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UNIVERSIDADE
LUTERANA DO BRASIL
ULBRA
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PPGEDU
LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E PEDAGOGIAS CULTURAIS
ONDE CANTA O SABIÁ:
REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCESAS NO DIÁRIO
DE VIAGEM DE ADÈLE TOUSS
AINT
-
SAMSON
Mestranda: Maria Lúcia Brunelli
Orientadora: Maria Angélica Zubaran
Canoas, agosto de 2009
ads:
MARIA LÚCIA BRUNELLI
ONDE CANTA O SABIÁ:
REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCE
SAS NO DIÁRIO
DE VIAGEM DE ADÈLE TOUSSAINT
-
SAMSON
Orientadora: Dra. Maria Angélica Zuba
ran
Canoas, agosto de 2009
Dissertação apresentada como requisito
para
obtenção do grau de Mestre em
Educação, do Programa de Pós-
Graduação em Ed
ucação, na
Universidade
Luterana do Brasil, do Rio
G
rande
d
o Sul.
MARIA LÚCIA BRUNELLI
ONDE CANTA O SABIÁ:
REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCESAS NO DIÁRIO
DE
VIAGEM DE ADÈLE TOUSSAINT
-
SAMSON
Orientadora: Dra. Maria Angélica Zubara
n
Aprovada em _____ de ______________de 2009.
Banca examinadora:
_____
______________________________________
Doutor Edgar Kirchof (ULBRA)
___________________________________________
Doutora Maria Lúcia Castagna Wortmann (ULBRA)
___________________________________________
Doutora Marise Basso Amaral (UFRGS)
Dissertação apresentada como requisito
para
obtenção do grau de Mestre em
Educação, do Programa de Pós-
Graduação em Educação, n
a
Universidade
Luterana do Brasil, do Rio
G
rande
d
o Sul.
Dedico este trabalho à minha mãe,
incansável e criativa educadora, que
sempre me inspirou e
que tanta
falta me faz.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, profa. Dra. Maria Angélica Zubaran,
exemplo de mestra, que ao longo de sua carreira tem estimulado
permanentemente o aprendizado e o olhar investigativo de muitos alunos.
Agradeço a ela pelos valiosos ensinamentos, os quais jamais esquecerei, assim
como, pela dedica
ção e incentivo na construção e continuidade deste trabalho.
À minha filha Manoella, pela imposição constante da subtração em
nossas horas de convívio.
Ao Carlos Augusto, companheiro de todas as horas, pela paciência.
À tia Bita, pelo carinho e apoio incondicional, amplo e irrestrito.
A todos os amigos, colegas e alunos, que nessa trajetória me
acompanharam, fazendo toda a diferença.
Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte, estranheza e solidão
Uma parte de mim pesa, pondera
Outra parte delira
Uma parte de mim almoça e ja
nta
Outra parte, se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte, se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte?
(Ferreira Gullar, Traduzir
-
se)
RESUMO
O presente trabalho analisa o diário de viagem da francesa Adèle
Toussaint
-
Samson,
Uma Parisiense no Brasil, publicado inicialmente na França e
no Brasil em 1883, nos EUA em 1891 e 2001, e reeditado no Brasil em 2003. O
objetivo desse trabalho é mapear as representações culturais mais recorren
tes
dessa viajante francesa sobre Si e sobre o Outro(a), mulheres e negros(as), nas
suas narrativas de viagem. Examino seus relatos de viagem enquanto artefatos
culturais e pedagógicos, que fizeram circular
possíveis
ensinamentos, que
contribuíram na constituição de identidades culturais de brasileiros e europeus.
Trata
-se de uma abordagem teórica no âmbito dos Estudos Culturais em
Educação. Pretendo salientar a importância das narrativas de viagem como fonte
de estudo para o entendimento dos encontros culturais e a influência dos
cruzamentos discursivos na formação de sujeitos híbridos nas zonas de contato.
Este estudo dialoga com autores dos Estudos Culturais tais como: Henry Giroux,
Maria Lúcia Wortmann, Marise Basso Amaral, Stuart Hall, Shirley Steinberg, e
Tomaz Tadeu da Silva. Esse trabalho articula-se ainda, com as discussões de
autores Pós-coloniais como: Ella Shohat, Mary Louise Pratt, e Robert Stam.
Aproprio
-me também dos estudos de historiadores culturais como Lilia Moritz
Schwarcz, Luciana Martins, Maria Angélica Zubaran, Peter Burke e Sandra
Pesavento. Em termos metodológicos, trata-se de uma análise cultural dos
múltiplos discursos que atravessaram as narrativas de viagem de Adèle, entre
eles, o discurso imperial, o discurso romântico, o discurso do racismo científico e
de genêro e as suas representações culturais mais recorrentes. Entre os
resultados desse trabalho salienta-se que ao longo de sua narrativa a autora
revela
-se um sujeito híbrido, atravessada por múltiplos discursos que constroem
i
magens e representações múltiplas de si e do Outro (a). Entre as possíveis lições
que suas narrativas pretenderam ensinar aos brasileiros (as), destaca-se: a
defesa da integridade física dos escravos e das mulheres brasileiras oprimidas
por seus maridos e as lições de sociabilidade na convivência pública respeitável
entre homens e mulheres nas ruas do Rio de Janeiro da época.
Palavras
- chave: narrativas de viagem, representações, identidades culturais,
pedagogias culturais, hibridismo.
ABSTRACT
Th
is thesis analyzes Adèle Toussaint-Samson´s travel journal,
Uma
Parisiense no Brasil, first published in France and Brazil, in 1883; in the USA in
1891 and 2001, and launched again in Brazil in 2003. The aim of this work is to
map the most recurrent cultural representations of this French female traveler
concerning herself and the Other(s)
--
women and blacks in her travel writings.
Here I examine Toussaint-Samson´s travel writings while cultural and pedagogical
artifacts, which enabled the circulation of information in the construction of
Brazilian and European cultural identities. The theoretical approach is based on
the Cultural Studies in Education. I intend to highlight the importance of travel
writings as source of study for the understanding of cultural encounters and the
discursive intersections in the construction of hybrid subjects in the contact zones.
This paper establishes a dialogue with Cultural Studies theoreticians such as
Henry Giroux, Maria Lúcia Wortmann, Marise Basso Amaral, Stuart Hall,
Shirley
Steinberg, and Tomaz Tadeu da Silva. It also refers to discussions from
postcolonial authors such as Mary Louise Pratt, Ella Shohat and Robert Stam. I
also make use of studies of cultural historians such as Peter Burke, Sandra
Pesavento, Luciana Martins, Lilia Moritz Schwarcz and Maria Angélica Zubaran.
As to methodological aspects, this work refers to the cultural analysis of the
multiple discourses that permeate Adèle´s travel writings like the imperial
discourse, the romantic one, the scientific racist one, the gender one and their
most recurrent cultural representations. It is possible to observe along the
narrative the female author as a hybrid subject crossed by multiple discourses that
build images and multiple representations of herself and the Other(s). Among the
possible teachings found in her travel writings concerning Brazilians, one could
point out the following ones: the defense for the physical integrity of slaves and
Brazilian women oppressed by their husbands and the lessons of socia
bility
regarding the level of respectability in the relationships between men and women
in the streets of Rio de Janeiro of that epoch.
Key words: travel writing, representation, cultural identities, cultural pedagogies,
hybridism
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
..
........................................................................
...............................2
1
-
PERCORRENDO DISTÂNCIAS
..........................................
...............................7
1.1
Construindo um Caminho: Minha Própria Viagem..
........
...............
.
...................7
1.2
Viajantes Estrangeiras no Brasil.....................................................
.
..
..............11
1.3
O Gênero da Literatura de Viagem.....................................
.................
..
.........
19
1.4
Os Franceses
no Rio de Janeiro
e a
Chegada de Adèle.........................
.
.......23
1.5
O
C
ontexto do Rio de Janeiro..............................................
...................
.
........26
1.6 Breve Biografia de Adèle Toussaint
-
Samson........
.................................
..
.......27
2
ROTEIROS TEÓRICOS
.................................................................................
.32
2.1
Os Estudos Culturais, o Pós
-
Colonial e as Pedagogias Culturais...........
.
.....
..32
2.2
Discutindo a
s Contribuições da Teoria Pós
-
Colonial...................
...................38
3
TRADUÇÕES NA ZONA DE CONTATO
.........................
...............................44
3.1
O Relato Autobiográfico ou Escrita de Si
..........................................
........
.
......
44
3.2
Representações Culturais sobre os Outros (as)........................................
.
....
58
3.3Pedagogias Francesas
..........................................................................
..
.
........78
3.4
Encerrando outra E
tapa do
Caminho
.
..............................................................85
REFERÊNCIAS.
........................................................
............................................91
ANEXO A............................................................
...................................................99
ANEXO B.............................................................................................................102
ANEXO C...........................................................................
..................................106
ANEXO D.............................................................................................................108
ANEXO E...........................................................................................
..................110
ANEXO F.............................................................................................................
112
INTRODUÇÃO
Este estudo
analisará
o diário de viagem da viajante francesa Adéle
Toussaint
-
Samson,
Uma Parisiense no Brasil, produzido quando da sua volta
definitiva para a França em 1870, após uma estada de
12
anos no Rio de Janeiro.
O livro foi publicado originalmente em Paris, em 1883, e simultaneamente, no
Brasil.
Pretende
-
se
mapear as representações culturais de Adèle sobre si mesma
e sobre os Outros brasileiros (as) e apontar o papel educativo do seu relato de
viagem na constituição da sua subjetividade e identidade, assim como na
construção das identidades culturais dos Outros brasileiros (as).
O objetivo central desta pesquisa é investigar como essa viajante francesa,
a partir do contato com a diversidade cultural brasileira, transculturou o Brasil e os
brasileiros para audiências européias e como traduziu-
se
e hibridizou-
se
culturalmente
a partir do
encontro
com o Brasil e os brasileiros (as).
Ness
e
sentido, trata-se de mapear a multiplicidade de representações culturais que
atravessam as narrativas de viagem de Adèle, tanto aquelas sobre as mulheres
brasileiras e sobre os africanos e afro-
descendente
s, como as representações
sobre si mesma, como mulher viajante e estrangeira no Brasil. Num sentido mais
amplo, trata-se de examinar como as narrativas de viajantes estrangeiros
contribuíram para a construção das identidades de europeus e não-europeus e
co
mo
pretenderam
ensinar
aos brasileiros (as), valores e normas de
comportamento e conduta, como referenciais de cultura e de civilização.
Que conjunto de saberes esse artefato cultural colocou em circulação
sobre as múltiplas identidades que representou? Quais foram as representações
mais recorrentes sobre o Outro (a) brasileiro(a), mulheres e negros, nos relatos
dessa viajante estrangeira? Como o contato com a diversidade cultural brasileira
contribui
u na construção/reinvenção da própria identidade de Adèle, como mulher
e como estrangeira? Que produtividades pedagógicas podemos apontar nos seus
relatos sobre o Brasil? Que aspectos de uma possível pedagogia francesa são
visíveis nos relatos de viagem de Adéle Toussaint-
Samson
? Essas são algumas
das questões q
ue este estudo pretende examinar.
Vários autores destacaram o quanto os relatos de viagem foram
importantes na constituição de um modo de ver e de conceber a paisagem do
Brasil e os Outros brasileiros (as). Flora Süssekind, quando refere-se à prancha
do pintor francês Debret
1
, o pano de boca pintado para o teatro carioca, afirma:
“As pranchas do pintor-viajante não figuram um Brasil, como ensinam a figurá-
lo, a descrevê-lo, a defini-lo” (
SÜSSEKIND
, 2000, p.38 ). A autora afirma que o
olhar do viajante francês ensina a ver e a organizar a paisagem brasileira para os
olhos nativos. Também Marise Basso Amaral destacou o caráter pedagógico da
literatura de viagem, quando afirmou que um relato de viagem tem importante
papel educativo na formação da visão de si e do Outro, dos entornos e dos seus
conteúdos, implicando ter sempre uma ação civilizatória a ser exercida. A autora
aponta que é preciso marcar o quanto esses relatos foram importantes na
constituição de um novo modo de ver e de conceber a paisagem, ensinando ao
colonizador a ler suas riquezas, seu potencial, suas particularidades, suas
utilidades e, muitas vezes,
a sua “natural” vocação. (AMARAL, 2007, p. 248).
Este estudo dialoga com os textos de alguns autores pós-coloniais como,
Ella Shohat (2006), Mary Louise Pratt (1999), e Robert Stam (2006), com suas
análises sobre as representações do olhar imperial, assim como com as
interpretações de historiadores culturais como
Lilia
Moritz Schwarcz
(2008),
Luciana Martins (2001), Peter Burke (2002), Maria Angélica Zubaran (2000) e
Sandra Pesavento (2005), no que se refere à interpretação dos relatos de viagem
como fontes de estudo para o entendimento dos encontros culturais. Também se
articula com os autores dos Estudos
Culturais,
que discutem representações,
identidades culturais e pedagogias culturais.
Destacam
-
se
entre eles,
Henry
Giroux (2004), Maria Lúcia Wortmann (2007),
Marise
Basso Amaral (2007),
Shirley Steinberg (1997),
Stuart Hall (1997, 2003) e
Tomaz Tadeu da Silva (1995).
A
abordagem teórica situa-se no campo dos Estudos Culturais,
particularmente, na discussão da centralidade da cultura e da linguagem na
1
Artista viajante francês que chegou ao Brasil com a Missão Francesa, em 1816, e que
permaneceu no Rio de Janeiro durante 15 anos, onde tornou-se o pintor oficial da Corte
Portuguesa.
produção de significados e na constituição de subjetividades e identidades. Na
perspectiva dos Estudos Culturais, o relato de viagem de Adèle Touss
aint
-
Samson
será analisado como um artefato cultural produtor de representações,
que inventam sentidos e que colocam em circulação, nas arenas culturais, uma
multiplicidade de significados sobre os europeus e sobre os Outros brasileiros
(as), contribui
ndo
na constituição de suas subjetividades e identidades. De acordo
com
Flora Süssekind (2000) no século XIX, era de fora, através do olhar dos
estrangeiros
, que se construía a imagem do Brasil e dos brasileiros (as).
Também é central, nessa análise, o conceito de Pedagogias Culturais, aqui
entendido na perspectiva de Henry Giroux (2004) e de Shirley Steinberg (1997),
de uma forma ampla, para além dos muros da escola, incluindo outras instânci
as
do cultural como pedagógicas. N
ess
a perspectiva ampliada das pedag
ogias,
serão
examinados
os possíveis ensinamentos ou pedagogias francesas,
presentes nas narrativas da viajante francesa Adéle Toussaint sobre o Brasil, as
formas pelas quais essa viajante francesa ao narrar o país pretendeu também
produzi
-lo, criticando, na cultura, aquilo que distanciava os Outros brasileiros (as)
dos valores auto-referentes euroimperiais e valorizando os aspectos que os
aproximava
m
da cultura européia.
O primeiro capítulo iniciará com a apresentação de minha própria viagem,
relatando
parte da minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional e situando
meu interesse pelo tema da literatura de viagem e, particularmente, pelo diário de
Adéle Toussaint-
Samson.
Prossigo, analisando a questão das mulheres viajantes
estrangeiras no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro do século XIX, cujas
narrativas, segundo Miriam Moreira Leite (1997), apresentam um duplo
testemunho, por referirem-se tanto à condição das mulheres européias, como às
observações sobre as outras mulheres brasileiras. Nesse mesmo capítulo, será
discutido
o gênero da literatura de viagem, que tornou-se popular no mercado
editorial europeu, em expansão no século XIX. Segundo Peter Burke (2002), esse
gênero da literatura se constituiu em documentos preciosos de tradução dos
encon
tros culturais, resguardando-se o cuidado de não tomá-los como pretensão
de verdade. Para contextualizar a chegada de Adèle Tous
saint
-
Samson no Rio de
Janeiro, serão tecidas algumas considerações a respeito da vinda dos primeiros
viajantes franceses e de sua instalação no Brasil, com destaque especial à vinda
da Missão Francesa em 1816. Será apresentada ainda, uma análise do cenário
urbano do Rio de Janeiro, a partir da transferência da corte portuguesa para e
das transformações ocorridas naquela cidade, bem como uma breve biografia de
Adéle
Toussaint
até o momento da sua chegada no Brasil.
O segundo capítulo relacionará meu objeto de estudo com as discussões
dos teóricos dos Estudos Culturais e serão analisadas as contribuições teórico-
metodológicas de alguns de seus autores, particularmente, Henry Giroux (1995),
Luís Henrique Sommer (2003), Maria Lúcia Wortmann (2002-
2005
-2007), Marisa
Vorraber Costa (2002
-
2003
-
2005), Marise Basso Amaral (2003
-
2007), Rosa Maria
Silveira (2002-
2003
-2005) e Tomaz Tadeu da Silva (1995-
2000
-
2005).
Destacar
-
se
a importância do conceito de Representações Culturais de Stuart Hall (2003)
para esse trabalho, assim como o conceito de Pedagogias Culturais, no sentido
empregado por Shirley Steinberg (1997), como “ferramentas” teó
ricas
fundamentais para o desenvolvimento do estudo.
O terceiro capítulo tratará da análise das narrativas de Viagem de Adéle
Toussain
t-
Samson
, seu relato auto-biográfico ou escrita de si, quando essa
viajante
-autora mescla episódios pitorescos e dramas típicos de uma sociedade
escravista, com reflexões sobre si mesma e sobre seus sentimentos e sensações
enquanto mulher viajante francesa no Rio de Janeiro imperial
.
Destacar
-
se
-
ão
também as representações culturais de Adéle sobre os Outros (as),
pa
r
ticul
armente, os negros (as) e as mulheres brasileiras e serão analisados os
múltiplos discursos que mediaram esse olhar, entre eles, o discurso euro-
imperial,
o discurso romântico, o discurso do racismo científico e as convenções de gênero
femininas da época.
Examinar
-
se
ainda, o potencial pedagógico dos relatos de viagem de
Adèle, os possíveis ensinamentos ou pedagogias francesas que seu diário de
viagem fez circular no Rio de Janeiro da época. Entre esses ensinamentos,
estarão salientadas algumas possíveis lições que essa viajante francesa
pretendeu ensinar aos brasileiros (as). Em primeiro lugar, seu romantismo
revolucionário manifestou-se na defesa intransigente da integridade física dos
escravos, intervindo contra os castigos corporais de escravos no Rio de Janeiro.
De outro lado, a conjunção dos discursos da missão civilizadora com o discurso
de gênero enquanto mulher reformadora social, manifestou-se pedagogicamente,
na defesa das mulheres brasileiras que sofriam a opressão e a desmoralização
por parte
de seus maridos, levando-a a intervir contra essas atitudes, na busca da
elevação da dignidade e do status moral dessas mulheres
.
1. PERCORRENDO DISTÂNCIAS
1.1 CONSTRUINDO UM CAMINHO: MINHA PRÓPRIA VIAGEM
Minha trajetória no Programa de Mestrado em Educação esteve articulada
à busca de uma visão mais ampla da cultura, uma visão que me permitisse
entender melhor os cruzamentos e as articulações entre as diferentes
contribuições culturais das várias regiões e dos vários segmentos sociais e
culturais
que formam a cultura brasileira; uma perspectiva aberta aos
questionamentos
que evitasse as fórmulas prontas e as velhas certezas. Em
diferentes etapas da minha vida, tenho
ocupado diversos
espaços
sociais e talvez
iss
o me autorize a pensar que possuo uma identidade híbrida e multifacetada.
Ness
e momento, sou professora, aluna, artista, coreógrafa, advogada,
coordenadora, pesquisadora, mãe, companheira e irmã.
Ness
a caminhada por
diversos campos do saber que me formaram, disciplinaram, inspiraram e me
autor
izaram
a ocupar esses lugares, sigo me perguntando sobre os si
gnificados
que tenho atribuído às minhas diferentes identidades e como as venho
construi
ndo. Nessa busca, sempre me interessei pela chamada área das ciências
humanas, que, com seus arcabouços te
óricos
, foi me proporcionando novas
lentes para ler o mundo e a minha própria trajetória.
Fui bailarina por muitos anos, e a dança enriqueceu intensamente a minha
ex
istência, mantendo-se pulsante em mim e no meu cotidiano, até hoje, de
múltiplas formas. Assim, aproximei-me e me inseri na área da cultura, que é de
onde falo.
O início foi aos 10 anos de idade, quando estudava em Porto Alegre, em
um colégio religioso, cuja a congregação acreditava na arte e suas expressões
como forma complementar ao ensino tradicional. Ali aprendi a dançar e, aos
poucos
, fui me aprimorando não na técnica do movimento, como também na
organização de grupo, cenários, figurinos, tendo sido escolhida para ser
assistente da professora. Aos poucos, orientada pela mestra, comecei a ensinar
as alunas iniciantes e a esboçar minhas primeiras experiências coreográficas.
Percebi que aos poucos, fazia descobertas e construía um método próprio de
trabalho. A partir daí, fui buscar o conhecimento de outras linguagens da dança;
me aproximei de grandes mestres, não aqui, como em outros estados do país
e também no exterior. Minhas inquietações
levaram
-
me a estudar dança em Nova
York e, após voltar ao Brasil, ingressei na faculdade de Direito, em parte porque
me fascinava a teoria jurídica e também porque me negava a cursar Educação
Física, única opção que restava aos interessados em estudos sobre a dança.
Naquela época, ainda não existiam cursos superiores de dança e o campo de
atuação profissional para os bailarinos era bastante restrito. Enquanto cursava
Ciências Jurídicas e Sociais,
estudei
idiomas, integrei diversos grupos de dança
e, com eles, viajei e fiz apresentações em vários estados do Brasil e
no
exterior.
Foi através da mestra e educadora artística Nilva Pinto, fundadora e diretora do
conjunto de folclore internacional “Os Gaúchos”, que me aproximei e estreitei
laços com as manifestações da cultura popular e passei a dedicar muito do meu
tempo a pesquisas sobre dança, música e saberes populares. Para compreende
r
melhor essas manifestações culturais, dialoguei com outras áreas do
conhecimento
,
como a Antropologia Cultural, a História, a Geografia, a Sociologia,
as Artes, a Filosofia e o Folclore. Transitei por cursos, oficinas, workshops,
encontros e palestras, acompanhados de pesquisas bibliográficas e de campo,
como
assistente e, em seguida, passei à direção artística de muitos projetos
culturais.
No final dos anos 80 e até 1990, atuei como coordenadora técnica da
Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, na época dirigido pela doutora
em etnomusicologia, Rose Garcia, a quem devo o aprendizado em pesqu
isas
folclóricas. R
ealizamos projetos que tinh
am como principais objetivos a e
ducação
e a formação de multiplicadores docentes para a rede escolar. Quando me
aventurei pelos domínios da cultura gaúcha, lancei novos olhares sobre a
tradicionalidade do povo do Rio Grande do Sul, o que causou inquietude aos
membros mais tradicionais do Movimento Tradicionalista Gaúcho, entidade
reguladora e normativa que se intitulava responsável pela salvaguarda das
tradições sul
-riograndenses. Prosseguindo
ness
a trajetória, nos anos 90,
trabalhei
na Comissão 300 Anos, junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), quando foram realizadas inúmeras ações na direção da
sal
vaguarda, manutenção e divulgação das Missões Jesuítico-Guaranis do
Rio
Grande do Sul,
pa
trimônio cultural da Humanidade (Unesco). Aprendi sobre a
importância da preservação do patrimônio histórico e sobre a diferença entre
patrimônio material e patrimônio imaterial, entre os bens culturais tangíveis e os
intangíveis, uma nova categoria do patrimônio cultural criada para dar conta dos
saberes e fazeres populares. A seguir, fui chamada para atuar no CODEC, que
viria a ser transformado na primeira Secretaria de Estado da Cultura do Rio
Grande do Sul e trabalhei com o Secretário Carlos Jorge Appel em projetos
cu
lturais especiais, onde o foco era o trabalho com comunidades. Em seguida,
participei do Centro de Formatividade em Dança, projeto elaborado por uma
comi
ssão de estudos sobre a dança, que resultou na implantação de dois núcleos
de ensino/aprendizagem da arte. Era um projeto que assumia um “gesto
formativo”, orientado para formar com base no fazer
que
, enquanto fazia,
inventava o modo de fazer e confrontava o formalismo e a formalização. O Centro
de Formatividade em Dança funcionou ao longo de dois anos
,
aberto a cria
nças
da comunidade e para a qualificação profissional de bailarinos selecionados que
buscavam profissionalização e inserção no mercado de trabalho. A idéia de
propiciar as inter-relações entre aluno-professor, artista-obra de arte, arte-
cultura
através da configuração de um espaço permanente aberto ao intercâmbio das
pluralidades e voltado para o estudo e a pesquisa da dança me absorveu
total
mente. Minha atuação se deu tanto no núcleo de criação do projeto, como
docente e, como diretora adjunta do Centro. O centro plantou importantes
sementes no cenário cultural, entre elas o início de cursos superiores de dança e
também de especialização nas universidades do Rio Grande do Sul. Mais tarde,
em parceria com outras três colegas do Centro de Formatividade, investi na
criação de um espaço privado de investigação, formação e criaç
ão
em Dança,
onde me dediquei ao diálogo entre as danças populares e as demais lin
guagens
da dança, e incorporei
a
o trabalho
, a experimentação com
crianças e jovens.
Em 2003, ingressei no primeiro curso de pós-
graduação/especi
alização em
dança na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, que
conclui em 2004. Minha monografia tratou das questões ligadas à identidade
cultura
l de um grupo que dirijo há quatorze
anos e do
qual estou à frente até hoje,
sediado na cidade de Nova Prata, no interior do Rio Grande do Sul. Seus
integrantes, jovens de ambos os sexos, de idade entre 15 e 28 anos e
descendentes de italianos, decidiram ampliar seus conhecimentos sobre a
diversidade cultural de outras regiões do Brasil, principalmente, através da dança
e da música. As dificuldades foram enormes, mas, aos poucos, o interesse e a
dedicação resultaram em muitas conquistas, tanto por parte dos bailarinos, como
também dos jovens músicos, que passaram a familiarizar-se com a percussão
dos atabaques africanos e ao som da sanfona do baião nordestino. No ano
seguinte, fui convidada a lecionar no curso de Graduação Tecnológica em Dança,
recém criado na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, hoje transformado em
Licenciatura em Dança pelo MEC. Em seguida, ingressei como docente no curso
de especialização em Dança na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, PUCRS
, atividades que exerço até o presente momento.
