/2010
58
DARÍO, Rubén. Cantos de vida y esperanza, p. 11-13 - tradução nossa
Félix Rubén García Sarmiento, nasceu em Metapa, hoje Cidade Darío em Nicarágua, em 18 de
janeiro de 1867. Inspirador e máximo representante do modernismo, destacado pela riqueza e
musicalidade de sua poesia. Morreu em 1916.
59
Rosa María González López, “Carlos de la Torre y Pablo Neruda: pasión por la
malacología. Opus Habana N. 37 (abril de 2010) – tradução nossa
42
Conforme bem observa o escritor Juan Antonio Bueno Álvarez,
“Cronologicamente, o primeiro dos grandes livros de Rubén foi Azul ... (1888),
composto por contos e poemas, foi o primeiro marco da literatura modernista,
uma vigorosa mudança na sensibilidade artística”
60
uma vez que o poeta,
“inspirador e máximo representante do modernismo, destacou-se pela riqueza
e musicalidade de sua poesia...”
61
Além desta obra, Neruda possuía diversas outras, adquiridas das mais
diversas formas:
Lembro-me da surpresa do livreiro Garcia Rico, em Madri, em
1934, quando propus comprar dele uma antiga edição de
Góngora que custava apenas 100 pesetas, em mensalidades
de 20. Era bem pouco dinheiro mas eu não o tinha. Paguei
pontualmente ao longo daquele semestre. Era a edição de
Foppens, editor flamengo do século XVII que imprimiu em
incomparáveis e magníficos caracteres as obras dos mestres
espanhóis do Século de Ouro
62
.
60
ÁLVAREZ, Juan Antonio Bueno. Azul, por Rubén Darío, p. 22 - tradução nossa, Internet,
disponível em
http://books.google.com.br/books?id=o_dKMSX49wQC&printsec=frontcover&dq=Rub%C3%A9
n+Dar%C3%ADo&hl=pt-BR&ei=45GeTLPUKMH48AbUwagz&sa=X&oi=book_result&ct=book-
preview-link&resnum=5&ved=0CD4QuwUwBA#v=onepage&q&f=false; acessado em
05/08/2010
61
DARÍO, Rubén. Cantos de vida y esperanza, p.13 - tradução nossa
62
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 275
43
E segue o poeta, informando sobre sua biblioteca particular:
Prêmios literários marcantes e sonantes me ajudaram a
adquirir certos exemplares de preços extravagantes. Minha
biblioteca passou a ser considerável. Os antigos livros de
poesia relampejavam nela e minha inclinação para a história
natural encheu-a de grandiosos livros de botânica com
iluminuras coloridas; e livros de ssaros, de insetos ou de
peixes. Encontrei pelo mundo milagroso livros de viagens,
Quixotes incríveis, impressos por Ibarra, infólios de Dante com
os maravilhosos tipos bodôni. Até alguns Molières em edições
limitadas, ... para o filho do rei da França
63
Podemos notar que entre os objetos, como “crepúsculos”, “carrancas”
entre outros, como bom poeta, colecionava também livros. Em outra
passagem, o poeta indica outros escritores cujas obras faziam parte de sua
coleção:
Demorei trinta anos para juntar tantos livros. Minhas prateleiras
guardavam incunábulos e outros volumes que me comoviam;
Quevedo, Cervantes e Góngora, em edições originais, assim
como Laforgue, Rimbaud e Lautréamont. Estas páginas me
63
Ibid.
44
pareciam conservar o tato dos poetas amados. Tinha
manuscritos de Rimbaud. Paul Éluard me deu de presente em
Paris, por meu aniversário, as duas cartas de Isabelle Rimbaud
para sua mãe, escritas no hospital de Marselha onde o nômade
teve uma perna amputada. Eram tesouros ambicionados pela
Biblioteca Nacional de Paris e pelos vorazes bibliófilos de
Chicago.
64
Em relação a essas obras, cabe observar que, a Universidade do Chile
recebeu, em doação, a “coleção nerudiana” em 20 de junho de 1954:
Tanto corria eu pelo mundo que minha biblioteca cresceu
desmedidamente, ultrapassando as condições de uma
biblioteca particular. Certo dia presenteei ... aqueles cinco mil
volumes escolhidos por mim com o maior amor em todos os
países. Presenteei-os à universidade de minha pátria
65
.
Podemos dizer que o poeta Pablo Neruda amava o mar e registrou seu
fascínio em sua obra de memórias. Apesar desse fascínio, ele deixa claro que
no amor que sente pelas coleções que possui, faz parte de sua curiosidade que
traz desde a infância, quando descobria “seres” diferentes na floresta, em
companhia dos amigos de seu pai. Dessa forma, ele registra que não se
64
Ibid., p. 276
65
Ibid.
45
preocupou em dar rigor científico aos objetos que colecionou, uma vez que era
“... um apaixonado do mar”. E observa que: “Há anos coleciono conhecimentos
que não me servem de muito porque navego sobre a terra.”
66
Uma vez que sua
profissão é ser poeta, ele reconhece que sua busca contempla sua curiosidade
e seu prazer. Com efeito, na passagem abaixo, o poeta expressa seu
interesse particular no estudo relativo a seres marinhos e aproveita para
continuar informando obras que fizeram parte do acervo de sua biblioteca:
Sempre gostei das histórias marinhas e tenho uma rede em
minha biblioteca. O livro que mais consulto é um de William
Beebe
67
ou uma boa monografia descritiva das volutas
marinhas do mar antártico. É o plâncton o que me interessa,
essa água nutritiva, molecular e eletrizada que tinge os mares
de uma cor de relâmpago violeta. Assim cheguei a saber que
as baleias se nutrem quase que exclusivamente deste
inumerável crescimento marinho. Pequeníssimas plantas e
infusórios irreais povoam nosso continente trêmulo .... Do
grande polvo que s todos conhecemos pela primeira vez em
Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo (também Victor Hugo
é um polvo tentacular e polimorfo da poesia), dessa espécie só
cheguei a ver um fragmento de tentáculo no Museu de História
66
Ibid., p. 218
67
BRYSON, Bill. - Breve história de quase tudo, p. 280 - 282
Charles William Beebe nasceu em 1877, em Nova York USA. Naturalista, estudou Zoologia
na Universidade Columbia. Registrou o recorde de profundidade em 1934 quando atingiu uma
profundidade de 150 metros.
46
Natural de Copenhague. Esse sim era o antigo Kraken, terror
dos mares antigos, que agarrava um veleiro e o envolvia,
cobrindo-o e o enredando. O fragmento que eu vi conservado
em álcool sugeria que seu comprimento passava dos trinta
metros.
68
E o poeta continua escrevendo sobre sua curiosidade em relação aos
seres marinhos, deslumbrado com a sensação de mistério:
Mas o que eu persegui com maior constância foi o vestígio, ou
melhor, o próprio narval.
Por ser tão desconhecido para meus
amigos o gigantesco unicórnio marinho dos mares do Norte,
cheguei a me sentir o responsável exclusivo dos narvais e a
me acreditar narval eu mesmo. Existirá o narval?
