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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
O GRAPHICO”: Representações da vida e da sociedade do Brasil na
Primeira República
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História como
requisito parcial à obtenção do título de
mestre em História por TERESA
VITÓRIA FERNANDES ALVES.
Orientador:
Profª. Drª. Sônia Cristina Lino.
Juiz de Fora
Setembro - 2007
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Livros Grátis
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Dissertação defendida e aprovada em 10 de setembro de 2007, pela banca constituída por:
__________________________________________________________
PRESIDENTE: PROFª. DRª. ANGELA MARIA DE CASTRO GOMES
_________________________________________________________
TITULAR: PROFª. DRª. BEATRIZ HELENA DOMINGUES
________________________________________________________
ORIENTADORA: PROFª. DRª. SÔNIA CRISTINA LINO
2
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AGRADECIMENTO
Agradecer sempre é algo difícil.
São tantas as pessoas que, no decorrer não apenas desses 02 (dois) anos e alguns
meses, estiveram presentes em minha vida e compartilharam os momentos de muitas alegrias
e de algumas tristezas, que, de certa maneira, estarão sempre presentes.
Na lembrança, muitos rostos e nomes que vão e vêm...
Primeiramente, agradeço a Deus por ter me conduzido a este caminho...
Aos meus pais, meus irmãos, sobrinhas e toda a minha família, o meu eterno amor e
agradecimento pela paciência e compreensão, pois sem eles teria sido impossível levar adiante
este trabalho...
A Sônia Lino minha orientadora, pessoa de fundamental importância para o meu
crescimento não apenas acadêmico mais também pessoal, já que não foi apenas minha
professora, mas se transformou em amiga e confidente, por me ouvir tantas vezes e por ter
toda paciência, compreensão e confiar em mim...
A minha prima e amiga Heloisa Helena, que presente não apenas como leitora, mas
também como uma orientadora, que doou suas tardes para a análise dos meus textos. O meu
agradecimento por todos os “puxões de orelha”. A você, a minha eterna admiração...
Aos professores doutores Ângela Maria de C. Gomes e Jorge Ferreira, causadores,
por assim dizer, do meu ingresso no mestrado. Obrigada por me incentivar e transformar um
sonho em realidade...
A Universidade Federal de Juiz de Fora, diretamente ao corpo docente do mestrado
em História, por ter acreditado em meu trabalho.
Aos amigos de ontem sempre presentes em minha vida, Marília, Sr. Fernando,
Sebastian, Carlos José (Kjó), César, Gleidy, Sandra Durãn, que mesmo com a distância e o
corre-corre diário se emocionaram com minha conquista o meu muito obrigado.
A Márcia e D. Aracy, Núbia, Caroline, Talita e Elisa, amigos recentes, mas que
depositam em mim uma esperança e confiança, que nem eu mesma tinha noção que
existisse...
Aos amigos-irmãos Flávia e família, Alexandre e Marília, que descobri em Juiz de
Fora, cidade que me recebeu e de onde, eternamente, guardarei lembranças maravilhosas...
A todos os amigos que fiz pelas escolas onde lecionei; principalmente a Selma minha
sempre coordenadora e a Lourdes, que teve paciência em ler o meu trabalho, muito obrigada
pelo carinho e incentivo.
3
Ao Prof°. Dr°. Reis Torgal, a Alda, Teresa, Aninha e Pedro, amigos de Além-mar, de
quem guardo imensas saudades e que me ensinaram o valor de uma nova amizade...
E mais uma vez agradeço a Deus, dessa vez por ter me dado um presente que foi ter
conhecido uma pessoa que hoje me incentiva e apóia todos os meus projetos particulares e
profissionais, obrigado Paulo Henrique.
4
DEDICATÓRIA
A todas as pessoas que passaram por minha vida
e a transformaram...
Aos meus ex-alunos e alunos, que me ensinaram
e ensinam a cada dia ver o mundo com outros olhos...
5
EPÍGRAFE
Senil
Os velhos nas praças
Já não esperam nada,
E, se esperam,
Esperam apenas o anoitecer
Para voltar pra casa.
Os velhos,
Com seus sapatos furados,
Carregam nos pés histórias,
Os velhos já não têm hora,
Já não têm memória.
Os velhos, nas praças públicas,
Já não temem o tempo,
Já não temem a guerra,
Já não esperam glórias
Nem derrotas.
Os velhos esperam apenas
A hora de voltar para casa.
Ivan Santana
6
SUMÁRIO
Introdução 01
Capítulo 1 – O mundo dos tipógrafos: O GRAPHICO e sua História 12
1.1 – Da arte da tipografia à mecanização 13
1.2 – Os tipógrafos e as formas de Associação no Brasil 19
1.3 – Como se tornar um trabalhador gráfico: a educação e a instrução do tipógrafo 29
1.4 – O oficio do gráfico e a tecnologia: uma visão peculiar das inovações 39
Capítulo 2 – O GRAPHICO: um jornal político e atuante 45
2.1 – As grandes questões políticas do seu tempo 46
2.1.1 – A greve na visão de O GRAPHICO 47
2.1.2 – O trabalho infantil e feminino: um breve olhar 60
2.1.3 – O 1º de maio: o significado da data 65
2.1.4 – O Estado na visão de O GRAPHICO 71
Capítulo 3 – O Rio de Janeiro do GRAPHICO: visão de uma cidade e de uma época 76
3.1 - A cidade, seus moradores e os seus problemas 79
3.2 – Os trabalhadores e os seus problemas 88
3.3 – A 1ª Grande Guerra e os trabalhadores 94
Conclusão 100
Bibliografia 104
Anexo 109
7
RESUMO
Através de “velhos artigos” publicados em um jornal operário, levanta-se a formação
e a evolução cultural de uma dada sociedade. Nas letras de forma, percebem-se emoções e
reações baseadas numa imprensa que nasce a partir dos sonhos, idealismos e muita vontade de
se fazer ouvir. Nos artigos editados e publicados no jornal O GRAPHICO, os tipógrafos do
Rio de Janeiro, entre os anos de 1916 e 1919, tentava expressar suas opiniões acerca das
transformações e dos problemas existentes, não só na cidade como também sobre os fatos
ocorridos dentro e fora do seu país.
Diferentes visões do cotidiano serviram de base para criação de uma conexão entre
as distintas camadas sociais, no momento em que cada uma delas demonstrava uma
determinada consciência dos problemas pelos quais os homens passavam e a forma que
encontravam para tentar transpô-los.
O saber ler e escrever fez com que percebessem o mundo com outros olhos. O seu
olhar mesclado com outros, contido em livros e artigos que liam, construíram uma visão
incomum ao seu meio social.
Deve-se deixar claro que a imprensa operária não detém, em si, uma explicação
definitiva sobre os operários do Brasil. Porém, carrega uma forte subjetividade desses
homens-operários.
8
ABSTRACT
It´s through "old articles" published in a proletarian newspaper that one can point
out both the development as well as the cultural evolution of a particular society. In block
letters we can notice the emotions and reactions based on a press created from one's dreams,
idealisms and urge to be heard. In the edited and published articles in the "O GRAPHICO"
newspaper, the typographers from Rio de Janeiro -between 1916 and 1919- express their
opinions when it comes to the transformations and existing problems of their town (in
addition to facts which happened in their countries and overseas).
Several points of view of everyday life served as basis to the creation of a
connection between distinct social ranks, at a time each of these ranks was aware of the
problems men were going through and how they managed to overcome them. Learning how
to read and write made them see the world in a different light.
Their views along with others' -reflecting books and articles they read, built an
unusual perception of their environment. Nevertheless it's important to make it clear that the
proletarian press doesn't have a definite explanation about workers in Brazil. However it holds
a heavy subjectivity of these so-called workmen.
9
INTRODUÇÃO
Como a arte do ilusionismo, o talento do
historiador se baseia em fazer de maços de papel um belo
texto medieval ou através de uma imagem “desvendar” o
cotidiano de um grupo ou de uma sociedade.
Assim, da mesma forma que um artesão transforma
os fios que tece em uma bela tela, o ato de fazer história
termina por ser uma prática de buscar nos arquivos
documentos, escritos, iconográficos, ou em depoimentos
orais informações que romperão um silêncio existente e que serão analisadas pelos
historiadores.
O CHINELO DO
DIABO:
INFORMAÇÕES
SOBRE O
COTIDIANO DE
UMA TIPOGRAFIA
CARIOCA
Para o historiador, não existem simplesmente fatos históricos. Na verdade, são a ou
as questões, colocadas por ele às suas fontes que terminam por construir o objeto histórico
1
. O
passado, por si só, não é um objeto de análise, é preciso que ele seja construído com tal. Logo,
para que a História se diferencie de uma simples narração, o pesquisador precisa utilizar
regras científicas e conceitos que o auxiliarão a analisar e a criticar os documentos e a
transformá-los em “provas” históricas.
A questão em si possui uma raiz social, e cabe a ela responder às indagações feitas
pelo historiador que está inserido em um dado momento e uma dada sociedade, totalmente
diferente daquele no qual o documento foi forjado.
Tudo isso foi dito, pois na realização deste trabalho buscou-se respeitar esses
compromissos. Os elementos dessa pesquisa foram detalhadamente pensados, da mesma
maneira que um artesão, minuciosamente, dispõe um fio sobre outro, dando forma a sua
imaginação.
Como num grande quebra-cabeça, em que cada peça se encaixa em um determinado
local, os fatos históricos precisam ser integrados para compor imagens de uma dada
sociedade.
Ao optar por fazer uma história que analisa a vida das pessoas comuns, nos
debruçamos sobre as mais diversas experiências sociais que passaram a ser o fio condutor da
nossa análise.
1
Ver, DOSSE, François. A História. Bauru, SP: EDUSC, 2003, p. 17.
10
No decorrer da leitura do jornal O GRAPHICO, algumas indagações foram surgindo,
tais como: no que esse trabalho contribuiria para os estudos da História Social do Rio de
Janeiro? Não estaria excluindo os outros trabalhadores, no momento em que restringia meu
trabalho a apenas um pequeno grupo de operários?
Ao ler os artigos do jornal, passamos a entender que o universo desse “pequeno
grupo” era muito mais amplo e terminava por influenciar não apenas a vida deles como
também de outros trabalhadores. O ponto central deste trabalho é entender como as
transformações ocorridas na sociedade brasileira foram percebidas pelos tipógrafos redatores
do jornal, tomando como referência a forma como as situações concretas do cotidiano
passaram a ser narradas por eles. Para isso, valorizamos informações de sua vida material,
como a exploração nos locais de trabalho, o destaque dado à educação, a falta de higiene em
certos estabelecimentos comerciais, a preocupação com a saúde dos operários, a necessidade
de uma maior participação e conscientização política, entre outros.
Com a intenção de exemplificar o que foi dito anteriormente, escolhemos o artigo
“Chinelo do Diabo”. Nele, o seu articulista, de uma maneira simples, descreve a realidade da
maioria das tipografias, na qual a exploração era algo presente. O texto, nas entrelinhas,
termina por assinalar, também, a questão da necessidade que sentiam esses homens comuns
de se conscientizarem do seu papel social. Ao dar voz e vez a eles, conseguimos observar
certos aspectos do cotidiano carioca, sob um outro ângulo.
O Diabo, que sempre andou e continua a andar pela Terra desde que o Padre Eterno
o jogou fora do Paraíso (eu me guio pela Bíblia), meteu-se no couro de um homem
bom e começou a soprar-lhe nos ouvidos para que ele publicasse uma revista,
mesmo modesta. E tanto fez que o pobre homem atirou-se à empresa.
E o nome? Mas o Diabo que havia inventado um brinquedo para crianças, soprou
no ouvido do bom homem e disse: Polichinelo.
Boa idéia, disse o bom homem. E foi por causa dessa invenção que começava a
corromper os anjos querubins que Satã foi corrido do Paraíso, dizia o Mendonça.
Pois bem. Quando foi publicado o primeiro número desta revista e saiu à rua, um
garoto que estava próximo e era médium vidente, viu o Diabo escorado na porta da
oficina do Polichinelo a rir desbragadamente com outro garoto e a dizer-lhe que
aquele nome tinha sido idéia dele e quem ali trabalhasse não pararia e seria até
roubado no valor do seu trabalho, e o trabalho havia de sair muitas vezes mal feito
e o dono da casa se desgostaria muito.
O garoto, assombrado, vai ao encontro de outro como ele e disse-lhe:
- Não compres aquela revista.
- Por quê?
- Porque aquilo é o Chinelo do Diabo, e tem até dois números: 149 e 151.
E fugiram ambos.
Dias depois, conversaram num botequim próximo, do Chinelo do Diabo, dois
gráficos indignados:
11
-Veja você, seu Tibúrcio. Eu fui trabalhar ali naquela oficina e estou com os
cabelos brancos. Pensava que o gerente da casa pagasse bem e me enganei, disse-
me o Mendonça...
- Mas o que disse o Mendonça de bem da casa?
- Ele me disse que, a exploração existe nas oficinas gráficas aquela também está no
rol destas poucas vergonhas. Ouve lá. Quando principiou a funcionar aquelas
oficinas, era pago a um bom litógrafo 12$ diários para que executasse bem o
trabalho, e assim o nosso colega fez. Mas, a ganância e a pouca vergonha que
vagabundeia pela maioria das oficinas, levou o gerente a demitir do trabalho o bom
operário. Correu então o boato que no Chinelo do Diabo precisava-se de litógrafos.
Estás ouvindo?
- Estou.
- Pois bem. Dias depois o Chinelo foi invadido por um punhado de litógrafos a 4$
e 5$ diários.
- O que? Isto é verdade?
- É certo o que te digo.
- E o dono da casa?
- O dono, dizem, é vítima dos sabidos, foi o Mendonça que me disse, si é mentira é
dele.
- E os tais oficiais de 4$ e 5$?
- Olha, escuta e não passes a outros colegas, porque parece até vergonhoso.
Fizeram a adesão da legenda em tipos à pedra litográfica, e nesta luta titânica
empastelaram tudo, em poucos minutos.
- Livra!...Que es...lhambação!
- Queres ouvir mais?
- Não. Só por isso eu e meus colegas tiramos a fundo a conclusão do que se passa
dentro do Chinelo do Diabo.
- Vem aí o bonde da Lapa. Até logo. Aparece lá na Associação, sim? Há coisa mais
linda.
- Sim?
- Boa noite.
2
No decorrer dos anos, a literatura acerca do mundo dos operários veio não só se
diversificando, mas também se ampliou. Diversas análises apresentam os operários como
produtores de cultura, levando em consideração, sob todos os aspectos, as relações de poder,
não apenas presentes no universo do trabalho como também na vida pessoal desses homens e
mulheres
3
.
Contudo, poucas foram as pesquisas que buscaram entender as contradições e as
dinâmicas de suas ações na sociedade em que estavam inseridos. Estudos, como o de Boris
Fausto
4
e o de Edgard Carone
5
, que trabalharam a questão operária, são imprescindíveis para
o entendimento e a determinação da trajetória da evolução do movimento operário brasileiro.
2
Ver, ‘Chinelo do Diabo’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1917, p. 02.
3
Ver, CIAVATTA, Maria. O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte histórica (Rio de Janeiro,
1900-1930). Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
4
Ver, FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
5
Ver, CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1984.
12
Outros trabalhos, como o da Professora Maria Nazareth Ferreira
6
, cujo objetivo
principal era o de entender a situação da classe trabalhadora dentro do quadro social brasileiro
partindo da análise de jornais operários, confeccionados entre os anos de 1880 e 1920, pode
ser visto como fonte de referência para várias pesquisas. Em seu livro, a pesquisadora termina
por destacar o operário gráfico como um agente comunicador dentro da formação da classe
operária brasileira
7
, algo muito mencionado pelo jornal aqui estudado, o que serve de base
para a nossa pesquisa, a partir da valorização presente na documentação, que destaca não
apenas o trabalho gráfico mas o próprio ofício – arte do tipógrafo.
Um estudo fundamental para se entender o universo dos operários brasileiros, foi
realizado pela Professora Ângela Maria de C. Gomes
8
, que analisou como o Estado fez uso do
discurso operário e da lógica simbólica dos trabalhadores para construir seu próprio projeto de
modernização. Ressalta como as lideranças operárias discutiam os temas políticos e
apresentavam tanto o trabalho quanto a educação operárias, como requisito fundamental para
a obtenção da sua cidadania.
Com base nessas obras, novas pesquisas foram surgindo. Um enfoque mais social e
cultural passou a ser dado nos trabalhos acerca do movimento operário. As pesquisas
deixaram de tratar o mundo do trabalho
9
de uma forma mais ampla, e restringiram a análise de
grupo de operários como os estivadores, os da construção civil, os gráficos e outros. Para tal,
passou-se não só a analisar a documentação referente às relações de trabalho propriamente
dita como também as produções culturais, como os jornais operários.
Dissertações de mestrado foram realizadas com a mesma temática, como a da
Professora Marialva Barbosa
10
, que analisou inúmeros jornais e periódicos editados no Rio de
Janeiro entre os anos de 1880 e 1920. Em sua pesquisa, ela buscou perceber como os gráficos
pensavam a sociedade em que viviam e, para tal, utilizou-se dos artigos existentes em
diversos diários de grande circulação e nos criados pelos operários, com o objetivo de
entender como esses homens incorporavam a sua visão de mundo à de outros grupos sociais.
6
Ver, FERREIRA, Maria N. A imprensa operária no Brasil – 1880-1920. Petrópolis: Vozes, 1978.
7
Ver, SINGER, Paul. A formação da classe operária. São Paulo: Atual, 1988, p.04, onde o autor afirma que: “O
conceito de classe operária ou proletariado se refere basicamente ao conjunto de pessoas desprovidas de
propriedade ou de qualquer fonte de renda, que, por isso, são obrigadas a alugar sua capacidade de trabalhar, isto
é, a vender sua força de trabalho para poder viver. São os trabalhadores assalariados”.
8
Ver, GOMES, Ângela M. de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
9
Ver, CIAVATTA, Maria. Op.cit., p. 126.
10
Ver, BARBOSA, Marialva. “Operários do pensamento”. (Visões de mundo dos tipógrafos no Rio de Janeiro
– 1880-1920). Niterói – RJ: UFF - dissertação de Mestrado, 1991.
13
Em sua tese de doutorado, a Professora Heloisa de Faria Cruz
11
, que utilizou artigos
de diferentes jornais, centrou o eixo principal de sua análise na difusão e popularização de
uma cultura letrada. Para tal, trabalhou a questão das cidades como locais/espaços de
transformação e construção das linguagens.
As duas pesquisas foram de extrema importância para o entendimento de como se
trabalhar o jornal, enquanto um espaço de difusão de idéias não apenas de um determinado
grupo, mas de uma dada realidade social.
Dentre os trabalhos mais recentes da historiografia brasileira que tratam da temática
da cultura operária, encontramos na Unicamp importantes representantes, valorizando não
apenas as questões político-partidárias, mas focam suas pesquisas no cotidiano dos operários,
de uma forma geral, como também nas suas relações sociais e culturais. Dentre esses
trabalhos, citamos o realizado por Artur José R. Vitorino
12
, que estudou os gráficos cariocas e
paulistas durante os anos de 1858 e 1912. A análise de sua pesquisa centrou-se na criação,
ainda durante o Império, da Associação Tipográfica Fluminense, em sua participação nas
lutas reivindicatórias dos tipógrafos de uma maneira geral.
Ainda dentro desses estudos, destacamos os trabalhos elaborados pelo Professor
Cláudio H. M. Batalha
13
, que primam por demonstrar as diversidades das origens dos
operários brasileiros, suas variadas formas de organização e as relações desses com as
diferentes correntes ideológicas que existiram durante a Primeira República.
O diálogo travado nestes trabalhos percorreu um caminho no qual a preocupação
básica centrou-se no pensar as experiências culturais do período estudado, onde a transição, a
experimentação e as novidades vivenciadas pelos operários gráficos do Rio de Janeiro
indicaram uma situação cultural efervescente no Brasil da Primeira República.
Pesquisas que valorizaram a trajetória social e cultural desses operários começaram a
ser desenvolvidas no Brasil a partir da renovação historiográfica, iniciada pela École des
Annales
14
, que nos forneceu as ferramentas teóricas para compreensão dos processos de
formação de identidades coletivas, sendo ela de extrema importância com relação às lutas
sociais pelo poder.
11
Ver, CRUZ, Heloisa de Faria. Na cidade, sobre a cidade: cultura letrada, periodismo e vida urbana. São
Paulo: 1890/1915. São Paulo: USP, tese de Doutorado, 1994.
12
Ver, VITORINO, Artur José R. Máquinas e operários: mudança técnica e sindicalismo gráfico (São Paulo e
Rio de Janeiro, 1858-1912). São Paulo: Annablume – FAPESP, 2000.
13
Ver, BATALHA, Cláudio H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.
14
Ver, BURKE, Peter. Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo:
UNESP, 1997.
14
Autores como C. Ginzburg e Roger Chartier
15
, entre outros, identificam a questão
cultural dentro da síntese histórica como um aspecto particular de uma história global. Para
Chartier, o mundo social e suas significações são sempre representados pelos interesses dos
grupos que as constroem. Assim, há a necessidade de articular os discursos criados com seus
criadores, sabendo que os mesmos não são neutros, pois produzem e reproduzem práticas e
estratégias que definem a posição de uma autoridade ou então servem para legitimar um
projeto ou até mesmo justificar escolhas. Sob esta ótica, a apropriação cultural passa pela
questão das diferentes formas de interpretação da realidade em que a mesma se insere. Nesse
momento ele destaca as inúmeras formas de se ler uma sociedade (escrita ou iconográfica,
oral ou silenciosa, particular ou coletiva), que tem por objetivo perceber a identidade do ser, o
que nada mais é do que se não a denotação do real. Com relação à construção da
representação, Chartier pressupõe que o mundo social e suas estruturas são produzidos
historicamente através de práticas sociais, políticas, econômicas, que articuladas entre si,
constroem suas figuras.
Para a historiografia contemporânea, as relações entre escrita e oralidade, cultura
letrada e popular, passaram a ser valorizadas pela História Social. Os estudos das práticas e
produtos culturais vêm assumindo novos rumos e significados. Estudos feitos por C.
Ginzburg, Natalle Z. Davis, Peter Burke, E. T. Thompson, Lynn Hunt e Robert Darnton
16
,
entre outros, terminaram por colocar a cultura como o centro das preocupações de seus
trabalhos historiográficos.
Essa abordagem com relação aos estudos sobre o mundo do trabalho valorizou os
registros do cotidiano dos operários contidos nos textos das suas associações ou sindicatos de
classe, presentes, ainda, em relatos do Estado (boletins policiais) ou até mesmo na grande
imprensa. Procurar e valorizar aquilo que foi dito e escrito pelos operários faz com que o
entendimento do mundo dessas pessoas comuns termine por divulgar dados de sua trajetória
de vida e de trabalho
17
. O estudo de um grupo isolado - os tipógrafos - revela em si a
15
Ver, GINZBURG, C. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987 e CHARTIER, R. A
história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988.
16
Esta diversidade de enfoques e abordagens que permeia a História da Cultura na atualidade pode ser percebida
entre outros, através dos trabalhos de: GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987. THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:
USP, 1992. HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. DARNTON, Robert. O
grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 2000.
17
Ver, THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
15
complexidade da formação de uma classe operária e também o caráter concreto e particular
das inúmeras relações de dominação.
Para identificar os simbolismos/imagens criados pelos gráficos através do seu jornal
é necessário perceber suas relações com a sociedade e com o seu imaginário social, que pode
ser representado através das palavras, gestos e linguagens com as quais esses atores sociais se
faziam entender através dos seus textos impressos.
Trabalhar com o discurso produzido no passado é buscar a recuperação de imagens
fragmentadas, tradutoras de uma forma única de vivenciar o espaço e o tempo. Cada palavra e
o seu sentido possuem uma dinâmica própria em cada discurso e a cada época
18
.
Ao adentrarmos na história do Rio de Janeiro, capital da Primeira República,
precisamos identificar os elementos que o caracterizaram. Os objetivos da Belle Époque, as
inovações trazidas pelo progresso técnico e científico, na qual a busca pelo ideal de
civilização era constante e estavam presentes no dia-a-dia da população de uma forma geral.
Sendo assim, nada melhor do que os jornais para difundirem as regras/normas de
comportamento criadas. Ao entrarem em contato com essas práticas, os diferentes grupos
sociais se apropriam das informações e as adequam às suas realidades culturais
19
.
A imprensa assume o papel de intermediária em ter o poder público e os diferentes
grupos sociais. Neste sentido, os tipógrafos apresentam um papel de destaque no mundo do
trabalho. Tipógrafos e revolucionários vão ser tornar sinônimos de protesto, quando voltarmos
o olhar para o início do século XX. No instante em que um grupo social começa a se valorizar
e projeta isso não só para si como também para os outros, ele está se construindo. No contato
diário com o mundo do grupo dominante, através das impressões de pensamentos, conceitos e
palavras mescladas as suas emoções, valores e tradições; os gráficos se tornam ao mesmo
tempo mediadores e produtores de saber.
O jornal traça o perfil de homens que buscavam o aprimoramento e o
reconhecimento profissional, mas ao mesmo tempo fazia com que se percebessem enquanto
trabalhadores que desejavam construir uma imagem social distinta. As etapas de produção,
como a venda, a circulação e a leitura do jornal, fazem parte de um hábito próprio de uma
cultura
20
, que torna a palavra impressa uma forma de construção/identificação da imagem do
indivíduo/classe/nação.
18
Ver, VERÓN, E. A produção de sentido. São Paulo: Cultrix: ed. da USP, 1980.
19
Ver, CHARTIER, Roger. Op.cit.
20
Entendida aqui como o conjunto de idéias, crenças e tudo aquilo que é aprendido e caracteriza uma sociedade
em um determinado tempo.
16
Durante os 04 (quatro) anos em que o jornal O GRAPHICO circulou na cidade do
Rio de Janeiro, esses homens terminaram por narrar como foram, gradativamente, sendo
despojados dos seus ofícios de artistas gráficos, tendo suas vidas e o seu trabalho
desvalorizados. Se por um lado passaram a se perceber cada vez mais próximos aos outros
operários, por outro o conhecimento, a informação, o domínio de técnicas específicas e,
fundamentalmente, o conhecimento do uso da escrita, na sua imaginação, os colocava num
outro lugar dentro da sociedade. Através do seu jornal, os tipógrafos se mostraram e deram
uma significação peculiar em seu ofício.
A presença do ideário socialista, a visão anarquista e sua cultura, a idéia de progresso
ligada ao uso das máquinas (desenvolvimento tecnológico) e a valorização da educação estão
inseridos nos seus artigos, nas poesias, nas denúncias e testemunhos literários, com uma
linguagem simples da realidade social.
No jornal os gráficos realizavam concretamente a idéia de transformação do
pensamento. Além de construírem uma auto-imagem, os tipógrafos se percebiam como
transformadores sociais e o veículo desta modificação era o trabalho. Trata-se do operário
ordeiro e cumpridor de seus deveres, que a partir daí conquistaria a cidadania baseada em uma
identidade social positiva, o que faria que o grupo ganhasse o reconhecimento pelo Estado
21
.
A imprensa vista como o espaço para o letramento do povo e da difusão de símbolos
e significados sociais faz com que ela se torne um local dinâmico para a concretização das
aspirações dos gráficos. Porém, a discussão acerca de quem lia e o que se lia é muito delicada.
Os questionamentos levam-nos a possibilidades infindáveis quanto ao uso da leitura e escrita,
à produção e formação de leitores em diferentes espaços e momentos históricos. Gostaria de
esclarecer que é quase impossível ter uma avaliação exata sobre a propagação da imprensa
tipográfica no início do século XX, já que a existência de um público leitor era algo muito
restrito, pois poucos operários sabiam ler e escrever.
O domínio da leitura e da escrita influenciava a visão de mundo dos artífices
gráficos, que se sentiam superiores aos outros operários. Além disso, eles se apropriavam de
valores sociais que não pertenciam ao seu grupo, os reinterpretavam e os transmitiam aos
outros trabalhadores.
Os discursos criados por esses homens-artesãos estão impregnados de sonhos e
desejos. No momento em que eles são utilizados e transformados, passam difundir a imagem
de um grupo, de uma sociedade. Eles se transformam em testemunho individual, desfigurando
21
Ver, GOMES, Ângela Maria de C. Op. cit, p. 14.
17
lembranças e produções que eram novamente utilizadas pelo imaginário coletivo,
possibilitando perceber as representações, as atitudes, os hábitos e a realidade de uma
determinada época
22
.
Por essas razões, O GRÁPHICO torna-se uma fonte primordial para entender as
relações criadas por um segmento de classe operária, que traduz uma parcela do que
poderíamos denominar característica da cultura brasileira, nos primeiros anos do século XX.
Perceber a forma como uma determinada realidade social foi percebida é o objetivo deste
trabalho, ao entender como o mundo do trabalho no Rio de Janeiro foi estruturado, construído
e descrito através de um jornal operário. Como diz Robert Darnton, ao enveredar pelos
caminhos da História Cultural, o historiador etnográfico
23
partirá para estudar as
forma/maneiras como pessoas comuns percebiam e entendiam o mundo em que viviam (as
estratégias usadas para sobreviverem).
A pesquisa foi delimitada temporalmente em dois momentos precisos: o ano de
1916, quando foi publicado o primeiro número do jornal, e o ano de 1919. O presente trabalho
foi dividido em 03 (três) capítulos distintos, cada um com subtítulos, que se articulam sob
uma temática central. Para facilitar a escolha dos assuntos tratados em cada capítulo, foi
criado um quadro organizacional dividido em 19 (dezenove) itens. Ele se encontra anexado ao
final do trabalho.
O primeiro capítulo - O mundo dos tipógrafos: “O GRAPHICO” e a sua história
– foi descrito um pequeno histórico acerca do surgimento da imprensa, no mundo e também
no Brasil. Aborda a questão de como a difusão da imprensa acelerou o progresso das
sociedades. Ao longo do capítulo, trabalhou-se a questão do surgimento da Associação
Tipográfica do Rio de Janeiro e também do jornal “O Graphico”, o que terminou delineando
as principais preocupações dos tipógrafos cariocas, tais como: problemas de carestia, a falta
de higiene nos locais de trabalho, a falta de instrução entre os operários de uma maneira geral.
Além desses assuntos, o referido capítulo também trabalha com a questão da chegada das
máquinas nas tipografias, apresentando os pontos positivos e os negativos sentidos pelo
ofício-arte realizado pelo tipógrafo.
O segundo capítulo – “O GRAPHICO”: um jornal político e atuante – trabalha as
principais discussões acerca das questões políticas existentes no Brasil da Primeira República,
como: o uso abusivo da mão de obra infantil dentro das tipografias e o papel da mulher na
22
Ver, HOBSBAWN, Eric J. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
23
Ver, DARNTON, R. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. pp. 13-14.
18
sociedade. Analisa a data comemorativa do 1º de Maio na visão dos tipógrafos, além de
apresentar como a greve era vista e utilizada por esses homens. E, finalmente, como último
item desse capítulo, tenta-se perceber o jornal como um instrumento de formação da
cidadania.
No terceiro e último capítulo - O Rio de Janeiro do “O GRAPHICO”: a visão de
uma cidade e de uma época – privilegiou-se a análise do cotidiano carioca com base em
artigos publicados pelos tipógrafos. Nesse momento, o olhar dos gráficos termina por
descrever uma cidade, que, em meio ao luxo e ao progresso edificados pela Belle Époque,
deixa transparecer a miséria e as injustiças sociais.
Buscou-se fazer uma análise dos acontecimentos internacionais, tais como a Primeira
Guerra Mundial, que influenciavam a vida não apenas dos moradores da capital da República.
Devemos esclarecer que este trabalho, em momento algum, pretendeu fazer um
estudo acerca do movimento operário no Rio de Janeiro da Primeira República. Seu real
objetivo foi, através do olhar de um determinado grupo de operário, perceber o cotidiano
carioca.
19
Primeira página, da primeira edição, do jornal O GRAPHICO de 01 de janeiro de 1916.
20
CAPITULO 1
Creio na minha arte, veículo das grandes idéias, em sua poderosa força
moral que aos cérebros conduz à seiva da razão, da justiça e do direito:
creio no seu benefício de abreviar distâncias, conduzindo na sua forma
gráfica o pensamento humano.
Creio na união dos meus companheiros porque ela é o elo de aço que
nos prende numa sagrada comunhão: porque é o clarim da nossa
liberdade e base das nossas aspirações.
O MUNDO DOS
TIPÓGRAFOS: “O
GRAPHICO” E A
SUA HISTÓRIA
Creio nos seus feitos guerreiros porquê tem como arma a palavra e como escudo a
razão: assim como creio nos seus prodígios, que conduzem às escolas, ás oficinas e
aos lares a educação.
Creio na minha arte porque nas minhas crenças é a hóstia da civilização.
(‘Credo do Typographo’, In: O Graphico, RJ, 16/01/1917, p. 2.).
De todas as manifestações culturais do mundo moderno, a imprensa escrita surge
como fonte repleta de informação para o historiador. O discurso jornalístico possui uma
dinâmica própria, reflexo da época e do meio que o produz, sendo a chave-mestra para a
compreensão de uma cultura que ordenamos através de fonemas e reconstruímos por meio de
frases
24
. O cotidiano de uma sociedade, ou de um dos seus segmentos, pode transparecer nos
vestígios que deixa na sua rede social, como é o caso dos artigos de um jornal local. Ao
trabalhar com estas fontes há a possibilidade de reconstruir as “histórias” de um cotidiano
deixado atrás no passado. Desta forma, nos textos dos tipógrafos, muitas das vezes
preocupados apenas em informar, podemos detectar os mecanismos de expressão de uma
categoria para divulgar suas reivindicações, idéias e sonhos.
Como texto, documento e fonte histórica, o jornal revela mais informações do que
aparentemente transmite. As etapas de produção, de venda, circulação e os destinatários da
leitura são partes de um hábito de uma cultura que torna a palavra impressa uma forma de
construção/identificação da imagem do indivíduo/classe/nação
25
. A sua simples existência
denuncia a origem dos seus produtores e o público ao qual se destina. Analisar um periódico
no seu contexto geral é compreender a sociedade na qual ele se encontra inserido. Nesse
sentido, produtores e leitores são duas faces de uma mesma moeda e o jornal o espelho onde
podemos confrontar estas duas realidades.
24
Ver, VÉRON, E. Op. cit.
25
Ver, CARVALHO, José M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
21
Todo periódico é fruto da união entre uma máquina e as mãos humanas. A máquina
guiada pelas mãos carrega a subjetividade do homem gráfico, que trabalha o texto conforme
sua perspectiva/olhar. Através de “velhos” artigos publicados em um jornal operário, levanta-
se a formação e a evolução cultural de uma sociedade. À maneira de um detetive, o
historiador se utiliza de diferentes áreas do conhecimento para obter indícios que o levam a
interpretar os significados sociais implícitos na documentação escrita, qualquer que seja a sua
procedência
26
. Nas letras de forma, percebem-se emoções e reações baseadas em uma
imprensa que nasce com base em sonhos, idealismos e muita vontade de se fazer ouvir.
1.1) Da Arte da Tipografia à Mecanização
A tipografia, ou a Arte de Imprimir por meio de tipos móveis foi descoberta e
praticada em meados do século XV, cerca de 1434.
Os chineses- dizem alguns escritores- muito antes do século X, conheciam a
imprensa, mas praticavam de modo rudimentar, gravando em pranchetas de
madeira figuras, estampas e caracteres simbólicos que depois cobriam com uma
tinta feita de pós pretos; as impressões se faziam apertando as pranchetas com as
mãos.
27
A partir do século XV, quando foi atribuída a Johann Gutenberg de Mainz a
invenção e propagação da tipografia no mundo ocidental, não se pode mais deixar de destacar
o valoroso papel da imprensa com relação à divulgação do letramento entre os diferentes
níveis sociais.
