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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PPGEO
IVANA LÚCIA SARMENTO MACIEL
O MANGUE COMO UNIDADE GEOGRÁFICA DE ANÁLISE: O ESPAÇO DE
VIVÊNCIA E PRODUÇÃO COMUNITÁRIA NOS MANGUEZAIS DA
COMUNIDADE DE JUTAÍ NO MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE
ODIVELAS - PA.
Belém- Pará
-2009-
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PPGEO
Ivana Lúcia Sarmento Maciel
O MANGUE COMO UNIDADE GEOGRÁFICA DE ANÁLISE: O ESPAÇO DE
VIVÊNCIA E PRODUÇÃO COMUNITÁRIA NOS MANGUEZAIS DA
COMUNIDADE DE JUTAÍ NO MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE
ODIVELAS-PA.
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduação em Geografia (PPGEO) da
Universidade Federal do Pará, como parte
dos requisitos para a obtenção do título de
Mestre em Geografia.
Orientador: Gilberto Miranda Rocha
Co-orientadora: Marília Ferreira Emmi
Belém- Pará
-2009-
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PPGEO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
Ivana Lúcia Sarmento Maciel
O MANGUE COMO UNIDADE GEOGRÁFICA DE ANÁLISE: O ESPAÇO DE
VIVÊNCIA E PRODUÇÃO COMUNITÁRIA NOS MANGUEZAIS DA
COMUNIDADE DE JUTAÍ NO MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE
ODIVELAS - PA.
Aprovada em 31/03/2009
Conceito: EXCELENTE
Banca Examinadora
____________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto de Miranda Rocha - Orientador
____________________________________________________
Profa. Dra. Marilia Ferreira Emmi - Co-orientadora
_____________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Nazaré Martins Maciel Examinadora Externa
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alexandre Leão Bordalo Examinador Interno
4
Dedico este trabalho e toda a minha vida ao Único e
Verdadeiro Deus, capaz de mover us e terra por
minha causa e que tem feito da minha vida um
verdadeiro milagre. A Ele toda honra, toda a glória e
todo o louvor.
5
AGRADECIMENTOS
Fazer agradecimentos não é uma tarefa fácil, pois o risco de cometer
injustiças é muito grande, e simplesmente dizer um “muito obrigado” é muito
pouco diante da imensidão do “mar de pessoas” que colaboraram para que este
estudo fosse possível.
A Deus, que criou todas as possibilidades para que um grande sonho se
torna-se realidade na minha vida. Senhor, os milagres na minha vida são obras
das Tuas mãos, Tu és o Deus da minha vida, e eu nada conseguiria se Tu não
estivesses comigo.
Aos meus amados pais pelo amor e dedicação, estiveram sempre em
minha retaguarda (“precisa se alimentar!, “não pode ficar sem dormir!”)
incentivando-me e amparando-me em todos os momentos da minha vida. Muito
obrigada, sei o sacrifício que vocês passaram para que eu pudesse chegar até
aqui. Amo vocês!!!
Ao grande amor da minha vida, meu companheiro e meu amigo. Você é um
exemplo de esposo, um presente de Deus na minha vida. Obrigada por incentivar
todos os meus sonhos e por me fazer acreditar que sou capaz de transformá-los
em realidade. Te amo, você é simplesmente maravilhoso!!!
Em especial a Professora e amiga, Maria de Nazaré Maciel, por suas
incansáveis leituras e correções, (“não entendi!!”, “o que você quis dizer com
isso?”, “você pode fazer melhor!!”) por sua amizade, força e exemplo, me
incentivando e ensinando a descobrir o caminho da pesquisa, com muita
responsabilidade e respeito na construção deste trabalho, e por acreditar que ele
poderia render bons frutos. Você foi um presente de Deus em todos os momentos
deste trabalho.
Ao professor Gilberto Rocha, meu orientador, meu respeito, apreço e
minha gratidão pelas incansáveis sugestões.
A professora Marília Emmi, minha co-orientadora, pela colaboração e
incentivo durante o trabalho.
Ao coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia e membro
da banca, professor Carlos Bordalo.
Ao Programa de s-Graduação em Geografia (PPGEO/UFPA), e todos os
que compõe esse programa.
6
A Secretaria Executiva de Estado de Educação (SEDUC), pela licença e
pela concessão da Bolsa-Mestrado cujo apoio financeiro foi fundamental para a
realização deste trabalho.
A Dr. prof. Maria Goreth, por me incentivar a participar da seleção de
mestrado em Geografia.
Ao professor Edinaldo Lobato, por me levar pela mão para fazer a inscrição
no mestrado. Muito Obrigada!
A minha vó Ninita, a mulher da minha vida, um anjo do Senhor que
atravessou o meu caminho, a mulher mais nobre e sábia que conheci. Te amo
vó!
Ao meu tio que sempre esteve a minha volta, me amparando em toda a
minha vida acadêmica, sendo muitas vezes meu companheiro de estrada para
que eu não viajasse sozinha. Obrigada por tudo, nunca esquecerei tantos gestos
de amor e por ser verdadeiramente meu segundo pai.
As minhas queridas tias Edima, Maria e Norma pelo seu carinho e cuidado
em todos os momentos da pesquisa de campo se preocupando sempre com
todos os detalhes e dedicando a mim um amor incomparável. Vocês são as
melhores tias do mundo!!! Amo vocês!
Ao Ademar, Necy, Rodrigo e Vitória, que estiveram comigo em todos os
momentos da pesquisa de campo me amparando com sua ajuda e amor. Vocês
são muito especiais pra mim, não tenho palavras para agrade-los. Vivi, você é
uma grande pesquisadora!
Aos meus sobrinhos Rodrigo e Marcelo que aprenderam a usar o GPS
pra me ajudar. Vocês são uns fofos!!!
A minha irmã Ielma e seu esposo Adanildo por colaborarem comigo de uma
forma tão amorosa. Ielma obrigada pelo computador. Amo Vocês Todos!!!
A japonesinha Bia, minha sobrinha, pelas noites sem dormir, enquanto a
sua mãe corrigia o trabalho. A despedida era sempre um alívio (TCHAU!
OBAAAA!!!).
As minhas crianças Carol, Davi, Juliana, Jeovana, Beatriz, Vini e em
especial, ao bebê mais lindo do mundo, Daniel. Amo muiiito vocês!!!
Ao casal Ivan e Taty, pelo carinho de compartilharem algumas experiências
na comunidade. Obrigada irmão e cunhada!!!
7
Ao futuro Pastor Elton Sarmento. Suas orações movem o coração de Deus.
Obrigado por sempre estar disposto a nos ajudar, sei que posso contar com você.
Obrigada paizinho!!! Te amo.
Ao meu tio Dina, que de uma forma muito amorosa, sempre sedia a moto
para que eu pudesse chegar nas comunidades de difícil acesso. Quero que você
saiba que você é um exemplo de amor e humildade na minha vida.
A toda a minha família que de forma direta ou indireta sempre compartilhou
dos meus sonhos e realizações.
Aos amigos de mestrado, Ronaldo Braga, Rogério Miranda, Márcio
Benassuly, pelo incentivo e carinho na construção deste trabalho e especialmente
ao amigo Alison Castro, pela colaboração na construção dos mapas e pela sua
amizade.
A minha querida pastora Suely Wadi, pelo carinho e principalmente por ser
minha cobertura espiritual sempre!!!
A Colônia de Pescadores Z-4, na figura do seu presidente Walter Fonseca.
A Sheyla e Riso, que me ajudaram na confecção dos gráficos e fluxograma. A
vocês e toda a sua família meu muito obrigado.
A Jamile, minha prima do coração, sempre presente nos meus trabalhos
acadêmicos, fazendo as traduções para o inglês. Te amo prima!
Ao seu Avezito, marreteiro ligado a comunidade do Jutaí. Obrigada pela sua
preciosa ajuda.
Finalmente, a todos os moradores da comunidade do Jutaí, pessoas simples
que me ajudaram de muitas formas na realização deste trabalho. Em especial aos
amigos: seu Edson, seu Catarino, seu Aldo, seu Lito e dona Orlandina.
Muito obrigada a todos!
Ivana Lúcia Sarmento Maciel.
8
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES....................................................................................10
LISTA DE TABELAS.............................................................................................13
RESUMO...............................................................................................................14
ABSTRAT..............................................................................................................15
INTRODUÇÃO.......................................................................................................16
ÁREA DE ESTUDO...............................................................................................20
METODOLOGIA....................................................................................................22
CAPÍTULO - USO DOS MANGUEZAIS E APROPRIAÇÃO DOS SEUS
RECURSOS
1.1 - O MANGUEZAL COMO AMBIENTE. ...........................................................26
1.2 USO E APROPRIAÇÃO DO MANGUEZAL PELAS COMUNIDADES. .......30
2º CAPÍTULO - O MANGUEZAL E AS COMUNIDADES DO MUNICÍPIO DE SÃO
CAETANO DE ODIVELAS-PA.
2.1 O MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS.....................................34
2.2 O MANGUEZAL DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS COMO ESPAÇO DE
PRODUÇÃO. ........................................................................................................42
2.3 - DINÂMICAS ESPACIAL DE COMERCIALIZAÇÃO DO CARANGUEJO NO
MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS..................................................51
3º CAPÍTULO MANGUEZAL DA COMUNIDADE DO JUTAÍ: ESPAÇO DE
VIVÊNCIA E PRODUÇÃO COMUNITÁRIA
3.1 ABORDAGEM SOCIOESPACIAL DA COMUNIDADE DO JUTAÍ................54
3.1.1 Perfil Socioeconômico dos Tiradores de Caranguejo da Comunidade do
Jutaí.......................................................................................................................62
3.2 O USO DOS ESPAÇOS E DOS RECURSOS NA COMUNIDADE DO
JUTAÍ.....................................................................................................................74
3.3 CNICAS DE EXTRAÇÃO DE CARANGUEJO NO MANGUEZAL DA
COMUNIDADE DO JUTAÍ.....................................................................................86
3.4 - DINÂMICA ESPACIAL DE PRODUÇÃO DE CARAGUEJO DA
COMUNIDADE DO JUTAÍ.....................................................................................92
3.4.1 Dinâmica de Captura de Caranguejo dos Tiradores da Comunidade do
Jutaí.......................................................................................................................94
3.4.2 - Dinâmica de Comercialização de Caranguejo a partir da Comunidade do
Jutaí.....................................................................................................................104
9
CONCLUSÃO......................................................................................................109
REFERÊNCIAS...................................................................................................113
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Localização da área de estudo...............................................................19
Figura 2: manguezais do município de São Caetano de Odivelas........................26
Figura 3: Mapa de localização das comunidades do município de São Caetano de
Odivelas - PA.........................................................................................................38
Figura 4: Áreas de manguezal do município de São Caetano de Odivelas...........42
Figura 5: Mapa das Principais Atividades Econômicas Desenvolvidas no Município
de São Caetano de Odivelas - PA.........................................................................46
Figura 6: Pequeno ancoradouro dentro dos manguezais localizados no município
de São Caetano de Odivelas - PA.........................................................................50
Figura 7: Tiradores de caranguejos nos manguezais do município de São Caetano
de Odivelas - PA....................................................................................................50
Figura 8: Distribuição por sexo da população da Comunidade do Jutaí, município
de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................................54
Figura 9: Tipos de habitações encontradas na Comunidade do Jutaí, município
de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................................55
Figura 10: Tipos de Habitação na comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas, Estado do Pará...................................................................56
Figura 11: Vista de fossa negra típica da comunidade de Jutaí, no município de
São Caetano de Odivelas - PA..............................................................................57
Figura 12: Vista de um poço típico da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA......................................................................................58
Figura 13: Amostra da água consumida na comunidade do Jutaí, localizada no
município de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................58
Figura 14: Vista da única escola da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA......................................................................................60
Figura 15: Vista do interior da escola da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas PA.....................................................................................60
Figura 16: Campo de Futebol da comunidade do Jutaí, município de São Caetano
de Odivelas - PA....................................................................................................61
Figura 17: Distribuição percentual dos tiradores de caranguejo entrevistados
quanto à idade na Comunidade do Jutaí, no município de São Caetano de
Odivelas - PA.........................................................................................................63
11
Figura 18: Número de filhos dos tiradores de caranguejos da comunidade do
Jutaí, município de São Caetano de Odivelas - PA...............................................64
Figura 19: Escolaridade dos tiradores de caranguejo da comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................64
Figura 20: Inserção dos tiradores de caranguejos da Comunidade do Jutaí
município de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................66
Figura 21: Crianças brincando nos manguezais da comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas - PA.........................................................67
Figura 22: Distribuição Percentual de Tiradores de Caranguejos quanto à renda
mensal, Comunidade do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas-PA.........68
Figura 23: Comunidade do Jutaí, localizada no município de São Caetano de
Odivelas - PA.........................................................................................................74
Figura 24: Técnica utilizada para a extração de turu na comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................76
Figura 25: Turu no tronco da árvore nos manguezais da comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas-PA...........................................................77
Figura 26: morador da comunidade do Jutaí, no município de São Caetano de
Odivelas-PA, lavando turu para retirar a lama do manguezal...............................77
Figura 27: Ostra dos manguezais da comunidade do Jutaí, no município de São
Caetano de Odivelas-PA........................................................................................80
Figura 28: Caranguejo dentro do mangue e caranguejos prontos para
comercialização na Comunidade do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas
- PA........................................................................................................................82
Figura 29: Caranguejo toc-toc e o casquinho de caranguejo, culinária da
comunidade do Jutaí, localizada no município de São Caetano de Odivelas-
PA..........................................................................................................................83
Figura 30: Atividades produtivas durante o ano na comunidade do Jutaí, município
de São Caetano de Odivelas - PA.........................................................................85
Figura 31: Técnica do braço, encontrada nos manguezais do município de São
Caetano de Odivelas-PA........................................................................................87
Figura 32: Técnica de tapagem, no mangue da comunidade do Jutaí, município de
São Caetano de Odivelas - PA..............................................................................88
Figura 33: Técnica do Laço, utilizada na comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas- PA.......................................................................................89
12
Figura 34: Técnicas de coleta utilizadas pelos tiradores de caranguejo na
Comunidade do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas - PA.....................90
Figura 35: Fluxograma da dinâmica de produção de caranguejo da comunidade
do Jutaí, no município de São Caetano de Odivelas - PA.....................................93
Figura 36: Tirador de caranguejo da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA, se preparando para adentrar o mangue.....................95
Figura 37: Tirador de caranguejo da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA, produzindo seu cofo, para transportar caranguejos no
manguezal..............................................................................................................95
Figura 38: Tipo de alimentação consumida pelos tiradores dentro dos manguezais
da Comunidade do Jutaí, Município de São Caetano de Odivelas -
PA..........................................................................................................................96
Figura 39: Tirador de caranguejos em sua canoa de madeira, no canal que liga o
manguezal da comunidade do Jutaí, Município de São Caetano de Odivelas -
PA..........................................................................................................................96
Figura 40: Tirador de caranguejos na baixa-mar, nos manguezais da comunidade
do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas - PA. ........................................97
Figura 41: Tirador de caranguejos dentro dos manguezais da comunidade do
Jutaí, na ma de águas mortas, município de São Caetano de Odivelas -
PA..........................................................................................................................98
Figura 42: Ciclo de vida anual do caranguejo (U. cordatus), comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas - PA.......................................................101
Figura 43: Caranguejos prontos para serem comercializados na comunidade do
Jutaí, município de São Caetano de Odivelas PA............................................105
Figura 44: Caranguejos do manguezal da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas, sendo transportados para a capital, Belém-PA................106
13
LISTA DE TABELAS
Tabela1: População, área e densidade demográfica1980/1991/1996/2000/
2007, do município de São Caetano de Odivelas, Pará........................................35
Tabela 2: População Urbana de São Caetano de Odivelas PA, no período de
1970 a 2000...........................................................................................................36
Tabela 3: População Rural - São Caetano de Odivelas PA, no período de 1970
a 2000....................................................................................................................37
Tabela 4: Estoque de emprego segundo setor de atividade econômica no período
de 1999-2005, no município de São Caetano de Odivelas, Pará..........................39
Tabela 05: Profissionais matriculados na Colônia de Pescadores até 2008 (sede
municipal) no município de São Caetano de Odivelas - PA..................................40
Tabela 6: Principais atividades econômicas das Comunidades de São Caetano de
Odivelas.................................................................................................................47
Tabela 7: Tiradores de Caranguejos, associados na Colônia de Pescadores no
período de 1990 até 2007 (sede municipal)...........................................................70
Tabela 8: Período de Defeso do Caranguejo, ano 2009........................................72
14
RESUMO
Os mangues são ecossistemas costeiros de fundamental importância, o só pelo fato de
servirem de abrigo para um grande número de espécies de peixes, crustáceos e moluscos, mas
também por ser o principal meio de subsistência para as comunidades que vivem diretamente
desses recursos. O Estado do Pará possui 40.000 ha de mangue, dos quais 4.500km encontram-
se no Município de São Caetano de Odivelas, no nordeste paraense, que tem na extração do
caranguejo um dos suportes de sua economia. O objetivo deste trabalho é compreender, a partir
de uma análise geográfica, o mangue enquanto espaço de vivência e produção comunitária em
Jutaí, uma comunidade localizada no município de São Caetano de Odivelas - PA. Além disso,
propõe-se especificamente a: caracterizar o perfil sócio-econômico da comunidade do Jutaí;
detectar como a população da comunidade de Jutaí utiliza o espaço manguezal; e analisar a
dinâmica espacial de produção de caranguejos, identificando os atores envolvidos nesta atividade.
Para realização do mesmo foi necessário um contato permanente com a comunidade, que através
das técnicas de interrogação, tais como as entrevistas, formulários e questionários, procurou-se
obter informações sobre o nível de renda, condições de moradia, composição familiar e
escolaridade dos tiradores de caranguejo da comunidade, assim como também se buscou
entender como se dá processo de produção e comercialização do caranguejo, bem como a
interação dos tiradores com o ambiente. A análise dos resultados mostrou que a qualidade de vida
da população da comunidade do Jutaí é baixa, devido a precariedade dos serviços de infra-
estrutura. Os tiradores de caranguejo da comunidade não representam uma categoria profissional
regulamentada, não tendo acesso aos direitos trabalhistas. A geração de fontes alternativas de
renda em períodos importantes do ciclo de vida do caranguejo contribuiria para manutenção do
caranguejo e também da comunidade e de sua cultura. A aceleração da dinâmica de captura de
caranguejo se justifica pela necessidade de sobrevivência dos tiradores e a falta de alternativas
acessíveis. Embora a dinâmica comercial de caranguejo e seus diversos atores não sejam os
causadores da desvalorização econômica do caranguejo, os atravessadores possuem renda
consideravelmente superior à dos tiradores. Portanto, a compreensão das mudanças que
atualmente se consubstanciam na comunidade do Jutaí, passa pela interpretação do espaço, não
como um mero receptáculo das coisas produzidas pela atividade humana, mas como um meio e
objeto de trabalho universal, constituído como necessidade e condição prévia de toda a atividade
prática, econômica e social.
Palavras chave: Mangue, espaço de vivência, produção comunitária, comunidade de Jutaí,
Município São Caetano de Odivelas.
15
ABSTRACT
The mangrove ecosystems coastal are of fundamental importance, not only by the fact they are
used as shelter for many species of fish and shellfish, but also as the principal means of livelihood
for communities living directly these resources. The State of Pará has 40,000 ha of mangrove,
4.500km of which are found in o Caetano de Odivelas in northeastern of Para, which has the
extraction of the crab one of the support of its economy. The objective of this work is to understand,
from a geographical analysis, the mangrove as an area of life and production in Jutaí community, a
community located in São Caetano de Odivelas - PA. In addition, it is proposed specifically to:
characterize the socio-economic profile of the community Jutaí; notice how the people of the
community of Jutaí uses the mangrove area, and analyze the spatial dynamics of production of
crabs, identifying the actors involved in this activity. To achieve the same was a need for a
permanent contact with the community, that through the techniques of interrogation, such as
interviews, questionnaires and forms were made to obtain information on the level of income, living
conditions, family composition and education level collectors crab of the community, as well as
attempt to understand how it gives the production process and marketing of the crab, as well as the
interaction of collectors with the environment. The results showed that the quality of life of the
community Jutaí is low due to lack of service infrastructure. The crab collectors of the community
are not a regulated profession, has no access to labor rights. The generation of alternative sources
of income in times of major life cycle of the crab would help maintain the crab and also the
community and its culture. The acceleration of the dynamics of the crab catch is justified by the
survival of collectors and lack of alternatives available. Although the commercial dynamics of crab
and its actors are not the cause of economic depreciation of crab, the crossers have crossed the
income considerably higher than collectors. Therefore, if we can understand the changes that are
currently embodied in the community of jute, is the interpretation of space, not as a mere
receptacle of things produced by human activity but as a means and object of universal work, and
formed as a prerequisite for all the practical activity, economic and social.
Keywords: Mangrove, space for living, Community production of jute community, Town of São
Caetano Odivelas.
16
INTRODUÇÃO
Dentre os vários ecossistemas existentes na zona costeira, estão inclusos,
aproximadamente, 180.000 km² de manguezais existentes em mais de 100
países. No Brasil, a área ocupada por manguezais é de 1,3 milhões de hectares
distribuídos ao longo da costa entre os Estados do Amapá e Santa Catarina
(Schaeffer-Novelli, 1995). Nesses ecossistemas de influência marítima,
encontram-se distribuídas diversas pequenas unidades sociais de dimensões
variadas, entendidas como lugares, sítios, povoados e vilas, com população
variável entre 200 a 1500 pessoas e com uma organização social onde
predominam as relações pessoais, forte sentimento de comunidade, identificado
aos ambientes costeiros. Esses valores relacionados à territorialidade
historicamente determinada é que definem os limites dessas comunidades, isto é,
as fronteiras entre elas, amesmo ultrapassando limites oficiais determinados
administrativamente. (FURTADO, et al., 2006).
Para as comunidades que sobrevivem diretamente dos recursos extraídos
dos manguezais, esse ecossistema representa a preservação da vida de seus
habitantes, pois, é através dele que garantem sua sobrevivência, seja por meio da
extração do caranguejo, ostra, turu, peixe, siri e outros. Outra forma de
exploração dos manguezais (GLASER & GRASSO, 1998) é dada através da
extração da madeira, atividade muito praticada nos mangues bragantinos, no
nordeste paraense, onde é usada na fabricação de lenha para a produção de
alimentos e para o cozimento do caranguejo antes de ser beneficiado.
