ANEXO 9
A FESTA NO CÉU
Versão de Luís da Câmara Cascudo
Entre todas as aves, espalhou-se a notícia de uma festa no Céu. Todas as
aves compareceriam e começaram a fazer inveja aos animais e outros bichos da terra
incapazes de vôo. Imaginem quem foi dizer que ia também à festa... O Sapo! Logo
ele, pesadão e nem sabendo dar uma carreira, seria capaz de aparecer naquelas
alturas. Pois o Sapo disse que tinha sido convidado e que ia sem dúvida nenhuma.
Os bichos só faltaram morrer de rir. Os pássaros, então, nem se fala! O Sapo tinha
seu plano. Na véspera, procurou o Urubu e deu uma prosa boa, divertindo muito o
dono da casa. Depois disse: - Bem, camarada Urubu, quem é coxo parte cedo e eu
vou indo, porque o caminho é comprido. O Urubu respondeu: - Você vai mesmo? - Se
vou? Até lá, sem falta!
Em vez de sair, o Sapo deu uma volta, entrou na camarinha do Urubu e, vendo
a viola em cima da cama, meteu-se dentro, encolhendo-se todo. O Urubu, mais tarde,
pegou na viola, amarrou-a a tiracolo e bateu asas para o céu, rru-rru-rru... Chegando
ao céu, o Urubu arriou a viola num canto e foi procurar as outras aves. O Sapo botou
um olho de fora e, vendo que estava sozinho, deu um pulo e ganhou a rua, todo
satisfeito. Nem queiram saber o espanto que as aves tiveram, vendo o Sapo pulando
no céu! Perguntaram, perguntaram, mas o Sapo só fazia conversa mole. A festa
começou e o Sapo tomou parte de grande. Pela madrugada, sabendo que só podia
voltar do mesmo jeito da vinda, mestre Sapo foi-se esgueirando e correu para onde o
Urubu se havia hospedado. Procurou a viola e acomodou-se, como da outra feita. O
sol saindo, acabou-se a festa e os convidados foram voando, cada um no seu destino.
O Urubu agarrou a viola e tocou-se para a Terra, rru-rru-rru... Ia pelo meio do
caminho, quando, numa curva, o Sapo mexeu-se e o Urubu, espiando para dentro do
instrumento, viu o bicho lá no escuro, todo curvado, feito uma bola. - Ah! camarada
Sapo! É assim que você vai à festa no Céu? Deixe de ser confiado...! E, naquelas
lonjuras, emborcou a viola. O Sapo despencou-se para baixo que vinha zunindo. E
dizia, na queda: - Béu-Béu! Se desta eu escapar, Nunca mais bodas no céu!... E
vendo as serras lá em baixo: - Arreda pedra, se não eu te rebento! Bateu em cima das
pedras como um genipapo, espapaçando-se todo. Ficou em pedaços. Nossa
Senhora, com pena do Sapo, juntou todos os pedaços e o Sapo enviveceu de novo.
Por isso o Sapo tem o couro todo cheio de remendos.
Fonte: Antologia da literatura mundial - Lendas, fábulas e apólogos - vol IV - Seleção de
Nádia Santos e Yolanda L. Stos - Ed. Logos Ltda, SP.