ruínas das cidades e impérios desfalecidos. Bem como a noite enceta novos dias, e
os dias, novas noites, o gênio também regenera, remoçando as idades, levantando
os mortos dos sepulcros e conduzindo-os à imortalidade por meio da memória.
Revigorado pela poesia, o “eu poético” exorta o anjo das ruínas a tornar ao
seu reino, já que não é capaz de destruir a beleza do universo, quando amparada
pelo lume da inspiração celestial. A voz potente e agressiva do gênio ecoa no
infinito, faz com que a eternidade se erga para saudá-lo. Na batalha final, o gênio
agonizante extrai da lira as últimas notas. Sorri ao poder da morte, enquanto sua
glória na terra já enche o mundo. Assim a poesia vale também de arma contra a
morte. Enquanto a beleza temporal é um simulacro de vida, o belo poetizado torna-
se imortal. Ao aspirar à libertação das emoções, o “eu poético” busca a verdadeira
beleza não na materialidade superficial, mas numa verdade intrínseca à sua própria
espiritualidade: a poesia. Daí a sensação de que a poesia imortalize.
Em “O gênio e a morte”, há basicamente a presença de três campos
semânticos. Os dois primeiros, opositivos, remetem às idéias de vida e morte.
Observe-se como alguns substantivos, adjetivos e verbos do poema se organizam
nesses grupos:
primeiro campo semântico segundo campo semântico
subst. dia, luz, fogo, primavera, alegria,
sol, jardim, prado, flor, raio,
jovem, glória, grinalda, beleza,
vida, brandão, triunfo, vivente
ocaso, tristeza, crepúsculo, noite, túmulo,
pranto, leito, temporal, bramido, extermínio,
cinzas, cadáver, trevas, sombra, escuridão,
verme, campa, sepulcro, ruínas, borrasca,
tempestade, procela, caos, inverno, gelo
adjet. ridente, encantador, frondoso,
vulcânico, chamejante, ardente,
perfumado, risonho, coruscante,
garboso, odorífero, efêmero,
brilhante, belo
tristonho, enfermo, merencório, desfalecido,
murcho, pálido, mísero, morto, esquálido,
funéreo, destruído, derrocado, atroz
verbos adornar, alimentar, assomar,
passear, expulsar, iluminar,
levantar, viver, subir
morrer, matar, extinguir, descer, abdicar, cair,
torturar, acabar, expirar, apagar, humilhar,
descer
Esses campos semânticos não apenas decorrem d’“os temas da morte,
desolação, ruínas, túmulos”
3
, embebidos da visão contrastiva de realidade comum
aos autores românticos, bem como se articulam em figuras de retórica que
enfatizam e atuam na estruturação do conteúdo do poema. Enquanto matéria-
prima de antíteses, constituem as etapas de vida e morte que os seres atravessam
no devir existencial, não havendo, portanto, interpenetração nocional. É o caso do
3
COUTINHO: 1956, p.567