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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Bruno Beltrame
O debate de Amartya Sen com Kenneth Arrow e John Rawls e a Abordagem das
Capacidades
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Economia Política pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação da Professora Doutora Laura
Valladão de Mattos.
SÃO PAULO
2009
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Milhares de livros grátis para download.
Dedico este trabalho a meus pais,
Mariana e Antônio, irmãos
Yvonne e Thomas e à Daiane
pelo afeto e apoio incondicionais.
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Agradecimentos:
À professora Doutora Laura Valladão de Mattos que orientou esta dissertação
e cuja ajuda se mostrou imprescindível desde o começo do trabalho.
À professora Doutora Ana Carolina Corrêa da Costa Leister pelas observações
e sugestões valiosas que fez no exame de qualificação.
Ao professor Doutor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva pelas
contribuições e conhecimentos que compartilhou no exame de qualificação.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia
Política da PUC-SP pelos ensinamentos e pela prestatividade com a qual
sempre atenderam às minhas solicitações.
À Sônia pelos inúmeros problemas que me resolveu sempre com muita
simpatia.
Aos colegas de mestrado pelas discussões estimulantes e pelos momentos
alegres que compartilhamos.
À minha família pela presença carinhosa e constante.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
por ter financiado esta pesquisa desde o seu início.
Resumo:
Beltrame, Bruno. O debate de Amartya Sen com Kenneth Arrow e John
Rawls e a Abordagem das Capacidades. São Paulo, 2009. Dissertação
(Mestrado), Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da
PUC-SP.
O objetivo dessa dissertação é investigar em que sentido é pertinente
localizar na teoria da escolha social de Kenneth Arrow e na teoria da justiça
de John Rawls as duas principais raízes teóricas da abordagem das
capacidades de Amartya Sen.
Argumentar-se-á que a teoria da escolha social de Arrow cumpriu o papel
de explicitar as deficiências da teoria econômica do bem-estar. Desse
modo, as análises de Arrow apontam as limitações a serem superadas para
se chegar a uma teoria satisfatória da escolha social indicando em certa
medida rumos a serem seguidos.
Da mesma maneira argumenta-se que a teoria da justiça de Rawls forneceu
elementos importantes que inspiraram certos posicionamentos éticos
evidentes no pensamento de Amartya Sen e que se refletem em suas
análises da escolha social.
Por fim são apresentadas as principais características da abordagem das
capacidades que podem ser diretamente associados a estas duas origens
teóricas, e será argumentado que a teoria de Sen ao mesmo tempo
soluciona as deficiências apontadas por ele na estrutura teórica da escolha
social de Arrow e incorpora, ainda que de forma modificada, elementos
presentes no pensamento de Rawls.
Palavras-Chave: abordagem das capacidades, economia do bem-estar, teoria da escolha
social, Teoria da Justiça e justiça distributiva.
Abstract:
Beltrame, Bruno. The Amartya Sen’s debate with Kenneth Arrow and John
Rawls and The Capability Approach. São Paulo, 2009. Dissertation,
Program of Post Graduated Studies in Politic Economy of PUC-SP.
The aim of this dissertation is to inquire in what sense it is reasonable to
locate in Kenneth Arrow’s social choice theory and in John Rawls’ theory
of justice the two main theoretical roots of Amartya Sen’s capability
approach.
It will be argued that Arrow’s social choice theory had the role of revealing
the main deficiencies of the welfare economics theory. Thus, Arrow’s
analysis points the limitations to be fulfilled in order to arrive at
satisfactory theory of social choice indicating, in this sense, the paths to
be pursued.
In the same manner, it is argued that Ralws’ theory of justice provided
important elements that inspirated certain ethical positions present in
Amartya Sen’s thought, which appear in his approach to the problem of
social choice.
To conclude, the main features of the capability approach that can be
directly associated with these two theoretical origins are exposed, and it is
argued that Sen’s theory simultaneously solves the deficiencies pointed by
him in the theoretical structure of Arrow’s social choice and embodies,
even though in a modified way, elements of Rawls’ thought.
Key Words: capability approach, welfare economics, social choice theory, theory of
justice and distributive justice.
1
Índice
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2
O debate de Amartya Sen com Kenneth Arrow e John Rawls e a Abordagem
das Capacidades
Bruno Beltrame
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Esta dissertação tem por objetivo apresentar duas importantes filiações teóricas da
abordagem das capacidades desenvolvida por Amartya Sen. Uma destas filiações é a
tradicional teoria da escolha social inaugurada por Kenneth Arrow
1
, que em linhas gerais se
preocupa com as análises sobre os processos de decisão coletiva e sobre como nesses
processos devem ser consideradas as opiniões individuais. A outra filiação teórica de que
trataremos encontra seu substrato na teoria da justiça desenvolvida por John Rawls.
As origens históricas das idéias que levaram autores como Sen a questionar as
limitações que apresentava a tradicional teoria da escolha social nos remete ao início do
século XX, quando surgiram as primeiras críticas sobre o status científico da teoria
econômica do bem-estar que se centravam no fato de que esta teoria permitia que fossem
feitas comparações interpessoais de utilidade.
Estas críticas parecem ter impulsionado o movimento que ficou conhecido como
New Welfare Economics que, entre outras coisas, abolia a possibilidade das comparações
interpessoais ao adotar uma noção ordinal da utilidade que passava a ser representada por
escolhas individuais.
Este expurgo das comparações interpessoais do debate econômico do bem-estar
trouxe outras conseqüências que começaram a vir à tona com a publicação de Social Choice
& Individual Values de Arrow pela primeira vez em 1951. Como será visto com mais
detalhes, Arrow encontrou uma limitação muito significativa da New Welfare Economics
quando sua estrutura é confrontada com certas exigências que ele considerava necessárias
1
O termo tradicional” é na verdade impreciso, que como destaca Sen “a teoria da escolha social é uma
disciplina muito ampla” (SEN, 1998, p. 67), e o que Arrow inaugurou foi na verdade a versão moderna desta
teoria. Ainda assim optamos por nos referir a ela como “tradicional” com o intuito de tornar mais nítida a sua
diferença com os desenvolvimentos posteriores, como aquele representado pela própria abordagem das
capacidades.
3
ao processo de escolha social, e a maneira como ele desenvolveu sua análise sobre tais
questões significou o início de um novo campo de pesquisa que ficou conhecido como
teoria da escolha social. Este campo atraiu os esforços de muitos estudiosos, dentre eles
Amartya Sen.
Apesar de Sen ter desenvolvido muitos trabalhos dentro dessa linha de pesquisa,
aquela estrutura analítica parecia ainda não ser capaz de tratar de muitas questões que ele
considerava essenciais para as decisões sociais. Talvez influenciado por sua origem na
Índia país marcado pela pobreza e extrema desigualdade social – e também por ter
presenciado em sua infância uma grande fome generalizada em seu país
2
; as grandes
preocupações de Sen no que concerne à escolha social sempre foram as privações humanas,
a desigualdade e a liberdade, e para esses assuntos, o sistema de análise desenvolvido na
teoria da escolha social daquele momento não parecia satisfatório.
Na busca por uma teoria que tratasse de maneira adequada destas questões, Sen
encontrou nos trabalhos de Rawls um solo rtil para suas reflexões. Nestes trabalhos, que
depois foram sintetizados em A Theory of Justice (1971), Rawls, entre outras coisas, havia
conseguido associar uma noção de justiça à defesa da igualdade distributiva elementar que
deveria ser um direito de todos. Como será argumentado nessa dissertação, Rawls
desenvolveu uma idéia de justiça distributiva, que em muitos sentidos estabelece as bases
para a abordagem das capacidades.
Apesar de oferecer respostas a muitas das críticas que Sen dirige à estrutura
analítica da teoria da escolha social, no entendimento de Sen, a teoria da justiça de Rawls
ainda não é capaz de garantir uma igualdade elementar adequada, pois como será visto, ela
desconsidera uma característica humana que é para Sen fundamental nesse tipo de análise,
que é a diversidade que existe entre as pessoas.
A abordagem das capacidades pode ser vista então como o resultado do debate, que
Sen desenvolveu não só, mas principalmente com Arrow e Rawls. Neste debate, os
trabalhos de Arrow foram importantes por estabelecerem uma estrutura de análise da teoria
econômica do bem-estar que parte do ponto de vista da escolha social, mas que
posteriormente mostrou-se inadequada para responder as questões que inquietavam Sen.
2
Em entrevista à Klamer (1989, p. 136), Sen relata que “Quando eu tinha nove anos de idade tivemos a fome
generalizada [famine] de Bengala”, e “isso fora uma experiência muito forte” (idem).
4
Rawls por sua vez teve importância por desenvolver uma maneira que Sen considerou
adequada para tratar teoricamente destas questões.
Por fim, a abordagem das capacidades possibilitou Sen a lidar de fato com as
questões que o interessavam. Tanto é assim, que esta teoria foi capaz, por exemplo, de
fornecer um embasamento teórico para índices de pobreza
3
e também para o cálculo do
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
4
que define “‘bem-estar’ como qualidade de
vida” (SILVA, 2007, p. 174).
Diante do que foi dito, a dissertação está estruturada da seguinte maneira: no
primeiro capítulo analisaremos algumas características centrais da New Welfare Economics
e também como funciona a estrutura analítica da teoria da escolha social na formulação de
Arrow. No segundo capítulo exporemos alguns elementos da teoria da justiça de Rawls que
consideramos fundamentais no debate deste autor com Sen. No terceiro capítulo serão
apresentadas primeiramente algumas críticas que Sen dirige à tradicional teoria da escolha
social. Em seguida será exposto como a teoria de Rawls responde em parte a essas críticas e
por último analisaremos os principais pontos da abordagem das capacidades.
3
O próprio Sen desenvolveu um índice de pobreza em Sen (1976b)
4
Segundo nos atesta Atkinson (1999), p. 23
5
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Para entendermos de maneira mais precisa em que sentido a New Welfare
Economics é inovadora e de que modo este ponto de vista resultou na insatisfação de
Amartya Sen com os limites desta teoria, é útil remontarmos brevemente seu início. A
“novidade” que a New Welfare Economics introduziu dizia respeito à forma de sua função
de bem-estar social. Diferentemente das abordagens cardinais anteriores, o argumento desta
função passava a ser ordinal de modo que ela somente considerava as preferências
individuais pelos estados sociais. Como resultado dessa mudança por um lado temos que
essa nova abordagem não mais permitia comparações interpessoais de quaisquer tipos, e
por outro lado ela não se comprometia com critérios mínimos de decisão democrática.
Arrow centrou-se nesta última questão e apesar de aceitar os pressupostos de
ordinalidade, forçou a estrutura da New Welfare Economics a gerar um processo de escolha
social democrático em todas as situações possíveis. Como será visto essa exigência resultou
no conhecido “Teorema da Impossibilidade de Arrow”, e essa constatação é entendida por
Amartya Sen como um resultado “devastador e de longo alcance” (SEN, 1985a, p.326)
5
, na
medida em que aparentemente expunha uma limitação preocupante do alcance da teoria
econômica do bem-estar neste novo formato.
O caráter desafiador do Teorema da Impossibilidade mobilizou muito rapidamente
um grande esforço dos estudiosos do tema no sentido da busca por uma solução daquilo
que parecia ser um caminho sem saída. Os diversos trabalhos que trataram desta questão
podem ser divididos no nosso entendimento, em dois grandes grupos. O primeiro deles é
composto por aqueles que partem, pelo menos em grandes linhas, da mesma estrutura
teórica utilizada por Arrow e que chegam a uma saída da Impossibilidade por meio de
modificações feitas em sua estrutura lógica. No segundo grupo, encontramos aqueles
trabalhos que trazem elementos de outras disciplinas que tradicionalmente não
5
As citações de textos em língua estrangeira foram traduzidas livremente pelo autor.
6
pertenciam à teoria econômica do bem-estar que resultam em estruturas conceituais que
não encontravam pela frente a Impossibilidade como resultado. Amartya Sen desenvolveu
trabalhos que podem ser situados em ambos os grupos, mas a abordagem das capacidades
certamente se afeiçoa mais ao segundo grupo. Desse modo, a presente discussão deverá
concentrar-se na parcela da obra de Sen que trata das questões relevantes para o
entendimento da abordagem das capacidades, sendo que as publicações deste autor que
classificamos dentro do primeiro grupo são para o propósito desta dissertação menos
importantes.
Visto sob a perspectiva dos trabalhos deste segundo grupo, o Teorema da
Impossibilidade expunha de maneira catastrófica a necessidade que a teoria econômica do
bem-estar tinha de abrir mão daquilo que Sen (1985a, p. 334) chamou de neutralidade. A
confortável posição de passar ao largo das questões éticas mais controversas dava sinais de
insustentabilidade. A característica de aceitar somente os pressupostos éticos “mais gerais e
menos controvertidos” (SAMUELSON, 1983, p. 212), ou dito de outra maneira, que
desconsideravam comparações interpessoais de quaisquer tipos, parecia ser para Sen “o
centro da crise”, e o Teorema da Impossibilidade significou, a partir desta perspectiva, um
clamor por novas idéias neste campo.

Antes de iniciarmos a exposição da teoria de Arrow e de suas implicações, é
importante descrevermos, ainda que muito brevemente, seus antecedentes históricos,
destacando em que sentido a New Welfare Economics significou uma ruptura em relação à
tradição que a precedia. Depois desta breve exposição, argumentaremos que a abordagem
de Arrow pode ser entendida como uma interpretação particular da New Welfare
Economics, que exige que a função de bem-estar social sempre aponte para alguma escolha
social que respeite condições democráticas mínimas. Como será visto, Arrow conclui que
essa exigência sobre a função de bem-estar social – que deve refletir as preferências
individuais tem como resultado a incompatibilidade desta função com os axiomas da
7
racionalidade descritos em sua teoria. Por sua vez, a exposição do teorema de Arrow é
importante para entendermos a interpretação de Sen sobre a esttutura informacional que deu
origem à Impossibilidade.
A teoria da escolha social é uma disciplina situada dentro do campo mais geral da
economia do bem-estar e apresenta uma linguagem é constituída principalmente por
elementos da filosofia moral e da lógica simbólica. O tema principal desta disciplina pode
ser resumido nas seguintes palavras de Suzumura (2002, p.1): “[a] teoria da escolha social
preocupa-se com a avaliação de métodos alternativos de tomadas de decisão coletiva, bem
como com os fundamentos da economia do bem-estar”. Dito em outros termos, suas
temáticas principais são a discussão em torno da idéia de bem social e a busca por um
método adequado para se chegar a esse bem. Como aponta Suzumura (2002, pp. 1-3), esta
tradição de pensamento possui duas filiações. Por um lado a discussão sobre a adequação
ou não de métodos de decisão social nos remete a autores como Aristóteles (com a
“Política”) e Kautilya (com sua obra “Economics”). Por outro lado, a investigação das
performances lógicas de tais métodos são bem mais recentes e possui raízes nos escritos de
Condorcet e Borda
6
, que coincidem com período do Iluminismo europeu.
Não é intenção deste trabalho remontar o percurso do pensamento ao longo desta
tradição, tal como faz Suzumura de forma resumida no artigo citado, mas é essencial para o
propósito deste capítulo destacar um momento em particular: a origem da New Welfare
Economics. Abram Bergson (1938) foi o fundador da New Welfare Economics, e Paul A.
Samuelson (1983) trabalhou a idéia central de Bergson revestindo-a com uma formalização
mais precisa (que ficou conhecida como a noção de “preferência revelada”
7
). A principal
inovação desta abordagem estava no novo formato da função de bem-estar social, que
diferia grandemente daquele das teorias precedentes. Esta mudança fora motivada em boa
parte pela crítica feita por Robbins (1935 e 1938), que em linhas gerais, qualificava as
comparações interpessoais de bem-estar como o científicas (SEN, 1979b, p. 265)
8
. Esse
novo conceito separava essa abordagem das anteriores na medida em que delimitava mais
6
Neste artigo citado, Suzumura faz um interessante resgate histórico destas origens.
7
Sen (1973) desenvolve uma interessante análise sobre as implicações teóricas e filosóficas da noção de
preferência revelada sobre a teoria do comportamento.
8
Conforme Suzumura (2002, p. 6) nos chama a atenção, é interessante notar que Robbins não defende que os
economistas não devem fazer comparações interpessoais “subjetivas”. O que Robbins alega é que
“comparações interpessoais ‘subjetivas’ não podem reclamar nenhuma validade interpessoal ‘objetiva’”.
8
marcadamente qual deveria ser a tarefa da economia do bem-estar separando-a das
discussões sobre os valores éticos. A função de bem-estar social deveria ser capaz de
subsumir formalmente quaisquer julgamentos de valor (desde que fossem representados
ordinalmente) não importando quais fossem eles. A economia do bem-estar deveria,
portanto, fixar-se neste objetivo e deixar as discussões e os julgamentos éticos, sobre qual
seria a melhor forma de decisão social a ser tomada em cada caso, para outras disciplinas.
A única exigência que Bergson & Samuelson fazem à sua função de bem-estar social, e que
pode ser identificada como um posicionamento ético acerca do que deve ser afinal
considerado valioso, é que ela reflita as preferências individuais pelos estados sociais.
Dessa forma, para Bergson e Samuelson, não caberia aos economistas se
perguntarem sobre a maneira pela qual os gostos foram ou deveriam ter sido formados
(SAMUELSON, 1983, p.191). A única exigência que sua função de bem-estar social faz é a
de que
“a crença [dos indivíduos] seja tal que admita uma resposta inequívoca à questão de saber se uma
configuração do sistema econômico é ‘melhor’ ou ‘pior’ que qualquer outra ou ‘indiferente’, e se
essas relações sejam transitivas, isto é, A melhor que B, B melhor que C, implica que A é melhor que
C”. (SAMUELSON, 1983, p. 191-92)
É importante ressaltar que aqui somente serão expostas as questões da New Welfare
Economics que são relevantes para o entendimento do Teorema da Impossibilidade de
Arrow, negligenciando assim outros aspectos importantes presentes nesta abordagem
9
. As
óticas de Bergson e Samuelson para a avaliação do bem-estar estão centradas na avaliação
que cada indivíduo faz dos estados sociais. A “matéria-prima” (como diz Arrow) dos
julgamentos de bem-estar social são as listas individuais dos estados sociais ordenados
segundo as preferências, sendo que cada estado social é para Bergson e Samuelson uma
configuração específica de “alocação de recursos produtivos e da distribuição de lazer e
produtos finais de acordo com os gostos individuais” (ARROW, 1963, p. 23).
A função de bem-estar social é descrita mais claramente por Samuelson, e pode ser
representada da seguinte maneira:

(SAMUELSON,
1983, p. 197).
9
Os principais pontos negligenciados são as condições de produção, troca e de ótimos interpessoais. Uma
abordagem sistemática destas questões pode ser encontrada em SAMUELSON (1983, PP. 198 - 211)
9
Isso significa que o bem-estar social (W), é uma função das utilidades dos S
indivíduos (
) que assumem uma forma ordinal na medida em que se
expressam em comparação com outras configurações
10
- e que representam preferências por
configurações possíveis dos n bens representados por x [no caso do indivíduo 1:

] e dos m serviços produtivos representados por v [no caso do indivíduo 1:

. Esta função exige então que os indivíduos sejam capazes de escolher entre
as configurações de bens e serviços possíveis apresentadas a eles.
De forma simplificada, podemos reescrever a função de bem-estar social de Bergson
& Samuelson da seguinte maneira 
, lembrando que as utilidades
individuais são funções da configuração de bens e serviços.
A função de bem-estar social de Bergson & Samuelson ao contrário do que
propunha a teoria econômica do bem-estar até aquele momento - não é capaz de dizer, em
quaisquer dadas situações, se os estados são socialmente melhores, piores ou indiferentes a
outros, “mas pode ocasionalmente eliminar uma situação dada como sendo pior do que
outra, no sentido de que todos estarão em situação pior” (SAMUELSON, 1983, p. 212).
Então, por exemplo, se em uma dada situação, que corresponde a uma configuração de bens
e serviços, temos estados sociais ordenados individualmente em posições abaixo das
demais situações possíveis, ela é certamente uma situação pior as demais. Com o intuito de
clarificarmos a inovação que a abordagem da New Welfare Economics de Bergson &
Samuelson representa em relação à tradição precedente
11
, segue abaixo um exemplo
comparando-a a uma abordagem cardinal da utilidade relativa às posições do ranking
12
.
Consideremos um universo de quatro indivíduos (1, 2, 3 e 4) e quatro dadas
configurações de bens e serviços, representadas por a, b, c e d. Assim, para o estado a,
teríamos a função de bem-estar social

, e da mesma forma
teríamos para b, c e d respectivamente
,
e
. Vamos supor então, como um
exemplo possível, que cada indivíduo possui as seguintes preferências pelos estados:
Indivíduo 1: ;
10
Essas utilidades apenas dizem se uma certa configuração de bens e serviços para cada cidadão é melhor,
pior ou indiferente a outra.
11
Dentre os principais autores desta tradição precedente podemos citar Marshall (1997) e Pigou (1932),
conforme nos esclarece Sen (1972).
12
Existem outros tipos de abordagem cardinal, como por exemplo a que reflete as intensidades dos desejos,
associando a cada estado avaliado pelo indivíduo um número que reflete essa intensidade.
10
Indivíduo 2: ;
Indivíduo 3: ;
Indivíduo4:

;
Essas preferências pelos estados sociais podem ser reescritas em termos de utilidade
da seguinte maneira:
Indivíduo 1:
;
Indivíduo 2:
;
Indivíduo 3:
;
Indivíduo4:
;
Abordagem cardinal:
neste caso, a função de bem-estar social seria uma regra que
primeiramente associa uma pontuação a cada posição, por exemplo, 3 pontos
à primeira posição, 2 à segunda, 1 à terceira e 0 à última. Feito isso, devemos
somar as pontuações referentes a cada estado social a fim de saber qual é o
que possui o maior nível de utilidade. Sabemos de antemão que o total de
pontos possíveis é 24, e assim as funções de bem-estar referentes a cada
estado seriam:
Partindo disso, poderíamos dizer que
, pois o resultado
da soma dos pontos segue essa ordem de grandeza. A partir deste resultado
poderíamos concluir que o estado d seria o estado socialmente escolhido.
Abordagem ordinal (da New Welfare Economics):
a função de bem-estar social
desta abordagem segue as linhas gerais da antecessora, no sentido de que
depende somente das utilidades individuais. A diferença é que estas utilidades
somente devem ser expressas enquanto relação de preferência por um ou outro
estado. Essa característica indica que ela somente faz sentido na
13
Devemos entender o símbolo como “preferido a”, e sendo assim, deve ser lido como x é
preferido a y.
11
comparação entre dois ou mais estados. Diferentemente do caso anterior, não
é possível associar pontuações a cada estado social. O que é possível dizer, se
isso se confirmar, é que um estado é pior que outro quando unanimemente ele
for ordenado abaixo dos demais ou de algum outro. A nova abordagem não
permite, como ocorria na anterior, que comparações interpessoais de utilidade
sejam feitas
14
, e sendo assim ela desautoriza a afirmação de que a diferença de
utilidade entre a primeira e a segunda posições são as mesmas para cada
indivíduo. As únicas informações que este tipo de função de bem-estar social
aceita são as preferências individuais por cada estado social tal como foi dito
anteriormente. Desse modo, se tentássemos colocar o resultado no mesmo
formato da abordagem cardinal as funções de bem-estar social para cada
estado ficariam:
   
,
   
,
   
,
   .
Apesar de ser possível determinarmos regras para a decisão social a partir
destas últimas funções de bem-estar, a princípio, na forma em que se
encontram, simplesmente como ordenações, elas nada nos dizem sobre qual é
o estado socialmente preferido. A função de bem-estar social da New Welfare
Economics nos permite dizer com certeza que a configuração de bens e
serviços representada pelo estado a é pior do que as demais (ou,
simbolicamente,
), na medida em que para todos os
indivíduos o estado a foi considerado o pior. Da mesma maneira, se o estado d
fosse preferido por todos em relação aos demais, poderíamos dizer que ele
seria o estado socialmente preferido. Apesar disso, como fica claro em nosso
14
No caso da função de bem-estar cardinal descrita anteriormente, implicitamente foi imposto de forma
arbitrária que a diferença entre as posições tinha o mesmo valor para todos os indivíduos. Isso equivale a
impor uma intensidade (homogênea) às posições dos rankings individuais de cada estado.
12
exemplo, não é possível garantir que esse tipo de função de bem-estar social
aponte sempre para um estado socialmente preferido
15
.
Não é difícil pensarmos em regras que, com base nesse conjunto de preferências,
determinam, entre os 4 estados, um socialmente preferido. Poderíamos, por exemplo, adotar
a regra majoritária ou associar valores às utilidades individuais, determinando assim o
estado d como o socialmente preferido, que dentre os estados ele é o que mais figura na
primeira posição nos rankings individuais. Mas se é assim, por que a New Welfare
Economics não define uma regra desse tipo para a escolha social? A resposta a esta
pergunta nos remete diretamente ao sentido da inovação que essa abordagem introduziu em
relação à tradição precedente, que é justamente o passo que ela deu na direção do que
Amartya Sen denomina de neutralidade. A neutralidade deve ser entendida como a
desconsideração de “qualquer uso direto de informações diferentes da utilidade [nonutility
information] com respeito ao estado de coisas” (SEN, 1985a, p. 334). Ainda na mesma
página segundo Sen essa característica “é uma grande perda em muitos problemas, um dos
quais é o julgamento sobre a distribuição de renda”. Essa noção está evidente nas seguintes
palavras de Samuelson (1983, p. 212) “é possível distinguir entre a New Welfare
Economics, [...] que não formula suposições com relação à comparação da utilidade entre
as pessoas, e a antiga economia do bem-estar, que parte dessas suposições”.
Assim percebemos que a inovação da New Welfare Economics em relação à teoria
precedente foi justamente a exclusão de qualquer outra informação que não seja
estritamente a comparação que os indivíduos fazem entre os estados sociais. Poder-se-ia
dizer que a neutralidade da New Welfare Economics possui pelo menos duas implicações:
1) todos os estados sociais possíveis o admissíveis, e mesmo aqueles que contenham
características como, por exemplo, a extrema desigualdade, são em princípio válidos;
15
É importante ressaltar que para Bergson e Samuelson, a ênfase da função de bem-estar social recai sobre a
alocação de recursos nas condições ótimas de produção e troca. Por essa razão, esta abordagem está mais
preocupada com as curvas de indiferença pessoais - que refletem os gostos individuais pelas distribuições
possíveis de bens, trabalho e lazer - que nas condições ótimas geram uma curva de contrato social, do que
propriamente com a escolha entre dois estados sociais. Assim, para Bergson & Samuelson, uma configuração
de trabalho e lazer que se encontre fora da curva de contrato seria certamente pior do que uma que se encontre
em cima dela, porém nada pode ser dito sobre a comparação de pontos sobre a curva de contrato. Apesar de
partir do trabalho de Bergson, Arrow está mais preocupado com a questão da escolha social propriamente dita
orientada pelos valores individuais. Essa abordagem de Arrow é, de certa forma, mais abrangente que a de
Bergson & Samuelson, pois funciona amesmo para a comparação de dois estados sociais que se encontrem
dentro da mesma curva de contrato.
13
2) cada relação de preferência existe apenas enquanto ordem, não sendo relevante nenhuma
forma de intensidade, isso implica que pessoas em pior situação não tem nenhum tipo de
prioridade;
Para esta abordagem muitas vezes a escolha social não é possível em decorrência
dos limites que foram impostos à função de bem-estar social, principalmente o de não se
comprometer com certos posicionamentos éticos mais fortes, que priorizam certas
informações ou resultados. Como vimos, segundo este entendimento, essas discussões
éticas não caberiam à economia do bem-estar. Em casos como o de nosso exemplo, o
podemos dizer qual é o melhor estado, uma vez que não é possível determinar, a partir dos
ordenamentos individuais, qual dos três outros estados, b, c ou d, é preferível em relação
aos demais. A função de bem-estar social de Bergson & Samuelson nada nos diz sobre
esses casos. Este limite fica claro no exemplo, que a função não é capaz de apontar para
um estado socialmente preferido por não assumir nenhum posicionamento ético que
desempenhe o papel de regra que permita a decisão. Esse impasse deriva da própria
linguagem desta abordagem que somente permite comparações ordinais.
Como será visto a seguir, Arrow não concorda com alguns pressupostos da New
Welfare Economics e faz algumas exigências à função de bem-estar social que dão conta de
assegurar que as suas convicções democráticas sejam respeitadas. Agora passaremos ao
exame das principais relações entre o Teorema da Impossibilidade de Arrow e a New
Welfare Economics.

Em Social Choice & Individual Values, (1963), Arrow desenvolve um ponto de
vista diferente daquele expresso pela função de bem-estar social desenvolvida inicialmente
por Bergson
16
. Essa diferença se origina das distintas concepções que estes autores
possuem sobre o que é o bem social. Conforme será visto com mais detalhes adiante,
enquanto a função de bem-estar social de Bergson entende o bem social como os
16
Apesar de ter tratado até agora da função de bem-estar social como sendo de Bergson e Samuelson, como
faz a literatura, passarei a fazer referência somente a Bergson uma vez que Arrow se refere somente a ele.
14
ordenamentos de preferências individuais, esta ênfase em Arrow recai sobre o processo de
decisão social. Dito de outra maneira, o que mais importa para Bergson é que a função de
bem-estar social respeite unicamente os julgamentos de bem estar individuais, enquanto
para Arrow, além dessa exigência, o que mais importa são as características desta função,
ou seja, que dela sempre resulte uma escolha social que seja democrática.
Arrow procura um critério para decidir qual função de bem-estar social do tipo da
descrita por Bergson é aplicável para o que ele define como “bem social”. A função que
Arrow procura possui muitas das características definidas por Bergson, como por exemplo
a exigência de que ela seja calcada de alguma maneira nas preferências individuais. Mas
então qual é esse método de escolha desta função em Arrow, e em que sentido podemos
dizer que ele busca uma função “do tipo da de Bergson”? Em primeiro lugar faz-se
necessário explicitar o que é o bem social para Arrow e contrapor esta noção à de Bergson.
Arrow pode ser vinculado à tradição individualista, da qual também faz parte
Bergson, na medida em que, como faz este último, associa o bem social às preferências
individuais pelos estados sociais. Além disso, é comum aos dois autores a rejeição da noção
de um ideal social metafísico como, por exemplo, expressa a filosofia Platônica. Nem
tampouco são adeptos da idéia de que nos indivíduos habita uma vontade geral “que é
suposta ser inerente a todos e que é a mesma em todos” (ARROW, 1963, p.81), como
fazem, por exemplo, Kant e Russeau na sua interpretação. Com relação a essa dimensão do
bem social portanto, as posições de Arrow e de Bergson se alinham à tradição filosófica
utilitarista de Bentham (1989) que, associada à psicologia hedonista, fundamenta o bem
social no bem individual e associa este último ao desejo individual (ARROW, 1963, p.22).
Apesar desta filiação comum, Arrow possui uma noção de bem social que difere
daquela de Bergson. Para este último autor, os valores individuais são a “matéria-prima”
necessária para a geração da função de bem-estar social por meio das funções de bem-estar
individuais (ARROW, 1963, p. 104). No caso de Arrow, além de exigir que a função de
bem-estar social seja vinculada aos valores individuais, é feita a exigência adicional de que
essa função seja capaz de respeitar quatro condições
17
. A imposição destas quatro
condições tem por objetivo “satisfazer os requerimentos mínimos de legitimidade
17
A versão de quatro axiomas surgiu a partir da segunda edição de Social Choice and Individual Values,
publicada em 1963, que corresponde a uma estrutura axiomática mais forte e mais clara (descrita no Cap.
VIII) do que a versão original de cinco axiomas presente no capítulo III desta mesma edição.
15
democrática e de eficiência informacional” (SUZUMURA, 2002, p.11). Em suma, Arrow
exige que esta função tenha outras características que a comprometam com as exigências
democráticas consonantes com a sua noção de bem social e que não estão presentes nos
pressupostos da função de bem-estar social de Bergson. A importância dessas
características adicionais, como mencionamos, possui o intuito de garantir que a função de
bem-estar social represente mais democraticamente as preferências individuais – sejam elas
de quaisquer tipos possíveis. A diferença entre os dois procedimentos fica mais clara nas
palavras de Arrow:
Todos os escritores desde Bergson concordam em evitar a noção de um bem social que não seja
definido em termos dos valores dos indivíduos. No entanto, onde Bergson procura localizar valores
sociais nos julgamentos de bem-estar feitos pelos indivíduos, eu prefiro localizá-los nas ações
tomadas pela sociedade por meio de suas regras de tomada de decisão social. Essa posição é uma
extensão natural da visão ordinalista dos valores; da mesma forma como ela identifica valores e
escolhas para o indivíduo, eu considero que valores sociais não querem dizer nada mais que escolhas
sociais.
(ARROW, 1963, p. 106)
Isso significa que enquanto em Arrow “valor social” [social value] corresponde às regras
ou procedimento de escolha social que devem, entre outras coisas, garantir a vinculação
democrática entre a escolha social e os valores individuais, para Bergson, o “valor social”
depende tão somente dos valores individuais, sem a preocupação explícita com relação às
características do processo de agregação das preferências individuais. É por essa razão que
Arrow, na segunda edição de Social Choice & Individual Values”, publicada em 1963,
sugere que talvez tivesse sido melhor nomear o seu processo de determinação de um
ordenamento social de “constituição”
18
(ARROW, 1963, pp.104-05).
Para tornar mais claro o que deve ser essa constituição de Arrow, serão expostas as
quatro condições às quais a função deve se submeter para garantir que a sua noção de bem
social, comprometida com critérios mínimos de escolha democrática, seja refletida pela
função de bem-estar social. As condições
19
são:
18
O termo “constituição” de fato parece ser mais apropriado pois imprime o sentido refletido pelas condições
que Arrow exige que a função de bem-estar social respeite.
19
Devemos considerar para as próximas páginas: = relação fraca de preferência; = relação forte de
preferência; = quantificador universal; = condicional “se então”;
= “indivíduo prefere a ”;
 = “ é socialmente preferido a ”.
16
Condição 1:
Princípio de Pareto. “Se 
para todo , então . [...] em
palavras, “se cada indivíduo prefere a , então assim também é para a
sociedade” (ARROW, 1963, p. 96).
Condição 2:
20
Racionalidade Coletiva. “Para qualquer conjunto de
ordenamentos de preferências individuais, o procedimento de escolha
social determina um ordenamento completo e transitivo das opções
[disponíveis] no ambiente (STRASNICK, 1976, p. 244). Em outras
palavras, qualquer que seja a configuração de preferências dos indivíduos, a
função de bem-estar social deve ser capaz de agregá-las em um ordenamento
de preferência social completo e transitivo
21
.
Condição 3:
Independência de Alternativas Irrelevantes. seja R1,..., Rn e R1’,...,
Rn dois conjuntos de relações de ordenamentos individuais e sejam
C(S) e C’(S) as funções de escolha social correspondentes. Se, para todos
os indivíduos i e todo x e y em um dado ambiente S, xRiy se e apenas se
xRi’y, então C(S) e C’(S) são o mesmo (ARROW, 1963, p.27).
Esta
condição exige que a escolha social entre dois estados alternativos não
dependa de nada além das escolhas entre essas duas alternativas feitas
individualmente; ou ainda, nas palavras de Sen, [esta condição] requer que
o ranking social de quaisquer dois estados x e y dependa apenas dos
rankings individuais destes dois estados” (SEN, 1985a, p. 329).
Condição 4.
Não-Ditadura. a função de bem-estar social não deve ser
ditatorial” (ARROW, 1963, p.30). Em outras palavras, não existe “uma tal
pessoa que sempre que preferir qualquer x a qualquer y, o resultado seja de
que x é socialmente preferido a y” (SEN, 1985a, p. 329).
20
A versão original (em Arrow, 1963), conta com quatro condições e dois axiomas de racionalidade.
Strasnick (1976, p. 244) sugere uma modificação na condição de “domínio irrestrito” de Arrow que incorpora
nela os dois axiomas da racionalidade. Ele chama esta nova condição de Condição de Racionalidade Coletiva.
Para simplificar a exposição usarei esta condição proposta por Strasnick.
21
A “Completude requer que para cada par de alternativas sociais, ou uma é preferida à outra ou ambas são
indiferentes. A transitividade significa que se x é preferido a y, e y a z, então x é preferido a z(STRASNICK,
1976, p. 243 n. rodapé nº 3).
17
Dito de forma resumida, a constituição representada pelas 4 condições - deve
garantir que a escolha social seja democrática nos seguintes sentidos: 1) a preferência social
deve responder positivamente à situação de unanimidade; 2) a função de bem-estar social
sempre deve ser capaz de representar racionalmente as preferências individuais pelos
estados sociais, ou seja, as escolhas sociais devem ser completas e transitivas; 3) a escolha
social entre dois estados deve refletir somente as preferências individuais por aqueles dois
estados; 4) nenhum indivíduo deve ser capaz de impor a sua vontade aos demais. Uma
conclusão preliminar a que se pode chegar é que a constituição de Arrow não se
compromete com o resultado da escolha social. Para ela, é indiferente se o resultado da
escolha social é, por exemplo, um governo ditatorial ou um regime democrático. Como será
visto, em oposição a esta visão, as teorias de autores como Amartya Sen e John Rawls dão
grande importância para a garantia de que o regime político seja democrático.
Tendo em mente estas características de escolha democrática que a função de bem-
estar social deve para Arrow respeitar, vamos agora descrevê-las algebricamente para
investigarmos suas propriedades lógicas que terminam por resultar no Teorema da
Impossibilidade.
Vamos considerar então o exemplo do caso anterior onde as preferências individuais
eram:
Indivíduo 1: ;
Indivíduo 2: ;
Indivíduo 3: ;
Indivíduo4: .
Com o intuito de tornar mais clara a ilustração do Teorema da Impossibilidade,
vamos primeiramente excluir o estado a, que ele é considerado por todos como o pior e
assim nada nos acrescentará à argumentação. Tendo em vista a condição 3 - que exige que
os estados sociais sejam comparados aos pares - é mais conveniente e mais preciso
reescrever as preferências acima na seguinte forma:
Indivíduo 1: b
c; c
d; b
d;
Indivíduo 2: b
c; d
c; d
b;
18
Indivíduo 3: c
b; c
d; d
b;
Indivíduo 4 c
b; d
c; d
b
22
.
A regra majoritária parece ser para Arrow a função de bem-estar social que mais se
aproxima da ideal, em suas palavras: “em um contexto coletivo, o voto provê a maneira
mais óbvia pela qual as preferências individuais são agregadas em uma escolha social”
(ARROW, apud SEN, 1985a, p.331). Para ilustrar cada uma das condições e
posteriormente demonstrar a Impossibilidade, vamos adotar a regra majoritária como
função de bem-estar social e excluir propositalmente o indivíduo 1, para depois reintroduzi-
lo, uma vez que as suas preferências em conjunto com as demais causam o resultado da
Impossibilidade
23
:
Indivíduo 2: b
c; d
c; d
b;
Indivíduo 3: c
b; c
d; d
b;
Indivíduo 4: c
b; d
c; d
b
cPb dPc dPb
Partindo deste conjunto de preferências individuais, o ordenamento de preferência
social resultante seria: d
Pc; cPb dPb, ou dito de outra forma, . Vamos
examinar se este procedimento de agregação respeita as quatro condições:
A Condição 1 exige que se houver uma situação de unanimidade entre os
indivíduos sobre a escolha por um estado social em relação a um outro, essa unanimidade
deve ser refletida pela função de bem-estar social. Em nosso exemplo, unanimidade
entre a escolha da alternativa d em detrimento à b, e vemos que de fato a preferência social
refletiu essa unanimidade, já que d
Pb.
22
Vale lembrar que “b
c” significa que o indivíduo 1 prefere estritamente o estado b ao estado a.
23
É preciso notar que a exposição que faço aqui do resultado da Impossibilidade, apesar de demonstrar
efetivamente este resultado, é menos contundente que a exposição feita por Arrow (1963, pp. 96-100).
Naquele contexto, Arrow prova que a escolha social será sempre ditatorial se houver pelo menos três estados
sociais alternativos e se o número de indivíduos for finito. Adotamos esta forma de demonstrar a
Impossibilidade pela sua maior simplicidade e clareza quando comparada à exposição de Arrow.
19
A Condição 2 representa simultaneamente duas exigências: a primeira é que o
processo de agregação seja capaz de gerar um ordenamento social transitivo e completo, em
nosso exemplo para que isso ocorra, a transitividade exige que d
Pc; cPb dPb, e dPb é o
que de fato ocorre. A segunda exigência é que esse ordenamento exista para quaisquer
configurações de preferências individuais possíveis. Como nosso exemplo é somente uma
das muitas configurações possíveis de preferências para três indivíduos e três estados, ele
preenche o primeiro quesito da condição 2, mas pelo segundo quesito, basta encontrarmos
uma configuração de preferências individuais que gere um ordenamento de preferências
social intransitivo e/ou incompleto para que essa condição não seja satisfeita.
A Condição 3 exige que as decisões sociais entre as alternativas sejam feitas
somente aos pares, o que em nosso exemplo fica representado pela estrutura vertical da
agregação das preferências simbolizada pelas setas.
A Condição 4 exige que em nenhuma situação as preferências de um único
indivíduo (em nosso universo 2, 3 ou 4) determinem a decisão social sobre nenhum par de
alternativas. A esse respeito podemos ter certeza de que a regra majoritária garante que as
função de bem-estar social responde sempre às preferências da maioria e não às de um
único indivíduo.
Essa estrutura ficou conhecida como “Teorema da Possibilidade Geral” e as
conclusões a que Arrow chega não são nada satisfatórias na medida em que constatam a
impossibilidade lógica da existência de uma função de bem-estar social que preencha ao
mesmo tempo as quatro condições
24
. Como ficou claro, pela condição 2, basta
encontrarmos uma configuração de preferências que não preencha as exigências de alguma
das condições para que a impossibilidade seja comprovada. Sendo assim, vamos então
considerar agora as preferências dos indivíduos 1, 2 e 3 no formato exigido pela condição 3
e em seguida vamos determinar o ordenamento de preferências sociais pelos estados
sociais:
24
Mais rigorosamente: A conclusão a que Arrow chega é que se o conjunto dos estados sociais for maior ou
igual a três e se o número de participantes for finito, não existe uma função de bem-estar social que satisfaça
as quatro condições simultaneamente (Sen, 1985a, p. 329).
20
Indivíduo 1: b
c; c
d; b
d;
Indivíduo 2: b
c; d
c; d
b;
Indivíduo 3: c
b; c
d; d
b;
b
Pc cPd dPb
O ordenamento social gerado por essas preferências é completo na medida em que
se pode estabelecer uma relação de preferência entre todas as alternativas, mas ele não é
transitivo, uma vez que a transitividade exige que diante de b
Pc; cPd o resultado seja bPd,
no entanto, pela regra majoritária, temos que a preferência social é d
Pb, que por sua vez
resulta em , expressando uma contradição lógica.
Resumidamente pode ser dito que a exigência que a constituição de Arrow,
representada pelas quatro condições às quais a função de bem-estar social deve se submeter
foi uma maneira de exigir que a New Welfare Economics se comprometesse minimamente
com a democracia
25
na escolha social, e o Teorema da Impossibilidade mostra que este
comprometimento é impossível.

