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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sheila Aparecida de Moraes Ibiapino Spadafora
O cordel em sala de aula: contribuição ao ensino de
Língua Portuguesa
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sheila Aparecida de Moraes Ibiapino Spadafora
O cordel em sala de aula: contribuição ao ensino de
Língua Portuguesa
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2010
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do tulo de MESTRE em
Língua Portuguesa, sob orientação da prof.ª
Drª. Leonor Lopes Fávero.
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Banca Examinadora
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
DEDICATÓRIA
Ao meu querido esposo
E à minha filha tão amada,
Que por algum tempo tiveram
Que me ver sempre ocupada,
Dedico de coração
Esta importante jornada.
Aos meus pais, com muito amor,
Faço uma dedicatória
Pois com esforço e orgulho
Hoje veem minha vitória
E entenderam minha ausência
Devido a essa minha história.
Aos alunos, minha fonte
De grande inspiração,
Que têm dia a dia
Meu carinho e dedicação,
Vai mais esta minha etapa
Com alegria e emoção.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, que me escolheu para essa trajetória tão
especial, que me trouxe desafios, mas muitas alegrias...
Ao Leandro, meu esposo e companheiro de todas as horas, que entendeu minha
ausência e muito me “socorreu” na correria do dia a dia...
À Keyla, filha tão especial e amada, que compreendeu todas as minhas dificuldades
em mais essa caminhada...
À querida professora doutora Leonor Lopes Fávero, que com sua competência (muito
reconhecida não por mim, mas por muitos estudantes de língua portuguesa, que,
certamente, estudaram e admiraram suas obras), muito me ensinou não neste
trabalho, mas em todo o percurso do Mestrado.
Às professoras doutoras Zilda Oliveira de Aquino e Sueli Cristina Marquesi, por
aceitarem fazer parte de minha banca examinadora e desempenharem suas funções
com muita competência e seriedade, contribuindo com valiosas sugestões e
motivando-me no aperfeiçoamento desta pesquisa.
À minha coordenadora pedagógica, Elaine, à diretora pedagógica, Elenice, e ao reitor
do colégio em que leciono, D. André, que, com carinho e incentivo, acreditaram em
meu trabalho e proporcionaram a realização desta pesquisa.
Aos meus amigos, em especial, Vagner, Francisca, Vanusa e Marcelo, que
compartilharam momentos importantes desta trajetória.
À CAPES, pela bolsa concedida na etapa final de meus estudos.
A todos aqueles
Que com carinho me ouviram
Falar deste trabalho...
Muito contribuíram,
Emprestando seus ouvidos,
Muitas portas me abriram...
Sheila Aparecida de Moraes Ibiapino Spadafora
O cordel em sala de aula: contribuição ao ensino de Língua Portuguesa
RESUMO
Esta dissertação, cujo tema é o cordel em sala de aula, decorre devido à
necessidade de se resgatar a cultura popular brasileira no ambiente escolar, uma vez
que é preciso que nossos educandos conheçam e valorizem aspectos que fazem
parte de nossa história. Além desse objetivo inicial, visa a contribuir com os estudos
acerca do ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente no incentivo à leitura e
à produção escrita.
Tendo caráter teórico-prático, apresentamos a fundamentação teórica, partindo
da Linguística Textual, que, na década de 70, passou a trabalhar o texto e não mais
as palavras e as frases, até chegar aos gêneros, partindo dos estudos de Bakhtin e
outros pesquisadores. Por ser o gênero de caráter social, o popular, que era, até
alguns anos, “desprestigiado” no ensino, também passou a ser valorizado; dessa
forma, prosseguimos com um panorama da literatura de cordel e, em seguida,
discorremos acerca das sugestões dos mais recentes documentos, desenvolvidos
pelo MEC, que orientam a educação brasileira: os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN). Para aplicarmos a proposta teórica, desenvolvemos um projeto com alunos de
ano do Ensino Fundamental de um renomado colégio particular de São Paulo e o
resultado final foi a edição de um livro com a coletânea de trinta e nove
retextualizações, em cordel, do épico A Odisseia. Com esse produto final, buscamos
comprovar que, quando bem estimulados, os alunos, inclusive em fase inicial no
processo educativo, são muito capazes de produzirem textos coesos, coerentes e
criativos, obedecendo às características do gênero estudado.
Palavras-chave: gêneros, ensino, produção de texto, cordel
ABSTRACT
The theme of this paper is cordel literature in the classroom. This theme was chosen
based on the need of recapturing this element of Brazilian folk culture in school life,
thereby fulfilling the dual objective of students becoming both acquainted to and also
fostering aspects which are part of their own historical heritage. Moreover, it focuses
also on the objective of being an aid in the study of the Portuguese Language, more
specifically as far as reading and writing are concerned.
Our approach is dual and stems from a technical and practical focus as applied to Text
Linguistics which in the seventies sought to analyze texts beyond the level of words
and sentences to arrive at genres, based on the work of Bakhtin and other
researchers. Based on its social character and thereby until recently shunned and
viewed as being a lesser educational subject matter the theme is now conversely
prestigious and well considered. Accordingly, we begin by drawing on the broad
background of cordel literature as a whole and follow-up by considering the content of
the most recent Brazilian Ministry Of Education’s publications focusing on Brazilian
Educational orientation guidelines, the so-called National Curricular Parameter
Publications. As an application basis for the theoretical approach adopted, a project
involving fifth-year elementary school students in a prestigious school in the city of Sao
Paulo was developed. The end result of this project was the edition of a collection of
thirty-nine Odyssey Epic retextualization texts in Cordel. By means of this end product,
we aimed at demonstrating that well stimulated students even if within the initial
phases of their education are very able to produce coherent, cohesive and creative
texts, aligned to the genres being studied by them.
Key words: genre, teaching, text production, cordel
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................... 10
CAPÍTULO I - O TEXTO COMO OBJETO DE ESTUDO
1.1. A Linguística Textual........................................................................... 16
1.2. Princípios de textualidade ................................................................. 18
1.2.1 Coesão ....................................................................................... 19
1.2.1.1 Tipos de coesão ................................................................. 19
1.2.2 Intertextualidade ....................................................................... 24
1.3. A superestrutura do texto narrativo ................................................. 26
1.4. Os gêneros discursivos ................................................................ 28
CAPÍTULO II - LITERATURA POPULAR: O CORDEL
2.1. Literatura popular ......................................................................... 38
2.2. A literatura de cordel .................................................................... 41
2.2.1 A literatura de cordel (ou de folhetos) no Brasil ....................... 44
2.2.2 Outras particularidades da literatura de cordel ........................ 51
2.2.3 Principais poetas da literatura de cordel ................................... 54
CAPÍTULO III - O CORDEL E O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
3.1. Os PCN e o ensino de Língua Portuguesa ................................. 61
3.2. Sequência didática ...................................................................... 73
CAPÍTULO IV - O PROJETO COM O CORDEL
4.1. Relato de experiência ................................................................ 77
4.1.1 Construindo uma sequência didática: As etapas do trabalho
com o cordel............................................................................... 79
4.2. O que é retextualização? ......................................................... 90
4.3. Objetivo final: produção de um livro de cordel.......................... 91
4.4. Discutindo a proposta: a coesão nos cordéis ............................. 95
4.4.1. Outras amostras: sentido, e “obediência” ao gênero e à
superestrutura do texto narrativo (nos cordéis produzidos) ....... 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... 113
ANEXOS............................................................................................... 121
10
INTRODUÇÃO
___________________________________________________________
11
Esta pesquisa está situada na linha de pesquisa Leitura, escrita e ensino de
Língua Portuguesa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa,
e tem por tema a contribuição do cordel para o ensino de Língua Portuguesa.
Por acreditarmos que a escola deva fornecer subsídios para um aprendizado
de leitura e escrita de gêneros existentes na sociedade (formais e informais) para que,
além de conhecerem e aprenderem, os educandos sintam prazer em ler ou escrever
esses textos e, assim, exercer, de maneira participativa e efetiva, plenamente sua
cidadania, respeitando e valorizando as diferenças sociais, observamos a
necessidade de desenvolver um trabalho que propiciasse aos alunos das séries
iniciais do Ensino Fundamental o conhecimento sobre a cultura popular brasileira e
seus valores (por vezes inexistente na Educação). O cordel, pertencente
principalmente à cultura nordestina, depois de muito parecer “esquecido” (em
especial, no universo escolar)
1
, vem sendo sugerido pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (publicados na década de 90 do século passado), como objeto de ensino-
aprendizagem de Língua Portuguesa, que os alunos devem ser expostos à
pluralidade cultural. Assim, com o estudo desse gênero, tem-se contato com parte de
nossa história e, ainda, contribui-se para demais áreas da Educação, uma vez que a
literatura de cordel permite a interdisciplinaridade entre Língua Portuguesa, História e
Artes, como a música, o teatro e as artes plásticas.
Apesar de criado por artistas populares, alguns analfabetos, e, por isso, alvo de
preconceito, sabemos que esses textos possuem coesão e coerência, visando ao que
se propõem: informar ou entreter aos seus ouvintes ou leitores. Além disso,
apresentam muitas expressões populares comuns à fala coloquial e, por isso, essas
leituras são muito úteis aos educandos para que eles compreendam que existem
textos mais informais e que, dependendo da situação (como: propósito comunicativo
ou regionalismo), também é possível escrever dessa forma, ou seja, nem sempre se
deve usar a língua de maneira informal, como é costume na fase da infância e
adolescência.
1
localizamos sites direcionados, professores preocupados com o tema, mas ainda
é insuficiente pela sua importância, ou seja, há muito o que ser estudado e divulgado.
12
A partir desses textos, acreditamos que nosso educando se aproxime da
literatura de uma maneira mais prazerosa e que, posteriormente, possa se interessar
por outros textos literários. Sendo assim, esta dissertação visa a contribuir para os
estudos de leitura e produção de texto em Língua Portuguesa.
Os objetivos específicos são:
1- Estudar o gênero cordel com alunos do 5º ano do Ensino Fundamental;
2 Apresentar uma sequência didática para o trabalho com esse gênero em sala
de aula;
3- Discutir a proposta final, identificando os elementos que introduzem e
retomam referentes nos textos de cordel produzidos pelos alunos.
Para atingir os objetivos definidos, apresentamos uma proposta pedagógica,
com o gênero cordel, desenvolvida com crianças de 9 a 10 anos, de um colégio
particular, situado no Morumbi, em São Paulo. Esse trabalho aconteceu no
semestre do ano letivo, de 2009, envolvendo cento e vinte e cinco alunos (quatro
salas) do ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de desenvolver a
competência leitora e escritora, aprimorando o trabalho em equipe (visto que a
produção deu-se em grupos de três ou quatro alunos), além de apresentar e estudar a
cultura popular brasileira, a começar pelos ditados populares, adivinhas, quadrinhas,
contos e, por fim, o cordel. O resultado do projeto foi a edição de um livro com 39
retextualizações, em forma de cordel, da obra épica “Odisseia”, de Homero.
Além de apresentarmos essa sequência didática, faremos um breve estudo das
marcas linguísticas de coesão nos textos de cordel, produzidos pelas crianças,
buscando comprovar que estas, embora ainda “inexperientes” como escritores,
apresentam textos coerentes e coesos.
13
Os procedimentos metodológicos para o desenvolvimento de nosso trabalho
com os estudantes foram organizados em três etapas: A etapa inicial proporcionou
aos educandos a descoberta da literatura de cordel, sua origem, história e
característica e estimulou a curiosidade desses. A segunda propiciou o
“desenvolvimento” ou “aprimoramento” desses conhecimentos adquiridos na fase
inicial (em especial na questão do gênero: estilo, estrutura composicional e tema) por
meio de várias leituras, atividades de compreensão e análise linguística e contato com
um cordelista. Na terceira e última etapa, a de produção, os alunos, além de
desenvolverem a capacidade escritora, produziram a xilogravura, forma original de
ilustração das capas dos folhetos, promovendo a interdisciplinaridade com Artes
plásticas e História.
que a presente pesquisa aborda os gêneros populares, os pressupostos
teóricos recorrentes são baseados principalmente em Câmara Cascudo (1952), Mark
Curran (1973), Antônio Weitzel (1995), Márcia Abreu (1999), Hélder Pinheiro e Ana
Lúcio (2001), Jeová Franklin Queiroz (2002), Helena Brandão (2003) e Joseph Luyten
(2005). Para o estudo acerca do desenvolvimento da Linguística Textual e dos
princípios de textualidade, recorremos a Van Dijk (1988, 1992), Moraes Leite (1985),
Fávero (2003), Fávero e Koch (2005) e Rosa (2007); na questão de gêneros,
especificamente, a Bakhtin (2006), às pesquisas da Escola norte-americana e à
Escola de Genebra (em especial: Schneuwly e Dolz (2004)), além dos estudos
brasileiros, com Marcuschi (2002), Brandão (2003, 2007), Biasi-Rodrigues (2004) e
Ramires (2005).
Para o alcance dos objetivos propostos, organizamos esta dissertação em
quatro capítulos. No primeiro, tratamos da Linguística Textual, de dois princípios de
textualidade, coesão e intertextualidade, e da superestrutura do texto narrativo, além
de expormos estudos referentes ao gênero discursivo/textual.
No segundo, apresentamos a literatura de cordel, sua história, forma, tipos e
principais representantes.
14
No terceiro, tratamos, de maneira breve, das propostas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, além de efetuarmos comparações entre esses documentos e
os estudos de Schneuwly e Dolz (2004), pesquisadores da Escola de Genebra,
preocupados com o ensino-aprendizagem de língua por meio dos gêneros.
No último capítulo, relatamos as etapas para a realização de nosso trabalho
com o gênero. Posteriormente, apresentamos alguns textos dos alunos, seguidos de
breve análise de coesão e obediência ao gênero e à superestrutura narrativa (os
demais textos estarão nos anexos).
15
Capítulo I
O TEXTO COMO OBJETO DE ESTUDO
_________________________________________
16
Neste capítulo temos por objetivo tratar da Linguística Textual e de dois dos princípios
de textualidade: coesão e intertextualidade, além da superestrutura do texto narrativo,
uma vez que nosso objeto de pesquisa são narrativas em cordel. Na sequência, por
estudarmos esse gênero popular, apresentamos as considerações dos principais
estudiosos acerca dos gêneros textuais/discursivos,
1. 1. A Linguística Textual
A partir da década de 60 do século XX, começou a ser desenvolvido um novo
ramo da Linguística na Europa, principalmente na Alemanha, denominado Linguística
Textual, que passou a trabalhar o texto (forma específica de manifestação da
linguagem), deixando o que antes era objeto de investigação: a palavra e a frase. A
Fonética, a Fonologia e a Sintaxe eram as disciplinas que explicavam os fenômenos
linguísticos e visavam a descrever e explicar o sistema da língua e a produtividade
das regras gramaticais da competência de um falante. Assim, os estudos eram
centralizados nas palavras e nas frases e essas, aentão, eram julgadas suficientes
para explicar a linguagem humana.
Fávero e Koch (2005) postulam que as chamadas “falhas” apresentadas pelas
gramáticas de frase, como: seleção de artigos, entoação, relação de sentenças não
ligadas por conjunções, concordância de tempos verbais, entre outras, fizeram com
que os linguistas propusessem a Linguística Textual, uma vez que esses fenômenos
só podem ser explicados no texto.
Conte (1977), segundo elas, distingue três momentos nessa mudança:
primeiramente, o da análise transfrástica; posteriormente, o da construção das
gramáticas textuais; e, por último, o da construção das teorias de texto.
17
O objetivo da análise transfrástica é analisar as relações que podem se
estabelecer entre os variados enunciados de uma sequência significativa (neste
momento, entram, em primeiro plano, as relações de coesão e coerência).
Como apenas a gramática de enunciado não estava explicando todos os
fenômenos linguísticos, desenvolveu-se a gramática textual, que determina os
princípios da constituição de um texto, os fatores que dão coerência a este, as
condições nas quais se manifesta a textualidade e, ainda, diferencia as espécies de
texto.
Cabe à gramática textual explicar o que faz com que um
texto seja um texto, propriedade esta que se denomina
textualidade.
(FÁVERO & KOCH, 2005:21)
O texto, de acordo com Fávero e Koch (id), é muito mais do que uma
sequência de enunciados, uma vez que, para compreendê-lo e produzi-lo, o usuário
da língua apresenta sua competência textual, que difere da competência frasal. O
falante de uma língua consegue, ainda, distinguir um aglomerado de enunciados
incoerentes de um texto coerente e, além disso, é capaz de parafrasear textos,
resumi-los, perceber sua completude, produzir um a partir de um tulo dado, entre
outras habilidades. Todas essas habilidades do usuário da língua justificam a
construção de uma gramática textual.
No terceiro momento, das teorias de texto, há uma maior importância no
tratamento do texto em seu contexto pragmático. Cabe, agora, uma preocupação
com as condições externas ao texto (produção, recepção e interpretação). Segundo
Fávero e Koch (id), a incorporação da pragmática aos estudos linguísticos trouxe
divergências entre os estudiosos da língua: para uns, como Dressler (1970), ela
enfatizou apenas a situação comunicativa em que o texto é inserido; para outros,
como Schmidt (1974), houve a integração de um componente pragmático à descrição
linguística.
18
Para Schmidt (apud Fávero e Koch id:16), a inserção da Pragmática significa a
evolução da Linguística Textual em direção a uma teoria pragmática do texto, que tem
como ponto de partida o ato de comunicação. Assim, esse novo ramo da Linguística
se propõe a integrar ao estudo da linguagem as situações de sua utilização e o papel
de seus usuários: as motivações psicológicas dos falantes, as reações dos
interlocutores, as pressuposições, os subentendidos, as implicações do discurso etc.
Portanto, é uma ciência que se preocupa com a língua em uso, valorizando o papel
do falante na produção de seu texto. Consequentemente, os estudos da linguagem
humana passaram a privilegiar o texto e o discurso.
Para Van Dijk (apud Fávero e Koch id:24), o discurso é a unidade passível de
observação, aquela que se interpreta quando se ou se ouve uma enunciação, ao
passo que o texto é a unidade teoricamente reconstruída, subjacente ao discurso.
Desse modo, quando produzido, o discurso é manifestado por meio de textos,
que o produtos da atividade discursiva oral ou escrita, atividade comunicativa, que
se realiza numa determinada situação, formando um todo significado e acabado,
independentemente da extensão e do tipo.
1.2. Os princípios de textualidade
Para que um texto tenha sentido e completude, são necessários princípios que
garantam essa unidade de sentido: coesão, coerência, intencionalidade,
aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade. Esses princípios,
centrados no texto e em seus usuários, explicitados por Beaugrande e Dressler
(1994) e retomados por Beaugrande (1997), garantem a realização do processo
comunicativo.
A seguir, apresentamos os que interessam a nossa pesquisa: a coesão e a
intertextualidade, uma vez que discutiremos esses dois princípios de textualidade nas
produções escritas de nossos alunos.
19
1.2.1. Coesão
Apesar de nitidamente sintática e gramatical, a coesão é, também, de caráter
semântico, visto que determina as relações de sentido entre os enunciados que
formam o texto. Corroborando essa afirmação, Halliday e Hasan (1973, apud Fávero
e Koch 2005) postulam que “o texto é a unidade de língua em uso, unidade semântica
(...) não de forma e sim de significado. Fávero e Koch (id:39) ratificam, ainda, que a
textualidade depende de fatores responsáveis pela coesão textual, “relações de
sentido que se estabelecem entre os enunciados que compõem o texto, fazendo com
que a interpretação de um elemento qualquer seja dependente da de outro (s).”
1.2.1.1 Tipos de coesão
Fávero (2003) afirma que se deve buscar uma classificação da coesão a partir
da função que os termos exercem na construção do texto e não de classes de
palavras, léxico, etc. Assim, sugere três tipos de coesão:
a- Coesão referencial: existem itens na língua que estabelecem referência a
algo que é necessário à sua interpretação. Essa referenciação pode ser por
substituição ou por reiteração.
- Substituição: um item é retomado (anáfora) ou precedido (catáfora).
Vejamos os exemplos num trecho da fábula de Antonio Salles (Fábulas
brasileiras, 1944, p. 31-32 anexo 7):
20
EXEMPLO 1
A formiga diligente,
Durante meses inteiros,
Carrega incessantemente
Víveres para os celeiros...
Tudo serve à caravana:
grãos,insetos e capins;
Mas ela às vezes se engana,
E carrega coisas ruins.
No exemplo 1, o pronome pessoal “ela” substitui o termo “formiga, a fim de
evitar repetição no texto; assim, está se referindo a um item mencionado no texto
(usou-se a anáfora). os substantivos “grãos, insetos e capins” aparecem para
completar o sentido do pronome indefinido “tudo”, que precede a ideia, ou seja, são
palavras que não estavam expressas no texto, mas que foram usadas para fazer
referência a um termo precedido (catáfora).
De acordo com Fávero (2003: 22), numa sequência, um referente indefinido
deve, para que se mantenha a identidade referencial, ser retomado por um definido”.
Essa afirmação é comprovada no exemplo de catáfora, dado acima, que foram
usados substantivos para retomarem o item indefinido.
- Reiteração: nesse tipo de coesão, ocorre a repetição de expressões no
texto.
