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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC- SP
Alessandra dos Santos Oliveira
OS SENTIDOS DA ESCOLHA DA PROFISSÃO, POR JOVENS DE
BAIXA RENDA: UM ESTUDO EM PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC- SP
Alessandra dos Santos Oliveira
OS SENTIDOS DA ESCOLHA DA PROFISSÃO, POR JOVENS DE
BAIXA RENDA: UM ESTUDO EM PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Dissertação Apresentada a Banca
Examinadora como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação:
Psicologia da Educação, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sob
orientação da Profª. Drª. Ana Mercês Bahia
Bock
SÃO PAULO
2009
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BANCA EXAMINADORA
____________________________________
________________________________
________________________________
FICHA CATALOGRÁFICA
OLIVEIRA, Alessandra dos Santos. Os sentidos da escolha da profissão, por jovens de
baixa renda: um estudo em psicologia sócio-histórica. São Paulo: 2009. 173 p.
Dissertação de Mestrado - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
Área de Concentração: Psicologia da Educação.
Orientadora: Profª Drª Ana Mercês Bahia Bock
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação
defendida por Alessandra dos Santos Oliveira e aprovada
pela comissão julgadora.
Data: __/__/____
__________________________
Profª Drª Ana Mercês Bahia Bock (orientadora)
__________________________
Profª Drª Wanda Maria Junqueira de Aguiar (PUC/SP)
__________________________
Prof. Dr. Sílvio Duarte Bock (UNICAMP/CAMPINAS)
Dedicatória
Impossível não dedicar esta dissertação ao meu marido: Nelson.
Pelo amor e companheirismo incondicional. Por sempre me incentivar nos
meus projetos e por ser tão importante na minha vida.
Agradecimentos
A profa. Dra. Ana Mercês Bahia Bock, pela orientação recebida, por ter sido durante
este tempo parceira e amiga. Agradeço a generosidade, paciência, estímulo e
principalmente por me ensinar que, como psicólogos, é importante que adotemos uma
postura militante em prol de uma psicologia para todos.
Ao prof. Dr. Sílvio Bock e a profa. Dra. Wanda Maria Junqueira Aguiar, pelo carinho,
por terem sido gentis e apontado no exame de qualificação questões fundamentais para
a construção deste trabalho.
A profa. Dra. Ana Mercês Bahia Bock e a profa. Dra. Wanda Maria Junqueira Aguiar,
por terem me oferecido a oportunidade de participar do Projeto Inclusão Social e
Urbana Nós do Centro, na área de Orientação profissional.
À toda a minha família querida, pelo apoio, carinho, paciência e principalmente
compreensão devido a minha ausência pela falta de tempo.
A meu pai José in memorian por ter sido uma das pessoas mais importantes da minha
vida.
À todos os professores do curso de pós graduação em Educação: Psicologia da
Educação da PUC/ SP, pelos ensinamentos e a possibilidade de troca de conhecimento.
Meus agradecimentos especiais: a profa. Dra. Ana Mercês Bahia Bock, a profa. Dra.
Wanda Maria Junqueira Aguiar, a profa. Dra. Melania Moroz, a profa. Dra. Heloísa
Shzmanki e ao prof. Dr. Antônio Carlos Caruso Ronca, pela grande disponibilidade que
sempre me dispensaram e por me ensinarem que ser professor é muito mais do que
transmitir conhecimentos.
Aos meus colegas de mestrado: Bruna, Cláudia, Ricardo, Kátia, Magna, Adriana,
Ludmila, César, Laudeni, Virgínia e José por compartilharem esse momento especial de
conquista
À Profa. Dra. Elizabeth Yazzle (UNESP/Assis), por ter acreditado em mim e por ter me
incentivado na realização deste meu sonho.
À minha amiga e mestre Flávia Muchard de Barros (UNESP/Assis) pelo carinho e
disponibilidade constantes.
Às amigas Marília Freire e Virgínia Campos Machado por compartilharem comigo os
momentos de alegrias e angústias em relação à conquista do mestrado.
Aos jovens participantes dessa pesquisa, pela disponibilidade, sem os quais, não seria
possível a realização deste trabalho.
Aos funcionários da PUC/SP pelo acolhimento na Universidade.
À Capes e ao CNPq pelo incentivo financeiro fundamental para a realização desta
pesquisa.
O ser humano é 100% social (senão, não seria um ser humano) e 100% singular (porque
não há dois seres humanos semelhantes) e o total ainda é 100% e não 200%.
Bernard Charlot (2000, p. 51)
Resumo
O presente estudo teve como objetivo investigar os sentidos que os jovens de baixa
renda possuem sobre a escolha da profissão. Os resultados ajudam a qualificar o
trabalho de orientadores profissionais que trabalham com esta camada social. Nessa
pesquisa, utilizamos o referencial teórico da psicologia sócio-histórica e nos baseamos
em autores que seguem essa perspectiva teórica. Partimos do princípio que toda escolha
profissional é multideterminada, e atravessada por aspectos objetivos e subjetivos. A
questão que se coloca é identificar, por meio da análise da fala dos entrevistados, os
sentidos que possuem sobre a escolha profissional e todos os fatores que estão
relacionados a esta atividade. Para realizar esse trabalho, foram entrevistados dois
jovens que tinham participado de um programa de orientação profissional. Um
questionário precedeu a entrevista e objetivou o conhecimento das condições
socioeconômicas dos participantes. Para a entrevista foi utilizada a técnica “Projeto de
Futuro”, entendendo-a como um recurso importante de acesso aos sentidos dos jovens
sobre a escolha da profissão. Os resultados apontam que os jovens não desconhecem a
existência de fatores que determinam a escolha da profissão. No entanto, a compreensão
que possuem é dicotômica, pois, tendem a considerar separadamente os aspectos
objetivos e os subjetivos do processo da escolha.
Palavras-chave: E
scolha profissional, Adolescência, Orientação profissional,
Sentidos Subjetivos.
Abstract
This study aimed to investigate the meanings that the young low-income have on the
choice of profession. The results help to qualify the work of professional counselors
who work with this social stratum. In this study, we used the theoretical framework of
socio-historical psychology and we rely on authors who follow this theoretical
perspective. We assume that all professional choice is multifactorial, and crossed by
objective and subjective aspects. The question that arises is to identify, through analysis
of their statements, the meanings they hold for career choice and all the factors that are
related to this activity. To accomplish this work, we interviewed two people who had
participated in a program of vocational guidance. A questionnaire prior to the interview
and objective knowledge of the socioeconomic conditions of participants. For The
interview technique was used “Project Future”, understanding it as an important
resource for access to the senses of young people about the choice of profession. The
results show that young people do not know the existence of factors that determine the
choice of profession. However, their understanding of a dichotomy, therefore, tend to
consider separately those aspects and the subjective process of choice.
Key-Word: Career choice, adolescência, vocational guidance, subjective sense.
Sumário
Introdução......................................................................................................................13
Objetivos da pesquisa e estrutura do trabalho ..........................................................17
Capítulo 1
Embasamento Teórico-Metodológico da Pesquisa ....................................................19
1.1. Contexto histórico e surgimento da psicologia sócio-histórica ...............................19
1.2. A perspectiva vygotskiana e a concepção de homem e de mundo ..........................20
1.3. As funções psicológicas superiores na perspectiva sócio-histórica .........................25
1.4. Pensamento e linguagem .........................................................................................28
1.5. Significados e sentidos ............................................................................................30
1.6. As categorias necessidades e motivos constituintes da subjetividade .....................32
Capítulo II
Dialogando com algumas pesquisas em Orientação Profissional .............................35
Capítulo III
A Orientação Profissional em questão ........................................................................46
3.1. Orientação profissional: surgimento e história ........................................................46
3.2. As teorias em Orientação Profissional .....................................................................50
3.3. A classificação de Crites na área orientação profissional ........................................51
3.4. Uma contribuição crítica das teorias em Orientação profissional: a classificação de
Bock ................................................................................................................................59
3.5. A orientação profissional na perspectiva sócio-histórica e os fatores constitutivos no
processo de escolha .......................................................................................................61
3.7. O sistema capitalista e a naturalização da escolha da profissão ...............................64
Capítulo IV
O trabalho .....................................................................................................................67
4.1. Os modos de produção nas diferentes organizações sociais ...................................69
4.2. A crise moderna: globalização, neoliberalismo e trabalho ......................................73
Capítulo V
A adolescência ...............................................................................................................77
5.1. Conceituação da adolescência na psicologia ...........................................................77
5.2. Adolescência na perspectiva sócio-histórica ...........................................................80
Capítulo VI
Adolescência/Juventude e trabalho .............................................................................84
6.1. Alguns dados estatísticos sobre a adolescência no Brasil .......................................84
6. 2. Alguns dados sobre Adolescência/Juventude e trabalho .......................................86
Capítulo VII
A pesquisa ......................................................................................................................93
6.1. Procedimentos ........................................................................................................96
6.1.1. Produção de informação .......................................................................................97
6.1.2. Sujeitos da pesquisa ..............................................................................................97
6.1.3. Instrumentos .........................................................................................................98
Capítulo VIII
Apresentação e análise dos dados ..............................................................................100
Conclusões da fala dos jovens ....................................................................................128
Considerações finais ...................................................................................................134
Referências bibliográficas ..........................................................................................137
Anexo I: TCLE ............................................................................................................142
Anexo II: CPI ..............................................................................................................143
Anexo III: Dados pessoais dos participantes ............................................................144
Anexo IV: Roteiro de entrevista semi-dirigida ........................................................145
Anexo V: Dados Olga .................................................................................................147
Anexo VI: Entrevista e dinâmica Projeto de futuro com Olga ..............................148
Anexo VII: Dados Paulo ............................................................................................162
Anexo VIII: Entrevista e dinâmica Projeto de futuro com Paulo ..........................163
Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Oeste Paulista,
UNOESTE/PRESIDENTE PRUDENTE-SP (2006). Doutoranda em Psicologia
da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP e
desenvolve o estudo “Os sentidos da escolha da profissão para jovens de
diferentes camadas sociais em escolas públicas e privadas”, sob a orientação
da Profa Dra Ana Mercês Bahia Bock. Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Psicologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: adolescência e orientação profissional. Busca seguir carreira
acadêmica, lecionando em cursos de graduação e trabalhando com pesquisa.
13
INTRODUÇÃO
Durante minha graduação em Psicologia tive a oportunidade de participar de
algumas experiências na área de orientação profissional. Na época, participei, por três
anos consecutivos, do projeto “Feira das vocações”
1
oferecido aos alunos do ensino
médio de escolas particulares e públicas da cidade de Presidente Prudente (SP) e de
outros municípios da região. Esse é um evento grande, pois conta com a participação de
todos os cursos da Universidade, atende uma demanda de aproximadamente 150 jovens
(por dia) e tem duração de quatro dias. O projeto tem como objetivo facilitar a escolha
profissional dos estudantes, colocando-os em contato direto com o mercado de trabalho.
Inicialmente senti dificuldades em trabalhar, pois o tempo era muito escasso para a
demanda grande, e assim, não dava para realizar um trabalho completo. Por outro lado,
também surgiram dificuldades devido às expectativas dos jovens, pois, mesmo deixando
claro que aquele espaço era apenas para ter contato com as profissões e que o processo
de orientação requeria um tempo maior, os participantes de forma inquieta esperavam
que realizássemos um “diagnóstico” que apontasse qual profissão deveriam seguir.
Assim, ansiosos questionavam-me: Que profissão acha que devo seguir? Fulano acha
que devo fazer pedagogia, o que você acha?
Também no decorrer de minha formação, participei durante um ano do projeto de
extensão de Orientação Profissional que era oferecido aos alunos do ensino médio e que
ocorria com pequenos grupos (máximo de 10 pessoas) com duração de oito encontros,
realizados, semanalmente, na clínica-escola da Universidade. Nesse projeto, o objetivo
principal era o de facilitar o processo de escolha, por meio da utilização de técnicas e
instrumentos científicos
2
. No entanto, por termos tido uma formação baseada em
concepções naturalizantes e liberais, os aspectos subjetivos
3
dos participantes eram
encarados de forma naturalizada; as habilidades pessoais, o esforço e a capacidade
individual para escolherem sem analisar o contexto e tratando-os de modo isolado.
Encarávamos a escolha profissional como um processo determinado apenas pelo jovem.
1
Esse evento é organizado pela direção e professores do curso de Psicologia da faculdade, ocorre
anualmente e tem por objetivo oferecer aos participantes as seguintes atividades: estandes de cursos de
diversas áreas do conhecimento, mini-palestras, etc.
2
As atividades e técnicas utilizadas eram variadas: dinâmicas de grupo, mini-palestras, entrevistas, dentre
outros.
3
Com isto pretendo dizer que os aspectos subjetivos não eram encarados como resultantes também de
aspectos objetivos, concretos e reais, mas estes eram concebidos de forma inata, abstrata e naturalizada.
14
Essa perspectiva me incomodava, porque percebia que, ao abordar a temática sob essa
ótica, deixávamos de considerar uma ampla gama de determinantes que deveria ser
considerada no processo de escolha e acabávamos sempre valorizando e isolando, nesse
processo, apenas aspectos pessoais do jovem.
Essa questão nos remete ao estudo realizado por Ana Bock (1999) que analisou o
significado que os psicólogos atribuem ao fenômeno psicológico. A autora constatou
que a maioria dos participantes da pesquisa apresentava uma concepção abstrata do
fenômeno, descontextualizada do âmbito social. Bock afirma que, nessa visão liberal,
“[...] Cabe a cada um o esforço necessário para que a sociedade seja um espaço de
incentivo ao seu desenvolvimento. As condições estão dadas, cabe a cada um aproveitá-
las” (1999, p. 183).
O jovem em processo de escolha vivencia a pressão social de “ter que ser
alguém”, gerada pelo sistema econômico e pelas relações sociais, mas toma para si a
responsabilidade de “ser bem-sucedido”, acreditando que se não tiver força de vontade e
se esforçar não será capaz de alcançar o sucesso profissional.
Ao participar desses projetos pude perceber o quanto o momento da escolha é
vivenciado pelos jovens de forma inquieta, e esse sentimento aumenta na medida em
que também surgem novas profissões no mercado de trabalho. No decorrer do processo
de orientação profissional, a maioria dos jovens tem como único objetivo decidir qual
carreira seguir. E isso pode fazer com que o profissional que atua nessa área reduza seu
papel à “descoberta” da profissão que o jovem deveseguir, adotando uma postura de
diagnóstico das “vocações”, ao invés de adotar uma postura crítica que procure
conscientizar os jovens sobre a realidade social, e conseqüentemente, de suas
possibilidades e limitações no processo de escolha, tomando-o como o sujeito que
escolhe e por isso trabalhando para fortalecê-lo como tal.
Essa realidade se acirra nas camadas pobres, nas quais os aspectos ideológicos
são os mesmos (esforço pessoal, aproveitamento individual de oportunidades, aptidões
inatas) e as condições de vida não favorecem sua comprovação.
Nossa sociedade tem sofrido grandes modificações quanto às possibilidades de
escolha profissional, e é necessário que a área de orientação profissional acompanhe
15
esse movimento, visando atender à demanda que solicita a prestação desse serviço,
enriquecendo os sentidos construídos e atuando com base em uma perspectiva crítica,
que favoreça a compreensão de que a escolha é um processo multideterminado.
Marques relaciona essas transformações sociais vivenciadas na atualidade com
as seguintes mudanças
O aumento dos jovens que frequentam faculdades e
universidades é um fenômeno recente no Brasil. A partir da
década de 80, ocorreu um aumento expressivo no número de
universidades e, com a ampliação de vagas no ensino médio,
verificou-se um aumento na procura por vagas em
universidades [...] na educação superior. (2007, p. 2)
Em decorrência desses fatores, a procura pelo serviço de orientação profissional
aumentou significativamente, assim como, a preocupação em oferecer um trabalho de
qualidade nessa área de atuação.
Segundo Bastos, “[...] o aumento da oferta de ensino médio público no Brasil
tem feito com que milhares de jovens, que antes não tinham acesso a esse nível de
ensino, tenham a oportunidade de cursá-lo [...](2005, p. 31). Assim, a autora também
enfatiza a questão da ampliação de vagas oferecidas nas últimas décadas para os
estudantes do ensino médio.
No entanto, Bastos enfatiza que “[...] entre a escolha profissional realizada e a
efetivação da mesma, um caminho repleto de fatores condicionantes que podem
interferir na realização do curso ou da profissão desejada” (2005, p. 31).
Segundo S. Bock,
A psicologia do início do século, principalmente aquela que se
debruça sobre [...] o trabalho, tem a missão de sedimentar e de
perpetuar a ideologia liberal que sustenta o capitalismo, ao
canalizar para o indivíduo todas as responsabilidades pelo seu
progresso, deixando incólume a estrutura social, isto é,
encobrindo injustiças e a exploração inerentes ao modo de
produção. (2002, p. 53)
A orientação profissional, no campo da Psicologia, que surge na sociedade
industrializada e capitalista, visa atender a ideologia que prega valores que contribuem
para a reprodução das classes e da desigualdade social. As pressões sociais, os ideários
16
liberais e a valorização do capital para que se faça a “escolha certa” aumentam os
sentimentos de insegurança e indecisão no processo de orientação profissional. Assim, o
medo do fracasso profissional, ou seja, de não conseguir “chegar lá”, passa a ser uma
constante no pensamento do jovem, fazendo-o pensar, sentir e agir no contexto social.
Nos últimos anos, a expansão na procura por um curso superior ou técnico
também ampliou a demanda que solicita a prestação desse serviço e trouxe a
necessidade de se (re) pensar as práticas em orientação profissional, incluindo o
conhecimento sobre outras camadas sociais e seu processo de escolha.
Decidimos pela realização de uma pesquisa fundamentada na perspectiva crítica
da psicologia sócio-histórica, com recorte bastante específico, ou seja, investigar os
sentidos que os jovens de baixa renda possuem sobre a escolha da profissão. Esse
estudo pode colaborar para a reflexão de como o programa de orientação profissional
pode atender a esta população que sempre esteve excluída desta área de atuação e quais
os desafios que deveremos enfrentar neste trabalho dada a situação especificada desta
camada social.
O presente estudo pretende contribuir para que a orientação profissional seja um
instrumento crítico de transformação da sociedade a partir de uma prática crítica e de
uma militância na área a favor de políticas públicas que atendam às necessidades reais
de toda a população que precisa da prestação deste serviço. Pretendemos, ainda,
incentivar outras pessoas a conhecerem melhor a orientação profissional, tendo em vista
que isso pode contribuir para a compreensão de seus reais objetivos e possibilidades no
contexto social.
Também consideramos importante destacar que nosso estudo tem como sujeitos
jovens de camada pobre, e existem poucas pesquisas com esta população. Por fim,
acreditamos que discutir a questão da escolha a partir da concepção sócio-histórica de
homem e de sociedade no âmbito da Psicologia da educação irá contribuir para o avanço
da área de orientação profissional.
17
Objetivos da pesquisa e estrutura do trabalho
Após formularmos o problema de pesquisa e justificarmos a relevância do tema,
estabelecemos o objetivo do presente estudo: analisar os sentidos que os jovens de baixa
renda, que participaram de um programa de orientação profissional,
4
têm sobre a
escolha da profissão. O fato de terem participado de um Programa de Orientação
Profissional está colocado como condição importante, na medida em que se acredita que
o processo vivido no Programa possibilitou ampliação da compreensão das
determinações e ressignificações da escolha pelo grupo de jovens. A nossa investigação
conta com sujeitos que tiveram a oportunidade de acrescentar aspectos específicos da
escolha profissional aos sentidos constituídos.
Para a realização do trabalho, consideramos a escolha da profissão como um
processo determinado por múltiplos fatores, culturais, econômicos, sociais, históricos e
individuais e o sujeito que escolhe como constituído ativamente na sua inserção nas
relações sociais e na cultura. Dessa forma, seguindo os pressupostos da psicologia
sócio-histórica, rompemos com a dicotomia objetivo-subjetivo e passamos a estudar o
sujeito em sua totalidade. Sílvio Bock (2002 e 2008) nos auxilia na compreensão da
historicidade do sujeito no contexto da orientação profissional.
A partir do pressuposto metodológico e dos objetivos, estruturamos nosso
trabalho da seguinte forma:
Capítulo I Embasamento Teórico-Metodológico da Pesquisa. Neste capítulo,
trazemos um breve histórico de Lev Semiónovich Vigotski
5
, principal teórico da
perspectiva cio-histórica
6
e suas contribuições para a psicologia. Também discutimos
a concepção de homem e as categorias linguagem e pensamento, mediação, sentido,
significado, necessidades e motivos, que serviram de embasamento para a análise do
nosso estudo.
4
É importante ressaltar que o programa do qual os jovens da nossa pesquisa participaram foi realizado em
2008 e oferecido por uma ONG através do Programa Acreditar, realizado em São Paulo. Esse programa
tem como um de seus objetivos incentivar o acesso de jovens de grupos socialmente desfavorecidos, em
especial da população afro-descendente, ao ensino superior e ao ensino técnico públicos.
5
Nas bibliografias existentes, podemos encontrar diferentes formas de grafia para o nome de Lev
Semyonovitch Vygotski: Vygotski, Vygotsky, Vygotskii, Vygotski, Vigotsky. Nesta pesquisa,
adotaremos a grafia VIGOTSKI, no entanto, preservaremos a grafia adotada nas referências bibliográficas
consultadas.
6
Alguns autores utilizam outras terminologias como: histórico-cultural, sociocultural, sócio-histórico-
cultural, dentre outras. No presente trabalho, adotaremos a terminologia sócio-histórica.
18
Capítulo II Dialogando com algumas pesquisas em orientação profissional.
Realizamos um levantamento de estudos realizados na área, pelos autores Ferretti
(1988), Pimenta (1984), Ribeiro (2003), Aguiar e Ozella (2003), Bastos (2005), S. Bock
(2002 e 2008), dentre outros. É importante considerar que todos os trabalhos abordaram
o tema tendo como sujeitos jovens de baixa renda.
Capítulo III A Orientação Profissional em questão. Neste capítulo,
contextualizamos o surgimento e a evolução da orientação profissional e buscamos
apresentar as teorias nessa área de atuação.
Capítulo IV O trabalho. Buscamos descrever a caracterização dos diversos
modos de produção de acordo com a época e a sociedade. Partimos da organização do
trabalho da sociedade primitiva até a modernidade com o fim do Estado do bem estar
social e o surgimento do neoliberalismo.
Capítulo V A adolescência. Abordamos o fenômeno da adolescência na visão
predominante, difundida pela psicanálise por teóricos como Erickson (1976),
Aberastury e Knobel (1981), dentre outros. Procuramos trazer informações sobre o
surgimento da adolescência a partir da contribuição de Ariès (1981) e buscamos
conceituar o fenômeno de acordo com a perspectiva de homem da perspectiva sócio-
histórica, considerando as determinações sociais que Clímaco (1991) apontou em seu
estudo que contribuíram para o surgimento da adolescência.
Capítulo VI – Adolescência/juventude e trabalho. Neste capítulo, trazemos
dados estatísticos importantes a partir de pesquisas realizadas, sobre aspectos que
caracterizam a adolescência no Brasil.
Capítulo VII – A pesquisa. Apresentamos os nossos sujeitos, os procedimentos e
os instrumentos utilizados para a realização do estudo.
Capítulo VIII Apresentação e análise dos dados. Neste capítulo,
apresentamos a fala dos sujeitos e realizamos a análise das entrevistas.
19
CAPÍTULO I
EMBASAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade.
Leontiev (1978, p. 282)
Neste capítulo, apresentamos as principais idéias do referencial teórico da
psicologia sócio-histórica adotado para a realização desta pesquisa. Para esta tarefa,
referenciar-nos-emos na obra de Vigotski, introduzindo autores mais atuais que
desenvolvem a referida perspectiva.
1.1. Contexto Histórico e surgimento da psicologia sócio-histórica
Ler Vygotsky é, com certeza, um exercício de reunir e se apropriar
da fertilidade das descobertas de um estudioso inquieto e obstinado,
que dedicou sua vida ao esforço de romper, transformar e ultrapassar
o estado de conhecimento e reflexão sobre o desenvolvimento
humano de seu tempo.
Rego (1995, p. 17)
A Psicologia Sócio-Histórica se fundamenta, principalmente, nas idéias de
Vigotski, considerado um dos mais importantes teóricos da psicologia soviética do
início do século XX. O contexto histórico no qual Vigotski viveu na antiga URSS,
influenciou de forma decisiva seus estudos e os de seus colaboradores, tendo como foco
de suas preocupações o desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, como
resultado de um processo sócio-histórico. Nessa época, a Psicologia atravessava um
momento significativo, pois a consolidação da Revolução Russa influenciou no
surgimento de uma nova sociedade e na busca de novas explicações para a compreensão
do homem.
Wertsch (1988), autor considerado uma das referências na apropriação dos
trabalhos de Vigotski no Ocidente, destaca que
Vygotsky fue capaz de agrupar diferentes ramas del conocimiento
en un enfoque común que no separa a los individuos de la situación
sociocultural en que se desenvuelven. Este enfoque integrador de
los fenómenos sociales, semióticos e psicológicos tiene una capital
importancia [...]. (p. 34)
Dessa forma, preocupou-se em entender o homem em sua totalidade, buscando
compreender a constituição do sujeito inserido em uma determinada cultura e ao mesmo
20
tempo com uma abordagem alternativa para a psicologia, iniciou seu estudo crítico da
Psicologia. Para Vigotski, o desenvolvimento psicológico dos homens é parte do
desenvolvimento histórico geral da nossa espécie e assim deve ser entendido. A
aceitação dessa proposição significa termos de encontrar uma nova metodologia para
a experimentação psicológica” (2000, p. 80).
Nas primeiras décadas do século XX, a ciência psicológica atravessava uma
situação de crise, pois estava dividida em duas posições totalmente contrárias: “um
ramo que poderia explicar os processos elementares sensoriais e reflexos e um outro
com características de ciência mental, que descreveria as propriedades emergentes dos
processos psicológicos superiores” (Cole & Scribner, 1984, p. 6). Assim, a psicologia
ora se voltava para a abordagem natural, ora para a abordagem mental. Dessa forma, a
teoria de Vigotski foi uma alternativa a essas duas correntes psicológicas, considerando
o indivíduo em sua totalidade (biológico-social). Buscou a síntese de ambas as
correntes. "[...] a abordagem que busca uma síntese para a psicologia integra, numa
mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser
social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico."
(Oliveira, 1995, p. 23) Vigotski criticou tanto as psicologias idealistas quanto as
objetivistas mecanicistas e defendia que o homem deveria ser considerado em sua
totalidade dialética. O autor ao desenvolver sua teoria se opõe ao método idealista e
parte da interpretação marxista do conhecimento teórico e do historicismo.
Baseia-se também nas idéias de Spinoza, Hegel, Engels, e Lênin; busca
estruturar uma psicologia inspirada no materialismo-dialético, encara o ser humano
como constituído pelas circunstâncias, pelo ambiente físico e social em que está
inserido, aplicando os princípios do marxismo aos problemas da Psicologia.
1.2. A perspectiva vigotskiana e a concepção de homem e mundo
[...] as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem
as circunstâncias. Esta soma de forças de produção, de capitais, de
formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração
encontram como algo dado, é o fundamento real daquilo que os
filósofos representaram como “substância” e “essência do homem.
(Marx e Engels, 1996, p. 56)
Ao propor um novo método para a psicologia Vigotski enfatizou que este é ao
mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo. Assim, o
seu método de análise psicológica propõe “[...] uma análise do processo em oposição a
21
uma análise do objeto [...] uma análise descritiva e não explicativa e uma análise do
desenvolvimento que reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem o
desenvolvimento de uma determinada estrutura. (2000, p. 86)
Vigotski propôs-se a estudar como o indivíduo se constitui, ou seja, seu objetivo
era compreender como o indivíduo se constitui na interação com o mundo físico e
social. Para ele, o homem não nasce pronto para viver em sociedade, pois necessita de
condições adequadas em seu meio que lhe assegurem um aprendizado satisfatório para
viver e se desenvolver em seu meio social.
Segundo Leontiev (1978), autor que fez parte do grupo de Vigotski, no processo
de desenvolvimento do psiquismo é preciso considerar que esse desenvolvimento
depende das condições concretas da vida da criança. Leontiev não busca no interior do
próprio sujeito as explicações para o desenvolvimento do psiquismo, mas na atividade
social, nas circunstâncias concretas da vida, nas relações sociais e humanas. O autor traz
para o plano ontogenético um dos fundamentos marxistas que, referindo-se ao
desenvolvimento humano de forma geral, afirma que as mudanças históricas sociedade
e na vida material produzem mudanças na consciência e no comportamento humano.
Para Vigotski, o desenvolvimento humano não está previamente pronto, ou seja,
não é inato, mas é construído na inserção do indivíduo nas atividades e relações sociais.
Assim, seu trabalho volta-se para a compreensão do desenvolvimento humano em todas
as suas dimensões.
Segundo Oliveira (1995), Vigotski caracteriza o funcionamento psicológico dos
indivíduos da espécie humana através de seus postulados, os quais ele denomina como
planos genéticos de desenvolvimento.
Vigotski propôs um método no qual considerava que, para compreender o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores é preciso um estudo sobre a pré-
história do desenvolvimento cultural da conduta humana. Sendo que os fatores
biológicos e culturais devem ser compreendidos a partir dos planos da filogênese,
sociogênese, ontogênese e microgênese.
22
No quadro
7
a seguir podemos visualizar as dimensões por ele consideradas:
FILOGÊNESE ONTOGÊNESE SÓCIOGÊNESE MICROGÊNESE
Desenvolvimento
(evolução) da espécie
humana.
Desenvolvimento do
indivíduo, nos grupos
sociais.
Desenvolvimento dos
grupos sociais
(sociedade).
Desenvolvimento de aspectos
específicos do repertório
psicológico dos sujeitos
(Funções psicológicas
superiores).
Wertsch (1988) ressalta que Vigotski desenvolveu a maior parte do seu trabalho
sobre o funcionamento psicológico elementar e superior dentro do domínio
ontogenético. No entanto, enfatiza que “[...] La ontogénesis puede entenderse
solamente como parte de um cuadro más amplio, integrador de los diferentes domínios
genéticos” (p. 44). Nesse sentido, o processo de desenvolvimento e transformação dos
indivíduos ocorre ao longo de toda a sua vida e é resultado da interação dos quatro
planos genéticos: filogênese, ontogênese, sociogênese e microgênese.
Vigotski (2000) baseia-se nas idéias de Darwin
8
e postula que a filogênese
refere-se à história da espécie humana e esta define as possibilidades e limites do
desenvolvimento, ou seja, se refere às capacidades biológicas próprias do psiquismo
humano. A ontogênese diz respeito à seqüência de atividades do desenvolvimento
natural e biológico da espécie; é durante esse processo de desenvolvimento que o
indivíduo apropria-se dos conhecimentos produzidos pela humanidade. A sociogênese
refere às diferentes formas culturais que interferem no funcionamento psicológico do
indivíduo, servindo de alargamento das potencialidades humanas, e a microgênese está
relacionada a história particular de cada fenômeno psicológico, destacando a
singularidade e a heterogeneidade de cada indivíduo.
É importante ressaltar que para compreender o comportamento e
desenvolvimento do indivíduo temos que levar em consideração todas as dimensões que
constituem o sujeito. Na teoria vigotskiana, para compreender o ser humano é
necessário analisar a espécie humana, as condições sociais em que ele vive e o sujeito
em si.
7
Fonte: Elaboração da própria autora.
8
Ao referir-se a filogênese Vigotski baseia-se na teoria da Evolução das Espécies do médico e filósofo
inglês Charles Robert Darwin, que revolucionou a ciência com a teoria da evolução e a idéia da seleção
natural. O teórico publicou em 1859 seu livro conhecido hoje como "A Origem das Espécies".
23
O homem é produto e produtor de sua história e necessita de condições
adequadas em seu meio que lhe assegurem um aprendizado satisfatório para viver e se
desenvolver em seu meio social. É a partir da interação com outros homens e com a
cultura por meio da mediação de instrumentos físicos e simbólicos que o ser humano irá
humanizar-se. Nesse sentido, Aguiar e Ozella (2006) ressaltam que o homem é um ser
ativo, social e histórico. Essa é a sua condição humana e assim constituirá suas formas
de pensar, sentir e agir: sua consciência.
Dessa forma, a atividade do homem ao mesmo tempo em que afeta o mundo
social afeta a si próprio. No entanto, ao ser afetado pelo mundo, o aparato psicológico
do sujeito não registra mecanicamente o que viveu, ou seja, o homem não é mero
reflexo de suas experiências sociais, mas ao contrário, apropria-se do mundo e
transforma o que viveu em uma experiência única e singular. A forma como cada ser
humano pensa, sente e age é singular, mas, constitui-se pelo social. Podemos dizer,
assim, que o mundo interno-externo, objetivo-subjetivo se complementam constituindo-
se em uma totalidade. Ao mesmo tempo o homem constitui o social e é constituído por
este. Assim, em nosso trabalho, consideramos ser relevante reafirmar que “o homem é
100% social [...] e 100% singular [...]” (CHARLOT, 2000, p. 51).
Vigostski, que tomou como desafio a construção de um pensamento alternativo
ao dominante no início do século XX, introduz em sua contribuição o pensamento
dialético e desenvolve uma teoria crítica à concepção naturalizante do psiquismo que a
psicologia vinha constituindo desde seu surgimento. O fenômeno psicológico, na visão
naturalizante, foi fortemente influenciado pelo ideário liberal que surge com o advento
do sistema capitalista, e essa visão ainda permanece nos dias atuais.
É o fenômeno que existe em nós, como estrutura, processo,
expressão, ou qualquer uma de suas conceituações, porque
somos humanos e ele pertence a nossa natureza. Fica então
naturalizado o fenômeno psicológico como algo que lá está
como possibilidade, quando nascemos, algo que está pronto
para desabrochar. (BOCK, A. 2001, p. 22)
Bock, A. ressalta que o fenômeno psicológico na psicologia sócio-histórica, se
desenvolve ao longo de tempo e afirma que este: “não pertence a natureza humana; não
é preexistente ao homem e reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem
os homens” (2001, p. 22).
24
Nessa concepção, o aspecto biológico não é suficiente para o desenvolvimento
do indivíduo, pois este precisa se apropriar dos elementos da vida coletiva para
sobreviver, se desenvolver e satisfazer suas necessidades.
[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza
lhe quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É
lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV,
1978, p. 267)
A
relação homem-sociedade sempre foi mediada. A mediação se constitui como
uma das principais categorias que constituem a psicologia sócio-histórica, sendo
necessária como categoria, na medida em que, segundo Aguiar e Ozella (2006),
permite:
[...] romper com as dicotomias interno-externo, objetivo-
subjetivo, significado-sentido, assim como afastar-nos das
visões naturalizantes (...). Por outro lado, possibilita-nos uma
análise das determinações inseridas num processo dialético,
portanto, não casual, linear e imediato, mas no qual as
determinações são entendidas como elementos constitutivos do
sujeito. (p. 225)
Vigotski considera a mediação como “o processo de intervenção de um
elemento intermediário numa relação; a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada
por esse elemento” (OLIVEIRA, 1995, p. 26). O ato passa a ser complexo e mediado e
pode ser representado da seguinte forma: S -> X -> R
9
. Nesta teoria, a humanização
consiste em converter o plano biológico em social, através da incorporação da cultura.
Assim como o mediado se transforma, o próprio mediador também é alterado neste
processo, na medida em que se relaciona com o mediado.
Referimo-nos à mediação, como afirma Severino (2001), “a uma instância que
relaciona objetos, processos ou situações entre si; a partir daí o conceito designará um
elemento que viabiliza a realização do outro que, embora distinto dele, garante sua
efetivação, dando-lhe concretude” (p. 44). Assim, a mediação não tem como objetivo
servir apenas de ponte ou ligar o singular ao social, mas vai além ao ser o centro de
organização desses elos. A mediação traz a idéia de intermediação de coisas interpostas,
ou seja, a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada. Desta forma, a
mediação é complexa e não ocorre de maneira linear e estática.
9
S=Estímulo
R= Resposta
X= Elo intermediário ou elemento mediador. (OLIVEIRA, 1997, p. 27)
25
A mediação ocorre a partir de dois tipos de elementos mediadores: instrumentos
técnicos
10
e os signos
11
. É importante ressaltar que Vigotski, influenciado pelas idéias
de Marx, considera que é o trabalho que diferencia o ser humano das outras espécies. O
trabalho é o que gera a organização e a atividade coletiva e, para isso, o homem domina
a natureza e transforma o meio social em que vive. Nesse sentido, os instrumentos são
os objetos sociais, que ampliam as possibilidades de transformação e controle da
natureza. A mediação por instrumentos é o fato de que os humanos se relacionam com
as coisas do mundo usando ferramentas ou instrumentos intermediários.
Os signos são formas posteriores de mediação que representam a realidade e
fazem uma mediação de natureza simbólica. Os signos são os elementos que
representam ou expressam outros objetos, eventos ou situações. De acordo com Aguiar
e Ozella (2006, p. 6) “[...] o signo [...] representa o objeto na consciência [...] é uma
forma privilegiada de apreensão do ser, pensar e agir do sujeito”. Os signos são
compreendidos como instrumentos internalizados, são análogos aos instrumentos
concretos, mas dirigem-se a auxiliar nos processos psicológicos. Diferentemente dos
instrumentos, os signos não transformam o meio, mas interferem e transformam os
outros homens que estão em relação, sendo instrumentos de transformação social. Os
signos podem ser representados por sinais (marcas físicas) ou símbolos (instrumentos
culturais).
1.3. As funções psicológicas superiores na psicologia sócio-histórica
A apropriação da cultura origem às formas especiais de conduta, modifica a
atividade das funções psicológicas superiores e cria novos níveis de desenvolvimento
humano. Segundo Leontiev (1978), a formação das funções psicológicas superiores,
tipicamente humanas, ocorre por meio do processo de apropriação dos bens culturais e
materiais é na ontogênese, que os indivíduos precisam apropriar-se dos significados das
gerações passadas essa apropriação faz os homens tornarem-se humanos, diferenciando-
se dos demais animais.
10
Artefato criado pelo homem com o objetivo de agir sobre o mundo natural e transformá-lo.
11
Constituem-se em sistemas inventados e compartilhados pelos homens, a fim de facilitar a
comunicação e representar a percepção que possuem do mundo e deles mesmos.
26
Segundo Vigotski (1998), cada função psicológica superior aparece duas vezes:
primeiramente no vel social, no interpsicológico e mais tarde internalizada, nível
denominado intrapsicológico. Inicialmente ocorre entre as pessoas, portanto, antes do
conhecimento ser individual é social, como função coletiva, como forma de colaboração
e interação com o meio social. O autor esclarece que, no desenvolvimento psíquico do
homem, há a primazia do princípio social sobre o princípio natural-biológico.
Vigotski distingue dois níveis de organização das funções psíquicas: as
biológicas ou inferiores são involuntárias, e as funções psíquicas superiores, que são
voluntárias, sociais e complexas. Para o teórico, o indivíduo nasce com as funções
psicológicas elementares, que são involuntárias, biológicas e imediatas. Vigotski afirma
que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do
indivíduo, nem são meros resultados das pressões do meio externo. Elas resultam da
interação dialética do homem e seu meio sociocultural. O autor afirma que “as funções
superiores diferentemente das inferiores, no seu desenvolvimento, são subordinadas às
regularidades históricas” (2000, p. 23). Assim, ao mesmo tempo em que o ser humano
transforma o seu meio, para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si
mesmo. O contato com o ambiente social é o que possibilita a aquisição das funções
psicológicas superiores: ações concretamente controladas, pensamento abstrato,
memória, atenção voluntária, capacidade de planejamento etc. O mais importante desse
tipo de comportamento é o seu caráter voluntário e intencional (BOCK, A. et al., 1994).
É importante ressaltar que o homem, a partir de seu desenvolvimento e
necessidades, foi capaz de transformar a natureza biológica em cultura, o que o
possibilitou diferenciar-se dos outros seres vivos. O que o impulsionou a transformar a
natureza em cultura foi o trabalho, que teve em sua base a necessidade de sobrevivência.
Pino afirma que
O trabalho [...] constitui para Marx [...] o salto evolutivo que
permite ao homem fazer da realidade natural uma realidade
cultural ou humana. Isto ocorre quando o homem produz os
instrumentos para agir sobre a natureza e criar suas próprias
condições de existência, assumindo assim o controle da própria
evolução que é sua história. (2000, p. 58)
Para Marx, o trabalho é constituído por três elementos: a atividade pessoal do
homem, o objeto sobre o qual age e o instrumento ou meio pelo qual age. Assim, a
27
generalidade do trabalho pode ser estendida a qualquer tipo de atividade humana. A
criação dos instrumentos pelo homem tem como objetivo a solução dos problemas e o
desenvolvimento da espécie. Assim como a cultura, a utilização dos instrumentos é
mediada pelos homens, através das gerações, e é o que possibilita a sofisticação do
conhecimento. Assim, o trabalho é uma construção (criação) da espécie humana, que
ocorre a partir da transformação da natureza e que tem por finalidade a satisfação das
suas necessidades e a evolução dos homens.
Para Vigotski, instrumentos e signos constituem dois mediadores universais das
relações entre os homens e com o mundo. Embora sendo diferentes em seu desempenho
e natureza, instrumentos e signos são processos que possuem relações interdependentes
e não podem ser dissociados. O autor ressalta que, inicialmente, os signos são
independentes da consciência individual (são sociais e externos), no entanto, são
apreendidos e interiorizados pelo sujeito, possibilitando sua própria auto-regulação. O
desenvolvimento do psiquismo humano depende da apreensão dos signos que são frutos
da ação e cultura humana.
Como Vigotski (1995), acreditamos que o signo “es un medio para (...) actividad
interior, dirigida a dominar el proprio ser humano: (...) e esta orientado para dentro (...)”
(p. 94). Desta forma, inferimos que o signo é internalizado como importante
instrumento psicológico favorecedor/possibilitador da autodeterminação e da auto-
regulação.
Concordamos com Aguiar e Ozella (2003), quando afirmam que:
(...) os signos, instrumentos psicológicos, são constitutivos do
pensamento, não para a comunicação, mas como meio de
atividade interna. A palavra, signo por excelência, representa o
objeto na consciência. Podemos deste modo, afirmar que os signos
representam uma fórmula privilegiada de apreensão do ser, pensar e
agir do sujeito. (p. 258)
É a partir da significação que o homem atribui um significado compartilhado ao
mundo, a ele próprio e à natureza. A significação é que permite a transformação ou
manutenção da realidade social. A significação converte o fato natural em cultural e
possibilita a passagem do plano social para o pessoal.
28
[...] O poder de significar é o poder de criar as coisas, uma vez
que estas só têm existência para o homem quando este as
nomeia, ou seja, atribui-lhes uma significação. As coisas e o
próprio homem são, no sentido de existir, na medida em que
significam algo para o homem. Talvez seja essa a real função
das funções psicológicas superiores: significar.
(
PINO, 2000,
p. 56)
1.4. Pensamento e linguagem
O Pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza.
Vygotsky (2000, p. 409)
A linguagem e o pensamento são processos psicológicos superiores constituintes
da consciência. Segundo Marx (1996, p. 43), “a linguagem é tão antiga quanto à
consciência a linguagem é a consciência real, prática, que existe também para os
outros homens, que existe, portanto, também primeiro para mim mesmo e a linguagem
nasce, como a consciência, da carência, da necessidade de intercâmbio com outros
homens” (p. 24). Marx ressalta que a linguagem, a consciência e o pensamento surgiram
em meio às relações dos homens no trabalho coletivo. Assim, a necessidade de
comunicação para o desenvolvimento humano e para a dominação de uns sobre os
outros, fez emergir o pensamento e a linguagem.
A linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. O
desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento ocupam lugar central
na obra de Vigotski. A linguagem possui duas funções: intercâmbio social (possibilita a
comunicação entre os homens e impulsiona o desenvolvimento social) e pensamento
generalizante. Rego (2007) enfatiza que: “a linguagem é um signo mediador por
excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura
humana” (p. 42). A linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma
mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual. É
essa função generalizante que torna a linguagem um instrumento de pensamento: a
linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a
mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento.
o pensamento, segundo Vigotski (2000) “tem a função de operação de
planejamento, de solução de tarefas que surgem no comportamento” (p. 136). Para o
autor “[...] toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais
autêntico e indiscutível do pensamento” (p. 398).
29
Vigotski considerou dois processos como precursores do pensamento e da
linguagem humana: fase pré-verbal (desenvolvimento de pensamento) e fase pré-
intelectual (desenvolvimento de linguagem). Segundo Oliveira, a fase pré-verbal do
desenvolvimento do pensamento ocorre
[...] de forma semelhante ao chimpanzé a criança exibe uma espécie
de inteligência prática que permite a ação no ambiente sem a
mediação da linguagem [...] antes de dominar a linguagem, a criança
demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar
instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados
objetivos.
(1995, p. 46)
Nessa fase, o uso da linguagem (sons, gestos) é pré-intelectual no sentido de que
ela não tem ainda função de signo, funciona como meio de expressão e comunicação
com os outros (Oliveira, 1995). Quando a trajetória do pensamento se une à trajetória da
linguagem, o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. Podemos observar
como ocorre essa união nas figuras
12
a seguir:
O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é
um momento crucial no desenvolvimento do homem, momento em que o biológico
transforma-se no sócio-histórico. Por volta dos dois anos, o percurso do pensamento
encontra-se com o da linguagem, e inicia-se uma nova forma de funcionamento
psicológico: a fala torna-se intelectual, com função simbólica e generalizante, e o
pensamento torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem.
Vigotski distingue dois componentes da palavra: o significado e o sentido, que
serão tratados na seqüência do trabalho.
12
Fonte: figura elaborada pela própria autora.
Linguagem
Pensamento
Pensamento
verbal e
Linguagem
racional
Linguagem
Pré-intelectual
Pré-verbal
30
1.5. Significados e Sentidos
[...] o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa,
que tem várias zonas de estabilidade variada [...] o significado é
apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire no
contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável,
uniforme e exata. (Vygotsky, 2000, p. 465)
As categorias sentido e significado, utilizadas nessa pesquisa, colaboram para a
compreensão do processo de constituição do indivíduo e para a análise metodológica.
As categorias significado e sentido não se excluem; ao contrário, se articulam. No
entanto, vamos verificar o significado de cada uma em separado, pois estas possuem
especificidades distintas.
É o significado que faz a mediação entre o pensamento e a linguagem, ou seja,
permite a relação entre essas duas instâncias.
O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na
medida em que o pensamento está relacionado à palavra e nela
materializado, e vice-versa: é um fenômeno de discurso apenas na
medida em que o discurso está vinculado ao pensamento e
focalizado por sua luz. É um fenômeno do pensamento discursivo
ou da palavra consciente, é a unidade da palavra com o pensamento.
(VYGOTSKY, 2000, p. 398)
Para Vigotski (2000), no campo psicológico o significado se relaciona a uma
generalização, um conceito. O autor enfatiza que o que é internalizado não é o objeto
em si (a materialidade), mas o significado que transforma o natural em cultural. O
significado refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de
desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de
compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. Segundo
Aguiar e Ozella (2006), os significados constituem o processo de produção social,
cultural e pessoal:
[...] são, portanto, produções históricas e sociais. São eles que
permitem a comunicação, socialização de nossas experiências.
Muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles
também se transformam no movimento histórico, momento em
que sua natureza anterior se modifica, alterando,
consequentemente, a relação que mantêm com o pensamento,
entendido como um processo [...] referem-se assim, aos
conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são
apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas
próprias subjetividades.
(2006, p. 226)
31
Dessa forma, os significados são produzidos histórica e socialmente, pois são os
conteúdos instituídos e compartilhados. Os significados, assim como os sentidos,
colaboram para a compreensão da constituição do sujeito, ou seja, sua subjetividade.
Contudo, para realizar uma análise mais aprofundada do sujeito é necessário nos
aproximarmos dos sentidos que constituem sua fala.