A questão que deve ser posta aqui é: por que este paradoxo lógico é tão importante?
Para respondermos a esta pergunta, precisamos retomar alguns pontos abordados. Vimos
que a economia do bem-estar representava uma inovação em relação às abordagens
precedentes, em seguida foi apresentada a interpretação de Arrow desta teoria e a sua
conclusão de que seria impossível encontrar uma função de bem-estar social que
respondesse simultaneamente a todas as suas exigências. Isso significa que, se aceitarmos a
visão de bem social defendida por Arrow, seria impossível, dadas as exigências impostas à
função de bem-estar social, a existência de uma regra capaz de traduzir democraticamente
preferências individuais em preferências sociais completas e transitivas. Como bem coloca
25
Como já foi visto, esse comprometimento é de fato mínimo, pois ele nem mesmo exclui a possibilidade de
que o resultado da escolha social seja uma ditadura.
21
Sen, essa conclusão é “devastadora” (SEN, 1985a, p. 326), na medida em que
aparentemente frustra a possibilidade da construção de sistemas democráticos de decisão
social que tomem por base as preferências individuais.
Segundo Sen (1985a, pp. 330-32), Arrow entendia o resultado da Impossibilidade
para a regra majoritária como uma decorrência natural da estrutura de sua teoria, uma vez
que ela “corresponderia à generalização do paradoxo do votante” – que por sua vez decorria
da exigência de transitividade
26
. Não faremos aqui uma análise dos trabalhos que procuram
alternativas à Impossibilidade a partir da mesma estrutura informacional da qual parte
Arrow.
O próprio Sen (1969, pp. 118-134) sugeriu uma possível saída para o Teorema da
Impossibilidade sem comprometer a estrutura da teoria de Arrow. Neste trabalho, é
mostrado que 1) a quase-transitividade já é suficiente para a existência de uma função
escolha, e 2) o abandono de uma das duas propriedades de racionalidade da escolha, a saber
da propriedade (descrita em SEN, 1969, p. 122), permite que se escape de um resultado
de Impossibilidade do tipo de Arrow.
Mesmo tendo encontrado uma possível saída para a Impossibilidade de Arrow, Sen
mais tarde a reinterpreta e defende que o diagnóstico de Arrow que se nas mesmas
bases da saída apontada por Sen (1969) estava equivocado, e o problema estaria não na
transitividade, mas naquilo que ele denomina neutralidade implícita nos pressupostos do
teorema (SEN, 1985a, pp. 333-34). Como foi visto, a neutralidade significa que a escolha
social não pode envolver nenhum viés, ou seja, ela deve ser feita apenas com base nas
preferências individuais sobre os estados de coisas, sem qualquer consideração sobre outras
características destes estados ou destes indivíduos. Deve ser notado que a neutralidade
guarda uma relação muito forte com a condição 3 na medida em que os indivíduos existem
apenas enquanto suas respectivas relações de preferência pelos pares de alternativas. Neste
contexto, a neutralidade significa “pesos iguais” para cada relação de preferência. A
26
Este paradoxo pode ser resumido da seguinte maneira: Suponha que existam três indivíduos , e e três
estados sociais , e . Suponha também que são exibidas as seguintes preferências individuais:
A:
;
Teríamos assim que  (2 votos) e que  (2 votos), ou seja, a maioria prefere
B: 
;
a e a . Se supusermos que as preferências são racionais, e portanto
C:
;
transitivas, seria razoável esperar que esses votantes também prefeririam a ,mas
no entanto ocorre que  (2 votos); resultando assim em ... O que
é um paradoxo.
22
existência de desigualdades de renda, por exemplo, não deve afetar a escolha sobre os
estados segundo este princípio.
23
ÀŶ

Neste capítulo serão apresentados os principais conceitos desenvolvidos por John
Rawls em A Theory of Justice do ponto de vista da importância que assumem para o
desenvolvimento da abordagem das capacidades de Amartya Sen.
Em linhas gerais podemos dizer que a idéia da primazia da justiça” sobre o bem-
estar da sociedade é o ponto central que filia a abordagem das capacidades à teoria da
justiça de Rawls. Para Amartya Sen posicionamentos como aqueles assumidos pelos
autores da New Welfare Economics, por não considerarem que os indivíduos devem possuir
certos direitos que independem do bem-estar social, não são capazes de definir critérios
satisfatórios para embasar as decisões sociais. A teoria da justiça de Rawls oferece para ele
um novo ponto de vista que solucionaria estas deficiências, permitindo assim que Sen
coloque as questões distributivas no centro de sua análise.
No âmago das análises distributivas de Rawls está a o conceito de “bens primários”.
Esta noção suscitou reflexão e, posteriormente, críticas por parte de Sen, que o levaram a
centrar a sua abordagem das capacidades em idéias como a de “funcionamentos” e
“capacidades”.