Fig. 4 - Narval em grupo
69
68
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 219, 220 - grifo do autor
69
O exemplo de imagem foi extraído de Imagens Google, Internet; disponível em
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.quenerd.com.br/blog/wp-
content/uploads/Narwhals.jpg&imgrefurl=http://www.quenerd.com.br/blog/tag/narval&usg=__Ys
47
E mais uma vez, o poeta apresenta o seu desejo por objetos,
independe de suas cores, formas ou tamanhos:
Vagando certa vez pela Dinamarca, entrei numa antiga loja de
história natural, esses negócios desconhecidos em nossa
América que para mim têm toda a fascinação da terra. Ali, num
canto, descobri três ou quatro cornos de narval. Os maiores
mediam quase cinco metros. Por longo tempo os brandi e
acariciei. ... pude comprar um pequeno, de narval recém-
nascido, dos que saem explorando com seu esporão inocente
as frias águas árticas. Guardei-o em minha maleta. ... Agora
não o encontro. ... terá regressado de forma misteriosa e
noturna ao círculo polar?
70
De acordo com o escritor Antonio Skármeta, para Neruda “não lhe
bastava simplesmente contemplar as coisas que o atraíam. Queria possui-las.
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sAPBjNl1&esq=3&page=3&ndsp=6&ved=1t:429,r:1,s:12&biw=796&bih=458
70
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 220, 221
48
Daí seu delírio colecionador.”
71
chegando ao ponto de improvisar lugares,
ampliando o número de aposentos de sua casa, para que suas coisas fossem
guardadas, o que pode ser verificado a seguir: “A mítica mansão [sua
residência em Isla Negra] o passava então de uma modesta casinha de
pedra. ... Simplesmente era ampliada toda vez que o poeta trazia objetos de
suas viagens para os quais não havia lugar.”
72
A residência de Pablo Neruda em Isla Negra chegou a tal dimensão
que após a sua morte, a família transformou-a em museu para que todos
pudessem conhecer os objetos pelos quais o poeta foi enamorado durante toda
sua vida. Além da residência em Isla Negra, outras duas, em Santiago, a La
Chascona e em Valparaíso, a La Sebastiana, tornaram-se também museus em
virtude da importância da vida, da poesia e dos objetos do poeta, para os
chilenos e para o mundo.
Em relação ao exagerado colecionismo praticado por Pablo Neruda,
Poli Délano também identificou esse exagero e escreveu que:
Quando eu era criança e a família Délano dividia com os
Neruda ... um casarão fora da Cidade do México -
costumávamos ir aos domingos à Lagunilla, um imenso
mercado persa onde se podia encontrar desde uma coroa de
71
SKÁRMETA, Antonio. Neruda por Skármeta, p. 48
72
Ibid., p. 46
49
diamantes ameias usadas, um desses dias Neruda esteve a
ponto de comprar um canguru embalsamado. Délia, sua
esposa, a “Formiguinha”, deu uma dura batalha até fazê-lo
desistir.
73
Embora Pablo Neruda tenha se dedicado à sua variada coleção,
composta pelos mais diversos objetos, buscando exemplares nas mais
diversas partes do mundo, ele reconhece que a coleção com a qual mais se
identificou, tanto pela sua beleza quanto pela sensação de mistério que
despertava foi sua coleção de caracóis. Tal afirmação pode ser observada no
fragmento da obra Confesso que vivi:
em realidade o melhor que colecionei em minha vida foram
meus caracóis. Deram-me o prazer de sua prodigiosa estrutura:
a pureza lunar de uma porcelana misteriosa agregada à
multiplicidade das formas táteis, góticas, funcionais.
74
Na passagem seguinte, transcrita na obra em questão, o poeta explica
de que maneira iniciou-se essa coleção tão especial:
73
Poli Délano, “Neruda coleccionista” - destaque do autor - tradução nossa, Internet ;
disponível em
http://bncatalogo.cl/htdocs/RC0221246.pdf
; acessado em 04/08/2010
74
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 275
50
Milhares de pequenas portas submarinas se abriram para meu
conhecimento desde aquele dia em que D. Carlos de La
Torre
75
, ilustre malacólogo de Cuba, me presenteou com os
melhores exemplares de sua coleção. Desde então e ao acaso
de minhas viagens, percorri os sete mares espreitando-os e
buscando-os.
De acordo com Rosa Maria, investigadora em História da Ciência e
Diretora da Casa Alejandro Von Humboldt, Carlos de La Torre “sem a
pretensão, levou o grande poeta chileno a promover uma de suas mais
famosas coleções”
76
No mesmo artigo, Rosa Maria indica dois dos exemplares
recebidos pelo poeta, as conchas do tipo polymitas:
75
Carlos de La Torre e de La Huerta, destacado naturalista do século XIX, nasceu em
Matanzas em 15 de maio de 1858 e faleceu em La Habana, com 91 anos, em 19 de fevereiro
de 1950. O seu trabalho no campo da malacologia se deve à determinação de Cuba como um
dos países com a maior quantidade de espécies endêmicas de moluscos terrestres,
comparável às Filipinas. Entre seus descobrimentos paleontológicos mais importantes figura a
identificação dos ammonites, moluscos marinhos do período jurássico correspondente a 160
milhões de ano. La Ciencia en Cuba a fines del siglo XIX, Rolando García Blanco, p. 164 -
tradução nossa.
Em 1875, ingressa na Universidade de La Habana para estudar Medicina e Ciências. Ali, seu
professor Felipe Poey, também cubano e também famoso, inicia-o na Malacologia. Aos 25
anos já é médico e doutor em Ciências. REVISTA NERUDIANA, nº 2, p. 4, 5 - tradução nossa
76
REVISTA OPUS HABANA nº 37, p. 42-46 - tradução nossa
51
Fig. 5a Fig. 5b
Fig. 5 - Conchas do tipo polymitas
77
e também liguus,
Fig. 6 - Conchas do tipo Liguus virgineus
78
77
Ilustração de Rosa María González López para “Carlos de la Torre y Pablo Neruda: pasión
por la malacología”.
78
O exemplo de imagem foi extraído do site Liguus virgineus (Linnaeus, 1758), Internet;
disponível em http://www.jaxshells.org/virg1.htm; acessado em 12/08/2010
52
No que diz respeito ao colecionismo praticado por Pablo Neruda,
Hernán Loyola observa que
79
,
Nunca supôs Don José Del Carmen que... precisamente das
incursões à selva austral nasceria o poeta Neruda. Menos
ainda, imaginar que dessas mesmas incursões nasceriam
igualmente o botânico Neruda, o entomólogo Neruda, o
ornitólogo Neruda, e que mais tarde, quando levara seu filho ao
oceano de Porto Saavedra, sempre tratando de alejá-lo da
poesia, estava criando as condições para que anos depois
nascesse também o malacólogo Neruda, ou melhor, o
oceanólogo Neruda, com especialização em malacologia,
esperto conhecedor e colecionista de caracóis de todas as
costas do mundo.
80
79
LOYOLA, Hernán. Neruda La biografia literária - tradução nossa
Hernán Loyola Guerra (Talagante, Chile, 1930), se graduou no Instituto Pedagógico da
Universidade do Chile em 1954 com uma tese sobre Canto General de Pablo Neruda, de quem
tornou-se amigo em 1952. Desde então, Loyola tem concentrado seus esforço investigador
sobre a vida e a obra de Pablo Neruda. A Fundação Pablo Neruda lhe outorgou, em 2002, um
Prêmio e Medalha de Ouro pelos seus 50 anos de dedicação à obra do poeta.
