Passivos, nem os revólveres calibres 38 eles tiraram das cartucheiras. “Não dá tempo de revidar, é
um ataque rápido demais”, disse um agente.
O insufilme preto fazia de cada carro uma ameaça e um suspense. Todos os 14 olhos dos agentes que
passaram a noite na base escaneavam cada máquina que passava, movimentos coordenados. “A gente
era caçador, agora é presa fácil”, afirma o guarda.
Na porta do 47º Distrito Policial, o do Capão Redondo, área conhecida pelos altos índices de
violência, o clima era de guerra. Rostos cobertos por balaclavas, pistolas nas mãos e uma calibre 12
(arma de matar elefante) para qualquer eventualidade, os 16 agentes não esperavam os ataques.
A estrada de Itapecerica, onde fica a delegacia, teve as pistas estreitadas por obstáculos. Vestidos
com coletes à prova de balas, os policiais paravam – com gritos e armas apontadas – as motos que se
aproximavam.
SURPRESAS: Atrás do muro que cerca a delegacia, o titular José Ribamar Raposo, 45, levantou o
gorro para falar com a reportagem. “Em 2003, pegaram a gente de surpresa. Agora isso não vai
acontecer.” De madrugada, no entanto, apesar de todos os cuidados, quatro homens a bordo de um
Santana metralharam o DP. Ninguém se feriu, porém 11 carros ficaram esburacados de tiros.
Enquanto os policiais esperavam pelo pior na porta da delegacia, lá dentro, como se nada estivesse
acontecendo, três boletins de ocorrência eram lavrados: um por roubo a coletivo, outro por roubo de
veículo e até um por perda de documentos.
“Medo? Por que medo? Esses caras do PCC não estão errando o alvo, não. Com eles não tem essa de
bala perdida. Pode ver, é só polícia que eles estão ‘pegando’”, explicou um auxiliar de escritório que
comprava flores e um quadro escrito “Te Amo, Mamãe”, às 3h40 do domingo, em uma banca bem
ao lado da base comunitária da PM no Jardim Ranieri, uma das subdivisões do Jardim Ângela, o
mesmo que no fim dos anos 90 aparecia no topo da estatística de homicídios no país. Vizinho à base,
acontecia um baile na frente da panificadora A Francesinha, que funciona 24 horas por dia.
A periferia da cidade não tem medo da guerra do PCC. Se os três policiais (dois homens e uma
mulher) presentes na base comunitária de Guarapiranga estavam fincados em pé em seus postos, dois
“três oitão” e uma “doze” em alerta, a casa de espetáculos Guarapirão, vizinha, bombava com 800
foliões chacoalhando com a banda Fettynia, Carlos e Marcel, além das Mocréias e sua trupe.
No meio da madrugada, os jovens desfilavam a bebedeira diante da aflição solitária dos PMs. A
“doze”, pesadona com seus 4,5 quilos, agora ia das mãos de um soldado para a do outro a cada meia
hora. “Não dá para um só carregar esse bichão.” Dois garotos “folgados”, conforme definiria um PM,
chegaram a acender um cigarro de maconha bem na frente da base.
Até atender a um pedido de socorro ficou difícil. Os soldados da Guarapiranga já estavam
informados de que seus colegas do vizinho Jardim Herculano tinham sido emboscados ao atender a
uma ocorrência de agressão entre familiares. “Fomos em cinco viaturas, com 11 homens. Entramos
numa viela e eles começaram a atirar. A gente revidou e eles correram para a favela. Graças a Deus
ninguém foi atingido”, explicou o sargento Rogério Luís Bartholomeu, 28, PM há 10 anos.
UNIÃO: As rivalidades entre as corporações ficaram pequenas diante do desafio colocado pelo PCC.
“Estamos mais unidos do que nunca. Viramos um corpo só. Agora, tudo depende do comandante, da
Justiça e do Ministério Público”, diz um policial civil. “Chamou, vai todo mundo.”
No velório dos policiais civis atingidos pela violência do PCC (investigador José Antônio Prada
Martinez, agente policial Paulo José da Silva, investigador Tamer Ramos Orlando), ontem, na
Academia da Polícia Civil, ao lado do campus da Universidade de São Paulo, a revolta dos policiais
militares e civis aparecia discretamente, proibidos que estavam os homens de dar entrevistas.
Com a condição de não ser identificados, eles desabafavam: “Infelizmente, a gente tem uma lei para
respeitar, eles [os membros do PCC] não têm nenhuma. Eles invadem sem mandado, portam as
armas que querem. A gente tem de se contentar com as porcarias obsoletas que o Estado fornece e
autoriza”, afirmou um policial militar armado apenas com um “três oitão”.
“Armamento? Veja, a gente que é bem equipada [refere-se aos policiais da Delegacia de Narcóticos]
tem metralhadora, essa Taurus .40. Eles têm fuzil, dão tiro de rajada com um AR-15 ou um AK-47
[armas de guerra com alta potência perfurante e precisão], têm lança-granada. A gente tinha de ter
fuzil também. A gente tinha de estar em vantagem. A gente não pode perder; a gente não pode
empatar; a gente tem de ganhar de goleada. Senão é o caos.”
TERRORISMO: “Antigamente, existia uma ética. Família de policial era coisa sagrada até para o
bandido. Acabou a ética e virou terrorismo.” “O policial brasileiro tem garra. Pede para um
americano entrar em uma favela. Ele não entra. Quer ir com 50 junto. Este colete à prova de balas,
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