todas essas cenas de barbárie, o meu coração se revoltava e uma
raiva tomava conta de mim e eu me sentia constrangida por não gritar
a palavra “carrasco” para todos aqueles homens que praticavam o
tráfi
co humano assim como eu tinha feito com a espanhola. Mal
conseguira acalmar-me e, alguns passos adiante encontrava um pobre
negro usando uma máscara de ferro. Essa era a punição para o
alcoolismo há 12 ou 15 anos. Os que bebiam eram condenados a usar
uma máscara de ferro, que era colocada na parte detrás da cabeça por
meio de uma corrente e que era apenas removida durante as refeições.
Não se pode avaliar a impressão causada por estes homens com
máscaras de ferro nas cabeças. Era assustador! E imagine que s
uplício
naquele calor dos trópicos! Os que tinham fugido eram amarrados por
uma perna a um poste; outros carregavam um colar de ferro nos seus
pescoços, um tipo de canga, como aquelas colocadas nos bois; outros
eram enviados para a “Correção” onde após estarem amarrados a um
poste, seriam chicoteados quarenta, cinqüenta ou mesmo sessenta
vezes. Quando o sangue corria, parava-se; colocavam vinagre nas
feridas e, no dia seguinte, começava tudo de novo. (SAMSON, 2003,
p.98
-
99).
Na primeira oportunidade que a família Samson teve de conhecer o interior
do país, mudança de ares sugerida por prescrição médica, foram visitar uma
fazenda chamada São José, perto da cidade de Mauá, onde conv
iveram próximos
aos escravos e às senzalas. Adèle Toussaint relata que foi então que teve a
dimensão das misérias da escravidão e representa-se chocada pelos maus tratos
infligidos aos escravos, no fragmento a seguir:
Numa noite de sábado, numa fazenda na Província do Rio de Janeiro,
o dono da propriedade disse ao capataz, “chama os negros para uma
reza”... A chamada do proprietário fez com que se visse uma multidão
de fantasmas, cada um saindo de sua cabana, um tipo de cabana feita
de argila e lama, com folhas de bananeira secas que serviam de
telhado onde a água penetrava quando chovia, onde o vento soprava
de todos os lados e de onde se via uma fumaça horrível quando os
negros preparavam a refeição porque a cabana não tinha nem
chaminé, nem janelas de forma que o fogo era feito de vara verde,
aceso no centro da cabana. Os negros cruzavam o pasto e subiam os
dois lances de escada até a varanda onde um tipo de armário tinha
sido aberto, formando um altar em um dos cantos. Esse momento
expunha as misérias da escravidão em todo o seu horror e feiúra. As
mulatas cobertas de trapos, outras meio despidas, tendo um lenço
amarrado as suas costas e peito, que mal tapava as suas gargantas e
uma saia de algodão, que através das rendas, mostrava os seus
corpos fracos e magros; alguns negros, com uma aparência parda e
meio apalermados, chegavam e se ajoelhavam nas lajes de mármore
da varanda. A maioria carregava nos ombros a marca das cicatrizes
que o chicote tinha infligido; vários estavam acometidos de doenças
horríveis tais como elefantíase ou lepra. Tudo isso era muito sórdido,
repulsivo e chocante. A visão daquelas misérias e daqueles
sofrimentos, e aquele grito de desespero que me parecia elevar-se até
Deus, tudo aquilo era espantoso e de uma horrível beleza, mesmo do
ponto de vista artístico
.” (SAMSON 2003, p.120).