A partir do século XVIII, a utilização do material impresso ganhou uma dimensão/
destaque no cotidiano social, por isso a imprensa gráfica deixou de ser um agente e tornou-se
uma tecnologia
28
usada pelas diferentes categorias sociais, que a adequavam de acordo com
sua necessidade/realidade. Através de livros, periódicos, jornais e panfletos se deram não só a
divulgação da leitura e escrita como também a propagação e discussão de novas idéias. O
jornal diário passou a ter um papel no cotidiano das pessoas mais cultas, pois em sua
composição encontravam-se notícias/artigos de interesse comum e que terminaram por criar a
chamada “opinião pública”
29
.
O lugar onde toda essa criação ganhava corpo era a tipografia: livros e jornais
deixavam de ser ilusões narrativas e tornavam-se realidade nas mãos de homens simples, mas
que entendiam seu ofício como arte.
26
Ver, GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. pp. 143-180.
27
Ver, ‘Esboço Typographico – Histórico’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 02.
28
Ver, GINZBURG, C. O queijo e os vermes. p. 75.
29
Idem, p. 80.
22
Do impressor ao tipógrafo, a ramificação de funções dentro da uma oficina terminava
por criar uma rede de relações que construía uma identidade entre homens que se sentiam ao
mesmo tempo gráficos-artesãos e intelectuais, pois, comparados aos outros operários,
dominavam a arte de ler e escrever. Esse artista gráfico se via diante de um ofício que lhe
exigia uma “cultura do saber”
30
. O tipógrafo estava sempre em contato com pensadores,
poetas, filósofos e cientistas. No momento em que precisava transcrever os textos,
necessitavam ter o conhecimento do conteúdo a ser impresso. Em seu labor, ele acabava
sendo o propulsore do progresso, pois seu “oficio arte” irradiava a luz da civilização e da
inteligência para toda uma sociedade. Ele trabalhava com ferramentas que educavam crianças
e jovens nas escolas, e que levava o pensamento humano ao mais longínquo ponto da Terra:
“(...) forte na consciência e na educação do espírito pela leitura constante de livros que fazem girar
no cérebro dos trabalhadores a idéia de liberdade e bem estar (...)”.
31
Até o século XX, o trabalho numa oficina gráfica era complexo e quase todo
artesanal. Todo o tipógrafo devia saber reproduzir um manuscrito em letra de forma, as letras
soltas deveriam ser juntas, formando palavras, linhas e páginas de um livro ou um jornal. O
revisor/corretor iniciava o seu trabalho com a leitura em voz alta do original, podendo
censurar partes ou até mesmo o texto todo. Completava o trabalho acrescentando pontos,
retirando as palavras sem nexo e corrigindo os erros dos tipógrafos. Essa tarefa exigia do
revisor uma grande compreensão das idéias do autor. Seu papel era fundamental, já que se
transformava no intermediário entre o criador da obra e o leitor
32
. Por fim, o papel do
paginador na oficina tipográfica ultrapassava a mera função de numerar e de arrumar as
páginas por tamanho.
Em tipografia, paginar é mais alguma coisa que formar páginas de igual tamanho
da composição que está em paquetes. Se nisto se resumisse a missão do paginador,
nos pareceria muito apropriada e suficientemente significativa a palavra ajustar,
geralmente usada em manuais e revistas par designar a parte mais difícil, artística e
essencial da nossa bela arte. Paginar é dispor de uma maneira perfeita e elegante
um texto, composto em paquetes, a fim de facilitar a leitura, procurando unir a
beleza técnica à beleza artística.
(...)
O paginador é, pois, o artista tipográfico de vastos conhecimentos, de uma cultura
técnica e geral completa, capaz por si só resolver quaisquer dificuldades, sejam de
que natureza forem em que se vejam os tipógrafos que se encontram sob suas
ordens imediatas.
(...)
30
Idem. Em sua obra, C. Ginzburg fala que o moleiro Menocchio “apontava uma série de livros impressos como
fonte de suas idéias”. p. 80.
31
Ver, ‘E Preciso Luctar’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916, p. 02.
32
Ver, CHARTIER, Roger. Op. cit. p. 36.
23
O paginador deve ter um caráter sociável e boas maneiras, pois que devido ao seu
elevado cargo e grande responsabilidade se encontra em contínuo trato com o
gerente, revisor, impressor e ainda com o autor, que a ele se dirige em todas as suas
dúvidas e dificuldades ao qual deve o paginador prestar todos os esclarecimentos
que entenda contribuírem para a perfeição do trabalho e sua pronta execução,
procurando ao mesmo tempo em que não falte original aos caixistas nem forma à
máquina.
Os conhecimentos e qualidades indicados e alguns que a prática ensina, formam do
paginador que os possui um especialista, que se torna tanto mais necessário quanto
maior é a importância de uma imprensa, e suas atribuições devem estar em
harmonia com seu cargo, pois, sendo-lhe entregue a direção do livro, é preciso que
os que o secundam se submetam às suas indicações, para que resulte um todo
harmônico. Sem essa obediência não pode haver beleza, nem técnica, nem arte.
33
No processo de estampar o trabalho gráfico, o tipógrafo impressor era o que dava
alma a arte tipográfica
34
. E, para a composição final da obra, o encadernador era aquele que
reunia todas as folhas impressas e dava-lhes o formato de livro ou jornal. Durante muito
tempo, enquanto o ofício-arte resistiu às inovações tecnológicas, essas funções distintas
obedeciam a certas regras/normas determinadas por convenções.
Ao lidarem com o conhecimento e as suas fontes, os tipógrafos não eram operários
comuns, pois, tocados pelas idéias que ajudavam a difundir, passavam a exercer o papel de
seus defensores. De certa forma, contribuíam para a difusão não só das ideologias públicas
como também para a formação de uma opinião particular da sociedade em que estavam
inseridos. Assim sendo, para alguns autores, a função desses homens os transformavam em
seres sacralizados
35
, por serem verdadeiros “obreiros do pensamento”.
Não se torna necessário estudar Karl Marx, Jean Grave e outros sociólogos de
nomeada para compreender a necessidade do princípio associativo, e provam esta
asserção os rudes trabalhadores do mar, que sendo na sua maioria iletrados
constituem o núcleo mais forte, mais temido e melhor organizado do operariado
brasileiro.
Mas os gráficos, os obreiros do pensamento, como lhes chamou um grande
escritor, na sua grande maioria não aceitam tal doutrina! Para muitos deles a
questão social se resume numas curvaturas vertebrais perante os chefes e patrões
para lhes agradar e assim garantirem o lugar que ocupam.
36
.
Com a automação das tipografias, o ofício-arte perdeu espaço para as máquinas
linotipos, que terminaram por criar novos ramos dentro das oficinas, além de transformar um
trabalho quase artesanal em algo mecânico. A partir daí, surgem inúmeras rivalidades no
33
Ver, ‘Technica’, In: O Graphico, RJ, 01/05/1917, p. 02.
34
Ver, PAREDES, A. V. de. “Institución y origen del arte de la imprenta reglas generales para los
componedores”. In: CHARTIER, Roger. Op. cit. p. 38.
35
Ver, RAMA, Angel. Op. cit., p. 50.
36
Ver, ‘O Princípio Associativo’, In: O Graphico, RJ, 16/03/1917, p. 01.
24
ambiente de trabalho, o que contribuiu para a gradativa perda da integridade do grupo. A
exploração dos donos das oficinas acirrou as disputas entre os operários gráficos, que, com
medo de perderem seus empregos, se sujeitaram a todo e qualquer tipo de exploração, levando
a desvalorização do antigo ofício como arte.
25
Última Página de O GRAPHICO de 15 de março de 1916, que mostra como os tipógrafos estampavam os
anúncios presentes em seu jornal.
Na tentativa de reagirem contra esta situação, os tipógrafos clamavam as suas origens
como mestres de uma antiga arte. Viam a si próprios como:
26
(...) o operário do pensamento, porque é quem põe em ação essa faculdade do
espírito na grande oficina da – Imprensa.
É por meio do trabalho assíduo, constante e laborioso das oficinas tipográficas,
onde se fabricam os tijolos granitosos dos ideais, que se tem organizado os
compêndios de instrução, de civilização e de todas as ciências necessárias ao
progresso e desenvolvimento educativo da humanidade.
37
Enquanto as outras categorias dormiam, eles trabalhavam para elas encontrarem, ao
acordar, o alimento que lhes fortaleceria a alma e auxiliariam no progresso da sociedade.
A Imprensa, disse Larmatine, aproxima o pensamento do homem isolado e o põe
em comunicação imediata, contínua, perpétua, com todos os pensamentos do
mundo invisível, no passado, no presente e no futuro
38
.
Os problemas criados pelo uso das máquinas foram vários, sendo o mais citado a não
especialização até então requerida para o manejo dos instrumentos na tipografia. Na verdade,
a mecanização permitiu a rápida transformação de qualquer aprendiz em oficial, pois o salário
pago a uma criança era bem menor comparado ao de um adulto, o que gerava um maior lucro
para o dono da oficina. Assim sendo, no Brasil do início do século XX, tornou-se muito
comum ver um aprendiz trabalhando em máquinas de alta qualidade como uma Optima ou
Favorite ou em outras mais especializadas, como Vitória, Regina, Ideal. Estas máquinas
modernas para a época, aparecem nas citações dos mais experientes, quando apresentavam
queixas do seu manuseio inconseqüente por impressores sem qualquer tipo de prática
39
.
Com as avarias provocadas pelo mau uso das máquinas, os donos das oficinas para
não ficarem no prejuízo realizavam cortes absurdos, começando pelo salário dos operários,
que para não ficarem sem emprego aceitavam determinações tais como: a diminuição dos dias
e das horas de trabalho, os abusos e castigos impostos pelos chefes das oficinas. Para muitos
gráficos, as causas da exploração encontravam-se na falta de união da categoria, que
terminava privilegiando o egoísmo brutal e a desmoralização do grupo. Aproveitando-se
dessa desagregação, os industriais gráficos:
Confiados na falta de solidariedade que resulta desse individualismo indigno e
servil os industriais gráficos exploram desumanamente seus operários, tratando-os,
não como homens livres, mas como escravos de que podem dispor a seu belo
talento e aos quais sugam a vida, a energia e a saúde, encerrando-os durante o dia
em salas infectas, sem luz e sem ar.
40
37
Ver, ‘O Typographo’, In: O Graphico, RJ, 16/04/1917, p. 03.
38
Ver, ‘O Valor da Solidariedade’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1917, p. 01.
39
Ver, ‘Por Nós, e Pela Arte’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1916, p. 02.
40
Ver, ‘O Valor da Solidariedade’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1917, p. 01.
27
1. 2) Os Tipógrafos e as formas de Associação no Brasil
Oficialmente, a tipografia surge no Brasil no governo do Príncipe Regente D. João,
com a implementação da Imprensa Régia, sendo uma das suas principais preocupações a
formação de profissionais que pudessem dar continuidade ao ofício dos gráficos. Por isso, em
1811, ela cria uma escola de aprendizes com o objetivo de habilitar todo aquele que desejasse
aprender o ofício de tipógrafo
41
. No entanto, a liberdade de imprensa não era contemplada,
estando todos os periódicos submetidos ao aval da censura imposta pelo Trono. De igual
forma, a implantação das primeiras tipografias no Brasil objetivava atender às necessidades
burocráticas do Estado e também divulgar a sua doutrina política.
Em 1821, com o príncipe regente D. Pedro, a censura prévia foi suspensa,
favorecendo a maior circulação de livros e jornais, muito deles, anônimos, que eram
impressos nas novas tipografias particulares. A liberdade, conjugada a facilidade da
divulgação das idéias, estimulou o clima de agitação política que ocorria no país. Durante o
governo de D. Pedro I a imprensa oscilou entre a liberdade e o controle.
As disputas políticas estimularam o estabelecimento de oficinas tipográficas para
além dos centros urbanos, florescendo a imprensa nas províncias mais afastadas do Rio de
Janeiro
42
. Desde a Confederação do Equador até a campanha abolicionista a imprensa
brasileira prospera e, na segunda metade do século XIX, inicia uma nova fase graças à
divulgação e o uso do telégrafo, que se expande por causa da Guerra do Paraguai. Nesse
instante, a imprensa sentiu a necessidade de se aprimorar para apresentar de forma rápida os
relatos, as transcrições e as interpretações sobre os acontecimentos da guerra, o que termina
por exigir um refinamento nas artes gráficas. Alguns anos depois, tem-se a instalação do cabo
submarino que fez a integração da imprensa local com a européia
43
. Na década de 1890, são
incorporadas as máquinas de impressão rotativas, que dão uma maior velocidade a impressão
41
A Imprensa Nacional, implantada no dia 13 de maio de 1808, tinha um objetivo central com relação à
aprendizagem, já que estava preocupada em “habilitar os seus operários a fim de que eles pudessem cumprir
eficientemente os respectivos ofícios. O estabelecimento de regras específicas (...), visava coibir que os
aprendizes, antes de completarem as suas habilitações, abandonassem a Imprensa Nacional e fossem trabalhar
em outras firmas tipográficas”. Ver, VITORINO, Artur José Renda. “Os sonhos dos tipógrafos” in: BATALHA,
Cláudio (org). Culturas de classe. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2004, pp. 173/174.
42
Ver, BATALHA, Cláudio, Op. cit, p. 172.
43
Ver, COSTA, Ângela M. da & SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1890-1914: no tempo das certezas. Col. Virando
Séculos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
28
de livros. Nessa fase, a imprensa brasileira estava extremamente impregnada da influência
estrangeira
44
.
Nesse momento, os movimentos desencadeados pelos trabalhadores ligados às
associações mutualistas não conseguiram atingir grandes conquistas além das necessidades
imediatas. Modificações nas condições de vida, as novas relações jurídicas de trabalho e a
pressão do avanço capitalista em fins do século XIX fizeram com que ocorresse uma maior
participação e uma unificação entre os operários.
O crescimento das tipografias alimenta o aumento do número de trabalhadores
vinculado ao universo dos gráficos, levando ao aparecimento da Associação Tipográfica
Fluminense, fundada em dezembro de 1853. Dentre as principais reivindicações da
Associação Tipográfica Fluminense estavam os problemas técnicos e econômicos dos
gráficos
45
, sem deixar de lado as questões culturais dessa categoria. Dessa forma, com a
Associação Tipográfica Fluminense, os tipógrafos estavam construindo uma identidade
coletiva, buscando uma valorização econômica e social do seu ofício. Para tal, entre outras
ações, esta associação financiou os primeiros jornais da sua categoria, constituídos de
pequenas folhas de mais ou menos quatro (4) páginas, onde se encontravam todas as seções
clássicas de um jornal, nas quais expunham as suas necessidades enquanto trabalhadores
46
.
A Proclamação da República, o enfraquecimento das oligarquias mais “tradicionais”
e a abolição da escravidão marcam um início de século conturbado para o país
47
, afetando
também a vida da Associação Tipográfica Fluminense. Esta passa por profunda crise, ante a
impossibilidade de dar prosseguimento a sua luta e consolidar a sua posição, mediante a
fundação de um sindicato de resistência da categoria no Rio de Janeiro.
O recém-criado Estado Republicano foi marcado pela necessidade da elaboração de
uma identidade positiva para os trabalhadores, de forma a transformar uma imensa massa de
excluídos nos cidadãos do novo regime. Essa construção pautou-se em valores, símbolos,
organizações, palavras, idéias e instituições capazes de criar um novo caminho que
44
Ver, FERREIRA, Maria Nazareth. Op.cit., p. 104, onde a autora afirma que para difundirem as idéias
anarquistas, os imigrantes que cruzam o território brasileiro criaram uma rede de comunicação jamais vista no
Brasil.
45
Idem, p. 93. A autora afirma que no ano de 1853 os tipógrafos fundam uma associação onde não havia a
presença de imigrantes e coloca que os gráficos sempre estavam reivindicando o salário mínimo,
regulamentações do trabalho gráfico, da mulher e de menores, boicote às horas extras e descanso semanal.
46
De acordo com VITORINO, Artur José R. Máquinas e operários: mudanças técnicas e sindicalismo gráfico
(São Paulo e Rio de Janeiro, 1858/1912). São Paulo: Annablume: FAPESP, 2002, p. 73, “A publicação do jornal
tornou-se possível devido à ajuda financeira da Associação Tipográfica Fluminense”. O trecho acima se refere à
publicação do Jornal dos Typographos, que era uma pequena folha diária, de quatro páginas em cada número e
que possuía todas as seções clássicas para um jornal de fins do século XIX.
47
Ver, FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de A. N. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação
da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
29
assegurasse respeito e credibilidade ao trabalhador
48
. Nesse processo é dado destaque a
questão da cidadania como ponto chave para se entender a relação entre o indivíduo e a nação.
A percepção de um indivíduo como um cidadão passa a ser feita através da sua localização
em uma das ocupações definidas e reconhecidas em lei, ou seja, ser cidadão é estar inserido
em profissões regulamentadas
49
. Não é apenas o voto e a liberdade de pensamento que
garantem ao indivíduo o direito a ser cidadão
50
.
Assim, o jornal O GRAPHICO transformou-se em um espaço de criação da
identidade de um grupo, onde seus membros começram a se perceber enquanto cidadãos e
construtores da nação brasileira.
O Graphico o mensageiro do nosso pensamento e das nossas aspirações, não é
acreditável seguirmos outro caminho se não o da propaganda verdadeira, sem
vaidade e sem mesquinhas pretensões. Convencidos, todavia de que este jornal não
acobertará sem crítica persuasiva e criteriosa as faltas insidiosamente cometidas
pelos transviados, tente desvirtuar a grandeza da obra que nos propomos realizar,
elevando moral, intelectual e materialmente uma classe numerosa e digna. Mas,
contudo, muito sacrificada e vilipendiada por culpa única de seus próprios
membros.
51
Por outro lado, os próprios gráficos buscam coadunar o papel que desempenham
frente ao processo de organização dos trabalhadores. Assim, no ano de 1902, na sede do
Congresso Central União dos Operários do Rio de Janeiro, eles decidem pela criação de uma
nova associação que assegurasse uma melhoria nas suas condições de trabalho. Surge a União
Tipográfica, fadada ao fracasso, já que a maioria dos tipógrafos não estava interessada a lutar
em causa própria
52
. A falta de união entre os tipógrafos foi algo muito combatido por um
grupo que tentava acabar com a idéia de que ser operário era algo desonroso. Esse
pensamento favorecia aos donos das oficinas tipográficas, que viam na desunião uma forma
de explorar mais ainda esse trabalhador.
(...) o industrialismo gráfico é uma força poderosa, e que contra uma força só outra
força se pode opor, tão poderosa e equilibrada como aquela que tem que combater,
e que não contando a Associação nas suas fileiras senão um reduzido número de
gráficos, ela não pode agir com eficiência, por que lhe falta o poder, que só a união
48
Ver, CARVALHO, José M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003, pp. 09-13.
49
Ver, SANTOS, Wanderley G. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:
Campus, 1979.
50
Ver, GOMES, Ângela Maria de C. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, pp.
10-12.
51
Ver, ‘Editorial’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
52
De acordo com VITORINO, Artur José R. Op. cit., p. 105 onde em depoimento o “encadernador José Hermes
de Olinda Costa duvida que a União Tipográfica tivesse algum sucesso. Além disso, Olinda Costa constatava
que muitos tipógrafos não estariam dispostos a lutar em causa própria, (...)”.
30
de todos os trabalhadores do livro e do jornal lhe pode dar. Ela por enquanto é a
gênese de uma grande e generosa obra destinada a regenerar a nossa classe pela
moralização do trabalho.
53
No ano seguinte, funda-se a Liga de Artes Gráficas, que deixava claro no seu estatuto
o projeto de luta contra a exploração do patrão com relação ao artista gráfico e o objetivo de
unir e defender os interesses dos seus vários grupos profissionais
54
.
A busca de um organismo representativo dos gráficos enquanto categoria continua
nos anos seguintes. Em 1906, mesmo sem o perfil de uma sociedade de resistência, a Liga das
Artes Gráficas filia-se a Federação das Associações de Classe para participar do Primeiro
Congresso Operário Brasileiro
55
. Por esta ocasião, é fundado o Sindicato dos Tipógrafos, que
passa a existir em simultâneo com a Liga das Artes Gráficas. Ambos acabaram por
desaparecer nos anos seguintes por causa do abandono por parte dos seus filiados
56
.
Em 1915, um novo passo foi dado na organização dos tipógrafos enquanto categoria.
A fundação, em outubro, da Associação Gráfica do Rio de Janeiro
57
tinha por objetivo
fiscalizar as jornadas de trabalho dos tipógrafos, reivindicando melhorias salariais e auxiliar
os desempregados.
O GRAPHICO que ora surge pequeno e modesto, sem ligações com elementos
estranhos ao seu meio mais franco e sincero; sem tibieza, sem vacilações, sente-se
disposto a levar ao termino a conquista e vitória dos princípios que vem propugnar;
E, se merecer, como esperamos o apoio e o carinho da classe que vem representar
no convívio da sociedade, irá conforme os cursos e auxílios que lhe forem
dispensados, ampliando a sua leitura afim de tornar-se uma revista capaz de
competir com as melhores no seu gênero, não só quanto à parte educativa técnica
como também à literária, de informações e estatística.
Não mantendo a Associação Gráfica predileção por nenhuma doutrina filosófica,
política ou religiosa combaterá, todavia, o seu órgão, a interferência em lutas
políticas, defendendo a classe gráphica sob o ponto de vista econômico e social.
58
53
Ver, ‘A Quem Tocar’, In: O Graphico, RJ, 16/05/1917, p. 01.
54
Ver, VITORINO, Artur José R. Op. cit., p. 107.
55
Idem, p. 116, que de acordo com o autor, estava “em contraste, portanto, com as atuações associativas dos
operários gráficos cariocas”.
56
Idem, pp.117 e 118, onde o gráfico Mota Assunção afirma que os hábitos e tradições do regime de trabalho
escravo estavam presentes na relação entre trabalhadores livres e patrões, o que prejudicava a organização por
parte dos trabalhadores de se unirem para que defendessem os seus interesses.
57
A primeira diretoria foi composta pelos seguintes tipógrafos: presidente: João Leuenroth; vice-presidente:
Appollon Fickelscherer; secretários: Bráulio de Moraes e Jacinto Indelli; tesoureiros: José de Almeida e Adolpho
Gouvêa; comissão fiscal: A. Grannini, Alexandre Aguiar e José Casa Nova; auxiliares administrativos: A.
Alamith Pinto, Rosendo dos Santos e Beraldo Pinto. Ver, ‘A Nossa Associação’, In: O Graphico, RJ,
01/01/1916, p. 01.
58
Ver, ‘Editorial’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
31
Artigo que fala do aniversário de 1 ano da Associação Gráfica. O Graphico de 15 de outubro de 1916
32
Para tal a Associação que tinha a sua sede localizada na Avenida Passos n° 91
59
trazia propostas que visavam à valorização dos trabalhos artísticos dos tipógrafos:
Essa tem sido a causa constante da velha utopia, porque utopia se tem julgado
sempre a defesa dos princípios de união e solidariedade moral entre os gráficos, por
meio da associação do jornal e da biblioteca; a regulamentação geral das 8 horas de
trabalho; a realização de atos gráficos e de uma grande exposição de trabalhos da
Arte, para demonstrar o seu adiantamento no país; colocação de gráficos quando
desempregados: a manutenção da harmonia entre os industriais que exploram as
artes gráficas e os chefes de oficinas, marcando-lhes o limite de idade e aprova da
capacidade com a exigência do exame de leitura, da analise gramatical, do
conhecimento das noções de aritmética e de desenho, visando assim preparar o
graphico do futuro que deverá ser um perfeito oficial da sua arte e não um simples
manuseador de tipos e de teclados; a instituição da escola profissional para os
gráficos (note-se bem) e seus filhos, e a propaganda forte contra os serviços
extraordinários esforçando-se por enquanto para que sejam eles pagos em dobro.
60
Em seu discurso, a Associação Gráfica do Rio de Janeiro enfatizava a questão da
união dos trabalhadores gráficos como sendo a única forma de valorização e defesa do ofício,
garantindo o trabalho a todos os artesãos tipográficos, já que o desemprego os igualava aos
excluídos.
Como os demais operários, que, desde fins do século XIX, lutavam pela conquista da
sua cidadania
61
, os gráficos consideravam a sua inserção social como fator essencial para o
reconhecimento da justiça das suas reivindicações sociais
62
.
Para desviar essa infernal perspectiva do futuro devem ser, desde já preparadas às
gerações vindouras e só devem selo com o exemplo dado agora por todos quantos
compreendem que o dia de amanhã não pôde ter as aperturas e amarguras dos que
se passaram, por culpa exclusiva dos que não souberam, unidos e solidários,
neutralizar os afetos de uma obra rude e criminosa – a da exploração do trabalho
sem nenhuma compensação garantidora para o produtor – praticada com o aplauso
da sociedade, por ela própria, afinal, e com a proteção ás vezes armadas dos
poderes públicos, que assim muitas vezes se desviaram o seu dever de estabelecer
um determinado equilíbrio entre as varias classes que constituem o povo desta
terra.
63
59
Um dos pontos nevrálgicos das transformações oriundas das reformas do prefeito Pereira Passo. As
transformações urbanísticas da Cidade do Rio de Janeiro deverão ser apresentadas no capítulo III da dissertação.
60
Ver, ‘Modos de Ver’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 01.
61
Estar empregado era uma forma de ser valorizado pelas elites sociais, de ter uma identidade e ser considerado
cidadão. Ver, GOMES, Ângela Maria de Castro. Op. cit, pp. 15-17. Segundo a autora, foram duas as principais
formas de organização do operariado na Primeira República: as organizações corporativistas – ligas, clubes,
centros de resistência, associações mutualistas ou sindicatos e as organizações de espaço público – e os partidos.
62
Ver, CARVALHO. José M. Cidadania no Brasil: um longo caminho. p. 60, quando o autor fala da questão
dos direitos civis, já que o movimento lutava por direitos básicos como o de se organizarem, de se manifestarem,
de escolher o trabalho e de fazer greve.
63
Ver, ‘Nova tentativa’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 02.
33
A valorização da Associação pauta-se na questão da existência de um Estatuto
que assegura ao trabalhador a defesa dos seus direitos, promove a solidariedade entre eles e
clama pela união de todos os operários das artes tipográficas entorno de um ideal de elevação
moral e intelectual. A sua força baseava-se na adesão de várias oficinas tipográficas com os
seus delegados representantes.
E consolador saber que esta grandiosa e gloriosa classe possui já para a defesa dos
seus direitos uma Associação que vitoriosamente seguirá o programa determinado
nos seus Estatutos.
(...)
É ainda bastante animador o meio pelo qual foi recebida a notícia desta
organização pelas corporações das casas existentes nesta cidade e para que isto
fique bem patente, daremos o nome das mesmas onde existem nossos delegados
demonstrando dessa forma a nossa confiança e o nosso propósito de levarmos esta
causa adiante e sem terceiros.
As oficinas que aderiram são as seguintes: Jornal do Commércio, Jornal do Brasil,
Correio da Manhã, Careta, Fon-Fon, o Malho, Revista dos Tribunais, Pimenta de
Mello P.C., Heitor Ribeiro &C., Ferreira Pinto &C., Almeida Marques &C.,
Alexandre Ribeiro &C., Livraria Alves, Casa Leuzinger, Olympio de Campos &C.,
Papelaria Queiroz, Papelaria E. Shneider, Papelaria Mascote, Papelaria Villela,
Papelaria Brasil, Papelaria Moderna, Papelaria Avenida, Papelaria Sol, Papelaria
Villas Boas, Papelaria União, Papelaria Mendes, Liga Marítima, Instituto de Artes
Graphicas, Marins Araújo &C., Casa Valleve.
64
A festa de comemoração do primeiro aniversário de fundação da Associação
Gráfica do Rio de Janeiro ocorreu no dia 22 de outubro de 1916, quando, de forma bem
expressiva, despertou nos gráficos associados à esperança de adesão por parte dos outros não
filiados. Para tal, o evento inaugura um novo espaço, a sede social da Associação Gráfica,
comprado com o auxílio financeiro de inúmeros sócios da Associação.
Oxalá que a festa do ano vindouro não seja dada por um grupo de sócios, mas sim
pela totalidade afirmando a sua pujança em prol do engrandecimento da arte que
Guttenberg criou. Honremos a imprensa poderosa que até hoje tem servido para
combater as nossas aspirações o os nossos justos ideais.
Presente grande número de associados e famílias, representantes das sociedades co-
irmãs e da imprensa, foi hasteado o pavilhão social debaixo de uma estrondosa
salva de palmas e ao som de um dobrado pela banda de musica que abrilhantava a
festa.
65
64
Ver, ‘A Nossa Associação’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
65
Ver, ‘Anniversario da Associação’, In: O Graphico, RJ, 01/11/1916, p. 01.
34
A sessão solene da sua inauguração foi presidida por João Leuenroth
66
, presidente do
jornal O GRAPHICO, contando ainda com a participação do tipógrafo Carlos Dias, que
discursou acerca da história e evolução da classe gráfica. Presentes à solenidade estavam, para
além dos gráficos do Rio de Janeiro, representantes da Associação Tipográfica Fluminense,
assim como representantes de outras associações.
Fizeram-se representar na festa comemorativa do nosso 1° aniversário e enviaram-
nos carinhosos incitamentos, por meio de ofícios as seguintes co-irmãs:
Associação Tipográfica Fluminense, que se fez representar pelo colega Sabino
Antonio do Nascimento, acompanhado de um ofício de solidariedade, que
deixamos de publicar por falta de espaço.
União dos Operários Estivadores, representada pelo companheiro de luta José J.
Alves, e um ofício agradecendo o convite e felicitando-nos pela auspiciosa data.
67
Considerando-se como herdeiros da Arte de Imprimir
68
, surgida no mundo ocidental
a partir do século XV
69
, os tipógrafos projetam, não só para os membros do seu grupo, como
para os outros, uma imagem de “artistas/artesãos” de um ofício detentor de um conhecimento
e/ou saber, determinante para os diferenciarem dos outros operários
70
.
Ao valorizarem o conhecimento fornecido pelo seu ofício evidenciavam a sua
profissão, pois era através do seu labor que as grandes idéias se materializavam impressas
através dos seus tipos. Orgulhavam-se do seu passado/tradição baseado em uma cultura
letrada, onde não eram apenas meros receptores de um saber, mas se viam e mostravam-se
como agentes participativos na construção do conhecimento da sociedade em que estavam
inseridos
71
.
66
O presidente da Associação era irmão de um dos principais militantes do anarquismo no Brasil, o jornalista
Edgard Leuenroth. Sobre o tema ver:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia e
http://recollectionbooks.com/bleed/Encyclopedia/LeuenrothEdgard. Ele é citado diretamente no jornal quando da
greve em São Paulo, em 1917: “O governo paulista para dar uma satisfação aos burgueses ofendidos pela última
greve que ali rebentou, (...), começou a fazer prisões em massa de inofensivos operários, sob o pretexto- (...) de
que eles tentavam alterar a ordem pública e atentavam contra a liberdade do trabalho. (...) , prenderam e
espancaram o nosso camarada Edgard Leuenroth, diretor da Plebe, e pretendem expulsa-lo como estrangeiro,
quando ele não é mais nem menos brasileiro que o Sr. Altino Arantes, pois nasceu em Mogi mirim, nesse
Estado”. (O Graphico, 16/09/1917, p. 02).
67
Ver, ‘Várias Notas’, In: O Graphico, RJ, 01/11/1916, p. 02.
68
Ver, ‘Esboço Typographico’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 03.
69
Ver, ASA, Briggs & BURKE, Peter. Op. cit.
70
Ver, BARBOSA, Marialva. Op.cit., p. 215, em seu trabalho a autora analisa inúmeros jornais e termina por
constatar que os gráficos se vêem como trabalhadores diferentes do restante dos outros por: (...) “lidar
diuturnamente com maneiras de pensar. O domínio desse saber e, sobretudo, o fato de a leitura e a escrita ser o
objeto do seu trabalho cotidiano fornecia as especificidades do grupo. Era igualmente o domínio desse saber que
lhe conferia na sua própria visão, o valor natural de condutor dos demais trabalhadores”.
71
O “letramento” fazia com que esses homens assumissem como seu o direito de transmitir suas mensagens a
inúmeras pessoas alfabetizadas ou não. Isso fazia com que houvesse a circularidade da informação que passava a
ser lida e interpretada a partir das necessidades de cada grupo. Como afirma A. Rama, “A força do grupo letrado
pode ser percebida através de sua extraordinária longevidade”. Ver, RAMA, Angel Op. Cit. P. 46.
35
O orgulho da sua profissão pautava-se em uma tradição anterior, ou seja, num
passado onde seu ofício era considerado “arte”, pois tão importante quanto à concepção do
texto era a sua impressão. Assim, o grupo se apresentava como “artesãos intelectuais”,
diferentes dos jornalistas, que pertenciam a um outro grupo social, e também dos
trabalhadores braçais. Eles viviam entre dois mundos, e o seu “status” fazia com que
surgissem dúvidas entre qual lugar deveria ocupar. Se os outros operários da Primeira
República eram excluídos, os tipógrafos sofriam duas vezes essa exclusão, pois, ao seu modo,
queriam ocupar um espaço que não era o mesmo dos outros trabalhadores
72
.
Eles se apresentavam como possuidores de um conhecimento que os diferenciavam
dos outros trabalhadores, determinando a criação do seu perfil como o de operários criativos e
cumpridores do seu dever para com uma sociedade. Observa-se, assim, a grande valorização
que os tipógrafos davam à questão da educação, que para esses homens seria o meio que
levaria ao desenvolvimento individual e o coletivo de seu grupo. Dessa forma, eles se
reapropriam dos conceitos transmitidos pelas elites nos seus jornais, passando a difundir entre
eles, e para os outros operários, a idéia da necessidade de se “letrarem” para alcançarem o
progresso social.
Antes do pão a educação – visto ser esta a melhor garantia de solidariedade, a mais
acertada para o meio em que vivemos e para a atual geração. Seguiremos o mesmo
caminho porque o julgamos capaz de nos conduzir á conquista de nossos ideais de
bem estar e liberdade (...).
73
O homem que não tiver perfeito conhecimento dos seus atributos e das suas
funções na sociedade, não poderá ter exata compreensão do seu destino.
74
Ao assumirem esta postura, colocam-se como portadores da missão de educar todos
os operários, determinando a existência de um projeto “político” para a categoria, a ser levado
a cabo pelos sindicatos e os jornais operários. Neste âmbito, são criadas bibliotecas, escolas
profissionalizantes, salas de leituras, que estimulariam os operários a buscarem um
aprimoramento e a consciência do seu papel na sociedade. No entanto, ao se colocarem na
posição de “orientadores”, a sua distinção com relação aos outros foi acentuada e a condição
como o seu representante legítimo, ficou mais distante da realidade.
72
Ver, BARBOSA, Marialva. Op. cit. p. 220, Segundo a autora esses homens terminavam por aliar “o saber
individual restrito à concepção do ofício a um conhecimento mais amplo que a vivência cotidiana em torno de
textos que lhes transformavam em ‘operários do pensamento’ ”.
73
Ver, ‘Editorial’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
74
Ver, ‘Reflexões’, In: O Graphico, RJ, 15/06/1916, p. 01.
36
Relatório da Assembléia Geral, em comemoração ao Aniversário da Associação Gráfica. O GRAPHICO de 1º
de novembro de 1917
37
No ano de 1915, esta “tarefa” ganhou mais um aliado com a criação do jornal da
categoria, O GRÁPHICO, publicado no Rio de Janeiro, capital da República, que vai circular
entre os anos de 1916 até 1919
75
. Ele passou a ser “o porta-voz” da Associação Gráfica do
Rio de Janeiro, formada por um grupo já previamente rotulado como “contestador social”, os
tipógrafos
76
.
