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construir o encontro/ com águas grandes/ do oceano sem fim traduzem a
metáfora dos conhecimentos que adquirimos e dos saberes que construímos que
vão se avolumando ao longo do curso de nossas vidas por meio das experiências
vividas nas trocas dialéticas com o outro e com o mundo, formando-se assim um
oceano sem fim. A linha poética e noutros se prolongando, de Thiago de Mello,
corresponde aos versos Todos os rios navegam/ Em mim, de Silvestre, pois
ambos remetem à nossa capacidade de desaguar no outro, que também em nós
deposita suas águas, desdobrando-se ambos em seres compósitos, para usar
aqui o termo de Glissant (2005)
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. Este autor, ao falar sobre a consciência diante
da realidade do mundo globalizado, uma comunidade nova que ele chama de
caos-mundo
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, indaga:
Como ser si mesmo sem fechar-se ao outro; e como consentir na
existência do outro, na existência de todos os outros, sem
renunciar a si mesmo? Essa é a questão que perturba o poeta e
que este necessita debater quando está em sintonia com sua
comunidade, quando está em sintonia com a comunidade que
deve defender. (op. cit., p. 46).
Lendo Todos os rios navegam e Como um rio, poderia dizer que Silvestre e
Thiago de Mello comungam com a comunidade de poetas que se vêem em volta
de questionamentos como estes, pois seus poemas ora analisados demonstram,
cada um a seu modo e em seu estilo, a perturbação da qual fala Glissant. Em
Silvestre, percebe-se que não há uma hierarquia entre o sujeito poético e os
outros sujeitos, e sim uma posição de igualdade, o que fica expresso
estruturalmente no poema pelo paralelismo das construções “em mim” e “em
nós”. Os outros nos navegam ao mesmo tempo em que os navegamos, ou seja,
assimilamos e somos assimilados no processo de descoberta e aceitação da
alteridade. Já os versos Mudar em movimento/ mas sem deixar de ser/ o mesmo
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Glissant fala de culturas compósitas em oposição ao que ele classifica como culturas
atávicas. As primeiras são as culturas que nascem da crioulização, isto é, de um processo
histórico-social em que os sujeitos imersos nessas comunidades vivem a dialética da diversidade
de raízes, línguas e culturas, sendo necessário, porém, para que essa “composição” se torne
legitimadora da alteridade, se estabelecer a relação e não a exclusão das múltiplas identidades. As
segundas baseiam-se ou na idéia de Gênese, isto é, de uma criação do mundo, ou na filiação, ou
seja, no elo contínuo do presente da comunidade com essa Gênese. As culturas atávicas, segundo
Glissant, sustentam, portanto, a idéia de que a identidade deva ser uma raiz única, fixa e,
intolerante com a diferença, não havendo assim o reconhecimento da outridade.
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Para Glissant, nesse caos-mundo, ou mundo caótico, o poeta não mais se defronta com
um mundo organizado, como era a concepção clássica de sociedade, mas descobre que a
realidade, além de fragmentária, é simultânea e diversificada.