Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Adriana Silveira Cogo
O psicólogo com atuação em emergências: experiência e significado
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Adriana Silveira Cogo
O psicólogo com atuação em emergência: experiência e significado
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para
obtenção do titulo de Mestre em Psicologia
Clínica, sob a orientação da Profa. Dra.
Maria Helena Pereira Franco
SÃO PAULO
2010
ads:
Cogo, Adriana Silveira
O psicólogo com atuação em emergência:
experiência e significado.
Tese (mestrado). São Paulo. 2010. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. 132p.
“The psychologist with expertise in emergency:
experience and meaning”.
Palavras-chave: Psicologia das emergências. Psicologia
dos desastres. Psicólogos e emergência.
Comissão Examinadora
________________________________
________________________________
________________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Vera (in memorian) e Cevi,
pelos ensinamentos e trocas, que me possibilitaram crescer,
pelo respeito às minhas escolhas e o apoio para elas darem certo e,
pelo amor incondicional, que guardei aqui dentro e que me dá energia pra viver.
AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Maria Helena Pereira Franco, mais que orientadora... Pela
aposta e confiança, sempre muito bem combinadas à sutileza com que me
assegurava nos momentos de hesitação. Meu agradecimento e respeito por todos
esses anos de formação.
À banca examinadora desta pesquisa, Professora Dra. Rosane Mantilla de
Souza e Professora Dra. Sandra Regina Borges dos Santos, que me conduziram de
forma segura e acolhedora durante o exame de qualificação e me ajudaram a
clarear idéias e a seguir em frente.
Ao meu amore!!! Suportando ansiedade, falta de tempo, nervosismo... E
sempre respeitando meu espaço. A gente consegue!
Ao meu pai, por ter me ajudado a crescer de uma forma digna e ter me
ensinado que a vida vale a pena, apesar das dificuldades.
À minha mãe, que mesmo não estando fisicamente presente, está em todos
os minutos da minha vida, tendo me deixado a certeza de que os sonhos da gente
são tudo e que ir além é bom demais.
Ao meu irmão Rodrigo, meu “irmão gêmeo”, irmão de luta, de choro, de garra,
de coração. Aquele que está em todos os momentos que preciso. Você é muito!
Ao meu irmão Giuliano e meu sobrinho Pietro, com quem compartilho muitas
alegrias e momentos de afetividade. A longa distância em km é proporcional ao
amor e ao carinho que temos. Vocês também estão aqui!
À minha vozinha Eronda, o melhor exemplo que uma fortaleza se faz com
muita fragilidade bem administrada... Eu te agradeço!
Ao Frederico e à Francisca, meus filhos mais amados! Indescritível o que
sinto. Vocês são o meu brilho, a minha energia. Obrigado por existirem!
Ao Marcelo, meu cunhado, que por ter passado pelo mesmo processo de
finalização de mestrado, me acalmou em alguns momentos que estava inquieta..
Aos colegas do grupo IPÊ, psicólogos com quem aprendi muito (quase tudo)
sobre o tema desta pesquisa e aprendo até hoje sobre solidariedade, carinho e
respeito ao profissional, sempre pautados em uma ética indiscutível.
Às minhas colegas de mestrado, Juliana Leite, Ligiane Castro e Viviane
Torlai, pelas trocas e empurrões (muitos deles!!) sempre que necessários. Nossos
cafés, almoços e afins foram parte desta construção.
À minha psiloga, Sueli Martini, que semana a semana está lá, pronta me
ouvir repetir, repetir e repetir meus medos e inseguranças e me fortalecendo para
esta caminhada.
Às professoras do 4 Estações Instituto de Psicologia, Gabriela Casellato,
Luciana Mazorra, Maria Helena Pereira Franco e Valéria Tinoco, que me apoiaram
desde que comecei a descobrir os caminhos dos estudos em luto e perdas e que,
com carinho e muita competência, me “contaminaram desses saberes tão
preciosos. Admiro vocês!
À participante dessa pesquisa, com especial carinho, que muito me ajudou a
concretizar este trabalho e tão prontamente compartilhou suas idéias, sentimentos e
práticas.
À CAPES, pela bolsa de estudos que me proporcionou chegar até aqui.
A todos que não citei aqui, mas que colaboraram para este percurso e para
que este trabalho pudesse se concretizar, com questionamentos, ideias e muita boa
vontade diante da minha ansiedade.
Um acontecimento não é o que se consegue ver ou saber dele,
ele é o que fazemos dele
na necessidade que temos dele para virmos a ser alguém.
Boris Cyrulnik (O Murmúrio dos Fantasmas, 2005)
RESUMO
A psicologia das emergências e desastres se apresenta como um novo
campo de atuação para o profissional de psicologia, como uma conseqüência lógica
de vários estudos e experiências que mostram que eventos desse porte não apenas
causam a perda de vidas, colocando em perigo a integridade física das pessoas,
causando danos e perdas econômicas, mas também causam um profundo impacto
emocional sobre os indivíduos, comunidades, socorristas e demais profissionais
envolvidos, como os psilogos. Neste estudo, portanto, a partir de um estudo de
caso, verificou-se a experiência e o significado de atuar em emergência para o
psicólogo com longo trabalho na área e atuação de atendimento psicológico em
diferentes situações. Pode-se entender como é, do ponto de vista do profissional, a
atuação nesta área, destacar sua experiência e, ainda, conhecer o percurso para
atuação e formação do profissional. Demonstrou-se a necessidade de embasamento
e aprofundamento nas questões pertinentes ao desastre e emergência, como
trauma, luto, transtorno de estresse pós-traumático para que o profissional possa
atuar com a segurança necessária e fazer um trabalho de qualidade.
Palavras-chave: Psicologia das emergências. Psicologia dos desastres. Psicólogos e
emergência.
ABSTRACT
The psychology of emergencies and disasters is presented as a new playing field for
the psychologist, as a logical consequence of various studies and experiments
showing that events of this magnitude not only cause loss of lives, endanger the
physical integrity of people, causing damage and economic losses, but also cause a
profound emotional impact on individuals, communities, first responders and other
professionals such as psychologists. In this study, therefore, from a case study, it
was the experience and meaning of work in emergency psychologist with extensive
work in the area and performance of psychological care in different situations. One
can understand how, in terms of training, performance in this area, highlight your
experience and also know the route to performance and professional training.
Demonstrated the need for grounding and depth on issues relevant to disaster and
emergencies, such as trauma, grief, posttraumatic stress disorder for which the
trader can act with the necessary security and do a quality job.
Keywords: Psychology of emergencies. Psychology of disasters. Psychologists and
emergencies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................13
PARTE 1
Conhecendo o campo da emergência, desastre
e acidente e seus desdobramentos e
a psicologia das emergências e desastres ................................................20
CAPÍTULO 1 Considerações sobre emergência, desastre e acidente ............21
1.1 Contextualizando emergência, desastre e acidente .......................................22
1.2 Emergência/Desastre/Acidente Crise ..........................................................25
CAPÍTULO 2 Sobre trauma e estresse ................................................................28
2.1 Situação traumática Trauma Psicológico ....................................................29
2.2 Estresse traumático ........................................................................................32
2.3 Transtorno de Estresse Pós-Traumático TEPT ...........................................33
CAPÍTULO 3 Considerações sobre o processo de luto.....................................36
3.1 Luto .................................................................................................................37
3.2 Luto e trauma ..................................................................................................41
3.3 O luto traumático .............................................................................................42
3.4 Luto e Resiliência ............................................................................................43
CAPÍTULO 4 - Considerações sobre a formação
profissional do psicólogo ............................................................................45
CAPÍTULO 5 A psicologia das emergências ou desastres ..............................50
5.1 Contexto histórico ...........................................................................................51
5.2 Conceitualização da psicologia das emergências e desastres ......................56
5.3 Particularidades da atuação .......................................................................... 57
5.4 Habilidades profissionais ................................................................................61
5.5 Pensando sobre a pós-graduação ara atuação em
emergências e desastres.................................................................................62
PARTE 2
A Pesquisa .....................................................................................................65
CAPÍTULO 6 A pesquisa
6.1 Objetivos .........................................................................................................67
6.2 Método ............................................................................................................68
6.2.1 Tipo de Estudo .....................................................................................68
6.2.2 Participante ..........................................................................................69
6.2.3 Procedimentos .....................................................................................70
6.2.4 Instrumento ..........................................................................................70
6.2.5 Análise dos dados ................................................................................71
6.2.6 Cuidados éticos ................................................................................... 72
CAPÍTULO 7 Apresentação dos dados coletados..............................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................93
REFERÊNCIAS ..............................................................................................96
ANEXOS
ANEXO 1 PROTOCOLO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA......103
ANEXO 2 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...104
ANEXO 3 CONSENTIMENTO PARA ATUAR COMO
PARTICIPANTE NA PESQUISA .............................................105
ANEXO 4 FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA:
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO .................................................106
ANEXO 5 - ENTREVISTA ..........................................................................107
ANEXO 6 - TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA ENTREVISTA ......................109
INTRODUÇÃO
Introdução
14
INTRODUÇÃO
Quando estava no último ano de formação no curso de psicologia, ainda
no Rio Grande do Sul, tive contato, através de um mini-curso oferecido em um
congresso, com o tema perdas e luto. Desde então o meu interesse pelo tema e
seus desdobramentos cresceram e precisei ir em busca desse novo
conhecimento para contribuir com minha formação. Foi quando tomei
conhecimento do trabalho e formação oferecidos pelo 4 Estações Instituto de
Psicologia e fui fazer um curso de férias, que muito colaborou para uma mudança
na maneira de entender a psicologia e onde me apoiei para concluir meu trabalho
final de graduação.
Desde essa época passei a estudar e tomar consciência da necessidade
de aprofundar meus conhecimentos e incorporar novas habilidades para trabalhar
com luto. Entrei então para a Especialização em Teoria, Técnica e Intervenção
em Luto do 4 Estações. Nesse período trabalhava em clínica com pacientes
enlutados e em posto de saúde com agentes comunitários de saúde que faziam
atendimentos domiciliares, o que confirmava a cada dia a necessidade de
aprofundamento na área para prestar um serviço de qualidade.
Em busca de qualificação do conhecimento, ingressei no Mestrado em
Psicologia Clínica, da qual esse trabalho é parte importante. Com a mudança de
residência para realizar o curso de pós-graduação, passei tamm a trabalhar na
área de perdas e luto em São Paulo, com atendimento clínico e como membro do
Grupo IPÊ
1
Intervenções Psicológicas em Emergência, onde tive experiência de
1
Grupo de psilogos com formação para atuar em emergência, iniciado em 2001 através do
LELú Laboratório de Estudos em Luto da PUC-SP, sendo hoje parte do 4 Estações Instituto de
Psicologia, com profissionais de diversas regiões.
Introdução
15
atuar nessas situações e, desde quando senti necessidade de estudar e
examinar qual o significado de trabalhar em emergência e quais os cuidados
pessoais e formação profissional necessários para que o psicólogo possa atuar
nesses momentos de crise.
Vivemos uma época com alta violência urbana, acidentes tecnológicos
aéreos, rodoviários ataques terroristas, desastres naturais terremotos,
alagamentos e podemos perceber que a morte natural, esperada, tende a
diminuir, dando lugar às mortes violentas e inesperadas e, em grande parte,
traumáticas.
De acordo com o Ministério da Saúde DATASUS, no ano de 2007, as
mortes causadas por vioncia, acidentes em geral não envolvendo nenhum tipo
de doença, sendo mortes classificadas como de causas externas”, chegaram a
131.032 casos (12,5%) em todo o Brasil, de um total geral de ocorrências de
1.047.824, somente na Região Sudeste, foram 54.801 casos (11%), de um total
geral de 496.513 ocorrências.
No Brasil, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos - CENIPA, registrou em 2007 e 2008 os maiores índices de
acidentes aéreos dos últimos 10 anos.
Diante desses meros vê-se a grande necessidade de explorarmos
maneiras de intervir psicologicamente, como forma de ajudar a população
atingida, tanto preventivamente quanto no pós-desastre, pois esses são números
que envolvem morte, de maneira repentina e inesperada, que modificam uma
série de crenças do indivíduo, estabelecidas no decorrer da vida, afetando o seu
mundo presumido, definido por Parkes (1998) como concepção pessoal de
realidade, aquilo que se acredita que a vida é e o modo como se crê que as
Introdução
16
coisas são. O mundo presumido é um conjunto de crenças psicológicas que nos
dá segurança para agirmos e vivermos no mundo.
Eventos de natureza grave ou catastrófica, envolvendo morte ou ameaça à
integridade física pessoal e dos demais, caracterizados por serem inesperados,
incontroveis e que tiram, de maneira intensa, a sensação de segurança e
autoconfiança, provocando medo, sensação de vulnerabilidade, desesperança e
horror intenso, são classificados como eventos traumáticos (GRÉGIO, 2005).
Eles marcam a vida das pessoas, atingindo-as de modo irreversível, e exigindo
uma adaptação à nova realidade. As pessoas afetadas não se resumem àquelas
envolvidas diretamente com o fato ocorrido, mas também aquelas que o
testemunharam, que tiveram pessoas próximas envolvidas ou que souberam do
ocorrido, segundo o Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-
IV (1994).
Para Franco (2005), ninguém fica imune ao impacto de uma crise, mas
cada pessoa a enfrentará com seus recursos, mesmo que em circunstâncias
semelhantes. Franco (2005) define trauma como uma ruptura no tecido vivo,
causado por um agente externo, como resultado de uma cirurgia, um ato violento,
um desastre. Geralmente leva a um estado de crise, um período de desequilíbrio
psicológico, resultante de um evento ou situação danosa, assim constituindo um
problema significativo que não pode ser resolvido com estratégias de
enfrentamento conhecidas. Qualquer pessoa pode viver um trauma, dependendo
do momento de vida que esteja passando, da intensidade e rapidez da situação e
do quanto se sentiu vulnerável diante dela.
Bromberg (1994) ressalta que o desastre provoca uma ruptura na vida das
pessoas envolvidas, um intenso estresse, constituindo-se num marco por ser uma
Introdução
17
situação extraordinária que atinge não o individuo, mas a sociedade como um
todo.
Dentre aqueles que podem sofrer com uma situação traumática, temos os
profissionais envolvidos na emergência ou os que participaram da equipe de
voluntários, ou os profissionais chamados para atender a emergência que, ainda
que preparados, podem ficar traumatizados. Profissionais que trabalham nessas
situações de crise, como bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros, psicólogos,
assistentes sociais, apresentam um grande risco de desenvolver um traumatismo
psicológico (CALAIS, 2002)
Como vemos, trata-se de um tipo de transtorno diferente do habitualmente
enfrentado pela psicologia e, por isso mesmo, as intervenções para esses casos
devem ser objeto de estudo e debate específicos. No Brasil, percebe-se um
crescimento no interesse dos profissionais para trabalhar e se aprofundar na área
de emergência, seja pelos diferentes congressos, encontros e cursos sobre o
tema, seja pelos questionamentos levantados sobre o trabalho que pode ser
desenvolvido pelos psicólogos, apoiados em uma equipe multidisciplinar. Esses
questionamentos se fazem necessários diante de situações de emergência e
desastres, pois para atender pessoas que enfrentam essas situações é
indispensável entender como elas podem atingir os indivíduos, encontrando
meios eficazes de trabalhar com essa população.
Uma situação de desastre pode significar a perda de muitas vidas, além de
outros tipos de perdas, fazendo com que os envolvidos sofram, influenciando no
seu processo de luto. Perdas nesta situação merecem grande atenção, tendo em
vista que suas características podem trazer vários impactos na saúde mental dos
envolvidos (PARKES, 1998). Um ambiente insalubre pode levar uma pessoa ao
Introdução
18
adoecimento e a realidade mostra casos em que essa relação acontece em
proporções maiores, afetando populações inteiras e gerando um adoecimento
coletivo.
Portanto, levando-se em consideração que a população de risco não se
resume somente àqueles que viveram a situação diretamente, a vivência de
trabalho em uma situação de emergência merece uma atenção aprofundada. A
relevância desta pesquisa também se em função de poder colaborar para se
pensar na formação e preparo dos profissionais que atuam em emergência,
minimizando riscos para a saúde mental, tanto da população assistida quanto do
próprio profissional.
Durante as pesquisas para levantamento de bibliografia a ser utilizada
neste trabalho, percebeu-se que no Brasil são poucas as publicações sobre o
tema, sendo mais pesquisado e com maior número de publicações nos Estados
Unidos, Chile, Colômbia e tamm Europa. Utilizando sites de pesquisa na
internet como da Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia
2
(BVS Psi), que utiliza
diferentes buscadores, ao inserir como palavra-chave: “psicologia das
emergências”, encontrou-se 11 resultados, entre eles somente 3 mais próximos
ao tema de interesse, que tratavam de emergência em hospital. Com o descritor
“psicologia dos desastres”, encontrou-se 17 resultados, entre eles 3 relacionados
ao tema porém nenhum falando sobre o profissional que atua nessa área. Com o
descritor “psicólogo e emergência”, encontrou-se 109 resultados, sendo muitos
descartados por não terem a ver com o tema, alguns sobre atendimento de
emergência em hospitais, os mesmo encontrados com o primeiro descritor, os
que mais se aproximavam eram manuais e guias com passos para trabalhar com
2
http://www.bvs-psi.org.br/
Introdução
19
vítimas de desastres e um artigo relacionado ao tema, que fala sobre
atendimento em acidente de aviação.
Nas páginas que se seguem apresenta-se: na parte 1 do trabalho, o
capítulo 1 fazendo-se uma contextualização sobre desastre, emergência e
acidente, relacionando-os com situação de crise, para podermos pensar nas
situações que a psicologia pode intervir; o capítulo 2 apresenta-se uma breve
revisão teórica sobre situações traumáticas e trauma psicológico, estresse
traumático e transtorno de estresse pós-traumático; no capítulo 3 considerações
breves sobre o processo de luto, incluindo luto e trauma, luto traumático e por fim
luto e resiliência; o capítulo 4 com considerações sobre a formação do psicólogo,
passando por questionamentos sobre as áreas de atuação; o capítulo 5
apresentando a psicologia das emergências ou psicologia dos desastres, com o
contexto histórico, particularidades da atuação e habilidades profissionais
necessárias para este trabalho; na parte 2 do trabalho, o capítulo 6 com a
pesquisa, apresentando os objetivos, o método, onde descrevo o tipo de estudo,
questões sobre a participante, procedimentos, instrumento utilizado para coleta
dos dados, método para análise dos dados e considerações éticas; o capítulo 7
com a apresentação dos dados coletados e, por fim, as considerações finais.
PARTE 1:
CONHECENDO O CAMPO DA EMERGÊNCIA,
DESASTRE E ACIDENTE E SEUS
DESDOBRAMENTOS E A
PSICOLOGIA DA EMERGÊNCIA OU DESASTRES
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
22
CAPÍTULO 1 Considerações sobre emergência, desastre e acidente
1.1 Contextualizando emergência, desastre e acidente
Para apresentar esta pesquisa se faz necessário contextualizarmos o que
entendemos por emergência, desastre e acidente, para então podermos
aprofundar nas questões específicas de psicologia das emergências e dos
desastres.
Conforme a Secretaria Nacional de Defesa Civil (2007):
Emergência é definida por uma situação crítica, acontecimento perigoso ou fortuito;
caso de urgência. Reconhecimento legal pelo poder público de situação anormal,
provocada por desastre, causando danos suportáveis à comunidade afetada.
Desastre é o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem,
sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e
ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. A intensidade de um
desastre depende da interação entre a magnitude do evento adverso e a
vulnerabilidade do sistema e é quantificada em função de danos e prejuízos.
O termo desastre considera que são eventos de grande magnitude, com alto
número de vítimas fatais. De acordo com a definição de desastre utilizada pela
Organização Mundial de Saúde, trata-se de um evento traumático, em virtude do
caráter disruptivo e agressivo que este evento exerce sobre os indivíduos afetados,
que pode levá-los ou não a uma situação de trauma (OMS, 2009).
Acidente é um evento definido ou uma seqüência de eventos fortuitos e não
planejados que gera uma conseqüência específica quanto aos danos.
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
23
A Secretaria Nacional da Defesa Civil (2007) define o desastre pelos 3
seguintes critérios: 1. intensidade, 2. evolução e 3. origem.
1. Intensidade, que abrange quatro níveis:
Nível I: desastres de pequeno porte ou intensidade, também chamados de
acidentais. São aqueles nos quais os danos e prejuízos causados são pouco
importantes; nessa condição a situação de normalidade é facilmente restabelecida.
Nível II: desastres de médio porte ou intensidade são caracterizados quando os
danos causados são de alguma importância e os prejuízos conseqüentes, embora
não sejam vultuosos, são significativos. Nessas condições, a situação de
normalidade pode ser restabelecida.
Nível III: desastres de grande porte ou intensidade, com danos importantes e os
prejuízos conseqüentemente vultuosos. Apesar disso, esses desastres podem ser
suportáveis e superáveis. Nessas condições, a situação de normalidade pode ser
restabelecida.
Nível IV: desastres de muito grande porte ou intensidade, são caracterizados por
importantes danos causados, assim como por vultuosos prejuízos e, por isso, não
suportáveis e superáveis pela comunidade afetada, mesmo quando bem
informadas, preparadas, participativas e facilmente mobilizadas. Nestes casos o
restabelecimento a normalidade depende da mobilização e ação de instâncias
maiores.
2. Evolução:
Desastres súbitos ou de evolução aguda: caracterizam-se pela subtaneidade, pela
velocidade de evolução do processo e, normalmente, pela violência dos eventos
adversos causadores dos mesmos.
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
24
Desastres graduais ou de evolução crônica: caracterizam-se por serem insidiosos e
evoluírem por etapas de agravamento progressivo.
Desastres de somação de efeitos parciais: caracterizam-se pela repetição
freqüente de acidentes, casos ou ocorrências, com características semelhantes,
cujos danos, quando somados, ao rmino de um período determinado definem um
desastre importante.
