no jogo, ele investe com o seu próprio corpo na relação e precisa ter consciência de que
seu corpo é para os participantes apenas uma imagem transferencial, que receberá uma
carga emocional, positiva ou hostil, e que ocorre a contratransferência, pois, ao jogar
com as crianças lidará com os seus próprios fantasmas, com o seu inconsciente, uma
vez que essa relação corporal é carregada de projeções
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. Por isso, ele precisa criar
mecanismos para entender a demanda do outro e respondê-las.
No jogo, os participantes representam diferentes papéis. O psicomotricista
molda seu corpo, suas atitudes, seus gestos e seus comportamentos à imagem que os
outros projetam nele, mas não se deixará fechar em nenhum papel específico. Ele acolhe
as produções das crianças e adultos, buscando compreender as variações tônicas, gestos,
mímicas e linguagem para atuar diante desta situação. É o que podemos chamar de
“intervenção simbólica”. Neste jogo dialético e feito de nuanças sutis, cabe ao
psicomotricista observar, decodificar simbolicamente e compreender as reações motoras
e tônicas, não só as dos participantes, mas as dele próprio, uma vez que o
psicomotricista, nas vivências lúdicas da Psicomotricidade Relacional, é um ser com o
outro. Enfim, no jogo, o psicomotricista propõe ser um espelho revelador do estado
emocional, da postura, do movimento, da voz e do olhar da criança. Ser um espelho é
possibilitar à criança, por meio da brincadeira, a expressão de suas emoções, prazeres e
desprazeres. Como nos diz Lapierre,
[...] o jogo em sua dimensão regressiva constitui, entre o consciente e o
inconsciente, uma interface, um espelho no qual se refletem, ao mesmo
tempo, os comportamentos de vida e os conflitos inconscientes que os
sustentam. Nesse espelho superpõem-se a realidade e o imaginário, e se
reencontram as duas partes da personalidade, habitualmente separadas
pela clivagem do ego (LAPIERRE, 1997, p. 190).
Mesmo considerando a importância dos conceitos psicanalíticos para a
atuação do psicomotricista no contexto escolar, não se espera do docente condições de
se servir da técnica psicanalítica para lidar com o fenômeno da transferência. Todavia, a
compreensão deste
processo pode auxiliá-lo a minimizar no cotidiano escolar os
momentos de expressão de sentimentos hostis, ou, mesmo positivos ligados à
transferência e direcionados à figura do docente. Estes comportamentos podem ser
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No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro –
uma pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa
nele. Trata-se aqui de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação,
particularmente, na paranóia, mas também em modo de pensar “normais, como a superstição
(LAPLANCHE; PONTALIS, 2004, p. 374).