Na vida adulta o corpo é cuidado nos rituais da opy e nas danças diversas (dentre as
quais a dança do xondáro
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), nos sonhos e nos rituais de cura em que se destacam as
experiências imagéticas.
O angue é uma espécie de alma, espectro. João da Silva fez uso da palavra aña, para
significar angue. O que mais caracteriza o angue é a ausência de um corpo e o desejo em
possuí-lo. Sua presença é percebida pelo xamã quando a pessoa encontra-se doente, diante
da reação dos animais para com as pessoas, quando recusa alimentos ou, ainda, quando o
indivíduo procura o xamã para ‘rezá-lo’ após ter sonhado com um morto.
Pensar, ou sonhar com o morto significa contato com seu angue. O angue é retirado
de uma pessoa ou afastado do espaço doméstico através do uso do petyngua, cuja fumaça
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Espécie de guerreiro, os xondáro são pessoas responsáveis por cuidar da aldeia, associados a uma espécie
de ‘policia Guarani’. São homens treinados com conhecimentos da mata e da cosmologia. Os que eu conheci
possuíam seus cantos e, portanto, eram oporaive ou opitaive. Possuem técnicas de luta e dançam muito e por
isso ganham seu nome: ‘a dança do Xondáro’. Na dança, como dito anteriormente, os homens imitam e
duelam com vários animais da mata. A dança dos xondaro relatada a seguir ocorreu no pátio central da Aldeia
Guarani Mbyá Sapukaia: “Era fim de tarde, os Guarani que participariam da dança foram chegando.
Formaram um círculo e começaram a dançar ao som do mbaraka, mbaraka mirim e do ravé, num ritmo
suave, sob a orientação do mestre do xondáro. Todos dançavam, inclusive o mestre. Em círculos, todos
“dançavam como pássaros” e se preparavam para entrar na mata (imaginária). No momento em que
adentraram a mata o ritmo da música acelerou, ficando tenso e muito rápido. Os xondaro seguiram pela mata,
com a leveza de pássaros, porém atentos, olhando bem para o chão, para ver se havia cobras. De repente, o
mestre do xondaro, usando o bastão foi para o centro do círculo e os participantes se prepararam para
defender-se imaginariamente de animais da floresta. O mestre fez movimentos corporais com o auxilio do
bastão, os demais se defenderam da chuva, do sol e dos animais. O mestre fez mais gestos e os participantes
imitaram o jaguaretê (onça), o macaco, o sapo entre outros animais. Na dança, os animais representados
pelos dançarinos ora atacavam, ora eram atacados pelo mestre e os demais se defendiam dos animais da
floresta e de qualquer inimigo por ele representado. O mestre atacava o “animal” que representava
momentaneamente o xondáro, este se defendia e o mestre respondia, encarnando o animal que seria
representado a seguir. O jaguaretê e o macaco foram os mais representados. Essa etapa era individual. O
mestre chamava um xondaro para o centro, fazia um gesto de onça e o atacava com o bastão; o xondaro se
defendia, se levantava, se abaixava e se esquivava ao máximo. A luta com os animais era simbolizada pelos
gestos. Posteriormente, o mestre passou o bastão para outro (isso acontece quando há um iniciante à função de
mestre ou outro mestre ou, ainda, um importante xondaro) que desenvolveu a mesma performance até
completar o círculo. Os xondaro dominaram os animais e a dança terminou com todos em círculo novamente
preparando-se para entrar na Opy. Passaram por todos que estavam do lado de fora da Opy dizendo
aguyjevéte (um agradecimento); depois, circulando em fila, ao som mais suave dos instrumentos os xondaro
entraram na Opy”. Outras informações sobre os xondáro, ver Oliveira (2002, 2008), Assis (2006), Garlet
(1997) e Montardo (2002)
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