O Graphico o mensageiro do nosso pensamento e das nossas aspirações, não é
acreditável seguirmos outro caminho se não da propaganda verdadeira, sem
vaidade e sem mesquinhas pretensões. Convencidos, todavia de que este jornal não
acobertará sem crítica persuasiva e criteriosa as faltas insidiosamente cometidas
pelos transviados, tentem desvirtuar a grandeza da obra que nos propomos realizar,
(...).
77
1. 3) Como se tornar um trabalhador gráfico: a educação e a instrução do tipógrafo
Depois do quatriênio que findou, para ventura nossa, em 15 de Novembro passado,
temos para contrapeso a maldita guerra européia que tem dado motivo a toda sorte
de explorações por parte dos homens apatacados que ainda dominam a Terra de
Santa Cruz!
Por mais que parafuse cá na cachola não posso resolver esse intricado problema.
Para onde foram as pratas e as emissões da papelada?
E quem vai agüentando com toda essa carga são os operários, que vivem a
entreolharem-se submissos como que perguntando: Então nós somos como o
holandês que pagou pelo mal que não fez?
78
Passada a euforia da virada do século XIX para o XX e o choque da Primeira Guerra
Mundial, o ambiente político, econômico e social de grande parte do planeta tem pouco a ver
com as imagens deixadas pelos últimos anos do século XIX.
O efeito dessas transformações no jovem regime republicano contribuiu para acelerar
o processo de mudança que já havia se iniciado. A indústria assume um novo papel na cena
econômica, antes dominada pela elite agroexportadora. A idéia de progresso traz a
europeização das ruas
79
.
75
O referido jornal encontra-se microfilmado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, na seção de Periódicos.
76
Ver, MARAN, Sheldon L. Anarquistas, emigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
77
Ver, ‘Editorial’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
78
Ver, ‘Nickeis e mais Nickeis’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 03.
79
A europeização antes centrada apenas no ambiente familiar da elite carioca agora se faz presente também nas
políticas públicas (escolas, prisões, hospitais, locais de trabalho), que sofrem mudanças radicais baseadas no
controle de métodos científicos e do progresso. Vê, entre outros, COSTA, Ângela M. de & SCHWARCZ, Lilia
M. Op. cit.
38
A cidade do Rio de Janeiro, entre outras, torna-se um espaço de difusão de idéias
vindas da Europa. A idéia corrente era de que a sua aplicabilidade transformaria a sociedade
carioca em civilizada. A cidade deixa de ser vista como uma grande “selva” e transforma-se
em um espaço “urbano” e civilizado. Para que tal fato ocorra, novas regras são impostas com
o objetivo de proteger e conservar a ordem social já existente
80
.
Por outro lado, a noção de civilidade evocava os ideais de educação e cultura,
remanescentes do iluminismo. A difusão das letras e o apelo maior a leitura como veículo de
comunicação e ascensão social gera a necessidade maior da alfabetização, sobretudo nos
meios urbanos, onde os avanços técnicos exigiam uma constante atualização. Em todo esse
processo, a educação aparecia como uma das rotas que levaria a “civilização”, para formar o
“cidadão” da República, que nascia com o desejo de ser “democrática” e para colocar o país
no patamar de nação desenvolvida
81
. A cada novo governo surgiam mudanças na orientação
educacional, ocasionando inúmeras reformas
82
.
No ideário oficial, a educação era apresentada como uma necessidade de ordem
pública, já que dela dependeria a prosperidade do país. Sendo assim, era preciso recrutar o
povo em direção as escolas e, ao mesmo tempo, estabelecer um sistema educacional público e
completo, o que possibilitaria a consolidação do sistema republicano. Nesse momento,
iniciava-se um grande movimento nacional, com campanhas públicas veiculadas em jornais e
revistas, ganhando a palavra imprensa um status de “verdade absoluta”, consolidando normas
e regulamentos.
Só pela educação e pela instrução o homem pôde emancipar-se do jugo da sua
própria natureza, isto é, subordinar os instintos e movimentos do seu corpo á
direção do seu espírito cada vez mais desenvolvido.
83
Diante deste quadro, e levando em conta a posição e a “missão” que eles próprios se
atribuíam, os tipógrafos tomam para si a responsabilidade de educar os outros. Em seus
80
RAMA, Angel. Op. cit. O autor trabalha a questão da representação da escrita em algumas cidades da América
Latina. Ele analisa como um grupo usa a escrita para ordenar as cidades. A cidade letrada, que domina a cidade
real passa a exercer a função de ordenar, modernizar e revolucionar os diferentes segmentos sociais que vivem
na cidade.
81
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974, p. 261.
82
Idem, o autor termina por separar as reformas, em três momentos bem distintos: o primeiro, vai do início da
Primeira República até os 1915 e se caracteriza por um comportamento fatigado dos homens públicos em relação
à educação. O segundo momento, que se inicia em 1915, é marcado pelo grande entusiasmo pela educação em
todos os setores sociais. Os grandes males sociais baseiam-se na ignorância existente e a educação apresenta-se,
ao mesmo tempo, como o problema e a solução de todos os problemas sociais, econômicos e políticos. O terceiro
momento se caracteriza pelo otimismo pedagógico, que tem como objetivo a introdução de um sistema escolar
baseado em novos modelos educacionais.
83
Ver, ‘Reflexões’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1917, p. 01.
39
artigos, anunciavam uma nova fase para a educação, que deveria ser conduzida pelos próprios
operários através dos sindicatos e dos seus jornais.
Em todas as corporações, como em todos os núcleos onde se desenvolve a
atividade consciente, devemos observar, como primordial incentivo, o desejo de
elevar á distinta posição aqueles que são pela própria vontade e natural vocação,
um elemento fecundo para o progresso da arte a que se dedicam.
84
Para eles, o grande problema da organização de um movimento operário forte e
sólido no Brasil encontrava-se na falta de instrução da maioria dos operários, deixando claro,
que esta ausência de conhecimento levava ao não entendimento dos seus direitos e deveres
com relação à sociedade em que viviam.
Pensamos, talvez com alguma razão, que a dificuldade até hoje encontrada para a
organização neste país de um sólido movimento operário, reside numa causa
exclusiva: a falta de instrução adequada de uma grande parte, a maioria sem duvida
dos operários brasileiros.
Referimo-nos a um mal que persegue ao operariado por exclusiva culpa sua: a
nenhuma instrução que tem relativamente dos seus direitos e deveres na sociedade
da qual ele é parte preponderante, por ser a maioria.
Enquanto que nos outros países o mais humilde trabalhador das minas conhece,
além dos códigos da nação, todas as leis e decretos que possam trazer interesse
pára a sua existência de produtor, e ainda tudo quanto se refira a outros assuntos
que afetem a classes diversas da sua – no Brasil; o homem do trabalho limita-se a
conhecer o horário do bonde ou do trem e da barca que lhe convenha, a hora da
entrada ou do almoço na oficina, do dia do aniversário do patrão ou do gerente, e
nada mais pára a sua existência propriamente dito.
85
Na opinião de alguns tipógrafos, a emancipação operária só ocorreria quando
houvesse uma ampliação do conhecimento teórico e prático do seu ofício. Mas, para que isso
acontecesse, fazia-se necessário o surgimento de programas criteriosos, escolas e mestres
capazes de não apenas ensinar teoria, mas de desenvolver, na prática, o ofício-arte da
tipografia.
É um dos grandes deveres que temos a cumprir para o bem de todos; porém elevar
uma coletividade do estado de abandono em que jaz é um esforço digno dos
maiores elogios, mas não julgueis que seja isto obra de alguns; não, este
movimento deve ser obra de cada um que jamais a sociedade realizou um desejo
que não fosse com o esforço coletivo dos seus membros. Unidos em volta do mais
sagrado dos desejos com uma vontade inflexível, veremos através das nuvens do
nosso jugo, a figura austera da Liberdade.
Associemo-nos e fundemos a escola, que nos levará infalivelmente aos cumes da
Emancipação.
86
84
Ver, ‘Coisas da Arte’, In: O Graphico, RJ, 15/03/1916, p. 01.
85
Ver, ‘Modos de Ver’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916, p. 01.
86
Idem.
40
O GRAPHICO de 02 de fevereiro de 1918, artigo falando sobre a educação operária.
41
O desejo da criação das escolas profissionalizantes passou a ser expresso
constantemente em artigos e editoriais. Essa escola seria um local de aperfeiçoamento, onde
os gráficos pudessem expandir seus conhecimentos, além de ser um espaço onde os
aprendizes desenvolvessem o gosto pela arte. Elas não transmitiriam apenas o conhecimento
técnico, mas seriam “uma escola na extensão da palavra, - com o seu programa de ensino
dividido e sabiamente aplicado, quer na parte teórica, quer na pratica”.
87
“A Escola Profissional” foi descrita num dos editoriais do jornal a partir dos
modelos trazidos da Europa
88
. O redator, o tipógrafo Gallianus Eary, apresenta uma
explanação acerca dos centros de aprendizagem das artes e ofícios e o desenvolvimento da
educação técnica e profissionalizante, terminando por afirmar a necessidade da criação de tal
escola como vital para o crescimento geral dos gráficos.
O objetivo central da escola profissionalizante era o aperfeiçoamento da capacidade
do gráfico e também dos seus filhos, preparando esses profissionais não para serem simples
manuseadores de tipos e teclados
89
, sim operários especializados. Essa visão, difundida pela
Associação Gráfica, coloca o tipográfico numa situação especial, que não se subjugaria aos
serviços extras não remunerados e aos baixos ordenados impostos pelos donos de tipografias.
O importante para o mundo dos gráficos e para a sua própria continuidade era o
investimento no trabalho do aprendiz, ou seja, do trabalho do menor, que na visão dos mais
velhos seria a alavanca para o progresso da arte. Inúmeras vezes os artigos deixam claro a
procura das oficinas tipográficas por meninos pobres e sem formação, unicamente
interessados em engrossarem a renda familiar.
Em várias matérias são apresentados casos de aprendizes que chegavam às
tipografias sem vontade de trabalhar, já que, sob a pressão paterna abandonavam a escola para
ganhar um pequeno salário. Com isso a instrução, algo essencial e imprescindível para estes
jovens, ficava prejudicada.
Devassando o interior de certas tipografias, já trabalhando acidentalmente, já como
graphico, nós vemos, com profunda desolação, o que se passa em relação aos
aprendizes.
87
Ver, ‘A Escola Profissional’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916, p. 02.
88
O engenheiro J. Suderitz, tendo sido enviado à Europa com o objetivo de conhecer inúmeras escolas ligadas à
arte mecânica para posteriormente desenvolver um programa de semelhante no Brasil apresentou o seu relato à
sua instituição, a Escola de Engenharia de Porto Alegre. É com base neste relato que o artigo foi descrito. ‘A
Escola Profissional’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916, p. 02
89
Em uma nota publicada no dia 15 de fevereiro de 1916, o jornal O Graphico, exemplifica a todos os gráficos o
quanto a educação pode elevar o trabalhador. Diz a nota: “Do nosso ex-collega, hoje cirurgião- dentista, Candido
Lobo Junior, recebeu a Directoria da Associação Gráphica delicada offerta dos seus serviços profissionais para
os associados e pessoas de suas famílias, no seu consultório á rua Sachet, n. 11, 1° andar”. ‘Associação Gráphica
do Rio de Janeiro’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 02.
42
Encontramos petizes sem vontade... outros, que em vez da escola, tiveram a
pressão paterna para ganhar minguados tostões.
A sorte desses infelizes aprendizes merece ser melhorada.
Os nossos Estatutos dizem claramente que é imprescindível a instrução, ainda que
elementar, para o aprendiz tornar-se, em futuro, um oficial perfeito.
90
A maioria desses meninos entrava nas tipográficas com a idade de dez (10) anos,
sendo portadores de desnutrição e péssimas condições de saúde, decorrentes da miséria e da
fome. O trabalho exaustivo, carregando maços e resmas de papel constantemente por toda a
oficina, a falta de alimentação e a baixa remuneração contribuíam para o clima degradante do
trabalho infantil nos meios gráficos. No artigo “Infância Torturada”, a disparidade entre as
condições necessárias para o exercício da profissão e as limitações impostas pelas idades dos
aprendizes fica bem clara:
Nas oficinas tipográficas a exploração dos menores atinge o auge. Basta dizer que
existem no Rio oficinas em que a manufatura do trabalho é feita exclusivamente
por aprendizes, muitos dos quais com pouco mais de dez anos de idade, tornando-
se até necessária uma peanha para que alguns deles possam atingir a caixa.
91
Os acidentes eram comuns e nem sempre correspondiam a uma atuação responsável
por parte dos patrões. O relato acerca da ajuda dada pelos patrões a um menor acidentado
quando derretia cola para a encadernação
92
, está presente num artigo como um exemplo a ser
seguido pelos demais donos de tipografias. O gesto do patrão mereceu destaque, servindo de
exemplo a outros donos de tipografias.
(...) providenciado para que o menor fosse socorrido na farmácia Silva Araújo, e
após ligeiros curativos, de onde á vista da gravidade das queimaduras, foi
conduzido para a Assistência, que socorreu a vítima, recolhendo-a á sua residência.
Mais tarde foi mandado pela empresa um empregado á casa do menor, afim de, em
nome da firma proprietária da oficina, oferecer um quarto particular no hospital da
Santa Casa e mais auxílios que fossem necessários; sendo, porém, recusado pela
família de enfermo. Ainda em nome da firma Alexandre Ribeiro & C, foi dito que
toda despesa com medico, farmácia, etc., seria por conta da casa, recebendo ainda o
dito menor os seus ordenados integralmente.
Este gesto nobre e generoso, porém raro, deve ser imitado pelos industriais
gráficos, quando em idênticas circunstâncias, pois o mesmo não tem somente o seu
alcance caridoso, e sim também serve de estimulo pessoal.
93
90
Ver, ‘Coisas da Arte’, In: O Graphico, RJ, 15/03/1916, p. 01.
91
Ver, ‘Infancia Torturada’, In: O Graphico, RJ, 16/04/1917, p. 01.
92
O menor Waldemar Soares sofreu queimaduras de terceiro grau ao derreter cola em um fogão a gás na
Papelaria Alexandre Ribeiro & Cia. ‘Exemplo a ser imitado’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 01.
93
Idem.
43
O GRAPHICO de 16 de abril de 1917. Artigo acerca dos maus tratos sofridos pelos aprendizes.
44
No entanto, para a maioria dos chefes das oficinas esses aprendizes eram vistos como
inúteis e dispensáveis. Às vezes, eram usados para o expediente interno, longe do trabalho
especializado, sendo obrigados a serviços dos mais variados, como varrer as oficinas ou
entregar encomendas nas ruas. E, quando os aprendizes não realizavam as suas tarefas como
os chefes das oficinas ordenavam, sofriam punições físicas.
Ainda um dia desta quinzena, por exemplo, um chefe de pautação de importante
casa, apanhando dois aprendizes brincando, no momento em que um empurrava o
outro de encontro a uma máquina, deu, num destes, uma valente bofetada, fazendo-
lhe inchar o rosto. O fato tem indignado a todos, chegou ao conhecimento do
gerente, que admoestou severamente o chefe citado.
94
Por um outro lado, os gráficos mais velhos sentiam-se prejudicados pelo trabalho dos
aprendizes, pois os patrões transformavam esses meninos em oficiais tipográficos para
pagarem um salário bem mais baixo. Na visão dos tipógrafos mais experientes isso não só
causava um dano no seu orçamento, como também desqualificava a profissão. O aprendiz
passou a ser visto como uma ameaça em potencial.
Não posso também admitir que alguns colegas digam não se deve ensinar o
aprendiz dentro da oficina, julgando ser isso vantajoso para a valorização do
tipógrafo preparado: porque dizem eles: - uma vez o aprendiz apto a trabalhar
regularmente, o industrial tratará de se utilizar das suas aptidões, jogando na rua o
oficial, porque aquele lhe fica mais barato.
95
Porém, tal temor não correspondia sempre à realidade. A solidariedade demonstrada
por um grupo de aprendizes para com os colegas despedidos foi apontada num artigo como
um exemplo que desmentia o temor demonstrado por alguns dos trabalhadores mais
experientes
96
.
Esse belo gesto de camaradagem dos pequenos que até então eram explorados pela
ganância de um indivíduo que parece não saber o que são crianças, só pode
merecer o nosso maior aplauso e, mais do que isso, o nosso incitamento, por
vermos que esses coleginhas já representam o graphico do futuro, insubmisso e
revoltado contra explorações e espoliações de patrões que já não são para os
tempos modernos.
97
94
Ver, ‘Educação Operária’, In: O Graphico, RJ, 01/07/1916, p. 01.
95
Ver, ‘O Aprendizado’, In: O Graphico, RJ, 01/06/1916, p. 03.
96
A referência foi baseada no ato de um grupo de aprendizes de compositor da Gazeta Suburbana, que vestiram
seus paletós e abandonaram a oficina em solidariedade a um colega despedido; ‘Modos de Ver’, In: O Graphico,
RJ, 15/03/1916, p. 01.
97
Idem.
45
A questão da entrada ou não do aprendiz na oficina tipográfica passava por um único
ponto: a desvalorização desse jovem, que por isso não abraça com amor e dedicação o
trabalho de tipógrafo. Mas, isto não seria tão grave quanto admitir na tipografia um aprendiz
sem instrução. A solução para esses problemas estaria na valorização do trabalho dos
menores, tornando-os artistas instruídos que, no futuro, teriam orgulho da sua profissão arte.
Por isso idéia da escola profissionalizante ser tão difundida nos artigos escritos pelos gráficos,
como também a criação de centro de estudos e bibliotecas sociais
98
, que facilitassem a
educação, e estimulassem, via leitura, a união e a liberdade dos operários.
O tipógrafo, principalmente, é um oficial que deve ter um cultivo aprimorado, uma
inteligência bem educada e um bom gosto para o trabalho, porque ele lida com um
ofício que requer todos esses requisitos, ofício, por todos os títulos, artístico e
literário.
Mas, devido á falta da escola a exploração é fatal. Devido ao excesso de trabalho,
os tenros órgãos dessas crianças se desgastam e a sua vida, tão digna de cuidados,
periga entre os abismos da ignorância e da enfermidade.
99
A solução para a qualificação desse menor também poderia passar pelo apoio dos
próprios donos das tipografias ao aprimoramento dos seus aprendizes, sendo que muito
poderiam lucrar com este “investimento”. Por outro lado, para um grupo de gráficos, o auxílio
prestado e a solidariedade dos antigos gráficos para com o grupo de aprendizes poderiam
facilitar o apoio deste contingente de trabalhadores nos momentos de confronto entre patrões
e empregados.
[…] apelando desde já para os sentimentos de humanidade, não só dos chefes de
oficina, de quem depende mais diretamente o ensino do aprendizado, como para os
colegas em geral, que muito poderão contribuir também para o desenvolvimento
profissional desses infelizes, porque, estou certo, - na hora em que o industrial tirar
partido de suas aptidões em prejuízo do oficial – seu amigo e mestre – ele, o
aprendiz, saberá, em sinal de reconhecimento, senão repudiar a usurpação que lhe é
feita, pelo menos exigir o mesmo ordenado do colega sacrificado, uma vez que o
vai substituir.
100
Por fim, na revista Artes Graphicas, dirigida por Diocleciano Taveira, apresentada
como um reflexo da existência da Associação
101
, o problema da educação também aparece
como uma responsabilidade a ser tratada pela organização:
98
Por várias vezes os editores do jornal expõem as doações de obras como: Lucrecia Borgia, Syndicalismo e
greve geral, Sociologia, O amor através dos tempos, entre outras, para a biblioteca da Associação. ‘Bibliotheca’,
In: O Graphico, RJ, 01/02/1917, p. 02.
99
Ver, ‘O Aprendizado’, In: O Graphico, RJ, 16/08/1918, p. 01.
100
Ver, ‘O Aprendizado’, In: O Graphico, RJ, 01/06/1916, p. 03.
101
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 15/10/1916, p. 02.
46
Um deles consiste na Escola Profissional e na instrução geral, matando o cancro do
analfabetismo que tem posto abaixo as mais úteis iniciativas.
Combater a ignorância, expurgando-a do meio gráfico, é nosso primordial dever e
não devemos descansar enquanto não atingirmos esse resultado. Tudo depende do
poder da vontade. O programa da Associação Gráphica é vasto e não é
impraticável: e da sua execução exata depende o nosso futuro, os nossos melhores
dias.
102
Como resultado do esforço constante da Associação Gráfica, denunciando nos seus
periódicos a exploração do aprendiz, assim como a implementação das oito (8) horas de
trabalho temos a apresentação da legislação do trabalho infantil, em 11 de agosto de 1917,
como uma de suas vitórias.
Para conhecimento da classe, resolvemos publicar a lei que regula o trabalho dos
menores de 14 a 18 anos, nas oficinas, fabricas e demais estabelecimentos no dia
25 de agosto p.p.
Chamamos, pois, a atenção dos nossos colegas para o que diz a lei que na integra
publicamos, pois que a sua perfeita execução depende: em grande parte, senão por
completo, da rigorosa vigilância por nós exercida dentro das oficinas. Qualquer
infração feita á lei deve ser imediatamente comunicada á diretoria da Associação,
para esta agir junto dos poderes complementares.
103
Mas as lutas pela melhoria das condições de aprimoramento e trabalho dos gráficos
não esgotavam a busca da valorização da profissão e a sua apresentação como um ofício
especializado e único. Com o objetivo de divulgar e assegurar a tradição da sua arte, os
editores do jornal O GRAPHICO juntamente com a direção da Associação Gráfica
resolveram realizar uma exposição de trabalhos tipográficos. Em assembléia, foi tirada uma
comissão para divulgar o evento que tinha o cunho meramente artístico.
O exemplo a ser seguido seria a exposição feita pela Imprensa Nacional de Lisboa,
em 1913, quando foram expostos trabalhos feitos em diversas tipografias da capital, além de
trabalhos antigos e outros de procedência estrangeira. Contudo, a falta de coerência nas
reuniões da comissão do evento e a desunião entre os membros da categoria fizeram com que
a Primeira Exposição Tipográfica fracassasse.
Mais uma vez ficou patentemente provado que, com a falta de coerência de muitos
membros associados, não conseguiremos nunca a realização dos princípios básicos
de ordem, porque esmagam todas as iniciativas com o fito
único do lucro
financeiro, muito embora, na maioria das vezes, estes lucros possam trazer graves
ocorrências á classe e sérios desgostos aos membros da “Comissão da Exposição
Gráphica” anteviam na sua realização uma fonte de lucros, que felizmente
102
Idem.
103
Ver, ‘O Trabalho dos Menores’, In: O Graphico, RJ, 01/09/1917, p. 02.
47
perderam a sua significação, para o renome da Associação Gráphica do Rio de
Janeiro.
104
Ao priorizar a questão financeira em relação à divulgação da arte e da instrução dos
tipógrafos, a Comissão do evento trouxe graves desavenças e desgostos entre os membros da
categoria.
Em 1917, a idéia de uma grande exposição que divulgasse o trabalho dos artistas
gráficos foi retomada, desta vez, como um símbolo da sua emancipação através da
transformação do local do labor, da sua luta pela melhoria nas condições de trabalho e da
valorização da Associação Gráfica. O convite à participação estendeu-se a todas as categorias
de operários gráficos, onde a idéia da valorização do ofício-arte foi muito bem recebida.
E, fora de dúvida, e ninguém melhor que nós gráficos poderá saber, que o
levantamento artístico de uma arte depende exclusivamente daqueles que a
professam e abraçam, porque somos nós, operários, que lhes dedicamos amor e que
mais a adoramos, muito embora dela não possamos tirar os proventos eqüitativos
ao nosso esforço, devido à nossa eterna situação de explorados, cujo esforço
reverte, injustamente, em benefício de outros.
105
Foi criada uma comissão da exposição, que dividiu a apresentação dos trabalhos em
03 (três) categorias: sessão de desenhos e litografia, sessão tipográfica e sessão de
encadernação. Alguns dia depois, saiu uma lista com os trabalhos classificados por categoria e
as premiações
106
.
Assim sendo, a exposição foi o veículo de divulgação do trabalho gráfico
especializado, cada vez mais ameaçado pelo avanço tecnológico que se anunciava para os
anos seguintes.
1.4) O ofício do gráfico e a tecnologia: uma visão peculiar das inovações e os seus efeitos.
Era unânime a queixa que escutamos e ainda hoje escutamos perplexos e
revoltados sobre o estado em que ora se encontra a classe trabalhadora, tão
cruelmente ferida no seu orgulho de classe até então privilegiada, contra os azares
da vida mundana e sem ter durante cerca de 40 anos sido levemente arranhados nos
seus interesses julgados os mais sagrados. Nesse período não houve dificuldade
que não fosse superada, não sofrendo os compositores tipógrafos a falta de
trabalho, pondo-os na deprimente situação em que atualmente se debatem. Bastou,
porém, a introdução da linotipo, encontrando-os completamente desprovidos de
104
Ver, ‘O Fracasso da Exposição’, In: O Graphico, RJ, 15/06/1916, p. 01.
105
Ver, ‘Exposição Graphica’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1918, p. 01.
106
Ver, ‘Classificação dos Trabalhos’, In: O Graphico, RJ, 16/01/1918, p. 02.
48
recursos que pudessem influir no desagregamento da classe – e isto por sua
grandiosa e brutal ignorância do valor da organização das associações de classe,
para estarmos hoje a contemplar, bestializados, esse edificante espetáculo de
desordem e desenfreada incapacidade, que é o serviço tipográfico.
107
Num mundo contraditório, onde a lembrança da escravidão denegriu a noção de
trabalho, a chegada das inúmeras invenções surgidas na era industrial era vista como um
sonho distante. Enquanto as inovações, como a luz elétrica, a velocidade, o automóvel, o
cinematógrafo, o dirigível, o rádio, a máquina de escrever passavam a fazer parte do dia a dia
de europeus e de norte-americanos, no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século, as
alterações do cotidiano nem sempre afetavam de forma positiva o operário
108
.
Nas tipografias a mecanização do trabalho teve o seu início a partir da segunda
metade do século XIX, mas nos primeiros anos do século XX estava em pleno avanço
109
.
Num primeiro momento, essa mecanização era vista de forma positiva pelos tipógrafos, que
entendiam esse processo como facilitador do labor. Mas, aos poucos, a sua face negativa
apareceu quando o trabalho artístico foi ultrapassado pelo “progresso” tecnológico, gerando o
desemprego.
Não há um só individuo que trabalhe em qualquer casa onde se exerça a exploração
da indústria gráfica que esteja satisfeito com a sua situação de vítima imbele dos
caprichos deste ou daquele que sobre si tenha uma parcela de mando ou mesmo
incumbido de zelar por determinado encargo que lhe é afeto, mas que está sujeito,
pela natureza do serviço, a um segundo encarregado de executá-lo. Em linotipo,
dadas as condições péssimas da sua introdução aqui no Rio, não se pôde afirmar
com segurança que existia um perfeito artista nesse ramo da arte tipográfica.
110
Volta a assoberbar a classe a falta de trabalho. Há já oficinas onde os nossos
colegas estão reduzidos há 3 dias por semana.
111
Assim, o progresso como algo que levaria a uma ascensão social passou a ser
entendido como uma ameaça para a sua própria sobrevivência. Esses homens começaram a
relacionar a mecanização com a perda do seu emprego
112
. Eles não mais detinham um
conhecimento único, e, a partir das novas maquinarias, eram vistos como quaisquer outros
operários, dispensáveis ante a força do labor mecânico.
107
Ver, ‘Na Expectativa’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 03.
108
Ver, COSTA, Ângela M. da & SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit.
109
Ver, VITORINO, Artur J. R. Op. cit. , p. 109.
110
Ver, ‘Os Linotipistas’, In: O Graphico, RJ, 16/03/1917, p. 01.
111
Ver, ‘Crise do Trabalho’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1917, p. 01.
112
Ver, BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 60. A autora afirma que o ideal de progresso e civilização estava
presente no pensamento dos gráficos, já que os mesmos os tornariam superiores, porém eles eram contrários às
máquinas que estavam deixando-os na miséria.
49
A introdução das máquinas nas oficinas tipográficas, além de trazer o problema do
desemprego, dividia o espaço de trabalho, rompendo o contato entre os diferentes grupos que
compunham cada setor. Além disto, ditavam um novo ritmo de trabalho, delimitando o
horário da entrada, o almoço e saída dos tipógrafos. Para os donos das oficinas, essa
mecanização era algo muito lucrativo, o que determinou a vitória do trabalho mecânico sobre
o artístico. O conhecimento artístico passou a ser visto pelos patrões como algo secundário,
sendo substituído pelo domínio da técnica, que introduziu um novo grupo especialista no
manuseio dessas máquinas.
Um dos grandes males que infelizmente existem em nossa arte é a transformação
rápida em que qualquer um aprendiz é arvorado em oficial. Essa idéia parte dos
patrões ou dos chefes que são interessados na casa, naturalmente procurando
acautelar os interesses comuns. Pensam assim esses proprietários gráficos auferir
mais lucro, visto ser menor o ordenado do aprendiz em comparação com o do
oficial.
(...). Mas os lucros os tornam gananciosos e o resultado é o trabalho sair das
máquinas, que são a última palavra em aperfeiçoamento, completamente matado,
enquanto as máquinas se tornam imprestáveis e cobrem-se de remendos.
113
Mais do que perder o trabalho, a mecanização do labor tipográfico fez com que esses
homens, que se consideram artistas, perdessem a sua identidade, deixando de lado toda a
tradição e um estilo de vida. Perder tudo isso significava ser despojado de uma luta em prol da
valorização da instrução, não só dos tipógrafos, como também dos outros operários
114
.
As máquinas, principais símbolos do progresso que os gráficos defendiam, passaram
a ser combatidas pelos seus antigos defensores, deflagrando um discurso no qual a palavra
união se fazia presente como a arma que exterminaria os males trazidos pelas inovações.
Como inimigos portadores destas ameaças, os linotipistas ganhavam um lugar de destaque.
Cada um, segundo o seu interesse individual, atestado da cultura real de sua
condição de operário, não se queixando quando as irregularidades não lhe afetam,
mas explorando veementemente quando a coisa lhe atinge, vão esses colegas
sorvendo o cálice da amargura por sua própria culpa, pois não querem
compreender que são eles empecilhos á grandeza da Associação, pela ojeriza
desmedida em se obstinarem á apatia e ao descaso de tudo quanto se prende á
união e solidariedade da classe gráphica.
De todos os ramos da indústria do livro e do jornal é o dos linotipistas que menor
número de associados tem, existindo corporações de diversas oficinas que não
contam um só membro na Associação Gráfica.
115
113
Ver, ‘Por nós e pela arte’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1916, p. 02.
114
Ver, BARBOSA, M. Op. cit., p. 94. Para os tipógrafos o que as máquinas mais colocavam em risco era o seu
saber.
115
Ver, ‘Os linotypistas’, In: O Graphico, RJ, 16/03/1917, p. 01.
50
Até então, os operários gráficos eram classificados pelas funções que realizavam;
compositores tipográficos, os impressores, os encadernadores, os mageadores, os pautadores,
os impressores-litógrafos, os litógrafos, os tiradores, os gravadores, os estereotipistas
116
. Os
primeiros, por serem mais numerosos, terminaram assumindo a representação da categoria.
Na tentativa de não haver uma monopolização por parte desse segmento da categoria, a idéia
da união de todos os tipógrafos fortalecia a idéia de grupo.
Entre a nossa classe é notável a divisão do trabalho e os efeitos já nos são
familiares. Não é diminuto o número de colegas que se têm visto na mais negra
indigência, porque só sabendo, por exemplo, puxar linhas e nada mais fazendo em
relação á arte, torna-se adstrito aquele mister, incapazes de produzir para um outra
fonte de conhecimento, pois que adquirindo o automatismo, só dão lucro ao
industrial pela rapidez da produção em prejuízo seu e de seus colegas.
Combater a divisão do trabalho é um problema que merece a atenção geral e que se
impõe ao operariado, pois só deste modo ele poderá dar valor ao seu saber.
117
Os gráficos, a força de muitas experiências, vão compreendendo que só poderão
tirar proveito de todo os esforço, quando reunidos em torno de um só pensamento:
as quedas que levam quando querem se julgar independentes mostram-lhes que as
reuniões mais proveitosas são as feitas nas sedes sociais para discussão de um
determinado assunto, pois ali os maus intencionados, os intrigantes se calam, o que
não acontece nas esquinas, onde são eles que com seus falsos testemunhos vão
perturbar a idéia dos incautos.
118
A chegada dos linotipistas, que na sua tradição não eram gráficos, levou ao repensar
dos problemas
119
. Entre os anos de 1905 e 1920, inúmeras lutas contra a mecanização
ocorreram
120
. Foram dois os momentos de maiores tensões:
1. De 1907 a 1909, assinalando a passagem da energia a vapor para a
hidroelétrica, além de ser o momento de maior importação de maquinários
gráficos.
Neste período, apesar do aumento do índice inflacionário, o salário dos gráficos
não sofreu alteração. Assim sendo, entre 1900 e 1909, a remuneração média do
116
Ver, VITORINO, Artur J. R. Op. cit., p. 109.
117
Ver, ‘Divisão do trabalho’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916. p. 03.
118
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 15/12/1916. p. 02.
119
Ver, BARBOSA, M. Op. cit., pp. 84 e 85, a autora menciona que entre os confrontos entre compositores e
linotipistas faz com que se crie em 1907 o Sindicato dos Linotipistas com o objetivo de unir os grupos, para que
se organizassem e lutassem por jornadas de trabalho igualitária a todos os operadores de máquinas. Em 1909
funda-se a União Tipográfica de Resistência, com o objetivo de aprimorar o conhecimento dos tipógrafos,
tentando manter a viva a idéia da profissão arte.
120
Idem, pp. 87 – 88.
51
gráfico era de 7$000 por tarefa, equivalente a composição de 140 linhas num
período de 5 a 6 horas de labor
121
.
2. De 1916 a 1919, marcado pelo encarecimento dos gêneros alimentícios e outros
de primeira necessidade, fruto da crise decorrente da Grande Guerra.
Há necessidade de continuarmos a enviar os nossos navios á zona bloqueada por
submarinos, cruzadores e minas, conduzindo gêneros que nos fazem falta?
Porque razão nós pagamos o açúcar a 700 réis o quilo, a carne fresca a 1$000 e o
café a 1$300, quando o estrangeiro o obtêm mais barato 50% e de boa
qualidade?
122
Neste último período, o choque entre os antigos gráficos e os linotipistas assumiu
uma nova dimensão. Ocupando o lugar de muitos dos antigos trabalhadores, este novo
“ramo”
123
atraiu os que não possuíam uma formação artesanal, mas que, no entanto,
conseguiram uma maior remuneração pelo domínio que detinham das novas técnicas
industriais.
Assim sendo, a defasagem entre os salários atingiu um índice considerável nos anos
seguintes. Em 1918, um linotipista ganhava em torno de 6$000 reis a mais que o tipógrafo
tradicional. As acusações por parte dos antigos artistas gráficos se tornaram cada vez mais
acentuadas, envolvendo também outros sectores do trabalho da composição, como, por
exemplo, os paginadores, também eles detentores de uma maior remuneração
124
.
Ante a divisão da categoria e o crescente aumento da demanda do trabalho gráfico,
acompanhada de uma depreciação constante do operariado em geral. A Associação Gráfica
passou a apelar ainda mais para a união, surgindo como um veículo privilegiado para a
organização da categoria, tendo por base o aprimoramento técnico e intelectual do grupo.
121
Ver, LOBO, Eulália M. L. “Formação do operariado e movimento operário no Rio de Janeiro – 1870-1894”
In: Estudos Econômicos. São Paulo: IPE, 1985. Aí a autora faz uma comparação entre diferentes categorias de
trabalhadores com relação à questão salarial.