Cada indivíduo vivencia suas experiências de forma singular e própria. Ocorre
uma apropriação particular do significado, a qual Vigotski denomina sentido. O sentido
é inconstante, instável. Para Aguiar e Ozella, as zonas de sentido são mais profundas,
fluidas e instáveis. Os autores afirmam que “o sentido é muito mais amplo que o
significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o
sujeito produz frente a uma realidade” (2006, p. 226). Para os autores,
O sentido refere-se às necessidades que, muitas vezes, ainda não se
realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu ser,
geram formas de colocá-lo na atividade. A categoria sentido destaca
a singularidade historicamente construída. (2006, p. 227)
Segundo Duarte (2005), o sentido, refere-se ao significado da palavra para cada
indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às
suas vivências pessoais. Para exemplificar, podemos pensar no significado de gravidez
em nossa sociedade. Temos como valor atribuído a este estado feminino saudável,
positivo e até sagrado. No entanto, este significado não é compartilhado por todas as
mulheres e pessoas, isso ocorre a partir da singularidade e experiência de vida
particular.
González Rey (2003) colabora com a compreensão do sentido, afirmando que
este
[...] é responsável pela grande versatilidade e formas diferentes
de expressão no nível psíquico das experiências histórico-
sociais do sujeito. O sentido é subversivo, escapa do controle, é
impossível de predizer, não está subordinado a uma lógica
racional externa [...] se impõe à racionalidade do sujeito, o que
não implica a sua associação só ao inconsciente [...], pois o
mesmo sentido transita por momentos conscientes e
inconscientes, até mesmo de forma contraditória. (p. 252)
Finalmente, devemos destacar que a apreensão dos sentidos do sujeito é uma
tarefa complexa. Aguiar e Ozella (2006) afirmam que este homem
32
[...] constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana
de existência, revela em todas as suas expressões a historicidade
social, a ideologia, as relações sociais, o modo de produção. Ao
mesmo tempo, esse mesmo homem expressa a sua singularidade, o
novo que é capaz de produzir, os significados sociais e os sentidos
subjetivos.
(p. 223)
Os autores fazem mais uma ressalva ao pontuar que o pensamento é sempre
emocionado e que este nunca será desvelado totalmente, pois, devido a sua
complexidade nem o sujeito consegue captar porque pensa, sente e age de tal forma.
1.6. As categorias necessidades e motivos constituintes da subjetividade
[...] a análise do pensamento pressupõe necessariamente a
revelação dos motivos, necessidades, interesses, que orientam o
seu movimento [...] destacamos a importância de agregarmos a
noção de necessidade e motivos para a compreensão do sujeito
e assim dos sentidos.
Aguiar e Ozella (2006, p. 9)
A discussão teórica sobre as categorias necessidades e motivos é relevante, pois,
ajuda na compreensão do movimento do sujeito no processo de constituição dos
sentidos, ou seja, de sua subjetividade.
Como mencionamos nesse estudo, ao buscar a compreensão do indivíduo,
devemos considerá-lo em sua totalidade, ou seja, em todas as suas dimensões, biológica,
cognitiva e afetiva. Nesse sentido, Aguiar e Ozella (2006) postulam que não para
separar afeto e cognição.
Dessa forma, é importante ter cautela para não dicotomizar essas dimensões,
pois pode-se bloquear “o caminho para a explicação das causas do próprio pensamento,
a análise do pensamento pressupõe necessariamente a revelação dos motivos,
necessidades e interesses que orientam o seu movimento” (p. 227). Assim, para sair da
aparência na análise, devemos compreender os reais motivos, que são sempre
carregados de afetividade e volição.
As necessidades resultam a partir da articulação entre as dimensões biológica,
social e histórica do indivíduo. Segundo Aguiar e Ozella (2006),
As necessidades são entendidas como um estado de carência do
indivíduo que leva a sua ativação com vistas a sua satisfação,
dependendo das suas condições de existência. Temos, assim, que as
necessidades se constituem e se revelam a partir de um processo de
33
configuração das relações sociais, processo esse que é único,
singular, subjetivo e histórico ao mesmo tempo. Além disso, é
fundamental ressaltar que, pelas características do processo de
configuração, o sujeito não necessariamente tem o controle e, muitas
vezes, a consciência do movimento de constituição das suas
necessidades. Assim, tal processo pode ser entendido como fruto
de um tipo específico de registro cognitivo e emocional, ou seja, a
constituição das necessidades se de forma não intencional, tendo
nas emoções um componente fundamental. (p. 228)
O sujeito pode não se apropriar do que constitui a sua necessidade, pois esse
processo ocorre na dimensão afetiva e faz parte da condição do homem.
Segundo Vigotski,
Por trás de cada pensamento uma tendência afetivo-volitiva, que
traz em si a resposta do último “por que” da análise do pensamento.
Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é
possível quando se entende sua base afetivo-volitiva. (1998, p. 87)
Nesse sentido, para compreender o discurso de alguém não basta entender as
suas palavras e, sim, compreender o seu pensamento e que se conheça sua motivação.
Dessa forma, o autor ressalta que é relevante reconhecer a íntima relação entre o
pensamento e a dimensão afetiva.
Para Aguiar e Ozella (2006), a necessidade é um estado dinâmico que gera o
desejo do indivíduo na sociedade.
[...] vai se completar quando o sujeito significar algo no mundo
social como possível de satisfazer suas necessidades. sim, este
objeto/fato/pessoa vai se vivido como algo que
impulsiona/direciona, que motiva o sujeito para a ação na direção da
satisfação das suas necessidades. (p. 228)
Este estado emocional dinâmico direciona o indivíduo para a ação e possibilita o
processo de aproximação dos sentidos. Acreditamos que somente quando consideramos
o sujeito em sua complexidade é que podemos revelar sua essência saindo da aparência,
ou seja, sair do dito pelo sujeito, de seu discurso e desvelar o seu mundo interno
compreendendo o seu movimento, o que na realidade sente, pensa e faz, mas não
expressa verbalmente.
Para Aguiar (1995), “as necessidades [...] jamais podem ser compreendidas
como naturais e a-históricas, mas engendradas no e pelo movimento histórico, social e
político”.
34
Vigotski (1995) destaca que o que caracteriza o domínio da própria conduta
humana é a escolha, e essa é a essência do ato volitivo. Para o autor, falar de escolha
significa falar de um processo complexo e fundamental para o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores.
Segundo Aguiar (1995), nessa perspectiva
[...] a compreensão do homem se pela busca da gênese social do
individual, se quisermos apreender o processo de escolha, temos que
focar as mediações sociais e históricas constitutivas de tal processo e
observar como o sujeito configura tais determinações. A discussão
sobre a escolha pode ser enfrentada se situada na trama de um
debate que considere o histórico, o social, o ideológico e o subjetivo
como elementos, ao mesmo tempo, diferenciados e inseparáveis. (p.
14)
35
CAPÍTULO II
DIALOGANDO COM ALGUMAS PESQUISAS EM ORIENTAÇÃO
PROFISSIONAL
Na literatura consultada constata-se que estudos que abordam os cenários da
orientação e escolha profissional com recortes diferenciados. Um dos pontos em comum
que alguns estudos apresentam se refere à necessidade de novas formas de atuação em
orientação profissional, visando atingir os jovens oriundos de condição socioeconômica
desfavorecida.
Ferretti (1988) e Pimenta (1984) realizaram uma crítica à orientação profissional
tradicional, procurando desvelar o caráter ideológico que tais trabalhos contêm.
Ferretti (1988) publicou o livro Opção Trabalho: Trajetórias Ocupacionais de
Trabalhadores das Classes Subalternas, originalmente sua tese de doutorado. O autor
realizou o estudo com o objetivo de “examinar a inserção na População
Economicamente Ativa (PEA), bem como sua trajetória ocupacional, buscando
identificar e analisar as determinações desse processo no contexto sócio-econômico-
cultural em que ocorreu” (p. 2).
Para investigar a trajetória ocupacional dos participantes, foram selecionados
para a entrevista dez adultos inseridos no mercado de trabalho com idade entre 24 e 51
anos. Os participantes se inseriram no mercado de trabalho muito cedo, entre os 8 e 13
anos de idade. Em relação à escolaridade, apenas um consegue concluir o ensino médio.
Para os entrevistados, a ascensão na profissão independe do investimento na formação
ou cursos especializados. No entanto, almejam que os filhos permaneçam mais tempo
na escola, pois a partir disso existe a expectativa de que conseguirão conquistar postos
mais “valorizados” no mercado de trabalho e, conseqüentemente, que a família
conseguirá alcançar a ascensão social.
Ao concluir sua pesquisa, Ferretti aponta para o fato de que a trajetória
profissional dos entrevistados é permeada por “escolhas e não-escolhas”, pois as
“escolhas” dependem de condições socioeconômicas, mas, ao mesmo tempo, não se
constituem mero reflexo dessas determinações.
Pimenta (1984) no livro Orientação Vocacional e decisão: um estudo crítico da
situação no Brasil apresenta seu trabalho de dissertação de mestrado que foi elaborado
36
com o objetivo de identificar o significado real que a orientação profissional está sendo
chamada a desempenhar na educação brasileira.
Para a autora, a orientação profissional é um instrumento que colabora para a
manutenção da estrutura social e dominação da classe dominante. Nesse sentido,
Pimenta conclui que
[...] a decisão fica evidenciada como sendo de posse e controle
da classe dominante. A liberdade de decidir é da classe
dominante. Por isso, a classe a que o indivíduo pertence
determina a sua escolha vocacional. Portanto, aos orientadores
vocacionais de pouco adianta trabalhar ao nível da decisão
individual, se não for libertada a liberdade de decidir.
Compreendendo a liberdade como superação dos
determinismos [...] a orientação vocacional estará libertando a
liberdade de decidir na medida em que ajudar o indivíduo a
proceder a uma revisão radical das relações do trabalho e das
profissões numa dada sociedade. Para isto a própria orientação
vocacional precisa proceder a uma revisão radical de si mesma,
enquanto profissão. (1984, p. 124-125)
A partir dessas conclusões, podemos nos indagar quais os sentidos que os jovens de
baixa renda atribuem à escolha profissional? Como a orientação de fato pode contribuir
para a construção da escolha profissional desses sujeitos?
S. Bock (2002) argumenta que a escolha profissional é resultado de um processo
dialético influenciado por determinantes individuais e sociais. Em sua dissertação de
mestrado, realizou um estudo sobre a trajetória da escolha profissional de 16 jovens de
classe média que tinham participado seis anos de um programa de orientação
profissional realizado pelo próprio autor. O autor alerta para um fator relevante
referente ao
[...] limite das conclusões que porventura possam ser assumidas
em virtude da origem social classe média do participante
que usufrui do serviço oferecido e que foi investigado.
Entretanto, acredita que possam contribuir para a construção de
projetos específicos que atendam aos diversos grupos sócio-
econômicos interessados na questão, bem como contribuir na
esfera teórica da área. (p.2)
A pesquisa foi realizada a partir dos dados dos documentos produzidos pelos
próprios participantes durante o programa de orientação profissional. A análise
documental e entrevistas semi-estruturadas fizeram parte do desenvolvimento da
pesquisa. O autor utilizou como fundamento teórico a abordagem sócio-histórica, a
mesma da presente pesquisa
.
Ao concluir o estudo, Bock enfatiza que o programa de
orientação profissional colaborou para que os jovens fizessem suas escolhas de modo
37
mais consciente e seguro. Os jovens que participaram do programa de orientação
profissional e da pesquisa valorizaram a participação como uma oportunidade de
reflexão sobre o futuro e escolha profissional.
Sobre a questão da escolha, o autor conclui que mesmo sendo limitada, existe
certa possibilidade de escolha, já que o homem por um lado determina a estrutura social
e por outro é determinado por esta. S. Bock (2002) discute a questão da liberdade de
escolha ao fazer a seguinte afirmação:
De acordo com a classe social de origem do indivíduo, ele tem
mais ou menos liberdade para decidir, porém sempre será
multideterminada. Assim, para as pessoas das classes mais
privilegiadas, determinação social; portanto não se trata de
liberdade absoluta. Da mesma forma, para os indivíduos das
classes subalternas, possibilidade de intervenção sobre sua
trajetória; portanto não há determinação social absoluta. Na
perspectiva sócio-histórica, o se reconhece como meramente
ideológica a possibilidade de escolha das classes subalternas.
Ao contrário, entende-se que nisso reside a possibilidade de
mudança, de alteração histórica, ao reconhecer que os
indivíduos podem, de certo modo, intervir sobre as condições
sociais, por meio de ações pessoais ou coletivas. (S. BOCK,
2002, p. 69)
É importante ressaltar que em estudo de doutorado, como veremos mais adiante,
o autor superou a visão de que o sujeito escolhe e não escolhe uma profissão. Segundo
S. Bock (2008), essa superação foi permitida pelas noções de subjetividade social,
significado e sentido subjetivo. “O sujeito escolhe, e essa escolha é um momento de seu
processo pessoal de construção de sentidos [...] O sujeito escolhe e, para compreender o
seu processo de escolha, é preciso estudar seu movimento pessoal (seus sentidos) e o
conjunto de significações e condições objetivas e sociais onde está inserido” (p. 130).
Dessa forma, o indivíduo sempre escolhe uma profissão, e esta é sempre determinada
por diversos fatores.
Para discutir o domínio da própria conduta, Vigotski traz as observações de
Engels sobre a liberdade, quando o autor equipara autodomínio com o domínio sobre a
natureza:
La libertad no consiste en una independencia imaginaria respecto a
las leyes de la naturaleza, sino en el conocimiento de esas leyes y
em la posibilidad, basada en tal conocimiento, y obligar
sistemáticamente a que esas leyes de La naturaleza, actúen para
determinados fines. Esto se refiere tanto a las leyes de La
naturaleza exterior como a las que rigen La existencia física y
38
espiritual del propio hombre. Son dos clases de leyes que solo
mentalmente podemos disociar, pero no significa más que la
capacidad de tomar decisiones con conocimiento del asunto.
(ENGELS apud VYGOTSKY, 1995, p. 300)
De acordo com Aguiar e Ozella (2006), mesmo que o sujeito passe por uma
experiência de sofrimento, dúvida e confusão, isso não significa que o jovem não fez a
escolha. Como ressaltam os autores,
Segundo Vygotski (1991), o que mais caracteriza o domínio da
própria conduta humana é a escolha, e esta é a essência do ato
volitivo. Para o autor, falar de escolha significa falar de um processo
complexo e fundamental para o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Assim, coerentes com as proposições do
autor, que afirma que a compreensão do homem se pela busca da
gênese social do individual, se quisermos apreender o processo de
escolha, temos que focar as mediações sociais e históricas
constitutivas de tal processo e observar como o sujeito configura tais
determinações. A discussão sobre escolha pode ser enfrentada se
situada na trama de um debate que considere o histórico, o social, o
ideológico e o subjetivo, como elementos, ao mesmo tempo
diferenciados e inseparáveis. (p. 14)
A concepção de homem na perspectiva sócio-histórica permite-nos afirmar que o
social determina o sujeito no sentido de também constituir o humano. Nesse sentido, as
ações humanas não são respostas imediatas, mas sempre mediadas. Portanto, o social
determina o humano, sem anulá-lo o que fará com que ele escolha a profissão
contemplando as dificuldades encontradas pelo caminho, realizando escolhas possíveis
dentro da sua realidade concreta.
No livro Adolescências construídas, Aguiar e Ozella (2003) apresentam estudo
semelhante ao nosso. A partir da perspectiva cio-histórica, os autores investigam o
sentido subjetivo atribuído à escolha profissional entre jovens de camadas populares. Os
autores do trabalho aproveitaram o fato de estarem iniciando um Projeto de Extensão na
PUC-SP, com o objetivo de realizar uma intervenção em orientação profissional com
jovens de baixa renda. Os dados foram coletados durante o processo de orientação
profissional em duas escolas da periferia de São Paulo, o qual contou com a
participação de 66 alunos do 2º ano do ensino médio. Os instrumentos utilizados foram
os seguintes: ficha de identificação, preenchimento e descrição do instrumento
curtigrama, preenchimento e descrição de duas frases polêmicas, redação sobre os
fatores que determinam suas escolhas e pesquisa sobre as profissões e preenchimento de
quadros com profissões preferidas, com justificativas. A análise dos documentos
39
ocorreu na ordem com que foram aplicados, e, a partir disso, foram construídos núcleos
de significação dos instrumentos.
Os resultados apontam para as seguintes conclusões: a maioria dos jovens tem a
crença de que o homem é livre para escolher sua profissão, fato que explicita o quanto
as idéias neoliberais estão presentes em seus discursos, o que demonstra a necessidade
de adquirirem uma visão crítica sobre a realidade social. Segundo os autores,
Os jovens deixam claro o quanto a ideologia liberal está
presente. O princípio do individualismo (um dos princípios
gerais do liberalismo) se evidencia quando consideram o
sujeito como possuidor de aptidões e talentos próprios,
atualizados ou em potencial, quando se mostra a existência de
algo que é do indivíduo, “que já vem com ele”. Não podemos
esquecer que a escola é uma das instituições reprodutoras de
idéias como estas, que indicam saídas individuais, saídas que
dependem das “potencialidades” dos indivíduos. (2003, p. 273)
Os autores verificaram que os jovens apontam os seguintes indicadores como
determinantes no processo de escolha: o esforço pessoal e o aspecto financeiro, que
foram respondidos com mais freqüência e o estudo, a realização pessoal, o mercado, que
apareceram com menor freqüência. Ao concluírem o estudo, Aguiar e Ozella (2003)
afirmam que
[...] o movimento que revelam ao significarem a sua escolha
profissional é, por um lado, o de apreender o peso das dificuldades
econômicas, entendendo-as como impedimento, por outro, o de
buscar uma saída salvadora, o esforço pessoal, que aparentemente os
liberta desta armadilha, dessa situação quase sem saída. (p. 273)
Dessa forma, esse estudo mostra o quanto é importante a realização de um
trabalho com os jovens oriundos da camada popular, visando especialmente a
consciência crítica sobre os determinantes que permeiam a escolha da profissão.
Ribeiro (2003), a fim de investigar as necessidades dos jovens que estudam em
escolas públicas em relação à Orientação Profissional e colaborar com a elaboração de
novos modelos de atuação, realizou um estudo envolvendo 252 alunos do 2º e 3º anos
do ensino médio. A pesquisa constou de cinco instrumentos para a coleta de dados:
redação escrita sobre o futuro; questionário um; discurso livre; atendimento dos sujeitos
em orientação profissional; e questionário dois. A análise dos dados foi realizada
através de uma dupla perspectiva metodológica: nível das aspirações subjetivas e nível
das condições objetivas.
40
De um modo geral, os resultados nela obtidos mostraram que novas formas de
intervenção devem ser pensadas para atingir essa população, pois o jovem da escola
pública espera um auxílio com relação à inserção imediata no mercado de trabalho,
faltando-lhe informação do que existe e de como proceder nesse momento relevante
para o seu futuro.
Percebemos que devido às condições precárias de vida, o jovem tem como
necessidade básica a conquista de um trabalho para sua sobrevivência. Dessa forma, sua
prioridade não é a continuação dos estudos, embora na maioria dos casos almeje isso,
mas ter melhores condições financeiras e quem sabe arcar com as despesas de seu
estudo.
Outro aspecto importante que Ribeiro (2003) aponta é que
O curso superior ainda se mostra como a grande meta a ser
alcançada, mas que é colocada em questão, pois essa o
parece ser a realidade imediata dos sujeitos, que têm alguma
clareza de que seus caminhos após o término da educação de
nível médio passam mais pela busca de um posto de trabalho
do que pela formação de nível superior, que seria um prêmio
futuro pelo sucesso no mundo do trabalho e não um trampolim
para uma ascensão sócio-profissional. (p. 273)
Bastos (2005) publicou um artigo intitulado “Efetivação de escolhas
profissionais de jovens oriundos do ensino médio público: um olhar sobre suas
trajetórias”. Seu estudo teve como objetivo verificar como ocorreu a trajetória dos ex-
alunos do ensino médio público (após sete anos de conclusão do 2º grau) e investigar os
determinantes que contribuíram para a realização, ou não, do ensino superior. A autora
utilizou a abordagem qualitativa com a preocupação de compreender os significados,
que os sujeitos têm a respeito de sua trajetória. Para a análise dos dados, realizou
entrevistas semi-estruturadas com questões abertas. A entrevista estruturou-se em seis
temas: dados demográficos; trajetória durante a realização do ensino médio; escolha
profissional; trajetória educacional pós-ensino dio; trajetória profissional pós-ensino
médio e concepções sobre sua própria trajetória.
Bastos concluiu que o jovem dessa camada social tem a possibilidade de escolha
muito limitada, devido às determinações das condições sociais, que acabam
influenciando diretamente no trajeto profissional. Assim, 90% dos jovens não tiveram a
oportunidade de escolher uma profissão e cursar o ensino superior pela necessidade de
41
sobrevivência, optando por cursos técnicos ou deixando de estudar para trabalhar.
Conforme afirma a autora,
[...] pode-se inferir, para o caso dos entrevistados dessa pesquisa,
que a escolha profissional não se efetivou, já que vários
determinantes, entre eles o que aqui se considera o mais importante,
que é a questão econômica, impediram a concretização de sonhos.
(2005, p. 36)
A autora aponta os fatores que determinaram a não-escolha da profissão dos
jovens: a necessidade de trabalhar pela sobrevivência, a preparação oferecida pelo
ensino médio público para a continuidade dos estudos, a condição de classe, a
impossibilidade de participar de um programa de orientação profissional, os valores
ideológicos, dentre outros.
Discordamos da possibilidade de ocorrer situações de “não-escolha
13
(e adotar
este termo) da profissão, pois na perspectiva que adotamos como suporte para nosso
trabalho, a escolha sempre ocorre e deve-se a fatores multideterminados independentes
da classe social da qual o sujeito faça parte. Mas podemos acompanhar Bastos na
afirmação das dificuldades que se apresentam aos jovens da camada pobre.
Bastos (2005) considera que a escolha profissional é determinada pelos
seguintes aspectos:
[...] a partir de um contexto social, econômico e político específico,
de um círculo espacial e temporal determinado, historicamente
construído, de estruturas e conjunturas peculiares. Em determinados
contextos desfavoráveis, aquilo que o orientador profissional
interpreta como “escolha” ou “opção” do indivíduo pode, na
realidade, ser uma falta de opção, uma reação àquilo que é imposto
pela conjuntura econômica e pela estrutura sócio-política. (p. 41)
Dessa forma, a escolha ou não escolha para a autora é imposta pela realidade.
Nesse sentido, parece que considera mais os determinantes concretos para que ocorra a
escolha da profissão pelo jovem.
S. Bock (2008) adota a abordagem sócio-histórica em sua tese de doutorado e
busca
Pesquisar os sentidos e os significados que os jovens pobres
atribuem as suas escolhas profissionais e compreender como
[...] em virtude da ampliação da escolaridade formal, chegam
13
Termo utilizado pela autora.
42
ao ensino médio e constroem o seu projeto de futuro no que se
refere ao seu caminhar profissional. (p. 9)
Os participantes da pesquisa obedeceram a critérios preestabelecidos pelo
próprio autor. Assim, deveriam “a. ser alunos que estivessem cursando ou tivessem
concluído o ensino médio; b. ter, necessariamente, frequentado escolas públicas no
ensino fundamental e médio e c. ser participantes e alunos dos chamados cursinhos pré-
vestibulares comunitários” (p. 54).
A partir do contato estabelecido com uma ONG, os sujeitos da pesquisa foram
localizados. O autor propôs à ONG a realização de um programa de orientação
profissional com os jovens em troca da permissão para a utilização dos materiais
produzidos por eles durante o processo para a realização da investigação. O estudo
contou com 12 sujeitos para a realização da pesquisa, entre 18 e 21 anos de idade, média
de 19 anos. Todos os sujeitos tinham terminado o ensino médio pelos menos um ano
e meio, quando participaram do programa de orientação profissional.
Em relação aos resultados analisados, o autor afirma que os participantes da
pesquisa iniciam o Programa de Orientação Profissional apresentando pouquíssimas
dúvidas em relação às suas escolhas profissionais, quando perguntados como se
encontram diante dessa escolha. Entretanto, a maioria deles busca obter maior certeza
para escolher a profissão “[...] todos eles apontam como possibilidade umas das
profissões em que já vinham pensando antes do início do programa de orientação
profissional [...] em nossa pesquisa de dissertação de mestrado com população de classe
média, o mesmo ocorreu. (2008, p. 123)
Ao contrário dos jovens de classe média que sofrem a pressão de ter que fazer
um curso superior, os de baixa renda sofrem a pressão de ultrapassar o nível de
escolaridade de seus pais, e isso não significa necessariamente cursar uma faculdade.
O autor afirma que
[...] a escolha profissional não é motivo de grande ansiedade ou
angústia para esses jovens, tanto é que chegam ao programa
de orientação profissional indicando a profissão que pretendem
seguir e, praticamente, não mudam suas preferências no final
do trabalho. O que mobiliza mais a atenção desses jovens é o
ingresso nas faculdades. O fato de passar no vestibular e
conseguir terminar o curso são fatos importantes em si, e o
Programa de Orientação Profissional apareceu para eles como
43
uma oportunidade de acesso ao que chamamos aqui de “cultura
das profissões universitárias”, envolvendo conhecimento das
regras do vestibular e de acesso à universidade, da postura de
estudantes universitários e da linguagem e conceito desse
universo. (2008, p. 122)
A “angústia” que vivem se refere à de não conseguir, apesar de ter progredido
bastante, quando comparada à trajetória de seus familiares. “[...] Os sujeitos não
declaram grandes ambições. Querem conseguir’ como seus pais, familiares e amigos
‘conseguiram’, dando um passo à frente”
(2008, p. 134).
Em relação às profissões que desejam exercer, S. Bock enfatiza que
Os sujeitos, diferentemente de seus pares de classe média, não
escolhem as profissões que estão na moda ou as profissões
ditas tradicionais. Ao contrário, consideram profissões que,
atualmente, sofrem baixo prestígio quando se verifica a ordem
das carreiras com maior número de inscritos nos grandes
vestibulares do país. (2008, p. 134)
Na percepção dos entrevistados, o mundo social é altamente exigente, e o futuro
é de sua própria responsabilidade. Segundo S. Bock (2008, p. 23), “Todos têm
oportunidades, as condições estão dadas, as regras são claras e o que resta é jogar o jogo
conforme o estabelecido”. Dessa forma, esse aspecto revela o quanto os valores
neoliberais estão impregnados na consciência desses jovens. A sociedade oferece
oportunidades educacionais e cabe a eles individualmente aproveitarem as chances que
são oferecidas pelo caminho.
Apesar de ter como prioridade ultrapassar o que os pais conseguiram ou ir além,
assim, o diploma universitário é valorizado. S. Bock afirma que “a faculdade seria a
meta [...] O que importa é que ela seja gratuita. Tanto faz se a vaga for numa
universidade pública ou privada. [...] não discutem a qualidade da formação que as
instituições oferecem” (2008, p. 136).
O vestibular vivenciado pelos jovens como uma seleção natural não é
considerado como algo que pode ser mudado. “[...] É percebido como instrumento que
beneficia os mais instruídos, aqueles oriundos de escolas de ensino médio privadas, ou
os que podem pagar cursinhos” (2008, p. 125). A baixa qualidade da formação
educacional também é vivenciada como algo natural. Os jovens acreditam que, por ser
um serviço público, a baixa qualidade é inerente, porque é oferecida pelo Estado e o
têm outra opção. Essas crenças que os jovens possuem vão ao encontro dos valores
44
neoliberais que ocultam os determinantes sociais e econômicos que beneficiam uma
classe social em detrimento da outra em relação à possibilidade de escolher e exercer
uma profissão.
Quando questionados sobre a questão da vocação, a opinião dos sujeitos ficou
dividida, pois
[...] metade dos sujeitos considera que os indivíduos nascem
com dons, que serão ou não desenvolvidos no transcorrer da
vida. A outra metade considera que todas as pessoas nascem
com as mesmas condições e que as diferenças individuais
seriam conquistadas igualmente, no decorrer da vida. Mas
ambas as posições estão revestidas de movimentos que tendem
à naturalização. (2008, p. 126)
Para aprofundar os sentidos em relação à escolha profissional, S. Bock realizou
um estudo de caso com uma das entrevistadas de sua pesquisa Olga
14
. O autor chama a
atenção para o fato de que a entrevistada considera que as características que ainda
devem ser alcançadas por ela são: “ser mais dedicada, corajosa, esforçada e menos
sentimental. Deve ter força de vontade e o que chama desempenho
15
(2008, p. 116).
Nesse sentido, podemos pensar que Olga internalizou, como valores pessoais e
intrínsecos, valores neoliberais que estão postos na sociedade e que colaboram para a
manutenção da estrutura social.
Por outro lado, Olga considera que o desemprego, a discriminação social e racial
existente na sociedade, a grande concorrência a enfrentar no mercado de trabalho, são
obstáculos que podem impedir que realize seus objetivos profissionais. Assim, discorda
da idéia de que as pessoas nasçam com “tendências, vocações, dons ou talentos inatos;
para ela, as pessoas vão adquirindo experiência até chegar na profissão” (2008, p. 118).
Ao lançar a pergunta se Olga escolhe sua profissão, S. Bock enfatiza que
Sim, não a escolha defendida pela ideologia dominante
presente na maioria das teorias em Orientação
Profissional: a escolha isenta das influências sociais e
econômicas, que busca a verdadeira vocação, mas uma
escolha circunstanciada como, acreditamos, todas são.
um projeto, logicamente contraditório, e como todos,
multideterminado. (2008, p. 122)
Dessa forma, podemos pensar que a escolha de Olga foi uma escolha que passou
por determinações diversas e contraditórias.
14
Nome fictício adotado pelo autor da pesquisa.
15
Grifo do próprio autor.
45
Ao concluir o estudo, S. Bock (2008) retoma a questão da possibilidade da
escolha profissional e supera a compreensão de que o sujeito escolhe e não escolhe,
concluindo que este sempre escolhe e esta superação foi permitida pelas:
[...] noções de subjetividade social, significado e sentido
subjetivo. O sujeito escolhe, e essa escolha é um momento de
seu processo pessoal de construção de sentidos. Mas essa
construção utiliza como recurso ou matéria-prima não só a
irredutível existência singular dos sujeitos, suas experiências e
os afetos que dedica a cada momento vivido, mas o conjunto de
significações e de formas de relacionamento e produção social
em que acontecem e que circunscrevem as experiências por ele
vividas. A vida social, na qual estão os determinantes
importantes das escolhas profissionais, como a ideologia
dominante, as formas de trabalho [...] não é algo externo ao
indivíduo. Ao construir sentidos subjetivos sobre a escolha ou
sobre o futuro profissional, o sujeito estará também, e ao
mesmo tempo, internalizando a vida social e contribuindo para
a construção da subjetividade, que é coletiva. Sujeito e
sociedade são âmbitos de um mesmo processo. O sujeito
escolhe e, para compreender o seu processo de escolha, é
preciso estudar seu movimento pessoal (seus sentidos) e o
conjunto de significações e condições objetivas e sociais onde
está inserido. (2008, p. 140)
46
CAPÍTULO III
A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL EM QUESTÃO
3.1. Orientação Profissional: surgimento e história
A realidade é por si só um limite. Não se pode tudo, ao mesmo
tempo, e quando se quer. Pode-se dentro das situações
concretas, reais e limitadas.
Lucchiari (1998, p. 20)
Embora o trabalho exista desde o surgimento das sociedades, a escolha da
ocupação nem sempre foi uma preocupação humana. Nesse sentido, S. Bock (2002) faz
um breve resgate da história da escolha profissional e mostra que nossos ancestrais não
escolhiam uma profissão, mas organizavam-se para a sobrevivência. Como não havia
grandes diferenças das funções no trabalho desempenhado, não havia a necessidade de
se realizar escolhas. Avançando um pouco mais na história, na Grécia Antiga, a
atividade valorizada era o ócio, a contemplação era exercida pelos cidadãos livres e o
trabalho era uma atividade dos homens não-livres, que tinham a função de produzir a
existência material. "Desligados do trabalho manual e do intercâmbio dos produtos, as
classes superiores eram nessa época socialmente improdutivas” (PONCE, 2001, p.
37). Durante muito tempo, o trabalho do indivíduo era determinado, pela família ou
camada social à qual o sujeito pertencia. Assim, o trabalho era herdado e transmitido
através das gerações. Nessa época, a mão-de-obra escrava era a base da economia,
sendo determinada pela origem do indivíduo. Não existia escolha do trabalho, pois a
atividade que o homem exercia era uma condição imposta pela realidade social. O
trabalho não era valorizado socialmente e era visto como atividade penosa, ser escravo
ou cidadão, não dependia de qualquer tipo de escolha, mas da origem social do sujeito.
Segundo S. Bock na Idade Média ocorre a manutenção das relações de trabalho
e uma organização da estrutura social em camadas sociais. “[...] nobres, clérigos,
senhores e vassalos, e uns devem obrigações aos outros [...]” (2002, p. 21). Assim, a
servidão marcou o feudalismo, que tinha como forma de relações trabalhistas a
manutenção da escravidão. Nascer de uma família de origem pobre significava morrer
dessa mesma forma. A posição e a ocupação do indivíduo eram transmitidas de pai para
filho, como se fossem uma determinação divina. Não existia a escolha de uma profissão
por parte dos sujeitos, os laços de sangue é que determinavam e explicavam a estrutura
social, não havendo, dessa forma, mobilidade social. O conceito de vocação que
47
imperava era o religioso favorecendo a manutenção da ordem social, colocando que esta
era determinada pela vontade de Deus. Nesse sentido, a igreja colabora para difundir a
idéia de que vocação é uma determinação divina, não podendo ser questionada e
contrariada.
O advento da industrialização e dos modos de produção capitalista, no final do
século XIX, fez com que surgissem formas diversificadas de trabalho. S. Bock (2002)
enfatiza que a partir do momento que ocorre a passagem do feudalismo para o
capitalismo, a escolha profissional passa a ser valorizada. Isso porque, na sociedade
capitalista, o trabalhador deve ser livre para produzir, e o objetivo do seu trabalho é
gerar lucro e vender o fruto da sua mão de obra. O assalariamento se tornou a nova
relação de produção predominante em uma sociedade composta por duas classes
sociais: a burguesia e o proletariado
16
. Essa nova organização social resultou de novos
modos de produção
17
, o que trouxe a divisão técnica de trabalho e a valorização da
seleção e da escolha da profissão nesse processo. Essa nova realidade social trouxe a
necessidade de o homem escolher entre as diversas opções sua ocupação e de buscar
orientação para essa decisão.
Gemelli, citado por Carvalho (1995), informa que o primeiro centro de
orientação profissional foi criado em 1902, em Munique, com o propósito de identificar
pessoas que eram desprovidas de vocação e de capacidade para determinadas tarefas. O
objetivo, nesse contexto, era evitar acidentes de trabalho. A partir desse momento,
novos centros surgiram, como Itália, França, Holanda, Estados Unidos entre outros. Na
América Latina, o Brasil e a Argentina se destacaram como os pioneiros (CARVALHO,
1995).
A história da psicologia vocacional, entre 1900 e 1950, foi dominada pela
psicometria e pela idéia de “ajuste ou encaixe”
18
. A área de orientação vocacional tinha
16
Segundo Marx e Engels, a classe burguesa se refere aos donos do capital, “os proprietários dos meios
de produção social e empregadores do trabalho assalariado. O proletariado se refere à classe dos operários
assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, reduzem-se a vender a força de
trabalho para poderem viver” (2006, p. 23).
17
Segundo Braverman (1981 apud BOCK, 2002, p.23), o capitalismo se configura enquanto modo de
produção quando certas características passam a dominar o processo de produção: o afastamento entre
trabalhadores e meios de produção, a liberdade do trabalhador em vender sua força de trabalho e o
objetivo do trabalho de produzir com vistas a aumentar o capital empregado pelo capitalista.
18
Significa colocar o homem certo no lugar certo, ou seja, refere-se ao ajuste dos perfis em carreiras
específicas.
48
como foco ajustar o sujeito de acordo com suas aptidões e interesses às oportunidades
profissionais. Assim, foram criados vários testes com o objetivo de medir os interesses e
aptidões, determinando a escolha profissional mais acertada para o indivíduo.
Nessa época, a idéia da concepção medieval de que cabe a Deus estabelecer a
posição social do indivíduo é substituída pela idéia de encaixe. A idéia de determinação
religiosa se opõe aos ideais e valores burgueses de que os homens são iguais e livres
para escolher e ser o que quiserem. No entanto, para explicar as diferenças sociais
existentes, baseia-se na idéia de conceitos como: vocação, inatismo e hereditariedade.
Nesse momento, S. Bock enfatiza que “o ser humano nasce com atributos específicos
que, se encontrarem expressão na realidade, localizam o indivíduo na estrutura da
sociedade e da mesma forma servem para justificar o fracasso” (2002, p. 24).
A sociedade capitalista é regida pela democracia que prega que “todos têm
direitos iguais”, e os valores liberais subjacentes nesse sistema priorizam características
pessoais como o esforço, individualismo, capacidade pessoal, sorte, colaborando para
naturalizar e ocultar as condições sociais, mantendo as forças de produção.
A posição do indivíduo no capitalismo, não é mais determinada
[...] pelos laços de sangue. Agora, esta posição é conquistada
pelo indivíduo segundo o esforço que despende para alcançar
esta posição. Se antes esta posição era entendida em função das
leis naturais referendadas pela vontade divina, agora, ao
contrário, o indivíduo pode, desde que lute, estude, trabalhe, se
esforce, e também (por que o?) seja um pouco aquinhoado
pela sorte. (BOCK, S., 2002, p. 7)
Com o surgimento do capitalismo, a escolha profissional passou a se centrar no
indivíduo, e as aptidões tornaram-se seus determinantes básicos, o que colaborou para a
mistificação das relações sociais. É neste momento que as teorias e práticas da
Orientação Profissional avançam, e a questão da seleção passa a ter importância, uma
vez que prevalece a ideologia capitalista: "o homem certo no lugar certo", visando à
maior produtividade.
As primeiras teorias tinham como principal objetivo o complexo papel de
conhecer o indivíduo suas características e o que as profissões exigiam dele. Pimenta
aponta que isto foi possibilitado, “[...] porque psicologia, nessa época, já se aventurara
por estudos experimentais com Fechner, Galton (1883), Catell (1890), Binet e Henri
49
(1895), estes últimos, com o movimento, emergente, dos testes mentais” (1984, p. 21).
A teoria de traços e fatores reflete bem a posição da psicologia vocacional, nessa época
em que era dominada pelo determinismo vocacional.
Pimenta (1984) afirma que determinados acontecimentos sociais, que geraram
crises graves, estão intrinsecamente associados ao aumento de produção de trabalhos do
campo da psicologia na área da orientação profissional.
[...] (os acontecimentos) mostram a utilidade da psicologia
vocacional psicometrista, nos momentos de grande crise: como
o que se segue à revolução industrial, o período da I Guerra
Mundial, o período que se segue à grande crise econômica
mundial de 1929 e o período da II Guerra Mundial. (p. 24)
Esses trabalhos colaboraram para a manutenção do equilíbrio econômico. O
papel da psicologia vocacional era o de articular o estudo das aptidões ao da análise
ocupacional, buscando identificar as aptidões individuais. Assim, apesar de focar o
indivíduo, não tinha como preocupação seus direitos, pois o objetivo principal era o de
fortalecer a produção de trabalho. A escolha de determinados sujeitos para cargos
específicos colaboravam para o aumento da produção e consequentemente do lucro.
Surgiram diversos teóricos na área, dentre eles, Hull e Frank Parsons. Hull criou
uma máquina de “prognóstico” que tinha por objetivo prever o êxito de um indivíduo
em diferentes ocupações. Parsons, em 1908, foi uma das primeiras pessoas a oferecer
atendimento em orientação profissional e montou seu escritório, na cidade norte-
americana de Boston. O modelo de atendimento em orientação profissional que adotou
baseava-se no método “racional”, com o objetivo de equilibrar as exigências da
ocupação às características do indivíduo. Na primeira metade do século XX, na Europa,
houve uma expansão na área, pois surgiram outros espaços de atendimento em
orientação profissional e houve um aumento quanto ao número de trabalhos produzidos
referentes ao assunto. Todos eles dentro da perspectiva da psicologia psicometrista.
Ao discutir sobre o papel da psicologia no início do século XX, S. Bock (2002)
aponta a colaboração dessa ciência em fortalecer
[...] a ideologia liberal que sustenta o capitalismo, ao canalizar
para o indivíduo todas as responsabilidades pelo seu progresso,
deixando incólume a estrutura social, isto é, encobrindo
injustiças e a exploração inerentes ao modo de produção. (p.
55)
50
Na perspectiva tradicional a psicologia concebe o homem como um ser
autônomo para escolher sua profissão, pois desconsidera as determinações e condições
sociais na qual ele se insere. A ideologia do liberalismo entende que o indivíduo não
depende das condições socioeconômicas para a sua constituição. No entanto, Bock
afirma que, "[...] o desenvolvimento do indivíduo se no contato com a cultura e
outros homens" (1999, p. 30).
Dessa forma, é importante desnaturalizar a escolha profissional, entendendo que
a concepção que se tem acerca desse fenômeno fará com que adotemos formas
diferenciadas de atuação na orientação profissional.
3.2. As teorias em orientação profissional
Várias teorias surgem a partir de 1950, com leituras diferentes da psicologia
vocacional em relação ao problema da escolha da profissão. De acordo com S. Bock,
Crites agrupa essas teorias em três abordagens
: teorias psicológicas, teorias não-
psicológicas e teorias gerais.
Segundo Pimenta (1984), no ano de 1962, surge pela
primeira vez a orientação profissional como atividade mais sistematizada, e já apresenta
um vínculo próximo com a psicologia. É interessante notar, que essa vinculação
permanece até a atualidade.
As teorias psicológicas foram as que tiveram maior influência na história da
orientação profissional no Brasil. Essas teorias, que visam analisar os aspectos internos
do sujeito, ganharam destaque na área de orientação profissional, por apresentarem dois
papéis: no primeiro, atribuem ao sujeito um papel ativo no processo da escolha da
profissão; no segundo, abrem um caminho para que os orientadores possam “facilitar” o
processo de escolha. No entanto, a orientação profissional recebeu influências de outros
campos de investigação. Outras áreas também buscaram explicar o processo de inserção
do homem no mercado do trabalho.
Os estudos realizados em campos diversificados sobre a temática e a necessidade
de desvelar os valores neles implícitos fizeram com que alguns pesquisadores
buscassem classificar essas contribuições. No presente trabalho, buscamos apresentar as
duas principais classificações das teorias na área. É importante ressaltar que temos
como objetivo investigar como a orientação profissional se desenvolveu, o que ela
representou e representa, suas discrepâncias, e como na atualidade ela pode se
apresentar.
51
3.3. A classificação de Crites e sua influência na área de OP
A classificação
19
de John Crites que foi elaborada na década de 1960 ainda é um
referencial básico bastante utilizado por pesquisadores brasileiros e divide as teorias de
orientação profissional agrupando-as em: teorias psicológicas, teorias não-psicológicas
e teorias gerais.
As teorias psicológicas se expandiram mais no Brasil, e seus valores foram base
para grande parte das atuações em orientação profissional. Essas teorias têm como
característica centrar-se no indivíduo, ou seja, a escolha profissional é de
responsabilidade do próprio sujeito e independe de condições externas a ele. As teorias
psicológicas analisam os determinantes internos do indivíduo que explicariam seus
movimentos de escolha.
Para Ferretti, as teorias psicológicas
[...] tendem a ser parciais; enfocam quase que sempre o
comportamento individual e a dinâmica subjacente, relegando a
um segundo plano as determinações de caráter social, que
passam a ser entendidas como influências indiretas do meio
sobre as eleições individuais.
(1988, p. 29)
Crites (1969, apud FERRETTI, 1992, p. 16), subdividiu as teorias psicológicas
em quatro vertentes principais: Teoria traço-e-fator, Teorias psicodinâmicas, Teorias
desenvolvimentistas e Teorias decisionais.
Pimenta ainda afirma que a teoria traço-e-fator “resume toda a característica da
psicologia vocacional e da orientação vocacional(1984, p. 24) em seu período inicial,
pode ser delimitado entre os primeiros anos da década de 1900 até a década de 1950.
É importante ressaltar que a teoria traço-e-fator foi fortalecida durante a II
Guerra Mundial, com o objetivo de selecionar e classificar homens para as forças
armadas, assim o interesse era o de ajustar as aptidões as ocupações na guerra. Pimenta
afirma que “a preocupação não era com as aptidões individuais (com o indivíduo), mas
com a identificação destas, para que o indivíduo pudesse ser colocado (selecionado) nos
lugares onde seria mais produtivo”. (1984, p. 24)
19
Citada por Ferretti (1992, p. 16), Pimenta (1984, p. 26) e Bock (2002, p. 27).
52
Nessa teoria, as aptidões, os interesses e os traços de personalidade são
considerados como parte da natureza humana, ou seja, o indivíduo nasce com certas
características que podem levá-lo ou não a exercer uma profissão. Essa teoria traz
consigo a idéia de que a escolha profissional é determinada apenas pelo sujeito.
Os teóricos dessa vertente defendem que é possível desenvolver a orientação
profissional de forma “racional”. Ela tem como base a concepção de que os sujeitos são
diferentes devido a certas características pessoais que trazem consigo desde o
nascimento, como, por exemplo, os interesses, as habilidades, dentre outros. Dessa
forma, a idéia do inatismo é um forte pressuposto que fundamenta as teorias
psicológicas. Assim como os sujeitos se diferenciam, as ocupações também são
diversificadas, o que exige do orientador dessas teorias a criação de instrumentos
visando à coleta de dados, referentes às características das ocupações e dos sujeitos.
Essas teorias dão fundamento aos testes vocacionais e, segundo S. Bock (2002, p. 29), a
influência das teorias psicológicas foi tão forte em nossa sociedade que até hoje
[...] ainda fazem parte do imaginário social, quando o fato é a
escolha da profissão. (...) A concepção de escolha aproxima-se
do modelo médico, que “radiografa” o sujeito, analisa os dados
coletados e os sintomas, realiza um diagnóstico e, por fim,
propõe um prognóstico. Na realidade, o interessado não decide,
mas aceita ou não o conselho do profissional.
A psicologia, em meados da década de 1950, foi influenciada pela psicanálise e
isso refletiu diretamente sobre o enfoque na área de orientação profissional. Assim, as
teorias psicodinâmicas e desenvolvimentistas que surgiram nesse momento foram
influenciadas pela psicanálise. As teorias psicodinâmicas estabelecem a motivação
como o aspecto mais importante para a escolha da ocupação profissional. O
comportamento do sujeito o levará naturalmente à escolha da profissão.
Pimenta (1984) destaca que as teorias psicodinâmicas são baseadas na
psicanálise de Sigmund Freud e seus colaboradores, e afirma que essas teorias “referem-
se a qualquer sistema psicológico que se esforce por obter uma explicação da conduta
em termos de motivos ou impulsos” (p. 29). Essas teorias focalizam o desenvolvimento
da personalidade do sujeito, como este se aproxima das ocupações e compreendem a
constituição da personalidade a partir da adaptação do indivíduo às determinações do
ambiente social. Dentre os principais teóricos dessa época e vertente estão
Meadow
(1955), Bordin, Nachmann e Segall (1963) e Bohoslavsky (1977).
53
Ao destacar a personalidade do indivíduo no processo de escolha, Pimenta cita
Meadow, que formulou uma teoria que explicita a relação de certos tipos de
personalidade e escolha profissional:
1. a pessoa independente poderá procurar um emprego no
comércio, ou em profissões onde possa exercer liderança e
iniciativa; 2. o tipo reativo como os compulsivos, procurarão
atuar em profissões que requeiram este traço; 3. os agressivos
podem escolher profissões altamente competitivas; 4. uma
pessoa que tenha superego severo pode sentir-se insatisfeita nas
suas ocupações; 5. o trabalhador passivo e submisso tem menos
êxito no emprego que escolheu, do que o agressivo. (1984, p.