Essas Comunidades ligadas aos manguezais são denominadas por Diegues
(1995, 1999), como “civilizações de mangue”, devido a sua vida econômica social
e cultural estar intimamente ligada à flora e à fauna, aos ciclos lunares, sazonais e
de mares, e aos períodos de reprodução de peixes, caranguejos e outras
espécies de flora e fauna do mangue. Segundo Glaser (2005), a vida costeira no
litoral do Nordeste paraense encontra-se atualmente num estado de transição
entre a comercialização e a economia de subsistência das comunidades de
mangue. Segundo Moraes (1999), a forma como os habitantes do litoral do
Nordeste paraense integram-se a esses mercados crescentes pode ser
gerenciada de maneira ecológica e socialmente sustentável.
Questionados por Glaser (2005), acerca do relacionamento entre o bem-estar
local e os mangues, os membros das comunidades tradicionais que vivem
17
diretamente dos recursos extraídos dos mangues, consideram esse ecossistema
como fonte de subsistência e geração de renda. A autora relata que na visão dos
habitantes dessas áreas, o mangue preserva a vida na comunidade: ”Não temos
outro trabalho, todos somos tiradores de caranguejo”; “É de que tiramos a
nossa comida”; Quando não temos nada é para que vamos, é a nossa área de
dinheiro.
Todavia, o principal recurso extraído dos manguezais é o caranguejo. Na
medida em que sua exploração vai sendo impulsionada pelo mercado, aumenta o
número de pessoas envolvidas em sua cadeia produtiva, seja através da inserção
de novos tiradores, seja através do surgimento de marreteiros, isto é,
atravessadores que atuam como elo entre o tirador e o consumidor final.
Nas áreas de mangue do litoral do Nordeste paraense, a captura do
caranguejo é uma atividade muito importante, não para a subsistência, como
também para a comercialização. Mais da metade da população dessa área
depende da coleta, do beneficiamento, do transporte ou da comercialização do
caranguejo para garantir a parte principal de sua renda (GLASER, 2005). Como
os coletores de caranguejo possuem pouca renda e estão entre os mais pobres
da população rural costeira, o caranguejo exerce importante função no alívio da
pobreza (GLASER 2005; GRASSO, 1998; GRASSO, 2000).
Com a expansão da malha rodoviária e conseqüentemente do caráter
mercantil, a produção do caranguejo foi perdendo o seu caráter de subsistência e
ganhando uma conotação cada vez mais comercial, voltada não para o
mercado local, como também para o mercado regional e até mesmo nacional.
A expansão do caráter mercantil do espaço se legitima quando se acentua a
divisão territorial do trabalho, uma especialidade da produção e das funções
socioeconômicas no território, havendo, com isso, a necessidade de se suprir
uma demanda muito mais ampla do que a do mercado local. A produção se
especializa, e nesse contexto novas parcelas do espaço se encadeiam ao longo
de um circuito de troca.
Em se tratando do espaço, este sempre foi o lócus de produção (SANTOS,
1992). A idéia de produção sempre está relacionada à idéia de lugar. Portanto,
sem produção não espaço, assim como sem espaço não produção. O
processo direto da produção é, mais que as outras instâncias produtivas
(circulação, repartição, consumo), tributário de um pedaço determinado do
18
território, propositalmente organizado por uma fração da sociedade, para
exercício de uma forma particular de produção.
O espaço, produzido enquanto mercadoria e apropriado pelas
necessidades de acumulação do capital, serve cada vez mais aos interesses das
relações de produção capitalista. Tendencialmente ele entra no circuito de troca, e
acaba sendo moldado segundo operações determinadas pelas leis que garantem
a reprodução dos mecanismos de mercado.
Como a dimensão comercial dada ao caranguejo e, conseqüentemente, do
aumento do número de pessoas envolvidas na sua cadeia produtiva, o uso de
novas técnicas foram determinantes para o aumento da produção do caranguejo
e, tornando-se preponderante para a produção do espaço geográfico nas
comunidades que sobrevivem do mangue. Segundo Santos (1999) as técnicas
são datadas e incluem tempo, qualitativamente e quantitativamente. As técnicas
são uma idéia de tempo: O tempo do processo direto do trabalho, o tempo da
circulação, o tempo da divisão territorial do trabalho e o tempo de cooperação.
Portanto, é interessante ressaltar que as técnicas de captura de caranguejos
fazem parte de um conjunto de estratégias de sobrevivência desenvolvidas por
populações litorâneas em um contexto totalmente desfavorável.
A técnica é sem dúvida um elemento importante de explicação da
sociedade e dos lugares, mas, sozinha, a técnica não explica nada. Portanto, é
necessário que a técnica esteja inserida dentro de um contexto histórico, embora
seja o lugar que atribui às cnicas o princípio da realidade histórica, relativizando
o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração
empírica e lhes atribuindo efetividade histórica (SANTOS 1999).
Hoje, as novas formas de organização produtiva comprometem o modo de
vida dos que dependem dos manguezais para a sua sobrevivência, obrigando os
tiradores de caranguejos a adentrarem manguezais cada vez mais distantes,
devido à necessidade de mercado. Assim sendo, a produção, a circulação, o
beneficiamento e o deslocamento para outras áreas de mangue, configuram a
intensificação dos fluxos comerciais que levam ao deslocamento da produção,
atuando como processos indispensáveis a tentativa de explicar o espaço de
vivência e produção comunitária. Portanto, a compreensão das mudanças que
atualmente se consubstanciam passa pela interpretação do espaço, não como um
mero receptáculo das coisas produzidas pela atividade humana, mas como um
19
meio e objeto de trabalho universal, constituído como necessidade e condição
prévia de toda a atividade prática, econômica e social.
Este trabalho tem como objetivo, compreender, a partir de uma análise
geográfica, o mangue enquanto espaço de vivência e produção comunitária em
Jutaí, uma comunidade localizada no município de São Caetano de Odivelas-Pa.
Além disso, propõe-se especificamente a: caracterizar o perfil sócio-econômico da
comunidade do Jutaí; detectar como a população da comunidade de Jutaí utiliza o
espaço manguezal; e analisar a dinâmica espacial de produção de caranguejos,
identificando os atores envolvidos nesta atividade.
20
ÁREA DE ESTUDO
O presente estudo foi realizado na comunidade do Jutaí, situada ao norte
do município de São Caetano de Odivelas, Estado do Pará. O município integra a
Mesorregião do Nordeste Paraense, Microrregião do Salgado, distante 155 km da
capital do Estado, limitando-se ao norte com o Oceano Atlântico, ao sul e a leste
com município de Curuçá e a oeste com o município de Vigia. Ocupa uma área de
724,10 Km², com uma população de 16.179 habitantes, conforme estimativa de
2008 (IBGE). Está localizado entre as coordenadas 0º34’ e 1º04’ S de Latitude Sul
e 47º54’ e 48º18’ de Longitude Oeste (Figura 1).
Figura 1: Localização da área de estudo
Fonte: Autora (2009).
O município é composto por 41 comunidades além da sede municipal. A
base de vida gira em torno da pesca e da coleta, principalmente, de caranguejo
(Ucides cordatus), porém, sua economia repousa na pesca tradicional, coleta,
agricultura e extrativismo. Entre as 46 localidades encontra-se a comunidade de
Jutaí, a 10 minutos da sede municipal.
De acordo com a classificação climática de KOPPEN, o clima de São
Caetano de Odivelas corresponde ao clima equatorial amazônico do tipo Am, com
21
temperatura elevada e amenizada por sua localização; sua média anual é de 26º
C, com amplitude rmica mínima, precipitações abundantes de janeiro a junho e
escassez de julho a dezembro. A disponibilidade hídrica é, também, acentuada
nos primeiros seis meses do ano e escassa nos demais. A topografia caracteriza-
se por uma altimetria de costas baixas e de variação inexpressiva, com cota de
cinco metros na sede municipal (SEPOF, 2008).
A cobertura vegetal original da terra firme, composta pelo subtipo Floresta
Densa dos baixos platôs, foi substituída pela ação dos desmatamentos pela
Floresta Secundária, atingindo esta, vários estágios de regeneração. Nas
planícies aluviais (sujeitas à inundação) onde não existe influência salina do mar,
ocorrem as Florestas de Várzea e as Matas Ciliares. Nas proximidades das
embocaduras dos rios, onde existe interferência da salinidade, verifica-se uma
exuberante vegetação de mangue (SEPOF, 2008).
Como em toda a Mesorregião do Nordeste Paraense, a área do município
assenta-se sobre os sedimentos de idade Terciária da Formação Barreiras em
sua porção mais interiorizada, enquanto que na sua periferia, na proximidade do
oceano, em uma extensa área semi-litorânea, estão presentes os sedimentos
inconsolidados de idade Quaternária, constituindo as regiões de mangue, bem
como muitos bancos de areia. Regionalmente, seu relevo insere-se nas unidades
morfoestruturais que correspondem ao Planalto Rebaixado da Amazônia (da Zona
Bragantina) e "Litoral de Rias" (SEPOF, 2008).
No Município, há presença do Latossolo Amarelo distrófico, textura média,
e do Gley Pouco Húmico distrófico, textura argilosa. Por sua localização
semilitorânea, encontram-se presentes, também, com grande expressão, os solos
de mangues de textura indiscriminada.
Os rios que servem ao município de São Caetano de Odivelas encontram-
se no sentido sul-norte, desaguando no Atlântico. O rio Mojuim é o mais
importante, porque forma toda a bacia hidrográfica do Município; após entrar em
território de São Caetano, a sudeste, segue em direção norte e deságua no
Atlântico, banhando antes a vila Perseverança e o povoado do Porto Guarajuba
(hoje, pertence ao município de São João da Ponta). Destaca-se, também, o rio
Mocajuba, que banha além do município de São João da Ponta, a vila de Boa
Vista localizada no município de São Caetano de Odivelas e serve de limite
22
natural, a leste, com o município de Curuçá; e o rio Barreta, a noroeste, que verte
para o Atlântico e serve de limite natural com o município de vigia (SEPOF, 2008).
METODOLOGIA
O trabalho de campo foi realizado a partir de janeiro de 2008, após ter sido
feito um levantamento bibliográfico concernente à temática em questão, o que
subsidiou consideravelmente a pesquisa de campo, pois, as literaturas levantadas
trouxeram conhecimento sobre o condicionamento das populações residentes nas
áreas de mangues ao regime das marés, abrindo possibilidade de um imediato
contato com os tiradores de caranguejo e com a comunidade do Jutaí.
Nos primeiros contatos com os tiradores de caranguejo, ocorridos entre
janeiro e março de 2008, ainda não foi possível ter uma dimensão exata da
atividade extrativa do caranguejo, no que diz respeito à hora de ida e volta do
mangue, a quantidade de caranguejo extraída diariamente, os diferentes atores
envolvidos na cadeia produtiva, bem como o destino final da produção. Por esses
motivos, os primeiros meses serviram para se criar uma aproximação com a
comunidade, que a principio achou está se tratando de fiscais do IBAMA, que
se tratava da época do defeso. Passado algum tempo, depois de incessantes
visitas, foi-se, finalmente, ganhando a confiança dos habitantes da comunidade,
que passaram, a partir de então, a contribuir sobremaneira para a realização do
trabalho.
Durante os meses de abril e maio, fez-se necessário visitar a colônia de
pescadores, localizada na sede do município, para dimensionar a quantidade de
pessoas envolvidas na captura do caranguejo, onde, por intermédio de seu
presidente, tivemos acesso ao número de associados. Tarefa difícil, pois, os
registros da colônia não especificam os tipos de profissionais, que na colônia
estão matriculados pescadores e extratores de caranguejo. Diante dessa
dificuldade, recorreu-se à ajuda do presidente da colônia que identificou os
envolvidos especificamente na extração do caranguejo.
Embora, como foi dito antes, o Município de São Caetano de Odivelas
tenha 41 comunidades além da sede municipal, verificou-se que a comunidade do
Jutaí, foi a primeira comunidade a sobreviver da prática de extração de
caranguejos no município, desde a cada de 1950, os primeiros tiradores de
23
caranguejos moravam nessa comunidade e ainda hoje tem a extração de
caranguejo como sua principal atividade tanto para a subsistência como para a
comercialização.
Para a caracterização da comunidade em estudo, recorreu-se inicialmente
as informações colhidas no período de janeiro a junho de 2008. Em agosto de
2008, foi retomado o contato com a comunidade no sentido de apresentar a
proposta deste estudo. Com isso, teve início a nova etapa da pesquisa para a
elaboração desta dissertação de mestrado. Nessa fase, coletou-se dados sobre o
cotidiano da comunidade através da observação, e a riqueza visual representava
uma infinidade de significados e constatou-se que suas atividades eram
principalmente ligadas ao mangue, fortalecendo assim a idéia de trabalhar o
mangue relacionado à vivência comunitária. Nesse momento a observação foi o
principal instrumento investigativo.
Sérgio Cardoso (1995:349), em seu livro “O olhar do viajante” mostra bem
a importância da observação como instrumento de investigação.
“O olhar não descansa sobre a paisagem contínua de um
espaço inteiramente articulado, mas se enreda nos
interstícios de extensões descontínuas, desconcertadas pelo
estranhamento. Aqui o olho defronta constantemente limites,
lacunas, divisões e alteridade... não deriva sobre uma
superfície plana, mas escava, fixa e fura, mirando as frestas
deste mundo instável e deslizante que instiga e provoca a
cada instante sua empresa e interrogação... O olhar pensa; é
a visão feita interrogação”.
No mês de setembro do mesmo ano, foi feita mais uma visita na
comunidade, o qual se transformou definitivamente no foco de estudo, e essa
escolha baseou-se não apenas em visitadas anteriores e observativas, embora
isso tenha sido de primordial importância, mas também, em saber que a extração
de caranguejos começou nessa comunidade. Nessa oportunidade, conquistado
a confiança dos habitantes da comunidade, procedeu-se a aplicação de
questionários, junto aos 10 domicílios pertencentes aos tiradores de caranguejos.
24
O questionário, além das questões usuais deste tipo de levantamento (nível
de renda, condições de moradia, composição familiar, escolaridade), procurou
levantar dados de produção, comercialização e interação dos tiradores com o
ambiente. Muitas informações relativas às condições de moradia foram obtidas
por meio de observações diretas nos locais das residências e de visitas ao interior
das mesmas. Esses questionários tinham como objetivo delinear o perfil
socioeconômico da população dos tiradores de caranguejos e observar aspectos
referentes a sua percepção ambiental em relação ao manguezal e ao recurso que
estes exploram. Privilegiaram-se também, as entrevistas do tipo semi-
estruturadas, que são aquelas que apesar de sua técnica envolver duas pessoas
numa situação face a face, onde uma delas formula a questão e a outra responde,
possibilita uma abertura para um testemunho mais subjetivo, oportunizando ao
entrevistado colocar suas opiniões pessoais.
Houve necessidade de adentrar os manguezais várias vezes, para
conhecer e registrar as técnicas utilizadas, na extração de recursos pesqueiros,
praticadas de acordo com o calendário anual que está intimamente ligado as
variações sazonais das atividades produtivas.
Freire (1983) ensina que a investigação de pensar o povo não pode ser
feita sem o povo, mas com ele como sujeito do seu pensar. “Não posso pensar
pelos outros, nem sem os outros”. Essa premissa exprime o reconhecimento da
existência de um saber popular produzido e experimentado pelos grupos sociais,
que está enraizado no senso comum, na região, na tradição, etc., e que fornece
conhecimento de maior importância para a investigação científica.
Na escolha dos entrevistados privilegiou-se aqueles que se
autodenominavam tiradores de caranguejos. Contudo, sempre encontrava algum
tirador ou qualquer outro morador da comunidade disposto a conversar, a contar,
a lembrar, nesse ultimo caso principalmente os mais velhos, aposentados, com
os quais as entrevistas foram as mais longas e também as mais ricas.
“Um mundo social que possui uma riqueza e uma
diversidade que não conhecemos pode chegar-nos pela
memória dos velhos. Momentos desse mundo perdido
podem ser compreendidos por quem o os viveu e até
humanizar o presente. A conversa evocativa de um
25
velho é sempre uma experiência profunda (...) “A
memória é a faculdade épica por excelência” (BOSI,
2001:82-90).
O contato com outros atores, envolvidos direta ou indiretamente no uso dos
manguezais foi relevante, pois, a participação de vários agentes nesse processo é
extremamente significativa para uma análise geográfica, transformando um
produto de consumo local em produto de consumo regional e porque não dizer
nacional. Nesse contexto, o dialogo com o atravessador de caranguejos, foi de
fundamental importância para se perceber a dinâmica de produção do
caranguejo.
No primeiro capítulo, procurou-se compreender a dinâmica do processo de
uso dos manguezais e de que forma as comunidades litorâneas se apropriam
desses manguezais, tendo em vista o valor que estes espaços têm para essas
comunidades.
Buscou-se fundamentar algumas categorias de análise como comunidades
tradicionais, espaço e território a fim de se organizar questões no plano teórico
que pudessem subsidiar a análise dos processos concretos de produção do
espaço.
No segundo capítulo, resgatou-se um pouco da história do município de São
Caetano de Odivelas, e como os manguezais foram se transformando em espaço
de produção nas comunidades nesse município.
Posteriormente, o terceiro capítulo, concentrou-se na análise da comunidade
de Jutaí, como espaço de vivência e produção comunitária, fazendo uma
abordagem sócioespacial da comunidade, a partir do perfil sócio econômico dos
tiradores de caranguejos.
Ainda no terceiro capítulo, verificou-se como a comunidade utiliza seus
espaços e recursos, além de analisar as técnicas utilizadas para extração do
caranguejo nos manguezais da comunidade de Jutaí. Finalmente, o ultimo item
trata da dinâmica espacial de produção de caranguejo, desde a dinâmica de
captura de caranguejos até a sua comercialização, além de identificar os atores
envolvidos nessa dinâmica.
26
CAPÍTULO: O USO DOS MANGUEZAIS E APROPRIAÇÃO DOS SEUS
RECURSOS.
1.1 - O MANGUEZAL COMO AMBIENTE
Os manguezais encontram-se entre os mais importantes ecossistemas da
costa norte do continente, principal traço de união da paisagem litorânea,
estendendo-se quase sem descontinuidade entre o delta do Orenoco, na
Venezuela e a baia de São Marcos, no Maranhão. Eles crescem e se
desenvolvem na interface entre o continente e o oceano, na zona de balanço das
marés, penetrando pelos estuários, numa dinâmica de fazer e refazer. Fronteira
em eterno movimento, na transição água salgada-água doce, onde o destruir
representa a reconstrução mais além, onde o equilíbrio dinâmico entre as forças
do mar e da terra significa a permanência de uma vegetação específica de alta
resiliência. Os bosques de manguezais, adaptados de forma exemplar ao
ambiente costeiro, sustentam uma extensa cadeia alimentar, que inclui desde
animais e plantas microscópicas, até importantes comunidades humanas
(BARROS, 2001).
O Brasil é considerado o país que tem a maior área de manguezal do
planeta. São 25 mil quilômetros quadrados, distribuídos em 7408 quilômetros de
orla litorânea, que vão do extremo norte do Amapá até São Francisco do Sul, em
Santa Catarina. Regimes de transição, os manguezais (= mangues), têm o clima
mais ameno da zona costeira por causa da vegetação, e são considerados por
biólogos, pescadores e catadores como verdadeiras fábricas de alimento. O
manguezal é parte de um ecossistema de elevada produtividade pesqueira.
Muitas espécies de peixes e crustáceos iniciam seus ciclos de vida e desovam no
estuário. Cercado por árvores típicas, o manguezal é um ambiente protegido das
ondas, o que aumenta a chance de sobrevivência das espécies.
Essas características conferem aos manguezais a denominação de
berçário do mar, pois permitem abrigar um grande número de espécies de peixes,
crustáceos e moluscos. Além de abrigo, este ambiente funciona como local de
alimentação, reprodução, desova e também como proteção de vários animais
contra seus predadores naturais. Age ainda como estabilizador do litoral contra a
erosão provocada pela drenagem de rios, equilibrando a paisagem, sendo,
portanto, também de importância recreacional e turística. (Schaeffer-Novelli,
1989).
27
Nos manguezais, as condições físicas e químicas existentes são muito
variáveis, o que limita os seres vivos que ali habitam e freqüentam. Os solos são
formados a partir do depósito de siltes (mineral encontrado em alguns tipos de
solos), areia e material coloidal trazidos pelos rios, ou seja, um material de origem
mineral ou orgânica que se transforma quando encontra a água salgada.
Estes solos são muito moles e ricos em matéria orgânica em
decomposição. Em decorrência, são pobres em oxigênio, que é totalmente
retirado por bactérias que o utilizam para decompor a matéria orgânica. Como o
oxigênio está sempre em falta nos solos do mangue, as bactérias se utilizam
também do enxofre para processar a decomposição.
Vários trabalhos científicos confirmam o valor deste sistema ecológico, por
sua função como berçário para espécies marinhas e estuarinas, sua influência no
clima local e global, seu papel no armazenamento e reciclagem da matéria
orgânica e nutrientes, controle da erosão, manutenção da biodiversidade e de
recursos genéticos, dentre outros (HAMILTON et. al.,1989; BARBIER, 1994;
CONSTANZA et al., 1997;GILBERT e JANSSEN, 1998; RONNBACK, 1999;
KAPLOWITZ, 2001). Devido à sua elevada produtividade, os manguezais são
habitados por diversas espécies de plantas e animais (Figura 2).
Figura 2: mangue do município de São Caetano de Odivelas.
Fonte: Autora (2009).
No Brasil, a Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965 considera o mangue
como Área de Preservação Permanente (APP). Além disso, a Resolução
CONAMA 369 de 28 de março de 2006, estabelece que as áreas de mangue
não podem sofrer supressão de sua vegetação ou qualquer tipo de intervenção,
salvo em casos de utilidade pública. Mesmo assim, o mangue é o ecossistema
28
brasileiro mais ameaçado. Os piores inimigos dos manguezais brasileiros, além
da super exploração dos seus recursos naturais, são a poluição lançada pelas
cidades costeiras e indústrias e derramamentos de petróleo. Há ainda quem
afirme que os mangues serão os ecossistemas mais afetados com a elevação da
temperatura do planeta e do nível dos oceanos, uma vez que ele depende de um
equilíbrio frágil entre os rios e as marés para manter suas características
constantes.