122
Ver, ‘A Guerra e o Operario’, In: O Graphico, RJ, 16/05/1917, p. 01.
123
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 15/12/1916, p. 02.
124
Com relação à questão das diferenças salariais e os baixos salários entre os diferentes ramos da categoria, ‘A
Exploração’, In: O Graphico, RJ, 16/05/1916, p. 01; ‘Salário mínimo’, In: O Graphico, RJ, 01/10/1917, p. 01;
‘O que tem feito a Associação’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1918, p. 01.
52
Jornal O GRAPHICO de 01 de agosto de 1917 acerca da participação dos tipógrafos na greve geral
53
CAPÍTULO 2
É do domínio de toda a classe gráfica, não só desta capital como dos
Estados do nosso muito idolatrado Brasil, que a Associação Gráfica do
Rio de Janeiro, em sessão de Diretoria e presentes delegações das
corporações de várias casas industriais e jornalísticas, após calorosa
discussão, nomeou uma comissão para dirigir-se ao primeiro
magistrado do país, pedindo-lhe o seu patrocínio em prol de uma causa
que para nós é duplamente justa e grandiosa, e, não erramos, afirmando
que o é para todo o país: a da celebre e veterana questão da isenção de
direitos de importação sobre os livros impressos e a alta taxação dos
apetrechos concernentes à indústria do livro.
“O GRAPHICO”:
UM JORNAL
POLÍTICO E
ATUANTE
Em assembléia geral da classe, especialmente convocada pela Associação para
tratar deste magno assunto, foi lido um conciso memorial expondo ao presidente da
República a questão que nos interessava, e historiando – em breves trechos o que a
Associação Tipográfica Fluminense: desde 1869 vem com intermitências:
pleiteando junto aos poderes públicos. Tendo, aliás, no decaído regime conseguido
ver vencedoras suas justas pretensões, o que já não sucedeu quando por 2 ou 3
vezes, aquela agremiação, sempre na vanguarda da classe gráfica, encaminhou o
seu apelo aos dominantes da democrática instituição que nos dá felicidade sem par
a 27 anos. É verdade que os direitos cobrados sobre tais obras não foram abolidos
como pretendiam alguns legisladores iludidos com a lábia de certos editores.
Porém, é tão insignificante e suave à tarifa alfandegária que muito mais convém às
casas editoras manufaturá-las no estrangeiro do que confeccioná-las aqui. Não é
necessário repetirmos o porquê dessas vantagens. Todos nós as conhecemos de
sobejo.
(‘As Promessas dos Democratas’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916, p. 01)
Na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da economia cafeeira, o
surto industrial, o fim do tráfico de escravos e com a entrada em larga escala de imigrantes, a
sociedade brasileira sofreu profundas mudanças.
A prosperidade econômica motivada, sobretudo pela economia cafeeira de
exportação, incentivava o crescimento urbano e aumentava a diferenciação da sociedade
brasileira em classes e camadas sociais. O Rio de Janeiro e São Paulo eram as sedes desse
desenvolvimento, sendo que aí os fazendeiros de café formavam o grupo dominante detendo o
poder econômico e político. O Nordeste do país ainda era dominado pelos os senhores de
engenho, enquanto no Rio Grande do Sul, os pecuaristas, mantinham o mando,
correspondendo a cada grupo às peculiaridades econômicas de cada província.
Em conseqüência da prosperidade alcançada, mudava também a fisionomia destas
cidades. As áreas centrais foram remodeladas e saneadas. Nas regiões onde o café dominava,
o fazendeiro construía palacetes nas cidades, investia em comércio, bancos e indústrias. É
54
preciso notar, porém, que mais da metade da população nacional vivia no campo, ou seja, o
desenvolvimento brasileiro era desigual, típico do modo de produção capitalista
125
.
Dentre essas desigualdades, as mais graves eram a econômica e a social. A burguesia
urbana e rural enriquecia e se consolidava em oposição ao operariado fabril, da construção
civil e das empresas do setor de serviços, públicas e privadas. Essa contradição gerou sérios e
violentos conflitos nas primeiras décadas do século XX, obrigando ao Estado brasileiro, em
fins dos anos 20 (vinte), a mudar sua política em relação ao proletariado.
As indústrias, onde a maior parte dos operários trabalhava, pertenciam a fazendeiros,
que muitas das vezes também eram donos de bancos. Contudo, a maior parcela dos
investimentos provinha de imigrantes ligados ao comércio de exportação e importação.
Controlando grande parte da distribuição dos produtos importados, eles eram levados, nos
momentos de crise, a optar pela produção no país de artigos de fabricação mais simples. O
sucesso deste grupo, onde se destacavam os Matarazzo, Klabin e outros, devia-se, sobretudo à
sua origem burguesa, distinta das massas que se destinava à lavoura ou às fábricas como mão-
de-obra
126
.
Entre essas duas classes, crescia uma outra formada por um conjunto heterogêneo de
camadas médias, que não se identificava inteiramente nem com os donos do capital, nem com
os proletariados. Ela era formada por pequenos proprietários rurais e comerciantes,
funcionários públicos, profissionais liberais, entre outros. Tanto as camadas médias quanto o
proletariado originavam-se dos processos de urbanização e industrialização
127
.
O fato mais relevante é que a camada média e o proletariado eram os mais
prejudicados pelas freqüentes elevações do custo de vida, além de estarem excluídos das
decisões políticas do Estado.
2.1) As grandes questões políticas do seu tempo
O Brasil tornara-se República, mas ainda se dizia que aqui existia um império e
um rei – o café, que, como nos contos infantis, era visto como justo e bom, além de ser capaz
de satisfazer a todos.
125
Ver, MARX, Karl. As lutas de classes na França (1848-1850). São Paulo: global, 1986, p. 17.
126
Ver, DEAN, W. A industrialização em São Paulo. São Paulo: Difel, 1974, p. 272.
127
Ver, MARX, Karl. Op. Cit., pp. 51-75.
55
As eventuais crises de superprodução eram, por vezes, resolvidas sob a
intervenção estatal, que ao socorrer os produtores rurais, mantinham a ordem e hierarquia
social.
Não faltavam razões para a euforia dos plantadores, comerciante e banqueiros,
que constituíam uma enriquecida e próspera burguesia de cafeicultores. Esse produto não
impediu, no entanto, o surgimento no país de indústrias e outras atividades produtivas. A
dependência traçava limites, mas não chegava a prejudicar a produção interna. O fato é que,
com o desenvolvimento capitalista da economia cafeeira, foram criadas no sudeste
circunstâncias favoráveis à deflagração do processo industrial no país
128
.
Contudo, algumas indagações surgiram. Teria o Brasil, após a Abolição e a
Proclamação da República, rompido com a organização produtiva de caráter colonial, que se
baseava no latifúndio e na exploração da força de trabalho? Qual era a real situação dos
trabalhadores assalariados imigrantes ou não, que trabalhavam nas fazendas e nas cidades?
2.1.1) A greve na visão de O GRAPHICO
O mundo de fins do século XIX é marcado pela forte expansão capitalista resultado
de uma aparente estabilidade e prosperidade social. Tudo indica que momentos de paz e
crescimento econômico eclodiram tanto para a burguesia quanto para os operários de uma
forma em geral. Mas, a mudança não tardaria. A Primeira Guerra Mundial trouxe a destruição
desse equilíbrio. Atrelado a isso, tem-se a derrota da Áustria e da Alemanha, além da
Revolução Russa de 1917.
A realidade brasileira composta por diferentes formações regionais, tinha a sua base
econômica centrada na agricultura de exportação que, paradoxalmente, dava suporte à
modernização e crescimento urbano cujo modelo era as capitais européias. Mas, neste período
era impossível à industrialização retardatária do Brasil, concorrer com a produção da
economia imperialista européia e norte-americana. Dispondo de uma sofisticada tecnologia,
que tornava possível a produção em larga escala e o barateamento dos preços, era fácil aos
grandes monopólios controlar o mercado internacional
129
.
Na tentativa de romper com mais de 3 (três) séculos de uma tradição escravista,
período em que as atividades manuais eram vistas como indignas e humilhantes para os
128
Ver, DEAN, W. Op. Cit.
129
Ver, COSTA, Ângela M. & SCHWARCZ, Lilia M. Op.cit.
56
cidadãos, inicia-se um processo de enobrecimento da figura do “trabalhador”, como um dos
principais elementos da sociedade republicana, o que favoreceu, nos primeiros anos do século
XX, a um maior desenvolvimento de uma consciência dos seus direitos e do pensamento
político entre os operários.
Mas isso não quer dizer que anteriormente eles não se organizassem. Durante o
Império existiram inúmeras associações/irmandades, juntas de alforrias (mantidas por ex-
escravos), sociedade de socorros mútuos e caixas beneficentes, que tinham como função
“socorrer” e auxiliar seus filiados, já que nem o Estado nem os empresários prestavam
assistência médica e social necessária. As associações mutualistas, não foram uma invenção
brasileira, sua origem estava centrada na França.
No Brasil as primeiras surgem por volta da segunda metade do século XIX, com o
objetivo de promover o socorro mutuo entre seus filiados. Organizavam-se a partir de critérios
sócio-profisionais e sua base estrutural encontrava-se na promoção assistencialista e no
conformismo social
130
.
Aos poucos, no entanto, foram percebendo que isso não bastava, pois as causas reais
de sua situação não eram sequer combatidas. Na tentativa de ajudar a melhorar um pouco a
vida dos operários fundam-se, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, as Ligas
Operárias e os Sindicatos de Resistência destinados a mobilizar e conscientizar o grupo para a
luta econômica contra as empresas e, muitas vezes, contra o próprio Governo. Aos poucos,
juntamente com o processo de industrialização, esse tipo de instituição começou a se espalhar
pelo restante do país. Sua principal arma era a greve, uma nova experiência para os operários
brasileiros, pois apenas em casos isolados - como os gráficos e os cocheiros da corte carioca -
utilizaram-se desse recurso no Brasil antes de 1889.
Na capital do Império, os tipógrafos já lutavam pela regularização do trabalho e por
aumento salarial. Em janeiro de 1858, os operários dos principais jornais da cidade (Diário do
Rio de Janeiro, Correio Mercantil e Jornal do Comércio), não satisfeitos com a negativa do
aumento de salário iniciaram uma grave. No dia 10 de janeiro, esses mesmos homens
publicam o seu jornal – Jornal dos Tipógrafos, no qual passavam a defender o seu trabalho e a
acusar seus patrões de exploração
131
.
Fundam-se várias associações de classe e/ou sindicatos, que se transformaram nos
meios de aglutinação desses homens, já que a maioria dos partidos políticos possuía uma
130
Ver, VITTORINO, Artur J. R. Op.cit, pp. 98-104.
131
Ver, LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega,
1977, pp. 33 e 34.
57
duração de vida curta. Os sindicatos, organizações mais simples, terminavam por abarcar em
seus quadros de filiados diferentes categorias de operários, mas também se torna um espaço
onde se desenvolve as funções social e educativa
132
.
No Rio de Janeiro, agora capital da República, registraram-se os primeiros passos do
movimento operário
133
. De fins do século XIX até os 20 (vinte) primeiros anos do século XX,
o Rio de Janeiro foi o líder do processo industrial, devido ao desenvolvimento das ferrovias,
dos transportes urbanos e portuários houve um crescimento de mão-de-obra assalariada, o que
favoreceu a ampliação das manufaturas
134
. Sendo, posteriormente, superado por São Paulo
135
,
onde inicialmente predominava uma produção artesanal com a injeção de capital estrangeiro
passa a despontar no processo de industrialização.
A aceitação, por parte da sociedade carioca, das novas idéias políticas se deu devido
à existência de trabalhadores em várias fábricas
136
de tecidos, sapatos, cerâmica, vidro, junto
com uma intensa atividade autônoma artesanal e um imenso grupo de funcionários públicos.
Dentre as modestas reivindicações defendidas pelos operários cariocas encontravam-
se o aumento salarial, a proibição do trabalho infantil, a não exploração do trabalho feminino,
a jornada de oito horas de trabalho, o descanso semanal, aposentadoria para idosos e
inválidos, além da criação de tribunais para julgar conflitos entre patrões e empregados.
A velha questão operária das 8 horas de trabalho, sempre nova e oportuna entre os
trabalhadores, justa aspiração, que é entre nós defendida com ardor como em
outros países onde domina a exploração de uma determinada parte de indivíduos
que se assenhorearam, pela astúcia e pela ganância, do outro e do poder. Muito têm
sido os embates sustentados pelas classes operárias de todo o mundo na conquista
das 8 horas, nos quais tem pagado com a vida os mais ardorosos palatinos a
ousadia de tentarem elevar e nivelar os direitos dos homens dentro da atual
sociedade, - essa madrasta perversa – que luta pela conservação de um regime
condenado pelo mais eminente sociólogos do Universo.
137
Essas e outras questões já eram, em 1903, um dos motivos de reivindicação da
primeira greve geral que ocorreu no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, foi realizado, no Rio,
o Primeiro Congresso Operário brasileiro, sendo criada a Confederação Operária Brasileira
132
Ver, CARONE, Edgard. Op.cit, p. 13.
133
De acordo com, SINGER, P. Op.cit, p. 57, entre os anos de 1880 e 1920 houve um desenvolvimento do
proletariado industrial, como também dos operários ligados aos transportes em geral, à construção civil e dos
serviços públicos.
134
Ver, FAUSTO, Boris. Op.cit, pp. 13 e 14.
135
Idem, p. 18.
136
Ver, BATALHA, Cláudio. Op cit, p. 09. O autor coloca que “(...) a imagem das grandes fábricas de tecidos,
cujas, chaminés destacam-se no horizonte, mudando a paisagem urbana e empregando milhares de trabalhadores
entre homens, mulheres e crianças, representa apenas uma parte do complexo e heterogêneo mundo do trabalho”.
137
Ver, ‘As 8 horas de Trabalho’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 01.
58
(COB), cujo programa continha as principais lutas operárias
138
. Na maioria das vezes a ação
dos operários centrava-se na luta contra os baixos salários, nas péssimas condições de
trabalho, na exploração de crianças e mulheres, na jornada de 12 a 16 horas de trabalho, os
abusos de poder, entre outros.
A partir de 1914, as condições de vida dos assalariados pioraram bastante,
aumentando o movimento grevista. Apesar da expansão industrial, o custo de vida, entre 1914
e 1916 elevou-se. O agravamento da vida do proletariado se deu, principalmente, devido ao
crescimento das exportações de alimentos, o que reduzia a oferta interna e com isso a
elevação dos preços dos produtos. Nas cidades onde a industrialização estava ocorrendo, a
oferta de mão-de-obra era superior ao número de vagas. A presença de uma massa de
desempregado dava aos industriais, a certeza de que havia como substituir os grevistas que
estavam sendo demitidos.
A partir de 1916, os produtos importados deixavam de chegar aos portos brasileiros,
isso faz com que as indústrias nacionais voltem a empregar os trabalhadores para poderem dar
conta da demanda de produtos industrializados. Tem-se assim um crescimento econômico,
mas ao mesmo tempo em que a burguesia brasileira voltava a ganhar dinheiro, os operários
enfrentavam uma carestia no custo de vida, pois os valores dos alimentos, dos aluguéis e do
transporte estavam sempre variando de preço, enquanto seus salários se mantinham sem
aumento
139
. Nas páginas de O GRAPHICO estas preocupações se expressam na forma da
seguinte de análise:
A guerra européia é atualmente o melhor argumento para justificar a diminuição de
salários e o aumento de preços nos gêneros de primeira necessidade. Até o sabão e
as hortaliças sofrem as conseqüências da guerra! Pobre classe, como é explorada!
A par de toda essa miséria, os proprietários de oficinas, valendo-se da desculpa
generalizada – a guerra – aumentam o preço nos trabalhos, reduzindo, porém, o já
minguado salário do operário, por medida de economia – dizem eles – e nós, sem
contar com proteção alguma, somos obrigados a acatar o que o patrão nos diz, si
quisermos conservar o lugar.
140
Fica claro que não apenas a guerra como também a utilização da mão-de-obra
imigrante serviu de motivo para a exploração dos patrões, que se aproveitavam da situação
para pagar um salário indigno aos trabalhadores. Como nas fazendas de café, os operários
urbanos tinham em sua composição a presença de inúmeros imigrantes europeus. Esses
138
Entre outros itens defendidos pela COB tem-se: a sindicalização do operariado e a luta pela redução das horas
de trabalho
139
Ver, FAUSTO, Boris. Op.cit, p. 114.
140
Ver, ‘ Rompendo o Véo’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 02.
59
homens e mulheres ao migrarem para o Brasil, traziam nas suas parcas bagagens a esperança
de conquistarem a ascensão social
141
. Isso fazia com que muitos deles se afastassem do
movimento, pois a busca por melhores condições de vida era algo muito mais valioso e
desejado.
Mesmo tendo uma origem rural, esses estrangeiros eram detentores de certa
experiência sindical. Vários refugiados políticos chegaram ao Brasil e terminaram sendo
responsáveis pela difusão de uma consciência política, já que haviam participado no
movimento anarquista em seus países de origem. Isso lhes garantia um papel de destaque na
fundação e na liderança dos sindicatos.
Excetuando a França onde o operariado vivia com relativa prodigalidade, nenhum
outro manteve permanência em seu país, apesar de todas as grandes reformas
sociais operadas, vindo procurar meio de subsistência nos Estados Unidos da
América, Argentina, Chile, Brasil, etc.
A organização social vigente nos países chamados civilizados é a negação viva do
espírito de humanidade e solidariedade. Reformar, pois, tal regime, é encargo que
só caberá aos trabalhadores modificando na essência o atual sistema de trabalho
pelos meios já hoje conhecidos por grande número de operários, e mais ou menos
adaptáveis a cada país. É justamente em torno destes ideais que converge a nossa
luta defendendo a organização operária, baseando-nos na escola sindicalista; e eis
porque negamos capacidade ao atual regime social para produzir benefícios à
classe trabalhadora, pois dominando toda a engrenagem político-administrativa, só
abandonará seu domínio impelido pela organização potencial da classe produtora
escravizada agora ao capitalismo.
142
Muitos eram adeptos do anarcosindicalismo
143
e estavam habituados à luta do
proletariado na Europa. Ao perceberem que as condições de vida aqui eram piores que nos
seus países de origem, organizaram junto com os operários brasileiros vários sindicatos e,
também, uma série de movimentos de denúncia e reivindicação. Acusados de atentarem
contra a segurança pública, alguns estrangeiros, líderes ou não de sindicatos, começaram a ser
expulsos do Brasil, graças a Lei Adolfo Gordo aprovada em 1907
144
. Essa lei legalizava a
expulsão dos estrangeiros, além de impedir a participação dos não-naturalizados ou que
vivessem no Brasil há menos de 5 (cinco) anos, nas diretorias sindicais .
141
Ver, FAUSTO, Boris. Op.cit, p. 32.
142
Ver, ‘Acção Operária e Partidos Políticos’, In: O Graphico, RJ, 15/04/1916, p. 03.
143
Ver, COSTA, Caio Túlio. O que é anarquismo. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 07.
144
Lei 1641 de 7 de janeiro de 1907, batizada de Lei Adolfo gordo em referência ao deputado paulista. A lei
tenta enfrentar as agitações sociais, intimidando o trabalhador imigrante e prevendo sua expulsão do país.
www.franklinmartins.com.br.
60
Assim, o século XX trouxe consigo uma outra tendência política para o Brasil; o
anarquismo
145
, que não lutava apenas por melhores condições de trabalho e aumentos
salariais, queria o fim do sistema capitalista e da divisão da sociedade em classes.
O anarquismo tinha como objetivo restabelecer o equilibro necessário para que a
sociedade sobrevivesse, já que para ele o homem possui todos os atributos para viver em
liberdade e em acordo social, pois esse é dotado de razão. Sua principal crítica passa pela
prática da democracia instituída pela burguesia.
Seus seguidores, diferentemente dos socialistas, viam no Estado, independente do
grupo social que estivesse no poder, um órgão repressivo e por isso deveria ser substituído por
cooperativas de trabalhadores. Sendo assim, além as ligas operárias e dos sindicatos, criados
muitas vezes contra a vontade do Governo, eles fundaram jornais e escolas libertárias em
diversas cidades do Brasil. Nos jornais, não apenas difundiam a luta econômica como também
se opunham ao Estado, à Igreja e à propriedade privada.
Como uma forma de esclarecimento, em vários artigos, os tipógrafos terminavam por
elucidar as principais diferenças existentes entre o anarquismo e o socialismo, como acontece
no artigo abaixo:
E bem pouca coisa resta-nos a dizer da anarquia. Implicitamente já falei dela.
Ponham de lado todas as minhas considerações e abram um vocabulário. Tenho
aqui na mesa um pequeno Larousse.
Socialisme: Système de ceux qui voulent transformer la proprieté ou moyer d’une
association universelle.”
A anarquia é uma modalidade de socialismo. Trata-se de uma associação sem
governo; até dizem alguns: suprimindo o Estado.
Não é preciso defender a existência do Estado, porque a supressão dele ou é
bobagem de ignorantes ou Estados é usado no sentido de autoridade ou de
governo. Mas nem o governo suprime-se. O governo é órgão, e associação é
organismo. Anarquia é, pois um organismo com os órgãos desconcertados ou
defeituosos.
Mas é bom lembrar que isso de desconcertos e defeitos não é representação real das
coisas: (...). É, pois do fundo misterioso da natureza, que procede isso, que
chamamos anarquia e não passa de estado de luta perene de cada indivíduo contra
todos para sobrepujar as circunstâncias e encontrar melhor adaptação. O Estado
anárquico é, brevemente, uma sociedade, em que o governo, como órgão coletivo,
não tem autoridade, e o indivíduo é a força impetrante, a pulso ou com o terror
fetichista, de qualquer ordem e sob qualquer forma.
146
Os anarquistas não foram os únicos a influenciar o proletariado que nascia no Brasil.
Muitos sindicatos – em particular no Rio de Janeiro, onde era grande a presença de indivíduos
145
Ver, ADOOR, Carlos A. Op. Cit.
146
Ver, ‘Socialismo e a Questão Operária no Brasil’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1917, p. 02.
61
da camada média em empresas de serviço e menor número de imigrantes europeus –
dispunha-se a colaborar com os governos da República, em troca do atendimento de pequenas
reivindicações.
O proletariado brasileiro até 1920, em sua maioria, tinha a base de sua origem no
funcionalismo público, nos ferroviários e nos portuários. Apenas uma minoria ocupava
espaços ditos “industriais”, que eram formados por operários manufatureiros, artesãos
assalariados. Assim, o predomínio da ideologia anarquista ou anarcosindicalista se mostrava
muito forte. O anarquismo, ideologia típica do artesanato, proletariado e autônomo, era o
oposto da ideologia socialista, predominante na maioria do proletariado industrial, a partir dos
anos de 1930.
Ao longo dos primeiros 20 (vinte) anos do século XX, em vários Estados brasileiros,
o movimento grevista se intensificou. Na capital carioca foram registradas mais de 84 (oitenta
e quatro) greves. Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, grupos de chapeleiros, tecelões,
sapateiros, estivadores, ferroviários, condutores de bondes, pedreiros, carpinteiros, outros
operários realizaram greves durante esse período.
Quando os operários paulistas, acossados pela fome se lançaram destemidamente
na luta contra a matula burguesa que suga o sangue do povo, todo o operariado
brasileiro se pôs incondicionalmente ao lado dos seus irmãos de trabalho, fazendo
votos pela vitória de sua causa, que também é dele. Levado de vencida o
capitalismo paulistano, apesar das atrocidades canibalescas acometidas pelos
janizaros de S. Paulo, os operários cariocas encorajados pelo sucesso desse
movimento sem precedentes na história do operariado brasileiro, resolveu também
apelar para a greve, para porem um freio à ganância dos açambarca dores de
gêneros alimentícios e à baixa dos salários que se acentuava de uma maneira
assustadora em diversas classes. Na capital da República, a polícia não só imitou,
mas até excedeu a sua sanguinária companheira paulista, fechando sedes de
associações e prendendo em massa os trabalhadores pacíficos, que apenas pediam
justiça.
A diretoria da Associação Gráfica do Rio de Janeiro entendeu que a classe gráfica
não podia ficar indiferente à luta que se feria entre os operários e os capitalistas
gananciosos, e que se apresentava um momento oportuno para os gráficos
reclamarem não só contra a baixa dos salários feita pelos industriais, mas ainda
contra outros abusos que a classe vem sofrendo.
147
Foi em São Paulo, no ano de 1917, que eclodiu o maior movimento grevista da
história da Primeira República. Nesse Estado, a maioria dos operários empregava-se nas
indústrias de alimentos localizadas nos bairros da Mooca, Bom Retiro, no Brás e na Barra
Funda, onde também moravam. Em julho, houve uma greve geral que se prolongou por vários
147
Ver, ‘No Combate’, In: O Graphico, RJ, 01/08/1917, p. 01.
62
dias
148
. Esta foi dirigida por anarquistas e contou com a prisão de vários operários e o uso da
violência policial foi à marca principal do protesto.
Quando os operários paulistas, acossados pela fome se lançaram destemidamente
na luta contra a matula burguesa que suga o sangue do povo, todo o operariado
brasileiro se pôs incondicionalmente ao lado dos seus irmãos de trabalho, fazendo
votos pela vitória de sua causa, que também é dele. Levado de vencida o
capitalismo paulistano, apesar das atrocidades canibalescas acometidas pelos
janizaros de S. Paulo, os operários cariocas encorajados pelo sucesso desse
movimento sem precedentes na história do operariado brasileiro, resolveram
também apelar para a greve, para porem um freio à ganância dos açambarca dores
de gêneros alimentícios e à baixa dos salários que se acentuava de uma maneira
assustadora em diversas classes. Na capital da República, a polícia não só imitou,
mas até excedeu a sua sanguinária companheira paulista, fechando sedes de
associações e prendendo em massa os trabalhadores pacíficos, que apenas pediam
justiça.
A diretoria da Associação Gráfica do Rio de Janeiro entendeu que a classe gráfica
não podia ficar indiferente à luta que se feria entre os operários e os capitalistas
gananciosos, e que se apresentava um momento oportuno para os gráficos
reclamarem não só contra a baixa dos salários feita pelos industriais, mas ainda
contra outros abusos que a classe vem sofrendo.
149
No Rio de Janeiro o quadro não era muito diferente. Para que a ação dos operários
fosse eficaz a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ)
150
, passou a divulgar a
necessidade desses homens se organizarem entorno de associações e sindicatos. A cidade
vivia um clima de tensão muito grande devido à carestia e a brutal repressão instituída pelo
Estado contra as manifestações operárias. A morte de vários operários da construção civil em
junho de 1917 só veio agravar ainda mais essa situação. O referido incidente foi noticiado
com destaque pelo jornal dos tipógrafos, com o objetivo de alertar a falta de atenção e
cuidados sofrida pelos operários de uma forma geral:
Recebemos da União Geral da Construção Civil, o seguinte ofício:
“Ao companheiro presidente e mais diretores da Associação Gráfica do Rio de
Janeiro:
Companheiros:
Na impossibilidade de vos participar a tempo o saimento fúnebre dos nossos
companheiros, vítimas da catástrofe do York –Hotel, pois que, o sr. Chefe de
polícia só tardiamente nos marcou a hora da saída, impossibilitou-nos de oficiar a
tempo, às associações co-irmãs, o que sinceramente nos desculpe.
Levamos mais ao vosso conhecimento, que tendo sido levada a resolução por vós
tomada, ao conhecimento da assembléia extraordinária, ficou por unanimidade
148
Ver, FAUSTO, Boris. Op. cit, pp. 192-211.
149
Ver, ‘No Combate’, In: O Graphico, RJ, 01/08/1917, p. 01.
150
Sobre a Federação Operária do Rio de Janeiro, ver, CRUZ, Maria Cecília Velasco. Amarelo e negro: matizes
do comportamento operário na República Velha. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1981.
63
aprovado consignar em ata um voto de louvor à Associação que dignamente
presido.
(...)
A diretoria da Associação Gráfica do Rio de Janeiro, antes de receber este ofício, já
tinha trocado impressões sobre a melhor maneira de socorrer as famílias dos nossos
irmãos de trabalho imolados à ganância capitalista com o consentimento tácito das
autoridades prevaricadoras, esperando apenas a reunião conjunta da diretoria com
os delegados das oficinas, para tomar uma resolução definitiva.
151
O final do ano de 1917, também foi marcado pelas greves dos tipógrafos cariocas,
que aproveitavam as páginas de O GRAPHICO para revelarem os maus tratos e as
explorações sofridas pelos operários em várias tipografias.
A classe gráfica do Rio de Janeiro, esgotados os meios suasorios para resolver a
questão surgida entre ela e os proprietários dos estabelecimentos gráficos, resolveu,
em assembléia geral, iniciar a greve parcial contra os industriais gráficos
gananciosos, começando pela Casa Pimenta de Melo & C.
Avisamos, para os devidos efeitos, todos os trabalhadores gráficos para que não
vão trabalhar nesse antro de exploração.
É com fatos que devemos demonstrar aos industriais que não estamos dispostos a
aceitar a escravidão abjeta que eles nos querem impor.
Que nenhum gráfico vá trabalhar na Casa Pimenta de Melo & C., que nenhum
gráfico se rebaixe ao ponto de atraiçoar os seus irmãos de trabalho, porque essa
traição será castigada como uma afronta infame à nossa dignidade de homens de
pais e de cidadãos de uma terra livre.
Lembrai-vos, colegas, que está em jogo a nossa liberdade e a dos entres que nos
são queridos, que morrem de fome devido aos baixos salários que auferem os
chefes de família que trabalham na indústria do livro e do jornal.
Escolhemos, pois, nesta hora dolorosa para a grande família gráfica, os dois
caminhos que se abrem ante nossos olhos: o da liberdade, que nos dá a
independência e nos dignifica, ou o da escravidão que nos torna indignos, perante
nós mesmos, perante os nossos filhos e perante o operariado brasileiro.
A Associação Gráfica do Rio de Janeiro espera que todos os trabalhadores do livro
e do jornal saibam cumprir os seus deveres.
152
Ao longo do ano de 1918, devido a repercussão dos ideais da Revolução Russa e do
movimento de criação da Aliança Anarquista no Distrito Federal, cresce o processo de
mobilização operária e de organizações sindicais
153
. Em maio, o governo proíbe as
comemorações pelo dia do trabalho, mas mesmo assim algumas associações saem às ruas. O
aumento da carestia continua sendo um dos principais elementos de reivindicação desses
operários. Durante os meses de julho e agosto, eclodem várias greves no Rio de Janeiro, nesse
momento os boatos de uma greve geral ganham contornos ainda mais fortes.
151
Ver, ‘A Catástrophe do York-Hotel’, In: O Graphico, RJ, 16/06/1917, p. 01.
152
Ver, ‘A’ Classe Graphica do Rio de Janeiro’, In: O Graphico, RJ, 01/09/1917, p. 01.
153
Ver, ADDOR, Carlos A. Op. Cit.
64
Os artigos do jornal O GRAPHICO, de junho de 1917, falam da tragédia ocorrida com os operários da
construção civil e da maneira que os trabalhadores eram tratados.
65
O mês de novembro chega a capital trazendo em si, o fim da Primeira Guerra
Mundial, a vitória dos proletariados alemães e um misto de paz social se espalha pelas ruas da
cidade no momento das comemorações pelo fim da guerra. Mas por um outro lado, a tensão e
a angústia rondavam e no dia 18 de novembro ocorre à paralisação dos operários têxteis, que
recebe apoio de outros grupos do mesmo ramo de fora da cidade do Rio de Janeiro e dos
operários da construção civil e metalúrgicos. O objetivo desses homens era ver concretizados
os ideais de liberdades, previamente preconizados no início da República.
Os operários brasileiros utilizaram-se dos direitos civis e políticos nas suas lutas
reivindicatórias. Criaram associações e sindicatos, realizaram greves, boicotaram e fizeram
campanhas políticas contra vários representantes do governo aos quais, para eles, eram
indignos de representarem o povo brasileiro.
A greve dos gráficos trouxe também uma revitalização da categoria, que por não ter
se engajado desde o início do movimento grevista, passou a ser desconsiderada pelos outros
grupos de operários. Através de seus artigos, os tipógrafos cariocas explicam as causas da sua
não adesão imediata ao movimento grevista.
A classe gráfica, até há pouco considerada no meio do operariado brasileiro como
uma classe egoísta, com quem não se podia contar para a luta emancipadora contra
o capitalismo opressor, acaba de reabilitar-se desse mau conceito com que seu
último movimento reivindicador, que veio demonstrar de uma maneira concreta e
brilhantíssima, que a coletividade gráfica é hoje uma força pujante, apta a realizar
todas as suas generosas aspirações, e a assumir o lugar, que de direito lhe compete,
na vanguarda do operariado nacional.
O movimento gráfico de 28 de agosto, o primeiro que a classe fez no Rio de
Janeiro, não podia ser um movimento de grande envergadura, devido a
circunstâncias varas, entre as quais predomina a ausência, quase completa, do
espírito de luta, espírito esses que não se improvisa, mas que se adquire aos
poucos, nos conflitos travados entre dois inimigos seculares e irredutíveis: capital e
trabalho.
154
Esse e outros artigos foram, ao longo dos meses de setembro e outubro, sendo
publicados, numa tentativa de mostrar que os gráficos desejavam que houvesse uma maior
união entre os membros não apenas de sua categoria como de todos os segmentos operários.
Por muitas vezes os operários se sentiam e se viam como escravos, privados de sua
liberdade, de sua independência moral, vendendo seu trabalho por um salário indigno e vendo
sua dignidade e seus direitos postos de lado, como está descrito abaixo:
154
Ver, ‘O Primeiro Embate’, In: O Graphico, RJ, 16/09/1917, p. 01.
66
Chegando a esta capital no dia 2 de junho p.p., e pegando casualmente no Jornal do
Brasil, deparei nele com um azarento anúncio de impressor, que na atual
emergência a nova Sapucaia a muito anunciava, e eu, como não era ainda sabedor
da exploração que existia na dita, tirei-me dos meus cuidados e fui até ao horrendo
estabelecimento. Logo de princípio comecei sendo explorado pelo tal burguês, que,
pela sua esperteza, não firmou o meu salário, e por eu ter entrado às 9 horas, me
descontou $500 pela hora que entrei mais tarde, isto é, por não ter perdido a hora
de entrada, e sim por causa do tal gerente do balcão, porque quando eu procurei
entender-me com ele, o mesmo me mandou voltar às horas acima indicada.
Comecei então a trabalhar e logo conheci que havia dificuldade em tudo,
começando pela impertinência do sr. Olimpio de Campos e terminando pelo seu
péssimo material.
155
Vastas foram as denúncias feitas nos artigos de O GRAPHICO contra a qualidade
dos locais de trabalho, como também das máquinas e dos demais recursos usados na
confecção de jornais, livros e revistas, principalmente nas pequenas oficinas onde a escassez
dos mesmos era constante. O resultado final terminava por ser um enorme prejuízo tanto para
o industrial, que percebia a diminuição do seu lucro, mas, principalmente, para os operários
que além de ter um grande desgaste físico e de tempo de serviço, ainda viam os seus salários
sofrerem descontos por não manterem o mesmo nível de produtividade imposto pelo patrão.
Reveladores um quadro de tristeza, abandono e humilhação sofridos por homens,
mulheres e crianças em seus locais de trabalho, os artigos publicados no jornal apontam as
péssimas condições de higiene das oficinas; doenças como a tuberculose, também conhecida
como peste branca, era disseminada. A exploração intensa transformava essas pessoas em
seres tristonhos, cansados e portadores de sérios males físicos e psicológicos.
Não há espetáculo mais curioso que o assistir apitar “as fábricas”, chamando o
“pessoal operário” ao trabalho. O observador “paciente”, pode aí fazer uma “escola
de aprendizagem moral”.
