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Mas, esse jogo intertextual torna-se ainda mais significativo quando falamos
de autores da lírica romântica. O poeta trava um diálogo muito interessante com
nomes como Emily Dickinson e Lord Byron. No caso de Dickinson, o sujeito lírico
mescla, no poema, “dados bibliográficos” com poemas da poetisa, e no caso do
poeta inglês, evidencia-se o temperamento do poeta romântico.
No poema “Ciência do Amor”, Júdice dialoga sobre o amor e a poesia,
utilizando como uma espécie de mote versos da própria Dickinson:
Que amor é tudo o que há,
é tudo o que sabemos do amor”
Emily Dickinson
Não sabia senão a mais pequena parte do que há para
saber: sobre o amor, sobre a sua ausência; e sabia que,
para lá disso, nada mais se pode saber. No entanto,
perguntava: “O que se pode dizer do que não se sabe?” ou “O
que se pode saber do que não se diz?” Sentava-se nas mesas
de festa, quando a festa chegava ao fim; ou descia ao
jardim, para lá da varanda de madeira, e via os pássaros
que andavam de volta das árvores, sabendo que em breve
nenhum pássaro cantaria de entre os ramos nus. Então,
entristecia; e podia sentar-se na terra, com um caderno
na mão, lendo em voz baixa os poemas que tinha escrito no
último ano, nos últimos anos, em toda a sua vida, embora
esse caderno não existisse, como também não existia ainda nenhum
último ano de sua vida, nem sequer uma vida. Não era,
porém, o que se pudesse chamar uma pessoa reservada:
conheciam-na como alguém que sabia rir, divertir-se – e
talvez suspeitassem que escrevia, mas não ao ponto de ser
alguém que pudesse guardar uma obra (pensavam),
e que tivesse pensamentos ou versos para deixar, como
herança, ao mundo futuro. Souberam isso depois da
sua morte, apenas, o que talvez tivesse sido tarde para
ela. É certo que, cerca de 1860, algo decisivo lhe sucedeu,
como escreveu um crítico: um desgosto de amor? Um
sentimento de que perda? Algo que tivesse a ver com a ideia
de vida, a noção de existência? Um “efeito de
conflagração”. Acrescenta ele. Uma vez, lendo um desses
poemas breves, como se me estivesse sido destinado (e, de
facto, tê-lo-á sido, como o são todos os poemas que, no
instante em que os lemos, se apropriam do nosso espírito),
senti que a distância não conta no decurso das vidas; que
a morte pode ser um simples episódio de que só nos
apercebemos quando nos falta a voz que invocamos, sob o
vento que empurra as janelas e as portas da casa; e que