30)
Alguns autores como Pimenta (1984) e S. Bock (2002) consideram que essas
teorias apresentam uma superação da visão puramente inatista da personalidade. No
entanto, aproximam uma visão mecanicista da teoria de Sigmund Freud ao postularem
que uma relação dos tipos de personalidade, em que o “encaixe” dos sujeitos deveria ser
fundamental para a ocorrência de uma escolha da profissão acertada.
Bohoslavsky é considerado um importante teórico nesta área. O autor é
responsável por introduzir uma nova concepção em orientação profissional a
estratégia clínica, esta substitui os testes e é composta por entrevistas e informação
ocupacional traz a importância de resgatar ao mesmo tempo os fatores que
influenciam no momento da escolha e a individualidade do sujeito que escolhe.
No livro Orientação vocacional – a estratégia clínica, Bohoslavsky (1998)
propõe a modalidade clínica em orientação profissional baseada nos pressupostos
psicanalíticos. Nesse processo, o autor valoriza os processos inconscientes luto e
reparação como determinantes da escolha profissional. Em sua teoria modalidade
clínica – Bohoslavsky
(1998, p.4) adota
os seguintes princípios:
1. O adolescente pode chegar a uma decisão se conseguir
elaborar os conflitos e ansiedades que experimenta em relação
ao seu futuro; 2. As carreiras e profissões requerem
potencialidades que não são específicas. Portanto, não podem
ser definidas a priori, nem muito menos ser medidas. Essas
potencialidades não são estáticas, mas modificam-se no
transcurso da vida, incluindo, por certo, o tempo de estudante e
de profissional; 3. O prazer no estudo e na profissão depende
do tipo de vínculo que se estabelece com eles. O vínculo
depende da personalidade, que não é um a priori, mas define-
se na ação. O interesse não é desconhecido pelo sujeito, mesmo
que, possivelmente, o sejam os motivos que determinaram esse
54
interesse específico
20
; 4. A realidade sociocultural muda
incessantemente. Continuamente surgem novas carreiras,
especializações e campos de trabalho. Por isso, conhecer a
situação atual é importante, embora seja importante antecipar a
situação futura. Ninguém pode predizer o sucesso, a menos que
seja entendido como a possibilidade de superar obstáculos com
maturidade; 5. O adolescente deve desempenhar um papel
ativo. A tarefa do psicólogo é esclarecer e informar. A
ansiedade não deve ser amenizada, mas resolvida; e isso
somente se o adolescente conseguiu elaborar os conflitos que
os originaram.
Bohoslavsky questiona a concepção de indivíduo nas teorias psicológicas e
elabora uma crítica à modalidade estatística, ou seja, a utilização do psicometrismo na
orientação profissional. Segundo S. Bock (2002) “[...] isso o aproxima do que se
denominou abordagem crítica, apesar de aceitar o uso de testes para a elaboração de
diagnósticos. O problema [...] se constitui na idéia da necessidade de elaboração de
diagnósticos” (p. 65). De acordo com o autor, esse fator o aproxima da abordagem
tradicional.
Bohoslavsky (1998) aponta os pontos importantes desse enfoque:
1. O adolescente, dado a dimensão e o tipo de conflito
que enfrenta, não está em condições de chegar a uma
decisão por si mesmo; 2. Cada carreira ou profissão
requer aptidões específicas. Estas são definíveis a
priori, mensuráveis e mais ou menos estáveis ao longo
da vida; 3. A satisfação no estudo e na profissão
depende do interesse que se tenha por eles. O interesse
é específico, mensurável e desconhecido pelo sujeito;
4. As profissões não mudam. A realidade sociocultural,
tampouco. Por isso, pode-se predizer, conhecendo a
situação atual, qual o desempenho futuro de quem hoje
se ajusta, por suas aptidões, ao que hoje é determinada
carreira ou profissão. Se o jovem tem as aptidões
suficientes, não deverá enfrentar obstáculos. Poderá ter
uma carreira bem-sucedida; 5. O psicólogo deve
desempenhar um papel ativo, aconselhando o jovem.
Deixar de fazê-lo aumenta indevidamente sua
ansiedade quando, ao invés, ela deve ser diminuída.
20
Bohoslavsky (1998, p. 210) define interesse como: a disponibilidade para ser motivado por uma área da
realidade de modo discriminativo em relação a outras.
55
Bohoslavsky ao repensar a sua teoria procurou reformulá-la, considerando os
aspectos sociais e ideológicos, determinantes da escolha profissional. No prólogo de seu
livro Orientação vocacional – a estratégia clínica, afirma que
[...] nos impõe uma leitura interpretativa, que permita
compreender o caráter sobredeterminado e multideterminado
da escolha. A estrutura do aparelho psíquico, por um lado, e a
estrutura social, por outro, que se expressam através da
dialética de desejos, identificações e demandas sociais não
poderão deixar de ser objeto de nossa consideração. A pessoa
que decide, suporta e transporta ambas as classes de
determinações, fazendo com que o ‘individual’ e o ‘socialse
expressem sempre, simultaneamente, tanto nas dúvidas ou
obstáculos das tomadas de decisão, como nas soluções a que
finalmente se alcance. (p. XIX)
A autocrítica realizada por Bohoslavsky deixa claro que o autor passa a
considerar a dimensão social de forma mais ampla no contexto da orientação
profissional. No livro do qual foi organizador, com título sugestivo Vocacional: teoria,
técnica e ideologia, o autor procurou reformular a teoria da estratégia clínica. No
entanto, a leitura de sua obra ficou restrita ao primeiro livro que Bohoslavsky não
negou, mas criticou.
A partir disso, surgem outros recursos e teorias. A orientação profissional ganha
status científico a fim de colaborar com o processo de escolha profissional. Nesse
sentido, a simples aplicação de um teste não é o suficiente. O objetivo central da
orientação profissional era o de prestar assistência aos jovens em situação de escolha
profissional.
O segundo grupo das teorias psicodinâmicas se constitui nas teorias baseadas na
satisfação das necessidades. Os desejos e necessidades é que determinarão a preferência
por uma ocupação em detrimento de outra. Segundo Pimenta (1984), Anne Roe
encabeça esse grupo de teorias sem abandonar a psicanálise e se aproxima de
experiências psicossociais com a família, entendendo o efeito desta, na formação de
necessidades e na estruturação da energia psíquica. “Dependendo da maneira como o
indivíduo aprende a satisfazer suas necessidades, isto determinará quais de suas
capacidades, interesses e aptidões serão desenvolvidos” (p. 30).
Pimenta (1984) destaca que a tipologia de Holland constitui o terceiro grupo de
teorias psicodinâmicas. Pimenta descreve os conceitos básicos de sua teoria
56
A escolha da vocação é uma experiência da personalidade; os
inventários de interesse são inventários de personalidade; os
estereótipos vocacionais possuem significados psicológicos e
sociológicos confiáveis e importantes; os indivíduos que têm
uma dada vocação têm personalidades semelhantes,
responderão do mesmo modo a muitos problemas e situações, e
criarão ambientes interpessoais característicos; na vocação, a
satisfação, a estabilidade e o sucesso dependem de uma
congruência entre a personalidade e o ambiente em que se
trabalha. (1984, p. 31)
A partir desses conceitos, Holland classifica as pessoas em seis tipos diferentes:
realista, intelectual, social, tradicional, renovador e artístico, e os ambientes também são
classificados dessa forma. A escolha da ocupação depende da formação e expressão da
personalidade, e a orientação deve proporcionar o encaixe adequado entre a
personalidade e o ambiente.
S. Bock (2002) enfatiza que ao contrário das teorias traço-e-fator e das teorias
desenvolvimentistas, no Brasil as teorias psicodinâmicas não alcançaram grande
repercussão.
As teorias desenvolvimentistas (ou evolutivas) são elaboradas como alternativa à
abordagem dos traços e fatores e colocam no centro de suas preocupações o processo de
escolha. Segundo S. Bock (2002), essas teorias surgem a partir de 1950 e criticam a
idéia de “momento da escolha, passando-se a defender a concepção de desenvolvimento
vocacional” (p. 33). Assim, o processo de escolha estaria vinculado às etapas de
desenvolvimento do sujeito, e este faria várias escolhas profissionais da infância até a
idade adulta.
Dessa forma, a escolha profissional ocorreria a partir das fases evolutivas e
chegaria com a maturidade vocacional. Alguns autores que adotaram essa concepção
desenvolveram um processo de orientação vocacional que buscava atuar no
desenvolvimento vocacional visando colaborar com o seu amadurecimento. Contudo,
foram criados atividades e testes de autoconhecimento com o intuito de criar recursos
afetivos e cognitivos que ativassem o desenvolvimento vocacional.
Super (1976) é o mais importante representante dessa abordagem. Segundo S.
Bock (2002), a tese fundamental de Super é a de que “as ocupações exigem, para o seu
exercício, que o indivíduo tenha certas características. Isto permite certa variedade de
indivíduos para cada ocupação”. Para Super, o desenvolvimento vocacional se por
57
meio de fases por ele denominadas crescimento, exploração, estabelecimento,
manutenção e declínio.
Pimenta (1984) descreve as fases da seguinte forma:
Na fase de crescimento, o autoconceito desenvolve-se pela
identificação com figuras-chave da família e da escola; há
predominância das necessidades da imaginação e o interesse e
a capacidade vão se tornando mais importantes com o aumento
da capacidade social; Na fase de estabelecimento, tendo sido
encontrada uma área compatível, uma concentração de
esforços para nela permanecer. Podem ocorrer tentativas de
mudança no início, porém a estabilização pode começar sem
outros ensaios. Na fase de permanência, conquistado um lugar
no mundo do trabalho, a preocupação é sustentá-lo. A
tendência é para a continuidade dos planos estabelecidos. Na
fase de declínio, as forças físicas e mentais declinam, a
atividade de trabalho se modifica e, no devido tempo, cessa.
(p. 36)
Ginzberg e seus colaboradores (1976), também seguidores da abordagem
desenvolvimentista, aproximaram-se da teoria psicanalítica do eu e dividiram o
desenvolvimento vocacional em três fases: fantasia (até os 11 anos), tentativa (até os 17
anos) e realista (17 anos em diante). A fase realista apresenta três momentos sucessivos:
1. Exploração: eliminação das muitas possibilidades de carreiras possíveis, 2.
Cristalização: quando se compromete com um objetivo ocupacional e 3. Especificação:
quando começa a agir para alcançar os objetivos profissionais.
As teorias desenvolvimentistas representam um progresso à fase da psicometria
e à fase que considerava os impulsos e necessidades como determinantes da escolha
vocacional; na medida em que consideram a escolha como um processo e, por isso,
admitem a interferência do meio em que as pessoas vivem sobre as suas decisões, não
esgotam o problema da decisão. Pimenta (1984) enfatiza que nessas teorias “o indivíduo
ainda permanece “passivo” e determinado por suas aptidões, pela relação que estabelece
com o seu meio, pelo “conceito de eu” que formula, pelas etapas evolutivas pelas quais
tem que passar, por um esquema de desenvolvimento intelectual” (p. 39).
As teorias decisionais utilizam pressupostos de decisão formulados nas áreas da
economia e da administração de empresas. Essas teorias focam seu interesse no sujeito
que decide sobre suas expectativas e crenças de si mesmo e sobre o meio social, e por
outro lado, apresentam também uma referência ao fato de estimularem o sujeito a
refletir sobre o contexto social (fatores econômicos, sociais, políticos e culturais) em
58
que vive. Essas teorias colaboram para que o indivíduo, agindo de acordo com suas
aptidões, interesses e os determinantes sociais, que podem limitar sua escolha, organize
racionalmente o processo de decisão da ocupação profissional
De acordo com Pimenta, nestas teorias todo o processo de decisão possui duas
características: “há um indivíduo que deve tomar decisão e dois ou mais caminhos,
dos quais ele deve escolher um, a partir das informações que possui sobre esses
caminhos” (1984, p. 39-40). Nas teorias decisionais, é proposto que o indivíduo adote
um sistema racional para poder decidir. Esse sistema é composto de três etapas são: o
preditivo, em que identifica, avalia e analisa conseqüências das possibilidades de
escolha; na segunda etapa, avalia-se o desejo dessas conseqüências; e na terceira etapa,
a decisória propriamente dita avalia-se as decisões e chega-se a uma decisão
profissional.
Todos os modelos das teorias psicológicas de orientação profissional não
conseguem respondem o motivo pelo qual o sujeito escolhe ou decide. Assim, perguntas
como: Para que estudar? Para que e para quem trabalhar? Onde e como trabalhar? As
pessoas são livres para escolher? não são respondidas durante o processo de orientação
profissional.
Segundo a classificação de Crites, encontramos ainda as teorias não-psicológicas
e as teorias gerais. As teorias não-psicológicas
21
se opõem às teorias psicológicas, pois
valorizam o polo social e focam somente as determinações sociais responsáveis pela
escolha profissional do indivíduo. As teorias não-psicológicas entendem que a escolha
da profissão é causada por fatores externos
22
ao sujeito.
Nesse sentido, S. Bock (2002) afirma que
São teorias que descrevem o processo de inserção das pessoas
no trabalho, mas não vislumbram qualquer papel ativo para o
sujeito; portanto, descartam a possibilidade de
“orientabilidade” do processo (...). As forças, quer das
contingências, das leis do mercado (oferta e procura) ou do
padrão cultural das famílias, definem invariavelmente a
posição e a ocupação do indivíduo na sociedade. (p. 27-28)
As teorias psicológicas e não-psicológicas polarizam sujeito-sociedade,
subjetivo-objetivo o que contribui para uma concepção do ser humano de forma
dicotomizada.
21
Teoria do acidente, teoria econômica, teoria cultural e teoria sociológica.
22
Fatores econômicos, culturais e sociais.
59
O surgimento das teorias gerais teve como objetivo a tentativa de unir os pólos
sujeito-sociedade, justapondo as abordagens anteriores, de modo a dar ênfase não
somente aos aspectos psicológicos da escolha, mas englobando da mesma forma os
aspectos sociais determinantes da escolha da profissão. Para Pimenta (1984), embora as
teorias gerais contem com a contribuição de várias ciências, ocorre uma prevalência da
psicologia nesses estudos. Segundo Ferreti, a teoria geral de orientação profissional,
tendo como um dos representantes Blau buscou “superar a polarização” propondo a
união e conciliação dessas posições opostas (1988, p. 26). No entanto, o autor não
realiza uma análise crítica dos determinantes sociais da escolha, o que vai contra a
proposta da perspectiva sócio-histórica. Dessa forma, Blau procurou fazer uma
justaposição, mas não inter-relacionou as teorias, o que gerou no final, mais uma do
indivíduo no processo de escolha.
3.4. Uma contribuição crítica das teorias em orientação profissional: a
classificação de S. Bock
No Brasil, na década de 1970, a área de orientação profissional recebeu grandes
incentivos da legislação educacional. O objetivo principal era o de expandir o
atendimento na área para o ensino médio. Este fator colaborou para o surgimento de
estudos e para a expansão de produções na área. Nessa época
23
, também surgiram
relevantes críticas quanto aos objetivos e à eficácia da orientação profissional que vinha
sendo desenvolvida.
No Brasil, autores como Ferretti e Pimenta examinaram as teorias existentes na
área de orientação profissional e realizaram uma crítica, buscando desvelar seu caráter
ideológico.
S. Bock (2002, p. 50) enfatiza que essas críticas resultaram de análises realizadas
na época, sobre a função do papel da escola. Essas análises mostravam a escola “como
aparelho ideológico do Estado, que tem como função principal a manutenção do status
quo e a transmissão dos valores e crenças da classe dominante. (...) Esta forma de
compreender a escola foi mais tarde denominada visão reprodutivista”.
S. Bock (2002) a partir das teorias em orientação profissional propõe uma nova
classificação: teorias tradicionais (visão liberal), teorias críticas e teorias para além da
23
Mais especificamente final da década de 1970 e início da década de 1980.
60
crítica. O autor ressalta que as teorias tradicionais são “as teorias psicológicas [...]” e
acrescenta que nessa perspectiva “[...] o indivíduo tem [...] a possibilidade de ultrapassar
os obstáculos colocados pela realidade [...]” (2002, p. 49). Essa concepção nos remete
ao estudo realizado por A. Bock (1999), citado aqui, que utilizou a imagem do Barão
de Münchhausen, visando realizar uma crítica à psicologia. A autora investigou o
significado que os psicólogos de São Paulo atribuem ao fenômeno psicológico e
constatou que a psicologia está impregnada da perspectiva naturalizante do ser humano
e do mundo psíquico. A. Bock afirma que na visão liberal “[...] Cabe a cada um o
esforço necessário para que a sociedade seja um espaço de incentivo ao seu
desenvolvimento. As condições estão dadas, cabe a cada um aproveitá-las” (1999, p.
183).
A Orientação Profissional manteve-se vinculada aos princípios liberais, e esse
fato deve-se à definição de homem e de mundo: o homem é considerado a-histórico,
universal e individualizado. O liberalismo atribui ao sujeito toda a responsabilidade
sobre seu presente e futuro, desconsiderando sua realidade concreta, na pretensão de
justificar as desigualdades sociais. O discurso liberal dissemina a idéia de que todos os
homens são livres e oculta as desigualdades constituídas nas relações que geram
determinações sociais diferenciadas.
Dessa forma, as teorias críticas se opõem as teorias tradicionais, pois questionam
o ideário liberal e as condições sociais resultantes dessa concepção de homem. Segundo
S. Bock, essa teoria “[...] coloca em xeque a concepção de que os indivíduos escolhem
suas profissões [...]” (2002, p. 65). A escolha é considerada apenas um direito da classe
burguesa, e ocultar esse fator colabora para manutenção dos valores neoliberais e
contribuindo para o fortalecimento do sistema capitalista.
As teorias para além da crítica concebem o ser humano em sua totalidade,
concreto e abstrato, produto e produtor de sua história. A escolha é aqui compreendida
como multideterminada, pois nem a liberdade e nem as determinações sociais se
constituem como absolutas nesse processo. Essa perspectiva considera tanto o sujeito
como a sociedade no processo da escolha da profissão.
61
3.5. A orientação profissional na perspectiva sócio-histórica e os fatores
constitutivos no processo da escolha
No dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, orientação é definida como: “ato
ou arte de orientar ou orientar-se; direção, guia, regra”. Dessa forma, a orientação
profissional denota algo diretivo, referente à condução.
Nesse contexto, é importante que o orientador reflita sobre o seu papel, sobre a
concepção de homem e os valores ideológicos que estão norteando sua atuação.
A orientação profissional vem sendo utilizada de várias formas em coerência
com diferentes perspectivas teóricas e visões de homem. Na perspectiva sócio-histórica,
o indivíduo é um ser inacabado que se constitui na e pela interação com outros homens
e que apreende o mundo que o cerca através da experiência no meio social. De forma
resumida, compreende o homem como um ser histórico, social e cultural e em relação
dialética com a sociedade que o constitui e é constituída por ele a todo o momento. O
sujeito é visto como um ser ativo, criativo e transformador de sua realidade no sentido
de superar suas necessidades, ou seja, um indivíduo que modifica seu meio social
(Bock, S., 2002).
Dessa forma, exclui-se a possibilidade de se pensar o homem como natureza
humana, dissociado da sociedade, da história e de suas condições concretas de vida. S.
Bock (2002) aponta que a partir dessa concepção pode-se pensar a sociedade em
movimento e que os agentes sociais podem promover transformações que integrem
melhores condições de vida a melhores condições de ser.
Na abordagem sócio-histórica, a orientação profissional pretende assumir o
compromisso de promoção de saúde. Segundo A. Bock e Aguiar,
Promover saúde significa compreender e trabalhar com o
indivíduo a partir de suas relações sociais; significa trabalhar
estas relações construindo uma compreensão sobre elas e sua
transformação necessária. Promover saúde significa trabalhar
para ampliar a consciência que o indivíduo possui sobre a
realidade que o cerca, instrumentando-o para agir, no sentido
de transformar e resolver todas as dificuldades que essa
realidade lhe apresenta.
(1995, p. 12)
Infelizmente, a maioria das orientações teóricas nessa área de atuação acaba por
minimizar ou até desconsiderar as múltiplas determinações e focam seu trabalho no
62
indivíduo. Dessa forma, o orientador fica limitado a apontar a melhor profissão ao
orientando de acordo com suas características pessoais. Nesse sentido, desconsideram-
se determinantes importantes, como por exemplo, a desigualdade social. Assim, o
sucesso ou o fracasso profissional é de responsabilidade do próprio sujeito.
Segundo A. Bock e Aguiar (1995), na perspectiva sócio-histórica a orientação
profissional deve oportunizar espaços de autoconhecimento dos jovens como sujeitos
concretos e multideterminados, ampliando e reconfigurando suas percepções, e assim
lançar mão de posicionamentos, especificamente no momento de fazer a escolha
profissional, que se encontre com seus projetos de vida.
O sujeito inevitavelmente internalizará as determinações que irão constituir suas
escolhas e sua subjetividade. No processo de orientação profissional, o jovem precisa se
apropriar e conhecer essas determinações de modo crítico. Nessa perspectiva de
atuação, a orientação profissional deve oferecer um espaço que possibilite a
conscientização crítica dos determinantes da escolha, como por exemplo, classe social,
gênero, experiências e preferências individuais, escolarização, valores ideológicos,
sistema capitalista, dentre outros. Para tanto, o programa deve se apoiar em objetivos
organizados em etapas sistematizadas, que propõe um avanço na compreensão dos
determinantes, não se restringindo apenas aos elementos trazidos pelos orientandos.
Ao considerarmos os fatores determinantes da escolha, levamos em conta que o
indivíduo é ao mesmo tempo produto e produtor de sua própria história. Consideramos
que a escolha é um processo multideterminado que se a partir de uma subjetividade
historicamente constituída por fatores objetivos e subjetivos dialeticamente constituídos.
Assim, é primordial, considerarmos a multiplicidade dos aspectos que determinam a
escolha.
Um dos aspectos fundamentais que devemos considerar é que vivemos em uma
sociedade em que as relações sociais são forjadas pelo sistema capitalista de produção.
O jovem tem que lidar com as pressões e cobranças advindas da sociedade que valoriza
a produção do capital. O sistema capitalista e os valores liberais que subjazem esse
modo de produção colaboram para que o sujeito seja o único responsável por sua
escolha profissional. O ocultamento dos valores sociais contribui para a alienação e
estagnação da estrutura social vigente. Acreditamos que cabe a orientação profissional,
contribuir para que esses valores sejam desvelados, pois devemos buscar enquanto
orientadores uma sociedade mais crítica em relação aos seus valores e práticas.
63
Os meios de comunicação também causam grande impacto nos jovens que estão
buscando seu caminho profissional. Nesse sentido, é importante ressaltar que os meios
de comunicação, em especial, a televisão, difundidos como meios democráticos de
comunicação funcionam como instrumentos ideológicos, porque tem o poder de
transmitir para as massas os valores padronizados da classe dominante. Dessa forma, é
relevante que o orientador adote uma postura, pois assim poderá contribuir para a
desmistificação dos valores “postos como verdade” e colaborar com a transformação da
realidade social.
Neste contexto, a família também exerce grande influência, pois os pais acabam
criando expectativas em relação ao futuro do filho que acaba corroborando com os
valores do sistema existente. Os familiares, muitas vezes, acabam valorizando as
profissões mais promissoras, mesmo que seu filho não goste da idéia, de exercer tal
atividade. Por fim, também valorizam a capacidade individual, esforço e vontade do
jovem em exercer a profissão escolhida.
Em 1987, Renato Russo cantava “Química” que traduz de modo atual a pressão
e a cobrança que, muitas vezes, os jovens, enfrentam dentro de casa para que se
esforcem e passem no vestibular. Essa situação ainda é pior, quando os pais esperam
que seu filho siga uma carreira pela qual não tem interesse.
Química
Renato Russo dez. 1987
Estou trancado em casa e não posso sair
Papai já disse, tenho que passar
Nem música eu não posso mais ouvir
E assim não posso nem me concentrar
Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Não posso nem tentar me divertir
O tempo inteiro eu tenho que estudar
Fico só pensando se vou conseguir
Passar na [...] do vestibular
Chegou a nova leva de aprendizes
Chegou a vez do nosso ritual
E se você quiser entrar na tribo
Aqui no nosso Belsen tropical
Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto,
ter pistolão
Ter filho na escola, férias na Europa, conta
bancária, comprar feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão
modelo, burguês padrão
Você tem que passar no vestibular.
Além dos aspectos mencionados, no processo de escolha, o jovem precisa
lidar com sentimentos difíceis de serem encarados, como, por exemplo, o medo, a
64
ansiedade, a incerteza e a insegurança quanto ao futuro profissional. Devemos ressaltar
aqui que no discurso dos jovens participantes desse estudo o medo do futuro não ocorrer
como o planejado é um sentimento muito presente.
Nesse sentido, é relevante que a orientação profissional consiga atender às
necessidades mencionadas, buscando cumprir o papel de realizar uma análise que
busque os fatores constitutivos (sua gênese social) da escolha da profissão.
3. 6. O sistema capitalista e a naturalização da escolha da profissão
Vivemos em uma sociedade em que as relações sociais são forjadas pelo sistema
capitalista de produção. Isso significa dizer que como salientado por Marx e Engels “a
história de toda a sociedade [...] é a história da luta de classes [...] toda luta de classe é
uma luta política [...]” (2006, p. 21). Com esta afirmação os autores fizeram uma crítica
ao novo modo de produção capitalista recém-instaurado após a derrubada do
feudalismo. Atualmente, os valores ideários que subjazem esse sistema liberdade,
igualdade e individualidade exercem grande influência nas relações sociais. E, nesse
processo a mão-de-obra convertida em capital é fundamental para a produção do capital
e continuidade das diferenças entre as classes de “proletariado e burguesia”. Assim, os
valores já mencionados contribuem para a manutenção do sistema que está posto como
algo natural e que sempre existiu.
Nesse sentido, devemos ressaltar que de acordo com Marx e Engels
As idéias da classe dominante o, em cada época, as idéias
dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. (...)
As idéias dominantes o são nada mais do que a expressão ideal
das relações materiais dominantes apreendidas como idéias;
portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a
classe dominante, são as idéias de sua dominação. (Marx e Engels,
2007, p. 47)
Na sociedade capitalista, fazer uma faculdade e exercer uma profissão de nível
superior é importante, pois resulta em status, prestígio e dinheiro, o que é muito
valorizado. A. Bock afirma que na visão liberal “[...] Cabe a cada um o esforço
necessário para que a sociedade seja um espaço de incentivo ao seu desenvolvimento.
As condições estão dadas, cabe a cada um aproveitá-las” (1999, p. 183). Assim, os
65
jovens em processo de escolha e sob esta ideologia vivenciam essa pressão social “ter
que ser alguém”, gerada pelo sistema econômico e pelas relações sociais. No entanto,
essa pressão é intensificada pelos valores ideários que estabelecem que se o jovem não
tiver vontade e se esforçar não será capaz de alcançar o sucesso profissional.
Ao refletirmos sobre a escolha profissional na visão liberal, devemos ter em
mente que é compreendida como resultado da vontade, esforço e capacidade do
indivíduo. As afirmações do tipo: “filho de peixe, peixinho é”, “venceu porque é
esforçado”, bastante difundidas em nossa sociedade, refletem essa concepção inatista
em relação à condição de escolha. Nessa perspectiva, todos os homens têm condições de
escolher, e o sucesso ou fracasso profissional resulta apenas de sua incapacidade
pessoal.
Considerar a possibilidade de escolha a partir dessa visão é ocultar que as
determinações sociais influenciam diretamente nesse processo. É “esquecer” que a
realidade social atua como um impedimento para a maioria das pessoas.
A naturalização da adolescência e do processo de escolha leva a uma visão de
orientação profissional que busca detectar aspectos do sujeito que possam “se encaixar”
nos perfis profissionais da sociedade. A naturalização da adolescência levou a
perspectivas de orientação em que os jovens foram vistos como passivos; sujeitos que
indicavam respostas que possibilitavam uma conclusão sobre suas aptidões e, portanto,
ao invés de orientar para a escolha, os processos levavam a um “diagnóstico” e uma
indicação de carreira para o sujeito.
É importante considerar que a naturalização da adolescência, da possibilidade de
escolha e da orientação profissional colabora para uma atuação que não leva em
consideração as condições cio-históricas e também, não possibilita uma postura ativa,
do orientando no seu próprio processo de escolha, que deve analisar criticamente sobre
o contexto em que vive.
É a partir dessa perspectiva que a orientação deve oferecer um espaço ao jovem,
para que este possa ter conhecimento de todas as determinações sociais no momento da
escolha.
Ao atuar de acordo com o paradigma tradicional, o orientador mostra que possui
uma percepção ideologizada da realidade social, pois não apreende ou nega as relações
de determinação que estão intrínsecas no processo. A alienação quanto às mudanças
resultantes do contexto histórico, tomando-as como universais e naturais, colabora para
66
a mistificação de que “todos escolhem sua profissão”, e esse fator contribui para a
estagnação e reprodução das relações sociais e do sistema capitalista.
Dessa forma, é importante adotar uma postura crítica nessa área de atuação que
conscientize os orientandos de suas possibilidades e limitações quanto ao processo de
“escolha”. Nessa perspectiva, os projetos de orientação profissional devem partir da
idéia de que os sujeitos são ativos e construtores de sua história. Deve-se, portanto,
estimular e criar as condições para uma escolha ativa por parte do sujeito.
67
CAPÍTULO IV – O TRABALHO
O mundo do trabalho torna-se, de forma mais rápida e
surpreendente, um complexo monstruoso, que se por um lado
poderia auxiliar o homem em sua qualidade de vida, por outro lado,
patrocinado pelos que mantém o controle do capital, da ferramenta
diária que movimenta a escolha de prioridades, avassala o homem
em todos os seus aspectos.
Heloani (2003, p. 102)
É através do trabalho
24
que o homem transforma a realidade natural em realidade
humana e neste processo se humaniza.
O trabalho une o homem e a natureza em uma relação em que ambos se
transformam. Pino (2000) aponta que a constituição do psiquismo ocorre a partir do
modo de produção, da atividade e do trabalho humano. Nesse sentido, as relações de
trabalho se constituem como importante determinante das relações do homem com os
outros e com o mundo. O trabalho é antes de tudo a mediação central entre o homem e a
natureza. De acordo com Marx (1988)
Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho,
por isso, uma condição de existência do homem, independente de
todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de
mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da
vida humana. (p. 50)
A função principal do trabalho sempre foi a de oferecer condições de
sobrevivência ao homem. Segundo Marques (2007, p. 9), “[...] todo trabalho pode ser
estendido a qualquer tipo de atividade humana, seja ela material ou mental [...]”.
A história da sociedade e os modos de produção acompanham o significado da
noção de trabalho. Desse modo, a realização do trabalho vai se modificando de acordo
com a época, trazendo novas características nos modos de produção e distribuição de
riqueza. Assim, a relevância atribuída ao trabalho varia dependendo da época analisada.
Na Antigüidade, a concepção de trabalho sempre esteve associada à idéia de
castigo e tortura. Segundo Albornoz (1994), em nossa língua o significado da palavra
24
Marx, em O Capital, define o processo de trabalho como uma “atividade orientada a um fim para
produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e,
portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas
formas sociais” (1988, p. 146).
68
“trabalho origina-se do vocábulo latino “tripalium
25
(p. 10) e acrescenta que se refere a
um instrumento de tortura. Assim, trabalhar era considerado vergonhoso, tem a ver com
esforço, tortura e com uma condição inferior do homem.
A idéia do trabalho como tortura passou a ser estendida também às atividades
físicas de produção, realizadas principalmente pelos trabalhadores das classes
subalternas, como, por exemplo, os escravos, os camponeses, dentre outros. Segundo
Albornoz, “a palavra trabalho significou por muito tempo [...] padecimento e cativeiro”
(1994, p. 10). Para a autora, “todo trabalho supõe tendência para um fim e um esforço
[...] físico ou intelectual” (p. 11).
Além de ter sido uma referência na Antigüidade, esse sentido também se
expandiu por quase toda a Idade Média. No séc. XVI, com o protestantismo, a noção de
trabalho passou a vincular-se como forma de obter riquezas e de servir a Deus. no
séc. XIX, o advento da Revolução Industrial, resultou em uma nova relação homem-
trabalho que é marcada mais fortemente no final do séc. XIX e início do séc. XX, com a
instauração do fordismo e taylorismo, tendo instalado a racionalidade do trabalho.
Atualmente ainda sofremos as consequências das crises (financeira de mercado) que
ocorreram recentemente nas últimas décadas do séc. XX, que geraram modificações
profundas na organização do trabalho.
Whitaker (2000) enfatiza que os sujeitos que entram no mercado de trabalho
hoje têm como desafio compreender como o trabalho considerado castigo e esforço
passou a ser a de virtude e bem-estar.
Na sociedade moderna, observamos que o trabalho é associado à condição de
vida feliz e plena. Nos dias atuais, o trabalho é o que oferece segurança e sentido à vida
como afirma Antunes
E a busca de uma vida cheia de sentido, dotada de autenticidade,
encontra no trabalho seu locus primeiro de realização. A própria
busca de uma vida cheia de sentido é socialmente empreendida
pelos seres sociais para sua auto-realização individual e coletiva.
(2001, p. 13)
Dessa forma, notamos que o trabalho tem ocupado cada vez mais um lugar
central na vida humana; essa valorização do trabalho resulta das novas formas de
produção que geraram transformações na forma de conceber o significado do trabalho.
25
Tripalium segundo a autora “era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda
munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, o linho, para
rasgá-los e esfiapá-los” (1994, p. 10).
69
4.1. Os modos de produção nas diferentes organizações sociais
Ao resgatar a história das civilizações em relação aos modos de produção,
verificamos na sociedade primitiva que as tribos organizadas em grupos tinham como
principal objetivo a sobrevivência da espécie. Nessa época, os homens dependiam
apenas do que a natureza podia lhes oferecer. S. Bock (2002) afirma que em relação à
vida tribal o “trabalho organizava-se como atividade de coleta e mais tarde de caça e
não havia muita diferenciação de funções, a o ser aquelas determinadas pelo sexo
[...]” (p. 19).
É importante considerar que não havia hierarquia de importância dessas
atividades, como existe nos dias atuais, como, por exemplo, a desvalorização da dona de
casa. Diferentemente do que ocorre hoje, a divisão das atividades não gerava a
desigualdade social que vivenciamos em nossa sociedade. A desigualdade não existia,
pois tudo o que era obtido era repartido em partes iguais entre seus membros. Segundo
Albornoz, tanto o trabalho mencionado como a economia das tribos apresentam
como característica a simplicidade, pois “não excedente, nem, portanto, o problema
da acumulação das riquezas nas mãos de alguns” (1986, p. 16).
A evolução humana significou um progresso relevante, pois possibilitou a
libertação do indivíduo diante da natureza. Um passo importante nessa direção foi a
descoberta dos instrumentos com o objetivo de facilitar a existência dos homens. Isso
possibilitou a descoberta dos instrumentos para o trabalho. A natureza passou a ser
transformada em objetos úteis para sobrevivência. Ao transformar a natureza em
benefício próprio, o homem começava a imprimir cultura, a dar significados ao que
modificava com suas próprias mãos.
Um pouco mais adiante no tempo, os homens foram descobrindo novos
instrumentos e técnicas de trabalho, o que gerou aumento na produção. Albornoz (1986,
p. 18) afirma que “junto com o trabalho de plantio devem ter surgido ao mesmo tempo a
noção de propriedade e do produto excedente, ou seja, o produto não imediatamente
consumido”. Assim, o que o homem produzia passou a exceder o que precisava
necessariamente para sobreviver. Aos poucos, a produção de domínio coletivo foi sendo
controlada por homens que detinham algum poder sobre os demais membros das
tribos. Eles passaram a se apropriar de parte da produção excedente, para proveito
individual. Nessa época, a divisão de terras gerou a dominação de alguns homens sobre
70
a propriedade coletiva, e os escravos capturados deixaram de pertencer a tribos e
passaram a pertencer a um único dono.
Na Grécia e Roma antigas, surgiu o primeiro modo de produção em que havia o
pleno desenvolvimento da propriedade privada, e a exploração de uma classe por outra
ocorreu na sociedade escravista
26
. Onde havia, de um lado, os donos de escravos,
proprietários da terra, de outro, os escravos que trabalhavam na produção de bens, como
máquinas humanas. No modo de produção escravista, as relações de produção são
desumanas, de domínio (senhores) e de sujeição (escravos). S. Bock (2002) ressalta que
nesta época, “a atividade humana valorizada era o ócio [...] que era exercido pelos
cidadãos livres; o trabalho era a atividade dos homens não-livres que tinham a função de
produzir a existência material” (p. 20). Segundo o autor, não era o trabalho em si que
era desvalorizado, mas a condição de dependência do escravo em relação a outra pessoa
com maior riqueza.
Avançando no tempo, a Idade Média traz o modo de produção denominado
feudalismo; aqui não existem “escravos”, mas servos que possuem o mesmo papel nas
relações sociais. Infelizmente o fim da escravidão não acabou com a opressão política e
exploração econômica
27
. Os homens estabelecem outro tipo de relação. No entanto, a
exploração e a violência física continuam acontecendo. Segundo S. Bock (2002), ocorre
a divisão das camadas sociais de um lado os senhores feudais
28
e de outro os servos
(“ex-escravos”). No entanto, a desigualdade é mantida, pois o servo continua sendo o
responsável pela produção e esforço físico, enquanto o senhor é quem se apropria da
grande parte da produção e do lucro. O trabalho realizado apresenta como finalidade a
sobrevivência dos indivíduos e a não acumulação da riqueza através do mercado. em
relação à escolha profissional, S. Bock ressalta que “[...] a posição na sociedade e
mesmo a ocupação são transmitidas de pai para filho [...]” (2002, p. 21). O autor afirma
que nessa época “não se pode falar em escolha da profissão por parte dos sujeitos. A
estrutura social está cristalizada e determina o que cada um vai fazer, seu prestígio
social e poder” (idem, p. 22).
A transição do feudalismo para o sistema capitalista ocorreu na passagem do
século XIX para o século XX, com a consolidação da industrialização e da produção de
26
Na sociedade escravista, os meios de produção (terras e instrumentos) e os escravos eram de
propriedade do senhor.
27
A exploração do senhor feudal se dava por meio da coerção extra-econômica, ou seja, por meios não
puramente econômicos, pela força das armas e por imposições ideológicas e de ordem cultural-religiosa.
28
Proprietários de terras e de escravos.
71
mercadorias em massa. Nessa época, foram introduzidos em escala mundial sistemas
inovadores de gerência e administração de trabalho, que segundo Marques ocorreu
“com o surgimento e prevalência do fordismo e taylorismo, que inauguraram a
racionalidade do trabalho” (2007, p. 10) A adoção desses sistemas de administração e
gerenciamento do trabalho, segundo Lisboa (2002), traz em seu bojo três fundamentos:
[...] dissociação do processo de trabalho das qualificações dos
trabalhadores; separação da concepção e da execução do trabalho; e
uso do monopólio sobre o conhecimento para controlar os distintos
passos do processo de trabalho e seu modo de execução.
(p. 35)
A produção da vida é social e foi sendo constituída, ao longo da história,
subordinada a certa divisão social do trabalho. Como ressaltaram Marx e Engels em A
ideologia alemã (2007), a divisão do trabalho realmente se efetiva quando se a
separação entre trabalho intelectual e trabalho material. Lisboa (2002) considera que
essas mudanças trouxeram a fragmentação do trabalho de maneira diferenciada para o
período, aumentaram a exclusão dos sujeitos com relação à sociedade e ao sistema
capitalista produtivo assim constituídos. Dessa forma, alguns indivíduos passam a
dedicar-se ao trabalho intelectual, enquanto outros se dedicam ao trabalho material. O
que antes pertencia à atividade de toda a sociedade se fixa em uma ou outra pessoa. Em
outras palavras, ocorre a divisão do trabalho entre material e intelectual e a distinção
entre aqueles que se dedicam a um ou outro tipo de trabalho.
Em uma sociedade dividida em classes, as produções humanas, fruto do
processo de objetivação, são propriedade de uma classe. A sociedade capitalista
constitui-se de relações sociais de produção e distribuição que se caracterizam pelo
regime de propriedade privada dos meios de produção e por relações de assalariamento,
de modo que a sociedade divide-se em duas classes principais: uma proprietária dos
meios de produção e outra proprietária da força de trabalho
29
.
29
Ressalta-se que estas são as classes principais, por estarem no centro da reprodução ampliada do capital,
característica essencial da sociedade capitalista. Porém, não são as únicas duas classes que constituem essa sociedade.
Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, mostram que “A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-
se, entretanto, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade inteira vai-se dividindo cada vez mais em
dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia e proletariado”
(MARX; ENGELS, 2006, p. 46). No mesmo texto, mais à frente, indicam a existência de outras classes, como o
lumpemproletariado e as camadas médias. (p. 55).
72
O assalariamento se tornou a nova relação de produção predominante em uma
sociedade composta por duas classes sociais: a burguesia e o proletariado
30
. A sociedade
capitalista é regida pela democracia que prega que “todos têm direitos iguais”, e os
valores liberais implícitos nesse sistema priorizam características pessoais como o
esforço, individualismo, capacidade pessoal, sorte, colaborando para naturalizar e
ocultar as condições sociais, mantendo as forças de produção.
A produção na sociedade capitalista é voltada essencialmente para a obtenção e
acumulação de lucros, por meio da exploração do assalariado. A busca incessante pela
acumulação de riquezas reduz o trabalhador à própria máquina, gerando assim um
“homem/máquina” impedido de pensar e agir livremente. Nessa época, os modos de
produção são marcados pela influência hegemônica taylorista/fordista, o que implica
mudanças nos modos de pensar, sentir e agir referente ao trabalho. Sobre as teorias
organicistas de Taylor que surgiu no início do século XX, Morgan (1996) afirma
(...) O princípio de separar o planejamento e a organização do
trabalho da sua execução (...) “divide” o trabalhador, defendendo a
separação entre mãos e cérebro (...) Taylor gostava de dizer: “não se
espera que vocês pensem”. Os homens nada mais eram do que mãos
ou força de trabalho (...) O taylorismo é, sobretudo, um instrumento
para assegurar o controle geral sobre a situação de trabalho como
um meio de chegar à geração do lucro. (p. 34-35)
A fragmentação do trabalho impede o envolvimento emocional e reflexivo dos
trabalhadores. A criação é desvalorizada, o que se valoriza é a repetição mecânica e os
trabalhadores apenas executam suas tarefas. O objetivo principal do trabalho é moldar o
sujeito, pois estabelece regras, buscando a continuidade do sistema vigente e a alienação
e padronização das massas.
O filme Tempos modernos de Charles Chaplin
31
, de 1936, é uma sátira social
que denuncia a desumanização do trabalho em série, sem espaço para o mínimo de
criatividade e realização pessoal. Mais do que trabalhar numa linha de montagem, o
homem faz parte dessa linha de montagem. O ser humano reduz-se a uma mera peça de
toda a engrenagem. Desapareceram a sua identidade, a sua individualidade, o seu valor
próprio. Existe uma supervalorização da máquina (em detrimento do homem) que
30
Segundo Marx e Engels a classe burguesa se refere aos donos do capital, “os proprietários dos meios de
produção social e empregadores do trabalho assalariado. O proletariado se refere à classe dos operários
assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, reduzem-se a vender a força de
trabalho para poderem viver” (2006, p. 23).
31
No filme, Charles Chaplin interpreta o personagem principal chamado “Charlot”, um trabalhador que
busca sobreviver no mundo moderno, industrializado e capitalista.
73
passou a ser considerada uma extensão do indivíduo. O que interessa para o proprietário
é a força de trabalho que gera o lucro. Abaixo podemos visualizar algumas imagens
32
do
clássico Tempos Modernos:
Segundo Guareshi e Grisci (1993),
A relação homem X máquina é estranha e contraditória, pois o
homem que construiu a máquina acaba sendo até certo ponto,
seu escravo. Os cuidados o mais dispensados as coisas que
aos homens. No mundo materialista do capital, ao se dar o
conflito criador versus criatura, é ela, na maioria das vezes,
quem leva a vantagem. (p. 53)
Achamos importante ressaltar aqui, como veremos melhor no próximo tópico
que hoje o discurso do capital mudou. Atualmente, “não interessa” aos proprietários
os empregados que não pensam, mas aqueles que são: criativos, reflexivos e que
sejam capazes de responder aos problemas encontrados do modo flexível de produção
de forma eficaz. No entanto, observamos que o discurso mudou, mas a prática
continua a mesma. O que é um problema, pois hoje o discurso ideológico cumpre o
papel de ocultar mais ainda a realidade social.
4.2. A crise moderna: Globalização, Neoliberalismo e Trabalho
[...] a classe que vive do trabalho sofreu a mais aguda crise deste
século, que atingiu não a sua materialidade, mas teve profundas
repercussões na sua subjetividade, e no íntimo inter-relacionamento
destes níveis, afetou a sua forma de ser.
Antunes (2005, p. 23)
32
Fonte: http://www.webcine.com.br/filmesse:modernti.htm
74
Ao propormos uma discussão sobre a escolha da profissão é importante termos
em mente o contexto econômico e político em que nos encontramos. Não se pode falar
em atuação na área de orientação profissional sem o estudo dos mecanismos que
organizam a sociedade atual e que norteiam os modos de produção. O neoliberalismo e
a globalização fazem parte dos modos de produção da sociedade moderna. Nesse
sentido, o estudo sobre a organização social possibilita considerar os mecanismos
sociais, políticos e econômicos que se relacionam à questão do trabalho e uma atuação
na área de orientação profissional que busque a desnaturalização dos fenômenos em
questão.
A proposta política neoliberal tem origem na crise teórica, política e econômica
do socialismo real e do capitalismo internacional. Essas crises evidenciaram a
necessidade de reorganizar o modo de produção capitalista. Segundo Anderson (1995),
o neoliberalismo é a retomada de alguns princípios do capitalismo liberal do século
XIX. Surge contra o Estado intervencionista e de bem-estar (Welfare State) que se
instalou em alguns países no pós-guerra, influenciado pela Revolução Soviética em
1917. É a busca de uma política econômica que vigore sem qualquer limitação dos
mecanismos do mercado.
Anderson (1995) enfatiza que Friedrich Hayek é o principal representante do
neoliberalismo e tem suas idéias contra o Welfare State serem retomadas. Hayek coloca-
se contra o Estado Previdenciário, argumentando que este tipo de organização da
sociedade impossibilita a iniciativa individual que produz a riqueza, da qual toda
sociedade se beneficia a médio e a longo prazo. Neste sentido, a desigualdade social é
um valor positivo para gerar e manter o desenvolvimento econômico. A desigualdade é
importante para a prosperidade, e a concentração de riquezas beneficia toda a sociedade.
Esta alternativa traz a compreensão do novo papel do Estado descomprometido das
políticas públicas econômicas e sociais.
Paiva (1991, apud Bock, S., 2003, p. 367) ressalta que diversos fatores
contribuíram para que o fim do modelo de Estado proposto pelo keynesianismo, entre
eles a primeira crise do petróleo, em 1973 e suas conseqüências, a queda do Muro de
Berlim, em 1989 e pela globalização da economia.
Com a crise do capitalismo, o Estado do bem-estar, entra em colapso e segundo
Draibe (1997, apud Bock, S., 2008, p. 10), “o Estado de Bem-Estar-Social foi pensado
para economias em crescimento. As inversões em rubricas sociais eram elevadas em
75
função da alta produtividade, e quando a economia entra em crise, essas políticas não
podem mais ser sustentadas”.
S. Bock (2008) afirma que o Banco Mundial, em função da crise de
endividamento, definiu condições para empréstimos a países participantes,
determinando reajustes estruturais na economia dos países em desenvolvimento.
