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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social – Programa de Pós-Graduação
Tese de Doutorado
O projeto Ético-Político do Serviço Social: um processo
de construção e direção social da vertente intenção de
ruptura
Omari Ludovico Martins
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Rio de Janeiro
2009
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social – Programa de Pós-Graduação
Omari Ludovico Martins
O projeto Ético-Político do Serviço Social: um processo
de construção e direção social da vertente intenção de
ruptura
Tese apresentada à pré-banca da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como exigência parcial para a
obtenção do título de doutora em Serviço
Social sob a orientação do Prof. Dr. Carlos
Eduardo Montaño.
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Rio de Janeiro
2009
Banca Examinadora
Título: O projeto Ético-Político do Serviço Social: um
processo de construção e direção social da vertente
intenção de ruptura
Tese submetida ao corpo docente da Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Doutora.
Aprovada por:
______________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Montaño – Orientador
______________________________________
Prof. Dr. José Paulo Netto
_________________________________
Profa. Dra. Yolanda Demétrio Guerra
_________________________________
Profa. Dra. Cláudia Mônica dos Santos
_________________________________
Profa. Dra. Marilene Aparecida Coelho
3
Os homens fazem sua própria história, mas
não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim aquelas
com que se defronta diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado.
Karl Marx
4
Ao meu pai Omar Ludovico de Almeida que, com sua simplicidade e sabedoria,
ensinou-me a caminhar na busca da emancipação humana. Aqui registro a minha
saudade.
A minha mãe, Lia, mulher guerreira que, nas condições objetivas e subjetivas de uma
dura realidade marcada pela desigualdade social, lutou na defesa de nossos direitos
quando, ainda, não tínhamos condições de fazê-lo. Tornou-se para seus filhos um
exemplo de mãe, mulher e de companheira.
A Jonas, meu esposo querido e grande companheiro desses momentos que foram
difíceis, mas a sua presença firme ao meu lado, não me deixou sucumbir. A sua
dedicação e carinho foi o porto seguro nesta caminhada.
A meus filhos Dulce, Jonas nior, Kátia e Cyntia, que sempre estiveram me
incentivando de maneira carinhosa.
Aos meus filhos do coração Luiz, Alciene, que compartilharam comigo em todos os
momentos.
Ao Pedro Giácomo e Maria Luiza meus netinhos queridos, amores de crianças que
vieram alegrar a nossa vida.
A Cibele, Jurema e Mário, que, de certa maneira, estiveram comigo nesta luta.
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AGRADECIMENTOS
Concluir o doutorado é sem dúvida uma vitória que não pode ser creditada
somente a mim. Ela não foi uma luta isolada. Mas, o resultado do empenho coletivo e, a
indicação dos responsáveis diretos, verdadeiros sujeitos nesse processo, é um dever que
cumpro com muita alegria, pois traz o sabor da justiça pelo reconhecimento. Estou
muito feliz por ter vencido mais este desafio e com uma clareza de que devo a muitas
pessoas as quais foram fundamentais nesse momento.
Ao meu orientador Carlos Eduardo Monto, querido mestre, com quem aprendi
muito e por quem tenho grande admiração. Agrado-lhe pelo seu profissionalismo,
sabedoria e paciência com que me conduziu nessa caminhada. Tornou-se minha grande
referência. A ele o meu mais profundo reconhecimento.
Aos professores Jo Paulo Netto e Yolanda Demétrio Guerra que imprimiram
em meu processo de formação a marca da seriedade e do rigor científico, com uma
presença firme e carinhosa própria daqueles que são detentores de grande sabedoria na
dimensão exata do seja o educador em uma universidade blica, e do que seja a
construção de um Serviço Social na direção da emancipação humana. Cada um deles
teve a sua importância nesse processo desempenhado com muito compromisso.
Yolanda, grande companheira, acompanhou-me desde a seleção para o doutorado
fazendo-se presente nos momentos mais importantes na qualificação dos papers, do
projeto de pesquisa e a pré-banca. Também, estivemos juntas nas aulas e no Núcleo de
Fundamentos de Serviço Social. Jo Paulo Netto, além das salas de aula ministrando
disciplina, seguiu-me na qualificação do projeto de tese e na pré-banca com
questionamentos e que muito contribuíram na minha maturidade intelectual.
A Mavi agradeço a forma cuidadosa na leitura e nas críticas e sugeses
apontadas nas bancas de qualificação do projeto e pré-banca.
Agradeço, ainda, os demais professores José Maria, Laura e a Maria Helena
Rauta Ramos do doutorado em Serviço Social da UFRJ, por suas contribuições muito
valiosas.
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Aos funcionários da secretaria da pós-graduação agradeço a todos, e de modo
particular, ao Fábio pelo seu compromisso no desempenho das tarefas que lhe
competem em sua condição de trabalhador do serviço público.
Agradeço aos professores do Departamento de Serviço Social pelo incentivo e apoio
para minha saída, especialmente a Eleusa pelas leituras dos trabalhos e o ombro amigo
de todas as horas. Regina Sueli, minha querida amiga que sempre me deu forças para
continuar lutando nos momentos difíceis, e cedendo-me o seu acervo, anais de
congressos, revistas Temporális dentre outros, também, livros de sua biblioteca.
Walderez, amiga irmã, uma das grandes responveis por este momento, foi graças a ela
que o convênio UCG e UFRJ se concretizou. Agradeço a sua participação na banca de
qualificação do paper e o acompanhamento passo a passo do desenvolvimento do
doutorado buscou remover obstáculos que interpunham nessa caminhada. Darci Roldão
companheira e ir por opção, mplice nesse momento, agradeço-lhe pelo empenho
para que tudo chegasse ao fim na melhor condição possível mesmo com uma sobrecarga
de atividade, sempre achou um momento para me apoiar em todos os sentidos.
Marilene, minha grande amiga, com quem tenho muitas dívidas, pela sua presença nas
ocasiões em que muito precisei sempre esteve junto nos momentos mais críticos na
condição de fiel companheira. A minha eterna gratidão!
É com muito carinho que agradeço ao Jonas, meu esposo e companheiro,
acompanhou, incansavelmente, os meus passos, apoiou-me e se envolveu plenamente
contribuindo nas tarefas possíveis, assegurou com o máximo empenho para que nenhum
obstáculo impedisse o meu caminho.
Ao Luiz do Nascimento Carvalho, agradeço a sua cumplicidade que não lhe
permitiu se distanciar de minha caminhada apoiando-me em leituras e correções da
produção, a interlocução no cotidiano, não me deixando sentir nos momentos mais
difíceis que tive que enfrentar no decorrer do doutorado.
Agradeço a minha filha Kátia pelo apoio nas diversas transcrições de fitas com a
máxima qualidade para que eu não perdesse o conteúdo das orientações dos professores
que compuseram a banca de qualificação do projeto e a pré-banca, o que contribuiu para
qualificar a minha produção.
Agradeço aos funcionários da secretaria do Departamento de Serviço Social da
UCG, na pessoa da Diana pela atenção sempre dispensada para assegurar as condições
necessárias para que este momento acontecesse. Muito obrigada!
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A Neimy grande companheira agradeço o empréstimo de seu acervo de
documentos, relatórios do Cfess, revistas e anais de Congresso, ocios e outros que
continham a trajetória da categoria dos assistentes sociais. Ainda, a sua disposição em
acompanhar-me nas articulações junto ao Cfess a fim de assegurar o acesso ao Cfess,
acompanhando-me nas consultas ao acervo documental nos arquivos da Entidade.
Acompanhou meus movimentos e se colocou dispovel para assegurar-me todas as
informações necessárias.
Agradeço a Leile companheira de vários anos, sempre pronta nos momentos
certos. Agradeço-lhe pela formatação, e a articulação para assegurar a versão do resumo
em francês com a prontidão que lhe é própria. Muito obrigada!
A Luana, sensibilizada agradeço-lhe a solidariedade nos momentos difíceis e o
empréstimo dos textos.
A Joana pelo carinho e o pronto desempenho na versão do resumo em inglês.
Agradeço a Darci Costa pela sua presteza nas correções e pelos seus
ensinamentos.
Agradeço, ainda, a Marilda Iamamoto, a Marlise Vinagre e a Silvia Helena Terra
pelas entrevistas concedidas. Elas foram de grande importância para o direcionamento
da pesquisa.
Agradeço, também, as informações concedidas por Maria Inês Bravo e Jussara
Mendes, elas foram de grande valia nesta tese.
A minha família agradeço o apoio e a compreensão pelo meu distanciamento
para que tudo acontecesse como necessário.
A Messias agradeço a dedicação para que tudo acontecesse a tempo e a hora na
relação da UCG e a pós-graduação da UFRJ
Enfim, quero agradecer a todas as pessoas que direta ou indiretamente
contribuíram para esse momento.
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LISTA DE SIGLAS
ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABINEE – Associação Brasileira da Indústria Eletrônica
AI – Ato Institucional
AIB – Ação Integralista Brasileira
ALAETS – Associação Latino Americana de Escolas de Trabalho Social
ALN – Aliança Liberal Nacional
ANAS – Associação Nacional de Assistentes Sociais
ANDES – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
APAS – Associação Profissional de Assistentes Sociais
APASSP – Associação Profissional de Assistentes Sociais de São Paulo
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BH – Belo Horizonte
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social
CELATS – Centro Latino Americano de Trabalho Social
CENEAS – Comissão Executiva Nacional das Entidades de Assistentes Sociais
CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEDEPSS – Centro de Documentação de Pesquisa em Serviço Social
CELATS – Centro Latino Americano de Trabalho Social
CFAS- Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CNI – Confederação Nacional da Indústria
9
CRAS – Conselho Regional de Assistentes Sociais
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, Congresso Nacional da
Classe Trabalhadora, Coordenão Nacional da Classe Trabalhadora.
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores Indústriais
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DRT – Delegacia Regional de Trabalho
ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
FASUBRA – Federação dos Servidores das Universidades Brasileiras
FENAS – Federação Nacional dos Assistentes Sociais
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIESP – Federação da Indústria e comércio do Estado de São Paulo
FITS – Federación Internacional de Trabajadores Sociales
FMI – Fundo Monetário Internacional
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
ISI – Instituto de Solidariedade Internacional
INPC – Índice Nacional de Preço ao Consumidor
JUC – Juventude Universitária Católica
LDB – Lei de Diretrizes e Base
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
MARE – Ministério de Administração e Reforma do Estado
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC – Ministério de Educação e Cultura
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PDC – Partido Democrático Cristão
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
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PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democtico Brasileiro
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSD – Partido Social Democrático
PUC – Pontífice Universidade Católica
PR – Partido Republicano
PT – Partidos dos Trabalhadores
PTB- Partido Trabalhista Brasileiro
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SNI – Serviço Nacional de Investigação
SUS – Sistema Único de Saúde
UDN – União Democrática Nacional
UDR – União Democrática Ruralista
UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB – Universidade Nacional de Brasília
UNE – União Nacional dos Estudantes
USAID – United States Agency for International Development
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................16
11
CAPITULO I - NAS CONDIÇÕES HISRICAS E SOCIAIS, A TRJETÓRIA DA
VERTENTE INTENÇÃO DE RUPTURA E O PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO NO SERVIÇO SOCIAL....................................................31
1.1 Capitalismo monopolista e crise do capital...............................................................32
1.2 Estado brasileiro e a organização dos trabalhadores ................................................39
1.3 A reforma do Estado brasileiro..................................................................................60
CAPITULO II – NA RECONCEITUAÇÃO LATINO-AMERICANA, A VERTENTE
INTENÇÃO DE RUPTURA...................................................................78
2.1 A vertente intenção de ruptura e o Serviço Social....................................................89
2.2 A vertente intenção de ruptura, os movimentos sociais e os partidos
Políticos...........................................................................................................................95
2.3 A intenção de ruptura na organização dos assistentes sociais................................101
2.4 A intenção de ruptura e a organização sindical dos assistentes sociais..................125
CAPITULO III – O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO COLETIVA DOS ASSISTENTES SOCIAIS......133
3.1 As entidades da categoria e a construção do projeto ético-político.........................139
3.2 O projeto ético-político: um processo em construção.............................................159
3.3 O projeto ético-político, uma relação de continuidade e ruptura............................174
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................182
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...............................................................................193
OUTRAS FONTES.......................................................................................................198
FONTE ORAL..............................................................................................................201
12
RESUMO
A tese ora apresentada tem como objeto a trajetória da vertente de intenção de
ruptura e a construção do projeto ético-político do Serviço Social, objetivando
identificar no movimento do real, as forças ético-políticas, teórico-metodológicas e
técnico-operativas impulsionadoras da perspectiva hisrico-crítica do Serviço Social
brasileiro para demarcar as relações de continuidade e ruptura entre o projeto ético-
político e a vertente de intenção de ruptura. O segmento marxista dos assistentes
sociais, um dos que optaram pela construção da vertente da intenção de ruptura no
Serviço Social, compondo um grupo heterogêneo, adquiriram maturidade intelectual e
política, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, quando se constatou que as raízes
da formulação do projeto ético-político estão no processo de recusa e crítica ao
conservadorismo, redirecionando-se para os fundamentos ontológicos do ser social e
rearticulando os rumos da profissão para um projeto profissional crítico. Foi esse
segmento marxista dos assistentes sociais que participou na constituição e consolidação
de uma direção social e política ao tecer o projeto ético-político profissional. Trata-se de
uma construção coletiva, cujos sujeitos coletivos foram, as entidades representativas dos
assistentes sociais que vem forjando, no bojo dos movimentos sociais e dos partidos
13
políticos, a consciência coletiva acerca da importância do exercício do pluralismo e da
participação na luta pela disputa de uma direção social e política que contribua para o
avanço do Serviço Social. Essa discussão implicou realizar um percurso histórico capaz
de apreender o real em seu movimento contraditório as relações de continuidades e
rupturas de uma totalidade expressa em um dado momento do capitalismo
monopolista na periferia. Os dados foram obtidos pela pesquisa bibliogfica, pesquisa
em fontes documentais nos arquivos do Conselho Federal de Serviço Social (Cfess), em
anais de congressos brasileiros de assistentes sociais, nos cadernos da Abess, nas
revistas Temporalis, da Abepss, e Inscrita, do Cfess/Cress. Foram cotejadas as teses e
os artigos, relacionados à discussão do objeto em questão e de interesse para o estudo.
Ainda com o objetivo de nortear a coleta de dados, foram realizadas duas entrevistas
com atores de relevância no processo de construção do projeto ético-político do Serviço
Social. Constata-se que a intenção de ruptura e o projeto ético-político são diferentes.
Ela subsidiou em parte a constrão do projeto ético-potico, mas não se esgota nele. O
projeto ético-político se expressa na Lei de Regulamentação da Profissão, nodigo de
Ética e nas Diretrizes Curriculares. Ele tem uma relação orgânica e se constitui de várias
concepções teórico-metodológicas e, portanto, heterogêneo e com maior abranncia. A
intenção de ruptura é formada por pensadores dispersos no tempo e no espaço e tem
uma identidade marxista, não comporta outras concepções como a pós-moderna e a
liberal keynesiana. Para entender o projeto ético-político é necessário conhecer a
trajetória da intenção de ruptura. Ambos criticam o capitalismo e se unem na
diversidade contra o neoliberalismo.
Palavras chave: Serviço Social; projeto ético-político; intenção de ruptura;
continuidade / ruptura.
14
ABSTRACT
The presented thesis aims to the trajectory of the strand of intent to rupture and
the construction of the ethical-political project of Social Service, aiming to identify on
the movement of the real, the ethical-political forces, theoretical-methodological, and
technical-operational driving of the perspective historical-critical of the Brazilian Social
Service. The social workers who have chosen the side of the intention of rupture,
acquired intellectual and political maturity, especially in the 1980s and 1990s,
participated in the consolidation of a hegemonic social direction to the profession and
were weaving the ethical-political professional project. This is a collective construction,
whose the social subjects were, in addition to segments of the category, the
representative bodies of social workers that is forging, in the midst of social movements
and political parties, the collective consciousness about the importance of the exercise
of pluralism and participation in the struggle for social direction that contributes to the
advance of Social Service and segment of students. This discussion involved conducting
a historical route capable of apprehend the real in its contradictory movement -
continuity and rupture - of a totality expressed in a certain time of monopoly capitalism
in the suburb. The data were obtained by bibliographic research, research in
documentary sources in the archives of the Federal Council of Social Service (Cfess) in
annals of the brazilian congress of social workers, in terms of Abess, in the magazines
Temporalis, of Abepss, and Inscrita, of Cfess / Cress. We compared the theses and
articles, related to the discussion of the object in question and of interest to the study.
Still aiming to guide the data collection, two interviews were held with relevant actors
in the process of construction of the ethical-political project of Social Service. It appears
that the roots of the formulation of the ethical-political project are in the process of
rejection and criticism to the conservatism that is based on ontological grounds of the
social being, articulating the directions of the profession to a critical professional
project.
Keywords: Social Service, ethical-political project; intention of rupture; continuity /
rupture.
15
RÉSUMÉ
Cette thèse a pour objet d’études le parcours de la versant d’intention de rupture
et la construction du projet éthique-politique du Service Social, et elle a l’objectif
d’identifier, dans le mouvement du réel, les forces éthique-politiques, théorique-
méthodologiques et thécnique-opératives qui poussent la perspective historique-critique
du Service Social brésilien. Les assistents sociaux qui ont choisi la versant de l’
intention de rupture se sont bénéficiés de la maturité intellectuelle et politique,
notamment dans les cenies 1980 et 1990, ils ont participé à la consolidation d’une
direction sociale hégémonique à la profession et ont crée le projet éthique-politique
professionnel. Il s’agit d’une construction collective, dont les sujets sociaux ont été,
outre les individus de la catégorie, les entités représentatives des assistents sociaux.
Celles-ci forgent, au sein des mouvements sociaux et des partis politiques, la conscience
collective à propos de l’importance de l’exercice du pluralisme et de la participation au
combat pour la dispute d’une direction sociale qui contribue au progrès du Service
Social et segment d’étudiants. Cette discussion a impliqué dans la realisation d’un
parcours historique capable d’appréhender le réel dans son mouvement contradictoire
continuité et rupture d’une totalité exprimée dans un certain moment du capitalisme
monopolitiste à la péripherie. Les données ont été obtenues par la recherche
bibliographique, recherche dans des sources documentalistes dans les archives du
Conseil déral de Service Social (Cfess), dans des annales des congrès brésiliens
d’assistents sociaux, dans les cahiers de l’ Abess, dans les revues Temporalis, de
l’Abepss, et Inscrita, du Cfess/Cress. Les tses et les articles, liés à la discussion de
l’objet en étude et d’intérêt pour létude, ont été comparés. Encore avec l’objectif de
guider le recueil des données, deux interviews ont été réalisées avec des acteurs
importants pour le procès de construction du projet éthique-politique du Service Social.
On constate que les racines de la formulation du projet éthique-politique sont
dans le procès de refus et critique au conservatisme qui s’est basé dans les fondements
ontologiques de lêtre social, en réarticulant les chemins de la profession pour un projet
professionnel critique.
Mots-clé: Service Social; projet éthique-politique; intention de rupture;
continuité / rupture.
16
Introdução
Esta exposição, fundamentada na teoria social de Marx, tem como objeto de
estudo a trajetória da vertente da intenção de ruptura e do projeto ético-político do
Serviço Social analisando as suas relações de continuidade e ruptura, no período de
1970 a 2002. O seu objetivo é examinar, em uma abordagem crítico-dialética, no
movimento do real, as tramas impulsionadoras do processo de construção de uma
profissão comprometida com a emancipação humana.
A vertente de intenção de ruptura é herdeira do movimento de reconceituação
do Serviço Social latino-americano e está inserida no processo de renovação do Serviço
Social brasileiro acontecido nas condições objetivas e subjetivas de uma realidade
concreta expressa na esteira dos embates entre as classes.
A emancipação humana, que se constitui sustentada e na direção proposta por
Marx, tem a Revolução de 1848 como referência empírica fundamental, por colocar no
cenário mundial o proletariado como classe autônoma, em si e para si, que assumiu os
rumos de sua história, e se tornou o único capaz de “resolver em sentido progressista as
novas contradições geradas pelo próprio capitalismo triunfante” (COUTINHO, 1972, p.
8). Ao referir-se à emancipação humana, Marx considera que o “cérebro desta
emancipação é a filosofia, o proletariado é o seu coração. A filosofia não pode realizar-
se sem a abolição do proletariado, o proletariado não pode suprimir-se sem que a
filosofia se realize” (NETTO, 1998, p. XXXIII).
A hitese que se buscou sustentar neste estudo foi a de uma presença de
elementos de continuidade e rupturas na construção do projeto ético-potico. Essa
construção constituiu-se em um processo democrático cuja direção social foi conduzida
por um dos segmentos dos assistentes sociais que fez opção política pela vertente da
intenção de ruptura, o que não significa afirmar que coube somente a esses assistentes
sociais tal tarefa.
A literatura sobre o Serviço Social na contemporaneidade comprova que esse
segmento de assistentes sociais adquiriu maturidade intelectual e política, assumiu a
direção de suas entidades, e na década de 1980 e nas seguintes, consolidaram uma
direção social e foram tecendo esse projeto profissional, o projeto ético-político.
Portanto, trata-se de um processo de construção de sujeitos coletivos da
categoria, nas condições objetivas de determinados momentos históricos. No entanto,
17
o se concebe esse projeto como homogêneo no Serviço Social, essa foi uma
construção que vinha se efetivando nos embates e na correlação de força de projetos
diferenciados. Netto (1999, p.96) considera que todo projeto profissional se relaciona
com um projeto societário e, “um projeto profissional não suprime as divergências e
contradições”. O projeto ético-político no Serviço Social trouxe de novo a construção de
um espaço de luta no qual se encontravam em disputa vários projetos profissionais.
Netto (1996, p.89) adverte que, no mundo contemporâneo, é “ingenuidade supor
profissões como blocos homogêneos e/ou identitários praticamente todas estão
vincadas por enorme diversidade, tenes e confrontos internos”.
Nessa mesma direção, afirma Montaño (2006, p. 142, grifo do autor), a “prática
profissional que é essencialmente política, inserida no interior das contradições entre as
classes, [ocupa] um espaço de disputa de interesses”.
Concordando com esses autores, entende-se que a construção de um outro
projeto profissional foi avançando com a inserção desse segmento de assistentes sociais
nos movimentos sociais e nos partidos políticos de esquerda, os quais contribuíram para
a formação de uma consciência da importância do exercio do pluralismo e da
participação na luta pela disputa de uma direção social rumo ao avanço de um Serviço
Social comprometido com as necessidades da classe trabalhadora.
O interesse pelo objeto de estudo explica-se pelos desafios presentes na
realidade social para o Serviço Social e, particularmente, para aqueles profissionais que
têm na matriz do pensamento marxiano a sua âncora e, cujo embate, estabelecido pela
propalada crise do marxismo, ganhou expressão desde a queda do muro de Berlim e a
derrocada do socialismo real no Leste europeu e na Ásia. Por outro lado, a crise do
capital e do capitalismo (SZÀROS, 2002)
1
ime-lhe realizar profundas mudanças
como respostas às suas necessidades, e elas se expressam pela reestruturação produtiva
do capital e pelo neoliberalismo que, segundo Antunes (1999), o acompanhadas, na
ordem do capital, pelo desemprego e pela precarização do trabalho, pela fome e pela
miséria, enfim, pelas péssimas condições de vida dos trabalhadores.
Nesse sentido, afirma Boron (2001, p.07):
1
Mészáros (2002, p.16), no seu trato analítico, estabelece a distinção entre capital e capitalismo. Afirma
que, de um lado, o capital existia antes da constituição do capitalismo e, de outro, as sociedades
consideradas pós-capitalistas, como a que teve vigência na [Uno das Repúblicas Socialistas
Soviéticas] URSS e demais países do Leste Europeu, durante várias décadas do século XX. Estes países,
embora tivessem uma configuração pós-capitalista, foram incapazes de romper o sistema de
sociometabolismo do capital”(grifos do autor).
18
As recentes transformões estruturais do capitalismo na verdade
sua cruel involão como regime social uma vez concluída a
primavera Keynesiana o auge do economicismo impulsionado pelo
predomínio do pensamento único [favoreceu] dialeticamente a
ressignificação de temas como a liberdade e a emancipação, o que
permitiu a abordagem de velhos problemas com um renovado
instrumental teórico. (grifos do autor)
Os pensadores iluministas vinculavam a racionalidade do controle do homem
sobre a natureza, buscando a sua emancipação e libertação “das irracionalidades do
mito, da religião, da superstição (...) do uso arbitrário do poder, bem como do lado
sombrio da nossa própria natureza humana” (HARVEY, 1992, p. 23), conquistando sua
autonomia. Na realidade para Netto (1992), ocorreu o contrário – os homens passaram a
ser submetidos a novas formas de sujeição, de opressão, que se tornaram lidas e
cristalizadas, ancoradas nos princípios da razão instrumental que preconiza a “máxima
produtividade na exploração da natureza.
Nessa lógica, de acordo com Netto (1992, p. 12) “o desenvolvimento da
ordem burguesa, em seu estágio de capitalismo monopolista, conduz à pós-
modernidade, espaço de colapso desse projeto que se revelou abortado (...) a estrutura
da socialidade se translada à natureza do semiológico”
2
. E, para Zaidan Filho (o s-
moderno constitui-se basicamente na ausência de determinações ontológicas: não
o real, discurso sobre o real; já não há uma totalidade da vida social, fragmentos,
recortes, instantes; não existe mais uma imagem do real, existe um conjunto de
imagens do real.
A polarização, entre razão e vida, experiência imediata e abstração, atualidade
e história” que se trava na trajetória do pensamento ocidental, a partir do século XX, de
acordo com Zaidan Filho (1989, p.20), não é nova e muito menos sem importância. Para
o autor, essa polêmica foi recolocada em um contexto de profunda crise da
modernidade, na qual a sociedade contemporânea expressa as contradições que lhe são
inerentes, constituindo-se em solo fértil para o novo irracionalismo que emerge nesse
momento histórico. A chamada pós-modernidade reproduz seus traços e características
de uma sociabilidade “forjada no império do signo, da informática, dos meios de
2
Fazer uma nota sobre o semiológico.
19
comunicação de massa (...) apresenta características que estão na base dessa concepção
irracionalista da História” afirma o autor (ZAIDAN FILHO, 1989, p.20).
Nesse sentido, processa-se uma desreferencialização do real, e com base nessa
abordagem, não se estabelecem relações com a realidade objetiva, mas trata-se de uma
relação simlica da realidade, melhor dizendo, de uma relação simulada. As
determinações ontológicas perdem o sentido, portanto, desaparecem, tornando-se inúteis
no processo de conhecimento. “Não real e muito menos um sentido do real.
somente um simulacro, a imagem, a representação (imaginária) dessa realidade. Esta é a
única realidade”, assinala Zaidan Filho (1989, p. 21). Outro aspecto que o autor destaca
na pós-modernidade é a sua inflexão imediata sobre a teoria da História, a
dessubstancialização do sujeito, que reduz tudo a meras sensações. Dessa forma, o
sujeito é fragmentado, esfacelado pelas múltiplas imagens fabricadas pela indústria
cultural, redefinindo a perspectiva totalizante e racional da forma do olhar da
historicidade. A desmaterialização do social, para Zaidan Filho (1989, p. 22, grifos do
autor), acrescida da fragmentação do individual, no mundo histórico, torna-se “um
fantástico caleidoscópio de micros-objetos, sem sentido, sem hierarquias causais, sem
razão”.
Os pós-modernos em sua condição de críticos da modernidade dirige os seus
questionamentos no debate contemporâneo aos padrões positivistas, e, também, à
tradição de Marx, o que vale dizer, criticam-se os referenciais teóricos clássicos da
modernidade, e a solução apresentada para a problemática em questão que, de acordo
com Netto (1992, p. 14-15) se encaminha, sobretudo em três direções:
a primeira é seguida pelo neo-irracionalismo não aquele
irracionalismo tematizado por Lukács, mas o que identificando
sumariamente a razão clássica com a racionalidade instrumental,
desqualifica-a para dar conta do vivido social. (...) A segunda via é a
que, incorporando a crítica à irracionalidade instrumental, pesquisa o
vetor distinto da razão comunicativa. (...) Um outro caminho é o
consistente na proposta lukácsiana (do último Lukács) de uma nova
leitura de Marx: a leitura que apanha a arquitetura marxiana uma
ontologia do ser social, propiciadora da superação das contaminações
positivistas que afetaram a tradição marxista e qualificada, ao mesmo
tempo, para readequar a herança de Marx. (grifos do autor)
20
Netto (1992), afirma que duas posições presentes na controvérsia dos
paradigmas das ciências sociais no debate contemporâneo, e que envolvem, na
realidade, duas posições de negação: uma que nega os paradigmas positivistas, mas que
apresenta uma crítica fecunda, e a outra, refuta qualquer paradigma que apresente uma
vocação totalizadora e a sua crítica apresenta-se repleta de ambiidades, abrindo
caminhos para o neo-irracionalismo.
A escolha da temática abordada nesta tese justifica-se pela caminhada da
pesquisadora, assistente social, sindicalista inserida no processo de articulação e
organização dos assistentes sociais participando em vários momentos fazendo parte do
segmento que optou pela vertente de intenção de ruptura. Participando, também, na
organização e encaminhamento da oposição sindical, à direção política da então
diretoria da Federação dos Servidores das Universidades Brasileiras (Fasubra) e da
Associação dos Servidores técnicos-administrativos da Universidade Federal de Goiás.
Ainda, ao desenvolver uma prática profissional voltada para o rompimento daquela
fincada na matriz histórica do Serviço Social comprometido com o conservadorismo
buscava, tamm, o fortalecimento dos movimentos sociais. O estudo dessa temática
vem contribuir para descortinar pistas que indicam a trajetória e fortalecimento de uma
direção social e potica que consubstanciou no avanço da vertente da intenção de
ruptura e, posteriormente, na década de 1990, uma direção social e potica do projeto
ético-político do Serviço Social, sustentada nos fundamentos teóricos marxianos e nos
da tradição marxista.
Para tanto, fez-se necessário, inicialmente, realizar um percurso histórico e
teórico-metodológico capaz de apreender o real em seu movimento contraditório
continuidade e ruptura de uma totalidade expressa por uma sociedade dividida em
classes, em um dado momento histórico do capitalismo monopolista na periferia.
Essa construção não foi linear, e entender os elementos de continuidade e
ruptura presentes nesse processo que resultou no projeto ético-potico do Serviço Social
exigiu um recuo às origens dessa profissão que tem suas raízes cravadas no universo do
pensamento conservador. De acordo com Iamamoto (1992) o Serviço Social brasileiro
nasceu sob a influencia do conservadorismo europeu franco-belga e na década de 1940
passou a receber influência da sociologia norte-americana conservadora. “Na base desse
conservadorismo há um componente utópico assimilado pelo Serviço Social, fruto desse
universo teórico, balizado pela filosofia humanista cristã (IAMAMOTO, 1992, p. 27).
A autora considera, ainda, importante para entender a trajetória do Serviço Social
21
brasileiro analisar o reformismo conservador, para identificar as suas marcas e como foi
se concretizando a prática dos profissionais, e a sua justificação teórico-ideológica que
altera a forma, e, preserva, no entanto, seus compromissos sóciopolíticos com o
conservadorismo.
A atualização conservadora no Serviço Social para Iamamoto (1992) ganhou
maior expressão no bojo da ditadura militar quando um segmento majoritário da
categoria buscou por meio de discursos e métodos de ação novas estratégias de controle
dos trabalhadores conforme exigências do Estado em sua política de desenvolvimento e
segurança para atender aos interesses do grande capital. Essas mudanças tiveram sua
expressão na modernização da institucionalização do Serviço Social.
No entanto para a autora o questionamento da prática do Serviço Social teve seu
início no final da década de 1950 e avançou para os anos 1960. Esse foi um movimento
de pouca expressão, com manifestações isoladas que foi obrigado a refluir com a
ditadura militar, que impulsionava os profissionais para a modernização da prática
acompanhada de sua reatualização a medida das exincias da realidade posta pela nova
ordem. Assim, de acordo com Iamamoto (1992), buscou-se atualizar a metodologia de
ação e os instrumentos operativos tendo em vista um padrão de eficiência garantido
pelos suportes técnicos da ação profissional sustentados em modelos de análises,
diagnóstico e planejamento. Ainda, com um discurso profissional coerente com os
fundamentos da teoria da modernização contida nas Ciências Sociais a prática
profissional foi definida na direção de mudanças de atitudes do trabalhador, seus hábitos
e atitudes tendo em vista adequá-los aos ritmos do desenvolvimento. Os novos suportes
técnicos eram exigidos devido à natureza de ação profissional, pois, ocorreu uma
crescente burocratização das instituições públicas, dentre elas, aquelas voltadas para a
assistência social, em decorrência do processo de reformas administrativas. “Este tipo
de suporte cientifico mantém-se, porém, articulado com a metafísica aristotélico-tomista
que informa a base filofica da visão de homem e da sociedade, o que permite a
profissão atualizar seu caráter missionário, preservando o componente utópico
(IAMAMOTO, 1992, p.33).
Assim, no contexto da autocracia burguesa os assistentes sociais se voltaram
para uma discussão que acreditavam conferir um perfil peculiar à profissão como,
objeto, objetivo, métodos e procedimentos de intervenção, enfatizando a metodologia
profissional. A tecnificação recolocou o paternalismo presente na ação profissional e
desenvolve métodos de imposição mais sutis” (IAMAMOTO, 1992, p. 33).
22
Evidenciou-se na prática de um dos segmentos dos profissionais uma forte tendência a
psicologização das relações sociais ao privilegiarem os problemas de desadptação
social, indicando a sua intervenção pelo diálogo. Nessa abordagem, as necessidades de
sobrevivência são consideradas secundárias e tendem a ser transformadas em
dificuldades subjetivas. De acordo com Iamamoto (1992), o processo de atualização
conservadora tem como elementos, as queses de economia políticas que se
transformam em problemas assistenciais, e os direitos adquiridos por conquistas dos
trabalhadores são transformados em benefícios, concessões. Verifica-se na prática
profissional a reificação dos métodos e técnicas de intervenção profissional.
No cenário brasileiro assistia-se ao crescimento de organização da classe
trabalhadora a qual, de acordo com Iamamoto (1992), contribuía para o processo de
politização dos setores dios em que fazem parte os assistentes sociais. Essa
organização, iniciada como um movimento inexpressivo que foi fortalecido pelo apoio
de uma esquerda cristã que tinha considerável influência sobre um contingente maior
de assistentes sociais inseridos nas escolas, no movimento estudantil ou, ainda, no bloco
católico, adquiriu uma maior expressão no final da década de 1970 e 1980, quando a
organização da sociedade civil se fortalecia, de um lado, e a ditadura militar iniciava a
sua exaustão de outro. Foi esse o contexto de luta de um segmento dos assistentes
sociais por um Serviço Social voltado para os interesses da classe trabalhadora.
Nesse sentido segundo Iamamoto (1992, p 37, grifos da autora), a
ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma procura,
uma luta por alcançar novas bases de legitimidade da ão
profissional do assistente social, que reconhecendo as contradições
sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca
colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários, isto
é, dos setores dominados da sociedade. Não se reduz a um
movimento interno da profissão. Faz parte de um movimento social
mais geral, determinado pelo confronto e a correlação de forças entre
as classes fundamentais da sociedade, o que não exclui a
responsabilidade da categoria pelo rumo dado às suas atividades e
pela forma de conduzi-las.
23
Para essa autora a ruptura traz como exigência que o profissional aprofunde o
entendimento das políticas sociais com as suas implicações para a prática do assistente
social, uma profissão polarizada pela luta de classes.
De acordo com Netto (1991, p. 267, grifos do autor), “a partir de meados dos
anos oitenta, patenteia-se que a perspectiva da intenção de ruptura não é apenas um
vetor legítimo do processo de renovação do Serviço Social no Brasil evidencia-se o
seu potencial criativo, instigante e, sobretudo, produtivo”. Para o autor, a centralidade
da perspectiva da intenção de ruptura, em qualquer de suas formulações, é o
“ineliminável caráter de oposição em face da autocracia burguesa” (NETTO, 1991, p.
248, grifos do autor), o que a distinguiu das outras vertentes do processo de renovação
do Serviço Social brasileiro. Seu caráter particular colocou-a em contraposição à
perspectiva modernizadora, a qual evidenciou a sua funcionalidade inerente ao
reformismo do projeto da modernização conservadora A incompatibilidade da vertente
de intenção de ruptura com a perspectiva modernizadora não se deve somente aos
referenciais teórico-metodológicos de que se valiam e conduziam a uma crítica dos
substratos que sustentavam a articulação formal-abstrata da perspectiva
modernizadora”, afirma Netto (1991, p. 248), mas, também a direção política era
coerente com os seus fundamentos teórico-metodológicos, o que a tornava
incompatível, ainda, com a vertente de reatualização do conservadorismo, pela suas
concepções teóricas, valores e práticas que, profissional e politicamente ela recusava e
queria superar”, como sustenta Netto (1991, p. 248). Assim, de acordo com o autor, “é
legitimo observar que as posições próprias da intenção de ruptura continham a
possibilidade (e a necessidade) de uma crítica em duas direções: [a da] perspectiva
modernizadora e [a ] de reatualização do conservadorismo” (NETTO, 1991, p. 248)
A vertente da intenção de ruptura, nascida na academia, referencia-se,
inicialmente, na experiência da Escola de Serviço Social da Ponticia Universidade
Católica de Belo Horizonte-MG, em 1972. Na década de 1980, transs os muros da
academia atingiu o meio profissional, e foi fortalecida no processo organizativo da
categoria dos assistentes sociais, que tem um marco no acontecimento potico ocorrido
no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (Cbas), tamm, denominado
Congresso da Virada, realizado, em 1979, na cidade de o Paulo. Naquele Congresso,
os assistentes sociais sob a direção política do segmento que compunha a vertente de
intenção de ruptura fizeram intervenções articuladas mudaram a direção política do
24
Congresso compondo uma outra mesa composta por sindicalistas, em substituição a
anterior formada pelas autoridades governamentais da época.
A intervenção da Coordenação Nacional de Entidades dos Assistentes Sociais
(Ceneas), naquele Congresso, contou, em sua fase preparatória, com o apoio do Centro
Latino-Americano de Trabalho Social (Celats) que, à época, 1979, era dirigido por Leila
Lima Santos. A Ceneas nasceu de uma articulação nacional que iniciou com cinco
entidades de assistentes sociais (2 sindicatos e 3 associações profissionais) que tinham
como elementos de articulação e de unidade do movimento, a luta pelo salário nimo
profissional e uma jornada de trabalho de 30 horas semanais.
Ao referir-se a contribuição do Celats ao processo de organização dos assistentes
sociais e preparação para intervir no III Congresso, assim expressa Lopes (2007, p. 65,
grifo da autora),
os organismos latino-americanos, particularmente o CELATS, estão
na base do Congresso da Virada. (...) Ela foi organizada a partir dos
encontros nacionais realizados pela Comissão Executiva Nacional
das Entidades de Assistentes Sociais (CENEAS), com apoio
financeiro e político do CELATS, como o encontro do Rio de Janeiro
que contou com a presença ativa da diretora à época.
Esse acontecimento, de grande importância na história do Serviço Social,
ocorreu quando a autocracia burguesa como a denomina Fernandes (1975) e Netto
(1991), avançava rumo à sua exaustão pelo processo de redemocratização da sociedade
brasileira em curso, pela organização da sociedade civil
3
e a resistência dos
trabalhadores no confronto com o capital. Essa relação entre as classes, nesse momento
histórico, circunscreveu-se aos espaços privado e blico/estatal, e teve sua maior
expressão nas greves do ABC paulista
4
que atingiu seu ápice na década de 1980.
Na esteira dessa resistência expressa pelo antagonismo de classes, os
trabalhadores do serviço público, dentre eles, um dos segmentos dos assistentes sociais,
3
Segundo Marx e Engles (1993, P.53), a “sociedade civil abrange todo intercâmbio material dos
indivíduos no interior de uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas. Abrange toda
a vida comercial e industrial de uma dada fase e, neste sentido, ultrapassa o Estado e a nação, se bem que,
por outro lado, deve se fazer valer frente ao exterior como nacionalidade e organizar-se no interior como
Estado.
4
O ABC paulista refere-se às cidades industriais de Santo André, São Bernardo dos Campos e São
Caetano.
25
também, se organizaram e confrontaram com o Estado, lançando mão da greve, apesar
de proibida pela Constituição Federal do Brasil, de 1967 (BRASIL, 1967).
Nessa década, de 1980, os trabalhadores criaram a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e a Conclat. O processo iniciou a partir de uma articulação
nacional de sindicalistas de oposição como uma estratégia de enfrentamento a
organização sindicalismo oficial, como denomina Boito Júnior e rumo à construção de
um novo sindicalismo. Essa articulação, dos trabalhadores, teve seu marco no V
Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais (CNTI), realizado
no Rio de Janeiro, em julho de 1978. Ali, de acordo com Rodrigues (1991), iniciou a
oposição formada por um grupo de dirigentes que elaborou uma Carta de Princípios
reivindicando o direito de livre negociação com os empregadores, a substituição do
contrato individual de trabalho pelo coletivo, o direito de greve e de filiação em
organismos internacionais. A partir daí, a articulação nacional de oposição sindical
passou a contar com o apoio da Igreja Católica, também, com líderes da Pastoral
Operária, sob a inspiração da Teologia da Libertação e militantes dos movimentos
populares. Para Costa (1995), no Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, realizado
em agosto de 1979, em Gragoatá, Niterói, quando essa articulação explicitava suas
divergências, identificando-as nas correntes, Unidade Sindical que congregava os
trabalhadores vinculados às tendências reformistas, sob a direção do Partido Comunista
do Brasil (PC do B), e a Articulação Nacional de Movimentos Populares e Oposição
Sindical (Anampos) que se constituía uma articulação nacional de oposição. Esta, sob a
direção do Partido dos Trabalhadores conquistou a hegemonia no movimento sindical.
Dentre os pontos de divergência ressaltados pelos sindicalistas destaca-se a participação
dos movimentos populares, na central dos trabalhadores. Essa inserção era defendida
por aqueles que se vincularam à CUT, enquanto que o outro segmento que se vinculou a
Conclat colocava-se em posição contrária, com o argumento de que a nova central
deveria congregar somente sindicalista. Outro ponto polêmico foi o local de realização
do Congresso dos Trabalhadores, o segmento vinculado a Unidade Sindical discordava
que o mesmo fosse realizado em São Bernardo, apesar daquele local oferecer as
condições favoráveis para o Congresso.
O segmento dos assistentes sociais, que estava inserido nessa luta, identificados
com a decisão dos demais trabalhadores em realizar o Congresso na data prevista pela
Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, imprimiu a direção social e potica em
seu processo de organização e após criar a sua entidade nacional, a Associação Nacional
26
dos Assistentes Sociais (Anas), engajou-se no movimento de criação da CUT, e foi
compor a diretoria dessa Central dos Trabalhadores. Ainda, decidiu ocupar os espaços
de direção dos Conselhos Federal e Regionais dos Assistentes Sociais (Cfas/Cras),
atualmente, Conselho Federal de Serviço Social e Conselho Regional de Serviço Social
(Cfess/Cress), disputando suas eleições. De acordo com Vinagre (2007) esses
assistentes sociais estabeleceram como estratégia, inicialmente, conquistar a diretoria
dos Conselhos Regionais para, em seguida, por meio de eleições ocuparem a diretoria
do Conselho Federal (CFAS).
. Assim, inserido nessa luta o segmento dos assistentes sociais que, no bojo
desse processo avançava o seu vel de consciência política e, colocando-se como
trabalhadores fortaleceu sua opção política procurou romper com as bases do
conservadorismo no Serviço Social e buscou construir um outro projeto profissional e
uma outra concepção de sociedade. Esses assistentes sociais fortaleceram a vertente
intenção de ruptura e organizaram a articulação das entidades da categoria, na época,
tais como: a Associão Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess), atualmente,
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisas em Serviço Social (Abepss), a Anas e o
Conselho Federal de Serviço Social (Cfess). Também os estudantes, por meio da
Secretaria de Serviço Social da União Nacional dos Estudantes-UNE (Sessune), atual
Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso), asseguraram uma direção
social, garantindo o processo de construção de uma outra concepção de ética
profissional, de formação e prática profissional fundada na crítica à sociedade
capitalista, com a sua racionalidade e na ontologia do ser social, que se consubstanciou
nos documentos que expressam o projeto ético-político - o digo de ética, a Lei de
regulamentação da profissão e a nova diretriz curricular.
Dessa forma, pode-se concluir sustentado nas afirmativas de Netto e, após
percorrer a trajetória da construção da vertente da intenção de ruptura visitando e
revisitando a produção intelectual dos autores e o processo de organização dos
assistentes sociais, que o projeto ético-político no Serviço Social constitui-se em uma
construção coletiva de atores que compõem a vanguarda, integrantes da vertente da
intenção de ruptura, organizados nas entidades da categoria, em um processo permeado
por contradições, avanços e recuos, mudanças e permanência. O seu marco legal está
cravado na década de 1990, mais precisamente em 1993, com a elaboração do novo
Código de Ética (BRASIL, 1993) e a Lei de Regulamentação da profissão (BRASIL,
1993) e, em 1996 com as Diretrizes Curriculares.
27
Conforme a Diretoria do Cefess/Cress (1996, p.174), a “construção desse projeto
ético-político é fruto de um aprendizado e de uma história de participação e de
organização de significativos setores da categoria, sobretudo, daqueles que se opuseram
à ditadura militar e lutaram pela democratização do país”.
Este estudo teve como ponto de partida aqueles realizados por pesquisadores
como Netto (1991, 1996, 1999, 2001, 2005), Iamamoto e Carvalho, (1983), Iamamoto
(1995), Guerra (1995), Faleiros (1987), (1995), Montaño (2003, 2006).
O percurso teórico-metodológico em uma perspectiva de totalidade,
privilegiando, na análise, as dimensões, econômica, política, social e cultural. foi
delineando com as leituras da bibliografia indicada para dar conta da elucidação do
objeto de estudo. Buscou-se, ao apreender o movimento do real, descortinar as tramas
do capitalismo tardio, como o denomina Mandel (1985), em um país periférico para
produzir/reproduzir a sua acumulação, de um lado, tanto nos aspectos materiais quanto
espirituais, e de outro, a organização da sociedade civil e a resistência dos trabalhadores,
cotejando na trajetória do Serviço Social brasileiro as estratégias de rompimento com a
tradição conservadora e o seu caminhar na direção da emancipação humana
5
.
Assim, recorrendo preferencialmente aos clássicos, elegeu-se àquelas produções
que contribuíssem para entender o capitalismo e o seu desenvolvimento em âmbito
mundial e latino-americano na particularidade brasileira.
Deste modo, os dados foram obtidos pela pesquisa bibliográfica, em fontes
documentais coletadas nos arquivos do Conselho Federal de Serviço Social, nos anais
de congressos de Serviço Social realizados no período indicados para pesquisa, nos
cadernos da Abess, nas revistas Temporalis, da Abepss, e Inscrita, do Cfess/Cress.
Foram cotejados as teses e os artigos, selecionando aqueles relacionados à discussão do
objeto em questão e de interesse para o estudo. Ainda, com o objetivo de nortear a
coleta de dados, efetuaram-se entrevistas com dois atores que tiveram e, ainda têm
relevância na participação política e na produção do conhecimento, no processo de
construção da vertente da intenção de ruptura e do projeto ético-político do Serviço
Social. As fitas foram transcritas e, para melhor atender aos objetivos para os quais
5
A emancipação humana, para Marx (1997, p. 91, grifos do autor), somente será consumada “quando o
homem individual real retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na vida empírica, no
seu trabalho individual, nas suas relações individuais , se tornou ser genérico; quando o homem
reconheceu e organizou as suas forças próprias como forças sociais, e, portanto, o separa mais de si a
força social na figura da força política”.
28
estava proposto, orientar a direção da coleta de dados. Essas entrevistas foram bastante
esclarecedoras, razão pela qual se optou por sua incorporar, na tese, o seu conteúdo.
Esta tese está estruturada em três capítulos. O primeiro, Nas condições
históricas e sociais, trajetória da vertente intenção de ruptura e o projeto ético-político”,
analisou-se, na esteira da tradição marxista, a trajetória do capitalismo, demarcando, de
um lado, as articulações da burguesia, nos diversos contextos históricos na esfera
mundial, da qual se destaca a brasileira, para consolidação de seu projeto, no embate
centro e periferia. Nesse processo, encontram-se submerso ao texto as ações do Estado
brasileiro vinculadas às conveniências da burguesia, de outro lado, o confronto de
interesses, evidenciavam-se na resistência dos trabalhadores. O horizonte de suas
organizações e lutas apontava para a emancipação humana.
Esse estudo esteve referenciado, sobretudo, nas produções de Marx (1988, 1978)
e Engels (1975), Mandel (1985), Hobsbawm (2002), Fernandes (1975, 1994), Prado
Júnior (1984, 2006), Mazzeo (1997) Ianni (1978), Kameyama (2007). Ainda, come
este capitulo, “A contra reforma do Estado brasileiro”, sustentado nas produções de
Behring (2002), Batista (1999), Netto (2000), Boito Júnior (1999), Bresser Pereira
(1997), Antunes (2005, 2006) e Anderson (1995), dentre outros.
No segundo capítulo, apresenta-se o movimento de reconceituação do Serviço
Social latino-americano, e, nas particularidades de cada país, inscreve-se, também, o
Serviço Social brasileiro, cuja análise se ancora, preferencialmente, em Netto (1981;
1989; 1991; 1992; 1996; 1998; 2005), Iamamoto (1995) e Faleiros (2005). A vertente
da intenção de ruptura e o Serviço Social”, busca-se (re)construir a sua trajetória em
seu projeto de ruptura, mostrando que o segmento vinculado à teoria social de Marx
fundamentava-se, inicialmente, em um marxismo enviesado. Este fato é explicado pela
influência positivista no marxismo como afirma Quiroga (1991), em decorrência da
introdução entre os assistentes sociais de um marxismo sem Marx. De acordo com a
autora, esta influência teve suas origens na Segunda Internacional, fundada no
Congresso Internacional dos Trabalhadores em Paris, em julho de 1889, “organizado
por marxistas, e aglutinavam em partidos e sindicatos que atuavam em diferentes
países” (p. 13). No Brasil e, particularmente, no Serviço Social, fundamentava-se no
marxismo positivista contido no pensamento de Harnecker e de Altussser. Quiroga
(1991), em suas discussões referentes a influencia marxista no Brasil, recorre a Konder,
para afirmar que ele penetrou no país tardiamente, e, em um contexto de predominância
do positivismo de Comte, que era influenciado por idéias spencianas.
29
No entanto, um dos segmentos dos assistentes sociais, ao inserirem-se nos
cursos de pós-graduações, passaram a recorrer a Marx e a Engels e outros autores
contemporâneos, em fontes originais. Adquiriram maturidade intelectual e política e
construíram a vertente da intenção de ruptura e, nos movimentos sociais e buscaram
conquistar a direção social e política das entidades, por meio de eleições diretas.
Baseados nesses fundamentos da tradição marxista, esses assistentes sociais e
estudantes de Serviço Social discutiram a reformulação do seu Código de Ética, a Lei de
Regulamentação da Profissão e a formação do assistente social. Realizaram uma
reformulação do currículo do Curso de Serviço Social em 1982, com a sua implantação
em 1984. Em 1986, os assistentes sociais reformularam o Código de Ética da profissão.
Foi um processo permeado pelos conflitos de posições, como lembra Sales (1995,
p.362):
Enquanto perdurou nos fóruns acadêmicos e políticos da categoria
uma disputa acirrada de projetos de direção social para a profissão,
não houve espaço para o reconhecimento de limites tanto no digo
de ética quanto nos currículos, ou mesmo para a realização de
movimentos concretos de superação e autocríticas com relação
àqueles. Deu-se, porém, o esgotamento do debate trico-
metodológico que, nos anos 80, alimentou e aprofundou o processo
de renovação do Serviço Social, expresso no adensamento da
perspectiva de ruptura como afirmam Netto (1991) e Iamamoto
(1995).
No percurso da organização dos trabalhadores, buscou-se localizar a articulação
dos assistentes sociais, em âmbito nacional, na criação da Associação Nacional dos
Assistentes Sociais (Anas), na sua participação na construção da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), e a sua inserção em partidos poticos de esquerda, sobretudo no
Partido dos Trabalhadores (PT). A ênfase recaiu nos embates políticos partidários
ocorridos nesse processo e os resultados desses confrontos na construção e no
fortalecimento da hegemonia do segmento dos assistentes sociais que fundamentavam
suas concepções na tradição marxista e nas orientações das Igrejas progressistas,
sobretudo, a católica.
No terceiro capítulo, O projeto ético-político: o processo de construção coletiva
dos assistentes sociais” registra-se discussões teóricas relativas aos fundamentos
30
norteadores do projeto profissional e sua relação com um projeto de sociedade. Essa
discussão está sustentada nos pensamentos de Netto (1999), Barroco (2004), (2007),
Montãno (2006), Guerra (2007), Iamamoto (2003), (2007) e Braz (2007), dentre outros,
e nortearam as discussões nos diversos fóruns da categoria que construiu em 1993, no
seu marco legal, com a aprovação do novo Código de Ética que, fundamentado em uma
ontologia do ser social. De acordo com Barroco (2007), a ontologia social afirma-se
como parte da trajetória de amadurecimento da tradição marxista no Serviço Social,
especialmente no tratamento da ética expresso nas produções acadêmicas, nos encontros
e debates da categoria. No mesmo ano de 1993, foi promulgada a Lei n
o
8.662, de
regulamentação da profissão do assistente social (BRASIL, 1993) e aprovadas as novas
Diretrizes Curriculares do curso de Serviço Social, formando o tri do projeto ético-
político do Servo Social. De acordo com Barroco (2004, p.35, grifo da autora), a
partir do Código de 1993 que o projeto profissional coma a ser tratado
nacionalmente como projeto ético-político e o seu significado hisrico não reside em
uma questão semântica”.
Nesse capítulo, analisa-se, ainda, o protagonismo das entidades da categoria, a
Abepss, a Anas, o Cfess a Enesso e suas articulações com a Associação Latino
Americana de Escolas de Trabalho Social (Alaets), bem como, o papel desempenhado
pelas entidades brasileiras e no processo de construção do projeto ético-político dos
assistentes sociais.
Nas considerações finais, descortinam-se, a relação entre a vertente intenção de
ruptura, identificando os elementos de continuidade e ruptura contidos no processo de
construção do projeto ético-político profissional. Este projeto, por ser uma construção
coletiva da categoria como um todo, foi constituído por um grupo heterogêneo, não
identitário. Ele foi gestado sob a direção social e política da intenção de ruptura uma
das vertentes que come a renovação do Serviço Social brasileiro, sobretudo, aquele
que fez a sua opção potica pela perspectiva teórico-marxiana/tradição marxista em um
contexto histórico permeado por um novo irracionalismo. O projeto ético-político
possui uma maior abrangência em relação a vertente intenção de ruptura, pois,
congrega a totalidade da categoria com uma pluralidade de posições. Nas considerações
finais apresenta-se, ainda a confirmação da hitese levantada no início do presente
estudo.
31
32
CAPITULO I
NAS CONDIÇÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS, A TRAJETÓRIA DA
VERTENTE INTENÇÃO DE RUPTURA E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO NO
SERVIÇO SOCIAL
Este capítulo procura explicar a natureza e a configuração assumida pelo Estado
capitalista em uma sociedade da periferia, como a brasileira, no período histórico-social
que constituiu a entrada do capitalismo monopolista no Brasil, particularmente, na sua
segunda irrupção. Momento este em que a autocracia burguesa, como denomina
Fernandes (1975), expressando-se na ditadura militar, apontava para sua exaustão nos
meados da década de 1970.
Nessa década, localiza-se o marco da busca de ruptura do Serviço Social com as
bases do conservadorismo, origem do projeto ético político como uma construção
coletiva dos assistentes sociais, que se consubstanciou no início da década de 1990, em
uma conjuntura marcada pelo ideário neoliberal no Brasil. Procura-se, nessa exposição,
analisar as condições objetivas e subjetivas presentes na realidade brasileira que
engendraram a vertente intenção de ruptura e o projeto ético-político no Serviço Social.
Esse processo o se desencadeou como uma ação da totalidade dos assistentes
sociais brasileiros, mas de um segmento que se constituiu em uma vanguarda e colocou
no cenário nacional uma outra concepção de profissão.
Nesse sentido, Lessa (2007, p. 316) aponta ser um
equívoco imaginar que a classe revolucionária deveria ser, se não a
maior parte da população, ao menos a sua parte muito significativa.
(...) Os processos revolucionários, tanto burgueses clássicos quanto
aqueles s-1917 demonstram como a classe que joga o papel
revolucionário es longe de ser a maioria da população. Nem a
burguesia, na Revolução Francesa, era numericamente tão
significativa, nem o proletariado de Petrogado tinha tal peso
demográfico. O potencial papel revolucionário de uma classe é dado
pelo lugar que ela ocupa na estrutura produtiva da sociedade, é dado
pela qualidade ontológica da relação que mantém com a totalidade
33
social. É aqui e não na esfera demográfica, que se funda o potencial
revolucionário do proletariado para a transição para além do capital”
Assim, pode-se então afirmar, fundada na perspectiva marxiana, que o processo
de construção de um Serviço Social que busca irromper na superação do
conservadorismo tem sua trajetória marcada pelas trilhas de um Estado burguês no bojo
da expansão do capitalismo monopolista na periferia. Entendê-lo pressupõe entender a
sociedade burguesa madura que o gestou.
Identificar essas condições objetivas e subjetivas que engendraram a vertente da
intenção de ruptura, e sua contribuição na construção do projeto ético-politico do
Serviço Social exigiu apreender a realidade mundial em seu movimento contraditório no
processo de formação econômica, social, potica e cultural e no embate de interesses
entre as classes sociais.
1.1 Capitalismo monopolista e crise do capital
Na economia mundial capitalista, própria da sociedade burguesa, nos últimos
anos pela ótica da internacionalização do capital, de acordo com Mandel (1985), tem-se
o entendimento de que as mercadorias criaram e conquistaram o mercado mundial,
levando ao extremo a dominação da circulação de mercadorias, assegurada pela
produção em grande escala na moderna indústria. No entanto, a expansão do
capitalismo não se generalizou e nem teve a mesma performance em todos os países. As
relações de produção, desenvolvidas nos países do chamado Terceiro Mundo,
configuraram-se em uma mistura de relações de produção pré-capitalista e capitalista,
que se constitram em barreiras à generalização do modo de produção capitalista, em
proporções elevadas, conferindo àqueles países a condição de “elos mais fracos no
sistema mundial imperialista”, afirma Mandel (1985, p. 40).
