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FACULDADE CÁSPER LÍBERO
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
O JORNAL E A PRISÃO
UMA ANÁLISE DA COBERTURA DOS ATAQUES DO PCC EM 2006
PELA FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO
JAIRO CAMILO
São Paulo
2009
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JAIRO CAMILO
O JORNAL E A PRISÃO
UMA ANÁLISE DA COBERTURA DOS ATAQUES DO PCC EM 2006
PELA FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Comunicação na Contemporaneidade, da linha de
pesquisa Produtos Midiáticos: Jornalismo e
Entretenimento, da Faculdade Cásper Líbero, como
requisito à obtenção do título de Mestre.
Orientação: Prof. Dr. Laan Mendes de Barros.
São Paulo
2009
1
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BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Luis Roberto Alves
__________________________________________
Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes
__________________________________________
Prof. Dr. Laan Mendes de Barros
DATA DO EXAME: ___/_____/____ .
2
Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará.
As prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens imunizados contra o crime,
cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões,
celas, altos muros, de um tempo superado.
Cora Coralina
3
À minha esposa Jaqueline,
aos meus filhos Guilherme e Emmanuela
e à memória de minha mãe Iracy.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, ao Deus Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, que pela sua infinita
graça me acompanhou em todos os momentos desta caminhada.
Ao prezado amigo Prof. Dr. Laan Mendes de Barros, que foi muito além do que se
poderia esperar de um orientador.
À companheira de Pastoral Carcerária, Rezilda Bezarria de Araújo, que me abriu as
portas da prisão e do coração para esse desafio.
À amada Igreja Presbiteriana Independente, particularmente a IPI do Jd. Piratininga,
em Osasco, na qual sou pastor e pastoreado.
Aos amigos caríssimos, que especialmente me ajudaram diretamente neste
mestrado, Emílio Okamoto, Gilma Maria Rossafa e Padre Sebastião Miranda dos Reis.
Aos professores do Programa de Mestrado da Cásper Líbero, aos colegas de
empreitada e aos funcionários da secretaria da pós-graduação.
E por fim à minha família pela paciência e apoio nesses vários meses mais delicados
da minha vida.
MUITO OBRIGADO!
5
CAMILO, Jairo. O jornal e a prisão: uma análise da cobertura dos ataques do PCC em 2006
pela Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. 2009. 230 p. Dissertação (Mestrado em
Comunicação) Faculdade Cásper Líbero, São Paulo / SP.
RESUMO
O presente estudo analisa a relação entre imprensa e sistema carcerário a partir da cobertura
que os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo realizaram dos ataques da facção
criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) em maio de 2006. Esta pesquisa pretende
confirmar a hipótese de que a imprensa apóia um sistema prisional enquanto “empresa de
modificação dos indivíduos” (Foucault, 1979), defendendo a manutenção da “ordem” em
detrimento dos direitos individuais e o endurecimento das políticas penais, desconsiderando
que a criminalidade seja reflexo das injustiças sociais e argumentando que a solução para a
crise na segurança depende da retomada do crescimento econômico. Este trabalho se
identifica com as pesquisas no campo da comunicação empreendidas no contexto da ação
cultural revolucionária (Paulo Freire) e, portanto, propõe que a imprensa se reconheça
como instrumento essencial para promover a transformação do processo de desumanização
que marca não apenas aqueles cuja humanidade foi roubada, mas também os que a
roubaram. Com isso, esta dissertação espera contribuir para o fortalecimento dos ideais do
jornalismo voltado para a paz (Dov Shinar) bem como a melhoria das representações da
realidade e da consciência crítica, promovendo e encorajando o desenvolvimento das
estruturas democráticas, reduzindo as desigualdades e aumentando o respeito social para
com os componentes mais fracos da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE – Comunicação. Jornalismo. Sistema Carcerário. Direitos Humanos.
Violência. Primeiro Comando da Capital (crime organizado).
6
ABSTRACT
The present study analyzes the relation between journalism and prison system from the
coverage the Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo newspapers accomplished about
the PCC (Primeiro Comando da Capital) criminal faction's attacks on May of 2006. This
research purposes to confirm the hypothesis that: the press backs a prison system as a
“enterprise for modification of the individuals” (Foucault, 1979), defending the
maintenance of the “order” to the detriment of the individual rights and the hardening of the
penal politics, ignoring that criminality is reflex of the social injustices and arguing that the
solution for the crisis on security depends on the recapture of the economic growth. This
work identifies with researches at the field of communication undertaken at the context of
revolutionary cultural action (Paulo Freire) and, therefore, it proposes that the press
declares itself an essential instrument for promoting the transformation of the
dehumanization process that marks not only those which humanity was robbed, but those
which robbed it too. This way, this dissertation hopes to contribute for the strengthening of
the ideals of the journalism bent upon peace (Dov Shinar) as well as the improvement of
the representations of the reality and of the critic conscience, promoting and encouraging
the development of the democratic structures, reducing inequalities and increasing the
social respect for the weaker components of the society.
KEY-WORDS – Communication. Journalism. Prison System. Human Rights. Violence. Primeiro
Comando da Capital (organized crime).
7
SUMÁRIO
Introdução, 10
CAPÍTULO I
Marco teórico para o estudo da imprensa, 15
1. Imprensa e controle social, 17
1.1 Delinquência útil, 17
1.2 Aparelhos ideológicos e repressivos, 22
1.3 Sob um novo principado, 26
2. Cultura e massa crítica, 30
2.1 Híbridas culturas, 30
2.2 Metáforas de transformação, 32
2.3 A pedagogia da crítica, 35
3. Contra toda resignação, 37
3.1 Resistência cotidiana, 37
3.2 Saberes indispensáveis à imprensa, 39
3.3 Por uma comunicação libertadora, 41
Fechamento, 43
CAPÍTULO II
Panorama dos sistemas de segurança , 44
1. O tripé da segurança pública, 47
1.1 A polícia, 47
1.2 A justiça, 50
1.3 A prisão, 51
2. Repensando as políticas penitenciárias, 54
2.1 As primeiras políticas penais, 55
2.2 Retrospectiva do sistema brasileiro, 59
3. Os ataques do PCC em São Paulo, 63
3.1 Novos contornos da criminalidade, 65
3.2 Facções organizadas nos presídios, 67
Fechamento, 68
CAPÍTULO III
A Folha na cobertura de uma “guerra urbana”, 71
Sábado, 13 de maio, 75
Domingo, 14 de maio, 75
Segunda-feira, 15 de maio, 77
Terça-feira, 16 de maio, 81
Quarta-feira, 17 de maio, 87
Quinta-feira, 18 de maio, 93
Sexta-feira, 19 de maio, 99
Sábado, 20 de maio, 105
Domingo, 21 de maio, 109
8
CAPÍTULO IV
O Estado de S. Paulo e a “crise na segurança”, 120
Sábado, 13 de maio, 124
Domingo, 14 de maio, 125
Segunda-feira, 15 de maio, 126
Terça-feira, 16 de maio, 129
Quarta-feira, 17 de maio, 134
Quinta-feira, 18 de maio, 139
Sexta-feira, 19 de maio, 142
Sábado, 20 de maio, 146
Domingo, 21 de maio, 150
CAPÍTULO V
Análise do discurso da Folha e do Estadão, 160
1. Hipótese de trabalho, 164
2. Classificação dos principais assuntos, 166
3. Fase de análise, 167
4. A cobertura dos três temas selecionados, 167
4.1 Manutenção da ordem, 168
4.1.1 Folha de S. Paulo, 168
4.1.2 O Estado de S. Paulo, 171
4.2 Endurecimento das políticas penais, 174
4.2.1 Folha de S. Paulo, 175
4.2.2 O Estado de S. Paulo, 176
4.3 Raízes da criminalidade, 178
4.3.1 Folha de S. Paulo, 179
4.3.2 O Estado de S. Paulo, 183
Fechamento, 185
Considerações finais, 190
Bibliografia, 194
Anexos, 198
9
INTRODUÇÃO
O verdadeiro ato de conhecer é sempre um ato de engajamento.
Paulo Freire
Paulo Freire (1977) nos ensinou que nem todo óbvio é tão óbvio quanto parece e
que não se tem como desvincular a busca pelo conhecimento da experiência do
pesquisador. Para este educador, as pesquisas no campo da comunicação devem ser
compreendidas no contexto da ação cultural revolucionária, engajada na luta contra o que
ele entendia como a principal questão da atualidade: a desumanização. Inspirada nessa
certeza, eis, portanto, o alvo desta dissertação ora apresentada: repensar um novo olhar à
imprensa na sua relação com o sistema carcerário, cujo processo de desumanização marca
não apenas aqueles cuja humanidade foi roubada (os oprimidos), mas também os que a
roubaram (os opressores).
Não obstante o nosso posicionamento, consideramos a recomendação do professor
Laan Mendes de Barros, orientador desta dissertação, sobre os riscos que assumimos.
Acatamos as suas ressalvas sobre a importância do pesquisador articular a experiência com
a consciência, o fazer com o pensar, o sujeito e o objeto de pesquisa. Com isso, esperamos
que esta pesquisa alcance o equilíbrio recomendado e apresente uma reflexão teórica que dê
consciência e sentido crítico à atividade prática e aproveite a experiência prática para
10
contribuir com algo mais que a mera pesquisa de gabinete.
O fato é que precisamos fazer pesquisa com resultados. As soluções dos problemas das pesquisas
precisam também ser soluções de problemas reais, da universidade, da comunidade, do aparato
comunicacional, do contexto social. Ocorre que tais resultados podem ser concebidos desde uma
perspectiva funcionalista e pragmática – quando o que se coloca é a questão das funções da pesquisa
na sustentação do sistema – ou desde uma perspectiva dialética e crítica – quando a academia
confronta a realidade e se vê por ela confrontada (BARROS, 2003: 233).
O pesquisador Perseu Abramo, referência neste aspecto, reafirmou que a pesquisa
“aplicada”, como o próprio nome indica, precisa apresentar soluções a problemas
concretos: “É a obtenção do conhecimento para a transformação da realidade” (Abramo,
1988: 34). Barros acrescentou que se o pensamento é fruto do tempo histórico e lugar social
nos quais está inserido o pesquisador, é para este contexto que o seu texto deve ser
devolvido: “É nesse sentido que teoria e prática se articulam, que pensamento e existência
se complementam” (Barros, 2003: 238).
Esperamos, portanto, que esta dissertação seja enriquecida pela militância no campo
da defesa dos direitos humanos, particularmente acompanhando a Pastoral Carcerária na
Diocese de Osasco, assumindo o compromisso de analisar a relação entre imprensa e
sistema prisional mediante um exercício autocrítica que, sem negar a participação do
pesquisador no processo, é indispensável para manter a objetividade fundamental ao fazer
científico.
A presente pesquisa analisa a relação jornal e prisão tomando por base a cobertura
que os jornais Folha de São Paulo e O Estado de S. Paulo quando a complexidade
carcerária ganhou uma nova dimensão durante os ataques da facção criminosa que domina
os presídios paulistas, o PCC (Primeiro Comando da Capital). Em maio de 2006, os
atentados vitimaram 439 pessoas, conforme laudos necroscópicos elaborados por 23
Institutos Médico-Legais e examinados pelo Conselho Regional de Medicina. Essas mortes
foram acompanhadas de ondas de violência, como rebeliões em 73 presídios do Estado,
agressões e ataques contra agentes públicos, sobretudo policiais e agentes penitenciários,
contra civis e prédios privados, como bancos, e públicos, como postos policiais; além de
incêndios de veículos de transporte público como ônibus.
O mais surpreendente foi a paralisação temporária das atividades na maior cidade do
país, exacerbando sentimentos de medo e insegurança há muito disseminados entre seus
habitantes. Embora tenha havido trégua após os dias que se seguiram a 20 de maio, as ações
11
persistem ainda hoje, em menor escala, embora os jornais não mais nomeiem o PCC,
preferindo identificar as ações a “uma facção criminosa”.
Esta pesquisa, portanto, pretende demonstrar como a Folha e o Estado interpretaram
os atentados daquela semana, delimitada desde a madrugada do dia 13 (quando surgiram as
primeiras informações sobre os ataques) ao domingo, dia 21, quando os dois jornais
apresentaram suas conclusões sobre a crise instalada em São Paulo.
Nossa hipótese de trabalho é que, guardadas as devidas proporções, os dois jornais
brasileiros, embora não tenham assumido um discurso extremista, acabaram endossando a
proposta de um sistema prisional que funciona como “empresa de modificação dos
indivíduos” (Foucault, 1979), haja vista a defesa da manutenção da “ordem” e da imposição
das “leis” condensada no convencimento da sociedade de que a restauração do “bem
comum” estava acima das garantias individuais (Althusser, 1999).
Na exaustiva descrição realizada nos capítulos 3 e 4, ficou nítida esta predisposição
tendenciosa. Ressalte-se que o país estava em pleno período de aquecimento das
campanhas eleitorais majoritárias e, por essa razão, o tema da segurança ganhou destaque
ainda maior. Como veremos, as ondas de violência daquela semana transformaram as
páginas dos jornais numa arena onde várias opiniões debateram as raízes da criminalidade
sob a tônica de que a causa não estava relacionada à injustiça social e sim ao desempenho
econômico da nação.
Para a análise do discurso proposta neste trabalho, recorremos a três linhas básicas
de estudo sobre jornalismo nos últimos anos: as pesquisas sobre a construção da notícia
(newsmaking), o poder de definição da pauta pública (agenda setting) e o enquadramento
da notícia (framing). Grosso modo, essas linhas de pesquisa têm revelado como os
enquadramentos podem distorcer as notícias e influenciar a longo prazo a construção das
agendas pública e política.
Antes de realizar a análise do discurso da imprensa sobre a questão carcerária, esta
dissertação introduz um marco teórico bastante enriquecido e um panorama sobre os
sistemas de segurança no Estado de São Paulo, sem os quais a proposta de análise ficaria
em muito prejudicada.
No capítulo 1, achamos por bem dividir as teorias em três blocos. No primeiro
discutindo como o discurso jornalístico incorpora os mecanismos de controle. Para tanto,
12
obviamente começando com as conotações propostas por Michel Foucault entre saber e
sistema punitivo, passando pelos “aparelhos ideológicos de Estado” de Louis Althusser e
pelo “Príncipe Eletrônico” de Octavio Ianni. No segundo bloco, aproveitamos os debates
sobre os estudos culturais encabeçados por Néstor Garcia Canclini, Stuart Hall e Douglas
Kellner. Por fim, na terceira parte fechamos o marco teórico inspirados em três pensadores
que se nutrem da esperança quando estudam a complexidade contemporânea: Michel de
Certeau, Edgar Morin e Paulo Freire.
No capítulo 2, comentamos cada parte do tripé sobre o qual se assentam os sistemas
de segurança do Estado: polícia, justiça e prisão, demonstrando como esses aparatos sempre
são considerados departamentos estanques e resgatando antigas propostas de integração
dessas três atividades, com uma Polícia prevalentemente preventiva, uma Justiça mais
atenta à pessoa do preso e uma política penal que minimize a prisão e dê ênfase à
reabilitação (Bicudo, 1994). Ainda neste segundo capítulo, destacamos um estudo de dois
importantes pesquisadores, Sérgio Adorno e Fernando Salla, que analisam as várias
vertentes da criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC em São Paulo.
Nos capítulos 3 e 4, há a exaustiva descrição de tudo que foi publicado nos jornais
Folha e Estadão, respectivamente, entre os dias 13 e 21 de maio de 2006. E no último
capítulo pretendemos confirmar nossa hipótese de trabalho, ou seja, que os dois jornais
defenderam: (1) a manutenção da “ordem” em detrimento dos direitos individuais e (2) o
endurecimento das políticas penais para atingir o crime organizado nos presídios, bem
como (3) desconsideram que a criminalidade fosse reflexo das injustiças sociais e
defenderam que (3.1) a solução para a crise na segurança dependia meramente do
desempenho econômico.
Como pano de fundo, esperamos sinceramente poder contribuir para o
fortalecimento dos ideais do jornalismo voltado para a paz, sintetizado nas estratégias
defendidas por Dov Shinar que visam à melhoria das representações da mídia na construção
da realidade e da consciência crítica. Esperamos que os jornais entendam e assumam o seu
papel em termos mais amplos, mais justos e mais precisos do que aqueles ditados pela
cultura dos índices de audiência e de interesses particulares. Que em relação ao sistema
carcerário, as informações e opiniões veiculadas respeitem os processos e efeitos mais
transparentes e democráticos, chamando a atenção e opinião do público para o impacto e
13
ameaças que representa a precariedade carcerária. E que os jornalistas exerçam o seu ofício
com um otimismo que corresponda à demanda por cobertura mais equilibrada,
interpretações alternativas e reflexões mais críticas.
Enfim, almejamos por uma imprensa voltada para a paz que se reconheça como
instrumento essencial para a promoção e o fortalecimento das estruturas democráticas, que
combinadas com os ideias de um jornalismo independente se reflitam na eficácia de
programas de desenvolvimento que reduzam a desigualdade sócio-econômica e
incrementem o respeito social e o respeito pessoal para com os componentes mais fracos
das sociedades.
14
CAPÍTULO I
MARCO TEÓRICO PARA
O ESTUDO DA IMPRENSA
15
O novo não está no que é dito, mas no acontecimento à sua volta.
Michel Foucault
Esta pesquisa quer aprofundar o pressuposto de que a imprensa, como parte da
imensa superestrutura da sociedade, seria “apenas mais uma das tantas peças dessa ubíqua
engrenagem econômica do capitalismo, um aparelho ideológico que trabalha
essencialmente para manter o equilíbrio e a ordem do sistema” (Marshall, 2003). Por isso,
abrirmos o debate teórico com as conotações propostas por Michel Foucault entre saber e
sistema punitivo para compreender como as “microfísicas” incorporam-se no discurso
jornalístico, transformado no principal instrumento de inserção da “verdade” nas micro-
relações diárias. Assim também, quando incluímos na segunda parte desse bloco a
concepção de “aparelhos ideológicos de Estado”, de Louis Althusser, queremos aproveitar
especialmente o contraponto entre aparelho ideológico (imprensa) e aparelho repressivo
(prisão). Por fim recorremos a Octavio Ianni para ressaltar como a imprensa veio a se tornar
o “príncipe eletrônico” da atualidade, absorvendo e recriando as representações do real
muitas vezes de forma equivocada e distorcida.
Mas estes não os únicos pontos de vistas que nos interessam nessa pesquisa. Por
isso, no segundo bloco recorremos a outros referenciais dos estudos culturais, a começar
por Néstor Garcia Canclini com seus conceitos de “culturas híbridas”, “desterritorialização”
e “trasnacionalização dos mercados simbólicos”, que demonstram como o poder no
contexto metropolitano não está centralizado unicamente nas mãos de grupos poderosos,
posto que o caráter multicultural se manifesta também nas relações divergentes e
subversivas. Outro pensador da contemporaneidade, Stuart Hall vem nos mostrar como as
“metáforas de transformação” têm produzido uma renovação das identidades sociais e das
mediações culturais. Por fim, Douglas Kellner, em sua “pedagogia crítica da mídia”, nos
fornece um instrumental contra-hegemônico e de resistência ao dizer que sabendo “ler e
criticar a mídia, avaliando seus efeitos e resistindo à sua manipulação, os indivíduos
poderão fortalecer-se em relação à mídia e à cultura dominantes” (2002: 10).
16
Por fim, o terceiro e último bloco enriquece o tom crítico na análise do discurso
inspirado em três pensadores que estudam a complexidade contemporânea, mantendo uma
esperança viva e contundente. Michel de Certeau, por exemplo, considera a cidade como o
“lugar” propício para as novas práticas da reinvenção comunitária e demonstra como
pessoas comuns se reapropriam das representações e até subvertem as mensagens
dominantes. Já Edgar Morin propõe-nos uma nova compreensão sobre os desafios
contemporâneos. E, por fim, temos o projeto de comunicação libertário de Paulo Freire que
nos desafia a empreender a comunicação a partir da luta contra o que ele considera o
principal problema da atualidade: a desumanização.
1. IMPRENSA E CONTROLE SOCIAL
Neste primeiro bloco, discutiremos as ideias de Michel Foucault, Louis Althusser e
Octavio Ianni. Queremos especialmente aproveitar a relação entre saber e sistema punitivo,
a conotação entre aparelhos “ideológicos” (jornal) e repressivos (prisão), destacando,
sobretudo, como o “Príncipe Eletrônico” absorve e recria as representações da realidade
muitas vezes de forma equivocada e distorcida.
1.1 Delinquência útil
Qualquer pesquisa que investiga as relações entre imprensa e violência, ou mais
precisamente o sistema carcerário, terá um bom ponto de partida nas reflexões do filósofo
Michel Foucault sobre as relações entre saber e controle do sistema punitivo, que produzem
no corpo do condenado a forma acabada da ideologia de submissão de todos os vigiados,
corrigidos e utilizados na produção material das sociedades modernas. Assim, resta-nos
averiguar como se dá a contribuição da imprensa nessa relação de constituição recíproca: o
poder produz o saber que legitima e reproduz o poder.
A história documenta como a imprensa paulista retratou a construção da
17
delinquência no início do século XX
1
, em consonância com as intenções das classes
dominantes que buscavam impor um controle rígido para que a massa operária não se
tornasse uma ameaça real à ordem estabelecida. Tornara-se premente um projeto que
impedisse o acesso igualitário das classes trabalhadoras ao processo de concentração da
riqueza e, nesse sentido, a prisão assumiu uma função social bem definida, que
Longe de transformar os criminosos em gente honesta, (a prisão) serve apenas para fabricar novos
criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. (...) A prisão fabrica delinquentes, mas
os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem
para alguma coisa (...) Tornou-se necessário este álibi, que funciona desde o século XIX, que diz que
se se impõem um castigo a alguém, isto não é para punir o que ele fez, mas para transformá-lo no
que ele é (FOUCAULT, 1979: 131-132 e 138).
Sublinhando que a cadeia não serve apenas para punir o delinquente, “mas para
transformá-lo no que ele é”, percebemos que o estudo da abordagem que os jornais fazem
do sistema carcerário trata-se de uma tarefa complexa, cheia de variáveis e complicações.
Por isso, as revelações de Foucault em sua “história da violência nas prisões” nos parecem
pertinentes e atuais. Com a substituição da ilegalidade dos corpos da economia feudal de
subsistência pela ilegalidade dos bens da economia capitalista de privação, o gênio de
Foucault formula a primeira grande hipótese sobre o sistema penal que parece escapar ao
crivo jornalístico: a prisão como um instrumento de gestão diferencial da criminalidade – e
não de supressão da criminalidade.
Foucault demonstra como os mecanismos de vigilância e de controle funcionam
mediante a imposição do medo, do temor e da insegurança. Mecanismos facilmente
identificados nas páginas policiais da atualidade, quando cobram punições mais severas,
justificam a violência policial ou ignoram as violações dos direitos humanos mais
elementares. Fazem-nos lembrar os mecanismos encontrados desde a antiguidade nas
descrições dos suplícios:
Uma pena, para ser um suplício, deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar,
produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos
apreciar, comparar e hierarquizar; (...) Além disso, o suplício faz parte de um ritual. É um elemento
na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências. Em relação à vítima, ele deve ser marcante:
destina-se a (...) tornar infame aquele que é a vítima; o suplício, mesmo se tem como função “purgar”
o crime, não reconcilia; traça sobre o próprio corpo do condenado sinais que não devem se apagar
(...). E pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos,
um pouco como seu triunfo (FOUCAULT, 1987: 31-32).
1
O historiador Boris Fausto, em sua obra “Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924)”,
narra uma época em que os “vilões” não eram líderes de facções, sequestradores ou traficantes, mas caftens,
gatunos, negros, crianças vadias ou imigrantes anarquistas.
18
A necessidade de ostentação dos suplícios servia (e serve) para sustentar a política
do medo, reativando o poder. E hoje a identificação das manifestações de poder e a
representação da sustentabilidade destas determinações ficam evidentes numa leitura rápida
das editorias de polícia. A propósito, é preciso ter em mente que Foucault não localiza o
poder unicamente no aparelho do Estado, mas sobretudo nos mecanismos que funcionam
em um nível muito mais elementar, cotidiano.
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem a função
maior de “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não
amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. (...)
“Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de
elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e
continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica
específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos
de seu exercício (FOUCAULT, 1987: 143).
Posto isto, se o poder é muito mais que um mero elemento do Estado, constituindo
assim as relações de força, podemos afirmar que o poder constitui verdades e as
implicações que isso traz. E na medida que o poder não está localizado exclusivamente no
aparelho do Estado, “nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam
fora, abaixo e ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano,
não forem modificados” (Foucault, 1979: 173).
E se as relações de poder são determinadas por relações de força – esta podendo ser
apontada em distintos níveis –, também podemos concluir que o discurso (incluído aqui o
discurso jornalístico) é um dos principais instrumentais de inserção de noções de verdade
na realidade que se insere nas micro-relações e/ou nos grupos em que se enquadram. Estas
relações de força, que se tornam tão eficientes no campo do discurso, podem ser
identificadas nas distintas etapas dos processos de interação social, fabricando identidades e
relações de troca.
Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam
logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o
discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o
desejo; é também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos
ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar (FOUCAULT, 1996: 10).
Para Foucault, o discurso pode ser interpretado de várias maneiras, assim como as
consequências que ele gera no cotidiano. A perspectiva repressiva do discurso, por
19
exemplo, é determinante para a eficácia da sua intencionalidade, permitindo ou evitando a
formulação de verdades e/ou mentiras determinadas, geradas pelos efeitos de poder.
Dentro desse raciocínio, a imprensa pode ser enquadrada como instrumental de
poder. Podemos dizer até que as estruturas midiáticas da sociedade atual transfiguraram-se
no panóptico discutido por Foucault (1987: 209-211). Os sistemas de “vigilância” da
imprensa permitem que, a cada momento, a sociedade e os cidadãos sejam controlados e
acompanhados em seu cotidiano. A propósito, a perspectiva funcionalista de Harold D.
Lasswell, no texto “A Estrutura e a Função da Comunicação na Sociedade” (1948), também
descreve essa estrutura da comunicação a partir de cinco perguntas (quem, diz o quê, em
que canal, para quem, com que efeito?). Trata-se de uma visão positivista, distante da que
adotamos nesta pesquisa, mas concordamos quando Lasswell aponta as funções que a
comunicação cumpre na sociedade, isto é, a de mantenedora do equilíbrio do sistema: 1) a
vigilância sobre o meio ambiente; 2) a correlação das partes da sociedade em resposta ao
meio; e 3) a transmissão da herança social de uma geração para a outra.
Quando examinamos o processo de comunicação em qualquer Estado na comunidade mundial,
observamos três categorias de especialistas. Um grupo abrangente, com sua atenção, o meio político
do Estado como um todo; outro, relaciona a reação do conjunto do Estado ao seu meio ambiente; e o
terceiro transmite padrões de reação dos idosos aos jovens. Os diplomatas, adidos e correspondentes
estrangeiros são representativos daqueles que se especializam no meio externo. Os editores,
jornalistas e oradores vinculam-se à reação interna. Os educadores, na família e na escola,
transmitem a herança social (LASWELL, 1971: 107-108).
Como se pode ver, essas leituras encontram eco nas reflexões de Foucault. Ou seja:
os meios de comunicação têm se tornado tão comuns ao cotidiano da população e a sua
característica de mediador e refletor da sociedade tem sido tão aceita – consideradas as
ressalvas em relação da mediação sem interferências do comunicador – que o panóptico, a
vigilância eficaz e o controle pelas estratégias de instituição e manutenção do poder vêm, a
cada dia, se legitimando mais e mais.
Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus
poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade
(FOUCAULT, 1987: 209).
Outras ideias expressas por Michel Foucault em “A arqueologia do saber”, livro
lançado em 1969, nos oferecem uma revisão teórico-analítica importante, que pode ser
resumida em cinco pontos: 1) o discurso é uma prática que provém da formação dos
saberes e que se articula com outras práticas não discursivas; 2) os dizeres e fazeres
20
inserem-se em “formações discursivas”, cujos elementos são regidos por determinadas
regras de formação; 3) o discurso é um jogo estratégico e polêmico, por meio do qual se
constituem os saberes de um momento histórico; 4) o discurso é o espaço em que saber e
poder se articulam (quem fala, fala de algum lugar, baseado em um direito reconhecido
institucionalmente); e 5) a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por procedimentos que visam a determinar aquilo que pode ser dito em certo
momento histórico.
A partir dessas premissas, Foucault analisa as condições que permitem o
aparecimento de certos enunciados e a proibição de outros. Isso significa que, em um
momento histórico, há algumas ideias que devem ser enunciadas e outras que precisam ser
caladas. Silenciamento e exposição são duas estratégias que controlam os sentidos e as
verdades. Essas condições de possibilidade estão inscritas no discurso – elas delineiam a
inscrição dos discursos em “formações discursivas” que sustentam os saberes em circulação
numa determinada época.
Mediante essa análise, o filósofo estabelece explicitamente as relações entre os
dizeres e os fazeres, isto é, as práticas discursivas que materializam as ações dos sujeitos na
história. A discursividade tem, pois, uma “espessura histórica”, e analisar discursos
significa buscar compreender a maneira como as verdades são produzidas e enunciadas.
Assim, se quisermos buscar as articulações entre a materialidade e a historicidade dos
enunciados jornalísticos, em vez de sujeitos fundadores, continuidade, totalidade, devemos
buscar os “efeitos discursivos”.
Foucault analisa as práticas discursivas para demonstrar que é o “dizer” que fabrica
as noções, os conceitos, os temas de um momento histórico. A análise dessas práticas
mostra que a relação entre o dizer e a produção de uma “verdade” é um fato histórico. O
sujeito do discurso, ao ocupar o lugar de jornalista, está submetido a outras ordens
disciplinares – o dizer da política, da imprensa e do leitor.
Como lembra Foucault “que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de
qualquer coisa” (1971: 9), logo o jornalista não é dono do seu dizer, ou seja, não é
totalmente livre para dizer o que bem entende. Longe de ser um discurso transparente ou
21
neutro, o discurso jornalístico vai exercer um papel preestabelecido a ponto de Louis
Althusser considerar a imprensa como “aparelho ideológico de Estado”.
1.2 Aparelhos ideológicos e repressivos
Na concepção de Estado pela tradição marxista, os instrumentos de manutenção do
poder ganharam a denominação de aparelhos de Estado. Tais aparelhos se desdobram em
“aparelhos ideológicos” e “aparelhos repressivos”, que para Louis Althusser justificam ou
exercem o seu poder como se fossem “máquinas de repressão que permitem à classe
dominante assegurar sua dominação sobre as classes operárias para submetê-las ao
processo de extorsão, quer dizer, a exploração capitalista” (Althusser, 2003: 62). Embora
esta pesquisa não concorde com a visão marxista linear, aproveitamos os conceitos de
Althusser para analisar até que ponto a imprensa enquanto, digamos, aparelho ideológico,
colabora para manter um aparelho repressivo comprovadamente superado como o sistema
carcerário.
Não obstante, reconhecendo a complexidade da relação imprensa / sistema
carcerário, consideramos importante pontuar as várias nuances desse movimento de
negação da construção e desconstrução do discurso hegemônico, haja vista o fracasso das
prisões enquanto mecanismo de repressão à criminalidade. Neste sentido, queremos
analisar até que ponto o discurso da imprensa dá sustentação ao esse aparelho repressivo
reconhecidamente superado, inclusive por ela. É uma questão que queremos ressaltar
quando resgatamos as ideias de Althusser sobre a construção da hegemonia na atualidade.
Althusser desenvolveu o conceito de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs) para
explicar como a ideologia dominante se constrói na sociedade a partir da submissão de
classes, através do convencimento, e não apenas pelos instrumentos tradicionais repressores
do Estado, os aparelhos policiais, judiciais e prisionais.
A principal obra de Althusser, Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, foi
elaborada numa fase conturbada e intensa disputa nas lutas de classes, na qual a polarização
da guerra fria entre os EUA e a então URSS repercutiu dentro das academias. O embate
político e ideológico levou à radicalização na construção e desconstrução dos argumentos.
Foi neste contexto que esse filósofo argelino-francês exerceu forte influência entre os
intelectuais de esquerda ao desenvolver, a partir de Marx, o aprofundamento da formulação
22
sobre a superestrutura e sua relação com as bases materiais da sociedade (infra-estrutura ou
base estrutural).
No entanto, as ideias Althusser precisam ser atualizadas se quisermos entender de
forma mais profunda quais são os instrumentos utilizados pelas classes dominantes para
exercer a função de maioria na atualidade. Até porque, ao interligar os instrumentos de
dominação ideológica (superestrutura) e os instrumentos de dominação econômica (infra-
estrutura), foi Althusser quem iniciou o processo de inovação do pensamento marxista.
Seguindo as pistas de Gramsci, ele identificou a necessidade de esclarecer e desenvolver
mais amplamente, à luz da realidade de seu tempo, as mudanças existentes sob o caráter
ideológico da luta de classes. O sentido de aparelhos ideológicos de Estado está diretamente
influenciado por Lênin quando este define ideologia como a construção das ideias a partir
do fundamento classista (diferente de Marx que conceituava ideologia como a formulação
utópica do pensamento e de Gramsci, que desenvolveu o conceito de hegemonia na
sociedade).
Neste ponto, destacamos a contribuição da Escola de Frankfurt, pioneira dos estudos
críticos em comunicação. Embora não adotemos sua postura “apocalíptica”, reconhecemos
os esforços de Adorno e Horkheimer, como em “A Dialética do Esclarecimento” (1985).
Os dois retornam à época das luzes (século XVIII), período onde a razão teve a sua
primazia, para demonstrar como o esclarecimento – processo pelo qual uma pessoa vence
as trevas da ignorância e do preconceito em questões de ordem prática (religiosas, políticas,
sexuais etc.) – foi suplantado por um outro processo, a indústria cultural, que fundiu o
econômico com o cultural.
Sendo assim, dentro do raciocínio de Althusser, perguntamos como agem esses
aparelhos ideológicos e se a imprensa dos nossos dias se enquadra categoricamente dentro
desse conceito. Bom lembrar, contudo, que Althusser já ofereceu uma óbvia distinção entre
imprensa e os “aparelhos repressivos de Estado”, que abrangem toda a máquina
governamental (ministérios, exército, polícia, tribunais, presídios, etc). O “repressivo”, dirá
ele, age pela força e violência. O sistema carcerário, nessa lógica, se enquadraria como
“repressão administrativa”, enquanto que a imprensa funcionaria de maneiras distintas e
especializadas. Enquanto os aparelhos repressivos pertencem inteiramente ao domínio do
Estado, Althusser afirma que a grande maioria dos aparelhos ideológicos (igrejas,
23
sindicatos, algumas escolas, boa parte dos jornais, empreendimentos culturais) seria fruto
de iniciativas particulares. A despeito dessa aparente dispersão, Althusser ressalta que
Se os AIEs “funcionam” maciça e predominantemente pela ideologia, o que unifica sua diversidade é
precisamente esse funcionamento, na medida em que a ideologia pela qual eles funcionam é sempre
efetivamente unificada, a despeito de sua diversidade e suas contradições, sob a ideologia dominante,
que é a ideologia da “classe dominante”. Dado que, em princípio, a “classe dominante” detém o
poder estatal (abertamente ou, na maioria das vezes, mediante alianças entre classes ou frações de
classes), e, portanto, tem a seu dispor o Aparelho (Repressivo) de Estado, podemos admitir que essa
mesma classe dominante é atuante nos Aparelhos Ideológicos de Estado, na medida em que, em
última análise, é a ideologia dominante que se realiza nos Aparelhos Ideológicos de Estado, através
das suas próprias contradições (ALTHUSSER, 1999: 114-116).
Entre os instrumentos que consolidam a hegemonia em qualquer sociedade
destacados por Althusser, os jornais aparecem como um dos aparelhos ideológicos de
Estado mais influentes para a manutenção da hegemonia dominante. E para
compreendermos a elaboração das ideias hegemônicas em nossa sociedade seria preciso
identificar qual momento histórico e quais as condições colocadas para a construção e a
consolidação dessas ideias, seu funcionamento e legitimação diante das amplas massas
sociais.
A propósito, a tese de uma imprensa ideológica é recusada taxativamente pela
maioria dos jornais, rádios e TV’s e na sustentação dos argumentos dos colunistas,
articulistas e editoriais da imprensa. Caso da Folha de S. Paulo, por exemplo, que destaca
essa recusa em seu manual de redação:
Em documentos anteriores a este, a Folha cristalizou uma concepção de jornalismo definido como
crítico, pluralista e apartidário. Tais valores adquiriram a sua característica doutrinária que está
impregnada na personalidade do jornal e que ajudou a moldar o estilo da imprensa brasileira nas
últimas décadas (Folha, 2001: 17).
Assim, aceitando que a manutenção do sistema de exploração de classe depende
necessariamente da imposição das leis sobre o funcionamento social, aplicada pelo Estado,
e que o convencimento da maioria da sociedade se dá através dos instrumentos disponíveis
dentre os quais os meios de informação ainda mantêm a primazia, concordamos com
Althusser de que a disputa hegemônica em nossa sociedade não se dá de maneira abstrata
ou meramente subjetiva, mas se desenrola numa arena onde incontáveis grupos tentam
impor suas vontades:
É por isso que os AIEs não são a realização da ideologia em geral, nem tampouco a realização sem
conflito da ideologia da classe dominante. A ideologia da classe dominante não se transforma na
ideologia dominante pela graça divina, nem em virtude da simples tomada do poder estatal. É através
da instauração dos AIEs, em que essa ideologia é realizada e se realiza, que ela se torna a dominante.
24
Mas essa instauração não se faz sozinha; ao contrário, é o pivô, de uma luta de classes muito acirrada
e contínua, primeiro contra as classes dominantes anteriores e sua posição nos velhos e novos AIEs,
e depois contra a classe dominada (ALTHUSSER, 1999: 140).
Em outras palavras, Althusser sublinha que é a partir dos conflitos existentes dentro
dos próprios AIEs que se justificam as diferenças de classes e nas classes sociais,
permitindo a disputa pela hegemonia nesses aparelhos. Mas esse argumento se aplicaria na
atual crise do sistema carcerário paulista? Estaria o PCC, de forma muito amadora,
tentando entrar na disputa pela consciência coletiva quando sequestrou, em agosto de 2006,
o repórter Guilherme Portanova, da Rede Globo de Televisão, somente o libertando após a
veiculação de um vídeo com a sua versão da facção sobre os ataques? Pela a oportunidade,
vale a pena observar o teor desse discurso do PCC, registrado pelo jornalista Percival de
Souza no livro “O Sindicado do Crime: PCC e outros grupos”:
Como integrante do Primeiro Comando da Capital, o PCC, venho por meio único encontrado por nós
para transmitir um comunicado para a sociedade e os governantes. (...) Queremos um sistema
carcerário em condições humanas, não um sistema falido, desumano, no qual sofremos inúmeras
humilhações e espancamentos. Não estamos pedindo nada mais do que está dentro da lei. Se nossos
governantes, juízes, desembargadores, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da lei,
que se faça justiça em cima da injustiça que é o sistema carcerário, sem assistência médica, sem
assistência jurídica, sem trabalho, sem escola, enfim, sem nada. (...) Queremos que as providências
sejam tomadas, pois não vamos aceitar e não ficaremos de braços cruzados pelo que está
acontecendo no sistema carcerário. Deixamos bem claro que nossa luta é contra os governantes e os
policiais. E que não mexam com nossas famílias que não mexeremos com as de vocês. A luta é entre
nós e vocês (SOUZA, 2006: 101-102).
Interessante nesta alegação do PCC como o sequestro do repórter da Globo fora o
“meio único encontrado” para apresentar o seu ponto de vista contra a versão veiculada
pelos meios de comunicação. Após os ataques do PCC, a própria Comissão de Direitos
Humanos da Câmara Federal enviou um documento ao Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, também ligado ao Ministério da Justiça, que de certa forma
concorda com o conteúdo do vídeo do PCC. Percival de Souza transcreve esse documento
ignorado pela imprensa, assinado pelo deputado federal Luiz Eduardo Greenhalg e que
reforçava que
O transbordamento dos muros das prisões para ganhar as ruas é uma característica das rebeliões
atuais. No começo de julho, agentes penitenciários de São Paulo foram assassinados diariamente. As
facções de criminosos engendraram, a partir das prisões, redes organizadas com ex-presos, familiares
e outras pessoas submetidas à sua influência. Esse método de atuação é potencializado por ódios
decorrentes da violência e da corrupção policial. (...) Não há sensibilização suficiente para provocar
mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de
atividades laboriais e educativas. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos. É
um problema da sociedade, que passará a sofrer o agravamento das consequências de sua própria
omissão (SOUZA, 2006: 177).
25
Portanto, tanto o comunicado do PCC quanto o documento da Comissão de Direitos
Humanos do Congresso Nacional apenas apresentaram um outro lado da questão pouco
enfatizado pela imprensa. Assim, se hesitamos em enquadrar os grandes jornais como
aparelhos ideológicos de Estado, instrumentalizados para o exercício do poder, não
podemos ignorar o fato de que eles acabam reforçando uma “representação imaginária do
mundo” que condiciona o olhar que a sociedade tem do sistema prisional. “Essa matéria-
prima de sofrimento é forte aliada do PCC”, como bem destacou Percival de Souza: “O
nascimento da organização foi inspirado, no discurso retórico, na situação desumana que
muitos (presos) vivem” (Souza, 2006: 179). A isso, Althusser acrescentaria que
Não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os “homens se representam” na
ideologia, o que é nelas representados é, antes de mais nada, a sua relação com as suas condições
reais de existência. É nesta relação que está a “causa” que deve dar conta da deformação imaginária
da representação ideológica do mundo real. Ou melhor, deixando de lado a linguagem da causa, é
preciso adiantar a tese de que é a natureza imaginária desta relação que sustenta toda a deformação
imaginária observável em toda ideologia, se o a vivemos em sua vontade (ALTHUSSER, 1983:
87).
Posto isto, nosso próximo passo teórico será analisar a evolução do comportamento
dos meios de comunicação, ao ponto de serem considerados como “Príncipe Eletrônico”
pelo sociólogo brasileiro Octavio Ianni.
1.3 Sob um novo principado
A princípio, parece exagero atribuir aos jornalistas a culpa pela deformação
imaginária do sistema carcerário. Na verdade, não há como negar certa imprecisão diante
das diferentes representações no discurso jornalístico. Ressalte-se que os jornalistas, ao
mesmo tempo em que são funcionários de uma empresa capitalista, são também uma
espécie de contra-poder, cuja autoridade, delegada pela sociedade, lhe permite falar em
nome do interesse público. Mas até que ponto os jornalistas assumiram o papel de
intelectuais responsáveis pela articulação s funções hegemônicas dentro das instituições
midiáticas de nossos dias?
Não é fenômeno recente os intelectuais coexistirem ao lado do poderes político e
econômico, mas teriam os profissionais de comunicação ascendidos sobre outras categorias
de intelectuais da atualidade? Quanto a isso, Gramsci já ressaltou que os intelectuais
26
orgânicos não se constituem pela concepção de um “saber superior”, mas pelas funções que
assumem nas relações sociais, condicionando novas superestruturas:
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”, significa
também, e, sobretudo, difundir criticamente as verdades descobertas, “socializá-las”, por assim dizer;
transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elementos de coordenação e de ordem
intelectual e moral (GRAMSCI, 1995: 13).
Se é verdade a afirmação de que os intelectuais sempre estiveram intimamente
ligados a grupos dominantes, garantindo-lhes a homogeneidade dos seus interesses,
também é verdade que eles adequam função prática a forças que disputam a hegemonia na
sociedade, até mesmo de grupos sociais sem expressão aparente. Mas isso não é novidade,
uma vez que os intelectuais “tradicionais”, segundo Gramsci, às vezes se tornam
autônomos e independentes e em outros momentos desempenham funções subalternas de
hegemonia para outros grupos. Na terminologia de Gramsci, os intelectuais oscilam entre
classe corporativa e classe dirigente na medida em que são capazes de responder melhor
aos desafios histórico-sociais de sua época. Assim, tornaram-se mentores do “moderno
príncipe” (o partido político) ou, na concepção maquiavélica
2
, articularam qualidades
próprias (virtú) às condições socio-políticas (fortuna) em que atuam.
Mas hoje as condições históricas são outras, e mudou a forma como o arquétipo do
príncipe é concebido. A tese de Octavio Ianni é que no atual estágio do capitalismo, onde o
conhecimento se configurou como categoria central, um novo príncipe ganha a cada dia
mais destaque em nossa sociedade. Ele analisou três indícios que determinaram o
“envelhecimento” dos antigos príncipes nas atuais condições históricas: 1) o processo de
formação de uma sociedade civil mundial; 2) o surgimento de novas tecnologias que
agilizam os processos sócio-culturais e político-sociais em todo o mundo; 3) a emergência
de uma nova configuração histórico-social da vida, trabalho e cultura.
2
Para Maquiavel, o príncipe é o líder ou condottiero capaz de articular inteligentemente as suas qualidades de
atuação e liderança (
virtù) e as condições sócio-políticas (fortuna) nas quais deve atuar. A virtù é essencial,
mas se defronta todo o tempo com a fortuna, que pode ser ou não favorável, a ponto de ser tão adversa que a
virtù não encontra possibilidades de realizar-se. Mas a fortuna pode ser influenciada pela força (leis e armas),
embora tanto Maquiavel quanto Gramsci concordem que o Príncipe deva exercer o seu poder pela construção
da hegemonia e da soberania, a exemplo daquela pessoa que constrói diques para conter rios enfurecidos: “Os
homens prosperam quando a sua imutável maneira de proceder e as variações da fortuna se harmonizam, e
caem quando ambas as coisas divergem” (Maquiavel, 1946: 161).
27
Neste novo cenário surge o “príncipe eletrônico”, uma nova figuração capaz de
articular teoria e prática política numa era mundializada: “Já não se trata apenas do ‘quarto
poder’, do qual se começou a falar no século XIX. Trata-se de um desenvolvimento novo,
intenso e generalizado, abrangente e predominante da mídia no âmbito de tudo o que se
refere à política” (Ianni, 2000: 144).
Na opinião do sociólogo, este “príncipe eletrônico” teria subordinado, recriado e
absorvido os outros príncipes como nova entidade hegemônica que expressa formas e
visões alternativas do que acontece no mundo. “Assim se enriquece o príncipe eletrônico,
tornando-se mais sensível ao que vai pelo mundo, desde as perspectivas das classes e
mundos sociais e grupos subalternos quanto de permeio à perspectiva de classes e grupos
sociais dominantes” (Ianni, 1998: 10). Nesse sentido, constatamos como a imprensa acaba
marginalizando ou instrumentalizando as instituições políticas tradicionais, sintetizando o
processo catártico de indivíduos e coletividade, grupos e classes sociais:
Ao lado das suas atividades pluralistas e democráticas, favorecendo o debate, a controvérsia e a
mudança social em geral, é inegável que a mídia influencia mais ou menos decisivamente a
integração, isto é, a articulação sistêmica de uns e outros, contingentes e ideias, em escala local,
nacional, regional e mundial (IANNI, 1998: 22).
Como instituição central na sociedade globalizada, a mídia ocupou seu espaço
político e cultural, articulando-se com as massas, ao mesmo tempo em que define uma
visão de mundo hegemônica. Sua centralidade, contudo, é ancorada também na ação dos
intelectuais orgânicos que lhes garante unicidade e produzem um discurso midiático
universalizante, calcado no ideal de interesse público. Por conseguinte, um papel relevante
neste processo será atribuído aos jornalistas.
Utilizando perspectivas teóricas distintas, vários pesquisadores já haviam apontado
para a emergência dos intelectuais-jornalistas, responsáveis por estabelecer referências
culturais e modificar a pauta cotidiana numa reconstrução de uma realidade que vai além da
mera representação. Um estudo interessante foi empreendido por Beatriz Sarlo (1997),
numa perspectiva ligada aos estudos culturais, que constatou como dois fatores diluíram os
saberes intelectuais numa espécie de “pluralismo midiático”: 1) a ascensão dos saberes
técnicos em detrimento dos saberes losócos-morais; 2) o fim das utopias políticas.
Dentro desse novo contexto, Sarlo afirma que “ninguém mais próximo que eles (os
jornalistas) de um senso comum coletivo que interpretam e, ao mesmo tempo, constroem, a
28
cujas exigências atendem e a cujas inquietações interpretam sem deixar de doutriná-los”
(Sarlo, 1997: 168).
Essa proximidade se reflete no discurso dos jornalistas, por exemplo, quando eles
traduzem o discurso oficial para uma linguagem popular. “Pode-se considerar que a mídia
de notícias efetua o trabalho ideológico de transmitir as vozes do poder em uma forma
disfarçada e oculta” (Fairclough, 2001: 144). Justamente nisso consiste a grande
responsabilidade do jornalista como “intelectual orgânico” da atualidade, haja vista sua
capacidade de difundir uma concepção hegemônica de mundo.
Sendo assim, se o príncipe eletrônico não é nem “condottiero” nem partido político,
a mídia se apresentará como uma “entidade nebulosa e ativa, presente e invisível,
predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade” (Ianni,
2000: 148). Isso devido à concorrência acirrada entre os meios de comunicação, com seus
variados enfoques e interpretações, onde a mídia assume as características cada vez mais
plural e democrática dos inúmeros os intelectuais que a compõem:
Há jornais, revistas, livros, rádios, televisões e outros meios que expressam formas e visões
alternativas do que vai pelo mundo, desde o narcotráfico e o terrorismo transnacionais às guerras e
revoluções, dos eventos mundiais da cultura popular aos movimentos globais do capital especulativo.
(...) Em geral, no entanto, o príncipe eletrônico expressa principalmente a visão do mundo
prevalecente nos blocos de poder predominantes, em escala nacional, regional e mundial,
habitualmente articulados. (...) Registra e interpreta, seleciona e enfatiza, esquece e sataniza o que
poderia ser realidade e o imaginário. Muitas vezes, transforma a realidade, seja em algo encantado
seja em algo escatológico, em geral virtualizando a realidade, em tal escala que o real aparece como
forma espúria do virtual (IANNI, 2000: 148-150).
Para Ianni, o príncipe eletrônico se tornou o arquiteto desta nova “ágora eletrônica”
na qual todos nós estamos “representados, refletidos, defletidos ou figurados, sem o risco
da convivência nem da experiência” (Ianni, 2000: 155) e onde “identidades, alteridades e
diversidades” não precisam desdobrar-se em “desigualdades, tensões, contradições,
transformações” (Idem), pois tudo que nos incomoda será imediatamente espetaculizado e
estetizado, até os temas inquietantes e problemáticos como o caótico sistema carcerário:
O que parece neutro, útil, positivo, logo se revela eficiente, influente ou mesmo decisivo, no modo
pelo qual se insere nas relações, processos e estruturas que articulam e dinamizam as diferentes
esferas da sociedade. (...) São organizados, mobilizadas, dinamizadas e generalizadas como técnicas
de comunicação, informação, propaganda, entretenimento, mobilização e indução de correntes de
opinião pública, mitificação ou satanização de eventos, figuras, partidos, movimentos e correntes
(IANNI, 2000: 155).
29
2. CULTURA E MASSA CRÍTICA
Este segundo bloco traz os referenciais teóricos dos estudos culturais: Néstor Garcia
Canclini, Stuart Hall e Douglas Kellner. Pretendemos aprofundar o debate sobre a
contemporaneidade, particularmente num contexto metropolitano marcado por intensas
relações divergentes e subversivas, revelando uma renovação das identidades sociais e das
mediações culturais a partir de um instrumental contra-hegemônico e de resistência
constante.
2.1 Híbridas culturas
Néstor Garcia Canclini reconhecidamente é uma referência indispensável no estudo
das questões da contemporaneidade na América Latina. Suas reflexões valiosas sobre as
“culturas híbridas” ultrapassam uma visão linear presente em muitos estudos sobre a mídia.
Portanto, estudar a relação entre mídia e sistema carcerário pressupõe arriscar-se num
terreno repleto de variantes e complicações, precisamos assumir a mesma postura
abrangente de Canclini:
Não se trata, é claro, de retornar às denúncias paranóicas, às concepções conspirativas da história,
que acusavam a modernização da cultura massiva e cotidiana de ser um instrumento dos poderosos
para explorar mais. A questão é entender como a dinâmica própria do desenvolvimento tecnológico
remodela a sociedade, coincide com movimentos sociais ou os contradiz. Há tecnologias de
diferentes signos, cada uma com várias possibilidades de desenvolvimento e articulação com as
outras. Há setores sociais com capitais culturais e disposições diversas de apropriar se delas, com
sentidos diferentes (CANCLINI, 1997: 284).
Professor de História da Arte na Universidade do México, Canclini transita entre
diferentes manifestações artísticas (passeatas, pintura, arquitetura, música, grafite, histórias
em quadrinhos e até a simbologia dos monumentos) a fim de desconstruir os argumentos
reducionistas e paradigmas binários (subalterno / hegemônico, tradicional / moderno) que
balizam vários estudos culturais. Diante da aparente dispersão cultural na modernidade
urbana, Canclini investiga a principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural.
Para ele, é na cidade, portanto na realidade urbana, que se processa uma constante interação
do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação. E isto não é atribuível
unicamente à concentração populacional das metrópoles, haja vista o acesso que a grande
massa tem à informação e ao entretenimento, seja pelo rádio e televisão para uns, ou pela
Internet para outros.
30
Ao contrário, viver em uma grande cidade não implica dissolver-se na massa e no anonimato. A
violência e a insegurança pública, a impossibilidade de abranger a cidade (quem conhece todos os
bairros de uma capital?) levam a procurar na intimidade doméstica em encontros confiáveis, formas
seletivas de sociabilidade. Os grupos populares saem pouco de seus espaços, periféricos ou centrais;
os setores médios e altos multiplicam as grades nas janelas, fecham e privatizam ruas do bairro (...)
Habitar as cidades, diz Norbert Lechner em seu estudo sobre a vida cotidiana em Santiago, tornou-se
“isolar um espaço próprio”. Diferentemente do observado por Habermas, nas primeiras épocas da
modernidade, a esfera pública já não é o lugar de participação racional a partir da qual se determina a
ordem social (CANCLINI, 1997: 286).
E com isso as comunidades periféricas, principalmente, criam vínculos locais de
afetividade e de condescendência que acabam se formando “estruturas microssociais da
urbanidade” (o clube, o café, a associação de bairro, a igreja local, o comitê político, etc),
que antes se interligavam com uma continuidade utópica dos movimentos sociais e que
hoje estão cada vez mais desarticuladas e, portanto, cada vez mais dependentes da
intervenção midiática.
Uma organização diferente do “tempo livre”, que o transforma em prolongamento do trabalho e do
lucro, contribui para essa reformulação do público. Dos cafés da manhã de trabalho aos almoços de
negócios, para ver o que nos oferece a televisão em casa, e alguns dias aos jantares de sociabilidade
rentável. (...) As identidades coletivas encontram cada vez menos na cidade e em sua história,
distante ou recente, seu palco constitutivo. As informações sobre as peripécias sociais são recebidas
em casa, comentadas em família ou com amigos próximos. Quase toda a sociabilidade e a reflexão
sobre ela concentram-se em intercâmbios íntimos. Como a informação sobre os aumentos de preços,
o que fez o governante e até sobre os acidentes do dia anterior em nossa própria cidade nos chegam
pela mídia, esta se torna a constituinte dominante do sentido “público” da cidade, a que simula
integrar um imaginário urbano desagregado
(CANCLINI, 1997: 288).
Da ideia de urbanidade e “teleparticipação”, Canclini passa a investigar a questão da
memória histórica a fim de desfazer a perspectiva linear segunda a qual a cultura massiva e
midiática substitui a herança do passado e as interações públicas. Sua investigação da
presença dos monumentos e a sua relação ambivalente em meio às transformações da
cidade demonstram como eles subvertem a cada instante a velha ordem estabelecida
3
.
A vida urbana transgride a cada momento essa ordem. No movimento da cidade, os interesses
mercantis cruzam-se com os históricos, estéticos e comunicacionais. As lutas semânticas para
neutralizar, perturbar a mensagem dos outros ou mudar seu significado, e subordinar os demais à
própria lógica, são encenações dos conflitos entre as forças sociais: entre o mercado, a história, o
Estado, a publicidade e a luta popular para sobreviver. Enquanto nos museus os objetos históricos
são subtraídos à história, e seu sentido intrínseco é congelado em uma eternidade em que nunca mais
acontecerá nada, os monumentos abertos à dinâmica urbana facilitam que a memória interaja com a
mudança, que os heróis nacionais se revitalizem graças à propaganda ou ao trânsito: continuam
lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles
(CANCLINI, 1997: 300-301).
3
Em São Paulo a chacina do Carandiru, incidente que chocou o Brasil e o mundo, transformou o maior
complexo penitenciário da América Latina em monumento impactante do contexto paulista, transformado
pelo governo do Estado em ponto de cultura.
31
Aprofundando essa análise da problemática urbana, Canclini introduz o conceito de
“desterritorialização” para descrever o processo da desarticulação cultural. Como
ilustração, ele analisa a “trasnacionalização dos mercados simbólicos” (como ocorre nas
migrações, por exemplo) e, com isso, desfaz antagonismos simplistas tipo “colonizador vs.
colonizado”, “nacionalista vs. cosmopolita”. Canclini defende que o poder não está mais
centralizado unicamente nas mãos de grupos poderosos que manipulam a uma multidão
totalmente passiva, como sugerem algumas teorias comunicacionais.
Pelo contrário, a disseminação dos produtos simbólicos pela eletrônica e pela
telemática ou “o uso de satélites e computadores na difusão cultural também impedem de
continuar vendo os confrontos dos países periféricos como combates frontais com nações
geograficamente definidas” (Canclini, 1997: 310). Rejeitando posições maniqueístas,
lembrará que a difusão tecnológica também permitiu a países dependentes a registrarem um
crescimento notável de suas exportações culturais.
Outro fator importante para a desterritorialização seriam as migrações
multidirecionais tão marcantes nas grandes cidades. Tal realidade é muito bem ilustrada no
estudo sobre os conflitos interculturais empreendido por Canclini em Tijuana, uma
emblemática cidade mexicana na fronteira com Estados Unidos. Preservadas as
peculiaridades locais, poderíamos dizer que São Paulo também pode ser considerada, a
exemplo de Tijuana, um grande laboratório da pós-modernidade (Canclini, 1997: 315).
Tanto na capital paulista como em Tijuana, o caráter multicultural se expressa nas relações
divergentes e convergentes que se dão entre as várias culturas coexistentes.
O pós-modernismo não é um estilo mas a co-presença tumultuada de todos, o lugar onde os capítulos
da história da arte e do folclore cruzam entre si e com as novas tecnologias culturais. (...) Sem roteiro
nem autor, a cultura visual e a cultura política pós-modernas são testemunhas da descontinuidade do
mundo e dos sujeitos, a co-presença melancólica ou paródica, segundo o ânimo de variações que o
mercado promove para renovar as vendas e que as tendências políticas ensaiam... para quê?
(CANCLINI, 1997: 312).
2.2 Metáforas de transformação
Nenhum outro pensador da contemporaneidade abordou com tamanha pertinência as
questões sobre a identidade social a partir das mediações culturais como Stuart Hall. Filho
de uma família jamaicana classe média que viveu o modelo social inglês, Hall logo cedo
descobriria que o que era encenado em sua família, em termos culturais, “era o conflito
entre o local e o imperial no contexto colonizado” (Hall, 2003: 386), e passou a defender o
32
estudo da identidade cultural como um posicionamento, assumido por cada indivíduo (e
não fixo), uma identificação resultante de formações históricas específicas.
Assim, Hall assume uma postura crítica em relação aos estudos da comunicação
fundamentados na linearidade emissor/mensagem/receptor. Para ele, essa visão não
possibilita a compreensão mais ampla da complexidade que envolve os processos
comunicacionais, que abrangem o conjunto dos significados decodificados que “influencia,
entretém, instrui ou persuade, com consequências perceptivas, cognitivas, emocionais,
ideológicas ou comportamentais muito complexas” (Hall, 2003: 368). No entanto, embora
negue uma cultura popular íntegra, situada fora do campo de força das relações de poder e
de dominações culturais, Hall parece não discordar com o argumento frankfurtiano de que
se as massas a escutam, compram, lêem, consomem, as pessoas são influenciadas pela força
e poder da indústria cultural. Não obstante, suas reflexões assumem uma perspectiva
marxista mais ampla e ambivalente:
O povo versus o bloco de poder: isto, em vez de “classe contra classe”, é a linha central da
contradição que polariza o terreno da cultura. A cultura popular, especialmente, é organizada em
torno da contradição: as forças populares versus o bloco de poder. Isto confere ao terreno da luta
cultural sua própria especificidade. Mas o termo popular – e até mesmo o sujeito coletivo ao qual ele
deve se referir – “o povo” é altamente problemático. O termo se torna problemático, digamos, pela
capacidade da Sra. Thatcher de pronunciar uma frase do tipo: “Temos que limitar o poder dos
sindicatos, porque é isso que o povo quer” (HALL, 2003: 245).
Entretanto, várias outras forças também vão querer impor seus interesses ao “povo”,
razão porque a cultura popular se transformar numa arena entre defensores e opositores à
cultura dos poderosos. Hall, portanto, vai atribuir grande valor a essa cultura engajada
dentro da arena do consentimento e da resistência. Voltamos, assim, a uma questão
recorrente nesta pesquisa: até que ponto a imprensa influencia a população em geral? Que
outras forças “contra-hegemônicas” disputariam as mentes e corações das massas? Neste
aspecto, Hall destaca um estudo sobre o “carnaval” de dois jovens pesquisadores, White e
Stallybrass
4
, que aprofunda o debate sobre as “metáforas de transformação”.
O carnaval é a metáfora da suspensão e inversão temporária e sancionada da ordem, um tempo em
que o baixo se torna alto e o alto, baixo, o momento da reviravolta, do “mundo às avessas”. (...) Na
verdade, o que é surpreendente e original a respeito do “carnavalesco” de Bakhtin enquanto metáfora
de transformação cultural e simbólica é que esta não é simplesmente uma metáfora de inversão – que
4
Stuart Hall analisa com generosidade a obra de Allon White, “A política e a Poética da Transgressão”, e a
utiliza em homenagem ao amigo recém-falecido ao proferir uma palestra na Universidade de Sussex. Em
parceria com Peter Stallybrass, os estudos de Withe registram como as práticas de classificação cultural –
“alto” e “baixo” – são transcodificadas e hierarquicamente interligadas ou, segundo a metáfora de
transformação que Mikhail Bakthin faz do “carnaval”, como alto perturba o alto.
33
coloca o “baixo” no lugar do “alto”, preservando a estrutura binária de divisão entre os mesmos. No
carnaval de Bakhtin, é precisamente a pureza dessa distinção binária que é transgredida. O baixo
invade o alto, ofuscando a imposição da ordem hierárquica (HALL, 2003: 210-211).
De fato, não há como ignorar a grande movimentação que ocorre nas camadas
subalternas paulistas, numa espécie de reação revolucionária no campo das ideias. Alheios
aos ditames da indústria cultural, fenômenos como Mano Brown ou bailes funk, sempre
disputados, fazem a cabeça da juventude das periferias, alguns até fazendo apologia
declarada a um poder paralelo cada vez mais forte e ameaçador. Exemplo disso é a letra de
um CD pirata, no estilo “funk proibidão”, amplamente vendido nas barracas de camelôs,
sob o título “Funk do PCC 2006”, transcrita por Percival de Souza:
Vou embaçar a sua vida / Já sou seu pesadelo / Se você não acredita / Escuta aí, é o baile inteiro /
Quem manda é o PCC / Fez São Paulo estremecer / Daqui pra frente é só terror / A guerra vai
começar / Todos os presídios vão se levantar / Sou CV-PCC / Preparado para o duelo / E se fechou
tudo / Foi o poder paralelo / Tu ta ligado, amigo / Nessa parada / Nóis mete bala / Pisa em cima / e
Sai dando risada / Eu vou chegar chegando / Representando os irmãos do Primeiro Comando /
Sempre atendo aos salve / Quem vem do monstrão / Sequestro, assalto / ou Atentado à corporação
(SOUZA, 2006: 173).
São metáforas alternativas como essas, segundo Hall, que fazem todo sentido numa
realidade de opressão e exclusão, num relacionamento estreito entre o social e o simbólico
onde o jogo de poder se faz presente, nem sempre através de ações e sim na negociação de
sentido, pelo menos na maneira como a população os concebe. E é justamente nessa
reviravolta na ordem simbólica que o de baixo (ou o criminoso, no nosso caso) tenta
promover uma poderosa metáfora de transformação social e simbólica.
O baixo invade o alto, ofuscando a imposição hierárquica; criando, não simplesmente o triunfo e uma
estética sobre a outra, mas aquelas formas impuras e híbridas do grotesco; revelando a
interdependência do baixo com o alto e vice-versa, a natureza inextrincavelmente mista e
ambivalente de toda a vida cultural. (...) O baixo não é mais a imagem refletida do alto, aquele que
espera nos bastidores para substituí-lo, como nas metáforas clássicas da revolução, mas numa outra
figura, relacionada mas diferente, que tem assombrado e perseguido a metáfora paradigmática do
baixo enquanto “local dos desejos conflituosos e representações mutuamente incompatíveis” (HALL,
2003: 211-212).
Essas “metáforas de transformação”, como Hall demonstrou, trazem em seu bojo os
elementos do “festival dos oprimidos”, do “mundo às avessas” e, quando recuperadas na
perspectiva do “diálogo”, podem produzir uma renovação da sociedade. A esse elemento
não explicado, ou excedente, Hall atribuirá grande valor, pois “como os sintomas e
representações da vida psíquica, elas estão destinadas a ser sobre ou subdeterminadas”
(Hall, 2003: 221).
34
2.3 A pedagogia da crítica
Não poderíamos encerrar este bloco sem considerar a Pedagogia Crítica da Mídia,
de Douglas Kellner, sobre as relações estruturais de desigualdade e opressão denunciadas
pelos estudos culturais críticos. Ou seja, de como a cultura da mídia afeta o público e que
espécie de potenciais efeitos contra-hegemônicos e que possibilidades de resistência e luta
também se encontram nas obras da cultura da mídia (2001: 64). Importante frisar como
Kellner não subestima a inteligência do receptor, ressaltando que a absorção das
informações varia de pessoa para pessoa. Mas ele também não superdimensiona a noção de
receptor ativo, que estaria condicionado pelo contexto sócio-cultural.
Por isso, Kellner vai formular uma pedagogia crítica da mídia com uma proposta
direta: “aprendendo como ler e criticar a mídia, avaliando seus efeitos e resistindo à sua
manipulação, os indivíduos poderão fortalecer-se em relação à mídia e à cultura
dominantes” (2002: 10). Assim, “criando seus próprios significados e usos e fortalecendo-
se com a matéria-prima extraída de sua própria cultura” (2001: 12), as pessoas terão plenas
condições de discernir o conteúdo midiático, produzindo novas formas de cultura:
Esses estudos explorarão algumas das maneiras como a cultura contemporânea da mídia cria formas
de dominação ideológica que ajudam a reiterar as relações vigentes de poder, ao mesmo tempo que
fornece instrumental para a construção de identidades e fortalecimento, resistência e luta. Afirmamos
que a cultura da mídia é um terreno de disputa no qual grupos sociais importantes e ideologias
políticas rivais lutam pelo domínio, e que os indivíduos vivenciam essas lutas através de imagens,
discursos, mitos e espetáculos veiculados pela mídia (KELLNER, 2001: 10-11).