As políticas neoliberais, que responderam aos interesses do capital internacional
em rápido processo de globalização, foram consolidadas no chamado Consenso de
Washington
33
, esta proposta surgiu para o enfrentamento da crise financeira do modelo
de Estado Social. A reestruturação global do capitalismo elegeu o mercado como o
grande regulador econômico e social. A instauração do neoliberalismo
34
teve como
objetivo central “a eliminação de protecionismo, de excessos e de regulação de
intervencionismo estatal” (Bock, S., 2003, p. 368). Nessa ocasião, segundo Soares
(1998, apud Bock, S., 2003, p. 368), ficaram definidos cinco eixos principais:
1. equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução de gastos
públicos; 2. abertura comercial, pela redução de tarifas de
importação e eliminação das barreiras não-tarifárias; 3. liberalização
financeira, por meio da reformulação das normas que restringem o
ingresso de capital estrangeiro; 4. desregulamentação dos mercados
domésticos, pela eliminação dos instrumentos de intervenção do
estado, como controle de preços, incentivos etc.; 5. privatização das
empresas e dos serviços públicos.
Segundo S. Bock (2003, p. 368), com o advento do neoliberalismo ocorre uma
transformação na esfera produtiva, pois antes o sistema capitalista como foi
apontado anteriormente neste trabalho era apoiado nos sistemas taylorista/fordista de
produção; a partir do neoliberalismo, o modelo toyotista traz uma nova concepção de
produzir bens e serviços. Nesse sentido, Antunes (2005, p. 16) afirma que os novos
[...] processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a
produção em série e de massa são substituídos pela flexibilização da
produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca
de produtividade, por novas formas de adequação da produção à
lógica do mercado.
33
Carcanholo (1998) ressalta que, em 1989, na cidade de Washington, foi realizada uma reunião com a
participação dos membros dos organismos de financiamento internacional (FMI, BID, Banco Mundial),
funcionários do governo americano e economistas latino-americanos. A reunião teve como objetivo
avaliar as reformas econômicas empreendidas na América Latina.
34
Antunes (2001) salienta que o neoliberalismo é um projeto político que tem como característica
primordial o afastamento do Estado em relação à gestão de diversos setores da economia.
76
Dessa forma, a produção flexível é introduzida e novos métodos de gestão de
mão-de-obra são implementados. Agora, para o capital não interessa mais o trabalhador
que entende e sabe realizar apenas uma parte de toda a engrenagem do seu ofício. Mas
aquele que obtém um conhecimento amplo, que possui várias habilidades, que pode se
adaptar em diversos cargos; enfim, busca-se ao contrário do período anterior um
empregado polivalente, pró-ativo e que consiga se adaptar nas mais diversas funções.
Sobre o neoliberalismo, S. Bock (2000) destaca que
[...] o discurso neoliberal está sendo apresentado de forma quase
hegemônica, pouco passível de crítica. O Estado cada vez menos se
responsabiliza pela questão da profissionalização, do
encaminhamento profissional, ade uma certa proteção que a ele
caberia segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. O que vale
agora é a lei do mercado, ou seja, o mercado é que regula todas as
relações [...] Existe uma crença generalizada de que a lei do
mercado que vem a ser a lei da oferta e da procura – tudo resolve.
[...] tem-se como dado que os fortes vencem e os fracos perecem.
Em termos profissionais, o Estado propõe, juntamente com os
empregadores, a desregulamentação da legislação para que as leis do
mercado passem a imperar sem restrições. Isso provoca [...] a
precarização tanto nas relações trabalhistas como no exercício do
trabalho. E, se isso ocorre com certeza o mercado é que regulará a
escolha da carreira profissional. (p. 13)
Essa situação concreta de vida traz algumas exigências como, por exemplo, a
autonomia que é uma característica necessária aos trabalhadores, pois a
responsabilidade de obtenção de sucesso ou fracasso passa a fazer parte da esfera
pessoal e/ou individual. Segundo S. Bock (2000), “ao escolher uma profissão o jovem,
tem a sensação de impotência. Ele um mundo construído e não o percebe como o
mundo dele” (p. 15). Dessa forma, ao buscar a satisfação profissional o jovem vivencia
o dilema de “conseguir ou não conseguir” ultrapassar os obstáculos que encontra pelo
caminho e se responsabiliza por sua trajetória profissional.
S. Bock (2000) aponta que uma das maneiras de se romper com o
individualismo é ir além, ou seja, não encarar este como um problema apenas pessoal,
mas considerá-lo inserido em um contexto econômico, político e social. Assim, o
diálogo crítico sobre o assunto é fundamental para a busca de soluções e mudanças
sociais.
77
CAPÍTULO V – A ADOLESCÊNCIA
5.1. Conceituação da adolescência na psicologia
[...] mesmo em nossa sociedade, o período de adolescência não
é igual para todos os jovens.
A. Bock et al. (1994, p. 257)
Refletir sobre a concepção da adolescência é relevante em qualquer área de
atuação que busca oferecer serviços a esta população, pois é a partir desta compreensão
que as práticas profissionais se estabelecem e se concretizam. Assim, desvelar esse
fenômeno pode contribuir para novas formas de atuação com esta demanda. O estudo
das concepções existentes possibilita realizar uma análise crítica das teorias existentes e
que estão postas como verdade.
A maioria dos teóricos da psicologia, que estudaram o fenômeno da
adolescência, é unânime em constatar, que esta é uma fase marcada pela crise de
identidade e que ao final dessa etapa o jovem será capaz de ser alguém completo. O
precursor desse pensamento foi o psicanalista Erickson (1972), que considera que o
adolescente vivencia uma busca do “eu” nos outros na tentativa de obter uma identidade
para o seu ego. Para esse autor, a qualidade do ego a ser desenvolvida nessa fase é a de
identidade, e todo adolescente passa necessariamente por uma crise de identidade.
Na atualidade, a abordagem psicanalítica tem uma forte influência na visão que a
psicologia sustenta sobre o fenômeno da adolescência. Assim, diversos autores deram
continuidade ao pensamento de Erickson (1972), Aberastury (1980), Aberastury e
Knobel (1981), Outeiral (1994), Calligaris (2000), Osório (1989), dentre outros,
partilharam da idéia de que a adolescência é uma fase natural caracterizada por
mudanças, biológicas, psicológicas e sociais. Nenhum deles negou a influência social
sobre essa fase do desenvolvimento, mas a adolescência sempre apareceu e continua
aparecendo como universal, o que corrobora com a concepção tradicional de que esta
é uma fase natural da vida.
Aberastury e Knobel (1981, p. 13) afirmam que a adolescência “[...] é um
período de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções com
o meio familiar e social [...]. Os autores destacam que as mudanças psicológicas que
ocorrem nessa fase se relacionam às mudanças corporais, que levam a uma nova relação
do adolescente com os seus pais. É importante considerar que esse processo será
78
possível quando o jovem elaborar o luto pela identidade infantil, pelo corpo de criança e
pela perda da relação com os pais da infância.
Para Aberastury e Knobel (1981, p. 10), todo adolescente passa pela “síndrome
normal da adolescência”, gerada por uma “crise essencial da adolescência”. Segundo os
autores, a síndrome normal da adolescência é constituída pela seguinte sintomatologia:
1. Busca de si mesmo e da identidade; 2. Tendência grupal; 3.
Necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4. Crises religiosas;
5. Deslocalização temporal; 6. Evolução sexual; 7. Atividade
social reivindicatória; 8. Contradições nas manifestações da
conduta; 9. Separação progressiva dos pais e 10. Constantes
flutuações de humor. (1981, p. 29)
Os desequilíbrios e as instabilidades do jovem são apresentados como
características naturais dessa fase humana. É como se todo o jovem independente das
condições concretas da vida, classe social, cultura, raça, dentre outros, tivesse uma
predisposição (inata) para vivenciar de forma angustiada e conturbada essa etapa.
Osório (1989), teórico da vertente psicanalítica, também propõe que “a tarefa
básica da adolescência é a aquisição [...] da identidade pessoal” e acrescenta que “nessa
fase ocorre a crise evolutiva de identidade [...] a adolescência é, sobretudo, uma crise de
identidade” (p. 15). O autor concorda com o caráter universal da adolescência e enfatiza
que a vivência da adolescência depende da classe social à qual o jovem pertence. Assim,
o jovem que luta pela sobrevivência não passa pela crise de identidade. No entanto, o
autor concorda que todo jovem passa pela crise ao afirmar que “[...] desde que
assegurada a satisfação das necessidades básicas [...]” (p. 21). Dessa forma, o autor
colabora para a difusão da idéia de universalização e naturalização da adolescência.
É importante ressaltar que, atualmente na psicologia, essa é a concepção
predominante que se tem do ser adolescente. Assim, essa fase é concebida como natural
e universal a todo o jovem independente das condições externas.
Becker afirma que
Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo.
Este ser que vivia em contato íntimo com a natureza e a vida
exterior, se fecha dentro de uma “casca”, dentro de si mesmo.
E início à transformação que o levará a um outro ser, mais
livre, mais bonito (segundo algumas estéticas) e dotado de asas
que lhe permitirão voar. Se a lagarta pensa e sente, também o
seu pensamento e o seu sentimento se transformarão. Serão
agora o pensar e o sentir de uma borboleta. Ela vai ter um outro
79
corpo, outro astral, outro tipo de relação com o mundo. (1989,
p. 14)
O autor enfatiza que a idéia do adolescer nos remete à idéia de metamorfose.
Quando ocorre a passagem da infância para a vida adulta. Assim, apesar de considerar
alguns aspectos culturais em relação à adolescência, valoriza-a como um fenômeno
psicológico e abstrato.
Nesse sentido, um consenso entre os autores de que a adolescência é
universal e que todos os jovens passam pela tão comentada “crise existencial”. Podemos
observar que o foco desses estudos se refere aos aspectos intrínsecos da adolescência,
compreendidos de forma abstrata e que na verdade são significados socialmente. Não se
considera que o jovem está inserido em uma cultura e que se constitui e é constituído no
contexto social.
Na psicologia, é essa a concepção de adolescente que tem sido disseminada, ou
seja, uma idéia que não condiz com o jovem concreto e real e que muitas vezes
contradiz o que ele de fato pensa, sente e faz. É importante que o profissional tenha um
olhar crítico sobre essas concepções naturalizantes sobre a adolescência. É importante
buscar compreender o fenômeno a partir de sua historicidade e particularidade.
Tendo em vista estes aspectos, é importante compreender que a adolescência não
é universal e a concepção que temos sobre ela é histórica. O conceito não é estático e
sabemos desde Ariès (1981) que mudanças sociais relacionadas a mudanças na
própria concepção. Ariès estudou especificamente a infância, mas nos permitimos aqui
fazer a analogia com a adolescência.
No início da Idade Média, não havia uma representação familiar para os
membros, nessa fase da vida. Obras de arte entre os séculos X e XI retratavam crianças
como adultos em tamanho reduzido, e gradativamente, entre esse período e o século
XVI, elas começaram a serem retratadas em suas formas próprias. Esse processo
ocorreu a partir da reprodução artística de crianças relacionadas com a religião, a
exemplo do menino Jesus e dos anjos. Progressivamente, a reprodução de crianças foi
desvinculada da religião, mas se manteve ao lado da família. Só a partir do século XVII
em diante, passaram a ser retratadas sozinhas. Porém, antes, período em que foram
criados os colégios nos moldes mais parecidos com os atuais, não havia separação dos
alunos por faixa etária, e adultos e crianças freqüentavam juntos as mesmas salas de
aprendizagem. Deste período em diante é que os colégios passaram a se destinar aos
jovens entre nove e pouco mais de quinze anos.
80
Com base nos dados, pode-se compreender que a infância e a adolescência são
criações culturais da Idade Moderna, visto que transformações sócio-históricas levaram
a mudanças de paradigmas e consequentemente de atitudes e comportamentos.
5.2. Adolescência na perspectiva sócio-histórica
Segundo Ozella (2003), a concepção sócio-histórica parte do pressuposto que
O homem é histórico: um ser que tem características forjadas
pelo tempo, pela sociedade e pelas relações; O homem é visto a
partir da idéia de condição humana: o homem é um ser que
constrói suas formas de satisfação das necessidades e faz isso
com os outros homens; A relação indivíduo-sociedade é
concebida como uma relação dialética: o homem se constrói ao
construir sua realidade; O fenômeno psicológico é histórico:
surge e se constitui a partir das relações do homem com o
mundo físico e social, todos os elementos internos do mundo
psicológico, são forjados nessas relações [...]. (p. 23)
Nessa perspectiva, a adolescência deve ser compreendida como um processo
construído historicamente, pois depende de diversos fatores, sociais, políticos,
econômicos, dentre outros.
Em oposição a esta visão naturalizada, Ozella (2003) investigou a concepção dos
profissionais da área de psicologia sobre a adolescência e constatou que grande parte
dos entrevistados tem uma visão estereotipada dos jovens, o que corrobora com a visão
liberal de homem. Segundo o autor, é relevante “abandonar a visão romântica que vem
permeando o estudo da adolescência, como uma fase caracterizada por comportamentos
típicos estereotipados que não correspondem aos fatos e ao adolescente concreto com os
quais nos deparamos [...]” (p. 39). A forma como concebemos esse fenômeno influencia
diretamente na proposta de atuação em orientação profissional. Essa é a tese que aqui
apresentamos.
A. Bock (2004) pesquisou alguns livros direcionados a pais e professores,
visando verificar como estes têm abordado o fenômeno da adolescência. A autora
constatou que
A adolescência tem sido tomada, em quase toda a produção
sobre o assunto, na psicologia, como uma fase natural do
desenvolvimento, isto é, todos os seres humanos, na medida em
que superam a infância, passam necessariamente por uma nova
fase, intermediária à vida adulta, que é a adolescência.
Inúmeros estudos dedicaram-se à caracterização dessa fase e a
81
sociedade apropriou-se desses conhecimentos, tornando a
adolescência algo familiar e esperado. Junto com os primeiros
pêlos no corpo, com o crescimento repentino e o
desenvolvimento das características sexuais, surgem as
rebeldias, as insatisfações, a onipotência, as crises geracionais,
enfim tudo aquilo que a psicologia, tão cuidadosamente,
registrou e denominou de adolescência. (BOCK, A., 2004, p.
33)
Dessa forma, podemos observar que a adolescência é tomada como uma fase
natural do ser humano. A maioria dos estudiosos que se dedica a esta questão
desconsidera os fatores que constituem a adolescência. Assim, a adolescência tomada
como um fenômeno universal e natural não colabora para um olhar crítico e deixa de
contribuir para ações transformadoras da realidade dos sujeitos.
É relevante uma postura que desvele a naturalização da adolescência, pois
somente levando em conta todos os fatores que colaboram para a ocorrência desse
fenômeno é que podemos de fato atuar com esta população. A psicologia ao naturalizar
a vivência da juventude deixa de considerar a adolescência como uma construção social
e cultural. Para Bock, isso é preocupante, pois dificulta a criação de políticas públicas
com a demanda e o que é pior contribui para a manutenção dos valores liberais e do
sistema vigente.
A psicologia não pode mais manter-se divulgando e
reforçando estas visões, pois não contribui para a
construção de políticas sociais adequadas para a juventude;
não ajuda a construir projetos educacionais adequados para
manter os jovens na escola, não ajuda a inserir os jovens
nos grupos e nas instituições que têm como vocação o
debate sobre a juventude. (BOCK, A., 2004, p. 36)
Ao falar sobre a adolescência, a autora explicita que na perspectiva sócio-
histórica não devemos perguntar “como surgiu a adolescência”, e sim, como “como se
constituiu historicamente este período do desenvolvimento” (2004, p. 37). A autora nos
alerta sobre a importância de considerarmos o adolescente inserido no contexto social.
Assim, devemos procurar investigar como a adolescência surgiu em nossa sociedade,
como foi construída, considerando que essa construção ocorreu a partir do sistema
capitalista (dos valores liberais), dos meios de produção e das engrenagens que
subsidiam o funcionamento da sociedade moderna.
É importante ressaltar que a adolescência é uma construção social e que seu
surgimento se deve a diversos fatores sócio-histórico-culturais. Clímaco (1991) realizou
um estudo intitulado “Repensando as concepções de adolescência” e traz diversos
82
fatores que contribuíram para o surgimento da adolescência. Assim, precisamos buscar
compreender esse fenômeno inserido em um contexto social. Clímaco (1991) aponta
que a adolescência é uma criação humana e que surge na sociedade moderna,
especificamente a partir das revoluções sociais que geraram novos modos de produção e
formas de relações humanas. Essas revoluções colaboraram para a realização de um
trabalho mais sofisticado e que demandava maior tempo de preparação para o mercado
de trabalho. Esse fator trouxe a necessidade de um tempo maior para a formação do
jovem e seu ingresso no mundo do trabalho. Outro fator apontado por Clímaco (1991)
se refere ao desemprego gerado pelo capitalismo que exige cada vez mais a qualificação
do jovem para o trabalho e prolonga a sua entrada no mercado de trabalho.
Nesse contexto, a ciência, ao contribuir com o prolongamento da vida humana,
também trouxe a necessidade de prolongar a inserção do jovem no trabalho, pois
colaborou com mudanças no mercado do trabalho.
As condições históricas e sociais citadas por Clímaco (1991) colaboram para a
compreensão crítica de como surgiu à adolescência. Essas condições forçaram o
surgimento de uma “fase” da vida humana que precisava existir, pois era necessário
“dar um tempo” aos jovens para o amadurecimento que a sociedade exigia.
Nesse contexto, a escola tem o papel fundamental de preparar o jovem para as
exigências que a vida adulta lhe apresenta. Atualmente é cada vez maior a exigência do
preparo técnico e teórico do jovem, isso faz com que cada vez mais tardiamente o jovem
se insira no mercado do trabalho. Essa situação social e histórica foi constituindo a
criação do fenômeno da adolescência, pois apesar de o jovem possuir as condições
físicas e psíquicas não é considerado adulto e capaz de executar o que faz. Dessa forma,
a sociedade tornou-se um impedimento na possibilidade de autonomia do jovem, pois
por um lado criou a necessidade de uma preparação cada vez mais complexa para a
inserção no trabalho e, por outro, a necessidade de os adultos estarem mais tempo no
trabalho. Atualmente podemos notar o fenômeno “adolescência prolongada” que
acarreta uma atraso ainda maior na obtenção de autonomia do jovem e uma entrada
ainda mais tardia do jovem no “mundo adulto” e no mercado de trabalho.
A partir do exposto, podemos observar como o fenômeno da adolescência foi
construído e a considerar a necessidade de compreender o jovem inserido em uma
totalidade dinâmica e em constante transformação. Nesse sentido, é importante
considerar que o adolescente não é, mas está”, e que a vivência desse fenômeno
depende da cultura e contexto histórico. A adolescência é uma construção social que foi
83
sendo significada pela sociedade a partir de suas necessidades. Assim, é importante
colaborar para a desnaturalização desse fenômeno, buscando compreendê-lo a partir das
determinações que levaram ao seu surgimento e das determinações que continuam a
manter o fenômeno.
84
CAPÍTULO VI – ADOLESCÊNCIA/ JUVENTUDE E TRABALHO
6.1. Alguns dados estatísticos sobre a adolescência no Brasil
Segundo dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), existe hoje, no mundo todo, 1 bilhão de pessoas vivendo a adolescência, o que
equivale a 20% da população mundial. No Brasil, existem cerca de 34 milhões de
adolescentes, 21,84% da população total do país.
A pesquisa “A Voz dos Adolescentes
35
”, realizada em 2002 pelo UNICEF
36
,
ouviu a opinião de jovens de diversas partes do país a partir de uma amostra de 5.280
meninos e meninas entre 12 e 17 anos, permitindo acesso a um conjunto de dados que
informam sobre a adolescência no Brasil. Do total de entrevistados, 51% são do sexo
masculino e 49% do sexo feminino. Na primeira parte, a pesquisa foi realizada através
da aplicação de questionário
37
com perguntas abertas e fechadas. Na segunda parte da
pesquisa, utilizaram-se técnicas de análises e abordagens qualitativas para a obtenção de
resultados que expressassem, de forma mais apurada, a complexidade da realidade
social. O conjunto de perguntas foi dividido por temas, com o objetivo de apreender a
realidade do (a) adolescente brasileiro (a), suas necessidades, expectativas, dificuldades,
além do impacto do Estatuto da Criança e do Adolescente na vida desses garotos e
garotas.
Nas residências dos adolescentes moram, em média, 4,87 pessoas. O núcleo
familiar é composto predominantemente por mãe (em 87% dos lares), irmãos (69%), pai
(66%), avós (14%) e tios (13%). Para efeito de análise, também foram consideradas as
categorias padrasto, madrasta, esposa/marido, filhos e enteados. O chefe da família
brasileira, entendido como o principal provedor do lar, é o pai em 49% dos casos. As
mães são as chefes da família em 24,5% dos lares dos adolescentes entrevistados.
Padrastos, irmãos, avós e tios completam o quadro, como pode ser observado na tabela
a seguir.
35
Este estudo foi o primeiro em âmbito nacional a ouvir a opinião dos adolescentes brasileiros de todos
os níveis de renda, todas as regiões geográficas, dos diferentes níveis de escolaridade, das diferentes raças
e diferentes características culturais.
36
UNICEF - O Fundo das Nações Unidas para a Infância. A organização tem como objetivo promover a
defesa dos direitos das crianças, ajudar a dar resposta às suas necessidades básicas e contribuir para o seu
pleno desenvolvimento.
37
A análise dos questionários foi realizada a partir de ferramentas estatísticas.
85
Nos lares em que o pai está presente no cleo familiar (65,5% dos domicílios
visitados), o chefe de família é uma pessoa do sexo masculino em 74,8%. Percebe-se,
portanto, que a chefia da família permanece é preponderantemente masculina,
representada por pais, padrastos, tios, avôs e irmãos (66% dos casos).
As condições de moradia dos adolescentes foram pesquisadas a partir do acesso
de garotas e garotos e suas famílias a serviços de infra-estrutura urbana, como água
tratada/esgoto, rua asfaltada, coleta de lixo e iluminação pública. Foram considerados
ainda acesso a serviços e equipamentos públicos, centros de lazer, agências dos
Correios, telefonia pública, existência de creches na comunidade. A água tratada é um
direito garantido a 91% dos adolescentes, enquanto 4% dos adolescentes não têm acesso
a esse serviço. A coleta de lixo é um serviço que chega a 94% dos adolescentes
entrevistados. Outros 4% disseram não ter acesso à coleta de lixo. Dentro do total de
adolescentes entrevistados, 77% moram em locais com ruas asfaltadas, contra 18% que
não usufruem dessa comodidade. Entre os entrevistados, 89% afirmaram que moram em
locais onde existe iluminação pública e 97% afirmam ter acesso à energia elétrica.
Quanto à proximidade das escolas e residências dos adolescentes entrevistados,
observa-se que 92% têm escolas próximas de suas casas.
Quanto à garantia ao tratamento médico-hospitalar, estabelecido pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, 79% dos entrevistados declararam ter hospitais ou postos de
saúde próximos às suas casas. Por outro lado, 17 % dos adolescentes (sem contar os que
não sabem e os que não responderam à questão) não têm acesso facilitado a esses
serviços de saúde.
Os centros comunitários de cultura e lazer estão distantes para 32% dos
entrevistados, enquanto 60% dos adolescentes encontram opções como essas em suas
comunidades.
Embora não seja parte do que se convencionou chamar infra-estrutura, o
transporte público é um serviço essencial para a população e especialmente para os
adolescentes em seus deslocamentos para a escola, postos de saúde e espaços de lazer.
Entre os entrevistados, constata-se que 90% dos adolescentes têm acesso ao transporte
público, contra 8% que não encontram tal benefício em seu local de residência.
os telefones públicos chegam perto das residências de 93% dos entrevistados,
enquanto 5% não têm acesso à telefonia pública próxima de suas casas.
Outro item pesquisado foi a existência ou não de serviços dos Correios nas
proximidades das residências dos adolescentes. As respostas indicaram que 64% dos
86
entrevistados têm agência de correio próxima do local onde moram, contra 32% que não
dispõem do serviço perto de suas casas.
Entre os entrevistados, 66% disseram ter posto de polícia ou delegacia perto de
suas residências, enquanto 30% relatam não ter posto de polícia nas proximidades de
casa.
É considerável a freqüência de adolescentes que moram em locais onde não
existem faixas de pedestre e semáforos (34%), muito embora 62% dos adolescentes
pesquisados afirmem ter acesso a esses equipamentos de segurança.
Do total de adolescentes entrevistados, 71% moram em comunidades onde
creches instaladas. Porém, 22% vivem em localidades sem esse tipo de serviço de
educação infantil, obrigatório segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A pirâmide social brasileira está reproduzida na pesquisa de forma geral. Do
total de entrevistados, 62,1% estão na classe C e 16% na classe D, 18,2%, na classe B e
2,5%, na classe A. Essa mesma divisão não se reproduz fidedignamente nas regiões em
função da aleatoriedade da amostra e de diversos fatores relativos à coleta dos dados.
Entretanto, como o objetivo da pesquisa é dar uma dimensão geral da opinião dos
adolescentes, o fato de uma classe estar sub-representada numa determinada região não
prejudica a compreensão geral dos diferentes grupos de adolescentes. O cruzamento dos
resultados das classes sociais com variáveis como as condições de moradia, grau de
escolaridade declarado, trabalho e hábitos de lazer permitiu traçar um panorama de
como as desigualdades refletem-se no cotidiano dos adolescentes.
Esses dados colaboram para a compreensão do jovem/adolescente, ou seja, para
compreendermos sua realidade no contexto social brasileiro, permitindo considerarmos
que parte dos jovens brasileiros ainda vive em condições precárias de vida,
principalmente em termos de infra-estrutura e de acesso a serviços como os de saúde.
6. 2. Alguns dados sobre Adolescência/Juventude e Trabalho
Os dados sobre a realidade educacional, ocupacional e a classe social dos jovens
em nosso país nos interessam na medida em que são fatores determinantes para a
escolha da profissão. Nesse sentido, Corrochano et al. (2008) realizaram um estudo pela
Ação Educativa
38
, utilizando dados da PNAD
39
2006 (Pesquisa Nacional por Amostra
38
A pesquisa completa está disponível no site (www.acaoeducativa.org.br)
39
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), tem periodicidade anual, exceto em anos censitários, constituindo-se em um
87
de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e
analisa a real condição dos jovens
40
a partir das distinções entre gênero, raça, classe
social e nível escolar. No estudo, foram levadas em conta as diferentes faixas etárias,
para avaliar em que momento o trabalho se torna importante e como é conciliado com
os estudos. Assim, o estudo de caráter quantitativo aponta os jovens como um dos
segmentos mais atingidos pelo desemprego, mesmo em conjunturas de aumento da
oferta de empregos e procura tornar evidente a realidade dos jovens no mundo do
trabalho e o modo como diferentes jovens se relacionam com o trabalho e os estudos.
Para realização da pesquisa, foram classificados seis grupos de análise:
1 – Os jovens que apenas trabalham;
2 – Aqueles que combinam trabalho e estudo;
3 – Os jovens desempregados que estudam;
4 – Os jovens desempregados que não estudam;
5 – Aqueles que apenas estudam;
6 – Aqueles que não trabalham, não estão procurando trabalho e não estudam.
Segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD, de 2006, os jovens representam 53,9 milhões de brasileiros, correspondendo a
28,8% da população total do país
41
. Entre 1999 e 2006, a taxa de crescimento da
população jovem, de 12,5%, foi inferior à taxa de crescimento do total da população
brasileira, de 14,7%.
A população jovem é predominantemente negra
42
(52%), mas com acentuadas
diferenças entre as regiões: no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, predominam os jovens
negros (76%, 72% e 58%), enquanto nas regiões Sudeste e Sul predominam os jovens
brancos (57% e 81%). Em relação ao contexto econômico e familiar dos jovens, estão
distribuídos em 35 milhões de famílias, totalizando 59,3% das famílias brasileiras com
aproximadamente um jovem por família (PNAD, 2006). Em termos de renda
43
, um
importante levantamento estatístico por amostragem probabilística de domicílios, que abrange os mais
diferentes indicadores socioeconômicos.
40
É importante ressaltar que nesse estudo os pesquisadores consideraram adolescentes jovens com idade
entre 14 a 29 anos, conforme a Lei de 11.129 de 30/6/2005
40
que estabelece a idade para esta população.
41
As regiões Sudeste e Nordeste são representadas por 70% desta população.
42
Nesta pesquisa, os negros representam a somatória de pretos e pardos, e os brancos, a somatória de
brancos e amarelos.
43
As condições de vida das famílias podem ser verificadas pela renda. As famílias que possuem renda
inferior dão prioridades para o sustento de seus membros.
88
traço comum da maioria das famílias brasileiras que apresentam um ou mais jovens é o
baixo rendimento familiar per capita. Segundo a Síntese de Indicadores do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, 78,2% das famílias residentes em
domicílios particulares declararam, em 2006, até um salário mínimo oficial
44
como
renda per capita familiar.
Quanto à situação educacional da população jovem, os dados apontam para a
expansão do acesso ao ensino e apontam que 98,8% freqüentam ou freqüentaram a
escola. Em contraste, ainda existe o número significativo de 1,2% dos jovens que nunca
tiveram acesso à educação.
Segundo Corrochano et al. (2008), quando comparada as faixas de 18 a 21 e 22 a
24 anos, a faixa etária de 25 a 29 anos apresenta maior porcentagem de jovens que ainda
não completaram o ensino fundamental. O que reflete o surgimento dos programas de
expansão de acesso à escola que tem beneficiado os mais jovens.
Quanto à raça, se comparados aos brancos, os jovens negros tem sofrido maior
exclusão escolar, os números em relação aos que não concluíram o ensino fundamental
apontam para 44,6% dos negros e 26,6% dos brancos. Os que não conseguiram concluir
o ensino médio se referem a 20,8% dos negros e 24,9% dos brancos. Já, os jovens que
concluíram o ensino superior apontam para 1,3% negros e 5,6% brancos.
Quanto ao perfil dos jovens no trabalho e no estudo, os dados apontam que dos
14 aos 19 anos, enquanto 66,6% dos brasileiros trabalham ou procuram emprego, 21%
apenas estudam e 13% não desempenham nenhuma das atividades.
No panorama levantado, os jovens trabalhadores passam a ser maioria na faixa
etária de 18 a 21 anos, na qual 75% estão no mercado e 40% ainda estudam. Dos 22 aos
24 anos, os números alcançam 80% e 20%, respectivamente. A proporção muda para
83% e 15%, a partir dos 25 anos. Entre os mais novos, que ainda não atingiram a
maioridade, grande parte se dedica exclusivamente à escola.
As mulheres estudam mais tempo que os homens, porém encontram mais
dificuldade para conseguir um emprego. Os negros são maioria nas categorias mais
desfavorecidas: desempregados que estudam, desempregados que não estudam e
pessoas que não trabalham e não estudam.
Outro dado relevante é que, ao se tornarem chefes de família ou cônjuges, os
jovens tendem a abandonar os estudos. Nas escolas, eles representam de 2,1% a 10,5%.
44
Na época, o salário era o equivalente a R$ 350,00.
89
A classe social é um fator determinante na busca pelo emprego, em famílias de
menor renda, a inserção no mercado de trabalho é precoce. Aos 14 anos, muitos jovens
nessas condições estão trabalhando ou buscando emprego. A pesquisa revelou que,
entre aqueles que só trabalham há desigualdades profundas entre os jovens com maior e
menor renda familiar. Os jovens que estão entre os 40% com menores rendimentos
começam a trabalhar mais cedo, com o ensino fundamental incompleto, enquanto a
maior parte dos jovens que estão entre os 20% mais ricos concluiu o ensino médio. Os
jovens de classes mais altas começam a atuar profissionalmente dos 18 aos 21 anos, e
31% chegam ao ensino superior.
O dado é ainda mais alarmante quando se verifica a qualidade do emprego.
Quanto mais cedo os jovens ingressam no mercado, menos os seus direitos são
respeitados. Dentre aqueles entre 14 e 15 anos empregados, por exemplo, grande parte
não conta com remuneração e registro, trabalhando de 30 a 40 horas semanais. Poucos
trabalham na condição de aprendiz, como a lei determina. À medida que a idade
aumenta, os direitos trabalhistas passam a ser um pouco mais respeitados.
Já os negros têm menos tempo de estudo, começam a trabalhar mais cedo,
recebem menores salários, têm empregos precários e também apresentam altas taxas de
desemprego. Segundo números da pesquisa, as desigualdades são evidenciadas mais
fortemente entre aqueles que não trabalham, não estudam e não procuram emprego, este
grupo é formado principalmente por mulheres (77%) e negros (58,5%).
Podemos observar os seguintes dados sobre trabalho, estudo e inserção no
mercado de trabalho a partir da pesquisa “A voz dos adolescentes” (UNICEF, 2002).
Entre os adolescentes entrevistados, 84,4% não trabalham e 12,2% estão no
mercado de trabalho. A região Nordeste é a que concentra mais adolescentes
trabalhando (13,2%). O menor índice foi registrado no Norte (10,8%).
Constata-se que 64,3% dos 638 adolescentes entrevistados que trabalham são do
sexo masculino e 35,7%, do sexo feminino. Entre aqueles que não trabalham (4.406),
49,4% são do sexo masculino e 50,6%, do feminino. Na análise por faixas etárias, entre
os adolescentes trabalhadores, 47% têm entre 12 e 15 anos e 53%, entre 16 e 17 anos.
Entre os que não trabalham, 71,4% têm entre 12 e 15 anos e 28,5%, entre 16 e 17 anos.
Segundo dados levantados pela pesquisa, o trabalho é um dos motivos de
afastamento de adolescentes dos estudos. Entre os que trabalham, 15% estão fora da
escola. Entre os que não trabalham, 10%. Na análise por região, percebe-se que 24%
90
dos adolescentes que trabalham na região Norte não frequentam a escola. O mesmo
ocorre com 16% dos adolescentes nordestinos e com 15% dos entrevistados do Sudeste.
Ao relacionar a escolaridade com a faixa etária e a classe social dos
adolescentes, percebe-se que aqueles com maior defasagem escolar pertencem às
classes mais baixas. Na classe A, por exemplo, 68,4% dos entrevistados entre 15 e 17
anos estão no Ensino Médio. Na classe B, 51,1%; na C, 36,8% e na D, 25,5%. Por outro
lado, 16% dos entrevistados pertencentes à classe D, com idade entre 15 e 17 anos,
estão matriculados em alguma série até a do Ensino Fundamental, contra 9,2% dos
pertencentes à classe A.
O periódico n 15 Políticas Sociais acompanhamento e análise
45
, publicado
pelo IPEA e organizado Castro e Aquino (2008), traz informações sobre a população
jovem, considerando estes com idade entre 15 e 29 anos
46
. Em relação ao mercado de
trabalho, observa-se grande diversidade no que diz respeito à qualidade dos postos de
trabalho que os jovens ocupam.
A publicação aponta que, para os grupos mais jovens, os postos ocupados são os
que exigem menor qualificação e que apresentam pior qualidade. Esse dado reflete o
fato de que apenas 11% dos jovens de 15 a 17 anos ocupados eram empregados com
carteira assinada, evidenciando-se a barreira imposta pelas baixas qualificação e
experiência características desse grupo. Nos grupos etários seguintes, verifica-se um
aumento da proporção de trabalhadores em melhores ocupações, o que, além do efeito
“escalada” das ocupações piores para as melhores, reflete ainda a mudança na
composição desses grupos: entre os jovens de 18 a 29 anos estão não apenas aqueles
que entraram cedo no mercado de trabalho e conseguiram, paulatinamente, mudar para
ocupações melhores; encontram-se aí também os jovens que puderam protelar sua
entrada no mercado de trabalho possivelmente aumentando sua escolaridade no
processo – e que já conseguem um posto de melhor qualidade como primeira ocupação.
É importante ressaltar que, mesmo nesses grupos, são altas as proporções de
jovens nas ocupações de pior qualidade, pois quase a metade do grupo de 18 a 24 anos e
cerca de 30% do grupo de 25 a 29 eram de empregados sem carteira ou trabalhadores
não-remunerados. Essa situação revela que um grande número dos jovens brasileiros
45
O periódico pode ser lido na íntegra no site do IPEA (http://www.ipea.gov.br)
46
O recorte etário aqui adotado (15 a 29 anos) é o mesmo com que trabalham a Secretaria e o Conselho
Nacional de Juventude. Também é o recorte adotado na proposta de Estatuto da Juventude, em discussão
na Câmara dos Deputados.
91
que trabalham não tem acesso a garantias sociais e trabalhistas, o que pode ter impacto
na condição e no exercício da cidadania durante a sua vida ocupacional.
Castro e Aquino (2008) fazem uma ressalva quanto à questão da escolaridade
maior gerar uma melhor ocupação no mercado de trabalho. Quando afirmam que
[...] não significa que a escolaridade mais elevada garante,
automaticamente, bons empregos aos jovens que puderam postergar
a sua entrada no mercado de trabalho para dar continuidade aos
estudos, pois um incremento na oferta de mão-de-obra qualificada
não implica um aumento na demanda por profissionais qualificados.
No heterogêneo mercado de trabalho brasileiro, marcado pela
acirrada competição entre trabalhadores desempregados e
subempregados, a qualificação é, muitas vezes, apenas um “atributo
positivo” do candidato em processo seletivo, e não um pré-requisito
necessário ao exercício das funções inerentes ao cargo disponível.
Dessa forma, o candidato mais qualificado acaba conquistando o
emprego, ainda que as atividades a serem exercidas sejam de baixa
complexidade, facilmente desempenhadas por trabalhadores menos
qualificados. Como conseqüência, pelo menos dois fenômenos se
explicitam: i) uma corrida imediatista e utilitarista por qualificação,
na maioria das vezes meramente certificatória, que não assegura
avanço nas competências cognitivas dos trabalhadores; e ii)
possibilidades de inserção cada vez mais restritas aos trabalhadores
com baixa qualificação, que em geral ficam com as atividades mais
precárias, degradantes e/ou inseguras. (p. 17)
Dessa forma, é importante ter o entendimento de que apenas qualificar/capacitar
os jovens não garante a solução dos problemas enfrentados por eles e suas famílias. É
importante que as políticas públicas criem condições de empregos para essa demanda,
ou seja, a reformulação da educação permitindo maior acesso a ela exige, para se
completar como política pública, que a estrutura do mercado de trabalho seja revista e
reorganizada.
Em relação ao ingresso no mercado a pesquisa “A voz dos adolescentes”
(UNICEF, 2002), aponta que 13% dos adolescentes entrevistados exercem atividades
profissionais. Entre os que não trabalham, 59% nunca tiveram um emprego, 7%
estiveram no mercado de trabalho, mas deixaram de trabalhar por opção própria, e 8%
dos entrevistados gostariam de trabalhar, mas estão sem emprego. Entre os adolescentes
trabalhadores, 64,3% o homens e 35,7%, mulheres. Entre os que não trabalham,
49,4% são do sexo masculino, enquanto 50,6% são do feminino.
92
Na divisão por classe social, 48,1% dos entrevistados que trabalham e têm
carteira assinada estão na classe C. A seguir estão os adolescentes da classe B (20,8%),
os da classe D (19,5%) e os da classe A, com 6,5%. O tipo de atividade mais frequente
entre os adolescentes que trabalham é o de assistente administrativo (18%), seguido de
auxiliar de trabalhos cnicos, como ajudantes de estaleiros, marceneiros, mecânicos ou
eletricistas (10%). Esse dado varia segundo a classe social e o sexo.
A classe social determina os diferentes destinos da remuneração que os
adolescentes recebem. Enquanto nas famílias ricas o dinheiro é usado principalmente
para diversão (77% na classe A e 43% na classe B), nas famílias de baixa renda o
salário/remuneração tem como finalidade preponderante o auxílio no orçamento
doméstico (52% na classe C e 59% na classe D).
Além de começarem a trabalhar cedo, com baixas remunerações e sem garantias
trabalhistas, 94% dos adolescentes entrevistados que trabalham não recebem
capacitação profissional qualificada para as funções que exercem. Entre os entrevistados
que estão no mercado, 6% tiveram acesso a algum tipo de curso relacionado à sua área
de trabalho.
Outra forma de qualificação para o trabalho, o ensino profissionalizante, não faz
parte da formação de 83% dos entrevistados. Entre os 17% que tiveram acesso a cursos
profissionalizantes, 53% classificaram-nos como de boa qualidade e 17% classificaram-
nos como ruins.
Esses dados são relevantes na medida em que expressam a realidade dos nossos
jovens quanto à escolaridade e ao trabalho. Podemos observar, através deles, o quanto é
difícil para o jovem de classe pobre dar continuidade aos seus estudos e escolher uma
profissão. As condições de trabalho são precárias, as atividades que executam são de
“menor valor social”; trabalhar para custear os estudos e estudar para melhorar a
situação financeira são contradições vividas por estes jovens. Esta situação social se
evidencia na orientação profissional, pois efetivamente as condições de escolha dos
jovens pobres não é a mesma dos jovens das camadas mais ricas da população
brasileira. O esforço, as dificuldades, as limitações dos jovens pobres são muito
maiores, exigindo que o orientador profissional as conheça e esteja atento a elas no
decorrer do trabalho.
93
CAPÍTULO VII
A PESQUISA
A pesquisa qualitativa [...] não se orienta para a produção de
resultados finais que possam ser tomados como referências
universais e invariáveis sobre o estudado, mas a produção de novos
momentos teóricos que se integrem organicamente ao processo geral
de construção de conhecimentos.
González Rey (2005)
No decorrer do capítulo teórico, ao contextualizar Vigotski (contexto histórico e
obra) observamos sua preocupação em construir uma teoria científica baseado no
materialismo histórico e dialético que permitisse compreender o homem em sua
totalidade e em sua relação com a sociedade. Para tanto, o autor buscou novos métodos
de investigação e análise.
Vigotski destaca a importância do método no processo de estudo ao afirmar que:
A procura do método torna-se um dos problemas mais
importantes de todo o empreendimento para a
compreensão das formas caracteristicamente humanas de
atividade psicológica. Nesse caso, o método é, ao mesmo
tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o
resultado do estudo. (Vygotski, 1998, p. 86)
Segundo o autor, todo método de estudo deve estar de acordo com a concepção
de ser humano. Assim, o método utilizado deve considerar a realidade social e a
historicidade do sujeito. Por compartilharmos de sua concepção de homem, adotamos a
psicologia sócio-histórica como suporte metodológico para a realização de nossa
pesquisa.
Desenvolvida dentro dessa abordagem, a pesquisa qualitativa valoriza a
compreensão dos fenômenos a partir de sua historicidade, considerando que o
particular é uma instância do social.
A investigação qualitativa possibilita que o pesquisador tenha acesso à
subjetividade do sujeito. O que não pode ocorrer facilmente nas pesquisas
quantitativas.
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1994), possibilita adaptações e
ajustamentos durante seu percurso.
A autora enfatiza que
94
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares.
Ela se preocupa [...] com um vel de realidade que não pode
ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. (1994, p. 21-22)
Para Minayo (1994), a investigação qualitativa colabora para o aprofundamento
da complexidade de fatos e processos particulares e específicos a indivíduos e grupos. A
abordagem qualitativa é empregada, portanto, para a compreensão de fenômenos
caracterizados por um alto grau de complexidade interna.
Na psicologia, González Rey tem sido um dos autores dedicados à
sistematização e elaboração de uma proposta epistemológica alternativa ao positivismo
que contemple as especificidades do estudo do fenômeno humano. Para o autor
A pesquisa qualitativa se debruça sobre o conhecimento de um
objeto complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados
simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os
quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito
concreto. (2005, p. 51)
Conforme mencionamos anteriormente, ao buscar um método que desvelasse a
gênese dos processos internos, apoiado na dialética e no materialismo-histórico,
Vigotski propõe que a análise psicológica obedecesse a três princípios básicos:
[...] (1) uma análise do processo em oposição à análise do
objeto; (2) uma análise que revela as relações dinâmicas ou
causais, reais, em oposição à enumeração das características
externas de um processo, isto é, uma análise explicativa e não
descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que
reconstrói todos os pontos e faz retornar a origem o
desenvolvimento de uma determinada estrutura. [...] (1998, p.
86)
Nessa perspectiva, o pesquisador deve analisar os processos e não os objetos.
Devemos considerar que os processos psicológicos estão sempre em movimento, e que
por serem complexos, passam por contínuas transformações. Ao invés de apenas
descrever os fenômenos estudados, o pesquisador deve procurar explicá-los, buscando
revelar as relações subjacentes. Contudo, deve sair da aparência, buscando desvelar a
essência dos fenômenos. Por fim, propõe um estudo que busque as origens da estrutura
dos comportamentos mecanizados e tomados como naturais.
95
Dessa forma, Vigotski criou um método científico a partir de uma perspectiva
qualitativa e que contribuiu para o desvelamento da sociedade e o avanço do
conhecimento.
A realização de uma pesquisa qualitativa é dinâmica e relacional, pois depende
de uma relação entre as partes interessadas, ou seja, entre o pesquisador e o pesquisado,
que fazem parte do processo de investigação. Assim, a neutralidade neste tipo de
pesquisa é inexistente, pois o pesquisador faz parte da própria situação de estudo. A
pesquisa qualitativa requer um pesquisador comprometido e reflexivo com o processo
de construção da investigação. Nesse sentido, González Rey (2005) afirma que
O pesquisador como sujeito não se expressa somente no campo
cognitivo, sua produção é intelectual, é inseparável do processo do
sentido subjetivo marcado por sua história, crenças, representações,
valores e todos aqueles aspectos em que se expressa sua constituição
subjetiva. (p. 34)
Assim como o pesquisador, o sujeito nessa abordagem tem um papel primordial
no decorrer do processo investigativo. Os sujeitos pesquisados não são considerados
apenas objetos de estudo e se expressarão por necessidade pessoal que se estabelecerá,
no contexto da pesquisa, a partir das relações adquiridas no processo.
Durante o processo da pesquisa qualitativa, a comunicação tem um lugar
privilegiado. De acordo com González Rey (2005) a comunicação será “a via em que os
participantes de uma pesquisa se converterão em sujeitos, implicando-se no problema a
partir de seus interesses, desejos e contradições” (p. 14).
Segundo o autor, a partir da comunicação podemos conhecer e analisar os
processos de sentido subjetivo e as articulações que caracterizam a subjetividade do
indivíduo, bem como compreender as condições concretas da sociedade que afetam o
ser humano. Portanto, é a partir da comunicação que o pesquisador obterá as
informações e conhecimentos produzidos no processo da pesquisa.
Na pesquisa qualitativa, o conhecimento é uma produção humana, pois resulta
da construção interpretativa do pesquisador. Nesse sentido, González Rey elaborou o
conceito de “zona de sentido” que se produz a partir da interação e comunicação entre
pesquisador e pesquisado.
Segundo González Rey (2005), esse conceito se refere a
[...] aqueles espaços de inteligibilidade que se produzem na pesquisa
científica e não esgotam a questão que significam, senão que pelo
96
contrário, abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo
de construção teórica [...] O conhecimento legitima-se na sua
continuidade e na sua capacidade de gerar novas zonas de
inteligibilidade acerca do que é estudado e de articular essas zonas
em modelos cada vez mais úteis para a produção de novos
conhecimentos. (p. 6)
Apoiamo-nos nessa metodologia qualitativa que depende da fundamentação
teórica para a sustentação e validação do desenvolvimento construtivo interpretativo da
investigação. No entanto, González Rey (2005, p. 9) ressalta que “o caráter teórico desta
proposta não exclui o empírico, mas sim o compreende como um momento inseparável
do processo de produção teórica”.
O estudo da subjetividade é possível com a aproximação dos sentidos subjetivos.
Contudo, estes não aparecem de forma clara nas respostas dos pesquisados, mas de
forma nebulosa, e necessitam ser analisados através de interpretações para adquirir
significado. González Rey (2005) afirma que "nenhuma manifestação do sujeito reflete
de forma linear e direta o sentido subjetivo, por isso é construído” (p. 32). Dessa forma,
a apreensão dos sentidos subjetivos requer um trabalho interpretativo por parte do
pesquisador, à luz da teoria adotada.
Para Aguiar e Ozella (2006), a palavra com significado é a unidade de análise,
que se constitui como expressão e mediação do pensamento. É a partir da fala, ou seja,
da palavra com significado, que o pesquisador pode apreender os sentidos subjetivos do
investigado. E, com certeza, o conhecimento dos sentidos nos permitirá compreender
aspectos importantes da escolha profissional.
