59
“humorismo puro”; a aproximação do lirismo e o recuo; a conjugação da postura
“hierática” à “demótica”; etc.
Já o mote “mãe para sempre ausente”, destacado pelo crítico húngaro em “Carta”,
antecipa o quarto traço característico da poética do itabirano, de acordo com
“Tentativa de comentário para alguns temas de C. D. A.”: a constância da nota
familiar
89
. Este aspecto foi desenvolvido por vários estudiosos da poesia de
Drummond, dentre eles o próprio Rónai, principalmente a partir de um livro (ou
seriam três livros?) marcadamente memorialístico: Boitempo
90
. Todavia, ainda
sob o impacto da recente publicação de Lição de coisas, seis anos antes de
Boitempo, já se antecipara, dizendo:
Essa nota [a familiar], tão freqüente nos poetas intimistas e
penumbristas, espécie de lugar-comum da poesia menor, assume na
obra de Drummond significado de excepcional gravidade. É através da
vivência-família que o poeta atinge os mistérios da sobrevivência e da
imortalidade, tendo ele próprio fechado os outros caminhos que levam a
eles. Propositadamente alheio à inquietação religiosa, já declarou em
alto e bom som em “Os últimos dias” não esperar “outra luz além da que
nos envolveu dia após dia”, mas nesse “pouco que fica de tudo” registra
a herança imponderável transmitida pelos pais aos filhos (...).
São numerosas em sua obra as conversas imaginárias com o pai morto
(...). As conversas com a mãe ausente e as cartas que lhe são dirigidas
são de outra natureza (...). Sonda constantemente a presença ou a
ausência da mãe dentro de si mesmo e mede por ela a intensidade da
própria vida.
Desconfiado por natureza, o poeta, bem mineiramente, fica com um pé
atrás em face desse sentimento instintivo e irracional: mas nem por isso
consegue arrancar-se a essa comunidade (...). Em suma a existência
profunda do poeta, a que se revela na sua obra, caracteriza-se pela
presença constante dos mortos queridos
91
.
89
Ver, a esse respeito, ao menos, os artigos “Drummond: infância e literatura”, de Antonio Carlos
Secchin, em CHAVES (Org.), 2002, p. 35 a 44; “Coisas fora do tempo: a poética do resíduo”, de
Jerônimo Teixeira, em DAMAZIO (Org.), 2002, p. 91 a 106; “Espaço e memória em Boitempo”, de
Chantal Castelli, em DAMAZIO (Org.), 2002, p. 123 a 150; “Menino entre mangueiras”, de Mirella
Vieira Lima, em LIMA, 1995, p. 163 a 168; “Uma rua começa em Itabira que vai dar no meu
coração”, de Luzia de Maria, em MARIA, 2002, p. 71 a 80; “Memória: a reconstrução poética do
ser além do tempo”, de Affonso Romano de Sant’Anna, em SANT’ANNA, 1992, p. 190 a 230;
“Fugias do escorpião” e “Nas tábuas da lei mineira de família”, de Silviano Santiago, em
SANTIAGO, 1976, p. 47 a 114; “A queda da casa dos Andrade”, de Jerônimo Teixeira, em
TEIXEIRA, 2005, p. 111 a 178; “Poética da memória”, de Alcides Vilaça, em VILAÇA, 2006, p. 107
a 124; e os livros Terra e família na poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Joaquim-
Francisco Coêlho, em COÊLHO, 1973; e No meio do caminho tinha Itabira: a presença de Itabira
na obra de Carlos Drummond de Andrade, de Domingo Gonzalez Cruz, em CRUZ, 1980.
90
Ver, sobre Boitempo, “Boitempo”, de Paulo Rónai, em RÓNAI, 1990, p. 75 a 77.
91
RÓNAI, 1990, p. 67 a 69.