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É importante lembrar que, para Rousseau, o ato de amamentar gera a possibilidade de
reformulação dos costumes, despertando sentimentos da natureza em todos os corações, o que
acaba por levar a uma nova constituição familiar e social. Em outras palavras, as mulheres
devem assumir plenamente o doce dever de ser mãe que a natureza lhes possibilitou.
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Rousseau alerta, em contrapartida, como já destacado anteriormente, para o excesso de
cuidados, o que acaba por ferir a condição natural. A criança deve ser exposta às experiências
do mundo, não se podendo superprotegê-las. Contanto que não se ultrapassem as medidas de
suas forças, a criança aprenderá muito mais agindo do que sendo poupada.
Mas e o pai, que papel assume numa perspectiva de educação natural? Assim como a
verdadeira ama é a mãe, em razão da sua função natural, segundo nosso autor, o verdadeiro
preceptor
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é o pai. Rousseau destaca que todo pai deve cumprir seu dever de pai, auxiliando
na formação do filho, pois não basta somente gerá-lo e sustentá-lo. Entregar o filho nas mãos
de outro homem para que o crie, alegando compromissos e ocupações demasiadas, é uma
prática arriscada e de pouca coragem, tendo em vista que encontrar um bom preceptor é mais
difícil do que o próprio pai tornar-se um.
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Nesse contexto, pai e mãe têm a difícil tarefa de
entrar em acordo quanto às suas funções e buscar o equilíbrio entre deixar a criança
desenvolver-se livremente e a necessidade de conduzi-la.
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Rousseau demonstra em relação à educação natural, sobretudo na primeira infância,
fase que considerava como a mais importante, por se constituir no momento no qual são
lançadas todas as bases para a constituição do ser humano, preocupação com aspectos
simples, mas que, quando passam despercebidos, acabam refletindo em uma má educação.
Aponta o choro como um meio de conhecer a própria criança; o cuidado de fazê-la adaptar-se
ao mundo externo, não o mundo a ela; oferecer uma alimentação saudável à criança; falar
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Streck (2008, p. 33) faz um comparativo interessante sobre a atualidade referente ao aspecto pontuado por
Rousseau de que a função da mãe é intransferível, bem como nos chama a atenção ao fato de estarmos
habituados a pensar a educação a partir de uma organização escolar, passando-nos despercebido o valor existente
nas figuras de mãe e pai como primeiros educadores.
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O termo “preceptor” é mencionado por Rousseau de forma recorrente no livro Emílio, porém, como ele
mesmo afirma, prefere usar a terminologia “governante”. A despeito das diferenças que possa haver, no presente
trabalho utilizaremos os termos, educador, professor ou preceptor como sinônimos, mas sempre conectados ao
sentido de “governante” proposto por Rousseau. Desenvolveremos melhor essa questão no último capítulo.
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Surge aqui, inevitavelmente, o questionamento: Como pode Rousseau, após entregar seus filhos ao orfanato,
ter coragem de fazer tal afirmação? Ou mais, ter coragem de falar em educação? Não nos cabe, porém, assumir
uma postura de julgamento em relação ao autor, até porque, ao que parece, nem mesmo ele teve a pretensão de
desculpar-se pelo abandono dos filhos no Emílio, mas talvez buscar evitar que outros também o fizessem. No
livro oitavo das Confissões Rousseau trata dessa questão, descrevendo as razões que o levaram a essa decisão.
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Esse aspecto se configura na importante tensão que perpassa o projeto pedagógico de Rousseau sobre como
estabelecer limites à criança e, ao mesmo tempo, permitir que a infância nela amadureça. Pretendemos
desenvolver melhor esse assunto no último capítulo, cuja proposta é tratar do papel do educador na infância.