6.1. Procedimentos
Para a realização da análise foram adotados os procedimentos de organização e
análise de material, investigados por Aguiar e Ozella (2006), autores que adotam a
abordagem sócio-histórica.
Nessa perspectiva, o procedimento de análise deve ser realizado com o objetivo
de apreender os sentidos constitutivos do sujeito. Dessa forma, os elementos que
constituem esse processo e a análise das articulações dos sentidos nos permitem realizar
uma análise subjetiva do sujeito.
Segundo Aguiar e Ozella (2006), é importante promover uma articulação entre a
teoria e os dados coletados. Assim, para o desenvolvimento do estudo, pretendemos
elaborar os passos recomendados pelos autores: 1. Realizar várias leituras flutuantes das
97
entrevistas; 2. Aglutinar os indicadores através da assimilaridade, complementaridade
e contraposição” (p. 230); 3. Realizar o processo de articulação dos indicadores e dos
temas discutidos, com o objetivo de construir os núcleos de significação; e 4. Analisar
os núcleos de significação construídos (intra-núcleo e após inter-núcleo) a partir das
teorias existentes. Os autores enfatizam que “este procedimento explicitará semelhanças
e-ou contradições que vão novamente revelar o movimento do sujeito” (p. 231). Para
Aguiar e Ozella (2006), os núcleos “devem expressar pontos centrais e fundamentais
que trazem implicações para o sujeito, que o envolvem emocionalmente, que revelam as
determinações constitutivas do sujeito” (2006, p. 235).
A adoção desse método para a realização da análise legitima-se em razão de
buscarmos desvelar o jovem investigado, saindo da aparência, ou seja, do dito para o
não dito. Dessa forma, buscamos analisar por meio da fala os sentidos que os
participantes do estudo constituem sobre a escolha da profissão, pois a fala do sujeito
contém os sentidos.
6.1.1. Produção da informação
As informações foram obtidas a partir de entrevistas semi-estruturadas e da
aplicação da dinâmica Projeto de futuro, que contemplaram questões visando atingir os
objetivos propostos.
6.1.2. Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos desta pesquisa são dois jovens de baixa renda que participaram de um
programa de Orientação Profissional ocorrido na cidade de São Paulo-SP, na
modalidade grupal. Percebíamos semelhança entre os objetivos de nosso estudo e dos de
Silvio Bock; assim fizemos contato com ele e houve interesse em que
desenvolvêssemos a pesquisa com sujeitos que já haviam colaborado em sua tese.
Nossos sujeitos são então jovens que haviam vivenciado o processo de Orientação
Profissional coordenado por Silvio Bock, como parte de sua tese de doutoramento. Essa
escolha se deu porque entendemos que os sujeitos tiveram, no programa, a possibilidade
de refletir sobre a escolha profissional, ressignificando e ampliando a compreensão
sobre a questão.
Foram escolhidos dois sujeitos, sendo um do sexo masculino e um do sexo
feminino com 21 e 22 anos de idade respectivamente. Os fatores que contribuíram de
98
forma significativa para a escolha desses jovens foram a disponibilidade dos
participantes e a facilidade de comunicação para a realização do estudo.
Quanto ao local para a realização das entrevistas, os participantes tinham duas
opções PUC-SP (sala de aula) ou uma sala do Prédio da pesquisadora. Os jovens
escolheram a segunda opção, justificando a melhor facilidade de acesso. A realização
das entrevistas e da aplicação da técnica “Projeto de Futuro” ocorreu em
aproximadamente três horas e meia, para ambos os sujeitos.
É importante esclarecer, que o roteiro para a elaboração da entrevista foi
importante, pois possibilitou a pesquisadora seguir um caminho coerente com os
objetivos da pesquisa. Assim, o roteiro foi um instrumento útil para a realização do
estudo.
Por fim, é relevante ressaltar que, ao participarem do estudo, os entrevistados
ficaram cientes sobre os objetivos e circunstâncias da pesquisa. Dessa forma, assinaram
os termos de concordância livre e esclarecido (anexo I) e de concordância pós-
informação (anexo II). Também, a identidade
47
dos sujeitos do presente estudo foi
preservada por questões éticas.
6.1.3. Instrumentos
Definimos por instrumento toda situação ou recurso que permite ao
outro expressar-se no contexto da relação da pesquisa.
González Rey (2005, p. 42)
Junto a cada um dos participantes foram obtidas as informações de interesse, a
partir de:
Questionários (anexo III), visando à obtenção de dados pessoais e
socioeconômicos dos participantes (anexos V e VII).
Entrevistas semi-estruturadas (anexos VI e VIII) com um roteiro de perguntas
(anexo IV), visando apreender os sentidos sobre a escolha da profissão. Também
investigamos a história de vida dos participantes, pois os dados advindos dessas
informações colaboraram para uma análise mais completa. As entrevistas foram
gravadas e transcritas sucintamente.
Para González Rey (2005), o instrumento representa
47
Utilizamos nomes fictícios, a fim de preservar a identidade dos participantes da pesquisa.
99
[...] apenas o meio pelo qual vamos provocar a expressão do outro
sujeito; isso significa que não pretendemos obrigar o outro a
responder ao estímulo produzido pelo pesquisador, mas facilitar a
expressão aberta e comprometida desse outro, usando, para isso, os
estímulos e as situações que julguem mais convenientes. O
instrumento privilegiará a expressão do outro como processo,
estimulando a produção de tecidos de informação, e não de
respostas pontuais. (p. 43)
Na pesquisa qualitativa, fundamentada em uma epistemologia qualitativa, os
instrumentos deixam de ser vistos como um fim em si mesmo (instrumentalismo
positivista) para se tornar uma ferramenta interativa entre o investigador e o sujeito
investigado.
É importante ressaltar que o instrumento utilizado visa uma melhor apreensão
dos sentidos em relação à escolha profissional. S. Bock (2008) em sua pesquisa
observou que as sínteses dos jovens foram pobres devido ao repertório dos sujeitos. S.
Bock destaca que, na metodologia da pesquisa, foram utilizadas informações por meio
das anotações dos jovens, e isto explicitou a dificuldade de expressão por meio da
escrita dos sujeitos. Quanto a este aspecto o autor sugere
[...] realizar pesquisas com instrumentos variados que o
contem apenas com a expressão escrita como fonte de dados:
entrevistas e registro das falas durante o grupo poderiam ter
enriquecido nosso trabalho [...] (2008, p. 140)
100
CAPÍTULO VIII
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
[...] as subjetividades social e individual são partes de um mesmo
sistema, no qual as contradições entre esses dois níveis de
organização se transformam em produções de sentido que
participam, simultaneamente, do desenvolvimento dos sujeitos, da
sociedade, em um processo infinito.
Gonzalez Rey (2005, p. 26)
Neste capítulo, apresentamos as informações obtidas nas entrevistas
(anexos VI e VIII), os núcleos de significação e as análises, referentes a cada um dos
nossos entrevistados, precedidos por um perfil do sujeito contendo algumas informações
relevantes sobre sua vida. A finalidade destas informações foi possibilitar que o leitor
contextualizasse a fala dos jovens. Assim, apresentamos aqui a caracterização de cada
um dos dois entrevistados, levantada a partir dos questionários socioeconômicos, das
entrevistas semi-estruturadas e da dinâmica realizada denominada “Projeto de futuro”.
Dessa forma, procuramos apresentar as análises relativas a cada entrevistado
individualmente e procuramos compreender o sentido que a escolha da profissão tem
para cada um deles. No capítulo seguinte, buscamos articular as falas dos sujeitos
visando a problematização e compreensão de algumas questões.
Os dados das entrevistas foram organizados em núcleos; no final de cada núcleo,
desenvolvemos a análise das falas; e ao final da fala de cada sujeito, uma síntese
articulando a interpretação dos núcleos. Optamos por não intercalar falas e análises com
o intuito de no capítulo seguinte articular alguns aspectos apresentados pelos
entrevistados, que nos pareceram relevantes para a compreensão da relação do jovem
com a escolha da profissão.
É importante ressaltar que os nomes que identificam os entrevistados são
fictícios a fim de preservar a identidade dos participantes.
DADOS OLGA
A jovem entrevistada tem 22 anos, mora com a mãe, dois irmãos e dois tios.
Olga tem o ensino médio completo e atualmente trabalha como Agente de proteção
social. A participante sonha em fazer faculdade de pedagogia e lecionar para crianças.
101
NÚCLEO I: “Minha mãe sempre tentou dar o melhor pra gente.”
A família apresenta muita importância na vida de Olga, principalmente sua mãe,
que considera ser uma pessoa batalhadora. Olga menciona que sua família é muito unida
e que, apesar de poder contar com a mãe em todos os momentos, ressalta que se sente
sozinha e que a única pessoa que pode ajudá-la é ela mesma.
“A minha família sempre teve muito unida e quem eu considero como família são
as pessoas que moram comigo. No caso, eu minha mãe, meus dois irmãos, o meu tio e
a minha tia.”
“[...] minha família mesmo, a gente é muito unido, nas maiores dificuldades, nas
maiores alegrias, a gente ta sempre muito unido”.
“Então, minha mãe sempre criou a gente sozinha e a gente sempre tinha duas horas
pra falar com ela e essas duas horas eram imprescindíveis, quem chegava primeiro
falava, mas ela sempre foi muito atenciosa com a gente, tentou dar o de melhor pra
gente.”
“[...] minha mãe é muito dura, às vezes, é mais fácil ela dar um tapa na sua cara do
que falar, é bem mais fácil mesmo [...].”
Minha relação com minha família é muito boa, porque por mais que a gente brigue
entre a gente, mas é entre a gente mesmo. Só que morre ali, na conversa.”
“[...] minha relação com a minha mãe, sempre foi muito boa, mas nunca tive uma
abertura pra falar minhas coisas pessoais pra ela. Eu nunca consegui. [...] ela a mãe
sempre foi muito aberta a tudo, mas acho que por causa da falta que ela fez antes,
agora eu não consigo me abrir, mas é uma relação muito boa assim.”
“A gente é muito unido mesmo, tipo de ta acontecendo uma briga lá, daí desce todo
mundo, não desce só um, desce todos [...].”
Minha mãe, se afastou um pouco sim, por ela ter pouco tempo, então a gente não
conseguia conversar muito.”
“[...] as minhas coisas quem resolvia era eu e eu mesma. Então, tipo a questão de
namorado era eu quem decidia.”
“E assim, às vezes eu me sinto sozinha por mais que ela esteja comigo pro que der e
vier, pra me ajudar, mas eu me sinto só. Sei lá, eu não tive aquele afeto, tipo deita
aqui e me conta o que ta acontecendo, mas assim, eu não a culpo. Eu culpo a mim,
porque eu acho que também não dou brecha pra conversar com ela, não dou espaço
pra ela, pra sentar e conversar.”
102
“Eu não consigo assim, eu não consigo chegar pras pessoas e falar que tô precisando
de ajuda. Não a minha ajuda é eu mesma.”
“Eu cuidei da família, da minha casa, dos meus irmãos, ela me dá dinheiro pra
mim pagar as contas. Com 13 anos eu saía pra comprar as coisas, pagava as contas e ia
ao supermercado, porque ela não tinha tempo e era eu. Então, eu tomei certa
responsabilidade. Acho que nesse caso me ajudou muito porque, tive que ajudar ela
a criar os meus irmãos mais novos. Isso me ajudou a amadurecer e ser mais
responsável. Então, eu criei certa responsabilidade que ela fala que às vezes, muitas
meninas com a minha idade não tem.”
“Assim, minha infância por mais que minha mãe trabalhasse sempre, foi uma
infância mesmo de criança, tipo de brincar do que a gente queria, de sair pra onde a
gente quisesse. Então, eu não tenho nada de ruim a dizer da minha infância.”
“Eu lembro que uma parte da minha infância que me marcou muito foi quando a
minha mãe mandou a gente pra Praça da Sé, aonde tem crianças de rua, porque a
gente começou a desperdiçar muito as coisas dentro de casa. Tipo ai não quero
comer, jogava fora. [...] quando a gente começou a ter esse desperdício, a primeira coisa
que ela fez foi levar a gente e falar a situação é essa e vocês têm isso, então vocês
começam a prestar atenção no que vocês têm.”
Este núcleo revela alguns aspectos relevantes que constituíram a dimensão
subjetiva de Olga. Olga reconhece o esforço materno para oferecer o melhor para ela e
seus irmãos, e fica explícito que a união entre os membros de sua família é um fator ao
qual a jovem atribui grande importância.
A sua fala evidencia que pode contar com sua mãe em todos os momentos (bons
ou ruins). No entanto, mesmo tendo essa experiência no ambiente doméstico de união e
força, Olga sente-se sozinha e acredita que a única pessoa que pode ajudá-la é ela
mesma.
Este núcleo também explicita o quanto as experiências vivenciadas no contexto
familiar constituíram sua subjetividade. Um exemplo é a menção de Olga ao fato de ter
tido a necessidade de ajudar a mãe com as tarefas domésticas logo cedo, cuidando dos
irmãos e da casa. Essa experiência trouxe a necessidade de criar responsabilidades e
amadurecer mais rápido.
NÚCLEO II: “Me sentia incapaz: eu era a coitadinha.”
Este núcleo revela o sentido das experiências relacionadas ao futuro profissional.
Olga sofre com as experiências de fracasso, se sente inferior em relação “aos que
103
conseguem” e acredita que os fracassos são determinados por fatores individuais e
subjetivos.
“Então, assim, eu tava totalmente desanimada, falei: não esquece isso daí, não vai ser
minha, eu sou uma pessoa errada na vida, não consigo nada. Então, eu tava super
derrotada assim.”
“Aí, nisso meus colegas tinham passado, eu não, fiquei muito frustrada. Falei:
caramba meu, porque assim, eu sou muito sentimental, qualquer coisa que você falar
pra mim eu tô chorando e eu comecei a chorar sabe?”
“Que eu era incapaz de fazer alguma coisa assim. Que eu sou incapaz de fazer algo,
que eu não tenho a competência que os outros têm. Que eu sou uma derrotada, que
eu não consigo nada.”
“Aí, falei: as pessoas certas, eu já sei quem é e eu não sou. Já não era comigo o negócio.
Aí, cheguei em casa tristeeee e sofri. Falei pra minha mãe: mais um, mãe. Aí, minha
mãe falou: calma minha filha.”
“Não sei por que eu sempre pensei que as pessoas eram mais capazes que eu, sempre eu
era a coitadinha. Sempre me senti inferior aos outros, não sei por que, sempre tive
essa coisa. Sempre tive essa culpa e pensava que eu era pior que os outros sabe?
“Eu não tive reação, minha única reação foi chorar. Chorava que nem uma criança,
chorava, chorava, chorava, chorava, chorava. Parecia que era a melhor coisa da minha
vida. Aí, eu parei e fiquei e fiquei né, meu consegui. Aí, eu chorava parecendo
criança. Saí abraçando todo mundo parecia que eu tinha ganhado a copa do mundo”.
Olga expressa o quanto as experiências relacionadas ao contexto escolar e
profissional afetam seu bem-estar. Olga se considera uma “pessoa muito sentimental” e
chama a atenção para os sentimentos vivenciados nesse âmbito que são muito fortes
dependendo da situação.
As dificuldades existentes na sociedade relacionadas à possibilidade de
continuar seus estudos e de se manter trabalhando colaboram para a instabilidade de
seus sentimentos. Olga menciona vivenciar sentimentos de inferioridade ligados à
conquista ou não de seus objetivos.
Esse núcleo evidencia a importância dos aspectos sociais na constituição dos
sentidos de Olga. Evidencia, assim, o quanto Olga se sente afetada por esses
determinantes, pois se constituem em obstáculos difíceis, mas que precisam ser
enfrentados.
104
NÚCLEO III: “Fico desesperada com a concorrência.”
Este núcleo traz informações sobre a importância do trabalho e do estudo na vida
de Olga. Também revela o quanto a concorrência desenfreada existente no mercado de
trabalho a deixa “desesperada”.
“O primeiro momento muito marcante na minha vida foi quando eu consegui o meu
primeiro curso. Só que não era um curso normal, assim, ele era patrocinado pela
prefeitura e pelo ministério do trabalho, também, só que nesse curso.”
“Então, foi muito concorrido, vixi, eu peguei filas enormes assim, passei tempos
indo atrás. Aí, eu falei: Ah, não desisto! Porque começou a chegar as cartas,
telefonemas, e a minha carta não tinha chegado e o telefonema também não. Aí, eu
falei: e agora meu deus o que é que eu faço, né? Liguei desesperada, liguei
desesperada, né? E falei: moça minha carta chegou hoje ela deve ter extraviado, e não
sei o que, comecei a falar, comecei a falar. A moça falou que não a minha carta que
extraviou, outras também, você pode vir amanha. Aí, eu falei: meu Deus, agora eu vou
e eu era muito tímida assim, foi o meu primeiro contato com pessoas assim. Então, era
super tímida. Aí, falei: caramba, meu Deus, vou desistir, vou embora. pensei,
demorei tanto pra conseguir a carta agora vou desistir não, vou ficar. E assim, depois
disso a gente teve que fazer uma segunda pré-seleção pra entrar. Eu sei assim, que foi
um momento muito marcante [...].”
[...] Meu Deus isso não é pra mim, que não sei o que, deixa pra lá, né? Tava
achando uma coisa, missão impossível. Tava certo que isso não era pra mim.”
“O segundo momento marcante foi quando eu consegui o meu primeiro emprego. O
meu primeiro emprego foi agora assim ano passado assim tipo no mês de fevereiro. Fui
trabalhar [...] dificuldade em casa assim, já tinha saído mesmo pra procurar.
“Você sabe pessoa que tem só o ensino médio não consegue nada, o ensino médio.
Falei: meu deus e agora... foi uma semana de luta, indo atrás, indo atrás, indo
atrás e nada.”
“Aí, desisti falei: não esquece, não vou mais, porque eu tinha passado por mais de
trinta entrevistas. Tanta entrevista, assim loucamente sabe? Nossa entrevista lá, nossa
onde você imaginar eu já fui. Eu ia acordava me arrumava cedo e ia.”
“Aí, falei: a não vou desistir esquece. Aí, o telefone tocou, era esse cara da Bem
comum. Aí ele perguntou pra mim: Você está trabalhando? Eu falei: não.
“Saí a semana inteira pra procurar emprego e eu não encontrei nada do que você
imaginar, nada, nada, nada, nada.
“Aí, ele falou: não, porque aqui tem uma vaga pra agente de proteção social. Ele
perguntou você quer e eu falei: quero. Eu tinha participado de uma seleção, mas
como eu tava recebendo uma bolsa não foi tanto e depois que a gente parou a bem
comum a gente parou de receber a bolsa então, parou tudo.”
105
“Falei: meu que droga, todo mundo passou e eu fiquei pra trás, mas aí passou.
Quatro pessoas tinham o ensino médio e duas que estavam na faculdade, que era
pedagogia e a outra fazia serviço social. Então, assim, você vai vendo as pessoas e se
fala: poxa, essas duas passaram e mais aquele dali e você não. Então, eu cheguei
em casa daquele jeito.”
“Falei: mãe esquece, não é emprego pra mim e eu não tento mais. Tipo eu falei eu
não quero mais, eu não vou trabalhar mais. Eu vou trabalhar com a senhora dentro
de casa. nisso, o telefone tocou a gente fez a entrevista na quarta. ele falou
entre quinta ou sexta-feira eu te ligo. Aí, eu fiquei esperando.”
“Aí, eu falei: ai meu Deus será que ele não vai ligar? Quando foi 12:02 de uma sexta-
feira, o telefone tocou e veio a pessoa do outro lado e falou que eu podia começar a
trabalhar [...] uma hora o projeto acabou e todos foram mandados embora, mas eu
já tava pensando falei: meu Deus, porque eu já entrei sabendo que em dezembro
acabava o contrato. Aí, eu falei: meu Deus e agora o que que eu faço de novo?”
“Aí, eles começaram a indicar a gente. Aí, nessa seleção, nessa pré-seleção que a
gente participou pra entrar tinha 30 pessoas para oito vagas. Agora você pensa eu
sentada numa mesa com tantas pessoas. Eu parava, olhava e pensava assim, meu
Deus, isso não é pra mim, não é mesmo. Esquece eu vou desistir.”
“Agora dia 18 de dezembro a mulher me ligou e falou: aquela vaga liberou e é pra
você trabalhar. A ligação caiu, a mulher me ligou umas três vezes, e me disse que eu
precisava ir, mas foi na hora que eu fiquei bem novamente. Demorou pra cair a
ficha. Esse é meu emprego atual, eu vou começar agora, na semana que vem. É o
mesmo trabalho que eu fazia só que é em outro lugar”.
Para Olga, dentre os momentos marcantes em sua vida encontra-se a conquista
do primeiro curso e do primeiro emprego. Em sua fala, revela sua insegurança e o
quanto foi difícil conseguir essas oportunidades e que quando conseguiu “demorou para
cair a ficha”.
Este núcleo nos mostra como Olga é afetada pela concorrência existente no
mercado de trabalho. Ela expressa a dura batalha que enfrenta para conquistar uma
colocação no mercado e o desespero que sente diante das dificuldades geradas pela
concorrência.
Outro aspecto interessante revelado neste núcleo é a crença de Olga que a
“pessoa que tem só o ensino médio não consegue nada”. O que revela que para a jovem
a continuidade dos seus estudos ofereceria condições melhores de atuação profissional.
106
NÚCLEO IV: “Ser pedagoga com pensamento revolucionário.”
Esse núcleo evidencia os caminhos que Olga trilhou para chegar à escolha da
profissão. Olga pretende trabalhar como pedagoga, para fazer algo pela educação”.
Não quer ser apenas mais um professor que apenas “bate o ponto” e trabalha apenas
pelo dinheiro. Como educadora, quer fazer um trabalho diferenciado com uma postura
revolucionária.
“Quanto a mim minha única atividade atual é o trabalho, mas futuramente pretendo
fazer cursos e faculdade. não começo a faculdade agora, porque como eu tava em
transição de serviço, então, não teria como pagar uma faculdade agora e as
universidades públicas que eu consegui era tudo no interior de São Paulo e eu não tinha
como ir pra lá. Então, eu abri mão pra ficar aqui em São Paulo mesmo, tentando
arrumar um serviço e começar a pagar mesmo.”
“Minha mãe quer que eu estude, sempre pergunta porque eu não faço faculdade e
eu vou explicar. Ela sempre teve uma grande expectativa sim, sobre eu e meus irmãos.
Ela sempre quis muito que a gente estudasse.”
[...] não tenho muitas referências assim, dentro da família, são poucas as pessoas
da minha família que tem faculdade. Acho que tem três pessoas que têm faculdade [...]
são três primos, eu sei que eu tenho um primo que trabalha na área de
administração, um faz letras e o outro pedagogia. Então, assim, dentro da família
mesmo, não tenho referência, minha mãe sempre trabalhou em casa de família,
hoje é autônoma. Assim, a profissão da minha mãe era cozinheira, então, ela não teve
maiores perspectivas de fazer uma faculdade [...] não pode me ajudar muito, mas
me ajuda apoiando, entendeu? Minhas maiores referências são minha mãe e meus
primos que fazem faculdade.”
“[...] profissão que eu escolhi, assim, eu escolhi várias antes dessa. Eu queria ser
professora de português, depois falei: não, português não. Vou querer agora ser
outra coisa. Aí, pensei em ser nutricionista. Aí, fiz aquele curso, conversei muito,
falei: não, não é isso o que eu quero.”
“Aí, falei: agora vou ser fotógrafa. Toda profissão que imaginava eu sempre
procurava algum profissional para me falar um pouco da área. Isto é muito válido,
pois eles falam como que é o dia-a-dia, o que fazem, quanto ganham. Aí, eu desisti de
ser fotógrafa, falei: esquece. Aí, eu trabalhei um ano numa creche, sendo recreadora
infantil. Eu trabalhava com a criançada mesmo tipo de 3 a 8 anos. Se no caso a
professora saía, quem ficava no lugar era eu.
“Então, nisso aí eu fui vendo. Pensei, nossa ser pedagoga deve ser bem legal, né, fazer
pedagogia. Aí, eu não sabia com quem conversar, porque as pessoas que eu
conversava que eram da área tinham aquele pensamento de vai pra dar aula, pra
ensinar e pronto e acabou. Não tinham um pensamento revolucionário, não falavam
vou fazer isso pela educação, pra elas era o dinheiro e está ótimo. Era bater ponto
e acabou. Falei: caramba, não é legal isso, vai ser uma bosta trabalhar.”
107
“[...] desisti não queria fazer mais bosta nenhuma. Aí, eu fui pra curso técnico, eu
escolhi nutrição. Aí, pensei caramba será que é isso mesmo que eu quero? Aí,
desisti, falei: eu não vou fazer. Eu passei tudo, mas nem comecei. Pensei não vai dar
certo e eu não queria tirar a vaga de outro”.
“Aí, depois que passou todo esse tempo, né? Aí, fui procurar pedagogia. Falei: nossa
acho que é isso mesmo que vou fazer. Eu quero fazer pedagogia mesmo. Ainda fiquei
em dúvida, em fazer jornalismo ou pedagogia. eu decidi mesmo. Fiquei com
pedagogia. De primeira, eu queria fazer pedagogia, pra trabalhar com crianças
que têm deficiência, tipo visual. A criança tem que aprender a ler e a escrever.
Queria pedagogia pra trabalhar com essas crianças, inscrevendo projetos. No
momento, eu ainda não penso em doutorado, penso em fazer pedagogia”.
Olga diz que escolheu ser pedagoga com pensamento revolucionário”, que
quer atuar na área de educação, para fazer algo diferente. Olga demonstra insatisfação
com os educadores que apenas “batem o ponto”, ou seja, que fazem o seu trabalho de
modo mecânico. Imagina-se no futuro uma professora diferente e parece que se imagina
forte o suficiente para realizar algo pela educação.
Fica claro na fala de Olga que sua opção profissional tem como objetivo ajudar o
outro e realizar um trabalho social. Contudo, não qualquer indicação da direção de
como seria essa atuação na educação. A palavra “revolucionária” parece significar um
compromisso com a educação que escapa à atuação exclusivamente por dinheiro.
NÚCLEO V: “Com a orientação profissional acabei confirmando o que queria
fazer.”
Este núcleo apresenta os principais aspectos que revelam a experiência que Olga
teve em relação a sua participação em um programa de orientação profissional. Este
núcleo é muito relevante, pois expressa a compreensão que Olga tinha sobre a área e o
que achou de ter participado do programa.
“[...] Aí, surgiu a orientação profissional que foi no ano retrasado em 2007. Aí, eu fui
participar, mas estava convicta de que queria fazer pedagogia. que como ele
dava pra gente, várias profissões de como era tal profissional, quanto ganha, de como o
profissional pode trabalhar, [...] não tinha muita noção do que era a orientação
profissional. Por mais que o nome já diz, mas não sei, eu não tinha noção mesmo.
“Eu não tinha muita noção, pra mim, a noção que eu tinha era que ele ia dar as
profissões e a área de como atuar, pronto. Depois, que eu fui ver a metodologia que
ele utilizava pra dar da forma que ele deu a orientação. Falei: assim, nossa nada disso
tinha pensado. Foi bem mais completo.”
108
“Quando comecei foi tudo muito novo, ele foi falando, e assim, quando fiquei sabendo
que ele era pedagogo, foi que eu cresci o olho, falei: caramba meu, ainda brincava
com ele. Falei: mais uma área que eu posso atuar. Então, assim, conforme ele foi
dando a orientação, foi que eu me apaixonei mais pela profissão. Falei: nossa. E
assim, eu adorei. Quando falaram pra mim o que ia ser, eles primeiro falaram que era
um curso. Aí, eu pensei vou participar, só estava fazendo um cursinho à noite.”
“Representou uma coisa que assim, tava em dúvida e eu acabei confirmando o que eu
queria fazer. Conhecendo mais a profissão, conhecendo o profissional que estava
fazendo. Foi quando eu me apaixonei mais pela pedagogia, foi quando eu falei: não, é
isso mesmo que eu quero fazer e é dessa forma. Porque tem várias formas de trabalhar e
eu tive um olhar mais amplo assim da profissão”.
“Foi muito bom ter participado da orientação vocacional. Porque, sim, você tinha
certeza do que vo ia fazer e que não ia desistir no segundo semestre da
faculdade. Falar não quero isso”.
“A orientação foi boa, [...] não fiquei em dúvida. Aí, eu tive a segurança e a certeza
da pedagogia.
A primeira coisa que chamou a atenção foi quando ele estava finalizando. Acho que
tava nos três últimos dias pra acabar. A gente estava em círculo e ele pediu pra gente
focar num objeto que estava no meio da sala e nesse objeto a gente tinha que
prestar atenção. Prestar atenção no objeto. Ele ia falando e tinha que entrar na historia
que ele estava dizendo”.
“Assim, às vezes eu perco foco, mas eu não perco o objetivo. Eu sou daquelas de
tentar sempre e arriscar, sempre indo à frente, tipo acho que depois de todas as
dificuldades que eu tive antes, que agora com essas dificuldades eu tomei coragem.
Com o passar do tempo, tipo se eu não arriscar eu não vou saber se vai dar certo ou não.
Eu acho que depois disso, tipo eu posso perder o foco, mas eu não perco o objetivo.
Independentemente, do que vai acontecer ou não eu vou em frente, eu dou minha
cara pra bater.
“Tipo perder o foco é quando você está indo numa linha, tem aquela linha você vai
reto, no meio do caminho quebra alguma coisa, você vai ter que mudar o
caminho, mas pra alcançar aquele mesmo objetivo, independentemente da linha ter
quebrado.”
“Então, a segunda coisa que me marcou foi a dinâmica dos bichos [...] que eu não
lembro os nomes de bichos que me deram eu lembro os nomes que eu dei. Um
bicho que eu consigo lembrar que me deram foi o de leoa, tipo que tinha a cara de
ser muito brava mesmo assim, porque se me deixavam nervosa eu ia pra cima,
independentemente do que, mas que ao mesmo tempo eu era muito amigável e muito
dócil. Tipo quando eu tava com as pessoas ao meu redor com meus amigos, eu era
muito dócil, tipo assim tem esses dois lados. Tipo de ser nervosa e agressiva quando
me atacam e de proteger, de ser dócil também.”
“A terceira coisa que me marcou na orientação foi quando ele finalizava as atividades,
assim, tipo ele sempre falava que independente da profissão que a gente escolhesse
109
que nós iríamos nos dar bem em tudo o que a gente fosse executar. O final, o
fechamento da orientação foi muito legal. O final mesmo, o fechamento. Me fez
acreditar que alguém acreditava na gente, tipo não é porque toda vez que eu pensava
que era uma derrotada... tem alguém que realmente acredita no que a gente faz. Depois,
dessa experiência eu senti que estou mais confiante, que sou capaz de fazer alguma
coisa.”
“Olha eu acho que do processo do programa, acho que ficou faltando a gente sair
pra campo, sabe? Pra ver o que acontece mesmo. Digo assim de visitar os
profissionais, ir conversar com eles, observar o dia a dia deles, de ver como eles
trabalham, executam as tarefas, pra ver se tem resultado mesmo. E a gente não fez
isso. A gente conheceu muito na teoria, na pratica faltou um pouco. Então, o que eu me
lembro acho que foi isso”.
Este núcleo demonstra que Olga não tinha a compreensão do que era orientação
profissional. Como afirma acreditava que apenas conheceria “as profissões e a área de
como atuar”, mas, ao participar do programa, se surpreendeu, pois percebeu que o
programa foi bem mais completo e colaborou para ter um olhar mais amplo da
profissão”.
No início do programa, Olga ressalta que já estava convicta de que queria fazer
pedagogia”, mas ficou satisfeita com a orientação porque teve “a segurança e a certeza
da pedagogia”.
Neste núcleo, pudemos observar que dentre as atividades oferecidas Olga gostou
das dinâmicas e da finalização do programa. Olga ressalta que no processo “ficou
faltando a gente sair pra campo [...] visitar os profissionais, ir conversar com eles, [...]
ver como eles trabalham [...].
NÚCLEO VI: “A sociedade é desigual e injusta.”
Olga expressa, neste núcleo, falas que permitem compreender a sua concepção e
relação com a sociedade. Olga sente na “pele” as injustiças e desigualdades sociais e
demonstra revolta ao expressar as condições de vida que a camada popular vivencia.
Pra falar da sociedade, eu não sei se eu sou a melhor pessoa, porque, acho que a
sociedade é totalmente hipócrita [...] protege alguns demais e outros de menos”.
“A desigualdade é grande. Assim, a minha perspectiva daqui pra frente, sobre ela eu
não tenho nenhuma, eu acho que, vai de mal a pior assim. Eu acho que a nossa
sociedade, que a gente vive hoje, não é igualitária [...] é uma sociedade podre, é uma
sociedade muito suja [...] Acho que é muito porca assim, a sociedade, porque
110
fazem esses benefícios de transferência de renda, o pobre fica alegre, tira oitenta
reais por mês. A bolsa família e o renda mínima é um exemplo disso [...]”.
“Então, eu vejo que é muito difícil falar da sociedade, eu acho que é muita riqueza
nas mãos de poucos e muita pobreza no geral”.
“[...] O que é negativo que mais me chama a atenção é a desigualdade. A
desigualdade é fundamental, porque assim, pessoas que ganham milhões, elas nem
pagam o tanto de imposto que o pobre paga. O pobre paga água e luz, e nisso vem tudo
embutido. Até, no arroz que o pobre come, vem não sei quanto embutido de imposto
[...] é tudo muito injusto.”
Este núcleo demonstra a revolta que Olga sente em relação à desigualdade
considerado o pior problema social. Para Olga, a sociedade não é igualitária [...] é
uma sociedade podre [...] muito suja [...] porca [...]. Olga ressalta que a sociedade é
“hipócrita [...] protege alguns demais e outros de menos. Também considera que
algumas propostas implantadas pelo governo “bolsa família e o renda mínima”
colaboram para a manutenção da desigualdade. Olga ao falar da desigualdade social fala
de si. A injustiça social é a que a coloca em um lugar desprivilegiado.
NÚCLEO VII: “O trabalho é a base de tudo.”
Neste núcleo, pudemos nos aproximar da concepção que Olga tem sobre o
trabalho. Olga afirma que “o trabalho é tudo”, é fundamental na vida do ser humano. É
através do trabalho que o homem cria as condições para a sua sobrevivência.
“Pra mim trabalho é uma coisa trabalhosa, muito minuciosa, você tem que se
esforçar e ir na essência da coisa, você tem que estudar como você vai fazer aquilo,
sabe”.
“Se você não fizer bem, alguém vai vir e tomar o seu lugar, porque o trabalho é
manual, mental, físico.
“A definição pra mim de trabalho é um conjunto de todas aquelas coisas que você
precisa anteriormente, porque se você não tem um trabalho, você não consegue
construir nada. Se você não consegue o trabalho, você não consegue ter um curso, ou
uma faculdade. Se vonão tem o trabalho você não consegue manter uma casa. Se
você não tem o trabalho, você não consegue pagar uma casa, ou comprar uma coisa.”
“O trabalho é a base e o início de tudo. Eu acho que o trabalho é tudo.”
Olga evidencia que sem o trabalho o homem não consegue “construir nada [...]
ter um curso, ou uma faculdade [...] manter uma casa [...] pagar uma casa, ou comprar
111
uma coisa.” Para ela, o trabalho possibilita que o indivíduo crie as condições de sua
existência e sobrevivência.
Olga reconhece que o trabalho pode ser fragmentado quando afirma que pode
ser manual, mental, físico”. Também observamos em sua fala que o trabalho requer o
esforço e o estudo para a sua execução.
A expressão da ideologia liberal, que afirma o trabalho como algo que dignifica,
está presente no sentido constituído por Olga.
NÚCLEO VIII: “Ao escolher uma profissão penso no lado financeiro e no
reconhecimento profissional.”
Neste núcleo procuramos entender quais são os aspectos considerados relevantes
por Olga ao escolher uma profissão.
“[...] ao escolher uma profissão, eu penso muito no lado financeiro, assim. Nossa, se
no caso eu virasse nutricionista eu vou ter um piso salarial maior, eu vou ter um padrão
de vida melhor. Mas, depois passando o tempo, dinheiro não é tudo na nossa vida, eu
acho que a gente tem que se reconhecer como profissional, e ser um bom
profissional. Seria independentemente, se a gente tiver mal, mas a gente tem que ter o
reconhecimento das pessoas, pra dizer eu sou um bom profissional”.
“É nessa trajetória que a gente vai fazendo o caminho, eu acho que nem tanto pelo
salário, mas mais pelo reconhecimento futuramente. Acho que é importante
considerar todas as coisas, como o salário, onde vou atuar, com quem vou
trabalhar, para a escolha da profissão”.
A fala de Olga revela que ao escolher uma profissão pensa muito no lado
financeiro”, mas considera que também é importante “ter o reconhecimento das
pessoas”, para se reconhecer e ser reconhecida como uma boa profissional.
Olga expressa que tudo deve ser considerado ao se escolher uma profissão e que
os aspectos financeiros e profissionais são relevantes.
NÚCLEO IX: “Na atividade que desenvolvo posso ajudar as pessoas.”
Neste núcleo, Olga evidencia dois sentimentos contraditórios em relação ao
trabalho que desenvolve. Por um lado, a insatisfação com o salário que ganha e por
outro a satisfação de poder, como Agente de Proteção Social, desenvolver um trabalho
social, ou seja, sente-se satisfeita em poder ajudar as pessoas.
112
“Assim, a atividade que desenvolvo hoje é de agente de proteção social,
trabalhando dentro da comunidade e junto com a comunidade, desenvolvendo
alguns projetos [...] a gente nem tem um time de futebol feminino, porque homem
jogava. Nisso, elas quebraram tabu de entrar na comunidade e falar, agora chegou a
minha vez de jogar.”
“Então, o nível de satisfação é que depois que a gente sai e deixa elas, depois que a
gente volta, elas estão fazendo a mesma coisa da forma que a gente explicou, só que
sozinhas, independentes, sem precisar da mediação de alguém. Então, assim o nível
de satisfação é grande, porque quando você pensa, nossa nunca pensei que era capaz.
Mas, quando você vê, fala: nossa, eu consegui fazer isso”.
“O meu trabalho fez isso, ajudei alguém, nossa é muito louco assim, eu adoro. Falo:
ai meu Deus consegui. Pra mim o dia ta ganho, é muito bom.
“A gente não ganha mal, mas a gente não ganha bem. O nosso salário é de R$ 677,00.
A gente ganha pouco, se descontar, não sobra nada. No caso, a gente tem alguns
benefícios de cesta básica, vale transporte, vale refeição, roupa e protetor solar, porque a
gente anda muito nesse sol, esturricante, faz um mal. E também, tem o seguro de vida.
Assim, não é um trabalho pra falar, eu vou ficar rica daqui cinco anos, mas é um
trabalho gratificante, não é pelo dinheiro, não é pela espécie, mas pela forma com
que você trata a pessoa. Isso não tem recompensa.”
“[...] Você vai conhecendo e conversando com pessoas, você vai vendo que tem
pessoas que estão em piores situações que você, você vai abrindo a sua mente e tendo
maior conhecimento das coisas. Eu acho isso ótimo”.
Ficou evidente neste núcleo que Olga gosta do trabalho que desenvolve porque
existe uma satisfação pessoal. Ao desenvolver o seu trabalho, percebe que consegue
ajudar as pessoas a vencer obstáculos e quebrar “tabus”. Reconhece que possui grande
satisfação e que isso não tem recompensa”, pois pode ajudar as pessoas a resolver seus
problemas sem precisar de “mediação”.
Olga ressalta que não se sente satisfeita com o seu salário, pois afirma que
ganha pouco, se descontar, não sobra nada”. Também conta com alguns benefícios
que ajudam nas despesas pessoais. Olga revela que seu trabalho requer grande esforço
físico, pois “a gente anda muito nesse sol, esturricante, faz um mal”.
NÚCLEO X: “Não vejo muito meu futuro é um dia após o outro.”
Neste núcleo informações relevantes que permitem entender como Olga se
imagina no futuro, ou seja, suas perspectivas, sonhos, enfim seu projeto de futuro.
113
“Eu não vejo muito meu futuro assim não. Eu vejo que é um dia após o outro sabe, é
o caminho que vou fazendo.”
“Eu me imagino com um diploma, mas pra frente assim, eu não vejo. Vou
construindo aos poucos, assim, sabe, vou colocando um na frente do outro, não
vou querendo dar um passo maior que a perna. Vou vendo como vou me portar lá na
frente, como vou me comportar na faculdade, sei que é uma responsabilidade muito
grande assim”.
“[...] quando eu tava no segundo ano do ensino médio. Eu não tinha muita perspectiva
não, não pensava muita coisa assim, sobre o futuro. Agora, estou mais madura [...]
eu planejo muita coisa, mas eu tenho medo de que nada de certo [...] planejo
continuar trabalhando e futuramente fazer uma faculdade”.
“[...] me vejo em 2014, trabalhando na área que eu quero ou pelo menos iniciando,
dando aula de pedagogia [...]. Em 2019, eu já me vejo casada. casada só e
trabalhando em uma escola, dando aula para crianças do ensino fundamental de
primeira a quarta serie. Eu me sinto satisfeita como pessoa e agora tenho dois filhos”.
Em relação ao seu projeto de futuro, destaca que não imagina muito, que vai
construindo aos poucos e que é um dia após o outro”. Afirma que no passado não tinha
muita expectativa quanto ao futuro e que hoje mais madura, planeja muita coisa e tem
medo de que nada certo”. Tem planos de continuar trabalhando e fazer uma
faculdade. Em 2014, Olga se imagina pelo menos iniciando um trabalho na área de
pedagogia. Em 2019, afirma sentir-se satisfeita como pessoa e dando aulas de
pedagogia, para crianças de primeira a quarta série”.
É difícil para Olga imaginar o seu futuro profissional, mesmo tendo
participado de um programa de orientação profissional e realizado sua escolha com
segurança. O medo de não conseguir é uma constante, pois sabe que são muitos os
obstáculos a enfrentar para alcançar seus objetivos. Sabe que o caminho é complicado e
que o aspecto financeiro é um grande empecilho.
SÍNTESE OLGA
Como mencionamos nesse estudo, ao propor uma nova psicologia, Vigotski
buscou romper com a dicotomia subjetividade-objetividade, pois são indissociáveis. Na
perspectiva da Psicologia sócio-histórica, as condições existentes na realidade são
construídas pelos sujeitos e ao mesmo tempo os constituem. Assim, o indivíduo revela a
história, o social e o que é singular e próprio de sua individualidade.
114
Olga mencionou a crença de que a conquista dos seus objetivos depende dela
mesma, ou seja, que o seu esforço individual é que fará com que chegue lá. Nesse
sentido, percebemos que a jovem assimila o discurso liberal de que seu futuro depende
de fatores individuais. Esse aspecto nos leva a recorrer novamente ao estudo realizado
por A. Bock, quando afirma que na visão liberal “[...] Cabe a cada um o esforço
necessário para que a sociedade seja um espaço de incentivo ao seu desenvolvimento.
As condições estão dadas, cabe a cada um aproveitá-las” (1999, p. 183).
Olga toma para si a responsabilidade do sucesso profissional.
Contraditoriamente analisa a desigualdade social existente, considerando-a injusta.
Pode-se afirmar que Olga naturaliza a estrutura social, pois parece tomar a desigualdade
como dada; uma injustiça “natural”. Não se apresentam em sua análise os aspectos
que a ajudariam a compreender a produção da desigualdade e a superar o discurso
liberal do “esforço pessoal”.
Assim, o sentido que se apresenta carrega grandes exigências pessoais e a quase
certeza de que não conseguirá alcançar a realização total de seu projeto. Resta-lhe o
esforço pessoal que lhe parece ao seu alcance.
Olga nos contou que o trabalho deve proporcionar a realização de um projeto
social, pois acredita que através dele pode ajudar as pessoas e pretende adotar uma
postura revolucionária como pedagoga. Por outro lado, o trabalho também deve oferecer
a possibilidade de realizar projetos individuais que permita a realização financeira e o
desenvolvimento pessoal. Assim, observamos que o trabalho deve oferecer a
possibilidade de satisfação plena.
A postura revolucionária é sinônimo de compromisso e de desligamento do
interesse financeiro como único mobilizador do trabalho. O projeto profissional carrega
assim um sentido de vínculo com a sociedade, em especial, com as camadas pobres.
Em sua concepção, a sociedade é totalmente hipócrita” e o que mais chama sua
atenção é a desigualdade social. Para a jovem, existe muita injustiça e pobreza. Ao falar
da desigualdade, a jovem deixa explícita a conscientização que possui sobre a
sociedade, mas não menciona que esta pode ser diferente. Parece que em sua fala não
apresenta outra possibilidade de sociedade e que esta foi sempre assim. Podemos
observar que Olga naturaliza o que está posto, ou seja, que foi constituído social e
historicamente.
Percebe que o desenvolvimento do trabalho requer esforço e estudo. Para a
jovem, o trabalho é físico e mental e necessita ser bem feito, pois a concorrência pode
115
fazer o indivíduo perder sua colocação no mercado de trabalho. Olga afirmou que “o
trabalho é tudo”, pois, ao mesmo tempo em que é fonte de sustentação financeira,
também é de projeto e desenvolvimento pessoal porque possibilita ajudar as pessoas e
assim, realizar um projeto social. Olga relatou que gosta da atividade que desenvolve
porque pode ajudar as pessoas, mas que não se sente realizada financeiramente. Olga
fica assim dividida entre compromisso social com satisfação pessoal e retribuição
financeira, expressando descrédito na junção desses aspectos. A satisfação financeira
parece longe de ser atingida, resta-lhe afirmar o projeto revolucionário como pedagoga.
Fica evidente em sua fala que sente receios e inseguranças e que estes
sentimentos estão relacionados fundamentalmente ao futuro como profissional e às
situações de fracasso. Olga vivencia de forma muito intensa as experiências no âmbito
profissional e escolar, e os sentimentos de inferioridade e incapacidade são vivenciados
em relação às dificuldades impostas pelo mercado de trabalho. Ressaltou, por exemplo,
que se sente desesperada diante da concorrência que precisa enfrentar. Sente no próprio
corpo as experiências ligadas a essas áreas de sua vida, sente-se “forte e frágil” e os
sentimentos contraditórios (de alegria e tristeza) que vivencia dependem do que
consegue ou não consegue realizar. Podemos afirmar que Olga vivencia no próprio
corpo os sentimentos de angústia e dominação que Gonçalves-Filho (2004) aponta
como um dos sentimentos que são gerados pela humilhação e desigualdade existentes
no contexto social.
O mais abstrato e o mais humano dos afetos representa a
ressonância em nós de um enigma que veio dos outros e no meio
dos outros. Veio um inexplicável olhar ou palavra, um indecifrável
recado verbal ou não-verbal, alcançou o sujeito e invadiu, agora
governado de dentro como se fosse uma força física, uma pressão a
todo vapor, uma energia desorientada. (p. 207)
Podemos dizer que as experiências ligadas ao contexto profissional são geradas
por diversos determinantes e que estes não são apropriados de modo crítico, o que faz
com que Olga sofra e vivencie seus fracassos como fossem de sua própria
responsabilidade. Sofrer e lutar são tarefas permanentes para Olga. Sente-se humilhada
pela sociedade que a impede; luta para sair desse lugar social. Mas, entende que tudo
depende de seu esforço; e quando não consegue o sofrimento é grande porque se sente
pessoalmente fracassada. A experiência da orientação profissional e do cursinho pré-
vestibular lhe animam e dão força (informação e repertório) para lutar.
116
Olga nos contou que a experiência de participar de um programa de Orientação
Profissional foi válida, pois essa oportunidade serviu para a confirmação da sua escolha
profissional. A crença de que o papel da orientação profissional é o de confirmar a
escolha pode trazer a idéia de que os sujeitos estão predestinados a exercer específicas
profissões e também pode ser uma forma de naturalizar a escolha.
Em sua fala, a escolha da profissão está relacionada a uma condição de vida
melhor e parece que essa possibilidade depende necessariamente do esforço pessoal
para conquistar o curso universitário. A escolarização aparece relacionada a uma
melhoria de vida, ou seja, se constitui como fator determinante para uma vida melhor.