O próximo desafio, foi ingressar em um
mestrado
, que me permitisse
continuar investigando a temática das identidades e diversidades culturais e as
relações com as
ident
idades regionais e nacional. O mestrado em Educação com
concentração em Estudos Culturais pareceu-me a melhor opção, pois tratava-
se
de uma perspectiva interdisciplinar, com um entendimento de educação e de
cultura mais amplo, para além dos limites da escola e da sala de aula. Aos
poucos, fui questionando a idéia da cultura como algo pronto, naturalizado e
começando a pensá-la como algo construído historicamente. Comecei a
problematizar certas idéias a respeito da cultura popular e aprendi que não
exis
tem significados prontos e acabados, mas que os significados são produzidos
na cultura, a partir das representações sempre em jogo e em permanente
disputa
e movimento. Então, surgiu o dilema: qual seria o tema de pesquisa para a
dissertação? Depois de explorar muitas possibilidades, comecei a questionar-
me
a respeito das primeiras interpretações produzidas sobre a cultura brasileira.
Partindo do pressuposto de que a identidade do Brasil e dos brasileiros fora
inicialmente construída de fora, pelo olhar dos
viajantes estrangeiros, intrigava
-
me
saber como teriam ocorrido esses primeiros encontros entre europeus e
brasileiros, quais teriam sido os critérios que influen
ciaram suas leituras do Brasil.
Foi assim que me interessei pela trajetória das mulheres viaja
ntes
estrangeiras que escreveram relatos das suas viagens e das situações vividas no
encontro com a cultura brasileira. Repensar as trajetórias dessas mulheres
viajantes tinha a ver também com as minhas próprias vivências pessoais como
mulher viajante, que, através das viagens que realizou, buscou permanentemente
um melhor entendimento da sua própria cultura. Foi nas muitas viagens que
realizei
, que melhor aprendi sobre mim mesma e sobre os brasileiros. Por outro
lado, os Estudos Culturais em Educação e a centralidade das análises culturais
neste campo teórico, me possibilitariam pensar os relatos dos viajantes
estrangeiros como textos culturais, que traduziam o encontro entre culturas e que
construíram as primeiras representações sobre os sujeitos brasileiros e suas
práticas culturais, além de contribuírem para a construção das identidades dos
europeus. Foi com essa perspectiva, que mergulhei no universo cultural da
viajante Adèle Toussaint-Samson, que passarei a examinar no estudo que segue.
Os teóricos dos Estudos Culturais Giroux e McLaren (1995) me auxiliaram ness
e
entendimento, ao afirmarem que é através das práticas culturais, que os
indivíduos compreendem a si mesmos e ao mundo que os rodeia.
1.2 VIAJANTES ESTRANGEIRAS NO BRASIL
Com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, especificamente
para o Rio de Janeiro, em 1808, como conseqüência da ocupação napoleônica
em Portugal, o Imperador D. João VI abriu os portos brasileiros para as nações
amigas. A partir de então, foi significativo o aumento da entrada de europeus de
outras nacionalidades no Brasil, o que contribui para diminuir o isolamento cultural
em que o país vivia até aquele momento em função do pacto colonial. Com a
abertura oficial dos portos, a colônia passou a receber não apenas produtos
europeus, mas também visitantes europeus, que se dirigiam para o Rio de
Janeiro, sede da monarquia portuguesa nos trópicos. O país passou a receber, de
forma regular, viajantes estrangeiros que aportavam em busca de informações
científicas ou na tentativa de fazer fortuna; eram religiosos, artistas, cientistas,
professores, engenheiros, cartógrafos, representantes diplomáticos,
comerciantes, marinheiros, oficiais e turistas. De acordo com Luciana Martins, “o
Brasil que era descoberto pelos viajantes europeus além de um novo mercado,
tornava
-se também um vasto laboratório para as ciências e artes européias”
(MARTINS, 2001, p.46).
Os viajantes do século XIX e as expedições científicas que realizaram
tinham como objetivo mapear a flora e a fauna brasileira, categorizar e trazer
amostras e informações do Novo Mundo. Como lembra Miriam Moreira Leite
(2000), foi o naturalista alemão Alexander von Humboldt que
,
ao traçar um projeto
de exploração e mapeamento do globo e dos continentes no fim de século X
VII,
enumerou a necessidade de pesquisar as plantas, os animais e os minerais, sem
esquecer do estudo sobre os homens, costumes e línguas encontrados. Neste
sentido, a maioria dos viajantes do século XIX foi motivada e inspirada pelo estilo
de narrativa da obra de Humboldt neste projeto global de pesquisa. Karen Lisboa
afirma que Humboldt criou um novo estilo de descrição de viagens científicas,
elegendo os trópicos “como lugar privilegiado para comunhão da natureza com a
vida espiritual do homem” (LISBOA, 1997, p. 40). De acordo com a autora, a
viagem humboldtiana uniu dois pólos que se cristalizaram ao longo do século
XVIII, um deles sendo a missão científica apresentada na forma de relatos
baseados no pensamento enciclopedista e o outro, a viagem sentimental, na linha
que o inglês Lawrence Sterne
2
introduzira na sua publicação de 1768: o fascínio
pelas belezas naturais no sentido de que elas representavam um espaço para a
digressão da alma dos autores
-
viajantes.
Humboldt
escreve
, em 1807, Ansichten der Natur (quadros da natureza),
cujo sentido era compreender e sentir a natureza na sua totalidade, transmitindo
ao leitor a sensação prazerosa de estar na natureza tropical. Além de sinalizar os
rumos da produção científica naturalista da primeira metade do século XIX, o
naturalista alemão também contribuiu para o processo da criação de imagens
sobre o Novo Mundo, apresentando inúmeras particularidades. Por isso, era
2
Lawrence Sterne, novelista inglês, em 1768 escreveu o livro Sentimental Journey trought France and Italy,
onde descreve sua viagem através de um ponto de vista sentimental
.
considerado um guia dos projetos de missões destinadas à América e
praticamente todos os naturalistas e viajantes de expedições científicas que
vieram ao Brasil, desimpedidos com a abertura dos portos aos estrangeiros,
inspiraram
-
se no estilo de viagem e de narrativa de Alexander Von Humboldt.
Tânia Quintaneiro (1995) aponta que os deslocamentos dos viajantes
europeus rumo aos trópicos, do qual fizeram parte cientistas, diplomatas,
negociantes, religiosos, intelectuais e mesmo pessoas comuns, significou uma
“redescoberta da América”. A autora menciona que as mulheres viajantes, embora
minoritárias,
fizeram parte desse grupo de viajantes europeus que visitaram o
Brasil na primeira metade do século XIX. No entanto, a estudiosa destaca que
muitas eram as limitações enfrentadas pelas mulheres nas suas viagens
transatlânticas. Não era recomendável a uma mulher viajar sozinha e enfrentar os
perigos das viagens para terras distantes no século XIX, mas algumas européias
estiveram à frente de seu tempo e viajaram para a América do Sul.
Elas
assumiram os riscos das longas viagens marítimas, das moléstias tropicais, dos
desconfortos, das estranhezas de costumes, revelando grande capacidade de
enfrentamento das dificuldades e mantendo uma permanente curiosidade e
capacidade de observação.
Miriam Moreira Leite (2000) argumenta que essas mulheres estrangeiras,
seja
qual fosse sua origem ou o ambiente em que vivessem em seus países,
recusaram o
papel prescrito para elas
naquela época, qual seja o de conservarem
-
se restritas às atividades domésticas e à criação dos filhos. De acordo com Miriam
Moreira Leite, o espaço para as mulheres nas viagens transatlânticas foi
conquistado muito lentamente, com a modernização dos transportes marítimos,
mas as viagens longas para lugares distantes conservaram-se como área
predominantemente masculina (LEITE,1997, p. 16). Segundo Leite, entre os 80
livros de viagem pesquisados no período de 1800 e 1850, apenas cinco foram
escritos por autoras femininas. de 1850 a 1900, entre as 92 obras examinadas,
17 eram de mulheres. Esse aumento ocorreu pos
sivelmente
devido à criação de
linhas normais de navegação a vapor, mais pidas, seguras e baratas a partir do
declínio dos navios à vela, mais sujeitos aos naufrágios e à pirataria.
A autora norte-americana June E. Hahner, na sua obra Women through
Women’s Eyes (1998), reflete sobre as v
iajan
tes européias e norte-
americanas
que visitaram a América Latina durante o século XIX. Hahner observa que a
motivação feminina podia ou não ser comparada à masculina, em relação às
viagens. Para a autora, os viajantes masculinos deslocavam-
se
devido às suas
atribuições ocupacionais, aventurando-se pela América Latina como
comerciantes, cientistas, militares, homens de negócios e missionários e também
como jornalistas, diplomatas, artistas e aventureiros, enquanto as mulheres
viajavam como esposas e assistentes, acompanhando e auxiliando seus maridos
ou escrevendo diários que se tornaram base para relatos de viagem, além de
virem para [...] ensinar, como missionárias, para desenvolver habilidades
artísticas, recuperar-se da saúde ou males do espírito, procurar a auto-
realização
ou por razões financeiras (HAHNER, 1998, p. 83), como foi o caso de Adèle, que
foi para o Rio de Janeiro, na tentativa de fazer fortuna.
De acordo com June Hahner (1998), além das dificuldades naturais
decorrentes da escolha de uma viagem rumo a lugares exóticos e de cultura
distinta da sua, a posição de subordinação das mulheres européias restringia
suas chances de escrever e publicar. Havia temas considerados impróprios para
as mulheres e, nesse sentido, elas não ganhavam o aval de editores ou do
público leitor, pois poderiam dar a impressão de estarem intrometendo-se no
universo de atividades destinadas aos homens. Essa situação foi vivida por Adèle
Toussaint e descrita por ela no prólogo do seu livro, quando, após ter retornado
para
França e submetido sua obra aos editores obteve a declaração que: minha
obra não podia convir ao gênero de publicação da casa, mas que o estilo era
agradável. Eu era mulher, não se podia conceder
-
me mais; era já muita honra que
se me fazia” (SAMSON, 2003, p.48). Tal análise nos permite verificar que a
tradição de tratar a escrita feminina como marginal incluiu também a literatura de
viagem.
Os autores que discutem a literatura produzida pelas viajantes, têm
sali
entado a importância do olhar da mulher
no
entendimento do universo
feminino, tão pouco considerado até meados do Século XX. Os pesquis
adores
destacam que é através desse olhar das viajantes estrangeiras que surge uma
diversidade de mulheres latino-americanas, como lavadeiras, freiras, mulheres do
mercado, escravas das fazendas, esposas e filhas de proprietários e políticos e
vivandeiras. Segundo Hahner (1998), “estes relatos em primeira mão iluminam
questões de diferenças de gênero, vida familiar, religião , trabalho das mulheres,
educação” e auxiliam a revelar costumes, atitudes e práticas nas inter-
relações
entre homens e mulheres (HAHNER, 1998, p.81)
As questões de gênero na literatura de viagem foram discutidas por Susan
Bassnett (2000), em seu texto Narrativas de Viagem e a Questão de Gênero.
De
acordo com Bassnett, um dos desdobramentos da volta do feminismo no início
dos anos setenta foi a redescoberta dos relatos das mulheres viajantes. Susan
apresenta uma cuidadosa revisão bibliográfica sobre o tema e que parece
oportuna para o presente est
ud
o. Segundo a autora, foi nessa época que a
edi
tora feminista britânica Virago
reeditou livros clássicos de viagens de mulheres
,
tais como o de Isabella Bird e Mary Kingsley, enquanto um número de antologias
e estudos das viajantes da época vitoriana começaram a surgir. Apesar de
elogiarem seus esforços e realizações, os autores deram a entender que essas
mulheres viajantes eram ligeiramente excêntricas, focalizando suas histórias
incomuns, suas originalidades e suas recusas em aceitar as normas sociais da
época. De acordo com Bassnett, a impressão que fica destes volumes é que a
mulher viajante estava de alguma forma fugindo de algo, procurando escapar das
amarras da sua família ou da sociedade. Nessa perspectiva, de sublinhar as
diferenças dos relatos de viagem relacionada ao gênero, Jane Robinson publicou
uma antologia de narrativas de viagem escritas por mulheres, intitulada
Unsuitable for Ladies
(1994),
(Impróprio para senhoras
),
em que sublinhava que
elas
escreviam em oposição aos seus colegas homens, f
ocalizando
as diferenças
de estilo e ênfase dos seus relatos. Também Sara Mills, no seu estudo pioneiro
sobre narrativas de viagem de mulheres e colonialismo, Discourses of Difference
(1991),
(Discursos da diferença), apontou “o posicionamento menos autori
tário
que as viajantes assumem em relação à voz narrativa”. Apesar de Robinson e
Mills abordarem as escritoras sob perspectivas diferentes, ambas enfatizaram a
riqueza de detalhes nos relatos de viagem de mulheres bem como uma tendência
a escrever sobre relacionamentos pessoais e contrastaram estes relatos com o
discurso mais público dos viajantes homens. Susan Bassnett aponta que o
perigo de essencialismo neste argumento e muito do conhecimento feminista
pioneiro sofreu de uma tendência a ver as “mulheres como uma categoria
unitária e fazer presunções baseadas numa categorização indiferenciada. Ainda
assim
, a pergunta básica permanece: os relatos escritos por mulheres diferem
daqueles escritos por homens de alguma forma específica? Essa questão tornou-
se mais complexa devido às perspectivas pós-coloniais, que suscitaram
discussões sobre o papel e a condição das viajantes brancas na época do
imperialismo. De acordo com Bassnett, num apanhado geral, pode-se chegar à
conclusão de que os textos de viagens escritos por homens tendem a uma maior
cientificidade, enquanto que muitas das narrativas das viajantes refletem um
interesse em atividades filantrópicas características dos primórdios do feminismo,
o que Mary del Priore chama de “reformadoras sociais”. Foi esse tipo de ativ
ismo
que motivou muitas européias e americanas a denunciar a escravidão, as
condições de trabalho desumanas para mulheres e crianças e os abusos dos
direitos humanos. A denúncia contra a escravidão nos trópicos também está
presente nos re
latos da viajante francesa Adèle.
Bassnett
sublinha a necessidade de apontar diferenças entre os relatos
femininos em relação às posições que ocupavam nas sociedades coloniais, o que
segundo a autora, produzia variações significativas nos seus textos. No caso de
Adèle Toussaint, a diferença não estava apenas no fato de ser francesa, mas
também nos seus diferentes papéis como esposa, mãe e professora. Ness
e
sentido, o trabalho de Cheryl McEwan (2000) aponta a necessidade de se
reconhecer a diversidade de relatos entre as narrativas de viagem das mulheres
viajantes. Nem todas eram de classe média, nem todas dividiam as mesmas
perspectivas ideológicas. Também Gillian Rose, no seu estudo Feminism and
Geography
(1993),
(Feminismo e geografia), indica que o mapeamento do espaço
das outras culturas realizado pelos viajantes masculinos tinha como intenção
circunscrever, definir e, portanto, controlar o mundo, ao passo que os relatos das
viajantes pareciam apresentar um mapeamento alternativo, que consistia em
traça
r padrões de eventos cotidianos dos mais banais e triviais de forma a criar
uma ênfase no pessoal. O livro da viajante May French-
Sheldon,
Sultan to Sultan.
Adventures
Among the Massai and Other Tribes of East Africa (1892) pode ser
um exemplo, oferecendo ao leitor fotografias, desenhos, conversas e relatos de
incidentes envolvendo pessoas que ela encontra na sua jornada em detrimento de
uma análise científica. Também o livro de Adéle Toussaint traz oito lâminas com
fotos de mulheres e de paisagens do Rio de Janeiro, entre os anos de 1850 a
1862, período em que ela viveu e trabalhou no Rio de Janeiro, apresenta
ndo
um
foco bem acentuado nos eventos cotidianos e nas questões familiares.
O que parece ser quase consenso ent
re as autoras estudadas por Bassnett
é o fato de
as narrativas de viagem de mulheres viajantes apresentarem traços de
sua feminilidade; tanto pela atenção aos detalhes das roupas, dos relatos da vida
doméstica, quanto pela inclusão de episódios de relacionamentos interpessoais. A
autora destaca que a necessidade de as mulheres viajantes reinventarem-se na
idade do império resultava de suas reações à sua posição marginal numa
sociedade hierarquizada e de oportunidades desiguais. A procura pela auto-
expressão e a reformulação da identidade eram
elementos comuns no trabalho de
muitas das viajantes discutidas e estavam firmemente enraizados na exp
eriência
do dia-a-dia e na autoreflexidade que confirmava a identidade de gênero desses
relatos apesar de nenhuma dessas narrativas alegar status especial ou
excepcionalidade (BASSNETT, 2000).
Por outro lado, como destaca Miriam Moreira Leite (1997), os relatos das
viajantes
no Brasil nos ensinaram como elas se auto-representavam e produziam
observações específicas sobre a sua condição, estado e dificuldades como
mulher, esposa, profissional e viajante, ao lado do testemunho a respeito das
outras mulheres que encontraram no Brasil. Nesse sentido, essas
européias
contribuíram para a história da mulher do século XIX em forma de um duplo
testemunho: tanto através das reflexões sobre a sua condição de mulher
estrangeira vinda da Europa, como também através das observações sobre as
outras mulheres brasileiras. Por outro lado, a autora destaca que a literatura de
viagem permite uma leitura de seu conteúdo latente através do conteúdo
manifesto. A leitura do conteúdo latente emanaria das indicações sobre o autor,
do período de sua permanência no local visitado e das suas abordagens sobre o
Outro estrangeiro. Para Miriam Moreira Leite (2000), uma característica dos
re
latos das mulheres viajantes é sua grande capacidade de obs
ervação,
indicando que “todas têm grande cuidado e atenção às condições da vida do dia-
a-dia, quando comparam as situações vividas, no local de origem, com aquelas
que procuram descrever e interpre
tar” (LEITE, 2000 p.132).
Também
Tânia Quintaneiro (1996) comenta que o olhar feminino
apresentava certas vantagens se comparado ao olhar masculino dos viajan
tes.
Para ess
a autora:
(...) as mulheres estrangeiras tinham melhores possibilidades de
conhecer
um pouco os desejos, frustrações e sentimentos de suas
congêneres e partilhar de certo modo da vida feminina no Brasil,
enquanto boa parte dos viajantes do sexo masculino era forçada a
deter
-se nos relatos das maneiras, vestimentas, das características
sicas, comparando-as com as das moças de seu país
(QUINTANEIRO, 1995, p 36).
A viajante Ina von Binzer, no seu livro de viagens sobre o Brasil
3
, destacou
que as mulheres viajantes, particularmente as professoras, levavam vantagem
nos relatos sobre os brasileiros, pois, diferentemente dos viajantes homens,
gozavam da liberdade de penetrarem no interior das suas casas. De acordo com
Ina:
Nós
,
professoras, levamos vantagem em relação aos comerciantes e
outros europeus dentre os quais muito poucos se afastam das cidades
marítimas e a maioria depois de 10 ou 20 anos retorna à Europa sem
conhecer o resto do país e muito menos a vida real dos brasileiros, ao
passo que, convivendo na intimidade deles, temos ocasião de observar
de perto toda a trama. (BINZER, 198
0, p.12)
As viajantes estrangeiras, especialmente quando prolongavam sua
permanência no Brasil, como aconteceu com Maria Graham
4
, Elizabeth Agassiz
5
e também com Adéle Toussaint-Samson, tiveram oportunidades ímpares de
acesso ao interior das casas dos brasileiros (as), podendo, assim, manter
conversas privadas com as mulheres das famílias e observar hábitos e costumes
domésticos, que envolviam também os negros e negras escravos (as). Elas
conseguiram estabelecer contatos além do superficial, fornecendo, em seus
3
BINZER, Ina Von. Os meus Romanos: Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no Brasil.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.
4
GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao
Brasil.
Belo Horizonte:Editora Itatiaia/ Editora da
Universidade de São Paulo, 1990.
5
AGASSIZ, Elizabeth. A Naturalist’s Wife and Educator in Brasil In Hahner, June E.
Women
though Women’s Eyes: Latin American women in nineteenth-century travel accounts
.
Wilmington,
USA, 1998 .
relatos
, valiosas reflexões a respeito da vida feminina e dos afrodescendentes no
Brasil. É sobre esse gênero da literatura de viagem que passamos a tecer
algumas considerações.
1.3 O GÊNERO DA LITERATURA DE VIAGEM
De acordo com Boris Kossoy (1994), a literatura de viagem sobre a
América Latina data do século XVI, quando viajantes, colonizadores ou
catequizadores vieram ao Brasil em busca da confirmação do que imaginavam
ser o Novo Mundo. Esses relatos de cronistas dos séculos XVI e XVII revelam
o
perfil de um observador curioso, surpreso diante da monumentalidade do mundo
descoberto. Enquanto esse período expressa as inquietações e utopias do
homem europeu diante do misterioso e do fantástico, o século XIX caracterizou
-
se
pela preocupação com o progresso científico, com a coleta de dados e a
divulgação do conhecimento sobre o Novo Mundo. Nesse século, os viajantes
estrangeiros foram além de exploradores, observadores da natureza e do Outro e
seu olhar se fez sob o prisma da ilustração e das teorias raciais então
dominantes.
De acordo com Quintaneiro (1995), entre os viajantes estrangeiros que
empreenderam viagens pela América do Sul no início do século XIX, muitos
deixaram testemunho sobre as suas experiências, dando origem a “um gênero
pitoresco
e fascinante que, apoiado por um florescente mercado editorial, ajudou
a fomentar a cultura de uma classe média em expansão” (QUINTANEIRO, 1995,
p. 17). Para a autora, uma das vantagens da literatura de viagem como fonte de
pesquisa relaciona-se ao fato do viajante estrangeiro ter suas percepções
estimuladas pelo que se apresenta como novo e singular. Na qualidade de
estrange
iro, como não faz parte do grupo cultural visitado, tem condições de
perceber aspectos, incoerências e contradições da vida cotidiana que o próprio
habitante não percebe por ter uma vivência comum ao grupo. Ness
e
sentido, os
viajantes estrangeiros [...] captaram aspectos de nossa sociedade que
passavam despercebidos para os de “dentro” (QUINTANEIRO, 1995, p. 22 ).
Conforme
Quintaneiro
, desenvolveu-
se
, a partir de então, um mercado
consumidor desse tipo de literatura que se tornou muito popular, particularmente
entre a classe média européia ávida de informações e de aventuras sobre povos
desconhecidos ou exóticos. Lilia Schwarcz comenta sobre a popularidade dos
livros de viagem no século XIX, quando os relatos de experiências pessoais sobre
“viagens pitorescas” em diferentes áreas do Novo Mundo e de colonização recente
tornaram
-se grande sucesso, pois descreviam o “pitoresco, as colônias, os
nativos, a terra do leite e do mel, a fertilidade do solo e as maravilhas da natureza
e da vida selvagem” (SCHWARCZ, 2007, p. 49).
A historiadora Miriam Moreira Leite (1997), em sua obra Livros de Viagem
,
alerta que o gênero da literatura de viagem a
presenta
-se de diversas formas:
como livros, diários, correspondência dirigida a amigos e à família, escritos com
ou
sem a intenção de publicação
ou
, ainda, como relatórios científicos e álbuns
ilustrados. A autora observa que o gênero da literatura de viagem compõe-se de
uma constelação de autores, em que uma matriz dá origem a inúmeras outras,
algumas vezes repetindo-se as mesmas figuras de retórica, sendo bastante
comum que alguns viajantes citassem outros ou até editassem obras de outros
viajantes. Para Miriam Moreira Leite, os livros de viagem podem ser considerados
fontes primárias, porque se constituem em depoimentos a respeito de situações
testemunhadas, nos quais os viajantes preocupam-se em descrever
minucio
samente suas observações. Nesse sentido, a autora destaca que uma das
características desse gênero literário é a preocupação com a objetividade dos
fatos narrados. No relato de viagem de Adèle, encontramos explícita a
preocupação com a veracidade dos fatos, a intenção de uma escrita verídica,
exa
ta, que se diferencia daquela realizada por viajantes anteriores, que, na sua
percepção
, produziam uma escrita fa
ntasiosa.
No prólogo de seu Diário de
Viagens, ela comenta que as notas que escrevera sobre o Brasil, durante sua
longa estada no Rio de Janeiro, tinham como rito “a mais pura veracidade”
(SAMSON, 2003, p. 43) e manifesta seu interesse em “provar que tudo o que tinha
escrito era verdade” (SAMSON, 2003, p.49). Também quando escreve sobre a
sua viagem da França para o Rio de Janeiro e sobre a vida a bordo do clí
per
Normandia, enfatiza no
vamente ess
a pretensão de veracidade ao declarar: “nunca
lhes direi nada que não tenha visto, desejando que estas notas sobre o Brasil, na
falta de outro mérito, tenham ao menos o de ser de uma inteira veracidade”
(SAMSON,
2003,
p.68 ).