Consideremos no exemplo 2: Pode acontecer por repetição do mesmo item
lexical: “cigarra”, “formiga”; por sinônimos ; “trabalho de suar”, “labor penoso”; por
hiperônimos e hipônimos: “outros”, “todos os bichos”, referem-se ao todo,
representando uma parte, ”formiga”- hiperonímia; por expressões nominais definidas -
importância do conhecimento de mundo e não apenas linguístico; ou, como no
exemplo 3, por nomes genéricos: o termo “pessoal” referindo-se à “tríbu valentona”.
21
EXEMPLO 2 (anexo 8)
Era uma vez a cigarra
Que só vivia a cantar.
Enquanto outros trabalhavam
Dando duro no lugar,
Como a formiga operária
Com folhas a carregar.
Amiga cigarra tocava
E modulava seu canto.
Todos bichos ocupados
Não valorizavam encanto.
E a cigarra cantava
Sem ligar pro desencanto.
A formiga só cortando.
Para depois carregar,
As folhas naquela sombra,
Num trabalho de suar,
Ocupando todas forças
Do seu corpo a extasar.
Naquele labor penoso,
Junto à cigarra passava.
Esta não dava atenção.
Tranquilamente tocava.
A formiga se sentia.
Aí então, lhe falava:
(MAXADO Franklin,1976)
EXEMPLO 3 (anexo 7)
Viu a tríbu valentona,
Com estranho açodamento,
Levando um carregamento
De carroças de mamona.
22
Lá dentro aquilo aconteceu,
Fermentou, pôs-se a medrar...
Logo o pessoal recebeu
Ordem de tudo evacuar.
(SALLES, Antonio,1944)
b- Coesão recorrencial: nesse tipo de coesão, aparecem retomadas de
estruturas, itens ou sentenças, no entanto o texto demonstra uma progressão da
informação. Assim, sua função é continuar o discurso. Segundo Fávero (id),
esse tipo de coesão é muito confundido com a reiteração, que esta também é
a retomada de algo. É preciso diferenciá-las: Reiteração mostra uma informação
já conhecida, enquanto a recorrência mostra progressão das informações.
A recorrência se por: recorrência de termos, paralelismo, paráfrases,
recursos fonológicos segmentais e supra-segmentais.
Abaixo, damos alguns exemplos desse tipo de coesão (nos trechos de A festa
no céu versão de Câmara Cascudo - anexo 9):
“...Perguntaram, perguntaram, mas o Sapo fazia conversa mole. A festa
começou e o Sapo tomou parte de grande....” (a recorrência do verbo “perguntaram”
demonstra ênfase, intensificação, insistência). Essa repetição faz com que o texto
flua.
“...O Urubu, mais tarde, pegou na viola, amarrou-a a tiracolo e bateu asas para
o céu, rru-rru-rru... (um recurso fonológico que mais “vida” ao acontecimento.
Mostra o barulho que essa ave faz ao voar.)
23
“...Imaginem quem foi dizer que ia também à festa... O Sapo! (as reticências
representam a intencionalidade de provocar um certo suspense na história, ou seja, é
proposital.)
c- Coesão sequencial: mecanismo que, assim como o recorrencial, faz
progredir o texto. Entretanto, não apresenta retomada de itens, sentenças ou
estruturas. Essa coesão se por sequenciação temporal (ordenação linear dos
elementos, expressões que marcam ordenação ou continuidade das ações,
partículas temporais e correlação dos verbos) e por conexão (por meio dos
operadores: 1. lógicos - disjunção, condicionalidade, causalidade, mediação,
complementação, restrição ou delimitação. 2. operadores do discurso
conjunção, explicação, conclusão, pausa, entre outros).
Temos exemplos desse tipo de coesão em duas estrofes do texto de cordel: A
festa do céu, de Toni Assis (anexo 10).
Mas a festança celestial (disjunção, quebra de expectativa)
provocou muito ciúme
teve bicho que ficou mal
pois nunca teve o costume (explicação)
de tentar voar sem asas
e virou logo um azedume (conclusão)
Quem tinha asa pra bater
tratou mesmo de se arrumar
a araponga logo foi ver (partícula de tempo)
se o periquito já tinha par
e o papagaio queria saber (conjunção de ideias)
quando a gaivota ia pra lá (partícula de tempo)
24
1.2.2 Intertextualidade
A intertextualidade, processo em que textos “se relacionam”, pode ocorrer no
interior de um mesmo texto ou no diálogo entre textos. Koch (1991) afirma que todo
texto é um objeto heterogêneo, que pode revelar uma relação de seu interior com seu
exterior, ou seja, podem existir outros textos que lhe dão origem, com os quais ele
dialoga, retomando-os, aderindo suas ideias ou opondo- se a elas.
Dentre outras, Koch (id) destaca quatro tipos de intertextualidade:
Intertextualidade de conteúdo X intertextualidade de forma e conteúdo
Ocorre a intertextualidade de conteúdo entre textos de uma mesma área de
conhecimentos; a intertextualidade de forma e conteúdo ocorre quando o autor
de um texto imita ou parodia, com objetivos específicos.
Intertextualidade explícita X intertextualidade implícita
A intertextualidade é explícita quando traz citação expressa da fonte e é
implícita quando não apresenta a citação. Nesse último caso, compete ao
interlocutor recuperá-la para construir o sentido do texto.
Intertextualidade das semelhanças X intertextualidade das diferenças
A primeira ocorre quando um texto incorpora o outro a fim de seguir a
orientação argumentativa presente e, assim, apoiar a sua própria
argumentação. o segundo tipo de intertextualidade ocorre quando um texto
se apoia no outro a fim de contra-argumentar com ele e, até, em alguns casos,
ridicularizá-lo.
25
Intertextualidade pelo intertexto alheio X intertextualidade pelo intertexto próprio
X intertextualidade pelo intertexto atribuído a um enunciador genérico
O primeiro caso se quando um autor se apropria do texto de outro; o
segundo, quando o autor usa outro texto também de sua autoria: a auto-
textualidade. O último caso refere-se ao uso de enunciados cuja origem é
indeterminada, ou seja, fazem parte da comunidade, como é o caso dos
provérbios, cantigas, entre outros.
Alguns pesquisadores afirmam que todo texto tem sua origem em outros. Ele
retoma outros textos, num diálogo constante. Assim, Bakhtin, ao tratar da polifonia e
dialogismo, relaciona-os ao conceito de intertextualidade, que é, dessa forma,
constitutiva de todo discurso. Para o autor, a polifonia e o dialogismo ocorrem nas
várias vozes da vida social, cultural e idealógica representadas nos personagens.
(ROSA, 2007:28)
Concluindo-se, pode-se dizer que
... a intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo
do processo de leitura e que a produção de sentidos depende do
conhecimento de outros textos por parte do leitor e da identificação
dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros
textos.
(ROSA, id:39)
26
1.3. Superestrutura do texto narrativo
Utilizamos, em nosso dia a dia, textos variados e diferentes entre si de acordo
com nossa necessidade de comunicação. Cada tipo de texto tem sua superestrutura e
somos capazes de identificá-la, visto que temos competência para distinguir os
diferentes tipos textuais (que apresentam esquemas globais peculiares).
Todo texto possui uma determinada forma global responsável por sua
organização e relações entre seus fragmentos. Essa noção de superestrutura (ou
hiperestrutura ou esquema textual) foi desenvolvida por Van Dijk (1992) e, segundo
ele, os textos narrativos, tipo textual predominante nos cordéis produzidos por nossos
alunos, estão presentes em inúmeras situações.
A superestrutura do texto narrativo é um esquema formal, preenchido com a
história, e cada discurso se formaliza por um tipo de esquema específico. As
experiências realizadas a respeito dos processos de memorização, reprodução e
resumo de textos narrativos comprovam a hipótese de que há um esquema formal,
social, vazio, interiorizado, que vai sendo preenchido semanticamente pela história à
medida que se produzem os textos.
Esses conhecimentos, armazenados na memória, são diferenciados como
conhecimentos semânticos e conhecimentos esquemáticos. Os primeiros, segundo
Van Dijk (1988), são concebidos por scripts ou modelos nos processos de
inferências que o leitor faz para construir a base do texto, enquanto os segundos são
superestruturas textuais ou esquemas.
Van Dijk (1992:154) entende os textos narrativos como formas básicas da
comunicação textual:
Depois das narrações „naturais‟, aparecem em segundo lugar os
textos narrativos que apontam para outros tipos de contexto, como as
anedotas, mitos, contos populares, as sagas, lendas etc., e em
27
terceiro lugar, as narrações, frequentemente muito mais
complexas, que geralmente circunscrevemos com o conceito de
„literatura‟: contos, romances etc.”
De acordo com Moraes Leite (1985:5):
As histórias são narradas desde sempre ... uma narração
de fatos presenciados ou vividos por alguém que tinha autoridade
para narrar, alguém que vinha de outros tempos ou de outras terras,
tendo,por isso, uma experiência a comunicar e conselhos a dar ...
Assim, desde sempre, entre os fatos narrados e o público, se
interpôs um narrador ... que narra, narra o que viu, o que sonhou, o
que viveu, o que testemunhou, mas também o que imaginou, o que
sonhou, o que desejou. Por isso, a narração e a ficção praticamente
nascem unidas.
Convém ressaltar que narrar é pôr em ação o ato de narrar; o modo como se
narra é a narrativa e o que se narra é o acontecido. Segundo os estudiosos da
narrativa, o enunciado narrativo diferencia-se dos demais por apresentar uma
transformação (mudança da situação inicial para uma situação final). No que se refere
à superestrutura do texto narrativo, definem-se as seguintes categorias: Introdução
(situação inicial), Conflito (degradação do desequilíbrio e constatação do
desequilíbrio), Resolução (situação final), que podem ser seguidas ou não de uma
Avaliação e / ou Moral presente ou subentendida.
28
1.4. Gêneros Discursivos
2
Como sabemos, todo texto é organizado dentro de um gênero, que, até certo
tempo atrás (por volta da década de 80 do século passado), segundo Brandão (2003),
era examinado na Literatura. Na realidade, a questão do gênero, ao contrário do
que muitos pensam, vem sendo discutida desde Platão e Aristóteles, com a distinção
entre gênero lírico, épico e dramático.
A preocupação com o tema é, portanto, muito antiga, como esclarecem
Charaudeau e Maingueneau (2004:249):
... a noção de gênero remonta à Antiguidade. Volta-se a
encontrá-la na tradição literária que assim classifica as
produções escritas segundo certas características; no uso
corrente, no qual ela é um meio para o indivíduo localizar-se no
conjunto das produções textuais; finalmente, mas ainda
submetida a debates, nas análises de discurso e análises
textuais.
Os gêneros crescem, à proporção que os campos da atividade humana se
desenvolvem, e o heterogêneos: incluem-se desde breves réplicas do diálogo do
cotidiano até as mais variadas formas de manifestações científicas e literárias. Os
estudos, que eram centrados nos gêneros literários, na Antiguidade, focavam apenas
a especificidade artística literária e não os diferentes tipos de enunciados com
natureza verbal (linguística) comum. As épocas subsequentes passaram a dar
atenção à natureza verbal dos gêneros como enunciados.
2
Podemos encontrar, em estudos e autores diferentes, as denominações: gêneros discursivos ou gêneros textuais.
Marcuschi (2002) utiliza as expressões gênero textual” ou gênero “de texto”; já Bakhtin (2006) faz uso das
expressões gênero “discursivoou “do discurso”. O primeiro parte da teoria deste, no entanto a mescla com a
teoria da enunciação francesa, da pragmática, da retórica ou da linguística textual.
Neste trabalho, utilizaremos as expressões como sinônimas, que não é nosso propósito um estudo que leve a
distingui-las.
29
O estudo dos gêneros vem se aprofundando e esse tema se estendeu a todos
os tipos de produções verbais, incorporando-se aos estudos discursivos de uma
maneira geral e se tornando preocupação central dos profissionais do ensino de
língua. Assim, o gênero passou a ser estudado por outras perspectivas, ou seja,
tornou-se, também, objeto de pesquisa da Linguística Pragmática. O popular,
portanto, também passou a ser valorizado, visto que, devido à visão desse ramo da
linguagem, a língua em uso passou a ser privilegiada. Toda a literatura, portanto,
inclusive a popular, passou a ser objeto de estudos.
Para que haja uma melhor compreensão da heterogeneidade de textos com os
quais nos defrontamos, fez-se necessário, de acordo com Brandão (2003), buscar
uma classificação dos discursos em gêneros, pois é impossível nos comunicar sem a
utilização de um gênero, assim como também não é possível a comunicação verbal
sem ser por meio de um texto (Marcuschi 2002). Os gêneros, portanto, são os textos
concretizados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões
sócio-comunicativos característicos, definidos por composições funcionais, objetivos
enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas,
sociais, institucionais e técnicas.
Bakhtin (2006) discutiu a utilização da linguagem, por meio de enunciados
concretos e únicos, pelos membros de um determinado campo da atividade humana.
Segundo ele, esses enunciados apresentam três elementos: conteúdo temático
(tema), estilo (marcas que caracterizam o gênero) e construção composicional
(estrutura), que refletem as condições espeficas e as finalidades de certo campo da
comunicação. Ainda que o enunciado seja individual, cada campo de utilização da
língua elabora seus gêneros, que são, segundo o autor (id: 262), tipos relativamente
estáveis de enunciados” (uma vez que temos uma noção do que se espera para cada
gênero).
Na mesma direção, Figueiredo (2005: 18) complementa as ideias de Bakhtin,
quando afirma: Não se pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades em
que eles se constituem e atuam, implicadas as condições de produção, de
circulação e de recepção.
30
Como se sabe, o texto se manifesta num gênero particular e, embora não
dominando certos gêneros, como exposto, somos capazes de identificá-los e de ter
um comportamento adequado em relação a eles. Além disso, a maioria das pessoas é
capaz de produzir enunciados em determinados gêneros (que pertencem a sua esfera
de comunicação).
Bakhtin (2006) faz uma distinção entre os gêneros primários (simples,
predominantemente orais, mas também com formas mais comuns da escrita), que
surgem de situações cotidianas e privadas, e os secundários (complexos). Estes
últimos, por serem mais complexos (romances, dramas, etc.), utilizam os gêneros
considerados simples (diálogos, cartas, etc.) em sua formação. Segundo ele, uma
enorme diferença entre esses dois gêneros (primários e secundários); assim, é
necessário que a natureza do enunciado seja descoberta e definida. Esse
conhecimento das particularidades dos diversos gêneros do discurso é essencial a
qualquer corrente de estudo. Sem isso, há formalismo e abstração exagerada, a
historicidade da investigação é deformada e as relações da língua com a vida são
debilitadas.
Segundo Maingueneau (2001), “leis do discurso” regentes da comunicação
verbal, que devem ser adaptadas às especificidades de cada gênero do discurso.
Dessa forma, o domínio dessas leis e dos gêneros é responsável pela nossa
competência comunicativa. Entretanto, são necessárias, além da competência
comunicativa, a linguística (domínio da língua) e uma enciclopédica (conhecimentos
sobre o mundo, que variam em função da sociedade em que se vive e da experiência
de cada um) para se produzir e interpretar um enunciado. Não se sabe como se
organiza cada um desses saberes, contudo é certo que não agem de forma
sucessiva, mas sim interativamente; são processadores operantes como mecanismos
que ativam a produção.
Segundo Ramires (2005), nos últimos trinta anos, os estudos sobre o gênero
vêm se intensificando e, apesar de apresentarem diferentes abordagens, muitos
pontos de contato podem ser reconhecidos. O principal deles é a importância
dispensada ao social (aspectos sociocomunicativos e funcionais) na compreensão de
31
gêneros (e não mais à forma como era anteriormente). Isso não quer dizer que se
deva descuidar dos aspectos formais e estruturais, mas a ênfase é dada às
propriedades sociocognitivas.
Os estudiosos partem de Bakhtin, visto vez que esse pesquisador russo deu
uma grande contribuição com seus estudos sobre linguagem, que orientaram a
maioria das teorias de enunciação, sobretudo na obra Estética da Criação Verbal, e
não têm a intenção de classificar textos, mas sim apontar para a sua função
sociocomunicativa, pois, segundo os pesquisadores, o gênero está sempre situado
em contextos sociais, além de ser regulado por normas estabelecidas pelas
comunidades que o utilizam.
Bronckart, Schneuwly e Dolz
3
, principais membros da Escola de Genebra,
unem pressupostos teóricos de Bakhtin e Vygotsky, trazendo uma significativa
contribuição, pela abordagem didática que fazem do assunto. De Bakhtin, podemos
observar que Schneuwly adotou a noção dos três elementos constitutivos do gênero a
que nos referimos; além disso, o autor defende a ideia de que os gêneros não
servem como instrumentos para a participação dos cidadãos em atividades sociais,
mas também como ferramentas para o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (servem como mediadores e constituintes da ação do cidadão no mundo);
de Vygotsky, o grupo sofreu influência no que tange à preocupação com o
desenvolvimento da linguagem.
Schneuwly (1994), segundo Ramires (2005), nota uma evolução no
desenvolvimento da criança, quando esta ingressa na escola, devido ao contato com
os gêneros primários e secundários. Todo o grupo, na realidade, prioriza a teoria da
enunciação, pois facilita, segundo eles, que a criança se apodere dos gêneros,
primeiramente pela exploração dos gêneros primários, que são mais concretos, e,
depois, pela complexidade dos secundários, e os utilize em diferentes contextos
sociais. Esses últimos, para serem apreendidos, necessitam da apropriação dos
primeiros, que servem como instrumento. Ramires afirma que, desse grupo de
Genebra, apenas Dolz e Schneuwly apresentam interesse no ensino e têm modelos
3
Convém esclarecer que, nesta pesquisa, não nos ateremos às propostas de Bronckart, visto que, dessa Escola,
Schneuwly e Dolz são os que mais se dedicam ao estudo dos gêneros, visando ao ensino-aprendizagem.
32
didáticos que servem de referência para muitos pesquisadores preocupados com o
ensino-aprendizagem.
Marcuschi (2002) compartilha da posição de Bakhtin (1997) a respeito da
comunicação, uma vez que também para ele não existe comunicação se não for por
meio de um texto ou gênero textual. A língua é tida como atividade social, histórica e
cognitiva. Assim, são levadas em conta a funcionalidade e a interação e não a forma
e estrutura da língua.
Segundo Miller (1994), a seleção de um gênero, visando à necessidade, ao
momento e à maneira como o discurso acontece, determina-o como uma ação social
e histórica. Além disso, a autora afirma que os locutores desses discursos têm prática
na retórica, ou seja, sabem o que se deve proferir em cada situação e o que pode
acarretar em seu ouvinte (o efeito).
Swales (1990) caracteriza os gêneros como uma classe de eventos com
propósitos comunicativos compartilhados pelos membros, formas prototípicas, lógica
própria e uma nomenclatura discursiva elaborada pela comunidade discursiva para
seu uso. Assim como Bakhtin, postula que os seres humanos organizam seu
comportamento comunicativo partindo de seu repertório de gêneros.
Bazerman (2006) contribui com as pesquisas, acrescentando à noção de
gêneros uma visão de sistemas de gêneros que, segundo ele, estão inter-
relacionados (em contextos específicos):
Um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que
uma pessoa num determinado papel tende a produzir [...] Um
sistema de gêneros compreende os diversos conjuntos de Gêneros
utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma
organizada, e também as relações padronizadas que se estabelecem
na produção, circulação e uso desses documentos. Um sistema de
gêneros captura as sequências regulares com que um gênero segue
33
um outro gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo
de pessoas.
(BAZERMAN, 2006:32)
Na esteira dos estudiosos citados, Marcuschi (2002:19) afirma que os gêneros
textuais são “entidades sócio-discursivas” que ordenam as atividades comunicativas,
contudo são maleáveis, dinâmicos e não estanques. E, devido à necessidade (na
comunicação) e a sua relação com a tecnologia, há hoje inúmeros gêneros textuais
que são de difícil definição formal e se caracterizam por suas funções
comunicativas, cognitivas e institucionais.
Segundo ele, é a intensidade dos usos das tecnologias que os originam. Assim,
os grandes suportes de comunicação (televisão, revista, internet) ajudam a criar
formas discursivas novas, entretanto esses novos gêneros são ancorados em outros
existentes, e desfazem as fronteiras entre a oralidade e a escrita, criando, assim,
certo hibridismo. Algumas vezes, apesar de não ser o principal meio de definição, é a
forma que determina o gênero; em outras, é a função que este tem no contexto. Há,
ainda, o suporte ou ambiente no qual aparece que também podem determiná-lo e até
mesmo mudar sua classificação.
Bakhtin (2006) afirma que temos pleno conhecimento de gêneros, e, por isso,
moldamos nossa fala em diferentes formas desses, ou seja, para falar, utilizamo-nos
sempre dos gêneros, pois todo enunciado dispõe de uma forma padrão e
relativamente estável de estruturação de um todo e, também, sabemos distinguir
desde as primeiras palavras do outro a que gênero pertence, qual seu volume e a
estrutura composicional usada. Assim, como recebemos a língua materna, dispomos
de variados gêneros (orais e escritos) para os utilizarmos de acordo com nossas
necessidades. Na prática, nós os usamos com naturalidade e segurança (aqueles
com os quais temos mais familiaridade”); em termos teóricos podemos não ter
consciência de sua existência.
34
Corroborando o que defende Bakhtin, Silva (1997:105) afirma:
Os gêneros são formas de funcionamento da língua que
construímos e atualizamos na forma de texto, nas situações
discursivas de que participamos. São fenômenos
contextualmente situados, (re)conhecidos por nós
empiricamente. Ou seja, sabemos o que é uma carta, um bilhete,
uma piada, etc. na medida em que convivemos com essas
formas de interlocução em nossa sociedade.