A realidade é dura e os obstáculos são difíceis de serem ultrapassados. O futuro
depende acima de tudo dela, e os diversos determinantes não são considerados em
relação aos fracassos na esfera profissional. Ao contrário, acredita que o esforço pessoal
pode ajudar a superar as dificuldades.
DADOS PAULO
O entrevistado tem 21 anos, mora com os pais e dois irmãos. Atualmente
trabalha como repositor de mercadoria e o ensino médio completo. Tem como projeto
de vida fazer um curso de eletrônica para se especializar e trabalhar na área e aí, sim,
realizar seu sonho de fazer a faculdade de geografia para lecionar.
NÚCLEO I: “Se meus pais me apoiassem mais seria uma pessoa diferente.”
Neste núcleo, pudemos nos aproximar da dinâmica familiar de Paulo.
Atualmente expressa que o ambiente doméstico está mais tranquilo, mas que nem
sempre foi assim. Paulo sente falta de um apoio familiar maior para que consiga
prosseguir nos seus estudos.
“[...] a gente está muito mais tranqüilo, meu pai não ta mais bebendo, entendeu.
Antes, ele bebia e brigava muito e havia muitos conflitos dentro de casa. [...] Antes,
ele de repente qualquer coisa que acontecia, ele vinha se metia, arrumava confusão e
aquela briga.”
“Antes, eu brigava com meus irmãos, com a minha mãe, mas hoje não. Me dou bem
com todos e minha mãe é uma pessoa super 10 me apóia em tudo.”
“Agora, eles não mostraram desapontamento, me apoiaram bastante, quando eu falei
que ia parar de estudar para trabalhar, sabe. Eles confiam muito em mim, sabe. Eles
têm uma confiança grande em mim e me dão apoio pra mim fazer o que eu quiser. Eu
117
sei que no fundo, no fundo eles se desapontaram quando eu não consegui, por
exemplo, continuar os estudos e colocar o trabalho e estudo junto, porque é difícil, né.
“É um pouco de cada um mais eu acho que sabe, de certo modo se eles me
empurrassem eu acho que seria uma pessoa diferente”.
“[...] eu me sinto muito a vontade, à vontade demais, eu me considero um cara
inteligente, só que aquele inteligente preguiçoso.”
“Às vezes, eu precisava de alguém pra botar corda em mim, é muito importante,
porque tanto na escola eu nunca me esforcei, mas sempre tive as melhores notas, eu
sempre fui melhor do que os que se esforçavam bastante.”
“Quando eu fui pro Psicousp, que os ensinos eram bem mais e os ensinos eram bem
mais lentos, eu não estudava, vou ser sincero eu saía dava role, e ficava de boa,
não assistia às aulas, eu passei em todas as provas e bem, porque sabe eu acho que
tava mais tranquilo, tava mais... assim eu funciono desse jeito. Estando tranquilo eu
funciono, que eu não quero muitas coisas, muitas coisas eu falo eu não vou tentar
sabe, sou meio covarde, sou uma pessoa medrosa de certo modo.”
“[...] se os meus pais me apoiassem, mais se botassem pilha em mim, talvez eu faria
ou talvez eu ficaria sei lá, sabe tipo, quer saber de uma coisa eu não vou fazer porque é
a minha vida e eu tomo conta [...]”
Paulo expressa que hoje mantém uma relação satisfatória com sua família e que
o ambiente familiar é “tranquilo”. Em sua fala, o jovem demonstra sentimento de
admiração pela mãe quando afirma que “é uma pessoa super 10 me apóia em tudo”.
Em seu discurso, mostra que é relevante o apoio familiar ou de outras pessoas o
que deixa implícito que sozinho é difícil alcançar seus objetivos profissionais. Explicita
que apenas com o esforço pessoal é difícil vencer seus desafios, mas além do apoio
familiar não cita outras possibilidades de ajuda para alcançar seus objetivos.
Quanto às expectativas profissionais, aponta que os pais não mostraram
desapontamento quando teve que parar de estudar para trabalhar”. Relata que
gostaria que seus pais o empurrassem mais, botassem mais pilha”, pois acredita que
assim seria uma pessoa diferente”. Em sua fala, notamos que Paulo desloca a
responsabilidade pessoal de continuar os estudos para seus pais e se incomoda com a
postura dos pais de “liberdade” para seguir ou não em frente nos seus estudos.
118
NÚCLEO II: “Não estou contente no trabalho, não me deixam a opção de sonhar.”
Neste núcleo, Paulo deixa clara sua insatisfação no trabalho. O jovem não gosta
do que faz e também não está satisfeito com o seu salário e queixa-se de que o trabalho
não lhe dá a oportunidade de continuar seus estudos.
“Eu ando muito cansado, o trabalho tem me desgastado bastante. Eu queria voltar
aos meus estudos, mas devido ao horário do meu trabalho não dá, não bate”.
Eu não contente no trabalho que eu tô, porque não é um trabalho que valoriza e
também não é uma profissão, é apenas um emprego, né? O interessante é ter uma
profissão pra exercer pelo resto da vida e ter alguma coisa, almejar alguma coisa pro
futuro”.
“[...] tenho um emprego e não uma profissão [...] pensei várias vezes em sair e
deixar tudo e procurar outro, que aí, acontece que eu tenho que adequar o horário
que eu também preciso do dinheiro. Aí, fica difícil, porque com o que eu ganho e com
o tempo que eu tenho eu não posso fazer nada. O dinheiro não é o suficiente pra mim
de repente me estruturar e pra começar a crescer na vida e também os horários não me
deixam a opção de, sabe, sonhar com alguma coisa, pra sonhar e fazer alguma coisa
pra melhorar. Então, eu fico meio preso. Tenho receio, porque eu preso numa
coisa que eu não quero e de ter que acordar todo dia e aquela mesma coisa e saber que
não vai mudar é indiferente. Porque, sabe, se ainda tivesse um reconhecimento dentro
do emprego pelo que eu faço, tudo bem, mas não tem [...]”.
[...] não posso almejar subir de cargo, porque é praticamente nula essa... não tem
planejamento pra mim subir ou ter alguma coisa. Então fico meio perdido, né. Acho
que é isso, sabe, a falta de condição de continuar uma coisa que faz falta.”
“Então, o dia que eu estiver triste eu não vou nem trabalhar, porque o dinheiro já não é
muito, satisfação também não, então vou pela alegria, pelos amigos, pra me divertir
e gosto de trabalhar assim”.
“O ambiente de trabalho que foi criado é bom, não é uma função que eu queria
estar, sou estoquista e queria estar trabalhando numa coisa melhor, mas eu trabalho
com vontade, tento ser o melhor naquilo que eu faço.”
Paulo faz questão de frisar que entende que ter um trabalho/emprego é diferente
de ter uma profissão de fato. Apresenta uma concepção de trabalho como uma
ocupação remunerada e chama a atenção para o fato de que as pessoas têm
emprego, mas não uma profissão”. Ter uma profissão depende de estudo e de
especialização em alguma área de atuação. Como projeto de futuro, espera alcançar o
sonho de ter uma profissão, para ter um trabalho que o valorize mais.
No trabalho que desenvolve atualmente, destaca que não possui satisfação
financeira e nem pessoal, mas que busca apesar de tudo se divertirno trabalho.
119
Apesar de ser um trabalho que não gostaria de estar fazendo (é estoquista em um
supermercado), procura ser “o melhor” naquilo que faz.
Paulo não se sente satisfeito e apresenta clareza diante das dificuldades para
alcançar seus objetivos; pois menciona a distância, a falta de dinheiro e a conciliação de
trabalho e estudo, como fatores que influenciam na realização ou não dos seus sonhos.
Também frisa que com o que ganha e com o tempo que tem não da para fazer nada”.
Sente-se receoso e perdido”, pois está preso em uma coisa que não gosta de fazer e
os horários não deixam a opção de sonhar”.
NÚCLEO III: “Eletrônica seria um trajeto para conquistar meu sonho de fazer
geografia.”
Este núcleo expressa que, apesar das dificuldades que enfrenta na situação atual,
Paulo se dá o direito de sonhar e revela que tem planos de fazer um curso de eletrônica e
futuramente realizar seu sonho que é o de ser geógrafo.
“[...] pra falar a verdade, quando eu terminei o terceiro colegial eu não pensava em
fazer nada. Meu pai pescava na época e eu falei: meu, eu vou sair e vou pescar com
meu pai. Em 2003, tinha caído a ficha e eu pensava que eu ia trabalhar com o meu
pai, ajudando na pescaria e se for fazer uma faculdade mesmo só pro futuro.”
“Bom, eu pretendo me especializar em alguma coisa, na área de eletrônica que é uma
área que eu gosto muito. Pretendo conquistar minhas coisas, minha casa, sabe,
minhas coisas e a partir daí pensar em casar, ter filhos, a partir daí, né, quando eu tiver
uma profissão que é eletrônica. Então, pode ser que futuramente eu mude de idéia, de
posição, queira fazer uma coisa diferente.”
“Eu gostaria de também fazer Geografia que é uma área totalmente diferente, gostaria
de fazer faculdade mesmo, de ser professor de Geografia. Eu gostaria muito de fazer
isso aí, é uma coisa mais difícil um pouco, porque é um período mais longo, necessitaria
de um planejamento maior, né. De sonho, eu quero fazer geografia, uma coisa que
não tem nada haver com eletrônica, que, isso é uma coisa que eu gostaria de fazer
[...].”
“Eu apostei em geografia, quando eu fui submetido eu fiquei muito confiante, sabe
sobre aquilo. Eu queria muito aquilo, tanto que eu fiz a prova, naquele mesmo ano.
Eu fiz a prova, passei na primeira fase, mas depois eu não fiz a segunda prova.”
“Eu tenho uma admiração muito grande por um professor e a partir daí eu tive
muita vontade de passar aquilo pra frente e é o que quero, o que eu tenho de sonho [...]
mas hoje eu faria eletrônica. Isso seria um trajeto pra depois eu conquistar meu
sonho, esse é um projeto pra mim.”
120
“Uma pessoa importante na minha vida assim, eu conheci na sexta serie, até hoje eu
trago comigo é um amigo meu chamado Cláudio [...] me influenciou a querer ser
alguém na vida.”
Paulo expressa que, quando terminou o ensino médio, não tinha perspectiva
quanto ao seu futuro profissional, pois pensava que ia ajudar o pai na pescaria. O jovem
revela que pensou que a faculdade estaria num futuro muito distante de se realizar.
Apresenta como projeto de futuro o de se especializar para ter uma profissão”.
Para tanto, pretende voltar ao curso de eletrônica, trabalhar na área e depois que se
estabilizar fazer geografia em uma universidade pública, pois não tem condições de
pagar. Para Paulo, fazer eletrônica será um trajeto para depois conquistar o sonho de
fazer geografia”.
NÚCLEO IV: “Com a orientação profissional, a gente fica mais seguro do que
quer.”
Este núcleo traz as expectativas que Paulo tinha sobre a orientação profissional.
Também revela o que o jovem mais gostou e achou da experiência de ter participado do
programa.
“Eu pensava que seria sabe, uma palestra, alguma coisa assim, sabe que ia ter
aqueles negócios de marca X, tipo testes vocacionais, aqueles negócios assim, sabe,
que a gente vê em revista, na internet. Depois, eu vi que era uma coisa muito
diferente, o jeito que ele faz, que nem ele sempre diz não tem nenhuma escolha errada”.
“[...] porque eu achava que ia ser aquelas palestras, que a gente ia chegar lá e ia ficar
ouvindo o cara falar duas horas [...] .
“Toda escolha que a gente faz a gente fica olhando pra trás e falando: pô se eu tivesse
escolhido outra coisa, então nesse ponto achei muito diferente, porque ele deixa a
gente escolher sabe, a gente tem que ver o que a gente quer e não o teste, não é um
papel que vai me falar o que eu vou fazer.”
“Tem dinâmicas muito interessantes que [...] sabe a gente era um grupo que estava
mais de um ano e meio junto e a gente se conheceu praticamente, porque ele dava a
chance da gente ficar cara a cara e falar o que a gente achava do outro e a opinião
dos outros sobre a gente é importante, porque seja ruim ou seja boa [...] e melhora [...]
a gente se conheceu muito lá e foi muito legal.”
“Participar do programa foi muito interessante, teve uma das partes de gincana que
ele tem era pra gente defender porque que a gente queria a profissão que a gente
escolheu [...].”
121
“Então, o grupo todo ficava contra a gente e questionando a gente, então nesse ponto eu
achei que sabe [...] é que ele passa muita confiança [...] a gente fica mais seguro do
que gente quer [...] a primeira coisa que eu gostei na orientação foi porque passou a
confiança do que a gente quer o que eu queria pra mim aquela”.
Paulo destaca que tinha a expectativa de que na orientação profissional “ia
assistir palestras e responder os testes vocacionais”. Mas percebeu que o papel da
orientação não era o de definir a profissão que iria escolher.
Para Paulo, a participação na orientação foi interessante, pois colaborou para
aumentar a confiança e segurança do que se quer. Também destaca que gostou da
orientação porque proporcionou o autoconhecimento e que a partir disso buscou
melhorar. Por último, revela que foi importante ter a oportunidade de conhecer outras
pessoas que se encontravam na mesma situação de escolha e com as mesmas
dificuldades.
NÚCLEO V: “A condição de cada um já determina o que vai ser.”
A concepção que Paulo tem sobre a sociedade é revelada neste núcleo, e a
desigualdade é apontada como o pior problema social. Paulo pensa que o Estado deve
fazer a sua parte de beneficiar com as “políticas públicas” todas as classes sociais.
“A desigualdade é a pior coisa da sociedade [...] começa a ter não sei o quê. Aqui, por
exemplo, Paraisópolis e Morumbi, lado a lado, existe uma diferença enorme.”
[...] sabe eu reconheço, se a pessoa tem uma mansão, de certo modo ela fez por
merecer, se ela não fez o pai dela fez, o avô dela fez, entendeu?”
“[...] o governo tem que fazer pros dois lados.”
“[...] acho que a desigualdade é que é o ruim. Tem muita coisa pra falar, mas acho que
a desigualdade é que está [...] é o principal, você querendo ou não [...] Tipo a USP é
pública, que praticamente pobre não tem nada, porque você querendo ou não a USP
é padrão de qualidade e quem está é a elite e o que era pra ser pra quem não
tivesse condições de pagar e hoje em dia quem mora na periferia faz a particular, por
exemplo, meus amigos fazem Unip, pagam. Então ficou meio, está trocado o negócio.”
Destaca que a desigualdade é a pior coisa da sociedade, e, de certa forma,
responsabiliza o governo por uma atuação justa que atenda os dois lados”. Para Paulo
a condição de cada um já determina o que vai ser”.
122
Sobre a desigualdade social, a fala de Paulo explicita a consciência que tem
sobre as injustiças sociais e as diferenças de oportunidades oferecidas às classes sociais.
O que mostra a importância do papel do Estado para diminuir as diferenças e de que
políticas públicas atendam de fato todas as camadas sociais.
NÚCLEO VI: “Trabalho é uma ocupação remunerada.”
Neste núcleo observamos que Paulo deixa clara a concepção que tem sobre o
trabalho e faz questão de diferenciar que ter uma ocupação é diferente de ter uma
profissão.
“Hoje em dia trabalho é uma ocupação remunerada, uma coisa que infelizmente
acontece é que as pessoas têm empregos, mas não têm uma profissão”.
“Então, a pessoa faz aquilo por um período de tempo que é dado a ela, se a empresa
gostou dela, ela fica trinta anos e se aposenta com aquilo, que não é uma coisa que
ela se especializou em fazer ou então ela ta, sabe, se aperfeiçoando, ela tem uma
prática, igual eu de repositor, isso pra mim não é uma profissão é um emprego, eu
encaro assim. Pra mim se eu sair hoje, eu sou repositor a outra empresa vai me pegar
como repositor e vai falar, ele é repositor, entendeu?”
“Porque é uma experiência, só que é uma coisa que qualquer pessoa sempre faz.”
“Não é diferenciado, eu encaro como profissão aquilo que você é especialista
naquilo. Um pedreiro, quando ele for procurar outro emprego ele vai pegar como
pedreiro, não como ajudante de pedreiro, ele vai ser reconhecido pelo que ele faz.”
“[...] Se eu for para outra empresa eles podem me pegar como estoquista, fiscal de
loja, para executar funções, mas não vão dizer: ele sabe fazer aquilo, ele é profissional,
ele é especializado. Então, eu encaro isso como profissão, e encaro o que eu faço
apenas como um emprego, um trabalho.”
Paulo considera que qualquer pessoa pode ter um emprego, mas não uma
profissão. Para ele, o indivíduo que tem uma profissão estudou e se especializou. O
trabalho está mais relacionado à experiência, à prática mecânica. Enquanto a profissão
envolve a teoria o estudo que levará a uma prática especializada e diferenciada.
Paulo também percebe que a sociedade valoriza mais o trabalho que envolve uma
formação profissional.
123
NÚCLEO VII: “Quando me estabilizar, pretendo realizar meu sonho de fazer
geografia.”
Este núcleo traz informações de como o entrevistado se imagina no futuro, quais
seus projetos e o que pretende fazer para realizar seus objetivos. Paulo expressa que é
difícil imaginar seu futuro e percebe que seus planos estão sendo cada vez mais adiados.
“Hoje meu plano de vida é me especializar para ter a minha profissão, sabe, eu
quero ter, sabe, alguma coisa que eu vá fazer”.
“Eu estou adiando muito os meus projetos, deixando pra amanha, sabe, tipo, hoje
está difícil então vamos fazer amanhã, e tô deixando o tempo ta passando”.
“Eu pretendo me demitir do meu trabalho, assim que eu tiver em vista alguma outra
coisa. Pretendo arrumar um emprego que se não melhor financeiramente, seja
melhor o horário, pra mim poder fazer algum curso, terminar meu curso de
eletrônica e exercer eletrônica por um tempo até ter condições e me estabilizar.
Quando eu me estabilizar, pretendo realizar meu sonho que é fazer geografia, pra
ser professor.”
Teria que ser faculdade pública e a USP, fica no Butantã, eu moro pra frente de
Parelheiros, então a distância é considerável, mesmo se eu fosse a partir do trabalho
ainda assim seria uma jornada difícil para manter quatro anos, também não
gostaria de fazer um curso agora e me prender ao trabalho que eu estou, eu
gostaria de arrumar uma coisa melhor, porque se eu começo fazendo um curso eu
vou ficar dependente do dinheiro do trabalho, daí se eu parar eu tenho que parar de
cursar, se eu de repente for demitido ou pedir demissão da empresa eu vou ter que
abandonar o curso.”
“Então nesse ponto, é uma coisa que eu não quero pra mim, então eu preciso procurar
uma coisa melhor, questão de emprego, a partir do emprego, vou procurar o técnico
em eletrônica que é uma coisa mais fácil, mais viável pra mim, está mais acessível,
é menor tempo e é uma coisa que eu gosto.”
“Pra mudar, a primeira coisa seria eu arrumar um emprego com horário compatível, a
segunda seria me atualizar de novo, pra poder me sair bem nas provas, porque eu quero
fazer uma faculdade pública, não pretendo pagar pra fazer uma faculdade, não
tenho condições.”
“Em 2014, me vejo bem com a minha família, me vejo casado, com uma casa simples.
Me vejo com filhos, sinceramente eu não vou estar estudando, mas eu acho que vou
ter terminado o meu curso de eletrônica, ou vou ta fazendo eletrônica. Não sei se eu
ainda vou estar com planos de fazer ainda uma faculdade, mesmo querendo, não sei se
vai pra mim trabalhar e estudar com família. Me vejo bem, me vejo uma pessoa
feliz, mas não me sinto realizado, acho que ainda vou fazer planos de fazer minha
faculdade.”
124
Neste núcleo, Paulo traz considerações relevantes sobre as perspectivas que tem
em relação ao seu futuro profissional. Apesar de considerar difícil a sua situação para
conseguir “chegar lá”, apresenta o caminho que pretende seguir para realizar seu sonho
de fazer geografia. Pretende arrumar um emprego melhor que permita terminar seu
curso de eletrônica. Após a realização do curso, pretende atuar na área e assim que tiver
se estabilizado fazer a faculdade de geografia. É importante ressaltar que Paulo quer
fazer uma faculdade pública, pois não tem condições financeiras para pagar um curso
universitário.
Observamos que o entrevistado conta, em seu projeto de futuro, com planos de
curto e longo prazo. A realização do curso de eletrônica é considerada por ele como
uma coisa mais fácil, mais viável pra mim, está mais acessível, é menor tempo e é uma
coisa que eu gosto”. Por outro lado, o curso de geografia é considerado um
investimento a longo prazo. Tanto é que, ainda em 2014, Paulo imagina que terá
terminado eletrônica e que não sabe se continuará com planos de fazer geografia, pois
pensa que terá dificuldades de conciliar trabalho, família e estudos.
Paulo tem consciência das dificuldades que terá que enfrentar para alcançar seus
objetivos. Considera ser difícil enfrentar o futuro”, pois acredita que seu projeto de
vida tem sido adiado e que requer uma caminhada longa. Apesar de tudo, se reserva o
direito de sonhar e de acreditar que num futuro distante poderá realizar seus sonhos.
SÍNTESE – PAULO
Percebemos a importância de esclarecer que ao contrário de Olga, Paulo se
mostrou uma pessoa contida e que este aspecto dificultou o aprofundamento da
apreensão dos sentidos em relação à escolha da profissão para o jovem.
Paulo nos revelou que, para a continuidade dos estudos, considera relevante o
apoio familiar ou de outras pessoas, o que deixa implícito que sozinho é difícil alcançar
seus objetivos profissionais. Explicita que apenas com o esforço pessoal é difícil vencer
seus desafios, mas além do apoio familiar não cita outras “possibilidades de ajuda para
alcançar seus objetivos”. Paulo nos contou que tem, como referências para a escolha da
profissão, um amigo e um ex-professor que o incentivaram e ressaltou que sente falta de
uma “pressãopor parte dos pais, pois acredita que assim seria uma pessoa diferente”,
pois precisa de pessoas que o apóiem. Nesse sentido, percebemos que Paulo desloca a
responsabilidade pessoal de conseguir continuar seus estudos para os pais.
125
No caso das classes pobres, o investimento no mercado escolar tende a oferecer
um retorno baixo, incerto e a longo prazo. Para Bourdieu (2009), a classe popular é
pobre em relação ao capital cultural e econômico e investe de modo moderado no
sistema de ensino. Ao revelar que sente falta de um apoio maior dos pais, o jovem
expressa o que Bourdieu (2009) denomina “liberalismoem relação à educação dos
filhos. Nesse caso, a vida escolar dos filhos diferentemente do que ocorre com as
classes média e alta não é acompanhada de modo muito sistemático e não ocorre uma
cobrança intensiva em relação ao sucesso escolar. Os pais esperam que os filhos
estudem apenas o suficiente para se manter ou se elevar ligeiramente em relação ao
nível socioeconômico já conquistado pela família.
O jovem relatou que a maioria das pessoas tem empregos, mas não profissão.
Entende que a profissão depende de estudo e de especialização em alguma área de
atuação. Como projeto de futuro, espera alcançar o sonho de ter uma profissão, para ter
um emprego que o valorize mais. Ao frisar que trabalho/emprego e profissão são
atividades diferentes, destaca que a maioria das pessoas tem emprego, mas o
profissão”. Para ele trabalho é uma ocupação remunerada”, que independe de uma
especialização. A profissão parece se relacionar a trabalhos realizados pelas camadas
mais altas da população, que freqüentam o ensino superior. Assim, profissão é sinônimo
de ascensão social. Ele traz como exemplo a prática de seu trabalho de repositor, que
não é uma profissão e qualquer um pode fazer. Observamos que Paulo percebe que as
diferentes ocupações “diferenciam as pessoas”. Segundo Gonçalves Filho (2004),
Pesam sobre as classes pobres, em nossa sociedade, o trabalho
simplificado e o trabalho simples. [...] Atividades complexas são
fragmentadas em atividades demais elementares e desqualificadas,
exigindo pouca ou nenhuma instrução técnica ou escolar. E quanto
ao trabalho simples (varrer, lavar, embalar lixo, fazer camas),
aquelas tarefas indispensáveis, mas necessariamente muito simples?
Em vez de as assumirmos todos, tornou-se hábito nosso reservá-las
aos pobres. (p. 203)
Paulo destacou que não possui nenhum tipo de satisfação no trabalho. No
entanto, apesar de ser um trabalho que ele não gostaria de estar fazendo (é estoquista em
um supermercado), procura ser o melhor naquilo que faz. O jovem não se sente contente
e mencionou que com o salário baixo e o tempo que sobra não consegue se organizar
para dar continuidade nos seus projetos. Enfatizou que se sente receoso e perdido”,
126
pois se sente preso em um trabalho que não gostaria de realizar e percebe as
dificuldades que tem para sonhar.
Paulo (assim como Olga) apontou que o pior problema da sociedade é a
desigualdade e parece que acredita que o governo deve promover políticas públicas que
atendam às necessidades de todas as classes sociais. Conforme afirma Medeiros o
fenômeno da desigualdade é persistente e elevado. As injustiças sociais devem ser
reparadas e isso será possível se os recursos dos ricos forem distribuídos entre os
mais pobres. O autor afirma que
(...) a renda é tão concentrada que o centésimo mais rico da
população possui uma renda superior à soma de todos os
rendimentos da metade mais pobre desta população e pelo menos
um quarto de toda a desigualdade de renda é determinado por apenas
três por cento da distribuição de renda. (2005, p. 249)
Paulo parece escapar da idéia de esforço próprio quando afirma que a condição
de cada um determina o que vai ser”. Esse aspecto revela que Paulo absolutiza a
condição social, pois acredita que esta é determinada que não é possível ultrapassar os
obstáculos da realidade. uma determinação social absoluta, dificultando a
transformação.
Apesar das dificuldades consideradas, contraditoriamente se permite sonhar e
traça um projeto de futuro que o mobiliza e faz agir; então Paulo traz a possibilidade de
mudança. No entanto, os receios e as tensões geradas pelas dificuldades concretas
consideradas por Paulo fazem com que acabe adiando seus planos, colocando o futuro
num tempo cada vez mais distante. Dessa forma, as tensões criadas pela realidade social
dificultam a realização do seu projeto de futuro. Possibilidade e impossibilidade se
revezam nos sentidos constituídos, pois Paulo se divide entre a possibilidade de poder e
a impossibilidade de resolver seus problemas.
Paulo considerou que a participação no programa de orientação profissional foi
interessante, pois colaborou para aumentar a confiança em relação à escolha
profissional. Em sua fala, pudemos observar que tinha uma visão tradicional
48
da
proposta de orientação profissional, e a experiência que teve no programa ultrapassou
suas expectativas de poder facilitar na sua escolha profissional. O jovem relatou que
48
Na perspectiva tradicional a psicologia concebe o homem como um ser autônomo para escolher sua profissão, pois
desconsidera as determinações e condições sociais na qual ele se insere. A ideologia do neoliberalismo entende que o
indivíduo não depende das condições socioeconômicas para a sua constituição. No entanto, A. Bock afirma que, "[...]
o desenvolvimento do indivíduo se dá no contato com a cultura e outros homens" (1999, p. 30).
127
gostou da proposta de autoconhecimento oferecida pela orientação profissional, o que
pode revelar que o jovem valoriza a responsabilidade do sujeito no processo de escolha.
Observamos que Paulo compreende que a escolha é um processo e que a proposta de
orientação profissional é entendida como processo, movimento e como movimento de
cada um. No entanto, não tem ainda todos os recursos que permitam efetivamente
escapar da dicotomia: objetivo-sujetivo, individual-social, assim, eu-pais, eu-
estado/social. Ainda existe a tendência de considerar um pólo e desconsiderar o outro,
ou seja, de não considerar os determinantes sociais em sua totalidade.
128
CONCLUSÕES DA FALA DOS JOVENS
A pesquisa representa, nas ciências [...], um espaço permanente de
comunicação que terá um valor essencial para os processos de
produção dos sentidos dos sujeitos pesquisados nos diferentes
momentos de sua participação nesse processo. A pessoa que
participa da pesquisa não se expressará por causa da pressão de uma
exigência instrumental externa a ela, mas por causa de uma
necessidade pessoal que se desenvolverá, crescentemente, no
próprio espaço de pesquisa, por meio dos diferentes sistemas de
relação constituídos nesse processo.
González Rey (2005, p. 15)
Buscamos reunir os aspectos que envolvem os sentidos sobre a escolha da
profissão fornecidos pelos dois sujeitos com vistas ao debate sobre a orientação
profissional para as camadas pobres da população.
Ao investigar os sentidos da escolha da profissão, partimos do pressuposto de
que a escolha envolve fatores multideterminados (não depende apenas do sujeito)
sociais, individuais, políticos, econômicos e culturais de uma determinada sociedade.
Mas o jovem pode não ter clareza da relação dos determinantes sociais e individuais que
acompanham o processo da escolha profissional. Dessa forma, pode escolher uma
profissão de forma acrítica, sem ter a compreensão desta relação, ou seja, sem ter
consciência dos determinantes complexos que envolvem a escolha.
A análise da fala dos jovens tornou possível identificar alguns pontos que
mereceram destaque por permitirem caminharmos para a conclusão do nosso estudo. As
famílias dos jovens acreditam que o estudo é uma forma de superação da condição
social em que se encontram. Os entrevistados não têm a tradição, na família, de estudo
superior e ensino médio e têm a expectativa de ultrapassar o que seus familiares não
conseguiram. As famílias são depositárias das limitações e dificuldades, que são
utilizadas para explicar os “fracassos”. É importante ressaltar que apesar da valorização
do estudo, os jovens devido a diversos fatores não estão estudando. Isso corrobora com
os dados da pesquisa de Corrochano et al. (2008) quanto à situação educacional da
população jovem de baixa renda de ainda existir o número significativo de 1,2% dos
jovens que nunca tiveram acesso à educação.
O trabalho atual é visto como algo a ser superado e está distante do que os
jovens almejam, do que se quer para o futuro. A satisfação financeira é nula com o
trabalho que desenvolvem. Apenas Olga tem satisfação pessoal com a atividade que
realiza, pois pode realizar um trabalho social, ajudando as pessoas. O trabalho está
129
associado ao retorno financeiro, e Olga acredita que o labor é uma atividade
fundamental do ser humano. A necessidade de trabalhar vivenciada pelos jovens pobres
também pode ser observada no estudo de Corrochano et al. (2008).
Paulo ressalta que faz algo pouco importante para a realização do projeto de
futuro e que o trabalho aparece como uma atividade a ser abandonada, sendo avaliada
como irrelevante e o retorno financeiro advindo da ocupação é uma necessidade básica
necessária para o momento atual. O jovem percebe que as diferentes ocupações
diferenciam as pessoas”. Em nossa sociedade, as profissões que não possuem valor
social são as destinadas à camada popular.
Paulo destaca que o trabalho faz parte do momento atual e a profissão é um
objetivo a ser alcançado no futuro. Existe uma dissociação de trabalho e profissão.
Enquanto, o trabalho não exige estudo e é uma fonte de remuneração, a profissão requer
estudo ou especialização, sendo fonte de satisfação e desenvolvimento pessoal. Aqui se
evidencia a divisão social do trabalho, pois ao falarem de trabalho se referem às
atividades braçais e às profissões intelectuais. Percebem-se trabalhando, mas buscam
uma profissão. Isto implica uma visão e avaliação de si, pois se percebem no lugar
desprivilegiado da sociedade e almejam superá-lo pela conquista de uma profissão.
O projeto de futuro dos jovens está necessariamente relacionado a uma profissão
que possibilite a realização de um projeto social. Este é um aspecto relevante e
confirmado por S. Bock (2008) que os jovens dessa camada social escolhem profissões
que não são as que estão na moda ou as tradicionais.
Há na fala desses jovens a clareza das dificuldades. Querem e lutam, mas
reconhecem a existência de obstáculos, nem sempre muito compreendidos e/ou
conhecidos. Existe o medo de não conseguir e a elaboração de justificativas para isto: a
desigualdade, as injustiças, a falta de apoio. Mas pensam (e às vezes negam) que
poderão conquistar o projeto de futuro se fizerem o “esforço pessoal” tão propagado
pela ideologia liberal.
Sucesso e fracasso, projeto e destino, desigualdade e justiça, indivíduo e Estado
compõem os sentidos como elementos que contrapõem, mas convivem para esses
jovens como um pisca-pisca em que ora um está em cena, ora outro. A compreensão
que tem do mundo ainda não reúne esses elementos como uma totalidade contraditória.
S. Bock (2008) havia ressaltado em sua pesquisa de doutorado que “o que
mobiliza mais a atenção desses jovens é o ingresso nas faculdades [...]” (p. 122) e que
130
“[...] os sujeitos não declaram grandes ambições. Querem “conseguir” como seus pais
[...] “conseguiram”, dando um passo à frente” (
2008, p. 134)
S. Bock (2008) constatou que, ao contrário dos jovens de classe média, os de
baixa renda não procuram profissões que estão na moda ou as tradicionais e buscando
explicar a escolha dos jovens o autor afirma que
Seria uma atitude de submissão ou uma atitude introjetada de
servidão o não almejar carreiras universitárias mais valorizadas na
sociedade? Achamos que tal explicação está presente, mas não
responde à questão em sua totalidade. Para os jovens, as profissões
que escolhem indicam um salto nas condições que eles vivem.
apontamos a questão do salário percebido pelos trabalhadores das
profissões que escolhem, considerado bastante razoável pelos
sujeitos da pesquisa. Além disso, sentem-se vitoriosos porque
conseguiram terminar o ensino médio, coisa que seus pais não
conquistaram. Talvez, como medida de zelo, colocam-se pequenos,
mas possíveis, objetivos, o que se lhes parece mais apropriado.
Talvez se possa falar em pretensões escalonadas em níveis de
gradação subseqüentes. Como defesa, não pensam muito para a
frente, como se dissessem que é perigoso avançar tanto. Lembremos
que Olga vive a “angústia” de não conseguir, apesar de ter
progredido bastante, quando comparada à trajetória de seus
familiares. (2008, p. 124)
Dessa forma, acreditamos que os jovens pobres procuram resolver as
dificuldades vivenciadas buscando alçar “vôos mais baixos”, ou seja, carreiras que
possam permitir resultados mais seguros.
As dificuldades enfrentadas em relação às possibilidades de escolha se
relacionam ao lugar social (percepção de classe) onde os jovens se encontram e geram
sentimentos de inferioridade e fracasso, denominados humilhação social por Gonçalves
Filho (2004).
[...] age como golpe externo, um golpe público, mas que vai para
dentro e segue agindo por dentro: um impulso invasivo,
desenfreado, uma angustia. A humilhação este fato externo-interno,
caracteriza assiduamente a psicologia do oprimido: afeto
vertiginoso, estonteante, afeto sem nome. Como chamá-lo? Um
susto? Medo? Pavor? Uma tristeza? Melancolia? Um ódio? Solidão?
Isolamento? Vergonha? O sentimento de estar invisível? As
expressões da angústia política podem variar: são lágrimas, a
gagueira, o emudecimento, os olhos baixos ou que não param de
piscar, o corpo endurecido, o corpo agitado, o protesto confuso, a
ação
violenta e até o crime. (p. 30-31)
131
Apesar dos percalços que são enfrentados, constatamos que os entrevistados se
percebem no caminho para alcançar seus objetivos, e o esforço é um meio para
continuar a trajetória. Na busca da realização profissional, a orientação profissional e a
realização de cursos aparecem como exemplos de apoio para a superação.
Os jovens entrevistados apontam que, em relação ao projeto de futuro, a
profissão é o principal objetivo a ser conquistado. No entanto, são muitas as
dificuldades, o que faz com que adiem seus planos e o futuro fique cada vez mais
distanciado. Os jovens encontram na persistência uma forma de cultivar o projeto de
futuro.
Para ambos, a orientação profissional é concebida como uma possibilidade de
confirmar a escolha da profissão. No entanto, Paulo apresenta uma visão mais ampla da
área, pois acredita que a orientação fornece subsídios como, por exemplo, o
autoconhecimento, o conhecer os outros para o aprendizado do papel do sujeito no
processo de escolha.
Neste trabalho, assumimos como ponto de partida a concepção de homem
adotada na psicologia sócio-histórica de que a escolha sempre ocorre e é
multideterminada, pois como afirma S. Bock (2008, p. 130)
[...] o sujeito escolhe, e essa escolha é um momento de seu processo
pessoal de construção de sentidos [...] O sujeito escolhe e, para
compreender o seu processo de escolha, é preciso estudar seu
movimento pessoal (seus sentidos) e o conjunto de significações e
condições objetivas e sociais onde está inserido.
Nosso estudo aponta o quanto as escolhas profissionais efetuadas, escolhas que
consideramos como constitutivas dos projetos de futuro profissional, são também
elucidativas das subjetividades dos jovens entrevistados.
A análise das escolhas dos entrevistados revelou que eles escolhem, mas
escolhem desconhecendo suas reais necessidades que são construídas historicamente, ou
seja, são afetados por tais necessidades, mas não conseguem se apropriar de forma clara.
Em nossa análise, constatamos que os sentidos da escolha profissional dos
entrevistados têm relação direta com o projeto de futuro, ou seja, com o que buscam, o
que valorizam e que identidade querem ter. Essa relação envolve: o medo de não
conseguir, insegurança, impotência, exige luta contra a desigualdade e trabalho árduo.
Enfim, envolve muitos aspectos que dificultam a escolha e a realização desta.
132
O futuro profissional caracteriza-se para eles em um medo de não conseguir
chegar lá. Até planejam o que pretendem fazer, mas com certa descrença e resistência
em acreditar se vai acontecer. Apresentam dificuldade de se imaginar no futuro, mas
anseiam em seus projetos ter uma vida melhor ou pelo menos igual a de seus pais.
O aspecto financeiro aparece como o principal determinante impeditivo e
preocupa os jovens, pois é o fator que dificulta a realização de suas escolhas
profissionais. Na realidade, afirmam o quanto as condições econômicas vivenciadas por
eles são impeditivas de suas escolhas. Esse aspecto pode elucidar uma conseqüência
comum vivenciada por jovens de família de baixa renda. Problema este apontado
neste trabalho, pois na pesquisa de Corrochano et al. (2008) um traço comum da
maioria das famílias brasileiras com um ou mais jovens é o baixo rendimento familiar
per capita.
Concordamos com Souza (2006) que existe um segmento social, que denomina
ralé “fabricada” pela nossa sociedade, e que são as pessoas que vivem de forma
desumana, à “margem” da sociedade, mesmo que integradas fisicamente. A ralé social é
a que não tem as mesmas oportunidades de vida (estudo e trabalho) que as pessoas das
classes mais elevadas. Dessa forma, são indivíduos que sofrem no corpo a indiferença
em relação à desigualdade social.
O Estudo do Instituto IBI e da Ação Educativa (Corrochano et al., 2008) sobre
jovens e trabalho no Brasil oferece dados importantes sobre a relação educação,
trabalho e camada social, deixando evidente a presença da desigualdade social.
Os dados tornam evidente que jovens de mais baixa renda começam a
trabalhar mais cedo e, em boa medida, sem concluir os estudos [...]
(2008, p. 23)
As diferenças de renda entre as famílias dos jovens estão apresentadas como
fatores que impactam a escolaridade,
(...) como se pode perceber pela comparação entre os 20% com
os maiores rendimentos familiares per capita e os 40% com os
menores rendimentos familiares per capita. Enquanto entre os
jovens de menores rendimentos, com idade entre 18 e 21 anos,
apenas 8,9% estão no ensino superior, entre os jovens com
maiores rendimentos, da mesma faixa etária, esse índice atinge
79,2%. (2008, p. 37)
133
Os dados da pesquisa dão visibilidade à desigualdade como condição de vida
desses jovens pobres.
Os sentidos constituídos contêm esses aspectos objetivos que são acompanhados
de elementos de identidade depreciativos. A desigualdade está internalizada como
aspecto constitutivo.
Olga e Paulo lutam para sair desse lugar que é objetivo e subjetivo. Algumas
experiências como o cursinho pré-vestibular e o Projeto de Orientação Profissional são
oportunidades de reflexão e ressignificação, necessárias como munição para a luta.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A visão de conjunto [...] é sempre provisória e nunca pode pretender
esgotar a realidade a que ele se refere. A realidade é sempre mais
rica do que o conhecimento que a gente tem dela. sempre algo
que escapa às nossas sínteses; isso, porém, não nos dispensa do
esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor nossa
realidade.
Konder (1993, p. 37)
Nosso foco neste estudo foi o compromisso de investigar os sentidos que os
jovens de baixa renda atribuem à escolha da profissão e os elementos que a constituem.
Dessa forma, procuramos colaborar com o desenvolvimento da área de orientação
profissional voltada para essa população. Ao atuar com esta demanda devemos nos
questionar: que papel a orientação profissional pode ter para este grupo social? E que
tipo de orientação profissional deve ser oferecida?
É relevante que a orientação profissional considere a escolha profissional como
um processo multideterminado e proporcione condições que visem o fortalecimento do
sujeito no sentido de permitir compreensão mais ampla das determinações. A orientação
profissional é uma área que se encontra no “fio da navalha”, pois está diretamente
relacionada ao trabalho e à identidade dos sujeitos em um campo carregado de ideologia
onde o esforço pessoal é afirmado como decisivo. Ou seja, a ideologia liberal dominante
dificulta a compreensão dos vários determinantes, reduzindo a visão da totalidade.
Nesse sentido, é importante que o orientador ofereça a oportunidade para que o jovem
se conheça e conheça o outro (e a realidade social), entendido esse conhecimento como
conhecer-se inserido em um contexto sociocultural historicamente construído, pois esse
movimento colabora para a compreensão das determinações sociais, econômicas,
políticas, culturais e individuais que perpassam a questão da escolha.
O orientador deve ter como condição sine qua non uma prática profissional crítica
e consciente de seu papel no contexto sociocultural. Deve, assim, se despir da
ingenuidade de que os jovens de todas as classes sociais têm a oportunidade de escolher
em condições igualitárias. Deve ter consciência de que a orientação profissional sempre
foi (e continua sendo) uma área de atuação elitizada e que essa condição precisa mudar.
Deve desenvolver uma prática comprometida com a modificação da realidade social e
isto implica uma prática que colabore para que os jovens tenham consciência de todos
135
os determinantes sociais que atravessam o seu processo de escolha profissional,
escapando da tentação liberal de responsabilizar unicamente o sujeito, mas sem deixar
de reconhecê-lo como protagonista de seu processo de escolha.
Nesse sentido, acreditamos que uma das tarefas básicas na atuação crítica do
orientador seja a presença consciente e clara da dimensão social e política no trabalho
que desenvolvemos. O modelo que adotamos na prática de trabalho nos revela ser
adequado a uma práxis que busque considerar todos os aspectos que envolvem a escolha
profissional. Dessa forma, o jovem terá a consciência crítica dos fatores que envolvem o
processo de escolha.
A alienação é um mecanismo poderoso que colabora para a manutenção da
estrutura social vigente e para a naturalização da desigualdade social. Concordamos
com Severino (2001) que a educação deve ter um compromisso político de
transformação social. O autor acrescenta que, dependendo do esclarecimento crítico dos
agentes educacionais e de seu compromisso político, estes podem criticar uma ideologia
vigente, desmascará-la e gerar uma nova consciência entre os cidadãos. Acreditamos
que devemos estender esse compromisso a área de orientação profissional.
A partir do exposto, nós profissionais, devemos nos questionar: qual é o nosso
papel diante da problemática da desigualdade social? É importante unir forças para
combater a desigualdade. Isto exige que se lute por políticas públicas que permitam o
acesso da camada pobre aos seus direitos em termos educacionais. É importante lutar
para que a orientação profissional seja incluída no processo escolar, tornando-se
acessível a todos os jovens. É importante buscar formas que colaborem para a
desnaturalização da escolha profissional e ainda é importante ter uma postura ativa em
prol da militância a favor de uma sociedade mais justa e humana. Todos esses aspectos
podem compor uma agenda em Orientação Profissional.
Acreditamos que nossa contribuição com essa pesquisa foi indicar em nossos
debates que é preciso, ao pensar o avanço da orientação na direção que queremos,
considerar os sentidos que os jovens apresentam sobre a escolha profissional. Os jovens
que chegam para a orientação profissional carregam com eles sentidos que estão
impregnados da ideologia liberal e carregam sonhos e projetos. A orientação
profissional não pode desconhecer esses sentidos e tornar-se uma mera técnica de
intervenção. Orientar exige que se conheçam os sujeitos da intervenção. É preciso
136
entender que a compreensão que temos acerca desse tema gera uma prática profissional
que pode colaborar para a manutenção da estrutura social vigente.
Esperamos com essa pesquisa contribuir para a elaboração e adoção de políticas
públicas no contexto educacional e também para confirmar que a orientação profissional
é uma condição educativa necessária à escolha da profissão e preparação da inserção do
jovem no trabalho de uma forma crítica e consciente.
137
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142
ANEXOS
(Anexo 1 )
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Meu nome é Alessandra dos Santos Oliveira e estou desenvolvendo a pesquisa:
“Os sentidos da escolha da profissão por jovens de baixa renda: um estudo em
psicologia sócio-histórica”, com o objetivo de analisar os sentidos da escolha da
profissão, por jovens de baixa renda que participaram de um programa de orientação
profissional.
Este estudo é necessário porque contribuirá para o desenvolvimento da área de
orientação profissional. Será realizada uma entrevista semi-estruturada com os
participantes e se houver necessidade serão realizadas entrevistas recorrentes, para um
melhor aprofundamento. As entrevistas serão analisadas de acordo com a Teoria sócio-
histórica.
São Paulo, ____/____/ 2009.
Pesquisadora____________________________
Alessandra dos Santos Oliveira
Orientadora__________________________
Ana Mercês Bahia Bock
143
(Anexo 2)
Consentimento Pós-Informação
Eu, ____________________________, fui esclarecida sobre a pesquisa: “Os sentidos
da escolha da profissão por jovens de baixa renda: um estudo em psicologia sócio-
histórica” e concordo que meus dados sejam utilizados na realização da mesma. Assim
como autorizo a utilização dos dados coletados na entrevista para o desenvolvimento do
presente estudo.
São Paulo, ____/____/ 2009.
Assinatura: ___________________________________
RG: __________________
144
(Anexo 3)
DADOS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES
Nome completo: ________________________________________________________
Idade: ____________ Escolaridade:________________________________________
Raça: ____________Profissão: ___________________________________________
Constelação Familiar
Nome Pai: ____________________________________________________________
Idade: ___________ Profissão: __________________________________________
Nome Mãe:____________________________________________________________
Idade: ___________ Profissão: __________________________________________
145
(Anexo 4)
Roteiro de Entrevista semi-dirigida:
a) Alguns dados sobre a história de vida do participante entrevistado.
- Hábitos da família e do jovem.
- 3 momentos marcantes da vida.
b) Relações familiares.
- Como é a vida em família.
- Expectativas dos pais em relação (futuro) ao jovem.
c) Projeto de futuro.
- Escolheu qual profissão?
- E o entrevistado? O que espera para a sua vida?
d) Programa de Orientação Profissional?
- Antes de participar do programa o que esperava?
- O que achou da experiência de participar de um programa de Orientação Profissional?
- Citar três coisas boas.
- O que faltou no desenvolvimento do programa?
1. Relatar sobre a infância, o que fazia, quais eram as atividades que gostava e não
gostava de fazer justificando o porquê.
2. Comentar as atividades que desenvolve atualmente (estudo e trabalho) e o nível de
satisfação que possui.
3. Revelar quais as pessoas que são e-ou foram referências (infância até a idade atual)
para a escolha profissional e o projeto de futuro.
4. Comentar qual a concepção que possui sobre a sociedade atual (seus valores, regras,
dentre outros) e o que mais chama a atenção.
5. Citar quais as dificuldades que enfrenta para a realização dos seus objetivos,
projetos quanto ao projeto de vida e como acredita que pode transpor esses
obstáculos.