Marise Basso Amaral comentou sobre essa pretensão de verdade do
viajante estrangeiro, qu
e,
por estar lá, por testemunhar e vivenciar outras culturas
acreditava estar dizendo o que realmente acontecia, sem levar em consideração
que seus relatos eram mediados por suas representações culturais: ”A crença na
possibilidade de uma experiência não mediada, autorizada pela vivência direta e
legítima de quem esteve lá, de quem experimentou de fato as delícias e as
mazelas da viagem e seus entor
nos” (AMARAL, 2007, p.254)
Assim
, alguns estudiosos têm discutido as limitações desse tipo de fonte
quando interpretadas de forma positivista, como transparência do que “realmente”
aconteceu. Quintaneiro afirma que é preciso tomar
cuidado com
o uso da lit
eratura
de viagem como fonte de pesquisa, uma vez que, no confronto com o diverso, o
mais provável é que o viajante estrangeiro fortaleça sua própria identidade cultural
e imponha sua visão de mundo. A falta de conhecimento da cultura alheia poderia
levar
o viajante a repetir velhos estereótipos da sua própria cultura. Segundo
Quintaneiro (1995), se encontram os limites destes registros, já que as
percepções dos viajantes estrangeiros apresentam-se muitas vezes marcadas
pelos preconceitos da época e acabam por reproduzir velhas representações que
ainda prevaleciam na sua cultura de origem. Também Maria Angélica Zubaran
(1999) sublinhou que é preciso uma leitura cuidadosa dos relatos de viajantes
europeus, que, até pouco tempo atrás, eram interpretados na
historiografia
tradicional, como “transparências empíricas da realidade”. Para a autora, mais
recentemente, as narrativas de viagem têm sido analisadas na perspectiva da
História Cultural e dos estudos Pós-Coloniais, a partir do conceito de
representação.
Também Peter Burke (2000), historiador cultural, destacou que,
“desde que se aprenda a usá-los”, os relatos de viagem o documentos
preciosos de tradução dos encontros culturais, revelando ao mesmo tempo a
percepção da distância cultural e a tentativa de tentar traduzi-la em algo mais
conhecido.
A
antropóloga Ilka Boaventura Leite, em sua obra A Antropologia da
Viagem
(1996), também
discutiu
a questão do gênero da literatura de viagem
,
argumentando que esse gênero passou a ter um status diferenciado no m
ercado
editorial do século XIX, principalmente, no mercado europeu, pelo fato de
diferenciar
-
se dos ensaios históricos e da literatura fic
cional, sobretudo por resultar
de vivências diretas, sem a intermediação de documentos e, por revelar,
descobertas recentes e inéditas. A autora considera que é fundamental pensar a
literatura de viagem “enquanto veículo de expressão ou manifestação de uma
cultura, enquanto tentativa de interpretar e compreender o Outro(LEITE,1996).
Nessa perspectiva, pretende-
se,
neste trabalho, explorar a riqueza textual da
literatura de viagem como mais uma referência de construção da alteridade de
sujeitos europeus e
colon
i
ais
,
na pós
-
colonialidade.
1.4 OS FRANCESES NO RIO DE JANEIRO E A CHEGADA DE ADÈLE
De acordo com a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz (2007),
em seu estudo sobre os artistas que participaram da Missão Francesa no Rio de
Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, a França não
estava ainda incluída no rol das nações amigas e, somente depois de 1815, após
um acordo de paz, chegariam os primeiros viajantes franceses ao país. Era
comum a esses franceses, no primeiro contato com o país tropical, declararem-
se
maravilhados com a natureza exuberante e privilegiada, com o clima agradá
vel,
as riquezas do solo e com o exotismo de tudo que os rodeava, mas revelavam-
se
surpresos com “a ignorância da realidade física, econômica e humana do país...”.
(SCHWARCZ, 2007, p. 46).
Lilia Schwarcz comenta sobre os relatos de um dos primeiros viaja
ntes
franceses a publicar uma obra geral em língua francesa sobre o Brasil, Alphonse
de Beauchamp, em 1817. Beauchamp destacava o clima aprazível e a posição
geográfica privilegiada do Brasil no caminho das Índias, que apresentava um
terreno fértil para a
produção de muitas riquezas, apostando num futuro promissor
a partir da vinda da Família Real, descrevendo-a como “uma monarquia nada
precária, mas brilhante, incrustada bem no meio da América” (SCHWARCZ, 2007,
p.47). Beauchamp apostava que a transferência do governo imperial português
para o Rio de Janeiro possibilitaria, ao novo império, “as mais brilhantes
esperanças e os mais altos destinos, tornando-se poderoso e magnífico”
(SCHWARCZ,
2007, p.46).
De acordo com Karen Lisboa, foi somente com o restabelecimento da paz
no continente europeu, a partir de 1816, que as missões oficiais dos franceses
desembarcaram no Brasil. O naturalista Augustin de Saint-Hilaire aproveitou uma
estada de seis anos do duque de Luxemburgo, financiada pelo governo francês
, e
in
tegrou sua comitiva
para fazer pesquisas científicas e enviar coleções ao Museu
de História Natural de Paris. Em sua obra de nove volumes, deixou narrativas e
imagens que tiveram conseqüências importantes no imaginário de europeus e
brasileiros (LISBOA,1997). O modelo europeu de sociabilidade, principalmente o
francês depois da queda de Napoleão em 1814, passou a ser implantado no
Brasil; o bom gosto e o luxo penetravam na cidade do Rio de Janeiro e os
costumes franceses, presentes na tentativa de sofisticar o Brasil, simbolizavam o
que era ser chique.
Iniciou
um processo de civilizar a sede da Corte trazendo a
influência européia, particularmente francesa, no modo de vestir, falar, no
mobiliário, na maneira de morar, no comportamento social, nas obras de arte e
literatura, na freqüência aos salões e saraus e até mesmo na modelação das
instituições culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico (1838) e a Academia
Brasileira de Letras (1897). Os velhos casarões deram lugar a novos palácios e
edifícios públicos de gostos neoclássicos, demonstrando o grande impacto
francês no campo da arquitetura.
No entanto, o acontecimento que provocou o mais profundo impacto na
cultura brasileira da época foi a vinda da chamada Missão Francesa, em 1816,
trazendo
um padrão estético e imprimindo o gosto cosmopolita francês, que
dominou a cultura urbana brasileira do século XIX. De acordo com Madeira e
Veloso, e
ss
e acontecimento foi muito significativo no sentido de reafirmar a
constituição do nosso olhar pelo olhar estrangei
ro
. Conforme as autoras, a
França
, naquela época, era considerada o país difusor da cultura ocidental,
chegando a assumir o papel de mediação entre o pensamento britânico e alemão
e os países latinos e americanos.
A França se estabeleceu também como o pólo de produção e de difusão
cultural mais importante, como parâmetro civilizatório universal. A chamada
missão francesa que veio para o Brasil era composta de artistas de profissão que
tinham como objetivo implantar as artes e os aspectos da civilização francesa no
Brasil colônia. A missão comandada por Joachim Lebreton
6
chegou a bordo do
navio Calphe e era composta por artistas e artífices que se destacaram no
período napoleônico e que, depois da queda, caíram em desgraça na França.
Entre eles, estavam pintores, arquitetos, escultores e músicos e os principais
nomes eram Nicolas Taunay, Jean Baptiste Debret, Felix Taunay, Marc Ferrez,
Auguste Grandjean de Montigny e Charles Pradier. A socióloga Lúcia Lippi de
Oliveira, ao tratar sobre o tema
,
revela que Lebr
eton morreu no Rio em 1819, mas
que havia trazido consigo
,
da França, uma coleção de obras de arte que se tornou
o núcleo do acervo do futuro Museu Nacional de Belas Artes. Com a chegada da
missão artística francesa, foi criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios,
efetivada somente em 1820
.
Naquela época, as artes eram consideradas
indispensáveis para a civilização e instrução dos povos.
Taunay, artista famoso, deixou
,
ao retornar à França
,
em 1821, importantes
telas, que fixaram a paisagem urbana do Rio do início do século XIX. Seu filho
Félix
foi o diretor da futura Academia Imperial de Belas Artes, permanecendo no
Brasil até morrer em 1886. Debret, que ficou no Brasil de 1816 a 1831, era pintor
de história e pintou retratos da família real e de seus ministros. Foi ele também
quem desenhou, em 1822, a bandeira, primeiro símbolo da nova nação. Ao
retornar à França, dedicou-se a organizar o material produzido no Brasil e
publicou os três volumes do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,
que
co
ntém aproximadamente 150 imagens do Brasil oitocentista.
6
Joachim Lebreton, artista francês, organizou e liderou a Missão Francesa em 1816 e, trouxe para o Brasil,
uma coleção de obras de arte, que serviram de modelo para os estudantes da Academia Imperial e depois,
foi o núcleo inicia
l do acervo do Museu de Belas Artes.
Para Debret, a marcha da civilização na terra brasilis era dependente da
vinda da família real, processo que testemunhou e do qual participou como pintor
de história. Pode-se mesmo dizer que a representação que temos hoje da
sociedade brasileira do século XIX esrelacionada aos desenhos, aquarelas e
pinturas produzidas por Debret e pelos demais membros da Missão Francesa.
Assim, Debret, Taunay e Montigny são vistos como os cenógrafos do
império dos Bragança nos trópicos. A arte fixou os principais momentos da
história do país, e os artistas deixaram de ser considerados simples artesãos,
passando à categoria de intelectuais, comparáveis aos poetas e literatos. Essa
experiência de transplante cultural tornou a França hegemônica culturalmente no
Brasil por mais de um século (OLIVEIRA, 2008, p.30).
Na segunda metade do século XIX, Ferdinand Denis foi um dos franceses
mais importantes, ao revelar o Brasil aos europeus e aos próprios brasileiros. Foi
ele
que estabeleceu a separação entre as literaturas portuguesa e brasileira e
publicou
, em francês,
a Carta de Pero Vaz de Caminha
,
em 1821.
1.5
O CONTEXTO DO RIO DE JANEIRO
O historiador Jeffrey Needell, em sua obra Belle Époque Tropical, analisou
o processo de europeização da cultura do Rio de Janeiro no final do século XIX e
observou que, por ocasião do estabelecimento da Corte Imperial Portuguesa no
Rio de Janeiro, entre 1808 a 1821, foram realizadas várias melhorias com o
objetivo de aprimorar o estado da cidade e promover seu embelezamento para a
corte exilada. Naquela época, pavimentaram-se as ruas, instalou-se a iluminação
pública, construíram-se novos molhes, armazéns e chafarizes, além de serem
inaugurados
novos bairros residenciais e ser concluído o aterro de Santana. O
sistema educacional era precaríssimo e a única instituição de ensino era a Escola
Militar, fundada em 1808. A cidade cresceu e acelerou suas transformações a
partir da metade do século, desde a coleta regular do lixo, em 1847; o início das
obras do porto, em 1851; a instalação do primeiro telégrafo em, 1852; as
primeiras ferrovias e os primeiros lampiões de rua, em 1854; o sistema
subterrâneo de esgotos, a iluminação a gás em edifícios particulares, em 1857;
além da primeira empresa de bondes puxados por burro, em 1859, que
funcionaria definitivamente depois de 1868. Os meios de transporte coletivos,
principalmente o bonde, facilitaram o acesso das elites às áreas mais afastadas,
transformando
-as em bairros residenciais. O autor observa que os viajantes
europeus representavam o Rio de Janeiro como um lugar exótico, com muitas
quintas, uma vegetação luxuriante e uma multidão de trabalhadores e vendedores
ambulantes negros. (NEEDELL, 1993).
1.6
BREVE BIOGRAFIA DE ADÈLE TOUSSAINT
-
SAMS
ON
É nesse cenário do Rio de Janeiro, de 1849-1850, que desembarcaram o
casal Adèle e Jules Toussaint com seu filho Paul, de um ano e meio de idade, o
qual era amamentado, vindos de Paris, num período conturbado da história da
França. De acordo com o prefácio de Maria Inez Turazzi, Adèle Toussaint-
Samson foi criada no meio artístico cultural parisiense do século XIX, tendo
convivido com gente de teatro, das letras, das artes. Tinha uma mentalidade
avançada diante dos costumes de uma época em que as jovens mulheres da
sociedade só liam romances e iam ao teatro com a aprovação dos pais. Habituou
-
se a ouvir debates sobre as questões sociais, políticas, literárias e artísticas na
casa de seu pai, Joseph-Isidore Samson (1793-1871), ator, professor de teatro,
d
iretor e autor teatral muito popular e reconhecido socialmente na capital francesa
da época. Integrante da Comèdie Française, sede do Thèatre Français, a mais
antiga companhia de teatro do mundo, ainda hoje em atividade, Isidore foi ainda
criador do Palais Royal (1831) e um dos fundadores da Société des Artistes
Dramatiques
, entidade de amparo aos artistas.
Adèle nasceu
em 1826,
em Paris, no mesmo ano em que o jornal
Le Figaro
foi lançado. Casou-se aos vinte anos com Jules Toussaint, um dançarino de
teatr
o, filho de franceses, nascido no Brasil entre os anos de 1815 e 1821. Com a
revolução socialista de 1848 e a epidemia de cólera que assolou a França em
1849, a vida ficou mais difícil, especialmente para os artistas, que dependiam do
público para viver. Assim, Adéle e Jules decidiram embarcar para o Brasil, na
tentativa de ganhar a vida e fazer fortuna. Sobre a partida do porto de Havre para
o Brasil
,
assim se manifesta Adèle em seu livro de viagem:
(...) às oito horas da manhã subíamos a bordo do
Norman
dia
. Logo
cada viajante chegou com sua bagagem, que era preciso descer ao
porão com a ajuda de um cabrestante. Fazia-se aguada, embarcava-
se
carvão, recebiam-se as provisões; era um rumor, uma confusão, um
tumulto impossível. Muitos amigos ou parentes acompanhavam os
viajantes até a última hora, de sorte que não se ouviam mais do que
estas palavras: “Escreva-me logo que chegar”. “Dá-me teu endereço o
mais depressa possível”. “Não me esqueças”! “Boa Viagem; Voltem
ricos”! “Que Deus os guarde”! E durante a meia hora que precedeu a
partida, foram abraços, choros, soluços, misturados aos gritos dos
marinheiros, às ordens dos oficiais, ao rangido do cabrestante e ao
rumor surdo da vaga batendo nos costados do navio (SAMSON,2003,
p.56)
O casal chegou por volta de 1849-1850 no Rio de Janeiro, onde muitos
franceses residiam, incentivados pela abertura dos portos aos estrangeiros,
realizada por D. João VI.
A partir de pesquisa realizada no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, em
2008, localizou-
se,
junto ao registro de entrada de estrangeiros no país em 1832,
o nome de José Maria Toussaint, francês e também professor de dança, o tio de
Jules, cuja permanência no Brasil estimulou a viagem do jovem casal ao Brasil,
em busca das novas oportunidades para o ensino da dança e de outros hábitos
franceses
tão apreciados pela aristocracia brasileira da época. Assim se
manifesto
u Adéle sobre seu tio:
Tínhamos um tio na América e não da América, o que muda muito. No
entanto, tendo esse valente tio feito uma boa fortuna no Brasil, tivemos
a idéia de tentar, como ele, a aventura. Em dez anos, diziam-
nos,
deveríamos estar ricos. Dez anos de exílio, era realmente alguma
coisa, mas o país era tão belo, e voltaríamos tão jovens ainda! Houve
muitas hesitações da minha parte, muito c
horo derramado; em seguida,
enfim, tomamos nossa resolução e, depois de ter abraçado parentes e
amigos, subimos no vagão. Íamos ao Havre, onde deveríamos
embarcar para a América do Sul (SAMSON,2003p.53)
Na capital do Império, Jules se estabeleceu e trabalhou como professor de
dança, tendo, inclusive, em 1856, sido contratado pelo então Imperador D. Pedro
II, como mestre de dança da família imperial e de suas duas filhas, as pr
incesas
Isabel e Leopoldina. Iss
o rendeu ao casal um bom incremento na renda e ta
mbém
muitos convites para que eles freqüentassem os salões da Corte. Madame
Toussaint, como Adèle figurava no Almanaque Laemmert, ministrava aulas de
francês e italiano, levando uma vida difícil por enfrentar o preconceito de sair
sozinha às ruas para ensinar fora do seu domicílio, o que não era visto com bons
olhos pela sociedade local.
Por volta de 1860, Adéle teve seu segundo filho e retornou à França por
um ano. Em 1864, Jules solicitou autorização para residir na França enquanto
seus serviços não fossem necessários na Corte, o que foi concedido pelo
Imperador , bem como a continuidade do recebimento de seu ordenado por
inteiro. Adèle menciona em seu prefácio
à
autobiografia do pai que a família
Toussaint voltou a residir em Paris em 1870, tendo morado por 12 anos no Brasil
e feito cinco viagens à França.
Em abril de 1881, Adéle enviou a D. Pedro II e também à princesa Isabel,
no Brasil, dois exemplares do seu livro Les Chemins de La V
ie,
agradecendo ao
imperador a acolhida dela e do marido no país e informando seu luto pela morte
dele. Portanto, antes da publicação do seu diário de viagem sobre o Brasil, Adéle
havia publicado um livro de poesias na França e continuaria a escrever após
ess
a publ
icação. Ness
e sentido, o livro sobre o Brasil não é uma
produção isolada
da autora.
De volta ao seu país, Adéle passou a escrever como colaboradora para
o
Le Figaro, onde lançou fragmentos de seu livro sobre o Brasil, no formato de
folhetim.
Em 1883, lançou seu livro sobre o Brasil com o título Une Parisienne
au
Brésil
, que foi traduzido no Brasil no mesmo ano. Em 1891, o livro foi traduzido e
publicado nos Estados Unidos. Esquecido por mais de um século, em 2001,
reapareceu nos Estados Unidos e, em 2003, foi reeditado no Brasil. Esta última
edição de seu livro no Brasil apresenta um prefácio com um esboço biográfico de
Adèle, de autoria de Maria Inez Turazzi. O livro está dividido em quatro capítulos
assim intitulados:
A Vida
de Bordo, Rio de Janeiro, A Fazenda e Entre as Gentes.
Seu relato de viagem sobre o Brasil está repleto de observações sobre o
uni
verso feminino, assim como sobre o cotidiano da vida privada no Rio
de
Janeiro, o que não era comum na literatura de viagem escrita por homens
viajantes. Seu livro relata desde a partida do porto de Havre na França, até seu
retorno definitivo a Paris, após ter vivido por 12 anos no país tropical, que tantas
lembranças lhe deixou. Adéle relata a vida a bordo e descreve com muitos
detalhes a cidade do Rio de Janeiro do século XIX e também sua experiência em
uma fazenda do interior. A autora narra o cotidiano da vida na cidade, os
costumes das mulheres brasileiras, dos escravos e comenta, ainda, o dia-a-
dia
em uma fazenda que visitou com sua família. No final de seu livro de viagem,
expressou as dificuldades que teve em acostumar-se de novo à vida parisiense, e
o sentimento de nostalgia que passou a sentir da exuberante natureza brasileira,
sensação tão ca
ra aos românticos da época:
Lembrava
-me daquelas léguas inteiras percorridas no Brasil, no qual a
naturez
a
soz
inha encarregava-se de ser pródiga, onde o desafortunado podia
colhe
r à vontade banana, laranja e palmito, sem ser perturbado por
quem quer que fosse, beber a água fresca da fonte sem que lha
regateassem,dormir na floresta sem que
um
gendarme
viesse prendê
-
lo! (SAMSON, 2003, p. 180).
O último parágrafo de seu livro expressa o intenso processo d
e
transculturação vivido por ess
a viajante francesa no Rio de Janeiro, a ponto de
declarar que, antes de morrer
, desejaria voltar ao Brasil:
(...) quando se viveu em um país banhado de sol, não se pode mais
viver em outra parte, e de que, quando a alma impregnou-
se
fortemente da presença das grandes obras de Deus, não se pode mais
compreender a vida fatídica de nossas cidades. É isso que faz que eu
sempre tenha saud
ade, como dizem os brasileiros, da América do Sul e
que desejasse revê-la mais uma vez antes de morrer (SAMSON, 2003,
p. 181).
Em 12 de outubro de 1911, o Le Figaro, em Paris noticiou o triste acidente
que tirou a vida de Madame Toussaint, aos oitenta e dois anos, com queimaduras
de brasas caídas da lareira da sua sala, onde se aquecia, fato informado por seu
filho, que
,
segundo o jorna
l,
era um excelente tesoureiro da Comèdie Française.
A
seguir apresento um quadro com as publicações de Adèle.
Public
ações de Adéle Toussaint
-
Samson na França, no Brasil e nos Estados
Unidos:
Autora/viajante
Adèle Toussaint
-
Samson (1826
-
1911)
Publicações na França
Poésie de Mle. Adèle
Samson
. Paris: Imprimerie
de Jules
-
Juteau, 1843.
Publicações no Brasil
Uma Parisie
nse no Brasil
.
trad. Antonio Estevão da
Costa e Cunha; Rio de
Janeiro: tipografia de
Jules Villeneuve, 1883.
Publicações nos E.U.A
A Parisian in Brazil, trad.
Emma Toussaint. Boston:
James H. Earle, 1891.
Essais d’après une note
manuscrite
. Paris:
Impri
merie de Jules
-
Juteau, 1843.
Uma Parisiense no Brasil
.
trad. Maria Lúcia
Machado; prefácio de
Maria Inez Turazzi; São
Paulo:Capivara, 2003.
(Esta é a edição que
utilizo no presente
trabalho).
A Parisian in Brazil
Reedição da trad. de Emma
Toussaint.
Bos
ton: James H.
Earle, 2001.
Les chemis de la vie.
Paris: E. Dentu, 1880.
Premiado pela Acadèmie
Française.
Une Parisienne au Brésil
.
Paris: Paul Ollendorff
Èditeur, 1883.
La Comtesse Diane.
Paris:
Veuve E. Vert, 1884.
2. ROTEIROS TEÓRICOS
2.1 OS ESTUDOS CULTURAIS, O PÓS- COLONIAL E AS PEDAGOGIAS
CULTURAIS
Neste capítulo
, discuto
a articulação do estudo dos Relatos de Viagem com
as perspectivas teóricas dos Estudos Culturais, das análises Pós-Coloniais e das
Pedagogias Culturais. Os teóricos dos Estudos Culturais têm destacado a
importância de se analisar o conjunto da produção cultural de uma sociedade,
seus diferentes textos e práticas culturais. Para esses estudiosos, todas as
expressões culturais que carregam e produzem significados, como um filme, um
quadro, uma canção, uma pintura, uma foto, um mapa, um relato de viagem, um
traje, uma peça publicitária ou de artesanato, podem ser considerados textos
culturais. Por outro lado, como destacam Costa, Silveira e Sommer (2003), nos
Estudos
Culturais, o termo cultura ganhou novo significado, não mais o de uma
concepção elitista, domínio exclusivo da erudição, de padrões estéticos elitizados,
em que a cultura é um certo “estado cultivado do espírito”, mas passou a
contemplar também o gosto das multidões, dos populares, das experiências
cotidianas.
Costa (2000) sugere que a realização mais importante dos Estudos
Culturais é a de celebrar o fim de um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias
de cultura, admitindo, assim, que está em ativ
idade
, neste final do século XX, um
novo campo de estudos em que a cultura deixa de ter um papel meramente
reflexivo e assume um papel constitutivo em todos os aspectos da vida social.
Ness
e sentido, o conceito comporta uma ampla diversificação, tais como
a cultura
de massa, cultura surda, culturas juvenis, culturas indígenas e toda a extensão do
termo onde se incluam atividades e significados das pessoas em grupos,
valorizando seus saberes e contemplando seus interesses. Esse posicionamento
dos Estudos Culturais sobre a cultura se contrapõe aos trabalhos dos seus
precursores, como Mathew Arnold, principal teórico de uma tradição de análise da
cultura fortemente marcada por posições elitistas e hierárquicas.
É a partir da chamada virada cultural e das discussões de Stuart Hall
(1997) sobre a centralidade da cultura, como local privilegiado de construção e
circulação de representações e de produção de significados, que o estudo da
linguagem e do poder passa a ocupar lugar central nas análises dos teóricos dos
Estudos Culturais. Assim, considera-se que um noticiário de televisão, peças
publicitárias, imagens e gráficos de um livro didático, músicas de grupos de
determinado estilo musical, por exemplo, o mais do que simples manifestações
culturais, são artefatos produtivos que inventam sentidos e que colocam em
circulação nas arenas culturais uma multiplicidade de significados que são
negociados nas esferas de poder.
Para Stuart Hall (1997), é na esfera cultural que se a luta pela
significação, na qual os grupos subordinados procuram fazer frente à imposição
de significados sustentada pelos mais poderosos e, nesse sentido, os textos
culturais são o próprio local onde o significado é negociado e fixado.
Entre as características dos Estudos Culturais está a tomada de distância
em relação às narrativas mestras eurocêntricas, ao cientificismo, à alta cultura, ao
conhecimento disciplinar (Giroux e McLaren (1995). Sob esse olhar, Henry Giroux
e Peter McLaren salientam que o mundo atual mostra-se cada vez mais
hibrid
izado e apresenta uma grande diversidade de fenômenos culturais e sociais.
Para os autores, não é mais possível ignorar as múltiplas narrativas de uma
sociedade multicultural e multirracial. Portanto, a análise da gama dos lugares
diversificados de aprendizagem é um dos aspectos centrais dos trabalhos que
articulam Estudos Culturais e Educação.
Os Estudos Cult
urais
caracterizam-
se
ainda por transitar em diferentes
campos teóricos e metodológicos e, na expressão de Heloisa Buarque de
Holanda ( apud Costa, 2003), constituir-
se
-
iam
como uma “teoria viajante”, pois
possuem a vocação de transitar por variados universos simbólicos e culturais, por
vários campos temáticos e teorias, produzindo sempre novas problematizações.
De acordo com a autora, as pesquisas realizadas neste campo teórico utilizam-
se
da etnografia, da análise textual e do discurso, da psicanálise e de muitos outros
caminhos investigativos que são inventados para compor seus objetos de estudo.
Para Costa (2000), o que se observa nos Estudos Culturais é uma intensa
permeabilidade à diversidade de ênfases, problemáticas, geografias, e pelo
debate amplo, pela divergência e pela intervenção. Os Estudos Culturais
surpreendem pela diversificação de temáticas culturais. Os estudos feministas
sobre racismo e sobre sexualidade, são algumas das arenas da política cultural
nas quais as discussões adquiriram grande visibilidade e tiveram as suas
possibilidades de estudo ampliado.