Para o autor, a entrada em massa do capital na produção de matérias-primas trouxe
como conseqüência a baixa dos preços de materiais, alterando, de forma radical, o curso
da prolongada tenncia de aumento de preços presentes no cerio da produção após
1873, ocasionando o colapso nos preços dos produtos agrícolas e dos minérios, em
relação a outros produtos industrializados. Essa queda ocorreu nos preços dos produtos
agrícolas, em decorrência da superprodução de matérias-primas e provocou na Europa
uma grande crise na agricultura. No entanto, essa realidade retomou o seu percurso, em
34
razão dos baixos custos da força de trabalho e do ínfimo índice de produtividade nos
países subdesenvolvidos, alargando, assim, a diferença entre a metpole e esses países.
Por outro lado, a queda da produtividade nos países dependentes e, ao mesmo tempo,
um rápido crescimento na produtividade do trabalho nos países industrializados
asseguravam que os preços das matérias-primas comassem a subir. Essa alta, que deu
seus primeiros sinais no decorrer da Primeira Guerra Mundial, estendeu-se a algumas
matérias-primas até a crise de 1929/1932
6
ocorrida na economia mundial, para refluir na
década de 1940, com o surto armamentista que teve seu apogeu em 1950, no início da
guerra da Coréia.
Mandel (1985, p.41) esclarece que:
na fase de transição do capitalismo de livre concorrência à era do
imperialismo o capital respondera àquele desafio com uma penetração
maciça no campo das marias-primas; quando o imperialismo clássico
deu lugar ao capitalismo tardio, o capital respondeu com uma
penetração em massa ainda mais profunda.
A penetração de matérias-primas na década de 1940 revolucionou as relações de
produção com alterações na organização do trabalho e uma revolução na tecnologia, de
acordo com Mandel (1985). Trata-se de um contexto no qual era mais interessante para
o capital utilizar maquinaria nos centros metropolitanos do que em países de
capitalismo da periferia no estrangeiro, pois, embora mais dispendioso, não colocava o
capital em risco. Assim, a força de trabalho mais barata das colônias já não era mais
atrativo para o capital, pois fora substituída por um equivalente mais caro nos países
metropolitanos, para os quais foram deslocadas, tamm, as matérias-primas. Para o
autor, operaram-se várias mudanças, de natureza contraditória, na estrutura do
capitalismo mundial no período de transição do imperialismo clássico ao capitalismo
tardio, e uma de suas conseqüências foi o aumento da distância na acumulação do
capital e na renda nacional entre os países subdesenvolvidos e os metropolitanos. A
queda das exportações de matérias-primas, com a supressão do mercado clássico, nos
6
A crise de 1929 foi marcada pelo dobro da produção de bens de consumo, de construções e de
automóveis, entre 1921 a 1929, em virtude do novo processo adotado pela indústria (produção em rie e
linha de montagem), sem que esse crescimento fosse acompanhado do consumo e da exportação. Com
isto, o cenário mundial assistiu a uma superação do mercado e com ela, a queda das vendas, o
endividamento bancário, a paralisação das indústrias e o desemprego, em uma escalada recessiva. A
quebra da Bolsa de Nova York, em 24 de outubro de 1929, explicita uma realidade de quebra de 9.096
bancos e a redução das ações em 87%, entre setembro de 1929 a julho de 1932.
35
países subdesenvolvidos, provocou um declínio em suas economias no processo de
acumulação, pois não era possível acompanhar o ritmo de desenvolvimento dos países
industrializados. Por outro lado, a conjuntura de uma crise sócio-econômica interna
desses países e um enfraquecimento potico dos países imperialistas, durante e após a
Segunda Guerra Mundial, favoreceram o surgimento de movimentos de contestação e
de enfrentamento na luta pela libertação dos países subdesenvolvidos. Esse movimento
colocou, ainda, mais em risco o investimento de capital, nesses países, desenhando um
quadro inverso do que ocorrera no “período de 1880-1940, [pois] o capital deixou, no
fundamental, de se transferir dos países metropolitanos para os subdesenvolvidos”,
afirma Mandel (1985, p. 42), passando a fazê-lo de alguns países metropolitanos para
outros imperialistas.
A competição da moderna indústria, cuja produção se dava em larga escala e o
declínio nos preços das matérias-primas, após a guerra da Coréia, agravaram a situação
de empobrecimento dos países subdesenvolvidos. Além disso, a decisão de não investir
em matérias-primas, nas semicolônias, com utilização de escravos, era não só do capital
imperialista, mas, também, do monopolista.
Nesse sentido, para Mandel (1985, p.43),
o capital monopolista internacional passou a interessar-se não somente
pela produção de matérias-primas a baixo custo por meio de todos
industriais avançados [nas colônias] (...) mas também pela produção,
nos próprios países subdesenvolvidos, de bens acabados que ali
poderiam ser vendidos a preços de monopólio, em lugar de matérias-
primas que haviam se tornado excessivamente baratas.
Dessa forma, a reprodução da divisão social do trabalho, desenvolvida no século
XIX, vai entrando em colapso e, aos poucos, porém, firmemente diante da inesperada
expansão da produção de matérias-primas e da produção de bens acabados, de acordo
com Mandel (1985). O capitalismo monopolista recoloca em patamar mais alto, o
sistema totalizante da ordem burguesa, os seus traços basilares de exploração e
alienação e transitoriedade histórica, todos eles desvelados pela crítica marxiana”
segundo Netto (2001, p.19). Ele alterou consubstancialmente a dinâmica da sociedade
burguesa na sua totalidade, potencializando as contradições fundamentais do
capitalismo expressos no estágio concorrencial. Conferiu-lhe uma maturidade histórica
36
com desenvolvimento de maior amplitude e sistemas mais complexos de mediação que
asseguraram a sua dinâmica. Para o autor (2001), “a constituição da organização
monopólica obedeceu à urgência de viabilizar um objetivo primário: o acréscimo dos
lucros capitalistas através do controle dos mercados” (p.20). A inovação tecnológica
economiza o trabalho vivo e o “monopólio faz aumentar a taxa de afluência de
trabalhadores ao exército industrial de reserva” (SWEEZY apud NETTO, 2001, p. 21).
Em uma linha de análise bem próxima dos autores citados, Fernandes (1975),
também, afirma que o capitalismo monopolista começou a alcançar o seu clímax no
contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Para esse autor, o advento do
socialismo em um país, a Rússia, contribuiu para fazer surgir um tensionamento
político, econômico e cultural nos países capitalistas, em escala mundial, pois passou a
defrontar-se com a existência de outro padrão societário, cuja presença, nesse cenário,
era inexpressiva para alterar o ritmo de expansão nas economias centrais ou de
periferias.
A Revolução Russa consagrou a vitória dos bolcheviques por inaugurar, em
1917, a primeira ruptura do movimento operário, que, segundo Anderson (1984), sofreu
inúmeras derrotas no interior do capitalismo avançado da Europa Continental. Para o
autor, essas derrotas ocorreram em três momentos diferentes: no primeiro, o levante do
proletariado que ocorreu na Europa Central Alemanha, Hungria, Áustria e Itália
logo após a Primeira Grande Guerra, foi contido entre 1918 e 1922, dando lugar ao
nascimento triunfante do fascismo nesses países. O segundo, aconteceu na França e na
Espanha, quando as Frentes Populares, no final dos anos de 1930, foram desestruturadas
com a queda da República Espanhola e a desarticulação da esquerda francesa, que
entrou em colapso. Por último, os movimentos de resistência que, dispersos pela Europa
Ocidental de 1945 a 1946, mesmo sob a liderança dos partidos socialistas de massas e
dos comunistas, se tornaram incapazes de traduzir sua ascendência na luta armada
contra o nazismo em uma posterior hegemonia duradoura.
Por outro lado, em maio de 1968, na França, a explosão, que explicitou a
inquietação dos estudantes, no centro do capitalismo avançado, anunciou, também, no
ano seguinte, a inserção de contingentes de militantes de trabalhadores na indústria
italiana, marcando a participação dessa classe em um movimento que, aos poucos, se
expandiu para a Europa. Para Anderson (1984, p.22), “a greve dos mineiros, em 1974,
na Inglaterra, derrubou o governo conservador, e, em Portugal, poucos meses mais
tarde, iniciou um movimento com rápida radicalização para uma situação revolucionária
37
do tipo mais clássico”. Ressalta-se, no entanto, que, na origem, esses movimentos não
tinham vinculações partidárias de esquerda, quer sejam comunistas ou social-
democratas.
No contexto desses movimentos, o contraponto em outra direção resultou na
queda do muro de Berlim e na derrocada do socialismo real nos países do Leste
Europeu, em 1989. Com esses acontecimentos, retomou-se o debate contemporâneo no
que se convencionou chamar de crise do marxismo e, com ela, outra racionalidade.
Na década de 1970, o capitalismo entrou em uma crise profunda, nos países
centrais como um fenômeno que se tornou mundial, e que para Mandel (1985) tem sua
raiz na exaustão do padrão de ondas longas de crescimento que se configurou em três
décadas, período em que Hobsbawm (2002) chamou de Era do Ouro, de 1945 ao inicio
dos anos 1970. Segundo este autor, apesar da riqueza geral atingir um patamar em que
jamais fosse alcançada pela população do mundo, nas décadas douradas não houve
fome endêmica, a não ser produto de guerras e loucura política” (p. 255).
No entanto, nas décadas de 1970 e de 1980, a fome endêmica tornou-se
novamente familiar, e a clássica imagem de “crianças exóticas morrendo de inanição,
passaram a ser vistas em toda tela da TV do Ocidente”, afirma Hobsbawm (2002,
p.255).
As ondas longas, de acordo com Mandel (1985, p. 85),
não se manifestam de maneira menica, mas operam através da
circulação dos ciclos clássicos. Numa fase de expansão, os períodos
cíclicos de prosperidade serão mais longos e mais intensos, e mais
curtas as crises cíclicas de superprodução. Inversamente, nas fases da
longa onda, em que menos prevalece uma tendência à estagnação, os
períodos de prosperidade serão menos febris e mais passageiros,
enquanto que os períodos das crises cíclicas de superprodução seo
mais longos e mais profundos. A onda longa é concebível
unicamente como o resultado dessas flutuações clicas, e jamais
como uma espécie de superposição metafísica dominando essas
flutuações.
A “história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências
e resvalou para a instabilidade e a crise. E, no entanto, até a década de 1980 não estava
38
claro como as fundações da Era do Ouro haviam se desmoronado irrecuperavelmente”,
de acordo com Hobsbawm (2002, p. 393). (Ver no original)
Essa é, segundo Kameyama (2007, p.237), uma crise clássica de superprodução,
que apresentou como causas a conclusão de uma fase típica de queda da taxa média de
lucro e o crescimento regular da capacidade excedente de produção na indústria”.
Tratou-se de uma recessão generalizada e aprofundada com a alta do preço do petróleo.
Sua influência sobre a conjuntura, nos países imperialistas, foi dupla.
De um lado, acentuou as tendências inflacionárias gerais pela alta de
custos e pelo aumento de liquidez. De outro, a inflação provocou um
efeito perverso sobre a conjuntura, em face dos quais os governos dos
países capitalistas centrais foram obrigados a tomar medidas para, de
alguma forma, freá-la. A alta de preço do petróleo pesou também
sobre a taxa média de lucro do capital industrial, acentuando o seu
movimento de baixa causa fundamental da recessão. No entanto, o
impacto da alta do preço do petróleo foi diferenciado tanto nos países
imperialistas como nas semi-colônias e países exportadores de
petróleo. (...) Nos países deficitários de petróleo, particularmente da
América Latina, a alta do preço do petróleo agravou
consideravelmente o déficit da balança de pagamento.
(KAMEYAMA, 2007, p. 237)
No início da década de 1980, o mundo capitalista experimentou outro ciclo
recessivo. Se a recessão da década de 1970 teve sua expressão, sobretudo, nas variações
no nível de produtividade, na queda da taxa de lucro, no endividamento internacional e
no desemprego, a década que iniciou no segundo semestre de 1981, de acordo com
Kameyama (2007, p. 241), “caracterizou-se pela queda da produção industrial e do
emprego no conjunto dos países imperialistas e, tamm, em todas as potências
imperialistas de menor importância”. Dentre esses países, segundo a autora, os Estados
Unidos foram os mais duramente atingidos, gerando conjunturalmente baixas na
maioria dos outros países imperialistas e deteriorando, em escala internacional, as
condições ecomicas. Por outro lado, os países latino-americanos, sobretudo,
Argentina, Brasil, México e Uruguai, identificados com a orientação ideológica
dominante na época ideologia neoliberal consideram a importância das forças do
mercado na regulação econômica, do Estado nimo e da abertura ao capital
39
estrangeiro” e incluíram em sua agenda política a privatização de empresas estatais,
como afirma Kameyama (2007, p. 252).
Se as crises do capital geraram tensionamentos nas estruturas sociais do mundo
capitalista tanto nos países centrais quanto nos da periferia, configurando uma nova
dinâmica, as classes subalternas passaram a se organizar em defesa de seus interesses,
pois, essas crises apresentaram como conseqüência um quadro favorável à mobilização.
Nesse contexto, os movimentos sociais começaram a ocupar os espaços e a
direcionarem suas lutas.
Por outro lado, o Estado estabeleceu uma política de desaceleração do crescimento
econômico e de redirecionamento dos recursos estatais para políticas sociais
administradas pelas instituições públicas. Apresentaram demandas econômicas que se
entrecruzavam com as demandas sociais e culturais, expressas pelos movimentos de
combate ao racismo, de mulheres e de juventude que questionavam a racionalidade do
Estado burguês e suas instituições. Esses movimentos recolocaram em discussão as
ambivalências da cidadania fundada na propriedade privada e redefiniram o
encaminhamento da luta política, ampliando a adesão dos seus sujeitos e as suas arenas.
Na fase monopólica, além da proteção capitalista externa, o Estado interm,
ainda, na garantia das condições de produção, também, internas e de forma sistemática.
E, para fazê-lo, articula as funções políticas e econômicas organicamente.
O Brasil vivia nos anos 1980 os efeitos das crises mundiais deflagradas a partir
dos meados dos anos 1970. Essas crises encontraram o país vivendo a crise expressa
pelo fracasso do milagre econômico a que alguns pesquisadores, para explicá-la,
analisaram como fator agravante a crise do petleo, que trouxe como conseqüência o
aprofundamento da questão social, sobretudo, no que se refere à elevão do custo de
vida. Melhor dizendo, a sociedade brasileira, após viver momentos de euforia, passou a
explicitar dificuldades decorrentes do agravamento da questão social expressas pela
contradição capital e trabalho, decorrente de um modelo econômico que, de acordo com
Caio Prado nior (1984), fora elevado pelos economistas brasileiros à categoria de
milagroso.
Para o autor, as profundas dificuldades enfrentadas pela populão brasileira têm
suas rzes históricas fincadas, desde o período da colonização, na dependência
internacional, o que vem se constituindo em obstáculo para uma reestruturação da
economia em novas bases que atendam as necessidades da populão. Esse modelo,
para Caio Prado Júnior (2006), foi na realidade a oficialização e consagração do velho
40
sistema brasileiro no qual aprofundou a sua dependência e subordinação ao sistema
capitalista internacional, em um contexto de crise do capitalismo em âmbito mundial.
Esse cenário foi adequado para a contestação da prática profissional do Serviço
Social. No entanto, Netto (1991) adverte que esse questionamento o ocorreu somente
com essa profissão, mas com o conjunto de práticas que se desenvolviam nos espaços
institucionais e eram desenvolvidas na direção da reprodução das relações sociais
presentes na sociedade.
1.2 O Estado brasileiro e a organização dos trabalhadores
O Estado, segundo Netto (2001), de acordo com a perspectiva marxiana, é o
representante coletivo do capitalista atuando como “guardião das condições externas de
produção capitalista” (p.24). É em situações precisas que ele ultrapassa os limites da
garantia da propriedade privada das condições e meios de produção da burguesia,
intervindo nas emergências de forma pontual e episódica, buscando empreender uma
direção política que possibilitasse a legitimação do projeto burguês e a obtenção do
consenso da sociedade. Com a coerção assegurou o domínio pelo exercício da força e da
repressão, mas, também, lançou mão de outras estratégias que favorecessem a
acumulação do capital.
A função precípua do Estado capitalista, [de acordo com Luciano Martins (1985,
p.19)], é a de garantir as condições materiais de produção e o sistema legal que ordena
as relações capitalistas e a exploração de classe é algo que integra o donio das
evincias”. A condução desse processo ocorreu com uma direção política, apesar de
conservadora, com “saltos para adiante forjou, de forma articulada, a “industrialização
e a urbanização brasileiras acompanhado da formação de um mercado interno
significativo, embora sempre estreito diante das pontencialidades”, de acordo com
Behring (2002, p. 315).
O Estado brasileiro, a partir da Revolução Burguesa de 1930, sofreu mudanças, com
vistas a atender as necessidades do capitalismo mundial que se deslocava para os
países periféricos em busca de novos mercados.
A Revolão de 1930 marcou o esgotamento de um ciclo, no qual a economia se
encontrava fundada no modelo agrário-exportador, e o início de outro, em que ela
passou a assentar-se na predominância de uma estrutura produtiva urbano-industrial. No
41
entanto, somente em 1956, de acordo com Oliveira (2003), pela primeira vez a
agricultura foi superada pela produção do setor industrial. Para que tal acontecimento
ocorresse, foi necessário introduzir um novo modo de acumulão qualitativa e
quantitativamente distinto, que dependerá substantivamente de uma realização parcial
interna crescente” (OLIVEIRA, 2003, p. 35).
Ao tratar os acontecimentos ocorridos no Brasil no culo XX, nos aspectos
econômicos, políticos, sociais e culturais, Ianni (1978) aponta que eles evidenciaram os
conflitos e tensões que se desencadearam e se desenvolveram na passagem de uma
civilização agrária para a urbano-industrial. Tratava-se de uma sociedade fincada em
princípios que norteavam as relações estabelecidas pelo alto com a cúpula da
aristocracia agrária escravagista, e que redefiniram seus padrões com o avanço do
capitalismo tanto em escala internacional quanto nacional. Após a Primeira Guerra
Mundial, setores da população brasileira como os proletários, urbanos e rurais, e os
setores médios se despontaram em sua dimensão política e se organizaram. Travaram
lutas em defesa de uma maior participação nos debates, em âmbito nacional, nas
decisões políticas e econômicas, o que lhes conferiam um protagonismo. Somavam-se a
eles, os setores emergentes da burguesia industrial e financeira, que eram penalizados
com a socialização das perdas aplicados pelo poder do Estado sempre que a
cafeicultura entrava em crise. Desse modo, torna-se necessário considerar “que os
golpes, as revoluções e os movimentos armados ocorridos no Brasil desde a Primeira
Guerra Mundial precisam ser encarados como manifestações de rompimentos político-
econômicos, ao mesmo tempo internos e externos”, como afirma Ianni (1978, p.14).
A conjuntura em que se desencadeou a Revolução de 1930 foi conturbada em
decorrência da instabilidade presente no cenário nacional com os rebatimentos da crise
de 1929, que colocou em xeque o capitalismo em esfera mundial. “O nosso
desenvolvimento capitalista estava, assim, comprimido pelo imperialismo, de um lado,
seu sócio, e pelo latindio, de outro lado”, afirma Sodré (1997, p.77). Essa revolão
foi um acontecimento que criou as condições objetivas para o desencadeamento de
mudanças com uma intervenção mais acentuada do Estado brasileiro, nos aspectos
econômico, político, social e cultural. Com a revolão burguesa, de 1930, concretizou-
se o declínio da dominação das oligarquias brasileiras, em particular, a agro-
exportadora, dando lugar à ascensão da burguesia industrial. Esse acontecimento trouxe
como uma de suas conseqüências à acentuada intervenção do Estado na economia e,
42
como exigência, a busca de outra forma de administrá-lo, o que foi concretizado por
meio da administração pública burocrática
7
.
“Nessa perspectiva, o Estado brasileiro exerceu um papel decisivo na organização
da produção, sendo, ao mesmo tempo, promotor e ator da industrialização”, afirma
Germano (2000, p.72). Uma de suas estratégias foi buscar o equilíbrio das contas
externas do país, no final da década de 1940 e na década de 1950, que haviam
ultrapassado os limites, em decorrência dos elevados gastos com a Segunda Guerra
Mundial, procurando manter o controle das importações. Outro instrumento utilizado,
nesse sentido, foi a promulgação Lei n
o
. 262 de 23 de fevereiro de 1948, que estabelecia
para as importações o sistema de licença prévia, medida que, segundo Prado Júnior
(2006), de um lado, procurava conter o esbanjamento do período s-guerra, e, de
outro, acabava por sacrificar a importação de equipamentos essenciais ao
desenvolvimento do país. Acresceram-se, ainda, as restrições às importações e a
concorrência de manufaturas estrangeiras importadas, que provocavam a alta de preços
e aceleravam o ritmo do processo inflacionário que vinha em curso desde o final da
Segunda Grande Guerra, como já mencionado. Destaca-se, no entanto, que as medidas
tomadas pelo governo brasileiro favoreciam o capital estrangeiro, pois, ao lado das
restrições às importações, liberavam parcialmente o câmbio, criando, paralelamente ao
[mercado] oficial, o mercado livre que seria alimentado pela venda que nele se
autorizava divisas provenientes da exportação de alguns produtos, divisas essas
destinadas à cobertura de remessas financeiras para o exterior (PRADO JÚNIOR,
2006, p.309-310). Essas medidas contribuíram para aumentar a demanda de capital
estrangeiro no país, pois foram eliminadas as restrições à remessa de dividendos, juros
daqueles capitais, bem como ao retorno deles ao país de origem, pois essas remessas se
fariam sem limitações pelo mercado livre de mbio. Essa generosa concessão aos
interesses imperialistas é bem reflexo da mentalidade colonialista das autoridades
brasileiras” (PRADO JÚNIOR, 2006, p.310).
No entanto, Fernandes (1975) e Sodré (1997) advertem que o fato de uma empresa
estrangeira se radicar em países periféricos não quer dizer que ela, necessariamente,
7
Na década de 1930, instituiu-se a administrão pública burocrática, buscando colocar um fim “às
características exercidas na administração pública patrimonialista de acordo com Batista (1999, p.68).
Elaborou um programa nacional de transformação de sua economia e da organização sociopolítica,
período em que a sociedade brasileira ingressou na era do desenvolvimento, e adotou uma série de
medidas que asseguraram a diversificação e expansão das indústrias que atingiu a segunda fase no seu
processo de desenvolvimento. Ianni (1965) salienta que essas condições já estavam colocadas em décadas
anteriores.
43
proporcione o seu desenvolvimento. Para Fernandes (1975) e Sodré (1997), somente na
década de 1950, o capitalismo monopolista teve sua segunda irrupção no Brasil, como
uma realidade histórica irreversível. Naquela década, o país já não contribuía para
intensificar o crescimento do capitalismo monopolista dos países centrais, mas
constituía-se em um de seus pólos dinâmicos na periferia.
Assim, a trajetória do Estado brasileiro foi marcada por um caráter
intervencionista, e, vem se realizando em favor do processo de desenvolvimento do
capitalismo por meio de pressões exercidas pela burguesia desde a origem do
absolutismo. De acordo com Mandel (apud Netto, 2001, p. 24), o Estado
intervencionista a serviço da burguesia revelou-se precocemente por exigir mudanças na
sua forma, para assegurar um vetor extra-econômico, a fim de garantir os superlucros
aos monopólios. Essa intervenção alterou-se tanto no aspecto funcional quanto na sua
estrutura com o ingresso do capitalismo na fase imperialista.
Garantir esses superlucros tornou-se o eixo de sua intervenção que passou a ser
exercida, de forma direta, na condição de empreendedor atuando nos setores básicos e
pouco rentáveis, mas, de grande importância para os monopólios, pois, lhes oferecia
infra-estrutura e matéria-prima de baixo custo; intervindo no controle das dificuldades
que as empresas capitalistas são submetidas, com medidas, como a socialização das
perdas, ou diretamente com subsídios. Outra modalidade de ação direta do Estado
concretiza-se com a entrega aos monopólios das empresas construídas com recursos
públicos, assegurando os seus superlucros. Atuou, também, de forma indireta, que, de
acordo com Netto (2001), ocorreu, sobretudo, com as encomendas e aquisições
realizadas naqueles setores de produção e garantiu as possibilidades de valorização para
os capitais excedentes, e, com investimentos públicos em infra-estruturas, meios de
transportes, energia e, também, na preparação de mão de obra para o trabalho e gastos
com pesquisas, dentre outros. Destaca-se, ainda, a importância da intervenção estatal no
campo estratégico onde são articuladas as formas, direta e indireta consubstanciadas em
planos e projetos a longo e médio prazos, confirmando a ação do “Estado como um
instrumento de organização da economia, operando notadamente como um
administrador dos ciclos de crises” (NETTO, 2001, p. 26).
Esse processo histórico de irradiação do capitalismo monopolista para a
periferia, no Brasil, segundo Fernandes (1975), apresentou-se de forma atípica, o que
vale dizer, bastante diverso do desenvolvimento do capitalismo em outros países, na
realidade mundial e na particularidade latino-americana.
44
A transição do capitalismo na sociedade brasileira, segundo Fernandes (1975),
ocorreu no contexto da Revolução Burguesa e de crise do poder burguês que se
acreditava ser possível a passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista de
forma universal como ocorrera em outros países. Isso porque acreditava-se que as forças
acumuladas pelo capitalismo competitivo garantiriam a autonomização do
desenvolvimento capitalista interno. Essa ilusão não fazia parte da ideologia
burguesa, tal como se constituíra na junção da oligarquia com os novos rebentos das
altas finanças, do alto comércio e da indústria” (FERNANDES, 1975, p. 215). No
entanto, segundo o autor as rzes do capitalismo monopolista estavam fincadas, no
Brasil, desde os fins do século XIX e início do século XX, mas a sua irrupção ocorreu
somente na década de 1950 para tornar-se irreversível na década de 1960 com a ditadura
militar.
Para esse autor, a transição foi determinada pelo grau de potencialidade, da
economia capitalista que oferecia condições para absorver práticas financeiras produção
industrial e consumo próprio do capitalismo monopolista.
Assim, nessa lógica, o Estado materializa a articulação entre o público e o
privado por meio das instituições públicas estatais e as organizações monopólicas
expressando as mudanças na sua forma de intervenção da fase do capitalismo
concorrencial para a monopólica. Naquela, a intervenção do Estado ocorria à base da
repressão aos movimentos dos trabalhadores que protestavam contra as más condições
de vida, sequelas da exploração da força de trabalho, ou mesmo nas necessidades de
preservar a propriedade privada da burguesia.
De acordo com Netto (2001, p 26),
no sistema de poder político, os centros de decisão ganham uma
crescente autonomia em relação às instâncias representativas
formalmente legitimadas. Vale dizer: o Estado funcional ao capitalismo
monopolista é, no nível das suas finalidades econômicas, o comitê
executivo da burguesia. (NETTO, 2001, p. 26)
Nesse processo de reprodução do capital, o Estado tem como atribuição,
também, a conservação sica da força de trabalho ameaçada pela superexploração. Um
elemento novo presente no capitalismo monopolista, de acordo com Netto (2001, p. 26,
grifos do autor), é a “preservação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e
45
excedente, [que] é uma função estatal de primeira ordem”, enquanto que, na fase
concorrencial, a intervenção estatal se limitava a responder coercitivamente às lutas das
massas exploradas, ou preservar as relações imanentes à propriedade privada da
burguesia em seu conjunto.
O Estado, então, é obrigado não preservar a reprodução da força de trabalho,
ocupada e excedente, para a garantia de determinados níveis de consumo, como
também, a sua disponibilidade para ser ocupada temporariamente nas ocupações
sazonais, sobretudo para atender as necessidades do monopólio. Para tanto, o
capitalismo organiza-se para aumentar “os lucros capitalistas através do controle do
mercado” afirma Netto (2001, p.20, grifos do autor). De acordo com o autor, essa
organização vai desde os acordos de cavalheiros até a fusão de empresas, pool, o cartel
e os trustes.
Fernandes (1975), ao analisar o desenvolvimento do capitalismo monopolista na
periferia, considera a sua passagem um processo difícil, em razão da complexidade
decorrente das condições exigidas como
um índice de alto pado de concentração demográfica, não em
cidades-chave, mas em um vasto mundo urbano-comercial e urbano-
industrial; de renda per capita, pelo menos da população incorporada
ao mercado de trabalho e, em especial, dos estratos médios e altos das
classes dominantes; de padrão de vida, pelo menos nesses setores da
população; de diferenciação, integração em escala nacional e de
densidade econômica do mercado interno; de capital incorporado ou
incorporável ao mercado financeiro, para dar maior flexibilidade e
intensidade ao crescimento do crédito ao consumo e à produção; de
modernização tecnológica realizada e em potencial; de estabilidade
política e de controle efetivo do poder do Estado pela burguesia
nativa. (FERNANDES, 1975, p. 251-252)
As exigências para a entrada do capitalismo monopolista e a falta de condições
dos países periféricos para atender a seus pré-requisitos
inerentes a essa nova natureza
de capitalismo impediram-lhes essa ultrapassagem por meio de “simples desdobramento
de fronteiras econômicas, culturais e políticas” (FERNANDES, 1975, p.252). Assim,
esses países passaram a receber das economias centrais a transferência de recursos
humanos e materiais, ou mesmo, o controle econômico.
46
Segundo o autor, essa transição para o capitalismo monopolista foi difícil mesmo
nos países centrais, porque o processo era permeado, de um lado, por fortes tensões, que
resultaram na competição internacional das sociedades capitalistas avançadas em
disputa nos níveis econômicos, financeiros e tecnológicos. De outro lado, as
dificuldades enfrentadas foram maiores para as nações hegemônicas que atingiram um
desenvolvimento anterior.
Nesse contexto,
as nações periféricas, como fonte de marias-primas essenciais ao
desenvolvimento econômico sob o capitalismo monopolista, viram-
se, extensa e profundamente, incorporadas à estrutura, ao
funcionamento e crescimento das economias centrais como um todo.
Daí resultou uma forma de incorporação devastadora da periferia às
nações hegemônicas e centrais, que não encontram paralelos nem na
história colonial e neocolonial do mundo moderno, nem na história
do capitalismo competitivo. (FERNANDES, 1975, p. 253)
Assim, a sociedade brasileira conviveu com a expansão do capitalismo
monopolista assumindo-se como a parte mais pobre e dependente. Portanto, tratava-se
de um desenvolvimento desigual e combinado, o que explica uma industrialização
dependente do capital estrangeiro, que se efetivou e se consolidou com a entrada no país
de empresas multinacionais.
As condições de transferência do capitalismo monopolista para a periferia, que
Florestan Fernandes (1975) denomina penetração segmentada, se concretizavam por
intermédio de grandes corporações. Essas se instalavam nos países periféricos,
exercendo o controle da produção industrial e comercialização para o mercado interno e
internacional de matérias-primas. Assim, para Fernandes (1975, p.252), a
“incorporação, (...) não se fazia à economia capitalista central, mas ao império
econômico das grandes corporações envolvidas” (grifos do autor), conferindo grandes
vantagens para as nações hegemônicas, pois não seria necessário arcar com os ônus
dessa expansão. No entanto, essas corporações serviam de base para a condição de pólo
de sustentação cultural, econômica e política, garantindo-lhes o monopólio dos
benefícios ali auferidos.
47
Transferiram-se, inicialmente, para o território brasileiro, filiais de grandes
concessionárias quase ao mesmo tempo de seu aparecimento no cenário dos países
centrais. Essas organizações buscavam explorar várias atividades
8
, de maneira
segmentada. Nesse período, as inflncias das grandes organizações sediadas no país,
segundo Fernandes (1975, p.255),
se diluem nos mecanismos de uma economia competitiva em
diferenciação e expansão. excepcionalmente logram transformar o
controle econômico segmentar em fonte de um monopólio real (o que
às vezes sucedia, em função das circunstâncias, como poderia
exemplificar com a Light e outras empresas que operavam nos serviços
públicos); e, com freqüência, submetem-se aos mecanismos
competitivos do mercado interno, desfrutando vantagens extra-
econômicas (procedentes de suas organizações, de privilégios legais ou
concessões públicas do porte de sua capacidade empresarial ou
produtiva etc.).
Dessa forma, o capitalismo monopolista no Brasil desenvolvia-se com avanço
suficiente para fazer crescer o seu parque industrial e atender às necessidades do
mercado interno e aos interesses dos países centrais, e que não foi uma súbita
transformação, mas um processo gradual. De acordo com Fernandes (1975, p.256),
têm importância específica três fatores distintos. De um lado, a decisão
externa de converter o Brasil numa economia monopolista dependente
repousa em dois fatores diversos: a disposição das economias centrais e
da comunidade internacional de negócios de alocar no Brasil um
volume de recursos suficientes para deslocar os rumos da revolução
econômica em processo; e no deslocamento empresarial envolvido por
disposição, que iria implantar dentro do País o esquema de organização
e crescimento econômicos intrínsecos à grande corporação. De outro
8
As atividades desenvolvidas pelas grandes organizações sediadas nos países centrais, no território
brasileiro, na fase inicial do capitalismo monopolista, relacionadas por Fernandes (1975, p. 225), são:
produção e fornecimento de energia elétrica, operação de serviços públicos (transportes por bonde ou
trem, gás, telefones, etc.), exportação de produtos agrícolas ou derivados industrializados, carnes,
minérios etc., produção de bens e consumo perecíveis, semiduráveis e duráveis para o mercado interno,
loteamentos de terrenos, constrão de casas ou venda de terras para fins agrícolas; comércio interno,
especialmente nas esferas em que se tornara típico de uma sociedade urbano-comercial de massas, em
transição industrial, operações de crédito, de financiamento e bancárias, projetos de desenvolvimento
agrícola ou urbano, em conexão com a iniciativa privada ou poder público.
48
lado, a decisão interna de levar a cabo a referida transformação
capitalista, tão temida por muitos povos de economia competitiva
dependente e subdesenvolvida.
Se as economias centrais e internacionais manifestaram no período posterior à
Segunda Guerra Mundial, reiteradamente, a sua disposição em investir no Brasil
esbarraram, no entanto, com obstáculos estabelecidos pelo capitalismo industrial, pela
ausência de um mercado financeiro organizado e pela dimensão do mercado interno.
Também, evidenciou-se como obstáculo a ausência de um interesse explícito dos
setores estratégicos do governo e esferas industriais que eram mais propensos a uma
transição industrial que partisse de dentro e articulada ao nacionalismo econômico
moderado e ao intervencionismo estatal. Fernandes (1975) relativisa esses obstáculos
com o argumento de que, em nenhum lugar do mundo, o desenvolvimento capitalista
fora contido pela falta de condições das estruturas econômicas existentes, porque onde
elas não existem, o próprio capitalismo monopolista cria o seu espaço ecológico,
sociocultural e político na periferia. A questão não é de viabilidade, mas de custos,
tempo e operacionalidade” (FERNANDES, 1975, p. 256, grifos do autor). Por outro
lado, afirma o autor que, nos governos de Juscelino Kubitschek e da ditadura militar
(após 1964), foram aproveitadas, rapidamente, as duas oportunidades oferecidas, o que
significa uma preparação das economias centrais e internacionais para a implantação de
um desenvolvimento capitalista monopolista compatível com a realidade da economia
brasileira. Fernandes (1975) chama a atenção para dois movimentos que ocorreram
concomitantemente e favoreceram à burguesia condições para realizar o seu projeto
desenvolvimentista. Um, refere-se às condições que possibilitaram tanto ao Estado
brasileiro quanto à iniciativa privada interna se armarem para se defenderem da
transição que, inevitavelmente, ocorreria como um processo de conquista externa. O
outro movimento foi que ambos, Estado e iniciativa privada, tiveram a segurança
necessária, com liberdade de ação quase total para revolucionarem o espaço econômico
interno, podendo programar e implementar medidas estratégicas de poticas
econômicas e instrumentais que permitissem criar nova infraestrutura e um complexo
institucional capazes de adaptar a ordem econômica em curso com os padrões do
capitalismo monopolista. As condições objetivas para essa construção são dinamizadas
pelo Estado brasileiro e expressas pela continuidade de um vigoroso parque industrial
criado no período entre 1930 a 1964, destacando-se como suportes ecomico e
49
financeiro, segundo Ianni (1978), a criação, em 1952, do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1953, a Petróleo Brasileiro Sociedade
Anima (Petrobras) e, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene).
Para Fernandes (1975), a decisão interna deve ultrapassar o aspecto meramente
econômico, pois, ao não intervir no processo de entrada do capitalismo monopolista e
deixá-lo correr à revelia dos interesses econômicos e poticos das nações hegemônicas,
com certeza, a burguesia e o Estado perderiam com uma possível reversão à condição
colonial ou neocolonial incontível. Significava a presença de um componente político
na decisão interna, envolvendo, ainda, ilusões que se assentavam também em uma
motivação psicossocial complexa.
No entanto, a
burguesia brasileira não conseguiu levar a cabo a revolução industrial,
nas condões com que se defrontava (com dificuldades inerentes não
só a uma economia competitiva dependente e subdesenvolvida, mas as
pressões desencadeadas, a partir de dentro e de fora, pelas grandes
corporações e por economias centrais que operava em outra escala a
do capitalismo monopolista e da forma correspondente de dominação
imperialista). Assim, a burguesia brasileira perdeu a sua oportunidade
histórica porque, em última instância, estava fora de seu alcance
neutralizar os ritmos desiguais de desenvolvimento do capitalismo: a
periferia, como um todo, atrasou-se em relação às economias centrais,
que a engolfam em sua própria transformação. (FERNANDES, 1975,
p.260)
Por outro lado, as condições para que o Estado brasileiro, como ator principal,
viesse garantir uma maior ou menor identificação do capitalismo com direções coletivas
e nacionalistas dependiam do estágio de identificação das classes detentoras dos bens e
riquezas e de suas elites econômicas, militares e poticas. Isso porque, mesmo com o
propalado nacionalismo das classes médias e dos industriais, seus representantes tinham
pouca expressão nos círculos defensores do nacionalismo. A maioria dessa elite,
incluindo os militares, já via o Estado brasileiro a serviço dos interesses privados tanto
nacionais, quanto estrangeiros. Assim, ao dominar a máquina estatal, colocaram-na a
50
serviço da captação de poupança externa e da internacionalização da economia
brasileira sob o capitalismo monopolista.
Vale dizer, de acordo com Fernandes (1975, p.261), que “o Estado não tem nem
pode ter, em si e por si mesmo, um poder real e uma vocação inflexível para o
nacionalismo econômico puro”. Ele foi resultado de um processo histórico que ocorreu
de forma articulada às dimensões econômicas, poticas sociais e culturais para atender
aos interesses da burguesia, classe que detinha o seu controle. Assim, o Estado
brasileiro engendrou as condições objetivas e necessárias de intervenção econômica e
política, para atender à irrupção do capitalismo monopolista, tornando-o viável e
irreversível.
Fernandes (1975) refere-se à maneira pela qual o Estado brasileiro,
historicamente, aglutinava aqueles que tinham altas rendas e monopolizavam o poder
em suas várias expressões, convertendo-o em poder político indireto originado do poder
econômico e potico que se confundia, constituindo-se no veículo por excelência do
poder burguês por meio da máquina estatal. Para o autor, essa realidade explicava “a
facilidade com que, no Brasil, as classes possuidoras e privilegiadas passaram tão
rapidamente, em 1964, da automobilização social para a ação militar e política; como o
Estado nacional foi posto a serviço de fins particularistas da iniciativa privada”
(FERNANDES, 1975, p. 267, grifos do autor).
Para Fernandes (1975, p.269, grifos do autor), o capitalismo monopolista
construiu o seu caminho
como uma força interna irreprimível que destrói as estruturas
arcaicas, ou simplesmente obsoletas, redimensionando e forjando
suas própria estruturas econômicas ou extra-econômicas. Vindo de
fora, ele se considera supermoderno ou atual, ao que vinha antes, ou
seja o moderno, o antigo, e o arcaico, aos quais nem sempre pode
destruir e, com freqüência precisa conservar. O seu maior impacto
construtivo consiste em cavar um nicho para si próprio, naquelas
esferas das economias periféricas que são mais compatíveis com a
transição, formando assim um exíguo espaço econômico a partir do
qual pode crescer e quiçá irradiar-se para toda a economia,
universalizando aos poucos os requisitos estruturais, funcionais e
históricos inerentes ao seu próprio pado de desenvolvimento
capitalista”.
51
Assim, o Estado brasileiro não formulou uma potica econômica, mas tornou-
se, também, seu executor, em direção a um modelo de desenvolvimento de
internacionalização da economia brasileira que iniciou, mais objetivamente, no governo
de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960) com o seu Programa de Metas,
caracterizando a primeira fase da industrialização pesada, que ocorreu de 1956 a 1967.
Essa fase dividiu-se em dois momentos: o primeiro refere-se à expansão, vai de 1956 a
1962. O segundo, de desaceleração da economia, vai de 1962 a 1967.
Essa foi uma conjuntura marcada pela presença da associação do novo capital
estrangeiro e o capital nacional mediado pela ação do Estado brasileiro que investiu
intensamente na infra-estrutura, para conseguir viabilizar o seu Programa.
Durante sua implantação, o governo Juscelino Kubitschek completou
a instalação das indústrias automobilísticas, através inicialmente das
montadoras de origem européia, de material elétrico pesado, de
construção naval, além de máquinas e equipamentos, que
possibilitaram considerável expansão do grupo de indústrias
produtoras de bens de capital e consumo duráveis. (NEGRI, 1996, p.
102)
Nesse período, foi instalada, ainda, a indústria produtora de bens intermediários,
como papel e celulose, matérias não-ferrosos, a siderurgia, petróleo e química pesada.
a segunda fase da indústria pesada no Brasil, dinamizada no governo militar do
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, iniciou-se em 1967 e foi até a década
de 1980, quando ocorreram elevadas taxas de crescimento do setor, em decorrência de
grandes investimentos a ele direcionados.
Negri (1996) classifica a segunda fase da industrialização brasileira em dois
ciclos: um, que está colocado no chamado período milagroso, como afirma Caio Prado
Júnior (2006), e o outro, nos anos de vigência do II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND). Para Negri (1996, p.149), o “avanço da estrutura industrial e a consolidação da
instria pesada internalizaram-se, também, uma base técnica que submeteu a
agropecuária a um rápido processo de modernização”. Esse fato possibilitou o
alargamento do espaço para a grande expansão no mercado internacional, com a
produção exportáveis industrializados ou não.
52
Porém, Ianni (1978) visualiza um terceiro estágio do processo de industrialização
no Brasil, para, é aquele que expressa o modelo de desenvolvimento associado ou de
internacionalização da economia brasileira e que, de fato, concretizou a
internacionalização do setor industrial.
O Brasil passou “a depender amplamente da associação direta e indireta, visível ou
disfarçada entre capitais nacionais e estrangeiros, começa politicamente com o Golpe de
Estado de 1º de abril de 1964” (IANNI, 1978, p.28). (conferir no original.
O Estado brasileiro teve uma importância fundamental no desenvolvimento das
forças produtivas no Brasil como assinalado, pois, no período de 1964 a 1980, o país
obteve uma elevação em seu nível técnico e de produção com uma concentração
de mais de um terço do desenvolvimento industrial do Terceiro Mundo.
(...) Aormino do governo Geisel (1974-1979), o Brasil estava entre as
dez economias com maior Produto Interno Bruto (PIB) e era a
economia mais industrializada do Terceiro Mundo. (...) A produção de
energia [entre 1968 a 1974] aumentou de 38 para 72 bilhões de kWh. A
produção de aço passou de 4,4 para 7,5 milhões de dólares. A produção
de automóveis de 279.000 a 858.000 unidades. (GERMANO, 2000,
p.73)
A intervenção do Estado brasileiro ocorreu em uma direção mais expressiva
durante a ditadura militar instalada em abril de 1964. Nesse período, o governo passou a
agir com certa autonomia para desenvolver, de forma mais acentuada e autoritária, sua
política socioeconômica, penalizando o trabalho e criando as condições objetivas para a
acumulação do capital.
As ações do Estado na economia, com o golpe militar, abrangeram “gestão da
força de trabalho
9
, aumento de sua capacidade extrativa ou exação tributária, dispêndio
de vultosos investimentos em infra-estrutura e na indústria pesada, concessão de
créditos, subsídios fiscais e favores a grupos empresariais” (GERMANO, 2000, p.72).
9
Segundo Santos (1987, p. 78-79), “retirava-se a fixação do salário profissional, ou salário-piso, (...) da
área do mercado, sob arbitragem da Justiça do Trabalho, e colocava-se a delimitação do piso profissional
sob arbítrio das autoridades financeiras. Esvaziou-se, com isso, a Justiça do Trabalho e retirou-se de
parcela do operariado industrial a sua única forma de obter melhorias relativas na distribuição da renda
nacional.
53
No que se refere à disciplina do trabalho, os militares no poder do Estado
brasileiro reprimiram os trabalhadores nas mais variadas formas, quer fossem em suas
manifestações na defesa de direitos, quer cerceando a sua organização. Assim, fizeram
intervenções nos sindicatos dos trabalhadores, efetivaram pries e torturaram seus
deres
10
. Acabaram com a estabilidade do trabalhador no emprego, instituindo o Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço
11
(FGTS). Reorganizaram o sistema de financiamento
do Estado, centralizaram os recursos na esfera da União e institram fontes de recursos
extra-orçamentários por meio de mecanismos de poupanças forçadas
12
, “e um sistema
tributário baseado na tributação indireta. A receita da União aumentou cerca de 80% na
época”, de acordo com Berhing (2002, p.164).
A ditadura militar também congregou as condições objetivas para elaborar uma a
sua política cultural
enquanto projeto de construção hegemônica, no instante em que o
curso histórico-social aponta para o seu ocaso. Em, 1964-1968, a
autocracia dispõe de forças para a coação e, depois de 1969-1970, de
inesgotável arsenal repressivo mas carece de condições para
transitar para um projeto cultural ancorado em lastro diferente da
coerção; por volta de 1975, a autocracia articulou os componentes
necessários para avançar no plano da construção da hegemonia mas
as bases político-sociais desses componentes começam a ser postas
em questão abertamente. À tardia formulação de política cultural da
ditadura acresce-se, pois, um dado elementar: ele é concomitante à
emersão dos vetores da autocracia burguesa (NETTO, 1991, p.94,
grifos do autor)
As mudanças internas, operadas tendo em vista atender ao processo de
modernização e expansão na indústria de transformação, foram seguidas pela ampliação
da construção civil, que muito se beneficiou dos investimentos governamentais em
infra-estrutura básica na organização e implantação do processo de urbanização
brasileira
13
. É importante destacar que o setor da construção civil aciona outros ramos de
10
No período de 1964 a 1979, segundo Germano (2000), os militares fizeram 1.565 intervenções em
sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais.
11
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi instituído pela Lei n. 5.107 de 13 de novembro de 1966.
12
FGTS, PIS-PASEP dentre outros.
13
Conforme Nogueira (2004), foi formidável o aumento da população no período de 1960 a 1980.
Enquanto em 1960 o país tinha 70 milhões de habitantes, em 1980 atingiu 120 milhões. Destacou-se a
54
produção industrial, como cerâmica, tijolos, e telhas, madeira, ferro, alunio, cimento,
material elétrico e hidráulico, dentre outros.
Segundo Negri (1996), uma vez esgotada a fase expansiva, a economia brasileira
entrou em um ritmo de desaceleração do crescimento no pós-1974, sem ser considerado
recessivo, pois o Produto Interno Bruto (PIB) teve um crescimento médio, ligeiramente,
superior ao atingido no após 1945. A realidade conjuntural marcava parte do governo
Costa e Silva que foi completado pelo governo da Junta Militar
14
e dedici. Em 1974,
iniciou o governo Geisel (1974-1979) e foi retomado o processo de eleições diretas para
composição da Câmara e do Senado. Nessa época, o governo da ditadura havia
instituído o bipartidarismo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que representava
os interesses do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
15
, o qual
congregava a oposição ao regime vigente. Até 1980, o crescimento da economia estava
norteado pela política econômica contida no II PND com vincia de 1974 a 1979.
O primeiro período, o de 1981 a 1983, foi marcado pela mais profunda crise
vivida pelo setor industrial, em decorrência do ajuste ortodoxo na economia brasileira
concretizado em medidas monetárias rígidas: limitação da concessão de créditos com
elevação das taxas de juros, contenção nos gastos públicos, inibindo os investimentos
cidade de São Paulo, em que a população aumentou de 3,8 milhões para 8,5 milhões, e, na região
metropolitana, passou de 4,8 milhões para 12,5 milhões. Ainda, nesse mesmo período, a população
urbana do país passou de 44 % para 67 %, a rural decresceu de 55 % para 32 %. Para o autor, “se em
1950 somente 20 % da população vivia nas cidades, com mais de 20 mil habitantes, em 1980 esse número
passou para 51 %” (NOGUEIRA, 2004, p. 18).
14
O governo da Junta Militar ocorreu em virtude da morte de Costa e Silva, em agosto de 1969.
Conforme Germano (2000, p. 68-69, grifos do autor), “ao lado disso, a disputa interna pelo poder, levada
adiante pelas diferentes faões militares (...). O Alto Comando das Forças Militares em reunião secreta,
desferiu mais um golpe, desta vez ao violara a Constituição de 1967 (...) impedindo que o vice-presidente
Pedro Aleixo – um civil que se opusera ao AI 5assumisse o poder (...). Para o Alto Comando, como a
solução constitucional não era viável, a Presidência seria exercida por uma Junta Militar, formada pelo
general Aurélio de Lyra Tavares, pelo brigadeiro Márcio de Souza e Mello e pelo almirante Augusto
Hamann Rademaker Grüneward que governou o país até” a posse do general Garrastazu Médici em
outubro de 1969 eleito pelo Colégio Eleitoral obtendo 293 votos favoráveis, 76 abstenções de partidários
do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e nove ausências. Esta não foi a primeira derrota que o
governo da ditadura sofrera. Também em dezembro de 1968, o Congresso negou autorização para o poder
executivo cassar o mandato do deputado federal pelo estado da Guanabara, Márcio Moreira Alves pelo
fato desse deputado do MDB ter pronunciado contra o governo na Câmara. Colocado em votação, o
Congresso negou a autorização por 216 votos contra e 141 a favor. De acordo com Germano (2000),
menos de 24 horas após, no dia 13 de dezembro de 1968 o governo baixou o AI 5, em uma indicação da
presença da instalação da linha dura. O Congresso foi fechado por dez meses, de dezembro de 1968 a
outubro de 1969.
15
A força da oposição foi colocada à prova nas eleições de 1974, quando o MDB obteve uma
extraordinária vitória, elegendo 16 senadores e 172 deputados ao passo que a situação elegeu apenas seis
senadores e 192 deputados. Martins (2001) assinala que o governo militar, prevendo a reprise da vitória
da oposição em 1978, determinou o fechamento do Congresso Nacional e editou a emenda constitucional,
contando com profundas reformas eleitorais que lhe davam condições de manipulação e de assegurar o
controle do poder. Assim, o regime estabeleceu a eleição indireta de um terço de senadores e impôs
censura à campanha política nos meios de comunicação. Essas medidas asseguraram a eleição indireta do
general Figueiredo para Presidente da República, com a maioria de votos da Arena.
55
públicos e privados, continuidade ao apoio às exportações de produtos industrializados
com adoção de política cambial que garantisse a sua rentabilidade.
A situação dramática da política econômica levou o governo brasileiro a solicitar
um pacote emergencial de assistência financeira
com empréstimos e outras operões provenientes do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Bancos de Compensações
Internacionais, sistema de Reserva Federal, Tesouro Americano e dos
maiores bancos privados norte-americanos. Com essa situação
dramática, a política econômica brasileira passou a ser tutelada pelo
FMI, ao qual foi apresentado, em fevereiro de 1983, um primeiro
programa de estabilização. Convém destacar que o programa do FMI
não significa muito em termos de empréstimos, mas como aval se
convertia num requisito sico, para que os bancos privados também
apoiassem financeiramente o programa brasileiro” (CARDOSO,
1995, p.190).
Essas medidas tinham como um de seus objetivos a obtenção de superávits para
atender aos compromissos com a dívida externa. Assim, segundo Negri (1996), o saldo
comercial que havia passado de dois biles e oitocentos miles de dólares, em 1979,
para um bilhão e duzentos milhões de lares, em 1981, saltou para seis bilhões e
quinhentos milhões de dólares, em 1983.
O crescimento das exportações possibilitou a recuperação das indústrias
brasileiras a partir dos meados de 1984, indo até 1986. O processo de retomada de seu
crescimento explica-se pela busca de reforço financeiro em mercados externos, por
meio de empréstimos, e o advento da Nova República, em 1985, quando o governo
procedeu a mudança do rumo da política econômica. A mudança na economia, que se
voltou para ações internas, condicionou além do crescimento das indústrias, a amplião
de postos de trabalho, cujo processo se iniciou em 1984, permitindo o aumento de
empregos e salários e, em decorrência, o consumo. Em 1986, o novo Ministro da
Fazenda implantou o Plano Cruzado, provocando novas mudanças na política
econômica. Houve uma redução drástica da inflação, aumentou os níveis de emprego e
salários e um crescimento da indústria de 11,3 %.
Nesse sentido assinala Negri (1996, p.159): a expansão da economia foi
acompanhada de ligeiro aumento nos investimentos, com crescimento de bens de capital
56
e de bens de consumo duráveis, mas, sobretudo, do setor produtor de bens de consumo
o-duráveis, decorrência do aumento real nos salários e no nível de emprego”.
O congelamento dos preços operado, em 1986, favoreceu um crescimento
acelerado na economia, mas a longa duração desse congelamento sem a devida reforma
econômica mais abrangente trouxe como conseqüências a volta da crise cambial e a
aceleração da inflão, pois o governo acabou ficando imobilizado. A taxa de
crescimento da indústria de transformação reduziu-se de 11% em 1986, para 1% em
1987 e passou a ser negativa, em 1988, em menos 3,4 %. “A situação da indústria só
o foi mais grave porque as exportões tiveram bom desempenho, principalmente às
de manufaturados e, também, porque em 1987 a safra agrícola foi extraordinária,
incentivando o setor agroindustrial” afirma Negri, (1996, p.158). A exportação
brasileira no período de 1988 a 1989, no geral foi em média trinta e quatro bilhões e
cem miles de lares, desses, vinte e quatro biles e duzentos milhões de dólares
eram produtos industrializados, equivalendo a 71 % do total das exportações. Assim, em
1989, a indústria brasileira retomou seu crescimento atingindo uma taxa positiva de
3,2%.
Porém, segundo o autor, aquelas indústrias que se ocupavam, sobretudo da
produção de bens de consumo o-duráveis foram diminuindo aos poucos sua
participação no valor da transformação industrial do país, passando de 31,5% para
31,3%. Destacou-se a expansão das exportões de calçados e de alimentos, o que
ocorreu pelo extraordinário crescimento da produção da agroindústria para o mercado
interno e externo, cuja participação saltou de 11,6 % para 12,8 %, e, em 1990, era o
segundo ramo de maior peso relativo a instria do país. Ocorreu também a expansão
das indústrias produtoras de bens intermediários que tiveram sua produção de 41,3 %
aumentada para 42,6 %. Dentre elas, destacaram-se a metalúrgica e a química, ao passo
que as instrias produtoras de bens de capital e de bens de consumo duráveis tiveram
sua produção ligeiramente reduzida, de 27,2 % para 26,2 %.
Nesse contexto, as indústrias dos países latino-americanos já vivenciavam, com
o neoliberalismo, o processo de desindustrialização
16
e desnacionalização em menor
16
De acordo com Boito Jr. (1999), os países latino-americanos adotaram o processo de desindustrializão
com adoção da política de abertura comercial: A amplitude desses processos (...) depende das condições
econômicas e políticas de cada país no que ele tem lugar: a desindustrialização foi mais severa no Chile e
na Argentina de que no Brasil” (p. 42). O processo de desindustrialização constitui-se na redução da
produção e do trabalho industrial. Na América Latina, sobretudo, no Cone Sul “a participação da indústria
manufatureira no nível de emprego começou a se reduzir nos anos [19]90 e é hoje similar a dos países
desenvolvidos, [porém] a um nível bem mais baixo de renda. Como não há renda suficiente para
aumentar a demanda por bens do setor de serviços a um ritmo adequado, a mão-de-obra liberada pela
57
escala, de acordo com as condições ecomicas e políticas de cada um. Boito Jr. (1999)
destaca dois aspectos na desindustrialização desses países. Um deles reduziu a
participação relativa no total da produção industrial de todos os países latino-
americanos; o outro, a participação da produção metal-mecânica, de bens de capital e de
química fina no total da produção industrial. Essa restrição ocorreu, sobretudo, naqueles
setores que trabalhavam, de maneira intensiva, com conhecimentos tecnológicos e de
serviços de engenharia, têxtil, calçados e vestuários. Porém, conforme o autor, nem todo
o processo de desindustrialização aparece visível em sua totalidade: “Ela ocorre ao
longo da cadeia produtiva, através do aumento do índice de importação dos
componentes em setores como o eletrônico, automobilístico, de eletrodomésticos e
outros. Trata-se de uma faceta (...) que pode ser erroneamente percebida como seu
oposto” (BOITO Jr., 1999, p. 43). Nessa situação, o crescimento é concretizado por
meio de gales de montagem industrial que, ao utilizarem produtos importados,
substituem os antigos setores nacionais. Um exemplo é a Zona Franca de Manaus,
região que foi transformada em um parque de montagem de produtos importados, o que
explica a expansão recente da indústria brasileira de material de informática, produtos
eletrônicos de consumo e de montadoras de automóveis. Segundo dados da Associação
Brasileira da Indústria Eletroeletnica (Abinee), o crescimento de importação desses
componentes, entre 1990 a 1995 foi de 211 %. Nesse período, houve redução das tarifas
de importações para os produtos destinados à Zona Franca.
A redução das alíquotas de importação e a extinção de barreiras não-tarifárias
marcaram o início da política de desindustrialização brasileira no governo de Collor de
Melo
17
, retomadas no governo de Fernando Henrique Cardoso com a
sobrevalorização do Plano Real. Essas medidas contribuíram para o crescimento das
importações de produtos manufaturados
18
, de máquinas, equipamentos, aparelhos
indústria o é absorvida por este setor. A esse processo se chama de desindustrializão negativa em
oposição à desindustrialização positiva que ocorreu nas economias maduras de alta renda, onde o setor de
serviços chega a ocupar mais de dois terços de economia”. (SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR
– SECEX. Relatório das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento/2003).