Destaquemos uma indagação pertinente formulada por Kellner dentro da realidade
de uma teoria crítica da sociedade atual, decorrente desta dominação da cultura produzida
pela mídia na sociedade: Quais são os processos e os contextos históricos, sociais, políticos
e econômicos em que se desenrolam as produções do discurso midiático e quais são seus
reflexos na sociedade? Em outros termos, Kellner está propondo uma releitura política e
cultural da mídia que
Significa não só ler essa cultura no seu contexto sócio-político e econômico, mas também ver de que
modo os componentes internos de seus textos codificam relações de poder e dominação, servindo
para promover os interesses dos grupos dominantes à custa de outros, para opor-se às ideologias,
instituições e práticas hegemônicas, ou para conter uma mistura contraditória de formas que
promovem dominação e resistência (KELLNER, 2001: 76).
35
Percebe-se clara influência de Gramsci quando Kellner atenta para a dominação
exercida por determinadas instituições e/ou grupos, que se utilizam, muitas vezes, da força
para manter o poder. Neste processo, ele afirma que aparelhos de Estado como a religião, a
escola e a imprensa reforçam, de maneira mais sucinta, a ideologia dominante. Contudo,
nessa realidade surgem forças antagônicas, de resistência, que contestam a ordem vigente.
Assim, Kellner desenvolve um conceito de diagnóstico crítico a fim de detectar “o que está
por trás” da cultura da mídia.
Em sua análise das mensagens, valores e ideologias da mídia, Kellner levanta
questões como estas: Qual é o enfoque dado pela imprensa a determinado fato ou objeto? O
embate é real ou ilusório? Qual é o discurso utilizado para promover a formação de
determinados tipos de identidades? E na busca por resposta a estas indagações, Kellner
constatará que a ideologia transmitida pela mídia “é (geralmente) a do branco masculino,
ocidental, de classe média ou superior; são as posições que vêem raças, classes, grupos e
sexos diferentes dos seus como secundários, derivativos, inferiores e subservientes”
(Kellner, 2001: 83). Haveria, portanto, uma nítida separação em “dominantes/dominados e
superiores/inferiores, produzindo hierarquias e classificações que servem aos interesses das
forças e das elites do poder” (Idem).
Com isso, Kellner conclui que para assumirmos uma perspectiva multicultural
crítica pressupõe uma interpretação da cultura e da sociedade que leve em conta as relações
entre “poder, dominação e resistência, articulando as várias formas de opressão em dada
sociedade por meio de perspectivas multiculturais” de modo que “seja possível abordar
criticamente textos culturais” (2001: 124) e detectar posicionamentos relacionados nestes
conflitos.
Para tanto, devemos adotar normas e valores que possibilitam fazer um estudo
crítico dos “textos, produções e condições que promovam opressão e dominação”. Nesse
sentido, valorizar “positivamente fenômenos que promovam a liberdade humana, a
democracia, a individualidade e outros valores que, por ele adotados, são defendidos e
valorizados em estudos e situações concretas” (Kellner, 2001: 125).
Todavia, o estudo crítico multicultural da cultura da mídia tem o objetivo de
relacionar suas teorias com a prática, “contribuindo para desenvolver uma contra-
hegemonia à hegemonia conservadora dos últimos anos” (Kellner, 2001: 125). Em
36
compasso com as formas de resistência e contra-hegemonia, essa perspectiva crítica
(“multiculturalismo insurgente”) posiciona-se de maneira contrária à dominação,
analisando não só as desigualdades estruturais, mas também as lutas dos oprimidos contra
os dominantes no sentido de libertação.
Um texto é constituído por suas relações internas e pelas relações que mantém com sua situação
social e histórica, e quanto mais relações estiverem expressas numa leitura crítica, melhor poderá ser
a compreensão do texto. O método multiperspectívico deve necessariamente ser histórico e ler seus
textos em termos de contexto social e histórico e pode também optar por ler a história à luz do texto
(KELLNER, 2001: 128).
Por isso, nesta pedagogia libertadora, Kellner valorizará as contribuições “marxista,
feminista, estruturalista, pós-estruturalista, psicanalítica e outras”, que possibilitam “uma
leitura mais completa e potencialmente mais sólida” (Kellner, 2001: 130). Quanto mais
elementos forem utilizados em uma pesquisa – desde que pertinentes ao estudo –
provavelmente melhor será o entendimento de “todo o espectro de dimensões e
ramificações ideológicas de um texto” (Idem).
3. CONTRA TODA RESIGNAÇÃO
Neste último bloco teórico, ressaltamos a contribuição de Michel de Certeau, Edgar
Morin e Paulo Freire com a intenção de demonstrar como as pessoas comuns se
reapropriam das representações sociais, o que pode ser valorizado se a comunicação
assumir uma nova compreensão sobre a complexidade da contemporaneidade, a partir do
contexto da ação cultural revolucionária, engajada na luta contra o a desumanização que
marca não apenas tanto oprimidos quanto opressores.
3.1 Resistência cotidiana
As reflexões de Michel de Certeau sobre os lugares e os espaços abrem um novo
horizonte para a pesquisa sobre os desafios da realidade metropolitana. Mais do que tudo,
demonstram como pessoas comuns podem se reapropriar das representações sociais
(tradições, linguagem, símbolos, etc) em situações cotidianas. Certeau vê nessa atividade
37
do re-uso uma abundância de oportunidades para pessoas comuns subverterem os rituais e
representações que as instituições buscam impor sobre elas.
Aliás, Certeau considera a cidade um grande laboratório da contemporaneidade, um
lugar onde novas práticas comunitárias são reinventadas. Ressalte-se, porém, que ele não
oferece um modelo fechado para o estudo cultural. Antes, admite que “nossas categorias do
saber são ainda muito rústicas e nossos modelos de análises muito pouco elaborados para
nos permitir pensar a abundância inventiva das práticas cotidianas” (Certeau, 2000: 361).
Isso não quer dizer que ele também despreze a influência da mídia na formação de grupos
sociais. Em “O ordinário da comunicação”, Certeau resume a sua percepção sobre os
processos midiáticos: “Na miséria de situações de penúria, o ordinário da comunicação tira
proveito da presença da mídia” (Josgrilberg, 2005: 95).
O “ordinário”, na ênfase de Certeau, são os pequenos processos, as mudanças às
vezes imperceptíveis. Quando as pessoas se apropriam das mensagens recebidas não de
maneira passiva, mas produtiva e criativa. Assim, ele demonstra que sua posição é, antes de
tudo, de esperança em relação à utilização da mídia. Isso quer dizer que Certeau é otimista,
e não ingênuo quando afirma que as pessoas buscam na antidisciplina uma forma de
resistência ao poder que lhes oprime. Embora a produção midiática ajude a compor esse
“lugar controlado”, será o “movimento tático” (dos receptores) que vai atualizar o
significado dessa produção, validando ou não essa atualização. Estudioso de Certeau, Fábio
Josgrilberg conclui como essa atividade de recepção não é livre de tensões. Segundo ele,
Certeau considera o “movimento tático” sempre a partir de um lugar estabelecido. “Ainda
que ocorra a atualização, ela estará em tensão com o lugar” (Josgrilberg, 2005: 97).
É essa compreensão do ato enunciativo, enquanto retomada do lugar para novas reorganizações
espaciais, que permitirá a Certeau destacar os relatos (récits) como organizadores do espaço social.
Como atos performativos, os relatos, na forma de estruturas narrativas, “têm valor de sintaxe
espacial” (IQ1, p. 70). Eles criam e recriam o que Certeau chama de “teatro de ação” (Ibidem, p.
182). O relato é uma ação descritiva, mas também criativa e com um caráter fundador (Ibidem, p.
181). (...) Essas características dos relatos antecipam a análise, são uma pré-condição para o
julgamento que tem por objetivos regulá-las – “os relatos caminham à frente das práticas sociais para
lhes abrir um campo” (Ibidem, p. 185). Ora, mais uma vez mais, há uma dinâmica circular
(JOSGRILBERG, 2005: 80).
Portanto, já que os discursos produzidos na sociedade derivam dos relatos, Certeau
definirá a cidade como o lugar da “guerra dos relatos” afirmando que “são os relatos que
tornam a cidade crível” (citado por Josgrilberg, 2005: 97). Um grande o risco, segundo
Certeau, seria a possibilidade dos “grandes relatos” esmagarem os “pequenos relatos” ou
38
um enunciador passar a ser um “Enunciador Universal” e ignorar os diversos enunciadores
em jogo (Idem).
Ao enfatizar essa relação dialética (“poder” versus “sujeitos”), Certeau se aproxima
bastante do pensamento de Michel Foucault sobre o aparato disciplinar, pois as suas
“funções estratégicas” sugerem uma correspondência com as “microfísicas do poder”.
Neste ponto, Certeau lamenta que o filósofo que desnudou as artimanhas das
“micropolíticas” tenha ignorado justamente as práticas cotidianas que fazem o contraponto
com os princípios “panópticos” que organizam o discurso.
“A partir de agora, a identidade
depende de uma produção, de uma caminha interminável (...) O ser se mede pelo fazer”
(Certeau, 2000: 203).
3.2 Saberes indispensáveis à imprensa
O pensamento complexo de Edgar Morin vem trazer novas perspectivas aos debates
sobre a contemporaneidade. Indo além de conclusões simplistas e unilaterais, Morin
demonstra que o tecido social é interligado por “circuitos incessantes” entre interações que
emanam de baixo e coerções dominadoras provenientes de cima. Evitando ações cegas que
“cortam, talham e retalham, deixando em carne viva o tecido social e o sofrimento
humano” (Morin, 1986: 119),
Então, poderemos conceber a complementaridade do que parece somente antagônico e o
antagonismo do que parece somente complementar. Então, poderemos partir da ideia de que a
sociedade, embora seja uma emergência oriunda das interações organizadoras entre indivíduos e
grupos, é uma realidade coerciva que retroage sobre estes. Então, poderemos conceber o circuito
recursivo da autoprodução antropossocial em que os seres humanos façam parte de uma sociedade
que faça parte deles. Então, poderemos compreender que, quanto mais complexa for uma sociedade,
quanto mais potenciais de desordens, antagonismos, conflitos ela conviver, quanto mais ela
comportar, ao mesmo tempo, potencialidades de inovações, de estratégias, de respostas às forças de
desagregação, tanto mais ela deverá conter, para compensar sua fragilidade orgânica, a comunicação
fraternizante que transforma a desordem em liberdade (MORIN, 1986: 121-122).
Assim, quando nos propomos a estudar a relação entre imprensa e sistema
carcerário não poderíamos abrir mão dessa perspectiva multidimensional. Não podemos
temer, como nos recomenda Morin, o paradoxo em que “os homens são, ao mesmo tempo,
fantoches, bonecos, objetos e agentes que tomam decisões, sujeitos da história” (Morin,
1986: 131). Portanto, nessa dissertação, não poderíamos ignorar o pensamento complexo
Morin – lembrando que complexus, no latim, significa “o que foi tecido junto”. Só assim
conseguiremos observar se discurso da imprensa reconhece essas ambiguidades ou se anula
39
as incertezas a fim de se adaptar às circunstâncias, assumindo um pensamento mutilante:
O pensamento mutilante atualmente devasta todos os setores do conhecimento e da ação. Mas é na
política que se torna um desastre porque se une estreitamente à ingenuidade, à ignorância, à magia,
ao mito, à ética maniqueísta. Ele promove a destruição de tudo aquilo que ignora, despreza ou não
compreende. Hegel dizia: “O pensamento abstrato só vê no assassino essa qualidade abstrata e
(destrói) nele, com o auxílio dessa única qualidade, todo o resto de sua humanidade”. E é ao produzir
“assassinos”, “facistas”, “comunas”, que a mutilação política arranca, aos humanos do campo
adversário, seus caracteres morais e, por essa destruição moral, prepara o caminho para a destruição
física (MORIN, 1986: 143)
.
E com Morin encontramos algumas pistas que nos ajudam a “enfrentar as
incertezas”, o inesperado dos nossos dias. “A realidade não é facilmente legível”, ele alerta,
acrescentando que as teorias não refletem, mas traduzem a realidade e, por isso mesmo,
podem traduzi-la de maneira errônea. “Nossa realidade não é outra senão nossa ideia da
realidade” (Morin, 2000: 85).
A pedido da Unesco, Morin sistematizou um conjunto de reflexões que repensam a
educação do século 21, os “Sete saberes indispensáveis à educação do futuro” igualmente
indispensáveis à imprensa na atualidade. Numa circunstância em que facções criminosas
impõem o terror a toda sociedade de dentro dos presídios e quando toda a Grande São se
viu atônita durante os ataques do PCC em 2006, as reflexões de Morin ganham uma
importância ímpar:
O inesperado surpreende-nos. É que nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e ideias, e
estas não têm estrutura para acolher o novo. Entretanto, o novo brota sem parar. Não podemos jamais
prever como se apresentará, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja, esperar o inesperado. E
quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever nossas teorias e ideias, em vez de
deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo (MORIN, 2000: 30).
Ao discutimos a relação entre imprensa e sistema carcerário, assumimos a posição
recomendada por Morin, quando diz que a compreensão deve aceitar “apreender em
conjunto”, como no latim “comprehendere” que sugere uma compreensão que “abrace
junto” o texto e o seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno. Nesse entendimento,
Morin inclui um novo processo de empatia, de identificação e de projeção e, com isso, uma
compreensão sempre aberta, simpática e generosa:
A comunicação não garante a compreensão. A informação, se for bem transmitida e compreendida,
traz inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficiente, para a compreensão. (...) A
compreensão pede, por exemplo, que não se reduza o ser humano a seu crime, nem mesmo se
cometeu vários crimes. Como dizia Hegel: “O pensamento abstrato nada vê no assassino, além dessa
qualidade abstrata (retirada do seu complexo) e (destrói) nele, com a ajuda desta única qualidade, o
que resta de sua humanidade”. (...) Aquele que sente repugnância pelo vagabundo encontrado na rua
simpatiza de todo coração, no cinema, com o vagabundo Carlitos. Enquanto na vida cotidiana
ficamos quase indiferentes às mirias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na leitura
40
de um romance ou na projeção de um filme (MORIN, 2000: 94, 98-99 e 101).
3.3 Por uma comunicação libertadora
O professor Venício A. de Lima abre sua obra “Mídia: teoria e política” dedicando
dois capítulos sobre o conceito de comunicação em Paulo Freire, confirmando a atualidade
das ideias desse educador brasileiro, que podem trazer grandes contribuições na nova
configuração do campo da comunicação na atualidade. Formuladas há mais de 30 anos,
Freire já naquela época ensinava que “a experiência nos ensina que nem todo óbvio é tão
óbvio quanto parece” (Lima, 2004: 56). O pensamento comunicacional latino-americano
recebeu muitas influências do educador brasileiro a ponto de Martín-Barbero, por exemplo,
atribuir a Freire muito de sua teoria das mediações.
Uma conclusão básica de Freire é que os homens não são “objetos” (por natureza),
mas Sujeitos criativos. Eles até podem ser tratados como meros “objetos” por sistemas
sociais opressivos, ou desumanizados, para utilizar uma terminologia preferida por ele, mas
isso não altera a “vocação ontológica” da pessoa humana, que é ser Sujeito, consciente de si
mesma e que interage com o mundo e com as outras pessoas pela comunicação.
No ensaio “Extensão ou comunicação?”, Freire argumenta que “o mundo social
humano não existiria se não fosse um mundo capaz de comunicar; (...) o mundo dos seres
humanos é um mundo da comunicação” (Lima, 2004: 65). Em uma nota de rodapé do texto
“Educação como prática da liberdade”, Freire afirma que “uma pessoa só poder existir em
relação a outras que também existem, e em comunicação com elas” (Freire, 1971: 41). No
clássico “Pedagogia do Oprimido”, Freire vai mais além e declara que
Somente através da comunicação é que a vida humana pode adquirir significado (...). Os homens (...)
não podem ser verdadeiramente humanos sem a comunicação, pois são criaturas especialmente
comunicativas. Impedir a comunicação equivale a reduzir o homem à condição de “coisa”. (FREIRE,
1977: 73 e 149).
Freire recorre ao filósofo espanhol Eduardo Nicol para denominar a “relação
dialógica”, conceito-chave de suas reflexões das práticas comunicativas, pela qual não
existe ser humano isolado, assim como não existe pensamento isolado. Dada essa
característica, Freire conclui que
Não é possível compreender o pensamento sem referência à dupla função: cognoscitiva e
comunicativa (...) O que caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se é que
41
ela é diálogo, assim como o diálogo é comunicativo. (...) A educação é comunicação, é diálogo, na
medida em que não é transferência de saber, mas encontro de sujeitos interlocutores que buscam
significação dos significados (FREIRE, 1971: 67-69).
O professor Venício Lima sintetizou o conceito de comunicação em Freire em três
pontos principais: 1) que não há comunicação sem a co-participação dos Sujeitos no ato de
pensar; 2) que o objeto de conhecimento não pode se construir no termo exclusivo do
pensamento mas, de fato, é seu mediador; 3) e que o conhecimento é construído mediante
as relações entre os seres humano e mundo. Com isso, Freire define a comunicação “como
situação social em que as pessoas criam conhecimento ‘juntas’, transformando e
humanizando o mundo, em vez de transmiti-lo, dá-lo ou impô-lo” (Lima, 2004: 62).
Portanto, a comunicação para Freire nada mais é que uma interação entre sujeitos iguais e
criativos, portanto, fundamentada no diálogo. Então,
Dialogar não significa invadir, manipular, ou “fazer slogans”. Trata-se, isto sim, de um devotamento
permanente à causa da transformação da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o
conteúdo da forma de ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns
homens sejam transformados em “seres para o outro” por homens que são falsos “seres para si”. É
que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. O diálogo é o encontro amoroso dos
homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o
humanizam para a humanização de todos (FREIRE, 1971: 43).
Não podemos desconsiderar a militância católica de esquerda de Freire quando ele
afirma que “o verdadeiro ato de conhecer é sempre um ato de engajamento” (Lima, 2004:
63), e isto em nossa discussão significa dizer que a comunicação tem de ser compreendida
no contexto da ação cultural revolucionária, engajada na luta contra o que Freire
considerava o principal problema da atualidade: a desumanização. E, portanto, o alvo de
uma comunicação libertadora deve ser o combate à desumanização, compreendida por
Freire como um processo que marca não apenas aqueles cuja humanidade foi roubada (os
oprimidos), mas também os que a roubaram (os opressores) (Freire, 1977):
Assim, no processo de libertação (ação cultural revolucionária) “os oprimidos não devem, ao
procurar reconquistar a sua humanidade, se transformar, por sua vez, em opressores de seus
opressores, mas sim restaurar a humanidade de ambos”. Freire define a libertação como “processo
(ou luta) pela humanização”, ou seja, “pela emancipação do trabalho, pela superação da alienação,
pela afirmação dos homens enquanto pessoas”. Para ele, “a grande tarefa humanística e histórica dos
oprimidos” torna-se então a de “libertar-se a si próprios e seus opressores” (PO, cap. 1, passim) por
meio de um permanente processo histórico de libertação (LIMA, 2004: 65).
Enfim, se escolhemos Paulo Freire para fechar esse capítulo teórico, não foi por
acaso. Reafirmamos nossa opção por uma comunicação dialógica neste momento delicado
para a sociedade paulista, que se vê acuada diante de uma facção criminosa que impõe o
42
terror à maior metrópole da América Latina. Enfim, ao propor uma análise entre a imprensa
e sistema carcerário publicamos nosso desejo por uma comunicação relacional e
transformadora que represente uma referência criativa e desafiadora para todos que
acreditam na prevalência de um modelo social comunicativo libertador.
FECHAMENTO
Vimos como esta pesquisa assume um tom crítico e esperançoso na análise do
discurso jornalístico sobre o sistema carcerário. Primeiramente com Michel Foucault
demonstrando como as “microfísicas do poder” são catalisadas pelos meios de
comunicação, denominados por Louis Althusser como “aparelhos ideológicos de Estado” e
por Octavio Ianni como “príncipe eletrônico”. Depois, recorremos aos principais expoentes
dos estudos culturais – Néstor Garcia Canclini, Stuart Hall e Douglas Kellner – a fim de
ressaltar a complexidade que envolve o debate sobre a contemporaneidade, sem tirar
conclusões lineares.
Procuramos, por fim, introduzir as esperanças de Michel de Certeau, Edgar Morin e
Paulo Freire para ressaltar a urgência de repensarmos o retrato que a imprensa faz da
questão carcerária, especialmente numa metrópole que convive com uma facção criminosa
tão violenta como o Primeiro Comando da Capital. Ressaltamos ainda o estranhamento dos
jornalistas em cobrir o assunto a partir de uma ideia fixa que considera a prisão como meio
único instrumento de combate à criminalidade. Enquanto a imprensa ignorar as propostas
como as penas alternativas insistindo nesta equação comprovadamente inócua – a justiça
condena, a polícia prende e a cadeia pune –, facções criminosas como o PCC tende a se
fortalecer cada vez mais.
43
CAPÍTULO II
PANORAMA DOS
SISTEMAS DE SEGURANÇA
44
Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões.
Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados,
mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos.
Nelson Mandela
A prisão, por si só, não resolveu o problema da criminalidade e da ressocialização
do delinquente e o assunto sequer foi abordado com a seriedade necessária, principalmente
porque não se cogitou a existência de modelos alternativos para garantir a segurança
pública (Bicudo, 1994). Além disso, os aparelhos policial, judicial e prisional sempre foram
considerados departamentos estanques, mesmo quando o bom-senso aponta para a
integração dessas três atividades, com “uma Polícia prevalentemente preventiva, uma
Justiça mais atenta à pessoa do preso e uma política penal que minimize a prisão e dê
ênfase à reabilitação” (Idem: 82).
De fato, nada pode ser feito se mantida a situação atual. Nesse sentido, em resposta
aos que defendem a experiência dos Estados Unidos, Bicudo adverte que a privatização do
sistema carcerário não passaria de outro grande equivoco, útil apenas para caracterizar a
filosofia (já falida, segundo ele) que determina uma única solução para o problema da
criminalidade: a prisão. Com a descentralização de cada uma das três atividades (policial,
judicial e prisional), integrando-as entre si, o jurista defende a sua concentração em
pequenas comunidades. Assim,
com um policiamento permanente no tempo e nos espaço – quer dizer, os mesmos policiais atuando
sempre nas mesmas áreas, todo o tempo –, chegaremos à integração Polícia-povo capaz de afastar os
perigos da delinquência. O trabalho desses policiais será, sem dúvida, fundamental para a
qualificação da Polícia como órgão de prevenção, e irá se refletir nas atividades judiciário-penais
desenvolvidas no mesmo espaço físico. Além dos benefícios inerentes à integração com o povo –
sem o qual o policiamento se torna impraticável –, a mera presença policial poderá coibir a maioria
dos surtos de violência. A atuação conjunta também facilitará a fiscalização (em especial sobre a
esfera policial) exercida pelo juiz, ou pelos representantes do Ministério Público e da Ordem dos
Advogados, ajudando, por extensão, a conter a violência no Estado. E, coroando tudo, haverá o
aperfeiçoamento da própria administração da justiça, com julgamentos baseados na realidade
criminal, e não mais na vontade quase exclusiva das partes (BICUDO, 1994:82).
A integração permitiria a individualização da pena, com a aplicação preferencial de
punições qualificadas pela imposição da prestação de serviço à população. Um juiz
45
integrado à comunidade deixa de julgar a partir de folhas de papel e passaria a julgar,
realmente, pessoas. Em vez de enviá-las a grandes conglomerados penitenciários, pela
proposta de Bicudo, o juiz que presidiu a formação da culpa e a impôs poderia acompanhar,
pari passu, o seu cumprimento. “Ele será o juiz da execução e, auxiliado por conselhos da
própria comunidade, irá orientar a política de recuperação do réu condenado, com objetivo
de reintegrá-lo à sociedade” (Bicudo, 1994: 83). Em outras palavras, o jurista está propondo
uma nova caminhada marcada por uma distensão inicial do aparelhamento primitivo:
Nada de penas duras, nada de crimes hediondos concebidos subjetivamente. Deixa-se para trás a
prisão fechada, que está falida, e evolui-se para um estágio intermediário, capaz de traçar os
contornos do ideal da pena sem prisão. Para isso, tornam-se imprescindíveis as reformas, tanto dos
órgãos policiais quanto do poder Judiciário e do sistema penitenciário. Aceita a reformulação, parte-
se para a descentralização do trinômio Polícia-Justiça-Prisão, mediante a construção de pequenos
módulos que integrem as três atividades. Assim, criam-se reais possibilidades para um policiamento
preventivo eficiente e para uma avaliação mais realista do crime e de seu autor. E, em consequência,
abrem-se os horizontes para que a pena, a partir de determinado instante, seja reavaliada pelo juiz e
pelos representantes da comunidade, e para que seu cumprimento se dê fora do presídio, na forma de
trabalho urbano e rural. Nada impede a descentralização da proposta. Nada impede que os estados
adotem medidas ágeis para viabilizar julgamentos mais realistas e rápidos. Nada impede a
individualização da pena, segundo os princípios inscritos na legislação, ou mesmo seu
acompanhamento pelo juiz que a determinou, agora em conjunto com a comunidade (IDEM: 83).
Eis uma nova proposta para a reformulação dos sistemas de segurança pública,
podendo, sem dúvida, ser aperfeiçoada. Entretanto, enquanto enxergarmos a segurança
dividida em departamentos estanques, o problema não será equacionado. Como Bicudo
demonstra de forma competente, Polícia, Justiça, Prisão são parte de um todo e, se não
funcionarem como tal, “a Polícia continuará violenta, a Justiça permanecerá como
instrumento de opressão e o presídio, fonte de corrupção e de violência” (1994: 98).
No entanto, antes de empreender esta análise dos sistemas de segurança pública,
Bicudo percebeu que todo aparelhamento policial, judiciário brasileiro, incluindo-se as leis
penais, repousa na tradição de repressão aos segmentos menos favorecidos da sociedade,
em benefício das classes privilegiadas. Talvez seja uma herança da colonização portuguesa,
como muito bem relembra ele, injustiça que ainda nos primórdios de nossa formação
histórica já era denunciada pelo padre Vieira
5
:
Não são só os ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que vão se banhar, para lhes colher a
roupa; os ladrões, que mais própria ou dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis
encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os
quais já com mancha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam a um
homem, estes roubam cidades e reinos. Os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem
5
Sermão do Bom Ladrão (Sermões, V), proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa, em 1665.
46
perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com
mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de Justiça
levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: “LÁ VÃO OS LADRÕES GRANDES A
ENFORCAR OS PEQUENOS”. Ditosa a Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosa as outras
nações, se delas não padecerá a Justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a
enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, um
ditador por ter roubado uma província! E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões
triunfantes? (apud BICUDO, 1993: 99).
1. O TRIPÉ DA SEGURANÇA PÚBLICA
Para aprofundarmos ainda mais o debate sobre a necessária reformulação do tripé
sobre o qual se sustentam as políticas de segurança pública, devemos comentar cada uma
das partes que compõe o trinômio Polícia-Justiça-Prisão. Trata-se, contudo, de uma visão
panorâmica de cada um desses aparatos, que estão mais detalhados na parte final desta
dissertação (ver Anexos).
1.1 A Polícia
Com um contingente com quase 25 mil agentes
6
e um o organograma que abrange
desde o DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito) à Polícia Técnico-Científica, a
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) ainda comanda a Polícia
Civil (que investiga os crimes e prepara os respectivos procedimentos legais) e seus
respectivos órgãos de repressão à criminalidade, como o DENARC (Departamento de
Investigações sobre Narcóticos), o DEIC (departamento que investiga o crime organizado,
sequestros e furtos e roubos de veículo e cargas), o D. H. P. P. (que investiga homicídios,
latrocínios e até pessoas desaparecidas), além das várias delegacias seccionais e as
específicas (mulher, idoso, infância e juventude) e os distritos policiais.
A SSP também integra a Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo,
“a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos
poderes constituídos”
7
. Entre as muitas atribuições, que inclui a dissuasão da perturbação
da ordem e as devidas honrarias a autoridades, compete à PM o policiamento do tráfego
urbano, ferroviário, rodoviário e fluvial, das instalações de uso público, das florestas, dos
locais de eventos vários, dos portos e aeroportos, das partes externas do sistema carcerário,
dos prédios e recintos particulares, além das conhecidas competências do Corpo de
6
Fonte: portal da Secretaria de Segurança Pública: www.ssp.sp.gov.br.
7
Idem.
47
Bombeiros: combate a incêndios, socorro e salvamento, atender emergência e calamidade
pública.
Fazendo um breve retrospecto, as primeiras informações sobre a existência de um
aparelho policial no Brasil datam do século XVI, época da fundação da cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro. Na ocasião, o alcaide-mor (prefeito) Francisco Dias Pinto
encarregava-se de todas as atividades policiais, acumulando inclusive a função de
carcereiro. Tempos depois, as atribuições policiais foram passadas para os ouvidores-
gerais, que tinham competência especial e exclusiva sobre escravos, índios e peões
(trabalhadores) brancos, mas também podiam aplicar penas de prisão, até o limite de 6
anos, aos nobres moços da Câmara e fidalgos.
Entretanto, a polícia como instituição surgiu apenas em 1808, com a chegada de D.
João VI e a elevação do Brasil à categoria de vice-reino. O alvará de 10 de maio daquele
ano estabeleceu ampla e ilimitada jurisdição ao intendente-geral de Polícia, Paulo
Fernandes Viana: em matéria policial, ele pairava acima de ministros criminais e civis, que
cumpriam suas ordens e dele recebiam instruções
8
.
Aos poucos essa situação foi se transformando em decorrência da implantação, em
todo território nacional, de vários órgãos votados para a segurança pública. A proclamação
da República foi, sem dúvida, o marco divisório entre uma concepção difusa da atividade
policial e o estabelecimento de uma Polícia profissionalizada. Com a adoção do modelo
federativo, as antigas províncias, que se constituíam em Estados autônomos, trataram de se
organizar para preservar seu modelo e a autonomia conquistada. Afinal, as Forças Armadas
(Exército e Marinha), configuravam corporações nacionais, a serviço da União. Contra elas,
era preciso antepor dispositivos capazes de dificultar e até mesmo impedir que o poder
central se tornasse incontestável, anulando a autonomia das unidades federadas. Assim,
surgiram os pequenos exércitos estaduais, chamados de forças públicas, brigadas ou outras
denominações regionais.
Em São Paulo, o governo Jorge Tibiriçá, organizou, em 1891, a Força Pública local,
com o objetivo de defender o poder instituído e resguardar os interesses do Estado. Para
treinar a sua corporação, o governador Tibiriçá contou com o apoio de oficias franceses
8
Conforme tese de doutoramento de Maria do Carmo Bicudo Barbosa intitulada “Tudo como antes no quartel
de Abrantes”.
48
para tornar a Força Pública um órgão de defesa efetivo e poderoso, que em algumas
décadas ultrapassava o do próprio Exército, com artilharia de campo e aviões de combate.
Na Revolução de 1932, feriado de 9 de Julho em São Paulo, dispunha de um contingente de
14.224 policiais, ao passo que o Exército contava com apenas 3.675 homens.
A vitória do governo federal marcou o início da formação do Estado unitário e,
consequentemente o declínio da Força Pública. No mandato do governador Jânio Quadros
em São Paulo, organizou-se um grupo de trabalho, com apoio inclusive da “Scotland Yard”
(a polícia inglesa), cujo objetivo era o de apresentar propostas para a unificação, com
características eminentemente civis, da Força Pública e a Guarda Civil
9
, deixando à Polícia
Civil (delegados, investigadores, peritos) a tarefa de oferecer provas necessárias aos
procedimentos judiciais.
O golpe de 1964 resolveu o problema. Mediante a ideologia de segurança nacional,
seria necessário criar uma força militar auxiliar, adestrada para responder aos atos de
guerrilha. Em São Paulo fundiram-se a Guarda Civil e a Força Pública, dando origem à
Polícia Militar. Da primeira, a PM “herdou” os enfrentamentos populares e da outra, o
policiamento ostensivo e preventivo, sob o comando do Exército
10
. No momento em que se
interrompeu a guerrilha, como assinala o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro no ensaio
“Polícia e crise política: o caso das polícias militares”, elas passaram ao enfrentamento do
crime convencional recorrendo às mesmas práticas e valendo-se da mesma impunidade. O
jurista Hélio Bicudo, reconhecido defensor dos direitos humanos e denunciador dos
Esquadrões da Morte, comenta essa orientação das polícias militares de forma bastante
clara:
As populações marginalizadas, as mais expostas a essa “guerra”, são qualificadas com o conceito,
advindo da ideologia de segurança nacional, de “inimigo interno”, que cumpre eliminar. Portanto, o
quantum de violência contido nessa atitude – a extravasar nas prisões ilegais, nas torturas e nos
homicídios desde então praticados – não poderia encontrar limites na atuação do poder Judiciário
comum. (...) Isso acontece porque, além de se imiscuir em uma atividade essencialmente civil, a PM
age segundo concepções militares. E na guerra vale tudo. Por isso, os policiais militares estão
sujeitos a uma Justiça especial, muito rigorosa quando se trata de infrações disciplinares, mas
complacente ao julgar os chamados “crimes decorrentes das atividades de policiamento” (BICUDO,
1994: 41).
9
Não confundir com as Guardas Civis Municipais, criadas a partir dos anos 1990 com ação limitada à
proteção dos equipamentos públicos municipais, embora tramite no Senado alguns Projetos de Emenda
Constitucional que conferem poder de polícia às GCMs.
10
Decreto Lei 667, de 2 de julho de 1969. Ainda hoje, o Exército exerce fiscalização administrativa sobre a
PM (cf. Regulamento 200, Artigo 23, Parágrafo 3º).
49
1.2 A Justiça
Quando o Brasil se tornou independente, a Justiça no país era distribuída pelos
juízes inferiores, pela Casa de Suplicação
11
do Rio de Janeiro e por três relações
12
, a de
Salvador, a de São Luiz e a de Pernambuco. A Constituição do Império, de 1824,
modificou essa estrutura, estabelecendo relações em quase todas as províncias e criando no
Rio de Janeiro, além da relação, um Supremo Tribunal de Justiça.
Com o advento da República e a promulgação da Constituição de 24 de fevereiro de
1891, o Supremo Tribunal Federal concentrou em suas mãos a defesa de todos os direitos –
civis e políticos – de todo povo brasileiro. Na Primeira República (1889-1930), com o
triunfo do regime federativo na organização política, impô-se a divisão da magistratura em
dois ramos independentes: o federal (causas de interesse da União) e o estadual (todas as
demais), ambos mantendo a instituição do júri para algumas causas criminais.
As três reformas constitucionais subsequentes (1934, 1937 e 1946) aprimoraram o
organograma, mas foi o golpe de 1964 que provocou as alterações mais substanciais no
aparato judiciário. O Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, não apenas
suspendeu direitos constitucionais, como o habeas corpus nos casos de crimes contra a
segurança nacional (praticamente todos, até mesmo os mais banais), como cancelou
também algumas garantias da magistratura, como vitalicidade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos. Depois, o AI-6, de 1º de fevereiro de 1969, engessou ainda
mais o poder Judiciário, dando grande ênfase à Justiça Militar em nome da ideologia da
segurança nacional.
Há muito se insiste na necessidade de uma ampla reforma do Judiciário, que possa
abranger desde as pequenas comarcas até o Supremo Tribunal Federal. Um diagnóstico
encomendado pelo presidente Ernesto Geisel, em 1975, já havia constatado o óbvio: “a
Justiça brasileira é cara, morosa e eivada de senões” (Bicudo, 1994: 63). O diagnóstico, no
entanto, continha omissões ainda hoje não consideradas quando discutimos a reforma do
Judiciário: a magistratura compõe apenas um dos ângulos do triângulo judiciário, formado
também pelo Ministério Público e pela advocacia. Portanto,
se é imperioso apurar o nível de recrutamento dos juízes e exigir uma reciclagem constante de seus
11
Fundada por D. João VI, em 1808, funcionava como Tribunal de Justiça.
12
Tribunais de Justiça de segunda instância.
50
conhecimentos jurídicos, por que não afirmar o mesmo com referência a promotores públicos e
advogados? (...) A proliferação desenfreada e irresponsável de faculdades de Direitos, em todo
território nacional, (...) legou-nos uma safra nem sempre ociosa de bacharéis. Sem consciência de sua
precária capacitação técnica, eles avançam para o exercício da advocacia, do Ministério Público e até
da magistratura (BICUDO, 1994: 65).
Pouco também se fez no tocante à elaboração constitucional dos anos 1986-1988.
Ainda hoje, o Judiciário representa, dentre os três poderes da República, o único infenso ao
controle externo. Essa questão gerou muito polêmica durante a elaboração da Constituição.
Argumentava-se que, se o Executivo e o Legislativo sujeitam-se a mecanismos de controle
externo – sofrendo a fiscalização dos tribunais de contas, do próprio Judiciário e até do
povo mediante eleições gerais – o mesmo não ocorria com o Judiciário.
Justamente esta questão – como estabelecer o controle externo do Judiciário, de
modo que esse processo não invada os princípios que resguardam a independência e a
autonomia dos juízes – foi tema do Encontro Nacional de Presidentes de Tribunais de
Justiça, realizado em 1992, onde se concluiu que “o controle da atividade do poder
Judiciário por órgão a ele estranho atenda contra a independência de seus juízes”
13
. Não
obstante,
os julgamentos a porta fechadas têm implicado em decisões que nem sempre aprimoram a
magistratura. Por isso, as eventuais denúncias de que precisam ser obrigatoriamente processadas,
com o acompanhamento vigilante do Ministério Público, da OAB, dos legislativos e da própria
comunidade (BICUDO, 1994: 67).
1.3 A Prisão
São Paulo é o Estado com maior número de unidades prisionais do país
14
. Em pouco
menos de trinta anos, de 1979 até hoje, experimentou um aumento exponencial das
unidades prisionais, passando de 15 para 144 estabelecimentos, num crescimento de 980%.
Segundo dados do Ministério da Justiça para o mês de maio de 2007, exatamente um ano
após os ataques do PCC em São Paulo, enquanto o Brasil atingiu a marca de 419.260
13
Conforme salientam Carlos Henrique Miguel Trevisan e Dyrceu Aguiar de Cintra Júnior em “Controle
externo do poder Judiciário”, “considera-se controle externo igual a controle estranho, como se a distribuição
da justiça fosse algo que só dissesse respeito aos membros do poder Judiciário” (Trevisan & Cintra Jr, ...).
14
Mais informações sobre o Judiciário brasileiro na Tabela 3 / Anexos.
51
encarcerados, São Paulo respondia sozinho por 149.310 pessoas cumprindo pena (36% do
total nacional)
15
.
O que é inquietante, no entanto, é que no mesmo período da “inflação carcerária”
não se registrou um crescimento igualmente proporcional ao número de vagas no sistema
paulista. Analisando-se os dados oficiais, existem hoje, em números redondos, cerca de 90
mil vagas no total para uma população carcerária estimada em quase 140 mil, resultando,
portanto, numa carência de 50 mil vagas. Caso sejam incluídos nesses números os detidos
sob custódia nas delegacias da Secretaria de Segurança Pública (SSP), apesar da
superlotação de seus presídios, o Estado de São Paulo precisaria criar ainda outras 10 mil
novas vagas.
Considerando-se também que as últimas unidades prisionais construídas no Estado
são de um modelo compacto, previstas para acolher em média 768 presos em cada unidade,
seriam necessários 77 novos estabelecimentos, cada qual avaliado em R$ 16 milhões, ou
seja, o Estado precisaria investir algo em torno de R$ 1,2 bilhão para regularizar o sistema,
e isso sem levar em conta o fluxo crescente de novas condenações e as novas apreensões de
réus condenados pela Justiça.
Analisando as políticas penitenciárias paulistas desde o final dos anos 70 até os dias
atuais, constatamos um percurso bastante marcado por diversas concepções cuja linha
mestra era promover a ressocialização dos presos pela “ética do trabalho”. Este modelo foi
legitimado com iniciativas como a criação da Funap (Fundação de Amparo ao Preso
Trabalhador), instituída em 1976, cuja finalidade demonstra claramente suas intenções:
“Contribuir para a recuperação social do preso e para a melhoria de sua condição de vida,
através da elevação do nível de sanidade física e moral, do adestramento profissional e do
oferecimento de oportunidade de trabalho remunerado”
16
.
Em suma, esse modelo de política penitenciária é fruto de uma concepção de
sociedade fortemente moralista e disciplinalizadora, que exige “uma instituição correcional,
em que indivíduos moralmente deficientes redescobrirão, pela experimentação indexa de
15
As informações detalhadas sobre o sistema carcerário paulista encontram-se sistematizadas no site
www.observatoriodeseguranca.org e no portal do governo do Estado de São Paulo, particularmente no link
www.sap.sp.gov.br.
16
FUNAP (Lei Estadual nº. 1.238, de 22 de dezembro de 1976).
52
sofrimento, de privação e, principalmente, de trabalho, um sentido não intuído de
integridade moral” (Paixão, 1991: 20-21).
Autores como Loïc Wacquant (2001), David Garland (1999) e Zygmunt Bauman
(1999) constataram como a prisão abandonou essa função essencialmente disciplinar para
assumir uma função punitiva. Bauman, por exemplo, ressalta que a atual política prisional
segue uma tendência mundial de grandes investimentos em construção e manutenção de
prisões. Pautada no encarceramento em massa, essa proposta revela um total abandono do
discurso reabilitador das prisões que emergiu no início da era moderna. Por isso, ele
caracteriza como “pós-correcional” os investimentos no setor prisional, uma vez que a
construção de novas prisões tornou-se o principal instrumento de propaganda dos governos
no que tange ao combate à criminalidade
17
.
Wacquant, por sua vez, demonstra como os Estados Unidos consolidaram um
modelo de “Estado-Penitência”, que influenciou o mundo com medidas conhecidas como
“tolerância zero” ou “endurecimento penal”. Tais propostas pautam o debate sobre a
questão carcerária, como veremos em detalhe nos capítulos 3 e 4, com exigências “linha
dura” como o aumento da repressão policial nas ruas, penas mais severas para os
delinquentes, diminuição da maioridade penal, castigos exemplares para qualquer tipo de
delito, etc. Na prática, por trás dessa mentalidade, há a negação ou pelo menos a
minimização de questões sociais mais complexas (o desemprego, por exemplo), conferindo
a responsabilidade pelos atos criminosos unicamente aos indivíduos.
Consequentemente, medidas altamente punitivas acabam, direta ou indiretamente,
liquidando benefícios, subsídios, conquistas sociais, além de reforçar um aparelho de
segurança bastante opressor. Wacquant destacou como um Estado punitivo usa esses
artifícios para manter o controle sobre os setores populares que estão à margem do
consumo e do sistema capitalista, setores geralmente representados por pobres, negros e
imigrantes. Paradoxalmente, segundo ele, a prisão surge como um instrumento de controle,
punição e de gestão da miséria social.
17
No ano de 1997, com um déficit de 11.652 vagas, o governo do Estado de São Paulo lançou um projeto de
expansão de vagas no sistema penitenciário tendo como principal objetivo a desativação da Casa de Detenção
de São Paulo. Mas essa expansão foi acompanhada por crises, violências e rebeliões e, sobretudo, pela
descrença na função de ressocialização das prisões por parte da sociedade.
53
As causas que fazem de São Paulo uma das capitais mais perigosas do país, são
reflexo de sucessivas políticas públicas equivocadas: urbanização descontrolada, alta
concentração de moradores nos bairros periféricos, desigualdade social acentuada e má
distribuição de renda, somados ao pouco investimento em Educação. Esses bairros sofrem
problemas crônicos de ausência de serviços públicos, sobretudo, falta de acesso à Justiça, o
que permite o surgimento de subculturas onde a solução de conflitos é profundamente
privatizada e as relações de apoio mútuo, como associações comunitárias e igreja, por
exemplo, perdem espaço para organizações atreladas à criminalidade e ao tráfico de drogas.
2. REPENSANDO AS POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS
Infelizmente, o debate contemporâneo sobre a questão carcerária permite verificar
certas tendências das políticas criminais que caminham na direção da expansão da pena de
encarceramento, do endurecimento penal, da inflação carcerária (com o aumento dos custos
de gestão do sistema prisional), da ampliação dos efetivos policiais e do crescente número
de indivíduos (sobretudo arregimentados nas classes populares) presos em flagrante delito e
levados a julgamento.
No entanto, algumas pistas que apontam para uma humanização do cárcere. Uma
delas seriam as penas alternativas, medidas punitivas de caráter educativo e socialmente
útil, imposta ao infrator, em substituição à pena privativa de liberdade. Essa visão parte do
princípio de que o delito, enquanto fenômeno social, nasce no seio da comunidade e só
pode ser controlado pela ação conjunta do governo e sociedade.
Esta é a bandeira principal do atual responsável pela execução das penas alternativas
em São Paulo, Mauro Rogério Bittencourt
18
, que baseia seu argumento nas recomendações
da Assembleia Geral das Nações Unidas. Para ele, a promulgação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos em 1948, com o propósito de reconhecer a dignidade como
fundamento da liberdade, da justiça e da paz. Depois, em 1955, com a edição das Regras
18
Conforme o portal da Secretaria de Administração Penitenciária (www.sap.sp.gov.br), acessado em
10/08/2009.
54
Mínimas para tratamento dos Presos, a ONU recomendou a aplicação de pena não privativa
da liberdade. Em 1966, o pacto Internacional dos Direitos Políticos e Civis veio reforçar a
implantação, execução e fiscalização das alternativas à pena de prisão.
Bittencourt ressalta também que as “Regras Mínimas para Elaboração de Penas Não
Privativas de Liberdade”, redigidas em Tóquio, no ano de 1986, igualmente recomendam a
adoção de alternativas penais como a restrição de direitos, a indenização da vítima e a
composição do dano causado, além de ressaltar a observância imprescindível das garantias
da pessoa condenada. No âmbito nacional, a reforma do Código Penal de 1984 introduziu
no ordenamento jurídico as penas restritivas de direitos, entre as quais a de prestação de
serviços à comunidade.
Em 1995, também foram criados no país os Juizados Especiais Criminais (Jecrim)
objetivando estabelecer novos procedimentos para crimes de menor potencial ofensivo –
transação penal e suspensão condicional do processo – aplicação imediata de penas
restritivas de direito nas modalidades previstas no Código Penal. Esta lei conceituou crime
de menor potencial ofensivo, como sendo aquele que a pena máxima cominada ao delito
seja igual ou inferior a um ano. Portanto, as penas alternativas se revelam, pelo menos por
enquanto, uma saída para a atual crise do sistema carcerário, pois não afastam o indivíduo
da sociedade, não o exclui do convívio social e de seus familiares e não o expõe aos males
do sistema penitenciário, em especial ao domínio das facções criminosas.
Se essa é apenas uma das ênfases eficazes para estancar a crise do sistema
carcerário, somos obrigados a perguntar por que então o Estado não as prioriza: Seria a
prisão moderna, antes de tudo, uma “empresa de modificação dos indivíduos” (Foucault,
1977: 208)? Ou, perguntando de forma mais simples, por que as políticas penitenciárias,
por melhores que sejam, nunca dão certo? Para tentar responder estas questões, precisamos
retroceder às primeiras tentativas de reforma do sistema e os seus recorrentes fracassos.
2.1 As primeiras políticas penais
O pesquisador Antônio Luiz Paixão realizou um levantamento das primeiras
experiências modelares de reforma das organizações penais e os percalços dos
55
reformadores e concluiu: “a penitenciária é a instituição do paradoxo” (1991: 21). Percebeu
que apesar da ênfase iluminista na ressocialização do criminoso, a realidade prática acabou
frustrando totalmente esses ideais. Ele cita, por exemplo, um sacerdote que visitou em 1834
a colônia penal de Norfalk, na Austrália, relatando com horror as perspectivas de
sobrevivência dos prisioneiros a quem deu extrema-unção
19
.
Ocorre, precisamente em Norfalk, o primeiro caso relatado por Paixão. Em 1840, o
capitão A. Maconochie, após uma experiência bem-sucedida de administração penal na
Tansmânia, foi designado para administrar aquela colônia onde a morte era uma constante.
Lá, ele institucionalizou o “sistema de marcas”, que teria grande influência em políticas
penais posteriores. Esse novo sistema era engenhoso: consistia na substituição de sentenças
temporalmente definidas por sentenças de trabalho. Assim, um dia de trabalho equivaleria a
dez marcas e eliminava um dia sentença.
O capitão Maconochie, porém, não parou por aí: dividiu a sentença dos internos em
estágios. O primeiro destes, penal, implicava rigorosa observância da disciplina no
trabalho, sob supervisão direta de pessoal custodial. No segundo, social, era dada ao preso a
liberdade de organizar seu próprio grupo de trabalho (em torno de seis internos), o que
implicava na coletivização das “marcas”. O terceiro estágio concedia ao interno acesso não
só a pequenas propriedades, como hortas ou gado, como também à liberdade de comércio.
A partir dessa etapa individualizada, ampliavam-se as chances de acumulação de “marcas”,
cujo produto final era algo semelhante a um estádio de liberdade condicional.
Assim, estão presentes, na experiência de Norfalk, além das grandes inovações em políticas públicas
penais que hoje se difundiram pelas sociedades modernas, ou seja, regime progressivo, liberdade
condicional, individualização e indeterminação da pena (...), o preso e sua dignidade como fins
morais em si mesmos, que introduzirá novos dilemas na administração de uma organização
paradoxal (PAIXÃO, 1991: 24-25).
No entanto, o sucesso dessa mudança foi fatal para o destino político do capitão
Maconochie. Sua demissão, após quatro anos na direção da colônia de Norfalk, foi
precipitada por um ponche, servido em homenagem ao aniversário da rainha Vitória.
Paixão diz que “menos do que a pequena dose de uísque que temperava a bebida”, pesou,
para sua exoneração, tanto a inquietação que a substituição que o sistema de marcas
provocara no Parlamento Britânico quanto à imposição, na colônia australiana, a um
19
Sobre a experiência de Norfalk, Paixão recomenda Hickey & Scharf, 1980: 10-31; e Wolfgang, 1979: 5-53.
56
modelo que, ao lado de mão-de-obra barata, oferecia chances de sobrevivência e liberdade
aos prisioneiros
20
.
Passemos ao segundo relato apresentado. Nas primeiras décadas do século XX, o
sistema penitenciário era igualmente desanimador. Neste contexto, em 1913, Thomas O.
Osborne, rico empresário liberal, foi nomeado para presidir uma comissão de reforma
penitenciária de New York
21
. Ele inovou, antes de tudo, a metodologia de avaliação de
políticas penais, pois acreditava serem necessárias informações mais “profundas” e
“internas” sobre o sistema, que revelassem sua realidade existencial apenas entrevista nas
estatísticas e depoimentos de seus membros a autoridades judiciárias e políticas. Osborne é,
pelo que se sabe, o primeiro observador participante intencional do sistema prisional
22
.
Adotando o codinome de Tom Brown, ele experimentou pessoalmente as agruras da vida
carcerária em Auburn, New York.
Osborne observou cuidadosamente, por uma semana, o ambiente carcerário de
Auburn, incluindo suas “surdas” e celas de castigo, frequentadas por ele ao recusar-se a
trabalhar. Aprendeu com os colegas de cela a legitimidade e a relevância, do ponto de vista
do interno, de alguns mecanismos de sociabilidade que o capitão Maconochie utilizara na
experiência de Norfalk.
Como político, Osborne introduziu em Auburn o controle comunitário do regime
disciplinar. Cada oficina de trabalho elegia seu representante numa comissão que cuidava
tanto da resolução de disputas e conflitos entre presos, como deliberava sobre as condições
de trabalhos dos internos. Após um ano de experiência, os resultados foram tão positivos
que induziram Osborne a abandonar o papel de formulador de políticas públicas para
assumir a direção de Sung-Sung, uma instituição com sólida reputação de
“ingovernabilidade” de seus internos.
A administração de Osborne em Sing-Sing, iniciada em 1916, orientou-se
decididamente por objetivos de recuperação do preso, aprofundando os cursos da ação
ensaiados em Ausburn. O alvo de sua ação foi mudar a estrutura penitenciária, considerada
por ele como obstáculo à recuperação dos internos. A experiência de Auburn indicava que a
20
Tomando por base o índice de reincidência como indicador de eficiência de política penal, a experiência de
Norfalk foi um sucesso: menos de 3% de reincidência (cf. Hickey & Scharf, 1980: 12).
21
Sobre a experiência de Osborne, ver Hickey & Scharf, 1980; Statsny & Tyrnauser, 1982; e Murton, 1979.
22
Diferente de alguns intelectuais que produziram relatos fascinante sobre a vida prisional, involuntariamente,
como Dostoieviski, Oscar Wilde, Graciliano Ramos, Jean Genet ou Frei Betto.
57
institucionalização do controle de grande parte das políticas disciplinares e de trabalho por
internos alterava significativamente suas atitudes e comportamentos frente às autoridades
prisionais. Em Sing-Sing, ele ampliou a esfera de controle de organizações dos internos
sobre aquelas políticas, batizando essa iniciativa como a Liga do Bem-Estar Coletivo.
As ligas, além de arbitrar conflitos entre os presos e regular as condições de
trabalho, julgavam infrações disciplinares dos internos e opinavam sobre conflitos de
interesse entre eles e a administração. Não eram, entretanto, instâncias decisórias finais
nessas esferas de atividade. Os internos podiam recorrer a um tribunal administrativo,
composto por Osborne e um médico, em audiências públicas, onde representantes da Liga
tinham de justificar suas razões e procedimentos punitivos.
Há um aspecto fascinante nas inovações de Orborne em Sing-Sing e que as adota de um sentido
muito forte de contemporaneidade: a noção de cidadania no ambiente carcerário. O interno se
representava na Liga, que lhe oferecia esfera institucional de exercício pleno de direitos e deveres
coletivamente reconhecidos e implementados. Daí a punição mais severa do tribunal dos internos ser
a suspensão da participação do acusado na Liga – o que, praticamente, representava sua sujeição ao
sistema disciplinar unilateralmente imposto pela administração ou uma cassação de seus direitos de
cidadão na comunidade (PAIXÃO, 1991: 28).
A implementação desse sentido de cidadania foi decisiva para a experiência de
Osborne – e as razões de sua queda também nos soam reveladoramente atuais. A população
prisional de Sing-Sing não era homogênea e suas diferenciações internas, principalmente de
classe, conspiraram contra o sucesso de suas políticas inovadoras. Em pouco tempo, a Liga
foi dominada por lideranças organizadas que eficientemente mobilizaram o apoio da massa
carcerária mais baixa, excluindo os de status social mais elevado dos benefícios das novas
políticas. Estes, através de pedidos reiterados de transferência para outras instituições,
reforçaram a oposição externa a Osborne, encabeçada por lideranças políticas e religiosas
moralistas.
Assim, um caso rotineiro de homossexualismo, arbitrado pela Liga, ofereceu à
oposição conservadora, especialmente na imprensa, a oportunidade de um processo contra
Osborne, por supostamente acobertar atos imorais. Mesmo absolvido no julgamento, ele se
demitiu em 1916 e a experiência da Liga foi rapidamente arquivada.
58
2.2 Retrospectiva do sistema brasileiro
Adorno & Salla (2007) relacionam a formação e a consolidação do PCC com as
medidas de isolamento impostas com a criação de unidades especiais, como o anexo da
Casa de Custódia de Taubaté, ou ainda com a criação do Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD). Para tanto, realizam uma espécie de retrospectiva das políticas penitenciárias no
Brasil e, de modo especial, no Estado de São Paulo.
Segundo eles, as prisões no Brasil, salvo breves momentos na sua história, sempre
apresentaram deterioradas condições de habitabilidade com superlotação, privações
materiais, violência e arbitrariedades. As inovações introduzidas nos códigos penais (por
exemplo, em 1890 e em 1940), em termos de execução da pena, e que poderiam reverter
aqueles cenários, só muito limitadamente foram colocadas em prática. Desde meados do
século passado, as políticas penitenciárias seguem as mesmas diretrizes, pouco se
renovando: são concebidas como respostas às emergências provocadas pelo crescimento
dos crimes, por rebeliões e fugas, pelas duras condições do encarceramento, pela
instabilidade das instituições prisionais sempre a reboque de mudanças inesperadas em suas
direções, o que gera inquietações na massa carcerária, fonte frequente de levantes e motins.
Não é estranho que, nesse cenário de pobre inovação, as intervenções do poder público
sejam insatisfatórias para enfrentar problemas acumulados no tempo, limitando-se à
expansão da oferta de vagas.
Durante a ditadura militar (1964-1985), o sistema prisional foi completamente
envolvido pela política de segurança nacional. Adotando como diretrizes a contenção da
oposição política e da criminalidade a qualquer custo e o encarceramento arbitrário de
suspeitos e perseguidos, essa política colaborou com a superlotação das cadeias públicas e
presídios. Nesse contexto de arbitrariedades, torturas e maus-tratos a criminosos comuns,
há décadas vigentes nas prisões, parecem ter se expandido (Adorno & Salla, 2007: 18).
A reabertura democrática a partir da segunda metade da década de 1980, contudo,
segundo eles, não alterou substantivamente esse quadro, a despeito das mudanças
institucionais que foram sendo introduzidas. Por largo tempo persistiram: prisões para
averiguações sem ordem judicial; assombrosa atividade clandestina das organizações
paramilitares; elevada impunidade nas graves violações de direitos humanos, mesmo
59
naquelas de responsabilidade direta do Estado, tal como torturas como métodos usuais de
investigação nas delegacias e distritos policiais; arbítrio na aplicação das normas
regimentais, nisso incluído o uso de celas fortes como instrumento de contenção e repressão
da massa carcerária e maus-tratos cotidianos aos presos.
Ademais, a ausência na proteção de direitos consagrados em convenções internacionais (direito ao
trabalho, profissionalização, escolarização, tratamento humano digno, assistência jurídica e social)
colocou em evidência, nos dez anos seguintes ao retorno do país ao estado de direito (1985-1995), a
falência das prisões. Desde a democratização do país, as políticas penitenciárias estão imersas numa
dinâmica contraditória: de um lado, pesam as heranças de arbítrio e violência, de gestão autoritária,
de invisibilidade dos territórios de encarceramento, de baixos controles sobre a administração; de
outro, a vigência do estado de direito impondo a necessidade de ajuste de agências e agentes às
diretrizes democráticas, de que as chamadas políticas de humanização dos presídios no Rio de
Janeiro e São Paulo, ainda nos anos 1980, nos governos de Leonel Brizola e Franco Montoro,
respectivamente, constituem marcos inaugurais (ADORNO & SALLA, 2007: 18-19)
Aos poucos, porém, foram sendo notados tímidos porém significativos avanços
quanto aos direitos dos presos, à exigência de mais e maior transparência na administração
dos presídios, ao controle da corrupção e da arbitrariedade de agentes públicos na aplicação
dos regulamentos e regimentos. Essa tendência prosseguiu na década seguinte com a
criação de Secretarias de Administração Penitenciária desvinculadas das Secretarias
Estaduais de Segurança Pública ou mesmo de Justiça, bem como criação de Ouvidorias,
concomitantemente à expansão da oferta de vagas como medida capaz de amenizar os
efeitos da superpopulação carcerária. Comitentemente, segundo Adorno & Salla, surgiram
resistências por parte das forças políticas conservadoras e das corporações encarregadas de
aplicar lei e ordem, em especial policiais militares. Estimulados pela impunidade,
persistiram casos de tortura e maus-tratos, de corrupção e de outras ilegalidades praticadas
pelos agentes públicos (Adorno & Salla, 19). Nesse sentido, o massacre do Carandiru, em
1992, com a morte de 111 presos, e o caso do 42º distrito Policial em São Paulo foram
exemplares.
Os pesquisadores consideram que os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula
da Silva, no primeiro mandato de Lula (2003-2006), são herdeiros desse cenário
institucional. No domínio da segurança pública e das políticas penitenciárias,
administraram no interior de um quadro tenso e delicado: o de ter de aplicar lei e ordem
com rigor, não raro respondendo aos apelos das pressões públicas e ao mesmo tempo
respeitar direitos humanos de presos sob tutela e custódia da Justiça penal, cumprindo
normas firmadas em acordos internacionais de que o país é signatário. Por um lado, agiram
60
em consonância com as tendências da legislação penal brasileira. Se, no início do processo
de reconstrução democrática, haviam sido votadas algumas mudanças na legislação penal e
penitenciária visando remover o “entulho autoritário”, a tendência “humanista” da reforma
da legislação penitenciária teria sido interrompida no início dos anos 1990, segundo
Adorno & Salla. E isso se deve à pressão da opinião pública, insegura ante a sucessão de
crimes violentos, sobretudo sequestros seguidos da morte da vítima, ocorridos em todo o
país, de que resultou a Lei n.8.072, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, de 25 de
julho de 1990, de má sustentação jurídica (Bicudo, 1994). Seu efeito consistiu em ampliar o
número de encarcerados, ao prever aumento do tempo das penas privativas de liberdade e
por impossibilitar a progressão de regime. Leis posteriores, como as de nº 8.930/94,
9.677/98 e 9.695/98, ampliaram as condutas consideradas hediondas (Bicudo, 1994).
Por outro lado, as intervenções governamentais procuraram modernizar a
administração das prisões, respeitando convenções internacionais que regulamentam as
regras mínimas para tratamento dos presos. Em 1996, o governo Fernando Henrique
Cardoso lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que trazia um conjunto
de propostas de ações governamentais para o sistema prisional, colocando na agenda
política do governo federal compromissos explícitos com a promoção e proteção desses
direitos para a massa de encarcerados (Adorno, 2000), tendências reafirmadas com a edição
do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2002. O governo Lula deu prosseguimento a
essas iniciativas.
Guardadas as diferenças entre os estilos desses governos, as ações governamentais
objetivaram: a) aumentar a oferta de vagas no sistema penitenciário e reduzir drasticamente
a superpopulação carcerária; b) criar penitenciárias subordinadas ao governo federal, para o
cumprimento de penas determinadas pela justiça penal federal; c) promover e financiar a
edificação nos Estados federados de penitenciárias de segurança máxima para conter os
chefões do tráfico de drogas e de outras atividades da criminalidade organizada.
Decorrência dessas tendências opostas é o expressivo crescimento das taxas de
encarceramento, há pelo menos três décadas. A população encarcerada, entre 2000 e 2006,
quase que dobrou. Ainda assim, o departamento Penitenciário Nacional (Depen), do
Ministério da Justiça, calculava em 103.433 vagas o déficit só no sistema penitenciário.
61
QUADRO 1
População encarcerada e taxa por 100 mil habitantes – Brasil, 1969-2006
23
Anos Presos Taxa (100 mil)
1969 28.538 30
1988 88.041 65,2
1993 126.152 83,2
1995 148.760 95,4
1997 170.207 108,6
2000 211.953 134,9
2002 248.685 146,5
2003 308.304 181,5
2004 336.358 185,2
2005 361.402 196,2
2006 401.236 214,8
Compreende-se então por que a manutenção da ordem interna das prisões venha se
tornando enfraquecida. Compreendem-se igualmente as razões pelas quais os conflitos
entre presos e entre esses e os agentes penitenciários venham se acirrando, aliás em
resposta ao endurecimento da aplicação de sanções internas como isolamento de lideranças
em celas fortes e em regimes de cumprimento de pena bastante rigorosos.
Adorno & Salla consideram as mudanças na forma de administrar os presídios como
uma das consequências desse processo de encarceramento maciço. A manutenção da ordem
interna vem sendo assegurada à custa de severo controle e disciplina, o que também não
está isento de paradoxos. De um lado, criam-se alas de presídios ou unidades especiais
disciplinares para conter líderes, grupos organizados. Em dezembro de 2003, a Lei nº
10.792 passou a regulamentar o chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Por
essa lei, presos que provoquem rebeliões e atos de indisciplina podem ser mantidos até 360
dias em presídios ou alas especiais de presídios, confinados 22 horas por dia em celas
23
Fonte: Ministério da Justiça e IBGE.
62
individuais, sem realização de atividades e com rigorosa restrição de visitas. Assim, em
algumas unidades prevalece, pelo menos aparentemente, o controle sobre os presos, a
disciplina, a imobilização, o bloqueio das comunicações com o mundo exterior.
De outro lado, no entanto, na maior parte das prisões do país, mesmo naquelas ditas
de segurança máxima, os controles sobre a massa carcerária são frouxos, incapazes para
conter a organização dos presos, as atividades ilegais, as revoltas e fugas. A insuficiência
da segurança dinâmica – isto é, as atividades que favorecem a manutenção da ordem
interna, como o trabalho, a educação, esporte, lazer, atividades culturais – acaba por
contrapor e anular as expectativas depositadas no endurecimento da disciplina e da
contenção do comportamento dos presos. Uma das consequências desse quadro é acentuar a
militarização dos sistemas prisionais dos Estados, tendência que reafirma as heranças do
regime autoritário. Não é raro encontrar unidades prisionais no Brasil, onde os agentes de
segurança penitenciária foram quase que completamente substituídos pelos policiais civis
ou militares que controlam, armados, as atividades cotidianas da prisão.
3. OS ATAQUES DO PCC EM SÃO PAULO
Os estudos sobre a complexidade do sistema carcerário paulista ganharam uma nova
dimensão após os ataques do PCC entre 12 e 20 de maio de 2006, quando 439 pessoas
foram mortas por armas de fogo, no Estado de São Paulo, conforme laudos necroscópicos
elaborados por 23 Institutos Médico-Legais e examinados pelo Conselho Regional de
Medicina. Comparando igual período em anos anteriores, bem como às semanas anteriores
e posteriores a esse período, o volume de mortes é bastante elevado, sugerindo um cenário
de excepcionalidade. Essas mortes foram acompanhadas de ondas de violência, como
rebeliões em 73 presídios do Estado, agressões e ataques contra agentes públicos, sobretudo
policiais e agentes penitenciários, contra civis e prédios privados, como bancos, e públicos,
como postos policiais; além de incêndios de veículos de transporte público como ônibus.
O mais surpreendente foi a paralisação temporária das atividades na maior cidade do
país, contribuindo, com impressionante rapidez, para exacerbar sentimentos de medo e
63
insegurança que há muito se encontram disseminados entre seus habitantes. Logo, as ondas
de violência foram associadas à ação do PCC, tendo como centro irradiador as prisões que
compõem o sistema penitenciário paulista. Embora tenha havido trégua após os dias que se
seguiram a 20 de maio, as ações persistiram até meados do mês de agosto, culminando com
o sequestro de um jornalista da Rede Globo, cuja liberdade foi obtida após o atendimento
de uma das exigências dos sequestradores: a transmissão, pela rede, de um comunicado de
cerca de três minutos subscrito pelo PCC.
Também havia um outro lado, conforme destacam Adorno & Salla: as lideranças do
PCC estavam sustentadas em uma organização mantida por um quadro hierarquizado de
“soldados”, disciplinados e obedientes, capazes de executar ordens sem questioná-las.
Possivelmente,
operando à base de redes de apoio disseminadas em distintos pontos móveis por todo o território do
Estado, revelou dispor de um hábil e ágil sistema de comunicação entre lideranças, liderados e
executantes de ordens, mediante vias protegidas e pouco permeáveis às interferências externas e por
meio do emprego de celulares, centrais telefônicas, “pombos-correios”. Esse sistema foi colocado à
prova justamente durante as ondas de ataque, mostrando que a organização estava capacitada para
controlar o andamento simultâneo de inúmeras rebeliões; para atacar alvos distintos sem uma lógica
predeterminada e com elevada dose de surpresa; para estar em qualquer lugar e desaparecer de
imediato; para expedir ordens e, logo depois, determinar a suspensão das ações; para negociar com
altas autoridades do Estado (ADORNO & SALLA, 2007: 9).
Porém o fato mais surpreendente foi que toda a organização do PCC tinha por
território as prisões do Estado de São Paulo, em particular aquelas de segurança máxima
onde se encontravam as principais lideranças do PCC. Os debatedores que tiveram voz nos
dois jornais demonstraram como a criminalidade organizada estava bem situada nas
prisões, à custa mesmo da política de encarceramento maciço posta em execução pelos
governos Mário Covas (1995-2001) e Geraldo Alckmin (2001-2006). Também constaram
que se a questão se restringisse ao domínio das prisões, seria mais provável que as ondas de
violência tivessem gravitado em torno das rebeliões simultâneas, como ocorrera em
fevereiro de 2001. Mas, naquele maio de 2006, surgira uma novidade: a funcionalidade das
relações entre o intra e o extra-muro das prisões. “A criminalidade organizada, mais
propriamente o PCC, tinha urdido uma rede de apoio externa muito sólida” (Adorno &
Salla, 2007: 9).