Essas formas típicas o introduzidas em nossa experiência e consciência
concomitantemente. Aprendendo a falar, estamos estruturando enunciados e esses
são moldados aos diferentes gêneros. Sendo assim, segundo Bakhtin, o fato de
dominarmos vários gêneros é questão de economia cognitiva, visto que não temos de
inventá-los a cada vez que falamos. Somos, inclusive, capazes de identificar o gênero
utilizado pelos outros ao ouvi-los, até mesmo prever se será longo e seu fim.
Além dos conhecimentos globais, muitas vezes as formas textuais têm marcas
linguísticas mais ou menos estereotipadas que o identificadas desde o início.
Temos como exemplos:
“era uma vez...” (abertura de narrativa)
“prezado colega” (início de carta)
“conhece aquela do português que...” (piada)
“eu o condeno a dez anos” (julgamento em tribunal)
“eu os declaro marido e mulher” (cerimônia de casamento)
“alô, quem fala?” (telefonema)
entre outras marcas facilmente reconhecidas.
35
Além dos gêneros padronizados, existem os mais livres e mais criativos da
comunicação discursiva oral (algumas situações informais). Ainda assim, conforme
Bakhtin, não é uma criação de gêneros novos, que é preciso um bom domínio para
podermos utilizá-los sem embaraço, ou seja, quanto maior o domínio, mais livremente
os usamos. O pesquisador afirma, ainda, que pessoas que dominam a língua, mas
se sentem desamparadas em algumas esferas da comunicação verbal por não
dominarem as formas do gênero presentes nelas. Como sabemos, para que uma
pessoa interaja nas mais diferentes esferas, é preciso que tenha domínio de
diferentes gêneros que nelas circulam.
Convém salientar, contudo, que os gêneros não são modelos que ficam à
disposição do locutor para ele moldar seu enunciado. É necessário, conforme já dito,
que ele saiba selecionar e se adequar a um para que obtenha êxito, visto que todo
gênero visa à modificação da situação da qual participa. Dessa forma, é indispensável
a determinação correta dessa finalidade para que o destinatário se comporte
adequadamente ao gênero do discurso utilizado.
É preciso que se compreenda que os gêneros apresentam características
similares dentro de situações semelhantes, pois, por serem ões sociais, não são
totalmente estáveis, ou seja, eles mudam de acordo com o contexto.
Sendo assim, também segundo Brandão (2003), devemos conceber gêneros
como formas culturais e cognitivas de ação social e não como formas fixas, modelos
estanques, rígidos, padrões formais que visam a um propósito, pois em cada situação
podemos alcançar um determinado objetivo.
A pesquisadora (id:38) também alerta quanto a esse modelo relativamente
estável (conforme postula Bakhtin), ou seja, segundo ela, gênero não é uma forma
fixa:
... esta estabilidade é constantemente ameaçada por pontos de
fuga, por forças que atuam sobre as coerções genéricas. Em
determinados gêneros, essa tensão se faz marcar de maneira mais
36
acentuada, em outros não. Por exemplo, uma notícia X um texto
literário, em que, na primeira, a quase fixidez de seus elementos
constitutivos tornam esse gênero mais estável: que ter sempre um
quem, o o quê, o como, o por quê, o quando, o onde.
Dessa forma, o gênero deve ser entendido como uma instituição discursiva
determinada sócio-historicamente por uma cultura e também como um objeto
materializado linguisticamente, que pode ser manifestado de diferentes formas de
textualização (formais ou não).
37
Capítulo II
LITERATURA POPULAR: O CORDEL
______________________________________________
38
Este capítulo tem por objetivo abordar exemplos de literatura popular, em especial o
cordel, objeto de nosso estudo, que faz parte dessa tradição popular. Assim,
apresentam-se sua história, características, principais representantes, permanências
e rupturas com o passado.
2.1. Literatura popular
A Literatura popular tem sua origem na “literatura oral”, denominação que,
segundo Cascudo (1952), é de 1881. A princípio, seria ela limitada aos provérbios,
adivinhações, contos, frases-feitas, orações, cantos, no entanto ampliou-se a
horizontes maiores e foi desenvolvida para a declamação, para o canto e a leitura em
voz alta para pequenos grupos.
De acordo com Cascudo (id), a literatura oral brasileira reúne todas as
manifestações da recreação popular, mantidas e movimentadas pela tradição, e é
composta por elementos trazidos pelos indígenas, portugueses e africanos para a
memória e uso do povo atual.
Era tradição medieval contar histórias nas comunidades e, segundo Evaristo
(2003), isso acontecia quando um narrador contava suas experiências e, ao mesmo
tempo, transmitia algum ensinamento, seja por meio de um provérbio, uma norma de
vida ou uma sugestão prática. O estudioso ainda completa que o marinheiro, o
camponês e o artesão eram os principais contadores, uma vez que estavam sempre
passando por várias regiões e transmitindo seus conhecimentos adquiridos nos
lugares por onde passavam.
Cascudo (1952:24) afirma que a produção literária destinada ao povo
independe perfeitamente da vontade do autor”, pois as novidades contadas são de
39
interesse do povo que ouve as histórias e guarda o enredo, o assunto, a ação, mas
nunca o nome do autor.
Com a modernidade e a industrialização, os homens passaram a não mais
trocar tantas experiências, as relações humanas se transformaram e, dessa forma, o
interesse pela narrativa oral acabou se perdendo, assim como o contador de histórias.
Além disso, de acordo com Evaristo (2003), o advento da imprensa modificou essa
narrativa oral, tornando-a literatura impressa, havendo praticamente a transposição do
oral para o escrito, como que uma interligação da cultura popular e da literária.
As fábulas são expressões populares, consideradas iniciadoras da literatura
oral, conforme Cascudo (1952), e inserem animais com comportamentos e atitudes
semelhantes aos humanos. Nelas, os animais discutem, decidem, castigam, premiam,
ou seja, substituem o homem em suas virtudes e vícios. Esopo foi um grande
colecionador e divulgador de bulas indianas e gregas e, cinco séculos e meio antes
de Cristo, reuniu contos, fábulas e apólogos, vividos por animais com almas humanas.
A lenda, por sua vez, prende-se à religiosidade (sua constante), explica as
origens das coisas, dos hábitos, mistérios. Nela, quase sempre o sobrenatural é
indispensável. Originária do latim “legenda” (coisas que devem ser lidas), é um
gênero narrativo vindo dos primeiros séculos do Cristianismo, que reunia histórias de
santos. A lenda indígena não teve tanta extensão quanto à fábula ou mito, ou seja, ela
é mais lembrada pelos livros que pelo povo. Ela não constitui um elemento vivo na
literatura oral brasileira, está apenas nos limites de interesse indígena.
O mito, segundo Jesus e Brandão (2003), mostra a cultura e o pensamento do
homem antigo, além de visar ao entretenimento. Assim, mostra a relação do homem
com o mundo. Ela afirma, ainda, que a presença de seres sobrenaturais, como
deuses, é uma característica marcante desse gênero.
O conto, outro gênero popular, tem método simples de exposição, é narrativa
clara, com sequência lógica. De acordo com Bakhtin (2006), o conto não deve ser
visto apenas como um fato individual, mas como uma enunciação que se adequa ao
40
grupo, isto é, dependendo da (as) pessoa (as) a quem ele é contado, isso é realizado
de uma maneira diferente. Além disso, o espaço físico e histórico em que a narração
é feita também influencia no modo de narrar.
Cascudo (1952) apresentou uma classificação dos contos, baseada nos
gêneros, que foi aprovada pela Sociedade Brasileira de Folclore. Eis a classificação:
- Contos de Encantamento (conto de fadas);
- Contos de Exemplo (o elemento natural é o conselho. Não há presença de
santo);
- Contos de Animais (fábulas, onde os animais vivem o exemplo dos
homens);
- Contos Religiosos (contos de intervenção divina, confundidos com lendas);
- Contos Etiológicos (explica o porquê das coisas: o porquê do pescoço longo
da girafa, a cauda dos macacos etc.);
- Demônio Logrado (o demônio é derrotado);
- Contos de Adivinhação (uma adivinhação dará vitória ao rei);
- Natureza Denunciante (o mal é denunciado de alguma forma);
- Contos Acumulativos (trava-línguas, histórias sem fim, de encadeamento,
articulação);
- Ciclo da Morte (a morte personalizada é sempre vencedora).
Assim como os contos, as fábulas, as lendas, os mitos, entre outros, o cordel,
objeto de nosso estudo, também está ligado à tradição popular. Dessa forma, foi (e é)
divulgado e transmitido há muitos anos, por muitas culturas e lugares. Poucos sabem,
mas a literatura de cordel foi muito difundida em alguns países da Europa antes de
chegar ao Brasil.
41
A seguir, apresentamos um panorama acerca dessa arte, que merece maior
atenção e valorização, principalmente dos brasileiros.
2.2. A literatura de cordel
De acordo com Luyten (2005), Troyes, na França, por volta de 1483, iniciou
sua produção de poesia popular e tornou-se famosa, por 400 anos, com seus 1500
títulos de folhetos e almanaques populares publicados, com tiragem de 8 milhões de
exemplares de alguns títulos. Esses folhetos franceses foram chamados, devido à
capa, de Bibliothèque Bleue (biblioteca azul). Havia folhetos em verso, como os
nossos, e também em prosa ou misto e essa literatura francesa era denominada
Littérature de Colportage”
4
, uma literatura volante de forma dirigida ao meio rural. O
número mencionado de publicações é considerado alto para a Europa, mas não para
o Brasil, que, em pouco mais de cem anos, publicou entre 15 mil e 20 mil títulos de
folhetos (contra os 1500 títulos da França).
De acordo com Sodré (1978), o folheto de cordel se origina dos Cancioneiros
ibéricos, da Idade Média, e era literatura apreciada, na Espanha, nos séculos XVI e
XVII, geralmente por pessoas incultas, ainda que alfabetizadas. Dessa forma, os
folhetos apresentavam cópias encurtadas de histórias de aventuras, visto que nem
todos compreendiam os textos considerados originais. Muitas vezes, esses folhetos
serviam de inspiração para novelas cultas e, além disso, tinham a função de
alfabetizar o povo.
A partir de 1650, entretanto, iniciou-se a “degeneração” do gosto popular e,
assim, o povo passou a não mais influenciar os temas. Com a censura inquisitorial,
houve um grande rigor com os folhetos de cordel e não se encontravam bons
escritores desse tipo de literatura.
4
Segundo Luyten (id:36), “col” significa “nuca”; os vendedores de livretos costumavam carregá-los
numa caixa diante do peito, prendendo-a com uma corda que passava pela nuca (como alguns camelôs
de nossos dias).
42
A França, em pleno século XIX (Século das Luzes), período considerado “das
trevas” para o cordel, ainda persistia com suas produções e, em 1843, registram-se
vendas de nove milhões de exemplares de cordel. Essa produção começou a
decair em 1850, época em que surgiram os folhetins, romances publicados em
rodapés dos jornais.
A Inglaterra também teve uma literatura popular expressiva, segundo Luyten
(2005), e sua produção estendeu-se por todos os países de colonização britânica. Os
primeiros folhetos cujo assunto é o Brasil (um deles é sobre Hans Staden, que foi
preso pelos aborígenes) foram escritos na Holanda e na Alemanha, que também
tiveram essa literatura diminuída, paulatinamente, devido ao ensino obrigatório das
classes populares e à penetração da imprensa.
Em Portugal produção popular até hoje, sendo quase toda em prosa. O
nome “cordel” vem da Península Ibérica e foi chamado assim porque era vendido, em
lugares públicos, pendurado em cordões. E, apesar de no Brasil (Nordeste) haver o
costume de expô-lo estendido numa folha de jornal sobre o chão ou dentro de uma
mala (por ser mais fácil juntar todo o material para fugir de guardas ou fiscais), por
aqui também é chamado assim.
Na realidade, podemos aportar a Gil Vicente quando nos referimos ao cordel,
visto que ele publicou, segundo Abreu (1999), algumas peças nesse molde. Dom
Duardo, criação do autor lusitano, é um exemplo desse tipo de literatura, e no século
XVIII ainda era vendido em forma de folha volante. Tem-se, ainda, O Pranto de Maria
Pardo que, por três séculos, também foi vendido sob forma de literatura de cordel.
Muitos outros autores dessa época são tidos, pelos críticos, como escritores desse
gênero, sendo, inclusive, considerados iniciadores desse tipo de literatura em
Portugal.
Após a censura inquisitorial, no século XVII, houve uma grande queda na
produção (como era de se esperar) e tem-se, dessa época, nos acervos portugueses,
1% do total de folhetos. Entretanto, no século XVIII e início do XIX, houve uma
revitalização dessa literatura e uma ampliação da temática no cordel português (78%
43
dos folhetos do acervo português são desse período).
5
Além das traduções,
passaram-se a produzir desde relatos sobre acontecimentos sociais até narrativas
históricas e religiosas. Nessa época, houve também, segundo Abreu (id), dificuldade
em identificar o cordel com uma literatura “popular”, visto que os autores eram
advogados, professores, padres, militares, funcionários públicos. Além disso, o
público do teatro de cordel também era composto por “gente influente”, inclusive pela
burguesia urbana.
Obviamente, isso não quer dizer que a literatura de cordel fosse
destinada aos fidalgos, mas não se pode tentar defini-la como uma
literatura exclusivamente às camadas pobres ou pressupor que ela
revelasse o ponto de vista popular, visto o interesse que despertava
desde o rei até as senhoras da corte.
(ABREU, 1999: 45)
Os folhetos eram vendidos a preço baixo e em locais públicos, por isso
atingiam um público diverso. Assim, o que torna essa literatura portuguesa popular
não é o conteúdo, ou seja, o texto, ou seus produtores e público, mas sim a sua
aparência e preço.
Abreu (id), em sua pesquisa, afirma, ainda, que Baltasar Dias, autor popular
português do culo XVI, é o escritor que mais publicou sob a forma de literatura de
cordel em Portugal.
5
Segundo Abreu (id), esse acervo é composto por 20% de folhetos do século XIX e por menos de 1%
do século XX. Entretanto, segundo ela, deve haver mais folhetos do século XX que não foram
arquivados.
44
2.2.1. A literatura de cordel (ou de folhetos) no Brasil
Na primeira metade do século XIX, surgiu, no Brasil, uma literatura popular em
verso, desenvolvida no Nordeste rural, a qual se caracterizou pelo processo
simplificado e democrático de criação e difusão da mensagem. Seus próprios autores,
poetas semianalfabetos, compunham e editavam, de maneira simplória - em papel
barato, com tamanho pequeno, impresso em fundos de quintais - e divulgavam
oralmente em lugares públicos, sendo, assim, feita e divulgada do povo para o povo.
Ainda, segundo Abreu (1999:91), não se sabe quem foi o primeiro a imprimir seus
poemas, mas, seguramente, Leandro Gomes de Barros foi o responsável pelo início
da publicação sistemática”.
Entretanto, antes dessa publicação sistemática a que se refere Abreu,
surgiram, em 1830, os primeiros cantadores da poesia popular do Nordeste: Ugulino
de Sabugi e seu irmão Nicandro, filhos de Agostinho Nunes da Costa, considerado pai
da poesia popular. Depois deles, outros tantos se fizeram notar como cantadores
desse tipo de poesia.
Os trabalhadores que viviam no campo foram afetados pela crise na virada do
século XIX para o XX e saíram em busca de dias melhores, levando consigo
lembranças de contos e histórias de príncipes e princesas, mocinhas indefesas,
homens valentes e cantorias dos repentistas. Assim, transmitiram essas lembranças
num papel, já nas cidades. No início,
Os primeiros poetas costumavam anotar suas composições em
tiras de papel ou em cadernos, como forma de registro de seus
poemas, sem intenção de editá-los. Muitos rejeitavam a publicação,
acreditando ser melhor conservá-los exclusivamente para
apresentações orais.
(Abreu, id: 92)
45
Depois de Leandro Gomes, primeiro divulgador sob forma de publicação, pelo
menos mais uns vinte e três poetas publicaram poemas em forma de cordel, até 1930.
Entre estes: José Adão Filho, Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Athayde,
Francisco Chagas Batista, Silvino Pirauá, José Pacheco, etc. A maior parte desses
poetas nasceu no campo e tiveram pouca ou nenhuma instrução formal, entretanto,
alguns aprenderam a ler sozinhos, outros, com auxílio de amigos ou parentes.
De acordo com Luyten (2005), em plena vitalidade, o cordel foi desacreditado
por Sílvio Romero, que afirmava que o advento da comunicação dos jornais iria
atrapalhar seu desenvolvimento e, em 1930 e em 1960 (aproximadamente), também
se acreditava em sua “falência”, uma vez que surgiram o rádio e a televisão. Hoje, em
pleno culo XXI, verificamos que essas “previsões” não se concretizaram, pois
ainda há muitos cordelistas espalhados pelo Brasil (apesar de, atualmente, não haver
grande divulgação principalmente fora do Nordeste).
Apesar de ligar-se à tradição medieval, Evaristo (2003:120) explica que
... o cordel absorveu algumas tendências da modernidade,
entre eles a veiculação de informações: alguns fatos do
cotidiano passam a constituir, muitas vezes, a sua temática.
Além disso, assume também um sentido individual, quando o
texto e o leitor estão em um contato direto, quando a
leitura é solitária ou silenciosa.
Devido à sua linguagem simples, de fácil memorização, espalhou-se entre o
sertanejo de pouco ou nenhuma leitura, visto que alguém o decorava, memorizava-o
e o divulgava oralmente (e ainda hoje há a exploração oral). Desse modo, tornou-se
leitura coletiva e, segundo Queiroz (2002:09), ironicamente classificaram-no como
“literatura sem leitor”.
46
Não público especial para os folhetos, ou seja, não se destinam
exclusivamente a crianças, mulheres ou adolescentes, pois são feitos para serem
lidos por todos.
Os folhetos, até 1910, eram vendidos nas casas dos poetas (o caso de
Leandro Gomes), pelo correio ou nas ruas (as maiores vendas eram realizadas nas
viagens dos poetas ou revendedores - nas cidades, fazendas ou vilarejos). Em 1911,
Francisco Chagas Batista abriu uma pequena loja de livros usados e folhetos para
atender a sua freguesia. Depois de 1920, o encontrados também em mercados
públicos.
Nessa época, para conseguir vender seus folhetos, o poeta fazia a leitura oral
de trechos e, assim, despertava o interesse do público, que queria saber o final da
história. A verdade é que o cordelista, além de poeta, é um verdadeiro repórter, uma
vez que narra situações públicas, econômicas, sociais e políticas, inclusive dando sua
opinião.
A fim de comprovar o modo como os folhetos eram vendidos, até o meio da
década de 70, assim se expressa Rodolfo Cavalcante (In CURRAN, 1987:124):
O meu sistema de vender é lendo em praças públicas e feiras
livres. Outros colegas cantam, porém eu já trabalhei em circo e sei fazer
a propaganda na leitura e isso me ajuda muito.
Ainda segundo Cavalcante (id):
Os anos de 50 e 60 foram os que mais me marcaram em
sofrimento na minha vida de trovador. Quantas vezes eu ia pegar uma feira
para vender os meus livrinhos e era proibido de trabalhar. Às vezes a
prefeitura local cobrava-me um imposto equivalente a um ano, e eu não podia
pagar. Ou senão o Sargento Delegado permitia eu trabalhar se pagasse
47
uma taxa. Raramente eu chegava numa feira para trabalhar levando dinheiro
reservado. Pois, com as despesas de transporte e o hotel, ia embora todo o
meu dinheiro. Se encontrasse um conhecido, tomava um dinheiro emprestado
e ia pegar uma feira adiante [...] Quantas vezes na Praça Cairu, eu deixava
de vender os meus folhetos porque os guardas não me permitiam trabalhar, e
por isso saía pelas feiras da cidade com os meus livros debaixo do braço para
levar o pão para os filhos.
De acordo com Abreu (1999), no início, no momento da exposição oral,
principalmente nessa época, em que o único meio de venda era a oralidade, quando
havia alguma “falha” nas regras da poesia de cordel (regra poética), os ouvintes
vaiavam e protestavam, exigindo que os versos fossem criados “como deveriam ser”.
É evidente que não era possível mudar o folheto que estava pronto, mas o poeta
ficava sabendo as preferências de seus leitores e ouvintes e aperfeiçoava sua arte
para as próximas criações, que seguiam um padrão tão uniforme, estilística e
tematicamente falando, que era praticamente impossível determinar de quem era a
autoria dos textos, ou seja, os estilos eram semelhantes a ponto de não se conseguir
distinguir um autor do outro (hoje, podemos encontrar diferenças nos estilos dos
poetas, uma vez que muitos são instruídos até com vel superior e, por isso,
utilizam uma maior formalidade na escrita).
A questão de o folheto popular brasileiro ser extensão do cordel português é
questionável, segundo Queiroz (2002), pois o livreto lusitano, como mencionado,
era apreciado pela elite. Além disso, somente deficientes visuais podiam vender
esses folhetos. Abreu (1999) afirma que não possibilidade de vinculação dessas
duas formas literárias (em Portugal e no Brasil), pois o material português sofreu
modificações em contato com a realidade do Brasil. Uma diferença entre a literatura
de cordel portuguesa e a literatura de folhetos brasileira, citada pela estudiosa, e
segundo ela também observada por Rodolfo Cavalcante em 1980, é a
obrigatoriedade da forma fixa (rima, versificado, métrica), aqui no Brasil.
