ciência e a tecnologia poderiam produzir um paraíso na Terra. Alguns lugares da Terra, de fato, se
fizeram paraíso..., mas habitados por homens-feras, não obstante a "beatice da razão", no dizer de
Ortega. A Doutrina da Evolução criou milhões de materialistas, e ateus, e agnósticos, e, no
entanto, como ela é a metade da Verdade, não pode ser negada, e, sim, precisa ser digerida e
assimilada com a outra metade do Criacionismo. Como encher o vazio da alma do homem
moderno que se recusa, e com razão, a remastigar os alimentos rançosos ou bolorentos quanto à
forma, oferecidos pelas religiões? Uma filosofia nova se impõe, e ela derramará nova luz,
clareando os textos antigos, todos interpretados segundo uma ótica acomodada à selvageria e à
animalidade do homem, incapaz, portanto, de reformá-lo, tornando-o sábio, não erudito, mas
sábio... Soou a hora, como se vê, de cumprir-se o dito: "Eis que faço novas todas as coisas" (Apoc
22, 13).
Do mesmo modo como não há matemáticas sem postulados que, por indemonstráveis, se
fazem absolutos; do mesmo modo que, sem primeiros princípios, igualmente indemonstráveis,
não há ciências nenhumas, também, sem um Metro fora do homem, sem um Modelo, sem um
Parâmetro, uma Regra, para serem postos no lugar dos achismos, o conflito hodierno de jovens e
velhos alucinados não se resolve. Sem uma Instância Superior tudo fica relativo, passando cada
"homem a ser a medida para todas as coisas" como o entendia Protágoras.
Por causa desta verdade apodística, peremptória, inexorável, sem contestação possível,
todo o achismo, em matéria de moral, é luciferismo, ou seja, uma tentativa, qual a do arcanjo
Luzbel, de usurpar o posto privativo só de Deus, o só que pode fundamentar a moral. Por isto, a
queda do lendário Adão foi, antes de tudo, moral, visto como ele, conforme a alegoria, desprezou
o preceito único que lhe impusera Deus, para seguir o achismo de Satã.
Mesmo não se tratando de moral, seja em que assunto for, quando um homem diz: "eu
acho", neste ponto ele se põe como medida, como fundamento, em função do qual ele vai aferir
aquilo que lhe é proposto. Porque nenhuma sociedade, NENHUMA! pode sobreviver, se o arbítrio
anárquico de cada um se fizer lei e moral, Protágoras foi levado a defender a lei, a convenção e a
moralidade tradicional
118
. Deste modo, o mesmo Protágoras que foi, por excelência, o filósofo do
ACHISMO..., achou, para surpresa de todos, que não se pode sair, por aí, achando isto, e achando
aquilo, como agora é moda fazer-se. Por que? Ora, por que?... (responderia o filósofo), porque
sem lei e sem moral, não há sociedade. Urgia, pois, defender a sociedade de seu tempo, contra a
imoralidade dos que, como hoje, raciocinando com os estômagos, de flatulências cheios, eructam
frases como esta: "Quando pela porta da rua entra a fome, sai pela janela a moral!". O dito causa,
hoje, o efeito de axioma (!) a outros ventrófilos achistas que sacodem as cabeças em sinal de
aprovação. Prevenindo isto, Protágoras antecipava o mesmo pensamento de Gusdorf que, falando
de Sócrates, escreve: "Sócrates, na prisão, dialoga com as leis do Estado e vence-as, obedecendo-
lhes. A morte é sua derradeira vitória, pois é imensamente preferível, mesmo dentro de uma
perspectiva utilitarista, ser Sócrates caído em desgraça do que porco satisfeito"
119
.
As civilizações têm convivido sempre com a fome, porém, nenhuma, até hoje, sobreviveu
sem moral. Por que? Porque a MORAL é o Estatuto Mor sobre o qual se há de erigir o Direito
Positivo, e, sobre este, os demais códigos e regras sociais.
Urgia defender, Protágoras, a sociedade de seu tempo contra os que, achando, diziam:
tudo está bem, sem nenhum perigo..., e na santa paz! A rebelião da juventude é perfeitamente
compreensível e normal..., tendo existido sempre em todos os tempos e em todos os lugares. Os
jovens de hoje, como de sempre, não têm outra escolha a não ser aceitar as regras do jogo,
fincando os pés firmes na vida, adaptando-se, acomodando-se às exigências da sociedade... que
segue o seu caminho sem precisar de Deus... que "se tornou numa hipótese desnecessária"
(Laplace), e, que vai, passo a passo, forjando sua moral, conforme o impõem os costumes. Contra
isto, punha,, Protágoras, uma Instância Superior, como necessária, para regular a moral, a lei e o
convencionalismo tradicional. Foi ele, portanto, obrigado a aceitar a existência de Deus, embora
118
Bertrand Russell, Obras Filosóficas, I, 90
119
Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 51