80
Idem, “A dimensão científica na obra de Neruda. Primeira parte.”. » In Pluma y Pincel
Portal Cultural - Artigos Literatura, abril/2010, Internet; disponível em
http://www.plumaypincel.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=204:la-dimension-
cientifica-en-la-obra-de-neruda-primera-parte-hernan-
oyola&catid=27:literatura&Itemid=27#comments - tradução nossa
53
Segundo Raul Lody
81
, “A malacologia é o estudo dos moluscos ...,
proporcionando amplas leituras desde a estética até valores de alimentação e
economia. É, sem dúvida, um conjunto de temas que orienta mergulhos
profundos na história do homem, das sociedades e das conquistas científicas”
82
Os moluscos são animais de corpo mole, daí o nome do grupo, “mole”
(mollis), isto é, trata-se de um animal viscoso e com simetria bilateral,
geralmente protegido por uma concha calcárea com valva. Embora exista
grande diversidade de espécies, todos apresentam o mesmo plano estrutural e
funcional: o corpo é dividido em cabeça, pé e massa visceral.
Fig. 7 - Molusco da Classe Gastrópode
83
A forma e o tipo da concha são alguns dos critérios utilizados na
classificação dos moluscos.
84
A concha é uma formação de carbonato de cálcio
81
BOSISIO, Arthur. O mundo das conchas: delícias que chegam do mar, p. 16
Raul Giovanni da Motta Lody é paleontólogo e museólogo. Faz parte da Equipe Técnica do
Ministério da Cultura para o desenvolvimento do acervo do SENAC Nacional.
82
Ibid.
83
Imagens-Google. Internet, disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&source=imghp&biw=796&bih=458&q=caracol&gbv=2&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=;
acessado em 22/07/2010
84
As informações a seguir foram complementadas através dos sites Conquiliologistas do Brasil
e colegioweb.com.br As imagens foram extraídas da obra Conchas – Guia Prático e através de
Imagens - Google, Internet
54
encerrado numa rede protéica secretada pelo molusco que funciona como um
esqueleto protegendo o corpo mole do animal. Zoologicamente os moluscos
estão divididos em cinco classes principais:
Gastrópodes: é a maior classe, onde estão os moluscos que
possuem conchas em espiral; são os conhecidos
caramujos, caracóis, búzios e tantas outras denominações
populares. Composto por representantes do mar de água
doce e do ambiente terrestre úmido. As lesmas de jardim e
as lesmas do mar (ambas sem concha) também se
encaixam neste grupo.
Fig. 8a Fig. 8b
Fig. 8 - Exemplo de um Molusco da Classe Gastrópode e sua concha
85
Bivalves (ou lamelibrânquios) compreendem as conchas
que possuem duas valvas. São mariscos, ostras e tantas
outras “conchinhas” que achamos frequentemente nas
praias.
85
Imagens-Google. Internet, disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&source=imghp&biw=796&bih=458&q=caracol&gbv=2&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=
55
Fig. 9 - Exemplo de Molusco da Classe Bibalve e as duas valvas de sua
concha
86
Cefalópodes: esses animais são geralmente desprovidos de
conchas, salvo poucas exceções como o Nautilus e o
Argonauta. Nesta classe estão os polvos, lulas e chocos.
São considerados os invertebrados mais inteligentes
existentes e da cerca de 110 mil espécies conhecidas
atualmente, grande parte deles é utilizada na alimentação.
86
Imagens - Google. Internet, disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&biw=796&bih=458&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&q=ostras&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=
; acessado em 31/07/2010
56
Fig.10a Fig.10b Fig.10c
Fig. 10 - Exemplo de Molusco da Classe Cefalópode
87
10a - Exemplo de Molusco sem concha
10b e 10c - Molusco e sua concha
Escafópodes: é uma classe de moluscos marinhos,
caracterizada pela presença de uma concha carbonatada
em forma de cone e aberta dos dois lados (em forma de
dente de elefante). A maioria das espécies é pequena, as
maiores medem 15 cm de comprimento. A concha
univalve e o manto apresenta-se em forma de tubo
encurvado e com a abertura dorsal e ventral. A cabeça
possui tentáculos filiformes inseridos na sua base e com
apêndices foliácos em volta de boca; o coloca-se
imediatamente atrás da cabeça, com forma de cilindro
vertical alongado.
87
Idem. Internet, disponível em
http://www.google.com.br/images?q=Cefal%C3%B3pode+com+concha&hl=pt-
BR&gbv=2&sout=1&tbs=isch:1&ei=B6miTJ6oNuO0nAf31viNBA&sa=N&start=108&ndsp=18&bi
w=779&bih=441; acessado em 31/07/2010
57
Fig 11a Fig. 11b
Fig. 11- Anatomia de um Molusco da Classe Escafópodes e sua concha
88
Poliplacóforos: esse grupo é bem menos conhecido. Esses
moluscos possuem um conjunto de oito placas calcáreas
que se articulam entre si, cobrem o animal e podem se
enrolar como um “tatu-bolinha”.
Fig. 12a Fig. 12b
Fig. 12 - Exemplo de Molusco da Classe Poliplacóforos e sua concha
89
88
Idem. Internet; disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&gbv=2&sout=1&biw=796&bih=458&tbs=isch%3A1&sa=1&q=concha+escaf%C3%B3pode&
aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=; acessado em 31/07/2010
89
Idem. Internet; disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&gbv=2&sout=1&biw=796&bih=458&tbs=isch%3A1&sa=1&q=poliplac%C3%B3foro&aq=f&a
qi=&aql=&oq=&gs_rfai=; acessado em 31/07/2010
58
Cabe observar que o termo “malacologia” é bastante amplo e que
contempla também a atividade de colecionar conchas, o que justifica o fato de
o poeta ser chamado malacólogo. Assim, embora Pablo Neruda tenha sido
reconhecido internacionalmente por sua poesia, o poeta também se envolveu
com pessoas importantes do meio acadêmico que o auxiliaram a expandir sua
coleção de conchas. Todavia, ele não se considerava malacólogo:
Foi publicado num jornal do Chile anos que quando meu
bom amigo, o célebre professor Julian Huxley
90
, chegou a
Santiago, no aeroporto perguntou por mim.
- O poeta Neruda? - responderam os jornalistas.
- Não, não conheço nenhum poeta Neruda. Quero falar com o
malacólogo Neruda.
Esta palavra grega, malacólogo, significa especialista em
moluscos. Deu-me grande prazer esta historinha feita para me
aborrecer ...
91
A esse respeito, José Donoso observa que:
90
DI MARE, Rocco. A concepção da teoria evolutiva desde os gregos, p. 120
Julian Sorell Huxley (1887 – 1975 ), biólogo britânico, conhecido por suas pesquisas em
genética e evolução.
91
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 163
59
Quando Julian Huxley, o biólogo inglês, viajou ao Chile para
dar um ciclo de conferências, perguntou timidamente se
alguém conhecia um malacólogo chileno chamado Neruda.
Disseram-lhe que existia um poeta Neruda - que Huxley não
conhecia - mas nada de malacólogo. Um dia levaram Huxley à
casa de Neruda, adornada com sua fabulosa coleção de
conchas que, para os espertos como Huxley, lhe dava mais
prestígio que seus poemas, como quem leva a um turista
determinado a conhecer as glórias nacionais. aí Huxley
entendeu que o Neruda poeta e o Neruda malacólogo eram a
mesma pessoa e, então, passaram o resto da permanência de
Huxley no Chile, falando de conchas.
