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(...) Dotar cada átomo de peso, por direito próprio, equivalia a dar-lhe uma
existência separada; dotá-lo com o poder de ‘desviar’ equivalia a capacitá-lo a fugir
do domínio da necessidade física. Assim, o atomismo, que foi inventado por
Demócrito para dar uma base à física, foi adotado por Epicuro para servir de
fundamento à ética.
A explicação de Marx, da relação entre o atomismo de Demócrito e o de Epicuro é,
indubitavelmente, correta; e embora não melhore a nossa opinião de Epicuro como
cientista, situa, numa luz clara, seu papel como filósofo ético e reformador.
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Essa citação de Farrington, acima transcrita, mostra de fato que Epicuro
concebe um projeto que pretende auxiliar o homem em elevar e tranqüilizar seu
espírito e, para esse fim, o conhecimento physiológico não é senão um exercício
essencial de conhecer a si mesmo.
A crítica que paira sobre Epicuro e o seu atomismo sobre este ponto parece
justa, no sentido de um forte dogmatismo, ou, no mínimo, uma abstração radical
que se necessita crer. Temos um elemento primordial eterno e sempre o mesmo
que é o átomo, que, por usa vez, sozinho não dá origem a nada. Paralelamente, o
vir-a-ser das coisas necessitaria do encontro de uma multiplicidade de unos
jogados no vazio e seus entrechoques. Vazio que, por sua vez, é aquilo que não é,
que não há ser. Por fim, mesmo defendendo o vazio, restaria ainda responder
sobre a causa do movimento, e neste ponto os atomistas não responderam, senão
apelando à redução ao absurdo, como foi visto no tópico anterior.
A resposta que Epicuro oferece a essas críticas lhe confere, de fato, um
dogmatismo; contudo, é a única resposta viável, pois ou se intui o vazio como
existente ou não haveria movimento, e não havendo este, nada poderia surgir
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Epicuro segue, portanto, os passos de seus antecessores, não podendo deixar de
assumir o vazio. Como visto anteriormente, o vazio existe. E, se não o
percebemos pelos sentidos, podemos apreendê-lo pelo pensamento puro. Destarte,
para Epicuro, rejeitar o atomismo e o vazio, levaria a duas vias sem saída: aos
mitos que se refugiam nos deuses e seus poderes de criação e influencia no mundo
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FARRINGTON, Benjamin. A doutrina de Epicuro. Tradução de Edmond Jorge. Rio de Janeiro:
Zahar Editor, 1968, p. 119.
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Epicuro - “And if there were no space (which we can also void and place and intangible nature),
bodies would have nothing in which to be and through which to move, as they are plainly seen to
move”. LAERTIUS. op. cit., Carta à Herodoto § 40.
Igualmente, Lucrécio acompanha o mestre: - “se não houvesse o lugar, o espaço a que chamamos
vazio não teriam os corpos onde estar colocados, nem se poderiam de modo algum mover para
qualquer parte”. LUCRÉCIO. op. cit., I – 425.