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responsabilidade do Estado por ato lícito
296
, uma vez comprovada a especialidade
e a anormalidade do dano sofrido pelo administrado
297
.
A propósito desta hipótese de responsabilidade do Estado por ato lícito
convém que façamos alguns esclarecimentos.
Inicialmente, é de reconhecer-se que no sistema constitucional brasileiro
nenhuma função estatal – administrativa, legislativa e jurisdicional – foge ao
princípio da responsabilidade do Estado
298
, razão pela qual dispensamos a
distinção, encontradiça em outros sistemas jurídicos, entre a responsabilidade
derivada diretamente da lei
299
e dos atos de execução da lei
300
.
Ademais, parece-nos que a confiança legítima não introduz no sistema
jurídico uma nova modalidade de responsabilidade estatal, como crêem
apressadamente alguns doutrinadores. Em verdade, o subprincípio da confiança
legítima apenas torna juridicamente relevante a confiança legítima do cidadão
301
.
296
Assim Héctor Mairal, a propósito dos efeitos da teoria dos atos próprios: “La obligación de
repara el dano surge entonces de la contradicción ‘permitida’ y no es uma condena accesoria a la
prohibición de la contradicción” (Op. cit., p. 160). Também assim: RUBIALES, Iñigo Sanz. El
principio de confianza legítima, limitador del poder normativo comunitario, Revista de Derecho
Comunitario Europeo, p. 106.
297
Sobre as noções de especialidade e anormalidade do dano, consultar a nota de rodapé 269.
298
ZANCANER, Weida. Da responsabilidade extracontratual da Administração Pública. In: Curso
de Direito Administrativo Econômico, vol. III, p. 618.
299
É disseminada a noção de que a lei e o regulamento, por serem, via de regra, abstratos, são
mediatos em relação aos administrados e que, nessa medida, não poderiam causar gravame, por
si, aos administrados (GONÇALVES PEREIRA, André. Erro e ilegalidade do ato administrativo, p.
82). Entretanto, não nos parece acertada esta colocação. Como ensina o professor Renato Alessi,
mesmo geral e abstrata, uma norma jurídica, quando proíbe ou obriga um comportamento, atua de
modo imediato em relação aos seus destinatários (Principi di Diritto Amministrativo, v. 1, p. 8).
Também se atenta para esta questão a ilustre professora Weida Zancaner: “Cabe, neste passo,
uma observação: o excessivo apego a rótulos não deve obnubilar o reconhecimento dos efeitos
que deles podem advir, cortar cerce as efetivas garantias que a teoria dos atos administrativos visa
a propiciar aos administrados – qual seja: o controle da legalidade da atuação administrativa –,
pois sob o rótulo de ‘regulamento’ há comandos que ensejam, de imediato, o estabelecimento de
relações jurídicas concretas, como há atos intra-estatais que podem atingir a esfera jurídica dos
particulares de maneira imediata, isto é, sem qualquer ato intercalar” (Da convalidação e da
invalidação dos atos administrativos, pp. 30 e 31).
300
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos
lícitos, p. 185.
301
Sugere o professor Canotilho a ampliação da responsabilidade do Estado para posições
jurídicas “menos perfeitas e menos juridicamente protegidas” que os direitos subjetivos, mas de