A Mesorregião do Nordeste Paraense que segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000 e IBGE, 2004) representa 6,7%
da superfície do Estado do Pará, ocupando uma área de 83.182,6 km
2
. A sua
população é da ordem de 1.473.000 habitantes o que corresponde a 23,8% da
população estadual. Nesta mesorregião, segundo cálculos dos escritórios locais
da EMATER-PA, nos municípios de Bragança e Augusto Corrêa os
manguezais totalizam 5.000 ha, os quais somados aos municípios de Curuçá,
Marapanim, Maracanã, Magalhães Barata, Santarém Novo, Salinópolis, Pirabas,
Quatipuru e Viseu, podem atingir cerca de 40.000 ha. Destacam-se, também os
mangues do Município de São Caetano de Odivelas, que correspondem a
aproximadamente 4.500km de ecossistema manguezal, além de constituírem um
sistema integrado de flora (incluindo as maiores espécies de arvores, mas
também outras plantas) e fauna, com os chamados processos bióticos e
geoquímicos (PAIVA, 1981). Assim, estimativas bem próximas da realidade, os
manguezais em toda a região do Nordeste Paraense, cobrem a expressiva área
de 90.000 hectares.
Os manguezais de macromarés da costa nordeste do Pará e noroeste do
Maranhão estendem-se da baía de Marajó-Pa, até a Ponta de Tubarão na baía de
São José-Ma, totalizando 650 km de litoral em linha reta, ocupando, somente no
estado do Pará, 2177 km² (SOUZA FILHO, 2005). Estes manguezais
desenvolvem-se atrás de praias e dunas, às margens das baías, em consórcio
com restingas, nos estuários. Apesar da baixa diversidade de espécies arbóreas,
os manguezais caracterizam-se por uma grande variabilidade espacial, como
resposta às diferentes condições locais de salinidade, inundação e dinâmica
costeira (PROST & RABELO, 1996).
29
Ambientes altamente produtivos, os manguezais são elos básicos para
cerca de dois terços das espécies de peixe que dependem deles para procriação
ou para alimentação. Nesta cadeia, os caranguejos têm importância fundamental,
constituindo grande recurso alimentar para aves e mamíferos. Moradores
permanentes desse ambiente inóspito e pouco oxigenado, os caranguejos são
grandes contribuintes na criação de condições de vida para a flora e a fauna do
mangue. Quando os caranguejos fazem suas tocas, revolvem o solo mais
profundo, oxigenando e distribuindo nutrientes, que depois serão levados para o
mar com as cheias e vazantes de maré. O caranguejo-uçá tem um papel
fundamental na manutenção do equilíbrio do mangue. Alimentando-se
principalmente de folhas velhas e amareladas que caem das árvores do mangue,
ele devolve para o ambiente matéria orgânica rica em nutrientes. E não é apenas
consumindo as folhas que o caranguejo-uçá colabora no enriquecimento do
mangue, mas também fazendo um estoque de folhas nas galerias. Assim, a
matéria orgânica fica retida no manguezal e não se perde quando a maré fica
vazante e as águas começam a baixar.
Ucides cordatus é uma espécie de caranguejo relativamente grande e de
crescimento lento. Na maturidade, a carapaça de 50% a 100% dos indivíduos
atinge aproximadamente 3,5 cm a 5,1 cm de largura nos machos e 4,0 cm a 5,6
cm nas fêmeas (VALE, 2003). Os caranguejos podem viver mais de 10 anos
(DIELE, 2000) e pode ser uma espécie-chave para dar indicações sobre o
ecossistema.
O caranguejo-uçá (Ucides cordatus), é um dos recursos pesqueiros mais
importantes em toda a sua área de ocorrência nas zonas de mangue do Brasil,
entre os estados do Amapá e de Santa Catarina. Além de ser um dos
componentes mais característicos dos ecossistemas manguezal, este crustáceo é
bastante abundante e contribui para a geração de emprego, renda e subsistência
em comunidades pesqueiras que vivem nas zonas de estuários (IBAMA, 1994;
PAIVA, 1997; BOTELHO et al., 2000). No Brasil, a captura do caranguejo é uma
das atividades extrativistas mais antigas em áreas de manguezais (PINHEIRO &
FISCARELLI, 2001).
Importantes transformações sócio-econômicas no País forçaram o avanço
das cidades sobre os manguezais, causando destruição de habitats e o aumento
no esforço de pesca sobre estes crustáceos. Movidos por este fato, e pela
30
importância crescente desta atividade, vários pesquisadores passaram a
demonstrar interesse não apenas sobre a biologia da espécie, mas também sobre
os aspectos sociais, econômicos, culturais e ecológicos relacionados à pesca do
caranguejo (e.g, ANDRADE, 1983; VARGAS & WEISSHANPT, 1988; NORDI,
1989, 1992 e 1994; MANESCHY, 1993; NUNES, 1998; BLANDT & GLASER,
2000; BARROS, 2001; ALVES, 2002; FISCARELLI & PINHEIRO, 2002).
Em todo o Brasil destaca-se, na produção de caranguejos, a região do
Salgado, no Pará; o delta do Paraíba, entre Maranhão e Piauí; todo o estado de
Sergipe; as baías de Guanabara e de Sepetiba, no Rio de Janeiro; e o manguezal
de Iguape e Cananéia, no litoral sul do estado de São Paulo. Em todas as regiões
de mangue existem pessoas que vivem da extração do caranguejo, para vender a
bares e restaurantes do litoral ou a atravessadores, que comercializam o produto
nos grandes centros.
Segundo Maneschy (1993), no litoral paraense a ocorrência do caranguejo-
uça é ampla, sendo considerado como um dos mais significativos recursos dos
manguezais locais, onde ressalta que o caranguejo-uça é um dos principais
suportes da economia em São Caetano de Odivelas, no Estado do Pará.
Nesse município, a relação da população com os mangues ainda está
ligada principalmente à captura do caranguejo, que representa uma fonte de
renda de subsistência e /ou monetária para a maioria dos residentes na zona rural
costeira do município.
1.2 - USO E APROPRIAÇÃO DO MANGUEZAL PELAS COMUNIDADES.
As comunidades que residem próxima às áreas costeiras abrigadas ou
estuários, tem seu sustento garantindo em grande parte pelos recursos biológicos
retirados de áreas de manguezais. Por seu elevado potencial biológico estas
regiões representam um papel de importância ecológica, social, econômica e
cultural para as populações ribeirinhas de baixa renda, que dependem
diretamente de tais recursos (ODUM, 1977 apud SCHAEFFER-NOVELLI, 1989).
A gestão de recursos, desenvolvidos por diferentes sociedades, nos leva a
perceber a existência de uma heterogeneidade na forma como esses recursos
são apropriados e utilizados, além de que, as formas de apropriação são
estabelecidas de acordo com as necessidades e os estilos de vida.
31
Ao descrever sobre o modo de vida caipira, Cândido (1964), expressa a
importante relação que se estabelece entre as formas de uso dos recursos e as
necessidades e particularidades culturais:
(...) as sociedades se caracterizam, antes de tudo, pela
natureza das necessidades de seus grupos, e os
recursos de que dispõe para satisfazê-las” (1964:23).
As afinidades com o meio e as percepções ambientais traduzem o
conhecimento e a familiaridade que as comunidades ligadas aos manguezais
desenvolveram ao longo do tempo com o ambiente em que praticam a extração
de caranguejos. Os tiradores reconhecem suas práticas como sinais duradouros
que justificam a permanência e a resistência do modo como executam as
atividades. Assim sendo,a utilização da categoria “Comunidades Tradicionais” ou
“Povos Tradicionais”, representou uma opção fértil para o presente estudo.
Diegues & Arruda (2001), conceituam comunidades tradicionais como:
(...) grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista
cultural, que reproduzem historicamente seu modo de
vida, de forma mais ou menos isolada, com base na
cooperação social e relações próprias com a natureza.
Essa noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a
segmentos da população nacional, que desenvolveram
modos particulares de existência, adaptados a nichos
ecológicos (...) Exemplos empíricos de populações
tradicionais são as comunidades caiçaras, os sitiantes e
roceiros, comunidades quilombolas, comunidades
ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos
extrativistas e indígenas”.
Diegues (1993) utiliza o termo população tradicional para designar as
sociedades onde o modo de vida se constrói em dependência com os ciclos da
natureza e os recursos naturais, onde o conhecimento é passado de geração em
geração, onde existe a noção de “território” relacionado a produção econômica e
32
social, além de reduzida acumulação de capital em função de atividades de
subsistência e a importância de relações de parentesco e compadrio nas
atividades econômicas, sociais e culturais, havendo uma reduzida divisão técnica
e social do trabalho e seus mitos e ritos estão ligados principalmente à caça, à
pesca e ao extrativismo.
Comunidades tradicionais pesqueiras fundamentam suas atividades no
vasto conhecimento empírico, adquirido e acumulado através de várias gerações.
Nesse sentido, a intuição, a percepção e a vivência são parte desse “saber
tradicional” que consolida a prática da pesca. A importância do conhecimento
produzido e transmitido oralmente pelos pescadores artesanais tem recebido
atenção especial nos programas de manejo pesqueiro que buscam por meio da
gestão participativa validar as práticas tradicionais. Se a gestão constitui (...) o
cerne onde se confrontam e se reencontram os objetivos associados ao
desenvolvimento e ao ordenamento e aqueles voltados para a conservação da
natureza ou para a preservação ambiental” (GODARD, 1997:214), não como
excluir do planejamento as variáveis sociais que influenciam o comportamento
dos usuários do recurso (McCAY & ACHESON, 1987).
As comunidades que dependem dos manguezais são consideradas
comunidades pesqueiras, e os tiradores de caranguejos são inseridos dentro da
pesca artesanal. Porém, considerar os processos envolvidos nessas práticas
requer, por sua vez, a compreensão das relações que se estabelecem entre as
comunidades e os espaços em que ritualizam suas atividades, onde se
concretizam as interações entre a comunidade e o mangue o locus em que
expressam suas relações simbólicas e matérias. Gerando uma interdependência
dessas comunidades com os ecossistemas e seus recursos. Nesse sentido,
encontra-se uma relação com o que afirma Tuan:
“O espaço é mais abstrato do que o lugar. O que
começa como espaço indiferenciado transforma-se em
lugar á medida que o conhecemos melhor e o dotamos
de valor” (1983:6).
Portanto, o espaço se transforma em lugar a medida que impetra-se
significados, e essa transformação se no momento em que compreendemos a
maneira como as pessoas atribuem valores. Dessa forma, as ligações afetivas, a
33
identidade entre a comunidade e o mangue são fundamentais para a manutenção
do território. Diegues & Arruda (2001), ao se referir ao território esclarece:
“Um elemento fundamental na cultura tradicional é a
relação dessas populações com o território, que pode
ser definido como uma porção da natureza e do
espaço sobre qual determinada sociedade reivindica
e garante a todos, ou a uma parte de seus membros,
direitos estáveis de acesso, controle ou uso na
totalidade ou parte dos recursos naturais existentes”.
(2001:24).
Em uma concepção abrangente sobre território, Haesbaert, define:
“O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...),
uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma
identidade territorial atribuída pelos grupos sociais,
como forma de controle simbólico sobre o lugar onde
vivem (sendo também, portanto, uma forma de
apropriação), e uma dimensão mais concreta, de
caráter político-disciplinar a apropriação e ordenação
do espaço como forma de domínio e disciplinarização
dos indivíduos (2001:121).
Portanto, para as comunidades ligadas ao manguezal, o mangue passa a ser um
território na medida em que se emprega valor de uso a ele, considerando-o como
um lugar, e se apropriando dele através do poder, que é incorporado a partir da
tradição. A apropriação do mangue pela comunidade determina a criação dos
mecanismos que regulam o acesso ao território. O direito de uso está ligado ao
sistema de parentesco ou compadrio, além do aprendizado do uso de técnicas de
extração de caranguejos, que também deve ser considerado como via de acesso.
Porém, o norteador de todas as vias de acesso é o respeito pelo ambiente.
34
2º CAPÍTULO - O MANGUEZAL E AS COMUNIDADES DO MUNICÍPIO DE SÃO
CAETANO DE ODIVELAS-PA.
2.1 O MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS
O recorte histórico-espacial sobre o município e os seus processos de
transformação nos permite compreender a origem do espaço de vivência e
produção comunitária, assim como, nos permite fazer uma viagem pelo tempo.
Um retorno que possibilita a composição do cenário da pesquisa e o
encadeamento das idéias.
A história da fundação de São Caetano de Odivelas está intimamente
ligada à colonização lusitana na região amazônica, onde essas cidades são
homônimas de cidades portuguesas. Segundo Rodrigues (2002), São Caetano
era uma área que servia como local de evangelização de padres jesuítas, que no
dia 07 de agosto de 1935, fundaram dentro dessa área uma fazenda com o nome
de o Caetano de Odivelas. A data da fundação refletia o dia do Santo católico
São Caetano, e Odivelas era uma homenagem a uma cidade portuguesa com
esse nome. Essa fazenda localizava-se à margem do rio Mojuim, onde fica hoje a
sede municipal, também com o nome de São Caetano de Odivelas.
Alguns moradores mais antigos concordam que o nome São Caetano,
constitui-se num topônimo devocional português, porém a palavra Odivelas,
significa "Oh! Linda" ou Oh! “De velas”.
Segundo dados da SEPOF (2008), o resgate histórico-espacial, tem início
no período compreendido entre o século XVIII e XIX, com a chegada dos
missionários da companhia de Jesus, durante a época colonial. Em 1757, os
frades jesuítas instalaram-se no lugar conhecido como São Caetano.
Posteriormente, em 1760, fundaram nesse lugar uma fazenda, a o Caetano,
onde fixaram o seu local de evangelização. Em 1833, a fazenda foi elevada à
categoria de Freguesia. Porém, no final do século XIX, assumiu a condição de vila
de São Caetano, oportunidade em que o seu território foi desanexado da área
patrimonial do município de Vigia. Somente em 1895 é que São Caetano é
reconhecido como município.
Em 1930, perdeu a sua condição de município, sendo anexado à área dos
municípios de Curuçá e Vigia. Três anos depois foi reconhecido como
subprefeitura de Vigia. Em 1935 sua condição de município foi restituída.
35
Entretanto, não se encontram especificações se o seu desmembramento ocorreu
de forma integral.
Quem um dia passou pelo município de São Caetano de Odivelas teve a
oportunidade de observar a forte ligação dos seus moradores com a geografia do
lugar. Ao se rever a história do município, é possível compreender a partir de uma
análise sistêmica, como o meio natural desempenhou um papel significativo na
organização e na ordenação dos espaços pelos grupos humanos. Através dessa
abordagem, o rio Mojuim se destaca como um dos protagonistas na relação
estabelecida entre a sociedade e a natureza. A presença desse rio faz parte da
trajetória histórica do município assim como da vida dos seus moradores.
A presença desse rio formando a bacia hidrográfica do município faz parte
da trajetória histórico-espacial do município. Segundo os professores Ana Suelly
Cabral e Aryon Rodrigues, do laboratório de línguas indígenas da Universidade de
Brasília, a palavra mojuim vem do tronco tupi-guarani, mas especificamente do
tupinambá, provavelmente do século XVII, e significa “pequeno rio das cobras”.
Destaca-se, também, o rio Mocajuba, que banha além do município de São
João da Ponta, a vila de Boa Vista localizada no município de São Caetano de
Odivelas e serve de limite natural, a leste, com o município de Curuçá; e o rio
Barreta, a noroeste, que verte para o Atlântico e serve de limite natural com o
município de Vigia. Porém, nas proximidades das embocaduras dos rios, onde
existe interferência da salinidade, verifica-se uma exuberante vegetação de
mangue, que interfere na vida dos seus moradores.
A transformação mais substancial ocorreu nos últimos 50 anos com a
construção da estrada, porém a maior dificuldade para a concretização dessa
estrada foi a extensa área de manguezal que forma um verdadeiro cinturão em
seu entorno. Esse manguezal tem sua existência intrinsecamente ligada à
proximidade da foz do rio Pará, com suas águas formadas pelos rios Tocantins e
Amazonas, carreando, por essa origem, grande quantidade de matéria orgânica
em suspensão provenientes desses rios; com o movimento das marés, essa
matéria orgânica , que se lança mar a fora, acaba por se fixar na faixa litorânea,
formando um dos grandes manguezais que se estende além do município de São
Caetano de Odivelas. Quem um dia passou por esse município teve a
oportunidade de observar a forte ligação dos seus moradores com os ambientes
costeiros e seus recursos.
36
Com a expansão rodoviária e o desenvolvimento do sistema pesqueiro, a
população total do município passou por um crescimento de aproximadamente
50%, entre os anos de 1970 e 1990. Segundo dados do Censo Demográfico do
IBGE (2008), apresentados na tabela 3, em 1970 a população do município era
de 14.229 habitantes, em 1980 esse mero chegou a 20.879 habitantes,
chegando a 21.126 em 1991, porém, no ano de 1996 houve uma queda
considerável no número de habitantes desse município, em torno de 26%,
comparados ao censo de 1991. Esse decréscimo significativo na população do
município de São Caetano de Odivelas deve-se principalmente à emancipação da
localidade de São João da Ponta, que passou a categoria de Município no ano de
1995, segundo a Lei Estadual nº. 5. 920. Anteriormente ao período de
emancipação, segundo o Censo Demográfico do IBGE (2008), a população total
de São João da Ponta era de 4.035 habitantes, com uma área territorial de 196
Km².
TABELA 1: POPULAÇÃO 1970/1980/1991/1996/2000/2007, DO MUNICÍPIO DE
SÃO CAETANO DE ODIVELAS-PA.
ANOS
1970
1980
1991
1996
2000
2007
FONTE: IBGE/2008
Elaboração: SEPOF/DIEPI/GEDE
Segundo as estimativas do IBGE (2008), a partir do ano de 2001, vem
ocorrendo uma sensível queda no número da população residente no município
de São Caetano de Odivelas. Esse decréscimo deve-se a perda de contingente
populacional para a capital do Estado, sobretudo, da população mais jovem, entre
15 e 25 anos, que busca concluir seus estudos na capital, visitando o município
somente no período de férias escolares e para exercerem suas funções políticas,
durante o processo eleitoral. O retorno ou não desse jovem ao município depende
37
do sucesso que ele obtenha em sua jornada estudantil. Na maior parte dos casos
aqueles que chegam a completar o terceiro grau acabam fixando moradia em
Belém, enquanto que os que chegam a completar somente o ensino médio
acabam traçando uma trajetória de retorno para o município, isso quando não
conseguem logo emprego na capital.
Em relação à população urbana do município, conforme mostra a tabela 2,
em 1980 foi o período de maior crescimento, porém entre 1991 a 2000 houve um
pequeno aumento em sua população urbana. Esse aumento deu-se não em
função do deslocamento da população rural para a sede do município, como
também ao aumento do fluxo migratório ocorrido nas ultimas décadas. Entretanto,
esses números poderiam ser maiores, isso se grande parte da população da sede
municipal não migrasse para Belém.
TABELA 2: POPULAÇÃO URBANA DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS PA, NO
PERÍODO DE 1970 a 2000.
População
Urbana
Ano
1970
1980
1991
2000
Feminina
2.500
4.418
3.157
3.158
Masculina
2.433
4.320
3.159
3.392
Total
4.933
8.738
6.316
6.550
Fonte: Censo Demográfico/ IBGE
Em relação à população rural, a tabela 3 mostra que houve uma queda
significativa entre 1991 a 2000, sendo que em 1991 a população rural era de
14.810 habitantes e em 2000 essa população passou a ser de 9.045 habitantes,
ou seja, um decréscimo de 39%, conforme já explicado anteriormente, esses
números deve-se, principalmente, pela perda de contingente populacional com a
emancipação do Município de São João da Ponta, que era contado entre as áreas
rurais de São Caetano de Odivelas.
38
TABELA 3: POPULAÇÃO RURAL - SÃO CAETANO DE ODIVELAS PA, NO
PERÍODO DE 1970 a 2000.
População
Rural
ANO
1970
1980
1991
2000
Feminina
4.563
5.907
7.085
4.235
Masculina
4.733
6.281
7.725
4.810
Total
9.296
12.188
14.810
9.045
Fonte: Censo Demográfico/ IBGE
Um outro fator que explica a perda de contingente populacional das áreas
rurais é o deslocamento de pessoas para a sede municipal, resultado
principalmente da ausência de unidades escolares de ensino médio. A única
unidade escolar do ensino médio localiza-se na sede do município, a Escola
Estadual de Ensino Fundamental e Médio Osvaldo Brito de Farias, que absorve,
não a população da sede municipal, como também das áreas rurais do
município, o que obriga o corpo discente dessas comunidades a fazer um
deslocamento diário, um movimento de ir e vir, da sua localidade para o colégio,
do colégio para a sua localidade. Como forma de transpor essa dura jornada,
grande parte desse corpo discente se desloca para a sede municipal, fixando
moradia em casas de parentes ou, em alguns casos, empregam-se em casa de
família em troca de um lar para morar.
Se por um lado à perda de contingente populacional para o município de
São João da Ponta, associada à migração de parte da população para Belém,
tem resultado na diminuição da população total do município de São Caetano de
Odivelas, os fluxos migratórios em direção a ele tem amenizado essas perdas, em
especial na sede do municipal, o que pode ser evidenciado pela expansão das
áreas de ocupação e pelo crescimento desordenado da cidade. O município de
São Caetano de Odivelas é composto 41 comunidades e a sede municipal
(Figura 3).
39
Figura 3: Mapa de localização das comunidades do município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
40
Em relação às atividades econômicas desse município, pode-se dizer que
a pesca era uma atividade complementar à agricultura e a coleta. A exploração
pesqueira acontecia em maior freqüência nos períodos de safras (Maneschy,
1993). Porém, a partir de 1960, uma parte da população litorânea foi levada a
adotar a pesca como principal atividade, e uma das causas desse processo está
ligada a extensão da malha rodoviária. Dentro dessa especialização da pesca
inclui-se a extração de caranguejos, um produto particularmente frágil. Porém,
com a construção da estrada ligando o município a Belém, facilitou a
comercialização desse produto e estimulou a exploração regular permitindo o
acesso a manguezais ainda não explorados (SARMENTO, 1998).
Um importante absorvedor de mão-de-obra no município é o setor público
estadual e municipal, que associado à extração do caranguejo e a atividade
pesqueira, tem servido como sustentáculo do comércio local. Embora o comércio
ainda não seja grande absorvedor de mão-de-obra, no período entre 2004 e 2005
houve um crescimento 125% nesse setor, conforme pode ser observado na tabela
4 para o período de 1999 a 2006.
Tabela 4: Estoque de emprego segundo setor de atividade econômica no período
de 1999-2005, no município de São Caetano de Odivelas, Pará.
