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JACQUELINE BUZAN LARICA
NUNO JÚDICE: A POESIA COMO MATÉRIA-EMOÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
Niterói, setembro de 2008
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JACQUELINE BUZAN LARICA
NUNO JÚDICE: A POESIA COMO MATÉRIA-EMOÇÃO
Dissertação apresentada à Coordenação
dos Cursos de Pós-Graduação da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre. Área de Concentração:
Literatura Portuguesa e Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa.
Orientadora: Profª. Drª. Ida Maria Santos Ferreira Alves
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
Niterói, setembro de 2008
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JACQUELINE BUZAN LARICA
NUNO JÚDICE: A POESIA COMO MATÉRIA-EMOÇÃO
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso
de Pós-Graduação da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre. Área de Concentração: Literatura
Portuguesa e Literaturas Africanas de ngua
Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof.ª Drª. Ida Maria Santos Ferreira Alves - Orientadora
UFF
______________________________________
Prof.ª Drª. Maria Lúcia Witshire de Oliveira
UFF
______________________________________
Prof. Dr. Sérgio Nazar David
UERJ
SUPLENTES
_____________________________________________
Profª.Drª. Dalva Maria Calvão da Silva
UFF
_____________________________________________
Profª. Drª. Mônica Figueiredo
UFRJ
Niterói
2008
4
À memória de meus pais, Jacques Buzan e
Regina Furtado Buzan, por me apoiarem e
estimularem na busca pelo conhecimento.
Se estivessem vivos, estariam vibrando.
Ao meu filho Carlos Eduardo por acreditar
que meu sonho seria possível.
Aos meus filhos Flávio, Marcela e Paula
pelo amor e carinho nos momentos difíceis.
5
AGRADECIMENTO
À Professora Doutora Ida Maria Santos Ferreira Alves com quem convivi
e de quem tive o privilégio de ser aluna nos cursos de
Especialização em Literaturas e Culturas de Língua Portuguesa:
Portugal e África e Mestrado em Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa,
sua dedicação, paciência e apoio foram fundamentais.
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La poésie, cest tout ce qu’ il y a
d’intime dans tout.
Victor Hugo
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RESUMO
Análise de três obras poéticas de Nuno Júdice, Teoria Geral do
Sentimento(1999), Cartografia de Emoções(2001) e Geometria Variável(2005), a
partir da idéia de releituras do Romantismo na contemporaneidade poética
portuguesa. Para isso, desenvolvem-se reflexões sobre o Romantismo como
movimento histórico, social e espiritual, ressaltando-se o subjetivismo como força
motriz de auto-expressão do artista. Busca-se demonstrar como o poeta
contemporâneo reexamina a retórica romântica, numa prática recorrente de
intertextualidade com importantes vozes líricas do Romantismo. Discutem-se
também a configuração da paisagem, a partir dos estudos de Michel Collot, e os
limites de um lirismo neo-romântico na poesia de Nuno Júdice, em que a linguagem
se define como matéria-emoção.
Palavras-chave:
Nuno Júdice; poesia portuguesa contemporânea; neo-romantismo; intertextualidade;
subjetividade.
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ABSTRACT
Analysis about three poetic work of Nuno Júdice, Teoria Geral do Sentimento(1999),
Cartografia de Emoções(2001) e Geometria Variável(2005), rereading the
Romantism taking a view of the contemporany portuguese poetic. So, to come to this
conclusion, developed reflexions about the romantism like a historical, social aond
spiritual moviment, projecting the subjectivism like the force of expression of the
artist. Trying to show like the contemporany poet reexamine the romantic rhetoric,
making texts using important liric voices of the romantism. It's also an object of
discussion the scenary developed in the work of Michel Collot, and the boundaries of
the romantic lirism in Nuno Júcide's poetry and the language defines itself like
matter-emotion.
Key-words: Nuno Júdice, contemporany portuguese poetic, romantism,
subjectivism.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO......................................................................................10
2. “TRABALHO O POEMA SOBRE UMA HIPÓTESE: O AMOR” –
RELEITURAS DO ROMANTISMO.......................................................16
2.1 FILOSOFIA DO ROMANTISMO.....................................................18
2.1.1 ROMANTISMO E A ECLOSÃO DA SUBJETIVIDADE.............23
2.1.2 O ROMANTISMO ALEMÃO: REFLEXÃO E CRÍTICA..............28
3. ESCRITA NEO-ROMÂNTICA NA CONTEMPORANEIDADE...............36
3.1 DIÁLOGO INTERTEXTUAL..............................................................41
3.2 O POETA É UM FINGIDOR..............................................................58
3.3 PAISAGEM, ESCRITA E SUBJETIVIDADE LÍRICA.........................62
4. CONCLUSÃO........................................................................................73
5. BIBLIOGRAFIA......................................................................................77
5.1 DE NUNO JÚDICE.............................................................................77
5.2 TEÓRICO CRÍTICA............................................................................77
5.2.1 SOBRE NUNO JÚDICE................................................................77
5.2.2 GERAL..........................................................................................79
10
1. INTRODUÇÃO
Apesar da linguagem literária fundar sua própria realidade, ambígua e
desestabilizadora, a criação poética se dá, como afirma Gastão Cruz (1999, p.17),
“no mundo e no tempo em que se vive”. A partir de Baudelaire se instaurou, na
poesia, a experiência de uma urbanidade associada à necessidade de uma nova
perspectiva, fazendo com que a tematização do espaço viesse a incidir de forma
decisiva na inauguração da Modernidade literária. O poeta, ao perder sua auréola,
confunde-se com a multidão e transforma-se no flanêur que observa a vida citadina.
Essa nova concepção espacial vai instaurar uma nova forma de criação literária, na
medida em que o sujeito urbano e moderno, inevitavelmente, questionará seus
sentimentos de forma bem diferente do Romantismo.
Agora, a subjetividade afirma-se não mais como expressão do “Eu”, e sim,
como confronto entre o Eu e os Outros, com a experiência de emoções conflitantes
num mundo cada vez mais materialista, objetualista e distópico. Esse confronto se
estabelece como um dialogismo, que, para Bakhtine,
1
“não é só linguagem assumida
1
Kisteva, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974, p.67. [coleção Debates] Kristeva
argumenta que o dialogismo , para Bakhtine, designa a escritura simultaneamente como subjetividade e como
comunicatividade, ou seja, intertextualidade. Para o pensador russo, a noção de ‘sujeito-pessoa da escritura’
esvanece, cedendo lugar à ambivalência da escritura.
11
pelo sujeito, é uma ‘escritura’ onde se o outro”, revelando-se a ambivalência da
escritura
2
.
O trabalho pretende abordar, na obra do poeta português contemporâneo
Nuno Júdice, o lirismo amoroso como matéria-emoção destacada em sua obra,
examinando práticas intertextuais e a configuração da subjetividade e da paisagem
em seus poemas. O corpus a ser examinado reúne três títulos: Teoria Geral dos
Sentimentos (1999), Cartografia de Emoções (2001), e Geometria Variável (2005),
obras escolhidas exatamente por terem como temática dominante a escrita do amor,
numa aparente retomada de tópos do Romantismo. Nossa proposta, na análise
dessas três obras de Júdice, é que uma retomada crítica do Romantismo em sua
escrita, um neo-romantismo, que se constitui, não como repetição anacrônica, mas
como questionamento da emoção poética e do lirismo na contemporaneidade.
Para a discussão dos assuntos que essas obras suscitam: a construção da
subjetividade lírica na contemporaneidade, a releitura do romantismo hoje pela
prática da intertextualidade, o tema amoroso como matéria-emoção, a construção da
paisagem nos poemas com a valorização do olhar e da subjetividade, utilizaremos
também os textos ensaísticos sobre poesia do próprio Nuno Júdice, que é professor
de literatura portuguesa na Universidade Nova de Lisboa. Assim, a natureza do
lirismo, do sujeito lírico, e as estratégias poéticas da obra desse poeta serão
abordadas e também discutidas a partir de uma releitura dos seus seguintes livros
ensaísticos: O Processo Poético (1992), scaras do Poema (1998), A Viagem das
Palavras (2005).
2
Segundo Kisteva (1974, p.67), o termo ambivalência implica a inserção da história (da sociedade), no texto, e do
texto na história; para o escritor são uma única e mesma coisa [...] Bakhtine tem em vista a escritura como leitura do
corpus literário anterior, o texto como absorção de, e réplica a um outro texto...
12
Também utilizaremos Dominique Combe (1999) para pensarmos o sujeito
lírico a partir do artigo ‘La referencia desdoblada: el sujeito lírico entre la ficción y la
autobiografia’, em que o autor ressalta a necessidade de distinguir o sujeito lírico,
que é uma criação poética, da figura biográfica que expressaria seus sentimentos.
Muitas vezes esse aspecto se estabelece como uma herança romântica, porque
acreditavam que o sujeito lírico romântico expressa sua interioridade, sua
subjetividade.
Para Michel Collot (2005), a emoção poética o é um fenômeno puramente
subjetivo, é a experiência do poeta frente ao mundo, concretizada através das
palavras. “[...] comment dans le poème se mêlent intimement l’expression d’um sujet,
la construction dune image du monde, et l’élaboration d’une forme verbale”.
(COLLOT, 2005, p. 5) O horizonte como metáfora de mundo na perspectiva
collotiana, de fusão do objetivo com o subjetivo, está muito presente na produção
judiciana.
Para pensar o neo-romantismo, trabalharemos com o capítulo sobre
romantismo do livro, Literatura e Sociedade de Arnold Hauser, e com diversos
ensaios reunidos no livro O Romantismo (1993), organizado por J. Guinsburg, a
saber: Romantismo, Historicismo e História do próprio Guinsburg, onde o autor
ressalta que “o Romantismo é um fato histórico que assinala, na história da
consciência humana, a relevância da consciência histórica. É, pois, uma forma de
pensar que pensou e se pensou historicamente” (1993, p.14); Fundamentos
Históricos do Romantismo de Nochman Falber , onde se afirma que “o exame do
período não permite ao historiador fixar balizas cronológicas nítidas entre causa e
efeito e nem tampouco determinar uniformemente o início e o fim do grande
movimento espiritual que o profundas raízes deixou no Ocidente”(1993, p.23-24).
13
A Visão Romântica de Benedito Nunes, “onde se destacam duas categorias
implícitas no Romantismo: a psicológica, que diz respeito a um modo de
sensibilidade, e a histórica, referente a um movimento literário e artístico datado”
(1993, p.54-55). Filosofia do Romantismo, de Gerd Bornheim, no qual é feita a
seguinte observação: “o romantismo é, fundamentalmente, um movimento cultural,
inserido em um determinado momento da história, e somente a partir desta situação,
pode ele ser compreendido” (1993, p.77).
Ainda, dessa obra, utilizaremos também O Sentimento e a Razão nas
Poéticas e na Poesia do Romantismo, de Paulo Vizziol, Romantismo e Classicismo
de Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg, que situa o Romantismo como “um movimento
de oposição violenta ao Classicismo e à época de Ilustração, ou seja, aquele
período do século XVIII que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte
racionalismo”(1993, p.261). Assim, levaremos em conta que o romantismo é um
movimento cultural que deve ser entendido dentro do seu momento histórico, o
século XIX, mas também em confronto com o século XX, quando houve forte tensão
entre emoção e razão, sentir e pensar.
Nuno Júdice faz uma releitura de poetas românticos num jogo intertextual.
Para compreensão dos processos de releitura crítica, voltaremos a Laurent Jenny
com o ensaio “A estratégia da forma”, em que afirma que as obras literárias nunca
são simples memórias reescrevem as suas lembranças, influenciam os seus
precursores”. O olhar intertextual é então um olhar crítico: é isso, segundo Jenny,
que o define. Ao abordarmos essa questão, não poderemos deixar de mencionar
também Julia Kristeva (1974).
A composição poética judiciana se por meio de citações, pastiches,
paródia. Para falarmos de paródia, evocaremos Linda Hutcheon e o seu estudo Uma
14
Teoria da Paródia (1985) que na paródia “uma forma emblemática de recriar
criticamente uma imagem”.
A construção da paisagem será pensada através de textos de alguns autores
que vêm trabalhando com a relação entre paisagem e literatura, principalmente
Michel Collot com os livros: Paysage et poésie du romantisme à nos jours (1988), La
Matière-Émotion (2005), e com os ensaios La notion de paysage dans la critique
(1997), O sujeito lírico fora de si
3
(2004). Para Collot (2005, p.13), “l’emotion est
inséparable de I’image du monde et du comportement à travers lesquels elle prend
corps.”
Sobre poesia portuguesa contemporânea, fizemos uma leitura abrangente de
um conjunto de textos críticos e analíticos indispensáveis, como os de Eduardo
Prado Coelho, Fernando Guimarães, Manuel Gusmão e Rosa Martelo.
Questionamos a possibilidade e as estratégias de uma escrita amorosa na
poética desencantada da contemporaneidade. Para responder a isso, utilizaremos,
principalmente, Roland Barthes com seu livro Fragmentos de um discurso amoroso,
onde o autor relaciona o ato da escrita amorosa à criação da linguagem: “Querer
escrever o amor é enfrentar a desordem da linguagem: essa região tumultuada onde
a linguagem é ao mesmo tempo demais e demasiadamente pouca, excessiva (pela
expansão ilimitada do eu, pela submersão emotiva) e pobre (pelos códigos sobre os
quais o amor a projeta e a nivela)”. (1984, p.93).
O que nos interessa, em síntese, é discutir o olhar que esse sujeito
contemporâneo lança sobre o amor e a criação poética, temas que, na escrita
poética judiciana, não se dissociam. Assim, discutiremos como o sujeito lírico
3
Esse artigo tem tradução em português por Alberto Pucheu para a Revista Terceira Margem. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2004. UFRJ, ano VIII, n. 11. p. 165-177
15
contemporâneo, através da experiência da linguagem como emoção amorosa que
passa, necessariamente, pelo corpo, pelo mundo e pelos sentidos, desloca-nos
entre textos, espaços e práticas poéticas.
16
2. “TRABALHO O POEMA SOBRE UMA HIPÓTESE: O AMOR” –
RELEITURAS DO ROMANTISMO
Podemos dizer que, desde o seu primeiro livro A noção do poema (1972), o
poeta Nuno Júdice permanece fiel a alguns temas e imagens para criar um universo
e discurso próprio e original. A reflexão sobre a escrita, por exemplo, é uma
obsessão que estará presente em toda sua trajetória literária. Sua obra está em
permanente diálogo com textos de épocas distintas e de diferentes nacionalidades,
recuperando também os mitos greco-latinos. Nos últimos livros da década de 90 e
dos anos iniciais deste século, Júdice intensifica sua reflexão acerca da questão
amorosa, mas, sem repetir, pura e simplesmente, as trajetórias oitocentistas dos
poetas do amor, que a retomada se dá como questionamento da tradição na
modernidade e pós-modernidade.
Pensando sua poesia, no panorama português contemporâneo, poderíamos
compreendê-la como uma poesia cosmopolita e européia que irá refletir e
transformar a própria poesia portuguesa. Na apresentação de Poesia reunida 1967-
2000, a crítica portuguesa Teresa Almeida (2000) afirma que a dimensão teórica da
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sua poética convive com uma experiência lúdica. Constata que interpelar os grandes
escritores do passado é saber reescrevê-los, criando repetições e diferenças,
mantendo uma relação que não anula a distância e a capacidade de subversão.
Se, desde o início, Júdice vem preocupando-se com a construção do poema e
a apreensão do “ato poético”, com o questionamento recorrente do sujeito lírico, é
nas obras ensaísticas O Processo Poético (1992) e As Máscaras do Poema (1998)
que o escritor vai refletir, de modo mais sistematizado, sobre a construção do
discurso poético, bem como a sua linguagem e a interação entre escrita e leitura,
além das implicações da inserção do sujeito lírico no texto e no mundo, um sujeito
múltiplo que se inscreve nas várias máscaras do poema, para discutir o discurso
poético contemporâneo com uma visão “ficcionalmente” romântica. Nessa
perspectiva, ao trazer à tona elementos do Romantismo, reformulando-os, o poeta
utiliza-se de várias estratégias discursivas para instauração do que poderíamos
denominar provisoriamente de um Neo-romantismo.