64
3.1 Novos contornos da criminalidade
Ainda é prematura uma análise exaustiva das razões sociais e políticas que tornaram
possíveis aqueles acontecimentos, no entanto um estudo dos dois pesquisadores paulistas –
Sérgio Adorno e Fernando Salla
24
: “Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do
PCC”
25
– analisa as ondas de ataques tendo como ponto de partida as condições sociais,
políticas e institucionais que presidem a emergência da criminalidade organizada no
interior das prisões brasileiras. Reconhecendo a complexidade da questão, eles asseguram
que a emergência da criminalidade organizada no Brasil não pode ser descolada das
condições e tendências existentes na sociedade contemporânea, em especial a partir dos
anos 1970, na esteira das mudanças neoliberais que inauguram a chamada era da
globalização econômica e da diluição dos Estados-Nação.
Em suma, essas mudanças promoveram em curto espaço de tempo: a) alteração das
tradicionais fronteiras nacionais; incentivo ao fluxo cada vez mais maleável de capitais; b)
abertura de espaço para atividades ilegais ao tornar a propriedade do capital anônima; c)
circulação monetária livre de constrangimentos institucionais por paraísos fiscais, apta para
o financiamento de operações como tráfico de drogas, de pessoas e de órgãos humanos,
contrabando de armas, fraudes fiscais e financeiras, pirataria de mercadorias e de serviços,
falsificação de medicamentos, difusão de jogos de azar, entre tantas outras modalidades
(Adorno & Salla, 2007: 10).
No entanto, nada disso teria tido êxito não fosse o espetacular desenvolvimento
tecnológico, sobretudo no campo da informática e das telecomunicações, que estimularam
sobremodo a mobilidade de pessoas, de mercadorias e de serviços, “tornando não poucas
atividades ocultas, pouco acessíveis e visíveis aos controles institucionais dos Estados-
Nação, cada vez mais envelhecidos em seu modus operandi e na eficácia de seus resultados
(Bauman, 1998; Ziegler, 2003)” (Adorno & Salla, 2007: 10).
Do mesmo modo, a rápida emergência e a disseminação da criminalidade organizada encontraram
condições favoráveis nos padrões, também mundiais, de desenvolvimento urbano. O surgimento
acelerado de megacidades, com mais de oito milhões de habitantes e com seus sistemas policêntricos
instituindo zonas de segregação social e espacial, tem sido palco do surgimento de novos padrões de
pobreza e de novas formas de desigualdades sociais (Davis, 2006), em especial desigualdades de
24
Adorno é professor titular do Departamento de Sociologia da (FFLCH-USP), coordenador do Núcleo de
Estudos da Violência da USP e da Cátedra da Unesco de Educação para Paz, Direitos Humanos, Democracia
e Tolerância, sediada no Instituto de Estudos avançados (IEA-USP). Salla é sociólogo e também pesquisador
do NEV-Cepid/USP, autor de As prisões em São Paulo –1822-1940 (Annablume/Fapesp, 1999).
25
In: Revista Estudos Avançados nº 21 (61), Universidade de São Paulo, 2007.
65
direitos, que condenam parcelas expressivas de populações urbanas de baixa renda à vida social
imersa no mundo das ilegalidades (Telles & Cabanes, 2006).
No Brasil, esse cenário é ademais
agravado pela crise da segurança pública, que vem se arrastando ao menos por três décadas. Os
crimes cresceram e se tornaram mais violentos; a criminalidade organizada se disseminou pela
sociedade alcançando atividades econômicas muito além dos tradicionais crimes contra o patrimônio,
aumentando as taxas de homicídios, sobretudo entre adolescentes e jovens adultos, e desorganizando
modos de vida social e padrões de sociabilidade inter e entre classes sociais. Não obstante, as
políticas públicas de segurança permaneceram sendo formuladas e implantadas segundo modelos
convencionais, envelhecidos, incapazes de acompanhar a qualidade das mudanças sociais e
institucionais operadas no interior da sociedade. O crime se modernizou; porém, a aplicação de lei e
ordem persistiu enclausurada no velho modelo policial de correr atrás de bandidos conhecidos ou
apoiar-se em redes de informantes. E tudo isso, a despeito dos enormes investimentos em segurança
pública, promovidos quer pelo governo federal quer pelos governos estaduais na expansão e no
treinamento de recursos humanos, bem como no reaparelhamento das polícias (ADORNO &
SALLA, 2007: 10).
Resta-nos, então, perguntar por que a maior metrópole da América Latina foi
surpreendida pela criminalidade organizada que emergiu à superfície da vida cotidiana e
como as ondas de maio de 2006 foram possíveis. Ainda mais porque, ao contrário do que à
primeira vista possa parecer, os atentados em São Paulo, a despeito de sua
excepcionalidade, não constituem um fenômeno único e tampouco isolado. Havia
antecedentes. Os exemplos são inúmeros e devem ser buscados nas diversas rebeliões que
sacudiram os sistemas penitenciários de São Paulo e Rio de Janeiro, desde o início dos anos
1990. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não foi diferente, com a eclosão de duas
rebeliões em curto espaço de tempo: a do presídio Bangu 3, em novembro de 2001, e de
estabelecimentos penitenciários, em setembro de 2002. Nesta, aliás, parte da cidade foi
paralisada com a intimidação do Comando Vermelho, que determinou a interrupção do
comércio com o fechamento de lojas até mesmo nos shopping centers, assim como a
interrupção das atividades escolares e do transporte coletivo, deixando milhares de
passageiros sem condições de locomoção na cidade (Caldeira, 2004: 45).
Embora essas organizações tenham espraiado suas atividades e área de influência para além de seus
Estados de origem, não há evidências claras de que tenha se constituído uma espécie de congresso
entre elas, tal como em certa medida ocorreu nas cidades americanas no início do século passado
(Ezensberger, 1967; Gurr, 1989) no sentido de serem adotadas ações comuns, conectadas entre si. É
mais provável que a circulação de informações no próprio meio delinquente, facilitada por
intermediários de toda espécie, e a veiculação de informações por meio da mídia eletrônica tenham
contribuído para disseminar modalidades de ações julgadas pelas principais lideranças como dotadas
de êxito porque capazes de surpreender as autoridades responsáveis pela repressão aos crimes.
Para entender como a criminalidade organizada emergiu à cena pública cotidiana de
São Paulo é necessário retroceder aos anos 1960 e 1970. Desde essas décadas, a sociedade
brasileira vem experimentando o progressivo crescimento do crime urbano violento, além
66
de outras manifestações de violência nas relações sociais e interpessoais. Guardadas as
diferenças regionais e as singularidades sociais, as políticas e institucionais de cada Estado
da Federação, os pesquisadores ressaltam que algumas tendências firmaram-se no Brasil a
partir de 1988 até recentemente. Os crimes de roubo, tráfico de drogas e extorsão mediante
sequestro ao lado dos homicídios foram aqueles que acusaram as maiores taxas de
crescimento.
3.2 Facções organizadas nos presídios
Se ainda pouco o que se conhece sobre a criminalidade organizada no Brasil, menos
desenvolvido é o conhecimento a respeito da presença organizações criminosas dentro das
prisões e, mais propriamente, do controle e da sujeição de amplas massas carcerárias por
associações de tipo Comando Vermelho e PCC. Um estudo pioneiro de Paixão (1991) teve
o mérito de levantar hipóteses para explicar a emergência da criminalidade organizada
nessa sociedade.
A modalidade de criminalidade organizada com sua origem nas prisões se formou
nos anos 1970 no Rio de Janeiro, experimentando rápido crescimento na década seguinte.
Em São Paulo, todavia, esse processo se expandiu mais tarde, na década de 1990,
conquanto houvesse sinais de sua existência na década imediatamente anterior. Até então,
as prisões eram povoadas por criminosos que, na sua maioria, atuavam individualmente, em
pequenos grupos ou quadrilhas desprovidos de laços de identidade que os sustentassem no
tempo.
Paixão já apontava que os primeiros grupos de criminosos organizados, conhecidos
nos anos 1980 (Falange Vermelha, Serpentes Negras), tanto no Rio de Janeiro quanto em
São Paulo, mais que o subproduto de uma convivência entre presos políticos e presos
comuns – aliás, como muitas vezes sugeriu parte dos estudiosos, eram consequência do que
identificou como “modernização da criminalidade metropolitana”. Para Paixão, o assalto a
banco e o tráfico de drogas eram atividades criminosas que demandavam cada vez mais
“ação organizada como requisito de eficiência” (1991: 77). Essa capacidade de organização
foi resultando não apenas em ganhos econômicos, mas igualmente em prestígio de alguns
no mundo do crime, os quais passam a ter ascendência sobre a massa de presos, que, no
Brasil é, em sua grande maioria, composta por presos pobres, com poucos recursos
67
pessoais, suscetíveis às influências do momento e vulneráveis às ações arbitrárias e
violentas de quem quer que seja. Essas lideranças, em boa medida, se fortaleceram porque
souberam manipular e monopolizar os recursos disponíveis na prisão para acumular
riqueza, explorando a partir de dentro atividades ilegais como o tráfico de drogas, a
extorsão de outros presos e de seus familiares e o controle de locais e atividades.
O estatuto do PCC, divulgado pela imprensa escrita, é bastante ilustrativo desse
modelo de autoproteção. O estatuto fala em lealdade, solidariedade e união na luta contra as
injustiças e a opressão dentro das prisões. Em seu item 4, prega a contribuição daqueles que
estejam em liberdade com os irmãos que estão dentro da prisão, por intermédio de
advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate. Ao mesmo tempo, ameaça,
com a condenação à morte sem perdão, aqueles que se encontram em liberdade “bem
estruturados” e se esqueceram de contribuir com seus irmãos presos. Trata-se de uma
organização impregnada de rígidos valores. Ao mesmo tempo que prega solidariedade e
proclama luta contra as injustiças, prevê aplicação de pena de morte sem apelação ou
julgamento.
Esta, portanto, é a história da ascensão do PCC sobre a massa carcerária de São
Paulo. A facção contribuiu para firmar a malha de solidariedade entre os presos, pela
imposição da violência e do medo, mas também pela construção de uma percepção de
pertencimento, revelada na expressão própria aos membros do grupo como “irmãos”.
FECHAMENTO
Neste amplo debate, podemos concluir que as políticas penitenciárias implantadas
pelo governo de São Paulo não conseguiram interromper o ciclo de expansão e
enraizamento da criminalidade organizada na sociedade civil. Ao contrário, há fortes
evidências de que o encarceramento em massa associado ao propósito de contenção
rigorosa das lideranças dos grupos criminosos organizados tem produzido efeitos adversos.
Em primeiro lugar, estimula agudas percepções de injustiça entre os presos, favorecendo e
legitimando reações violentas arquitetadas pelas lideranças. Não sem motivos, no estatuto
do PCC, em seu item 14, afirma-se que a prioridade do comando é “pressionar o
68
governador do Estado a desativar aquele campo de concentração ‘anexo’ à Casa de
Custódia e tratamento de Taubaté, de onde surgiu (sic) a semente e as raízes do comando,
no meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes”. No comunicado atribuído ao
PCC, exibido pela Rede Globo, em agosto de 2006, como parte da exigência para libertar o
jornalista sequestrado, os líderes da facção sentenciam como se estivessem ministrando
preleção: “Queremos que a lei seja cumprida na sua totalidade. Não queremos obter
nenhuma vantagem”.
Naquela semana de efervescência social (Durkheim, 2000), se polarizaram as
distinções entre os assumidos como injustiçados e os outros, considerados seus opressores e
inimigos. No mesmo comunicado, os líderes do PCC deixaram claro que a luta era contra
governantes e policiais. Naqueles momentos, a solidariedade entre “irmãos” foi reforçada,
assim como os vínculos entre aqueles que se encontram encarcerados e o mundo exterior.
No caso de maio de 2006, ressaltemos que a guerra se instaurou entre as três partes
que compõem o tripé da segurança em São Paulo: liderados de dentro das Prisões, os
membros do PCC não pouparam bases da Polícia e atacaram inclusive os Fóruns de várias
comarcas da Grande São Paulo. Tratou-se de uma guerra que vinha sendo preparada, como
se mostrou anteriormente. Os confrontos estavam sendo alimentados por desavenças
cotidianas, às vezes até banais, em razão, por exemplo, do rompimento de acordos
envolvendo interesses em torno de objetos os mais variados.
O estopim foi a ameaça ou a transferência de presos, agravado pela suspensão das
visitas em pleno Dia das Mães (Souza, 2006). O ambiente dentro das prisões já estava,
havia muito, tenso em virtude das mudanças que vinham sendo operadas na gestão das
penitenciárias. Sabe-se que a expectativa de mudanças na gestão administrativa das prisões
é sempre percebida com inquietação. Em um ambiente em que as relações sociais são
arranjos precários, carentes de reciprocidade, marcados por relações desiguais e
hierárquicas, sujeitas a rupturas inesperadas, quaisquer mudanças nos postos
administrativos acentuam esses sentimentos. As reações estão sempre de prontidão. A
preparação para a guerra é permanente. Não é estranho que a ordem para desencadear os
ataques tenha vindo de dentro das prisões.
Agora, mediante este pano de fundo sobre o sistema carcerário em São Paulo, resta
saber como a imprensa paulista, em especial os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.
69
Paulo, se comportaram na semana dos ataques. A partir da análise dessa cobertura,
poderemos concluir se ela ajudou para humanizar o cárcere ou se contribuiu para aumentar
ainda mais a precariedade do sistema carcerário, cobrando, por exemplos, penas mais duras
e fim do que benefícios conquistados ao longo de vários anos.
70
CAPÍTULO III
A FOLHA NA COBERTURA
DE UMA “GUERRA URBANA”
71
72
INTRODUÇÃO
A Folha de S.Paulo, ou simplesmente Folha, é o jornal de maior circulação do
Brasil, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC). Ao lado de O Estado
de S. P
ão de 1930 saiu vitoriosa. A Folha voltaria a funcionar
em
193
olha apoiou o golpe de
1964
26
eram incendiados por grupos de
esquerd
cobrind
aulo
, O Globo e Jornal do Brasil, a Folha é um dos jornais mais influentes do país.
Fundada em
19 de fevereiro de 1921 com o nome original de Folha da Noite por Olival
Costa e Pedro Cunha, em
1930 apoiou a eleição de Júlio Prestes à presidência da
República, sendo por isto depredada e fechada (na época se dizia empastelada) em 24 de
outubro
de 1930, quando a Revoluç
1 com novos donos e nova linha editorial voltada para o apoio da agricultura, e
nesta época contava com o consagrado caricaturista Lelis Viana, o Juca Pato, personagem
que sempre criticava a
Aliança Liberal de Getúlio Vargas.
Comprada na
década de 1960 pelos empresários Octavio Frias de Oliveira e Carlos
Caldeira Filho
, sendo rebatizada com o nome atual, inicialmente a F
e a ditadura militar implantada, praticamente até o governo do presidente general
Ernesto Geisel, ao contrário de seu concorrente O Estado de S. Paulo, que chegou a sofrer
intervenções e censura no período.
No início dos anos
1970, essa postura provocou uma série de atentados contra
veículos de entrega de jornais da Folha de S. Paulo, que
a que faziam resistência à ditadura militar. Segundo Elio Gaspari, hoje colunista da
Folha, “carros da empresa (Folha) eram emprestados ao
DOI, que os usava como cobertura
para transportar presos na busca de ‘pontos’” (Gaspari, 2002: 395).
A ascensão de uma redação renovada e engajada, com a presença de nomes como os
de
Cláudio Abramo, Clóvis Rossi e Janio de Freitas acabou mudando a linha editorial do
jornal, que na
década de 1980, ficou marcado pelo apoio imediato em constantes matérias
o o movimento das
Diretas Já. Na década de 1980, o jornal foi pioneiro no Brasil na
instalação de
computadores e informatização da redação.
26
Folha Online, A trajetória de Frias de Oliveira, in: www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u89687.shtml.
Acessado em 17/08/2009.
73
Também no final da
década de 1990, o jornal inovou ao contratar um ombudsman,
uma espécie de
ouvidor que anota as críticas e opiniões dos leitores e tem ainda hoje
independência para criticar
matérias e reportagens do jornal com imparcialidade, sem
represálias. O formato era tão pioneiro e revolucionário para a época que provocou muitos
conflitos entre o então ombudsman
Caio Túlio Costa e o articulista Paulo Francis, expostos
numa série de artigos, que acabou se mudando para concorrente
O Estado de S. Paulo.
entrevi
o, a Folha faz questão de destinar grande
espaço
jornal,
vertical e a seção de frases. A segu é ocupada pelo Painel do Leitor, pela seção
rramos e também pela seção Tendências/Debates, que aos domingos e dias de semana
or personalidades, geralmente com posições contrárias entre si e
aos sáb
ue está
eira nas
últimas décadas (Folha; 2001: 17).
Desde a década de 1980, a Folha também foi pioneira na adoção de
infográficos e
quadros que explicam, de maneira didática, os detalhes e contextos das principais notícias.
No início da década de 1990, a Folha começou a investir na criação de novos produtos e
suplementos dentro do jornal, como a
Revista da Folha, o caderno Folhateen e a TV Folha.
Tendo como aliada uma grande campanha publicitária, em que o próprio diretor de redação
Matinas Suzuki Jr aparecia na
TV anunciando as novidades do jornal, a Folha passou a
liderar as vendas em São Paulo, superando O Estado de S. Paulo. A reforma gráfica em
meados da década de 1990 e o lançamento de brindes como o Atlas da Folha e dicionários
reforçaram a liderança.
As novidades, além de facilitar a leitura, buscaram aperfeiçoar o conteúdo
informativo da Folha, que passou a complementar suas matérias com artigos, análises,
stas e boxes didáticos. As mudanças também aprofundam, nos 85 anos da Folha, os
fundamentos editoriais do jornal, baseados na independência, no apartidarismo, no espírito
crítico e no pluralismo de opinião. Por essa razã
às opiniões mais adversas, especialmente concentradas nas primeiras páginas do
A2 e A3, a primeira ocupada por dois
editoriais, três artigos de colunistas, a coluna
nda página
E
publica artigos assinados p
ados lança uma questão que é respondida com um artigo favorável e outro contra.
Por fim, antes de passearmos pelas páginas da Folha, na cobertura que o jornal fez
dos ataques do PCC em São Paulo, de 13 a 21 de maio de 2006, vale a pena destacar a
orientação da Folha, em seu manual de redação:
Em documentos anteriores a este, a Folha cristalizou uma concepção de jornalismo definido como
crítico, pluralista e apartidário. Tais valores adquiriram a sua característica doutrinária q
impregnada na personalidade do jornal e que ajudou a moldar o estilo da imprensa brasil
74
SÁBADO, 13 DE MAIO
Como o restante da sociedade paulistana, a Folha de S. Paulo também foi pega de
surpresa com os ataques do PCC em 2006. Devido ao fechamento antecipado para o fim de
semana, tradição entre os jornais impressos, a edição de sábado, dia 13 de maio de 2006,
iu apenas com duas pequenas matérias, com uma pequena chamada na capa. A primeira –
após transferências” – informou que o Governo do Estado
coloco
uma estratégia para cortar os canais de comunicação entre os líderes e
os integ
cobertu
manos”.
ma referência aos atentados em
humanos.
sa
“PCC mata e ataca polícia
u policias em estado de “alerta geral” e que dois guardas foram assassinados.
A segunda matéria – “Polícia pretendia isolar a cúpula do PCC” – explicou que os
ataques foram uma resposta quase que imediata do PCC à decisão da polícia de isolar suas
principais lideranças facção, entre as quais Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola,
na sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Tratava-se,
segundo a Folha, de
rantes da facção, que tinha planos de atacar lideranças políticas.
DOMINGO, 14 DE MAIO
Na edição de domingo, os ataques do PCC ganharam a manchete da capa, com fotos
espetaculares e um infográfico intitulado “Guerra Urbana”, que passaria a identificar a
ra pela Folha da crise em São Paulo. No entanto, a Folha ainda não expressaria a sua
opinião na página A2. Mas na página ao lado, por coincidência publicou o artigo do
ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi: “Avanços nos
direitos hu
Citando Norberto Bobbio, para quem o problema de nosso tempo, com relação aos
direitos humanos, não era mais fundamentá-los, e sim protegê-los, o ministro passou a
criticar sobretudo a postura da imprensa em preferir pautas negativas como a chacina do
Carandiru, motins na Febem, massacre em Eldorado de Carajás, morte de índios, grupos de
extermínio, torturas, racismo, agressões a homossexuais, ataque aos moradores de rua, etc.
Mais abaixo, no “Painel do Leitor”, também nenhu
São Paulo, apenas uma carta denunciando que dois policiais haviam sido mortos por
traficantes na Cidade de Deus e, com isso, criticando quem se propõe a defender os direitos
75
A opinião da Folha, se é que se pode considerar assim, foi expressa primeiramente
num artigo de Janio de Freitas, “Os benfeitores”. Após criticar o excesso de zelo da
imprensa em atribuir os ataques a “supostos bandidos de uma facção criminosa”, o
articulista enfatizou que os atentados estaria mostrando a São Paulo que a chamada
criminalidade urbana havia subido níveis perigosos no Brasil todo, “e sem a exceção que
São Paulo, por seus ilusionismos jornalísticos, parece ser”.
Por causa do fechamento antecipado na sexta-feira, dia 12, a edição daquele
domingo teve de sair com um caderno Coditiano extra, específico dos ataques, que a Folha
convencionou chamar de “Guerra Urbana”. Os títulos das matérias já davam uma dimensão
da crise: 1) Maior ataque do PCC faz 32 mortos em SP; 2) SP não se dobrará ao crime,
afirma Lembo
27
; 3) Rebeliões em 24 prisões fazem 174 reféns; 4) Facção promove 63
atentados em 24 horas; 5) Para policiais, governo paulista é ‘incapaz’
28
; 6) Agente deixa
mulher grávida e filho; 7) Soldado morto em patrulhamento iria se aposentar no fim do ano.
O caderno especial se encerrou com a opinião de Walter Fanganiello Maierovitch,
presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone e professor de direito penal da USP,
que colaborou com a Convenção das Nações Unidas sobre Criminalidade Organizada. No
artigo “Bagdá é aqui”, Maierovitch criticou as autoridades de tentarem passar a falsa
agem de tranquilidade: “O PCC acabava de incorporar a máxima mafiosa, que continua a
’”. Maierovitch criticou ainda a falta de comunicação
entre a
im
exibir: ‘Somos sempre os mais fortes
s polícias Civil e Militar, a inoperância da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Além disso, sem um “código penitenciário”, o fortalecimento da magistratura do Ministério
Público, sistema judiciário-policial eficaz e política criminal adequada a enfrentar o
estruturado fenômeno da delinquência organizada não haveria esperança para o Estado de
São Paulo.
27
Cláudio Lembo (PFL – atual DEM), que assumiu o governado do Estado de São Paulo no lugar de Geraldo
Alckmin (PSDB), que deixou o cargo para concorrer à presidência da República. Os dois, Lembo e Alckmin,
como veremos, se transformariam nos personagens centrais da crise instalada em São Paulo. Em entrevista
coletiva, destacada nesta matéria, Lembo negou qualquer possibilidade de negociação com líderes do PCC, o
que seria lembrado insistentemente pela Folha: “A má vida tem de ser tratada como má vida. Nós honrados,
que trabalhamos, que temos respeito à vida do outro, aos direitos humanos, não podemos negociar. Temos de
ser firmes”, afirmou.
28
Entrevista com o major Sergio Olímpio Gomes, diretor da Associação dos Oficiais da Polícia Militar.
76
SEGUNDA-FEIRA, 15 DE MAIO
Obviamente que a edição de segunda, seria envolvida quase por completo pelos
s organizações criminosas, que
anter
volve o crime
organiz
ataques do PCC em São Paulo. Já na Capa, quase 100% dos destaques faziam referência à
crise na capital paulista, e a manchete anunciava: “PCC faz mais de 150 e provoca 80
motins; 74 morrem”. Na página A2, o aguardado editorial da Folha – “Noites de Bagdá” –
conclamou seu leitor a “apoiar com ênfase os servidores da segurança pública que estão na
linha de frente da batalha e dar todo o conforto possível às famílias das vítimas desses
ataques covardes”. Mas também criticou o diálogo das autoridades com os líderes do PCC:
“Entre um (o Estado) e outro (a agremiação de bandidos) não pode haver diálogo”, pois “é
obrigação do primeiro reprimir o segundo”.
Além disso, para a Folha, a população não acreditaria mais, “se é que algum dia
acreditou”, em “verborragia eleitoreira” sobre segurança pública
29
. Posto isto, a Folha
defendeu o controle da informação a fim de se desmantelar a
dependem de centros territoriais conhecidos: “os presídios”. Mas o controle das
comunicações nos centros de detenção – “tarefa que parece trivial, mas não é” – esbarraria
na falta de infra-estrutura para silenciar celulares nos presídios; na resistência de advogados
a monitoramento mais rígido; na desarticulação entre instâncias policiais e da burocracia
estadual; no desconcerto entre Justiça, Ministério Público e polícia sobre a necessidade de
m em regime de exceção os detentos mais perigosos; nas brechas da legislação que
facilitam a vida dos líderes de facções; na ausência de presídios federais de segurança
máxima que possam acomodar – e silenciar – as lideranças.
Já o articulista Vinícius Torres Freire comentou a imensa rede que en
ado ou, como intitulou o seu artigo: “A internet dos bandidos e do terror”. Afirmou
que em alguns pontos da conexão dessas redes, há políticos, juízes, doleiros e policiais. “A
rede se desenvolveu em um país apodrecido pela falta de crescimento, pela desconexão das
policiais, por falta de organização federal contra o crime, pela Justiça adepta de chicanas”.
Fernando Rodrigues preferiu associar “criminalidade e eleição”, antecipando que a
fatalidade seria usada contra o PSDB nas eleições gerais que ocorreriam em outubro
29
Referência ao debate entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia declarado que “na hora em que
você não investe em escola, vai ter de investir em cadeia”, e os tucanos que reagiram criticando o governo
federal por não liberar verbas para o combate ao crime.
77
daquele ano. Para ele, a sorte do PSDB seria o fato do presidente Lula ter investido em
segurança pública em 2005 menos que os R$ 533 milhões do ano anterior
30
.
Na edição de segunda-feira foram registradas as primeiras manifestações dos
leitores, distribuídas da seguinte maneira: 1) Defesa da intervenção federal, decretação de
estado de sítio e aplicação violenta do poder militar; com a suspensão de todas as garantias
individuais e a eliminação sumária dos responsáveis pelos ataques; 2) Cobrança de uma
ação mais enérgica por parte do Estado; 3) Crítica ao governo do PSDB nos últimos 12
anos; 4) Críticas aos organismos de defesa dos direitos humanos; 5) Destaque ao “código
as deve negociar”.
. Ou do
de ética” do PCC, cobrando a mesma postura das autoridades paulistas; 6) Reclamação de
que a crise seria fruto de posturas eleitoreiras; 7) Crítica à cúpula da segurança do governo
Lembo; 8) Crítica aos “oportunistas” que insistiam na demissão dos secretários da
Segurança Pública e da Administração Penitenciária; 9) Carta de um promotor de Justiça
criticando o “descaso” dos governos federal e estadual e o “laxismo penal” adotado por
alguns juristas brasileiros; 10) Defesa da liberação das drogas; 11) Críticas ao governo do
Estado pelos baixos salários dos policiais e pela falta de modernas tecnologias nos setores
de inteligência.
No caderno Brasil, a coluna Painel foi logo tratando de politizar os ataques em São
Paulo. Primeiro criticou o bordão “estávamos preparados” para, em seguida, antecipar uma
onda de endurecimento das polícias, com a “eliminação de certas cautelas”. Também
comentou o estranhamento entre o governador Cláudio Lembo e seu antecessor Geraldo
Alckmin e informou da convocação do secretário de Segurança Pública Saulo de Castro
Abreu Filho pela comissão de segurança pública da Assembleia Legislativa. E por fim
publicou a opinião do deputado estadual Romeu Tuma Jr (PMDB), discordando de que não
se pode negociar com o PCC: “A polícia não pode ceder, m
Em sua coluna diária “Toda Mídia”, Nelson de Sá destacou a agitação na mídia,
inclusive internacional, naquele fim de semana, como a entrevista ao vivo no “Domingo
Espetacular”, da Record, de um major da Polícia Militar, criticando aos brados a política
estadual, ao responder uma de várias perguntas do mesmo tipo, do âncora Paulo Henrique
Amorim: “Estamos falando de 52 mortes. No Iraque, 32. A culpa é do governador?”
Jornal Nacional (Globo), que se concentrou na encenação de “controle” do governador
30
Dados oficiais coletados pela ONG Contas Abertas, especializada em gastos governamentais.
78
Cláudio Lembo, e do Fantástico, entrevistando pré-candidatos à Presidência para
nacionalizar os ataques em São Paulo.
Sá observou como nos sites noticiosos as opiniões custaram a aparecer e se
concentraram nos eventuais efeitos eleitorais dos ataques. Gilberto Dimenstein, por
exemplo, na Folha Online de domingo, postou que “Lula está usando a tragédia como
incendiados em SP; 11) Ônibus evitam parar em ponto de passageiros; 12) Moradores de
SP tentam sair fora da linha de tiro; 13) Filho de policial é morto na porta de casa; 14)
Famílias de policiais estão apavoradas; 15) Lembo diz que já esperava ações há 20 dias; 16)
palanque eleitoral” e Jorge Bastos Moreno, no Globo Online, avisou que “se começarem a
usar eleitoralmente este momento delicado, irei para as ruas defender o voto nulo”.
Na “Entrevista da 2ª”, página A12, uma das mais experientes estudiosas da
violência urbana do país, a antropóloga Alba Zaluar, afirmou que os ataques revelam uma
faceta até então oculta do crime organizado em São Paulo: “É muito mais centralizado,
muito melhor coordenado e tem uma retórica política por trás”. A antropóloga comparou o
discurso dos líderes do crime organizado ao de grupos extremistas de esquerda em atuação
na América Latina e criticou as pesquisas sobre o tema da criminalidade por parte de
acadêmicos radicados em São Paulo.
Com isso, chegamos ao caderno Cotidiano, que cobriu assim a “guerra urbana”: 1)
PCC ataca ônibus e fóruns, promove megarrebelião e amplia medo no Estado; 2) Bancos
são novo alvo do PCC, diz polícia; 3) “Celular hoje é mais perigoso do que uma arma”
31
; 4)
Agências do Itaú e Bradesco são atacadas; 5) Rebelião envolve 52% dos detentos de SP; 6)
Presos do MS fazem rebeliões de apoio ao PCC; 7) Ao menos cinco bombardeiam
delegacia em Francisco Morato; 8) No litoral de SP, cinco policiais são assassinados; 9) Em
São Miguel, base da GCM é metralhada em praça lotada; 10) Mais de 30 ônibus são
União avisou de ataque a atos públicos
32
; 17) Lula reduziu gastos com segurança pública;
18) Policiais afirmam que não foram alertados; 19) Até Polícia Ambiental é alvo de
ataques; 20) Governo federal oferece ajuda do Exército; 21) Alckmin culpa União por
31
Declaração do diretor do Deic, Godofredo Bittencourt, reconhecendo o descontrole sobre a entrada de
celulares nos presídios e defendendo que operadoras de telefonia cortem a comunicação por meio desses
aparelhos nas regiões das prisões.
32
A Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, teria encaminhado ao governo
de São Paulo gravações telefônicas de líderes do PCC combinando atentados a manifestações públicas no
Estado.
79
insegurança; 22) Gestão Lembo faz negociação com o PCC
33
; 23) “Deixem a gente em
paz”, afirma o líder do PCC
34
; 24) Hinos funks exaltam a organização; 25) Temor e
nto, Wacquant respondeu acusando as elites brasileiras,
que na
judiciá
também
você pode esperar que esse trio calamitoso ajude a estabelecer a “justiça”?
A manutenção do que chamo de estado penal só faz com que a violência institucionalizada alimente
indignação marcam enterros; 26) Para Mariz de Oliveira
35
, houve desleixo; 27) OAB pede
resposta “enérgica” à altura de ataques do PCC
36
; 28) Ex-secretário pede penas mais
severas
37
; 29) Igreja cobra uma grande reforma no sistema penal
38
.
Também na edição da segunda-feira, a Folha entrevistou um dos maiores
especialistas em segurança pública, Loïc Wacquant. Para este professor de sociologia da
Universidade da Califórnia, em Berkeley, e pesquisador do Centro de Sociologia Européia
em Paris
39
, novos atentados como só poderiam ser evitados se as elites políticas brasileiras
e o governo do país contra-atacarem no campo social, e não no criminal. Entrevistado pelo
correspondente da Folha em Washington, Sérgio Dávila, que lhe perguntou por que a
situação havia chegado àquele po
s últimas décadas teriam se utilizado do estado penal – polícia, tribunais e sistema
rio – como o único instrumento não apenas de controle da criminalidade mas
de distribuição de renda:
Expandir esse estado não fará nada para acabar com as causas do crime, especialmente quando o
próprio governo não respeita as leis pelas quais deve zelar: a polícia de São Paulo mata mais que as
polícias de todos os países da Europa juntos, e com uma quase impunidade. Os tribunais agem
sabidamente com preconceito de classe e raça. E o sistema prisional é um “campo de concentração”
dos muito pobres. Como
a violência criminosa e faça com que as pessoas tenham medo da polícia. Cria um vácuo que o crime
organizado sabe muito bem preencher. Isso permite a eles que cresçam e sejam tão poderosos e
ousados a ponto de desafiar abertamente o Estado e seu monopólio do uso da violência (FSP,
15/05/2006, pág. C15).
33
Pessoas ligadas diretamente ao secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, estiveram na
Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de SP), para negociar com o comando geral da facção foram
transferidos entre quinta e sexta-feira.
34
Marcola teria declaro isso a um agente penitenciário.
35
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
criticou a cúpula da segurança de São Paulo por não privilegiar a investigação e a contra-informação no
combate à criminalidade.
36
Entrevista com o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato.
37
Procurador de Justiça e ex-secretário de Segurança de SP, Marco Vinício Petrelluzzi defendeu que crimes
contra policiais deveriam ter penas mais severas, já que o policial seria “a personificação do Estado de
Direito”.
38
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou nota cobrando “reformas profundas” (nos sistemas
judicial, penal e penitenciário) e uma “ação firme” das autoridades.
39
Wacquant, pesquisador francês, estudou no Brasil as desigualdades sociais, o sistema carcerário e o
judicial, visitas que renderam livros como “As Prisões da Miséria” (Jorge Zahar, 2001), “Punir os Pobres – A
Nova Gestão da Miséria nos EUA” (Freitas Bastos Editora, 2001) e “As Duas Faces do Gueto” (Boitempo
Editorial, 2006).
80
E por fim, entre as várias entrevista do dia, a Folha também ouviu o general Óscar
Naranjo, diretor da Polícia Judicial da Colômbia, que participou das principais operações
que desbarataram alguns dos maiores cartéis de droga no mundo, como o de Medellín,
dominado pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O sucesso das
perações, segundo ele, se deu graças à atuação conjunta entre Justiça, forças especiais e
rguntado como evitar que os “chefões” continuem a dar
ordens
um discurso institucional, com um
impera
nda de boatos sobre toque de recolher, a
hora do
a ociedade e autoridades paulistanas a que dessem “um
sonoro
o
programas sociais nas favelas. Pe
da prisão, Naranjo respondeu que, há sete anos, foram criadas duas cadeias de
“altíssima segurança”, cada uma para 1.500 prisioneiros, só para terroristas e
narcotraficantes, construídas em zonas isoladas e com disciplina especial: “É proibida a
circulação de dinheiro; visitas, só de parentes e advogados”.
TERÇA-FEIRA, 16 DE MAIO
Logo na capa, quase que integralmente dedicada aos atentados em São Paulo, a
manchete destacava que “Temor de novos ataques causa pânico e fecha escolas e lojas”.
Por isso, o editorial da Folha acabou assumindo
tivo “Não nos amedrontemos”. Primeiro informou que, em consequência à ofensiva
do PCC, a capital, que enfrentava o seu primeiro dia útil depois da crise do fim de semana,
vivera na segunda-feira um dia atípico, de “meio expediente”: companhias de transporte
público retiraram veículos de circulação, escolas cancelaram aulas, comércio e repartições
públicas fecharam as portas cedo. Em meio a uma o
“rush” foi antecipada para o meio da tarde.
A Folha, contudo, ressaltou uma “dupla pedagogia” em curso naqueles “lamentáveis
dias de outono”. De um lado, a quadrilha dos presídios e seus seguidores fora das celas
ensaiaram dar um passo no rumo das organizações terroristas. Do outro, a população,
especialmente a da Grande São Paulo, deparou com uma situação inédita e se viu instada a
desenvolver com rapidez novos padrões de reação.
Mesmo considerando “compreensível” que grande parte dos paulistanos tenha
fugido das ruas e procurado abrigo em casa, fazendo justamente o que “delinquentes”
intencionaram, a Folha conclamou s
basta” àquela afronta. Para tanto, os governantes precisavam transmitir confiança à
população, garantindo “a ordem pública”, confrontando com “força máxima” até debelar o
81
último integrante dos “bandos que violentam o Estado de Direito”. Naquele “momento
decisivo”, a Folha foi taxativa: “ou reagimos com contundência”, o que representaria uma
“ofensiva contra o crime organizado sem precedentes”, ou a sociedade brasileira estaria
condenada a se habituar ao terror.
Logo abaixo, Clóvis Rossi, que acompanhava a crise pelos canais internacionais na
“tranquila place Kléber”, Estrasburgo, lamentou: “por que eles têm direito à sua praça e eu,
você, nós, não?”. Outro colunista, Valdo Cruz, reclamou da troca de acusações entre as
autoridades sobre a crise em São Paulo. Já Carlos Heitor Cony situou a origem da
violência: “Basta lembrar que se gastou mais na campanha pelo desarmamento, do que nas
prisões, penitenciárias e sistema policial como um todo”.
la
havia r
o Penitenciária) e informou que o
Ministé
área de segurança como resposta à onda de violência em São Paulo,
Na seção “Tendências & Debates”, da página A3, Paulo de Mesquita Neto,
representante da Human Rights Watch no Brasil, exigiu “Estado de Direito já”, ressalvando
que leis mais duras e uma política agressiva de isolamento de líderes do crime organizado
não resolveriam o problema: “O respeito aos direitos humanos, nas prisões e fora delas, é
um quesito fundamental da democracia, é a linha que separa o Estado de Direito e a
barbárie”.
No “Painel do Leitor”, as opiniões se dividiram assim: 1) A assessoria de
comunicação do Ministério da Justiça desmentido matéria da Folha, segundo a qual Lu
eduzido gastos com segurança pública em 2005; 2) Duas críticas às penas brandas e
aos defensores de “bandidos”; 3) Defesa da pena de morte; 4) Duas críticas ao ex-
governador Geraldo Alckmin; 5) Sugestão de entrevista com o jurista Hélio Bicudo; 6)
Crítica à Folha por amenizar a responsabilidade do PSDB diante da crise, culpando o
governo federal; 7) Duas críticas exclusivas a Cláudio Lembo; 8) Crítica a Alckmin,
Lembo, PSDB e ao PT; 9) Sugestão para que a sociedade se organizasse e fosse às ruas.
O Painel da página A4 explorou a intenção do presidente Lula de enviar tropas
federais a São Paulo, mesmo diante da recusa do governo estadual. Também apostou na
queda do secretário Nagashi Furukawa (Administraçã
rio Público de São Paulo cobraria providências das empresas de telefonia quanto a
uma solução técnica que inviabilize o uso de celulares nos presídios. Comentou ainda o fato
do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B), não apoiar a votação de um pacote de
medidas na
82
conside
itas criticou em seu artigo “Os criadores da intranquilidade” a falta de
ontinuou repercutindo a
s, por exemplo, criticou que uma
das po
ir deixa de ser prioridade”. E o
preside
rando que o foco tinha de ser nas medidas administrativas, como controlar o uso de
celulares em presídios e reforçar a área de inteligência.
Janio de Fre
prioridade dos sucessivos governos brasileiros, tanto os federais quanto os estaduais, no
que se tange à segurança pública em geral e, em particular, a dissolução da violência urbana
organizada.
Ainda no caderno Brasil, outras matérias buscaram nacionalizar a crise na capital
paulista: 1) PCC abre nova crise entre tucanos e pefelistas; 2) Crise no Estado leva Alckmin
a cancelar jantar
40
.
Nelson de Sá, na tradicional coluna “Toda Mídia”, c
repetitiva cobertura nas redes de televisão, que se limitaram em reproduzir os discursos de
personagens como os deputados Luiz Fleury e Conte Lopes. E produziram muito noticiário,
com os conflitos da madrugada, os enterros seguidos de policiais, os atentados. Destaque
para um “ao vivo” da tv Record, que forjou uma expressão que pegaria fogo: “É uma
espécie de toque de recolher”. Em outro ao vivo, a mesma emissora entrevistou o
comandante da PM, que criticou todo aquele “sensacionalismo”.
Na coluna “Mercado Aberto” (Dinheiro, página B2), sob o título “Economia ainda
não sente violência”, a Folha buscou as impressões de expoentes do mundo empresarial
sobre a crise. O economista Paulo Leme, da Goldman Sach
ucas coisas que o Estado deveria fazer bem feito, que seria cuidar da segurança
pública, não o fazia: “Essa é a maior ironia sobre o papel do Estado na sociedade”. Já o
presidente da Ciesp, Cláudio Vaz, mesmo não esperando prejuízos relevantes à economia,
disse que, em momentos como aquele, “produzir e consum
nte da Coteminas e do Iedi, Josué Gomes da Silva, afirmou que “a sociedade não
pode aceitar esse tipo de comportamento do banditismo”.
No mesmo caderno de economia, o sociólogo Rogério Schmitt, da consultoria
Tendências, comentou que a difusão da sensação de insegurança pública seria um
fenômeno de opinião que costuma atingir indiscriminada e negativamente as três esferas de
governo (municipal, estadual e federal) ao mesmo tempo.
40
Cada um dos 300 convites teria sido vendido a R$ 3.000,00.
83
O articulista Luís Nassif também expressou sua opinião em relação ao que ele
considerou um “Dia de cão”, atribuindo toda responsabilidade ao secretário Saulo de Castro
Abreu Filho pelo maior desastre da história da segurança pública do Estado. Segundo ele,
boa par
no quarto dia; 20) Familiares acusam policiais por mortes; 21) Ato ecumênico pede “ações
te das mortes poderia ter sido evitada, simplesmente se o secretário tivesse avisado a
tropa da remoção do alto comando do PCC. Nassif, contudo, defendeu a permanência do
secretário Nagashi Furukawa (Administração Penitenciária), “de sólida visão jurídica”. O
colunista também responsabilizou o Banco Central por ampliar as facilidades para a
remessa de dinheiro para o exterior, assim como Geraldo Alckmin, que, enquanto ainda
governador, vetou um projeto de lei que visava coibir as atividades dos bingos e máquinas
de apostas.
E com isso chegamos ao caderno Cotidiano e à sua cobertura à “guerra urbana”: 1)
Medos de ataques pára São Paulo; 2) Cúpula do PCC ordena fim dos ataques
41
; 3) Estação
do metrô é alvo de disparos; 4) Governo promete 50% da frota na rua hoje; 5) Ameaça de
bomba interdita saguão de Congonhas; 6) Na Oscar Freire, clima é de feriado; 7) Por
precaução, shoppings fecham lojas; 8) Alvo de ataques, agências não abrem; 9) Mackenzie
manda alunos para casa; 10) 40% das escolas suspendem suas aulas; 11) Bares fecham em
Higienópolis; 12) Policiais associam indulto a ataques
42
; 13) Caos faz os celulares entrarem
em pane; 14) Cidades podem ficar sem celular; 15) Em ribeirão, três ficam feridos; 16)
Após 4 dias, rebeliões em SP chegam ao fim; 17) Em solidariedade ao PCC, presos do CV
suspendem faxina; 18) Na sede do Deic, impera o silêncio; 19) Quinze suspeitos morrem
rigorosas”
; 22) Para Lula, atentados são “provocação”; 23) Presidentes do Senado e da
Câmara divergem
43
44
; oposição defende Lembo; 24) 1º presídio federal de segurança máxima
41
A ordem teria sido dada após dois dias de conversas com representantes do governo estadual.
ta do Ministério Público,
ento.
42
“Eles saem da cadeia já instruídos”, disse André Di Rissio, presidente da Associação dos Delegados da
Polícia Civil. O mesmo afirmou o presidente da Associação dos Cabos e Soldados da PM, cabo Wilson
Moraes. O procurador João Antonio Garreta Prats, presidente da Associação Paulis
defendeu a criação de leis para punir o “terrorismo” que atingiu São Paulo, como a restrição de visitas a
presos e a redução de indultos para melhorar o controle sobre as penitenciárias. Ele considerou a visita íntima
uma “criação nossa” que deveria “premiar” apenas o preso que tem bom comportam
43
Organizações de direitos humanos estariam preparando um manifesto em solidariedade à polícia, afirmando
que não seriam um obstáculo às “ações rigorosas e eficientes em defesa da sociedade”. O rabino Henry Sobel
considerou como “prioridade” a defesa dos direitos humanos das “pessoas de bem”.
44
Renan Calheiros (Senado) e Aldo Rebelo (Câmara) adotaram posições antagônicas diante da crise.
Enquanto o primeiro anunciou que poria em votação um pacote de medidas para segurança pública, este
insistia não ser preciso criar novas leis para debelar as ações do crime organizado.
84
será inaugurado com atraso; 25) Na Av. Paulista, pontos lotados; 26) Governo de SP culpa
boatos por pânico; 27) Alckmin prepara ataque contra governo federal; 28) “Antes, a gente
só sabia de situação assim pela TV
45
”; 29) Das ruas do Cambuci à “Arte da Guerra”
46
; 30)
Advog
ados, começando pelo
dramat
inoso revoltado”,
diante
solver”.
ada de Marcola vai recorrer; 31) Divergência de autoridades retarda reação
47
; 32)
Onda de violência comprometeu agenda cultural; 33) Trânsito parado na fuga para casa;
34) Presos do Paraná dão apoio ao PCC; 35) Suspeitos de integrar o PCC são presos em
PE; 36) Preso é decapitado durante motim em Campo Grande.
A Folha publicou naquela terça-feira vários artigos assin
urgo Mário Bortolotto – “Não vou morrer na minha quitinete” –, que destacou a
impressão de uma estudante norte-americana, que fazia intercâmbio no Brasil, publicada na
Revista da Folha: “O que me surpreende não é a pobreza, comum na América Latina, mas
sim a riqueza, o número de milionários em um país como o Brasil”.
Alguns cineastas e escritores, com produções que abordam a temática da violência,
também foram ouvidos pela Folha. Um deles foi o escritor Marçal Aquino, autor de “O
Invasor”, livro que retrata a violência emo Paulo e que foi adaptado para o cinema por
Beto Brant: “É a realidade esfregada na nossa cara de maneira compulsória”. Joaquim
Nogueira, ex-delegado e autor de livros como “Informações Sobre a Vítima” e “Vida
Pregressa”, defendeu que “o governo tem que fazer demonstração de força também, porque
ele tem maior poder do que organização criminosa”. Já Ferréz, autor de “Manual Prático do
Ódio”, que tem como cenário a periferia paulista, atribui a culpa ao Estado, que não
investiria em educação nem em segurança pública. E o diretor do documentário “Ônibus
174” e do polêmico “Tropa de Elite”, José Padilha, disse que “o crim
a “situação calamitosa dos presídios” seria “o estopim de um barril de pólvora”. Para
o cineasta Sergio Bianchi, diretor de “Cronicamente Inviável” e também de “Quanto Vale
ou É por Quilo”, a situação seria culpa da elite: “A elite comete erros catastróficos e, cedo
ou tarde, tem problemas enormes para re
45
Afirmação da psicóloga Sheila Souza, única pedestre na calçada da rua Oscar Freire na segunda à tarde.
46
Perfil de Marcos Willians Herbas Camargo, que teria começado no crime como batedor de carteiras naquele
bairro paulistano e se disse leitor de “A Arte da Guerra”, livro milenar do chinês Sun Tzu.
47
Perfil e estilos diferentes da cúpula da segurança de São Paulo: Nagashi Furukawa (Administração
Penitenciária) e Saulo de Castro Abreu Filho (Segurança Pública), o delegado Godofredo Bittencourt Filho,
diretor do Deic, e o coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, comandante-geral da Polícia Militar.
85
A psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha, escreveu ainda um artigo ensinando
aos pais como explicar às crianças o que ocorreu, ressaltando que “nós não conseguiríamos
ocultar
kers domésticos murmurando tolices sobre a pena de morte”.
que me
que, 35
guerril
reações
supostamente) indevassáveis, na legalização da pena de morte ou no aumento do efetivo
policia
da pelo
sociólo
a origem de nossas preocupações” e que, portanto, bastaria afirmar que “tem gente
grande brigando e que isso é perigoso”.
Demétrio Magnoli, também colunista da Folha, perguntou retoricamente se a culpa
era só dos governantes, e ele mesmo respondeu: “Não, mil vezes não!”. Para Magnoli, São
Paulo estaria sentindo os efeitos psicológicos da indústria do medo: “A classe média que
não deixa os seus filhos circularem de ônibus e metrô, que se cerca de câmeras e alarmes,
que passeia apenas em shopping centers e aspira comprar um automóvel blindado correu na
direção de seus bun
A Folha ainda publicou um artigo de Frei Betto
48
sobre “A guerrilha carcerária”,
rece um destaque especial. Ex-preso político nos inícios dos anos 70, ele comentou
anos depois, o sistema prisional só não continua o mesmo porque piorou: “A
ha carcerária expõe a precariedade do sistema prisional brasileiro”. Betto criticou as
das autoridades por quererem imitar os EUA, seja na construção de presídios
(
l militar, sem nenhum enfoque nas causas da criminalidade e a ineficiência de nosso
sistema prisional:
Nosso regime penitenciário não difere muito do adotado no tempo da escravatura: amontoam-se
presos em masmorras exíguas; misturam-se autores de delitos distintos; condenam-se todos à mais
explosiva ociosidade. Não há cursos profissionalizantes, nem redução da pena de acordo com a
progressão escolar. Nem há atividades culturais, como teatro, pintura e música, ou equipamentos e
espaços adequados à prática de esportes. Queijo suíço, nossas prisões estão repletas de buracos por
onde entram dinheiro e armas, celulares e drogas. O detento é guardado, não reeducado; punido, não
recuperado. E o alto preço da penitência – donde penitenciária – jamais é a absolvição, e sim a
exclusão social. O preso cumpre a pena sem que o sistema o prepare à reinserção social, e sem que a
sociedade se disponha a acolhê-lo. Daí o alto índice de reincidência (FSP, 16/05/2006, pág. C16).
Outra importante análise da crise em São Paulo foi a entrevista concedi
go Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro). Segundo ele, o aconteceu em São Paulo pode ser rotulado
como “uma revolução social”. Viana sustentou que a falta de espaços para a “expressão
formal dos excluídos urbanos” levou o PCC a ocupar o que ele considerou um “verdadeiro
48
Carlos Alberto Libânio Christo, frade dominicano e escritor, que foi assessor especial da Presidência da
República (2003-2004).
86
deserto”: “Eles estão falando de exclusão, estão usando uma linguagem radical das
revoluções, certo? E estão se comportando revolucionariamente, de armas na mão”,
afirmou o pesquisador do Iuperj. “Ou Estado democrático de Direito se defende agora ou se
desmoraliza”, disse ele, acrescentando ser favorável à “reclusão total dos cabeças”.
Por fim, o coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança
Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Cláudio Beato, outro
trevi
mesmo com o caos instalado em São Paulo, o jantar o jantar de
mpresários em apoio a Geraldo Alckmin seria mantido. Ela também explorou as trocas de
ntou a possibilidade da secretaria de Cultura cancelar a
Virada
dias. Então esqueceu de avisar a polícia? Não LEMBOU de
avisar a
iticou a “retórica” que via estreita relação entre o crime e a iniquidade
en stado pela Folha, comparou a ação do PCC a um “urro de animal acuado” que
organizou os ataques na tentativa de obter benesses por parte das autoridades. “Eu me
preocuparia muito mais com o PCC silencioso, com pleno domínio da situação nas cadeias,
na polícia, nos agentes e no sistema judiciário”. O sociólogo definiu a legislação brasileira
como sendo “muito leniente em relação a certo tipo de preso” e, posto isto, defendeu que os
líderes do PCC fossem encarcerados sob guarda do governo federal: “Botar (os presos) lá
no meio do Amazonas, sem celular nem nada; e deixá-los trancados lá; esses caras não têm
recuperação”.
A Folha ainda voltaria ao assunto no caderno Ilustrada, primeiro com a colunista
social Mônica Bergamo descrevendo o clima de pânico no Tribunal de Justiça e
informando que,
e
farpas entre petistas e tucanos, a ave
Cultural. E a coluna de humor assinada por José Simão não poupou a situação
caótica e fez piada com a falta de comando demonstrada pelo governo: “Existem dois
lugares perigosos: Bagdá e delegacia de policia! Os bandidos são do PCC, Primeiro
Comando da Capital. E o Lembo é do SCC, Segundo Comando da Capital. O Lembo diz
que sabia dos ataques há 20
polícia!”.
QUARTA-FEIRA, 17 DE MAIO
Os atentados em São Paulo ainda ocupariam quase a toda a capa da Folha daquela
quarta-feira, que saiu com a seguinte manchete: “Polícia prende 24 e mata 33 em 12h”. E o
editorial do dia cr
87
social
zar o sistema prisional, reservando a cadeia a
quem d
e não reage”; 2) “O
crime c
ultariam inúteis,
adotad
dos ele
contest
no país: “Mais do que discorrer sobre as causas estruturais da criminalidade,
contudo, a hora é de agir”.
A Folha então passou a cobrar do governo do Estado uma resposta imediata com um
conjunto de ações emergenciais capazes de asfixiar o crime organizado. Na prática isso
representaria cortar a comunicação entre a cúpula do movimento e sua base, e a única
forma de conseguir isso seria isolar a liderança do PCC em Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD), em localidades distantes dos centros urbanos e das antenas de
telefonia celular.
Além disso, a Folha se dispôs a ajudar a resolver o problema sugerindo uma série de
medidas: vencimentos compatíveis com a função de carcereiro; fiscalização mais intensa
sobre esses funcionários; uma ação policial que priorizasse a repressão ao tráfico de drogas
e ao sequestro, entre outros “crimes rentáveis” à quadrilha; uma comunicação mais
eficiente entre a Secretaria da Segurança Pública e o Judiciário estadual; maior
investimento na formação de policiais, que deveriam atuar em sintonia com as demais
instâncias burocráticas; e, por fim, racionali
e fato representasse perigo à sociedade.
Clóvis Rossi comentou as acusações recíprocas entre petistas e tucanos, que não
estavam enxergando que o problema da insegurança tinha “aspectos centrais” infinitamente
mais complicados: 1) “O poder público brasileiro, em todos os níveis, faliu; pior: a noção
de bem ou de serviço público tornou-se risível; pior ainda: a sociedad
ompensa porque as leis são caudalosas e confusas, e sua aplicação é lenta porque a
apuração de crimes é virtualmente inexistente, porque, ainda que haja apuração e ainda que
haja punição, não há lugar nas cadeias etc”.
Já Fernando Rodrigues sublinhou que a crise de segurança pública estaria
produzindo alguns “quase-consensos” sobre ações que certamente res
as por causa de governantes incapazes e que seguem o “comportamento de manada”
itores, que, por exemplo, estavam pressionando por uma medida “cara e de eficácia
ável” como os bloqueadores de celulares dentro dos presídios.
Karyna Batista Sposato e Davi de Paiva Costa Tangerino, do Ilanud (Instituto
Latino Americano de Política Criminal das Nações Unidas para Prevenção do Crime e
Tratamento do Delinquente) apresentaram, em Tendências & Debates, suas “Reflexões
88
sobre um caos anunciado” e lamentaram que a política de segurança se circunscrevera na
adoção de medidas de aparência, em uma imagem de policiamento forte:
Ao revés, dezenas de milhares de presos, amontoados, em sua esmagadora maioria, em celas
superlotadas, sem acesso aos serviços básicos de saúde, sem assistência judiciária adequada, sem
número razoável de postos de trabalho, enfim, sem tudo o que a Lei de Execução Penal prevê como
necessário à ressocialização do preso, motivo pelo qual alegamos prender as pessoas, engendrariam,
naturalmente, uma reação violenta (FSP, 17/05/2006, pág. A3).
Mais do que antes, as opiniões dos leitores se dividiram: 1) Elogio do presidente da
Comiss
nça de maior rigor no combate ao uso “tolerável” de
drogas
curso oficial,
dar” a reação da polícia e a contabilizar os mortos.
exército de bandidos, em 340 mil o número de residências desvalorizadas pelo crime, 1.000
ão Municipal de Direitos Humanos, José Gregori, ao editorial “Não nos
amedrontemos”; 2) A Comissão Justiça e Paz de São Paulo ressaltando “o respeito às leis e
a existência do Estado de Direito” como condições mínimas e indispensáveis para a
vigência dos direitos humanos: “A justiça e a paz fundamentam-se na não-violência e no
diálogo digno deste nome”; 3) Cobra
; 4) Duas Críticas ao governador Lembo e à sua equipe; 5) Críticas aos defensores
dos direitos humanos; 6) Crítica ao artigo de Demétrio Magnoli, “Pânico no galinheiro”; 7)
Crítica à imprensa por poupar Lembo e responsabilizar Lula.
O “Painel Brasil” trouxe várias notas sobre a recusa do governo paulista da ajuda
federal e sobre projetos estaduais paralisados devido à ausência de repasses do Fundo
Nacional de Segurança Pública. Também criticou o sensacionalismo das tvs no “vale-tudo
da segunda-feira” e afirmou que o alto comando da PM, na contramão do dis
foi pego completamente de surpresa.
No caderno “Brasil”, duas outras matérias nacionalizaram e politizaram mais ainda
a crise em São Paulo: 1) Caso PCC abre “guerra fria” entre PT e PSDB; 2) Dos EUA,
Mercadante critica governo paulista; em viagem, Serra nada fala.
O colunista Nelson de Sá, que analisa diariamente o comportamento da mídia,
comentou: “E tome entrevista de governador, secretário, comandante-geral, delegado-geral
– eles todos, o dia todo, para negar o acordo com o PCC”. Além disso, disse que a grande
imprensa se limitou a “sau
Luís Nassif divulgou números do custo da violência no país, disponibilizado pelo
economista Ib Teixeira (FGV-RJ): em 1995, a violência teria consumido R$ 35 bilhões, ou
5% do PIB; em 2003, R$ 112 bilhões (10,2% do PIB). O economista estimou em 15 mil o
km2 de áreas imobiliárias em mãos criminosas. Portanto, a conclusão de Nassif: “Daí o fato
89
de a guerra ser basicamente econômica”, e assim destacou as ações do Gafi (Grupo de Ação
Financeira sobre Lavagem de Dinheiro)
49
e a criação do Coaf (Conselho de Controle das
Atividades Financeiras).
No caderno Cotidiano, os títulos das matérias ainda mantiveram o clima de “guerra
urbana”: 1) Em 12 horas, polícia mata 33 suspeitos e prende 24; 2) Governador afirma que
vai divulgar nome e ficha de mortos; 3) Richard, 20 anos, foi morto com três tiros; 4) Com
medo, policiais convertem condomínio em quartel; 5) Comitiva foi de avião negociar com o
PCC; 6) Secretário autorizou entrada de TV em prisões; 7) Fechada central onde telefones
eram clonados; 8) 55% dos paulistanos culpam o Judiciário
50
; 9) Para 85%, a violência
afetou rotina da família
51
; 10) Ataques continuam no interior de SP; 11) Em Campinas, 4
ônibus foram incendiados; 12) Ao menos 5.000 presos estão fora das celas em SP; 13)
m boxe, no topo das páginas do Cotidiano, com participação de
Moradores acusam PM de matar inocente; 14) Alckmin reduziu verba de penitenciárias
52
;
15) Para secretaria, redução mostra gestão eficiente; 16) Ex-governador diz que não
recusaria ajuda; 17) Secretário Furukawa sai abalado da crise
53
; 18) Comerciantes relatam
toque de recolher; 19) Com medo, SP bate recorde de telefonemas; 20) Restaurantes
reabrem, mas movimento é fraco; 21) Vendas na segunda caíram 50% em SP; 22)
Congresso apressa votação de projetos
54
; 23) Agentes de presídios ameaçam paralisação.
Uma novidade foi u
personalidades respondendo à pergunta “Você teve medo?”, como Adriane Galisteu e Ana
Maria Braga, o chefe de cozinha Alex Atala, o estilista Alexandre Herchcovitch, o
presidente da Fiesp, Paulo Skaf, o artista plástico José Roberto Aguilar, os empresários
Chiquinho Scarpa e José Orlando Paulillo, as atrizes Beatriz Segall e Lilia Cabral, o
49
Grupo formado por representantes de 31 países e governos e duas organizações internacionais, que, desde
1990, estuda maneiras de articular ação conjunta contra o fluxo de dinheiro criminoso no sistema financeiro.
50
Pesquisa Datafolha (de 16/05/06, c/ 553 entrevistados). Detalhe: mesmo com os ataques, houve uma leve
queda no percentual dos que defendem a pena de morte: de 59%, em 2003, para 56%.
51
Idem.
52
De 2004 para 2005, gasto anual por preso teria diminuído de R$ 10.494 para R$ 8.917, segundo a Folha, o
que fez agravar problemas como superlotação.
53
A própria matéria informou que o governador Cláudio Lembo avisara a aliados que não demitiria
secretários em meio à crise de segurança, mas a Folha pautou o título em conjecturas de alguns pefelistas.
54
Trinta projetos foram listados, com prioridade para um que previa a criação do RDMax (Regime de
Segurança Máxima). Outras proposituras tratavam da fiscalização por parte da OAB de advogados de presos
ligados ao crime organizado, que teriam de passar por revistas nos presídios; e que o uso de celulares em
presídios seria considerado crime.
90
cabeleireiro Mauro Freire, a psicóloga Eleonora Mendes Caldeira, o ator Celso Frateschi e
a cineasta Laís Bodansky.
Na tradicional coluna “Urbanidade”, Gilberto Dimenstein trouxe a experiência bem-
sucedida de uma escola municipal Campos Salles, na favela de Heliópolis, onde um
profess
s do mundo sobre geopolítica e assuntos policiais. Segundo Perry, não apenas o
C m
áfias. E o
or que ensinava caratê a crianças e jovens, “alguns dos quais tenderiam a procurar
confusão nas ruas, liderar gangues ou até entrar em grupos como o PCC”. Nesta mesma
edição, em outro artigo, Dimenstein acrescentaria “o problema não é o PCC”. Para ele, de
pouco adiantaria destruir a facção enquanto sobrasse mão-de-obra disponível ao crime
organizado. “É uma mão-de-obra sem perspectiva de vida e, por isso, seduzida a qualquer
risco, como vimos nos ataques”. Nos seus cálculos, em 2006, dos cerca de 3,4 milhões de
jovens entre 15 e 24 anos de idade existentes na região metropolitana de São Paulo, 950 mil
não estudavam e nem trabalhavam.
Em outro artigo, o repórter Ricardo Bonalume Neto narrou a ronda que fizera nas
horas mais tensas dos ataques e constatou que “São Paulo recolheu-se como um caramujo”.
Havia, testemunhou em estilo literário, “uma tensão no ar que podia ser cortada com faca,
para os raros que circulavam pela cidade, em geral a trabalho – policiais, alguns bandidos,
jornalistas”. E concluiu que os conflitos paulistanos de maio podiam entrar na classificação
geral de “guerra irregular complexa”, a mais nova definição em moda para esse tipo de
violência, usada, por exemplo, pelo IISS de Londres (sigla em inglês para Instituto
Internacional de Estudos Estratégicos).
A Folha ainda publicou a análise de alguns especialistas em segurança que
consideraram que “Estágio do PCC é pré-mafioso”. O primeiro foi William Perry, ex-
diretor do Conselho de Segurança Nacional para assuntos de América Latina no governo de
Ronald Reagan (1981-1989) e hoje editor da “Jane’s Latin América”, uma das principais
publicaçõe
PC as também algumas facções cariocas estariam a um passo das máfias e cartéis: “O
Brasil está em um nível intermediário”. Thomaz Costa, professor de Assuntos de Segurança
Nacional do Centro de Estudos para Defesa do Hemisfério, de Washington, concordou que
o PCC estivesse no “primeiro estágio” no caminho que leva à formação das m
professor de direito penal Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni
Falcone (em referência ao juiz italiano assassinado pela máfia em 1992), completou que
91
organizações como o PCC já haviam edificado “as estruturas para a formação de um Estado
mafioso”.
que o fundo do poço a que chegam é sempre falso”.
profess
Brasile
Peniten
aquela
aqueles ciedade. O importante neste artigo foi a transcrição
que Sá
rio e figura das mais queridas do circuito
Jardins
Em outra matéria opinativa, “Fraqueza do Estado provocou o pânico”, a Folha
entrevistou o psicanalista Jurandir Freire Costa, um dos principais terapeutas do país, o qual
afirmou que a rapidez com que o medo se espalhou indicara a falta de confiança no poder
público. “Um bom parlamento é condição sine qua non para combater o crime”.
A Folha ainda encomendou a “Visão de um carioca”, de Sergio Costa, que intitulou
seu artigo como “Do outro lado do mesmo problema”. O jornalista afirmou como fora
“impactante até para o forasteiro acostumado à rotina de uma cidade que não pára de
mostrar
Incansável, a Folha abriu espaço ainda para o artigo de Alvino Augusto de Sá,
or da Faculdade de Direito da USP, membro associado do IBCCRIM (Instituto
iro de Ciências Criminais). Psicólogo aposentado da Secretaria da Administração
ciária de São Paulo, Sá observou que se quiséssemos compreender mais a fundo
onda de conflitos, teríamos de ouvir e tentar compreender a leitura que dela fazem
que foram segregados pela so
fez da opinião de alguns líderes do PCC, fruto da sua convivência com eles intra-
muros:
“Nós não somos contra a ressocialização. O que não admitimos é traição... Não nos opomos a que
preso algum queira se ressocializar, queira participar de trabalhos propostos pela direção do presídio.
O que deve haver é um entendimento prévio”; “O mais importante de tudo, na relação entre o Estado
e as facções, é o diálogo. Temos que dialogar. Afinal, nós somos todos seres humanos, que temos
interesses humanos, pensamos, sabemos conversar”; “O PCC está crescendo muito. A gente não sabe
onde vai parar isso. E há o risco de se chegar a uma verdadeira guerra com o tempo. Há necessidade
das autoridades, do pessoal do sistema, conversar mais com a gente. Porque a gente, levado às vezes
pela emoção, acaba fazendo as coisas sem pensar muito nas consequências. Então há necessidade de
alguém orientar a gente e dizer que, se a gente puser a mão aqui ou ali, vai acabar ‘queimando a
mão’” (FSP, 17/05/2006, pág C14).