SETOR DE ATIVIDADES
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
EXTRATIVA MINERAL
_
_
_
_
_
_
_
_
INDÚSTRIA DE
TRANSFORMAÇÃO
14
17
_
22
_
_
_
_
SERVIÇOS INDUSTRIAIS
DEUTILIDADE PÚBLICA
6
6
7
6
6
5
5
5
CONSTRUÇÃO CIVIL
_
_
_
_
_
_
_
_
COMÉRCIO
5
_
1
_
1
8
18
12
SERVIÇOS
4
5
2
2
4
4
3
3
SETOR PÚBLICO
MUNICIPAL E ESTADUAL
379
480
311
336
255
268
310
413
AGROPECUÁRIA
_
3
28
5
27
7
12
34
OUTROS/IGNORADOS
_
_
_
_
_
_
_
_
TOTAL
408
511
349
371
293
292
348
467
Fonte: MTP/RAIS/2008
Elaboração: SEPOF/DIEPI/GEDE
41
No município de São Caetano de Odivelas, a extração do caranguejo,
assim como a pesca, não tem gerado nenhuma divisa para o estado, sendo ainda
consideradas atividades informais, onde o trabalho é realizado por conta própria,
sem direitos às leis trabalhistas, como décimo terceiro, seguro defeso, auxilio
doença e aposentadoria. Segundo Maneschy (1993), embora sendo o
sustentáculo da economia local, essas atividades ainda não são legalizadas, isto
é, ligadas a um órgão que profissionalize o tirador de caranguejo e o pescador
enquanto categoria. Na ausência desse órgão, a extração do caranguejo, assim
como também a pesca, não tem sido reconhecida como atividade econômica no
município, estando fora dos dados estatísticos emitidos pela SEPOF (2008).
Todavia, vale ressaltar que na falta de um órgão que reconheça a extração
do caranguejo e a pesca como atividade econômica, a Colônia de Pescadores, na
qual estão cadastrados tanto tiradores de caranguejo como pescadores (tabela 5),
torna-se o meio pelo qual esses profissionais procuram garantir pelo menos a sua
aposentadoria.
TABELA 5: PROFISSIONAIS MATRICULADOS NA COLÔNIA DE PESCADORES
ATÉ 2008 (SEDE MUNICIPAL) NO MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE
ODIVELAS - PA.
PROFISSIONAIS
(Sede Municipal)
NÚMERO DE ASSOCIADOS
1998
2008
PESCADORES
2.025
1.400
TIRADORES DE
CARANGUEJOS
153
700
TOTAL
2.178
2.100
Fonte: Pesquisa de campo.
Observa-se, que o número de tiradores de caranguejos na sede municipal
aumentou significativamente. Não foi possível, pelas fichas de associados,
distinguir o tirador de caranguejos do pescador artesanal, ou daqueles que
exercem ambas as atividades, visto que na ficha cadastral não consta o tipo de
atividade, sendo por isso de fundamental importância a ajuda do presidente da
42
colônia que, conhecendo pessoalmente a maioria dos associados, pode distinguir
entre o pescador e o tirador de caranguejos. Porém, é impossível dessa forma ter
precisão nos dados obtidos.
No que concerne ao aspecto cultural do município, destaca-se o Círio de
São Caetano, realizado no primeiro domingo de agosto na sede do Município. A
cultura popular do município é variada em suas manifestações. Dentre as
manifestações mais conhecidas da cidade está o Boi-Tinga, uma modalidade de
boi de mascaras, que acontece principalmente no mês de junho, e o festival
junino, que é um dos momentos de divulgação das manifestações folclóricas do
município.
Outro aspecto da cultura local é o Festival do Caranguejo, realizado no
mês de dezembro. Neste evento acontece uma feira cultural objetivando divulgar
a cultura do município, danças folclóricas e principalmente uma culinária
tipicamente local, com diversidades de pratos produzidos a partir do caranguejo.
2.2 - O MANGUEZAL DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS COMO ESPAÇO DE
PRODUÇÃO.
O ambiente de manguezal tem sido objeto de intensos estudos, dado a
grande captura do caranguejo. Contudo nas ultimas décadas esses estudos têm
se intensificado, em função não do aumento da extração do caranguejo, mas
também do intenso uso da floresta de mangue pelas comunidades adjacentes,
tanto para fins domésticos, especialmente como combustível, tingimento,
construção de casas, usos medicinais, beneficiamento do caranguejo, quanto
para fins comerciais, onde é intensamente usada pelas olarias que circundam
essas áreas.
Os mangues do Município de São Caetano de Odivelas correspondem a
aproximadamente 4.500km de extensão (Figura 4). Nesse município, a relação da
população com os mangues ainda está ligada principalmente à captura do
caranguejo, que representa uma fonte de renda de subsistência e /ou monetária
para a maioria dos residentes na zona rural costeira.
43
Figura 4: Áreas de manguezal do município de São Caetano de Odivelas.
Fonte: Autora (2009).
As transformações espaciais, materializadas pela intensificação dos fluxos
comerciais, viabilizando a distribuição de bens e serviços, engendrou um
redirecionamento da produção do caranguejo, antes destinado quase que
exclusivamente para subsistência, passou a ganhar uma conotação comercial,
implicando, consequentemente, no surgimento de novas técnicas e, por
conseguinte, na produção e reprodução do espaço.
Segundo Maneschy (1993), em São Caetano de Odivelas, somente no final
dos anos de 1950 é que essa atividade tomou ímpeto. A maioria dos tiradores de
caranguejos habitava no povoado do Jutaí, acerca de 4 km da sede municipal de
São Caetano de Odivelas. Esses tiradores não se dedicavam a essa atividade de
modo exclusivo. Eles eram também pequenos agricultores, ou então, pescavam
nas costas do Marajó durante o verão, na condição de membros de tripulações na
cidade de São Caetano de Odivelas ou na cidade de Vigia. Nesse período, o
produto era encaminhado para Belém em barcos à vela, pertencentes a
comerciantes locais, em viagens que duravam quatro dias.
Apesar da importância da pesca, favorecida pela expansão do sistema
rodoviário, incentivando a circulação do pescado, houve um redirecionamento de
parte da população litorânea que vivia da pesca para outros setores, devido às
diversas mudanças ocorridas pelas exigências do capital, com a modernização de
equipamentos, como a substituição de embarcações a remo por embarcações a
44
motor, que expulsavam os mais pobres da atividade, os quais passaram a ser
trabalhadores assalariados no próprio setor pesqueiro, alguns optaram por outros
ramos, outros se deslocaram para outras cidades e finalmente uma parte se
direcionou para extração de caranguejos (FURTADO, 2006).
Consequentemente em São Caetano de Odivelas percebe-se um número
cada vez maior de pessoas, que pela pouca possibilidade de emprego no
município, se inserem na organização espacial de produção de caranguejos,
imprimindo novas formas de organização produtiva do trabalho, e refletindo num
deslocamento de tiradores para manguezais cada vez mais distantes,
consequentemente interferindo também no processo de circulação, que antes era
apenas local começando a tomar dimensões a nível regional e até mesmo
nacional. Portanto, o mangue enquanto espaço, se constitui numa força produtiva,
mas não é isso, é também uma “re-produção” dos objetos, dos valores, das
necessidades; enfim, reprodução das relações sociais de produção.
A captura do caranguejo é uma atividade muito importante no município,
não só para a subsistência, como também para a comercialização. Segundo
Maneschy (1993), mais da metade da população depende da coleta, do
beneficiamento, do transporte ou da comercialização do caranguejo para garantir
a parte principal de sua renda, se não toda ela.
Porém, no que concerne às relações que os caranguejeiros ou tiradores de
caranguejos de São Caetano de Odivelas mantêm com os ecossistemas
litorâneos se tem apontado o conhecimento e a dependência que possuem com o
ambiente, o que permitiu a sustentabilidade nos tempos dos recursos naturais e
no tempo de suas relações sociais. Sobre esse aspecto, Santos (1999), diz que
em cada lugar, o tempo das diversas ações e dos diversos valores e a maneira
como utilizam o tempo social não são os mesmos. No viver comum de cada
instante os eventos não são sucessivos, mas concomitantes. Ainda em sua
análise Santos (1999) enfatiza que no espaço geográfico, se as temporalidades
não são as mesmas, para os diversos agentes sociais, elas, todavia, se dão de
modo simultâneo. Portanto, cada ação se dá segundo o seu tempo: as diversas
ações se dão conjuntamente.
Partindo dessa lógica do tempo podemos dizer que antes da construção da
rodovia PA-140, que liga o município a Belém, a coleta de caranguejo era uma
atividade de cunho essencialmente complementar a pesca, funcionava como uma
45
espécie de contribuição para a dieta alimentar ou renda familiar do pescador, que
vendia o caranguejo principalmente na época de sauatá, ou seja, na fase de
reprodução da espécie, no qual eles saem das tocas, “buracos” o que permite que
esse período seja confundido com a “safra”.
Segundo Maciel (2004), de acordo com a experiência dos tiradores de
caranguejos de São Caetano de Odivelas, somente ao final dos anos de 1950 é
que essa atividade passou a se tornar a especialidade de um grupo de pessoas.
A rodovia foi uma inovação importante, tendo em vista que o caranguejo é um
produto particularmente perecível. A estrada facilitou o comércio, estimulou a
exploração regular e permitiu acesso aos manguezais ainda não explorados,
gerando com isso, um deslocamento espacial dos tiradores de caranguejos cada
vez maior, em manguezais cada vez mais distantes.
A abertura da rodovia PA-140, estimulou a exploração regular dos
manguezais para extração de caranguejos, viabilizando a comercialização,
favorecendo a possível ameaça à reprodução da espécie e consequentemente a
desvalorização econômica dos caranguejos causada pela intensidade dessa
captura e pela retirada em períodos indevidos, no caso da captura de fêmeas ou
caranguejos jovens, que ainda não atingiram seu período de reprodução, o que
abalaria não toda uma estrutura econômica do município, mas também todo o
ecossistema manguezal, pelo fato de que os caranguejos são responsáveis pela
renovação das camadas sedimentares, causando, com a sua ausência, uma
deficiência em toda a cadeia alimentar.
Embora a agricultura seja uma das atividades econômicas do município,
visível em algumas comunidades. Na sede municipal, a extração de caranguejos
e a pesca são os principais absorvedores de mão-de-obra, sendo que a captura
de caranguejos é a atividade que envolve um grande número de pessoas, assim
como, a pesca fluvial ou marítima, constituindo-se nos suportes da economia
local.
Segundo Maneschy (1993), pescadores e tiradores de caranguejos não
constituem duas categorias distintas e sem relação uma com a outra. Além do
fato de que eles fazem parte da mesma associação profissional, a colônia de
pescadores. Ainda hoje, pescadores capturam caranguejos, do mesmo modo que
tiradores de caranguejos pescam em momentos de necessidade. Portanto, muitos
que se denominaram tiradores de caranguejos nesse momento, em outro podem
46
retornar a pesca. Embora eles exerçam esporadicamente as duas profissões
consideramos aquela que eles apontam como a principal.
No município, as várias formas de relacionamentos com os recursos
naturais, asseguram a sobrevivência dos que dependem deles, tendo com isso
uma cultura ligada à natureza, e as formas de apropriação desses recursos estão
ligadas às necessidades momentâneas de cada comunidade, o que define as
formas de uso dos espaços e a exploração dos recurso.
Além da sede municipal, entre as 41 comunidades existentes no município,
20 dependem diretamente da extração de caranguejos como atividade principal
(Figura 5 e Tabela 6). Portanto, um número significativo de pessoas tem o
manguezal como uma propriedade comum que divide os direitos e
responsabilidades sobre os recursos, caracterizando uma forma de propriedade
onde os direitos são comuns a um determinado grupo de usuários, os tiradores de
caranguejos.
47
Figura 5: Mapa das Principais Atividades Econômicas Desenvolvidas no Município de
o Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
48
Tabela 6: Principais atividades econômicas das Comunidades de São Caetano de
Odivelas (2008).
CÓDIGO
COMUNIDADES
PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS
001
Santa Maria da Barreta
Extração de Caranguejos e Pesca.
002
km 10
Extração de Caranguejos e Agricultura.
003
guajará
Extração de Caranguejos e Agricultura.
004
Jutaí
Extração de Caranguejos.
005
Monte Alegre
Extração de Caranguejos, Agricultura, Pesca.
006
São Manoel
Pesca.
007
Espanha
Agricultura.
008
Ponta Bom Jesus
Extração de Caranguejos, Agricultura, Pesca e Apicultura.
009
Madeira
Extração de Caranguejos e Agricultura
010
Alto Camapu
Extração de Caranguejos, Pesca ,Agricultura
011
Boa Vista do Camapu
Extração de Caranguejos, Pesca ,Agricultura
012
Vila Sorriso
Extração de Caranguejos.
013
Extração de Caranguejos, Pesca,Agricultura.
014
Pereru de Fátima
Extração de Caranguejos, Pesca, Agricultura.
015
Alto Pereru
Extração de Caranguejos, Pesca, Apicultura.
016
Cachoeira
Extração de Caranguejos e Pesca.
017
Cachoeirinha
Extração de Caranguejos e Pesca.
018
São João dos Ramos
Pesca.
019
Ilha de São Miguel
Extração de Caranguejos e Pesca.
020
Rio Branco
Agricultura.
021
Itapepoca
Extração de Caranguejos e Pesca.
022
Laranjeira
Agricultura.
023
Páscoa
Agricultura.
024
Maraca
Agricultura.
025
Cutita
Agricultura.
026
Marabitanas
Agricultura.
027
Risca
Agricultura.
028
Engenho
Agricultura.
029
Basto
Agricultura.
030
km 8
Extração de caranguejo, pesca e agricultura.
031
Camapu Miri
Extração de caranguejo, pesca e agricultura.
032
Ciringa
Agricultura
033
Matupiri
Agricultura
034
Pio XII - 1
Agricultura
035
Pio XII - 2
Agricultura
036
Santa Fé
Agricultura
037
Uxiteua
Agricultura
038
Maneta
Agricultura
039
Marauatá de Baixo
Agricultura
040
Riozinho
Pesca e Agricultura
041
Tujuí
Pesca e Agricultura
042
Sede Municipal
Pesca e Extração de caranguejo
Fonte: Pesquisa de Campo.
49
Os direitos e as responsabilidades são definidos através de regras
informais e geralmente se sustentam através de práticas de manejo. Dessa
maneira, a propriedade comum não se caracteriza por livre acesso a todos, mas
acesso limitado a um grupo específico de usuários que reconhece essas práticas
e as respeita. Porém, pela própria cultura do lugar, como foi dito antes, as
comunidades de mangue, aqui identificadas como aquelas que dependem
diretamente de recursos dos manguezais, se transformam nesse grupo
específico, já que os saberes são passados de geração a geração.
Apesar de existir um número expressivo de pessoas envolvidas na
atividade de captura de caranguejos, acredita-se que esse número seja muito
maior, uma vez que, a maioria desses profissionais não efetiva sua matrícula no
órgão da classe, a colônia de pescadores, o que já acontecia a uma década atrás,
observada no trabalho de Sarmento (1998). Assim sendo, não foi possível obter
um número preciso do universo de pessoas envolvidas essa atividade.
Conforme pode-se verificar na tabela 6, a extração de caranguejos
associada a pesca constituem as principais atividades econômicas praticadas nas
comunidades de São Caetano de Odivelas, pois a agricultura é na maioria das
vezes uma atividade de subsistência.
Apesar das dificuldades, é do manguezal que tiradores de caranguejos
retiram diariamente sua principal fonte de sobrevivência, transformando uma
atividade antes de subsistência em uma atividade cada vez mais comercial.
Centenas de caranguejos vendidos ainda vivos para um atravessador, que na
maioria dos casos, trata-se de um indivíduo que trabalha por conta própria ou
ainda em alguns momentos está associado a um atravessador mais forte
economicamente que lhe adianta o dinheiro com o qual paga os tiradores de
caranguejo.
Quando os tiradores de caranguejos chegam de suas jornadas de trabalho
e atracam nos portos, os atravessadores estão a sua espera, procede-se então
a contagem dos caranguejos, que em media chegam a 5.000 caranguejos por dia,
classificados em pequenos, médios e grandes e os preços geralmente variam
conforme o tamanho, sendo o pagamento feito imediatamente à compra.
Normalmente os tiradores de caranguejo remam por uma hora seguida
para alcançar os pequenos portos naturais onde as canoas são amarradas em
barracos de palha e madeira que protegem as embarcações da chuva (Figura 6).
50
Dali, os tiradores partem para caminhadas que geralmente duram mais de seis
horas no meio da lama. Existem, porém, casos em que é dispensável o uso da
canoa, em localidades conhecidas como: Madeira, Camapú-Mirim, Santa Maria
da Barreta e Jutaí, onde os tiradores caminham por terra até chegar ao
manguezal (Figura 7). Porém esta prática só é possível na baixa-mar (maré seca),
pois na maré alta a prática se torna inviável nos manguezais próximos a essas
comunidades. (MANESCHY, 1993).
Figura 6: Pequeno ancoradouro dentro dos manguezais localizados no município
de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Figura 7: Tiradores de caranguejos nos manguezais do município de São Caetano
de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
51
A extração do caranguejo, antes ligada intimamente à subsistência,
intensifica-se quando ganha uma conotação mais comercial, e o caranguejo deixa
de ser simplesmente um produto de consumo local para também ser um produto
de consumo nacional, o que, por conseguinte, traduz-se no surgimento de novas
técnicas, e consequentemente, na produção e reprodução do espaço geográfico.
Segundo Santos (1998) nas condições da economia atual, é praticamente
inexistente um lugar em que toda a produção local seja localmente consumida ou,
vice-versa, em que todo o consumo local é provido por uma produção local.
2.3-DINÂMICA ESPACIAL DE COMERCIALIZAÇÃO DO CARANGUEJO NO
MUNICÍPIO DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS
Porém, para que a comercialização do caranguejo se processe
ultrapassando a escala local, se faz presente a figura dos atravessadores, que
serão classificados aqui, segundo o trabalho de Maciel (2004), em atravessadores
primários, secundários e terciários. Sendo que de acordo com uma escala de
proximidade com o tirador de caranguejos, diremos que o atravessador primário é
aquele que comercializa direto com o tirador. O município apresenta 40
atravessadores primários, distribuídos entre a sede municipal e as localidades
adjacentes, sendo 28 distribuídos entre as localidades e 12 na sede municipal. O
atravessador secundário é na maioria dos casos, considerado o dono dos meios
de produção, que este além de deter o capital é o dono da maioria dos meios
de transporte utilizados para conduzir o caranguejo, e não possui ligação direta
com o tirador, em toda área municipal existem apenas dois. O atravessador
terciário é o distribuidor, ou seja, aquele que irá vender o caranguejo dentro de
Belém para pequenos comerciantes, normalmente em condução própria, sendo
que em São Caetano de Odivelas, são em número de sete pessoas. Porém, nos
casos em que contratos com grandes comerciantes ou empresas, a
negociação é feita diretamente com o atravessador secundário, desaparecendo
assim, a figura do distribuidor.
Segundo Maciel (2004), o atravessador primário, geralmente não possui
condução e por esse motivo, depende do atravessador secundário pagando frete
por esse transporte, conforme o número de sacas de caranguejos, que obtém.
Portanto o atravessador secundário usa os seus caminhões com dupla finalidade,
52
a primeira é de transportar o produto que ele mesmo adquire, e a segunda é fretar
o seu veículo para o transporte dos caranguejos daqueles que não possuem
condução, utilizando-o como frete.
Cada lugar é ponto de encontro de lógicas, que trabalham em diferentes
escalas, reveladoras de níveis diversos, e às vezes contrastantes, na busca da
eficácia e do lucro, no uso das tecnologias do capital e do trabalho. Assim se
redefinem os lugares: como ponto de encontro de interesses longínquos e
próximos, mundiais e locais, manifestados segundo uma gama de classificações
que está se ampliando e mudando. (SANTOS, 1998).
Partindo dessa lógica, o entroncamento (ponto de ligação entre Belém e
outros municípios) é um ponto de comercialização entre o atravessador
secundário e um terceiro personagem que é um atravessador responsável por
fazer a distribuição dentro da região metropolitana de Belém para pequenos
negociantes, feirantes, que irão levar os caranguejos até o consumidor final. O
local de articulação do entroncamento é o mercado de peixes, conhecido como
“Batistão”. No caso de grandes comércios e/ou empresas o atravessador
secundário leva diretamente para o local desejado pelo comprador.
Existe, entretanto, outro tipo de processo de circulação, no qual, muitas
prefeituras financiam um ônibus para que os caranguejeiros possam fazer a
venda direta, principalmente para feirantes e pequenos comerciantes. (Maciel,
2004). Não se pode esquecer, que uma parte da produção, é vendida pelo próprio
tirador para a comunidade local, embora a maior parte da produção seja vendida
ao atravessador primário.
A dinâmica de produção de caranguejo envolve uma complexa rede de
agentes e relações econômicas. A partir do desembarque do caranguejo no porto
ou ancoradouro natural, surge a figura de agentes intermediários. Em que pesem
às críticas sobre a estrutura de remuneração agregam as pequenas quantidades
individuais produzidas por cada tirador de caranguejos e estabelecem o elo entre
a produção e o consumo.
As especializações do território, do ponto de vista da produção material,
assim criadas, são as raízes das complementaridades regionais: uma nova
geografia regional que se desenha na base da nova divisão territorial do trabalho
que se impõe. Essas complementaridades fazem com que, em conseqüência, se
53
criem necessidades de circulação que vão se tornar frenéticas, dentro do território
brasileiro, na medida em que avança o capitalismo; uma especialização territorial
que é tanto mais complexa quanto for grande o número de produtos e a
diversidade da sua produção. (SANTOS, 1998).
As sociedades, em geral, independente do grau de desenvolvimento que
possuem, bem como o destino final de sua produção, seja esta para subsistência
ou para comercialização, são dotadas de espaços de produção e circulação.
Para Santos (1997), a produção, a circulação, a distribuição e o consumo
podem ser compreendidos através de dois elementos, o que ele chama de fixos e
fluxos. O espaço de produção é determinado pelos fixos, que, por conseguinte
representam as forças produtivas, enquanto que o espaço de circulação é
determinado pelos fluxos, isto é, o movimento, o espaço criado para satisfazer as
necessidades de mercado.
Independente do estagio de desenvolvimento de cada grupo social, a
técnica é a principal forma de relação entre o homem e a natureza, isto é, entre o
homem e o meio. È através dela que o homem produz espaço (SANTOS 2004).