146
6. Expressar quais determinações sustentam a escolha profissional.
7. Tecer consideração sobre a compreensão do significado de trabalho em nossa
sociedade.
147
(Anexo 5)
DADOS PESSOAIS (Olga)
Nome completo: G. P. S.____________________________________________
Idade: 22. Escolaridade: Ensino médio completo__________________________
Sexo: feminino Etnia: morena escura
Profissão: Agente de proteção social (sem albergue)___________
Constelação Familiar
Nome Pai: E. F. S.___________________________________ _______________
Idade: Falecido Profissão: Cuidava de cavalos (Joquey Club)________________
Nome Mãe: E. P. S.__________________________________________________
Idade: 50 Escolaridade: Ensino fundamental completo_____________________
Profissão: Bordadeira e costureira (autônoma)_____________________________
Irmãos
49
Nome: E. J. P._______________________________________________________
Idade: 16 Sexo: M. Escolaridade: Ensino médio completo_________________
Nome: S. P._________________________________________________________
Idade: 12 Sexo: F. Escolaridade: Ensino fundamental completo______________
49
Os dois são irmãos de Olga, por parte de mãe. Olga mora com a mãe, os dois irmãos e dois tios por
parte de mãe.
148
(Anexo 6)
Transcrição: Entrevista/Olga
Pesquisadora: Fale sobre sua história de vida, sobre seus hábitos familiares e sobre o
cotidiano familiar.
Olga: Bom, meus hábitos e os da minha família são assim. 1) A minha família sempre
teve muito unida e quem eu considero como família são as pessoas que moram
comigo. No caso, eu minha mãe, meus dois irmãos, o meu tio e a minha tia. Então, o
meu cotidiano eu trabalho como agente de proteção social, fazendo visita domiciliar, é
fazendo acompanhamentos mensal com a família. Então, 2) eu trabalho dentro de
uma comunidade dentro de uma favela assim, onde a gente as piores
atrocidades. O meu cotidiano é esse. Eu saio às 7:00 as 8:00, chego às 9:00 e começo a
trabalhar mesmo às 10:00 e tem uma cota de famílias que eu tenho que atender durante
o mês. Eu atendo 150 famílias por mês, é bastante. Eu não conseguia visitar as 150, mas
eu tinha que ter uma meta tipo de umas 100 de umas 90 famílias por mês. A gente
também realizava uns projetos dentro da comunidade e assim era das 9:00 às 5:00
trabalhando. Era registrada pela CLT tenho todos os benefícios, seguro de vida. E
assim, 3) a minha família mesmo, a gente é muito unido, nas maiores dificuldades,
nas maiores alegrias, a gente ta sempre muito unido. Meu tio é eletricista ele trabalha
fora e tem dois filhos que moram na Bahia, tem várias namoradas, um trabalho
danado, está com 42 anos, mas parece 15 (risos). A minha tia que mora com a gente tem
54 anos ela trabalha junto com a minha mãe como bordadeira e a minha tia sempre
morou com a gente, ela sempre trabalhou em casa de família aí mandaram ela embora,
acho que não precisavam mais dela e ela veio morar com a gente, mas antes todo final
de semana ela estava em casa, ela sempre morou com a gente. A minha mãe criou nós
três sozinha, assim sem pedir pensão pra nenhum dos pais. Meu pai sumiu quando eu
era muito nova, eu tinha 6 anos. O pai do meu irmão morreu na beira de um bar e da
minha irmã ela conheceu agora depois de quase 11 anos. 4) Então, minha mãe sempre
criou a gente sozinha e a gente sempre tinha duas horas pra falar com ela e essas
duas horas eram imprescindíveis, quem chegava primeiro falava, mas ela sempre foi
muito atenciosa com a gente, tentou dar o de melhor pra gente. Ela brigava com a
gente, mas não era muito de agredir. Meu irmão perdeu o pai muito cedo, né. Tem 16
anos e terminou o ensino médio no ano passado e por desventura minha mãe comprou
um computador pra dentro de casa e ele com o computador e a tecnologia avançada,
começou a conhecer as pessoas, começou a ter informações. Então, ele começou a
trabalhar no começo do ano passado, fazendo estágio na parte administrativa, dentro de
uma empresa mesmo, no escritório. Então, ele foi contratado em fevereiro e ia ser
mandado embora em setembro, mas, eles deixaram ele até dezembro. E como ele
tinha terminado o ensino médio a empresa achou que ia ser um custo muito alto ficar
com ele, acabou o contrato acabou e ele acabou sendo mandado embora. Quando ele
saía cedo e chegava tarde da escola, então a única pessoa que ficava em casa pra
conversar com ele era a minha mãe. Aí, eles brigaram 5) minha mãe é muito dura às
vezes, é mais fácil ela dar um tapa na sua cara do que falar, é bem mais fácil
mesmo, mas ela falou algumas coisas pra ele, eles discutiram e ficaram mais de 6 meses
sem se falar. Então, nesses seis meses, acho que foram os seis meses de transição da
vida dele. Foram os meses de transição, tipo de ele estar conhecendo um mundo novo,
pessoas novas, e acabou que acho que nesses seis meses ficou muito sozinho, porque eu
chegava e ele saia e eu não ia ficar esperando até meia noite pra gente conversar.
Quando ele me pegava pra conversar, tipo era da uma as três da manha e eu tinha que
149
levantar as seis no outro dia. Então, não dava o tinha como. Então, nisso nesses seis
meses ele se aproximou muito de mim, aí um dia ele chegou e falou pra mim que ele era
gay, ele usou esse termo. Aí, eu conversei e expliquei pra ele que não era isso, que ele
estava numa fase de transição. Acho que ele se aproximou, por isso não era amor. Meu
irmão disse que tinha se declarado para um garoto, que estava gostando dele. Aí, eu
falei: olha você se declarar é uma coisa, agora você chegar abraçar, beijar, ter uma
relação mais próxima, é outra. Não é isso que vai te tachando como você é gay ou não e
outra é nessa que você vai ter que ser muito homem, porque é nessa sociedade tem
preconceito. Então, é nessa que você vai ter que ser muito homem. Expliquei, conversei
com ele, falei com minha mãe que agora ele ia precisar dos amigos e do apoio de toda a
família. Aí, nesse tempo que ele falou que era gay, a minha mãe tinha ouvido a nossa
conversa. Aí, eu falei: você ouviu toda a conversa. Então, agora basta a senhora chegar
nele e conversar. Ele fez errado fez, a senhora fez errado fez. Então, agora a senhora
tem que chegar e conversar, porque é a melhor forma dele começar a se abrir mais. Meu
irmão agrediu uma moça, não sei o que ela falou pra ele, ela xingou ele e ele bateu na
cara dela, por causa do menino que ele estava gostando. Nisso, a minha mãe ligou pra
mim desesperada eu estava na casa do meu namorado em São Bernardo dos Campos,
falando que ele não ia mais pra casa, que não sei o que. Aí, eu falei: ai meu Deus, e
agora, né. Nisso, ele falava em se matar, ele tava com um amigo dele um colega de
trabalho. Aí, eu pensei e agora, o que que eu faço, eu tentando acalmar ele de um lado e
a minha mãe e do outro e ninguém me acalmava no meio da história (risos). E nessa
confusão toda acho que foi quando a gente teve uma aproximação maior da minha mãe.
Meu irmão foi sempre muito apegado a ela, até quando minha irmã nasceu ele sempre
teve ciúme dela, até hoje tem. Bom, sobre ele é isso, né. Aí, agora ele está desemprego,
acabou o contrato. Como minha mãe não tem condições de pagar uma faculdade, agora
ele ta tentando arranjar um emprego, pra pagar futuramente uma faculdade, ele quer
fazer turismo. Ele quer fazer um monte de coisas, isso é muito legal. Agora, os amigos
dele se reuniram e vão pagar um curso de inglês pra ele, ele inicia agora. Acho que eles
tão em cinco amigos. Ele mexe bem no computador, parece um rato. O curso que eu fiz,
não vale o que ele aprendeu em casa na prática. A minha irmã agora esta com 12 anos,
né. Conheceu o pai dela, não tem acho que um ano, porque cobrou muito da minha mãe
de conhecer o pai. Falava que as amigas tinham pai, aquela coisa, de criança que está
entrando na pré-adolescência. Então, minha mãe levou ela pra conhecer o pai dela, não
gostou muito, mas, ta se acostumando, né. A minha irmã tem 5 irmãs mais velhas que
ela. Do outro lado, tem mais cinco irmãos, eu que por parte de pai, não tenho irmão,
acho que tenho um irmão só, mas eu não conheço. A S. agora faz o ensino fundamental,
ta na sexta série e é muito inteligente, assim, ela é o orgulho da casa tudo que eu não
tenho ela tem. Assim, é a primeira em tudo, sabe o que a professora está pensando em
pedir, ela está fazendo, passou de ano como a primeira da sala e isso dá um orgulho
imenso pra minha mãe, né. E pra ela mais ainda, porque fica todo mundo elogiando,
(risos). Ela faz parte de um grupo na igreja, vai pra retiro espiritual, sabe, ela tem uma
. Ela acompanha minha mãe. Tem uns coroinhas e agora tem as marianinhas, então
minha irmã é coordenadora de um grupo de 30 meninas. Uma menina de 12 anos
sendo coordenadora das outras, ela é líder, é super inteligente assim, sabe. Ela tem
resposta pra tudo, que você falar pra ela, não é porque ela tem 12 anos que ela é uma
criança, ela é esperta. Ela estuda das 13:00 às 18:00, no período vespertino. Agora, esse
ano a gente ainda não sabe que horas que ela vai estudar, mas provavelmente vai ser no
período da manhã.
Pesquisadora : Ela tem outras atividades?
150
Olga: Tirando a igreja, além de ir pra casa do pai dela, tipo se reunir com os irmãos
dela, ela às vezes sai com a gente, minha mãe leva ela muito pro centro da cidade, pra
conhecer, e vai explicando. O maior medo dela é de helicóptero, ela tem medo do
barulho. Se ela tivesse aqui e passasse um, ela estaria debaixo da minha asa aqui, de
tanto medo, não sei o porque. Ela tem um medo tremendo. Teve uma vez que a gente
tava no meio da rua daqui a pouco passou um avião, ela veio correndo. Eu fiquei assim
olhando e pensei meu Deus o que está acontecendo. Levei um susto, de repente do nada,
o medo é muito grande. De resto é isso, tipo de ir pra igreja, tem o horário dela, ela tem
a roupa dela que ela tem que usar. Então, ela tem todas as atividades programadas pela
igreja que ela tem que cumprir. 6) Quanto a mim minha única atividade atual é o
trabalho, mas futuramente pretendo fazer cursos e faculdade. Só não começo a
faculdade agora, porque como eu tava em transição de serviço, então, não teria como
pagar uma faculdade agora e as universidades públicas que eu consegui era tudo no
interior de São Paulo e eu não tinha como ir pra lá. Então, eu abri mão pra ficar aqui em
São Paulo mesmo, tentando arrumar um serviço e começar a pagar mesmo.
Pesquisadora: Gostaria que você comentasse e justificasse três momentos marcantes na
sua vida. Explicasse o porquê você os considera marcantes, enfim...
Olga: Três Momentos bem marcantes na minha vida? Nossa, não é porque é vários,
mas são... acho que foi muito marcantes que eu esqueci. Peraí, um pouquinho. 7) O
primeiro muito marcante na minha vida foi, quando eu consegui o meu primeiro
curso. Só que não era um curso normal, assim, ele era patrocinado pela prefeitura e pelo
ministério do trabalho, também, que nesse curso 8) a gente passou por uma pré-
seleção de mais de 3.000 pessoas e eram poucas vagas. Eram três turnos manha,
tarde e noite e eram poucas vagas para 3.000 pessoas. Esse curso era o juventude
Sampa, onde a prefeitura capacitava os adolescentes pro mercado de trabalho. que
eles davam aulas de português, matemática, conhecimentos gerais e uma área
especifica. No caso, eu escolhi manipulação de alimentos. 9) Então, assim, eu tava
totalmente desanimada, falei: não esquece isso daí, não vai ser minha, eu sou uma
pessoa errada na vida, não consigo nada. Então, eu tava super derrotada assim. Eles
pagavam uma quantia pra você estudar, eles davam uma bolsa, acho que, de R$ 200,00.
Então, 10) foi muito concorrido, vixi, eu peguei filas enormes assim, passei tempos
indo atrás. Aí, eu falei: Ah, não desisto! Porque começou a chegar as cartas,
telefonemas, e a minha carta não tinha chegado e o telefonema também o. Aí, um dia
sentada no chão arrumando o tapete,puxado o tapete, chega a minha mãe e fala,
chegou esta carta pra você, quando eu fui olhar era a carta do curso, quando eu olhei a
data, tinha passado a data. Era pra mim ter ido dia 04 de março e eu já tava no dia 07
de março, isso foi numa sexta-feira. Aí, eu falei: 11) e agora meu deus o que é que eu
faço, né? Liguei desesperada, liguei desesperada, né? E falei: moça minha carta
chegou hoje ela deve ter extraviado, e não sei o que, comecei a falar, comecei a falar. A
moça, falou que não a minha carta que extraviou, outras também, você pode vir
amanhã. Aí, eu falei: meu Deus, agora eu vou e eu era muito tímida assim, foi o meu
primeiro contato com pessoas assim. Então, era super tímida. Aí, falei: caramba 12)
meu Deus, vou desistir, vou embora. Aí pensei, demorei tanto pra conseguir a carta
agora vou desistir não, vou ficar. E assim, depois disso a gente teve que fazer uma
segunda pré-seleção pra entrar. Eu sei assim, que foi um momento muito marcante
porque eu tava totalmente derrotada. 13) Meu Deus, isso não é pra mim, que não
sei o que, deixa pra lá, né? 14) Tava achando uma coisa, missão impossível. Tava
certo que isso não era pra mim.
151
Pesquisadora: E quando que esse momento ocorreu?
Olga: Bom, foi de março a outubro de 2005. 15) O segundo momento marcante foi
quando eu consegui o meu primeiro emprego. O meu primeiro emprego foi agora
assim ano passado assim tipo no mês de fevereiro. 16) Fui trabalhar .....dificuldade
em casa assim, já tinha saído mesmo pra procurar. 17) Você sabe pessoa que tem o
ensino médio não consegue nada, o ensino médio. Falei: 18) meu deus e agora...
foi uma semana só de luta, indo atrás, indo atrás, indo atrás e nada. Aí, desisti falei:
não esquece, não vou mais, porque eu 19) já tinha passado por mais de trinta
entrevistas. Tanta entrevista, assim loucamente sabe? Nossa, entrevista lá, nossa
onde você imaginar eu fui. Eu ia acordava me arrumava cedo e ia. 20) Aí, falei: a
não vou desistir esquece. Aí, o telefone tocou, era esse cara da Bem comum. ele
perguntou pra mim: Você está trabalhando? Eu falei não. 21) Saí a semana inteira pra
procurar emprego e eu não encontrei nada do que você imaginar, nada, nada, nada,
nada. 22) Aí, ele falou, não porque aqui tem uma vaga pra agente de proteção social.
Ele perguntou você quer e eu falei quero. 23) Eu já tinha participado de uma seleção,
mas como eu tava recebendo uma bolsa não foi tanto e depois que a gente parou a bem
comum a gente parou de receber a bolsa então, parou tudo. Aí, eu acabei não recebendo
mais. 24) Aí, nisso meus colegas tinham passado, eu não, fiquei muito frustrada.
Falei: caramba meu, porque assim, eu sou muito sentimental, qualquer coisa que você
falar pra mim eu chorando e eu comecei a chorar sabe? 25) Falei: meu que droga,
todo mundo passou e eu fiquei pra trás, mas aí passou.
Pesquisadora: Nesse momento, o que vinha na sua cabeça, o que você pensava
mesmo?
Olga: 26) Que eu era incapaz de fazer alguma coisa assim. Que eu sou incapaz de
fazer algo, que eu não tenho a competência que os outros têm. Que eu sou uma
derrotada, que eu não consigo nada. 27) Aí, ele me ligou perguntando, né? Se eu
queria o emprego, eu falei que sim aceito na boa o emprego. Aí, ele virou pra mim e
falou assim. Ó mas, é pra ser agente social, pago o salário. Aí, falei: não, topo na boa.
28) Aí, eu fui que era pra três vagas e tinha seis pessoas, o dobro. Aí, falei:
caramba meu participei da seleção teve entrevista e dinâmica. 29) Aí, falei: as
pessoas certas eu sei quem é e eu não sou. não era comigo o negócio. Aí,
cheguei em casa tristeeee e sofri. Falei pra minha mãe: mais um mãe. Aí, minha mãe
falou calma minha filha.
Pesquisadora: E porque que você achava que não ia ser escolhida?
Olga: 30) Não sei por que eu sempre pensei que as pessoas eram mais capazes que
eu, sempre eu era a coitadinha. Sempre me senti inferior aos outros, não sei por
que, sempre tive essa coisa. Sempre tive essa culpa e pensava que eu era pior que os
outros sabe?
Pesquisadora: E qual era a escolaridade das outras pessoas? Você tinha o ensino médio
completo e os outros?
Olga: 31) Quatro pessoas tinham o ensino médio e duas que estavam na faculdade,
que era pedagogia e a outra fazia serviço social. Então, assim, você vai vendo as
pessoas e se fala poxa, essas duas passaram e mais aquele dali e você não. Então,
eu já cheguei em casa daquele jeito. 32) Falei: mãe esquece, não é emprego pra mim e
eu não tento mais. Tipo eu falei, eu não quero mais, eu não vou trabalhar mais.
Eu vou trabalhar com a senhora dentro de casa. Aí nisso, o telefone tocou a gente
152
fez a entrevista na quarta. Aí ele falou entre quinta ou sexta-feira eu te ligo. Aí, eu fiquei
esperando. 33) Aí, eu falei: ai meu Deus será que ele não vai ligar. Quando foi 12:02
de uma sexta-feira, o telefone tocou e veio a pessoa do outro lado e falou que eu podia
começar a trabalhar na segunda-feira. Quando falou você pode vir e começar a
trabalhar na segunda-feira. 33) Eu não tive reação, minha única reação foi chorar.
Chorava que nem uma criança, chorava, chorava, chorava, chorava, chorava.
Parecia que era a melhor coisa da minha vida. 34) Parecia que Jesus Cristo estava
descendo e falando você está salva e você vai por céu (risos). Você já tem o céu lá em
cima. 35) Eu chorava, sabe? A sorte é que eu sabia o endereço, onde que era, porque eu
que me esqueci de pedir o endereço, sabe? (risos) Só pra ter a noção... totalmente assim.
36) Aí, eu parei e fiquei e fiquei né, meu consegui. Aí, eu chorava parecendo criança.
Saí abraçando todo mundo, parecia que eu tinha ganhado a copa do mundo. Aí, eu
tive assim, a reação mais louca por causa desse primeiro emprego. Esse primeiro
emprego assim, era pra 2 meses, surgiu uma vaga nesses meses porque uma menina
saiu. Nisso, ele tinha contratado três, uma menina desistiu, ficou eu e um rapaz, nos
dois. E o meu companheiro tinha toda uma habilidade, de lidar com grafite, sabe bem
típico de lidar com adolescentes. A menina saiu, eu pensei, meu deus e agora. tipo,
ele saiu um mês antes, e eu tava pensando antes dela sair. E agora, será que essa vaga
é minha? 37) Quando eles me chamaram para dar a resposta que a vaga não era minha,
mas do meu colega. Eu chorei muito. Parecia uma criança chorando, parecia que
tinham me dado uma facada. 38) Pensei, meu deus sou incapaz, sabe. 39) veio
tudo de novo, começou tudo de novo, desemprego de novo. Não pude ajudar
minha mãe novamente. Minha mãe ta ficando uma senhora, né? Eu preciso ajudá-la.
passou fui mandada embora peguei minhas coisas e fui embora. 40) Aí passou um mês e
meio eles me chamaram de novo pro mesmo emprego, pra mesma função, porque
tinha uma menina que precisava ir embora pra Pernambuco e eu ia ficar no lugar dela.
41) Pronto foi a alegria instantânea. Tipo parecia que tudo floriu (risos). Parece que
uma coisa louca assim, pra estar bem, eu precisava ta bem naquele lugar. 42) Aí,
uma hora o projeto acabou e todos foram mandados embora, mas eu tava pensando
falei: meu Deus, porque eu entrei sabendo que em dezembro acabava o contrato. Aí,
eu falei: meu Deus e agora o que que eu faço de novo? Já tava com a cabeça quente. 43)
Aí, eles começaram a indicar a gente. Aí, nessa seleção, nessa pré-seleção que a gente
participou pra entrar tinha 30 pessoas para 8 vagas. Agora você pensa eu sentada
numa mesa com tantas pessoas. 44) Eu parava, olhava e pensava assim, meu Deus,
isso não é pra mim, não é mesmo. Esquece eu vou desistir. 45) Agora dia 18 de
dezembro a mulher me ligou e falou: aquela vaga liberou e é pra você trabalhar. A
ligação caiu, a mulher me ligou umas três vezes, e me disse que eu precisava ir, mas
foi na hora que eu fiquei bem novamente. Demorou pra cair a ficha. Pra voter
noção, eu não perguntei nem o endereço. Aí, ela falou, mas você não quer o endereço?
Aí, eu falei: verdade né? (risos) 46) Esse é meu emprego atual, eu vou começar agora,
na semana que vem. É o mesmo trabalho que eu fazia só que é em outro lugar. 47) E
assim, parecia que era o meu mundo assim, que tava sorrindo novamente, meu
mundo ficou colorido de novo. E assim, esses dois foram dois momentos bem
marcantes.
O outro momento, quer dizer eu não sei se é momento... Foi quando o meu irmão
chegou pra mim é falou que era gay. Isso foi um choque pra mim porque quando ele me
falou isso, eu não consegui dormir direito. Parecia que o mundo tinha se acabado pra
mim. Eu chorava, cheguei super mal no serviço, eu não tinha com quem conversar,
isso ocorreu no meio da semana. Aí, eu liguei pro meu namorado e disse que precisava
me abrir com alguém. Eu dizia que precisava conversar com alguém e chorava. Aí, ele
153
me acalmou aos poucos. Acho que esses foram os três momentos mais marcantes na
minha vida.
Pesquisadora: Dos momentos marcantes na sua vida você citou 2 momentos
relacionados a questão profissional, de trabalho e tal. E o outro você cita a questão do
seu irmão que é mais pessoal dele. Você falou que essa situação te deixou muito mal e
tal. Mas, porque você acha que você colocou essa situação tão diferente das outras em
relação aos seus momentos mais marcantes?
Olga: Não sei, porque assim, a gente sempre brincava sabe? Assim, é muito difícil de
explicar porque, ele é o único homem da casa, você entendeu? Então a gente brincava
muito assim. A gente se perguntava: quantos filhos você vai ter, vai casar com quantos
anos, que não sei o que. Sendo que a vida pode virar a qualquer momento pra você.
Acho que seria a mesma coisa se eu chegasse pra ele e falasse que sou lésbica. Eu tentei
me colocar no lugar dele, porque pra mim foi um choque assim. Meu único irmão
homem tem a questão da constituição de família. 48) Também tem a sociedade que
prega que homem é pra casar com mulher e mulher com homem, não pode ter a
diferença. Acho que foi choque um mesmo, de como a sociedade ia aceitar ele. De
como ele ia lidar com essa situação sem sofrer. Então, eu tinha medo dele sofrer devido
ao preconceito social e sexual, porque um puta homem daquele, tem tudo pra ser
homem, pra dar filho, pra dar neto. Ser gay, preto e gordo é... Então, isso é uma
afronta, entendeu? Então, eu fico preocupada pelo preconceito, entendeu, que é terrível.
Ele sofrendo a gente ia sofrer também. Exatamente, por causa da sexualidade dele.
Então, quando ele fala sobre isso, vem varias historias na cabeça, assim. Quando ele
falou que teve um amigo que se matou por isso, porque não foi correspondido. Aí,
minha cabeça rodou, eu falei pronto, ainda mais nessa fase, a idade que ele ta, fico com
medo de depressão. Bom, mas hoje depois que passou tudo, que ele bateu em uma
menina por causa de um rapaz que ele estava gostando. A gente viu que ele acalmou, eu
acho que foi um pouco de afronta com a minha família. Pra demonstrar eu tô aqui gente,
e eu preciso de vocês. Depois que passou ele não comenta mais sobre isso, ele comenta
das meninas que ele está ficando. Por isso que eu falei que achava que era coisa de fase.
Eu perguntei pra ele e aí, você acha que não rola, ainda até brinquei com ele. Aí, ele
falou não aquilo passou, passou, esquece vai. Então, quer dizer eu acho que é uma coisa
que ele conseguiu superar. Então, por isso que eu falei que era coisa de momento.
Pesquisadora: Agora eu queria saber um pouco sobre suas relações familiares. Eu
queria saber como é a sua vida em família. Como é a relação que você tem com a sua
família: mãe, irmãos, as pessoas que moram com você?
Olga: 49) Minha relação com minha família é muito boa, porque por mais que a gente
brigue entre a gente, mas é entre a gente mesmo. que morre ali, na conversa. 50)
Assim, a minha relação com a minha mãe, sempre foi muito boa, mas nunca tive
uma abertura pra falar minhas coisas pessoais pra ela. Eu nunca consegui. 51) Pra
contar que eu tava namorando foi uma luta. Mesmo assim, ela perguntou você está
namorando, né? Eu dei uma sacudida de cabeça e saí. 52) Assim, ela sempre foi muito
aberta a tudo, mas acho que por causa da falta que ela fez antes, agora eu não consigo
me abrir, mas é uma relação muito boa assim. 53) A gente é muito unido mesmo, tipo
de ta acontecendo uma briga lá, daí desce todo mundo, não desce um, desce todos.
Então, a gente briga entre a gente mesmo, aquelas brigas de família, de um vai se danar
daqui..., mas é dentro de casa. Se chegar uma pessoa de fora e encher nosso saco, a
gente vai pra cima mesmo, a gente não quer nem saber.
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Pesquisadora: Queria entender um pouquinho mais a relação que você tem com a sua
mãe. Você comentou que quando criança, ela tinha pouco tempo, duas horas por dia,
pois ela trabalhava muito. Que ela foi a única pessoa que sustentou você e seus irmãos,
que isso é muito bacana. Mas, você acha que o fato dela ter tido pouco tempo pra você e
para os seus irmãos, não acabou te afastando dela? Fala um pouquinho sobre isso.
Olga: Então, acho que sim né? 54) Minha mãe, afastou um pouco sim, por ela ter
pouco tempo, então a gente não conseguia conversar muito. 55) Então, as minhas
coisas quem resolvia era eu e eu mesma. Então, tipo a questão de namorado era eu
quem decidia. Sei lá, pra contar pra ela que eu tava namorando demorou um tempo. 56)
E assim, às vezes eu me sinto sozinha por mais que ela esteja comigo pro que der e
vier, pra me ajudar, mas eu me sinto só. Sei lá, eu não tive aquele afeto, tipo deita
aqui e me conta o que ta acontecendo, mas assim, eu não a culpo. Eu culpo a mim,
porque eu acho que também não dou brecha pra conversar com ela, não dou espaço
pra ela, pra sentar e conversar. 57) Eu não consigo assim, eu não consigo chegar pras
pessoas e falar que tô precisando de ajuda. Não a minha ajuda é eu mesma.
Pesquisadora: Você acha que essa experiência te ajudou a ter mais responsabilidade e
autonomia?
Olga: 58) Acho que nesse caso me ajudou muito porque, tive que ajudar ela a criar
os meus irmãos mais novos. 59) Isso me ajudou a amadurecer e ser mais
responsável. Então, eu criei certa responsabilidade que ela fala que às vezes, muitas
meninas com a minha idade não tem. 60) Eu cuidei de família, da minha casa, dos
meus irmãos, ela me dá dinheiro pra mim pagar as contas. Com 13 anos eu saía pra
comprar as coisas, pagava as contas e ia ao supermercado, porque ela não tinha
tempo e era eu. Então, eu tomei certa responsabilidade.
Pesquisadora: Quais são as expectativas da sua família quanto ao seu futuro
profissional?
Olga: 61) Do meu pai acho que não tive nenhuma expectativa não, porque sumiu logo,
né? 62) Agora, minha mãe ela sempre me deu muito apoio assim, tipo o que ela não
teve pra ela, ela quer pra mim. Independentemente do que eu esteja fazendo. 63)
Minha mãe quer que eu estude, sempre pergunta por que eu não faço faculdade e
eu vou explicar. Ela sempre teve uma grande expectativa sim, sobre eu e meus
irmãos. Ela sempre quis muito que a gente estudasse.
Pesquisadora: E tem alguma faculdade que ela gostaria que você fizesse?
Olga: Não. 64) Ela fala que a profissão que eu escolher pra ela ta de bom tamanho.
Ela quer que eu estude e que eu tenha um futuro melhor, isso. 65) A minha
mãe é muito inteligente, ela só tem até a oitava serie, mas até hoje ela ajuda a gente
na escola, faz trabalhos pra gente. Nossa, ela é super inteligente assim, ela falou
que se ela tivesse mais oportunidade, queria ser cientista. Sabe mexer com números,
tem a oitava serie de antes, porque a de hoje tem uma diferença grande era melhor do
que a de hoje.
Pesquisadora: Qual foi a profissão que você escolheu?
Olga: 66) A profissão que eu escolhi, assim, eu escolhi várias antes dessa. Eu queria
ser professora de português, depois falei: não, português não. Vou querer agora ser
outra coisa. Aí, pensei em ser nutricionista. Aí, fiz aquele curso, conversei muito,
falei: não, não é isso o que eu quero. Aí, trabalhei um ano numa creche. Isso tudo
155
aconteceu antes de participar de um programa de orientação profissional. 67) Aí, falei:
agora vou ser fotógrafa. Toda profissão que imaginava eu sempre procurava algum
profissional para me falar um pouco da área. Isto é muito valido, pois eles falam como
que é o dia a dia, o que fazem, quanto ganham. 68) , eu desisti de ser fotógrafa,
falei: esquece. 69) Aí, eu trabalhei um ano numa creche, sendo recreadora infantil.
Eu trabalhava com a criançada mesmo tipo de 3 a 8 anos. Se no caso a professora
saía, quem ficava no lugar era eu. 70) Então, nisso eu fui vendo. Pensei, nossa ser
pedagoga deve ser bem legal, né, fazer pedagogia. 71) Aí, eu não sabia com quem
conversar, porque as pessoas que eu conversava que eram da área tinham aquele
pensamento de vai pra dar aula, pra ensinar e pronto e acabou. o tinham um
pensamento revolucionário, não falavam vou fazer isso pela educação, pra elas era
o dinheiro e ta ótimo. Era bater ponto e acabou. Falei: caramba, não é legal isso,
vai ser uma bosta trabalhar. 72) Aí, desisti não queria fazer mais bosta nenhuma. Aí,
eu fui pra curso técnico, eu escolhi nutrição. Aí, pensei caramba se que é isso
mesmo que eu quero. Aí, desisti, falei: eu não vou fazer. Eu passei tudo, mas nem
comecei. Pensei não vai dar certo e eu não queria tirar a vaga de outro.
Pesquisadora: Quanto tempo que era?
Olga: Era um curso de 1 ano e meio. Aí, desisti.
Pesquisadora: Porque você achava que não tinha haver com você?
Olga: 73) Não sei. Sabe quando você já sabe, acho que a sociedade padroniza. Ser
nutricionista é ser magra, branca e loira. Acabou, não é pra mim. Sou morena, gorda e
feia, credo (risos). Eu não tinha o pensamento de que sendo nutricionista assim,
poderia ajudar a quebrar esse paradigma. 74) Aí, depois que passou todo esse
tempo, né? Aí, fui procurar pedagogia. Falei: nossa acho que é isso mesmo que vou
fazer. 75) Aí, surgiu a orientação profissional que foi no ano retrasado em 2007. Aí,
eu fui participar, mas estava convicta de que queria fazer pedagogia. que como
ele dava pra gente, várias profissões de como era tal profissional, quanto ganha, de
como o profissional pode trabalhar, né. Aí, eu falei: nossa. 76) Eu quero fazer
pedagogia mesmo. Ainda fiquei em dúvida, em fazer jornalismo ou pedagogia.
eu decidi mesmo. Fiquei com pedagogia. 77) Depois eu fiquei sabendo mais, sobre o
mercado de trabalho, que é educação, existe um déficit muito grande de
profissional na área. 78) De primeira eu queria fazer pedagogia, pra trabalhar com
crianças que tem deficiência, tipo visual. A criança tem que aprender a ler e a
escrever. Queria pedagogia pra trabalhar com essas crianças, inscrevendo projetos.
No momento eu ainda não penso em doutorado, penso em fazer pedagogia.
Pesquisadora: O que você espera do seu futuro, o que você imagina?
Olga: 79) Eu não vejo muito meu futuro assim não. Eu vejo que é um dia após o
outro sabe, é o caminho que vou fazendo. 80) Eu imagino com um diploma, mas pra
frente assim, eu não vejo. Vou construindo aos poucos, assim, sabe, vou colocando
um pé na frente do outro, não vou querendo dar um passo maior que a perna. Vou
vendo como vou me portar lá na frente, como vou me comportar na faculdade, sei que é
uma responsabilidade muito grande assim.
Pesquisadora: Agora, vou pedir pra você falar um pouco sobre o programa de
orientação profissional que você participou. Qual foi a sua expectativa ao participar do
programa?
156
Olga: 81) Eu não tinha muita noção do que era a orientação profissional. Por mais
que o nome diz, mas não sei, eu não tinha noção mesmo. 82) Quando comecei foi
tudo muito novo, ele foi falando, e assim, quando fiquei sabendo que ele era pedagogo,
aí foi que eu cresci o olho, falei: caramba meu, ainda brincava com ele. Falei mais uma
área que eu posso atuar. Então, assim, conforme ele foi dando a orientação, foi que
eu me apaixonei mais pela profissão. Falei: nossa. E assim, eu adorei. Quando falaram
pra mim o que ia ser, eles primeiro falaram que era um curso. Aí, eu pensei vou
participar, estava fazendo um cursinho à noite. 83) Eu não tinha muita noção, pra
mim, a noção que eu tinha era que ele ia dar as profissões e a área de como atuar,
pronto. 84) Depois, que eu fui ver a metodologia que ele utilizava pra dar da forma
que ele deu a orientação. Falei assim: nossa nada disso tinha pensado. Foi bem mais
completo.
Pesquisadora: O que você achou de ter participado do programa de orientação
profissional? O que isso representou para você?
Olga: 85) Representou uma coisa que assim, tava em dúvida e eu acabei confirmando
o que eu queria fazer. 86) Conhecendo mais a profissão, conhecendo o profissional
que estava fazendo. Foi quando eu me apaixonei mais pela pedagogia, foi quando eu
falei, não é isso mesmo que eu quero fazer e é dessa forma. Porque tem várias formas de
trabalhar, e eu tive um olhar mais amplo assim da profissão. 87) Foi muito bom ter
participado da orientação vocacional. Porquesim, você tinha certeza do que você ia
fazer e que não ia desistir no segundo semestre da faculdade. Falar não quero isso.
88) A orientação foi boa, não sei se eu iria mudar de profissão, mas que ia ficar em
dúvida de novo, mas foi a que eu aproximei mais eu não fiquei em dúvida. Aí, eu tive a
segurança e a certeza da pedagogia.
Pesquisadora: Agora eu gostaria que você falasse sobre três coisas boas que você
vivenciou durante o programa.
Olga: 89) A primeira coisa que chamou a atenção foi quando ele estava finalizando.
Acho que tava nos três últimos dias pra acabar. A gente tava em círculo e ele pediu pra
gente focar num objeto que estava no meio da sala e nesse objeto a gente tinha que
prestar atenção. Prestar atenção no objeto. Ele ia falando e tinha que entrar na
historia que ele estava dizendo. Era uma viagem. Assim, se você prestasse atenção no
objeto e prestasse atenção no que ele tava falando ia entrar na historia do que ele tava
dizendo. Se você se concentra meu, você viaja, vai longe.
Pesquisadora: Você falou que ele utilizou um objeto e que objeto era esse?
Olga: Esse objeto era uma vela. Era uma vela que ele deixou no meio da sala, no meio
do círculo, a vela estava acesa. Primeiro ela estava apagada, depois ele acendeu, a sala
estava escura e ele contava uma historia. Naquele tempo, você concentrava naquilo e ele
te contava uma historia. Aí, você tinha que concentrar bem dentro da chama da vela.
Tinha que concentrar bem na chama da vela e na historia, mas ao mesmo tempo você
tem que prestar atenção ao seu redor também. É difícil, você não consegue direito, tipo
acho que é um exercício de concentração sabe. Tipo de você ficar firme, fixo no
negocio.
Pesquisadora: E o que você achou da atividade, o que te passou mais na cabeça?
Olga: 90) Foi o que eu falei pra ele, eu falei: olha o que eu achei disso foi a questão do
foco. Temos que ter um foco na vida. E mesmo que tivesse várias coisas ao nosso
157
redor, a gente tinha que focar no objetivo direto e reto assim. Eu compartilhei com o
grupo e a maioria também falou da questão do foco e do objetivo.
Pesquisadora: Você acha que você tem foco, consegue se concentrar, objetivo? Como
que é isso para você, como você considera isso?
Olga: 91) Assim, às vezes eu perco foco, mas eu não perco o objetivo. 92) Eu sou
daquelas de tentar sempre e arriscar, sempre indo a frente, tipo acho que depois de
todas as dificuldades que eu tive antes, que agora com essas dificuldades eu tomei
coragem. 93) Com o passar do tempo, tipo se eu não arriscar eu não vou saber se vai
dar certo ou não. Eu acho que depois disso, tipo eu posso perder o foco, mas eu não
perco o objetivo. Independentemente, do que vai acontecer ou não eu vou em
frente, eu dou minha cara pra bater.
Pesquisadora: Para você o que é perder o foco, mas não perder o objetivo?
Olga: 94) Tipo perder o foco é quando você está indo numa linha, tem aquela linha
você vai reto, no meio do caminho quebra alguma coisa, aí você vai ter que mudar
o caminho, mas pra alcançar aquele mesmo objetivo, independentemente da linha ter
quebrado.
Pesquisadora: E qual foi a segunda atividade que te marcou?
Olga: 95) Então, a segunda coisa que me marcou foi a dinâmica dos bichos que ele
deu. Foi assim, ele dava um papel pra gente e a gente escrevia o nosso nome e ia
passando. Depois, parava sorteava o nome da pessoa e depois dava três nomes de
bicho pra pessoa. que eu não lembro os nomes de bichos que me deram eu
lembro os nomes que eu dei. Eu lembro que eu peguei um menino eu dei pra ele
pica-pau, beija-flor e urso. O pica-pau e o beija-flor, eu disse que são muito idênticos,
tipo eles voam, por conta do bico. Só que aí todo mundo começou a zoar e humilhar, né,
porque eu tinha denominado a pessoa de pica-pau, mas eu expliquei que mesmo
apesar das dificuldades esses bichos são persistentes assim como meu colega. O urso
penso porque ele é grande, sabe enorme, assim, ao mesmo tempo ele assusta, mas é
dócil. Então, eu dei esses três animais que identifiquei com ele. Quando eu expliquei ele
achou que era mais ou menos isso mesmo e que tinha adorado. 96) Um bicho que eu
consigo lembrar que me deram foi o de leôa, tipo que tinha a cara de ser muito
brava mesmo assim, porque se me deixavam nervosa eu ia pra cima,
independentemente do que, mas que ao mesmo tempo eu era muito amigável e muito
dócil. Tipo quando eu tava com as pessoas ao meu redor com meus amigos, eu era
muito dócil, tipo assim tem esses dois lados. Tipo de ser nervosa e agressiva quando
me atacam e de proteger, de ser dócil também. Os outros bichos eu não me lembro,
mas se precisar eu tenho o material e depois te passo. 97) A terceira coisa que me
marcou na orientação foi quando ele finalizava as atividades, assim, tipo ele sempre
falava que independente da profissão que a gente escolhesse que nós iríamos nos dar
bem em tudo o que a gente fosse executar. O final, o fechamento da orientação foi
muito legal. O final mesmo, o fechamento.
Pesquisadora: E que tipo de sentimento, esse fechamento te trouxe?
Olga: Esse fechamento, me fez acreditar que alguém acreditava na gente, tipo não é
porque toda vez que eu pensava que era uma derrotada... tem alguém que realmente
158
acredita no que a gente faz. Depois, dessa experiência eu senti que estou mais
confiante, que sou capaz de fazer alguma coisa.
Pesquisadora: O que em sua opinião ficou faltando no decorrer do programa de
orientação profissional que participou?
Olga: 98) Olha eu acho que do processo do programa, acho que ficou faltando a
gente sair pra campo, sabe? Pra ver o que acontece mesmo. Digo assim de visitar os
profissionais, ir conversar com eles, observar o dia a dia deles, de ver como eles
trabalham, executam as tarefas, pra ver se tem resultado mesmo. E a gente não fez
isso. A gente conheceu muito na teoria, na pratica faltou um pouco. Então, o que eu me
lembro acho que foi isso.
Pesquisadora: Gostaria que você me falasse sobre a sua infância, o que você fazia,
quais eram as suas atividades, o que gostava e não gostava de fazer.
Olga: 99) Assim, minha infância por mais que minha mãe trabalhasse sempre, foi
uma infância mesmo de criança, tipo de brincar do que a gente queria, de sair pra onde a
gente quisesse. Então, eu não tenho nada de ruim a dizer da minha infância. Eu fui
uma criança muito feliz mesmo, por mais que minha mãe trabalhasse muito de domingo
a domingo, ela sempre tinha uma brecha de levar a gente pra algum lugar, pra fazer um
lazer. 100) Eu lembro que uma parte da minha infância que me marcou muito foi
quando a minha mãe mandou a gente pra Praça da Sé, aonde tem crianças de rua,
porque a gente começou a desperdiçar muito as coisas dentro de casa. Tipo ai não
quero comer, jogava fora. 101) Sabe, então quando a gente começou a ter esse
desperdício, a primeira coisa que ela fez foi levar a gente e falar a situação é essa e
vocês têm isso, então vocês começam a prestar atenção no que vocês têm. Então,
acho que foi uma coisa que me marcou muito assim, que eu acho que foi o auge assim,
que ela levou eu e meu irmão pra conhecer. Eu gostava de ir pra creche, não sei por que,
acho que porque eu ficava das 8:00 às 17:00 então era uma maravilha. Então, era uma
coisa que me entertia muito, eu lembro de poucas coisas, mas essas foram coisas
marcantes assim. Tipo eu lembro de uma festa que teve na creche e era a fantasia,
que assim, a minha mãe não teve dinheiro pra comprar a fantasia. Aí, a minha tia com a
super criatividade dela, fez uma fantasia de saco de farinha. Ela criou, fez peruca, fez o
bustiê, fez a sainha. Eu sei que eu tava me sentindo sabe, não gastou nada e fez um
sucesso. Todo mundo olhava pra minha cara, acho que tinha uns 4 anos. Aí, depois fui
pro prezinho, foi quando eu comecei a atentar mesmo, jogava ovo nas crianças, fui
aquela criança bem hiperativa mesmo, danada e agitada mesmo (risos). Então assim, fui
crescendo assim, sabe. Tipo depois da creche e do pré no caso fui pra escola, pro
ensino fundamental. No ensino fundamental, foi quando eu comecei a ficar mais
frustrada, por causa que eu era gorda, aí todo mundo me xingava, tinha muitos apelidos.
E assim, eu sempre fui muito controlada, tipo eu lembro de uma cena que uma menina
me atormentou durante três meses direto, me chamando de gorda, gorda. Até um dia
que eu me enfezei com ela, eu peguei a carteira e taquei nela, sabe a maior sorte dela é
que pegou na quina, porque acho que se não tivesse pego acho que teria ido cumprir
medida sócio educativa (risos). Porque assim, ela enchia a minha cabeça, e eu chorava
eu falava pra ela para fulana, deixa pra lá, me deixa quieta, que não sei o que, peguei
e fiz isso. Essa cena assim foi a mais, a diretora chamou a minha mãe, e falou pra ela
que eu era o cão. Mas, eu já tinha contado dessa menina pra minha mãe, a minha mãe já
sabia. minha mãe chegou na diretora, e falou assim, então, chamar minha filha de
gorda ela pode, ela fazer tudo o que quer com a minha filha e a senhora qual o seu papel
de educadora? A diretora baixou a bola e pediu desculpa pra minha mãe. Quando eu era
159
criança eu gostava de montar quebra cabeça, meu primeiro quebra cabeça foi de um
pedreiro. Eu lembro que fazia muito tempo que eu tava nesse quebra cabeça. Ai, teve
um dia que eu consegui montar ele inteiro, era um pedreiro de cor escura, ele tava em
pé, tinha uns bloquinho vermelinhos e tinha um cachorro do lado dele. Minha maior
alegria foi quando eu consegui montar esse quebra cabeça. Nessa época, eu devia ta
com uns 6 anos. Era um super quebra-cabeça assim, nossa, até hoje eu procuro quebra
cabeça pra comprar (risos). As brincadeiras que eu não gostava eram as que eu tinha que
me movimentar muito porque eu sempre tive complexo, assim correr, por exemplo, de
correr eu nunca brincava. De resto, eu fazia quase de tudo, mas pra correr, eu não ia, eu
desistia.
Pesquisadora: Hoje quais são suas atividades e o nível de satisfação que você possui?
Olga: 102) Assim, a atividade que desenvolvo hoje é de agente de proteção social,
trabalhando dentro da comunidade e junto com a comunidade, desenvolvendo
alguns projetos. Meu projeto foi de... a gente nem tem um time de futebol feminino,
porque homem jogava. Nisso, elas quebraram tabu de entrar dentro da comunidade
e falar, agora chegou a minha vez de jogar. 103) Então, o nível de satisfação é que
depois que a gente sai e deixa elas, depois que a gente volta, elas estão fazendo a
mesma coisa da forma que a gente explicou, que sozinhas, independentes, sem
precisar da mediação de alguém. Então, assim o nível de satisfação é grande, porque
quando você pensa, nossa nunca pensei que era capaz. Mas, quando você fala nossa,
eu consegui fazer isso. 104) O meu trabalho fez isso, ajudei alguém, nossa é muito
louco assim, eu adoro. 105) Falo, ai meu Deus consegui. Pra mim o dia ta ganho, é
muito bom. 106). A gente não ganha mal, mas a gente não ganha bem. O nosso
salário é de R$ 677,00. A gente ganha pouco, se descontar, não sobra nada. No caso, a
gente tem alguns benefícios de cesta básica, vale transporte, vale refeição, roupa e
protetor solar, porque a gente anda muito nesse sol, esturricante, faz um mal. E também,
tem o seguro de vida. Assim, não é um trabalho pra falar, eu vou ficar rica daqui 5 anos,
mas é um trabalho gratificante, não é pelo dinheiro, não é pela espécie, mas pela
forma com que você trata a pessoa. Isso não tem recompensa. 107) É um trampolim
também pra mim conquistar outras coisas, porque vai além da sua mente pequena. Você
vai conhecendo e conversando com pessoas, vo vai vendo que tem pessoas que
estão em piores situações que você, você vai abrindo a sua mente e tendo maior
conhecimento das coisas. Eu acho isso ótimo.
Pesquisadora: Quais foram desde a infância até a idade atual, as referências para a
escolha da profissão e projeto de futuro?
Olga: 108) Eu não tenho muitas referências assim, dentro da família, são poucas as
pessoas da minha família que tem faculdade. Acho que tem 3 pessoas que tem
faculdade. São três primos meus que eu tenho muuuito pouco contato, são raros os
contatos. A gente sabe por conta da minha tia que fala, né, que cicrano fez faculdade
disso, fulano fez daquilo, né? Eu sei que eu tenho um primo que trabalha na área de
administração, um faz letras e o outro pedagogia. 109) Então, assim, dentro da
família mesmo, não tenho, minha mãe sempre trabalhou em casa de família, hoje é
autônoma. 110) Assim, a profissão da minha mãe era cozinheira, então, ela não teve
maiores perspectivas de fazer uma faculdade, mas ela sempre me apóia, me fala, vai
e procura o quer fazer e como você quer fazer. Ela diz que não pode me ajudar muito,
mas me ajuda apoiando, entendeu? 111) Minhas maiores referências são minha
mãe e meus primos que fazem faculdade.
