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respeitáveis, tais como Emygdio, Raphael, Fernando Diniz, Carlos,
Isaac, Octávio e outros? Como preservar suas obras, como proteger
esses seres por vezes de grande talento, mas frágeis, muito frágeis
mesmo, assegurar-lhes um futuro menos incerto, menos trágico? Daí
nasceu com eles a idéia de museu. Mas que museu? Uma coleção
de belos quadros pendurados à parede, com salas contíguas para
serem apreciadas? Não. Os criadores de arte, os seus produtos não
podem ser dispersos. O museu tem de ser também uma instituição,
uma casa que os abrigue. Mas que não seja uma dessas “colônias”
de doidos por aí, verdadeiro depósito de homens insanos aos quais a
sociedade já renunciou aceita-los como tais, embora lá os retenha
[...]. O museu que a doutora Nise batizou, com sua habitual precisão,
Museu de Imagens do Inconsciente, tem por isso mesmo de
completar-se numa comunidade. Tem que ser realmente uma
comunidade da qual, ao contrário da teoria hoje prevalecente no
campo da psiquiatria, não se pode afastar de lá os doentes. O que,
ao contrário, a experiência crua tem demonstrado é ser
absolutamente necessário criar-se, com essa autêntica comunidade,
uma ambiência que lhes faça a ela afluírem os doentes e não dela
fugirem.
No momento em que o processo mundial de globalização enfraquece os laços
identitários das comunidades e grupos sociais mais vulneráveis, a atuação do Museu
de Imagens do Inconsciente mantém-se no sentido de preservar o espaço onde o
discurso da loucura e de seus portadores não é silenciado, onde não se tem medo do
inconsciente: “o complexo e versátil mundo do Museu só se desvela inteiramente para
aqueles que não sentem medo” (Scheiner, 1998, p. 93).
Isso nos leva à conclusão: O Museu de Imagens do Inconsciente é um museu
especial, “um museu da paixão, que toca o homem profundamente, elevando-o às
alturas ou fazendo-o enfrentar o abismo [...]. Que apresenta as entranhas do homem,
e não apenas a superfície, que fala da luta e do medo, da dor e da coragem, do
sangue e das lágrimas, da angústia e do riso [...] que não suporta o meio termo, a
conciliação, a mediocridade travestida em virtude [...]. Um museu vinculado à estética
da criação como ontológica, cuja beleza é intensiva e se dá na relação, povoada de
afetos” (Scheiner, 1998, p. 93).
Mário Pedrosa dizia ser o MII “mais que um museu, pois se prolonga de interior
a dentro, até dar num ateliê onde artistas em potencial trabalham, fazem coisas, criam,
vivem e convivem [...]” (Pedrosa, 1980, p. 10). O afeto, um dos eixos principais do
trabalho da Dra. Nise da Silveira, gera e é gerado por esse convívio que envolve os
freqüentadores do ateliê, as obras que já foram criadas e estão nas galerias e nos
arquivos do museu, os técnicos e funcionários da instituição, o público visitante, os
animais, e tudo isso retroalimenta a criação que acontece a todo momento: de
repente, irrompe um usuário lendo poemas em voz alta; outro manifesta
veementemente delírios incompreensíveis; um terceiro mostra seu trabalho recém-
criado. Nesse processo, todos são envolvidos: ninguém fica impune.