(...). Limita-se a ver, ouvir e... registrar. É o que fazemos em benefício de pobres
moças, que se asfixiam no ar viciado das máquinas, respirando, muita vez, o ar de
companheiras “fracas dos pulmões”, obrigadas a tossir com a poeira dos farrapos.
Saindo para as refeições com a chuva a cântaros, com o sol a pino. Resfriam-se,
adoecem. Venham sempre ao banco da luta, até que, um dia, ou o hospital as
recebe, ou, num catre de uma pocilga, enregeladas num chalé esburacado,
entregam a alma a Deus, que as havia feito nascer para a Vida e para o Amor! (...).
É o homem que precisa de condições de higiene para respirar. É a mulher que
precisa de proteção para viver. É a criança, que implora o “carinho social”, para se
educar.
156
155
Ver, ‘Uma Nova Sapucaia’, In: O Graphico, RJ, 16/08/1917, p. 03.
156
Ver, ‘Para Que os Collegas Leiam e Meditem’, In: O Graphico, RJ, 01/08/1916, p. 02.
67
O GRAPHICO de 16 de agosto de 1917, que fala da greve dos gráficos cariocas
68
2.1.2) O trabalho infantil e feminino - um rápido olhar
Com relação às crianças, que por terem que engrossar a renda familiar, eram postas
para trabalhar desde cedo, a violência não era menor e/ou pior. A questão da escolarização,
por vezes deixada de lado, fez com que muitas delas se tornassem adultos autodidatas, já que
através do seu esforço, terminavam se educando a partir da leitura de jornais e livros, ou
freqüentando cursos noturnos livres, aprendendo a ler e escrever.
Era fácil de perceber nos artigos do jornal que a introdução da mão de obra infantil
nas tipografias resultava em fortes atritos entre mestres e aprendizes. Era muito comum se ver
um operário adulto sendo substituído por um jovem aprendiz, que ganhava a metade do
salário de um oficial e trabalhava a mesma quantidade de horas, e o pior sem ter a mesma
especialização.
Inúmeras denúncias de abuso de autoridade em relação ao trabalho infantil foram
feitas pelos tipógrafos em seus jornais onde, por muitas das vezes, os patrões eram descritos
como exploradores que enriqueciam e viviam à custa do sacrifício de milhares de crianças,
mulheres e homens, a quem destinavam a mínima parte do seu merecido e real valor, além de
tirar-lhes a dignidade e a humanidade, impondo-lhes condições de trabalho indignas. Por isso,
para esses homens, todos os operários necessitavam lutar para destruir essa situação
insustentável.
"Sebos e freges onde se procura imitar a arte tipográfica, com grande prejuízo da
estética e a competente exploração de menores, há os em quantidade infelizmente
bastante numerosa, e assim, esses menores que mal sabem as primeiras letras do
alfabeto, e, na generalidade, muito menos gramática, são atirados em oficinas sem
luz nem espaço, verdadeiras furnas, onde a tuberculose distrói o organismo, e a
educação é a pior possível pois há patrões que chamam os operários por nomes
obscenos, e indignos de ser proferidos em um lugar onde se pratica o trabalho; apar
de tudo isso que aprendizagem podem Ter esses menores?"
157
Crianças, com menos de 10 (dez) anos de idade e quase sempre analfabetas, eram
postas para trabalhar em lugares impregnados por ratos e focos de várias doenças,
principalmente a tuberculose. Na maioria das vezes, as atividades requeriam uma força física
a qual eles não tinham. Quase sempre lhes eram dadas responsabilidades como a manutenção
das máquinas ou controle de materiais em geral, coisa que não competia às crianças, que
pouco se alimentavam e mal dormiam, pois trabalhavam, quase sempre, longe de suas casas.
157
Ver, 'Carapuças'. In: O Graphico, RJ, 15/03/1916, p. 03.
69
Eram comuns os maus tratos e os tratamentos verbais obscenos que terminavam sendo
proferidos pelos patrões e gerentes das fábricas e das oficinas a essas crianças.
O principal fator para as famílias utilizarem-se de suas crianças, para engrossar a
renda familiar, estava na miséria que assolava a população de uma forma geral. Por vezes, os
pais encontravam-se desempregados, e a única solução era colocar seus filhos para trabalhar
mesmo recebendo menos da metade do salário de um adulto.
Após a regulamentação da lei do trabalho dos menores
158
, a Associação Tipográfica,
através do jornal O Graphico, deflagrou a idéia de não apenas alertar como também de
denunciar todo e qualquer tipo de exploração feito não apenas nas tipografias como também
nas fábricas e nos demais estabelecimentos industriais da cidade do Rio de Janeiro.
É necessário que façamos cumprir a lei sobre o trabalho dos menores, não só
porque ela é profundamente humanitária, e vem contribuir grandemente para elevar
o nível moral das classes trabalhadoras, mas também porque é a primeira lei
decretada no Brasil, em que aos operários é dado o direito de fiscalizar o seu
cumprimento.
159
Assim, além de fiscalizarem o cumprimento da lei do trabalho do menor, os gráficos
também passam a questionar as causas que levaram pais e maridos a permitirem que suas
esposas e filhas trabalharem, tanto nas fábricas quanto nas oficinas tipográficas, nos artigos do
O GRAPHICO isso estava relacionado a uma desordem social. O jornal passa, então, a
ressaltar o estado de penúria em que as famílias operárias se encontravam.
É notório que o sistema capitalista trouxe um aumento da riqueza do país, mas o
preço pago pelo povo foi extremamente alto, pois quebrou com os laços familiares e da
sociedade no momento que privou o marido e os filhos dos cuidados e da educação
despendidas por essas mulheres e mães. A casa deixa de ser um lar e as crianças cresciam,
muitas das vezes, sem cultura e descuidadas.
A mulher já não é a esposa terna, a companheira, a amiga do homem, é o seu
camarada de trabalho e de pena; está exposta às influências que muitas vezes
destroem essa modéstia de pensamento e de conduta que é uma das melhores
salvaguardas da virtude. Sem critério e sem princípios sólidos para guiá-las, as
raparigas das fábricas adquirem depressa sentimento de independência. Prontas a
sacudir o jogo imposto pelos pais, abandonam as casas, e em pouco tempo se
iniciam nos vícios das suas companheiras. A atmosfera física e moral em que
vivem estimulam os seus apetites maus; a influência faz-se contagiosa entre elas; o
mal se propaga por todos os lados.
160
158
De acordo com o jornal a lei que regulamentava o trabalho dos menores entrou em vigor no dia 25 de agosto
de 1917, Ver, ‘O Trabalho dos Menores’, In: O Graphico, RJ, 01/09/1917, p. 02.
159
Ver, ‘O Trabalho dos Menores’, In: O Graphico, RJ, 01/11/1917, p. 01.
160
Ver, ‘O Trabalho Feminino’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1919, p. 03.
70
A exploração do trabalho feminino tanto nas oficinas quanto nas fábricas resultou em
grandes vantagens para os industriais, contudo foi extremamente prejudicial à sociedade de
um modo geral, agravando mais ainda a condição de miséria existente.
Um exemplo do tipo de reação do jornal ao estado de exploração da mulher é dado
em dezembro de 1917 com uma reportagem acerca do protesto de um grupo de costureiras,
que endereçaram ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro um documento, onde elas pediam a
redução das horas de trabalho e algumas regalias.
Com base nessa afirmação os tipógrafos terminam por clamar a necessidade de se
implementar definitivamente uma legislação que regulamentasse . Entre elas, eles destacam a
apresentada pelo intendente Ernesto Garcez
161
, que tinha como objetivo a melhoria das
condições de trabalho das mulheres.
Na verdade, o trabalho feminino, tal como se exerce entre nós, é verdadeiramente
inquisitorial e mesmo brutal, isto no que diz respeito à produção.
Se passarmos a examinar os salários estabelecidos para o trabalho feminino no
nosso país, vemos que a mais intensa e abjeta exploração é exercida pelo
industrialismo, seja de qual ramo for, sobre o trabalho das nossas companheiras.
Diversas leis têm sido apresentadas tendendo a melhorar a situação da mulher
operária entre nós, mas vão dormir, invariavelmente, o sono dos justos, nos
arquivos parlamentares municipais, e quando são aprovadas não se cumprem, como
está acontecendo com a lei do intendente Ernesto Garcez.
162
Na tentativa de dar esclarecimento sobre o papel da mulher na sociedade na apenas
aos homens, mas também às próprias mulheres operárias, no mês de outubro do ano de 1916,
surge uma nova coluna no jornal O GRAPHICO intitulada “Palestras Íntimas”
163
, escritas por
uma colaboradora do jornal, que preferiu adotar o pseudônimo de Edina Fontoura
164
. Os
artigos, de uma forma geral, tratavam de aspectos do cotidiano operário, mas sua ênfase
estava na condição da mulher operária. Abordava questões como a carestia e as formas como
as operárias poderiam economizar, evitando gastos desnecessários e fúteis, e também de
assuntos ligados a higiene e a educação das crianças.
Ressaltava, também, a necessidade de existir uma fiscalização mais rigorosa dentro
das fábricas e das oficinas com o objetivo de garantir que as mulheres não sofressem maus
tratos.
161
A única informação obtida acerca do sr. Ernesto Garcez foi a da sua participação junto ao conselho Municipal
do Rio de Janeiro no início do século XX.
www.alerj.rj.gov.br.
162
Ver, ‘Reclamações Femininas’, In: O Graphico, RJ, 01/02/1917, p. 03.
163
Cabe aqui ressaltar que a publicação desses artigos vai de outubro de 1916 até março de 1917.
164
O próprio jornal nos esclarecer que o nome adotado pela autora é um codinome, o que nãonos permite uma
busca acerca de quem foi essa mulher.
71
Em seus últimos artigos, Edina Fontoura transcreve a Conferência feita em 01 de
maio de 1916, por uma professora de Sergipe – Ítala Silva de Oliveira
165
- intitulada A
Educação da Mulher Operária. Em seu discurso, ela destaca a necessidade das mulheres
receberem instrução.
Eduque-se, pois, a mulher, porque “A liberdade do povo, a felicidade do povo,,
pela cultura do povo, não pode ser conseguida por meio da instrução parcial
ministrada a um só sexo”.
Enquanto a mulher não se instruir para viver independente, enquanto ela procurar
um marido, não como amigo e companheiro, mas sim como um arrimo, essa
pequena guerra latente entre os casais e que tantas infelicidades trás, não se
extinguirá.
Desde já, pois, torna-se mister que todos vós operários e lutadores do progresso,
que aqui vos achas, vos procureis instruir.
(...)
Ouvi, pois o meu apelo: Mulheres de minha terra: uni-vos todas sem distinção de
classe; formai cada uma de vós em vossos lares aguerrida campanha contra o
analfabetismo e salveis o nosso Brasil.
166
Através da leitura dos artigos do jornal, pode-se perceber que durante os 20 (vinte)
primeiros anos do século XX as conquistas dos trabalhadores brasileiros foram poucas. A
forte carestia fazia com que os ganhos salariais não acompanhassem os aumentos dos preços
dos aluguéis e dos alimentos. Inúmeras leis que beneficiavam os trabalhadores, de uma forma
geral, não saíram do papel. Questões trabalhistas ligadas à invalidez, ao trabalho feminino e
infantil pouco foram respeitados pelos patrões, é o caso da lei de 1917, que determinava que a
jornada do trabalho infantil fosse de 05 (cinco) horas e que o aprendiz precisava estar
estudando e portar atestado médico terminou sendo posta de lado. No ano de 1918 iniciam-se
as votações na Câmara dos Deputados com relação ao Código de Trabalho brasileiro.
A comissão nomeada em sessão de diretoria para tratar junto dos poderes
competentes da momentosa questão da higiene das oficinas gráficas, entregou ao
secretário do sr. Prefeito, o seguinte memorial, no qual são pedidas enérgicas
providências ao poder municipal contra a falta de cumprimento dos regulamentos
sob sua alçada, falta esta que torna os estabelecimentos gráficos da primeira cidade
da República, em verdadeiros antros inquisitoriais, onde os trabalhadores do livro e
do jornal perdem lentamente a vida para que os industriais gananciosos possam
enriquecer rapidamente.
167
Os pais da pátria andam agora às voltas com um formidável trambolho; e têm
suado a valer para pôr fora do parlamento, o mais depressa possível, porque o
brutinho já está em estado de putrefação, e começa a emprestar o sagrado âmbito
165
Nasceu em Sergipe no ano de 1897, onde se formou em professora e médica. Militou no meio jornalístico,
escrevendo para vários jornais sergipanos.
www.biografias.netsaber.com.br
166
Ver, ‘Palestras Íntimas’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1917, p. 02.
167
Ver, ‘Pro Graphicos’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1917, p. 02.
72
onde os cérebros geniais dos eleitos do povo concebem e dão à luz os grandiosos
projetos, que tem posto o povo brasileiro a pão e laranja.
(...)
O bicharoco que tantos engulhos tem causado no mundo político da nossa terra é o
ultra famoso Código do Trabalho, uma espécie de ratoeira para apanhar os votos
dos operários broncos e papalvos, que ainda conservam a suprema ingenuidade de
acreditar que o Estado é capaz de fazer alguma coisa em benefício dos
trabalhadores, não se lembrando que ele é o representante daqueles que nos
oprimem.
168
O GRAPHICO de 16 de janeiro de 1917, com um artigo escrito por Edina Fontoura
168
Ver, ‘Código do Trabalho’, In: O Graphico, RJ, 01/08/1918, p. 01.
73
2.1.3) O 1º de Maio: o significado da data
A Federação dos Trabalhadores dos Estados Unidos e Canadá, reunida num
congresso em Chicago, em 1884, deliberou votar a greve geral no dia 1º de Maio
de 1886 para a conquista da jornada de oito horas. Chegando esse dia produz-se o
formidável movimento, e a polícia atropela, mata e fere muitos grevistas. No dia 4
quando um pelotão de três gendarmes ataca os operários, que na praça Halmarkel
(Chicago) protestam contra as violências da autoridade, estala uma bomba nomeio
deles. Porém os furos canibalesco dos policiais republicanos, afirma-se
barbaramente, fuzilando a esmo. Mais de oitenta populares encontraram a morte
nas mãos daquela horda de bandidos assalariados pelos dominantes da república.
(...).
(...), e o 1º de Maio ganhou corpo e vida no meio das massas, como um dia de luto
e de revolta.
(...).
O 1º de Maio, data duma greve formidabilíssima e dum crime horrível foi
consagrado, permita-se-nos o termo, pelo proletariado universal. Em todos os
países ao chegar esse dia, o protesto grandioso aterrava a burguesia traiçoeira até
que em 1889 (três anos depois) num congresso socialista realizado em Paris, se
resolveu que o 1º de Maio constituísse a festa dos trabalhadores, não sabemos se
para tirar o terror aos capitalistas, se para fazer oposição ao protesto revolucionário
que aumentava de ano em ano. Naturalmente deviam ser ambas as coisas.
169
Dentre todas as datas presentes no calendário de festa dos trabalhadores, 1º de Maio
era a mais esperada e a que recebia uma suntuosa comemoração
170
. Para tal alugavam-se
salões onde havia recitais de poesia, conferências com pessoas ilustres da sociedade, bandas,
peças teatrais, bailes familiares, entre outros eventos sociais, que congregavam operários de
diferentes categorias num mesmo espaço
171
. Em si, ela possuía um caráter universal, pois
conseguia ultrapassar os limites impostos tanto pelas as associações e como pelos locais de
trabalho. Momento, que o mais importante era o todo, ou seja, o conjunto do operariado.
No Brasil a sua comemoração iniciou-se após a Proclamação da República, para
muitos a primeira comemoração desta data teve como marco o ano de 1891, na capital, o Rio
de Janeiro. A partir de 1910, as comemorações do 1º de Maio são abertas ao público,
realizadas em parques, cujo objetivo era atrair a atenção da população em geral.
Essas comemorações fortaleceram a luta pelos direitos dos trabalhadores,
principalmente com relação à jornada de oito horas semanais de serviço. A força dessa data se
manifestou também na introdução de símbolos e códigos de origens européias, como a
169
Ver, ‘O 1º de Maio’, In: O Graphico, 01/05/1916, p. 01.
170
Ver, BATALHA, Cláudio. Culturas de Classe. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2004, p. 103, onde o autor cita
as seguintes datas comemoradas pelos trabalhadores: 18 de Março – aniversário da Comuna de Paris, 14 de
julho, a queda da Bastilha e a Revolução Francesa, o 15 de novembro, aniversário da morte do educador catalão
Francisco Ferrer y Guardiã.
171
Ver, VITORINO, Artur José Renda. Op.cit., p. 108.
74
bandeira vermelha, o hino da Internacional, o globo terrestre, as duas mãos em cumprimento,
entre outros símbolos passavam a figurar nos estandartes das associações
172
.
O dia do trabalhador não era apenas de comemoração. Mas inúmeras divergências
entre os anarquistas e socialistas surgiam com relação à maneira de se lembrar essa data. Da
sobriedade dos anarquistas até as grandes comemorações dos socialistas, muita coisa mudou.
Com as mudanças na organização dos sindicatos das associações, o caráter das comemorações
também sofreu uma alteração. As mais variadas manifestações mudam a função do 1º de
Maio, entre eles a discussão do significado da data que passava pela memória dos
acontecimentos de 1886 em Chicago, e que por isso os primeiros terminavam por condenar os
socialistas e os sindicalistas reformistas
173
.
Foi, sem dúvida, o grande comício verificado em 1º de Maio o acontecimento mais
assombroso, de quanto se têm verificado na história do operariado brasileiro.
Quer como demonstração de solidariedade, quer como valor de organização, a
ninguém de boa fé podem restar dúvidas sobre sua significação, sobre o seu valor.
Como fator social o elemento proletário no Brasil vai-se acentuando de uma
maneira positiva e para nós simpáticos.
A convergência voluntária que levou à Praça Mauá para mais de (sem otimismo)
50.000 trabalhadores de múltiplas profissões; a ocorrência de tantas associações a
esse local num desejo espontâneo de comemorar a trágica data dos lutuosos
acontecimentos de 1886 em Chicago; a repulsa positiva e eloquentemente
manifesta à tendência maliciosa da burguesia de querer mistificar a significação da
nossa comemoração, transformando-a em festa e a ela se associando; o aplauso
incondicional, trepitoso, unânime, fragoroso, empolgante e arrebatador da massa
popular aos diversos oradores, todos mais ou menos dentro dos princípios
comunista-anarquistas; o desejo manifestado pelos assistentes de penetrar fundo na
significação e valor dos termos empregados e nas idéias externadas pelos oradores;
tudo isto são provas eloqüentes, berrantes, insofismáveis de que os trabalhadores
desejam, aspiram e crêem uma melhor organização social.
174
Um tratamento, quase religioso, era frequentemente dado pelos operários às
comemorações desse dia. Com toda a sua família, esses homens e mulheres trajavam-se com
as suas melhores roupas para participarem dos festejos, onde as diferentes sociedades
operárias desfilavam com seus estandartes e carros alegóricos. Símbolos referentes às lutas
dos trabalhadores e outros objetos que lembrassem as lutas operárias faziam parte da grande
confraternização
175
.
172
Ver, BATALHA, Cláudio. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
173
Ver, HOBSBAWM, E. Op.cit., onde o autor ressalta a extrema valorização do massacre de 1886 em Chicago
nos países latino-americanos.
174
Ver, ‘Estupendo’, In: O Graphico, RJ, 15/06/1919, p.02.
175
Ver, BATALHA, Cláudio. Cultura de classes. pp. 109/110, onde o autor comenta: “Ademais, as semelhanças
entre a celebração do 1º de Maio e o catolicismo não se limitam às imagens evocadas no discurso. A própria
organização dos cortejos do 1º de Maio, tanto no Brasil como em Portugal, reproduz de perto a estrutura das
procissões do século XIX e de certas festas do catolicismo popular nos dois países”.
75
O GRAPHICO de 1 de julho de 1919 relatando a festa do 1º de Maio na Quinta da Boa Vista
76
Tudo isso não era ignorado pelos anarquistas, que terminavam culpando os
socialistas por quererem dar ares de festas burguesas às comemorações, como é descrito nas
páginas de O GRAPHICO.
Alguns operários desconhecedores, de certo, da origem do 1º de Maio,
transformaram a data de hoje numa espécie de carnaval, vindo por vezes formar
cortejos cariocas, precedidos de músicas, desfraldando bandeiras e pendões com
gáudio da burguesia, que vê, satisfeita, transformar-se uma comemoração
puramente revolucionária que outrora os intimidava, numa deslavada bombachata,
repudiando altivamente pelo proletariado digno e conhecedor dos seus deveres
revolucionários.
O 1º de Maio representa, a nosso ver, um paco enérgico e de repulsa contra o
regime da violência e da tirania, que esmaga as classes proletizianas, que de mãos
dadas com o Estado e com a religião governa e submete pelo embrutecimento
sistemático das massas milhões de trabalhadores a uma escravatura indigna e
incompatível com a dignidade humana e com o grão de desenvolvimento científico
que atingiu a época presente.
176
Na tentativa de mobilizar os operários cariocas em prol do fim da 1ª Guerra Mundial,
foi publicado no jornal O GRAPHICO de julho de 1916, um artigo intitulado “O Homem”.
Nesse, transcreveu-se trechos de um manifesto distribuído em Berlim, na Alemanha, durante
as comemorações do 1º de Maio. Aí, os trabalhadores indignados, cansados e preocupados
com a situação de miséria que passava o operário não apenas da Europa, como também da
África e da América, por causa da guerra instituída pelo egoísmo de uns poucos pedem que
todos se unam para lutar contra ela.
A pobreza, a miséria atroz, a privação do necessário, como a fome mais negra
evidente na Alemanha. A Bélgica, a Polônia e a Sérvia, cujo sangue é sugado pelo
vampiro do militarismo germânico, assemelham-se a grandes cemitérios. O mundo
inteiro, a civilização européia, tão elogiada, cai em ruínas, na anarquia implantada
pela guerra mundial.
Nada indica o fim próximo desta orgia sanguinária; pelo contrário, ela estende-se
cada vez mais. É possível que amanhã a carnificina dos povos ganhe novos países,
novas partes do mundo. Aqueles que da guerra tiram lucros impelem a Alemanha
contra os Estados Unidos. É possível que amanhã nos forcem a apontar arma
mortífera contra nossos companheiros de trabalho e de lutas na América...
Pensais nisto: enquanto o povo alemão não se manifestar, o assassinato dos povos
não terminará.
Trabalhadores, companheiros, e vós mulheres do povo, não deixeis passar esta
segunda festa de Maio sem lhe dar o caráter de uma manifestação de protesto
contra a carnificina imperialista.
No 1º de Maio, que milhões de vozes gritem: “Abaixo o crime vergonhoso da
exterminação dos povos! Abaixo os seus autores responsáveis!” O nosso inimigo
não é o povo inglês, russo e francês, mas os grandes proprietários de terras da
Alemanha, os capitalistas alemães e o seu “comitê” executivo.
177
176
Ver, ‘O 1º de Maio’, In: O Graphico, RJ, 01/05/1918, p. 01.
177
Ver, ‘Um Homem’, In: O Graphico, RJ, 15/07/1916, p. 01.
77
Em Maio de 1919, houve um grande protesto de várias categorias operárias no Rio
de Janeiro durante a realização dos festejos do dia do trabalhador. A causa mais aparente para
essa manifestação foi a última greve dos tecees, quando o uso da violência por parte das
autoridades e a prisão de muitos manifestantes se fizeram presentes na figura da polícia
carioca e relatadas nas páginas do jornal.
Todas as classes operárias desta Capital, por meio de seus sindicatos, declararam a
paralisação no dia 1º de Maio, gesto revolucionário que a burguesia procurou
atenuar declarando que não abririam as sua oficinas como homenagem A FESTA
DO TRABALHO, havendo até quem prometesse remunerar o dia perdido... Mas
esta generosidade, que só ludibriou os incautos, não conseguiu o mesmo com o
operariado consciente, que respondeu aos burgueses com as exclamações mais
revolucionárias proferidas durante a passeata e perante os automóveis policiais,
cujas autoridades pela primeira vez assistiram a tal ato de rebeldia..., sem os
poderem repelir!...
178
Em meio às comemorações, vários discursos calorosos de vivas à Revolução Russa,
ao Comunismo e a menção de figuras como Lênin e outros membros ilustres dos soviets
foram ouvidos e aplaudidos.
Uma outra manifestação inconfundível nos trouxe este 1º de Maio: os discursos
pronunciados pelos diversos oradores, os vivas à Rússia livre, à Baviera, ao
comunismo, a Lenine e às figuras mais proeminentes dos diversos soviets
existentes provaram evidentemente a repulsa do nosso operariado, representado
nessa manifestação por mais de 50.000 pessoas, à panacéia política com que lhe
apontam aqueles que querem perpetuar o atual estado de coisas com a simples
mudança de rotulagem em que os processos de exploração do homem pelo homem
continuarão com pequenas modificações que jamais resolveram o grande problema
da humanidade: - De cada um, segundo as suas forças e a cada qual, segundo as
suas necessidades.
Devem, pois, os operários desta Capital estar satisfeitos pelo grande passo dado
este ano para o término da nossa jornada – a Alvorada da Justiça – que está mais
próxima do que pensam os nossos adversários.
179
As comemorações do 1º de Maio também deixaram transparecer as relações
complexas que existiam entre operários e o Estado. Convites a vários políticos e autoridades
tentavam alimentar a idéia de um evento de destaque, em que a ordem e o caráter pacífico
eram as principais características.
178
Ver, ‘Ecos do 1º de Maio’, In: O Graphico, RJ, 16/05/1919, p. 01.
179
Idem.
78
O GRAPHICO 1º de maio de 1919
79
2.2) O Estado na visão de O GRAPHICO
O político e a meretriz são iguais, sendo que esta prostitui o corpo e aquele
prostitui o caráter. Desculpem-me os políticos esta paulada moral.
Não devemos consentir que os políticos se metam em nosso meio.
O político com o pretexto de advogar os nossos interesses vem somente obter os
nossos votos para o sufrágio de seu nome na urna e, depois, de eleito, mandar-nos à
fava.
Os nossos desejos, as nossas vontades serão bem defendidas e vencerão sem o
patrocínio de qualquer político.
Baste que tenhamos uma consciência reta, firme e educada para a consumação de
nossas aspirações.
Para as nossas vontades, para os nossos desejos temos um tribunal – a consciência
– e como juízes – o raciocínio, a inteligência e a educação.
Busquemos nos livros, na experiência e na força de vontade o nosso advogado com
o verbo refletido e não a espalhafatosa verbosidade de um político que na
superfície tem muita lógica, mas no fundo tem o orgulho e a ostentação de um
prestígio fugaz.
Em suma, detestemos a política e os políticos.
180
A participação popular nas decisões do novo Estado - a República - não aconteceu.
Durante muito tempo, os artigos publicados nas páginas de O GRAPHICO registravam o
descaso como eram tratadas as questões dos operários. Eles eram praticamente ignorados
pelos estadistas da República, que dele só se lembravam em época de eleições, assim mesmo
se o candidato, não tendo apoio suficiente nas oligarquias, necessitasse de uma ajuda para se
eleger
181
.
O sistema republicano, aparentemente, atendia aos interesses da sociedade de uma
forma em geral. Porém, a base do problema encontrava-se na falta de regras claras a respeito
dos direitos e deveres das elites sociais, tanto na esfera urbana como na rural.
Março, aí está e tem a marcar-lhe a importância do seu 12 dia uma eleição no
Distrito Federal, para uma cadeira de senador na casa da esquina da rua do Areal.
Num trabalho todo cinematográfico de propaganda e cabala os candidatos à
comodidade da citada poltrona, têm andado numa dobradura terrível, fazendo
promessas, garantindo recompensas, maquias, negócios, arranjos, perseguições a
desafetos, etc. ...etc.
É assim, sem tirar nem por, que se fazem as eleições nesta abençoa terra, onde,
faltam os ingênuos, predomina o regime da opinião.
Para a consumação da farça o trabalho de conquista de votos (elementos que, aliás,
não fazem muita falta para as eleições) entre a classe operária tem sido mais ou
menos, porque os candidatos e seus asseclas sabem que a gente operária ilude-se
facilmente com promessas mexericos e com bobas demonstrações de prestígio.
(...)
Entretanto, o operariado brasileiro já está em situação de perceber que, para
conseguir o que deseja, e deve ser a sua única aspiração constante, mais vale a
180
Ver, ‘A Velha Megera’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 03.
181
Ver, FERREIRA Jorge & DELGADO, Lucilia (org). Op.cit.
80
sabedoria do brocado: antes só que mal acompanhado, ou por outras palavras,
antes só, com o seu próprio meio, do que na companhia incerta e enganadora dos
políticos.
182
Na cidade, o controle das multidões era necessário para que as engrenagens do
regime federativo não se embaralhassem e rompessem a frágil estrutura, onde repousava a
República. Aí se encontravam os mistérios da “ordem e do progresso”, frase lindamente
bordada na Bandeira Nacional. Tanto na capital como nos outros Estados, a ordem
institucionalizada desejava impedir que o contraste entre os diferentes grupos sociais se
concretizasse.
Quando, na velha Rússia, imperava a secular dinastia dos Romanoff, as classes
obreiras, em permanentes manifestações revolucionárias, pediam pão; os cossacos
de S.M. carregavam sobre a multidão, afogando em sangue o grito de revolta das
vítimas da burguesia. Porém o velho e carcomido trono do senhor de todas as
Russias ruiu: os ferozes cossacos e a burguesia exploradora viram com remorsos a
vitórias da Liberdade.
(...)
Aqui no Brasil as coisas são simples... Quando operário tem o topete de se declarar
em greve faz-se uma demonstração policial; se, apesar dos arreganhos da força
embalada, os proletários insistirem pelos seus direitos, arranja-se um pretexto,
devidamente escudado em qualquer artigo da Constituição, e fecham-se os
sindicatos operários; depois se processam e deportam-se os “anarquistas”, e por fim
forgica-se um acordo, com antigos sofismados, a favor, sempre, dos donos do
capital. E aí está o final de muitas das greves do operariado carioca.
183
Como descrito no artigo acima, a obrigação em aceitar as decisões de uma elite
econômica, o uso da violência para solucionar os problemas sociais ou, ainda, a absorção dos
símbolos (bandeira, hino, espada, entre outros) criados para concretizar o ideário da República
fizeram parte de uma cultura política
184
, instituída a partir da proclamação.
Entre os anos de 1910 e 1920, registram-se inúmeros embates entre as forças do
Estado Republicano e os operários de várias partes do Brasil, onde a clamação pelos direitos
políticos, sociais e civis
185
, estavam presentes nas reivindicações feitas por parte do
operariado. A luta por eleições justas, nas quais não houvesse fraudes, a regulamentação da
jornada de trabalho, entre outras reivindicações, estavam presentes nos reclames desses
homens que se viam e se sentiam escravos de uma condição social.
182
Ver, ‘Modos de Ver’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 01.
183
Ver, ‘Como na Rússia Antiga...’, In: O Graphico, RJ, 16/05/1918, p. 02.
184
Ver, FLORES, Elio C. “A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso”, In: FERREIRA,
Jorge & DELGADO, Lucilia de A. (org.). Op. cit., p.49, segundo o autor do artigo a idéia de “cultura política diz
respeito às tendências mais ou menos difusas dos indivíduos para com a coisa pública”.
185
Ver, GOMES, Ângela Maria de C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: E. FGV, 2005.
81
Congregados a Federação Operária do Rio de Janeiro, os operários resolveram, em
abril de 1917, enviar ao presidente da República uma missiva com medidas rápidas para
amenizar a crise econômica que o país passava e que afetava diretamente a vida deles e dos
camponeses, como também expor seu repúdio a entrada do Brasil na Primeira Guerra
Mundial.
(...). A Federação Operária do Rio de Janeiro fazendo chegar às mãos do sr.
Presidente da República uma mensagem de protesto contra a eventualidade da
intervenção do Brasil na grande calamidade que ora ensangüenta as terras da
Europa, quebrando embora a sua orientação, tem ramificação na Internacional dos
Trabalhadores, que fatalmente, inevitavelmente, há de prepondera na vida futura
das nações. Que melhor exemplo temos que esses movimentos políticos internos de
que está sendo tatro à despótica Rússia de a pouco, e que é um incentivo para os
trabalhadores dos demais países não só da Europa como de todo mundo, onde têm
eles apenas servido como instrumento do capricho desumano dos governantes
monarquistas e republicanos? É essa esperança que nos induz a preservar na grande
luta de propaganda contra todos os arcaicos princípios calcados na obediência às
autoridades e nos respeitos à propriedade individual, origem dos males que assolam
toda a humanidade.
186
De diversas maneiras, tanto as oligarquias quanto os industriais manipulavam
toda e qualquer iniciativa, que levasse a melhoria nas condições de trabalho dos operários.
Propostas, códigos e leis foram idealizados ao longo de toda a Primeira República, mas
apenas alguns foram implementados, como é o caso, por exemplo, da lei de acidentes de
trabalho em 1919.
O projeto Adolfo Gordo, sobre acidentes de trabalho, aprovado há dois anos no
Senado, dizem, está na ordem do dia da Câmara dos Deputados, quer dizer que vai
entrar em discussão. Pela leitura que já tivemos oportunidade de fazer. Pela leitura
que já tivemos oportunidade de fazer, parece-nos que o aludido projeto preenche de
certo modo algumas falhas das inúmeras existentes entre nós em matéria de
organização de trabalho e responsabilidades dos senhores industriais. E, em se
tratado de estabelecimentos gráficos, seria uma delícia se expuséssemos em nossas
colunas, a nu, as condições de higiene que todos – eles – quer se trate de empresas
jornalísticas, quer se trate de casas de obras – oferecem aos olhos dos leigos. Em
geral são pardieiros adaptados para o aniquilamento de uma raça ainda em
formação!
Não somos, francamente, dos que aplaudem incondicionalmente esses gestos da
elite social: só nos convencemos com a consumação desses gestos.
Todavia acreditamos que os senhores deputados não quererão aumentar a repulsa
que as classes trabalhadoras do Brasil votam aos legisladores e procurarão,
aprovando o projeto, redimir em parte dos crimes de que têm sido autores...
E, mesmo depois de aprovado, resta-nos aguardar a sua integra execução,
ressalvando os interesses da classe espoliada.
187
186
Ver, ‘Meditações’, In: O Graphico, RJ, 01/05/1917, p. 02.
187
Ver, ‘Accidentes de Trabalho’, In: O Graphico, RJ, 01/07/1916, p. 01.
82
Ao longo das páginas do jornal O GRAPHICO, inúmeras reivindicações dos
trabalhadores da Primeira República ficaram registradas, porém suas conquistas foram
poucas. Contudo, o mais importante foi que no final desse período o operariado edificou uma
nova ética do trabalho.
Repito: a questão operária, como toda a questão social, consiste principalmente, e
quase essencialmente, em ser antes estudada e compreendida.
Quando não houver mais cegos e surdos, a questão social estará virtualmente
resolvida: nem importa que não haja acordo sobre os vários modos e aspectos de
interpretar, resolver e aviar as questões. O que é indispensável, é que toda a imensa
maioria pelo menos, saiba de que se trata, de forma que não haja pesos brutos,
lastros imobilizadores, resistências de interesses subalternos e subalternizados.
188
A lei de Regulamentação do Trabalho. O GRAPHICO de 15 de junho de 1919
188
Ver, ‘Socialismo e a Questão Operaria no Brasil’, In: O Graphico, RJ, 15/10/1916, p. 02.
83
Jornal O GRAPHICO de 16 de janeiro de 1917, destacando o artigo Peste, fome e Guerra, motivos dos
problemas existentes na cidade do Rio de Janeiro.