92
Ainda sobre este incidente, Edmundo Briones nos informa que quando
Pablo Neruda escrevera ao amigo Juan de La Cabada: “Não te dou nomes
porque eles [os pescadores] não sabem os nomes científicos“
93
, o poeta teria
deixado claro que estudara sobre as conchas a ponto de conhecer os nomes
científicos daquelas que desejava. Nesse sentido, Neruda tinha solicitado aos
pescadores para que eles encontrassem conchas raras, ou seja, simplesmente
conchas, tratando, assim, o objeto de sua coleção a partir de uma linguagem
simples. Essa simplicidade em relação à linguagem também pode ser
92
DONOSO, José. Diarios, ensayos, crônicas. La cocinas de La escritura, p. 192 - tradução nossa
93
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 150 - tradução nossa
60
observada, além do fragmento citado, no trecho em que o poeta narra uma das
primeiras experiências vividas junto à natureza:
A natureza ali me dava uma espécie de embriaguez. Atraíam-
me os ssaros, os escaravelhos, os ovos de perdiz. Era
milagroso encontrá-los nas quebradas, brônzeos, escuros e
reluzentes, com uma cor parecida com a do cano de uma
espingarda. Assombrava-me a perfeição dos insetos. Recolhia
as madres de la culebra. Com esse nome extravagante se
designava o maior coleóptero
94
negro, luzidio e forte, o titã dos
insetos do Chile.
Desse modo, colecionar conchas era apenas mais uma das atividades
exercidas por Neruda, pois ser poeta era o que o agradava. Emprestando as
palavras de Carlos Serrano podemos dizer que: “A ciência sempre complicando
a vida com as palavras e os poetas, como Neruda, chamando as coisas pelo
seu nome, ‘caracóis’. Do mar.”
95
94
Ivana Silva. “Besouros”, Internet; disponível em
http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/besouros.htm; acessado em 08/08/2010
Besouro é a designação comum de vários insetos da ordem dos coleópteros.
95
Carlos Serrano . “Los caracoles’ de Neruda” - tradução nossa, Internet; disponível em
http://elcallejondelgato-carlos.blogspot.com/2009/12/los-caracoles-de-neruda.html; acessado
em 08/08/2010
61
PABLO NERUDA, O “POETA-MALACÓLOGO”
Como apontamos acima, Carlos de La Torre parece ter estimulado
Neruda a colecionar conchas. A esse respeito, o poeta se expressou da
seguinte maneira, após receber um presente do amigo cubano:
No México andei pelas praias, mergulhei nas águas
transparentes e cálidas e recolhi maravilhosas conchas
marinhas. Depois, em Cuba e em outros lugares, assim como
por intercâmbio e compra, presente e roubo (não
colecionador honrado), meu tesouro marinho foi-se
acrescentando até encher quartos e quartos da minha casa.
96
E, segue o poeta, quanto à formação do seu tesouro:
Mas devo reconhecer que foi o mar de Paris que, entre uma
onda e outra, descobriu para mim mais caracóis. ... Mais cil
que meter as mãos nas rochas de Veracruz ou Baja Califórnia
foi encontrar sob o sargaço urbano, entre lâmpadas rotas e
sapatos velhos, a delicada silhueta da Oliva Textil. Ou
surpreender a lança de quartzo que se alonga, como um verso
96
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 163
62
de água, na Rosellaria Fusus. Ninguém me tirará o
deslumbramento de ter tirado do mar o Espondylus Roseo,
grande ostra tacheada de espinhos de coral. E mais adiante
entreabrir o Espondylus Blanco, de espinhos nevados como
estalagmites de uma gruta gongórica.
97
Para ele, os exemplares eram tão importantes que chegou a considerá-
los como troféus: “Alguns destes troféus poderiam ser históricos.”
98
Em relação
a essa ideia, Edmundo Briones assinala que “Não novidade nisto: todo
verdadeiro colecionador pode ser eloquente e entusiasta na hora de falar de
seus tesouros.”
99
E o poeta continua escrevendo sobre seus exemplares, deslumbrado:
Lembro que no Museu de Pequim abriram a caixa mais
sagrada dos moluscos do mar da China para me fazer presente
do segundo dos dois únicos exemplares da Thatcheria
Mirabilis. E assim pude arrebanhar o tesouro dessa
inacreditável obra com que o oceano presenteou a China no
estilo de templos e pagodes que perduram naquelas
latitudes.
100
97
Ibid., p. 275, 276
98
Ibid.
99
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 150 - tradução nossa
100
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 276
63
Fig. 13 - Concha do tipo Thatcheria Mirabilis
101
Neruda declara que juntou tantas conchas que chegou a considerar um
exagero essa obsessão: “Exagerei esse caracolismo até visitar mares remotos.
Meus amigos também começaram a buscar conchas marinhas, a se
encaracolar.”
102
o que foi observado também na obra de Edmundo Briones:
101
BIFANO, M. Elisa, Conchas - Guia Prático, p. 56
102
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 163
64
Um destes amigos voluntária (ou decisivamente)
“encaracolado” é Juan de La Cabada
103
, a quem Neruda
escreveu em mais de uma ocasião para pedir-lhe e insistir-lhe
sobre o tema: “Querido Juan: Me disseram que voltarás logo.
Faz muito bem ... Te escrevo para que me tragas caracóis
marinhos e conchas raras quando voltar. Tem que ser
raras,...”
104
Desse modo, podemos notar que o poeta Pablo Neruda, embora
buscasse informações através de leituras, inclusive nos livros de sua biblioteca,
quanto aos tipos, formas e cores de conchas, tanto marinhas quanto terrestres,
sua preocupação maior era adquirir conhecimento sobre os objetos de
adoração em virtude de ele ser um fissurado colecionador e as conchas serem
sua paixão.
103
TÉLLEZ, María Angeles Juárez . Cosas que dejé en la lejanía: memorias de Juan de la
Cabada Por Juan de la Cabada, p. 7, 10
Juan Lucio Moisés Rosalío de la Cabada Vera, nasceu em 04 de setembro de 1901. Foi
periodista, novelista, contista, narrador oral, roteirista e ativista político. Doutor Honoris Causa
outorgado pela Universidade de Sinaloa (estado do México), teve com Neruda uma amizade
excepcional.
104
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 150 - tradução nossa
65
CAPÍTULO II
A CONFLUÊNCIA ENTRE A CIÊNCIA E A POESIA
66
A CONFLUÊNCIA ENTRE A CIÊNCIA E A POESIA
Segundo Hernán Loyola,
ficar perdido nos bosques da fronteira havia sido para Neruda,
um conhecimento, uma aprendizagem de formas e texturas,
uma iniciação telúrica e estética que então se traduziu num
gesto de apreensão e acúmulo de certos objetos,... Esta
ciência obscura e sensorial, porém, não chegou aos seus
versos mas projetou até outras áreas da vida do menino suas
primeiras preferências de colecionador, que expressavam bruto
ou ingenuamente a lição do bosque: a ternura pelos objetos
naturais (e por extensão estética pelos objetos culturais,
produtos do homem). As viagens até o bosque introduziram a
Neruda a ciência do terrestre, e nelas está a raiz de sua
sensibilidade sempre orientada ao concreto e tangível.
105
Vale lembrar que estas viagens de Neruda até os bosques, introduzem
Neftalí no mistério da interdependência vida e morte uma vez que ele
vivenciava o processo de biodegradação ao observar vegetais em
decomposição e analisar detalhes em ovos, ssaros e insetos. Porém, como
observa ainda o estudioso: ”Mas antes do mar, tudo isso foi ciência acumulada,
105
Hernán Loyola. “Pablo Neruda : ser y morir” - tradução nossa, Internet; disponível em
http://cvc.cervantes.es/obref/aih/pdf/05/aih_05_1_007.pdf; acessado em 06/08/2010
67
um saber que não poderia traduzir-se em atividade nem projetar-se ao mundo
...”
