Ricoeur, “a poesia não é a eloquência. Ela não visa à persuasão, mas produz a purificação das
paixões, do terror e da piedade.”
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Habitar poeticamente implica o retorno à pergunta: o que é poesia? Será a poesie, do
grego poiesis, que significa ‘o fazer, fabricação, produção, poesia, poema’, que, por sua vez,
vem de poiein, ‘fazer’”?
27
Segundo o autor Octávio Paz:
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o
mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza. Exercício espiritual, é um
método de libertação interior. A poesia liberta este mundo. Cria outro. Pão para os
eleitos. Alimento maldito. Isola. Une. Convida para a viagem. Regresso à terra natal.
Inspiração, respiração, exercício muscular. Pregação no vazio, diálogo com a
ausência: o tédio, a angústia e o desespero a alimentam. Oração, litania, epifania,
presença. Exorcismo, feitiço, magia. Sublimação, compensação, condensação do
inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história. Em seu
seio se resolvem todos os conflitos objetivos e o homem adquire por fim consciência
de ser algo mais que trânsito. Experiência, sentimento, emoção, intuição,
pensamento não-dirigido. Filha do azar. Fruto do cálculo. Arte de falar em forma
superior. Linguagem primitiva. Obediência a regras. Criação de outras. Imitação dos
antigos, cópia do real, cópia da ideia. Loucura, êxtase, palavra. Retorno à infância
coito, saudade do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética.
Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo.
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também?/ Sim. Enquanto perdurar junto ao coração/ a amizade, pura, o homem pode medir-se/sem infelicidade
com o divino. É Deus desconhecido?/ Ele aparece como o céu? Acredito mais que seja assim. É a medida dos
homens./ Cheio de méritos, mas poeticamente/ o homem habita a Terra. Mais puro, porém,/ do que a sombra da
noite com as estrelas,/ se assim pode dizer, é/ o homem, esse que se chama imagem do divino./ Existe sobre a
Terra uma medida? Não há/ nenhuma”. Neste texto, Martin Heidegger define o que é poesia. Segundo
HEIDEGGER, Martin. 2002, p. 169, “poesia é aquilo que originalmente faz com que o habitar seja um Habitar,
sendo através dela que o verdadeiro habitar acontece. A habitação não é um alojamento, mas um comportamento
humano, proveniente de sua relação com o mundo. Para Hölderlin, o habitar poético se dá nesta Terra. Isto
aparentemente é óbvio. Mas o poeta traz para o plano da vida material uma instância que deveria pertencer ao
plano da linguagem. Embora o adjetivo “poético” sugira um sair deste habitar terreno para domínios outros,
Hölderlin inverte esta perspectiva, afirmando expressamente que o habitar poético acontece “nesta Terra”.
Assim, traz à luz a natureza essencial da poesia, pois esta é que “[...] traz o homem para a Terra, para ela, e assim
o traz para um habitar”. Segundo NUNES, Benedito. Hermenêutica e poesia: o pensamento poético. Belo
Horizonte: UFMG, 2007. p. 19: “Heidegger apóia-se em Hölderlin para descerrar o segredo do pensamento,
como o aceno de uma lembrança a recuperar. O Denken [o pensar], nesse caso, se converteria num Andenken
[lembrança]. O que foge ao pensamento, e que jamais poderíamos encontrar na ciência, e que é a lembrança,
aflora no poetar (na poesia), e aponta para aquilo que o pensamento deve visar”. Ainda em NUNES, 2007, p.
121: “Por que Hölderlin?, pergunta Heidegger: por que era o poeta dos poetas, o poeta da poesia”.
26
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2000, p. 23.
27
INWOOD, Michael. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 144.
28
PAZ, Octavio. La casa de la presencia: poesia e história. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1994, p. 41,
observe o texto original: La poesía es conocimiento, salvación, poder, abandono. Operación capaz de cambiar al
mundo, la actividad poética es revolucionaria por naturaleza. Ejercicio espiritual, es un método de liberación
interior. La poesía revela este mundo. Crea otro. Pan de los elegidos. Alimento maldito. Aísla. Une. Invitación al
viaje. Regreso a la tierra natal. Inspiración, respiración, ejercicio muscular. Plegaria al vacío, diálogo con la
ausencia: el tedio, la angustia y la desesperación la alimentan. Oración, letanía, epifanía, presencia. Exorcismo,
conjuro, magia. Sublimación, compensación, condensación del inconsciente. Expresión histórica de razas,
naciones, clases. Niega a la historia. En su seno se resuelven todos los conflictos objetivos y el hombre adquiere
al fin conciencia de ser algo más que tránsito. Experiencia, sentimiento, emoción, intuición, pensamiento no-
dirigido. Hija del azar. Fruto del cálculo. Arte de hablar en una forma superior. Lenguaje primitivo. Obediencia a
las reglas. Creación de otras. Imitación de los antiguos, copia de lo real, copia de una copia de la Idea. Locura,
éxtasis, logos. Regreso a la infancia, coito, nostalgia del paraíso, del infierno, del limbo. Juego, trabajo, actividad
ascética. Confesión. Experiencia innata. Visión, música, símbolo.
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