John Rawls é um notório filósofo do Direito que propôs uma nova abordagem para
os fundamentos da justiça. Como salienta Nozick, “[a]gora os filósofos políticos devem ou
bem trabalhar dentro da teoria de Rawls ou bem explicar porque não o fazem” (NOZICK
apud SEN, 2001, p.146). A intenção de Rawls em A Theory of Justice é confrontar a sua
teoria com a utilitarista. Rawls escolhe esta estratégia “por várias razões, em parte por ser
um dispositivo de exposição, em parte porque diversas variantes do utilitarismo dominaram
por um longo tempo a nossa tradição filosófica e ainda continuam a fazê-lo” (RAWLS,
24
1971, p. 52). Em seu trabalho, Rawls procura nos convencer de que os princípios de justiça
por ele defendidos são de alguma forma mais justos que aqueles que os utilitaristas
propõem. É preciso notar que em A Theory of Justice, Rawls contrapõe a sua teoria a várias
formas de utilitarismo, e apesar de não fazê-lo diretamente em relação ao tipo de
utilitarismo representado pela New Welfare Economics consideramos pertinente fazer
alguns paralelos entre a sua posição e aquela assumida por esta vertente.
As bases filosóficas da “justiça como eqüidade”
27
podem ser localizadas na tradição
do contrato social. A idéia central é que os princípios de justiça defendidos por Rawls
seriam o resultado esperado de um acordo entre pessoas em uma determinada situação
especial. Na teoria clássica essa situação especial “corresponde ao estado de natureza”, e
em sua teoria da justiça essa situação especial é denominada “posição original” (RAWLS,
1971, p. 12). A posição original em Rawls deve ser entendida como um dispositivo
hipotético que, quando trazido à mente, deve ser capaz de nos dar acesso a uma perspectiva
apropriada para a análise de questões de justiça. Na posição original então:
“é como se cada pessoa devesse decidir, por meio da reflexão racional, aquilo que constitui a sua
idéia de bem, ou seja, o sistema de finalidades que deve ser racionalmente justificável como meta a
ser perseguida, assim um grupo de pessoas deve decidir de uma vez por todas o que deve ser para
eles considerado justo e injusto
(RAWLS, 1971, p. 11-2).
O objeto sobre o qual deverão incidir estes princípios de justiça é o que Rawls
chama de “estrutura básica” da sociedade, que deve ser entendida como “a maneira pela
qual as principais instituições sociais distribuem direitos e deveres fundamentais e
determinam a divisão de vantagens da cooperação social” (RAWLS, 1971, p. 7).
Como mencionado, Rawls atribui primazia à justiça. Segundo ele a “justiça é a
primeira virtude das instituições sociais” (RAWLS, 1971, p. 3), e por essa razão, os
princípios definidos na posição original devem possuir maior importância do que quaisquer
outras considerações, sejam elas de eficiência ou de outras fórmulas de cálculo de bem-
estar na determinação da estrutura básica da sociedade. Dito de outra maneira, a justiça em
Rawls possui prioridade sobre qualquer forma de bem social.
27
Justiça como eqüidade é o termo considerado pela literatura que mais se aproxima do sentido correto da
expressão em inglês justice as fairness”. De certa forma este termo resume as conclusões a que chega Rawls
na medida em que reflete a sua idéia de que uma sociedade justa é aquela na qual todos devem ter uma certa
igualdade elementar de oportunidades. É neste último sentido que o termo “equidade” é utilizado para traduzir
fairness.
25
Rawls restringe o escopo de alternativas dos princípios de justiça que as partes
28
podem escolher na posição original. Estas restrições dizem respeito à maneira pela qual
estes princípios deverão “ajustar as reivindicações que as pessoas fazem às suas instituições
e que fazem umas às outras” (RAWLS, 1971, p. 131). Estas restrições devem se aplicar ao
modus operandi dos princípios de justiça. Resumidamente, Rawls coloca que:
“uma concepção do justo é um conjunto de princípios, gerais na forma e universais na aplicação, que
devem ser publicamente reconhecidos como a corte final de apelação para a ordenação de
reivindicações conflitantes de pessoas morais” (RAWLS, 1971, p. 135).
Vale uma análise mais detalhada destas restrições impostas por Rawls aos
princípios de justiça:
1) Os princípios devem ser gerais (RAWLS, 1971, p. 131), ou seja, eles devem ser
aplicáveis da mesma maneira à todos, dito ainda de outra forma, eles devem ser
incondicionais com relação às pessoas;
2) Os princípios devem ser universais em sua aplicação (RAWLS, 1971, p. 132), sendo
assim, eles devem funcionar da mesma maneira para todos. À primeira vista esta restrição
parece igual à primeira, mas a diferença fica mais clara quando utilizamos o seguinte
exemplo: o egoísmo na forma da ditadura da primeira pessoa, está de acordo com a
generalidade dos princípios (todos obedecem às ordens do ditador), mas não está de acordo
com a universalidade de sua aplicação já que não podem ser todos ditadores.
3) Os princípios devem ser públicos. Essa condição requer que as partes na posição original
saibam que estão “escolhendo princípios para uma concepção pública de justiça” (RAWLS,
1971, p. 133). A diferença com relação à condição anterior é que é possível haver
princípios universais, ou seja, que são seguidos por todos, mas que não são explicitamente
reconhecidos por todos de forma clara. A fila é um exemplo que mostra a diferença entre
estas duas condições: a idéia de que quem chegar primeiro tem prioridade sobre os que
chegam depois não é uma regra que foi publicamente anunciada, e apesar disso este
princípio é seguido e reconhecido por todos.
4) Os princípios devem ordenar reivindicações conflitantes, ou seja, eles devem possibilitar
a ordenação de todos os arranjos possíveis da “estrutura básica” da sociedade (RAWLS,
1971, pp. 133-34). Deste modo, espera-se que eles sejam capazes de apontar uma seqüência
28
Rawls chama de “partes” aqueles indivíduos sujeitos às condições da posição original.
26
completa e transitiva dos arranjos possíveis da estrutura básica da sociedade. Aqui a
exigência de racionalidade coletiva é a mesma que expressam os dois axiomas da
racionalidade de Arrow
29
que estão implícitas na Condição 2, tal como definida por
Strasnick (1976, p. 244).
5) Os princípios definidos não são passíveis de apelação (RAWLS, 1971, p. 135). As partes
devem considerar que o sistema de princípios a serem decididos na posição original é de
“última instância”. Não instâncias superiores a serem acionadas no caso de, por
exemplo, o resultado gerado pelos princípios se mostre insatisfatório para as partes.
Estas cinco restrições feitas ao modo como devem operar os princípios de justiça
devem descartar pelo menos as variantes do egoísmo
30
(RAWLS, 1971, p. 135), e devem
funcionar também como uma das condições que contribuem para a garantia do consenso na
posição original. Isto porque o egoísmo seria “aquilo a que as partes se apegariam se não
fossem capazes de atingir o consenso” (RAWLS, 1971, p. 136), e não existindo a
possibilidade de se apegarem a ele restaria apenas a opção de se chegar a um tal consenso.
Podemos dizer que para Rawls essas exigências são necessárias porém não suficientes para
garantir o que ele considera ser a justiça propriamente dita dos princípios. O tipo de
utilitarismo encontrado em Arrow, por exemplo, preenche todos estes requisitos e ainda
assim não é satisfatório para o que Rawls considera justo.
Conforme Rawls coloca, cada “pessoa possui uma inviolabilidade fundada na
justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar” (RAWLS,
1971, p. 3), e essa inviolabilidade diz respeito a certas liberdades elementares, como as
liberdades políticas, de pensamento etc. Essa idéia de “primazia da justiça” (RAWLS,
1971, p. 4) leva Rawls a determinar certas restrições à posição original de modo que as
decisões ali tomadas reflitam esta noção. Como para ele, a “idéia da ‘posição original’ é
estabelecer um procedimento eqüitativo [fair] de modo que os princípios ali acordados
sejam justos” (RAWLS, 1971, p. 136), Rawls precisa de alguma maneira assegurar que as
opiniões individuais das partes se alinhem com o interesse de todos, que a justiça deve
29
Os axiomas I e II, da completude e da transitividade, dizem respectivamente que “para todo x e y, ou xRy
ou yRx” , e para todo x, y e z, xRy e yRz implica xRz(ARROW, 1963, p. 13).
30
As variantes do egoísmo as quais Rawls faz referência são as do tipo “ditadura de primeira pessoa”,free
rider” e o “egoísmo generalizado”. Para maiores detalhes consulte Rawls (1971, pp. 135-36).
27
ser para todos, e para isso ele acrescenta à caracterização da posição original o chamado
“véu de ignorância”.
Devemos de algum modo, nas palavras de Rawls, “anular os efeitos de
contingências específicas que colocam os homens em disputa e os tentam a se aproveitar
das circunstâncias sociais e naturais visando sua própria vantagem” (RAWLS, 1971, p.
136), ou seja, é preciso que na posição original os homens não se sintam tentados a
aproveitarem das características que os diferenciam dos demais e se coloquem por essa
razão em posições de disputa, seja por interesses relacionados a questões físicas,
intelectuais, econômicas ou sociais. Para que isso seja possível, continua Rawls, “considero
que as partes se situam atrás de um véu de ignorância. Elas não sabem como as várias
alternativas irão afetar a sua posição particular e assim são obrigadas a avaliar os princípios
tendo por base somente considerações gerais” (RAWLS, 1971, PP. 136-37). Desse modo,
Rawls garante que as disputas sejam anuladas pela situação de ignorância das partes em
relação àquilo que lhes confere diferença. Essa nova imposição feita à posição original
força as decisões que forem tomadas ali a serem consensuais, que todos se vêem na
mesma situação, apesar de saberem que serão afetados, posteriormente, de formas
diferentes por elas.
Essa característica do véu de ignorância garante que as decisões tomadas na posição
original sejam imparciais, ou seja, que elas não sejam viesadas pelo interesse pessoal no
processo de escolha dos princípios
31
. Essa imparcialidade também se estende para as
questões distributivas, que as partes não conhecem as suas posições sociais e
econômicas, e com relação a isso, é razoável supor-se que elas escolham unanimemente
princípios que garantam um nível elementar de igualdade, desfrutado até pelo indivíduo em
pior situação, já que sabem que podem vir a ocupar tal posição.
Deve ser considerado, no entanto, que mesmo sob o véu de ignorância os indivíduos
possuem características elementares, sem as quais seria impossível esperar que decisões de
31
É importante notar que apesar da imparcialidade ser uma das característica dos princípios defendida por
Rawls (1971, pp. 19-20, 38 e 136-7), ela não deve ser confundida com as cinco restrições formais listadas
anteriormente. As restrições formais dizem respeito ao modo de funcionamento que deve ser esperado dos
princípios de justiça por isso elas são chamadas de restrições formais. A imparcialidade por outro lado diz
respeito à maneira pela qual as partes na “posição original” devem julgar os princípios de justiça. Nas
palavras de Rawls (1971, p. 136), “[a] idéia da “posição original” é a de estabelecer um procedimento justo de
modo que quaisquer princípios ali acordados sejam justos”. Sendo assim, aqueles princípios de justiça que
não respeitam as cinco regras formais nem mesmo seriam apresentados às partes para serem avaliados
imparcialmente por elas.
28
justiça fossem ali tomadas. Em primeiro lugar, as partes na posição original são racionais
no sentido de desejarem mais bens primários sociais
32
do que menos, que, mesmo o
conhecendo quais são as particularidades de seus planos racionais de vida, as partes sabem
que a posse de uma maior parcela destes bens possibilita uma maior liberdade de se levar a
cabo os planos racionais de vida quaisquer sejam eles (RAWLS, 1971, pp. 142-43). A
racionalidade caracterizada desta maneira, já permite supor que as partes sejam capazes de
ranquear as alternativas propostas de princípios de justiça segundo essa métrica: mais bens
primários sociais é melhor do que menos. Outro tipo de racionalidade que é suposta, é que
as escolhas sejam completas e transitivas, da mesma maneira que deveriam o ser para
Arrow.
Além de serem racionais, as partes devem conhecer também:
“quaisquer fatos gerais que afetam a escolha de princípios de justiça. Não limites às informações
gerais, ou seja, às leis e teorias gerais, uma vez que concepções de justiça devem ser ajustadas às
características do sistema de cooperação social o qual devem regular”
(RAWLS, 1971, pp. 137-
38).
Com esta descrição da posição original, Rawls, por um lado, associa o interesse
individual ao interesse coletivo, que os indivíduos sabem que conseguirão alguma
vantagem se todos conseguirem também esta mesma vantagem. E por outro, assegura a
primazia da justiça sobre o bem-estar da sociedade, já que as partes não conseguem
identificar que tipo de violações aos direitos que seriam vantajosas a elas e nem mesmo se
não seriam elas mesmas as vítimas destas violações. Também deve ser notado que a
racionalidade e o conhecimento que as partes devem possuir na posição original permitem
que as decisões sobre os princípios de justiça sejam de fato o resultado de uma escolha
racional e evita que essas decisões se limitem à emissão de opiniões sem fundamento.
Outra característica importante da posição original é que ela deve ser considerada
num tal circunstância onde “a cooperação humana é tanto possível quanto necessária”
(RAWLS, 1971, p. 126). Rawls separa estas circunstâncias em duas categorias: as
subjetivas e as objetivas. A circunstância subjetiva mais importante é que na posição
original os indivíduos não devem se interessar pelo interesse dos outros indivíduos. Esse
32
Bens primários sociais podem ser entendidos como liberdades, direitos, oportunidades, renda, riqueza auto-
respeito etc., ou seja, são aqueles bens mais elementares que estão sob o controle mais direto das instituições
sociais, diferentemente, por exemplo, da condição física, beleza, herança genética, que são bens primários
naturais. Mais adiante veremos com mais detalhes esta distinção.
29
desinteresse mútuo por um lado garante que a teoria não dependa de pressupostos
altruísticos muito fortes, e por outro lado assegura as condições para a ocorrência da
circunstância da justiça, que para Rawls é a “virtude das práticas onde competição de
interesses e onde as pessoas se sentem encorajadas a pressionar seus direitos contra os
demais” (RAWLS, 1971, p. 129). A circunstância objetiva mais importante é a condição de
escassez moderada, que reforça a necessidade de um acordo sobre o esquema de
cooperação. Se fosse considerada a suposição de uma grande abundância, a importância de
tal acordo diminuiria. No outro extremo, num contexto de escassez absoluta, não
benefícios suficientes para que seja possível se pensar num esquema de divisão baseado na
cooperação social. A idéia por trás disso é que há a necessidade de pelo menos um mínimo
para que a cooperação social seja suficientemente vantajosa para cada um, mas não pode
haver abundância a tal ponto que essa cooperação seja desnecessária.
Rawls (1971, pp. 122-83) analisa as razões pelas quais os dois princípios que ele
defende seriam os escolhidos em detrimento aos demais, e ao longo de A Theory of Justice
a descrição destes princípios vai sendo refinada. Apesar disso, consideramos mais
proveitoso utilizar uma versão mais recente, e que de certa forma responde a muitas das
críticas que foram feitas posteriormente. Trata-se da versão que Rawls utilizou em suas
conferências Tanner em 1982. Nelas, ele sintetiza os princípios de justiça que seriam
decididos pelos contratantes na posição original e que devem regular a estrutura básica da
sociedade em dois brocardos:
1. Cada pessoa tem igual direito a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais
que seja compatível com um esquema similar de liberdades para todos.
2. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. Em primeiro lugar,
devem estar associados a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade eqüitativa de
oportunidades; e, em segundo, devem ser para o maior benefício dos membros da sociedade que têm
menos vantagens.”
(RAWLS apud SEN, 2001, p.129-30)
Esta divisão dos princípios em duas partes não é por acaso. Por um lado, Rawls
procede desta maneira, pois assim estes princípios dividem o sistema social em duas partes:
uma delas é aquela que garante a igualdade das liberdades básicas dos cidadãos (que são os
direitos políticos, liberdade de reunião e discurso, liberdade de consciência e pensamento
etc.) e a outra é aquela que regula as desigualdades sociais e econômicas. Por outro lado
esta divisão é feita pois ela deve seguir uma ordem de prioridade, ou seja, o primeiro deve
30
anteceder o segundo (RAWLS, 1971, p. 61). Isso significa que violações do primeiro
princípio não podem ser justificadas por ganhos no segundo princípio, ou seja, não é
permitida a barganha de liberdades básicas por, por exemplo, ganhos econômicos daqueles
que tem menos vantagens. Essa divisão portanto permite a ordem serial que por sua vez
reflete a mencionada preocupação de Rawls em assegurar que a justiça deve vir antes de
qualquer outra coisa.
Apesar de a justiça ter primazia também sobre a eficiência, Rawls considera que as
partes devem levar em conta o critério de eficiência de Pareto para julgar as “disposições
sociais e econômicas” (RAWLS, 1971, pp. 67) dentro da estrutura básica. Nota-se então
que este critério de eficiência deve ser pensado em termos das expectativas das partes
(RAWLS, 1971, p. 70). Sendo assim, Rawls (idem) estipula que “as disposições de direitos
e deveres na estrutura básica é eficiente se e apenas se é impossível mudar as regras [...] de
modo a aumentar as expectativas de qualquer homem representativo (ao menos um) sem ao
mesmo tempo piorar as expectativas de algum outro (ao menos um)”
33
. Como fica claro em
Rawls os princípios de justiça não estão sujeitos a essa regra, ou seja, “ao mudar a estrutura
básica não estamos permitidos a violar o princípios de liberdade igual ou o requerimento de
posições abertas” (idem). É nesse sentido que é mantida a primazia da justiça sobre a
eficiência.
Vemos que o segundo princípio de justiça definido a partir do artifício da posição
original permite a existência de desigualdades desde que elas existam para o benefício
daqueles que estão em pior posição. Este princípio ficou conhecido na literatura como o
“princípio da diferença” ou regra maximin. Se pensarmos em termos de renda, a aplicação
da regra maximin significa que desigualdades de renda são permitidas desde que o que tem
a pior renda ganhe com o aumento da renda daqueles que ganham mais
34
. Esta regra é
muito importante para a teoria econômica que corresponde a um sistema no qual é
permitido o aumento de desigualdades de renda desde que o mais pobre ganhe mais.
33
Rawls nesta parte do trabalho usa o termo “homem representativo”, que designa o que chamo aqui de
“partes” porém associadas a certas classes representativas. Por simplicidade continuarei usando o termo
“partes” pois isso não comprometerá a nossa argumentação.
34
Sen (1970a) sugere uma forma mais radical de maximin - o maximin lexicográfico que consiste na
seguinte regra (no caso quando é aplicado à renda): o objetivo social deve ser maximizar a renda da pior
posição até que ela seja equivalente à segunda pior. Feito isso, o objetivo social é igualar essas duas rendas à
terceira pior renda e assim por diante.
31
Conforme Shaw (1992) demonstra de forma clara, este princípio é, no limite,
insensível às desigualdades. Rawls certamente reconhece essa característica do maximin,
mas adverte que as instituições da “estrutura básica” deliberadas na posição original, bem
como as exigências da primeira regra, não devem permitir uma dispersão da renda e riqueza
excessivamente elevadas na prática (Rawls, 1971, p.536). Além disso, em Rawls o segundo
princípio diz respeito ao modo como devem ser tratadas as diferenças entre as vantagens
individuais, e não entre as rendas. Mas se é assim, em termos de que, afinal, são definidas
estas vantagens?
Para Rawls o que deve ser igualado com mais urgência são parcelas mínimas de
“bens primários”. Desse modo, os bens primários são “coisas que qualquer homem racional
deve presumivelmente querer. Estes bens normalmente possuem um uso qualquer que seja
o plano racional de vida desta pessoa” (RAWLS, 1971, p. 62). É por essa razão que um dos
aspectos da racionalidade definidos anteriormente postulava que seria racional supor que as
partes deveriam querer mais bens primários do que menos, que apesar de não saberem as
peculiaridades de seus planos de vida, sabem que mais destes bens significa mais chances
de colocar seus planos racionais de vida em prática no momento em que for removido o véu
de ignorância.
35
A igualdade elementar segundo os princípios de justiça de Rawls, portanto,
seria a igualdade de parcelas de bens primários sociais, e esta igualdade em tese garante que
todos possam desfrutar de pelo menos condições mínimas para levar adiante seus planos
racionais de vida.
Rawls divide o conceito de bens primários em duas categorias. A primeira são os
bens primários sociais: “[p]ara simplificar, vamos supor que os principais bens primários à
disposição da sociedade são direitos e liberdades, poderes e oportunidades, renda e
riqueza.” (RAWLS, 1971, p.62) Posteriormente, Rawls (1971, p. 92) acrescenta mais um
bem primário social de grande importância que é o auto-respeito. A segunda categoria são
os bens primários naturais, “tais como saúde e vigor, inteligência e imaginação” (Op. Cit. p.
62). Esta separação é feita, pois, como ele observa, “embora a sua posse seja influenciada
pela estrutura básica, eles [os bens primários naturais] não estão tão diretamente sob o seu
35
É interessante notar que apesar do véu de ignorância remover também o conhecimento sobre a aversão ao
risco das partes (RAWLS, 1971, p. 137), a decisão a favor dos dois princípios parece ser o resultado de uma
escolha de pessoas avessas ao risco, que a decisão é em favor de pelo menos uma igualdade mínima de
condições. Caso contrário, em um cenário de escassez moderada, as partes propensas ao risco optariam por
um sistema que premiasse apenas alguns poucos.
32
controle” (Op. Cit., p. 62). Isso significa que as pessoas na posição original não têm tanto
poder sobre um tipo de bens primários que são os bens primários naturais como tem sobre
os sociais. Por esse motivo, as decisões na posição original se concentram sobre esta última
categoria. Como será visto adiante, a idéia de liberdades substantivas de Sen procura
considerar também as desigualdades de bens primários naturais.
Dito de maneira mais coloquial, ainda que correndo o risco de cometer imprecisões,
a idéia da posição original corresponde à seguinte construção retórica: para Rawls seria
razoável supor que qualquer pessoa racional na posição original não deveria ter razões para
discordar dos princípios de justiça que foram escolhidos. O sentimento que Rawls parece
querer transmitir com a posição original é o de que se fossemos submetidos às condições
ideais que ela nos apresenta, adotaríamos exatamente os princípios de justiça por ele
defendidos.
Analisando a forma como Rawls encaminha seus argumentos, fica claro que há uma
inter-relação entre as condições impostas à posição original e os critérios de justiça que
Rawls considera adequados. Primeiramente o escopo das escolhas a serem feitas na posição
original é reduzido às alternativas que respeitam aquelas cinco condições (generalidade,
universalidade, publicidade, ser capaz de ordenar as reivindicações conflitantes e ser de
“última instância”). Posteriormente Rawls acrescenta às partes a condição do “véu de
ignorância” para assegurar que os princípios de justiça sejam decididos de maneira
imparcial e respeitem a primazia da justiça sobre o bem-estar da sociedade. Por outro lado,
a posição original forjada por essas condições, deve ser também considerada uma
perspectiva adequada para a apreciação de questões de justiça. Rawls chama essa dinâmica
de “equilíbrio reflexivo”. Em suas palavras (RAWLS, 1971, p. 20) isso é “um equilíbrio
porque finalmente nossos princípios e opiniões coincidem”, uma vez que os princípios
devem respeitar as condições impostas a eles e esse equilíbrio é reflexivo pois “sabemos a
quais princípios nossas opiniões se conformam e quais são as premissas das quais derivam”
(idem). Ou seja, sabemos quais características devem estar presentes numa situação
contratual que engendre tais princípios.
33

Para tornar mais claros os pontos tratados nas teorias de Arrow e Rawls que serão
importantes para entendermos melhor em que sentido a abordagem das capacidades pode
ser em grande parte derivada delas, vamos contrapor os sistemas teóricos destes dois
autores em relação a certos aspectos. Estes aspectos correspondem à idéia de democracia
presente nos dois autores e ao tratamento que cada sistema confere às situações de
desigualdade – que será feito por meio da exposição de um exemplo.
Para Arrow, a idéia de democracia corresponde ao processo de decisão social que
deve respeitar critérios mínimos de legitimação democrática, e nesse caso a democracia
significa o respeito às opiniões individuais. Sendo assim, a cada um deve ser dado o mesmo
direito de opinar com relação às comparações entre estados sociais - o que é por sua vez
garantido pela regra majoritária – pois a cada opinião é dado o mesmo peso.
Já em Rawls, a defesa da igualdade democrática é feita em outros termos. Para ele, a
noção de democracia corresponde a uma combinação do “princípio de igualdade de
oportunidades com o princípio da diferença” (RAWLS, 1971, p. 75). Essa caracterização
nos remete novamente à sua noção de primazia da justiça.
Uma dificuldade que surge deste tipo de comparação diz respeito aos objetos das
duas abordagens. Por um lado, a pergunta que Arrow busca responder é: qual é o melhor
processo de decisão social que represente democraticamente as preferências individuais?
John Rawls por outro lado se pergunta: quais são os princípios de justiça mais apropriados
para a “estrutura básica” da sociedade? Se é assim, acreditamos que a maneira mais correta
de compararmos as duas teorias com relação às suas noções de democracia, seria
colocarmos cada uma delas nos termos da outra.
Primeiramente vamos analisar, num vel mais teórico, a adequação da posição
original de Rawls aos critérios democráticos de decisão democrática. Quando aplicamos a
constituição de Arrow à posição original de Rawls, verificamos uma compatibilidade
perfeita, já que na posição original espera-se que haja um consenso. O consenso, por sua
vez, assegura que a regra majoritária represente sempre as escolhas individuais das partes
num ordenamento social idêntico ao ordenamento social de cada uma delas, sem que nunca
haja uma situação de intransitividade. Por essa razão, podemos dizer que os princípios de
34
justiça definidos na posição original de Rawls são democráticos nos termos de Arrow e
obviamente não enfrentam o resultado da Impossibilidade, já que resultam de um consenso.
Num plano mais concreto, do resultado das decisões tomadas na posição original,
vemos que a estrutura básica de Rawls é também democrática no sentido de Arrow, que
no primeiro princípio de justiça, que assegura um nível mínimo de liberdades iguais, estão
embutidas as liberdades políticas, dentre as quais encontra-se a liberdade de escolha
política, o que certamente garante a liberdade de escolha democrática
36
.
Agora devemos verificar se a estrutura teórica de Arrow é democrática nos termos
de Rawls. Enquanto que para Arrow o importante é que os critérios de decisão social sejam
democráticos, para Rawls o que importa é a garantia de uma igualdade democrática de
oportunidades. Se é assim, a única forma da teoria de Arrow ser democrática no sentido de
Rawls é se a constituição de Arrow for capaz de garantir um nível mínimo de igualdade de
oportunidades. Este teste será feito por meio de um exemplo no qual a igualdade de
oportunidades é medida em termos de parcelas de bens primários, e assim, quanto mais
igualitária é a distribuição, maior é a igualdade de oportunidades entre os participantes.
Vamos considerar que os estados sociais se caracterizem pelas seguintes configurações de
distribuição de bens primários sociais:
;

;
  .
Vamos supor também que as posições dentro dos conjuntos representam
respectivamente três indivíduos, 1, 2 e 3, e sendo assim, no estado social , o indivíduo 1
possui , o indivíduo 2 possui e o indivíduo 3 possui o total de parcelas de bens
primários. Vamos agora supor que eles devem votar nas configurações que acharem mais
vantajosas a eles. Previsivelmente, na linguagem simbólica utilizada por Arrow, as
preferências deveriam ser as seguintes:
36
Pode ser que essa liberdade política não gere exatamente um sistema de escolha social igual ao proposto
por Arrow, mas respeita a sua exigência mais geral de que a escolha social represente corretamente sempre as
preferências individuais.
35
1:
;
2: 
;
3: 
; 
 ;  
Isso significa que para Arrow a escolha democrática optaria pelo estado . Rawls
por sua vez não considera esta escolha democrática que nos estados e a estrutura
básica não daria conta de assegurar a igualdade mínima de bens primários para os
participantes. Se essas fossem as únicas opções a serem escolhidas, certamente para Rawls
o estado representaria a melhor estrutura básica possível, já que todos devem ter a parcela
mínima de pelo menos
dos bens primários. Disso concluímos que a constituição de Arrow
não é capaz de assegurar que a escolha social seja sempre democrática nos termos em que
Rawls entende esta noção.
No exemplo dado anteriormente, podemos também perceber que a estrutura da
teoria de Arrow é insensível às situações de desigualdade, que o estado foi escolhido
no lugar do que era mais igualitário. Para a estrutura de Rawls, por outro lado, a
característica da igualdade elementar representada pelo estado seria decisiva na sua
escolha em detrimento aos demais estados.
36
Àŷ
Neste capítulo será visto como a abordagem das capacidades de Amartya Sen
representa uma alternativa dentro do campo da escolha social que ao mesmo tempo não
encontra pela frente as falhas da estrutura analítica de Arrow e nem as limitações da justiça
distributiva tal como é entendida por Rawls.
Para isso serão apresentadas inicialmente as principais críticas que Sen dirige à
estrutura analítica da teoria da escolha social e posteriormente veremos como essas críticas
se apresentam no contexto da teoria da justiça de Rawls. Por fim apresentaremos os
principais pontos da abordagem das capacidades ressaltando em que sentido eles podem ser
compreendidos como o resultado deste debate de Sen com Arrow e Rawls.