160
Pesquisadora: Qual é a sua concepção, como você entende e compreende a sociedade
atual? Os valores, as regras, o que mais te chama a atenção?
Olga: 112) Pra falar da sociedade, eu não sei se eu sou a melhor pessoa, porque acho
que a sociedade é totalmente hipócrita. 113) Ela protege alguns demais e outros de
menos. 114) A desigualdade é grande. Assim, a minha perspectiva daqui pra frente,
sobre ela eu não tenho nenhuma, eu acho que, vai de mal a pior assim. Eu acho que a
nossa sociedade, que a gente vive hoje, ela não é igualitária. 115) Ela é uma sociedade
podre, é uma sociedade muito suja, sabe? Parece cobra, que vai corroendo assim. 116)
Então, eu vejo que é muito difícil falar da sociedade, eu acho que é muita riqueza
nas mãos de poucos e muita pobreza no geral assim. 117) Acho que é muito porca
assim, a sociedade, porque fazem esses benefícios de transferência de renda, o
pobre fica alegre, tira 80 reais por mês. A bolsa família e o renda mínima é um
exemplo disso. O renda nima, eu acho que ainda é mais podre, porque tem pessoas
que moram em casões e pegam o renda mínima, sendo que uma pessoa que mora em
cima do córrego, não pega porque não tem renda. Então, eu acho que é muito podre.
118) O que é negativo que mais me chama a atenção é a desigualdade. A
desigualdade, é fundamental, porque assim, pessoas que ganham milhões, elas nem
pagam o tanto de imposto que o pobre paga. O pobre paga água e luz, e nisso vem tudo
embutido. Até, no arroz que o pobre come, vem não sei quanto embutido de imposto.
Eu acho que isso, é tudo muito injusto.
Pesquisadora: Quais as maiores dificuldades que você enfrenta para atender os seus
objetivos? E como acredita que pode transpor esses obstáculos?
Olga: 119) Assim, eu acho que a maior dificuldade, pra mim enfrentar os obstáculos é
financeiramente, porque é assim, se você não tem dinheiro pra pagar alguma coisa
não consegue. Não é que eu não consigo, mas que eu vou alongando, vou falando deixa
um pouco pra lá, porque essa coisa que ta mais no meu jeito. Então, eu vou deixando
um pouquinho de lado, não é que eu desisti, mas é que eu vou deixando um
pouquinho de lado. 120) O maior problema eu acho que é financeiramente sim. Pra
tentar, ultrapassar esse obstáculo, eu acho que eu tenho que tentar correr atrás de
bolsa de estudo, que eu consiga 100%, ou que alguém me ajude, que eu acho isso
muito difícil, mas a esperança é a última que morre. E minha última é pagar uma
faculdade, mas tirando isso, acho que é só correndo atrás mesmo, nunca desistir assim.
Pesquisadora: Em sua opinião, o que determina a escolha da profissão?
Olga: 122) Bom, pra mim, ao escolher uma profissão, eu penso muito no lado
financeiro, assim. Nossa, se no caso eu virasse nutricionista eu vou ter um piso salarial
maior, eu vou ter um padrão de vida melhor. 123) Mas, depois passando o tempo,
dinheiro não é tudo na nossa vida, eu acho que a gente tem que se reconhecer como
profissional, e ser um bom profissional. Seria independentemente, se a gente tiver
mal, mas a gente tem que ter o reconhecimento das pessoas, pra dizer eu sou um bom
profissional. 124) É nessa trajetória que a gente vai fazendo o caminho, eu acho que
nem tanto pelo salário, mas mais pelo reconhecimento futuramente. 125) Acho que é
importante considerar todas as coisas, como o salário, onde vou atuar, com quem
vou trabalhar, para a escolha da profissão.
161
Pesquisadora: O que é o trabalho na sociedade moderna?
Olga: 126) Pra mim trabalho é uma coisa trabalhosa, muito minuciosa, você tem que
se esforçar e ir na essência da coisa, você tem que estudar como você vai fazer
aquilo, sabe. 127) Se você não fizer bem, alguém vai vir e tomar o seu lugar, porque
o trabalho é manual, mental, físico, é tudo assim. 128) A definição pra mim de
trabalho, é um conjunto de todas aquelas coisas que você precisa anteriormente, porque
se você não tem um trabalho, você não consegue construir nada. Se você não
consegue o trabalho, você não consegue ter um curso, ou uma faculdade. Se você não
tem o trabalho você não consegue manter uma casa. 129) O trabalho é a base e o
inicio de tudo. Se você não tem o trabalho, você não consegue pagar uma casa, ou
comprar uma coisa. Eu acho que o trabalho é tudo.
Dinâmica – Projeto de futuro
Pesquisadora: Por favor, feche os olhos, tenta relaxar um pouco, solte aos poucos os
ombros, os braços, as pernas, os pés. Respira profunda e lentamente, durante três vezes.
A partir desse momento de relaxamento, você vai fazer comigo uma viagem. Agora, nos
vamos voltar no tempo, cinco anos atrás, no tempo da sua vida. Pensa o que você
estava fazendo, como era a sua vida, o que voimaginava pro seu futuro, quais eram
seus sonhos.
Olga: 130) Eu não pensava em muita coisa não, eu tava no segundo ano do ensino
médio. Eu não tinha muita perspectiva não, não pensava muita coisa assim, sobre o
futuro. Eu me sentia sozinha, feliz com os amigos, mas sem namorado essas coisas.
Pesquisadora: Agora, eu gostaria que você avançasse no tempo. Você está no presente,
hoje nós estamos em 2009. O que mudou na sua vida em relação ao momento de vida
anterior? Como que você pensa no seu futuro, quais as suas expectativas?
Olga: 131) Agora, estou mais madura, eu já mudei bastante. Assim, tô com emprego,
namorando. Agora, eu não sei se isso vai dar certo ou não. Eu planejo muita coisa,
mas eu tenho medo de que nada de certo. Planejo ficar junto com ele, planejo continuar
trabalhando e futuramente fazer uma faculdade. Meu maior medo de hoje é ficar
sozinha.
Pesquisadora: Agora, a gente vai avançar mais cinco anos. Estamos no ano de 2014.
Como você está?
Olga: 132) Assim, eu me vejo em 2014, trabalhando na área que eu quero ou pelo
menos iniciando, dando aula de pedagogia. Não me vejo casada, me vejo namorando
ainda e com filho. Eu me sinto quase satisfeita, acho que está faltando alguma coisa que
eu não sei o que é. Não sei, eu não consigo ver essa coisa faltando. Eu não sinto mais
vazio, mas sinto falta de alguma coisa.
Pesquisadora: Agora você vai passar de 2014 e vai para 2019, vamos avançar mais
cinco anos no tempo. Como você está em 2019?
Olga: 133) Em 2019 eu me vejo casada. casada e trabalhando em uma escola,
dando aula para crianças do ensino fundamental de primeira a quarta serie. Eu me sinto
satisfeita como pessoa e agora tenho dois filhos. Minha relação com eles é boa, porque
eu consigo dar atenção pra eles.
162
(Anexo 7)
DADOS PESSOAIS (Paulo)
Nome completo: A. F. S._________________________________________________
Idade: 21_______ Escolaridade: Ensino médio completo______________________
Etnia: branca___ Profissão: Repositor de mercadoria (alimentos)_______________
Constelação Familiar
50
Nome Pai: A. A. S. ______________________________________________________
Idade: 46___________ Profissão: Ajudante de pedreiro_________________________
Nome Mãe: M. S. F. H. S._________________________________________________
Idade: 40_______ Profissão: Diarista_______________________________________
Irmãos
Nome: A. F. S. _______________________________________________________
Idade: 18____ Sexo: M. Escolaridade: Ensino médio completo_________________
Profissão: Garçom_______________________________________________________
Nome: _F.F. S. _________________________________________________________
Idade: 15__ Sexo: M.__ Escolaridade: Primeiro Colegial_____________________
50
A maioria dos parentes do Paulo mora perto da sua casa. Ele tem sete tios (por parte de mãe) e cinco
tios por parte do pai que moram nas proximidades da sua residência.
163
(Anexo 8)
Transcrição: Entrevista/Paulo
ENTREVISTA
Pesquisadora: Fale um pouquinho sobre a sua história de vida. Quais os hábitos da sua
família, o que vocês costumam fazer?
Paulo: Bom, a minha família... eu vou começar com a minha mãe que geralmente
dorme tarde. Então chega as duas da manha, do trabalho e acorda às 3:00 pra arrumar as
coisas pro meu pai ir trabalhar, depois ela volta a acordar às 6:00 pro meu irmão, chega
às 2:00 e sai de novo pra trabalhar, depois ela arruma as minhas coisas pra mim sair às
9:00 e ela trabalha num clube perto de casa e aos domingos ela vai na igreja. Depois tem
o meu irmão Fabio ele estuda e passa a tarde em casa, o meu irmão de 18 o André
que trabalha a semana inteira seis da manha e chega as duas da madrugada e a semana
toda. Eu trabalho também de segunda a sábado e passo os domingos na minha casa com
a minha namorada e acho que é só. Antes eu jogava futebol aos domingos, mas agora eu
não estou jogando mais. 1) Eu ando muito cansado o trabalho tem me desgastado
bastante. Eu queria voltar aos meus estudos, mas devido ao horário do meu
trabalho não dá, não bate. Quanto aos hábitos de família é só... a gente não tem
muitos hábitos diferentes.
Pesquisadora: Qual é o horário do seu trabalho?
Paulo: Eu trabalho das 11:00 às 19:30, né? E eu queria fazer o curso técnico, mas o
curso técnico, tem a partir da 13:00, né? Na Itec, que eu queria continuar e tem da 1:00
às 6:00 ou das 7:00 às 11:00. 2) Eu fiz 6 meses de eletrônica que daí eu tive que
parar, fiz na Itec de Pinheiros, eu gostava e queria terminar. 3) Eu ia fazer Fatec,
né... eu passei na prova, em Componentes Materiais e processos eletrônicos, que a
distancia...ficava no Bom Retiro então, ficaria muito longe pra mim, mais de três
horas e meia. Isso porque não tem transporte pra direto... 4) Fiquei feliz de ter
passado, mas não pude estudar! De certo modo me senti frustrado, e o pior é que eu
estava desempregado e meu pai também, então a gente ficava dependendo muito da
minha mãe, minha mãe... eu ainda não tava trabalhando, só estudando, então tinha
dificuldades grandes, então não deu pra continuar, pra mim fazer. 5) Aí, nesse caso eu
fiquei meio perdido, eu trabalho no caso agora, não pra continuar esses estudos.
Não pra ficar, é ficou um pouco difícil pra eu continuar meus estudos e fazer
alguma outra atividade por causa do horário.
Pesquisadora: E como é no seu trabalho, o que você faz?
Paulo: 6) Eu não contente no trabalho que eu to, porque não é um trabalho que
valoriza e também não é uma profissão é apenas um emprego, né? O interessante é
ter uma profissão pra exercer pelo resto da vida e ter alguma coisa, almejar alguma
coisa pro futuro. 7) Agora, como eu tenho um emprego e não uma profissão, é
um pouco mais difícil. pensei varias vezes em sair e deixar tudo e procurar outro,
que aí, acontece que eu tenho que adequar o horário que eu também preciso do
dinheiro. 8) Aí, fica difícil, porque com o que eu ganho e com o tempo que eu tenho
eu não posso fazer nada. 9) O dinheiro não é o suficiente pra mim de repente me
estruturar e pra começar a crescer na vida e também os horários não me deixam a
opção de sabe sonhar com alguma coisa, pra sonhar e fazer alguma coisa pra melhorar.
Então, eu fico meio preso.
164
Pesquisadora: Que tipo de sentimento essa situação te traz? Como que você se sente?
Paulo: 10) Tenho receio, porque eu preso numa coisa que eu não quero e de ter
que acordar todo dia e aquela mesma coisa e saber que não vai mudar é indiferente.
Porque sabe se ainda tivesse um reconhecimento dentro do emprego pelo que eu faço,
tudo bem, mas não tem, então não tenho é... 11) não posso almejar subir de cargo,
porque é praticamente nula essa... não tem planejamento pra mim subir ou ter alguma
coisa. Então fico meio perdido, né. Acho que é isso sabe, a falta de condição de
continuar uma coisa que faz falta.
Pesquisadora: Fale sobre três momentos marcantes da sua vida.
Paulo: O primeiro momento foi a morte do meu avô. Eu era brigado, mas eu gostava
dele e quando ele morreu eu fiquei muito triste sabe... tipo uma pessoa mais seca. Na
época, eu tinha 15 anos e ele era pai da minha mãe. 12) O segundo momento importante
foi a entrada na ONG bem comum na minha vida que me ajudou bastante. 13) Eu
sempre me considerei uma pessoa de fácil aprendizado e tive a chance de estudar no
Objetivo e no Psicousp, pude absorver bastante coisa lá, aprendi bastante coisa. 14) Eu
era uma pessoa muito mida, muito fechada e em grupo em me abri mais e fiquei
mais simpático e social. Eu era muito sabe, o outro podia me bater me xingar que eu ia
ficar lá, ta bom sabe. 15) Eu era bem apático, uma pessoa bem apática. 16) E depois, o
outro momento, foi quando eu tive que deixar de estudar, depois de passar na prova,
estudei dois anos e passei em varias provas e depois eu vi que não adiantou nada e eu
não pude continuar nada. 17) Na Fatec, UItec e até na USP mesmo que era uma coisa
que eu tava tentando eu passei para a segunda fase em Geografia. 18) Eu nem fui
fazer a segunda fase, porque depois eu comecei a trabalhar e falei: a nem adianta mais,
eu desisti e não fui fazer a segunda fase. Eu tava frustrado com a Fatec, porque eu
tinha passado e não tinha ido fazer a inscrição. 19) Hoje meu plano de vida é me
especializar pra ter a minha profissão sabe, eu quero ter sabe, alguma coisa que eu
fazer. 20) Eu gostei muito de eletrônica, fiz seis meses, me dei muito bem, fui muito
bem, era muito elogiado pelos professores, eu gostava, me dei bem e saí. Eu me senti
muito a vontade de fazer. Eu tranquei a matrícula, em meados de 2007. Já, vai fazer um
ano e meio. Se eu for voltar a fazer eletrônica, eu vou voltar desde o começo pra mim
pegar tudo de novo. 21) Não adianta fazer o curso, eu queria ser um bom
profissional, eu quero aprender bem e exercer bem. Eu não gosto de fazer as coisas, eu
gosto de tentar ser bom naquilo.
Pesquisadora: Como é a sua vida em família, seu cotidiano?
Paulo: 22) Bom, hoje em dia a gente ta muito mais tranquilo, meu pai não ta mais
bebendo, entendeu. Antes, ele bebia e brigava muito e havia muitos conflitos dentro
de casa. Hoje em dia está mais tranquilo. Ele controlou bem a bebida, quando ele bebe,
bebe pouco. Já não chega, sabe alterado. Antes, ele de repente qualquer coisa que
acontecia, ele vinha se metia, arrumava confusão e aquela briga. 23) Antes, eu brigava
com meus irmãos, com a minha mãe, mas hoje não. 24) Me dou bem com todos e
minha mãe é uma pessoa super 10 me apóia em tudo. No dia-a-dia, eu acordo as
8:00, saio as 9:00 de casa e chego 11:10 da manha no trabalho. Eu tenho muitos amigos
no meu trabalho, não sou uma pessoa que costuma fazer inimigos, faço bastante
amizade, sou um cara alegre. 25) Meu patrão me questionou porque que eu tava
sorrindo e muito contente. Falei pro meu patrão que se for pra mim um dia ir pro meu
trabalho e não estar sorrindo, eu não vou trabalhar. Ele me questionou, porque eu
ando e trabalho cantando, batucando as caixas. 24) Então, o dia que eu estiver triste eu
não vou nem trabalhar, porque o dinheiro não é muito, satisfação também não,
165
então vou pela alegria, pelos amigos, pra me divertir e gosto de trabalhar assim.
25) O ambiente de trabalho que foi criado é bom, não é uma função que eu queria
estar, sou estoquista e queria ta trabalhando numa coisa melhor, mas eu trabalho com
vontade, tento ser o melhor naquilo que eu faço. Saindo do trabalho, vou direto pra casa,
de vez em quando vou num barzinho, beber com meus amigos, vejo a namorada, tem
dias de semana que ela vai em casa ou eu vou na casa dela. Ela ta trabalhando agora
num telemarketing, ela não estuda, tava também fazendo a Fatec, fez 6 meses. Daí, a
gente se de vez em quando, no domingo, não pra se ver muito. No domingo eu
passo o dia praticamente todo em casa e geralmente com ela. Eu tô jogando vídeo game
(risos), antes eu jogava muito futebol com meus irmãos, eu gostava muito todo domingo
era sagrado. Agora, eu sentindo bastante falta, meu corpo também, porque eu tô todo
quebrado. Se você tem uma atividade física é muito melhor é revigorante, fica mais
disposto.
Pesquisadora: Quais eram e quais são as expectativas profissionais dos seus pais em
relação ao seu futuro profissional?
Paulo: 26) Meus pais nunca me pressionaram para fazer uma coisa ou outra, eles
sempre me apoiaram para o que eu quisesse, se eu falasse que ia sair na rua e ia pedir
dinheiro, eles falavam vai lá. Eles me apoiavam sempre me deram conselho, me criaram
bem, longe de fazer bobagens e acho que eles esperam muito de mim ainda. Eu sempre
fui certinho sabe e eles sempre esperaram muito de mim, me apoiaram muito quando eu
falei que ia estudar, fiquei dois anos sem trabalhar e sem receber nada. Minha família
tava passando dificuldade porque meu pai tava desempregado, meu irmão ainda não
trabalhava, tava difícil minha mãe mantendo a casa e mesmo assim me apoiaram. Eu
fiquei 2 anos praticamente estudando, eu sei que pra mim foi importante que pra
minha vida não. 27) Agora, eles não mostraram desapontamento, me apoiaram
bastante, quando eu falei que ia parar de estudar para trabalhar, sabe. Eles confiam
muito em mim, sabe. 28) Eles têm uma confiança grande em mim e me dão apoio pra
mim fazer o que eu quiser. Eu sei que no fundo, no fundo eles se desapontaram
quando eu não consegui, por exemplo, continuar os estudos e colocar o trabalho e
estudo junto, porque é difícil, né. Ainda mais os horários e pela distancia, porque da
minha casa pra Pinheiros é uma distancia de duas horas e meia, por aí, né. Daí, ficava
difícil pra mim estudar e manter meu emprego, então praticamente eu fiquei meio preso
e eles nunca me questionaram sobre isso ou jogaram na minha cara sempre me deram o
maior apoio quanto a isso.
Pesquisadora: E o que você acha da posição deles em relação ao seu futuro?
Paulo: 29) Olha, eu me sinto muito a vontade, a vontade demais, eu me considero
um cara inteligente, que aquele inteligente preguiçoso. 30) Às vezes eu precisava
de alguém pra botar corda em mim, é muito importante, porque tanto na escola eu
nunca me esforcei, mas sempre tive as melhores notas, eu sempre fui melhor do que
os que se esforçavam bastante. 31) Então, eu me acomodei muito, me acomodei
muito nunca peguei o livro pra estudar e falei: vou estudar. 32) Quando eu tava no
objetivo que eu estudava muito, eles me apoiavam só que ninguém me pressionava,
eu estudava muito e fui mal nas provas todas não passei em nenhuma. 33) Quando eu
fui pro Psicousp, que os ensinos eram bem mais e lá os ensinos eram bem mais lentos,
eu não estudava, vou ser sincero eu saía dava role, e ficava de boa, não assistia as
aulas, eu passei em todas as provas e bem, porque sabe eu acho que tava mais
tranquilo, tava mais...assim eu funciono desse jeito. Estando tranquilo eu funciono, só
166
que eu não quero muitas coisas, muitas coisas eu falo eu não vou tentar sabe, sou
meio covarde, sou uma pessoa medrosa de certo modo. 34) Então, se os meus pais
me apoiassem mais se botassem pilha em mim, talvez eu faria ou talvez eu ficaria sei
lá, sabe tipo, quer saber de uma coisa eu não vou fazer porque é a minha vida e eu tomo
conta. Então, não tem isso, né. 35) É um pouco de cada um mais eu acho que sabe, de
certo modo se eles me empurrassem eu acho que seria uma pessoa diferente. 36) Eu
adiando muito os meus projetos, deixando pra amanha, sabe tipo, hoje ta difícil
então vamos fazer amanha, e tô deixando o tempo ta passando.
Pesquisadora: O que você espera e pensa sobre o seu futuro?
Paulo: 37) Bom, eu pretendo me especializar em alguma coisa, na área de eletrônica
que é uma área que eu gosto, gostei muito. 38) Pretendo conquistar minhas coisas,
minha casa, sabe minhas coisas e a partir daí pensar em casar, ter filhos, a partir daí, né,
quando eu tiver uma profissão que é eletrônica. Então, pode ser que futuramente eu
mude de idéia, de posição, queira fazer uma coisa diferente. 39) Eu gostaria de também
fazer Geografia que é uma área totalmente diferente, gostaria de fazer faculdade
mesmo, de ser professor de Geografia. Eu gostaria muito de fazer isso aí, é uma coisa
mais difícil um pouco, porque é um período mais longo, necessitaria de um
planejamento maior, né. 40) Teria que ser faculdade pública e a USP fica no Butantã,
eu moro pra frente de Parelheiros, então a distancia é considerável, mesmo se eu fosse a
partir do trabalho ainda assim seria uma jornada difícil pra manter quatro anos,
também não gostaria de fazer um curso agora e me prender ao trabalho que eu to,
eu gostaria de arrumar uma coisa melhor, porque se eu começo fazendo um curso
eu vou ficar dependente do dinheiro do trabalho, daí se eu parar eu tenho que parar
de cursar, se eu de repente for demitido ou pedir demissão da empresa eu vou ter que
abandonar o curso. 41) Então nesse ponto, é uma coisa que eu não quero pra mim, então
eu preciso procurar uma coisa melhor, questão de emprego, a partir do emprego, vou
procurar o técnico em eletrônica que é uma coisa mais fácil, mais viável pra mim,
está mais acessível, é menor tempo e é uma coisa que eu gosto. 42) De sonho eu
quero fazer geografia, uma coisa que não tem nada haver com eletrônica, que,
isso é uma coisa que eu gostaria de fazer, 43) eu tenho uma admiração muito
grande, por um professor e a partir deu tive muita vontade de passar aquilo pra
frente e é o que quero, o que eu tenho de sonho, 44) mas hoje eu faria eletrônica. Isso
seria um trajeto pra depois eu conquistar meu sonho, esse é um projeto pra mim.
Pesquisadora: Sobre o programa que você participou de Orientação profissional, o que
você esperava do programa?
Paulo: 45) Eu pensava que seria sabe, uma palestra, alguma coisa assim, sabe que
ia ter aqueles negócios de marca X, tipo testes vocacionais, aqueles negócios assim
sabe, que a gente em revista, na internet. Depois, eu vi que era uma coisa muito
diferente, o jeito que ele faz, que nem ele sempre diz não tem nenhuma escolha errada.
Então, a partir daí, é uma coisa muito legal, ele passou isso pra mim então eu levo isso
daí. 46) Toda escolha que a gente faz a gente fica olhando pra traz e falando se eu
tivesse escolhido outra coisa, então nesse ponto achei muito diferente, porque ele
deixa a gente escolher sabe, a gente tem que ver o que a gente quer e não o teste, não
é um papel que vai me falar o que eu vou fazer. 47) Tem dinâmicas muito
interessantes que... sabe a gente era um grupo que estava mais de um ano e meio
junto e a gente se conheceu praticamente, porque ele dava a chance da gente ficar
167
cara a cara e falar o que a gente achava do outro e a opinião dos outros sobre a
gente é importante, porque seja ruim ou seja boa a gente guarda pra gente e tenta, se for
ruim a gente melhora e se for boa a gente vai tentar ser melhor e nesse ponto 48) a
gente se conheceu muito e foi muito legal, divertido porque a gente se divertia lá, a
gente não ia lá porque a gente falou que ia fazer então vamos fazer, era gostoso, era uma
coisa interessante de fazer. A gente ria bastante lá, se divertia, então, nesse ponto eu
gostei muito sabe, me surpreendeu, 49) porque eu achava que ia ser aquelas palestras,
que a gente ia chegar e ia ficar ouvindo o cara falar duas horas que não, foi
diferente o Silvio é uma pessoa muito inteligente, ele não é do tipo, sabe “eu acho isso”,
não ele fala a opinião dele e a gente acaba vendo a opinião dele e a gente acaba
concordando, porque é uma posição inteligente e ele sabe levar, conduzir o discurso pra
gente se interagir, fica muito legal. Eu gostei muito. 50) Participar do programa foi
muito interessante, teve uma das partes de gincana que ele tem lá era pra gente
defender porque que a gente queria a profissão que a gente escolheu. A gente escolheu
nos dias anteriores uma a gente foi separando tudo e a que a gente escolheu porque que
a gente ia defender. 51) Então, o grupo todo, ficava contra a gente e questionando a
gente, então nesse ponto eu achei que sabe... é que ele passa muita confiança pra gente,
mesmo que a gente não se de muito bem defendendo, a gente sabe acaba errando, é
muito interessante porque a gente fica com um pouco de confiança sabe e que falta, a
gente fica mais seguro do que gente quer. Então, nesse ponto achei muito bom, muito
interessante.
Pesquisadora: Fale sobre três coisas e/ou momentos durante a orientação profissional
que foram muito bons.
Paulo: 52) A primeira coisa a confiança do que a gente quer, o que eu queria pra mim
àquela hora, sabe. Via um monte de opções, o que eu vou fazer, vou fazer sei lá. Vou
fazer isso, vou fazer aquilo. 53) Eu apostei em geografia, quando eu fui submetido eu
fiquei muito confiante, sabe sobre aquilo. Eu queria muito aquilo, tanto que eu fiz a
prova, naquele mesmo ano. Eu fiz a prova, passei na primeira fase, mas depois eu não
fiz a segunda prova. 54) A segunda coisa, foi que eu me conheci bastante , eu vi a
opinião de pessoas que estavam um ano e meio comigo, que falaram sobre mim, eu
gostei muito, muito mesmo, foi uma coisa muito importante pra mim. Deu pra me
conhecer melhor, a gente se vê no espelho, a gente não se acha bom o suficiente, a gente
sempre se acha sabe, poxa devendo alguma coisa. Quando as pessoas falam a visão
pra gente, que tem da gente, seja boa ou ruim é opinião, se for boa melhora se for ruim
vou melhorar também. 55) Então, nesse ponto eu gostei muito porque ouvir a opinião
dos meus amigos, falando sobre mim, é muito importante. 56) A terceira coisa foi
também de poder conhecer meus amigos foi legal também, foi bom poder conhecer o
que aquelas pessoas, o que elas querem, porque lá, você querendo ou não a gente se
abre muito e eles me passaram muitas coisas, sabe. Conheci a vontade, os sonhos deles,
isso é importante a gente levar porque, a gente tem a opinião de outras pessoas. 57) A
gente outras pessoas na mesma situação que a gente. A gente vê problemas
iguais aos da gente, a gente vê que as pessoas, tem dificuldades igual à gente. Então,
nesse ponto foi muito importante. Então, eu vou falar quatro coisas porque conhecer o
Silvio Bock foi muito bom, não querendo fazer média, nem nada, porque não precisa.
Ele é um cara muito inteligente, eu gostei da persuasão dele, gostei muito sabe, e é um
jeito de admirar.
168
Pesquisadora: O que em sua opinião faltou no programa de orientação profissional?
Paulo: 58) Eu acho que faltou aquela opinião mais abalizada do próprio Silvio sobre
cada um. Sobre as duvidas que as pessoas tinham, sobre elas mesmas sabe. Às vezes a
gente defende uma coisa que não era o que a gente queria. Então, nesse ponto acho que
faltou, não é que faltou o desfecho do Silvio é bom, gostei muito, que eu acho que
faltou olhar na cara de cada um e falar não se quer isso mesmo então vai lá, uma
conversa meio que sabe particular. 59) Acho que ele sabia quem queria e quem não
queria, então, nesse ponto acho que faltou só uma palavra, meio particular dele. Tipo
vai ou então, você ta indeciso, não é o momento, uma pensada mais, sabe. Então,
nesse ponto assim que foi o único item que faltou acho.
Pesquisadora: Durante a sua infância o que você costumava fazer? Quais eram as
atividades que você gostava e não gostava de fazer?
Paulo: 60) Eu sempre fui assim, quieto e caseiro e enquanto meus irmãos saíam e
brincavam eu ficava em casa assistindo televisão, ficava sempre assistindo televisão o
dia inteiro. Passei boa parte da minha infância dentro de casa, sempre gostei de ficar em
casa, nunca fui muito de ter amigos de ir pra casa de amigos, nunca gostei de ficar na
casa dos outros, de dormir na casa dos outros também, eu nunca gostei sabe. Eu sempre
gostei de jogar bola, se fosse pra mim sair eu ia jogar bola. 61) Eu não era muito
vaidoso, sabe. Não gostava muito de mim, sabe. Era do tipo que não se olhava no
espelho, se veste, lava o rosto, vai embora, vai pra escola estudar e não se olhava nem
no espelho, porque eu não gostava de mim. Qualquer coisa eu falava, sou feio
demais (risos). 62) Era meio assim, sabe eu tinha um trauma de mim bobo, um trauma
bobo. Eu sempre fui muito, emocionalmente frágil, de tipo se a pessoa me falasse que
eu era feio, eu entrava em depressão. 63) Eu tinha muito isso sabe, com aparência sabe,
coisa boba. Falta de confiança também. Eu não era questionado, mas eu tinha isso
muito comigo, sabe. 64) Hoje eu olho pra traz assim, eu vejo sabe que eu deixei de
fazer muita coisa por medo de mim mesmo. Aquele negócio, eu não vou fazer isso,
porque eu não tenho condição pra fazer isso. Então, eu aprendi muito, quando eu era
mais tipo da primeira a sexta série, eu estudava muito, ficava fazia minhas lições tudo
certinho. Então, me dediquei muito, mas depois eu fui conhecendo amigos, né. 65) Eu
era bastante mido, tinha dificuldades com amizades e tudo. Tipo eu tinha um
amigo e era um amigo, era o único e o amigo. A gente se dava bem, então beleza, não
tinha inimigos também, porque eu era tímido mesmo. Depois, eu fui conhecendo
amigos, fiz um grupo de amigos, tava na sexta serie, fiz um grupo de amigos legais.
Então, daí meio que era tímido, mas quando ria também ficava às gargalhadas. 66)
Então, eu comecei a olhar pras meninas, a me olhar no espelho e ver o que eu tinha
que mudar. Daí, eu comecei a me olhar no espelho, falei, meu eu tenho que mudar
alguma coisa. 67) Comecei a me arrumar, cortei o cabelo, então, comecei a gostar mais
um pouco de mim. Comecei a sair um pouco mais, mas ainda não o suficiente e fui
carregando isso sabe. Depois, comecei a sair com os amigos pra jogar bola, nunca fui de
balada, nunca fui pra esses lugares assim, sempre ficava brincando, jogava deo game
pra me divertir. Fui assim arrastado mesmo sabe. Tinha muito pouco contato, com as
meninas e isso eu arrastei até o terceiro colegial, que eu já não era mais tão tímido,
conversava tinha vários amigos, amigas e tudo, mas era aquele negócio, ainda era muito
tímido. Era uma pessoa que me guardava muito, tinha medo de me expor, de mostrar
minha opinião. Se o professor perguntava alguma coisa na lousa e eu sabia a resposta eu
pedia pro meu amigo falar e era assim. 68) Quando eu entrei na ONG Bem comum, lá
169
tinha muitas meninas pra poucos meninos, então eu tive destaque de certo modo, porque
eu comecei a mostrar minhas opiniões, eu não tinha amigos assim... 69) Então,
quando eu falava alguma coisa todo mundo parava pra me ouvir, então eu vi que eu
tava sendo reconhecido. 70) As pessoas falavam, pô ele é inteligente, pô ele sabe falar,
então eu comecei a me expor mais, a partir daí eu comecei a fazer amizades melhor. Eu
comecei a mostrar pras pessoas um lado que eu tinha em casa, mas não tinha na rua...
que é o que dança, canta, que chega dançando e cantando. 71) Eu gostei de me soltar.
Eu comecei a mostrar quem eu sou, não tive mais vergonha. 72) Hoje eu tenho
confiança em mim sabe. Tipo quem quiser me aceitar vai ser esse cara aqui e pronto,
não tenho mais problema. 73) Depois disso, eu gostei de sair, comecei a me expor e
gostei muito disso. Comecei a ser um cara mais feliz. Hoje em dia independente da
situação eu sou um cara muito feliz, bastante contente, não digo não pra nada, saio e
topo qualquer parada e tô aí.
Pesquisadora: Quais as atividades que você desenvolve atualmente e qual é o nível de
satisfação que possui?
Paulo: 74) Eu não satisfeito com o que eu faço, não satisfeito com o meu
salário eu ganho quinhentos e pouco. Daí, nesse ponto assim a gente sempre quer
mais... 75) Agora, eu sou muito satisfeito porque eu tenho muitos amigos, por onde
eu passo eu deixo amigos e amigos mesmo. Então, eu sou muito satisfeito, quanto à
felicidade assim. Eu vou trabalhar contente, vou trabalhar feliz, porque eu gosto de
estar em grupo, dou risada o dia inteiro, sou muito satisfeito na questão de trabalho.
76) Na questão de estudo, não satisfeito com minha situação agora, de não ta
estudando, eu sempre gostei de estudar de ta em grupo e de tentar me sair bem
naquele grupo, de tentar... eu não vou mentir, ser o melhor. Às vezes, a gente não
consegue ser, mas sabe, eu tento. 77) Eu sempre fui preguiçoso, assim com coisa de
estudo, mas era do tipo, tem que tirar 10 nessa prova. Então, eu pegava ali cinco
minutos, anotava o que eu achava que ia cair e de repente me saía bem, de repente
não saía né, eu errava tudo e acontece. Hoje eu gosto muito de ta em grupo, não sei
como seria voltar a viver sozinho (risos).
Pesquisadora: Quais pessoas foram referências importantes para a questão da sua
escolha profissional?
Paulo: 78) Uma pessoa importante na minha vida assim, eu conheci na sexta serie, até
hoje eu trago comigo é um amigo meu chamado Cláudio, que eu sempre fui o lado
controlado da amizade, ele brigava com todo mundo, ninguém gostava dele, não tinha
amigos, ele pensava em roubar, matar e não sei o que, pra se dar bem, porque ele tinha
problemas em casa. Então, eu sempre fui o lado controlado, falava pára não é assim,
calma. Então, nesse ponto, sempre tentei trazer ele pro lado bom. Então, eu mesmo
comecei a acreditar, falei: vou estudar, vou tentar ser alguém na vida, ficar nessa
vida não dá. Então, peguei e tentei arrastar ele pra esse lado. Ele nunca gostou de
estudar, mas hoje em dia ele não tem mais esses pensamentos, pensa em trabalhar, ta
trabalhando. Então, nesse ponto ele meio que me influenciou a querer ser alguém na
vida. 79) Depois, eu conheci no programa de orientação profissional o Fábio, ele me
ajudou bastante, sempre me... falava assim...tal curso é bom, tal curso é bom. Ele não
é muito estudioso, mas é persistente e corre atrás. Ele me mostrou eletrônica, e foi o
único que terminou o curso de eletrônica. Ele passou em último, mas terminou. Ele
sempre falou, vamo fazer, vamo fazer. Quando eu comecei a fazer eletrônica eu vi
que era aquilo mesmo, era gostoso fazer. 80) Ele teve uma influência grande nisso
sabe, nessa escolha. 81) Geografia que era, é um sonho meu, quem me influenciou
170
esse foi um professor meu do objetivo. Ele era muito bom mesmo, ele começava a
falar, todo mundo se calava, porque a palavra dele era a última. Então, ele falava dez
minutos, se aprendia muito, absorvia muita coisa... ele não falava nada inútil, ele não
ficava naquele discurso, pegando de livro não. Ele chegava desenhava o mapa na lousa,
o mapa da Europa assim, sem olhar em nada, colocava os nomes dos países, tipo dez
minutos e começava a falar e explicar, tal país é assim assado, e começava meu a aula
show, não tinha ninguém que despregava o olho da aula dele e depois todo mundo
pegava e mudava de sala pra assistir a mesma aula de novo, porque não se contentava.
82) Era um cara excelente, então eu me espelhei muito nele. Eu gostaria de ser igual
ele, não vou ser, acho que não vou ser, mas o que eu puder me aproximar eu pretendo.
Pesquisadora: Comente um pouco sobre a impressão que você tem da sociedade atual,
seus valores, regras, crenças. O que mais te chama atenção hoje na nossa sociedade?
Paulo: 83) A desigualdade é a pior coisa da sociedade. Hoje em dia, por exemplo,
fizeram aquela ponte a estraiada, gastaram uma fortuna. Ela é linda, ajuda muito o
transito, a gente entende, mas onde eu moro, por exemplo, o asfalto ta todo desgastado,
sabe e ainda é São Paulo, ainda ta dentro da cidade. Então, quer dizer, eles deveriam ter
investimento pra arrumar o asfalto lá, o saneamento não chega água. A gente toma
água de poço, você entendeu? Então, isso não chega até lá, por exemplo, não chega
água, não tem saneamento, o asfalto... passaram o asfalto e deixaram. Então, começa
a ter buraco, começa a ter não sei o que. Aqui, por exemplo, Paraisópolis e Morumbi,
lado a lado, existe uma diferença enorme. 84) Isso sabe eu reconheço, se a pessoa tem
uma mansão, de certo modo ela fez por merecer, se ela não fez o pai dela fez, o avô
dela fez, entendeu? 85) Essa é a diferença, que o governo tem que fazer pros dois
lados. Nesse ponto, não adianta sabe, fazer uma ponte dessa, tem que fazer ajuda o
transito, beleza, mas gastou tanto ali, gasta tanto lá, precisa? Assim, vai melhorando no
centro, tudo é maior a comodidade pras pessoas, as pessoas da periferia, tem que ir pro
centro, elas demoram mais tempo pra trabalhar, então ela demora mais pra ir trabalhar
se tiver transito, ajuda todo mundo de certo modo, isso é uma coisa que tem que ser
reconhecida, que não adianta nada catar o metro que passa rapidinho aqui e depois
tem que ficar parado porque o ônibus velho quebrou a roda dentro de um buraco. Então,
nesse ponto acho que tem que ter sentido sabe, se gastou tanto, não precisa gastar igual
lá, mas gasta um tanto considerável pra sabe manter o nível, porque não adianta nada
sabe, você deixar lindo aqui pra turista ver e nos cantos da cidade deixar mal feita. 85)
Nesse ponto, eu acho que a desigualdade é que é o ruim. Tem muita coisa pra falar,
mas acho que a desigualdade é que ta..é o principal, você querendo ou não... 86)Tipo a
USP é pública só que praticamente pobre não tem nada, porque você querendo ou não a
USP é padrão de qualidade e quem ta é a elite e o que era pra ser pra quem não
tivesse condições de pagar e hoje em dia quem mora na periferia faz a particular, por
exemplo, meus amigos fazem Unip, pagam. Então ficou meio, ta trocado o negócio.
Pesquisadora: Quais o as dificuldades que voenfrenta para realizar seus objetivos
em relação ao seu futuro?
Paulo: 87) Acho que as dificuldade para atingir os meus objetivos é a grande
distância é o principal obstáculo, porque qualquer faculdade pública hoje em dia ta de
difícil acesso pra mim, são duas horas e pouco. Então, mais ou menos três horas pra
ir e três pra voltar é um tempo muito grande que num ano vai dar dois meses dentro do
ônibus. Daí, é uma coisa sem condições, entendeu essa distância é um problema
muito grande. 88) Assim, a outra coisa é dinheiro, porque tem que ter, pra você, não
171
basta você entrar numa faculdade pública, se você não tiver condições de comprar
material, de arcar com a condução... 89) Então, você precisa de um emprego pra
você fazer isso aí, pra você estudar você precisa ta trabalhando. Então, pra vo
conciliar os dois também é um obstáculo. O tempo é complicado. 90) Pra mudar, a
primeira coisa seria eu arrumar um emprego com horário compatível, a segunda seria
me atualizar de novo, pra poder me sair bem nas provas, porque eu quero fazer uma
faculdade blica, não pretendo pagar pra fazer uma faculdade, não tenho
condições. 91) Então, pretendo fazer uma publica e pretendo me sair bem, porque
pra mim mudar a primeira coisa que eu acho que eu tenho que fazer é mudar de
emprego, mudar o horário e depois é mentalizar e sabe passar na prova e depois
ver se certo e pronto. 92) Eu mudei de emprego faz seis meses, eu trabalhava mais
perto de casa, mas ultimamente tô com coragem e com vontade de mudar de
emprego, mas chega na hora eu não peço demissão, porque eu tava querendo pedir
demissão e fazer alguma coisa, procurar outro emprego, mas ultimamente, ta faltando
coragem mesmo, chega na hora eu falo, ih o que eu vou fazer amanha. Então, nesse
ponto ta faltando um pouco de coragem e daí eu não fazendo pra isso nada
(risos).
Pesquisadora: O que, na sua opinião, determina a escolha profissional, quais são os
fatores que influenciam a escolha da profissão?
Paulo: 93) Sabe a condição de cada um determina o que ele vai ser, porque quem
tem baixa renda, não se imagina sendo médico. Você pode imaginar isso quando você é
criança, depois quando você tem 16 ou 17 anos e se pergunta o que vai fazer quando
sair da escola, você não pensa vou ser um médico. Aí, cai a ficha, eu não vou ser
um médico. Então, esse é um fator determinante. Eu penso assim, se você pensar alto,
é você pensar em pagar uma faculdade e fazer educação física, administração, essas
coisas assim. Então, isso é um fator muito forte. 94) Daí, eu pensei, por exemplo, em
fazer... pra falar a verdade, quando eu terminei o terceiro colegial eu não pensava em
fazer nada. Meu pai pescava na época e eu falei: meu eu vou sair e vou pescar com
meu pai. 95) Daí, veio a ONG, que mudou a minha cabeça. Então, meu pensamento
é meio assim, é meio modificado por causa da ONG...eu não tinha meu futuro
planejado, a partir da ONG eu comecei a me planejar. 95) Então, eu pensei, eu vou
fazer algum curso, logo de cara eu pensei vou fazer Geografia, porque eu gosto e
não sei o quê. Daí, veio o professor e eu me empolguei e depois veio eletrônica, meio
como saída de escape, sabe, pra fazer alguma coisa mais rápida, mais a curto prazo
sabe, pra mim ver o resultado a curto prazo. 96) A partir daí, eu comecei então, nesse
ponto a ONG, foi fundamental pra mim, porque se eu não tivesse a ONG, mas tivesse
tido a orientação profissional eu teria falado outra coisa. 97) A ONG me deu sonhos,
porque eu achava assim, faculdade pública impossível, faculdade paga não tenho
dinheiro. Então eu falei, não tenho saída. Eu vou arrumar um emprego, vou ficar
pescando com meu pai, depois o emprego que aparecer eu pego e no futuro se eu tiver
dinheiro eu faço uma faculdade e nem sei o que vou fazer ainda tem essa. Então, quando
a ONG entrou ela pediu logo no papel, o que você quer fazer, veio na minha cabeça
geografia, então depois eu amadureci essa idéia a partir da ONG. Agora, se eu fosse um
aluno de escola pública que tivesse feito orientação profissional, eu não sei o que
eu faria, porque se eu tivesse saído direto, eu acho que eu optaria por geografia, que
se tivesse passado por um processo de tempo, tivesse arrumado um emprego e depois
tivesse feito a orientação profissional, eu não sei o que eu faria, porque minhas
idéias iriam mudar, de acordo com meu emprego no caso, por exemplo, se eu fosse
172
repositor, hoje em dia, eu ia pensar a então eu vou fazer administração porque eu quero
subir na empresa. Agora, se de repente eu trabalhasse de vendedor, na loja de materiais
eletrônicos eu ia pensar em fazer eletrônica pra mim melhorar. 98) Então, a ONG teve
um fator determinante pra mim, agora não são todos que tiveram a oportunidade que
a ONG me deu.
Pesquisadora: Para você qual é o significado de trabalho em nossa sociedade?
Paulo: 99) Hoje em dia trabalho é uma ocupação remunerada, uma coisa que
infelizmente acontece é que as pessoas têm empregos, mas não tem uma profissão.
100) Então, a pessoa faz aquilo por um período de tempo que é dado a ela, se a empresa
gostou dela, ela ficou trinta anos e se aposenta com aquilo, que não é uma coisa que
ela se especializou em fazer ou então ela ta sabe se aperfeiçoando, ela tem uma
prática igual eu de repositor, isso pra mim não é uma profissão é um emprego, eu
encaro assim. Pra mim se eu sair hoje, eu sou repositor a outra empresa vai me pegar
como repositor e vai falar, ele é repositor, entendeu? 101) Porque é uma experiência,
que é uma coisa que qualquer pessoa sempre faz. 102) Não é diferenciado, eu
encaro como profissão aquilo que você é especialista naquilo. Um pedreiro, quando
ele for procurar outro emprego ele vai pegar como pedreiro, não como ajudante de
pedreiro, ele vai ser reconhecido pelo que ele faz. 103) Se eu for pra outra empresa
eles podem me pegar como estoquista, fiscal de loja, para executar funções, mas não
vão dizer ele sabe fazer aquilo, ele é profissional, ele é especializado. Então, eu encaro
isso como profissão, e encaro o que eu faço apenas como um emprego, um trabalho.
Dinâmica – Projeto de futuro
Pesquisadora: Por favor, feche os olhos, relaxe, solte aos poucos os ombros, os braços,
as pernas, os pés. Respire profunda e lentamente. A partir desse momento de
relaxamento, você vai fazer comigo uma viagem. Agora, nós vamos voltar no tempo,
cinco anos atrás, no tempo da sua vida. Pensa o que você estava fazendo, como era a sua
vida, o que você imaginava pro seu futuro, quais eram seus sonhos.
Paulo: 104) Bom, tinha caído a ficha e eu pensava que eu ia trabalhar com o meu
pai, ajudando na pescaria e se for fazer uma faculdade mesmo só pro futuro.
Pesquisadora: Agora, eu gostaria que você avançasse no tempo. Você está no presente,
hoje nós estamos em 2009. O que mudou na sua vida em relação ao momento de vida
anterior? Como que você pensa no seu futuro, quais as suas expectativas?
Paulo: 105) Eu pretendo me demitir do meu trabalho, assim que eu tiver em vista
alguma outra coisa. Pretendo arrumar um emprego que se não melhor
financeiramente, seja melhor o horário, pra mim poder fazer algum curso, terminar
meu curso de eletrônica e exercer eletrônica por um tempo até ter condições e me
estabilizar, quando eu me estabilizar, pretendo realizar meu sonho que é fazer
geografia, pra ser professor.
Pesquisadora: Agora, a gente vai avançar mais cinco anos. Estamos no ano de 2014.
Como você está nesse ano.
Paulo: 106) Me vejo bem com a minha família, me vejo casado, com uma casa simples.
Me vejo com filhos, sinceramente eu não vou ta estudando, mas eu acho que vou ter
terminado o meu curso de eletrônica, ou vou ta fazendo eletrônica. Não sei se eu
ainda vou ta com planos de fazer ainda uma faculdade, mesmo querendo, não sei se vai
pra mim trabalhar e estudar com família. 107) Me vejo bem, me vejo uma pessoa
173
feliz, mas não me sinto realizado, acho que ainda vou fazer planos de fazer minha
faculdade.
Pesquisadora: Agora você vai passar de 2014 e vai para 2019, vamos avançar mais
cinco anos no tempo. Como você está em 2019?
Paulo: 108) Eu muito feliz, me vejo um pouco mais preso a família, me vejo um
mais completo do que antes, mas um pouco mais distante de amigos e familiares,
isso.
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