Por fim, na Ilustrada, a Folha trouxe ainda as piadas de José Simão – “Trégua em
Sampa! Entrégua tudo pro PCC!” – e a coluna social de Mônica Bergamo informando que
alta sociedade paulistana viveu um “dia de periferia”, e citou, como exemplo, o desabafo de
Attílio Baschera, dono de um antiquá
/Higienópolis/Morumbi: “Me deu um ataque de fúria”. Bergamo narrou ainda como
a rotina de festas nos bairros nobres se alterou de forma radical. Como o consultor de
etiqueta Fábio Arruda decidiu que o melhor a fazer era adiar a festa de seu aniversário, que
92
seria comemorada em um restaurante dos Jardins. “E lá se foram para o lixo os 40 arranjos
de orquídeas que decorariam a festa de Arruda”, sem falar nos 36 kg de patê (fígado, “egg
salad”, coalhada) que seriam jogados fora. “Não dá para guardar. Vai estragar! Pedi dois
rmou que “Pânico em SP”
avia superado o “11 de Setembro” no Ibope: o índice de televisores ligados durante todo o
55% na Grande São Paulo, quatro pontos percentuais
acima
QUINT
nado,
tendo
detentos perigosos e a tipificação da posse e do uso de celulares por
motoristas emprestados de minhas amigas para levar os docinhos (são 1.600, fora o bolo de
oito quilos) para instituições de caridade”.
Também na Ilustrada, a seção “Outro Canal” ainda info
h
15 de maio (das 7h às 24h) foi de
do 11 de Setembro e sete a mais do que na segunda anterior. Apresentado em São
Paulo por William Bonner, o “Jornal Nacional” teria registrado sua melhor audiência desde
2000, com 53 pontos, quase 20 a mais que sua média atual.
Por derradeiro, uma crônica de Marcelo Coelho – “Hora de tomar minhas
providências” – ironizando a mudança no comportamento dos paulistanos após os ataques:
“Contento-me com o básico: vou comprar um carro blindado”.
A-FEIRA, 18 DE MAIO
Logo na capa daquela quinta-feira, a Folha destacou em sua manchete a polêmica
entrevista do governador: “Lembo culpa ‘elite branca’ por violência”, sublinhando que
“governador de SP diz que burguesia precisa deixar de ser cínica e de explorar a sociedade,
abrindo o bolso para reduzir a miséria”. Mas o editorial do dia preferiu comentar o “pacote
de segurança” aprovado às pressas pela Comissão de Constituição e Justiça do Se
como principal medida a que criava o regime de segurança máxima (RDMax),
ampliando o isolamento de presos considerados de alta periculosidade.
Até então, o sistema mais duro era o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), que
sujeitava o preso a isolamento total por “apenas” um ano, período, para a Folha,
insuficiente para que um chefe do crime perdesse a ascendência sobre sua quadrilha. Os
parlamentares duplicaram esse tempo, mas a Folha considerou que melhor fariam se
abolissem qualquer limite, como sugeriu o procurador-geral de Justiça do Estado de São
Paulo, Rodrigo Pinho, facultando ao juiz arbitrar quanto um preso deve ficar isolado.
A Folha considerou acertada, porém, a instituição da videoconferência em
interrogatórios de
93
presos como faltas graves. “É positiva, ainda, ideia de retomar o exame criminológico,
avaliação pela qual o preso deve passar para que se decida se o regime no qual irá cumprir
pena pode ou não ser atenuado”. Outra proposta correta, no entender da Folha, foi a que
determinou a revista de todas as pessoas que entrarem nas prisões, terminando com um
injustificável privilégio dos advogados até então isentos dessa prática. Além das várias
medidas previstas no pacote, a Folha ainda sugeriu o aumento da pena para o homicídio de
agentes do Estado e uma nova qualificação para formação de quadrilha, com agravante para
prática
aulo, constatou inconformado que “a violência cessou
não po
os nomes dos mais
de 70 s
terrorista.
Um outro editorial, mais abaixo, comentava os números divulgados pelo IBGE
naquela semana, segundo o qual 13,9 milhões de brasileiros passaram fome em 2004.
Com base no resultado dessa Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a Folha
criticou o governo por agir como se a transferência de recursos fosse um fim em si mesmo:
“Estratégias de desenvolvimento local e geração de renda e a ampliação e a melhoria da
oferta de serviços públicos de saúde e educação são medidas que não podem ser preteridas
em favor de uma iniciativa meramente assistencialista”.
Clóvis Rossi, de volta a São P
rque a polícia tenha conseguido controlá-la, mas porque os criminosos decidiram dar
um tempo ou reduzir a escala de operações”. E que, à hora que quisesse, voltaria a “sitiar a
cidade, o Estado, as autoridades”. Valdo Cruz registrou que, diferente da elite paulista que
teve um dia de periferia mas que já estava respirando aliviada, a volta à “normalidade” não
estaria tão normal assim para boa parte da população que “vive na periferia real” da cidade,
que naquele momento estava insegura com a atuação de policiais decididos a vingar os
colegas mortos. Daí a importância, segundo ele, do governado divulgar
uspeitos mortos pela polícia.
Demétrio Magnoli, que escreve na Folha toda semana, criticou as “boas de maio”
anunciadas pelo ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanuchi, no domingo anterior.
Segundo ele, o Brasil só foi o mais votado entre os países que representariam a América
Latina no Conselho de Direitos Humanos, recém-criado na ONU, porque os votos
recebidos teriam sido negociados num “bazar de apoios mútuos” com Arábia Saudita,
China, Rússia, Argélia e Cuba. “Esses países constam em todos os relatórios imparciais
como inclementes e maciços violadores dos direitos humanos básicos”.
94
Na página A3, a seção Tendências & Debates publicou duas opiniões diferentes
sobre as razões da crise em São Paulo. O primeiro texto – “Civilização, sim; barbárie, não”
– mais pareceu uma espécie de abaixo-assinado de várias personalidades defensoras dos
direitos
artigo coletivo ressaltou que, apesar dos “ânimos exaltados” e da “exaltação
plenam
uestão de
fundo
de reabilitação de presos; 5) fazer funcionar a defensoria pública; 5) constituir conselhos e
humanos: Antonio Visconti, procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Celso
Antônio Bandeira de Mello, professor titular de direito administrativo da PUC-SP, Fábio
Konder Comparato, professor titular da Faculdade de Direito da USP, Goffredo Telles
Júnior, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, Hermann Assis Baeta,
presidente nacional da OAB de 1985 a 1987, João Luiz Duboc Pinaud, conselheiro da
OAB, José Osorio de Azevedo Júnior, professor de direito civil da PUC-SP, Maria Eugênia
Raposo da Silva Telles, advogada pela USP, Plínio de Arruda Sampaio, advogado e ex-
deputado federal, e Weida Zancaner, professora de direito administrativo da PUC-SP.
Este
ente justificável”, naquela hora se tornara “imprescindível” alertar a população para
o risco da exploração política do episódio, haja vista o discurso hegemônico
reclamando
“penas mais rigorosas, mais armamento para os policiais, mais restrições aos presos, mais
limites à liberdade dos cidadãos”
. Fruto concreto desse movimento reacionário, seria a
tentativa dos senadores de associar o episódio com o terrorismo, se comprometendo a
votarem “uma legislação penal, processual e penitenciária mais repressiva em apenas 15
dias! É barbárie contra barbárie, truculência contra truculência, poder de fogo contra poder
de fogo!”.
Para os signatários do artigo, os atentados daqueles dias eram a explosão de um
processo cumulativo, tendo como combustível a extrema desigualdade social do país, e que,
portanto, o discurso da truculência estatal visava precisamente esconder essa q
a fim de manter “privilégios e interesses de gente muito poderosa”. Dentro das
“providências” que poderiam coibir imediatamente o surto de violência, eles destacaram
primeiro a reestruturação completa – “de cima a baixo” – do aparelho repressivo do Estado,
assim como: 1) penas não prisionais para os crimes de menor gravidade; 2) impedir o
contato entre presos de diferentes graus de periculosidade; 3) criar mecanismos eficazes
para ouvir as queixas das vitimas de violência de agentes públicos; 4) organizar um sistema
outras formas de participação popular no planejamento da segurança dos bairros.
95
O segundo ponto de vista, bem mais reacionário, ficou a cargo do senador Romeu
Tuma
55
, que denunciou “O caráter subversivo do atual terrorismo”. Além de assertivas
como “a base da segurança pública é criminoso na cadeia e polícia respeitada nas ruas” e
das críticas às autoridades por se iludirem com a possibilidade de resolver tudo na conversa
e na barganha com bandidos, Tuma fundamentou seu argumento no depoimento de William
Lima da Silva, o “Professor”, fundador da facção carioca Comando Vermelho: “Vou aos
morros
serão 3
acresce
contato
vanglor
impren
e “mão-
e vejo crianças com disposição fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas
milhões de adolescentes, que matarão vocês (policiais) nas esquinas”
56
. Tuma
ntou que o embrião dessas organizações criminosas teria sido fecundado durante o
entre presos “comuns” e “políticos”, nos anos 60 e 70, tanto que o “Professor” se
iava de ser “o último comunista preso”, conforme teria declarado sua esposa à
sa.
Eclodiu, assim, um tipo de terrorismo desprovido de militantes políticos, mas de finalidade igual à do
antecessor: ferir o Estado e a sociedade. O que aconteceu em São Paulo é inseparável desse contexto,
consolidado por linhas auxiliares nos campos do direito e da imprensa, paralelamente à omissão de
sucessivos governantes. Em vez de se ampliar e melhorar o sistema prisional, cadeias foram
transformadas em autênticas fábricas de celerados. Não recuperam ninguém. Abarrotadas como
pocilgas, destinam tratamento desumano aos principiantes no crime e os obrigam a se promiscuir
com experientes marginais. Mas, quando são de “segurança máxima”, proporcionam “hospedagem”
digna de hotel aos presos mais perigosos. Fácil é imaginar o que se fixa na mente de um jovem
acusado do roubo de um boné ou do furto de um pote de manteiga ao ser jogado no meio de
assassinos e traficantes (FSP, 18/06/2006, pág. A3).
No “Painel do leitor”, as opiniões se dividiram em: 1) Comparação do “novo 13 de
maio” à sinistra e cruenta comemoração dos “escravos do pó, regada a ódio, bomba e bala”;
2) Crítica ao banco Santander pela homenagem aos policiais assassinados, por considerar as
instituições bancárias, com seus juros extorsivos (etc), as grandes fomentadoras d
de-obra” para o PCC; 3) Crítica a “Chicos Buarques e Soninhas da vida”, que “alardeiam
por aí que se drogam”; 4) Crítica ao editorial “Noites de Bagdá” por ser parcial a favor do
PSDB; 5) Ironia de um leitor que se identificou como “branco e homem de boa laia”,
elogiando a Folha em sondar apenas como pessoas do “seu segmento social” lidaram com o
medo; 6) Afirmação de que as condições desumanas nas prisões impulsionam a “revolta”;
7) Defesa da liberação do uso das drogas a fim de desarticular o crime organizado.
55
Na época, Romeu Tuma era o corregedor do Senado Federal. Foi diretor-geral da Polícia Federal (1985-92)
e secretário da Receita Federal (1992).
56
Depoimento à polícia no início dos anos 90, publicado no livro “Comando Vermelho - A História Secreta
do Crime Organizado”, de Carlos Amorim (Rio de Janeiro, Record, 1994).
96
O “Painel” da página A4 continuou comentando a recusa do governador Cláudio
Lembo diante da oferta de ajuda federal e destacou a compra pelos advogados do PCC da
as mortes a granel, com dezenas de vítimas
l trouxe duas matérias divulgando a pesquisa do IBGE, com dados
transferência de renda.
cópia dos depoimentos secretos do diretor do Deic, Godofredo Bittencourt Filho, e do
delegado Rui Ferraz, na CPI do Tráfico de Armas. E sob a rubrica “Eleições 2006” outras
matérias do caderno nacional continuaram politizando a crise em São Paulo: 1) Criticado,
Alckmin reage e diz que Lula é mesquinho na crise; 2) Lula é “cúmplice” da violência, diz
tucano; 3) Tarso
57
critica negociação com crime; PSDB exige retratação; 4) Alckmin aposta
em TV para superar crise.
Janio de Freitas, em sua coluna diária, ressaltou o grande perigo na reação dos
policiais em resposta às mortes de 29 agentes de segurança: “Os revides dos revides, uma
ciranda em que a retração de um lado leva à ofensiva do outro, que se exaure e passa a ser o
atacado até chegar sua nova ocasião. (...) No mesmo caso, então, ficam as chamadas
autoridades que permitem ou praticam
qualificadas, oficialmente, apenas como suspeitas”.
Nelson de Sá, editor do “Toda Mídia”, considerou um “besteirol” a repercussão nas
mídias eletrônicas do projeto de lei que tentou obrigar companhias telefônicas a criar e doar
para o governo sistema que bloqueasse os celulares. O colunista também comentou a
enorme pressão sobre o secretário de Segurança, que insistia em negar a lista com os nomes
dos suspeitos mortos na reação policial.
O caderno Brasi
de 2004, revelando que a fome afeta mais os negros ou pardos e os moradores do Nordeste,
com o título “Fome afeta pelo menos 14 milhões, diz IBGE”. Além disso, outra reportagem
acrescentou que “Programas sociais só beneficiam um terço dos que passam fome”, ou seja,
de acordo os dados da Pnad, dos 18 milhões de domicílios com algum nível de insegurança
alimentar, apenas 5,3 milhões (29% do total) eram beneficiários dos programas sociais de
57
O ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) havia dito que o presidenciável Geraldo Alckmin
“preferiu negociar com criminosos do que aceitar ajuda do governo”, o que fez a oposição pedir sua demissão
e a bloquear as votações no Senado.
97
No caderno Cotidiano, a Folha abriu um novo capítulo na cobertura dos ataques em
São Paulo: 1) PCC comprou gravação secreta de CPI
58
; 2) Advogados negam terem tido
acesso à fita com depoimento; 3) Burguesia terá de abrir a bolsa, diz Lembo
59
; 4) Ataques
continuam pelo 6º dia seguido; 5) Nova onda de boatos sobre ameaças faz escolas
dispensarem alunos; 6) Bombas e tiros atingem cinco escolas em São Paulo; 7) Polícia já
matou mais que em 2 meses; 8) Procurador-geral irá apurar mortes em ações policiais
60
; 9)
Para família de morto, elo com PCC é ficção; 10) Parentes de rapaz contestam PM; 11)
Testemunhas de chacina acusam policiais; 12) Senado aprova pacote para segurança
61
; 13)
Governo recebeu TVs do PCC sem nota; 14) Parentes de policiais mortos cobram ajuda;
15) Fa
ícia de Los Angeles, famoso tanto pelas séries
de TV
isse ter acompanhado a
ituaç
miliares de soldado morto ainda têm medo; 16) Justiça autoriza o isolamento de
Marcola; 17) Governo nega que entrevista seja verdadeira
62
; 18) Agentes pedem aumento
salarial e ameaçam greve; 19) Juiz manda bloquear celular em prisões; 20) Decisão será
cumprida, dizem as operadoras; 21) Haverá compensação, diz governo; 22) Custo é de R$
100 mi, dizem empresas.
Esta edição de quinta ainda trouxe a análise de Michael Berkow, chefe-adjunto da
LAPD, o controvertido Departamento de Pol
que protagonizou quanto por casos de corrupção e brutalidade denunciados pela
imprensa americana. O mais famoso ocorreu em 1991, quando policiais foram filmados
espancando violentamente o negro Rodney King. A absolvição dos policiais, um ano
depois, provocou três dias de violentas manifestações em Los Angeles, que deixaram 40
mortos e prejuízos de mais de US$ 1 bilhão.
Advogado e pós-graduado em administração, Berkow d
“s ão de guerra” em São Paulo de Los Angeles, onde lida há anos com líderes de várias
gangues que, juntas, somariam quase 40 mil membros. Em entrevista à Folha, ele defendeu
sua classe dizendo que “a polícia deve ter salários e benefícios decentes para poder ser
hur Vinicius Silva, disse ter vendido por
istina de Souza Rachado e Sérgio Wesley da
relacionou quadro social a ataques e
58
Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, o técnico de som Art
R$ 200 dois CDs com o áudio da sessão aos advogados Maria Cr
Cunha, ligados ao PCC.
59
Nesta entrevista polêmica à jornalista Mônica Bergamo, o governador
afirmou que mentalidade da minoria branca do Brasil tinha de mudar.
60
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Pinho.
61
Conforme comentado acima no editorial deste dia 18 de maio.
62
A Secretaria da Administração Penitenciária negou que a entrevista divulgada no dia 17/05 pela rede
Record com o preso Orlando Mota Júnior, o Macarrão fosse verdadeira.
98
cobrada”. Berkow reconheceu que o seu país, com o sistema prisional mais rigoroso do
mundo, também sofria com a infiltração de celulares nas cadeias.
Na Ilustrada, o humorista José Simão continuou brincando com a situação de crise,
ias notas informando ter “explodido” a procura por
blindag
SEXTA
esabafo” do governador Cláudio Lembo que identificara
no com
Outra entrevistada pela Folha foi a brasilianista britânica Fiona Macaulay
63
, que
considerou o reflexo mais perigoso da crise, uma ameaça ao Estado de Direito no país, seria
o aumento de execuções sumárias pelas forças policiais. Ao saber que o número das vítimas
já ultrapassava a casa dos 70, ela afirmou: “É vingança; os policiais se sentem sob estado
de sítio e acham que matar é a única resposta possível, mas também fazem isso pela
sensação de impunidade”.
e Mônica Bergamo trouxe vár
em de carros e janelas em São Paulo. Ela também informou a polícia tentava
solucionar pelo menos três sequestros em andamento, sem ligação aparente com o PCC, e
comentou que governador Cláudio Lembo estava exigindo a liberação imediata de R$ 176
milhões para modernizar o sistema de rádio-comunicação da polícia.
-FEIRA, 19 DE MAIO
A foto principal da capa da sexta-feira é emblemática: mostra um policial à paisana
apontando uma espingarda em direção de uma criança no colo do pai. Apesar da legenda
informar que o policial dava cobertura para outros policiais que entravam numa favela, a
impressão é a de que ele apontou a arma para a criança, o que demonstra estreita relação
com a manchete “PM diz que não matou inocentes”.
Já o editorial se ateve ao “d
portamento “cínico” da “minoria branca brasileira” a causa estrutural do problema.
A Folha rotulou de “esquerdista” a sua retórica com afirmações tipo “nossa burguesia devia
é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país” ou “a bolsa da burguesia vai
ter de ser aberta para poder sustentar a miséria brasileira”, frases que, segundo a Folha,
seriam “ovacionadas caso ditas no Fórum Social Mundial”, mas que passariam “ao largo
das responsabilidades imediatas”.
63
Doutora em ciência política pela Universidade de Oxford, onde ensinou, de 2000 a 2005, no Centro de
Estudos Brasileiros da Instituição, Fiona Macaulay também era professora do Departamento de Estudos para a
Paz da Universidade de Bradford. Especialista em sistema carcerário brasileiro, foi pesquisadora para o país
da Anistia Internacional, para a qual produziu em 1999 o relatório “Aqui Ninguém Dorme Sossegado”.
Colaborou com um capítulo no livro “Estado e Violência no Brasil”, publicado em 2006.
99
Clóvis Rossi, por seu turno, criticou o artigo “Civilização, sim; barbárie, não”,
assinado por várias personalidades e “encabeçado pelo único brasileiro que merece estátua
em vid
ra que está no ocaso. Antes, passou a
vida a
e Nova York, que teria subjugado um tráfico de drogas maior
do que
ero; a Justiça é rápida e intolerante
com ad
que a sociedade teve para apoiar-se e defender-se foi o
medo”. Discutindo as “causas” da crise, Sarney defendeu que “o poder coercitivo das leis e
a, o professor Goffredo Telles Júnior”. Rossi reagiu à afirmação do grupo de que,
para “coibir imediatamente o surto de violência”, seria necessária a reestruturação completa
do aparelho repressivo do Estado: “Perfeito; pena que inexequível; levaria séculos para
extirpar a banda podre da polícia e mais séculos ainda para tornar atraente a profissão de
policial ou equivalente”. Análise correta, para ele, foi a do o governador ao culpar a
mesquinharia da “elite branca” pela crise: “Pena que Lembo seja a prova definitiva da
mesquinharia da elite: só descobriu seus podres ago
serviço dela, gostosa e gloriosamente”.
Igor Gielow verbalizou o estranhamento quanto ao silêncio de José Serra: “como
político oriundo da cidade central da crise, uma declaração seria desejável; como candidato
a administrar exatamente a área afetada, a fala é obrigatória”. Concordando com Demétrio
Magnoli, também colunista da Folha, Gielow comparou a covardia dos paulistanos frente à
crise com a fibra dos britânicos sob a blitz nazista: “Indivíduo não faz história sozinho,
claro, mas, sem Winston Churchill liderando a resistência, talvez a comparação não fosse
possível; infelizmente, não há Churchills entre nós”.
Outro articulista, Nelson Motta utilizou seu espaço para elogiar sem ressalvas a
política linha dura da Polícia d
em São Paulo e no Rio juntos: “Ninguém morreu em guerras de quadrilhas; nem por
balas perdidas; ninguém foi morto em ‘confronto com a polícia’; nenhum policial morreu
em serviço”. No combate à criminalidade, que no seu entender “não nasce da miséria, mas
da maldade, da ganância e das paixões”, os policiais de Nova York conquistaram “a
confiança e a gratidão da população”, por razões justas: “Os casos de abusos e crimes de
policiais foram perseguidos e agora são raros, as corregedorias são implacáveis, os delitos
de autoridades têm as penas agravadas, a impunidade é z
vogados chicaneiros”.
O ex-presidente e senador José Sarney, que escreve às sextas-feiras na Folha,
também comentou “O saldo da segunda-feira negra”. Diante do “colapso da ordem”,
escreveu que “o único instrumento
100
o recei
também repercutiu no “Painel / Brasil”, que
destaco
anos, que teriam preferido a
ajuda d
o das penas só se tornam efetivos se elas – lei e pena – forem aplicadas”. Sarney
concluiu lamentando o fato das leis protegerem os presos e desprezarem as vítimas, e de
que não haveria meios de corrigir nem reprimir o crime.
No “Painel do leitor”, as declarações de Cláudio Lembo atribuindo a culpa pela
crise à “minoria branca” dividiu as opiniões: recebeu seis elogios e três críticas, e apenas
uma carta tratou de outro assunto, criticando de forma irônica o artigo de Demétrio
Magnoli, “Pânico no galinheiro”.
A entrevista de Cláudio Lembo
u os elogios no boletim eletrônico da revista Fórum, ligada ao Fórum Social
Mundial, no portal do PT e nos sites de outros petistas como o deputado José Eduardo
Cardozo e o ministro Tarso Genro. Outras notas 1) insinuaram a queda de Nagashi
Furukawa (Administração Penitenciária), 2) informaram da convocação pela CPI do
Tráfico de Armas do funcionário da Câmara que vendeu gravações de depoimentos secretos
ao PCC, 3) exploraram a provocação dos petistas contra os tuc
os “bandidos” à do governo Lula.
Antecipando a agenda eleitoral daquele ano, sete matérias do caderno Brasil
continuaram politizando a crise paulista: 1) Críticas de Lembo agravam crise entre Alckmin
e o PFL; 2) FHC reage e diz que seria o “último a jogar pedra” em SP; 3) Bornhausen
64
declara apoio ao governador; 4) Tucano
65
evita embate e diz que ligou todos os dias para
Lembo; 5) Tarso rejeita retirar críticas “institucionais”; 6) PFL ignora Alckmin e escolhe
José Jorge; 7) Intelectual diz que agora tudo é culpa da elite
66
.
Nelson de Sá (“Toda Mídia”) afirmou que a “obsessão” de secretários, delegado-
geral e comandante-geral com a cobertura da crise de segurança em São Paulo foi ao limite.
Também destacou a repercussão das entrevistas com os líderes do PCC, Marcola (Band) e
Macarrão (Record), consideradas falsas pelo governo de São Paulo. Nos dois casos,
segundo a Folha Online, a polícia considerou “apologia ao crime”. Falsa ou não, segundo
64
O presidente nacional do PFL (atual DEM), senador Jorge Bornhausen (SC).
65
O presidenciável do PSDB, Geraldo Alckmin.
66
Intelectual filiado ao PSDB, o cientista político Bolivar Lamounier criticou o governador Cláudio Lembo:
“A elite virou a explicação para tudo no Brasil, do bicho-de-pé à dor no fígado; tudo é culpa da elite”.
Segundo ele, ao dizer que os ricos são culpados do mal, Lembo acabou isentando os pobres: “Não é isso que
estamos discutindo, o que estamos discutindo é o crime: os criminosos organizados são empreendedores do
crime, empresários do crime”.
101
ele, a entrevista com “Macarrão” ganhou destaque no “Financial Times” e na “Economist”,
que concluíram que o poder público estaria em dissolução em São Paulo.
No caderno Cotidiano, a Folha apresentou uma nova enquete – “O que você acha da
reação da polícia?” – com a participação das seguintes personalidades: Carlos Cardoso,
promotor de justiça e assessor de direitos humanos do Ministério Público de São Paulo,
Luiz Antonio Fleury filho, deputado federal pelo PTB, Conte Lopes, deputado estadual
pelo PTB e capitão da reserva da PM, Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de
Segurança Pública, Oscar Vilhena, presidente da Conectas Direitos Humanos, José Gregori,
preside
só fez cópia do que cliente disse
68
; 3) Lembo pede a Deus que governo acabe logo; 4) Ele é
07 suspeitos em sete dias; 8) Quantidade de corpos em postos
nte da Comissão Municipal de Direitos Humanos, Ademar Gomes, presidente do
Conselho da Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo), Eduardo
Capobianco, presidente do Instituto São Paulo Contra a Violência, José Carlos Dias, ex-
ministro da Justiça, Ubiratan Guimarães, deputado estadual pelo PTB, coronel que
comandou a PM no episódio conhecido como Massacre do Carandiru, Ariel de Castro
Alves, coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Henry Sobel,
presidente do rabinato da CIP (Congregação Israelita Paulista), e Miguel Reali Júnior, ex-
ministro da Justiça, advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo.
A cobertura da Folha da “guerra urbana”, no Cotidiano, se traduziu da seguinte
maneira: 1) Polícia diz que SP errou com PCC e ajudou facção a crescer
67
; 2) Advogado diz
neurótico, diz psicóloga da “minoria branca”
69
; 5) No Pará, Alckmin diz que polícia e
governo de SP não vão retroceder; 6) Marcola ameaçou matar Lembo e Furukawa, segundo
relatório
70
; 7) Polícia matou 1
67
Godofredo Bittencourt, o delegado designado pelo governo de São Paulo para combater o PCC, admitiu em
depoimento à CPI do Tráfico de Armas que o Estado cometeu erros ao lidar com a facção.
68
O advogado Sérgio Wesley da Cunha, acusado de comprar a cópia da gravação da sessão secreta da CPI e
repassar ao PCC, admitiu ontem ter ido a um shopping com o técnico de som Arthur Vinicius Silva e a
advogada Maria Cristina Rachado.
69
A psicóloga Eleonora Mendes Caldeira vestiu com bom humor a carapuça de “dondoca”, termo usado por
Lembo em entrevista à Folha, reagindo às declarações de personalidades que ele chamou de “minoria branca”
e que opinaram negativamente sobre a forma como ele resolveu o conflito com o PCC: “Eu olhei as outras
oas que deram depoimentos, e vi que a ‘dondoca’ só poderia ser eu”. Outros depoentes, a atriz Beatriz
ográfico: “Se
cada um voltasse para seu estado, tudo funcionaria. O problema é que 80% do total de votos são de SP – e os
cola por 90 dias.
pess
Segall e Chiquinho Scarpa, também tiveram direito à réplica. Scarpa considerou o problema dem
nordestinos votam errado”.
70
De acordo com o relatório do governo enviado ao juiz Carlos Fonseca Monnerat, corregedor dos presídios
da capital. Com base no relatório, Monnerat determinou a reclusão de Mar
102
do IML dobra; 9) Megaoperação prende suposto traficante
71
; 10) Polícia não matou
inocentes, diz coronel
72
; 11) Saulo diz que situação está sob controle; 12) Associação de
PMs acusa Estado de descaso
73
; 13) “O Estado tinha obrigação de evitar os ataques”, diz
mãe de soldado morto; 14) “Só resta crer em Deus”, afirma filho de policial ferido; 15) 965
presos não voltam de saída provisória
74
; 16) Advogado é preso com bateria de celular em
cadeia; 17) Ataques continuam, mas diminuem em SP; 18) Homens armados invadem
jornal em São Sebastião
75
; 19) Suspender sinal pode não ser 100% eficaz
76
; 20) Cobertura
de torr
tou o resultado do trabalho de dois
e varia de metros a quilômetros; 21) Corregedoria investiga delegado
77
; 22) Thomaz
Bastos diz que governador de SP recusou a transferência de Marcola; 23) CPI quer ouvir
líder do PCC na Câmara; 24) Hotéis perdem 60% de hóspedes esperados; 25) Governo diz
que entrevista é falsa
78
; 26) Para ombudsman, TVs ajudaram a criar pânico
79
.
Em sua coluna tradicional na Folha, Baraba Gancia resolveu responsabilizar a Igreja
Católica pela crise desencadeada naqueles dias: “A desigualdade também é fruto da falta de
planejamento familiar, cuja inexistência continua a ser amplamente fomentada pela
digníssima senhora Igreja Católica”. Ela comen
A megaoperação envolvendo pelo menos 300 policiais civis, na favela Elba (zona leste), prendeu Clóvis de
Souza, apontado como o gerente do tráfico de drogas no local e colaborador do PCC.
71
72
Declaração do comandante-geral da PM de São Paulo, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges.
).
5, quando 6,41% não
sponsáveis pelo jornal e a polícia disseram
não usariam o celular.
epoimento dos
lsas gravações com líderes de facção criminosa”.
an da
73
A Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo chegou a protocolar, na
Procuradoria Geral de Justiça, representação criminal contra os secretários Saulo de Castro Abreu Filho
(Segurança Pública) e Nagashi Furukawa (Administração Penitenciária
74
965 presos dos 12.633 de todo o Estado não teriam retornado após a saída temporária para o Dia das Mães.
A parcela, de 8,54%, segundo a Folha, foi superior ao mesmo período de 200
regressaram. O benefício da saída temporária é previsto na Lei de Execuções Penais e é dirigido a presos do
regime semi-aberto que apresentem bom comportamento.
75
Apesar de os criminosos terem mencionado o PCC na ação, os re
não acreditar em vínculo com a facção, pois já estavam sofrendo ameaças anteriores.
76
Operadoras de telefonia celular e Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) avaliaram que impedir a
transmissão de sinais nos presídios seria uma medida complexa, que afetaria a população próxima e não
haveria 100% de garantia de que detentos
77
A Corregedoria da Polícia Civil começou a investigar se o delegado José Augusto Rachado, da 4ª Delegacia
Seccional, na zona norte, teria ligação com os ataques ocorridos em São Paulo. O delegado é casado com
Maria Cristina Rachado, advogada de Marcola e acusada de ter comprado a gravação do d
delegados na CPI do Tráfico de Armas.
78
O governo reagiu contundentemente ontem contra a cobertura dos ataques do PCC feita pelas TVs, que
qualificou de sensacionalista. Em nota oficial, acusou a Record e Band de agirem de “forma criminosa e
irresponsável” por terem exibido supostas “fa
79
Osvaldo Martins, da Cultura, único ombudsman de TV no país. O sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho,
professor de jornalismo na USP e da Pós-Graduação da Cásper Líbero, concordou com o ombudsm
Cultura. Em sua avaliação, a edição do último domingo do “Fantástico” foi sensacionalista e se utilizou de
truques dramatúrgicos, como fundo musical.
103
pesquisadores norte-americanos
80
demonstrando que, nos EUA, o aborto legalizado teria
contribuído para reduzir o crime em até 50%: “A tese é a de que filhos não desejados e/ou
de mães solteiras são mais negligenciados e sofrem abusos maiores; consequentemente, têm
mais chances de se envolver com a criminalidade”.
A procuradora Flávia Piovesan
81
escreveu um artigo – “Combate ao crime exige
ações a
stado”.
analisa
de solu
divinda
lugares com isso avaliou o medo
e Geraldo
lckmin e de José Serra a Cláudio Lembo. Bergamo informou também que o diretório
dido, no clipping distribuído aos seus “militantes”, a entrevista
em que
rticuladas” – também defendendo que “o adequado enfrentamento do crime requer
informação, inteligência, estratégia e perspicácia; requer a adoção de medidas preventivas e
repressivas, sob o prisma da transversalidade da segurança pública”. Piovesan, contudo,
recomendou que, “em situações-limite, (...) não se pode combater o terror com
instrumentos do próprio terror, fomentando o jogo da mera retaliação, sob pena de
instauração de um temerário terrorismo de E
O psicanalista Luiz Tenório de Oliveira Lima, por fim, ficou com a missão de
r a sensação de insegurança instalada em São Paulo. No artigo “Pânico acentua risco
ções destrutivas”, ele explicou que a palavra “pânico” tinha derivado do deus Pan,
de grega que se divertia com uma flauta assustando os viajantes ao produzir sons em
imprevistos na escuridão da noite nos bosques, e
generalizado que se espalhou pelo Estado:
O problema do medo e da insegurança nesses últimos dias em São Paulo acentuou-se na em
decorrência de muitos fatores, mas as informações imprecisas, a falta de comunicação confiável e
consistente (até compreensível, dada a velocidade dos acontecimentos) parecem ter sido um fator
decisivo. A surpresa, o sensacionalismo, a improvisação podem ter contribuído para provocar a
ruptura dessa rede tácita entre os indivíduos que constituem o grupo. (...)
O pânico é um sentimento
que introduz um grau crescente de irracionalidade no comportamento do grupo, tendendo a produzir
desorganização e caos, o que acentua perigosamente o risco de soluções destrutivas, tanto para o
grupo quanto para o próprio indivíduo (FSP, 19/05/06, pág. C10).
Na Ilustrada, José Simão ridicularizou a trégua entre governo e PCC: “Sampa nas
ruas! PCC libera banho de sol!”. E Mônica Bergamo, a colunista social da Folha, cobrou a
lista dos mortos durante a reação da polícia, destacando a pouca solidariedade d
A
nacional do PFL teria escon
Lembo criticou a “minoria branca e perversa”. A manchete do clipping, segundo
80
John J. Donohue, da Escola de Direito de Stanford, e Steven D. Levitt, do Departamento de Economia da
Universidade de Chicago, autores do estudo “O Impacto do Aborto Legalizado sobre o Crime” (2000).
81
Flávia Piovesan, professora doutora da PUC-SP nas disciplinas de direitos humanos e direito constitucional,
procuradora do Estado de São Paulo e membro do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana.
104
ela, era o artigo do senador Romeu Tuma sobre “O caráter subversivo do atual terrorismo”.
Ela disse que revista eletrônica Terra Magazine colocou no ar uma enquete perguntando
“Nossa
ia visitas a presídios.
caberia a Genro prejulgar, quanto mais quando era o momento de
demon
Brasileiro de Ciências Criminais e professor de processo
burguesia é cínica?” e 86% de 3.000 internautas responderam que “sim”.
SÁBADO, 20 DE MAIO
Uma semana exata após o início dos ataques, a capa naquele sábado já não trazia
imagens espetaculares da violência, mas sim a silhueta de um bailarino ensaiando
tranquilamente na frente do Museu do Ipiranga, com famílias passeando ao fundo com a
mesma tranquilidade, com uma linha fina explicativa bastante óbvia: “SP vive dia mais
tranquilo desde o início dos ataques do PCC”. A manchete, contudo, completava que o
Estado ainda restring
Já no editorial principal, a Folha antecipou que o tema da segurança pública
constaria da lista de principais discussões nas campanhas eleitorais daquele ano: “É do
interesse público que a democracia possa encaminhar uma solução para a contenção da
barbárie que o crime vem promovendo nas grandes cidades”. Nada justificava, ressalvou a
Folha, “a partidarização irresponsável”, pois “o crime organizado é inimigo comum de
todos os políticos comprometidos com o Estado de Direito”. Assim, a Folha criticou as
“lamentáveis exibições” do ministro Tarso Genro, um dos principais críticos do governo
paulista: “Não
strar união”.
Clóvis Rossi afirmou que São Paulo deveria aprender uma lição com a cidade de
Nova York, que há 30 anos era fama devido à violência: “Certamente haverá várias razões
para explicar por que NY ficou bem mais segura. Mas eu apostaria que uma delas,
essencial, é simples: sua gente nunca dorme diante das autoridades. Cobra, xinga, reclama,
exige. Em São Paulo, como no resto do Brasil, aceitamos todos os insultos que os
governantes nos fazem, bovinamente mansos”. E Fernando Rodrigues fez um balanço
daquela primeira etapa antes das campanhas presidenciais, que seriam impactadas pela crise
em São Paulo.
Na seção Tendências & Debates, a Folha propôs a discussão se haveria medidas de
curto prazo capazes de minorar significativamente a violência. Entre os defensores do
“sim”, o presidente do Instituto
105
penal d
rsidade Federal do Rio de
Janeiro
; a retomada do crescimento econômico de um modo sustentável; o
aprofun
de Cláudio Lembo; 2) Apelo à unidade de todos
os paul
Folha continuou repercutindo a entrevista
“destam
Câmara, e Alberto Goldman (PSDB-SP).
a USP, Maurício Zanoide de Moraes, apostou na ação integrada e harmônica das
três esferas de poder como única saída da crise: ao Legislativo caberia a reforma da Lei de
Execução Penal, a fim de que “os melhores possam progredir, e os piores, regredir no
cumprimento da pena”; o Judiciário deveria mudar sua majoritária mentalidade de que todo
condenado deve ser preso, passando a valorizar as penas alternativas (aplicáveis a crimes
sem violência à pessoa); e o Executivo deveria liberar imediatamente mais verbas para
modernizar as estruturas prisionais já existentes, investindo na capacitação de profissionais
que trabalham no sistema penitenciário e ensinando uma profissão ao preso, condição
mínima para ele se restabelecer.
Já Michel Misse, professor de sociologia da URFJ (Unive
), e autor de “Crime e Violência no Brasil Contemporâneo” (Lúmen Júris, 2006),
disse não ter ilusões quanto à possibilidade de se deter essa acumulação social da violência
no curto prazo e mesmo no prazo de uma geração. Para ele, os acontecimentos daquela
semana não foram unicamente resultantes da capacidade de articulação de uma organização
de presidiários e, por isso, defendeu: “profundas reformas” nas instituições da
administração da Justiça
damento das políticas de resgate da dívida social acumulada em décadas; a oferta de
alternativas criativas de horizontes de trabalho e renda para os jovens excluídos; e a
universalização do acesso à educação e à garantia de vida digna.
A reação dos leitores naquele sábado se deu da seguinte maneira: 1) Dois elogios ao
posicionamento “sincero e independente”
istanos para superar a crise; 3) Crítica à proposta do governo de bloquear os sinais
dos celulares nas penitenciárias; 4) Três críticas diretas ao governador; 5) Crítica a Lula
pelo não ter cumprido a promessa de gerar 10 milhões de empregos, o que estaria na base
da violência no Brasil.
No Painel da página A4, a
patória” de Cláudio Lembo. Informou também que o ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, cancelara uma reunião do diretório do PT para não ser acusado de
partidarizar a questão e trouxe um bate-boca entre Fernando Ferro (PE), vice-líder do PT na
106
No caderno nacional, sob a rubrica “Eleições 2006”, quatro novas matérias
continuaram partidarizando a crise paulista: 1) Contra Lula, Tasso defende “grande
campan
mortos do IML
83
; 2) Secretaria nega ter pedido para centralizar dados; 3)
Comiss
ha negativa”
82
; 2) Lembo reitera crítica e ironiza Alckmin e Serra; 3) Alckmin deve
ligar para governador e marcar encontro com cúpula do PFL; 4) Lula deverá falar de
educação e segurança em programa do PT.
A Folha também publicou uma reportagem sobre os ataques do PCC no seu caderno
de Economia com o seguinte título: “Violência tem pouco impacto, diz ministro”. Pelas
projeções de Guido Mantega (Fazenda), o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deveria
crescer entre 4% e 4,5% em 2006. Ou seja: o crescimento daquele ano já estaria
“assegurado” graças aos “sólidos” fundamentos macroeconômicos.
No caderno Cotidiano, a Folha enquadrou suas matérias basicamente no
questionamento da reação da polícia, e cobrou explicações do governo: 1) Governo retira
laudos de
ão vai cobrar lista das 107 vítimas
84
; 4) Chacina amedronta morador da rua dos
Policiais; 5) Prisões federais irão abrigar detentos “vips”; 6) Cabrini não sabe se ouviu
Marcola
85
; 7) Bloqueio de celular começa com falhas; 8) “Momento delicado exige
colaboração”, recomenda Procon; 9) Prefeito de Presidente Venceslau estuda ir à Justiça
contra a medida; 10) PMs só receberam alerta geral após ataques
86
; 11) PM diz que não
matou mais suspeitos do PCC
87
; 12) Presos suspeitos de organizar ataque em Limeira; 13)
Estado vive seu dia de maior “tranquilidade”; 14) Ataque preocupa funcionários de jornal
no litoral.
Na seção “Letras Jurídicas”, publicada aos sábados na Folha, o colunista Walter
Ceneviva fez do título do seu artigo uma provocação à ministra recém-empossada na
82
O presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), considerou o ataque a Lula a única chance
do seu partido eleger Geraldo Alckmin, “um candidato sem carisma” e com profundos problemas para
contornar o impacto da crise de segurança em São Paulo.
83
A Folha acusou o secretário Saulo de Castro Abreu Filho de mandar recolher nos IMLs (Institutos Médico
Legal) todos os laudos de mortes ocorridas em confrontos com a polícia naquela semana.
84
Comissão com representantes do Ministério Público e do Legislativo, criada naquela semana durante uma
reunião na Assembléia Legislativa, com o objetivo de acompanhar as investigações sobre as circunstâncias
em que as mortes ocorreram e, para tanto, exigia que um grupo de peritos independentes acompanhasse o
trabalho do IML.
85
O jornalista Roberto Cabrini, da Band, admitiu não ter “100% de certeza” se que o criminoso entrevistado
era realmente Marcola, mas disse não ter dúvidas de que o interlocutor era um líder do PCC.
86
O comandante-geral da PM Elizeu Eclair Borges disse que o alerta geral via rádio para os PMs sobre os
atentados só teria ocorrido na noite de sexta, dia 12, depois que dois policiais foram feridos na zona leste.
87
Idem.
107
presidência do Supremo Tribunal Federal (STF): “Ellen Gracie: Judiciário é culpado?”.
Comentando o resultado da pesquisa Datafolha que atribuiu “injustamente” culpa
preponderante ao Judiciário pela crise detonada pelo PCC, Ceneviva reconheceu entre as
mazelas do Judiciário a “culpa de se fechar sobre si mesmo, de não se comunicar com a
socieda
que a d
Faculd
Human
urbano spectiva, Bittar afirmou que, se o
stabe
ando há um bom tempo, se é que chegaram a se consolidar algum dia no Brasil! Crime
do, corrupção, nepotismo, evasão de divisas, desvios eleitorais, sucateamento do Estado,
a do Lembo! Tô com pena do Mr. Burns. O
PSDB
de”. No discurso de posse na presidência no STF, a própria Ellen Gracie teria dito
ecisão pronta “é eficiente fator de pacificação...”.
Fora isso, a Folha ainda publicou um extenso artigo de Eduardo Bittar, professor da
ade de Direito da USP e secretário-executivo da Associação Nacional de Direitos
os, ligada ao Núcleo de Estudos da Violência da USP, intitulado “O terrorismo
: violência e desordem social”. Numa leitura retro
re lecimento da ordem social era urgente e necessário, a ação imediata não poderia
substituir uma ação de fundo que penetrasse nas entranhas dos problemas socioeconômicos
brasileiros:
No nosso caso brasileiro, nossa guerra não é de natureza étnica, de natureza política ou de religiosa, a
exemplo do 11 de Setembro. No nosso caso, nossa guerra é de natureza econômica. A injustiça e a
desigualdade encontram tamanha a espantosa proporção que cultivamos, em nossos celeiros sociais,
dia-a-dia, a criminalidade que hoje nos atordoa. (...) Vive-se há um certo tempo sob a roupagem de
que se está em um Estado de Direito. Trata-se de uma pura ilusão; suas estruturas estão se
desmanch
organiza
privatização do público, negligência com causas públicas, crimes fiscais... se querem causas, aí estão.
Tudo isso faz parte do samba que enovela e balança, em berço esplêndido, a brasilidade, e,
certamente, isso não é de hoje (FSP, 20/05/2006, pág. C7).
Na Ilustrada, as piadas de José Simão foram direcionadas ao mal-estar provocado
pela entrevista do governador: “E eu tô com pen
deixou o véinho sozinho na fogueira. A tucanada tomou Doril e SUMIU! Pegaram
um avião pra Nova York e sumiram. São aves migratórias. (...) Avisa pro Lembo que
tucano só gosta de duas coisas: jantar e tomar vinho! E agora é assim: vote no PSDB, eleja
o PFL e seja governado pelo PCC! E o Lembo entrou pro PSTU? ‘Contra burguês, vote
16!’ Rarará”.
Mônica Bergamo também utilizou cinco notas para explorar a rixa entre tucanos e
pefelistas: “Aleluia: o ex-governador Geraldo Alckmin telefonou para Cláudio Lembo na
manhã de ontem”, comentou, acrescentando uma lista com várias personalidades que
telefonaram, em solidariedade, ao governador.
108
Além disso, na Ilustrada, uma matéria garantia que a Virada Cultural teria
policiamento reforçado: “Sabe-se que haverá mais policiais nas ruas, mas não foram
divulgados os números referentes à segurança”. Segundo a Secretaria da Cultura, tratava-se
e uma estratégia do comando da PM para evitar que criminosos utilizassem as
os ataques.
DOMI
artigos complementares que aprofundam e contextualizam os fatos. Além do
título e
e/ou da substituição
por letr
d
informações para planejar nov
Por fim, uma crônica do deputado carioca Fernando Gabeira questionava o mundo
ruindo: “Leva consigo toda uma forma de pensar a política que nos reduz ao ridículo de
tentar trazer a guerra urbana de São Paulo para o parlamento e ser interrompido por um
idiota que está posando de presidente para seus eleitores do Norte”. Para ele, enquanto não
se desvendar o elo entre os “bandidos” que os cercavam na Câmara e as quadrilhas que
queimam ônibus, metralham policiais e fuzilam inocentes, a humilhação persistiria: “Aqui
as matracas, os ‘treisoitões’, as bananas de dinamite transfiguram-se em questões de ordem,
permita-me um aparte, regimentos internos”.
NGO, 21 DE MAIO
A edição daquele domingo saiu com uma novidade: inaugurou a reestruturação do
projeto visual da Folha, mantido ainda hoje. As páginas foram melhor organizadas e
utilizaram recursos gráficos para ajudar o leitor a encontrar rapidamente as principais
notícias e os
do subtítulo, as reportagens principais passaram a ter também uma nova entrada de
leitura, a “lupa” que destaca antes do início do texto mais um de seus elementos
importantes. Com o novo projeto, a começar do logotipo da “Primeira Página”, todos os
elementos gráficos do jornal cresceram, por meio do aumento do corpo
as mais robustas.
No destaque principal da capa, no topo da página, o Folha apresentou a reportagem
de especial de Mônica Bergamo sobre as maravilhas da “Exposec: International Security
Fair”, como armas que disparam eletricidade, portas blindadas e até colete à prova de balas
para cachorro. E a manchete, mais abaixo, informando que o “PCC monta rede financeira
no Estado”.
No editorial, a Folha lamentou que as “autoridades constituídas” foram “incapazes
de ler o momento” e que não estiveram à altura dos acontecimentos: “Uma retórica
109
emergencial responsabilizou ‘as elites brancas’ na tentativa de encobrir a conivência com
forças políticas que sempre descuraram da segurança e da educação”.
Clóvis Rossi utilizou seu espaço para erigir “um épico da mediocridade”, em
homen
“o
Estado
oliciais”, para ele, “o braço
da soc
que os “inimigos da sociedade” não seriam também
os pro
limbo no
agem a Geraldo Alckmin, e Valdo Cruz seguiu na mesma trilha: “O terror nas ruas
de São Paulo não só trincou a imagem de competência e segurança do ex-governador
paulista como também gerou um tiroteio entre os pefelistas e os tucanos”. Já Carlos Heitor
Cony comentou que “o ideal seria a desnecessidade da negociação (com o PCC)”, mas
naquela “situação concreta”, disse, o recurso de um compromisso entre as partes seria de se
esperar: “Toda vez que estoura um caso igual ao de agora, com bandidos contra o Estado, a
primeira atitude das autoridades é declarar que não haverá negociação com o crime. Uma
atitude de macho”. No entanto, no final acabou prevalecendo a constatação óbvia de que
é quase uma abstração, uma pessoa jurídica” e “quem sangra nas ruas são pessoas
físicas”.
Na seção “Tendências & Debates”, o então pré-candidato ao governado de São
Paulo, José Serra (PSDB), finalmente rompeu o silêncio para afirmar que “O inimigo é o
crime”. De saída, Serra prestou “a imediata solidariedade” aos p
iedade na luta contra o crime e a primeira muralha que protege o regime
democrático”. Ele Serra considerou fora de foco as críticas ao Estado como um todo
(Judiciário, governos, polícia, Ministério Público, legislação, desigualdade social, falhas do
sistema educacional, etc) e ressalvou a necessidade de se “distinguir o essencial do
circunstancial”, caso contrário se cometeriam injustiças e se fizesse “baixa sociologia”.
Serra afirmou que “os pobres, à diferença do que pensam os seus falsos tutores, são
dotados de uma severa moralidade” e
motores, policiais, agentes penitenciários, operadoras de telefonia, secretários de
Estado, governadores, ministros e políticos de partidos adversários etc, e concluiu: “Nessa
guerra, é preciso ter lado; e não esquecer: o inimigo é o crime”.
Na mesma seção, o senador Jefferson Peres (PDT-AM), aproveitou a oportunidade
para propor um “pacto de salvação nacional”, antes que fosse tarde demais: “A salvação
pode vir pela ação coletiva de uma elite dirigente dotada de lucidez e senso de perspectiva
histórica, capaz de se livrar do imediatismo e de enxergar no longo prazo”. Em sua opinião,
o Brasil chegara a uma encruzilhada: “Se fizer a opção errada, irá resvalar para o
110
qual ve
tentados do PCC (62,1%), 124
sobre a
esde abril causou
polêmi
a (Iets) e o ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social),
Carlos
pelo método simples e prático de eliminar todos os suspeitos, ou nem isso, de terem
getam as nações inviáveis”. E então o senador propôs uma “concertación à chilena”,
isto é, um resgate da equidade social.
Com a reformulação da Folha, o “Painel do Leitor” trouxe um quadro com os temas
mais comentados na semana: 592 mensagens sobre os a
entrevista do governador Cláudio Lembo (13%) e 20 sobre o governo Lula (2,1%).
As cartas publicadas foram: 1) Cláudia Matarazzo elogiando Lembo; 2) Duas críticas à
defesa da liberação das drogas; 3) Crítica a Chiquinho Scarpa, acusado de alienado e
xenófobo; 4) Duas reações em defesa da “elite branca”; 5) Crítica às declarações do rabino
Henry Sobel, por considerar normal “um pouco de exagero” da polícia; 5) Apoio ao artigo
“Civilização, sim; barbárie, não”, sobre as origens sociológicas da criminalidade.
No “Painel / Brasil”, a colunista Renata Lo Prete continuou antecipando a demissão
de Nagashi Furukawa (Administração Penitenciária) e informou que as propostas de
Geraldo Alckmin para no que se referia ao combate em nível nacional, copiando a
experiência italiana denominada Operação Mãos Limpas.
Na mesma página A4, uma matéria anunciou que Cláudio Lembo seria sabatinado
pela Folha na terça-feira subsequente, ressaltando que o “governador d
ca com declarações culpando a elite pela violência e pela desigualdade no país”.
Uma outra reportagem informou que a Folha, o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento) e o Institute of Development Studies, da Universidade de Sussex, na
Inglaterra, promoveriam também em maio o seminário “Pobreza, desigualdade e
desenvolvimento: desafios para as políticas e a pesquisa”, mediado por colunistas da Folha
e com a participação de personalidades como Marcelo Neri (FGV-RJ), Ricardo Paes de
Barros (Ipea), Sonia Roch
Brito Cruz (Unicamp), Glauco Arbix (USP), Vera Schattan Coelho (Cebrap), Zander
Navarro (UFRGS), Marcus Melo (UFPE), Eduardo Marques (USP), o ministro Tarso
Genro (Relações Institucionais) e Luiz Carlos Bresser Pereira (FGV-SP).
Por seu turno, Janio de Freitas informou que, “enquanto a rica São Paulo paralisava-
se de terror”, a Bolsa de Valores não havia se abalado com “a vida e a morte à sua volta”:
“Nada como uma cidade outra vez serena, pacífica, em ordem; onde a classe média e os
afortunados podem usufruir dos seus bens e princípios, certos de que a polícia os protege
111
praticado, tentado, ainda imaginarem, ou nem isso, atos criminosos contra a tranquilidade
dos donos da metrópole”.
A Folha trouxe outra matéria afirmando que “Segurança vira obstáculo para
favoritismo de Serra” e, ainda no caderno Brasil, publicou um artigo de José Alexandre
Scheikman elogioso à experiência norte-americana de combate à criminalidade. Segundo
ele, nos anos 90, houve um declínio formidável do crime nos Estados Unidos, quando a
taxa de homicídio per capita caiu 43%. Para esse professor de economia da Universidade
Princeton, teria ocorrido nos EUA dois fatores efetivamente importantes: nos anos 90, o
número de policiais per capita cresceu 14% nos EUA e 45% em Nova York. O outro fator
teria sido o aumento da encarceração, pois a maior chance de punição, com penas mais
longas,
de 25%, na Colômbia e El
Salvad
mando que “a classe média brasileira
continu
dias de trabalho anuais gastos pelas famílias de classe média custeavam despesas com
desencorajara a criminalidade.
O senador Aloizio Mercadante, apresentado como economista e professor
licenciado da PUC e da Unicamp, considerou que as altas taxas de criminalidade teriam
produzido efeitos menos óbvios no desempenho das economias. Mercadante citou
estimativas compiladas pelo Banco Mundial na América Latina para demonstrar que a
criminalidade era responsável por reduções do PIB que variavam
or, a 10% no Brasil e a 8%, no Peru. Segundo esse mesmo estudo, 52,2% das
empresas instaladas no Brasil consideravam o crime como um forte fator para a inibição de
novos investimentos.
Também no caderno Dinheiro, a Folha entrevistou o economista-chefe do banco
Goldman Sachs, Jim O’Neill, que considerou que o perigo potencial da economia brasileira
era de caráter doméstico: “Impedir o BC de manter a meta de inflação é a pior coisa que
poderia acontecer com o Brasil”. Para ele, a manutenção do sistema de metas de inflação
seria o passaporte do Brasil para a entrada no seleto grupo das grandes economias. Pela sua
projeção, o Brasil chegaria à 5ª economia do mundo em 45 anos.
Aproveitando a enorme repercussão das declarações de Cláudio Lembo criticando a
elite paulistana, a Folha publicou uma matéria infor
a trabalhando mais para o Estado do que para si mesma”. Amparada por um estudo
do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a Folha demonstrou como 113
saúde, educação, previdência privada, segurança e pedágio. Serviços que, segundo ela,
112
deveriam ser oferecidos adequadamente pelo Estado. O presidente do IBPT, Gilberto Luiz
do Amaral, comentou que os gastos com segurança privada se acentuaram ano a ano, de
forma a comprometer cada vez mais o orçamento da classe média. Segundo ele, enquanto
que na década de 70 tinha comprometido 7% com serviço de segurança, naquele ano de
2006 iria comprometer 31% – quase 3,5 vezes mais.
No Cotidiano, as matérias foram as seguintes: 1) Polícia de SP investiga cem contas
do PCC
88
; 2) “Sindicato” arrecada R$ 700 mil por mês; 3) Uma família destruída pelos
atentados do PCC; 4) Os civis mortos na guerra; 5) Em favela, Rota “dá dura” até em
crianças; 6) Para secretaria, mortes foram em confronto; 7) Policial não sobrevive ao
segundo atentado; 8) Preso é morto ao tentar fuga no interior de SP; 9) Agente
da PM minimizam ação do PCC; 16) Escola forma a cúpula da PM
paulist
não vamos nos libertar dele tão cedo;
talvez n
penitenciário morre seis dias após ser baleado em ataque; 10) Lista do IML aponta “sobra”
de mortos na Grande SP; 11) Grupo mascarado volta a atacar em SP; 12) Governo afirma
que é precipitada conclusão a respeito de números; 13) Em um só dia, 39 corpos foram
enterrados em cemitério da zona leste; 14) “População fica sem saber de quem vai ter
medo”
89
; 15) Cadetes
a
90
; 17) Delegado da PF defende pena de morte para Marcola
91
; PCC e CV não se
aliarão jamais, afirma policial
92
; 18) Apesar do PCC, Virada Cultural abre tranquila
93
.
Entre as opiniões expressas em meio às matérias que narravam a “guerra urbana”
estava o artigo de Danuza Leão, intitulado “O medo”. Segundo ela, quem mora no Rio ou
em São Paulo podia ir para onde for, mas não se sentiria seguro em lugar nenhum do
mundo: “O medo já está entranhado dentro de nós, e
unca mais”.
egado Ruy Ferraz Fontes, do Deic, havia rastreado ao menos cem contas bancárias que o PCC
88
O del
utilizava para movimentar os valores arrecadados com as mensalidades pagas pelos “irmãos”.
89
Entrevista com José Afonso da Silva, ex-secretário estadual da Segurança Pública e professor aposentado
da Faculdade de Direito da USP.
90
É da Academia de Polícia Militar do Barro Branco que saem os principais oficiais da cúpula da PM, com
ingresso pela Fuvest desde 1997.
91
Entrevista o delegado de Polícia Federal Daniel Sampaio, cotado para assumir, a partir de junho, a
administração do sistema penitenciário federal: “Defendo até, para esses que não têm recuperação, que o
Estado tem que ceifar a vida dele. Pena de morte. A pena tem que ser adequada ao crime”.
92
Entrevista com a inspetora Marina Maggessi, da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes): “O CV
nunca vai ser massa de manobra do PCC; são aliados até a página 2, como a gente diz na polícia”.
93
O evento virou uma espécie de termômetro segundo o qual a grande imprensa e autoridades mediram o
“grau de tranqulidade” na capital. A Folha afirmou que “os recentes ataques da facção criminosa PCC não
intimidaram o público que prestigiou eventos em palcos montados em praças e ruas do centro”.
113
A Folha também trouxe a opinião de um ex-detento que passara 31 anos preso, Luiz
Mendes, autor de “Memórias de um sobrevivente”. No artigo “Cultura do
ero”, ele lembrou como o sistema prisional paulista de 25 anos atrás estava bastante
Alberto
desesp
bem a
a vez, ressaltou um ponto positivo ofuscado pela
eferves
ideia, “tão velha e batida, de que, com esse nível de exclusão, os programas
de segu
e milionários já é consumido pela
classe
parelhado”, quando “a sociedade se importava com o homem aprisionado”. Segundo
ele, a penitenciária oferecia ótimas condições de saúde, de formação profissional, e
lamentou o fato do sistema ter ficado tão sucateado:
O colapso se estabeleceu e o preso foi abandonado nas mãos dos diretores e dos guardas de prisão;
estes, despreparados, implantaram a lei do cano de ferro (espancamento com cano de ferro), a
política da cela forte e do isolamento em prisões cada vez mais duras; violência em cima de
violência. (...) A sociedade fez como quem joga uma bomba para cima e espera que ela crie asas e
saia voando para o infinito. Enquanto o preso estava atrás das muralhas de grades, pouco lhes
importa a condição. Se comprimido, oprimido, espancado, ou estupidificado, não era interessante
saber. Importava mantê-lo distante da possibilidade de atacar, ou seja, atrás das grades. Mas veja:
surpresa! A bomba não voa. Começa a cair e detonar toda a nitroglicerina acumulada em décadas de
abandono. O abandono, o isolamento social e físico, geraram tudo isso que se vê nestes dias de terror
em São Paulo (FSP, 21/05/2006, pág. C16).
Gilberto Dimenstein, por su
cência do momento: nos últimos 5 anos, segundo ele, a taxa de homicídio caíra
“extraordinários” 60%. Perguntando se o “PCC é mal que veio para o bem?”, Dimenstein
criticou a “consequência óbvia do terror” que estimulava a opinião pública à violência
policial: “A não óbvia é o aprofundamento da agenda social brasileira, com um esforço de
melhoria da aplicação dos recursos públicos e maior envolvimento da sociedade para
reduzir a exclusão”. Quando “esfregou na cara de todos o temor da ingovernabilidade das
grandes cidades”, onde vive a elite política, econômica e cultural do país, o PCC acabou
estimulando a
rança serão sempre frágeis”.
Na Ilustrada prosseguiram as piadas de José Simão – “Buemba! Quero ver a Copa
na cadeia!”. E Mônica Bergamo trouxe uma cobertura da “Exposec: International Security
Fair”, com suas novidades como armas que disparam eletricidade, portas blindadas e até
colete à prova de balas para cachorro: “É a maior feira do ramo do Brasil, com previsão de
negócios de R$ 90 milhões; o que era objeto de desejo d
média”. Um dos destaques que mais impressionou a colunista foram as portas
blindadas para apartamentos de classe média, que podiam ser parceladas em até três vezes
de R$ 1.200.
114
A Ilustrada também informou que a série “Ser ou Não Ser?”, do Fantástico (Globo),
reestrearia questionando o sistema penitenciário brasileiro. Apresentado pela psicóloga,
psicanalista e filósofa Viviane Mosé, o programa fez uma busca histórica da exclusão, sob
os conceitos de Foucault. Enquanto explodiam imagens das rebeliões, o roteiro colocava o
sistema
, guru de campos, cadeias e corporações, executou 10
concub
omista e ex-presidente do BNDES, a geógrafa Vania Ceccato e Marcos
Rolim,
coordenar um processo de queima de
ônibus
em xeque. Mosé explicou que a ênfase não seria dizer para não internar ou soltar os
presos, “mas é preciso saber que esse mecanismo faliu”.
Ainda na Ilustrada, Bia Abramo criticou do sensacionalismo da TV. Na cobertura
dos ataques do PCC, segundo ela, o jornalismo televisivo teria se portado entre o
“desorientado e o excessivo”, enveredando-se “pela fantasia e pela manipulação barata do
medo, ajudando a alimentar o pânico”.
Ainda nesta edição dominical, a revista da Folha trouxe um artigo de Ricardo
Bonalume Neto sobre “A arte da guerra”, livro de cabeceira de Marcola, ou, como ele
sublinhou, “de como Sun Tzu
inas do seu imperador (inclusive as favoritas)”.
A Folha ainda reservou boa parte do caderno especial denominado “A+”, que
realiza uma espécie de balanço analítico dos fatos que marcaram a semana, para comentar a
crise em São Paulo. Para tanto, a Folha recorreu aos seguintes especialistas renomados:
Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência e professor da USP,
Renato Mezan,
psicanalista e professor da PUC de SP, o historiador Nicolau Sevcenko,
Francisco Alambert, professor de história social da arte e história contemporânea na USP,
Carlos Lessa, econ
consultor de segurança pública e ex-deputado que presidiu a Comissão de Direitos
Humanos da Câmara em 2000.
Sérgio Adorno, há anos dedicado ao estudo da violência, lembrou-se de uma época
quando podia entrar nas prisões para fazer pesquisa. Depois da ascensão do PCC, ele disse
que se voltasse a frequentar o sistema carcerário correria o risco de “virar uma moeda de
troca valiosa”. Durante a entrevista, Adorno afirmou que, embora conhecesse a capacidade
de mobilização do PCC, se surpreendeu com a onda de violência naquela semana: “A
capacidade de se organizar para fora das grades, de
e ataque a prédios e bancos e de desorganizar a vida na cidade para mim foi uma
grande surpresa”.
115
Já o psicanalista Renato Mezan afirmou que os paulistas não incorporaram culpa
decorrente da leniência do Estado. Pelo contrário, o ataque do PCC às instituições e à
população teriam desencadeado reações positivas: “Prova disso são as críticas dirigidas à
incúria do governo, à incompetência dos órgãos de segurança, à legislação complacente ao
extremo com criminosos de alta periculosidade”. Segundo ele, a população soube distinguir
de onde vem a ameaça, haja vista “o divórcio entre o bom senso da população e a atitude
pusilânime do governo, dos políticos e do Judiciário”, traduzido na exigência de propostas
sensatas para combater as organizações criminosas.
devido à competência gerencial que
demon
Urbanos do
Institut
empres
Segund
de segu
disse q
das de is políticas sociais: “No Brasil, muitos não consideram o contexto em que a
E o economista Carlos Lessa propôs com urgência que se reequacionasse o debate
sobre os direitos humanos. Se preso tem direitos humanos, disse na entrevista à Folha, “a
população também; tem direito a andar na rua e não receber uma bala na cabeça”. Para o
economista, o Brasil estava “apodrecendo” e os recentes distúrbios de São Paulo seriam
fruto da política econômica falha dos últimos governos, que não priorizou a questão social
e a geração de emprego. Na opinião de Lessa, autor de “O Rio de Todos os Brasis”
(Record, 2001), São Paulo muito em breve superaria o Rio de Janeiro no imaginário
popular como cidade mais violenta do país. Em tons irônicos, o economista elegeu os
chefes do PCC como “os executivos do ano”,
straram.
Especialista em geografia do crime, vinculada ao o Instituto de Criminologia da
Universidade de Cambridge (Inglaterra) e ao Departamento de Estudos
o Real de Tecnologia de Estocolmo (Suécia), Vania Ceccato responsabilizou as
as de segurança que faturam com a crescente sensação de pavor da população.
o ela, a tolerância cultural do Brasil à violência e o isolamento dos ricos em “bolhas
rança” estariam no cerne do caos que tomou a cena em São Paulo. Ceccato ainda
ue o grande equívoco dos governantes do país seria desvincular a segurança pública
ma
violência é gerada, como se ela surgisse do nada”.
116
Francisco Alambert escreveu um belíssimo artigo analisando como a construção
ideológica da “paulistanidade”, desde “a cidadezinha tacanha da segunda metade do século
19”, descrita por Álvaro de Azevedo
94
, entrou em crise na pós-modernidade:
Enquanto a burguesia idealizava sua identidade nas cadeiras do Teatro Municipal, os imigrantes e
migrantes trabalhavam, aproveitand
excluídas péssimas condições de
o-se de um período de desenvolvimento do qual não estavam
vida em bairros “novos”, insalubres, vítimas de alagamentos
ntais que a separavam dos bolsões de miséria da periferia.
Autor
é claro
constantes e doenças. Os presos viviam sob a violência extrema da polícia (que à época era
reconhecida pela elite “como uma das melhores do mundo”), trancafiados em prisões que recebiam
epítetos significativos como “geladeiras” ou “postos da morte”. Em 1919, presos enviaram uma carta
ao redator do jornal “O Estado de São Paulo”, recolhida por Sevcenko, em que relatavam estar
“detidos inopinadamente (...) recolhidos às dezenas em prisões que não comportam nem a metade
desse número e o nosso leito é o chão duro” (FSP, 21/05/2006, caderno A+, pág. 6).
Outro entrevistado pela Folha, Nicolau Sevcenko afirmou que São Paulo passou a
viver, a partir dos ataques do PCC, uma nova etapa de sua evolução histórica e social. Para
o historiador, a “elite branca” de São Paulo a que se referiu o governador Cláudio Lembo
viu ruir os limites físicos e me
de “Orfeu Extático na Metrópole” (Cia. das Letras), importante estudo sobre o
impacto das novas tecnologias nos processos de urbanização da São Paulo dos anos 20,
Sevcenko comentou a ética individual na formação da sociedade brasileira e reivindicou
uma “operação mãos limpas”, nos moldes italianos, e uma revolução educacional, nos
moldes da Índia e da Coréia do Sul.