Em certa medida, poderíamos considerar que existe uma dimensão
neo-romântica nesta reformulação; no entanto, há uma diferença
incontornável a separar estas novas poéticas das poéticas
românticas: é que subsiste, ou mesmo se agrava, a consciência do
desvanecimento ou diferimento do mundo instaurado pela
modernidade baudelairiana. E enquanto, no contexto romântico, o
desajustamento entre o homem e o mundo tendia a ser situado do
lado da experiência da subjetividade, agora este desajustamento
situa-se sobretudo num outro plano: o da permanente virtualização
do real, à qual a subjectivização das referências, que conduz à
recusa do lirismo abstractizante, procura responder. (MARTELO,
2006, p. 139)
Assim, vale ressaltar alguns aspectos do Romantismo para compreendermos
como Nuno Júdice vai retomá-los na contemporaneidade. Tentaremos delinear,
ainda que sinteticamente, o que foi o Romantismo, o que buscou a poesia romântica
e quais marcas do Romantismo ecoam na contemporaneidade. Para isso, iremos
18
nos ater aos elementos fundadores de um pensamento que até hoje influencia não
só as artes como o próprio pensamento Ocidental.
2.1 FILOSOFIA DO ROMANTISMO: ALGUNS ASPECTOS
O Romantismo pode ser entendido como um conjunto de aspectos que
mudou não somente a arte de um tempo, mas o modo de pensar a História,
constituindo uma consciência histórica. Como ressalta J. Guinsburg (1978, p.14) “é
um fato histórico que assinala, na história da consciência humana, a relevância da
consciência histórica. É, pois, uma forma de pensar que pensou e se pensou
historicamente”. Mudou de forma decisiva o consagrado, o que estava
estabelecido de forma canônica. Desta forma, o Romantismo pode ser
compreendido, de forma plural, como um estado de espírito, uma escola literária,
uma tendência estética, uma prática artística, um fenômeno histórico. Mas é
importante ressaltar que suas manifestações artísticas se desenvolveram de forma
distinta nos vários países, uma vez que os acontecimentos sociais e culturais
repercutiram e se desenvolveram diferentemente.
Foram tão profundas as mudanças causadas pelo Romantismo, que os
próprios historiadores deixaram de usar um discurso descritivo e repetitivo para
análise da sociedade e passaram ao discurso tanto interpretativo quanto formativo.
A partir desse momento, os historiadores vão produzir as histórias das sociedades,
ou seja, as Histórias, uma vez que aglutinam as sociedades em mundos,
comunidades, nações com suas culturas, e não mais em civilizações. Essa forma de
discurso histórico foi possível porque o idealismo romântico começa a valorizar o
19
indivíduo naquilo que vai distingui-lo do outro, e essa diferença é a sua situação
social, sua sensibilidade específica em um contexto nacional e frente a outros
elementos particularizantes, enfatizando o peculiar, aquilo que diferencia uma
pessoa da outra, uma nação da outra, fortalecendo-se a noção de individualidade.
Tal maneira de ver exprime a concepção romântica da diferença
singularizadora, contribuindo também para nova compreensão das realidades
nacionais.
Assim, porque tudo se faz ‘história’ no Romantismo, a História se faz
então ‘realidade’ integrando historiograficamente o estudo do
desenvolvimento dos povos, de sua cultura erudita e seu saber
popular (folclore), de sua personalidade coletiva ou espírito nacional,
de suas instituições jurídicas e políticas, de seus mores e práticas
típicas, de seus modos de produção e existência material e
espiritual, cada vez mais nas linhas de um tempo cada vez menos
mítico ou idealizado. (GUINSBURG, 1978, p.18)
O resultado desse processo é a valorização do individualismo que contribui,
sobremaneira, para psicologização de tudo, e do elemento particularizante,
qualificando o ser dentro do contexto social e nacional. O pertencimento a uma
sociedade, por exemplo, seria revelador de determinados aspectos da
individualidade.
Ao colocar o indivíduo dentro de seu habitat sócio-histórico, o ideário
romântico “instaura” o germe da chamada sociologia moderna, e a base da escola
positivista de Augusto Comte tem no Romantismo suas raízes. Na verdade o que o
romantismo pretende é configurar o homem dentro de um ambiente sem
preocupação científica. Por esse motivo o constante interesse pela “cor local”, que
vê esse indivíduo como expressão de seu meio.
O Romantismo, como movimento espiritual, não pode ser limitado entre causa
e efeito, nem tampouco seu início e o seu fim podem ser delimitados de maneira
fixa. O que se pode constatar é que dois grandes acontecimentos que marcaram de
20
forma indelével a humanidade, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial,
propiciaram esse que seria um dos maiores momentos de transformação do
pensamento humano. A partir desses acontecimentos, há um deslocamento do
centro de gravidade social, cultural e filosófico. Como argumenta Nachman Falbel
(1978, p.24), começa “uma ruptura com o passado próximo, ou com o mundo
“ordenado” da Idade Média, permitindo uma nova transmutação de valores”.
A Revolução Francesa forneceu ao Romantismo elementos que fomentaram
alguns de seus aspectos mais relevantes. Ao promover a queda do Antigo Regime,
introduziu-se uma série de transformações na Europa que aderira aos ideais
revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. Tais ideais, acompanhados
das propostas de liberalismo, soberania popular e nacionalismo, acabaram se
tornando as características mais significativas do processo histórico europeu ao
longo do século XIX.
Em decorrência, nas diversas literaturas românticas, surgem novas idéias que
foram desenvolvidas e sistematizadas, dando unidade de tom a diversos
sentimentos individuais e de revolta. Assim, semeou-se e travaram-se discussões
entre poetas e escritores dos gabinetes de leitura, sobretudo, da Alemanha,
resultando em escritos entusiasmados de Klopstock, F. Schlegel, Goethe e Fichte.
Desse momento em diante, nas artes, ressaltam-se o heroísmo, o sacrifício, o
sangue derramado vinculado ao passado próximo. Desta forma, ocorre a idealização
do passado representada por grandes acontecimentos históricos. Esse aspecto é
imensamente rico e criativo, e os maiores representantes dessa expressão
historicista são sem dúvida Walter Scott, Lamartine, Thierry, Guizot e Michelet.
A idealização também ocorre no âmbito político, o qual, desde Maquiavel,
estava ligado a práticas de manipulação pessoal. Neste momento, os
21
acontecimentos populares e o apelo verbal à participação do povo terão mais
ênfase. Assim, o verbo, a arte do convencimento, o entusiasmo serão plasmados
pela literatura política típica do romantismo. O que os românticos propunham era
“extrair do passado uma orientação para o futuro da sociedade humana” (1978,
p.36). Na verdade, é impossível compreender o romantismo político da época sem
levar em conta a poderosa força do nacionalismo.
A geração alemã que acolheu efusivamente a Revolução Francesa vai,
posteriormente, desviar-se dela sob a influência de Burke, Joseph de Maistre e de
De Bonald. A partir de então, essa geração vai guiar-se por uma concepção de
nação construída sobre noções como a raça ou Volksgeist, que, segundo Herder
(1978, p.78), “são forças criativas inconscientes de um povo que se manifestam na
sua língua, seus cantos populares, suas lendas, seus costumes, suas formas
jurídicas”. Nessa geração, alguns de seus representantes desenvolveram o mito das
origens que, na perspectiva de Hegel, seria a existência de um povo primitivo
responsável pela gênese de todas as ciências e de todas as artes. Tal povo teria
suas raízes nos antigos germanos.
Na França, o nacionalismo era político-social como conceituado por
Rousseau, entretanto, na Alemanha, o conceito de cidadão sofreu mudanças
radicais quando passou de cidadão para Volk (“Povo”), permitindo uma utilização
menos dividida e mais propícia à criatividade romântica. O movimento Sturm und
Drang (Tempestade e Ímpeto), um pré-romantismo que se rebelou contra o
classicismo francês e exaltou os valores germânicos, foi o precursor desse
nacionalismo que procura as raízes do Volk, e as encontra na pré-história e na
biologia. Herder enfatiza o caráter cultural da palavra Volk, já que privilegia, no
campo da lingüística e da literatura, uma investigação profunda da alma. Para ele, a
22
língua seria um repositório cultural do povo acumulando, ao longo da história,
tradições e criatividade. É por meio dela, segundo Herder, que o conhecimento se
torna possível e as diferenças lingüísticas refletem as experiências dos povos.
A maior contribuição de Herder, no entanto, reside na descoberta da língua
como meio de individualização das nações, estimulando o nacionalismo europeu e
de modo especial do povo eslavo. Sua teoria estética:
[...] liga-se à idéia de que a poesia constitui um produto de
condições naturais e históricas captadas por intermédio de uma
experiência do ‘sentir’ (Gefühl). Ainda que autônoma, a obra poética
está relacionada com o seu ambiente gerador, que nela se incorpora
e se transforma num ‘sentir’ em si e que, no decorrer do tempo,
além de o refletir, também o influencia. A linguagem poética, que
pertence a todos e não a alguns predestinados, é a ‘língua-mãe de
humanidade’ e aparece, em sua pureza original e sua força, nos
períodos primitivos de cada nação, como comprova a riqueza
lingüística do Velho Testamento, dos Edas, de Homero. Na antiga
poesia se revela a imensa riqueza lingüística de cada nação, que
servirá aos poetas posteriores como fonte de cujas águas cristalinas
irão beber permanentemente. (FALBEL, 1978, p. 43)
Intelectuais, estudantes e burguesia liberal estavam à frente dos movimentos
nacionalistas e encontravam neles oportunidade de expressar-se literária e
politicamente, apoiando ou repudiando os ideais republicanos ou monárquicos. De
um lado, encontrava-se Kant que apoiava os ideais republicanos, e de outro Hegel
que formula o absolutismo do Estado baseado no idealismo absoluto. Na França,
autores como Lamartine e Victor Hugo, por exemplo, lideraram a oposição à
monarquia de Carlos X. Assim, o nacionalismo, com movimentos sociais que se
iniciam com a Revolução Francesa, incorpora e gera o espírito romântico que
encontra sua expressão máxima na literatura e nas outras artes.
23
2.1.1 O ROMANTISMO E A ECLOSÃO DA SUBJETIVIDADE
[...] o Romantismo não expulsou a razão; apenas a
integrou num contexto mais amplo, onde o
principal elemento conformador seria o sentimento.
Paulo Vizzioli (1978, p.140)
O século XVIII ficou conhecido como o Século das Luzes, pois, segundo os
filósofos desse período, somente a razão poderia trazer a luz e o conhecimento ao
homem. Nele destaca-se uma plêiade formada por Voltaire, Diderot, os
Enciclopedistas, Rousseau, que imprimem, em suas obras, a luta contra o
“obscurantismo”, a “ignorância”, o “irracionalismo”, para dirimir questões enfrentadas
pela burguesia, propondo uma reorganização da sociedade com uma política
centrada no homem, sobretudo, em garantia da liberdade e do estabelecimento de
valores como o bem-estar geral e o progresso.
A causa burguesa contra o antigo regime desembocaria na eclosão da
Revolução Francesa. Conjugado com o racionalismo ilustrado encontra-se o
Classicismo. Croce, como explica Rosenfeld, destaca alguns elementos constitutivos
do Classicismo:
[...] o Classicismo se distingue fundamentalmente por elementos
como o equilíbrio, a ordem, a harmonia, a objetividade, a
ponderação, a proporção, a serenidade, a disciplina, o desenho
sapiente, o caráter apolíneo, secular, lúcido e luminoso. É o domínio
do diurno. Avesso ao elemento noturno, o Classicismo quer ser
transparente e claro, racional. E com tudo isso se exprime,
evidentemente, uma fé profunda na harmonia universal. A natureza
é concebida essencialmente em termos de razão, regida por leis, e a
obra de arte reflete tal harmonia. A obra de arte é imitação da
natureza e, imitando-a, imita seu concerto harmônico, sua
racionalidade profunda, as leis do universo. (ROSENFELD apud
GUINSBURG, 1978, p.262)
24
Além dos elementos citados, o que se destaca nesse movimento é a forma
disciplinada da subjetividade. O escritor o expressa sua interioridade, domina
seus impulsos. Essa contenção demonstra claramente que o autor esconde-se por
trás da obra, ressaltando assim a objetividade. A obra deve ser posta em evidência,
e não o autor. Ela deve enquadrar-se e somente dessa forma será boa, ou seja,
“clássica”. Nessa perspectiva, existe uma severa separação das artes. Por exemplo,
na literatura, cada gênero obedece a regras específicas. A poesia lírica não deve
utilizar-se dos padrões épicos, nem tão pouco a poesia dramática deve servir-se dos
outros modelos.
Nas obras clássicas não existe a questão da individualização, o que se busca
justamente é o geral. Na literatura, procura-se ressaltar o lado psicológico. Busca-se
em todas as expressões artísticas a universalização. Esse princípio do
universalmente humano, contido em todas as artes consideradas clássicas, está
bem acentuado na dramaturgia aristotélica. Primando pela clareza e a regularidade,
os clássicos separam seus estilos: a tragédia é considerada um gênero maior,
devendo ser escrita numa elevada conjuntura estilística, a comédia em um nível
médio, enquanto a farsa, considerada um gênero menor, deve ser escrita em estilo
baixo.
O que a obra deve proporcionar, fundamentalmente, é o prazer, trazendo
proveito de natureza prática e didática. O valor da obra, na visão classicista, residirá
na sua capacidade de disseminar, através do belo e da forma, conhecimentos que
contribuam para o aprimoramento do gênero humano. Desta forma, a qualidade da
obra estará ligada, de forma intrínseca, ao efeito moral que ela produz.
Não é de estranhar que, nesse ambiente que tem como a primazia o
equilíbrio, a harmonia, a disciplina e, principalmente, a razão, o artista do
25
classicismo volte-se contra um gênero de relato que começa a aparecer. Esse
gênero, a seu ver, é inteiramente disparatado, considerado inferior e vulgar. Relatos
absurdos, incoerentes, com muitas aventuras de amor. Entretanto, aos poucos,
esses relatos ficcionais que, na época, eram vistos de forma negativa, começam a
ser considerados de outra forma.
A mudança de gosto passa a incorporar as solitárias, selvagens e
melancólicas paisagens inglesas, que recebem o nome de romantic, em detrimento
das figuras bem harmonizadas e as paisagens bucólicas. Agrega-se a isso uma
onda de sentimentalismo burguês que se alastra pelo século XVIII. Goethe se
agrega a essa corrente e seu romance, Os sentimentos do Jovem Werther, marca
bem essa efusão sentimental.
Outro fator que favorece o romantismo é a oposição que, na Alemanha,
instaura-se contra a ortodoxia protestante oficial, muito racional. uma recusa aos
padrões objetivos da religião. Um forte teor mítico prega a experiência fervorosa,
verifica-se a importância da subjetividade, o que se processa na intimidade do
indivíduo. Essa inclinação fica clara com um dos precursores do romantismo, Jean
Jacques Rousseau, calvinista, convertido à religião católica e depois ao
protestantismo. Rousseau não acredita na sociedade, nem na civilização, por esse
motivo ressalta a imagem do bom selvagem que irá gerar dois temas muito
explorados pelos românticos europeus e pelos americanos (tanto do norte quanto do
sul): o exotismo e o indianismo. Para o pensador genebrino “tudo que sai das mãos
do Criador é bom e tudo se perde nas mãos do homem” (1978, p.266).
Também se inicia um enorme interesse pelo cancioneiro popular
4
. em
diferentes países, sobretudo na Alemanha e na Inglaterra. Esse interesse contribuiu
4
Também em Portugal, nesse contexto do Romantismo, podemos destacar os trabalhos literários e a ação
política de Almeida Garrett e Alexandre Herculano.