17
Conforme Antunes (2005, p. 16), “Collor elegeu-se com base em um projeto de modernização do país.
Em seus contornos mais gerais, esse projeto contempla uma integração subordinada do Brasil nos
marcos do mundo capitalista avançado. Fundado no ideário neoliberal para um país do Terceiro Mundo
industrializado e intermediário, tal projeto opera uma brutal reestruturação do país, levando a
desindustrialização inúmeros setores que se expandiram nos últimos trinta anos”.
18
Boito Jr. (1999, p 46) esclarece: “Em 1990, a alíquota média das tarifas de importação era 40 % e a
alíquota mais freqüente de 32,2 %. Em 1992, ambas caíram para 20 %. Em 1995, o governo FHC reduziu
a alíquota dia para 12,6 % e a mais freqüente para 2 %. Entre 1992 a 1995, as importações saltaram da
casa dos 20,5 bilhões para 49,6 bilhões de dólares, representando um crescimento de 142 %, enquanto as
exportações passavam de 35,7 bilhões para 46,5 bilhões de dólares, perfazendo um crescimento de apenas
58
eletrônicos e materiais de comunicação, os quais superaram os 35%, em 1995, e os
índices continuaram crescendo em 1996.
No entanto, segundo Boito Jr. (1999), o mesmo o aconteceu com tratores,
máquinas rodoviárias e equipamentos para distribuão de energia, que foram muito
penalizados com a política de abertura comercial do governo. Essa política, para o autor,
contribuiu para uma queda brusca nas importações de produtos têxteis, levando a
Federação das Indústrias do Estado de o Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) a criticarem as medidas do governo de Fernandes Henrique Cardoso e a
exigirem a proteção, também, de seus produtos por meio de barreiras tarifárias, e não-
tarifárias.
O processo de desnacionalização, ocorrido na cada de 1990, no Brasil, sob a
égide da política neoliberal, apresentava a mesma característica de outros países da
América Latina, ou seja, uma redução das empresas por falência, fechamento, venda, ou
fusão com empresas estrangeiras. Nesse sentido, os dados do Sindicato da Indústria de
Autopeças são esclarecedores, ao informar que, até o início de 1996, mil empresas do
ramo foram vendidas e tiveram o capital estrangeiro como o seu principal comprador. A
estimativa é de que das 3.200 indústrias de autopeças existentes em 1991 restavam 930,
em 1997. Em 1995, segundo grupos de assessoria, foram vendidas cerca de trezentas
empresas nacionais de diversos ramos
19
.
Concomitante ao processo de desindustrialização, a privatização das empresas
públicas fazia parte da potica neoliberal implantada no país, na década de 1990, como
exincia para a reforma do Estado brasileiro direcionada a manter a hegemonia do
grande capital. Conforme Boito Jr. (1999, p. 51), tratava-se de um conjunto de
medidas, tais como, a desregulamentação do mercado do trabalho, da redução de
30 %. Com é sabido, a balança comercial brasileira passou a apresentar um déficit crescente a partir da
implantação do Plano Real o déficit foi de 3,1 bilhões de dólares em 1995, devendo chegar a um
montante de 10 bilhões de dólares em 1997”.
19
Boito Jr. ( 1999, p. 48) informa: “No ramo de geladeiras e fogões, a Bastemp associou-se à Whipool, a
Continental foi comprada pelo grupo alemão Bosch-Siemens e a Prosdócimo pela sueca Electrolux. A
lochepe vendeu sua fábrica de tratores Maxion. A DB Brinquedos associou-se ao banco norte-americano
JP Morgan. A Gradiente associou-se à japonesa JVC, convertendo-se numa montadora de componentes
importados, o que mostra que o fenômeno da desnacionalização pode fundir-se, em certos casos, ao da
desindustrialização. O grupo estadudinenses Westvaco comprou uma das maiores indústrias nacionais.
No ramo da alimentação, a Lacta, da família Adhemar de Barros, que era a maior produtora nacional de
chocolate, foi vendida à Philip Morris; a Arisco associou-se ao banco americano Goldman Sachs; a
companhia Pilar, maior industria do setor de alimentação do Nordeste, sob controle nacional desde sua
fundação em 1875, foi vendida em duas partes: uma para a Nabisco, empresa estadunidense, e outra para
o grupo argentino Bunge & Born. A entrada de investimento estrangeiro direto na economia brasileira
tem crescido regularmente ao longo da década de 1990. (...) O Centro de Economia Mundial da Fundação
Getúlio Vargas prevê que, mantido [esse] ritmo, nos próximos anos, 25 % do PIB industrial brasileiro, o
equivalente a 50 bilhões de dólares, passará para o controle do capital estrangeiro”.
59
salários e da redução dos gastos sociais”. Com isso, a política neoliberal, no decorrer
daquela década, fortaleceu o patrimônio das grandes empresas do setor industrial,
bancário e da construção civil com as privatizações a de empresas públicas. Para o
autor, os arremates foram feitos pelos grandes grupos de empresas lucrativas como os
setores petroquímicos, siderúrgicos, fertilizantes e de mineração por preços aquém do
valor dessas empresas, que eram postas em leilão e pagas com as ditas moedas podres e
empréstimos favorecidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). Dessa forma, foram privatizadas as empresas de prestação de serviços, como,
de transporte, de energias elétricas e de telefonia celular, dentre outras. Esse processo
foi desencadeado no governo Collor de Melo e assumido pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, e não foi acessível aos pequenos investidores e nem aos
trabalhadores. As primeiras empresas privatizadas foram, no governo de Itamar Franco,
a Companhia Nacional de Siderurgia (CNS), e, no governo de Fernando Henrique
Cardoso, a Vale do Rio Doce
20
, a Rede Ferroviária, além de empresas de energia
elétrica. A penetração do capital estrangeiro, no país, conforme Boito Jr. (1999, p. 52),
ocorreu
de dois modos: numa primeira modalidade, empresas estrangeiras
associam-se a grupos nacionais para arrematar uma empresa estatal, o
negócio envolvendo sócios e empresas de um mesmo ramo ou de
ramos conexos; numa segunda modalidade, fundos de investimentos
estrangeiros entram como sócios de um grupo que pretende adquirir
uma estatal. Mas a maior parte das privatizações foi, no início, um
negócio privado do grande capital nacional; mais tarde, passou a ser
também um negócio com participação do capital imperialista
21
.
20
“A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, no governo FHC, foi efetuada, pelos cálculos de
especialistas, a um preço que representava uma fração insignificante do valor da empresaconsiderados
o patrimônio e as concessões de exploração. A Usiminas, siderúrgica de alta produtividade e
lucratividade, tinha seu patrimônio avaliado por alguns consultores em doze bilhões de dólares, mas foi
vendida por apenas um bilhão e meio. Para utilização de ações nos leilões de privatização, foram
utilizadas Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento, os Títulos de Dívida Agrária, Títulos da
Dívida Externa, as debêntures e dívidas da Siderbrás e outras. No leilão de privatização da Usiminas,
entraram Cr$ 4.690,00 em moeda corrente, metade do preço de um carro popular na época” (BOITO Jr,
1999, p. 54).
21
“A súmula das vendas de empresas estatais, produzidas pelo BNDES em maio de 1995, relatou que em
dezessete dos maiores leilões de privatização ganhou um restrito grupo de 59 investidores. Alguns dos
principais compradores das estatais foram empresas como os bancos Safra, Bamerindus, Bradesco, Itaú,
Boa Vista, Unibranco e Bozano Simonsen; os grupos Ipiranga, Fósfertil, Odebrecht, Andrade Gutierrez,
Vicunha, Gerdau, Votorantin e outros. (...) No ramo fertilizante, o conrcio Ferti-Ultra, formado por sete
empresas produtoras de fertilizantes, arrematou, através de uma ou de outra empresa pertencente ao
conrcio, as empresas estatais de fertilizantes Ultrafértil, Indag, Goiásfertil e a Fosfert” afirma Boito Jr.
(1999, p. 52-53).
60
Desde o seu primeiro governo, em 1994, Fernando Henrique Cardoso assumiu,
de acordo com Antunes (2005), a lógica de uma racionalidade burguesa conservadora.
Estava em curso o processo de estabilização monetária com orientação programática
imposta pela potica neoliberal e desenvolvida conforme os ditames da reforma do
Estado que trouxe como conseqüência o início do desmantelamento do parque
produtivo. Esse processo ocorreu dando continuidade, em grande escala, à
privatização, a desindustrialização, integração servil e subordinada à ordem
mundializada, convertendo-nos em país cassino financeiro internacional” (ANTUNES,
2005, p. 37)
Nesse sentido, segundo Antunes (2005, p. 38),
após desmontar tudo que foi criado desde o varguismo, por meio da
ação de cadas de trabalho operário sob o comando do capital
produtivo estatal – uma vez que nosso capital privado sempre viveu a
reboque do Estado [brasileiro], era chegada a hora de entregar tudo
funcionando, estruturado e rentável às burguesias nativa e forânea.
No entanto, segundo o autor, foi necessário, em algumas situações um preparo
prévio, como por exemplo, a desorganização de setores para justificar a sua privatização
a um valor quase simlico.
Os trabalhadores organizados constestaram e, em 1995, Fernando Henrique
Cardoso enfrentou a
greve dos petroleiros, que abalou o país por 31 dias, entre maio e
junho. [Esta greve permitiu] desvendar tantos os aspectos de um
governo recém-eleito que contava com monumental apoio de todos
os grandes veículos de comunicação de massa, com a relativa
aceitação de parcela expressiva da chamada opino pública.
(ANTUNES, 2005, p.31)
A greve trazia em seu bojo uma dimensão política, ao contestar as privatizações
das empresas públicas, e uma dimensão econômica centrada nas condições de trabalho,
nas reivindicações salariais. Os fatos evidenciavam um embate difícil entre os
trabalhadores petroleiros e o governo. Os trabalhadores buscavam preparar-se para
61
resistência, segundo Antunes (2005, p.32), contra a privatização do monopólio estatal
do petróleo, pois, os trabalhadores petroleiros tinham plena consciência da importância
da preservação do papel público e estatal da Petrobras”.
Assim, os trabalhadores petroleiros expressaram, naquele acontecimento, a sua
radicalidade pela sustentação da base da categoria acrescida do apoio de uma
significativa organização dos trabalhadores existente tanto no âmbito estatal quanto
nacional. Na esfera federal, eles se organizavam na Federação Única dos Petroleiros.
Contavam, ainda, com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No entanto,
conforme Antunes (2005), de um lado, um segmento do sindicalismo da CUT acreditou
nas negociações com o governo e foi por demais moderado, de outro, Fernando
Henrique Cardoso revidou com confrontações militarizadas, portanto, duras, pois foi
incapaz de negociar com os trabalhadores sem recorrer a esses recursos. Finalmente,
quebrar a força da organização sindical era uma das lições a ser cumprida pelo governo
brasileiro como uma determinação da política neoliberal em curso.
Nesse sentido, para Antunes (2005, p.34, grifos do autor), o
projeto neoliberal erigiu como seu maior inimigo o sindicalismo
combativo e reivindicativo. Sua expectativa é instaurar, mundialmente,
o (...) sindicalismo de envolvimento e cooptação, próprio do modelo
toyotista, o (...) sindicalismo de empresa.
A quebra do poder de força do sindicalismo combativo foi o outro lado da
moeda do projeto neoliberal que o governo brasileiro, na sua condição de país
capitalista da periferia, tinha para executar, a fim de atender às exigências do capital na
economia central.
Para Mascarenhas (1999, p. 99), a “organização político-sindical expressa um
determinado vel de capacitação para se inserir nos conflitos de classe e delimita (...)
terreno para a constituição de interesses”. A autora considera que a contribuição do
sindicato no processo de transformação social concretiza-se na luta por melhores
condições de vida e de trabalho, e contra os interesses da classe detentora do capital.
Porém, o sindicato não tem o poder de conduzir a classe trabalhadora no processo de
transformação social, tarefa destinada ao partido político da classe.
Segundo Mascarenhas (1999, p. 102),
62
[a] potencialidade de articulação entre a economia e política é um
dos maioresritos da prática sindical. Por meio desta articulação os
interesses da classe trabalhadora podem ser unificados e pode ser
desencadeada uma ação estratégica de classe. A luta econômica é
então publicizada, o que é essencial para a articulação dos interesses,
a não pulverização dos mesmos, o reconhecimento por outros sujeitos
sociais, a formulação de uma identidade potica e o aumento do
poder de barganha no âmbito dos conflitos sociais e relações de
poder.
A organização dos trabalhadores, no Brasil, vem se concretizando em contextos que
marca avanços e recuos, e foi forjada no processo histórico da construção da classe trabalhadora
a qual tem uma relação direta com a industrialização do país
22
e das necessidades do
redimensionamento do Estado brasileiro para atender as exigências do capitalismo em curso.
Essa organização desenvolveu à medida que o processo de industrialização
avançava e deu origem a formação da classe operária que, em seu processo histórico,
recebeu a inflncia de operários europeus que vieram para substituir a mão-de-obra
escrava e atender às exincias de empresas de maior porte, que eram subsidiárias do
capital estrangeiro.
Os operários europeus trouxeram para o Brasil a sua mão de obra, mas trouxeram,
também, a suas práticas organizativas, fundadas no anarco-sindicalismo
23
que marcou a
organização dos trabalhadores brasileiros, no início do século XX. Esses trabalhadores
foram influenciados, ainda, pelo movimento sindical reformista que priorizava as
reivindicações salariais.
Nesse sentido, os trabalhadores deflagraram uma greve, em 1917, que foi
analisada por Martins (1989, p. 19), como a
mais significativa evidencia da função política do sindicalismo, visto ter
abalado a estrutura social e política de São Paulo, obrigando o governo,
22
Vale ressaltar, no entanto, que a acumulação do capital no Brasil, segundo Caio Prado Júnior (2006),
inicialmente foi individual e restrito. Para o autor, o censo de 1920 aponta 42% do capital empregado na
indústria era de caráter individual e não sociedade de pessoas ou de capitais. Por outro lado, esse capital
quase sempre pertencia a simples indivíduos, famílias, ou pequenos grupos.
23
O anarco-sindicalismo constituía-se, de acordo com Antunes (1982), em uma orientação político
ideológica que, na Primeira República, tinha a hegemonia no seio da classe operária. Essa corrente de
pensamento negligenciava o momento político de luta pelo poder estatal e enfatizava o predomínio do
economicismo nas reivindicações dos operários. Ao proceder dessa forma, drenava todo o potencial para
a luta imediata e o o direcionava para a superação do capitalismo. Os anarquistas desconsideravam a
importância da organização político partidária e não buscavam estabelecer uma política de aliança com os
demais segmentos dos trabalhadores.
63
pela primeira vez a [conversar] com os representantes da população em
greve. A violência de grevistas e policiais, bem como a mobilização em
torno da greve levaram jornalistas a se apresentarem como
[inter]mediadores, dado o temor de que a greve resultasse em guerra
civil.
Dentre as reivindicações dos trabalhadores a autora destaca, ainda, a
regulamentação das condições de trabalho de mulheres, crianças e adolescentes,
buscando eliminar o trabalho de menores de 14 anos e o noturno para menores de 18
anos.
No entanto, apresentando a sua organização sindical expressas nas lutas, nos
diversos momentos históricos do país, desde o início do século XX, o sindicalismo
brasileiro somente foi reconhecido pelo Estado, após a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio (MTCI) em novembro de 1930 por meio do Decreto-Lei
nº. 19.443. Este, de acordo com Abramides e Cabral (1995), se constituiu em uma
forma do Estado intervir na organização sindical dos trabalhadores. Assim, a primeira
lei sindical foi regulamentada conforme Decreto n
o
. 19.770, de 19 de março de 1931, e,
estabeleceu-se um único sindicato por categoria, os sindicatos oficiais, a sindicalização
tornou-se facultativa e foram excluídos os funcionários públicos, os empregados
domésticos e permitiu a formação de federações regionais e confederação nacional.
Com esse decreto, o governo brasileiro atrela o sindicato ao Estado, institui o
coorporativismo e o assistencialismo com a obrigatoriedade do exercio da assistência
social pela entidade sindical. Ao instituir a assistência social no sindicato, o governo
desvia o foco político do sindicato na direção da luta dos trabalhadores. Cria assim, o
sindicato oficial, e ao lado dele, segundo Antunes (1982, p. 113), a Igreja Católica,
também, buscou organizar os trabalhadores, e teve como base de sustentação o Centro
Operário Católico Metropolitano. Os trabalhadores brasileiros organizados realizaram,
em São Paulo, em 1931, uma manifestação de apoio ao então Ministro do Trabalho,
pela apresentação das poticas social e sindical
24
, cuja legislação instituía a chamada lei
dos dois terços
25
, a qual determinava que os trabalhadores brasileiros não devessem
24
A política sindical do Ministro do Trabalho Lindolfo Collor, foi apoiada por algumas associações
operárias, tais como:Centro Operário Católico Metropolitano, Sociedade Oberdan, Sociedade Vitório
Emanuele II,Sociedade Operária Barra Funda, Sociedade Benedetto Marcelo e Sociedade Dante
Alighiere(ANTUNES, 1982, p. 113, grifos do autor)
25
A lei dos dois terços foi “a primeira medida tomada pelo governo após a criação do Ministério do
Trabalho, instituída pelo Decreto n. 19.482, de 12/12/1930, ‘limita a entrada no território nacional, de
passageiros estrangeiros de terceira classe, dispõe sobre a localização e amparo de trabalhadores
64
ceder espaços aos trabalhadores estrangeiros. Essa lei, ao colocar em prática a restrição
a esses trabalhadores, buscava enfraquecer a influência da organização dos
trabalhadores europeus no sindicalismo brasileiro.
Segundo o autor,
enquanto os comunistas e os anarquistas faziam oposição à estrutura
sindical e procuravam desencadear uma prática sindical autonomista,
abriu-se espaço à atuação do Ministério do Trabalho, que criou uma
liderança pelega e que pouco a pouco foi penetrando e formando uma
estrutura sindical controladora dos interesses assalariados. (ANTUNES,
1982, p. 113)
Nesse contexto, construía-se uma estrutura sindical atrelada ao Estado, com a
finalidade de minar o sindicalismo combativo. Mesmo assim, o movimento sindical
avançava e no decorrer das décadas de 1950 e 1960, demonstrava sua capacidade de
luta e resistência contra a repressão, os baixos salários e o peleguismo. Apesar do
impedimento de sindicalização, também, trabalhadores no serviço público, iniciaram
sua organização política, criando suas associações. Essas associações foram
fortalecidas, na década de 1970, com o surgimento de outras novas e das federações.
A luta dos trabalhadores na busca de condições de vida crescia em seu processo
organizativo, fato que preocupava a burguesia. Ainda, na década de 1930, o Estado,
como outro modo de contrapor esse movimento e intervir na questão social uniu-se com
a Igreja Católica como poderes organizados que buscavam formas de desmobilizar os
trabalhadores.
Ressalta-se, no entanto, que para a “conquista do poder, em 1930, a burguesai,
seguindo a ordem natural da composição potica, não se voltou para a classe
trabalhadora, (...) como se comprometeu na concessão de espaço e direitos àquela
classe” (SODRÉ, 1997, p. 137).
Uma das estratégias do Estado brasileiro, na década de 1930, para dar resposta à
questão social foi implantar políticas sociais.
nacionais, e outras providências’. Como uma decorrência, provavelmente, da superioridade numérica
de trabalhadores estrangeiros sobre os nacionais nas empresas do país, que vinha sendo apontada por
vários trabalhos, relatórios e pela imprensa desde fins do século XIX, essa lei passou a exigir que todas as
empresas urbanas tivessem dois terços de empregados brasileiros natos” (MARTINS, 1989, p. 37-38).
65
A “burguesia , seguindo a ordem natural da composição política, não só se voltou
para a classe trabalhadora, (...) como se comprometeu na concessão de espaço e direitos
àquela classe” (SODRÉ, 1997, p. 137), para a conquista do poder, em 1930.
Apesar da aliança e dos compromissos assumidos com a classe trabalhadora,
segundo Sodré (1997, p. 137), “o período de liberdade foi curto, durou de 1930 a
1935, e a partir de então, as contradições de classes explicitaram-se na sociedade
brasileira e retornou ao cenário a luta dos trabalhadores. Uma dessas lutas foi trazida a
público, quando o movimento das forças organizadas, sob a direção do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), contando com a participação da Frente das Esquerdas, da
Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do movimento dos tenentistas, organizaram a
resistência ao que foi denominado pela burguesia de Intentona Comunista, e que se
constituiu em um movimento dos trabalhadores contra o governo de Getúlio Vargas.
Esse movimento desencadeou-se na cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte,
alastrou-se para Recife, em Pernambuco, e para o Rio de Janeiro, então capital do país,
onde foi derrotado pelas forças do governo com pries e outras formas de repressão.
Os revolucionários, de acordo com Sodré (1997), tinham como reivindicações o
estabelecimento de um governo popular, a abolição da dívida externa e a implantação da
reforma agrária, dentre outras.
Segundo Sodré (1997, p.137), a “luta interna levou a burguesia a recompor-se com
as forças tradicionais das quais se havia distanciado e (...) combatido (...) para enfrentar
as classes trabalhadoras”. (...) a legislação se reveste de tido sentido nacionalista, o
aparelho de Estado passa por acentuada reforma, surge o trabalhismo”. Essa foi uma
estratégia para eliminar os conflitos travados na luta entre as classes, foi a de que Outra
estratégia de controle do governo de Getúlio Vargas foi a ditadura, e, no dia 10 de
novembro de 1937, instalou o chamado Estado Novo que tinha como traço definidor,
além daquelas analisadas anteriormente, a sua função conciliadora com o latifúndio e
com o imperialismo em um momento em que essa convivência era necessária e
possível.
Segundo o autor, o Estado Novo apresentou-se carregado de repressão e de
violência policial, que permitiram à burguesia uma ação independente do apoio e da
participação dos trabalhadores, para proceder as reformas necessárias para consolidar as
suas conquistas, e efetivar as mudanças. Essas mudanças definiram as premissas
exigidas para a consolidação das relações capitalistas, localizando, de um lado, a
concentração da riqueza, e de outro, a massa proletarizada de trabalhadores livres.
66
O Estado Novo chegou ao fim com o golpe de 29 de outubro de 1945, e a
deposição de Vargas em um contexto que se vivenciava o término da Segunda Guerra
Mundial.
A passagem de uma civilização agrária para a urbano-industrial evidenciou,
aponta Ianni (1978), os conflitos e tensões que se desencadearam, se desenvolveram e
redefiniram seus padrões com o avanço do capitalismo tanto em escala internacional
quanto nacional. Tratava-se de uma sociedade fincada em princípios que norteavam as
relações estabelecidas pelo alto com a cúpula da aristocracia agrária escravagista. Após
a Primeira Guerra Mundial, setores da população brasileira, como os proletários urbanos
e rurais, e os setores médios, se despontaram em sua dimensão política e se
organizaram, e travaram lutas em defesa de uma maior participação nos debates, em
âmbito nacional, nas decisões políticas e econômicas, o que lhes conferiam um
protagonismo. Somavam-se a eles, os setores emergentes da burguesia industrial e
financeira, que eram penalizados com a socialização das perdas aplicados pelo poder
do Estado sempre que a cafeicultura entrava em crise. Desse modo, torna-se necessário
considerar “que os golpes, as revoluções e os movimentos armados ocorridos no Brasil
desde a Primeira Guerra Mundial precisam ser encarados como manifestações de
rompimentos político-econômicos, ao mesmo tempo internos e externos”, como afirma
Ianni (1978, p.14).
Assim, os trabalhadores vinham acumulando força política, desde décadas
anteriores, organizados no movimento de trabalhadores urbanos e rurais
26
e apoiados
pelo segmento progressista da Igreja Católica. Construíram uma ação unitária, com
articulação no campo popular e sindical, e no movimento estudantil, reivindicam
reformas de bases. A luta que era unificada pela coordenação da Central Geral dos
Trabalhadores (CGT) articulava trabalhadores do campo e da cidade.
Ao lado da mobilização dos trabalhadores, o governo brasileiro, sob a direção de
João Goulart, oferecia condições favoveis parao protagonismo de suas Entidades em
suas reivindicações, bem como abria espaço para outros protagonistas, comprometidos
com as necessidades da maioria da população e com o processo de mudanças
nasociedade, ocupassem posições estratégicas nas instâncias de poder.
Por outro lado, as forças conservadoras tinham sustentação políticas no fracasso
golpista da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961.
26
Várias experiências podem ser destacadas nesse sentido, como Trombas e Formoso, Campo Limpo em
Goiás, bem como outras lutas camponesas ocorridas no país assessoradas pelo PCB.
67
Assim, de acordo com Netto (1991), à direita, também, se evidenciava um
processo acumulativo de suas forças somadas às novas adesões que conseguia
capitanear, e utilizava intensivamente o aparelho estatal sob seu controle, graças às
posições que detinha e que se ampliavam na sociedade civil, com o veloz deslocamento
de forças vacilantes. Segundo Ianni (1978), nessa época, compunha o jogo de forças em
favor da burguesia, a classe média e, em particular aqueles segmentos conservadores
sob a direção de Igreja Católica, que organizaram a Marcha da Família com Deus,
pela Liberdade
27
que antecede e prepara a opinião pública para o golpe, [e ] foi realizada
dez dias antes” (p.130). O movimento, que utilizava o argumento de uma operação
político-militar para combater o comunismo e a corrupção, envolvia, também, os
interesses econômicos e políticos que estavam em jogo.
Nesse sentido, de acordo com Ianni (1978, p.130-131), o jornal O Estado de São
Paulo publicou que a passeata realizada em São Paulo era a “resposta dos paulistas ao
comício realizado seis dias antes na Guanabara. Tratava-se da manifestação realizada
em 13 de março de 1964, em praça pública da cidade do Rio de Janeiro, com a presença
do Presidente da República”. Para o autor, de um lado, o comício tinha um caráter
reformista e era apoiado no proletariado urbano, e de outro, a marcha, reacionária era
sustentada largamente pela classe média. O primeiro, propunha as reformas de bases e
era uma expressão da democracia, o outro, tinha como objeto de preocupação as
tradições brasileiras (Deus, Família e Tradição) e se constituía em uma manifestação
com orientações autoritárias. Assim, o golpe militar, ocorrido em abril de 1964, foi uma
solução política articulada pela burguesia internacional e nacional e imposta pelo alto e
pela força.
As ações do Estado na economia, com o golpe militar, abrangeram “gestão da
força de trabalho
28
, aumento de sua capacidade extrativa ou exação tributária, dispêndio
de vultosos investimentos em infra-estrutura e na indústria pesada, concessão de
créditos, subsídios fiscais e favores a grupos empresariais” (GERMANO, 2000, p.72).
27
Ianni (1978, p.130) assinala: “Matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, sob o título: Marcha
Abriu o Caminho à Revolução assim expressa: “A Capital paulista viveu ontem o maior dia de toda a sua
história. Em formação compacta e na mais perfeita ordem, cerca de 500.000 democratas de todas as
condições sociais, constituindo verdadeira torrente humana, desfilaram durante horas pelas ruas do
centro, transformando a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade na maior manifestação cívica
jamais realizada nos quatrocentos e dez anos de vida de nossa metrópole” (grifos do autor).
28
Segundo Santos (1987, p. 78-79), “retirava-se a fixação do salário profissional, ou salário-piso, (...) da
área do mercado, sob arbitragem da Justiça do Trabalho, e colocava-se a delimitação do piso profissional
sob arbítrio das autoridades financeiras. Esvaziou-se, com isso, a Justiça do Trabalho e retirou-se de
parcela do operariado industrial a sua única forma de obter melhorias relativas na distribuição da renda
nacional.
68
No que se refere à disciplina do trabalho, os militares no poder do Estado
brasileiro, reprimiram os trabalhadores nas mais variadas formas, quer fossem em suas
manifestações na defesa de direitos, quer cerceando a sua organização. Assim, fizeram
intervenções nos sindicatos dos trabalhadores, efetivaram pries e torturaram seus
deres
29
. Acabaram com a estabilidade do trabalhador no emprego instituindo o Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço
30
(FGTS). Tecer considerações ligeira sobre os
movimentos dos trabalhadores do final da década de 1970, a de 1980 e 1990 as
mudanças no mundo do trabalho.
1.3 A reforma do Estado brasileiro
A estrutura embrionária de um Estado nacional patrimonialista, de acordo com
Batista (1999), teve seu início a partir de 1822 quando foi declarada a independência do
país com a organização da administração pública no Brasil, cujos princípios teóricos e
práticos permaneceram até o final da década de 1920. O autor destaca as principais
características dessa administração como, o clientelismo, o apadrinhamento e o
genrismo, que deram origem a práticas despóticas. Sob a “égide desses princípios, os
representantes da administração pública patrimonialista incorporam a esfera estatal
como espaço privado (BATISTA, 1999, p. 66). No entanto, de acordo com Batista
(1999, p. 67), mesmo com debilidades, o Estado nacional brasileiro foi se constituindo e
consolidando em seu interior a presença legal do senhor cidadão instituído pela
Constituição Federal de 1824, que estabeleceu, “a prática da solidariedade social e,
também, a de associação política. Criaram-se os sujeitos de direito civis e políticos.
Ocorre uma revolução no interior do Estado, especificamente, na instância
político/jurídica”.
De acordo com o autor, tratou-se de uma mudança unilateral que não se
considerou reforma, mas, uma adaptação. Para ele, foi uma política do possível que, “só
ocorreu devido à conjugação do liberalismo político com a escravidão. Ambos traziam
como característica central, a inércia social e o tradicionalismo” (BATISTA, 1999, p.
67, nota 10). Para ele, o Estado Republicano foi constituído em bases sólida edificada
29
No período de 1964 a 1979, segundo Germano (2000), os militares fizeram 1.565 intervenções em
sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais.
30
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi instituído pela Lei n. 5.107 de 13 de novembro de 1966.
69
no período do Império, portanto, as mudanças ocorridas não alteraram a lógica burguesa
em que o poder estava estruturado, e foi no “interior do Estado que ocorreu a passagem
do poder olirquico burguês para o poder industrial. (...) E, qualquer perspectiva vinda
dos de baixo é reprimida e ou controlada. As relações estabelecidas ente Estado e
sociedade civil eram tensas” (BATISTA, 1999, p. 68).
A prática da administração pública patrimonialista mesmo ganhando espaço no
Estado brasileiro foi substituída pela administração pública burocrática
31
a partir da
revolução de 1930 conferindo, ao Estado, uma nova forma de administrar.
Essa nova forma contou com uma sustentação teórica na lógica instrumental do
poder racional legal, norteada por princípios que propunham, profissionalizar o quadro
de trabalhadores públicos; (...) implementar o quadro de carreira; constituir uma
hierarquia funcional e implementar a impessoalidade” (BATISTA, 1999, p. 68).
Assim, a direção política do Estado brasileiro evidenciou em seu aspecto
contraditório uma intervenção ambígua, que demarcou o seu caráter conservador. “O
balanço entre a repressão violenta e o paternalismo frouxo permitiu assegurar, na linha
incoerente, uma estabilidade transiria que criou as condições para consolidar reformas
destinadas a afirmar o capitalismo aqui”, como afirma Sodré (1997, p.78). Para o autor,
a intervenção do Estado em favor do capital concretizou-se, ainda, com medidas
tributárias, trabalhistas, que marcaram um nacionalismo econômico, sustentado, de um
lado, na sua ação e, de outro, na substituição de importões, que se constituiu no traço
essencial da acumulação na época” (SODRÉ, 1997, p.79) e compôs esse tempo de
nacionalismo que, já no final da década, de 1930, contava com um esboço na indústria
petrolífera.
Os idealizadores da administração pública burocrática, no Brasil, acreditavam que
esse modelo permitiria um maior controle sobre os abusos de gastos públicos que foram
históricamente acumulados no decorrer da vigência da administração patrimonialista.
Acreditavam, ainda, que com essa nova forma de administrar devolveria ao Estado a
condição de detentor da coisa pública. Assim, com essas diretrizes, em 1936, de acordo
com Batista (1999), profissionaliza-se a administração pública e implanta, alguns
princípios da burocracia moderna. Para Behring (2002, p. 199) a “criação do DASP, em
1936 foi a primeira tentativa de criar uma burocracia profissionalizada, nos moldes
weberianos no Brasil, mas que coexistiu com o forte patrimonialismo da cultura política
nacional”.
31
A administrão pública burocrática busca o controle dos processos” (BATISTA, 1999, p. 71)
70
Também Batista (1999), considera que as características da administração
patrimonialista não foram totalmente superadas e passaram a constituir-se obstáculo
para que a nova forma administrativa pudesse seguir seu curso, porém, começou a
apresentar suas debilidades, pois, as exigências do capitalismo impunham modernização
da administração pública para atender as necessidades do desenvolvimento interno e do
capital internacional. Esse processo, de acordo com Fernandes (1975) teve expressiva
sustentação do Estado e foi decisivo para assegurar o apoio interno que viabilizou a
decisões externas e garantiu a entrada do capitalismo monopolista no Brasil.
De acordo com Behring (2002, p. 123) o golpe militar permitiu “total liberdade
de movimento, no sentido de empreender as transformações requeridas para uma
adaptação ao capitalismo monopolista”. Dessa forma, o Estado brasileiro passou a
captar recursos externos e se transformou em base de apoio a internacionalização da
economia atendendo aos interesses de classe que representava.
No entanto, ao buscar explicar esse momento, a autora faz um recuo histórico e
referencia-se em Fernandes (1975) que reconhece a presença de uma crise do poder
burguês nos primeiros anos da década de 1960 e que se resolveu a partir de três eixos:
a articulação entre a iniciativa privada interna e o mercado mundial; a capacidade de
mobilização social e política da burguesia como classe possuidadora e privilegiada; [e] a
conversão do Estado em eixo estratégico do poder burguês” (BEHRING, 2002, p. 123).
Para Fernandes (1986, p. 9, grifo do autor), as classes burguesas dominantes “são
impotentes para conduzir as revoluções inerentes à transformação capitalista.
Ameaçadas (ou supondo ameaçadas), elas recorrem ao seu braço armado, implantam
uma ditadura civil-militar e fazem a viria pender para a contra-revolução”. Porém,
essas classes, ao descobrirem que permanece a questão social expressa nos chamados
problemas sociais, e os dilemas que lhes tiravam a tranquilidade e colocou as
revoluções burguesas na ordem do dia, são arraigados e muito fortes para serem
resolvidos dentro da ordem, sem aquelas revoluções;
temerosas das conseqüências e do agravamento das tensões, que as
dividem entre si e jogam as facções e estratos das classes possuidoras
para campos opostos (pelo menos politicamente), elas dão marcha à
ré, recolhem os militares ao quartel e interrompem a contra-
revolução. É claro que as pressões das massas e das classes
trabalhadoras estão na base do malogro e do recuo. (...) Impotentes
71
para realizar suas tarefas maiores, de interesse geral e nacional, elas
também são impotentes para impor à Nação, contra a vontade e sob
resistências crescentemente organizadas da maioria, seus
particularismos egoísticos. (FERNANDES, 1986, p. 9, grifos do
autor).
Em 1964 com o golpe instalou-se, no Brasil, o Estado Militar que, de acordo
com Germano (2000), ocorreu sob a égide dos monopólios, portanto, em uma fase do
desenvolvimento do capitalismo, e que, representou, sobretudo, os “interesses dos
conglomerados internacionais, de grandes grupos econômicos nacionais e das empresas
estatais, formando um bloco cuja direção [foi] recrutada nas Forças Armadas e que
[contou] com significativo apoio dos setores tecnocráticos” (GERMANO, 2000, p. 21)
Segundo o autor, o Estado brasileiro a partir de 1964 apresentava como característica o
elevado grau de violência e autoritarismo.
No entanto, os militares no poder, buscavam manter uma aparecia democrático-
representativa, à medida que o Congresso não fora fechado definitivamente e o
Judiciário continuou em atividade, embora como um apêndice do Executivo. O
autoritarismo expressava-se na tentativa de “controlar amplos setores da sociedade civil,
intervindo em sindicatos, reprimindo e fechando instituições representativas de
trabalhadores e estudantes, extinguindo partidos políticos, bem como pela exclusão do
setor popular e dos seus aliados da arena política”, como afirma Germano, 2000, p. 55).
No período da ditadura militar, Batista (1999) analisa que a administração
pública burocrática explicitou os seus limites que passaram a ser superados com a
proposta de implantação da administração gerencial
32
cujos primeiros passos foram
dados, em 1967, com o Decreto Lei 200/67. Este, segundo Batista (1999), se constituiu
em um marco na busca de flexibilizar a burocracia e na expanção da administração
indireta. Para o autor, ele, o Decreto, foi o embrião de uma organização mais ampla que
se concretizou com a criação da Secretaria da Modernização (SEMOR) nos anos 1970.
No entanto, a rearranjo do governo militar, de acordo com Behring (2002), não
operou mudanças na administração central e nem investiu na formação de funcionários
públicos da administração direta. Esta permaneceu “ineficiente ao lado dos nichos de
eficiência da administração indireta” (BEHRING, 2002, p. 199). Na década seguinte,
com a criação do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de
32
Para a administração pública gerencial, o interesse público não pode ser confundido com o interesse
do próprio Estado, como ocorre com a administração pública burocrática” (BATISTA, 1999, p. 71).
72
Desburocratização efetivou-se uma nova tentativa de implementar a reforma do Estado
adotando o modêlo da administração pública gerencial, no governo do General
Figueiredo (1980-1984), tornando, em seguida, de Desestatização (Governo Sarney,
1985-1989), estes, orientados para conter os excessos da expansão da administração
indireta”. (ver a fonte)
A reforma do Estado a que Behring (2002) denominou de contra-reforma se
constituiu em uma estratégia na qual o Estado se reorganizou para atender aos interesses
do desenvolvimento do capitalismo. Ao fazer tal afirmação a autora sustenta que no
Brasil ocorreu uma contra-reforma do Estado o que acarretou um retrocesso social, em
benefícios de poucos. (...) relaciona-se ao abandono das possibilidades de ruptura com a
heteronomia e de uma redemocratização política e econômica inclusiva dos
trabalhadores e da maioria da população brasileira” (BEHRING, 2002, p.16).
Ressalta-se, no entanto, que as mudanças no Estado brasileiro até os anos 1980
o eram discutidas com a denominação de reforma ou de contra-reforma do Estado,
mas, alterações em modelos de administração. Foi nessa década que se tornou uma
necessidade inadiável tratar dessa questão. Netto (2000), ao abordar essa temática
considera, tamm, que foi nos anos 1980, o marco do início do processo de
redemocratização no país, pois a ditadura implantada, em 1964, iniciou sua erosão nos
anos 1970.
De acordo com Netto (2000, p.12), naquele período
o que se verificou foi o crescimento das demandas, das aspirações e
dos movimentos pela redemocratização, na sociedade brasileira
numa espécie de diagrama ascendente. Curiosamente, chegamos ao
final da década [1980] com um ordenamento jurídico-político
substantivamente democrático, a Constituição de 88 promulgada em
5 de outubro. Mas, ao mesmo tempo em que tínhamos no plano
jurídico político a Constituição mais avançada da nossa hisria
republicana, o aparelho de Estado continuava funcionando e, mais do
que isso, continuava articulado ao projeto político-econômico da
ditadura, que foi derrotada ao longo dos anos [19]80; ou seja, ficou
muito claro, para o conjunto da sociedade brasileira, que havia um
divórcio nítido entre a estrutura do Estado brasileiro, a sua
funcionalidade e o ordenamento constitucional emergido do
Parlamento constituinte de 1988.
73
Promulgada a Constituição Federal de 1988, ficou um fosso entre ela e o Estado,
que foi, em um processo, ocupado pela resistência democrática, por meio de eleições
diretas nos âmbitos municipal, estadual e federal.
A Constituição de 1988 interrompeu a administração pública gerencial colocada
em curso no governo Figueiredo, como afirma Batista (1999, p. 69), ocorreu “um
retrocesso legal, inviabilizando as reformas legais já efetivadas”.
Assim, a reforma do Estado foi retomada, mas, a partir da entrada do
neoliberalismo no Brasil, na década de 1990, e como uma exincia do Fundo
Monetário Internacional (FMI). Nesse sentido, assim expressa Batista (1991, p. 65), o
projeto de dominação do capital, (...) no Brasil, sob a direção, do Fundo Monetário
Internacional FMI e do Banco Interamericano de Desenvolvimento BID –,
instalou-se com rzes profundas, impondo as regras do jogo, isto é, a reforma do
Estado tornou-se lema dos anos [19]90”.
Em 1990, Fernando Collor de Mello (1990-1992) foi eleito presidente da república
na condição de representante da burguesia brasileira. Netto (2000) afirma que, na
realidade, ele não representava a burguesia nacional, pois, ela conhece muito bem os
seus quadros, no entanto, foi necessário apoiar esse aventureiro para evitar que fosse
vitoriosa uma saída democrática. Em um breve período que esteve na direção do Estado
brasileiro, Collor, mesmo na condição de primeiro governo eleito pelo voto poputar,
criou as condições para a entrada do neoliberalismo no Brasil. Fez uma profunda
desorganização administrativa na busca de reorganizar o poder do Estado e proceder a
uma revisão constitucional, pois a Constituição Federal aprovada, em 1988, constituía-
se em um obstáculo para os conservadores. Logo depois de eleito, Collor foi deposto
pelo impeatchment por não mais atender aos interesses da grande burguesia, foi
substitdo por Itamar Franco (1992-1994) que interrompeu a escalada neoliberal que se
iniciava.
O Brasil ingressou na era neoliberal quando essa programática burguesa já estava
em vigor em outros países da América Latina, como Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai
e México desde a década de 1980. Segundo Boito Jr (1999), antes mesmo que aqueles
países ingressassem no neoliberalismo, algumas de suas tendências já estavam presentes
naquelas economias, portanto, foram somente aprofundadas. Implantado o
neoliberalismo, a população desses países viveu o agravamento da concentração da
riqueza e da propriedade. Inicialmente, ocorreu a transferência de renda dos
74
trabalhadores para as empresas e, em seguida, das médias empresas para as grandes e da
empresa nacional para os grupos estrangeiros.
Para esse autor, a
novidade da política neoliberal foi que ela inaugurou um amplo
processo de transferência de renda e de propriedade do setor público
para o setor privado. O modelo econômico que se desenvolve reforça,
então, o papel do setor privado, fortalece os grandes grupos
monopolistas, amplia a internacionalização do [setor] produtivo e
aumenta a pobreza das massas. (BOITO JR., 1999, p.42)
Assim, mesmo com uma interrupção no governo de Itamar Franco (1992-1994) o
neoliberalismo no Brasil teve continuidade nos governos de Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, seguindo a direção emanada pelo capital
internacional globalizado. Desse modo, estabeleceu-se um Estado mínimo para os
trabalhadores e máximo para o capital, e, para tanto, iniciou-se o desmonte das políticas
sociais, usurpando as conquistas dos trabalhadores materializadas na Constituição
Federal de 1988.
Fernando Henrique Cardoso iniciou o seu governo, em 1994, seguindo a lógica de
uma racionalidade burguesa conservadora, de acordo com Antunes (2005). Estava em
curso o processo de estabilização monetária com orientação programática imposta pela
política neoliberal e desenvolvida com a reforma do Estado que trouxe como
conseqüência o início do desmantelamento do parque produtivo. Esse processo ocorreu
dando continuidade, em grande escala, à “privatização, a desindustrialização,
integração servil e subordinada à ordem mundializada, convertendo-nos em país
cassino financeiro internacional” (ANTUNES, 2005, p.37).
Em 1995, Fernando Henrique enfrentou a Conferir. Esta repetido
greve dos petroleiros, que abalou o país por 31 dias, entre maio e
junho. [Esta greve permitiu] desvendar tantos os aspectos de um
governo recém-eleito que contava com monumental apoio de todos
os grandes veículos de comunicação de massa, com a relativa
aceitação de parcela expressiva da chamada opino pública.
(ANTUNES, 2005, p.31)
75
A greve trazia em seu bojo uma dimensão política, ao contestar as privatizações
das empresas públicas, e uma dimensão econômica centrada nas condições de trabalho,
nas reivindicações salariais. Os fatos evidenciavam um embate difícil entre os
trabalhadores petroleiros e o governo. Os trabalhadores buscavam preparar-se para
resistência, segundo Antunes (2005, p.32), contra a privatização do monopólio estatal
do petróleo, pois, os trabalhadores petroleiros tinham plena consciência da importância
da preservação do papel público e estatal da Petrobras”.
Assim, os trabalhadores petroleiros expressaram, naquele acontecimento, a sua
radicalidade pela sustentação da base da categoria acrescida do apoio de uma
significativa organização dos trabalhadores existente tanto no âmbito estatal, quanto
nacional. Na esfera federal, eles se organizavam na Federação Única dos Petroleiros.
Contavam, ainda, com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No entanto,
conforme Antunes (2005), de um lado, um segmento do sindicalismo da CUT acreditou
nas negociações com o governo e foi por demais moderado, de outro, Fernando
Henrique Cardoso revidou com confrontações militarizadas, portanto, duras, pois foi
incapaz de negociar com os trabalhadores sem recorrer a esses recursos. Finalmente,
quebrar a força da organização sindical era uma das lições a ser cumprida pelo governo
brasileiro.
Nesse sentido, para Antunes (2005, p.34, grifos do autor), o
projeto neoliberal erigiu como seu maior inimigo o sindicalismo
combativo e reivindicativo. Sua expectativa é instaurar, mundialmente,
o (...) sindicalismo de envolvimento e cooptação, próprio do modelo
toyotista, o (...) sindicalismo de empresa.
A quebra do poder de força do sindicalismo na luta dos trabalhadores em defesa de seus
direitos foi o outro lado da moeda do projeto neoliberal que o governo brasileiro, na sua
condição de país capitalista da periferia, tinha para executar, a fim de atender às exigências do
capital na economia central. Dessa forma, a reforma do Estado
33
foi o caminho indicado para
garantir a privatização das empresas públicas e a desindustrialização.
Assim, Antunes (2005, p.38) considera:
após desmontar tudo que foi criado desde o varguismo, por meio da
ação de cadas de trabalho operário sob o comando do capital
33
Ver Behring (2002; 2003 ), Pereira (1997) e Batista (1999).
76
produtivo estatal – uma vez que nosso capital privado sempre viveu a
reboque do Estado [brasileiro], era chegada a hora de entregar tudo
funcionando, estruturado e rentável às burguesias nativa e forânea.
No entanto, de acordo com Antunes (2005), foi necessário, em algumas situações
um preparo prévio de desorganização de setores como forma de justificar a sua
privatização a um valor quase simlico.
Para Batista (1999), o programa de privatizações constituiu-se em um comitê
gerenciador encarregado de transferir para o setor privado os patrimônios e serviços
públicos. As privatizações provocaram perdas irreparáveis como demissões em todos os
setores, arrocho salarial, e redução na prestação de serviço público essenciais.
(Conferido até aqui)
A reforma do Estado, como uma exincia dos organismos internacionais para o
momento vigente na realidade brasileira, constituiu-se na estratégia do capitalismo para
superar suas crises. Essa estratégia fora utilizada pelos países centrais na década de
1970, quando ao evidenciar o esgotamento do modelo fordismo/kneysianismo,
adequaram o Estado aos princípios impostos pelo neoliberalismo como fundamento
para mundialização do capital produtivo e financeiro.
A reforma potica e administrativa do Estado foi coordenada por Bresser Pereira,
do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), e monitorada pelos
organismos internacionais.
Para a equipe da reforma, de acordo com Batista (1999), reformar o Estado
pressupunha fazer mudanças na gestão blica. Assim, propunha implementar uma
administração blica gerencial rompendo com a administração burocrática. Essa
proposta apresentava-se contradiria, pois, ao mesmo tempo em que indicava romper
com aquele modelo de administração, propunha não nega-la em sua totalidade. A
equipe lançou mão de algumas estratégias para ganhar a crediblidade da sociedade civil.
Segundo o autor, uma delas foi fazer um diagnóstico da esfera estatal, e, com base nos
resultados eleborar o projeto de reforma. Para tanto, foram estabelecidas as diretrizes
sicas e elaborado o Plano que, depois de “concluído pelo Ministério de Administração
Federal e da Reforma do Estado, foi debatido namara da Reforma do Estado em sua
reunião de setembro de 1995. Em seguida, novembro de 1995, foi aprovado pelo
presidente FHC (BATISTA, 1999, p. 73 nota 16)
77
A reforma do Estado proposta pela equipe do Mare estava direcionada pelo por
um plano diretor que delimitava a função do Estado e sua área de atuação. Essa reforma
foi dividida em três núcleos, o primeiro, de acordo com Batista (1999), compunha
quatro áreas de poderes e foi considerado como Núcleo Estratégico, congregava: o
Poder Judiciário, o Executivo, o Legislativo e o Ministério Público. Na esfera do
executivo, foram criadas as secretarias formuladoras de poticas blicas e agências
executivas e reguladoras além das secretarias inerentes a esse poder. O segundo, o
Núcleo de Atividades Exclusivas, formado por agências autônomas, tinha poderes para
fiscalizar, regulamentar e fomentar ações na esfera do Estado. O terceiro, e Núcleo de
Serviços Não Exclusivos era formado por ambulatórios, creches, entidades assistenciais,
sobretudo, para atender crianças e idosos das camadas populares, hospitais e
universidades.
O desenvolvimento desse plano de reforma do Estado ocorreu no governo de
Fernando Henrique Cardoso, no bojo do Plano Real, em 1995, quando o país já se
encontrava inserido no processo de reprodução ampliada do capital, quer dizer, quando,
ele é reincorporado aos ditames burgueses de modo subordinado do capitalismo
monopolista.
O entendimento da equipe do Mare era de que a reforma do Estado trazia como
exincia uma gestão blica mais ágil baseada em um projeto que expressasse o
aprofundamento da privatização, a amplião da terceirização dos serviços públicos e
contenção dos gastos, que deveria ser atingido com cortes nas políticas sociais, pois o
fundo público deveria ser destinado apenas à reprodução do capital e não à reprodução
da força de trabalho. Nesses termos, não há que alimentar a visão equivocada
disseminada no país de que o projeto neoliberal prescinde da potica social. Pelo
contrário, o projeto político de FHC, que guardava perfeita sintonia com o grande
capital, não abriu mão da política social. Reorientou-a aos preceitos neoliberais,
conduzindo-a de modo a garantir a lógica do capital: fundada na concepção dos
nimos sociais e subordinada à política econômica, ela constituiu-se, em face do
processo de desobrigação do Estado brasileiro, de um lado, em relação à população de
altas rendas, em campo rentável de grandes capitalistas (fundo de pensão, planos
privados de saúde, habitação etc.) e, de outro, a reprodução da filantropia para aquela
população de baixa renda, orquestrada pela parceria público-privada o que lhe
acentuou os traços de não política
34
.
34
Ver Montaño (2003); Netto (2002)
78
Segundo Batista (1999, p.75),
além da propriedade pública e propriedade privada, criou-se uma
terceira forma: a propriedade pública não estatal. Para os países
envolvidos no processo de globalização, era o espaço que necessitava
para legalizar e estruturar o denominado terceiro setor. Dois
argumentos sedimentam esta lógica: tornar-se mais fácil e direto o
controle social dos investimentos realizados pelo setor público
(formulou-se uma apologia do papel importante dos conselhos
criados nas diferentes instâncias); abre-se a possibilidade efetiva para
a criação e efetivação da parceria entre o Estado e a sociedade civil.
(...) Para executar esses programas criaram as Organizações
Sociais
35
, responsáveis por celebrar os contratos de geso com o
Estado. Essas reformas são subsidiadas, durante o processo de
implementação, através de empresas privadas. Sedimentam-se no
interior dos órgãos públicos os serviços terceirizados
36
Montaño (2003, p. 259), ao analisar o chamado terceiro setor em um contexto de
crise do capital e do projeto neoliberal dos países, sobretudo, periféricos como o Brasil,
considera que “o fenômeno real contido/escondido neste conceito ideologizado, [trata-
se] finalmente da instrumentalidade e funcionalidade desta abordagem com o processo
de transformação capitalista, particularmente no que se refere a uma nova modalidade
de trato da questão social”.
O autor considera como fundamental a desconstrução de suas armadilhas pelo
debate crítico, pois esse discurso, do terceiro setor
induz a uma postura desintegradora da realidade e a uma perspectiva
possibilista da mudaa social, acreditando em inférteis processos de
oposição sociedade civil/Estado, na ilusória co-participação do
empresariado (com consciência social) com a população na atividade
social/assistencial, ou a na utopista idéia de um processo
democratizado/transformador desenvolvido na sociedade civil, com
35
As organizações sociais foram criadas pela Lei n
o
9.637, de 15 de maio de 1998” (BATISTA, 1999,
p.75).
36
“São atividades de apoio: limpeza, vigilância, transporte, coperagem, serviços técnicos de informática e
processadores de dados etc [...] Estes serviços devem ser submetidos a licitação pública e contratados por
terceiros” (BRESSER PEREIRA Apud BATISTA, 1999, p.75).
79
independência na dinâmica econômica e política que ocorre no Estado,
no mercado, na indústria. (MONTAÑO, 2003, p.259; grifos do autor)
E não menos ilusório é o processo da reforma do Estado proposta pelo governo
brasileiro na década de 1990, particularmente o primeiro período de governo de FHC
que iniciou representando os interesses do capital financeiro, como afirma Netto (2000).
No entanto, Netto (2000, p.16) adverte que “uma política não se define pelos seus
condutores, define-se pela orientação macroeconômica que dela decorre, em função dos
interesses dos grupos que dela subjazem como suporte político do candidato”.
A reforma do Estado, indicada por Bresser Pereira (1997, p. 7) envolvia
quatro problemas que, embora interdependentes, podem ser
distinguidos: a) um problema econômico-político a delimitação do
tamanho do Estado; b) um outro também econômico político, mas
que merece tratamento especial a redefinição do papel regulador do
Estado; c)– um econômico administrativo a recuperação da
governança ou capacidade financeira e administrativa de implementar
as decisões políticas tomadas pelo governo; (...) d) um político o
aumento da governabilidade ou capacidade política do governo de
intermediar interesses, garantir legitimidade, e governar
37
.
A proposta de Bresser, de acordo com Batista (1999), tinha como objetivo
implementar, no país, uma administração blica gerencial e social-democrática. Para
esse autor, a justificativa da equipe do Mare de uma administração gerencial estava
centrada na concepção empresarial que dominava na época da reforma. Social-
democrático, dado o caráter específico da administração pública, o poderia ser
reduzido à administração de empresas, pois, ao destacar o importante papel da
burocracia profissional, procurava fortalecê-la, ao mesmo tempo, em que considerava
importante mudar os todos de gestão, sobretudo, nas instituições em que se
desenvolve. Propunha combinar o controle por resultados e controle por competição
37
Bresser Pereira (1997, p.7-8 ) considera que,na delimitação do tamanho do Estado estão envolvidas as
idéias de privatização, publicização e terceirização. A questão da desregulação diz respeito ao maior ou
menor grau de intervenção do Estado no funcionamento do mercado. No aumento da governança temos
um aspecto financeiro: a superação da crise fiscal; um estratégico: a redefinição das formas de
intervenção no plano econômico social; e um administrativo: a superação da forma burocrática de
administrar o Estado. No aumento da governabilidade estão incluídos dois aspectos: a legitimidade do
governo perante a sociedade, e a adequação das instituições políticas para a intermedião dos
interesses”.
80
administrada na esfera privada a formas de controle social em uma concepção de
democracia participativa direta. Finalmente, para a social-democracia, o Estado tem o
dever moral de assegurar os direitos sociais, e que ele deve ser mais eficiente do que a
esfera privada.
Soares (2002, p.8, grifos do autor) considera que os equivocados indicadores
neoliberais, os quais identificavam a necessidade de reforma do Estado, pois estão
associados aos “desequilíbrios macroeconômicos e as determinações estruturais, atribui
ao Estado de forma abstrata uma responsabilidade que, na verdade, [tem] mais a ver
com seus limites políticos do que com sua incompetência econômica”.
Behring (2002) expressa a sua recusa em considerar processos regressivos como
reforma destacando ser este termo um patrimônio da esquerda que ganha significado no
debate do movimento operário socialista em suas estratégias revolucionárias. Destaca,
ainda, que o reformismo foi criticado por Rosa Luxemburgo, dentre outros autores.
Sustentada nesses argumentos considera que é nesse contexto que
o Estado ocupa uma posição mais distante do mediador civilizador
vislumbrado pelos clássicos da política e, de certa forma reeditado
pela orientação keynesiana datada e geograficamente situada,
passando a cuidar prioritariamente das condições gerais de
reprodução (...) do capital e dos excessos cometidos, no cenário de
barbárie que se instaura com o comando do mercado livre.
(BEHRING, 2002, p.17-18)
Para a autora, no Brasil, não ocorreu uma reforma do Estado, mas uma contra-
reforma, o “que implica um profundo retrocesso social, em benefício de poucos. (...)
relaciona-se ao abandono das possibilidades de ruptura com a heteronomia e de uma
redemocratização política e econômica inclusiva dos trabalhadores e da maioria da
população brasileira” (BEHRING, 2002, p.16) que estava em curso na década de 1980.
O Estado lançou medidas econômicas que contribuíram para o crescimento das
importações de produtos manufaturados
38
, de máquinas, equipamentos, aparelhos
38
Boito Jr. (1999, p.46) esclarece: “Em 1990, a alíquota média das tarifas de importação era 40 % e a
alíquota mais freqüente de 32,2 %. Em 1992, ambas caíram para 20 %. Em 1995, o governo FHC reduziu
a alíquota dia para 12,6 % e a mais freqüente para 2 %. Entre 1992 a 1995, as importações saltaram da
casa dos 20,5 bilhões para 49,6 bilhões de dólares, representando um crescimento de 142 %, enquanto as
exportações passavam de 35,7 bilhões para 46,5 bilhões de dólares, perfazendo um crescimento de apenas
30 %. Com é sabido, a balança comercial brasileira passou a apresentar um déficit crescente a partir da
implantação do Plano Real o déficit foi de 3,1 bilhões de dólares em 1995, devendo chegar a um
81
eletrônicos e materiais de comunicação, os quais superaram os 35%, em 1995, e os
índices continuaram crescendo em 1996.