48
Outra diferença entre a literatura de cordel portuguesa e a brasileira, também
apresentada por Abreu (id), é que aqui autores que vivem como compositores e
vendedores de seus versos, enquanto mais adaptadores de textos que foram
sucesso. Aqui, uma grande influência da oralidade (tradição oral), em Portugal
os textos adaptados são da cultura escrita. No Brasil, a temática é voltada para o
nordestino e seu cotidiano e a temática que mais interessa é a vida de nobres e
cavaleiros.
Somente a partir de 1970 é que a expressão “literatura de cordel nordestina”
começou a ser utilizada pelos estudiosos. Assim, os poetas populares também
passaram a usar tal denominação (antes, chamavam de “literatura de folhetos ou
somente “folhetos”). Segundo Queiroz (2002), José Francisco Borges, ex folheteiro,
foi chamado pelo fundador do Teatro Popular do Nordeste em Recife, Hermilo Borba
Filho, para combater a nomenclatura “Literatura de Cordel”. No entanto, a
denominação já havia caído no gosto popular.
Além do lazer e da informação, a temática social também está presente na
literatura de cordel como forma de denúncia de injustiças sociais que séculos
estão presentes em nossa sociedade; no entanto, muitas vezes, é realizada sem
intencionalidade clara. Nenhum acontecimento importante deixa de ser registrado
pelo cordelista. Weitzel (1995) cita alguns títulos desses tipos de folhetos, que dão
cobertura completa dos acontecimentos do Brasil e do mundo:
A guerra do Vietnã;
A passagem do cometa Kohoutec;
A morte de John Kennedy;
A chegada do homem à Lua;
A morte de Getúlio Vargas;
A renúncia de Jânio Quadros e a Posse de João Goulart;
A vitória de Marechal Castelo Branco e a derrota dos corruptos;
49
A visita ao Brasil de sua Santidade o Papa João Paulo II;
entre outros.
Segundo relato de “O Globo” (22/09/80), nenhum personagem vivo mereceu
tantos títulos de folhetos de cordel quanto o Papa João Paulo II, depois de sua visita
ao Brasil: segundo Lopes (1994), foram cerca de sessenta folhetos, assinados por
diferentes poetas. Em entrevista ao mesmo jornal, Rodolfo Coelho Cavalcante,
jornalista e poeta, presidente da Ordem Brasileira dos Poetas de Literatura de Cordel,
declara : “normalmente, o indivíduo, quando é bom, merece 4 folhetos: A morte,
ABC (geralmente biográfico), O adeus e A chegada ao céu. Quando ruim, como
Mussolini e Hitler, apenas 2: A morte e A chegada ao inferno”.
Os folhetos sobre noticiários vendiam muito mais que os jornais nordestinos da
época (no auge do cordel, na década de 50 do século XX). A reportagem em verso
sobre a morte de Getúlio Vargas, intitulado A Lamentável morte de Getúlio Vargas, de
Delarme Monteiro Silva, em agosto de 1954, no primeiro dia de lançamento, obteve
venda de 40 milheiros.
Era a fase áurea do cordel. Na época, pouquíssimos jornais
nordestinos produziam edições de oito mil exemplares diários, enquanto
as narrativas de poetas repórteres sobre acontecimentos de impacto
registravam tiragens superiores a 200 mil exemplares.
(QUEIROZ, 2002:09)
A ficção é a preferência do poeta popular desde os primeiros folhetos editados
no Brasil. A mais consagrada, conforme Queiroz (2002), é Romance do Pavão
Misterioso, com mais de 4 milhões de exemplares editados. No auge do Cordel, entre
romances, publicação de maior porte, e folhetos menores, a tipografia São Francisco,
a maior folhetaria nordestina, produzia meio milhão de exemplares por mês.
50
A narrativa de cordel, portanto, explora desde o reino da fantasia até as figuras
reais, ou seja, o terreno é muito fértil e criativo: seres imaginários circulam ao lado de
cangaceiros, políticos, coronéis, boiadeiros, beatos, entre outros. Segundo Câmara
Cascudo (1984), cinco obras da literatura moura e europeia serviram de base para as
primeiras narrativas populares brasileiras em verso: História da Donzela Teodora,
História da Princesa Magalona, História de Roberto do Diabo, História da Princesa
Porcina e História de João de Calais.
O modo nordestino de ver o mundo se impôs, evidentemente, e os cangaceiros
e vaqueiros tomaram o lugar de príncipes e guerreiros, tornando-se heróis com
nomes populares: Coco Verde, Garcia, Cobra Choca, Zezinho, João Grilo, entre
outros.
Dessa forma, é possível observar a presença de poucos personagens, pouca
descrição e preferência por aspectos da vida moderna, apesar de não haver
restrições temáticas. Algumas adaptações, inclusive, foram feitas, para folhetos, de
romances e peças teatrais importantes, além de muitos contos de fadas e
narrativas de domínio popular (com paisagens, elementos nordestinos e nomes
conhecidos: João, Maria, José, Francisco, entre outros).
Como mencionado, nem sempre, em Portugal, o enredo é escrito em versos e,
quando isso acontece, é estruturado em quadras setissilábicas. o nordestino
utiliza, mais frequentemente, a sextilha, introduzida pelo ex-escravo e repentista
paraibano Silvino Pirauá de Lima, no final do século XIX. E, segundo Rodolfo
Cavalcante (apud Abreu 1999: 110), essa é a forma “oficial” do folheto de cordel:
Quando os versos são compostos em forma de
narrativa, têm de ser em sextilha. (...) E assim o poeta vai
continuando a sua narração até completar 8, 16 ou mesmo
32 páginas as mais usadas. (...)
51
A forma do cordel não se restringe aos esquemas métrico e tmico, pois os
recursos linguísticos , como a seleção vocabular, são muito importantes para facilitar
a compreensão de seu leitor e ouvinte. Segundo pesquisas, é muito forte a presença
da oralidade nessas seleções lexicais, já que facilita na memorização do enredo.
José Francisco Borges, (apud Queiroz, 2002) lamenta a pouca vendagem dos
dias atuais, porém continua reeditando folhetos seus e de outros clássicos da
literatura popular em máquinas dignas de museu. Abraão Batista, em Juazeiro do
Norte, Marcelo Soares, em Timbaúba, e José Costa Leite, em Pernambuco, aderiram
ao computador. A capa, inclusive, cuja característica principal era a xilogravura,
agora já pode trazer imagens prontas do computador.
Embora o cordel esteja ligado tradicionalmente ao Nordeste, algumas regiões
do Sudeste também vêm produzindo e admirando essa poesia, que, de acordo com
Luyten (2005), é a maior expressão poética de toda a nossa história, considerada
símbolo da cultura popular brasileira.
2.2.2. Outras particularidades da literatura de cordel
A literatura de cordel é diferenciada, pois o próprio homem do povo imprime
suas produções, de forma econômica, a começar pelo papel, tipo jornal, cujo tamanho
é equivalente a um quarto de uma folha de sulfite (próximo de 10,5 cm x 15 cm). As
características gráficas dos folhetos foram estabelecidas na década de 20 do século
XX: 8 a 16 páginas para pelejas e folhetos de circunstâncias; 24, 32, 48 ou 64 páginas
para romances (o número de páginas geralmente é múltiplo de 4).
Luyten (2005) apresenta diferentes tipos de cordel, mas, segundo ele, é um
absurdo separar e tentar classificar a literatura de cordel. Para o pesquisador, devem-
se estudar os autores de acordo com o tema, pois eles podem ter preferências por
algum (claro que sempre direcionado ao interesse do povo) e não pelo tipo de cordel.
52
Apresentamos, a seguir, apenas como exemplificação e para conhecimento,
esses diferentes “tipos” de cordel:
a- Peleja: publicada em folhetos, apresenta uma disputa entre duas pessoas,
que mostram habilidades no verso e depreciam o oponente. a proposta
de um mote, que deve funcionar como refrão para os adversários, os quais
fazem de tudo para que o outro não consiga uma rima para vencê-lo.
b- Circunstancial: folheto que apresenta fatos do dia-a-dia, como:
acontecimentos políticos, assassinatos de pessoas famosas ou
assombrações, que são narrados logo depois de acontecidos; portanto, tem
um tempo limitado de venda, salvo os clássicos que versavam sobre a
morte de Padre Cícero, de Getúlio, de Tancredo e outros.
c- ABC: folheto que aborda assuntos variados de A a Z, ou seja, é organizado
pelo alfabeto; assim, cada estrofe forma um conjunto de uma letra e o
verso começa com a letra correspondente à estrofe.
d- Romance: folheto com número maior de páginas
6
, que apresenta poema
narrativo, geralmente produzido em sextilhas, com rimas em ABCBDB. Nas
primeiras estrofes, são apresentados os heróis e heroínas, os vilões, o
lugar, o tipo de história, que pode ser de luta, amor, humor, mistério... Com
relação ao tempo é “um antigamente não datado.”
A xilogravura, característica marcante do folheto de cordel, foi iniciada pelo
falecido Mestre Noza, em Juazeiro do Norte, que resolveu cortar uma “tabuinha” para
servir de capa a um folheto. O sucesso foi imediato. Tanto que se passou a produzi-la
fora do contexto da literatura de cordel e é, hoje, segundo Luyten (2005), um dos itens
6
Como já mencionado, o folheto (peleja, circunstancial ou ABC) deve ter de 8 a 16 páginas e o romance, de 24 a
64.
53
de exportação da arte brasileira. Entretanto, vale ressaltar que somente a partir da
década de 40, do século XX, é que a xilogravura apareceu nos folhetos. A princípio,
restringia-se aos livretos menores, folhetos com temas fantásticos como a Chegada
de Lampião no Inferno. Pinheiro (2001) afirma que, nos anos 20, estes eram
ilustrados com fotos de artistas norte-americanos e clichês de cartões-postais
(Walderedo Gonçalves foi o primeiro artista popular a assinar xilogravura em capa de
folheto).
A narrativa, segundo Queiroz (2002), é estruturada em sextilha, predominante
em Pernambuco, Paraíba e Ceará, e em setilha, em Alagoas e na Bahia (tendência
também do alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante
7
). Entretanto, há as raras oitavas,
encontradas na Bahia e em trabalhos de Marcelo Soares (de Pernambuco), e as
décimas, também raras, já que sempre aparecem como estrutura única de um poema,
geralmente misturadas a outros tipos de estrofes para mudança de ritmo.
O esquema rímico prevê: ABCBDB para as sextilhas; ABCBDDB para as
setilhas; e ABBAACCDDC para as décimas (esses são os padrões oficiais para a
literatura de cordel segundo Rodolfo Cavalcante). Enquanto a questão estrutural é
rígida, a temática é irrestrita. Além da estrutura rítmica e métrica, a seleção
vocabular também é importantíssima. Segundo Abreu (1999: 112), “a seleção
vocabular deve estar intimamente ligada à fácil compreensão, ou seja, a sonoridade
deve submeter-se ao sentido.” O que exclui um folheto da literatura de cordel é a
forma e não o conteúdo; no entanto, é preciso que este tenha coerência e unidade
narrativa.
Como havia problemas de identificação de autoria, pois os editores, muitas
vezes, omitiam o nome do autor, alguns poetas faziam acróstico na última estrofe do
cordel para sua identificação. Por conta desse problema, conforme Queiroz (2002),
José Benício Cavalcante, de Pernambuco, diz ter sido ludibriado por Athayde, que se
apropriou da autoria do romance A Garça Encantada. Apesar de esse problema não
persistir, o acróstico tornou-se característica do cordel.
7
Cavalcante, conforme citação anterior (página 50), afirma que a narrativa feita em cordel (o romance) precisa
ser em sextilha; entretanto, segundo ele, em outros tipos de cordel (folhetos com fatos circunstanciais) a setilha
também é a estrutura oficial da literatura de cordel.
54
Vejamos um modelo de acróstico (Pinheiro 2001:17):
Romance dos trovadores
Os temas são divulgados
Dentro das nossas tevês
Os seus casos bem narrados
Livros bons de folcloristas
Falam sobre os cordelistas
Os seus nomes consagrados.
Outra característica constante do cordel é a presença de marcas de oralidade,
ou seja, apesar de escrito, muito claramente a presença de um narrador oral, cuja
voz pode ser ouvida pelo leitor. De acordo com Abreu (1999: 118), isso é o que leva a
se entender a literatura de cordel nordestina como mediadora entre o oral e o
escrito”.
2.2.3. Principais poetas da literatura de cordel
A maioria dos poetas de cordel, como mencionado, teve pouca ou nenhuma
escolarização. Contudo, muitos eram autodidatas ou aprenderam a ler com
conhecidos ou parentes (muitas vezes por meio de folhetos). Na atualidade, há
cordelistas que possuem ensino médio e até nível superior.
Silvino Pirauá, Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Francisco
Chagas Batista, Rodolfo Cavalcante, Patativa do Assaré e Antônio Klévisson Viana
são nomes consideráveis de poetas consagrados. O primeiro, junto com Leandro e
Chagas Batista, é tido como o primeiro a escrever um romance em verso na literatura
popular. Dominava a técnica lusa de cantorias de quatro versos e introduziu a
sextilha porque necessitava de mais versos para desenvolver a argumentação ao
responder os desafios nas pelejas. (Queiroz 2002)
55
O segundo, Leandro Gomes de Barros, nascido em 1865 e falecido em 1918, é
colocado como o maior dos poetas populares brasileiros. Iniciou a publicação em
1893, seguido por Chagas Batista 1902 - e João Martins de Athayde em 1908.
Leandro, inclusive, concorreu com Olavo Bilac ao título de “O Príncipe dos Poetas
Brasileiros”, em 1913, e tinha a torcida de Carlos Drummond de Andrade, que
acreditava que esse tulo caberia por direito a ele o rei da poesia do sertão, e do
Brasil em estado puro(Queiroz id:07). Algumas de suas obras ainda são vendidas.
Acredita-se que tenha escrito mais de mil poemas (há por volta de 300 catalogados
pois não cuidava dos diretos autorais e, quando morreu, sua viúva vendeu os folhetos
para Martins de Athayde, que os publicou com seu próprio nome). (Luyten 2005)
João Martins de Athayde, nascido em 1880, na Paraíba, e falecido em 1959, de
acordo com Luyten (id), foi o mais ilustre de todos os tempos na tarefa de editar
literatura de cordel e, segundo Abreu (1999), foi peça fundamental na definição das
formas editoriais: até então, imprimiam-se diferentes poemas, de temáticas e tipos
variados, numa única brochura de 16 páginas. Quanto às narrativas ficcionais, estas
iam sendo publicadas como os romances dos folhetins: em várias edições. Assim, foi
ele quem determinou, para economia de papel, o formato de folhetos com números de
páginas ltiplos de quatro (já que as folhas eram dobradas em quatro). Athayde,
além de editor, também foi um grande poeta e viveu na época do apogeu do cordel.
Francisco das Chagas Batista nasceu em 1882, na Paraíba, e faleceu em
1930. Aos 20 anos de idade, publicou o seu primeiro folheto, Saudades do sertão.
Nessa época, encontrou-se com Leandro Gomes e tornaram-se grandes amigos e
companheiros de escrita de poesias populares. Em 1929, um ano antes de sua morte,
escreveu o livro mais importante, até o momento, sobre poetas populares e autores
de cordel Cantadores e poetas populares cujas informações foram adquiridas
diretamente na fonte. Nessa época, já havia fundado, na capital da Paraíba, a Livraria
Popular Editora, lugar onde políticos, poetas populares e intelectuais se encontravam.
Rodolfo Coelho Cavalcante nasceu, em Alagoas, em 1919 e faleceu em 1986.
Devido ao alcoolismo de seu pai, precisou deixar a escola muito cedo para trabalhar e
ajudar a manter a família. Tornou-se propagandista e, em seguida, aos 15 anos,
56
começou sua carreira de viajante e troupe de circo, o que ajudou na formação de
seu caráter dramático, marca importante de sua “carreira” como cordelista, que
iniciou aos 23 anos de idade. Aos 17, escrevia sobre acontecimentos que
presenciava ou lia em jornais e, mais tarde, com 19, escrevia outros tipos de
narrativa: como histórias de bois e homens valentes. Escreveu mais de 1500 poemas
e com a venda de um único folheto, A moça que bateu na mãe e virou cachorra,
conseguiu comprar sua casa (ultrapassou um milhão de exemplares vendidos).
Antonio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, nascido em
1909 e falecido em 2002, no sertão do Ceará, foi, segundo Luyten (2005), um dos
poetas mais famosos das últimas décadas, sendo, inclusive, homenageado em
diversos livros, artigos, revistas, filmes e músicas. Patativa frequentou a escola por
apenas quatro meses, tempo suficiente para que aprendesse a ler e se tornasse um
leitor ”voraz”.
Antônio Klévisson Viana Lima, cordelista muito conhecido atualmente, nasceu
em 1972 no Ceará e desde muito cedo teve contato com a literatura de cordel, visto
que sua avó era leitora assídua e passou esse “gosto” para o filho, pai de Klévisson,
que possuía um grande acervo e lia, diariamente, folhetos de aventuras para os filhos
quando chegava do trabalho roceiro.
O cordelista e desenhista publicou algumas adaptações de clássicos da
literatura, como Helena de Troia e o cavalo misterioso e a História de João e de
feijão. Fez, ainda, adaptações de colegas cordelistas e teve, inclusive, uma história
sua, a Quenga e o delegado, adaptada pela Rede Globo para a série televisiva Brava
Gente. Conforme Luyten (id), o artista também é um dos mais famosos cartunistas do
país, com obras publicadas em alguns países, como Turquia, Itália, Bélgica e
Holanda.
Antônio Américo de Medeiros (1999), em seu folheto “Os mestres da literatura
de cordel”, conta um pouco sobre alguns desses poetas mais antigos:
57
Nosso cordel começou
Com Silvino Pirauá
E Leandro Gomes de Barros
Como na História está
De Vitória pro Recife
Começou tudo por lá [...]
Pirauá não cresceu muito
porque era cantador
fez dupla com José Duda,
repentista de valor
deixando como um esporte
a vida de trovador.
Leandro que não cantava
diariamente escrevia
publicando os seus folhetos
foi crescendo dia a dia.
criou o revendedor
que de feira em feira vendia.
Aqueles revendedores,
vendendo de feira em feira,
os folhetos de Leandro
cobriram toda a ribeira,
do litoral ao sertão,
foi de fronteira a fronteira.
E com dois anos já tinha
a sua tipografia
fazendo por conta própria
folhetos como queria.
58
Deu emprego a muita gente
vendendo na freguesia. [...]
No dia quatro de março
de dezoito faleceu “1918”
Leandro Gomes de Barros
Lá em Recife morreu.
O Brasil ficou tristonho
Pelo gênio que perdeu.
Ataíde bom poeta
Cordelista e editor
Da produção de Leandro
Ele foi o comprador.
Pagou seiscentos mil réis,
Na época um alto valor.
João Martins de Ataíde
Comprou a tipografia
Com todos originais
Que a viúva possuía.
E organizou a gráfica
Da forma que pretendia [...]
Outros poetas fundaram casas editoriais e passaram a imprimir e comercializar
os seus próprios cordéis e de outros autores. Em 1949, Athayde vendeu a maior
folhetaria nordestina para seu distribuidor e também editor, José Bernardo da Silva,
poeta alagoano, que se tornou o maior distribuidor dos livretos no sertão.
Antônio Klévisson Viana possui uma tipografia, Tupynanquim Editora, em
Fortaleza, e já produziu milhares de exemplares seus e de outros autores. Esse poeta
59
participa, inclusive, da semana de exposição e eventos sobre o cordel, da editora
Cortez (SP), que é realizada anualmente, apresentando obras e poetas populares,
com palestras e oficinas para o público interessado no cordel.
Além desse poeta, temos, também, na atualidade, em São Paulo, outro
importante e conhecido cordelista, que tem seus livros publicados (em cordel) por
várias editoras. Trata-se de César Obeid, que também ministra palestras, cursos e
participa de eventos destinados à divulgação do cordel (inclusive, o da Cortez, editora
de São Paulo). Seus livros trazem poemas de cordel de vários temas, destinados ao
público infantil.
60
Capítulo III
O CORDEL E O ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA
______________________________________________
61
Neste capítulo, serão examinadas algumas das mais recentes propostas para o
ensino de Língua Portuguesa: as dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
documentos que visam à contribuição para a implantação das reformas educacionais
definidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que privilegiam o
ensino de língua por meio de gêneros. Em seguida, será abordada a questão das
“sequências didáticas”, conjunto de atividades propostas para o aprendizado de um
gênero.
3.1 Os PCN e o ensino de Língua Portuguesa
Nos anos 90 do século XX, com o intuito de ser um referencial na
renovação e reelaboração de propostas curriculares para o ensino, o MEC produziu
um documento conhecido como Parâmetros Curriculares Nacionais e foi nele que se
abordou, pela primeira vez, a questão do ensino de língua por meio de gêneros,
considerando-os essenciais para a comunicação.
Sabe-se que todo e qualquer meio social utiliza gêneros discursivos que são
selecionados de acordo com o propósito comunicativo do cidadão. Assim, todo
gênero possui seu valor e é usado na sociedade. Por isso, os PCN sugerem, além
dos gêneros considerados formais, os gêneros populares e também os orais, pois,
assim, o educando terá oportunidade de estar em contato com essa variação,
conhecendo gêneros existentes nos diversos meios sociais e percebendo o uso
informal (devido ao objetivo desses textos), além de se apropriar deles para eventuais
necessidades comunicativas.