Portanto, o espaço e a técnica são categorias que o podem ser
dissociadas. Para muitos geógrafos, a sociedade opera no espaço geográfico por
meio dos sistemas de comunicação e transportes. Embora estejam certos, a
relação que se deve buscar entre espaço e a técnica é mais abrangente, pois se
devem levar em consideração todas as dimensões da técnica, inclusive as
técnicas da própria ação. Partindo do pressuposto de que as técnicas são
também representadas pelas ações, as sociedades, em sua totalidade, são
dotadas de técnicas. Mesmo nas sociedades mais tradicionais, onde a produção
ainda é voltada para a subsistência e o espaço de produção consiste nas
pequenas propriedades habitadas pelo grupo e, o espaço de circulação, frente ao
caráter familiar da produção, é estritamente delimitado, isto é, não ultrapassa os
limites geográficos de onde é realizada a produção, a técnica é presente. É
através dela que esses grupos produzem seu espaço.
54
CAPÍTULO: MANGUEZAL DA COMUNIDADE DO JUTAÍ: ESPAÇO DE
VIVÊNCIA E PRODUÇÃO COMUNITÁRIA.
3.1 - ABORDAGEM SÓCIO-ESPACIAL DA COMUNIDADE DO JUTAÍ.
O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade
habitante-identidade-lugar. “O lugar é produto das relações humanas, entre
homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do
vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que
são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que
é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida” (CARLOS, 1996:29).
Portanto, a produção espacial realiza-se, então, no plano cotidiano e
aparece nas formas de apropriação, utilização e ocupação de um determinado
lugar, num momento espefico. Disso decorre que “cada sociedade produz seu
espaço, determina seus ritmos de vida, formas de apropriação expressando sua
função social, projetos, desejos” (CARLOS, 1996:30).
A comunidade de Jutaí, localizada no município de São Caetano de
Odivelas-PA, situa-se a 10 minutos da sede municipal (4 km). Quanto a
população local, esta é estimada, segundo pesquisa de campo, em
aproximadamente 192 pessoas, dividindo-se quanto ao gênero em 48% de
mulheres e 52% de homens (Figura 8), cujas famílias se compõem em media de 8
pessoas por domicilio.
Feminino
48%
Masculino
52%
Figura 8: Distribuição, por sexo, da população da Comunidade do Jutaí, município de
São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
55
A maioria das famílias que mora na comunidade de Jutaí, cerca de 90% é
nascida na própria comunidade, enquanto que os 10% restante são nascidos em
outras comunidades do município de São Caetano de Odivelas. O geógrafo Yi-Fu
Tuan (1980) utiliza o neologismo topofilia para designar o amor humano ao lugar,
ou seja, num sentido mais amplo, todos os laços afetivos dos seres humanos com
o meio ambiente material.
Para o autor, o que começa como espaço indiferenciado transforma-se em
lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. Entretanto, Tuan
(op. cit) considera que a verdadeira topofilia se exercita em dimensões espaciais
reduzidas e homogêneas, pois é mais fácil as pessoas se identificarem e se
afeiçoarem a elas.
Na comunidade do Jutaí podem-se encontrar quatro tipos de habitações
(Figura 9): em madeira, em barro, em palha e em alvenaria, sendo que estas
últimas estão todas inacabadas.
Dentre as 24 habitações presentes na comunidade, 11 (45%) são
construídas de madeira, 5 (21%) são de barro, 4 (17%) são de palha e finalmente
4 (17%)são construções inacabadas em alvenaria. Os habitantes da comunidade
residem, em geral, em casas com assoalhos de terra batida. As coberturas das
casas são em sua maioria 83% de telha de barro e 17% das coberturas são de
palha (Figura 10).
Figura 9: Tipos de habitações encontradas na Comunidade do Jutaí, município
de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
56
Madeira
45%
Barro
21%
Palha
17%
Alvenaria
17%
Figura 10: Tipos de Habitação na comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas, Estado do Pará.
Fonte: Autora (2009).
Das habitações existentes, 4 são de pessoas ligadas à roça, 10 são de
famílias que vivem da aposentadoria de um dos moradores da casa, sendo que
os outros membros adultos participam das atividades do mangue ou da roça
esporadicamente, e 10 residências são de tiradores de caranguejos, que vivem
também de outras atividades ligadas ao mangue.
Com base nos levantamentos realizados, foi possível constatar que não
nenhum tipo de organização dos moradores, o que contribui para a precariedade
de vida da população, pois, a baixa captação de recursos financeiros, somados a
baixa escolaridade, torna a população menos exigente, não cobrando das
autoridades competentes melhores serviços e infra-estrutura.
Apesar de contemplada com uma escola pública, uma igreja, um campo de
futebol e alguns postes de iluminação, a comunidade o dispõe de outros
serviços, sobretudo, os essenciais, como água encanada, saneamento básico e
cuidados médicos. Na comunidade não existe nenhum posto de saúde, tendo a
população que se deslocar para sede do município em caso de doenças, o que
em muitos casos torna-se inviável devido ao fato de não haver na comunidade
nenhum automóvel que possa ajudar nesse deslocamento, sendo a bicicleta o
meio de transporte mais comum na comunidade. Para o deslocamento até a sede
57
municipal precisa-se caminhar pelo menos um quilômetro até chegar a rodovia
PA-140, para conseguir, dependendo do horário, um transporte coletivo.
Além disso, não sistema de esgoto, o que implica o manguezal como o
principal receptor de esgotos das casas.
Todos os moradores da comunidade usam fossa negra, ou seja, uma fossa
cavada com pouca profundidade, de tal forma que com freqüência, atinge o lençol
d’água. A fossa negra é um buraco cavado na terra, dispondo de cobertura de
madeira, instalado em um cubículo cercado com tábuas, ou plástico, geralmente
no fundo dos quintais (Figura 11).
Figura 11: Vista de fossa negra típica da comunidade de Jutaí, no município de
São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
A comunidade não tem acesso à água encanada, sendo o poço o meio
pelo qual os membros da comunidade conseguem água para suprir suas
necessidades (Figura 12). Esses poços, são construídos perto das fossas negras,
tornando a água sujeita a contaminação por coliformes fecais. Alem disso a água
é de cor amarelada (Figura 13), em função da expressiva quantidade de ferrugem
existente no solo, o que a torna imprópria para o consumo. Porém, não existe
outra forma de obtenção do recurso.
58
Figura 12: Vista de um poço típico da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Figura 13: Amostra da água consumida na comunidade do Jutaí, localizada no
município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
A única escola da comunidade (Figura 14) oferece apenas os primeiros
anos do ensino fundamental (1ª a séries). A escola se traduz numa única sala
de aula, onde todos os alunos independente da série são acomodados (Figura 15)
o que com certeza compromete o ensino aprendizado destes alunos, porém,
todas as crianças em idade escolar freqüentam a escola da comunidade. Um
outro problema se quando terminam as primeiras ries do ensino
59
fundamental que são oferecidas na escola local, havendo então, a necessidade
de deslocamento diário dos alunos para a sede municipal no sentido de
complementar o ensino fundamental ou dar continuidade na sua formação através
do ensino médio.
O transporte escolar gratuito existe no município, porém, em muitos casos,
os ônibus são totalmente sucateados e por várias vezes não tem condições de
trafegar, indo, nesse caso para a sede apenas aqueles que possuem bicicletas,
ou seja, a minoria. Assim, ultrapassar os limites da comunidade acaba sendo um
impedimento para a maioria dos habitantes do Jutaí que desejam estudar na sede
municipal.
Segundo Blandtt & Souza (2005), o sistema de ensino na área de
manguezal de Bragança não difere em nada em relação ao sistema de ensino da
comunidade do Jutaí, principalmente no que se refere ao regime de turmas
multiseriadas nas primeiras séries do ensino fundamental, segundo os autores “as
turmas multiseriadas poderiam também ser chamadas de multiproblemáticas”,
porque assim como no Jutaí os alunos de 1ª, 2ª, e série estudam numa
mesma turma, no mesmo horário e espaço e, além disso, raramente um professor
é portador de um diploma de nível superior.
Na comunidade de Jutaí uma única pessoa terminou o ensino médio,
ingressando, em seguida, em uma universidade particular que recentemente
chegou ao município. Apesar de ainda não ter concluído o terceiro grau essa
pessoa tornou-se o professor da escola da comunidade, exercendo também a
mesma função na comunidade do Pereru, localizada a poucos quilômetros do
Jutaí.
Segundo Glaser (2005), “mesmo após vários anos na escola da
comunidade, as crianças não podem ler ou escrever”. A autora se refere a uma
comunidade de mangue localizada no estuário do Caeté, no Norte do Brasil.
Percebe-se claramente a ligação da baixa qualidade educacional com o
forte sentimento de falta de opções de ocupação. A situação descrita em relação
a educação, mostra uma das faces do quadro de privação social em que se
encontra não só a comunidade do Jutaí, mas as comunidades que dependem dos
mangues como principal alternativa de sobrevivência.
60
Figura 14: Vista da única escola da comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Figura 15: Vista do interior da escola da comunidade do Jutaí, município de São Caetano de
Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Quanto às atividades ligadas ao lazer da comunidade do Jutaí, o campo de
futebol representa a diversão nos dias de sábado e domingo, principalmente para
os adultos (Figura 16). Muitos homens se deslocam da sede municipal para jogar
no Jutaí, formando o time de dentro da comunidade e o time de fora. As mulheres
também participam, tendo horários reservados para elas. Além do futebol, alguns
61
jovens brincam de voleibol e as crianças brincam nas frentes das casas, nos
quintais e também dentro do manguezal quando a maré está baixa. O espaço de
vivência na comunidade se mostra, nesse aspecto, bastante harmonioso,
inclusive em relação aqueles que se deslocam para para participarem junto à
comunidade das atividades desportivas. Podemos dizer que a comunidade é um
lugar de acolhimento tanto dos que vivem nela quanto daqueles que aparecem
esporadicamente.
Figura 16: Campo de Futebol da comunidade do Jutaí, município de São Caetano
de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Existem poucas opções de trabalho na comunidade do Jutaí, sendo a
maioria dos homens trabalhadores do mangue, exercendo a função de tiradores
de caranguejos, de ostras, de turu e agricultores. Para as mulheres quase o
existe emprego, sendo a maioria delas donas de casa, que periodicamente
acompanham o seu esposo em alguma atividade no mangue ou na roça.
Toda essa dinâmica vivida na comunidade de Jutaí nos leva a pensar a
identidade do lugar, pensar a história compartilhada que se produz além dos
limites físicos do lugar. Portanto, podemos dizer que o lugar é produto das
relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se
realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de
significados e sentidos que são tecidos pela história e pela cultura, que irão
produzir a identidade.
62
Portanto, o sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do
lugar liga-se indissociavelmente a produção da vida. Assim a análise do lugar
envolve a idéia de uma construção, tecida por relações sociais que se realizam no
plano do vivido o que garante a constituição de uma rede de significados e
sentidos que são tecidos pela história e pela cultura que produzem a identidade
homem. Cada sociedade produz seu espaço, determina os ritmos de vida, formas
de apropriação expressando assim, sua função social, projetos e desejos.
O lugar contém uma multiplicidade de relações, discerne um isolar, ao
mesmo tempo em que apresenta-se como realidade sensível correspondendo a
um uso, a uma prática social vivida. Neste contexto o lugar revela a especificidade
da produção espacial, tendo um conteúdo social que pode ser entendido pela
divisão espacial do trabalho que se configura enquanto existência real em função
das relações de interdependência com o todo, fundamentada na indissocialização
dos fenômenos sociais.
Portanto, a noção de lugar pressupõe a percepção do mundo pelo homem,
pois é através de seu corpo, de seus sentidos que ele constrói e se apropria do
espaço e do mundo. Assim, o lugar é a porção do espaço apropriável para a vida
de seus moradores.
Além disso, Milton Santos (1997), enfatiza a importância da análise do
lugar como forma de se compreender o mundo e o indivíduo. Afirma que: “Cada
lugar é, à sua maneira, o mundo. (...) Mas, também, cada lugar, irrecusavelmente
imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos
demais. A uma maior globalidade, corresponde uma maior individualidade”.
3.1.1: Perfil Sócio-Econômico dos Tiradores de Caranguejo da Comunidade do
Jutaí.
Os tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí são originários da
própria comunidade onde residem, pertencem exclusivamente ao sexo masculino,
porém constata-se que durante a época de “sauatá”, mulheres e crianças vão ao
manguezal tirar caranguejo, em virtude da facilidade de captura desse crustáceo
nesse período. A permanência do trabalhador no espaço habitado está ligada à
identidade que esse possui com o território, como também pela disponibilidade de
alimento oferecido gratuitamente pelo ambiente à população, que para esses
trabalhadores não necessidade de custos adicionais (moradia, alimentação,
63
transporte e água, por exemplo). Esses fatos são preponderantes para o
fortalecimento e a manutenção de vínculos com o território, isso sugere que entre
a categoria existe um valor de pertencimento.
Para Santos (2000), o território tem conteúdo, é dinâmico, de permanente
movimento, e é visto como algo que está em processo, e onde se dá o exercício
da vida. Este mesmo autor afirma que: “A sociedade exerce permanente dialogo
com o território usado, e esse diálogo inclui as coisas naturais e artificiais, a
herança social e a sociedade em seu movimento atual.”
A estrutura etária mostra que a idade dos tiradores de caranguejos varia de
21 a 70 anos, sendo que a maior parte dos tiradores encontra-se na faixa etária
de 31 a 40 anos (40%) e 41 a 50 anos (30%), as demais faixas etárias estão em
menores proporções (Figura 17). Quanto ao estado civil, 80% dos tiradores de
caranguejos, consideram-se casados, embora, o núcleo familiar, em mais da
metade dos casos (62,5%), é constituído pela união não oficializada em igreja ou
cartório. Apenas 20% dos entrevistados encontram-se separados de suas
esposas ou companheiras. Quanto ao numero de filhos, 30% dos tiradores de
caranguejos têm entre 7 a 8 filhos , e 20% tem de 5 a 6 filhos, 30% tem de 3 a 4
filhos e apenas 10% tem 1 a 2 filhos ( Figura 18).
41 a 50
30%
21 a 30
10%
61 a 70
10%
51 a 60
10%
31 a 40
40%
Figura 17: Distribuição percentual dos tiradores de caranguejo entrevistados quanto à idade na
Comunidade do Jutaí, no município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
64
Nenhum
10%
1 a 2
10%
3 a 4
30%
5 a 6
20%
7 a 8
30%
Figura 18: Número de filhos dos tiradores de caranguejos da comunidade do
Jutaí, município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
As informações obtidas neste estudo mostram que na comunidade do
Jutaí, a maioria dos entrevistados (40%) é analfabeta, os quais nunca estudaram
e não sabem ler nem escrever, e os demais apresentam um baixo nível de
escolaridade, chegando a cursar no máximo a 4ª série do ensino fundamental,
sendo que 30% cursaram a 1ª série, 20% dos entrevistados cursaram até a
série, e apenas 10% cursaram até a série (Figura 19). Essa realidade não se
restringe apenas aos tiradores de caranguejos, mas a todos os moradores da
comunidade.
40
30
0
20
10
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Percentual
Analfabeto série série série série
Escolaridade
Figura 19: Escolaridade dos tiradores de caranguejo da comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
65
Os dados sobre escolaridade mostraram ainda, que no Jutaí, a falta de
escolas, a ausência de incentivos para continuar os estudos e a necessidade de
trabalhar para contribuir na melhoria da renda familiar representam os principais
fatores que ocasionam o abandono das salas de aula.. Os jovens que vivem
próximos às áreas de manguezal ao confrontarem as perspectivas longínquas de
“melhorar de vida” através da obtenção de um diploma com a possibilidade
imediata de ganhar seu próprio dinheiro todo dia, capturando caranguejo, acabam
deixando que esta última prevaleça, levando-os a deixarem prematuramente a
escola. O abandono dos estudos e a inserção no mundo do trabalho resultam do
contexto social e econômico em que essas comunidades estão inseridas, no qual
o sucesso na escola, por membros de seu grupo social, constitui uma exceção.
Cunha & Santiago (2005), em seus estudos sobre tiradores de
caranguejos, afirma que no município de Bragança-Pa, a educação dos tiradores
é básica: os indivíduos aprendem a escrever e a ler. Mas uma grande parte dos
tiradores é analfabeta, nem ao menos tem noção de operações matemáticas
fundamentais. Os alfabetizados são indivíduos que estudaram, mas têm
pouquíssimas noções de escrita e de leitura. São pouquíssimos os tiradores que
completaram o ensino fundamental, a maioria cursou aa quarta série do
ensino fundamental.
Essa situação reflete a precariedade do sistema educacional vigente, no
qual a falta de material didático, ausência de bibliotecas, deficiente formação de
professores, insuficiência de escolas, entre outros fatores, contribuem para
reproduzir a situação de exclusão observada não apenas nas comunidades
ligadas ao mangue, mas em todo país.
A necessidade de inserção dos tiradores na atividade produtiva se na
infância (Figura 20), e este fato contribui também para a exclusão escolar, que
a maioria deles (50%) entra nessa atividade entre 11 e 15 anos de idade. Trata-se
de uma atividade que é passada de pai para filho, e ao mesmo tempo mostra o
nível de empobrecimento dessa comunidade, como relata um dos entrevistados:
“aos 10 anos comecei a tirar caranguejo, aprendendo com
o papai. Nós não tinha onde tirar pra ajudar em casa,
então foi pro mangal tirar caranguejo e assim foi
passando de um pro outro”.
(Justino Ferreira Campos, tirador de caranguejo)
66
20
50
20
0
10
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Percentual
06 a 10 11 a 15 16 a 20 21 a 25 26 a 30
Inserção dos tiradores na atividade
Figura 20: Inserção dos tiradores de caranguejos da Comunidade do Jutaí, Município de São
Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
O complexo conhecimento que envolve um longo processo de
aprendizado inicia-se na infância, com as primeiras viagens ao manguezal para
acompanhar os pais, assim as crianças ensaiam as primeiras tentativas de tirar
caranguejo. Desenvolvem hábitos, comportamentos e sabedoria sobre os
diversos ambientes e, sobretudo, habilidade em caminhar sobre as raízes, no solo
constituído de parte escorregadia e partes mais firmes, porém com galhos
pontudos, o que em um segundo de desatenção pode resultar em acidentes
graves. Este conhecimento sobre o ecossistema manguezal, terrestre e marítimo
é imprescindível, para saber se conduzir e adquirir agilidade em “tirar” o
caranguejo.
Segundo Blandtt & Souza (2005), relatam que o trabalho infanto-juvenil na
área de manguezal envolve dois aspectos que são: as perdas sociais, em
decorrência do abandono total ou parcial da escola e as perdas econômicas, que
levam essas crianças e jovens ao sistema comercial de dependência, gerando
mais pobreza.
Portanto, na comunidade do Jutaí, o trabalho infantil faz parte de uma
lógica cultural, aonde no seu cotidiano familiar, a criança vai percebendo a
67
realidade da pobreza e acaba sendo incentivada a participar das atividades de
trabalho.
A grande maioria dos tiradores (80%) tem uma jornada de 6 a 8 horas por
dia, sendo que 20% chegam a trabalhar diariamente entre 10 a 12 horas durante
3 a 5 dias, pois trata-se de uma atividade extremamente desgastante, por outro
lado, é necessário que retornem ao manguezal o mais rápido que poderem, visto
que o período de permanência está diretamente relacionado a necessidade de
subsistência do tirador e de sua família..
A tiração de caranguejos para a venda exige do tirador de caranguejo um
longo período no mangal. Mas, apesar de toda a dificuldade característica da
atividade, o dinheiro torna-se um atrativo, pois cria-se a necessidade de bens de
consumo e é preciso pagar a prestação das roupas, calçados, tijolos, cimento e
as contas de luz. Assim estão sempre tirando caranguejo, para honrar seus
compromissos.
A atividade no manguezal apresenta-se como dúbia e contraditória, pois ao
mesmo tempo em que é o lugar de diversão para as crianças (Figura 21), para os
adultos lugar mais fácil e rápido de ganhar dinheiro, é também um lugar de
trabalho sacrificante, devido ao desgaste físico e à própria dificuldade de adentrar
esse ecossistema, como afirmam alguns tiradores.
Figura 21: Crianças brincando nos manguezais da comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
68
Na comercialização, 93% da produção de caranguejos é vendida para
pessoas que vivem da compra dos caranguejos. Em alguns casos, a produção é
vendida para moradores da sede municipal por encomendas, ou comercializados
na própria comunidade, porém, esse percentual é de apenas 7%. Apesar de todos
elencarem uma série de dificuldades enfrentadas na sua lida diária, a maior parte
(70%) afirma estar satisfeito com a profissão, devido a possibilidade de ganho
imediato e a relativa autonomia que a atividade propicia, uma vez tratar-se de
trabalhadores com pouca escolaridade e sem meios para investir em outros
ramos. A respeito dessa autonomia, um dos entrevistados faz a seguinte
colocação:
“O melhor dessa profissão é que trabalha por conta própria e
não depende de patrão”.
(Raimundo Ferreira Dalmácio, tirador de caranguejos).
Mediante os dados obtidos, pode-se observar que a maioria dos indivíduos
entrevistados possuem rendimento salarial baixo, com prevalência de renda
inferior a um salário mínimo. Nenhum tirador tem ganho acima deste patamar, a
renda mais alta de tiradores de caranguejos dentro da comunidade é de R$
400,00 e 20% ganham entre 100 a 150 reais, 10% ganham entre 151 a 200 reais
e os outros 10% ganham de 251 a 300 reais (Figura 22). Esses dados sobre a
renda dos tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí, mostram o nível de
pobreza no qual se enquadram esses profissionais.
20
10
0
10
30
30
0
5
10
15
20
25
30
Percentual
100-150 151-200 201-250 251-300 301-350 351-400
Ganho em reais
Figura 22: Distribuição Percentual de Tiradores de Caranguejos quanto à renda mensal,
Comunidade do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
69
De acordo com os depoimentos dos entrevistados, antes da abertura da
estrada, os crustáceos eram abundantes, porém com a estrada houve uma
intensificação comercialização, e conseqüentemente maior demanda do produto,
e com isso a diminuição, a longo prazo, da quantidade de caranguejos.
Alguns fatores como ciclo de vida da espécie, fases da lua, saúde do
tirador, demanda, e etc., podem provocar alterações na produção dos tiradores.
Em virtude disso, quando a produção cai, alguns continuam tirando caranguejos,
mas muitos procuram um aditivo advindo de outras atividades, entre estas: a
pesca, servente de pedreiro, extração de ostras, turus, siris e outros.
Em todo Brasil, os tiradores de caranguejos incluem-se na categoria de
“pescadores artesanais”, que, por sua vez, estão organizados em “colônias de
pescadores”. Segundo Cabral (2000), a filiação a colônia não é obrigatória para o
exercício da pesca, porém são reconhecidos como profissionais da pesca e
poderão dispor de alguns benefícios federais, como aposentadoria, linha de
crédito, seguro, aqueles que tiverem filiados à colônia. Na maioria das vezes, os
tiradores não se associam a uma colônia de pescadores por acharem que não
tem direitos, ficando alheios ao processo de discussões enquanto sujeitos sociais,
o que dificulta o reconhecimento de sua identidade profissional e a organização
de sua categoria.