3. Origem:
Naturais: o aqueles produzidos por fenômenos e desequilíbrios da natureza,
causados por fatores de origem externa que atuam independentemente da ação
humana.
Humanos ou Antropogênicos: são aqueles resultantes de ações ou omissões
humanas e estão intimamente relacionados com as atividades do homem,
enquanto agente ou autor.
Mistos: são aqueles resultantes da somação interativa de fenômenos naturais com
atividades humanas.
A Organização Mundial de Saúde OMS (2010) define desastre como: 1
uma ruptura grave do funcionamento de uma comunidade ou uma sociedade,
situação generalizada, perdas econômicas ou ambientais, que excedem a
capacidade da comunidade afetada ou a sociedade a lidar com seus próprios
recursos; 2. situação ou evento, que supera a capacidade local, exigindo um
pedido de nível nacional ou internacional de ajuda externa; 3. um termo que
descreve um evento que pode ser definido espacialmente e geograficamente, mas
que demandas que produzem evidências. Implica a interação de um estressor
externo com uma comunidade humana e leva o conceito implícito de não-
gerenciamento.
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
25
As pessoas envolvidas em uma situação de desastre podem ser atingidas
de diferentes modos, podendo ser vítimas fatais; feridos fisicamente em grau leve
ou grave; enfermos; mutilados; desassentados; desalojados; desabrigados;
deslocados; desaparecidos e vítimas psicológicas. E também são considerados
vítimas os socorristas de diversos serviços; público com diferente grau de
envolvimento e a mídia.
A postura atual recomenda (FIGLEY, BRIDE E MAZZA, 1997;
HODGKINSON e STEWART, 1998; LEWIS, 1994; STEIN, 2002a; YOUNG, 1998
apud FRANCO, 2005) que a resposta ao desastre, com cuidados em situações
traumáticas, se destine a sobreviventes machucados ou não machucados;
parentes e amigos enlutados e traumatizados; equipe de assistência emergencial;
membros da equipe de resgate e outros serviços de apoio; membros da mídia que
cobriram o fato; vítimas secundárias. Como se observa, é amplo o espectro de
pessoas atingidas por um desastre.
1.2 Emergência/Desastre/Acidente Crise
É importante observar que uma situação de emergência, desastre ou
acidente gera uma crise, que se a partir da percepção ou experiência de um
evento ou situação tão crítica que as habilidades e mecanismos de superação da
pessoa passam a não ser suficientes (JAMES E GILLILAND, 2001), ou seja, é a
percepção de um evento ou situação como tendo uma dificuldade intolerável, que
excede os recursos e mecanismos de enfrentamento da pessoa.
Parkes (1998), citando Caplan (1961 e 1964) traz que os pesquisadores, ao
desenvolverem um trabalho no Laboratório de Psiquiatria Comunitária, na Escola
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
26
de Medicina de Harvard, usam o termo crise para abranger situações importantes
de estresse na vida, de duração limitada, que colocam em risco a saúde mental.
Dizendo ainda que essas crises alteram os modos habituais de comportamentos
das pessoas envolvidas, alteram circunstâncias e planos, e levam à necessidade
de um trabalho psicológico que requer tempo e energia. Oferecem ao indivíduo a
oportunidade e a obrigação de abandonar velhas concepções sobre o mundo e,
assim, descobrir novas, constituindo por si só um desafio.
Crises normalmente imobilizam as pessoas e as impedem de,
conscientemente, controlar suas vidas. A palavra crise geralmente está associada
aos sentimentos de medo, choque, sofrimento sobre uma interrupção na vida
normal. Ninguém fica imune a uma crise, porém a maneira de enfrentamento é que
varia conforme os recursos de cada um. Isso influenciará para que a situação seja
mais ou menos traumática. Nessas circunstâncias, o equilíbrio emocional de todos
os indivíduos submetidos à situação-limite desestabilizadora tende a ficar
fragilizado, portanto, desestabilizado. E, para uma parcela significativa da
população, a desorganização psíquica poderá permanecer comprometida durante
um período determinado, subseqüente ao trauma, ou de forma permanente
(THOMÉ, 2009).
A Organização Mundial de Saúde (2010), citando a Inter-Agency
Contingency Planning Guidelines para Assistência Humanitária de 2001, traz que é
necessário um plano de emergência para atuação em situações de crise
ocasionadas por desastres e emergências, plano este definido como o processo de
estabelecimento de objetivos, abordagens e procedimentos para responder a
situações ou eventos que possam ocorrer, incluindo a identificação desses eventos
e o desenvolvimento de cenários prováveis e planos adequados para se preparar e
Considerações sobre emergência, desastre e acidente
27
responder a elas de forma eficaz. Nesse momento é importante a atuação
interdisciplinar, numa união de saberes e fazeres para que se estabeleça uma
maneira de intervir positivamente.
CAPÍTULO 2
Sobre trauma e estresse
Sobre trauma e estresse
29
CAPÍTULO 2 Sobre trauma e estresse
2.1 Situação traumática Trauma psicológico
Todas as situações que envolvem emergência podem ser vistas como
situações traumáticas, tanto na esfera pessoal ou familiar, quanto na esfera da
comunidade, com alcance variável. Salienta-se, porém, que pessoas diferentes
reagem de maneiras diferentes em eventos similares. Uma pessoa pode sentir como
traumático um evento que outra pessoa pode não sentir, e nem todas as pessoas
que passam por experiências traumáticas podem se tornar psicologicamente
traumatizadas. Desastres diferem de outros tipos de trauma, com relação à sua
escala e efeitos, o que vai implicar um apoio diferenciado daquele oferecido em
situações de perda e stress (FRANCO, 2005).
Coletivamente, o considerados traumáticos, os desastres que
sobrecarregam os recursos disponíveis da comunidade e quando colocam em risco
a capacidade de enfrentamento das pessoas e da própria comunidade. A
diversidade de reações das pessoas à situação de desastre pode ser dividida entre
aquelas que aparecem no período imediato da emergência, as que aparecem após
72 horas ou poucas semanas depois do evento traumático e as seqüelas a longo
prazo (GABORIT, 2006).
São esperadas reações emocionais intensas diante da vivência do desastre e
na maioria das vezes estas manifestações podem ser consideradas normais diante
do momento traumático vivenciado. No entanto, a abordagem precoce e a atenção à
saúde mental é a maneira mais efetiva de prevenir sérios transtornos que costumam
aparecer a médio e longo prazo após um evento traumático (WERLANG et al, 2008).
Sobre trauma e estresse
30
Trauma psicológico é um tipo de dano emocional, que ocorre quando os
eventos traumáticos superam as capacidades adaptativas às condições da vida do
indivíduo, podendo vir acompanhado de trauma físico ou existir de forma
independente. O trauma é a condição em que o indivíduo sente que o sistema de
crenças e a estrutura de significados que fundamenta sua vida foram abalados. Há a
perda da capacidade de confiar e de sentir-se seguro e sua possibilidade de
encontrar soluções fica impedida. Pode promover reações estranhas e anormais,
mas, na realidade, a condição desencadeadora é que é anormal e deixa a pessoa
sem respostas para ela.
A exposição ao evento traumático também vai diferenciar a experiência
traumática de cada indivíduo e do coletivo, pois quanto mais alta a exposição,
maiores os riscos. O que nos é claramente remetido a pensar nos efeitos também da
mídia para risco de um trauma coletivo, ao exporem os fatos para a comunidade,
que estabelece experiências e vivências emocionais geradas como base em fatos
retratados, provocando, na maioria das vezes, percepções ameaçadoras da
realidade. A exposição prolongada das populações a acontecimentos
desorganizadores, sejam naturais ou provocados, representa condição com evidente
potencial de adoecimento físico e principalmente de desequilíbrio emocional e/ou
psíquico (THOMÉ, 2009).
Intensa angústia diante de situações que lembrem o momento traumático, ou
mesmo algum aspecto referente a ele; reação fisiológica diante desta exposição -
como ansiedade, sensações físicas, sensação de pânico - ; diminuição do interesse
e participação nas atividades rotineiras; sensação de estranhamento diante das
outras pessoas, retraimento e isolamento; inabilidade para fazer projetos e medo de
morrer são reações típicas ao trauma (HODGKINSON e STEWART, 1998).
Sobre trauma e estresse
31
Franco (2005) relata que as reações a um desastre podem ser diferentes em
cada indivíduo, não sendo, portanto, possível prever o tempo que as pessoas
traumatizadas necessitam para se recuperar. Existem alguns fatores que podem
contribuir ou dificultar a recuperação de cada um, sejam os fatores externos como o
tipo, a duração e a severidade do desastre, sendo com ou sem vítimas: o tempo de
duração dos efeitos sociais produzidos pelo desastre; o grau de perdas ocorrido
como ter sofrido ou não ferimentos e sua gravidade, ou perdas e ferimentos de
pessoas próximas ou ainda perda significativa de patrimônio; o grau de ameaça à
vida tendo provocado medo e/ou terror; e a exposição a cenas de horror. Igualmente
devem ser levados em conta a existência de sistemas de apoio de dentro e de fora
da comunidade envolvida e os processos judiciais subseqüentes, pois é importante
que o indivíduo sinta que a justiça está sendo feita. E, também, os fatores internos
como o papel do sobrevivente e sua capacidade de enfrentamento; ter enfrentado
eventos traumáticos anteriormente; apresentar doenças recentes ou alguma
condição crônica de saúde; dispor de sistemas de apoio sociais e psicológicos,
percepção e interpretação do desastre pelo sobrevivente, entre outros. Idosos,
crianças, pessoas com história anterior de doença mental ou pessoas que
enfrentavam crises no período anterior ao desastre podem precisar de maior
atenção e cuidado.
Segundo Thomé (2009), estudos realizados pela Comissão de Saúde Mental
das Nações Unidas revelam que 40% a 60% das populações expostas a situações-
limite desenvolvem ou desenvolverão algum tipo de patologia relacionada à saúde
mental nos anos posteriores aos acontecimentos. Caso essas populações estejam
expostas a repetições dessas vivências, a porcentagem provavelmente atingirá
patamares maiores, ou seja, são pessoas saudáveis que precisam de
Sobre trauma e estresse
32
acompanhamento ou assistência psicológica para prevenir ou minimizar sua
propensão ao adoecimento mental.
Estudos (GREEN, 1994; GIEL, 1990; FREEDY, SALADIN, KILPATRICK,
RESNICK e SAUNDERS, 1994 apud FRANCO, 2005) apontam que 75% das
pessoas expostas a uma situação traumática necessitam ser adequadamente
avaliadas quanto à possibilidade de apresentarem distúrbios psíquicos, com as
complicações associadas: depressão, ansiedade e fobia, abuso de drogas e álcool.
Com todos esses dados, ressalta-se a importância de um apoio psicológico
especializado, pois o papel do psicólogo na intervenção de emergência permite
identificar as pessoas em risco para o desenvolvimento de quadros psiquiátricos,
oferecer suporte e, se necessário, realizar o encaminhamento para outros
profissionais especializados.
2.2 Estresse traumático
Estresse Traumático, pela American Academy of Experts in Traumatic Stress
(2009), é a experiência emocional, cognitiva e comportamental de indivíduos que
vivenciaram ou testemunharam eventos extremos ou ameaçadores da vida.
Segundo Grégio (2005), a avaliação de uma situação e a interpretação dos
estímulos quanto ao seu nível de estresse estão baseadas na idéia subjetiva de
mundo, nas crenças pessoais relativas a como o mundo é e a como os fatos da vida
se desenrolam. A ação adaptativa será baseada nessa idéia de mundo, a qual
também inclui a visão que o indivíduo tem de si mesmo. Assim, as pessoas que
possuem um conceito de mundo positivo, ou que confiam em sua auto eficiência,
geralmente desenvolvem mais ações adaptativas, e tendem a ser menos vulneráveis
Sobre trauma e estresse
33
ao estresse do que aquelas que se concebem como frágeis e incapazes de enfrentar
as ameaças da vida, ou que vêem o mundo como devastador.
Como nossa sobrevivência depende de aprendermos sobre o perigo, não é
surpresa perceber que situações de perigo, mesmo que superadas, possam
persistir. Da mesma maneira, pessoas que conseguiram evitar uma situação de risco
ou estiveram próximas de outra, e ficaram traumatizadas, podem ter uma imagem
mental do trauma, mesmo sem -lo vivido diretamente. Essa pode ser a explicação
para a persistência de lembranças e imagens traumáticas, o que é característica de
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PARKES, 1998).
2.3 Transtorno de Estresse Pós-Traumático TEPT
O trauma atinge a vida do indivíduo de maneira total, como vimos
anteriormente, nos âmbitos físico, social, psicológico, familiar, ocupacional, fazendo
com que depois de tal experiência poucas coisas e conceitos permaneçam como
eram anterior à situação traumática, ocasionando mudanças internas e externas na
vida deste indivíduo. Assim, a experiência traumática traz muito ao que se adaptar e
isso gera um alto nível de estresse que pode comprometer os mecanismos de
adaptação do indivíduo. Isso ocasiona em algumas das situações o desenvolvimento
do Transtorno de Estresse Pós-Traumático TEPT (GRÉGIO, 2005).
Vieira (2003) refere estudos epidemiológicos indicando que o Transtorno de
Estresse Pós-Traumático afeta aproximadamente 15% a 24% das pessoas expostas
a eventos traumáticos. Percebe-se, portanto, que a maioria das pessoas expostas à
vivências traumáticas não desenvolve TEPT, o que nos demonstra existirem outros
fatores e outras variáveis influindo nas respostas emocionais aos traumas, como por
Sobre trauma e estresse
34
exemplo, características da personalidade, sensibilidade pessoal afetiva e
emocional, estrutura de apoio familiar e social e, obviamente, a própria natureza do
trauma.
As marcas características do Estresse Pós-Traumático ou, em inglês, Post-
Traumatic Stress Disorder, são as lembranças aterrorizadoras do acontecimento
traumático, lembranças essas tão vívidas que a pessoa tem a impressão de estar
passando pelo trauma repetidamente. Podem ocorrer de dia e à noite e se parecem
com pesadelos, sendo tão dolorosas que a pessoa faz de tudo para evitar qualquer
coisa que possa provocá-las, porém sente como se estivesse esperando pela
próxima tragédia, sobressalta-se por qualquer motivo e está sempre em estado de
alerta (PARKES, 1998).
Para o diagnóstico do Transtorno de Estresse Pós-Traumático TEPT,
usamos um conjunto de critérios estabelecidos pelo DSM-IV (1994), sendo
necessário que hajam todos para ser considerado como tal:
Critério A: Exposição a um estressor traumático que leva a um conseqüente
distress emocional.
Critério B: Sintomas de reexperimentação do trauma (presença de um
sintoma ou mais);
Critério C: Sintomas de evitação e embotamemto (presença de três sintomas
ou mais).
Critério D: Sintomas de hiperativação autônoma/excitação (presença de dois
sintomas ou mais);
Critério E: Presença do quadro de sintomas por um mês ou mais
Critério F: Presença de sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no
funcionamento social, ocupacional e outros.
Sobre trauma e estresse
35
Importante salientar que a vivência de uma situação traumática é necessária,
porém não suficiente para o desenvolvimento do TEPT, que se soma aos diversos
fatores que vimos acima, podendo ou não influenciar no estabelecimento do quadro.
Conforme Parkes (1998), o Transtorno de Estresse Pós-Traumático é muito comum
em conseqüência de lutos causados por mortes inesperadas e violentas, como no
caso de desastres e acidentes. Porém o Transtorno de Estresse Pós-traumático
seria uma das múltiplas formas de resposta possível à vivência traumática, existindo
outras formas igualmente importantes de ansiedade, de depressão e conflitos não
resolvidos, outras múltiplas formas de apresentação emocional através de sintomas
somáticos, de transtornos na relação interpessoal, de disfunções familiares, entre
outras (BALLONE, 2005).
CAPÍTULO 3
Considerações sobre o processo de luto
Considerações sobre o processo de luto
37
CAPÍTULO 3 Considerações sobre o processo de luto
3.1 Luto
O luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência
mais universal e, ao mesmo tempo, mais desorganizadora e
assustadora que vive o ser humano. O sentido dado à vida é
repensado, as relações são refeitas a partir de uma avaliação de
seu significado, a identidade pessoal se transforma. Nada mais é
como costumava ser. E ainda assim há vida no luto, esperança
de transformação, de recomeço. Porque um tempo de chegar e
um tempo de partir, a vida e feita de pequenos e grandes lutos e o
ser humano se conta de sua condição de ser mortal, porque é
humano.
Maria Helena Pereira Franco, texto de introdução no site do 4
Estações Instituto de Psicologia
3
Parkes (1998) relata que o luto é uma reação normal e esperada para o
rompimento de vínculo e Bromberg (1994) acrescenta dizendo que o luto é definido
como uma crise, por ocorrer um desequilíbrio entre a quantidade de ajustamento e
os recursos disponíveis, encarando como um processo, como uma necessidade
psicológica para que possamos elaborar nossas perdas.
Segundo Parkes (1998), luto é uma importante transição psicossocial, com
impacto em todas as áreas de influência humana. É uma experiência subjetiva,
particular na sua forma de vivenciar e que provoca uma série de reações. O autor
afirma ainda que a dor do luto é o custo do compromisso, pois se perde aquilo
que se tem, aquilo com o qual estabeleceu um vínculo.
Quando falamos em luto fala-se de um processo, que é tanto individual
como social, conforme aborda Bromberg (1994). A autora denomina o luto como
um tempo de elaboração e transformação que atinge os indivíduos e os grupos,
3
http://www.4estacoes.com/textos.asp
Considerações sobre o processo de luto
38
desestruturando-os pela falta e desestabilizando seu funcionamento, ou seja, o luto
não é um estado estático. É um conjunto de reações a uma perda significativa. Ela
ressalta ainda, que o processo de elaboração e cura é composto basicamente por
duas mudanças, as quais levam tempo para serem realizadas durante o período de
luto: reconhecer e aceitar a realidade; e experimentar e lidar com todas as
emoções e problemas que advém da perda.
Bowlby (1984) afirma que os vínculos são construídos ao longo de toda vida
e que o sofrimento acaba sendo a reação universal à perda de algo com o qual se
tinha um vínculo estabelecido. O vínculo é um investimento afetivo e quanto maior
este investimento, maior energia necessária para seu desligamento. As
dependências físicas ou psíquicas são fatores que podem agravar o desligamento
com o objeto amado (KOVÁCS, 2002).
Como o luto envolve o rompimento de um vínculo, ou seja, havia um
investimento afetivo, é esperado que a nova situação suscite diversos sentimentos
e traga dor. Kovács (1992) menciona alguns desses sentimentos: angústia, medo,
tristeza, desespero, solidão, abandono, raiva, culpa e esperança. É necessário um
tempo para a elaboração e todos esses sentimentos se fazem necessários para
ajudar nesse processo.
Robbins (1993) destaca a importância do enlutado ter um apoio social, e
ressalta que isso é válido inclusive no caso do profissional e o dos familiares.
Afirma que quando há uma rede de apoio segura há maior possibilidade de
passarem pelo processo de uma forma mais saudável. No caso dos profissionais
coloca ainda que ter um espaço para compartilhar e trocar experiências ajuda no
enfrentamento das situações, ou seja, torna-se um elemento facilitador.
Considerações sobre o processo de luto
39
De acordo com Pitta (1994), lidar no trabalho com situações de perda
transforma a própria existência humana e, muitas vezes, o impacto da situação e o
estresse de todos os envolvidos podem contribuir para gerar maior ansiedade. Por
entender que os profissionais que atuam estão também em contato com o
sofrimento, é possível afirmar que surgem suas ansiedades, angústias e a
dificuldade de lidar com elas.
Bowlby (1997) destaca que às vezes somos educados para sufocar os
sentimentos. Carvalho (1996) também relata que um valor observado na nossa
cultura é a não aceitação de que profissionais expressem seus sentimentos e
emoções, principalmente no ambiente de trabalho, o que faz com que se reprimam
as emoções quando não há um espaço para abordá-las.
A compreensão do luto como um processo permite entendê-lo ao longo de
fases, das quais a primeira é a que mais toca de perto a realidade do atendimento
em desastres aéreos: a fase de entorpecimento, na qual a reação encontrada é de
choque e descrença. O enlutado tem dificuldade em entrar em contato com a nova
realidade e esta dificuldade é acentuada em situações de perda repentina ou
inesperada. As fases seguintes, anseio e protesto, desespero e recuperação e
restituição, podem se intercalar e têm duração variada (FRANCO, 2005).
Parkes (1998) coloca que uma variação na duração e no grau de
evitação da realidade da perda, uns expressam mais os sentimentos, outros
inibem, outros ainda se mantêm mais ocupados para evitar entrar em contanto com
seus sentimentos. Enfim, cada um reagirá de um modo. Isso faz pensar
naturalmente que cada profissional também terá sua maneira de lidar com a morte
e com o luto derivado de situações de emergências e desastres, devido suas
questões e o que vem à tona diante da situação; e ainda sofrerá influências do
Considerações sobre o processo de luto
40
local, a forma como encaram isso no ambiente em que se encontram, podendo ter
possibilidade de apoio por reconhecerem seu luto, ou não.
Freud (1974), no artigo Luto e Melancolia, traz a primeira explicação para o
processo de luto, caracterizando o luto como um estado depressivo que não deve
ser tratado como uma patologia, mas como uma fase de inibição do Ego, que de
modo geral, é uma reação à perda de um ente querido, objeto libidinoso, ou
alguma abstração associada a este ente, o que é de caráter particularmente
doloroso aque, em um dado período, o Ego fique outra vez livre e desinibido.
Esta fase é marcada pela ausência e a doravante inexistência do objeto amado, da
retirada de toda libido de suas ligações com o mesmo e o deslocamento para outro
objeto.