Atualmente, uma tentativa de certos grupos de linguistas de modificar a
metodologia de ensino de Língua Portuguesa para que ele deixe de ser pautado na
gramática normativa e passe a privilegiar as práticas de comunicação. Esses estudos,
discutidos e apresentados nos PCN, fundamentam-se na noção de gêneros proposta
por Bakhtin (2006:262), que os postula como “tipos relativamente estáveis de
62
enunciados...”, que, em outros termos, são textos que compartilham algumas
características comuns. Os gêneros são dinâmicos, de complexidade variável,
tornando-se, assim, praticamente impossível “contá-los”, além de ser dificílima a
tentativa de classificá-los.
Algumas escolas vêm adotando essa postura de se trabalhar com textos
variados, não mais se centrando apenas na gramática normativa. Antes disso, por
exemplo, na década de 30 do século passado (e muito tempo depois), o ensino da
nossa língua se dava por meio da leitura e imitação dos escritores considerados
“modelos” de escrita; assim, a ênfase era dada à leitura de bons textos literários. É o
que comprova a seguinte determinação do Ministério da Educação MEC - publicada
no Diário Oficial de 31 de julho de 1931 (apud Marcuschi 2004: 262):
O programa dessa cadeira [Língua Portuguesa] tem por
objetivo proporcionar ao estudante a aquisição efetiva da língua
portuguesa, habilitando-o a exprimir-se corretamente,
comunicando-lhe o gosto da leitura dos bons escritores e
ministrando-lhe o cabedal indispensável à formação do seu
espírito, bem como à sua educação literária. (p.V)
Nas primeiras séries, o foco não era a gramática, mas sim a leitura de bons
textos. na quarta série, a redação livre passou a ser o centro dos estudos.
Entretanto, o ensino continuava enfatizando a exposição do aluno a textos literários,
pois acreditava-se que, dessa forma, essa tradição seria absorvida e prosseguida
como se a língua fosse homogênea e estável, sem variações nem mudanças ao
longo da história.” (MARCUSCHI, id: 263)
Nos anos 50 do século XX, de acordo com Marcuschi (id), os manuais de
ensino de língua são criados e, como era o período auge do Estruturalismo, a ênfase
era o ensino exagerado de gramática, invertendo-se, dessa forma, os “ideais” até
então privilegiados. Na última década do mesmo século, como mencionado, uma
63
grande mudança de paradigma, já que surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais,
centrados no ensino mais voltado à linguagem e ao seu desenvolvimento:
... as propostas de transformação do ensino de Língua
Portuguesa consolidaram-se em práticas de ensino em que tanto o
ponto de partida quanto o ponto de chegada é o uso da linguagem.
Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas
devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de
novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas
aos padrões da escrita.
(BRASIL, PCN, 1998, 3º e 4º ciclos : 18)
Por essa perspectiva, os PCN (1998) consideram que a linguagem, forma de
ação interindividual, é realizada nas práticas de diferentes grupos sociais, ou seja,
produção de linguagem nas relações domésticas, nas relações profissionais, nas
relações de entretenimento, tais como no escritório, na universidade, no lar, quando
nos encontramos com os amigos, num bar, entre outras. Entretanto, cada lugar
determina a linguagem e os tipos de relações que estabelecemos: economistas num
bar poderiam ter conversa diferente de outro grupo qualquer, como de professores,
operários, médicos, entre outros (nem tanto pelo assunto, mas sim pelo registro
utilizado). Além disso, atualmente, uma conversa de bar é muito diferente de uma
conversa de bar ocorrida um século. Sendo assim, a língua é um sistema de
signos histórico e socialmente identificáveis nas diferentes práticas.
Produzir linguagem, conforme os PCN (id: 20), significa produzir discursos, ou
seja, dizer algo a alguém de uma determinada forma e num determinado contexto
histórico; em outras palavras, estamos sempre fazendo o outro saber algo, de
maneira explícita ou implícita, por meio da enunciação (ato de enunciar).
Entendendo que a linguagem é manifestada em textos e estes são
materializados em gêneros, esses Parâmetros, conforme mencionado, apresentam a
64
questão do gênero a partir da proposta de Bakhtin; mas ainda um problema muito
comum na escola: o uso do termo gêneroquando, na verdade, a referência ao
tipo textual e vice-versa. Assim, quando se pergunta a um professor se ele trabalha
com gêneros (textuais/ discursivos) sempre a afirmativa, no entanto, o que se
comprova, em algumas pesquisas (como as realizadas por Marcuschi 2002), é o
ensino das tipologias de texto (construções teóricas definidas pela composição
sequências linguísticas contáveis: narração, descrição, argumentação, exposição e
injunção) no lugar de gêneros.
O autor (id: 27) afirma, ainda, que em todo gênero pode haver um ou mais tipos
de texto (fenômeno chamado “heterogeneidade tipológica”). O gênero, portanto,
segundo ele (id: 27), é “uma armadura comunicativa geral preenchida por sequências
tipológicas” ou tipologias textuais, como outros pesquisadores denominam.
Biasi-Rodrigues (2004) afirma que também substituições adequadas quanto
às seguintes terminologias: “sequência”, defendida por Adam (1987, apud Biasi-
Rodrigues 2004), está sendo usada, no Brasil, ao lado de “tipo de texto” ou “tipo
textual”, utilizados por Marcuschi (2002), substituindo a classificação tradicional de
gênero, restrito à narração, descrição e dissertação.
A fim de esclarecer as dificuldades encontradas, principalmente no meio
escolar, devido a bibliografias, que nem sempre analisam noções de modo claro,
Marcuschi (id: 22/23) apresenta uma distinção entre gêneros e tipos textuais:
- Tipo textual: construção teórica definida pela composição - sequências
linguísticas - (são contáveis). O texto narrativo, o descritivo, o argumentativo, o
expositivo e o injuntivo são considerados os tipos de texto.
- Gênero textual: é a forma encontrada de materializar textos e apresenta
características sociocomunicativas (são incontáveis).
65
Marcuschi (id: 23/24) esclarece, ainda, a expressão “domínio discursivo”, que,
de acordo com ele, “vem sendo usada de maneira um tanto vaga”. Trata-se de
práticas discursivas que abrangem vários gêneros, “são grandes esferas da atividade
humana em que os textos circulam”, são normas compartilhadas num âmbito, que
pode ser didático, jurídico, jornalístico, religioso, ou seja, são esferas específicas com
características próprias.
Para Marcuschi, utilizar os gêneros textuais, como instrumento de trabalho, no
processo ensino-aprendizagem, é essencial, pois, dessa forma, os alunos têm a
oportunidade de ter contato com usos autênticos (isso deve envolver diversos
gêneros, tanto na oralidade quanto na escrita).
Brandão (2007: 161) confirma que a escola deve fazer um trabalho que leve
seu aluno a uma prática social consistente, quanto à produção e recepção das várias
modalidades discursivas:
Cabe à escola aprimorar ou fazer conhecidos gêneros que
normalmente não são do âmbito da experiência cotidiana do aluno,
visando ampliar seu universo de conhecimento. Seria importante,
neste trabalho, levar o aluno a entender o seu funcionamento de forma
que ele não apenas reconheça, identifique, os existentes mas
também esteja apto a integrar nas suas práticas de produção e
recepção novas modalidades discursivas.
Schneuwly e Dolz (2004) apresentam, com objetivos didáticos, um
agrupamento de gêneros de textos, que transcreveremos a seguir, visando ao ensino-
aprendizado, e, para isso, fundamentam-se nos seguintes critérios:
- domínios sociais de comunicação, nos quais os gêneros circulam;
- aspectos tipológicos e
- capacidades de linguagem dominantes requeridas pelos gêneros.
66
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem dominantes
Cultura literária ficcional
NARRAR
Mimesis da ação através da criação da intriga
no domínio do verossímil
Documentação e memorização das ações
humanas
RELATAR
Representação pelo discurso de experiências
vividas, situadas no tempo
67
Discussão de problemas sociais e
controversos
ARGUMENTAR
Sustentação, refutação e negociação de
tomadas de posição
Transmissão e construção de saberes
EXPOR
Apresentação textual de diferentes formas
dos saberes
68
Instruções e prescrições
DESCREVER AÇÕES
Regulação mútua de comportamentos
(SCHNEUWLY e DOLZ, 2004: 60, 61)
A fim de compararmos as sugestões de Schneuwly e Dolz e as dos PCN,
acerca do ensino-aprendizagem por meio dos gêneros, a seguir reproduziremos os
agrupamentos desses documentos, que, pensando em situações concretas de
aprendizagem, selecionam os gêneros que devem ser sistematizados pela escola
para a prática de escuta e leitura de textos e, logo a seguir, para a prática de
produção de textos orais e escritos:
69
GÊNEROS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA DE ESCUTA
E LEITURA DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL
LINGUAGEM ESCRITA
LITERÁRIOS
DE IMPRENSA
DE
DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
PUBLICIDADE
- cordel, causos e
similares
- texto dramático
- canção
- comentário radiofônico
- entrevista
- debate
- depoimento
- exposição
- seminário
- debate
- palestra
- propaganda
LITERÁRIOS
DE IMPRENSA
DE
DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
PUBLICIDADE
. conto
. novela
. romance
. crônica
. poema
. texto dramático
. notícia
. editorial
. artigo
. reportagem
. carta do leitor
. entrevista
. charge e tira
. verbete enciclopédico
(nota/artigo)
. relatório de experiências
. didático (textos,
enunciados de questões)
. artigo
. propaganda
(BRASIL, 1998: 54)
70
GÊNEROS SUGERIDOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO
DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS
LINGUAGEM ORAL
LINGUAGEM ESCRITA
LITERÁRIOS
DE IMPRENSA
DE
DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
. canção
. textos dramáticos
. notícia
. entrevista
. debate
. depoimento
. exposição
. seminário
. debate
LITERÁRIOS
DE IMPRENSA
DE
DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
. crônica
. conto
. poema
. notícia
. artigo
. carta do leitor
. entrevista
. relatório de experiências
. esquema e resumo de
artigos ou verbetes de
enciclopédia
(BRASIL, 1998: 57)
Nesses agrupamentos, percebemos que os PCN indicam um maior número de
gêneros, para serem desenvolvidos na escola, no que concerne à escuta e leitura de
textos, demonstrando, dessa forma, que é pertinente se preocupar mais com a
formação de leitores do que com a de produtores, uma vez que não necessariamente
um dia terão de escrever em determinados gêneros (mas podem e devem conhecê-
los). Isso é, inclusive, justificado nesses documentos:
71
A discrepância entre as indicações de gêneros apresentadas
para a prática de escuta e leitura e para a prática de produção
procura levar em conta os usos sociais mais frequentes dos textos,
no que se refere aos gêneros selecionados, pode-se dizer que as
pessoas leem muito mais do que escrevem, escutam muito mais do
que falam.
(BRASIL, 1998: 53)
Podemos perceber que as classificações (ou organizações) de Schneuwly e
Dolz e as dos PCN apresentam semelhanças quanto às indicações:
- Os pesquisadores fazem uma divisão de acordo com o domínio social em que
circulam os gêneros, as tipologias textuais e a capacidade que se quer desenvolver
no aluno (os gêneros orais e escritos ficam juntos).
- Os PCN dividem suas sugestões também de acordo com o domínio social,
mas sem citar a tipologia ou a capacidade que se espera desenvolver no educando.
Além disso, uma preocupação em separar os gêneros orais dos escritos, que,
para muitos, trabalhar a oralidade assim como sugerem os PCN é mais difícil. O
que ainda se faz, em muitas escolas, é apenas pedir que o aluno faça uma leitura em
voz alta para toda a sala ou para o professor. Essas indicações dos Parâmetros
tornam mais nítida a proposta do trabalho com a oralidade (a partir de situações reais
do meio social).
Observamos, no entanto, que os gêneros indicados são semelhantes e,
apesar de os estudiosos apresentarem mais sugestões, alguns, indicados nos PCN,
não aparecem na primeira lista. Acreditamos que isso possa ter acontecido porque é
mais difícil definir em que tipologia se “enquadram” certos gêneros (como os não
mencionados por Schneuwly e Dolz: artigo, charge, tirinha, texto dramático, poema e
propaganda). Esses gêneros não possuem uma tipologia “fixa”, ou seja, ora podem
72
pertencer a uma, ora a outra (ou até mesmo apresentar duas ou mais tipologias ao
mesmo tempo heterogeneidade tipológica, como diz Marcuschi 2002).
Muitas discussões ocorrem sobre a problemática do ensino de língua
portuguesa com gêneros diferentes. Segundo estudos, apesar de os PCN abordarem
a concepção defendida por Bakhtin, muitos professores estão despreparados e
inseguros para trabalhar adequadamente com seus alunos. Além disso, muitos
manuais pedagógicos não incorporaram essas “novidades” de modo consistente, visto
que as atividades propostas, nesses manuais inadequados ao propósito dos
Parâmetros, não focam a questão do social, da interação (falante/ escritor ouvinte /
leitor), do propósito comunicativo, entre outros, dificultando ainda mais o trabalho
desses professores que não se sentem seguros com essa nova proposta de ensino
de língua.
De acordo com Marcuschi (id), alguns manuais de ensino de língua portuguesa
trazem uma relativa variedade de gêneros textuais, entretanto o sempre os
mesmos os que aparecem como centro e que são analisados, enquanto os demais
figuram apenas como “pano de fundo” e até como forma de distração para os alunos.
São poucos os casos de abordagens, por exemplo, da questão da oralidade.
Schneuwly e Dolz (2004) preocupam-se em fornecer elementos de interesse
para o desenvolvimento da oralidade em sala de aula. Postulam que se devem
trabalhar, com os alunos, gêneros que chamam de formais públicos, ou seja, sermão,
debate televisivo, conferência, entrevista radiofônica etc., pois acreditam que os
alunos já dominam gêneros informais do dia-a-dia.
Schneuwly (1994, apud Koch 2002) afirma que o ensino dos gêneros seria uma
forma concreta de dar poder de atuação aos professores e aos seus alunos. Ainda de
acordo com o pesquisador, dois tipos de gêneros escolares: os que funcionam na
escola para ensinar, dos quais as instituições necessitam para funcionar (regras,
explicações, exposições, instruções etc.) e os que são objeto de ensino-
aprendizagem (narração escolar, descrição escolar, dissertação). Os primeiros são
73
assimilados inconscientemente pelos educandos; sendo assim, apenas os segundos
serão, verdadeiramente, objeto de ensino-aprendizagem.
O trabalho com gêneros não prevê apenas conhecê-los (visitando-os somente),
ou seja, uma abordagem superficial (como acontece comumente em livros didáticos),
mas sim fazer um estudo mais intensivo que privilegie as características das esferas
de circulação e dos gêneros (condições de produção, o conteúdo temático, a
construção composicional e o estilo). Assim, é preciso que se faça uma integração
das práticas de leitura, de produção e de análise linguística (inclusive gramatical).
(BARBOSA, 2001: 218)
Para um trabalho efetivo com os gêneros na escola, é necessária, ainda, uma
tomada de consciência do papel central desses instrumentos, que levam ao
desenvolvimento da linguagem. Ou seja, é importante considerar que:
Toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma
decisão didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem, que o
sempre de dois tipos: trata-se de aprender a dominar o gênero,
primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber
compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela; e, em
segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e
que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes. Isso
implica uma transformação, pelo menos parcial, do gênero para que esses
objetivos sejam atingidos e atingíveis com o máximo de eficácia:
simplificação do gênero, ênfase em certas dimensões etc.
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2004: 80-81).
3.2. A sequência didática
Conforme exposto, Schneuwly e Dolz (2004) consideram que as práticas de
linguagem só são materializadas, para os estudantes, nos gêneros. Esses devem ser,
74
portanto, além de instrumentos da comunicação, objeto de ensino/aprendizagem.
Contudo, é preciso haver uma decisão didática, considerando os objetivos de sua
aprendizagem, por meio de um modelo didático, que considere os conhecimentos
sobre gêneros de textos, as capacidades observadas dos aprendizes e os objetivos
de ensino.
Após esse modelo didático, deve ser organizada uma sequência didática,
“... um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática, em
torno de um gênero textual oral ou escrito” (Schneuwly e Dolz, 2004:97), cujo ponto
inicial seja uma discussão de um projeto coletivo de produção de um gênero escrito
(visando à comunicação real, autêntica), colocado como um problema a ser
solucionado. Esse é o momento em que os alunos constroem uma representação da
situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser realizada. Dessa forma,
devem-se apresentar as questões que serão resolvidas: qual o gênero que se
abordado? A quem se dirige a produção? Que forma ela assumirá? Quem participará
dela? Essa fase permite aos alunos conhecer todas as informações necessárias para
a execução do projeto.
Em seguida, depois dessa apresentação, há a produção inicial para verificação
das representações que esses alunos têm do gênero em questão. Dependendo da
primeira etapa, do encaminhamento durante a fase da apresentação, mostra-se a
capacidade de produção de um texto a partir da situação dada. , segundo os
estudiosos, comprovações de que os alunos conseguem seguir, pelo menos
parcialmente, a instrução dada. É essa produção inicial que regulariza, define, a
sequência didática que será realizada (tanto para os estudantes quanto para os
professores) a fim de desenvolver as capacidades de linguagem dos primeiros, ou
seja, serve como diagnóstico para as futuras intervenções. (id: 101)
Depois dessas etapas, que servirão como parâmetros para as próximas, vários
módulos são preparados, visando ao aperfeiçoamento, dando instrumentos
necessários para que o objetivo de produção do gênero seja alcançado. Nessa fase,
são proporcionadas atividades diversificadas, que propiciam aos alunos a capacidade
75
de falar e discutir sobre o gênero abordado, a aquisição de um vocabulário e uma
linguagem técnica.
Para finalizar a sequência didática, uma produção final é proposta, depois de
todos os outros dulos, a fim de verificar se houve apropriação do que foi discutido
em todas as etapas. Só após o professor pode avaliar o processo de aprendizagem.
76
Capítulo IV
O PROJETO COM O CORDEL
______________________________________________
77
Este capítulo tem por objetivo expor as etapas de nossa pesquisa, desenvolvida com
estudantes do ano do Ensino Fundamental. Em seguida, apresenta uma breve
discussão acerca da coesão, intertextualidade e “obediência” à superestrutura e ao
gênero, constatadas nas produções de textos.
4.1. Relato de experiência
Com o intuito de resgatar e valorizar nossa cultura, desenvolvemos, no
semestre do ano letivo de 2009, um estudo de língua materna por meio do gênero
cordel, uma vez que falta abordagem significativa, no âmbito escolar, de
manifestações culturais brasileiras. Assim, sentimos a necessidade de apresentá-las
e estudá-las, a começar pelos ditados populares, adivinhas, quadrinhas, contos e, por
fim, o cordel, gênero ainda pouco explorado e, muitas vezes, alvo de preconceito,
apesar das sugestões dos PCN.
Na elaboração da sequência didática, priorizamos a leitura (não do épico A
Odisseia, lido e trabalhado anteriormente, que foi retextualizado, posteriormente, em
cordel, mas também de narrativas nesse gênero) como etapa necessária ao
conhecimento, motivação e análise do gênero, que, para muitos, era desconhecido, a
fim de desenvolver a competência leitora e escritora, aprimorando o trabalho em
equipe (visto que houve momentos de leituras coletivas e a proposta final foi a
produção escrita de um texto de cordel em grupos de três ou quatro alunos).
O trabalho, desenvolvido no bimestre de 2009, envolveu quatro salas do
ano do Ensino Fundamental, totalizando cento e vinte e cinco alunos, de um colégio
particular, no qual atuamos como professora, e o resultado final foi a produção de
trinta e nove cordéis, com extensão variada (de cinco a quatorze estrofes).
78
O estudo desse gênero e as atividades foram organizados e realizados em três
etapas:
A etapa inicial proporcionou aos alunos a descoberta da Literatura de
cordel, sua origem, história e características. Foi primordial essa etapa para a
continuidade do trabalho, pois estimulou a curiosidade dos alunos.
A segunda etapa propiciou aos alunos o “desenvolvimento” ou
“aprimoramento” desses conhecimentos adquiridos na fase inicial (em especial na
questão do gênero: estilo, estrutura composicional e tema) por meio de várias
leituras, atividades linguísticas e contato com um cordelista.
Na terceira e última etapa, a de produção, os alunos, além de
desenvolverem a capacidade escritora, produziram a xilogravura, forma original
de ilustração das capas dos folhetos, promovendo a interdisciplinaridade com
Artes plásticas e História.
A produção escrita do cordel, como mencionado, se deu a partir de um
clássico: A Odisseia, lido no bimestre anterior ao projeto. Dessa forma, ao
orientarmos para escreverem acerca de algum episódio do enredo dessa obra,
trabalhamos tanto a questão da intertextualidade quanto da retextualização, que
aconteceu em outro gênero (no caso, o cordel é um desafio maior, visto que sua
estrutura e estilo não o considerados “simples” ainda mais para crianças, que
ainda estão em fase de construção e desenvolvimento da linguagem, principalmente
escrita). Com os resultados dessas produções, editamos um livro de cordel (fato que
também será explorado posteriormente).