O aumento do numero de tiradores, matriculados na Colônia de
pescadores Z-4, do município de São Caetano de Odivelas, a cada período,
conforme mostra a tabela 7, deve-se principalmente a falta de atividades dentro
do município, assim sendo, boa parte da população do município passou a fazer
dos mangues o seu espaço de sobrevivência na luta contra a pobreza, porém na
comunidade de Jutaí apenas 3 tiradores são associados na colônia de
pescadores.
70
TABELA 7: TIRADORES DE CARANGUEJOS, ASSOCIADOS NA COLÔNIA DE
PESCADORES NO PERÍODO DE 1990 ATÉ 2007 (sede municipal).
Anos
Número de
associados
%
1990-1992
47
9
1993- 1995
29
5
1996-1998
33
6
1999-2001
81
15
2002-2004
224
42
2005-2007
125
23
Total de associados
539
100
Fonte: Pesquisa de campo,2008
È interessante observar que principalmente a partir do ano 1999, o número
de pessoas que se associaram na colônia de pescadores na categoria de
tiradores de caranguejos tomou proporções significativas, que os dados não
são cumulativos, mas de registros feitos anualmente. Percebe-se, também que,
no período entre 2002 a 2004, foram associadas 224 pessoas, o que deve-se a0
fato de que para exercer essa ocupação não é necessário nenhum investimento
prévio. Segundo Maneschy (1993), dentre os que exploram os recursos
aquáticos, os tiradores de caranguejos figuram entre os de mais baixo poder
aquisitivo.
Embora tenha aumentado o número de tiradores matriculados na colônia
de pescadores, constatou-se que os tiradores de caranguejos constituem uma
categoria ainda bastante desmobilizada, na comunidade do Jutaí 70% dos
tiradores não fazem parte de nenhuma cooperativa ou associação. Maneschy
(1993) observou a mesma situação, sugerindo que a desmobilização da categoria
traduz certamente o fato de que eles incorporam a imagem desvalorizada e
estereotipada de seu trabalho, e que inibe a tomada de consciência de sua
importância enquanto grupo profissional.
No que diz respeito ao estabelecimento de um possível período de
“defeso”, um número significativo de catadores concorda (50%), apesar de
reconhecerem que há dificuldade de se cumprir legislação desse tipo, alegando
71
não existir alternativa para prover o sustento da família durante o período.
Conforme relata um tirador:
“As pessoal que quere que a tiração pare por um tempo,
fala isso porque tem da onde tirar, eu não tenho, não
pra sustentar minha família, não pra tirar turu no
inverno e nem ostra, com nós vai ficar sem o caranguejo”.
(Benito Alves Campos, tirador de caranguejos)
Em relação à coleta de fêmeas, não um tirador que pratique esse
tipo de atividade, pois todos têm consciência do papel da fêmea na reprodução da
espécie.
Portanto, uma legislação proibindo a atividade de captura durante o
período integral de reprodução da espécie estaria provavelmente fadada ao
descumprimento e ao descrédito, porque, além de esta atividade se encontrar
revestida de forte caráter cultural, ainda as condições sociais das populações
usuárias do recurso e as dificuldades históricas para manutenção de uma
fiscalização eficiente pelos órgãos governamentais.
Apesar da proximidade entre a comunidade do Jutaí e a sede municipal,
poucas são as informações que chegam até eles em relação ao defeso.
Geralmente ficam sabendo sobre o defeso a partir das informações fornecidas
pelos atravessadores, pelo fato destes serem proibidos de passar com
caranguejos nos postos de fiscalização nesse período, e por esse motivo não
compram caranguejo dos tiradores.
Na portaria do IBAMA nº1 de 19 de novembro de 2008, diz que o defeso é
a ação de proteção do caranguejo durante a fase de reprodução (andada - soatá
ou sauatá). A portaria diz que fica proibido no Estado do Pará, o transporte, o
beneficiamento, a industrialização, o armazenamento e a comercialização do
caranguejo ou de suas partes( patas, pinças, etc) e divulga o período do defeso,
conforme tabela 8:
TABELA 8: PERÍODO DE DEFESO DO CARANGUEJO, ANO 2009.
Janeiro/ 2009
Fevereiro/ 2009
Março/ 2009
12/01 a 17/01
10/02 a 15/02
12/03 a 17/03
27/01 a 01/02
26/02 a 03/03
27/03 a 01/04
Fonte: IBAMA (2008)
72
Não um tirador na comunidade que tenha ciência sobre a portaria,
raramente são informados sobre qualquer coisa referente à atividade seja pela
colônia de pescadores, seja pelos órgãos competentes, a não ser, como já foi dito
antes, pelos atravessadores.
Portanto, a proibição no período de reprodução do caranguejo, não leva o
tirador a nenhum tipo de garantia quanto a sua sustentação econômica nesse
período, considerando que num período mais longo, haveria necessidade de
assegurar esses profissionais através do seguro defeso, porém é interessante
ressaltar que na comunidade do Jutaí, como foi dito anteriormente, 70% dos
tiradores não é cadastrado na colônia de pescadores, o que os tornam
desabilitados para receber benefícios. É necessário perceber até que ponto essa
legislação em relação ao defeso é realmente eficaz, haja vista a realidade
econômica dos tiradores de caranguejos.
Os informantes dizem que não nenhum incentivo por parte do governo,
inclusive municipal, referente a prática de tiração de caranguejo, ou de qualquer
outra. Embora a extração de caranguejo seja a principal atividade da comunidade,
o descaso com os problemas que afligem esses profissionais é visível, e não
em momento algum, um estímulo ao associativismo destes profissionais.
Quando perguntados sobre o que seria mais importante para melhoria da
sua qualidade de vida, as respostas foram diversificadas, dentre estas se
destacaram: seguro durante um possível período de defeso e geração de
alternativas de emprego. Diversas são as dificuldades que os catadores alegam
enfrentar em seu trabalho. O serviço pesado no mangue, a inexistência de
garantia futura e presença de mosquitos no mangue durante a atividade de
captura, figuram entre as reclamações apontadas com maior freqüência. Em
contrapartida, quase todos alegam que a autonomia, dada pelo fato de não terem
patrão e de trabalharem apenas nos dias que querem, estão entre as principais
vantagens inerentes a sua profissão.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos tiradores no seu “hostil
ambiente de trabalho”, estes devotam, em seus depoimentos, um enorme respeito
ao mangue e aos recursos procedentes dele, os quais provêm suas
subsistências, revelando a sabedoria e a íntima relação que esses trabalhadores
mantêm com esse ecossistema.
73
Dessa forma, a construção social-espacial no ecossistema manguezal
reflete o conhecimento adquirido entre as diversas gerações de tiradores de
caranguejos e a constituição de um segmento profissional que através da
aprendizagem procura desenvolver métodos mais eficazes no processo da
atividade. Portanto o tirador de caranguejo longe de ser um profissional efêmero,
possui um conhecimento riquíssimo sobre a diversidade do ecossistema
manguezal, da qual ele é parte na relação direta homem/mangal. O homem é
parte da natureza, por estabelecer uma relação necessária para criar e modificar
o ecossistema, na medida em que modifica a si próprio ao adquirir bens para
satisfação das necessidades materiais.
Os tiradores de caranguejo da comunidade do Jutaí detalham com
bastante clareza tudo o que envolve o manguezal, o mar e a terra firme. São
homens que se especializam em muitos anos de prática e que sempre usam esse
conhecimento para explorar de forma exaustiva o recurso “caranguejo” e
estabelecer uma relação que se baseia não somente na exploração da força
física, mas, além disso, na apropriação do conhecimento dos tiradores por uma
relação de mercado, imposta pela lógica do capital.
74
3.2 - O USO DOS ESPAÇOS E DOS RECURSOS NA COMUNIDADE DO JUTAÍ
A comunidade de Jutaí tem como principal meio de sobrevivência os
recursos disponíveis no mangue.
A vida de grande parte dos habitantes da comunidade do Jutaí está
condicionada pelo maio natural que o cerca, representado pelo mangue, com o
qual os habitantes convivem todos os dias,retirando os recursos indispensáveis
para a sua sobrevivência,sendo por isso considerada comunidade de mangue
(Figura 23).
Figura 23: Croqui da Comunidade do Jutaí, localizada no município de São Caetano de
Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
75
Portanto, esse território, é construído a partir das relações entre a
sociedade e natureza e entre o mangue e as pessoas que dele se utilizam. Como
podemos ver essa relação entre território-natureza-sociedade é inseparável e nos
permite uma visão da própria dinâmica do cotidiano vivido pelas pessoas, pelos
moradores da comunidade do Jutaí. Dinâmica essa representada pela
intervenção realizada pelos homens no território, criando e recriando significados
em torno dessa apropriação que se passa no dia a dia.
Todavia, não é somente em função do que o mangue pode oferecer, em
termos de recursos, que é dado o estreitamento da relação entre os habitantes da
comunidade e o meio que o cerca, mas também pela relação de territorialidade,
de identidade que o grupo mantém com esse meio.
Nessa relação de territorialidade identificam-se diferentes usos do mangue,
que para as crianças é visto como espaço de lazer, das brincadeiras, durante as
baixas marés, enquanto que para os adultos é o espaço de realização da vida
material.
Esse espaço vivido é o produto das relações humanas, que se entre o
homem e a natureza, tecido por relações sociais que garantem a construção de
uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura
produzindo a identidade, posto que é que o homem se reconhece porque é o
lugar da vida. No caso do Jutaí, o é o sujeito que pertence ao lugar, mas o
lugar também pertence a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente
a produção da vida. . Por outro lado, o mangue determina o ritmo de vida e a
forma como a comunidade se apropria desse ambiente, que expressa assim sua
função social.
Porem, dentre as práticas diferenciadas nesse ambiente, existem várias
alternativas de sobrevivência, como o turu que é um molusco que vive nas
árvores em putrefação do mangal, é um perfurador de madeiras, de corpo
alongado e vermiforme, revestido por um tubo calcário. Além da madeira
alimenta-se também de plâncton, que são espécies de pequenos animais e
vegetais que flutuam nas águas doces, salobras e marinhas. A importância do
turu reside em sua contribuição na reciclagem da matéria orgânica e como fonte
de alimento e renda para as comunidades que vivem do mangue.
No Jutaí, a extração do turu é uma forma de apropriação do mangue que
revela a capacidade criadora da comunidade, através de suas práticas que
76
garantem a identidade, através das formas de usufruir dos recursos disponíveis
nesse espaço, gerando uma relação de pertencimento.
A técnica utilizada para a extração do turu, se através da utilização de
um machado que é usado para golpear um tronco de árvore que já esteja podre e
caído dentro do manguezal, abrem-se fendas no tronco e imediatamente os turus
aparecem, morrendo logo após a abertura do tronco que lhe servia de habitat
(Figura 24).
Figura 24: Técnica utilizada para a extração de turu na comunidade do Jutaí,
município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
Alguns moradores dizem que a causa imediata da morte do turu, seja
talvez, a sensibilidade a luz, por esta razão fica muito cil a retirada destes
moluscos das árvores. O turu parece uma minhoca gigante e branca (Figura 25),
sua cabeça é dura e seus dentes afiados servem para cavar as madeiras das
quais se alimentam. O tronco habitado por eles encontra-se todo escavado, cheio
de buracos. A cada machadada surgem novos turus, porém, o que se percebe é
que a identidade sociocultural pode permitir a visualização de padrões regulares
nas interações entre comunidades e ambiente, ou seja, formas específicas pelas
quais essas interações marcam a paisagem e as atividades tradicionais
(MIRANDA, 2004). O que se verifica nos relatos feitos pela comunidade, é que as
práticas desenvolvidas fazem parte do reconhecimento e identificação que a
comunidade tem com o território e é, o reconhecimento das práticas que distingue
determinado grupo, criando uma identidade social e coletiva.
77
Figura 25: Turu no tronco da árvore nos manguezais da comunidade do Jutaí, município de
São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
A culinária, por exemplo, também faz parte dessa identidade social e
coletiva (Figura 26). Segundo os moradores do Jutaí, existem várias formas de se
degustar o turu, que pode ser comido cru com sal e limão, mas também através
de pratos feitos pelas mulheres da comunidade, passados de gerações em
gerações.
.
Figura 26: morador da comunidade do Jutaí, no município de São Caetano de Odivelas-PA,
lavando turu para retirar a lama do manguezal.
Fonte: Autora (2009).
78
O principal prato feito de turu na comunidade é o caldo de turu. Segundo
um morador da comunidade, o turu é rico em nutrientes, servindo para a cura de
muitas doenças, como tuberculose, câncer e como excelente afrodisíaco, sendo
muito procurado por pessoas residentes na capital do Estado. Embora isso
aconteça, a comercialização não sai dos limites entre o Jutaí e a sede municipal,
pois essa procura se via sede ou diretamente na comunidade de Jutaí, não
havendo uma articulação com o mercado de Belém.
Os moradores, da comunidade de Jutaí, geralmente no verão,
principalmente entre os meses de junho a dezembro, transformam o turu em uma
das alternativas de sobrevivência. Pois no inverno, o aumento da precipitação
aumenta e consequentemente, o volume da maré também, impossibilitando a
atividade, em função dos troncos ficarem cobertos pelas cheias.
Quando as marés sobem, ocorrem inundações que provocam a variação
da concentração de sal na água. Como conseqüência, a água do mangue não é
nem doce nem salgada, ela é chamada de salobra. Por outro lado, a ação das
marés varia ao longo das áreas de mangue, isto é, algumas zonas são inundadas
diariamente em quanto outras são atingidas apenas algumas vezes, em
determinadas épocas do ano, pelas grandes preamares de sizígia. Isso se dá pelo
fato do terreno possuir variações na sua topografia propiciando assim a existência
de locais mais baixos (inundados mais vezes pelas marés) e outros mais
elevados (alagados com menor freqüência). Isto influencia diretamente os
períodos de extração, tanto de turus, como ostras. O caranguejo, embora seja
extraído o ano todo, também depende dos ciclos da maré e da acessibilidade ao
mangue no período chuvoso.
Nos meses de novembro e dezembro, quando o caranguejo está magro, é
que o turu se torna a principal fonte de renda dos que vivem da exploração do
manguezal. No verão a facilidade de extrair o turu ainda é grande, suprindo com
isso as dificuldades vividas em relação ao caranguejo, principalmente nos meses
de novembro e dezembro quando o caranguejo está magro.
Por outro lado com a chegada do inverno dificuldade de extração tanto
do turu quanto da ostra, porém aumentando a possibilidade de se tirar
caranguejo, embora nesse período, janeiro a março, seja a fase de reprodução da
espécie.
79
Percebe-se, uma sustentabilidade da comunidade frente as limitações da
natureza, justificando a relação das atividades com o verão e o inverno, portanto,
na comunidade de Jutaí, os seus moradores simplesmente seguem regras
culturais locais para o uso e apropriação dos recursos naturais, e estas regras,
por sua vez, é que se definem como sustentáveis. Trata-se de uma relação que
ultrapassa a consciência conservacionista e se expressa como uma forma de
vida.
As diferentes formas de uso estão relacionadas a um conhecimento prévio
do ambiente e do recurso. Um conhecimento que não se limita ao domínio
classificatório de espécies. Vai mais além... Nesse sentido, podemos dizer que a
comunidade de Jutaí aprende de forma cumulativa, no decorrer dos tempos, em
um processo contínuo de aprimoramento e revalidação de suas práticas, fazendo
assim, parte de sua cultura a “atividade inventiva” como denominou Claval (2002).
É dessa forma que ela acompanha os padrões oferecidos pela natureza e é assim
que responde progressivamente aos obstáculos encontrados (LEONEL, 1998).
As atividades produtivas e o processo de trabalho são definidos pela concepção
de tempo marcado pela divisão entre inverno e verão, tanto no mangue quanto na
agricultura, correspondendo a tarefas intercaladas e à sazonalidade do trabalho.
Constatou-se que uma outra alternativa de sobrevivência retirada dos
manguezais da comunidade do Jutaí é a ostra-do-mangue, (Crassostrea
rhizophorae), têm um corpo mole, protegido dentro de uma concha altamente
calcificada, fechada por fortes músculos adutores, suas guelras filtram o plâncton
da água. A ostra-do-mangue ocupa lugar de destaque nas raízes reas dos
manguezais dessa comunidade, é utilizada como alimentação da população local
e em alguns casos para a sua comercialização. Também é extraída no verão, em
função de que no inverno ocorre a redução da salinidade, em ambientes
estuarinos, ocorrendo também a diminuição no número de espécies marinhas em
direção a montante (TOMMASI, 1970).
Segundo Nascimento (1982), a ostra-do-mangue, é naturalmente
encontrada em ambientes estuarinos tropicais da costa brasileira, fixadas em
substratos, principalmente em raízes de mangue. A extração desse molusco é
uma fonte de alimento e renda para muitos pescadores. Embora em muitos
lugares o estoque deste molusco estejam bastante reduzido, isso ainda não
acontece na comunidade de Jutaí.
80
Diversos fatores ambientais influenciam no cultivo de ostras em ambientes
estuarinos, tais como concentração de oxigênio na água, profundidade, dinâmica
de correntes, sólidos em suspensão e poluição. Dentre estes fatores, a salinidade
se destaca com de grande importância, pois apresenta variações diárias e
sazonais nos estuários, sendo influenciada pelo regime de marés e períodos
chuvosos (VILANOVA & CHAVES, 1988).
A ostra é considerada um alimento de grande valor nutricional,
principalmente por ser uma rica fonte protéica e pelo seu alto teor de
micronutrientes. É um importante constituinte da dieta das populações litorâneas
em todo o mundo, sendo seu consumo um hábito alimentar diário em muitas
comunidades de pescadores (Figura 27).
Figura 27: Ostra dos manguezais da comunidade do Jutaí, no município de São Caetano de
Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
A dieta alimentar dos moradores da comunidade de Jutaí está relacionada
aos recursos obtidos da natureza e os valores culturais, produtos da experiência
ou conhecimento. Compreender o lugar significa compreender de que maneira as
pessoas atribuem valores (FURLAN, 2000). Tal abordagem também é feita por
Tuan (1983):
“O espaço é mais abstrato do que lugar. O que
começa como espaço indiferenciado transforma-se
em lugar à medida que o conhecemos melhor e o
dotamos de valor” (1983:6).
81
Refletindo-se sobre o que diz Tuan (1983), pode-se considerar que o
espaço se transforma em lugar quando o dotamos de valor, então o território não
se resume aos limites físicos ou ainda ao espaço social, ele representa também
as ligações afetivas, o valor dado pela comunidade. Portanto, a identidade entre
um grupo social e o espaço são fundamentais para a manutenção desse território.
Nesse sentido, o território comporta a dimensão material, a dimensão cultural e a
dimensão social de um dado grupo. O território é tratado aqui por seu valor de uso
para o grupo social¹. Independente se sua delimitação seja formal ou informal, ela
garante a reprodução da comunidade. Portanto na comunidade do Jutaí, pode-se
conceituar “território”, quando se emprega valor de uso aos “lugares” apropriados
por ela, ou seja, na medida em que se expressa um valor sobre os lugares se tem
a garantia do território. Dessa forma, a territorialidade se caracteriza a partir dos
processos e mecanismos pelos quais os grupos estabelecem, mantêm e
defendem o usufruto ou a posse dos territórios.
O principal recurso disponível no mangue da comunidade do Jutaí é o
caranguejo. Porém, dentre as espécies existentes no mangue, aquela que é
utilizada como meio comercial e de subsistência é a Ucides cordatus, conhecido
como caranguejo-uçá e que representa o suporte econômico da comunidade
(Figura 28).
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1- Segundo Moraes o conceito de território é oriundo dos estudos de botânica e de zoologia, no
final do século XVIII e foi sendo incorporado as análises geográficas. Com a chamada geografia
Crítica, o conceito de território foi retrabalhado a partir da proposição marxista de que o que define
um território é o uso que se faz de uma determinada porção do globo, a partir de uma relação de
apropriação, qualificada pelo trabalho social (MORAES, 1984).
82
Figura 28: Caranguejo dentro do mangue e caranguejos prontos para comercialização na
Comunidade do Jutaí, município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Em Jutaí, o U. cordatus se reproduz entre janeiro e junho. Entre julho e
setembro, ocorre a ecdise, na qual os caranguejos se desprendem das suas
carapaças, substituindo-se por carapaças novas e maiores.
A culinária do caranguejo é muito presente na comunidade, que é
degustado de várias fomas, porém a maneira mais apreciada na comunidade é o
chamado caranguejo toc-toc (que é o caranguejo cozido), além da torta e o
casquinho de caranguejo, que e servido na própria carapaça ( Figura 29).
Figura 29: Caranguejo toc-toc e o casquinho de caranguejo, culinária da comunidade do Jutaí,
localizada no município de São Caetano de Odivelas-PA.
Fonte: Autora (2009).
83
A dieta alimentícia da comunidade de Jutaí, demonstra não a
dependência dos recursos que o mangue oferece, mas sua relação de
dependêcia e apropriação do território, pois, a melhor compreensão sobre o
conceito de território, não se limita as relações de poder, mas sobretudo,
enquanto apropriação resultante da identidade social e cultural, gerando na
comunidade, o sentido de pertencimento com o seu espaço de vivência. Esse
sentimento de pertencer ao espaço em que se vive, de conceber oespaço como o
locus das práticas, onde se tem o enraizameno de uma complexa trama de
sociabilidade, é que dá ao espaço o caráter de território
Portanto, as diferentes formas de apropriação e de manutenção desses
territórios podem ser entendidas como expressão de territorialidade.
Compreendendo a territorialidade como a luta pela manutenção da identidade e
ao mesmo tempo representando uma forma específica de ordenação territorial.
Considerando a identidade como um processo de sociabilidade com o lugar, a
territorialidade é a expressão desse processo no cotidiano dos atores sociais.
Esta afirmação é confirmada por Maldonado (1993), que diz:
“A territorialidade se desenvolve através do tempo,
passando de uma geração a outra nos processos de
socialização e de transmissão da tradição como uma
relevante dimensão da capacidade que o homem tem de
conferir significados simbólicos ao espaço, inclusive ao
espaço social em que ocorrem as suas relações,
construindo lugares. Estes comportamentos levam a
fenômenos da ordem da ocupação e da posse, de
exclusão, de distanciamento e de pertencimento”
(MALDONADO, 1993:35).