No entanto, segundo Boito Jr. (1999), o mesmo não aconteceu com a importação
de tratores, máquinas rodoviárias e equipamentos para distribuição de energia, que
foram muito penalizados com a política de abertura comercial do governo. Essa política,
para o autor, contribuiu para uma queda brusca nas importações de produtos têxteis,
levando a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) a criticarem as medidas do governo de Fernando Henrique
Cardoso e a exigirem a proteção de seus produtos por meio de barreiras tarifárias e não-
tarifárias.
Assim, ao lado da desindustrialização, a privatização das empresas públicas que
fazia parte da política neoliberal implantada no Brasil, na década de 1990, concretizava
a contra-reforma do Estado brasileiro direcionada para manter a hegemonia do grande
capital. Conforme Boito Jr. (1999, p. 51), tratava-se de um conjunto de medidas, ou
seja, a “desregulamentação do mercado do trabalho, da redução de salários e da redução
dos gastos sociais”.
Essa potica, no decorrer da década, fortaleceu o patrimônio das grandes
empresas do setor industrial, bancário e da construção civil com as privatizações de
empresas públicas. Para o autor, os arremates foram feitos pelos grandes grupos de
empresas lucrativas, como os setores petroquímicos, siderúrgicos, fertilizantes e de
mineração, por preços aquém do valor das empresas públicas, que eram postas em leilão
e pagas com as ditas moedas podres e empréstimos favorecidos pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Também, foram privatizadas as
empresas públicas de prestação de serviços, como os de transportes, de energia elétrica,
telefonia celular, dentre outras, enquanto um processo que foi desencadeado no governo
Collor de Melo e assumido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e que, não foi
acessível aos pequenos investidores e nem aos trabalhadores. As primeiras empresas
privatizadas foram a Companhia Nacional de Siderurgia (CNS), no governo de Itamar
Franco, a Vale do Rio Doce
39
, a Rede Ferroviária, além de empresas de energia elétrica,
montante de 10 bilhões de dólares em 1997”.
39
“A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, no governo FHC, foi efetuada, pelos cálculos de
especialistas, a um preço que representava uma fração insignificante do valor da empresaconsiderados
o patrimônio e as concessões de exploração. A Usiminas, siderúrgica de alta produtividade e
lucratividade, tinha seu patrimônio avaliado por alguns consultores em doze bilhões de dólares, mas foi
vendida por apenas um bilhão e meio. Para utilização de ações nos leilões de privatização, foram
utilizadas Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento, os Títulos de Dívida Agrária, Títulos da
Dívida Externa, as debêntures e dívidas da Siderbrás e outras. No leilão de privatização da Usiminas,
82
leiloadas no governo de Fernando Henrique Cardoso. O capital estrangeiro, conforme
Boito Jr. (1999, p.52),
tem participado de dois modos: numa primeira modalidade, empresas
estrangeiras associam-se a grupos nacionais para arrematar uma
empresa estatal, o negócio envolvendo sócios e empresas de um
mesmo ramo ou de ramos conexos; numa segunda modalidade,
fundos de investimentos estrangeiros entram como sócios de um
grupo que pretende adquirir uma estatal. Mas a maior parte das
privatizações foi, no início, um negócio privado do grande capital
nacional; mais tarde, passou a ser também um negócio com
participação do capital imperialista
40
.
Ao preferir denominar contra-reforma, Behring (2002) considera que o Estado
brasileiro já avançara e conquistou novos espaços concretos de discussão. No entanto,
essas discussões ficaram restritos, sobretudo, na esfera parlamentar.
Nesse sentido, afirma Batista (1999, p.70-71, nota 13),
Apesar [da] discussão estar sendo colocada no interior da sociedade
civil, pode-se afirmar: o espaço do debate está ocorrendo, na sua
plenitude, somente no interior do Congresso Nacional. Esta forma de
encaminhamento não é voluntária, isto é, o governo de FHC, em
comum com seus representantes partidários e coligados, age com
interesses de classe, empenhado em aprovar os textos, originais ou
projetos de emendas, que beneficiem a gica do capital. Esta atitude
contribui para reduzir ao máximo as conquistas historicamente
alcançadas pelos movimentos sociais.
entraram Cr$ 4.690,00 em moeda corrente, metade do preço de um carro popular na época” (BOITO Jr,
1999, p. 54).
40
“A súmula das vendas de empresas estatais, produzidas pelo BNDES em maio de 1995, relatou que em
dezessete dos maiores leilões de privatização ganhou um restrito grupo de 59 investidores. Alguns dos
principais compradores das estatais foram empresas como os bancos Safra, Bamerindus, Bradesco, Itaú,
Boa Vista, Uni Banco e Bozano Simonsen; os grupos Ipiranga, sfertil, Odebrecht, Andrade Gutierrez,
Vicunha, Gerdau, Votorantin e outros. (...) No ramo fertilizantes, o consórcio Ferti-Ultra, formado por
sete empresas produtoras de fertilizantes, arrematou, através de uma ou de outra empresa pertencente ao
conrcio, as empresas estatais de fertilizantes Ultrafértil, Indag, Goiásfertil e a Fosfert”, afirma Boito Jr.
(1999, p. 52-53).
83
O primeiro mandato de FHC para Netto (2000) tinha como um de seus objetivos
claros adequar a estrutura do Estado às necessidades e exigências do capital financeiro
mundializado. Assim, o autor destaca ainda que
a reforma do Estado não era apenas uma exigência das forças
democráticas e populares, que lutavam para adequar o Estado, a
estrutura do Estado ao espírito da Constituição de 1988. Para esse
grupo, que ganha a hegemonia a partir de 94, também o Estado
herdado pela ditadura era imprestável e, para fazer a adequação, era
necessário três tarefas. (NETTO, 2000, p.16)
A primeira tarefa, dizia respeito a quebra das resistências político-sociais, o que se
concretizou em dois níveis, pela repressão aberta e pela renovação ideológica. O
primeiro nível dentre outra se destaca a repressão da greve dos petroleiros, deflagrada
em 1995, que contestavam a desnacionalização das empresas brasileiras e as
privatizações das empresas estatais, como já foi mencionada. O núcleo central de poder
reprimiu, ainda, as resistências políticas dos trabalhadores em defesa das políticas
sociais e investiu na renovação ideológica da sociedade brasileira. Para essa tarefa o
governo brasileiro foi favorecido, no âmbito mundial com a propalada crise do
socialismo e a crise do movimento dos trabalhadores.
A ideologia neoliberal recomendava manter um Estado forte e com “capacidade de
romper com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os
gastos sociais e na intervenção econômicas”, de acordo com Anderson (1995).
Dessa forma, o Estado brasileiro dirigido por FHC, desencadeou uma cruzada de
renovação ideológica com os seguintes traços:
o primeiro a satanização do Estado tudo que é estatal é mau, o
Estado é incompetente, o Estado é ineficiente, o Estado é corrupto; o
segundo, a idéia de nação, de soberania uma idéia antiquada, em
um mundo globalizado que globalizar-se a qualquer preço; o
terceiro, e de forma muito eficiente e eficaz, a noção do salve-se
quem puder, ao se desqualificar o papel do Estado, desqualificou-se a
noção do público, o público foi reduzido sumariamente àquilo que
era estatal, e todas as críticas à ação estatal passaram a rebater
84
diretamente no sentido contrarrestar, de reduzir qualquer tipo de
cultura sociocêntrica. (NETTO, 2000, p. 17)
Netto (2000) chama atenção para a cumplicidade dos meios de comunicação com
a política do governo, que é explicada por ele pelo envolvimento desse setor, formado
por médios e grandes grupos da mídia e da imprensa e/ou eletrônica, com a privatização
das telecomunicações. Esse envolvimento facilitou a criação de um clima ideológico
favorável a essa quebra das resistências potico-sociais”, afirma Netto (2000, p.18).
No entanto, para o governo brasileiro da época, de acordo com Netto (2000, p.
18), não era suficiente,
havia que quebrar as resistências político-sociais, havia que quebrar
os instrumentos jurídico-legais e, nesse sentido, a Constituição de
[19]88 era a grande pedra no caminho daquele projeto de reforma e
construção que fracassou no Governo Collor. Agora, ele vem
inteiramente ajustado, inteiramente organizado e amarrado,
precisamente pela consolidação desta hegemonia do capital
financeiro no Executivo brasileiro. Por isso a queso da constituição
se tornou, no primeiro mandato de FHC, uma questão crucial que
refletia muito especialmente na questão da reeleição.
Para garantir que a reeleição de Fernando Henrique Cardoso fosse assegurada, na
metade da década de 1990, foram derrotadas as proposições que a impediam, e foi de
suma importância para garantir, pela articulação das forças política, o segundo mandato.
Porém, restava, ainda, o combate ao modelo econômico herdado da ditadura militar que
se constita em empecilho para a inserção do Brasil no circuito do capital financeiro
mundial, pois ocorria de maneira subalternizada, lembra Netto (2000). O modelo
econômico da ditadura, de acordo com Netto (2000, p.18), era voltado para o processo
de industrialização vinculado a “idéia de soberania nacional muito própria da caserna
brasileira, desde a pregação positivista do fim do século XIX”.
Desta forma, as medidas restritivas como, como portarias e regulamentações
restritivas de movimentação do capital estrangeiro no país que faziam parte da herança
da ditadura, também, foram alvo de intervenção no governo de Fernando Henrique
Cardoso.
85
Ao fazer essas mudanças FHC “põe uma imbricação que vai caracterizar
historicamente esse governo no seu primeiro mandato. É nesse andamento que este
governo realiza uma política de ajuste econômico, colocada simultaneamente a
implantação da reforma do Estado”, de acordo com Netto (2000, p.18). Segundo o
autor, essa foi uma particularidade do governo brasileiro sob o comando de Fernando
Henrique Cardoso, pois em país algum essa coincidência ocorreu. De modo geral as
políticas de ajustes, nos demais países, foram realizadas nos anos 1980, enquanto que, a
reforma do Estado brasileiro se deu nos anos 1990. “Isso não se passou no Brasil em
função do caráter típico da década de [19]80, quando forte mobilização democrática
encontrou a ausência de uma hegemonia clara no interior do Estado. Aqui não
ocorreram esses dois tempos, um tempo de ajuste e um tempo de reforma do Estado”.
(buscar a fonte)
A reforma administrativa brasileira realizada no final da década de 1990 atingiu
diretamente os servidores públicos em sua estrutura funcional. Dentre as medidas
efetivadas, está o fim do Regime Jurídico Único, da estabilidade e desregulamentou o
Plano de Cargos e Salários e, em decorrência, das novas áreas de atuação instituída pelo
Estado. Reduziu o quadro de estatutários e aumentou o número de empregados
celetistas, extinguiu os cargos e funções vinculadas aos serviços gerais, que foram
substitdos pelos trabalhadores terceirizados e precarizados como parte do processo de
privatização dos serviços públicos.
Na reforma previdenciária, de acordo com Batista (1999), aumentou-se a
tributação dos servidores que estão na ativa, tributou os servidores aposentados e alterou
o tempo de serviço para aposentadoria.
Para responder o tamanho do Estado, na apropriação dos bens duráveis e de
serviços e a crise fiscal em que o país enveredou no pós 1970, foram aprovadas, uma
série de medidas na agenda da reforma do Estado com o objetivo de transformar a
poupança pública que estava, e ainda permanece negativa em positiva. A estratégia
adotada foi lançar mão da privatização das empresas públicas transformando a
privatização em um lema.
Assim, privatizaram-se empresas estaduais e federais vinculadas diretamente com
a produção de bens materiais e de prestação de serviços como, os setores elétrico,
fertilizantes, ferroviário, financeiro, mineração petroquímico, portuário e siderúrgico,
analisado anteriormente. Compunha, ainda, a agenda de reforma do Estado a
flexibilizão dos serviços públicos no campo social
86
As privatizações passaram a constituir-se em um programa de gerenciamento e
para tanto fora criado um comitê gerenciador com a responsabilidade de transferir para
o setor privado os bens e os serviços públicos, como afirma Batista (1999). Segundo o
autor, essas agências tinham como uma de suas finalidades impedir a presença de
interesses particularistas no processo de privatizações. No balanço dos resultados, o
governo apresentou saldo positivo, no entanto, os estudos mostram o contrário, segundo
Aloysio Biondi, de acordo com Batista (1999).
O processo de privatização, além de causar aos serviços públicos
perdas irreparáveis (arrocho salarial, demissão em todos os setores
públicos, redução da prestação de serviços essenciais para a
população e outros), contribuiu com a perda de 87,6 bilhões de reais.
Ou seja, o programa de privatização trouxe um dividendo negativo
para a poupança pública. O impacto direto e indireto deste programa
é irreparável. Seguindo os procedimentos acordados com o FMI e o
BIRD, o programa de privatizações, além de não cumprir sua meta,
aumentar a poupança pública, tornou-se um dos responsáveis pelo
sucateamento das coisas públicas. Além de perdermos o controle
público dos serviços essenciais para a população, passamos a pagar
mais caro pelo seu uso. (BATISTA, 1999, p.76-77)
.
Em 2002 voltou-se a embater dois projetos de sociedade dando vitória àquele
construído pelo campo democrático popular, elegendo o operário Luiz Inácio Lula da
Silva pelo Partido dos Trabalhadores e aliados, representando a esquerda brasileira,
para a Presidência da República. Essa vitória, em algumas dimensões, sinalizava para o
desmonte do neoliberalismo no Brasil. No entanto, de acordo com Antunes (2006), um
ano e meio após o início do mandato, já explicitavam mais elementos de continuidade
de que de descontinuidade, inviabilizando as possibilidades de mudança no cenário
nacional, o que não põe na ordem do dia a ruptura com o neoliberalismo, rumo a
emancipação humana. O governo deu continuidade à política econômica e de reforma
do Estado que se encontrava em curso sob a batuta do FMI e do Banco Mundial, na
condição de prisioneiro da engrenagem neoliberal.
87
CAPITULO II
NA RECONCEITUAÇÃO LATINO-AMERICANA, A VERTENTE INTENÇÃO
DE RUPTURA
88
Descortinar o percurso proposto apresenta como exigência entender o processo de
reconceituação
41
algo tipicamente latino-americano”, de acordo com Netto (1981,
p.59), e nela, o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, em um contexto
histórico, no qual a vertente da intenção de ruptura constitui uma particularidade. Trata-
se de um fenômeno potico e sociocultural ocorrido em um pequeno espaço de tempo
(1965-1975), no bojo de uma crise estrutural nesse continente, gestada desde os meados
da década de 1950, e que afetou os padrões de dominação sociopolíticos vigentes.
Como um fenômeno profissional, ela constituiu-se na resposta possível de um segmento
da categoria ao Serviço Social tradicional, questionado por não atender mais às
necessidades do capitalismo, naquele momento sócio-histórico.
A contestação ao Serviço Social tradicional ocorreu em âmbito mundial
42
e, na
América Latina, apresentou-se na particularidade de cada país em momentos históricos
propícios. Teve o seu marco de referência no I Seminário Regional
,
realizado no Brasil,
na cidade de Porto Alegre, em maio de 1965.
Segundo Netto (1991), esse seminário contou com a presença de 415 participantes
da Argentina, do Brasil e do Uruguai e possibilitou uma “espécie de grande união
profissional que abre a via a renovação do Serviço Social (NETTO, 2005, p. 146,
grifos do autor), e foi, sem dúvida, o ponto de partida do que se configurou no processo
de adequar a profissão às mudanças sociais exigidas pela realidade continental. Nesse
seminário, a Associação Brasileira de Escola de Serviço Social (Abess) alterou o nome
da entidade, em reunião paralela, substituindo a palavra escola pela palavra ensino. Com
essa alteração, alargou seus horizontes, sinalizando mudanças em sua direção política.
41
A esse respeito Santos (2007, p.165) expõe: “O movimento de reconceituação do Serviço Social na
América Latina foi impulsionado pela intensificação das lutas sociais que se refratavam na Universidade,
nas Ciências Sociais, na Igreja, nos movimentos estudantis (...). Ele expressa um amplo questionamento
da profiso (suas finalidades, fundamentos, compromissos éticos e políticos, procedimentos operativos e
formação profissional), dotado de várias vertentes e com nítidas particularidades nacionais. (...) Os
assistentes sociais assumem o desafio de contribuir para a organização, a capacitação, e [contribuir nas
condições para] conscientização dos diversos trabalhadores e marginalizados na região. De base teórica e
metodológica eclética, o movimento foi inicialmente polarizado pelas teorias desenvolvimentistas. Em
seus desdobramentos, especialmente a partir de 1971, este movimento representou as primeiras
aproximações do Serviço Social à tradição marxista, haurida em manuais de divulgação do marxismo-
leninismo, na vulgata soviética, em textos maoístas, no estruturalismo francês de Althusser, além de
outras influências de menor porte( SANTOS, 2007, p.165).
42
Netto (2005, p.6) esclarece: “A segunda metade dos anos 1960 marcou, na maioria dos países em que o
Serviço Social se institucionalizara como profissão, uma conjuntura de profunda erosão das suas
práticas tradicionais (e, compreensivelmente, dos discursos teóricos que as legitimavam). No século
passado, a transição da década de 1960 para 1970 foi, de fato, assinalada em todos os quadrantes por uma
forte crítica ao que se pode, sumariamente, designar como Serviço Social tradicional: a prática empirista,
reiterativa paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista
claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da questão social sobre indivíduos
e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual” (NETTO,
2005, p.6).
89
Para Netto (2005), a reconceituação do Serviço Social apresentou duas
singularidades: a primeira, referia-se ao caráter heteróclito, tanto em sua gênese, quanto
no decorrer do processo cujos conflitos se deram entre as propostas modernizadoras e
de ruptura, de acordo com Netto (1981). A segunda singularidade, diz respeito ao lapso
temporal reduzido, pois, dez anos (1965-1975) são reconhecidos como insuficientes
para uma avaliação com profundidade de qualquer processo, sobretudo, em se tratando
da busca pela ruptura, como estava proposto.
Registrou-se, nesse período, uma convivência entre a crítica superadora e a
conservadora, no processo de ruptura e permanência, até o momento em que as
ditaduras militares ampliaram seu raio de abrangência para um crescente número de
países latino-americanos, tendo como uma de suas conseqüências a interrupção do
processo de reconceituação no Serviço Social nessa latitude.
O processo de reconceituação inseriu-se no contexto da revisão crítica na fronteira
das ciências sociais, nas quais, historicamente, o Serviço Social buscava seus
fundamentos téorico-metológicos como forma de conferir-lhe legitimidade. O
funcionalismo, o superficialismo e o quantitativismo que impregnavam as ciências
sociais, na universidade, estavam sendo questionados (por exemplo, questionava-se o
princípio da neutralidade axiológica da ciência, especialmente as ciências humanas e
sociais). Essa crítica tinha suas origens na respeitada comunidade científica presente na
universidade, o locus que se constituía no porto seguro do Servo Social em suas
questões de ordem teórica. De acordo com Netto (1991, p.144), se é evidente que a
ressonância no interior da profissão não foi a mesma ocorrida na Sociologia, na
Antropologia e na Psicologia, “em razão das mediações que estabeleciam a conexão
Serviço Social/Ciências Sociais, também é certo que a teorização efetivada no campo
profissional não passaria impunemente por ela”.
Netto (1991) destaca, ainda, como vetores nesse processo, de um lado, o
deslocamento ciopotico de instituições as quais, historicamente, o Serviço Social
vinculava-se, como a Igreja Católica, e, em menor escala, às confissões protestantes. De
outro lado, a força do movimento estudantil, que, para o autor, exercia o seu
protagonismo.e impulsionava o processo de reconceituação.
As vias ditatoriais constituíram-se em uma das estratégias da autocracia burguesa
para impor a modernização, derrotando as alternativas democráticas pelas vias
reformista-democráticas e revolucionárias, como afirma Netto (1991, p.147): “Primeiro
no Brasil, depois em todo o Cone Sul, as ditaduras não deixaram vingar as propostas
90
que se situavam na ultrapassagem do subdesenvolvimento como função da
transformação substantiva dos quadros societários latino-americanos”.
No início da década de 1970, mais precisamente por volta de 1971 e 1972, a
grande união dos assistentes sociais formada contra o tradicionalismo foi desfeita, para
dar lugar a uma divisão em dois blocos que se opunham mutuamente. Um bloco
defendia
uma escie de aggiornamento do Serviço Social, capaz de
modernizá-lo a ponto de torná-lo compatível com as demandas
macro-socierias, de planejamento social; outro, constituído por
setores mais jovens e radicalizados, jogava numa inteira ruptura com
o passado profissional, de modo a sintonizar a profissão com os
projetos de ultrapassagem das estruturas sociais de dominação.
(NETTO, 2005, p.10)
O primeiro bloco, que era formado pelos assistentes sociais reformistas-
democráticos, defendia rigorosamente o desenvolvimentismo, e o segundo, formado
pelos setores mais jovens e radicalizados, acreditava que o desenvolvimento implicava a
superação da dominação e da exploração imperialista. Essas diferenças no conjunto dos
assistentes sociais renovadores mostravam o seu caráter de heterogeneidade expressos
nas elaborações e nos confrontos teóricos e descortinando a aparência de unidade
presente em sua emersão. Netto (1991) aponta dois traços relevantes presentes na
conformação dessa realidade. Segundo ele, pela primeira vez a reconceituação recorreu
à tradição marxista de forma aberta, deixando este pensamento de ser estranho ao
universo dos assistentes sociais. No entanto, apenas excepcionalmente, esses
profissionais recorriam a fontes originais e, no geral, eram secundárias e em manuais de
divulgação de qualidade comprometida pela presença neopositivista. Outro elemento
importante que destaca nesse contexto de conformação da reconceituação, no interior da
categoria, foi a articulão dos profissionais em âmbito continental
O dado significativo e inédito, todavia, é que no processo em tela
articulou-se uma interação que se apoiava no explicito reconhecimento
da urgência de fundar uma unidade profissional que respondesse às
problemáticas comuns da América Latina uma unidade construída
autonomamente e sem as tutelas imperiais. (NETTO, 1991, p.150)
91
Netto (1991) explica que esses dois elementos obtiveram destaque por marcarem
com clareza o movimento que avançava, ao mesmo tempo que se intensificavam e se
aprofundavam as relações com o pensamento marxista no exercício profissional do
continente, na passagem dos anos 1960 para os anos 1970. Em razão dessas
diferenciações e tendências tornavam-se mais visíveis as fronteiras “dos profissionais
modernizantes daqueles que apostavam em uma ruptura com as práticas e as
representações do Serviço Social tradicional” (NETTO, 1991, p.150-151, grifos do
autor).
A reconceituação do Serviço Social na América Latina, na particularidade de cada
país, ocorreu em uma conjuntura em que registrava na Argentina, um isolamento
progressivo das ditaduras militares, com a expressiva mobilização das massas. No
Uruguai a população vivia momentos de tensão social, pois a tradição liberal favorecia
uma vida universitária dinâmica, e o poder estatal estava profundamente desgastado.
Netto (1991, p.150) destaca dois movimentos que se aprofunda, ao mesmo tempo em
que "se intensifica a interlocução com a tradição marxista e a condição do caráter
abrangente e comum de certas condições do exercício profissional no continente". Para
o autor, a ruptura apareceu, claramente, nas condições objetivas em que ocorreu o VII
Congresso Latino-americano de Serviço Social (Equador, 1971), tendo ressoado no VI
Seminário Regional, realizado, novamente, em Porto Alegre, em 1972.
Na compreensão de Faleiros (1987, p.51), o processo de reconceituação “inscreve-
se na dimica de rompimento das amarras imperialistas, das lutas pela libertação
nacional e de transformão das estruturas capitalistas excludente, concentradora e
exploradora”. Portanto, esse processo, apresentou os movimentos de contestações,
expressos nos movimentos sociais e partidos políticos vinculados a esquerda latino-
americana, e foi fortalecido, também, pela ação critica originada nas universidades.
Nesse sentido, Iamamoto (1995) afirma que o pensamento universitário converteu-se
em crítica da sociedade, talvez, como nunca ocorrera na história dos países da América
Latina. Diferentemente da realidade brasileira, na qual a ditadura militar, nesse período,
tentou inviabilizar, a todo custo, um projeto de universidade crítica e democrática ao
reprimir e despolitizar o espaço acadêmico (GERMANO, 2000, p.123).
Dentre os aspectos relevantes da reconceituação na América Latina, no balanço
feito por Netto (1991), destacam-se, além da rearticulação da unidade profissional nesse
continente, sob novas bases, do desnudamento da dimensão potica da intervenção
92
social, da assimilação crítica ao tradicionalismo, lançando as bases para uma análise
crítica de seus fundamentos e da inalguração do pluralismo
43
profissional, sobretudo,
destaca-se a recusa do profissional de Serviço Social de situar-se como agente técnico
puramente executivo.
No entanto, Netto (1991) apresenta também os equívocos e descaminhos da
reconceituação. Dentre eles, destaca o ativismo político, a relativização da
universalidade teórica, materializada na recusa de teorias importadas e, por fim, o
confusionismo ideológico, que engendrou o ecletismo na atuação profissional. Tais
equívocos permearam e ainda permeiam, em grande medida, os saberes e fazeres
profissionais da categoria.
Vale destacar que o processo de modernização do capitalismo no Brasil exigia,
também, novos padrões de intervenção profissional, e, para atendê-los, os assistentes
sociais solapavam as bases de sustentação do Serviço Social tradicional, provocando a
sua erosão
44
. Nesse momento, apresentavam-se algumas condições objetivas para
desencadear o movimento de renovação do Serviço Social no Brasil. Estava em curso
um processo sem volta, pois a realidade exigia “um assistente social ele mesmo
moderno com um desempenho onde os traços tradicionais são deslocados e
substitdos por procedimentos” (NETTO, 1991, p.123, grifos do autor), nos padrões da
nova racionalidade.
Ressalta-se, que, no processo de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas,
capitaneadas pelo grande capital, o Estado autocrático burguês, consolidou, em âmbito
nacional, o mercado de trabalho do assistente social a fim de atender as demandas
colocadas pelas expressões da questão social, agravadas naquele momento histórico.
43
Segundo Coutinho (1991), o pluralismo social não pode ser tomado como ecletismo, mas como uma
abertura para a relação com o diferente, de respeito com a posição do outro. Para esse autor, essa
diverncia coloca o profissional de frente com seus limites. Coutinho (1991) considera que não se trata
de tolencia daqueles que têm a verdade e aceitam o diferente, mas uma “posição de abertura de quem
julga fundamental a tolerância para o progresso da ciência para o enriquecimento da própria posição. (...)
Vamos debater para chegar a descoberta de verdades que, em geral, são verdades tipicamente científicas,
ou seja, com a certeza de que, para cada questão , só há uma resposta globalmente verdadeira” (p.14).
44
Segundo Faleiros (2006), a partir dos anos 1960, em especial, tem-se experimentado um
bombardeamento das concepções do Serviço Social. E não no Brasil. Posso referir-me melhor o que
aconteceu na França e em Québec pelo tipo de estudo que fiz nesses países, mas podemos observar,
também nos Estados Unidos, uma grande mudança na profissão que vem dos anos 1970. À crise
capitalista da década de 1970, está também conjugada uma crise do Serviço Social. No Brasil, nos anos
1960, viveu-se uma reação ao imperialismo norte-americano, nas lutas pelas reformas de base, inclusive a
reforma universitária. Tivemos também a influência da Revolução Cubana, do maio de 1968 e da guerra
do Vietnã. Também a implementação das ditaduras, a acentuação da guerra fria e a recessão econômica
possibilitaram um aprofundamento do movimento chamado de reconceituação no âmbito do Serviço
Social. (...). A perspectiva de luta de classes para a análise da emergência do Serviço Social foi elaborado
pelo Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano” (p. 24, grifos do autor).
93
Para Netto (1991), nesse momento do processo de renovação, coexistem legitimação e
validação teórica e, à medida que busca institucionalizar-se, a renovação no Serviço
Social aparece como avanço, mesmos nas vertentes que não colocam, medularmente,
em causa, as concepções herdadas do passado, marcadas pela busca de imprimir maior
consistência aos seus componentes externos.
As discussões teóricas do Serviço Social e sua substancial alteração, passaram a
ser desenvolvidas e valorizadas em fóruns específicos da categoria, transformando as
entidades
45
, que tradicionalmente sustentavam os debates, em espaços propícios ao
processo de renovação. Os encontros e congressos tiveram sua participação ampliada.
As discussões das temáticas se verticalizaram com o aprofundamento do seu conteúdo
espraiando-se para o conjunto da categoria.
Conforme Netto (1991), esses congressos e encontros desenvolveram-se em três
momentos. O primeiro, ocorreu a partir da segunda metade da década de 1960 e foi
organizado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social
(Cbciss), organismo que esteve presente nesse período, promovendo os rios
seminários de teorização. O segundo momento ocorreu uma década depois, quando,
além do Cbciss, já despontavam algumas produções de assistentes sociais inseridas no
programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e
do Rio de Janeiro. O terceiro momento teve a sua organização acrescida pela
participação da Associão Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess) e da
Comissão Executiva de Entidades Sindicais e Pré-Sindicais dos Assistentes Sociais
(Ceneas) no início da década de 1980, e da Associação Nacional de Assistentes Sociais
(Anas), de 1983 a 1994.
Faleiros (2005) destaca que esse processo, ao qual denomina de reconceituação no
Brasil, é algo complexo, caracterizado por sua fase mais conflituosa na década de 1970,
e marcado por uma dinâmica de confrontações. Concebe, portanto, que é necessário
buscar os fundamentos da reconceituação como paradigma que analisa criticamente as
estratégias do fazer profissional. Algumas das tendências, ou vertentes, foram
denominadas reconceituadas e, no entanto, tiveram como perspectiva melhorar o
45
Conforme Netto (1991, p.139), “as mais importantes são (...) a Associação Brasileira de Escolas de
Serviço Social (ABESS, depois Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social) e o Comitê Brasileiro
da Conferência Internacional de Serviço Social (CBCISS, depois Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio de Serviço Social). A ABESS, realiza convenções nacionais periódicas desde 1951 (até 1989,
foram realizadas 26, das quais 8 sob a ditadura); há indicações de que, nos anos setenta, os efeitos da
laicização do Serviço Social provocam tensões no seu interior: o fato é que, desde o final daquela década,
a instituição torna-se um elemento organizador das polêmicas profissionais mais contemporâneas
94
funcionamento do sistema dominante, ou seja, não se inscreviam no horizonte de
rompimento com a ordem social capitalista.
Ao esquadrinhar essas tendências, Netto (1991) destaca que no movimento de
renovação do Serviço Social desenvolveu-se em três: a vertente modernizadora, a
vertente de reatualização do conservadorismo e a vertente de intenção de ruptura com o
conservadorismo.
A perspectiva modernizadora teve o auge de sua formulação nos meados dos anos
sessenta e tem sua grande expressão no documento de Araxá e Teresópolis. O seu
núcleo central é caracterizado pela tematização do Serviço Social como interviniente,
dinamizador e integrador no processo de desenvolvimento”, de acordo com Netto
(1991, p.154). Essa vertente buscava compatibilizar o Serviço Social no marco das
estratégias do desenvolvimento do capitalismo, naquele contexto histórico, com base
em concepções de intervenção profissional submersa em um conjunto de técnicas
sociais com vista a atender às exigências dos processos sóciopolíticos, após o golpe de
1964.
Netto (1991) considera que os documentos dos encontros de Araxá
46
e
Teresópolis
47
expressam, no processo de renovação do Serviço Social, o ápice de
maturação, da perspectiva modernizadora. No primeiro, vincularam-se as concepções
teóricas profissionais ao projeto da modernização conservadora, ao passo que, no
segundo, permanece a vinculação com a modernização conservadora direcionada pelo
Estado ditatorial colocado a serviço do grande capital e destacando questões relativas à
metodologia do Serviço Social no contexto da realidade brasileira. Esse documento
registra a busca de ultrapassar os limites identificados no Documento de Araxá.
No encontro de Teresópolis atingiu-se, conforme Netto (1991, p.178), “o
coroamento do transformismo (...) o moderno triunfa sobre o tradicional, cristalizando-
se operativa e instrumentalmente. O dado relevante é que a perspectiva modernizadora
se afirma não como concepção profissional (...) mas como pauta interventiva”. Para
esse autor, os documentos dos dois encontros Araxá e Teresópolis contêm as
formulações fincadas nos “marcos canônicos da perspectiva modernizadora do Serviço
Social em nosso país, simultaneamente configuraram a sincronização da
46
O Encontro de Arasegundo Netto (1991), contou com participação de 38 assistentes sociais.
47
Para o Encontro de Teresópolis, o CBCISS convidou 103 assistentes sociais; compareceram 33 e, 13
deles estiveram presentes no Encontro de Araxá. Em preparação ao encontro de Terepolis, foram
realizados sete encontros regionais, com o objetivo de discutir o documento de Araxá. Esse encontro foi
norteado por três documentos produzidos para tal fim, de autoria de Suely Gomes Costa, José Lucena
Dantas e Tecla Machado Soeiro (NETTO,1991, p.178).
95
(auto)representação profissional ao projeto e à realidade global da modernização
conservadora” (NETTO,1991, p.193). A perspectiva modernizadora galgou a
hegemonia entre os assistentes sociais brasileiros, foi colocada em questão nos meados
dos anos 1970, quando a ditadura iniciou o seu processo de exaustão.
Simultâneamente e coexistindo, nesse processo, construiu-se uma segunda
vertente, a reatualização do conservadorismo, que segundo Netto (1991, p.157), era
compatível com o segmento do Serviço Social mais impermeável às mudanças. (...)
Trata-se de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados da herança
histórica e conservadora da profissão”. Fundamentando-se na fenomenologia
48
, essa
vertente teve como polos dinamizadores as escolas vinculadas à Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e as Pontifícias Universidades Católicas (PUC) do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Inicialmente, essa vertente buscou capitalizar um
distanciamento aparente da ditadura, ao ter como um de seus pontos de sustentação a
emergência de concepções irracionalistas, inspiradas no filósofo alemão Martin
Heidegger (1889-1976). Fundamentada nessa base teórico-metodológica, essa vertente
considerava-se nova, por negar tanto os fundamentos positivistas quanto aqueles que se
ancoravam na raiz marxiana. Herdeira de uma visão de mundo que se origina no
pensamento tradicional católico, essa perspectiva se atribuiu “as características que
conferiram à profissão o traço microscópico da sua intervenção” (NETTO, 1991,
p.157).
A perspectiva de reatualização do conservadorismo, ao enfatizar as dimensões da
subjetividade, como analisa Netto (1991), apresenta uma abordagem psicologista
matizada por um eticismo abstrato, ou seja, uma ética isolada de uma configuração,
sustentada no aspecto legal e deslocada de uma fundamentação ontológica do ser social.
Segundo Netto (1991, p. 158, grifos do autor), a reatualização do conservadorismo
se beneficia de todo acúmulo ainda vigente de expectativas,
historicamente respaldadas no desempenho tradicional dos assistentes
sociais, referentes ao exercício do Serviço Social fundado no circuito
da ajuda psicossocial. O extremo conservantismo desta perspectiva
não reside apenas no seu referencial ideocultural (...); antes, ela é
48
Vale destacar que é, precisamente a fenomenologia que, em grande parte, tem fornecido os
fundamentos para as concepções vinculadas ao pós-modernismo. Como exemplo, pode-se citar o trabalho
de Peter Berger e Thomas Luckmann (2006) A construção Social da Realidade, cujas bases são
claramente fincadas na fenomenologia.
96
perceptível no embasamento científico” com que constrói a relação
do Serviço Social com seus “objetos”.
A reatualização com a herança conservadora foi uma necessidade imposta pelo
capitalismo e, segundo Iamamoto (1995), ocorreu mais precisamente na autocracia
burguesa desencadeada a partir de 1964, como uma decorrência do capitalismo
monopolista em sua fase de expansão para os países periféricos. Essa vertente, que
contou com a adesão da maioria dos assistentes sociais, expressava-se nas alterações
processadas nos todos de ação, no projeto profissional, como afirma Iamamoto
(1995), contido em um discurso diferenciado, em outras práticas e “estratégias de
controle e representação da classe trabalhadora, efetivada pelo Estado e pelo grande
capital, para atender às exigências da política de desenvolvimento com segurança”
(p.32).
Portanto, constituiu-se em uma modernização do Serviço Social como instituição
que trazia, de um lado, a busca por um padrão de eficiência e aperfeiçoamento dos
instrumentais operativo, visando “sofisticar os modelos de análise, diagnóstico; enfim,
(...) dar suporte técnico à ação profissional” (IAMAMOTO, 1995, p.32). De outro lado,
os discursos vinculados a essa vertente evidenciam uma prática profissional em uma
perspectiva de operar mudanças de hábitos, formas de ser e de agir do trabalhador, de
maneira a tornar-se mais adequado aos novos ritmos do desenvolvimento. Assim, no
aspecto teórico, os discursos estão sustentados, de forma muito próxima aos
fundamentos da teoria da modernização presente nas Ciências Sociais, e estão expressos
nos documentos profissionais. Os assistentes sociais, segundo Iamamoto (1995), diante
da conjuntura repressiva, refugiavam-se em discussões de elementos que, na aparência,
conferiam à profissão um perfil peculiar, tais como: “objeto, objetivos, métodos e
procedimentos de intervenção, enfatizando a metodologia profissional” (p.33). O
paternalismo autoritário presente na ação profissional foi eufemizado pela .tecnificação
e desenvolvimento de métodos de imposição mais sutis que preconizavam a
participação do cliente nas decies de seus interesses.
Ao mesmo tempo, despontava, também uma tendência entre segmentos de
profissionais com abordagens marcada pela “psicologização das relações sociais, que
privilegia problemas de desintegração e desadaptação social e funcional”
(IAMAMOTO, 1995, p. 34 grifos da autora). Essa abordagem considera que os
problemas relacionais devam ser tratados por meio do diálogo, e os materiais tendem a
97
ser espiritualizados, que são transformados em dificuldades subjetivas, necessitando,
portanto, de serem adaptados socialmente.
Segundo Iamamoto (1995), a reificação dos instrumentais de intervenção (método
e técnicas), e a psicologização das relações social foram fatores que contribuíram para
escamotear na consciência dos profissionais as verdadeiras implicações de sua prática.
Nessa perspectiva, a superação da crise da profissão foi tomada como necessitando de
um aperfeiçoamento mais adequado e um maior reconhecimento das instâncias
responsáveis pela implantação e implementação das políticas sociais. Para Iamamoto
(1995, p. 35), “essa perspectiva implica no aprofundamento da dominação e do controle
das classes subordinadas e, portanto, na negação de qualquer veleidade crítica que
ultrapasse os limites do sistema” capitalista.
O Documento de Teresópolis, no entendimento de Netto (1991), direciona-se para
uma adequação plena do Serviço Social à modernização conservadora do Estado
ditatorial, a serviço do grande capital. A tensão entre o tradicional e o moderno está
expressa no documento daquele encontro.
Nesse ambiente os assistentes sociais, depois de dois encontros (os de Araxá e
Teresópolis) realizaram os colóquios de Sumaré, em 1978, e Alto da Boa Vista, em
1984. Os dois colóquios não tiveram a mesma repercussão dos dois seminários
anteriores, providos pelo CBCISS, o que pode ser explicado por dois elementos: um ao
que se pode atribuir a
expectativa das vanguardas profissionais emergentes na década de
setenta em face das iniciativas que vinham no surgimento de Araxá e
Teresópolis. Há fortes indícios de que a identificação de CBCISS e seus
seminários com a referencialidade global da perspectiva modernizadora.
(...) tendiam a tornar céticas aquelas vanguardas em relação as
promoções (...). O segundo elemento refere-se às dimensões e direções
propriamente ideopolíticas e que se viam remetidos aquela entidade,
quer suas iniciativas anteriores. Parecia esboçado um divórcio entre
ambas e as vanguardas profissionais emergentes, que experimentavam
uma nítida politização na fase em que a resisncia democrática à
ditadura empolgava setores sociais cada vez mais amplos. (NETTO,
1991, p.195)
98
Para Netto (1991), da mesma maneira que os dois primeiros – Araxá e Teresópolis
apresentam-se em escala ascendente, na direção da modernização conservadora, os
dois últimos seminários Sumaré e Alto da Boa Vista indicavam o seu contrário,
tendencialmente distinto da perspectiva conservadora. Entretanto, esses dois elementos,
por si só, não explicam suficientemente a redução da ressonância nos dois colóquios em
relação aos dois seminários anteriores os de Araxá e Teresópolis. A chave desse
esclarecimento deve ser buscada no plano do questionamento teórico.
A partir de meados dos anos 1970, começaram a aparecer os primeiros sinais de
um outro vetor que permanecia soterrado no solo da ditadura. Ele passou a ameaçar,
paulatinamente, a centralidade da perspectiva modernizadora que dava os primeiros
sinais de perda de sua hegemonia, o que, no decorrer do tempo, foi solapada pelos
protagonistas do novo vetor, nos fóruns da categoria. Os movimentos sociais que
estavam submersos começaram a reivindicar condições de vida e a contestar o regime
vigente
49
e sua potica econômica, em uma rearticulação que envolvia organizações
populares e sindicais. Trata-se da terceira vertente, cuja constituição e consolidação, se
deu no contexto sócio-histórico da realidade brasileira, com impactos significativos para
a conformação do Serviço Social na contemporaneidade. Por se tratar de um tema
vinculado medularmente ao objeto e à tese de que sua emergência e consolidação no
âmbito das lutas travadas no interior das lutas sociais e das organizações profissionais e
acadêmicas imprimiram suas marcas, concepções do mundo, valores e princípios, na
direção social do projeto ético-político da categoria, indicando para o horixzonte da
emancipação humana da categoria defendida no corpo deste trabalho, será discutida
mais detalhadamente no próximo tópico deste capítulo.
2.1 A vertente Intenção de Ruptura e o Serviço Social
Ao expor a trajetória da intenção de ruptura busca-se analisar, no movimento do
real, os seus avanços e recuos e a contribuição dessa vertente no processo de
organização dos assistentes sociais, bem como, a do movimento do conjunto dos
49
Juntou-se à oposição políticos cassados pelo regime, dentre eles Juscelino Kabistchek, João Goulart e
Carlos Lacerda e fundaram a Frente Ampla, tendo como um de seus objetivos aglutinação de forças
oposicionistas. Ressalta-se que Carlos Lacerda era governador em 1964 e golpe militar de 1964.
99
trabalhadores para a formação da consciência coletiva da categoria, na direção da
emancipação humana
50
.
A vertente da intenção de ruptura foi assim denominada por Netto (1991, p.247,)
na “falta de melhor designação”, para expressar o rompimento com o Serviço Social
tradicional. Para este autor, “a ruptura com o tradicionalismo é um problema de
concepção sócioprofissional, com a questão terminológica aparecendo como
inteiramente secundária” (NETTO, 1991, p.247). A intenção de ruptura para Netto
(1991) vai além dos marcos da profissão, apesar de se colocar, também, dentro deles,
pois indica a passagem para uma outra ordem societária com o rompimento da ordem
burguesa. Seu caráter, no Brasil, coloca-se radicalmente contrária a ordem burguesa,
particularmente, à ditadura militar.
Desse modo, Iamamoto (1995) considera que, a
ruptura com a herança conservadora se expressa como uma procura,
uma luta por alcançar novas bases de legitimidade da ação
profissional do Assistente Social, que, reconhecendo as contradições
sociais presentes nas condições de exercício profissional, busca
colocar-se, objetivamente a serviço dos interesses dos usuários, isto
é, dos setores dominados da sociedade. Não se reduz a um movimento
interno da profissão. Faz parte de um movimento social mais geral,
determinado pela correlação de forças entre as classes fundamentais
da sociedade, o que não exclui a responsabilidade da categoria pelo
rumo dado às suas atividades e pela forma de conduzi-las.
(IAMAMOTO, 1995, p. 37. grifos do autor)
Assim, privilegiando o essencial, o segmento dos assistentes sociais, identificados
com esta vertente, foram se fortalecendo na busca pela superação do conservadorismo
51
,
no Serviço Social, e da construção de uma outra ordem societária. Nesse percurso, traz
a participação daqueles profissionais que, a partir de 1972, inseriram-se nos cursos de
50
“O projeto de emancipação humana (...) não se desdobra na emancipação política (...) o proletário se
investe, em nível histórico-universal, como herdeiro das tradições libertárias e humanistas da cultura
ocidental, constituindo-se como o sujeito de um novo processo emancipador, cujas condições prévia,
histórico-concreta, é a ruptura mais completa da ordem do capital” (NETTO, 1998, p. XX).
51
Para Iamamoto (1995) o pensamento conservador não contrapõe o capitalismo. De acordo com a autora
o “conservadorismo não é assim apenas a continuidade e persistência no tempo de um conjunto de idéias
constitutivas de herança intelectual européia do século XIX, mas idéias que, reinterpretadas, transmutam-
se em uma ótica de explicação e em projetos de ação favoráveis à manutenção da ordem capitalista.”
(IAMAMOTO, (1995, p.23).
100
pós-graduação
52
, nas discussões sobre a formação profissional precisamente nos meados
da década de 1970, no interior da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
(Abess), atualmente, Associão Brasileira de Ensino e Pesquisas em Serviço Social
(Abepss), e nos movimentos populares e sindicais. No final desta mesma década, os
assistentes sociais progressistas iniciaram uma articulação em âmbito local e nacional,
buscaram reativar suas entidades. O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
(CBAS) realizado em São Paulo, em 1979, constituiu-se em ponto de encontro de
professores, profissionais e estudantes de Serviço Social que vão construindo, nos
diversos contextos históricos da sociedade brasileira, um projeto de sociedade e de
profissão que buscam romper com o conservadorismo.
A participação potica e o avanço no conhecimento foram forjando e
consolidando a maturidade intelectual e potica dos assistentes sociais. Com este
acúmulo, a partir da década de 1980, estes assistentes sociais –, e estudantes de
Serviço Social, à frente das entidades Abess, Associação Nacional de Assistentes
Sociais (Anas), Conselho Federal de Assistentes Sociais/Conselho Regional de
Assistentes Sociais (Cfas/Cras) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
(Enesso) imprimiram outra direção política ao Serviço Social buscando envolver o
maior número de assistentes sociais avançando no exercício de relações democráticas e
construindo, coletivamente, a trajetória da vertente da Intenção de Ruptura. E, com ela,
o crescimento da organização dos assistentes sociais cujo marco coloca-se, no III CBAS
e, também, na década de 1990 com o novo Código de Ética dos assistentes sociais, a
Lei
53
de Regulamentação da profissão, e as Diretrizes Curriculares. A discussão sobre
estes pontos será feita no decorrer deste trabalho.
A democracia política que fundamenta o processo da organização dos assistentes
sociais ergue-se radicalmente contra o projeto burguês, e não a partir de seus
52
A s-graduação no Serviço Social iniciou com o mestrado, na Pontífice Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-RJ) em 1972, e na PUC de São Paulo. No entanto, de acordo com Bravo (2007), a partir
dos meados dos anos 1960 a Universidade Federal do Rio de Janeiro iniciou a sua pós-graduação lato
sensu com a criação de cursos de aperfeiçoamento e especialização e em 1975 foi aprovado pela UFRJ e
pelo MEC, em 1976. Na pós-graduação os professores de Serviço Social passaram a fazer interlocução
com professores de outros cursos e tiveram contato com o pensamento de Marx.
53
A nova Lei 8.662/93 de regulamentação do exercício da profissão de assistente social foi sancionada em
junho de 1993. Ressalta-se que o “primeiro ante-projeto para a nova lei de regulamentação da profissão
debatido pela categoria data de 1971, contando como tema do IV Encontro Nacional CFAS/CRAS.
Finalmente, em 1986 é encaminhado, após duas décadas, o Projeto de Lei nº 7669, de iniciativa do
deputado Airton Soares, tendo sido arquivado sem aprovação devido à instalação do Congresso
Constituinte em fevereiro de 1987. A efetiva retomada do propósito de regulamentação dá-se no XVII e
XVIII Encontros Nacionais CFAS/CRAS, que produziram a versão final do Projeto Lei 3903/89,
apresentado pelas deputadas Benedita da Silva e Maria de Lourdes Abadia” Santos (apud Cfess/Cress,
1996, p. 180). No entanto, o novo Código de Ética foi aprovado em março do mesmo ano, 1993.
101
componentes fundados em uma concepção liberal. Para Netto (1986, p.19), os países da
América Latina, no processo sócio-histórico, não construíram uma cultura democrática,
ou seja, os países latino-americanos não têm a tradição de exincias democráticas. O
traço pertinente democrático das ideologias, entendidas como concepção de mundo,
aparece enquanto faculdade de incorporar manifestações político-sociais plurais; vale
dizer: enquanto prática da tolerância no plano político”
54
.
De acordo com Netto (1986), as ideologias o definem o seu núcleo democrático
só pela incorporação de valores sociais expressos no movimento da luta de classes. Mas,
também, pelo tratamento dado às tendências prático-revolucionárias. A democracia
nestas sociedades latino-americanas assume importância extraordinária, sendo
tomada como opção de natureza revolucionária, de cunho potico-sociais legitima, e,
portanto, considerada na sua dimensão política.
De acordo com Netto (1986, p.23),
a democracia política (...) é simultaneamente uma necessidade e um
limite para o projeto emancipador da classe operária enquanto agente
primordial da emancipação das classes e camadas subalternas. É uma
necessidade porquanto se apresenta como modo mais viável para
inserir-se como protagonista reconhecido e legitimado do processo
político-social. (...) (já infirmada por Engels em 1895), a luta pela
democracia política se apresenta como incontornável para o
proletariado e para as classes e camadas subalternas. Não outro
caminho para forjar o processo de construção da sua hegemonia.
Todavia, é igualmente um limite, na proporção mesma em que o
terreno político dos institutos cívicos é o da ordem social burguesa.
(NETTO, 1986, p.23-24)
Nesse sentido, segundo o autor, para as classes subordinadas não comprometerem
a construção de sua hegemonia devem executar uma dupla tarefa. Estas constituem-se
em requisitos do processo de democratização da sociedade e do Estado na vigência da
ordem burguesa. Assim sendo, de um lado, elas devem exigir, do poder burguês a
54
“O caráter jurídico que reveste o conjunto de liberdades políticas enfeixadas nos institutos cívicos rebate
na ordem (sociedade) civil de tal forma que permite a livre expressão dos sujeitos individuais,
delimitada segundo Marx, em 1875, negativamente pelo direito da livre expressão de outrem. O
travejamento democrático suporta-se na identidade entre cidadão e indivíduo (possuidor) e desemboca na
socialização da política (não do poder político) (NETTO, 1986, p.22).
102
generalização da cidadania, e pela prática do jogo democrático, de outro lado,
concomitantemente, com o primeiro, o conferir legitimidade à ordem burguesa.
Netto (1986) considera, ainda, a importância para os segmentos populares e
nacionais da eliminação de componentes autoritários presentes na sociedade burguesa
como um requisito para a conquista da democracia. A sua concretização ocorre com a
generalização dos institutos cívicos e a ampliação de seu conteúdo nos mesmo nos
marcos do capitalismo.
Mais concretamente: trata-se de postular, agora, uma democracia
política com claros rebatimentos econômicos e sociais de postular e
construir uma democracia de massas que se, desde não pode ferir
imediatamente o caráter de classe do Estado, constituído, é organizar
de baixo para cima, combinando a intervenção instituída com a
instituínte. (...) a redefinição da democracia política pelo seu
componente de massas cria três requisitos sem os quais é impensável a
transição socialista em nossas sociedades: abre a via para a
democratização da sociedade e do Estado, introduz o proletariado e as
classes e camadas subalternas nas atividades da gestão social e
instaura uma dinâmica societária que permite vincular o mundo do
trabalho ao mundo da cultura. (NETTO, 1986, p.25-26)
Assim, a construção e vivência de relações democráticas constituíram-se nos
fundamentos para as discussões e tomadas de decisões no segmento dos assistentes
sociais identificados com a vertente da Intenção de Ruptura. Na defesa de outro projeto
de profissão e de sociedade, no decorrer do período tomado para este estudo, estes
assistentes sociais exercitam uma participação na perspectiva do que Fernandes (1994)
chama de democracia ampliada, em um contexto de retomada da resistência dos
trabalhadores. Desta forma, desenvolveu-se o processo de discussão e de articulação
política de oposição à direção do Serviço Social tradicional presente na sociedade
brasileira. Esse processo teve como ponto de partida as discussões da formação
profissional deflagrada entre os professores, quer seja nas unidades de ensino, quer no
espaço da Abess. Para tanto, a Reforma Universitária da ditadura militar, ao inserir as
Escolas de Serviço Social nas universidades
55
, possibilitou a criação de cursos de s-
55
Antes da Reforma Universitária de 1968, as escolas de Serviço Social funcionavam isoladas das
universidade, pois estavam vinculadas às suas mantenedoras.
103
graduação, que se deu sob a batuta norte-americana, objetivando a formação de
lideranças para o capital internacional. Esses cursos de pós-graduação, no Serviço
Social, aproximaram assistentes sociais professores universitários e profissionais de
diversos pontos do país e, de acordo com Rauta Ramos (2007, p.38-39), “dentre estes,
os mais combativos e engajados nas organizações da categoria e em movimentos
sociais”.
Os assistentes sociais professores iniciaram as primeiras discussões criticas sobre
a formação profissional do assistente social, em âmbito local, na PUC/SP
56
que se
espraia para outras unidades de ensino da capital paulista indo rebater nas convenções
da Abess no período que vai de 1975 a 1979. Estas se permearam de confrontos, pois
estiveram presentes as diversas tendências e a Abess, de acordo com Myriam Veras
Baptista (1989), no período de 1975 a 1977 era dirigida pela profa Raquel Maeder
Gonçalves, assumidamente integralista
57
. De outro lado, os profissionais que tinham
como opção a ruptura com o conservadorismo, buscavam reconstruir a sua organização
56
Segundo o representante do Conselho Editorial da Revista Serviço Social e Sociedade, Sérgio
Fuhrmann (1989) as reflexões presentes no interior da categoria, afirmado por Carmelita Yazbek vai
crescendo e sendo percebido na “movimentação de grupos diferentes na dinâmica do processo: um grupo
que trabalhou para assumir o CRAS rompendo com a tradição, outro agindo na rearticulação da APASSP
para acabar com a situação anterior, outro ainda que busca sair do esquema da Revista Debates Sociais,
para criar uma outra [revista], outro movimento de busca no sentido de trazer profissionais do mais alto
nível, e de países diferentes, que discutiam a Reconceituação para coloca-los juntos e possibilitar um
debate, e, finalmente, algo que veio com tudo isso, que foi a PUC-SP assumir uma posição de destaque
em relação ao que acontecia nas outras faculdades. Nesse momento eu, com outro grupo, estava na
Faculdade Paulista de Serviço Social, de certa forma um tanto acomodado, de repente... sentimos o
questionamento da PUC-SP às nossas posições. Como é que esse movimento interno da PUC-SP, se liga
esses outros movimentos? Na verdade, a PUC-SP, bem ou mal, acabou provocando ruptura dentro de
serviço social, um choque junto às outras faculdades tradicionalistas, superadas etc. ... Logo em seguida
vem a virada da Abess; em São Luiz era um grupo e na outra convenção tudo mudou”. Raquel Raichelis
dando continuidade a discussão de Sergio Fuhrmann destaca a existência de uma outra frente que discutia
o tipo de profissional que estava sendo formado. “Essa população que está se organizando, está
questionando o Estado, que está tendo uma outra interlocução com o Estado em termos de reivindicação,
não mais como benesse, outorga, como instancia acima da sociedade, mas que toma o Estado como um
interlocutor político, é a mesma população que vai para as instituições, que começa a questionar as prática
sociais e, evidentemente, isso vai repercutir no ensino” (FUHRMANN, 1989, p.13-14).
57
A ão Integralista Brasileira (AIB) constituiu-se, segundo Forjaz (1988) em uma forma de
representação política das camadas médias urbanas nos anos 1930. Caracterizou-se, juntamente com a
Aliança Liberal Nacional (ALN), “pela pida mobilização nacional (pela primeira vez no Brasil
movimentos políticos assumiram âmbito nacional segnificativo e não se restringiram ao âmbito regional)
e pelo radicalismo ideológico (de direita e esquerda). A Ação Integralista Brasileira, que foi fundada em
1932, tem um programa fascista adaptado às condições nacionais, que rejeita simultaneamente o
comunismo e o liberalismo e que se define mais por oposição a eles do que pela afirmação de princípios
independentes. O discurso integralista tem a classe média como destinatária e sua composição social
confirma esses laços ideológicos com as camadas urbanas. Segundo Marilena Chauí, (...) [para] os vários
pesquisadores que ultimamente se dedicaram à análise do integralismo, a razão principal da adesão das
camadas médias ao movimento integralista é o medo da ascensão operária e comunista. Entre os
argumentos que sustentariam essa tese a autora afirma: - a tônica anticomunista da AIB; - a efetiva
ampliação do movimento operário nos anos trinta, que teria assustado a classe média; - o efetivo
recrudescimento do Partido Comunista Brasileiro e o aumento de sua influência sobre a organização da
classe operária” (FORJAZ, 1988, p.37-38).
104
na articulação de âmbito local, e construir uma entidade de âmbito nacional. Se na
organização dos professores as discussões e disputas de direção social tinham como
elemento motivador a formação profissional, os profissionais centravam a sua
mobilização na luta por um salário nimo profissional e uma jornada de trabalho
58
.
Esta articulação das primeiras entidades três sindicatos e duas associações que
deram seus primeiros passos em 1978, no bojo da segunda greve dos trabalhadores,
criaram a sua entidade nacional (a Ceneas), no III Encontro realizado em São Paulo, em
1979, três dias antes do III Congresso dos Assistentes Sociais, na mesma cidade de
São Paulo, em 1979 –, também chamado Congresso da Virada e ali fincaram mais um
marco de sua luta. Assim, esses assistentes sociais professores e profissionais se
encontraram, em um mesmo espaço político e se confrontaram por mais de duas
décadas.
Este acúmulo possibilitou aos assistentes sociais, adeptos da vertente da Intenção
de Ruptura, no embate de concepções de projetos societários, construírem, a partir da
década de 1970 a 1990, em uma prática hegemônica um projeto crítico de profissão, que
tem em vista romper com o conservadorismo no Serviço Social. Na direção de uma
outra ordem societária, buscam contribuir para superar as desigualdades sociais em
suas dimensões: política, econômica, social e cultural.
Ressalta-se que, ao creditar a dianteira da vertente da Intenção de Ruptura aos
assistentes sociais marxistas e aos não marxistas, vinculados ao movimento da Igreja
Católica progressista, não significa conceber a categoria como um bloco monolítico.