No que diz respeito à articulação dos Estudos Culturais com a Educação,
de acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003), uma das mais importantes
contribuições é o entendimento mais amplo do conceito de pedagogia e a forma
plurifacetada de entender a própria educação e os sujeitos que ela envolve. Pode
-
se dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem uma ressignificação
e/ou uma nova forma de abordagem do campo pedagógico.
Para Tomaz Tadeu da Silva (2005), outras instâncias do cultural também
são pedagógicas e os processos culturais extra-escolares são tão importantes
quanto o
s processos escolare
s. Ess
a extensão da noção de educação, pedagogia
e currículo, para além dos muros da escola, tem ressignificado as questões
pedagógicas e, as práticas escolares, têm sido problematizadas e constituí
das
sob uma ótica cultural.
Ness
a direção, Steinberg e Kincheloe (2001) entendem as pedagogias
culturais como os lugar
es
onde o poder é organizado e difundido, tais como
bibliotecas, televisão, cinemas, jornais, revistas, brinquedos,
propagandas,
videogames, livros e esportes. De acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003),
“nesses lugares se tem buscado esquadrinhar seus “ensinamentos”, como as
lições sobre o bem e o mal, sobre o que é ser mulher, o que é ser índio, o que é
a nação, a natureza, sobre a tecnologia, sobre o nosso corpo, sobre a genética,
sobre como nossa relação com os animais nos constitui humanos, etc.” (COSTA,
SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 56).
De acordo com Shirley Steinberg, no seu texto “Kindercultura: a construção
da infância pelas grandes corporações”, “o termo ‘pedagogia cultural’ refere-se à
idéia de que a educação ocorre numa variedade de locais sociais, incluindo a
escola, mas não se limitando a ela” (STEINBERG, 1997, p. 101). Na mesma
direção, Henry Giroux (1995) salienta que os Estudos Culturais analisam lugares
diver
sificados de aprendizagem, tais como a mídia, a cultura popular, o cinema, a
publicidade, as comunicações de massa e as organizações religiosas, entre
outras, assim, ampliando nossa compreensão do pedagógico e de seu papel fora
da escola como o local tradi
cional de aprendizagem.
O autor destaca que, nos Estudos Culturais, a pedagogia é definida de
forma ampla em termos culturais. De acordo com Giroux, a pedagogia representa
um modo de produção cultural implicado na forma como o poder e o significado
são utilizados na construção e na organização de conhecimento, desejo, valores.
Ne
ss
e sentido, a pedagogia é definida como uma prática cultural e tem que se
responsabilizar ética e politicamente pelas histórias que produz, pelas
proposições
que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens do futuro que vai
leg
itimar. Giroux (1995) alerta também para a necessidade de examinar-
se
tanto
a escola quanto as pedagogias culturais para que possamos compreender os
processos educacionais do final do século XX.
Também Tomaz Tadeu da Silva, na discussão sobre a pedagogia como
cultura e a cultura como pedagogia”, destaca que,“tal como a educação, outras
instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma pedagogia,
também ensinam alguma coisa.Tanto a educação quanto
a cultura em geral estão
envolvidas em processos de transformação de identidade e da subjetividade”
(SILVA, 2005, p. 139) ). O autor sugere que, mesmo sem o objetivo explícito de
ensinar, outras instâncias
cultur
ais também ensinam, transmitindo uma varie
dade
de formas de conhecimento que o vitais na formação da identidade e da
subjetividade dos sujeitos. Nessa direção, o autor exemplifica que um noticiário,
uma peça publicitária na televisão não pode ser analisada simplesmente como
infor
mação ou entretenimento, mas do ponto de vista pedagógico, trata-se de
formas de conhecimento que trarão influências no comportamento das pessoas,
até
de mane
iras cruciais.
É nessa perspectiva que instâncias, instituições e processos culturais
aparentemente tão diversos quanto exibições de museus, filmes, livros de ficção,
turismo, ciência, televisão, publicidade, medicina, artes visuais, música, contê
m
ensinamentos e instituem maneiras de ser.
De acordo com os autores acima referidos, a educação se em
diferentes espaços do mundo contemporâneo, sendo a escola apenas um deles.
Somos educados também por filmes, imagens, propagandas, textos escritos,
charges, jornais e pela televisão, onde quer que estes artefatos estejam
. É a partir
dess
e entendimento amplo das práticas pedagógicas, que pretendo analisar as
narrativas de viagem de Adèle Toussaint Samson sobre o Brasil do final do século
XIX, como textos pedagógicos que fazem circular vários ensinamentos sobre o
europeu e o Outro brasileiro (a).
A viajante francesa Adèle
Toussaint
-Samson, através das suas narrativas
sobre o Outro colonial, redefine-se a si própria, enquanto mulher, branca e
estrangeira que lança um “olhar imperial” sobre os costumes dos brasileiros(as)
da
época. Essa perspectiva de estudos permite entender a literatura de viagem
como produzindo ”ensinamentos” sobre o Outro colonial e sobre o próprio sujeito
europeu. Henry Giroux & Peter L. McLaren, no texto “Por uma Pedagogia Crítica
da Representação”
(In: SILVA, 1995), sugerem que existe pedagogia em qualq
uer
lugar em que o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que existe a
possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, ainda que estas
pareçam redundantes, superficiais e próximas ao lugar-comum. De acordo com
os autores, todas as pedagogias produzem certos efeitos de significado e geram
um luta em torno desses significados. Os teóricos destacam a importância do
conceito de representação para uma pedagogia crítica. Segundo eles, as
representações são sempre produzidas dentro dos limite
s
culturais e fronteiras
teóricas
e, como tais, estão implicadas em economias particulares de ve
rdade,
valor e poder. Giroux e McLaren enfatizam a idéia de que as interpretações
su
rgidas de representações dadas são sempre parciais e mutáveis, sendo sua
aut
oridade provisória.
Ness
e sentido, torna-se fundamental uma pedagogia crítica da
representação, um questionamento das várias formas em que a cultura está
inscrita através de representações que a produzem e, ao mesmo tempo
,
legitimam
-
na,
no interior de rel
ações particulares de poder/saber.
Maria Lúcia Wortmann, no seu estudo sobre o conceito de representação,
vale
-se de Stuart Hall para defender uma abordagem construcionista da
representação
onde
“a representação de alguma coisa não se faz pela
coincidênci
a ou correspondência com essa “coisa”, mas por representá-la por
meio de um significante como diferente de outras coisas”, salientando que este
conceito exerce um papel constitutivo e não simplesmente reflexivo. Na direção
apontada por Stuart Hall,
Wortman
n entende as representações como
constituidoras de significados, sugerindo que em muitos casos as representações
deixam de ser questionadas e ganham estatutos de verdades (Wortmann, 2002).
Assim, uma pedagogia crítica da representação contribuirá para dissolver a
prática recorrente de essencializar o sujeito histórico, seja este afro-
ame
ricano,
porto
-riquenho, mulher ou branco, e destacar a enorme diversidade de
experiências históricas e culturais desses sujeitos através das suas múltiplas
representações no
s mais variados discursos.
Sob essa perspectiva
, investigo,
nos
relatos de viagem de Adèle Toussaint-Samson, como esta viajante representou o
Brasil, a natureza brasileira, as pessoas que encontrou na cidade do Rio de
Janeiro e no interior. Examino como
o
discurso euro-imperial, o discurso
romântico e as narrativas de gênero e de raça
mediaram
a construção da sua
identidade e da alteridade dos Outros no Rio de Janeiro
.
Acredito que a
abordagem teórica dos Estudos Culturais e das Pedagogias Culturais
apresen
ta
m
possibilidades estimulantes para o estudo dos relatos de viagem da francesa
Adéle Toussaint Samson sobre o Rio de Janeiro imperial.
2.2
DISCUTINDO AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA PÓS
COLONIAL
Como sugere Tomaz Tadeu da Silva (2001), a teoria pós-
colonial
mostra-
se interessante para a análise literária, particularmente, para análise de obras
produzidas do ponto de vista europeu sobre os povos de outros continentes. Na
teoria pós-colonial são analisadas as relações de poder entre as diferentes
nações que têm em comum a herança da conquista colonial européia,
considera
ndo
-se como marco histórico do s-colonialismo a expansão marítima
ocorrida desde o século XV. Tomaz Tadeu (2001) destaca que nas análises
literárias pós-coloniais examina-se tanto as obras literárias escritas do ponto de
vista dos dominadores, como dos dominados. Nesse prisma, as narrativas
européias imperiais constroem o Outro colonial como um sujeito subalterno,
enquanto a literatura produzida pelos colonizados
apresenta a resistência ao olha
r
e ao poder imperiais.
O autor sustenta que na teoria pós-
colonial
não é possível separar a
análise estética de uma análise das relações de poder, onde a curiosidade e a
fascinação pelo Outro, que é tido como exótico e diferente, traz o impulso de
dominá
-lo como objeto de saber e de poder. Desse modo, o conceito de
representação
é um dos focos centrais na teorização pós-colonial pois é no
discurso, na linguagem, que o Outro é representado e significado. Em outras
palavras, a construção do Outro colonial é também fundamental na construção do
sujeito metropolitano, que “torna-se na sua estranheza e exotismo, um importante
ponto de referência para a definição e redefinição do próprio sujeito imperial”
(SILVA, 2001).
A pesquisadora Mary Louise Pratt (1999) desenvolve em seus estudos, o
conceito de transculturação, argumentando que ao mesmo tempo em que a
metrópole é vista como produzindo a “periferia”, esta última é concebida também
como
constituindo a “metrópole”. Outro conceito fundamental de sua análise é o
de “zona de contato”, entendido como “espaços sociais onde culturas díspares se
encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra, freqüentemente em
relações extremamente assimétricas de dominação e subordinação- como o
colonialismo, o escravagismo ou seus sucedâneos ora praticados em todo o
mundo”.
O conceito de zona de contato é também fundamental para interpretação
do encontro cultural vivido pela francesa Adéle Toussaint, no Brasil, a fim de
considerar
as dimensões interativas e improvisadas dos encontros coloniais,
evidenciando como os sujeitos são constituídos nas e pelas suas relações uns
com os outros.
Por outro lado, Pratt descreve o olhar do viajante europeu como o “olhar
imperial” e reforça o aspecto político dos relatos de viagem, que são vistos como
parte do projeto do expansionismo cultural europeu e contribuindo para o domínio
do euroimperialismo ocidental, através da missão civilizadora nas zonas de
contato. A ênfase na pretensa superioridade do europeu frente à suposta
inferioridade do Outro não-
europeu
torna
-
se
a
marca registrada do discurso euro-
i
mperial.
No entanto, Pratt foi criticada por sustentar um sujeito imperial que tudo
abarca, tudo descreve sem deixar espaço para a surpresa, para o imprevisível.
Luciana de Lima Martins, em seu livro que analisa o olhar britânico sobre o
Rio de Janeiro
(2001)
critica o uso que Pratt faz do conceito de transculturação.
Para Luciana Martins, Pratt falha na avaliação de como os europeus se
modificaram internamente no encontro com a América, mesmo que Pratt
reconheça que a transculturação é um processo de mão dupla. Luciana Martins
enfati
za que nos encontros culturais os indivíduos são transformados e
transformam-se a si mesmos e ao mundo ao seu redor. Também Marise Basso
Amaral reforça a crítica fei
ta
a Mary Louise Pratt. Para Amaral, Pratt promove um
“certo aprisionamento” dos viajantes estrangeiros, afirmando a natureza do seu
olhar eurocêntrico, imperialista, sem que seja tocado e perpassado pelas
culturas e sujeitos diferentes, pertencentes à outras culturas, consideradas
inferiores (AMARAL, 2007).
Lea
ndro Guimarães (2007), ao interpretar os textos de Euclides da Cunha
sobre a Amazônia, renova as críticas ao conceito de
transculturação
como
proposto por Mary Louise Pratt e observa que este conceito “escam
oteia
as
estratégias do poder colonial quando incorpora a alteridade em uma gramática
que lhe é própria” (GUIMARÃES 2006, p. 89). A diferença que Guimarães aponta
entre a transculturação e a hibridação é no sentido de que, enquanto a
transcul
turação opera uma síntese conciliatória de significados, a partir da língua
de quem traduz, a hibridação enfatiza os conflitos e
as ambigüidades.
É a partir do conceito de entre-lugar que Guimarães posiciona-se a favor
do uso do conceito de hibridação em detrimento do conceito de transculturação
para o entendimento dos encontros interculturais. Para o autor, tais enco
ntros
entre diferentes culturas possibilitariam muitos cruzamentos, resultantes de
intercâmbios,
que Nestor Canclini cham
ou
de processos de “hibridação”.
Nesse
sentido, Guimarães apropria-se de Canclini para enfatizar a hibridação resultante
dos encontros culturais, nos quais “estruturas ou o práticas discretas, que
existiam separadamente, se combinam gerando novas estruturas, objetos e
prátic
as”
numa
complexa relação de poder em que tanto a cultura dominante
como a dominada se vêem profundamente modificadas
(
CANCLINI,
2003)
.
Canclini elabora de forma mais detalhada suas reflexões sobre o conceito
de hibridação no artigo Notícias recientes sobre la hibridación, quando diz que
“entiendo por hibridación procesos socioculturales em los quales estructuras o
práticas discretas, que existían en forma separada, se combinam para generar
nuevas estructuras, objetos y práticas
” (CANCLINI, 2003).
O autor
lembra que tais
mesclas
culturais
existem muito tempo e se multiplicaram espetacularmente
durante o século XX, que no século XIX a hibridação era vista com
desconfiança porque supunha-se que prejudicava o desenvolvimento social. De
acordo com o autor, a hibridação aparece hoje como um conceito que permite
leituras abertas e plurais das mesclas culturais e contribui para identificar e
explicar múltiplas alianças fecundas, como por exemplo, do imaginário pré-
colombiano com o hispânico dos colonizadores, das culturas étnicas nacionais
com as das metrópolis, pondo em evidência, muitas mesclas interculturais. À
s
vezes, isso se como resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos
ou de intercâmbio econômico.
Freqüentemente, a hibridação surge da criatividade individual e coletiva,
não apenas nas artes, como também na vida cotidiana e no desenvolvimento
tecnológico. Procura
-se transformar um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação
profissional, um conjunto de saberes e técnicas) para reinserí-
lo
em novas
condições de produção e mercado.
Desse modo, Canclini sustenta que o objeto de estudo não é a hibridez,
mas
os processos de hibridação, que interessam tanto aos setores hegemônicos
como aos populares. O autor vai mais adiante, dizendo que esses
processos
incessantes e variados de hi
bridação
levam a relativizar a noção de identidades
homogêneas e totalizantes e encerram a pretensão de se estabelecer identidades
”puras” ou “autênticas”. O pensador sugere que o conceito de hibridação
evidencia o risco de se delimitar identidades locais e autocontidas ou que
pretenda
m afirmar-se como radicalmente opostas à sociedade nacional ou da
globalização.
Canclini chama atenção para o fato de que os estudos sobre
narrativas identitárias
produzidos
a partir de enfoques teóricos que levam em
conta os processos de hibridação
evidenciam
que não é possível falar das
identidades como se tratasse de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-
las
como a
essência de uma etnia ou nação.
Igualmente, Canclini sugere
deslocar o
objeto de estudo da identidade para
o das hibridações interculturais, ou seja, para as maneiras diferentes com que os
membros de cada etnia, classe ou nação se apropriam do repertórios
heterogêneos de bens e mensagens disponíveis nos circuitos transnacion
ais,
gerando novas formas. O autor sustenta que estudar processos de migrações e
deslocamentos culturais, serve para conhecer formas de situar-se em meio à
heterogeneidade e entender como se produzem a as hibridações. Nas palavras
do pensador:
“a
sí como la
s fronteras y las ciudades dan contextos peculiares para
hibridarse, los exílios y las migraciones son considerados fecundos para que
ocurran estas mesclas” (CANCLINI, 2003).
Também as discussões de Stuart Hall sobre a questão multicultural e a
desestab
ilização da cultura contribuem para nossa análise do conceito de
hibridação. Para Hall, como resultado da globalização, as culturas se tornaram
formações mais “hí
bri
das”, cada vez mais mistas e diaspóricas. Portanto,
argumenta que o hibridismo é outro termo para a lógica da tradução cada vez
mais evidente nas diásporas multiculturais. De acordo com Hall, a tradução
aparece marcada pela ambivalência e antagonismos resultantes da negociação
com a diferença do Outro e revela uma insuficiência de nossos próprios sistema
s
de significado e significação. Stuart Hall cita Homi Bhabha para salientar os
momento
s ambíguos e ansiosos de transição, “que acompanham nervosamente
qualquer modo de transformação social” (HALL, 2006, p. 71 e 72).
Sérgio Costa, no seu recente e
studo
Dois Atlânticos, discute a idéia de
hibridismo adotada por Bhabha. Para Costa, com a globalização se multiplica
ra
m
as possibilidades de perceber o mundo e não há chances para qualquer
absolutismo étnico. A globalização da diversidade e a multiplicação e
interpenetração dos modos disponíveis de organização nas diferentes esferas
sociais favorece o surgimento da mélange global
,
processos de interpenetração
cultur
al
com novas misturas culturais. Seguindo esse raciocínio, a hibridação, que
tem lugar na globalização, corresponde a uma “mistura de misturas”, onde os
intercâmbios culturais são fluídos, descentrados e transculturais, levando assim, à
interpenetração cultural, à
mélange global
ou hibridação (COSTA, 2006, p. 95
-
96).
Também Hall ao analisar as identidades culturais no mundo globalizado
argumenta que essas identidades “retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de
diferentes traduções culturais, que são o produto desses complicados
cruzamentos e misturas culturais”... (HALL, 1998, p. 88). Nessa concepção de
encruzilhada discursiva, a própria noção de centro e de periferia se torna difusa,
pela improvisação e novidade que os encontros interculturais colocam para os
sujeitos que os vivem.
Para
Hall, à medida em que as culturas tornam-se mais
expostas a influências externas é difícil conservar as identidades culturais
intactas. Quanto mais a vida social se torna mediada por lugares, imagens e
viagens, mais as identidades se tornam desvinculadas de tempos, lugares,
histórias e tradições específicas
.
Para ess
e autor, num mundo globalizado, s
omos
confrontados por uma gama de diferentes identidades, fazendo apelos a
diferentes partes de nós.
Ness
e sentido, os sujeitos híbridos
renunci
am a qualquer tipo de pureza
cultural “perdida”, são produtos de novas diásporas criadas pelas migrações s-
coloniais e habitam, no mínimo, duas identidades, falam duas linguagens culturais
e traduzem e negociam a multiculturalidade (HALL, 2004, p. 74-
89).
No presente
trabalho, na direção apontada por Stuart Hall e Canclini, entendo a construção da
identidade de Adèle Toussaint
enquanto
um sujeito híbrido, atravessada por
cruzamentos discursivos, interculturais e intertextuais que produzem múltiplas
representações sobre si e sobre o outro colonial.
3. TRADUÇÕES E HIBRIDAÇÕES NA ZO
NA DE CONTATO
Na análise do diário de Adèle Toussaint-Samson examino como seu texto
foi
mediado
por uma encruzilhada de discursos, por uma pluralidade de vozes,
que marcaram suas representações sobre si e sobre os Outros, sobre a sua
cultura e a cultura estrangeira. Pretendo mostrar que as narrativas de
Adèle estão
atravessadas,
particularm
ente, pelo discurso euro-imperial, pelo discurso
romântico e pelas
co
nstruções de gênero e de raça. Os efeitos desses
cruzamentos discursivos que atravessaram e marcaram Adèle Toussaint e seu
texto, contribuiram para a constituição de um sujeito híbrido e para a produção de
uma pluralidade de representações e significados sobre o Brasil, os europeus e
os brasileiros. Nas narrativas desses sujeitos híbridos, onde se justa
põem
múlt
iplas discursividades, é
possível
se
vislumbrar uma pluralidade de imagens.
3.1 O RELATO AUTOBIOGRÁFICO OU ESCRITA DE SI
Primeiramente, analiso os momentos em que as narrativas de Adèle
tomam forma de um relato autobiográfico, quando a vi
ajante
-autora mescla
episódios pitorescos e dramas típicos de uma sociedade escravista, com
reflexões sobre si mesma e sobre seus sentimentos e sensações enquanto
mulher viajante francesa
no Rio de Janeiro
imperial
.
Para
o psicanalista Contardo Caligaris, o relato autobiográfico é um
espaço no qual o sujeito se constrói para legar um certa imagem de si à
posteridade. De acordo com o autor, “Falando e escrevendo, literalmente ele [o
sujeito]
se produz.
Narrar
-se não é diferente de inventar-se uma vida.”
(CA
LLIGARIS,1998, p. 28
-
30)
.
Calligaris entende que o ato autobiográfico tende a
constituir o sujeito naquele momento e lugar e o diário como um instrumento
de construção da subjetividade (CALLIGARIS, 1998, p. 55).
A historiadora Angela de Castro Gomes (20
04)
entende o gênero que
abarca diários e autobiografias, como práticas culturais de escrita de si”
,
como
uma escrita auto-
referencial,
que deliberadamente produz uma memória de si. O
ponto central é que, através dessas práticas culturais, o indivíduo constitui uma
identidade para si. Essa “produção do eu”
exprime
-
se
pela primeira pessoa do
singular e traduz a intenção de revelar dimensões íntimas do indivíduo que
assume sua autoria. Embora se possa considerar que toda escrita de si deseja
reter o tempo,
constituindo
-se em um “lugar de memória”, cabe observar que
“certas circunstâncias e momentos da história de vida de uma pessoa, estimulam
essa prática, como o caso dos textos que se voltam para o registro de fases
específicas de uma vida, como nas
viagens
..
” (GOMES, 2004, p. 18).
Este estudo busca
examinar
como Adèle Toussaint ao narrar suas viagens,
reinventou a si mesma, no contato com a diversidade cultural e os costumes das
populações locais; tenta perceber como transculturou-se no encontro com os
Ou
tros (as). Spitta (apud Martins, 2001) contribui para um melhor entendimento
desse complexo processo de tradução cultural dos sujeitos viajantes na zona de
contato:
No contínuo toma-
-
-cá do contato com a cultura, indivíduos são
transformados
transfor
mam
-se a si mesmo bem como ao mundo
circundante.O sujeito transculturado então, é alguém que
está
consciente e inconscientemente situado entre pelo menos duas
culturas, dois mundos, duas línguas, e duas definições de
subjetividade,
e que, constantemente me
deia
entre todos eles ou, para dizer de
outra forma, cujo “aqui” é problemático e talvez indefinível (MARTINS,
2007, p.251).
Segundo Burke (2003), a idéia de “tradução cultural” vem sendo cada vez
mais usada para descrever o mecanismo pelo qual os encontros culturais
produzem formas novas e híbridas, especialmente em situações nas quais o
encontro se entre pessoas de culturas diferentes. Na mesma direção, o autor
refere que o que acontece nesses encontros é uma tradução” das imagens da
Outra cultura para termos familiares, recorrendo-se aos esquemas visuais ou
esteriótipos correntes de sua própria cultura. (BURKE, 2003).
Também
Flora Süssekind observou, em sua obra O Brasil não é Longe
Daqui (2006), o processo de tradução vivido pela viajante inglesa Maria Graham,
quando de seu retorno
à
terra estrangeira, por onde passara doze anos antes,
quando
teve a nítida impressão de que ocorrera uma mudança,
seja na paisagem,
seja
nela própria. Ao olhar o desenho da paisagem feito por ela mesma nos anos
passado
s,
Graham
percebe
u que a paisagem estava idêntica, mas que
sua
observadora é que havia mudado. A mudança que ocorrera era uma mudança de
contornos íntimos, que sugere um movimento auto-reflexivo, que distingue o
diário das mulheres dos demais relatos de viagens sobre o Brasil na pr
imeira
metade do século XIX. Maria Angélica Zubaran analisou, no diário desta viajante
inglesa,
essas passagens auto-
reflexivas,
quando a viajante/autora voltava-
se
para as suas próprias vivências como estrange
ira
e revela seus sentimentos em
contato com o Outro(a) brasileiros (as).
De acordo com Robert Aldrich, a vida tropical foi muito difícil para as
mulheres estrangeiras, sujeitas às várias doenças tropicais, à escassez de
médicos e à precária medicina, que as fazia correr grandes riscos.
Adéle
Toussaint vivenciou algumas das dificuldades apontadas por Robert Aldrich nas
suas vivências na província do Rio de Janeiro, tendo narrado em seu diário,
momentos como o que enfrentou quando ela e seu marido contraíram a febre
amarel
a
quando moravam
na rua do Ros
ário no centro da cidade
:
Foi que meu marido e eu caímos doentes de febre amarela, que
grassou no Brasil, pela primeira vez, no ano de nossa chegada. Até
então, o país fora muito são. Quando essa horrível doença abateu-s
e
sobre o Rio de Janeiro, atingiu em primeiro lugar os estrangeiros,
depois os negros, em seguida a classe pobre e, enfim, os próprios
brasileiros abastados, mas em número muito pequeno. (SAMSON,
2003, p. 93).
De acordo com Adèle Toussaint, havia luto por todo o lado na cidade do
Rio de Janeiro, porque a mortalidade era enorme e os cemitérios estavam cheios,
não havendo mais lugar para o enterro dos mortos. Adèle relata que os
estrangeiros eram os primeiros atingidos pela doença e que, dos vinte e oito
que
haviam feito a travessia com ela, o marido e o filho, dezessete haviam
sucumbido, quando ela mesma sentiu os sintomas. O médico homeopata com
quem tentaram socorrer-se também caíra doente e, em seguida, a negra que
haviam alugado e em seguida seu marido. Ela fala da dificuldade de estar
contaminada como uma epidemia como a febre amarela, sem conhecer ninguém
na cidade, sem médico, sem criados, com muito pouco dinheiro e um filho de
dezoito meses que acabara de desmamar, que felizmente não fora atingi
do
(SAMSON, 2003, p. 95). Sem outras alternativas, Adéle conta que se auto-
medicou
e tratou de seu marido, usando uma caixa de homeopatia dada pelo
próprio Dr. Samuel Hahnemann, médico alemão fundador da homeopatia e
instalado em Paris desde 1835. Com a medicação e cuidados alimentares
especiais, conseguiu curar-se e a seu marido e nunca mais foram atingidos pela
terrível doença no tempo em que permaneceram no país.