26
para o desenvolvimento e a investigação da língua refletindo todos os seus aspectos
culturais e um retorno à alma. Dessa tradição popular provinha à autenticidade de
uma arte verdadeira. O interesse acaba provocando o estudo do folclore como
ciência
O romantik agrega a nostalgia do primitivo e do elementar. Esse
procedimento vai estar ligado a outra característica: o culto do gênio original. O
emocionalismo pré-romântico traz em seu âmago uma forma distinta de entender a
criação artística e o seu criador. Contrapondo-se ao Classicismo, em que o homem
habilidoso era capaz de criar a obra dentro dos padrões de ordenação clássica,
surge um verdadeiro demiurgo com uma capacidade inata, intuitivo e espontâneo,
capaz de desvendar a própria natureza por meio de sua interioridade. Uma explosão
manifesta através da subjetividade autêntica, sincera, irretocável, e absolutamente
espontânea.
Nesse sentido vale ressaltar um trecho que Jean Starobinski escreve em
Jean-Jacques Rousseau: a Transparência e o Obstáculo
5
:
A afirmação dos direitos do sentimento e a justificação do homem do
povo andam juntas aqui. Porque o valor do homem reside
inteiramente em seu sentimento, já não privilégio ou prerrogativa
social que conte.[...] Sentimentos maiores, idéias mais vivas: inútil
acrescentar que o sentimentalismo, aqui, não se opõe de maneira
nenhuma ao racionalismo do século das luzes. Bem ao contrário: a
autoridade intelectual da razão e o primado moral do sentimento são
a igual título as armas ideológicas da burguesia pré-revolucionária.
Estado de alma, sentimento, pensamento são garantias
equivalentes de superioridade. A obra que Rousseau empreenderá
não será então apenas a defesa de um perseguido que proclama
sua inocência. Será também o manifesto de um homem do terceiro
5
Jean Starobinski menciona que Rosseau não era um bispo como Santo Agostinho, nem fidalgo como
Montaigne e também não teve participação na corte e nem no exército, ou, nenhum tipo de titulação que
merecesse uma autobiografia, entretanto, afirma que os sentimentos que habitavam seu coração serviriam como
prerrogativa.
27
estado, que afirma que os acontecimentos de sua consciência e de
sua vida pessoal têm uma importância absoluta e que, sem ser
príncipe ou bispo ou arremetante de impostos, não tem menos o
direito de reclamar a atenção universal.
(STAROBINSKI, 1991, p.192)
Se, no Classicismo, o importante era o equilíbrio, a ordem e a serenidade, a
disciplina apolínea, para os românticos, o que predominava era a efusão
sentimental, a dissonância, o subjetivismo como força motriz da auto-expressão do
artista, a originalidade, o ímpeto do gênio e o elemento dionisíaco. Além desses
aspectos soma-se, de maneira geral, a preponderância do elemento noturno, a
inclinação para o mórbido, o patológico, o selvagem.
Esses conceitos, na realidade, reúnem todas as idéias e aspirações
românticas. Todas as regras contidas no cânone erudito do Classicismo não podiam
guiar o gênio e suas manifestações, pois este não se submete aos ditames
clássicos. Sua imaginação criadora provém de um surto de efusões sentimentais
nascidas da emocionalidade mais profunda e sincera. A partir de então, valoriza-se
mais o ato de criação, mais o sujeito criador que o objeto criado. Há, portanto, um
deslocamento valorativo da obra (Classicismo) para o gênio criador (Romantismo).
Desta forma, deprecia-se o objeto artístico em detrimento do seu criador. O autor é
um mensageiro do divino, um mediador do infinito com a finitude. A obra tende a ser
confundida com seu autor, atribuindo-se assim um cunho autobiográfico valorativo.
Também não imitação da natureza como faziam os classicistas. A natureza, para
os românticos, estava na sua própria subjetividade. O que se verifica é uma ruptura
com os códigos canônicos que, para os românticos, seriam como amarras
impedindo a explosão criativa, a autenticidade, a liberdade de expressão.
A essência do romantismo existe na contradição. Por um lado o romântico
almeja a totalização, numa comunidade quase utópica, por outro impõe a
28
personalidade de um gênio insubmisso a qualquer regra social. Sua expressão
artística é a manifestação, um grito de protesto contra qualquer força repressora,
limitadora de sua explosão subjetiva.
2.1.2 O ROMANTISMO ALEMÃO: REFLEXÃO E CRÍTICA
A cultura alemã, por sua natureza, é uma cultura fundamentalmente
romântica, e o período designado por Romantismo é, no contexto germânico, a
expressão e manifestação máxima dessa forma de pensamento. Sua principal
contribuição foi a estruturação de pensamento que redundaria numa filosofia do
romantismo. O movimento alemão foi tão intenso e sistematizado que influenciou,
direta ou indiretamente, todos os romantismos ocidentais.
A vertente alemã foi a primeira a empregar o termo romântico, e a
desenvolver uma teoria que se tornaria um estilo em relação à literatura,
particularmente ligado à poesia. Apesar da busca de uma inteireza original do
homem com caráter primitivo, o movimento surge no meio intelectual requintado e
sofisticado, um produto de uma cultura urbana, fruto de uma Europa burguesa. Mas
os românticos amam o que lhes parece primitivo, evocando e desejando o que não
seria a sua condição. Esse requinte intelectual fica claro com a questão da “ironia
romântica” sobre a qual Anatol Rosenfeld faz o seguinte comentário:
Um exemplo expressivo disso é a chamada “ironia romântica”.
Trata-se de uma forma de pensar muito sutil e específica que, no
seu caráter oblíquo e cindido, reflete as complexas circunvoluções
mentais de gente extremamente crítica, sensível, e refinada,
individualista e anárquica, afeita ao trato diuturno do espírito e das
letras, um gênero de pessoa que na Alemanha é chamada de
Asfaltliterat, ‘literato de asfalto’ [...] É preciso pensar nos românticos
29
nestes termos, como gente altamente cultivada e sofisticada, e não
como primitivos. (ROSENFELD/GUINSBURG, 1978, p.282-3)
A gênese da filosofia romântica alemã encontra-se na metafísica de Immanuel
Kant. Para os idealistas Fichte, Schelling e Hegel, a realidade resulta dos princípios
construtivos do espírito, sendo o mundo o resultado de um movimento do
pensamento. A ideologia romântica vai encontrar um de seus pressupostos na
racionalização da abstração da proposta kantiana. Kant desdobra a sua ética
construindo um mundo da realidade espiritual, da liberdade dos valores. Para ele, o
animal é condicionado, o mundo espiritual da moralidade é incondicionado. Na
sua moral, parte do “imperativo categórico” que não é condicionado, e argumenta
que se deve fazer o dever pelo dever mesmo, instaurando assim a moral do dever
puro. O homem deve decidir livremente, essa é sua opção de homem livre que se
coaduna com o ideal jacobino, como explica Francis Claudon:
[...] A ideologia romântica é a ideologia do irracional porque encontra
primeiro em Kant, a prova racional de sua abstração. O mal de viver
pode desde logo revestir uma coerência teórica. E isso tanto mais
que, ao abordar a moral, Kant adota o mesmo ponto de vista. Nada
pode, fora do próprio ser humano, decidir do que será a sua opção
de homem livre. Nenhuma lei exterior ou superior deve governar o
homem, a sua dignidade consiste na liberdade racional de querer as
coisas pelas suas próprias qualidades objectivas, por outras
palavras, consiste na submissão do imperativo categórico. É aqui
que a moral ‘jacobina’: todos os homens são livres e iguais, eis o
individualismo, erigido em princípio objectivo, eis a necessidade de
subjectivismo e a riqueza do sentimento colocados racionalmente.
Kant é o primeiro filósofo que uma justificação teórica a valores
confusos, a ideias ainda revolucionárias.(CLAUDON, 1998, p.23)
Kant ao criticar a metafísica com sua obra, Crítica da Razão Pura, estimula o
aparecimento de duas correntes divergentes entre filósofos posteriores. De um lado,
os materialistas (Feuerbach) e os positivistas (Comte); de outro, os idealistas (Fichte,
30
Schelling e Hegel) que percebem o mundo a partir do movimento do pensamento, e
a filosofia como processo de reflexão sobre como a realidade deriva desses
princípios construtivos do espírito. Partindo das questões propostas por Kant, Fichte
tenta superar alguns aspectos da teoria kantiana.
Na Alemanha, um grupo liderado pelos irmãos Schlegel entusiasma-se pela
Teoria da Ciência de Fichte. O filósofo influencia toda a primeira etapa do
movimento romântico, numa adesão quase irrestrita. A categoria da unidade,
presente em sua filosofia, caracterizará não o romantismo, mas todo um período
que antecede e sucede o movimento romântico, inclusive a Revolução Francesa,
com seu anseio por um Estado uno. Esse desejo de unidade, que posteriormente
encontra-se em Napoleão com seu sonho de um Império Europeu, desencadeia uma
onda de simpatia por parte de alguns alemães como Goethe, Hegel e outros
românticos.
Fichte tenta resolver e superar os dualismos kantianos com sua Teoria da
Ciência. A partir dessa teoria vai tentar explicar tudo que existe por meio de um
princípio metafísico. Esse princípio caracteriza-se por ser dinâmico, que Fichte
nomeia de Tathandlung, ou seja, ação efetiva, algo incondicionado, originário e
universal. O filósofo designa essa ação efetiva de Eu, ou autoconsciência pura.
Esse Eu puro seria a representação do que o homem traz em si de divino e
absoluto, e através desse agir absoluto, dessa liberdade que, segundo Fichte,
seria possível conceber o eu substancial e o mundo das representações.
Toda e qualquer realidade, tanto a do eu substancial como a extramental, são
derivadas do Eu, que se explicaria a partir do próprio Eu. Essa forma de
conhecimento através da intuição intelectual, negada por Kant, vai ser a grande
contribuição da filosofia do romantismo que volta à metafísica. Segundo o autor, a
31
atitude primeira de um filósofo deve ser a de pensar-se por dentro: pensa-te a ti
mesmo, que atingiria, portanto, o Eu puro. Assim, Fichte coloca o Eu como parte
central de todas as questões filosóficas, residindo aí sua originalidade.
Argumenta que, se quisermos defender a liberdade, precisamos negar o
mundo exterior, uma vez que as idéias que habitam a consciência não podem ter
como causa elementos extramentais, e segundo ele, não existe coisa em si. Ao
admitirmos a existência de uma realidade extramental, não poderíamos explicar a
liberdade. A liberdade estaria limitada, determinada e condicionada por uma
natureza autônoma que a destruiria. Resumindo, a origem do mundo pode ser
encontrada dentro do próprio Eu.
[...] se as minhas representações não podem encontrar sua origem
no mundo extramental das coisas, essa origem só pode ser buscada
dentro do próprio Eu. A consciência empírica, por si só, não pode
explicar a origem das representações que a compõe. E Fichte afirma
então que todo o mundo das representações pode ter uma
origem pré-consciente; a fonte originária das representações deve
ser inconsciente, deve ser procurada na atividade livre e incausada
do Eu supra-individual. ‘Toda realidade do Não-eu é apenas
transferida do Eu’. A consciência, portanto, é de natureza
secundária e supõe um inconsciente, uma atividade pré-consciente,
produtora do mundo das representações da consciência empírica.
Desse modo, a supra-individualidade do Eu puro é a origem de
todas as funções teoréticas. (BORNHEIM, 1978, p.88)
O Eu, para Fichte, é dinamismo, ação, força produtora, criadora. Para ele a
obra precede o ser, que o ser é realidade produzida pela atividade pura do Eu
livre, e a essa atividade o filósofo chama de imaginação produtora. Essa dicotomia
entre a necessidade transcendental e a liberdade do Eu puro se define na dimensão
moral. Entretanto, a chave para entender o seu sistema é a razão prática, ou seja, a
moralidade e a liberdade.
32
Para os românticos, o grande feito de Fichte foi explicar a realidade a partir de
um princípio único, e derrubar o dualismo kantiano ao introduzir a intuição intelectual
em detrimento das duas fontes do conhecimento, de restringir o mundo extramental
à subjetividade e o Não-eu ao Eu. Esse Eu tornou-se muito atraente aos olhos dos
românticos, uma vez que era dotado de força criativa capaz de transformar o mundo
exterior em um produto da imaginação humana; capaz de vencer resistências,
obstáculos por ele produzido, o que redundaria na redenção do ser humano. A
necessidade da unidade reside no conflito entre a limitação do real e a infinitude do
ideal. A busca da unidade, do infinito, motiva a nostalgia romântica.
A subjetividade não está ligada ao psicológico. Em um primeiro momento
houve uma tendência em valorizar a subjetividade, excluindo todo o resto, entretanto
o subjetivismo vai sendo transcendido para um Eu poético com uma dimensão
metafísica. Tal dimensão confunde-se com o Universo, com o Absoluto. Bornheim
cita Novalis e Schleiermacher para demonstrar como o subjetivismo transcende para
o eu metafísico:
O próprio Novalis dirá mais tarde: ‘A alma deve tornar-se espírito – o
corpo deve tornar-se mundo. O mundo ainda não está terminado
nem o Espírito do mundo. Para Schleiermacher, ‘a natureza humana
é algo de infinito e indeterminado’ e toda tentativa para reduzi-la ao
particular e finito leva a sua falsificação. a relação com o
Absoluto permite dar ao eu toda a sua dimensão. (BORNHEIM,
1978, p.52)
Para Fichte, o Eu é liberdade infinita, pura e absoluta, entretanto, na
consciência do homem, instaura-se a oposição entre o real e o ideal. Desta forma, a
liberdade não pode efetivar-se plenamente. O ideal se concretiza no plano de
pretensão moral. Nessa circunstância o homem deve viver na dimensão do dever-
ser num conflito do finito e infinito. Assim, o ideal de liberdade não pode ser
33
alcançado, que a filosofia, sendo abstrata, não pode vencer esse dualismo. Mas,
Schlegel resolve a questão deslocando o ideal de liberdade da filosofia para o
campo das artes.
Friedrich Schlegel vai iniciar o movimento romântico, e posteriormente,
encontrará na Teoria da Ciência uma fundamentação para a sua teoria da arte. Para
ele, o homem serve-se do sensível para dominar a criação artística, o Não-eu
espiritualiza-se, idealiza-se, e é justamente através da idealização que é a própria
obra de arte, que é possível a unidade entre o real e o ideal. Portanto, o que era
abstrato na teoria de Fichte torna-se concreto na obra de Schlegel. Para Schlegel,
então, uma profunda ligação entre a arte e a filosofia. Esse aspecto será
difundido no Romantismo. Como assevera Bornheim (1978): “o que a filosofia revela
abstratamente a arte realiza, tornando concreta a filosofia”. A poesia, nesse sentido,
seria o idealismo concretizado.
A proposta de Schlegel tem suas raízes em Goethe, que vê o artista como um
ser capaz de unir o ideal e o real, a razão e o instinto, formando uma síntese
superior. O artista pode atingir a instância máxima, o que de divino existe nela.
Nessa concepção, Goethe é inspirado por Spinoza, que Deus na natureza e a
natureza em Deus.
Fichte argumenta que cada homem traz dentro de si o divino, abrindo assim a
possibilidade de cada homem ser o mediador para outros homens. O mediador para
Schlegel é o artista, de modo muito particular o poeta, o único capaz de estabelecer
contato do finito com o infinito.
Schlegel, como foi observado, une a filosofia e a arte, mas o filósofo vai
além, quer unir a esses dois conceitos a religião e a moral num todo único. A religião
e a moral; a filosofia e a arte estão intimamente ligadas. Mas é através da religião
34
que o homem se comunica com o infinito. Liga-se à moral, à poesia, à filosofia,
estruturando-se numa unidade, tentando realizar o Eu-infinito, a Liberdade absoluta.