79
4.1.1. Construindo uma sequência didática: as etapas do
trabalho com o cordel
1ª etapa: conhecendo o cordel
Antes de qualquer proposta para os alunos, primeiramente os motivamos para
o estudo desse gênero, com a leitura, feita pela professora, de um folheto, cuja
narrativa era conhecida por todos eles: “A festa no céu”, de Toni Assis. Dessa
forma, haveria mais conhecimentos prévios para serem ativados (eram conhecidas
outras versões, outras formas de escritas em prosa e até em versos, mas sem
estrutura fixa de rimas e métrica). Realizamos, durante essa etapa, discussões acerca
dessas diferenças e semelhanças percebidas nesse momento.
Como queríamos que também observassem (visualmente) o poema e, dessa
forma, refletissem sobre o gênero, que ainda era desconhecido para a maioria dos
alunos (alguns até reconheceram o folheto, por terem visto em viagens pelo Nordeste
mas conheciam o suporte e o o gênero em si), projetamos a história em data-
show e, assim, os alunos puderam acompanhar a leitura, feita pela professora. Nesse
momento, foi bem enfatizado o ritmo, característica marcante do gênero. Assim, antes
do meio da história, eles perceberam essa marca e passaram a fazer observações
sobre o ritmo.
Após a leitura e as discussões acerca da narrativa e das observações feitas,
apresentamos outros slides com um pouco da história do cordel, retomando alguns
trechos da história lida para exemplificar as características que, nesse momento,
haviam sido discutidas (e descobertas pelas próprias crianças). Nessa situação
disponibilizamos, também, alguns títulos para que tivessem contato e debatemos,
inclusive, sobre o suporte característico do gênero (folheto). Precisamos, entretanto,
esclarecer que , na atualidade, cordéis publicados em formato de livro (como
alguns que também disponibilizamos).
80
A partir desse primeiro contato, assim como sugerem Schneuwly e Dolz (2004),
apresentamos a proposta de escrita inicial: orientamos para que tentassem escrever,
em grupos, algum trecho dA Odisseia, obra trabalhada no primeiro bimestre de 2009.
No início, muitos se sentiram desafiados, achando a proposta impossível, pois tinham
ouvido e visto uma narrativa em cordel e sabiam, portanto, que era preciso escrever
em estrofes de seis versos e com rimas nos versos pares (até o momento não haviam
assimilado completamente a questão da métrica - como essa era uma primeira
escrita, deixamos que a fizessem como haviam entendido - no entanto, a metrificação
foi quase alcançada). Como previmos, foi possível escrever duas ou três estrofes,
visto que esse é um gênero que necessita de planejamento para ser executado,
devido a sua complexidade.
Convém esclarecer que esse épico foi trabalhado no primeiro bimestre de 2009
e, por se tratar de um clássico (ainda que adaptado), fizemos a leitura compartilhada
(ou leitura colaborativa como chamam os PCN), ou seja, lemos todo o livro com os
alunos. Para tanto, houve uma parceria de professoras e disciplinas: a leitura foi
realizada no período vespertino (uma vez que o colégio é de período integral), nas
aulas de Técnicas de Estudo, com uma professora também especialista na área de
Língua Portuguesa, com as intervenções necessárias para a compreensão e, no
período matutino, nas aulas de Língua Portuguesa, fizemos outras intervenções com
atividades de compreensão (inclusive com a biografia de Homero dessa forma,
fizemos, também, um trabalho de contextualização da leitura). Essa obra foi explorada
por, aproximadamente, um mês e meio.
Esse tipo de leitura realizada aparece como referência nos PCN:
. Leitura colaborativa
A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor um texto com a
classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre os índices linguísticos que
dão sustentação aos sentidos atribuídos. É uma excelente estratégia didática para
o trabalho de formação de leitores, principalmente para o tratamento dos textos que
se distanciem muito do nível de autonomia dos alunos. É particularmente
importante que os alunos envolvidos na atividade possam explicitar os
81
procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas
linguísticas lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar
determinados acontecimentos, validar antecipações feitas etc. A possibilidade de
interrogar o texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de
elementos que veiculem preconceitos e de recursos persuasivos, a interpretação de
sentido figurado, a inferência sobre a intenção do autor, são alguns dos aspectos
dos conteúdos relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura
colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica depende em grande
medida desses procedimentos.
(BRASIL, 1998:72)
2ª etapa: motivação por meio de leituras e análises linguísticas
A primeira fase, de contato com o gênero, facilitou as próximas leituras,
indicadas nas aulas. Primeiramente, proporcionamos leituras que “permitem”
autonomia. Assim, os alunos leram dois livros de César Obeid, que, como relatamos,
são publicados num suporte diferente dos folhetos tradicionais. O primeiro apresenta
ditados populares, crendices, adivinhas (tudo em forma de cordel) e uma narrativa,
também em cordel, inspirada num conto de Câmara Cascudo.
Convém ressaltar que, antes de lerem a narrativa, A velhota fofoqueira,
presente nesse livro, os alunos conheceram, também, o conto de Cascudo, mas sem
saberem que posteriormente leriam uma história “semelhante”. Dessa forma, a
intertextualidade foi trabalhada e, ao lerem a história em cordel, conseguiram
estabelecer as relações com o conto lido anteriormente (fizeram as comparações,
encontrando diferenças e semelhanças quanto ao conteúdo, ao estilo, à estrutura
composicional, etc.).
O segundo livro lido, O valente domador, narra a história de um domador de
animais, impedido, por uma lei, de maltratar aos animais. Depois de se lamentar,
82
conhece um menino que lhe faz refletir sobre esse seu passado de “crueldades”. Com
esse texto, pudemos, também, fazer algumas discussões sobre o tema, relações de
causa e consequência, análises linguísticas, entre outras.
Depois das leituras desses livros e de folhetos com histórias curtas, como
fábulas e lendas (A cigarra e a formiga, O rato gordo e o rato magro, a raposa e as
bananas e A lenda do guaraná), de forma autônoma, selecionamos outros folhetos
(considerados “romances” de cordel, devido à maior extensão) com linguagem mais
“complexa”, com inversões sintáticas, léxico considerado mais formal etc., para que
comparassem e concluíssem que nem sempre a linguagem do cordel é totalmente
informal e popular. Para tanto, fornecemos folhetos para cada dupla de alunos e
começamos o nosso trabalho de leitura compartilhada (eles acompanhavam a leitura
e faziam as inferências nos momentos em que interrompíamos para as intervenções
necessárias - o que ocorria constantemente).
. Leitura em voz alta pelo professor
Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas pelo
professor, as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É o caso
da leitura compartilhada de livros em capítulos que possibilita ao aluno o acesso a
textos longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a
encantá-lo, mas que, talvez, sozinho não o fizesse.
A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum na escola.
E, quanto mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria
acontecer, pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons
modelos de leitores.
(BRASIL, 1998:73)
Os títulos selecionados, além de fornecerem “repertório” aos alunos e
trabalharem a leitura, tinham propósitos específicos:
83
- A história da Moura Torta (narrativa lida no ano anterior no ano - também
possibilitava discussões sobre as diferenças nos gêneros e nas versões, visto que a
história lida anteriormente não era em cordel e apresentava elementos diferentes na
narrativa: pequenos detalhes, que foram percebidos e discutidos pelos alunos). Além
desses aspectos, essa narrativa foi selecionada devido à preferência dos alunos
(principalmente nessa faixa etária) pelos contos fantasiosos;
- As aventuras de Armando e Rosa ou Coco Verde e Melancia (os estudantes
também leram, alguns dias antes desse folheto, o conto que o originou e trabalharam
as diferenças de gêneros e conteúdos assim como o trabalho desenvolvido com a
narrativa anterior);
- Zumbi dos Palmares: o herói negro do Brasil (trabalho interdisciplinar com a
disciplina de História) foi a narrativa selecionada para concluir o trabalho com a leitura
compartilhada, uma vez que esse era o conteúdo trabalhado, nesse período, em
História.
Em meio a essas leituras e discussões, os estudantes tiveram a oportunidade
de conhecer, assistir a uma apresentação (com leituras, explicações, improvisos e
brincadeiras com o cordel) e conversar com o cordelista César Obeid, autor dos livros
lidos (como mencionado). Esse contato foi muito importante, pois gerou mais
interesse pela arte do cordel.
Algumas análises linguísticas
Nesse período, enquanto realizávamos as atividades de leitura descritas
anteriormente, possibilitamos outras análises linguísticas, de acordo com os temas
estudados em Língua Portuguesa. Eis alguns conteúdos discutidos:
84
1- Linguagem formal e informal;
2- Variações linguísticas;
3- Categorias gramaticais e ortografia.
A seguir, expomos um exemplo de atividade com cada conteúdo mencionado:
1- Apresentamos dois trechos de cordéis e solicitamos que analisassem a
linguagem utilizada em cada um deles, a fim de perceberem qual apresenta
maior grau de informalidade. Em seguida, pedimos que justificassem a
resposta, copiando expressões que fizeram com que chegassem a sua
conclusão.
Trechos disponibilizados e analisados:
História da Moura Torta,
Marco Haurélio
Oh, Deusa da Poesia,
Meu verso agora te exorta,
Do Reino da Inspiração
Abre-me a sagrada porta
Pra eu versar a famosa
História da Moura Torta.
Muito além do que a vista
Humana pode alcançar,
Num tempo tão recuado
Que nem dá pra calcular,
Passou-se a seguinte história
Que agora vou narrar.
No reino da Abundância
Houve um monarca afamado,
Pai de três belos rapazes,
Orgulho do tal reinado.
O rei, por possuir tudo,
Vivia despreocupado.
Aventuras de Lampião
Edigley e Zenio
Caros leitores, agora
veio em mim inspiração
para contar uma história
criada no meu sertão
do famoso Virgulino
cabra macho Lampião.
Tinha um bando de jagunços
cabras ruins e desordeiros
assombrava Bodocó,
Serra Talhada e Salgueiro
ele só não matou gente
no meu santo Juazeiro.
Um bando de 36
cada qual o mais valente
e quem se metesse a brabo
eles comiam no dente
não respeitavam as leis
nem de Deus onipotente.
85
Essa atividade foi realizada de forma autônoma (sem auxílio da professora ou
de colegas) e, após o tempo destinado, foi feita a correção coletiva, ou seja, uma
discussão das possíveis respostas e justificativas. Temos o hábito de sempre
discutirmos as respostas (de todas as atividades), uma vez que é nesse momento que
possíveis dúvidas são esclarecidas; além disso, possibilitamos a oportunidade de os
alunos desenvolverem a expressão oral e a análise crítica, pois podem debater o
porquê de suas respostas estarem inadequadas e selecionar a melhor maneira de
reestruturá-las.
2- Apresentamos um trecho de outra versão da narrativa “A festa no céu” e
solicitamos que indicassem os significados adequados para as variações
linguísticas destacadas, atentando-se para o contexto.
A FESTA NO CÉU
Ou a história do sapo que enganou o urubu
Quando os animais falavam
Me disse um velho macaco
Que a esperteza tem sido
A arma eficaz do fraco
Porém o sábio e o astuto
Não vivem no mesmo saco.
E contou-me uma historinha
do fundo do baú
Agora conto a vocês
Do velhaco cururu
Que foi à festa no céu
Na viola do urubu.
O sapo era muito esperto
Tinha uma boa cachola
Houve uma festa no céu
E o urubu pachola
Foi animar esta festa
Tocando sua viola.
Chegou convite pra todos
Os animais da floresta
E o tal sapinho tristonho
Que era doido por seresta
Chorou, pois não tinha asas
Para poder ir pra festa.
[...]
O urubu foi beber água
E depois de encher o papo
Puxou um dedo de prosa
E naquele bate-papo
Perguntou: “Tu vais à festa
Diga, meu compadre sapo?”
O sapo disse: “Compadre
Eu estava aqui deitado
Descansando um bocadinho
Pois também fui convidado
E nesse forrobodó
Quero dançar um bocado.
[...]
O sapo bolando um quengo
Pra enganar o violeiro
Teve uma ideia de mestre
(Um plano bom e certeiro)
E falou para o urubu
De um modo bem fagueiro:
- Compadre, naquele morro
Tem um boi morto pra tu!
Quando o bobo foi olhar
Bem ligeiro, o cururu
Espertinho se enfiou
Na viola do urubu.
86
[...]
Disse o urubu: “Danou-se
O sapo merece é sola,
Cururu de mentir tanto
Tá ficando ruim da bola!
Sem desconfiar de nada
Apanhou sua viola
O sibite, um passarinho,
Mangou muito do coitado
Disse assim: “Seu bicho feio
Pode ficar conformado
Na festa tu não vais nem
Que esteja de ouro pintado.”
[...]
VIANA, Antônio Klévisson. Folheto avulso
Essa atividade foi realizada em duplas, visto que tínhamos o intuito de
proporcionar a oportunidade de reflexão e discussão para os possíveis significados.
Após sua execução, abrimos espaço para a correção coletiva, pois esperávamos
algumas possibilidades de respostas, que também foram analisadas e aceitas pelo
grupo.
3- Os exercícios a seguir referem-se ao romance “História da Moura Torta”.
Além das atividades de compreensão, trabalhamos alguns aspectos
gramaticais: substantivo, adjetivo, pronome e escrita do termo “porque”.
Atividades:
Releia o trecho abaixo e faça o que se pede:
“E tirou do seu bornal
Um pouco de queijo e pão,
Que naquela noite foi
A pomposa refeição
Porque a velha estava
Testando o seu coração.”
87
a- Circule, na estrofe acima, o adjetivo e ligue-o ao substantivo a que se refere.
b- Nessa estrofe, aparece uma palavra que, normalmente, fora de um contexto
é considerada adjetivo; no entanto, aqui está funcionando como substantivo
por estar precedido de um artigo.
- Qual é essa palavra?
Leia:
“E o que houve com tua vista,
Porque uma está vazada?
Ela disse: - Eu a perdi
Em uma galha afiada,
Ao tentar me defender
Da maldita mosquitada.”
Agora, responda:
A escrita do primeiro termo destacado está adequada? Justifique sua resposta.
A que se refere o pronome oblíquo destacado, “a”?
Após essas etapas, envolvendo o gênero cordel (conhecimento e atividades de
leitura, compreensão e análise linguística), chegamos aos momentos destinados à
produção escrita (retextualização).
88
3ª etapa: procedimentos para a produção escrita final
A fim de sistematizar o gênero e os estudos sobre a linguagem, os textos
produzidos na fase inicial (sobre A Odisseia) foram entregues para que os alunos os
verificassem e refletissem sobre suas primeiras impressões e escrita nesse gênero.
Nesse segundo momento com o texto escrito, como os alunos haviam tido
maior contato e estudo com o gênero, houve um momento muito importante de
reflexão e análise, por parte deles, sobre o que haviam escrito (se haviam ou o
alcançado o objetivo inicial e como deveriam continuar a tarefa). Assim, tiveram a
oportunidade de melhorar os textos ou até reformulá-los e, após essas duas aulas
destinadas a essa tarefa, entregaram-nos novamente.
Algumas aulas depois, com o intuito de gerar o “distanciamento” necessário
para uma leitura e reescrita mais eficaz, devolvemos para uma nova revisão e
reformulação (nessa ocasião, fizemos a correção ortográfica e apontamos sugestões
para o prosseguimento do trabalho).
Após alguns dias, pela terceira vez, os textos lhes foram entregues para mais
uma revisão e reformulação do que julgassem necessário (novamente, apontamos os
problemas ortográficos e demos sugestões para o prosseguimento ou conclusão do
texto). Aproximadamente uma semana depois, na aula de informática, os alunos
digitaram os cordéis e, nessa oportunidade, puderam, ainda, fazer as últimas
adequações.
Incentivamos, a todo momento, a atenção para a elaboração e prosseguimento
da escrita, que a refacção faz parte do processo de escrita: durante a elaboração
de um texto, se releem trechos para prosseguir a redação, se reformulam passagens.
Um texto pronto será quase sempre produto de sucessivas versões”. (BRASIL,
1998:77).
Todas as etapas que seguimos até a conclusão dos textos estão de acordo
com Parâmetros Curriculares Nacionais:
89
Separar, no tempo, o momento de produção do momento de
refacção produz efeitos interessantes para o ensino e a aprendizagem de um
determinado gênero, pois permite que o aluno se distancie de seu próprio
texto, de maneira a poder atuar sobre ele criticamente [...].
Nesta perspectiva, a refacção que se opera não é mera higienização,
mas profunda reestruturação do texto, que entre a primeira versão e a
definitiva uma série de atividades foi realizada [...] Graças à mediação do
professor, os alunos aprendem não um conjunto de instrumentos
linguístico-discursivos, como também técnicas de revisão (rasurar, substituir,
desprezar). Por meio dessas práticas mediadas, os alunos se apropriam,
progressivamente, das habilidades necessárias à autocorreção.
(BRASIL,1998:78)
Essas oportunidades de reformulações dos textos foram atividades
motivadoras para os alunos, pois eram possibilidades de discussão com os colegas
acerca das melhores combinações de rimas e métricas, e, com isso, decidiam-se as
mudanças necessárias.
Os PCN afirmam que
Atividades que envolvam reproduções, paráfrases, resumos
permitem que o aluno fique, em parte, liberado da tarefa de pensar sobre
o que escrever, pois o plano do conteúdo está definido pelo texto
modelo. A atividade oferece possibilidades de tratar de aspectos coesivos
da língua, de aspectos do plano da expressão - como dizer.
(BRASIL, 1998: 76)
Por se tratar da passagem de um gênero a outro, entretanto, a atividade
propôs grandes desafios (como os já apresentados).
90
4.2. O que é a retextualização?
Segundo Marcuschi (2008: 46), Neusa Travaglia, em 1993, utilizou a expressão
“retextualização” como tradução de uma língua para outra”. Para ele, podemos
entender tal termo também como “tradução”, mas de uma modalidade para outra,
permanecendo-se, entretanto, na mesma língua. Além disso, outras terminologias
também podem ser usadas como sinônimas de “retextualização”: reescrita ou
refacção.
O autor apresenta quatro possibilidades de retextualização: “da fala para a
fala”, “da fala para a escrita”, “da escrita para a fala” e “da escrita para a escrita” e
essas são atividades que, diariamente, praticamos na escola, no cotidiano ou no
trabalho, quando recontamos (oralmente ou por escrito) algo que ouvimos ou lemos.
Contudo, essa não é uma atividade mecânica, uma vez que exige operações
complexas: primeiramente, é preciso compreender o texto original.
Retextualizar é produzir um novo texto a partir de um ou mais textos-base, ou
seja, segundo Marcuschi (2008), é transformar um texto em outro. Assim, nesse
processo, envolvem-se os seguintes aspectos:
Linguístico-textual-discursivos idealização (eliminação, completude e
regularização); reformulação (acréscimo, substituição e reordenação) e
adaptação (tratamento da sequência dos turnos).
Cognitivo - compreensão (inferência, inversão e generalização).
(MARCUSCHI, 2008:69)
As atividades de retextualização são importantes exercícios de produção
textual, além de “diagnóstico” acerca da compreensão, uma vez que sem esta não
há uma “boa” retextualização. Sendo assim, retextualizar é um grande desafio,
constituído pela leitura de um texto e pela transformação de seu conteúdo (o que
91
pode ser até em outro gênero, como é o caso de nossa proposta de produção: de
uma narrativa épica para o cordel).
4.3. Objetivo final: produção de um livro de cordel
Para concretizar ainda mais o gênero, enquanto os textos eram concluídos, nas
aulas de Artes, as crianças aprenderam as técnicas e produziram as xilogravuras para
ilustrar os textos. Mais uma vez, percebemos o quanto os alunos estavam motivados
e, para finalizar o trabalho mostrando as reais situações (meios) de divulgação desse
gênero, decidimos “formalizá-lo” num livro (inicialmente, produziríamos folhetos, no
entanto tivemos a oportunidade devido ao incentivo da diretora pedagógica do
colégio, que se prontificou a financiar a edição de ter um trabalho mais
“elaborado”, com prefácio do cordelista sar Obeid). Decidimos pelo livro porque,
desse modo, todos teriam uma recordação não de seus textos, mas também dos
de seus colegas.
A divulgação e a distribuição aconteceram internamente, na Semana Cultural,
realizada em agosto de 2009, com a presença dos familiares para uma tarde de
autógrafos. Esse momento foi muito motivador para nossos alunos, pois permitiu que
se sentissem ainda mais valorizados.
A seguir, colocamos algumas fotos desse momento tão esperado:
92
Lugar onde os livros foram entregues aos alunos.
Cada aluno recebeu três exemplares do livro.
93
Exposição de alguns folhetos trabalhados com os alunos.
94
Um aluno fazendo a sua dedicatória ao pai (em cordel).
Momento para o autógrafo.
95
4.4. Discutindo a proposta: a coesão nos cordéis
A fim de discutir a competência escritora dos alunos envolvidos em nosso
projeto, apresentamos uma breve análise de coesão em seis
8
textos de cordel,
seguindo as classificações apontadas por Fávero (2003) - todos os textos
exemplificados estão em anexo.
Nos três primeiros exemplos, observamos a coesão referencial (por
substituição):
EXEMPLO 1 (anexo 1)
[...] Na volta para Ítaca
Ulisses não teve sorte
Porque veio Polifemo
Com muita fome de morte
E comeu alguns guerreiros
Que vieram rumo ao norte.
Lá no meio do caminho
Uns problemas encontraram
Pois do enorme ciclope,
Que seus homens enfrentaram,
Depois de muito lutar
Felizmente escaparam.