Quando as reações perante as perdas não são as esperadas, isto é, fogem
da sintomatologia e do processo natural, é encontrado um processo de luto
complicado. fatores de risco para a instalação do luto complicado, entre os
quais se encontram aqueles relativos às circunstâncias da perda: mortes
repentinas, violentas, consideradas prematuras pelo enlutado; a causa da morte e
seu significado; o tipo da morte, destacando-se exposição à mídia, mortes
estigmatizadas ou causadoras de vergonha ao ambiente social; existência de
segredos relativos à morte ou à sua causa; falta de rituais; falta de suporte; outras
perdas concomitantes a morte (FRANCO, 2005).
A reação ao luto inclui elementos que podemos chamar de não específicos,
ou seja, o luto evoca o alarme (proveniente do estresse) e suas respostas
características; pode também trazer lembranças ou fantasias intrusivas e causar
comportamento de aproximação ou afastamento. A forma que essas respostas
tomarão é que será em parte específica do estressor, isto é, da natureza da
Considerações sobre o processo de luto
41
situação ocorrida, e em parte específica do indivíduo, derivando de suas
predisposições pessoais (PARKES, 1998).
3.2 Luto e trauma
Em situações de desastres encontramos o trauma e luto
concomitantemente, pois nesse caso ficamos impactados principalmente pelo
grande número de vítimas fatais. O luto por desastre nos chama a atenção por ser
um luto por morte repentina o que pode ser risco de luto complicado.
Conforme Parkes (2009), todos os lutos são traumáticos, mas alguns são
mais traumáticos do que outros e para algumas pessoas que enfrentam perdas, o
luto se desenvolve num processo considerado normal, como um processo de
reajustamento e readaptação saudável, sem que sejam necessárias intervenções,
podendo desenvolver sintomas afetivos como ansiedade, culpa, raiva, hostilidade,
depressão, falta de prazer, solidão, ou sintomas comportamentais como agitação,
fadiga e choro e, ainda, baixa auto-estima, desamparo. para outras pessoas
uma intervenção se faz necessária quando essa sintomatologia excede em
intensidade e duração, o que se caracteriza atualmente como luto complicado,
como no caso do luto traumático por morte repentina. Muitos são os fatores que
podem desencadear um luto complicado, Bolwby (2004) cita aspectos que podem
influenciar nesse processo como a identidade e o papel que a pessoa que morreu
tinha; a idade e o sexo do enlutado; as causas e circunstâncias da perda; as
circunstâncias sociais e psicológicas que afetam o enlutado na época e após a
morte; a personalidade do enlutado.
Considerações sobre o processo de luto
42
As experiências traumáticas contribuem para causar problemas
psiquiátricos, portanto podemos esperar mais sofrimento emocional em pessoas
enlutadas que experienciaram luto traumático do que naquelas cujo luto foi menos
traumático. E, também esperamos uma maior incidência de perdas traumáticas em
pessoas que procuraram ajuda psiquiátrica após o enlutamento do que as que não
procuraram (PARKES, 2009).
O trauma segundo Parkes (2009) aumenta a intensidade e duração do luto e
contribui com um diagnóstico clínico de luto crônico.
3.3 O luto traumático
Uma das características dos desastres é o fato de acarretar perdas
inesperadas, repentinas e em sua maior parte violentas gerando muitas vezes uma
reação de choque aos indivíduos que perdem familiares e entes queridos.
Hodgkinson e Stewart (1998) confirmam relatando que a sensação de choque piora
em mortes por desastres por serem repentinas e acompanharem uma sensação de
descrença, que em grande parte ocorrem quando as pessoas estão em
situações vistas como seguras e rotineiras. Franco (2005) afirma que a fase que
mais toca de perto a realidade no atendimento em emergência é esse primeiro
período de entorpecimento e descrença.
Percebe-se na literatura que o trauma destrói significados construídos ao
longo da vida e que as pessoas afetadas não se percebem mais como
invulneráveis aos danos causados por um desastre. Confirmando essas
informações, Hodgkinson e Stewart (1998), nos trazem que as perdas repentinas,
inesperadas ou fora de hora, que trazem muito sofrimento ou que se dão de forma
Considerações sobre o processo de luto
43
aterrorizante o as que representam maiores riscos para uma resolução do
luto, podendo tornar-se um luto complicado. Notam-se três tipos de perdas
consideradas fora de hora: as perdas prematuras como de crianças e jovens e que
são tidas como contrárias à natureza humana; as mortes inesperadas como as que
ocorrem repentinamente; e as mortes calamitosas que além de imprevisíveis são
violentas, destrutivas e sem sentido. E diante dessas definições percebe-se que o
luto por desastre, pode reunir, ao mesmo tempo, esses três tipos de perdas, sendo
um maior risco para tornar-se luto complicado, neste caso traumático.
3.4 Luto e Resiliência
Resiliência é definida pela capacidade de responder de forma mais
consistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de
recuperação diante desses desafios e circunstâncias desfavoráveis, tendo uma
atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo um equilíbrio dinâmico durante
e após os embates uma característica de personalidade que, ativada e
desenvolvida, possibilita ao sujeito superar-se e às pressões de seu mundo,
desenvolver um autoconceito realista, autoconfiança e um senso de autoproteção
que não desconsidera a abertura ao novo, à mudança, ao outro e à realidade
subjacente (TAVARES, 2001). Traduz-se, por conseguinte, numa capacidade
pessoal de enfrentar a adversidade, de modo não a resistir ou ultrapassar com
êxito, mas a extrair uma maior resistência a condições negativas subseqüentes,
tornando os sujeitos mais complexos e menos vulneráveis em função daquilo que
se modificou após terem sido submetidos a esse tipo de experiência.
Considerações sobre o processo de luto
44
Situações de perdas que acarretam luto são inevitáveis em nossa vida e em
situações de emergências e desastres ainda trazem a carga de serem um evento
estressor de grande magnitude, o que, dependendo da percepção que o indivíduo
tem da situação, da sua interpretação do evento estressor e do sentido a ele
atribuído, teremos ou não a condição de estresse, podendo acionar a nossa
capacidade de resiliência diante do ocorrido. Costuma-se dizer que as pequenas
perdas, como no caso das normativas (nascimento, saída da infância para a
adolescência, etc) nos preparam para perdas maiores no decorrer da vida,
colaborando para o desenvolvimento de maior resistência frente às situações, o
que podemos entender como resiliência.
O profissional que trabalha em situações de emergências e desastres,
dependendo da maneira que interprete a situação, também pode desenvolver sua
capacidade de resiliência frente às situações da atuação, desenvolvendo maior
capacidade para enfrentamento em situações futuras.
CAPÍTULO 4
Considerações sobre a formação profissional
do psicólogo
Considerações sobre a formação profissional do psicólogo
46
CAPÍTULO 4 Considerações sobre a formação profissional do psicólogo
A formação dos cursos de graduação em psicologia oferecidos no Brasil se
de forma generalista, ou seja, os cursos privilegiam o conhecimento genérico
em temas psicológicos, proporcionando uma formação científico-metodológica e o
desenvolvimento de habilidades técnicas que serão úteis nas intervenções do
psicólogo em geral, sem a delimitação de áreas de atuação específicas.
No Manual de Orientações disponibilizado pelo Conselho Regional de
Psicologia da Região, elaborado a partir das principais informações contidas nas
diferentes Resoluções elaboradas pelo Conselho Federal de Psicologia,
principalmente, o Código de Ética, indicando-as como referências privilegiadas
para que o exercício profissional possa ser bem conduzido de forma técnica e
ética, temos no Capítulo II que fala sobre os requisitos para o exercício profissional
em psicologia: II.1 Formação de Psicólogo: para ser um profissional psicólogo é
obrigatória a conclusão do Curso de Psicologia em uma Faculdade autorizada e/ou
reconhecida pelo MEC e ter a formação de psicólogo obtida após os cinco anos de
duração do curso. E ainda, conforme define a Lei n.º 4.119, de 27/08/1962, em seu
Capítulo III Dos direitos conferidos aos diplomados, no Artigo 13:
§ - Constitui função privativa do psicólogo a utilização de métodos e
técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
a) diagnóstico psicológico: é o processo por meio do qual, por intermédio de
Métodos e Técnicas Psicológicas, se analisa e se estuda o comportamento de
pessoas, de grupos, de instituições e de comunidades, na sua estrutura e no seu
funcionamento, identificando-se as variáveis nele envolvidas;
Considerações sobre a formação profissional do psicólogo
47
b) orientação profissional: é o processo pelo qual, com o apoio de Métodos e
Técnicas Psicológicas, se investigam os interesses, aptidões e características de
personalidade do consultante, visando proporcionar-lhe condições para a escolha
de uma profissão; seleção profissional: é o processo pelo qual, com o apoio de
Métodos e Técnicas Psicológicas, se objetiva diagnosticar e prognosticar as
condições de ajustamento e desempenho da pessoa a um cargo ou atividade
profissional, visando alcançar eficácia organizacional e procurando atender às
necessidades comunitárias e sociais;
c) orientação psicopedagógica: é o processo pelo qual, com o apoio de Métodos e
Técnicas Psicológicas, proporcionam-se condições instrumentais e sociais que
facilitem o desenvolvimento da pessoa, do grupo, da organização e da
comunidade, bem como condições preventivas e de solução de dificuldades, de
modo a atingir os objetivos escolares, educacionais, organizacionais e sociais;
d) solução de problemas de ajustamento: é o processo que propicia condições de
auto-realização, de convivência e de desempenho para o indivíduo, o grupo, a
instituição e a comunidade, mediante todos psicológicos preventivos,
psicoterápicos e de reabilitação.
§ - É da competência do psicólogo a colaboração em assuntos
psicológicos ligados a outras ciências.
A Lei n
o
4.119 de 27 de agosto de 1962 dispõe sobre os cursos de formação
em psicologia e regulamenta a profissão. Ela determina funções privativas do
psicólogo e, entre outras, a tríade de títulos que o profissional graduado pode
obter: o bacharelado, a licenciatura e o título de psicólogo. O espírito da lei volta-se
à formação generalista, à medida que habilita o profissional psicólogo a atuar em
qualquer área da Psicologia.
Considerações sobre a formação profissional do psicólogo
48
Corroborando com a regulamentação da profissão, 23 anos após, o
Conselho Federal de Psicologia elaborou um documento para integrar o Catálogo
Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho, onde se identificam as
seguintes áreas de atuação: Psicólogo Clínico (onde se vêem descrições de
atividades típicas do que se vem denominando Psicologia Hospitalar ou Psicologia
da Saúde), Psicólogo do Trabalho, Psicólogo do Trânsito, Psicólogo Educacional,
Psicólogo Jurídico, Psicólogo do Esporte, Psicólogo Social e outros psicólogos,
onde se encaixam os psicólogos não classificados anteriormente. Uma leitura
detida nas atribuições destes muitos profissionais com uma mesma habilitação
leva-nos a concluir que a prática da Psicologia vem-se consolidando e ampliando
em nossa sociedade com o passar das décadas. Ao lado das áreas de atuação do
psicólogo que podemos chamar de "tradicionais" - quais sejam, a clínica, a escolar,
a do trabalho e a social - começam a configurar-se "áreas emergentes" no mercado
de trabalho.
A atuação do psicólogo em situações de emergência é uma atuação que
podemos classificar nas chamadas áreas emergentes, sendo uma formação que
vem sendo buscada após a graduação, como uma forma digamos de especialidade
que, porém, ainda não é abrangida pelo Conselho Federal de Psicologia, mesmo
que este não desconsidere a importância quando apóia seminários e discussões
sobre o tema.
Carvalho e Sampaio (1997) afirmam que a emergência de uma nova área de
atuação do psicólogo depende em grande parte do trabalho de pioneiros. Ou seja,
é na medida em que psicólogos, solicitados a desenvolver determinada atividade,
mostram competência nesta atividade, e mesmo a sua viabilidade, é que se abrem
possibilidades a novos colegas.
Considerações sobre a formação profissional do psicólogo
49
No Código de Ética do Profissional de Psicologia, na versão de agosto de
2005 determina que, dentre as suas responsabilidades, um dos deveres
fundamentais do psicólogo é assumir responsabilidades profissionais somente por
atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente.
Portanto, no crescendo da demanda ao trabalho de emergência e seguindo as
responsabilidades estabelecidas é que surgem, em geral, as inquietações sobre a
formação do profissional que deverá atuar nesta área.
Precisamos é, primeiramente, considerar que uma boa formação
universitária e um constante aprimoramento teórico e técnico são fundamentais
para que o psicólogo possa oferecer serviços profissionais qualificados nos
diversos contextos e espaços em que esteja atuando, de modo a contribuir para
uma melhor qualidade de vida e saúde para a população em geral.
Diante do exposto, algumas perguntas surgem: a qualificação recebida pelo
psicólogo nos cursos de graduação oferecidos no Brasil realmente lhe confere uma
base sólida, lhe capacita pessoal, teórica e tecnicamente, para o exercício de
qualquer uma das áreas de atuações? Uma vez graduado o recém psicólogo pode
aceitar o encargo de psicólogo de emergências, por exemplo? Ele dispõe de um rol
de conhecimentos e técnicas que lhe permite realizar minimamente seu encargo?
As interrogações multiplicam-se e são necessárias para que possamos aprimorar
os serviços oferecidos e os estudos em torno da área.
CAPÍTULO 5
A psicologia das emergências ou desastres
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
51
CAPÍTULO 5 - A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5.1 Contexto histórico
A psicologia das emergências e desastres se sustenta em uma ampla
bagagem de investigações e construções teóricas, que tem revolucionado os
estudos, desde os trabalhos mais descritivos e individuais aos sociológicos e
estatisticamente significativos (ÁLAMO, 2007).
Os registros iniciais, segundo Álamo (2007), de estudos psicológicos sobre os
desastres, iniciaram no ano de 1909 quando o médico psiquiatra e pesquisador
Edward Stierlin, de Zurique, desenvolveu os primeiros ensaios sobre atendimento
aos sobreviventes de uma mina em 1906 e para cerca de 135 pessoas após um
terremoto na Itália em 1908.
Na Primeira Guerra Mundial, século XX, tem-se os primeiros dados de
intervenções in situ com combatentes, na qual o objetivo era tratar o transtorno por
estresse agudo. Já na Segunda Guerra Mundial, foram efetivamente utilizadas as
primeiras intervenções psicológicas, realizadas por meio do “desabafo” nos campos
de batalha (GUIMARÃES et al, 2007).
Um dos estudos que se considera pioneiro é do médico psiquiatra
Lindermann em 1944 que trabalhou com sobreviventes e familiares de vítimas de um
incêndio do Clube Noturno Coconut Grove, em Boston, EUA. Este trabalho
averiguou que os sintomas psicológicos dos sobreviventes se tornaram a base para
as teorizações subseqüentes sobre a psicologia das emergências e desastres
(ÁLAMO, 2007).
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
52
As investigações descritas vão descobrindo posteriormente que as reações
das vítimas não são as mesmas durante o impacto do evento e o pós-desastre e,
neste sentido, Friedman e Linn, em 1957, trabalhando com sobreviventes do navio
"Andrea Dorian", descrevem que ao lidar com vítimas de eventos traumáticos deve
se levar em conta as suas diferentes respostas às fases de choque inicial e
recuperação em uma situação de desastre (ÁLAMO, 2007).
Anos após, por volta dos anos 60 e 70, a Psicologia direcionou-se para
análise das reações individuais no pós-desastre (ÁLAMO, 2007). A partir da década
de 70, começa-se a delinear a necessidade de desenvolverem-se técnicas mais
complexas e programas multicomponentes com a finalidade de tratar
sistematicamente as pessoas expostas a experiências traumáticas (GUIMARÃES et
al, 2007).
Lifton Robert, em 1967, começa a descrever a conduta que se apresenta nas
fases e períodos posteriores ao impacto do desastre, com o estudos dos problemas
psicológicos a longo prazo apresentados por indivíduos depois do bombardeio
atômico em Hiroshima (ÁLAMO, 2007).
Em 1970, a Associação de Psiquiatria Americana publicou um manual de
Primeiros Auxílios Psicológicos em Casos de Catástrofes, adaptado no Peru pelo
médico psiquiatra Baltazar Caravedo, onde são descritos diversos tipos de reações
possíveis aos desastres e os princípios básicos para identificação de riscos das
pessoas afetadas psicologicamente. Os primeiros esforços como modelos de
resposta são feitos para as vítimas do terremoto em Manágua na Nicarágua em
1972, quando um psicólogo e um psiquiatra viajam para a Nicarágua em 1973 com o
objetivo de desenvolver um projeto de saúde mental para as vítimas (ÁLAMO, 2007).
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
53
Em 1974, através do Instituto de Saúde Mental do Departamento de Saúde
dos Estados Unidos, surgiu a primeira lei de atuação e ajuda em desastres, na qual
consta uma seção sobre orientação psicológica aos atingidos. Em janeiro de 1982,
uma tempestade inundou a costa da Califórnia, deixando mais de 100 famílias
desabrigadas. Após vários dias, lançou-se o projeto COPE - Counseling Ordinary
People in Emergencies, para coordenar os serviços de mais de 100 profissionais
particulares de saúde mental, com os recursos dos governos federal e local,
trabalhando durante mais de um ano, proporcionando assessoramento individual e
em grupo, sem nenhum custo para os interessados. (ÁLAMO, 2007).
Em 1985, após o terremoto ocorrido na Cidade do México, a Faculdade de
Psicologia da Universidade Autônoma do México, com ajuda de Israel, do Instituto
Mexicano de Psicanálise e do Instituto Mexicano de Segurança Social, deu início a
um programa de intervenções em crises, com o intuito de oferecer apoio psicológico
aos afetados pela tragédia (CARVALHO, 2009). No mesmo ano, na Colômbia, o
vulcão Nevado Del Ruiz entrou em erupção e arrasou o povoado de Armero. Então,
em agosto do ano seguinte, o Ministério da Saúde da Colômbia, com o
assessoramento da Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, e de psiquiatras
pesquisadores na área, estabeleceu um programa de atenção primaria em saúde
mental para vítimas de desastres (LIMA et al, 1989).
Em 1991, a Cruz Vermelha criou o Centro de Copenhague de Apoio
Psicológico. Em 2001, ocorreu um incêndio no mercado popular Mesa Redonda,
localizado no centro de Lima, Peru. Neste episódio, a Sociedade Peruana de
Emergências e Desastres foi acionada e atuou no sentido de conscientizar a
população das reações normais de luto. Para isto foi criada uma linha telefônica
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
54
chamada de “infosaúde”, que funcionou com atendimento de psicólogos durante 72
horas após o desastre (CARVALHO, 2009).
Em 2002, ocorreu o I Congresso de Psicologia das Emergências e dos
Desastres em Lima, Peru. Nele foi criada uma entidade denominada Federação
Latino-Americana de Psicologia das Emergências e dos Desastres – FLAPED, com
o objetivo de reunir psicólogos de diferentes nacionalidades no Peru e fazer com que
os psicólogos que retornassem aos seus países também fossem despertados pela
mesma intenção. Em 2004, foi criada a Sociedade Chilena de Psicologia das
Emergências e Desastres – SOCHPED, com os objetivos de descrever e explicar
processos psicológicos que aparecem nas emergências; desenvolver, aplicar e
ensinar técnicas psicológicas para situações de emergência; selecionar pessoas
para integrar grupos de resgate e trabalhos de risco em geral; e capacitar
psicologicamente a comunidade para enfrentar emergências (CARVALHO, 2009).
No Brasil, o primeiro registro do processo histórico de inserção da psicologia
no estudo, pesquisa e intervenção nas emergências e nos desastres é datado de
1987, com o acidente do césio-137, em Goiânia, o maior acidente radioativo do país.
Em 1992, a UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UnB – Universidade
de Brasília e a UCG – Universidade Católica de Goiânia, em conjunto com uma
equipe de psicólogos cubanos, que já havia atuado no Acidente Nuclear de
Chernobyl, realizaram atendimento aos atingidos pelo césio-137, adaptando o
mesmo programa utilizado em 1986 às necessidades da comunidade afetada.
Em São Paulo, em 1996, um desastre aéreo causou a morte de 99 pessoas,
entre passageiros, tripulantes e um morador das casas atingidas e, neste episódio,
um grupo de psicólogos atendeu familiares dos passageiros, funcionários da
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5
5
empresa aérea e moradores das ruas atingidas, a partir da experiência clínica já
obtida com pessoas enlutadas (Franco, 2005).
O atendimento se deu de maneira pontual, nos dias imediatos ao desastre, e
também com contornos clínicos tradicionais, ao longo de meses após o mesmo para
as pessoas que apresentaram condições de risco para luto complicado (DOKA, 1996
apud FRANCO, 2005). A experiência diante desta atuação levou o grupo a
importantes reflexões sobre o atendimento a emergências e gerou reformulações e
desenvolvimentos teóricos importantes para situações futuras (FRANCO, 2003).
Segundo Franco (2005), a partir de 1998 no Brasil, formou-se um outro grupo
de psicólogos, especificamente com o objetivo de preparar-se para atuar em
situações de emergência, relacionadas a desastres, traumas e luto traumático, que
fazia parte do LELú – Laboratório de Estudos em Luto da PUC-SP. A proposta deste
grupo era oferecer atendimento psicológico visando a uma ação preventiva para
situações de stress pós-traumático e luto traumático; desenvolver habilidades nos
profissionais envolvidos com essa atividade, de maneira a terem uma atuação
eficiente, com risco controlado para sua saúde mental.
Em 2001, foi estabelecido em São Paulo, pelo 4 Estações Instituto de
Psicologia, partindo do grupo formado pelo LELú em 1998, o Grupo IPÊ –
Intervenções Psicológicas em Emergências, com o propósito de oferecer cuidados
psicológicos especializados a pessoas e comunidades vítimas de desastres,
acidentes e incidentes críticos geradores de stress, trauma e/ou luto. Esse grupo
tem como propósito apoiar as organizações e comunidades atingidas por
emergências e desastres, na sua capacidade de responder com prontidão e
eficiência a essas situações (site do 4 Estações Instituto de Psicologia
4
).