84
CAPÍTULO 3
O Jornal, como todos sabem, é o veículo das grandes
idéias, é que forma a opinião do público. Ele incute nos
cérebros que pouco raciocino o feitio moral de pensar, e,
assim, determina tal e qual maneira de pensar no individuo
de inteligência rude, que todas as idéias deletérias e
preconcebidas dos homens que se acomodam no meio
ambiente que eles formaram com as doutrinas ajeitadas ao
cabedal da ambição, da mentira convencional e da suposta cultura – tornam-se
lemas e práticas, cujos efeitos tanto degrada a sociedade, degradação que prejudica
fatalmente o homem pobre, que nesse caso, é operário.
O RIO DE JANEIRO
DO “GRAPHICO”.
(‘A Imprensa Operaria’, In: O Graphico, RJ, 16/04/1919, p. 01)
Neste capítulo lançaremos nosso olhar sobre os artigos do jornal que tratam de temas
do cotidiano dos operários. Para isso trataremos de assuntos que dizem respeito a questões
ligadas a cidade do Rio de Janeiro, tais como as modificações ocorridas durante e após a Belle
Époque e as conseqüências da reforma urbanística, como também os problemas sociais e
econômicos vividos pelos operários.
Procurou-se aqui reconstruir as importantes redes de relações culturais criadas nas
cidades e os vínculos que existiram entre os diferentes grupos da população urbana, onde
diferentes visões do cotidiano serviram de base para criar uma conexão entre as diversas
camadas sociais, na medida em que cada uma delas demonstrou ter uma determinada
consciência dos problemas pelos quais os homens passaram e a forma para tentar transpô-los.
O desenvolvimento e a expansão da cultura impressa permitem que haja uma maior
difusão da cultura letrada, que antes era privilégio de uma minoria
189
. A popularização do
ensino, com a criação de escolas, universidades e bibliotecas que estejam voltadas para o
povo, deixa de ser apenas uma preocupação do Estado e ganha as ruas através da imprensa
escrita. Isso se torna um dado importante para a compreensão das novas relações de poder que
emergem dentro das cidades.
Os princípios da causa social são universais e internacionais; mas os problemas e
os modos correspondem às circunstâncias de cada meio. Americanos, no Brasil, as
questões sociais sob qualquer aspecto, em qualquer terreno e em todas as suas
partes, só a podem e devem honesta e utilmente encarar como ela é na América e
no Brasil.
189
Ver, sobre o conceito de cultura letrada, RAMA, Angel. Op.cit..
85
A dificuldade, pois, quero insistir da ilustração operária é a suprema dificuldade –
no Brasil e em todo mundo. Vencer-se-á ao menos por aproximação; mas há de
custar.
E a escola?
Certamente é esse o caminho mais breve e menos difícil; mas só quando a escola (e
a nossa no Brasil especialmente) estiver transformada.
A escola, como é hoje, além de ser mal acessível ao operário, só serve para criar
vaidades e presunções, e aspirantes aos empregos...
Aprender-se a ler e escrever mais ou menos mal; mas isso não é cultura, é apenas o
instrumento da cultura. E sucede que se torna o instrumento de causa pela causa
própria, o que é um verdadeiro desastre.
190
Nos artigos editados e publicados em seu jornal, os tipógrafos do Rio de Janeiro de
1916 tentavam expressar suas opiniões acerca das transformações e dos problemas existentes,
não só na cidade, como também fatos ocorridos dentro e fora do seu país. O saber ler e
escrever fez com que eles terminassem por perceberem o mundo com outros olhos. O seu
olhar, mesclado com outros, contidos nos livros e artigos que liam, construía uma visão
incomum ao seu meio social.
Inúmeros são os assuntos abordados por esses homens em seus artigos. Temas como
o crescimento e modernização da cidade, questões de esfera pública, a Primeira Guerra
Mundial, as doenças que assolavam e matavam os trabalhadores de uma forma geral,
compunham as páginas desse jornal operário.
Neste sentido, o GRAPHICO torna-se uma fonte privilegiada para o resgate deste
“olhar” peculiar. Assim como os prédios da Belle Époque carioca sobrevivem aos anos, a
visão dos tipógrafos sobre a sua época e o seu meio consegue sobreviver através dos relatos e
das crônicas do cotidiano e por meio de um veículo que dominam como ninguém.
A prática de leitura de folhetins e jornais passa a fazer parte do cotidiano urbano. Na
cidade do Rio de Janeiro, antes mesmo de raiar o dia os jornais locais, da grande e pequena
imprensa, já estavam em circulação fazendo com que as notícias circulassem e interagissem
com a vida da população em geral
191
.
A imprensa tipográfica, ao transformar-se no ponto principal de articulação,
formulação e de discussão das práticas culturais, ganha destaque e torna-se o principal veículo
de difusão e de redefinição de uma cultura letrada, além de um meio edificador das práticas e
190
Ver, ‘Socialismo e a Questão Operária no Brasil’, In: O Graphico, RJ, 15/11/1916, p.03.
191
Ver, CRUZ, Heloisa de Faria. Op.cit, p. 70, onde a autora analisa diferentes cenas do cotidiano paulista, com
base na visão de Angel Rama – Cidade letrada e assim termina por pesquisar as relações entre cultura e vida
urbana. Um bom exemplo é perceber como o jornal está presente na vida do paulistano: “A leitura dos jornais
passa a integrar o cotidiano da cidade, onde segundo Raffard, antes de clarear o dia são oferecidos ao público os
jornais da terra e, depois da chegada do expresso do Rio “lá pela noite”, as folhas de fora, que nos quiosques,
botequins de praça e outros pontos, podem ser lidos comodamente “em cadeiras abrigadas por chapéus-de-sol
enormes... (...)”.
86
das relações culturais
192
. A modernização e o crescimento da cidade, o custo de vida, questões
políticas e sociais, os problemas dentro dos seus locais de trabalho entre outros assuntos,
passam a fazer parte dos conteúdos dessas publicações.
Ao Sr. Wenceslau Braz foi entregue no dia 10 a seguinte representação por uma
delegação de operários da Gávea:
“Illmo. e exmo. Sr. Dr. Wenceslau Braz, digníssimo e ilustre presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil. – Senhor. – Os signatários da presente
mensagem, operários e operárias residentes no populoso bairro da Gávea,
exercendo essa profissão nos diversos e importantes estabelecimentos fabris que ali
existem, vêem respeitosamente solicitar de v. ex. enérgicas providências contra a
exorbitância dos preços dos gêneros de consumo de primeira necessidade, hoje
mais do que nunca, além do demasiado custo em que sempre se mantiveram (mais
ou menos), mesmo em épocas anormais.
A nossa justa reclamação, que tomamos a ousadia de dirigir a v. ex., o mais alto
magistrado da Nação brasileira, é neste momento o reflexo verdadeiro do
sofrimento que acabrunha a vida triste e difícil dos operários impotentes para
debelar a miséria que os arruína, obrigando-os a vexames vergonhosos e dolorosas
privações.
193
Essa imprensa operária, como também os jornais de bairro e de imigrantes, passa a
dar voz a personagens, até então excluídos pelas elites sociais
194
. Assim, o jornal se torna um
meio de releitura e de reconstrução de práticas culturais e sociais, dando um novo sentido à
vida urbana, gerando novos hábitos e costumes urbanos entre os operários. Ir ao cinema, jogar
futebol, brincar carnaval ou comemorar o Primeiro de Maio são alguns dos costumes vividos
por esses novos atores sociais que são descritos nas folhas de O GRAPHICO.
No Rio de Janeiro, cidade encantadora, cujas belezas naturais e extasiastes,
deslumbra os olhos ávidos dos que vêem de fora, onde o luxo resplandece como se
estivéssemos num outro mundo todo de fantasia e esplendor, e onde a miséria
também é imensa (perdoem-me a franqueza), existem cinemas talvez os mais chics
e suntuosos do globo, onde todo esse luxo que delira e essa miséria que assola se
exibem diariamente, apreciando com sofrimento e interesse, as maiores
celebridades da cinematografia moderna, que nos apresenta, a par de importantes
films de rigorosa moralidade, os mais escandalosos exemplos de banditismo e
luxuria!...
Mas enfim, é o cinema que constitui hoje uma diversão favorita e obrigatória para
todos aqueles que vivem convencidos que este mundo são dois dias, tornando-se
um ponto de reunião e de avultada concorrência, e onde uma indústria qualquer
poderia tirar grande partido, no que diz (...) uma vez que cada freqüentador de
cinema é obrigado a recorrer a ela, pois para conhecer o enredo minucioso de cada
film tem que infalivelmente lançar mão de um programa.
195
192
Ver, VITORINO, Artur José R Op.cit., pp. 38 e 39.
193
Ver, ‘A Brutal Carestia dos Gêneros de Absoluta Necessidade’, In: O Graphico, RJ, 15/10/1916, p. 02.
194
Ver, GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
195
Ver, ‘Graphias de Cinema... ’, In: O Graphico, RJ, 01/07/1917, p. 01.
87
3.1) A cidade, seus moradores e os seus problemas
Apesar de estarmos em pleno século XX, onde as autocracias são muito raras, e no
momento atual, em que uma rajada de democracia agita o mundo, existem
minúsculos feudos em plena cidade do Rio de Janeiro.
Ao contrário da América do Norte, onde os milionários exploradores de rendosas
indústrias são conhecidos pelo título de “rei”, aqui na maior capital da América do
Sul eles não possuem esse título efêmero.
196
Da última década do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, o mundo
viveu um período de prosperidade econômica, que se reflete nas suas mais diversas
manifestações culturais. Essa fase, conhecida como Belle Époque
197
, marcou a sociedade
brasileira, apesar das heranças patriarcais
198
.
As grandes transformações sociais, econômicas e políticas, tais como o fim da
escravidão, o início da República, o aumento da industrialização, a chegada dos imigrantes e
as novas doutrinas como o anarquismo e o socialismo, acabam por ganhar lugar de desataque.
Com fica claro nesse artigo que fala acerca da propaganda anarquista no Rio de Janeiro.
O Grupo Anarquista Renovação promoveu para o dia 1 de janeiro um meeling de
propaganda dos seus ideais de emancipação social, que se efetuou no largo de S.
Francisco de Paula, às 14 horas. Antes, porém, fez distribuir profusamente um
vibrante manifesto historiando claramente a situação de miséria em que se debate a
humanidade em conseqüência da atual organização da sociedade baseada na
exploração do trabalho por uma minoria usurpadora. A polícia, como sempre, fez
das suas: apreenderam manifestos, prendeu homens conscientes, e proibiu a
efetuação do meeling. Em conseqüência párea da atitude altiva e digna dos
iniciadores o meeling foi levado a efeito, apesar da impertinente chuva que caia
pela cidade.
Falou longamente o operário José Elias, que produziu vigorosa oração, verdadeiro
ensinamento e análise das doutrinas libertárias, que são, aliás, as que melhor
concretizam os sentimentos das classes trabalhadoras, pela clareza com que se
manifestam os seus propagandistas, e cujas verdades fazem estremecer os
açambarca dores dos elementos vitais da sociedade.
199
Novos projetos econômicos e sociais são criados com o objetivo de “apagar” as
antigas tradições. O novo, em si, trás a idéia de progresso e modernização, pontos primordiais
196
Ver, ‘Na Brecha’, In: O Graphico, RJ, 16/01/1918, p. 03.
197
A europeização antes centrada apenas no ambiente familiar da elite carioca agora se faz presente também nas
políticas públicas (escolas, prisões, hospitais, locais de trabalho, que sofrem mudanças radicais baseadas no
controle e na aplicação de métodos científicos e do progresso). Ver, entre outros, COSTA, Ângela M. de &
SCHWARZ, Lilia M. op.cit.
198
Ver, NOVAIS, Fernando A. (org). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, v. 3,
1998.
199
Ver, ‘Meditação’, In: O Graphico, RJ, 16/01/1917, p. 02.
88
para a concretização do espírito de civilização, que só passa a existir a partir do momento em
que o indivíduo percebe que, apenas através da união coletiva é que sua sociedade crescerá.
Quero me referir ao fornecimento de força e luz feito a esta grande capital pela
Light.
Todo esse emaranhado de fios que atravessam o Rio de Janeiro m todas as
direções, dando-nos a impressão de uma teia feita por uma colossal aranha, são os
nervos de um formidável gigante, cujo coração está no Ribeirão das Lages. Toda
essa força misteriosa, que se chama eletricidade, que faz mover os pesados bondes,
que produz a luz potente que à noite nos ilumina, e que durante o dia faz silibar os
motores que tanto nas grandes fábricas e como nas pequenas oficinas fazem mover
os mais variados mecanismos é produto da união.
As represas do Ribeirão das Lages, obra maravilhosa do engenho humano, dão uma
idéia perfeitas do que se pode conseguir com a união de muitos esforços. Na
verdade, antes da Light fazer essas represas gigantescas, destinadas a captar as
águas, todas as forças que estas representavam se perdiam, se esvaiam no Oceano,
porque não estavam canalizadas para um determinado ponto. (...). Cada gota de
água que passam pelas represas da Light, deixa, antes de se lançar no mar uma
partícula da sua força, e como passam, cada segundo, trilhões de gotas pelas
represas, essas gotas representam uma força prodigiosa, que é depois canalizada
para a cidade, prestando serviços inestimáveis à população.
200
No Rio de Janeiro, capital da República, a reforma empreendida pelo prefeito Pereira
Passos passou a servir de referencial das novas idéias de progresso e de civilização para o
restante do país
201
. A cidade se transformou num exemplo de “metrópole moderna”, com a
demolição de inúmeros prédios, ocasionando uma reformulação do convívio urbano e nas
festas populares e religiosas adaptadas as mudanças da vida social, oriundas da busca de um
ideal de “civilidade”
202
.
Quando o Dr. Pereira Passos espalhou-se nesta cidade e mandou meter a picareta
nos velhos calhambeques infectos e imundos que infestavam esta cidade, supôs
talvez que a sua obra tivesse, por grandiosa que era, a continuação precisa nos
governos futuros.
A evolução política, porém, no seu fluxo e refluxo não tem permitido a
continuação enérgica daquela obra, senão lentamente.
As novas avenidas que nasceram daquela derrubadas, obedeceram a vários nomes,
e assim, uma delas foi batizada com o nome altamente histórico: - Mem de Sá.
203
Após a demolição de inúmeros prédios, a falta de moradias levou a um crescimento
no número de cortiços, casas de cômodos e favelas
204
. Além disso, devido ao aumento do
200
Ver, ‘O Que é a União’, In: O Graphico, RJ, 16/08/1917, p. 02.
201
Idem, ver acerca do conceito de “ordem” e “civilização” na entrada do século XX no Brasil.
202
Ver, CARVALHO, José M. de. A formação das almas: o imaginário político da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
203
Ver, ‘O Chinelo do Diabo’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1917, p. 02.
204
O espaço urbano colonial, resultado de uma adaptação da arquitetura portuguesa, dá lugar a projetos de
reurbanização, como a abertura de avenidas e a construção de prédios com fachadas européias, o que implicou
89
preço dos aluguéis muitas pessoas eram deslocadas para o subúrbio, que passou a ser visto
como local de ir e vir
205
.
O deslocamento dos trabalhadores de suas casas até o local de trabalho fazia com
eles perdessem um tempo muito maior. Os meios de transporte passam a servir como meio de
inspiração e espaço de discussão acerca dos problemas diários, já que, cada vez mais, eram
freqüentados pelos trabalhadores moradores nos “subúrbios”:
Uma indiscrição, de que não nos arrependemos, fez com que há dias pudéssemos
numa viagem de trem ouvir uma palestra de colegas acerca da Associação
Gráphica e dos seus fins.
Entre os 3 colegas que conversavam não havia (caso raro!) senão uma opinião
comum: - a de que a existência de uma associação para os gráficos no Brasil é uma
utopia.
Desenvolvia cada qual a razão desse modo de julgar com a mesma convicção que o
animaria certamente se tivesse por qualquer circunstância de provar justamente o
contrário (tão fértil é o cérebro humano).
Nós com os olhos presos num jornal que não estávamos lendo, ouvimos durante
toda a longa viagem as razões mais ou menos fundamentadas dos colegas de quem
intimamente íamos discordando e em cuja palestra só não nos metemos para não
quebrar a unidade de pensamento existente entre todos.
206
Um dos problemas mais importantes para o trabalhador do Rio de Janeiro é um tema
recorrente no jornal: a questão das moradias para os operários. Tratando do problema a partir
da sua história mais recente, o governo de Bento Ribeiro
207
, o jornalista Evaristo de Morais
208
lembrou a persistência de projetos que nunca são realizados, passando do papel para a
realidade. O principal motivo, de acordo com ele, encontrava-se no “receio que tinha o
governo de então de que a execução do projeto produzisse margem à prática de abusos mais
ou menos indecentes, como, afinal, são todos os abusos...”
209
.
no desalojamento de milhares de famílias pobres, na sua maioria de negros e mulatos, deslocados para a periferia
das principais cidades ou então foram marginalizadas nos morros, as futuras “favelas”. Ver, PRIORI, Mary Del
& VENÂNCIO, Renato P. História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
205
Ver, PORTO, Oswaldo R. “A era das demolições: a cidade do Rio de Janeiro 1870-1920”. In: Biblioteca
Carioca. Rio de Janeiro: SMC, 1986, p. 65. Ocorre também uma separação territorial da capital, que fica dividia
em duas zonas: a urbana e a suburbana. Para maiores dados a cerca da divisão em distritos, ver, o
Recenseamento Geral da República feito em 29/06/1906, com base no decreto n° 2 de 01/06/1903.
206
Ver, ‘Modos de Ver’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 01.
207
O general Bento Manuel Carneiro Monteiro. Nascido no Rio Grande do Sul em 1856 e faleceu no Rio de
Janeiro em 1921. Comandou a Escola Militar de Realengo e foi, também, comandante do Estado Maior do
Exército. Entre os anos de 1910 e 1914, foi prefeito do Rio de Janeiro, nomeado pelo Presidente Hermes da
Fonseca. Ver, OLIVEIRA, José de Reis. O Rio de Janeiro e seus prefeitos: evolução urbanística da cidade.
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, vol.03.
208
Evaristo de Morais (1871-1939), historiador e advogado criminalista. Seu maior trabalho foi a defesa de
Edgard Leuenroth, preso e acusado de liderar o movimento grevista de 1917. In:
www.ifch.unicamp.br
209
Ver, ‘O Velho Problema’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 02.
90
Na visão dos gráficos o problema persiste no governo de Rivadávia Correia
210
:
(...) agora, quando a paternidade do operariado está em outras mãos, aliás, firmes,
como devem ser as dos pescadores de lambaris; o governo do Distrito entregue a
basta bigodeira do sr. Rivadavia e as arcas do Erário confiadas à guarda previdente
e eriçada dos bigodes germanizados do sr. Pandiá; e se agora, repetimos, ainda há
receio de bandalheiras na execução do projeto enterrado, porque não se lembra o
governo de empregar os capitais, que destinará à construção do pombaes, no
aparelhamento e saneamento das vastas zonas que circundam a capital para ali
facilitar a construção de casas, muitas casas, higiênicas, baratas e afastadas das
nuvens asfixiantes de pó que microbinisam a cidade?
Por que o governo, em vez de despertar a vontade para especulações de empresas e
companhias sagazes, não faz correr o esgoto, o fio elétrico, a galeria d’água e o
trilho do bond por tantas e tantas léguas desprezadas que ali estão ao lado da
cidade-luz e da cidade-progresso que é hoje o Rio de Janeiro?
Talvez isso ficasse muito mais barato e não acarretasse receios nem temores mais
ou menos pilhéricos.
211
Enquanto a solução para as moradias dos operários não era resolvida pelos
governantes, os proprietários das indústrias de tecido, com o seu paternalismo exarcebado
criam um local onde o trabalho e habitação ocupava o mesmo espaço. Assim sendo, para este
grupo de operários a sua vivência do cotidiano estava restrita ao espaço circundante ao seu
trabalho.
212
Desde que foi presidente da República o Pae dos operários e prefeito do Distrito
Federal o ardoroso turfmen sr. Bento Ribeiro e ministros da Fazenda o nebuloso sr.
Francisco Salles e depois o ilegante sr. Rivadavia, que uma cousa parecida com
projecto de construção de casas para operários anda de Herodes para Pilatos sem
uns solução final que venha justificar a sua apresentação.
Não há muitos dias, o sr. Evaristo de Moraes, em artigo que publicou em um jornal
desta capital, divulgou o motivo por que o projecto não foi sancionado no
quatriênio do supra referido Pae: o receio que tinha o governo de então de que a
execução do projecto produzisse margem á pratica de abusos mais ou menos
indecentes, como, afinal são todos os abusos...
É lógico que semelhante motivo moralizador, tido como tomado a sério naquele
tempo mais ou menos prateado em que o Pae era alcaide, é de fazer um mortal use
calças ficar com o respectivo cós em pandarecos de tanta gargalhada...
213
Ao longo do artigo, o redator faz seu comentário acerca do atual governo e das
modificações que ao longo dos anos a administração pública no Brasil sofreu, principalmente
devido à Proclamação da República.
210
Nasceu no Rio Grande do Sul em 1866 e morreu no ano de 1920. Eleito Deputado Federal em 1895 e entre os
anos de 1910 e 1913 esteve à frente do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Entre os anos de 1914/1916,
foi nomeado Prefeito do Rio de Janeiro, pelo Presidente Wenceslau Brás. Em 1916 foi substituído interinamente
por Azevedo Sodré. Ver, OLIVEIRA, José de Reis. Op. cit.
211
Ver, ‘Velhos Problemas’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 02.
212
Ver, CIAVATTA, Maria. Op.cit.
213
Ver, ‘Velhos Problemas”, op.cit.
91
Mas, que diabo! O tempo em que aquele receio “era justo” passou. Estamos
atravessando uma fase de seriedade na administração, segundo afirmam pessoas
que nos merecem algum conceito e que se dizem bem informadas. Por que cargas
d’água, então, não se procede a exumação do de cujus, isto é, do projeto, para, pelo
menos, salvar as aparências e provar que há, de fato, nas altas camadas
governamentais o empenho de suavizar a vida dos que trabalham nesta terra, hoje
tão cheia de casos estaduais e, nos Estados, como aqui, tão descurada de casas
para os menos abastados da fortuna?
E, se, agora, quando a paternidade do operariado está em outras mãos, aliás, firmes,
como devem ser as dos pescadores de lambaris; o governo do Distrito entregue à
basta bigodeira do sr. Rivadavia e as arcas do Erário confiadas à guarda previdente
e eriçada dos bigodes germanizado do sr. Pandiá; e se agora, repetimos, ainda há
receio de bandalheiras na execução do projeto enterrado, porque não se lembra o
governo de empregar os capitais, que destinara a construção dos pombais, no
aparelhamento e saneamento das vastas zonas que circundam a capital para ali
facilitar a construção de casas, muitas casas, higiênicas, baratas e afastadas das
nuvens asfixiantes de pó que microbinisam a cidade?
Porque o governo, em vez de despertar a vontade para especulações de empresas e
companhias sagazes, não faz correr o esgoto, o fio elétrico, a galeria d’água e o
trilho do bond por tantas e tantas léguas desprezadas que ali estão ao lado da
cidade-luz e da cidade-progresso que é hoje o Rio de Janeiro?
Talvez isso ficasse muito mais barato e não acarretasse receios nem temores mais
ou menos pilhéricos.
214
Para além das fábricas e da ocupação de novos bairros, a modernização da cidade
também afetou a composição do seu comércio e a disposição dos estabelecimentos
comerciais. O pequeno comércio perdeu espaço para os grandes armazéns, ocasionando
falências e despedimentos. Tal cenário é visto sempre como um fardo para a cidade e para os
trabalhadores
:
Qual é o antigo artista tipógrafo que não conheceu a papelaria e tipografia do
Annanias?
Era uma casita com duas portas, ali, na rua quase na esquina da...
Bons tempos aqueles em que os patrões adulavam até os seus operários porque
tinham certeza de que deles tirariam mais tarde os proventos desejados.
Hoje, a casa não é mais de um Annanias... e outra cousa: o Annanias enriqueceu foi
a terra (dele) e lá vive á tripla forra, rindo-se dos operários, seus auxiliares, aos que
quase chamava – de filho; -- filhos da esperança, ou da má, sorte, que é o que mais
desejava no seu íntimo de usurário.
A antiga casa do Annanias é soberba. Ali não se dá importância aos operários:
operário é um cão lá no entender deles – que se faz de cego.
215
A nova Avenida Central, atual Rio Branco se transformou no marco do projeto
urbanístico de modernidade da cidade, com suas fachadas modernas, lojas com produtos
importados e pessoas vestindo a moda francesa. As ruas limpas mostravam a nova face da
214
Ver, ‘O Velho Problema’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916, p. 02.
215
Ver, ‘Reminiscencias’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 03.
92
“civilidade”
216
. No entanto, a realidade das oficinas, muitas delas próximas ao luxo das novas
avenidas, era, porém, bem diferente. Os próprios tipógrafos descreviam seus locais de
trabalho, como sendo espaços sem corrente de ar/ventilação, pouca luz, em desordem e muito
sujos. Relatos acerca de oficinas insalubres são uma constante no jornal:
Procurando ventilar esta questão (a falta de higiene nas oficinas) é que me propus
estudar o meio pelo qual o operário vive durante o dia, afim de demonstrar que
90% das oficinas montadas na nossa capital, estão mui aquém dos mais
elementares requisitos de higiene, sendo esta uma das razões de tantas moléstias.
Existe uma certa oficina de encadernação que torna-se um subterrâneo dos mais
infectos tal a disposição higiênica deste sanatório, onde os pobres operários para
não verem a sua mulher e filhos morrerem a mingua vão trabalhar nesse antro e
estão em piores condições de saúde do que os nossos soldados ao voltarem dos
charcos paraguaios, pois tal é a umidade e a falta de luz que se nota nessa casa,
nesse buraco oficina, onde se arrastam penosamente atacados de reumatismo e
hepatite provenientes da umidade e falta de asseio. Até os ratos parecem sofrer a
influencia do meio, pois nem se dão ao
trabalho de fugirem (naturalmente por
se acharem também atacados de reumatismo) ao aproximar-se alguém.
Existe uma outra oficina tipográfica em uma rua paralela a do Hospício que no
W.C. o vaso sanitário está reduzido a terça parte ficando o pessoal condenado a não
satisfazer suas necessidades físicas.
Ultimamente um aprendiz arranjou uma espécie de caixa sem fundo para proteger
os cacos. Ante tamanho desleixo e tão pouco caso pela saúde dos operários, muitos
preferem não ir a tal gabinete.
217
A partir de 1917, a própria Associação Gráfica ficou incumbida de denunciar toda e
qualquer tipografia na qual proliferasse a falta de higiene.
Cogita atualmente a diretoria da nossa Associação, na missão sagrada de velar pela
saúde e pela vida dos seus componentes, dirigir-se ás autoridades que
superintendem nos serviços de saúde pública, e torna-las cientes de que, devido á
falta absoluta do cumprimento das leis que regem os serviços desta natureza,
estão expostos á doença, senão á morte, muitos trabalhadores gráficos.
218
No entanto, o sonho de uma cidade limpa fazia com que só os médicos tivessem o
poder e autoridade de vistoriar não só os locais de trabalho, como também as casas desses
homens. Ao deflagrarem a idéia de uma cidade doente, esses médicos difundiam a idéia de
asseio individual, higiene nos locais de trabalho e nos lares, além de combaterem outros
vícios atribuídos aos operários, como o álcool e o fumo.
O vício mais espalhado no Brasil é o alcoolismo, que faz anualmente milhares de
vítimas, contribuindo além disso para o abastardamento da raça e para o aumento
da criminalidade.
216
Ver, COSTA, Ângela M. de & SCHWARZ, Lilia M. Op. cit.
217
Ver, ‘Revendo’, In: O Graphico, RJ, 15/01/1916. p. 02.
218
Ver, ‘Hygiene nas Officinas’, In: O Graphico, RJ, 16/03/1917, p. 01.
93
Apesar de todos os males que o alcoolismo traz, ainda não se iniciou no nosso pais
uma campanha sistemática contra ele, como se tem visto em outros paises cultos.
219
Os discursos médicos partiam da dicotomia entre limpo/ saúde X sujo/doença; a idéia
da modernidade, progresso e melhoria da qualidade de vida estavam sempre atreladas. Assim,
redefinem o local dos indivíduos na sociedade em que estavam inseridos. Os tipógrafos
terminaram por difundir essas idéias em seus artigos, onde passam a defender uma melhor
qualidade de vida para todos.
Longe do luxo das avenidas e presos ao universo sórdido das suas oficinas, os
operários foram os que mais sofreram com as profundas crises econômicas, sobretudo após a
deflagração da Primeira Guerra Mundial
220
. Este clima de “crise” foi retratado nos artigos do
jornal:
Não sabemos si o comércio da capital da República está fazendo explorações
indecorosas, monopólios descabidos, mas o que afirmamos é que o CARVÃO, a
LENHA, o QUEROSENE, o CHARQUE, o ARROZ, o AÇÚCAR, e muitos outros
gêneros idênticos estão a preços excessivos, além do razoável, demasiadamente
caríssimos para que os minguados salários do operariado possam adquiri-los de
acordo com as suas posses.
A Fome, exmo.sr., já é hoje o terrível flagelo que invade o lar dos operários, onde o
negro espectro da tuberculose tem a sua preponderância ceifadora.
221
Em outubro de 1916, quando o problema atinge proporções ainda maiores, 1.200
operários do bairro da Gávea escreveram uma representação, ao então presidente da
República Wenceslau Brás, na qual solicitavam providências imediatas acerca do aumento
dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Nesse documento, operários fabris falam do
seu sofrimento devido às necessidades pelas quais passam, por causa da miséria em que
vivem. Pedem, então, auxílio e amparo ao presidente, que chega a ser comparado a um bom
braço protetor.
Illmo. e exmo. sr. dr. Wenceslau Braz, digníssimo e ilustre presidente da República
dos Estados Unidos do Brasil. – Senhor. – Os signatários da presente mensagem,
operários e operárias residentes no populoso bairro da Gávea, exercendo essa
profissão nos diversos e importantes estabelecimentos fabris que ali existem, vêm
respeitosamente solicitar de v. ex. enérgicas providências contra a exorbitância dos
preços dos gêneros de consumo de primeira necessidade, hoje mais do que nunca,
além do demasiado custo em que sempre se mantiveram (mais ou menos), mesmo
em épocas normais.
A nossa justa reclamação, que tomamos a ousadia de dirigir a v.ex., o mais alto
magistrado da Nação brasileira, é neste momento o reflexo verdadeiro do
219
Ver, ‘Contra o Alcoolismo’, In: O Graphico, RJ, 16/11/1917, p. 03.
220
Ver, LOBO, Eulália, Maria L. Op.cit.
221
Ver, ‘A Brutal Carestia dos Gêneros de Absoluta Necessidade’, In: O Graphico, RJ, 15/10/1916, p. 02.
94
sofrimento que acabrunha a vida triste e difícil dos operários, eivada de
necessidades e sacrifícios que muitos aniquilam essa enorme legião de
trabalhadores, impotentes para debelar a miséria que os arruína, obrigando-os a
vexames vergonhosos e dolorosas privações.
222
Inúmeros são os lamentos e brados de indignação acerca dos altos preços dos
produtos básicos como o feijão, a batata, o pão, a farinha entre outros gêneros nacionais, que
naquele momento eram exportados a preços mais baixos do que eram vendidos no mercado
nacional. Além disso, a carestia gerava um aumento no número de operários demitidos, que
terminam por perambular pelas ruas da cidade.
(...) uma cidade sitiada, sem mais recursos! E os desocupados que perambulam
pelas ruas da cidade e que se contam aos milhares? Que poderão fazer esses pobres
operários, franzidos de frio e fome, vendo fugir-se-lhes a existência andrajosos,
sem coragem para protestar, gritar, rodeados de filhos que lhes pedem pão, sob as
lágrimas copiosas de suas esposas esqueléticas?
Triste quadro de uma nação bem próspera e tão devastada pelos seus próprios
filhos!
Patriotismo? Quem o tem mais nesta emergência?
Por acaso o patriotismo é coisa ou objeto que se compre? Não! O patriotismo deve
ser de todos: tanto do rico, como do abastado, como do pobre, como do mendigo!
O patriotismo é a Nação: é o seu engrandecimento para bem de todos. Todos
contribuem na espera de suas forças para que sua Pátria seja respeitada perante o
estrangeiro que nos procura e nos visita.
No Brasil passa-se uma tal crise que não há razão de ser. Mal governado, prenhe de
paixões políticas e partidárias, devido ao sistema presidencialista, ‘que nos
infelicita: abarrotado de homens sem escrúpulos, venais, peculitários, que só visam
o bem-estar próprio, que se lhes importa se amanhã a Nação vai à guerra: pois se
eles já têm o bastante, o suficiente para irem gozar em terras estranhas o que
lograram tirar à sua Pátria, e, por conseguinte aos seus irmãos!.
223
Como uma forma de externar suas opiniões, os operários apoiados na Federação
Operária do Rio de Janeiro realizaram vários comícios de alerta e repúdio à miséria instituída
no Brasil.
Ainda uma vez os denotados companheiros da Federação Operária do Rio de
janeiro, num gesto de verdadeiros lutadores, desprendidos de vaidades, só olhando
o bem comum das classes trabalhadoras, se atiram resolutamente em tenaz agitação
contra a miséria que as vem assolando, produto da incúria, malvadez e ganância
dos potentados de todos os matizes, procurando também despertar no meio
operário o amor pela organização de suas classes para, por esse único meio capaz,
imprimir-se uma outra feição no regime nefasto porque hoje se dirigem as
sociedades burguesas.
224
222
Idem
223
Ver, ‘Belos exemplos’, In: O Graphico, RJ, 01/12/1916, p. 01.
224
Ver, ‘Meditações’, In: O Graphico, RJ, 16/02/1917, p. 02.
95
Ao lado da carestia e da fome
225
, entre os anos de 1914 a 1918, o aumento dos
aluguéis
226
acelerava a degradação do padrão de vida do operário brasileiro, fazendo com que
o número de doenças na cidade crescesse, principalmente a incidência da tuberculose,
também conhecida nesse momento como Peste Branca.
A falta de higiene e a má alimentação são dois fatores que produzem a tuberculose
– a peste branca – epíteto este bem empregado a tal endemia, que aniquila
diariamente tantas pessoas.
Esta moléstia é traiçoeira porque só se manifesta no individuo depois que está nos
seus últimos períodos, e, quando já a ciência médica não tem outro recurso senão
dar
clamantes ao enfermo, que lhe suavizem transitoriamente as dores, pois a
medicina é impotente para suster o progresso devastador de tão ingrata moléstia.
227
Inúmeros casos de mortes por causa dessa doença estão descritos no jornal dos
tipógrafos, que associam a enfermidade à falta de higiene nos locais de trabalho, nas moradias
e também no asseio pessoal do trabalhador.
Não tenho a honra de conhecer pessoalmente o colega Avils. A campanha por ele
encetada contra as péssimas condições das oficinas gráficas tem sido por mim
apreciada, principalmente pelo fim que ela atinge, que é o de criticar publicamente
essas oficinas anti-higiênicas, cujos proprietários têm em vista somente engordar e
enriquecer sem se incomodarem com a limpeza das mesmas, onde se esconde a
tuberculose, para ceifar os que necessitam de freqüenta-las”.
228
Dentre as suas reivindicações encontrava-se a melhoria no local de trabalho,
onde imperasse a ordem e a limpeza. Salas ventiladas e limpas, espaço
ordenado fazia com que os gráficos não se sentissem iguais aos excluídos.
Por isso mesmo, iniciam uma violenta luta contra as oficinas que não
possuíam um ambiente higiênico.
“Se percorremos as oficinas que existem neta capital, sejam de que ramo for, se nos
constrangeria o coração ao vês a falta de higiene que nelas reina.
Algumas são verdadeiras pocilgas, mais aptas a receberem suínos do que entes
humanos, tal é a imundice que nelas reina.