Mas, dirigida por uma vanguarda lúcida, que procurava envolver, nas discussões e
tomada de decies, o universo dos assistentes sociais, em uma perspectiva de direção
democrática e politizadora foram construindo a hegemonia
59
dessa vertente.
Ao encaminhar as questões pertinentes aos interesses da categoria e,
consequentemente, da classe trabalhadora, a vanguarda fazia-o com conteúdo crítico,
buscando desvendar as contradições presentes na dimica de uma sociedade capitalista
periférica, expressas em âmbito mundial, nacional e local. De acordo com Netto (1996,
58
Os assistentes sociais lutavam por uma jornada de trabalho de 30 horas semanais e um piso salarial de
oito salários mínimos. O projeto tramitou na Câmara e Senado, recebendo aprovação de seis salários
mínimos, mas foi vetado pelo Presidente José Sarney.
59
Braz (2007, p. 5), ao tratar do conceito de hegemonia considera “que sua definão é ampla o suficiente
para comportar diferentes interpretações. No entanto, ela é precisamente clara numa questão: não se
confunde com supremacia, nem tampouco com maioria. Em termos gramscianos, a palavra significa
prevalência (ou predomínio) de uma vontade coletiva (...) o que supõe a necessária conexão a um projeto
societário sobre as demais vontades coletivas (ou projetos coletivos), considerando a coexistência
democrática entre elas”.
105
p.89), “no mundo contemporâneo, é ingenuidade supor profissões como blocos
homogêneos e/ou identitários praticamente todas as profissões estão vincadas por
enorme diversidade, tenes e confrontos internos”.
2.2 A trajetória da vertente Intenção de Ruptura: uma articulação política
A direção potica definida pelos assistentes sociais que se identificavam com a
vertente da Intenção de Ruptura, no período delimitado para a pesquisa, esteve ancorada
na sua inserção na s-graduação, nos movimentos sociais sindical e popular e
partidos poticos, norteada em boa parte pelos fundamentos da tradição marxista, em
um processo marcado por avanços e recuos. Esta inserção conferiu àqueles profissionais
uma maturidade teórica, passando a beber em fontes originais do pensamento
marxiano
60
, foram tecendo a superação da prática profissional tradicional e reafirmando
o compromisso com os valores da classe trabalhadora, ao se reconhecerem, também,
como parte desta classe.
No percurso de constituição dessa tese partiu-se, prioritariamente, das
investigações realizadas por Netto (2005; 2001b; 2001a; 1999; 1996; 1991; 1989; 1981,
dentre outras), a contribuição da vertente da Intenção de Ruptura ao avanço do Serviço
Social no Brasil, partindo das suas origens, para reconstruir a sua trajetória. Forjada no
interior da estrutura universitária, como defende Netto (1996), na primeira metade dos
anos 1970, esta vertente que é, também, denominada Serviço Social crítico por alguns
pesquisadores latino-americanos, insere-se em um movimento mais amplo de
contestação ao Serviço Social tradicional em âmbito mundial.
A Intenção de Ruptura, segundo Netto (1991), ao ser analisada, rigorosamente,
em suas formulações acadêmicas, nos anos 1970 e 1980, identifica-se linhas de
continuidade e ruptura.
Para o autor,
60
Registra-se, a produção de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho “Relações Sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica” em que estes autores recorreram a fontes
originais do pensamento de Marx pela primeira vez na história da produção do Serviço Social brasileiro.
Netto (1991) diferencia a produção de Iamamoto dentre as demais elaboradas no marco do Serviço
Social. Assim, ele expressa-se: a justa compreensão que Iamamoto tem da postura teórica-
metodológica marxiana. Provavelmente auxiliada pelo fato de enfrentar as fontes “clássicas”,
adjetivamente recorrendo a interpretes, ela consegue superar os viezes mais generalizado na tradição
marxista e comprometer-se com a perspectiva ontológica original de Marx” (NETTO, 1991, p.292-93). A
tradição marxista chegou ao Serviço Social por Vicente de Paula Faleiros, Miriam Limoeiro Cardoso e
Leila Lima Santos sendo, que os dois primeiros buscavam suas referências teórico-metodológico em
Gramsci, mas as suas produções iniciais registram a recorrência a Marx. Enquanto que Leila Lima dos
Santos tem suas primeiras produções fundamentadas em Althusser, Mao Tsé Tung e Michel Lowy.
106
esta continuidade, porém, é um movimento: se nela se põem e repõem
eixos teórico-metodológicos, núcleos temáticos e indicativos
profissionais, este acúmulo se opera por incorporações que
introduzem inflexões que, ao enriquecer, matizar e diferenciar a
perspectiva em tela desenham visíveis mudanças no seu processo. O
movimento aludido pode ser agarrado de forma expressiva no eixo
teórico-metodológico que, a par de singularizar esta perspectiva no
campo da renovação do Serviço Social no Brasil, acompanha todo o
seu desenvolvimento. Trata-se da referência à tradição marxista
que, com a produção dos representantes desta perspectiva, pela
primeira vez inscreve-se no universo simbólico dos assistentes sociais
brasileiros de maneira significativa. Explícita ou discretamente, o
projeto da ruptura remete à tradição marxista; fá-lo, entretanto,
diversamente ao longo do seu processo e as alterações que aí
se registram configuram exatamente a relação de continuidade e
mudança que desejamos salientar. (NETTO, 1991, p.267-68)
Conforme Netto (1991, p.250) a perspectiva da intenção de ruptura deveria
constituir-se sobre bases quase que inteiramente novas; era uma decorrência do seu
projeto de romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-
metodológicas e prático-profissionais”. Para o autor, em razão desse horizonte da
crítica, diferentemente das outras tendências, a exigência de bases democráticas para o
seu desenvolvimento, era um imperativo. No entanto, mesmo nos bastidores da
ditadura, essa vertente foi tecendo o seu projeto, contando com a participação do
movimento estudantil de Serviço Social e adquirindo maior expressão, a partir da
experiência da Universidade de Minas Gerais nos início da década de 1970, que foi
interrompida nos primeiros anos dessa década.
Germano (2000), em seus estudos, afirma que para manter a ordem e garantir o
controle da sociedade, os militares defendiam que deveria ser tirado o espaço da esquerda,
combater os subversivos e retirá-los de cena, pois eram considerados inimigos internos. Para
isso, a Constituição Federal de 1967 e os Atos Institucionais, em particular o AI-5,
asseguraram as condições legais para a intervenção militar na vida da Universidade
brasileira.
Porém, de acordo com Fernandes (1994, p.132), é
107
preciso o esquecer que a implantação da ditadura é parte de
uma crise burguesa, que veio da impossibilidade da burguesia
de promover a incorporação do Brasil aos dinamismos do modo
de produção capitalista monopolista de uma forma mais ou
menos rápida e segura do ponto de vista do capital
internacional.
Segundo Netto (1991), a intenção de ruptura foi a que mais se aproximou da
academia dentre as demais vertentes renovadoras do Serviço Social brasileiro. A
ditadura, por sua vez, começava a dar os primeiros passos no processo de sua erosão.
No entanto em seu período mais repressivo, a ditadura militar, dentre suas iniciativas
procedeu, também, a uma reforma universitária, em 1968, nos padrões indicados pelo
acordo do Ministério de Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for
International Development (Usaid), cuja proposta atendia às recomendações privatistas
contidas no relatório dos assessores da Usaid e da Comissão Meira Mattos institda
para realizar mudanças no ensino superior brasileiro.
Essa reforma ocorreu às vésperas da edição do AI-5, editado em dezembro de
1968, como uma estratégia para atender às exincias do capital no que se refere a
produção do conhecimento, em uma perspectiva modernizante, e, de formação de o
de obra. Tinha, ainda, como uma de suas finalidades, controlar a vida acadêmica.
Conceitualmente, a reforma fundamentou-se na teoria do capital humano que vincula a
educação, mercado de trabalho e produção, com a Ideologia da Segurança Nacional.
Com esses instrumentos legais, os militares amordaçaram a universidade com
banimentos de seus trabalhadores e estudantes que faziam crítica ao regime
61
.
61
Germano (2000, p.107-108) registra as diversas formas que os militares fizeram sua intervenção nas
universidades brasileiras: a UnB foi ocupada três vezes por força militares. A primeira invasão ocorreu no
dia 9 de abril de 1964 quando 400 homens da Polícia Militar ocuparam aquela Universidade e o reitor
Anísio Teixeira foi destituído de suas funções e para o cargo foi indicado o professor da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, Zeferino Vaz; a segunda, ocorreu em 1965 quando a polícia, por solicitação
do reitor a fim de reprimir uma greve de professores e estudantes que contestavam atos autoritários da
reitoria. Os policiais permaneceram no campus por uma semana espancando e prendendo estudantes e
professores. Nessa oportunidade foram demitidos, também a pedido do reitor, mais de 15 professores;
diante do clima reinante no interior da Universidade, 210 professores pediram demissão em sinal de
protesto, no dia 19 de outubro de 1965: a terceira invao da UnB ocorreu em 1968. Desta forma a
ditadura conseguiu destruir a experiência pioneira daquela Universidade. Outras universidades federais
sofreram intervenções militares no período da ditadura como ocorreu com a Universidade Federal
Fluminense, Goiás, Paraíba e Pernambuco que tiveram seus reitores afastados e para seus lugares foram
nomeados interventores. Ressalta-se, no entanto, que mesmo com a repressão nas universidades
brasileiras a resistência permaneceu presente no seu interior.
108
Nesse sentido, de acordo com Netto (1991, p.65-66),
o regime conseguiu o que pretendia: cortou os laços vivos, tensos e
contraditórios que prendem a universidade ao movimento de classes
sociais: oclusos, obturados pela repressão e pela gestão
modernizadora”, os seus condutos com a vida e o processo sociais, a
universidade foi insulada: perdeu o dinamismo crítico. (...) Destarte,
os vários mecanismos que degradam intelectualmente a universidade
não afetaram o projeto autocrático burguês: antes, construíram um de
seus feitos a universidade neutralizada esvaziada, reprodutiva e
asséptica era funcional a ele.
No entanto, a refuncionalização da universidade, segundo Netto (1991, p.250),
oferecia aos protagonistas, não só um campo profissional novo (...), mas relativamente
menos inseguro para o projeto de ruptura”. Mesmo a universidade fortemente
controlada, a particularidade do espaço acadêmico o torna menos adverso de que os
demais para busca de rompimento. Ali, de acordo com Netto (1991), apesar das
condições desfavoráveis, a articulação do ensino, pesquisa e extensão associados a
exincias de produção de conhecimento, próprio da natureza da universidade, tornava-
se compatíveis com o que propunha a vertente da intenção de ruptura. Por outro lado, a
exincia do estágio na formação profissional do Serviço Social colocava o profissional
assistente social em contato com a academia, favorecendo-lhe uma orientação a partir
de novas referências teórico-medotológicas. Porém, somente a partir dos meados da
década de 1980, que a vertente da Intenção de Ruptura ganhou repercussão fora dos
muros da universidade, pois, nesta época, a ditadura caminhava a passos largos no
processo de sua eroo.
Ao abordar essa questão, Silva e Silva (2007, p.35) destaca que,
mesmo no período de maior repressão do regime militar, setores
profissionais, embora minoritários, começam a atuar na contra-
resposta ao encaminhamento hegemônico que transforma a profissão
em mero instrumento (...) de um crescimento econômico concentrador
e excludente.
109
O que vale dizer que esses profissionais, minoritários numericamente, foram
construindo a vertente da Intenção de ruptura, com outros assistentes sociais em
determinadas conjunturas, quando eram fortalecidos e fortaleciam os demais segmentos
classe trabalhadora.
Dessa forma, essa vertente foi concebida no bojo de um processo dinâmico da
sociedade brasileira que tinha, paralelamente, o caminhar de uma ofensiva neoliberal
62
em curso nas sociedades capitalistas centrais. Em seu marco temporal, evidenciavam as
condições objetivas expressas pelo movimento da conjuntura tendo, de um lado, a luta
em prol da democratização da sociedade brasileira travada pelos movimentos da classe
trabalhadora interrompida, temporariamente, e de outro, pelo golpe, da ditadura militar
de 1964, capitaneado pelos militares na defesa dos interesses do capital internacional e
sob a batuta dos Estados Unidos. Segundo Germano (2000), esse golpe foi fruto da
coalizão civil e militar que estruturou um outro bloco no poder, articulado com o
conjunto da burguesia e representando os seus interesses a burguesia industrial e
financeira nacional e internacional.
Inserida no processo de laicização do Serviço Social, e contextualizada no curso
da democratização da sociedade brasileira, essa vertente trouxe como diferencial da
profissão, além de uma oposição intransigente a ditadura militar, desenvolveu, também
a sua politização, sempre no confronto com a ditadura, especialmente, no marco da
oposição pequeno-burguesa radicalizada” (NETTO, 1991, p.259). Assim, seus adeptos
defendiam um projeto de sociedade, nas formas diferenciadas de relações, no jogo de
forças entre as classes, e um projeto de profissão fundamentado na concepção teórica da
tradição marxista. Segundo Quiroga (1991, p.11), a teoria passou a ser tomada em uma
abordagem que “transcende a dimensão apenas epistemológica, e em seu cerne, se
propõe a ser uma concepção da reprodução e da transformação da sociedade, tendo
como base a práxis humana. (...) [Esta] envolve o entendimento de um movimento no
qual a relação entre os homens como ações livres, criadora e universal, transformam a
natureza, a si mesmo e constroem a história em movimentos de ruptura e permanência.
De acordo com Netto (1991, p.256)
os vetores erosivos do Serviço Social, operavam contra o
tradicionalismo desde o fim da cada de cinqüenta
62
A essência do neoliberalismo esta concentrada, segundo Netto (2001b, p.77), em uma argumentação
teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e insuperável e uma
proposição política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia”.
110
sinalizavam que a profissão começava a ser permeada por
rebatimentos das lutas sociais que apontavam para a
problematização do conservadorismo que, inscrito já na sua
implantação como prática institucionalizada no país (a partir de
meados dos anos [19]30), parecia constituir o seu caráter
congênito e imutável.
A vertente da intenção de ruptura no Serviço Social brasileiro, inicialmente,
estava fundamentada nas posições progressista das ciências sociais, nas formulações da
Teologia da Libertação, no pensamento de Paulo Freire e em um marxismo enviesado
como afirmam Quiroga (1991) e Netto (1991). No entanto se, no início, um segmento
dos assistentes sociais que constita a vanguarda da vertente intenção de ruptura,
valiam-se do marxismo em fontes secundárias, com a maturidade intelectual passaram a
fundamentar-se em fontes originais. Portanto, suas produções eram direcionadas para o
enfrentamento da realidade na perspectiva de classes e na defesa e interesses da classe
trabalhadora em particular, das camadas populares. As raízes desta vertente estão
colocadas na experiência que produziu o denominado Método BH.
Segundo Netto (1991, p.261), é “na atividade deste grupo que a Intenção de
Ruptura se explicita originalmente em nosso país
63
. No entanto, segundo Leila Lima
Santos (2007), a experiência de Belo Horizonte foi renegada e criticada duramente,
mesmo que viesse renascer por meio de outras experiências. Esta observação foi
confirmada por Netto (1991) ao concordar que esta experiência, com exceção de Goiás
e de Juiz de Fora, não fora valorizada no primeiro momento, no Brasil, mas foi
retomada nos anos 1980, confirmando o caráter de contestação da vertente da Intenção
de Ruptura à autocracia burguesa.
Santos (2007, p.167-8) relata aquela experiência, na Escola de Serviço Social de
Minas Gerais, em sua expressão potica de resistência:
63
O AI-5 estabelecia penalidades para estudantes e professores. De acordo com Leila Lima Santos (2007),
“A Escola de Serviço Social de Belo Horizonte (PUC/MG) viveu um processo muito interessante nos
anos [de 19]70 e contou com um grupo de qualificados e comprometidos professores tanto da área do
Serviço Social como das Ciências Sociais, todos eles adeptos dos ventos cambiantes da reconceituação
latino-americana. Muitos de nós, diretores e vários professores, estávamos inspirados nos postulados
religiosos do Concílio Vaticano II, na Teologia da Libertão, nos princípios filosóficos da educação
popular de Paulo Freire, nos processos críticos em voga nas ciências sociais naqueles momentos e nos
propósitos de mudança da revolução cubana. Em geral éramos simpatizantes da ideologia de esquerda e
dos governos e iniciativas progressistas latino-americana” (p.166).
111
estávamos todos, (...) comprometidos com o novo projeto da Escola
de Serviço Social. Um grupo de estudantes, certamente simpatizante
de grupos políticos que faziam legitimamente uma ativa resistência à
ditadura militar no país e desejando que a Escola avançasse mais
rapidamente com sua proposta, convocou uma greve por
reivindicações acadêmicas, organizativas e materiais interna a essa
unidade de ensino. (...). As autoridades nacionais de segurança
solicitaram à Universidade (PUC/MG) os nomes dos líderes do
movimento grevista no marco do Decreto 477 (dentro do AI-5). (...)
Com intenção de preservar os estudantes, chegamos a um ponto de
infleo: a renúncia coletiva de mais de trinta professores. Tenho a
convião que nem os estudantes nem o corpo docente avaliaram
política e estrategicamente, em toda sua dimensão os riscos dessa
posição e suas conseqüências. E creio também que no fundo
penvamos que a renúncia facilitaria um regresso fortalecido para
reassumir o processo da Escola de Serviço Social.
Segundo a autora, o que ocorreu, na realidade, foi o afastamento dos professores e
o projeto em curso acabou por ser interrompido, em 1975.
O processo de confronto potico com as forças conservadoras presentes na
sociedade brasileira, e na particularidade do Serviço Social, aconteceu, tamm, em
diversos contextos cio-históricos. Assim, no período de 1968 a 1974 os militares
constituíram,
um quadro legal para permitir profundas transformações estruturais e
um amplo expurgo dos inimigos internos ao novo regime. Dá-se, então,
a institucionalização da tortura como todo de interrogatório e
controle político, criando-se a cultura do medo com a imposição do
silêncio. O modelo econômico e político adotado, pressupondo controle
da sociedade, nesse período, faz com que o país viva uma fase de
crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB), marcando um
período de intermitência do crescimento, como uma das marcas
características do capitalismo. (SILVA e SILVA 2007, p.31)
A estratégia de manipulação política do governo da ditadura militar, foi apresentar
à sociedade brasileira a liberação de créditos financeiros, a partir de 1968, como
112
alternativa para proporcionar o crescimento do país e dinamizar a sua produção.
Considerando-se que a dimensão da crise estrutural, conforme Mészáros (2002),
perpassa toda a sociedade civil, extrapolando a esfera meramente econômica, e
impactando nas dimensões política e cultural da sociedade, destacando também, que
compete à classe trabalhadora forjar, no confronto entre classes, a consciência de classe
para si, a qual se dará no processo de organização e da participação política.
Ao referir-se a inserção de Marx e Engels no movimento operário, Netto (1998)
afirma ser esta “mais que uma oão política: era um imperativo da sua concepção
teórica. Uma teoria assentada numa ontologia do ser social que credita ao trabalho o
fundamento da sociabilidade não tem no proletariado um elemento externo” (p.
XXVIII) Marx em seus estudos sobre a revolução no que se refere ao legado teórico-
cultural emancipador contido na filosofia que relaciona o seu legado com o proletariado,
considera que “O cérebro desta emancipação é a filosofia, o proletariado é o seu
coração”. (MARX, apud NETTO, 1998, p. XXXIII).
No processo de acumulação de forças com a organização dos assistentes sociais e
de sua consciência política de classe para si, de um de seus segmentos, considera-se,
ainda, a importância do primeiro mestrado Serviço Social, na PUC do Rio de Janeiro,
em 1972, o qual, de acordo com Rauta Ramos (2007), aglutinou professores e
assistentes sociais dos mais diversos pontos do país e criou oportunidades para o início
de um processo de articulação em âmbito nacional e local.
Nesta direção, assim expressa Rauta Ramos (2007, p.39)
Essa relação estabelecida no mestrado oportunizou a constituição de
um grupo coeso, no interior da profissão, que retornando à cidade de
origem, e assumindo postos de comando em instituições de Serviço
Social, especialmente da universidade brasileira, pôde se articular e
trabalhar uma unidade política, acelerando o processo de mudanças
importantes dentro das nossas organizações.
Nesse curso de pós-graduação, os assistentes sociais fizeram a aproximação inicial
com a tradição marxista. Porém, os primeiros contatos daqueles assistentes sociais que
optaram por conhecer esta teoria recorreram, inicialmente, ao estruturalismo sob a
influência de Louis Althusser (1918-1990). Esta abordagem esteve presente, tamm
nas demais profissões circunscritas na área social. Portanto, essa interlocução deu-se por
113
meio de fontes secundárias, e, como foi mencionado, de forma enviesada à tradição
marxista (Netto, 1989; 1991; 2005; Quiroga, 1991) e marcada por fortes traços do
ecletismo.
Nesse sentido, de acordo com Quiroga (1991, p.88), se a contribuição da tradição
marxista favoreceu o avanço do Serviço Social em uma perspectiva crítica, também, a
recorrência a um marxismo sem Marx, possibilitou que permanecesse a inflncia do
positivismo entre os assistentes sociais que optaram pela superação do conservadorismo
na profissão. No entanto, para a autora, se a reconceituação
64
trouxe em seu bojo “a
crítica aos assistencialismos e às novas tendências neo-assistencialistas, (...) esse
processo não rompeu com uma herança conservadora de cunho positivista e
irracionalista”. Esta realidade é explicada pelos fundamentos que, no início do processo,
subsidiaram as discussões alicerçadas, sobretudo em um marxismo positivista contido
no pensamento de Harnecker e de Althusser. Porém, Quiroga (1991, p.88) considera
possível concluir que a Reconceituação levou a ruptura potica que não foi
acompanhada por uma ruptura teórica com essa herança conservadora”.
A autora, em sua discussão sobre a entrada de Marx no Brasil, recorre a Konder
para afirmar que o marxismo penetrou tardiamente, e, em um contexto de
predominância do positivismo de Comte, que era influenciado por idéias spencianas.
Por outro lado, no início, o pensamento de Marx ficou limitado, sobretudo, aos
comunistas brasileiros, sendo estranho ao ensino superior: “Sua obra quase o era
levada em consideração nas Universidades e, quando isso ocorria, sua abordagem era
precária. As condições de acesso aos textos originais se dava em condições muito
especiais” (QUIROGA, 1991, p.99).
No entanto, no decorrer dos anos 1970 alguns professores que conviviam com o
legado de Marx, dentre eles Miriam Limoeiro, lançaram a semente no meio acadêmico e
profissional, contribuindo para que nas décadas seguintes imprimissem outra direção ao
Serviço Social, fundada no pensamento da tradição marxista, e no bojo da crise do
capitalismo, demarcada no início dessa década, quando o país ainda vivia o seu período
repressivo. Porém, Netto (1989) ressalta que as aproximações do Serviço Social com o
pensamento de Marx, inicialmente, envolveram docentes, tanto em áreas de capitalismo
desenvolvido, como na América do Norte e na Europa Ocidental, quanto em alguns
países de capitalismo periférico como da América Latina.
64
Quiroga (1991), ao abordar aqui a reconceituação refere-se ao processo desenvolvido pelos assistentes
sociais nos países latino-americano, não apenas ao Brasil.
114
Esse autor localiza o diálogo dos assistentes sociais brasileiros com o pensamento
de Marx “na intercorrência de três fenômenos: a crise do Serviço Social tradicional, a
pressão exercida pelos movimentos revolucionários e a rebelião estudantil” (NETTO,
1989, p. 96-97, grifos do autor). Para Netto (1989) os padrões profissionais tradicionais
tornaram-se ineficazes para atender aos processos sociais emergentes na sociedade o
que deu origem a um movimento de politização vinculando os dois últimos fenômenos
mencionados e redimensionando as críticas provindas das correntes críticas das
chamadas ciências sociais.
De acordo com Netto (1989), foi dessa forma que ocorreu uma aproximação à
tradição marxista por determinados setores do Serviço Social, singularizado por três
traços interligados. Primeiro, foi uma aproximação sob reduzida exigências teóricas;
segundo, a aproximação fora mais por vinculação em uma perspectiva político
partidária, que pela sua contribuição crítico-analítica, e, terceiro a aproximão não se
deu em fontes clássicas, mas por meio de manuais de qualidade discutíveis, como,
também, destacou Quiroga (1991).
No entanto, um segmento dos assistentes sociais, principalmente aqueles ligados à
academia, avançava no campo da produção do conhecimento e, buscava por meio de
debates junto à categoria, compartilhar com os demais profissionais os avanços da
profissão. Fortaleciam assim as articulações tanto no âmbito da academia quanto do
meio profissional.
Segundo Rodrigues Silva (1991), naquela época, os assistentes sociais adeptos ao
pensamento de esquerda estavam sujeitos à repressão, ao exporem suas idéias.
Numericamente inferiores, eram isolados, tanto nos organismos onde possuíam vínculos
empregatícios, quanto no contexto universitário. Nas palavras de Rodrigues Silva (1991,
p. 87, grifo da autora) [c]omo grupo marginal ou minoria, sua capacidade de
expressão ou de se impor, teórica e politicamente, foi profundamente reduzida”. Porém,
em razão da capacidade de análise crítica, formulada por esses assistentes sociais,
sobretudo daqueles vinculados à academia, essa condição de marginalidade foi sendo
alterada. Para esse avao foram importantes as interlocuções com outras áreas a partir
da inserção dos cursos de Serviço Social nas universidades federais e/ou católicas, e da
criação de novos cursos nas universidades federais, dentre eles, os de pós-graduação em
vel de mestrado e doutorado
65
, que ampliaram a abrangência de suas análises e
65
Segundo Iamamoto, et al (1992, p.143), o “processo de institucionalização do ensino de pós-graduação
[no Serviço Social], data de inícios da década de [19]70 (1972), quando são criados os dois programas
pioneiros, no eixo Rio/São Paulo, em universidades católicas (PUC-RJ) e (PUC-SP). A essas iniciativas
115
qualificaram os assistentes sociais. A revista Serviço Social e Sociedade, criada em
1979 e relançada em 1983, constituiu-se em um espaço aberto para os pesquisadores das
diversas concepções presentes no Serviço Social e de outras áreas, contribuindo para o
seu avanço. Nela as entidades da categoria publicavam e continuam publicando os
resultados de seus eventos. Ao apresentar a revista ao blico o Conselho Editorial
assim expressa:
Trata-se de uma tarefa que desempenhamos com grande alegria e a
mesmo com orgulho e entusiasmo, pois o nascimento de uma revista,
enquanto produto intelectual cria o impacto do novo, indica que
vida, esperança! A esperança que vem de seres produzindo, de
seres que acreditam na profissão que escolheram, de seres que não
perderam a sua crença e que procuram marcar a sua presença no
importante momento de transição da sociedade brasileira. (...) Trata-se
de uma revista pluralista, aberta, crítica, geradora do debate,
fundamentada mesmo no exercício democrático da liberdade. (...)
Desencadear um amplo processo de reflexão dentro da categoria
profissional sobre questões sicas do Serviço Social, contribuir para
o fortalecimento da categoria profissional incentivando a reflexão, a
crítica e o confrontamento de posições, são também objetivos
buscados por Serviço Social & Sociedade.( EDITORIAL, 1979, p.3)
Portanto, da convergência do conjunto dos fenômenos histórico-sociais ocorridos
na categoria profissional com as lutas sociais concretas, tais como o avanço da
organização dos trabalhadores, no confronto com a autocracia burguesa, no
amadurecimento teórico dos assistentes sociais vinculados à vertente de intenção de
ruptura (em relação à ontologia do ser social e a teoria da revolução em Marx), na
articulação com a emergência e consolidação da pós-graduação nessa área, foram
consolidando e impactando na organização dos assistentes sociais de modo geral e na
afirmação de um horizonte e uma ética de superação da sociedade vigente. “Pode-se,
portanto, apontar como uma determinação básica para a emergência mais plural do
segue-se, em 1976, o primeiro programa de pós-graduação strcito sensu em uma universidade federal,
sediado na UFRJ. É ainda no final dos anos [19]70 que se observa uma descentralização do ensino pós-
graduado, tanto para o Sul do país com a abertura de um programa em Serviço Social na PUCRS, em
1977 – e de Pernambuco em 1979”.
116
Serviço Social, a vivência e as lutas travadas no campo teórico e no (...) político”, como
afirma Rodrigues silva (1991, 88). De acordo com Fernandes (1994, p.106-107),
as mesmas condições que precipitam a contra-revolução contêm o
germe de sua fraqueza e derrocada. Independentemente da pressão
direta das classes trabalhadora e das massas populares (que o
deixam de estar presentes na história: uma presença ameaçadora,
voltada para a desagregação da autocracia burguesa e do Estado
autocrático-burguês), e antes mesmo que essa pressão direta faça
sentir os seus efeitos frontais, as contradições internas e externas
minam a articulação e o poder de controle das forças contra-
revolucionárias.
No caso brasileiro, segundo Fernandes (1994), a desagregação do poder da
ditadura militar, não foi forjada pelos de cima, mas ocorreu de baixo para cima, por
meio da luta da classe trabalhadora e de vários segmentos da população, que
compunham o movimento popular, especialmente, os mais pobres e oprimidos. Para o
autor, a convergência de vários grupos como, o sistema militar com sua vanguarda
político-militar, os setores conservadores do PMDB e PDS, os ditos liberais que vinham
do rompimento com PDS, viabilizaram o avanço da burguesia na direção de uma auto-
conservação, pois se constitram em seu ponto de sustentação potica para uma
transição conservadora.
No entanto, os partidos que a apoiavam apresentavam dificuldades, pois a sua base
de sustentação não conseguia equacionar os problemas que estavam a reclamar
soluções. Essa realidade inquietava a burguesia que havia perdido o regime ditatorial, e
com ele perdeu também a sua capacidade de arbítrio. Assim, era obrigada a tolerar os
golpes que vinham de várias direções, tais como: setores da classe média e da pequena
burguesia que fora penalizada pela política econômica, o desemprego dentre outras
medidas.
No contra-ponto do movimento da burguesia estavam os movimentos sociais que
avançavam exigindo o fim da ditadura militar, a democratização da sociedade e a
garantias de direitos. Fernandes (1994, p.122), ao analisar o desempenho dos
movimentos sociais na época, considera parecer evidente que “na situação brasileira,
nenhum dos partidos políticos que se chamam de esquerda, nem mesmo o PT, tiveram
117
um ritmo veloz suficiente para acompanhar o movimento da classe trabalhadora e das
massas populares”. Segundo o autor, também não é possível dizer que os partidos foram
ultrapassados, pois, sob a ditadura militar suas liberdades eram muito limitadas e vários
grupos e partidos tiveram sua liberdade quase que totalmente cerceada. Fernandes
(1994) considera importante destacar os limites, pois os mesmos ajudam a clarear as
críticas nem sempre precisas que são atribuídas à esquerda. Estas, no plano legal, não
tinham muita condição de movimentação devido ao controle direto e indireto das
classes detentoras do poder. Destaca, no entanto, a pertinência de algumas delas que não
podem ser desconsideradas. De acordo com Fernandes (1994, p.122-23)
o único partido que procurou seguir numa certa cadência no ritmo das
massas foi o PT. Mas ele é contido por uma composição de forças
que não leva a luta contra as contradições de uma sociedade
capitalista até o fim, até o fundo. grupos de diferentes orientações
e muitos não assumem de uma maneira aberta a luta de classes, a
necessidade da luta de classes.
Por outro lado, as contradições enfrentadas pela burguesia tornaram difíceis
manter a sua união, realidade esta que se constituiu em espaços ocupados pelos
trabalhadores organizados no confronto da lutas de classes. De um lado, a insatisfação
da burguesia acumulada ao longo do período, e a incompetência administrativa dos
dirigentes, ao desmantelar os recursos públicos. De outro, agravavam-se as condições
de vida e trabalho dos trabalhadores.
Nesse contexto, segundo Carvalho (1984) uma parcela qualitativamente
significativa de professores e estudantes de Serviço Social, iniciou um processo de
discussão tendo como objeto a formação profissional nos marcos do projeto das classes
fundamentais. As discussões expressavam um amplo movimento de docentes e
discentes que questionavam “à qualidade e perspectiva dessa formação especializada
frente aos desafios apresentados por nossa sociedade” (CARVALHO et al, 1984, p.
109). Desta forma, eram questionados os fundamentos, o conteúdo e o direcionamento
da formação, sendo, enfatizado a importância de uma prática consciente e conseqüente
na perspectiva das relações de classes na sociedade brasileira.
Esses debates eram travados no interior das Unidades de Ensino nas
Universidades e eram deliberadas na sua instância máxima, as Convenções Nacionais da
118
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS). A formação profissional
com revisão curricular constituiu-se no objeto de preocupação das Convenções da
Abess no decorrer da década de 1970.
Os debates travados naqueles espaços demarcavam as diferenças, pois, além de ser
um grupo heterogêneo de professores, os conservadores tinham a hegemonia da direção
social. No período de 1975-1979, a Entidade era dirigida por uma professora que se
declarava integralista como mencionado. No entanto houve avanços na Convenção de
São Luiz (1977) para retroceder na Convenção de Natal (1979). Mesmo assim, segundo
Raquel Raichelis (1989, p. 16) o novo currículo “foi negociado, em Convenção da
Abess, pelas forças vivas da profissão daquele momento. Portanto, ela é a expressão da
correlação de foas que se expressava e lutava pela hegemonia política”.
Ressalta-se, no entanto, que, se na Convenção realizada em Piracicaba (SP),
alguns professores colocaram em questão o conteúdo do currículo e destacavam a
necessidade de mudanças, na Convenção realizada em Natal em 1979 a aprovação de
um novo currículo para o curso de Serviço Social. Este foi aprovado pelo Mec somente
em 1982
66
, com dois anos para sua implantação.
Martinelli (1989, p.17) considera que na seqüência: em 1975-77 temos a Raquel
Maeder Gonçalves na presincia da ABESS, já em 1979, a Cândida Fontes, depois
vem a Josefa Batista Lopes e, depois, a Carmelita Yazbek. Então, nessa trajetória, vai-se
percebendo o caminho da ruptura”.
Nesta mesma direção, segundo Rodrigues Silva (1991, p.87), os debates foram
ampliando-se e, sobretudo, nas unidades de ensino e nos espaços de organização da
categoria onde colocavam-se em campos opostos as forças progressistas/radicais e as
conservadoras/modernizadoras”. Naqueles espaços, se de um lado, se fortalecia o
debate, se fortalecia, também, a articulação e, nas conferências e/ou encontros de âmbito
nacional, regional e local, estabeleciam-se e acirravam-se os confrontos de posições,
entre os assistentes sociais professores e profissionais que se colocavam em defesa do
conservadorismo, e aqueles que contribuíam para avançar na direção social da vertente
de Intenção de Ruptura. Dentre os confrontos, Leila Lima Santos (2007, p.168) refere-
66
Segundo Carmelita Yazbek (1989), “A PUC-SP contribui para esse currículo , mais do na sua criação,
no seu questionamento. Quando tentou operacionaliza-lo, traze-lo para sua graduação, criou um projeto,
que foi publicado na Revista n 14, onde questiona o currículo que resultou dessa negociação e
apresentou uma alternativa”. Raquel Raichelis, confirma a afirmação de Carmelita dizendo que: “quando
os resultados chegaram à PUC-SP, começamos a questionar a proposta, que apresentava incoerências e
contradições que ficam claras quando analisamos politicamente a correlação de forças que se
conjugaram na sua elaboração ( p.16)
119
se ao ocorrido em duas convenções da Abess, uma realizada em Piracicaba em 1975
67
, e
outra, em Natal (RN) em 1979, quando, para ela, foram momentos difíceis de
enfrentamentos públicos com professores respeitados, “alguns dos quais me convidaram
a abandonar a profissão porque as observações que acabava de fazer eram não somente
de um extremismo esquerdista inaceitável, mas, também, desviantes da essência da ação
profissional”.
As professoras Marina Maciel Abreu e Josefa Batista Lopes (2007), referindo-se
aos fatos ocorridos, no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (Cbas),
ressaltaram que a Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de Assistentes
Sociais (Ceneas) atuou “em claro confronto com o então Conselho Federal de
Assistentes Sociais [CFAS] que coordenava o referido Congresso
68
(p. 14). Netto
(2005, p. 17) considera emblemático (...) o III Congresso de Assistentes Sociais (...) as
correntes profissionais conseguiram se expressar, como, sobretudo, afirmaram-se como
vanguardas do corpo profissional”.
2.3. A vertente Intenção de Ruptura, os movimentos sociais os partidos políticos
Os movimentos sociais haviam se manifestado em escala mundial com maior
expressão, em 1968, tendo seu início com a manifestação dos estudantes em Paris. O
momento espraia para outros países e recebem a adesão dos operários. No Brasil esse
movimento se manifestou com contestações dos estudantes, cuja repressão militar
trouxe como uma de suas conseqüências o assassinato do estudante Edson Luiz, no
restaurante universitário da UFRJ. Houve promoções de passeatas, contando com
grande contingente de participantes estudantis e intelectuais, principalmente, no Rio de
Janeiro e São Paulo, o que mobilizou a sociedade brasileira. Essa resistência foi
fortalecida com as greves dos trabalhadores de Contagem-SP e de Osasco-SP, nesse
mesmo ano, e, mais tarde, em 1973, deflagraram greve em Villares São Paulo. Para
Antunes (1992, p. 15), aquela greve apresentou características singulares, pois, os
operários realizaram um movimento pendular de paralisação e retomada ao trabalho
67
A Convenção da Abess aparece com datas diferentes 1975 e 1976. Diante da impossibilidade de
recorrer a uma terceira fonte bibliográfica, optou-se por conservar as duas garantindo a fidelidade das
fontes consultadas.
68
Segundo Abramides e Cabral (1995), os três primeiros congressos dos assistentes sociais foram
coordenados pelas forças conservadoras que dirigiam o CFAS/CRAS, atual Cfess/cress. A partir o III
CBAS a organização desse evento, o mais expressivo da categoria por congregar o maior número de
assistentes sociais, passou a ser coordenado inicialmente pela Ceneas, posteriormente pela Anas e demais
entidades que congregam os assistentes sociais (Anas, CFAS/CRAS).
120
[que durou uma semana e deixou] o patronato sem condições de impedir sua eclosão”.
Os trabalhadores contestavam o arrocho salarial e reivindicavam aumento, colocando
em xeque a ditadura militar e demarcando, em 1974, uma inflexão do ciclo autocrático
burguês para baixo, e o início de sua erosão. Segundo Netto (1991, p.41), esse ano
abre o momento derradeiro da ditadura, centralizado pelo
aprofundamento do milagre e por uma particular estratégia de
sobrevivência (...) autodenominada processo de distensão e que
avançando no governo Figueiredo, constituirá o projeto de auto-
reforma com que o Estado forjado pela ditadura procurará transcendê-
la.
Os trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista continuavam suas lutas,
movimentavam-se recorrendo às estratégias de confronto com o capital, lançando mão
de greves. Porém, aquelas deflagradas anteriormente, segundo Antunes (1992),
constituíram-se em acúmulos de forças. De acordo com o autor, os trabalhadores do
ABC paulista, fizeram, realmente, sua primeira greve, em 1978. Essa ocorreu, “nos
marcos da resistência contra o bimio arrocho-arbítrio, superexploração-autocracia,
que, intimamente, impunham ao proletariado metalúrgico uma dura realidade”
(ANTUNES, 1992, p.14) e foi deflagrada, no dia 12 de maio, de 1978
69
.
Ressalta-se que, antes de deflagrarem uma greve, os operários metalúrgicos
buscavam se organizar, e acumulavam forças, deflagrando greves relâmpagos, e, outras
formas de resistências. Promoveram também, o I Congresso dos Metalúrgicos de São
Bernardo, em 1974, discutindo a produtividade e as altas taxas de lucro na indústria
automobilística.
Em relação a dimensão potico-partidária o ano de 1974, foram realizadas
eleições diretas para senadores e deputados. Nessas eleições, concorreram os partidos,
Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
69
Na greve da Scania que ocorreu em 1978 e que foi seguida por outras fábricas neste mesmo ano,
segundo Antunes (1992, p.27), “o operariado metalúrgico fez da reivindicação salarial o eixo central de
toda luta travada na indústria automobilística. (...) definia-se contra a super-exploração do trabalho,
contra o arrocho salarial. (...) reivindicações latentes que aparecerão com maior intensidade e
explicitação nas greves nas metalúrgicas do ABC desencadeadas em 1979 e 1980”.
121
Os militares, no governo, haviam extinguido os demais partidos políticos
70
e instituíram
bipartidarismo, em 1965.
No entanto, o avanço da organização dos trabalhadores, e o descontentamento de
parte da burguesia fortaleceram a oposição e o governo saiu derrotado tanto na eleição
de 1974
71
, quanto na de 1978, quando foram eleitos, na primeira, deputados federais e
estaduais, e na segunda eleição, senadores, com vitória para oposição. A ditadura
militar, nesse período, enfrentava não só a crise do fim do milagre, como do petróleo e a
transferência de investimentos para os tigres Asiáticos
72
.
Após a derrota nas urnas os militares fecharam o Congresso, e em 1979 procedeu
a uma nova reforma partidária, retomando o pluripartidarismo, mas os Partidos
Comunistas permaneceram na clandestinidade com a proibição de seus registros. Assim,
ficou claro que o objetivo do governo era enfraquecer a oposição. No final da cada de
1970 e início de 1980, o movimento operário avançava em suas reivindicações e
contestações desencadeando confrontos de diversas naturezas com o capital, mesmo
enfrentando reações da ditadura militar. Eram apoiados pelo movimento popular e pelas
Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) vinculadas ao segmento progressista da Igreja
Católica.
Os assistentes sociais vinculados à Associação Profissional de Assistentes Sociais
de São Paulo (Apassp) estiveram presentes entres as entidades que deram suporte aos
metalúrgicos paulistas em seu movimento grevista. Esta foi uma conjuntura que
favoreceu a criação de outras organizações, tanto na perspectiva da resistência, quanto
de apoio ao regime militar.
No contexto da reforma partidária e de proliferação de organizações populares, os
trabalhadores do ABC paulista articularam a criação do Partido dos Trabalhadores
(PT)
73
contando em sua base de adesão e apoio dos movimentos sociais, da ala
progressista da Igreja Católica e de grupos de esquerda com formação marxista.
70
A Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foram
organizados no final de 1965, depois da extinção do sistema multipartidário pelo Ato Institucional n. 2 de
27.11.1965. Os partidos existentes nessa época eram: a União Democtica Nacional (UDN); Partido
Social Democrático (PSD); Partido Democrático Cristão (PDC); Partido Republicano (PR) e Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB).
71
No ano de 1974, o MDB obteve uma extraordinária vitória, elegendo 16 senadores e 172 deputados, ao
passo que a Arena elegeu seis senadores e 192 deputados (MARTINS, 2001, p.57)
72
Compõem o chamado tigre asiático os países: Coréia do Sul, a China, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e
o Japão o grande incentivador e exemplo para aqueles países do que seja um rápido crescimento.
73
“As propostas a favor do novo partido vinham de três facções: 1. do grupo de sindicalistas ligados às
oposições sindicais e à Igreja Calica; 2. das facções mais radicais, de formação marxista; 3. dos
sindicalistas liderados por Lula” (RODRIGUES, 1991, p.25-26).
122
Inseridos nesses grupos da Igreja Católica e de esquerda este movimento contou
também, em seu processo, com expressiva adesão dos assistentes sociais.
Esses, organizados na Ceneas, inseriram-se nessa luta mais geral e, de modo
particular, nas Associações de bairros e outras organizações populares, buscando
contribuir no processo de fortalecimento de sua organização e na defesa de seus direitos.
As organizações de modo geral, fundamentavam-se em novas bases sociais, formadas
por um conjunto de trabalhadores rurais e urbanos, assalariados de classe média do
serviço público” (ALMEIDA,1988, p.327), que, vivendo sob condições objetivas,
colocadas pelo avanço tecnológico da instria moderna, foram construindo, na prática,
expressivas lideranças.
Nessa construção os trabalhadores do serviço público enfrentavam as condições
objetivas que lhes eram postas pela proibição de greve, contida na constituição federal
brasileira, da época. Rodrigues (1991) considera que o movimento sindical brasileiro
teve um processo de reorganização muito rápido porque a ditadura militar buscou
controlar os sindicatos, mas o destruiu a sua estrutura. Com isto, as lideranças
sindicais de oposição e/ou aquelas vinculadas à esquerda ao assumirem a diretoria dos
sindicatos puderam contar com uma estrutura administrativa e recursos para cobrir as
despesas com greves, encontros, conferências, reunes, publicações e demais
atividades sindicais. Outro elemento, considerado pelo autor como relevante para o
avanço da reorganização do sindicalismo brasileiro, foi a presença de uma nova geração
de sindicalistas, que puderam assumir a direção quando os dirigentes vinculados ao
PCB e PTB foram cassados pela ditadura militar. Por outro lado, as greves do ABC
apresentaram-se como a alavanca desta reorganização. Nesse sentido, Antunes (1995,
p.12) destaca que,
o ressurgimento do movimento grevista, a partir do ABC paulista,
adquiriu, no biênio 1978/79, uma dimensão decisiva. A luta contra a
superexploração do trabalho (estampada na ação contra o arrocho
salarial), contra a legislação repressiva que regulava a ação sindical,
contra o sindicalismo atrelado, configurou ao movimento
desencadeado no ABC paulista uma ação econômica de clara
significação política. Era o reemergir do trabalho na cena social e
política.
123
De acordo com Antunes (1995), no final da década de 1970, mais precisamente
em 1978, é possível afirmar a presença de meio milhão de trabalhadores em greve. Esse
movimento grevista foi retomado em 1979, por meio da greve geral dos metalúrgicos do
ABC paulista, deflagrada em março desse ano. Segundo Antunes (1992), apesar de
previamente preparada essa greve assumiu um caráter de certo espontaneísmo. Embora,
a decisão na assembléia, de preparação da greve, ter sido contrária aos piquetes, os
trabalhadores desconsideraram esta decisão e impediram que os demais operários
tivessem acesso às fabricas. O movimento desde o primeiro dia atingiu grande adesão,
com 60 mil operários comparecendo à assembléia realizada em São Bernardo. Essa foi
seguida por outras realizadas cotidianamente em caráter plebiscitária a fim de avaliar e
redefinir os rumos do movimento. No quarto dia da greve, 170 mil trabalhadores
estavam paralisados no ABC
74
.
Após dez dias de greve e os trabalhadores terem rejeitado o protocolo de intenção
do Ministério de Trabalho, no dia 23 de março foi concretizada a intervenção naqueles
sindicatos, estabelecendo-se o confronto entre trabalhadores e o aparato repressivo do
Estado. Proibidos de se reunirem no Paço Municipal, os Metalúrgicos transferiram as
reuniões para a Igreja Matriz. “Acentuou-se, a partir daí o papel marcante da Igreja
particularmente da Pastoral Operária do ABC, dirigida por D. Cláudio Hummes no
apoio material e solidário aos operários grevistas” (ANTUNES, 1992, p.48). No 15º dia
de greve os trabalhadores fizeram uma avaliação do movimento e decidiram por uma
trégua de 45 dias. O acordo entre a Fiesp e os operários metalúrgicos do ABC foi
firmado no dia 12 de maio.
Segundo Antunes (1992) esta greve trouxe aos trabalhadores pequeno ganho
material, mas trouxe, também, ganhos no plano da consciência real de suas condições
como parte de uma classe, o operariado. Começou a descortinar-lhe o verdadeiro caráter
do Estado ditatorial, sua dimensão repressiva que é acionada na medida das
necessidades de manutenção de suas estruturas de poder, e a sua vinculação com o
capitalismo monopolista. De acordo com o autor a singularidade desta greve está em
que, mesmo com sua dimensão espontânea,
74
Segundo Antunes (1992, p.47), no décimo dia de greve o Ministério do Trabalho propôs um protocolo
de intenção que foi rechaçado pelos operários. “Em Santo André cerca de 30 mil operários repudiaram o
protocolo e por unanimidade decidiram pela continuidade da greve; 6 mil operários fizeram o mesmo em
São Caetano. A intervenção era eminente. De acordo com Antunes (1992, p.47 nota de rodapé n. 21),
“São Caetano era o pólo mais débil do movimento, pois o proletariado metalúrgico tinha no controle do
Sindicato um dirigente, João Lins, moldado nos marcos do peleguismo, da subserviência, e da burocracia
sindical atrelada e dependente do Estado, mas que, apesar disso, o tinha conseguido impedir a eclosão
do movimento naquela localidade”.
124
ela contou com a liderança ativa do Sindicato operário de São
Bernardo e, em menor dimensão, o de Santo André. Falamos, neste
caso, em liderança e não direção consciente. A segunda é
necessariamente uma superação qualitativa do espontâneo, uma vez
que fundada na existência de uma orientação política cientificamente
elaborada, enquanto a primeira pode-se ater aos marcos da
espontaneidade e intuição das massas. (ANTUNES, 1992, p.59)
No final de 1979, segundo Antunes (1992), o governo introduziu a denominada
nova política salarial com o objetivo claro de refluir a organização dos trabalhadores
em seu movimento reivindicatório. A estratégia foi a introdução da semestralidade para
os reajustes salariais estabelecendo o Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC).
Esta, segundo o então Ministro do Trabalho, irá permitir que o trabalhador deixe de
preocupar-se com o aumento salarial, pois este se dará, automaticamente, sempre que
ocorrer desgastes financeiros.
Nesse período os trabalhadores no serviço público, também, marcavam presença
no cenário brasileiro contestando as suas condições de trabalho e o arrocho salarial.
Segundo Boschi (1987), em 1978 os professores de primeiro e segundo graus da rede
estadual de São Paulo realizaram uma grande paralisação, que repercutiu não pelo
seu pioneirismo no serviço público como pela sua extensão e expansão para outros
pontos do país. Segundo o autor, na primeira semana, 70 mil professores entraram em
greve (...). Em menos de duas semanas, de um total de 180 mil professores da rede
estadual e 10 mil da rede municipal da cidade de São Paulo, 80 % entraram em greve”
(p. 95). Também, os demais servidores públicos
75
do município de São Paulo
deflagraram greve reivindicando melhoria salarial. Essa greve, apesar de atingir outras
categorias iniciou-se com os trabalhadores na limpeza urbana, pelos motoristas, para,
em seguida, ter a adesão das demais categorias de trabalhadores, no serviço blico
75
Luiza Erundina de Souza ao referir à sua participação na Presidência da Associação Profissional dos
Assistentes Sociais de São Paulo, em 1979 afirma que havia vários anos que defendia a idéia de que o
assistente social deveria assumir uma posição política face à realidade social. Participante do grupo que
reativou aquela Associação que estava há vários anos no ostracismo relata que buscado articular grupos
de profissionais de outros Estados no sentido de encarar os problemas da profissão do assistente social em
uma perspectiva mais ampla a partir da dimensão da política social. Segundo Erundina, seu trabalho na
presidência da APASSP, “tem sido voltado para basicamente para o fortalecimento da profissão e sua
inserção nas lutas mais gerais do povo brasileiro. Esse fortalecimento vem sendo feito através de
articulação e mobilização de grupos de trabalho da categoria, e através [de] entrosamento com grupos
profissionais de outras categorias e movimentos e movimentos populares preocupados com problemas
sociais.
125
municipal. A assistente social, à época, presidente da Associação Profissional de
Assistentes Sociais de São Paulo (Apassp)
76
, participou do Comando Geral de Greve e
da Comissão de Negociação, na condição de trabalhadora da Prefeitura e de
representante da Apassp. Sobre esta inserção, Luiza Erundina de Souza comenta: “foi
incrível a experiência de participação que se vivenciou e (...) [foi] inestimável o saldo
de organização e de consciência política que o movimento deixou. Considerou
extremamente importante a participação dos Assistentes Sociais naquele movimento
(MARTINELLI et al, 1979, p.17). Segundo Luiza Erundina, os assistentes sociais se
dividiam em diferentes veis de consciência, portanto, tinham posições diferentes sobre
a sindicalização. No entanto, Erundina considera importante que os assistentes sociais
discutissem esta forma de organização, pois, 90 % da categoria, naquela época, eram
servidores públicos.
Os trabalhadores no serviço público intensificaram sua organização e articulação
realizando o I Encontro Nacional de Servidores Públicos Federais, nos dias 26 e 27 de
março de 1983. Esse encontro contou com “a participação de cerca de 200 delegados,
representando 17 Estados e seis Entidades de âmbito nacional” (SOUZA, 1990, p.34).
Em 1982 os servidores técnico-administrativos e professores das universidades federais,
autárquicas e fundações, fizeram uma greve em defesa da universidade pública, gratuita
e de qualidade. Reivindicavam, ainda, “reposição salarial de 61%, a partir de de
novembro de 1982; reajustes semestrais de acordo com o INPC (41%) sobre os salários
corrigidos na mesma data; estabilidade no emprego; 13º salário para os estatutários e
quinquênio para os celetistas” (MARTINS, 2001, p.97-8). Segundo Martins (2001),
apesar de ameaças vindas da Ministra de Educação, e, de sua proposta de mudança na
estrutura da universidade
77
brasileira, a greve durou 17 dias e conseguiu barrar o citado
programa.
A partir dos anos 1980, a repercussão da vertente da Intenção de Ruptura
ultrapassou os muros da academia, fortalecendo o processo de maturidade intelectual e
política dos assistentes sociais com a qual se identificavam. Esses assistentes sociais,
identificados com essa vertente, avançaram internamente na organização e articulação
76
A Associação Profissional de Assistentes Sociais de São Paulo esteve desativada no período de 1970 a
1977 em decorrência da ditadura militar.
77
O projeto de mudanças nas universidades estava contido nos documentos , avisos 473 e 474. O
documento (aviso) 474: “Do ponto de vista conceitual, sobressai como questão relevante neste processo a
renovação das instituições universitárias, a necessidade de adaptar as normas legais ou as formas de sua
execução às realidades subjacentes, aperfeiçoando-se estruturas e funções básicas e procurando-se, para
cada entidade, soluções diferenciadas, porém coerentes com as linhas mestras do sistema de ensino
superior” (MEC, 8 de nov. 1982, p.1).
126
políticas nas suas entidades e na sua inserção nos movimentos sociais popular e
sindical e nos partidos poticos de esquerda. Com a inserção dos assistentes sociais
nestes espaços, pode-se afirmar que condições objetivas para a superação do
corporativismo estavam sendo colocadas.
No começo da década de 1980, o país vivia um retrocesso no seu ritmo de
crescimento econômico conseqüência da crise financeira internacional que elevou
consideravelmente as taxas de juros da dívida, segundo Sader (1990, p.36) os
empréstimos feitos quando a taxa estava por volta de 6 % ou 7 % subiram às nuvens
quando esse índice chegou a multiplicar por três”. Para este autor o crescimento do
Brasil, na década anterior, esteve ancorado na multiplicação da dívida externa e,
Germano (2000, p.88) considera que,
o desenvolvimento das forças produtivas, decorrente do avanço das
relações de produção capitalistas, sob a égide do capital monopolista
(...) provocou, durante os vinte e um anos do Regime Militar,
significativas modificações na estrutura social brasileira, tornando-a
mais complexa e diversificada.
Segundo o autor, houve uma diminuição do número de produtores autônomos ao
mesmo tempo em que a produção passou a ser sustentada por empresas, ampliando o
setor formal e, com ele, o contingente da classe trabalhadora.
Nesse contexto crescia a insatisfação da população e suas manifestações geradas
por esse descontentamento expressaram-se, em 1982 com a eleição da maioria dos
governadores de oposição, naquele momento, representada pelo PMDB.
Dessa forma as condições históricas, sociais e políticas favoreceram para que,
nesse espaço os servidores públicos e, dentre eles, os assistentes sociais
s78.
se
percebessem como classe. No entanto, esta percepção não acontece de maneira
imediata, pois, se trata de um processo que demanda
78
De acordo com Abramides e Cabral (1995) a pesquisa realizada pelo DIEESE, em 1981 sobre o
mercado de trabalho do assistente social quando definiu-se pelo universo somente dos profissionais
inscritos no CRAS e inseridos no mercado de trabalho. Optou-se por uma amostragem de 4,5% dos
profissionais em uma abrangência de dez estados. Os resultados evidenciaram que 62,5% são
trabalhadores no serviço público sendo: 14,4% no âmbito municipal; 28,1% em âmbito estadual e 20% no
âmbito federal. Na esfera privada 30,6% e em empresas de economia mista emprega 6,85% do total dos
assistentes sociais empregados. Mesmo não aprofundando o conhecimento no conjunto dos
desempregados a pesquisa mostrou que eles totalizam 26,8%, dos quais 7,8% estão fora do mercado e
19% não exercem a profissão. (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.162)
127
o conhecimento da classe e o conhecimento da sociedade global em
que ela se movimenta conhecimento trico e consciência de classe
aparecem, numa unidade tensa, configurando as bases de uma
autoconscncia que se expressa e se condensa a perspectiva de classe.
(...) este é um processo especificamente teórico mas tem supostos
necessariamente sócio-político: apenas é possibilitado se, no plano
histórico-concreto, a classe proletária dispõe de uma posição material
objetiva (condicionada por um determinado nível de desenvolvimento
capitalista) que a qualifica para o protagonismo revolucionário.
(NETTO, 1998, p XLII, XLIII)
Assim, na realidade, evidenciavam-se as condições objetivas e subjetivas para que
os trabalhadores buscassem superar sua dominação absoluta. O “transito de uma classe
em si à condição de classe para si reclama tanto a consciência do que está em jogo nos
confrontos quanto a autoconsciência que se dispõe à luta(NETTO, 1998, p. XXXVII).
O Estado brasileiro, à época era dirigido pelo General Ernesto Geisel (1974- 1979)
e inaugurava a terceira fase
79
de institucionalização do Estado, na esteira da ditadura
militar, iniciando a chamada distensão lenta e gradual, que foi até 1984. quando foi
deflagrado o movimento das Diretas , o país era governado por João Baptista de
Oliveira Figueiredo (1979-1985). Mesmo com uma intensa movimentação que tomou
conta do país, principalmente, nas maiores cidades. Entretanto, um pacto liberal
conservador conduziu José Sarney ao governo do país no dia 15 de março de 1985.
Fernandes (1996), ao analisar esse período considera que a composição acenada
nos horizontes para a transição, era de uma composição civil e militar. Segundo o autor,
era uma composição perfeita para a transição caminhasse devagar.