4
http://www.4estacoes.com/nucleo_intervencoes.asp
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5
6
No ano de 2006, realizou-se o I Seminário Nacional de Psicologia das
Emergências e dos Desastres, em Brasília, em uma parceria entre a Secretaria
Nacional de Defesa Civil e o Conselho Federal de Psicologia, discutindo-se várias
questões sobre o desenvolvimento desta área no Brasil. Neste mesmo momento,
aconteceu a 1ª Reunião Internacional por uma Formação Especializada em
Psicologia das Emergências e Desastres, procurando sistematizar elementos
curriculares para comporem a formação dos futuros profissionais que poderão
colaborar com a Defesa Civil.
Entre os dias 18 e 20 de novembro de 2009, realizou-se, em São Paulo, o V
Seminário Internacional de Defesa Civil – DEFENSIL, onde houve na sessão de
pôsteres a apresentação sobre o Grupo IPÊ, falando sobre atuação psicológica em
emergências e desastres.
5.2 Conceitualização da psicologia das emergências e desastres
Entendemos a psicologia das emergências e desastres como um ramo da
psicologia que tem como objetivo estudar as reações de indivíduos e grupos
humanos no antes, durante e depois de uma situação de emergência ou desastre,
assim como implementar estratégias de intervenção psicossocial que visem à
atenuação e à preparação da população, estudando como os seres humanos
respondem aos alarmes e como otimizar o aviso, prevenção e redução de respostas
inadequadas durante o impacto do evento e facilitando a posterior reabilitação e
reconstrução (ÁLAMO, 2007).
A psicologia das emergências e desastres interage com a psicologia clínica,
psicologia da saúde, psicofisiologia e psiconeuroimunologia para compreender
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5
7
melhor a curto, médio e longo prazo o estresse traumático. Interage com a
psicologia do desenvolvimento para compreender melhor as características de
desenvolvimento bio-psico-social de seres humanos e para identificar os grupos
mais vulneráveis ao impacto de crises situacionais. Interage com a psicologia social
para assumir a importância das redes de apoio social, sua dinâmica e sua
configuração e do papel que desempenham como estratégia de sobrevivência em
situações de crise. Ela também usa os conceitos relacionados à distorção da
comunicação social como o ruído e seus efeitos sobre grupos humanos, e conceitos
relacionados com atitudes, motivação e comportamento do grupo. Usa auto-
conceitos ligados à psicologia organizacional relacionados ao comportamento
organizacional, comunicação organizacional, motivação no trabalho, liderança,
trabalho em equipe, o clima de trabalho e trabalhar sob pressão, esta aplicada
principalmente a todas as equipes de primeira resposta.
5.3 Particularidades da atuação
A intervenção psicológica em emergência procura reduzir o stress agudo,
causado pelo impacto do trauma, por meio de: restaurar a dominância do
funcionamento cognitivo sobre reações emocionais; facilitar a restauração do
funcionamento das instituições sociais e da comunidade; e facilitar o reconhecimento
cognitivo do que aconteceu. A intervenção psicológica em emergência procura
também restaurar ou aumentar as capacidades adaptativas, por meio de: oferecer
oportunidades para as vítimas avaliarem e utilizarem apoio familiar ou da
comunidade; oferecer educação sobre expectativas futuras; e oferecer oportunidade
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5
8
para os sobreviventes organizarem e interpretarem – cognitivamente – o evento
traumático (FRANCO, 2005).
James e Gilliland (2001) fizeram uma importante revisão sobre as abordagens
utilizadas na compreensão e na atuação em situações de crise e afirmam que
intervenção em crise é diferente de psicoterapia do luto e de psicoterapia focada no
problema, ressaltando a importância de fatores sociais, psicológicos, ambientais,
situacionais e de desenvolvimento que fazem com que um dado evento seja
percebido e vivenciado como uma crise. Recomendam que um trabalho de
intervenção em crise, como o atendimento psicológico em emergências, deve
utilizar-se de uma abordagem focal, embora problemas concomitantes sejam
reconhecidos como importantes na dinâmica da situação-problema, o objetivo
nestas situações não é a modificação de características peculiares da pessoa em
crise ou de seu padrão de personalidade. Portanto, é necessário perceber a
configuração da situação de crise, sempre levando em consideração as condições
individuais, porque a intervenção deve contemplar ambos os aspectos, o genérico e
o específico, fazendo uso de técnicas que considerem essa demanda
(HODGKINSON e STEWART, 1998). Os profissionais da saúde mental precisam
deixar de lado os métodos tradicionais, evitar o uso de rótulos da saúde mental e
usar uma abordagem eficaz para intervir no desastre com sucesso.
Ainda segundo Hodgkinson e Stewart (1998), o trabalho de intervenção em
crise deve considerar diferentes necessidades, específicas às fases de atendimento
como impacto, retração ou recuo e período pós-traumático. Também deve seguir as
orientação do grupo NOVA – National Organization for Victims Assistance (Young,
1998) sobre a seqüência no atendimento a vítimas de desastres aéreos, ao
considerar que muitas dessas ações se sobrepõem e não é sempre possível
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
5
9
estabelecer limites cronológicos ou seqüenciais rígidos diante das especificidades
do desastre. Nossa atuação como psicólogos, se apresenta, então, no segundo
momento, denominado de intervenção psicológica em emergência (intervenção em
crise), antecedido do resgate físico e seguido de psicoterapia ou aconselhamento
quando necessário.
O psicólogo de emergência e desastres, no desempenho do seu trabalho,
deve interagir com profissionais que se especializaram em emergências e desastres,
como médicos de emergência, enfermeiros, assistentes sociais, professores,
jornalistas, sociólogos, engenheiros, geólogos e membros dos socorristas (militares,
policiais, membros da Cruz Vermelha, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, entre
outros), para o qual ele deve ser capaz de se comunicar em uma língua comum
partilhada por todos esses profissionais que estão ligados de uma forma ou de outra
em emergências e desastres.
Como um novo campo em desenvolvimento, a psicologia das emergências e
desastres abre portas de trabalho relacionadas à área de interesse Desta maneira,
os psicólogos que trabalham com emergência podem desempenhar ações em
equipes de primeira resposta, como um psicólogo que integra a equipe participando
de seus programas de capacitação, elaborar programas de apoio psicológico para
ajudar as operações de retorno à rotina de trabalho e de ajuda às famílias na pós-
emergência ou desastre; atuar em emergências hospitalares e em suas diversas
áreas como triagem, recepção, observação, cuidados intensivos, cuidados
intermediários, internação, com aplicação de técnicas de intervenção em crise e
primeiros auxílios psicológicos, tanto para os pacientes como para os familiares
destes, assim como orientá-los na obtenção de ajuda complementar e assistência
social. Pode ainda trabalhar com equipes de saúde na prevenção da síndrome de
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
6
0
Burnout e atuar como especialista na área de prevenção de acidentes no campo
organizacional e das forças armadas, desenvolvendo programas de sensibilização e
motivação destinados à mudança cognitivo-comportamental, a fim de incorporar os
princípios de segurança no seu trabalho diário. Também é possível atuar como
consultor no setor de educação, em temas relacionadas com a Defesa Civil em
escolas, organizando treinamento para professores e alunos, orientando na
implementação de estratégias psicoeducacionais para o ensino da Defesa Civil, bem
como cuidados a crianças e adolescentes vítimas de emergências e desastres; além
de ser professor especialista em escolas de formação de paramédicos, bombeiros,
voluntários da Cruz Vermelha e Defesa Civil, Bombeiros, bem como vários
programas de treinamento e de entidades governamentais e não-governamentais.
A OMS (2009) atua junto aos países membros e todas as organizações
relacionadas que possam integrar medidas de prevenção de desastre aos seus
planos de desenvolvimento, recomendando que tenham a capacidade para
gerenciar com eficiência as emergências com o máximo de autoconfiança. A
capacidade mencionada neste contexto, resume 4 elementos importantes:
informação sobre o problema a ser resolvido; autoridade para agir; planos, recursos
e protocolos a serem aplicados e parcerias.
Para fortalecer as capacidades regionais, nacionais e internacionais para que
possam atuar em situações de desastres e emergências, a OMS (2009) identifica 5
objetivos operacionais importantes: promover legislação e estratégias; promover
planos e procedimentos para ação coordenada; fortalecer recursos humanos e
institucionais; promover programas para educação, consciência e participação das
populações e promover a coleta, análise e disseminação de informação.
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
61
5.4 Habilidade profissionais
Segundo o Inter-Agency Standing Committee – IASC (2007), todos os
trabalhadores desempenham um papel essencial na prestação de serviços de saúde
mental e de apoio psicossocial em contextos de crise como casos de emergências e
desastres. Portanto, eles devem estar equipados com conhecimentos e aptidões
necessárias. O treinamento deve preparar para fornecer as respostas consideradas
como prioridades para a avaliação das necessidades.
Embora o conteúdo da formação possa ter alguns componentes
semelhantes em diferentes tipos de emergências, a maioria dos itens deve ser
alterado dependendo da cultura, do contexto, das necessidades e capacidades da
população local e da situação e não pode ser transferido automaticamente de uma
situação de emergência para outra. As decisões sobre quem deve ser treinado na
modalidade e o conteúdo e a metodologia de aprendizagem vão variar de acordo
com condições de emergência e as capacidades dos próprios trabalhadores. Se os
trabalhadores são mal educados e treinados ou há falta de habilidades e motivação
adequadas, pode haver danos severos para as populações as quais tentará ajudar
(IASC, 2007).
No Brasil, o Grupo IPÊ, de psicólogos com treinamento para atendimento a
situações de luto e emergência, enfatiza sua experiência a partir de diversos
acidentes aéreos, acidente rodoviário, acidente de construção e outros, ressaltando
sobre as considerações da inexistência de dois desastres iguais, o que leva,
necessariamente, à flexibilidade na atuação, mesmo que seja pautada em um
protocolo (Franco, 2005).
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
6
2
Neste sentido, cabe ressaltar a importância de se ter conhecimento profundo
das técnicas abordadas. O profissional deve ter consciência dos aspectos relevantes
de sua condição pessoal para este tipo de atividade, identificando suas
necessidades de descanso, alívio, até mesmo de afastamento da atividade, pois é
um indivíduo em risco (Franco, 2005).
O profissional que atua exposto a situações de stress, como o que atende
vítimas de emergências e desastres, apresenta também reações que podem ser,
segundo Lewis (1994) e Hodgkinson e Stewart (1998): emocionais, físicas e
cognitivas.
Dentre as habilidades profissionais necessárias para a atuação psicológica
em emergência, pode-se destacar a importância do contato visual com a pessoa
atendida, o respeito e não julgamento diante da situação, o interesse genuíno pelo
que o outro está trazendo, a flexibilidade para o trabalho em um setting diferente do
habitual e com situações concomitantes também diferentes e conhecer os próprios
limites para que consiga julgar com clareza no que, até onde e quando pode intervir
e o que pode ser feito naquele momento.
5.5 Pensando sobre a pós-graduação para a atuação em emergências e
desastres
A formação sugerida pelo IASC (2007), pode ser organizada através de
workshops e seminários, formação de curta duração, seguido de um trabalho de
apoio e acompanhamento permanente. Os workshops devem ser orientados para a
ação e concentrarem-se nas competências, conhecimentos básicos e normas éticas
fundamentais e ainda orientações necessárias para resposta a crises. Os seminários
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
6
3
devem ser participativos, adaptados à cultura local e contexto de aprendizagem e
utilização de modelos nos quais os próprios profissionais participantes são os
formadores e formandos.
Pessoas que trabalham em situações de emergência ficam frequentemente
muitas horas sob pressão e, por vezes com ameaças à sua segurança. Muitos
profissionais têm um suporte organizacional inadequado, e muitas vezes relatam
acabar com uma situação de estresse importante. Além disso, o contato com a
miséria, o horror e o perigos a que são submetidos os outros seres humanos é
emocionalmente desgastante e pode vir a afetar a saúde mental e o equilíbrio dos
profissionais do trabalho de assistência, remunerados ou voluntários. A prestação de
apoio destinado a atenuar as possíveis conseqüências psicossociais do trabalho em
crise é uma obrigação moral e responsabilidade das organizações que os
empregam. Para proteger e promover de forma mais eficaz o bem-estar é
necessário garantir uma resposta sistêmica e integrada, antes, durante e após as
ações, nas equipes de apoio que trabalham diretamente, seja com reuniões para
trocas de experiências, debriefing ou maneiras que a equipe concorde como sendo
benéfica (IASC, 2007).
Dentre as principais ações, durante a formação e manutenção dos
profissionais que atuam com emergência, sugeridas pelo IASC (2007) temos:
garantir a existência de um plano concreto para proteger e promover a saúde
pessoal mental em cada situação de emergência em particular; preparar o pessoal
para fazer seu trabalho e para o contexto da crise; facilitar espaços de trabalho com
condições o mais saudáveis possível; abordar os possíveis geradores de estresse
relativos ao trabalho; garantir o acesso aos serviços de saúde e apoio psicossocial
para os profissionais; prestar apoio aos profissionais que sofreram situações
A Psicologia das emergências ou Psicologia dos desastres
64
extremas (incidentes críticos, os eventos potencialmente traumáticos) ou que
tenham sido testemunhas; para os profissionais que tenham participado das tarefas
de frente, sempre que necessário, oferecer apoio posterior.
No Brasil, as diversas formas para se pensar neste tipo de formação vem
sendo discutidas pelo Conselho Federal de Psicologia, tanto em Congresso apoiado
por eles, como em reuniões específicas, porém ainda não se chegou a conclusões
definitivas. Existem poucos cursos ainda não formalizados, mas que capacitam com
qualidade os profissionais interessados.
PARTE 2:
A PESQUISA
CAPÍTULO 6
A pesquisa:
Objetivos
Método
Objetivos
67
CAPÍTULO 6 A pesquisa
6.1 OBJETIVOS
Geral:
- Examinar a experiência do psicólogo no contexto do atendimento
psicológico em emergência.
Específicos:
- Investigar a formação do psicólogo para trabalhar em emergência.
- Conhecer a vivência do psicólogo no trabalho em emergência;
Método
68
6.2 MÉTODO
6.2.1 Tipo de Estudo
Trata-se de uma pesquisa clínica e qualitativa para se obter informações
descritivas mediante contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de
estudo. O desenvolvimento de um estudo de pesquisa qualitativa supõe um corte
temporal-espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador. A pesquisa
qualitativa, segundo Denzin e Lincoln (1994), permite uma compreensão em
profundidade do fenômeno que se deseja pesquisar.
Temos como características da pesquisa qualitativa, conforme Godoy (1996):
1) o pesquisador como instrumento fundamental; 2) o caráter descritivo; 3) o
significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do
investigador. Denzin e Lincoln (1994) relatam que pesquisa qualitativa é um método
com muitas abordagens, que envolve uma perspectiva naturalista e interpretativa do
objeto, ou seja, os investigadores estudam coisas em seu ambiente natural,
tentando dar sentido, ou interpretar os fenômenos em termos do significado que as
pessoas lhe dão e pode ser usada uma variedade de material empírico estudo de
caso, experiência pessoal, introspecção, entrevista, observação.
Nesta pesquisa, far-se-á um estudo de caso, dado que “não é o tamanho do
grupo que define os procedimentos de construção do conhecimento, mas sim as
exigências de informação quanto ao modelo em construção que caracteriza a
pesquisa” (GONZÁLEZ-REY, 2005, p.110).
O estudo de caso, nesta situação, como aborda Stake (1994), define-se pelo
interesse por uma experiência em especial, um caso específico, com um
Método
69
funcionamento específico. Um estudo de caso significa, ao mesmo tempo, o
processo de aprendizagem sobre o caso em questão e o produto desse
aprendizado. O caso a ser analisado revelará uma história que pode ou não estar
relacionada a um determinado fenômeno.
Stake (1994) salienta que, ao estudar um caso, não se realiza uma escolha
metodológica, mas se opta pelo objeto a ser estudado, pois não como
compreender um caso sem saber de outros. O interesse, porém, por algum em
particular, justifica-se por sua complexidade, por sua compreensão em si mesmo, e
não pelo estabelecimento de uma teoria, não são enfatizadas as generalizações,
mas as comparações e as transposições são inevitáveis.
Ao pesquisador cabe possibilitar que o caso conte sua própria história, visto
ser um estudo naturalístico e, ao -lo, o leitor fará sua própria interpretação.
Diferentes significados coexistem no mesmo caso e, de acordo com cada leitor e
interesse, esses significados variam, daí a importância em deixar que o caso conte
sua própria história (BIASOTO, 2002).
6.2.2 Participante
A pesquisa foi realizada com uma psicóloga, atualmente com 41 anos,
residente na cidade de São Paulo. A participante declara-se o atuante em
nenhuma religião específica. É casada e tem 2 filhos, sendo um menino e uma
menina. Formada há 17 anos em Psicologia, fez pós-graduação há 10 anos e
mestrado 8 anos. Trabalha atualmente em consultório particular e como
professora universitária. Atua em situações de emergência e desastres desde 2001
quando passou a fazer parte de grupo que atua na área. Participou da assistência a
Método
70
diferentes situações de emergência no decorrer da carreira como acidentes aéreos,
acidente rodoviário, acidente com construções.
6.2.3 Procedimentos
A participação na pesquisa se deu por um convite direto à participante, tendo
como critério de inclusão ter atuado em, ao menos, três situações diferentes de
atendimentos a emergências.
O contato inicial e o convite para participação na pesquisa foram feitos
pessoalmente, ficando combinado de acertos de data e horário por e-mail, e assim
seguiu-se. No dia e data marcados, a pesquisadora foi até o consultório da
participante onde foi realizada a entrevista.
6.2.4 Instrumento
Como instrumento, num primeiro momento, foi feita a coleta de dados
referente a dados de identificação, idade, tempo de formação (Anexo 4).
Posteriormente, foi realizada uma entrevista semi-dirigida (Anexo 5) com questões
que pretendiam verificar se e quanto a profissional foi atingida pelo impacto da crise.
Também havia questões relativas à experiência e ao significado do trabalho em
emergência, onde foram abordados aspectos necessários para a identificação da
visão de mundo subjetiva antes do evento e suas modificações, assim como a
formação recebida para trabalhar em emergência
A entrevista foi gravada em áudio com mídia digital, conforme Termo de
Consentimento citado anteriormente.
Método
71
6.3.5 Análise dos dados
Após a entrevista, as informações foram transcritas na íntegra. A análise dos
dados se deu por meio da análise de conteúdo, segundo Bardin (2009). Os
principais aspectos da estratégia metodológica da análise de conteúdo são: os
objetivos específicos devem nortear a análise; utiliza a leitura analítica como
instrumento para a realização da análise; primeiramente se realiza a chamada pré-
análise que se pela análise textual e temática e a análise propriamente dita;
categorização dos elementos para análise; e tratamento das informações.
Levou-se em consideração durante a análise dos dados, que trabalhamos
com memória de evocação, relacionada a dados mais antigos, no caso o período
das atuações nas situações de emergência, observando que a evocação consiste
em um ato consciente e esforço intelectual para trazer ao momento presente uma
memória, o que pode ser influenciado pelo efeito da angústia. O processo de
evocação ou lembrança é o terceiro processo básico da memória, que ocorre
quando temos acesso às informações que foram armazenadas anteriormente na
memória, sendo essas informações utilizadas mentalmente através da cognição,
emoção ou comportamento (LENT, 2004).
A entrevista transcrita foi usada sempre protegendo a identidade da
participante e a gravação apagada assim que se finalizou a transcrição.
Conforme Silva (2009), a leitura flutuante do material transcrito foi realizada
com o intuito de analisar, de maneira geral, os sentidos trazidos pela entrevistada
sobre as vivências e experiências decorrentes delas. Nesse processo, foram sendo
destacadas as frases e palavras marcantes que indicavam crenças, atitudes,
sentimentos, vivências e emoções em relação à atuação em emergência. Desta
Método
72
forma, foi possível destacar os núcleos de sentido para formação das categorias de
análise que fossem qualitativamente representantes do discurso da participante.
6.3.6 Cuidados Éticos
A pesquisa seguiu todos os critérios e princípios éticos estipulados pela
resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, sobre
pesquisa envolvendo seres humanos, e passou pelo Conselho de Ética em Pesquisa
da PUC-SP sob o protocolo: 049/2010 (Anexo 1).
Também se seguiu as exigências do Código de Ética do Conselho Federal de
Psicologia garantindo à participante o sigilo em relação ao uso dos dados
fornecidos, de maneira a não identificá-la.
A participante foi informada sobre a pesquisa por meio do Consentimento
Livre e Esclarecido (Anexo 2) e o Consentimento para Atuar como Participante na
Pesquisa (Anexo 3), com os devidos cuidados quanto a informações da publicação
dos dados e análise e da possibilidade de desistir da pesquisa a qualquer momento.
Ficou acordado entre pesquisadora e participante que o acesso aos
resultados da pesquisa serão disponibilizados no momento em que a participante os
desejar.
CAPÍTULO 7
Apresentação dos dados coletados
Apresentação dos dados coletados
74
CAPÍTULO 7 – Apresentação dos dados coletados
Para a apresentação dos dados decidiu-se convencionar algumas coisas: a
participante será chamada de P. a fim de preservar sua identidade e facilitar o
entendimento do material exposto.
P. tem atualmente 41 anos, residente da cidade de São Paulo. É casada e
tem 2 filhos, sendo um menino e uma menina, declara-se não praticante de
nenhuma religião específica. Formada há 17 anos em Psicologia, fez pós-graduação
há 10 anos e mestrado há 8 anos. Trabalha atualmente em consultório particular e
como professora universitária.
Atua em situações de emergência e desastres desde 2001. Participou da
assistência a diferentes situações de emergência no decorrer da carreira como
acidentes aéreos, acidente rodoviário, acidente com construções.