106
E segue, escrevendo sobre a relação entre Pablo Neruda e o mar: “O mar
lhe inspirou outro modo de respeito e de lição: o que impressionou o menino
Neruda foi antes de tudo, a energia voluntariosa e insistente das ondas, ... o
mar foi um fator desencadeante da vontade criadora do poeta, ...”
107
De acordo com Carolina Montiel Iglesias, escritora e produtora de
textos para o site da Universidade do Chile, “Os caracóis foram uma das
grandes fontes de inspiração do poeta e sintetizam sua fascinação pelo mar e
pela natureza.”
108
Como apontamos acima, Edmundo Briones
109
observara que todo
verdadeiro colecionador podia ser eloqüente, mas que,
no caso de Neruda, a esta eloquencia própria do colecionador
se irá somando, de maneira natural, a exuberância da palavra
poética.
106
Ibid.
107
Ibid.
108
UNIVERSIDADE DO CHILE “Toboganes al océano de Neruda”- Internet; disponível em
http://www.uchile.cl/?_nfpb=true&_pageLabel=not&url=57718 - tradução nossa
109
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 150 - tradução nossa
68
De fato, podemos notar esse movimento na descrição de uma de suas
carrancas de proa que ele encontrou “nas areia de Magalhães”
110
A UMA CARRANCA DE PROA
(Elegia)
(...)
Hoje és minha, deusa que o albatroz gigante
roçou com a sua estatura estendida no vôo,
como um manto de música dirigida na chuva
por tuas cegas e errantes pálpebras de madeira.
Rosa do mar, abelha mais pura que os sonhos,
amendoada mulher que desde as raízes
de um carvalho povoado pelos cantos
te fizeste forma, força de folhagem com ninhos,boca de
tempestades, doçura delicada
que iria conquistando a luz com seus quadris.
110
Consta da biografia de Pablo Neruda que, em 1932, ele viajou pelo mar, durante dois meses
e passou pelo Estreito de Magalhães, na Patagônia, no Chile - local provável do encontro do
poeta com a figura de proa em virtude da extensão e importância da região. De acordo com o
site do Governo do Chile, “A zona do Estreito de Magalhães está localizada no extremo sul das
Américas. ... A macrozona turística do Estreito de Magalhães leva o nome do navegante
português Fernando de Magalhães, o descobridor da passagem do sul em 1520. O Estreito de
Magalhães é de importância permanente para a navegação interoceânica e para as
comunicações marítimas interiores. ... Serve atualmente aos navios mercantes que realizam
tráfico de cabotagem com o centro do país, navios de linha que transportam mercadorias de
importação, navios científicos com operações na Antártida, grandes cruzeiros de turismo e
navios de frotas pesqueiras que operam em sua zona de influência.” Patagônia: Natureza e
Aventura. Governo do Chile - tradução nossa, Internet; disponível em http://www.patagonia-
chile.com/macrozonas/macroestrecho.php; acessado em 02/08/2010
69
(...)
Hoje recolhemos da areia a tua forma.
Afinal, a meus olhos estavas destinada.
Dormes talvez, adormecida, talvez morreste, morte:
teu movimento, por fim, esqueceu o sussurro
e o esplendor errante fechou sua travessia.
Iras do mar, golpes do céu coroaram
tua altaneira cabeça com gretas e rupturas,
e teu rosto como um caracol repousa
com feridas que marcam teu rosto equilibrado.
Para mim tua beleza guarda todo o perfume,
todo o ácido errante, toda a sua noite escura.
E em teu empinado peito de lâmpada ou de deusa,
torre turgente, imóvel amor, vive a vida.
Tu navegas comigo, recolhida, até o dia
em que deixem cair o que sou na espuma.
111
Ao escrever sobre a figura de proa, o poeta apresenta sua localização
no navio, na parte superior, logo à frente, como que conduzindo a embarcação,
com uma posição de vôo em virtude de sua postura acompanhar o desenho da
embarcação. Entalhada na madeira de um carvalho, uma espécie de árvore,
na forma de uma mulher, ele aproveita para descrever sua aparência com uma
111
NERUDA, Pablo. Canto Geral, p. 391 - 393
70
doçura delicada apesar de sofrer com as mudanças climáticas que deformam
os detalhes trabalhados na figura solitária. Quando o poeta escreve seu rosto
como um caracol repousa com feridas que marcam teu rosto equilibrado., ele
registra a solidão da mulher que sofre também com as marcas do tempo
causadas pelas intempéries (sol, chuva, vento e maresia);
Fig. 14 - Exemplo de Figura de proa
112
Esse mesmo tipo de descrição é também dedicado à sua coleção de
conchas. Assim é importante entender que, como analisa Edmundo Briones:
112
ARMADA - Figures de proue, Internet, disponível em http://uncarnetsurmonchemin.over-
blog.com/article-21401022.html; acessado em 02/09/2010
71
A combinação de malacólogo e poeta tem essa vantagem
evidente: para escrever um determinado exemplar, serão ao
mesmo tempo ao científico e ao lírico que se unem para contar-
nos - a nós, os leigos - o que de notável e único neste
particular caracol ...
113
Desse modo,
No poema “Mollusca Gongorina” está clara, desde o título, essa
confluência de poesia e ciência descritivas. Trata-se de uma
espécie de poema - Inventário que Neruda nos oferece como
introdução a sua caracologia mais querida.
114
De fato, ao lermos o poema Mollusca Gongorina notamos que Neruda
descreve poeticamente algumas de suas conchas.
113
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 151 - tradução nossa
114
Ibid.
72
MOLUSCO GONGORINO
115
Da Califórnia trouxe um murex espinhoso,
a sílica em suas farpas, ataviada com fumo
sua eriçada postura de rosa congelada,
e seu interior rosado de paladar ardia
com uma suave sombra de corola carnosa.
Mas teve uma ciprinóide
116
cujas manchas caíram
sobre sua capa, ornando o seu veludo puro
com círculos queimados de pólvora ou pantera
e outra levou em seu dorso liso como uma taça
um ramo de rios tatuados na lua.
Mas a linha espiral, sustentada
apenas pelo ar, oh
escadaria, escadaria
117
delicada,
oh monumento frágil da aurora
115
Faz referência ao poeta espanhol Luis de ngora y Argote (11 de Julho de 1561 - 23 de
Maio de 1627). Foi um religioso, poeta e dramaturgo castelhano, um dos expoentes da
literatura barroca, precursor do verso livre.
Ana Paula Silva, “Góngora e Gregório de Matos: o
gênero epidítico em três pares de soneto” (Dissertação, Universidade de São Paulo, 2009)
[Ele] Estava igualmente muito atento à sonoridade do verso, que cuidava como um autêntico
músico da palavra. De Góngora pode-se dizer que era um grande pintor dos sons da
linguagem com que enchia, os seus versos de matizes sensoriais de cor, som e tacto. Las
literaturas hispânicas: introdução ao seu estudo, Por Evelyn Picon Garfield e Iván A. Schulman -
tradução nossa
116
De acordo com a obra em espanhol, é possível verificar que ele se refere a alguns nomes
de conchas. Assim, faz-se necessário reconsiderar o nome de algumas delas, inseridas no
texto traduzido - cyprea
117
Idem - scalaria
73
que um anel com opala amassada
enrola deslizando a sua doçura.
Tirei do mar, abrindo as areias,
a ostra eriçada de coral sangrento,
spondylus, fechando em suas metades
a luz de seu tesouro submerso,
cofre envolto em agulhas escarlates,
ou neve com espinhos agressores.