E, por fim, o pesquisador Marcos Rolim, que acabara de publicar um estudo sobre
segurança
95
, afirmou que quem gerou o PCC foi “a dura política penitenciária de São
Paulo”, até porque a facção se formou logo depois do massacre do Carandiru: “Esse tipo de
política violenta do Estado tem como subproduto mais violência”. Rolim também criticou a
“esquerda” por não ter apresentado historicamente políticas de segurança e por imaginar a
violência e a criminalidade como subprodutos de uma ordem social injusta: “Isso é um erro;
que as desigualdades sociais produzem tensões, mas não se resolve o problema
apenas com políticas sociais”.
Deixamos à parte, nesta dissertação, as impressões do ombudsman da Folha.
Marcelo Beraba afirmou em sua coluna dominical que a cobertura sobre a “guerra em São
Paulo” tivera vários pontos positivos. A única ressalva que fez foi a pouca atenção que a
94
Alambert citou trechos de “Macário”, no qual Álvares de Azevedo apresenta o diálogo entre o Macário e
Satã.
95
“A Síndrome da Rainha Vermelha” (Jorge Zahar, 2006) foi resultado de uma pesquisa efetuada na
Universidade de Oxford.
117
Folha deu à tragédia dos policiais assassinados. Das 153 mensagens que recebeu, um
recorde de mensagens sobre um mesmo tema em seus dois anos de mandato, os leitores
destacam como ponto mais sensível da cobertura da Folha justamente o tratamento dado à
polícia
, guardas municipais, agentes penitenciários e
bombe
upado com os bandidos mortos do que com os
policia
entrevi
cobertu
divulga
a foto da primeira página que mostra um soldado apontando uma arma e diante dele um
omem com uma criança no colo. A primeira impressão foi a de que o policial aponta a
rma para a criança, o que permite a leitura de que ameaçava os moradores. A legenda
formou, porém, que o policial dava cobertura para outros policiais que entravam numa
vela. Diante de indagações como “qual é a intenção, colocar a população contra a
olícia?” ou “é correto fazer isso justamente no momento pelo qual estamos passando?”, o
mbudsman ofereceu as suas conclusões:
O momento pelo qual estamos passando é crítico e acho que a imprensa de São Paulo nunca teve um
desafio deste tamanho. A cobertura da Folha teve, na minha avaliação, vários pontos positivos: foi
rápida (o que nem sempre acontece quando os fatos explodem sexta-feira à noite e nos finais de
semana), criou um padrão gráfico de edição de qualidade, jogou uma boa parte dos seus repórteres
nas ruas em busca de histórias, fez uma ótima cobertura fotográfica (principalmente na segunda-feira
do pânico), esteve bem informada sobre negociações do governo com o PCC, fez uma entrevista com
. Depois de anos e anos de críticas (justas, na sua opinião) à ineficiência e à
corrupção na Polícia, a impressão do ombudsman foi que a Folha perdera qualquer empatia
em relação aos policiais, a ponto de não perceber o tamanho da tragédia diante dela: “41
servidores públicos (policiais militares e civis
iros) caçados e assassinados covardemente, principalmente nos três primeiros dias”.
Beraba comentou que os leitores sentiram esse tratamento frio e burocrático, e essa
percepção teria aumentado consideravelmente quando, a partir de quarta-feira, o jornal
passou a questionar, e com razão, a reação violenta da polícia, como expressou uma das
cartas: “É lamentável que o maior jornal do país, num momento de crise de segurança,
incite a população contra os policiais”. Para ele, o descompasso no tratamento dado aos
dois momentos – o dos policiais morrendo e o dos policiais matando – teria criado no leitor
a ideia de que o jornal estava mais preoc
is mortos.
Para não ficar apenas nas impressões suas e dos leitores da Folha, Beraba
stou o ouvidor da Polícia de São Paulo, Antonio Funari Filho, que não reclamou da
ra que a imprensa em geral fez da crise em São Paulo. O ouvidor criticou apenas a
ção de boatos pelas emissoras de TV.
O auge da reação contra o jornal, segundo Beraba, ocorreu na sexta-feira, por conta
d
h
a
in
fa
p
o
118
o governador Cláudio Lembo que continua a repercutir e abriu espaço aos especialistas, com
entrevistas e análises. Não teve sensibilidade, no entanto, para tratar do drama policial e não havia
produzido, até sexta-feira, uma avaliação crítica do que foram os oito anos de política de segurança
dos governos do PSDB que, conforme já diagnosticou em editorial, “fracassaram na tarefa de debelar
o PCC” (FSP, 21/06/2006, pág. A4).
119
CAPÍTULO IV
O ESTADO DE S. PAULO
E A “CRISE NA SEGURANÇA”
120
121
INTRO
do pela concorrência, uma vez que as vendas
avulsas
da
Constit
cidade. Julio Mesquita, que tentara intermediar um diálogo
entre o
DUÇÃO
O Estado de S. Paulo nasceu com base nos ideais de um grupo de republicanos, em
4 de janeiro de 1875. Com o nome A Província de São Paulo, foi o pioneiro na venda
avulsa no país, fato pelo qual foi ridiculariza
eram impulsionadas pelo imigrante francês Bernard Gregoire, que saía às ruas
montado num cavalo e tocando uma corneta para chamar a atenção do público,
transformando-se até hoje no símbolo do jornal.
Quando surgiu, o Estadão tinha apenas quatro páginas e uma tiragem de 2.025
exemplares
96
. O nome “Província” foi conservado até 31 de dezembro de 1889, um mês
após a queda da
Monarquia e instituição da República no Brasil, mas, embora tivesse
apoiado a troca de regime, o jornal não se alinhou a qualquer partido político, nem mesmo
ao ascendente Partido Republicano Paulista.
O jovem redator Julio Mesquita assumiu efetivamente a direção do Estado quando o
então redator-chefe
Francisco Rangel Pestana se afastou para trabalhar no projeto
uição, em Petrópolis. Mesquita deu início a uma série de inovações, contratando, por
exemplo, a agência Havas, na época a maior do mundo, para dar mais agilidade às notícias
internacionais. Ao final do século 19, o Estadão já era o maior jornal de São Paulo,
superando em muito o Correio Paulistano. Propriedade exclusiva da família Mesquita a
partir de 1902, o jornal apoiou a causa aliada na Primeira Guerra Mundial, sofrendo
represália da comunidade alemã na cidade, que retirou todos os anúncios do jornal. Mesmo
assim, Mesquita manteve a posição de seu diário e, durante a guerra, lançou a edição
vespertina do jornal, conhecida como “Estadinho”, dirigida por
Júlio de Mesquita Filho.
O Estadão foi impedido de circular pela primeira vez em 1924, após a derrota do
levante tenentista que sacudiu a
s revoltosos e o governo, chegou a ser preso e enviado ao Rio de Janeiro, sendo
libertado pouco depois. Com a morte do seu pai em 1927, Julio de Mesquita Filho assumiu
a redação com o irmão Francisco, que se dedicou à parte financeira do jornal. Em 1930, o
Estadão, ligado ao Partido Democrático, apoiou a candidatura de
Getúlio Vargas pela
96
“133 anos de lutas pela democracia”, Grupo Estado: Relatório de Responsabilidade Corporativa 2007,
2008, Grupo Estado, pág. 4.
122
Aliança Liberal. Derrotado nas eleições, Vargas assumiu o poder com o golpe de 1930,
saudado pelo jornal como um marco do fim de um sistema oligárquico. Em 1932, o Estadão
particip
da Guerra Mundial, o jornal viu enorme progresso, com o aumento
da tirag
oiou o golpe militar e a eleição indireta de
Castello
Branco
de qualquer aparência de
normal
ou ativamente da revolução constitucionalista e, com sua derrota, boa parte da sua
diretoria foi enviada ao exílio.
Anos depois, com a eclosão do Estado Novo, o jornal manteve sua oposição ao
regime e, em março de 1940, foi invadido pelo Dops, que simulou a apreensão de armas na
redação. O jornal foi inicialmente fechado e depois confiscado pela ditadura, sendo
administrado pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) até 1945, quando foi
devolvido pelo Supremo Tribunal Federal aos seus proprietários. Os números publicados
durante a intervenção foram desconsiderados pelo Estadão.
Depois da Segun
em e de seu prestígio nacional. Durante a
República Nova (1946-1964), o Estadão
aliou-se à União Democrática Nacional, de Carlos Lacerda, e fez oposição a todos os
governos, em especial ao de João Goulart. Em 1962, o diretor Julio de Mesquita Filho
chegou a escrever o “Roteiro da Revolução”, procurando unir a oposição civil aos militares,
o chamado “partido fardado”, que desde o início da República costumava intervir na
política brasileira. Em 1964, o Estado ap
, mas após o Ato Institucional nº 2, que dissolveu os partidos políticos, o Estadão
rompeu com o regime.
Em
13 de dezembro de 1968, uma edição do Estadão foi apreendida em razão da
recusa de Mesquita Filho de excluir da seção “Notas & Informações” o editorial
“Instituições em Frangalhos”, em que denunciava o fim
idade democrática. A partir de então, o jornal passou a contar com
censores da
Polícia Federal em sua redação, ao contrário da Folha de S. Paulo e de outros grandes
jornais, que aceitaram a auto-censura
97
.
Com a morte de Mesquita Filho, em 1969, o Estadão passou a ser dirigido por
, período em que ganhou visibilidade mundial ao denunciar a censura
prévia com a publicação de trechos de “
”, de , no lugar de
Julio
de Mesquita Neto
Os Lusíadas Luís de Camões
97
Ruy Mesquita: O grande desafio da liberdade”, entrevista a Eduardo Martins. In: Master em Jornalismo
(
http://www.masteremjornalismo.org.br/entrevista_ruy_02.php). Acessado em 20/07/2008.
123
matéria
o pela Folha de S. Paulo. Em 1986, o Estado contratou o
jornalis
Em
1996, ano em que Julio de Mesquita Neto morreu, o jornal passou a ser dirigido
ita, até então diretor do
Jornal da Tarde, pertencente ao Grupo
Estado
. Paulo, o Grupo Estado publica o Jornal da Tarde
(
1966)
us concorrentes, o sempre atento O Estado de S. Paulo também foi
o PCC, tanto que na capa do primeiro dia dos atentados,
sábado
trói presídio em Valparaíso”,
cidade do interior.
s proibidas pelos censores. Em 1974, recebeu o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade,
conferido pela Federação Internacional de Editores de Jornais.
A partir da década de 1970 o jornal endividou-se para a construção de sua nova sede
na
Marginal Tietê e passou por severa crise financeira, disputando o mercado com o novo
padrão de jornalismo representad
ta
Augusto Nunes para assumir o posto de diretor de redação. Ele renovou o
noticiário do jornal e empreendeu uma série de reformas gráficas, que redundariam na
adoção, em
1991, de cores no jornal e de edições diárias – até então o Estado não circulava
às segundas-feiras e dias seguintes a feriados.
por seu irmão, Ruy Mesqu
. Atualmente, o jornal é o quarto em circulação no Brasil, com uma média diária de
250 mil exemplares em dezembro de
2007, e o primeiro na Grande São Paulo, com média
diária de 159,9 mil exemplares
98
.
Além do jornal O Estado de S
e detém controle sobre a OESP Mídia (1984), empresa que atua no ramo de
Publicidade por meio de Classificados. Pertencem ao Grupo Estado as rádios
Eldorado AM
e FM (
1958) e a Agência Estado (1970), maior agência de notícias do Brasil.
SÁBADO, 13 DE MAIO
Igual aos se
surpreendido pelos ataques d
, apenas uma pequena chamada no topo fez referência aos atentados: “PCC faz 19
ataques à polícia e mata oito em SP”.
No caderno Metrópole trouxe uma breve matéria informando que a ação fora uma
resposta à transferência de líderes do PCC ao Presidente Venceslau. Uma segunda matéria,
menor ainda, acrescentou que o governo descobrira que a “Facção preparava
megarrebelião”, o que o levou a isolar a cúpula dos PCC na sede do Deic em São Paulo. E
uma nota mais abaixo detalhava que “Motim de dois dias des
98
“Circulação dos jornais cresceu em 2007” (OESP, 28/1/2008, pág. B9).
124
DOMI
; 6) PCC queria TVs
cretário de
Segurança; 15) Morar ao lado de delegacia costumava ser bom; 16) Pavor e revolta no
NGO, 14 DE MAIO
A intensificação dos ataques do PCC obrigou o Estadão a refazer a capa de
domingo, fechada antecipadamente na sexta. Destacou uma foto com a vidraça estraçalhada
de uma delegacia de Parada Taipas, bairro da zona norte, e anunciou: “Guerra do PCC
espalha terror e deixa 32 mortos”. A exemplo de seus concorrentes, o Estadão também
utilizou uma rubrica – “Crise na Segurança” – para identificar suas reportagens sobre a
crise em São Paulo, concentradas no caderno Metrópole, além de utilizar infográficos e
outros recursos visuais para facilitar a compreensão do leitor.
Se o Estadão não expressou sua opinião em relação aos atentados naquele domingo,
não deixou de explorar ao máximo a crise em 18 matérias e dezenas de fotos espetaculares:
1) Guerra do PCC deixa 32 mortos na maior ofensiva do crime; 2) Governo admite
“momento de crise”
99
; 3) Lembo diz que não foi surpreendido; 4) Estado quis evitar
ataques. E falhou
100
; 5) Polícia toda nas ruas de SP para mostrar força
para ver a Copa; 7) Lula faz crítica a mote de Alckmin
101
; 8) Na Câmara, dois projetos
mudam código e investigação criminal
102
; 9) Ministério põe Polícia Federal à disposição do
Estado
103
; 10) Ex-governador: “Polícia não retrocederá 1 milímetro”
104
; 11) Escuta do
PCC: “Matem o pessoal do PSDB”
105
; 12) Rebeliões articuladas por celular; 13) Para
funcionários, cadeias estão fora de controle; 14) Policiais pedem a cabeça de se
99
Entrevista coletiva concedida no sábado pela cúpula de segurança de São Paulo, a saber: o governador
e-geral da PM.
rir 765 presos ligados à facção e isolar a sua liderança no Deic antes de enviá-la ao
iando dois projetos de lei, um que alterava o
, já
ão e análise para investigação criminal da correspondência de
SDB.
Polícia
Cláudio Lembo, os secretários Saulo de Castro Abreu Filho (Segurança Pública) e Nagashi Furukawa
(Administração Penitenciária), o delegado Godofredo Bittencourt Filho, diretor do Deic, e o coronel Elizeu
Eclair Teixeira Borges, comandant
100
Segundo a matéria, para tentar impedir uma nova megarrebelião e novos atentados planejados pelo PCC, o
governo decidiu transfe
presídio de Presidente Venceslau.
101
O presidente atribuiu alta da violência à falta de investimento em educação e de sensibilidade dos
governantes paulistas.
102
A Comissão de Segurança Pública da Câmara estava aprec
Código Penal para reduzir de três para duas ou mais pessoas o crime de formação de quadrilha e, outro
aprovado pelo Senado, autorizava a interceptaç
presos condenados ou os que ainda aguardassem julgamento.
103
O Ministério da Justiça, comandado por Márcio Thomaz Bastos, prontamente se ofereceu para ajudar.
104
Geraldo Alckmin, presidenciável do P
105
Diálogo de criminosos determinou interrogatório de líderes da facção no Deic. A mensagem que a
Civil interceptou na sexta-feira, à tarde, dizia: “Matem o pessoal do PSDB. Os irmãos que não cumprirem a
missão também ficam sujeitos à morte”.
125
velório
mbém publicou um boxe “O que disseram”, repercutindo a crise com
s seguintes personalidades: 1) Dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo; 2) Walter
iro Giovanni Falcone – em referência ao juiz
italiano
-FEIRA, 15 DE MAIO
de Tito
106
; 17) “Meu irmão foi metralhado com 15 tiros e recebia um salário de
porcaria”; 18) Ataques começaram após um ano de megarrebelião
107
.
Em meio às matérias, o Estadão intercalou frases com opiniões de pessoas
conhecidas e populares, como: 1) Célia Maria Parra, mãe de policial morto; 2) Mensagem
do PCC interceptada pela Polícia Civil; 3) José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de
Segurança Pública; 4) Governador Cláudio Lembo; 5) Policial que não quis se identificar,
durante velório de um companheiro; 6) Secretário Saulo de Castro Abreu Filho.
O Estadão ta
a
Maierovitch, presidente do Instituto Brasile
assassinado pela máfia em 1992; 3) Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB
de São Paulo; 4) Rodrigo Pinto, procurador-geral do Estado de São Paulo; 5) Alberto
Goldman, deputado federal; 6) Sidney Beraldo, presidente da Assembleia Legislativa de
São Paulo; 7) Ariel de Castro Alves, coordenador estadual do Movimento Nacional dos
Direitos Humanos.
SEGUNDA
A crise na capital paulista ocupou quase totalmente a capa do Estadão daquela
segunda-feira, que teve a seguinte manchete: “PCC ataca alvos civis e queima 28 ônibus.
Guerra faz 77 mortos”. As páginas opinativas, contudo, ainda não trariam nenhum
posicionamento do Estadão em relação aos atentados, e nem ao menos de seus leitores no
fórum do rodapé das páginas A2 e A3. Apenas uma caricatura de Cláudio Lembo, na seção
“Sinais Particulares”, com o governador em meio a um tiroteio ao estilo velho este norte-
americano.
No caderno Metrópole, mais fotos espetaculares página mostrava os piores
momentos do caos que dominara todo o Estado: 1) PCC queima ônibus e ameaça
economia. Mortos chegam a 77; 2) A reação policial: 23 mortos em 24 horas; 3) Polícia:
106
Reportagem sobre o velório do investigador José Antonio Prada Martinez, conhecido como “Tito”.
o aniversário de
107
A primeira onda de atentados do PCC ocorreu em 2002, em “comemoração” ao primeir
uma megarrebelião deflagrada em 29 presídios do Estado.
126
para calar PCC é preciso desligar celular
108
; 4) Alvo agora é civil: facção vai atacar poder
econômico
109
; 5) A maior rebelião da história
110
; 6) Em volta da P1 de Avaré, casinhas e
verde; 7) Presos queimam diretor de cadeia; 8) Em MS, 4 mortos e mais de 150 reféns; 9)
Facção ordenou motins na Febem Vila Maria; 10) Era dia de festa. Virou lágrimas e dor
111
;
11) PCC retorna a Venceslau e deixa moradores acuados; 12) Bandidos queimam 41 ônibus
na capital; 13) PM é baleado em frente da filha em Santos; 14) Casal morto tinha dinamite;
15) Bases da PM são desativadas para evitar ataques; 16) Militares agora crêem em crime
organizado
112
; 17) Bombeiros mudam hábitos após crime e agora usam colete à prova de
balas; 18) A ordem dos chefões aos policiais: não tenham dó
113
; 19) Filho de policial morto
na Zona Norte; 20) Revolta silenciosa para Tito; 21) O pior Dia das Mães para Maria
114
;
22) Dízimo rende R$ 1 milhão por mês ao “banco do crime”; 23) Mais organização, menos
mortes
115
; 24) Justiça decidiu que Marcola não é líder do PCC
116
; 25) Marcola é levado
para Bernardes; 26) Câmera filmou dois homens que participaram de ataque; 27) No
Estado, marcas da barbárie
117
; 28) Um domingo de cão no Palácio
118
; 28) Integração das
comunicações da GCM e PM deve sair logo; 29) Governo Federal pode intervir; 30)
“Reação violenta não resolve”
119
; 31) Sindicato culpa governo e pede saída do secretário
120
.
O Estadão também repercutiu a “crise na segurança” com outras personalidades: 1)
Roberto Bussato, presidente nacional da OAB; 2) Alberto Zacharias Topon, advogado
108
O diretor do Deic solicitou às autoridades de Brasília que fechassem temporariamente as Estações Rádio-
Brase de Telefonia Celular (ERBs) próximas a presídios.
109
Este mesmo diretor do Deic considerou que os ataques a ônibus, agências bancárias, postos de gasolina etc
seriam intensificados pelo PCC a fim de afetar o poder econômico na capital paulista.
110
Dos 105 presídios no Estado de São Paulo, 71 teriam se rebelado em obediência ao PCC.
111
Referência à comemoração suspensa do Dia das Mães, na Penitenciária Feminina do Estado.
112
Após aos ataques, o órgão de inteligência militar reconheceu oficialmente a existência do crime organizado
em São Paulo
113
Entrevista com delegados e pessoas do alto escalão das polícias civil e militar, não identificados.
114
Maria Bernardo da Silva, mãe do policial civil Paulo José da Silva, metralhado dentro do próprio carro,
junto com sua noiva, a balconista Daniela Souza.
115
Delegados não identificados na matéria relacionaram a queda de homicídio com o fortalecimento do PCC,
que segundo Estadão não tinha amparo em números ou estatísticas oficiais.
116
Em março de 2006, a 12ª Vara Criminal de São Paulo absolveu Marcola da acusação de formação de
quadrilha no processo em que ele era acusado de liderar o PCC: “Dessa maneira, o criminosos pôde continuar
liderando a facção”.
117
Sete imagens espetaculares ocuparam a página inteira.
118
O Estadão acompanhou o domingo caótico no Palácio dos Bandeirantes: “Nos bastidores da guerra contra
o crime, o governador Cláudio Lembo monitorava dados - e se dizia calmo”.
119
Entrevista com Luis Eduardo Soares, ex-secretario nacional de Segurança Pública, que defendeu o
cumprimento da Lei Penal.
120
O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindasp),
Cícero Sarnei dos Santos exigiu a demissão do secretário da sua área, Nagashi Furukawa.
127
criminalista; 3) Jorge Maurique, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil; 4)
Dom Geraldo Magella Agnelo, presidente da CNBB e cardeal de Salvador; 5) Ítalo
a editoria de polícia do Estadão, Bruno Paes
993,
quando
roubo d
nunca r
Estado
ma atomizada, com bocas e quadrilhas pequenas em guerras permanentes entre si.
Compa
ndo capaz de direcionar seus seguidores com legitimidade.
l, nesse final de semana, o PCC mostrou sua força. Uma
organização criminosa com mais de cem mil seguidores, sem rivais no crime paulista, capaz de
colocar o Estado em xeque diante de uma decisão de sua principal liderança (OESP, 15/05/2006,
pág. C11).
Cardoso, deputado estadual e presidente da Comissão dos Direitos Humanos na Assembleia
Legislativa de São Paulo; 6) Romeu Tuma Jr., deputado estadual e delegado da Polícia
Civil; 7) Ariel de Castro Alves, coordenador estadual do Movimento Nacional dos Direitos
Humanos.
E com isso chegamos aos dois únicos artigos publicados nesta edição de segunda-
feira, ambos assinados por dois jornalistas d
Manso e Josmar Jozino, ambos com livros publicados sobre a criminalidade em São
Paulo
121
.
O artigo de Manso – “Silêncio que foi estratégico para o PCC” – tratou da surpresa
dos paulistanos, até então apenas acostumados com as guerras de facção criminosas no Rio
de Janeiro: “Para terror e surpresa da maioria, hoje sabemos que o silêncio do PCC, longe
de ter sido uma demonstração de fraqueza, era uma opção estratégica”. Segundo ele, teria
sido “longe dos holofotes” que a facção ganhou força para lançar mão da maior afronta ao
Estado na história da criminalidade no País.
Manso fez um retrospecto da história do PCC, desde os primeiros passos em 1
a criminalidade já estava madura no Estado: “As quadrilhas de roubo de carro,
e carga, tráfico de drogas e assaltos, apesar de muitas vezes serem bem estruturadas,
esponderam a uma liderança incontestável, capaz de comandar as ações do crime no
”. E como resultado, conforme ele frisou, a criminalidade cresceu em São Paulo de
for
rando o PCC com facções cariocas, como o Comando Vermelho, o Terceiro
Comando e Os Amigos dos Amigos, Manso salientou que, enquanto no Rio a guerra era de
facção contra facção, em São Paulo a disputa ocorria entre criminosos, cada um por si:
Esse cenário de anomia, no entanto, era propício para o aparecimento de uma organização que fosse
capaz de dar um basta a essa guerra entre “irmãos”. (...) A partir de 2003, com Marcola à frente da
organização, dando ordens de dentro da prisão, sem rivais para abalar o seu comando, o PCC
finalmente conseguiu formar um coma
(...) D
essa maneira, para espanto gera
121
Josmar Jozino é autor de “Cobras e Lagartos” e Bruno Paes Manso, do livro “O Homem X - Uma
reportagem sobre a alma do assassino em SP”, cf. bibliografia.
128
stema prisional insistiam em negar a sua
existência.
teria fo
integra
advoga
spalharam no sistema prisional paulista”, e já naquela época já dominava 95% dos
tão confinados 140 mil homens, com ramificações em
outros
ndo seus integrantes realizaram a primeira rebelião em
icas, o telefone celular é a principal arma do grupo. Em
in em relação à segurança pública; 7) Afirmação de que as
Na mesma página, Josmar Jozino descreveu com mais detalhes o que considerou
uma “ameaça terrorista”. Disse que os integrantes do PCC, concebido em 1993 na Casa de
Custódia e Tratamento de Taubaté, o Piranhão, no Vale do Paraíba, desde aquela época
sempre alegaram que a facção criminosa fora criada para lutar contra a opressão e os maus-
tratos no sistema prisional, como o massacre de 111 homens na antiga Casa de Detenção,
no Carandiru, em 2 de outubro de 1992.
Jozino lembrou que o “Partido do Crime” ficou nas sombras por cinco anos, período
em que as autoridades governamentais e do si
O jornalista destacou ainda que “estatuto do Partido do Crime”, com 16 artigos,
rte teor político e ideológico, pregando ações de resgates, contribuição de seus
ntes mais estruturados e ajuda social e assistência jurídica, como pagamentos de
dos para atender detentos mais necessitados: “Por tudo isso, os ideais do PCC se
e
presídios de São Paulo, onde es
Estados brasileiros. E acrescentou:
Após a guerra interna, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, passou a ser o número 1 da
organização. Desde fevereiro de 2001, qua
série em 25 presídios e quatro cadeias públ
posse dos celulares, os presos realizam conferências e articulam, em poucos minutos, suas ações,
como as maiores rebeliões simultâneas do País. Uma velha promessa do PCC era a de se tornar uma
organização terrorista. Ela está sendo cumprida (OESP, 15/05/2006, pág. C11).
TERÇA-FEIRA, 16 DE MAIO
Na capa da terça-feira, o Estadão trouxe em sua capa imagens ainda mais
espetaculares dos atentados em São Paulo, e anunciou na manchete que “PCC suspende as
rebeliões; boatos e pânicos paralisam SP”.
No “Fórum dos Leitores”, as primeiras manifestações assim se dividiram: 1) Crítica
aos “sucessivos governos sem autoridade, frouxos e medrosos”; 2) Crítica às três esferas do
governo, Legislativo, Executivo e Judiciário, nos âmbitos nacional, estadual e municipal; 3)
Comparação à imunidade dos deputados à dos membros do PCC; 4) Críticas às autoridades
envolvidas na questão por tentarem obter dividendos políticos; 5) Duas críticas à cúpula da
segurança paulista, que disse que a situação estava sob controle; 6) Cobrança do plano de
governo de Geraldo Alckm
129
autorid
uições governamentais.
Segund
ões de indultos e outros benefícios, o que lhes permitiria voltar às ruas após
cumpri
conside
Suprem
“seque
humanização da pena”. Além de decisões que, segundo o Estadão, em vez de aumentar o
ades estariam “bebendo do próprio veneno”, por ser conivente com a corrupção no
sistema carcerário; 8) Afirmação de que a “bandidagem” havia se instalado nos altos
escalões da República; 9) Defesa de que os presos fossem revistados após receberem
visitas, especialmente de advogados; 10) Crítica ao Sindicato dos Funcionários de Unidades
Prisionais do Estado de São Paulo, por ter anunciado uma greve da categoria; 11)
Questionamento: “onde está a ordem pública?”; 12) Demonstração de desespero diante da
crise.
Na página A3, na seção “Notas e Informações”, o Estadão expressaria sua
indignação com a “A ofensiva terrorista do PCC”, comentando que nunca, na história do
País, uma facção criminosa fora tão longe na afronta às instit
o lembrou, o saldo trágico do ataque, que ocorrera três anos após o PCC ter
assassinado o juiz-corregedor de Presidente Prudente Antonio Machado Dias, revelou o
aumento, “em escala e alcance”, da ousadia do crime organizado, que colocou na
“defensiva” os responsáveis pela segurança pública que deveriam persegui-lo: “Não se
pode falar de surpresa. Tudo isso só confirma o que já se sabia desde a eclosão da
megarrebelião promovida pelo PCC em fevereiro de 2001 em 29 prisões, ou seja, que o
Estado brasileiro já não detém mais o monopólio do uso da força”.
Para o Estadão, a fraqueza das instituições públicas frente ao crime organizado
podia ser medida pelo rol de reivindicações impostas pelo PCC como condição para
suspender seus ataques: direito a visitas íntimas nas prisões de segurança máxima e fim do
Regime Disciplinar Diferenciado
122
. O editorial sublinhou que essas exigências seriam
impensáveis nos países “onde cadeia é vista como lugar de punição”. Enquanto isso, no
Brasil, o que tem prevalecido seria “uma absurda complacência com criminosos”, traduzida
em concess
r um sexto da pena, ou pela decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
rou não ser “falta grave” a posse de celular nas prisões, ou ainda a decisão do
o Tribunal Federal (STF) permitindo a concessão do regime da progressão para
stradores e homicidas”, justificando a decisão com base no princípio da
122
Segundo o advogado do PCC, Anselmo Neves Maia, se o governo estadual não acolhesse as reivindicações
da facção e abrandasse o rigor do RDD, a tensão aumentaria nos próximos dias.
130
grau de
dos delitos –, e a inépcia
rganizações criminosas. No
a” criticando a “concepção
uman
e viver da sociedade em geral”. O
Eduardo Muylaert,
certeza de punição aumentam as apostas na impunidade, haveria ainda um outro
problema:
O anacronismo das leis processuais penais, cujos prazos e recursos permitem aos advogados do
crime organizado retardar o julgamento – em muitos casos até a prescrição
do poder público, que perdeu o controle do sistema prisional para as o
plano estadual, o governo até hoje não conseguiu impedir o acesso de celulares nos presídios nem
instalar um eficiente sistema de bloqueio. No plano federal, os investimentos na área da segurança
foram reduzidos em 28%, entre 2004 e 2005, e o Congresso até hoje não se dispôs a modernizar leis
ultrapassadas.
O Estadão concluiu seu longo editorial defendendo a ampliação do sistema
prisional, que tinha um déficit de 135 mil vagas, a modernização das leis penais para
aumentar o alcance das penas alternativas para crimes de menor gravidade e mais
investimento em inteligência para desarticular facções criminosas.
Na página A6, a colunista Dora Kramer destacou a opinião do presidente da
Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB), que defendeu “o uso da forç
h ista de segurança”, que para ele tinha subtraído do Estado o poder de repressão ao
crime. Embora se considerando um homem de “esquerda”, Aldo taxou de equivocado (e
“frouxo”) o conceito de segurança pública que rejeitou a urgência do país ter uma política
de repressão e fez “excessivas concessões” a uma visão de direitos humanos que acabava
por deixar em segundo plano “os direitos de ir, vir
presidente da Câmara afirmou ainda que aquela seria a hora de dar às polícias “condições
legais para agir com mais firmeza e sem limites de atribuição”.
A colunista Sonia Racy, em sua coluna da página B2, concluiu que a “Crise paulista
é politizada”, e ela mesma contribuiu para confirmar sua teoria entrevistando os ministros
Márcio Thomas Bastos (Justiça) e Paulo Bernardo (Planejamento), o deputado Roberto
Freire, pré-candidato PPS à Presidência, e o advogado criminalista
secretário de Segurança do governo Franco Montoro.
Seu vizinho de página, Celso Ming escolheu um outro ângulo para entender a crise
da segurança em São Paulo, o econômico: “Este é país da economia informal, do ‘por fora’,
do caixa 2 (‘que todo mundo faz’, como já disse o presidente), dos ‘quebra-galhos’ e dos
que procuram levar vantagem em tudo (como dizia o campeão do mundo Gerson)”. No fim
das contas, numa espécie de efeito dominó, essa “promiscuidade” seria a base de
sustentação de outras estruturais informais e ilícitas, senão criminosas.
131
Com isso, chegamos ao caderno principal, o Metrópole, destinado à cobertura dos
atentamos do PCC, que desta vez começaria com uma foto de página inteira de um ônibus
edo de possíveis ataques fechou
é injustificado, diz a PM
125
; 17) Tudo fechou mais cedo e o trânsito virou um caos; 18)
serviço do crime
126
; 20) Pânico
incendiado, no estilo capa de revista, com o título em letras garrafais anunciado o “DIA DE
TERROR EM SP” e destacando que “mais de 5 milhões de passageiros ficaram sem
transporte na capital por causa dos atentados Primeiro Comando da Capital (PCC); no
Estado, foram 56 ônibus queimados; único ataque grave à polícia ocorreu em Higienópolis;
número de mortos já soma 96 desde o início dos ataques; m
shoppings e lojas e fez escolas suspender aulas; policiais afirmam que acordo entre governo
do Estado e PCC vai reduzir o número de ataques”.
Na página C2, na seção “SP reclama”, o Estadão publicou uma carta subscrita por
257 pessoas, intitulada “O Haiti é também aqui”. E mais abaixo, na coluna “Há um século”
(16/05/1906), informou que naquela mesma data, em Petesburgo, Varsóvia, um jovem
atirou uma “bomba de dynamite” contra um destacamento policial, morrendo o capitão e
ficando feridos sete soldados.
A partir da página C3, as matérias seguiram essa ordem: 1) Governo faz acordo com
Marcola; 2) “Foi o dia mais tranquilo”, diz comando da PM
123
; 3) Terminam as rebeliões
no Estado; 4) Reféns, violência, fogo – tudo se repete na Febem; 5) Preso é decapitado em
um dos quatro motins em MS; 6) Indultados participaram de ataques
124
; 7) Um de cada três
presos do Brasil está em SP; 8) Déficit de vaga em prisão aumentou no governo Lula; 9)
Segurança é reforçada no Rio como prevenção; 10) 5 milhões ficam sem ônibus; 11)
Governador garante 50% de frota hoje nas ruas; 12) Clima de terror na madrugada; 12) Em
12 horas, polícia mata 13 suspeitos nas ruas; 13) Boatos fazem comércio fechar; 14)
Escolas e faculdades suspendem aulas; 15) Congonhas vive três horas de medo; 16) Pânico
Bancos funcionam hoje, diz a Febraban; 19) Boca a boca a
congestiona telefones; 21) O dia em que a Higienópolis parou; 22) Eventos culturais são
ca Baixada Santista, lojas fechadas e toque de recolher; 24) ncelados na Capital; 23) Na
123
Entrevista com o coronel Eclair, comandante da PM de São Paulo.
124
Em pelo menos dois casos, o diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap), Antonio
Chaves Martins Fontes, disse ter capturado indultados envolvidos nos ataques do PCC.
125
Declaração do comandante Eclair.
126
Em 20 minutos, segundo a reportagem, “um rastro de boataria espalhou o terror e fechou todas as lojas da
Rua Teodoro Sampaio”.
132
Pontos-de-venda de drogas fecham
127
; 25) Mãe e irmão de líder são mortos
128
; 26) No
enterro, homenagem ao som de sirene das motocicletas
129
; 27) Lojas vizinhas de Saulo
fecham portas; 28) PCC planeja eleger dois deputados em outubro
130
; 29) Celular na cela
não é falta grave; 30) “Bode” torna mobilização uma questão de hora
131
; 31) Lembo recusa
tropas federais em São Paulo; 32) PCC planeja ação para resgatar Marcola; 33) CNBB
defende punição rigorosa; 34) Na Câmara, ataques a Lula; 35) No Senado, trégua e
disposi
o Funari Filho, ouvidor da
Polícia
sem dúvida, a maior crise do sistema de
seguran
ção de votar projetos emergenciais; 36) Situação é “muito séria”, diz ONU
132
; 37)
Ataques já preocupam investidor estrangeiro
133
; 38) Violência pode levar a alta do dólar;
39) Ipiranga com São João, 21 horas
134
.
O Estadão repercutiu de novo a crise em São Paulo ouvindo outras personalidades:
Rodrigo Collaço, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros; Renato Simões,
líder do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo; Antoni
do Estado de São Paulo; Roberto Busato, presidente nacional da OAB; Roberto
Freire, deputado federal e pré-candidato do PPS à Presidência da República; e Aloízio
Mercadante, senador e pré-candidato ao governo de São Paulo.
Um artigo de Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da
USP, ressaltou que os atentados daquela semana representaram “uma dura lição a todas as
esferas do poder público” e que aquela seria,
ça paulista: “é urgente enfrentar o crime organizado com muito mais empenho
127
Ação da polícia fez parar o funcionamento das “bocas de fumo” nas zonas leste, norte e sul para sufocar
principal fonte de renda do PCC.
128
Maria Aparecida Floriano da Silva e Eduardo Floriano da Silva, mãe e irmão de Marcelo Vieira, o
“Capetinha”, foram executados na zona norte por homens que se identificaram como policiais.
129
Reportagem sobre o velório do PM José Eduardo de Souza.
130
Interessante nesta matéria foram os destaques. Na legenda da foto que mostra uma blitz policial nas
proximidades do Fórum da Barra Funda, o Estadão informou que se tratava de “uma tentativa de conter novas
ações do PCC, que é visto como organização comunista”. No olho da matéria, acrescentou que “facção ainda
paga polícia e forma advogado para ajudar integrantes”.
131
Na gíria da cadeia, “bode” significa celular ou chips de celulares clonados.
132
O correspondente de Genebra, Jamil Charde, entrevistou Anna Alvazzi Del Frete, pesquisadora do
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, com sede na Áustria, que pediu ataque às raízes do
problema, a desigualdade social, e rejeitou uso do Exército.
133
Assinada por João Caminoto, correspondente de Londres, matéria informou que, para investidores,
violência em São Paulo se refletiu no exterior: era a 57ª entre 61 cidades avaliadas por instituto suíço (IMD),
mais violenta até que a Colômbia.
134
Legenda da foto: “O 11 DE SETEMBRO EM SP” – O medo de novos ataques antecipou o horário dos
engarrafamentos e, cedo á noite, as ruas já estavam desertas com alguns carros e pedestres. Olho1: Sensação
de impotência e indignação diante da situação. Olho 2: É uma cidade em pânico, perplexa e para baixo, um
clima muito ruim”.
133
político, eficiência técnica e administrativa e capacidade de purgar dos quadros das
instituições os que viabilizam as ilegalidades”.
Já o pesquisador do Crisp (Centro de Estudos Criminalístico e Segurança Pública)
da UFMG, Cláudio Beato, analisou “os vários níveis da falência do sistema prisional”,
afirmando que as sucessivas rebeliões e os ataques daquela semana apenas denunciavam a
falênci
e de agentes penitenciários.
(ERBs) vizinhas a eles, o que traria
randes transtornos a milhares de usuários. Por isso, afirmou que as medidas emergenciais,
xigência das autoridades, só teriam efeito 100% garantido em presídios fora da zona
a provocação: não seria mais fácil combater a
corrupç
a em vários níveis: “No caso paulista, a iniquidade do sistema ensejou a formação do
PCC; trata-se de uma organização de defesa violenta de interesses de apenados, mantidos
pelo poder público em situações degradantes”. No entanto, ele concordou que alguns
prisioneiros deveriam ser submetidos a um Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e
outros, sob a jurisdição federal de forma permanente. Beato destacou a inexistência de três
formas de controle a serem consideradas: 1) uso do celular dentro das prisões; 2) conversas
entre os “criminosos” e seus advogados; 3) a corrupção policial
Ethevaldo Siqueira, um especialista em telecomunicações, escreveu um artigo
explicando que a única medida realmente eficaz para bloquear o sinal dos celulares dentro
dos presídios seria desligar as estações radiobase
g
e
urbana. Enfim, ele concluiu com um
ão que permite a entrada de celular dentro das prisões?
Na página D4, no Caderno 2, o colunista do Persona, César Giobbi, também
demonstraria todo o seu descontentamento com aquele “mundo-cão”, culpando os
governantes das três esferas da Federação pela crise.
QUARTA-FEIRA, 17 DE MAIO
A capa da quarta-feira trouxe um balanço dos ataques. Uma foto de um ônibus
totalmente queimado ocupou ¼ de página e, no topo, uma foto igualmente grande mostrava
uma multidão se comprimindo no Terminal Capelinha, à espera da chegada do primeiro
ônibus para Santo Amaro, zona sul. E a manchete destacou dois assuntos ao mesmo tempo:
“Cidade se acalma; advogada foi a Marcola em avião da PM”.
134
Na página A2, José Nêumane reclamou: “Não falta vontade; falta é vergonha”. Ele
inclusive considerou uma tragédia nacional ver que “uma Nação de 180 milhões de heróis
anônimos e pobres, que lutam para viver honestamente” ficasse refém de criminosos
inescrupulosos, de “colarinho branco ou metralhadora em punho”: “E não surge ninguém
capaz de desempenhar tarefas óbvias – como impedir que chefões de presos mandem
ordens a seus sequazes, seja pelo celular, seja em verdadeiras reuniões de diretoria com
seus magotes de advogados nas visitas –, alegando a impotência não dos covardes mas dos
cúmplices”.
Ao lado, na mesma página, Norman Gall, diretor-executivo do Instituto Fernand
Braudel de Economia Mundial, calculou “o preço da segurança” ressaltando que a ação do
cia
e agilid
o
legado
PCC”,
simpa rica, mas devia, isto sim, à
sua coo
Esse tipo de organização só se vence com aquilo que os militares chamam de decapitação. Corte-se a
cabeça da víbora e ela morrerá. Isso significa que as lideranças do PCC precisam ser isoladas de seus
PCC exigia novas iniciativas estratégicas e estruturais à altura: “A sociedade vai ter de
pagar o preço da segurança”, o que representaria, entre outras providências: 1) a criação de
novas vagas para atender o déficit no sistema carcerária, que na época estava em mais de
150 mil; 2) construção de presídios federais para isolar os presos mais perigosos; 3)
investimento em bancos de dados sofisticados para combater o crime com mais inteligên
ade; 4) reforçar e modernizar a “ainda mal dotada” Polícia Federal; 5) expandir e
modernizar os recursos humanos e técnicos de perícia criminal; 6) criar um instituto de
pesquisa específico para a segurança pública.
No “fórum dos leitores”, o Estadão escolheu as seguintes cartas: 1) Registro de
indignação de uma paulistana que vivia em Toronto, Canadá; 2) Comparação dos
criminosos do PCC com os políticos corruptos; 3) Três críticas ao acordo feito com a
facção; 4) Crítica ao governo do PSDB em São Paulo, que teria deixado o PCC com
aos paulistanos; 5) Três críticas ao governo Lula, responsabilizando-o pela crise.
Na seção “Notas & Informações”, um editorial comentou “a disciplina militar do
mas considerou exagero estimar que o PCC tivesse 10 mil “soldados” e o dobro de
tizantes”. Para o Estadão, a força do PCC não era numé
rdenação e disciplina: “As autoridades não estão lidando com bandidos comuns”,
pois os líderes do PCC teriam organizado uma estrutura eficiente e usado estratégias e
táticas de guerrilha: “Não é à toa que um dos livros de cabeceira do Marcola é A Arte da
Guerra, de Sun Tzu, um clássico da estratégia militar”. Por isso, o Estadão recomendou:
135
lugar-tenentes, de seus soldados e de seus simpatizantes. Sem os líderes, essa tropa de malfeitores
voltará a ser o que era: punguistas, assaltantes, traficantes – cada qual cuidando de sua vida
miserável, sem condições de colocar em risco a própria organização social e a estrutura do Estado. E
melham
às do c
ramer, por sua vez, analisou “o velho truque do empurra”, pelo qual
PSDB/
nibus
totalme
“Líder do PCC confirmou a existência de um acordo para por fim a ataques e rebeliões em
com tipos assim a polícia sabe tratar (OESP, 17/05/2006, pág. A3).
Para o Estadão, o combate eficaz ao PCC apenas subsidiariamente seria tarefa da
polícia, pois os “verdadeiros instrumentos” capazes de derrotar a facção seriam de natureza
política: “Os poderes do Estado precisam decidir, e com urgência, se no trato com
criminosos apenados de tamanha periculosidade devem ser-lhes garantidos certos direitos
assegurados a todas as pessoas de bem ou se têm primazia os direitos da coletividade à
vida, à liberdade e à propriedade”.
Então, para o Estadão o problema da segurança estava nas cadeias: “À sombra da
proteção do Estado que os chefes do crime organizado fazem reuniões que se asse
onselho de administração de uma grande empresa e baixam as diretrizes para seus
subordinados”. O editorial exigiu que o Estado criasse “um regime de isolamento muito
mais eficaz que o já temido Regime Disciplinar Diferenciado, para afastar criminosos
perigosos, sem possibilidades de recuperação, do contato com a sociedade”. Mas antes de
ter terminar, o Estadão fez questão de reafirmar que, em hipótese alguma, as autoridades
deveriam ter negociado com o PCC, pois ao fazê-lo, qualquer que fosse o pretexto,
significaria reconhecer o PCC como força política legítima: “E isso é intolerável”.
Dora K
PFL e PT preferiram dividir culpas a somar esforços no combate ao crime: “O tema
da violência, até então fora dos debates, entrou assim, de forma enviesada, na agenda
político-eleitoral”. Para ela, não restava dúvida: o ônus mais imediato recairia sob os
ombros do tucanato, há 12 anos no poder do Estado atingido em cheio pelos ataques de
cunho terroristas e durante oito anos ocupante da Presidência da República sem que os
repasses mais substanciosos de recursos significassem qualquer avanço no combate à
criminalidade.
A capa do caderno Metrópole estampou em meia página a foto de um ô
nte destruído, sob a seguinte chamada: “Advogada usou avião da PM para ver
Marcola; PM mata 32”. Logo abaixo, uma linha fina detalhava o conteúdo do caderno:
São Paulo; Ministério Público decidiu investigar a negociação; Governador negou ter havia
136
acerto com a facção criminosa; no total, foram 124 mortos desde sexta-feira, mais da
metade eram supostos criminosos; “a caça continua”, diz o comandante da PM; comércio e
transporte funcionaram normalmente; ontem, ocorreram mais dois ataques a ônibus”.
Matérias publicadas: 1) Integrante do PCC admite acordo e procurador-geral manda
investigar; 2) Advogada nega concessões e só vê gesto de “boa vontade”
135
; 3) Egoísmo do
governo causou revolta, diz PCC
136
; 4) MST nega ligação com a facção
137
; 5) FHC critica
acerto com PCC em São Paulo; 6) Para senador, negociar vale pra salvar vidas
138
; 7)
Alckmin cobra liberação de recursos federais; 8) Notícia de acordo deixa revoltados
parentes de vítimas; 9) “Caso era pequeno para Exército”
139
; 10) “Autorizei a visita a
Marcola. Era um direito que ele tinha”
140
; 11) Presos pedem e governo libera 60 aparelhos
de TV; 12) “Caçada continua”, diz polícia. E mata 32
141
; 13) Para ONGs, política de
matança não é solução
142
; 14) Prédio de policiais é metralhado; 15) Kassab admite que
sentiu medo e diz que o bem vencerá; 16) TJ adia análise de processos criminais
143
; 17)
Após morte de PM, 4 execuções; 18) Só faz quem deve ao PCC, diz indultado
144
; 19)
Ônibus incendiado na zona norte; 20) Depredação ainda continua no interior; 21) Empresas
alegam prejuízo de R$ 6 milhões
145
; 22) São Paulo tem um dia de poucos
congestionamentos; 23) Aos poucos, alunos voltam às aulas; 24) Comércio avalia perda da
2ª-feira; 25) Interior tem pelo menos 27 ataques; 26) Detentos dominam 2 prisões no
135
Entrevista com a advogada Iracema Vaciaveo, que representava a Nova Ordem, associação que trabalha na
ressocialização de presos em São Paulo, confirmou ter acompanhado a comitiva do governo a Presidente
nos seja tirado o
lhor”.
s Sem Terra) divulgou nota reagindo às insinuações na
prensa de que teria ajudado o PCC a organizar protesto em 2005 e reclamou que essa associação
s Nações
nto
que a seção Criminal do Tribunal de
milhões por suspender a
-feira.
Bernardes, para onde fora levado Marcola, mas negou qualquer acordo entre as partes.
136
Presos divulgaram nota explicando as razões da maior rebelião em série do país, na qual denunciaram
“atitudes ditatoriais (...) geradas pela ânsia de punir os sentenciados” e apelaram: “Que não
direito de sonhar, de ter esperança de uma vida me
137
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurai
grande im
“apenas contribui para a tentativa de criminalização da luta pela reforma agrária” no Brasil.
138
Declaração do senador Eduardo Suplicy (PT).
139
Entrevista com o governador Cláudio Lembo.
140
Idem.
141
Afirmação do coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, comandante da PM de São Paulo.
142
As ONGs ouvidas: Instituto Sou da Paz, Comissão Tetônio Vilela, Instituto Latino-Americano da
Unidas para a Prevenção do Crime e o tratamento do Criminoso (Ilanud), Casa do Zezinho e o Movime
Nacional dos Direitos Humanos.
143
Ao contrário do que sugere o título, o teor da matéria informou
Justiça apenas suspendeu o expediente no auge dos ataques, como quase toda região metropolitana.
144
Entrevista com presos que se reapresentavam no Fórum da Barra Funda após indulto do Dia das Mães.
145
As empresas de transporte coletivo da capital deixaram de arrecadar R$ 6
circulação de 5.100 ônibus no dia mais crítico da crise, segunda
137
Estado; 27) Projeto: bloqueio é com operadora
146
; 28) Presos do Rio monitorados por
escuta telefônica; 29) O tititi de presos e parentes; 30) Celular, uma dor de cabeça para
governos do mundo inteiro
147
; 31) Costa sugere que empresas instalem equipamentos
148
;
32) Assembleia aprova gratificações a polícias; 33) Agentes penitenciários marcam greve
para terça-feira; 34) Senado quer isolar chefões do PCC por até 720 dias; 35) CNJ decide
criar b
o Grupo de Atuação
Especi
de precisava aprender
da criminalidade”.
anco de dados sobre todos os presos
149
; 36) Um pesadelo que dura quatro dias; 37)
Pavor faz crescer procura por carro blindado; 38) População deve alterar hábitos; 39)
“Independet” editado por Bono vê menos otimismo
150
; 40) Para analista, situação assusta
investidores
151
; 41) Embaixada americana alerta para risco de visita a SP; 42) Escapa do
PCC, mas polícia pega; 43) Cidade acordou triste e confusa.
José Guimarães Carneiro e Roberto Porto, dois promotores d
al de Repressão ao Crime Organizado, escreveram juntos o artigo “Não é possível
retroceder!”, após constatarem que a tragédia que acometera São Paulo se devia à
“frouxidão” da autoridade no trato com os criminosos: “Polícia e população, unidas, vão
reverter a onda de violência que se abateu sobre todos; com o uso da força do Estado; (...)
agora é hora do fim da crise de autoridade; não podemos retroceder”.
Ao lado, na mesma página, o jornalista Paulo Moreira Leite reclamou da “torcida
antipolícia” e afirmou que, após os atentados em São Paulo, a socieda
a verdade fundamental de que “bandido é bandido, polícia é polícia”. Para ele, “vigora no
Brasil uma visão culpada da criminalidade, que apresenta o bandido como vítima da
pobreza; (...) essa esconde o problema real, de que todas as vítimas de assaltos reconhecem:
os bandidos são uma ameaça à vida e devem ser combatidos sem trégua; mas é difícil fazer
isso quando se acredita em retratos embelezados
146
O chefe do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen), Maurício Kuene,
anunciou um anteprojeto para obrigar empresas de telefonia a bloquear o sinal dos celulares nos presídios.
147
Artigo assinado pelo correspondente do Estadão em Washington, Paulo Sotero.
148
Entrevista com o ministro das Comunicações, Hélio Costa.
149
Responsável por fiscalizar e estabelecer diretrizes para o Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
aprovou a criação de um banco de dados eletrônico de todos os presos do País, com a ficha detalhada de cada
presidiário, como o crime pelo qual foi condenado, a pena, o histórico do comportamento e relato sobre
eventual participação em rebeliões.
150
Numa edição especial, editada pelo vocalista do U2 e ativista Bono Vox, o jornal britânico “The
Independent” publicou um editorial intitulado “Um desafio para Lula” alertando que o otimismo em relação
às perspectivas do Brasil poderia ser reduzido.
151
Entrevista com Nicholas Watson, analista da Control Risks, uma das principais consultorias internacionais
especializada em risco político e de segurança.
138
a das empresas de
telefon
de estar preso”,
destaca
ação de um indivíduo, para proteção da coletividade.
E por fim, na coluna Persona, página D5, Cesar Giobbi, que esbravejara contra tudo
e contra todos na edição do dia anterior, desta vez assumiu um tom mais moderado e
concordou com a decisão do prefeito Gilberto Kassab de manter a Virada Cultural, naquele
fim de semana próximo: “Pois fez muito bem; não há maneira melhor do poder público e
do cidadão paulistano responderem à barbárie”.
QUINTA-FEIRA, 18 DE MAIO
Aos poucos a normalidade que voltava à Grande São Paulo foi se refletindo nas
capas do Estadão. Já na edição de quinta-feira trouxe uma manchete mais amena: “PCC
obteve relato secreto por R$ 200; celular terá bloqueio”. Mas nas reações publicadas no
“Fórum dos leitores” não foram tão calmas: 1) Críticas a Lula, com base no resultado da
pesquisa do IBGE revelando que 72 milhões de brasileiros passavam fome; 2) Crítica a
políticos e defensores dos direitos humanos; 3) Reclamação da demor
ias em bloquear os celulares; 4) Vários questionamentos sobre a inoperância das
ações de combate ao crime; 5) Defesa de candidato Geraldo Alckmin e crítica a Lula; 6)
Responsabilização dos maus agentes públicos pelas mortes dos policias; 7) Crítica ao
manifesto do PCC culpando o “egoísmo” do governo pelos ataques; 8) Cobrança de que o
governo conferisse às famílias dos policiais o mesmo tratamento dado ao PCC; 9) Crítica
ao acordo com o PCC; 10) Crítica aos defensores dos direitos humanos; 11) Crítica a
Lembo; 12) Crítica ao governo federal; 12) Crítica ao governo estadual.
O editorial do Estadão, na página A3, discutiu “A vantagem
ndo a força do PCC, revelada na ordem de suspensão das rebeliões e dos atentados,
em virtude do acordo obtido com as autoridades. Além disso, o Estadão propôs uma
reflexão sobre “a profunda distorção de entendimento, por parte de grupos e entidades soi-
disant defensoras dos direitos humanos”, do que seria, “em essência”, a privação de
liberdade dos delinquentes. Para o jornal, desde as revolucionárias ideias do milanês Cesare
Bonesana
152
, a prisão perdera todo o sentido retaliativo do castigo, para adquirir o puro
conceito de segreg
No entanto, observou o Estadão, os criminosos da atualidade teriam melhores
condições de comandar e desenvolver suas “empresas criminosas” do que se estivessem em
152
O Marquês de Beccaria (1738-1794) expôs suas ideias no livro Dos delitos e das Penas.
139
liberdade: “Isso ocorre, antes de mais nada, porque nas prisões estão ‘protegidos’; também
porque convivem em promiscuidade com delinquentes de menor periculosidade, os quais
transformam em ‘soldados’ internos ou incumbidos de operações externas (e) porque
podem
sta policial: “à polícia não restava outro
caminh
buscar vingança: “A retribuição que os policiais devem dar aos bandidos que
colocar
do que considerou uma “visão alienante”, Gabeira preferiu
contar, nos dias que correm, com esse novo aparelho de comunicação que é o
telefone celular”.
Elogiando novamente o pacote de segurança aprovado pelo Senado, particularmente
os pontos que visavam neutralizar a possibilidade de comunicação imediata com o mundo
fora dos presídios, o Estadão afirmou esperar que “contra tais medidas não perdurem as
conhecidas oposições ideológico-corporativas, próprias dos que mais interessados estão nos
direitos humanos dos bandidos – porque, em última instância, se nutrem deles”.
Em outro editorial na mesma página, o Estadão lamentou as “pesadas baixas” entre
“as forças da lei e da ordem” na “refrega com os bandidos do PCC”. Descrevendo os
números e as circunstâncias das mortes de policiais, o Estadão afirmou que a virulência dos
ataques do PCC justificavam a violência da respo
o, a não ser aplicar a lei de talião para deter a onda de assassínios e destruição
orientada de dentro dos presídios para intimidar as autoridades e aterrorizar a população”.
Ressalvou, porém, que após acalmada a situação, mesmo que fosse compreensível que
policiais se sentissem indignados com a morte de companheiros, em hipótese alguma
poderiam
am em risco desde suas famílias até as instituições é a da Lei e da Justiça
civilizadas, levando os criminosos aos tribunais”
.
No caderno Nacional, mais uma vez a crise em São Paulo pautou a agenda político-
eleitoral do Estadão: 1) Lula culpa tucanos pelos ataques no Estado de São Paulo; 2) “SP
prefere acordo com criminoso”
153
; 3) Irritado, Alckmin chama presidente de mesquinho; 4)
Bancada petista na Assembleia vai processar Estado; 5) Oposição reage a Tarso e obstrui
votações.
Dora Kramer, em seu artigo “Pela paz, a punição”, trouxe o posicionamento do
deputado carioca Fernando Gabeira, que se disse cansado da conversa “boa pra boi
dormir”, isto é, os argumentos de que o avanço da criminalidade só seria contido se
houvesse justiça social. Em vez
153
Declaração do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro.
140
exigir u
iferente a lógica da ação, embora ambas
tenham
d.
funcionário vazou dados para PCC; 8) CPI pede prisão de advogados que compraram
ma mudança de atitude tanto do poder público, que precisava ter estratégia, visão de
conjunto, agilidade e instrumentos para reagir a situações específicas como as de São
Paulo, quanto daquela parcela da sociedade que se mobilizou e protestou, mas o fez de
forma ineficaz e ingênua: “Na Espanha, por exemplo, diante dos atentados terroristas a
população vai para as ruas exigir a punição dos culpados; aqui, as pessoas se vestem de
branco e fazem passeata pela paz; é inteiramente d
como objetivo a paz”.
Também no caderno Nacional, o Estadão divulgou com destaque um estudo sobre a
segurança alimentar encomendado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome: 1) IBGE diz que 14 milhões de brasileiros passam fome; 2) 15 questões detectam
insegurança alimentar; 3) Metade das crianças de até 4 anos está sob risco; 4) “Comida vai
primeiro para os meninos”; 5) IBGE e Ipea vão definir critério único para pobreza; 6)
Crescimento econômico decepciona, critica Bir
No caderno de economia, na página B2, o jornalista Rolf Kuntz detalhou o estudo
divulgado pelo IBGE no artigo “Fome de crescimento e emprego”. Segundo ele, a pesquisa
confirmou o que qualquer pessoa sensata imaginaria sem muito esforço: “Não há no Brasil
um problema de produção e de oferta de comida, fato evidente para qualquer cidadão
informado, mas não para o governo petista”. Entre outras observações, Kuntz constatou
haver “um problema de pobreza, associado à má distribuição de renda e à baixa
qualificação de grande parte de mão-de-obra”.
E com isso chegamos ao caderno Metrópole, com novas reportagens, infográficos e
imagens espetaculares da “crise na segurança”: 1) PCC compra depoimento secreto a CPI e
descobre planos da polícia; 2) Ataques e nova onda de boatos; 3) Agentes de prontidão em
presídios do interior; 4) Marcola continua no regime diferenciado; 5) Ataques com tiros e
bombas persistem no interior; 6) Escolas e carros queimados em PE; 7) Por R$ 200,
depoimento
154
; 9) Deputado pede proteção policial
155
; 10) Senado aprova pacote anticrime;
11) Empresas vão bloquear celular em cadeias; 12) Suspenso sinal em 6 cidades de SP; 13)
154
A CPI do Tráfico de Armas enviou à Justiça um pedido de prisão preventiva dos advogados Weslei da
Cunha e Maria Cristina de Souza Rachado, ligados ao PCC.
155
Temendo represálias do PCC, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) apresentou requerimento para que
todos os integrantes da CPI do Tráfico de Armas tivessem segurança policial.
141
Vizinhos aprovam medidas; 14) Polícia vai investigar compra de 60 TVs para presos; 15)
Ex-policias comandam ONG que foi até de Marcola
156
; 16) De chefe de carcereiros a
detento por 153 dias
157
; 17) Diálogo evitou o pior, alega Lembo; 18) Promotores pedem
saída de Furukawa
158
; 19) Policiais negam ter recebido alerta
159
; 20) Adiado sorteio da
Mega
ial tem que atirar
gora é para matar, porque senão ele morre”. Já o coordenador do Núcleo de Estudos da
contestou a reação policial: “Estou indignado, porque a
respost
SEXTA
Sena; 21) Em 5 dias, 3 meses de mortes; 22) “Não houve excessos”, afirma
delegado-geral
160
; 23) Morre diretor que teve 70% do corpo queimado
161
; 24) ONGs
exigem investigação
162
; 25) Esquadrões agem há décadas
163
; 26) Fica a lição: é preciso usar
informação
164
.
O Estadão ainda propôs um debate para saber se a reação da polícia havia sido
adequada, convidando para defender o “sim” o deputado federal pelo PFL do Distrito
Federal, Alberto Fraga: “A polícia tem de reagir e está reagindo; o polic
a
Violência da USP, Sérgio Adorno
a que o sistema criminal e particularmente o segmento policial tem é sair matando;
sai matando indiscriminadamente ou talvez com alvo muito demarcado”.
-FEIRA, 19 DE MAIO
Na edição de sexta, a capa do Estadão destinou um espaço ainda menor para
destacar a crise em São Paulo, menos de meia página, embora a manchete ainda tratasse do
assunto: “Políticos também seriam alvo do PCC, revela gravação”.
156
A As
“constru
penitenciária de Avaré, por ser denunciado pela CPI da Pirataria.
158
Seis dos sete promotores de Justiça da capital que trabalham na área de execução-criminal cobraram do
governador Lembo a exoneração do secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa.
sociação Nova Ordem nasceu na prisão, mas dirigentes negam vínculo com o PCC e dizem querer
ir um novo rumo no sistema prisional”.
157
Perfil de Ivan Raymondi Barbosa, presidente da Nova Ordem, o ex-policial civil que ficou preso na
159
Entrevista com vários policiais não identificados e informação de que o presidente da Associação dos
Cabos e Soldados da PM, Wilson Moraes, havia processado os secretários Furukawa e Saulo de Castro.
160
Entrevista com o delegado-geral da Polícia Civil, Marco Antônio Desgualdo.
161
Adelson Taroko, diretor da cadeia pública de Jaboticabal.
162
Ministério Público Estadual estava investigando os excesso na reação policial, em conjunto com as
comissões de Direitos Humanos da Câmara Federal, da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal, da
Ouvidoria da PM, Anistia Internacional, Associação Cristã para a Abolição da Tortura, entre outras.
163
Breve histórico dos grupos de extermínio que atuam no Brasil desde a década de 1970.
164
Análise de vários especialistas, entre eles o coronel da reserva José Vicente, Guaracy Minguardi, do
Ilanud, e o ex-juiz e ex-secretário de Nacional Anti-drogas, Walter Maierovitch. Interessante um dos olhos da
matéria, que dizia: “Presídios não têm de ser masmorras, mas têm de impor desconforto”.
142
E na página A2, o jornalista João Mellão Neto, ex-deputado federal, ex-secretário e
ex-ministro de Estado, erigiu uma memorial em “honra” aos “heróis” que tombaram no
“dia da infâmia”: “Honra; esta é a palavra-chave para compreender a dimensão do que
ocorreu; a honra da PM e da Polícia Civil foi atingida; (...) urgia resgatar a autoridade da
instituição; e todos se esforçaram além dos seus limites físicos para recobrá-la; parabéns,
policiais, vocês cumpriram o seu dever”.
No “fórum de leitores”, o tom de indignação ainda marcaria o teor das cartas: 1)
Crítica
3, o Estadão comentou o “pacote da segurança”, aprovado
em car
Em reação ao Código Penal, o
editoria
ao ministro da Justiça; 2) Crítica a Lula; 3) Duas críticas à afirmação do presidente
Lula, que associara criminalidade à falta de escolaridade, o que não seria verdade pois
“alguns políticos e empresários, de boa formação escolar, roubam, enganam, sonegam”; 4)
Crítica aos governos estadual e federal; 5) Críticas aos “grandes absurdos” aprovados pela
Constituição de 1988, que assegurou vários “privilégios” ao sistema carcerário; 6) Crítica
ao vice-presidente da CNBB, por compara os ataques do PCC ao “idealismo enlouquecido
da época do terrorismo político”; 7) Crítica ao PSDB, que desde a gestão Mário Covas
subestimou a força do PCC; 8) Elogio à polícia e associação do MST ao PCC.
No editorial da página A
áter de urgência, isto é, em uma única sessão de 40 minutos. O Estadão criticou o
ministro da Justiça pela advertência para “não se cair na tentação da legislação do pânico,
feita em momento de crise, que acaba por deformar o sistema processual, em vez de trazer
soluções”. O editorial contestou afirmando que, se seguida à risca a recomendação do
ministro, a legislação nunca seria reformada: “Em tempos de crise, pelos motivos expostos;
em tempos de calma, por falta de urgência”. Por isso, o jornal elogiou o Senado por
corresponder aos anseios da sociedade brasileira aprovando instrumentos mais eficazes de
combate ao crime organizado.
Dentre esses instrumentos mais eficazes, o Estadão destacou o fim da liberdade
condicional a condenados reincidentes, a adoção do instituto da “delação premiada” e a
autorização para interrogatórios por videoconferência.
l elogiou as três importantes inovações aprovadas: tipificação como falta grave do
uso de celulares por presos, o aumento dos prazos para a prescrição das penas, que
neutralizaria a interposição de recursos protelatórios, e indisponibilidade dos bens do
criminoso para ressarcimento do prejuízo causado à vítima. Outro projeto aprovado alterou
143
o limite de cumprimento das penas, que previa o de até 30 anos e que era utilizado pelos
juízes para calcular os benefícios do regime de progressão, como a passagem para o semi-
aberto e a liberdade condicional – os benefícios passaram a ser calculados com base no
tempo
er regras severas de isolamento, proibindo
a entra
avidade, a construção de mais
brasileira senso de urgência para, afinal, começar a exigir do Estado o que lhe é de direito”.
total da condenação, independentemente do teto.
O Estadão também elogiou a aprovação do projeto tornando mensais, em vez de
semanais, visitas aos presos, restringindo-as a dois familiares (que ficariam separados por
um vidro e falando por interfone, como nas prisões norte-americanas), e de outros projetos
que acabaram com outras “regalias” ao estabelec
da de bebidas, comida e rádio. Para o Estadão o projeto mais importante foi o que
implantava a chamada de Regime de Segurança Máxima, ampliando o período de
isolamento, de 360 para 720 dias, e ainda podendo ser prorrogado a critério da Justiça.
Além dessas inovações aprovadas a toque de caixa pelo Senado, o Estadão ainda
reivindicou outras medidas para tornar o sistema prisional mais eficiente: o aumento do
alcance das penas alternativas para crimes de menor gr
prisões, melhoria dos programas de qualificação necessários para ressocialização dos
presos e a reforma das leis penais e processuais.
Na página A4, Dora Kramer afirmou que a exploração da insegurança pública pelo
presidente Lula renderia mais prejuízos ao governo que à oposição. E outras matérias do
caderno Nacional também continuaram partidarizando a crise paulista: 1) Oposição deve
suspender obstrução segunda-feira; 2) Lembo reclama da falta de apoio do PSDB na crise;
3) Líder tucano reage a críticas de Mercadante; 4) Alckmin culpa Lula por impunidade; 5)
FHC, Tasso e Aécio conversam durante três horas em NY.