Mas há leis neste país que cogitam da higiene das oficinas, dirão indignados
aqueles que nos lêem!
(...)
É imensamente triste e vergonhoso que na primeira cidade do país, existam
oficinas que são verdadeiros ninhos do bacilo de Koch, nessa cidade outrora tida
225
De acordo com BARBOSA, Marialva, Op. cit, p. 141, “para comprar um quilo de café, um quilo de feijão,
carne-seca, banha, uma reste de cebolas, uma garrafa de querosene, um trabalhador gastava, em 1914, 5$260
réis, o equivalente a pouco menos do salário diário de um tipógrafo. Quatro anos depois, esses mesmos
alimentos, nas mesmas quantidades, valiam 7$600 réis”.
226
Idem, p. 143, “O preço das casas de cômodos, das casas de avenidas, das estalagens e das casas dos subúrbios
após a reforma urbana aumentara substancialmente. (...). Na época da administração Pereira Passos, não se
encontrava alojamento por menos de 20$000 mensais. Esse era o preço de uma quarto numa casas de cômodos;
uma alojamento maior com duas peças chegava a 35$000 mensais.(...)”.
227
Ver, ‘A Peste Branca’, In: O Graphico, RJ, 15/11/1916, p. 02.
228
Ver, ‘Solidariedade Consciente’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1916. p. 02.
96
como uma maravilha de higiene, recebendo o inesquecível Oswaldo Cruz, seu
saneador, primeiro premio numa exposição de higiene realizada na Alemanha.
229
3.2) Os trabalhadores e os seus problemas
No dia 4, deste mês (era domingo), enveredei com o colega Taveira, nosso
consócio, pela rua do Ouvidor e encontramos um pobre garoto carregando uma
grande caixa de batatas inglesas (digo que eram inglesas porque ouço dizerem
isso), cujo peso era tão poderoso que o pescoço do referido garoto ia-se sumindo
com a cabeça pela caixa torácica a dentro, e prestes a virar marreco. Taveira e eu
acudimos o garoto enquanto um homem robusto tomou a caixa, metendo-a debaixo
do braço, decompôs o garoto e já se foram com as ditas batatas.
Pois bem. Este caso me fez lembrar de um outro garoto, que media de altura um
metro, ou pouco mais, carregando à cabeça uma formidável porção de livros em
branco.
Virando Hércules ele saia da rua do Carmo e, ao cortar voltas foi ter à Avenida
Passos, entrando pela rua Buenos Aires onde, tal qual como o outro das batatas, ia
virando marreco. Acudi o pobrezinho, tirando-lhe o carreto da cabeça e
entregando-o a um carregador que recebeu 1$OOO.
Creiam-me: propositalmente acompanhei o garoto por curiosidade. O carreto foi
entregue na casa de um turco e se compunha de um milhão de livros in 4.”,
caprichosamente mortos, cujo diagnóstico nem vale a pena mencionar.
O garoto me disse ser aprendiz d encadernador, ganhando $500 diários, preparava
cola, massa, varria a oficina e carregava livros para os fregueses do sr... Eu não
digo o nome para não ser indiscreto.
Basta que eu saiba.
E é isto que diariamente se vê pelas ruas desta cidade.
Realmente! É preciso ser-se muito desumano, muito ordinário mesmo para
proceder assim.
Era isso que tinha a dizer-vos. Até outra vista. Desculpem as faltas.
230
A concentração de trabalhadores na cidade a transformou num dos principais palcos
das primeiras manifestações do movimento operário brasileiro
231
. Apesar de gozar da
“confiança” da elite, os imigrantes introduziram as idéias mais avançadas surgidas na Europa
com relação ao direito dos trabalhadores. As propostas socialistas ou anarquistas estavam no
cerne da organização de sindicatos, partidos e jornais
232
. Contrapondo a noção negativa
229
Ver, ‘Hygiene nas Officinas’, In: O Graphico, RJ, 16/11/1917, p. 01.
230
Ver, ‘Carta Aberta aos Encadernadores’, In: O Graphico, RJ, 15/11/1916, p. 01.
231
Deve-se esclarecer que o Rio de Janeiro foi onde se registrou as primeiras manifestações do movimento
operário brasileiro. Até a o ano de 1920, a capital da reblica liderou o processo de industrialização, só sendo
superada posteriormente por São Paulo. Ver, entre outros, BATALHA Cláudio. O movimento operário na
Primeira República. 2000. e GOMES, Ângela M. de C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
3 ed.
232
Nos primeiros anos do século XX, uma nova tendência política mais radical ganha espaço no movimento
operário brasileiro - o Anarquismo que, ao contrário do socialismo, não se organiza em partidos. Para ele, o
Estado era uma instituição repressiva, independente da classe social que está no poder. Assim, defendem a sua
substituição por federações ou cooperativas de trabalhadores. Não é apenas coincidência, que no momento do
97
construída em torno do conceito de trabalho, nascia a voz de exaltação do trabalhador como
principal elemento da sociedade. O movimento operário tinha como objetivo quebrar as
antigas tradições, que consideravam as atividades manuais humilhantes. Assim, esses homens
iniciavam o seu processo de conquista da “cidadania”.
233
Como na Europa, os operários brasileiros edificam um novo capítulo na sua história
através da projeção das suas identidades na construção da cultura social do país. Como afirma
E. Bosi, “Desde sua concepção o trabalho situava-se, portanto, naquela fronteira em que se
cruzam os modos de ser do indivíduo e da sua cultura (...)
234
. A inexperiência e a tomada
gradual da consciência de seus direitos e deveres marcaram as primeiras organizações da
classe operária
235
, voltadas para reivindicações imediatas como o aumento de salários, o
descanso semanal e a justiça laboral. O processo de edificação de uma identidade coletiva
para o “trabalhador” adentrou a resistência imposta pelas forças governamentais e, sobretudo,
superou a própria diversidade do movimento, dividido em inúmeras ideologias, grupos de
combate e nacionalidades.
Na tentativa de formar politicamente o seu público leitor, o jornal O GRAPHICO
lança uma coluna intitulada “Socialismo e a questão operária”, na qual esclarece os principais
pontos do Socialismo, aproveitando para demonstrar como os políticos cariocas se utilizam
das idéias dessa corrente.
Fim da revolução social é transformar o Estado patrão no Estado social: o e
socialismo, que faz o patrão, não é socialismo, é um engodo para engarupar alguns
e dividir as turbas. E lá vai o operário, de bandeira desfraldada e com charanga, dar
vivas ao patrão e benfeitor, o criador das vilas operárias, que acabam nas
bebedeiras do tenente Palcherio e as bebedeiras, em um paroxismo ditirâmbico,
acabam em tragédia.
Lá vai o socialista ilustrado arengar a primeiro César exortando-o a salvar a pátria
naturalmente só em nome das plebes da Favela, as senzala e das cangas, donde hão
de sair às defesas e os vivorios. E ilustríssimo Senhor Doutor Azevedo Sodré,
excelentíssimo prefeito da capital, enche os ouvidos dos povos com promessas de
liberdade, respeito aos direitos, guerra aos privilégios, reformas, reformas, e, só aos
beneméritos, os empregos.
236
crescimento das idéias anarquistas também ocorra uma expansão do movimento sindical. Ver, entre outros,
ADOOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986.
233
Ver, sobre a questão da cidadania, GOMES, Ângela M. de C. Cidadania e direitos do trabalho. 2002 pp. 13-
14 e Carvalho, José M. de. Cidadania no Brasil: um longo caminho. 2003.
234
Ver, BOSI Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: companhia das Letras, 1994, p. 37.
235
Ver, BATALHA, Cláudio H. de. O movimento operário na Primeira República. 2000, p. 15. O autor defende
a idéia que as primeiras associações de resistência se voltavam para a “ação econômica” e surgem com diferentes
denominações como: “associação, centro, grêmio, liga, sociedade, união e, até mesmo sindicato”. As mesmas
utilizavam à palavra “resistência” para se diferenciarem das sociedades mutualistas que eram vistas como
“beneficentes”.
236
Ver, ‘Socialismo e a Questão Operária’, In: O Graphico, RJ, 01/12/1916, p. 02.
98
Em março de 1918, O GRAPHICO, em sua primeira página, destaca a Conferência
Internacional Socialista e afirma que foi o acontecimento mais importante da história do
movimento operário até então.
Nos arraiais do capitalismo universal a conferência socialista de Londres deve ter
soado como um dobre de finados porque deu um golpe de morte no sonho dourado
da burguesia, que tencionava lucros fabulosos da guerra, por eles preparada com
tanto carinho, de parceria com a casta guerreira. A burguesia esperava como diz a
gíria popular – ganhar dois carrinhos – com a destruição e a reconstrução. Os Krup,
os Armontrog, os Skoda, os Creusot, e todos os grandes potentados possuidores de
grandes usinas metalúrgicas, que têm fornecido até agora os terríveis engenhos de
guerra de que se servem os exércitos beligerantes, incitando-os por todos os modos
à destruição das cidades, das pontes, das linhas férreas, esperavam que a guerra
terminasse com uma paz a seu modo, de forma que eles pudessem ganhar caudais
de ouro no fornecimento de materiais necessários para a restauração daquilo que
fora destruído devido ao plano diabólico que eles tinham concebido e posto em
prática com tanta perversidade.
237
No perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro, o ideal da Belle Époque pregava a
separação dos grupos sociais, assim como prega a higiene e a civilidade. Os boulevards, dos
passeios das senhoras e senhores “de bem” estavam longe dos bairros sujos e pobres da
periferia
238
. De igual forma, os trabalhadores poderiam ser separados entre “bons” e “maus”
elementos sociais. E com a nova cidade atraindo cada vez mais gente, a chegada dos
imigrantes, inicialmente, foi saudada como um possível passo positivo pela elite. Os
estrangeiros, mal vistos pelos trabalhadores como concorrentes, eram apreciados como mão
de obra pela elite local, o que não iria impedir o racismo e o preconceito, tão logo
demonstrassem a sua revolta e consciência
239
. O conflito entre “estrangeiros” e “nacionais”
marcou um período da vida e da convivência social na cidade.
[…] Como se sabe a nossa classe é composta de indivíduos de todas as
nacionalidades e existem alguns colegas nacionais que ainda têm um pouco de
antipatia pelos colegas estrangeiros, desprezando-os por completo ao invés de os
tratarem como irmãos explorados como nós industriando-os a andar sobre o terreno
em que pesam afim de no dia de amanhã, unidos pormos uma barreira a este estado
de coisas.
240
237
Ver, ‘Um Grande Acontecimento’, In: O Graphico, RJ, 01/03/1918, p. 01.
238
SCHWARZ, Lilia M. O Espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-
1930). São Paulo. 1995.
239
O racismo surge como forma de controle social e de reenquadrar após a abolição da escravidão, parte da
população que não se enquadrava à tradição européia. Ver, CARVALHO, José M. de. Os bestializados: o Rio de
Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
240
Ver, ‘Uma Palestra’, In: O Graphico, RJ, 01/02/1916, p. 02.
99
Quando o operariado estrangeiro é inteligente e instruído, e procura congregar a
classe, é tido, não só por seus patrícios, mas por grande parte dos nacionais, como
elemento anarchista, que confundem com elementos de desordens.
Se um operário nacional sai dos moldes corriqueiros e se põe a propagar idéias
liberais, é qualificado como elemento de desordem social.
É o resultado da falta da mais elementar instrução.
241
Para além da presença do estrangeiro, neste mundo contraditório, onde a lembrança
da escravidão denegria a noção de trabalho, a chegada do “novo” não era recebida com
agrado pelos trabalhadores, sobretudo quando ameaçava os seus próprios postos de trabalho:
Era unânime a queixa que escutávamos e ainda hoje escutamos perplexos e
revoltados, sobre o estado em que ora se encontra a classe trabalhadora, tão
cruelmente ferido no seu orgulho de classe até então privilegiada, contra os azares
da vida mundana e sem ter durante cerca de 40 anos sido levemente arranhada nos
seus interesses, julgados os mais sagrados. Nesse período não houve dificuldade
que não fosse superada, não sofrendo os compositores tipógrafos a falta de
trabalho, pondo-os na deprimente situação em que atualmente se debatem. Bastou,
porém, a introdução da linotipo, encontrando-os completamente desprovidos de
recursos que pudessem influir no desagregamento da classe e isto por sua grandiosa
e brutal ignorância do valor da organização das associações de classe, para
estarmos hoje a contemplar bestializados, esse edificante espetáculo de desordem e
de desenfreada incapacidade, que é o serviço tipográfico.
242
Com o avanço das idéias de contestação trazidas da Europa, o movimento dos
trabalhadores na cidade ganhou um novo tom. No final da década de dez, os protestos contra
os regulamentos e as atitudes arbitrárias tomadas pelos patrões ganhavam as ruas. O controle
imposto pelo Estado buscava disciplinar os operários através da introdução de regras de
conduta, como as que limitavam a circulação dos trabalhadores dentro dos espaços de
trabalho, impedindo que ocorressem as trocas de idéias. Não podia mais se ler livros ou
jornais no espaço de labor, proibindo o fumo e a bebida.
Os regulamentos eram vistos como um obstáculo à liberdade tão desejada, sendo
denunciados constantemente pelos trabalhadores gráficos.
A classe gráfica do Rio de Janeiro, esgotados os meios suasórios para resolver a
questão surgida entre ela e os proprietários dos estabelecimentos gráficos, resolveu,
em assembléia geral, iniciar a greve parcial contra os industriais gráficos
gananciosos, começando pela Casa Pimenta de Mello & C.
Avisamos para os devidos efeitos, todos os trabalhadores gráficos para que não vão
trabalhar nesse antro de exploração
.
É com fatos que devemos demonstrar aos industriais que não estamos
dispostos aceitar a escravidão abjeta que eles nos querem impor.
241
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 02.
242
Ver, ‘Na Espectativa’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 02.
100
Que nenhum graphico vá trabalhar na Casa Pimenta de Mello & C., que nenhum
graphico se rebaixe ao ponto de atraiçoar os seus irmãos de trabalho, porque essa
traição será castigada como uma afronta infame á nossa dignidade de homens, de
Paes e de cidadãos de uma terra livre.
Lembrai-vos, colegas, que está em jogo a nossa liberdade e a dos entes que nos são
queridos, que morrem de fome devidos aos baixos salários que auferem os chefes
de família que trabalham na indústria do livro e do jornal.
243
Em resposta a todo esse controle instituído pelo Estado e utilizado pelos pelas
tipografias, os gráficos ofereceram uma alternativa de resposta.
Ninguém pode negar que a paralisação do trabalho por parte de uma classe de
operários, tem sua razão de ser, desde que os espíritos burocratas entendem de se
opor ás reclamações que em certos casos são justas e devem ser ouvidas e aceitas.
244
O pensamento do trabalhador brasileiro, apesar do seu tênue desenvolvimento, não
esteve preso aos muros das fábricas ou das oficinas onde esses homens trabalham. Ele
ultrapassou os gritos de greve e ganhou as ruas através da imprensa operária, passando a
reunir uma gama infinita de temas, tradutores de todos os momentos vivenciados pela classe
trabalhadora, desde reivindicações e sonhos de um mundo melhor até a convivência em
família e sua visão real da sociedade
245
.
Buscar entender o cotidiano do operariado, a forma de viver e o sentir individual ou
coletivo só se faz possível ante a percepção dos elementos formadores da sua estrutura
organizatória de vida
246
.
Assim sendo, os problemas dos trabalhadores não podem ser restritos aos momentos
de crise ou de greve. Eles foram constantemente denunciados no decorrer da sua trajetória na
história do Rio de Janeiro. O trabalho infantil e feminino, as condições cotidianas de trabalho
fazem parte dos apelos e denúncias constantes no GRAPHICO.
Múltiplos são os problemas que ao operariado compete resolve: o dia de 8 horas, a
regulamentação para menores e mulheres nas fábricas, os acidentes de trabalho, a
profilaxia contra a tuberculose nas oficinas, a, garantia de conservação na casa do
trabalho afirmada pelo tempo, o
afastamento das lutas operarias de elementos
que não pertencem ao meio, o abandono da política dos potentados, etc.
247
243
Ver, ‘A Classe Gráphica do Rio de Janeiro’, In: O Graphico, RJ, 01/07/1916, p. 01.
244
Ver, ‘Um Accordo que se faz Necessário’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 03.
245
Ver, THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. 1998.
246
Em 1921, temos a fundação do Departamento Nacional do Trabalho, que tinha como objetivo estudar a vida
operária. Ver, CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). p.10.
247
Ver, ‘Nova Tentativa’. In: O Graphico, RJ, 01/01/01916, p. 01.
101
Em um local de A Noite de 3 do corrente, este jornal se regozijava por ter entrado
nos tribunais processo em que um operário, menor, por se tornar invalido pedia
uma indenização ao seu então patrão, e ao mesmo tempo lembra o citado jornal o
projeto Mario Hermes, que jaz na pasta da comissão encarregada de estuda-la.
248
A presença das forças policiais no dia a dia do trabalhador, seja para reprimir
os movimentos de contestação ou práticas comuns, como o “jogo do bicho”
249
, fazia com que
as prisões fossem partes da biografia de muitos trabalhadores.
Não terminou infelizmente a situação anormal em que desde meses passados, se
encontra a laboriosa classe dos estivadores.
Na sua associação de classe, que podia e devia ser o modelo das sociedades de
resistência se tivesses todos os seus associados como empenho Maximo trabalhar
pelo engrandecimento da classe, vem se refletindo as conseqüências do estado
irregular de balburdia e dissídio que reina entre os seus componentes.
É preciso que um movimento de ponderação e tolerância se faça sentir entre os
inúmeros membros da classe dos trabalhadores da estiva para que as questões que
digam respeito aos estivadores sejam resolvidas dentro da ordem, e da compostura,
pelos próprios interessados.
É preciso que a polícia não penetre nunca mais no seu recinto social (...).
250
As autoridades policiais do Distrito Federal no intuito de convencer as gentes de
que estão dispostas a moralizar num abrir e fechar de olhos a sociedade brasileira,
iniciaram contra os bicheiros uma ofensiva geral como dizem os comunicados que
nos enviam diariamente da guerreira Europa.
Mas isto não é mais do que a reprise de curtas campanhas que a nossa policia tem
levado a efeito, e sem efeito, contra o jogo Drummond.
O jogo não poderá ser abolido enquanto existir o regime da propriedade privada, do
qual ele é a conseqüência lógica.
Enquanto existir dinheiro, bancos, apólices, debenutes, ações e outras armadilhas
desta natureza o jogo existirá sobre a terra.
Não é o estado um insigne batoteiro com o tal jogo das sabinas e das emissões?
Não é o estado sócio comanditário do jogo das loterias que por ai pululam, sob
vários pretextos qual deles o mais bizarro?
O jogo, segundo ensina a Bíblia, começou com o pai Adão, que teve o azar de
perder logo a primeira cartada, comendo a nefasta maçã, perdendo com ele toda a
humanidade. Na verdade o pai Adão atirou-se á sorte quando comeu o saboroso
fruto.
251
O progresso e a modernização trouxeram consigo a construção de um novo discurso,
no qual a valorização da ética, da moral, da disciplina e do trabalho, que eram vistos como
meios pelos quais os trabalhadores construiriam sua identidade
252
. Para eles, o progresso era
248
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 02.
249
No jornal, o Jogo do Bicho recebe as seguintes denominações: “Jogo Drummond” (‘Aos Estivadores o Nosso
Apelo’, In: O Graphico, 15/02/1916, p. 01), “Jogo do Barão” e “Jogo Calamidade” (‘Meditações’, In: O
Graphico, RJ, 15/11/1916, p. 01).
250
Ver, ‘Aos Estivadores o Nosso Apelo’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 01.
251
Ver, ‘Campanha Contra o Jogo’, In: O Graphico, RJ, 16/09/1917, p. 03.
252
Ver, CIAVATTA, Maria. Op.cit.
102
algo positivo, pois terminaria acabando com os sofrimentos individuais. Mas, no primado da
ética, até mesmo os confortos desta “nova era”, tal como a luz elétrica ou o cinematógrafo,
nem sempre eram vistos com bons olhos pelo trabalhador.
No Rio de Janeiro, cidade encantadora, cujas belezas naturais e extasiantes,
deslumbram os olhos ávidos dos que vem de fora, onde o luxo resplandece como se
estivéssemos num outro mundo todo de fantasia e esplender, e onde a miséria
também é imensa (perdoem-me a franqueza), existem cinemas talvez mais chics e
suntuosos do globo, onde todo esse luxo que delira e essa miséria que assola se
exibem diariamente, apreciando com sofreguidão e interesse as maiores
celebridades da cinematografia moderna, que nos apresenta, a par de importantes
films de rigorosa moralidade, os mais escandalosos exemplos do banditismo e
luxuria.
253
3.3)
A Primeira Grande Guerra e os trabalhadores
Densas nuvens pairam sobre os horizontes políticos do nosso muito querido e
amado Brasil, já avassalado com a tremenda crise – caráter – econômico-financeira
– agravada agora com a nova feição que a Alemanha acaba de imprimir à sua
atitude de batalhadora na hecatombe sanguinolenta que a perto de três anos enche
de horror e de vergonha a tão apregoada civilização ocidental.
Parece que os deuses da fome, da guerra, da miséria, a muito foragido,
desembestaram pelo mundo a fora e, num gesto de loucura infernal juraram acabar
sumariamente com o Planeta Terra. Que futuro nos aguarda o destino deste país tão
rico e tão fecundo em grandezas naturais, mas também tão inundado de homens
que, na sua direção, só o tem levado de mal a pior, mormente depois que se
instituiu este celebérrimo regime de – Igualdade e Fraternidade.
254
Durante muito tempo, nas páginas de O GRAPHICO, falou-se da Primeira Guerra
Mundial. Um longo conflito, em que a dor e a morte estiveram presentes não só na Europa,
como em todo o mundo ocidental. Para muitos, ela seria curta e a paz entre os povos estaria
assegurada antes mesmo do Natal de 1914, e os jovens soldados deixaram seus lares, suas
famílias, cantando, com esperança e com “uma flor na espingarda”
255
.
O mundo que antecede esse conflito via as distâncias diminuírem, inúmeros países se
unificaram, outras autoridades políticas e econômicas surgiram. Os produtos agrícolas na
Europa sofreram uma queda brutal de preços, que levou à ruína econômica vários pequenos
agricultores, levados à emigração, principalmente para a América.
No Brasil, a guerra serviu de pretexto para o aumento dos gêneros de primeira
necessidade, a redução dos salários e a diminuição dos dias de trabalho. Isso acarretou o
253
Ver, ‘Graphias de Cinema...’, In: O Graphico, RJ, 01/07/1917, p. 01.
254
Ver, ‘Meditações’, In: O Graphico, RJ, 16/02/1917, p. 02.
255
Ver, FERRO, Marc. A Grande Guerra: 1914-1918. Lisboa: Ed. 70, 2002, p.13.
103
aumento da fome e a miséria entre os trabalhadores. Essas mazelas sociais atribuídas à Grande
Guerra transformaram-se em temas para artigos no jornal dos tipógrafos.
Foi no início da guerra européia, calamitosa quadra de fome e desespero que fomos
testemunhas dum fato que bastante nos impressionou, e que passamos a narrar.
Passando um dia pela rua Frei Caneca fomos despertados das nossas cogitações aos
gritos de: - Pega ladrão! Pega ladrão!
Alongando então a vista na direção de onde partiam os gritos, se nos deparou um
espetáculo edificante: Um homem alto, magríssimo pelas privações passadas, a
quem o outono da vida já tinha atingido, pois seus cabelos começavam a
branquear, era perseguido por um moço, dono duma casa de moveis próxima, de
onde acabava de subtrair uma cadeira de viagem vulgar que se encontrava á porta
do estabelecimento.
(...)
O guarda dirigiu-se ao delinqüente, o qual ao ser interpelado sobre o motivo que o
levara a subtrair a cadeira do estabelecimento de moveis, declarou que fora a fome
que o induzira a praticar aquela ação de desespero, pois há muitos dias procurava
trabalho por toda a cidade sem encontrar, e naquela manhã saira de
casa deixando
sua mulher e filhos sem uma côdea de pão com que mitigar a fome.
256
De igual forma, quando a guerra é apresentada como a justificativa para a redução do
salário, aumentam os protestos dos trabalhadores.
A guerra européia é atualmente o melhor argumento para justificar a diminuição de
salários e o aumento de preços nos gêneros de primeira necessidade. Até o sabão e
as hortaliças sofrem as conseqüências da guerra! Pobre classe, como és explorada!
A par de toda essa miséria, os proprietários de oficinas, valendo-se da desculpa
generalizada –guerra- aumentaram o preço nos trabalhos, reduzindo, porém, o já
minguado salário do operário, por medida de economia – dizem eles- e nós, sem
contar com proteção alguma, somos obrigados a acatar o que o patrão nos diz, si
quisermos conservar o lugar.
257
Além da questão da fome, a guerra no Brasil deflagrou idéias como o serviço militar
obrigatório, instituído pelo presidente da República. Isso foi motivo de inúmeras críticas, já
que o capital direcionado para esse projeto poderia servir de incentivo à melhoria da
agricultura, à indústria e ao comércio. Dizem os tipógrafos:
Num momento angustioso como o que atravessamos, ao peso da duvidosa
perspectiva financeira, cheio de miséria, de ignorância, de vilesa e de
desmoronamento social: num momento em que um governo forte e
verdadeiramente patriota daria o maior impulso á agricultura, á indústria e ao
comércio: procuraria estimular a educação e o desenvolvimento das energias que
dormem sob a ação da lei do mínimo esforço; ao invés de procurar moralizar os
costumes, regularizar os serviços e captar a confiança do povo com obras
256
‘Justiça Nova’, In: O Graphico, RJ, 01/06/1916, p. 01.
257
Ver, ‘Rompendo o Véu’, In: O Graphico, RJ, 15/02/1916, p. 02.
104
maximamente meritórias; ao invés de propagar a instrução pública, facilitando-a,
popularizando-a, procurando ativar o seu desenvolvimento no sentido de
engrandecer o homem, fazendo-o laborioso, cumpridor dos seus deveres e
respeitador das leis não absurdas: o governo, dante de tais grandiosos e essenciais
problemas de bem-estar coletivo, procura unicamente cuidar da... remodelação da
caserna.
Que necessidade temos nós de um fabuloso exercito, se não lhe podemos dar que
comer e que vestir, e uma vez que não temos um fabuloso tesouro dada a carência
de matéria prima, para o abastecimento de nossa vida diária? Para que precisamos,
de um exercito colossal, si não possuímos conduções ferroviárias suficientes para a
remoção de tropa, para o norte e o sul do país, em caso de necessidade?
258
A guerra também despertou nos jovens brasileiros o espírito do voluntarianismo,
transformando-se num modismo nacional, impulsionado pela crise econômica. Foram para
linha de tiro, além dos jovens estudantes, funcionários públicos e inúmeros operários
desempregados.
Uma das novidades mais interessantes da nossa terra, é sem dúvida a acção militar
que se desenvolve ao grito de ás armas do grande poeta.
Ser voluntário especial ou membro de uma linha de tiro, é, na atualidade, o chic.
Pertencem a estas classes os estudantes, os funcionários públicos e os desocupados;
e alguns operários que no intuito de evitar a reclusão por dois anos na caserna, vão
fazendo passagem pelas já celebres linhas de tiro.
Isso não é para todos, os mais desgraçados, que têm tempo, não lhes sobrando
dinheiro para se associarem em uma linha de tiro, têm fatalmente que cair nas
fileiras e comer o mal amassado pão de defensor da pátria.
Agora se vêem soldados fortes e esbeltos nas fileiras como voluntários, mas na
ocasião de nortear irão ali cair por dois anos os operários que pagam a vaidade tola
dos estudantes ricos e funcionários de sinecuras.
259
Mas, para os mais conscientes a guerra não era a solução para os problemas que os
trabalhadores atravessavam. Imbuídos do espírito de contestação que percorrera a Europa nos
primeiros anos do conflito, os gráficos afirmavam os “perigos” que a guerra representava para
a classe operária.
260
Este precioso elemento da vida de toda uma população, especialmente da operaria,
está ameaçado de subir demasiadamente no seu custo, em conseqüência de uma
emenda apresentada por um pai da pátria elevando o imposto da farinha de trigo
importada cuja agravação vai favorecer a determinados indivíduos – especuladores
audaciosos.
Ora, péssima como é a condição de vida da classe operaria, reduzida nos dias de
trabalho e nos seus vencimentos, mais agravada será ela, se tal emenda for
aprovada pelos que se dizem representantes do povo, mas que em sua quase
258
Ver, ‘O Militarismo’, In: O Graphico, RJ, 15/03/1916, p. 03.
259
Ver, ‘Echos’, In: O Graphico, RJ, 01/11/1916, p. 03.
260
Ver, FERRO, Marc. A Grande Guerra: 1914-1918. Lisboa: Ed. 70, 2002.
105
totalidade outra cousa não fazem senão servir dos interesses dos capitalistas
estrangeiros de mãos dadas com brasileiros degenerados e sem brio. É isso mais
um ensinamento para o povo, infelizmente capaz de se insurgir contra essa
quadrilha de salteadores que jurou reduzir-nos á situação de míseros famintos.
Temos esperança, porém de que ele algum dia saberá punir os culpados da sua
desgraça.
261
A guerra, proveniente da “velha e civilizada” Europa
262
, foi vista pelos gráficos
como uma calamidade rubra e de fogo, que estava sendo escrita com tintas carregadas de
sangue e que marcaria a história da humanidade. Foram inúmeras as conseqüências dolorosas
trazidas por esse conflito para esses homens. A rápida escassez do papel usado nas tipografias
gerou a ganância daqueles que haviam armazenado essa matéria-prima.
Com o estalar da horrível crise européia sentiram-se e com razão as fábricas de
tecidos, cuja matéria-prima anteriormente vinha dos países que se meteram na luta;
(...), e sentiram-se dobradamente as casas de trabalho gráfico, porque o stock de
papel no mercado desde logo escasseou, começando então a ganância dos que o
tinham em maior quantidade a procurar os meios de tirar proveito da situação.
Os verdadeiros industriais gráficos desta capital, porém, cônscios das
responsabilidades que os seus estabelecimentos tinham para com a freguesia,
conseguiram dar um remédio à crise, de forma que a situação de anormalidade nas
suas casas só teve a duração indispensável ao acomodamento das coisas e, assim,
vindo de outras procedências o papel para a impressão, foram suprimidos os
feriados forçados do seu pessoal e novamente, aos poucos, forma voltando à antiga
taxação as diárias dos operários.
Os outros, porém, os que tanto têm propensão para donos de casas de trabalho
gráfico como não a deixam de ter igualmente para gerentes de casas de aves e ovos
ou de carvão e lenha, esses, continuam a tirar partido das dificuldades criadas pela
conflagração européia para o desdobramento de sua eterna fita e para justificar os
calotes passados nos poucos que admitem a trabalhar nas suas baiúcas, embora a
eles não lhes falte nunca dinheiro para a satisfação das extravagâncias do instinto
ou para as exibições tolas das suas vaidades.
263
Com medo de perder o trabalho, vários tipógrafos se submeteram à exploração,
sendo os seus salários diminuídos e suas horas de ofício aumentadas. Por causa da guerra, o
gráfico, que durante muito tempo, era o operário mais bem remunerado, reclama estar
igualado: “(...) à categoria misera de um farrapo, de um trapo, que só é utilizado quando
muito necessário, sendo depois jogado a um canto, à espera de um outro momento de
utilização, de uma outra necessidade em suma...”
264
261
Ver, ‘O Pão’, In: O Graphico, RJ, 01/01/1916, p. 03.
262
Ver, ‘Sem pão’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1916, p. 02, de acordo com o artigo, “A crise de trabalho torna-se
cada vez mais aguda, a falta de trabalho é quase geral, e não sei ao certo a causa dessa tremenda miséria. Será
devido à escassez de dinheiro? Será devido à carnificina bárbara e exterminadora de que a velha e civilizada
Europa nos dá uma lição civilizadora?”.
263
Ver, ‘Industriais e Aventureiros’, In: O Graphico, RJ, 01/04/1916, p. 01.
264
Ver, ‘E Recomeçou a Façanha’, In: O Graphico, RJ, 15/04/1916, p. 01.
106
Por se corresponderem com vários jornais estrangeiros, como O Gráfico
265
,
proveniente de Portugal, os tipógrafos cariocas noticiam as denúncias feitas no exterior do
caráter “capitalista” e antioperário do conflito.
Os capitalistas portugueses, vibrando todos num sentimento de patriotismo que não
nos metemos a analisar, em represália ao ato da Alemanha declarando às abertas a
guerra à nação portuguesa, tomaram, entre outras medidas, a de estabelecer a
boicotage aos gêneros alemães, ou melhor, a toda indústria e comércio dos filhos
daquele país.
Operários que somos sem preferência ou paixão por este ou aquele beligerante,
estamos muito à vontade para taxar a idéia de perseguição comercial, nascida nas
reuniões dos comerciantes portugueses, de absurda e infeliz.
Homens de dinheiro, fartos, portanto, nem de longe lhes ocorreu ao cérebro a idéia
de que o Brasil é um país que luta presentemente com a mais pavorosa das crises
de trabalho.
Se lhes houvesse ocorrido tal consideração e mais a de que, estando em um país
neutral e livre, as suas medidas patrióticas não poderiam ultrapassar um certo
limite, -- certamente aqueles capitalistas teriam posto à margem semelhante
desastrado alvitre.
A boicotagem é um recurso extremo e lógico mesmo, quando colocado o indivíduo
que o quer empregar num terreno firme de direito e de justiça no capítulo das
represálias. Ora, esse recurso, desde quase dois anos passados, no livre oceano,
vem sendo exercido pela Grã-bretanha, não permitindo que a sua inimiga do centro
da Europa mantenha relações comerciais com o resto do mundo.
266
No Brasil, as críticas estavam centradas nas medidas tomadas pelo presidente
Wenceslau Brás, que institui o imposto de guerra sobre os gêneros alimentícios.
O presidente da República qualifica de imposto de guerra o que o seu governo
prepôs sobre gêneros de primeira necessidade. Mas, o presidente da República está
vendo que, nos próprios países europeus em guerra, o imposto de consumo não tem
sido lembrado, antes tem sido repelido como inaceitável no momento em que a
vida tem tanto encarecido e a população sofre dificuldades até para alimenta-se.
Acautelem-se os nossos dirigentes. O povo brasileiro, a depósito de sua proverbial
mansidão, não tolere novos impostos que venham atormentar-lhe ainda mais a
existência, quando a sua pobreza, a sua miséria é diariamente afrontada pela vida
de bem-estar e de luxo de alguns, sem privação de custosos entretenimentos e
receio, em contínuos banquetes e festas, a que alimentam fortunas
escandalosamente adquiridas com a dilapidação dos dinheiros públicos, da qual
querem esses mesmos dirigentes sejam eles, os pobres, os pagadores.
Imposto de honra! Porventura esse povo será tão ignorante que não tenha mais
noção de sua existência?
265
O citado jornal, que circulou na cidade de Lisboa entre os anos de 1916 até 1923, era confeccionado pela
Federação Portuguesa dos Trabalhadores do Livro de do Jornal. Cabe aqui ressaltar que não foi apenas esse
jornal que mantinha contato com O Graphico. Jornais operários provenientes de diferentes partes do Brasil e do
mundo chegaram às mãos dos tipógrafos cariocas. Havia uma seção intitulada ‘Jornaes e revistas’, que anunciava
o recebimento dos exemplares de folhetins e jornais estrangeiros, tais como: Estudios e Exito Gráfico –
Argentina.
266
Ver, ‘Idéas Infelizes’, In: O Graphico, RJ, 15/04/1916, p. 02.
107
Oh, povo brasileiro! Acorda dessa letargia e vem explicar o teu sofrimento, as tuas
privações, a tua falta de recursos, pois que eles pensam que tu és o camelo da
lenda: - carregar um peso que não suportas, até dobrares os joelhos...