Ao considerar a relação da comunidade do Jutaí com o seu espaço,
compreendeu-se de uma forma mais ampla o comportamento dos membros da
comunidade. Dessa forma destaca-se aqui, a cultura como parte fundamental,
porém não única, do vínculo comunidade e espaço, uma vez que a partir das
diferentes culturas são construídas as diferentes representações do espaço. A
cultura é uma perspectiva do mundo que as pessoas passam a ter em comum
quando interagem. Ela se desenvolve na interação ao longo do tempo. Determina
boa parte do que faz o indivíduo e permite a continuidade, a estabilidade e a
84
previsibilidade entre as pessoas. Uma cultura, antes de tudo, é um conjunto de
idéias e cada organização social desenvolve uma visão de mundo específica, a
qual se mantém fiel e que ensina a seus membros (CHARON, 1999).
Por conta da necessidade de sobreviver, os moradores da comunidade do
Jutaí adquiriram um conhecimento profundo do ecossistema do qual fazem parte,
o que permite a sua produção e reprodução social no tempo e no espaço,
verificada através de suas atividades durante o ano. Nos meses de janeiro a
maio, conhecidos na comunidade como inverno, as principais atividades
produtivas são a extração de caranguejo e a atividade agrícola. Nos meses de
junho a dezembro (verão), embora continuem as atividades de extração de
caranguejo e agricultura, as quais acontecem durante o ano todo, o leque de
atividades produtivas aumentam, principalmente nos meses de novembro e
dezembro quando o caranguejo está magro, e as principais atividades passam a
ser a extração da ostra e turu (Figura 30).
Figura 30: Atividades produtivas durante o ano na comunidade do Jutaí, município de São
Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Percebe-se que espaços, recursos e usos se estabelecem através de
gerações, imprimindo marcas e detalhes na maneira de ser e de viver dos
habitantes da comunidade do Jutaí. O modo de viver está relacionado com os
aspectos espaciais, ambientais e socioculturais, que causam efeitos sobre o
85
patrimônio natural, principalmente ao ambiente manguezal e seus recursos.
Segundo Santos (2002), o território não é apenas o resultado da superposição de
um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas
pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o
fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do
trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais da vida, sobre as quais
ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que trata-
se de território usado, utilizado por uma dada população.
Sendo assim, a compreensão dos caminhos que se constroem em
determinados locais pode revelar um mundo desconhecido pelos diagnósticos
normais de apreensão da realidade. São sutilezas, nuanças que os dados não
costumam revelar. A trama da relação sociedade/natureza também passa por
este caminho, onde a organização interna de dado território tem seu significado
para as populações que ali residem e relacionam-se.
3.3 AS TÉCNICAS DE EXTRAÇÃO DE CARANGUEJO NO MANGUEZAL DA
COMUNIDADE DO JUTAÍ.
As comunidades de mangue no nordeste paraense são comunidades que
sobrevivem diretamente do ecossistema manguezal, cujas técnicas representam
o meio pelo qual essas comunidades constituem o seu próprio espaço, isto é, o
seu espaço de vivência.
O espaço geográfico é dinâmico, mediante a técnica o homem produz e
reproduz o espaço. Ele é criação da sociedade, construído e transformado por ela
a cada tempo. Portanto, a cnica é um elemento de fundamental importância
para o entendimento da sociedade e dos lugares e, inserida dentro de um
contexto histórico, é o próprio lugar que atribui a ela uma realidade histórica,
relativizando o seu uso e integrando-a num conjunto de vida, retirando-a de sua
abstração empírica e lhe atribuindo efetividade histórica (SANTOS 1999).
Na comunidade do Jutaí, o uso das técnicas na extração do caranguejo
tem atravessado gerações, sendo ela meio pelo qual essa comunidade tem
produzido o seu espaço geográfico. Nesse contexto, a técnica torna-se, portanto,
uma medida de tempo. As cnicas não mudam o fazer, mas sim o como fazer, e
o trabalho realizado a cada época supõe um conjunto determinado de técnicas.
Nota-se, portanto, que o tempo também surge como categoria importante para o
86
pensar geográfico, estando intimamente ligado ao espaço e à técnica, e esta
última funciona como elo entre tempo e espaço. O uso de técnicas, na
comunidade do Jutaí, vem sendo aprimorado de acordo com as necessidades de
mercado levando a intensificação cada vez maior da captura desses crustáceos.
A intensificação dos fluxos comerciais, materializados pelas
transformações espaciais, sobretudo, pela construção da Rodovia PA-140, a partir
da década de 1950, engendrou dentro das comunidades de mangue do município
de São Caetano de Odivelas, um redirecionamento da produção do caranguejo
que ultrapassou as fronteiras regionais. Segundo os tiradores de caranguejo
entrevistados, na comunidade do Jutaí não foi diferente principalmente por se
tratar de uma comunidade onde o mangue do seu entorno tem, segundo eles, o
melhor caranguejo do município.
Na comunidade do Jutaí, na medida em que a produção do caranguejo foi
tomando um direcionamento para o mercado, os fixos, ou seja, as técnicas
passam a ser substituídas por outras, que garantem um aumento na produção, ao
mesmo tempo em que impedem a reprodução do caranguejo.
No município a atividade de extração de caranguejo começou na
comunidade do Jutaí. Uma das cnicas utilizadas para a captura o caranguejo é
aquela que utiliza apenas as mãos, essa cnica é bastante rudimentar,
dificilmente sendo utilizada nos dias de hoje, ela é denominada de braço (Figura
31). Essa técnica consiste simplesmente em introduzir o braço no buraco onde
está o caranguejo e pega-lo com a mão. Hoje utilizada somente durante os
sauatás. Segundo Maciel (2004), esse fenômeno ocorre uma vez por mês, de
janeiro a abril, durante cerca de três dias, antecedendo o dia de lua cheia.
87
Figura 31: Técnica do braço, encontrada nos manguezais do município de São Caetano de
Odivelas-PA.
Fonte: A autora, 2009.
A técnica do braço era utilizada pelos tiradores de caranguejo dessa
comunidade até a década de 1970. É importante ressaltar que essa era uma das
técnicas mais utilizadas na captura de caranguejo em todo o município de o
Caetano de Odivelas. Através da técnica do braço o tirador podia perceber o sexo
e tamanho do caranguejo, podendo optar em tirar ou deixar o crustáceo no seu
habitat natural.
Segundo Santos (1999), o trabalho realizado em cada época supõe um
conjunto historicamente determinado de técnicas. Segundo uma frase muito
freqüentemente usada por Karl Marx: o que distingue as épocas econômicas uma
das outras não é o que se faz, mas como se faz com que instrumento de trabalho.
Esta noção tem, pois, um valor histórico e espacial. Portanto, a técnica do braço,
apesar de ainda ser utilizada, tem sido deixada de lado na comunidade do Jutaí,
sendo substituídas por outras que garantam o aumento da produtividade e as
exigências de um mercado em ascensão.
Uma técnica muito utilizada é a tapagem (Figura 32), mais conhecida pelos
tiradores como tapa. Esta técnica é repassada de pai para filho e consiste em
tapar as tocas (buraco onde ficam os caranguejos), com argila, para que o
caranguejo procure a superfície em busca de ar. Segundo Maneschy (1993), no
município de São Caetano de Odivelas, o método de tapagem começou a ser
praticado na área acerca de 40 anos, vindo responder a necessidade de aumento
88
da produção. Na tapagem o caranguejo sai do buraco em busca de ar, nesse
caso, podem ser capturados caranguejos impróprios pra a comercialização,
porém as meas e os caranguejos jovens são soltos pelos tiradores, porém,
antes de chegar a superfície, vários deles morrem asfixiados.
Figura 32: Técnica de tapagem, no mangue da comunidade do Jutaí, município de São Caetano
de Odivelas - PA.
Fonte: A autora, 2009.
O “laço” é uma outra cnica utilizada na comunidade do Jutaí, que se
originou na comunidade de Santa Maria da Barreta, localizada a dez quilômetros
da sede municipal de São Caetano de Odivelas. Segundo Maneschy (1993) o
laço é feito através de uma pequena vara de madeira, a qual se amarra a um fio
de náilon de uma extensão de 45 cm. O fio tem um corredio na extremidade,
que permite laçar o caranguejo no momento em que ele sai da toca. Arma-se o
laço na entrada da toca, que é sustentado pela vara que é enterrada no solo.
Essa prática acontece geralmente de junho a novembro, pois nesse momento o
solo é mais rígido e permite o uso da técnica (Figura 33).
89
Figura 33: Técnica do Laço, utilizada na comunidade do Jutaí, município de São Caetano de
Odivelas- PA.
Fonte: Autora (2009).
Porém, no intuito de capturar um número maior desses crustáceos para a
comercialização, acaba sendo difícil perceber se com a técnica do laço a
reprodução da espécie está assegurada, que existe a possibilidade de capturar
caranguejos jovem que não servem para a comercialização devido o seu
tamanho, ou ainda capturar as fêmeas que são de fundamental importância para
a reprodução da espécie. Segundo alguns tiradores, a pressa de retirar o laço,
que acontece no final do processo, quando os tiradores já estão desgastados pelo
dia de trabalho nem se dão conta, muitas vezes, de soltar as fêmeas e/ou
caranguejos jovens das armadilhas. (MACIEL, 2004).
A introdução da captura com “redinha” (armadilha feita com fios plásticos
fixados na abertura das galerias, utilizando caules de mangue) é recente no
município de São Caetano de Odivelas. Devido ao fácil uso e elevada
produtividade, a técnica da redinha espalhou-se rapidamente por várias
comunidades de extração de caranguejos, acarretando intensificação da pressão
de coleta. Atualmente, essa prática está proibida pelo IBAMA (Portaria 52/2003).
Porém, na comunidade do Jutaí, a redinha ainda não é utilizada e os tiradores
embora tenham ouvido falar sobre ela, não sabem como ela é utilizada e nem
mesmo como confecciona-la.
Segundo Santos (1999), as técnicas são datadas e incluem o tempo,
qualitativamente e quantitativamente. Elas são medidas de tempo: o tempo do
90
processo direto do trabalho, o tempo da circulação, o tempo da divisão territorial
do trabalho e o tempo da cooperação. Portanto, é interessante ressaltar, que as
técnicas de captura de caranguejos fazem parte de um conjunto de estratégias de
sobrevivências desenvolvidas por essas populações em um contexto totalmente
desfavorável. Porém, embora essas técnicas realizadas na captura nem sempre
esteja de acordo com o nível de preservação ambiental desejado, são, ainda hoje,
as únicas conhecidas pelos tiradores.
Na comunidade de Jutaí, as técnicas de coleta, foram com o decorrer do
tempo aprimoradas devido o aumento da comercialização, no entanto as novas
técnicas utilizadas têm comprometido a sustentabilidade do ambiente manguezal
de seu principal recurso, o caranguejo. Observa-se que a maior parte dos
tiradores (70%) utiliza o misto de duas técnicas, sendo que 40% praticam o laço e
a tapa e 30% preferem o braço e o laço, porém, alguns tiradores (30%) utilizam
apenas uma dessas técnicas (Figura 34).
40
30
10
10
10
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Percentual
Laço e tapa
Laço e braço
Laço
Tapa
Braço
Técnicas
de extração de caranguejo
Figura 34: Técnicas de coleta utilizadas pelos tiradores de caranguejo na Comunidade do Jutaí,
Município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
É importante ressaltar que as cnicas mais utilizadas, que o o laço e
tapa, são também as cnicas que causam maiores danos a preservação do
caranguejo. Verifica-se a necessidade de diminuição do tempo e aumento na
produtividade, conseqüentemente a utilização de técnicas que garantam essa
necessidade independente da agressão que esta possa causar ao recurso, mas
também ao ambiente manguezal.
91
No tocante ao uso de técnicas, Harvey (1993), afirma que o
desenvolvimento da técnica vem implicando em profundas transformações no
processo produtivo, a mudança nos meios de comunicação ligando os espaços
em redes de fluxos cada vez mais densas, ultrapassando fronteiras. O autor
coloca, antes de qualquer coisa, uma necessidade de repensarmos a natureza do
espaço num momento em que uma relação espaço-tempo se transforma de modo
incontestável.
Na realidade o que Harvey (1993) chama de compressão espaço-tempo
não faz mais do que apontar uma tendência de eliminação do tempo e não do
espaço. O que se busca é a diminuição do tempo do percurso e não do espaço do
percurso que continua sendo um dado inquestionável, os fluxos sejam eles
materiais ou imateriais deslocam-se num espaço concreto a ser percorrido. O que
efetivamente ocorre é que o desenvolvimento de novas técnicas que tornou o
espaço contínuo que permite abolir o tempo.
É verdade que hoje a relação entre homem e meio natural, entre os quais
se enquadra o mangue, tem sofrido grandes transformações. As técnicas e o
trabalho não se casam com as dádivas da natureza, nem tão pouco, tem-se
preocupado com a conservação das condições naturais, que algum tempo
constitui a base de existência do grupo. Porém, pela ausência de atividades no
município que abarquem o crescimento populacional e pela demanda garantida
da exploração de caranguejos, verifica-se que o número de pessoas dentro dessa
atividade cresce a cada dia. Portanto, apesar das dificuldades, a categoria de
tiradores de caranguejos, tende a permanecer. Somente eles detêm os meios de
produzir este recurso, com seus conhecimentos e práticas adquiridos na lida
diária nos manguezais.
Esse contingente populacional não tendo outra forma de sustentar a si e a
sua família, tende a essa atividade como única forma de sobrevivência. Se para a
população local a produção do espaço geográfico é resultado do uso das técnicas
de tiração e estão relacionadas a um saber empírico, sendo este passado de
geração em geração.
92
3.4 - DINÂMICA ESPACIAL DE PRODUÇÃO DO CARANGUEJO DA
COMUNIDADE DO JUATAÍ.
Para compreender o espaço de produção dos manguezais da comunidade
do Jutaí, se faz necessário a caracterização dos atores envolvidos nesse
processo. A consolidação entre o saber fazer e o poder fazer está fundamentada
na diversidade dos atores sociais envolvidos, diversidade essa que se traduz em
uma grande teia de relações. Para LEFEBVRE (1974) apud GOTTDIENER
(1997), entender o espaço exige que se compreenda como ele é produzido.
Segundo o autor, o espaço é produzido como nenhuma outra mercadoria, pois ele
representa ao mesmo tempo um objeto material e um processo que envolve
relações sociais e que recria continuamente tais relações ou ajuda a reproduzi-
las.
Inicialmente evidenciou-se, a partir da vivência com os tiradores de
caranguejo, a existência de três tipos de tiradores: a) O tirador que possui canoa
e que adentra aos manguezais mais distantes, b) O tirador que não depende de
canoa e adentra aos manguezais mais próximos da comunidade (nos quintais das
casas) e c) o tirador que procura manguezais mais distantes, locomovendo-se por
terra, utilizando bicicletas. Com o decorrer do tempo e observando a prática
cotidiana, percebeu-se que, os tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí
não capturam os caranguejos sempre no mesmo lugar, ou no mesmo ponto como
dizem os tiradores. O que ocorre é que eles retornam a um determinado ponto
após seis a sete dias, tempo necessário para que os caranguejos voltem a se
reproduzir.
Assim sendo, fica claro que o pressuposto da existência de três diferentes
tipos de tiradores era um equívoco, na verdade o que existe é a necessidade de
rodízio nos pontos de captura. De acordo com o estudo, a dinâmica espacial de
produção de caranguejos na comunidade do Jutaí, pode ser representado pelo
fluxograma abaixo (Figura 35):
93
Figura 35: Fluxograma da dinâmica de produção de caranguejo da comunidade do Jutaí, no
Município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
94
Conforme pode-se observar através do fluxograma, os atores sociais
envolvidos na produção de caranguejos na comunidade do Jutaí são: tirador de
caranguejo, marreteiro ou atravessador primário, marreteiro ou atravessador
secundário, marreteiro ou atravessador terciário, dono de restaurante, feirante e
consumidor.
Inicialmente será descrito a dinâmica espacial de captura de caranguejos
vivenciada pelos tiradores, em seguida será abordada a dinâmica espacial de
comercialização de caranguejos na comunidade do Jutaí.
3.4.1 Dinâmica Espacial de Captura de Caranguejos dos Tiradores da
Comunidade do Jutaí.
O cotidiano dos tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí é
desgastante. Por volta das seis horas da manhã adentram aos manguezais dando
início a sua jornada de trabalho, quase sempre descalços ou com alguma
proteção nos pés feita com restos de panos ou calça jeans recortada em forma de
meias, um short, uma camisa velha, um boné e um frasco de óleo para passar no
corpo com o objetivo de se proteger da ação dos insetos (Figura 36). Leva nas
costas um saco de fibra sintética ou um cofo. O cofo é um cesto utilizado para
transportar os caranguejos dentro dos manguezais, os quais geralmente são
produzidos artesanalmente nos quintais de suas casas, feito de folhas de
palmeiras (Figura 37). Para a sua alimentação levam uma garrafa de água e um
litro de farinha, e algumas vezes, uma farofa de ovos (Figura 38).
95
Figura 36: Tirador de caranguejo da comunidade do Jutaí, município de São Caetano de
Odivelas - PA, se preparando para adentrar o mangue.
Fonte: Autora (2009).
Figura 37: Tirador de caranguejo da comunidade do Jutaí, município de São Caetano de
Odivelas - PA, produzindo seu cofo, para transportar caranguejos no manguezal.
Fonte: Autora (2009).
96
Figura 38: Tipo de alimentação consumida pelos tiradores dentro dos manguezais da
Comunidade do Jutaí, Município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Devido ao processo de reprodução dos caranguejos, em alguns momentos,
os tiradores precisam descer os canais do manguezal em canoas de madeira
(Figura 39). Geralmente partem na primeira maré do dia e remam por poucos
minutos, até um determinado ponto onde amarram suas canoas nos troncos das
árvores e partem em caminhadas que duram em média de 6 a 8 horas em meio à
lama até o ponto de captura de caranguejos.
Figura 39: Tirador de caranguejos em sua canoa de madeira, no canal que liga o manguezal da
comunidade do Jutaí, Município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
97
Um fator muito importante relacionado à jornada de trabalho são os ciclos
das marés, que vão interferir na organização do trabalho nos manguezais e
provocar oscilações na produção de caranguejos. Essas oscilações refletem nos
preços no momento da comercialização.
Geralmente, os tiradores de caranguejos atuam na atividade na baixa-mar,
ou seja, quando o manguezal não é alagado pelas águas marinhas (Figura 40),
porém dependendo do horário dessa maré ela será apropriada ou não para a
captura e também para a comercialização, visto que as negociações são feitas
geralmente em um horário p estabelecido entre o tirador e o comprador da
produção. Assim, quando a mabaixa ocorre após o horário combinado com o
comprador, não adianta então capturar o caranguejo, pois o mesmo não se
mais comercializado naquele dia. Além disso, nesse período, a comercialização
dos caranguejos se torna inviável, uma vez tratar-se de um produto que é
comercializado vivo e, que necessita ser rapidamente escoado, pois, o tempo de
vida é curto (em torno de três dias), e eles precisam chegar vivos na capital do
estado e continuarem vivos em todo o processo de comercialização.
Figura 40: Tirador de caranguejos na baixa-mar, nos manguezais da comunidade do Jutaí,
Município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
É interessante relatar que durante as chamadas marés de quarto, quando
os manguezais não são submersos, o trabalho obviamente se torna mais fácil e a
produção aumenta significativamente. Em contrapartida, nas marés de sizígia,
98
conhecidas pelos tiradores como “maré de lanço”, quando a oscilação no nível de
água é máxima, a captura do caranguejo se torna limitada.
Após a maré de lanço, surge a maré de quadratura, chamada pelos
tiradores de maré de águas mortas (Figura 41), onde o nível de água é menor do
que a maré de lanço, e o alagamento se lentamente, permitindo maior tempo
do tirador dentro do manguezal.
Figura 41: Tirador de caranguejos dentro dos manguezais da comunidade do Jutaí, na maré de
águas mortas, município de São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Dentre os recursos do mangue explorados pela comunidade de Jutaí, os
caranguejos são os que têm o seu ciclo de vida mais bem conhecido pelos
tiradores locais. Este conhecimento, inseridos em um cronograma ao longo do
ano sofrem pouquíssimas variações, segundo os tiradores entrevistados. O
detalhamento preciso destes aspectos percebidos por pescadores de outras
comunidades, também encontrado por Nordi (1992) na Paraíba, Maneschy (1993)
no Pará, Nunes (1998) no Espírito Santo, Barros (2001) no Sul da Bahia e
Fiscarelli e Pinheiro (2002) em São Paulo, pode estar relacionado a uma estreita
relação existente entre o conhecimento acadêmico e a dinâmica de produção do
caranguejo.
Essa dinâmica se traduz na aplicação de um maior ou menor esforço de
captura em função da maior ou menor quantidade de caranguejos, assim como na
captura de caranguejos nas suas várias fases, dentre elas a fase de muda de
casco, que são impróprios para consumo e, conseqüentemente, inadequados à
comercialização.
99
O ciclo de vida do caranguejo no mangue da comunidade do Jutaí se inicia
com a reprodução, quando estes realizam a andada, fenômeno em que grandes
quantidades de machos e de fêmeas abandonam suas tocas, perdem a
agressividade e vagam pelo mangue para acasalarem-se e, no caso das fêmeas,
realizar a desova (Blankensteyn et al., 1997). Na comunidade do Jutaí esse
fenômeno é chamado de sautá.
Segundo os tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí, ocorrem
três sauatás por ano, que acontecem nos meses de janeiro, fevereiro e março,
sendo as duas primeiras para acasalarem-se e a última para a desova das
fêmeas. As marés servem de indicadores para a saída dos caranguejos. As
andadas ocorrem três a cinco dias após uma das marés de lanço, com exceção
da ultima maré de lanço onde as fêmeas andam na própria maré.
Nunes (1998) também registrou a informação de tiradores nos manguezais
de Vitória (ES) que a "andada acontece normalmente na primeira lua de janeiro
(lua cheia ou nova)". Nordi (1992) também encontrou entre os caranguejeiros de
Várzea Nova (PB) associações desta fase de reprodução a uma "festa" (diversão)
ou a uma doença ("doentes"), embora a maioria dos tiradores a tenha
reconhecido como período reprodutivo.
Na comunidade do Jutaí, observa-se o comportamento dos tiradores no
período do sauatá, onde constatou-se que todos os entrevistados da área de
estudo capturam caranguejos nessa época, embora tenham receio de dizer por
medo de denuncias que podem ser feitas ao IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis), conforme ressalta um tirador da
comunidade:
“Na época do sauatá, todos se animam pra tirar caranguejo. É
a época que o caranguejo fica besta, e fica fácil qualquer
pessoa pegar, até as criança tira”.