Schlegel torna-se um idealista ao buscar no ideal de Fichte uma concretização
através da arte, mas fundamentada na religião.
Outro filósofo muito importante para o romantismo é F. W. J. von Schelling.
Profundo conhecedor de Spinoza, Kant, e Goethe, o jovem Schelling constata uma
falha na obra de Fichte, A Teoria da Ciência, que não faz referência a uma filosofia
da natureza. Por isso tenta conciliar a filosofia do Eu transcendental (Fichte) com o
problema da natureza (Goethe). Schelling também parte da idéia do incondicionado,
uma forma de explicar toda a realidade através da metafísica. E assim se pronuncia:
A filosofia deve partir do Incondicionado. A questão que se coloca é
de saber onde reside este Incondicionado: no Eu ou no Não-eu?
Respondendo-se a esta questão, responde-se a tudo. Para mim o
princípio supremo de toda a filosofia é constituído pelo Eu absoluto,
isto é, pelo Eu enquanto Eu puro, ainda não condicionado pelos
objetos e na posse de sua plena liberdade. A liberdade é o alfa e o
ômega de toda a filosofia. (SCHELLING apud BORNHEIM, 1978, p.
98)
O filósofo vê na arte uma espécie de organon que leva à revelação do
Absoluto. A arte propiciaria a comunhão com Deus. A unidade entre natureza e
espírito, na obra de arte, tem com o princípio unificador o Absoluto. Intuição
intelectual e intuição estética coincidem. A primeira apreende o Absoluto, e a
segunda é a forma objetiva da intuição intelectual, caracterizada na obra de arte.
A intuição estética aproxima o artista ao Verbo divino, possibilitando ao poeta
expressar a coisa desde sua criação inicial, numa visão adâmica. A obra do artista
tende a imitar o primeiro ato de Deus. Sendo a natureza uma obra divina, o artista
genial tenta imitá-la, pois com ela o artista pode revelar o Absoluto.
35
Nos primeiros anos de suas reflexões, Schelling coloca a ênfase no Sujeito
absoluto e nunca no objeto que é posto pelo sujeito. Posteriormente, revê sua
posição e elabora o seu Idealismo da Identidade. O Absoluto, que até então era
sujeito, vai ser revisto pelo filósofo que vai procurar uma fundamentação
completamente distinta tanto para o sujeito quanto para o objeto. A partir desse
momento vai utilizar expressões como Identidade, Razão, Universal e Todo-Uno.
Agora prevalece indiferença pura, identidade absoluta consigo mesma, ou seja,
“Identidade da Identidade”. Fala-se de harmonia, identidade da natureza e
identidade do espírito. O Absoluto é coincidência pura do sujeito e do objeto, onde
tudo se perde na indiferença, entretanto, essa indiferença permite compreender o
mundo do sujeito e do objeto através da coincidência.
O mundo numeral das coisas em si proposto por Kant, para Schelling é
transferido para a mente divina. Assim, cabe à filosofia revelar esse platonismo
idealista, mas cabe ao artista genial revelá-lo através da união da intuição intelectual
com a estética. O artista genial vai além das aparências, mas busca através delas
as Idéias que estão na mente divina. A obra de arte vai, enfim, revelar a Verdade e a
Beleza. A Beleza é a verdade do Absoluto, por isso a metafísica, para Schelling, se
apresenta dentro de uma dimensão estética.
Para Schelling a obra de arte se divide em dois grupos que correspondem
aos reinos da natureza e do espírito. O reino da natureza, que seria as artes
plásticas, no sentido amplo, uma série real e sobre ela se sobreporia uma série
ideal, o reino dos espíritos, ou seja, as artes das palavras, o logos poético.
36
3. ESCRITA NEO-ROMÂNTICA NA CONTEMPORANEIDADE
A modernidade é o transitório, o fugitivo, o
contingente, a metade da arte da qual a outra
metade é o eterno e o imutável.
Baudelaire
Charles Baudelaire é um dos fundadores da ‘modernidade’ literária. O artista,
em meio a uma metrópole decadente e árida, vai pressentir e expressar uma beleza
misteriosa, ainda não pronunciada. A questão é a criação de uma poesia em meio
ao mundo civilizado, comercializado e dominado pela técnica. Assim, Baudelaire se
distancia do cotidiano, de sua trivialidade, até a zona do misterioso, mas os ecos
dessa urbanidade tornam-se estímulos e se convertem em poesia corrosiva, e, ao
mesmo tempo, vibrante e mágica.
Para ele, a arte deve ser o produto da elaboração artística de uma época.
Baudelaire vai utilizar o legado romântico, transformando-o e gerando uma nova
lírica. Segundo Hugo Friedrich (1978), com Baudelaire começa a despersonalização
da lírica moderna, na medida em que a gênese da poesia não está na unidade da
poesia e nem na pessoa empírica, como pretendido pelos românticos. Assim, os
37
sentimentos entusiásticos e a paixão pessoal, marcantes na poesia romântica, vão
ser dominados, gerando um poetar guiado pelo intelecto.
Sua poesia centra-se em um sujeito que está curvado sobre si mesmo, um
sujeito vítima da modernidade. Não é de um eu empírico que o poeta fala, mas um
eu que representa um estado de alma,
6
um eu genérico. Frente à modernidade,
surgem a angústia, a impossibilidade de evasão, o ruir. Palavras como “obsessão” e
“destino” são constantes. Em suas palavras centram-se os sintomas da
modernidade, sua poesia centra-se em si mesma.
Os românticos vão utilizar o termo “moderno para designar suas
concepções, e também em oposição às tendências classicistas. A poesia para os
românticos é a última forma de expressão possível. É expressão máxima de sua
autonomia, torna-se conteúdo de si mesma, alcança o estágio de auto-reflexão
como totalidade em que a unidade vai ser encontrada na própria linguagem.
Podemos observar no poema “Projecto” (2001, p.34) que a idéia romântica
de unidade é uma falácia. No lirismo moderno, a emoção do Eu poético com o
mundo torna-se um vácuo. O que se lê, se pela linguagem, e essa não pode
materializar o sentimento. Essa impossibilidade de concretização do amor está
presente em todos os poemas judicianos.
Desta vez vou escrever-te um poema que vai ser
um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O
amor com efeito, é algo que não cabe num poema: pelo contrário,
o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e
sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos
ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela
garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto
o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é
que o teu corpo se tem de transformar em uma metáfora – rosa,
lírio, taça, qualquer objecto que tenha, na sua essência, um
elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar,
substituir-te por outra imagem, ver em ti o que não és,
6
A palavra alma deve ser entendida como excitação entusiástica, que nada tem a ver com paixão pessoal. Leia-
se FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978, p.37.
38
nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que
é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor. Assim,
este poema de amor é, mais do que um poema de amor, um
exercício para escrever um poema de amor – mas um poema de amor
a sério, sem comparações nem metáforas, só contigo, com o
teu corpo, com tua voz, com os teus cabelos, com aquilo que é
real, e não precisa de sair da realidade para se tornar objecto de
um poema de amor em que o amor, finalmente, deixa de ser
o objectivo único do poema, que se preocupa acima de tudo com
a retórica, as imagens, o equilíbrio das formas. Mas, pergunto, não
é o teu corpo uma flor? Não é a tua boca uma rosa? Não são lírios os teus
seios? Tudo, então, se transforma: e o que tenho nas mãos é uma imagem,
a pura metáfora da vida, a abstracta metamorfose das emoções. O
resto, meu amor, és tu – e é por isso que o poema de amor que te
escrevo não é, finalmente, um poema de amor.
(JÚDICE, 2001, p.34)
Hugo Friedrich (1978, p.58) nos mostra que muitos aspectos são introduzidos
por Baudelaire, tais como: “a beleza dissonante, o afastamento do coração do objeto
da poesia, estados de consciência anormais, idealidade vazia, desconcretização,
sentido de mistério, gerados pelas forças, mágicas da linguagem e da fantasia
absoluta”. Enfim, o poeta preparou terreno para a lírica das gerações posteriores.
Essas características, na verdade, são frutos de um poeta influenciado pelo
Romantismo, entretanto, Baudelaire soube subverter essa lírica.
Estas possibilidades são encetadas por um poeta que traz os
estigmas do Romantismo. Do jogo romântico, Baudelaire fez uma
seriedade não romântica; com as idéias marginais de seus mestres,
construiu um edifício de pensamento, cuja fachada lhes voltou as
costas. Por isto, pode-se chamar a lírica de seus herdeiros de
‘Romantismo desromantizado’. (FRIEDRICH, 1978, p. 58)
Baudelaire, ao vivenciar a passagem do romantismo para uma modernidade
vazia, caracterizada por uma urbanidade dilacerante, vai ser o primeiro poeta a
perceber a crise da paisagem que torna o horizonte inacessível. Na verdade, a
paisagem romântica estava atrelada ao imaginário do artista, o horizonte a uma
ilusão de ótica. Ao projetar a paisagem como estado de alma, o romântico
39
transforma a realidade em espelho de si mesmo, esquecendo a alteridade e
produzindo um mundo de quimera. Mas essa concepção tem como oposição uma
visão realista com caráter mais científico da paisagem, desprovida de ilusão e
subjetividade. Esse tipo de visão buscava a inteireza da paisagem, contudo, não
poderia atingi-la dessa forma.
Porém, de acordo com a reflexão do ensaísta francês contemporâneo Michel
Collot, os românticos, na realidade, estariam antecipando uma definição moderna
das relações de consciência e o mundo, que a paisagem não era encarada de
forma separada como duas substâncias, muito pelo contrário, mas como um
processo de inter-relação de uma “consciência que se constitui como ser no mundo
e o mundo não existe senão por meio de um sujeito” (COLLOT, 2004). Nesta inter-
relação do sujeito com o mundo, o interior e o exterior, o sujeito lírico se expressa,
segundo Merleau-Ponty, “através da carne sutil que é a linguagem”.
Para o crítico francês, “A contemplação romântica exerce um papel mais ativo
do que um apanhado visual da paisagem, ela provoca um movimento de alma, um
élan do pensamento e imaginação”
.
[...] É fora de si que ele a pode encontrar. Talvez, a e-moção lírica
apenas prolongue ou reapresenta esse movimento que
constantemente porta e desporta o sujeito em direção a seu fora,
através do qual ele pode ek-sistir e se exprimir. E apenas saindo de
si que ele coincide consigo mesmo, não como uma identidade, mas
como uma ipseidade que, ao invés de excluir, inclui a alteridade,
conforme foi bem mostrado por Ricoeur, não para se contemplar em
um narcisismo do eu, mas para realizar-se como um outro. O
poema lírico será esse objeto verbal graças ao qual o sujeito chega
a dar consistência a sua emoção. [...] O sujeito lírico virá a ser ‘si
mesmo’ apenas através’da forma realizada do poema’, que encarna
sua emoção em uma matéria que é ao mesmo tempo do mundo e
de palavras. ‘Como você sabe, o sentimento’, escreveu em outro
lugar René Char ‘é filho da matéria’: ele é seu olhar admiravelmente
anuançados. Um pensamento da carne, como o de Marleau-Ponty,
uma poética da matéria-emoção, como a de René Char, orienta-nos
para uma nova concepção e prática do lirismo, que me parecem
aptas a responderem a certas objeções que seus detratores lhe
40
fazem. Eles reprovam, no lirismo, principalmente seu subjetivismo e
idealismo [...] (COLLOT, 2004, p. 2)
Esse aspecto romântico de transbordamento dos limites é um ponto bastante
interessante quando pensamos o poema como “espelho do eu”. Isso implica uma
subjetividade tal que levaria o poeta a refletir uma paisagem interior, mas não
desvinculada do real. Os realistas, e posteriormente os modernos, vão acusar os
românticos de serem alienados, de comporem uma paisagem através do “estado da
alma”, numa “ilusão lírica” ou “falácia patética”. Collot ressalta que é uma
interpretação errônea que se faz dos românticos, uma vez que o “Eu”, segundo o
autor, não negaria a exterioridade e a alteridade.
Embora a modernidade atribua à paisagem uma dimensão artificial, uma vez
que, na sua origem, é vista como artefato, posteriormente o que vai se efetivar como
paisagem é sua forma de reescrevê-la, de ultrapassar o visível. Assim, a paisagem
como ilusão lírica e mimética vai ser substituída por uma visão onírica e metafísica.
A partir dos anos sessenta coloca-se a modernidade em cheque. “Um grupo
se auto-intitula de pós-moderno”
7
. Para eles, a modernidade fracassou com seu
utopismo, a arte não consegue mais expressar, romper, transgredir nem inovar
nada. Entretanto, Octávio Paz (1993, p.36) constata que “a utopia é a outra cara da
crítica e uma idade crítica pode ser inventora de utopias: o buraco deixado pelas
demolições do espírito crítico é sempre ocupado pelas construções utópicas”.
Opondo-se ao grupo beligerante, os defensores da modernidade, apesar de
constatarem a grande crise de identidade, não concordam com a extinção dos seus
princípios. Na verdade fazem apologia à volta da crítica da razão a
fim de resgatar os impulsos utópicos do Iluminismo, concluindo assim o projeto,
41
inacabado, da modernidade. No pós-modernismo vai existir uma espécie de devir do
Modernismo, não será uma ruptura, mas uma espécie de continuidade, de inovação
de perspectiva, nunca uma ruptura total.
[...] se a Modernidade significa um período em que a lógica da
ruptura e da ultrapassagem faz mover o mundo no sentido de uma
sempre maior sucessão de novidades em todos os domínios isto
é, num sentido cada vez mais moderno -, qualquer nova ruptura,
mesmo que lhe chamem pós-moderno, não passará de um facto
gerado no interior do próprio processo da modernidade. Ou por
outras palavras: a simples substituição de um paradigma moderno
por um paradigma pós-moderno viria confirmar a vitalidade do
primeiro, cuja sobrevivência dependeria exactamente dessa
contínua mudança. (AMARAL, 1991, p. 18).
3.1 DIÁLOGO INTERTEXTUAL
A busca de um futuro termina sempre com a
conquista de um passado. E este passado não é
menos novo que o futuro. É um passado
reinventado.
Octávio Paz
O discurso poético manifesta-se na pluralidade de vozes, e é por meio da
intertextualidade que o texto, muitas vezes, se escreve. Quanto a essa questão Julia
Kisteva, em Introdução à Semanálise
8
, se manifesta da seguinte forma:
O significado poético remete a outros significados discursivos, de
modo a serem legíveis, no enunciado poético, vários outros
discursos. Cria-se, assim, em torno do significado poético, um
espaço textual múltiplo, cujos elementos são suscetíveis de
ampliação no texto poético concreto. Denominaremos este espaço
7
Essa frase foi retirada da introdução do livro Fundadores da Modernidade, escrita por Irlemar Chiampi.
8
Vale ressaltar que a palavra negação para Julia Kisteva, nesse nível de reflexão, tem o mesmo sentido de
contradição e de oposição.
42
de intertextual. Considerado na intertextualidade, o enunciado
poético é um subconjunto de um conjunto maior que é o espaço dos
textos aplicados em nossos conjuntos. Nessa perspectiva, claro é
que o significado poético não pode ser considerado como
dependente de um único código. Ele é ponto de cruzamento de
vários códigos (pelo menos dois), que se encontram em relação de
negação um com outro. (KRISTEVA, 1974, p.174)
Esse aspecto intertextual é amplamente trabalhado por Nuno Júdice, em sua
poética. Assim, vale destacar determinados aspectos do diálogo intertextual, para
entendermos como o Romantismo pode ecoar nessa poesia contemporânea.