A azeitona
118
grácil recolhi da areia,
úmida caminhante, pé de púrpura,
jóia umedecida em cuja forma
a fruta endureceu sua chamarada,
poliu o cristal sua condição marinha
e ovalou a pomba a sua nudez.
O caracol do tritão
119
reteve
a distância na gruta do som
e tua estrutura de sua cal trançada
sustém o mar com pétalas, sua cúpula.
Oh rostellaria, flor impenetrável
como um signo erguido numa agulha,
118
Idem - oliva
119
Idem - caracola del tritón
74
mínima catedral, lança rosada,
espada da luz, pistilo de água.
Mas na altura da aurora assoma
o filho da luz, feito de lua,
o argonauta que um tremor dirige,
que um trêmulo contacto da espuma
amassou, navegando em uma onda
com sua nau espiral de jasmineiro.
E então escondida na maré,
boca ondulante do mar cor de amora,
seus lábios de titânica violeta,
a tridacna fechou como um castelo,
e lá a sua rosa colossal devora
as azuis estirpes que a beijam:
monastério de sal, herança imóvel
que encarcerou uma onda endurecida.
Mas devo nomear, tocando apenas
Oh Nautilus, a tua alada dinastia,
a redonda equação em que navegas
deslizando a tua nau nacarada,
a tua espiral geometria em que se fundem,
relógio do mar, o nácar e a linha,
75
e devo até as ilhas, no vento,
ir-me contigo, deus da estrutura.
120
Comparemos agora as estrofes deste poema com as conchas, tal
como são identificadas e classificadas, pela ciência. Como veremos a seguir,
este poema-inventário, desenvolvido na forma poética, pode ser descrito na
forma científica
121
da seguinte maneira:
Na 1ª estrofe,
Da Califórnia trouxe um murex espinhoso,
a sílica em suas farpas, ataviada com fumo
sua eriçada postura de rosa congelada,
e seu interior rosado de paladar ardia
(...)
o poeta descreve aqui a concha Murex Pecten, da Família Muricidae (Múrices),
da Classe Gastrópoda, que “É membro do gênero dos Murex que possui mais
espinhos, sendo adornado com longos espinhos cerrados. As espiras são
120
NERUDA, Pablo, Canto Geral, p. 397-399 (com observações do texto em espanhol, editada
em 2003)
121
As informações a seguir, quando à descrição na forma científica, foram extraídas da obra
Conchas Guia Prático e do site Conquiliologistas do Brasil Internet; disponível em
http://www.conchasbrasil.org.br/, acessado em 02/08/2010
76
arredondadas e bulbosas, apresentando inúmeros cordões em espiral”
122
Como pode ser observado na imagem, a parte interna desta concha mostra-se
levemente rosada, o que também é informado pelo poeta quando ele descreve
seu interior rosado.
Fig. 15 - Concha Murex Pecten
123
Na 2ª estrofe, ao escrever
Mas teve uma ciprinóide
124
cujas manchas caíram
sobre sua capa, ornando o seu veludo puro
com círculos queimados de pólvora ou pantera
(...)
o poeta refere-se à descrição de uma concha Cypraea Cinerea, da Família
Cypraeidae (Cauri), da Classe Gastrópoda, mostrando que uma “Concha
122
BIFANO, M. Elisa, Conchas - Guia Prático, p. 41
123
Ibid.
124
cyprea
77
pequena e robusta, de dorso arqueado e base convexa, apresenta ... um cinza-
rosado, recoberto de manchas e pintas pretas,”
125
cujas manchas, na
descrição poética, são consideradas como círculos queimados de lvora ou
pantera.
Fig. 16 - Concha Cypraea Cinerea
126
Na 3ª estrofe,
Mas a linha espiral, sustentada
apenas pelo ar, oh
(...)
Pablo Neruda descreve de forma poética, os espirais espaçados que compõem
essa concha Epitonium Scalare, da Família Epitoniidae, da Classe Gastrópoda,
que é “Famosa no mundo todo e outrora rara, ... é ... espetacular e possui
espirais espaçadas e arredondadas, separadas por saliências laminares
125
BIFANO, M. Elisa, Conchas - Guia Prático, p. 28
126
Ibid.
78
marcadas, que se interligam na linha aberta da sutura.”
127
, considerando que
os espirais aparentam estar soltos, sem elo com o corpo da concha.
Fig. 17 - Concha Epitonium Scalare
128
Na 4ª estrofe,
(...)
a ostra eriçada de coral sangrento,
spondylus, fechando em suas metades
(...)
cofre envolto em agulhas escarlates,
ou neve com espinhos agressores.
o objeto de descrição é a concha Spondylus que, de acordo com os
Conquiliologistas do Brasil, faz parte da Família Spondylidae, da Classe
Bivalvia, que são as conchas que apresentam duas valvas, ou seja, duas
partes que unidas, compõem uma concha. No texto desenvolvido pelo poeta, a
127
Ibid., p. 39
128
Ibid.
79
ostra eriçada descreve a ornamentação externa com espinhos e, ao registrar o
coral sangrento, demonstra o colorido avermelhado.
Fig. 26 - Concha Spondylus
129
Cabe observar que, no penúltimo verso dessa estrofe, a informação
sobre um cofre, referindo-se ao fato de o molusco do grupo Bivalve ser
responsável pela produção de pérolas.
Fig. 18 - Molusco Bivalve, com as valvas abertas, apresentando a pérola
produzida
130
129
Spondylus. Internet, disponível em http://spondylus.ch/; acessado em 31/07/2010
130
Imagens - Google, Internet, disponível em http://www.google.com.br/images?hl=pt-
BR&biw=796&bih=458&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&q=ostra+com+p%C3%A9rola&aq=f&aqi=
g1&aql=&oq=&gs_rfai=; acessado em 31/07/2010
80
Quando o poeta escreve sobre o cofre envolto em agulhas escarlates,
neve com espinhos agressores, ele mostra a possibilidade de o exemplar ser
avermelhado ou esbranquiçado uma vez que estas conchas apresentam
espécimes geralmente bastante coloridos.
Na estrofe, Pablo Neruda descreve uma concha Oliva Incrassata, da
Família Olividae, da Classe Gastrópoda, com a aparência lisa e brilhante
131
que, segundo o poeta, foi determinada pela sua condição marinha, com forma
ovalada, remetendo à idéia de um ovo. Na forma poética, a descrição é
apresentada da seguinte maneira:
(...)
poliu o cristal sua condição marinha
e ovalou a pomba a sua nudez.
Fig. 19 - Conchas Oliva Incrassata
132
131
BIFANO, M. Elisa. Conchas - Guia Prático, p. 52
132
Ibid.
81
Na estrofe, a concha descrita é a chamada Charonia Tritonis, da
Família Ranellidae, da Classe Gastrópoda. De acordo com a descrição
científica, “... esta concha possui uma espiral alta, espiras arredondadas... Esta
é uma das inúmeras conchas que, após a remoção do ápice, e usada como
corneta.”
133
, o que esclarece quanto à relação entre a concha e a gruta do som.
O caracol do tritão
134
reteve
a distância na gruta do som
(...)
Fig. 20 - Concha Charonia Tritonis
135
Na estrofe seguinte, Pablo Neruda escreve sobre a concha Tibia
Fusus, da Classe Gastrópoda, da Família Strombidae Rostellariinae, que “tem
uma espiral muito alta e alongada, com cerca de 19 espiras e um canal estreito
133
Ibid., p. 36
134
Idem - caracola del tritón
135
BIFANO, M. Elisa, Conchas - Guia Prático, p. 36
82
e longo.”