No caderno de economia, Rogério Furquim Werneck, professor da PUC do Rio de
Janeiro, comentou que “o que se viu nesta semana foi tão-somente uma ruptura trágica que
culminou esse longo processo de deterioração da segurança pública”. Para amenizar a crise,
o economista defendeu o “crescimento sustentável” e a “universalização da presença do
Estado” como verdadeira política de inclusão que o País necessitava: “Com sorte, a
experiência trágica de São Paulo talvez possa ser o divisor de água que dará à sociedade
A novidade no caderno Metrópole foi uma página em branco, como forma do
Estadão prestar sua homenagem: “uma página de silêncio em respeito aos mais de 40
144
milhões de paulistas vítimas da violência”. Fora disso, foram publicadas as seguintes
matérias: 1) Políticos estavam na mira do PCC; 2) Erramos e PCC cresceu, diz Deic; 3)
OAB já admite cassar advogados; 4) Acusado se contradiz e fala em conspiração do
PFL
165
; 5) Defensores e pombos-correio
166
; 6) Ordem aceita revista de advogados. Mas não
de suas pastas; 7) Lembo diz que não vê a hora de sair; 8) Saulo diz à TV que polícia não se
excedeu; 9) Na internet, 89,9% criticam acordo; 10) Associação da PM culpa secretários;
11) Promotoria investiga Furukawa
167
; 12) Rebeliões dão prejuízo de até R$ 100 milhões;
13) Pacote de leis vai direto para Câmara; 14) Celulares terão sinal cortado hoje; 15)
Prefeitura vai à Justiça contra antenas desligadas
168
; 16) Em Franco da Rocha, corte divide
moradores; 17) Para especialistas, medida é paliativa
169
; 18) Faltam balas para os policiais;
19) Delegado queimado está em estado gravíssimo; 20) Juiz manda revistar todo o
bairro
170
; 21) DHPP ouve sobrevivente de chacina em São Mateus; 22) Resposta da polícia
faz 107 mortos; 23) Ex-secretário de segurança vê risco de guerra civil
171
; 24) Bastos:
Lembo não aceitou remover Marcola; 25) Nada de banho de sol ou visitas
172
; 26) Peça é
cancelada por causa da violência; 27) Fim de semana de visitas ameaçado; 28) Lotação
mbém
rnet.
ta é atacado na capital; 29) No carro, 4 bombas caseiras; 30) No interior, atentados e
prisões; 31) Turismo em SP calcula prejuízo; 32) Kassab quer Virada Cultural como
resposta; 33) Grupo invade e saqueia jornal; 34) MP investiga entrevista na TV
173
; 35)
RedeTV! tem maior Ibope com programa criticado; 36) “A TV está contribuindo para uma
sociedade mais vingativa”
174
; 37) Boatos e convocação de protesto correm pela inte
165
O advogado Sérgio Weslei da Cunha, acusado de comprar a gravação dos depoimentos na CPI do Tráfico
de Armas para repassar ao PCC.
166
Matéria opinativa criticando advogados que abandonam a ética da profissão e atuam como mensageiros
dos criminosos.
167
O Ministério Público Estadual (MPE) apurava se o secretário de Administração Penitenciária cometeu
improbidade administrativa ao permitir a entrada de 28 Tvs nos presídios.
168
A prefeitura de Avaré entrou na Justiça para derrubar a decisão do juiz-corregedor Alex Zilenovski, do
Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), que determinou que as operadoras de telefonia celular
desligassem por 20 dias as Estações Rádio-Base (ERBs), responsável pelo sinal do aparelho.
169
Entre eles, o presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas de São Paulo, João Oliva, e o
professor de eletrônica da Poli-USP, João Antonio Zuffo.
170
Com autorização judicial, 300 policiais civis vasculham casas na favela do Jardim Elba.
171
Entrevista com Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
172
Matéria comentando a condição de Marcola, na penitenciária de Presidente Bernardes.
173
Secretaria de Segurança Pública negou que a entrevista com Marcola veiculada pela rede Bandeirantes
fosse verdadeira.
174
Entrevista com Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da USP.
145
e você vai falar de flores? As flores continuam iguais, elas não se
modern
e não as remotas regiões rurais – que estão caindo sob o comando dos
bandid
censão do PCC em São Paulo:
“Pouco
Por fim, encerrando o assunto naquela sexta-feira, na página D14, o escritor Ignácio
de Loyola Brandão escreveu dedicou sua crônica semanal ao tema: “Podemos falar de
flores?”. A certa altura, ele disse: “Bombas explodem, o comércio fecha, as pessoas estão
aterrorizadas
izaram, não se globalizaram, são as mesmas formas e cores, percebeu...?”.
SÁBADO, 20 DE MAIO
Na capa de sábado, apesar da crise em São Paulo ocupar apenas um destaque no
topo, a manchete ainda seria que “Celulares mudos e cadeias sem visitas: cerco ao PCC”. E
também uma pequena chamada informava que OAB exigia a lista dos mortos e a apuração
dos excessos.
Na página A2, o sociólogo Hélio Jaguaribe, em seu artigo “Os bandidos no
comando”, constatou que o mundo perdera a guerra para a droga. Para ele, a “gravíssima”
deterioração da ordem pública não comportaria mais protelações: “No Brasil, são as
principais cidades –
os”. Jaguaribe afirmou ainda que, na “dramática” situação a que foi conduzido o
Brasil, nenhuma solução seria possível sem que se reformulasse a “complexa
problemática”, o que requereria, por um lado, uma “ampla reforma urbana”, com seus
aspectos habitacionais, ocupacionais, educacionais e sanitários; por outro lado, seria
“imprescindível” proceder uma drástica revisão do problema da droga: “Estou persuadido
de que o custo social da criminalização da droga é incomparavelmente maior que a sua
vigiada liberação”.
Miguel Jorge, jornalista e vice-presidente de Recursos Humanos do Santander
Banespa, apresentou desde o título do seu artigo um imperativo: “Por quê? Reação já!”.
Para ele, estava claro quem era a grande culpada pela as
s se lembram, mas foram os presos da ‘esquerda armada revolucionária’, no início
dos anos 1980, que botaram, chocaram e criaram os ovos das serpentes que, hoje, atacam a
sociedade civil de maneira tão preocupante”. Em sua opinião, teria sido “a partir de lições
de dialética, de marxismo, de organização em grupo e células, numa verdadeira mixórdia
político-anarco-criminal, (que) o banditismo ampliou sua ação, esgalhou sua hierarquia,
146
fragmentou em arquipélagos as suas especialidades – tráfico de drogas, sequestros,
homicídios, roubos de cargas, contrabando de armas etc”.
dão criticou a “troca de estocadas” entre o
preside
sma página A3, um outro editorial frisou a importância do “papel da polícia”,
ressalta
inocen
cobrou
destaca
clair T
No “fórum dos leitores”, as opiniões se dividiram em: 1) Crítica ao ministro da
Justiça, por alertar que aquele não seria o momento de aprovar leis mais severas em relação
ao sistema carcerário, e aos que achavam que a polícia poderia ter matado inocentes; 2)
Acusação de que a polícia teria matado inocentes; 3) Crítica ao ministro da Justiça, pela
“má vontade” em relação ao pacote de leis aprovados pelo Senado; 4) Duas críticas ao
ministro Tarso Genro e defesa do PSDB; 5) Elogio à homenagem prestada pelo Estadão
naquela página às vítimas da violência em São Paulo.
Na seção “Notas & Informações”, o Esta
nte Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin a propósito das “agruras que São
Paulo sofreu nos últimos dias”, com “claros” propósitos eleitorais: “o que ambos fizeram se
chama exploração de cadáveres”. Enquanto isso, o editorial lamentou as várias denúncias
de corrupção que envolviam o Congresso Federal comentando que até os “Marcolas do
Partido do Crime” invocam a corrupção de Brasília como circunstância atenuante para os
seus delitos, e concluiu que “o resultado dessa ruína moral, combinada com a indiferença
pelas realidades da rua, é a miséria da política”.
Na me
ndo não terem sido “incondicionais” o apoio e a solidariedade que a população de
São Paulo dera à polícia assim que se desencadeou a onda de atentados organizados pelo
PCC. Contudo, observou que o que deveria ser uma “operação de rescaldo” e de busca e
prisão dos bandidos envolvidos na morte de policiais e na “destruição de propriedade”
acabou se tornando uma “matança que choca a opinião pública”, pois, desde que foi
proclamada a volta à normalidade em São Paulo, na terça-feira, foram mortos pela polícia
77 suspeitos.
Afirmando que “o uso indiscriminado da violência acaba provocando vítimas
tes e é o caminho mais curto para indispor a polícia com a população”, o Estadão
a divulgação da relação circunstanciada dos mais de 100 suspeitos mortos,
ndo ainda as declarações do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Elizeu
E eixeira Borges, segundo o qual quase 70% dos mortos tinham “uma longa ficha
147
criminal”. Para o jornal, o fato de alguém ter antecedentes na polícia não bastaria para
justificar sua morte e, além disso, faltava uma explicação para os 30% restantes:
O verdadeiro valor da polícia será demonstrado se ela souber, durante as operações, não apenas
dist
Com
inguir quem é bandido e quem não é, mas também respeitar os direitos do bandido.
portando-se com firmeza, mas com moderação, restabelecerá a ordem pública e crescerá na
as”.
Segundo ele, a
i redução de cu
culpa do PCC; 3) Para advogado, ação deve ser movida contra Estado
177
; 4) A dúvida:
quantos inocentes mortos; 5) OAB-SP pede a Saulo lista de mortos em tiroteios; 6) Não há
estima e respeito da população. Mas, se ceder às vozes que clamam por vingança e empregar a
violência indiscriminada que vitima inocentes junto com criminosos, fará o jogo do PCC – cujo
objetivo é o descrédito das instituições e a derrocada da ordem legal - transformando-se num bando
fardado (OESP, 20/05/2006, pág. A3).
No caderno Nacional daquela edição de sábado, o Estadão continuou
contextualizando a crise paulista à sua pauta político-eleitoral: 1) PFL apressa operação
para acalmar Lembo; 2) Ele diz que Serra tem “amnésia” e Alckmin não liga; 3) Lula diz
que é cobrado por coisas que antecessores não fizeram há 30 anos; 4) Planalto corteja PFL
para arrumar briga com PSDB; 5) Para Alckmin, presidente tem de ir para “o banco de
reserv
Celso Ming, comentarista econômico, publicou a primeira parte de um artigo no
qual apresentou as suas razões para se opor às “prisões privatizadas”.
experiência mundial
175
, que surgiu nos anos 80 no governo Reagan, teria mostrado que a
privatização das prisões produziu mais problemas que soluções, com resultados muito
aquém do desejado
176
: “A adm nistração privatizada não ganhou nem em stos
nem em eficiência; lá subsistem os mesmos problemas do sistema convencional, com
superlotação carcerária, violência endêmica e corrupção de todos os calibres”.
No caderno Metrópole, a cobertura da “crise da segurança” em São Paulo rendeu as
seguintes matérias: 1) Bloqueio de celulares prejudica 200 mil; 2) Cidades sem celular:
execuções, afirma Lembo; 7) Pedida saída de secretários em audiência na Assembleia
178
; 8)
175
No Brasil, as primeiras experiências começaram em 1999: em Guarapuava (PR), a 260 km de Curitiba, e
argumento no artigo do professor Laurindo Dias Minhoto, da USP,
em Cariri (CE), na periferia de Juazeiro do Norte.
176
Ming baseou a primeira parte do seu
autor de um trabalho editado pela Max Limonad: “Privatização de Presídios e Criminalidade”.
177
Para o advogado Paulo Brancher, especialista em tecnologia, não seria cabível entrar com ação contra
operadoras, porque elas não deixaram de oferecer o serviço por vontade própria ou falha.
178
Várias entidades de defesa dos direitos humanos aproveitaram uma audiência pública na Assembleia
Legislativa para pedir a demissão dos secretários Saulo de Castro e Furukawa.
148
MPF indica perito para IML
179
; 9) Fleury alertou sobre PCC em 2006
180
; 10) Bastos pede
lista de nomes para presídio federal; 11) Mais 4 do PCC vão a regime duro; 12) OAB hesita
em investigar advogados; 13) Não haverá visita em 73 presídios; 14) Tudo pronto no
primeiro presídio federal no PR; 15) Medida diminui movimento perto de terminal de
ônibus
181
; 16) Agente penitenciário vítima de ataque no fim de semana morre em Rio Preto;
17) Crimes comuns caem 45%
182
; 18) Juiz justifica mandado de busca coletivo em
favela
183
; 19) Na noite mais tranquila, 1 morto; 20) Identificado preso que ordenou ataques;
egurança Pública diz que Força deve chegar a 10 mil homens; 27) Virada
posta cultural à violência dos últimos dias”. No
esmo caderno, Marcelo Rubens Paiva escreveu uma crônica intitulada “Pânico – SPCC”,
21) Decretada situação de emergência em MS
184
; 22) Descoberta 2 centrais telefônicas
clandestinas; 23) Bastos pede para não politizar a crise; 24) Câmara se protege para evitar
vazamento
185
; 25) Infiltrar-se na máquina pública era meta do PCC
186
; 26) Secretaria
Nacional de S
Cultural para superar a crise; 28) Psicólogo vê prevenção ao crime
187
.
Ainda no caderno Metrópole, o Estadão publicou o artigo de Ethevaldo Siqueira,
aquele especialista em telecomunicações, considerando o bloqueio dos celulares dentro dos
presídios e o desligamento das estações radiobase (ERBs) “medidas caras, ineficazes e
prejudiciais”.
E o Caderno 2 anunciou uma “insônia pela arte”, informando que a Virada Cultural
seria mantida pela prefeitura como “uma res
m
ssistentes periciais foram indicados pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública
para trabalharem no IML de São Paulo.
179
Seis a
181
A suspensão das visitas nos presídios rebelados em solidariedade ao PCC diminuiu o movimento de ônibus
fretados, na Barra Funda, que levam parentes de presos às penitenciárias do interior do Estado.
180
O deputado federal Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP) afirmou que ao deixar o governo do Estado, em
1995, teria alertado a equipe de seu sucessor, Mário Covas (PSDB), de que o PCC estava tentando se
organizar no sistema carcerário, copiando estrutura e método d facção carioca Comando Vermelho (CV).
182
Secretaria de Segurança Pública apontou crescimento de 240% dos homicídios e queda de outros tipos de
crimes comuns.
183
Entrevista com o juiz-corregedor Marcelo Martins Pereira, do Departamento de Inquéritos Policiais.
184
O governo do Mato Grosso do Sul decretou situação de emergência no Estado alegando “colapso no
sistema carcerário”.
185
Após vazamento da sessão da CPI do Tráfico de Armas, os parlamentares decidiram que apenas servidores
do quadro efetivo da Câmara poderiam operar o áudio das CPIs, do Conselho de Ética e da comissão de
sindicância da Corregedoria.
186
Segundo os delegados Godofredo Bittencourt e Rui Ferraz Fontes, a estratégia do PCC era financiar cursos
universitários para integrantes da facção e campanha para deputados e até chegou a comprar respostas de
concurso público para contratação de agentes penitenciários.
187
Para o psicólogo Marcus Góes, do Instituto Sou da Paz, a Virada Cultural seria uma forma de prevenir a
violência: “Garantir o direito à cultura é uma forma preventiva de se fazer segurança pública”.
149
narrando como contrariou o “toque de recolher” passeando com a namorada pela cidade
completamente vazia: “A noite estava linda; resolvemos comemorar o temor coletivo e
passear a pé de mãos dadas no meio da rua. No coração dos Jardins; me senti no meu livro
Blecaute (em que São Paulo fica deserta)”.
DOMINGO, 21 DE MAIO
o poder formal reflui; o poder do Estado brasileiro está na
nto do Estadão.
Fechando a trágica semana, a capa do Estadão de domingo destacou na manchete
que “Polícia pode ter matado inocentes, admite Lembo”. E na página A2, Gaudêncio
Torquato, consultor político e professor titular da USP, no artigo “A roda trincou”,
comentou que o Estado, provedor do bem comum, tinha falhado em seu dever moral de
proteger a sociedade. Para ele, o mais organizado ataque ao poder público de nossa História
não podia ser analisado sob a exclusiva ótica da criminalidade: “Se o Estado fosse eficaz na
gestão das emergências, a criminalidade seria desmontada; na verdade, os exércitos
informais se expandem quando
lona há muito tempo”.
O “fórum dos leitores” publicou as seguintes cartas: 1) Crítica por São Paulo ter se
acovardada; 2) Comparação de São Paulo a Moscou de Stalin, “onde todo mundo é culpado
de tudo”; 3) Indicação de que o PCC estaria a caminho de virar uma espécie de máfia russa,
liderada pelo milionário Boris Berezovski; 4) Cinco críticas às autoridades competentes
pelo bloqueio do sinal dos celulares; 5) Elogio ao artigo de João Mellão Neto, em
homenagem aos policiais mortos a serviço da “lei e da ordem”; 6) Crítica às ONGs que
exigiam investigações sobre as mortes dos suspeitos durante a reação da polícia; 7) Elogio
ao posicioname
No editorial de domingo, o jornal afirmou que a incapacidade do Estado, em
qualquer dos seus níveis, de garantir a segurança e a ordem pública seria a “expressão mais
contundente e literalmente assustadora” de uma crise ainda bem mais profunda. Para o
Estadão, a crise consistiria na imensa desproporção entre a infinidade de demandas sociais
e o desafio que elas impõem à atuação do poder público, de um lado, e de sua incapacidade
financeira de responder satisfatoriamente a esse desafio, de outro: “É como se os governos
tivessem de correr cada vez mais depressa para ao menos não permitir que continue se
150
aprofundando o abismo entre o que deles se cobra e o que eles de fato podem
proporcionar”.
plural,
segrega
efeitos razo, do que as formidáveis carências que a tudo resistem nas
– para integrar a vida econômica nos moldes das sociedades contemporâneas
gritante paradoxo é que o Estado não é omisso: atende a tudo e a todos (OESP,
Nesse sentido, conforme o editorial, o descalabro dos “sistemas de segurança” – no
porque englobariam, além dos serviços de repressão ao crime e de garantia de
ção dos criminosos, também o Judiciário – seria o menos dramático, “por seus
otencias a longo p p
áreas de educação e saúde, as quais completam o tripé das obrigações fundamentais que
justificam o ativismo do Estado”. Assim, o que o poder público estava devendo à sociedade
em matéria de segurança não era mais do que devia em outros campos: “A diferença é que,
no primeiro caso, a cobrança da dívida irrompe em surtos estrepitosos porque se traduz em
bárbaras exibições da força do crime organizado, como essa que traumatizou São Paulo”:
Mas quantas vidas se perdem ou se debilitam em silêncio devido às deficiências do sistema de saúde
pública? E quantas vidas deixam de desenvolver as suas possíveis aptidões devido a um desastroso
sistema de ensino que despeja no mercado legiões de brasileiros sem as qualificações básicas
técnicas e culturais
adiantadas? O
21/05/2006, pág. A3).
Com isso, o Estadão concluiu defendendo que somente um ritmo de crescimento
econômico – e, portanto, “da capacidade da economia de sustentar o Estado” – que
superasse o ritmo de crescimento das exigências sociais em saúde, educação e segurança é
que acenderia a luz no fim do túnel. Ou seja, somente uma política fiscal judiciosamente
conduzida, que contemplasse não apenas as necessidades da Administração, mas sobretudo
as do investimento, da produção e do trabalho, é que criaria as condições para a aceleração
sustentada do ritmo de crescimento e que, portanto, produziria recursos à altura das
demandas sociais.
Em um segundo editorial, logo abaixo, aproveitando a polêmica sobre o
envolvimento de advogados com o crime organizado, o Estadão comentou que Supremo
Tribunal Federal havia julgado naquela semana dos ataques uma ação direta de
inconstitucionalidade em relação ao Estatudo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A decisão, em suma, efetuou uma espécie de minirreforma no estatuto da OAB para
corrigir algumas prerrogativas dos advogados tidas consideradas abusivas. O editorial
aplaudiu a decisão, afirmando que “o STF apenas se limitou a suprimir excessos e
151
ambiguidades do estatuto da OAB que geravam tensões desnecessárias nas relações entre
os diversos operadores do direito, dificultando as lidas forenses”.
Na página A4, Dora Kramer esquentou ainda mais os ânimos entre o PSDB e o
PFL, alterados por causa das declarações contundentes do governador Cláudio Lembo,
publicando uma entrevista que com o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, que não
poupou
de Janeiro, que se posicionou contrária à
privatiz
novas unidades penitenciárias e assegurar sua
admini
lista” por não tangenciar as
causas
críticas ao presidenciável Geraldo Alckmin e aos tucanos “arrogantes e
descansados”. Também no caderno Nacional, outras matérias seguiram nessa linha, como,
por exemplo, a que informou que “Alckmin afaga PFL e tenta superar atritos com Lembo”.
A crise em São Paulo também repercutiu em vários artigos assinados no caderno de
economia. A começar por Celso Ming, que publicou a segunda parte do seu artigo “Prisões
privatizadas”. Desta vez amparado nas reflexões da socióloga Júlia Lemgruber, ex-diretora
do Departamento Penitenciário do Rio
ação do sistema com argumentos ético-morais: “Se é o Estado que priva o indivíduo
de suas liberdades, é também ele que deve administrar essa privação, sem tentar tirar
proveito (lucro) disso”.
Ela também advertiu que “privatizar prisões é permitir que o dinheiro dos impostos
enchem o bolso de aventureiros” e informou que a empresa que se dispõe a construir uma
prisão quer não só recuperar os recursos investidos na obra, mas ter o lucro com a
administração: “Seu faturamento é proporcional ao número de presos sob a sua guarda”. Ou
seja, ao fazer a licitação para a construção de
stração, o poder público se comprometeria a remeter às prisões o número de
condenados que garanta o lucro previsto.
Na mesma página, a jornalista Suely Caldas criticou o presidente Lula por culpar
seus antecessores, que, ao não investirem em educação, teriam sido os responsáveis pelas
revoltantes cenas de violência vividas em São Paulo: “Desculpa esfarrapada; Lula não sabe
o que está falando; (...) os presidentes que o antecederam investiram, sim, em educação,
tanto que o nível de instrução da população pobre deu saltos expressivos entre 1970 e
2004”. Ela considerou a avaliação de Lula “rudimentar e simp
da violência e do avanço do crime organizado: “Em 1970, o Brasil era mais pobre e
analfabeto e menos violento do que é hoje”.
152
Também no caderno de economia, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega
demonstrou “como piorar a segurança pública”, criticando a proposta de se criar uma nova
vinculação de receitas, algo em torno de 15%, como já se fez com a educação. Ele
concor
, Siqueira dirigiu a
sua ind
mo
semana
atos, excessos, 166 mortos
191
; 7) Loteria do PCC sorteia carros e motos; 8) O
omem
dou que uma ação mais eficaz para enfrentar a situação demandaria fundos para
integrar os sistemas de segurança, melhorar a inteligência, construir novos presídios e
aparelhar melhor a polícia: “Será preciso, assim, redefinir prioridades e não enveredar por
medidas que piorem a rigidez orçamentária; o certo seria cancelar dotações para atividades
menos prioritárias em benefícios das associadas à segurança”.
Por fim, o caderno de economia ainda traria outro artigo do especialista em
telecomunicações, Ethevaldo Siqueira, que deixou a tecnologia de lado para fazer algumas
reflexões sobre o caos imposto a São Paulo pelos criminosos. Em síntese
ignação à “hipocrisia das autoridades de segurança e da Justiça, que insistem em
bloquear o celular dentro dos presídios e desligar as estações radiobase (ERBs) nas
vizinhanças”.
E com isso chegamos ao caderno Metrópole, que trouxe uma espécie de resu
l da crise em São Paulo: 1) A semana do terror; 2) “Eventualmente pode haver
inocentes”
188
; 3) 70% dos autores dos ataques são do tráfico
189
; 4) Governo é pressionado a
divulgar nomes de mortos
190
; 5) FHC pede tolerância zero e cruzada nacional; 6) Ataques,
revides, bo
h que parou São Paulo
192
; 9) As horas sombrias da favela do Jardim Elba; 10)
Família ignora morte de presa; 11) Um preso morto e 5 feridos no interior; 12) Virada
começa com animação; 13) No Municipal, Zimbo Trio lota e deixa fila.
O caderno cultural, na página D3, ainda trouxe um desabafo do cronista João
Ubaldo Ribeiro: “Chega de descalabro, chega de desgoverno, chega de esculhambação,
chega de humilhar cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, chega de nos humilhar
coletivamente, chega de furtar nossos impostos, chega de nos tratar como gado manso”.
188
Entrevista com o governador Cláudio Lembo.
189
Entrevista com o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho.
190
O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública requisitaram da Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo a necropsia dos corpos das pessoas mortas na reação policial.
191
Matérias em duas páginas, C6 e C7, com os números e as imagens espetaculares dos atentados.
192
Perfil de Marcola.
153
Um outro artigo, no mesmo caderno, assinado pelo professor Renato Jaime Ribeiro
(USP), comentou “o nosso 11 de Setembro e os pés de barro de São Paulo”, alertando ser
preciso cortar o recrutamento para o crime que ocorre nas cadeias para “reverter o que nos
ameaça”.
No caderno Tv & Lazer, publicado sempre aos domingos, a colunista de Sintonia
Fina, Leila Reis, reclamou do “oportunismo” dos telejornais que, para tirar proveito da
audiência, exageraram na cobertura dos atentados: “O comportamento da TV foi quase
eufóric
do e
insegur
crescer
Paulo,
quela
o em alguns casos. Para ela, a violência dos fatos já falavam por si só, mas para
manter a tensão no pico, as informações foram “reprisadas, recontadas, enfatizadas e
adjetivadas até não mais poder”. E na falta de imagens e informações novas, “haja
repetição!; como a cena do sofrimento da pobre mãe sobre o caixão de um dos primeiros
policiais mortos nos atentados”.
E com isso chegamos ao caderno Aliás, famoso pelo balanço que faz dos principais
fatos da semana. Na capa, o título anunciou um novo “toque de recolher; para pensar”.
Abaixo de uma foto da frente do Teatro Municipal, totalmente deserta, uma legenda
ampliada destacava algumas perguntas e perplexidades que seriam abordadas no caderno:
“Por que a maior cidade do País ficou à mercê dos bandidos? Por que tanto me
ança? Por que as autoridades ficaram tão aturdidas? Por que a violência só faz
?”.
O professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de São
José de Souza Martins, foi o primeiro a comentar “a ordem do avesso” que marcara
“insurgência” numa sociedade dividida entre o “lícito e o ilícito”, entre “carências e a
conveniências”. Martins citou o principal protagonista daquela semana, Marcola, que fizera
a um policial uma afirmação esclarecedora sobre as “contradições” ressaltadas: “Eu posso
encontrar e matar vocês em qualquer lugar, mas vocês não podem me matar aqui”. Outro
exemplo foi o advogado de um dos criminosos, acusado de comprar a gravação do
depoimento secreto na CPI do Tráfico de Armas, que reagiu ao questionamento de sua
atuação como advogado de criminoso declarando que ninguém questionara o advogado que
defendeu o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, envolvido no “escândalo do mensalão”.
Nessas duas afirmações o que temos é o crime invocando em proveito próprio a ordem formal, seguro do
direito do criminoso de ser protegido pelas instituições; seguro de que sua delinquência, dita do Mal, tem
direito a tratamento igual à delinquência de quem se diz do Bem. A carga de ambiguidade, duplo sentido e
dupla intenção, que há nas nossas leis, nas nossas instituições, na nossa prática política e nos nossos
154
costumes, é o ingrediente básico que viabiliza a duplicidade da ordem que está por trás dessas falas e dos
fatos. A duplicidade foi gerada e mantida ao longo de uma história social e política que reuniu, no todo
dos formalmente iguais, os socialmente desiguais para que desiguais continuassem. Apesar dos bons
propósitos, o Brasil não conseguiu superar esse legado (OESP, 21/05/2006, pá
g. J3).
ue de fato
assomb
como
express
de polí
ele, se
social e espacial dos grupos sociais e a homogeneidade interna de
eno se associa às desigualdades e à pobreza, mas separá-los
permite compreender as consequências da
Para este professor da USP, os efeitos dessa duplicidade não seriam privativos do
criminoso profissional e do crime organizado, e muito menos privativos dos políticos e
privilegiados que vivem se auto-inocentando. Segundo ele, a sociedade sofre seus efeitos na
“miríade de pequenos delitos possíveis e não raro indispensáveis em nosso cotidiano quase
vazio de institucionalidade e de legalidade” efetivamente acessíveis a todos. Martins
denunciou o que para ele “é uma sociedade de privilégios”, onde os direitos do cidadão são
puramente formais e raramente se materializam para a maioria. Ele disse não estranhar que
as “lutas sociais por direitos” tenham sido substituídas por “lutas sociais pelos privilégios
grupais e corporativos”. Martins concluiu que, na “insurgência” daqueles dias, o q
rou a todos foi que o crime ganhasse a “força simbólica da simultaneidade das
ações”. Para ele, foi como se o “pacto tácito da duplicidade da ordem” tivesse sido rompido
e o crime estivesse impondo a todos a sua própria soberania: “Levante, talvez, das classes
perigosas, (pois) sempre achamos que pobre e crime andam juntos”.
Eduardo Marques, professor do Departamento de Ciência Política da USP, intitulou
seu artigo como “Os dois lados da segregação”, comparando as duas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo, enquanto que naquela a “cidade conflagrada” era entendida
ão da crise urbana, em São Paulo o mesmo problema era compreendido como caso
cia e de prisão, desconectado da questão urbana. Essas diferenças de enfoque, para
associavam às distintas “estruturas de segregação” dessas cidades. Por segregação
le denominou a separação
cada espaço, ou seja: “O fenôm
segregação sobre a cidade e o social”.
Marques comentou ainda que aquela conflagração teria superado as barreiras da
segregação, submetendo toda a cidade (e a população) às ocorrências típicas da periferia. E
esse elemento teria sido usado estrategicamente pelo PCC, que começaram com alvos
policias e civis na periferia até chegarem a ataques nas áreas ricas. Portanto, a sua
conclusão: “O pânico que deu ares ao episódio ares de crise urbana foi causado pela não
restrição das ocorrências às periferias”. Em outras palavras, um elemento de fundo para a
solução da violência estaria na incorporação da violência de forma menos desigual:
155
Não se trata de insistir na falsa dicotomia entre políticas repressivas e políticas sociais “preventivas”.
É evidente que a questão da violência inclui o uso da força (legítima) para obrigar o cumprimento da
lei. Entretanto, e não menos importante, políticas sociais que mereçam esse nome devem integrar
tina; num diagnóstico multifacetado, eles apontam as
contrad
or urbano”.
socialmente e transformar estruturas prévias de hierarquia, e não apenas reduzir as suas
consequências. O Estado democrático de direito incorpora necessariamente essas duas dimensões
(OESP, 21/05/2006, pág. J3).
As páginas centrais do caderno Aliás, J4 e J5, foram dedicadas a uma entrevista
com especialistas, que propuseram “Três caminhos para entender o caos em São Paulo”: o
psicanalista Jurandir Freire Costa, o professor de Filosofia do Direito e ex-secretário de
Segurança Pública em do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, Roberto de Aguiar, e um
cientista político que estuda a polícia brasileira, Leandro Piquet Carneiro. Ou seja, segundo
o Estadão: “Três visões sobre como o crime organizado conseguiu parar, e paralisar de
medo, a maior cidade da América La
ições de uma sociedade onde ricos se comportam como turistas que contemplam de
binóculo a pobreza, de um Estado que tem leis, mas não as aplica, e da Justiça que se
preocupa com a oferta da droga, e não com a demanda”.
Na entrevista concedida ao Estadão, o psicanalista Jurandir Freire Costa comentou
alguns fatos que marcaram aquela semana de violência em São Paulo, começando pelo
funcionário que vendera ao PCC os depoimentos da CPI
do Tráfico de Armas por R$
200,00. Para ele, pessoas que aceitam ser corrompidas justificam suas ações alegando que
apenas fizeram o que “qualquer um faria se tivesse condições de fazer” e que, no entanto,
cada R$ 200 ou R$ 2 milhões ganhos com a corrupção de parlamentares, administradores
públicos ou agentes de segurança significaria bala na cabeça, enterro, tetraplegia ou
paraplegia de um pai, de um marido, de uma filha, de um irmão: “Dinheiro de corrupção é
azeite na fogueira do terr
Costa considerou organizações como o PCC “um quebra-cabeças sem ordem e sem
moldura”, resultado de uma parcela “desagregada” da sociedade: “Temos a impressão de
que qualquer explicação da violência urbana é uma litania sem-fim contra os mesmos
males: concentração de renda; desemprego; injustiça; exclusão social, etc”. Por isso, a luta
contra motins urbanos estaria de antemão perdida se a elite brasileira continuasse insistindo
em pensar o país como “a Disneylândia de alguns em meio ao pântano de muitos”. E o fato
das autoridades do governo se negarem a divulgar os nomes dos civis mortos nos ataques
também demonstraria a mentalidade “residualmente escravagista” dos grupos privilegiados
156
do Brasil, considerados por ele como “turistas que observam com lunetas o que se passa em
favelas e subúrbios, e que vêem na massa dos mais pobres apenas bestas de carga a seu
serviço”. Nessas condições, citando Hannah Arendt, “os piores perdem o temor e os
melhor
o um combate “desastroso e mortal”.
es, a esperança”.
O segundo entrevistado pelo Estadão, o jurista e ex-secretário de Segurança Roberto
de Aguiar criticou a série de projetos de lei para combater a criminalidade afirmando que, a
exemplo de outros eventos sociais, criou-se “uma legislação espasmódica” a fim de mitigar
a consciência das pessoas, para diminuir a resistência contra um Congresso muito
problemático: “Há 129 projetos de lei sobre segurança pública parados no Congresso; por
quê? Nós estamos perante um Estado numa enorme crise de legitimidade, com um enorme
problema de ineficácia, num profundo problema de representatividade”. Para ele, as reais
medidas não foram tomadas, como, por exemplo, retirar funcionário corrupto que facilita a
entrada de celulares, de troca de informações e de capilarização das ordens dos chefes dos
grupos; reeducar as polícias militares; e mudar os parâmetros da política de segurança, que
deveria ser um serviço para a cidadania e nã
Aguiar defendeu a reestruturação do sistema penal brasileiro e a readequação da lei
de execuções penais, pois, segundo ele, estudos do Ministério Público comprovaram que, a
cada vez que um criminoso volta para a cadeia, volta por um crime maior: “Fazem nos
presídios uma pós-graduação em criminalidade”. Por isso, recomendou a construção de
presídios pequenos “para os mais perigosos”, e não de “cidades prisionais dificílimas de
administrar”, como Bangu e Carandiru: “O velho César, aquele rapaz de cerca de 2 mil
anos atrás, já falava divide et imperat (‘Divide e governa’); quer dizer, se você precisa
diminuir o poder de uma organização, deve separá-la fisicamente”. O jurista defendeu ainda
mudança nas leis em dois sentidos: criar novos tipos, para as novas demandas do mundo, e
descriminalizar uma série de procedimentos, de atitudes que não são criminosas: “A gente
precisa aplicar as penas alternativas, mas parece que os juízes nascem com dois genes: um
de multa e outro de privação de liberdade”.
Por fim, o cientista político Leandro Piquet Carneiro reconheceu que muito pouco
se sabia sobre a forma de organização do PCC: “O PCC é igual à Camorra? Ou será igual
às gangues People Nation, Calle 18 ou aos Crips? É um cartel nos moldes do que ocorre
nos países andinos? Crime organizado significa muitas e diferentes coisas”. Segundo ele, a
157
explicação do fenômeno PCC passa pela rápida disseminação de armas de fogo nas grandes
cidades do Brasil e da América Latina a partir dos anos 80, que foi concomitante a dois
processos: a expansão da oferta de drogas ilícitas e o aumento dos homicídios: “Drogas e
armas formam sempre um binômio perigoso que pode levar a um aumento generalizado da
violênc
na” o evento ocorrido
em São
de orga
de org
logiou al” da polícia de São Paulo, a mais bem
prepara
ltou que nas “guerras de
exterm
ia”, ou seja, o uso de armas de fogo acabou introduzindo “imprevisibilidade” no
conflito entre os grupos que distribuem drogas: “Por isso o controle de armas,
principalmente as que se encontram nas mãos de criminosos, deve ser um dos principais
objetivos das políticas de segurança pública”.
Carneiro discordou da ênfase que consideraram “guerra urba
Paulo, mas ressaltou que as formas mais lucrativas de crime requerem algum grau
nização: “Se os ganhos são significativos é razoável esperar que existirá algum tipo
anização dedicada ao negócio”. Além disso, o ex-secretário de Segurança Pública
a “boa qualidade técnica e profissione
da e com o menor nível de corrupção do país: “Quanto à violência praticada por
policiais eu diria que esse é um problema grave, mas felizmente existem meios de controlá-
lo e de punir os que desrespeitaram a lei”.
Ainda no caderno Aliás, o Estadão publicou o artigo de Francisco Foot Hardman,
professor de teoria e história literária da Unicamp e pesquisador visitante da Universidade
do Texas, em Austin, sobre “os odores fétidos da impunidade”, lamentando as centenas de
mortos naquela semana de violência em São Paulo. Ele ressa
ínio” sempre convém aos mortos o silêncio e a invisibilidade:
A maioria dos mortos, como nas principais histórias de massacres que se espalham por toda a
América Latina, permanece e permanecerá anônima: as gavetas do Instituto Médico Legal que o
digam; mas elas também silenciam; o fato é que os mortos não podem ser nomeados porque daí a
guerra de extermínio não declarada vira guerra civil, nomeiam-se cidadãos vitimados e os grandes
crimes da nacionalidade passam a ter cara, hora, local, identidade; eventualmente, a dos
perpetradores, até (OESP, 21/05/2006, pág. J6).
Sérgio Augusto, colunista do Estadão, teve espaço ainda para seu artigo “Ouvindo
de mais e de menos” no qual ele perguntou até quando as prisões brasileiras seriam
devassadas por “mulas” de celulares, DVDs, televisores e armas. Assim, o problema não
seria o celular, mas o “laxismo” vigente nas prisões: “Talvez nem fosse necessário bloquear
o celular se a vigilância nas penitenciárias fosse competente e rigorosa e não, como tem
158
sido, frouxa e muitas vezes controladas por policiais (sic) corruptos, que tudo deixam
passar, até advogados de bandidos, sem os submeter a revistas”.
B de São Paulo, Luiz
lávio Borges D’Urso, advertiu que o grampo causaria sérios danos às prerrogativas
rofissionais: “A prática do grampo vem ameaçando frontalmente a liberdade profissional,
o comprometer a confidencialidade da defesa, e as garantias individuais dos cidadãos, em
agrante contrariedade aos princípios constitucionais”.
Na página J8, uma última reportagem narrou como era a vida na Supermax de
lorence, com as memórias de um ex-detento, Ray Lavasseour, que passou 9 anos neste
ue é um dos presídios de isolamento total nos Estados Unidos: “Passei por vários
omentos em que achei que ia perder a sanidade; o ódio que você sente pelos guardas o
onsome; não tenho dúvida que alguém pode enlouquecer na Supermax”. Na entrevista
oncedida ao Estadão, Lavasseur descreveu horrores como os cinco anos que passou 23
oras trancado por dia nesta prisão federal de segurança máxima no Colorado, projetada
ara guardar “o pior dos piores” criminosos dos Estados Unidos
193
.
No caderno Aliás, o Estadão ainda realizou uma enquete para saber se o governo
deveria autorizar escutas na conversa entre presos e advogados: 86,4% dos entrevistados
responderam sim e 13,6%, não. Foram publicadas 17 cartas na página J7, numa coluna
intitulada “o pensam os leitores”. O jornal ouviu ainda duas opiniões diferentes sobre o
assunto. Primeiro de Romeu Tuma Jr., delegado da Polícia Civil e deputado estadual pelo
PMDB, que afirmou não existir um direito individual que superasse o interesse da
coletividade: “Lamentavelmente, multiplicam-se os casos em que maus advogados
transmitem ordens dos chefões dos crimes”. Já o presidente da OA
F
p
a
fl
F
q
m
c
c
h
p
193
Organizações como o Human Rigths Watch e a American Civil Liberties Union concordam e denunciam
este método extremo de punição como uma violação aos direitos humanos e de convenções internacionais
sobre tratamento de presos subscritas pelos Estados Unidos.
159
CAPÍTULO V
ANÁLISE DO DISCURSO
DA FOLHA E DO ESTADÃO
160
O enquadramento determina se a maioria das pessoas percebe
e como elas compreendem e lembram de um problema.
Entman
Consideramos nesta pesquisa a relação entre a imprensa e o sistema carcerário
analisando, particularmente, como a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo se
posicionaram na semana dos ataques do PCC em maio de 2006. Na descrição da cobertura
desses jornais que fizemos nos capítulos anteriores, observa-se que apesar de não
assumirem um discurso extremista os dois jornais acabaram endossando a proposta de um
sistema carcerário que funciona como “empresa de modificação dos indivíduos”:
Longe de transformar os criminosos em gente honesta, (a prisão) serve apenas para fabricar novos
criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. (...) A prisão fabrica delinquentes, mas
os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem
para alguma coisa (...) Tornou-se necessário este álibi, que funciona desde o século XIX, que diz que
se se impõem um castigo a alguém, isto não é para punir o que ele fez, mas para transformá-lo no
que ele é (FOUCAULT, 1979: 131-132 e 138).
Vimos que enquanto a Folha apostou na pluralidade de opiniões, mais nos artigos de
especialistas convidados que em suas matérias “informativas”, o Estadão preferiu se
concentrar esforços nas reportagens. Além disso, a Folha apresentou um pouco de
tendência ao sensacionalismo e o Estadão, por sua vez, com a seriedade já reconhecida,
centralizou demasiadamente um único ponto de vista, o que, assim como o
sensacionalismo, inibe a leitura crítica dos textos e pouco contribui para a formação mais
abrangente por parte do leitor. Vimos, portanto, que o assunto foi alvo de uma profusão
contraditória de notícias e editoriais, de falas de autoridades, de depoimentos de cidadãos
comuns e de análises de especialistas e manifestação contundente por parte dos leitores.
Não podemos subestimar a capacidade de crítica do leitor desses jornais, e também
161
devemos reconhecer que foram oferecidas para que ele não se submetesse a apenas um
discurso.
No entanto, ao endossarem o discurso de que a manutenção da “ordem depende
necessariamente da imposição das “leis” sobre o funcionamento social, aplicada pelo
Estado, os dois periódicos acabaram confirmando a tese Louis Althusser de que os jornais
são fundamentais no convencimento da sociedade e na manutenção do status quo. E isso se
deu em grande escala, apesar deles lamentarem a morte de inocentes na reação policial,
acabaram concordando ser este o preço para restauração do “bem comum”. Mais do que
tudo, os jornais demonstraram que a disputa hegemônica não se dá de maneira abstrata ou
meramente subjetiva, haja vista se tornarem numa arena onde vários ponto de vistas
tentaram impor suas verdades.
Mas qual ordem as leis deveriam preservar? A quem interessaria manter o sistema
funcionando e que “normalidade” era defendida? Aos presos e seus familiares, certamente
que não. Althusser já afirmara que se a
ideologia das classes dominantes se transforma na
ideologia dominante graças à instauração dos “aparelhos ideológicos de Estado”, essa
instauração não se faz sozinha: “Ao contrário, é o pivô de uma luta de classes muito
acirrada e contínua” (Althusser, 1999: 140).
Na abordagem detalhada dos capítulos anteriores, ficou nítida essa disputa. Por um
lado, entre as autoridades federais e estaduais representada pelos dois principais partidos
brasileiros: PT e PSDB; por outro, entre as próprias autoridades do Estado de São Paulo.
Ressalte-se que o país estava em pleno período de aquecimento das campanhas eleitorais
majoritárias e, por essa razão, o tema da segurança não poderia ficar de fora da agenda
político-eleitoral. Havia também muitas discordâncias, e a mais evidente sobre a condução
da crise e sua imediata superação ocorreu entre os titulares das secretarias de Segurança
Pública e da Secretaria de Administração Penitenciária.
Além disso, as ondas de violência naquela semana reavivaram tradicionais
divergências entre a área de Segurança Pública do governo do Estado e representantes do
Ministério Público e do Poder Judiciário. No entanto, foram menos evidentes as
tradicionais divergências entre policiais civis e policiais militares.
Entre os cidadãos
comuns, as divergências apareceram em forma de entrevistas, frases soltas e também nas
seções de “cartas do leitor”, todas, contudo, em ressonância à pauta definida pelos jornais,
162
seja expressando medo e insegurança, relatando o caos instalado na cidade, criticando as
autoridades ou cobrando políticas de segurança mais severas. Já os especialistas que
tiveram voz nos jornais falavam a partir de sua “experiência” profissional ou de pesquisa,
como advogados, profissionais da área de saúde, jornalistas e pesquisadores acadêmicos,
todos debatendo com menor ou maior densidade as “raízes sociais” do problema e seu
impacto sobre o sistema de Justiça.
Analisando a preocupação desses atores que tiveram voz naquela semana, chegamos
a quatro conclusões preliminares para nossa pesquisa, que desde já merecem ser
apresentadas: 1) as distintas falas foram evidenciando que não se conhecia suficientemente
o personagem Marcola e seus companheiros; 2) era escasso o estoque de conhecimento a
respeito do PCC (ambos – PCC e suas lideranças – revelavam-se algo além do que meros
agentes da criminalidade organizada); 3) as imagens que foram disseminadas pelos jornais
pareceram corresponder somente em parte à realidade; 4) os ataques e as rebeliões haviam
sido arquitetadas por criminosos ousados e violentos, capazes de impor um novo toque de
recolher à cidade e de inundar o Estado de São Paulo com novas ações espetaculares e
surpreendentes, o de fato viria a ocorrer.
Após uma trégua momentânea, as ações do PCC persistiram até meados do mês de
agosto culminando com o sequestro do jornalista da Rede Globo, que somente foi libertado
após a transmissão do comunicado subscrito pela facção. Devido às pressões dos meios de
comunicação, o governo do Estado reagiu ampliando o rigor da lei em detrimento da
tendência “humanista” iniciada na reforma da legislação penitenciária nos anos 1990. Entre
as medidas adotadas para resguardar a ordem, como vimos, destacaram-se: a) ampliação do
número de encarcerados; b) aumento o tempo das penas privativas de liberdade; c)
impossibilidade da progressão de regime de condutas consideradas subjetivamente como
hediondas.
Os acontecimentos de maio a agosto de 2006 ainda desengavetaram diversos
projetos de lei que propunham penas mais rigorosas e suscitaram debates recorrentes como
o rebaixamento da idade para responsabilidade penal. Duas dessas iniciativas acabaram
instituídas: em 29 de março de 2007, foram sancionadas pelo presidente Lula duas leis
aprovadas às pressas pelo Congresso Nacional referentes à segurança pública. A primeira
lei tipificou o porte e uso de telefones celulares e radiocomunicadores nas prisões como
163
falta disciplinar grave do preso e crime do agente público. A segunda restringiu os direitos
dos autores de “crimes hediondos” ao estabelecer que os presos condenados por esse tipo
de crime podem obter o benefício de progressão de pena e liberdade provisória apenas
depois de cumprir pelo menos 40% (dois quintos) da pena se primários e 60% (três quintos)
se reincidentes.
Votadas num contexto de comoção nacional, por iniciativa apressada quer do
governo federal quer do Parlamento, sequiosos por respostas firmes e imediatas ao “clamor
popular” estampado nas páginas dos jornais, essas iniciativas não apenas não produziram os
resultados esperados como granjearam o descrédito e a crítica entre juristas e operadores
técnicos do direito penal.
1. HIPÓTESE DE TRABALHO
Pretendemos, neste momento de análise crítica das representações da mídia,
confirmar que a tendência apontada acima, isto é, uma concepção que considera a prisão
moderna, antes de tudo, como uma “empresa de modificação dos indivíduos” (Foucault,
1977: 208), se refletiu no comportamento da Folha e do Estadão na semana dos ataques do
PCC.
É necessário salientar que a escolha desses dois periódicos se deve à grande
influência que exercem não apenas na sociedade paulista como também em outros meios de
comunicação impresso ou eletrônico. Além disso, reconhecemos a seriedade de ambos e a
preocupação sempre constante de se apresentar um bom jornalismo, que, justiça seja feita,
esteve muito acima da média dos estridentes telejornais populares. No entanto, se a nossa
hipótese estiver correta, a Folha e o Estadão, com a habilidade e competência profissional
de sempre, teriam reforçado a imagem estereotipada do sistema prisional ao cobrarem
saídas imediatas para a restauração do bem comum, e incorreram, mesmo não
intencionalmente, na satanização condenada por Octavio Ianni
(2000: 155) – e, com isso,
ajudaram a comprometer não somente o futuro dos egressos do sistema como também de
toda sociedade. Por certo, a abordagem desses dois veículos de imprensa relevou aspectos
164
positivos e isso deve ser reconhecido. Por exemplo, o fato de terem evitado o
sensacionalismo extremo e de terem procurado apresentar a questão por vários prismas.
Posto isto, a fim de analisarmos o discurso da Folha e do Estadão sobre os atentados
de 2006, recorremos a três linhas básicas de estudo sobre jornalismo nos últimos anos: as
pesquisas sobre a construção da notícia (newsmaking), o poder de definição da pauta
pública (agenda setting) e o enquadramento da notícia (framing).
Os estudos sobre newsmaking têm revelado como a “distorção involuntária” é
inerente à produção de notícias, seja pela própria definição dos critérios de noticiabilidade,
seja pelos inúmeros fatores relacionados às rotinas produtivas, à seleção de notícias ou a
sua edição (Wolf, 1987: Traquina, 1993). Segundo essa teoria, as notícias são
coerentemente organizadas e estreitamente unificadas – e isto é verdade para cada notícia
bem como para o conjunto das notícias e os jornais tendem a apresentar uma interpretação
única e unificada dos acontecimentos como um todo. Dessa forma, títulos, linhas-finas,
legendas, olhos, fotos, infográficos, etc são responsáveis pela construção da unidade de
toda a informação veiculada.
Já a hipótese do agenda setting, cujas pesquisas se concentram no jornalismo
impresso e de televisão, vem questionando a tradição dos efeitos limitados, redescobrindo o
poder do longo prazo que a imprensa exerce na construção das agendas pública e política,
isto é, na definição dos mapas cognitivos que orientam a tomada de decisões cotidianas do
cidadão comum e na determinação das áreas de atuação do poder público (Traquina, 1995).
Por fim, o conceito de enquadramento (framing) representa um avanço importante
na tradicional “análise de conteúdo” dos discursos da mídia, em particular das notícias. Do
ponto de vista operacional, a noção de enquadramento envolve basicamente a “seleção” e a
“saliência”, sendo que esta última consiste em tornar uma informação mais “noticiável,
significativa ou memorável” para o seu público receptor:
Enquadrar é selecionar certos aspectos da realidade percebida e torná-los mais salientes no texto da
comunicação de tal forma a promover definição particular de um problema, de uma interpretação
causal, de uma avaliação moral e/ou a recomendação para o tema descrito. Enquadramentos,
tipicamente, diagnosticam, avaliam e prescrevem. (...) O enquadramento determina se a maioria das
pessoas percebe e como elas compreendem e lembram de um problema, da mesma forma que
determina a maneira que avaliam e escolhem a forma de agir sobre ele (ENTMAN, 1993: 52-54).
Enquadramentos podem ter pelo menos quatro componentes no processo de
comunicação: o comunicador, o texto, o receptor e a cultura. Neste trabalho, apesar dos
165
grandes jornais abusarem dos recursos visuais, concentramos a nossa atenção
prioritariamente no texto jornalístico, e isso porque, a priori, o texto expressa a intenção
consciente daqueles na posição de selecionar de que forma a notícia deve ser construída.
Além disso, porque sabemos que a maioria dos enquadramentos é definida por aquilo que
eles omitem da mesma forma que por aquilo que eles incluem, e “as omissões de definições
potenciais de problemas, explicações, avaliações e recomendações podem ser tão críticas
para conduzir as audiências quanto as inclusões” (Entman, 1993: 54).
Já é notório que quando o enquadramento se localiza no comunicador e/ou no texto
ele pode ocorrer de duas formas. A primeira, “involuntária”, porque faz parte de uma
subcultura jornalística que incorporada como natural e inevitável. A outra é fruto de
deliberada decisão editorial daqueles em posição de exercer esse poder nas redações dos
diferentes meios. Decide-se que certas instituições, fatos e/ou pessoas serão ou não
pautados; ou terão notícias a seu respeito tratadas de forma positiva ou negativa.
Por fim, considerando que a tarefa principal de uma análise de conteúdo de notícia
deve ser a de identificar e descrever seu enquadramento, admitimos que nossa tarefa é tão
difícil e complexa quanto “tentar ver o ar ao redor de nós” (Norris, 1997: 276). Por isso, a
identificação de um enquadramento requer uma persistente identificação do padrão no
tratamento das notícias. É exatamente essa nossa intenção.
2. CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCIPAIS ASSUNTOS
Com base na explanação da cobertura da Folha e do Estadão nos capítulos 3 e 4,
selecionamos os principais assuntos, inclusive com menção nos editoriais de ambos
periódicos:
1. Quando a crise estourou, os jornais hesitaram em se posicionar, mas assim que o
fizeram assumiram um discurso institucional que prestou apoio incondicional às
“forças da lei e da ordem” em sua reação à ofensiva terrorista, e só depois que a
situação estava controlada passou a questionar se essa reação tinha vitimado
inocentes;
166
2. Percebendo a intenção do governo do Estado em dialogar com os líderes do
PCC, os dois jornais desde o início criticaram o acordo entre as partes e, mais
que isso, condenaram a “complacência” com os criminosos, como indultos e
outros benefícios, passando a cobrar medidas mais severas em relação ao
sistema carcerário, elogiando o “pacote de leis” aprovado às pressas no Senado;
3. Ambos criticaram a partidarização irresponsável da crise em São Paulo, embora
eles mesmos terem aproveitado a crise em suas editorias de política, e acusaram
a “incapacidade” das autoridades por terem cedido à “retórica” que relaciona
criminalidade e injustiça social, defendendo que a solução da questão passava
pela retomada do “ritmo de crescimento econômico”.
3. FASE DE ANÁLISE
Em síntese, pretendemos com a análise das matérias mais significativas publicadas
naquela semana confirmar que a Folha e o Estado apoiaram que (1) a manutenção da
“ordem” estava acima dos direitos individuais e que, portanto, (2) as leis penais deviam ser
agravadas a fim de desarticular o crime organizado instalado nas prisões. Ademais, os
jornais (3) desconsideram que a criminalidade era reflexo das injustiças sociais e
defenderam que (3.1) a solução para a crise na segurança dependia da retomada do
crescimento econômico.
4. A COBERTURA DOS TRÊS TEMAS SELECIONADOS
Considerando o grande volume de matérias relacionadas aos três eixos selecionados
para a análise e as inúmeras possibilidades de comparação entre as diferentes coberturas
dos dois jornais, optamos por transcrever apenas as matérias (informativas, interpretativas e
opinativas) mais emblemáticas em relação ao nosso objeto de estudo (o sistema carcerário)
para revelar o padrão de tratamento que nos interessa a fim de identificarmos o
enquadramento realizado pelos jornais ora analisados. Para tanto, as matérias transcritas na
167
íntegra seguem uma sequência: demonstram as impressões dos jornalistas, revelam a
opinião oficial do jornal e constatam a reação dos leitores.
4.1 – MANUTENÇÃO DA ORDEM
Aquela semana contabilizou um total de 166 policiais e civis mortos, rebeliões em
73 presídios, 299 atentados – e uma população traumatizada pelos dias em que conheceu o
pânico. A “semana do terror” (OESP, 21/05/2006), na verdade, começou na sexta-feira, 12.
Os 40 milhões de habitantes do Estado mais rico do País tiveram a rotina abalada e foram
apresentados a um medo típico de lugares conflagrados: “atentados”, “guerra urbana”,
“ofensiva do crime organizado” e “mortos em conflitos” viraram expressões corriqueiras na
Folha e no Estadão.
Dos presídios, o PCC mobilizou um exército usando sua arma mais poderosa: o
celular. Primeiro, mataram policiais na capital e no interior. Depois, atacaram alvos civis:
ônibus, bancos, uma estação de metrô. Na segunda-feira, os 10 milhões de habitantes de
São Paulo viram a quinta maior metrópole do mundo parar, com ruas e avenidas desertas e
boatos assustadores. “O 15 de maio foi o 11 de setembro paulistano”, comparou a Folha
(20/05/2006). Atacada, a polícia saiu à caça dos bandidos. Em 24 horas, no dia 16,
morreram 32 suspeitos – alguns certamente inocentes, possibilidade admitida pelo
governado.
4.1.1 – FOLHA DE S. PAULO
4.1.1.1 – MATÉRIA: O medo / Laura Capriglione (15/05/2006)
A noite e a madrugada de sábado para domingo foram de alerta máximo, medo e uma tensão infernal
nas delegacias, postos e bases policiais de São Paulo. Ao ponto de ter sido quase um alívio quando,
às 19h40 do sábado, duas motocicletas entraram na avenida Silvio Ribeiro Aragão, no Campo
Limpo, e os caronas de repente sacaram as pistolas calibre .40 e 9 mm e dispararam 40 tiros contra a
base comunitária da GCM (Guarda Civil Metropolitana), atingindo a mão direita do soldado
Valdemar Lopes Ferreira, 50: “Um raio não cai duas vezes no mesmo local”, disse um soldado. Caiu
– às 6h, em uma nova rajada de balas, desta vez sem vítimas.
“O Valdemar corre o risco de perder os movimentos de dois dedos, mas é melhor isso do que morrer.
Só o que eu espero é que chegue logo 6 horas, quando vamos embora”, afirmou um soldado, olhos
arregalados, abrigado atrás do vidro à prova de balas da base. Esses guardas não queriam combate.
168
Passivos, nem os revólveres calibres 38 eles tiraram das cartucheiras. “Não dá tempo de revidar, é
um ataque rápido demais”, disse um agente.
O insufilme preto fazia de cada carro uma ameaça e um suspense. Todos os 14 olhos dos agentes que
passaram a noite na base escaneavam cada máquina que passava, movimentos coordenados. “A gente
era caçador, agora é presa fácil”, afirma o guarda.
Na porta do 47º Distrito Policial, o do Capão Redondo, área conhecida pelos altos índices de
violência, o clima era de guerra. Rostos cobertos por balaclavas, pistolas nas mãos e uma calibre 12
(arma de matar elefante) para qualquer eventualidade, os 16 agentes não esperavam os ataques.
A estrada de Itapecerica, onde fica a delegacia, teve as pistas estreitadas por obstáculos. Vestidos
com coletes à prova de balas, os policiais paravam – com gritos e armas apontadas – as motos que se
aproximavam.
SURPRESAS: Atrás do muro que cerca a delegacia, o titular José Ribamar Raposo, 45, levantou o
gorro para falar com a reportagem. “Em 2003, pegaram a gente de surpresa. Agora isso não vai
acontecer.” De madrugada, no entanto, apesar de todos os cuidados, quatro homens a bordo de um
Santana metralharam o DP. Ninguém se feriu, porém 11 carros ficaram esburacados de tiros.
Enquanto os policiais esperavam pelo pior na porta da delegacia, lá dentro, como se nada estivesse
acontecendo, três boletins de ocorrência eram lavrados: um por roubo a coletivo, outro por roubo de
veículo e até um por perda de documentos.
“Medo? Por que medo? Esses caras do PCC não estão errando o alvo, não. Com eles não tem essa de
bala perdida. Pode ver, é só polícia que eles estão ‘pegando’”, explicou um auxiliar de escritório que
comprava flores e um quadro escrito “Te Amo, Mamãe”, às 3h40 do domingo, em uma banca bem
ao lado da base comunitária da PM no Jardim Ranieri, uma das subdivisões do Jardim Ângela, o
mesmo que no fim dos anos 90 aparecia no topo da estatística de homicídios no país. Vizinho à base,
acontecia um baile na frente da panificadora A Francesinha, que funciona 24 horas por dia.
A periferia da cidade não tem medo da guerra do PCC. Se os três policiais (dois homens e uma
mulher) presentes na base comunitária de Guarapiranga estavam fincados em pé em seus postos, dois
“três oitão” e uma “doze” em alerta, a casa de espetáculos Guarapirão, vizinha, bombava com 800
foliões chacoalhando com a banda Fettynia, Carlos e Marcel, além das Mocréias e sua trupe.
No meio da madrugada, os jovens desfilavam a bebedeira diante da aflição solitária dos PMs. A
“doze”, pesadona com seus 4,5 quilos, agora ia das mãos de um soldado para a do outro a cada meia
hora. “Não dá para um só carregar esse bichão.” Dois garotos “folgados”, conforme definiria um PM,
chegaram a acender um cigarro de maconha bem na frente da base.
Até atender a um pedido de socorro ficou difícil. Os soldados da Guarapiranga já estavam
informados de que seus colegas do vizinho Jardim Herculano tinham sido emboscados ao atender a
uma ocorrência de agressão entre familiares. “Fomos em cinco viaturas, com 11 homens. Entramos
numa viela e eles começaram a atirar. A gente revidou e eles correram para a favela. Graças a Deus
ninguém foi atingido”, explicou o sargento Rogério Luís Bartholomeu, 28, PM há 10 anos.
UNIÃO: As rivalidades entre as corporações ficaram pequenas diante do desafio colocado pelo PCC.
“Estamos mais unidos do que nunca. Viramos um corpo só. Agora, tudo depende do comandante, da
Justiça e do Ministério Público”, diz um policial civil. “Chamou, vai todo mundo.”
No velório dos policiais civis atingidos pela violência do PCC (investigador José Antônio Prada
Martinez, agente policial Paulo José da Silva, investigador Tamer Ramos Orlando), ontem, na
Academia da Polícia Civil, ao lado do campus da Universidade de São Paulo, a revolta dos policiais
militares e civis aparecia discretamente, proibidos que estavam os homens de dar entrevistas.
Com a condição de não ser identificados, eles desabafavam: “Infelizmente, a gente tem uma lei para
respeitar, eles [os membros do PCC] não têm nenhuma. Eles invadem sem mandado, portam as
armas que querem. A gente tem de se contentar com as porcarias obsoletas que o Estado fornece e
autoriza”, afirmou um policial militar armado apenas com um “três oitão”.
“Armamento? Veja, a gente que é bem equipada [refere-se aos policiais da Delegacia de Narcóticos]
tem metralhadora, essa Taurus .40. Eles têm fuzil, dão tiro de rajada com um AR-15 ou um AK-47
[armas de guerra com alta potência perfurante e precisão], têm lança-granada. A gente tinha de ter
fuzil também. A gente tinha de estar em vantagem. A gente não pode perder; a gente não pode
empatar; a gente tem de ganhar de goleada. Senão é o caos.”
TERRORISMO: “Antigamente, existia uma ética. Família de policial era coisa sagrada até para o
bandido. Acabou a ética e virou terrorismo.” “O policial brasileiro tem garra. Pede para um
americano entrar em uma favela. Ele não entra. Quer ir com 50 junto. Este colete à prova de balas,
169
por exemplo. Custa R$ 4.000 e fui eu que comprei. É israelense. Aguenta tiro frontal de fuzil. Os
comuns, que a polícia recebe, só seguram tiro de armas de mão. Não dá para combater.”
“Faltam o Judiciário e o Ministério Público. Não se consegue escuta telefônica, mandado de busca e
apreensão. A segurança depende também da Justiça e do Ministério Público.”
“Não estamos respondendo. Agora seria hora de ter mandados de prisão, de busca e apreensão de
todos os suspeitos. Isso seria uma resposta. E não ficarmos aqui parados, esperando o próximo
ataque.”
Com os olhos marejados de lágrimas, policiais experientes – que trabalharam ou trabalham em áreas
“quentes” da capital paulista – lastimavam: “É muito triste ver o velório de um companheiro. Olhar o
caixão, o cara ali, as flores, as homenagens dos companheiros. E a família na penúria, o salário
miserável”, afirmou um durão, que já fez curso na lendária equipe da Swat de Miami.
As lágrimas escorreram forte quando ele viu a viúva despojando-se do cobertorzinho pequeno e fino,
que a protegia do frio de 12C da noite paulistana, para abrigar a filha de 12 anos que acabava de
chegar à morgue na Academia de Polícia. “E agora, como elas vão ficar? É triste demais.
4.1.1.2 – EDITORIAL: Não nos amedrontemos (16/05/2006)
A ofensiva de bandidos em nome da falange criminosa chamada de "Primeiro Comando da Capital"
(PCC) mudou de padrão em São Paulo. Os ataques genéricos deixaram de alvejar apenas agentes da
segurança pública e passaram a incluir ações com o objetivo de disseminar o pânico na população.
Ônibus urbanos, incendiados às dezenas, foram tomados como emblema da tática intimidatória.
Agências bancárias e uma estação de metrô também sofreram ataques.
Como consequência, a capital, que enfrentava o seu primeiro dia útil depois da crise do fim de
semana, viveu ontem um dia atípico, de “meio expediente”. Companhias de transporte público
retiraram veículos de circulação, escolas cancelaram aulas, comércio e repartições públicas fecharam
as portas cedo. Em meio a uma onda de boatos sobre toque de recolher, a hora do “rush” foi
antecipada para o meio da tarde.
Há uma dupla pedagogia em curso nesses lamentáveis dias de outono. De um lado, a quadrilha dos
presídios e seus seguidores fora das celas, diretos ou por inspiração, ensaiam dar um passo no rumo
das organizações terroristas. Do outro, a população, especialmente a da Grande São Paulo, depara
com uma situação inédita e é instada a desenvolver com rapidez novos padrões de reação.
É compreensível que, desacostumada a lidar com um ataque genérico de bandidos e mal orientada
pelos governantes, grande parte dos paulistanos tenha quebrado a rotina, fugido das ruas e procurado
abrigo em casa. Mas isso é tudo o que querem os delinquentes que promovem a selvageria: que a
população se dobre à tática do medo e recue, a fim de que possam desenvolver suas práticas
criminosas com mais desenvoltura.
Para que o “aprendizado” da quadrilha sobre práticas terroristas não se complete, no entanto, é
fundamental que as autoridades e a sociedade dêem um sonoro basta a essa afronta. Não é hora de
recuar. Os governantes precisam transmitir confiança à população; devem dizer aos cidadãos que
voltem ao trabalho, que voltem às aulas, pois a polícia vai assegurar a ordem pública, vai confrontar
com força máxima e debelar, até o último integrante, os bandos que violentam o Estado de Direito.
O momento é decisivo. Ou reagimos com contundência – fulminando a crise imediata e dando
sequência a uma ofensiva contra o crime organizado sem precedentes na história do país – ou
estaremos condenados a nos habituarmos ao terror.
4.1.1.3 – LEITOR: Gil Cordeiro Dias Ferreira (15/05/2006)
Os atentados contra as forças policiais em São Paulo constituem terrorismo e como tal devem ser
tratados: com intervenção federal, decretação de estado de sítio e aplicação violenta do poder militar;
com a suspensão de todas as garantias individuais e a eliminação sumária dos que perpetraram esses
atos. Não estamos diante de marginais comuns, mas de terroristas, que declararam guerra. Assim, a
única lei aplicável a eles é a marcial. Os bandidos estão organizados como força paramilitar, dispõem
de armamento sofisticado e demonstram estar muito bem adestrados e articulados em termos de
comunicações, o que evidencia terem contaminado agentes públicos em todos os setores
governamentais. Dispensam-se os comentários dos sociólogos de plantão a dizer que as causas de
170
tudo isso são de natureza social. Não são. São de origem política: os responsáveis por esse quadro
são os políticos dos três Poderes, nas esferas federal, estaduais e municipais, porque não mudam as
leis que protegem marginais, porque, na expectativa de ganharem votos, são lenientes com todo tipo
de ilícito contra a ordem pública, porque, desde os mais altos níveis, dão os péssimos exemplos da
corrupção, do nepotismo, do fisiologismo, do desvio de dinheiro público para seu enriquecimento
particular, da absolvição descarada de companheiros, porque, por conta da demagogia e do
recebimento de propinas imensuráveis, deixam imperar a impunidade.