No exemplo 1, o substantivo “ciclopesubstitui o termo “Polifemo” (da estrofe
anterior), a fim de evitar repetição no texto; assim, está se referindo a um item já
mencionado no texto (usou-se a anáfora). O mesmo ocorre com a expressão “seus
homens”, que aparece substituindo o termo “guerreiros”, com o mesmo objetivo.
8
Conforme mencionado, o projeto resultou em trinta e nove cordéis. Como nosso propósito não é analisar
exaustivamente esses textos, selecionamos apenas seis, buscando exemplificar diferentes tipos de coesão.
96
EXEMPLO 2 (anexo 2)
[...] Essa guerra começou
Com Helena raptada,
Esposa de Menelau,
Por essa Troia malvada.
Os gregos foram em busca
Dessa princesa roubada.
No exemplo 2, vemos dois termos: “princesa roubada” substituindo “Helena
raptada” (em paralelismo).
EXEMPLO 3 (anexo 1)
Em uma bela manhã
Tudo se desgraçou
Quando o corajoso Paris
A Helena raptou
E a ajuda de Ulisses
Menelau solicitou.
Em dez anos de guerra,
Em Troia não entraram
E a princesa Helena
No trono não colocaram
E depois de muita briga
A vitória conquistaram.
Nesse exemplo 3, todo o enredo que vem após o termo destacado aparece
para completar o sentido do indefinido “tudo”, que precede a ideia, ou seja, são
acontecimentos que ainda não estão expressos no texto, mas que serão usados para
fazer referência ao termo precedido (catáfora). A segunda estrofe desse exemplo
começa a complementar o sentido do pronome indefinido destacado na primeira
estrofe.
97
De acordo com Fávero (id: 22), “numa sequência, um referente indefinido deve,
para que se mantenha a identidade referencial, ser retomado por um definido”. Essa
afirmação é comprovada no exemplo de catáfora, dado acima, que foram usados
substantivos e verbos (principalmente) para retomarem o item indefinido.
Nos exemplos 4, 5, 6, e 7, encontramos a reiteração (repetição de
expressões), que acontece por:
- sinônimos (nos exemplos 4 e 5): “monstro”, “monstrengo”, “tenebrosos”;
“valente”, “guerreiro”;
EXEMPLO 4 (anexo 2)
[...] Encontraram uma ilha
Pertencente aos horrorosos
Monstros chamados ciclopes
Dos monstrengos tenebrosos.
Conseguiram se safar
Da ilha dos perigosos.
EXEMPLO 5 (anexo 4)
[...] Um homem muito esperto,
Com uma ótima mente,
Seu nome era Ulisses,
E era muito valente,
não desistia de nada
E sempre seguia em frente
[...]
Era um grande guerreiro,
Várias barreiras quebrou,
Ganhou inúmeras guerras,
Inimigos derrotou.
98
Helena foi raptada,
E ele a vida arriscou.
- hiperônimos e hipônimos (exemplo 6): “ninguém”, que se refere a uma parte,
representando o todo “todas as pessoas de seu reino” - hiponímia;
EXEMPLO 6 (anexo 1)
E chegou em sua Ítaca
Ninguém o reconheceu
Pois a vida de mendigo
Ela, a Palas, lhe deu.
Tinha que se disfarçar
Para ter o que é seu.
- expressões nominais definidas - importância do conhecimento de mundo e
não apenas linguístico; ou, como no exemplo 7, por nomes genéricos: o termo
“pessoal” referindo-se aos guerreiros de Ulisses.
EXEMPLO 7 (anexo 5)
Polifemo era um ciclope
Sem piedade e do mal.
Ulisses o avistou
Comendo o pessoal...
Ulisses correu dele
E se escondeu do animal.
99
Nos exemplos 8 e 9, temos a coesão recorrencial (retomadas com progressão
das ideias):
EXEMPLO 8 (anexo 3)
No final deu bem certo,
E Ulisses se salvou
E eles também se casaram
E Ulisses a beijou.
Tudo rolou muito bem
Em casa Ulisses ficou
EXEMPLO 9 (anexo 6)
Uma guerra aconteceu
Há muitos anos atrás
Por um sequestro de uma moça
Casada com um rapaz
Que era muito bonito,
Que era muito eficaz.
Ulisses era guerreiro
E era muito valente
Era muito poderoso
E também eficiente
Bolava muitos planos
E era inteligente
EXEMPLO 10 (anexo 1)
Com Ulisses e Penélope
O que vai acontecer?
Ou os pretendentes vencem
Ou o casal vai se ver.
Eu e você não sabemos
E agora é só ler...
100
A recorrência do verbo “SER” (no exemplo 9) demonstra ênfase, intensificação,
insistência para essas características positivas o guerreiro Ulisses. Essa repetição faz
com que o texto flua.
No exemplo 10, o ponto de interrogação e as reticências representam a
intencionalidade de provocar certo suspense na história, ou seja, é proposital.
O último tipo de coesão, sequencial, está presente nos exemplos 11 e 12:
EXEMPLO 11 (anexo 2)
Após os grandes monstros, (partícula de tempo)
O navio foi naufragado.
O sobrevivente Ulisses
Ele ficou espantado,
Pois logo chegou a Ítaca (explicação)
Vendo seu velho reinado.
EXEMPLO 12 (anexo 4)
Fez um cavalo de pau,
Para uma guerra ganhar, (fim - finalidade)
Foi a cidade de Troia,
Pra sua amiga salvar. (fim - finalidade)
Conseguiu ganhar a guerra
E a cidade queimar. (conjunção de ideias)
Convém ressaltar que, como explicado na introdução deste item, fizemos
apenas uma breve apresentação e estudo desse princípio de textualidade em alguns
trechos de textos produzidos pelos estudantes, uma vez que nosso objetivo não é
fazer uma análise exaustiva de todo o texto, na íntegra.
101
4.4.1. Outras amostras: sentido e “obediência” ao gênero e à
superestrutura do texto narrativo (nos cordéis produzidos)
Analisamos, a seguir, outras amostras (agora apresentando, integralmente,
dois textos) de coesão, além de uma exemplificação das características do gênero
cordel e da superestrutura narrativa utilizada:
Aventuras de Odisseia (TEXTO 1)
Eu vou “contá” a história
Da grande dificuldade
Do cavaleiro Ulisses
Pra enfrentar a maldade
Dos exércitos de Troia
Trazendo felicidade.
Essa guerra começou
Com Helena raptada,
Esposa de Menelau,
Por essa Troia malvada
Os gregos foram em busca
Dessa princesa roubada.
Aí surgiu a ideia
De um cavalo de pau.
Os gregos entraram dentro
Foi nesse grande final
Que conseguiram salvar
A Helena desse mal.
Encontraram uma ilha
Pertencente aos horrorosos
Monstros chamados ciclopes
Dos monstrengos tenebrosos.
Conseguiram se safar
Da ilha dos perigosos.
102
Chegaram a outra ilha
De Circe, a feiticeira.
Ela lhes aconselhou
Da maldade traiçoeira
Das venenosas sereias
De cantoria certeira.
Seguiu o conselho de Circe
Tapou orelhas de todos,
Prendeu-se no grande mastro
Para ouvir os ruídos
Cantados pelas sereias
E planos que são rompidos.
Passaram por grandes monstros:
Um deles era Caribde
E o outro era Cila,
Enfrentaram bravamente
Os monstrengos tão ferozes
Foram muito persistentes.
Após os grandes monstros,
O navio foi naufragado.
O sobrevivente Ulisses
Ele ficou espantado,
Pois logo chegou a Ítaca
Vendo seu velho reinado.
Com ajuda de Atena
Tornou-se grande mendigo
Pra defender seu reinado
Se defendeu bem escondido.
Teve que usar um disfarce
Pra não ser reconhecido.
Quando soube que Penélope
Tinha vários pretendentes,
Ele teve que agir
Rápido urgentemente
Pra ter a bela rainha
Vence, luta bravamente.
103
Temos uma má notícia:
Aqui acaba a história
De Ulisses vencedor
Que teve grande vitória!
Odisseia de Ulisses
Termina aqui agora.
Podemos observar, após a leitura do texto acima, o conhecimento da estrutura
do cordel (estrofes de seis versos, com sete sílabas poéticas e rimas nos versos
pares), entre outras características (diálogo com o leitor, marcas de oralidade,
inversões sintáticas, etc.)
Logo no início do texto, os alunos apresentam, ainda, uma marca de oralidade.
Percebemos que seus autores têm consciência disso, pois colocam o verbo entre
aspas (“contá”). Dessa forma, por saberem que é comum esse gênero trazer essas
marcas, optaram pela utilização desse verbo sem o “R” final, como comumente é
pronunciado.
Outra característica observada e utilizada pelos alunos é a contração “pra” (1ª,
9ª e 10ª estrofes), enquanto na 6ª estrofe utilizam a preposição “para”, pois, com esse
uso, obtêm a métrica do verso. Há, em contrapartida, o uso de um pronome oblíquo,
considerado mais formal (no 3º verso da 5ª estrofe): “lhes”.
A repetição, presente na última estrofe (“Ulisses” e “aqui”), demonstra a
necessidade de finalizar o texto com a métrica necessária. Foi preciso esse recurso,
uma vez que se usassem um pronome no lugar do nome (Ulisses) não atingiriam
esse objetivo; o advérbio repetido também enfatiza essa necessidade, além de se
colocarem no espaço da produção do texto, intensificando esse final. Para tanto,
usou-se a coesão recorrencial.
Na estrofe, foi utilizado o pronome “ele” logo depois do nome “Ulisses”.
Nesse caso, não haveria necessidade de seu uso, entretanto, para dar fruição ao
104
texto e a métrica necessária, seus autores preferiram esse mecanismo de coesão
(coesão referencial).
Quanto à superestrutura narrativa, a transformação, característica fundamental
desse tipo textual, está presente no cordel. Assim, tem-se a estrutura:
Uma situação inicial: INTRODUÇÃO (apresentação da história nesse
caso, utilizaram a interação com o leitor, com o uso de 1ª pessoa);
CONFLITO: a degradação da situação (a segunda estrofe, apesar de estar
explicando como tudo começou, está apresentando o início do conflito: o
sequestro de Helena);
CONFLITO: a constatação do desequilíbrio (da a estrofes aprecem os
diversos problemas pelos quais Ulisses passou para poder retornar a sua
terra natal);
A tentativa do resgate do equilíbrio da situação inicial (a e a 10ª estrofes
apresentam as tentativas para o herói conseguir reconquistar seu reino e
sua esposa);
RESOLUÇÃO: a volta ao equilíbrio inicial (a última estrofe, apesar de ser a
despedida que interagem com o leitor, finalizando a história deixa
nítido que Ulisses venceu seus rivais: Aqui acaba a história / De Ulisses
vencedor / Que teve grande vitória...”).
A partir da leitura integral desse cordel, percebemos que as principais
aventuras e perigos pelos quais o herói passou foram resumidamente narrados e a
resolução para esses conflitos também foram apresentados. Como exposto nesta
pesquisa, ao propormos a produção, não solicitamos a narrativa completa da obra,
mas sim que selecionassem algum episódio da história.
105
As aventuras de Ulisses (TEXTO 2)
É a história de Ulisses
Bravo, grande aventureiro
Que era muito forte
E um ótimo guerreiro
Ele foi muito valente
E ainda sem escudeiro.
Fizeram um bom cavalo
Que era muito grandão
Por isso conseguiram
Vencer em Troia então
Na grande e boa guerra
E usou o seu espadão.
Pelo visto já vimos
Ulisses era bem leal
Mas o que era mesmo
Era um homem bom, ideal
Mostrou bastante isso
Sendo forte e leal.
Assim voltou para casa
Sem ninguém, ficou sozinho
Deuses iluminaram
O seu longo caminho
Assim se defendendo
Ou talvez até ferindo.
Em casa, sua Ítaca
Não pode chegar lá
Para casar com Penélope
Inimigos estavam lá
E eles queriam isso
Para em rei se transformar.
Armaram uma batalha
Para com ela ficar
Queriam ficar no castelo
E Ítaca governar
Porque pra eles morreu
Quem sabia comandar.
106
O rei estava voltando
Para Ítaca seu lar
Encontrar sua família
E voltar a governar
E do seu lindo reino
Ele não se separar.
Atena o transformou
Em um pobre mendigo
No reino ele entrou
Sem correr nenhum perigo
Entrando no seu reino
Contando com um amigo.
Ulisses bem conseguiu
O seu arco envergar
Na batalha sangrenta
Teve que muitos matar
Encerrando aquela guerra
Pra com Penélope ficar.
Os autores desse exemplo 2 deram preferência para a narrativa da batalha
final de Ulisses: no retorno ao seu palácio, quando teve que enfrentar seus rivais e
adversários. Contudo, antes de apresentar essa luta final, o grupo introduz o
personagem, descrevendo-o (uma vez que as características de herói, de Ulisses,
foram muito observadas e ressaltadas pelos alunos).
Rapidamente, na segunda estrofe, os autores informam sobre o cavalo-de-pau
e a vitória contra Troia. Em seguida, da quarta estrofe em diante, dão ênfase ao
retorno de Ulisses e seu conflito final e, consequentemente, sua esperada vitória.
Esse grupo apresentou, ainda, a presença de deuses (marca constante nesse
clássico).
Quanto às características do gênero cordel, notamos que, na quinta estrofe,
os alunos rimaram “lá” com “transformar”; percebe-se, nesse caso, que
consciência de que se trata de língua falada e, na oralidade, comumente, omite-se o
“R” final desse verbo. Sendo assim, podemos considerar essa rima. Além disso,
107
temos, nesse exemplo, o uso da preposição “para” e da contração “pra” (pela mesma
razão explicada no texto anterior). Há, ainda, o uso, considerado mais formal, do
pronome oblíquo, no verso da estrofe, além de inversões sintáticas (ordem
indireta) para obtenção das rimas (em vários momentos, como na última estrofe).
Com essas amostras, podemos considerar que os estudantes conseguiram
produzir, por meio da intertextualidade, textos coesos, coerentes, respeitando a
estrutura narrativa, o enredo da obra e, principalmente, as características do gênero
cordel. Assim, com muita criatividade e empenho, retextualizaram, com sucesso,
episódios desse clássico, o qual tanto apreciaram.
Outro exemplo de atividade com retextualização em cordel
Não houve a produção dA Odisseia em cordel, mas também a
retextualização (no mesmo gênero) de uma lenda, lida em sala de aula: O Curupira.
Mais uma vez, os alunos mostraram-se muito capazes, ou seja, produziram textos,
seguindo os elementos da narrativa, respeitando as características do gênero cordel e
o principal: apresentando coesão e coerência.
Segue um exemplo dessa produção escrita:
O curupira
Em um grandioso dia
Uns caçadores chegaram
E aquelas belas árvores
A derrubar começaram
E todos os animais
Coitadinhos!... assustaram.
108
Mas daí o Curupira
No lugar ele chegou
E todos os caçadores
Com seu cajado assustou.
Os rastros seguir tentaram
Mas de nada adiantou.
Ele com raiva estava
Por isso ele cresceu.
E gritou pros caçadores:
-Esse terreno é meu!
Saiam agora daqui.”
E desapareceu...
Agora nos perguntamos
“Qual é a situação?”
Voltar alguns conseguiram
Já tem os outros que não.
E os poucos que voltaram
Bom... ficaram bem “loucão”.
E agora eu digo “fim”
Pois não tem o que fazer.
Com esse lindo cordel
“Tchau tchau” vou lhes dizer.
Pois a floresta está bem
E não tem o que fazer.
Como podemos observar, nesse texto, a aluna conseguiu sintetizar a narrativa
lida, além de se preocupar com a estrutura do cordel e com a estrofe final (despedida
do leitor interatividade - uma marca bastante presente nas narrativas em cordel).
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
___________________________________________________
110
A presente pesquisa tinha como objetivo estudar o cordel, apresentar uma
sequência didática com esse gênero, envolvendo alunos do 5º ano do Ensino
Fundamental - cuja proposta final, depois de algumas leituras e atividades de
linguagem, foi a retextualização, em cordel, de um clássico épico, que resultou na
edição de um livro - e discutir essa proposta, identificando, brevemente, os elementos
que introduzem e retomam referentes nos textos de cordel produzidos por esses
alunos.
Como exposto, o cordel está entre os gêneros, sugeridos pelos PCN, que
deveriam fazer parte do universo escolar. Apesar de ser apenas indicado para um
trabalho com a leitura, nossa experiência comprovou que as crianças também podem
ser motivadas a escrever num gênero que parece estar bem distante de sua realidade
(uma vez que muitos não pensam em ser cordelistas). Dessa forma, depois do estudo
do poema, que pode ser considerado mais “fácil” de ser produzido, pois, desde muito
cedo, as crianças têm contato com o gênero, além de o produzirem satisfatoriamente,
foi desafiador propor a produção escrita de um cordel, gênero, embora popular, mais
“complexo” - devido à sua estrutura fixa: sextilhas setissilábicas, com rimas nos
versos pares.
Referimo-nos a “complexo” pelo fato de o gênero exigir um planejamento mais
minucioso, que não écil ter de se restringir a um número limitado de palavras em
cada verso, além de se preocupar com as rimas dos versos pares. Esse é um
exercício estimulante para o desenvolvimento de questões fonéticas, de inversões ou
substituições de palavras, repetições e até mesmo habilidade de “conversar”
(interagir) com o leitor - para se obter a metrificação ou a rima. Além disso, a
possibilidade de se ampliar o repertório linguístico, inicialmente por meio das leituras
e, depois, pelo desenvolvimento da escrita.
Para atingir esses objetivos, procuramos realizar atividades em que o
estudante se interessasse por essa literatura em seus aspectos estimulantes: poesia,
ritmos, rimas, entre outros, que permitissem o resgate da cultura popular brasileira e
de seus valores.
111
Estudar o cordel implica em mostrar não a importância da cultura popular,
principalmente nas aulas de língua materna, propiciando uma “ligação” entre os
estudantes e sua história, mas também a contribuição desse estudo para outras
áreas, como Artes e História.
Esse é um gênero que merece maior aprofundamento; assim, acreditamos que
uma fase apropriada para um estudo mais “completo” desse gênero seria a partir
dessa com a qual trabalhamos, ano do Ensino Fundamental
9
, uma vez que
pudemos, juntos, analisar, inclusive - mas sem nomear, evidentemente - as três
partes que, segundo Bakhtin, constituem um gênero: a construção composicional, o
estilo e o tema.
A construção composicional se refere à forma: paginação (tamanho,
quantidade de páginas, imagem na capa), estruturação em forma de poema, número
relativamente fixo de versos em cada estrofe, número de sílabas em cada verso, tipos
de rima, entre outros. O estilo é próprio e característico: a escrita com marcas de
oralidade, que, muitas vezes, são propositais para a obtenção do ritmo e da rima,
além de delimitar a origem cultural; ao mesmo tempo, indicadores formais também
são encontrados. O tema também apresenta certa estabilidade: assuntos fictícios,
religiosos, sociais, de denúncia e de ensinamento, além de fatos verídicos, de cunho
informativo.
Dessa forma, é importante o estudo que realizamos, uma vez que os
resultados obtidos permitem observar que os alunos se interessaram pelo gênero
estudado e conseguiram produzir textos com qualidade, de acordo com as
orientações e sugestões da professora.
Em suas produções, os alunos apresentaram um bom conhecimento para
estruturar uma história, com sequências de acontecimentos, buscando ser fiel à
narrativa original, e demonstraram, ainda, domínio nas estratégias de coesão textual.
9
experiências de leituras de folhetos com crianças menores, com contextualização, mas sem estudos de
métrica ou produção escrita.
112
O trabalho possibilitou novos conhecimentos não somente sobre questões
relativas à Língua Portuguesa, mas também sobre a literatura popular,
especificamente a literatura de cordel, de extrema importância, visto que manifesta,
como mencionado, a cultura popular brasileira. Nossos objetivos foram alcançados e
esperamos, com a presente pesquisa, contribuir com os estudos de Língua
Portuguesa, em especial no que diz respeito ao conhecimento dos processos de
produção, leitura e significação desse gênero, considerando seus aspectos históricos
e linguísticos.
Não temos a pretensão de ter esgotado o assunto, mas consideramos nossa
proposta uma dentre as muitas possíveis de serem realizadas em sala de aula.
113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
___________________________________________________
114
LIVROS E FOLHETOS ESTUDADOS COM OS ALUNOS
ASSIS, Toni. A festa no céu. Folheto avulso
BORGES, José Francisco. O rato magro e o rato gordo. Folheto avulso (Cordel para
crianças nº 18).
........................................... A raposa e as bananas. Folheto avulso (Cordel para
crianças nº 18).
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Reencontro infantil).
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OBEID, César (2005). Minhas rimas de cordel. São Paulo: Moderna.
......................... (2008). O valente domador. São Paulo: Scipione.
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Tupynanquim editora.
REZENDE, José Camelo (2006). As grandes aventuras de Armando e Rosa ou Coco
verde e Melancia. 2ª ed. Fortaleza: Tupynanquim editora.
RINARÉ, Rouxinol do. (2004). A lenda do guaraná. Série Lendas Brasileiras. v.2.
Fortaleza: Tupynanquim editora.
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Cordel), p.97.
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o urubu. Fortaleza: Tupynanquim editora.
115
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Fora.
ANEXOS
_____________________________
TEXTOS PRODUZIDOS PELOS ALUNOS
ANEXO 1 A viagem de Ulisses
Em uma bela manhã
Tudo se desgraçou
Quando o corajoso Paris
A Helena raptou
E a ajuda de Ulisses
Menelau solicitou.