Uma boa parte da obra de Amartya Sen dedica-se à investigação dos diversos
aspectos da teoria econômica do bem-estar. Neste esforço, Sen grande ênfase à questão
da base informacional da teoria, ou em outras palavras, ao tipo de informação que a teoria
utiliza para suas análises. Esse ponto de partida é bastante promissor na medida em que
examina os sistemas teóricos a partir daquilo que eles consideram como o conjunto das
informações relevantes para sustentar as suas conclusões. A seguir, vamos expor
brevemente a análise que Sen desenvolve sobre a base informacional da tradicional teoria
econômica do bem-estar.
Sen considera que o tipo de utilitarismo incorporado na teoria da escolha social de
Arrow – e cujas raízes se encontram na New Welfare Economics é aquele que identifica a
utilidade como escolha
37
. Para a análise da base informacional utilizada por Arrow, Sen
decompõe esta forma de utilitarismo em três partes: welfarismo, conseqüencialismo e
ranking pela soma. O welfarismo corresponde àquela característica de que os estados
sociais devem ser julgados segundo a informação sobre a utilidade a ele associada (SEN,
37
Sen considera também outras variantes do utilitarismo, a saber, aquela que identifica utilidade com
felicidade e a que identifica utilidade com satisfação de desejos.
37
1982c, p. 4-5). Nesse sentido, o welfarismo corresponde à maneira pela qual o utilitarismo
em geral, e mais especificamente a estrutura da teoria da escolha social, “assinala valores
aos estados de coisas” (SEN, 1982c, p. 3). O conseqüencialismo por sua vez representa a
característica de que os estados sociais devem ser avaliados como conseqüências, ou seja,
devem ser avaliados segundo o resultado final do total de utilidade que nele se verifica.
Tomando por base esses dois conceitos, Sen considera a estrutura da teoria da escolha
social como uma “espécie de conseqüencialismo welfarista (SEN, 1982c, p.4), e o seu
procedimento de avaliação, que corresponde à soma das utilidades individuais, é chamado
de ranking pela soma (SEN, 1982c, p. 4)
38
.
Ao analisar essa base informacional, Sen conclui que cada um destes componentes
contribui para uma visão muito estreita sobre o que deve ser levado em conta na avaliação
das pessoas (SEN, 1982c, p. 4). Dito de maneira bastante resumida, isso ocorre porque o
welfarismo considera as pessoas apenas enquanto locus de utilidade reduzindo
drasticamente o universo de informações relevantes para a avaliação social. O
conseqüencialismo por sua vez restringe as informações relevantes somente às suas
conseqüências, ignorando muitas outras considerações, como regras, instituições, ações etc.
Por último, o ranking pela soma funde todas as informações de utilidade “perdendo neste
processo tanto as identidades dos indivíduos quanto as suas diferenças” (SEN, 1982c, p. 5)
O principal foco da crítica de Sen é a restrição informacional provocada pelo
welfarismo (KERSTENETZKY, 2000, p. 116), que sendo constitutivo da base
informacional da teoria da escolha social, representa a noção de que somente a informação
sobre a utilidade é importante
39
e, como será visto adiante, Sen considera que essa restrição
acaba eliminando também outras informações essenciais para se fazer juízos que ele
considera relevantes na escolha social.
38
Sobre essa decomposição do utilitarismo, ver também Sen (1979d).
39
Conforme observa Sen, o termo welfarismo corresponde a uma “versão mais forte da condição de
‘neutralidade’” (SEN, 1979c, p. 328), que utilizamos anteriormente.
38

Para Sen, diferentemente “[d]o que a interpretação popular freqüentemente julga”
(SEN, 1999b, p. 287), a conclusão de Arrow “não prova a impossibilidade da escolha social
racional, e sim a impossibilidade que emerge quando tentamos basear a escolha social em
uma classe limitada de informações” (idem)
40
. Sob este ponto de vista, o que o teorema de
Arrow demonstra é a inconsistência de um sistema de decisão social minimamente
democrático que toma como base informacional somente os rankings de preferências
individuais. Para Sen, o Teorema da Impossibilidade demonstrava que havia alguma coisa
errada com a estrutura da teoria da escolha social e ele então discute quais seriam esses
problemas
41
.
Esta interpretação do Teorema da Impossibilidade, que como vimos no primeiro
capítulo, difere da interpretação do próprio Arrow que via a impossibilidade como uma
extensão natural do paradoxo do votante -, tem um potencial revolucionário sobre os limites
colocados à teoria econômica do bem-estar. Ela torna clara a necessidade de abandonar
aquela visão da New Welfare Economics de que discussões éticas não eram um assunto a
ser tratado pela teoria econômica. Nas palavras de Sen, “mediante a uma ampliação
informacional, é possível chegar-se a critérios coerentes e consistentes para a avaliação
social e econômica” (SEN, 1999b, p.288). Sendo assim, na visão de Sen, o que Arrow
demonstrou de maneira cabal foi a necessidade ampliar a base informacional da economia
do bem-estar.
Sen mostra-se insatisfeito com vários pontos da estrutura da teoria da escolha social
de Arrow, e como veremos, a localização destes problemas e a direção para a qual aponta
suas questões, de certa forma demarcam o campo a ser preenchido para superá-los. Desta
forma, apesar do debate com Arrow ser de fundamental importância, o foi mais por revelar
as deficiências que deveriam ser sanadas para se chegar a uma teoria da escolha social
adequada, do que propriamente por fornecer elementos novos à abordagem das
capacidades. Como veremos, esses elementos foram em parte encontrados na teoria da
justiça de Rawls. Assim, uma análise das críticas de Sen à teoria da escolha social é
40
Sobre a interpretação de Sen sobre o resultado da Impossibilidade de Arrow, ver também Sen (1995).
41
Sen (1986) analisa com mais profundidade as restrições informacionais adotadas por Arrow (1963) e como
essas restrições resultam na Impossibilidade.
39
fundamental pois todo o seu esforço posterior pode ser interpretado como uma tentativa de
resolvê-las – o que ele de fato consegue fazer ao desenvolver sua própria teoria.
As objeções de Sen à estrutura analítica da teoria da escolha social relacionam-se a
cinco categorias de questões
42
: 1) A problemática identidade implícita entre escolha e valor
que existe na visão da utilidade como escolha; 2) O fato de a simples observação da escolha
nada nos dizer sobre as suas verdadeiras motivações; 3) A exigência de completude não
necessariamente significa um requisito da racionalidade da escolha social; 4) Esta estrutura
a princípio nada diz sobre garantias de direitos com relação à liberdade mínima de escolhas
individuais; 5) uma inadequação dessa teoria para tratar de questões de eqüidade e
justiça. No nosso entender vale a pena explorar essas questões mais detidamente, o que será
feito a seguir.
1) Crítica à identidade entre escolha e valor
Na interpretação de Sen, a estrutura analítica da teoria da escolha social
implicitamente associa valor e escolha. O simples fato de eu revelar a minha preferência
por quando está disponível o significa que representa aquilo que para mim é
valioso. Sen (1982c, p. 12-13) deixa isso claro do seguinte modo: faz sentido eu responder
à pergunta “o que devo escolher?” com “aquilo que é mais valioso”, mas não faz muito
sentido eu responder à pergunta “o que é mais valioso para mim?” com “aquilo que eu
escolher”. Ao identificar a escolha como a expressão do que as pessoas mais valorizam, a
estrutura da teoria da escolha social falha pois a simples informação da preferência revelada
segundo Sen nada nos diz sobre quais são os verdadeiros valores individuais.
2) Crítica ao desconhecimento das motivações da escolha
Com relação a esse ponto, a observação da preferência revelada por um certo estado
social em detrimento a outro, nada nos diz sobre o que motivou o indivíduo a ter tal
preferência. Muitas podem ser as razões pelas quais os indivíduos optam por um estado ou
por outro, e “a mistura de motivações torna difícil formar uma boa idéia do bem-estar de
42
Selecionamos estas cinco categorias pois no nosso entender elas englobam os pontos mais relevantes da
crítica de Sen que contribuíram para o desenvolvimento da abordagem das capacidades.
40
uma pessoa tomando por base apenas a informação da escolha” (SEN, 1985b, p. 188). O
conhecimento da preferência por um estado em detrimento a um outro estado nada nos
diz sobre se aquela escolha fora motivada pela busca da felicidade, prazer, medo, senso de
dever ou responsabilidade ou até mesmo por uma motivação de natureza anti-social. Nesse
sentido, a simples observação da escolha pode escamotear, por exemplo, a falta de
liberdade da pessoa em escolher outra alternativa. É perfeitamente possível imaginarmos
que “uma pessoa pode não ter a coragem de desejar a liberdade sob um regime severamente
opressivo” (SEN, 1982c, p. 6), e, nesse caso, a escolha por, digamos, a permanência do
regime deve ter sido motivada pelo medo, e não por outro motivo verdadeiramente valioso
à pessoa, como por exemplo, a busca pela felicidade. Ainda com relação a esta questão, Sen
defende que existem outros tipos de motivação que não estão ligadas ao bem-estar, mas que
ainda assim podem orientar as escolhas. Para captar essa diferença, ele considera que é
mais conveniente adicionar à motivação “busca pelo bem-estar”, uma outra, ligada mais
diretamente aos objetivos mais amplos da pessoa, a que ele chama de “objetivos de
agência”. Como será explicitado mais adiante, a abordagem das capacidades é muito mais
sensível a esta avaliação que a estrutura da tradicional teoria da escolha social.
Estas duas deficiências da estrutura da teoria da escolha social apresentadas por Sen
dizem respeito à identificação da utilidade como escolha. Como foi visto no primeiro
capítulo, esta havia sido a inovação da New Welfare Economics em relação à tradição
cardinalista da economia do bem-estar que a precedia. Para Sen, ao utilizar esta base
estreita, Arrow demonstra na verdade, não a impossibilidade da escolha social, mas a
inadequação em se basear as escolhas sociais somente nas preferências individuais pelos
estados sociais. Como sevisto a seguir, as três outras críticas mencionadas anteriormente
que Sen dirige à estrutura da teoria da escolha social, apesar de também terem relação com
a definição da utilidade como escolha, relacionam-se mais diretamente com outros pontos
desta teoria.
3) Crítica à exigência de completude para a racionalidade da escolha social
Esta crítica que Sen dirige à estrutura da teoria da escolha social diz respeito à
associação que ela faz entre a racionalidade da escolha social e a necessidade de
completude. Como fica claro em Arrow (1963, capítulos 1 e 2), a racionalidade exige que
41
as escolhas sociais sejam consistentes, e a consistência por sua vez depende, entre outras
coisas, da completude. Sen discorda dessa associação e considera irracional que a escolha
social deva ter a completude como pressuposto de racionalidade. Em suas palavras,
“‘[e]sperar pela totalidade’ pode não ser uma estratégia engenhosa num exercício prático”
(SEN, 2001, p. 89). Com relação a esta crítica, a figura do asno de Buridano é bastante
recorrente nos escritos de Sen:
“A verdadeira ‘irracionalidade’ do asno de Buridano repousa não em sua inabilidade em ranquear
dois montes de feno, mas em sua recusa em escolher algum monte de feno sem estar perfeitamente
certo de que o monte de feno era melhor que, ou ao menos tão bom quanto, o outro
(SEN, 1982c,
p. 17).
Isso significa que, no que diz respeito à escolha social, Sen acha que é mais irracional não
escolher nada, o que no caso do asno o fez morrer de fome, do que aceitar uma das duas
alternativas mesmo sabendo que ela pode não ser a melhor.
Veremos que a abordagem das capacidades sugere um sistema de escolha social que
não exige a completude. Ele se baseia em concordâncias parciais, e argumentar-se-á que
esse sistema, mesmo abrindo mão da completude, pode nos levar bem longe na tomada de
decisão social.
4) Crítica da Impossibilidade do Liberal Paretiano
Sen desenvolve esta crítica pela primeira vez em seu artigo The Impossibility of a
Paretian Liberal (SEN, 1970b), onde demonstra que na estrutura analítica da teoria da
escolha social, além da impossibilidade trazida à tona por Arrow, existia uma
incompatibilidade entre a regra de Pareto e a garantia mínima do direito das pessoas
“decidirem certas coisas sobre suas próprias vidas” (SEN, 1982c, p. 6). Para clarificar a
natureza dessa incompatibilidade, exporemos em seguida alguns trechos desse artigo que
são relevantes para os nossos propósitos.
Em primeiro lugar, é preciso notar que apesar de haver diferenças entre o que Arrow
(1963) chama de função de bem-estar social e o que Sen (1970b) chama de função de
decisão social, a explicitação dessas diferenças não é necessária para entendermos o dilema
entre a regra de Pareto e a existência de uma esfera mínima de decisão individual. A
definição 1 a seguir, explicita o que deve ser entendido por função de decisão social:
42
Definição 1: uma função de decisão social é uma regra de escolha coletiva cujo
domínio está restrito às relações de preferência social que geram uma função escolha
(SEN, 1970b, p. 286)
43
.
Do mesmo modo que Arrow faz para testar a possibilidade de sujeição da função de
bem-estar social à sua constituição representada pelas quatro condições apontadas no
capítulo 1 -, Sen estabelece três condições que a sua função de decisão social deve
respeitar:
Condição U*
44
(domínio irrestrito). Todo conjunto logicamente possível de
ordenamentos individuais está incluso no domínio da regra de escolha social (SEN,
1970b, p. 286).
Condição P*. Se cada indivíduo prefere qualquer alternativa x a outra
alternativa y, então a sociedade deve preferir x a y (SEN, 1970b, p. 286).
Condição L* (liberalismo mínimo)
45
. Há ao menos dois indivíduos tais que para
cada um deles existe ao menos um par de alternativas sobre as quais ele é decisivo, ou
seja, um par de  tal que se ele prefere a , a sociedade prefere a . (SEN,
1970b, p. 287).
O objetivo destas condições podem ser resumidas respectivamente da seguinte
maneira: a Condição U* serve para garantir que não haja nenhuma configuração de
ordenamentos individuais que não possa ser representada pela função de decisão social; a
Condição P* corresponde à exigência de que a regra fraca de Pareto seja refletida pela
função de decisão social, e a Condição L* busca garantir a existência de pelo menos uma
decisão que o indivíduo pode tomar sem considerar a opinião dos outros sobre ela.
43
A função de bem-estar do tipo encontrada em Arrow (1963), também é uma regra de escolha coletiva,
porém seu domínio é restrito a ordenamentos de quaisquer tipos, e não somente às relações de preferência que
geram alguma escolha social (SEN, 1970b, p. 285).
44
Os asteriscos servem para diferenciar essas das Condições de Arrow.
45
Sen (1992) discute as várias implicações que esta forma de “liberalismo mínimo” possui na teoria da
escolha social.
43
A “impossibilidade do liberal paretiano” atesta ser impossível que uma função de
decisão social consiga satisfazer as três condições simultaneamente, ou, nas palavras de
Sen:
TEOREMA 1: não uma função de decisão social capaz de satisfazer
simultaneamente as Condições U*, P* e L* (SEN, 1970b, p. 287).
Podemos demonstrar o teorema da seguinte forma
46
:
A Condição U* exige que a função de decisão social seja capaz de representar todas
as configurações de preferências individuais logicamente possíveis. Partindo disso, para
encontrarmos o resultado da impossibilidade, basta que encontremos ao menos uma
configuração de preferências que seja logicamente possível e que não satisfaça pelo menos
uma das outras duas condições. Esse procedimento é similar ao que foi adotado em nossa
demonstração do Teorema da Impossibilidade de Arrow.
Sendo assim, vamos supor que haja duas pessoas (1 e 2) e quatro estados sociais
distintos entre si   . Imaginemos que as preferências de 1 e de 2 são as seguintes:
1:
2:
Vamos supor adicionalmente, que ambos os indivíduos possuem as seguintes preferências
em comum:
(1 e 2): e
Aplicaremos em seguida as três condições à função de decisão social. Pela
Condição L*, cada indivíduo deve ter a liberdade de determinar pelo menos uma escolha
social, então, vamos considerar que o indivíduo 1 possa determinar a escolha social entre
e e que o indivíduo 2 possa determinar a escolha social entre e :
Condição L*: 


A Condição de Pareto por sua vez, exige que se unanimidade com relação à
escolha social, essa unanimidade deve ser refletida na função de decisão social. Como
46
A demonstração segue a exposição feita em Sen (1970b), porém não reproduz exatamente a sua seqüência e
omite alguns pontos não considerados necessários aos nossos argumentos.
44
vimos, unanimidade com relação às seguintes preferências: e . Em nossa
notação:
Condição P*: 




Diferentemente de Arrow, aqui nem mesmo é exigida a transitividade da escolha
social, e mesmo assim, podemos constatar que não há uma melhor alternativa já que
   , ou seja, todos os elementos do conjunto  são piores que
algum outro. Isso significa que “não existe uma função de decisão social que satisfaça as
condições [U*, P*] e L*” (SEN, 1970b, p. 288)
47
.
Este resultado mostra que a estrutura informacional da teoria da escolha social,
quando associada com a regra de Pareto, acaba impossibilitando a existência do direito a
uma esfera de decisão individual. Sen (1976a) explora algumas possibilidades de
enfraquecimento das condições aplicadas à função de decisão social que resultam na
impossibilidade do liberal paretiano, e conclui que “o Princípio de Pareto, da maneira que é
usado, é um ótimo candidato a ser rejeitado” (SEN, 1976a, p. 317). Deve ser notado, no
entanto, que a rejeição do princípio de Pareto, do modo em que geralmente é utilizado, não
significa ignorar os desejos dos membros da comunidade. Nesse caso, é relevante notar a
diferença entre “‘preferir a e querer que as preferências dos membros ‘contem a favor
de contra ’” (SEN, 1976a, p. 315)
Argumentaremos que a abordagem das capacidades surge como uma resposta
também a esta crítica e aumenta muito a noção do que deve ser considerado como esfera de
liberdade individual.
5) Crítica à ausência de garantia de direitos básicos e de noções de justiça
distributiva
Sen (1970a, Cap.9) defende que a estrutura da economia do bem-estar em geral não
é adequada para considerar questões de justiça e equidade na avaliação de estados sociais,
47
Alguns exemplos ilustrativos deste conflito entre a liberdade e a regra de Pareto podem ser encontrados em
Sen (1983b, pp. 387-89)
45
que não permite comparações interpessoais de bem-estar. No entanto, como vimos no
capítulo 1, a inovação da New Welfare Economics havia sido justamente o abandono das
comparações interpessoais nas avaliações dos estados sociais. Para discutir essa deficiência,
Sen (1985a, p. 331) formula um exemplo bem simples usando a estrutura de Arrow:
suponha-se que existe um bolo para dividir em três pessoas e que elas podem votar nos dois
estados sociais seguintes:
ou 
. Caso também seja assumido que as pessoas
se comportem de maneira egoísta, a segunda opção ganhará a maioria dos votos (2 contra
1) e uma delas ficará com nada.
É importante ressaltar que o exemplo considera como informação relevante apenas
as escolhas individuais pelos estados sociais possíveis, e por essa razão, não é dada
nenhuma importância, por exemplo, à questão de igualdade distributiva, ou à questão de
garantir a todos pelo menos o direito a um quinhão mínimo de distribuição. Mesmo que a
estrutura analítica de Arrow não descarta a possibilidade dos indivíduos serem altruístas e
escolherem estados sociais mais igualitários, não nada que nos permite esperar a priori
um tal resultado.
Uma vez que algumas das preocupações centrais de Sen eram com a pobreza e com
a desigualdade, esta limitação da estrutura da teoria da escolha social a tornava imprópria
para discutir tais questões na hora de escolher entre estados sociais diferentes. E, neste
ponto específico, Sen viu na teoria da justiça de Rawls um instrumento muito mais
interessante para tratar estas questões. Veremos que, apesar de no entender de Sen, ainda
não ser totalmente satisfatória, essa teoria não apresentava as principais limitações que se
verificavam na estrutura analítica da teoria da escolha social.