Ana Maria
Belluzzo
afirma que, de modo geral, o ambiente urbano do Rio
de Janeiro era visto como um signo negativo pelos viajantes estrangeiros,
que
não poupavam críticas e compartilhavam as imagem de “imundície e de
insalubridade” da cidade (BELLUZZO, 1999).
A
viajante francesa manifestou esse
sentim
ento de distanciamento com relação à cidade do Rio de Janeiro e
represen
tou a rua do Rosário, onde morava, no centro da cidade, como um lugar
triste, sombrio, fétido e estreito como observa
-
se no relato que segue:
(...) depois de ter percorrido toda a cidade, encontramos o que
queríamos apenas na rua do Rosário. Ai! Que rua para parisienses
habituados a todo o conforto e todo o luxo de nossa capital! Ela é
estreita, triste e por todo o estabelecimento comercial, não tem mais
que vendas no térreo das casas, isto é, sombrias lojas onde se
amontoam montanhas de carne secca, bacalhao [carne seca,
bacalhau], os sacos de feijões e de arroz, bem como os queijos de
Minas”. (...) “dizer-lhes que cheiro horrível exalam daquele bacalhau e
aquela carne seca é impossível! Imaginem que a rua é estreita, jamais
varrida ou molhada, que o sol dos trópicos a aquece incessantemente e
tentem fazer uma idéia das emanações que dali se despreendem!
(SAMSON, 2003, p. 92 e 93).
Acredita
-
se
que o R
omantismo
, enquanto movimento cultural,
particularmente o romantismo intimista e abolicionista,
tenha
mediado muitas das
auto
-
reflexões
e auto
-representações de Adèle Toussaint. Lúcia Lippi Oliveira, em
seu recente livro
Cultura é Patrimônio
,
aponta que a viagem e seu relato estão em
conexão com os gêneros literários do século XIX, seja o romance de formação, o
de viagem e a autobiografia. De acordo com a autora, compartilhar sentimentos,
opiniões e conhecimentos com os leitores, passou a ser uma demanda marc
ante
na época” (OLIVEIRA, 2008, p 39). De acordo com Lippi, o Romantis
mo
transplantado para o Brasil foi um movimento cultural das elites e esteve às voltas
com as qu
estões d
e natureza e civilização. Para os chamados românticos, a fonte
da verdadeira originalidade do Brasil estava na sua natureza tropical. Lúcia Lippi
Olivei
ra aponta que o movimento romântico forneceu os fundamentos para a
formação simbólica da nacionalidade de países recém independentes ou recém
constituídos, como ocorreu no Brasil.
Para
Angélica Madeira e Mariza Veloso, em Leituras Brasileiras, o
moviment
o Romântico, surgido na Alemanha, Inglaterra e França, disseminou-
se
por toda a Europa e foi absorvido no Brasil por intermédio de sua vertente
francesa. As autoras apontam que a França teve grande impacto cultural e social
sobre os países falantes da língua latina que não tinham acesso à produção
intelectual anglo-germânica, o que contribuiu para explicar a hegemonia cultural
francesa, apesar do domínio econômico inglês. Naquela época, a literatura era a
expressão por excelência dos Estados nacionais e estava comprometida como o
projeto de construção da nacionalidade. O projeto literário das gerações
românticas é revelador dessa necessidade de criar representações para a nação
brasileira, ligadas ao ideal patriótico e nativista. Para Madeira e Veloso, o
Ro
mantismo produziu, no Brasil
,
representantes do mais puro subjetivismo
,
a
idealização de um passado heróico e a proliferação de uma concepção de
natureza grandiosa e exuberante articulada à construção da identidade nacional
(MADEIRA e VELOSO, 1999).
Anton
io Candido, na
obra
Formação da Literatura Brasileira
,
destacou que
foi graças às viagens e aos relatos dos viajan
tes
que a literatura do ocidente
realizou uma experiência sica no Romantismo: “No contato com países
diversos, o deslocamento no espaço oferece material novo e novas linhas à
meditação. A experiência da viagem é transfiguradora e ofereceu o vivo
sentimento do lugar como fonte de emoções e incentivo a meditar, o que inspirou
umas das linhas românticas por excelência na poesia”. Aponta também, que a
viagem movia o viajante em busca da idéia de Deus, fosse a evocar emoções
passadas ou a reconstruir acontecimentos ali ocorridos. Partindo da vivência
imediata de um local, o viajante se alçava à filosofia, refazia a história,
dissolvendo o espaço no tempo-dimensão essencial ao espírito romântico.
(CANDIDO, 1975). O autor chama atenção que o viajante sensível experimentava
outras emoções no contato com a diversidade, tais como a nostalgia da pátria e a
reativação de tudo que está diretamente ligado ao eu: “O viajante se descobre a
cada passo, seja no reavivar-se da vida interior, pela liberação da emotividade e
pelas bruscas erupções do passado, desencadeadas por mínimos estímulos
presentes”. (CANDIDO, 1975, p.60).
Também Afrânio Coutinho em sua obr
a
A Literatura no Brasil, discute o
movimento Romântico e suas nuan
ças.
De acordo com o escritor, da França o
Romantismo se espalhou por toda a Europa e América caracterizando-se como
um conjunto de traços e qualidades, cuja combinação o identifica, em op
osição ao
clássico ou ao realista. Segundo Coutinho, é durante a fase da permanência da
corte portuguesa no Brasil que o Rio de Janeiro tornou-se a capital literária do
país, desencadeando um intenso movimento na imprensa que mistura literatura e
política,
numa feição bem típica da época. Coutinho aponta
também,
q
ue o influxo
do Romantismo proveniente da França marcou fortemente a identidade dos
brasileiros e dominaria grande parte da nossa atividade literária.
Na direção apontada por esses autores, destac
am
-
se
a
lguns
traços do
discurso
romântico que atravessam a narrativa de Adèle Toussaint. Entre eles,
salienta
-se o subjetivismo romântico, que segundo Coutinho, revela uma atitude
pessoal e íntima, com
um
foco no mundo interior. Ainda o reformismo,
caract
erizado pelo sentimento revolucionário, ligado aos movimentos libertários e
democráticos da época, que no caso particular de Adèle,
está
relacionado ao
movimento abolicionista e aos sentimentos e atitudes dela contra a escravidão e
os castigos corporais a
plicados aos escravos no Brasil.
Do mesmo modo, o culto à natureza, tendo como fonte de inspiração as
paisagens exóticas e incomuns e a estética do pitoresco, que se revela no gosto
pelas florestas, pelas terras selvagens, ou simplesmente pelas diferente
s
fisionomias e costumes, é outra marca romântica nas narrativas de Adèle
Toussaint,
quando relata seus sentimentos diante da natureza brasileira. De
acordo com Coutinho, “o pitoresco e a cor local tornam-se um meio de expressão
lírica e sentimental do suj
eito romântico
(COUTINHO, 2004).
Nos relatos de viagem de Adèle Toussaint Samson, observa-
se
o quanto
ess
a francesa encantou-se e emocionou-se com a beleza e
a
riqueza natural do
Rio de Janeiro
,
surpreende
ndo
-se com traços e costumes dos brasileiros.
nas
primeiras impressões de Adèle sobre o Brasil, quando olha do mar para a costa
do Rio de Janeiro, o Brasil é representado numa perspectiva humboltiana, por
meio das bananeiras, palmeiras e
montanhas:
Enfim, eis o Brasil, que surge com suas matas de bananeiras e de
palmeiras.
Começa
-se a distinguir a cadeia de montanhas chamada
Gigante, que de fato, representa bastante bem o homem de estatura
colossal estendido em todo o seu comprimento, e cujo perfil,
assemelha
-
se ao de Luís XVI (SAMSON, 2003, p. 71).
Desse modo, as primeiras impressões da natureza brasileira seguem as
convenções dos livros de viagem, que destacam os principais acidentes
geográficos ao longo da costa. Na verdade, muitos foram os viajantes que
compartilharam descrições da baía do Rio de Janeiro. De um lado, a repetição de
imagens entre os viajantes criava um repertório que tornava possível para o
estrangeiro traduzir, através delas, a sua experiência com o desconhecido. De
outro lado, como aponta Ana Maria Belluzzo, o cenário brasileiro concorria com
uma ampla oferta de motivos para a realização das possibilidades estéticas do
pitoresco. Adè
le
revela-se atravessada por esse discurso romântico do pitoresco
ao expor, ao público, particularidades regionais inusitadas e desconhecidas. Era
co
stume, especialmente entre os visitantes ingleses, realizarem cavalgadas ao
Corcovado em busca de sensações provocadas pela apreciação da paisagem
vista do alto e divisando abaixo o grande panorama. Os viajantes estrangeiros
parecem ter construído um vocabulário da paisagem no Rio de Janeiro, onde o
Corcovado e o Pão de Açúcar aparecem como ícones dos passeios pitorescos ao
redor da cidade. Como refere Adèle, “era preciso ir ao Corcovado!” Na excursão
que participa ao Corcovado,
revela
-se atravessada pelo discurso romântico da
natureza exuberante e do pitoresco:
Volte
-se então, e admire! A seus pés, estende-se a magnífica baía do Rio de
Janeiro, com suas embarcações de todos os países, suas montanhas tão
pitorescamente recortadas, suas ilhotas verdes, que parecem bosquezinhos
desabrochados nas ondas. Vê-se de um lado, a cidade toda multicolorida,
depois, bem ao longe, o alto mar.” (...) “Diante de uma natureza tão grande,
nossas sociedades, ditas civilizadas, parecem bem pouca coisa! Ali, toda coisa
humana
desaparece e, não devemos lembrar mais que de Deus. (SAMSON
2003, p. 88).
No passeio de Adèle Toussaint ao Corcovado, a natureza é representada
ao mesmo tempo, como selvagem, virgem, gigantesca, perigosa. A grandiosidade
está representada nas grandes árv
ores:
Eis as grandes árvores que começam a aparecer: primeiro a mangueira, de
copa frondosa; o tamarindeiro, a fruta-pão; depois, nos planaltos, a bananeira,
de frutas substanciais e saborosas; o coqueiro, a laranjeira, que sacode sobre
nós seu adereço perfumado; o cafeeiro, com suas pequenas sementes
vermelhas e suas folhas de um verde escuro e lustroso; a palmeira, de um
efeito tão pitoresco na paisagem brasileira; os limoeiros, os algodoeiros... que
sei eu? (SAMSON 2003, p. 88
-
90).
o perigo
apa
rece associado às cobras e aos escorpiões, que, sempre
escondido
s, ameaçam os estrangeiros: “O veneno oculta-se sob as mais belas
flores e sob as frutas mais saborosas: alguma cobra de picada mortal talvez
rasteje sob essa relva de que tem a cor; um escorpião está ali, à sua espera para
causar uma ferida sem remédio. Lembre-se de que está no Brasil, desconfie
estrangeiro, e continue subindo!” (SAMSON 2003, p. 90).
A representação da natureza virgem está associada às florestas que aos
olhos dos europeus
,
e também na narrativa de Adèle, fazem um contraste com a
civilização e desp
ertam sentimentos, a uma só vez,
de admiração e de terror:
Enfim chegamos à Mãe d’água. Ali, o europeu pode ter uma idéia daquelas
belas florestas virgens ceifadas, na maior parte, por nossa implacável
civilização; então todo rumor humano cessou, não se ouve mais que um
sussur
ro sem nome, dominado de vez por outra pelo canto agudo e estridente
da cigarra: ali, cada talo de relva é habitado, cada árvore cada folha esconde
um mundo; v
emo
-nos sós e, no entanto, sentimos que uma multidão de seres
agita
-se à nossa volta; mal podemos avistar o topo das árvores seculares que
nos rodeiam; é um caos inextricável e grandioso, que impressiona, e fiquei em
êxtase diante daquela natureza selvagem e gigantesca, que me inspirava a
uma só vez terror e admiração.
(SAMSON 2003, p. 91
-
92).
Para
Afrânio Coutinho, o sentimento
de
atração pela natureza, pela
beleza
selvagem, hostil e majestosa exerceram grande fascinação sobre os escri
tores
.
De acordo com o autor, esse sentimento transformou-se em
um
dogma, em
um
culto, mobilizando a capacidade humana de
espantar
-se diante da grandiosidade
e mistério da natureza tropical (COUTINHO, 2004).
Enquanto passeia pelo interior
da província do Rio de Janeiro Adèle Toussaint revela esse encantamento do
estrangeiro diante de uma natureza. Sua descrição da paisagem, que mais
parece descrever uma pintura artística, segue as regras da estética do pitoresco:
divisar a paisagem do alto da montanha, encontrar a luminosidade perfeita
através dos efeitos dos raios de sol e revelar, na paisagem, o traço pitoresco
local, aqui marcado pela imagem da cascata, outro ícone da paisagem brasileira
para os estrangeiros.
O dia mal raiava no horizonte, uma cor melancólica envolvia a
paisagem. Do alto da montanha, atrás da fazenda, uma cascata bonita
jorrava os seus lençóis de água prateada e esta montanha estava
coberta com vegetação onde frutas e flores se entrelaçavam numa
confusão encantadora.
(SAMSON, 2003, p.120).
Também em suas viagens pelo interior, ao desembarcar no porto da
Piedade para seguir a cavalo até a Fazenda São José, Adèle Toussaint revela
essa sensação de encantamento que a natureza brasileira provocava nos
viajantes estrangeiros desde os cronistas do século XVI. No contato com
a
“natureza selvagem” Adèle representa-se alegre e imensamente feliz esquecendo
as mazelas dos trópicos:
Todo o caminho, não é mais que encantamento. É uma confusão de
folhas,
de flores, de frutos, mais encantadora que tudo que o homem
arr
anja ou, antes,
des
arranja. Eu não me cansava de admirar.(...) Com
que prazer recordo minhas
co
rridas a cavalo, quando o vento agitava
meus cabelos e me enviava o perfume das magnólias e das laranjeiras
em flor! Confesso que a natureza deu-
me
grandes alegrias no Brasil, e
foi sempre com um imenso sentimento de felicidade que me vi a
cavalo, galopando no meio daquela região selvagem.
(
SAMSON,
2003, p.113).
No entanto, suas referências ao panorama cultural brasileiro são negativas
e os brasileiros são repres
entados como incapazes de manter uma conversação.
Embora o povo brasileiro seja inteligente, ignora ainda o que é
conversação, liam pouco. As questões filosóficas não o interessavam
muito nessa época, e jamais levantavam-se questões religiosas.(...)
Com e
xceção da música, as outras artes não eram muito apreciadas de
maneira alguma no Brasil enquanto ali moramos; não eram abundantes
os assuntos de conversação. (SAMSON, 2003, p.166
-
168).
Dessa maneira,
Adèle
Toussaint colo
cou
-se de forma crítica com relação
aos relatos de outros viajantes sobre as tradições artísticas no Brasil. Assim
manifestou
-
se:
“a despeito do que se diga em diversas obras sobre o Brasil, os
povos da América do Sul ainda estão muito atrasados sobre o aspecto a
rtístico”
(SAMSON, 2003, p. 172). Apesar disso, Adèle Toussaint destacou dois poetas
românticos
no panorama artístico brasileiro: Gonçalves Dias e Fagundes Varela e
salientou
“a graça que domina
[va]
o caráter de sua poesia”. Adéle transcreveu
uma poesia de cada um desses poetas român
ticos
“como exemplo”, no apêndice
de seu livro. Trata-se dos poemas, A Canção do Exílio e O
Escravo
. Estes versos
revelam também a influência de algumas vertentes do Romantismo na narrativa
de Adèle
,
particularmente, a vertente nacionalista, representada por Gonçalves
Dias e a vertente inti
mista,
por Fagundes Varela.
Vale destacar
,
de acordo com Antonio Candido, que Gonçalves Dias
pertenceu ao panorama da primeira fase romântica, demon
stra
ndo
ainda
um
apego à harmonia neoclássica, herdada dos setecentistas e primeiros românticos
portugueses. Segundo Candido, Gonçalves Dias foi chamado de “criador da
poesia nacional”, revelador do Brasil aos brasileiros (CANDIDO, 1993).
Sua
poesia
, A Canção do Exílio, é considerada como uma fundação mítica da
nacionalida
de brasileira e marca a idéia romântica de tria como vínculo a um
território e, da nostalgia, quando esse território é deixado
para trás.
Também
Margarida Patriota salientou que o mérito de levar a escola do
romantismo a desabrochar e dar frutos saborosos, coube ao poeta maranhense
Gonçalves Dias (1823-1863), que cultivou com brilho os grandes temas
românticos da fusão com a natureza e da exaltação da pátria e fixou para sempre
a imagem da nação brasileira em sua famosa “Canção do Exílio”, composta em
Co
imbra, Portugal, no ano de 1843 (PATRIOTA, 2006). A autora Lúcia L
ippi
esclarece que Gonçalves Dias morreu em um naufrágio, quando voltava de
Portugal, nas costas do Maranhão, sem ter tido a graça de ouvir os sabiás do seu
poema.
Transcrevo abaixo a poesia de Gonçalves Dias, que Adèle Toussaint
selecionou para encerrar suas narrativas sobre o Brasil. O texto remete
novamente às características da primeira fase do discurso romântico,
particularmente, ao fascínio pela natureza nacional e a nostalgia da pátria
.
Canção do Exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cis
mar, sozinho à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar
-
sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sab
iá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Adéle transcreveu, também, como anexo no seu Diário, o poema
O
Escravo
, de Fagundes
Varela.
Esse poeta surge na vida literária de São Paulo
por volta de 1860 e pertenceu à última fase do Romantismo, absorvendo várias
tendências anteriores, entre elas, os aspectos patriótico, religioso, amoroso e o
bucólico (CANDIDO, 1993). Segundo Terezinha Chaves (2007), a transcrição do
poema
poder
ia ser uma forma de expressar a indignação da autora
pela
escravidão que presenciou e condenou no Brasil. Talvez fosse também, um
exercício de intertextualidade, em que através das palavras do poeta, Adèle
Toussaint manifesta seu próprio reformismo romântico e sua revolta à escravidão
e
aos
castigos e punições corporais.
O culto romântico da liberdade individual não
poderia conviver com a barbárie do cativeiro dos negros, praticada em todos os
rincões do I
mpério
brasileiro e, o Romantismo brasileiro tomou para si, o
compromisso de denunciar os horrores da escravatura e reivindicar sua abolição.
Destacarei aqui um fragmento do poema
O Escravo
(V. ANEXO A
na íntegra)
.
O Escravo
Fagundes Varela
Dorme! Bend
ito o arcanjo tenebroso
Cujo dedo imortal
Gravou
-
se sobre a testa bronzeada
O sigilo fatal!
Dorme! Se a terra devorou sedenta
De teu rosto o suor,
Mãe compassiva agora te agasalha
Com zelo e com amor.
Ninguém te disse adeus na despedida,
Ninguém chorou por
ti!
Igualmente, outro tema presente na narrativa de Adéle Toussaint, que
marcou sua escrita de si, foi a escravidão e os maus tratos de escravos. No
entanto, diferente da natureza brasileira, que lhe encantou e surpreendeu, a
escravidão de africanos no Rio de Janeiro imperial, despertou-lhe horror e
sofrimento. Semelhante à reação da inglesa Maria Graham, que se chocara com
os leilões e mercados de escravos no Rio de Janeiro (ZUBARAN 2003, p. 252), a
viajante
francesa
Adèle Toussaint relatou, no seu diário de viagem, que o
espetáculo da venda dos escravos nos leilões e suas punições corporais,
revoltar
am sua alma e presenciá-
los
, foi um dos piores suplícios da sua vida no
Brasil. Abaixo, transcrevo a passagem de seu livro de viagem, onde Adèle
Toussaint
manifesta seus sentimentos íntimos diante da escravidão e dos
castigos corporais que marcavam o cotidiano dos escravos, representando-
se
revoltada e enraivecida pelo “espetáculo dos leilões de escravos”. O excerto
ilustra:
Esse espetáculo da escravidã
o foi, durante os primeiros anos de minha
estada no Brasil, um dos tormentos da minha vida e que contribuíram
para que eu sentisse saudades do meu país. A todo o momento meu
coração revoltava-se ou sangrava quando eu passava por um dos
leilões onde os pobres negros que ficavam em sobre uma mesa,
eram colocados à venda e examinavam-se os seus dentes e pernas
como cavalos ou mulas ou quando eu via que o leilão acabara e que
uma jovem mulata era entregue a um fazendeiro para seus serviços
particulares” enquanto o filho era vendido a um outro dono. Diante de
todas essas cenas de barbárie, o meu coração se revoltava e uma
raiva tomava conta de mim e eu me sentia constrangida por não gritar
a palavra “carrasco” para todos aqueles homens que praticavam o
tráfi
co humano assim como eu tinha feito com a espanhola. Mal
conseguira acalmar-me e, alguns passos adiante encontrava um pobre
negro usando uma máscara de ferro. Essa era a punição para o
alcoolismo 12 ou 15 anos. Os que bebiam eram condenados a usar
uma máscara de ferro, que era colocada na parte detrás da cabeça por
meio de uma corrente e que era apenas removida durante as refeições.
Não se pode avaliar a impressão causada por estes homens com
máscaras de ferro nas cabeças. Era assustador! E imagine que s
uplício
naquele calor dos trópicos! Os que tinham fugido eram amarrados por
uma perna a um poste; outros carregavam um colar de ferro nos seus
pescoços, um tipo de canga, como aquelas colocadas nos bois; outros
eram enviados para a Correção” onde após estarem amarrados a um
poste, seriam chicoteados quarenta, cinqüenta ou mesmo sessenta
vezes. Quando o sangue corria, parava-se; colocavam vinagre nas
feridas e, no dia seguinte, começava tudo de novo. (SAMSON, 2003,
p.98
-
99).
Na primeira oportunidade que a família Samson teve de conhecer o interior
do país, mudança de ares sugerida por prescrição médica, foram visitar uma
fazenda chamada São José, perto da cidade de Mauá, onde conv
iveram próximos
aos escravos e às senzalas. Adèle Toussaint relata que foi então que teve a
dimensão das misérias da escravidão e representa-se chocada pelos maus tratos
infligidos aos escravos, no fragmento a seguir:
Numa noite de sábado, numa fazenda na Província do Rio de Janeiro,
o dono da propriedade disse ao capataz, “chama os negros para uma
reza”... A chamada do proprietário fez com que se visse uma multidão
de fantasmas, cada um saindo de sua cabana, um tipo de cabana feita
de argila e lama, com folhas de bananeira secas que serviam de
telhado onde a água penetrava quando chovia, onde o vento soprava
de todos os lados e de onde se via uma fumaça horrível quando os
negros preparavam a refeição porque a cabana o tinha nem
chaminé, nem janelas de forma que o fogo era feito de vara verde,
aceso no centro da cabana. Os negros cruzavam o pasto e subiam os
dois lances de escada até a varanda onde um tipo de armário tinha
sido aberto, formando um altar em um dos cantos. Esse momento
expunha as misérias da escravidão em todo o seu horror e feiúra. As
mulatas cobertas de trapos, outras meio despidas, tendo um lenço
amarrado as suas costas e peito, que mal tapava as suas gargantas e
uma saia de algodão, que através das rendas, mostrava os seus
corpos fracos e magros; alguns negros, com uma aparência parda e
meio apalermados, chegavam e se ajoelhavam nas lajes de mármore
da varanda. A maioria carregava nos ombros a marca das cicatrizes
que o chicote tinha infligido; vários estavam acometidos de doenças
horríveis tais como elefantíase ou lepra. Tudo isso era muito sórdido,
repulsivo e chocante. A visão daquelas misérias e daqueles
sofrimentos, e aquele grito de desespero que me parecia elevar-se até
Deus, tudo aquilo era espantoso e de uma horrível beleza, mesmo do
ponto de vista artístico
.” (SAMSON 2003, p.120).
Pode
-se observar que o relato auto-biográfico, ou escrita de si, de Adèle
Samson no seu Diário de Viagem, apresenta-se marcado por uma dupla
significação do discurso romântico, tan
to no seu aspecto
de atração pela natureza
brasileira, que lhe provocaram sentimentos de alegria, felicidade e encantamento,
como
na sua expressão de reformismo social, expressa nos sentimentos de
indignação, sofrimento e repulsa frente às cenas de escravidão.
3.2 REPRESENTAÇÕES CULTURAIS SOBRE OS OUTROS (AS)
A seguir, discuto as representações culturais mais recorrentes sobre os
Outros brasileiros (as) nos relatos de Adèle, sobre as outras mulheres e sobre os
negros (as) escravos (as), na tentativa de mapear como se deu a construção da
alteridade nos relatos dessa viajante estrangeira. Marise Basso Amaral destacou
que
, “no processo de viajar por regiões desconhecidas, existem diferentes modos
de produção do “outro”, ou quem sabe melhor, há diferentes “graus” de alteridade,
seja nos modos de representar os negros escravos e libertos, as mulheres, os
índios e os brancos americanos”. (AMARAL, 2007, p. 252).
P
arto
do pressuposto de que, para melhor
entender
o olhar de Adéle
Toussaint
sobre os Outros brasileiros(as), torna-se importante conhecer os
projetos culturais que circulavam naquela época e que, possivelmente, mediaram
o seu Olhar e a sua leitura do Outro (a). Destaco, particularmente, o discurso do
racismo científico na conformação desse olhar francês sobre os Outros (as)
brasileiros (as) e sobre suas culturas, assim como as análises do discurso euro-
imperial e etnocêntrico sobre a cultura do Outro (a).