Segundo Octavio Paz (1982, p.17), o poema não é uma forma literária
somente, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem. Júdice, em As
Máscaras do Poema (1998, p.63), complementa essa idéia quando afirma que é a
poesia a criação lingüística que está no centro do que se pode chamar a diferença
da poesia em relação a outras formas de expressão: criação que passa por um
processo de transferência dos mecanismos de apreensão do mundo através da
linguagem para o interior dela própria, criando um meta-sistema lingüístico. É por
meio da poesia que se estabelece o encontro do sujeito com o mundo. Assim, a
escrita poética portuguesa do século XX, especialmente das décadas de 70 a 90, vai
ser dominada por um sujeito reflexivo, sem utopias, que se configura muito
criticamente nos poemas. Vale a pena ler as observações feitas por Ida Alves sobre
a poesia desse período:
Desses confrontos se forma a poesia mais recente, bastante
envolvida criticamente com o lugar do sujeito no texto literário,
bastante marcada por um tempo dito ‘pós-moderno’ de
fragmentação, homogeneização artificial e massificante da
individualidade. Para reagir a isso que se garantir voz ao sujeito,
sem a ilusão da totalidade do eu. Na escrita dos poetas de 70 a 90,
domina um sujeito reflexivo que, sem ilusões ou utopias, vai vivendo
o cotidiano e habitando o poema como um refúgio, na tradição de
um Ruy Belo principalmente. Voltam assim estratégias discursivas
da personalização: a confissão, o comentário, a narração, a
43
avaliação, o desabafo, a escrita como conversa, um eu dominante
que se reflete no tu. (ALVES, 2002, p.187)
A poética de Nuno Júdice retoma não só a tradição de um Ruy Belo, vai mais
além, retoma o próprio Ruy Belo em um diálogo intertextual com o poema Variações
com pássaros e versos de Ruy Belo:
Eu queria olhar os pássaros
pelas proposições de ruy belo: vê-los
nos galhos das árvores, como frutos
de verão. E queria colhê-los
como se cada asa fosse um verso,
para fazer este poema voar
‘com uma referência ao coração’.
Assim, poderia contar as pulsações
do poema como quem conta as sílabas;
e ver as palavras juntarem-se
como os pássaros do outono, varejando
com a ‘inúmera mão’do poeta
natureza e filosofia, folhas
e aves caindo da sua música.
E estenderia os olhos dos pássaros
nesta folha, abertos como a alma das árvores
no outono, para lhes roubar o amor
que os pássaros levam para lá do horizonte
para onde as nuvens os empurram. Cortá-los-ia
pelos dedos de ruy belo, nessa forma
complicada que ‘não se dá bem na poesia’.
Depois, devolvo aos pássaros os seus
olhos, e ao poeta os seus versos; mas guardo
o amor que sobrou sob os ramos das árvores
de onde os pássaros partiram, deixando vazio
o lugar em que os amantes se encontram,
vendo ‘que os pássaros emanam das árvores’
quando o seu silêncio enche o campo.
E nestes pássaros de ruy belo também
‘eu passo e muda-se-me o coração’.
(JÚDICE, 2005, p.38)
44
A poesia judiciana vai estar marcada por essas estratégias discursivas que
possibilitam ao poeta fazer, especialmente, uma releitura das tradições oitocentista e
novecentista, deslocando autores canônicos numa perspectiva em que
predominam a ironia, a paródia e o pastiche. Na obra judiciana, o sujeito poético
está em permanente diálogo com poetas da tradição lírica universal. Nesse diálogo,
ao utilizar as estratégias discursivas mencionadas, o poeta faz, na realidade, uma
confrontação. Assim, aderimos à posição de Linda Hutcheon (1985, p. 19) quando
afirma que a paródia não é uma questão de imitação nostálgica de modelos
passados, mas sim, uma confrontação estilística, uma recodificação moderna que
estabelece a diferença no coração da semelhança.
Essa recodificação está bem acentuada no poema Fogo que arde sem se ver,
em que o sujeito lírico, em um discurso metapoético, recusa o lirismo abstractizante.
Poderíamos ir além e dizer que a questão amorosa em dice, é o próprio ato
enunciativo. Escrever sobre o amor torna-se uma obsessão, e em sua obra, o
sentimento amoroso, passa a ser matéria poética e objeto de reflexão, um sentir-
pensar sobre o amor, matéria-emoção para o ato poético
.
Aquilo que ouço não me esclarece: então,
é isso que entendes por amor, como se fosse
a mais simples das coisas – desde
que, na sua formulação, não entrem os
sentimentos? Algo abstracto, sem os
corpos que dão forma ao próprio
conceito? Camões, nos sonetos, tratou
disso: e tenho pena de os ter
levado tão a sério, a esses tímidos versos,
carregados de eufemismos e metáforas. Porém,
pode dizer-se o amor de outro modo? E poderá
ele ser ensinado, o amor que só se aprende
na dúvida dele próprio, escondendo as
emoções, e também as fraquezas, com a hesitação fria
das palavras que o declaram? Agora, porém, o amor
é outra coisa: esta entrega que nos prende,
45
esta renúncia que se diz sem o ser, este ir
de um para o outro enquanto se volta a página
e o poema te substitui. Então, não é
outra coisa o que Camões nos disse: e ao explicá-lo
levando a sério oposições e antíteses, toda
a contradição se desfaz. A tua ausência tem
a forma desses catorze versos; os teus lábios
ardem nas suas rimas: os teus dedos enchem o vazio
entre cada estrofe , obrigando-me a contar
por eles sílabas, quadras e tercetos, enquanto
a chuva cai – água e fogo nos teus braços,
música de piano que toca sem se ver.
(JÚDICE, 2001, p.36)
Nesse poema, através do diálogo com a lírica amorosa camoniana, afirma-
se uma reflexão sobre o amor e a matéria do poema. Há um questionamento
permanente sobre possibilidade da matéria a linguagem virar emoção. As
palavras podem definir e expressar o amor? O sentimento pode ser materializado?
O sentimento que é abstração pode ser concretizado através das palavras? Assim, o
eu lírico questiona-se e aos seus versos de “Poema”:
Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ele,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registro de memória. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
46
a perder-se? A não ser que o guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.
(JÚDICE, 2001, p.44)
O poeta, ao escolher determinados temas, reflete a influência de diferentes
experiências histórica, sociais e culturais. Mas a diferença centra-se no modo como
o poeta se relaciona com elas. Nuno Júdice “constata que se o real é o mesmo para
um clássico, um barroco ou um romântico, a perspectiva, o olhar que se pode ter
sobre esse real, é sempre distinto e é na escolha de um modo de olhar que
radicam as suas diferenças” (1999, p. 29).
O diálogo intertextual manifesta-se nas mais variadas formas. A obra literária
traz ecos que podem definir a sua intenção, ou, a condição sine qua non para
legibilidade do próprio texto literário. Essa estratégia, longe de empobrecer a obra, a
enriquece. Podemos apontar, como exemplo, os versos de Júdice que estão numa
relação dialógica com a obra camoniana. A depreensão de sentido estará ligada a
seus arquétipos. Ao negar ou afirmar seus arquétipos, ela confessa-se. Mas, para
que a obra seja lida em toda sua completude, é necessário uma competência na
decifração desses mecanismos intertextuais que somente um leitor experiente pode
realizar.
Julia Kisteva em seu livro referencial, Introdução à Semanálise, expõe as
idéias baktinianas afirmando que qualquer texto se constrói como “um mosaico de
citações e é absorção e transformação dum outro texto”(1974, p. 63). Essa noção de
texto é profundamente alargada, pela autora, opondo-se a qualquer ação redutora.
Assim, sistema de signos pode tratar-se de obras literárias, de linguagens orais, de
sistemas simbólicos sócias ou inconscientes.
47
No texto, o sujeito da escritura está em permanente processo. Esse termo
utilizado por Kristeva está em perfeita harmonia com um sujeito que se arrisca,
mutável, inquieto, que desestabiliza o leitor, que não conforta, um sujeito provisório,
um sujeito que rompe totalmente com o sistema comunicativo da língua, uma vez
que coloca o leitor numa flutuação entre o prazer e o gozo. A leitura passa a ser um
jogo, uma atividade lúdica, mas não como distração, muito pelo contrário, a leitura
como um labor. Quanto a essa questão, Barthes se manifesta da seguinte forma em
O Rumor da Língua:
Abrir o texto, propor o sistema de sua leitura, não é apenas pedir e
mostrar que podemos interpretá-lo livremente; é principalmente, e
muito mais radicalmente, levar a reconhecer que não uma
verdade objetiva ou subjetiva da leitura, mas apenas verdade lúdica;
e ainda mais, o jogo não deve ser entendido como uma distração,
mas como um trabalho do qual, entretanto, se houver evaporado
qualquer procedimento: ler é trabalhar o nosso corpo (sabe-se
desde a psicanálise que o corpo excede em muito a nossa memória
e nossa consciência) para o apelo dos signos do texto, de todas as
linguagens que o atravessam e que formam como que a profundeza
achamalotada das frases. (BARTHES, 1988, p.41)
Nesse jogo intra e inter-textual, Roland Barthes vai verificar que o texto é
reescrito à medida que é lido, sendo a leitura a condição da escrita, e não o
contrário. Para o autor, a escritura é “a noção de gozo da linguagem, seu Kama-
sutra” (1977, p.11), e afirma que a escritura é a escrita do escritor, e que, toda
escritura é uma escrita, mas nem toda escrita é uma escritura. Define a escritura e o
sujeito-escritor da seguinte forma: “a escritura é a destruição de toda voz, de toda
origem. A escritura é esse neutro, esse composto, esse oblíquo onde foge o nosso
sujeito, o branco-e-preto onde vem se perder toda identidade, a começar pela do
corpo que escreve”(1988, p.65).
48
Para o autor, texto de prazer é aquele que é uma verdadeira Babel, isto é,
que possui vários discursos. Identifica o leitor como um contra-herói capaz de
chegar à fruição, na leitura, ao se entregar ao prazer do texto, encontrando na
coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado, o texto de prazer.
O texto para Barthes é como uma metáfora do corpo que, no ato de sedução,
se esconde e se revela, um jogo erótico que se no olhar, assim o texto é como
um corpo que se oferece. Segundo o pensador francês, “a fenda das duas margens,
o interstício da fruição, produz-se no volume das linguagens, na enunciação, não na
seqüência dos enunciados” (1977, p. 20). O autor verifica que o julgamento de um
texto não deve ser nem subjetivo, nem existencial, mas nietzchiano no fundo, é
sempre a mesma questão: O que é que é para mim?”
Barthes estabelece uma analogia do texto com o tecido: para ele o texto é
uma espécie de véu, por trás do qual se mantém mais ou menos oculto, o sentido.
Tal como um tecido, que é construído num entrelaçamento, o texto se faz através de
um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido textual o sujeito acaba se
desfazendo nele, “como uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções
construtivas de sua teia” (1977, p.82).
Frente a esse entrelaçamento, o leitor deve utilizar estratégias para decifrar
os códigos. Esses códigos, por sua vez, ao empregarem a intertextualidade,
condicionam a obra ao conteúdo de outras obras. A utilização da paródia, da
citação, da montagem, do pastiche e outros processos de releitura, deixa
transparecer essa relação metalingüística.
Barthes questiona ainda se a atividade crítica pode desenvolver-se com uma
atividade escritural. Com relação a esse aspecto, é preciso pensar que a produção
textual tem uma relação intrínseca com a linguagem, ou mais precisamente, o
49
próprio mundo textual é a recriação de um mundo através da linguagem. As
escolhas temáticas e formais e os questionamentos o manifestações da
linguagem caracterizando-se uma crítica. A critica, neste caso, tem o sentido de
questionamento.
Para Laurent Jenny (1979, p.10) a atividade crítica deve perceber a
intertextualidade não como uma mera repetição, que, segundo o autor “as obras
literárias nunca são simplesmente memórias - reescrevem as suas lembranças,
influenciam os seus precursores (...) O olhar intertextual é então um olhar crítico: é
isso que o define”. A escolha e o somatório dos textos dão o tom ao discurso sem
que seja preciso estar explícito, basta apenas uma referência, um indício. É preciso
que o texto permita essa possibilidade. um diálogo permanente. Quanto a esse
processo, explica Jenny:
A intertextualidade fala uma língua cujo vocabulário é a soma dos
textos existentes. Opera-se, portanto, uma espécie de separação ao
nível da palavra, uma promoção a discurso com um poder
infinitamente superior ao do discurso monológico corrente. Basta
uma alusão para introduzir ao texto centralizador um sentido, uma
representação, uma história, um conjunto ideológico, sem ser
preciso falá-los. O texto de origem está, virtualmente presente,
portador de todo seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. O
sonho conhece uma concentração de sentido perfeitamente
análoga, quando se enriquece de alusões e fantasmas ‘já prontos’
que não são refeitos durante o sono, mas deixam a ilusão disso ao
acordar. Isto confere à intertextualidade uma riqueza, uma
densidade excepcionais. Mas, em contra partida, é preciso que o
texto ‘citado’ admita a renúncia à sua transitividade: ele já não fala, é
falado. Deixa de denotar, para conotar. não significa por conta
própria, passa ao estatuto de material, como na ‘reconstrução
mítica’, em que se colecionam mensagens pré-transmitidas para as
reagrupar em novos conjuntos: ‘nessa incessante reconstrução a
partir dos mesmos materiais, são sempre os mesmos fins que são
chamados a desempenhar o papel de meios: os significados
transformam-se em significantes e vice-versa. Mas, ainda aí, a
análise trai o movimento, e é com mais justeza que diremos que, ao
mesmo tempo, o texto aproveitado denota e renuncia a denotar, é
transitivo e intransitivo, tem o valor de significado a cem por cento e
de signficante a cem por cento. Toda palavra, toda a leitura
intertextual cabem neste movimento. (JENNY, 1979, p.22)
50
Uma forma bastante freqüente de intertextualidade é a paródia. Sua
utilização tem implicações ideológicas e culturais, uma maneira reflexiva de auto-
referenciar e auto-aglutinação de textos. Alguns críticos rejeitam as criações
parodísticas, presumindo que a originalidade deva atuar como primazia. O que se
evidencia, nessa questão, é a grande força subsistente que persiste em considerar o
gênio, a originalidade e a individualidade, características da estética romântica como
verdade absoluta. Mas o artista moderno reconhece que essa forma expressiva
implica uma continuidade, contribuindo para um novo modelo do passado,
transferindo-o e o reorganizando.
Esse interesse pelo passado volta de forma inusitada numa releitura crítica.
Deve-se ter o cuidado de não encarar a paródia como imitação ridicularizadora
definida pelos dicionários. Linda Hutcheon em, Uma teoria da paródia (1985, p.17),
define “como uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica, nem
sempre às custas do texto parodiado. [...] noutra formulação, repetição com distância
crítica, que marca a diferença em vez da semelhança”.
A ironia é um aspecto intrínseco a toda paródia que a distingue do pastiche
ou da imitação. Existe inerente à paródia uma espécie de dramatização, e a ironia é
o principal mecanismo retórico capaz de despertar o leitor para essa dramatização
proveniente de citações e empréstimos.
Reiteramos que as citações
9
ou empréstimos não são utilizados de forma a evocar o
burlesco ou mesmo a apropriação textual, uma vez que, segundo Hutcheon (1985,
9
Linda Hutcheon faz a seguinte ressalva sobre a palavra citação: “Quero manter a designação por paródia desta
relação estrutural e funcional de revisão crítica, em parte porque acho que uma palavra como ‘citação’ é fraca
demais e não transmite (etimologicamente e historicamente) nenhuma dessas ressonâncias parodísticas de
distância e diferença que encontramos presentes na referência da arte moderna ao seu passado. ‘Citação poderia
servir, de maneira geral, se estivéssemos a tratar apenas de adopção de outra obra como princípio estrutural
orientador (Weisgerber 1970), mas a sua utilidade é, ainda assim, limitada.”
51
p.19), “não se trata de uma questão de imitação nostálgica de modelos passados: é
uma confrontação estilística, uma recodificação moderna que estabelece a
semelhança no coração da diferença”.