136
que a torna impenetrável. Sua aparência lembra uma agulha, com
um alongamento pontiagudo que pode ser comparada a uma lança ou uma
espada ou até a um pistilo de água.
Oh rostellaria, flor impenetrável
como um signo erguido numa agulha,
mínima catedral, lança rosada,
espada da luz, pistilo de água.
Fig. 21 - Concha Tibia Fusus
137
Na penúltima estrofe, Pablo Neruda desenvolve sua poesia para
escrever sobre a concha Tridacna Gigas, da Família Tridacnidae, da Classe
Bibalvia, que “é o maior e mais pesado molusco conhecido - as duas valvas
podem pesar até 230 kg. A concha oval, alongada, possui valvas iguais e cerca
de cinco grandes estrias onduladas e arredondadas”
138
descritas pelo poeta
136
Ibid., p. 27
137
Ibid.
138
Ibid., p. 61
83
como boca ondulante que, devido ao tamanho, devora os azuis estirpes [o mar]
que a beijam ... aprisionou uma onda endurecida.
Fig. 22- Concha Tridacna Gigas
139
E, concluindo seu poema-inventário e encerrando a descrição de
algumas de suas conchas, através da poesia, o poeta escreve sobre a Nautilus
Pompilius, da Família Nautilidae (Náutilos), da Classe Cephalopoda, que
“possui uma grande concha em caracol, com uma espiral indentada e uma
grande abertura. A concha é esbranquiçada, com características faixas laterais,
cor ferrugem.”
140
cuja profundidade do habitat do animal pode chegar até a 500
metros, a maior entre as conchas descritas por Pablo Neruda, o que pode ter
levado o poeta a considerá-la como um deus da estrutura. Devido às faixas
laterais, o desenho que envolve a concha remete à ideia um relógio do mar.
139
Ibid.
140
Ibid., p. 62
84
Fig. 23 - Concha Nautilus Pompilius
141
De acordo com a modesta explanação quanto às conchas descritas
poeticamente por Pablo Neruda, vale considerar que o poeta registrou em seu
poema-inventário, principalmente, conchas da Classe Gastrópoda, na sua
maioria. Uma vez que a Classe Gastrópoda refere-se a estruturas espiraladas
e, no caso do caracol, a espiral se enrola fechando-se em si mesma, tal
preferência pode remeter ao fato de Pablo Neruda ter sido uma pessoa
bastante tímida e, muitas vezes, considerar-se insignificante. De acordo com
declaração do próprio poeta, em alguns trechos da obra Confesso que vivi é
possível ratificar essa informação. Dentre vários trechos da obra, vale o
destaque para: “Tudo era misterioso para mim naquela casa, ...A não ser
minha insignificante pessoa, ninguém entrava nunca na solidão sombria onde
cresciam as heras, as madressilvas e minha poesia.”
142
e para: “Os Hernández
141
Ibid.
142
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi, p. 15
85
eram uma clã singular. Eram homens da fronteira, a gente de que gostava. Eu,
estudante e pálido, me sentia diminuído junto daqueles ativos, bárbaros,” e, ao
concluir o parágrafo, o poeta deixou claro que, embora sinta-se dessa forma,as
pessoas ao redor não pensavam do mesmo modo: ”e eles, não sei por que, me
tratavam com certa delicadeza, que em geral não tinham com ninguém.”
143
Hérnan Loyola também observou que “Neftalí é [era] um menino tímido, débil e
doente e sobretudo muito consciente de sua precariedade física.”
144
Quanto às conchas que fizeram parte de sua coleção, ao narrar suas
memórias, o poeta escreveu que:
Quanto aos que me pertenciam, quando passavam de
quinze mil, começaram a ocupar todas as estantes e a cair das
mesas e das cadeiras. ... Um dia agarrei tudo e, em caixotes
imensos, levei-os à universidade do Chile, fazendo assim
minha primeira doação à Alma Mater. Era uma coleção
famosa. Como boa instituição sul-americana, minha
universidade recebeu-os com louvores e discursos e sepultou-
nos no sótão! Nunca mais foram vistos.
145
Nesse particular, Hernán Loyola observa que, reconhecendo que,
inicialmente, as caixas que guardavam a coleção nerudiana ficaram
143
Ibid., p. 25
144
LOYOLA, Hernán, Neruda La biografia literaria, p. 36 - tradução nossa
145
NERUDA. Pablo. Confesso que vivi, p. 164
86
esquecidas: “Durante decênios essa primeira esplêndida coleção de caracóis
de Pablo Neruda permaneceu no esquecimento e no abandono”
146
porém,
segue o estudioso informando que, após alguns anos da morte do poeta:
... a Doutora Grete Mostny, conservadora do Museu de História
Natural, solicitou alguns caracóis da Coleção Neruda para a
exposição Moluscos Bioarte, em 1979. então a
Universidade .. decidiu que a malacóloga María Codoceo
verificasse as bases para a catalogação científica das
maravilhosas peças. Essa primeira tentativa se realizou entre
os anos de 1981 e 1985. Transcorreram todavia, 17 anos antes
de que o professor Manuel Dannemann, atual diretor do
Arquivo Central da Universidade, providenciasse em 2002 uma
limpeza cnica dos caracóis e encarregasse sua catalogação
definitiva à malacóloga Cecília Osório.
Quanto à catalogação dos exemplares, Cecília Osório
147
informou que
em alguns espécimes, Neruda registrou, através de um papel escrito, o lugar e
146
Hernán Loyola, “Las caracolas de Neruda”, Nerudiana, Dezembro de 2006, n. 2, p. 2 -
tradução nossa
147
Cecília Osório, “¿Por qué Neruda se interesó especialmente por los moluscos?”, Nerudiana,
Dezembro de 2006, n. 2, p. 5 - tradução nossa
Cecília Osório é bióloga, especialista em moluscos (malacóloga), professora e investigadora na
Faculdade de Ciências da Universidade do Chile.
87
a data onde encontrou a concha mas em outras, mostra que trata-se de
exemplares comprados pelo colecionador.
Embora, na época em que se efetivou a doação, a Universidade não
tivesse divulgado o material, mais tarde, estudiosos ligados àquela área de
pesquisa se envolveram com a coleção, reconhecendo sua importância e
tiveram o interesse na difusão cultural. Inicialmente, O Instituto Cervantes
148
,
na Espanha, inaugurou a exposição, nomeada Amor AL mar. Las caracolas
de Neruda, de 02 de dezembro de 2009 até 24 de janeiro de 2010, na Sala de
Exposições. Organizada pelo Instituto Cervantes de Madrid, Embaixada do
Chile na Espanha e a Universidade do Chile, a exposição contou com a
colaboração da Fundação Pablo Neruda. Conforme informações no site do
Instituto, esta exposição mostrou pela primeira vez, parte substancial da
imensa coleção de caracóis de Pablo Neruda. Cerca de
quatrocentas peças de grande valor estético e malacológico se
exibem junto a uma pequena seleção de livros de sua
biblioteca privada, que [o poeta] doou junto aos caracóis à
Universidade do Chile, em 1954, quando completou cinquenta
anos. ... Uma oportunidade para assomarmos as fontes
148
O Instituto Cervantes é a instituição pública criada pela Espanha em 1991 para a promoção
e o ensino da língua espanhola e para a difusão da cultura espanhola e hispanoamericana.