Desta perspectiva, os militares saíram vitoriosos, porque o
cronograma político-militar traçado pela ditadura era de uma
‘transição lenta, gradual e segura’. Lenta, gradual e segura
naturalmente para o grande capital nacional e estrangeiro, para os
interesses da classe dominantes e para a seguraa daqueles que
usaram a violência para implantar a ditadura e se manter no poder
durante todos esses anos. Agora o prolongamento da transição não
79
De acordo com Cardoso (1995), a “primeira fase, abrangendo os governos Castelo Branco e Costa e
Silva, lançara as bases do Estado de Segurança Nacional, corporificado na Constituição autoritária de
1967. A segunda, de 1969 a 1973, desenvolveu o modelo econômico e o aparato repressivo, ampliando o
quadro legal da repressão e na prática a engrenagem de coerção”.
128
pode ser visto como um fenômeno puramente político, porque a crise
que afeta o Brasil é uma crise econômica, uma crise social, uma crise
institucional. (FERNANDES, 1994, p.153)
No decorrer do governo Sarney os servidores técnico-administrativos das
universidades federais recorreram às greves como forma de lutas e resistência em 1986,
em 1987. A primeira foi deflagrada depois do III Encontro Nacional de Servidores
Públicos Federais nos dias 19 e 20 de outubro de 1985, na cidade de São Paulo em que a
Fasubra foi uma das Entidades promotoras. Essa greve ocorreu em outubro, depois de
dois dias de paralisação a que denominaram de greve de alerta, no mês de maio desse
ano. No decorrer desta greve mais uma vez a universidade foi ameaçada objetivamente.
O MEC apresentou à comunidade universitária o ante-projeto do Grupo Executivo para
Reformulação da Educação Superior (Geres), contendo uma proposta operacional
para a reestruturação da universidade sustentada em princípios” (MENEZES, 1992,
p.170) que
elimina a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, rompe a
autonomia da universidade ao abrir caminho para o controle de sua
atividade por agentes financiadores, induz a institucionalização do
ensino pago, elimina a isonomia salarial e provoca retrocesso na
democratização da universidade ao proibir eleições diretas para
reitorias e diretores. (MENEZES, 1992, p.175)
Os grevistas consideram o projeto como um retrocesso da universidade e o
rejeitaram, encaminhando um documento de repúdio à reforma universitária ao Ministro
de Educação, e reivindicando a isonomia salarial plena entre as universidades
autárquicas e fundações. O ano de 1987 foi marcado por três greves nas universidades
brasileiras: uma em abril, uma em julho e outra em novembro. Nesta os trabalhadores
das universidades conquistaram a isonomia salarial entre as autarquias e fundações, o
13º salário para os estatutários e qüinquênio para os celetista, licença prêmio após dez
anos de trabalho, estabilidade no emprego. Foi formada uma comissão para elaborar o
Plano de Cargos e Salários constitda por representantes da Associação Nacional de
Docentes (Andes), um representante da Fasubra, um do Clube dos Reitores, um do
MEC e um da Secretaria da Presidência da República.
129
Fortalecidos em sua organização os servidores blicos federais deflagraram a
primeira greve geral em 1988, e a segunda 1989, em uma luta articulada com outros
segmentos da classe trabalhadora, foram construindo uma outra identidade política. A
direção das greves dos servidores blicos, em grande parte, foi dada pelo movimento
de oposição no interior das associações que geralmente eram dirigidas por trabalhadores
com ligações nas administrações dos órgãos as quais estavam vinculadas
80
. Essas
associações construíram uma articulação nacional dos servidores públicos, na qual, os
assistentes sociais trabalhadores nos diversos órgãos, principalmente da Previdência
Social e da Educação estiveram presentes. Assim, os servidores públicos com
movimento de resistência conquistaram na Constituição de 1988 o direito de greve e de
sindicalização. Ressalta-se, que essas associações foram fundadas na mesma lógica
sindical vigente na época, ou seja, do gerenciamento administrativo com funções
assistencialistas e diretorias conservadoras.
As associações dos assistentes sociais eram, predominantemente de natureza
cultural, e, também estiveram desativadas em função da ditadura militar, na década de
1970. Porém, como as demais, de acordo com Abramides e Cabral (1995), foram
restabelecidas sendo transformadas por dentro.
Este processo foi desenvolvido pelo segmento da categoria dos assistentes sociais
vinculados a vertente de Intenção de Ruptura e iniciou a sua articulão nacional em
1978. Dentre as associações dos assistentes sociais que se encontravam desativadas e
foram reativadas, merece destaque a Associação Profissional dos Assistentes Sociais de
São Paulo (Apassp) pela sua participação e desempenho no processo de articulão
local, entre associações de outras categorias e, em âmbito nacional, com as entidades da
categoria dos assistentes sociais.
Criada a Ceneas, coube a ela a representação dos assistentes sociais no processo
de organização geral dos trabalhadores Nessa direção os assistentes sociais estiveram
presentes na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada em
agosto de 1981, na Praia Grande litoral de São Paulo. Segundo Rodrigues (1991) esta
Conferência foi a primeira e última que contou com praticamente todas as tendências de
militantes sindicais da época. Esta Conferência foi precedida de uma Assembléia
Sindical preparatória na qual, estiveram presentes três entidades dos assistentes sociais:
a Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo, do Espírito Santo e o
80
Eram associações consentidas, assistenciais e financiadas com recursos públicos. Segundo Martins
(2001), as associações vinculadas as Universidades federais, constituíam-se em verdadeiros braços das
administrações.
130
Sindicato dos Assistentes Sociais de Minas Gerais. De acordo com Rodrigues (1991),
foi expressiva a participação dos trabalhadores na 1ª Conclat. Assim expressa o autor:
[o]número de entidades que dela participaram foi bastante elevado:
480 sindicatos urbanos (3.108 delegados), 384 sindicatos rurais (969
delegados), 32 associações de funcionários públicos (49 delegados),
176 associações pré-sindicais (875 delegados), 33 federações urbanas
(90 delegados), 17 federações rurais (134 delegados) e 22
representantes de quatro confederações (agricultura, professores,
trabalhadores em comunicação e servidores públicos), num total de
1.126 entidades e 5.247 delegados. (RODRIGUES, 1991, p.31)
A grande adesão de trabalhadores à Conclat, por si, se constituiu em uma
indicativa da presença das diversas tendências presentes na reorganização do
sindicalismo, naquela época. Por outro lado, considera-se significativo que ao congresso
de crião da Central Única dos Trabalhadores
81
(CUT), dois anos depois, tenha
comparecido somente uma confederação. Nesse Congresso estiveram presentes 5.059
delegados de 912 entidades. Em novembro do mesmo ano de 1983, segundo Rodrigues
(1991), o bloco contrário, que compunha a Unidade Sindical
82
, realizou o seu Congresso
Nacional da Classe Trabalhadora, também com o nome de Conclat. Esse contou com a
participação de 4.234 delegados vinculados a 1.243 entidades. Em março de 1986 a
Conclat realizou outro congresso e criou a Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Os
dois blocos políticos de trabalhadores sindicalistas traziam como divergência entre outros
aspectos a análise de conjuntura
Um deles aponta[va] a necessidade de uma aliança de todos os setores
da sociedade para a conquista do espaço democrático. O outro
aponta[va] para a importância da luta e organização dos trabalhadores
no campo de independência de classe. A segunda posição política
81
Segundo Rodrigues (1991) Os sindicalistas vinculados à Unidade Sindical não se fizeram representar
nesse congresso que criou a CUT. Rodrigues (1991) destaca ainda, nesse Congresso, a significativa
presença de servidores públicos que passou de 145 na Conclat de 1981, para 483 no Conclat de 1983.
82
Segundo Cardoso (1995, p. 219), a “Unidade Sindical cujos componentes seguiam orientação do PCB,
PC do B e do MR-8, não era contra a criação do PT, mas defendia, insistentemente a aliança com o
PMDB e com outros setores sociais, de modo a garantir a transição democrática que considerava
fundamental. Nesse sentido, para que a abertura democrática não se retardasse, entendia também que os
trabalhadores deveriam evitar o confronto com os militares. Daí defender a prudência nas mobilizações
desses trabalhadores. Rejeitava a greve geral defendida pelas correntes mais radicais e opunha-se à
convenção 87”
131
[era] majoritária no interior da Ceneas, constituindo-se em norte
político de orientação sindical nacional. (.ABRAMIDES e CABRAL,
1995, p.131)
Apesar das divergências poticas entre as duas Centrais, ambas convocaram a
greve geral em 12 de outubro de 1986, e outra, no dia 20 de agosto de 1987, segundo
Antunes (1995, p. 16) a primeira contestava a proposta do governo de
descongelamento de preços anunciados poucos dias após as eleições de 15 de
novembro, que desnudava a persistência politicista do Plano Cruzado”. A segunda, de
acordo com Antunes (1995), houve uma adesão inferior a primeira, e contou com a
oposição do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, sob a presidência de Luís
Antônio de Medeiros. Esta greve geral segundo o autor teve sua compensação no
sucesso da greve geral deflagrada nos dias 14 e 15 de março de 1989, que exigiu a
reposição das perdas (que o Plano Cruzado ao Verão somavam entre 41 e 49%) e
objetivando uma política econômica favorável para os trabalhadores” (ANTUNES,
1995, p.17).
A oposição de Luís Antônio Medeiros às greves gerais, coordenadas pelas duas
centrais sindicais, pode ser explicada pela divisão no interior da CGT. Após as eleições
em que o mesmo assumiu a presidência do sindicato dos Metalúrgicos (o maior de São
Paulo) aliou-se com Antônio Rogério Magri para fundar o chamado sindicalismo de
resultados. Esta corrente no sindicalismo, segundo Rodrigues (1991), era
declaradamente Anti-comunista e pragmático, sem entretanto ser apotico, opunha-se
ao sindicalismo de contestação preconizado pela CUT. Em lugar de valorizar as grandes
mobilizações e movimentos grevistas de caráter nacional, (…) que se pretendia mais
pragmático do que ideológico, preferia as mobilizações por categorias e acordos
isolados” (RODRIGUES, 1991, p.35-6).
Antunes (1995) também analisa a presença de estratégias do sindicalismo de
resultado em fazer paralisações por empresas. Por outro lado, segundo o autor, poucas
greves gerais contaram com o apoio de Luís Antônio de Medeiros. A sua participação
foi mais expressiva na greve geral de 1989. Mesmo assim, o mesmo buscou converter
a greve geral em greves por empresa, no universo de sua base sindical, dando à sua
ação uma singularidade marcada pelo imediatismo e pela continncia, diferenciando-se
da ação geral que marcou a greve geral de 1989” (ANTUNES, 1995, p.20).
132
Os assistentes sociais que se identificavam com o projeto de intenção de Ruptura
inseriram-se nos movimentos populares, sindical e também nos partidos de esquerda,
predominantemente no PT. Inseriram-se ainda, na luta parlamentar e administrativa
como a Luiza Erundina, que foi prefeita de São Paulo, dentre outros assistentes sociais.
A morte de Tancredo o alterou os rumos de uma transição conservadora, como
estava planejado e mantida pelas forças de sustentação da burguesia no poder sob o
interesse do capitalismo monopolista, fincado no Brasil à partir de 1950. Frustrada a
luta pelas diretas, restava como esperança a eleição de uma Assembléia Nacional
Constituinte que tivesse como finalidade escrever a Carta Magna do país, e que, nessa
Assembléia, estivesse presente o maior número de representantes dos trabalhadores. Por
outro lado, também as forças conservadoras buscavam garantir um Constituição que
assegurasse os seus interesses e, para isto, os ruralista já haviam criado a União
Democrática Ruralista (UDR), em 1985
83
.
No entanto, de acordo com Sader (1990), a Assembléia Nacional Constituinte
acabou sendo convocada tardiamente, entre os parlamentares do Congresso Nacional.
Para o autor o processo da Constituinte foi frustrante para os trabalhadores, uma vez
que a sua expectativa era de ocorresse um amplo debate em âmbito nacional, sobre os
principais problemas brasileiro, acumulado durante o período da ditadura.
Se na sua primeira parte houve participação de representante de
entidades sociais e civis em vários temas como a reforma agrária, a
defesa dos direitos das minorias políticas entre outras – posteriormente
o debate ficou reduzido a um círculo restrito, condicionado por uma
composição Congresso falseada pela utilização eleitoral do Plano
Cruzado, moribundo, mas ainda assim fértil para conseguir votos.
(SADER, 1990, p.56)
O Congresso Nacional viveu momentos de grande pressão no processo de
construção da Constituição Federal de 1988. Tanto do movimento dos trabalhadores
organizados, quanto dos representantes da burguesia, detentora do capital nacional e
internacional. Essa reaglutinou suas forças, buscando uma estratégia, que, segundo
83
De acordo com Sader (1990, p.43-4), “no primeiro mês depois da morte de Tancredo, Sarney
pronunciou-se a favor da reforma agraria e chegou a apresentar, discursando num congresso de
trabalhadores rurais em Brasília, um projeto concreto. Mas diante das reações dos proprietários rurais e da
imprensa conservadora, Sarney recuou”. Em 1985 foi criada a primeira regional da UDR na cidade de
Presidente Prudente SP e em 1986, na cidade de Goiânia foi fundada a primeira UDR nacional com
sede em Brasília.
133
Jaguaribe et al. (1992:175), era representado em uma organização suprapartidária o
Centrão formado pelo PFL, Partido Democrático Social (PDS) e os parlamentares
mais a direita do PMDB, que tinham como objetivo mudar as regras estabelecidas para
as votões, alterando, dessa forma, também, a correlação de forças. Essas mudanças
garantiram, dentre outros interesses da classe que representavam os cinco anos de
mandato para José Sarney, pois não pretendiam correr riscos com uma eleição direta.
Apesar dos desgastes que o governo vinha sofrendo, a situação estava sob controle!
Ressalta-se, entretanto, que o Centrão o se constituiu como um bloco monotico,
necessitando, portanto, em alguns momentos, estabelecer negociações para a aprovação
de suas propostas. Além dos partidos que formavam o Centrão, compunham a
Assembléia Constituinte, de acordo com Fernandes (1994, p.129), os partidos que
constituiam o quadro de divergentes. Eram eles: “além do PT, [havia] setores do PDT,
os eleitos do PSB, do PC do B, PCB e a esquerda parlamentar do PMDB. È um núcleo
heterogêneo, que não forma a maioria, mas colocará a maioria diante de alternativas
duras nesta Constituinte”. Esse quadro partidário conseguiu assegurar vitórias para a
burguesia. Mesmo assim, apesar das manobras, foi possível à classe trabalhadora
realizar conquistas nessa Constituição, também denominada Cidadã. Dentre outras
conquistas o direito de greve e de sindicalização para os funciorios públicos.
Em um quadro político desfavorável, as classes dominantes, depois de vinte e
cinco anos de domínio inquestionado, apoiado nas Forças Armadas, chegavam, (...)
desde 1960, (...) à primeira eleição presidencial (...) de 1989 (...) sem partido e sem
candidato (Sader, 1990:59, grifos do autor). O enfraquecimento do sistema partidário
brasileiro é explicado nos estudo de Jaguaribe et. al., (1992) como o resultado da
diluição da identidade política, sustentada pela infidelidade partidária, o que levou o
maior partidoo PMDB — que contava, em 1986, com 54,7 % passar, em 1990, para
25,6 % das cadeiras no Congresso. Em menor proporção foi atingido também o PFL,
contribuindo para uma perda de 192 cadeiras para o conjunto dos partidos da Aliança
Democrática, no período de 1987 a 1990. No contraponto, a esquerda crescia com a
eleição dos candidatos a prefeito das cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São
Paulo (que totalizavam 24 % da população brasileira) no cenário da política nacional. A
ascensão da esquerda, no desenrolar do processo de articulação das eleições
presidenciais, apontava uma possível viria dessas forças, cuja realidade no entanto, foi
alterada com a indicação de um potico, representando as forças de centro-direita.
134
Filho da oligarquia nordestina, ex-prefeito biônico de Maceió,
enquanto membro do PDS, que havia votado em Paulo Maluf no
Colégio Eleitoral e que havia recebido o generoso tratamento dos
meios de comunicação devido à sua campanha contra os funcionários
com altos salários na administração pública os chamados marajás.
(SADER,1990, p.62).
O pleito ocorreu com 22 candidatos à presincia da República, e o resultado no
primeiro turno, apontou Collor com 30,4 %, Lula com 17,8 % e Brizola com 16,5 %.dos
votos. o segundo turno foi marcado pela polarização direita e esquerda Fernando
Collor de Melo, com 53%, venceu as eleões e Luiz Inácio Lula da Silva, da oposição,
teve 46,9% dos votos.
No quadro apresentado até o momento expresso na totalidade das relões sociais,
econômicas, políticas, sociais e culturais e fracionada no embate entre as classes
fundamentais do capitalismo brasileiro, os assistentes sociais adeptos da vertente de
intenção de ruptura foi construindo uma consciência de classe e a direção possível da
categoria rumo aos horizontes da emancipação humana.
2.4 A Intenção de Ruptura na organizão sindical dos assistentes sociais
a ruptura [que] consiste [n]a crítica marx-engelsiana estrutura então as
bases de uma teoria social que desborda os quadros do estoque de
conhecimentos existente, everte as modalidades de apreensão do
movimento social real e subverte a função social conhecimento na exata
medida em que se constitui, enquanto teoria, a partir do ponto de vista
de classe proletária. Os supostos sócio-políticos para esta ruptura
estavam postos pela efetividade do movimento operário; mas se a
adesão aos interesses deste movimento é a conditio sine qua non para a
articulação da perspectiva de classe, esta articulação demanda um
complexo de determinantes teóricas. (NETTO,1998, p.XXVII)
Os acontecimentos que ocorreram naquele evento não foram forjados de um
momento para outro, mas do acúmulo de forças de um segmento de assistentes sociais
135
vinculados a Igreja Católica progressista e a tradição marxista em suas articulações
em âmbito local, regional e nacional, e com os estudantes de Serviço Social. Esse
processo ocorreu, de um lado, em razão de que um segmento de professores vinha
disputando a direção social da formação profissional nas discussões de uma outra
proposta curricular, cujos primeiros passos foram dados no encontro da Abess em São
Luiz, em 1977, e posteriormente, em 1979.
Os estudantes retomaram a sua organização no I Encontro Nacional de Estudantes
de Serviço Social (ENESS)
84
realizado, em 1978, em Londrina PR, contando com
representação estudantil de 24 Escolas de Serviço Social. “É a partir deste encontro que
inaugura à possibilidade de unificarem-se as lutas, de debater a profissão, a
universidade, etc” (GESTÃO, 06/07, p.1).
De outro lado, os profissionais e os professores em suas organizações sindicais
articularam e criaram a Associação Nacional de Assistentes Sociais (Anas). Tudo indica
que o grande peso na articulação foi de natureza sindical, cujos sindicatos e associações
da categoria deram origem à Coordenação Nacional de Entidades de Assistentes Sociais
(Ceneas). Esta Entidade, embrião da Anas, foi criada no III Encontro Nacional da
articulação das Entidades sindicais e/ou pré-sindicais, realizado na cidade de São Paulo,
no período de 21 a 23 de setembro de 1979, ts dias antes da realização do III
Congresso Nacional dos Assistentes Sociais. No Encontro que transformou a articulação
dos assistentes sociais na Ceneas, também estabeleceu as estratégia de intervenção dos
84
De acordo com a Enesso (GESTÃO 06/07), em 1979, os estudantes realizaram o II ENESS na cidade
de Salvador e criaram novas instâncias deliberativas, CONESS e a Secretaria Executiva Nacional
formada pela escola sede do ENESS e por um representante por escolas de cada rego. Em 1980, os
estudantes realizaram o III ENESS, na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas
Gerais, unificaram uma proposta de reformulação curricular e encaminharam à Abess. Nesse encontro, os
estudantes intensificaram a luta para ampliar sua participação na Abess. Em 1981 iniciam a discussão
para criar a Secretaria de Serviço Social na UNE- Sessune. Nesse mesmo ano a Abess em sua Convenção
realizada em setembro procedeu mudanças em sua estrutura e inseriu a representação estudantil,
juntamente com um professor nas vice-presidências regionais. Em 1992, em Salvador os estudantes em
expressiva participação apresentaram teses das forças políticas que participavam do Movimento
Estudantil de Serviço Social. Em 1993, reunidos em São Leopoldo RS, os estudantes transformaram a
Sessune em Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso).
136
participantes da Entidade no Congresso da virada
85
. Assim, foi possível a oposição
assumir o encaminhamento dos trabalhos, e dar-lhe a direção política.
O III Cbas
86
, considerado um acontecimento de grande importância na história do
Serviço Social, ocorreu quando a autocracia burguesa como denomina Fernandes (1975)
e Netto (1991), avançava rumo à exaustão pelo processo de redemocratização da
sociedade brasileira em curso, com a organização da sociedade civil e os embates dos
trabalhadores. O confronto entre o capital e o trabalho, nesse momento hisrico,
circunscreveu-se aos espaços privado e público/estatal, teve sua maior expressão nas
greves do ABC paulista e atingiu seu ápice na década de 1980. Na esteira desses
trabalhadores, os do serviço público também se organizaram e se confrontaram com o
Estado, laando mão da greve, apesar de proibida pela Constituição Brasileira, na
época.
O início da organização sindical, da categoria dos assistentes sociais, ocorreu em
1978. Na sua fase embrionária de articulação, envolveram-se cinco entidades de
assistentes sociais, quais sejam: Associações Profissionais de Assistentes Sociais (Apas)
dos estados da Bahia, Goiás e São Paulo, e o Sindicato de Assistentes Sociais de Minas
Gerais e Rio de Janeiro. Enquanto que no III Encontro quando foi criada a Ceneas
participaram 15 Entidades de Assistentes Sociais, e na Assembléia de criação da
Associação Nacional de Assistentes Sociais (Anas), realizada em Salvador (BA), em
1983, estiveram presentes segundo Abramides e Cabral (1995) aproximadamente
quatrocentos assistentes sociais organizados em 27 Entidades.
85
O III Cbas, de acordo com Sousa (apud ABRAMIDES, 2006, p. 123, nota de rodapé n. 27), reuniu
cerca de 2.500 assistentes sociais de todo o país e decepcionou os presentes pelo cater antidemocrático
e pela versão oficialesca que lhe foi imprimida. Se não fosse a presença ativa de entidades sindicais, o
congresso teria sido esvaziado logo a partir do segundo dia. Essas entidades realizaram, em paralelo à
programação oficial, uma assembléia da qual participaram 600 assistentes sociais mais uma vez tratando
do autoritarismo na condução dos trabalhos e na falta de aprofundamento das questões levantadas. A
assembléia conseguiu a vitória e os dirigentes passaram a assumir a direção dos trabalhos”. Esse
congresso cujo tema geral foi Serviço Social e política social, teve em sua organização inicial, proposta
pela Comissão Organizadora “como membros da comissão de honra, o então Presidente da República,
general João Batista Figueiredo, [alguns] ministros, o governador de São Paulo, Paulo Maluf, entre outros
personagens da ditadura. Porém, a histórica reação do plenário expressou o novo momento e a nova
proposta que as entidades da categoria preconizaram. (...) destituiu-se a Comissão de Honra do Congresso
(...). Tão significativo quanto este gesto foi o convite a Luís Inácio da Silva então líder do movimento
de trabalhadores do ABC paulista e a outros representantes de organizações sindicais e do movimento
popular a se fazerem presentes na mesa de encerramento do III Cbas” (Cfess/Cress, 1996, p.175).
86
Segundo Abramides e Cabral (1995), os três primeiros congressos dos assistentes sociais foram
coordenados pelas forças conservadoras que dirigiam o CFAS/CRAS, atual Cfess/cress. A partir o III
Cbas a organização desse evento, o mais expressivo da categoria por congregar o maior número de
assistentes sociais, passou a ser coordenado inicialmente pela Ceneas, posteriormente pela Anas e demais
entidades que congregam os assistentes sociais (Anas, CFAS/CRAS).
137
Ressalta-se que as associações profissionais de assistentes sociais encontravam-se
desativadas no início da organização sindical, as reativações e posterior transformação
das associações em sindicato ocorreu em um processo, a partir da criação da Ceneas até
a criação da Anas. O ponto de partida desse processo organizativo ocorreu com o do
resgate das entidades existentes sindicatos, associações profissionais e sua
reconstrução, transformando-as em sindicatos, onde estas existiam, mas estavam
desativadas, e a criação de sindicatos naqueles Estados em que não havia associões. A
direção era dada para a criação da Federação Nacional dos Assistentes Sociais.
O processo, calcado na democracia ampliada como chama Fernandes (1994), foi
conduzido pela realização de três encontros
87
nacionais preparatórios precedidos de
discussões na base da categoria, em âmbito local e regional. Tais encontros contavam
com a participação direta e representativa dos assistentes sociais até a criação da
Ceneas
88
, e mais dois encontros
89
, desta coordenão antes de ser criada a Anas.
O início do processo de organização e de construção da hegemonia dos assistentes
sociais brasileiros, vinculados a vertente de Intenção de Ruptura, nos anos de 1970,
mais precisamente, segundo Netto (1991), nos meados da década de setenta, quando a
perspectiva modernizadora teve sua hegemonia em questão. Esta mudança na direção
social do Serviço Social, ocorreu em uma conjuntura de crise do capitalismo, na qual
emergiam as transformações societárias que, como afirma Netto (1996), já sinalizavam
na década anterior, fora colocada, também, em décadas anteriores ao golpe militar. Mas
o terreno favorável à sua germinação e crescimento expressara contraditoriamente, logo
depois do início da ditadura militar com a participação e a influência dos militantes de
esquerda. Nesse sentido, de acordo com Rodrigues Silva (1991, p. 87) a JUC e a Ação
Popular cresceu dentro das Unidades de Ensino de Serviço Social e (...) a atuação dos
militantes dessas organizações se fez de modo articulado a outros grupos de ação
política nos movimentos, estudantil, operário e camponês, em nível nacional”.
87
De acordo com Abramides e Cabral (1995), o primeiro encontro de assistentes sociais organizados em
sua base pré-sindical ocorreu nos dias 25 e 26 de agosto de 1978, na cidade de Belo Horizonte (MG); o
segundo foi realizado no mesmo ano, nos dias 2, 3 e 4 de novembro também em Belo Horizonte (MG).
Para as autoras a explicação dos encontros se realizarem na mesma cidade foi a de que aquele sindicato
de assistentes sociais desenvolvia com o Centro Latino Americano de Trabalho Social (Celats) um projeto
de pesquisa e, portanto dispunha de recursos para o apoio também político.
88
A Ceneas como uma entidade nacional que congregava as demais entidades sediadas nos estados e
territórios teve uma existência de quatro anos, de setembro de 1979 a outubro de 1983.
89
A Ceneas organizou dois encontros nacionais um, após o III Cbas, realizado na cidade de Goiânia
Goiás do dia 13 a 15 de fevereiro de 1981 quando foi eleita uma nova diretoria da Entidade, sendo
escolhido os assistentes sociais do sindicato de Minas Gerais. Outro, em Belo Horizonte, nos dias 4, 5 e 6
de setembro de 1982, um mês após a realização do IV Cbas.
138
Os assistentes sociais representantes da Anas, após participarem da Conclat,
tendo como direção política indicada pela corrente majoritária do movimento sindical
apontou para a organização dos trabalhadores com independência de classe, realizaram
o IV Congresso Brasileiro, no Rio de Janeiro, em agosto de 1982. Esse, segundo
Abramides e Cabral (1995), teve um conteúdo diferente dos anteriores. Organizado e
dirigido pela Ceneas por decisão do III Cbas, com um caráter basicamente sindical,
deliberou pela criação da entidade nacional dos assistentes sociais, o que ocorreu com a
realização da I Assembléia Nacional Sindical dos Assistentes Sociais. A necessidade
desta crião, da Anas, foi justificada no fato que a Ceneas
90
havia cumprido o seu
papel como instância de articulação.
Deliberado pela criação da Entidade Nacional, a Assembléia
91
de criação da Anas
ocorreu em Salvador (BA), em outubro de 1983 e deliberou que ela seria a instância
máxima de decisão da categoria para as queses sindicais.
Esse foi um processo permeado pelas divergências no campo da esquerda, no
interior da categoria. Se antes, o embate ocorria na perspectiva de rompimento com o
conservadorismo no Serviço Social, somando-se a ele, as disputas entre os adeptos do
PC do B
92
e do PT. Estes dois partidos, no movimento sindical, organizavam-se, o
primeiro com a Unidade Sindical, e o segundo com a CUT.
As divergências de posições estiveram presentes nas eleições indiretas da
diretoria, para o período de 1985 a 1987, ocorrida na II Anas, quando a chapa que
representou olo cutista recebeu 80% dos votos. De acordo com Abramides e Cabral
90
Este Encontro da Ceneas que contou com a participação de doze Associações Profissionais de
Assistentes Sociais e três Sindicatos de Assistentes Sociais, foi considerado por Abramides e Cabral
(1995) como o IV Encontro. Preferiu-se não considerar a seqüência inicial pois, antes da criação da
Ceneas em 1979 o que existia era uma articulação. A Ceneas realizou dois encontros: um de preparação
do IV congresso e o outro que encaminhou a Assembléia Nacional de criação da Associação Nacional dos
Assistentes Sociais (Anas).
91
A Assembléia de criação da Anas, foi precedida de encontros preparatórios quando foram discutidas as
duas teses à serem ali apresentadas sobre a construção da Federação. Segundo Abramides e Cabral (1995,
p.131-132), a tese defendida pelo setor da categoria identificado com a posição majoritária do movimento
sindical, defendia a necessidade da construção imediata da Federação “como organismo de representação
política que quebre na prática a estrutura sindical vigente. A expressão dessa concepção está no
entendimento de que o organismo sindical nacional deverá congregar representantes de diretoria e de base
em sua direção; ter a ele filiadas todas as entidades sindicais e pré-sindicais; sua diretoria ser eleita em
congresso sindical da categoria. De outro lado, o pólo identificado com a Unidade Sindical afirmava que
era necessário ainda experimentar a Ceneas como articulação, propondo modificações em sua estrutura. A
defesa desta tese é de que a categoria não havia discutido o suficiente para tomar uma decisão quanto a
criação de uma entidade nacional”. Este grupo ao tornar-se perdedor retira-se da construção da Anas,
contrariando uma decisão do IV Cbas. Retiram, também da construção da CUT.
92
Segundo Abramides e Cabral (1995, p. 152), o lo cutista contava com a adesão de 75 % a 80 % dos
assistentes sociais, enquanto que a Unidade Sindical tinha de 20 % a 25 %. “A primeira diretoria eleita,
apesar da polarização, é fruto de uma composição onde o pólo cutista representa 80% da dirão, o que
reflete a corrão de forças existentes”.
139
(1985), naquela assembléia, o lo cutista defendeu eleições com um programa de
chapa aprovado pela plenária e a não composição com o grupo adepto à CGT, mas
confrontar chapa contra chapa. Melhor dizendo, uma composição pela
proporcionalidade dos votos recebidos por cada chapa. A proposta foi justificada no fato
de se tratar de uma proposta sindical, com divergências entre as posições. Os assistentes
sociais identificados com a CGT discordaram da proposta, não apresentaram chapa, se
retirando da assembléia após a votação. Para as autoras esta direção dolo cutista
foi o resultado de articulações em âmbito nacional por meio dos estados e regiões com
decisões em assembléia da categoria organizada nos sindicatos “e oposição sindicais
como no caso do Pará, Bahia e Ceará” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.153).
A terceira eleição de diretoria a Anas, para o período 1987-1989, ocorreu por
eleições diretas com composição de chapa por meio de convenções. Duas chapas
entraram em disputa, sendo, a chapa 1, da situação e vinculada ao lo cutista, obteve
63% dos votos, e a chapa 2, de oposição e vinculada a CGT, alcançou 34,5% dos
votantes. Os resultados das duas eleições da Anas ao serem relacionados, mostram um
avanço do grupo identificado com a CGT e uma queda do lo cutista, apesar de
manter-se com a hegemonia, portanto segundo Abramides e Cabral (1995, p. 153) na
construção de “um novo sindicalismo livre, democrático e pela base sob a direção da
Central Única dos Trabalhadores”.
Por outro lado, os resultados, segundo as autoras, podem ser creditados ao fato de
ser a primeira vez que no campo da CUT forma-se chapa em convenção. Se de um lado,
foi atingido o objetivo no sentido de exercitar uma democracia interna ao assegurar a
proporcionalidade das diferentes posições potica, de outro, as inexperiência da
categoria no movimento sindical e o pouco acúmulo da CUT sobre esta modalidade de
escolha de chapas trouxeram algumas dificuldades. No entanto, trata-se de um processo
em construção política dos assistentes sociais e da CUT. Esta construção, permeada de
contradições, esteve alicerçada nas condições sócio-históricas da sociedade brasileira.
Segundo Abramides e Cabral (1995), a Anas esteve presente em todos os
congressos da CUT e compôs a direção da Entidade, no período de 1986 a 1989. E, na
maioria dos estados brasileiros os sindicatos ou associações de assistentes sociais
contribuíram na construção das CUTs estaduais e se fizeram representar nas diretorias.
As autoras destacam os estados de Mato Grosso do Sul e Amazonas onde a participação
dos assistentes sociais foi decisiva para a formação da CUT.
140
Por outro lado, os assistentes sociais estiveram inseridos na luta dos trabalhadores,
quer por uma inserção direta daquele segmento adepto do projeto de Intenção de
Ruptura nas greves dos servidores públicos que ocorreram no decorrer da década, quer
pela representados pela sua Entidade nacional. Ressalta-se, ainda a dimensão da prática
profissional destes assistentes sociais voltadas para um processo de Intenção de
Ruptura, que apesar de um precário referencial “em um primeiro momento, do ponto de
vista teórico, mas posicionando do ponto de vista sociopolítico, que a profissão
questiona sua prática institucional e seus objetivos de adaptação social ao mesmo tempo
que se aproxima dos movimentos sociais (YAZBEK,1999, p.25).
A Anas e os sindicatos da categoria que a compunham defendiam a participação
das organizações populares na composição da CUT. Este foi um dos pontos de
divergência entre as correntes do movimento sindical brasileiro. A corrente Unidade
Sindical queria uma central formada somente com entidades sindicais.
A Anas, no final da década de 1980 e início da década de 1990, manteve a
articulação com as entidades da categoria de âmbito latino-americano.
No entanto, as articulações com as entidades da categoria, nesse período, tinham
em vista cumprir as deliberações da CUT, quanto à organização por ramo de atividade.
Ao lado de amplo debate, no decorrer do período de transição a Anas. Este debate foi
desde aqueles realizados em âmbito regional, tais como, seminários e encontros
nacionais quando se discutia a construção de uma Entidade Única, tese esgotada nos
debates dos assistentes sociais, para dar lugar a direção única que vem sendo constrda
no caminhar das entidades da categoria.
A Anas realizou eleições diretas para sua diretoria no período de 1987 a 1989,
dois anos antes das eleições para Presidente da República Esta eleição obedeceu aos
princípios da democracia direta, tendo direito a voto todos os assistentes sociais filiados
aos sindicatos e demais formas de organização da categoria associações e comissões
pré-sindicais.
Neste mesmo ano os assistentes sociais elegeram nova diretoria do Cfas/Cras
tendo vencido as eleições uma chapa cujos componentes identificavam no campo
político partidário com o PC do B. No ano seguinte, 1988 os assistentes sociais
realizaram de 10 a 14 de abril, na cidade de Natal (RN), o VI Congresso da categoria.
Este Congresso contou com a participação de trabalhadores sociais e estudantes de
outros países latino-americanos escolhidos em nas instâncias de suas entidades. “Esse
141
processo tem como objetivo compreender que o espaço do congresso, em si, se
configura como instância de construção coletiva do projeto profissional”
(ABRAMIDES e CABRAL,1995, p. 179).
Em 1989 a Anas realizou o seu IV Encontro, no mês de agosto quando se discutiu
a transitoriedade da condição de instância máxima da organização sindical da categoria,
para a organização por ramo de atividade conforme decisão da CUT em seu Congresso
realizado em 1986. O citado Encontro da Anas indicou a construção de uma entidade
única. Este era o dever de casa que a Anas estava incumbida de fazer extingui-la e
indicar os assistentes sociais para a inserção no ramo de atividade. Um dos argumentos
postos, na época, era à busca da superação do corporativismo das categorias.
O que é importante destacar nesse percurso, é o movimento de embate que se
trava no interior da vida social e política da sociedade brasileira, articulado ao
movimento mais geral das sociedades em âmbito mundial, no qual, um dos segmentos
dos assistentes sociais, identificados com a classe trabalhadora, desenvolveu sua
organização e consciência de classe, no embate das classes fundamentais presentes no
contexto do capitalismo brasileiro e internacional. Nesse confronto que extrapola o
campo estrito da profissão, que teve lugar no processo de abertura política, e
distensionamento do regime autocrático burguês, foram se constituindo, ao mesmo
tempo, os contornos da organização dos trabalhadores de uma forma mais geral, e dos
assistentes sociais, identificados como parte dessa classe, e também a direção social da
profissão, nos marcos da superação da sociedade vigente e na perspectiva da
emancipação humana, o que vai impactar diretamente em uma concepção e projeto,
capaz de constituir uma ética na orientação da categoria. Tudo isso, nos marcos dos
processos histórico-sociais recentes da sociedade brasileira e mundial.
Feito essas considerações, no próximo capitulo, será discutido a relação entre a
intenção de ruptura e a construção do projeto ético-potico do Serviço Social.
142
CAPITULO III
O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
COLETIVA DOS ASSISTENTES SOCIAIS
Discutir o projeto ético-político do Serviço Social é trilhar o caminho no qual a
parte da categoria tem percorrido na busca de romper com o conservadorismo presente
na profissão remando na contracorrente da ordem societária vigente. De acordo com
Marx (1997), o proletariado como sujeito histórico, é potencialmente, capaz de
subverter a ordem social. A revolão é sua missão histórica, portanto, sua libertação
está condicionada à libertação da humanidade, o seu destino ao destino do homem
genérico, o que implica, dentre outros desafios, a superação da própria moral burguesa.
A superação da sociedade burguesa pressupõe valores éticos emancipatório.
Só quando o homem individual real retoma em si o cidadão abstracto
e, como homem individual na vida empírica, no seu trabalho
individual, nas suas relações individuais –, se tornou ser genérico;
quando o homem reconheceu e organizou as suas forces propres
como forças sociais, e, portanto, não separa mais de si a força social
143
na figura da força política então está consumada a emancipação
humana. (MARX, 1997, p.90-91)
Apoiando-se em Marx, Barroco (2007), destaca que a superação da sociedade
burguesa pressupõe normatividade e adesão consciente aos valores éticos
emancipatórios, sendo a práxis potico-revolucionária a possibilidade de conexão dos
indivíduos com o homem-genérico. Uma ética marxista é, portanto, apoiada na teoria da
emancipação proletária. Essa referência à Marx e a dimensão ético-valorativa, contida
na ontologia do ser social, como evidenciaram as produções da Escola de Budapeste,
sobretudo com seu expoente maior, Georg Lukács (1979; 1978; 1974), além de outros
integrantes desse grupo e seus seguidores, buscam refletir sobre a práxis e sua
vinculação com os valores de emancipação do homem genérico. O projeto Ético-
Político do Serviço Social ganha seu significado nesse universo e horizonte fundado na
ontologia do ser social. Ele tem como uma de suas partes constitutivas a vertente de
intenção de ruptura cujo horizonte aponta para a emancipação humana e, portanto, a
busca da superação do conservadorismo na profiso. Concorre no processo de
construção de outra ética e configuração de uma cultura profissional democrática, que
coloque em questão a hegemonia da ordem burguesa. Para Barroco (2007), o Código de
Ética de 1993, em relação com o de 1986, mantêm algumas diferenças e
particularidades, dentre elas, sua base de sustentação teórico-metodológica, além dos
princípios dela derivados.
O Código de Ética de 1993 se opõe aos pressupostos liberais, e, também ao que
Barroco (2007) denominou marxismo anti-humanista e ao humanismo cristão. O
primeiro, pela sua clara vinculação às bases de sustentação da sociedade vigente, o
segundo pela cisão que constrói entre a ética e a práxis, e o terceiro por conceber uma
ética fundada em uma essência transcendental e predeterminada à história. Além desses
aspectos apresentados por Barroco (2007), acrescentam-se as observações feitas por
Netto (1996) quanto ao fato de que a totalidade, uma categoria do método dialético,
propiciar as bases necessárias ao debate com o s-modernismo, que nega essa
categoria. Desse modo, o Código de 1993
93
constituiu-se em alvo para os setores
93
A comissão nacional de reformulação do Código de Ética Profissional foi composta dos seguintes
assistentes sociais: Comissão Técnica: Beatriz Augusto de Paiva RJ, José Paulo Netto RJ, Maria
Lúcia Barroco – SP, Marlise Vinagre Silva – RJ, Mione Apolinário Sales – RJ. Assessoria Jurídica: Silvia
Helena Terra SP. Assessoria Legislativa: Walter Bloise. Compunha a direção do Conselho Federal de
Serviço Social gestão 1990/93: Diretoria: Membros efetivos: Presidente: Marlise Vinagre Silva RJ,
Vice-presidente: Umbelina Maria Urias Novais PE, Secretária Laura Regina Maurício da F. Lemos
Duarte – DF, 2ª Secretária: Eda Gomes de Barros Lima DF, 1º Tesoureiro: Carlos Magno Nunes – RS,
144
tradicionalmente conservadores e também para o segmento de profissionais vinculados
ao pós-modernismo. Barroco (2007) destaca também, que em seus fundamentos prático-
operativos, o digo de Ética de 1993 tem como eixo norteador, a defesa da
universalização de direitos e dos mecanismos democráticos de controle social.
A partir de 1993 o Código de Ética passa a ser uma das referências
dos encaminhamentos práticos e do posicionamento político dos
assistentes sociais em face da política neoliberal e de seus
desdobramentos para o conjunto de trabalhadores. É nesse contexto
que o projeto profissional de ruptura começa a ser definido como
projeto ético-político referendado nas conquistas dos dois Códigos
(1986 e 1993), nas revisões curriculares de 1982 e 1996 e no
conjunto de seus avanços teórico-práticos e construídos no processo
de renovação profissional, a partir da década de 1960. (BARROCO,
2007, p.205-206)
Além do eixo da defesa da universalização das políticas públicas, Paiva e Sales
(2005) acrescentam: a dimensão da defesa da qualidade dos serviços prestados à
população, orientados pelo princípio da garantia dos direitos sociais. Destacam,
também, a militância política junto às entidades da categoria e aos atores da sociedade
civil. Essas mudanças inseridas no processo de constituição do Código de Ética de
1993, não se processaram de forma pacífica. Ao contrário, foi no confronto das forças
que se articularam e compunham a pluralidade da categoria naquela conjuntura
histórico-social, que se forjaram os princípios nele contidos. Nesse sentido, em
entrevista realizada no ano de 2008, Marilda Vilela Iamamoto destaca alguns dos pontos
de inflexão presentes nos debates travados na construção das diretrizes curriculares de
1996. Assim se expressa:
Essa foi uma grande polêmica. Uma grande polêmica com posições
muito claras e inteligentes. Existiam aqueles que tinham a política
social como centro fundante da formação profissional (...). Existiam
aqueles que sustentavam que (...) era a questão social. Isto não é uma
Tesoureira: Valéria Maria de Massarani Gonelli SP. Membros Suplentes: Maira Inês Bertão SP,
Dilséa Aldeodata Bonetti – SP, Maria Carmelita YazbekSP, Maria das Gras Soares Prola – AM, Lina
Sandra Ferreira de Lemos MG. Conselho Fiscal: Presidente: Maria Isabel Nobre Fernandes SP,
vogal: Clarissa Andrade de Carvalho – SE, 2ª vogal: Maria Lúcia da Fonseca RN. Membros Suplentes:
Célia Maria Campos – SC, Eliana de Oliveira – GO.
145
polêmica menor. Absolutamente não é menor. (...) porque significa
uma de explicação da sociedade, ou seja, aqueles que sustentavam
que a política social deveria ser a mediação fundamental do eixo
estruturante do currículo foram contestados. (...) a concepção
hegemônica [era] favorável à questão social. Por quê? Porque existe
uma determinação ontológica da sociedade burguesa, se você quiser
sociedade civil burguesa mercantil.(...) No sistema de Marx sobre o
Estado, a sociedade civil explica o Estado. (...) a questão social
explica a política social, mas a política social, que é uma resposta ao
núcleo do Estado ao enfrentamento das desigualdades produzidas e
ampliadas na sociedade capitalista, não. (Entrevista n.2 - professora)
Essas duas abordagens apontam diferentes eixos para o projeto ético-político do
Serviço Social e para a formação profissional materializada nas diretrizes curriculares.
Ora, se o projeto ético-político é formado, pelo código de ética, as diretrizes curriculares
e a lei de regulamentação da profissão, a diferença indica que, na realidade, são duas
direções diferentes e que a polêmica apontada por Iamamoto no processo de construção
das diretrizes curriculares não foi resolvida.
As ações humanas de modo geral, quer sejam realizadas no plano individual, quer
seja, no coletivo que tenham em sua base interesses e necessidades, pressupõem um
projeto que indica uma antecipação ideal da finalidade que se quer alcançar com a
invocação de valores que a legitimam e a escolha dos meios para atingi-la” (NETTO,
1999, p.93). Netto (1999), ao tomar como objeto de sua análise o projeto coletivo,
considera sua vinculação aos valores de um projeto societário que se pretende construir.
Os projetos societários são de abrangências macroscópicas, e de natureza de classe,
enquanto que os projetos profissionais, que o também projetos coletivos, localizados
em uma esfera particular, apresentam características próprias que são
institucionalizadas. Para sua análise, o autor destaca nos projetos profissionais aqueles
que supõem “uma formação teórica e/ou técnico-investigativa, em geral de nível
superior (...) que apresentam a auto-imagem de uma profissão”, de acordo com Netto,
(1999, p.95). Esses projetos de categorias que não são constitdos somente por
profissionais de campo devem ser pensados como um conjunto de atores que dão
efetividade à profissão. É através da sua organização (que envolve os profissionais em
atividade, nas instituições que os formam, os pesquisadores, docentes e estudantes da
área, seus respectivos organismos corporativos e sindicais) que uma categoria elabora o
146
seu projeto como afirma Netto (1999, p.95). Para o autor, a respeitabilidade da
profissão pela sociedade depende de uma base forte em sua organização e de uma
direção social claramente definida. A organização da categoria no caso do Serviço
Social brasileiro, compreende a Abepss, o conjunto Cfess/Cress, a Enesso
94
, os
sindicatos e demais associações.
Destaca-se a organização como um traço cultural na categoria dos assistentes
sociais, pois está presente desde os primórdios da criação do Serviço Social no Brasil. O
que mudou, na atualidade, foi a direção social e política em oposição à direção
conservadora das entidades em períodos anteriores, e a busca de condições para o
atendimento às necessidades de ruptura com o conservadorismo e a construção de um
outro projeto societário rumo a emancipação humana. Uma direção norteada pelo
segmento da categoria que fez opção pela intenção de ruptura e, particularmente, pela
tradição marxista.
O projeto profissional tem necessariamente dimensões políticas que nem sempre
são explicitadas, sobretudo em se tratando de direções conservadoras ou reacionárias.
Um dos traços mais característicos do conservadorismo, segundo Netto (1996, p.96),
consiste na negação das dimensões políticas e ideológicas”. Para o autor, toda
categoria profissional se constitui em um campo de tensão e de disputa por direção
social e potica.
Nesse sentido, ao referir-se à construção dodigo de Ética de 1993 Vinagre, em
sua entrevista, afirma:
não vou dizer que foi uma discussão tranquila, (...) os próprios atores
que protagonizaram a construção daquele código [refere-se ao código
de 1986], defendia de unhas e dente a manutenção daquele texto, ou
porque não estavam acompanhando o avanço e o amadurecimento do
debate, ou por questões mesmo de posicionamento teórico de
entendimento. E, também, acho que isso talvez tenha sido o que mais
pesava, por temer que se mexendo naquele código que era sem
dúvida alguma o grande baluarte da nossa superação do
conservadorismo, em se mexendo poderia haver retrocesso.
(Entrevista n.1, professora)
94
A Enesso Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social, antes Sessune Subsecretaria de
Estudantes de Serviço Social da UNE, recebeu esta denominação no XIV Encontro Nacional de
Estudantes de Serviço Social (ENESS), realizado em Salvador, em 1993.
147
Assim, Vinagre expressa o confronto que permeou o processo de discussão e
construção do novo Código de Ética “havia tenes no sentido das preocupações [com
as mudanças] dentro do próprio campo da chamada esquerda profissional. (...) outra
tensão não foi tão simples (...) na época havia uma disputa partidária (...) em relação da
ocupação da entidade federal (entrevista n.1, professora).
De acordo com Braz (2007, p.5-6), “a direção social e potica que um
determinado projeto exerce sobre a profissão e, em [particular] dos assistentes sociais
(...) implica o predomínio de uma concepção que fornece um corpo de valores e
princípios, a partir dos quais se constrói uma espécie de imagem ideal da profissão
95
.
Essa auto-imagem pressupõe aspectos teóricos e político, organizativo e jurídico legal,
que identificam a categoria. Esses elementos comem as bases efetivas do projeto,
configurando-se em elementos constitutivos que, quando ganha legitimidade, o tornam
hegemônico. A articulação desses elementos foi decisiva para a hegemonia do projeto
ético-político” (BRAZ, 2007, p.6).
Dessa forma, o projeto profissional dos assistentes sociais, no que tange a sua
direção social e política, teve início com pequeno grupo de assistentes sociais com
opção pela vertente intenção de ruptura
96
, sobretudo, fundamentado na tradição
marxista, e que confrontava com os defensores do pensamento conservador, nos mais
diversos momentos hisricos e continua tecendo nos avanços e recuos, a construção de
sua hegemonia e, com ela, o projeto ético-político da profissão.
Braz (2007) identifica três elementos na composição do projeto ético-potico:
a) uma dimensão teórica, que envolve o conjunto da produção de
conhecimentos do Serviço Social; b) uma dimensão jurídico-política,
identificada no âmbito dos construtos legais da profissão (tanto as leis
estritamente profissionais, quanto a legislação mais ampla); c) e uma
dimensão político-organizativa, ancorada nos fóruns coletivos das
entidades representativas do Serviço Social. (BRAZ, 2007, p.6).
Portanto, a construção desse projeto ético-político, segundo a Diretoria do
Cfess/Cress (1996, p. 174), é fruto de um aprendizado e de uma história de
participação e de organização de significados setores da categoria, principalmente
95
A expressão é de Netto (1999) presente em “A construção do projeto ético-político contemporâneo” in:
Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo I – Brasília, Cead/Abepss/Cfess.
96
A vertente de intenção de ruptura como já foi destacado, não compunha somente de assistentes sociais
adeptos da tradição marxista.
148
daqueles que se opuseram à ditadura militar e lutaram pela democratização do país”. Esse
projeto profissional do Serviço Social teve seus marcos legais na década de 1990 (O
Código de Ética 1993 –, a Lei de Regulamentação da Profissão 1993 e as novas
diretrizes curriculares – 1996).
Um aspecto que contribuiu com esse avanço foi a conquista da diretoria do
Conselho Federal de Serviço Social (Cfas) por um dos segmentos dos assistentes sociais
defensor da vertente de ruptura, sobretudo, no período de 1990-1993, imprimindo-lhe
outra direção social e potica no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. No campo
político-partidário, a diretoria da entidade, no período 1987-1990, coube aos militantes
do PC do B, enquanto que o período seguinte, afirma Vinagre, “era uma chapa
genuinamente petista e muito coesa” (entrevista n.1, professora).
Tratava-se de uma construção coletiva articulada pelas entidades da categoria sob
a direção social e potica do segmento dos assistentes sociais com opção pela vertente
de intenção de ruptura, sobretudo, pela tradição marxista.
3.1 As entidades da categoria e a construção do projeto ético-político
A construção de um projeto profissional crítico pelos assistentes sociais
constituiu-se em um processo imbricado, à medida que envolveu os diversos países
latino-americanos nas suas particularidades, trazendo em seu bojo a realidade do
momento cio-histórico nas diversas dimensões que come a totalidade de cada um
desses países e do conjunto desse continente. Esse processo ocorreu por meio de
articulação das entidades latino-americanas: Alaets e Celats, e na particularidade das
entidades brasileiras do Serviço Social Abepss, Cfess/Cress e Enesso. A relação entre
entidades nacionais e internacionais (latino-americana), proporcionou a troca de
experiência que muito contribuiu para o avanço no processo de constrão de um
projeto profissional do Serviço Social articulando, formação e exercício profissional,
comprometido com o processo de ruptura com o conservadorismo.
Porém, essa relação, o seu início, foi permeado por dificuldades, como expressa
Fuhrmann (1989)
97
ao afirmar que, no Seminário latino-americano de 1965, realizado
em Porto Alegre, “os assistentes sociais [brasileiros] se viram marginalizados pelos
97
Participação na mesa redonda do Conselho Editorial comemorativa dos trinta anos da revista Serviço
Social e Sociedade.
149
assistentes sociais da América Latina. Éramos criticados, mal vistos por todos os
participantes de outros países” (p. 12).
Esse fato pode ser relacionado ao contexto brasileiro da ditadura militar
deflagrada em 1964, e ser atribuído a uma generalização de que os assistentes sociais
brasileiros eram, em sua totalidade, conservadores. No entanto, esse fato não impediu
que os assistentes sociais brasileiros, representando suas entidades
98
, permanecessem
inseridos no Movimento de Reconceituação, também, nos demais países da América
Latina na direção de um Serviço Social crítico. No Brasil, esse processo ocorreu quando
o país vivia o auge da repressão da ditadura militar, apoiada no Ato Institucional n
o
1
(AI-1) editado para dar amparo legal às cassações de direitos políticos
99
e outras formas
de repressão. Segue esse instrumento de repressão o Ato Institucional nº. 2, que veio à
público em 11 de outubro de 1965 e extinguiu os partidos políticos, após a derrota nas
eleições para governadores de Rio de Janeiro e Minas Gerais.
No entanto, logo em seguida, foram criados dois partidos políticos: a Aliança
Renovadora Nacional (Arena) o partido do governo, e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) a oposição consentida. As eleições diretas para governadores dos
Estados deram lugar às eleições indiretas, de acordo com o Ato Institucional n
o
. 3.
Apesar dessa conjuntura os assistentes sociais brasileiros, identificados com a tradição
marxista, estiveram presentes nos encontros que ocorreram nos demais países da
América Latina como parte do processo de Reconceituação do Serviço Social latino-
americano. De acordo com Netto (1991, p.151), “A ruptura aparece, nitidamente, nas
condições que cercam o VII Congresso Interamericano de Serviço Social (Equador,
1971) e rebate no VI Seminário Regional (Porto Alegre, 1972)”.
Os assistentes sociais brasileiros, como analisa Iamamoto (2003, p.105),
contribuíram na formulação
98
Em âmbito do continente Latino Americano, a Associação Latino Americana de Escolas de Trabalho
Social (Alaets), e o Centro Latino Americano de Trabalho Social (Celats). Em âmbito nacional a
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisas em Serviço Social (Abepss), a Associação Nacional de
Assistentes Sociais (Anas), o Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) e o Encontro Nacional de
Estudantes de Serviço Social (Enesso). Em âmbito Estadual as Vice-Presidências Abepss, na região, os
Conselhos Regionais (Cress), os Sindicatos dos Assistentes Sociais e os Centros Acadêmicos.
99
O balanço inicial feito no final do período estabelecido para colocar fim no AI-1, 11 de junho de 1964,
registrou 378 atingidos: “três ex-presidentes da Republica (Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João
Goulart), seis governadores de Estado, dois senadores, 63 deputados federais e mais de três centenas de
deputados estaduais e vereadores. Foram reformado compulsoriamente 77 oficiais do Ercito, 14 da
Marinha e 31 da Aeronáutica. Aproximadamente dez mil funcionários públicos foram demitidos e
abriram mais de cinco mil investigações, atingindo mais de 40 mil pessoas” (ARQUIDIOCESE DE SÃO
PAULO, 1985, p. 61).
150
de bases teóricas e político-organizativas para sua difusão no
continente latino-americano e para seu aprofundamento, o que
redundou ao mesmo tempo na sua superação. No país, esse processo,
coletivamente construído, redundou no que hoje denominamos de
projeto ético-político profissional.
O Centro Latino-Americano do Trabalho Social (Celats), entidades responsável
juntamente com a Associação Latino Americana de Escolas de Trabalho Social (Alaets)
pela capacitação e articulação do Serviço Social na perspectiva crítica nos países latino-
americanos. Para atingir seus objetivos o Celats estabeleceu uma programação para ser
desenvolvida na América Latina nas décadas de 1970-1980, que abrangeu, basicamente,
três áreas:
a) investigação voltada para o conhecimento dos setores populares:
camponeses, operários, populacionais e indígenas; o papel das
políticas sociais públicas, em especial saúde e habitação: a história do
Serviço Social na América Latina
100
; b) capacitação continuada,
permitindo uma refleo sobre a atuação dos profissionais, por meio
de seminários e cursos à distância. A Alaets e o Celats tiveram um
papel pioneiro na organização da pós-graduação em Serviço Social
no continente, consubstanciando na Maestria Latino-americana em
Trabalho Social, em convênio com a Universidad Autônoma de
Honduras, sediada em Tegucigalpa; c) comunicação, com a
publicação da série Livros-Celats, a revista Accion Crítica e os
Cadernos Celats (IAMAMOTO, 2003, p. 2003. p.106).
De acordo com Cornely (2003, p. 55), o Celats constita-se em “um centro
especial, vinculado à ALAETS” e criado, no início da década de 1970, quando a Alaets,
que foi criada em 1965, na cidade de Lima no Peru, era presidida por Luiz Araneda
(1971-1974).
Esse processo ocorreu quando as fundações alemãs, Konrad Adeneuer
(democracia cristã), Friedrich Ebert (social democrata), Vitor Golancz (liberal)
100
O Celats desenvolveu pesquisa sobre a história do Serviço Social na América Latina. Os estudos sobre
o Peru, foram desenvolvidos por Manuel Manrique de Alejandrino Maguiña. O projeto brasileiro ficou a
cargo de Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho, tendo sido publicado o livro “Relações Sociais e
Serviço Social: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. Esta foi a primeira produção
brasileira fundamentada em fontes originais de Marx (CELATS, 1983, p. 9).
