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aproximação da mulher com a loucura, pois ela se confronta com um gozo enigmático e
ilimitado, abolindo-se como sujeito, sentindo-se fora de si, tomada por uma grande força.
Esquecer, acalmar, repousar, nada disso lhe é possível, agora. Só o insulto, a raiva, a
injúria movem seu ser devastado. Para ela, é um questão de se revoltar, rebelar ou matar,
como fez Macsuel – o doido da sua rua. Mas também:
É preciso esquecer, tirar a pessoa da cabeça, da memória. [...] É uma tarefa
monstruosa, porque a pessoa está instalada lá, como uma raiz instala e filtra seus
tentáculos no mais profundo da terra, esparramando-se a perder de vista, numa rede
sem começo nem fim, numa meada sem ponta de fio, em nós que não desatam,
como uma árvore de grande caule, de tronco poderoso e áspero e antigo, que é
preciso arrancar pela raiz ou esperar a eternidade que vai levar até que ela apodreça,
tombe e caia. É preciso cortar pela raiz (FELINTO, 2002, p. 36).
Charles instalou-se em sua vida, esparramou seu sexo dentro do sexo dela. Apossou-se
do seu corpo e da sua alma.
A imagem da
árvore de tronco poderoso que finca suas raízes no
solo é trazida pela personagem como uma metáfora do ato sexual. Charles penetrou-lhe o
sexo, enfiou-lhe o dedo, a língua e, de repente, anuncia sua saída como se fosse possível
arrancar as raízes que se fixaram nas entranhas de seu sexo de mulher torturada e infeliz. Não,
isso não era suportável, isso era obsceno.
Seguindo com o tom enlouquecido e voraz, a personagem dá voz ao seu ser de mulher
devastada, dirigindo-se a Charles, autor de tamanho estrago em sua alma e em seu corpo,
agora, desvitalizado:
Eu preciso é arranjar um novo macho, Charles, para enfiar o pau nas minhas pernas
– devagar, é verdade. Porque às vezes você me machucava! (Mas até isso, até
mesmo toda essa profundidade, essa dor, era bom). Eu estou tão ferida, tão ferida de
amor recusado [...]. Eu sou um urro só, uma dor inteira. Só estou aqui para que
alguém me mate, me livre da minha dor animal. Estou perdida. [...] Eu me sinto uma
mulherzinha com um sexozinho que você abriu, foi abrindo, cada dia mais um
pouco, às vezes machucando, para achar o grelozinho recolhido e murcho lá dentro
(a lema dentro do caracol), uma pontinha amafanhada de músculo em que você bulia
e bulia num chamego que o fazia todo teso, todo inchado, todo cheio de lábios
grandes e pequenos (FELINTO, 2002, p.35).