A teoria da justiça e os princípios de justiça desenvolvidos por Rawls não
apresentam as deficiências que Sen identifica na teoria da escolha social. Deve ser
recordado aqui que o objetivo da teoria da justiça de Rawls é encontrar princípios de justiça
46
que devem governar a estrutura básica da sociedade, o que é bem diferente de buscar
sistemas adequados para a escolha social. Sen certamente reconhece essa diferenças (SEN,
1970a, p. 140), mas apesar disso, ele considera que o raciocínio rawlsiano possui
implicações importantes que vão “além de sua própria estrutura restrita” (SEN, 2001, p.
151) e que podem, entre outras coisas, ser utilizados para a escolha social.
Em seguida, vamos expor como a teoria da justiça de Rawls escapa às críticas que
Sen dirige à estrutura de análise da teoria da escolha social; e para tal, é preciso separar a
teoria de Rawls em duas seções. A primeira delas relaciona-se mais diretamente com a
questão da escolha e corresponde ao momento em que as partes na posição original
decidem pelos dois princípios de justiça. A segunda parte corresponde à utilização dos dois
princípios como meio para a avaliação de estados sociais, e por essa razão relaciona-se
mais diretamente com o nível de abstração em que trabalha a teoria da escolha social.
Essa separação é de crucial importância, pois diferentemente da escolha social que
investiga maneiras de transformar escolhas individuais em escolhas sociais, na teoria da
justiça existem indivíduos especiais denominado por Rawls de “partes” que devem
escolher de uma vez por todas quais princípios de justiça devem organizar as principais
instituições da sociedade. Desse modo, enquanto a teoria da escolha social busca os
princípios norteadores da escolha social partindo da premissa de que eles devem representar
preferências individuais por estados sociais, a teoria da justiça de Rawls apresenta os
princípios que seriam escolhidos pelas partes na posição original.
No que concerne às críticas relacionadas ao conteúdo de valor e motivação das
escolhas (críticas 1 e 2), deve-se considerar o momento e as condições da escolha na
posição original, uma vez que são questões que dizem respeito diretamente à escolha
relativa ao indivíduo. para a crítica relacionadas à exigência de completude para a
racionalidade da escolha social (crítica 3), consideraremos a utilização dos princípios de
justiça de Rawls enquanto meio de avaliação dos estados sociais. Por último, para a
discussão das críticas (4 e 5) relacionadas à incompatibilidade da regra de Pareto com uma
liberdade mínima, e à questão da justiça distributiva e da impossibilidade de comparações
interpessoais, utilizaremos as duas partes desta separação.
47
1) Crítica à identidade entre escolha e valor
A crítica à pressuposta identidade entre valor e escolha assumida pela estrutura
analítica da teoria da escolha social não encontra um substrato que a sustente quando se
trata da posição original, que nessa situação as partes não têm conhecimento daquilo que
para elas possui valor. Esse desconhecimento provocado pelo véu de ignorância é uma das
razões para que seja razoável esperar que elas escolham princípios de justiça que, assim que
removido o véu de ignorância, garantam a elas boas chances de atingirem os fins que
consideram valiosos, mesmo que se encontrem na pior posição. Desse modo, se alguma das
partes na posição original fizesse a pergunta sugerida por Sen: “o que possui valor para
mim?”, certamente a resposta não seria “o que eu escolho”, pois ela nem mesmo sabe,
naquela situação, o que ela valoriza. Sendo assim, Rawls não parte da pressuposição da
identidade entre escolha e valor sendo que para ele uma situação capaz de garantir a justiça
nas escolhas é justamente caracterizada pela abstração da dimensão dos valores pessoais
das partes.
2) Crítica do desconhecimento das motivações da escolha
Com relação à segunda crítica de Sen, segundo a qual a simples observação da
escolha nada nos diz sobre as motivações que a originaram - resultando numa perda de
informação que ele considera relevante para a escolha social, na teoria da justiça de Rawls
as motivações são de certa forma condicionadas pelas características das partes na posição
original. O véu de ignorância, por exemplo, serve entre outras coisas para alinhar os
interesses das partes, que a sua função é “anular os efeitos das contingências específicas
que colocam os homens em disputa” (RAWLS, 1971, p. 136). A racionalidade das partes
por sua vez assegura que todos concordem que mais bens primários é melhor do que
menos, “já que isso os capacita a promover a sua concepção de bem mais efetivamente seja
qual for ela” (RAWLS, 1971, p. 144). Rawls chama a motivação das partes que resulta
dessas características de “desinteresse mútuo” ou “altruísmo limitado” (RAWLS, 1971, p.
146), desta forma, a motivação leva à escolha de princípios de justiça que garantam o
máximo de bens primários a todos e a melhor condição possível para a pior situação. Sendo
assim, na posição original a relação entre motivação e escolha é bastante clara, de modo
que a crítica que Sen dirige à teoria da escolha social não se aplica neste caso.
48
3) Crítica à exigência de completude para a racionalidade da teoria da escolha social
Com relação à terceira crítica, em Rawls não a exigência de completude para a
decisão social quando se utiliza os princípios de justiça para a avaliação dos estados sociais.
Uma primeira observação a ser feita é que o “requisito de ‘equidade’ sobre o qual Rawls
(1971) constrói sua teoria da justiça pode ser visto como provendo uma estrutura específica
para determinar o que se pode ou não se pode razoavelmente rejeitar” (SEN, 2001, p. 49).
Tendo sido baseados nessa regra, os princípios de justiça de Rawls certamente deixam de
fora as outras dimensões que compõe os estados sociais que não podem ser julgadas com
base na razoabilidade. Sendo assim, os dois princípios não são capazes de proporcionar um
ordenamento social completo, pois não são capazes de dizer se um estado social onde,
digamos todas as paredes são pintadas de cinza é melhor, pior ou indiferente a um outro
onde todas as paredes são pintadas de vermelho. Sendo assim, os dois princípios só são
capazes de ordenar os estados segundo as questões consideradas relevantes, diferentemente
do utilitarismo e da estrutura da teoria da escolha social, onde tudo pode ser transformado
em utilidade e tudo pode ser julgado a partir desta métrica.
4) Crítica da Impossibilidade do Liberal Paretiano
Com relação à “Impossibilidade do Liberal Paretiano”, podemos destacar duas
dimensões na crítica de Sen. A primeira delas, que é mais direta, diz respeito à
inconsistência da estrutura do sistema de decisão social quando exigimos que ela comporte
ao mesmo tempo a regra de Pareto e a existência de uma esfera de escolha onde a decisão
social dependa apenas do indivíduo. A segunda dimensão desta crítica é que quando a regra
de Pareto é utilizada, não espaço para a existência da mais ínfima liberdade individual.
A primeira dimensão do problema é uma questão de inconsistência e à segunda diz respeito
à importância que é dada à liberdade individual na escolha social.
Com relação à primeira dimensão da análise, a inconsistência que Sen identifica na
estrutura da teoria da escolha social não ocorre na situação da posição original, uma vez
que nela, todas as decisões sociais sobre os princípios devem resultar de um consenso, e por
essa razão, não faz muito sentido exigir nessa escolha uma esfera mínima de liberdade
individual, tal como faz a Condição L*.
49
A segunda dimensão da crítica se relaciona mais diretamente com os dois princípios
de justiça efetivamente escolhidos na posição original, e nesse sentido, o primeiro princípio
garante uma liberdade individual muito mais ampla do que aquela exigida pela Condição
L*.
5) Crítica à ausência de direitos e de noções de justiça distributiva
Com relação à questão dos direitos, da justiça distributiva e das comparações
interpessoais, a teoria da justiça de Rawls representa, entre outras coisas, um sistema
racional que associa a avaliação da vantagem individual à defesa da igualdade de algo com
base naquilo que não se pode razoavelmente rejeitar numa situação inicial de igualdade
48
.
Conforme foi mencionado, tanto o sistema de avaliação da vantagem individual bem
como a defesa da igualdade e o direito a um quinhão mínimo na distribuição da produção
social se fazem em termos do que Rawls chama de bens primários. Amartya Sen considera
que este modo de conceber avaliações sociais tomando por base as escolhas de pessoas
numa situação inicial de igualdade significa um grande avanço com relação às avaliações
que consideram como informação relevante as utilidades pessoais na forma de escolha
(SEN, 1985b, 199). Prova disso é que as quatro críticas anteriores que Sen dirige à teoria da
escolha social não se aplicam ao sistema de Rawls.
Apesar dos princípios de justiça e dos bens primários de Rawls permitirem a
discussão sobre as questões que Sen considera importantes na avaliação dos estados sociais
– comparações interpessoais, privações, direito a uma igualdade elementar etc. –, Sen ainda
considera a igualdade mínima de bens primários inadequada para os propósitos igualitários
que compartilha com Rawls
49
. Para Sen, o foco da igualdade nos bens primários é
insuficiente, uma vez que estes são apenas meios para realizar fins valiosos, e para ele, a
igualdade elementar de bens primários desconsidera as diferenças nos potenciais de cada
pessoa de efetivamente convertê-los em fins considerados por elas valiosos. Por essa razão
a igualdade de Rawls é para Sen uma igualdade incompleta, por não ser sensível a essa
48
Ou mais precisamente, numa situação inicial de fairness.
49
Vita (2008, p. 91) chama esse debate de uma “briga em família”, que quando contrapostos por exemplo
com as teorias utilitaristas, esses dois autores possuem posições muito semelhantes.
50
diversidade humana
50
. Veremos que Sen amplia a noção de bens primários ao apresentar a
idéia de funcionamentos e capacidades, e neste sentido, ele considera que a abordagem das
capacidades é uma “extensão natural da preocupação de Rawls com bens primários,
mudando a atenção sobre os bens para o que os bens podem fazer para os seres humanos”
(SEN, 1979a, p. 368)
51
.
Veremos a seguir como a abordagem das capacidades da conta de preencher essa
lacuna e de responder às insatisfações de Sen no que concerne a estrutura analítica da teoria
da escolha social.