Na perspectiva de Ella Shohat e Robert Stam, entendo o discurso euro-
imperial como o processo através do qual os poderes europeus.atingiram
posições de hegemonia econômica, militar, política
e cultural cobrindo os períodos
de 1870 a 1914, quando a conquista dos territórios esteve ligada a uma busca por
mercados e à exportação expansionista de capital. Esse processo teve início em
expansões internas na Europa, deu um salto gigantesco com as “viagens de
descobrimento” e a instituição do escravismo, e atingiu seu apogeu com o
imperialismo da virada do século. De acordo com Tzvetan Todorov (1993) o
etnocentrismo
constitui
-
se:
(...) a maneira indevida de erigir em valores universais os valores
pr
óprios à sociedade a que pertenço; (...) é por assim dizer a caricatura
natural do universalista: este, em sua aspiração ao universal, parte de
um particular, que se empenha em generalizar; e tal particular deve
forçosamente lhe ser familiar, quer dizer, na prática, encontrar-se em
sua cultura (TODOROV,1993, p.21).
No que se refere às representações de Adèle Toussaint sobre os negros
(as) do Rio de Janeiro, me parece que suas representações são ambíguas e
ambivalente
s. De um lado, Adéle representou a escra
vidão
brasileira,
como
terrível e
desumana
e manifestou-
se
, veementemente, contra os maus tratos de
escravos
.
Diferente da maioria dos viajantes estrangeiros, Adèle relatou com
detalhes etnográficos, aspectos relativos às condições de vida dos escravos em
uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, sua alimentação e vestimenta
e
revelou os maus tratados recebidos pelos escravos no Brasil, contradizendo a
noção de uma escravidão brasileira patriarcal e benevolente. A seguir transcrevo
seus relatos sobre o cot
idiano dos escravos na fazenda:
Às nove horas, o sino tocou para o café da manhã dos negros e eu
tinha curiosidade para saber sobre a distribuição das rações.
sempre duas cozinheiras nas lavouras, - uma para os brancos e uma
para os negros
e há inc
lusive duas cozinhas. Reparei na sala grande
enfumaçada que levava à cozinha dos negros e eu vi duas negras
que tinham diante delas imensos caldeirões, um deles continha feijões
e o outro angu (feito de mandioca e água fervente|). Cada escravo
chegava
cedo, tigela na mão. A cozinheira colocava uma porção
grande de feijões, adicionando um pouco de carne seca da pior
qualidade, bem como espalhava um pouco de farinha de mandioca; a
outra distribuía o angu para os velhos e crianças. Os pobres escravos
murmu
ravam que a carne estava podre e que não havia comida
sufic
iente. Nossos cães por certo, não iam querer saber daquela
comida.
Os negrinhos de três ou quatro anos, inteiramente nus,
arrotavam
suas rações de feijões, que seus frágeis estômagos m
al
podiam digerir; por isso, quase todos tinham barrigas grandes,cabeças
enormes, braços e pernas franzinos, enfim, todos os sinais de
raquitis
mo. Dava pena vê-los; e eu jamais entendi, sob o ponto de
vista
especulativo, que esses negociantes de carne humana não cuidass
em
melhor da sua mercadoria. Felizmente, garantiram-
me
que não era
assim em toda a parte, e que, em várias fazendas, os escravos eram
muito bem tratados. Quero crê-lo; quanto a mim, digo o que vi.
(SAMSON, 2003, p.122
-
123).
Sob esse olhar, Adèle Toussaint representa o cotidiano desses escravos
com
uma visão crítica e diferenciada da maioria dos viajantes estrangeiros que
lhe antecederam e que foram responsáveis pela construção da noção de uma
escravidão mais branda no Brasil do que em outros lugares da América, o que,
mais tarde, comprovou-se ter sido uma visão idealizada das condições de vida
dos escravos no Brasil.
Por
outro lado,
sua narrativa sobre os negros (as),
que circulavam nas ruas
do Rio de Janeiro, apresenta-se atravessada pelo discurso do ra
cismo
científico.
De acordo com Roberto Ventura (1991), o racismo científico foi adotado de forma
quase unânime entre as elites brasileiras a partir de 1880, refreando as
tendências igualitárias e democratizantes do
libera
l
is
mo da época. A proclamada
infer
ioridade das raças não brancas, a crítica de Gobineau à miscigenação e a
previsão de esterilidade dos mestiços, pelos naturalistas Louis e Elisabeth
Agassiz, colocavam um dilema para a elite brasileira, que oscilava entre o
liberalismo e o racismo.
As teorias racistas apresentavam a cultura popular como uma cultura
atrasada e degenerada e, portanto, muito depreciada. Desse modo, a teoria
racista não evidenciou apenas interesses colonialistas e imperialistas, mas
também os interesses de grupos nacionais identificados à modernidade ocidental.
O racismo científico transformou-se em instrumento conservador e autoritário de
definição da identidade social da classe senhorial e dos grupos dirigentes, perante
uma população considerada étnica e culturalmente inferior. As concepções
racistas se tornaram parte da identidade das elites em uma sociedade
hierarquizada, com grande participação de escravos, libertos e imigrantes no
trabalho produtivo. A r
ecepç
ão e a transformação das teorias raciais européias
,
forneceram parâmetros para a reflexão sobre a natureza tropical e as raças
brasileiras.
Como Maria Eunice Maciel (1999) aponta, as idéias sobre hierarquia racial
estavam baseadas, principalmente, em determinados autores europeus que no
final do século XIX deram corpo teórico ao chamado racismo científico. Neste
sentido, Lilia Schwarcz
(2001)
refere que, desde os anos de 1870, as teorias
raciais de análise passam a ser largamente adotadas no país, sobretudo a
tradução de autores darwinistas sociais, que destacavam o caráter essencial das
raças e o lado nefasto da miscigenação. O Brasil surgia representado, a partir da
particularidade de sua miscigenação.
De acordo com Schwarcz, essa interpretação realista surgia em oposição
ao projeto romântico, cujos autores inverteram
os termos da equação
,
ao destacar
os “perigos da miscigenação” e a impossibilidade da cidadania. Em 1888, o
famoso médico Nina Rodrigues, da escola baiana, assinava um artigo polêmico
que sairia em vários jornais brasileiros, no qual concluía que os homens não
nascem iguais e, assim, solapando o discurso da lei, logo após a abolição formal
da escravidão, passava a desconhecer a igualdade e o próprio livre arbítrio em
nome de um determinismo científico e racial. Segundo
Lilia
Schwarcz, o médico
advogava também a existência de dois códigos no país um para negros, o
utro
para brancos. A adoção desses modelos implicava uma nação de raças mistas
como a nossa,
inviável e
fadada ao fracasso.
Lilia
Schwarcz afirma que
,
aos olhos
de fora, o Brasil, muito tempo, era visto como uma espécie de laboratório
racial, como um local onde a mistura das raças era mais interessante de ser
observada, do que a própria natureza.
Agassiz, um suíço que esteve no Brasil em 1865, declarou em seu relato
que
qualquer um que duvidasse dos males da mistura de raças viesse ao Brasil,
pois
, assim, não poderia negar a deterioração decorrente da amálgama das
raças, mais geral aqui do que em qualquer lugar do mundo. Isso vai apagando,
rapidamente
, as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando
um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia mental.
O conde de Gobineau, que permaneceu no Brasil durante quinze meses,
como enviado francês,
queixava
-se de que a população brasileira, totalmente
mulata, era viciada no sangue e no espírito e, assustadoramente feia. Ness
e
contexto, a mestiçagem existente no Brasil não era descrita, como adjetivada,
constituindo uma pista para explicar o atraso, ou uma possível inviabilidade da
nação. Dessa forma, tomava força, nos finais do século XIX, um modelo racial de
análise e a questão racial parecia se converter, aos poucos, em um tema central
para a compreensão dos destinos dessa na
ção (SCHWARCZ, 2001, p. 21
-
23).
No
excerto que segue, na análise sobre a população do Rio de Janeiro, Adèle
Toussaint revela
-
se impregnada pelo discurso racista:
Quanto à raça brasileira, mistura de sangue europeu, americano e
africano, tem toda a indolência crioula, é fraca, abastardada, muito
inteligente e não menos orgulhosa. É evidente que é ao comércio co
m
os negros que se deve em parte a deterioração dessa raça. (SAMSON,
2003, p. 100). O mais assustador é a raça mulata. È evidente que ela é
que será chamada a governar o país um dia. Tem, ao que se diz, as
qualidades e os defeitos das duas raças de que é oriunda, e provas
de uma inteligência notável (SAMSON, 2003, p. 103).
Desde o momento em que chegou ao porto de Rio de Janeiro, Adèle
Toussaint
revelou seu estranhamento e distanciamento com relação ao Outro
negro
(a). O sentimento de
estranheza
, que manifestou diante dos corpos nus e
das cicatrizes dos negros
remadores
que a recebe
ra
m
e transportaram até o cais
quando chegou na baía do Rio de Janeiro e, suas representações desses negros,
como bestas, revelam
traç
os característicos do discurso
racista da
época:
Essas faluas, uma espécie de grandes barcas com uma altíssima vela
latina, são tripuladas geralmente por cinco negros robustos; o patrão
mantê
m-
se no leme, enquanto os quatro outros remam lentamente , em
cadência, erguendo-se de seu banco a cada r
emada
e voltando a
sentar
-se para leva
ntar
-se de novo. Essa foi uma das minhas primeiras
surpresas, aqueles negros nus até a cintura, de cara achatada e
bestial, sulcada por largas cicatrizes (quando são negros
Minas
), o suor
escorrendo pelo corpo, impassíveis como estátuas, olhando sem
curiosidade e sem espanto, e não parecendo preocupar-se nem com
você nem com nada no mundo além de comer e de dormir; aquelas
faces estranhas me impressionaram (SAMSON, 2003, p. 72).
Miriam Moreira Leite (1997), em seu estudo da iconografia dos viajantes
estrangeiros
, destacou que a nudez e as deformações corporais constituíram as
diferenças culturais que mais perturbaram os europeus e marcaram a iconografia
desses viajantes no encontro com os americanos: “a nudez, as defor
mações
corporais constituíram as diferenças culturais entre brancos e negros, que mais
levaram os europeus a personificar o demônio nas populações da América e
dificultar a representação
dos grupos sociais encontrados” (LEITE, 1997, p. 234).
Quando descreveu as ruas da cidade do Rio de Janeiro, Adéle observou e
narrou as negras
escravas
que circulavam nas ruas da capital. Num primeiro
momento, talvez constrangida pelas construções de gênero daquela época,
concentrou
-se na indumentária das escravas, narrand
o
com riqueza de detalhes
as roupas e os acessórios usados pelas negras minas
:
Ao longo de toda a rua, nos degraus das igrejas ou à porta das lojas,
estão acocoradas grandes negras
Minas (
os
Minas
são originários da
província de Mina, na África ocidental), ornadas de seus mais belos
enfeites;
uma fina blusa, guarnecida de renda, mal esconde seu colo, e
uma saia de musselina branca, com babados, posta sobre uma outra
de cor vistosa, formam todo seu traje; elas tem os pés nus numa
espécie de chinelas com saltos altos, chamadas tamancas, onde deve
entrar apenas a ponta do pé; seu pescoço e seus braços estão
carregados de colares de ouro, de fileiras de coral e de todo tipo de
fragmentos de marfim e de dentes, uma espécie de
manitus
que,
segundo
elas, devem conjurar a sorte; uma grande peça de
musselina é enrolada duas
ou três vezes em volta de sua cabeça, em forma de turbante, e uma
outra peça de pano raiado é lançada sobre seus ombros para as cobrir
quando sentem frio ou para cingir suas costas quando carregam um
filho (SAMSON 2003, p. 80).
Fotos extraídas do livro de Adèle Toussaint
-
Samson,
Uma Parisiense no Brasil,
Rio de
Janeiro: Editora Capivara, 2003, p. 83 e 77.
No entanto, na seqüência de sua narrativa, Adèle T
oussaint
revela um
olhar marcado pelas representações étnico-raciais estereotipadas que circulavam
nos relatos de outros viajantes brancos, cujo racismo associava os corpos negros
a traços grosseiros, apontados como suas características
natur
ais e inatas.
Disse
Adè
le:
“muitos homens acham belas estas negras; quanto a mim, confesso que a
crespa que lhes serve de cabeleira, sua testa baixa e côncava, seus olhos
injetados de sangue, sua enorme boca de lábios bestiais, de dentes separados
como os das feras, assim como seu nariz achatado, nunca me pareceram
constituir mais que um tipo bastante feio
. (SAMSON 2003, p. 82).
Mais uma vez, a narrativa de Adèle Toussaint mostra-se visivelmente
atravessada pelas máximas do racismo científico, que impregnavam os deba
tes
culturais naquela época. Adéle representa as negras minas como feras bestiais e
salienta a feiura dos seus traços físicos. Como refere Miriam Moreira Leite,
além
das referências aos traços físicos e à indumentária, também eram freqüentes as
observaçõe
s
a respeito da moralidade das negras, nos relatos das mulheres
viajantes
(
LEITE,1997,
p.
58)
.
Nesse sentido, em mais de uma ocasião, Adèle teceu críticas à moralidade
das mulheres negras na cidade do Rio de Janeiro, particularmente das mulatas,
que representou como devassas: “Não nada mais devasso que essas mulatas
minas; elas são responsáveis pela depravação e corrupção dos jovens no Rio de
Janeiro; não é raro ver estrangeiros, especialmente os ingleses, as manterem e
arruinarem
-se por causa delas...” (SAMSON, 2003, p. 82).
Entretanto,
ela não fez
nenhuma menção ao fato de muitas prostitutas no Rio de Janeiro da época
serem
francesas.
O historiador norte-americano, Robert Slenes, chamou atenção sobre os
estereótipo
s
étnico
-raciais de viajantes europe
us
que
,
no Brasil
,
consideravam os
negros como seres sexualmente desregrados, vivendo em promiscuidade sexual
como “gado nos pampas”. De acordo com o autor, as escravas, em geral, eram
representadas
pelos viajantes europeus, como vivendo em concubinato e na
devassidão. (SLENES, 1999, p.134
-
135)
.
Nessa direção, Stuart Hall interpreta as representações estereotipadas e
racializadas dos brancos como práticas significantes, com efeitos
essencializ
antes, reducionistas e naturalizantes. Entre os principais traços do
estereótipo que aponta, o primeiro argumento é de que o estereótipo reduz,
essencializa, naturaliza e estabelece a “diferença”. Em segundo lugar, o
est
ere
ótipo situa uma estratégia de “partição”, separando o normal e o aceitável,
do anormal e inaceitável. Na sua análise, um terceiro ponto do estereótipo é uma
prática de “clausura” e exclusão, que, simbolicamente, estabelece limites e e
xclui
tudo que não lhe pertence (HALL, 1997, p. 25-
26).
É a partir desse entendimento
que analisarei os estereótipos é
tnico
-
raciais nas narrativas de Adèle Toussaint.
Entre as representações estereotipadas do Outro negro, Hall destaca a
representação branca do n
egro
hipersexualizado
: “os brancos f
reqü
entemente
fantasiavam
, quanto ao apetite sexual exagerado e a destreza do homem negro,
assim como o caráter lascivo, supersexualizado da mulher negra, que eles tanto
temiam
, quanto secretamente invejavam” (HALL, 1997, p. 29). De acordo com o
autor, a fantasia primária do grande pênis negro
projeta
va
o medo de uma
ameaça, não
apenas à feminidade branca, mas à civilização em si, como angús
tia
resultante da miscigenação
(HALL, 1997, p. 29
-
30).
Os viajantes europeus, freqüentemente, reproduziram esse estereótipo dos
negros (as) hipersexualizados e, sobre eles, projetaram as regras de conduta
européias, como regras morais universais, que deveriam ser seguidas também
pelos povos não europeus. No trecho que segue, Adèle Toussaint revela essa
representação estereotipada das negras que trabalhavam como escravas
domésticas, como mulheres sexualmente disponíveis, com uma tendência à
prostituição e, cujo comportamento sexual provocava conflitos entre brancos e
negros:
Também não é raro ouvir falar de facadas dadas nos brancos pelos
negros ciumentos
.
Quando
es
sa
s criaturas são desejadas, não se
precisa mais que lhes fazer um sinal, e elas o seguem. Algumas tive
em minha casa que, terminado seu serviço, desapareciam à noite para
entregar
-se a este belo comércio e achavam muito estranho que as
repreendesse por isso.
Respondiam simplesmente:
É preciso que eu vá
ganhar com que comprar uma peça de renda! Nossas patroas
brasileiras não são como a senhora e nos deixam algumas horas para
isso toda a noite.”
(S
AMSON 2003, p. 84).
Nesse texto, Adèle Toussaint usa a voz das próprias negras para atrib
uir,
às senhoras brasileiras, um comportamento conivente com a prostituição de suas
escravas negras, como se fora uma prática amplamente aceita. De outro lado, da
parte dessas negras, a prostituição aparece associada a uma preocupação com a
vaidade, a indumentária e a aparência, ou seja, implicitamente, as negras se
prostituíam por motivos fúteis.
A postura etnocêntrica de Adèle Toussaint
revela
-se também nas suas
análises das práticas culturais dos negros (as). É interessante observar
,
os
comentários de Adèle sobre a dança do Lundu
7
nas festas de São João,
em
que
ela destaca a dança, sendo executada por “damas brasileiras”, “como uma dança
de origem negra rapidamente absorvida pelos festejos da sociedade”
como
uma
“dança nacional”, apesar
da
sabida
europeiz
ação da cultura brasileira no Rio de
Janeiro, o que revela uma avaliação positiva dessa prática negra. Entretanto, de
forma ambígua, Adèle também representa o Lundu de maneira estereotipada e
atribui aos seus participantes, características de uma prática licenciosa e lasciva,
reduzindo e simplificando seus movimentos: “o homem, de alguma maneira, não
faz mais do que girar em volta da dama e persegui-la, enquanto ela se entrega a
toda espécie de movimentos de gata dos mais provocantes” (SAMSON, 2003,
p.105
-1
06).
O pesquisador José Ramos Tinhorão, no seu livro Os Sons dos Negros no
Brasil
, refere-se ao Lundu como um coro improvisado e acompanhado de palmas
entusiasmadas, porém o se furta de mencionar que alguns relatos de viajantes
estrangeiros caracterizaram o Lundu como indecente e lascivo, cuja execução da
ondulação dos corpos é licenciosa. (TINHORÃO, 2008, p.66).
Ainda referindo
-
se às danças de origem africana, Adéle
Toussaint
refere
-
se
a uma festa dos negros escravos, como uma “festa estranha”, que acon
teceu
quando esteve com sua família na fazenda São José, para o batismo do filho do
proprietário, de quem ela e o marido foram padrinhos. Mais uma vez, Adéle
manifesta seu olhar eurocêntrico e representa a dança do
batu
que
de forma
7
Segundo Câmara Cascudo (2001), o Lundu é uma dança e canto de origem africana, trazido
pelos escravos bantos, especialmente de Angola para o Brasil. È o exemplo típico do fenômeno de
difusão de uma manifestação folclórica,pois percorreu os caminhos do popular ao erudito, com
plena aceitação de todas as camadas da sociedade brasileira.
estereotipada, como uma “dança selvagem”, onde as “negras
entregavam
-se a
um movimento de quadris dos mais acentuados” e
os
cavalheiros negros giravam
em redor delas saltando sobre um pé, com as mais grotescas contorções”,
enquanto
o velho músico agitava suas baquetas com frene
si
, parecendo querer
incitá
-los à dança e ao amor” e, a platéia “acompanhava o batuque com palmas
que lhe acentuavam o ri
tmo de uma maneira estranha” (SAMSON, 2003, p.132).
Com relação à dança do batuque, trata-se de uma prática cultural sobre a
qual se d
ebruçaram
a maioria dos viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil no
século XIX. Câmara Cascudo destaca que os portugueses generalizaram como
batuq
ue todas as danças de negros e representaram-
nas
como “indecorosas, por
apresentar movimentos lascivos, principalmente a umbigada”. De acordo com
Tinhorão, pelo começo do século XIX, os batuques se dividiam em três
diferentes tipos, refletindo, no plano cultural, uma nacionalização e branquização
das danças introduzidas pelos africanos. O autor aponta que a divisão se dava a
partir
da estrutura sócio-econômica: os africanos e seus descendentes
dançariam
nos terreiros das senzalas; os negros livres formariam suas rodas diante de uma
de suas choupanas e os brancos da classe média, imitariam os dois em suas
sal
as, abrandando a força da percussão. (TINHORÃO, 2008, p.68).
Os estudos sobre a corporeidade e a dança européia consideram que tal
estranhamento
resultava da diferença dessas práticas com relação às danças de
salão européias, que não permitiam qualquer ti
po
de aproximação entre os
corpos, que fosse além de um breve toque de mãos e raramente um roçar de
braços,
durante a execução de minuetos e quadrilhas ao som de instrumentos de
cordas
, como ocorria nos bailes da Corte ou nos encontros da alta sociedade
eu
ropéia. A
dança européia era conhecida como
“dança de extremidades”, porque
não movimentava mais do que braços e pernas durante seu des
envolvimento,
além de suaves cumprimentos de cabeça.
É nesse sentido que podemos imaginar o estranhamento que as danças
dos negros escravos africanos causavam nos viajantes europeus, pois
desenvolviam
-se a partir das batidas de tambores, acompanhadas pelos
dançarinos com movimentos do corpo totalmente livres e fora dos padrões
coreográficos conhecidos pelos brancos europeus. As danças negras integram o
grupo das danças “proximais”, onde os integrantes tocam-se, esfregam-se e
interagem,
numa demonstração de comunhão com o companheiro, o que
surpreendia tanto os europeus e provocava, muitas vezes, suas reações de
repulsa e seus comentários estereotipados, representando-as como “primitivas “ e
“selvagens”.
A característica maior dessa dança trazida da África era a umbigada,
movimento considerado obsceno e imoral, quando um ne
gro(a)
escolhia outro(a)
para substituí-
lo(a)
, no meio da roda, pelo toque dos umbigos, o que
impressionava e repugnava os brancos.
No entanto, é importante salientar que essas leituras racistas e/ou
etnocêntricas
não dão conta de tudo que se passa na relação de Adèle Toussaint
com o Outro (a). mome
ntos
em que, atravessada pelas construções de
gênero, e adequando-se aos comportamentos construídos como próprios para as
mulheres daquela época, ela intercede pelo Outro (a) e assume a posição de
reformadora social.
Esse
engajamento
das mulheres viajantes européias
na
vida social dos
países que visitavam foi discutido por Mary Louise Pratt, quando analisou as
narrativas de Maria Graham, no Chile e, de Flora Tristan, no Peru. A autora
aponta que os relatos das mulheres viajantes apresentam ênfases diferen
ciadas
com relação aos relatos dos homens. De acordo com a autora, as
mulheres
viajantes européias de classe média urba
na
demonstraram um forte interesse
etnográfico
e uma atividade especificamente exploratória no século XIX.
Como
reformadoras sociais, v
is
itavam prisões, orfanatos, hospitais, fábricas, cortiços e
outros lugares. Para essa autora, tratava-se de outro ramo da missão civilizatória,
que constituiu uma forma de intervenção feminina na zona de contato
(PRATT,
1999 p. 275 e 276)
.
Adèle Toussaint-Samson demonstrou, em alguns momentos das suas
vivências no Rio de Janeiro, essa atitude de reformadora social, particularmente,
nos momentos em que denunciou os maus tratos de escravos (as) e quando
engajou
-se na defesa de mulheres brasileiras, que viviam situações de opressão,
seja de seus maridos ou de seus senhores, que as agrediam ou puniam
covardemente. Essa postura de ativismo social das mulheres de classe média do
século XIX marcou as atitudes da viajante francesa Adèle no Rio de Janeiro.
Inicialme
nte Adéle relata o momento em que, de sua casa, ouviu os gritos de uma
escrava que estava sendo espancada por uma vizinha e decidiu intervir, para
interromper os maus tratos infligidos à escrava
:
Nós tínhamos como vizinha na r
ua
do Rosário [no Rio], no andar de
cima, uma senhora espanhola que tinha a seu serviço três ou quatro
escravas. Todos os dias as cenas mais horríveis aconteciam acima
das nossas cabeças. Pela menor omissão ou falha de qualquer uma
delas, a senhora as batia ou dava pancadas com a palmatória (um tipo
de palheta com furos) e nós ouvíamos os gritos dessas pobres mulatas
que se jogavam aos pés da senhora gritando, “Obrigada, senhora”.
Ma
s, a patroa nunca se apiedava e lhes dava tantas pancadas quanto
necessárias. Essas cenas me sensibilizavam muito.Um dia quando o
chicote estava sendo usado de forma dura e quando os gritos eram
mais agoniados,
levantei
-me de súbito e, dirigindo-me a meu marido
,
que, nascido no Brasil de pais franceses, falava o português como sua
própria ngua: “Como se diz
bourreau
?”, perguntei-lhe.
Carasco”!,
respon
deu
-me ele, sem compreender por que eu lhe fazia aquela
pergunta. Imediatamente, precipito-me na escada, subo correndo, abro
a porta da minha vizinha e lanço-lhe esta única palavra: “Carasco”!
Essa foi min
ha primeira palavra em português. (SAMSON, 2003, p.97).