Outro aspecto percebido através da ironia é a inversão proposta na
transcontextualização, mantendo uma distância crítica entre o texto em fundo e o
texto que a incorporou. Essa ironia pode ter um cunho humorístico como pode ser
depreciativa; pode ser tanto destrutiva como construtiva. O prazer, portanto, não
provém basicamente do bom humor, mas desse vai-e-vem provocativo. Tanto a
ironia como a paródia atuam em dois níveis: o primeiro superficial ou de primeiro
plano; o segundo, em um nível implícito ou de fundo. O reconhecimento desses
dois recursos estilísticos se processa por meio do reconhecimento da sobreposição.
Hutcheon ressalta duas funções da ironia:
Voltemos agora às duas funções da ironia: a semântica, contrastante,
e a pragmática, avaliadora. Ao nível semântico, a ironia pode ser
definida como um assinalar de diferenças de sentido, ou,
simplesmente, como antífrase. Como tal, paradoxalmente, ela tem
origem, em termos estruturais, na sobreposição de contextos
semânticos (o que é firmado / o que é intencionado). Existe um
significante e dois significados, por outras palavras. Dada a estrutura
formal da paródia, (...)a ironia pode ser vista em operação a um nível
microcósmico (semântico) da mesma maneira que a paródia a um
nível macrocósmico (textual), porque também a paródia é um
assinalar de diferenças, e igualmente por meio de sobreposição(desta
vez de contextos textuais, em vez de semânticos). (HUTCHEON,
1985, p. 74)
Na sua transgressão, a paródia traz em si uma ambivalência que emana da
dualidade de forças conservadoras e revolucionárias inerentes a sua própria
natureza. A paródia revela-se como uma síntese bitextual que opera por
diferenciação, enquanto o pastiche é um texto monotextual e opera por semelhança
e correspondência. Na verdade, a paródia tem semelhança com a metáfora, pois
52
ambas necessitam que um descodificador estabeleça um segundo sentido através
das inferências acerca das declarações, complementando o primeiro plano com um
reconhecimento de um contexto de fundo. Nuno Júdice define a metáfora da
seguinte forma:
É a criação lingüística que está no centro do que se pode chamar
a diferença da poesia em relação a outras formas de expressão:
criação que passa por um processo de transferência dos
mecanismos de apreensão do mundo através da linguagem para o
interior dela própria, criando um metasistema lingüístico de que a
retórica é um dos codificadores possíveis. Dentro desse processo,
a metáfora desempenha um papel nuclear, enquanto forma
substitutiva de objectos semânticos. Neste sentido, a metáfora não
se limita ao simples plano de uma figura de retórica, dado
encontrar-se no centro de um raciocínio cognitivo que decorre de
sujeito, enquanto fonte última do conhecimento do processo
metafórico. Estabelecido através de analogias, esse processo
envolve o jogo da semelhança entre objectos que implica uma
nova designação do mundo, superando a contingência nominal da
codificação lingüística. Assim, o significante será utilizado para
designar o objeto (uma imagem) que se afasta radicalmente do
significado que lhe é habitualmente associado mas, no plano
inconsciente, estabelece-se um nexo entre os dois objectos, a que
se pode chamar de literal e figurado. (JÚDICE, 1998, p.63-63)
No caso da citação e da alusão, quando o descodificador não identifica no
texto tais marcas, e as anula, acaba por empobrecer a sua leitura. Entretanto, na
paródia o reconhecimento da identidade estrutural do texto é fundamental. Assim,
quando o descodificador a neutraliza, a codificação extingue uma parte importante
do texto, mas quando o descodificador a identifica, ressalta o processo de produção
de sentido. Com relação à citação, por exemplo, a releitura desliga o texto de sua
origem, atribuindo-lhe nova possibilidade. É sobre essa articulação entre leitor e
leitura, que Antoine Compagnon em O Trabalho da Citação tece o seguinte
comentário:
53
Quando cito, extraio, mutilo, desenraizo. um objeto primeiro
colado diante de mim, um texto que li, que leio; e o curso de minha
leitura se interrompe numa frase. Volto atrás: re-leio. A frase relida
torna-se fórmula autônoma dentro do texto. A releitura a desliga do
que lhe é anterior e do que lhe é posterior. O fragmento escolhido
converte-se ele mesmo em texto, não mais fragmento de texto,
membro de frase ou de discurso, mas trecho escolhido, membro
amputado; ainda não o enxerto, mas já órgão recortado e posto em
reserva. Porque minha leitura não é monótona nem unificadora; ela
faz explodir o texto, desmonta-o, dispersa-o. É por isso que, mesmo
quando não sublinho alguma frase nem a transcrevo na minha
caderneta, minha leitura procede de um ato de citação que
desagrega o texto e o destaca no contexto. (COMPAGNON, 1996,
p.13)
Podemos verificar a questão da citação na poética judiciana através do
poema, “Poética com citação de Baudelaire”(2005, p.76). O poeta vai dialogar com
Baudelaire num jogo intertextual. Na verdade, o que vai estar em jogo é a colocação
do poeta frente ao ato de criação “até entrar na floresta de símbolos” e verificar que
através da própria linguagem se pode desvendar “o código do poema”. A
autonomia poética torna-se visível, já que a releitura é o objeto de reflexão da
própria escrita, desagregando uma possível transposição textual. Nesse sentido,
como assegura Compagnon, desliga o que é anterior e posterior. Citemos:
A construção da frase passa por vários campos
(semânticos, entenda-se). Lavrados por canetas
de aparo duro, rasgando os sulcos da sintaxe;
e semeados de palavras, como sementes, de
onde irão nascer novos sentidos. Mas não
gosto destas frases construídas segundo as
regras conhecidas. Deito-lhes fogo, com o
fósforo do verso, e vejo o incêndio alastrar
por toda a página até iluminar o horizonte
da estrofe. E avanço por entre cinzas, com
o mapa da gramática até entrar na floresta
de símbolos derrubados pelo vento
da memória, ouvindo um murmúrio
de folhas segredar-me o código do poema.
(JÚDICE, 2005, p.76)
54
Mas, esse jogo intertextual torna-se ainda mais significativo quando falamos
de autores da lírica romântica. O poeta trava um diálogo muito interessante com
nomes como Emily Dickinson e Lord Byron. No caso de Dickinson, o sujeito lírico
mescla, no poema, “dados bibliográficos” com poemas da poetisa, e no caso do
poeta inglês, evidencia-se o temperamento do poeta romântico.
No poema “Ciência do Amor”, Júdice dialoga sobre o amor e a poesia,
utilizando como uma espécie de mote versos da própria Dickinson:
Que amor é tudo o que há,
é tudo o que sabemos do amor”
Emily Dickinson
Não sabia senão a mais pequena parte do que há para
saber: sobre o amor, sobre a sua ausência; e sabia que,
para lá disso, nada mais se pode saber. No entanto,
perguntava: “O que se pode dizer do que não se sabe?” ou “O
que se pode saber do que não se diz?” Sentava-se nas mesas
de festa, quando a festa chegava ao fim; ou descia ao
jardim, para lá da varanda de madeira, e via os pássaros
que andavam de volta das árvores, sabendo que em breve
nenhum pássaro cantaria de entre os ramos nus. Então,
entristecia; e podia sentar-se na terra, com um caderno
na mão, lendo em voz baixa os poemas que tinha escrito no
último ano, nos últimos anos, em toda a sua vida, embora
esse caderno não existisse, como também não existia ainda nenhum
último ano de sua vida, nem sequer uma vida. Não era,
porém, o que se pudesse chamar uma pessoa reservada:
conheciam-na como alguém que sabia rir, divertir-se – e
talvez suspeitassem que escrevia, mas não ao ponto de ser
alguém que pudesse guardar uma obra (pensavam),
e que tivesse pensamentos ou versos para deixar, como
herança, ao mundo futuro. Souberam isso depois da
sua morte, apenas, o que talvez tivesse sido tarde para
ela. É certo que, cerca de 1860, algo decisivo lhe sucedeu,
como escreveu um crítico: um desgosto de amor? Um
sentimento de que perda? Algo que tivesse a ver com a ideia
de vida, a noção de existência? Um “efeito de
conflagração”. Acrescenta ele. Uma vez, lendo um desses
poemas breves, como se me estivesse sido destinado (e, de
facto, tê-lo-á sido, como o são todos os poemas que, no
instante em que os lemos, se apropriam do nosso espírito),
senti que a distância não conta no decurso das vidas; que
a morte pode ser um simples episódio de que só nos
apercebemos quando nos falta a voz que invocamos, sob o
vento que empurra as janelas e as portas da casa; e que
55
um cansaço de ser empurra os versos para a brevidade do
conceito, para o chão, onde se confunde com as folhas e
as madeiras partidas do outono. Então, que importa esse ano
de 1860, mais os incidentes domésticos, mais a súbita
crise que a fez buscar contactos, leitores, intérpretes
para o seu enigma? Uma pausa, um simples instante de
fraqueza no curso de planetas e emoções. Nada que não se
possa decifrar na palidez do rosto, na ternura dos lábios,
nas mãos (é o que já se vê, sob o lenço branco – os
dedos que rabiscam todos aqueles papéis). E no fim
de tudo, fechado o livro, o que resta: perguntas
quase inúteis, como o que é que sabemos do amor?
(JÚDICE, 1999, p. 893)
Poderíamos resumir a trajetória feita até aqui afirmando que o poeta, em
sua obra, interroga o enigma do amor, o sentido da vida, o mistério da morte,
mas, principalmente, interroga o enigma da escrita. Mais do que isso, o poeta
persegue a palavra, numa renovação moderna do lirismo, transformando-a em
“matéria-emoção”. Para Nuno Júdice, segundo Teresa Almeida (JÚDICE, 2000,
p.33-44), a poesia é a última forma do sagrado numa sociedade profana.
O poema “Byron abandona o país” também evoca o tema da morte, do amor
romântico como personificação da própria vida do poeta, mas é importante ressaltar
que Júdice afirma que mais importante que o verniz formal do romantismo, o que
interessa mesmo é “a turbulência de ideias e de acções que envolvem o imaginário
romântico” (JÚDICE, 1998, p.53). Isso fica bem evidente no poema:
Desprezando a moral e os costumes de uma época inteira, partiu
para oriente, para os lugares onde secretamente os românticos
conspiram. Amou a irmã. E muitas das suas cartas, depois que a
deixou, reflectem o desejo de voltar, isto é, uma inclinação
obscura para o passado do qual, no entanto, sempre se afastou.
Apontado como alguém a desprezar, sofrendo o ataque de todos
os espíritos virtuosos, nunca se importou com eles, e seguiu
o caminho que a si próprio apontou – a exaltação na condenação.
Nada, no entanto, o satisfazia. E embora tivesse tido, atrás
de si a polícia de dois países, partiu para a Grécia procurando
a excitação no combate, uma morte heróica, um largo espaço
por túmulo.[...]
56
E sentiu dolorosamente a queda
do império francês, a restauração do antigo regime, a violenta
derrota do povo e dos teóricos.[...]
Doente, ainda se imaginou lutando, em delírio. Não se sabe,
Ao certo, onde foi enterrado. Talvez na vasta superfície da arcádia.
E sobre o seu túmulo ainda hoje o vento uiva, na solidão
desabrigada da planície, entre os arbustos estéreis e as oliveiras.
(JÚDICE, 1999, p.915)
A paródia e a sátira não podem ser confundidas, uma vez que a sátira tem
um cunho, simultaneamente, moral e social com intenções bem definidas. A
paródia, por outro lado, o tem o tom moralizante, podemos no ximo dizer:
crítico. Na paródia, os textos vão além de uma inter-relação, porque a intenção de
utilizar esse processo requer a interpretação de um conjunto de convenções
implícitas no texto e previstas na estratégia discursiva. Não há uma rejeição das
formas existentes, o que ocorre é uma reestruturação do texto através de um olhar
crítico.
A paródia, portanto, têm intenções bem claras quanto aos seus objetivos. O
texto parodístico inclui um emissor, um receptor, um tempo e um espaço, em suma,
todo um contexto que precisa de leitores, espectadores ou ouvintes que
descodifiquem as estruturas paródicas. É a partir do texto e de suas inferências que
seus códigos serão desvelados. Explica Hutcheon:
A paródia seria um dos ‘passos inferenciais’, nos termos de Eco,
que têm: de ser dado pelo receptor: ‘não são meras iniciativas
caprichosas da parte do leitor, mas são antes suscitadas pelas
estruturas discursivas e previstas por toda a estratégia textual como
componentes indispensáveis da construção. (Eco 1979, p.32 apud
Hutcheon
, 1985, p.34)
Levada às últimas conseqüências, a intertextualidade desintegra o narrativo
e o próprio discurso. A narrativa evapora-se, a sintaxe explode, o significante abre
uma fenda na medida em que a escritura do texto não tem a intenção de
57
salvaguardar um sentido monológico e uma unidade estética. Assim, o discurso
torna-se múltiplo, abrindo-se para um misto de gozo e prazer levando à fruição.
Resumindo, podemos entender a paródia como um discurso auto-reflexivo e
como uma via importante de acesso para que o artista moderno possa dialogar com
o passado permitindo distância crítica e mudança que dão nova vida aos textos. É
importante ressaltar também o papel da ironia, distinguindo bem a paródia da sátira.
A questão ideológica do texto original e a sua atualização devem ser percebidas,
que, no seu status ideológico, a paródia implica autoridade e transgressão, ou seja,
repetição e diferença. Hutcheon
10
percebe isso da seguinte forma:
mas a paródia
implica, também, outro tipo de conexão ‘mundana’. O facto de se apropriar do
passado, da História, o questionar do contemporâneo, ‘referenciando-o’ com um
conjunto de códigos diferente, é uma forma de estabelecer continuidade que pode,
em si mesma, ter implicações ideológicas”.
Hoje a paródia tem uma função importante, pois verifica-se a necessidade de
ir além da questão autoral ou até mesmo do próprio texto. Citemos:
O Romantismo centrava-se quase exclusivamente no autor; por
reacção, o formalismo dirigia-se ao texto; a teoria da recepção
(reader-response) considera apenas o texto e o leitor. A paródia de
hoje aponta a necessidade de ir além dessas limitações. Repetir,
mesmo com diferença crítica, é fazer parte desse desafio pós-
estruturalista contemporâneo à noção do sujeito como fonte
individual de sentido. (HUTHCHEON, 1985, p. 137)
Podemos pensar que, além das três dimensões do espaço textual atribuídas
por Kisteva (1974, p.63): o sujeito da escritura, o destinatário (como entidade
discursiva), e os textos exteriores, que o dimensões dialogantes, a linguagem vai
10
Leia-se em HUTCHEON, Linda. Uma teoria da Paródia. Lisboa: Edições 70, 1985.
58
fomentar, nessa circunstância, uma prática real do pensamento
11
e do espaço
enquanto lugar de articulação de diferenças. Portanto, como verificamos
anteriormente, Bakhtine ao introduzir a noção de texto como mosaico de citações,
como absorção e transformação de um outro texto, desloca a noção de
intersubjetividade para intertextualidade, que na linguagem poética coexiste como
linguagem plural.
3.2 O POETA É UM FINGIDOR
Desejo ser um criador de mitos, que é
o mistério mais alto que pode obter
alguém na humanidade.
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!
Fernando Pessoa
A impessoalidade que começa com Baudelaire vai ser ampliada
sobremaneira por Fernando Pessoa. Mas, o poeta sabe que não poesia sem
sujeito, dessa forma, cria os heterônimos para representar o sujeito sem ele próprio,
ou seja, sem um referente real. Os heterônimos serão uma espécie de re-
presentação desse sujeito sem sujeito, metáfora da própria realidade do poeta no
instante em que, concluído o poema, a revelação do seu não ser real – esvaziado de
si pelo sujeito poético – se dá: Conheço-me e não sou eu.”(JÚDICE,1998, p.67)
O que Pessoa vem mostrar, nesse caso, é a possibilidade de levar
às últimas conseqüências o que desde sempre, é visível na poesia:
a capacidade que as palavras têm de reflectirem o sujeito,
desenvolvendo a sua presença através de uma irradiação
11
Kristeva cita K. Marx Engels que percebe que “a linguagem é a consciência real, prática, existindo também
para o outro, existindo, pois igualmente para mim mesmo, pela primeira vez...”