4.1.2 – O ESTADO DE S. PAULO
4.1.2.1 – MATÉRIA: Um domingo de cão no Palácio / Angélica Santa Cruz (15/05/2006)
No início da manhã do domingo em que os policiais de São Paulo tiveram medo de sair às ruas, o
governador Cláudio Lembo entrou em seu gabinete às pressas, para conferir o primeiro consolidado
do dia dos estragos feitos pelo PCC. Eram 7h45 e os dados mostravam mais de 80 atentados, 49
mortos, 24 feridos e 26 presídios rebelados. Com o papel nas mãos, Lembo determinou que as
estatísticas fossem divulgadas diferenciando os policiais dos suspeitos mortos - e se preparou para o
seu 44º dia de governo. Depois de assumir cercado pela perspectiva de nove meses de calmaria e
cofres cheios, Lembo deparou-se com a maior ofensiva do crime organizado já enfrentada no País e a
maior crise na Secretaria de Segurança Pública já registrada no Estado. O tempo inteiro, fincou pé na
tentativa de aparentar tranquilidade. Mas teve um domingo de cão.
Sentado na cadeira de madeira que pertenceu a seu pai - e que há anos leva para todos os escritórios
que ocupa -, Lembo passou boa parte do dia em um gabinete transformado em central de
informações sobre a batalha contra o crime organizado em curso longe dos jardins do Palácio dos
Bandeirantes. Às 8h50, o placar da guerra urbana apontou 28 unidades prisionais rebeladas. Às
pessoas de fora do governo que começaram a ligar, ele repetiu o mantra: “a situação está sob
controle”. Às 9h10, a soma chegou a 30 - e ultrapassou o marco histórico de 2001, quando o
governador Geraldo Alckmin foi desafiado com 29 rebeliões simultâneas da região metropolitana e
interior. Uma afronta ao aparelho estatal, definiu o governador. “Nossos policiais andam com as
armas que são legalmente permitidas para eles. Os criminosos roubam metralhadoras das Forças
Armadas e passam armamentos pelas fronteiras. É uma guerra da lei contra a má vida”, disse.
Nas horas seguintes, os números continuaram subindo - e assustadoramente. Lembo manteve sua
agenda. Recebeu o secretário dos Transportes, Dario Rais Lopes, sentado no sofá verde do gabinete.
Conversou rapidamente sobre maneiras de estabelecer parcerias com a iniciativa privada para asfaltar
estradas. Em seguida, levantou para entrar no helicóptero que o levaria até uma solenidade pública
nas Marginais. No evento, disse que recusou oferta de ajuda da Polícia Federal e afirmou que não
pretende defenestrar o comando da Segurança Pública.
Menos de uma hora depois, estava de volta ao Palácio. Falou ao telefone - pela sexta vez no dia -
com o comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, o secretário da
Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. A essa altura, os números informavam: 59
presídios e CDPs rebelados. A contagem de mortos durante os ataques noturnos já mostrava 52
vítimas. Ligou para o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho. Em todos os
telefonemas, ouviu mais do que falou. “A estratégia já foi definida. Agora é acompanhar”, disse.
O Dia das Mães foi tomado por um clima de “São Paulo contra o crime” – e a sede do governo
continuava a receber os números do terror via fax. As estatísticas eram enviadas pelo comando da
PM e recebidas pelo ajudante de ordens do governador, o capitão José Carlos de Campos.
Com os papéis nas mãos, o capitão corria pelas escadarias até o andar térreo e os levava para a
assessoria de imprensa. Os números eram somados e cotejados com os que eram enviados pela
Secretaria de Segurança Pública. Na volta de uma dessas pequenas viagens, o capitão deu a ordem
para um soldado: “avise aos PMs que estão no Palácio para tentar permanecer nas guaritas. Não é
para ficar se expondo muito na rua”. Na noite anterior, Lembo havia pedido a retirada do bloqueio na
frente do Palácio - para reforçar a aparência de normalidade que acredita que deve ser mantida por
um homem público em momentos como esses.
171
Às 11h30, eram 64 unidades prisionais rebeladas. “O importante para ver nesses dados é que na
imensa maioria não são rebeliões com quebra-quebra e feridos. São motins feitos durante a visitação
do Dia das Mães, para marcar presença”, analisou o governador. Minutos depois, chegou ao gabinete
o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab - responsável pela indicação de Lembo na chapa para vice
de Alckmin. Durante 40 minutos, ambos conversaram sobre a extensão da crise. “Vim prestar minha
solidariedade total ao governo do Estado em suas ações”, afirmou o prefeito. Antes de sair, Kassab
foi levado pelo governador para ver as reformas no auditório Ulysses Guimarães. O diálogo até teve
algumas piadas – “vamos colocar uma bandeira grande do PFL”, disse o governador. Mas o clima
era tenso. “Estamos em estado de alerta máximo. E nosso estado de espírito é esse também”, definiu
Kassab.
Às 12h30, os números enlouqueceram. O fax da ante-sala do gabinete do governador continuou
apitando e cuspindo folhas que mostravam outras unidades rebeladas. Pelas contas iniciais, eram 70 -
mas àquela altura não se sabia ao certo quantos motins estavam sob controle, e mesmo se havia
informações repetidas na página. O governador entrou na ala residencial do Palácio, onde a primeira-
dama, Renéa de Castilho Lembo, esperava pela chegada do filho, José Antônio Salvador, para
mandar servir o almoço. “O Cláudio não dormiu na noite de sexta e, na de sábado, conseguiu pegar
um pouco no sono. E eu fico pensando nas mães e mulheres desses policiais mortos. Uma
covardia...”, disse ela.
OTIMISMO ZERO: O governador com maior experiência em costuras políticas de bastidores do que
no mundo administrativo - e que assumiu para continuar um mandato e pegou pela frente uma crise
sem precedentes -, passou o resto do domingo acompanhando os passos de seu secretariado, sendo
informado sobre as dezenas de velórios e enterros de policiais que pipocavam pela cidade e
perguntando pelos detalhes das operações de prisões realizadas durante a noite - uma delas levou
para a cadeia 77 integrantes do PCC que comemoravam as operações do dia em uma festa, armados
com metralhadoras.
“É uma guerra muito difícil. A legislação penal é dos anos 40, uma lei feita para um céu azul. Para o
governo, trata-se agora de lidar com coisas como ver um policial militar, que faz trabalho
comunitário e fica em uma guarita prestando serviço à população, ser metralhado por garotos com
dívidas com traficantes. Eu digo o seguinte aos integrantes do PCC: voltem à legalidade, voltem à
vida cidadã - porque São Paulo não vai se curvar”.
Até o final da tarde, as estatísticas continuaram refletindo a confusão na Segurança Pública -
subindo, descendo e aparecendo desencontradas. Às 18h25, os dados mostravam rebeliões em 59
unidades, mais de 100 reféns e de 100 ataques desferidos contra policiais. Ainda monitorando a crise
de seu gabinete, trocando mais uma bateria de telefonemas com seu secretariado, o governador
continuava a dar garantias de tranquilidade. Mas já não tinha esperanças de que o domingo
terminasse livre da crise. “Eu não seria tão otimista de esperar que nessa madrugada não aconteça
mais nada...”.
4.1.2.2 – EDITORIAL: A ofensiva terrorista do PCC (16/05/2006)
Nunca, na história do País, uma facção criminosa foi tão longe na afronta às instituições
governamentais. Com grande poder de articulação nos 116 estabelecimentos prisionais paulistas,
alvos estratégicos bem definidos em todo o Estado e com métodos terroristas, o Primeiro Comando
da Capital (PCC) levou 77 mil presos a deflagrarem 80 rebeliões simultâneas, promoveu mais de 180
ataques a delegacias, quartéis, fóruns, bancos e transporte público e matou a sangue-frio mais de 40
agentes carcerários, policiais civis e militares.
O saldo trágico desse ataque, que ocorre três anos após o PCC ter assassinado o juiz-corregedor de
Presidente Prudente Antonio Machado Dias revela o aumento, em escala e alcance, da ousadia - e da
“competência profissional” – do crime organizado, que coloca na defensiva os responsáveis pela
segurança pública que deveriam persegui-lo. Não se pode falar de surpresa. Tudo isso só confirma o
que já se sabia desde a eclosão da megarrebelião promovida pelo PCC em fevereiro de 2001 em 29
prisões, ou seja, que o Estado brasileiro já não detém mais o monopólio do uso da força.
172
A fraqueza das instituições públicas frente ao crime organizado pode ser medida pelo rol de
reivindicações impostas pelo PCC como condição para suspender seus ataques e pela petulância do
advogado da organização. Além do direito a visitas íntimas nas prisões de segurança máxima, eles
querem o fim do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Por esse sistema, presos perigosos
permanecem incomunicáveis em celas individuais, não têm acesso a jornais e televisão e só podem
tomar sol algemados, durante apenas uma hora por dia. Segundo o advogado do PCC, Anselmo
Neves Maia, se o governo estadual não acolher as reivindicações da facção e abrandar o rigor do
RDD, “a tensão aumentará nos próximos dias”.
Nos países onde cadeia é vista como lugar de punição, esse causídico não poderia estar exercendo a
profissão e criminosos condenados pela Justiça não gozam das regalias desfrutadas pelos presos
brasileiros. Nesses países, a morte de um único policial por amotinados é respondida com o aumento
do rigor no regime de encarceramento. No Brasil, contudo, onde há muito tempo a sociedade se
tornou refém do crime organizado, o que tem prevalecido é uma absurda complacência com
criminosos, traduzida em concessões de indultos e outros benefícios, o que lhes permite voltar às
ruas após cumprir um sexto da pena.
Como exemplo dessa leniência, estão aí duas decisões judiciais, ambas tomadas poucas semanas
antes desta ofensiva do PCC. Lembrada pelo promotor Rodrigo Pinto, chefe do Ministério Público
estadual, a primeira decisão foi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou não ser "falta
grave" a posse de celular nas prisões. A segunda decisão, do Supremo Tribunal Federal (STF),
declarou inconstitucional alguns dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos e permitiu a concessão
do regime da progressão para sequestradores e homicidas, justificando a decisão com base no
princípio da “humanização da pena”.
Além de decisões como essas, que em vez de aumentar o grau de certeza de punição, aumentam as
apostas na impunidade, há ainda o anacronismo das leis processuais penais, cujos prazos e recursos
permitem aos advogados do crime organizado retardar o julgamento - em muitos casos até a
prescrição dos delitos –, e a inépcia do poder público, que perdeu o controle do sistema prisional para
as organizações criminosas.
No plano estadual, o governo até hoje não conseguiu impedir o acesso de celulares nos presídios nem
instalar um eficiente sistema de bloqueio. No plano federal, os investimentos na área da segurança
foram reduzidos em 28%, entre 2004 e 2005, e o Congresso até hoje não se dispôs a modernizar leis
ultrapassadas.
É por isso que a situação não pára de se deteriorar. Enquanto não for ampliado o sistema prisional,
que tem um déficit de 135 mil vagas, não forem modernizadas as leis penais para aumentar o alcance
das penas alternativas para crimes de menor gravidade e enquanto não se investir em inteligência
para desarticular facções criminosas, as instituições policiais brasileiras continuarão se limitando a
ações defensivas contra os ataques cada vez mais violentos do crime organizado.
4.1.2.3 – LEITOR: Agripino Lima (16/05/2006)
É o fim dos tempos! O terror está vencendo a autoridade pública. O povo elege seus representantes
convicto de que vão administrar e demonstrar autoridade imposta pela simples vontade do voto.
Infelizmente, assistimos a um festival de incompetência e frouxidão. Brigam presidente e governador
para saber quem pode menos e enrola mais, só preocupados com a eleição de outubro. Assustados
estão os policiais, que, ao invés de combaterem o crime, agora correm dos bandidos para salvarem a
própria vida. O líder dos bandidos renega um pedaço de pizza e o governo obriga seus homens a
comprarem um x-picanha para satisfazê-lo. Enquanto isso, o povo, pobre povo, continua indefeso,
sendo a única vítima desse processo que deteriora os valores de um sociedade. Tudo isso é resultado
da corrupção sistêmica, arraigada no poder público, que a cada governo substitui apenas as peças,
mas o jogo continua o mesmo. É consequência de sucessivos governos sem autoridade, frouxos e
medrosos, que gastam milhões do dinheiro público em propaganda própria e continuam pagando
salários miseráveis aos policiais, com viaturas e armas ultrapassadas. É a derrota clara do sistema
penal graças ao confuso poder Judiciário, que consegue condenar um assassino confesso e mantê-lo
em liberdade, enquanto um inocente acusado de furtar um boné continua preso por não ter condições
para contratar um advogado para defendê-lo.
173
4.2 – ENDURECIMENTO DAS POLÍTICAS PENAIS
Se por um lado os jornais condenaram qualquer tentativa de diálogo com os
presidiários, criticando incansavelmente o suposto acordo entre o governo e o PCC, por
outro pressionou para que a Comissão de Constituição e Justiça votasse em caráter
terminativo (numa única sessão de 40 minutos!) 14 projetos relativos à segurança pública
que tramitavam há mais de dois anos.
Em editorial, o Estadão criticou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que
recomendou ser preciso “não cair na tentação da legislação do pânico, feita em momento de
crise, que acaba por deformar o sistema processual, em vez de trazer soluções” (OESP,
19/05/2006: pág. A3). Afirmou que se fosse seguida à risca a recomendação do ministro, a
Legislação nunca seria reformada: “Em tempos de crise, pelos motivos expostos; em
tempos de calma, por falta de urgência” (Idem). Por isso, elogiou o Senado porque,
“felizmente, ignorou a opinião do ministro e correspondeu aos anseios da sociedade
brasileira, que exige instrumentos mais eficazes de combate ao crime organizado”.
Dos projetos aprovados, poucos envolvem a legislação processual, e maioria
destacava-se por extinguir benefícios como liberdade condicional a condenados
reincidentes em crimes punidos com reclusão; aumentar prazos para a prescrição das penas;
modificar as regras de limite de cumprimento das penas (passando de 30 para 40 anos ou
mais, dependendo do juíz); restringir visitas de familiares; impor maior rigor implantar o
Regime de Segurança Máxima, ampliando o período de isolamento (de 360 para 720 dias
ou mais).
174
4.2.1 – FOLHA DE S. PAULO
4.2.1.1 – MATÉRIA: Gestão Lembo faz negociação com o PCC / André Caramante
(15/05/2006)
Preocupados com a onda de violência causada pelo PCC e com a repercussão internacional dos
ataques, membros do governo paulista começaram ontem a negociar com líderes da facção.
A Folha apurou que pessoas ligadas diretamente ao secretário da Administração Penitenciária,
Nagashi Furukawa, com orientações passadas por assessores do governador Cláudio Lembo (PFL),
estiveram ao longo do dia na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de SP), para onde 765
homens ligados direta ou indiretamente ao comando geral da facção foram transferidos entre quinta e
sexta-feira. Assessores do governo negam essa negociação. O governador Cláudio Lembo disse que
não negocia com criminosos.
MACARRÃO: O principal interlocutor dessa negociação é o ex-marceneiro Orlando Mota Júnior,
34. Conhecido como Macarrão, Júnior foi um dos transferidos para a P2 de Venceslau justamente por
ter o respeito dos membros da facção e ocupar um posto de liderança.
Como o líder máximo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, 38, o Marcola, foi levado
sigilosamente no sábado para o CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernardes
(589 km de SP), onde ficará isolado – em RDD, Regime Disciplinar Diferenciado-, o governo do
Estado decidiu abrir negociação direta com Macarrão, que cumpre pena de 48 anos e oito meses
pelos crimes de roubo, furto, formação de quadrilha e receptação.
Antes de ser levado para o “Parque dos Monstros”, apelido dado pelos membros do PCC à prisão de
Venceslau devido à concentração de integrantes do grupo, Macarrão estava em Getulina.
Os negociadores do governo chegaram a oferecer um celular para que Macarrão ligasse para alguns
dos presídios e pedisse o fim dos motins. Macarrão teria dito que não tinha poder suficiente na
facção para isso.
O presidiário pediu tempo para apresentar a proposta do governo (cujas bases são mantidas em
sigilo) aos demais detentos. A única proposta aceita de imediato por ambos os lados foi a de que a
Tropa de Choque não tentaria retomar o controle dos presídios rebelados. Ontem, no entanto,
algumas penitenciárias foram invadidas pela PM.
A Folha apurou que a abertura da negociação entre membros do governo e representantes do PCC
causou revolta em vários agentes responsáveis pela segurança dos presídios paulistas, principalmente
os que estão lotados na região oeste do Estado.
O secretário Nagashi Furukawa foi procurado ontem à noite, por meio de sua assessoria de imprensa,
mas não quis se pronunciar. Seus assessores informaram apenas que as negociações eram feitas em
cada unidade, pelas diretorias de cada penitenciária ou CDP (Centro de Detenção Provisória).
4.2.1.2 – EDITORIAL: O pacote da segurança (18/05/2006)
Embora a segurança pública devesse ser tratada o tempo todo como tema prioritário, foi preciso mais
uma crise para que o assunto recebesse destaque no Congresso. Em resposta aos ataques do chamado
Primeiro Comando da Capital em São Paulo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
aprovou um pacote legislativo.
A principal medida desse conjunto de projetos é a que cria o regime de segurança máxima (RDMax),
ampliando o isolamento de presos de alta periculosidade. Atualmente, o sistema mais duro é o RDD
(Regime Disciplinar Diferenciado), que sujeita o preso a isolamento total por apenas um ano –
período muitas vezes insuficiente para que um chefe do crime perca ascendência sobre sua quadrilha.
Os parlamentares querem duplicar esse tempo. Melhor fariam se abolissem qualquer limite, como
sugere o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo Pinho, facultando ao juiz
arbitrar quanto um preso deve ficar isolado.
São acertadas, também, a instituição da videoconferência em interrogatórios de detentos perigosos e
a medida que prevê a tipificação da posse e do uso de celulares por presos como faltas graves. É
positiva, ainda, idéia de retomar o exame criminológico, avaliação pela qual o preso deve passar para
que se decida se o regime no qual irá cumprir pena pode ou não ser atenuado.
175
Outra proposta correta, esta da Câmara, é a que determina a revista de todas as pessoas que entrarem
nas prisões, terminando com um injustificável privilégio dos advogados que hoje estão isentos dessa
prática.
O pacote ainda não foi aprovado em caráter definitivo pelas duas Casas. Ainda há tempo, portanto,
de agregar a essas medidas o aumento da pena para o homicídio de agentes do Estado e uma nova
qualificação para formação de quadrilha, com agravante para prática terrorista.
A aprovação desses projetos produziria avanços incrementais na luta contra o crime, mas o problema
da segurança pública não se resolverá a golpes de caneta. Providências práticas que implicassem o
cumprimento das leis atuais já seriam suficientes para que crises como a que São Paulo atravessou
fossem evitadas.
Não é necessária, por exemplo, uma nova lei para implementar a “tolerância zero” à entrada de
celulares nas prisões. Bastaria que as revistas fossem feitas com rigor e o trabalho dos agentes
penitenciários, fiscalizado de perto para tornar o sistema mais seguro e menos permeável.
4.2.1.3 – LEITOR: Arnaldo Comerlati (16/05/2006)
Com esses ataques do PCC, fica evidente que as autoridades competentes não dispõem de
instrumentos físicos e, principalmente, jurídicos para combater e cercear o terrorismo urbano que
estamos presenciando. Sabemos que países que tiveram acontecimentos semelhantes endureceram e
aperfeiçoaram sua legislação no sentido de mostrar o lado duro da lei e da ordem. Aqui, no Brasil,
vemos o ministro de Justiça defender redução de penas, indultos que colocam nas ruas milhares de
delinquentes e leis e instrumentos jurídicos que impedem ou reduzem ao mínimo o tempo de
permanência de assassinos na cadeia. E vemos as entidades representativas defenderem mais os
bandidos do que a gente de bem. Só falta o nosso competente governo petista criar o “Bolsa-Cadeia”.
Chega de visitas íntimas, de regalias e de reduções de pena. Quem pratica um crime tem que saber
que vai pagar para a sociedade o preço do erro cometido.
4.2.2 – O ESTADO DE S. PAULO
4.2.2.1 – MATÉRIA: Governo faz acordo com Marcola / Rita Magalhães e Marcelo Godoy
(16/05/2006)
O Primeiro Comando da Capital (PCC) determinou o fim das rebeliões nos presídios do Estado e a
suspensão dos atentados a quartéis, delegacias policiais, fóruns, agências bancárias e estações do
metrô. A ordem foi dada após uma longa conversa entre o líder da facção, Marcos Willians Herbas
Camacho, o Marcola, três representantes do governo – um coronel da PM, um delegado e um
corregedor – e uma advogada. A Secretaria da Administração Penitenciária nega o acordo,
confirmado ao Estado por duas fontes do governo.
A ordem para o fim dos atentados começou a ser propagada ontem de manhã, por telefone celular,
menos de 12 horas depois do encontro nas dependências do Centro de Readaptação Penitenciária
(CRP) de Presidente Bernardes, onde Marcola está detido desde o fim da tarde de sábado.
A determinação para o fim dos motins foi enviada na mesma noite por meio de um “salve geral” com
o seguinte conteúdo: “Deixamos todos cientes que as faculdades (presídios) que se encontram em
nossas mãos estarão se normalizando a partir das 9 horas de amanhã, desde que nossos irmãos
(líderes) já se encontrem em banho de sol em Venceslau.”
Apesar de os líderes do PCC transferidos para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau
permanecerem trancados nas celas, sem banho de sol, os rebelados obedeceram à determinação e
176
puseram fim à maior rebelião simultânea do País, com a adesão de detentos de 73 presídios no
Estado.
Policiais civis que investigam os crimes acreditam que os ataques vão diminuir à medida que os
“soldados” forem notificados da nova ordem.
REVOLTA: De acordo com um integrante da secretaria, que pediu que seu nome não fosse
divulgado, a conversa com Marcola ocorreu a pedido da advogada. “Os policiais apenas a
acompanharam para saber o que era conversado. Ela não podia falar com ele sozinho”, alegou.
Funcionários da região se revoltaram ao saber da notícia do acerto. “Mais uma vez estão negociando
com o Marcola. É por isso que o Estado perdeu o controle da situação. Se o governo ceder desta vez,
é melhor entregar a chave do Estado para ele”, avaliaram os servidores indignados.
O titular da Secretaria da Segurança Pública, Saulo Abreu, destacou o delegado Godofredo
Bittencourt Filho para tentar tranquilizar a população. “Nós não perdemos o controle”, garantiu.
Bittencourt, diretor do Departamento Estadual de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic),
fez questão de afirmar que não havia nenhum toque de recolher na cidade. “O que há é toque de
polícia”, afirmou o diretor.
Ele divulgou que o número de ataques do PCC até aquele momento era de 180, com 81 mortos nas
ruas do Estado, dos quais 38 eram criminosos. Destes, de acordo com o delegado Bittencourt, 15
morreram nas 12 horas anteriores, enquanto que o número de policiais assassinados no mesmo
período foi de 5. “Acreditem na polícia”, pedia o diretor. Antes de deixar a sede da secretaria, o
diretor do Deic afirmou ter certeza de que as ações dos bandidos não vão durar muito tempo. “A
tendência é parar o quanto antes. Já está diminuindo”, completou ele.
NEGOCIAÇÃO: Bittencourt negou que a cúpula da Secretaria da Segurança Pública ou da Secretaria
de Administração Penitenciária tenha negociado uma trégua com a liderança do Primeiro Comando
da Capital “Não tem negociação nenhuma com bandido”, disse. “Tem muito garoto de 18, 19 anos
que é convocado para fazer isso. O crime organizado está tentando mostrar a sua força”, disse o
delegado Bittencourt.
4.2.2.2 – EDITORIAL: A vantagem de estar preso (18/05/2006)
A mesma força demonstrada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), no desencadeamento
simultâneo de rebeliões em 73 presídios de todo o Estado, paralelamente a atentados a quartéis,
delegacias policiais, fóruns, agências bancárias, estações de metrô, além de incêndio de dezenas de
ônibus e o assassinato de policiais em serviço ou de folga - deixando o trágico saldo de mais de uma
centena de mortos e São Paulo em estado de pânico -, foi revelada na ordem de suspensão das
rebeliões e dos atentados, em razão de acordo obtido em negociação com as autoridades.
É compreensível que as autoridades paulistas neguem acertos entre o líder maior do "partido"
delinquencial, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, três representantes do governo (um
coronel da PM, um delegado e um corregedor) e uma advogada, nas dependências do Centro de
Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, tendo em vista a cessação das hostilidades –
verdadeiro armistício nesta guerra de três dias. Mas não há como deixar de admitir que só quem teve
poder para iniciar a guerra teve para cessá-la - e o governo cedeu.
Passados os trágicos momentos de que tão cedo a cidade, o Estado e o País não se esquecerão,
convém refletir sobre a profunda distorção de entendimento - por parte de grupos e entidades soi-
disant defensoras dos “direitos humanos” - do que seja, em essência, a privação de liberdade dos
delinquentes, por meio das penas de prisão. Pelo menos desde as então revolucionárias idéias do
milanês Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria (1738-1794), expostas em seu livro Dos delitos e
das Penas, a prisão perdeu de todo o sentido retaliativo do castigo, para adquirir o puro conceito de
segregação de um indivíduo, para proteção da coletividade. Em essência, eis em que se fundamenta a
pena, para Beccaria: “Sulla necessità di difendere il deposito della salute pubblica dalle usurpazioni
particolari”.
Certamente o isolamento de criminosos do convívio social tem a finalidade precípua de impedir que
continuem agredindo a sociedade com seus delitos. O que acontece, no entanto, é que, hoje, em
nossas prisões, os grandes criminosos têm muito melhores condições de comandar e desenvolver
suas empresas criminosas (pois é disso que hoje se tratam, verdadeiras empresas, com seus múltiplos
177
contatos com o mundo “legal”) do que se estivessem em liberdade. Isso ocorre, antes de mais nada,
porque nas prisões estão “protegidos”, como disse Marcola: “Eu posso encontrar e matar vocês em
qualquer lugar, mas vocês não podem me matar aqui.” Também porque convivem em promiscuidade
com delinquentes de menor periculosidade, os quais transformam em “soldados” internos ou
incumbidos de operações externas - caso dos que estão soltos por livramento condicional ou indultos,
como os 10 mil agraciados em razão do Dia das Mães.
Esses líderes, protegidos e dispondo de “massa de manobra”, comandam com a máxima eficiência
megarrebeliões e atentados, com métodos típicos do terrorismo, adotando um sincronismo de
operações de espantosa precisão, porque podem contar, nos dias que correm, com esse novo aparelho
de comunicação que é o telefone celular. A possibilidade de comunicação imediata com o mundo
fora dos presídios aniquila o valor essencial da prisão, que é a neutralização do potencial criminoso
do bandido preso.
Daí por que para esse tipo de líder do crime organizado como é o Marcola, do PCC, não basta o
Regime Disciplinar Diferenciado que é apenas um castigo extra, com vigência máxima de um ano. É
necessário um regime permanente de incomunicabilidade com os bandos de criminosos que comanda
hoje, dentro e fora dos presídios. A modificação da legislação atual é uma necessidade tragicamente
reafirmada nestes dias em São Paulo. Nesse sentido, traz alento a aprovação pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de um pacote de medidas – entre as quais fixação de
responsabilidades no bloqueio de celulares, sistema de videoconferência nos interrogatórios de
presos e isolamento de chefes do crime por até 720 dias, renováveis por dois anos e outras medidas –
num total de 10, com o mesmo objetivo de decapitar as organizações criminosas.
Só esperamos que contra tais medidas não perdurem as conhecidas oposições ideológico-
corporativas, próprias dos que mais interessados estão nos “direitos humanos” dos bandidos –
porque, em última instância, se nutrem deles.
4.2.2.3 – LEITOR: Cibele Dias (19/05/2006)
A falência do sistema penal se deve, como tantos outros desmazelos, aos grandes absurdos aprovados
pela Constituição de 1988. Como já era cantado, alguns teriam graves desdobramentos no futuro.
Foram assegurados pela Constituição privilégios e equívocos que estão levando à falência o Estado
brasileiro, monetária, moral e judicialmente. Agora, chegou-se à conclusão óbvia que foi dado ao
preso comum tratamento de preso político. Ora, por favor! Vários desses absurdos foram
amplamente festejados por políticos populistas e pela turma do PT, ávidos por saírem bem na foto,
com bom-mocismo de ocasião. Inclusive aqueles que, por razões conhecidas, recentemente
despencaram da ribalta.
4.3 – RAÍZES DA CRIMINALIDADE
A suma das análises realizadas pela Folha e Estadão sobre as causas da
criminalidade, exceto um ou outro convidado, ignorou o fato de que os atentados de maio
de 2006 apenas expuseram a precariedade do sistema prisional brasileiro. Frei Betto, uma
das poucas exceções, comparou o nosso
regime penitenciário ao adotado no tempo da
escravatura: “Amontoam-se presos em masmorras exíguas; misturam-se autores de delitos
178
distintos; condenam-se todos à mais explosiva ociosidade” (FSP, 16/05/2006, pág. C16). E
o alto preço da penitência – raiz da palavra penitenciária – jamais é a absolvição, e sim a
exclusão social: “O preso cumpre a pena sem que o sistema o prepare à reinserção social, e
sem que a sociedade se disponha a acolhê-lo. Daí o alto índice de reincidência” (Idem).
Em outra importante análise, o sociólogo Luiz Werneck Vianna considerou os
acontecimentos em São Paulo “uma revolução social” (FSP, 16/05/2006, pág. C18), isto é,
a falta de espaços para a “expressão formal dos excluídos urbanos” deu condições para o
PCC ocupar um “verdadeiro deserto”: “Eles estão falando de exclusão, estão usando uma
linguagem radical das revoluções, certo? E estão se comportando revolucionariamente, de
armas na mão” (Idem).
4.3.1 – FOLHA DE S. PAULO
4.3.1.1 – MATÉRIA: Burguesia terá de abrir a bolsa, diz Lembo / Mônica Bergamo
(18/05/2006)
O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, afirma que o problema de violência no Estado só se
resolvido quando a “minoria branca” mudar sua mentalidade. “Nós temos uma burguesia muito má,
uma minoria branca muito perversa”, afirmou. “A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para
poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais
solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.”
Lembo criticou o ex-governador Geraldo Alckmin, que disse que aceitaria ajuda federal contra as
ações do PCC se ainda estivesse no cargo, e o ex-presidente FHC, que atacou negociação entre o
Estado e a facção criminosa para o fim dos ataques. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha – Os jornais estão noticiando hoje [ontem] que houve uma matança em São Paulo na
madrugada de terça. A polícia está sob controle ou está partindo para uma vingança?
Cláudio Lembo – A polícia está totalmente sob controle. Eu conversei muito longamente com o
coronel Elizeu Eclair [comandante-geral da PM] e estou convicto de que ela está agindo dentro dos
limites e com muita sobriedade. Todas as noites há confrontos nas ruas da cidade e esses conflitos
foram exasperados nesses dias. Mas vingança, não. A polícia agiu para evitar o pior para a sociedade.
Folha – Foram 93 mortes. Elas estão dentro dos limites? O senhor tem segurança que todos que
morreram estavam em confronto?
Lembo – E o conflito que houve da cidade com a bandidagem? Foi violento. É possível que tenha
havido tragédias, mas pelo que estou informado não houve nada que fosse além dos confrontos
diretos.
Folha – Só no IML (Instituto Médico Legal) estão 40 mortos e não se sabe nem o nome dessas
pessoas.
Lembo – Os nomes vão ser revelados. Estamos resolvendo questões burocráticas, de identificação,
mas vão ser revelados.
Folha – Jornalistas da Folha entraram no IML e viram fotos de pessoas mortas com tiros na
cabeça. Que garantia a sociedade tem de que não morreram inocentes e de que o Estado, por meio
da polícia, não está executando essas pessoas?
179
Lembo – Não está, de maneira alguma. E digo a você: fui muito aconselhado a falar tolices como
"aplique-se a lei do Talião". Fui totalmente contrário. Faremos tudo dentro da legalidade e do Estado
de Direito.
Folha – O senhor não se assusta com o número de mortos?
Lembo – Eu me assusto com toda a realidade social brasileira. Acho que tudo isso foi um grande
alerta para o Brasil. A situação social e o câncer do crime é muito maior do que se imaginava. Este é
o grande produto desses dias todos de conflito. Nós temos que começar a refletir sobre como resolver
essa situação, que tem um componente social e um componente criminoso, ambos gravíssimos. O
crime organizado trabalha com a droga. A droga é um produto caro, consumido por grandes
segmentos da sociedade. Enquanto houver consumidor de drogas, haverá crime organizado no
tráfico. É assim aqui, na Itália, nos EUA, na Espanha. O crime se alimenta do consumidor de drogas.
Folha – E da miséria...
Lembo – Talvez no Brasil tenha esse componente também. O crime organizado destruiu valores. O
Brasil está desintegrado. Temos que recompor a sociedade. A questão social é muito grave.
Folha – O senhor é um homem público há tantos anos, está num partido, o PFL, que está no poder
desde que, dizem, Cabral chegou ao Brasil.
Lembo – Essa piada é minha.
Folha – O que o senhor pode dizer para um jovem de 15 a 24 anos, que vive em ambientes violentos
da periferia? Que ele vai ter escola? Saúde? Perspectivas de emprego? Como afastá-lo de
organizações criminosas como o PCC?
Lembo – Acho que você tem duas situações muito graves: a desintegração familiar que existe no
Brasil, e a perda... Eu sou laico, é bom que fique claro para não dizerem que sou da Opus Dei. Mas
falta qualquer regramento religioso. O Brasil está desintegrado e perdeu seus valores cívicos. É
ridículo falar isso mas o Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país
que só conheceu derrotas. Derrotas sociais... Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria
branca muito perversa.
Folha – Que ficou assustada nos últimos dia.
Lembo – E que deu entrevistas geniais para o seu jornal. Não há nada mais dramático do que as
entrevistas da Folha [com socialites, artistas, empresários e celebridades] desta quarta-feira. Na sua
linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor
restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar.
Folha – Tomar conhaque de R$ 900 [preço de uma única dose do conhaque Henessy no restaurante
Fasano].
Lembo – Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.
Folha – O senhor acha que essas pessoas são responsáveis e não percebem?
Lembo – O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você
tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na
sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio.
Folha – Onde o senhor responsabiliza essas pessoas?
Lembo – Onde? Na formação histórica do Brasil. A casa grande e a senzala. A casa grande tinha
tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram
libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA.
Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil.
Este país tem que deixar de ser cínico. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem
destruir, porque eu acho que só a verdade vai construir este país.
Folha – Mas qual é, objetivamente, a responsabilidade delas nos fatos que ocorreram na cidade?
Lembo – O que eu vi [nas entrevistas para a Folha] foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas
lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a
sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios
dos governos porque querem ter benesses do governo. Isso não vai ter aqui nesses oito meses [prazo
que resta para Lembo deixar o governo]. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder
sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais
solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.
Folha – O senhor diria que elas pensam que aquele rapaz de 15 a 24 anos, que vive perto da
selvageria...
Lembo – ...pode ser o Bom Selvagem do Rosseau? Não pode.
180
Folha – O endurecimento na legislação pode resolver o problema?
Lembo – Transitoriamente pode resolver. Mas se nós não mudarmos a mentalidade brasileira, o
cerne da minoria branca brasileira, não vamos a lugar algum.
Folha – O senhor diz que muita gente falou besteira sobre os episódios. Dos EUA, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso criticou a possibilidade de o governo ter feito acordo com os
criminosos para cessar a violência.
Lembo – Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me
conhecer e conhecer o governo de SP. Eu não posso admitir nem a hipótese de se pensar isso. Para
opinar sobre um tema tão amargo, tão grave, ele teria que refletir, pensar. E se informar. Quanto ao
presidente [FHC], pode ser que eventualmente ele tenha precedente sobre acordos. Eu não tenho.
Folha – Vimos o senhor dando muitas entrevistas na TV. Mas SP teve um outro governador
[Alckmin], tem um candidato ao governo e ex-prefeito [Serra]. O senhor ficou sozinho?
Lembo – No poder, um homem é absolutamente solitário. Houve momentos em que praticamente
fiquei sozinho. Mas devo agradecer a Polícia Militar e a Polícia Civil tamm, que estiveram firmes
ao meu lado.
Folha – O ex-governador Alckmin telefonou para o senhor em solidariedade?
Lembo – Dois telefonemas.
Folha – O senhor achou pouco?
Lembo – Eu acho normal. Os pulsos [telefônicos] são tão caros...
Folha – E o candidato José Serra?
Lembo – Não telefonou. Eu recebi telefonema da governadora Rosinha [do Rio de Janeiro] e de
Aécio Neves [governador de MG], que estava em Washington, ele foi muito elegante. Um ofício do
governador Mendonça, de Pernambuco. Recebi muitos apoios, do Poder Judiciário, e a Assembléia
Legislativa, deputados de todas as bancadas, nenhum partido faltou.
Folha – As autoridades paulistanas garantiram, nos últimos anos, que o PCC estava desmantelado,
que era um dentinho aqui ou ali. Elas enganaram os paulistanos?
Lembo – Não saberia responder. Eu não engano. Eu acho que nós ganhamos uma situação mas é um
grande risco. Temos que ficar muito atentos.
Folha – Essas autoridades garantiram que o PCC tinha acabado. Ou elas enganaram...
Lembo – Ou o dentinho era maior do que elas diziam.
Folha – Ou foram incompetentes. O senhor vê terceira alternativa?
Lembo – Pode ser que tenham sido exageradas no momento de transferir segurança. Quiseram ser
tranquilizadoras.
Folha – Então elas iludiram as pessoas?
Lembo – É possível.
Folha – O senhor pode dizer que o PCC pode acabar até o fim de seu governo?
Lembo – Só se eu fosse um louco. E ainda não estou com sinal de demência. Acho que o crime
organizado é perigosíssimo. Ele se recompõe porque ele tem possibilidades enormes na sociedade.
Folha – O ex-presidente Fernando Henrique não telefonou?
Lembo – Não, não. Ele estava em Nova York. O presidente Lula telefonou, foi muito elegante
comigo. Conversei muito com o presidente, ele me deu muito apoio. E o Márcio [Thomaz Bastos]
veio, conversamos firmemente, com lealdade. E ele chegou à conclusão que não era necessário nem
Exército nem a guarda nacional. Tivemos uma conversa responsável, e o equilíbrio voltou. Mostrei
que a Polícia Civil e a Polícia Militar tinham condições de fazer retornar a SP a ordem e a disciplina
social.
Folha – O Datafolha mostrou que 73% acham que o senhor deveria ter aceitado ajuda federal. O
governador Alckmin disse que não rejeitaria a ajuda.
Lembo – Ele decidiria, se fosse governador, como achava melhor. Eu decidi da forma que achei
melhor. Quanto às outras pessoas, faltou clareza de informação da minha parte. E aí me penitencio.
Não é que não aceitei ajuda do governo. Ao contrário. Desde sempre houve vínculo forte entre o
sistema de informação da polícia federal e a polícia de SP. A superintendência da PF em SP foi
extremamente leal, solícita e dinâmica. Eu tinha uma Polícia Militar muito aparelhada. Eu não
poderia tirar esse respeito e esse moral que a tropa tinha que ter naquele momento tão difícil
aceitando tanques de guerra do Exército. E aí uma sociedade que gosta de paternalismo, como a
brasileira, queria Exército, tropas americanas, tropas alemãs, tropas de todo o mundo aqui. Não é
assim. Temos que ser fortes, saber decidir em momentos difíceis e dar valor ao que é nosso. Foi o
181
que fiz. Em 48 horas liquidou-se o problema. O Exército é para matar o adversário. Eu queria
recolher os adversários possíveis. Nós estávamos num conflito social.
4.3.1.2 – EDITORIAL: Isolado, Lembo desabafa (19/05/2006)
A excepcionalidade da crise na segurança pública de São Paulo é tamanha que gerou um desabafo –
pelo tom, pelas palavras e pelos alvos escolhidos- raríssimo em política. Em entrevista a Mônica
Bergamo, publicada ontem nesta Folha, o governador Cláudio Lembo (PFL) ataca aliados, elogia
adversários e identifica no comportamento “cínico” da “minoria branca brasileira” a causa estrutural
do problema.
Um leitor que não conhecesse as origens políticas e a filiação ideológica de Lembo, deparando com a
entrevista na certa classificaria de “esquerdista” a sua retórica. “Nossa burguesia devia é ficar
quietinha e pensar muito no que ela fez para este país” e “a bolsa da burguesia vai ter de ser aberta
para poder sustentar a miséria brasileira” são duas de suas frases que seriam ovacionadas caso ditas
no Fórum Social Mundial.
Por mais que se possam discutir as premissas do lamento sociológico de Lembo, o fato é que o
discurso passa ao largo das responsabilidades imediatas que lhe cabem como chefe das forças de
segurança do Estado, logo após terem sofrido ataque sem precedentes do banditismo. Já na segunda
parte da entrevista, o alvo da crítica do governador transita do genérico ao específico: os tucanos,
sem excluir o ex-governador e pré-candidato ao Planalto Geraldo Alckmin.
Nos dias de crise, figuras ilustres do PSDB promoveram um sutil “desembarque” da gestão Lembo.
Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticaram ações do governador: FHC, por ter
negociado com o PCC o fim de rebeliões, o que Lembo nega; Alckmin, por ter rejeitado ajuda de
tropas federais – o Datafolha mostrou que essa recusa do governador pefelista foi considerada um
erro pela maioria dos paulistanos. O leitor fica sabendo na entrevista que nem FHC nem o ex-prefeito
José Serra, pré-candidato à sucessão estadual, telefonaram a Lembo na fase aguda da ação criminosa.
A entrevista pode ser lida como o desabafo de alguém que, em plena crise, se viu isolado por
companheiros que lhe prestavam solidariedade até a véspera dos acontecimentos. Se Lembo está
errado ao demonstrar grande fragilidade como homem público no momento em que os paulistas mais
precisam de um governo forte e coeso, está certo ao chamar os tucanos à sua responsabilidade.
Afinal, a selvageria em São Paulo é o atestado de que sucessivas gestões do PSDB no Estado,
incluindo a de Alckmin, fracassaram na tarefa de debelar o PCC.
4.3.1.3 – LEITOR: Ednilson Andrade Arraes de Melo, promotor de Justiça (15/05/2006)
Os ataques do PCC contra policiais e bases da polícia em São Paulo são o resultado de décadas de
descaso dos governos federal e estaduais com a segurança pública do país e, especialmente, do
chamado laxismo penal, que, de uns anos para cá, virou moda entre os juristas de nosso país. Com a
desculpa de que o crime é simplesmente o resultado de problemas sociais e econômicos (e não
também da falta de punição efetiva dos delinquentes), a legislação penal foi sendo cada vez mais
abrandada, a ponto de hoje um homicida doloso poder ficar poucos anos na prisão e, com a
progressão de regime, ir para as ruas. O governo deveria alterar a legislação penal e processual para
aumentar as penas nos crimes praticados com violência e grave ameaça. Em seguida, seria necessário
investir no sistema penitenciário, nas polícias e na Justiça a fim de que, junto com as alterações
legislativas, as punições passassem a ser mais eficientes.
182
4.3.2 – O ESTADO DE S. PAULO
4.3.2.1 – MATÉRIA: Pela paz, a punição / Dora Kramer (18/05/2006)
Militante das boas causas, o deputado Fernando Gabeira anda um tanto farto da conversa – “boa pra
boi dormir” – segundo a qual o avanço da criminalidade só seria contido se houver justiça social. Na
opinião dele, este tipo de raciocínio reflete uma “visão alienante” com origem na esquerda, e ainda
com grande aceitação em parte dela, referida no pressuposto de que se há igualdade não há violência.
Na concepção de Gabeira, urge uma mudança de atitude, tanto por parte do poder público, que
precisa ter estratégia, visão de conjunto, agilidade e instrumentos para reagir com ações específicas a
situações como as de São Paulo, quanto daquela parcela da sociedade que se mobiliza, protesta, mas
o faz de forma ineficaz e, até certo ponto, ingênua.
“Na Espanha, por exemplo, diante dos atentados terroristas a população vai para as ruas exigir a
punição dos culpados; aqui, as pessoas se vestem de branco e fazem passeata pela paz; é inteiramente
diferente a lógica da ação, embora ambas tenham como objetivo a paz”.
A visão alienante é, na opinião de Gabeira, também paralisante. “Imaginar que tudo se resolve pelo
social é acreditar que os países ricos não têm problemas de segurança pública”.
Para o deputado, este tipo de “resposta clássica” ante a ocorrência de episódios dramáticos, além de
traduzir apenas uma parte da realidade, pois é óbvia a influência das más condições de vida no
comportamento dos que caem no crime, “é uma maneira excelente de não enfrentar a questão que
ameaça os cidadãos aqui e agora. Ninguém pode esperar o país ficar rico na esperança de, assim,
recuperar o terreno perdido para o crime organizado”.
Enquanto os pré-candidatos a presidente da República trocavam acusações em Brasília em torno da
responsabilidade federal ou estadual sobre os ataques que assolaram São Paulo durante quatro dias e
faziam discursos indignados sobre coisas que a sociedade está cansada de saber, Fernando Gabeira
pegou um avião na terça-feira à tarde e foi a São Paulo conversar com o governador Cláudio Lembo,
pôr o mandato à disposição e ponderar sobre a necessidade de ações fortes e conjuntas das forças
federais e estaduais.
Um gesto aparentemente isolado, sem consequência prática, mas que, se fosse acompanhado, por
exemplo, por todos os candidatos à Presidência e mais alguns outros tantos pretendentes a governos
de Estado, poderia dar a dimensão do interesse e do empenho dos representantes populares no
enfrentamento da criminalidade como questão não de política partidária, mas de Estado.
“É preciso aproveitar esse momento para avançar, antes que os ânimos serenem, a indignação se
reduza e retornemos à habitual tendência de empurrar as coisas com a barriga até o próximo drama,
as próximas mortes, a próxima manifestação do poder que o crime organizado tem de aprisionar uma
cidade pela imposição do medo, da ameaça à vida.”
Há, na opinião dele, uma série de atitudes objetivas perfeitamente ao alcance do poder público.
Gabeira falou de duas delas com o governador de São Paulo: a montagem de uma contra-ofensiva
envolvendo polícias e Exército para aproveitar as pistas, as armas apreendidas e as informações das
pessoas presas agora, seria uma.
A outra, o exame da possibilidade de implantar um sistema eletrônico para o monitoramento
permanente dos presídios, com o objetivo de prevenir rebeliões e levantes de rua orientados de
dentro das cadeias. “É o caso de analisar o custo e o benefício”, diz o deputado.
Há também as alterações de atitude indispensáveis de serem postas em prática de imediato, enquanto
o tamanho do problema ainda está vivo nas memórias. “A inteligência, que sempre considerou a
segurança um tema menor, precisaria mergulhar nele como objeto de estudo e a sociedade pôr em
prática seu poder de cobrança não de forma dispersiva, boa para aplacar consciências, mas
183
insuficiente para sacudir as estruturas, tirá-las da indolência e atacar o inimigo com força à altura do
seu poderio.”
4.3.2.2 – EDITORIAL: Não há dinheiro que chegue (21/05/2006)
O surto terrorista que São Paulo enfrentou nos últimos dias expôs a incapacidade do poder estatal de
prover uma das necessidades básicas de toda sociedade, não por acaso essencial à sua coesão em
termos minimamente civilizados. Mas essa incapacidade do Estado, em qualquer dos seus níveis, de
garantir a segurança e a ordem pública é a expressão mais contundente e literalmente assustadora de
uma crise profunda e sem solução à vista no horizonte que se é capaz de vislumbrar.
A crise consiste na imensa desproporção entre a infinidade de demandas sociais e o desafio que elas
impõem à atuação do poder público, de um lado, e de sua incapacidade financeira de responder
satisfatoriamente a esse desafio, de outro. O Estado nacional, entre os países que o Brasil se
compara, é que mais recurso tira da sociedade, como parcela das riquezas que ela produz. Ainda
assim, é como se os governos tivessem de correr cada vez mais depressa para ao menos não permitir
que continue se aprofundando o abismo entre o que deles se cobra e o que eles de fato podem
proporcionar.
A culpa não deste ou daquele governante, deste ou daquele núcleo dirigente, muito menos, ao
contrário do que se repete, do maior ou menor grau de consciência social da “minoria branca”, na
expressão do governador de São Paulo. Simplesmente, nenhum governo dá conta do recado em
virtude dos constrangimentos financeiros que a Administração para atender com a eficiência
necessária as demandas não apenas legítimas mas também crescentes – e de cujo atendimento
depende a velocidade com que o Brasil chegará ao pleno desenvolvimento econômico, social e
político.
Nesse sentido, o descalabro dos sistemas de segurança – no plural, porque englobariam, além dos
serviços de repressão ao crime e de garantia de segregação dos criminosos, também o Judiciário –
seria o menos dramático, por seus efeitos potencias a longo prazo, do que as formidáveis carências
que a tudo resistem nas áreas de educação e saúde, as quais completam o tripé das obrigações
fundamentais que justificam o ativismo do Estado. O que o poder público está devendo à sociedade
em matéria de segurança não é mais do que devia em outros campos. A diferença é que, no primeiro
caso, a cobrança da dívida irrompe em surtos estrepitosos porque se traduz em bárbaras exibições da
força do crime organizado, como essa que traumatizou São Paulo.
Mas quantas vidas se perdem ou se debilitam em silêncio devido às deficiências do sistema de saúde
pública? E quantas vidas deixam de desenvolver as suas possíveis aptidões devido a um desastroso
sistema de ensino que despeja no mercado legiões de brasileiros sem as qualificações básicas –
técnicas e culturais – para integrar a vida econômica nos moldes das sociedades contemporâneas
adiantadas? O gritante paradoxo é que o Estado não é omisso: atende a tudo e a todos: há cada vez
mais alunos nas escolas, a mortalidade infantil diminui (e a expectativa de vida aumenta) e as
estatísticas em São Paulo, apesar das aparências em contrário, indicam ganhos consistentes no
combate às principais formas de criminalidade.
Acrescente-se a isso que, visto em perspectiva histórica, o Brasil foi muito mais longe do que se
supunha há questão de um século, quando os estudiosos começaram o mito confortável da “terra
dadivosa e boa” e outras construções idílicas do gênero, ou passaram a empilhar no outro prato da
balança os tremendos obstáculos que precisariam ser vencidos para a ruptura com o atraso secular.
Ocorre que o próprio desempenho do País nestes 20 anos de democracia – a mais longa experiência
democrática brasileira com participação ampliada – formou uma agenda de problemas a resolver
mais complexa que a daqueles que mal ou bem foram enfrentados com resultados à época aceitáveis.
Evidentemente, somente um ritmo de crescimento econômico – e, portanto, da capacidade da
economia de sustentar o Estado – que supere o ritmo de crescimento das exigências sociais em saúde,
educação e segurança é que acenderia a luz no fim desse túnel. E somente uma política fiscal
judiciosamente conduzida, que contemple não apenas as necessidades da Administração, mas
184
sobretudo as do investimento, da produção e do trabalho, criará as condições para a aceleração
sustentada do ritmo de crescimento e que, portanto, produziria recursos à altura das demandas
sociais.
4.3.2.3 – LEITOR: Leão Machado Neto (19/05/2006)
O presidente Lula disse o óbvio: a falta de investimentos em educação – que é função dos homens
públicos – está na raiz da criminalidade. Mas não é só isso. Há também um importante componente
da índole das pessoas nessa história. Senão, vejamos: a imensa maioria do povo brasileiro é pobre,
carente, sofrida e com baixa instrução. Mas é honesta, trabalhadora, não mata nem rouba. Por outro
lado, alguns pol´ticos e empresários, com boa formação escolar e intelectual e, sobretudo, ricos,
roubam, enganam, mentem e sonegam. Alguns têm o descaramento de desviar até a verba para a
compra de ambulâncias, enquanto o povo morre na fila do SUS. A esta singela diferença se dá o
nome de caráter. Estes meliantes do dinheiro público são tão nocivos à sociedade quanto o PCC.
FECHAMENTO
Não há dúvidas de que o enquadramento realizado pelos jornais Folha e Estado de
S. Paulo apoiou a manutenção da “ordem” em detrimento das garantias individuais, uma
vez que apoiou incondicionalmente a provação de leis penais mais severas como forma de
coibir a criminalidade organizada dentro do sistema carcerário. Além do endurecimento das
penas, demonstramos como os dois jornais também apontaram que a solução do problema
estava relacionada ao desempenho econômico do País, não sendo, portanto, um reflexo de
injustiças sociais agravadas ao longo da história brasileira.
Além dos temas especificados acima, vários outros poderiam ser os exemplos dessa
tendência que entende a prisão como lugar de punição e não de reabilitação. Vale citar
outros dois: a notícia de um ato ecumênico na catedral da Sé onde representantes de
entidades religiosas e de direitos humanos manifestaram solidariedade à polícia e
afirmaram que não seriam um obstáculo para as “ações rigorosas e eficientes em defesa da
sociedade”. “A prioridade hoje tem de ser a defesa dos direitos humanos das pessoas de
bem. Aquelas que são vítimas dos atos criminosos”, afirmou o rabino Henry Sobel (FSP,
16/05/2006: C10). Da mesma forma, o presidente da Câmara Federal, Aldo Rebelo
(PCdoB) defendendo “o uso da força” e criticando a “concepção humanista de segurança”,
que teria subtraído do Estado o poder de repressão ao crime (OESP, 16/05/2006: A3) e, por
185
isso, condenou uma visão de direitos humanos que deixava em segundo plano “os direitos
de ir, vir e viver da sociedade em geral” (Idem).
Além disso, em mais de uma circunstância, percebemos como o jornalismo atual, ao
mesmo tempo que registra tão bem o drama social, a tônica do discurso sobre as causas da
tragédia acabou reforçando-a na medida em que defende a manutenção de uma ordem que
ele mesmo considera injusta para uma parcela da população. Evidente que os jornais
procuraram amenizar essa tendência, que em outros meios de comunicação, especialmente
a mídia eletrônica, chegou ao extremo do sensacionalismo. Tanto o Estadão quanto a Folha,
e esta em maior intensidade, foram honestos em publicar especialmente nos cadernos
dominicais, Aliás e A+, outros pontos de vistas que deram ao leitor condições necessárias
de formar a sua opinião sobre esta questão tão complexa.
Foi o caso, também, do jornalista Gilberto Dimenstein, principal articulista da
Folha, que dois meses após a semana dos ataques chamou a atenção para a vulnerabilidade
da periferia paulistana aos apelos do PCC, onde vivem 65% da população com idade entre
15 e 19 anos. Trata-se de um contingente potencial para recrutamento às facções, como foi
o caso de um jovem de 16 anos, preso em flagrante enquanto se preparava para atear fogo
em mais um ônibus. Em seu depoimento a uma emissora de tevê, a mãe, resignada,
explicou que o pagamento seria consumado após o término da ação.
No artigo “Escola do crime”, Dimenstein revelou estatísticas aterradoras: a taxa de
desemprego em diversos bairros da periferia chegava a 70%. Aproximadamente 500 mil
jovens entre 15 e 24 anos – “o suficiente para lotar cerca de oito estádios do Morumbi” –
nem estudam nem trabalham. Somando a desestruturação familiar, o jovem nessas
condições vê o caminho para um crime como uma “linha reta” (FSP: 14/07/2006).
Passados três anos daquela onda de violência que traumatizou São Paulo,
lamentamos apenas que a tônica dos discursos assumiu um enquadramento maniqueísta
(“mocinhos vs. bandidos”) que não exige explicações mais aprofundadas. Em relação ao
endurecimento das políticas penitenciárias, os resultados ainda estão aí, apesar de não mais
denominarem o PCC, preferindo atribuir à “uma facção criminosa” as recorrentes ações
criminosas: mortes, reféns, desespero dos familiares, angústia e impotência dos
funcionários, dominação da população carcerária. Tanto presos, como agentes de
186
segurança, carcereiros e familiares, a sociedade em geral, acabamos arcando com o ônus
dessa representação distorcida que os jornais fazem do sistema prisional.
Mesmo com o endurecimento das políticas penitenciárias, os chefes do PCC ainda
continuam arregimentando cada vez mais gente que não tem nada a perder, presos
foragidos, indultados, a maioria jovens, sem perspectiva de ser absorvidos pela sociedade.
Enquanto isso, a imprensa ainda procura os culpados pela ineficiência do sistema
carcerário, ignorando que a origem da violência, primeiramente banalizada e, em seguida,
organizada e centralizada nos presídios, situa-se bem mais próximo de nós do que se
imagina.
No entanto, percebemos algumas pistas animadoras em relação ao comportamento
da imprensa em nível mundial. Ressaltamos, por exemplo, o esforço empreendido por Dov
Shinar
194
, decano fundador da Escola de Comunicação e da Faculdade de Administração de
Israel, onde coordena o curso de Graduação e o “Fair Media” (o centro israelita de Estudos
de Conflito, Guerra e Paz, na Escola de Comunicação da Faculdade de Netanya). Seus
conceitos baseiam-se na premissa de que uma estrutura democrática do jornalismo deve
procurar atingir um equilíbrio viável entre os anseios sociais públicos por informação
contextualizada e transparente, desvinculada, tanto quanto possível, de interesses
particulares. Shinar defende que a estrutura democrática e a orientação jornalística para a
paz estão intimamente ligadas e que “o jornalismo para a paz é uma estratégia que visa à
melhoria das representações da mídia, da construção da realidade e da consciência crítica”
(Shinar, 2008: 42).
Face a situações de conflitos permanentes, como ocorre em Israel, com a “questão
palestina” e em São Paulo com a “questão carcerária”, mutatis mutandis, os jornalistas
precisam se conscientizar das consequências da histórias que contam, mas que podem
assumir um caráter libertário caso seja preservado o mesmo direito de expressão às partes
envolvidas e introduzido o discurso da não-violência nesses relatos. Concordamos com
Shinar que o jornalismo voltado para a paz pode sim ajudar a reduzir o desnível
socioeconômico e a exploração humana, mas isso apenas se incentivar o respeito social
pelos elementos mais frágeis das sociedades em desenvolvimento:
194
O Programa de Pós-Graduação na Faculdade Cásper Líbero, em conjunto com a Coordenadoria de
Jornalismo, promoveu o “Seminário com Dov Shinar”, em duas conferências distintas: “Jornalismo de Paz em
Tempo de Conflitos” e “Mídia, Arte e Memória: o Holocausto” (21 2 22/08/2009).
187
Análises de estatísticas do Terceiro Mundo demonstram um espantoso aumento dos índices de
pobreza, fome, doenças fatais, mortalidade infantil, destruição física e cultural, analfabetismo e
outros problemas (Relatório Anual UNDP 2005). Presumindo-se que as cifras estão corretas, não se
pode senão concluir que, no geral, as políticas de desenvolvimento fracassaram quanto a atingir seus
objetivos (SHINAR, 2008, 40).
Eis, portanto, um novo olhar sobre o papel da imprensa como agente do
desenvolvimento sócio-econômico quando ela promove da consciência crítica e de uma
melhor compreensão do eu e do outro. Dependo do comportamento que adote, os
jornalistas podem contribuir para a guerra, o genocídio, o terrorismo, opressão e a
repressão, bem como para a segurança, a dignidade, o crescimento e o poder de decisão por
cidadãos, com base em informações responsáveis. Para tanto, Shinar destaca um série de
atuações que podem:
1. Elevar os padrões profissionais e a consciência social de jornalistas e de suas
organizações;
2. Encorajar uma transição nas práticas de transmissão de mídia mobilizada,
hegemônica e hierárquica, para processos de transmissão-recepção mais
equilibrados e negociados;
3. Apresentar visões da realidade honestas, confiáveis e autônomas, considerando
cada sociedade e cultura;
4. Empenhar-se em produzir mudança humana e social e em desenvolver
consciência crítica de uma melhor compreensão do eu e do outro.
Com base nessas premissas, concluímos que o jornalismo pode sim desenvolver
regras básicas para ajudar a comunidades na solução de conflitos, ilustrando diversidades,
espontaneidades e flexibilidades. Pode também ampliar debates e contextos demonstrando
que um conflito é contornável pela busca de esclarecimento. Pode refazer perguntas
essenciais, enfocar assuntos centrais, enfatizar fatos contraditórios e articular a opinião
pública enfocando os aspectos positivos mais que as controvérsias. Pode ainda acalmar
emoções dirigindo posições antagônicas para discussões de interesse comum. Mas para não
ficar apenas no sonho, Shinar nos apresenta algumas estratégias possíveis e práticas para
facilitar a atividade jornalística orientada para a paz. Entre as várias atividades sugeridas,
destacamos algumas:
Treinar etnicamente, ou de outra forma, diversas equipes de jornalistas para atuarem juntas,
apresentando uma visão equilibrada de fatos com redução de reportagens partidárias; proporcionar
treinamento prático para repórteres e editores, visando desenvolver suas capacidades profissionais
188
sobre as bases do bom jornalismo: padrões de reportagem, controle de boatos, verificação de fatos e
validade das fontes, redução de preconceito, reconhecimento da necessidade de apresentar mais do
que um lado da questão, etc; engajar jornalistas em exercícios focalizados em evitar estereótipos e
preconceitos, ao fazer cobertura “do outro”; desenvolver seminários sobre cobrir a “outra parte”, nos
quais jornalistas e editores possam discutir problemas e soluções ao cobrir tópicos sensíveis e a
serviço de sua audiência específica; estimular a redução do controle governamental sobre a
comunicação, assim como regular o controle comercial; estabelecer e apoiar instituições locais de
monitoramento da mídia (SHINAR, 2008: 47).
189
CONSIDERAÇÕES FINAIS
190
Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles.
Dos que sofrem maus tratos, como se, com efeito, vós mesmos em pessoa fôsseis os maltratados.
Epístola aos Hebreus
INCONCLUSAS ESPERANÇAS
Em 1993, N. Christie qualificou a prisão da atualidade como um “novo
holocausto”
195
. Ele chegou a esta conclusão ao observar o sistema carcerário dos Estados
Unidos, onde vários milhões de pessoas “viviam” em situações subumanas (seja nos
corredores da morte, nas penitenciárias públicas e privadas, nos campos e colônia de
trabalho forçado, nos regimes de semi-liberdade ou nos centros psiquiátricos).
Conhecendo de perto a realidade carcerária brasileira, só nos resta lamentar que as
conclusões dos debates sobre a questão carcerária paulista se pautem na experiência norte-
americana, resumida em dois pilares fundamentais sobre os quais se assentam as
campanhas de law and order, “tolerância zero”, etc: a eliminação (física) e/ou a
neutralização (arquitetônica, mecânica, etc) dos transgressores.
Interessante ressaltar que concluímos esta dissertação justamente num momento em
que o STF (Supremo Tribunal Federal) achou por bem derrubar a obrigatoriedade do
diploma para o exercício da profissão de jornalista. Digno de registro o parecer do
195
CHRISTIE, N. (1993), La industria del control del delito. ¿La nueva forma del holocausto?. Buenos Aires:
Ediciones del Puerto. Citado por Iñaki Rivera Beiras, in: “Lineamientos garantistas para una transformación
radical y reduccionista de la cárcel (una visión desde España)”. Universitat de Barcelona, 2000.
191
presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, relator do caso, de que o
diploma de jornalista não garante que não haverá danos irreparáveis ou prejudicar direitos
alheios:
Quando uma noticia não é verídica ela não será evitada pela exigência de que os jornalistas
frequentem um curso de formação. É diferente de um motorista que coloca em risco a coletividade.
A profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade tais como medicina, engenharia,
advocacia nesse sentido por não implicar tais riscos não poderia exigir um diploma para exercer a
profissão. Não há razão para se acreditar que a exigência do diploma seja a forma mais adequada
para evitar o exercício abusivo da profissão (FSP, 17/06/2009).
É no mínimo irresponsável achar que a profissão de jornalista não oferece perigo de
dano à coletividade, haja vista que as conclusões a que chegamos nesta dissertação
demonstram justamente o contrário do que pensa o presidente do Supremo. A decisão do
STF vai na contramão inclusive de esforços em nível internacional sobre a importância do
jornalista na superação de conflitos mais diversos. Ao derrubar a obrigatoriedade do
diploma, o Supremo acabou forçando um grande retrocesso para a recente democracia
brasileira.
De fato, esta dissertação demonstrou a relevância do papel dos jornais para a
sociedade democrática, que melhora na medida na mesma medida em que o discurso
jornalístico equilibra os anseios sociais públicos aos interesses particulares. Jornalismo e
democracia caminham tão próximos que é imaginável pensar um sem o outro. Por isso,
insistimos que saídas para as precariedades do sistema carcerário que geraram e têm
fortalecido facções perigosíssimas como o Primeiro Comando da Capital dependem
completamente do retrato que o jornal faz da prisão para a sociedade.
A Folha e o Estadão reconhecidamente tiveram um papel importante na
redemocratização do país. Também ofereceram contribuições importantes em momentos
delicados da história recente. São reconhecidas as suas ações na defesa dos direitos das
minorias oprimidas e na denúncia dos vários escândalos de corrupção que envolvem os
principais escalões governamentais. Se o Brasil é um pouco melhor neste ano de 2009, não
podemos negar contribuição da imprensa brasileira, em especial a Folha e o Estado.
Infelizmente esse mesmo empenho não se reflete na relação dos jornais com o
sistema prisional. No entanto, concluímos essa dissertação na esperança de que a imprensa
se liberte e ajude a libertar a sociedade dos preconceitos em relação ao sistema prisional,
192
percebendo que problema de preso acaba se ligando com todos os grandes problemas
humanos, com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.
Esperamos, portanto, que os jornais ajudem a mudar a mentalidade que considera a
prisão como uma forma de segregação social, que faz do aprisionamento o expediente de
reafirmação inconsciente da exclusão social refletida na população carcerária, formada em
sua maioria por jovens provenientes dos berços da pobreza; que ajude a combater a
superlotação nos cárceres, demonstrando que a agilidade da polícia e do Poder Judiciário
em prender é inversamente proporcional aos esforços envidados à soltura dos presos; que
ajude a superar as oposições no âmbito municipal, que empurram para longe dos olhos a
desgraça humana; que denuncie as precárias condições de trabalho nas penitenciárias,
agravadas por funcionários que sequer têm uma noção mínima sobre direitos humanos para
o sistema prisional, como ocorre na Grã-Bretanha; que pressione juízes, Ministério Púbico
e conselhos penitenciários a cumprirem o que determina a Lei de Execução Penal em
relação às visitas regulares nos locais de detenção; que faça a Assembleia Legislativa
entender que enquanto não se aprova a Lei Penitenciária Local, o sistema fica dependente
da conveniência da direção de cada unidade em praticar ou não os princípios do Estado de
Direito; que ajude a pressionar o governador do Estado a instituir em definitivo a Ouvidoria
Penitenciária.
Poderíamos enumerar várias outras possibilidades de como a imprensa pode ajudar
na humanização do cárcere, mas nos contentamos se os jornalistas percebessem que as
lacunas abertas acabam fortalecendo ainda mais os “ideais” das facções criminosas, quando
estas se reafirmam supridoras, a seu modo, das carências da população carcerária,
transformando a “filiação” muitas vezes a única possibilidade de sobrevivência. De fato, a
imprensa conhece de perto as irregularidades do sistema bem como as violações do
princípio constitucional da dignidade humana.
Seria um bom começo se ela reconhecesse a sua parcela de culpa nas crueldades
nele cometidas particularmente quando contribui para estigmatizar o preso na sua inglória
luta para se reintegrar à sociedade. Também ajudaria se os jornais ajudassem a pressionar o
Congresso Nacional a ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a
Tortura, o que certamente coibirá em muito a violação da dignidade humano no interior do
cárcere. Isso seria um bom começo, e como seria.