267
Para os gráficos a guerra era um grande flagelo triste e doloroso pelo qual a
sociedade deveria passar, por causa do regime social que vigorava. Em sua visão, eles a
toleravam já que era algo que escapava, ou seja, impossível de evitar.
Sob o domínio da guerra as nações recuam para o passado tenebroso em que a
força era reguladora das pendências, o epílogo rude de erros da política, ou de
desmandos de déspotas, ou de desejos de hegemonia, ou de conquistas de povos
fracos e sem defesa de força equivalente.
CONCLUSÃO
Nesses mais de quinhentos anos de história do Brasil, datas, locais e nomes não são o
que mais importam. As diferentes formas de organização social que existiram e existem no
267
Ver, ‘O Imposto de Honra’, In: O Graphico, RJ, 01/08/1916, p. 01.
108
país, isso sim é o que importa. Assim, esse trabalho, longe de querer resgatar integralmente
um determinado passado, buscou apresentar estruturas dinâmicas plenas de vida construídas
por homens, mulheres e crianças, que simultaneamente ajudaram a forjar/construir o país.
A partir da Reforma empreendida pelo prefeito Pereira Passos na cidade do Rio de
Janeiro, no início do século XX, pessoas comuns, como Diocleciano, Raimundo, João,
Edgard, José, Jotta Effe, Alpino, Edina e outros tipógrafos não menos importantes, que
viviam em casas de cômodos e nas pequenas pensões do centro da cidade, foram despojados
de seus “lares”, tendo que se dirigir ao subúrbio carioca.
Diariamente, a pé ou de trem, esses e outros operários chegavam aos seus locais de
trabalho. Nas oficinas tipográficas, editavam os jornais e livros que seriam lidos pelos homens
letrados. Contudo, aà frente da composição das linhas e também nas entrelinhas das páginas a
serem publicadas, estavam esses homens comuns, que valorizavam muito a necessidade de
saber ler e escrever. Por força do ofício e do hábito, liam muito. Conheciam diversas histórias,
heróis e, até mesmo, as pessoas comuns não lhes passavam despercebidas.
Eram homens comuns que casavam cedo, davam valor à sua família e às suas
conquistas sociais. Em seu ofício-arte, viam-se como mestres, título que para eles facultava o
direito de criticarem os textos mal escritos de quem quer que fosse.
Em seus lugares de trabalho, as péssimas condições de higiene provocavam a
disseminação da tuberculose. Além desse, outros males, como a cegueira precoce e a cirrose
de fígado, eram comuns. Morriam e deixavam suas viúvas e filhos na extrema pobreza, o que
obrigava essas crianças a deixarem de estudar para trabalhar.
Tudo isso nos foi descrito pelos tipógrafos do jornal O GRAPHICO, que a partir dos
seus artigos retrataram um pouco da realidade social vivida pelos operários do Rio de Janeiro.
Eles, que se autodenominavam “operários do pensamento”, utilizaram-se da palavra impressa
para forjarem uma construção de si mesmos, como operários letrados, o que, para eles, lhes
dava um lugar de destaque no mundo do trabalho carioca.
Viviam entre dois mundos: de dia, trabalhavam nos jornais de grande circulação da
cidade, e à noite se reuniam na sede de sua Associação gráfica, para discutirem os problemas
de seu grupo e também as questões sociais, políticas e econômicas de sua época, que
influenciavam, de modo geral, a vida do operariado brasileiro. Demonstravam uma
preocupação em conscientizar os outros trabalhadores da necessidade de se escolarizarem e,
assim, fortalecerem o movimento operário.
A educação, a prática do conhecimento formal, o fortalecimento do sindicato e a sua
utilização como local de práticas culturais, políticas e de denúncia eram elementos que
109
compunham o seu projeto político-educacional, difundido através dos artigos escritos e
publicados no seu jornal, criado a partir da fundação da Associação Gráfica do Rio de Janeiro.
O jornal torna-se um veículo de mobilização e de denúncia de todas as mazelas e
conquistas sociais não apenas dos gráficos, mas também de outros trabalhadores. A sua
valorização, como um espaço de lutas e vitórias pode e deve ser entendido como forma de
apropriação de outras visões de mundo presentes num determinado cotidiano social.
Não apenas os editores do jornal O GRAPHICO, como os tipógrafos de uma forma
em geral, se viam como participantes de um processo muito mais amplo no que diz respeito à
construção de idéias e, por isso, se sentiam diferentes dos outros operários. Nas páginas do
seu jornal, retratavam as condições de vida e de trabalho na cidade do Rio de Janeiro e por
vezes no Brasil, a partir de um olhar típico de um grupo de operários. Fruto de uma
importante parte da capacidade humana de se representar, o jornal terminava por ajudar na
reconstrução da história de uma dada sociedade, dando significado a essas várias
representações existentes. Torna-se uma outra forma de educar e de ler o mundo. Entender
como esses seres humanos, produziam suas próprias condições de existência tanto no plano
material como no simbólico foi a proposta desse trabalho.
Propusemos-nos, em termos teóricos, a analisar alguns conceitos fundamentais para a
interpretação e o estudo do jornal como fonte histórica. Ao longo da revisão dos autores, que
serviram de base para o presente trabalho, aprofundamos certos conceitos, como: mundo do
trabalho e cultura operária, imagem e representação, memória e história.
Através dos estudos metodológicos de teóricos como Carlos Ginzburg, com seu
paradigma do indiciário e Roger Chartier, com a idéia de apropriação das idéias de um grupo
por outro, foi que desenvolvemos um trabalho analítico do jornal O GRAPHICO, como fruto
de um processo social complexo, que, além de objeto de informação, transformou-se em
produto da mesma.
Revelar uma história, escondida nas entrelinhas dos artigos, foi o maior desafio do
uso desse jornal como fonte histórica. A reconstrução de uma cidade e de seus habitantes,
presentes nos textos escritos pelos tipógrafos, nos levaram a montar um grande jogo de
quebra-cabeças, no qual cada peça, ao ser encaixada, desvendava parte de uma memória
fragmentada, porém reveladora de um olhar peculiar sobre uma dada realidade social.
Identificar e organizar cada peça, ou seja, cada parte dessa memória, auxiliou-nos no
trabalho de interpretação dos dados coletados, além de nos proporcionar a realização de
vínculos entre os acontecimentos descritos pela História e o olhar dos tipógrafos, a partir,
claro, de uma representação lógica.
110
A criação do jornal e do seu sentido ocorre em certo espaço e tempo histórico, nos
quais alguém produz artigos que serão publicados sob determinadas condições e que
terminarão sendo apropriados e utilizados no sentido de construir dada memória; logo, uma
história.
Como uma forma de medir os processos sociais, os artigos do jornal revelavam não
apenas o cotidiano de uma cidade, mas também as particularidades da vida dos operários. As
relações entre trabalhadores e patrões transformaram-se em informações relativas do contexto
de uma época, compondo o que se chamou de mundo do trabalho.
Em si próprio, o jornal retrata imagens de uma sociedade cujas restrições impostas
pelos patrões, à carência de assistência por parte do Estado, a falta de direitos trabalhistas, a
repressão aos sindicatos e associações operárias, as péssimas condições de vida e saúde,
estavam presentes no cotidiano social dos operários.
A chegada das máquinas linotipos nas tipografias do Rio de Janeiro se transformou
num elemento decisivo no que diz respeito à divisão entre os gráficos, no início do século
XX. A rivalidade entre os linotipistas e os tipógrafos, que se intitulavam artistas, intensificou-
se no momento em que os patrões começaram a utilizar a diferença salarial para aumentar
ainda mais o controle dentro das tipografias.
Nesse momento, a Associação Gráfica do Rio de Janeiro estimulou ainda mais a
união entre a categoria. Para tal, promoveu concursos e exposições, que tinham como objetivo
reavivar a idéia de que o trabalho gráfico, na sua essência, era uma arte.
Mesmo após algumas vitórias, como a regulamentação do trabalho infantil, as
condições de trabalho e as grandes jornadas de trabalho ainda permaneceram. A manutenção e
a utilização da mão de obra feminina e infantil, além de ampliar, em muito, a produtividade,
durante muito tempo ainda foi fonte de lucro para os industriais brasileiros.
Ao longo da leitura dos artigos de O GRAPHICO nos foi possível perceber o quanto
seus articulistas buscaram preservar uma memória de sua categoria, e também alertaram os
outros operários quanto à necessidade de manterem presentes em suas lutas diárias o
verdadeiro significado do “ser” operário. Relatos de histórias que remetessem a um passado
de glória e esplendor, principalmente dos gráficos, são observados ao longo dos 2 (dois)
primeiros anos de publicação do jornal. Textos que primavam por explicar a origem das
doutrinas socialistas e anarquistas, nos quais o intuito era instruir o trabalhador sempre se
faziam presentes.
A difusão de uma consciência dos direitos civis e sociais dos trabalhadores, bem
como a necessidade desses homens se unirem através de um sindicato para lutarem pelas
111
melhorias das condições de trabalho e, assim, conquistarem seus espaços de atuação, era
constantemente abordada nos textos editados no jornal.
A memória coletiva desses operários nos foi deixada nas páginas de O GRAPHICO,
através de artigos e algumas fotografias publicadas em suas páginas, permitindo que
permitiram o Edgar, João, Araldo, José, Raimundo, Rosendo e outros, deixassem de ser
apenas nomes e ganhassem rostos. A narrativa desse trabalho foi composta, como num
quebra-cabeça, por fragmentos deixados por pessoas comuns em um jornal operário.
Organizá-los, dando forma e corpo, isso é situá-los em um determinado tempo e espaço.
Analisar, selecionar e organizar as informações, dando forma e corpo, situando-as em um
determinado tempo e espaço, tarefa do historiador, pretendeu mediar uma fração da vida de
um determinado segmento sociedade brasileira, mais precisamente carioca.
Ler seus artigos nos permitiu entrar em um passado, não muito distante, porém
revelador de singularidades que fizeram e fazem parte da vida dos trabalhadores brasileiros.
As informações contidas no jornal O GRAPHICO não se esgotaram... O presente estudo
privilegiou alguns fragmentos da memória desses homens e mulheres, que viram na imprensa
operária, tão perseguida pelo poder governamental, um espaço de luta e conquista de
valorização do ser trabalhador. Homens e mulheres, até então ocultos, nos deixaram partes de
uma memória de muitas lutas e poucas conquistas. Mas, ao ler as entrelinhas de seus artigos,
pudemos perceber que muito mais do que discussões políticas e conquistas sociais, eles
deixaram exemplos de vida....
O presente estudo não se encerra aqui. Na realidade abriram-se novas formas de
leitura, pois a História é um ato contínuo de tecer. O tecelão, isto é, o historiador, ao se
deparar com fios díspares, às vezes rotos e quebrados, arruma-os e forma uma nova tela, ou
seja, surge um novo olhar, uma nova forma de interpretar o objeto estudado.
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117
118
ANEXO
O GRAPHICO/ 1916
Mês
Carestia e a Questão
Social
As tipografias e a
Associação
Trabalho infantil e
feminino
Higiene e Saúde Educação e Cidadania Política
Janeiro
'Editorial'
'A carne'
'A nossa Associação'
'Notas à margem'
'É preciso'
'As 8 horas de
trabalho'
'Notas à margem'
'O alcool'
'Revendo'
'Revendo'
'Editorial'
'Esboço
'Typographico'
'Modos de ver'
'A escola
profissionalizante'
'A nossa associação'
'As promessas dos'
'Expediente'
Fevereiro
'Imprensa nacional'
'Ridendo castigare'
'Notas à margem'
'Uma palestra'
'Modos de ver'
'O trabalho'
'Echos'
'O nosso fim'
"Rompendo o veo'
"Poucas palavras'
_______________
'Modos de ver'
'Nós, e o projecto'
'Notas à margem'
'Avante, ainda'
Março 'Echos'
'Industreas'
'Até que'
'Exemplo a ser'
'Divisão do trabalho'
'Industriais'
'Carapuças'
'Solidariedade'
'Uma data'
'Coisas da'
'Um por todos'
'Modos de ver'
'Modos de ver'
'Echos'
'A velha megera'
'O nosso'
'Assalto'
'Acção operária'
Abril
'Sem pão'
'Echos'
'O desenvolvimento'
'Pelo bem'
'Pelo bem'
'Coisas da arte'
'Por nós, e'
________________
'Modos de ver'
'Reflexões'
'O fim a'
'O discurso do'
'Reflexão'
'Echos'
'Industriaes'
Maio
'Crise do papel'
'Echos'
'A união faz'
________________ 'O alcoolismo' 'Desilusão'
'Disilusão'
'Acção operária'
'Anarquia'
Junho _____________ _______________
'Sempre'
'Aos industriais'
_______________
'O projecto'
'Contra'
'O aprendizado'
'Pontos nos'
'1917'
'Echos'
Julho
'Os nickeis'
'Quem Qui'
'Ridendo'
'A associação'
'Reflexão'
'Toque de'
'Echos'
'Uma boa vida'
'Divagações'
______________
'A peste branca'
'Pedaços de ou'
'Echos'
'A machina'
'Educação'
'Accidentes'
'Conversa fiada'
119
O GRAPHICO/ 1916
Mês
Carestia e a Questão
Social
As tipografias e a
Associação
Trabalho infantil e
feminino
Higiene e Saúde Educação e Cidadania Política
Agosto 'O festival'
'Astúcias'
'Anamorphose'
'E...mais'
'Anamorphose'
'De Theophilo'
'O trabalho'
'Para que os collegas'
________________
'O aprendizado'
'A questão'
'O imposto de honra'
'Echos'
Setembro
________________
_________________ _________________ _________________ _________________ _________________
Outubro
'Justiça'
'Socialismo'
'A brutal'
'Viva a Associação
'Echos'
'Liga de associações'
'Associação
typographica bahiana'
'Justiça'
'Golpe terrivel'
'Echos'
'A brutal carestia'
Novembro
'Meditações'
'Uma tentativa'
'Socialismo'
'Associação graphica'
'A sessão'
'Ligiero histórico'
'Echos'
'Carta aberta'
'A peste branca'
'A sessão'
'Reflexões'
'Echos'
'Socialismo'
'Reflexões'
'Uma phrase'
Dezembro
'Socialismo'
'Palestras'
'Meditações'
'Echos'
'Palestras'
_________________
'Justiça e'
'Meditações'
'Socialismo'
'Bellos exemplos'
'Palestras íntimas'
'Bellos exemplos'
'Socialismo'
'Justiça'
'Socialismo'
'Politicagem'
120
O GRAPHICO/1916
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Janeiro
'Reminiscências'
'Reflexões'
'Na espectativa'
'Editorial'
'A nossa associação'
'nova tentativa'
'Canto typographico'
‘Editorial’
‘Notas à margem’ __________________
Fevereiro
'Ridendo castigare'
'Rompendo'
'Nickeis'
'Motores e machinas'
'Ridendo catigari'
'Esboço typographico'
'Modos de ver' __________________ ‘O nosso fim
‘Modos de ver’
‘Uma palestra’
‘Aos estivadores’
Março
'Até que'
'O militarismo'
'Os emmendadores'
'Sejamos solidarios e
amigos'
'União em primeiro
lugar'
'Modos de ver'
'Avante, ainda!'
'A grande'
‘Esboço typographico
‘Falecimentos’
_________________ _________________
Abril
'Industeaes'
'Sem pão'
'E recomeçou'
'Idéas'
'Acção'
'Por nós'
'Prosigamos'
'Esboço typographico'
'Modos de ver'
'Um bello exemplo'
'Perfidas'
'Acção pop'
‘Recordando’
‘Industreaes’
‘Acção operária’
‘O desenvolvimento’
Maio
'Idéas inf'
'Disilusão'
'Acção operária'
_______________
'A imprensa'
'O desenvolvimento
‘Disilusão’ ‘Acção operária’ ________________
Junho
'Justiça'
'Razão fim'
________________
‘Ridendo castigare’
‘Esboço typographico
_______________ _______________ ________________
Julho
'Echos'
_______________
‘Alguma coisa’
‘O aprendizado’
‘Perversidade’
‘Razões’
‘A saudade’
‘Esboço typographico
‘Divagações’
‘Nota curiosa’
_______________ _________________
121
O GRAPHICO/1916
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Agosto ‘O imposto’
‘Alguma coisa’
‘O aprendizado’
‘Perversidade’
‘O trabalho’
‘Para que os collegas’
‘Matadouro’
‘O aprendizado’
‘A questão’
‘O imposto’
‘Echos’
Setembro
______________
_________________ ______________ ________________ _________________ _________________
Outubro
_______________
________________
Novembro
_______________
‘O corrier’
‘Informações’
‘A sessão solene’
‘Várias notas’
‘Associação graphica’
‘A sessão solene’ ‘Carlos Tesca’
‘A sessão solene’
‘Várias notas’
‘Carlos Tesca’
Dezembro
_______________
‘Meditações’
‘A união’
‘Echos’
‘Informações’
________________ _______________ ________________
122
GRAPHICO/ 1917
Mês
Carestia e a Questão
Social
As tipografias e a
Associação
Trabalho infantil e
feminino
Higiene e Saúde Educação e Cidadania Política
Janeiro
‘A Typoraphia’
‘Peste, fome e
guerra’
‘Meditações’
'A Typographia'
'Echos'
'Na expectativa'
________________
'Peste, fome e doenças'
'Palestras'
'A Typographia'
'Reflexões’
'Socialismo'
'Meditações'
'A Typographia'
'Reflexões'
'Socialismo'
‘Há um anno’
‘Meditações’
Fevereiro
'Meditações'
'A Lucta'
'João Leuenroth'
'A última'
‘Lutemos’
‘Em marcha’
‘Syndiato’
‘Meditações’
_________________ _______________
'O operario'
‘Meditações
'O operario'
‘Meditações
Março
'O saque’
'Crueldade’
‘Socialismo’
‘Mosaico’
‘O princípio’
‘Reflexões’
‘Campanha’
'As associações'
'Echos'
‘O princípio’
'A aprendiz'
'Crise de trabalho'
'Exploraadores'
'Crueldade'
‘Escravatura’
'Crueldade'
‘Mosaico’
‘Hygiene’
‘Echos’
‘Meditação’
‘Campanha’
'O saque'
'Echos'
'Socialismo
'O saque'
'Echos'
'Socialismo'
Abril
'Reflexões'
'Meditações'
'Na fogueira'
'Aos retinentes'
‘Duas palavras’
‘Pro grahico’
‘Pelas officinas’
'A valor'
'Meditações'
‘A fadiga’
‘Escolas’
‘Typographias’
‘A classe graphica’
‘Pro graphico’
'O valor'
'Pro graphico'
'A fadiga'
'O valor'
'Pro graphico'
'A fadiga'
Maio
'A jornada'
‘A carestia’
‘O culto’
‘A quem’
'Meditações'
'Quem devemos'
‘A quem’
‘Sem título’
‘O aprendizado’
‘A exploração’
'A jornada de trabalho'
‘Hygiene’
‘Quem devemos’
‘A quem’
‘Sem título’
‘Uma officina’
'A carestia'
‘Meditações’
‘Trecho’
'A carestia'
'Meditações'
'Trechos'
123
Junho
‘No paiz’
‘Leis operárias’
‘Os martírios’
‘Pela solidariedade’
‘Centro operário’
‘Movimento’
‘União’
'Lamurias'
'Pela liberdade'
‘Reflexões’
‘Um pouco’
'Reflexões'
'Patriotismo'
'Leis operárias
'Patriotismo'
‘Avalanche’
Julho ______________
'O regimento'
'União'
'Associação graphica'
‘Techica’
‘Uma nova’
'O regimento'
'O 58'
'Pela verdade'
'Pequenas ideias'
'Jogo franco'
'Reflexões'
Agosto 'Trechos'
'No combate'
'Um apello'
'Em acção'
'A uma transfuga'
'O bicho'
'Pacheco'
'O trabalho do menor'
‘O operário’
‘Mosaico’
'O aprendizado'
'Biblioteca socialista'
_________________
Setembro
‘Os
acambarcadores’
‘Desfaz’
‘Aviso’
‘Martyres’
‘O nosso’
‘Trecho’
‘O despacho’
‘Outra sapucaia’ ‘O nosso’ _________________
Outubro
'O salário mínimo’
'O reconhecimento
'O que faremos'
'Mais um anno'
'O despacho da classe'
'Trabalho dos
menores'
'Mosaico'
‘De relance’
‘Uma especulanca’
‘Coelho’
'Salário Mínimo’
‘Biblioteca socialista’
_________________
Novembro
'Conquista de
direitos'
'Uma idéia'
'Um dia de festa'
'De relance'
'Associação de classe'
'Conquista de direitos'
'Reclamações'
'De relance'
‘Hygiene’
‘Contra o alcoolismo’
'O que eu'
'Eduquemo-los'
__________________
Dezembro
'Exposição graphica'
'É nosso dever'
'Quem é'
'Sejamos'
_________________ ________________
'Espalhamos a'
_________________
124
O GRAPHICO/1917
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Janeiro
'Peste, fome e
guerra'
'Echos'
'Informações'
'A typographia'
'Echos'
'Socialismo'
'Informações'
‘Na espectativa’
_________________ __________________
Fevereiro
'Echos'
'Meditações'
_________________
'A lucta'
‘Lutemos pela
‘Echos’
__________________ _________________ __________________
Março
'Os sem'
'Techinica'
‘Os lynotipos’
'O aprendizado'
'Crueldade'
'Os sem'
'Crise de'
'Os lynotipistas'
__________________ ‘Meditações’ _________________
Abril
'Comentando'
'Meditações'
'Na fogueira'
'Duas palavras'
'Techinica'
'O valor'
'Aos renitentes'
'Duas palavras'
'Na fogueira'
'Escolas'
'Uma data'
_________________ _________________
‘O valor’
‘Echos’
‘Meditações’
Maio
'Quem devemos'
'A guerra'
‘Techinica’
‘Uma officina’
‘Techinica’
'O 1° de maio'
'Quem devemos’
‘A quem’
_________________ _________________
‘Movimento
internacional’
Junho
'Justiça'
'Razão fim'
________________
‘Ridendo castigare’
‘Esboço typographico
_______________ _______________ ________________
Julho
'O regimen'
‘Techinicas’
‘A comandida
‘Reflexos’
‘Pé quebrado’
‘equenas ideas’
‘Trechos escolhidos’
_________________ _______________ _________________
125
O GRAPHICO/1917
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Agosto
_______________
‘Techinica’
‘Pé quebado’
‘Em acção’
‘O que é a’
_________________ ‘Confronto’ __________________
Setembro
______________
‘Techinica’
‘Pé quebrado’
‘Como devemos’
________________ ‘Mosaico’ ‘O primeiro embate’
Outubro
‘O que é a’
‘O oriente’
‘Mosaico’
‘Para todo o graphico’
‘Techinica’
‘Pé quebrado’
‘De relance’
‘Oriente à lucta’
Correspondência’
‘Reinados’
_________________ ‘trecho escolhido’ _________________
Novembro
_______________
________________
‘Eduquemo-nos’
‘Deus e o operário’
‘Fantoches’
‘A união’
_________________ ________________ _________________
Dezembro
‘Só deveres’
‘Exposição
graphica’
________________
‘Modos de
‘Exposição graphica’
‘Ressurge’
________________ _______________ ________________
126
O GRAPHICO/ 1917
Mês Questões Lúdicas
Correspondência com
outros jornais
As oficinas e as
questões trabalhistas
O 1° de Maio e as
graves
O cotidiano no Rio de
Janeiro e a exposição
Curiosidades e
Palestras Íntimas
Janeiro
'Federação'
'Jornaes e revistas'
‘Imprensa’
‘Jornais’
'A typographia’
'A vida alheia'
'A imprensa'
'Justiça e'
‘Meditações’
‘O momento
‘Palestras’
‘Meditação’
‘Viva a’
‘Echos’
‘A vida alheia’
‘A imprensa’
‘Caracteres’
‘Papel’
‘Echos’
‘A educação feminina’
‘Organização
graphica’
Fevereiro
'João Leuenroth'
'Meditações'
'Congrasso de'
'Jornaes'
'Lutemos' __________________ ‘Meditações’
‘Echos’
‘A educação da
mulher’
Março
'Echos'
_________________
'Bons'
'Crise de'
'Crueldade'
'Mosaico’
_________________
‘Bons’
‘Crueldade’
‘Mosaico’
‘O saque’
‘Exploradores’
‘Socialismo’
‘A educcação’
Abril _________________
'Jornaes'
‘Jornaes’
'A classe graphica'
'Pro graphico'
'Chefes'
‘Trecho’
‘Classe graphica’
‘Pro graphico’
“O chinelo’
‘Duas palavras’
‘O chinelo’
‘Mosaico’
Maio 'Sem título'
‘Jornaes’
‘Uma officina’
‘Jornaes’
'Hygiene dos'
'Quem devemos’
‘A exploração’
‘O 1° de maio’
‘Trecho’
‘Reflexões’
__________________
‘Chefes e’
‘Mosaicos’
‘A originalidade’
‘Mosaico’
Junho _________________ ________________
‘Os chefetes’
‘Uma officina’
‘Leis operárias’ ‘Pela liberdade’
‘Cheiro de’
‘Admirável’
127
Julho _______________ 'Uma carta'
'A papelada'
‘O 58’
_________________
'Graphicas'
'Pela verdade'
'Mosaico'
Agosto ________________ _________________
'Em acção'
'O Pacheco '
'Em acção'
‘No combate’
‘A greve’
'O bicho'
‘O que é’
‘A propósito
'A propósito’'
'Na graphica'
'Mosaico'
Setembro ________________
'A última'
'Os açambarcadores'
‘Uma victória’
'Uma officina'
'Proeza'
'Zé Maria'
'A boa caminhada'
‘Minando’
‘Pacheco’
'A classe'
‘Questão graphica’
‘O operariado’
‘Para meditar’
'A camapnha'
'Os traidores'
'Mosaico'
'Aldo'
Outubro _______________
'Annales graphicos'
‘Correspondência’
'Relance'
'O despreparo da
classe'
‘De relance’
‘Orientação’
‘O fim da’
'O que faremos'
'O segundo anno'
'Mais um anno’
_________________
Novembro 'Saudação’
'Exemplos a seguir'
‘Aos companheiros’
‘O que eu’
‘O favorito’
'Aviso'
'Hygiene'
‘Um dia de festa’
‘Exposição graphica’
‘O segundo
anniversário
__________________
Dezembro _____________ _______________
'É nosso'
'Resurge a’
‘Officina’
‘Leis operárias’
_______________
'Exposição graphica'
'Modos de ver’
'Literatura'
‘Reclamações’
128
GRAPHICO/ 1918
Mês
Carestia e a Questão
Social
As tipografias e a
Associação
Trabalho infantil e
feminino
Higiene e Saúde Educação e Cidadania Política
Janeiro
‘Hygiene’
‘Varrendo
'O graphico'
'Sejamos'
________________ ‘Hygiene...’
'O graphico'
'A última’
'MEC'
'Subsídio'
‘O graphico’
Fevereiro 'A arte'
'Jacobinismo'
'a arte'
'As senhoras...'
‘A ação’
‘Em torno’
‘O horário’
‘Abaixo’
‘As senhoras’
'Aos senhores'
‘A arte...’
‘As senhoras’
_________________
Março
‘Onde vamos’
‘Um grande mal’
'O nosso'
'Unidade'
‘De relance’
‘Operários’
‘Alerta’
‘Dentro’
'Operários'
‘Secção’
_________________
__________________
'Unidade'
'Abaixo'
Abril
'O trapeiro'
'O gigante'
‘A minha’
‘De relance’
‘Peço a’
‘Verdades
‘Meus colegas’
‘Sombras’
‘Em Nicteroy’
‘O descanso’
‘Secção’
‘Verdades
__________________
'Egualdade'
'O descanso'
Maio
'A fome'
‘Miséria’
‘A mensagem
‘Desenho da
'Extranhável'
'Meditando'
‘Não da certo’
‘O valor’
‘Há fome’
‘A mensagem
__________________
'A mensagem'
Junho
‘Guerra dos’
‘Dentro da’
‘Direitos e’
‘O ensino’
‘O ensino’
_________________
_________________
Julho ______________
'Espírito...'
'A bem a...’
'Pessimismo'
‘Manifesto...’
‘O salário...’
‘A aprendizagem’
‘Verdade
'Vícios'
'Pingando'
'A aprendizagem'
‘Vícios’
'Verdades'
'Comissão'
129
Agosto 'O salário' _________________
‘A greve’
‘Pingando’
'A propósito’
'Dentro da’
‘O papel’
‘Código’
Setembro
_______________
‘Alerta’
‘Comentários’
__________________ ‘Aos typos ‘A escola’ _________________
Outubro ________________ __________________ __________________
‘O envenenamento’
'Refutando’
________________
_________________
Novembro
________________
__________________
__________________
_________________
_________________
__________________
Dezembro
_______________
_________________ _________________ ________________
_________________
_________________
130
O GRAPHICO/1918
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Janeiro
_______________ _________________
'Guerra dos
________________
_________________ __________________
Fevereiro 'A arte como’ ‘A arte’
_________________
__________________ ‘Jacobinismo’ __________________
Março
'União e acção’
_________________
'Os collegas’
__________________ __________________ _________________
Abril
'O tropeiro’
__________________
'Caminhando’
'Secção’
'Em Nicteroy’
‘Verdades
_________________ ‘Indivíduos’ _________________
Maio
'A fome nos’
'Miséria’
__________________
'trabalhadores’
'O maior socialista’
_________________ _________________ ‘União’
Junho
_______________ ________________
‘Serviços’
‘Boatos’
_______________ _______________ ________________
Julho
‘Pingando’ _________________
‘Espírito...’
‘Pessimismo’
‘A bem a...’
‘Um revoltado’
‘Dentro da...’
_________________ _______________ _________________
131
O GRAPHICO/1918
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Agosto
‘O salário’
________________
‘A greve’
‘União e’
_________________ _______________ __________________
Setembro
______________
__________________ _________________ ________________ __________________ __________________
Outubro
_______________ __________________
‘Um acto’
‘Federação’
_________________ _________________ _________________
Novembro
_______________
________________ __________________ _________________ ________________ _________________
Dezembro
_______________
________________ _________________ ________________ _______________ ________________
132
O GRAPHICO/ 1918
Mês Questões Lúdicas
Correspondência com
outros jornais
As oficinas e as
questões trabalhistas
O 1° de Maio e as
graves
O cotidiano no Rio de
Janeiro e a exposição
Curiosidades e
Palestras Íntimas
Janeiro ______________ ________________
‘Guerra aos’
‘Na berlinda’
‘Um conflito’
__________________
‘Exposição’
‘A exposição’
‘Sociólogos’
Fevereiro _______________
'Sincero aplauso’
‘Aos srs. Chefes’
‘Um quase’
‘O horário’
‘O renatimo’
‘Na berlinda’
__________________
‘Exposição’
‘A arte’
‘Cathecismo’
Março
________________
Jornaes e’
‘Os chefes’
‘Na berlinda’
_________________ ____________________ __________________
Abril ‘Comuna’ ________________ ‘Na berlinda’ ________________ ____________________
Maio ‘União’
‘Caminhando’
‘Em Portugal’
‘Verdades’ _________________ __________________ __________________
Junho _______________ ‘A greve’
‘Direitos e deveres’
‘Boatos’
‘Dentro da’
‘Direitos dos’
_________________
‘Revoltante’
‘Antithese’
‘Caixa da’
Julho _______________ _________________ ‘Respingando’ _________________
___________________
‘Uma revolução’
133
GRAPHICO/ 1919
Mês
Carestia e a Questão
Social
As tipografias e a
Associação
Trabalho infantil e
feminino
Higiene e Saúde Educação e Cidadania Política
Janeiro ______________
________________ ‘O combate’ ‘A educação’ ‘O combate’
Fevereiro _______________
_________________
_________________ _________________
________________
_________________
Março
________________
‘Movimento operário’ ‘O trabalho’ _________________ __________________ ‘Partido’
Abril
_______________ ‘Derradeiro’
_____________
_________________ __________________ ________________
Maio
________________ _______________ _________________
_________________
__________________ _________________
Junho _______________ _________________
_________________
‘Posto médico’
_________________
_________________
Julho ‘Apello’ _________________ _________________
_________________
__________________ ‘Salário’
Agosto ______________ ‘Continuemos’
__________________
_________________ ‘Rumo’
‘Comissão’
‘Retalhos’
Setembro
_______________
________________ __________________ ________________ _________________ _________________
Outubro ________________ __________________ __________________
__________________
________________
‘O operário’
Novembro
________________
‘Bello programa’
__________________
_________________
_________________
‘A representação’
Dezembro
_______________
_________________ _________________ ________________
_________________
_________________
134
O GRAPHICO/1919
Mês Guerra Mundial
As máquinas e os
novos grupos
A categoria: arte/união Saudosismo Operários estrangeiros
Relação com outras
categorias
Janeiro
_______________ _________________
________________
________________
_________________ __________________
Fevereiro _______________ ________________
‘O 13 de maio’
‘Aos operários’
__________________ __________________ __________________
Março
‘Advertências
_________________
_________________
__________________ __________________ _________________
Abril
______________
__________________
‘O descanso’
‘José Fonseca’
‘Vários’
_________________ _________________ _________________
Maio
________________ __________________
__________________
_________________ _________________ __________________
Junho _______________ ________________
_________________
_______________ _______________ ________________
Julho
_____________ _________________
‘Modos de ver’
‘O valor’
_________________ ‘O mundo _________________
Agosto ________________ _________________
_________________
__________________ ________________ _________________
Setembro
_______________
________________
‘Bella’
‘Solidariedade’
‘Galeria’ _________________ _________________
Outubro ________________ __________________ __________________
_________________
________________
_________________
Novembro
________________
__________________
‘Anarquistas’
‘Os anarquistas’
_________________
_________________
__________________
Dezembro
_______________
_________________ _________________ ________________
_________________
_________________
135
O GRAPHICO/ 1919
Mês Questões Lúdicas
Correspondência com
outros jornais
As oficinas e as
questões trabalhistas
O 1° de Maio e as
graves
O cotidiano no Rio de
Janeiro e a exposição
Curiosidades e
Palestras Íntimas
Janeiro
______________
________________ ‘Concessão de’
__________________
_________________
‘Confraternização’
‘A educação’
Fevereiro _______________
_________________
________________ __________________ _________________
_________________
Março
_______________
_________________
‘Partido’
‘Acidentes de’
_________________ __________________ __________________
Abril
_________________ __________________
‘Derradeiras’
________________ __________________ __________________
Maio
_______________ ________________
‘A imprensa’
_________________ __________________ __________________
Junho _________________ ________________ ‘A regulamentação’
‘1° de maio’
‘Ecos do 1° de maio’
‘Salve o 1° de maio’
_________________ _________________
Julho
_____________ _________________
‘Salário’
‘Pro salário’
‘Aproxima-se’
‘Pelo trabalho’
‘1° de maio’
‘Estupendo
_________________ _________________
Agosto
________________ _________________
‘Continuemos’
‘O gesto’
‘Ao festival’
‘O dia 7 de setembro’
‘Estrangeiro’
________________ _________________
Setembro
_______________
________________ _________________ __________________ _________________ _________________
Outubro ________________ __________________ __________________
_________________
________________
_________________
Novembro
________________
__________________
_________________
‘Consequencia’
_________________
__________________
Dezembro
_______________
_________________ _________________ ________________
_________________
_________________
136
Setembro
_______________
‘Alerta’
‘Comentários’
__________________ ‘Aos typos ‘A escola’ _________________
Outubro ________________ __________________ __________________ ‘O envenenamento’
'Refutando’
________________
_________________
Novembro
________________
__________________
__________________
_________________
_________________
__________________
Dezembro
_______________
_________________ _________________ ________________
_________________
_________________
137
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