(Reginaldo Gemac Pinheiro, tirador de caranguejos)
No período de abril a junho, os caranguejos iniciam uma fase de engorda
que se estende até setembro ou outubro. A engorda dos caranguejos provoca
uma mudança em seu comportamento, quando passam a ficar mais ariscos e,
conseqüentemente, mais difíceis de serem capturados, no entanto são mais
valorizados economicamente, como que relata um entrevistado:
100
"O caranguejo começa a engordar a partir do mês de março
em diante”. É menos caranguejo, é mais arisco mas é melhor
de preço”.
(Reginaldo Gemac Pinheiro, tirador de caranguejos)
Percebe-se que os tiradores dominam todo um saber sobre o ciclo
biológico do caranguejo e usam esse conhecimento para a retirada desses
crustáceos. Dentre esses saberes está o conhecimento sobre a ecdise, que é o
período em que ocorre a troca de casco do caranguejo. Quando os caranguejos
migram para as porções de lama mais dura e se enterram, tapando a abertura da
toca, estão se preparando para a troca de casco. A preparação para a ecdise se
por volta dos meses de julho e agosto. Os tiradores da comunidade do Jutaí
chamam esta fase de “caranguejo tapado”, representando para eles uma época
de baixa produtividade, tendo em vista a dificuldade de retirar o caranguejo de
suas tocas. Mas a troca de casco ocorre efetivamente nos meses de setembro e
outubro, não acontecendo de forma simultânea, em toda a extensão do
manguezal.
Contudo, esta o-simultaneidade na troca do casco permite a captura do
caranguejo em menores quantidades, o que também foi observado por Nunes
(1998) entre pescadores de Vitória (ES). Esta fase é considerada por pescadores
como a “falha” (período de pouca abundância) do caranguejo, pois em processo
de ecdise, estes crustáceos tornam-se impróprios para o consumo.
Segundo os tiradores de caranguejo, até o fim de setembro o caranguejo
está passando pela troca do casco, que vai começar a endurecer a partir de
meados de outubro, quando os caranguejos destampam as tocas e saem. Os
tiradores, ao meter as mãos nos buracos, topam no casco e retiram aqueles já um
pouco endurecidos e aqueles que se encontram na “boca” do buraco quase na
saída, mas que estão ainda fracos, os tiradores deixam para as próximas
capturas. Após a ecdise os caranguejos ficam magros, geralmente nos meses de
novembro e dezembro. Para a melhor compreensão da dinâmica de extração de
caranguejo, a figura 42 mostra as fases do ciclo de vida desses crustáceos.
101
Figura 42: Ciclo de vida anual do caranguejo (U. cordatus), comunidade do Jutaí, município de
São Caetano de Odivelas - PA.
Fonte: Autora (2009).
Segundo Nordi (1992), a previsibilidade e a abundancia relativa destes
crustáceos, a pouca sazonalidade, baixo capital exigido para a captura e a boa
aceitação comercial contribuem para a intensificação das coletas. De acordo com
Paiva (1997), o caranguejo pode ser explorado com relativa intensidade, uma vez
que o processo de captura permite a identificação das fêmeas, que têm um
tamanho 10% menor do que os machos, e pela pequena aceitação comercial de
indivíduos pequenos de ambos os sexos.
Na comunidade do Jutaí, onde esta diferenciação também foi registrada, a
preferência por espécies do sexo masculino se mostrou bastante evidente nas
entrevistas. Este comportamento de seleção na captura se mostrou baseado em
três critérios: o legal, que segundo legislação específica, é proibida a captura
de meas em qualquer época do ano; o conservacionista, pois, os tiradores m
noção da importância das fêmeas para o processo de reprodução; e o comercial,
claramente preponderante nas falas, em função de sua aceitação no mercado,
conforme constata um tirador:
102
“No Jutaí, ninguém tira condessa, não serve pra
comer e nem pra vender, e se tirar condessa vai
acabar o caranguejo, se ela acabar acaba
também o caranguejo”.
(Edgar Gurjão Rodrigues, tirador de caranguejos)
A tiração de caranguejos no contexto da comunidade do Jutaí, passou a
ser desenvolvida de forma intensiva, sobretudo em razão da crescente demanda
de mercado. Portanto, mesmo que para o caranguejo crescer seja necessário
dois ou três meses, a intensificação da captura principalmente para a sua
comercialização, não está permitindo que o caranguejo atinja a fase a adulta,
justificando a diminuição dos mesmos, ratificadas nas palavras dos tiradores:
“Sai muito caranguejo, mas a maioria é pequeno e
o preço é muito baixo, se tirasse somente
caranguejo médio e grande, o preço era melhor, o
caranguejo ia ter tempo pra crescer e a procura ia
ser maior, ia ter menos caranguejo e mais
vantage”.
(Raimundo Ferreira Dalmácio, tirador de caranguejos).
Porque se todo dia a gente indo, a gente tira
nesse dia, no outro dia não tem mais... tem que
esperar até caranguejo denovo e as vez agente
espera muitos dia”.
(Justino Ferreira Campos, tirador de caranguejo).
Entretanto, a experiência, os saberes sobre o ecossistema servem como
bússola, orientam os tiradores e fazem com que se desloquem para lugares onde
tenham mais caranguejos. Os tiradores de caranguejos da comunidade do Jutaí
são conduzidos pelo conhecimento que envolve uma rica relação direta com a
natureza, todos eles conhecem o mangue como a palma da mão.
Os tiradores são unânimes em afirmar que está ocorrendo uma diminuição
da quantidade de caranguejos na área, ressaltando que isso se em função do
103
aumento de tiradores de caranguejos, que se deslocam para os manguezais
próximos à comunidade, conforme afirma o tirador:
“Na época do meu pai, era descer pro mangal e
tirava cem, duzentos caranguejo, numa manhã, na
facilidade, agora ta muito difícil, as vezes passa o
dia todo e num traz nem cem caranguejo”.
(Sandoval Gurjão Rodrigues, tirador de
caranguejos).
A ausência de laços comuns entre os tiradores que vivem na comunidade e
aqueles que se deslocam para lá, denota que o aumento de tiradores no mangue
não está enraizado no incremento da cultura local, tendo, infelizmente, outros
fundamentos com a intensificação da produção e principalmente a falta de
oportunidade de emprego no município.
O aumento do número de tiradores não necessariamente representa uma
ameaça ao sistema de organização dos espaços, no entanto, quando se tem a
extrapolação do controle comunitário instaura-se a situação de conflito. As regras
continuam a ser adotadas, contudo, nem sempre são respeitadas. O conflito
surge e se agrava à medida que o respeito diminui ou desaparece, assim como
acontece com os sentimentos de pertencimento. Nesse caso, tem-se a
dissociação das “formas de apropriação” espacial.
Rodrigues (1998) trabalha a categoria espaço enfatizando a problemática
ambiental inerente ao processo de apropriação do espaço. Para a autora, o
espaço é um produto social que “pode se compreendido como a necessária
articulação da sociedade com a natureza em todas as esferas e escalas” e,
assim, o espaço passa a ser encarado como “lócus” de reprodução das relações
sociais de produção.
Portanto, a palavra espaço é utilizada com diversos sentidos, e sua
compreensão pressupõe também considerar a complexidade de sua apropriação,
da produção, do consumo, da distribuição e das relações que nele se
estabelecem. Considerando que os processos econômicos, e a economia
capitalista como um todo, são responsáveis pela produção do espaço, que
articula os objetos das relações sociais e de trabalho na reprodução do capital, o
espaço constitui sua funcionalidade na divisão social e territorial do trabalho.
104
Assim, a produção do espaço é produção de objetos que articulam e organizam,
em suas funções específicas, intercâmbios sociais que envolvem o trabalho e a
produção. O espaço seria, neste caso, a materialidade e a mediação entre os
sistemas de produção, de controle e reprodução do trabalho em sua dimensão
técnica e material.
3.4.2 - Dinâmica Espacial de Comercialização de Caranguejo na Comunidade do
Jutaí.
Dentro da lógica global, a tendência à compartimentação e fragmentação
do espaço faz com que haja, paradoxalmente, um choque e uma associação do
movimento da sociedade planetária, com o movimento particular das frações,
regional ou local da sociedade nacional (SANTOS, 2002).
O território econômico traduz-se, assim, no espaço das “horizontalidades”
cujos objetos, os fixos e os fluxos materializados na estrutura espacial,
incorporam também as transformações regionais. Nesse sentido, a abrangência
vai além do fator econômico, e os fatores de ordem política, cultural e social
estão mais presentes na forma de agentes que dinamizam todo processo. Na
visão de Santos (1997), o território compreendido tanto como territórios nacionais
ou como a base física e espacial da produção, se afetado pela lógica global
das transformações na atualidade. A divisão territorial e social do trabalho é
fortalecida na mundialização do espaço geográfico, onde as mesmas
horizontalidades compartilham o cotidiano territorial.
O processo de comercialização do caranguejo envolve uma rede de
agentes e relações econômicas. Na comunidade do Jutaí, após a chegada do
tirador do mangue, surge a figura de um agente intermediário, chamado pelos
tiradores de marreteiro, que para melhor esclarecimento em relação à dinâmica
de produção, será chamado de atravessador primário, ou seja, aquele que teo
primeiro contato comercial com o tirador.
Apesar da remuneração do tirador ser imposta pelo atravessador primário,
este assume um papel importante, na medida em que agrega as quantidades de
caranguejos trazidas pelo tirador, estabelecendo o elo entre a produção e a
comercialização.
105
Os agentes intermediários assumem formas variadas na dinâmica de
comercialização. O marreteiro ou atravessador primário é um tipo de intermediário
com raio de ação bastante restrito. Adquirem quantidades de caranguejos
diretamente dos tiradores, essa quantidade chega a uma média de 400
caranguejos por dia (Figura 43), a negociação é feita na hora em que o tirador
chega do mangal, extremamente cansado devido à jornada de trabalho. Os
caranguejos são vendidos entre trinta a trinta e cinco reais o cento, esses
caranguejos são depositados em sacos de nylon fornecidos pelo atravessador
primário.
Figura 43: Caranguejos prontos para serem comercializados na comunidade do Jutaí,
Município de São Caetano de Odivelas PA.
Fonte: Autora (2009).
Essa condição desfavorável, em que os tiradores comercializam o
caranguejo, é vista por Maneschy (1993), e também descrita por Nordi (1989):
“comercializam quando ainda estão estressados fisicamente devido a atividade
exercida e na maioria das vezes, pressionados pela necessidade de dinheiro
prioritariamente para garantir o complemento da alimentação diária”.
Após a negociação com o tirador, o atravessador primário, faz o
escoamento da produção em bicicletas, esse trabalho é feito por diaristas, que
segundo o seu Azevito, o único marreteiro (atravessador primário) da comunidade
do Jutaí, esses diaristas fazem o transporte do caranguejo até a sede municipal.
106
O caranguejo é vendido em sacas, fornecidas pelo atravessador primário,
cada saca contém cem caranguejos, entre grandes e pequenos, que serão
vendidos na sede municipal para o atravessador secundário que também é
chamado de marreteiro.
Esse tipo de marreteiro não possui nenhum vínculo com o tirador de
caranguejo, porém apresenta uma estreita relação com o atravessador primário.
Em relação a isso, percebe-se que independente da presença do atravessador
secundário em sua residência, local onde é feita a negociação, o atravessador
primário confere e entrega a mercadoria para pessoas ligadas ao atravessador
secundário. Essa mercadoria é entregue independente de haver pagamento
imediato, embora o atravessador primário tenha afirmado que na maioria das
vezes o pagamento é feito na hora da negociação.
Nessa transação comercial, o atravessador secundário, classifica os
caranguejos de acordo com o tamanho, como diriam os tiradores do Jutaí,
graúdos e miúdos. Realizada a classificação, os caranguejos são colocados na
carroceria de veículos e transportados para Belém (Figura 43).
Figura 43: Caranguejos do manguezal da comunidade do Jutaí, município de São Caetano de
Odivelas, sendo transportados para a capital, Belém-PA.
Fonte: Autora (2009).
Os caranguejos grandes, entretanto, têm destino certo, o restaurante O
Dedão, localizado na Travessa Mariz e Barros, no Bairro do Marco, no centro de
Belém. Nessa nova etapa de comercialização, o cento do caranguejo chega a 150
reais.
107
Os caranguejos pequenos são levados até ao entroncamento, área
comercial de caranguejo em Belém, onde ocorre a comercialização entre o
atravessador secundário e o atravessador terciário, que fa a distribuição em
supermercados e feiras livres da região metropolitana, porém alguns têm
compradores certos em outros Estados brasileiros.
O atravessador terciário compra o cento do caranguejo por uma media de
trinta e cinco reais o cento, porém, vende para os feirantes e supermercados por
unidade, que varia entre trinta centavos a um real, que será vendido ao
consumidor final, por até dois reais.
O espaço, na visão marxista, como mercadoria ou sistema de relações
espaciais numa totalidade, no qual os valores de uso ditam a ótica da organização
espacial, pode ser amplamente entendido se observado o espaço geográfico
como um todo. Portanto, a relação entre os diversos tipos de marreteiros é de
fundamental importância para o entendimento da cadeia produtiva do caranguejo
que começa na comunidade do Jutaí. É através da ação desses agentes
intermediários que o caranguejo chega aos mercados mais distantes, ganhando
uma conotação de produto de consumo regional e nacional. Esses agentes
articulam um intercâmbio comercial diário com a capital paraense e até mesmo
com outros Estados. Nesse sentido, a produção do caranguejo da comunidade do
Jutaí entra em um articulado processo espacial da produção, que envolve as
diversas etapas pelas quais passa o produto, desde a produção até o consumidor
final.
Expresso na forma de território, o espaço geográfico torna-se um apêndice
do desenvolvimento social. Na dinâmica de produção de caranguejos que se a
partir do mangue da comunidade do Jutaí, percebe-se uma cadeia de territórios: o
território do tirador, que se limita à comunidade do Jutaí, o território do
atravessador primário, que se limita à sede municipal, o território o atravessador
secundário que tem um raio de ação que se estende a uma área restrita de Belém
(restaurantes de Belém e entroncamento) e finalmente o atravessador terciário
que o tem uma articulação maior dentro da área metropolitana como
também comercializa com outros estados. É possível que esse circuito tenha
outros atores em uma dimensão muito maior.
Portanto, o território é uma porção do espaço apropriado por determinado
ator que lhe imprime uma funcionalidade de uso. Esse território também pode ser
108
visto como um produto multirelacional, onde diferentes atores atuam no processo
de construção territorial.
Percebe-se também, que esse mesmo território, que nos revela dinâmicas
próprias da relação sociedade/natureza, observado na relação mangue e
comunidade, também se expande para além dos limites geográficos, segundo
Koga (2003).
A dimensão territorial ganha concretude
justamente pelo seu aspecto intrinsecamente
relacional, em decorrência não somente das
relações sociais estabelecidas no lugar
cotidiano, como também pela possibilidade de
seu alcance com outras dimensões (...). Pois a
partir do território vai-se além da visão micro ou
do localismo reducionista, tendo em vista que as
próprias condições de vida do lugar remetem
diretamente a relação entre populações e
lugares, entre pedaço e outro da cidade, entre o
lugar e a totalidade da cidade, entre a situação
do lugar e as políticas que se direcionam à
manutenção ou à transformação das condições
de vida.(2003, p. 55).
109
CONCLUSÃO:
Com o intuito de compreender o mangue como espaço de vivência e
produção comunitária e as dinâmicas envolvidas na sua organização e na
apropriação dos espaços e dos recursos, foi preciso, compreender as pessoas da
comunidade do jutaí, seus valores culturais, suas atitudes e seu modo de vida.
Na comunidade do Jutaí, a qualidade de vida da população local é baixa,
o que se deve à ausência ou precariedade de vários tipos de serviços e infra-
estruturas, como rede de água potável, rede de saneamento básico, posto de
saúde, iluminação, entre outros.
O ciclo da pobreza no qual a comunidade é submetida é cultural,
econômico e social, onde a população esinserida numa lógica de dominação
perpetuada de geração em geração, iniciada com o trabalho infantil, reforçada no
trabalho adolescente e caracterizada pelo abandono da escola. Em relação aos
tiradores de caranguejo, estes acabam não completando os seus estudos básicos
em função do trabalho. Para os trabalhadores da comunidade que não dispõem
de capital de investimento, o recurso caranguejo é uma das poucas alternativas
de sobrevivência, o que leva ao aumento do número de tiradores de caranguejo
dentro do mangue e, consequentemente, da exploração de seus recursos.
A diminuição da quantidade de caranguejo-uçá e a introdução de técnicas
de captura predatórias no mangue da comunidade do Jutaí é um alerta para o
problema de uma possível ameaça à manutenção da espécie em níveis
ecologicamente sustentáveis, como também para o estabelecimento de medidas
que visem à preservação da espécie. Contudo, tais medidas devem ser feitas de
uma maneira gradativa e integradas, pois, a relação dos tiradores de caranguejo
da comunidade do Jutaí ao ambiente de mangue pode ser uma forma eficiente de
preservação do sistema ecológico, pois seus interesses como um grupo
permanente e seu sentimento de pertencimento funcionam como mantenedor do
ambiente de mangue.
A integração dos tiradores de caranguejo ao meio ambiente aparece como
racional para seu equilíbrio, que a atividade de extração repousa justamente
sobre a manutenção do habitat do caranguejo. Dentro dessa ótica, a comunidade
poderá fazer parte do processo de gestão, e não vítima dele, assim terá
resgatado direitos mínimos à cidadania.
110
O envolvimento da comunidade na política de gestão dos recursos do
mangue parece ser uma solução plausível para que haja envolvimento dos
tiradores de caranguejo, o que possibilitaria uma mudança na qualidade de vida e
do meio ambiente, beneficiando um número significativo de pessoas que vivem no
entorno de áreas de manguezais, modificando-se assim a situação de extrema
miséria e abandono a que está submetida.
A situação socioeconômica e política dos tiradores de caranguejo está
intimamente ligada aos problemas de organização social e a falta de
representatividade política que eles enfrentam. Além de estarem em situação de
pobreza e vulnerabilidade social, m dificuldade para definir-se quanto a sua
categoria profissional. Isso acontece porque desenvolvem várias atividades
durante o ano todo, como a extração de turus, ostras e outras, porém, quase
sempre ligadas ao mangue.
Na maioria das vezes os tiradores não se associam em uma colônia de
pescadores por acharem que não têm direitos, ficando alheios ao processo de
discussões enquanto sujeitos sociais, o que dificulta o reconhecimento de sua
identidade profissional e a organização de sua categoria.
Os tiradores de caranguejo não representam uma categoria profissional
regulamentada, não são cadastrados nos órgãos oficiais, portanto não tendo
acesso aos direitos trabalhistas, como se não existissem para a sociedade.
Portanto, é necessária a capacitação de lideranças locais, para aumentar a
capacidade de decisão, de organização política e de autogestão, tendo em vista
prover as comunidades humanas de subsídios para a solução de seus problemas
e de vencer desafios do tempo presente.
O associativismo dos produtores reveste-se de singular importância para
que se possa estimular a criação de alternativas de renda, não somente durante
possíveis períodos de defeso, como também em ocasiões em que esses
trabalhadores estejam impossibilitados de ir ao mangue, por motivo de saúde, por
exemplo.
É necessário a implementação de um programa de capacitação que
possibilitem a melhoria da qualidade de vida das famílias de tiradores de
caranguejo-uçá, o que trará reflexos positivos na preservação da espécie, pois, a
geração de fontes alternativas de renda em períodos importantes do ciclo de vida
da espécie diminuiria a pressão de captura, favorecendo a recomposição dos
111
seus estoques naturais e contribuiria para manutenção dessas comunidades e de
sua cultura.
A comunidade do Jutaí pode ser analisada pela tríade habitante-identidade-
lugar, pois, o espaço é vivido e percebido, é, ainda, fundamentalmente, lugar,
tendo em vista que é conhecido e dotado de significado e valor.
As bases que consolidam a extração de caranguejo e que estão
profundamente articuladas com as dinâmicas de apropriação dos espaços estão
fundamentadas no conhecimento construído a partir da socialização entre os
tiradores e por meio dos processos de inter-relação que desenvolvem com a
natureza. Partindo desses princípios, o fundamento da lógica comunitária que
assegura a utilização compartilhada dos recursos do mangue envolve, além da
tradição extrativista, a ligação que o tirador constrói com os espaços em que
exerce sua atividade. Um espaço que é ao mesmo tempo, revestido de
significados, de particularidades e de valores. Essa apropriação que é ao mesmo
tempo simbólica e material permite aos tiradores a significação do seu espaço,
viabilizando assim a concepção de “lugar”.
É incoerente preservar o meio ambiente se o homem está de fora e se para
ele as políticas estão ausentes. Equilibrar as relações homem-meio ambiente é
condição indispensável para o uso e a conservação sustentáveis dos recursos
naturais e para prevenir e/ou corrigir conflitos pela apropriação dos recursos e
manutenção da territorialidade, entendida aqui como espaços de produção,
trabalho e renda.
A afetividade, a identidade e o respeito, são os pilares que sustentam a
“apropriação territorial” na extração de caranguejo, assim como em todas as
atividades percebidas na comunidade. Esses valores evidenciam a possibilidade
de cooperação entre os tiradores, demonstrando assim o sentimento de
coletividade entre eles. Ao seguir esses pressupostos, é possível afirmar que, a
consciência, a responsabilidade e a ética podem conduzir a utilização adequada
dos recursos.
A aceleração da dinâmica de captura de caranguejo se justifica pela
necessidade de sobrevivência dos tiradores e por falta de alternativas que sejam
acessíveis a todos aqueles que dependem diretamente da captura de caranguejo.
Embora a dinâmica espacial de comercialização de caranguejo e seus
diversos atores não sejam os causadores da desvalorização econômica do
112
caranguejo, os atravessadores (marreteiros) embora em diferentes escalas
conseguem alferir renda muito superior à dos tiradores, devido o seu poder de
barganha nas várias escalas de comercialização. Daí a importância da
organização dos tiradores em entidades de classe que propiciasse poder de
negociação no sentido de alcançarem preços mais justos aos caranguejos.
As informações obtidas sobre a dinâmica espacial de produção de
caranguejos realizada nas diferentes esferas, incluindo as estratégias
empregadas em cada esfera, mostram-se relevantes diante de uma área ainda
muito pouco conhecida, mas de grande importância econômica, dada à grande
captura do caranguejo e o intenso fluxo em direção ao mercado da capital.
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