59
subjectiva, que , como o buraco negro do universo, a ver a sua
existência através de sinais invisíveis que são finalmente, os
núcleos ordenadores do imaginário poético. A demonstração
pessoana vem por absurdo: a multiplicação, ou proliferação
aparentemente, caótica, de sujeitos, que se autonomizam de um
sujeito nuclear – Pessoa ele mesmo. Figuras do não ser, esses
sujeitos heteronímicos reflectem, no entanto, essa realidade
essencial do universo poético: a presença do sujeito textual,
substituto – ou metáfora – do próprio Eu. (JÚDICE, 1998,p.68)
Podemos dizer que o Eu é um Outro. O ser do poema é ocupado por uma
figura que não é a figura biográfica, mas uma figura da construção do poema.
Assim, a ideia de que a subjectividade é factor dominante do poema,
e de que o lirismo corresponde a uma entrega ao sabor das imagens
ou das palavras, é cada passo contrariada pela análise do poema e
pela verificação de que quanto mais rigorosa é a lógica que preside
à elaboração da imagem mais conseguido se torna o poema.
(JÚDICE, 1998, p.20)
Fernando Pessoa foi tão intenso que não conseguiu expressar-se através
apenas de uma única criação, desta forma, criou seus heterônimos, personagens
completos com direito a biografia, estilos literários distintos com criação literária
paralela ao seu criador. Dentre os vários heterônimos, três se destacaram: Alberto
Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, que escreve: “Quanto mais eu sinta,
quanto mais eu sinta como várias pessoas,/ Quanto mais personalidades eu tiver,/
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,/ Quanto mais simultaneamente
sentir com todas elas,/ Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente
atento,/ Estiver, sentir, viver e for,/ Mais possuirei a existência total do universo,/
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora(...)”
Assim, Júdice no poema “Turismo”, a partir de um tema absolutamente banal,
que é um grupo de japoneses fazendo uma excursão, inclui os heterônimos
pessoanos:
60
[...] De facto, nunca andei em excursão com japoneses, nem com
o fernando pessoa. Mas, imagino que ele também viajaria em grupo: o próprio
e os heterônimos, com o campos a levar a máquina fotográfica, e o reis a carregar
os livros e o caeiro a arrastar as malas. Chegariam os quatro a uma cidade,
com o ar de quem tem um programa a cumprir, mesmo que não
soubessem o seu destino. Em Madrid é que as coisas se complicam
- por causa da língua. O pessoa
talvez falasse em inglês, embora ninguém o percebesse (a pronúncia
de durban é uma chatice); o campos poderia arriscar
o espanhol – com o reis a rir-se dele; e o caeiro, esse, com a língua de campónio,
cheia de xis, o que até vai bem com o Nietzsche, lá poderia
confundir-se com um galego e levá-los, a todos,
ao prado (e vejo-os aos quatro, embasbacados, em frente
da naja desnuda).
As japonesas das descalzas reales foram-se embora
sem fazer a visita. Mais tarde fui dar com elas, numa esplanada,
a comer hamburgers e beber coca-colas. Na mesa ao lado, um
bando de heterônimos atacava-as com os olhos. Elas
- riam-se, sem perceberem que a coisa era séria,
até porque estavam fora do programa.
(JÚDICE, 1999, p.927)
Segundo Rosa Martelo (2004, p.248), valorizar a tensão emocional do poema,
em detrimento de uma tensão essencialmente verbal, como a poesia de 60 realizou,
irá implicar uma revalorização da legibilidade do próprio processo de enunciação
lírica no enunciado. Ressalta que o próprio Nuno Júdice caracteriza os anos 70
como aqueles em que ‘o jogo não é o da sinceridade dentro do fingimento, como
em Pessoa, mas o do fingimento dentro da sinceridade’. Júdice nos explica o
fingimento pessoano em As Máscaras do Poema (1998):
Pessoa ensinou-nos a evitar a armadilha do eu, essa obstinação
romântica na personalização do autor, na exposição pública desse
universo de emoções e de sentimentos que, finalmente, se reduz a
uma série de figuras de retórica, demasiado artificiais para que
possamos levar a sério no mundo atual. Sem dúvida, ao ler essa
literatura do século passado, o que nos interessa é menos esse
aspecto superficial, esse verniz formal, mas a turbulência de ideias
e de acções que envolvem o imaginário romântico. (JÚDICE, 1998,
p.53)
61
A respeito dessa afirmação de Júdice, concordamos com Ida Alves (2002,
p.183) quando afirma que, numa época dita pós-moderna, o ser acaba por se tornar
uma impossibilidade, mas a negação do ser é ainda uma forma de dizer a sua
existência, mesmo que fragmentada. Discutem-se, portanto, a noção de sujeito, a
transformação da emotividade, a despersonalização e a identidade.
O sujeito lírico da obra judiciana lembra o flanêur de Baudelaire. Deambula
por cafés, ruas, cidades, países, mas, ao observar esses lugares, transforma-os
através de sua subjetividade. Do real, do percebido, passa para o imaginário, o
lúdico, transformando a exterioridade em substância poética. Com o olhar crítico,
coloca o mundo exterior no interior do ser, fazendo de sua experiência sua
enunciação. Não devemos esquecer, entretanto, que sua poética está permeada de
ironia. Mas essa experiência é criação. Sua poética é auto-reflexiva e sua unidade
centrada, exclusivamente, na linguagem.
Assim, Collot aponta essa experiência entre exterior e interior como um processo
de transformação do olhar em matéria-emocão:
[...]C’ est que l’émotion n’est pas un phénomène purement
subjectif. Elle est la réponse affective d’un sujet à la rencontre d’un
être ou d’une chose du monde extérieur, qu’il peut tenter
d’intérioriser em créant um autre objet, source d’une émotion
analogue mais nouvelle: le poème ou l’oeuvre d’art. L’émotion est
donc elle aussi liée à un horizon, qui déborde le sujet mais par
lequel il s’exprime. Elle est le versant affectif de cette relation au
monde qui me semble constitutive de l’expérience poétique. Mais
plus encore que l’horizon, elle échappe à la represéntation, et ne
peut prendre forme qu’en investissant une matière, qui est à la fois
celle du corps, celle du monde et celle des mots. (COLLOT, 2005, p.
2)
62
3.3 PAISAGEM, ESCRITA E SUBJETIVIDADE LÍRICA
Ao falar de olhares, falamos também da construção de paisagens na escrita
poética. Para muitos, a paisagem pode ser definida como uma criação do homem
urbanizado. Um conjunto de formas localizadas em um espaço que, em um dado
momento, exprime as relações entre o homem e o mundo. É fundamental,
entretanto, pensar a paisagem além de um espaço transformado pela ação humana,
é preciso pensar a paisagem como um processo cultural. E, com essa perspectiva, o
olhar é o principal fator de construção da paisagem, seja ela real ou imaginária.
Assim como as paisagens são espaços transformados pelas relações humanas, o
olhar pode ser moldado por condicionamentos sociais e culturais, ou seja, pelas
representações coletivas, ou construções mentais individuais representadas por uma
visão de mundo. Desta forma, Cosgrove (CROSGROVE, 1998 apud VIEIRA, 2006)
afirma que “a paisagem é um modo de ver o mundo”, o olhar como um processo de
percepção. Concordamos com Francastel (FRANCASTEL, 1993 apud VIEIRA, 2006)
quando defende a visão dialética da paisagem como a tríade real-percebido-
imaginário. Então, a construção de sentido se faz através da apreensão do real pelo
sujeito, a exterioridade em diálogo com a interioridade. Retomando Vieira (2006), “se
a paisagem é um olhar, então ela é o encontro da interioridade de quem e a
exterioridade do que é visto, em meio à corporeidade sensória”.
A percepção visual é condição principal para a existência cultural da
paisagem, assim, podemos afirmar que paisagem é um modo de ver. Esse modo de
ver implica uma subjetividade, ou seja, um sujeito numa relação dialética entre o
exterior e o interior, a partir de um ponto de vista, um modo de olhar. Não é por
63
acaso que a paisagem surge exatamente em um período de afirmação do homem
renascentista antropocêntrico.
Ao abordarmos, na lírica, a relação dialética entre o interior e o exterior numa
dimensão do real-percebido-imaginário, percebemos um problema que ocorre, na
poesia de Nuno Júdice e também em outros gêneros escritos em primeira pessoa,
levando o leitor a supor uma escrita autobiográfica. Ora, esse sujeito que cria e
habita imagens do poema deve ser pensado como uma enunciação fingida.
Devemos nos reportar a Dominique Combe para esclarecer a questão:
La poesía lírica plantea en este punto los mismos problemas que
cualquier otro género en primera persona [...] Hoy se admite como
una evidencia que una novela o una narración en primera persona
no presentan necesariamente un valor autobiográfico. La distinción
metodológica fundamental de la narratología es la que separa entre
el narrador y el autor, de manera que el uso de una primera persona
no garantiza la autenticidad o la referencialidad sino que puede
inscribirse en el ámbito de la ficción. Podemos perguntarnos por
qué, en el caso de la rica, el lector continúa identificando
espontáneamente el sujeto de la enunciación con el poeta como
persona: no se entiende por qué una frase como “Tengo tantos
recuerdos como si tuviera mil años” es más autobiográfica que
“Durante mucho tiempo me acostaba temprano”. Esta ilusión
referencial se debe probablemente a la pertenencia oficial e
irrefutable de la novela a los géneros de ficción, mientras que la
poesía es percibida, a causa de la pervivencia del modelo
romántico, como un discurso de la diccíon, es decir, como un caso
de enunciación efectiva. (COMBE, 1999, p.141)
Assim, o real-percebido transforma-se em fonte para a construção das
imagens do poema. Nos poemas judicianos, a questão da ironia evidencia-se,
também, em relação às imagens criadas. Há uma grande ironia em querer nomear
as coisas atribuindo um sentido, uma “verdade” de representação, quando a
linguagem poética vai além da designação das coisas, instabilizando ordens de
sentido. Em relação ao processo poético, Júdice, em As Máscaras do Poema (1998,
p.12), argumenta que o poema se define a partir de algo que tem uma realidade não
64
exclusivamente lingüística, embora seja a linguagem o ponto e partida para outros
campos do poético.
Portanto, podemos inferir que, na criação poética, há uma intenção concreta e
visual. As imagens, segundo Nuno Júdice (1998, p. 24) podem apresentar-se de
duas formas: as retrospectivas, ou seja, que se ligam à memória, encontrada tanto
no poeta, quanto no leitor, coincidindo das experiências de vivência de ambos a sua
motivação; ou as prospectivas, isto é, as que se utilizam da criatividade como
matéria poética, obrigando o leitor a penetrar no imaginário do poeta para descobrir
de que consiste a imagem.
Se tomarmos como exemplo a poesia de Baudelaire, podemos constatar que
ele rejeita uma poesia mais objetiva, mas também reage a certos excessos do
romantismo, assim, é na fusão do objetivo e do subjetivo que se manifesta o ideal
moderno da arte. As paisagens nos poemas resultam do intercâmbio do interior e do
exterior, da fusão do que o mundo propicia e da impressão que o mundo desperta
no contemplador.
[...] La poésie moderne nous invite à nous affranchir de ces
dichotomies, pour tenter de comprendre comment le sujet lyrique se
constitue dans un rapport à l’objet, qui passe notamment par le
corps et par les sens, mais qui fait sens et nous émeut à travers la
matière du monde et des mots. (COLLOT, 2005, p.5)
Podemos observar que o poeta vai denunciar a artificialidade do mundo
contemporâneo, a impossibilidade de realização desse sujeito e a não concretude de
uma emotividade do sujeito lírico. Como afirmamos anteriormente, a partir de
Baudelaire vai se instaurar uma poética que podemos denominar, segundo
formulação de Mallarmé, de um lirismo abstrato. Mas, o lirismo abstrato da tradição
da Modernidade pós-baudelairiana tende a dar espaço para um lirismo figurativo.
65
Rosa Martelo ressalta a enunciação como um aspecto fundamental da poesia
figurativa da poética portuguesa contemporânea. Essa postura vem reforçar um neo-
romantismo em que os poetas, de pós-modernidade, privilegiam a experiência
individual e da memória, o poema como produto da experiência de mundo.
Trata-se, na verdade, de uma revalorização da enunciação lírica (daí
as marcas do processo enunciativo estarem mais presentes no
enunciado); por isso se poderia falar de um registro modal de teor
neo-romântico, desde que ressalvando ser este usado por poetas
que, vindos depois da Modernidade, de modo algum pretendem
recuperar a aura do poeta romântico, como o indica o tom menor
que habitualmente proferem. Embora a prevalência do lirismo
figurativo se manifeste de forma mais coesa nos poetas surgidos na
década de 90, e sobretudo naqueles que começaram a publicar
em meados dessa década, parece inegável ser esta uma linha de
evolução que, na poesia portuguesa, se veio a sistematizar
sobretudo na década de 70 e, muito particularmente, devido a
intervenção crítica e a alguma da poesia então publicada por
Joaquim Manuel Magalhães, mesmo se tal sistematização não
exclui o diálogo com uma tradição que, embora presente de modo
irregular, é anterior. De resto, certos traços que, apesar de não
abrangerem a generalidade dos poetas surgidos ao longo da década
de 90, são particularmente legíveis na poesia dos últimos anos a
exploração lírica do fragmento narrativo em articulação com a
valorização da experiência individual e da memória, a articulação do
poema como experiência emocional do mundo, a importância de
que se reveste a valorização do circunstancial, do particular e do
privado (...). (MARTELO, 2004, p.245-6)
Podemos verificar que essa forma de expressão que tomou conta da poesia
de 90 é uma espécie de lirismo, que não mais expressa uma emoção pura e
simples, mas a periferia de um sujeito que não pára de se pensar, numa
circunstancialidade tal que anuncia uma espécie de realismo, não implicando
nenhuma relação autobiográfica, como muitos podem supor.
[...] Así se impone la idea comúnmente extendida, incluso en
nuestros días, de que la poesía lírica tiene la vocación de expresar
los sentimientos, los estados del alma del sujeto em su interioridad y
en su profundidad, y no la de representar el mundo exterior y
66
objetivo. El lirismo se confunde con la poesia personal e intimista y
privilegia por tanto la introspección meditativa, muy frecuentemente
en tono melancólico, como indica la moda de la elegía. La
subjetividad lírica, por naturaleza introvertida, es esenciialmente
narcisista. Esta distribución retórica de los gêneros, fundada sobre la
oposición filosófica entre lo subjetivo y lo objetivo, atraviesa el
Romanticismo europeo como una evidencia. (COMBE, 1999, p.128)
Pensar o ser no mundo, e o mundo como re-criação desse sujeito que
interage com ele, é refletir sobre a proposta poética judiciana. Citemos seu poema
“Teoria e Prática” do livro Cartografia de Emoções (2001), aliás, título bastante
sugestivo para um livro que pretende pensar o amor como razão da escrita.
Verificamos que o eu-lírico vai construir o poema através de sua experiência
lingüística, pensando o mundo por meio das palavras, ou melhor, experimenta a
tensão entre matéria e emoção.
Era no amor que pensava; mas
poderá pensar-se o amor? Não serão incompatíveis
sentimento e razão? Sim: estabelecia uma distância
entre ele próprio, o ser real, com o corpo
a impor-lhe as suas leis, e essa entidade abstracta
onde se formavam as ideias, e onde podia
desenhar um quadro mental de categorias em que entrava,
de modo impessoal, o próprio amor. O problema
que esse espírito, ou alma, que formulava esses belos
conceitos, não sobrevivia sem o corpo; e ao falar
de amor, era um outro corpo que se materializava
por dentro da ideia, com o rosto, os lábios, os cabelos,
a pele, a voz e as suas ternas inflexões,
obrigando-o a pôr de lado todos os princípios
da ciência. De facto, como delinear uma teoria quando
as tuas mãos entram por dentro das frases, desmancham
o equilíbrio dos parágrafos e das páginas, contaminam
a própria secura dos substantivos com a humanidade
de um murmúrio? Então, não penses no amor;
deixa de escrever: e puxa para ti esse corpo que
te inquieta, como o mais concreto dos ideais, ou
o mais sublime dos paradoxos.