A abordagem das capacidades é uma teoria desenvolvida por Amartya Sen que
apresenta um processo de escolha social alternativo e sugere uma orientação para políticas
públicas. Segundo ele próprio, a primeira vez que Sen tentou explorar esta “abordagem
Particular do bem-estar e vantagem” (SEN, 1993, p. 30) foi em suas conferências Tanner
em maio de 1979, que foi publicada como um artigo de nome Equality of What?(SEN,
1979a).
Devemos notar que a abordagem das capacidades utiliza como base informacional
mais elementar aquilo que Sen chama de funcionamentos (functionings). Nas palavras de
Sen, os funcionamentos
“referem-se a atividades’ (como ver, comer) ou estados de existência ou ser’ [states of existence or
being] (como estar bem nutrido, estar livre da malária, não estar envergonhado pela pobreza da
roupa vestida); por vezes abreviados por ações[doings] e estados[beings]”
(SEN, 2001, p.
236).
50
Clark nos um exemplo esclarecedor sobre as diferenças nos potenciais de realização do funcionamento
“estar bem nutrido”: “uma criança tipicamente possui exigências nutricionais bastante diferentes de um
trabalhador manual, de uma mulher grávida ou de alguém com alguma doença parasitária” (CLARK, 2006, p.
3).
51
Esta visão de Sen é criticada por Sugden. Para ele, o que Sen faz é “reinterpretar o teoria de Rawls de modo
a torná-la uma tentativa de resposta das questões que [o] preocupam [...], ao invés daquelas que preocupam
Rawls. Não deveria ser uma surpresa caso haja problemas com a teoria de Rawls quando é vista deste modo”
(SUGDEN, 1993, p. 1958).
51
Partindo desta definição, podemos perceber que o conceito de funcionamentos é
extremamente amplo. Eles podem variar entre aqueles mais elementares, como por
exemplo, estar bem nutrido, ser capaz de se locomover, e aqueles com um maior grau de
complexidade, como por exemplo, ter respeito próprio (SEN, 2001, p. 34).
Uma observação importante a ser feita aqui é que o conceito de funcionamento é
informacionalmente pluralista (SEN, 1985b, p. 200), ou seja, este termo engloba muitas
informações que não possuem necessariamente um denominador comum e nem podem ser
traduzidas em outros termos que permitam uma comparação entre elas. Para tornar esta
idéia mais clara, podemos contrapor a ela as várias formas de utilitarismo, que são
informacionalmente monistas, uma vez que consideram apenas a utilidade, em suas várias
formas, como informação relevante para a avaliação dos estados de coisas.
Como exemplo, podemos descrever dois funcionamentos que são importantes e que
no entanto não são comparáveis: estar bem nutrido e falar. Apesar de serem
funcionamentos que não se comunicam diretamente, que não podem ser confrontados,
reconhecemos que ambos são muito importantes, e sendo assim, a utilização dos
funcionamentos como base informacional amplia muito o leque das informações
consideradas relevantes.
Para Sen, os funcionamentos podem ser valiosos de dois modos. O primeiro deles é
quando são instrumentos para fins intrinsecamente valiosos. Falar, por exemplo, é um
funcionamento importante porque, entre outras coisas, ajuda a pessoa a tomar parte na vida
da comunidade, o que é algo que possui valor. O segundo tipo de funcionamentos valiosos
são aqueles intrinsecamente valiosos. Estar feliz, e escapar da morte prematura, são
exemplos de funcionamentos que possuem uma importância intrínseca, e no segundo caso,
além de ser um valor em si, escapar da morte prematura possui o valor instrumental de
possibilitar que o indivíduo realize outros funcionamentos que considera valiosos. Para
algumas pessoas, por exemplo, é importante adorar divindades, o porque isso as torna
mais feliz, nem porque expande sua liberdade, mas porque é em si importante. Esta dupla
fonte de valor dos funcionamentos está na origem de seu pluralismo informacional (SEN,
1985b, p. 181)
Resumidamente, podemos dizer que os funcionamentos são partes constitutivas do
viver (SEN, 2001, p. 90), e as s origens filosóficas deste conceito podem ser encontradas no
52
escritos de Aristóteles (SEN, 1993, p. 46). Conforme nos aponta Sen (2001, p. 97, n.r.3),
Aristóteles, particularmente em “Ética A Nicômaco” (Livro 1, Capítulo 7), investiga a
questão “o que é o bem do homem?”. Sua linha argumentativa é a seguinte: O bem é a
finalidade de tudo o que fazemos (o bem da medicina é a saúde, o da estratégia é a vitória
etc.), e esta finalidade é atingível pela ação, que orientada pelo exercício ativo do elemento
racional, atinge a excelência. Se é assim, qual seria então o bem do homem? Para
Aristóteles, “a função própria do homem é uma certa espécie de vida, e esta é constituída
por uma atividade ou por ações da alma que implicam um princípio racional, e [...] a função
de um bom homem é uma boa e nobre realização das mesmas” (ARISTÓTELES, 2004, p.
27). Desse modo fica clara a seqüência deste raciocínio Aristotélico:
1) O bem é a finalidade das coisas; 2) Orientado por aquilo que lhe é peculiar com
relação às demais espécies o exercício ativo da razão o homem atinge o bem por meio
da ação; 3) O sentido ou a finalidade da vida do homem portanto se encontra na maneira
pela qual ele se relaciona com o bem, que é através das ações que ele realiza; 4) Sendo
assim, o bom homem é aquele que consegue fazer bem as suas atividades.
Não faz parte do conjunto de objetivos deste trabalho explorar as ligações entre a
abordagem das capacidades e o pensamento aristotélico
52
, porém é bastante evidente a
relação entre a idéia de funcionamentos apresentada por Sen e a maneira pela qual
Aristóteles define a vida enquanto ações da alma e atividades.
Uma vez entendido que os funcionamentos são “partes constitutivas do viver”,
percebemos que esta é uma base informacional bastante ampla quando comparada, por
exemplo, com a base informacional da estrutura da teoria da escolha social, mas em que
sentido ela é um bom meio de avaliação da vantagem pessoal? Amartya Sen em nenhum
momento enumera uma “lista dos funcionamentos mais importantes” para com base nessa
lista definir níveis de vantagem individual, e em muitas passagens (como em SEN, 1993, p.
47) ele advoga contra este tipo de inflexibilidade que se faz presente em algumas teorias
53
,
dentre as quais o utilitarismo, que preconiza que os estados sociais devem ser avaliados
sempre e somente segundo a informação sobre a utilidade neles refletida. Apesar de deixar
52
Para maiores detalhes sobre estas relações, consulte Nssbaum (1988, 1990).
53
É nesse sentido que Nussbaum critica Sen e cobra dele uma posição mais nítida que descreva um
“procedimento de avaliação objetiva pelo qual os funcionamentos possam ser avaliados pela sua contribuição
à boa vida humana” (NUSSBAUM, 1988, p. 176 apud SEN, 1993, p. 47). A própria Nussbaum (2003) chega
a formular uma lista de funcionamentos mais valiosos.
53
esta lista propositalmente aberta, Sen freqüentemente cita alguns funcionamentos que
certamente são importantes em quaisquer culturas e em quaisquer tipos de vida, que são:
“escapar da morte prematura”, “estar bem nutrido”, “capacidade de locomoção” e outros.
Partindo disso, a observação destes funcionamentos pode nos dar uma boa base inicial
para a avaliação da vantagem individual e também para a orientação das escolhas sociais.
Assim, a utilização dos funcionamentos para a avaliação da vantagem pessoal é uma
unidade de medida bastante versátil, uma vez que considera vários aspectos importantes da
vida da pessoa. Apesar disso, esta unidade de medida ainda não capta algo que é muito
importante para esta avaliação a liberdade para realizar os funcionamentos. O tipo de
liberdade que interessa Sen e que é relevante para a sua análise é mais amplo que a
liberdade negativa, a liberdade de se “deixar fazer”, da não intervenção e que se preocupa
com a extensão das proibições. O conceito que interessa a Sen é o de “liberdade positiva”
ou “liberdade substantiva”, ou seja, de “oportunidade real” para realizar funcionamentos.
Como exemplo, poderíamos dizer que uma pessoa poderia expressar a sua liberdade
negativa de “falar” da seguinte maneira: “tenho a permissão para falar”. Por outro lado, a
liberdade positiva exige mais do que a permissão para ser, estar e fazer, ela exige também
todas as demais condições necessárias para tornar a realização daquele funcionamento
possível. Um exemplo de expressão da liberdade positiva que poderia ser enunciado por um
indivíduo seria: “tenho a oportunidade real de falar”, e isso, além de exigir também a
liberdade negativa para fazê-lo, exige muito mais que ela, pois engloba todas as condições
que tornam aquele funcionamento verdadeiramente factível à pessoa, tal como a habilidade,
condições fisiológicas para falar etc.
A simples existência da “liberdade negativa” não significa a liberdade positiva para
se realizar determinado funcionamento. Além disso, somente a habilidade de realização de
determinado funcionamento não permite a afirmação de que ali com certeza existe a
liberdade positiva de realizá-lo. Vamos ilustrar essa diferença com um exemplo: um
nadador diante de uma piscina congelada, apesar de possuir a habilidade, as condições
fisiológicas e a permissão para nadar, não possui a liberdade positiva para tal, uma vez que
as condições da piscina não lhe garantem a oportunidade real para fazê-lo. Uma pessoa que
não sabe nadar por sua vez, também não possui a liberdade positiva para nadar, mesmo que
54
desfrute da permissão ou liberdade negativa para tal. O quadro a seguir resume a diferença
entre estes conceitos:
Funcionamento
observado: ficar à
beira da piscina
Possui a liberdade
negativa para
nadar
Possui a habilidade
de nadar
Oportunidade real
de nadar
Pessoa que não sabe
nadar
X X
Nadador à beira da
piscina congelada
X X X
Nadador à beira da
piscina em boas condições
X X X X
Deve ser notado em nossa tabela que a liberdade substantiva de uma pessoa envolve
também a escolha de o realizar o funcionamento. Além disso, esta tabela mostra que a
simples observação de um funcionamento muitas vezes não é suficiente para a avaliação da
liberdade positiva. A observação do funcionamento “ficar à beira da piscina” nada nos diz
sobre a liberdade positiva de nadar, e da mesma maneira, a observação do funcionamento
nadar nada nos diz sobre se a pessoa nada porque escolheu nadar ou porque ela está sendo
obrigada a realizar aquele funcionamento, como seria o caso, por exemplo, de uma pessoa
fugindo de um enxame de abelhas.
Um conceito que capta mais precisamente a noção de “liberdade positiva” é a idéia
de “capacidade” (capability). Por esta noção não devemos entender somente a habilidade
(ou o potencial) de realização de um funcionamento, mas também as oportunidades reais de
realização deste. Como exemplo, poderíamos dizer que, no sentido do termo utilizado por
Sen, o nadador diante da piscina congelada não é capaz de nadar, pois naquele momento
não tem a oportunidade real para tal
54
.
As capacidades de uma pessoa refletem portanto as oportunidades reais que a
pessoa tem para realizar funcionamentos. Este conceito capta muito melhor a liberdade da
pessoa do que o conceito de funcionamentos, e até mesmo do que o simples conhecimento
da habilidade para realizar o funcionamento. O conjunto de todas as capacidades de uma
54
No exemplo de Sen (2001, p. 234), o nadador encontra-se encarcerado, e por essa razão não desfruta da
liberdade positiva para nadar, mesmo tendo a habilidade para tal.
55
pessoa reflete tudo aquilo que ela tem a liberdade positiva ou efetiva para ser/estar e para
fazer. Por essa razão, a medida apropriada para a avaliação da liberdade positiva de uma
pessoa é o seu “conjunto capacitário”, que representa “o conjunto de vetores dos
funcionamentos dentro do alcance dele ou dela” (SEN, 1985b, p. 201).
Apesar da diferença conceitual entre funcionamentos e capacidades ser
relativamente simples, na prática estas idéias muitas vezes se confundem. O funcionamento
jejuar, por exemplo, reflete a capacidade que a pessoa tem de comer (SEN, 2001, p. 92),
que significa não comer quando se tem a chance para tal. A possibilidade desta confusão
ocorre porque os funcionamentos e as capacidades são definidos em termos das mesmas
variáveis. Com relação a isso,
“[é] particularmente importante observar que não diferença, no que diz respeito ao espaço, entre
focalizar funcionamentos ou capacidades. Uma combinação de funcionamentos é um ponto em tal espaço,
enquanto a capacidade é um conjunto de tais pontos.
(SEN, 2001, pp. 90-91).
Esta falta de uma fronteira nítida entre estes conceitos, ao contrário do que pode
parecer, é uma característica bastante positiva da abordagem das capacidades. Isso ocorre
porque apesar de Sen considerar as capacidades como a medida mais adequada para a
avaliação da vantagem individual, o conjunto capacitário não é diretamente observável”
(SEN, 2001, p. 93), e isso acarreta dificuldades práticas óbvias. É justamente por causa
destas dificuldades práticas que podemos tirar vantagem desta zona de intersecção entre as
duas variáveis, uma vez que é possível representar os funcionamentos de tal modo que eles
reflitam as alternativas disponíveis e, também, as escolhas desfrutadas. Neste sentido, a
observação de certos funcionamentos como “estar bem nutrido”, “estar livre de doenças
evitáveis” e outros, nos dizem muito sobre o conjunto capacitário e sobre as liberdades
positivas daquela pessoa.
Apesar de termos argumentado que o conceito de capacidades é mais adequado do
que o de funcionamentos por considerar também as liberdades, resta deixar mais claro
como as capacidades contribuem para a avaliação da vantagem humana. Para Sen (1993, p.
35), a avaliação da vantagem humana deve ser baseada em duas distinções. Uma delas é
aquela entre a promoção do bem-estar da pessoa e a busca pelos seus objetivos mais gerais
que são os objetivos de agência. A outra distinção é aquela entre a realização e a liberdade
para realizar. A combinação destas duas distinções nos leva a quatro dimensões de análise
56
da vantagem pessoal: 1) bem-estar alcançado; 2) liberdade de bem-estar; 3) agência
alcançada e 4) liberdade de agência.
Segundo Sen, estes são os quatro aspectos que devemos tomar por base para avaliar
a vantagem humana, e para ele, a análise do conjunto capacitário dos indivíduos é a melhor
maneira de fazê-lo. Deve ser notado que estas quatro formas de se avaliar a vantagem
humana não são hierarquizáveis em termos de sua importância. A opção por uma das
quatro maneiras tem mais a ver com o tipo de análise que se está colocando em prática. Um
exemplo dado por Sen (1993, p. 36) é o seguinte; numa avaliação que tem por objetivo
saber quais pessoas precisam da ajuda de outros ou do Estado, faz mais sentido investigar o
bem-estar realizado, que reflete mais diretamente características como doenças e má
nutrição do que a liberdade de agência da pessoa. Por outro lado, em uma análise mais
abrangente, que avalia o nível de desenvolvimento humano, faz mais sentido a
consideração da liberdade de agência.
Sen considera portanto que a melhor forma de avaliação destas dimensões é aquela
feita pela abordagem das capacidades, mas reconhece que a avaliação do conjunto
capacitário às vezes não conta de considerar todas estas dimensões. Isso acontece, por
exemplo, quando o bem-estar realizado depende do bem-estar de outros e o bem estar
desses outros está fora da influência do indivíduo em questão. Sen (1993, p. 37) nos cita
como exemplo, quando uma pessoa fica satisfeita com a libertação de presos políticos em
um país distante. Essa notícia aumenta o bem-estar realizado da pessoa, porém esta é uma
situação que está fora do alcance das capacidades da pessoa, e por isso não é captado pela
avaliação de seu conjunto capacitário. Em outras palavras, nesse caso a avaliação das
liberdades que a pessoa dispõe para realizar bem-estar baseada em seu conjunto capacitário
não incluiria o bem-estar provocado por esta notícia.
Outra característica importante que deve ser ressaltada é que o foco da abordagem
das capacidades é mais conseqüencialista do que deontológico, pois apesar de nela haver
espaço para a existência de certos valores intrínsecos, estes se manifestam como
conseqüências intrinsecamente valiosas. Para Sen, as “conseqüências são relevantes mesmo
que os julgamentos das conseqüências não goze de uma hegemonia sobre o julgamento das
ações” (SEN, 1985b, p. 216), e isso em sentido estrito corresponde a uma negação da
deontologia pura.
57
Mesmo tendo uma posição conseqüencialista, Sen reconhece que certas
considerações puramente deontológicas, que não levam em conta as conseqüências, podem
possuir uma força que não é capaz de ser completamente captada pela abordagem das
capacidades. Nesse sentido, existe um abismo entre as considerações que levam em conta
as conseqüências e aquelas que levam em conta as coisas que possuem valor intrínseco
independentemente das conseqüências, e esse abismo nunca pode ser preenchido
completamente. Sen (1985b, pp. 214-16) utiliza um exemplo esclarecedor: suponhamos que
o indivíduo X se encontre diante da seguinte decisão: ou ele mata uma pessoa deixando
outras nove vivas, ou ele não mata ninguém e as dez pessoas, inclusive a que ele teria
escolhido matar, serão mortas por outrem. A exigência de Sen de que as conseqüências
sejam sempre levadas em conta, conduziria o indivíduo X a decidir matar uma pessoa,
que assim ele estaria salvando nove vidas e a pessoa que ele escolhesse matar, iria morrer
de qualquer jeito caso ele decidisse por não matá-la. Esse raciocínio no entanto não é capaz
de incorporar a força de considerações deontológicas como “matar é errado”, e o indivíduo
X poderia ter boas razões para não matar, mesmo que as conseqüências dessa decisão
fossem bem piores do que se ele optasse pela outra decisão
55
.
Apesar de aceitar essa insuficiência da visão conseqüencialista, Sen certamente nega
as visões puramente deontológicas, que para ele “[n]ao fazer caso das conseqüências é
deixar uma história ética pela metade” (SEN, 2001, p. 91), e “[m]esmo atividades
intrinsecamente valiosas podem ter outras conseqüências” (SEN, 1999c, p. 91).

As considerações práticas da abordagem das capacidades possuem aplicações muito
importantes em análises da pobreza. Sob a ótica da abordagem das capacidades, uma
pessoa não é considerada necessitada porque a sua renda mensal é inferior a um
determinado valor (como as análises da linha de pobreza) ou porque a pessoa não tem
55
Em Sen (1982b e 1983a) podemos encontrar investigações sobre formas de se incorporar as ações nos
julgamentos morais das conseqüências. Mesmo essas formas no entanto não são capazes de incorporar
totalmente a força das considerações deontológicas.
58
acesso a uma determinada cesta de bens. Para Sen, a pessoa é considerada necessitada
quando não é capaz de realizar certos funcionamentos elementares, como estar bem nutrido,
estar livre de doenças e estar bem abrigado. Esta diferença é muito importante, pois além de
considerar a importância elementar de vários tipos de informações característica que não
estava presente na tradicional teoria da escolha social leva também em conta algo que
nem a teoria da justiça de Rawls considera: que são importantes também os potenciais de
conversão de meios em fins. Isso ocorre porque o foco da abordagem das capacidades é, em
grande medida, conseqüencialista, e por isso considera importante que os fins sejam de fato
realizados.
No que diz respeito às escolhas sociais propriamente ditas podemos destacar na
abordagem das capacidades dois tipos de escolha. O primeiro deles é aquele ligado às
demandas mais urgentes da sociedade, e que portanto deve ter prioridade nas escolhas
sociais. Nesta primeira fase da escolha social é preciso igualar as “capacidades básicas”, ou
seja, é preciso igualar as capacidades das pessoas de fazerem “certas coisas básicas”
56
(SEN, 1979a, p. 367). Sen (1979a) cita algumas dessas capacidades básicas, que seriam,
por exemplo, “estar bem nutrido”, “estar bem abrigado”, e este tipo de capacidade deve ter
prioridade sobre outras escolhas sociais
57
.
O segundo tipo de escolha social possibilitado pela abordagem das capacidades
corresponde a um procedimento de escolha que leva mais diretamente em conta as opiniões
individuais sobre funcionamentos considerados importantes. Diferentemente de processos
de escolha social como aqueles permitidos pela estrutura analítica empregada por Arrow,
este procedimento não exige como resultado um ordenamento social completo, e se baseia
em um tipo de consenso diferente, chamado de “concordâncias parciais”. Nas palavras de
Sen:
56
A idéia de “capacidades básicas” pode ser vista como um correlata daquela dos bens primários de Rawls,
mas que ao invés do foco recair sobre os meios como ocorre na última, recai sobre os fins considerados
valiosos.
57
Apesar de citar algumas capacidades básicas, Sen não formula uma lista completa destas capacidades, pois
acredita que uma lista ordenada não faria justiça com as diversas culturas e modos de avaliação das
capacidades. Apesar de Sen reconhecer que este é um problema bastante sério de sua abordagem (SEN,
1979a, p. 368), isso não representa um estorvo tão fundamental na medida em que existem valores e
julgamentos amplamente compartilhados por todos. Assim é também razoável supormos que certos
funcionamentos como “estar bem nutrido”, mesmo que certamente possuam pesos diferentes nas diferentes
formas de valorações possíveis, são amplamente reconhecidos como relevantes para assegurar a uma vida
digna.
59
“[É] importante, ainda, reconhecer que as disposições sociais surgidas do consenso e as políticas
públicas adequadas não requerem que haja uma ‘ordenação social’ única que contenha um ranking
completo de todas as possibilidades sociais alternativas. Concordâncias parciais ainda distinguem
opções aceitáveis (e eliminam as inaceitáveis), e uma solução viável pode basear-se na aceitação
contingente de medidas específicas, sem exigir a unanimidade social completa”
(SEN, 1999b, p.
289).
A idéia central deste argumento é que existem certas opiniões sobre as quais é
razoável esperar que haja um consenso. Sen chama esta lista de opiniões de “ordenamentos
parciais” ou “concordâncias parciais” e elas devem ser usadas para orientar as prioridades
das escolhas sociais deste segundo tipo.
Por razões práticas, essa lista de concordâncias parciais deve ser feita em termos de
funcionamentos, mesmo que o objetivo último seja a expansão das capacidades
58
. Uma das
maneiras de se construir essa lista de concordâncias parciais poderia ser por meio de
pesquisas de opinião ou poderia ser também a consideração sobre funcionamentos sobre os
quais é razoável supor que haja um consenso acerca de sua importância, similarmente ao
tipo de raciocínio que conduz aos princípios de justiça de Rawls.
A simples identificação dessa lista, definiria o que Sen (2001, p. 86) chama de
“ordem parcial de dominância”, que significa que é possível classificar aquela
combinação que possui mais de cada um dos funcionamentos presentes na lista de
concordância parcial, como melhores do que aqueles que possuem menos deles. Os dois
exemplos a seguir tomam por base as explicações de Sen (1999a, pp. 22-25 e 2001, pp. 79-
102):
Exemplo 1) Por simplificação, vamos considerar que a lista de concordâncias
parciais é composta por dois funcionamentos, “X” e “Y”, ou seja, todos concordam que
“X” e “Y” são importantes
59
. Uma ordem parcial de dominância seria capaz de dizer qual é
a melhor combinação possível desses funcionamentos, com base na observação de qual das
combinações representadas por pontos no espaço de funcionamentos possui mais de cada
58
Como já foi dito, as capacidades não são diretamente observáveis, porém certos conjuntos de
funcionamentos podem representar capacidades.
59
Em um estudo real certamente resultaria em um espaço multidimensional, porém utilizaremos por
simplificação apenas dois funcionamentos. O mesmo mecanismo de análise certamente pode ser estendidos
para os casos onde são considerados mais funcionamentos.
60
um dos dois funcionamentos. Vejamos o gráfico a seguir, que considera cinco combinação
de funcionamentos possíveis, a, b, c, d, e:
Ordem parcial de dominância:
Pelo gráfico, podemos fazer então o seguinte ranking parcial: a e d são
melhores que b”, que possuem mais de X e de Y que este último e por sua vez a
combinação eé melhor que todas as outras pela mesma razão. Nada porém pode ser dito
com relação à comparação entre b e c”, que b possui mais de Y enquanto c
possui mais de X, e nem entre as combinações a”, de c”, pela mesma razão. Neste
tipo de análise, nada pode ser dito na comparação de combinações que possuem mais de um
funcionamento mas possuem menos de outro.
Existe ainda um outro instrumento que pode tornar a análise mais precisa quando
estão disponíveis os pesos relativos, por exemplo, de Y vis-à-vis X nos julgamentos das
pessoas envolvidas na análise. Este instrumento é o modelo de “análise de intersecção”,
que formula um ranking parcial de intersecção com base nas opiniões individuais sobre os
61
pesos relativos de cada funcionamento. A seguir exporemos um exemplo deste tipo de
análise:
Exemplo 2) Consideremos, os mesmo dados do exemplo anterior, porém agora
sabemos que a população é composta por três indivíduos (I, II e III) e que esses indivíduos
valoram o funcionamento Y em relação a X respectivamente da seguinte maneira:
.
Em nosso exemplo, vamos considerar que as curvas de indiferença baseadas nesses pesos
relativos possuem taxas de variação constantes, e que portanto são retas, e as combinações
de funcionamentos possíveis correspondem aos mesmos pontos do exercício anterior.
Quando a análise de intersecção é adicionada ao modelo de dominância, o resultado da
análise pode ficar mais preciso, possibilitando que algumas combinações, como ocorria
com a be com a c”, saiam da zona de não comparabilidade. A análise de intersecção
consiste no seguinte procedimento: precisamos interseccionar as curvas de indiferença nos
pontos que queremos comparar com os demais. Os pontos que ficaram abaixo (leia-se à
esquerda e abaixo) das curvas interseccionadas no ponto em questão, correspondem a
combinações piores que ele. Se por outro lado houver pontos acima das linhas
interseccionadas no ponto em questão, então aqueles pontos correspondem a combinações
de funcionamentos melhores do que aquela. Voltemos então ao nosso exemplo anterior
onde nada podia ser dito sobre a comparação entre os pontos be c”, e nem entre os
pontos “a”, “c” e “d”:
62
Ordem parcial de dominância e análise da intersecção: pontos “b” e “c
Analisando este gráfico de intersecção e dominância, vemos que quando
consideramos os pesos relativos dados pelos indivíduos e representados pelas curvas de
indiferença I, II e III, vemos claramente que a combinação de funcionamentos “c” é
preferível à “b”, que encontra-se à direita das curvas de indiferença interseccionadas em
“b”. Vamos agora à comparação entre as combinações “a”, “c” e “d”:
63
Ordem parcial de dominância e análise da intersecção: pontos “a”, “c”, “d
Por este gráfico, podemos ver que dentre as três, a combinação “d” é a melhor, já
que “a” e “c” ficam ambas abaixo das curvas de indiferença nela interseccionadas.
64
Ordem parcial de dominância e análise da intersecção: pontos “a” e “c
Este gráfico nos mostra que mesmo com a análise interseccional nada pode ser dito
sobre a comparação entre as combinações ae c”, e esta questão permanece em aberto.
Para Sen (2001, p. 88), esta “indecidibilidade residual” faz parte da abordagem das
capacidades e esta não deve ser vista como um exercício de “tudo ou nada”. Segundo ele,
tentar refletir conceitos como bem-estar “na forma de ordenações totalmente completas e
precisas pode não ser nada justo com a natureza desses conceitos” (SEN, 2001, p. 88), e é
no sentido exposto acima que esse uso da abordagem das capacidades permite uma
incompletude e defende que a racionalidade da escolha social deve dar prioridade à
possibilidade de decisão social e não à completude. Nesse caso, para evitar a situação do
“asno de Buridano”, diante da situação de escolher entre a”, bou ccertamente seria
melhor escolher ou a ou c em detrimento a b do que esperar por um critério de
desempate entre esses dois conjuntos de funcionamentos para daí realizar a escolha
social.
65