Em dez anos de guerra,
Em Troia não entraram
E a princesa Helena
No trono não colocaram
E depois de muita briga
A vitória conquistaram.
Na volta para Ítaca
Ulisses não teve sorte
Porque veio Polifemo
Com muita fome de morte
E comeu alguns guerreiros
Que vieram rumo ao norte.
Lá no meio do caminho
Uns problemas encontraram
Pois do enorme ciclope,
Que seus homens enfrentaram,
Depois de muito lutar
Felizmente escaparam.
Depois de muito sofrerem
Ulisses quase morreu.
Mas com ele e os outros
Nada os aconteceu
Pois o recado de Circe
Ajudou e protegeu.
Naufragado e com fome
O Ulisses não morreu
Pois os sagrados bezerros
De Hélio, não comeu
E Zeus não o castigou
Por isso sobreviveu.
E com Palas Atenas
Ulisses se encontrou
E para a linda Ítaca
Finalmente retornou
E o seu enorme sonho
De dez anos realizou.
E chegou em sua Ítaca
Ninguém o reconheceu
Pois a vida de mendigo
Ela, a Palas, lhe deu.
Tinha que se disfarçar
Para ter o que é seu.
Lá na casa de Eumeu
Ele foi o visitar
Mas os cachorros estavam
E começaram a atacar.
Mas Quando Eumeu chegou
Lá na casa de Eumeu
Ele foi o visitar
Mas os cachorros estavam
E começaram a atacar.
Mas Quando Eumeu chegou
Começou a os tirar.
Pretendentes de Penélope
Não a deixavam em paz
Pois a esposa de Ulisses
Eles queriam bem mais
E o trono assumir
Com uma ideia sagaz.
Com Ulisses e Penélope
O que vai acontecer?
Ou os pretendentes vencem
Ou o casal vai se ver?
Eu e você não sabemos
E agora é só ler...
Penélope muito esperta
Um belo plano bolou:
Enganar os pretendentes
E com eles não casou
Porque no arco e flecha
Só Ulisses acertou.
E com um final feliz
A história terminou
Pois sua mulher e filho
Ulisses os salvou.
Com muita felicidade
A história acabou.
E agora eu estou indo
E tchau eu vou lhes dizer
E com esse cordel lindo
Eu não tenho o que fazer
Por isso vou repetir
Tchau e até mais ver...
ANEXO 2 Aventuras de Odisseia
Eu vou “contá” a história
Da grande dificuldade
Do cavaleiro Ulisses.
Pra enfrentar a maldade
Dos exércitos de Troia
Trazendo felicidade.
Essa guerra começou
Com Helena raptada,
Esposa de Menelau,
Por essa Troia malvada.
Os gregos foram em busca
Dessa princesa roubada.
Aí surgiu a ideia
De um cavalo de pau.
Os gregos entraram dentro
Foi nesse grande final
Que conseguiram salvar
A Helena desse mal.
Encontraram uma ilha
Pertencente aos horrorosos
Monstros chamados ciclopes
Dos monstrengos tenebrosos.
Conseguiram se safar
Da ilha dos perigosos.
Chegaram a outra ilha
De Circe, a feiticeira.
Ela lhes aconselhou
Da maldade traiçoeira
Das venenosas sereias
De cantoria certeira.
Seguiu o conselho de Circe
Tapou orelhas de todos,
Prendeu-se no grande mastro
Para ouvir os ruídos
Cantados pelas sereias
E planos que são rompidos.
Passaram por grandes monstros:
Um deles era Caribde
E o outro era Cila,
Enfrentaram bravamente
Os monstrengos tão ferozes
Foram muito persistentes.
Após os grandes monstros,
O navio foi naufragado.
O sobrevivente Ulisses
Ele ficou espantado,
Pois logo chegou a Ítaca
Vendo seu velho reinado.
Com ajuda de Atena
Tornou-se grande mendigo
Pra defender seu reinado
Se defendeu bem escondido.
Teve que usar um disfarce
Pra não ser reconhecido.
Quando soube que Penélope
Tinha vários pretendentes,
Ele teve que agir
Rápido urgentemente
Pra ter a bela rainha
Vence, luta bravamente.
Temos uma má notícia:
Aqui acaba a história
De Ulisses vencedor
Que teve grande vitória!
Odisseia de Ulisses
Termina aqui agora.
ANEXO 3 A guerra de Ulisses
Há muitos anos atrás,
Um guerreiro apareceu
Com um cavalo de pau
E ele nunca perdeu.
A guerra foi muito grande
E muita gente morreu.
Os homens de Ulisses
Precisavam viajar
Em uma guerra longa
Tiveram que batalhar.
Ganharam e perderam
E só para arrasar.
O ciclope era guerreiro
E tinha que trabalhar
Para não ser destruído
Ele tinha que ganhar
E para poder comer
Tinha que se destacar.
Quando Ulisses fugiu,
Ele pegou seu barco
Para poder viajar
Com bebidas e arcos.
Para poder ir tranquilo
Com os seus bons barcos.
Ele foi para Ítaca,
Disfarçado de pobre,
Defender sua esposa,
Um guerreiro bem nobre.
A tarefa bem difícil
Ele por pouco não morre.
Enfrentaram um desafio
Só para poder ganhar
Numa guerra bem longa
Para poder conquistar
Sua esposa bem nobre
Ele queria beijar.
No final deu bem certo,
E Ulisses se salvou
E eles também se casaram
E Ulisses a beijou.
Tudo rolou muito bem
Em casa Ulisses ficou.
Essa é a grande história
Bem longa e bonita
Com muitas guerras e ilhas
Na bela e famosa Ítaca
Aquela cidade boa
Bem rica e bonita.
ANEXO 4 A Odisseia de Ulisses
Um homem muito esperto,
Com uma ótima mente,
Seu nome era Ulisses,
E era muito valente,
não desistia de nada
E sempre seguia em frente.
Fez um cavalo de pau,
Para uma guerra ganhar,
Foi a cidade de Tróia,
Pra sua amiga salvar.
Conseguiu ganhar a guerra
E a cidade queimar.
A caminho de seu lar,
Uma ilha encontrou,
Encontrou um ciclope,
Com sua força o derrotou.
Perdido ele estava,
Então se apavorou.
Ficou por vários anos,
Perdido no grande mar,
Com medo de nunca mais
Sua terra encontrar,
Mas nunca estava cansado,
De tanto navegar.
Era um grande guerreiro,
Várias barreiras quebrou,
Ganhou inúmeras guerras,
Inimigos derrotou.
Helena foi raptada,
E ele a vida arriscou.
Na casa de seu amigo,
Seu filho encontrou,
E ficou feliz demais,
Então ele o abraçou.
Depois deu um beijo nele,
E a alegria achou.
De sua amada os pretendentes,
Com raiva ele ficou,
Com um infalível plano,
Todos eles derrotou:
Uma batalha sangrenta,
E sua amada conquistou.
Numa aventura marítima,
Conseguiu voltar ao lar,
Para ser rei de novo,
E poder reencontrar
A sua grande amada,
E seu cachorro abraçar.
Finalmente a alegria,
Ulisses pôde encontrar.
Ficou com sua família,
E um grande rei virar,
Todos ficaram felizes,
E a paz ele pôde achar.
Graças à querida Sheila,
Nós podemos aprender
O impressionante cordel
E esses versos escrever.
Então nós três gostaríamos,
De poder agradecer.
ANEXO 5 As aventuras de Ulisses
A história começa
Quando Helena é raptada,
E Ulisses foi chamado
Pra salvar a azarada,
É aí que começou
Esta grande jornada.
Eles foram para Troia
Para a princesa salvar,
Construíram um cavalo,
De presente para dar,
Para os fortes troianos,
E a cidade atacar.
Polifemo era um ciclope
Sem piedade e do mal.
Ulisses o avistou
Comendo o pessoal...
Ulisses correu dele
E se escondeu do animal.
Polifemo não o viu
Atrás do animal.
De fininho ele saiu,
Fugindo daquele mal,
Indo para sua casa,
Dentro de sua nau.
Ele saiu da nau,
Em uma ilha chegou
Avistou dois animais
E por pouco não o matou.
E tinha uma mulher
Que um vinho preparou.
Mas no fundo do vinho,
Muito veneno botou,
Deu pros homens de Ulisses,
Que em porcos transformou,
Mas Ulisses foi esperto,
E a maldição quebrou.
Assim, um ano depois
Ulisses foi embora,
Para a ilha das sereias,
E lá chegou na hora,
Para o canto delas ouvir.
De lá ele deu o fora.
Cilas era um grande monstro
Terrível e gigante,
Que poderia matar,
Num mero de um instante,
Poderia até matar
O maior dos elefantes.
Os marujos tinham fome,
E um rebanho atacaram,
Mas a fúria de Deus Helio,
Finalmente despertaram,
E ele chamou Zeus...
E seus barcos afundaram.
Ele encontrou Palas Atena,
Pois ele estava só
E ela o consolou,
Pois tinha “muita” dó.
Ulisses caminhou
E morto achou o seu totó.
A batalha foi sangrenta,
Terrível e com horror,
Mas com a ajuda de seu filho,
Foi como comer arroz,
Então Ulisses foi
Ao encontro de seu amor.
A história acabou
Com um final feliz,
Se você quiser de novo,
É só apenas pedir bis,
Essa história já existe,
Mas esta fui eu que fiz.
ANEXO 6 Ulisses, um guerreiro
Uma guerra aconteceu
Há muitos anos atrás
Com sequestro de uma moça
Casada com um rapaz
Que era muito bonito,
Que era muito eficaz.
Ulisses era guerreiro
E era muito valente
Era muito poderoso
E também eficiente
Bolava muitos planos
E era inteligente.
Um dia, no mar aberto,
Encalhou em uma ilha
Que era desconhecida
Longe de sua família
Onde venceu o ciclope
Que morava lá na ilha.
Depois na ilha de Circe,
Recebeu alguns conselhos
Que o ajudaram muito
No seu enorme passeio.
Não falava com a família
Porque não tinha correio.
Existia uma Deusa
Que era muito bonita
Durante toda a viagem
Protegeu a sua vida.
A ilha era no mar
E ela era perdida.
Já na ilha do Deus Sol
Ele então deu um recado
Que ninguém se interessou
Mataram bichos amados.
No mar uma grande fúria
E eles foram naufragados.
Para meu leitor fiel
O folheto de cordel
Com amor e carinho
Eu lhes dou meu chapéu
E leiam este folheto
Que tem rimas do cordel.
ANEXO 7
A VINGANÇA DA CIGARRA
A formiga diligente,
Durante meses inteiros,
Carrega incessantemente
Víveres para os celeiros.
Nessa narração das formigas
Não há gente preguiçosa;
É uma casta laboriosa,
Que não conhece fadigas.
Tudo serve à caravana:
grãos,insetos e capins;
Mas ela às vezes se engana,
E carrega coisas ruins.
Viu a tríbu valentona,
Com estranho açodamento,
Levando um carregamento
De carroças de mamona.
SALLES, Antonio. Fábulas brasileiras. R.J: Livraria Editora Zélia Valverde,1944, p. 31-32.
Lá dentro aquilo aconteceu,
Fermentou, pôs-se a medrar...
Logo o pessoal recebeu
Ordem de tudo evacuar.
Sem isso a formigaria
Com mui raras exceções,
Morreria de asfixia
Nos seus profundos porões.
E os obreiros, apressados,
Levaram toda a manhã
A retirar, com afan,
Os caroços fermentados.
Lá do alto da samambaia,
Vendo essa cena, com
encanto,
Saltou a cigarra um canto,
Que parecia uma vaia.
ANEXO 8
FORMIGA E A CIGARRA:
A VELHA E A NOVA FÁBULAS
Autor: Franklin Maxado "Nordestino"
Era uma vez a cigarra
Que só vivia a cantar.
Enquanto outros trabalhavam
Dando duro no lugar,
Como a formiga operária
Com folhas a carregar.
Amiga cigarra tocava
E modulava seu canto.
Todos bichos ocupados
Não valorizavam encanto.
E a cigarra cantava
Sem ligar pro desencanto.
A formiga só cortando.
Para depois carregar,
As folhas naquela sombra,
Num trabalho de suar,
Ocupando todas forças
Do seu corpo a extasar.
A formiga insistia,
Entendendo ser gozada.
Alertava para a seca:
- Cuidado com a estiada!
O tempo das vacas magras
E da morte esfomeada!
Veio o tempo da temida.
Dessa seca nordestina.
O sol, que comia tudo
Numa fome bem canina,
Acabava com as plantas,
Fazendo cumprir a sina
A cigarra procurava
Aonde houvesse horta.
Não mais encontrando, foi
Bater em amiga porta.
Mas ninguém não lhe abriu.
Já estava quase morta.
Naquele labor penoso,
Junto à cigarra passava.
Esta não dava atenção.
Tranquilamente tocava.
A formiga se sentia.
Aí então, lhe falava:
- Dona cigarra aproveite
O bom tempo da colheita
Pra fazer o pé de meia
E deitar em cama feita,
Visando a seca que vem.
Deixe o som que lhe deleita.
A cigarra respondia:
- Qual nada, dona formiga!
Quem canta as suas dores
Espanta como inimiga.
O belo da vida é a arte.
Por isto, divirto a amiga.
E lhe passavam na cara,
Como a formiga dizia:
- Enquanto eu trabalhava,
Você só na cantoria.
Agora, vê o que é doce!
Continue na folia!
A cigarra sucumbiu.
Morreu de fome sozinha.
Os insetos aprenderam
Uma lição bem mesquinha:
Só trabalhar, se devia,
Pra aumentar o que já tinha.
Deviam juntar mantimentos
Para esperar o pior.
Cantar é pra vagabundo,
Que não quer ser o maior.
Preguiçoso e parasita,
Que não procura o melhor.
(A NOVA)
Deste caso que contei
E que minha vó contava,
Que é do nosso Folclore,
A cigarra só cantava.
Por isso, morreu de fome
Porque ninguém lhe ajudava.
Mas cantar é um trabalho.
Só que poucos dão valor.
Com poesia e com música
Todos trabalham com amor
E produzem muito mais
Com bom gosto e sabor.
A formiga ignorante
Isso não compreendeu.
E, também por ser canguinha,
Nem um bocado lhe deu
Nessa seca, quando tinha
Guardado o que colheu.
ANEXO 9
A FESTA NO CÉU
Versão de Luís da Câmara Cascudo
Entre todas as aves, espalhou-se a notícia de uma festa no Céu. Todas as
aves compareceriam e começaram a fazer inveja aos animais e outros bichos da terra
incapazes de vôo. Imaginem quem foi dizer que ia também à festa... O Sapo! Logo
ele, pesadão e nem sabendo dar uma carreira, seria capaz de aparecer naquelas
alturas. Pois o Sapo disse que tinha sido convidado e que ia sem dúvida nenhuma.
Os bichos faltaram morrer de rir. Os pássaros, então, nem se fala! O Sapo tinha
seu plano. Na véspera, procurou o Urubu e deu uma prosa boa, divertindo muito o
dono da casa. Depois disse: - Bem, camarada Urubu, quem é coxo parte cedo e eu
vou indo, porque o caminho é comprido. O Urubu respondeu: - Você vai mesmo? - Se
vou? Até lá, sem falta!
Em vez de sair, o Sapo deu uma volta, entrou na camarinha do Urubu e, vendo
a viola em cima da cama, meteu-se dentro, encolhendo-se todo. O Urubu, mais tarde,
pegou na viola, amarrou-a a tiracolo e bateu asas para o céu, rru-rru-rru... Chegando
ao céu, o Urubu arriou a viola num canto e foi procurar as outras aves. O Sapo botou
um olho de fora e, vendo que estava sozinho, deu um pulo e ganhou a rua, todo
satisfeito. Nem queiram saber o espanto que as aves tiveram, vendo o Sapo pulando
no céu! Perguntaram, perguntaram, mas o Sapo fazia conversa mole. A festa
começou e o Sapo tomou parte de grande. Pela madrugada, sabendo que podia
voltar do mesmo jeito da vinda, mestre Sapo foi-se esgueirando e correu para onde o
Urubu se havia hospedado. Procurou a viola e acomodou-se, como da outra feita. O
sol saindo, acabou-se a festa e os convidados foram voando, cada um no seu destino.
O Urubu agarrou a viola e tocou-se para a Terra, rru-rru-rru... Ia pelo meio do
caminho, quando, numa curva, o Sapo mexeu-se e o Urubu, espiando para dentro do
instrumento, viu o bicho no escuro, todo curvado, feito uma bola. - Ah! camarada
Sapo! É assim que você vai à festa no Céu? Deixe de ser confiado...! E, naquelas
lonjuras, emborcou a viola. O Sapo despencou-se para baixo que vinha zunindo. E
dizia, na queda: - Béu-Béu! Se desta eu escapar, Nunca mais bodas no céu!... E
vendo as serras lá em baixo: - Arreda pedra, se não eu te rebento! Bateu em cima das
pedras como um genipapo, espapaçando-se todo. Ficou em pedaços. Nossa
Senhora, com pena do Sapo, juntou todos os pedaços e o Sapo enviveceu de novo.
Por isso o Sapo tem o couro todo cheio de remendos.
Fonte: Antologia da literatura mundial - Lendas, fábulas e apólogos - vol IV - Seleção de
Nádia Santos e Yolanda L. Stos - Ed. Logos Ltda, SP.
ANEXO 10
A FESTA DO CÉU
Uma festa anunciada
nos arredores do céu
agitou a bicharada
e provocou um escarcéu
convidando bichos de asas
a um reservado coquetel
O convite era animado
ia ter festa dançante
não precisava ir arrumado
e nem com roupa elegante
era só voar com cuidado
prá se divertir bastante
Mas a festança celestial
provocou muito ciúme
teve bicho que ficou mal
pois nunca teve o costume
de tentar voar sem asas
e virou logo um azedume
Quem tinha asa pra bater
tratou mesmo de se arrumar
a araponga logo foi ver
se o periquito já tinha par
e o papagaio queria saber
quando a gaivota ia pra lá
De todos os convidados,
tinha um bem especial.
Era o correto Urubu,
autêntico líder musical,
que foi falar com o sapo,
seu compadre e amigo leal
O ritmo era bem variado
ia de valsa a samba no pé
e o urubu, entusiasmado,
voava até de marcha ré
quando surgiu algo engraçado
veio do saco, um grito de “oléé”.
E já na entrada do céu
tinha muita diversão.
Passarinho fazendo rapel,
e a águia rindo com gavião.
Fizeram feijoada e sarapatel
para os gulosos de plantão.
Enquanto a conversa rolava
os bichos dançavam a valer
tinha passarinho embriagado
fazendo discurso pra aparecer.
Até a cegonha, mais recatada,
ainda procurava o que comer
E o urubu, injuriado,
já estava era decidido
queria desmascarar o sapo,
pois temia ter sido iludido
e ficar com fama de otário,
é quase igual a de bicho traído
O sapo desconversava,
pulava pra lá e pra cá
Cantava, dançava e brincava,
pra o amigo urubu despachar.
Cada vez a situação piorava,
mas o golpe ele não ia entregar.
Depois de muito escutar,
o urubu se deu por vencido.
A festa estava por terminar
e alguns bichos já haviam descido,
quando o urubu decidiu voltar,
no saco, o sapo já estava escondido.
Voltando para a floresta,
começa a viagem de descida.
O vôo transcorre normal
até que o saco dá uma remexida.
E quando o urubu vê a bagagem,
acha o amigo casca de ferida
Já no caminho de volta,
começa a grande discussão.
Largar ou não o sapo lá de cima,
pra se esborrachar no chão.
O impasse permanece,
sob um clima de tensão
“Compadre não se apresse
ao tomar tal decisão.
É melhor esperar um pouco,
e me soltar pertinho do chão.
Afinal você não é louco
de perder um amigão”.
O urubu, que estava uma brasa,
não teve muito que pensar.
Soltou o amigo sem asa,
pra ver se ele podia voar.
O sapo caiu direto em casa
e numa pedra foi se estatelar
Lá no meio da folia,
tava um verdadeiro show
todo mundo se divertia
com samba, rap e rock’n roll
e o sapo, de tanta alegria,
caiu na gandaia e se esbaldou
Mas no meio da cantoria,
o sapo se assustou
viu o urubu e entrou numa fria
com um salgadinho ele se engasgou
e o compadre, que algo pressentia
chegou no amigo e logo intimou
“Chegou a hora da verdade
você vai ter de desembuchar
fala como é que bicho sem asa
vem pro céu sem saber voar
você devia tá é na sua casa,
e pra lá é que tu deve voltar”.
O sapo, que não é camaleão,
mudou de cor e perdeu a graça
ficou branco, azul, cor de carvão
se pudesse virava até fumaça.
Decidiu enrolar seu amigão
pra não ter que contar a trapaça
“Compadre aproveite a dança,
a festa ainda vai melhorar.
vamos que a noite é uma criança
eu te ajudo a escolher um par,
é melhor balançar a pança,
do que ficar parado como está”
O urubu, que não era bobo,
apertou o companheiro
tentou fazer o sapo contar de novo
como foi parar no festeiro
e a conversa virou papo de doido,
o enganado contra o cascateiro
Mas Deus, Nosso Senhor,
analisou toda questão
e ao sapo cascateiro
concedeu o seu perdão
Ele juntou os pedacinhos
e contornou a situação
E desse dia em diante,
o sapo ganhou uma lição,
por querer voar sem asas,
passa a vida pulando no chão.
Olhando o céu lá debaixo
e coaxando pedindo perdão.
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