29
dimentos artísticos não literais com vista a realizar uma obra ficcional. Concordar-
mos com a abordagem de Most, ao afirmar que:
Mímesis é usualmente traduzido por “imitação”, mas de fato este significado central
está mais próximo de “realização”
: objetos, eventos, ou ações que, porque são divi-
nos, passados ou canônicos, pertencem a um domínio mais valioso da realidade do
que nossa vida quotidiana, mas estão, por isso mesmo, de alguma forma afastados
de nós, impõem sobre nós a obrigação de restaurar sua realidade; isso é alcançado
pelo estabelecimento de um setor privilegiado no meio de nossas preocupações
presentes, no qual nós podemos reabilitá-los [os objetos, eventos e as ações], ilumi-
nando através disso nosso mundo banal com um pouco de seu esplendor e, ao
mesmo tempo, resgatando-os dos perigos da abstração e da irrelevância
15
. (MOST,
s/d).
Logo, as palavras de Ésquilo na Oréstia não podem ser vistas como premoni-
ção. Elas alcançam a realização moderna do trágico através da estetização da vio-
lência, cuja forma moderna Pasolini encontra em forma originária na cronaca nera, a
crônica diária dos jornais, inclusive dos crimes mais violentos. Para o diretor italiano,
então, o gênero cronaca – narrativa, sem passado, sem história, na qual os fatos
surgem na sua forma naturalizada – alude ao conflito trágico entre uma natureza
humana inorgânica e a ética da sociedade capitalista e materialista. A estetização
dessas narrativas – captadas no cotidiano e transformadas em crônica – em forma
de cinema é a afirmação, por Pasolini, da sua teoria sobre o plano-sequência como
algo a ser ressuscitado – editado, montado – em forma de linguagem cinematográfi-
ca, atribuindo, dessa forma, significados às meras cenas naturalistas de uma vida:
Portanto, é absolutamente necessário morrer, porque, enquanto vivemos, falta-nos
sentido, e a linguagem de nossa vida (com a qual nos expressamos, e à qual, por-
tanto, atribuímos a máxima importância) é intraduzível: um acaso de possibilidades,
uma busca de relações e de significados sem solução de continuidade. A morte rea-
liza uma rapidíssima montagem da nossa vida: ou seja, seleciona seus momentos
verdadeiramente significativos (imodificáveis por outros possíveis momentos contrá-
rios ou incoerentes), e os ordena sucessivamente, fazendo do nosso presente, infini-
to, instável e incerto e, portanto, linguisticamente não descritível, um passado claro,
estável, certo e, portanto, linguisticamente bem descritível (precisamente no âmbito
de uma Semiologia Geral). Só graças à morte nossa vida serve para explicar-nos.
Portanto, a montagem realiza, sobre o material do filme (que é constituído por frag-
mentos grandíssimos ou infinitesimais, de tantos planos-sequência como possíveis
tomadas subjetivas infinitas), o que a morte realiza sobre a vida
16
. (PASOLINI, 1985,
p. 71)
15
Mimesis is usually translated ‘imitation’, but in fact its central meaning is closer to ‘actualization’: objects,
events, or actions which, because they are divine, past or canonical, belong to a more valuable domain of real-
ity than our quotidian lives but are therefore in some way remote from us, enjoin upon us the obligation to re-
store their actuality; this is achieved by establishing a privileged sector within our present concerns in which we
can (re-)enact them, thereby illuminating our banal world with some of their splendor while rescuing them from
the perils of abstraction and irrelevance.
16
Por lo tanto, es absolutamente necesario morir, porque, mientras estamos vivos, carecemos de sentido, y el
lenguaje de nuestra vida (con el que nos expresamos, y al que, por lo tanto, atribuimos la máxima importancia)
es intraducible: un caso de posibilidades, una búsqueda de relaciones y de significados sin solución de conti-
nuidad. La muerte realiza un rapidísimo montaje de nuestra vida: o sea selecciona sus momentos verdadera-
mente significativos (inmodificables ya por otros posibles momentos contrarios o incoherentes), y los ordena
sucesivamente, haciendo de nuestro presente, infinito, inestable e incierto, y por lo tanto, lingüísticamente no