Outra ocasião em que sobressai a atitude de Adèle Toussaint como
reformadora social e ativista contra as punições corporais aplicadas aos escravos
(as) no Rio de Janeiro, foi durante a visita que fez à fazenda São José, no interior
da província. Adèle intercede em favor de uma escrava negra, pedindo ao seu
senhor pelo perdão da escrava, que carregava como castigo, por suas tentativas
de fuga, uma argola fixada no tornozelo e atada a uma corrente amarrada em sua
cintura, cujo peso, segundo a própria escrava, maltratava-lhe o corpo. Adèle
apiedou
-se e pediu ao proprietário que perdoasse a jovem escrava, o que não
teve dificuldade em obter, pois um brasileiro nunca recusa um favor pedido para
um escravo
, prin
cipalmente quando
é
pedido por uma mulher
madrinha de um de
seus filhos, já que o título de compadre e de comadre é quase um laço de
parentesco no Brasil” (SAMSON, 2003, p. 125 e 127)
Sobre as mulheres brancas da elite, Adèle Toussaint
representou
de forma
ambígua e ambivalente. Em algumas passagens de seu texto, reproduziu alguns
ester
eótipos freqü
entemente apresentados por viajantes estrangeiros, tais como o
fato das mulheres brasileiras exibirem uma aparência descuidada e pouco
aprazível, vesti
rem
-se mal, não terem charme e não saberem comportar-se em
público. Nessa direção, assim se manifestou Adèle:
Não se pode afirmar que as brasileiras sejam belas, embora em geral,
tenham belos olhos e magníficos cabelos. Por certo, algumas muito
bonita
s; mas na maior parte, são ou muito magras ou muito gordas, e o
que lhes falta, sobretudo é o charme. Geralmente, vestem-se mal,
desconhecem os
négligés
elegantes e esses mil pequenos nadas que
tornam a parisiense tão sedutora. A expressão de seu rosto é altiva e
desdenhosa. Acreditam assim, dar-se um ar
comme
il faut, ignorando
que, ao contrário, as verdadeiras grandes damas são simples, afáveis
e da mais delicada polidez. São mesmo habitualmente bem insolentes,
se não se assume um modo mais arrogante que
o delas. O
dinheiro é a
única superioridade que elas reconhecem; assim, o mais eminente
artista é bem pouco considerado no Rio, quando não tem vintém. É
preciso ver com que ar a gente do país diz, falando de alguém que não
é rico: “Coitadinho dele”! Algo que não podemos traduzir
em
francês
(SAMSON, 2003, p. 158).
Em outros momentos de sua narrativa, a viajante francesa Adèle
reproduziu o estereótipo da mulheres brasileiras, isoladas e enclausuradas,
tratadas pelos seus maridos como bonecas,
como no fragme
nto
que segue:
Quanto às brasileiras, encerradas por seus esposos no fundo de suas
casas, no meio dos filhos e dos escravos, não saindo nunca senão
acompanhadas, para ir à missa ou às procissões, não se deve acreditar
que sejam por isso mais virtuosas que outras! Apenas, têm a arte de
parecê
-lo. Quando o brasileiro volta da rua, reencontra no lar uma
esposa submissa, que ele trata como criança mimada, trazendo-
lhe
vestidos, jóias e enfeites de toda a espécie; mas essa mulher não é por
ele associada nem aos seus negócios, nem às suas preocupações,
nem aos seus pensamentos. É uma boneca, que ele enfeita
eventualmente e que, na realidade, não passa da primeira escrava da
casa, embora o brasileiro do Rio de Janeiro, nunca seja brutal e exerça
seu despotismo de uma maneira quase branda (SAMSON, 2003, p.
153
-
154).
No entanto, Adèle Toussaint salienta que essa forma dos maridos tratarem
suas mulheres como bonecas era temporária e mudava radicalmente assim que
suas esposas atingiam mais de 30 anos, o que na opinião de Adèle, contribuía
para que se tornassem “desleixadas” ao atingirem essa idade:
Desconhece
-se, no Brasil, o que é galanteria; toda a mulher que
passou dos trinta anos é uma velha, e não terão receio de dizer
-
lhe que
está “acabada”. Assim, as brasileiras chegadas a essa idade,
geralmente se tornam desleixadas. Prendem o cabelo sem cuidado, de
qualquer jeito e quase não freqüentam a sociedade, e passam o dia
inteiro de penhoares soltos e sem corpete.
(SAMSON, 2003, 166
-
167).
A construção do mito da mulher
brasileira,
passiva e ociosa, passou
generalizado
às mulheres de diferentes classes sociais e etnias, nos estudos de
medicina do século XIX e também no discurso de viajantes estrangeiros. O
viajante Charles Expilly, que foi o único viajante estrangeiro a tratar mais
especificamente sobre a condição da mulher brasileira em seu livro Mulheres e
Costumes do Brasil
(1935)
, representou-as como subordinada
s
diante do homem
e
desvalorizada
s
enquanto mulher
.
A historiadora Miriam Moreira Leite, no artigo O Espaço Feminino (1800-
1850),
repensando a reclusão da mulher brasileira no século XIX, argumenta que
nem a reclusão era tão rígida quanto alguns autores deram a entender, nem a
situação das européias que visitaram o Brasil diferia tanto quanto a literatu
ra
deixava supor. De acordo com Leite, o que parecia, aos viajantes, reclusão das
mulheres brasileiras, era antes uma participação social em esferas distintas da
vida da comunidade e da família. Na direção apontada, a análise de algumas
obras revela que o espaço social das mulheres era constituído por recintos
abrigados ou internos e demonstrou que a abertura dos espaço público, quando
ocorria, era feita sempre através da mediação masculina.
Andréa Lisly Gonçalves afirma que a longa tradição histórica do
caráter
bipolar masculino/feminino assumiu no século XIX um caráter renovado. A casa
passou a ser representada em termos naturais como feminina, enquanto a esfera
pública
se
constituiu como masculina. Diz a
autora
: “tratava-se de um traço
vitoriano, do qual emerge o dualismo público/privado, reafirmando o privado como
espaço da mulher, ao destacar a maternidade como necessidade e, o espaço
privado
, como lócus da realização das potencialidades femininas” (
MATOS
,
A
pud
GONÇALVES
2006, p. 48
).
Por outro lado, a reclusão, como padrão ideal de comportamento feminino
para a época, encontrou inúmeras formas de ser burlada e, algumas delas, eram
proporcionadas pela própria família, ou pela Igreja, que, através de celebrações
bastante regulares, ofereciam oportunidades de rompimento da reclusão (LEITE,
1997, p. 29). Acrescente-se que a mulher não participava unicamente das
cerimônias religiosas. No teatro de ópera, embora não fossem admitidas na
platéia, freqüentavam os camarotes, reprodução provisória da casa de famí
lia,
onde ficavam abrigadas (LEITE, 1997, p.60). também que se destacar que as
mulheres reclusas mencionadas pelos viajantes eram principalmente a
portuguesa
branca
de classe alta. Bem diferente era o espaço das mulheres
negras, que povoavam as ruas
do
Rio de Janeiro. Dessa forma, a rua não era o
local adequado para a mulher branca de elite, do lar, doméstica. A rua era o
domínio da escrava e também das mulheres estrangeiras e, particularmente, das
francesas.
Miriam Moreira
Leite
comenta a situação de algumas mulheres viajantes
estrangeiras
, que escreveram diários de viagem e cita Maria Graham e Ida
Pfeiffer
, ambas viúvas, que relatam as limitações dos domínios a que tinham
acesso
,
ou que lhes estavam reservados. Ainda que a condição de mu
l
her viúva e
de
meia idade lhes assegurasse uma posição menos cerceada, sempre tiveram
que recorrer à proteção, ou pelo menos, à companhia de acompanhantes
diplomáticos e compatriotas.
Nas obras de Rose de Freycinet, de Langlet-
Dufresn
oy e da Baronesa de
Langsdorff
apare
ce nitidamente a reprovação que sentiram por terem rompido a
esfera privada com a viagem. E
mbora
essas viajantes tenham transposto os
padrões impostos pela sociedade global e pela família consangüínea, realizando
a viagem (o distanciamento) e escrevendo os livros (transpondo os limites do
isolamento familiar), parecem ter incorporado, mesmo que parcialmente, o
s
padrões de gênero de seu tempo (LEITE, 1993).
Ana Lúcia Almeida Gazolla, em seu texto Mulheres à Deriva: Viajantes
Anglo
-Americanas no Br
asil
(1995),
enfatiza que a categoria mulher é construída
e, portanto, instável, ressaltando a indeterminação
e
a
recusa
a
qualquer
essencialização
e posicionalidades fixas em justaposições binárias nessa
definição
. Gazolla destaca que a produção feminina do século XIX, bem como os
vários discursos sobre essa produção, constituem um espaço de luta em que se
cruzam formulações discursivas conflitantes,
qu
e revelam as tensões que
cara
cterizaram a condição feminina n
o
período.
De acordo com a autora, a mulher
viajante é uma figura que vive on the edge, deslizando nos pontos de intersecção
cultural e se situa numa rede complexa de relações de dominação e
subordinação, assumindo posições contraditórias de sujeito, em lugares de poder
(ou falta de poder), que se encontram em processo constante de deslocamento e
mutação.
Gazzola considera que o ideal feminino do período se baseava em quatro
virtudes cardiais: piedade, pureza, submissão e domesticidade e o papel feminino
era definido pelo espaço da casa,
o que reforçava os limites
rígidos entre a esfera
pública,
e a privada, entre a casa e o espaço externo de trabalho. A construção
oitocentista do gênero é, portanto, uma ideologia restritiva, que reforçava os
padr
ões de discriminação econômica
e considerav
a anti
-naturais as mulheres que
rejeitavam os limites impostos pelo sexo, ou que, por carência, ou necessidade,
entravam no mercado de trabalho.
Todos os discursos reforçavam a redução da mulher ao espaço doméstico
e definiam sua função social de forma instrumental. A representação do sujeito
feminino era, portanto, construída em termos da família, da propriedade, e da
perpetuação da espécie. Quanto mais distante da esfera doméstica fossem suas
atividades, maior o repúdio social. Algumas profissões eram co
nsiderad
as mais
adequadas à mulher, por constituírem extensões do trabalho, na esfera
doméstica: a professora, por exemplo, apenas estenderia a outras crianças sua
atividade de educar os próprios filhos. A figura da professora não ameaça a
ideologia da domesticidade, inclusive porque, inicialmente, as aulas eram dadas
em sua casa. A passa
gem para a sala de aula pública
foi gradual.
A produção literária era considerada uma das poucas profissões
adequadas às mulheres de classe média, como escritoras ou tradu
toras,
principalmente
, pelo fato de que o trabalho podia ser desenvolvido na esfera
privada. A utilização dos pseudônimos masculinos era uma das estratégias
usadas
para evitar o confronto com as imagens de feminilidade que cir
culavam na
época, uma vez que
a
circulação das obras colocava as autoras em contato com
a esfera pública. Também na literatura de viagem,
observa
-
se
uma tensão por
partir da premissa de um deslocamento literal e simbólico da mulher e, segundo
Miriam Moreira Leite, uma “dupla documentação”, ao retratar a condição feminina
no país visitado e no país de origem.
Pode
-se então, falar em um texto feminino de viagem?
Gazolla
acredita
que uma marca de gênero na significação, tanto das viagens, quanto dos
rela
tos escritos por mulheres, e as pressões decorrentes da posição feminina
marcam uma diferença com relação à produção masculina.
As ênfases em assuntos considerados femininos, nos relatos de viagem de
mulheres viajantes, revelaram, freqü
entemente
, sua adesão aos
constrangimentos de gênero e aos comportamentos socialmente aceitos
como
femininos. Uma das marcas mais freqüentes desses padrões de feminilidade, na
narrativa das mulheres viajantes, era o interesse pela aparência e as referências
constantes às roupas apropriadas, às vestimentas, à etiqueta e ao
comportamento social inadequado das mulheres brasileiras. Assim se refere
Adèle:
Fui convidada à casa de um negociante francês para ver passar, a
procissão de
Quinta
-
feira Santa, e mais tarde a de São Jorge. Todas as
janelas da cidade, n
esses
dias, embandeiravam-se de cortinas de
damasco vermelho, azul e amarelo e, em cada janela, exibiam-se as
brasileiras em grande toalete, isto é, de vestido de seda
negra,
decotado e de mangas curtas, o pescoço e as orelhas carregados de
diamantes; perto delas, estavam seus filhos, cercados de mulatinhos, e
de negrinhos e, atrás, postavam-se as amas secas (SAMSON 2003, p.
103).
Essas observações expressam, muitas vezes, uma tendência etnocêntrica
das mulheres viajantes, ao confundirem as regras de cond
uta da cultura burguesa
da Europa, na primeira metade do século XIX, com as vivências das mulheres
brasileiras. No entanto, apesar desse etnocentrismo, como destacou Miriam
Moreira Leite (1997), as mulheres estrangeiras e escritoras parecem ter
compreendid
o as condições de vida da mulher brasileira melhor do que os
viajantes homens, pois tinham acesso à intimidade da casa das brasileiras e
conviveram com elas em diferentes situações sociais. Além de terem
contribuindo
com um duplo testemunho para a história da mulher do século XIX: as reflexões
sobre a sua condição de mulher européia e as observações sobre a mulher
brasileira.
A pesquisadora Margareth Rago, em seu trabalho sobre a sexualidade
feminina, também destaca a maneira ambígua com a qual a mulher brasileira do
século XIX era acolhida no espaço público, que a aceitava como ornamento,
acompanhante
, ou auxiliar do pai ou do marido, sempre numa posição secundária
e subordinada a deles; sua principal função era a de ser esposa e mãe. Ela era
vista como
con
sumidora, enquanto ao homem
cabia a posição de produtor.
A autora analisa o que denomina
o
mito da ociosidade e passividades da
mulher brasileira, buscando referências nas informações dos viajantes
estrangeiros
, que estiveram no país e que as representavam como
“essencialmente ociosas, más donas-
de
-casa, gordas preguiçosas que viviam
descansando nas redes, desfrutando dos cafunés de suas subordinadas.”
(RAGO, 1991, p. 58). As fazendeiras eram vistas como desleixadas e mal-
arrumadas e a burguesa, no espaço urbano, muito fútil, preocupava-se apenas
com as aparências sem nenhuma densidade espiritual ou intelectual
,
t
ratando
apenas de enfeitar-se e exibir seu status privilegiado através do corpo
;
recebiam
uma educação voltada apenas para as tarefas mais elementares da vida
doméstica, empobrecendo-lhes o espírito. Rago trata, ainda, da distinção entre
dois tipos diferentes de mulheres brasileiras; de um lado, a mulher tradicional,
reservada, fechada no lar e, de outro, a que se modernizava, no início da década
de
1860, segundo os moldes europeus de comportamento e representada
como
“fútil” e censurada pelos olhares masculinos. Segundo a autora, os próprios
viajantes reforçavam a imagem da fragilidade feminina, da vida sedentária e da
ociosidade das mais ricas, que aparentavam ser débeis e doentias, por não
fazerem exercícios físicos, evitarem que o sol lhes queimasse a pele e não serem
boas donas
-
de
-
casa.(RAGO, 1991).
Adéle
Toussaint rompeu com essa imagem recorrente da mulher brasileira
ociosa e representou as mulheres brasileiras da elite como senhoras habilidosas
que
administravam com energia inúmeras tarefas em seu lar
:
Uma das opiniões mais geralmente creditadas à dama brasileira é que
ela é preguiçosa e que não faz nada o dia inteiro. Não é bem assim: a
bras
ileira não faz nada, pois têm outros que fazem por ela; ela sente
grande orgulho em nunca ser vista exercendo qualquer tipo de
ocupação. Entretanto, quando se é admitido em sua intimidade,
podemos vê-la, de manhã, de tamancas, numa camisola de musselina,
presidindo a feitura de doces (geléias de todos os tipos), cocadas e
distribuindo
-os no tabuleiro o qual os negros e negras carregam para
vender, na cidade, os doces, as frutas, as verduras da plantação.
Depois de eles terem saído, a senhora prepara a costura que as
mulatas fazem; porque quase todas as roupas dos filhos, dos donos e
das senhoras são feitos em casa. Também guardanapos e lenços
feito
s no ponto crivo, que são feitos para a venda como o resto. Cada
um dos escravos chamado de “ganho” deve trazer a sua patroa uma
soma designada ao final de cada dia e muitos são surrados quando
retornam à casa sem o dinheiro. Isso é o que se constitui na mesa
da
das senhoras brasileiras, e lhes permite satisfazer suas fantasias.
(SAMSON, 2003,
p. 156
-
157).
Adèle
Toussaint
parece ter entendido que tal atitude não era um
a
prerrogativa feminina, mas ligava-se à desvalorização do trabalho manual na
sociedade
escravista
brasileira:
Uma
dama brasileira coraria de ser surpreendida em uma ocupação
qualquer, pois professam o mais profundo desprezo por tudo que
trabalha. O orgulho do sul americano é extremo. Todo mundo quer ser
senhor; ninguém quer servir. o se admite no Brasil, outra profissão
que não a de médico, de advogado ou de negociante atacadista
(SAMSON, 2003, p.
157).
Na perspectiva do discurso euro-
imperial,
Adéle consider
ou
que
as
mulheres brasileiras mais bem educadas eram aquelas que recebiam educação
européia, francesa ou inglesa, porém, de forma contraditória, admitia que as
brasileiras eram inteligentes
e podiam superar suas mestras européias
:
As brasileiras de hoje, educadas em colégios
franceses ou ingleses,
ali
adquiriram pouco a pouco nossos hábitos e nossa maneira de ver; de
sorte que, muito lentamente, conquistam sua liberdade. Ora, como sua
inte
ligência é muito viva, creio que em pouco tempo terão superado
seus mestres (SAMSON, 2003, p. 155).
De outro lado, é também interessante explorar as representações de Adèle
sobre as outras mulheres estrangeiras que viviam no Rio de Janeiro naquela
época
, particularmente as francesas. Robert Aldrich comenta sobre as
discriminações sofridas pelas mulheres francesas no ambiente colonial e a
respeito das normas e distinções pessoais e profissionais.
Também
Adèle
queixou
-se dos preconceitos e dos comentários masculinos quando caminhava
sozinha pelas ruas do Rio de Janeiro para ir até as casas de seus alunos, quando
era chamada de “Madame”, no sentido de cortesã. Adéle refere que nas ruas da
cidade
as mulheres brancas eram apenas as francesas e inglesas, porque as
brasileiras
, naquela época, jamais saíam sozinhas às ruas. Por esse motivo, elas
se viam
expostas a muitas aventuras, já que os brasileiros as consideravam como
cortesãs
, e a exportação de cortesãs francesas para o estrangeiro era muito
comum; os negociantes desse gênero faziam encomendas aos correspondentes
em Paris. Sendo assim, sobre as francesas, fossem casadas ou não, pesava um
estigma
que as levava a serem constantemente importunadas
,
com
cumprimentos
e olhares maldosos;
bilhetes com propostas ind
ecorosas, sem a menor cerimônia
,
por parte dos homens brasileiros
,
que circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro.
Assim sendo, as representações mais recorrentes sobre o Outro (a) negro
(a) e sobre as outras mulheres brasileiras aparecem marcadas por ambigü
idades
e ambivalências, às vezes, até mesmo por contradições, que se articulam na
multiplicidade de discursos que atravessam as suas narrativas de viagem, tais
como
o discurso euro
-imperial, o discurso romântico e o discurso racista.
3.3 PEDAGOGIAS FRAN
CESAS
Passo a examinar as pedagogias do olhar francês, particularmente, do
olhar feminino francês, os possíveis ensinamentos produzidos por essa mulher
viajante francesa no Rio de Janeiro. Os valores e normas de comportamento e
conduta que, como francesa, pretendeu ensinar aos brasileiros (as), como
padrões referenciais de cultura e civilização. Inicio com o pressuposto de que, os
possíveis ensinamentos articulados por essa viajante francesa, apresentam-
se
med
iados pelo discurso da chamada m
iss
ão c
iviliz
adora
, pelo discurso romântico
e também pelas construções de gênero da época. A seguir, acompanho as
reflexões de alguns estudiosos sobre o tema, para instrumentalizar-
me
na
interpretação das pedagogias francesas.
De acordo com o pesquisador Robert Aldrich em seu livro Greater France:
A History of French Overseas Expansion (1996), durante os séculos XVIII e XIX,
França e Inglaterra brigaram pela supremacia colonial em terras estrangeiras. A
GrãB
retanha embora tenha perdido sua grande colônia que se tornou
posteriormente os Estados Unidos da América, conquistou a Índia e a Austrália,
por volta de 1700. A França, por sua vez, conservou territórios na África e no
Pacífico, mesmo com seu império reduzido a ruínas, após Napoleão haver
perdido a batalha de Waterloo em 1815. Desde a conquista da Algéria em 1830,
até a sua descolonização em 1962, a França suportou diversas agitações
políticas internas, muitas revoluções e a passagem por vários regimes políticos.
Ness
e tempo, o país promoveu profundas mudanças econômicas e sociais,
incluindo uma revolução industrial, o surgimento de uma nova elite e um novo
proletariado, uma urbanização significativa, além de muitos outros progressos
chamados de ‘modernização’ (ALDRICH, 1996).
Segundo o autor, a expansão colonial sugeria naquela época a
superioridade cultural, moral e biológica dos europeus e a responsabilidade dos
mesmos em trazer a civilização para os incivilizados, a chamada missão
civilizadora, elevando os considerados povos inferiores ao nível dos europeus. O
autor lembra que a expansão colonial, qualquer que fosse sua forma, trazia
implícita a noção da superioridade cultural. Europeus eram considerados
superiores na Indochina, em países negros da África, Malásia e Oceania, ou seja,
onde os povos e toda a sua população não praticassem as religiões cristãs, o
legado da ciência moderna, da economia capitalista e do povo de pele branca.
Para
Norbert Elias
, o conceito de civilização expressou a consciência que o
Ocidente tinha de si mesmo, correspondendo à noção de que a sociedade
européia ocidental dos últimos três séculos se julgava superior às demais
sociedades, orgulhando-se do seu nível de tecnologia, da natureza das suas
maneiras, do desenvolvimento do seu conhecimento científico e da sua visão de
mundo. A civilização foi compreendida como um processo que se
movimenta
permanentemente para frente e o resultado era a consciência de sua própria
superioridade, como justificativa do seu domínio (Apud LISBOA,1997). De acordo
com Karen Lisboa, o conceito de civilização expressava uma visão eurocêntrica,
cuja única forma de conceber o mundo era a partir do seu próprio universo,
impondo
-se ao mundo em nome da cultura mais perfeita, que era a da raça
caucásica, a qual possuiria naturalmente uma superioridade psíquica e física em
relação aos demais povos.
Para pensar o Brasil e descrever seu “estado” na história do gênero
humano, os viajantes europeus usaram muitas vezes o termo
civilização
,
como
um movimento que ultrapassaria as fronteiras européias e se imporia ao resto
do
mund
o como uma “cultura perfeita”. Conforme a análise de Norbert Elias, o
conceito de civilização
,
para os ingleses e franceses
,
representava “o orgulho pela
importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade”. De
acordo com o autor, os europeus compreendiam a civilização como resultado de
um processo, que se movimentava incessantemente “para frente”, constituindo-
se
na consciência da sua própria superioridade. No olhar dos viajantes estrangeiros
europeus, o conceito de civilização sinalizava a possibilidade do processo
civilizador nos trópicos, apesar dos negros e mulatos que destoavam da
paisagem civilizada. O Brasil era visto pelos viajantes estrangeiros como uma
terra do porvir, um país que, conduzido pelo gênio europ
eu, entraria
no cenário da
histó
ria, afinal na ótica euro-imperial, o “verdadeiro europeu leva a sua pátria para
todos os cantos, todos os mares e todas as regiões” ( LISBOA, 1997, p.184).
A presença do homem branco nos trópicos, representando a verdadeira
humanidade
e, por isso, gozando de superioridade sobre as demais raças,
cumpria a sua missão de difundir a civilização. Esse processo, para eles, dava-
se
em razão da instalação da monarquia no país, por um lado, e, por outro, em
virtude d
e
o novo sangue europeu estar redescobrindo e transformando o re
ino
nesses trópicos. Porém, nesse esforço civilizador depararam-
se
com a própria
contradição do processo civilizador, onde a civilização pode aniquilar a natureza,
ameaçando a própria humanidade.
Robert Aldrich afirma
qu
e o colonialismo sugeriu uma cultura, uma
moralidade e uma prova biológica da superioridade européia. Os europeus
assumiram a responsabilidade de introduzir uma civilização para não civilizados, a
“missão civilizadora” e, com isso, a missão de levar a civilização para os
selvagens, a religião aos pagãos ignorantes e a modernidade aos primiti
vos.
(ALDRICH, 1996, p. 92).
Aldrich
cita como exemplo das idéias imperialistas
francesas, as idéias de Jules Ferry (1832-1893), advogado, jornalista e político
republi
cano francês, primeiro ministro em 1885, que defendeu o colonialismo e a
expansão ultramarina no parlamento francês e apresentou três motivos para tal
expansão, tendo seus argumentos firmado uma ideologia do colonialismo francês
ao final dos anos do século XIX. Ferry, que também foi Ministro da Educação
(Instruction Publique), disse inicialmente que a “exportação era um fator essenci
al
para a prosperidade pública” e defendeu que “uma nação que deseja sobreviver,
deve competir em ambos os fóruns (dentro e fora da Europa). O outro postulado
da doutrina de Ferry estava ligado ao aspecto humanitário e civilizatório. Ele
argumentava que a França teria abolido a escravidão a partir da Revolução
Francesa
, mas que somente em 1848 Paris tomou a responsabilidade de el
iminá
-
la na África. Ferry justificou a iniciativa como sendo um dever da França espalhar
a civilização nos povos estrangeiros, uma vez que era um país civilizado
(ALDRICH, 1996 p. 99). É nesse contexto, da missão civilizatória francesa no
Brasil no século XIX, que pretendo examinar as possíveis pedagogias francesas
nas narrativas de Adèle, as possíveis lições que ela, como mulher francesa nos
trópicos
, tentou ensinar
aos brasileiros/as no Rio de Janeiro.