(JÚDICE, 2001, p.38)
67
Diferente do poeta romântico do século XIX, que fez das efusões
sentimentais matéria poética imediata, o poeta do século XX/XXI vai debruçar-se
criticamente sobre o sentimento amoroso para refletir como a escrita poética
contemporânea escreve a emoção, o amor, a subjetividade. Para o poeta, a
imaginação criadora converte-se numa espécie de sonhar-ver. Podemos observar
esse aspecto nas imagens dos versos de “Um poema de amor, ainda” do livro
Teoria Geral do Sentimento (1999), onde a experiência poética evidencia um “Eu”
dominante que se reflete num “Tu” ficcionalizado.
Um trabalho sonâmbulo corrói a vegetação. O vento
assombra o mutismo de suas folhas. Incham com a chuva,
grávidas de uma febre cinzenta. Arranco-lhes esse fruto
com mãos de crepúsculo.
Ponho-o na mesa onde me sentei contigo. Colho
o teu olhar triste; espalho-o no prato onde a vida
arrefece. Comemos devagar cada sílaba do amor que
nenhum de nós pronuncia.
E um coral de silêncio brota dos teus
Dedos, enquanto te afastas.
(JÚDICE, 1999, p. 900)
no poema “O lugar das coisas”, do livro Cartografia de Emoções (2001), o
poeta diz gostar das palavras exatas para nomear, como se o seu significado fosse
o mesmo, como se a linguagem pudesse dar a ver de forma muito objetiva. A
linguagem, no entanto, é irredutível. Existe um vácuo entre o eu e o mundo que o
poeta não consegue preencher. O que se vê, se pela linguagem, e é o próprio
poeta que mostra essa impossibilidade. Resta-lhe a intervenção no mundo da
linguagem como recriação.
Gosto das palavras exactas, as que acertam
com o centro das coisas, e quando as encontro
68
é como se as coisas saíssem de dentro delas.
Essas palavras são duras como os objectos
que designam, pedra, tronco, ferro, o vidro
de espelhos quebrados com o calor da tarde.
Tento incendiá-las quando escrevo, como se
o fogo saísse de dentro da frase, e se espalhasse
pelo campo da página numa devastação de sílabas.
Então, atiro sobre as palavras outras palavras,
água, pó, terra, o ar seco do verão, para que a voz
não fique queimada nesta paisagem negra.
Recolho os restos, os adjectivos, os advérbios,
artigos, preposições, para que só as palavras que indicam
as coisas fiquem no lugar que já tinham.
Pouco importa que as frases percam o sentido. O
que fica são os nomes das coisas, para que as coisas saiam
de dentro delas e as possamos ver nos seus lugares.
(JÚDICE, 2001, p. 21)
Se confrontarmos, sem querer reduzir a sua potencialidade, a arte pictórica
com a poética, percebemos que, na pintura clássica, principalmente, a imagem está
limitada pelo jogo da perspectiva, imobilizada num determinado ângulo. a poesia
requer, apesar de produzir uma imagem, uma série de associações sem fim, num
processo lúdico entre poeta-leitor, num jogo de cumplicidade. As palavras provocam
uma espécie de imagem a se cumprir. São indícios que nos levam a pensar no
processo de refiguração proposta por Paul Ricoeur
12
.
12
Em sua Tese de Doutorado Ida Alves expõe da seguinte forma a tese proposta por Ricoeur: [...] a atividade
narrativa possibilita a configuração / reconfiguração da experiência temporal, o que ocorre a partir da relação
mimética entre a ordem da narrativa e a ordem da ação e da vida, ou seja, três percepções temporais na narração:
a do enunciado, a da enunciação e a do leitor, equivalentes às três mimeses propostas em sua teoria de
tripartição da mimese. A mimese I trata da referência anterior à composição poética: a mimese II é a mimese
criação, função-pivô da análise, com faculdade de meditação e a mimese III, trata da atividade mimética
realizada pelo espectador ou leitor. Com essa divisão, o autor organiza a relação entre os três estágios da
mimese como prefiguração (há uma pré-compreensão do mundo e da ação, nível paradigmático), configuração
(mediação entre acontecimentos ou incidentes individuais e uma história considerada como um todo, fazendo a
junção de elementos heterogêneos e uma ntese dessa heterogeneidade, nível sintagmático) e refiguração
(“marca a interseção entre o mundo do texto e o mundo do ouvinte ou do leitor”). (2000, p.58)
69
Podemos dizer que Júdice, em seus poemas, compartilha a idéia de
paisagem de Collot, uma vez que a paisagem para ele não é nem uma imagem,
nem um espetáculo, mas uma experiência do poeta frente ao mundo Um modo de
ver e sentir o mundo “num fingimento sincero”. Na poética de Júdice, essa questão
fica muito visível no poema “Migrações” do livro Cartografia de Emoções (2001,
p.21), em que o poeta faz a analogia entre a árvore e a alma.
As transformações por que a alma passa
são análogas às daquela árvore que tenho no quintal. Já a vi despida,
ébria, numa anciã de líquidos
e nuvens. Depois vi-a
resplandecente de folhas, pesada,
impondo-me o respeito dos seus frutos – como
se eles não estivessem ali para que eu os colhesse antes que
apodreçam, caídos no chão, ou os pássaros os comam! E
pergunto-me: que relação existe entre
essa árvore nua do inverno, e a árvore sob o verde manto
do verão? Serão os mesmos ramos os que se estendem na sua despida
fragilidade, como se nada os prendesse no ar, e os que ostentam
a jóia de flores e rebentos, com o seu ar primaveril?
Ao cortá-los, para que não tapem o sol às plantas que têm de
nascer à sua volta, penso nesta comparação
entre a árvore e a alma; e em como, nas coisas da natureza, não se liga
a sentimentos, deitando fora o que é inútil para que o novo possa ter
o seu lugar. Mas uma alma não se
deixa podar, como a árvore. O seu crescimento faz-se sobre si mesma; não
perde as folhas de um inverno para o outro; e as novas flores e frutos
crescem
sobre outras flores e frutos, juntando-se nessa mistura que
obriga o homem a decidir, a ter de esquecer partes da sua vida,
mesmo que saiba que a alma guarda tudo, e que um dia tudo voltará
ao de cima.
O que não é diferente, numa alma ou
numa árvore, são os pássaros: tanto esses pardais que o outono leva, e
o calor volta a trazer, como as aves abstractas que cantam, por vezes,
por dentro
da alma, no verão como no inverno. Só que estas, nenhuma fisga
as enxota para o outro lado do muro. São as aves do poema. Voam
num céu de palavras, como se tivessem todo o tempo do mundo
para atravessar o horizonte.O poeta, esse, coleciona-as na página: presas
como borboleta do entomologista louco, debatem-se numa agonia de
70
asas (sim, tal
como esse pássaro visado pelo caçador,
a ave da alma é tão mortal como o sopro do amor).
Então,
dou-lhes a sua ração diária de versos, alimentando-as
com a tua imagem. E elas
sobrevivem.
(JÚDICE, 2001, p.21)
Na memória, as imagens poéticas muitas vezes se constroem, o que Júdice
chama de imagem retrospectiva, e é através da linguagem que elas tomam forma e
proporcionam um diálogo com o mundo. Essa relação dialógica passa,
necessariamente, pelo leitor, que segundo Jorge Luis Borges (2000, p.122): “as
palavras o símbolos para memórias partilhadas. Que são as palavras impressas
em um livro? Nada, absolutamente. Que é um livro, se não o abrirmos? É,
simplesmente um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o lemos, acontece
uma coisa rara: creio que ele muda a cada instante”.
Nuno Júdice em As Máscaras do Poema (1998, p.40) afirma “que se trata de
uma tensão que coloca no horizonte da poesia o próprio humano”. A poesia,
portanto, encontra seu eixo fundamental na vida, no homem, no estar no mundo.
Por exemplo, a representação da ausência da mulher do poema “Dança de Luz” do
livro Cartografia de Emoções (2001, p.15) capta, no silêncio da memória um vácuo
tão cheio de vida, que a memória pode resgatar, numa visão que lembra fios
suspensos de teia interrompida. A memória do sujeito lírico retoma experiências,
tenciona o estar no mundo recriando as imagens.
Folheio as imagens que me deixaste. Só
a luz mudou. O tom seco do fundo. Tudo o resto
se manteve, até o ruído das folhas
quando o vento cresce.
71
Construo a memória nesta
hesitação de tempos. Ponho na mesa
as peças do enigma. Deixo que
se misturem para que nada
se torne simples.
No entanto, o teu nome
chama por mim. A tua voz esvazia tudo
o que está a minha volta. Vens
com a luz branca da noite. Desenhas
o contorno da tua ausência.
Um vácuo tão cheio de vida. Visão
Que lembra fios suspensos de teia
Interrompida.
(JÚDICE, 2001, p.15)
O poeta, através da memória, resgata o perdido e cria as imagens do
poema, as palavras dão forma e visualidade. Na memória, o poeta vai buscar
elementos vários para pensar a poesia como espaço mediador entre o poeta e o
mundo. E prossegue na sua reflexão quando questiona em “Um gesto lógico” de
Cartografia de emoções (2001) O amor é uma experiência abstrata? Um eco de
emoções/ no corpo do espírito? E afirma:
Ponho estas reflexões no prato da filosofia,
que está vazio, em frente de mim. A própria mesa pouco mais tem
do que um copo e um jarro; e despejo desse jarro, imagens
e memórias até encher o copo. Talvez o devesse beber de um trago,
sem pensar em mais nada. Porém, levanto-o contra a luz
da janela: e vejo-te, sabendo que atrás de ti o que eu vejo
é essa idéia de amor que tenho no prato, sem saber o que lhe
fazer de facto, que se pode fazer com o puro imaterial,
a tua ausência física, um objeto construído de recordações,
como se aí estivesse a única forma concreta de te possuir? Então,
tiro este prato da minha frente, despejo o corpo no chão
do poema, e é aqui que te encontro, amor, por entre tudo o que
72
sobrevive destes restos de tempo e de vida.
(JÚDICE, 2001, p.51)
Michel Collot no artigo intitulado, “O sujeito lírico fora de si” (2004), afirma que
um pensamento da carne, como o de Merleau-Ponty, uma poética da matéria-
emoção, como a de René Char, orienta-nos para uma nova concepção e prática do
lirismo, que parecem aptas a responder a certas objeções que seus detratores lhe
fazem.
O sujeito lírico virá a ser ‘si mesmo’apenas através da ‘forma
realizada do poema’, que encarna sua emoção em uma
matéria que é ao mesmo tempo do mundo e da palavra:
‘Como você sabe, o sentimento’ escreveu em outro lugar
René Char, ‘é filho da matéria’: ele é seu olhar
admiravelmente nuançado’. (COLLOT, 2004)
73
4. CONCLUSÃO
Pensar a poesia, na contemporaneidade, é um projeto realizável? Se
pensarmos que o ato poético está num campo diferente do pensamento lógico e
racional, parecerá contraditória tal empreitada. Se pensarmos ainda a poesia na
perspectiva moderna que desacredita da expressão de sentimentos individuais,
parecerá um desafio inútil. A proposta de poesia como exaltação do belo, também,
soará um anacronismo. No entanto, o poesia continua a se fazer e a nos impor
questionamentos. Então nos perguntamos: que deseja esse poeta português
contemporâneo que vai falar de amor em um mundo cada vez mais materialista,
consumista e sem utopias? E tentamos responder: talvez busque, por meio do gesto
lírico parodístico, criar distância e impor um espaço de diferença para sentir-pensar
a linguagem poética hoje.
A poesia como um processo criativo de expressão é uma forma de “tensão
que coloca no horizonte da palavra o próprio humano”, escreve Nuno Júdice. O
sentimento em poesia, na contemporaneidade não é mais a manifestação individual
como no Romantismo. Passa a ser um corpo de palavras que se torna matéria-
74
emoção. Assim, a poesia passa a ser o seu mais constante objeto de reflexão.
Reencontramos então o ponto de vista baktiniano de que o texto “não é só a
linguagem assumida pelo sujeito, mas uma escritura onde se lê o outro”.
Entendemos que o poético tem um lugar fundamental na
contemporaneidade como resistência à massificação e indiferenciação cultural. O
poeta, tal como no romantismo, seria um mediador, mas não do sagrado, e sim
entre o homem e o próprio mundo que habita.
A poética judiciana tem como proposta um caráter reflexivo. O “falar de
amor” não vai expor como verdades impensadas efusões sentimentais, numa
retomada repetitiva de uma retórica romântica, mas propor, no diálogo entre o
“Eu” e o “Tu”, a consideração do próprio ato da criação poética, uma gestualidade
amorosa que se dá a ver na matéria do poema, sua linguagem. Na poesia de
Júdice, o sujeito está em permanente jogo polissêmico. Para isso, o plano da
linguagem não significa fechamento ao ou exclusão do leitor, muito pelo
contrário, o que existe, em sua obra, é uma vontade de diálogo com o sujeito-
leitor e com sujeitos-escritores diversos da literatura ocidental. Assim,
reencontrando autores de diferentes épocas, reencenando gestos de escrita e de
leitura, Nuno Júdice repensa, por meio do falar de amor, uma tradição poética
que gerou a modernidade lírica.
Ao destacar o lirismo amoroso como temática poética recorrente nos três
livros examinados, retomamos a questão romântica da subjetividade. Percebemos
que a grande contribuição romântica foi colocar o “Eu” como parte central de
todas as questões filosóficas e a subjetividade como geradora de conhecimento e
transformação social e mental. Verificamos que os românticos anteciparam a
75
relação de interação com o mundo, que sua subjetividade não era apenas
expressão de si mesmo. A subjetividade, no Romantismo, configurou-se como
uma relação de diálogo com o outro, e o poema passa a ser uma experiência
significativa que é a própria linguagem. Essa experiência setensionada a partir
de Baudelaire constituindo o tecido moderno do lirismo. A poética de Júdice
repensa esses lugares da tradição e problematiza o lirismo na
contemporaneidade.
Para isso, a prática intertextual é recorrente em sua escrita. Ele dialoga
com muitos poetas, mas ao retomar os poetas românticos, vemos que não se
trata de abordar o amor como tema, é mais do que isso, o amor é objeto de
reflexão e passa a ser sua principal matéria-emoção. O “Eu” ficcionalizado é o
outro. Essa despersonalização que começou com Baudelaire vai ser alargada
com Pessoa. Na contemporaneidade, um poeta como Júdice retoma um
romantismo desromantizado. Em seus poemas, verifica-se uma impossibilidade
de concretização do amor como pura emoção. Se algo que possa ser dito é o
próprio poema na sua construção, e é somente essa emoção que pode ser
verbalizada.
Trata-se de um Neo-romantismo que não pára de se questionar, muitas
vezes, com ironia, em relação à constituição da subjetividade, do lirismo e da
paisagem. A poética de Nuno Júdice, nos três livros examinados, é um diálogo
de amor com a poesia e com uma tradição que colocou no centro da atenção a
liberdade de sentir e expor a emoção. Na contemporaneidade, sua poesia não
pode mais acreditar no projeto romântico como totalidade, unidade ou sagração
do gênio, mas pode e faz uma homenagem ao desejo de poesia. A diferença,
76
porém, é que a escrita se faz hoje num mundo em desencanto e, por isso, seja
até mais necessária.
77
5. BIBLIOGRAFIA
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Nuno Júdice: a poesia como matéria emoção / Jacqueline Buzan
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Orientador: Ida Maria Santos Ferreira Alves.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Letra, 2008.
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Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título.
CDD 869.1
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