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os seios volumosos, os ombros, as coxas? Admirança. (Cf. RCT, 2003b, p. 57-58). A quem
pertencerá o nome Temporina? A uma mulher que carrega a estranha condição de ser ao
mesmo tempo velha e moça, de ter um rosto encarquilhado e um corpo polpudo e convidativo.
(Cf. UVF, 2005, p. 39). Como será a personagem de João Loucomotiva? A de um antigo
guarda-freio dos comboios ferroviários, descarrilado de suas faculdades mentais. (Cf. RCT,
2003b, p. 97-98). Como se deverá nomear um aprendiz de alfaiate? Na encenação dos espaços
coloniais britânicos ou portugueses, onde se podia encontrar em cada residência colonial a
máquina de costura inglesa da marca Singer,
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o aprendiz será Singério. (Cf. OPS, 2006, p.
119). Como será uma personagem de nome Siqueleto? Um aldeão idoso, abandonado,
esquelético, desdentado, que tem por animal doméstico uma hiena. (Cf. TS, 2007, p. 65-68).
Que nome dar a um funcionário de baixo escalão, subserviente, que não tem outro projeto
senão mamar nas tetas do poder público? Chupanga. (Cf. UVF, 2005, p. 16). Quem será Ana
Deusqueira? Uma personagem cujo nome demarca a dupla condição de marginalizada, que
vive ao Deus dará, e ao mesmo tempo querida por Deus; ninguém senão uma prostituta.
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(Cf.
UVF, 2005, p. 29). Como se chamará um casuísta espertalhão, aproveitador de oportunidades,
que pensa com números e raciocina com palavras? Casuarino. (Cf. OPS, 2006, p. 129-130). E
que nome se dará a um feiticeiro, representante das tradições, ligado por profissão ao mundo
dos mortos, mas ao mesmo tempo adepto das modernidades eletrônicas e em busca de
autopromoção? Lázaro Vivo. (Cf. OPS, 2006, p. 24; 270-271). A lista continua: Sulplício,
Andorinho, Euzinha, Bartolomeu Sozinho, Dulcineusa, Arcanjo Mistura, Matambira, Ultímio;
cada um com boas razões para ter o nome que tem.
Ao inventar, a partir da margem, seus nomes-personagens, Mia Couto explicita um
projeto literário marcado pelo compromisso político, de par com o esforço maior da
construção identitária da nação moçambicana. A partir da leitura das personagens do escritor,
Fonseca et Cury comentam seu projeto:
Pela boca dessas personagens de fronteira, tresloucadas, deslocadas se afirma
com maior radicalidade o projeto literário do escritor que, na invenção de estórias,
percebe sua identidade e a de seu povo e a construção de uma possibilidade de
futuro. Não se trata, contudo, de supor uma superação dos conflitos característicos
do pós-independência, mas de acreditar na força de recuperação da terra, do homem.
(FONSECA et CURY, 2008, p. 119).
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René Depestre, poeta haitiano, escreveu, na década de 50, um poema no qual a máquina Singer metaforiza as
ambiguidades da máquina colonial e suas práticas. Refere-se à presença de “uma máquina Singer num lar negro,
árabe, indiano, malasiano, chinês, anamita.” (Tradução de M. Nazareth Fonseca). Sobre o poema de Depestre, cf.
o capítulo Revoluções encenadas pela literatura, em Fonseca, 2008, p. 197-206.
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Sobre a personagem Ana Deusqueira, cf. Fonseca et Cury, 2008, p. 113-114.