Ao contrapormos a abordagem das capacidades àquelas cinco críticas que Sen dirige
à estrutura analítica da tradicional teoria da escolha social, verificamos que algumas
objeções não fazem sentido por já terem sido incorporadas pela linguagem das capacidades.
Com a apresentação desta nova teoria, Sen supera as principais deficiências que ele
enxergava na teoria da escolha social, ao introduzir uma base informacional mais ampla e
não considerar a completude da escolha como requisito para a racionalidade da escolha
social. Assim, ele soluciona as principais dificuldades representadas pelas cinco críticas,
seja no sentido de torná-las inócuas ou no sentido de resolvê-las de fato.
No que concerne à identidade entre escolha e valor, Sen recoloca essa relação ao
associar valor a dois tipos de escolha. Um desses tipos de escolha é relativo à liberdade
política de votar para representantes por meio de eleições legítimas. Este tipo de escolha
democrática, além de expandir diretamente o conjunto capacitário dos indivíduos, segundo
Sen, evita situações de grandes fomes generalizadas - ele atesta que “[c]ertamente é
verdade que nunca houve uma fome coletiva em uma democracia multipartidária efetiva”
(SEN, 1999b, p. 208). Nesse sentido, a garantia da democracia do processo eleitoral possui
um valor intrínseco mais liberdade política, que é um direito fundamental - e um valor
instrumental que expande diretamente o conjunto capacitário da pessoa, permitindo a ela
alcançar outros funcionamentos valiosos e historicamente não coexiste com as grandes
fomes.
Outro tipo de escolha que pode ser analisada sob a luz da abordagem das
capacidades é aquela que considera a pergunta “o que possui valor para mim?”. Como
vimos, essa abordagem busca, por um lado, considerar a diversidade nos potenciais
humanos de transformação de meios em fins desejados, e por outro lado considera também
a diversidade dos fins que as pessoas valorizam. Com relação a essa última constatação, a
abordagem das capacidades associa valor à possibilidade de que as pessoas escolham de
fato as vidas que tem razões para valorizar.
No que tange à segunda crítica a que trata do desconhecimento das motivações
humanas –, a abordagem das capacidades incorpora aquelas duas categorias que Sen
julgava ser relevante nesta análise: as motivações ligadas ao bem-estar e as ligadas à
66
condição de agente. Conforme foi argumentado, a abordagem das capacidades considera
tanto a dimensão de bem-estar como a dimensão de agente, e associadas a elas estão as
motivações das ações individuais, que certamente não são entendidas somente como
escolhas.
É importante notar que a condição de bem-estar e a condição de agente nem sempre
caminham no mesmo sentido, e muitas vezes elas entram em conflito. Sen (1985b) formula
um exemplo esclarecedor sobre essa possibilidade: suponhamos que uma pessoa está
comendo um sanduíche à beira de um belo lago e aquele momento traz a ela alegria e
prazer. De repente essa pessoa percebe que uma outra pessoa está se afogando logo à sua
frente, de modo que se assim desejar ela consegue prestar socorro a quem se afoga. Nessa
situação, caso essa pessoa decida socorrer a outra pessoa, e desista de tentar “comer o
sanduíche sem ansiedade” (SEN, 1985b, p. 206), podemos dizer que houve um aumento de
sua liberdade e da sua realização de agência ao mesmo tempo em que diminuiu o seu bem-
estar realizado. Repare que ambas caminharam em sentidos contrários, e nesse caso a
dimensão de agente foi mais importante do que a de bem-estar na tomada de decisão.
A introdução deste aspecto da condição de agente expande muito a análise das ações
humanas e vai além da consideração da tradicional teoria econômica do bem-estar de que
os indivíduos escolhem o que valorizam e valorizam somente aquilo que lhes traz o bem-
estar
60
. Arrow (1963) deixa claro que as escolhas podem ser motivadas por valores que não
são necessariamente a busca pelo bem-estar pessoal, porém a simples observação da
escolha não permite o conhecimento sobre qual aspecto o de bem-estar ou o de agência
foi o motivador da escolha. Para Sen esta distinção é crucial para a avaliação da escolha
individual e, portanto, também para a escolha social.
Na abordagem das capacidades então, o foco da base informacional em
funcionamentos e capacidades permite uma melhor visão sobre as motivações ligadas ao
bem-estar e/ou à condição de agente na medida em que as capacidades e funcionamentos
podem ser associados diretamente às motivações. No exemplo que utilizamos para
demonstrar a falta de sensibilidade da estrutura da teoria da escolha social a essa questão,
onde em um regime autoritário e violento, a motivação da escolha poderia ser o medo, a
60
Sen (1977) desenvolve uma análise interessante sobre esse “princípio econômico” da econômica do bem-
estar de que os indivíduos são auto-interessados.
67
abordagem das capacidades seria capaz de reconhecer que a situação de um regime
autoritário violento reduz o conjunto capacitário das pessoas, que as pessoas têm medo
de realizar certos funcionamentos valiosos como a livre expressão da opinião e do
pensamento. Nesse caso ficaria claro que a escolha pode estar sendo condicionada pela
violência.
Uma vez que a abordagem das capacidades trabalha com “dominância parcial” e de
“análise de intersecção”, a crítica à exigência de completude não se aplica a ela. Nesse
processo de escolha pode existir como vimos em nosso exemplo, aquilo que Sen chama de
“indecidibilidade residual”, que no caso significava que o procedimento não era capaz de
ranquear as combinações de funcionamentos ae c”. Para Sen essa incompletude resulta
da própria natureza das escolhas sociais que tomam como base informacional conceitos
plurais como o de funcionamentos e que incorporam os pesos relativos dados a eles por
cada participante. Para Sen isso é um sinal de precisão e não o contrário, pois “se uma idéia
subjacente tem uma ambigüidade fundamental, uma formulação precisa dessa idéia
necessita tentar capturar essa idéia em vez de perdê-la” (SEN, 2001, p. 88).
Com relação à crítica da Impossibilidade do Liberal Paretiano, podemos argumentar
que por um lado, a base informacional da abordagem das capacidades, entre outras coisas
busca refletir as liberdades individuais já que é feita em termos de funcionamentos e
capacidades. Por outro lado, o tipo de consenso que os procedimentos de “dominância
parcial” e “análise de intersecção” tomam por base – as concordâncias parciais sobre
funcionamentos considerados de maneira unânime como importantes não enfrenta os
mesmos problemas de inconsistência ressaltados por essa crítica, pois aqui não se considera
escolhas individuais por estados sociais. Essa análise parte de um consenso prévio sobre
o qual os indivíduos apenas opinam sobre os pesos relativos de cada funcionamento, e isso
é muito diferente de indivíduos escolhendo entre estados sociais dados.
Além disso, quando se adota um conjunto de funcionamentos como base
informacional das decisões sociais, o que se pretende é justamente garantir certas
liberdades aos participantes daquele sistema. Em primeiro lugar alguns tipos de
funcionamentos refletem a liberdade de não realização daqueles funcionamentos. Além
disso, certos conjuntos de funcionamentos podem representar capacidades, que por sua vez
expressam uma forma de liberdade bastante abrangente que é a liberdade substantiva. O
68
que ocorre aqui portanto é uma expansão da Condição L*, uma vez que cada
funcionamento representa uma possibilidade de escolha de realização efetiva do
funcionamento.
Em um nível mais elementar ainda, a defesa da igualdade das capacidades básicas
pode ser vista como a defesa do direito a um conjunto de liberdades que deve ser desfrutado
por todos, e isso também significa uma expansão da Condição L*.
Por fim a abordagem das capacidades consegue preencher o que era talvez a
principal lacuna que Sen via na teoria econômica do bem-estar social – o fato de ela não ser
um instrumento adequado para discussões como renda e pobreza que ele considerava
fundamentais. A crítica, relacionada à ausência de direitos e de uma noção de justiça
distributiva pode ser classificada talvez como a mais contundente que Sen dirige à estrutura
analítica da teoria da escolha social. E a abordagem das capacidades pode ser vista como
sendo o resultado de um esforço para construir uma teoria que fosse capaz de tratar
satisfatoriamente destas questões.
Nesse sentido, a teoria desenvolvida por Sen pode ser vista como um esforço para
reintroduzir o pensamento ético na economia do bem-estar que havia sido abandonado com
a visão ordinalista inaugurada pela New Welfare Economics. Ao defender a igualdade
elementar de capacidades básicas, esta visão assume um posicionamento ético mais
evidente que se contrapõe à visão da tradicional teoria da escolha social, onde a igualdade
elementar era apenas de pesos iguais para as escolhas individuais pelos estados sociais.
Com relação a este ponto, a abordagem das capacidades avalia a vantagem individual pelo
conjunto capacitário, e considera que a uma maior atenção deve ser dada aos indivíduos
que não são capazes de realizar funcionamentos básicos. Isso ocorre porque na visão de Sen
todos devem ter o direito igual a um mínimo distributivo, e a distribuição deve ser avaliada
em termos dos fins valiosos que as pessoas conseguem realizar. Por isso ela é uma
abordagem mais preocupada com as reais necessidades humanas – que variam de um
indivíduo a outro.
Esta postura diante da questão da pobreza e da garantia de direitos a todos, faz com
que a abordagem das capacidades cumpra um papel que as outras teorias analisadas por Sen
não cumprem. A estrutura analítica da tradicional teoria da escolha social passa ao largo de
69
questões como a garantia de direitos e da pobreza. A teoria da justiça de Rawls por sua vez,
apesar de apresentar uma estrutura de pensamento que dá um sentido de justiça à igualdade
distributiva; não é capaz de garantir a igualdade daquilo que Sen considera importante, que
são as capacidades de realizar fins valiosos.
Sendo assim, se a grande pretensão de Sen era que a teoria da escolha social fosse
capaz de considerar as questões distributivas, que eram para ele da maior importância,
podemos dizer que a abordagem das capacidades está à altura desta ambição. Sen consegue
transferir para a linguagem das capacidades o seu senso de urgência com relação aos
grandes problemas de nossa época, que em nenhum momento a humanidade fora
materialmente tão próspera, e ainda assim permanecem a fome e as privações extremas.
70
Ù
Inicialmente argumentamos que, buscando evitar posicionamentos éticos mais
controversos, a New Welfare Economics se diferenciou da tradição da teoria econômica do
bem-estar que a precedia adotando uma concepção ordinalista da utilidade. Esta mudança
significava um posicionamento ético menos controverso porque, entre outras coisas, abolia
a possibilidade de comparações interpessoais de quaisquer tipos. Este resultado, que é um
dos mais notáveis desta mudança, provocou uma reestruturação da teoria econômica do
bem-estar promovida por autores dentre os quais se destacam Bergson e Samuelson.
Em seu trabalho Social Choice & Individual Values, Kenneth Arow (1963)
examinou criticamente as bases teóricas da New Welfare Economics e se deparou com um
resultado muito importante. Arrow demonstrou que aquela estrutura teórica não era
compatível com critérios nimos capazes de garantir que a escolha social respeitasse
condições elementares democráticas. Ao mesmo tempo em que demonstrou a
incompatibilidade entre a função de bem-estar social de Bergson e aquilo que ele chamou
de “constituição”, Arrow dava início a um novo campo de pesquisa que cresceu muito
rapidamente em poucos anos e que ficou conhecido como a “teoria da escolha social”.
De maneira bastante genérica podemos definir a teoria da escolha social como sendo
aquela que investiga os diversos aspectos das decisões coletivas que consideram de alguma
forma os indivíduos que compõe aquele coletivo. Tomando por base essa definição,
podemos dizer que o Teorema da Impossibilidade demonstra que decisões coletivas que
consideram os indivíduos apenas enquanto suas escolhas pelos estados sociais alternativos,
não são capazes de garantir que o processo de escolha social seja minimamente
democrático. Esse resultado indicava que ou alguma coisa estava errada com aquela teoria
que tomava por base as escolhas individuais ou dever-se-ia aceitar que a escolha social
baseada naqueles princípios não poderiam ser democráticas.
Amartya Sen e muitos outros partiram do princípio de que havia algo errado naquela
teoria e suas investigações passaram a ser no sentido de: 1) Identificar em quais pontos a
teoria era falha; 2) construir um sistema teórico que não encontrasse pela frente essas
deficiências. Sen então trabalha estas questões dentro da estrutura analítica da teoria da
71
escolha social e constata outros problemas além daqueles identificados por Arrow. Além de
problemas de inconsistência essa abordagem era desatenta a certas questões que ele
considera centrais para a análise da escolha social.
Por um lado, Arrow havia chegado à conclusão de que a estrutura teórica da New
Welfare Economics não permitia que o processo de escolha social fosse democrático. Sen
por sua vez concluiu que a estrutura teórica ordinalista da escolha social, entre outras
coisas, não permitia o direito a uma esfera mínima de liberdade individual de decisão; era
insensível à existência de privações extremas de quaisquer tipos e era desatental aos
diversos graus de desigualdade. A simples observação dos títulos das publicações de Sen
61
evidencia a sua grande preocupação com essas questões, e suas análises se
desenvolveram tanto no nível teórico, que é o que mais nos interessa como também no
nível prático.
Sen encontrou na idéia de justice as fairness de John Rawls uma justificativa
racional e convincente para embasar a defesa da igualdade distributiva. Apesar de Sen
reconhecer que o trabalho de Rawls se desenvolve em um nível muito mais abstrato do que
aquele em que se encontra a teoria da escolha social, ele defende que algumas idéias ali
desenvolvidas podem ser trazidas para o plano mais concreto da escolha social. Sen então
concorda com Rawls que devem existir certos direitos individuais que não podem ser
violados nem mesmo para um maior bem-estar dos demais, e concorda também que deve
haver uma igualdade distributiva elementar. Uma diferença é que enquanto Rawls
considera que esses devem ser princípios orientadores das principais instituições da
sociedade, Sen considera que estes podem ser princípios orientadores também das escolhas
sociais.
Uma outra diferença que assume a forma de crítica por parte de Sen à teoria da
justiça de Rawls, é que para Sen, os termos em que Rawls defende a igualdade mínima
que corresponde à igualdade mínima de bens primários –, são insuficientes para os
propósitos igualitários pretendidos pelo próprio Rawls de que cada um deve ser
minimamente capaz de levar adiante os planos racionais de vida que possuem. O
desenvolvimento da abordagem das capacidades de Sen pode ser visto também como uma
tentativa de superar essa deficiência da teoria de Rawls, e para isso utiliza conceitos como a
61
Constata-se isso em The Editors of... (1999).
72
idéia de “capacidades”. Ao adotar essa base informacional, a teoria de Sen permite ao
mesmo tempo a existência de um sistema de escolha social efetivo que evita as falhas
encontradas na estrutura analítica da teoria da escolha social; e complementa a defesa da
igualdade de Rawls pois privilegia os fins e não os meios como faz este último autor.
Como podemos perceber, esta dissertação tratou de um período bastante longo do
pensamento da teoria econômica do bem-estar, e talvez a linha condutora que perpassa
todos os momentos aqui destacados pode ser identificada como a maneira pela qual os seres
humanos devem ser considerados pelas teorias que tratam de escolhas sociais. Num
primeiro momento que antecede a New Welfare Economics, apenas mencionado neste
trabalho, os seres humanos eram considerados enquanto suas utilidades e estas eram
consideradas como valores cardinais, e que por isso permitiam uma comparabilidade entre
os locus das utilidades”. A New Welfare Economics passou a considerar os seres humanos
enquanto expressão de suas escolhas por estados sociais alternativos e Arrow demonstrou
que havia alguma coisa errada com esta estrutura teórica. A teoria da justiça de Rawls
defende que os indivíduos possuem uma inviolabilidade fundamental que deve ser
garantida por direitos. A abordagem das capacidades por fim considera o ser humano
enquanto conjunto de capacidades, que são por definição “partes constitutivas do viver” e
além disso ela aponta para o objetivo de que todos devem ter o direito de levar adiante seus
planos racionais de vida.
O tipo de escolha social proposto pela abordagem das capacidades, portanto, não
possui o ar de despretensiosidade e grau de abstração que possuíam a tradicional teoria da
escolha social. A própria linguagem dos funcionamentos imprime a esta abordagem um
sentido de combate às privações e necessidades humanas. A idéia de que certos tipos
funcionamentos devem receber prioridade nas escolhas sociais embute um tom de urgência
na solução das mazelas humanas. Ao reintroduzir estas questões éticas no seio da teoria
econômica do bem-estar, a abordagem das capacidades acaba por “humanizar” amplamente
a ciência econômica.
A abordagem das capacidades portanto abre mão de um posicionamento ético
tradicionalmente neutro que era adotado anteriormente pela tradicional teoria da escolha
social em favor de um outro muito mais bem definido, centrado nas necessidades humanas.
Esse posicionamento da abordagem das capacidades por exemplo, dá margem para a defesa
73
da intervenção estatal onde se verifica a pobreza extrema, para a defesa das liberdades
políticas, para a discriminação daqueles que devem receber assistência segundo um critério
baseado nas capacidades básicas que as pessoas conseguem realizar etc. Este tipo de visão
no nosso entender representa um grande passo para o avanço das discussões sobre o que
deve ser considerado nas escolhas sociais.
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