P. apresentou-se bastante disposta em participar da pesquisa, demonstrando
bastante interesse no assunto pela possibilidade de compartilhar sua experiência.
Conversou sobre as situações propostas sem dificuldade aparente, com voz firme e
boa comunicação em todas as questões levantadas.
Bardin (2009) traz que as perturbações da palavra durante uma entrevista
podem servir como um indicador do estado emocional subjacente. Os significados,
habitualmente exteriorizados verbalmente, também podem ser expressos por
comportamentos não verbais, como por exemplo, a expressão facial, a postura e até
o silêncio (SILVA, 2009).
Durante a entrevista, foi possível observar alguns comportamentos não
verbais, muitos deles demonstrando a intensidade com que as lembranças das
situações de emergências atuadas estavam sendo evocadas.
Apresentação dos dados coletados
75
Na transcrição dos trechos da entrevista apresentada na discussão foram
retirados todos os nomes das pessoas envolvidas.
Convencionou-se utilizar alguns sinais gráficos:
[ ] reflexões e observações da pesquisadora que possibilitam maior
compreensão do discurso de P.;
( ) esclarecimentos das entonações, expressões verbais, ritmos, entre outras
variações do discurso, que não foram passíveis de percepção nas transcrições.
Em negrito estão as palavras às quais foi dada maior ênfase ou que
expressavam mudança de entonação.
Categorização
As categorias apresentadas a seguir foram formadas mediante o
agrupamento dos núcleos de sentido. Também há um entrelaçamento das
categorias. Não se pretende esgotar a análise, pois alguns pontos podem ter
permanecido obscuros aos olhos desta pesquisadora por seu envolvimento com o
tema pesquisado.
Foram observadas as seguintes categorias observadas: formação para o
trabalho; interesse pelo trabalho; experiência; alterações percebidas; limitações
pessoais; vivência e significado; e grupo de trabalho como suporte. Muitas vezes, as
categorias mesclam-se, sendo observado esse entrelaçamento no decorrer da
apresentação.
Formação para o trabalho em emergência
Apresentação dos dados coletados
76
A entrevista inicia questionando a formação profissional obtida, onde P. falou
de sua trajetória desde a graduação, para que possamos entender o caminho
percorrido até entrar na atuação em situações de emergências e desastres:
“[...] já na graduação, me envolvi num de atuação com população
de rua, basicamente prostitutas e travestis, era a época do boom da
AIDS né e todos os trabalhos foram surgindo, várias atuações, [...]
era uma área muito nova né.”
“[...] então quando eu soube dessa atuação me fascinou e aí eu
busquei trabalhar junto com eles e fui trabalhar na rua, com grupos
operativos e fiz uma especialização [...] usando todo o conceito
de saúde mental.”
“[...] no finalzinho da graduação eu tava atuando nessa área e aí
quando eu me formei eu continuei. [...] A gente acabou formando
uma ONG na época [...] tinha uma atuação bastante importante
nesse sentido e foi daí que eu comecei a buscar e buscar subsídios
para a questão da violência [...] quando comecei então a participar
de pesquisas durante um tempo [...] pra entender um pouquinho.”
A trajetória de P. nos assegura da necessidade da busca de qualificação e
aprofundamento para o desempenho adequado das atividades propostas.
“[...] em paralelo a isso eu entrei em contato com uma instituição [...]
que atuava sobre situações de violência intra-familiar, conjugal, e
usava mediação como método né, de intervenção [...] Sai dessa
atuação nessa instituição em 2002, quando meu filho mais velho
nasceu.”
“[...] Também a partir dessa vivência eu comecei a atuar [...] em
pesquisa sobre terminalidade e eu também fiquei bastante tempo e
eu me afastei desse campo porque eu tava grávida e então os
meus recortes de vida são a partir das minhas gestações.
Apresentação dos dados coletados
77
Neste momento, P. relatou momentos pessoais de vida influenciando na
busca e na maneira de se posicionar frente à busca de formação para profissão.
“[...] junto dessa área de terminalidade [...] a minha atuação foi mais
[...] de acompanhar os pacientes até o óbito, fiz todo um trabalho
aí e eu fui parando porque começou a ficar muito pesado. Quando
eu engravidei era muito contraditório pra mim a questão de eu
estar com uma vida e ver as crianças que eu atendia (expressão
com as mãos e rosto, querendo dizer que as crianças morriam) né,
soropositivas e foi me pegando e eu disse: oh não seguro e então
fui me afastando.” (categoria limitações pessoais)
P. relata a percepção de suas limitações pessoais e suas motivações durante
suas atuações, sendo necessário esse discernimento, que possibilita o afastamento
em alguns momentos, para conseguir cumprir com o papel que se disponibilizou e
proteger a si mesma.
“Aí fiquei só na parte da pesquisa e não fui mais a campo porque
precisava me preservar.”
[...] durante a pesquisa essa sobre terminalidade eu tinha acabado
de perder meu primo, foi um acidente de carro ele muito novo e
então assim eu fiquei muito impactada, e aí eu fiquei muito voltada
a entender como eram esses impactos né, porque convivendo e aí
participar da pesquisa foi muito por aí assim, como é que a gente
lida com essa história da morte né, e aí eu fui meio que pra
resolver as minhas questões, mas aí eu fui me encaminhando pra
isso.”
“[...] Quando eu engravidei, aí ficou um contratempo, você ta num
outro período, ta vivendo a vida e não mais envolvida na questão da
morte. É [...] então foi bem assim, eu troquei um caminho por conta
do nascimento do meu filho, mas sempre trabalhei nessa coisa da
violência, os rompimentos das relações...”
Apresentação dos dados coletados
78
Ao pedir para P. pensar sobre a graduação em psicologia, avaliando se a
formação recebida é suficiente para que o psicólogo atue em situações de
emergência, com a devida segurança para a sua saúde mental e para os assistidos,
esta usa entonação forte na voz:
“Não! (entonação forte) Nenhum pouco! [...] na graduação era de um
núcleo de professores de uma qualidade importante
(hospitalar)[...] eu sempre me coloco esses desafios [...] e aí você
vai desbravando a coisa sem ter tanta percepção na graduação
[...] mas era um recorte muito do psicólogo dentro de um hospital e
não dava maiores subsídios né, e então pensar em como é que
funciona por exemplo, o estresse pós-traumático eu não tinha
noção do que era, eu fui aprendendo sobre isso e fui tendo acesso
à literatura a partir da minha experiência como psicóloga em
emergência, depois de entrar pro grupo e começar a estudar
sobre isso. O que fez uma grande diferença na minha vida,
profissionalmente inclusive porque eu podia avaliar outras
situações a partir desse referencial que eu não tinha [...] gente sai
meio “gavetinhas” da graduação (fazendo gesto demonstrando
compartimentos) [...] e não, você pode circular este
conhecimento.”
Confirmando assim que os conhecimentos adquiridos para a atuação em
situações de emergência foram sendo construídos, porém mais especificamente
após os estudos aprofundados na área, juntamente com o grupo de psicólogos
especializados ao qual está inserida e, numa parcela significativa, do próprio
interesse em desvendar novos conhecimentos, em buscar respostas para situações
que entendeu serem de grande importância:
“[...] hoje eu consigo olhar esse meu percurso da rua, com trabalhos
com violência [...] riquíssimo pra você entender a dinâmica de uma
população que está vivendo sempre dentro de uma vulnerabilidade
muito grande, de risco [...] de que o que eu não entendo eu vou ir
Apresentação dos dados coletados
79
lá e vou estudar, eu vou pesquisar e vou me aliar a alguma coisa
mais acadêmica pra poder dar conta daquela angústia ou
inquietação e aí acho que veio o grupo de atuação em
emergência, um pouco por aí, veio dar conta de algumas
inquietações que eu via tanto em consultório como eu via nas
atuações que eu vinha fazendo.”
Ainda sobre a formação para atuar em emergência, P. refere sobre a
necessidade de se repensar a maneira de atuação e do olhar da psicologia frente às
novas demandas, que exigem que o profissional acompanhe o ritmo dos
acontecimentos e esteja preparado para o trabalho:
“Tem de perceber o quanto a gente precisa olhar as várias formas
de trabalhar né, e rever o tempo todo a nossa atuação, que esse
modelo que é clínico que a gente vai tendo, que a formação da
gente é muito clínica ainda, precisa ser revisto o tempo todo e aí
como é que se cria esse novo fazer né, que é novo ainda, muito
novo, Como é que voestuda e como é frente a este novo setting
de atuação, porque se cria um setting mas ele não é um setting
como a gente tem aí, institucionalmente falando, dentro da clínica.
Muda muito rápido e quando se estabelece uma situação ela já
mudou, é preciso acompanhar.”
O interesse pelo trabalho com emergências
Ao ser questionada sobre quando foi que começou a trabalhar nessa área e
por quais motivos fez essa escolha, P. declara abertamente:
“Boa pergunta! [...] recebi o convite pra que a gente pensasse
juntos nessa atuação e então na primeira reunião que teve eu tava
lá, sem saber muito a que eu estava indo [...] e eu fui muito para
entender o que era.”
Apresentação dos dados coletados
80
Podemos observar claramente nesta fala a característica que P. tem de
buscar abrir novos espaços de atuação em campos até então desconhecidos, como
no caso da emergência e também do trabalho relatado anteriormente, onde atuou na
pesquisa com população de rua.
“[...] a princípio pra mim era muito destoante da minha atuação, eu
entendia assim muito distante e não conseguia fazer muitos vínculos,
e hoje eu vejo que tem muito a ver né, mas lá atrás eu pensava
assim: ah é uma outra atuação só que sempre me interessou.”
“[...] lembro do impacto que teve o acidente da [nome da empresa]
na minha vida, o primeiro aqui [local], de [data] [...] meu filho tava
pra nascer, foi muito próximo da casa da minha sogra [...] e a
gente a partir daí viu que precisava de uma equipe [...] e então foi
muito por esse interesse, mas foi assim: vamos ver o que que é.”
Aqui se percebe que além da característica já observada de P. de estar em
busca de novas atuações, também ocorrem motivações e questões de interesse
pessoais acerca da situação de emergência experienciada de maneira que
despertou maior interesse pelo trabalho na área, onde fica mais claro com a fala:
“[...] foram as várias coisas [...] eu sempre achei uma atuação
importantíssima [...] me chamava a atenção essa preocupação
(com as conseqüências de situações de emergência) que eu até
então não tinha tido né, eu só tinha tido teoricamente aquela coisa
que você lê mas de um trabalho efetivo foi muito novo e me chamava
a atenção de como eu preciso ter isso. Aí tendo vivido a história
do acidente né, como expectadora na verdade, mas foi uma coisa
que mexeu com todo mundo [...] E eu sempre vivia essas questões
né, sempre algum momento de vida e morte né, que tava
acontecendo dentro de mim né, então foi meio por aí.”
A experiência no trabalho com emergências
Apresentação dos dados coletados
81
Sobre a experiência na área, P. demonstra muito envolvimento e uma
experiência muito rica derivada das diversas situações já trabalhadas, apesar de
demonstrar que, inicialmente, se sentia um tanto insegura para atuar:
“Comecei em 2001 quando o grupo que trabalho se formou [...] me
sentia dentro do grupo, no início, meio que às margens porque
assim: toda a situação de acidente ou eu não tava em São Paulo e
as pessoas iam atuar ou eu tava e teve uma vez que eu tava na
maternidade que minha filha tava nascendo e então eu ficava
ouvindo né as atuações e eu ficava muito assim: puxa como será que
é né e eu via todo mundo muito impactado né, muito envolvido,
impactado assim não pelas pessoas do acidente, mas eu via pelo
cansaço, pelo nível de dedicação que as pessoas tinham e as
riquezas que eles nos traziam né [...] e eu sempre fiquei muito de
fora, meio como ouvinte né, eu tinha receio no começo de atender,
de como era atender porque eu tava tantas vezes de fora que eu
pensei: ih como vai ser quando for a minha vez, quando eu tiver
mesmo que estar lá como vai ser, será que eu vou conseguir fazer
como eles fazem, como eles estão descrevendo, então tinha um
pouco isso.”
“[...] eu tenho recortes de atuação né e como eu tenho as outras
atuações foi sempre muito complicado organizar a agenda né, acho
que um tanto aí num primeiro momento por esse receio: como é
que vai ser, já vi todo mundo atuando e eu ainda não fui e eu ficava
meio assim, será que eu vou dar conta, será que eu vou conseguir
atuar tão bem quanto eu via as pessoas atuando e então gerou um
conforto e um desconforto.”
P. fala da experiência de atuar com uma expressão que demonstra grande
envolvimento com o trabalho em emergência, contando alguns episódios que
ilustram a maneira que sente essa atuação:
Apresentação dos dados coletados
82
“Acho que a minha primeira atuação eu não vou lembrar... [...] teve
um acidente rodoviário [...] teve um acidente aéreo [nome da
empresa] que eu trabalhei muito pouquinho porque eu tava numa
outra atuação, o acidente de construção [especificou] que trabalhei
bastante e fui até viajar com uma família [...] também o acidente
aéreo [nome da empresa] que trabalhei bastante.”
“Quando eu entrei na primeira situação né eu não sabia muito como
é que funcionava, eu sabia das falas, mas ali eu não sabia muito né e
isso faz muita diferença, eu via lá como que já tinha uma pauta de
interação das pessoas que já tinham trabalhado [...] e eu pensava:
bom eu tenho que pegar né como é que funciona isso né, então
isso me chamava muito a atenção né, esse primeiro momento de
inserção.”
Na fala de P. podemos perceber o envolvimento com o trabalho de uma
maneira bastante engajada, chegando inclusive a momentos de não conseguir
desligar-se do ocorrido, mesmo após finalizar o seu período de atendimento, o que é
visto por P. como um ponto importante a ser trabalhado, para diminuir a angústia e a
sensação de abandono do grupo:
“[...] a gente fica muito envolvido foi no acidente [especificou], que
eu fiquei lá um tempão trabalhando na situação do acidente e aí
eu tive que ir embora porque acabava o meu turno e iam chegar
outras pessoas, mas eu sai de lá angustiada porque eu vi que
precisava de mais gente [...] eu fiquei tão querendo voltar porque
eu via do grupo que precisava de mais gente, a demanda tava
assim muito grande e eu me sentia meio abandonando né, e essa
sensação de abandono é uma coisa que talvez eu tenha que mexer
um pouco...”
O envolvimento com o trabalho, por serem situações delicadas, envolvendo
normalmente grande número de pessoas, mobiliza bastante o profissional, mesmo o
mais preparado tecnicamente, como vemos nesta fala:
Apresentação dos dados coletados
83
“[...] eu via muito as pessoas cansadas (referindo-se aos colegas de
trabalho), esgotadas e isso é uma coisa que talvez eu tenha que
cuidar um pouco, porque você vai ficando tão envolvido que você
não se distancia [...] o meu limite aqui dentro é diferente, eu até
consigo colocar limite ali e ir embora mas ás vezes eu não consigo
ir embora aqui dentro [faz gesto com a mão no peito] e isso é uma
questão. Fico tentando checar com quem ficou, ou através dos e-
mails ver o que aconteceu depois que eu sai, e então essa questão
de que a história permanece e você que sai de perto dela é uma
angústia.”
Sobre as limitações pessoais diante da atuação
Confirmando questões apuradas no item Habilidades Profissionais na parte
teórica do trabalho, sobre a importância de conhecer seus limites diante da atuação
a ser desenvolvida, P. demonstra ter essa questão como ponto importante e
norteador para seu trabalho, já citado também na categoria sobre a formação:
“(sobre uma situação de atendimento domiciliar específica realizada
numa atuação em emergência) [...] comecei o atendimento e aí
veio a criança que era da idade da minha filha e aí a história toda
era muito parecida, [...] e aí pegou [...] eu já não dava conta e lá
eu já comecei a dizer então outro profissional vai entrar em contato e
comecei a encaminhar de um jeito pra não entrar porque eu vi:
oh não vai dar. Começou a me emocionar a história [...] quando eu
sai de lá eu meio que derrubei dentro do carro [...] eu disse: oh eu
não seguro, porque era ver a minha filha sem pai e então foi uma
coisa que impactou.”
“Uma outra questão que percebo estar no meu limite é que eu vou
ficando muito irritada com algumas questões [...] me dá um pouco
de dor no corpo, que é aquela situação de impotência de não poder
fazer nada também né, ver uma situação de caos e tava com um
misto de raiva e impotência, nesse momento eu disse: preciso ir
Apresentação dos dados coletados
84
embora! (entonação mais forte), eu não consigo, estou com muita
raiva e já to começando ficar num limite que eu não quero ser
grossa, não posso ser grossa [...] e isso é uma das coisas que eu
preciso cuidar, de poder dizer o não e não ficar desse jeito [...]
preciso dar conta disso. Mas acho bom porque é um sinalizador
muito forte, tu não vai ficar com o olho marejado e tal, mas fica com
muita raiva, aí eu percebo que não tá dando, que eu preciso ir
embora [...] saio do lugar que aí consigo entender que tá tudo muito
frágil, mas tem que se distanciar mesmo pra conseguir.”
P. atribui ter conseguido fazer essa distinção sobre os momentos em que está
no seu limite diante da atuação à sua prática e percurso profissional, além de
acreditar ser uma característica pessoal bastante forte também em outras situações
da sua vida:
Vem muito da minha prática, e também de percurso profissional
mas eu tenho algo que eu acho que é um defeito mas é uma
qualidade, que eu consigo definir limite muito claro. [...] então eu
tenho muito isso que por um lado é bom e por outro eu acho que eu
encerro situações que ás vezes eu não deveria, poderia esperar um
pouquinho mais. É... e com essas questões que me mobilizam eu
começo a me sentir mal.
Entender que estar atento às próprias limitações é algo importante para o
profissional, porém entender também que haverá situações que podem emocionar
mais, que podem fragilizar mais do que outras e que isso faz parte dessa atuação
também é importante:
“Acho importante ter a noção de que por mais treinamento que se
tenha vai ter uma hora que te pega (entonação mais forte e
expressão no rosto), isso não tem jeito, mas saber isso já é muito
bom [...] saber que tem esse limite e é até uma leitura do seu
corpo, de saber como é que você vai reagindo pra poder agir diante
daquilo tudo.”
Apresentação dos dados coletados
85
Sobre a vivência e o significado da atuação em emergência
Durante a entrevista P. vai contando e demonstrando com expressões e
gestos muito do que vive durante uma atuação em emergência e fala desse
significado:
” [...] É uma experiência intensa. Porque tem um recorte que ta ali, a
minha atuação tava ali, e eu não vou ficar carregando. No
começo foi mais difícil, até porque a minha expectativa de nunca
ter entrado era muito grande. Agora eu consigo ver o que é essa
atuação de verdade, que ela sai do papel e sai da fala, pra ser o
quê né, então, foi uma construção. E eu acho que não foi, acho que
ainda é.
Mesmo atuando em várias situações e cada uma tendo sua particularidade e
seu setting, percebe-se nesta fala de P. que é importante em algum momento poder
se sentir segura para a atuação, segurança essa de alguma familiaridade com a
situação, de observação do ambiente para poder se organizar e fazer o trabalho
necessário, passa pela concepção de mundo, o mundo presumido (PARKES, 1998)
que nos dá a segurança para atuarmos e vivermos:
“[...] uma situação que me impactou bastante também, foi ter
chegado lá na situação do acidente aéreo e chegar logo após o
ocorrido, aquela cena ficou e ficou porque foi uma sensação de que
o mundo tinha acabado, eu fui tentar entrar na [cita avenida] e não
conseguia porque tava fechada, eu tinha que tentar chegar no
aeroporto e não tava conseguindo, e como eu fazia (entonação de
pergunta), então você andava pela rua e você via o fogo lá longe e
tudo deserto e aí pensei: o que me espera, isso foi um impacto.
Mas o engraçado que quando eu fui chegando no lugar que eu
precisava isso foi passando, eu fui vendo que o cenário estava
mais conhecido, eu vi que reconhecia aquele monte de jornalistas
num lado, outras situações em outro e ficou mais conhecido, porque
a imagem do que eu ia encontrar era muito terrível e foi terrível? Foi!
Apresentação dos dados coletados
86
Mas eu consegui me localizar e entender no que eu tinha que
trabalhar.”
Os significados sobre suas atuações são bastante valorizados por P. que
consegue integrar as atuações e resignificar as experiências que a fortalecem para
outras situações, seja pelo conhecimento adquirido, seja pela vivência em si:
Muitos significados né, muitos! (entonação forte). Acho que abriu
portas pra eu entender essas outras coisas, essas outras situações
influenciando a vida das pessoas, essas situações traumáticas e
os efeitos que tem o trauma, as situações de adoecimento, este
enlutamento...”
A experiência obtida nesse percurso pelas diferentes atuações de P. a
ajudaram a perceber os momentos de necessidade de descanso e relaxamento,
necessários para repor as energias e estar inteira durante as atuações, com isso ela
relata algumas das coisas que a ajudam nesse relaxamento:
“Uma das coisas que me ajuda e que preciso voltar a fazer é
academia, também caminhadas me ajuda muito, nadar, ouvir
música, ficar em família [...] sentir que eu tenho esse eixo
doméstico, me ajuda muito. Também mexer com plantas, teve dias
que eu voltava de atuações e aí eu trocava vasos de lugar, plantas e
ficava mexendo na terra e então isso me ajuda sempre, me alivia
muito.
Sobre alterações percebidas
Um dos pontos de investigação durante a entrevista foram as possíveis
alterações que o profissional pode desenvolver durante e após o trabalho em uma
Apresentação dos dados coletados
87
situação de emergência, para poder observar as reações, pensar em treinamentos
que envolvam esses aspectos e entender como se dão.