Adèle Toussaint comenta que as francesas eram tratadas pelos brasileiros
como mulheres “fáceis” e narra um fato pitoresco de uma disputa entre um oficial
e outro brasileiro, que competiram para saber qual dos dois conquistaria uma
compatriota francesa, assunto que suscitou apostas na cidade. Para Adèle, talv
ez
o fato de as francesas rirem naturalmente e conversarem tanto quanto os
homens
, os leva
ssem a crer que fossem todas “m
adames”, mulheres negociáveis,
mesmo aquelas que, sob o sol escaldante, andavam pelas ruas da cidade,
desempenhando a função de professoras particulares, como era o caso de Adéle.
No entanto, a autora refere que, com o passar dos anos, os brasileiros parecem
ter se acostumado à presença das mulheres brancas nas ruas e afirma que esse
deve
ter sido um
dos
ensinamento
s
das fra
ncesas aos hom
ens brasileiros:
À força de pequenas lições desse gênero, os sul-
americanos
compreenderam, enfim, que mulheres que, por ir a pé, sozinhas,
ganhar a vida a ensinar sob aquele sol de fogo, não são por isso
menos honradas, e começam a não dizer mais, com aquele ar de
profundo desdém: “É uma Madame!”, porque mais de uma madame os
ensinou a viver. (SAMSON, 2003, p. 153).
Esse confronto entre os homens brasileiros e as mulheres francesas
que
circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro
,
articulava
-
se aos confli
tos entre modelos
que se constituíam como próprios ao comportamento feminino no Brasil do século
XIX e o dia-a-dia das mulheres de carne e osso, nesse caso, as professoras
fr
ancesas, que como Adèle, saíam às ruas para lecionar nas casas de seus
alunos.
O
s
anseios civilizadores de Adèle Toussaint projetaram-
se,
particularmente, contra os obstáculos representados pela escravidão e pela
condição de opressão vivida por algumas mulheres brasileiras. Um desses
momentos ocorreu na ocasião de sua visita a fazenda São José. Transcrevo o
diálogo que Adèle narrou entre ela e a mulher do administrador da fazenda e
destaco, particularmente, sua interpretação sobre os possíveis ensinamentos
morais que julgou ter proporcionado a essa jovem mulher branca brasileira:
[
Na fazenda] eu havia notado, na noite anterior, uma jovem
mulher, branca, ou, antes, amarela, de grandes olhos com olheiras, de
cabelos mal penteados, que andava descalça, vestida com uma saia
malfeita, uma criança pela mão e outra no colo, e supusera que b
em
poderia ser a mulher do administrador que, no entanto, tinha roupa
fina, um traje decente e um verniz de letras e de ciência. Ora, antes de
partir, quis tirar as coisas a limpo. (...) Resolvi então satisfazer minha
curiosidade, enquanto meus filhos comiam e nossos cavalos eram
selados, notando em seu rosto traços de profundo sofrimento:
-
Parece triste, senhora, disse
-
lhe.
-
Sou bem infeliz, senhora, respondeu ela.
-
Não é a mulher do administrador?
-
Para minha desgraça.
-
Como?
- Ele me trata indignamente. Aquelas mulatas, acrescentou ela,
apontando
-
me uma, é que são as verdadeiras senhoras da fazenda;por
elas, meu marido me cobre de ultrajes.
-
Por que suporta isso?
- Meu marido me força a receber essas criaturas até em minha
cama; e é lá, debaixo do
s meus olhos, que lhes dá suas carícias.
-
É horrível!
- Quando me recuso a isso, ele me bate e suas amantes me
insultam.
-
Como continua com ele? Abandone
-
o.
Ela olhou
-
me com profundo espanto.
-
Abandonar meu marido!,
fez ela, e como viveria?
-
Trabalhando
.
-
Não sei ganhar dinheiro; e meus filhos?
- O pai será obrigado a educá-los, mas não pode deixá-
los
mais tempo com semelhante espetáculo sob os olhos. Uma mãe não
deve tolerar que a ofendam diante dos filhos. Para que eles a
respeitem, faça
-
se respeitar.
A pobre mulher escutava-me com muita atenção, tentando
compreender abrindo os seus grandes olhos espantados.
- Isso é muito bom para as francesas, disse ela enfim, que
sabem como ganhar seu pão; mas nós, a quem não se ensinou nada,
somos obrigadas a se
r como criadas de nossos maridos.
- Pois bem, faça como quiser; mas quando tiver sofrido
bastante e sentir que esgotou suas forças, lembre-se da francesa que
passou uma noite na fazenda e vá procurá-la ela lhe dará os meios de
viver de seu trabalho. Aqui e
stá meu endereço (...)
Três meses depois, bateram à minha porta. Era a senhora
Maria, a mulher do administrador, que vinha, com um dos filhos nos
braços, pedir que cumprisse a promessa que lhe fizera, e a contratei
como empregada para fiscalizar os domésticos negros e cuidar da
roupa da casa. Meu objetivo fora alcançado, eu desenvolvera em sua
alma o sentimento da dignidade humana, e ensinara-lhe a trabalhar
para viver; reabilitara-a moralmente e a curara fisicamente. A senhora
Maria jamais me pôde esquecer, estou certa disso (SAMSON, 2003, p.
142
-
143
-
144).
Foto extraída do livro de Adèle Toussaint
-
Samson,
Uma Parisiense no Brasil,
Ed. Capivara, Rio de Janeiro: 2003, p.139.
Ao longo de sua narrativa, Adèle Toussaint revela-se um sujeito híbrido
atravessa
do
por múltiplos discursos que revelam imagens e representações
múltiplas. No que se refere aos efeitos pedagógicos das suas narrativas,
destacam
-se algumas possíveis lições que essa viajante francesa pretendeu
ensinar aos brasileiros (as). Em primeiro lugar, seu romantismo revolucionário
manifestou
-se na defesa intransigente da integridade física dos escravos,
intervindo contra os castigos corporais de escravos no Rio de Janeiro. De outro
lado, a conjunção dos discursos da missão civilizadora com o discurso de gênero
enquanto mulher reformadora social, manifestou-se pedagogicamente, na defesa
das mulheres brasileiras
,
que sofriam a opressão e a desmoralização por parte de
seus maridos, levando-a a intervir contra essas atitudes, na busca da elevação da
dign
idade e do status moral dessas mulheres. Adèle
Toussaint pretendeu também
ensinar
,
os homens brasileiros, a respeitarem a presença pública das mulheres
estrangeiras, que saiam às ruas para trabalhar e, como ela mesmo diz, com o
tempo, eles acostuma
ram
-se às suas presenças e pararam de imp
ortuná
-
las.
Ness
e sentido, se por um lado Adèle aderiu às orientações da missão civilizadora
francesa, de outro lado, suas pedagogias foram marcadas por sua própria
condição de gênero, enquanto mulher viajante, que na posição de reformadora
social, questionou os pressupostos da sociedade patriarcal brasileira da época.
3.4 ENCERRANDO OUTRA ETAPA DO CAMINHO
Encerro essa análise, repensando o processo de hibridação que a viajante
francesa Adèle Toussaint parece ter vivido, após sua estadia de quase 12 anos
no Rio de Janeiro, no final do século XIX. Talvez
sua
própria condição
ambivalente, como uma européia que participava de um projeto imperial francês,
posicionada no centro e, como mulher, na
periferia
, parece ter lhe per
mitido
relativizar as hierarquias do discurso imperial francês, questionar alguns de seus
pressupostos e, ressignificar o Brasil e a sua própria terra natal, a França. Sigo
aqui a direção apontada por Canclini, de que os estudos sobre a hibridação não
deve
m limitar-se a descrever mesclas interculturais, mas interpretá-
las
, nas suas
novas significações e relações de sentido
,
que resultem dessas mesclas.
Com relação aos relatos de viagem produzidos por mulheres no século
XIX, cabe ressaltar que as autoras, f
reqüentemente,
viram
-
se
movidas em
direções textuais contrárias, entre os imperativos do discurso euro-
imperial
e
os
discursos de feminilidade, permanentemente negociando o estatuto autoritário do
discurso
euro
-imperial e as convenções e expectativas do gênero fe
minino
socialmente definidas, com as possibilidades de transgressão desses discursos
.
Cabe salientar que as tensões e contradições discursivas funcionam como vozes
contra
-hegemônicas, gerando fissuras e inconsistências, que resultam em uma
instabili
dade
de sentido. Entretanto, para usar a metáfora de Mary Louise Pratt,
nem por isso, seus olhos deixam de ser imperiais; comparações e julgamentos
emitidos a partir de uma posição imperial
são recorrentes em seu texto.
Adèle
Toussaint mantém como referên
cia
o padrão de gosto francês e,
mesmo mostrando-se interessada em conhecer os costumes brasileiros e
aprender o português
, declara:
“não conheceu ninguém, de nenhum sexo, que lhe
lembrasse os homens e senhoras bem educados da Europa” (SAMSON, 2003, p.
150
) Nesse sentido, com frequência, Adèle reafirma, em seu texto, valores
europeus e a posição de superioridade européia, a partir da qual julga a cultura do
Outro
(a).
No entanto, por outro lado, vale destacar que os efeitos dessa participação
marginal das m
ulheres
, no empreendimento colonial, de sua posição de
submissão na sociedade patriarcal e da necessidade de aderirem, mesmo que de
forma parcial, às expectativas de feminilidade, acabam por marcar seus textos
com uma perspectiva menos assertiva e definitiva. Isso funciona como um fator
de relativização do discurso euro-imperial e produz fissuras na fixação de sujeitos
e sistemas de diferenças, como se pode observar no excerto transcrito abaixo
quando refere
-
se ao português falado no Brasil:
A língua brasileira, com todos os seus diminutivos, tem uma graça
toda crioula, e jamais a ouço sem lhe descobrir um grande encanto. A
língua mãe abastardou-se, evidentemente. Não importa! Todas as
suas denguices lhe caem bem e dão à língua brasileira um não-
sei
-
que
que seduz mais o ouvido que a pura ngua de Camões
(SAMSON, 2003, p.173).
Adèle produz novos deslocamentos de sentido no discurso euro-
imperial
, quando salienta diversas vantagens que usufruiu vivendo no
Brasil, em contraste com as limitações do modo de vida dos europeus.
O brasileiro é muito hospitaleiro. Sua mesa está aberta a todos. Em
nossos países, isso parece absolutamente principesco.No Rio de
Janeiro, nem sequer se nota. Habituada a ocupar sozinha uma grande
casa, onde podia dar hospitalidade a oito pessoas sem me constranger
,
tive muita dificuldade em me acostumar de novo à nossa vida
parisiense, tão estreita, tão luxuosa na aparência, e, no fundo, tão
apertada, onde cada bocado é contado em nossas mesas, onde se
hesita em trocar a roupa branca todos os dias, onde mesmo o ar lhe é
medido. No entanto, é nos países ricos, diziam-me, que tudo isso é
produzido”. Admito, mas então prefiro os que são chamados pobres,
onde a vida é larga, onde o ar e o sol não lhe são contados, onde não
se corta uma fruta em quatro, onde se toma banho todos os dias e
onde, por quase nada, pode-se comprar, não um pedacinho de terra,
mas léguas de país (SAMSON, 2003, p. 180).
Os relatos de viagem escritos por mulheres parecem produzir uma certa
instabilidade de significados que desloca a posição monolítica do discurso euro-
imperial.
Essa instabilidade aparece marcada pela presença de um tom mais
pessoal e íntimo, no texto das mulheres viajantes, o que contribui para que se
conforme mais
ao
s modelos aceitáveis dos papéis femin
ino
tradicionais. N
a
transcrição abaixo,
pode
-se observar
que
, em algumas passagens de seu texto,
Adèle
mostra
-se comprometida com esses papéis femininos dominantes e
representa
-
se,
a partir do espaço doméstico da sua casa, na perspectiva da
mulher
-mãe, mu
lher
-
esposa
, mulher-enfermeira que cozinha e cuida de seu filho
e marido:
Chegados havia apenas três meses, sem conhecer ninguém na cidade,
quase não vendo os parentes com os quais nos hospedáramos ao
chegar, sem médico,sem criado, com muito pouco dinheiro e um filho
de dezoito meses que eu acabara de desmamar, assim era a nossa
situação.. Meu marido teve que ficar acamado e eu o tratava como
tratava a mim mesma. Tive a felicidade de nos salvar a ambos, e
entramos em convalescença. Eu a conduzi à minha mane
ira, com caldo
gordo
no qual lançava um punhado de azedas cozidas; um pouco de
cozido e de arroz preparado na água, completavam a refeição. Graças
a esse regime, nosso estômago recuperou-se perfeitamente e depois,
toda vez que a febre amarela grassou no país, durante os doze anos
em que vivemos lá, nunca mais fomos atingidos por ela. (SAMSON,
2003, p. 94
-
95).
De acordo com Andréia Lisly Gonçalves (2006), o século XIX teria
estimulado, como em nenhuma época passada, a criação de uma série de
mecanismos de controle sobre as sensações e os sentimentos femininos. A Era
Vitoriana na Inglaterra (1837 a 1901) foi um longo período conservador, onde o
modelo do anjo do lar pôde i
mplantar
-se com facilidade e, as mulheres das
classes remediadas, tiveram a possibilidade de voltar-se inteiramente às
atividades domésticas, revalorizando o espaço privado. A época vitoriana foi um
período de valorização da família, quando o comportamento das mulheres foi
sistematizado em um sem número de manuais e códigos e o mínimo que se
esperava delas
, era que se constituíssem em verdadeiros “dragões da virtude”.
A autora segue sua análise, esclarecendo que, muitas vezes, as mulheres
eram alvos de representações idealizadas, mesmo ao desempenharem suas
tarefas cotidianas e, assim, eram apresentadas a partir de modelos construídos
pela imaginação masculina. Essa imagem feminina idealizada pelo homem
realçava as mulheres compassivas, cumprindo seus destinos de penélopes,
tecendo, bordando, fiando, em noções bastante previsíveis do que se e
sperava
do comportamento feminino. A autora destaca ainda que, com o estabelecimento
do que mais tarde seria conhecido como o “culto à domesticidade”, o papel de
dona de casa seria essencial à conservação das famílias e à perpetuação da
sociedade. A partir de então, o lar e a família passaram a ser representados em
termos naturais, e a maternidade, tornou-se a suprema realização feminina.
(GONÇALVES, 2006, p.37
-
42).
Outra marca do relato de viagem de Adèle Toussaint o as referências
irônicas aos textos dos viajantes do sexo masculino, cujas observações ela
questiona
, “se eles te[riam] razão” e, até mesmo Humboldt é criticado por
interpretar incorretamente a realidade estrangeira. Observo também um
deslocamento de sentido nos relatos de viagem de Adèle, quando comparados
aos dos viajantes estrangeiros, com relação à escravidão no Brasil. Atravessada
pelo discurso romântico, humanitário e reformista, Adèle criticou a representação
de uma escravidão amena e branda no Brasil e salientou os maus tratos a
os
escra
vos.
No que diz respeito às representações do outro negro (a)
,
a narrativa de
viagem de Adèle Toussaint expressa uma ambivalência entre posições
etnocêntricas e racistas e uma posição romântica humanitária e abolicionista. Os
condicionamentos do gênero fe
minino,
particularmente o papel da missão
reformado
ra e moralizadora das mulheres, permitiu que Adèle se aproximasse
das mulheres e interviesse a seu favor, tanto no caso de forçar a suspensão de
aplicação de castigos corporais nas escravas, como na defesa da dignidade da
mulher branca humilhada pelas traições e pelo desrespeito do marido. Adèle
dialoga com elas, quer ouvi-las, como no diálogo com a escrava que fora punida
na fazenda e com a mulher do administrador da fazenda.
Sendo assim, é importante sublinhar que não interpreto o processo de
interpenetrações culturais vivenciado por Adèle Toussaint, no Brasil, na
perspectiva de um testemunho somente eurocêntrico, fixo, imutável, sem
contradições
. Ao contrário, busco traduzir os possíveis ensinamentos desse Olhar
francês, articulados aos deslocamentos que o eurocentrismo da autora sofre e
que
transforma sua visão sobre o “incivilizado mundo dos trópicos” e sobre seus
próprios conceitos. Também na representação da alteridade, apesar de uma
relativização limitada, ressalto a identificação do olhar da viajante francesa Adèle
Toussaint a uma posição de superioridade cultural. Há uma lealdade entre a
mulher viajante e o ideal civilizatório herdado do Iluminismo, associado aos
projetos de expansão eurocêntrica. Logo, toda viagem envolve um
remapeamento, uma realocação de fronteiras, uma negociação entre a casa e o
lugar distante, entre a própria cultura e a cultura do Outro. Parece que a viagem,
assim
como a escrita, representam para a mulher uma forma de dissidê
ncia.
Conforme Ana Lúcia Gazzola (1995), nesse lugar híbrido, liminar, fronteiriço, o
olhar feminino desliza, ao mesmo tempo cúmplice e resistente, ancorado e à
d
eriva, enraizado e deslocado, “
estrangeiro a si mesmo”.
É nesse sentido
que
encerro provisoriamente minha análise, com alguns
depoi
mentos de Adéle Toussaint, após retornar à França, quando
revela um certo
desencantamento com a civilização européia e uma nostalgia das vivências no
Brasil
:
Contudo, muitas surpresas e muitas desilusões me aguardava
m
no
regresso.
Meu país, que permanecera tão belo na minha lembrança, pareceu-
me
estéril, triste, cinzento, em comparação com aquele que acabava de
deixar. Quando avistei da janela do vagão nossos campos recortados
em pequenos canteiros de toda cor, aquilo me causou o efeito de
tapetes caseiros costurados uns aos outros. Longe de extasiar-
me
(como talvez devesse fazê-lo) com a cultura dessa terra [a França],
cujo menor canto é semeado e produz, aquilo me chocou e me pareceu
de uma mesquinharia inaudita.
Est
e país, onde nem uma polegada de
terreno era perdida, onde nada era dado, onde a menor parcela de
terra era comprada, apertava-me o coração contra a vontade
(SAMSON, 2003, p.179).
Quantas vezes lamentei a perda daqueles imensos horizontes que
engrandecem
a alma e o pensamento; meus banhos de mar ao luar na
praia fosforescente;minhas corridas a cavalo na montanha; aquela baía
esplêndida, para a qual davam as janelas de minha habitação e onde, à
noite, barcos de pescadores passavam agitando suas tochas sobre as
ondas! (SAMSON, 2003, p. 180).
Como quer que seja, adquiri a convicção de que, quando se viveu em
um país banhado de sol, não se pode mais viver em outra parte, e de
que, quando a alma impregnou
-se fortemente da presença das grandes
obras de Deus, não se pode mais compreender a vida factícia de
nossas cidades. É isso que faz com que eu sempre tenha saudade,
como dizem os brasileiros, da América do Sul e que desejasse revê-
la
mais uma vez antes de morrer (SAMSON, 2003, p. 181).
Como avaliarmos esses ex
certos?
Possível crítica da viajante francesa ao
processo civilizador? Possível nostalgia romântica de uma sociedade
primitiva
mais feliz? Essas questões permanecem em aberto, sem respostas definitivas.
Aponto, provisoriamente, que as representações culturais de Adéle Toussaint-
Samson, sobre si e sobre o Outros (as), assim como os efeitos pedagógicos das
suas narrativas, aparecem articuladas a uma encruzilhada discursiva, que
atravessa e marca seus relatos de viagem, produzindo múltiplas representações e
fissuras nas significações dos discursos hegemônicos, que mediaram seu texto e
que estarão sempre sendo renegociados, a cada nova leitura.
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jan/jun 2004.
ANEXO A
Poema
O Escravo
, de Fagundes Varela
O Escravo
Fagundes Varela
Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
Cujo dedo imortal
Gravou
-
se sobre a testa bronzeada
O sigilo fatal!
Dorme! Se a terra d
evorou sedenta
De teu rosto o suor,
Mãe compassiva agora te agasalha
Com zelo e com amor.
Ninguém te disse adeus na despedida,
Ninguém chorou por ti!
Embora! A humanidade em teu sudário
Os olhos enxugou!
A verdade luziu por um momento
De teus irmãos à grei
:
Se vivo foste, escravo, és morto...livre
Pela suprema lei!
Tu suspiraste como hebreu cativo
Saudoso do Jordão,
Pesado achaste o ferro da revolta,
Não o quiseste, não!
Lançaste
-
o sobre a terra inconsciente
Do teu próprio poder!
Contra o direito, contra a
natureza,
Preferiste morrer!
Do augusto condenado as leis são santas,
São leis porém de amor:
Por amor de ti mesmo e dos mais homens
Preciso era o valor...
Não o tiveste! Os ferros e os açoites
Mataram
-
te a razão!
Dobrado cativeiro! A teus algozes
Dobrada
a punição!
Por que nos teus momentos de suplício,
De agonia ede dor,
Não chamaste das terras Africanas
O vento assolador?
Ele traria a força e a persistência
À tu’alma sem fé,
Nos rugidos dos tigres de Benguela,
Dos leões de Guiné!...
Ele traria o fogo dos
desertos,
O sol dos areais,
A voz dos teus irmãos viril e forte,
O brado dos teus pais!
Ele te sopraria às moles fibras
A raiva do suão
Quando agitando as crinas inflamadas
Fustiga a solidão!
Então erguerás resoluto a fronte,
E grande em teu valor,
Mostr
arás que em teu seio ainda vibrava
A voz do Criador!
Mostrara que das sombras do martírio
Também rebenta a luz!
Oh! Teus grilhões seriam tão sublimes,
Tão santos como a cruz!
Mas morreste sem lutas, sem protestos,
Sem um grito sequer!
Como a ovelha no alta
r, como a criança
No ventre da mulher!
Morreste sem mostrar que tinhan’alma
Uma chispa do céu!
Como se um crime sobre ti pesasse!
Como se foras réu!
Sem defesas, sem preces, sem lamentos,
Sem círios, sem caixão,
Passaste da senzala ao cemitério!
Do lixo à
podridão!
Tua essência imortal, onde é que estava?
Onde as leis do Senhor?
Digam
-
no o tronco, o látego, as algemas
E as ordens do feitor!
Digam
-
no as ambições desenfreadas,
A cobiça fatal,
Que a a eternidade arvoram nos limites
De um círculo mortal!
Digam
-
no o luxo, as pompas e as grandezas,
Lacaios e brazões,
Tesouros sob o sangue amontoados,
Paços sobre vulcões!
Digam
-
no as almas vis prostitutas,
O lodo e o cetim,
O demônio do jogo, a febre acesa
Em ondas de rubim!...
E no entanto tinhas um destino,
Uma v
ida , um porvir,
Um quinhão de prazeres e venturas
Sobre a terra a fruir!
Eras o mesmo ser, a mesma essência
Que teu bárbaro algoz;
Foram seus dias de rosada seda,
Os teus de atros retrós!...
Pátria, família, idéias, esperanças,
Crenças, religião,
Tudo mat
ou
-
te em flor no íntimo d’alma,
O dedo da opressão!
Tudo, tudo, abateu sem dó, nem pena!
Tudo, tudo, meu Deus!
E teu olhar à lama condenado
Esqueceu
-
se dos céus!...
Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
Cuja cifra imortal,
Selando
-
te o sepulcro, abriu
-
te os o
lhos
À luz universal!
ANEXO B
O documento apresentado neste anexo refere-se a uma carta, escrita de próprio
punho, por Adèle Toussaint-Samson, no ano de 1881, tendo retornado à
França, seu país de origem. A viajante francesa escreve à Condessa de Barral,
preceptora das princesas imperiais Izabel e Leopoldina, filhas do Imperador D.
Pedro II, com quem travara conhecimento, ao freqüentar a Corte, no Rio de
Janeiro, durante o tempo que morou na cidade. A pesquisa de localização do
documento foi realizada por mim, nos arquivos históricos do Museu Imperial de
Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 2008.Transcrevo a seguir, a tradução da carta.
2 de junho de 1881
Cara Senhora,
Conhecendo o afetuoso interesse que vós sempre quisestes me demonstr
ar,
venho vos anunciar que a Académie Française honrou meu livro: Les chemis
de la
vie
com um prêmio chamado Mombine, no valor de mil francos. O prêmio
da
Académie,
que nos um destaque literário, vai ajudar muito na minha
carreira e nada poderia me se
r mais agradável.
Desejei todas as semanas ir eu mesma saber notícias do Sr. Conde de
Barral, mas me faltou absolutamente o tempo para fazê-lo. Eu estaria,
entretanto, muito desejosa de tê
-
las e vós seríeis muito amável, em dá
-
las.
Queira receber, cara senhora, a expressão de meus melhores sentimentos e
rogo
-
lhe que faça chegar minhas lembranças ao vosso filho.
Vossa tão devotada
Adéle Toussaint
ANEXO C
O documento reproduzido no Anexo D foi encontrado durante a pesquisa da
autora ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Casa Real e Imperial Mordomi
a
mor, Caixa 16, pac 3 doc. 45, em 2008. Ofício de José Liberato Barbosa,
Ministro dos Negócios do Império, a Paulo Barbosa da Silva, comunicando-
lhe
a permissão concedida pelo Imperador para Jules Toussaint, mestre de dança
de Sua Alteza Imperial, voltar a residir na França, enquanto não fosse
necessária sua presença na Corte.
Concede
-lhe ainda o pagamento de sua
remuneração por inteiro, durante o tempo em que estivesse fora,
conforme
portaria de 10 de novembro de 1864.
ANEXO D
Folha de rosto da edição original do livro Une Parisienne au Brésil, de Adèle
Toussaint
-
Samson, publicado em 1883, pelo editor Paul Ollendorff, Paris.
ANEXO E
Capa e folha de rosto do livro Uma Parisiense no Brasil, de Adèle Toussaint-
Samson, publicado em 2003, pela editora Capivara, Rio de Janeiro. Traduzido
do original francês por Maria Lucia Machado, com prefácio de Maria Ines
Turazzi. EsSa foi a publicação utilizada para a realização do presente
trabalho de dissertação.
ANEXO F
Folha
de rosto da e
diç
ão do l
iv
ro Uma Parisiense no Brasil, de Adèle
Toussaint
-
Samson
, p
ublicado em 2003, pela Editora Capivara, RJ.
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