Situado em Madrid e em Alcalá de Henares, Madrid, Espanha, lugar de nascimento do escritor
Miguel de Cervantes, com centros situados nos cinco continentes, o Instituto tem entre seus
objetivos e funções, participar de programas de difusão da língua espanhola e realizar
atividades de difusão cultural em colaboração com outros organismos espanhóis e
hispanoamericanos e com entidades dos países anfitriões. Centro Virtual Cervantes, tradução
nossa - Internet; disponível em
http://www.cervantes.es/sobre_instituto_cervantes/informacion.htm; acessado em 02/08/2010
88
criativas de um dos maiores poetas da língua espanhola,
através de uma viagem pelo mar de suas coleções e de sua
poesia.
149
Dando sequência ao reconhecimento e valorização à coleção de
caracóis e de livros Pablo Neruda, a Universidade do Chile organizou e
produziu uma exposição itinerante, de mesmo nome daquela realizada na
Espanha. O site da Universidade do Chile divulgou a informação, divulgou
evento realizado na Espanha e informou que aquela exposição permaneceu
aberta a todo o público até o mês de junho do mesmo ano:
A Universidade do Chile, em 05 de maio de 2010, através do
Arquivo central Andrés Bello, produziu uma exposição
itinerante "Amor al Mar. Las Caracolas de Neruda", uma
oportunidade única para disfrutar de uma mostra extraordinária
dos caracóis e livros da coleção de Pablo Neruda, doada à
Casa de Estudos. A exibição, que foi apresentada
anteriormente com grande êxito na Espanha, permaneceu
aberta a todo o blico até o mês de junho do mesmo ano. A
mostra foi inaugurada pela primeira vez no Instituto Cervantes
de Madrid, Espanha (02 de dezembro de 2009 até 24 de
janeiro de 2010). Trata-se de 207 peças, que incluem um
exemplar que foi dado ao poeta pelo líder chinês Mao Ze Dong,
149
Idem, Internet, disponível em http://www.cervantes.es/FichasCultura/Ficha58965_00_1.htm;
acessado em 02/08/2010
89
e a concha autografada que foi presente de Rafael Alberti,
entre outras curiosidades.
150
Durante a exposição Amor al Mar. Las caracolas de Neruda: Una
exposición que hace público nuestro patrimônio”, realizada, cuja Curadoria
esteve sob a responsabilidade de Sonia Montecino
151
, em Valparaíso e
Santiago, vários personagens célebres falaram sobre o poeta. No marco
inaugural da exposição, JoMiguel Varas, Prêmio Nacional de Literatura em
2006, definiu Pablo Neruda dizendo que:
ele foi um enamorado do mar. Tinha uma relação de temor e
admiração. E toda sua vida se dedicou a juntar elementos
vinculados ao mar. Como sua coleção de máscaras [figuras] de
proa, de barcos em garrafa, de copos, bússolas e de conchas,
que para ele eram verdadeiras sílabas que iam compondo o
mar.
152
O Reitor Víctor Pérez Vera ressaltou que quando Neruda doou à
Universidade do Chile, parte de sua coleção em 1954, disse que o fazia a uma
instituição representativa do país. O Reitor disse também que essa coleção foi
150
Exposición "Amor al Mar. Las Caracolas de Neruda" , Universidade do Chile - tradução
nossa, Internet; disponível em http://www.uchile.cl/?_nfpb=true&_pageLabel=not&url=61205;
acessado em 30/07/2010
151
Sonia Montecino é Diretora do Arquivo Central da Universidade do Chile.
152
Exposición "Amor al Mar. Las Caracolas de Neruda" , Universidade do Chile - tradução
nossa, Internet; disponível em http://www.uchile.cl/?_nfpb=true&_pageLabel=not&url=61205;
acessado em 30/07/2010
90
declarada Monumento Nacional na categoria de Monumento Histórico pelo
Decreto 295/2009 do Ministério da Educação.
153
Existe a possibilidade de afirmar que a coleção de caracóis de Pablo
Neruda era tão rica e variada que conquistou o reconhecimento internacional, o
que pode ser averiguado através de texto na página 43, na Revista Opus
Habana, nº 37:
Durante sua visita em Cuba, Neruda foi homenageado pela
Sociedade Malacológica Carlos de la Torre e Huerta, uma
associação de apaixonados por caracóis que, formada em
janeiro de 1942 - poucos días antes da visita do poeta - tinha
como premissas o estudo dos moluscos antillanos fósseis, a
troca de espécies, a exibição de coleções, assim como a
edição de uma revista especializada. Das mãos do próprio don
Carlos, o poeta chileno recebeu o título de malacólogo.
Assim, podemos concordar com o escritor Edmundo Briones, quando
ele escreve declarando que:
O que havia começado mais como um hobby é algo que vai se
convertendo, primeiro em devoção e logo em paixão, uma
paixão que o levará ao estudo persistente e científico de todo o
relacionado com uma disciplina que, agora se sabe, não se
153
Ibid.
91
chama caracolismo nem caracologia mas malacologia. Durante
todo este processo, de maneira gradual e sem pretendê-lo, irá
convertendo-se em um consumado e esperto malacólogo.
154
Cabendo observar que tal coleção gerou um catálogo com alguns dos
exemplares que, no passado, pertenceram ao poeta e que agora, pertencem à
Universidade, Neruda contribuiu com a difusão do conhecimento relativo à
malacologia e, ao doar sua coleção, propiciou a realização de pesquisas
através daquele material, o que era, na realidade, o desejo do poeta conforme
ele próprio registrou:
Eu fui recolhendo..., estes caracóis de todos os oceanos, e
esta espuma dos sete mares a entregou à universidade por
dever de consciência e para pagar, em parte mínima, o que
tenho recebido do meu povo.
155
154
BRIONES, Edmundo Olivares. Pablo Neruda: los caminos del mundo: trás las huellas del
poeta itinerante III (1940-1950), p. 150 - tradução nossa
155
NERUDA, Pablo. Obras Completas IV, p. 948
92
CONCLUSÃO
Como mencionamos brevemente nesta dissertação, foi nas viagens
que fez como Embaixador que Pablo Neruda coletou os mais diferentes
objetos. Uma de suas coleções que mereceu sua especial atenção foi a de
caracóis.
Seja por suas formas bizarras, cores vivas, ou pela sua ornamentação
variada, as conchas (ou caracóis, como o poeta mesmo identifica) são
verdadeiras esculturas naturais que sempre exerceram grande atração sobre o
poeta.
Como pudemos notar, mesmo que brevemente, Neruda busca
trabalhar o seu talento poético também em relação aos objetos de sua coleção,
integrando, assim, de certa maneira aspectos da Literatura e da Ciência. Dessa
forma, é possível notarmos certa confluência entre poesia e ciência, pois o
texto desenvolvido por Neruda, na forma poética, pode ser descrito na forma
científica a partir de uma linguagem que busca classificar os objetos.
A presente dissertação apresentou também que, de acordo com as
pesquisas efetivadas para a concretização deste trabalho, Neftalí (ou seja,
Pablo Neruda quando ainda era um menino), era tímido. Essa timidez pode
estar relacionada com sua coleção uma vez que a aparente estrutura do
caracol, ou concha gastrópode - classe de molusco com presença marcante no
texto analisado, Molusca Gongorina - apresenta espiral que se enrola,
fechando-se em si mesma. Dessa forma, essa aparência espiralada pode
remeter à timidez vivida pelo poeta colecionador Pablo Neruda.
93
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