151
passaram a atuar na América Latina, definindo como áreas prioritárias o sindicalismo, o
cooperativismo e o serviço social, de acordo com Cornely (2003, p.55),
Através do ISI [Instituto de Solidaridade Internacional] realizou uma
série de reuniões e minissemirios em vários países, e com grupos
progressistas do serviço social. Em 1970 realizou-se, na Alemanha,
um seminário teuto-latino-americano de docentes de serviço social, e
entre os desta Região estavam vários que viriam a ter papéis de
destaque no sistema Alaets-Celats (Queiroz, [Consuelo]Quiroga,
Sheriff, Cornely).
Além das finalidades de capacitação, o Celats tinha, dentre outras atribuições,
desenvolver pesquisas e intercâmbio direcionados ao fortalecimento/construção de um
projeto profissional crítico do Serviço Social nos diversos países do continente latino-
americano. Na particularidade brasileira a pós-graduação no Brasil dava os seus
primeiros passos.
O Celats teve um papel relevante na capacitação de um dos segmentos de
profissionais de Serviço Social brasileiros, no momento em que a categoria buscava o
aprimoramento teórico-prático. Contribuiu, também, no processo de politização dos
assistentes sociais e no fortalecimento da organização potica com a promoção de
encontros de articulação no início da organização sindical, no final da década de 1970.
Os recursos financeiros para esse fim eram oriundos da Fundação Konrad
Adeneuer e vinham para o Brasil por meio de convênio do Celats com o sindicato dos
assistentes sociais de Belo Horizonte.
A vinculação do Celats ao sindicato dos assistentes sociais de Belo Horizonte
pode ser explicada pela presença em função de direção, naquele órgão, de Consuelo
Quiroga e Leila Lima Santos
101
após serem afastadas da Escola de Serviço Social de
Minas Gerais.
O primeiro curso de capacitação continuada realizado pelo Celats, na América
Latina, foi desenvolvido no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Ao referir-se a esse
encontro, realizado antes do III Congresso dos Assistentes Sociais, Leila Lima Santos
(2007) destaca que ele reuniu representantes de mais de doze estados brasileiros
procedentes de escolas e instituições onde atuavam assistentes sociais, e
101
Exerci a função de Coordenadora Acadêmica e Diretora do Centro Latino-americano de Trabajo
Social (Celats), em Lima, Peru (1977-1983)”, afirma Santos (2007, p.165).
152
revestiu-se de uma especial transcendência pelo fato de ter tratado
das relações entre natureza e a função da prática profissional e o
contexto institucional e social em que se desenvolve. Nesse sentido, o
encontro discutiu aspectos mais concretos e vinculados à
problemática nacional. (SANTOS, 2007, p.173)
Rauta Ramos (2007, p. 42, grifo da autora), também, refere-se ao apoio do Celats
à capacitação e à organização de assistentes sociais brasileiros, assim ela expressa:
Essa instituição entre os anos de 1979 e 1980 deu apoio efetivo para
as mudanças operadas nos quadros de nossas organizações, quando
estas foram hegemonizadas por grupos de esquerda da categoria; (...)
o Celats financiou a vinda para o Rio de Janeiro, de militantes do
movimento da categoria de assistentes sociais e representantes de
professores de todo Brasil, ministrando um curso sobre Análise
Institucional.
A política de apoio daquele organismo destinava-se, também, ao fortalecimento do
processo de discussão e mobilização da categoria, envolvendo aqueles profissionais
vinculados às lutas sindicais, que se iniciava naquele momento histórico.
Portanto, tratava-se de uma articulação política entre um segmento dos assistentes
sociais do continente latino-americano, cuja direção social propunha o rompimento com
o conservadorismo no Serviço Social. Rauta Ramos (2007), também destaca nessa
articulação, a presença de assistentes sociais que participaram da experiência de Belo
Horizonte no início da década de 1970 como ocorreu com Consuelo Quiroga e Leila
Lima Santos. Esta última, naquela época, dirigia a escola de Serviço Social da PUC
(MG) como já foi destacado no capitulo anterior, e exercia cargo de direção no Celats
no final da década de 1970.
O contexto foi marcado por ditaduras nos países capitalistas latino-americanos, as
quais, de acordo com Ianni (1989, p. 119), desencadearam-se a partir dos anos sessenta
e setenta quando era lançado “um outro ciclo da história. A militarização velada ou
aberta do poder estatal é apenas um sintoma de outros desenvolvimentos das
contradições de classe em escala mundial, e não apenas nacional”.
153
Para Ianni (1989), a ditadura militar nos países latino-americanos como tamm
outras formas de Estado burguês desenvolveram conforme a particularidade de cada
país, e em períodos diferentes. Se no Brasil o golpe militar ocorreu em 1964, nos
demais países do continente latino-americanos deu-se na década seguinte. Todos tinham
a mesma finalidade: a dominação do capital estrangeiro, particularmente, dos Estados
Unidos da América. Nos meados 1960, presenciou-se o endurecimento do poder estatal,
na maioria dos países da América Latina, no entanto, aponta Ianni (1989, p.130), uma
nova onda democtica na América Latina na década dos oitenta derrubou as ditaduras
na Argentina, Brasil e Uruguai”. Também os ditadores do Paraguai e do Chile sofriam
pressões dos movimentos democráticos, sobretudo, os movimentos populares.
A contestação por parte de um dos segmentos do Serviço Social latino-americano,
no bojo do movimento potico-cultural, se desencadeou no contexto da guerra fria e da
luta contra o imperialismo que vivia um de seus ciclos expansionista do capital. Em
1980, o Celats em articulação com a Abess deu continuidade ao processo de formação
de um segmento de assistentes sociais brasileiros, realizando na cidade de São Paulo,
um curso de Política Social, envolvendo profissionais e professores do país inteiro.
Segundo Rauta Ramos (2007, p.43), “nesse curso tivemos, pela primeira vez, acesso a
uma discussão sobre teoria política, estudando textos marxistas sobre o Estado
capitalista”. Foram aprofundados os fundamentos para a construção de um projeto
profissional crítico.
Assim a Alaets e o Celats contribuíram para o alargamento de horizontes dos
assistentes sociais latino-americanos, fortalecendo a direção social e política no sentido
da construção de um projeto profissional emancipador. A organização e a articulação
dos assistentes sociais latino-americanos, levando em conta as suas experiências de lutas
coletivas, que trazem um acúmulo histórico, devem ser colocadas “na perspectiva de
construir um campo de resistência e luta internacional que leve em conta à inserção da
América Latina no movimento de mundialização do capital e da luta social dos
segmentos explorados e oprimidos deste continente.” (RAMOS, 2006, p.162).
No entanto, a Alaets, recebeu recursos financeiros da “Fundação Konrad Adeneur,
da democracia-cristã germano-ocidental, o Instituto de Solidariedade Internacional
(ISI)”, somente até o final da década de 1980 (NETTO, 1991, p. 147, nota 71, grifo do
autor). O corte desse financiamento alemão concedido por meio de uma articulão do
Serviço Social no continente latino-americano pode ser explicado em uma arena de
disputas pela hegemonia daquele continente pelos países centrais, em um período no
154
qual o crescimento do capitalismo, sustentado em bases fordistas/Keynesianistas,
chegou ao final do seu ciclo expansionista, nos anos de 1980. Por outro lado, esse
esgotamento, historicamente “coincide com a crise do Leste Europeu seguida da
expansão neoliberal e a vitória do Império contra as forças democráticas” como aponta
Iamamoto (2003, p.106).
As articulações com as entidades latino-americanas eram uma das prerrogativas da
Abess, hoje Abepss, dada a sua natureza de Associação de Ensino de Serviço Social,
mas contava, também, com a participação da Anas e da Enesso. Essas três entidades
brasileiras buscavam exercer coletivamente uma única direção social.
As entidades da categoria, ao procederem a encaminhamentos coletivos das
questões pertinentes à categoria asseguravam e continuam assegurando, o exercício da
democracia, a sua unidade na luta pelos direitos sociais, e se fortaleciam, ao superarem
uma prática autoritária, presente na trajetória histórica dessas entidades.
A inserção da Abess na luta pela construção de um projeto profissional crítico no
Serviço Social, a partir do final da década de 1970, foi fundamental pela sua condição
de vanguarda naquele movimento, a sua contribuição nas produções acadêmicas e nos
debates. Ressalta-se, ainda, a participação da Enesso na luta dos estudantes pelo ensino
de qualidade em uma universidade democrática. Essas entidades foram construindo no
processo uma direção única na formão e no exercício profissional, o que tem
contribuído para fortalecer e elevar a consciência política e a maturidade intelectual de
um dos segmentos dos assistentes sociais, e, portanto, na construção e consolidação do
projeto profissional do Serviço Social, o projeto ético-político.
Do ponto de vista da luta pelo processo de democratização da sociedade, os
assistentes sociais, vinculados à vertente da intenção de ruptura, por meio de suas
entidades, estiveram presentes na luta pelas Diretas Já, na defesa de uma Constituinte
em 1988, autônoma e soberana, que assegurasse os direitos dos trabalhadores a uma
vida digna, na defesa e construção da Loas (BRASIL, 1993), do Estatuto da Criança e
Adolescente (BRASIL, 1990) e do desenvolvimento de políticas sociais blicas, de
qualidade. Nesse sentido, o relatório de diretoria do Cfess/Cress, gestão (1999-2002, p.
8), registra: “Os assistentes sociais, pela sua inserção histórica nas poticas sociais,
realizaram a crítica do assistencialismo e da ausência de mecanismos democráticos de
controle social”.
Ao referir-se ao projeto profissional, Montaño (2006, p.144) afirma que, “se
letimo e plural, mesmo que articulado como uma determinada correlação de forças
155
internas desdobra-se em um projeto de formão profissional, em um digo e com
relações e interlocução com atores sociais em função da articulação de seus valores e
projetos” (MONTAÑO, 2006, p.144). No processo de construção do projeto
profissional dos assistentes sociais no que se refere ao código de ética, Vinagre
expressa:
a partir de diferentes lugares, o debate acenou para a constatação da
necessidade de revio do código. E todas elas (...) [tinham] uma
inserção na academia. Embora o lugar de onde falasse tendo em vista
esse debate (...) eram unidades credenciadas, ou movimento da
categoria (...) na época o Cfas/Cras, ou as entidades sindicais, ou a
própria Abess. Mas o que se sentia era o seguinte, a partir do final
dos anos 80, acontecia do ponto de vista teórico um movimento de
(...) revigoramento e reatualização da leitura de marxista, que tinha
entrado para o Serviço Social de forma enviesada, insipiente, a partir
de intérpretes do próprio Marx. (...) a partir do final de 80, eu acho
que muito em função do avanço do amadurecimento teórico, do
avanço teórico trazido, proporcionado pelas próprias pós-graduações,
sobretudo das prodões da PUC de o Paulo, e também um
pouco da UFRJ, que eram as pós que tinham mais expressão do ponto
de vista da teoria histórico-crítica. A partir dessas grandes
contribuições, eu penso que o Servo Social começa a fazer uma
revisão por dentro do campo da esquerda em relação aos documentos
produzidos até eno. (Entrevista n.1, professora)
Vinagre considera que as discussões avançavam na direção de “superar aquela
perspectiva policialesca de uma intervenção meramente ditatorial. E estavam tendendo
para uma compreensão de que a atuação desta entidade deveria ser em uma direção
educativa (...) [motivar] as pessoas para o seu compromisso ético e potico” (Entrevista
n.1, professora). Ela deixa evidente que a construção coletiva do projeto ético-político
foi um processo articulado nos segmentos formados pelas entidades da categoria mesmo
que a maior referência apareça na construção do novo digo de ética e na relação do
Conselho com a categoria. Ressalta-se, no entanto, que a discussão da revisão
curricular, aprovada em 1996, estava em curso. Nessa época, as entidades da
categoria já eram dirigidas pela esquerda, sobretudo, marxistas.
156
O avanço do processo de construção do projeto ético-político no Serviço Social
ocorreu em um cenário de lutas expressivas pela democratização da sociedade com a
rearticulão política dos trabalhadores organizados em diversas formas, abrindo o
canal de participação e construção da consciência potica de um dos segmentos dos
assistentes sociais. Dessas organizações de trabalhadores presentes naquela época,
destacam-se os partidos políticos, os sindicatos, as associações de servidores blicos,
de moradores, de profissionais, de cultura, dentre outros componentes dos movimentos
populares. Assim, esse projeto profissional crítico trouxe em seu bojo a inserção de um
dos segmentos dos assistentes sociais nos movimentos populares e sindicais e uma forte
adesão político-partidária, sobretudo, a partir da criação do Partido dos Trabalhadores
(PT). Nesse partido, vários assistentes sociais ultrapassaram os limites de simples
militância, para se inserirem nos espaços parlamentar e administrativo, postos esses
conquistados pelas eleições diretas. No entanto, essa afirmação não significa que todos
os assistentes sociais vinculados à esquerda estivessem no PT. A inserção desses
profissionais, à época, verificava-se, também, a outros partidos de esquerda, dentre eles,
o PC do B e o PCB, sendo, que, nas fileiras do primeiro, existia um número
considerável de profissionais do Serviço Social, como demonstra Abramides e Cabral
(1995). Segundo as autoras, em um dos embates ocorridos entre os assistentes sociais
dos dois principais segmentos partidários PC do B e o PT –, o segmento dos
assistentes sociais vinculados ao PC do B compareceu com 20% a 25% do plenário
expressando a maioria absoluta para o PT. Porém, a oposição ao PT, no campo da
esquerda, não se resumia aos militantes desse partido o PC do B mas, este era o
grupo majoritário.
Em 1986, foi realizada a primeira eleição pelo voto direto para a direção do Cfas
com a participação de 12.489 assistentes sociais. A chapa única eleita para o triênio
1987-1990, de acordo com Vinagre, era formada “por um grupo de esquerda, mas que
tinha de forma hegemônica, uma influência partidária ligada ao PC do B. (...). A
presidenta e várias outras conselheiras eram militantes do PC do B” (Entrevista n. 1,
professora). O resultado da eleição, conforme documentos arquivados no Cfess
registram:
A chapa eleita obteve maioria absoluta, com 10.224 votos, atingindo
81,86% do total de votos, sendo que ocorreram apenas 7% de votos
nulos e 11% de votos em branco. A abstenção de quorum, a nível
157
nacional, apesar deste não ter sido alcançado em dois Regionais
Região/ Rio de Janeiro e Rego/ o Paulo foi possível pela
mobilização da categoria, conseguida na maioria dos Regionais, num
momento em que vigora o voto livre. A maciça votação na chapa
inscrita para concorrer o CFAS demonstra o apoio da categoria no
processo eleitoral direto desenvolvido pelo CFAS e a confiança na
chapa, hoje vencedora. (CFAS OF. CIRC. SEC/002/87)
Esse resultado da eleição para a direção do Cfas apresentou-se satisfatório em
relação ao total de votantes, 12.489, no entanto, tomando o total de assistentes sociais
aptos a dar o seu voto, os quais totalizavam 33.869, conclui-se que 37% deixaram de
comparecer às urnas. Outro aspecto a ser levado em conta é a falta de quorum nos dois
maiores colégios eleitorais: São Paulo e Rio de Janeiro, tendo em consideração o papel
histórico desempenhado pela Associação dos Assistentes Sociais de São Paulo (Apassp)
e da PUC/SP no processo de organização e articulação da categoria. Parte dos
assistentes sociais da diretoria da Anas residia em São Paulo. Papel não menos
relevante, desempenharam os assistentes sociais do Rio de Janeiro, organizados em sua
entidade, a qual indicou a assistente social Regina Marconi, a primeira presidenta da
Anas. Assim, fica uma questão em aberto: quais as razões que levaram os assistentes
sociais dos dois Estados, que concentram o maior número de profissionais, a não
comparecerem em massa às urnas na primeira eleição direta do Cfas?
As possíveis explicações poderão ser encontradas na dimensão político-partidária,
pois, na eleão seguinte para o período 1990-1993, a chapa da diretoria em exercício no
Cfas, concorreu com uma outra de oposição e foi derrotada. A chapa vencedora, de
acordo com Vinagre, foi formada por
um grupo, que estava através de alguns sujeitos ocupando alguns
Cress e que faziam oposição a esse grupo ligado ao PC do B
majoritariamente estava na entidade federal. (...) Esse grupo se
articula e constitui uma chapa para disputar o federal, para a próxima
gestão, para o (...) triênio que seria 90-93. Esse grupo se articula (...)
a partir da discussão programática da chapa, a partir do perfil dos
seus conselheiros. (...) E houve uma disputa que dividiu, porque não
era uma disputa entre setores ligados à direita e à esquerda, mas
158
dentro do mesmo pólo do ponto de vista político. (Entrevista, n.1,
professora)
Ressalta-se que, houve uma tentativa de aliança, da diretoria em exercício, para
que fosse lançada uma chapa única, mas a proposta foi rejeitada. A disputa de poder
entre as duas posições potico-partidária majoritárias era evidenciada, nessa época, nos
diversos espaços de organização da categoria. De acordo com Vinagre “no período
anterior alguns Cras eram dirigidos por assistentes sociais petistas que faziam
oposição à diretoria do Cfas” (Entrevista n.1, professora). Essa disputa manifestava-se,
ainda, em outros espaços de organização da categoria. Nesse aspecto, tamm em
1987, na assembléia do sindicato dos assistentes sociais do Distrito Federal, a mesma
foi explicitada na escolha da comissão eleitoral da Anas em que concorreram duas
chapas. No decorrer do debate, a representante da chapa de oposição, assim expressa ao
contestar o encaminhamento do processo: “o movimento do conjunto dos assistentes
sociais não expressa uma única unidade potica” (ATA DA ASSEMBLEIA, 1987, p.1).
Esta afirmação foi rebatida pela presidenta do sindicato do Distrito Federal, retificando
que aquela assembléia não era para debate e que a chapa dois estava perdendo espaço.
Vinagre considera que não
podíamos dizer que tínhamos divergência de fundo, mas
tínhamos do ponto de vista político, mas tínhamos divergências
de análise da realidade e divergência do ponto de vista do
entendimento da condução prática das estratégias (Entrevista
n.1, professora).
Essa disputa de poder no interior do movimento dos assistentes sociais
expressava-se, na divergência, a sua heterogeneidade. Esse aspecto é bastante
compatível com a análise de Fernandes (1994, p.123), ao destacar a dificuldade dos
sindicalistas em estabelecer uma unificação em nível de organização, “é preciso dar um
salto muito grande para que não percam os avanços conquistados. (...) a repressão
burguesa é cruel, tremenda, está sempre pronta por meios militares judiciais, e por meio
próprio do despotismo”.
159
O confronto de posições foi o traço marcante no processo de construção do projeto
profissional crítico, que se dava entre os assistentes sociais progressistas dentro do seu
próprio campo e, dele, com os conservadores.
Sales (1995), em sua análise, destaca que, enquanto o debate e a disputa
permaneceram nos fóruns poticos e acadêmicos da categoria, não foi possível
reconhecer os limites presentes tanto no Código de Ética quanto nas diretrizes
curriculares, ou mesmo nos movimentos concretos de autocrítica para a superação
desses limites. Esta superação somente ocorreu no processo de esgotamento do debate
teórico-metodológico. Tal esgotamento, segundo a autora, foi, também, uma exincia
da realidade social. O movimento político intelectual daí decorrente fez, assim,
arrefecer o debate sobre o método e se voltou para a exigência da substância social e
conteúdo técnico-investigativo que qualificasse o desempenho profissional dos
assistentes sociais (SALES, 1995, p.363).
De acordo com Sales (1995), a Abess, desempenhando o seu papel no processo de
formação profissional, buscou nas reflexões e debates superar as lacunas ainda presentes
nesse processo, condição que contribuiu para os assistentes sociais atingirem a
maturidade intelectual e política. A fim de estimular o debate, a crítica e a produção
teórica no âmbito do Servo Social, foi criado o Caderno da Abess
102
como um espaço
de circulação de idéias. “Trata-se da busca de um projeto profissional crítico que,
respaldado na melhor herança clássica e contemporânea do pensamento social na
modernidade, seja capaz de responder aos desafios colocados pela História à profissão
como atividade inscrita na divisão social”, afirma o Conselho Editorial (1993, p.4).
A Abess na condição de entidade responvel pela política de formão foi
procurando redimensionar suas ações, a partir das gestões iniciadas em 1981, de acordo
Carvalho (1993), repensando a formação profissional do assistente social para responder
os desafios da realidade contemporânea, o que exigia, segundo a autora, um repensar a
própria entidade Abess e a formação profissional. Neste aspecto, as discussões sobre,
A formação profissional do assistente social no Brasil determinantes históricos e
perspectivas, iniciada em 1982, representa, sem dúvida, um marco hisrico importante
102
O primeiro número foi lançado em 1993 com uma apresentação ao público feita pelo Conselho
Editorial, na qual se destaca que as análises nela contidas são frutos dos debates travados nas Unidades de
Ensino de Serviço Social, articulados pela Abess nas diversas regiões do país, contando com a
participação diferenciada de professores, estudantes e profissionais de Serviço Social. O Conselho
Editorial do Cadernos da Abess era formado pelas professoras: Alba Maria Pinho de Carvalho, Ana Maria
Petronetto Serpa, Elizete Cardozo, Josefa Batista Lopes, Maria Carmelita Yazbek, Maria Helena de
Almeida Lima, Maria Helena Hauta Ramos, Marilda Villela Iamamoto, Nobuco Kameyama e Vicente de
Paula Faleiros.
160
que hoje aponta para questões básicas a serem enfrentados no processo de redefinição
profissional”, como afirma Carvalho (1993, p.18).
A necessidade de ampliar as discussões sobre a Abess e sua política de ação para
os professores, estudantes, supervisores e a categoria profissional foi colocado na sua
XXIV Convenção. Para subsidiar as discussões, foi elaborado, um documento contendo
três pontos centrais: um, apontava as premissas analíticas, contendo a necessidade da
preparação científica do conjunto de profissionais para fazer face às demandas
colocadas para o Serviço Social. Considerava que a formação profissional era diferente
do simples preparar para o emprego. Ela pressupõe um projeto educacional, norteado
por diretrizes básicas que articula o ensino, a pesquisa e a extensão e que deve
ultrapassar o plano da mera transmissão de conhecimento.
Para Carvalho (1993, p.19)
Uma segunda premissa analítica é a determinação social da formação
profissional enquanto projeto educacional, configurando-se
determinantes estruturais ao nível do desenvolvimento do capitalismo
e determinantes conjunturais ao nível da dinâmica política de uma
dada formação social. Logo, é preciso discutir a formação
profissional no contexto das relações sociais. Isto exige que se tenha
presente, na análise do processo de formação profissional do
assistente social no Brasil, as exigências que o processo de
consolidação do capitalismo monopolista no pós-64 vem colocando
para o Serviço Social.
Uma terceira premissa refere-se à necessidade de se proceder à discussão da
formação profissional no contexto da Universidade brasileira, considerando seus limites
e possibilidades. Nessa perspectiva, Carvalho (1993, p.20), coloca que se deve levar em
conta a potica de modernização conservadora, de racionalidade empresarial
tecnocrática que vem dominando a Universidade brasileira (...) no pós-68, [sobretudo]
com a reforma universitária, com características que comprometem a função histórica
da universidade”, qual seja uma instituição social de natureza pública. Nesse contexto
esteve inserida a discussão sobre a revisão curricular de 1982.
Assim, a Abess propôs uma reformulação curricular em 1979, a qual, em 1982,
recebeu a aprovação do Conselho Federal de Educação e iniciou a sua implantação em
1984. Nesse sentido, Raquel Raichelis (1989, p.16) considera que, quando os resultados
161
da aprovação do currículo “chegaram à PUC-SP, começamos a questionar a proposta,
que apresentava incoerências e contradições que ficaram claras quando analisamos
politicamente a correlação de forças que se conjugaram na sua elaboração”. De acordo
com Martinelli (1989), a lacuna deixada entre a elaboração e a aprovação do currículo
de 1982, fez com que ele chegasse às escolas, superado. De acordo com Yazbek
(1989, p.16), o currículo foi, tamm resultante de uma série de acordos, que
expressa[va] as tendências contradirias do serviço social brasileiro daquele momento,
razão pela qual não (...) [foi] um currículo articulado, homogêneo”. Para Raichelis
(1989, p.16), “Ele foi negociado, em Convenção da ABESS, pela “forças vivas” da
profissão naquele momento. Portanto, ele é a expressão da correlação de forças que se
expressava e lutava pela hegemonia política”, naquele momento histórico. No entanto,
com o passar do tempo, os professores que defendiam a vertente da Intenção de
Ruptura foram conquistando novos adeptos. “Então, nessa trajetória, vai-se percebendo
o caminho da ruptura”, afirma Martinelli (1989, p.17).
Esse processo foi avançando e os professores vinculados à vertente da intenção de
ruptura conquistando os cargos de diretoria da Abess. De acordo com Martinelli (1989,
p.17), na presidência tem-se, “já em 1979 a Cândida Fontes, depois vem a Josefa Batista
Lopes e, depois a Carmelita Yazbeck”. Assim, no início da década de 1980,
possibilitou-se imprimir outra direção social e política na entidade dos professores,
enquanto que, no Cfas a esquerda chegou à sua direção por meio dos assistentes sociais
vinculados ao PC do B, e no final dessa década, mais precisamente em 1987. E, no
início da década de 1990 foram eleitos os assistentes sociais petistas, como foi
mencionado. Esse foi um dos percursos percorridos pela categoria no processo de
construção da hegemonia da vertente da Intenção de Ruptura que, com o passar do
tempo e em conjunturas favoráveis, foi se fortalecendo e se concretizou no projeto
ético-político do Serviço Social. Vale destacar que a partir do momento em que a
esquerda assumiu a direção das entidades manteve-se até o presente momento, o que
confirma a sua hegemonia na direção social e política das entidades. Afirmar que o
grupo da esquerda vem detendo a hegemonia da direção social da categoria não
significa que essa hegemonia não sofra ameaças.
No entanto, nesse processo, os assistentes sociais vinculados à vertente da
intenção de ruptura e organizados em suas entidades foram se apropriando e avançando
no entendimento da perspectiva teórico-metodológica marxista, superando os equívocos
e fortalecendo a construção de seu projeto profissional. Nesse sentido, no período de 9 a
162
11 de dezembro de 1992, na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, foi realizado
o Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Serviço Social promovido pela
Abess/Cedepss, cujo tema foi Produção Científica e Formação Profissional”. Com esse
encontro, propôs-se aprofundar a análise da realidade profissional no que tange à
produção científica, ao ensino e ao exercício profissional, e à importância da articulação
entre as demandas de natureza sócio-políticas atuais ao ensino de Serviço Social e à
pesquisa. Esse encontro, que iniciou a sua preparação segundo as diretrizes da XXVII
Convenção da Abess/Cedepss realizada em 1991, contou com a participação de
professores, estudantes (Enesso) e profissionais, e teve como uma de suas preocupações
garantir o espaço da troca de experiência entre os pesquisadores. Nesse evento,
estiveram representados na condição de convidados, a Anas, o Cfas/Cras e Sindicatos.
A avalião do evento considerou que foram atingidos os objetivos propostos, pois
possibilitou as discussões coletivas quanto à importância da pesquisa como instrumento
de reflexão crítica do ensino, e, de implementar a revisão curricular com a indicação das
diretrizes que devem orientá-la. Considerou-se o avanço efetivo da pesquisa do
Cedepss,na medida em que possibilitaram articular a unidade na diversidade que deve
direcionar esses processos”, registra o relatório técnico do Encontro (1993, p.128).
Iamamoto (1993, p.103), ao fazer o balanço das conquistas do Serviço Social na
década de 1980, considera que os assistentes sociais, herdeiros da ditadura e de seu
projeto de modernização, emergiram na cena social no processo de transição
democrática com um “novo perfil acadêmico-profissional, que representa (...) um salto
de qualidade na trajetória profissional” (). A pós-graduação foi ampliada e se desdobrou
no doutorado e foi obtido o reconhecimento científico das entidades fomentadoras de
pesquisa. “A Abess vem desempenhado um papel ativo em todo esse processo, assim
como o seu organismo acadêmico o Centro de Documentação e Pesquisa em Serviço
Social (Cedepss)”, de acordo com Iamamoto (1993, p.104).
De acordo com o relatório da proposta sica para o projeto de formação
profissional, elaborado por uma comissão composta por três professores sob a
supervisão de Iamamoto, as revies dos currículos, ocorrida nos fins de 1980 e início
de 1990, buscaram superar os limites do currículo de 1982 e trilhar novos caminhos, os
quais transcorreram em um clima polêmico, cujas divergências centraram-se, sobretudo,
no que tange ao núcleo básico do curso para o qual foi apresentada uma proposição para
que este fosse formado pela política social, outra proposta pela proteção social e uma
terceira pela questão social. Tais divergências foram apresentadas, em parte, na
163
entrevista com Iamamoto neste mesmo capítulo. As argumentações contrárias às duas
primeiras propostas indicaram que, mesmo a política social contendo componentes e
mediações essenciais da ação profissional, ela não toca na essência da realidade da
demanda do Serviço Social, o que indica o seu caráter restritivo como núcleo básico,
apesar de que a política social compõe um eixo importante e complementar da proposta
curricular em questão. Da mesma forma foi considerado que a protão social,
cuja fundamentação tendeu obscurecer a particularidade histórica que
reveste a profissionalização do Serviço Social, ao ressaltar as
regularidades históricas de longa duração que perpassam o conjunto
das expressões da proteção social sobretudo quanto aos usos e
costumes culturais – ao longo dos tempos. Dessa forma, fica diluída a
compreeno do Serviço Social como uma configuração particular da
divio social do trabalho, típica do capitalismo em sua fase
monopolista e, se lançarmos mão da periodização de Mandel, típica
da passagem do imperialismo clássico para o capitalismo tardio
(BEHRING, 1993) – bem como o sentido da atividade profissional na
contemporaneidade, que se altera à medida que muda o padrão de
acumulação e consequentemente de regulação social. (BEHRING,
1997, p.21-22)
No que se refere a questão social, considerada como elemento que dá concretude à
profissão, ela tem a sua base fincada na realidade histórico-social e é ela que explica a
desigualdade social, portanto, deve constituir o eixo ordenador do currículo.
Considerando ser esta posição hegemônica, a Abess definiu como eixo do curso de
Serviço Social, a questão social.
A divergência apresentada nas discussões do novo currículo centrou-se ainda na
discussão sobre história, teoria e método, que prevaleceu no currículo de 1982 e
também sobre a centralidade do exercício profissional no processo de formação. De
acordo com Iamamoto, foi destacada a marginalidade desta dimensão na formação do
assistente social e,
atribuir dignidade ao exercício profissional é colocá-lo como
centralidade no processo da revisão curricular. Ele foi tratado como
uma categoria teórico fundante na compreensão da ação humana,
164
pensada exatamente nas sua implicações na sociedade capitalista.
(Entrevista n.2, professora)
As diretrizes curriculares de 1996 foram construídas nos debates sistemáticos nas
diversas oficinas
103
onde as diferenças eram explicitadas e resolvidas no esgotamento
desses debates. Esse processo desenvolveu-se a partir de 1994, com o entendimento de
que “uma formação profissional supõe uma profunda avalião do processo de
formação face às exigências da contemporaneidade” de acordo com a Abess/Cedepss
(1997, p.58).
A formação profissional deve estar alicerçada em princípios os quais elaborados e
aprovados pela Abess são aqui destacados:
adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da
totalidade social em suas dimensões de universalidade,
particularidade e singularidade; rigoroso trato teórico, histórico e
metodológico da realidade social e do Serviço Social, que possibilite
a compreensão dos problemas e desafios dos quais o profissional se
defronta no universo da produção da vida social; ética como princípio
formativo perpassando a formação curricular; exercício do pluralismo
como elemento próprio da natureza da vida acadêmica e profissional;
caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação
profissional; Indissociabilidade nas dimensões de ensino, pesquisa e
exteno; indissociabilidade ente estágio e supervisão acadêmica e
profissional. (ABESS/CEDEPSS, 1997, p.61-62)
As diretrizes curriculares, norteadas por esses princípios, de acordo com o
documento aprovado pela Abess/Cedepss (1997) pressupõe capacitação teórico-
metodológica, ético-política e técinico-operativa”. A formação deve estar articulada
com as demais entidades da categoria. No campo da organização sindical político-
corporativo dos assistentes sociais Iamamoto (1993) destaca a Anas com uma ampla
103
“Entre 1994 e 1996 foram realizadas aproximadamente 200 (duzentas) oficinas locais, nas 67 unidades
acadêmicas filiadas à Abess, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais. Numa primeira etapa
procedeu-se à avaliação dos impasses e tensões que obstaculizam a formação profissional, numa
perspectiva contemporânea e de qualidade. Com base no diagnóstico foi elaborada e aprovada na XXIX
Convenção Nacional da ABESS, em Recife, dezembro de 1995, os pressupostos, diretrizes, metas e
núcleos de fundamentação do novo desenho curricular. A continuidade deste trabalho coletivo, em 1996,
através de realização das oficinas, com a assessoria de um grupo de consultores, conduziu à elaboração de
um segundo documento intitulado Proposta básica para o projeto de formação profissional: novos
subsídios para o debate” (COSTA CARDOSO, et al. 1996, p. 58-59 grifo do autor).
165
rede de representação advinda da expansão dos sindicatos e uma vasta experiência
profissional e sindical a contribuir no processo de formão juntamente com os
Conselhos Federal e Regional no sentido de uma qualificação que responda as
necessidades postas pela realidade social em cada momento sócio histórico.
Nesse sentido, destaca-se que, as exigências postas na contemporaneidade, na
década de 1990 marcada pela entrada do neoliberalismo no Brasil, trazem profundas
transformações no processo de produção e reprodução da vida social realizando
mudanças impostas pela reestruturação produtiva, que repercutem e apanham o
conjunto da vida social, sobretudo, na profissão.
O projeto neoliberal penetrou, no Brasil, com a eleição de Fernando Collor de
Melo (1990-1992) e teve sua continuidade nos dois mandatos de governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2003), como já foi mencionado. Esses governantes
encontraram o país em condições propícias para essa implantação e direcionaram o
Estado brasileiro a retrair-se em favor de estratégias de extração de super-lucros, com
flexibilizão das relações de trabalho, onde se incluem as tendências de contração dos
encargos sociais e previdenciários, vistos como custos para a produção ou gastos
dispendiosos do Estado (BEHRING, 2003, p.103). Conforme Oliveira (1995, p. 25), a
dilapidação do Estado (...) [favoreceu o] desespero popular, que via no Estado
desperdiçador, que Collor simbolizou com os marajás, o bode expiatório da má
distribuição de renda, da situação depredada da saúde, da educação e de todas as
políticas sociais”.
De acordo com Soares (apud BEHRING, 2003, p.107), “há um retorno (...) às
organizações sem fins lucrativos, ONGs [organizações não governamentais] e
organizações filantrópicas o chamado ‘terceiro setor’, categoria tão bem
desmistificada por Montaño (2003) como agentes do bem-estar, substituindo a política
pública”.
Ainda, para Behring (2003), essas entidades não complementam uma rede pública,
como preconiza a Constituição brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), mas ocupam o
espaço como “forma primeira de viabilizar o atendimento das necessidades, este apelo
ao ‘terceiro setor ou à ‘sociedade civil’ configura-se um verdadeiro retrocesso
histórico”, de acordo com Behring (2003, p. 107). Segundo Behring (2003), concretiza-
se, dessa forma, o que Yasbek (1993) chama de refilantropização da assistência social,
realizando, assim, um retorno ao passado, sem esgotar as possibilidades da política
166
pública estabelecida pela Constituição e regulamentada pela Lei Orgânica da
Assistência Social-Loas (BRASIL, 1993).
Sales (1995) em sua análise sobre a organização dos assistentes sociais, considera
que as posições dos atores no decorrer de uma cada e meia e no que se refere ao
movimento sindical da categoria caiu em um profundo refluxo, tendo como ápice a
extinção da Anas em 1994, para descontentamento e desespero de muitos assistentes
sociais, preocupados com o baixo nível salarial da profissão e (...) as péssimas
condições de trabalho” (SALES, 1995, p.363).
A extinção da Anas
104
foi deliberada na VI Assembléia realizada em setembro de
1994, quando foram reafirmadas as orientações da CUT para que os profissionais
organizados por categoria profissional inserissem na organização dos trabalhadores por
ramo de atividades. A sua criação foi um processo de discussão nas bases da categoria
com amplo debate nos diversos fóruns, que durou sete anos, e envolveu os assistentes
sociais de todo país. O mesmo procedimento foi adotado para sua extinção. A Anas em
seus dez anos de existência manteve uma luta intensa no processo de ruptura com o
conservadorismo no Serviço Social, em uma ação articulada com as demais entidades
da categoria.
A Anas, ao optar pela inserção no ramo produção, trazia em seu bojo a experiência
da luta dos assistentes sociais por um piso salarial
105
e a redução da jornada de trabalho.
Estas reivindicações constituíram-se em bandeira de luta na organização da categoria, a
partir do final da década de 1970, quando em 1986, o Projeto 4.645/84, após ser
aprovado no Congresso Nacional, recebeu o veto do então Presidente Sarney. Esta luta
por redução da carga horária, de 40 para 30 horas, sem redução salarial foi retomada e
em 28 de agosto 2007 apresentada na Câmara dos Deputados, recebeu aprovação e
permanece até os dias de hoje em tramitação no Congresso Nacional.
104
A extinção da Anas foi um processo no qual “o novo se impôs com força sobre o velho o natural,
mas verdadeiramente como construção trazida pelasos da dirão da Anas e discutida, incorporada,
rejeitada, apoiada ao longo de três assembleia sindicais: a de 1989, em Campinas, a de 1991 em Belo
Horizonte e a de 1994, em Brasília” (VIEIRA et all, 1995, p. 160). Segundo as diretoras da Entidade,
responsáveis pelo encaminhamento de finalização das atividades, este processo foi acompanhado pela
CUT sendo que o seu representante esteve presente na última assembleia da Anas juntamente com
representantes do Cfess e da Abess. De acordo com Ramos (2006), os sindicatos que continuaram a atuar
foram: Ceará, Alagoas, Porto Alegre e Pelotas, no Rio Grande do Sul. O sindicato dos assistentes sociais
do Rio de Janeiro que havia sido desativado, em 1990, foi reativado em 1995.
105
Os assistentes sociais reivindicavam um piso salarial de 8,5 salários mínimos por uma jornada de
trabalho de trinta horas semanais. O acordo estabelecido na negociação foi rompido pelo PMDB, por
“intermédio do deputado J.G. de Araújo Jorge (RJ) que estabeleceu o rebaixamento de 8,5 salários
mínimos para seis salários mínimos por trinta horas semanais” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.166).
167
Os obstáculos registrados nessa luta, nos anos 1980, constituíram-se em elementos
balizadores da importância de que a organização sindical mais forte era a geral, como
afirma Braga (2001), pois aquela luta evidenciou a fragilidade da organização de uma
categoria para garantir vitória em suas reivindicações.
A organização sindical proposta pela CUT constituía-se, ainda, em uma estratégia de
buscar romper com o corporativismo presente no movimento sindical. No entanto,
Braga (2001, p.2) considera que o
trânsito para o ramo não foi empreendido por todos os segmentos,
ficando mais como um projeto do que como um processo, (...)
especialmente àquelas dos profissionais liberais, com forte tradição
corporativa (...). Esse processo atingiu apenas algumas categorias
como dos nutricionistas, dos assistentes sociais e recentemente
começou a mobilizar outras, como dos psicólogos.
De acordo com Braga (2001), esse fato contribuiu para o isolamento da decisão
histórica dos assistentes sociais. Por meio de “sua organização [os assistentes sociais]
estiveram construindo a CUT, e, em nome da Central apostando em uma nova forma de
organização dos trabalhadores que se pretendia democrática, classista, de base”, como
afirma Vieira (et all., 1995, p.160).
No entanto, ao extinguir a Anas, em 1994, os assistentes sociais deixaram de
considerar que o momento histórico era adverso daquele que orientou a organização por
ramo. A extinção da Anas acabou por deixar uma lacuna na questão sindical da
categoria ficando o espaço aberto para o conservadorismo ocupar. A CUT nacional
optou nos anos 90, pela construção de federações e confederações orgânicas, além da
construção dos ramos, iniciando o processo de organização por ramo profissional, e não
mais por categoria”. O que vale dizer voltou atrás em sua direção política. Ao tratar do
corporativismo sindical, Freitas
106
(2008) assim expressa:
Sob o aspecto corporativista o debate pode ocorrer dentro de nossas
federações ou confederações orgânicas à medida que dirigentes
vislumbrem a possibilidade (...) de permitir o ingresso ou
permanência de sindicatos não filiados, aumentando assim sua base
de representação e seu poder de negociação. Ocorrendo este
106
Wagner Freitas é secretário nacional de Política Sindical da CUT.
168
processo, sem dúvida a federação ou confederação ganha, mas a CUT
perde, pois nos rendemos a uma posição corporativista em prejuízo
de nossa concepção maior que é o fortalecimento da nossa central
sindical. (Arquivo da CUT)
Em uma conjuntura adversa dos anos 1980 o sindicalismo de resultado toma força
e rebate na CUT. Esta opera mudanças em sua direção potica nos rumos da entidade
alinhada ao projeto social-democrática”, segundo Iamamoto (2008, p.328). não
prioriza a organização por ramo de atividades, apesar de reafirmar ser essa concepção
mais avançada, justifica a sua mudança de posicionamento na realidade que não se
apresentava favorável. Dessa forma, a organização por ramos não foi além de uma
proposta para o conjunto dos trabalhadores.
3.2 O projeto ético-político: um processo em construção
Conquistada a direção das entidades da categoria por um seguimento dos
assistentes sociais que tem sua opção política pela intenção de ruptura com o
conservadorismo, sobretudo, pela tradição marxista, e a maturidade intelectual e política
desse segmento, foi dado continuidade às discussões para reformulação do digo de
ética. Estava em curso, também, a implantação do novo currículo, aprovado pelo Mec
em 1982, com exigência de sua implantação à partir de 1984. Tramitava na Câmara o
projeto de lei de regulamentação da profissão. Porém, tanto o digo de Ética
reformulado em 1986, quanto o currículo de 1982, apresentavam equívocos que
deveriam ser superados. O código de ética de 1986, se tomado em relação ao código de
1975, apresentava avanços consideráveis, como afirma Vinagre,
o documento do código de 1986, que sem dúvida, teve uma
importância enorme do ponto de vista trico e político porque
rompeu com a ética da neutralidade, porque traz o compromisso de
classe e traz uma grande novidade (...) o rompimento com o
corporativismo na categoria, que o código coloca, inclusive a
possibilidade, de o próprio assistente social denunciar o colega.
(Entrevista n.1, professor)
No entanto, segundo Vinagre o código de ética de 1986
169
apresentava problemas epistemológicos e (...) éticos. Na verdade
(...) [era a] expressão de um momento em que se avançava, no
início de 80, muito do ponto de vista teórico. (Entrevista n.1,
professor)
Da mesma forma, o currículo mínimo do curso de serviço social, aprovado pela
Abess em 1979 e referendado pelo Conselho Federal de Educação em 1982, de acordo
com Yazbek, et al. (1984), apresentava-se carregado de ambiguidades e imprecies
conceituais e analíticas “expressões da diversidade de pontos de vista em confronto no
interior da categoria quanto a formação profissional (p. 32). Conservava uma definição
histórica da profissão que concebe o homem como ser histórico, porém não situado
historicamente. Referia-se a uma dinâmica da realidade sem, entretanto definir as
“forças e contradições. Segundo Yazbek et al. (1984, p. 40), o
ponto de partida para se definir o currículo, portanto, já
reproduz um traço de origem que a produção teórica do Serviço
Social ainda não superou e que traz comprometimento ao
restante da proposta, na medida em que as formulações são
amplas e genéricas o suficiente para acomodar as mais diversas
interpretações.
O currículo formulado pela Abess e legitimado na Convenção de 1979, que deu
sustentação ao currículonimo aprovado pelo Mec, foi o resultado de uma negociação
possível de uma heterogeneidade de posições das diversas instituições de ensino de
Serviço Social, para aquele momento histórico. Mesmo considerada uma proposta
avançada, deixou rias lacunas em relação a maturidade teórica atingida pela categoria
na década de 1980. Dessa forma, ele foi oficializado trazendo a exincia da sua
reformulação.
Assim, com avanços e recuos esse seguimento da categoria foi tecendo o projeto
profissional articulando a direção política da formação profissional, o código de ética e
a lei de regulamentação da profissão, com o fortalecimento da direção sócio-política
exercida pelo conjunto das entidades da categoria, sustentada nos princípios e valores
como:
170
a liberdade (não formal, negativa, mas que considere a
potencialidade), a democracia substantiva (e a democratização; a
cidadania e sua expano, ampliando os direitos humanos, civis,
políticos e sociais; a justiça social (e a igualdade social, que não se
confundem com a identidade); as políticas sociais universais, o
contributivas, de qualidade e constitutivas de direito de cidadania; a
ampliação da esfera pública; a eliminação de toda forma de
exploração, dominação e submissão como sistema de convivência
social e de desenvolvimento de uma essencial cidadania e da
emancipação humana. (MONTAÑO, 2006, p.144)
Esse tem sido o compromisso de um seguimento dos assistentes sociais inseridos
na organização política de suas entidades
107
que, de forma articulada, imprimiram uma
dinâmica nos debates, nas tomadas de decisões, e foram construindo um projeto
profissional critico. Tratou-se de um processo desenvolvido nos diversos contextos
históricos e que foi permeado pelas disputas travadas entre o centro e a periferia do
capitalismo monopolista e expressas em suas diversas formas. Do populismo às
ditaduras militares e, finalmente, à adoção dos princípios neoliberais, norte do processo
de reestruturação do capital do pós-1970, conforme os ditames do denominado
Consenso de Washington, para América Latina, como afirma Monto (2003, p.16),
consubstanciados “na flexibilização dos mercados nacional e internacional, das relações
de trabalho, da produção, do investimento financeiro, do afastamento do Estado das
suas responsabilidades sociais e da regulação social entre capital e trabalho”. Um
Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital que garanta a hegemonia deste
último.
O processo histórico da construção do projeto ético-político no Serviço Social
brasileiro, de acordo com Netto (1999, p.93), teve suas bases na passagem transição da
década de 1970 à 1980, um período marcado pela recusa e crítica do conservadorismo
profissional. É nesse processo de recusa e crítica que estão as raízes de um projeto
profissional novo – precisamente o projeto ético-político”. Esta construção alicerçou-se
nos fundamentos ontológicos do ser social, os quais rearticulam um conjunto de
medidas norteadas pela crítica teórica e oposição ético-política ao conservadorismo, que
107
É importante destacar que as entidades da categoria trazem tempos diferentes em sua participação no
processo de construção de um projeto profissional crítico. Nesses espaços ocorriam os embates entre os
projetos profissionais conservador e crítico.
171
esses assistentes sociais passaram a nortear os rumos para um projeto profissional
crítico.
Nesse sentido, de acordo com Guerra (2007, p.22-23),
os projetos profissionais por mais que possam representar de
maneira mais próxima, adequada e complexa as condições reais de
inserção profissional na divisão do trabalho, o mercado de trabalho
profissional na atualidade e a cultura historicamente construída pela
profissão – ocupam o âmbito da projeção. Trata-se de uma
antecipação ideal, de modo que circunscreve ao espaço de
possibilidade. Um projeto profissional constitui-se como guia para a
ação, posto que estabelece finalidades ou resultados ideais para o
exercício profissional e as formas de concretizá-lo. Seu âmbito é o da
sistematização em nível da consciência que se tem dos processos e
práticas sociais, das finalidades propostas e dos meios para a sua
realização. Para tanto, faz-se necessária uma problematização crítica,
sobre as tendências e perspectivas teóricas, metodológicas, éticas,
políticas e operativas existentes no interior da profissão.
O projeto profissional do Serviço Social em construção, Netto (1999), ao remontar
aos anos de 1970 e 1980 destaca que, o início da crítica ao conservadorismo es
colocado em um patamar diferente, na década de 1960, no movimento de
reconceituação latino-americano. Portanto, pode-se afirmar que, a partir da década de
1960 –, estão os primeiros sinais de um projeto profissional critico no Servo Social em
um outro nível de discussão, uma vez que se localizou em momentos históricos
diferentes de uma realidade concreta, na qual o processo de articulação das entidades da
formação profissional assume papel relevante.
A construção desses projetos, em seu percurso, vem sendo delineada pelos sujeitos
coletivos organizados pelo conjunto de profissionais que realmente configuram a
profissão, o que vale dizer não somente os profissionais de campo, mas todos aqueles
que contribuíram para sua efetivação. De acordo com Netto (1999), é por meio da sua
organização, envolvendo os professores, os pesquisadores, os estudantes e os
profissionais, “que uma categoria elabora o seu projeto profissional. Se pensarmos o
Serviço Social brasileiro, a organização da categoria compreende o sistema Cfess/Cress,
172
a Abepss, a Enesso, os sindicatos e demais associações dos assistentes sociais”
(NETTO, 1999, p.95).
No entanto, esta construção não se de forma aleatória, mas inserida em um
processo legitimado por meio de estatutos que lhe são conferidos pelo Estado e a partir
do qual passa a ser reconhecido pela sociedade. Que tem exincias e, de certa forma,
determina a sua organização para atendê-las.
Portar um conjunto de valores universalistas, humano-genéricos,
orientar-se por uma teoria social crítica e assumir uma postura
profissional comprometida com o atendimento das necessidades
humanas que tem na vida seu princípio básico é de fundamental
interesse de toda sociedade. Deste modo, os projetos profissionais
devem necessariamente incorporar as necessidades, os valores, os
anseios universais, referentes à sociedade, representando-os, para o
que tem que conhecê-los. Isso reforça a dimensão intelectual do
projeto profissional que demanda um profissional que tenha um
rigoroso domínio teórico-metodológico e que adote uma postura
investigativa visando apanhar as tendências do desenvolvimento
histórico. (GUERRA, 2007, p.16)
Nessa direção, a década de 1960 abriu espaço para o Serviço Social comprometido
com o atendimento das necessidades humana ursurpada como uma consequencia
decorrente da questão social. Mesmo não se propondo a reconstruir a trajetória do
Serviço Social, Carvalho (1983), destaca alguns pontos que considera relevantes para o
avanço do Serviço Social brasileiro, no marco da ditadura militar. Dentre eles, o
fortalecimento de uma esquerda cristã com grande inflncia sobre os assistentes
sociais, quer pela convivência no interior do bloco católico, quer por meio das escolas e
do movimento dos estudantes de Serviço Social. Tal convivência favoreceu o
rompimento de um dos segmentos dos assistentes sociais com os conservadores. Esse
processo acumulativo foi fruto de uma outra concepção teórica (da tradição marxista)
108
,
de uma inserção nos movimentos sociais, em ações da Igreja Católica progressista e
nos debates em diversos runs da categoria. Segundo Carvalho (1983, p. 367), “o
108
É importante a atenção para o início da convivência dos assistentes sociais com o pensamento de
Marx, que ocorreu de forma enviesada como afirma Netto (1991), Quiroga (1991), dentre outros autores.
173
rompimento de parcela do meio profissional com a tradição conservadora da instituição
partira, essencialmente, do interior do próprio movimento católico”.
Para a autora o pano de fundo que gestou a ditadura militar foi uma intensa crise
no continente latino-americano no quadro do colapso do populismo e de uma
reorientação tática do imperialismo em relação às sociedades dependentes.
Internamente, tem-se uma conjuntura potica e econômica, cujas tensões vão culminar
em expressivas mudanças na correlação de forças” (CARVALHO, 1983, p.367). Essas
mudanças trazem, de um lado, o conservadorismo no Serviço Social brasileiro pelo
grupo hegemônico e, de outro, os assistentes sociais que defendiam, e continuam
defendendo a ruptura com o conservadorismo. Estes últimos, mesmo com as restrições
advindas da ditadura militar, mantinham articulação com o Serviço Social nos demais
países latino-americano
109
onde o processo de Reconceituação, ainda, estava em curso.
Para Rodrigues Silva (1991) a rejeição ao grupo hegemônico no Serviço Social à
época, explica uma articulação mais efetiva dos assistentes sociais “adeptos do
marxismo com os segmentos profissionais que comungavam das mesmas idéias em
outros países” (RODRIGUES SILVA, 1991, p.88), a partir do final da década de 1960.
Nesse movimento localizava-se o embrião de um outro projeto profissional no Serviço
Social, de natureza crítica e de negação radical à neutralidade. De acordo com Guerra
(2007, p. 9), a orientação de um projeto profissional crítico indica
a possibilidade de construção permanente de perfis profissionais,
dentre eles o do profissional que conhece suas competências e
imprime qualidade técnica às suas ações com uma direção crítica
clara e consciente, visando a defesa permanente dos direitos sociais e
humanos, considerados como conquista da humanidade, herança das
lutas dos movimentos sociais e trabalhistas progressistas, de modo a
superar a histórica vinculação profissional com o conservadorismo.
Para Ramos (2006, p.172), é de importância fundamental na luta contra a lógica
neoliberal, assegurar as conquistas hisricas da formão profissional, articulado ao
109
Os assistentes sociais brasileiros que participaram da dirão da Associão Latino-Americana de
Escolas de Trabalho Social (Alaets), foram: Seno Antônio Cornely o seu presidente em 1977. Na década
de 1970, Leila Lima Santos foi diretora do Celats. Os assistentes sociais brasileiros mantiveram uma
participação considerável nos Seminários realizados naqueles países, organizados pela Entidade. Nos
anos de 1980, participaram da sua dirão Josefa Batista Lopes na condição de Vice-Presidente na gestão
1983-1986 e Presidente da Alaets/Celats no período de 1986-1990. Marieta dos Santos Koike foi Fiscalia
Junta Diretiva Alaets/Celats na gestão 1995-2001. Jussara Rosa Maria Mendes, também foi membro da
Junta Diretiva da entidade latino-americana.
174
projeto ético-político, no sentido de fortalecer um projeto de formação profissional que
tenha em conta as lutas sociais travadas pelos sujeitos coletivos e a crença em suas
capacidades de construírem novos padrões de sociabilidade.
Netto (1999) também ressalta que o projeto profissional é uma construção de
sujeito coletivo, um universo heterogêneo. Assim, o projeto ético-político do Serviço
Social brasileiro, gestado em espaços de organização da categoria, foi tecendo, em seus
processos, mais recuos do que avanço da ruptura com o conservadorismo na cada de
1990, uma vez que, nesses anos,
o projeto socialista revolucionário parece experimentar um refluxo
irreversível. A crise do socialismo é apresentada como a agonia de
ideários que, prometéicos, buscavam a superação da ordem burguesa;
a pós-modernidade é a sepultura da revolução e esta é mostrada
como o dinossauro da racionalidade do século XIX. À base do seu
proclamado fracasso, procura-se infirmar o seu suporte elementar: a
teoria de Marx é desqualificada. A ordem burguesa recupera a
(pseudo) legitimidade que se supunha típica da sua apologia mais
descarada: o velho mito (velha tipificação) do fim da história
ressurge e ganha ampla ressoncia. (NETTO, 2001 b, p.11)
Na aparência, os avanços em direção a uma outra ordem social revelaram
constituir-se em um equívoco, e sua sustentação (a teoria marxiana), um conjunto de
erros. Portanto, o desvio deve ser corrigido e o retorno à sociedade livre fundada no
mercado deve ser administrado de forma razoável e honesta. Os “melhores candidatos à
gestão são os chamados neoliberais, ainda que se tolerem, [em alguns] casos, as
aspirações socialistas ditas democráticas” (NETTO, 2001b, p.11).
Essa controvérsia, marcado, por um lado, pelo questionamento do paradigma
positivista, que vem de longa data, e de outro, mais recente, da própria racionalidade
moderna, tem sido nomeado, em algumas situações como crise de paradigma. Para
Netto (1992), esse conceito, dado sua vinculação estrita a ciência paradigmática (a
sica, por exemplo) não se adequaria a definição das controrsias presentes nas
ciências humanas e sociais, como foi originalmente formulada por Thomas Kuhn, em
sua obra as estruturas das revoluções científicas (publicada pela primeira vez no ano de
1962).
175
Esse debate, no primeiro momento, não constita objeto de discussão entre os
assistentes sociais. Além disso, afirma Netto (1992), seu marco não se localiza nas
Ciências Sociais, mas “no interior do debate que, imantado pela sica, rebateu na
elaboração da chamada Nova Filosofia da Ciência, obras em escala diferencial de
pós-poppianos como Lakatos, Watkins, Agassi, dentre outros” (NETTO, 1992, p.8).
A polarização entre razão e vida, experiência imediata e abstração, atualidade e
história”, que se trava, na trajetória do pensamento ocidental, a partir do século XX não
é nova e muito menos sem importância, de acordo com Zaidan Filho (1989, p.20). Para
o autor, essa polêmica foi recolocada em um contexto de uma profunda crise da
modernidade, na qual a sociedade contemporânea expressa as contradições que lhe são
inerentes, constituindo-se em solo fértil para o novo irracionalismo que emerge nesse
momento histórico. A chamada s-modernidade reproduz seus traços e características
de uma sociabilidade “forjada no império do signo, da informática, dos meios de
comunicação de massa (...) apresenta características que estão na base dessa concepção
irracionalista da História” afirma Zaidan (1989, p.20).
Nesse sentido, para Zaidan Filho (1989), processa-se uma desreferencialização do
real, e com base nessa abordagem não se estabelecem relações com a realidade
objetiva, mas uma relação simbólica da realidade, melhor dizendo, uma relão
simulada. As determinações ontológicas perdem o sentido, portanto, desaparecem,
tornando-se inúteis no processo de conhecimento. “Não real e muito menos um
sentido do real. somente um simulacro, a imagem, a representação (imaginária)
dessa realidade. Esta é a única realidade”, assinala Zaidan Filho (1989, p.21). Outro
aspecto que o autor destaca na pós-modernidade é a sua inflexão imediata sobre a teoria
da História, a dessubstancialização do sujeito, que reduz tudo a meras sensações. Dessa
forma, o sujeito é fragmentado, esfacelado pelas múltiplas imagens fabricadas pela
instria cultural, redefinindo a perspectiva totalizante e racional da forma do olhar da
historicidade. A desmaterialização do social, para Zaidan Filho (1989, p. 22), acrescida
da fragmentação do individual, no mundo histórico, torna-se “um fantástico
caleidoscópio de micros-objetos, sem sentido, sem hierarquias causais, sem razão”.