P. fala sobre alterações no seu estado emocional e físico em algumas
situações, muitas dessas alterações sendo percebidos conforme a família sinalizava
que estavam ocorrendo:
“Sim, muitas alterações! (entonação forte) Eu não percebia mas os
feedbacks familiares me mostram [...] o telefone virou uma questão
fóbica pros meus filhos e isso mexe também comigo [...] aí preciso
fazer alguma coisa pra não ficar lá alimentando a situação [...] E
quando eu voltava dos plantões ou atuações em emergência eles
dizem que volto muda, meu marido pergunta como foi se estou bem
e que eu sou muito monossilábica com as respostas, ele diz que eu
volto com a cara triste, eu não me sinto triste mas eu devo estar
né, mas é uma coisa mais de cansaço, de dizer olha o que a gente
vê lá é complicado.
Sobre alterações no sono e apetite, quando questionada P. relata como se
percebe, demonstrando o quanto a mudança no ambiente de trabalho também altera
o funcionamento pra algumas pessoas:
“Normalmente eu não tenho problemas com o sono, normalmente eu
tenho problemas com a alimentação, de comer mais porque
durante a atuação eu fico muito tempo sem comer [...] Então é
pelo meu funcionamento mesmo, é pelo compromisso porque eu sei
que vou ficar mais cansada, não estou num ambiente que é o meu
ambiente de sempre... faz diferença pra mim.
“Sono a única vez que mudou e que eu senti muito foi quando teve
um falecimento de um familiar de uma paciente e que eu tinha saído
de um plantão e tive que voltar e passar a noite com eles e aí no
outro dia eu tinha uma festa (de família) e eu fiquei sem dormir, e
eu não conseguia dormir de novo e então foi assim, por conta do
impacto da situação [...] Então foi uma situação que pegou porque eu
Apresentação dos dados coletados
88
estava exausta [...] e então eu fiquei vibrando no acidente durante
todo o período [...] E depois no dia seguinte eu tinha outra atuação
pra ir, e fiquei esgotada, ali eu fui além do meu limite, mas não tinha
o que fazer. Normalmente eu cuido pra não entrar nisso, mas ali
não tinha como.”
Quanto a reviver as situações do momento das atuações e perceber se isso
se expressa pra ela de alguma forma, seja por comportamentos ou sensações,
podemos perceber que há um enfrentamento pessoal, necessário para que aquela
situação não seja permanente e nem ameaçadora para a sua saúde mental:
“eu fico com as histórias dentro de mim mas eu traço um paralelo
[...] As atuações elas tem um peso, algumas delas ficam [...] mas
é dentro de uma normalidade.”
“Mas uma coisa que eu notei e que na verdade demorou pra eu notar
é que eu sempre fui muito, hã, acho que destemida pras coisas sabe
[...] não é algo que eu vou sem avaliar riscos, mas assim eu não
tenho muitos receios né só que eu comecei a perceber que eu
comecei a ficar receosa com carros, de brecadas bruscas, comecei
a ver que eu ficava de sobressalto, e percebi que se deve a isso, eu
não fiquei com medo de vôo nem nada, mas eu acho que eu
desloquei pra essa questão do carro [...] eu já fico assim alerta
[...] vejo que tem aí um quê a mais por conta de acidente, que
começou a fazer parte da minha história.”
Grupo de trabalho como suporte
“ [...] acho que a minha vivência dentro de um grupo grande e com
essa diversidade é que é um dos ganhos maiores assim né, eu
tenho um afeto e um carinho muito grande por essa rede que a
gente forma, com gente chegando e com gente saindo mas são
relações que são relações assim de... que eu guardo muito e então
acho que isso tem um grande significado, e ao mesmo tempo as
Apresentação dos dados coletados
89
relações não transcendem a atuação né, [...] mas temos uma
cumplicidade muito grande né, e então isso é uma coisa que eu
guardo, é um espaço de escuta, pra gente poder dividir o que sente
e melhorar a forma de trabalhar, porque isso não é em qualquer lugar
que podemos fazer, existem grupos de trabalho que não se permitem
não.”
Tal colocação de P. mostra que a afirmação de Carvalho (1996) na teoria é
válida. Ele aponta sobre a não aceitação de que profissionais da saúde expressem
seus sentimentos e emoções, ainda mais no ambiente de trabalho. Robbins (1993)
também confirma tal colocação e ainda acrescenta que ter um espaço para
compartilhar pode se tornar um elemento facilitador para enfrentar a crise, o que fora
citado em relação ao grupo de trabalho, enfatizando o pertencimento e a satisfação.
Porém esse grupo, na maior parte das vezes acolhedor, pode em algum
momento da crise abalar-se, pois são diferentes pessoas e diferentes formas de se
relacionar, como percebemos na fala de P. ao ser questionada sobre situações
doloridas que tenha vivido durante suas atuações em emergência. Nesse aspecto, a
união e a habilidade dos profissionais para resolver os problemas são importantes,
para que não se rompa este modelo de funcionamento citado anteriormente por P.
“Dolorida não do acidente em si mas da situação que vivemos
enquanto grupo, [...] com uma colega de trabalho, foi uma situação
muito difícil porque foi um desentendimento e tudo o que eu fui
fazendo foi em um sentido e a interpretação da colega foi em outro
e as relações no grupo ficaram muito ruins ali né [...] foi muito
difícil. Foi numa seqüência de coisas que eu fiz além do que dava
conta [...] foi uma coisa que eu não dominei o que estava
acontecendo naquela situação [...] Talvez se eu tivesse que pegar
uma história de algo de como é que eu cuidaria, como eu reveria,
talvez seria reescrever esse pedaço porque foi muito sofrido, de
algo de grupo, de um grupo que não acolheu e eu achei muito ruim
e foi um momento onde eu pensei: acho que vou sair dessa atuação
porque eu não entendo... [...] Acho que a expectativa dela era uma
Apresentação dos dados coletados
90
e a minha era outra e como isso é complicado né, depois dali eu
comecei a pensar em muitas questões tanto de relacionamento da
gente enquanto grupo e também de essa coisa de quem ta olhando a
macro-história precisa ter muito cuidado, de como é complicado
porque a gente vai vivenciando ali coisas que muitas vezes nem são
muito fatos, é mais na questão relacional e então isso me ficou.”
“Por isso quando aconteceu a situação com a colega que já citei, foi
rompido assim, o lugar que eu me sentia muito em casa de repente
não era...”
O profissional envolvido em uma situação de trabalho em emergências e
desastres também sente o impacto e essa situação deve ser validada. Percebeu-se
que o grupo ao qual P. pertence, ao abrir espaço para que isso ocorra, oferece
momentos de compartilhar as experiências, contribui para que os profissionais
sintam-se pertencentes a um grupo que entende suas vivências, o que mostrou dar
maior sustentação para desempenharem tranquilamente seu trabalho, apesar de
haverem dificuldades.
Ainda com relação ao sentimento de pertencimento a um grupo, notou-se na
entrevista o quanto o sentimento de união existe, por muitos momentos, no qual P.
referiu-se, exemplificando que não se sente sozinha, podendo falar para um grupo e
tendo a sensação de ter um apoio, o que a alivia em muitas situações.
Relação com a família
Pensando sobre a relação do profissional que atua em emergência e a sua
família, foi questionado à P. sobre como ela percebia o olhar da família sobre a sua
atuação, que foram divididos entre a família nuclear e a família extensa, pelo
Apresentação dos dados coletados
91
convívio ser de qualidade e quantidades diferenciadas e, portanto, a maneira como
as pessoas entendem também é diferente:
“[...] a família nuclear em alguns momentos de resistência, de dizer
não vai, olha tem certeza? Será que vai ir bem, será que você não
vai sofrer? Mas hoje em dia já é melhor, com o passar do tempo eles
perceberam a importância e também a minha maneira de me
posicionar [...]
mas o trabalho com emergência toma conta e te
rouba desse convívio em algumas situações, que é diferente da
tua rotina, e então isso tem um peso.”
“A família extensa tem piadinhas do tipo que eu vou montar um site
do tipo www.desgraca.com porque eu trabalho com acidentes e de
coisas assim de um humor negro, de achar que eu cuido de todas
as questões mais difíceis do mundo e eu falo: não, não é assim...
[...] o olhar meio curioso sobre a atuação [...] é difícil você colocar
um limite [...] eu já tenho um pouco de treino nisso.”
Ainda detendo-se na relação com a família, mais especificamente com a
família nuclear, P. relata um envolvimento maior e uma tentativa sempre de
preservação de um ambiente saudável para a interação de todos, mesmo que a
situação de emergência mexa na dinâmica natural:
“As situações abalam, só que acho que hoje já muito menos...
[...]quando vem uma situação de acidente é mexer nessa
dinâmica que por si já vai se modificando mas que tem uma coisa
assim que vai roubar a mãe,, que vai roubar a esposa... [...]o meu
marido ele funciona super bem nisso, de que vou ter que sair
bastante [...]muito isso e me ajuda muito nesse limite né, mas eu
sei que a cada situação eu vou precisar desenhar né, em que
momentos eu garanto espaços e eu tenho muito essa
preocupação, de que momentos do dia eu vou poder participar
mais de coisas de, por exemplo, levar as crianças no inglês, na
natação, enfim... pra poder ficar junto.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações finais
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o levantamento bibliográfico, entrevista e análise do conteúdo,
é possível dizer que o objetivo proposto de investigar como o profissional de
psicologia vivencia a experiência de trabalhar em situações de emergências e
desastres e também conhecer a sua formação foi alcançado, de forma que se pôde
também contribuir para compreender melhor como se o trabalho e envolvimento
desses profissionais.
Desde o primeiro momento que se pensou sobre este trabalho, a intenção era
poder conhecer este funcionamento, poder observar como o profissional sentia-se
atuando nessas situações, por ter levantado uma série de questionamentos durante
a própria atuação da pesquisadora como psicóloga em emergência e ao ouvir o
relato de colegas que trabalham na mesma situação.
O estereótipo da psicologia é diferente do que se faz na atuação em
emergência, ou seja, a atuação clínica em consultórios ou hospitais, a atuação em
escolas que é basicamente o mais conhecido pela sociedade no geral. As pessoas
têm a tendência de ir pelo estereótipo, por ser conhecido. uma necessidade de
flexibilidade para o trabalho com emergência.
Ao trabalhar com emergência é importante levar em consideração que nunca
uma situação é igual a outra, o que faz com que o profissional se veja diante de um
desafio, um esforço de conseguir diagnosticar uma situação com pouca informação
e isso pode gerar uma expectativa, como um fator de proteção pessoal. Expectativa
essa que deve ser bem administrada, pois pode distorcer bastante a situação.
Mesmo que cada situação seja uma, é preciso considerar que temos a experiência
para a atuação. Esse aspecto norteia o trabalho em emergência.
Considerações finais
95
Com esta pesquisa pretendia-se salientar a responsabilidade que se tem
diante de um trabalho em situações de emergência, a necessidade do
comprometimento e auto-avaliação, e isto foi alcançado.
Trabalhar com situações de emergência é inevitavelmente estressante. As
longas horas de trabalho, cuidar das muitas necessidades e demandas dos
sobreviventes, a ambigüidade de papéis e exposição ao sofrimento humano pode
afetar até o profissional com mais experiência. Ao mesmo tempo que este é o tipo
do trabalho que traz desafio e recompensa pessoais, também tem o potencial de
afetar os profissionais de muitas maneiras adversas. Freqüentemente, o stress do
pessoal é algo considerado tardiamente, deixado de lado. Adotar uma perspectiva
preventiva permite tanto ao profissional quanto ao grupo de trabalho a que pertende,
que antecipem os estressores e apontem as crises ao invés de simplesmente reagir
a elas depois que ocorrem.
Vale lembrar que tal pesquisa não teve a pretensão de apresentar caráter
conclusivo e fechado a respeito das experiências vividas pelos profissionais de
psicologia atuantes em situações de emergências, mas sim caráter de estudo de
alguns aspectos e contribuir para estudos futuros mais específicos.
REFERÊNCIAS
Referências
97
REFERÊNCIAS
Impressas
- American Psychiatric Association APA. Diagnostic and statistical manual of
mental disorders DSM-IV. (4ª ed.). Washington, DC: Autor. 1994.
- BARDIN, L. Análise de conteúdo. 5ª ed. Lisboa: Edições 70. 2009.
- BIASOTO, L. G. A. P. Violência Conjugal: um estudo de caso. Dissertação de
Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2002.
- BOWLBY, J. Separação: angústia e raiva. Em Trilogia Apego e Perda. vol. 2 São
Paulo: Martins Fontes, 1984.
___________ Formação e rompimentos de laços afetivos. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
___________ Perda: tristeza e depressão. Em Trilogia Apego e Perda, vol 3. São
Paulo: Martins Fontes. 2004.
- BROMBERG. M. H. P. F. A psicoterapia em situações de perda e luto. São
Paulo: Editorial Psy II. 1994.
- CALAIS, S. L. Transtorno de Estresse Pós-Traumático: Intervenção Clínica em
Vítimas Secundárias. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Campinas. 2002.
- CARVALHO, V. A. A vida que há na morte. Em BROMBERG, M. H. P. F.,
KOVÁCS, M. J., CARVALHO, M. M. M. J., CARVALHO, V. A. Vida e Morte:
Laços da Existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
- DENZIN, N. K. e LINCOLN, Y. S. Handbook of qualitative research. Thousand
Oaks, London, New Delhi: Sage Publications. 1994.
Referências
98
- FRANCO, M.H.P. Psychosocial Support in disasters as part of Crisis
Intervention. Anais do 12
o
Seminário Internacional de Psicologia da Aviação.
Dayton: Ohio State University. pp. 403-405. 2003.
- FRANCO, M. H. P. Atendimento psicológico para emergências de aviação: a teoria
revista na prática. Revista Estudos de Psicologia de Natal. 10(2):177-180,
maio-ago. 2005.
- FREUD, S. Obras Completas: Luto e Melancolia. Vol. XIV Ed. Imago Edição
Standard Brasileira: São Paulo. 1974.
- GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de
Administração de Empresas. v.35, n.2. 1995.
- GONZÁLEZ-REY, F. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de
construção da informação. São Paulo: Editora Pioneira Thomson Learning,
2005.
- GRÉGIO, C. O Antes e Depois do TRAUMA: Vivência Traumática e o Mundo
Presumido. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo. 2005.
- GUIMARÃES, L.A.M. e GUIMARÃES, P.M. A cnica de debriefing psicológico em
acidentes e desastres. Mudanças Psicologia e Saúde. Vol. 15. p 1-12. jan-jun
2007.
- HODGKINSON, P.E. e STEWART, M. Coping with Catastrophe; a handbook of
post-disaster psychosocial aftercare. Londres, Routledge. 1998.
- JAMES, R. K. e GILLILAND, B. E. Crisis Intervention Strategies. Londres,
Brookes Cole. 2001.
- KOVÁCS, M. J. Morte e Desenvolvimento Humano. 4ª. Edição. Casa do
Psicólogo Livraria e Editora: São Paulo. 2002
Referências
99
- LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios: Conceitos Fundamentais de
Neurociência. São Paulo: Atheneu. 2004.
- LEWIS, G. W. Critical Incident Stress and Trauma in the Workplace;
recognition, response, recovery. Levinton: Accelerated Development. 1994.
- LIMA, B.; POMPEI, S.; SANTACRUZ, H.; LOZANO, J. e PAI, S. La detección de
problemas emocionales por el trabajador de atención primaria en situaciones de
desastre: Experiencia en Armero Colombia. Salud mental. V.12 No 1, mar.1989.
- PARKES, C. M. Luto: estudos sobre perda na vida adulta. São Paulo: Summus.
1998.
- PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
- ROBBINS, J. The needs of staff. Em ROBBINS, J. Caring for the dying patient
the family. Londres: Capman and Hall, 1993.
- SILVA, D.R. E a vida continua… O processo de luto dos pais após o suicídio
de um filho. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo. 2009.
- STAKE, R. E. Case Studies. Em Handbook of Qualitative Research. N. K. Denzin
e Y. S. Lincoln (editors), Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage Publications.
1994.
- TAVARES, J. Resiliência e educação. São Paulo: Cortez. 2001
- THOMÉ, J. T.; BENYAKAR, M. e TARALLI, I. H. Intervenção em situações limite
desestabilizadoras: crises e traumas. Rio de Janeiro: ABP Ed. 2009.
- VIEIRA, R.M. e GAUER, G.J.C. Transtorno de estresse pós-traumático e transtorno
de humor bipolar. Rev. Bras. Psiquiatria. vol.25, supl.1. São Paulo. jun.2003.
- WERLANG, B.S.G; SA, S.D. e PARANHOS, M.E. Intervenção em crise. Revista
Brasileira de Terapia Cognitiva. vol.4, n 1. jun.2008.
Referências
100
- YOUNG, M.A. The Community Crisis Response Team Training Manual. 2a ed.
Washington: National Organization for Victims Assistance NOVA. 1998.
Eletrônicas
- ALAMO, S. V. 2007. Psicología en emergencias y desastres una nueva
especialidad. Disponível em
<http://www.monografias.com/trabajos10/emde/emde.shtml>. Acesso em 12.out.
2009.
- American Academy of Experts in Traumatic Stress. Disponível em
<http://www.aaets.org/>. Acesso em 10.set.2009.
- BALLONE, G.J. Transtorno por Estresse Pós-Traumático. 2005. Disponível em
PsiqWeb <http://www.psiqweb.med.br>. Acesso em 04jan.2010.
- CARVALHO, M. T. M. e SAMPAIO, J. R. A formação do psicólogo e as áreas
emergentes. Psicol. cienc. prof. vol.17, no.1. p.14-19. 1997. Disponível em
<http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98931997000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 10.set.2009.
- CARVALHO, A.C. e BORGES, I. A trajetória histórica e as possíveis práticas de
intervenção do psicólogo frente às emergências e os desastres. Anais
eletrônicos do V Seminário Internacional de Defesa Civil DEFENCIL. São
Paulo, 2009. Disponível em <www.defencil.gov.br/artigo.php?artigo=29>. Acesso
em 15.jan.2010.
- CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.
Disponível em
Referências
101
<http://www.cenipa.aer.mil.br/cenipa/paginas/estatisticas/aviacao_civil.pdf>.
Acesso em 20.set.2009.
- Conselho Federal de Psicologia CFP. Atribuições Profissionais do Psicólogo
no Brasil. Disponível em
<http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumento
s/atr_prof_psicologo.pdf>.Acesso em 15.out.2009.
- DATASUS Ministério da Saúde Departamento de Informática em Saúde.
Disponível em <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/extuf.def>.
Acesso em 10.set.2009.
- GABORIT, M. Desastres Y Trauma Psicológico. Pensamiento Psicológico,
jul/dez, v2(007), pp. 15-39, Cali, Colômbia. 2006. Disponível em
<http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=80120703>.
Acesso em 15.set.2009.
- IASC Inter-Agency Standing Committee. Guía del IASC sobre Salud Mental y
Apoyo Psicosocial en Situaciones de Emergência. Ginebra: IASC. 2007.
Disponível em
<http://www.humanitarianinfo.org/iasc/pageloader.aspx?page=content-products-
default>. Acesso em 30.jan.2010.
- OMS Organização Mundial de Saúde. Disponível em <http://new.paho.org/bra/>.
Acesso em 22.set.2009.
- OMS Organização Mundial de Saúde. Disponível em
<http://www.who.int/hac/about/definitions/en/index.html>. Acesso em 22.jan.2010.
- Secretaria Nacional de Defesa Civil (2007). Política Nacional de Defesa Civil.
Disponível em <http://www.defesacivil.gov.br/publicacoes/publicacoes/pndc.asp>.
Acesso em 22.set.2009.
ANEXOS
103
ANEXO 1
PROTOCOLO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
104
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O presente questionário tem a finalidade de buscar dados para dissertação do
mestrado que fala sobre: O psicólogo com atuação em emergências: experiência
e significado. Esta pesquisa propõe examinar a experiência do psicólogo no
contexto do atendimento psicológico em emergências, investigando o significado da
atuação para o psicólogo e a repercussão que o trabalho em emergência tem, tanto
para a vida pessoal quanto profissional do psicólogo.
Para essa pesquisa peço sua colaboração para responder às perguntas e a
permissão para que a entrevista seja gravada, para que assim não se perca nenhum
dado que você traga. Posteriormente à transcrição, as gravações serão apagadas.
Seus dados pessoais não serão identificados e o que você relatar o será
associado a você de nenhuma forma.
Salienta-se que você tem toda a liberdade em participar ou não da pesquisa,
podendo desistir a qualquer momento sem nenhum prejuízo.
Qualquer dúvida que tenha ou qualquer informação adicional poderá entrar
em contato com a pesquisadora pelos telefones: (XX) XXXX-XXXX e (XX) XXXX-
XXXX, ou ainda pelo e-mail: XXXXXXXXXXXXXXXXXX.
Agradeço desde já a sua colaboração.
Atenciosamente,
__________________________
Adriana Silveira Cogo
Psicóloga/Pesquisadora responsável CRP: 06/86792
105
ANEXO 3
CONSENTIMENTO PARA ATUAR COMO PARTICIPANTE NA PESQUISA
Eu, ______________________________________________________, RG
_________________, abaixo assinado, tendo recebido as informações sobre a
pesquisa e ciente dos meus direitos abaixo relacionados, declaro concordar em
participar da pesquisa “O psicólogo com atuação em emergências: experiência e
significado“, realizada pela psicóloga Adriana Silveira Cogo, CRP 06/86792, RG
XXXXXXXXXX, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Maria
Helena Pereira Franco, CRP 06/1690.
Estou ciente que minha participação implica em ser entrevistada, o que
poderá tomar algum tempo. Estou também ciente que os dados obtidos nestas
entrevistas serão preservados, sendo respeitado o sigilo e confidencialidade, usados
apenas para esta pesquisa, a qual posso deixar de participar a qualquer momento,
sem que acarrete nenhuma conseqüência. Os resultados dessa pesquisa poderão
ser úteis para elaborar recomendações aos psicólogos em formação para atuação
em emergência e para os indivíduos assistidos por esses, de maneira a minimizar os
riscos e promover saúde.