193
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197
ANEXOS
198
TABELA I: ORGANOGRAMA DA POLÍCIA PAULISTA
Fonte: portal da Secretaria de Segurança Pública: www.ssp.sp.gov.br.
1. Conselho Estadual de Trânsito (Constran)
Entre outras atribuições, compete ao Constran zelar pelo cumprimento da legislação de trânsito;
resolver ou encaminhar ao Conselho Nacional de Trânsito – Contran consultas de autoridades e de
particulares, relativas à aplicação da legislação de Trânsito, bem como propor medidas para aperfeiçoamento
dessa legislação; regulamentar a expedição da autorização para condução de veículos; propor ao Contran a
fixação do valor das multas que devem ser aplicadas no Estado; organizar a estatística geral do trânsito,
especialmente dos acidentes e infrações; etc.
2. Conselhos Comunitários de Segurança – CONSEG
Através do Decreto no. 23.455, de 10 de maio de 1985, regulamentado pela Resolução SSP 37, de 16
de maio do mesmo ano, no governo Franco Montoro, foram criados os Conselhos Comunitários de
Segurança, os quais são constituídos de autoridades policias e grupos de pessoas do mesmo bairro ou do
mesmo município que se reúnem para discutir e analisar seus problemas de segurança, propondo as soluções e
acompanhando sua aplicação.
3. Administração Superior e Sede da Secretaria (ASSS)
O Decreto no. 25.366, de 11 de junho de 1986, criou na Administração Superior e da Sede a função
de Coordenador para assuntos dos Conselhos Comunitários de Segurança. Antes disso, o Decreto nº 6.918, de
28 de outubro de 1975, reorganizou a Administração Superior e da Sede da Secretaria de Estado dos Negócios
da Segurança Pública, determinando que sua estrutura básica ficasse constituída da seguinte forma,
diretamente subordinada ao Secretário: I - Gabinete do Secretário; II - Assessoria Técnica; III -
Coordenadoria de Informações e Operações (CIOP); IV - Corregedoria Geral de Polícia; V - Conselho
Superior de Polícia. Vincula-se ao Secretário da Segurança Pública o Conselho Estadual de Trânsito. Com o
decorrer dos anos, e a evolução e modernização da sociedade, ocorreu a necessidade de se reformular e
aprimorar os trabalhos policiais, como por exemplo, a transformação da Coordenadoria de Informações e
Operações-CIOP, em Coordenadoria de Análise e Planejamento - CAP (Decr. 21.414/83), dentre outras,
culminando com a atual organização.
199
4. Polícia Civil do Estado de São Paulo
Instituição integrante da estrutura da Secretaria de Estado dos negócios da Segurança Pública, que
tem por atribuição precípua o desenvolvimento das atividades de Polícia Judiciária (investigação dos crimes e
preparação dos respectivos procedimentos legais) e Administrativa. A apuração de ilícitos penais, indicados
no Código Penal Brasileiro e legislação complementar, obedecem os dispositivos do Código de Processo
Penal Brasileiro, bem como outros diplomas legais que tratam do assunto (p. ex. Lei nº 9.099/95). As
atividades Administrativas são desempenhadas com base na legislação pertencente ao ramo das Ciências
Jurídicas denominado Direito Administrativo. Para a realização de suas tarefas, possui estrutura hierarquizada
em carreiras e classes, conforme quadro abaixo:
Direção Unidade Atividade Desenvolvida
Órgão Delegacia Geral de
Polícia – DGP
Responsável pela macro estrutura da Polícia Civil, é dirigida pelo
Delegado Geral de Polícia.
Consultivo Conselho da
Polícia Civil – CPC
Órgão colegiado, composto pelo Delegado Geral de Polícia, Diretores
dos Departamentos da Polícia Civil e Delegado Chefe da Assistência
Policial Civil do Gabinete do Secretário da Segurança Pública, que se
manifesta acerca dos “elevados” assuntos Institucionais.
Apoio A. T. P. C. Assessora o Delegado Geral de Polícia nos assuntos em que deve se
manifestar.
Apoio D. A. P. Cuida dos assuntos de natureza administrativa - recursos humanos e
materiais transportes, protocolo e arquivo, execução policial, finanças,
entre outros.
Apoio DIPOL É o Departamento encarregado da denominada inteligência policial,
tecnologia de informação e comunicações.
Apoio e
Execução
Corregedoria Trata da apuração de infrações disciplinares e penais cometidas por
policiais civis.
Execução DECAP Dirige as Delegacias Seccionais, Delegacias de Defesa da Mulher,
Delegacia de Polícia de proteção ao idoso, Delegacias de Polícia da
Infância e da Juventude e Distritos Policiais da Capital.
Execução DEMACRO Comanda todas as Unidades da Polícia Civil da Macro São Paulo
(Distritos, GARRA, Delegacias de Município etc).
Execução DEINTER (1 a 9) É responsável pela estrutura da Polícia Civil nas 9 regiões distribuídas
pelo Estado de São Paulo.
Execução DEIC Tem por atribuição a investigação do crime organizado, através das
Divisões de Investigação sobre Crimes Contra o Patrimônio,
Investigações sobre Furtos e Roubos de Veículo e Cargas, Anti-
sequestro e Investigações Gerais.
Execução D. H. P. P. Investigação dos crimes de Homicídio, Latrocínio, tentativa de
homicídio (roubo seguido de morte), bem como atividades de proteção
à pessoa (P. ex.: Delegacia de Pessoas Desaparecidas).
Execução DENARC É o Departamento de Investigações sobre Narcóticos. É composto
pelas Divisões de Investigações sobre Entorpecentes, Prevenção e
Educação, bem como a de Inteligência e Apoio Policial.
5. Polícia Militar do Estado de São Paulo
Instituição também integrante da Secretaria de Segurança Pública, a quem compete executar o
policiamento ostensivo fardado, “a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e
o exercício dos poderes constituídos”; atuar de maneira preventiva como força de dissuasão em locais ou
áreas específicas onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; atuar de maneira repressiva, em casos
de perturbação da ordem, precedendo ao eventual emprego das Forças Armadas; proceder ao policiamento do
tráfego urbano, das vias de comunicação ferroviárias, rodoviárias e fluvial, assim como das respectivas
instalações de uso público, das florestas, dos locais e recintos destinados à prática de desportos ou a diversões
públicas, dos portos e aeroportos, em colaboração com a União, das vias e logradouros públicos, das
200
repartições públicas e dos recintos fechados de frequência pública, das partes externas dos estabelecimentos
carcerários ou penais e dos prédios e recintos particulares; prevenir e extinguir incêndios; prestar socorro
públicos e proceder à operação de salvamento; auxiliar a população nos casos de emergência ou de
calamidade pública; prestar honras e dar guarda e assistência a militares e autoridades; atender à convocação
do Governo Federal, em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave subversão da ordem ou
ameaça de sua irrupção, subordinando-se ao Comando da Região Militar para encargo em atribuições
específicas de polícia e guarda territorial.
6. Departamento Estadual de Trânsito - DETRAN
É órgão subordinado diretamente ao Secretário da Segurança Pública, sendo de sua competência, dentre
outras, planejar, executar e controlar os serviços de engenharia de tráfego; registro e licenciamento de
veículos; Habilitação de condutores; fiscalização e policiamento de trânsito; segurança e prevenção de
acidentes; exames médico e psicotécnico necessários à habilitação de condutores; aprendizagem para
conduzir; cursos e campanhas educativas de trânsito; investigação e apuração de delitos e contravenções de
trânsito de autoria desconhecida.
7. Superintendência da Polícia Técnico-Científica
Através do Decreto no. 42.847, de 09 de fevereiro de 1998, o qual normatizou a Lei Complementar no.
756, de 27 de julho de 1994, foi criada a Superintendência da Polícia Técnico-Científica, órgão técnico-
científico auxiliar da atividade de polícia judiciária e do sistema judiciário, responsável pelas perícias
criminalísticas e médico-legais no Estado, com nível de Coordenadoria. Anteriormente, tanto os Institutos
Médico Legal e de Criminalística eram subordinados ao extinto Departamento Estadual de Polícia Científica-
DEPC, da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Tem por finalidade: coordenar e supervisionar os trabalhos
de pesquisas nos campos da Criminalística e da Medicina Legal; proceder a estudos técnicos no âmbito de
suas atividades específicas; prestar orientação técnica às unidades subordinadas; manter intercâmbio com
entidades ligadas às áreas científicas correspondentes; exercer as atividades inerentes aos sistemas de
administração geral e zelar pela regularidade das atividades exercidas nas unidades subordinadas.
201
TABELA 2: ORGANOGRAMA DO PODER JUDICIÁRIO
Informações obtidas no portal www.nev.incubadora.fapesp.br, acessado em 10/07/2009:
http://nev.incubadora.fapesp.br/portal/segurancajustica/judiciario/organogramadojudiciario.
202
TABELA 3: ORGANOGRAMA DO SISTEMA CARCERÁRO PAULISTA
Informações obtidas no portal da Secretaria de Assistência Penitenciária, acessado em 10/07/2009:
http://www.sap.sp.gov.br/download_files/image_files/fotos/organograma/organograma.gif
OBS: O Estado de São Paulo possui 147 Unidades Prisionais, sendo 1 de Segurança Máxima, em
Presidente Bernardes; 74 Penitenciárias; 36 Centros de Detenção Provisória – CDPs, mais um anexo com essa
mesma função; 22 Centros de Ressocialização; 7 Centros de Progressão Penitenciária; 2 Institutos Penais
Agrícolas; 6 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
MODELOS ARQUITETÔNICOS
1. Penitenciária Compacta
Capacidade: 768 presos; regime fechado; oferece
mais condições de recuperação; possui oficinais,
salas de aula, parlatório, cozinha, ambulatório
médico, local adequado para banho de sol; geração de
empregos diretos: 367.
203
2. Ala de Progressão Penitenciária
Capacidade 108 presos: regime semi-aberto; unidades
construídas junto a estabelecimento de regime fechado.
3. Centro de Ressocialização
Capacidade: 210 presos; unidade mista (regimes fechado,
semi-aberto e provisório); administrado em parceria com
ONG; participação “efetiva” da comunidade; serviços
assistenciais, saúde, odontológico, psicológico, jurídico,
social, educativo, religioso, laborterápico, etc;
manutenção do reeducando (custo reduzido); baixo índice
de reincidência; geração de empregos diretos: 61 cargos.
4. Centro de Detenção Provisória
Capacidade: 768 presos; estabelecimentos para presos que
aguardam julgamento; construído p/ abrigar a população
dos DPs e cadeias; oferece atendimento médico e
odontológico; parlatório e sala de audiência; celas
reforçadas com chapas de aço; detector de metais e
sistema de alarme e TV; geração de empregos diretos:
293; presos provisórios (regime fechado).
204
5. Centro de Progressão Penitenciária
Capacidade: 672 presos; regime semi-aberto; mais
facilidade de ressocialização; oficinas de trabalho;
salas de aula; o preso trabalha dentro e fora do CPP;
geração de empregos diretos: 233.
6. Centro de Readaptação Penitenciária
Capacidade: 160 presos; celas individuais (segurança
máxima); segurança: sistema interno de TV,
detectores de metais, equipamento de alarme e
bloqueador de celular; RDD - Regime Disciplinar
Diferenciado; número de tentativas/fugas: ZERO;
Geração de empregos diretos: 207.
205
ESTRUTURA DOS JORNAIS FOLHA E O ESTADO DE S. PAULO
1. Conheça a Folha:
196
“O jornal mais influente do Brasil”
Fundada em 1921, a Folha é, desde a década de 80, o jornal mais vendido no país (no ano passado, a
circulação média foi de 302 mil exemplares em dias úteis e 365 mil aos domingos). O crescimento foi calcado
nos princípios editoriais do Projeto Folha: pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Organizado em cadernos temáticos
diários e suplementos, tem circulação nacional. Foi o primeiro veículo de
comunicação do Brasil a adotar a figura do ombudsman e a oferecer conteúdo on-line a seus leitores.
Endereço: al. Barão de Limeira, 425, CEP 01202-900, Campos Elíseos, São Paulo, SP, Brasil.
Linha editorial: “A marca da Folha”
A Folha estabelece como premissa de sua linha editorial a busca por um jornalismo crítico,
apartidário e pluralista. Essas características, que norteiam o trabalho dos profissionais do Grupo Folha, foram
detalhadas a partir de 1981 em diferentes projetos editoriais. Desde então, foram produzidos seis textos que
procuram traduzir na prática os princípios que constituem, no seu conjunto, o Projeto Folha.
Novo Manual da Redação
A fim de traduzir em normas a sua concepção de jornalismo, a Folha
criou em 1984 o Manual Geral da Redação. O texto não se limitava a impor
regras gramaticais e padronizar a linguagem. Dava ao jornalista noções de
produção gráfica, definia conceitos e servia como base para discussões no
dia-a-dia da Redação. Esse manual teve uma segunda edição, revista e
ampliada, em 1987. Em 1992, a Folha editou o Novo Manual da Redação e,
em 2001, o Manual da Redação que está em vigor até hoje. Nele, as regras
anteriores se flexibilizavam, admitindo nuances, deixando de lado uma
padronização considerada intransigente. Como afirma sua introdução, as
normas do novo manual "apostam na iniciativa e no discernimento
individuais, na inventividades das soluções em cada caso e na disposição para
manter o jornalismo em aperfeiçoamento constante".
Cadernos diários
Folha Brasil
No primeiro caderno da Folha, a editoria se dedica à
vida política, institucional e aos movimentos sociais.
Procura oferecer ao leitor informações pluralistas e
apartidárias, para que ele exerça sua cidadania. É, ao
mesmo tempo, um instrumento fundamental para os
formadores de opinião, que nele encontram análises sobre
os últimos acontecimentos.
196
Informações da própria Folha (www.folha.com.br), acessado em 10 de outubro de 2009.
206
Folha Ciência
Notícias sobre as últimas descobertas e pesquisas mais
recentes e importantes no Brasil e no mundo, com
especial atenção para o didatismo e para o uso de
recursos visuais na explicação de assuntos complexos.
(Aos domingos, é publicado junto ao caderno Mais!)
Folha Cotidiano
Oferece ao leitor informações úteis ao seu dia-a-dia nas
áreas de segurança, educação e direito do consumidor.
Traz diariamente notícias relativas às principais capitais
do país. Na edição São Paulo, concentra sua cobertura na
capital paulista. Procura prestar serviço ao leitor sobre
temas como direito do consumidor, saúde, trânsito e
meteorologia.
Folha Dinheiro
A conjuntura econômica, brasileira e internacional, e o
mundo dos negócios são o principal alvo do caderno
Folha Dinheiro. A seção Opinião Econômica tem como
objetivo manter o pluralismo de opiniões. Com
informações precisas, linguagem clara e elucidativa, o
caderno orienta quanto a investimentos, traz indicadores
econômicos e faz a cobertura de temas que mereçam
atenção especial em função da conjuntura econômica.
207
Folha Esporte
O Folha Esporte trata o esporte como espetáculo e
fenômeno empresarial. É atualmente um dos cadernos
mais lidos da Folha. Aborda o tema de forma
diferenciada. Além de acompanhar os principais
campeonatos, traz assuntos relacionados a política,
marketing, legislação e moda. Foi o primeiro a usar
estatísticas, preparadas pelo Datafolha, na análise
esportiva.
Folha Ilustrada
A Folha Ilustrada traz a melhor cobertura do que há de
mais original e relevante nas áreas de cultura e
entretenimento. Crítica e ousada, a Ilustrada fala sobre
discos, gastronomia e muito mais. Seus colunistas
garantem análise, humor e diversidade de pontos de vista.
N
a Grande São Paulo, traz encartado o suplemento
Acontece, guia de programação da região.
Folha Mundo
Folha Mundo publica diariamente as principais notícias
internacionais, sempre acompanhadas de análises precisas
e enfoque didático. O leitor também tem acesso ao que é
publicado nos mais influentes meios de comunicação do
planeta.
208
Suplementos
Folha Informática
(Circula às quartas-feiras)
O Folha Informática auxilia os leitores a entender e a
usar melhor a internet e os computadores. Tem como
grande diferencial a prestação de serviço. Procura
orientar o leitor para comprar melhor, gastar menos,
ganhar tempo e obter melhores resultados ao navegar na
internet. Com linguagem simplificada e objetiva, dirige-
se tanto ao leitor iniciante quanto ao mais experiente.
Folha Equilíbrio
(Circula às quintas-feiras)
Um caderno dedicado à busca da saúde e da qualidade
de vida. Traz as últimas técnicas e terapias para quem
quer viver mais e melhor, além de dicas precisas sobre
cuidados com o corpo e a mente.
Folha Turismo
(Circula às quintas-feiras)
O Folha Turismo traz os principais destinos do Brasil e
do mundo com coberturas exclusivas, fotos e muito
serviço. Seções com quadros informativos e dicas de
preços e lugares fazem deste caderno um roteiro útil para
quem gosta de viajar.
Folhinha
(Circula aos sábados)
Todo sábado, a Folhinha publica reportagens e fotos em
sintonia com os interesses das crianças, além de seus
personagens preferidos, quadrinhos, passatempos,
brincadeiras e promoções.
209
Folhateen
(Circula às segundas-feiras)
Toda semana os adolescentes encontram no Folhateen
os principais assuntos de seu interesse: música, cultura,
ensino, comportamento, sexo e muito mais. Colunistas
especializados respondem às dúvidas e incentivam o
adolescente a buscar informação.
Mais!
(Circula aos domingos)
Um caderno especial para os leitores que procuram
literatura, sociologia, filosofia e artes. Com autores e
colunistas conceituados, o caderno Mais! é referência
internacional como caderno cultural.
Revista da Folha
(Circula aos domingos)
Só circula na Grande São Paulo. É uma revista semanal
de moda, decoração, família, comportamento, atualidades
e consumo.
210
Folha Veículos
(Circula aos domingos)
O Folha Veículos é uma fonte de consulta para o leitor
na hora de vender, comprar, fazer a manutenção e tirar as
dúvidas a respeito dos automóveis. A cargo do Datafolha,
a tabela de preços publicada no caderno é a mais
atualizada do mercado. Além de testes, produzidos pelo
Instituto Mauá de Tecnologia, são temas do caderno
comparativos entre vários modelos, motocicletas,
questões comportamentais, legislação e novidades da
indústria automobilística.
Folha Construção
(Circula aos domingos)
Além de dicas sobre materiais e técnicas construtivas, o
caderno engloba temas relacionados à decoração. Para
permitir que o leitor converse com os profissionais da
área, há a preocupação de "traduzir" a linguagem técnica
em temas como eletricidade, hidráulica, acabamento e
legislação, por exemplo. Três seções se revezam
semanalmente: uma que dá dicas para reformas, outra
com exemplos práticos de bricolagem e uma que
vasculha produtos diferenciados nas lojas paulistanas de
construção e decoração.
Empregos
(Circula aos domingos)
O caderno reúne reportagens e serviços direcionados
aos profissionais que querem ampliar suas chances no
mercado e aos que pretendem dar um impulso maior à
carreira. Dá sugestões de aperfeiçoamento, orienta sobre
elaboração de currículo e processos de seleção, indica
oportunidades de emprego, cursos e bolsas de estudo.
211
Folha Negócios
ingos)
quer entrar no mundo dos
(Circula aos dom
O caderno orienta quem
negócios, abrir o próprio empreendimento e crescer.
Seções internas _como Gestão, Finanças, Feiras e
Congressos_ municiam o leitor de informações para
administrar com eficiência. Reportagens deixam o
empreendedor bem atualizado sobre as tendências de
mercado, os setores em alta e a conjuntura econômica.
Folha Imóveis
(Circula aos domi
O caderno Imóvei
ngos)
s é voltado não somente para quem
está à procura da casa própria, mas também a todos que
querem atualizar-se sobre assuntos desse mercado.
Financiamento bancário à classe média, mercado de
compra, venda e locação,e investimento em imóveis
residenciais e comerciais, legislação e tendências do setor
mas apresentados. Há ainda duas seções
s o leitor pode ficar por dentro
são alguns dos te
semanais por meio das quai
dos lançamentos e das soluções para problemas da vida
em condomínio.
Guia da Folha
às sextas-feiras)
de 97 o Guia cobre a programação de
seções
(Circula
Criado em março
cultura e entretenimento da Grande São Paulo, região
onde circula. Inclui roteiros de restaurantes, bares,
cinema, teatro, shows, concertos, dança, exposições,
casas noturnas e dicas para as crianças, além de
como Fuja no Fim de Semana, É Grátis, Meu Sábado e
Palavras Cruzadas.
Moda
(revista trimestral)
A revista traz reportagens sobre os desfiles brasileiros e
internacionais e apresenta as principais tendências em
moda, beleza e assessórios. Seções variadas abordam
também a moda masculina, estilos de vida e de
comportamento. O projeto visual da revista foi criado
pelo design Karim Rashid, um dos principais do mundo.
212
Quem faz
Lalo de Almeida/Folha Imagem
Jornalistas trabalham, no final da ta
Expediente
Presidente: Luiz Frias
rde, na Redação da Folha de S.Paulo
iretor Editorial: Otavio Frias Filho
tonio Manuel Teixeira Mendes e Judith Brito
erqueira Leite, Marcelo Coelho, Janio de Freitas, Gilberto
Dimenstein, Clóvis Rossi, Carlos Heitor Cony, Celso Pinto, Antonio Manuel Teixeira Mendes, Luiz Frias e
s Filho (secretário)
Antonio Carlos de Moura (comercial), Adalberto Fernandes (industrial/tecnologia),
o)
/3224-3222, Fax: 11/3223-1644
D
Superintendentes: An
Editora-executiva: Eleonora de Lucena
Conselho Editorial: Rogério Cezar de C
Otavio Fria
Diretoria-executiva:
Murilo Bussab (circulação), Marcelo Machado Gonçalves (financeiro) e Miguel Longo Junior (planejament
Redação São Paulo
Al. Barão de Limeira, 425, Campos Elíseos, CEP
01202-900 Tel.: 0/xx/11
www.folha.com.br - [email protected]om.br
-0082
/ 3223-2984 e
Sucursais
Brasília (DF) - Setor de Rádio e TV Norte, quadra 701, cj. C, Bloco A, salas 821 a 831, CEP 70719-000. Tel.
0/xx/61/3426-6600
Belém (PA) - R. Pariquis, 3001 - sala 701 (Edifício Village Medial Center) Bairro: Cremação / cep: 68440-
000 Tel. 0/xx/91/3224
Rio de Janeiro (RJ) - R. Santa Luzia, 651, 19º andar, CEP 20030-040. Tel. 0/xx/21/3231-9300
Belo Horizonte (MG) - R. Fernandes Tourinho, 470, sala 612 Bairro: Funcionários / CEP: 30112-000 Tel.
0/xx/31
213
0/xx/31/3223-1734
Porto Alegre (RS) - R. Jerônim
CEP: 90010-241 Tel. 0/xx/51/ 3228-5778
Curitiba (PR) - Aven
Tel. 0/xx/41/ 3352-3327
Cuiabá (MT) - Avenid
0/xx/65/ 3642-5651
Recife (PE) - Da Aurora,
Fortaleza (CE) - R. Dr. José Lourenço, 870, sala 710, bairro Aldeota, CEP 60115-280. Tel. 0/xx/85/32
3168
S
210 Tel. 0/xx/71/ 3359-7872
C
0/xx/67/3325-8330
São José dos Campos (SP) - R. Euclides Miragaia, 39
0
Campinas (SP) - R. César Bierrembach, 77 sala 26 (Edifício Ouro Negro) Bairro: Centro
Tel. 0/xx/19/3235-2379
R
0/xx/16/3964-7478
A
Centro Tecnológico Gráfico - Folha - 0/xx/11/4152-9447. Av. Marco Penteado de Ulhoa Ro
Tamboré, CEP 06500-000, Santana
Folhapress 0/xx/11/3224-3123 (imagens) e 0/xx/11/3224-3554 (serviços jornalísticos).
o Coelho, 85, sala 703 Bairro: Centro
ida Cândido de Abreu, 526 - sala 704 - torre A Bairro: Centro Cívico / CEP: 80530-000
a Rubens Mendonça, 1856, sala 409 Bairro: Bosque da Saúde / CEP: 78050-000 Tel.
325, sala 809 Bairro: Boa Vista / cep: 50050-020 Tel. 0/xx/81/ 3421-5016
42-
alvador (BA) - R. Leonor Calmon, 44, sala 1504 Empresarial Cidade Jardim Bairro: Candeal / cep: 40296-
ampo Grande (MS) - R. Marechal Candido Mariano Rondon, 2.083, sala 302, Centro. CEP 79002-204. Tel.
4, sala 409 Bairro: Centro / CEP: 12245-550 Tel.
/xx/12/3941-7464
/ cep: 13015-020
ibeirão Preto (SP) - R. Visconde de Inhaúma, 580, 3º andar, sala 306, Centro, CEP 14010-100. Tel.
gência Folha - 0/xx/11/3224-3344
drigues, 700,
de Parnaíba, SP
www.folhapress.com.br, e-mail: [email protected]om.br e [email protected]
Banco de Dados 0/xx/11/3224-3700 para compra de material ou consultas com hora marcada.
http://bd.folha.com.br, e-mail: bd@uol.com.br
Folha Informações - 3471-4000 Serviço telefônico 24h. Fora da cidade de São Paulo 0/xx/11. Custo: só o
ção telefônica. Sugestões: 0/xx/11/3224-3317. e-mail:
[email protected]om.br Site:
preço da liga
www.folhainformacoes.com.br
Folha Emergência 0/xx/11/3224-3505, de segunda a sexta, das 8h às 22h, e sábados, das 8h30 às 15h30. Fora
os, ligue para 0/xx/11/3224-3344; e-mail:
desses horári
Ombudsman: 0800-015-9000 (de segunda a sexta, das 14h às 18h). Cartas para a al. Barão de Limeira, 425, 8º
andar, CEP 01202-900, fax: 0/xx/11/3224-3895, ou pelo e-mail:
ombuds ;
www.folha.com.br/ombudsman
Publicidade
Classifolha - 0/xx/11/3224-4000 ou
www.publicidade.folha.com.br
Publicidade -
www.publicidade.folha.com.br - 0/xx/11/3224-4000 (SP) e 0/xx/11/3224-3663 (outros Estados)
Assinaturas
0 (Grande São Paulo) e 0800-775-8080 (de seg. a sex. das 7h às
Vendas - 0800-15-8000 (diariamente das 7h às 20h)
Atendimento ao assinante - 0/xx/11/3224-309
20h; sáb., dom. e feriados das 7h às 15h) -
Atendimento ao distribuidor/jornaleiro - 0/xx/11/3224-3070 (Grande SP) e 0800-775-3070
Cronologia:
214
1921: Em 19 de fevereiro, Olival Costa e Pedro Cunha fundam o jornal "Folha da Noite". Em julho de 19
criada a "Folha da Manhã", edição matutina da "Folha da Noite". A "Folha da Tarde" é fundada 24 anos
25, é
e" e "Folha da Noite")
esa Folha da Manhã.
a eletrônico
rasil.
o, documento de circulação interna surge como a primeira sistematização de um projeto
s.
a economizar 40 minutos no processo de produção.
ha implanta o Manual da Redação, editado em livro.
a
ágina passa a circular colorida todos os dias.
olha/The New York Times" em fascículos, a Folha bate recorde de
ragem e de vendas na história de jornais e revistas do país no dia de lançamento (1.117.802 exemplares) e
n ubsequentes.
1 Centro Tecnológico Gráfico-Folha, em Tamboré. O jornal passa a circular com a
maioria das páginas coloridas.
1996: É lançado pelo Grupo Folha o Universo Online, primeiro serviço on line de grande porte no país. No
mesmo ano, o Universo Online e o Brasil Online, do Grupo Abril, se fundem em nova empresa, o Universo
Online S.A.
1997: O jornal publica a versão mais recente de seu projeto editorial, que propõe seleção criteriosa dos fatos a
ser tratados jornalisticamente, abordagem aprofundada, crítica e pluralista, texto didático e interessante.
2001: É lançada a quarta edição do novo Manual da Redação, versão revista e ampliada das edições anteriores
(publicadas em 1984, 1987 e 1992).
Circulação
Lalo de Almeida/Folha Imagem
depois.
1960: Em 1º de janeiro, os três títulos da empresa ("Folha da Manhã", "Folha da Tard
se fundem e surge o jornal Folha de S.Paulo.
1962: Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho assumem o controle da empr
1967: O jornal é pioneiro na impressão offset em cores, usada em larga tiragem pela primeira vez no Brasil.
Em 1971, a Folha abandona a composição a chumbo e se torna o primeiro jornal a usar o sistem
de fotocomposição.
1976: É criada a seção "Tendências/Debates", pautada pelo princípio da pluralidade. A publicação de artigos
de todos os matizes ideológicos desempenha papel importante no processo de redemocratização do B
1981: Em junh
editorial. O texto fixa três metas: informação correta, interpretações competentes e pluralidade de opiniõe
1983: A Folha se torna a primeira Redação informatizada na América do Sul com a instalação de terminais de
computador. O jornal passa
1984: É publicado o primeiro Projeto Editorial, que defende um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e
moderno. No mesmo ano, a Fol
1991: O noticiário é reorganizado em cadernos temáticos. A Folha é o primeiro órgão da imprensa brasileira
pedir o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, que renuncia no ano seguinte.
A Primeira P
1992: O empresário Octavio Frias de Oliveira passa a deter a totalidade do controle acionário da companhia.
A Folha se consolida como o jornal com a maior circulação paga aos domingos (média de 522.215
exemplares).
1994: Com o lançamento do "Atlas F
ti
as semanas s
995: Começa a funcionar o
Fardos de jornal em depósito da Folha na Barra Funda, São Paulo
215
O maior jornal brasileiro
A Folha é hoje o jornal brasileiro de maior
tiragem e circulação. Os números
auditados pelo IVC (Instituto Verificador
de Circulação) podem ser conferidos
abaixo.
Circulação Paga - Agosto/2009:
Domingos: 344.353 exemplares
Dias úteis: 288.884 exemplares
Média Seg. a Dom.: 296.808 exemplares
O jornal se consolidou nessa posição
durante a campanha pela redemocratização
do país, em 1984, quando empunhou a
bandeira das eleições diretas para
presidente.
População
Cidade de São Paulo - 10.886.518
Estado de São Paulo - 39.827.570
Brasil -
Veja a previsão da população
Centro Tecnológico Gráfico Folha
Lalo de Almeida/Folha Imagem
Caminhão carregado deixa o Centro Tecnológico Gráfico Folha, em Tamboré, São
Paulo
É o maior e mais moderno parque gráfico da América
Latina, com 25 mil metros quadrados e capacidade de
imprimir 16.640.000 páginas por hora. As páginas da
Folha de S.Paulo, produzidas na Redação, são
digitalizadas e transmitidas por fibra ótica ao CTG-F. O
sistema de contagem, empacotamento e expedição dos
j
ornais é totalmente automatizado.
216
Gráfico acompanha impressão em
rotativa do CTG-F
Folha Online: “O primeiro jornal brasileiro online”
É o primeiro jornal em tempo real em língua portuguesa. Com uma equipe de reportagem própria,
tem por objetivo a criação, produção e desenvolvimento de conteúdo jornalístico on-line, além de serviços
com destaques para áreas de interatividade. Seu compromisso é o de produzir conteúdo on-line com a mesma
qualidade editorial e seguindo os princípios de pluralidade, independência e criticismo da Folha.
Folha Explica
Exemplares da coleção Folha Explica
Como o nome indica, essa série de livros breves ambiciona explicar temas de todas as áreas do conhecimento
em um contexto brasileiro.
Cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre
o assunto de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
Cada volume é escrito por um autor reconhecido na área, que fala com seu próprio estilo, resumindo, em
linguagem acessível, o que de mais importante se sabe hoje sobre determinado assunto.
Treinamento
O programa de treinamento é um curso intensivo de jornalismo diário que dura cerca de quatro
meses, em período integral. É uma das melhores maneiras de aprender a fazer jornal, conhecer a rotina e os
profissionais da Folha e capacitar-se a trabalhar na Redação. O jornal promove em geral duas turmas de
treinamento por ano.
217
A seleção para o programa passa por três fases: preenchimento de ficha de inscrição, prova de conhecimentos
gerais, palestras e entrevistas. Anualmente, vários trainees acabam sendo aproveitados pela redação do jornal.
Além disso, há uma constante preocupação com a capacitação dos profissionais que já trabalham na Folha. A
editoria de Treinamento seleciona e organiza cursos e extensões curriculares que possam ser úteis para os
jornalistas da Folha.
Arquivo e copyright
Como comprar textos e fotos publicados pela Folha
Textos, fotos, colunas, ilustrações e infográficos da Folha e do Agora são comercializados por meio da
Folhapress e estão protegidos pelas leis de copyright. Os telefones para se obter informações a respeito são:
0800-552499; 0/xx/11/3224-3123; O e-mail é
pesquisa@folhapress.com.br.
Diariamente, centenas de jornais brasileiros utilizam os serviços noticiosos da Folhapress.
No site da agência [
www.folhapress.com.br] há um acervo de fotografias que reúne mais de uma década de
produção jornalística diária: o primeiro banco de imagens online de fotojornalismo do Brasil, hoje já com
mais de 300 mil fotos indexadas. Tudo disponível para reproduções em jornais, revistas e livros, para uso em
exposições, em campanhas publicitárias e em produtos comerciais.
Um Banco de Dados a serviço do leitor
O Banco de Dados Folha é um grande acervo jornalístico que contém mais de oito décadas da história do
Brasil. Além da coleção da Folha desde 1921, o acervo do Banco de Dados Folha possui mais de 100 mil
pastas temáticas com recortes dos principais jornais e revistas do país e mais de 20 milhões de fotos em
arquivos físico e digital.
Para encomendar pesquisas
Envie um e-mail ao Banco de Dados Folha solicitando sua pesquisa. Detalhe ao máximo as informações de
que precisa. Se o assunto for muito amplo, especifique alguns aspectos que deseje destacar e mencione o
período que a pesquisa deve englobar. O orçamento será feito e enviado para sua aprovação. Em caso
positivo, após o pagamento a pesquisa será encaminhada a você. Se preferir, encomende a pesquisa por
telefone (0/xx/11/3224-3985/4577) no horário de 9h às 18h, de segunda a sexta; fax (0/xx/11/3224-7744),
24h/dia; e-mail:
Para consultar o acervo do jornal
O interessado que deseja pesquisar pessoalmente os acervos de jornais e/ou pastas temáticas pode agendar um
horário com antecedência. O serviço é pago.
Banco de Dados Folha
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218
2. O Estado de S. Paulo:
197
“O jornal mais influente do Brasil”
Neste espaço queremos mostrar todo o conteúdo do Estao a fim de tornar sua leitura ainda mais agradável e
interessante.
Diariamente
Primeiro caderno
Atual e dinâmico, traz acontecimentos políticos nas seções Nacional e Internacional. E traz também o Vida&
que aborda ciência e tecnologia, medicina, saúde, educação, meio ambiente, religião.
Metrópole*
Relata a vida de São Paulo – noticiário policial, comportamento, curiosidades, cidadania e voluntariado.
* O Metrópole circula na capital e Grande São Paulo, nas demais regiões, circula o Cidade.
Negócios
Esta seção do caderno Economia coloca você no mundo dos negócios, com reportagens especiais, entrevistas
exclusivas e muito mais.
197
Informações do próprio Estadão (www.estadao.com.br), acessado em 10 de outubro de 2009.
219
Esportes
Fotos, histórias, perfis, cobertura dos principais esportes, seus heróis e vilões, além de tabelas e serviços
diferenciados.
Caderno 2
Traz os acontecimentos culturais de São Paulo, do Brasil e do mundo, os grandes nomes da arte e abre espaço
para o jovem e o seu ponto de vista.
Domingo
Aliás
Uma visão geral dos principais acontecimentos da semana, de uma forma rápida e objetiva. E uma prévia do
que pode acontecer na próxima semana.
Feminino
Assuntos ligados à família, sob o ponto de vista feminino, com matérias sobre comportamento, trabalho,
saúde e moda.
TV&Lazer
Roteiro completo da TV, além de dicas e lançamentos de vídeos e DVDs, games, sites e equipamentos de
áudio e vídeo para a diversão de todos em casa.
220
Casa&*
As melhores dicas de decoração, paisagismo, manutenção, acessórios e serviços.
* Casa& só circulam na capital e Grande São Paulo.
Segunda-feira
Link
A tecnologia ganha uma linguagem simples e dinâmica, com boletins diários nas rádios Eldorado AM e FM.
Você interage com o caderno via
www.link.estadao.com.br uma comunidade virtual com blogs, álbuns e os
últimos lançamentos, além das notícias do jornal, links para dowload e compras.
Terça-feira
Viagem & Aventura
Dia de viajar pelos melhores roteiros do Brasil e do mundo. Aqui, você encontra todas as dicas para fazer a
melhor viagem.
Quarta-feira
Agrícola
Serviços, tabelas de insumos, artigos, infográficos, reportagens e informações sobre leilões, feiras e
exposições. Tudo sobre o segmento agrícola.
Quinta-feira
221
Paladar
Reportagens exclusivas, entrevistas com chefes, bastidores e suas combinações, acessórios, livros e receitas
ilustradas que vão aguçar sua imaginação.
Sexta-feira
Guia Estadão*
Uma cobertura completa, profunda e diferenciada do que está acontecendo e vai acontecer no circuito cultural
da cidade, além de informações sobre bares, restaurantes, cinema e muito mais. Aqui, sua diversão é
garantida.
* Guia só circulam na capital e Grande São Paulo.
Serviços e Construção*
O caderno Construção em novo formato, agora é muito mais prático na hora de consultar e levar com você em
suas compras. E mais, circulará toda sexta, para você planejar o seu roteiro para o final de semana.
* Serviços e Construção circula só na capital e Grande São Paulo.
Sábado
Estadinho
Um caderno especial para crianças de 7 a 9 anos com assuntos ligados a livros, comportamento, moda,
divertimento e matérias que podem ser utilizadas nos trabalhos escolares.
Classificados
Organizados em cadernos separados e divididos por cores que facilitam sua busca. Aqui, você vai comprar ou
vender.
Obs: O Estadão se reserva o direito de mudar a periodicidade, conteúdo, veiculação e locais de distribuição de seus cadernos e seções a
qualquer tempo, sem necessidade de aviso prévio.
222
Cronologia histórica do Grupo Estado
198
1873 - 79
1873: 18 de abril - A maioria dos participantes da Convenção Republicana de Itú concorda acerca da
necessidade de ter um órgão de imprensa na capital para defender os ideais republicanos.
1874: Outubro, Após um trabalho de arregimentação efetuado por Américo Brasiliense e Manuel Ferraz de
Campos Salles é constituida uma sociedade em comandita com 19 cotistas com o nome de Pestana, Campos
& Cia. Este nome deve-se ao fato de Francisco Rangel Pestana e Américo de Campos, escolhidos para
redatores, terem as maiores cotas. A administração foi confiada a José Maria Lisboa.
1875: Sai o 1º número de "A Província de S. Paulo", no dia 4 de janeiro. Mesmo sem assumir explicitamente
seu propósito republicano, consta uma extensa declaração de princípios afinada com o republicanismo e com
os pressupostos da cidadania. Além disso é estabelecida a sua linha mestra, que caracteriza o jornal até hoje :
"conta a Província de S. Paulo fazer da sua independência o apanágio de sua força". A redação, administração
e oficinas foram instaladas num prédio da rua do Palácio,no. 14 (atual do Tesouro), esquina com a rua do
Comércio (atual Álvares Penteado), onde ficariam até abril de 1877. Neste mês houve uma mudança para a
rua da Imperatriz, no. 44 (hoje XV de Novembro). A impressora era uma máquina manual "Alauzet",
acionada por negros libertos contratados por tarefas. O jornal começou com 5 colunas largas, em 4 páginas. O
logotipo era em letra de forma. Os títulos sempre em apenas 1 coluna. O tipo (corpo) variava entre o 8 e o 10.
1876: O jornal inova a venda de exemplares avulsos : o francês Bernard Gregoire, montado num burro,
oferecia o jornal em todos os recantos da cidade, indo até suas extremidades da época : da Luz à Liberdade e
de Santa Ifigênia ao Brás.
1878: O logotipo no cabeçalho passa a ser escrito em letras góticas.
1879: A sociedade foi reorganizada, passando a contar com apenas 11 comanditários.
1880 - 89
1880: A diagramação muda para 6 colunas.
1881: Em 2 de setembro deste ano ocorre uma nova mudança de sede, desta vez da então rua da Imperatriz
(hoje XV de Novembro) para a rua João Brícola, esquina com a mesma rua da Imperatriz.
1882: No dia 18 de janeiro ocorria nova alteração societária : Rangel Pestana passa a ser o maior cotista.
1884: Alberto Salles, irmão de Manuel Campos Salles, entra na sociedade injetando capital, tornando-se
diretor-gerente. Américo de Campos e José Maria Lisboa saem contrariados com a campanha anti-lusitana
empreendida pelo novo sócio e fundam o Diário Popular.
1885: Um talentoso jornalista campineiro é trazido por Alberto Salles : Júlio Mesquita, então com 23 anos,
torna-se redator ao lado de Rangel Pestana. Sua primeira colaboração é uma série de artigos intitulada "Os
partidos políticos e as transações". De outro lado, o anti-lusitanismo de Alberto Salles quase leva o jornal à
falência : todos os anunciantes portugueses boicotam a empresa. Alberto Salles retira-se e o jornal é salvo por
Júlio Mesquita : filho de portugueses, o jovem redator habilmente traz de volta os enfurecidos clientes.
1886: O logotipo diminuiu de tamanho. O formato foi aumentado, como também o número de colunas, que
passa a ser oito. Os títulos de matérias aumentaram de tamanho. Adotado a partir de então somente o tipo 8.
1888: "A Província" passa a pertencer à firma Rangel Pestana & Cia. Júlio Mesquita, além de redator, torna-
se gerente. O formato do jornal foi aumentado mais uma vez. Durante uma crise de fornecimento de papel, o
jornal passou a ter 7 colunas, temporariamente. A tiragem atinge 4.000 exemplares.
1889: No dia 16 de novembro, excepcionalmente, a 1ª página foi publicada sem colunas, apenas com o título :
"Viva a República". Júlio Mesquita participa do governo estadual provisório.
1890 - 1898
1890: O logotipo foi modificado para "O Estado de S. Paulo", em letras góticas. Raul Pompéia assume a
representação no Rio de Janeiro.
198
Por José Alfredo Vidigal Pontes, cf www.estadao.com.br, acessado em 10/10/2009.
223
1891: Júlio Mesquita é eleito deputado para o Congresso Constituinte Estadual, com a maior votação. Rangel
Pestana, doente e desgostoso com a república, afasta-se do jornal, cedendo sua participação à Cia. Impressora
Paulista, controlada pelo Cel. Teixeira de Carvalho.
1892: O logotipo passa a ser em letra de forma, semelhante ao atual, porém maior e na cor preta. A tiragem
alcança 7.500 exemplares. Euclides da Cunha inicia sua colaboração com versos. Júlio Mesquita é eleito
deputado federal. Seus primeiros discursos são publicados nos dias 6 e 7 de julho.
1894: No 2º semestre passa-se a publicar um título em 2 colunas, recurso usado antes só para colaborações
em versos.
1895: A propriedade do jornal passa da Cia. Impressora Paulista para J. Filinto & Cia.. José Filinto da Silva é
o gerente e Júlio Mesquita o redator.
1896: O jornal passa a sair com 9 colunas. O título passa do 8 para o 6, enquanto a tiragem atinge 10.000
exemplares. Sai o primeiro "Almanaque do Estado". Júlio Mesquita abre um escritório de advocacia com
Alfredo Pujol, Eugênio Egas e Augusto Loiola.
1897: Francisco Mesquita, pai de Júlio Mesquita, se associa à firma J. Filinto & Cia. Euclides da Cunha passa
a colaborar como correspondente da guerra de Canudos. A tiragem atinge 18.000 exemplares, bem acima do
normal, devido ao grande interesse que o assunto despertava no público leitor.
1898: Falece Francisco Mesquita.
1901 - 09
1901: Excepcionalmente, no dia 1º de janeiro, foi publicado na primeira página um editorial sobre o novo
século, com 5 colunas e meia. A partir de julho, Júlio Mesquita, José Alves de Cerqueira César e Prudente de
Moraes rompem com o presidente da república Manuel Ferraz de Campos Salles e o governador Rodrigues
Alves : é a 1ª dissidência republicana. Os dissidentes contestam a "política de governadores", que esvaziava a
independência dos parlamentos estaduais e do próprio Congresso Nacional, fortalecendo excessivamente o
poder executivo.
1902: Júlio Mesquita torna-se o único proprietário do jornal. José Filinto da Silva permanece como gerente.
1903: Morre Francisco Rangel Pestana no dia 17 de março. Pouco antes, em fevereiro, o jornal passa a ser
diagramado com 10 colunas.
1905: A Dissidência apoia a candidatura de Afonso Pena à presidência da república, em oposição à
candidatura de Bernardino de Campos, correligionário de Campos Salles e Rodrigues Alves.
1906: Em junho, o jornal muda da rua XV de Novembro para a praça Antonio Prado (antigo largo do
Rosário), onde ficaria até 1929. Em julho, Jorge Tibiriçá promove a reconciliação dos republicanos paulistas,
durante a ausência de Júlio Mesquita do país. O jornalista estava em Portugal com a família, logo após a
morte da filha Ruth. Em outubro regressa e é homenageado com um banquete de 100 talheres. Ainda neste
ano é reeleito deputado estadual. Os tipos usados pelo jornal foram modificados. Nestor Pestana entra para o
jornal e começa a trabalhar como redator.
1907: A diagramação passa a ser feita com 8 colunas a partir de junho. A empresa proprietária do jornal passa
a ser uma sociedade anônima em 27 de dezembro.
1908: É feito um lançamento de debêntures para financiar a expansão do jornal, o qual se encontrava em
franca prosperidade. Com o financiamento foi importada uma máquina "Albert" : o jornal passa a ter 16
páginas e a composição passa a ser feita com linotipos, abandonando-se o antigo processo manual feito por 40
tipógrafos. A tiragem passa para 18.000 exemplares, regularmente (para uma capacidade de 23.500 p/hora).
Aberta uma sucursal em Lisboa.
1909: Júlio Mesquita é um dos articuladores da candidatura de Rui Barbosa à presidência da república, em
oposição à candidatura de um militar, o Marechal Hermes. Iniciava-se a Campanha Civilista, à qual "O
Estado de S. Paulo" dará todo o apoio a partir de agosto.
1910 - 19
1910: Prossegue a "Campanha Civilista". Entretanto, nas eleições de 1º de março Rui Barbosa é derrotado em
um pleito fraudulento. No dia 27 o jornal publica o manifesto de Rui denunciando as irregularidades. Amadeu
Amaral, grande jornalista e poeta, passa a trabalhar no jornal.
224
1911: Abertura de uma sucursal em Roma, dirigida por Nicolau Ancona Lopes. Morre José Alves de
Cerqueira César, sogro de Júlio Mesquita e ex-governador do estado.
1912: Novo lançamento de debêntures, totalmente integralizado. Com este financiamento a S/A O Estado de
S. Paulo adquire terrenos nas ruas Boa Vista e 25 de março para as novas instalações. É comprada uma
máquina "Marinoni". O novo equipamento permite uma tiragem de 35.000 exemplares. Neste ano Júlio
Mesquita adoece e embarca para a Europa para fazer um tratamento de saude. Mesmo assim é escolhido para
substituir Cerqueira César no senado estadual. Nestor Pestana, então secretário, assume interinamente a chefia
da redação. José Filinto da Silva, também doente, se aposenta, sendo substituido temporariamente na gerência
por Armando de Salles Oliveira, genro de Júlio Mesquita, e em seguida por Ricardo Figueiredo.
1913: Desgostoso com a infidelidade de antigos companheiros da Campanha Civilista, Júlio Mesquita envia
uma carta da Europa renunciando à cadeira no senado estadual, a qual é ocultada pelos correligionários, na
esperança de que ele voltasse atrás. Em outubro completa-se a mudança para as instalações da rua Boa Vista e
25 de março, interligadas por tubos pneumáticos. Neste mesmo mês Júlio Mesquita retorna de sua longa
permanência na Europa, dirigindo-se diretamente para sua fazenda em Louveira por recomendação médica.
Mesmo assim dirige o jornal através de cartas aos seus principais auxiliares.
1914: A partir de agosto, ainda em Louveira, Júlio Mesquita começa a escrever artigos sobre a 1ª guerra
mundial que se iniciava, adotando uma posição contrária ao militarismo alemão, coerente com sua postura na
Campanha Civilista. Inicia-se então um boicote da poderosa comunidade comercial alemã em São Paulo
retirando os anúncios no jornal, que passa a enfrentar dificuldades financeiras. Apesar das pressões, o jornal
mantem sua posição contrária ao militarismo. Neste mesmo ano, no dia 12 de novembro, "o Estado" publica o
artigo "Velha Praga" do leitor José Bento Monteiro Lobato. Na verdade, tratava-se originalmente de uma
carta para a seção Queixas e Reclamações, a qual foi publicada como artigo assinado tal a sua qualidade. A
partir de então Monteiro Lobato passa a colaborar regularmente com o jornal, iniciando sua brilhante carreira
literária.
1915: Em maio é lançada a edição vespertina de "O Estado de S. Paulo", que passa a ser conhecida pelo nome
de "Estadinho", quando Júlio de Mesquita Filho inicia sua carreira de jornalista como colaborador. O jornal
passa a apoiar a Campanha Nacionalista lançada pelo poeta Olavo Bilac, a qual propunha o serviço militar
obrigatório, por acreditar que assim o militarismo se enfraqueceria com a entrada de civis na tropa, diluindo o
corporativismo do Exército, além de despertar o civismo nos jovens.
1916: Sai o 2º "Almanaque do Estado". A tiragem média do jornal atinge 35.000 exemplares, com edições
diárias oscilando de 16 a 20 páginas. Morre Dna. Lucila Cerqueira César Mesquita, esposa de Júlio Mesquita.
1917: Durante a grande greve na cidade de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho; convidado pelos operários
para ser o mediador entre estes e seus intransigentes patrões nas suas justas reivindicações : jornada de oito
horas, proibição do trabalho noturno para mulheres e crianças e melhores salários.
1918: A gripe espanhola, que assolava o mundo todo, faz duas vítimas entre inúmeros doentes no jornal :
Adalgiso Pereira e Francisco Novo.
1919: "O Estado" apoia novamente a candidatura de Rui Barbosa à presidência da república, que viria a ser
derrotado por Epitácio Pessoa.
1920 - 29
1920: Falece Arnaldo Vieira de Carvalho, sogro de Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita.
1921: Em fevereiro deixa de circular "O Estadinho". Três meses depois Júlio de Mesquita Filho assume a
secretaria de "O Estado". Os amigos organizam uma festa para homenageá-lo, quando Monteiro Lobato faz
uma saudação em nome de todos.
1922: O jornal simpatiza com o levante do Forte de Copacabana, tentativa de golpe por dezoito jovens
oficiais contra as arbitrariedades do governo federal.
1923: Júlio Mesquita apoia a revolta no Rio Grande do Sul contra os desmandos de Borges de Medeiros. O
jornal faz outra emissão de debêntures, no valor de 6.500 contos, totalmente colocadas no dia do lançamento.
O cabeçalho é mudado por exigência legal : passa a ser obrigatório constar o nome do diretor responsável.
1924: No dia 5 de julho ocorre a revolução comandada pelo general Isidoro Dias Lopes que ocupa a cidade de
São Paulo por 23 dias. Apesar da neutralidade de "O Estado" - concordante com as críticas dos
revolucionários ao governo federal mas discordante da sublevação militar - no dia 29 Júlio Mesquita é preso e
o jornal proibido de circular até o dia 16 de agosto. Ao deixar a cidade no dia 28, sem que houvesse uma
derrota dos ocupantes, um grupo comandado por Miguel Costa dirige-se ao Paraná para encontrar-se com os
225
revoltosos gauchos liderados por Luís Carlos Prestes. Tinha início a célebre coluna que durante anos faria
uma pregação democrática por todo o país.
1925: As edições dominicais passam a repetir o cabeçalho na última página.
1926: Fundação do Partido Democrático por membros da Dissidência e políticos independentes, em oposição
frontal ao PRP-Partido Republicano Paulista, detentor do governo estadual e federal. Depois de 25 anos de
oposição aos "carcomidos", Júlio Mesquita formaliza seu combate aos caciques do PRP através da via
partidária. O Conselheiro Antonio Prado foi eleito seu primeiro presidente em reunião na qual se destacou o
pronunciamento do então jovem Francisco Mesquita, nesta época já trabalhando no jornal com o gerente
Ricardo Figueiredo. O novo partido defendia reformas no viciado sistema eleitoral, dentre elas o advento do
voto secreto e do voto feminino.
1927: Aos 65 anos de idade falece Júlio Mesquita, no dia 15 de março. A partir de então Júlio de Mesquita
Filho e Francisco Mesquita assumem a liderança do jornal. Seus auxiliares diretos são Nestor Pestana, Plínio
Barreto, Leo Vaz e Ricardo Figueiredo. O cabeçalho é novamente alterado.
1929: Em março, a redação e a administração são transferidas para a rua Boa Vista, nº 30, esquina da ladeira
Porto Geral. As oficinas passam a operar na rua Barão de Duprat, com novas rotativas especialmente
construidas. Começa a grande crise econômica recessiva originada pela quebra da Bolsa de Nova York. O
jornal ganha uma ação por perdas e danos contra a União pela suspensão temporária de sua circulação logo
após a revolução de 24 em São Paulo.
1930 - 39
1930: "O Estado" e o Partido Democrático apoiam a Aliança Liberal e a candidatura de Getúlio Vargas à
presidência, em oposição a Júlio Prestes, candidato do PRP apoiado pelo presidente Washington Luís. Júlio
Prestes ganha as eleições, mais uma vez marcadas pelas fraudes. Em outubro estoura a revolução de 30, que
depôs Washington Luís e colocou Getúlio Vargas no poder. O jornal alcança a tiragem de 100 mil exemplares
e lança aos domingos um suplemento em rotogravura, com grande destaque às ilustrações fotográficas.
1932: Inconformados com o autoritarismo e o tratamento hostil de Getúlio Vargas e os "tenentes" a São
Paulo, o "Estado" e o Partido Democrático se indispõem com a ditadura e formam uma aliança com alguns
setores do PRP contra o governo federal. No dia 9 de julho estoura a revolução constitucionalista em defesa
de eleições livres e de uma constituição. Francisco Mesquita vai para a frente de batalha enquanto Júlio de
Mesquita Filho permanece em Sâo Paulo na liderança civil do movimento. Mesmo derrotados militarmente
em outubro, os constitucionalistas alcançarão seus objetivos políticos em 34. Júlio de Mesquita Filho e
Francisco Mesquita são presos e posteriormente exilados em Lisboa.
1933: Em abril falece Nestor Pestana. No mês seguinte Plínio Barreto é promovido a diretor. Em agosto,
Armando de Salles Oliveira - casado com Dna. Raquel Mesquita de Salles Oliveira, irmã de Júlio Mesquita Fº
e de Francisco Mesquita - foi indicado interventor por Getúlio Vargas. Armando Salles só aceitou o posto sob
a condição do ditador conceder anistia aos revolucionários de 32 e convocar eleições para o ano seguinte, o
que acabou sendo feito. Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita retornam ao país, reassumindo suas
funções no jornal.
1934: Francisco Mesquita é eleito deputado estadual pelo recém criado Partido Constitucionalista e Armando
Salles é eleito governador do estado pela Assembléia Legislativa. No dia 25 de janeiro, ainda como
interventor federal, Armando de Salles Oliveira baixa o decreto 6283 criando a Universidade de São Paulo,
concretizando uma idéia de Júlio de Mesquita Fº defendida em campanha de "O Estado". Foi Júlio de
Mesquita Fº quem se incumbiu de convidar professores franceses, italianos e alemães para a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, com o auxílio dos professores George Dumas e Theodoro Ramos.
1935: Morre Ricardo Figueiredo.
1937: No dia 10 de novembro iniciava-se um período dramático para o Brasil : era o começo do "Estado
Novo" (1937-1945), nome pelo qual foi chamada eufemisticamente a fase mais tirânica da longa ditadura de
Getúlio Vargas (1930-45). Na véspera, Armando de Salles Oliveira, candidato à presidência da república pela
União Democrática Brasileira, partido formado pelos constitucionalistas, havia feito um manifesto aos chefes
militares do Brasil alertando-os para um golpe que estava sendo programado para o dia 15. Diante da
notoriedade da conspiração, Vargas e seus generais Dutra e Góes Monteiro anteciparam a quartelada : o
Congresso foi dissolvido e uma nova constituição autoritária, inspirada no fascismo italiano, foi imposta ao
país pela força. Júlio de Mesquita F º e Armando Salles foram presos.
226
1938: No dia 3 de novembro, Júlio de Mesquita Filho, Armando de Salles Oliveira e outros foram expatriados
à força pela ditadura, iniciando um longo exílio. Sem visto de entrada para paises da América do Sul foram
obrigados a partir em um navio para a França.
1939: No mês de abril, dada a iminência da 2ª guerra mundial, prestes a se iniciar, Júlio de Mesquita Filho e
Armando Salles embarcam para os Estados Unidos. Em julho, após ter obtido um visto de entrada para a
Argentina, Júlio de Mesquita Filho embarca para Santiago do Chile, de onde atingiu Buenos Aires por terra.
Impedido de sair, Armando permanece nos Estados Unidos mais alguns meses.
1940 - 47
1940: No dia 25 de março tropas invadem a redação de "O Estado" sob a falsa acusação de uma conspiração
armada. Armas são colocadas no forro do prédio pela própria polícia política para forjar provas. Francisco
Mesquita é preso e levado para o Rio de Janeiro onde fica por 40 dias. Nada provado contra ele, é solto.
Entretanto, ficou impedido de reassumir suas funções no jornal, o qual passa a ser gerido pela ditadura.
1943: Em abril, Júlio de Mesquita Filho e sua esposa Dna. Marina retornam ao Brasil. Alguns meses depois
Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita são presos novamente quando se iniciam os protestos de
estudantes de Direito contra a ditadura. Em seguida Júlio de Mesquita Filho é confinado em Louveira, em
prisão domiciliar na fazenda da família.
1944: Logo no início do ano Armando de Salles Oliveira é operado de um câncer em Buenos Aires.
1945: Armando Salles volta no início de maio para São Paulo. No dia 17 do mesmo mês morre em um leito
de hospital cercado pela família e por correligionários. No dia 29 de outubro Getúlio Vargas é deposto pelos
mesmos generais que o haviam colocado no poder.
Pouco mais de um mês depois, no dia 6 de dezembro, Júlio de Mesquita Fº e Francisco Mesquita reassumiam
seus postos no jornal : "O Estado" recuperava o espírito crítico e independente que o caracterizava desde sua
fundação.
1947: Em março é iniciada a construção do edfício da rua Major Quedinho.
1950 - 58
1950: Léo Vaz se aposenta e Marcelino Ritter é promovido ao cargo de redator-chefe no lugar de Paulo
Duarte.
1951: No dia 31 de dezembro "O Estado" inicia a mudança para o prédio da rua Major Quedinho.
1953
No dia 18 de agosto é inaugurada oficialmente a nova sede. É criado o Suplemento Feminino em setembro.
1954: Edição especial comemorativa do IVº Centenário da cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro.
1955: Em janeiro é criado o Suplemento Agrícola.
1956: No dia 24 de agosto a sucursal de "O Estado" no Rio é invadida pela polícia e exemplares do jornal são
apreendidos em razão da publicação de um manifesto de Carlos Lacerda. Júlio de Mesquita Fº denuncia a
arbitrariedade à Associação Interamericana de Imprensa (AII).
1958: Inauguração da Rádio Eldorado, no dia 4 de janeiro.
1960 - 68
1960: Maria Cecília Vieira de Carvalho Mesquita torna-se Diretora do Suplemento Feminino, quando
promove sua reformulação gráfica e editorial.
1964: "O Estado" apoia o movimento militar que depôs o presidente João Goulart, ao constatar que o mesmo
já não tinha autoridade para governar. No entanto, entendia que a intervenção militar deveria ser transitória.
Quando se evidencia que os radicais de extrema direita aumentavam sua influência, objetivando a perpetuação
dos militares no poder, retira seu apoio e passa a fazer oposição.
1966: No dia 4 de janeiro, sob a direção de Ruy Mesquita, sai o 1º número do "Jornal da Tarde", marco de
uma revolução gráfica e editorial no jornalismo brasileiro.
227
1967: Em fevereiro a tiragem de "O Estado" ultrapassa 340.000 exemplares. No dia 25 de setembro a AII
(Associação Interamericana de Imprensa) protesta contra a censura sofrida pelo "Estado" ao comentar a morte
do ex-presidente Castello Branco.
1968: No dia 13 de dezembro "O Estado" é impedido de circular por ordem da ditadura militar. O editorial
"Instituições em frangalhos" escrito por Júlio de Mesquita Filho é o motivo da arbitrariedade. A partir de
então começa a censura dentro da redação dos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde".
1969: Falece Júlio de Mesquita Filho no dia 12 de julho e Francisco Mesquita em 8 de novembro. Júlio de
Mesquita Neto passa a ser o Diretor-Responsável de "O Estado" e José Vieira de Carvalho Mesquita o Diretor
Administrativo.
1970 - 77
1970: Apesar das dificuldades enfrentadas com a ditadura militar, o Grupo Estado continua se diversificando:
no dia 4 de janeiro nasce a "Agência Estado". Em 28 de agosto falece prematuramente Luiz Carlos Mesquita,
idealizador e implantador da Edição de Esportes e responsável pelo desenvolvimento inicial da Rádio
Eldorado.
1972: O "Estúdio Eldorado" inicia suas atividades.
1973: Os dois jornais passam a publicar assuntos não usuais na 1ª página em lugar dos textos censurados :
poemas de Camões no "Estado" e receitas culinárias no "Jornal da Tarde".
1974: Em Copenhague, no dia 03/09, o jornalista Júlio de Mesquita Neto recebe em nome dos jornais "O
Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde" o prêmio Pena de Ouro da Liberdade outorgado pela Federação
Internacional de Editores de Jornais.
1975: No dia 4 de janeiro o jornal "O Estado de S. Paulo" completa 100 anos de existência e comemora
apenas 95 de vida, ignorando os cinco anos em que foi dirigido pela ditadura de Getúlio Vargas (1940-45).
Neste mesmo dia é suspensa a censura nas redações de "O Estado" e "Jornal da Tarde".
1976: No dia 12 de junho completava-se a mudança de "O Estado de S. Paulo", "Jornal da Tarde" e "Agência
Estado" para o bairro do Limão.
1977: A 1ª e última páginas de "O Estado", além da Seção de Artes, passam a ser diagramadas em 6 colunas.
1980 - 88
1980: No início de junho todo o jornal "O Estado de S. Paulo" passa para 6 colunas.
1981: Em agosto "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" ganham em última instância uma ação contra a
União pela perdas sofridas com a apreensão das edições de 10 e 11 de maio de 1973, quando apenas os dois
jornais foram proibidos de noticiar a renúncia de Cirne Lima, ministro da Agricultura durante o governo
Médici.
1983: É constituida a OESP Gráfica, no dia 13/05.
1985: Ruy Mesquita Fº torna-se Diretor do "Jornal da Tarde" e Júlio César Ferreira de Mesquita e Francisco
Mesquita Neto tornam-se Diretores de "O Estado". João Lara Mesquita assume como Diretor da Rádio
Eldorado. Constituida a Pisa-Papel de Imprensa S/A, em sociedade com o Grupo Fletcher, da Noruega.
1988: Neste ano ocorre uma grande reforma administrativa, quando são criadas as unidades de negócios.
Fernão Lara Mesquita torna-se Diretor do "Jornal da Tarde" e Rodrigo Lara Mesquita da "Agência Estado".
No dia 5 de julho são abolidos os fios verticais para separar as colunas de "O Estado". Estas, por sua vez,
tiveram a largura reduzida. Foram também introduzidos na composição de texto variações mais suaves da
família de tipos "Bodoni", historicamente usados no jornal. Falece José Vieira de Carvalho Mesquita, Diretor-
Superintendente da S/A O Estado de S. Paulo, no dia 26 de julho. Francisco Mesquita Neto é o sucessor. Luiz
Vieira de Carvalho Mesquita é o Presidente do Conselho de Administração, Júlio de Mesquita Neto o Diretor-
Responsável de "O Estado" e Ruy Mesquita Diretor-Responsável do "Jornal da Tarde".
1991 - 1999
1991: Em abril, Roberto Crissiuma Mesquita assume como Diretor. A "Agência Estado" adquire a Broadcast
(incorporada oficialmente em 06/01/92).
228
1992: Fernando Crissiuma Mesquita torna-se Diretor da OESP/Gráfica em setembro.
1993: No dia 12 de setembro, a cor do logotipo do cabeçalho de "O Estado" passa a ser azul, com aprovação
dos leitores consultados em pesquisa (85%). Além disso outras mudanças na 1ª página como a coluna da
esquerda orientando a leitura e realçando a variedade de assuntos; o texto abaixo da manchete, resumindo o
fato e destacando sua importância; e a data dentro de uma tarja cinza, logo abaixo do logotipo.
1994: Iniciado em agosto o projeto educacional "Estadão na escola".
1996: Falece Júlio de Mesquita Neto, no dia 5 de junho. Ruy Mesquita torna-se o Diretor Responsável de "O
Estado".
1997: No dia 3 de março de 1997 falece Luiz Vieira de Carvalho Mesquita. Em junho, Ruy Mesquita assumiu
a Presidência do Conselho de Administração.
1998: No dia 27/05/98 Francisco Mesquita Neto foi eleito Presidente do Conselho de Administração.
1999: É constituída no dia 18/02 a OESP Mídia.
2000 - ...
2000: Em 25 de março ocorre a fusão dos "sites" da Agência Estado, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde
resultando no portal Estadao.com.br, veículo informativo em tempo real.
2001: No mês de dezembro o Grupo Estado adquiriu uma concessionária de televisão, o Canal 10, TV Santa
Inês, no Maranhão.
2002: No dia 4 de janeiro o canal passa a ser denominado TV Eldorado, afiliado à TV Cultura de São Paulo,
com produção própria de jornalismo local. Neste mesmo ano o Grupo Estado obtém a concessão de
retransmissoras em São Paulo, São José dos Campos, Campinas, Santos e Mogi das Cruzes.
2003: Em janeiro deste ano o portal Estadao. com. br supera a marca de um milhão de visitas mensais,
consolidando sua posição de liderança em consultas a veículos de jornalismo em tempo real no Brasil.
Cronologia das sedes
(redação e administração) de O Estado
1ª) Rua do Palácio, no. 14 (atual rua do Tesouro), esquina com a rua do Comércio (atual Álvares
Penteado).(04/01/1875- 17/04/1877).
2ª) Rua da Imperatriz, 44 (atual XV de Novembro) (17/04/1877-02/09/1881).
3ª) Rua João Brícola, 53, esq. com rua da Imperatriz (hoje XV de Novembro) (02/09/1881-18/06/1906).
4ª) Praça Antonio Prado/Casa Martinico (nome do edifício). No mesmo prédio hoje se encontra a BM&F
(Bolsa Mercantil & Futuros). (18/06/1906-18/03/1929).
5ª) Rua Boa Vista, 30, esq. c/ Ladeira Porto Geral (18/03/1929-26/05/1947).
6ª) Rua Barão de Duprat, 41 (26/05/1947-31/12/1951) (0bs.: no mesmo local funcionaram as oficinas entre
10/11/1927 e 31/12/1951).
7ª) Major Quedinho, 28 (31/12/1951-13/01/1976)
8ª) Av. Engo. Caetano Álvares, 55 (13/01/1976-...)
229
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