Netto (1992) destaca que os questionamentos presentes no debate contemporâneo
o se dirigem somente aos padrões positivistas, mas também à tradição de Marx, o que
vale dizer, a crítica se faz aos referenciais teóricos clássicos da modernidade, e a
solução apresentada para a problemática em questão que segue, sobretudo em três
direções:
176
a primeira é seguida pelo neo-irracionalismo não aquele
irracionalismo tematizado por Lukács, mas o que identificando
sumariamente a razão clássica com a racionalidade instrumental,
desqualifica-a para dar conta do vivido social. (...) A segunda via é a
que, incorporando a crítica à irracionalidade instrumental, pesquisa o
vetor distinto da razão comunicativa. (...) Um outro caminho é o
consistente na proposta lukácsiana (do último Lukács) de uma nova
leitura de Marx: a leitura que apanha na arquitetura marxiana uma
ontologia do ser social, propiciadora da superação das contaminações
positivistas que afetaram a tradição marxista e qualificada, ao mesmo
tempo, para readequar a herança de Marx. (NETTO, 1992, p.14-15
grifos do autor)
Afirma o autor que há duas posições presentes na controvérsia dos paradigmas das
ciências sociais no debate contemporâneo, envolvendo, na realidade, duas posições de
negação: uma que nega os paradigmas positivistas, mas que apresenta uma crítica
fecunda e, outra, que nega qualquer paradigma que apresente uma vocação totalizadora
e a sua crítica apresenta-se repleta de ambigüidades, abrindo caminhos para o neo-
irracionalismo. No campo do Serviço Social, Netto (1996, p.112-113, grifo do autor)
declara que a consolidação da vertente intenção de ruptura com o conservadorismo
contribuiu para que a profissão procedesse a sua renovação teórico-cultural e colocou a
tradição marxista “no centro da agenda intelectual da profissão: todas as polêmicas
relevantes (...) foram decisivamente marcadas” pelo pensamento de Marx. No entanto,
essa predominância vem sofrendo as influências e conseqüências das críticas que estão
presentes no debate acadêmico com a avalanche da s-modernidade em sua visão
neoconservadora. No entendimento de Netto (1996, p. 114, grifos do autor), se, no
espaço universitário, a intenção de ruptura com o conservadorismo originou-se e
ganhou força, tem sido nesse espaço que os atores adeptos daquela vertente de
pensamento a s-modernidade organizam-se e desqualificam os fundamentos da
tradição marxista. Ali, esta desqualificão ganha corpo, colocando o racionalismo
dialético no mesmo patamar da “razão miserável positiva, e ambos são inapelavelmente
impugnados como paradigmas anacrônicos; o humanismo marxista é acoimado de
eurocêntrico; a perspectiva de totalidade é equalizada à vontade totalitária” .
177
Desta forma, permanecem no cenário das universidades brasileiras os embates
entre as duas concepções, ficando os assistentes sociais, defensores de um projeto
profissional crítico, que busca romper com o conservadorismo, criticados e rotulados
como ortodoxos qualificados de dogmáticos. Essa crítica traz em seu bojo a proposta
para ampliar, abrir e flexibilizar conceitos, todos com a relativização da verdade
110
,
que se constitui, na realidade, em uma abordagem fundada na perspectiva da
subjetividade. Esta perspectiva teórica incorpora autores que defendem outras
concepções, dentre elas, a pós-moderna, enquanto que a primeira a perspectiva
histórico-crítica –, está fundada no pensamento de Marx e na tradição marxista que
concebe a ontologia do ser social, portanto, articula a objetividade e a subjetividade da
totalidade.
Nesse contexto do debate acadêmico e político onde rebatem as transformações
societárias, as quais trazem em seu bojo a ofensiva neoliberal, os assistentes sociais,
identificados com a tradição marxista continuam a construção do projeto profissional
crítico do Serviço Social, na dimensão que se consubstanciam os digos de Ética
Profissional formulados em 1986 e em 1993. Esses dois códigos expressam em seu
processo de formulação a maturidade teórica dos assistentes sociais brasileiros, a qual
vai sendo adquirida também em um processo de formação intelectual e política,
expressa na elaboração do digo de 1993 fundamentado na ontologia do ser social,
que considera,
em seus fundamentos ontológicos, a moral é parte da práxis
interativa; é fundada sobre posições teleológicas que não se vinculam
diretamente à esfera econômica, mas dependem dessa base para se
reproduzir. Sob essa perspectiva, contém uma série de
potencialidades emancipadoras: é uma expressão da capacidade
autolegisladora do ser social; supõe a adoção de valores, a escolha
entre eles; torna o indivíduo responsável pelos seus atos, amplia sua
110
O pluralismo metodológico é entendido ora “como ecletismo, ou seja, a liberdade de tomar idéias de
vários autores e articulá-las segundo a conveniência do pensador. Isso normalmente é feito sem o cuidado
de verificar com rigor a compatibilidade de idéias e paradigmas diferentes, dando origem a uma colcha de
retalho, quando mais, inteligentemente tecida. É bom ressaltar que há ecletismo de baixo e altíssimo
nível. [Ora], ele é entendido no sentido do relativismo, cuja afirmação essencial é de que não há verdade,
mas apenas verdades, não há métodos, mas apenas métodos. Verdade, critérios de verdade, método, todos
eles têm um valor relativo porque todos eles são parciais. Teríamos, neste caso quando levado ao
extremo, e chamado pós-modernismo. O pluralismo metodológico, porém, pretende o ser nem
dogmático, nem eclético e nem relativista. Pelo menos aquele que se declara anti-pós-moderno (TONET,
1995, p.36).
178
consciência, estabelece vínculos sociais, propicia um exercício de
autonomia entre outros. (BARROCO, 2007, p.44)
Essas reflexões tiveram a pretensão de deixar claro o entendimento de um projeto
profissional em uma perspectiva crítica sustentada por um projeto de sociedade que
tenha em seus horizontes a defesa intransigente da emancipação humana. Esse projeto
ético-político tem uma construção histórica breve no Serviço Social como afirma Netto
(1999), mas as rzes de sua direção política, norteada pela vertente de intenção de
ruptura, sobretudo, de seu segmento marxista, estão fincadas bem distantes, nos marcos
do projeto dos trabalhadores quando adquiriram uma consciência para si. Condição esta
posta na década de 1980 quando, de um lado, os assistentes sociais identificados com a
vertente da intenção de ruptura e oriundos do movimento sindical passaram a assumir a
diretoria de conselhos profissionais e dar a eles outra direção social, construindo sua
democracia interna e fortalecendo a articulação com as entidades nacionais da categoria,
como a Anas, a Abepss, Cfess e a Enesso. Essa década, de acordo com Ramos (2005),
marcou as mudanças ocorridas no redimensionamento das atividades de fiscalização
profissional a partir da aprovação do Código de Ética de 1986, que expressou o projeto
profissional da categoria vinculado às lutas dos trabalhadores. De acordo com Netto
(1999, p.102), o mais
notável nesta acumulação teórica é que, naquilo que teve e tem de
mais expressivo, ela assinala a incorporação de matrizes teóricas e
metodológicas compatíveis com a ruptura do conservadorismo
político: data de então a aberta utilização de vertentes críticas com
destaque para as inspiradas na tradição marxista.
As mudanças ocorridas no digo de Ética de 1986, consubstanciam-se em três
dimensões, quais sejam: a negação dos pressupostos metafísicos e idealistas, da
neutralidade e do papel profissional tradicional, que significam uma superação, com
vistas a uma prática que tenha como pressuposto o real, e não modelos ideais abstratos”
(BARROCO, 2005, p.120).
De acordo com Barroco (2005), o Código de 1986 ao vincular a categoria
comprometida com a classe trabalhadora, acaba não representando o segmento que não
tem este compromisso. Assim, o Código de 1986 já colocava a necessidade de sua
179
reformulação e expressava como desafio a construção de um Código de Ética que
contemplasse o pluralismo.
Para a autora, o Código de Ética deve conter duas dimensões: uma, de princípios
gerais referidos a valores, outra referente à operacionalização prática dos mesmos”.
(BARROCO, 2005, p.121). Desta forma, no digo, o compromisso deve ser com os
valores e não com uma classe. Sendo assim, ele deve estar envolvido com os valores
que estão presentes nos movimentos progressistas da sociedade como: democracia,
liberdade, justiça igualdade, cidadania e solidariedade. Esses valores devem ser
operacionalizados no sentido de garantia dos direitos dos usuários, assegurando-lhes a
participação nas tomadas de decies no que se refere aos bens e serviços que lhes o
prestados pelas instituões. O digo de Ética de 1986, mesmo com suas debilidades,
significou um avanço do “projeto profissional que conseguiu se legitimar e se tornar
hegemônico no confronto plural com outros paradigmas (SILVA, 2005, p.143). De
acordo com Barroco (2007), a superação das fragilidades teóricas contidas no Código de
1986, ao serem objetivadas na elaboração do novo Código de 1993, mostra que houve
avanço teórico em decorrência do acumulo anterior. A sua elaboração esteve marcada
por um contexto em que a sociedade civil estava sensibilizada para as questões éticas,
que culminaram no impeachment do Presidente da República Fernando Collor de Melo.
O processo de discussão do novo Código foi desencadeado no início da década de
1990, quando a categoria já com um acúmulo ético-político, teórico-metodológico e
técnico-operativo significativo e considerável amadurecimento
111
teórico e inserção
política, reafirmou a necessidade da reformulação do digo de Ética. Nesse ano, as
entidades nacionais da categoria (Anas, Abess, Cedepss, Cfas e a Enesso)
desencadearam a discussão sobre a ética, tendo em vista redimensionar os valores e
compromissos ético-profissionais como um processo de construção coletiva.
A reformulação do Código de 1986 foi conduzida na ótica de uma
polemização inclusiva da questão da ética e com o apelo à mais
ampliada participação dos assistentes sociais. Salvo grave erro de
análise, o processo de que resultou o Código de 1993 não tem similar
111
Na primeira metade dos anos de 1990 os assistentes sociais passaram a ter uma maior convivência com
o pensamento de Lukács cuja presença tornou-se marcantes nas produções acadêmicas, nos debates e
encontros da categoria. O “recurso à ontologia social afirma-se como parte da trajeria do
amadurecimento da tradição marxista no Serviço Social. Contribuiu para tal a publicação da tese de
Netto, em 1991[e de Iamamoto e Carvalho]. A apreensão da centralidade do trabalho no processo de
constituição do ser social contribui para a compreensão de questões emergentes no âmbito das
transformações que marcam os anos 1990” (BARROCO, 2007, p. 182).
180
anterior: pela primeira vez em nossa história profissional, a
elaboração de um digo
112
foi posta como projeto coletivo, no qual a
vigência do pluralismo o se degradou no relativismo da
indiferenciação, mas se objetivou na consolidação de uma hegemonia
que já se afirmara em 1986. (NETTO, 2005, p.11)
O processo de discussão iniciou no I Seminário Nacional de Ética realizado em
agosto de 1991, que contou com ampla participação da categoria. O início dessa década
de 1990 foi marcada pela busca da equalização na sociedade em termos políticos, a qual
deu origem ao movimento pela ética na política e na vida blica. Este acontecimento
evidencia o surgimento da ética como uma questão teórico-prática: um tema de debates
intelectuais e publicações teóricas, mas que também invade a mídia e pertence ao
espaço cotidiano” (BARROCO, 2004, p.33).
As entidades da categoria somaram forças no processo de construção do projeto
ético-político consolidando, na década de 1990, uma direção social hegemônica
113
,
elegeram estratégias para avançar na busca da constrão de um projeto profissional
direcionado para a emancipação humana. Nesse sentido, o relatório de gestão do
Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) expressa:
Em abril de 1990 um grupo de profissionais, oriundo de experncias
diversas no âmbito da prática profissional, e claramente vinculado à
defesa de um projeto crítico competente e historicamente
comprometido com a superação dos processos de dominação,
exploração e alienação, assumiu o compromisso de concorrer às
eleições para o Cfas, contra uma outra chapa. Vitorioso o grupo
iniciou a tarefa de cumprir as metas estabelecidas
114
na campanha
para contribuir no triênio de sua gestão, com a consolidação dos
112
A profissão no “curso de sua história, no Brasil, conheceu a formalização de cinco Códigos de Ética
(respectivamente: 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993), este não é um silêncio qualquer( NETTO, 2005,
p.10).
113
Para Montaño (2006, p.144, grifos do autor), a construção/consolidação de um projeto profissional
hegemônico que integre e articule as dimensões ética e política (...). Porém o pluralismo e o consenso não
substituem a necessidade de construir maiorias, construção democrática e plural, sem prescindir de uma
clara direção social legitima.
114
As metas básicas estabelecidas pelo grupo para a gestão 1990-93 foram: - democratização interna do
Cfas e de sua relação com os Conselhos Regionais; - trabalho conjunto com as demais entidades
nacionais da categoria (Abess/Cedepss, Anas, e Sessune) - articulação com outras categorias
profissionais; - fortalecimento da organização da categoria; - articulação e apoio junto a movimentos
populares; - discussão sobre a ética e revisão do Código de 1986; - acompanhamento do de Projetos de
Lei de interesse da profissão: - debate sobre Assistência Social e defesa de sua regulamentação (Ralatório
do Cfas da gestão 1990-93, p.3).
181
avanços político-profissionais conquistado pela categoria nos últimos
anos. (CFESS – RELATÓRIO – GESTÃO 1990-93, p.3)
As metas contidas na proposta de eleição e executadas no decorrer do mandato
contemplam, de acordo com o relatório de gestão (1990-93, p.5-6), o exercício de
relações democráticas expressas, dentre outros aspectos, em âmbito interno, a “direção
colegiada
115
com a descentralização dos trabalhos em comissões
116
, tanto as existentes
regimentalmente, como aquelas criadas por decisão política conforme as demandas
temáticas apresentadas”, o fortalecimento da organização da categoria e a articulação
com outras categorias profissionais; articulação e apoio aos movimentos populares; o
acompanhamento de Projetos-de-Lei de interesse da profissão, além de discussões sobre
a ética e a revisão do Código de 1986. Ainda, internamente, foi dado prosseguimento às
discussões acumuladas na gestão anterior (1987-1989) sobre a fiscalização do exercício
profissional. O relatório de gestão 1990-93 assim registra:
Neste sentido, garantiu-se a defesa da fiscalização como instrumento
de defesa do espaço profissional e aproximação da categoria, tendo
como objetivo contribuir para o debate sobre a realidade do trabalho
profissional e assegurar a dimensão política de ação, na busca da
melhoria da qualidade do atendimento ao usuário. (p. 7)
Segundo Braga (2001, p.3), é da competência do conjunto Cfess/Cress a
intervenção nas condições de trabalho, por meio da Política Nacional de Fiscalização,
exigindo determinadas condições técnicas das instituições, ou por meio das lutas em
defesa das poticas públicas, ou fortalecendo a profiso mostrando para a sociedade o
que fazemos nos nossos compromissos éticos”.
A tradão marxista em especial, a concepção ontológica marxiana
possibilitou superar a problemática anteriormente instaurada no
Serviço Social: a ausência de uma concepção de homem no interior
115
A diretoria eleita para o período 1990-1993 efetivou “as reunes de Conselho Pleno Ampliado
(instância de caráter indicativo, não regimental, mas politicamente legitima); 4 de Encontros Regionais; 5
de Encontros Cfas/Cras, com a inovação da participação de estudantes na condição de observadores com
direito a voz e com participação de representação da Abess, da Anas e da Sessune” (CFESS
RELATÓRIO DE GESTÃO 1990-93, p.7).
116
Comissões Permanentes de Assuntos Financeiros, Fiscais, Administrativos, de Secretaria, de Ética, de
Fiscalização, de Articulação Política, de Imprensa e Divulgação, de Política de Assistência Social, de
Saúde, de Defesa da Criança e do Adolescente, de Formação Profissional; e Comissões Eventuais, quais
sejam, de eventos e de inquéritos administrativos (CFES – RELATÓRIO DE GESTÃO, 1990-93, p.7)
182
do pensamento de Marx, necessária à reflexão ética, capaz de tratar
da universalidade dos valores e do homem de forma crítica, histórica,
em uma perspectiva de totalidade.” (Barroco, 2003, p. 35)
O relatório deixa claro tratar-se da continuidade de uma luta travada por parte da
categoria para construção de um projeto profissional crítico e sua vinculação a um
projeto de sociedade, com inserção nos movimentos populares e a preocupação com o
rompimento do corporativismo, propondo a articulação com outras categorias
profissionais e o trabalho conjunto com as demais entidades da categoria dos assistentes
sociais buscando fortalecer a direção única na prática.
Esse debate inicial entre os assistentes sociais foi prosseguido no VII Cbas
117
, que
aconteceu na cidade de São Paulo, em maio de 1992, e nos demais congressos (VIII, IX
e X), no II Seminário Nacional de Ética do Cfess/Cress realizado, em novembro, desse
mesmo ano, e, foi promovido nos diversos encontros estaduais. Essas discussões
fortaleceram os debates tanto na dimensão quantitativa da participação quanto pela
qualidade, constituindo-se em verdadeira articulação coletiva das entidades da categoria
e resultou na aprovação do novo Código de Ética no XXI Encontro Nacional do
Cfess/Cress em fevereiro de 1993, e entrou em vigor em março desse ano. Fruto das
discussões, a efetivação do digo de Ética de acordo com Barroco (2004, p.33),
ocorreu “concomitante ao entendimento de seus valores e princípios e de sua
fundamentação ontológica, o que implicou a superação da visão da ética formal que
restringe a ética à sua configuração legal”. Assim, o segmento dos assistentes sociais
selaram, na formalidade, o compromisso ético-potico da categoria, referenciando-se
nos ideais igualitários e libertários no horizonte das lutas sociais dos trabalhadores.
Nesse sentido, o relatório da gestão 1993-1996 deixa evidente a direção social, e o
compromisso de um dos segmentos da vertente de intenção de ruptura, sobretudo
aqueles identificados com a tradição marxista com a construção de projeto profissional
em curso, o projeto ético-político:
preconizado no Código de Ética significa a opção por ‘um projeto
profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem
societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero’
118
.
117
Nesse congresso a “categoria passa a contar com painel temático de ética, incentivando a prodão de
trabalhos específicos que terão continuidade nos congressos posteriores” (BARROCO, 2004, p. 34).
118
Código de Ética dos Assistentes Sociais – princípios fundamentais. Brasília, 1993.
183
Isto implica em que os trabalhadores do serviço social [participem do
processo de] (...) organização da sociedade, especialmente daqueles
que têm seus direitos violados e se encontram excluídos”. (CFESS,
RELATÓRIO DE GESTÃO 1993-1996)
Desse modo, estava em curso o avanço na crítica para superação das práticas
tradicionais e conservadoras no Serviço Social e a formação de um profissional a
serviço dos interesses e necessidades dos usuários forjadas nos determinados contextos
históricos da luta de classe. Um profissional capaz de responder com eficia e
competência teórica, ética, potica e técnico-operativa às demandas da sociedade”
(SILVA, 2004, p. 196). Destaca-se que os fundamentos desse projeto estavam
colocados na vertente da intenção de ruptura demarcado por Netto (1991). A
qualificação profissional e potica dos assistentes sociais nessa concepção
pressupunham um projeto profissional em direção política oposta à ordem vigente na
época.
3.3 O projeto ético-político, uma relação de continuidade e ruptura com a Intenção
de Ruptura
O projeto ético-político em seu processo ganha força em um primeiro momento,
pois, as entidades da categoria (Abepss e Cfess) permaneceram dirigidas pelo segmento
dos assistentes sociais de esquerda, sobretudo, com opção pela vertente da intenção de
ruptura, vinculada à tradição marxista. Em um segundo momento, é caracterizado nas
ações, desenvolvidas pelo Cfess/Cress, centradas, em dois projetos fundamentais: o
projeto Ética em Movimento e a Fiscalização Profissional, os quais rompem com a
abordagem policialesca, moralista e corporativista, como afirmou Vinagre. “O
assistente social pelo novo Código pode denunciar outro colega” (Entrevista n.1).
Destacar estes dois projetos o significa que as ações se restringem a eles, mas
somente uma ênfase em sua relevância no conjunto das atividades que vão
consubstanciar uma outra direção social diferente daquela exercida pelo Cfess na
década de 1970 e início da década de 1980. Esses projetos desdobram suas ações que
o desde uma Política Nacional de Fiscalização onde esta assume caráter preventivo e
vai além dos deveres do assistente social, para discutir as poticas sociais e as
condições de trabalho do assistente social. A estratégia enfatizando o desenvolvimento
184
dessa política foi desenvolver cursos de capacitação de pessoal para o exercício da
fiscalização e desempenhar a função de multiplicadores. Nessas oportunidades, tanto da
capacitação quanto da fiscalização, rompem com os princípios do Código de Ética
anterior, de 1986, e aqueles princípios contidos no novo constituíam-se em conteúdos
das discussões, contribuindo, com isto, para a sua democratização.
Dessa forma, as mudanças foram sendo concretizadas no enfrentamento da
realidade na qual se insere o fazer profissional e cujo confronto foi consolidando uma
cultura favorável para a ultrapassagem da submissão herdada da matriz histórica do
Serviço Social. Esse processo foi fruto do envolvimento e realizações coletivas das
entidades que, de maneira articulada, como já mencionado, foram tecendo o
compromisso ético profissional do assistente social com a luta dos trabalhadores.
A superação das lacunas contidas na formação profissional do Serviço Social,
tanto tradicional, quanto tecnocrática vai dando lugar a outros desafios.
De acordo com Sales (1995, p.363) é no “terririo de mediações entre as unidades
de ensino e as instituições lócus da prática profissional que o Cfess/Cress descobriu a
sua vocação prática e capacidade de interferir tanto na formação quanto na prática dos
assistentes sociais”. E, para tanto, a garantia do debate nacional com o envolvimento do
maior número possível de assistentes sociais, deu continuidade à luta pela
regulamentação da profissão, a qual se concretizou por meio da Lei 8.662/93
119
.
Dessa forma, foram sendo fortalecidos os “alicerces de um projeto ético-político
que, por ser ético-político, se supõe a superação dos interesses corporativos, num
movimento de reconstrução de princípios e compromissos profissionais, na direção de
uma nova e superior sociabilidade”, de acordo com Silveira (2007, p.18).
A democracia deve ser consolidada no enfrentamento que os movimentos sociais
vêm travando na realidade objetiva da luta de classes de acordo com Paiva e Sales
(2005).
119
A Lei que regulamenta o exercício da profissão do assistente social teve início com o Projeto 3.903/89,
apresentado na Câmara dos Deputados pelas Deputadas Benedita da Silva e Maria de Lourdes Abadia.
Recebeu um acompanhamento sistemático pelo Cfas. Em 1991 foi constatado que a citada Lei havia
tramitado em todas as Comissões da Câmara, encaminhada ao Senado e em sua última comissão recebeu
o parecer Senador Francisco Rollemberg do PFL de Sergipe que apresentou um projeto substitutivo ao
original. Apesar da pressão exercida por todas as entidades da categoria que mobilizaram os assistentes
sociais pela aprovação do original, o plenário aprovou o substitutivo do Senador do Sergipe.
Considerando que o projeto teria que retornar à Câmara, a questão voltou a ser amplamente discutida e no
XX Congresso de Assistentes Sociais realizado em Goiânia, em 1992, foi apresentado para discussão
juntamente com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) sendo abordado os pontos mais polêmicos
de ambos. A Lei da Regulamentação da profissão foi para sanção de veto no dia 6 de maio de 1993, após
ser submetido a aprovação final do substitutivo do Senador Francisco Rollemberg, nesta mesma data.
(CFESS, RELATÓRIO DE GESTÃO 1990-93).
185
Nessa direção,
o eixo do projeto político profissional tem sido a defesa das políticas
públicas e da qualidade dos serviços prestados à população, na
perspectiva da garantia da efetivação dos direitos sociais, onde
sobressai a (...) milincia política [de um segmento da categoria]
junto a várias entidades e atores da sociedade civil. Isto revela o
adensamento do compromisso da categoria de assistentes sociais para
com as necessidades e prioridades sociais, demarcada pelas lutas
populares no Brasil. (PAIVA; SALES, 2005, p. 198)
Nesse sentido, na medida em que o governo brasileiro faz sua opção clara pelo
neoliberalismo, e para atender suas exincia no plano econômico de uma adaptação
passiva aos ditames do capital mundial, o programa do Cfess/Cress apontava para uma
direção da crítica contundente do citado projeto e elegeu a
seguridade
120
social pública como terreno de embate e luta por uma
outra perspectiva de sociedade (...). Ao manter a opção por este
campo de disputa, vale lembrar que este é um espaço histórico de
atuação profissional. Portanto, a estratégia articulava a resistência
mais geral ao neoliberalismo com a refleo profissional e
formulação de projetos de intervenção profissional. Assim, a
qualificação profissional, a fiscalização preventiva e a luta e
interlocução sociais, compõe um conjunto articulado (CFESS,
RELATÓRIO DE GESTÃO 1999-2002, p. 21).
O fato de o conjunto Cfess/Cress priorizar o debate da seguridade, não significa
desconsiderar a setorização dessa política, mas, uma opção por tomá-las em sua
globalidade, a partir dos eixos do financiamento, da gestão e do controle social.
Mesmo tendo uma ão globalizada, na seguridade, o Cfess atuou separadamente
na potica de assistência social, de acordo com o relatório da gestão 1999-2002, (p. 22),
na formulação da Loas (BRASIL, 1993) e quando “esteve à frente da organização da III
Conferência Nacional da Assistência Social, após quatro anos sem realização”. Na
120
A política de Seguridade Social, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é composta da
Assistência Social, a Saúde e a Previdência.
186
política de saúde o Cfess esteve presente nas Conferências e Encontros nacionais.
Ainda, na potica de saúde foi “destaque a intervenção [do Cfess] nas discussões
qualificadas sobre recursos humanos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a socialização
do nosso debate sobre a LDB (BRASIL, 1996) e os cursos seqüenciais entre os
profissionais de saúde” (p.23). As discussões foram ampliadas e, desse conjunto deu
origem a um documento tecendo considerações sobre os cursos seqüenciais
encaminhado ao MEC. Este documento constituiu-se em um “importante instrumento
para evitar a sua difusão e o empobrecimento da formação profissional, especialmente
nas unidades de ensino particulares, dado o potencial lucrativo da referida modalidade
de curso” (CFESS, RELATÓRIO DE GESTÃO 1999-2002, p.19).
O Cfess elegeu as políticas sociais de modo geral como uma área de fundamental
importância para sua intervenção, defendendo os valores da classe trabalhadora.
De acordo com Silveira (2007), novos valores foram colocados, outros
reafirmados, elaborado princípios fundamentando o Código de 1993, que superaram
limites e inconsistências daquele elaborado em 1986, expressando a ruptura com os
lastros conservadores e afirmando o compromisso com os valores da classe trabalhadora
e com a qualidade nos serviços prestados. Assim, segundo a autora, foi colocada a
necessidade da qualificação profissional e acadêmica capacitando esses profissionais
para “capturar a dimica cotidiana em suas contradições, determinantes e tendências,
para a constrão de um sistema de mediações consistente nas passagens entre o
particular e o geral na reconstrução de uma totalidade concreta”, conforme Silveira,
(2007, p. 19).
Em 1996 foi aprovada pela Abess a proposta de Diretrizes Curriculares para o
Curso de Serviço Social, fruto de amplo debate realizados nas Unidades de Ensino a
partir de 1994, por decisão da XXVIII Convenção Nacional da Associação Brasileira de
Ensino de Serviço Social (Abess) ocorrida em Londrina, no Paraná, em outubro de
1993. Nessa convenção encaminhou-se a pauta de revisão do currículo nimo vigente
desde 1982, desencadeando um processo de discussão e debates no interior da categoria,
marcados por polêmicas acerca do eixo norteador do curso, como foi destacado no
início deste capítulo.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
Lei nº 9.394, em 20 de dezembro de 1996, tornou-se
187
oportuno o processo de normatização e definição de diretrizes gerais
para o curso de Serviço Social no espírito da lei. Tais diretrizes
tornam-se fundamentais para o estabelecimento de um patamar
comum, assegurando, ao mesmo tempo, a flexibilidade,
descentralização e pluralidade no ensino de Serviço Social, de modo
a acompanhar as profundas transformações da ciência e da tecnologia
na contemporaneidade. (ABEPSS, 2004, p.76)
O projeto Ética em Movimentos constituiu-se em um conjunto de ações de longo
alcance, cujas origens expressam um nível de amadurecimento da Comissão de Ética e
do coletivo de Cfess, no que tange ao significado da ética na totalidade das ações do
conjunto do Cfess/Cress, de acordo com o relatório de gestão 1999-2002.
A maturidade de um dos segmentos da categoria, no que tange ao projeto ético-
político, expressa pela constatação de que a ética e a política não se separam,
constituindo, portanto uma unidade. Ambos são partes de um conjunto de valores e
formas de intervenção no âmbito da luta de classes e entre projetos. Sendo assim, ambas
deveriam perpassar todas as ações e comissões de trabalho do conjunto do Cfess/cress.
Da mesma maneira, a inserção em um contexto do neoliberalismo no qual a potica
econômica exigida pelo grande capital aumenta a concentração da riqueza e ao seu lado
a pobreza.
A globalização constitui tamm no agravamento da questão social e da violação
dos direitos humanos. Considerando esses direitos serem mais amplos que os direitos
sociais, aprofundou-se as discussões sobre essa temática e o conjunto Cfess/Cress
passou a articular com as outras entidades que estão inseridos nessa luta. Deste modo, a
ética, a potica e os direitos humanos, mesmo com a existência de uma comissão
específica, passaram a constituir-se em um dos eixos das ações do conjunto Cfess/Cress
fortalecendo assim, o projeto ético-político em seu processo de consolidação. As ações
de fiscalização passaram a ter uma dimensão educativa em todos os encaminhamentos.
De acordo com o Relatório de Gestão 1999-2002 (p.11), “o grande desafio para o
Cfess e a Comissão Nacional de Reformulão era garantir a superação da debilidade do
Código anterior se perder o seu caráter de ruptura, ou seja, sua inscrição na construção
do projeto profissional” defendido na direção social da categoria. A qualificação
profissional em uma articulação Cfess e Abepss contemplou um número significativo de
188
assistentes sociais
121
dos quais cerca de 90% estiveram vinculados ao mercado de
trabalho. De acordo com o Relario de gestão 1999-2002, a atualização destes
profissionais foi de fundamental importância para a fiscalização em uma abordagem
preventiva, pois, o seu conteúdo esteve pautado nos Diretrizes Curriculares de 1996 e
no Código de Ética de 1993.
Por outro lado, a Política Nacional de Fiscalização ultrapassa a concepção
legalista, centrada no aspecto corretivo do dever corporativo, passando a conter
princípios, diretrizes e estratégias de valorização do exercício profissional. Essa política
foi deliberada no XXV Encontro Nacional do Cfess/Cress realizado em Fortaleza no
período de 9 a 12 de setembro de 1996.
A partir desta normatização o conjunto Cfess/Cress adquiriu instrumentos para
interferir na esfera do trabalho "exigindo determinadas condições técnicas das
instituições, por meio de lutas em defesa das poticas públicas, ou fortalecendo a
profissão mostrando para a sociedade o que fazemos com nossos compromissos éticos"
(BRAGA, 2001, p. 2). Com isto ela (a normatização), tornou-se uma referência nas
articulações dos Conselhos no que tange a fiscalização do exercício profissional.
passando a contribuir em situações objetivas com as quais deparam os assistentes
sociais no seu exercício profissional.
De acordo com Braga (2001 p. 2), essa potica estrutura-se nos seguintes eixos:
"potencialização da ação fiscalizadora para valorizar e publicizar a profissão,
capacitação técnica e potica dos agentes fiscais e das comises para o exercício da
fiscalização e articulão das unidades de ensino e representações locais de Abepss e
Enesso", assegurando desta forma uma direção social. Para Netto (1996, p.116),
a consolidação de uma determinada direção social estragica não
equivale à supressão das diferenças no conjunto da categoria ou à
equalização dos vetores que compõem a cultura profissional e que (...)
se uma direção social estratégica tem seu nervo num componente
ídeo-político, ela está longe de reduzir-se a ele, envolvendo,
necessariamente, o completo da cultura profissional.
121
“O curso, em termos de seus resultados concretos, contou com um total de 1.642 inscritos, na
especialização dos quais 698 receberam o certificado de especialista, 19 receberam certificado de
extensão, e 11, a certificado de aperfeiçoamento. numa segunda turma de extensão, aberta também
para outras áreas, chegou-se ao seguinte resultado: de um total de 499 inscritos, 181 concluíram o curso”.
(CFESS, RELATÓRIO DE GESTÃO 1999-2002, p.20).
189
Para Netto (1996), ter a hegemonia e estar em luta pela sua manutenção não
significa ter o monolio da direção. Uma categoria constitui-se de um conjunto
heterogêneo em movimento, que a homogeneidade não se realiza nas condições
contemporâneas. Para o autor, uma “direção consolidada é aquela que, sintonizada com
as tendências sócio-históricas mais significativas, circunscreve o espaço de
enfrentamento das diferenças em fuão de objetivos que fazem reconhecidos como
letimos e pertinentes (NETTO, 1996, p.116). Deste ponto de vista a diferença
profissional somente adquire sentido, em face de uma determinada direção.
o rompimento com o conservadorismo engendrou uma cultura
profissional muito diferenciada, prenhe de diversidades, mas que
acabou, ao longo da década de oitenta e na entrada dos anos noventa,
por gestar e formular uma direção social estratégica que colide com a
hegemonia política que o grande capital pretende construir (e que
vem ganhando corpo desde a última eleição presidencial) dirão
suficientemente explicitada no Código de Ética Profissional em
vigência desde 1993: dirão que pondo como valor central a
liberdade fundada na ontologia do ser social assenta no trabalho
como princípios fundamentais a democracia e o pluralismo, e
posicionando-se em favor da equidade e a justiça social. (NETTO,
1996, p.116-117)
O Cfess ampliou sua participação junto ao Comitê de Organizaciones
Profissionales de Trabajo Social y Servicio Social de Mercosul, e junto à Federación
Internacional de Trabajadores Sociales (FITS). Sob a coordenação do Brasil, no âmbito
do Mercosul, foi realizado, em maio de 2000, no Uruguai, o I Seminário sobre Ética e
Trabalho Social que contou com a participação de 120 profissionais representantes da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Neste Seminário foram aprovados os princípios
éticos para o Mercosul depois de dois anos de intenso debate. De acordo com o relatório
da gestão 1999-2002 (p.14), foi um “avanço importante, já que se trata de uma
experiência inédita no Serviço Social, no espaço mundial”. O Cfess se fez representar,
também, na Assembleia Geral realizada, em julho de 2000, em Montreal quando foi
difundida a experiência brasileira de construção do “Código de Ética (já traduzido (...)
para o espanhol e inglês), e participado dos debates do Comitê de Ética e do Comitê de
Direitos Humanos daquela entidade”.
190
CONSIDERAÇÕES FINAIS
191
As relações de continuidades e rupturas entre a vertente de intenção de ruptura e o
projeto ético político
As realizar o percurso da trajetória histórica da vertente de intenção de ruptura
e do projeto ético-político, norteada pela hitese de que o projeto ético potico é uma
construção coletiva forjada na luta potica do conjunto dos assistentes sociais
organizados em suas entidades, a Abess/Cedepss, atual Abepss, o Cfas/Cras, hoje Cfess/
Cress e Enesso, e de conhecimentos que materializaram em uma diversidade de
produções encontrando-se aí colocadas as condições objetivas para discutir a tese
proposta, qual seja, as relações de continuidade e ruptura entre a intenção de ruptura e o
projeto ético-político.
A perspectiva de análise, partindo de determinações externas e internas, na busca
de como estas relações de continuidade e ruptura foram aprendidas: a) por meios de
determinações cio-históricas do Serviço Social brasileiro postas pelas relações de
produção e reprodução do capital no contexto da sociedade brasileira nos anos
1970/1980/1990; b) nos aspectos que demarcaram continuidades entre a intenção de
ruptura e o projeto ético-político; c) nos aspectos que sinalizaram rupturas entre ambos
e suas diferenças.
Do exame sócio-histórico da trajetória da vertente intenção de ruptura, a partir da
década de 1970, revelaram-se os sinais de renovação do Serviço Social a) a aguerrida
luta contra o conservadorismo, em suas diferentes facetas, no interior de Serviço Social
brasileiro; b) a luta contra a ditadura militar; c) a tomada de posição na luta de classe e a
conseqüente aproximação com a organização dos trabalhadores.
Assim, evidencia-se, no início dos anos setenta, de um lado, a experiência da
Escola de Serviço Social em Belo Horizonte e, de outro, a organização sindical da
categoria que, iniciando suas primeiras articulações, deu origem à Comissão Executiva
Nacional de Entidades de Assistentes Sociais (Ceneas), criada em 1979, na cidade de
São Paulo. Essa articulão para criação da Ceneas trazia como elemento de
mobilização da categoria a luta por condições de trabalho expressa por um salário
nimo profissional e uma carga horária de trinta horas semanais. Essa luta continuou
192
sob a direção da Associação Nacional dos Assistentes Sociais (Anas) e foi interrompida
pelo veto do então presidente da República, José Sarney.
Soma-se a esses fatos, a busca da validação teórica pelos assistentes sociais que,
nos confrontos com os problemas contemporâneos, foi determinante para uma nova
interlocução do Serviço Social com as disciplinas das ciências sociais, e contribui para
superar a subalternidade profissional presente em suas rzes históricas. O Serviço
Social rompe com a neutralidade e confere peso considerável no processo histórico da
construção da resistência ao conservadorismo na profissão.
No entanto, o marco na história do Serviço Social no sentido de romper com o
conservadorismo na profissão foi cravado em 1979, no III CBAS, também chamado
Congresso da Virada. Nesse congresso, em que esteve presente toda categoria, um de
seus segmentos, sob a direção da Ceneas, mudou a correlação de forças.
Os professores de diferentes posições, com a predomincia da conservadora, já se
confrontavam, a partir de 1975, nos espaços coletivos da Abess, sobretudo, nas
Convenções, sua instância de decisão. O segmento conservador era favorecido pela
direção da Abess, que tinha à sua frente na presidência, por duas gestões, uma
professora declaradamente integralista. As divergências de posicionamento potico
ideológico foram explicitadas, também em 1979, na XXI Convenção da Abess,
realizada em Natal, que deliberou por um novo currículo para o curso de Serviço Social
aprovado pelo MEC, em 1982. Esse novo currículo mesmo apresentando avanços ainda
trouxe ambiidades que estavam presentes no meio profissional. Ele não conseguiu
ultrapassar alguns limites do currículo anterior. A proposta de superação de uma
perspectiva assistencial para a promocional já aparecia no documento de Araxá em
1967, mais de dez anos e o caráter promocional não explicitava diferenças com
aquele inserido no currículo de 1979. De acordo com Yazbek (1989), a PUC de São
Paulo apresentou uma proposta mais avançada de que aquela aprovada pela Abess. Ela
o exprimia o pensamento daquela unidade de ensino. Ao explicar a continuidade do
conservadorismo no currículo, Yazbek (1989, p.16) destaca: “Ele é, também, resultante
de uma série de acordos, que expressava as tendências contraditórias do serviço social
brasileiro, daquele momento, razão pela qual não foi um currículo homogêneo”.
193
Do ponto de vista teórico-metodológico e filofico, a produção do serviço social,
na década de 1970, era metodologista sustentada pelo neotomismo, discutindo a
intervenção. Nesse sentido, Netto e Iamamoto referem à impossibilidade de se
questionar, teórica e politicamente, em decorrência do contexto da ditadura militar. No
entanto, nessa década, o Serviço Social apresentava algumas formulações fundadas na
tradição marxista. Essas primeiras aproximações do Serviço Social com o pensamento
de Marx ocorreram de forma enviesada, como afirma Quiroga (1991), recorrendo a
fontes secundárias. Essa construção de um marxismo sem Marx foi sendo superada
quando os assistentes sociais passaram a recorrer a Marx em fontes originais com a
inserção dos assistentes sociais na pós-graduação a partir dessa década. A tradição
marxista em um dos segmentos dos assistentes sociais, de acordo com Netto (1996),
ganhou forte legitimidade na década de 1980, sendo a primeira produção de Marilda
Iamamoto e Raul Carvalho em Relações Sociais e Serviço Social, publicada em 1982.
No início dessa década, o Serviço Social passou a contar com o doutorado e em um
contexto histórico de ampla mobilização, de exaustão da ditadura e de ruptura política, a
organização sindical dos assistentes sociais avança e, com ela, o processo de
democratização das entidades da categoria. Os assistentes sociais criaram a Associação
Nacional dos Assistentes Sociais, inseriram-se no movimento sindical e participaram da
criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de sua diretoria. Em 1980, foi
criado o Partido dos Trabalhadores e vários assistentes sociais progressistas e
vinculados à esquerda aderiram a esse partido, quer ligados à tradição marxista, quer à
Igreja católica. E pertenciam, também, aos partidos comunistas o Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), apesar da predominância
petista.
Em uma conjuntura de forte mobilização, os assistentes sociais inseriram nas
movimentações pelas Diretas e pela construção da Constituição Federal de 1988,
defendendo uma constituinte soberana, democrática e sob o controle dos trabalhadores,
ainda, nas discussões da reforma sanitária e do estatuto da criança e do adolescente.
Nesse processo de construção do projeto ético-político, o segmento de esquerda da
categoria foi, paulatinamente, assumindo parte da diretoria das entidades, recorrendo à
estratégia da aliança com os liberais, no início da década para, em seguida, a assumirem
na sua totalidade, no final dos anos 1980 e início de 1990.
194
No campo da produção, os autores da intenção de ruptura produziram do ponto de
vista teórico-metodológico, contribuindo com uma maior perspectiva para pensar o
Serviço Social, a prática profissional e a realidade social, e deram um salto de
qualidade, no sentido de ir além de uma mera discussão metodológica. Colocaram em
questão a análise teórica fundada no positivismo e na fenomenologia, rompendo com
essas concepções e, a partir de categorias das lutas de classes, como a exploração da
desigualdade social, totalidade, dentre outras. Esta perspectiva teórico-metodológica pôs
a análise da sociedade, do Estado e das poticas sociais de forma critica, por um lado,
mas, por outro, colocou em questão o papel do Serviço Social frente à realidade social,
ancorada no pensamento de Marx, recorrendo a fontes originais, sem, entretanto, ser a
única concepção teórica a subsidiar a produção intelectual e a prática do Serviço Social,
explicitando a existência do pluralismo na profissão. Esse movimento expressa as
determinações externas. É intenção de ruptura do ponto de vista externo rebatendo no
interno. No final da década de 1980, os assistentes sociais, vinculados à intenção de
ruptura já estavam à frente das entidades da categoria dando-lhes direção social e
política e na década seguinte iniciou-se o processo de discussão de um novo código de
ética, que buscava superar as lacunas deixadas nodigo de 1986. Estedigo rompeu
com a concepção abstrata centrada no conceito de pessoa humana, própria da visão
neotomista, inspirada em São Tomás de Aquino. se colocou o marco histórico da
ruptura com o código tradicional, o que não significou a superação do conservadorismo
na profissão de Serviço Social, como afirma Netto (1996). Da mesma forma que a
revisão curricular de 1982, a revisão do código de 1986 deixou hiatos, que se
constituíram em objeto de reflexão dos assistentes sociais e foram superados no código
de 1993 e nas Diretrizes Curriculares de 1996. Assim, este código rompeu com sua base
de sustentação na epistemologia, para sustentar-se na ontologia do ser social, e, em seus
fundamentos prático-operativos definiu como eixo norteador a defesa da
universalização dos direitos, da qualidade dos serviços prestados e dos mecanismos
democráticos de controle social, configurando rompimentos internos.
O processo de construção do projeto ético-político, na década de 1990, ocorreu em
um contexto de implantação do neoliberalismo no Brasil. O país vivia a mobilização da
sociedade civil organizada que discutia e reivindicava a ética na vida pública e política
culminando no impeachement do presidente em 1992. O Serviço Social já se firmava
como profissão, de acordo com Netto (1996), além de contar com cursos na maioria dos
195
estados do país, a sua s-graduação em sentido stricto sensu que iniciou na primeira
metade da década de 1970, se consolidava com a implantação do doutorado, sendo o
primeiro na UFRJ, no início da década de 1990. Nesse período, a Abess gozava de
credibilidade e buscava fortalecer a pesquisa com fóruns expressivos de debates sobre a
formação profissional e, a partir de 1987, já procurava instituir um organismo
acadêmico de pesquisa, o Centro de Documentação e Pesquisa em Serviço Social e
Políticas sociais (Cedepss). Nessa década, o Serviço Social, do ponto de vista da
pesquisa já contava com reconhecimento das agencias oficiais de fomento, portanto, em
condições de receber recursos, o que contribuiu para existência de um considerável
acervo com bibliografia própria, como afirma Netto (1996). Essas produções, segundo o
autor, possuíam espaços de circulação em órgãos universitários e o Serviço Social
contava com a revista Serviço Social & Sociedade criada em 1979, circulando em todo
país e aberta para receber produções de outros pesquisadores fora do âmbito do Serviço
Social. Ampliou-se, nessa década, a presença de assistentes sociais brasileiros no
processo de formação e eventos acadêmicos para outros países, sobretudo, na América
Latina. Com esse acúmulo, as discussões para a reformulão do novo Código de Ética
iniciaram-se nas bases da categoria, e teve seu ponto de convergência no I Seminário
Nacional de Ética, realizado em agosto de 1991. A construção do novo Código de Ética
de 1993, foi um processo imbricado com a dos demais componentes do projeto ético-
político, quais sejam: a Lei de Regulamentação da Profissão e as novas Diretrizes
Curriculares aprovadas em 1996. A Lei de Regulamentação da Profissão iniciou seu
processo de tramitação namara e no Senado na década de 1980 e foi sancionada em
1993. Nessa época, as entidades eram dirigidas pelo segmento da esquerda da categoria.
O projeto ético-potico, expressa-se por esses três pilares, teve como participantes em
seu processo segmentos conservadores e progressistas, tendo a hegemonia na direção
social e potica o segmento dos assistentes sociais que compõe a intenção de ruptura.
No entanto, as discussões para essas reformulações foram desencadeadas no início
da década de 1990, quando as bases da supremacia teórico-cultural sustentada pela
tradição marxista começaram a ser deslocadas. Esse deslocamento, de acordo com Netto
(1996), teve como elementos desencadeadores: o colapso do socialismo real que trouxe
um impacto nas esquerdas, a ofensiva neoliberal que teve como conseqüência a
reconversão de inúmeros intelectuais no exterior e no país aos ideários da ordem
vigente. Nesse deslocamento, conta-se muito mais o desvio ocorrido nos “meios
196
acadêmicos com a maré-montante da pós-graduação (notadamente na sua versão
neoconservadora): é no próprio espaço universitário em que aquela dominância se
afirmara que emergem os elementos que opera para desqualificá-la”, afirma Netto
(1996, p. 114). Essa desqualificação ganha corpo rapidamente e, segundo Netto (1996,
p. 14, grifos do autor),
o racionalismo dialético é posto sumariamente no mesmo vel da
razão miserável positivista, e ambos o inapelavelmente,
impugnados como paradigmas anacrônicos; a perspectiva de
totalidade (bem como a análise sistemática que é seu corolário) é
equalizada à vontade totalitária; a preocupação com a dinâmica
histórica é infirmada pela atenção às continuidades profundas; a
ênfase na macroscópia social é catalogada como discurso
generalizante.
Assim, do ponto de vista teórico, no Brasil, de acordo com Netto (1996), nos
anos 1990, as correntes marxistas no campo profissional do Serviço Social são
criticadas pela lógica formal que emergiu, no país, nesse contexto. Ela não se apresenta
como anti-marxista, mas para o autor ela aparece sob duas formas: uma refere-se à
ortodoxia, a qual os críticos do Serviço Social brasileiros consideram como sinônimo de
dogmatismo. A outra critica em lugar dos equívocos presentes nos trabalhos as lacunas.
Essas críticas são acompanhadas de propostas de flexibilização da perspectiva teórica,
incorporando autores ora Foucault, ora Habermas para alguns. As tendências mais
privilegiadas na indústria cultural e no meio acadêmico são os s-modernos. A
segunda crítica dirige-se para as produções escassas fundamentadas na tradição
marxista, nos anos oitenta sobre a temática de cultura, de gênero e das minorias, ao que
esses críticos qualificam como incapacidade própria das correntes marxistas, para
enfrentá-los.
O projeto ético político como um processo de construção coletiva que se
desenvolveu na década de 1980 e se consolidou nos anos noventa traz em seu bojo uma
heterogeneidade de pensamento, de concepções teórico-metodológicas,
posicionamentos éticos, políticos presentes no Serviço Social. Assim, ele é herdeiro da
intenção de ruptura, pois se insere no processo de renovação, onde perpassa o
pensamento de esquerda, sobretudo, fundado na tradição marxista; herda, também, o
197
pensamento conservador em suas diferentes matrizes. Portanto, o projeto ético-político
é muito mais de que a intenção de ruptura, ele congrega as diversas posições que
compõem o Serviço Social brasileiro. Mesmo com uma direção social e política
emandada dos segmentos dos assistentes sociais com opção de esquerda fundada na
tradição marxista, o projeto ético-político se constitui em uma diversidade que vai desde
concepções da tradição marxista, de liberais, de pós-modernos de esquerda, de
keynesianos. No entanto, seus adeptos se articulam por meio das tendências de oposição
ao neoliberalismo protagonizado por Fernando Collor de Melo e continuado por
Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990. Nessa cada, a unidade da categoria
expressava-se nos aspectos da organização, da produção teórica, da produção do código
de ética, na formação profissional. Mas, o denominador comum dessa unidade é a
oposição ao neoliberalismo, sobretudo, expresso na figura de Fernando Henrique
Cardoso. Reafirmando, é em torno dessa oposição que se concretiza a grande união de
liberais keynesianos, de pós-modernos de esquerda, até positivistas, ou empirista. O que
une do ponto de vista ético político e teórico-metodológico um keynesiano com um
marxista no projeto ético-político é a defesa da cidadania, da potica social, dos direitos
sociais. O que o significa que eles defendem, ou, tenham a mesma concepção e
explicação dos fatos presentes na realidade social. O que para o keynesiano pode ser
finalidade, para o marxista é apenas um meio para se chegar à finalidade.
A união dos assistentes sociais construída nos anos noventa desagrega nos anos
2000, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na década de 1990, houve uma
desmobilização generalizada, que foi acentuada nos anos dois mil. Os movimentos
sociais não se organizam contra o governo, sobretudo, a partir de 2003, porque é o
governo que ajudara a construir e a conquistar. Esse governo continuou o
desenvolvimento da política neoliberal e o que se vive, a partir daí, é uma desarticulação
interna dos assistentes sociais sob o protagonismo do PT. Este partido, que unificava
uma proposta de construção de uma nova sociedade e aglutinava forças nessa direção,
agora chega ao poder e continuidade ao projeto neoliberal. Nesse governo, uma
confirmão do neoliberalismo, mas com diferença do governo anterior de Fernando
Henrique Cardoso, no campo profissional, pois, no projeto ético-político existem
adeptos do governo, portanto, o ser governistas e vão ceder ao neoliberalismo, quer
seja em sua potica econômica, quer seja na potica social. Esses governistas
argumentam que está em execução não é política neoliberal e que continuam
defendendo a potica social universal para aqueles que têm direito. Mas o se pode
198
transformar quinhentos anos em um único governo. Esse argumento não é assumido
pela direção social do projeto ético-político. Por outro lado, o governo de Fernando
Henrique Cardoso teve uma diferença, ele não bateu de frente com o Serviço Social,
mas sim com as ciências sociais. Os assistentes sociais estão vivendo hoje o que às
ciências sociais viveram no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando militantes
da esquerda das ciências sociais abandonaram e foram compor com o governo, como
ocorreu com Francisco Weffort que saiu do PT para acompanhar Fernando Henrique
Cardoso. Agora o Serviço Social está vivendo com Lula algo parecido que parte das
ciências sociais viveu com Fernando Henrique Cardoso. Hoje, o PT sustenta o
neoliberalismo. Esse é um dado novo, e tem-se outro elemento externo que rebate no
projeto ético-político. Com Lula, cria-se um racha interno, no Serviço Social de origem
de uma questão externa. Esse racha repercute nos quadros importantes do projeto ético-
político que se tornaram governistas, enquanto outros assistentes sociais desse mesmo
quadro passaram ou continuaram na oposição. Porém, o fato de rebater internamente no
projeto ético político, não autoriza afirmar que quem faz parte do governo o defenda
o projeto profissional dos assistentes sociais.
Continuidades e rupturas no projeto ético-político
As relações entre o projeto ético-político e a vertente intenção de ruptura de
continuidades e rupturas devem ser apanhadas no seu processo de constrão em uma
perspectiva sócio-histórica e em uma dimensão de totalidade. Assim, destacam-se
alguns aspectos considerados relevantes de continuidades da intenção de ruptura
presente no projeto ético-político:
1. A intenção de ruptura fundada na tradição marxista subsidiou em parte a construção
do projeto ético-político em sua direção política mas esta não se esgota nele, o que lhe
confere um elemento de continuidade. Ela, em sua versão vinculada à tradição marxista,
continua presente entre as demais concepções teóricas que compõem o projeto ético-
político. Assim, os assistentes sociais com opção potica pelo marxismo permanecem
participando nas entidades Abepss, Cfess/Cress e fundamentam sua análise da realidade
social ancoradas em categorias como totalidade, trabalho, dentre outras. Esta última
categoria como fundante e indissociável da questão social. O projeto ético-político
constitui-se no espaço onde ocorre uma convivência plural, isto é, nele, coexistem
199
diversas e diferentes concepções teórico-metodológicas e confere ao pluralismo a
condição de elemento de continuidade no projeto profissional.
2. Um elemento de continuidade é a presença da crítica radical à sociedade capitalista
tanto na intenção de ruptura, quanto na direção social do projeto ético-político. No
entanto, é importante destacar que dada a sua heterogenidade, nele também, se faz
presente uma crítica romântica, mas de qualquer maneira é uma crítica à sociedade
capitalista. Essa crítica está presente, tamm, em produções do Serviço Social.
3. Outro elemento de continuidade, tanto na intenção de ruptura quanto no projeto
ético-político, é a defesa da cidadania, de direitos sociais etc. mantida as diferentes
concepções. Também uma continuidade na crítica ao capitalismo e na desigualdade
conseqüente do mesmo e um destaque para a necessidade de construir uma nova
sociedade, seja dentro do capitalismo ou fora dele. São, ainda, elementos de
continuidade a defesa de certos valores que estão presentes nesses direitos e na
intervenção do Estado através das políticas sociais.
Aspectos relevantes de rupturas entre a intenção de ruptura e o projeto ético-
político:
Se nos elementos de continuidades, eles trazem semelhanças, nos de rupturas
mesmo apresentando-se, enquanto uma totalidade, de forma entrelaçada, eles
apresentam diferenças.
O projeto ético-político é um processo de construção coletiva e articulada pelos
assistentes sociais organizados em suas entidades Abess, Cfess/Cress e Enesso, cuja
direção social foi do segmento com opção teórico-metodológico a tradição marxista.
Essa construção se consubistanciou na Lei de Regulamentação da Profissão, nodigo
de Ética e nas Diretrizes Curriculares, tri que come o projeto profissional dos
assistentes sociais. Nesse sentido, a intermediação unidades de ensino e instituições-
locus da prática profissional permitiu ao Cfess/Cress descobrir a possibilidade de
interferir na formação quanto na prática dos assistentes sociais. Estando clara a
participação dessas entidades nas lutas fundamentais da profissão e nas condições
objetivas da realidade social, a partir da especificidade de cada uma, foram
200
estabelecendo os mecanismos e estratégias de articulão entre elas. O projeto ético-
político tem uma organicidade e uma legalidade.
A intenção de ruptura, apesar de Netto (1991) denominá-la vertente, no contexto
histórico do processo de renovação do Serviço Social brasileiro, não construiu uma
relação orgânica que une os seus pensadores marxistas, pois ela se constitui em um
conjunto de produções esparsas e em tempos diferentes. A sua identidade é a
perspectiva teórico-metodológica marxista que, também, é heterogênea em decorrência
das diversas concepções da tradição marxista. Na intenção de ruptura não lugar para
os pós-modernos, os liberais keynesianos, os positivistas, dentre outros. Ela pode até
estar invadida de positivismo, como afirmou Quiroga (1991), mas está com o pé fincado
no marxismo. Assim, quando se refere à intenção de ruptura, fala-se de um período no
qual está presente um conjunto de obras de autores isolados. Eles não formam um grupo
que se organizaram para discussões e nem existe uma articulação de uma produção com
a outra.
No aspecto organizativo da categoria, um rompimento com a direção social e
política das entidades, que, ao buscarem superar o conservadorismo na profissão,
romperam com a direção conservadora e legitimadora da ordem vigente para apontar
uma direção social estratégica rumo à emancipação humana. No entanto, isso não
significa afirmar que o projeto ético-político seja marxista, mas esta concepção está
presente nele. Pode até haver uma presença marxista que aposte em curto prazo no
desenvolvimento de poticas sociais universais, na defesa de alguns valores como
direitos humanos e cidadania. Esses valores podem em um dado momento ser
incorporados pelos marxistas, mas não são valores defendidos por eles, mas alicerçados
no pensamento liberal. Os marxistas fazem críticas às políticas sociais que são
defendidas pelos liberais keynesianos. A luta hoje é contra o neoliberalismo.
O projeto ético-político apresenta maior amplitude que a intenção de ruptura,
mas, para o seu entendimento, é necessário conhecer a trajetória desta última, a qual
está expressa nas produções, eminentemente, marxistas e no protagonismo das
entidades da categoria.
Se, nos anos 1970 e 1980, houve um processo ascendente de ruptura com o
conservadorismo no Serviço Social, com a articulação das entidades da categoria
201
concretizou-se o projeto ético-político no início de 1990 e que se consolidou nessa
década. Nos anos 2000, o que se colocou nos horizontes para o projeto ético-político foi
a sua desagregação pela continuidade da ofensiva neoliberal no governo Lula e as
ameaças oriundas da refuncionalização do conservadorismo, que aparece com uma nova
roupagem. Ela expressa--se, ainda, nas precárias condições a que estão submetidas as
universidades públicas brasileiras com más condições de trabalho do corpo docente que
rebate em seu cotidiano, comprometendo a qualidade do ensino-aprendizagem. De um
lado, é expressiva a presença de escolas particulares com elevadas mensalidades a exigir
que o estudante busque o mercado de trabalho precarizado para se manterem na
universidade e, de outro, a proliferação de cursos de graduação a distância contribuem,
também, para o comprometimento da formação profissional do assistente social.
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