Permissão para gravação da entrevista: ( ) Sim ( ) Não
São Paulo (SP), ___ de _________________ de ________.
Assinatura participante: ______________________________
Assinatura pesquisadora: _____________________________
106
ANEXO 4
FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA: DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome da participante: ________________________________________________
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade: ______ anos Religião: ( ) Calica
( ) Evangélica
( ) Espírita
( ) Outros: _______
Estado civil: ( ) Solteiro(a)
( ) Casado(a)
( ) Viúvo(a)
( ) Separado(a)
( ) Outro: ________
Filhos: ( ) Sim ( ) Não Quantos? _________
Local que reside atualmente: ____________________________
Tempo de formação: Graduação - _____ anos
Especialização - _____ anos
Mestrado - _____ anos
Doutorado - _____ anos
Pós-doutorado - _____ anos
Cursos referentes ao tema da pesquisa: _________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________
Trabalha com emergências desde quando? _______________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________________
Horário da entrevista: Início: ______ Término: ______
107
ANEXO 5
ENTREVISTA
Questões norteadoras e disparadoras não rígidas:
1- Qual a tua formação dentro da psicologia? Desde a graduação.
2- Fale sobre sua experncia no trabalho com emergências, começando por dizer
quando iniciou e por quê.
3- Em que situações e momentos se deu sua atuação e qual foi o direcionamento
em cada uma delas (familiares, funcionários, público em geral, profissionais de
assistência...)?
* Explorar: Mudanças decorrentes saúde, espiritual, relacionamento com pessoas,
idéias sobre si e o mundo.
Sobre a qualidade da formação
4- Como se sente, com a formação recebida, para o trabalho em emergência?
Explique:
5- Você acredita que deveria atuar de alguma forma diferente em uma próxima
situação?
Sobre a repercussão
6- Passado o momento do trabalho e a assistência oferecida, você percebeu alguma
alteração no seu estado emocional? Explique:
7- Você pode se lembrar de como reage nos dias seguintes? (Sono, apetite,
relacionamento inter-pessoal...)
108
8- Você percebe que fica, às vezes, com a sensação de estar vivendo a situação
novamente? Isso se expressa em sentimentos ou em comportamentos? E em
sensações físicas?
9- Existe alguma situação durante alguma atuação que você tem dificuldade em se
lembrar?
Sobre o significado
10- O que significou para você ter trabalhado nessas situações de emergência?
11- Como você percebe que é, para sua família, você trabalhar nessas situações de
emergência? Como ficou a relação?
*** Explorar a saúde dessa relação depois que o profissional volta pra casa.
12- Você gostaria de compartilhar alguma outra situação que não tenha sido
abordada?
Entrevista
109
ANEXO 6
TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA ENTREVISTA
A: Qual a sua formação dentro da psicologia? Desde a graduação.
P: Como eu fui voltando minha vida profissional?
A: Sim, que direções tomou desde a graduação?
P: Eu fui, já na graduação, me envolvi num trabalho junto com uns alunos da
[universidade] onde faziam, tinha toda uma atuação com população de rua,
basicamente prostitutas e travestis, então a partir de um trabalho da
universidade eles foram fazer, era a época do boom da AIDS, e todos os
trabalhos foram surgindo, várias atuações, o que que era, essa
soropositividade que ainda não era soropositividade, então eles foram fazer um
trabalho com a população da região [local], eles pertenciam ao núcleo da
universidade e estavam em anos mais adiantados do que eu, só que eu
conhecia alguns deles e me envolvi muito com eles contando as histórias das
atuações, era uma área muito nova né. Quando eu fui para a graduação eu não
queria clínica né, eu queria atender pensando mais na psicologia escolar e eu
não queria organizacional, isso eu sabia, hã, então quando eu soube dessa
atuação me fascinou e aí eu busquei trabalhar junto com eles e fui trabalhar na
rua, com grupos operativos e fiz uma especialização, então trabalho de grupos
operativos, Pichón-Riviére e tal, usando todo o conceito de saúde mental e
estudei com [nome do professor] e fiz toda minha formação por aí, hã, comecei
entrar um pouquinho em psicologia comunitária, mas não me formei nisso e
então foi basicamente com trabalho de prevenção às DST, oficinas de sexo
Entrevista
110
seguro, grupos operativos de prostitutas e travestis e então no finalzinho da
graduação eu tava atuando nessa área e aí quando eu me formei eu continuei.
A gente acabou formando uma ONG na época, que era conhecida como [nome
da ONG] que recebia uma verba [fala de onde], a gente tinha uma atuação
bastante importante nesse sentido e foi daí que eu comecei a buscar e buscar
subsídios para a questão da violência, que me chamava muito a atenção a
violência que eles viviam, né, que vivenciavam a violência urbana da própria
condição e também os históricos que eles traziam tinha muita vivência da
violência intra-familiar, a violência doméstica, e a partir disso eu fui me
aproximando do trabalho de [fala o nome da profissional] que é uma [profissão]
importante que atua na situação de violência, com pesquisa e eu fiquei
participando dessas pesquisas durante um tempo pra entender um pouquinho
né, tem toda uma visão feminista e tal e então, hã, fui aliando as duas coisas
né, em paralelo a isso eu entrei em contato com uma instituição que era
[nome da instituição] nessa época, que atuava sobre situações de violência
intra-familiar, conjugal, e usava mediação como método né, de intervenção
sobre essas situações e trabalhei durante quase todo o período. Sai dessa
atuação nessa instituição em 2002, quando meu filho mais velho nasceu.
Também a partir dessa vivência eu comecei a atuar, não sei certo que data, foi
logo em seguida da minha formação da graduação que comecei a atuar junto
com a [nome da professora] na pesquisa sobre terminalidade e eu também
fiquei bastante tempo nessa pesquisa e eu me afastei desse campo porque eu
tava grávida do meu primeiro filho e então os meus recortes de vida são a partir
das minhas gestações. É e que eu vou até quase o final, tanto que no final da
minha atuação eu to com o bebê no colo, finalizando a pesquisa, os dados que
Entrevista
111
a gente acabou colhendo. Então fiz todo um trabalho junto dessa área de
terminalidade, com pacientes de câncer e AIDS e a minha atuação foi mais
com pacientes de câncer dentro de casas de abrigo, de acompanhar os
pacientes até o óbito, fiz todo um trabalho e eu fui parando porque começou
a ficar muito pesado. Quando eu engravidei era muito contraditório pra mim a
questão de eu estar com uma vida e ver as crianças que eu atendia (expressão
com as mãos e rosto, querendo dizer que as crianças morriam) né,
soropositivas e foi me pegando e eu disse: oh não seguro e então fui me
afastando. fiquei na parte da pesquisa e o fui mais a campo porque
precisava me preservar. Fui fazendo essas coisas todas meio que em paralelo.
A: Me fala da tua experiência no trabalho com emergência
especificamente. Começando a me dizer quando iniciou e por quê:
P: Boa pergunta! Então quando eu iniciei a atuação... hã, quando formou-se o
grupo que faço parte, então a [coordenadora do grupo] entrou em contato
comigo e recebi o convite pra que a gente pensasse juntos nessa atuação e
então na primeira reunião que teve eu tava lá, sem saber muito a que eu
estava indo, tava indo muito pelo vínculo com ela que eu tinha desde a
graduação... e eu fui muito para entender o que era e a princípio pra mim era
muito destoante da minha atuação, eu entendia assim muito distante e não
conseguia fazer muitos vínculos, e hoje eu vejo que tem muito a ver né, mas
atrás eu pensava assim: ah é uma outra atuação e sempre me interessou.
Na época que eu fui convidada pra participar da pesquisa, convidada não, que
eu fiquei sabendo da pesquisa essa sobre terminalidade eu tinha acabado de
perder meu primo, foi um acidente de carro ele muito novo e então assim eu
Entrevista
112
fiquei muito impactada, e eu fiquei muito voltada a entender como eram
esses impactos né, porque convivendo e aí participar da pesquisa foi muito por
assim, como é que a gente lida com essa história da morte né, e eu fui
meio que pra resolver as minhas questões, mas aí eu fui me encaminhando pra
isso.
Quando eu engravidei, aí ficou um contratempo, você ta num outro período, ta
vivendo a vida e não mais envolvida na questão da morte. É (pausa) então foi
bem assim, eu troquei um caminho por conta do nascimento do meu filho mas
sempre trabalhei nessa coisa da violência, os rompimentos das relações
conjugais e as questões familiares advindas disso. então a minha
entrada na emergência foi muito à convite da [nome da profissional] e tentando
entender o que era né, qual era a atuação né.
Eu lembro do impacto que teve o acidente da [nome] na minha vida, o primeiro
aqui [local], de [data] , meu filho tava pra nascer, foi muito próximo da casa
da minha sogra e então quando ela falou olha, a gente a partir daí viu que
precisava de uma equipe aí eu pensei: puxa é verdade né, e então foi muito por
esse interesse, mas foi assim: vamos ver o que que é.
A: Você esme dizendo que o interesse foi maior por ter uma situação
mais próxima, por ter algum interesse pessoal?
P: Então eu acho que foram as várias coisas, eu não consigo te dizer foi isso,
teve uma questão afetiva muito grande na relação com a [profissional] né, eu
sempre achei uma atuação importantíssima a dela né, e então me chamava a
atenção essa preocupação (com as conseqüências de situações de
emergência) que eu até então não tinha tido né, eu tinha tido teoricamente
Entrevista
113
aquela coisa que você mas de um trabalho efetivo foi muito novo e me
chamava a atenção de como eu preciso ter isso. tendo vivido a história do
acidente né, como expectadora na verdade, mas foi uma coisa que mexeu com
todo mundo, a mesma coisa que esse último acidente né, de ver gente foi
mesmo e precisa de uma atuação. E eu sempre vivia essas questões né,
sempre algum momento de vida e morte né, que tava acontecendo dentro de
mim né, então foi meio por aí.
A: Me fale das situações de emergência que você atuou, quais foram e
em que momentos. E, por fim, o direcionamento dos teus atendimentos,
P: Tá, comecei em 2001 então quando o grupo que trabalho se formou, e eu
sempre me sentia dentro do grupo, no início, meio que às margens porque
assim: toda a situação de acidente ou eu não tava em São Paulo e as pessoas
iam atuar ou eu tava e teve uma vez que eu tava na maternidade que minha
filha tava nascendo e então eu ficava ouvindo né as atuações e eu ficava muito
assim: puxa como será que é e eu via todo mundo muito impactado né,
muito envolvido, impactado assim não pelas pessoas do acidente mas eu via
pelo cansaço, pelo nível de dedicação que as pessoas tinham e as riquezas
que eles nos traziam né, eu lembro por exemplo do [nome de um colega]
falando como que tinha conseguido organizar algumas situações e de como as
pessoas entravam e eu sempre fiquei muito de fora, meio como ouvinte né, eu
tinha receio no começo de atender, de como era atender porque eu tava tantas
vezes de fora que eu pensei: ih como vai ser quando for a minha vez, quando
eu tiver mesmo que estar como vai ser, será que eu vou conseguir fazer
como eles fazem, como eles estão descrevendo, então tinha um pouco isso.
Entrevista
114
Acho que a minha primeira atuação eu não vou lembrar... a minha primeira
atuação agora eu não sei em ordem cronológica se foi um acidente rodoviário,
não sei acho que não, teve um acidente aéreo [nome da empresa] que eu
trabalhei muito pouquinho porque eu tava numa outra atuação, o acidente de
construção [especificou] em [data] que trabalhei bastante e fui até viajar com
uma família pro [cita estado], o acidente [especificou] em [data] que também
trabalhei bastante, e então assim eu tenho recortes de atuação e como eu
tenho as outras atuações foi sempre muito complicado organizar a agenda né,
acho que um tanto num primeiro momento por esse receio: como é que vai
ser, já vi todo mundo atuando e eu ainda não fui e eu ficava meio e aí, será que
eu vou dar conta, será que eu vou conseguir atuar tão bem quanto eu via as
pessoas atuando e então gerou um conforto e um desconforto; conforto porque
eu tinha que cuidar de outras coisas e desconforto porque eu me sentia meio
deslocada né. Quando eu entrei na primeira situação eu não sabia muito
como é que funcionava, eu sabia das falas, mas ali eu não sabia muito e
isso faz muita diferença, eu via como que tinha uma pauta de interação
das pessoas que já tinham trabalhado e me senti muito assim dentro do próprio
acidente [especificou], né, de que quando você chegava pra cumprir o turno as
coisas tavam meio que...todo mundo conhecia os familiares e eu pensava:
bom eu tenho que pegar né como é que funciona isso né, então isso me
chamava muito a atenção né, esse primeiro momento de inserção. E o que
precisava ser feito eu ia fazendo e algumas limitações eu pude sacar né, por
exemplo, num atendimento domiciliário pra uma família, que eu fui atender e
era uma situação de vida muito parecida com a minha, muito parecida que
eu vi assim oh eu não consigo dar conta. Então algumas questões assim eu
Entrevista
115
pude perceber, mas eu não tinha assim oh eu prefiro atender tal público, prefiro
trabalhar a noite, não, eu não tinha, o que precisava ser feito eu ia fazendo,
não tinha uma demanda específica, por exemplo só criança, nada disso.
A: Falando um pouco mais sobre esse aspecto que você trouxe das suas
limitações... Você conseguiu perceber isso e dizer: olha eu prefiro não
fazer isso e fazer um outro trabalho, como foi pra você chegar nisso,
porque sabemos que não é uma situação muito fácil de perceber e dizer?
P: Não, não é. Assim quando eu recebi a ligação de que eu tinha que ir, era
uma família que morava em [local] e eu conheço com o nas costas, meu
marido já trabalhou lá eu ia buscá-lo né, e aí indo pra lá eu me perdi e muito, aí
eu pensei assim mas porque que eu to me perdendo né, eu errava a rua, tinha
que voltar de novo pra rodovia e voltava de novo. quando eu cheguei lá, eu
saio sempre com muita antecedência, não me atrasei e nem nada mas fiquei
pensando o que que acontece né, mas não relacionei. Quando eu entrei e
comecei o atendimento e aí veio a criança que era da idade da minha filha e
a história toda era muito parecida, o mesmo padrão de vida, a mesma faixa é
de idade, mesma faixa etária e mesmo nível de desenvolvimento né, e aí
pegou, então eu lá atendendo e aí aquela situação começou a se desenhar e aí
no atendimento eu não dava conta e eu comecei a dizer então outro
profissional vai entrar em contato e comecei a encaminhar de um jeito pra
não entrar porque eu vi: oh não vai dar. Começou a me emocionar a história e
eu vi não, não vai dar e já fiz um corte e costura lá e já sai de cena. Quando eu
sai de eu meio que derrubei dentro do carro e disse meu Deus né. Esse
acidente tinha sido um acidente em uma viagem que s tínhamos feito em
Entrevista
116
família né, um ano antes, na mesma época e tal. Então quando aconteceu o
acidente me veio isso né e quando me veio essa família me veio tudo eu
disse pára um pouquinho e tal. Então foi nesse sentido e eu entrei em contato
com minha colega e disse oh não vai dar, não vai dar por conta disso, se tiver
uma outra família de 2, ou idosos ou irmãos, mas essa é muito igual e eu
disse: oh eu não seguro, porque era ver a minha filha sem pai e então foi uma
coisa que impactou e ela disse oh você consegue fazer outra coisa e eu disse
consigo mas que não tenha muito esse desenho porque esse desenho me
pegou e eu não consegui fazer nada, ah não ser ouvir o que ela tava dizendo e
acolher mas assim só, não consegui avaliar as necessidades, eu passei tudo o
que ela falou eu passei, bem cru. Então foi um pouco por aí, aí disse oh vai
vir outra pessoa a gente vai ver a rede aqui e essa história ficou assim pra mim,
tanto que na saída eu também me perdi e demorei muito tempo e eu vi que
bom, o que que aconteceu e consegui discriminar um pouco que não era
pra eu estar lá.
Uma outra questão que percebo estar no meu limite é que eu vou ficando muito
irritada com algumas questões, muitas delas tem a ver com a atuação do outro,
de como agem daquela forma e a raiva me um pouco de dor no corpo, que
é aquela situação de impotência de não poder fazer nada também né, ver uma
situação de caos e tava com um misto de raiva e impotência, nesse momento
eu disse: preciso ir embora! (entonação mais forte), eu não consigo, estou com
muita raiva e to começando ficar num limite que eu não quero ser grossa,
não posso ser grossa. saio e pego o carro e vou com aquela sensação, e
isso é uma das coisas que eu preciso cuidar, de poder dizer o não e o ficar
desse jeito, porque eu não conseguia dirigir né, eu preciso dar conta disso. Mas
Entrevista
117
acho bom porque é um sinalizador muito forte, tu não vai ficar com o olho
marejado e tal, mas fica com muita raiva, eu percebo que não dando, que
eu preciso ir embora, sair de lá, eu ligo pro meu marido, saio do lugar que
consigo entender que tudo muito frágil, mas tem que se distanciar mesmo
pra conseguir.
A: A que você atribui ter conseguido fazer essa distinção e perceber esse
limite?
P: Vem muito da minha prática, e também de percurso profissional mas eu
tenho algo que eu acho que é um defeito mas é uma qualidade, que eu consigo
definir limite muito claro. É muito bom mas ás vezes isso me restringe né, é
claro, ta lá, mas ás vezes eu prefiro dizer assim: espera um pouquinho mais
pra ver se de fato é o limite mas assim quando a coisa pega ou quando eu
preciso ir embora, eu consigo dizer oh então ta, então a gente vai fechar, então
eu tenho muito isso que por um lado é bom e por outro eu acho que eu encerro
situações que ás vezes eu não deveria, poderia esperar um pouquinho mais.
É... e com essas questões que me mobilizam eu começo a me sentir mal.
A: São sensações físicas ou como são?
P: É, ás vezes não físicas, nesse por exemplo eu me perdi tanto que uma hora
eu tive que ler bom o que tava acontecendo né. Eu fiz vários atendimentos
fora do local né, a minha prática profissional nunca foi recorte de consultório
clínico, protegido, não, eu ia pra rua e tal e então não era isso. Primeiro eu
pensei será que é porque eu vou na casa da pessoa e não, não era isso, eu
atendia no motel, na rua, no boteco, com polícia espreitando,então não tinha
Entrevista
118
essa questão, o era um receio e era mais pela dinâmica mesmo, que era
muito parecida e então teve uma coisa mesmo de me sentir angustiada e isso
conseguiu fazer com que eu entendesse o que estava acontecendo ali. E tem
uma questão também que quando você trabalha com violência você vai
apurando o olhar né, porque quando eu comecei a trabalhar nessa instituição
que eu falei, é quando você trabalha com violência você todas as violências
né, violência doméstica, na conjugalidade, negligência de filhos, abuso sexual
de esposa, de marido e de filhos, e eu tava pra variar, com meus filhos
pequenos , um dos casos que me passaram logo que eu entrei nessa
instituição era pra avaliar uma criança que era agredida, era um bebê que ele
tinha fraturas pelo corpo inteiro, e eu tinha que fazer uma avaliação dos pais e
documentar, laudar essa avaliação né, fazer um laudo para que essa criança
fosse ou tirada ou que ficasse com estes pais. quando me passaram este
caso eu fui atender nesta instituição e no meio do atendimento eu vi: que gente
eu não consigo atender porque eu olhava a foto do bebê, olhava a mãe e via
que não dava, eu não consigo dar conta disto né, e aí também consegui avaliar
um pouco que não dá, eu tenho um bebê em casa, meu filho era muito
pequeno, quase a mesma idade e não dá. Então comecei a ver que abuso
sexual de criança eu não dava conta, então eu comecei a discriminar pela
questão dos filhos que foi uma fase que eu tava sendo mãe pela primeira vez e
toda aquela coisa ah que delícia né, e você via acontecendo isso com as
outras crianças e bom, eu não to com o meu aqui eu to trabalhando e
pegando essas crianças com essa situação toda e então foi bem por aí.
Entrevista
119
A: Sobre o trabalho com emergência, pensando na graduação, você
acredita que seria o suficiente, que saiu preparada para trabalhar com
emergência?
P: Não! (entonação forte) Nenhum pouco. Eu fiz dentro da graduação o núcleo
de psicologia hospitalar né, e eu fiz porque eu queria entender como que
era, porque eu era na graduação de um núcleo de professores de uma
qualidade importante, e eu queria estudar sobre aquilo, eu não queria atuar em
hospital, pra mim era muito claro isso, porque eu sou muito covarde com essas
coisas de sangue, de fazer exame e tal, eu enfrento mas eu sou uma banana
pra isso né. Mas eu fui e eu sempre me coloco esses desafios né, eu fui ver
e fazer e aquela coisa que quando eu me percebo que aquela coisa que você
mais teme vai e se coloca né. E então eu fui fazer psicologia hospitalar,
trabalhei na pediatria, trabalhei no hospital de queimados, e todos os meus
receios eram esses, sempre tive uma questão com queimados que eu não
queria ver e não foi por escolha porque eu fui pra pediatria né, eu pensei que
quero alguma coisa leve então eu vou pra pediatria, e aí você vai desbravando
a coisa sem ter tanta percepção na graduação, então fui pra UTI da pediatria
que era de crianças queimadas. fui trabalhando essas questões e gostei
muito do estágio, da atuação, mas serviu pra eu entender que eu não queria
trabalhar com aquela área né, mas era um recorte muito do psicólogo dentro de
um hospital e não dava maiores subsídios né, e então pensar em como é que
funciona por exemplo, o estresse pós-traumático eu o tinha noção do que
era, eu fui aprendendo sobre isso e fui tendo acesso à literatura a partir da
minha experiência como psicóloga em emergência, depois de entrar pro grupo
e começar a estudar sobre isso. O que fez uma grande diferença na minha
Entrevista
120
vida, profissionalmente inclusive porque eu podia avaliar outras situações a
partir desse referencial que eu não tinha né, então assim é engraçado como a
gente sai meio gavetinhas da graduação né, então isto aqui acontece assim e
em escolar não acontece isso, não tem situação de estresse pós-traumático
possível de acontecer e não, o quanto você pode circular este conhecimento né
e então foi interessante isso, que eu pude ir fazendo um alinhavo das várias
questões.
