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O que Aristóteles parece ter notado é que nos argumentos do tipo acima citado ocorre
a ‘preservação de algo’. Tendo em vista que as sentenças que compõem o argumento são
portadoras de valor-de-verdade, então podemos dizer que há uma ‘preservação da verdade’ –
alguém poderia dizer também que há uma ‘preservação de conteúdo informativo’. Outro
aspecto relevante é o uso da expressão ‘segue-se necessariamente’. Essa expressão, associada
ao contexto no qual ela aparece, dá a entender que a preservação da verdade não depende do
sujeito que argumenta e, em algum sentido, também é independente dos objetos aos quais se
referem as sentenças envolvidas. Não parece errado interpretar Aristóteles dessa maneira,
especialmente se levarmos em conta a sua abordagem sobre os silogismos – aqueles
argumentos que são válidos unicamente em função de sua forma. Com respeito a esse tema,
há um comentário de Lukasiewicz (1977, p. 20-26). Para ele, a lógica aristotélica é formal
sem ser formalista. A título de esclarecimento, apresentarei as linhas gerais da argumentação
que ele usa para defender essa tese.
Lukasiewicz (1977, p. 22-23) explica que, para Aristóteles e os peripatéticos, só
pertencem à Lógica as leis silogísticas expostas mediante variáveis, porém não suas
aplicações a termos concretos. Um caso de silogismo como pura regra estabelecida mediante
caminhar, e que alguém é um homem, imediatamente alguém caminha; ou que, nesse caso, nenhum homem
deveria caminhar, alguém é um homem: imediatamente alguém permanece em repouso. E alguém assim atua nos
dois casos desde que nada exista para forçá-lo ou impedi-lo. Novamente, ele deve criar algo bom, uma casa é
algo bom: imediatamente ele faz uma casa. Preciso de uma roupa, um manto é uma roupa: preciso de um manto.
O que preciso, devo fazer; preciso de um casaco: faço um casaco. E a conclusão ‘Devo fazer um casaco’ é uma
ação. E a ação volta ao ponto-de-partida. Se é para existir um manto, primeiro deve existir isso, e se isso então
isso – e imediatamente ele faz isso. Agora está claro que a conclusão é uma ação. Mas as premissas da ação são
de dois tipos, do bem e do possível’ (MA 7. 701
a, 1-24). [Tradução minha].
Na edição inglesa desse trecho, feita por J. Barnes (1995, p. 1091-1092), a partir da qual realizei minha tradução,
diz o seguinte: ‘But how is it that thought is sometimes followed by action, sometimes not; sometimes by
movement, sometimes not? What happens seems parallel to the case of thinking and inferring about the
immovable objects. There the end is the truth seen (for, when one thinks the two propositions, one thinks and
puts together the conclusion), but here the two propositions result in a conclusion which is an action – for
example, whenever one thinks that every man ought to walk, and that one is a man oneself, straightaway one
walks; or that, in this case, no man should walk, one is a man: straightaway one remains at rest. And one so acts
in the two cases provided that there is nothing to compel or to prevent. Again, I ought to create a good, a house is
good: straightaway he makes a house. I need a covering, a coat is a covering: I need a coat. What I need I ought
to make, I need a coat: I make a coat. And the conclusion ‘I must make a coat’ is an action. And the action goes
back to a starting-point. If there is to be a coat, there must first be this, and if this then this – and straightaway he
does this. Now that the action is the conclusion is clear. But the premises of action are of two kinds, of the good
and of the possible’ (Aristotle, Movement of Animals 7. 701
a, 1-24).
E na Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma: ‘[...] O discernimento não é a faculdade, mas não existe sem ela. Este
olho da alma não adquire sua eficácia sem a excelência moral, como já dissemos e é evidente; de fato, as
inferências dedutivas relacionadas com os atos a praticar pressupõem um ponto de partida – por exemplo, “já
que a natureza do objetivo, ou seja, o que é melhor, é esta...” (seja ela qual for, pois para argumentar podemos
considerá-la como quisermos); e isto é evidente apenas para as pessoas boas, pois a deficiência moral nos
perverte e faz com que nos enganemos acerca dos pontos de partida da ação. É obviamente impossível, portanto,
ser dotado de discernimento sem ser bom’. (itálico meu, EN, 1144
a 31, tradução de Mário da Gama Cury,
2001).