A: Então o que te habilitou a trabalhar com emergência foram estudos
posteriores à graduação, foram os estudos com esse grupo do qual você
faz parte?
P: Eu penso que assim, que hoje eu consigo olhar esse meu percurso da rua,
com trabalhos com violência ali né, com uma população que sofria de todas as
questões né, e então é riquíssimo pra você entender a dinâmica de uma
população que está vivendo sempre dentro de uma vulnerabilidade muito
grande, de risco e então todas essas questões eu comecei a pensar olha como
essa situação tem muita carência e eu fui a partir dessa atuação indo buscar
e eu sempre fiz uma coisa de que o que eu não entendo eu vou ir e vou
estudar, eu vou pesquisar e vou me aliar a alguma coisa mais acadêmica pra
poder dar conta daquela angústia ou inquietação e aí acho que veio o grupo de
atuação em emergência, um pouco por aí, veio dar conta de algumas
inquietações que eu via tanto em consultório como eu via nas atuações que eu
vinha fazendo.
Entrevista
121
A: Então você está me dizendo que foi te dando mais segurança para
trabalhar?
P: Sim, muito! (entonação forte)
A: Vamos pensar em hipóteses, para uma próxima atuação, sempre
levando em consideração, é claro, que uma situação é diferente da outra,
mas pensando na forma como você atua, você acredita que deveria fazer
algo diferente ou isso não passa pela sua cabeça?
P: É difícil essa pergunta... eu não sei te dizer especificamente assim no
contato com familiar ou no contato com alguma instituição... mas uma das
minhas memórias de que a gente fica muito envolvido foi no acidente
[especificou], que eu fiquei lá um tempão trabalhando na situação do acidente e
eu tive que ir embora porque acabava o meu turno e iam chegar outras
pessoas, mas eu sai de angustiada porque eu vi que precisava de mais
gente, e eu peguei meu carro e fui indo embora e eu podia voltar, era uma
situação que eu tinha um compromisso específico mas podia voltar logo depois
e eu lembro que eu falei claramente pra quem tava coordenando e depois
ainda fiquei ligando: então olha eu livre viu, se precisar me liga que eu vou,
aliás eu to bem aqui perto, quer dizer eu fiquei tão querendo voltar porque eu
via do grupo que precisava de mais gente, a demanda tava assim muito grande
e eu me sentia meio abandonando né, e essa sensação de abandono é uma
coisa que talvez eu tenha que mexer um pouco né, e também me deu muito na
situação de atuação no acidente [especificou] que eu tava em um outro curso lá
e eu não podia me dispor, a gente tinha fechado um trabalho, eu e mais uma
colega desse grupo e um outro pessoal, tava dando aula o dia inteiro e eu me
Entrevista
122
sentia abandonando a equipe de emergência, eu via muito as pessoas
cansadas, esgotadas e isso é uma coisa que talvez eu tenha que cuidar um
pouco, porque você vai ficando tão envolvido que você não se distancia. E por
um outro lado em alguns momentos eu conseguia me distanciar, como por
exemplo ficar muito tempo em turno eu nunca fiz porque meu limite é claro né,
então com horários eu sou muito regrada, mas o meu limite aqui dentro é
diferente, então eu até consigo colocar limite ali e ir embora mas ás vezes eu
não consigo ir embora aqui dentro e isso é uma questão. Fico tentando checar
com quem ficou, ou através dos e-mails ver o que aconteceu depois que eu sai,
e então essa questão de que a história permanece e você que sai de perto dela
é uma angústia.
A: Passado o momento do teu trabalho, da assistência oferecida, você
percebe alteração no seu estado emocional?
P: Sim, muitas alterações! (entonação forte) Eu não percebia mas os feedbacks
familiares me mostram. Então o telefone virou uma questão fóbica pros meus
filhos e isso mexe também comigo, se toca celular ou se eu fico muito tempo
no telefone eles sinalizam, ficam no meu pé, falam junto, e eu comecei a
perceber mesmo que eu ficava muito tempo, e que eu tinha que sair de cena,
pegar o celular e descer ou sair de carro ou ir pro consultório, preciso fazer
alguma coisa pra não ficar alimentando a situação ou então dizer depois eu
ligo e isso começou a ser pra outras coisas que nem sempre são situações de
emergência. E quando eu voltava dos plantões ou atuações em emergência
eles dizem que volto muda, meu marido pergunta como foi se estou bem e que
eu sou muito monossilábica com as respostas, ele diz que eu volto com a cara
Entrevista
123
triste, eu não me sinto triste mas eu devo estar né, mas é uma coisa mais de
cansaço, de dizer olha o que a gente é complicado e hoje em dia eles
conseguem fazer uma coisa de não ficar perguntando, e me alivia né, então
ás vezes eu chego assim e: você jantou, quer jantar, almoçou? Quer tomar um
banho, prepara um banho né, de dar um suporte e depois que eu faço tudo
isso ok né. Hã, um recurso que eu faço bastante é ficar ouvindo música, de
poder dizer assim: bom ok né, deixa eu ver coisas bonitas na vida , então
isso ajuda. Então começo a buscar coisas... tinha uma vez que a gente tinha
uma atuação e em seguida eu tinha uma festa, e eu fiquei assim bom será
que eu vou pra festa, será que não vou? Como eu vou estar pra ir pra uma
festa? Aí eu sai de lá, entrei no carro, peguei o caminho, pus o volume do rádio
alto, e pensei eu vou pra festa, aqui é um trabalho, é difícil mas eu vou pra
festa e foi super bom fazer isso. É uma experiência intensa. Porque tem um
recorte que ta ali, a minha atuação tava ali, e eu não vou ficar carregando. No
começo foi mais difícil, até porque a minha expectativa de nunca ter entrado
era muito grande. Agora eu consigo ver o que é essa atuação de verdade, que
ela sai do papel e sai da fala, pra ser o quê né, então, foi uma construção. E eu
acho que não foi, acho que ainda é.
A: Você consegue lembrar, logo nos dias seguintes, como você reage em
relação a sono, apetite... Você percebe alguma alteração nesses
aspectos?
P: Normalmente eu não tenho problemas com o sono, normalmente eu tenho
problemas com a alimentação, de comer mais porque durante a atuação eu fico
muito tempo sem comer. Essa história de comer, por exemplo barrinha e tal
Entrevista
124
durante a atuação eu não gosto, eu não me sinto bem e então eu fico com
água, em alguns casos que tinha almoço no meio do dia eu comia bem
pouquinho porque era uma coisa que tinha que comer pra não passar mal e tal
mas não era uma coisa que assim bom vou parar e vou comer, o eu não
tenho isso e depois eu comia muito. Então comecei a falar: bom, não pra
fazer isso né, mais porque engorda e eu ganho peso muito fácil. Então é pelo
meu funcionamento mesmo, é pelo compromisso porque eu sei que vou ficar
mais cansada, não estou num ambiente que é o meu ambiente de sempre... faz
diferença pra mim, por exemplo eu trabalhei nesses últimos 2 anos viajando
dando curso e então você tinha que almoçar porque ia passar a tarde inteira e
depois no coffe break as pessoas vão e comem mais um pouco, eu fazia
uma coisa de comer muito pouquinho e no coffe break mais um pouquinho, e
eu me sentia trabalhando e não em festa e eu não me sentia bem fisicamente
né, não tinha tempo de digerir legal e tal...
Sono a única vez que mudou e que eu senti muito foi quando fez um ano do
acidente [especificou] que teve um falecimento de um familiar de uma paciente
e que eu tinha saído de um plantão e tive que voltar e passar a noite com eles
e no outro dia eu tinha uma festa de aniversário de [idade] anos do meu
sogro e eu fiquei sem dormir, e eu não conseguia dormir de novo e então foi
assim, por conta do impacto da situação e que também tinha que estar bem pro
aniversário e o sono foi uma coisa difícil de conciliar. Então foi uma situação
que pegou porque eu estava exausta e tava vindo de uma atuação que eu tinha
ficado bastante tempo antes, sai e fui pra casa e de madrugada ligaram
dizendo: volta! Então tive pouco tempo pra comer direito, pra dormir e passei a
noite acordada, mais o dia inteiro e sai de e fui viajar e então eu fiquei
Entrevista
125
vibrando no acidente durante todo o período né, então eu tava exausta, ali eu
tava exausta. E depois no dia seguinte eu tinha outra atuação pra ir, e fiquei
esgotada, ali eu fui além do meu limite, mas não tinha o que fazer.
Normalmente eu cuido pra não entrar nisso, mas ali não tinha como.
A: Depois que acaba sua atuação você lembra de algum momento de ter ficado
revivendo a situação, com flashs, com sensações, consegue perceber se isso
se expressa de alguma forma seja com sentimentos, com comportamentos?
P: Não, eu fico com as histórias dentro de mim mas eu traço um paralelo né, eu
adoro cinema, adoro filmes e pra mim filme bom é aquele que a gente passa a
semana inteira com ele , que a gente fica pensando e imaginando como que
era tal cena e tal. As atuações elas tem um peso, algumas delas ficam assim
do tipo puxa que dureza essa história, pelo sofrimento ou pensando como é
que essa pessoa vai organizar-se dentro disso que ta acontecendo, até de
preocupação em alguns momentos mas assim coisas que eu penso também
muitas vezes que eu atendo dentro do consultório, mas é dentro de uma
normalidade. Mas uma coisa que eu notei e que na verdade demorou pra eu
notar é que eu sempre fui muito, hã, acho que destemida pras coisas sabe, se
é trabalho na rua eu vou, se tem policial eu vou, não é algo que eu vou sem
avaliar riscos, mas assim eu não tenho muitos receios que eu comecei a
perceber que eu comecei a ficar receosa com carros, de brecadas bruscas,
comecei a ver que eu ficava de sobressalto, e percebi que se deve a isso, eu
não fiquei com medo de vôo nem nada, mas eu acho que eu desloquei pra
essa questão do carro, então quando alguém freia, ou se ta correndo muito ou
se alguém uma fechada eu já fico assim alerta né, esperando alguma coisa,
Entrevista
126
isso eu reparei porque era coisa que eu não tinha porque eu dirijo até rápido
demais e sempre gostei dessa coisa de andar de carro e tal e nem era comigo
e hoje em dia eu sinto que é. tentei pensar se é porque to andando com
meus filhos, aquela coisa de mulher, de cuidado em função de batida e tal, isso
também tem mas eu vejo que tem aí um quê a mais por conta de acidente, que
começou a fazer parte da minha história.
A: E dores no corpo, ombros, por tensão ou algo assim, você percebe?
P: Não é algo que pegue muito, quando eu to além do limite, quando eu
começo a ficar muito tempo, aí eu fico toda tensionada e é bem no pescoço, no
ombro direito. Eu não tenho feito nada pra cuidar disso também, acho que eu
me posiciono mal, mas pega, por cansaço.
A: Existe alguma situação específica nas atuações em emergência que
seja dolorido pra você de se lembrar? Que você tenha dificuldade pra
falar a respeito?
P: Dolorida não do acidente em si mas da situação que vivemos enquanto
grupo, pós trabalho de um ano de um acidente, com uma colega de trabalho,
foi uma situação muito difícil porque foi um desentendimento e tudo o que eu
fui fazendo foi em um sentido e a interpretação da colega foi em outro e as
relações no grupo ficaram muito ruins ali né, eu me senti muito mal pensando
no que eu fiz assim de errado pra estar com aquela carga toda e ali foi muito
difícil. Foi numa seqüência de coisas que eu fiz além do que dava conta, com a
perda do familiar da minha paciente e no outro dia tinha que estar e tentei
fazer com que as coisas funcionassem de um jeito adequado. E foi uma coisa
Entrevista
127
que eu não dominei o que estava acontecendo naquela situação, ali acho que
talvez, hã, eu reescreveria né. Não sei como, não sei te dizer em que pedaço
que aconteceu algo que desembocou daquela forma. Talvez se eu tivesse que
pegar uma história de algo de como é que eu cuidaria, como eu reveria, talvez
seria reescrever esse pedaço porque foi muito sofrido, de algo de grupo, de um
grupo que não acolheu, e eu achei muito ruim e foi um momento onde eu
pensei: acho que vou sair dessa atuação porque eu não entendo... como a
gente fica dentro de uma história, que ás vezes a gente se organiza, dentro
dos nos nossos limites, muitas vezes além dos nossos limites, e o grupo não
funciona como acolhedor e talvez a mesma sensação que eu tava, sensação e
sentimentos que eu tava talvez a minha colega também estivesse tendo né...
mas eu fui colocada como o outro lado, eu me senti muito frágil ali , então
ficou uma situação que foi ruim, de viver mais isso como uma questão de grupo
e acho que dentro dos limites de atuação. Acho que a expectativa dela era uma
e a minha era outra e como isso é complicado né, depois dali eu comecei a
pensar em muitas questões tanto de relacionamento da gente enquanto grupo
e também de essa coisa de quem ta olhando a macro-história precisa ter muito
cuidado, de como é complicado porque a gente vai vivenciando ali coisas que
muitas vezes nem são muito fatos, é mais na questão relacional e então isso
me ficou.
Mas dentro da questão de atuação com famílias, uma situação que me
impactou bastante também, foi ter chegado na situação do acidente aéreo e
chegar logo após o ocorrido, aquela cena ficou e ficou porque foi uma
sensação de que o mundo tinha acabado, eu fui tentar entrar na [cita avenida]
e não conseguia porque tava fechada, eu tinha que tentar chegar no aeroporto
Entrevista
128
e não tava conseguindo, e como eu fazia, então você andava pela rua e você
via o fogo longe e tudo deserto e pensei: o que me espera, isso foi um
impacto. Mas o engraçado que quando eu fui chegando no lugar que eu
precisava isso foi passando, eu fui vendo que o cenário estava mais conhecido,
eu vi que reconhecia aquele monte de jornalistas num lado, outras situações
em outro e ficou mais conhecido, porque a imagem do que eu ia encontrar era
muito terrível e foi terrível? Foi, mas eu consegui me localizar e entender no
que eu tinha que trabalhar.
A: O que significou pra você ter atuado nessas situações que atuou?
P: Muitos significados né, muitos! (entonação forte). Acho que abriu portas pra
eu entender essas outras coisas, essas outras situações influenciando a vida
das pessoas, essas situações traumáticas e os efeitos que tem o trauma, hã as
situações de adoecimento, este enlutamento que bate a perder de vista né, o
que acontece em muitas situações, hã, mas eu acho que a minha vivência
dentro de um grupo grande e com essa diversidade é que é um dos ganhos
maiores assim né, eu tenho um afeto e um carinho muito grande por essa rede
que a gente forma, com gente chegando e com gente saindo mas são relações
que são relações assim de... que eu guardo muito e então acho que isso tem
um grande significado, e ao mesmo tempo as relações não transcendem a
atuação né, então a gente não sai pra tomar chopinho, a gente o sai pra
dançar mas a gente tem ali, quando a gente ta junto, temos uma cumplicidade
muito grande né, e então isso é uma coisa que eu guardo, é um espaço de
escuta, pra gente poder dividir o que sente e melhorar a forma de trabalhar,
porque isso não é em qualquer lugar que podemos fazer, tem grupos de
Entrevista
129
trabalho que não se permitem não. Por isso quando aconteceu a situação com
a colega que citei, foi rompido assim, o lugar que eu me sentia muito em
casa de repente não era, então teve isso.
E também de perceber o quanto a gente precisa olhar as várias formas de
trabalhar né, e rever o tempo todo a nossa atuação, que esse modelo que é
clínico que a gente vai tendo, que a formação da gente é muito clínica ainda,
tem mudado né, precisa ser revisto o tempo todo e como é que se cria esse
novo fazer né, que é novo ainda, muito novo, Como é que você estuda e como
é frente a este novo setting de atuação, porque se cria um setting mas ele não
é um setting como a gente tem aí, institucionalmente falando, dentro da clínica.
Muda muito rápido e quando se estabelece uma situação ela já mudou.
A: Como você percebe que é, para a sua família, você ter trabalhado
nessas situações de emergência?
P: Olha, a família nuclear em alguns momentos de resistência, de dizer não vai,
olha tem certeza? Será que vai ir bem, será que você não vai sofrer? Mas hoje
em dia é melhor, com o passar do tempo eles perceberam a importância e
também a minha maneira de me posicionar, hoje eu tenho um super apoio do
meu marido assim, até em momentos que eu mesma falo assim: será que eu
vou? E ele diz: veja, avalia... que ele é muito ponderado. Mas assim, vou trocar
sair, aproveitar, como por exemplo nos nossos [tempo] anos de casados, eu
tava no telefone, de repente ele me procurou eu tava no telefone organizando o
acidente [especificou], ajudando uma colega e então tem um pouco isso né, de
que toma conta e te rouba desse convívio em algumas situações, que é
diferente da tua rotina, e então isso tem um peso.
Entrevista
130
A família extensa tem piadinhas do tipo que eu vou montar um site do tipo
www.desgraca.com porque eu trabalho com acidentes e de coisas assim de um
humor negro, de achar que eu cuido de todas as questões mais difíceis do
mundo e eu falo: não, não é assim... Também de ficarem com o olhar meio
curioso sobre a atuação, tipo: ah e aí como foi, e as pessoas como estão, e
o que você atendeu e não sei o que mais né, e como é difícil você colocar um
limite dentro dessa relação e segurar sua atuação pra você né, isso é um
exercício. Hã, eu tenho um pouco de treino nisso até pela minha atuação
com violência, de trabalhar muito com policial, de trabalhar com o mundo do
crime e que tem muito esse olhar das pessoas, que tem muita curiosidade. E a
identificação assim: ah é desgraça, fala com ela que ela resolve e de acharem
que eu topo tudo, de entenderem que eu seguro todas as ondas e é difícil dizer
não, não é bem assim. Por exemplo, situações que tem que dar notícia pra
uma família de que morre alguém, eles me elegem e eu falo não né, e como vai
criando uma imagem de que eu sou meio invencível pra estas questões né,
como que vacinada, e não é assim, eu falo: aqui eu sou filha, eu sou tia, eu sou
prima, eu sou irmã e não sou psicóloga aqui, e é difícil porque as pessoas lêem
um pouco essa história como você não se importando, que não quer ajudar...
hoje em dia está mais tranqüilo, mas ainda ás vezes é assim . Hoje em dia
eu nem falo muito que vou trabalhar em alguma situação, eles acabam
sabendo porque as vezes ligam e eu to em alguma atuação e tal.
A: Como você percebe a relação da família nuclear quanto a saúde da
relação de vocês?
Entrevista
131
P: As situações abalam, que acho que hoje muito menos, mas é muito
maluco porque eu trabalho dentro de consultório a semana inteira e ainda tem
dias que dou aulas as noites e então é mais ou menos organizada a minha
rotina pra poder dar conta, e tem coisas que eles estão assimilando ainda,
como agora com o fato das aulas a noite eles entenderem que a mãe não vai
estar aqui pra colocar a gente pra dormir e contar histórias, e eu digo ah eu
posso contar histórias agora a tarde e tal, então mexe com essa dinâmica e
quando vem uma situação de acidente é mexer nessa dinâmica que por si
vai se modificando mas que tem uma coisa assim que vai roubar a mãe né, que
vai roubar a esposa... o meu marido ele funciona super bem nisso, de que vou
ter que sair bastante, mas ele fica nessa de dizer: bom você vai hoje mas
quando é que você fica? Em que momento que você ta aqui? Num sentido de
que bom, não pensando de que você não ta aqui pra cooperar com as
crianças, mas de que quando você ta aqui pra relaxar... quando você vai ta
aqui pra você poder respirar e a gente poder, sei lá, tipo comer pastel na feira?
Ele faz muito isso e me ajuda muito nesse limite né, mas eu sei que a cada
situação eu vou precisar desenhar né, em que momentos eu garanto espaços e
eu tenho muito essa preocupação, de que momentos do dia eu vou poder
participar mais de coisas de, por exemplo, levar as crianças no inglês, na
natação, enfim... pra poder ficar junto.
Quando a gente tem reunião do grupo de emergência, é no meio do dia, eu
tento sempre propor de fazer algo tipo eu chegar em casa e a gente ir pro
cinema e tal então eu sempre tento dar uma organizada pra fazer coisas juntos
que é talvez pra compensar mas acho que eu sou mais carente de filhos que
Entrevista
132
eles de mãe e eu sinto falta de ficar com eles, então tento me organizar pra
isso.
A: Quais o as coisas que você gosta de fazer para relaxar, desopilar,
depois de uma atuação em emergência?
P: Uma das coisas que me ajuda e que preciso voltar a fazer é academia,
também caminhadas me ajuda muito, nadar, ouvir música, ficar em família
sabe, eu não sou de cozinhar, odeio cozinhar porque sou péssima na cozinha,
mas às vezes eu falo vamos almoçar em casa, vamos pra piscina a gente
faz uma coisa juntos e isso me ajuda muito, que é sentir que eu tenho esse
eixo doméstico, me ajuda muito. Também mexer com plantas, teve dias que eu
voltava de atuações e eu trocava vasos de lugar, plantas e ficava mexendo
na terra e então isso me ajuda sempre, me alivia muito.
A: Existe alguma situação que você queira compartilhar que não tenha
sido perguntado?
P: Hã (tempo de pausa), acho que não.
Acho importante ter a noção de que por mais treinamento que se tenha vai ter
uma hora que te pega, isso não tem jeito, mas saber isso é muito bom...
(pausa na fala e suspiro) saber que tem esse limite e é até uma leitura do seu
corpo, de saber como é que você vai reagindo pra poder agir diante daquilo
tudo.
Eu sempre torcia enquanto eu tava indo atuar que não tivesse alguém
conhecido assim, de bater o olho e saber da família e tal, sempre procurava me
precaver.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo