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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA - PPGS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CHCH
‘NOVAS’ IDENTIDADES, LIMITES E
FRONTEIRAS DO REJUVENESCIMENTO:
EQUIVALÊNCIAS ENTRE IDADE, JOVIALIDADE
E MATURIDADE NO CURSO DA VIDA
Maria Antoniêta Albuquerque de Souza
Recife
2006
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Maria Antoniêta Albuquerque de Souza
NOVAS’ IDENTIDADES, LIMITES E
FRONTEIRAS DO REJUVENESCIMENTO:
EQUIVALÊNCIAS ENTRE IDADE, JOVIALIDADE
E MATURIDADE NO CURSO DA VIDA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Pernambuco, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutora em
Sociologia, sob a orientação da Profa. Dra.
Josefa Salete Cavalcanti, com a co-orientação
da Profa. Dra. Rosilene Alvim.
Recife
2006
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Souza, Maria Antonieta Albuquerque de
“Novas” identidades, limites e fronteiras do rejuvenescimento :
equivalências entre idade, jovialidade e maturidade no curso da vida / Maria
Antonieta Albuquerque de Souza. – Recife : O Autor, 2006. 319 folhas :
il., fig., tab., gráf., quadros.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Sociologia,
2006.
Inclui bibliografia, apêndices e anexos.
1. Sociologia – Mudança social. 2. Construção de identidades – Diferença
etária – Curso da vida – “Jovem idade”. 3. Rejuvenescimento e maturidade –
Análise de discurso – Mídia, Revista Veja. 4. Curso de vida – Deslocamento
de juventude, geração e adultícia (1968-2004). I. Título.
316.44 CDU (2.ed.) UFPE
305.2 CDD (22.ed.) BC2006-009
Em memória dos meus pais,
Antonio Batista de Souza
Arturiêta Albuquerque
Para minha querida filha Nina,
também, para o nosso amigo em comum
Carlos Frederico Castelo D’España.
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-graduação em Sociologia – PPGS, da Universidade Federal de
Pernambuco.
Ao CNPq. pela bolsa concedida durante o período do curso de doutorado.
Às professoras Dra. Salete Cavalcanti e Dra. Rosilene Alvim.
Aos professores Dra. Silke Weber, Dr. Remo Mutzenberg, Dra. Lílian Junqueira,
Dr.Terry Mulhall, sempre acolhendo e enriquecendo as nossas questões.
Aos meus companheiros de turma: Ana Hazim, Aurenéa Oliveira, Célia Magalhães,
Denílson Marques, Drance Elias, Edson Bezerra, Helena Chaves, Keila Cristina,
Luciana Marques, Luciana Caravelas, Paulo Afonso, Ronaldo Laurentino, Salete
Barbosa, e demais amigos do Mestrado e do Doutorado em Sociologia e Antropologia
da UFPE.
Aos meus colegas do Grupo Jovens e Juventudes com os quais pudemos fazer leituras
orientados pela Dra. Rosilene Alvim.
As minhas carinhosas e queridas irmãs Kilda, Elisabete e Margareth, e ao meu irmão
Nazareno.
As minhas amigas, que mais de perto estiveram comigo na caminhada, Heleninha
Chaves, Salete Barbosa, Ana Maria Pessoa, Fabiana Pereira, Dalva Yone Lopes.
Obrigada pela sincera amizade.
Ao Milton Mascena, atento às reportagens na mídia.
RESUMO
Esta tese tem por objetivo explorar os limites e fronteiras de identidades, que interferem na
constituição dos sentidos e dos valores dos lugares sociais que ocupam no momento em que
se constituem. Busca processos de diferenciação e de homogeneização, que produzem os
princípios de ordenação e hierarquias de valores nos espaços sociais, suas divisões simbólicas.
Usamos a noção de “lógica da diferença e da equivalência” (LACLAU; MOUFFE, 1985),
uma operação de análise das representações modernas das identidades, que penetra nas
relações entre o “interior” e o “exterior”, desvelando o modo como foram produzidas, a partir
de oposições binárias. As identidades e as diferenças, que as distinguem, se constroem no
ponto em que se encontram umas e outras: na distância do sentido de um certo conteúdo
“interior” e do seu suplemento “exterior”, que especifica o significado da diferença pela
equivalência ao que lhe é semelhante. Assim, as fronteiras que estabelecem a negatividade
do social e os limites que as constituem são analisadas através dessa lógica da articulação
hegemônica, que integra a concepção de discurso de Laclau. Para, um exercício mais
performático dessa relação construtora de posições de sujeito - em que se leva em
consideração os sistemas de diferenciação e de identificação, as hierarquias de valores dos
lugares no discurso e a consideração do Outro, exploramos o conceito de “entre-tempo” de
Homi Bhabha (2001) e as contribuições dos estudos culturais de Stuart Hall (2003).
Definimos, como ponto inicial do trabalho de pesquisa, o final da década de 1960,
considerado como o momento de deslocamento do sistema de idades modernas em que o
“adulto” representava o “centro”, para entendermos como está se reordenando um novo
‘centro’ que deu visibilidade à ‘juventude’ e, logo após, à ‘velhice’. Procuramos traduzir a
forma como estão se redefinindo os sentidos do conjunto do sistema de relações e práticas de
construção de idades, através dos textos-amostra das reportagens de capa da Revista semanal
brasileira Veja (1980- set. 2004). Analisamos as articulações discursivas que produzem os
sistemas de equivalência das redes de sentidos dos termos idade, maturidade e jovialidade,
trazendo efeitos de diferenciação e identificação no intervalo de idades 30-69 anos, opondo-se
ao envelhecimento. A tese nos permite indicar um movimento, cuja tendência se orienta para
a construção de um discurso que desloca a “maturidade” como concebida na “cronologização
da vida”, e a produção de efeitos sobre as fronteiras da juventude e da velhice após 1968, não
para constituí-la como uma “nova fase”, talvez como uma etapa intermediária do ciclo da
vida marcada pelo “rejuvenescimento”. A organização de suas fronteiras – com o
crescimento/‘juventude’ e o envelhecimento/ ‘velhice’ - prioriza a ‘autocontrução’ regulada
de identidades pela capacidade e o poder para escolher e decidir.
Palavras-chaves: Cultura, Diversidade, Identidade, Curso da Vida, Idade, Rejuvenescimento.
RÉSUMÉ
Le thème central de cette thèse est la construction de limites et de frontières par
positionnements d’identités qui interfèrent dans la constitution des sens et des valeurs des
lieux sociaux qu’ils occupent au moment où ils se constituent. Il cherche de processus de
différenciation et d’homogénéisation qui produisent les principes d’ordre et d’hiérarchies de
valeurs dans les espaces sociaux, leurs divisions symboliques. Nous avons utilisé la notion de
« logique de la différence et de l’équivalence », apportée par Laclau & Mouffe (1985). Un
procédé d’analyse des représentations modernes des identités qui penètre dans les relations
constitutives entre l’ « intérieur » et l’ « extérieur », à partir d’oppositions binaires. Les
identités et les différences, qui les distinguent, se construisent au point où se rencontrent les
uns les autres : dans la distance de sens d’un certain contenu « intérieur » et de son
supplément « extérieur », qui spécifique le signifié de la différence par l’équivalence à ce que
lui est semblable. Ainsi, les frontières qui établissent la négativité du social et les limites que
les constituent sont analysées à travers de logique d’articulation hégémonique qui intègre la
conception de discours chez Laclau. Pour un exercice plus performant de cette relation
productrice de positions de sujet (identités) – dont on prend en considération les système de
différenciation et d’identification, les hiérarchies de valeurs de lieux dans le discours et la
considération d’Autrui – nous avons exploité le concept d’ « entre-temps » de Homi Bhabha
(2001) et les études culturelles de Stuart Hall (2003). Comme point de départ du travail de
recherche, nous avons défini la fin de la décennie 1960, moment de déplacement du système
d’âges modernes où l’ « adulte » représentait le « centre », pour bien comprendre comment se
réordonne un nouveau « centre » qui a donné visibilité à la ‘jeunesse’ et, tout de suite après, à
la ‘vieillesse’. Nous cherchons traduire la forme comment se redéfinent les sens d’ensemble
du système de relations et de pratiques d’âges, à travers des textes-épreuve des reportages de
couverture de la revue hebdomadaire brésilienne VEJA (1980 à septembre 2004). Nous
analysons les enchaînements discursives qui produisent les systèmes d’équivalences des
réseaux de sens des termes d’âge, de maturité et de jeunesse, en apportant les effets de
différenciation et d’identification entre l’âges 30-69 ans, en opposant au vieillissement. La
recherche a permis d’indiquer un mouvement dont la tendance s’oriente vers la construction
d’un discours qui déplace la « maturité » comme conçue dans la « chronologie de la vie », et
quelques effets soufferts dans les frontières de la jeunesse et de la vieillesse après 1968, non
pour la constituer comme une « nouvelle phase », peut-être comme une étape intermédiaire du
cicle de la vie marquée par le rajeunissement. L’organisation de ses frontières avec la
croissance/‘jeunesse’ et le vieillissement/‘vieillesse’ – priorise l’autoconstruction réglée de
l’identité par la capacité et le pouvoir de choisir et décider.
Mots clés : Culture, Diversité, Identité, Course de la vie, Âge, Rajeunissement.
ABSTRACT
The theme of this thesis is the construction of limits and boundaries identity that interfere in
the sense and values of the social spaces occupied by individuals. It aims to analyse
differentiation and homogenization processes, which produce the ordering of value and
principles of hierarchy in the social spaces, its symbolical divisions. I used the notion of
“Difference and equivalence logic” (LACLAU; MOUFFE, 1985). An operation of analyse of
the modern identity representations that penetrates in the constitutive relations between
“inside” and “outside”, unveiling the way how the relations were produced from binary
oppositions. The identities and the differences that distinguish them are built at the joint point,
in the distance of the sense of a certain “inner” content and its “outsider” supplement, which
specifies the meaning of the difference by the equivalence to what is similar to it. Thus, the
boundaries that establish the negativity of the social and the limits that constitute it are
analysed through this hegemonic articulation logic, which is part of Laclau’s discourse
conception. To a more performing exercise of this relation, builder of subject positions
(identities) – in which it is taken into account the differentiation and identification systems,
the value hierarchies of the discourse places and the consideration of the Other, I explored the
Homi Bhabha’s (2001) “inter-time” concept and Stuart Hall’s (2003) cultural studies. I have
defined the 1960s as the initial point of the research in order to understand how a new
“center” is being reorganized, which gave visibility to the “youth” and, soon afterwards, to the
“elderlyness”. I aimed to translate the way the whole system sense of ages and the practices
that it implicates is being redefined, through the sample-texts of the cover items of the weekly
Brazilian magazine Veja (1980-september 2004). I analysed the discoursive articulations that
produce the web sense equivalence system of the terms age, maturity and youth, which brings
about differentiation and identification effects in the 30-69-age interval that is against the
ageing process.The research allowed me to indicate a movement whose tendency is orientated
to the construction of a discourse, which dislocates the “maturity”, as it is perceived in the
“life chronologization” and the effects felt in the youth and elderlyness boundaries after 1968,
not to build it as a “new phase”, but, perhaps, as an intermediate phase of the life cycle
featured by the “rejuvenation”. The organization of its boundaries – with the growing/
“youth” and the ageing/ “elderlyness” – prioritizes the regulated “self-construction” by the
capability and the power of individuals to choose and decide.
Key-word: Culture, Diversity, Identity, Life course, Age, Rejuvenation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: A EMERGENTE ‘JOVEM IDADE MADURA’ E LONGEVA ........ 11
CAPÍTULO 1 AS NOVAS VOZES E AS DESORDENS NO CURSO DA VIDA.......... 33
1.1 Os Ruídos Sobre as Idades e o Curso da Vida Moderno ............................................. 33
1.1.1 O Curso da Vida Moderno e Seus Calendários Etários ................................................. 36
1.2 A Busca da Unidade nas ‘Passagens’ no Curso da Vida ............................................. 40
1.2.1 O Prolongamento da Juventude e a “Moratória” ........................................................... 42
1.3 O Foco na Descontinuidade ............................................................................................ 47
1.4 A “Cronologização da Vida” e o Poder Disciplinar ...................................................... 50
1.4.1 Controles Sobre a Vida e Regulação da População ...................................................... 50
1.4.2 Controle Disciplinar da Subjetividade e “Aparato de Subjetivação” ............................. 53
1.5 O Curso da Vida Incorporado ....................................................................................... 59
1.6 O Predomínio da Subjetividade: Categorias de Referências Internas ....................... 63
CAPÍTULO 2 ELEMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA A TRADUÇÃO
DAS DIFERENÇAS DE IDADES ..................................................................................... 78
2.1 Sujeito, Posição de Sujeito e Hegemonia ...................................................................... 78
2.1.1 Entre a Identidade e a Identificação ............................................................................... 78
2.1.1.1 Interpelação e Identificação ........................................................................................ 80
2.1.2 Atos de Decisão, Agentes de Decisão e Representação ................................................. 86
2.2 A Tarefa da Rede de Equivalência: Fronteira, Limite e Hegemonia ..........................89
2.2.1 “Exterior Constitutivo”, “Entre-Tempo” e Inscrição do Agente .....................................92
2.2.1.1 A Categoria “Entre-Tempo” .........................................................................................95
2.2.1.2 O Contemporâneo Entre o Passado e o Presente ...................................................... 199
2.3 Construindo as Pegadas do ‘Sujeito Agente’ na Pesquisa
........................................ 101
CAPÍTULO 3 O CONTEXTO DA ‘JOVEM IDADE’ E O AFASTAMENTO DAS
FRONTEIRAS DO CURSO DA VIDA .............................................................................105
3.1 A Redefinição dos Conceitos de Juventude e Geração ........................................107
3.1.1 A Identidade de Geração e Juventude ...........................................................................107
3.1.2 Articulação Ciclo Vital e Curso da Vida ......................................................................113
3.2 Fragmentos do Jovem Envelhecimento – A “Terceira idade” ..............................123
3.2.1 Traços da Configuração “Terceira Idade” ....................................................................123
3.2.2 Feminismo, Envelhecimento e Jovem Idade..................................................................130
CAPÍTULO 4 O UNIVERSO DA PESQUISA ................................................................ 140
4.1 Os Três Principais Momentos da Análise ................................................................... 140
4.2 A Opção Pelo Texto de Mídia e Procedimentos Para Análise ................................. 141
4.3 Corpus: fragmentos de Veja ......................................................................................... 147
4.3.1 Sobre a Agência Veja ................................................................................................... 147
4.3.2 A Escolha dos Títulos e Subtítulos de Capa, Parágrafos ............................................. 149
4.3.3 Seleção de Arquivos ......................................................................................................151
4.3.4 Citações ........................................................................................................................ 153
4.3.5 Critério Para Eleição das Capas .................................................................................. 154
CAPÍTULO 5 RASTROS DE UMA ‘NOVA’ CONFIGURAÇÃO DO
AMADURECIMENTO
.................................................................................................................................155
5.1 Até onde Prolongar a Vida? O Significado da Longevidade .....................................155
5.1.1 Longevidade, Saúde e Corpo ........................................................................................156
5.1.2 A Era da Saúde ..............................................................................................................158
5.1.3 Vida Sem Saúde, Velhice e Morte ................................................................................163
5.2 Os Limites Superiores das Jovens Idades Maduras ...................................................166
5.3 Estratégias de Antienvelhecimento ...............................................................................172
5.3.1 Desarticulação Doença, Velhice, Idade ....................................................................... 172
5.3.2 Desarticulação Maturidade, Experiência e Sabedoria ..................................................174
5.3.3 Maturidade: Capacidade Para Ponderar Escolhas? .......................................................180
5.4 As Fronteiras do Antienvelhecimento ..........................................................................185
5.4.1 Os Limites Inferiores: Passaportes Para a Maturidade................................................. 190
CAPÍTULO 6 O HORIZONTE DAS JOVENS IDADES MADURAS ........................ 196
6.1 A Eleição do Domínio de Si e a Mente Incorporada .................................................. 196
6.1.1 Estratégias Terapêuticas de Controle da Subjetividade............................................... 200
6.2 Hormese’, Um Símbolo do Horizonte de Referência Interna ................................. 210
6.3 Regulação da Escolha: Construindo a Negociação ‘Objetivo do Consumo’ e a
‘Livre Escolha’ .............................................................................................................. 216
6.3.1 Nos Rastros das Negociações: Pausas Para “Revisão” e “Relocação” das Escolhas
do Consumo Supérfluo .................................................................................................. 217
6.3.2 Sistematização do “Entre-Tempo” ‘Livre Escolha’..................................................... 222
6.4 Negociando a Diferença no “Envelhecimento Ativo” ................................................ 224
CAPÍTULO 7 IDENTIDADES EMERGENTES DO ‘REJUVENESCIMENTO’ ...... 228
7.1 Equivalências entre Jovialidade e Maturidade: “Kindults” e “Pós- adolescentes”,
Resistências à Maturidade?............................................................................................ 228
7.1.1 Aderências à Infantilização na Maturidade .................................................................. 234
7.2 Controle e Isolamento da Subjetividade: Marcas Terapêuticas ............................. 239
7.2.1 Maturidade, Solteirismo e Solidão...... ......................................................................... 239
7.2.2 A Geração 70, o Lugar dos Solteiros e Solitários ........................................................ 240
7.2.3 Solteiro, “Yuppie xxi” e o Novo Casamento ............................................................... 244
7.3 A Sexualidade na Maturidade Rejuvenescida
.................................................. ......... 248
7.3.1 Fissuras Entre Sexo e Reprodução – Distanciamento da Função Sexual? ................... 248
7.3.1.1 Sexo e Reprodução Após os 40 anos ........................................................................ 253
7.4 O Lugar das Agências na “Segunda Guerra dos Sexos” .......................................... 257
7.5 No Horizonte, a Cura, a Aparência e o Sexo/sexualidade ......................................... 266
CONCLUSÃO: RELAÇÕES ENTRE IDADE, MATURIDADE E JOVIALIDADE 273
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 294
APÊNDICES E ANEXOS .................................................................................................. 308
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
1 GRÁFICOS
Gráfico 1 BRASIL: Ganhos absolutos nas esperanças de vida às idades exatas no período
de 1991-2000 ...........................................................................................................15
Gráfico 2 BRASIL: Ganhos relativos nas esperanças de vida às idades exatas no período
de 1991-2000 ...........................................................................................................15
2 TABELAS
Tabela 1 Público Alvo de Veja. Razão por Idades, 2004 ......................................................148
Tabela 2 Situação Conjugal das Mulheres por Grupos de Idades, 1970-2000......................241
Tabela 3 Solitários. Taxas de Grupos de Idades e Sexo. Ano 2000...................................... 242
3 QUADROS
Quadro 1 Revistas Semanais:Veja, Época, Isto É. Média Anual de Circulação.1990-2000 148
Quadro 2 Marcas do Calendário Biológico: Jovens dos 30 aos 60 anos ..............................188
Quadro 3 Ponteiros Com 12 Horas de Especificação de Anos de Rejuvenescimento .........270
4 FIGURAS
Figura 1 Tendências Nodais do Rejuvenescimento no Discurso JIM ..................................272
Figura 1.1. Calendário Biológico Básico de Rejuvenescimento Possível ............................272
LISTA DE APÊNDICES E ANEXOS
1 APÊNDICES
Apêndice A - Síntese da Desconstrução do Agente e a Operação da Agência no “Entre-
Tempo”..............................................................................................................308
Apêndice B - Edições de Veja. Lista por Ano, Seção, Edição e Título. Mar.1970–Set.
2004.......................................................... ......................................................309
Apêndice C - Edições de Veja. Agrupamentos Por Temas, Ano e Mês. Março 1970-
Setembro 2004..................................................................................................312
2 ANEXOS
Anexo A – Tabela 4 Projeção da População Brasileira. 2001-2050. Esperanças de Vida ao
Nascer e Taxas de Mortalidade Infantil, por Sexo..............................................316
Anexo B – Tabela 5 Brasil: Esperanças de vida ao nascer e ganhos no período – 1991-
2000 ......................................................................................................................318
Anexo CTabela 6 População Por Razão de Sexo. 2000, 2005, 2010................................319
11
INTRODUÇÃO: A EMERGENTE ‘JOVEM IDADE MADURA’ E LONGEVA
Esta tese versa sobre os limites e as fronteiras simbólicas que constituem as
identidades, particularmente, a partir de algumas concepções da sociologia sobre as manchas
nas representações etárias que enfraqueceram o sistema “cronologização do curso da vida
moderno”, e das tentativas para rearticular o valor das identidades etárias em outros termos.
Tomamos por base o recurso discursivo para desconstrução de identidades, “lógica da
equivalência e da diferença” (Laclau & Mouffe), associado ao conceito de “entre-tempo”
desenvolvido por Homi Bhabha (2001), para explorar a hipótese de trabalho de que as
identidades se constroem posicionadas em limites e fronteiras sendo despojadas de fixidez
assegurada.
Assim, desenvolvemos, metodologicamente, as condições para proceder a uma análise
de discurso, através de fragmentos de textos da revista brasileira Veja
1
, mantendo como pano
de fundo a questão: como estão se organizando os limites e as fronteiras das posições
articuladas por idades, em face da grande visibilidade da juventude e da velhice, em nossos
dias? Como se trata de um fenômeno que pressiona nas fronteiras centrais do curso da vida
moderno, em condições demográficas de alargamento de todas as “classes de idades”, então
temos um problema: os processos nele envolvidos provavelmente engendram uma luta para
subtrair do sentido de “maturidade” os efeitos negativos associados ao início do
envelhecimento.
Se essas problemáticas são indicativas de um curso da vida pós-moderno
2
, ou se trata
de uma tendência para reforçar as identidades anteriores são preocupações que têm rondado o
debate sobre aspectos variados sobre o curso da vida. Em geral, tem-se passado de um ponto
ao outro, quando se recomenda (LACLAU, 2000b) que não se devem repensar análises
apenas em termos de ênfase em tipos das diversas diferenças, e proceder-se a uma inversão no
modelo que tenderia a recair na extrema valorização dos processos de individuação ou
personalização na construção da intersubjetividade.
1
Títulos e subtítulos de capas da revista semanal Veja da década de 1970 a setembro de 2004, e textos de
reportagens de capa das décadas de 1980, 1990 até setembro de 2004. Embora a análise contemple o contexto de
1970 e a década de 1980, a concentração do estudo dá-se entre o final de 1980, a 1990 até 2004, quando, entre
outros aprofundamentos, anuncia-se no discurso a “Idade biológica” como sendo a “Idade Real” ou “Verdadeira”
de uma pessoa.
2
Usamos o termo mais para referirmos aos processos da modernidade, como fizeram Featherstone e Hepworth
(2000) e Bassit (2000, p.223), que neles se baseiam, que estão sendo revertidos, especialmente as normalizações
das idades cronológicas e suas transições: “o curso da vida será fundamentado na desinstitucionalização e na
não-diferenciação, ou seja, na desconstrução de todos os parâmetros utilizados anteriormente para a análise do
curso da vida das pessoas; enquanto a modernidade estabeleceu parâmetros claros [...] irá obscurecê-los de
novo”.
12
Sendo hoje, a pluralidade e a diversidade reconhecidas, esses princípios universais de
classificação, expressos nos calendários etários, poderiam ser tomados, como sugerem Laclau
(2000a), Bhabha (2001;1996), Hall (2003, 1996), como um terreno da ‘emancipação’ onde a
cultura seria tradutória e constituidora de diferenças. É tentando uma aproximação com essas
duas problemáticas - construção da identidade e da diferença no sistema etário de
classificação simbólica - que abordaremos alguns ângulos desse processo de re-construção
dos limites na hierarquia de valores das idades, no intervalo entre 30 e 69 anos
3
, do irregular
fio discursivo sobre o curso contemporâneo da vida.
Parte dos marcadores do “sistema de cronologização da vida moderna” que entrou em
crise na década de sessenta, ao desatar-se de seus calendários de institucionalização, mostrou
o ’ciclo vital’ que estava acinzentado pela construção da “adultícia” e do “adulto”, que
anunciava a proximidade do envelhecimento perto dos 40 anos. Em 1980, o indivíduo ao
nascer já esperava ter mais de vinte anos pela frente após essa idade; em 2000, mais de trinta
anos para ser qualquer outra coisa em certo ‘declínio’: meia-idade, idoso(a), velho(a), coroa,
lobo(a) e outros nomes de domínio bastante expandido entre todos.
Não seria, então, ponderado afirmar que a visibilidade da “juventude” e da “velhice”
deve-se, em grande medida, às demandas pelas posições nas idades centrais e aos anos a ela
agregados para a reestruturação do estágio intermediário do “ciclo vital”?
4
Afinal, com a
visibilidade da “juventude” e da “velhice”, como se reordena a fronteira de inclusão e
exclusão no intervalo correspondente às idades centrais do sistema?
Preocupações distintas, mas interligadas, perpassam essas questões. Destacamos o
problema da continuidade/ descontinuidade dos lugares sociais em face dos calendários
temporais do sistema de “cronologização da vida moderna”, e a forma como foram
construídas as suas representações em torno do centro da “cultura adulta”. Assim,
organizamos o texto desta tese em dois momentos. No primeiro tratamos destas questões, cuja
pertinência com respeito ao objeto de estudo sobressai no capítulo “teórico-metodológico”,
quando podemos considerar as relações e as demandas diversas pela inscrição de sentidos
sobre as idades, mesmo que, nesse caso, sejam estas colocadas pelo saber científico.
3.Naturalmente, esses limites 30 a 69 anos não são limites totalmente excludentes, há indefinições e
sobreposições em diferentes momentos, constituem apenas uma abstração para efeito de recorte das estratégias
que são utilizadas nos próprios fragmentos dos textos que serviram de amostra. Esses limites foram constituídos
a partir desse discurso sobre as jovens idades maduras (JIM).
4
A concepção de “ciclo vital” , em qualquer sociedade, depende do modo como se concebe a gestação e a morte,
e a capacidade histórica de intervenção nesse processo.
13
No momento seguinte, tratamos da análise dos fragmentos de textos-amostra da
pesquisa. Cuidamos da forma como vão sendo rearticuladas as relações que valorizam e
desvalorizam os processos, os lugares sociais e as relações e práticas que os constroem pela
identificação e diferenciação de idades. Esse procedimento orienta-se pela hipótese de que
essas referências das idades são constitutivas da vida cotidiana, o modo como as concebemos
interfere no “curso” de nossas vidas e na percepção do “ciclo vital”.
Nas representações coletivas modernas, a relação entre o que somos e o que não somos
é tratada como “interior” e “exterior”: aceitava-se que o indivíduo tinha um núcleo “interior”
fixo ao nascer que ia se formando por processos de aprendizagem, por interiorização ou
aculturação, até tornar-se completo - “adulto”, capaz de viver por si mesmo a cotidianidade.
A distância entre os mundos “interior” e “exterior” seria “preenchida” pelo ideal da
“interação” que ao atingir essa plenitude da identidade confundia-se com a “maturidade
adulta”, e a própria sociedade.
Essa concepção implicou a organização social do tempo para uma “geração biológica”
da espécie humana tornar-se adulta (em geral dura entre 25 ou 30 anos), e promover a
renovação do “ciclo da vida” através das “gerações”. Constituindo um sistema de regras,
normas e padrões de comportamento situado temporalmente e orientado por “passagens”
seqüenciais que basicamente designam o tempo de espera pré-adulto e pós-adulto, numa
perspectiva da interação social pelo acúmulo de conhecimentos, e o equilíbrio das sucessões.
Evidentemente, quando os sistemas institucionais e culturais se complexificam e se
expandem, o conjunto dos atributos naturalizados, os valores e as normas, que conferiam um
fundamento para os lugares sociais previamente estabelecidos, tornam-se insuficientes para
responder às demandas pelo reconhecimento de diferenças e manter os controles institucionais
estabilizados. Por isso credita-se às mobilizações do final de 1968 uma crise dessa qualidade
(SEGALEN, 1999; FORQUIN, 2003).
Ao nascer, o indivíduo tinha, e tem uma “idade de nascimento” e alguma
probabilidade social para morrer. A vida foi dividida em “classes de idades” que serviram de
fronteiras para as “fases” com base no eixo trifásico: infância, adultícia e velhice, que
estabelecem as referências para o desenvolvimento biofisiológico do ciclo vital humano
5
. A
5
As duas principais bases para o tratamento da maturidade associada aos calendários etários são a teoria de
Erikson: normative-crises model e Neugarten: timing-of-event-model. O modelo de ‘crise’ baseia-se no
desenvolvimento humano composto de estágios adequados do ponto de vista físico, emocional e cognitivo. Na
medida em que uma tarefa ‘adequada’ a um determinado estágio não fosse cumprida, os demais estágios
estariam prejudicados. O modelo de Neugarten parte da insatisfação que acarreta uma percepção da distância
(assincronia) entre a expectativa média do curso da vida e a experiência individual. Essa experiência seria o
‘evento não-antecipado’, entendido como ‘traumático’. Por exemplo: não sair de casa ou não casar com uma
14
continuidade das “fases”, que acompanham as “gerações biológicas”, procura garantir o
equilíbrio da reprodução natural das “classes” mais jovens, da maturidade, da velhice, tendo
em vista a reprodução da padronização dos comportamentos e dos conjuntos de papéis,
associados a cada “fase” (núcleos de aprendizagem), mantendo a unidade do sistema. Bem
ativa no após II Guerra, a alternativa mais forte a esse modelo era a perspectiva de “classe
social” como determinante dos lugares sociais e do movimento das “gerações ”.
Além de essa forma de estruturação social moderna basear-se na necessidade de
promover diferenciações para homogeneizar processos na vida social, a simples constatação
de que as divisões dependem da esperança social do tempo de vida já contribui para tornar
contingente a fixidez dos calendários do sistema “cronologização do curso da vida”
6
, que se
consolida, digamos assim, na passagem para o século passado. A esperança de vida ao nascer,
entre 1940 e 1990, aumentou de 41,5 para 67,7 anos de idade, ou seja, uma média de mais de
5 anos por década. Os maiores ganhos desse índice ocorreram na década de 80, quando
aumentou de 53,5 anos de idade, em 1970, e para 61,8 anos, em 1980
7
(GRAF 1).
As análises do IBGE (GRAF 2) indicam que, se por um lado, os maiores ganhos
absolutos na expectativa de vida, ao longo do período 1991-2000, são observados nas
primeiras idades, por outro lado, as grandes variações relativas ocorrem nas idades mais
avançadas. Isso não é surpreendente, porque as elevações na esperança de vida guardam
estreitas relações com o paulatino aumento da longevidade humana. Os anos a mais para
viver, associados ao aumento de grupos populacionais proporcionados pela civilização
moderna (a biociência e a biotecnologia), pelo menos desde a metade do século passado, vêm
alterando intensamente a maneira como até então ajudou a construir os limites e fronteiras
trifásicas contribuindo para a implosão do sistema.
certa idade, ficar viúvo cedo, morrer jovem, etc. “A ansiedade pode ser gerada pela não adequação temporal
entre a perspectiva cultural e a progressão da vida pessoal” (MENDES DA SILVA, 1996).
6
Termo utilizado por Held para ressaltar a desinstitucionalização ou a descronologização, efeito da
burocratização da vida social (citado por DEBERT, 1999, p.54 ).
7
Indicadores sociais: uma análise da década de 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1995, p.33, quadro 04. Fonte:
IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de População e Indicadores Sociais, Tábua de Mortalidade para o
Brasil – 1991, 1998-2000. Esses números diferem um pouco dos apresentados na tabela de projeção prevista em
2004, em ANEXO A, a esperança em 1980 é de 62,60.
15
GRÁFICO 1
GRAFICO 2
16
A visibilidade dessa forma moderna de “juventude”, muito se deve à noção de
“subcultura juvenil” ou “cultura jovem” e a sua ligação de dependência com a “cultura
adulta” , em meio a expansão dos meios de comunicação de massa na metade do século
passado. Esse momento é fundamental para a inteligibilidade da organização dos grupos
de idades que se seguem nas décadas posteriores; particularmente, das que predominam nos
textos analisados.
Sombreadas as fronteiras e os limites dessa “cronologização do curso da vida
moderna” tende-se a reestruturar uma ‘nova’ ordem etária ou as idades não fazem nenhum
sentido? Como foi possível borrar as fronteiras e ao mesmo tempo manter a visibilidade nas
duas pontas? Quais as principais categorias conceituais que foram deslocadas favorecendo
esse distanciamento de fronteira e o descentramento da cultura adulta? Mudou a forma
predominante da representação moderna? Como poderíamos proceder a uma (re)leitura
contemporânea das articulações que, possivelmente, produzem as ‘novas’ representações de
identidades etárias?
Podemos considerar a premissa de que o sistema de “cronologização do curso da vida
moderno” contribuiu e sofreu parte dos efeitos de inadequação, que atravessou o conjunto de
instituições que garantiam a reprodução da sua unidade, produzindo renovações acima da
intensidade de tensão tolerável entre padronização e diversificação. Essas pressões por
renovação nas fronteiras da “maturidade adulta” desestabilizaram o centro desse sistema
específico da organização do curso da vida pelo enfraquecimento das demandas de
equivalências das “fases” ‘incompletas’ com o imaginário “adulto”?
Perdida, pelo menos em parte, essa centralidade da identidade adulta transparece que a
vida é constituída através de atos de escolhas e de decisão dos sujeitos, evidentemente
regulados, mas não a ponto de impedir inteiramente o processo de autoconstrução de
autonomia (subjetividade). As representações são em grande parte construídas nesses três
espaços, portanto a tradução de uma identidade deve ser feita nesses limites e nas fronteiras
(não-nós), porque são nelas que se encontram as possibilidades no campo, desnivelado,
assimétrico e arrítmico das escolhas, para a busca do nome próprio.
Os contextos plurais e diversificados da modernidade exigem que os processos de
representação sejam repensados, tendo em vista descortinar essa tendência à padronização que
tende a enfraquecer as diferenças sociais. A proposta de Laclau (2005) é para que busquemos
no terreno da distância entre os sentidos do “universal” e do “específico” o processo de
constituição das representações de identidades. Assim podemos discernir por que motivo,
17
entre vários sentidos que poderiam ser escolhidos numa cadeia de diferenças, um “específico”
prevaleceu como se fosse o único existente para responder à necessidade de todos, geral.
A questão da homogeneização/ heterogeneização atravessa a fantasia da identidade
baseada em um sujeito herdeiro do iluminismo ainda muito “dono de si”, que , centrado, era a
fonte de todos os sentidos do mundo que o cercava (autocogniscente, autoconsciente,
racional), que transformava a natureza (HALL, 1999). A essência de sua identidade baseava-
se, pois, numa razão fundante predominante até o século XIX, dotando-a do poder de
conhecer o seu comportamento e de controlá-lo. As funções e os conflitos, conforme Oliveira
(2006), que eram “explicados” e “solucionados” por essa lógica, passam a ter seu equilíbrio
questionado. É nesse questionamento que nós encontramos uma ameaça para um dos nomes
desse sujeito – o “adulto” -, que se vê obrigado a lidar com a “fissura” na sua unidade
(“interior” e “exterior”).
A identidade “adulto(a)” ilustra o que seria uma unidade fixada como a norma
(universal), um meio privilegiado de hierarquização das diferenças e das identidades. É
através dela que sutilmente os atos de poder se manifestam (“atos de decisão”), porque
elegem uma identidade como parâmetro para as demais serem avaliadas e hierarquizadas. Diz
Tomas Tadeu da Silva (2000, p. 63), “a força homogeneizadora da identidade normal é
diretamente proporcional à sua invisibilidade”. Essa particularidade nos torna mais seguros
que nos limites da “maturidade adulta” transformações radicais e menos ruidosas ocorriam e a
sua força homogeneizadora transparência não a sua face, mas as posições de fronteiras da
“velhice” e da “juventude”, uma vez que as identidades, são, indubitavelmente, relacionais.
Como outras instituições, esse sistema de estruturação moderna dos calendários etários
funciona como mecanismo que possibilita estimular e manter o ideal democrático iluminista
de igualdade de todos perante a sociedade (lei) e a liberdade para ser como se é. As crianças,
os adultos e os velhos são diferentes, mas todos têm o mesmo “direito”. Assim, em princípio,
perante a ‘lei’, as crianças e os velhos podem reivindicar os direitos que gozam os adultos.
Entretanto, crianças e velhos são considerados formas incompletas de adulto, e por isso
necessitam dessa referência externa para constituírem suas identidades, e, sem essas formas
inacabadas, saliente-se, a ‘plenitude adulta’ seria “vazia”, não teria nenhum sentido.
A identidade do sujeito se constitui, assim, nos limites da sua mesmidade, e pela
diferença perante as demais (que a inclui e exclui em dada posição). Desse modo, as
homogeneizações trazem em seu bojo a tendência à fragmentação (a diferenciação) que, do
ponto de vista da sociologia normativa, é controlada pelos processos de internalização dos
valores, status e papéis regulados através do conjunto de instituições. As fronteiras e as
18
divisões das identidades etárias eram delineadas por esses parâmetros normativos de
equivalências universais que, com ou sem patologias, como eram em geral vistas as
especificidades, ou como mais tarde foram tomadas as disfunções, garantiam um certo senso
de fixidez que proporcionavam o sentido de orientação na cotidianidade da sociedade
industrial.
Consideramos que, na década de sessenta, a configuração “cronologização do curso da
vida moderno” implode pelos efeitos das manchas e das confusões nos pontos de
alinhamentos de limites internos e de fronteiras, produzindo sobreposições de sentidos e
valores, invalidando regras e normas e questionando a autoridade cultural “adulta”.
São essas pistas de desarticulação e rearticulação no sistema de idades que buscamos
no contexto da metade do século passado, momento denominado por Hall (1996; 1999) de
“Novos tempos”. Alguns episódios marcam a passagem para esses “tempos”, quais sejam: 1.
a revolução cultural dos anos 60, particularmente 1968; 2. o slogan feminista O Pessoal é
político questionando a relação “interior” e “exterior” da identidade e a psicanálise e a
redescoberta das raízes inconscientes da subjetividade e; 3. as revoluções teóricas dos anos
1960-1970 com atenção na linguagem e na representação (semiologia, estruturalismo e pós-
estruturalismo). Nesse sentido, para Hall, a dimensão do retorno da subjetividade questiona e
sugere novas reflexões sobre a relação objetividade e subjetividade. Resguardadas as devidas
competências, necessidades e proporções, consideramos aspectos desses itens constitutivos do
“contexto” de deslocamento das fronteiras e limites da “cronologização do curso da vida”.
Praticamente, ao lado da crise desse sistema, que recebe a marca de 1968, as
produções de Foucault sobre o “micropoder” e o “poder disciplinar” contribuem para
algumas novas análises das diferenças sociais (sexo, etnia, gênero e, depois, geração). A
genealogia mostra a tendência aos processos de individualização que produzem o isolamento
entre os indivíduos à medida que a sociedade ocidental se complexifica. Mesmo inconclusa,
nessa obra, esse autor vislumbra, no final da década de 1980, um reposicionamento do poder
disciplinar generalizado e controlador das relações de subjetividade.
Em vários estudos realizados nas décadas de setenta e oitenta, Foucault mostra como
na modernidade se desenvolveu um “poder disciplinar” e o exercício desse poder sobre a
população viva, através de pelo menos três elementos constitutivos das relações sociais: o
tempo, a idade e o corpo. O que implicou em disciplina e ordenação, seleção, classificação,
divisão e hierarquização para controle da vida social individual (através do domínio sobre o
corpo) e coletiva (controle das populações, biopolíticas). Ao Estado Moderno coube a tarefa
19
da administração e controle burocrático do processo com o auxílio dos saberes diversos e
científicos (inclusive da sociologia que se sistematizava) e da tecnologia.
Consideramos esse “contexto” por entender que, pela perspectiva pós-estruturalista de
construção de prática discursiva de identidades baseadas na equivalência e na diferença, os
sistemas complexos estruturados por redes de limites e fronteiras, nos quais podem ser
incluídos os sistemas cronológicos da vida humana moderna, necessitam ser abordados a
partir da consideração como foram construídos. A equivalência dos sentidos, que se
condensam em identidades e se dispersam sistematicamente em diferenças, tem seu momento
discursivo no encontro desses dois pontos estruturantes das divisões e hierarquias de valores
sociais.
Para Hall (1999), nas últimas obras de Foucault, a produção da subjetividade como um
“objeto do mundo” apóia-se nas “tecnologias do eu” e implica considerar as práticas de
liberdade em processos de subjetivação:
[...] as práticas de autoconstituição, o reconhecimento e a reflexão, a relação com a
regra, juntamente com a atenção escrupulosa à regulação normativa e com os
constrangimentos das regras sem os quais nenhuma subjetivação é produzida
(HALL, 2000, p. 123).
As tecnologias do “eu”, a consideração de práticas discursivas historicamente
específicas, e a auto-regulação normativa são os principais elementos que Foucault articula
para teorizar como os sujeitos são constituídos, o que ultrapassa as respostas que se limitam a
mostrar como os indivíduos são convocados para seus lugares sociais (Ibid., p. 126).
Como acrescenta Domènech (et. al., 2001, p. 114), em torno da “crise do eu” muitos
olhares tentam diferenciá-la, mas todos eles dirigem-se a um ponto: o “eu” migra do “privado
mundo das psiques individuais” (psicologia) para “estar no mundo com os outros”. Em parte,
isso se deveu à aceitação de que a capacidade reflexiva da espécie humana permite o auto-
representar-se, sendo a reflexividade considerada a “habilidade para sermos conscientes de
nossa mesmidade” (p. 114), para a construção da identidade do “eu”.
Mas a conscientização da mesmidade não trata do “eu” que permanece o mesmo e que
tudo inclui sem costuras de diferenciações interna, “[...] sempre e já, o mesmo idêntico a si
mesmo”, “[...] mas do mesmo que se transforma” através de negociações das diferenças e da
exclusão nas narrativas do “eu” (HALL, 2000, p. 108-109).
Sendo as identidades o resultado de atos de criação lingüística, ou seja, não são
“criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo social e cultural”
são constantemente produzidas ativamente por meio da linguagem (SILVA, 2000, p. 76). E a
natureza da linguagem é tal que faz com que confundamos o signo com o referente, o
20
significante com seu conteúdo. O signo é sinal repetível, uma marca, um traço daquilo que ele
substituiu e uma marca daquilo que ele não é (o conceito ou a “coisa”). Essa última
particularidade quer dizer “que nenhum signo pode simplesmente ser reduzido a si mesmo, ou
seja, a identidade [...] A mesmidade (ou a identidade) porta sempre a marca da outridade (ou
da diferença)”: “sou jovem”, “não sou velho”, “não sou adulto” etc. Assim, as relações de
identificação e diferenciação são relações de poder para incluir e excluir
8
.
Duas Palavras Sobre Identidade e Discurso como Prática Articulatória
Tratar da mesmidade significa abri-la à alteridade, que ultrapassa a afirmação da
positividade (essência) pela demonstração das suas diferenças em face das outras identidades
com as quais se relacionará (MOUFFE, 1990). No ideário iluminista da democracia, a
autonomia da identidade assume a forma da equivalência de sentidos que se condensam e se
dispersam sistematicamente no jogo das diferenças. Assim, o momento discursivo se dá no
encontro desses pontos estruturantes de fronteiras e limites onde se encontram as duas lógicas
da equivalência e da diferença.
A teoria de discurso de Laclau (1993; 1985) se desenvolve com base numa
compreensão de que o social se constitui simbolicamente através e pelas identidades e as
diferenças de sentido/relações das posições de sujeito, em seus movimentos de negociação
dessas diferenciações e identificações, das concorrências e das disputas. Como afirma Laclau
(1996), é por meio desses movimentos que as diferenças aparecem deixando marcas dos
limites da forma como a relação de alteridade foi considerada no ato de “escolha” e
“decisão”, no momento da “reinscrição”.
As formações discursivas onde predominava a diferença eram relativamente estáveis, e
os grupos formavam unidades de identidades coletivas essencialmente dadas. Dizíamos,
acima, que essa categoria da “diferença” é marcada pela lógica da unidade no plural, que, não
obstante as variações, tem um núcleo duro de sentido; este núcleo seria a negação de que a
diferença é constituída nas relações entre os homens e os seus mundos.
Segundo esse autor (2000a), o século XX começou com três ilusões sobre a
possibilidade de acesso a essas unidades, a essas coisas mesmas: “o referente”, o “fenômeno”
e o “signo”. Pontos de partida das três tradições do saber: filosofia analítica, fenomenologia e
estruturalismo. Em algum momento, nessas tradições, a “ilusão do imediato se desintegra e
ela passa a uma outra forma de pensamento em que a mediação discursiva se torna primária e
8
As idéias do autor baseiam-se em Derrida, grifo meu (SILVA, 2000, p.80).
21
constitutiva”
9
. Assim, na perspectiva da equivalência, a questão da totalidade das
representações é repensada a partir da regularidade e da dispersão das posições de sujeito
dentro da linguagem no discurso.
A mediação discursiva para acesso ao real, nessa perspectiva, absorve a concepção que
o discurso é constituinte do social sendo este construído por relações que dão sentidos as
práticas na vida social, o que coloca na margem os significados definitivos e as identidades
dotadas de essência imutável. A construção do social “realizada pelo discurso se faz por meio
do posicionamento do sujeito em face da densidade de opções para as escolhas na batalha para
fixar os conjuntos de “pontos nodais”, necessários para darmos significados às referências e
garantirmos os conjuntos da vida social (LACLAU; MOUFFE, 1985).
Na teoria de Laclau & Mouffe, o conceito de “ponto nodal” (articulação hegemônica)
não resulta da irradiação de um “centro” privilegiado que garante a transparência dos limites.
A produção desse “ponto” é uma relação metonímica
10
, seus efeitos emergem de um
“excesso” de significado que resulta em uma posição de “deslocamento” do sentido. Os
“pontos nodais” estabilizam contingencialmente o significante na direção do significado que
produz o sentido hegemônico (articulação do elemento que predominou na distância entre
significante e significado).
A redução das possibilidades de equivalências dos sentidos para identificação, pela
limitação do campo de opção das escolhas, é realizada pelo trabalho das regras e normas que
governam a “interação” conferindo uma essência ou natureza geral a cada particularidade
(LACLAU, 2000b). É através desse nível da “equivalência” que se alcança o momento
essencial para a prática hegemônica, porque na relação entre o “interior” e o “exterior” de
uma identidade há uma “folga” que não permite a transparência absoluta dessa interação do
sentido entre a “norma” e a sua “especificação”.
9
Na filosofia analítica, o marco seria Investigações Filosóficas, de Wittgenstein; na fenomenologia, a analítica
existencial de Heidegger e, no estruturalismo, a crítica pós-estruturalista do signo (Laclau inclui também
Gramsci no marxismo). Para essa crítica, elege Lacan com a primazia do significante ‘simbólico’ e a
desconstrução (Derrida) com as estruturas “quase-indescidíveis”: suplementariedade, interação, re-marca, e
similares, que constituem o horizonte do momento empírico, e possibilita a decisão em condições de complexa
relação de internalidade/externalidade com o horizonte transcendental. Por esse entendimento, não existe objeto
sem condição de possibilidade que o transcenda (LACLAU, 2000a, p. 82).
10
1 figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma
significação que tenha relação objetiva, de contigüidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente
ocasionalmente pensado [Não se trata de relação comparativa, como no caso da metáfora]. [...]1.1 relação
metonímica de tipo qualitativo (causa, efeito, esfera etc.): matéria por objeto: ouro por 'dinheiro'; pessoa por
coisa; autor por obra: adora Portinari por 'a obra de Portinari'; divindade: esfera de suas funções; proprietário
por propriedade: vamos hoje ao Venâncio por 'ao restaurante do Venâncio'[...]” (Dicionário Houaiss. Verbete
Metonímia).
22
Essas normas, que regem as regras de “interação”, são sempre transgressíveis
(contingentes), porque são, da mesma forma, relações de equivalência
11
, com algo externo
tomado como necessário que “suplementa” essa “folga” na estrutura da identidade,
produzindo a ficção da unidade entre a particularidade especificada na diferença e a
identificação com esse algo externo (necessário).
Nessa crítica pós-estruturalista ao ‘fundacionismo’ das representações modernas, a
consideração da pluralidade das diferenças sociais e culturais, e a possibilidade de
transgressão às normas e às regras, a partir da perspectiva discursiva da vida social, também,
produzem mecanismos de resistências à intensificação de isolamentos e individualismo.
Processos semelhantes ao que Foucault chamou “dispositivo de subjetivação”. Acredita-se
que esse redirecionamento do autor faz parte da tendência à reconsideração do sujeito em
processos ativos e por toda parte, constituindo, também, suas posições, questionando normas
e as representações das autoridades culturais.
Na teoria de discurso que vimos tratando, a representação passa a ser um terreno onde
operam essas duas lógicas incompatíveis de homogeneização e diferenciação
(continuidade/descontinuidade). O seu papel não é representar uma “vontade” é, sim, traduzir
e considerar, no processo de negociação, alguma coisa que não seja o seu próprio interesse,
é esse momento que produz a imagem da “reinscrição” dos significados dos limites dos
lugares sociais, o momento do retorno do sujeito agente que traz efeitos de “subjetivação”.
Por essa perspectiva, e como produto do trabalho dessas lógicas no discurso, o que
temos são “pontos nodais” posicionados nos limites e fronteiras que dão significados ao
conjunto sistemático das diferenças de idades. Neste texto, esses momentos decisivos de
construção de lugares sociais tornaram-se mais visíveis quando, na análise, nos detivemos
tratando da construção da simbolização do “horizonte” que serve como referência para o
campo discursivo de identificação e diferenciação “jovem idade madura”, e quando
desenhamos alguns limites dessas posições etárias e fronteiras de negatividades.
A fronteira que garante esse processo de ‘fechamento’ da estrutura da identidade com
seus próprios recursos “internos” mantém a heterogeneidade “frente” à estrutura dessa
identidade no sistema de diferenças (LACLAU, 2003, p. 82). O encontro da diferença e da
identidade traduzido no movimento de distanciamento do sujeito de algo externo (universal)
com o qual se identifica tendo em vista a sua especificidade (suplemento) e a consideração do
11
Laclau (2000b) usa as categorias do heideggerianismo sendo o nível da pura lógica da diferença o nível
ôntico” (ente existente, múltiplo e concreto) e o da “equivalência” o nível “ontológico” (refere-se à essência ou
natureza geral de cada particularidade; opõe-se ao nível ôntico).
23
Outro (o exterior constitutivo) - produz o efeito de “subjetivação” para constituição da
identidade.
Assim, em sua crítica à essência
12
das identidades, esse autor em pauta considera que
esse fechamento ‘interior’, que garante a distinção em face das outras identidades, é realizado
pela lógica da diferença. Do ponto de vista lingüístico, essa lógica é combinatória tendendo a
prevalecer até estabelecer uma fronteira lingüística de diferenciação interna. Já a lógica da
equivalência é paradigmática, associativa, ao cruzar com o discurso da substituição
(metáfora) destaca-se, promovendo através dos sistemas de diferenças a ‘negatividade do
social’ pela clivagem da dicotomia, pressupondo-se que esse espaço disjuntivo das
experiências sociais tem uma fronteira interna, através da qual as identidades estabelecem
relações de substituição parcial de um lado a outro.
O metafórico campo social das equivalências, onde os sentidos se condensam em
“pontos nodais”, é dividido a partir da diferença. Por meio dessas lógicas regem-se os
princípios de divisão, classificação e hierarquização simbólica que configuram as relações
assimétricas e arrítmicas no campo dos critérios e das possibilidades de escolhas e decisões
dos elementos diferenciais que podem ser articulados. Nessa concepção, o discurso é
articulação de sentido e de prática hegemônica e não há espaço para conceber a representação
como um conceito unificado e transparente (LACLAU; MOUFFE, 1998).
A seleção, ordenação, classificação de valores simbólicos, como conceitos unificados
e transparentes de hierarquias de posições e lugares sociais em limites e fronteiras, são
imagens que temos de nós mesmos, de um grupo(s) com relação a(os) outro(s) que orientam e
que conduzem as dinâmicas das ações e as atitudes, e as posturas dos comportamentos
concretizados nas experiências (práticas).
Discursivamente, a objetivação do social implica esses embates pelas “escolhas” e
“decisões” efetuadas através das demandas diversas e das reivindicações, por necessidades e
interesses, que se revelam em diferentes assimetrias de posições e desnivelamentos na
estrutura social. Nesse sentido qualquer discurso visa sempre dominar o campo da
discursividade, na tentativa de deter as diferenças para construir um “centro” que fala sobre a
“verdade do social” (BURITY, 1997a, p. 16). Por isso, a dimensão social é primariamente
perpassada pelo conflito e por identidades contingentes e dependentes de contextos.
12
Afirmar a essência de algo significa afirmar a sua identidade positiva, portanto, consiste em mostrar as
diferenças em face das outras identidades com as quais se relacionará Laclau & Mouffe (1985, p. 196). Isso leva
ao conceito de autonomia que, no ideário democrático do iluminismo, vai além da positividade e da diferença,
assumindo a forma da equivalência entre identidades. Para este autor (LACLAU, 2000b), a “autonomia” envolve
a luta para a constituição e um nome, e, em geral, está associada à relação de subordinação
24
Transformado num terreno de ‘campo de batalhas’ por fixação
13
de sentidos, o social se abre
à pluralidade das opções para escolhas e decisões dos agentes sobre os significados das
situações e dos processos que envolvem a vida social (LACLAU; MOUFFE, 1985).
Destacando Pontos Articulados na Tese
Esta tese tem como objetivo analisar alguns momentos decisivos de “atos de escolha”
que desenham os lugares sociais nos limites e nas fronteiras da emergente configuração
discursiva sobre as idades que tende a tornar-se hegemônica (JIM). Para tanto, estruturamos
este texto em dois momentos. No primeiro, tratamos de situar as principais leituras sobre o
abalo da hegemonia do sistema “cronologização do curso da vida moderno”, seus
“esvaziamentos” e os principais movimentos para ressignificá–lo, inclusive, situando onde se
localizam algumas demandas em defesa do antienvelhecimento, e a nossa proposta para
proceder à análise dessas relações próximo aos últimos vinte anos.
Entre as tentativas predominantes para re-articular diferenças e identidades etárias,
destacam-se: a que se aproxima do modelo de autorização de “passagens” e “moratória”, e a
ênfase na relação tecnologia/eu/corpo/cultura que exige mudanças “pós-modernas” mais
radicais nos indicadores bioculturais. Perpassando as duas tendências, ergue-se o privilégio
das narrativas individuais de cursos da vida fragmentados, enfatizando-se a construção de
identidades por processos personalizados (pessoalizados ou individualizados). Nesse
entremeio, é que a nossa proposta para a leitura das negociações etárias, no terreno da
equivalência e da diferença, sobretudo através dos textos de Veja, possibilita introduzir
processos de “subjetivação” na construção das identidades borradas e marcadas pelas imagens
dos seus retornos (sujeito), agora como agentes de decisões.
Esse momento de representação da ‘subjetivação’, com a interferência externa
constitutiva que negocia os lugares de sujeitos, sugerido por Laclau (2003), consideramos
semelhante da identidade cultural pós-colonial
14
construída através do movimento simbólico
do “retorno do sujeito como agente”, proposto por Homi Bhabha (2001). Esse autor introduz
no momento da enunciação uma pausa para considerar a negociação – um “entre-tempo”.
13
Na teoria de discurso de Laclau & Mouffe (1985), oponto nodal”, que fixa a articulação do sentido
hegemônico constitui um dos cinco componentes da teoria. Eles estabilizam contingencialmente a direção da
relação entre o significante e o significado que produz o sentido que prevalece, tornando esta uma articulação
‘hegemônica’. Como esclarece BURITY (1997a, 16), “Os pontos discursivos privilegiados dessas fixações
parciais constituem-se nos pontos nodais que são alvos e resultados das lutas hegemônicas numa dada formação
social”.
14
Sobre identidades pós-coloniais, ver o próprio Bhabha (1996, 2001) e Hall (2003 a, c, k) nos textos:
“Pensando a diáspora: reflexões sobre a terra no exterior”; “Quando foi o pós-colonial? Pensando no limite”;
“Que negro é esse na cultura negra?” e Hall (1996).
25
Mesmo que a questão da “auto-representação” cultural da identidade produza uma imagem da
“individualização”, ela é mediada e tem a marca dessa fissura simbólica que interfere no
processo de negociação (‘um terceiro’, não localizável) da subjetividade, tornando esse
momento essencialmente coletivo de questionamento e tradução da identificação e da
diferenciação.
Essa ênfase nos processos de subjetividade, a força das redes dos significantes do
rejuvenescimento, o enfraquecimento da “cultura adulta”, a extrema valorização da cura, entre
outros traços do discurso da JIM, nos levaram a indagar se são esses elementos efeitos da
“crise” de valores e normas na metade da década de 1960. Inquietando-nos sobre quais
categorias conceituais foram deslocadas favorecendo a visibilidade da fragmentação do
“sistema de cronologização do curso da vida moderno”.
Nosso pressuposto é o de que, se existe a possibilidade de uma mudança importante na
forma predominante de leitura da representação moderna do sistema das idades, no terreno da
fissura entre o signo universal e o particular, não poderíamos compreendê-la sem o
entendimento de aspectos desse deslocamento dos sentidos. Sobretudo, se temos em vista que
as demandas por mudanças valorativas e normativas desestabilizaram esse sistema específico
de idades cronológicas, baseado em personalidades (conteúdos de status e papéis) que toma
por centro o “adulto”, produzindo, pois, “vazios” sociais. Nas principais defesas sobre a
dissolução do curso da vida moderno, ilustradas no capítulo 1, destacam-se essa irrelevância e
o conseqüente apagamento das fronteiras trifásicas, falando-se de sociedades atuais
‘unietárias’ ou ‘bifásicas’. Seja por efeito do afrouxamento institucional dos marcadores de
diferenças, ou por efeito dos sistemas de informação e comunicação, para citar as mais
relevantes entre as várias possibilidades de fatores atribuídos às mudanças.
Podemos, então, considerar o pressuposto que o sistema de “cronologização do curso
da vida” sofreu, através de efeitos do conjunto das instituições que garantiam a sua
continuidade e reprodução, problemas de inadequação de parâmetros de padrões de
comportamentos e valores normativos e institucionais.
Assim, ao buscarmos esse momento na metade do século passado (capítulo 3),
encontramos traços do deslocamento dos conceitos de “juventude”, “geração”, “longevidade”
(que não quer dizer apenas viver mais anos), e o trabalho de inversão da relação idade/ jovem
conduzindo à significação da rede de equivalências do significante jovem/ idade como um
valor hegemônico para qualquer idade, contribuindo, internamente, para a dissolução dos
limites e manchando as fronteiras do curso da vida moderno.
26
Ao lado desses processos internos, a intensificação do processo de globalização, o
feminismo e as lutas por identidade, o movimento cultural juvenil, a popularização da cultura
e os modos de vida (estilizados), a mediação da linguagem como meio de acesso ao real, a
ênfase no consumo, o questionamento do sujeito auto-referente, a fragmentação do poder, o
predomínio do significante e a consideração do inconsciente, em algum ponto, atingem as
formas fixas dessas representações de idades.
Essas tendências são cruciais para o trabalho do discurso sobre as idades na década de
noventa. Até porque estão no bojo das relações que modelam a “terceira idade”, na década de
oitenta, na fronteira dos valores menores da “velhice”, configurando um modo particular de
jovem envelhecimento, contribuindo para reorientar a direção e o sentido do significante
“envelhecimento” para a negação da degeneração biossocial e da debilidade mental.
Dessa forma, temos por objetivo (‘empírico’) explorar como algumas disputas pelas
equivalências (e diferenças) de redes de sentidos dos termos “maturidade”,
“rejuvenescimento” e “(longev)idade” estão tentando ressignificar essa etapa intermediária do
“ciclo da vida” pelo reordenamento de novas simbolizações nas hierarquias das divisões das
idades no curso da vida social. Esse objetivo orienta-se pela hipótese de que, nesse contexto,
propenso à identificação da ‘jovem idade’ longeva, as relações entre “idade”, “maturidade” e
jovialidade” interferem no redesenho da fronteira e limites que o discurso, tomado para
nosso estudo, está privilegiando organizar.
O centro de nossa questão pertence ao sítio dos interstícios o qual, por falta de nome
mais apropriado para o termo ‘maturidade’ nesse contexto específico, chamamos ‘jovem
idade madura’ (JIM). Talvez, o campo que ordena as referências para a significação de todo
um imaginário do amadurecimento
15
no ciclo da vida, inscrevendo no discurso os elementos
estruturados por idade e diferenciando-os nas posições diversas do “curso” de nossas vidas.
Assim, o foco subjacente passa pelas questões: o que haveria de específico na ênfase às
referências internas na construção das identidades JIM? Quais as formas de re-inscrição dos
sujeitos em diferentes posições de idades? Como escolhem e decidem nas negociações por
autonomia?
Pressupomos que a luta para fixar “pontos nodais” a serem identificados nas redes
desses significantes se desenvolve não somente como adesão, resistência, assentimento ou
15
Burity (1997a, p. 15) esclarece que na teoria de discurso de Laclau as noções de “sistematicidade, relações e
diferenças constituem o horizonte de sentido das identidades”, o que implica na impossibilidade de completa
totalização e representação. Nas palavras de Mouffe (1993, p. 115): “a própria impossibilidade de atingir uma
completa representação empresta o papel de um horizonte, que é a condição de possibilidade de qualquer
representação dentro do espaço que delimita”.
27
silenciamento da “cultura adulta”, mas em qualquer outro lugar coberto pelo limite do
“horizonte” de inteligibilidade do significante “jovem idade madura” (JIM). Não se deve
pensar que o nome JIM assuma o formato que represente uma “fase da vida” que indica a
plenitude e o declínio do “adulto” ou o início efetivo da “velhice”, pois o tratamos mais como
o terreno do horizonte de referência para processos de identificação de qualquer idade.
Esse momento tornou mais inteligível o discurso que se abre sobre as idades após
1980; nesse ponto, iniciamos o segundo momento desta tese. A análise dos textos-amostra
visa pontuar as principais marcas que vão tecendo a busca da unidade do discurso sobre a
maturidade, e que vão se definir com maior clareza na metade da década de noventa e nos
primeiros cinco anos de 2000. Prevalece a ênfase nos limites de subjetividade,
intersubjetividade e corpo, tendo por orientação as regulações (e disciplinas) que controlam os
processos, as relações e as práticas de “escolhas”, sobretudo no espaço da cura e da doença,
do sexo e da sexualidade.
Sendo ou não, ainda, problema elaborado pelo saber científico, as pessoas e seus
grupos se apercebem muitas vezes sem o lugar social aos quais estavam acostumados e
sentem dificuldades para tomar referências sobre como procederem e conduzirem-se. Várias
dessas questões, não obstante recentes, não foram ainda problematizadas de modo sistemático
pelos diversos saberes. Nas abordagens sobre esse problema da dissolução do curso da vida
moderno, o traço em comum são as referências às relações de pluralidade das diferenças
sociais: raça, etnia, idade e geração, gênero e sexo, ou mesmo ‘estilo de vida’. Porém, não
predomina o princípio no qual o sujeito se distingue pela sobreposição dessa pluralidade
cultural, que o torna estruturalmente cindido e, como decorrência, contingente.
Como os sujeitos são cindidos com narrativas fragmentadas, segundo suas diferentes
posições, a consideração sobre os seus lugares e a forma como são representados torna-se uma
exigência. Ademais, como o indivíduo não vive ativamente apenas com a mente, a
simbolização do ‘corpo’ e a maneira como é produzido, cuidado e utilizado têm sido
importantes para a sociologia das idades. Sobretudo, quando a ênfase na ‘jovem idade’ remete
diretamente à aparência e à capacidade de desempenho e expansão do ‘corpo’ e da ‘mente’, e
à saúde e à doença nas demandas e batalhas pelo “rejuvenescimento”, ou
antienvelhecimento”.
Nesse celeiro de indefinições sobre as idades, que vão aceleradamente alterando no
cotidiano os aportes normativos de segurança individual e coletiva, para a realização das
nossas atividades mais simples, a luta para a absorção desse largo campo de controle e
domínio sobre os corpos e as ‘mentes’ (eus), organizados por idades, torna-se um terreno de
28
luta por posições de sentido da maior relevância. Remete diretamente à organização da vida
humana e ao modo como a própria “comunidade” (HALL, 2003l, p.258-259) se vê, se avalia e
desenvolve suas relações, atividades e sonhos nesse ecossistema com os antepassados, os
contemporâneos e os porvindouros humanos e/ou ‘pós-humanos’ e ‘não-humanos’.
No discurso sobre as idades, hegemônico nos fragmentos estudados, o questionamento
sobre a validade da ‘idade cronológica moderna’ se dá mais de perto pela enunciação da
‘Idade Verdadeira’ (Real Age)
16
. A luta pelo rejuvenescimento medicalizado e terapêutico,
tendo em vista a longevidade associada à retórica de ‘autoconstrução’ e ‘autoconhecimento’
do corpo e do ‘eu’ de aparências rejuvenescidas e ‘sadias’, talvez se possa dizer que constitui
a versão mais direta da recente luta pela significação das idades de grupos considerados em
condições econômicas e financeiras medianas
17
. A importância do prolongamento do ciclo
vital está em que o bem estar e a aparência da juventude podem ser prorrogados (Veja,
Capa.Ed.1957, 2006).
Praticamente, o recurso à “terapia” passa a ser um direito individual, autorizado pela
ciência médica num contexto em que a ‘idade cronológica’, como vinha sendo relacionada
biofisiologicamente ao ‘corpo’ humano, não se sustentaria como a “Idade Verdadeira”. Como
recentemente anunciado, teríamos estado ‘equivocados’ por mais de um século, por isso
precisamos de novas referências e redefinições conceituais [idade/corpo/mente (eu)].
Trata-se de um posicionamento sobre a “maturidade” e a “longevidade” e a
“jovialidade” que interfere no olhar sobre a “juventude” e o crescimento, e a “velhice” e o
envelhecimento da população. Inclui estratégias radicais para ressignificar as idades antes
consideradas próximas à “velhice” ou à “terceira idade”, mas não é para retardar propriamente
o envelhecimento ou a velhice. Visa considerá-las idades da “maturidade” nos códigos do
“rejuvenescimento”, através da alteração do campo semântico e de processos de
monitoramento de atitudes e comportamentos que envolvem as escolhas e as decisões.
Embora nunca tenhamos falado em rejuvenescer - o tempo corre em uma única
direção, para frente. Agora podemos. Apesar de não poder mudar a idade
cronológica, você torna sua Real Age mais jovem (ROIZEN, 1999, p.14).
16
Corresponde ao livro Real Age – Are you as Young as you can be? De autoria Dr. Michael F. Roizen (1999),
expressa o pensamento (inclusive de outros quatro cientistas) do Instituto Real Age. O livro foi publicado nos
Estados Unidos e traduzido no final do mesmo ano no Brasil, onde já está na 5ª edição. Esse instituto, sediado
em Chicago, tem origem na University of Chicago, E.U.A, e funciona como ‘fonte’ extremamente importante de
significados sobre momentos importantes no discurso ‘anos a mais’: sobre autopreservação para a garantia do
antienvelhecimento e o distanciamento das idades cronológicas do corpo e fragmentação do corpo. A revista
Veja, de circulação nacional, explora, também, a opinião de outros cientistas e especialistas, em geral brasileiros,
que considera autoridade, para dialogar consigo e com os leitores sobre esse discurso.
17
Grupos considerados por Veja, seus leitores efetivos e potenciais.
29
As duas configurações, a da “cronologização do curso da vida moderno” e essa
emergente, que nomeamos ‘jovem idade madura’ (JIM), “rejuvenescimento” ou
antienvelhecimento”, são em muitos aspectos conflitantes, sobretudo no ponto concernente à
centralidade “adulta”. As áreas mais vulneráveis à oposição e aos antagonismos
18
referem-se
à relevância do “interior” e da aparência, da saúde e da doença e às relações de
sexo/sexualidade - as marcas biológicas e fisiológicas do envelhecimento e degeneração do
corpo e da mente. De outra forma, nas decisões sobre a autoconstrução do
antienvelhecimento, o ‘Outro’ o lugar deste ‘Outro’ é remetido para o espaço da negligência e
da incapacidade individual ou pessoal do “eu” e do “corpo”, para a busca da constante ‘auto-
realização’ do ‘rejuvenescimento’, pela “cura” e a “terapia”.
No que se refere ao conjunto das informações coletadas para a análise, composto de
textos da revista brasileira impressa semanal de informação e atualidades, Veja, julgamos bem
apropriados para a exploração da construção de identidades limítrofes.
Cientes do poder construtor de identidades da mídia, e referindo-se à “lógica da
equivalência” como um instrumento de crítica, Laclau (1996) e Hall (2003l) destacam a
importância das análises desses textos. Os “efeitos”
19
de sua operação podem desvendar a
forma como foram construídos os universais modernos, enfraquecendo algumas diferenças
particulares. Ao defrontar-se, consciente ou não, com essa tarefa de selecionar o que mostrar e
esconder, incluir e excluir, a agência de mídia se coloca em muitas posições diferenciadas
introduzindo sistemas simbólicos que solicitam sempre levar em conta as diferenças
“externas” de seu próprio campo e fora dele. Até porque a agência Veja, além de zelar pelo
que pretende tornar hegemônico, deve estar ativa na consideração da demanda do campo de
informação midiático que sempre ultrapassa as revistas semanais de informação brasileiras
(VERÓN, 2005) sobretudo pelo destacado lugar que ocupa no campo jornalístico.
As referências contextuais provêm de demandas de várias áreas da vida social que
estão em atividade ou que o discurso tem interesse em tornar aparente na disputa simbólica,
visando a aderências ou a resistências à identificação. São essas disputas por sentidos muitas
vezes conflituosas, que garantem a possibilidade da “repetição” e a fixação de novas
articulações (“pontos nodais”).
18
Como bem sintetiza ŽiŽek (1993, p.260) , para Laclau e Mouffe, uma relação antagônica não é nem
contradição nem oposição, é uma relação impossível entre dois termos: cada um deles impede o outro de
alcançar a identidade consigo mesmo. O antagonismo refere-se àquela dimensão que sempre retorna para
perturbar, reclamando o que foi excluído, “impedido”. Ele estabelece limites no social, através das relações de
equivalência, conforme se verá em outro lugar deste texto.
19
Entende-se por ‘efeito’, a produção dos sentidos pela re-inscrição nos “vazios” do discurso que constroem a
significação de processos de identificação e diferenciação, que são de alguma forma representados.
30
Nas revistas semanais, a própria freqüência e o espaço para desenvolver o texto e
‘concluí-lo’ (número de títulos e longas reportagens de capa) acrescem o poder desse tipo de
mídia na construção de identidades e “modos de vida”, porque podem reduzir a distância com
o leitor, não apenas pela familiaridade que estabelecem, mas também pela estratégia de
exploração do princípio pragmático, para incluí-lo no campo de intelegibilidade do discurso
pelo atrativo da utilidade do que lê para as experiências pessoais e coletivas no cotidiano.
Ademais, se se consideram seus efeitos tradutórios sobre os processos de “escolhas”: as
idéias, os gostos, os comportamentos, os sentimentos, as aspirações e emoções, entre outros
sobre toda uma geração; período de mais de vinte e cinco anos em que acompanhamos vários
momentos desse discurso
20
.
Outro ponto a esclarecer é que para uma melhor contextualização do discurso sobre a
JIM, recorremos a alguns conceitos de autores como Giddens (2002), porque os identificamos
com a construção do fio discursivo que estabelece importantes relações constitutivas. São
relações incorporadas em conceitos ligados a noções de “escolhas” e à relação de
autoconhecimento do corpo com a construção da identidade referida por princípios internos.
Já indicamos que abraçamos a abordagem que nos leva a contrapelo dessa perspectiva,
e que tem em vista que os sujeitos são constituídos intersubjetivamente, em decorrência da
alteridade que pressupõe que uma identidade cultural é apenas em parte autoconstituída, é
radicalmente dependente de algo que está fora dela produzindo sua negatividade e
positividade. Mas, como visto, não se trata de uma identidade puramente diferencial que
apenas faz referência à identidade do ‘outro’ que é construído concomitante a ela (LACLAU,
1997)
21
. A opção por essa postura discutimos no capítulo 1 e no capítulo 2.
O corpo da tese estrutura-se em quatro movimentos que acompanham as perspectivas
metodológicas que orientam os nossos objetivos. Em conjunto, estes permitiram oferecer uma
interpretação sobre a organização dos limites e a fronteira de identificação e diferenciação de
idades em face da visibilidade da “juventude” e da “velhice”, nos últimos vinte anos.
Produzem uma ‘resposta’ à questão: como estão sendo regulados os processos de escolhas e
decisões que marcam os atos de negociação por autonomia das identidades articuladas por
idades? Os quatro movimentos são: 1. O contexto de emergência que gera o efeito “jovem
20
Quanto a esse ponto, vale observar que estamos considerando que, no discurso de mídia, a produção, a
circulação e a distribuição (recepção), embora constituam momentos autônomos, caminham lado a lado no
processo tradutório (LACLAU, 1997, p.,12; HALL, 2003l). O princípio básico é que sendo relacional e flutuante
toda identidade sempre faz referência a uma outra para se constituir, que por sua vez se constrói concomitante a
ela.
21
Que no extremo sanciona o status quo vigente das relações entre os grupos, “pois uma identidade que seja
puramente diferencial em relação aos outros grupos tem que afirmar a identidade do outro simultaneamente a sua
e, como resultado, não pode pretender interferir na identidade daqueles outros grupos” (1997, p.11).
31
idade”, e marca o deslocamento na metade do século passado e as principais vozes que
participam da batalha pelo significado do sistema de idades; 2. As inscrições dos sujeitos
agentes da configuração JIM, desenhando seus limites e fronteiras; 3. Os rastros de construção
do horizonte imaginário do “rejuvenescimento” (“antienvelhecimento”) e de algumas normas
de regulação para a constituição da forma de reinscrição dos “sujeitos agentes”; e 4. O
delineamento de momentos da construção dos lugares no discurso (“pontos nodais”).
O primeiro movimento focalizamos nos capítulos 1 e 3. Chamamos a atenção para o
modo como os principais significantes se articulam para dar significado à “jovem idade”, até
em torno de 1980 (contemporaneidade/ modo de vida/ geração/ juventude/ terceira idade). O
capítulo 2 sistematiza as opções metodológicas e os encaminhamentos; o primeiro e o
terceiro, constituem a base das referências empíricas e ontológicas que contribuíram para as
(des)identificações de fundamental importância para a construção do “rejuvenescimento”.
Interessam primeiramente as questões: como foi possível borrar as fronteiras trifásicas da
“cronologização do curso da vida moderno” e manter a visibilidade nas duas pontas? A
inversão do par idade/ jovem contribuiu para tanto? Quais as principais categorias conceituais
que foram deslocadas?
No capitulo 4, indicamos o corpus da pesquisa esclarecendo a opção pelos textos da
Revista Veja e explicitamos procedimentos adotados ao longo da pesquisa.
O segundo movimento, que envolve mais de perto a análise do corpus, centramos no
capítulo 5. Apresentamos as acentuações das marcas que vão configurando o terreno
discursivo JIM. Indicamos como as estratégias de aceitação da velhice e do envelhecimento
positivo e o acento na jovialização/juvenilização da sociedade fazem parte do quase
silencioso processo de deslocamento do significante “maturidade adulta” pela valorização
estética da longevidade, e de relações e modos de vida baseados em processos e práticas
discursivas “terapêuticas” e de “cura”, tendo em vista o “antienvelhecimento”. Esse processo
envolve a luta para ressignificar “maturidade” pelo distanciamento dos signos da “velhice” e
do “envelhecimento”? Existem rastros de relações significadas por redes de equivalências
“jovem idade” privilegiando demandas etárias nas áreas centrais do sistema? O que está
concorrendo para promover a negatividade social na configuração JIM?
No terceiro movimento, concentramos as questões de constituição do horizonte
imaginário e limites do campo das opções e escolhas. O nosso foco dirige-se à organização
dos significantes de referências internas e aos processos de produção da intersubjetividade.
Buscamos, neste capítulo 6, identificar como no discurso vão se construindo as normas para o
delineamento das “escolhas” e a regulação das “decisões”. A tônica encerra-se na nossa
32
questão central: como se articulam os conjuntos dos efeitos de atos de “escolhas” e “decisões”
que produzem e interferem nas relações entre mente/corpo/idade? Quais as formas
predominantes de re-inscrições dos sujeitos em diferentes posições de idades? Existem
critérios para regulação das necessidades no campo de opções de “escolhas”?
No quarto movimento, situado no capítulo 7, destacamos momentos ilustrativos de
construção dos “pontos” que constroem as posições dos lugares dos sujeitos agentes.
Indicamos as pistas para subverter as tentativas que tentam tornar as relações e experiências
discursivas “terapêuticas” e/ou de foro restrito aos próprios interesses personalizados, e a
função da ciência médica na posição de ordenador do sistema dessas relações. Perseguimos os
sinais das marcas das escolhas por processos de subjetivação, ou seja: existem pistas de
momentos decisivos construindo “pontos” nos limites e fronteiras, no discurso sobre a JIM,
por processos de “subjetivação”? Estes são articulados pelas teias de significados de
longevidade”, ”maturidade” e “jovialidade”?
Na finalização, realçamos a relação da regra e da norma e a organização do sistema de
idades, trazendo a questão da necessidade de introduzir uma ‘nova’ cultura sobre as
representações da “maturidade” na constituição das posições de idades ao longo da vida. E, a
articulação hegemônica da auto-realização do ‘rejuvenescimento’, pela cura e pela terapia,
buscando marcar a etapa intermediária do ciclo vital.
33
CAPÍTULO 1 AS NOVAS VOZES E AS DESORDENS NO CURSO DA VIDA
1.1 Os Ruídos Sobre as Idades e o Curso da Vida Moderno
Nas sociedades ocidentais, o sentimento de identidade individual e da sua
continuidade e as nossas referências coletivas são extremamente auxiliados pela exatidão
como são numericamente marcados os conjuntos das trajetórias individuais, com base nos
sistemas de idades que formam o curso da vida. Por seu turno, a ordem desses sistemas se
baseia em inferências no ciclo do desenvolvimento vital: crescimento, amadurecimento e
envelhecimento.
A seqüência temporal ordenada desses dados numéricos, traduz diferenças
quantitativas que se unificam apenas quando são utilizadas “como uma designação simbólica,
abreviada de diferenças biológicas, psicológicas e sociais bem conhecidas, assim como de
mudanças que afetam os indivíduos” (ELIAS, 1998, v.1, p.57) em processos coletivos. Esse
sistema diferencial de idades, quando está associado a uma “escala de tempo” (idades),
apresenta um sentido “único e irreversível”. Por isso, parece que é a própria escala que possui
uma extrema força coercitiva de processo que não pode ser revertido. No nível sócio-
simbólico, comumente, transformamos os símbolos abstratos, como os elementos numéricos
da “escala” das idades, conferindo-lhes vida própria. Pensamos que os anos passam através
dos aniversários, porém o movimento linear progressivo refere-se ao processo de
envelhecimento.
A impressão que temos de irreversibilidade, ligada à seqüência numérica dos símbolos
etários, é reforçada pelas ligações dos símbolos da “era” histórica [exemplo, a era 1900
(“1945”, “1968”, “1970”], remetendo aos processos de sucessão de idades individuais e de
geração biológica, que garantem a continuidade temporal da vida social pela sua renovação.
Observamos uma distância entre a vida individual que dura em geral menos que cem anos (e
das gerações que contam em média 25 ou 30 anos) e a duração em milênios (“era”) da vida
social. Esse afastamento permite “reforçar a experiência subjetiva que transmitimos uns aos
outros, ao falar dos ‘anos que correm’” (Ibid., p.56-57). Quando existe processo de
esvaziamento simbólico, que deixa descobertas grandes áreas da vida biológica, psíquica e
social, alarga-se o fosso para a identificação entre e nas várias escalas temporais,
comprometendo a ordem dos calendários das representações das idades.
Na pré-modernidade, a idade cronológica não foi considerada tão importante como o
status na família para a determinação do grau de maturidade e o controle dos recursos de
poder. A “modernidade” correspondeu à “cronologização da vida” (MOOD, 1993 apud
34
DEBERT, 1999) que, na década de 1960, apresenta um desses momentos perturbadores da
ordenação de suas “escalas”, indicativos de descontinuidades que levam a questionamentos
sobre a sua validade para distinguir identidades e contribuir para estabelecer as hierarquias
simbólicas de inclusões e exclusões etárias.
Assim, a “pós-modernidade”, estaria deslocando esse “curso cronológico da vida” para
o “estilo unietário”, efeito do apagamento das suas trifásicas fronteiras. Processo que tem
levado à chamada “desinstitucionalização” ou “descronologização do curso da vida
moderno”, trazendo impactos sobre o sistema produtivo, a família e a configuração das
unidades domésticas (DEBERT, 1999), e os modos de representação individual e coletiva.
Segundo Featherstone (1997), a exploração estética da vida cotidiana, através de
processos que implicam experiências e sensações, chama a atenção para a relevância da
cultura
1
e valoriza os de gosto. Esse movimento tenderia a aprofundar o processo de
comodificação da produção e do consumo, ao lado da globalização planetária em expansão no
após II Guerra.
A mundialização, imagem da face cultural desse processo de globalização da
economia, facilita a inserção em ‘locais’ e ‘comunidades’, e termina por registrar de forma
intensa as assimetrias das diferenças, acentuando as particularidades (CAVALCANTI, 1998).
Como mostra Featherstone (1997, 2000), essas formas de consumo personalizadas são
poderosos meios para a revelação desses estilos construtores de identidades, baseadas na
exploração cultural do corpo de diversas maneiras “datados” pela idade. Assim, os “estilos de
vida” contribuem para revelar o deslocamento das “fases da vida” na direção da quebra de
barreiras da homogeneização baseada em status e padrões de comportamento associados às
idades, que embotavam algumas diferenças culturais.
Estudando o envelhecimento, Debert (1999) refere-se à tendência à dissolução dos
marcadores de idades, associando-a ao processo de estetização que perpassou as fronteiras
entre a adultícia e a velhice. Também considera a perda do significado da vinculação de
algumas idades aos padrões normativos e a remodelagem da “cronologização do curso da
vida”, por outros elementos que sobrepõem às idades. No desenho das posições, a linha que
une praticamente o conjunto dessas falas sobre o ‘apagamento’ dessas fronteiras é o processo
1
Em Baudelaire, o indivíduo é colocado no cenário de uma metrópole ou multidão impessoal que tende a uma individualização e ao
desenvolvimento do senso estético. Hall (1999), Simmel e Baudelaire são autores que haviam chamado atenção para a tendência ao apreço
da modernidade para os julgamentos de gosto, para uma avaliação estética da conduta.Transformando os julgamentos morais em julgamentos
de gosto no quadro da individualidade, George Simmel preocupa-se com o peso estratégico do desenvolvimento da tecnologia na vida social
numa direção que converge em pontos com Foucault em seu desenvolvimento sobre ‘homem-espécie’ e “homem-corpo” (“biotecnologias” e
biopoder”). Da lição de Foucault, aprendemos que, quanto mais desenvolvida tecnologicamente, organizada e coletiva as complexas
instituições modernas, mais promovem o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual, conforme veremos no subitem
adiante.
35
de juvenilização, aliado à estetização da vida, e a seguida desmassificação do consumo
(comodificação); realçando-se o papel dos intermediários culturais.
Nesse sentido, essa autora (DEBERT, 1999) refere-se à predominância da estilização
do curso da vida, na década de 1990, enfatizando os valores juvenis com o interesse em
mostrar que a possibilidade de revitalização das idades cronológicas, traz ao lado a sua
transformação em mecanismos básicos na criação de atores e na definição de mercados de
consumo
2
.
Já Boutnet concentra-se no enfraquecimento das características da vida adulta,
considerando a sua condição “sombria”, tendo em vista as mudanças nas relações de
autonomia e prestígio que foram “substituídas” pela “situação de precariedade e
dependência” que marca a formação profissional (ininterrupta), o desemprego, as “crises
pessoais” envolvidas na multiplicidade de escolhas. (DEBERT, 1999, p.64).
As desarticulações dos elementos nos limites e fronteiras das idades que prenunciam a
morte ou a debilidade do “adulto”, o predomínio do consumo desmassificado e a
intensificação da vigilância, do controle e do domínio na produção dos significados das
idades, em geral, trazem a defesa e/ou a denúncia do desaparecimento da infância ou de uma
infantilização e/ou a jovialização da sociedade. Ao lado da ênfase no “poder da mídia para
ajudar a confundir as fronteiras, fazê-las desaparecer, afastá-las ou reconstruí-las em outros
lugares” (HALL, 2003h, p. 254-255).
Passando por todas essas questões, dois focos de investigações se distinguem. No que
permanece próximo ao modelo de “passagens” as fronteiras são afastadas, elastecidas ou
redefinidas, mas continuam sendo significadas em termos de “fases” a ultrapassar. No outro,
envolve a aceitação de novos parâmetros para análise que visam à conjugação dos elementos
corpo/ self/ cultura/ tecnologia, que não se pautam mais nos termos do curso da vida para a
sociedade moderna.
Porém, o ponto indiscutível é que o sistema cronológico das idades não mais encerra a
narrativa coerente do indivíduo que ia se formando pela atividade socializante das instituições
básicas. Os processos associados ao curso da vida são tendentes a serem olhados pela
sociologia como busca de interação entre a estruturação social e as necessidades dos
indivíduos.
2
“[...] a suposição de que aparência é igual ao bem-estar, de que aqueles que conservam seus corpos através de dietas, exercícios e outros
cuidados viverão mais, demanda de cada indivíduo uma boa quantidade de ‘hedonismo calculado’, encorajando a auto-vigilância da saúde
corporal e da boa aparência. Nesse processo, a juventude perde a conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um estágio na vida
para se transformar em valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade, através da adoção de estilos de vida e formas de consumo
adequadas” (Ibid, p.21).
36
1.1.1 O Curso da Vida Moderno e Seus Calendários Etários
Na normalização do curso da vida humana, predomina a associação do indivíduo à
idade. Por um lado, temos escalas de referências distintivas de cronologia individual e, por
outro, efeitos unificadores em sistemas de divisões cronológicas em “idade de nascimento”,
“classes”, “fases”, “gerações” e “níveis de maturidade”, tendo em vista a ordenação e o
controle da continuidade da ordem social. Esses cinco calendários revelam a ambigüidade,
que oscila sempre entre a necessidade de diferir e fragmentar e de unir e ordenar. É em torno
desses elementos estruturais que se desenvolvem pares de ordenação bipolar tomando-se por
base as “fases” “infância” e “adolescência” (“jovens”) e a “velhice” (“velhos”) , que têm
como “centro” a “fase adulta”.
As fases da cronologização das idades da configuração curso da vida moderno são
sistematizadas, visando à formação do status de um tipo ideal de “adulto” e à formação
madura do seu corpo e de sua personalidade. Para ‘ser’ adulto, confiável e cidadão, exigem-
se três tipos de competências: habilidades cognitivas (garantia de autonomia pela linguagem
e a comunicação); controles do corpo e controles emocionais. O desempenho das funções de
cidadania, reprodução e sexualidade, constituição da família e cuidados com os mais novos e
os mais velhos são associados à “maturidade”, baseada na “autonomia” e na
“responsabilidade” e na “aptidão” e capacitação individual, de modo a garantir a expansão das
necessidades das sociedades industriais e da vida urbana (ELIAS, 1993).
As obrigações e os direitos relativos às necessidades para o desempenho dessas
funções são também apresentados como normas e regras de padrões de comportamento
destinados igualmente para todos os indivíduos. Evidentemente, considerados os critérios para
a capacitação e o desempenho do exercício da igualdade e da liberdade, as especificidades
haveriam de ser levadas em conta pelas normas que regulam os padrões. Assim,
[...] O cidadão individual tornou-se enredado nas maquinarias burocráticas
administrativas do Estado moderno. Emergiu então uma concepção mais social de
sujeito. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado e ‘definido’ no interior
dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna (HALL,
1999, p. 30).
No modelo predominante, a perspectiva da continuidade das gerações e da sucessão
das “idades” repousa na questão básica sobre como o indivíduo se desenvolve socialmente de
maneira “autônoma”
(status) e individualmente (LAPEYRONNIE, 1994). Esse sistema de
idades associando o corpo às “fases” da vida a ele correspondente pode ser considerado uma
instância fundamental de organização funcional e instrumentalização de processos de
37
socialização, porque opera em múltiplos e diferenciados “conjuntos de laços simbólicos,
pautados em papéis e status” e padrões de comportamento (DEBERT, 1999), e em outros
elementos construtores da personalidade. Essa ordenação é especial para buscar assegurar
processos de integração social e, ao mesmo tempo, a “autonomia” individual.
Assim é que o sistema moderno das idades opera a ordenação e o controle sobre a
vida, do nascimento à morte, no projeto de sociedade baseado na interação recíproca e estável
entre o “interior” do “indivíduo” e o seu “exterior”, a “sociedade”. Opera um duplo
movimento de “internalização do exterior no sujeito” e de “externalização do interior do
sujeito”, através da ação no mundo social (HALL,1999, p. 31). Na relação entre o indivíduo e
o corpo, este é considerado o seu “exterior” e o “self” o “interior”.
A referência da psicologia em face da formação da personalidade autônoma deve-se,
em parte, a Durkheim (1978, 1895), que lhe designa como objeto as questões subjetivas que
envolvem as emoções e as motivações individuais. A psicologia social e a biologia
desenvolvem teorias que ajudam a essencializar ou naturalizar o indivíduo, segundo etapas do
seu desenvolvimento correspondente às “fases” da vida. No curso de sua vida o indivíduo ia
se ‘formando’ por meio de competências e saberes que levavam à plenitude “adulta”.
A temporalidade das representações coletivas de Durkheim tende a uma reprodução da
ordem social numa ‘repetição’ linear e contínua do passado no presente, em condições
favoráveis à anulação da ação dos atores (PERRUCI,1995). O conjunto dos processos, que
constituem a substância da representação coletiva - mitos, normas, regras, valores, símbolos
etc. - sugere fixações e cristalizações através da figuração e da ideação coletiva. Por meio da
inércia da repetição, para Perruci, as representações durkheiminianas se instalam na memória
dos indivíduos e lhes serve para tornar o passado presente em uma deslocação que detém o
movimento da ‘criatividade’ e da ‘novidade’, em favor da tradição e da permanência dos
fatos. A fuga do sentido dessa orientação era explicada pelo quadro de patologias sociais,
anormalidades do corpo social que produziam as doenças. Segundo esse autor, “Uma ação
assim sempre se reporta a uma ação anterior, visto que ela se alicerça numa experiência
acontecida” (Ibid. p. 51), nesse sentido, como alude Hall (1999), o “sujeito é vivido”.
Nesse quadro, a ação é sempre individual. Quando é considerada coletiva constitui o
resultado conjunto de decisões de sujeitos individuais. Produzem-se indivíduos posicionados
pelo conjunto de normas e padrões nos parâmetros, que Foucault (2001) denominou em sua
genealogia “biopoder” e suas biopolíticas para vigilância, ordenação e controle da vida, de
acordo com faixas da população enquadradas em limites de intervalos em que se sucedem os
grupos de idades (“classes de idades”) e se ordenam as “gerações”, perseguindo-se a
38
continuidade pela socialização. A ‘disciplina’, para essa formação e capacitação das
“passagens”, levou as crianças e os adolescentes maciçamente às escolas e à aproximação ao
espaço da família; depois, deveriam alcançar, pelo amadurecimento, o “mundo adulto” do
trabalho e da cidadania, para, posteriormente, retirar-se, após uma idade certa aos
“aposentos”.
Na antropologia, a busca de um ‘consensus gentium’
3
, diz Geertz (1989, 1973, p. 31-
32), contribuiu para repensar as descontinuidades como patologias sociais, trazendo a questão
da relação entre o universal e o particular a partir do ponto de vista cultural, introduzindo a
noção de “subcultura”. Perseguiu universais culturais como formas institucionalizadas que
passaram a ser concebidas como respostas cristalizadas para as necessidades de adaptação às
realidades do mundo biológico, sociológico e psicológico. Essas análises, acredita, consistem
em combinar suportes universais com necessidades subjacentes postuladas para mostrar que
existe alguma modelação entre ambas. Mais importante do que interpretar as relações
sistemáticas entre fenômenos diversos era buscar identidades similares entre fenômenos
diferentes colocando lado a lado os supostos “fatos” daqueles três “níveis” – biológicos,
sociológicos, psicológicos - com os “fatos” do “nível” cultural e subcultural. (Para isso, foi
preciso tratar essas disciplinas como variáveis dentro dos sistemas de análise, buscando uma
integração).
Podemos observar, no quadro da sociologia predominante do início do século XX, o
quanto é usual tomar as idades como “variável independente” e estabelecer com as “variáveis
dependentes” uma relação simples e unidimensional (p.ex. voto, escolaridade, estado civil,
atitude etc.) na busca de instituir “constante”. Também, não é difícil encontrar nessas análises
construções baseadas em identidades etárias arraigadas na gramática do cotidiano que
comumente exploram atributos, que traduzem preconceitos: ‘os jovens são rebeldes’, ‘os
velhos improdutivos’, ‘as crianças imaturas’, ‘os adultos responsáveis’, os adolescentes
‘aborrecentes”, entre muitos dos exemplos que poderíamos citar. São enunciados baseados em
universais que provêm das ligações entre conteúdos de natureza socióloga, antropológica,
psicológica e/ou biológica superpostos a uma “fase” da vida (ex. psicologia do adolescente ou
3
Procura, entre as várias culturas, generalizações que se possam fazer sobre o “homem como homem”. Geertz (1998, p. 30-31) faz uma
severa crítica a esse tipo de antropologia que denomina “estatigráfica”, porque os procedimentos utilizados nessas pesquisas (“uma espécie
de opinião pública sobre os povos do mundo”) em nada contribuiriam a não ser para a apreciação das normas distintas de cada cultura; para
a incorrência no relativismo. “No nível social, é feita referência a tais fatos irrefutáveis como o de todas as sociedades, a fim de persistirem,
têm que reproduzir seus membros ou alocar bens e serviços, daí resultando a universalidade de alguma forma de família ou alguma forma de
troca”. No nível psicológico, relaciona crescimento pessoal (necessidade) com problemas “pan-humanos” como a “situação edipiana”; no
nível biológico, o metabolismo e a saúde (necessidade) com os hábitos alimentares, os processos de cura etc.
39
da criança
4
, os manuais geriátricos) e a uma identidade de condições de existência e destino
na vida.
Geertz (1998, p. 33) insiste que não se pense a cultura como “complexos padrões
concretos de comportamento”, que conduzem à socialização por processos de aculturação ou
adaptação. Seria preciso repensá-la como mecanismo do “controle”, pois trata-se de sistemas
organizados de “símbolos significantes”. Assim, quando temos em mente que somos animais
incompletos e inacabados e que nos completamos através de formas particulares de cultura
5
,
teríamos que levar em conta a grande capacidade de aprendizagem do homem e a sua
plasticidade.
De uma forma geral, as “subculturas”
6
constituiriam casos de não-adaptação de
indivíduos, grupos e instituições à cultura dominante. O autor as considera manifestações de
resistências, denúncia dos fatores de distanciamentos, que acusam a existência de desajustes
entre a estrutura da ação e a adaptação das necessidades aos sistemas de disposições. A
emergência das “subculturas” de contestação, no após II Guerra, estaria justamente indicando
insuficiências institucionais ou defasagens nas agências de socialização, possibilitando os
desequilíbrios internos e a multiplicidade de reivindicações dos diversos grupos.
O que concorreu para o questionamento da unidade do “centro” da cultura “adulta”: da
noção de ‘não autonomia’ e “dependência” das demais “fases”, e da continuidade do fluxo
geracional. Dessa forma, mostra a insuficiência do modelo conceitual, e/ou do sistema de
regras e normas para cobrir as diferenças entre as “idades” e as “fases”, ou ainda a sua
incapacidade para operar a produção da vida da “população”, incluindo as relações sociais, o
corpo e o indivíduo. Essa questão está no bojo do problema da descontinuidade das regras e
das normas e a sua associação a seqüências das idades e às sucessões das “fases”.
1.2 A Busca da Unidade nas ‘Passagens’ no Curso da Vida
As principais tendências na sociologia, que tratam sobre questões de idades,
predominantes nesse contexto, são, usando a terminologia de Pais (1993), a “corrente
4
Considera-se que se iniciam em 1904, com Hall (Adolescence, its psychology), as primeiras considerações sobre a juventude na forma que
conhecemos hoje. Para ele as leis de desenvolvimento individual estão inscritas nos dados biológicos e as forças internas não só controlam
como dirigem o desenvolvimento do crescimento e do comportamento.Os estágios eram: primeira infância (quatro primeiros anos, fase
animal), infância (entre os 4 e 8 anos), juventude (8 aos 12 anos, corresponde a nossa pré-adolescência), adolescência (dos 12 aos 22 anos).
A adolescência: período de tumulto e turbulência e transição; comparada à humanidade, este estágio corresponde à civilização. O jovem
adolescente é um ser dividido: alegria/depressão, egoísmo/amizade, crueldade/bondade. Estas representações se cristalizaram no imaginário
moderno, associadas à figura do jovem. Ao se desenvolver, como diz Galland (1991), a psicologia passa a olhar a juventude com as lentes da
“personalidade adolescente”.
5
Observe que estamos diante da concepção de um homem ‘inteiro’, que necessita da cultura para tornar-se pleno.
6
Dada a importância do conceito de “subcultura”, na metade do Século XX, e, para situá-lo, Parsons (1964) observa a distância entre o
sistema que assegura a interação social e o sistema que permite a individualização pela projeção simbólica. Ou seja, busca os espaços de
desajustes entre as motivações (necessidades psicológicas) em face das prescrições das normas do sistema social para responder às demandas
das “necessidades” desenhadas pelas projeções de valores. (DOMINGUES, 2001).
40
geracional” e a “socialização contínua”. Ambas se aproximam ou afastam-se dos problemas
de descontinuidade e continuidade na ordem das transmissões das gerações e das sucessões
das idades, onde o conceito de “cultura juvenil” aparece associado ao conceito de “cultura
dominante”.
Grosso modo, é possível observar nos desenvolvimentos das questões sobre
“juventude”, “geração”, “idade” e “cultura juvenil” contrapontos entre posições
‘culturalistas’, que enfatizam o consumo atrelado à cultura jovem, tomando por oposição as
culturas das gerações adultas, e a tendência ‘marxista’ onde a cultura sobressai como
expressão das contradições de classe social (PAIS, 1993).
As análises da “juventude” e da personalidade “juvenil”, partem da noção de “fase da
vida” na qual predomina uma busca da ‘unidade’ cultural, da reprodução para a garantia da
continuidade da ordem social. Pressupõem que em qualquer sociedade há conjuntos variados
de culturas, dominantes e dominadas, que se desenvolvem em um quadro predominante de
valores da soberania adulta (Ibid. p.38). O ponto central das questões colocadas por essa
tendência é o problema do controle do “pedagógico”, o desvio do “normal” e do “sadio”, ou a
consonância dos valores simbólicos e culturais intergeracionais e o limite das
descontinuidades.
Nas referências teóricas que partem das teorias da socialização desenvolvidas pelo
funcionalismo e pela teoria das gerações
7
, em geral, os conflitos ou as descontinuidades no
interior das gerações são assumidos como ‘disfunções’ nos processos de socialização
relacionados à adequação às “fases” da vida - segundo Pais (Ibid. p.38), a razão de ser da
‘teoria das gerações’. A defesa teórica da “socialização contínua” teria predominado no
período entre 1950 e 1970, quando os médicos e psicólogos eram hegemônicos no discurso
sobre a juventude e os jovens, associando a “adolescência” à crise da puberdade e a
“juventude” a ‘período difícil’ de maturação psicológica, que deveria levar à idade “adulta”.
Nos anos 1960, a noção de “crise” de continuidade permanece ao lado da construção da
imagem da “juventude” como “fonte de problemas” sociais.
As alusões tomam por referência a existência de uma ‘consciência de geração’,
confrontada com a geração adulta, problemática que exigiu um debate sobre a questão da
identidade ou da “autonomia juvenil”, para esclarecer por que os jovens estavam
influenciando culturalmente o mundo adulto. Isso é mais significativo quando lembramos que
no ‘normative-crises model’, de Erikson (MENDES DA SILVA, 1996), se um estágio não foi
adequadamente desenvolvido, o seguinte seria prejudicado. A “subcultura juvenil” aparece
7
Mais precisamente: Parsons (1967), Eisenstadt,(1976) e Coleman, J.S..The Adolescent Society, Free Press of Glencoe, New York, 1961.
41
como essa forma “incompleta”, nisso reside a importância do debate sobre a autoridade da
cultura julgada “jovem” interferir na “cultura dominante” adulta, e a preocupação com o
futuro da sociedade.
Os registros das atualizações das aprendizagens, necessárias à reprodução dos códigos
do sistema cronológico, estariam sofrendo efeitos, comprometendo o ‘alinhamento’ entre a
situação passada e a situação futura. A emergência da juventude, por exemplo, estaria
refletindo esse “insucesso” da adaptação, o enfraquecimento das normas dos sistemas da vida
profissional e familiar (GALLAND, 1991; PAIS, 1993), interferindo no equilíbrio indivíduo/
cultura/ personalidade, impedindo a unificação que garante o “sucesso” da interação “interior/
exterior”.
As teorizações de Einsenstad (1976, p.1-2) oferecem pistas desses processos de
representação da identidade baseada nos principais fundamentos da “teoria das gerações”
normativa das idades, associada à consideração da “subcultura” na formação da identidade.
Em sua concepção, as diferenças das “condições culturais” implicariam a significação das
diferentes idades e na extensão dos seus limites. “Em todas as sociedades”, diz, “os fatos
biológicos básicos e comuns são marcados por um conjunto de definições culturais que
atribuem a cada grupo etário [...] suas características básicas”. Na valorização da idade, para a
definição de papéis, Eisenstadt ressalta que o predomínio de uma “fase” sobre a outra depende
dos sistemas padronizados de valores, onde cada sociedade privilegia esta ou aquela
“qualidade social genérica – a força, o vigor, a experiência, a sabedoria, a beleza [...] – que
pode se constituir a representação que simboliza as diferenças de idades específicas”.
Partindo desse princípio, explica a busca do equilíbrio do sistema curso da vida
moderno, pela fase adulta idealizada como a forma da “necessidade básica”, requerida para
referência de identificação da personalidade humana. Porém, por serem consideradas
relacionais, as diferenças exigiriam alguma relação de complementaridade entre os “estágios”
das diversas idades e o “sucesso” do aprendizado. Assim, quanto às contradições e aos
conflitos existentes entre os mais novos e os mais velhos, esse autor os minimiza
estabelecendo uma necessária simetria hierárquica dos indicadores de poder e autoridade em
função do tempo de vida e da experiência social.
O adulto [...] sendo mais experiente, melhor e mais sabido, como repositório de
virtudes normais, no sentido das quais a criança deve ser educada. É por isso que
tem autoridade, impõe respeito e tem que ser obedecido. Esta ênfase na idade é
geralmente acentuada pelo fato de que, durante o período de socialização, a criança
não é única na sua faixa etária, mas uma de um grupo” (EISENSTADT, 1976, P.6-
7,grifo meu).
42
O predomínio das oposições binárias (adulto/criança, jovem/velho), na construção das
identidades e nos processos de interação que possibilitam as continuidades e os mecanismos
de reprodução dos lugares sociais, pode ser flagrado nesse texto que trata da relação entre o
universal ‘adulto’ e as normas particulares. Nesse modelo, a estratégia de valorização da etapa
futura esvazia essas categorias do poder de construção de suas vidas no presente (“poder
ancilar”?). A unidade da cultura “adulta” organiza as cadeias de divisão e hierarquização
simbólica do sistema, inclusive dos sonhos e projetos, da qualificação e a coerção ligada ao
julgamento dos desempenhos de diversos papéis e padrões de comportamento. As relações de
dependência e de subordinação se constituem pelo aprendizado, interferindo nas demais
“fases” em nome do direito à diferença, das identidades cujas completudes se acham no
“exterior” mundo “adulto anciado”.
1.2.1 O Prolongamento da Juventude e a “Moratória”
Nos textos mais recentes e aproximados dessa preocupação com o equilíbrio que
promove a “unidade” das passagens, predominam as pesquisas sobre as fronteiras que levam à
“adultícia”. Sendo esta a razão para o possível destaque, neste texto, do trabalho sociológico
contemporâneo de Galland (1994, 2004). Além do que esse enfoque é comumente utilizado
para estudos de transições nas demais “fases”.
As diferenças, que distinguiam a ‘juventude’ nos anos 60, rapidamente cristalizam-se
em alguns pontos de ‘passagens’ marcadas pela ‘moratória
8
’, ‘período de espera’ para a vida
adulta; mas, assentindo a visível instabilidade e disritmia nos limites das posições casamento,
saída da casa dos pais e constituição de um novo lar, conclusão dos estudos e emprego.
Também, rapidamente marcas da “juventude” tenderam-se a espraiar, pressionando as
margens da “adolescência” e da “pré-adolescência” e da “adultícia”, produzindo esse efeito
bastante explorado, sobretudo na Europa (Galland
9
, 1994; 2001), a partir dos anos noventa,
conhecido como ‘prolongamento da juventude’ que se estende à “pós-adolescência”.
A amplitude da classe de idades que delimita comumente a juventude (15 e 24 anos)
não só se amplia em anos, até 30 anos, como acentua a demora e a não concomitância nas
“passagens” e ao “plus” do tempo a ela associado. Vê-se, pois, que não é uma configuração
que nega a validade das idades, das “fases”, da ‘geração familiar’ ou da “cronologização do
8
A idéia de moratória liga-se à ‘quarentena’ a que estavam destinados, inclusive, os adolescentes. Lembra um período de afastamento para a
preparação ao mundo da independência e da responsabilidade adulta. Destacamos dois autores adeptos do conceito: Margulis e Urrest
(1998); Galland, (1994). Margulis e Urrest distinguemmoratoria vital” de “moratória social”: esta moratória diz respeito aos jovens de
camadas urbanas média e alta. A ‘ vital’ enfatiza a questão temporal que envolve as idades cronológicas (como fenômeno demográfico).
9
Olivier Galland e Alessandro Cavalli são autores de um livro que recebe o titulo de Alongamento da juventude. Nesse trabalho, recebe
contribuições de pesquisadores da Itália, França, Alemanha, Grã-bretanha, Holanda, Espanha e República Teheca para obter um
conhecimento mais extenso e intenso desse fenômeno.
43
curso da vida” propriamente, parece se tratar de uma influente tentativa de atualização de sua
ordem.
Hoje, entre o fim da adolescência, a conclusão dos estudos, a concepção do primeiro
filho e a saída da casa dos pais, intercala-se um novo período de alguns anos, que se altera, de
acordo com as trajetórias culturais e os ‘desnivelamentos’ das etapas de preparação. Essas
questões constituem uma grande preocupação dos analistas da moratória, parecendo-nos,
também, pressupor que um dia tivesse sido possível a real simultaneidade de planos e níveis
de necessidades e critérios (inclusive de maturidade) nos lugares de enunciação de passagens.
Partindo dos parâmetros do alerta de Bourdieu, sobre a polissemia do termo juventude
e a sua exploração como ‘símbolo’ de consumo cultural, Galland (1991, p.107) propõe que o
processo de socialização possa ser entendido como uma representação social dessa posição na
estrutura social e uma “construção social” das ambições individuais (demandas, emoções),
que podem se atualizar com maior ou menor facilidade dentro de uma posição (família,
profissão, casamento). Dessa forma, busca a conjugação da hierarquia de ‘idades’ no nível
pessoal com a hierarquia social.
Nas “passagens”, a “descristalização” seria a distância entre a dissociação no exercício
de algumas funções adultas e a posse de alguns atributos para o exercício destas funções, o
que Percheron (1986) chama ‘latência’. A atividade sexual, já na adolescência, dissociada
das funções de reprodução e da constituição de um lar, ou a posse da habilitação profissional,
escolar, sem o imediato ingresso no mercado de trabalho, constituem exemplos de
“descristalização” nessas análises sobre a relação do prolongamento da juventude e a “pós-
adolescência”.
Nessa perspectiva, as diferenças de idades continuam sendo compreendidas tendo por
referência processos mais ou menos incompletos de amadurecimento, indexados à
organização institucional (‘établissement’), fundados na família, no trabalho e na formação de
um casal como status da passagem para a adultícia. O exercício de comparação das trajetórias
atuais, com as que corresponderiam às imagens de situações do modelo anterior, concorre
para que esse discurso ainda privilegie a categoria “moratória” nas análises da “pós-
adolescência”.
Em certo sentido, é problemático que esse autor permaneça preso à transmissão
familiar - como instância de socialização fundamental e de definição de posições de
fronteiras entre as idades para a preparação da vida adulta, e busque as mudanças no interior
dos conflitos operados no circuito desses três calendários da moratória. Não que eles possam
ser pouco relevantes, absolutamente. Acontece que restringem e antecipam o campo de
44
posições, comprometendo a visibilidade das relações e práticas ao vinculá-las a uma lógica de
construção das identidades relacionais ‘tradicionais’ de preparação e espera para a fase adulta.
Por essa abordagem, é importante relevar as relações que brotam dentro do parentesco,
pois delas emergem os problemas ligados à dependência familiar
10
, à autoridade dos adultos,
aos cuidados e tolerância com as crianças e os velhos.
No movimento de constante tensão entre os grupos de idades mais novas e os grupos
de idades mais velhas nas lutas por posições, o autor considera os sistema de valores culturais
da “familiarização”
11
(absorção inconsciente, tropos, práticas, gestos) e a mobilização
estratégica da estrutura de “inculcation” ou socialização por aprendizagem explícita. Por essas
vias, os atores (estrutura de aprendizagem) agem através de suas demandas para acelerar e/ou
retardar a idade adulta ou o envelhecimento no campo institucional, no estreito espaço de
manobra para os atores nessas estruturas de posições.
É provável que partir da idéia do prolongamento da expectativa de vida, surtindo
efeitos na direção do alargamento das “fases” no sentido das idades maiores, concorra para
que Galland (1994) pense a “moratória”, desenhando uma “pós-adolescência”, afastada ou
aproximada das referências comparativas de “passagem” ao ideal mundo “adulto”
12
.
A preocupação com o “equilíbrio”, para realizar as “passagens” em condições de
“mais” de tempo, pode dirigir o autor através da idéia de fortalecimento do sujeito jovem,
como busca de correção/ajuste normativo de um ideário de “juventude”, concebido como
‘problema social e político’ para um ‘adulto’ idealizado: “A juventude”, anuncia, “é uma fase
complicada em que é preciso redefinir suas aspirações e construir um status adequado a essas
aspirações” (Galland, 2003). O que esse discurso tende a requerer no espaço para redefinir um
conjunto de aspirações consideradas adequadas à passagem adulta?.
Alguns lugares identificados com a juventude podem ser historicamente ilustrados. Ao
analisar os estudos franceses sobre os jovens (14-24 anos), Percheron (1986b) diz que entre
1961-1967(na França) há uma ênfase no ‘futuro da juventude’, que significa “o futuro da
sociedade”. Os temas principais envolvidos são: emprego, sucessão de gerações e modos de
regulação cultural, priorizando o lazer e o esporte e os ‘projetos para o amanhã’ dos futuros
10
Quanto a esse aspecto, Fortes (S/D, p. 8) pensa: “A distância entre as gerações sucessivas pode ser grande ou pequena, variando com o tipo
e grau de autoridade e poder retidos pela geração paterna; pode-se enfatizar mais a solidariedade que a rivalidade [..]”. É possível que daí
surjam várias questões que nascem das relações sociais e das práticas num movimento de “migração” do espaço privado da família (e íntimo)
para o público, deslocando o individual para as agências de socialização (Dicionário, 1996).
11
Aqui é forte a influência do conceito de “habitus” de Bourdieu. Essa idéia de divisão aproxima-se muito do conceito utilizado por Giddens
(2002) “consciência prática”.
12
O padrão adulto, segundo Pais (1993, p. 328), seria: produtivo (através de um status ocupacional laboral ou profissional); conjugal
(constituição de uma relação conjugal estável); doméstico (obtenção de alojamento próprio , estável e autônomo) e familiar (constituição de
uma prole dependente). Observe-se que os pontos do ‘calendário’ de Pais assemelham-se aos de Galland, família, trabalho, casamento e
reprodução, e que também constituem o foco na teoria de Eisenstadt (1976).
45
pais de famílias, trabalhadores e operários e cidadãos. Na esfera política dessa relação,
acrescenta que o ano de 68 foi marcante para a difusão da noção de “subcultura”, onde a
perspectiva predominante da contestação (marginalidade e desvio) vai dar lugar à noção de
‘contra-cultura’, face reveladora do potencial revolucionário da juventude (vanguarda). Após
esse ano, os sujeitos juvenis teriam perdido o estatuto de atores e passaram a ser posicionados
como “objeto” – “Le jeune est um individu sans qualité” (PERCHERON, 1986b, p.12).
A partir de 1970, as noções de subculturas de acordo com os vários movimentos vão
ficar subsumidas pelo interesse da inserção estrutural dos jovens (vida profissional, estudo e
trabalho). Essa estratégia tendeu a silenciar a maturidade para desenvolver o potencial político
e servir como medida para integrar os jovens à sociedade, conforme um modelo ideal de
cultura juvenil. Esse mesmo argumento tem sido utilizado para limitar as conseqüências mais
‘drásticas’ de comportamentos sociais, cuja responsabilidade é atribuída às transgressões às
normas como as drogas e a violência.
Em 1985, com a crise urbana do trabalho e do emprego e da problemática que esses
fatores encetam sobre as gerações e a estrutura familiar, vêm à tona questões como a demora
para conseguir autonomia financeira, e independência para constituir uma família. Do jovem
“futuro de amanhã” a inversão: “o jovem problema de hoje” (PERCHERON, 1986b, p.11):
delinqüência, marginalidade, cohabitação, violência, etc. As representações se reforçam em
problemas localizados relativos ao ‘tempo de espera’ de preparação para a vida adulta e aos
valores juvenis, que se diz não mais questionar, visando a uma sociedade futura.
Essas representações de jovens, cuja “passagem” para a idade “adulta” muitas vezes
não se realizou satisfatoriamente, são projetadas para suscitar aos grupos, que estão mais
avançados na idade e dispõem de recursos de tempo e meios, a necessidade de retomar os
projetos não realizados na juventude.
A imagem predominante de engajamento dos jovens na vida profissional e no
trabalho, em 60/70, se produz e se propaga no universo da mídia e da propaganda chegando
aos nichos personalizados de consumo explorando as redes simbólicas de ‘jovem idade.
Alguns atores desses grupos juvenis da geração baby boom, atuantes em 68, puderam,
inclusive, chegar à “meia-idade” (1990) contribuindo para a formação desses lugares “jovem
problemas de hoje” e, ao mesmo tempo, apresentar alternativas de ‘modelos’
13
que exaltam os
13
Featherstone e Hepworth (2000, p.226), sobre o que chamam ‘modelo californiano’: proclamam uma liberdade maior para que as pessoas
pensem em suas vidas como um processo contínuo de atualização e realizações, bem como para celebrar a sensibilidade juvenil, para refletir
sobre sua aparência pessoal como sobre diferentes formas de se auto-apresentar Ou mesmo, sugerimos, ao estilo conjugado (‘Califórnia’ e de
‘Chicago’ do Instituto Real Age) para ‘rejuvenescer’ ‘Embora antes nunca tenhamos sido capazes em falar em ‘rejuvenescer’ - o tempo
corre em uma única direção, para frente - agora podemos. Apesar de não poder mudar sua idade cronológica, você ‘torna’ sua Real Age
mais jovem’ (ROIZEN, 1999, p. 14).
46
elementos estéticos para identificação da jovialidade e da “juventude”, às vezes tentando
realizar antigos projetos.
Pais (1993, p.328) faz uma crítica à concepção de “tempo de espera” quase homólogo
à “moratória” porque, no fundamental, remete à condição de privação social, de
irresponsabilidade e marginalidade ou de instabilidade dos jovens. Os resultados de sua
pesquisa fazem crer que em suas trajetórias os jovens não se postam a ‘esperar’
14
, adotam
formas de status ocupacional, conjugal e ‘doméstico diferenciado dos adultos. Tanto seria
assim que, mesmo entre alguns ‘jovens adultos’, persistem consumos de valores e conteúdos
simbólicos associados ao vestuário, ao gosto musical, ao lazer, à linguagem. Ao contrário, os
adultos têm praticamente seu tempo esgotado pelo cumprimento de suas responsabilidades. O
plus” de tempo atribuído ao lugar da “juventude”, e que deveria ser dedicado ao lazer,
termina por constituir o limite diferencial também entre os próprios jovens. Com a “pós-
adolescência”, o que fazer com esse tempo prorrogado em anos é uma preocupação das
políticas públicas e de educadores, afinal, trata-se da reordenação de numerosos grupos
populacionais na fronteira da maturidade.
Com trabalhos nessa perspectiva de análise, Margulis e Urreste (1998) falam de uma
fissura na “moratória” que supõe essa exclusão. A extensão da “juventude”, em pelo menos
cinco anos na fronteira de anos em idade para a “passagem” (a partir de 1990), é um
fenômeno demográfico de expressão global e permite que se distinga na economia simbólica
da juventude essa “moratória vital” da padronização da “moratória social” e cultural. Acaba,
também, elegendo a disponibilidade e o uso do capital social ‘tempo livre’ para limite da
diferenciação interna do lugar da “juventude”.
Segundo Forquin (2003), a maioria dos estudos sobre os problemas das passagens
para a idade “adulta” trazem uma abordagem biográfica de natureza etnográfica, ou procedem
à análise dos fatores que estariam impedindo o sucesso da hora considerada apropriada pela
utilização dos indicadores “objetivos” de entrada na vida adulta. Aponta como quase sempre
os resultados “fazem aparecer hoje ao mesmo tempo as defasagens que existem geralmente
entre essas diversas agendas” e a “sua diferenciação conforme os meios sociais” (FORQUIN,
2003, p. 16), indicando um sombreamento das fronteiras que formam “as fases” adultícia e a
juventude.
Desse modo, a maioria dos problemas, que estão na base da desarticulação das
posições, não são dissolvidos em um novo sistema de relações e continuam a ser tratados em
14
Como já indicava Nunes (1968). Saliente-se, também, que o estado plácido não é a posição onde Galland faz a leitura do discurso da
moratória “pós-adolescente”.
47
termos do mesmo referencial em que se apresentam, no vaivém da busca de casos referentes
particulares que respondam (ou não) aos restritos modelos bipolares das passagens
(universais).
1.3 O Foco na Descontinuidade
Destaca-se (PAIS, 1993) outra tendência muito atuante na sociologia das idades no
final da década de 1960 chamada “classista”
15
– porque toma a classe social como
determinação e como sujeito histórico ilimitado - concebe a “fase” e a “classe de idade”
como categorias dominadas pelas relações de classes. Nessa tendência, não são as
‘disfunções’ (patologias) que produzem as descontinuidades, o poder e a ideologia da
reprodução das classes sociais são os elementos destacados no problema da
continuidade/descontinuidade.
As ‘passagens’ de uma fase à outra estão sempre pautadas pelas desigualdades sociais
da divisão sexual, do trabalho ou da condição social. Nas análises, a categoria “trabalho”
sobressai situada nas dimensões do político e da produção social, e a categoria “classe social”
é assumida como sujeito referente das estratégias do poder da classe dominante. O
determinante estruturador das transmissões e sucessões são as condições sociais básicas
derivadas da classe e da sua reprodução.
Por essa abordagem, as culturas das diversas fases são vistas como o produto das
contradições. Onde, em geral, o adulto é considerado “força de trabalho” e as demais posições
improdutivas associadas às “fases”, estratégias de subordinação ou dominação. As culturas
jovens (e, por derivação, as demais culturas geracionais) são consideradas “soluções de classe
para problemas compartilhados por jovens de uma determinada classe” (Id. Ibid. p.48). Daí,
porque esses estudos privilegiam as experiências geracionais dos atores através das culturas
de resistência (“contracultura” – “vanguardas”), para tanto, as categorias “independência” e
“autonomia” têm também seus lugares.
Os grupos situados como ‘não-produtores’, prioritariamente crianças, jovens e velhos,
são tidos tributários de um estatuto conferido pela esfera do consumo, por essa razão,
pressupõe-se, por exemplo, que os jovens dêem considerável importância ao dinheiro como
uma possibilidade para viver a vida melhor e com maior autonomia (PAIS, 1993, p.48). Ou,
que em situação de escasso emprego, o jovem aproveita qualquer oportunidade de trabalho à
revelia de sua aspiração e projetos ou de classe social (GALLAND, 1991).
15
Entre os teóricos influentes podem ser incluídos: Jean C. Chamboredon, Pierre Bourdieu, e os vários trabalhos contidos em Hall e
Jefferson como os de Dick Hebdige, J. Clarke. Incluímos, também, os trabalho de Nunes e Balandier (1967; 1976).
48
Para esses autores indicados, numa análise desse tipo, fica difícil explicar como os
jovens com condições sociais diferentes compartilham valores semelhantes: a exemplo da
valorização do dinheiro, os momentos de sociabilidade, a moda, a música, o desporto, a
sexualidade, etc. Notemos o quanto essas noções se cristalizaram no imaginário da juventude
e da jovialidade (com a interferência dos meios de comunicação e indústria cultural).
Por volta de 1968, trabalhos que seguem essa tendência mostrar-se-ão bastante
expressivos e questionadores sobre a produção dos movimentos político estudantis e de
jovens operários. Procuram oferecer contribuições para a crítica a alguns movimentos
culturais, ao consumo de massa, e para reelaborar os conceitos de “geração” e de
“contracultura”. Destaca-se a divisão da cultura em dois campos: “cultura burguesa” e
“cultura popular”.
Em geral, os indivíduos estariam determinados socialmente pela condição de geração
(não, ou não apenas, como membro de uma classe social): as experiências de alguns grupos de
indivíduos seriam compartilhadas por outros do mesmo grupo de idade; e as relações
intergeracionais terminariam por indicar imagens sobre as perspectivas que as diferentes
gerações teriam em comum ou não.
Assim, a relação de equivalência de identidade entre “juventude” e “geração” se dava
no terreno da descontinuidade no campo geracional que perturba a reprodução da unidade do
ciclo vital - “[...] as descontinuidades intergeracionais estariam na base da formação da
juventude como uma geração social” (I. Ibid., 1993, p.38) -, e pela marca da indefinição
estatutária do lugar da “juventude” na estrutura do curso cronológico da vida. Esta
aproximação entre um e outro lugar social (“geração” e “fase”) confundia a diferenciação dos
termos. Como concebida, a identidade ocupa o espaço das relações interativas entre o
‘exterior’ e um ‘interior’ - na medida em que se pode projetar a si próprio e internalizar os
significados e valores projetados como ‘parte de si’, criam-se algumas condições para unir o
sujeito individual à estrutura. Nesse sentido, o que se faz muitas vezes é tentar “alinhar os
sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que são ocupados no mundo social e
cultural” (HALL, 1999, p.12), buscando a segurança do controle da unidade da identidade.
Nunes (1968) é considerado o primeiro defensor do pressuposto metodológico de que
a “juventude” não é senão um efeito de homogeneidade produzido por um universal
[(Bourdieu (1980; 1986), também problematizou muito bem essa questão com a conhecida
frase “A juventude não é mais que uma palavra”]. A juventude aparece socialmente dividida
49
com base nas relações com as suas especificidades - interesses nas origens sociais, nas
perspectivas e aspirações, definidas com relação a outras gerações
16
(PAIS, 1993, p.33).
Seguindo a mesma direção, no trabalho de Pais (Ibid.), o pressuposto é que o
significante juventude, ora se apresenta como um conjunto homogêneo, ora como um
conjunto heterogêneo. No primeiro caso, quando é examinado como um conjunto social
(homogêneo); no segundo caso, quando este conjunto é considerado pelos atributos sociais
regulares que diferenciam os jovens entre si (heterogeneidade). Uma ordenação discursiva
que Foucault (2002) chama regularidade na dispersão.
A grande dificuldade reside, na forma como se dá a ‘passagem’ de um conjunto a
outro, do universal para o específico, o que faz inclusive que se possa permanecer na simples
pluralidade. O problema estaria em distinguir o ‘momento’ em que se produz o retorno do
“universal” ao “particular” e vice-versa, da relação que estabelece conexões entre o “interior”
e o “exterior” para a reinscrição da identidade. Isso é importante porque a forma como está
sistematizado o processo da repetição para a inscrição resulta em efeitos diferentes na
construção da subjetividade: se há uma identificação mais ou menos ‘auto-referente’ ou se a
construção tem uma perspectiva relacional mais radical da alteridade.
O discurso que pode ser considerado ainda em muitos pontos hegemônico (sobretudo,
para tratar de conflitos enter e intrageracional e de positivação da juventude e da velhice mais
ou menos autônomas, está associado às “perdas” e “ganhos” e às “crises” e “desvios” nas
“passagens”), tende a ser bastante reprodutivo e discriminatório. Talvez, fosse produtivo
pensar de uma outra forma os espaços fragmentados desse tempo de anos a mais ganhos de
‘juventude’. Ao invés de sairmos ‘escolhendo’ se ainda existem os lugares ontológicos, ou as
posições pelo que foram simplesmente substituídos, pré-definidos e julgados indicados onde
deveríamos estar realizando nossas experiências (enquanto ficamos em “moratória”!),
poderíamos buscar nas práticas, nos comportamentos, nas representações e relações
discursivas as pistas que ajudam a construir esses lugares com os quais nos identificamos e
(des)identificamos.
Provavelmente, é nesse espaço-limite que os antagonismos mais indicarão os pontos
de negociação para conquistas da “jovem idade”, conforme trataremos no capítulo 3.
Devemos não esquecer que esse esforço para otimizar os momentos ‘disponíveis’ da vida faz
parte da história do controle para transformá-los em trabalho ou consumo de lazer. Esse foi
16
Ver Nunes (1968, Capítulo III).
50
um meio poderoso nas revoluções industriais para controlar o ritmo da vida e do corpo.
Foquemos, por esse outro ângulo, menos aproximado da teoria de papéis e de “classe social” a
construção das idades cronológicas; a genealogia de Foucault (2001) nos será frutífera para
chegar à compreensão de alguns debates mais recentes sobre as idades, à questão da
constituição da subjetivação, à valorização dos processos internos da identidade e à “lógica da
equivalência”.
1.4 A “Cronologização do Curso da Vida” e o Poder Disciplinar
1.4.1 Controles Sobre a Vida e a Regulação da População
As pesquisas de Michel Foucault, na década de setenta, são importantes para
compreendermos a relação entre corpo e a idade, para situarmos o lugar do curso da vida
moderno e para considerarmos questões sobre a constituição da subjetividade, nos dias atuais.
Seus estudos, sobre o modo como o poder se processa sobre os corpos na sociedade
ocidental, nos indicam que a história das diversas tecnologias de poder, a partir do século
XVI, constituem uma complexa estrutura política que tem o corpo como alvo.
Suas análises preocupam-se em buscar a “lei” do exercício do poder sobre o corpo por
toda parte - um poder fragmentado. Olha para os efeitos nos corpos que resistem a esse
trabalho de fabricação e educação sobre eles: “a produção de almas, de idéias, de saberes, da
moral. Um poder que transforma e que é ao mesmo tempo causa e efeito” (MAIA, 2003).
Para Foucault, o exercício desse poder, ao longo do século XVII e até o terceiro
quartel do século XIX, abrange dois pólos que compreendem: 1. as técnicas - treinamento
“ortopédico”, a disciplina e o poder disciplinar; e 2. a população com suas leis e suas
regularidades – o “corpo-espécie”. Nas análises de Vigiar e punir trata diretamente do
primeiro pólo – o “poder disciplinar”, exercido sobre os “microcorpos” da disciplina
individual. Essas são as “disciplinas anátomo–políticas do corpo humano”: [agem] [...] “no
adestramento, nas aptidões, exploração das forças e desenvolvimento de sua utilidade e
docilidade, através da integração em sistemas eficazes e econômicos” (FOUCAULT, 2001,
v.1, p.131).
O segundo pólo trata em Vontade de saber - opoder molar” agindo sobre o
conjunto das populações, através dos controles reguladores das “biopolíticas” de organização
urbana da vida humana No final de Vontade de saber, resume a “era do biopoder”: “A ação
sobre o corpo-espécie, a mecânica do ser vivo e como suporte os processos biológicos:
51
proliferação, saúde, duração da vida, a longevidade, com todas as condições que produziam a
variação do corpo” (Id. Ibid. p.131).
As duas políticas conduziram a “sujeição” dos corpos e o “controle das populações”.
A forma do “poder disciplinar pân-óptico” faz parte da estrutura de tecnologias de
aproveitamento/utilização que se desenvolveu, no período já indicado, com a função de impor
tarefas e condutas a aglomerados de indivíduos localizados em espaços controláveis
(disciplina vigiada invisivelmente). Por isso deve-se entender que a “disciplina” não é uma
instituição ou um aparelho, funciona como uma rede, um dispositivo, mecanismo de poder. O
esforço de maximização do tempo/trabalho dos corpos (“corpo-máquina”) exige a
organização da renovação da população e aptidões para o desenvolvimento do trabalho, com
certa padronização necessária à formação da forma de produção capitalista.
As tecnologias de funcionamento da disciplina têm a função de colocar em operação
mecanismos propulsores da extração de tempo e trabalho dos corpos. O tipo de coerção
material “corretiva” do Soberano vai sendo substituído pela “disciplina” (MAIA, 2003, p.85).
No exercício crescente do “poder disciplinar” expandem-se as “tecnologias biopolíticas” que
expandem o “biopoder”. Foucault mostra a conseqüente necessidade de atuação da norma,
para produzir a vida.
“[...] a expensas do sistema jurídico da lei. A lei não pode deixar de ser armada e sua
arma por excelência é a morte [...] a lei sempre se refere ao gládio [como o
“biopoder” é um poder que tem por tarefa produzir a vida [...] terá necessidade de
mecanismos contínuos reguladores e corretivos” (2001, v.1, p.155).
A ação não se refere ao campo da “soberania” porque visa distribuir os vivos num
“domínio de valor e de utilidade”. Não sobrevive sem qualificar, medir, avaliar, hierarquizar
não precisa estabelecer a linha que separa os súditos e os inimigos do soberano, opera a
distribuição em torno da norma
17
. A referência ao direito da humanidade leva à consideração
nos direitos parâmetros justificados pela “responsabilidade” dos “adultos” com o trabalho, a
saúde dos filhos; e todas as demais tarefas e funções de responsabilidade e autoridade,
atribuídas à cidadania, que nós entendemos constituem conteúdos da “maturidade”.
Todas as questões que aproximam o “corpo” e a “população” passam pela norma do
saber, da vida, do sentido, das disciplinas e das regulamentações, como situa Foucault (Id.
Ibid.). Não esquecendo que “população” para esse autor, conforme esclarece Maia (2003, p.
17
Escreve Foucault: “Não quero dizer que a lei se apague ou as instituições de justiça tendam a desaparecer; mas que a lei funciona cada vez
mais num contínuo de aparelhos (médicos, administrativos, etc.) cujas funções são sobretudo reguladoras. Uma sociedade normalizadora é
um efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida. Por referência às sociedades que conhecemos até o século XVIII, nos
centramos numa fase de regressão jurídica, as constituições escritas no mundo inteiro, a partir da Revolução Francesa, os códigos regidos e
transformados, toda uma atividade legislativa permanente e ruidosa não nos devem iludir: são formas que tornam aceitável um poder
essencialmente normalizador” [que investe na vida e no homem como ser vivo], suas necessidades fundamentais, a essência concreta do
homem, a realização de suas virtualidades, a plenitude do possível” (FOUCAULT, 2003, p.86).
52
86), não trata de sujeitos de direitos, nem grupos de força de trabalho, está associada com a
noção de “gênero humano” e não estritamente à “espécie”, é também espaço de intervenções
concentradas (leis, atitudes, maneiras de fazer e viver). Diante do exposto, não nos é difícil
perceber que grande parte da organização desse espaço fez-se com a sistematização da
“cronologização do curso da vida” moderno.
Os processos de classificação, divisão, organização e controle de sentidos e valores, de
saberes, linguagens, poderes e comportamentos diversos sobre a população viva (dispositivos
de ‘biopoder’ e biotecnologias) garantem as referências ‘universais’ para as ‘passagens’ de
uma “fase” para a outra ou para as “crises” no interior da “fase”, e a mudança gradativa e
crescente das idades em anos, meses, dias, em experiências cotidianas. O sistema ordena o
envelhecimento, a longevidade e a expectativa de vida e o sentido que a ela se dá.
Ao examinar as redes de poder nas sociedades industriais, Foucault sistematizou o
biopoder
18
. Indicando que este poder foi fundamental para o desenvolvimento das sociedades
industriais, uma vez que ao capitalismo importava produzir forças, mobilizá-las, ordená-las e
canalizá-las num impulso à frente. Observando-se, então, uma cisão entre a necessidade de
repetição das representações do passado no presente (que garante a ordem e a reprodução da
vida social) e o movimento do progresso requerido pela modernidade.
Na época moderna, são conjunções da administração dos processos biológicos e dos
corpos humanos, instituições sociopolíticas e tecnocientíficas, que foram produzidas e
ordenadas para atingir esse propósito maior da industrialização. Para tanto, o fenômeno da
tomada de poder sobre o homem, considerado um ‘ser vivo’, e a sua normalização - que Hall
(2003) chama de ‘homem sociológico’ -, para Foucault, se realizará através das biopolíticas.
Um vasto aparato
19
de tecnologias de poder destinava-se às populações que eram
diferenciadas por traços sociobiológicos particulares (tal como a idade, o sexo ou a raça) para,
por esse princípio, transformarem-se em objeto de técnicas e saberes especializados. Os
estados, principalmente do séc. XIX e metade do séc. XX, desenvolveram políticas de
planejamento, regulação e prevenção com esse fito. No que tange à regulação por meio do
curso da vida humana, isso se deu primariamente por meio dos cortes etários: idade escolar,
mercado de trabalho e aposentadoria.
A problematização de Darwin sobre as engrenagens da natureza, os fenômenos
biológicos característicos da espécie humana, o lugar desta no sistema da classificação do
18
Essas idéias são desenvolvidas na genealogia de M. Foucault sobre a modernidade. O autor mostra como a modernidade desenvolveu um
poder disperso, fragmentado e ordenador, vigilante e disciplinador sobre a população de seres vivos. As noções de biopoder e biopolítica,
desenvolvidas por ele, relacionam estes dispositivos ao corpo.
19
Para Foucault, os dispositivos ou aparatos são estratégias e relações de forças que se apóiam em tipos de saber.
53
gênero animal muito contribuiram para o desenvolvimento do biopoder. Esses saberes e o
poder a eles associados eram dinamizados pelas tecnologias cujos usos controlavam e
modificavam os fenômenos naturais (biológicos), inclusive, servindo-se dessa estrutura de
organização dos sistemas de divisão e classificação das idades e suas associações ao “corpo
dócil”.
Foucault refere-se a uma importante correlação entre a natureza coletiva e organizada
das instituições modernas e a tendência ao isolamento, a vigilância e a individualização do
sujeito individual. Essa articulação, para Hall (1999), constitui um dos cinco fatores
favoráveis aos descentramentos do sujeito e da identidade moderna
20
e, especialmente por
isso, contribui para deslocar a noção de suas continuidades.
1.4.2 Controle Disciplinar da Subjetividade e Aparato de Subjetivação
O trabalho arqueológico de Foucault
21
contribuiu para abrir caminho aos limites à
preferência pela subjetividade, recebendo críticas de que teria levado a uma historicização do
sujeito: “o corpo marcado pela história bem como a história que arruína o corpo” (HALL,
2000, p.119-120).
Ao proceder a uma análise em Foucault de quando o “indivíduo ainda não é um
sujeito”, Hall (Ibid) mostra que na arqueologia este é produzido pelo discurso no discurso no
interior de formações específicas, sendo destituído de existência própria. O que
verificaríamos, eram descrições formais da construção das posições-de-sujeito que não tratam
das razões porque alguns indivíduos ocupam algumas posições e outros não.
Ao deixar de analisar como as posições sociais dos indivíduos interagem com a
construção de certas posições-de-sujeito discursivas ‘vazias’, Foucault introduz uma
antinomia entre posições-de-sujeito e os indivíduos que as ocupam (HALL, 2000,
p. 119-120).
Na genealogia, esse autor já introduz o poder no centro do discurso, desenvolvendo a
idéia de que o “discurso é uma formação regulativa e regulada”, sendo a via constitutiva e
determinante das relações de poder que permeiam o domínio social. Ao fazer isso, abre as
discussões para as faces sujeição/subjetivação no processo de formação do sujeito. Na visão
de Hall (Ibid., p.121), a noção de poder desenvolvida por Foucault para cumprir a tarefa da
genealogia - “expor o corpo totalmente marcado pela história, bem como a história que
20
Os demais são a releitura de Marx nos anos sessenta como as feitas por Althusser e Gramsci, o inconsciente de Freud e as leituras de Lacan
dos processos inconscientes na construção da subjetividade, a morte do autor e o movimento feminista.
21
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber Petrópolis: Vozes; Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1972.
54
arruína o corpo” - concorre para a produção modelada de um “corpo dócil”, objeto de
interseção de múltiplas práticas discursivas disciplinares.
O lugar do sujeito no discurso é o segundo ponto da crítica de Hall (2000) a esse
respeito. Foucault teria evocado o corpo como “o local concreto de uma variedade de práticas
disciplinares”, tendendo a deslocar a sua teoria da regulação disciplinar para essa
‘materialidade residual’ que finda por agir discursivamente para tentar ‘resolver’ a relação
entre “o sujeito, o indivíduo e o corpo”, transformando o corpo em um “significante
transcendental”’, o único que restaria em seu trabalho.
Há, ainda, uma crítica sobre a inserção dos indivíduos nas posições-de-sujeito nos
discursos da genealogia. Teríamos sujeitos totalmente autopoliciados, emergentes das
modalidades disciplinares, pastorais e confissionais e praticamente nenhuma consideração
sobre o que poderia interromper e perturbar a inserção dos indivíduos nas posições desses
discursos. E Hall conclui:
[...] nesse caso, ele ‘pula, muito facilmente, de uma discrição do poder disciplinar
como uma tendência das modernas formas de controle social para uma formulação
do poder disciplinar como uma força monolítica plenamente instalada - uma força
que sutura todas as relações sociais. Isso leva a uma superestimação da eficácia do
poder disciplinar e a compreensão empobrecida do indivíduo, o que impede que se
possa explicar as experiências que escapam ao terreno do ‘corpo dócil’ (HALL,
2000, p. 123. o autor cita McNay).
Laclau (1990, p.195) tece uma crítica a Foucault na mesma direção de Hall. Para ele,
produzir um objeto no discurso significa estabelecer relações entre matérias-primas,
ferramentas, informações, etc., que não são dadas apenas pela simples materialidade
existencial dos elementos envolvidos. As práticas sociais são formas “prático-discursivas” que
não manifestam uma “realidade última”
22
. Essas formas devem ser tratadas como estruturas
que não ocultam nenhuma objetividade a ser revelada por uma ‘verdade’, pois são “intentos
pragmáticos de subsumir o ‘real’ no marco de uma objetividade simbólica que será sempre,
finalmente, sobrepassada”. Seria, apenas, através da distorção conceitual - entre o real e o
conceito - revelando a assimetria que não pode ser superada, que o ‘real’
23
poderia se
mostrar.
Colocada a objetividade no plano simbólico, surge, então, para Laclau (1990; 2002, p.
3), a necessidade de percebermos a estrutura de posições ocupando diferentes lugares no
interior da estrutura discursiva apenas como um “horizonte” de constituição de qualquer
22
Laclau (1990, p.195) cita como exemplo dessa “realidade última” o “desenvolvimento e neutralidade dos fatores de produção em Marx”.
23
No decorrer deste texto, veremos que a concepção de ‘real’ de Laclau corresponde ao nível do “exterior constitutivo” de um sistema de
diferenças simbólicas que nega esse sistema, não deixando que se constitua integralmente. Essa visão de ‘real’ está muito próxima à
formulação lacaniana de “real” e do “exterior constitutivo” de Derrida (ŽIŽEK, 1993; LACLAU, 1990).
55
objeto, sem relação prévia determinando as “posições”
24
. Dessa forma, o agente social pode
“‘ser abordado como uma pluralidade dependente das várias ‘posições de sujeito’”, através
das quais o indivíduo é constituído
25
no âmbito das várias formações discursivas (LACLAU,
1985, p.47-58). Logo adiante, veremos que, quando o conceito de discurso expõe a
importância de considerar o “exterior constitutivo” para a construção de representação de
identidade, está sinalizando para a condição de limitação e contingência de toda essência
positivando uma “totalidade”.
Não obstante as observações sobre a questão do sujeito em Foucault, precisamos
assinalar um aspecto importante entre muitos de sua obra, para o entendimento de aderências
e rejeições no discurso das idades.
Porém, a perspectiva de como essa relação será considerada nesta tese, construída nas
fronteiras das diferenças de idade, seguirá um curso que não se orientará diretamente pelos
parâmetros de análise construídos por Foucault sobre a biotecnologia e o biopoder, embora a
consideremos. Navegaremos neste discurso sobre as idades cronológicas, pelo universo
simbólico das redes hierarquizadas que constroem as diferenças e as identidades etárias,
“relevando” um aspecto não concluído em sua obra: as relações que definem como as
liminaridades dos lugares dos agentes são constituídas no momento das negociações da
subjetividade e da intersubjetividade
26
. Os “aparatos de subjetivação”.
Na genealogia, Foucault apercebeu-se da necessidade dos “sujeitos fora da Lei”
(HALL, 2000, p. 125), que produzem respostas a essa convocação de disciplina e regulação:
os aparatos de produção da intersubjetividade e, para, no limite, compreendermos a
importância de pensar as relações do sujeito com as formações discursivas como uma
articulação”
27
.
O eu é produzido como ‘objeto do mundo, as práticas de autoconstituição, o
reconhecimento e a reflexão, a relação com a regra, justamente com a atenção
escrupulosa à regulação normativa e com os constrangimentos das regras sem os
quais nenhuma ‘subjetivação’ é produzida [...] Foucault acena, pela primeira vez
em sua grande obra, à existência de alguma paisagem interior do sujeito, de alguns
mecanismos anteriores de assentimento à regra [...]. A ética e as práticas do eu são,
muitas vezes, mais plenamente descritas por Foucault, nas suas últimas obras, como
uma ‘estética da existência’, ‘como uma estilização deliberada da vida cotidiana’
24
É a esse processo que Laclau chama discurso (2002, p. 3). Por essa compreensão, pode-se supor que não existe, por exemplo, nenhuma
relação prévia necessária entre os discursos que formam o “jovem” como “agente de transformação social” ou “estudante” e os discursos que
podem determinar sua atitude em face do casamento, a família, a marginalidade, os homossexuais, a violência, ao sonho da profissão.
25
A natureza do constituído não permite qualquer racionalidade social “a priori”, as relações se constroem de forma primária. (LACLAU,
1996).
26
Embora a nossa preocupação seja com as mudanças recentes nas representações da ordem das idades, e o centro da preocupação de
Foucault tenha sido a análise dos mecanismos disciplinadores (de poderes e saberes) e das biotecnologias nas sociedades industriais face às
sociedades de soberania: as suas semelhanças e descontinuidades; e a sua genealogia não alcance as mudanças que ele mesmo viria a
perceber indicando os dispositivos da intersubjetividade; e as crises em anos mais recentes que se seguiram após a sua morte (1984), as
formulações de Foucault são relevantes para a interpretação das mudanças no sistema de posições de idades.
27
Hegemonia, por enquanto é uma relação sem nenhuma correspondência necessária, fundada na contingência que “reativa o histórico
(LACLAU, 1993).
56
Além disso, as tecnologias aí envolvidas aparecem mais sob a forma de práticas de
autoprodução, de modos específicos de conduta, constituindo aquilo que
aprendemos a reconhecer, em investigações posteriores, como a de Judith Butler,
[...], como uma espécie de performatividade.” (HALL, 2000, p. 125, grifo meu.).
Assim é que “quem é” já não importa tanto quanto “o que pode fazer” (afetar e ser
afetado) um sujeito, aberto, múltiplo e inacabado em um determinado dispositivo. Para
Deleuze (2005), Foucault, ao desenvolver o conceito de “dobra”, pensa no trabalho não
terminado da História da sexualidade para responder à questão sobre um si mesmo
constituído como núcleo de resistência frente a poderes e saberes estabelecidos. Foucault
analisou as formações de saberes e dos dispositivos de poder (estados de poder-saber) que nos
constroem. Nesses trabalhos se vê diante dos que vão mais ‘além’, considerando a
possibilidade do “fora da Lei” ultrapassar essa conexão poder-saber.
Para Deleuze, esse filósofo conserva a noção de sujeito como forma historicamente
construída (não por norma constituinte), vê o processo de subjetivação como ensaio, como
“processo ético e estético que busca produzir modos de existência inéditos”. Esse é um dos
motivos para que a noção de processo de ‘dobra’ refira-se à subjetivação como alteração de
limites que nos sujeitam, para tentar a reconstrução em outras experiências e a partir de outra
delimitação (DELEUZE, 2005; DOMÈNECH et al., 2001).
Na análise sobre a amizade e a sexualidade, Foucault (1981, p. 38-39) introduz como o
poder-saber pode ser subjetivado. Após se dizer incomodado por ter sido posicionado pela
idade para falar sobre a sexualidade com os jovens, comenta que, quando se apresenta a
homossexualidade como uma forma de prazer imediato entre dois jovens, o que aparece é
imagem comum que é neutralizada pelo cânone da beleza, podendo anular o que realmente é
perturbador na homossexualidade: o modo de vida homossexual (mais do que o ato sexual)
porque isso vai de encontro à regra, à Lei–amor entre os homens. Coloca o “amor no lugar
onde deveria existir o hábito, os regulamentos das relações heterossexuais”. O mais
importante para saber quem é o homossexual é perguntar pelas relações estabelecidas,
inventadas, moduladas através da homossexualidade.
Esse exemplo de Foucault (Ibid., p. 38-39), sem falar na importância da relação idade
e homossexualidade, ilustra a consideração que delimita o terreno ‘Outro’, que quebra aquela
relação, que remete sempre ao já existente (o lado de dentro e o lado de fora), que reconduz à
forma do ‘mesmo’ (dicotomia estática e estéril). É nessa linha forte, mas quase invisível, onde
não há separação entre um e outro lado, que as perturbações, a inversão, os intercâmbios se
processam. O ‘si mesmo’ é aberto pelo lado de fora, um lado interno que não é mais senão o
57
dobrado afetado por uma força, que é a relação de si consigo mesmo. É assim que o ‘Outro’
pode atravessar a intersubjetividade produzindo a subjetivação. É, também, nesse sentido que
o ‘Outro’ como diferença “atravessa a subjetividade fechada, privada, autêntica e pura” Essa
natureza resistente da ‘dobra’ lhe confere caráter político. O movimento de dobrar e redobrar
substitui o essencialismo no mundo dos saberes e dos poderes por um sujeito cada vez mais
incompleto, que é concebido como um ponto de resistência, segundo a orientação das
“dobras que subjetivam o saber e recurvam o poder” (DOMÈNECH et al., 2001, p.132).
Mas, para Foucault, parece que os dispositivos ou aparatos ainda são estratégias e
relações de forças que apóiam e se apóiam em tipos de saber; por isso, a sua resistência nesse
ponto é alvo da observação de Bhabha (2001, p.115): “Foucault insiste que a relação entre
saber e poder no interior do aparato é sempre uma resposta estratégica a uma necessidade
urgente em um dado momento histórico”.
Não há como desprezar esse movimento nas ciências sociais para reconsiderar
processos de construção da subjetividade, no qual ‘exterior’ e ‘interior’ (identidade e
diferença) se constituem conjuntamente. Lugar onde se produz algo que funciona como
amálgama volátil da identificação. Na abordagem semiótica de Bhabha, a linguagem da
tradução envolve múltiplas dobras que podem ou não ser objetos de estratégias.
O mal ajustado manto da linguagem [...] sugere que as significações sociais estão
elas mesmas sendo constituídas no próprio ato da enunciação, na cisão disjuntiva,
não-equivalente, de énoncé e enonciation, minando assim o sentido social em um
interior e um exterior [...] (BHABHA, 2001, p. 230
).
Na passagem para a década de 1980, as discussões sobre as formas de racionalidade do
Estado e a produção da vida e suas manipulações, diz Maia (2003), levaram Foucault a pensar
no “governo de si”. Nesse período, próximo a sua morte, iniciam-se as pesquisas na área de
engenharia genética e suas manipulações para, além de modelar, “criar” a vida. Afora as
demandas pela biossegurança, surge uma tendência na sociologia que procura olhar as
transformações no curso da vida moderno na direção da “incorporação”, na perspectiva de
usos estratégicos das biotecnologias e seus efeitos sobre o sujeito, o corpo e a cultura.
Para Deleuze (2005), as sociedades pouco a pouco vão se aproximando das
tecnologias da cibernética e desenvolvem os dispositivos de controles (abertos e contínuos).
Poder com exercício tutor autoritário e gestor da vida. Esclarece que, depois da década de
oitenta, o direito se alia em nome da raça, do espaço vital das condições de vida e a
sobrevivência, os inimigos são tratados como agentes “tóxicos ou infecciosos” (perigo
biológico).
58
O “biopoder”, na era da globalização, tem como objetivo a natureza humana: o
“controle” para “uma intensificação e uma generalização da disciplina”. Esse poder
denominado por Michel Hardt e Antonio Negri “Império” propõe o “biopolítico produtivo”
como a dimensão produtiva e positiva do biopolítico enquanto produção social da
subjetividade. A maior ênfase incide nas tecnologias geradoras de fronteiras da vida humana e
da qualidade biológica das pessoas que, segundo Maia (2003, p. 97-98), possibilita o
exercício do poder sobre a vida desde cima e poder de “criação” da vida; esse constituiria o
traço diferencial da subjetividade das criaturas de “vidas emergentes”.
Não se tratando de “vidas emergentes”, entendemos que esse “governo de si” pode ser
considerado como forma de resistência e aderência em meio às estratégias e movimentos
pautados nas formas de “biopoder” e suas tecnologias. Esses conjuntos de “dispositivos”
podem ser tomados como ‘articulação hegemônica’, um processo articulatório de
subjetivação.
[que] [...] ‘afeta os vários níveis em que os homens conformam sua identidade e
suas relações com o mundo (sexualidade, a construção do privado, as formas de
sociabilidade, o gosto estético, etc [...]) Concebida desse modo a hegemonia não se
reduz a ser a hegemonia de um partido ou de um sujeito, senão um vasto conjunto
de operações e intervenções diferentes que cristalizam sem dúvida uma
configuração - o que Foucault chama de dispositivo. E numa era em que os meios
de comunicação de massa jogam um papel capital na conformação das identidades
culturais, toda ofensiva hegemônica deve incluir, como um de seus elementos
centrais, uma estratégia com respeito àquela’ (LACLAU, 1993, p.199, grifo meu).
Na consideração do processo de subjetivação, uma questão que não pode ser
desprezada é a forma como essa “estilização do cotidiano” pode ser explorada. Vale lembrar
a característica do Estado moderno na passagem do “poder soberano” ao “poder disciplinar”
que produziu a subjetividade “dono de si” (cada um deve se considerar soberano de seus
atos), com a “vergonha” (Elias) emergindo dos lapsos de “autocontrole” e a culpa do
“recalque” dos processos da inconsciência da “consciência vigilante” no trabalho de
“autocontenção” (KABN, 2003, p.227) das emoções dos sentimentos, da criatividade, das
escolhas, das decisões e da dinâmica do próprio corpo do indivíduo.
No discurso, que trata da ‘JIM’, deparamo-nos com formas variadas e explícitas de
utilização dos dispositivos controladores e disciplinadores do ‘autoconhecimento’ e da ‘auto-
realização’: as tecnologias de produção e consumo do rejuvenescimento, como as formas de
terapia, os textos sobre ‘auto-ajuda’ que produzem redes que tentam disseminar normas de
diferenciação das idades relacionadas a “modos de vida”. Elas serão olhadas, sob o ponto de
vista da “estética da existência” que altera a posição de sujeito: “uma estilização deliberada
da vida cotidiana” (HALL, 2000, p.125); é nesse sentido que emprestamos o conceito de
59
“modo de vida” de Foucault (1981, p.38-39), com a ressalva que não necessariamente os atos
de decisões e escolhas são estratégicos, ou pelo menos inteiramente assim.
1.5 O Curso da Vida Incorporado
Nas discussões sobre o “curso da vida incorporado”, o ponto sublinhado é que a
consciência humana materializada no corpo vive experiências sociais e culturais sempre em
processo de renovação e alteração, através das sucessões de idades. Assim, se há uma
tendência crescente para a interferência das tecnologias na natureza humana, incluindo a
construção da subjetividade, então, a relação entre os elementos corpo, self , cultura e
tecnologia são fundamentais para a interpretação dos processos sociais (BASSIT, 2000).
Na consideração dessa tendência para abordar o curso da vida, na visão de
Featherstone e Hepworth (2000), a valorização da jovialidade e da juventude, o desejo de
prolongar a vida, a rejeição da decadência e degeneração do corpo, e a recusa da morte são
importantes para a produção da “incorporação”. O desenvolvimento científico e tecnológico
estaria sendo mobilizado para a realização dos mitos associados a essas vontades, e ao desejo
de afastar a morte e a degeneração física.
Basicamente, não há discordância sobre a necessidade de relacionar os elementos
corpo/self (eu)/idade levando-se em conta que, pelo menos até um certo limite de idade, a
degeneração biológica não acompanha uma necessária decadência social e psicológica. A
ameaça mais intensa a essas posturas, em face do privilégio dos aparatos tecnológicos nos
processos de construção da vida humana e do envelhecimento, defende o respeito aos limites
naturais do corpo e procura manter a sintonia entre a preservação da vida e da natureza, com
vistas a um projeto de ganhos para a humanidade pela adequação de modos personalizados de
viver saudáveis e apropriados para esse fim. Nesse ponto, os autores, nos quais nos baseamos
para essa exposição, advogam que nessa postura há uma certa reificação de uma imagem
cultural do corpo, orientada por uma visão de tecnologia como algo que se encontra fora da
natureza e estranho à cultura.
Featherstone e Hepworth (2000) preocupam-se com a consideração da tecnologia, da
cultura, do self, do corpo e da natureza, acreditando que a conjugação desses componentes
traria um novo horizonte, não apenas ao curso da vida, mas a todo o processo que cobre e
excede o nascimento e a morte. Esse horizonte do “ciclo da vida” pressupõe a consideração
de que a ciência e a tecnologia não estariam fora da construção do cotidiano e impõem, de
forma acelerada e intensa, novos modelos para o desenvolvimento biológico e fisiológico que
60
implicam o nascimento, amadurecimento e envelhecimento; e, que ,cada vez mais,
desconstroem os modelos ‘modernos’, tendendo para crescente pluralidade e diversidade de
experiências ‘personalizadas’, únicas.
A forma, como estávamos acostumados a nos informar sobre os nossos corpos e as
nossas vidas ao longo da existência até a morte, chegava através de fontes de cultura popular
(como jornais, revistas e televisão) que costumavam desenvolver a cultura de massas
unificadas, e que ainda pressupunham uma certa unificação massificada na recepção. Nesta,
predominam as imagens de jovens, a forma física e a beleza as quais incentivavam os idosos a
lutarem para preservar as imagens positivas do envelhecimento.
28
Para Featherstone e Hepworth (2000, p.119-120), “os sociólogos do corpo” [que]
“conjugam o feminismo com a teoria crítica pós-moderna” defendem uma perspectiva da
incorporação que pede que se levem em conta as inovações sociais e tecnológicas,
características do final do século passado. Desse modo, modelos do curso da vida baseados
em “processos imprecisos de interação entre entidades ontologicamente distintas - corpo-self
e sociedade - não são mais viáveis”. Propõem que estes modelos para o século XXI sejam
cada vez mais “pós-modernos”, no sentido de “prever formas até mais avançadas e variadas
de desestabilização biocultural”. Poderíamos ilustrar o projeto genoma que na opinião de
Fukuyama (2003) busca o mapeamento genético completo do homem visando à sua perfeição
e à correção onde ainda exista defeito, e ao aumento do prolongamento da vida (poderíamos
ter irmãos gêmeos nascidos em gerações diferentes). Nesse particular entremeio, seria,
também, possível incluir esse discurso sobre a JIM que visa organizar o novo “calendário
biológico das idades” e prolongar ao máximo a vida sadia.
O grande volume de informações que circulam, em particular sobre o corpo, permite
uma personificação da experiência por processos “automonitorados” do corpo e do
envelhecimento, que exigem um esforço continuo do “eu”. As tecnologias de informação,
definidoras de estratégias de outros campos de tecnologia, e de comunicação mecanismos
operadores de desenvolvimento da realidade virtual como a Internet, atuam no ciberespaço
onde imagens que interagem de forma única correspondem aos vários selves (eus) de uma só
pessoa.
Longe do modelo de comunicação de massas, as tecnologias de informação, também,
no ciberespaço vão segmentando e diluindo o modelo do processo de envelhecimento
moderno. Os aparatos de intervenção no corpo biológico como as plásticas, os transplantes, os
28
Ver estudos anteriores de Featherstone (1992;1994) sobre o papel do corpo dentro da cuçtura do consumidor.
61
implantes e próteses, e as interconexões com as máquinas transformam quase tudo
29
: corpos,
selves”, tempo e modos e formas de nascer, de viver, de morrer e pensar no futuro da espécie
e do planeta.
A repercussão desse discurso, sobre o controle e a criação da vida e da morte,
certamente altera as teorias sobre o sistema cronológico de idades. A visibilidade desses
efeitos é clara nas defesas da “maturidade” (e mesmo na construção da ‘terceira idade’),
através de questões ligadas à reprodução, à saúde e à doença. Também, em momentos de
reconstrução do sentido de “juventude”, mais diretamente pelas aproximações da linguagem
digital como uma forma do conhecimento jovem e o gosto pelas experimentações.
É preciso ressalvar que a recomendação inicial do Manifesto Cyborg, para a relação
corpo e de identidade cultural na política de sexo/gênero, é para se introduzir a obsolescência
do corpo. Para Haraway (2000), a superação do corpo no ciborgue poderia nos livrar da
dominação e do poder numa era ‘pós-humana’, uma vez que parece somente existir injustiças
em seu nome.
Na verdade, as feministas contemporâneas que aderem ao modelo biomédico da
menopausa
30
, ao problematizarem a questão da cessação do estrógeno ovariano como um
limite entre a “adultícia” e a “meia-idade”, proporcionaram visibilidade a esse grupo de
“quarentona”, “loba”, uma parte da “terceira idade” etc., a partir de uma compreensão
acentuadamente cultural da construção da menopausa.
As diversas contribuições sobre os limites sociais do envelhecimento e os limites
biológicos, a partir de 1970, têm sido oferecidas pela construção social da sexualidade e pela
gerontologia. A menopausa pode ser considerada um exemplo elucidativo. As discussões
associadas à fertilidade, à feminilidade, ao atrativo sexual e ao valor social da menopausa
promovem uma “interpretação alternativa” para o lugar de sexo e gênero na “meia-idade”
[Featherstone e Hepworth (2000, p.117-19); Bassit (2000)]. A menopausa, sendo um
marcador biológico do envelhecimento feminino, no sistema de cronologização moderno,
pelo corte da possibilidade de reprodução da espécie e da conseqüente perda da sexualidade,
não pode dissociar a sua construção de processos intersubjetivos e de perturbações na
construção etária.
29
Entre outras coisas, essa compreensão requerida pelos autores inclui: a certeza de que a identidade social de uma pessoa pode começar bem
antes do nascimento e pode persistir por muito tempo após a morte e decomposição do corpo, das celebrações fúnebres etc. E o mais
paradoxal: apesar de as concepções sobre a morte serem ‘absolutas na estrutura do tempo humano’, elas são externas à compreensão de nós
mesmos (nós não podemos saber o que é ser morto depois de estarmos mortos).
30
WEI LENG K . “On Menopause and Cyborgs: Or, Towards a Feminist Cyborg Politics of Menopause”. Body & Society, 2 (3): 33-52,
1996. Citado por Featherstone e Hepworth (2000).
62
Castells (2001) e Melucci (2004) são autores preocupados com as alterações nas
formas culturais da maternidade e da paternidade, as indefinições da idade biológica ideal
para a gestação e as várias formas possíveis e disponíveis para conceber os filhos, a partir do
ponto de vista da construção da diferença cultural. O desenvolvimento da genética e das
tecnologias de reprodução associado à incorporação de ‘novas’ configurações sociais
(representações, linguagens, símbolos, valores, regras, leis, instituições, padrões de
comportamento), inclusive, introduzidos pelo feminismo, teria possibilitado a dissolução
cultural da reprodução de paternidade. Essas preocupações passam pelas imagens de
exemplos de formas ‘pós-humanas’ de vida
31
e pela ficção e a construção do ‘ciberespaço’,
como o lugar de lutas corporativas para a conquista e a exploração de informações, que
alcançam o mundo rico e pobre dos cyborgs (FEATHERSTONE; HEPWORTH, 2000).
Produto desse sonho humano de melhorar e expandir as suas capacidades e possibilidades de
velocidade e ação, por meio de uma reprodução seletiva, através de dispositivos artificiais.
Essa ênfase sobre a produção da vida ciborgue generalizou-se nos anos 1970 com a
noção de “ser humano ampliado”, na qual o corpo concebido como uma série ordenada de
peças substituíveis e hibridáveis à máquina deveria “ser alçado à altura da tecnologia mais
complexa e submetido a “uma vontade de domínio integral” (BRETON, 1999, p.46).
A cibernética, a ciência da comunicação e do controle, que conduziria à realização
desse sonho, trouxe dois resíduos culturais expressivos: a descrição do mundo como uma
coleção de redes e, neste mundo, a proposta da inexistência de distinção entre pessoas e
máquinas, que se diferenciam em ‘gerações’, os ciborgues dos anos 90 são mais sofisticados e
domésticos que seus ‘avós’ dos anos 50.
Esse é um campo de investigação que se abre, exigindo novas formas de pensar e
construir o curso da vida de sujeitos e agentes. De modo rápido, o ciborgue tornou-se um
“paradigma incontornável para pensar o mundo”; constitui uma espécie de autorização para as
noções sobre a continuidade da vida individual (BRETON, 1999, p. 206). Esse autor citado
(p. 43-45) entende que o “corpo nos anos 60 encarnava a verdade do sujeito”, o seu ser no
mundo que condensava as referências individuais da personalidade e que serviam de
referência para manter a identidade materializada na relação com outro ou com os nossos.
Hoje, seria uma ‘moradia’ que não passa de um artifício ‘sujeitado’ ao desenho permanente da
medicina e da informática.
31
Essas previsões incluiriam, por exemplo, os avanços na cosmética e na cirurgia de substituição de partes do corpo, a inteligência artificial,
a Internet e “seres emergentes”, sobretudo, os robôs que confundiram as barreiras e distinções entre o humano e o animal, entre o ser
humano e a máquina e o físico e o não físico (FEATHERSTONE; HEPWORTH, 2000, p.120).
63
Como lembrou Kunzuru (2000), as juntas pélvicas artificiais, os implantes de
tímpanos para surdos e de retinas para cegos, a infinidade de tipos de cirurgia cosmética são
parte do mundo médico. Uma das razões apresentadas por Breton para isso é que o corpo
pode ter se tornado autônomo relativamente ao ‘sujeito’
32
.
A importância e a penetração dessas instigantes propostas que privilegiam os
dispositivos ou aparatos biotecnológicos de informação, de comunicação, e de construção e
controle dos agentes inspiradas no trabalho de Foucault parece que tendeu a se expandir.
Merecendo destaque para as conexões entre corpo e self pessoal (eu) e social no curso da vida
“pós-moderno”, como usado por Featherstone e Hepwordh (2000).
Embora não se refiram a questões ligadas diretamente ao curso da vida, outros
autores
33
recorrem à noção de aparato tecnológico - biopolíticas e biotecnologias - para a
análise da construção estratégica de identidades nas situações limite das ‘dobras’, da margem
do interno e externo ou ‘duplo’ (Foucault). Rose (2001, p.111), a partir do desenvolvimento
que Deleuze faz de Foucault, sobre esse ‘afeto de si para consigo’, sugere que essa relação
consigo e a necessidade de interdependência entre ‘eus’ e corpo suscitam as técnicas de
agenciamento que estão envolvidas na mediação da constituição da identidade.
A dobra sobre ‘si mesmo’ pode acentuar os processos de “individualização”,
“controle” e “isolamento” [aludidos por Foucault (2001)] de natureza mais existencial, ou
acentuar os processos de subjetivação com base na alteridade e contingência estrutural, e ter
pesos diferentes em face dos efeitos dos elementos mobilizados.
Certamente, esse discurso toca vários pontos associados a três importantes momentos
estruturantes do curso da vida: o eu, o corpo e o “exterior”, contribuindo para deslocar limites
das posições dos “calendários cronológicos” que são fundamentais, em particular, no que diz
respeito à configuração JIM, à autoridade médica e à anunciação da construção cultural das
‘idades biológicas’ e da “moradia do eu” são fundamentais.
1.6 O Predomínio da Subjetividade: categorias de referências internas
Faremos anotações com o fim de tornar mais claras as relações entre os elementos de
referências, predominantemente, internas: “autonomia”, “responsabilidade”, “maturidade”,
“autenticidade”, “domínio”. Estes são significantes que têm sido mais recentemente
acentuados no discurso das idades, para referir-se à forma do movimento do sujeito na
construção da subjetividade e intersubjetividade. Estamos tomando esses termos como
32
Não constitui objetivo discutir a questão da relação sujeito e ciborgue. Ver para isso Breton (1999), Sibilia (2003).
33
Butler (1999), Deleuze (2005), Domènech et al (2001), Groisman (1999), Rose (2001).
64
significantes “vazios”, sentimos dificuldades para conceituá-los uma vez que sempre
escapam aos seus conceitos quando tentamos especificar os seus sentidos; mas sem esta
relação que une o universal ao particular qualquer símbolo destina-se ao que Bakhtin em
algum lugar chamou “cemitério de simbólos”.
Wautier (2003) observa que Françoise Dubet, ao interpretar o processo de
desinstitucionalização do final da década de sessenta, não o caracteriza como “crise”
institucional, trata-o como efeito de mudança de olhar sobre as normas e valores. A
socialização pressupunha uma homogeneidade de valores capaz de servir de fundamento ou
essência à integração social, no entanto a reivindicação da subjetividade vem borrando essa
concepção.
34
O processo de demandas por identidade teria submetido o indivíduo a
“provações” ligadas aos elementos: 1- de ‘responsabilidade’ vinculada à idéia de sujeito e
culpa (no fracasso ou na derrota o indivíduo é considerado responsável), 2- de ‘autonomia’ -
está ligada à “experiência generalizada do desprezo”: em situações em que o indivíduo não
consegue ser dono de si mesmo, não consegue construir sua autonomia, e por isso é encarado
como um ser desprezado e desprezível, 3- e na exigência da ‘autenticidade’ (impossível) que
é construída numa base de motivações de alto custo psicológico em virtude do
distanciamento, da crise e da ‘fadiga do ator’.
Entre as várias propostas para a questão da necessidade do fortalecimento das
identidades (política de identidade ou de autenticidade), o “projeto para o eu” de Giddens
(2002, p.196-200, a partir desse ponto vamos nos referir apenas as páginas desta obra) tende a
aprofundar essas tendências indicadas para a modernidade, e o seu desenvolvimento. Sua
proposta faz parte de uma “política de escolhas de estilos de vida”
35
. Para esse autor (p.71), o
deslocamento institucional que levou ao afrouxamento dos controles oferece a oportunidade
de liberação do “recalcado”. O “recalque” no sentido referido por Foucault (1998) [e Elias
(1993, v.2)], processo que correlaciona a civilização à tendência para reprimir as emoções, os
sentimentos, a sexualidade, e que conduz a predominância da “culpa”.
Giddens defende que a experiência atual aproxima-se mais da “vergonha” porque tem
origem na incapacidade de o ator responder para si mesmo o que quer para si. Buscar essa
resposta implica expandir a capacidade à “auto-realização” da “autenticidade”. Sem o
34
A Sociologia da experiência de F. Dubet cita quatro elementos hoje reguladores da ação social: a reflexividade, a distância em relação a si,
a percepção dos interesses e a construção das identidades. Mas isso não dispensa a perspectiva da emancipação, porque a experiência gerada
pela desinstitucionalização continuaria mantendo relações de desigualdades e sofrimentos, e, também porque as subjetividades são
construídas através de processos coletivos (Wautier, 2003).
35
“Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque
essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade’” (Id., 2002,
p. 79).
65
“autoconhecimento”, o indivíduo não poderá distinguir apropriadamente quem ele é nem “o
que quer” para si mesmo. Essa questão subentende “escolhas” sem erros de adequação com as
possibilidades do sistema institucional, para na “reinscrição” saber “recuperar-se”, e não
passar pela “vergonha” de ter que “repetir a tradição e os costumes”.
Essa perspectiva de construção da intersubjetividade baseia-se em “escolhas”
personalizadas, que retratam opções por estilos de vida, orientados pelo “domínio” sobre o
“certo e o apropriado”. Essa garantia da “autonomia” das ações reside na busca de integração
ao sistema institucional, onde a mediação entre as duas totalidades, indivíduo e sociedade se
daria pela alta reflexividade, operada através dos sistemas abstratos constituídos de
especialistas.
Esse tipo de demanda não está ausente no espaço das representações brasileiras.
Mendes da Silva (1996, p. 76), em sua pesquisa
36
sobre a experiência dos sujeitos quarentões,
salienta o predomínio da defesa e preservação da “autenticidade
37
como equivalente mais
próximo da identidade madura.
“[...] tem a maturidade suficiente para saber quem ele é e o que quer. Ele não
precisa da aprovação dos ‘outros’ [...] seguir regras porque ‘ele tem suas próprias
regras’[...]. Ser ‘autêntico’ é alcançar a maturidade ‘de quem sabe o que quer’ [...]”.
(MENDES DA SILVA, 1996, p. 76).
Nas relações com esse sujeito “amadurecido”, os ‘outros’ se transformam num
‘inimigo indeterminado’; e o ‘eu’, um lugar seguro para quem se gosta e se respeita, o espaço
impenetrável da autenticidade. Essa, ‘autenticidade’ apresenta-se como o caminho para a
maturidade, para a “realização dos seus sis pela experimentação e pela auto-realização
individual”. Para isso, as idades em torno dos “40 anos” são consideradas pelo autor “a idade
da vez”, para representar esse tipo de ator social próximo ao que nós identificamos “dono de
si”.
O conceito de “terapia” (Giddens) associa-se à capacidade para responder à
necessidade de distinguir no processo de “escolhas” ao longo da vida, e a “auto-observação”
permanente e contínua de uma “consciência presente”, processo inteiramente distinto de
viver “um dia de cada vez” porque abrange as “principais transições pelas quais a vida deverá
passar” (p.70-71).
O que este autor argumenta sobre a diferenciação da identidade por processos de
escolhas de estilos de vida e o problema das “crises” de “passagens” no curso da vida ajudam
36
A pesquisa foi realizada em São Lourenço (Minas Gerais, Br).
37
Para Giddens (2000, p. 51-52, grifo meu), “[a autenticidade][...] mais deriva da aquisição de um entendimento ontológico da realidade
exterior e da identidade pessoal. A autonomia que os homens adquirem viria de sua capacidade de expandir o âmbito da experiência
mediada: ter familiaridade com propriedades de objetos e eventos fora das situações mediadas de envolvimento sensorial”.
66
a esclarecer como algumas posições no discurso sobre a “JIM” têm tendido a se tornarem
hegemônicas. Ressalta que o conceito de ‘ciclo de vida’ não pode ser sustentado nas
sociedades modernas, em virtude da desconexão existente entre vida pessoal e a troca de
gerações. Como não têm um tempo padronizado por ritos formalizados ou institucionalizados,
as ‘passagens’ são estruturadas em torno de “limiares abertos de experiência” onde cada fase
de transição tende a tornar-se uma “crise de identidade”.
Na modernidade ‘tardia’, a ‘repetição’ do nome assume uma forma de renovação em
que as práticas são “repetidas apenas se forem reflexivamente justificáveis” (p.137). Isso
significa que ‘o ciclo da vida’ é um espaço aberto às experiências (conscientes), e não são
passagens ritualizadas, ou marcam confrontos de poder na sucessão das gerações e nas
relações de ‘família’. Os momentos de transição são percebidos pelo indivíduo como “crises
de identidades” para as quais alguma referência de ‘curso da vida’ funcionaria como um
mecanismo de orientação estratégica para encará-las e solucioná-las.
Essa noção favorece a prevalência de eventos importantes marcando as “passagens” de
idades, e enfraquece a relação de coetaneidade, emprestada ao conceito de “geração” e a
relação de parentesco (relações entre pais e filhos no interior do grupo doméstico). Desse
modo, entende que “geração” moderna é mais a forma de os atores darem conta de suas
experiências fora da família. As sociedades modernas tardias associam os marcadores das
“passagens” às “crises” que não seriam de todo previsíveis, e enfatizam os processos
reflexivos do indivíduo alerta e portador de um projeto construtivo do “eu” e do corpo
mergulhado no controle de uma complexa teia institucional (reflexiva)
38
.
Não é a identificação com a racionalidade e a transparência em si mesma que movem a
ação. Como a vida é referida internamente pela consciência dividida em “prática” (permite
seguir regras e mudá-las sem questionamentos) e “discursiva “ elaborada reflexiva e
racionalmente pode proporcionar a ação planejada concedendo ao ator explicações e
elaboração de projetos (DOMINGUES, 2001, p. 64-65), as relações sociais são organizadas
inteiramente em termos personalizados. O desenvolvimento do “eu” se processa através das
narrativas de busca da construção da “autenticidade” (p.223). Essa autoprodução, como é
possibilitada pelo “uso reflexivo do ambiente social mais amplo” (p.139), não conduziria ao
38
Especialmente em ‘Modernidade e Identidade, Giddens se dedica ao que chama a construção do ‘projeto reflexivo do eu’, projeto de
construção da auto-identidade com ênfase na satisfação individual, em condições de transformações dos quadros institucionais e da vida
pessoal que caracterizam a modernidade tardia. São basicamente três os principais conjuntos de mudanças apresentados por Giddens
(Id.Ibid.) que marcam as transições sociais da modernidade: i) a reflexividade institucional em expansão, ii) o desencaixe das relações sociais
pelos sistemas abstratos (sistemas de especialistas e fichas simbólicas) e iii) a conseqüente interpretação do local e do global. São processos
fortemente associados a uma reorganização das narrativas sobre a trajetória de vida ou “passagens” (momentos decisivos), baseada numa
auto-identidade, orientada por parâmetros de sistemas internamente referidos. Esses sistemas servem de pano de fundo da experiência social
e possibilitam a formulação de uma metodologia instruída pelo planejamento da vida, baseado nas atividades rotineiras, em combinação com
a confiança básica - necessária para se vivenciar reflexivamente uma escolha entre as plurais opções de estilos de vida, em condições de
segurança ontológica.
67
“indivíduo auto-suficiente” predominante no desenvolvimento inicial das instituições
modernas, nem estaria separado dos contextos mais amplos dos acontecimentos sociais.
Na concepção desse autor, os ‘limites da experiência’ são abertos mas a coerência do
eu é fortemente controlada por mecanismos de monitoramento da reflexividade institucional.
Então, os mecanismos de “desencaixe” invadem a modernidade, mas não “esvaziam” o eu. O
que fazem é remover as ancoras anteriores em que se fundava a auto-identidade.
Somos tentadas a supor que, por essas idéias as marcações do curso da vida na
atualidade constituem diferenciações que operam mecanismos de organização do
“desencaixe” e do “re-encaixe”, que permitem “recuperar” a identidade. Os mecanismos de
“desencaixe”, nesse caso, operariam através do apoio da referência à datação; os “sistemas
abstratos” que os organizam evitariam, criteriosamente, repetir a tradição e os costumes que
impedem a adaptação no campo de possibilidades de escolhas cobertas pelas regras
terapêuticas dos aparatos de monitoramento das ações e a colonização do futuro. Esse autor
reconhece de que a tensão entre a “reflexividade do sistema” e o que chama “inércia do hábito
ou as externalidades da tradição” está inscrita nos processos de hierarquização simbólica e
divisão das diferenças sociais. Na teoria de Giddens os seus ‘atores’são “autônomos” porque
são dependentes de controle e vigilância e monitorados pelos sistemas institucionais
(reflexivos).
[...]o domínio
39
substitui a moralidade; ser capaz de controlar as circunstâncias de
nossa vida, colonizar o futuro com algum grau de sucesso e viver dentro dos
parâmetros dos sistemas internamente referidos pode, em muitas circunstâncias,
permitir que o quadro social e natural das coisas pareça uma base segura para as
atividades da vida. Mesmo a terapia, como uma forma exemplar do projeto reflexivo
do eu, pode tornar-se um fenômeno de controle – um sistema internamente referido
em si mesmo. A confiança básica é um elemento necessário para que se mantenha
uma sensação do sentido das atividades pessoais e sociais dentro de tais quadros.
Como uma atitude segura em relação ao mundo como ‘certo e apropriado’, a
confiança básica acalma as sensações de horror que de outra maneira poderiam
emergir (GIDDENS, 2002, p.187.grifo meu).
Essa visão ajuda a entender os processos que tendem a realçar estratégias de
individualismo, controle e isolamento, reduzindo os espaços sociais estimulantes de práticas
agregativas de sociabilidade, em troca da prática de mediação autoterapêutica, sobressaindo o
monitoramento pelos processos de auto-ajuda. No projeto proposto para “estilos de vida de
escolhas”, a organização da vida corpo/mente/sociedade deve tornar o corpo mais um “objeto
social” do que uma “propriedade privada” pessoal.
39
Podemos imaginar a possibilidade de considerar o sentido e a força que Giddens atribui ao “domínio” e à “confiança” uma metáfora de
maturidade e/ou autonomia para ordenar as narrativas da “trajetória do eu”? Acrescente-se, que “colonizar o futuro” na perspectiva de
Giddens significa criar territórios de possibilidades futuras ‘reivindicada por inferência contrafactual’ (Id. Ibid.,p.222), ou seja: de certo
modo imprevisíveis.
68
De natureza existencial, o isolamento produzido provém de um fosso entre os
indivíduos e os recursos (morais) que poderiam possibilitar o sucesso numa vida sem
violência e segura. Por isso, Giddens (2002, p.96-97) diz não excluir a avaliação da relação
entre as oportunidades culturais e sociais na orientação das narrativas particulares de estilos
de vida que produzem a harmonização das duas consciências; acha que não se poderia acusá-
lo de sua ‘política de escolhas’ não ser, também, uma ‘política de oportunidades’.
A base para o planejamento da vida e as escolhas dos estilos de vida seriam (
p.223,186-187), possíveis em virtude da difusão de “sistemas abstratos” - as “fichas
simbólicas” e “sistemas especializados” - que tornam a vida mais calculável e cuja expressão
pode ser localizada na provisão de “ambientes sociais estáveis” e na “reflexividade crônica”,
pela qual os indivíduos organizam as suas relações com o mundo social que os envolve. Nesse
contexto, as questões essenciais são diluídas pela natureza controlada das atividades do dia-a-
dia no interior dos sistemas de produção de “auto-identidade”. A terapia é um desses sistemas
que auxiliam na distinção entre o “certo e apropriado”, substituindo o “falso” e o
“verdadeiro”. Sobre a importância dos “sistemas abstratos internos” e do “domínio”,
justificando a constante “recuperação” da identidade, citamos o autor.
As relações de parentesco ajudavam a determinar e em muitos casos definiam
completamente as decisões-chave [...] Decisões sobre quando casar e com quem,
onde viver, quantos filhos deseja ter, como cuidar dos filhos e com quem passar a
velhice são alguns exemplos mais óbvios [...] A vida de fato é construída em termos
da necessidade antecipada de enfrentar e resolver tais fases de crise, pelo menos,
onde a consciência reflexiva do individuo for altamente desenvolvida (GIDDENS,
2002, p.138 – 139).
Nessa concepção, “terapia”, um sistema especializado para referência interna mais do
que como é entendido na psicanálise; conceitua-a como “metodologia de planejamento de
vida”. Um ‘“indivíduo capaz’ harmoniza preocupações presentes com projetos futuros. O
futuro como uma herança psicológica do passado”’ (p.104,167). Assim como a “cura”, a
terapia é a medida da “capacidade e vontade da pessoa de funcionar de maneira satisfatória no
ambiente social mais amplo”. “Terapia” e a “cura”, portanto, são transformadas na própria
forma de regulação para orientação das relações e das práticas sociais dos “estilos de vida”.
Esse processo é distinto de viver um dia de cada vez, porque abrange as “principais transições
pelas quais o indivíduo deverá passar” (p.70-71). Entendemos que, no caso, “autoterapia” é
uma forma de colonização da “subjetividade” ao longo do curso da vida. Principalmente nas
“crises de identidade” que marcam os momentos no curso de nossas vidas, a “recuperação
busca a liberação do indivíduo na experiência cotidiana do que o impede de ser verdadeiro
consigo mesmo.
69
A reflexividade do ‘eu’ se expande para o corpo, que é parte do ‘sistema de ação’
sempre alerta do comportamento do ator: ‘Como estou respirando’? O que estou pensando? O
que estou fazendo? O que estou sentido?, etc. (GIDDENS, 2002, p.73-77) A ‘“consciência do
corpo” contínua, [é] básica para captar a totalidade do momento, e envolve o monitoramento
consciente dos fluxos sensoriais do ambiente’”, dos órgãos sensoriais e “disposição” do corpo
e as exigências sobre as decisões de dietas, consumos de drogas e vitaminas. A “consciência
do corpo” deseja um eu diferenciado e não destrói personalidade: “Experimentar o corpo é
uma maneira de tornar o eu coerente” , o corpo é uma moradia para esse ‘eu’ internamente
referido – o “casulo”
40
.
Para melhor compreensão desse projeto para o “eu”, precisamos indicar outros
aspectos da “política de escolhas de estilos de vida”. Sua postura contrapõe à “política de
oportunidades”, que em geral defende questões de “emancipação social”, princípios da ética
da igualdade, da justiça e da participação, para eliminar as desigualdades, a exploração e a
opressão. Visa alterar as posições dos grupos, minorias e povos, situados em posições
subalternas e dominadas no discurso da modernidade, tentando eliminar as distâncias e as
arritmias de atrasos relativos que produzem essas formas de poder.
A opressão é considerada uma forma de poder diferencial, diretamente ligado à
limitação, por outro grupo, ao direito à oportunidade da vida do outro. Uma forma de
expressão de demandas dessa ordem é o “pós-colonialismo”, que nas defesas de Bhabha
(2001, 1996) e Hall (1996, 2003c, 2003l) torna a reinscrição, também, uma “revisão” e
“relocação” do poder da autoridade cultural, baseada mas não restrita em costumes e tradições
do colonizado e do colonizador.
Essas distinções são importantes para diferenciar a perspectiva de construção da
intersubjetividade. A “política de escolhas de estilos de vida” não tem como prioridade
localizar e distinguir “as condições que nos libertam para que possamos escolher”, ela “é
política de escolha” (GIDDENS, p. 197). Essa “política-vida” focaliza o que “acontece”
visando à “auto-realização” de objetivos pessoais, por isso a “recuperação” é um ato de
“renovação” da escolha para a diferenciação de identidade; isto é possível por causa do alto
grau de reflexividade, que garante a ‘autonomia’ que julga, o autor, possuir os agentes.
A ética dessas decisões perpassa por questões existenciais. O “eu” e o “corpo” não são
tomados como duas entidades “fisiológicas fixas”, como quando o homem interferia na
40
Na metáfora do “casulo”, a moradia tem um ‘proprietário’ diferente. Ser “donodo corpo, implica coisas importantes: 1. como o indivíduo
deverá proceder à escolha de estratégias de desenvolvimento corporal no planejamento da vida, 2. quem vai determinar o ‘descarte’ dos
resíduos de suas partes corporais (GIDDENS, 2002, p. 201).
70
natureza de modo mais marginal. Por essa teoria, o corpo tem sido crescentemente invadido
pelos “sistemas abstratos”, tornando-o um lugar de “interação, apropriação e reapropriação”.
Nesse sentido, define-se o pressuposto de que o corpo já foi “emancipado” - está vivendo o
“retorno do recalcado”, o “desrecalque institucional” -, estando agora totalmente disponível
para ser “trabalhado” pelas influências da “alta” modernidade expondo-se à experiência da
vergonha’(p. 200, p.187-191).
Assim, depois de ser o “lugar da alma”, depois de ser o centro de “obscuras
necessidades perversas” (p.201), agora tem uma “camada permeável” por onde no cotidiano
“penetram” o projeto reflexivo do eu e os “sistemas abstratos” formados externamente. No
espaço conceitual entre o interior e o exterior, encontramos os aparatos terapêuticos diversos e
outras formas de orientação para o exercício do monitoramento, oferecidos pelos saberes e
poderes diversos dos “sistemas abstratos”.
Penetrados pelos “sistemas abstratos”, o corpo e o “eu” se tornam internamente
referidos, para constituírem um lugar de variedades de “novas opções de estilo de vida”
guiadas pela moral da “autenticidade”, que conduz à consideração das questões de direitos
pessoais e individuais, que se ligam a problemas existenciais. Na avaliação de Giddens, o
corpo não é uma identidade inerte submetida à “mercantilização” ou à “disciplina” (refere-se
a Foucault), sendo “estar emancipado” a pré-condição para a “escolha livre” na “política-
vida”. Na alta modernidade, acredita o autor, se na relação corpo/eu o corpo é menos ‘dócil’,
isso acontece porque os dois estão imbricados no mesmo processo reflexivo da “auto-
identidade”. Estaríamos diante de um processo de valorização e domínio do corpo através da
disciplina e controle da mente?
São instigantes os indícios de estarmos diante de um processo discursivo do
antienvelhecimento, que tenta distanciar e reordenar os dois sistemas: “idade cronológica” e
“idade do corpo” (biológica). Talvez, inclua estratégias para facilitar ‘novas’ articulações na
superfície discursiva “corpo e mente”, sob o “domínio” e o controle da “disciplina” médica e
terapeuta para o monitoramento do potencial dos significantes de referências internas,
elementos do “poder interior” da identidade etária. Esses signos de identificação da
capacidade de aptidão e domínio para os atos de escolhas (“maturidade”?) suscitam as
relações corpo/mente movimentos de constante “recuperação”, em que a questão básica do
‘eu’ é O que eu quero para mim mesmo?’ , levando muitas vezes o ator à “exaustão”.
A “auto-observação” é requisito para suportar a atividade de auto-representação dessa
resposta e as tensões ligadas a outros elementos da cadeia de referência interna:
responsabilidade, autonomia e autenticidade, domínio. Mesmo porque, como se refere
71
Melucci (2004), a exploração do campo simbólico tende a afastar as relações com o corpo; e,
no caso do discurso sobre a JIM (e também na “política de estilos de vida”), este se torna
extremamente necessário à visibilidade da aparência do ‘rejuvenescimento’
(antienvelhecimento JIM) distinguindo as várias idades pelas suas articulações à idade e
corpo.
41
Como as identidades são relacionais, sempre que defendemos nossas identidades
mostramos também que somos diferentes com relação a outras diferenças; ou seja,
42
a luta
por autonomia é por um nome” (LACLAU, 1990, p.53-44), que se dá, na fronteira que
separa “o que sou/somos do que não somos” (P.196).
Esse é o lugar em que Melucci (2004) também a concebe: a responsabilidade para
reivindicar a liberdade de ser ‘dono de si’ e de ser capaz de escolher, decidir e controlar
“modo de vida” independente e autônomo inclui a “responsabilidade” que se tem para, ao
responder agindo, tomar distâncias para preservar a identidade e de viver as tensões do
cotidiano. O nosso esforço, como em toda equivalência entre significados de termos, será
penetrar nessa distância e no ponto onde se cruzam a diferença e a identidade.
A particularidade comum aos autores citados é que consideram que quanto mais a
sociedade afrouxa os controles institucionais mais o sujeito, que se torna visível, deve
produzir ao mesmo tempo sua ação e o sentido de sua vida. Quanto mais ganha em liberdade
(‘independência’) mais perde em solidez e certezas, e na mesma proporção a socialização
menos garante a subjetividade (autonomia do eu). Uma das diferenças importantes entre eles
está em como consideram a alteridade na produção dessas ações e as decisões relativas às
escolhas para a preservação do nome próprio. Em Giddens, vimos a estreiteza desse lugar. Em
Melucci (2004), a compreensão do que nos acontece na relação interior/exterior e vice-versa,
valoriza a experiência individual da responsabilidade – a capacidade para responder agindo -
, e sugere um movimento de ‘repetição’, relativamente frutífero para as questões de definições
de subjetividade.
Para esse autor, a vida cotidiana traz a marca de uma tensão mal resolvida: por um
lado, o impulso para criar o espaço e os conteúdos da experiência; do outro, a necessidade de
considerar os limites naturais intrínsecos da experiência.. Estar diante de si mesmo como
corpo, mente ou espírito constitui para o indivíduo o elo, entre os fragmentos de sua vida
41
Como os demais elementos que lhes é equivalente, “maturidade” está sendo considerada um ‘horizonte’ constituído por várias formas de
representações em geral ligadas ao corpo: linguagens, sentimentos, emoções, comportamentos, imagens, valores e demais objetos que fazem
sentido, assumem um significado quando relacionados a esses significantes aludidos e a outros que venham a integrar a cadeia - uma vez
que tem a superfície aberta para incorporar e dissociar outras diferenças.
42
Faremos referência a alguns conceitos de Laclau sem explicitá-los, ou porque fizemos referências anteriores, ou porque logo serão
discutidos no capitulo metodológico, seguinte a esse.
72
(p.14). Assim nos tornamos cada vez mais os juízes e reguladores do ritmo de nossas
passagens pela vida e os “único[s] capaz[zes] de estabelecer a sua medida. [...] O corpo é o
veículo primário de presença e de toda comunicação [...] envia e recebe as mensagens
fundamentais (visuais, auditivas, cinestésicas) que dão sentido à comunicação” (MELUCCI,
2004, p. 71).
Pressupõe-se que o planeta tornou-se uma sociedade global: mudança acelerada,
pluralidade de papéis, excessos de possibilidades e mensagens ampliam a experiência
cognitiva e afetiva sem paralelo na história humana (Id. Ibid., p.15). A ausência de pontos de
referência, individuais e coletivas, que permitiu no passado construir a continuidade de nossas
existências, tornou remota a possibilidade de respondermos à questão: ‘Quem sou eu?’ Por
isso, a busca de uma “morada para o eu” transforma-se numa vivência obrigatória. E, nesse
ponto, o indivíduo deve construir e reconstruir a própria casa, diante das prementes mutações
dos eventos e das relações; mas este não é um lugar de “auto-observação” reflexiva excessiva,
o indivíduo, embora inseguro e dividido, preocupa-se mais em viver as experiências ao
‘responder agindo’ do que se ajustar aos sistemas institucionais (“observar”) para a garantia
das chances de “auto-realização” pessoal (conseguir o que quer para si).
Nesse sentido, é que o corpo pode correr o risco de deixar de constituir um limite para
processos de identificação para ser o alojamento permeável, que acolhe as inscrições de
“estilos de vida”. Mas Melucci está mais atento para este risco, e a sua concepção de moradia
( Ibid., p. 15) não é equivalente ao “casulo” (Giddens). Lida com os espaços dos vazios
constitutivos entre o dentro e fora, cuidando das inscrições nos espaços limítrofes pela
consideração do ‘Outro’ e pela sua falta nos processos de identificação, momento do indivíduo
retornado indivíduo no ato da experiência. Por isso, chama esse processo de “repetição” da
identidade individual “identização” ao invés de individualização, por conta da alteridade
mais profunda envolvida.
A experiência da complexidade e a diferença no mundo atual são obrigadas a lidar
com a incerteza e o risco, exigindo que os indivíduos saibam “moldar-se às necessidades sem
alterar a sua própria essência”. Assim, as dimensões constitutivas do eu transformaram-se em
questões que abraçam cinco áreas estruturantes da vida social: “tempo e espaço, saúde e
doença, sexo e idade, nascimento e morte, reprodução e amor” (MELUCCI, 2004, p.15,
grifos meus).
Na dimensão do tempo, o autor utiliza as metáforas figurativas da flecha, do ponto e
da espiral para tratar da diversidade da experiência cotidiana. No Ocidente, com a
predominância da racionalidade técnica, concebeu-se o tempo como uma categoria
73
relacionada ao presente, passado e futuro. A sua metáfora correspondente é a flecha,
43
o ponto
de destino seria a fonte do sentido de todo o percurso precedente que ilumina as passagens no
intermédio (relógio mecânico). Entretanto, essa figura linear, que representa a nossa
experiência na seqüência do tempo para um fim, estaria em declínio. Um tempo cada vez mais
fragmentado e reforçado pela perspectiva de um futuro nebuloso se coloca diante de nós.
Consolida-se uma experiência pontual, onde a figura “ponto” passa a representar seqüência
descontínua, mista, heterogênea, uma sucessão de momentos temporais muitas vezes
desconexos entre si (relógio digital) (Id. Ibid., p.19-20).
Essa relação espacial que se baseava no relógio, que media o tempo como quantidade
homogênea, divisível e equivalente é um “tempo igual a si mesmo”, homogêneo em qualquer
ponto da experiência, em qualquer espaço ou contexto. O relógio altera a duração num
percurso abstrato no espaço do círculo dos ponteiros que percorrem (minutos... meses, anos
através dos quais se cronometraram os aniversários). Com a introdução do relógio digital, essa
relação espacial é transformada em uma nova medida:
[...] torna-se leitura de números, seqüência ininterrupta mas descontínua de sinais,
[...] então o ponto assume o predomínio, modificando profundamente nossa
experiência da duração, da continuidade, da relação entre o antes e o depois.
‘Quanto falta?’ aparece agora de forma codificada em um sinal que só podemos
apenas registrar. (MELUCCI, 2004, p.2, grifos meus).
Para Melucci (2004) poderíamos representar a ‘subjetividade’ como uma relação no
presente
44
. Na realidade, essa relação não é nada simples porque, concomitantemente,
vivemos ainda outros entrelaçamentos entre as dimensões do tempo. Por exemplo, o futuro, o
porvir prepara-se dentro das condições e dos vínculos que o nosso passado constituiu. Mas as
possibilidades nunca são completamente abertas, e o passado delimita as fronteiras do
possível, e o futuro brota do seu seio carregando suas marcas. Nesse sentido, o presente é o
único horizonte possível para essa ligação circular que torna ambíguo o presente, a
contemporaneidade.
45
, e valoriza o momento da experiência (pontual).
Assim, para o autor citado, tempo hoje é uma experiência múltipla e descontínua que
envolve a incorporação do corpo, da mente e das idades ao longo da vida: ‘“vivemos ao
mesmo tempo sobre a linha que flui e nos leva do nascimento ao crescimento, ao
43
O tempo surge no horizonte histórico como herança judaico-cristã, que introduz na imagem tempo circular a ‘gênese’ e o fim
determinando limites lineares rumo à ‘salvação’. A época moderna substitui a idéia religiosa de ‘salvação’ para progresso, riqueza das nações
ou revolução. Um tempo que corre rumo à sua extinção, a um final atemporal que todo o percurso precedente prepara.
44
Essa relação entre passado, presente e futuro e a forma da continuidade pela repetição a estamos considerando através do “entre-tempo” da
enunciação proposto por Bhabha: “passado projetivo” e “presente enunciativo” (2001). Trataremos o assunto no próximo capítulo.
45
“É no presente que o passado reflete a sua luz e sua sombra sobre o futuro e que este ilumina ou turva aquela porção de nós mesmos na
qual queremos ou podemos nos reconhecer” (MELUCCI, 2004, p.23).
74
envelhecimento e à morte e no tempo que pode voltar para trás, que pode percorrer
novamente o ciclo, porque é o ‘tempo da alma’ (p. 4, 36).
Na consideração da questão do esvaziamento dos apoios institucionais fixos no
cotidiano e sobre problema da perda de importância das idades, o autor traz o dilema de como
enfrentar as incertezas diante da vida e como olhar e mudar este olhar sobre si mesmo. Nesse
exercício, afirma que o conjunto das “passagens” das idades “as grandes cadências de nosso
ciclo biológico e social” está sempre lembrando que as variedades de possibilidades para
escolhas e decisões não nos poupam do destino das idades, do ciclo vital e, enfim, da vida e
da morte. Para Melucci, é nosso dever encontrar a forma de como atravessá-los com
responsabilidade”, que significa “responder agindo” em processo de “identização”
(MELUCCI, p. 70-71).
Esse conjunto de noções e conceitos que circulam em discursos sobre as idades como
podem tornar inteligíveis os atos de escolhas e decisão que constituem os sujeitos JIM? Levar
em conta as elaborações dos autores citados não significa opção por seus critérios para a
análise das relações e processos que envolvem a subjetividade, a intersubjetividade e a
subjetivação. É que, para considerar a interferência do “exterior” na constituição de sistemas
de diferenças, precisamos situar algumas das múltiplas referências pelas quais as relações e as
experiências são constituídas por atos de escolhas e de decisões, nesse campo de disputas
pelos significados das hierarquias de divisões sociais.
O critério de ordenação dos autores, aos quais recorremos, foi simples: uma maior
aproximação com a construção das identidades nos momentos cruciais do discurso, tendo sido
os mais consultados, Giddens (2002) e Melucci (2004). Embora se aproximem da sociologia
da experiência e trabalhem o tema da incorporação esses autores diferem na abordagem da
questão. Emprestamos os seus conceitos não como um modelo que tenha sido usado na
construção do discurso objeto dessa análise, ou que o tenhamos nela enquadrado. Alguns nos
serviram como suporte para parte da compreensão da valorização do “eu” e do individualismo
na construção dos agentes nos momentos críticos de pontuações em fronteiras e limites
estabelecidas no discurso JIM. Como o fundo discursivo predominante está revestido pelo
reforço do indivíduo reflexivo e da veracidade do ‘autêntico’ contornando formas de
agenciamentos da “consciência presente”
46
(o que quero para mim mesmo?), muitas vezes o
“sujeito” individual retorna de suas escolhas referido internamente, personalizado.
46
“ser capaz de controlar as circunstâncias de nossa vida, colonizar o futuro com algum grau de sucesso e viver dentro dos parâmetros de
sistemas internamente referidos... em relação ao mundo como certo e apropriado” (GIDDENS, 2002, p. 187).
75
As questões levantadas por Melucci (2004), parecem, também, supor a pré-existência
de algo que possa sempre ser reconhecido e/ou negado em várias posições diferentes do “eu”,
levando o sujeito à responsabilidade pelo auto-reconhecimento dos vários eus. O indivíduo
responde agindo e, nesse caso, quando há “retorno” na negociação do sentido, é do indivíduo
como individualização (não é a imagem do sujeito posicionado como agente). Não obstante,
esse autor explora a incompletude da identidade e a busca de seu ajuste nunca arrematado
que, em metáfora, compara o ‘vazio’ à folga de uma engrenagem mecânica. Nesse ponto, suas
análises são bastante sugestivas para indicar os processos auto-reflexivos e “construídos de
nós mesmos” (‘identização’), ainda que a “presença” seja considerada fundamental para a
autonomia (Ibid.,p.48). Mas a ênfase também não recai na retórica do mercado, preocupa-se,
do mesmo modo, com afetos, sentimentos e emoções, e responsabilidades com os outros.
O conceito de “autonomia”, é constitutivo da operação de fixação de “ponto nodal
através da “lógica da equivalência e da diferença”. Para Laclau (1990), sempre que se a requer
(“autonomia”) está-se afirmando uma positividade, mas essa essência não tem uma
determinação última porque é construída entre a “contingência” que reside no “interior” de
toda estrutura de identidade e o “necessário” que se relaciona com o seu “exterior”. Desse
modo, qualquer identidade é um “significante flutuante” (sem sentido que fixa inteiramente a
relação significante-significado) sua “autonomia” é estruturalmente “contingente”. É o
delineamento desses limites de “autonomia” de uma identidade que garante as práticas e as
relações entre os espaços sociais e políticos específicos, que ao mesmo tempo a constrói. Em
geral, esclarece Laclau (1990), o conceito remete à relação de subordinação. É nesse sentido
que o utilizaremos.
Na perspectiva que adotamos, o processo de construção da subjetividade, o “retorno”
do “ato de escolha” é sempre um processo intersubjetivo, se constitui no momento da
“indescidibilidade” da escolha, quando interage ‘negociando’ a identidade e a diferença -
porque a cultura não é uma questão apenas interpessoal ou de ‘autoprodução’ da pessoa ou do
indivíduo. A interferência do “Outro” não é indeterminada simplesmente porque um ‘eu’ se
dirige genericamente a ‘todos’ ou vice-versa, é assim porque não sabemos de onde fala, mas
lança sua voz inquirindo e interferindo na relação. É a voz do inconsciente da cultura
constituindo a diferença e a identidade.
Para tratar dessas posições liminares, Deleuze (DOMÈNECH et. al., 2001, p.123-124)
situa o sujeito no espaço de conexão ou montagem uma “dobra” da exterioridade. A “dobra” é
uma metáfora que indica os processos marcados por relações de movimento e descanso, a
capacidade de interferir e ser interferido, que definem modos de individualização, que não se
76
assemelha a um ‘sujeito’. Sugere o autor que a ‘dobra’ da subjetivação é um processo de
agregação, agrupamento e composição, em que prevalece a parte fragmentada e incerta de
qualquer objeto que se apresente acabado, contribuindo para romper com as dicotomias,
através do ‘Outro’ que produz a ‘novidade’.
Temos, ainda, outra questão que remete à “re-inscrição” do nome e amplia o campo de
construção de limites e fronteiras de identidades culturais. Como “ancorar no presente a
pulsação do tempo, desapegar-se daquilo que foi sem esquecer e antecipar o que virá sem
consumir-se na espera” ? Essa questão, colocada por Melucci (2004, p. 29), foi discutida por
Bhabha (1996) e Hall (1996, 2003k) e é em torno dela que Bhabha constrói a noção de
terceiro espaço” e “entre-tempo” e Hall de ‘novo tempo’. A consideração da experiência
interna conduz a uma contemporaneidade que não é percebida como um tempo único.
(MELUCCI, 2004, p.29).
Ao tratar de limites de identidade e da diferença cultural, tendo em vista os processos
de subjetivação, deve se considerar que o significado é coletivo e que nenhum falante
individual pode fixar qualquer sentido, nem mesmo o de sua identidade - a língua, sendo um
sistema social, não pode ser um sistema individual. Essa “contingência” estrutural do signo
lingüístico que anunciou a “morte do autor”, porque é difícil de identificá-lo no meio de
tantas vozes, nos endereçou à noção de “tradução”, de “hibridismo” e “sujeito agente”
(BHABHA, 1996, HALL, 1996; 2003c). Estamos diante desses sinais do “retorno do sujeito”
ou da “morte da morte do sujeito” (Laclau), no qual mais que nunca não existe um lugar para
a ‘autoria’.
O corpo, como lembra Kebl (2003), habitando o universo simbólico, não pode ser
senão aceito como formado e interferido pela linguagem social que o constitui: sua aparência,
expressividade e sua saúde. Construídos pela linguagem, corpo e mente precisam ser
traduzidos porque a significação social é opaca, e é essa contingência que impõe que nenhuma
identidade pode ter autoria. A produção de um nome para si sempre é coletiva e envolve uma
experiência ‘híbrida’ nos limites. Termo alternativo para a “tradução
47
”, que possibilita
transgredir as regulações das normas e dos valores que delineiam as diferenças, mostrando
essa “contingência essencial” das regras (LACLAU, 1999, 2000), ao expor os antagonismos e
as ambivalências das hierarquias das divisões sociais. Porém isso apenas é possível pela
consideração da interferência do ‘Outro’ na relação intersubjetiva, no momento dos atos de
escolhas em que o poder é exercido para inscrever a identidade e distinguir as diferenças.
47
As bases de Hall e Bhabha para tratar do problema da “tradução” são, sobretudo, Bakhtin, W. Benjamim e Derrida, Franz Fanon.
77
Tudo que dizemos, tem um ‘antes’ e um ‘depois’ – uma margem na qual outras
pessoas podem escrever. O significado é inerentemente instável: ele procura o
fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença)[...]
Existem sempre significados suplementares sobre os quais não temos qualquer
controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos fixos e
estáveis (HALL, 1999, p. 41).
Essa perspectiva difere fundamentalmente da de Giddens que tende a ‘esquecer’ os
“costumes” e a “tradição” nos atos de escolhas. Assim, sobre a “tradução”, Bhabha
argumenta com Hall:
é um processo de revisão [de seus] próprios sistemas de referência, normas e
valores, pelo distanciamento de suas regras habituais ou ‘inerentes’ de
transformação’. Assim, a ambivalência e antagonismo, estão em cada ato de
tradução cultural, uma vez que o ‘negociar com a ‘diferença do outro’ revela uma
insuficiência radical de nossos próprios sistemas de significado e significação”
(2003 apud BHABHA, 2001 , p. 75-4).
O problema da “negociação” de escolhas dos significados das relações e dos processos
sociais passa de uma dimensão mais especificamente teórica para tornar-se um “problema
político e de civilização” (SEMPRINI, 1999). Os conflitos, pela posse de riquezas ou de
meios de produção, vêm sendo ‘substituídos por uma guerra pelo controle dos símbolos e dos
mecanismos que garantam a referência’ da multiplicidade e da complexidade das diferenças.
Para o autor, “O ato tradutório”, [...] não permite transcender as diferenças, mas permite
estabelecer sistemas de equivalências” (p.126-7). Assim, a conquista do poder do discurso
(fixação de pontos nodais) constitui o maior desafio, nesse sentido, Hall (2003) nomeia
política “luta de identificações” - através da qual negociamos as escolhas e tomamos as
decisões que influenciam na construção dos lugares sociais, como analisamos nos capítulos
seguintes.
78
CAPÍTULO 2 ELEMENTOS E PRESSUPOSTOS TÉORICO-METODOLÓGICOS
PARA A TRADUÇÃO DAS DIFERENÇAS DE IDADES
2.1 Sujeito, Posição de Sujeito e Hegemonia
2.1.1 Entre a Identidade e a Identificação
Os processos articulatórios que produzem a intersubjetividade, que conformam as
representações das identidades dos agentes culturais, remetem diretamente à importância da
relação entre o particular e o universal, o interior e o exterior. Por isso, Laclau & Mouffe
(1985) e Laclau (1996;1997) propõem desconstruir o lugar limite em que se encontram a
identidade e a diferença, através da lógica da equivalência.
Por essa abordagem, essa distância entre identidade e diferença é o terreno da
significação favorável à subjetividade e à intersubjetividade, que somente pode se dar por
processos de identificação. Procedimento de análise discursiva que atinge o ponto nevrálgico
da tendência da modernidade à homogeneização e à fragmentação.
Na linguagem ‘natural’ do senso comum, a identificação, que forma a base da
solidariedade para a fidelidade a um grupo, é construída pelo reconhecimento de origem
comum, ou de características partilhadas por outros grupos, ou pessoas, ou mesmo de um
ideal compartilhado que garante certa estabilidade à relação (HALL, 2000, p.105).
Baseada em Laplanche & Pontalis, Oliveira (2006) considera que os atos de
identificação são processos psicológicos, através dos quais os indivíduos assimilam aspectos,
propriedades, atributos do(s) outro(s); esses atos constituem a própria personalidade dos
sujeitos à medida que os aproximam e os diferenciam por meio de uma série de
identificações”.
No discurso, considera-se a identificação algo em processo, nunca completado, nunca
completamente determinado e, por isso, não se pode ganhá-la ou perdê-la. Nesse caso, as
condições para a existência e sustentação da identificação incluem a necessidade de recursos
materiais e simbólicos, mesmo porque os processos de identificação estão sempre alojados no
terreno contingente do sentido. Isso implica que a segurança de algo identificado com outro
em uma relação não anula a diferença, qualquer sugestão sobre a fusão do “mesmo” e o
“outro” é, segundo Freud, apenas uma “fantasia de incorporação” nos processos subjetivos.
Residiria aí a impossibilidade de qualquer forma de representação da identificação (HALL,
2000).
79
A identificação é um conceito estratégico e posicional, coloca-se, pois, no domínio do
intersubjetivo e é através dele que chegaremos ao conceito de “sujeito agente” (BHABHA,
2001). Esse processo de subjetivação refere-se ao momento em que o sujeito reinscreve sua
necessidade, – o retorno do sujeito – e implica o necessário reconhecimento e consideração
dessa especificidade como o limite de sua significação e fronteira discursiva. Em grande
parte, a condição para considerar o “específico” deve-se ao pressuposto desconstrucionista de
Derrida (LACLAU, 1993, p.2), que afirma que nenhuma estrutura de significação pode
encontrar nela mesma o princípio de seu próprio fechamento, a inteireza da autoprodução.
Como a estrutura não pode se autoproduzir, surge a necessidade de considerar uma dimensão
de força que tem que operar externamente, mas, de alguma forma, ligada à estrutura do
sistema de diferenças.
Nessa perspectiva, o agente
1
somente pode ser considerado como práticas e relações
discursivas de inscrição e negociação na superfície da margem do discurso, no “exterior
constitutivo” (Laclau) - a inserção ou intervenção de algo que assume um significado novo
no momento da subjetivação. O “agente” é constituído na margem do discurso no limite em
que este “toca de modo contingente o discurso dos ‘outros’ como ‘sendo’ próprio”
(BHABHA, 2001, p. 285-284). A articulação desse “exterior” em um discurso mostra que o
significado que se tenta fixar é indescidível e que o ‘sujeito’ do discurso está dividido e
duplicado
2
.
Ora, como se aceita que os sujeitos apresentem uma clivagem suplementada por algo
externo, para que o processo da identificação ocorra, faz-se necessária uma “tradução” no
momento da escolha deste “algo”. Principalmente com Bhabha (1996, 2001) e Laclau (1993,
1997, 2003), sublinhamos a sua imprescindível consideração para os processos de
identificação porque é um terreno do desvirginar, é a arena de formação das identidades
híbridas.
1
Nesse capítulo nos envolveremos com a questão do “retorno do sujeito” como agente. Esse “agente”, em Hall,
(2000, p.105) não trata de um “retorno a uma noção não-mediada e transparente de sujeito como o autor centrado
da prática social”, ou de valoração de uma abordagem que ofereça ao sujeito um lugar “na origem de toda
historicidade”, e que o leve a uma consciência transcendental. E, mais especificamente, como usado por Laclau:
O agente social deve “ser abordado como uma pluralidade dependente das várias ‘posições de sujeito’, através
das quais o indivíduo é constituído no âmbito das várias formações discursivas” ou num “conjunto sistemático,
de diferenças relativamente estável” (LACLAU, 2002, p.3; 1985, p.47-58).
2
A sistematização da diferença e da identidade do sujeito, em todo caso, parte de Lacan. Tornando o que e o
quem cindidos de tal maneira que o agente continua sendo o sujeito, em suspensão (como diz Barthes, 2002),
fora da sentença Essa caracterização exige negociações e “decisões”, tendo em vista uma pretensa costura que
gera efeito de “plenitude”, marcando os momentos de constituição dos sujeitos agentes.
80
Através da forma estética de construção da identidade moderna, aprofunda-se, pela
lógica da equivalência e da diferença, a relação entre o particular e o universal, sendo esse
espaço de fissura na construção da identidade o lugar onde os sentidos diferentes tentam se
fixar, predominando, momentaneamente, apenas um sentido hegemônico. Trata-se de uma
operação para homogeneização que tende a enfraquecer as diferenças.
Bhabha (1996, 2001), também numa crítica à fundamentação da identidade nas
construções binárias modernas, explora essa relação sob a perspectiva temporal, como um
problema de reinscrição ou revisão cultural, estabelecendo uma fissura na temporalidade em
que se constroem simbolicamente essas identidades: o “entre-tempo” de repetição do sujeito
na ordem dos sentidos e da valorização dos signos.
As passagens do universal ao particular são, especialmente, exploradas pelas agências
midiáticas que tentam privilegiar sentidos para fixá-los com mais tranqüilidade. Esse é o
momento, neste capítulo, que falamos da produtividade da lógica da equivalência e das
marcações na fissura do “entre-tempo” da enunciação proposto por Bhabha, nas obras acima
citadas, para a organização e análise das relações e dos processos de construção de
identidades, tomando como referência fragmentos de discurso sobre as idades e o
prolongamento da vida, conforme evidenciado na revista brasileira Veja.
2.1.1.1 Interpelação e Identificação
Segundo Hall (1999, p. 35), na revisão que vários autores fizeram de Marx após a
metade do século passado, argumentaram que este deslocara qualquer noção de agência
individual. Partindo disso, teria Althusser colocado as relações sociais no centro do seu
sistema teórico de um modo que afastou a noção de essência de homem e a sua incorporação
em cada “indivíduo singular o qual é seu sujeito real” (sujeito do empirismo). Dessa forma, o
“anti-humanismo” do estruturalismo althusseriano reduz drasticamente o peso da agência
humana, da ação individual, da autonomia e da autodeterminação na explicação histórica,
passando a privilegiar a posição ocupada na estrutura e às relações sociais que se estabelecem
para a sua estruturação historicamente situada na materialidade e solidariedade de classe.
Como esses fatores não conseguiam responder à razão dos sujeitos investirem ou não
nos seus lugares sociais, Althusser propõe a valorização dos sistemas simbólicos nos
processos de “interpelação”
3
. Através do conceito de ideologia, em Ideologia e Aparelhos
3
Pretende colocar a “interpelação” como mecanismo de identificação via Freud-Lacan: no terreno da
fragmentação da psique, do inconsciente (id), o repositório dos desejos reprimidos que não obedece a nenhuma
lei racional consciente - sendo estruturado como uma linguagem, haveríamos de “desvendá-la para descobrir
81
ideológicos de Estado, de 1970, introduz a psicanálise lacaniana pelo conceito de
interpelação e a noção de que a ideologia tem uma forma especular. A ideologia teria como
função não somente reproduzir as relações sociais como também constituir simbolicamente o
sujeito. A interpelação seria a forma como os sujeitos são chamados, evocados, abordados no
discurso para ocupar nele o seu lugar. Estruturalmente, o conceito depende de um
reconhecimento e, como o autor associa a noção de ideologia com aquilo que omite , vincula-
a ao “falso reconhecimento”. Assim, o seu conceito de “interpelação” não prescinde da
existência antecipada de um “sujeito capaz de agir como um sujeito”.
Na teoria da subjetividade de Althusser, o “sujeito” aparece como categoria
simbolicamente construída e distinta da ‘pessoa humana’, sendo representado por uma
“posição” na estrutura. Na avaliação de Woodward (2000, p. 60), a ideologia realizaria a
operação fundamental nessa construção, uma vez que no movimento de “interpelação” recruta
sujeitos entre os indivíduos, ou transforma os indivíduos em sujeitos: os sujeitos são
nomeados, posicionados, reconhecidos e produzidos através de práticas e processos
simbólicos. Essas “posições de sujeito” não são apenas escolhas pessoais conscientes, os
indivíduos são recrutados para aquela posição ao reconhecê-la por meio dos sistemas de
representação.
É-lhe forte a crítica dirigida sobre o uso dos elementos do inconsciente incorporados
ao processo discursivo de constituição do sujeito pela interpelação e por meio da estrutura
especular do falso reconhecimento (fase do espelho), que presume um sujeito preexistente ao
discurso. Antes de ser constituído discursivamente, o sujeito já está capacitado para agir como
sujeito; que, segundo opiniões de Laclau & Mouffe e Hall, surge da estrutura (LACLAU;
MOUFFE, 1986, 1993; HALL, 1985, 2003i).
Hall (2003, p.184-186) procede a uma apreciação do conceito de ideologia em
Althusser, onde esclarece pontos sobre o modo como os sujeitos são reconhecidos na
ideologia e pela ideologia (as relações entre os sujeitos individuais e os posicionamentos
ideológicos no discurso), esclarecendo que um dos grandes problemas nesse autor é acreditar
que as relações sociais existem fora das suas experiências ou das suas representações
4
.
suas verdades e ler essa linguagem” (WOODWARD, 2000, p. 61-62). O “supereu”, que age como uma
“consciência”, seria representado pelas relações sociais, onde a linguagem como um sistema de significação é
um conceito central. O significante constitui o elemento que acompanha o desenvolvimento do sujeito e o
movimento articulado dos seus desejos. A identidade, nessa perspectiva, é “moldada e orientada externamente
como um efeito do significante e da articulação do desejo”; o sujeito unificado seria impossível passando a ser
visto como um “mito” (ZIZEK, 1992). A maior referência que se faz à obra de Freud sobre esse assunto é Group
psychology.
4
Então, Hall (2003, p.184-186) afirma que, em Althusser, os “sistemas de representação são fundados nas
estruturas inconscientes” e não pelos “mecanismos universais de interpelação que fornecem as condições gerais
82
Nessa crítica, Hall (2003e) diz suspeitar desse processo ideológico que permite ao
indivíduo nomear-se através da gama de sistemas representacionais específicos (raça, sexo,
idade, etc.). Ou seja, o desenvolvimento althusseriano de sujeito não conseguiria distinguir o
sujeito da posição de sujeito, construindo a subjetivação por processos de identificação. O
sentido tem como fonte as próprias ‘posições’ no interior da estrutura, e o conceito de
interpelação, como trabalhado por Lacan, pressupõe e exige a centralidade da categoria
“falta” que precisa de um suplemento externo, para a constituição simbólica que promove o
‘fechamento’ fantasioso da significação. Nesse aspecto, Althusser teria sido negligente.
De acordo com Laclau (1990, p.196), a formulação de Althusser sobre os limites do
simbólico parece não considerar a “falta”, que é central na concepção lacaniana da
identificação, como uma limitação constitutiva do social e das posições de sujeito. O ponto
focal torna-se a produção do seu “efeito sujeito” como um “momento interno no processo de
reprodução do todo social”. Em lugar de tratar a “identificação como processo ambíguo que
mostra os limites da objetividade”, Althusser a teria considerado de modo exatamente oposto:
“um requerimento interno da objetividade no processo de sua autoconstituição [...]” .
Conhecemos o lugar do sujeito como um lugar de “indescidibilidade” e de
“negociação” do antagonismo, mas como ele se constitui? Como poderia ser o sujeito esse
próprio lugar, sem que constitua a própria fonte do sentido? Vale, como entrada, a questão
que, nessa concepção, não há identificação sem que se aceitem duas coisas. Primeiro, as
diferenças entre o “sujeito” e o seu momento de estruturação - o “lugar do sujeito” ou a
“posição de sujeito” e, segundo, que o processo de “identificação” diz respeito à construção
de sujeito como um “lugar vazio” numa estrutura “indescidível” e àquilo que a suplementa,
através de “atos de decisão” sempre contingentes.
Essas duas premissas são fundamentais para proceder à crítica à concepção de “sujeito
sociológico”, baseada na visão interativa da identidade e do “eu”. A identidade era formada
na interação entre o “eu” e a “sociedade”, já que se tinha, no final do século XIX, a convicção
de que o indivíduo não era dotado de um núcleo “autônomo e auto-suficiente”, e formado na
crescente complexificação da modernidade na relação com outras pessoas, que mediavam
para ele os valores, sentidos e símbolos do mundo que habitava. O fato é que, nessa relação
entre o “interior” e o “exterior”, projetávamos a “nós próprios” nessa identidade que preenche
o espaço entre os dois mundos ao tempo em que internalizávamos os seus valores, tornando-
os “parte de nós”. Isso fazia com que os dois mundos se tornassem unificados e previsíveis
à linguagem”. Para ele, esses mecanismos universais de interpelação “formam as condições concretas e
suficientes à enunciação de ideologias historicamente específicas e diferenciadas”.
83
(HALL, 1999, p.10-14)
5
. A identidade ainda tem um “eu real”, que é alterado no diálogo
contínuo com os outros que considera importante.
Na teoria de Laclau (1993;1998), as formas de constituição e representação das
identidades dos sujeitos contemporâneos são pensadas a partir de duas teses que afirmam: a)
como revelação de des-articulação, o “deslocamento é a pista da contingência dentro da
estrutura” e, b) “o sujeito é a distância entre a indescidibilidade
6
da estrutura e a decisão”
(1998, p.111) que constrói a “posição de sujeito”. Vamos por partes.
Para mostrar que o deslocamento desconstrucionista inscreve-se na própria lógica da
estrutura, Laclau (1993; 1998) parte da concepção de linguagem como sistema de diferença
que, como tal, necessita de uma sistematicidade para constituir uma identidade, e que esta
sistematicidade precisa que se estabeleçam limites a este conjunto de diferenças para que
possa fazer algum sentido. Caso contrário, teríamos uma situação caótica de composição de
diferenças após diferenças. O autor adianta que nada existe fora das estruturas discursivas
(incluindo a materialidade do nível extralingüística que é aprendida discursivamente, nem
tudo é discurso, mas tudo é aprendido discursivamente) e que os limites dos sistemas de
diferenças de uma configuração discursiva somente podem ser definidos com relação a uma
outra diferença que esteja ‘fora’ dos limites dessa configuração, que a ela está relacionado. Os
limites” de um sistema de diferenças são abertos, mas os limites de uma configuração são
delimitados, são fronteiras de inclusão e exclusão social. Como estas se baseiam
exclusivamente em identidades diferenciais relacionais, nunca teremos certeza sobre a
escolha de nossa decisão, porque não podemos determinar se as outras diferenças que
deixamos de ‘fora’ (pelo corte da linguagem) são internas ou externas ao sistema de
diferenças que estamos tomando como referência. Assim, nenhum limite do sistema
diferencial está inteiramente ‘protegido’, porque o terreno da decisão é ‘exterior’ à estrutura
que lhe serve de referência
7
. Quando, ameaçados em suas articulações, os sistemas se
desmontam, mostrando a contingência estrutural.
5
Hall (1999, p. 10-13) cita a importância de interacionistas como H. Mead, H. Cooley e demais interacionistas
simbólicos. A identidade preenche o espaço entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”.
6
Para esse autor “desconstruir a estrutura é o mesmo que mostrar a sua indescidibilidade, a distancia entre a
pluralidade de ordenamentos que eram possíveis a partir dela e o ordenamento real que finalmente prevaleceu.
Isso pode ser chamado de ‘decisão’, contanto que se considere que não está predeterminado pelos termos
originais e se passe pela experiência da indescidibilidade da estrutura”. Na “descontrução, o tema central é a
produção político-discursiva da sociedade, o que significa tomar-se ‘política’ como o processo de instituição do
social” (LACLAU, 1998; 2000).
7
“Desa manera, uma indescidibilidade constitutiva penetra toda disposición estructural, esto equivale a decir que
las identidades dentro del sistema estarán constitutvamente deslocadas y que esta dislocación mostrará su
contingencia radical” (LACLAU, 1998, p.112).
84
A segunda tese trata do sujeito como “lugar vazio” no interior dessa estrutura e da
questão da “decisão” sobre as escolhas que fazemos implicar diretamente a noção de
“negociação” para a conquista, preservação ou dissolução desses lugares no discurso. Com
base em Lacan, a concepção da lógica da articulação de Laclau pressupõe essa falta original
no seio da estrutura, uma fissura que não pode ser simbolizada, por isso o sujeito não pode ser
por ela construído positivamente, depende sempre de uma negatividade
8
.
O lugar dessa ‘falta’ é precisamente o lócus do ‘sujeito’, cuja relação com a estrutura
se dá através de vários processos de identificação: o sujeito é agente de práticas
articulatórias e, para assim constituir-se, necessita ser parcialmente exterior à estrutura para
que a articulação possa se processar. Mas esse ‘exterior’ não reporta à divisão de duas
entidades ontológicas de níveis distintos, a relação de exterioridade refere-se às formações
discursivas diferentes que não são plenamente constituídas.
Baseado em Derrida, Laclau (1998, p.109) considera que o “indescidível” não trata de
simples oscilação ou tensão entre duas decisões ou escolhas. Refere-se à experiência de algo
que, ainda que heterogêneo e alheio à ordem calculável e à regra, vê-se obrigado a decidir, em
condições de impossibilidade, levando em consideração as leis e as regras. Isso pode ser
considerado uma “decisão livre”. No exame da primeira dimensão dessa decisão, Laclau
(Ibid.) conclui que, na denotação de um sentido, “uma verdadeira decisão sempre escapa ao
que qualquer regra pode suprimir”. A segunda dimensão revela que, para significar algo, a
decisão tem que estar baseada em si mesma, em sua própria singularidade. Poderíamos falar
em alguma mediação entre a universalidade da regra e a singularidade da decisão? Para
responder a essa questão, Laclau (Ibid.) desenvolve argumentos para tratar da decisão no
terreno do que não pode ser descidível, tomando como ponto de partida o momento do sujeito.
O sujeito é a distância entre a indescidibilidade da estrutura e a decisão. O momento
de decisão como algo abandonado a si mesmo e incapaz de prover suas bases
através de algum sistema de regras que transcendam a si mesmas é o momento do
sujeito (LACLAU 1998, p.112-113).
Com base na noção de “substância” de Spinoza
9
, Laclau (1993; 1998) parte da
premissa de que a precondição para uma decisão é o “sujeito”, e que somente existe “sujeito”
8
ZiZek (1993, p. 157-287) considera que a dimensão da hegemonia (articulação) foi o avanço mais radical da
teoria social moderna, a sua proposição básica é “la sociedad no existe” que evoca a tese lacaniana “la
Femme n’ existe pas”: “lejos de reducir toda realidad a una suerte de juego de lenguaje, el campo socio-
simbólico es concebido como estructurado en torno de una cierta traumática imposibilidad, en torno de una
fisura que no puede ser simbolizada” (ZIZEK, 1993, p. 287).
9
Afirma Spinoza: III. “Entendo por substância (...) aquilo que é em si e se concebe a si, que dizer, aquilo cujo
conceito para formar-se, não precisa do conceito de outra coisa. VI. Deus, por exemplo, é uma
autodeterminação que não é uma decisão “porque o ser da substância não é diferente de suas ações e, neste
sentido, a substância decide nada”. O momento da decisão é como se soubéssemos que ninguém tem poder para
constituir-se sendo Deus, mas procede como tal ” (LACLAU, 1998, p.113).
85
se ele não é nem uma substância nem uma modificação de substância, por isso necessita de
uma “suplementação”. Necessita desse suplemento para tomar decisões porque o sujeito é só
em parte determinado por sua própria singularidade. Essa decisão tem assim um status
ontológico específico que não é uma substância em si. Por exemplo, uma consciência
autocentrada, mas é sempre de algum modo ‘autodeterminada’, porque tem que buscar um
fundamento que não seja diferente de sua singularidade. Aproxima-se de uma operação de
‘simulação’ que implica ‘identificação’.
O sujeito está parcialmente determinado porque possui uma identidade estrutural
falida”. Mas essa ‘autodeterminação’ não é a de um ‘sujeito vivido’, que tem sua identidade
unificada à estrutura (referido por HALL, 1999, p.11-12), ao contrário, é o resultado de sua
falta de ser que requer atos de identificação; por isso essa dimensão do sujeito (identificação)
é uma dimensão inerente da “decisão” (LACLAU, 1998, p.112-116). A “identificação” será
tanto mais visível na decisão quanto menos pudermos estabelecer a correlação positiva entre
“critérios” possíveis e eleitos para decisão e as “necessidades”. Porém não devemos esquecer
que, se temos uma ‘necessidade’
10
de identificação, é porque não temos uma identidade em
primeiro lugar; e aquilo com que nos identificamos “não é apenas seu próprio conteúdo
particular, é também um dos nomes de nossa completude ausente” (o oposto de nossa falta
original), nosso “exterior constitutivo”.
Nesse processo de constituição sobredeterminado de identidade, que se tem chamado
identificação” por meio das equivalências de significados, há um espaço reservado à
subjetivação e às exclusões, estruturalmente distinto daquelas unidades formadas por alguma
“coisa inata” e sem costuras ou diferenciações internas, presentes na estrutura ou na
consciência desde o nascimento, e desenvolvida e aperfeiçoada pela socialização e/ou
adaptação cultural. A “mesmidade”, nas ‘novas’ identidades, passa a ser elaborada em redes
de equivalência a partir do interior de conjuntos de diferenças, sendo costurada e
apresentando diferenciações internas. O processo de “identificação” somente pode ser
caracterizado como articulação, suturação ou sobredeterminação de elementos diferenciais.
Não se trata de “subsunção”
11
uma vez que sempre excede (sobredetermina) ou “suplementa”,
no sentido usado por Derrida, como aquilo que é exterior ao sistema de diferenças e que é
10
Para Descartes, a necessidade de identificação se oculta em parte pela presença de critérios críveis para
identificar-se com isto ou aquilo. E, se estes critérios estão ausentes ou presentes apenas debilmente, opera um
crescente divórcio entre necessidade e critério, já que a ausência de critérios corrói a “necessidade” (LACLAU,
1998, p. 116).
11
No sentido kantiano de considerar um indivíduo compreendido por uma espécie; incluindo a espécie em um
gênero etc., admitir uma idéia como dependente de uma idéia geral; interpretar um fato como a aplicação de uma
lei (DERRIDA, 2002).
86
necessário na constituição da identidade (HALL, 2000, p.105; DERRIDA, 2001; LACLAU,
1998). Como lembra Bhabha, citando um trecho de Gramatologia (Derrida):
Se ele se apresenta e constrói uma imagem, é pela falha anterior de uma
presença. Compensatório e vicário, o suplemento é um adjunto, uma
instância subalterna que
toma-o-lugar. Como substituto, não produz relevo,
seu lugar é assinalado na estrutura pela marca de um vazio. Em algum lugar,
algo pode se preencher de si próprio [...] apenas ao se permitir ser
preenchido por meio do signo e da procuração (BHABHA, 2001, p. 90).
O suplemento” “toma-o-lugar” de algo – nessa distância entre a indescidibilidade e a
decisão - para construir uma imagem de posição de identidade em um movimento duplo na
busca da unidade, da (des)identificação.
2.1.2 Atos de Decisão, Agentes de Decisão e Representação
As subjetividades são, então, articuladas, sistematicamente, em suas relações internas
e com o “Outro” na formação discursiva. Não se permitindo que surjam de uma paisagem
‘fora’ do discurso ou das estruturas discursivas, os sujeitos se fazem visíveis em “atos de
decisão” nos momentos em que ‘escolhem’, intersubjetivamente, como um gesto de
negociação na luta pelo significado que pretendem dar às suas ações, conscientes ou não.
Resultante de efeitos de práticas de identificação, a identidade está submetida à
economia dos “rastros”
12
, que está na base da lógica da equivalência laclauniana, que opera
por meio da diferença e envolve um trabalho discursivo de produção de fechamento e
marcação de fronteiras, sem o qual seria impossível a unificação discursiva de identificação.
Como são sempre construídas ‘dentro’ e não ‘fora’ do discurso e emergem em meio a jogos
específicos de poder, as identidades quando são assim construídas - em formações - estão
marcadas pela articulação da diferença e pelo efeito de exclusão, que não renuncia a sua
radical dependência do “Outro”, o “exterior constitutivo”.
12
Essa lógica é construída por Derrida (2001), partindo de Saussure, no jogo da ‘Différance’. Para preservar o
princípio da diferença, como evocado por Saussure, Derrida realiza uma crítica que não privilegia a substância
fônica (temporal) em prejuízo da gráfica (espacial), e considera todo processo de significação como “rastros”
(jogo formal de diferenças). Para isso, introduz um outro conceito de escrita: “grama” ou “différance”. Esse jogo
da diferença não permite “que um elemento simples esteja presente em si mesmo e remeta apenas a si mesmo.
Seja na ordem do discurso falado, seja na ordem do discurso escrito, nenhum elemento pode funcionar como um
signo sem remeter a outro elemento, o qual, ele próprio, não está simplesmente presente. Esse encadeamento faz
com que cada “elemento” - fonema ou grafema - constitua-se a partir do “rastro”, que existe nele, dos outros
elementos da cadeia ou do sistema”. Esse encadeamento, esse tecido é o texto que não se produz a não ser na
transformação de um outro texto. Nada, nem nos elementos, nem no sistema, está, jamais, em qualquer lugar,
simplesmente presente ou simplesmente ausente. “Não existe, em toda parte, a não ser diferenças e rastos de
rastros. O grama é, pois, o conceito mais geral da semiologia - que se torna, assim, gramatologia” (DERRIDA,
2001, p. 30-32).
87
Na concepção de Laclau (Ibid., p. 120), a “decisão” é sempre tomada em um contexto
concreto, pois se trata da passagem recíproca da regra, da lei, da norma à escolha para suprir
necessidades (suplemento) pela negociação. Para fazer sentido, o que está sendo decidido é
regulado, absolutamente não é totalmente livre, e essa limitação, na passagem da
universalidade da regra à particularidade da decisão, e vice-versa, é caracterizada pela
indeterminação do conteúdo pelo qual o universal (significante vazio) encontra sua expressão
(significante flutuante) (Ibid., p. 119-120). Trata-se, nesse sentido, de uma operação da
passagem que estabelece a distância entre o “sujeito” e a construção da sua “posição de
sujeito” na estrutura indescidível. Estamos na segunda tese de Laclau acima referida: “o
sujeito é a distância entre a indescidibilidade da estrutura e a decisão” (LACLAU, 1998, p.
111). Para o autor, o “retorno” do sujeito, como agência regulada pela “necessidade” e a
“contingência”, está estruturalmente associado à construção da “identificação” pela lógica da
articulação da equivalência que estabelece uma pausa na passagem entre o universal e o
particular. Essa construção, pensamos, assemelha-se à passagem do “sujeito” ao “sujeito
agente”, aludido por Hall (1996) e Bhabha (1996, 2001). Por essa lógica, as recomendações
de Hall (2000) de que temos que situar as relações do sujeito com a formação discursiva como
uma relação de articulação é levada ao extremo.
A idéia é que, como temos um lugar vazio no interior da estrutura para produzir os
efeitos estruturais de diferenciação e de identidade como “posições de sujeito”, precisamos de
uma sistematização do sistema que por si mesmo não pode ser realizada
13
, mas que é uma
necessidade sempre perseguida na estrutura. Essa sistematicidade, que precisa passar para o
campo das representações, vai requerer algo que a represente para que esse “nada” “passe a
ser algo” (“suplemento”) e atinja a sua unidade imaginada. Os meios possíveis, para essa
função de “representação”, serão as diferenças particulares internas que são sempre menos
que o objeto total, mas o encarna miticamente como se fosse pleno. Deve-se ter em mente que
nessa concepção em que o sujeito é parte da estrutura da experiência, tem-se em vista que os
“atos de decisão”, cujo conteúdo concreto é “uma consideração secundária”, assumem a
função de plenitude dos agentes.
Por que chamar sujeito a esse agente de decisão? Porque a impossibilidade de um
sujeito livre e substancial, de uma consciência idêntica a si mesma que seja causa
13
O autor está pressupondo que a impossibilidade de um objeto constituir-se não elimina a sua necessidade,
perseguindo a estrutura como for/dá Uma relação fort/da remete ao movimento contingente da repetição como
uma superposição sem equivalência. Bhabha (2001, p.50-52) explora essa metáfora fort/da para enfatizar “as
vicissitudes do movimento do significante, o vaivém do processo simbólico da negociação política que constitui
a política da interpelação”, referindo-se à negociação (substituindo o lugar de negação) para enfatizar a
articulação de elementos antagônicos ou contraditórios para tentar vencer as polaridades, aproximando-se de
vários textos de Laclau, embora pouco os cite.
88
sui, não elimina sua necessidade, senão que tão só volta a colocar o agente de
decisão em situação aporética de ter que atuar como se fosse um sujeito, sem estar
dotado de nenhum dos meios de uma subjetividade completamente constituída. A
opacidade da decisão com respeito a si mesma é outro dos nomes para essa
condição ontológica (LACLAU, 1998, p.118).
Ora, a hegemonia é justamente essa relação pela qual um conteúdo particular assume,
em certo contexto, essa função impossível de encarnar a “plenitude ausente”; disso decorre
que hegemonia implica “representação de uma fantasiosa totalidade (identidade). Assim
sendo, segundo Laclau (2000, p.85), seria suficiente tornarmos visível as substituições
tropológicas
14
nesses vazios para que a lógica hegemônica possa operar livremente.
Nenhum ator social pode atribuir a si mesmo a representação da totalidade e assim
alugar o ‘domínio’ deste fundamento. A objetividade social é constituída através de
atos de poder. Isso implica que qualquer objetividade social é definitivamente
política e se tem que mostrar os traços da exclusão que governa sua constituição’. O
ponto de convergência entre objetividade e poder é o que designamos hegemonia
(MOUFFE, 2003 p. 200-227, grifo nosso).
Os “atos de poder”, referidos por Mouffe (2003), constituem a realidade social dos
momentos de “decisão” em que as várias “posições de sujeito” se constituem em diferentes
lugares no discurso, através das relações sociais e das práticas dos “sujeitos” que constroem
essas posições que sobressaem nas disputas para ocupar os lugares vazios. Esse trabalho pela
hegemonia dos sentidos implica processos simbólicos e culturais que promovem efeitos de
divisão, de hierarquização e de inclusão e exclusão na vida social. A dinâmica da sucessão
desses múltiplos momentos de totalização é, essencialmente, umhorizonte imaginário” que
se exterioriza através das instáveis relações e das práticas aí desenvolvidas, com os seus
antagonismos indicando que o político constitui a diversidade e a pluralidade social nas
sociedades modernas contemporâneas.
É importante ressaltar que, se entendemos por ‘sociedade’ um “terreno de lutas por
posições”
15
(HALL, 2003), o que temos é uma série de posições particulares de sujeito não
fixadas a priori e que mudam pelo modo como são articuladas em uma série de equivalências,
que produzem efeitos de diferença, através do excedente metafórico que define a identidade
de cada posição de sujeito. Dessa forma, a significação de uma “posição de sujeito” resulta de
uma condensação simbólica que não é o resultado da expressão de algum tipo de necessidade
14
Os movimentos tropológicos referem-se ao que não é o literal da palavra ou do texto (fala-se do sentido), trata-
se da geração de uma imagem figurada em condições retóricas que ocupa o ‘terreno de um fundamento que não é
ele mesmo fundado’, para estabelecer as diferenças (LACLAU, 2000, p.93). A catacrese parte justamente da
heterogeneidade radical, em que reconhece a homogeneidade radical, para definir esses ‘conteúdos’. Duas
formas importantíssimas desses movimentos no discurso são: a metonímia que produz efeitos de deslizamento, e
a metáfora, que tende à retenção do movimento, à repetição, pela condensação, sendo a catacrese como uma das
suas expressões na construção do sentido hegemônico.
15
Laclau (2002, p.6) usa “batalha de posições” e lembra, como Hall, que isso já subtrai de si mesmo o caráter
único e diferencial. Os dois partem da concepção de Gramsci, sobre “guerra de posições” e “hegemonia”.
89
interna, que reuniria ‘objetivamente’ um interesse a cada posição a ser ‘representada’. Seria
através das equivalências que as “posições de sujeito”, representadas por significantes, são
unificadas no discurso. E, pela própria forma como são estruturadas essas positividades, são
sempre radicalmente contingentes e ambivalentes, indicando a dificuldade da transparência
do sentido entre o conteúdo e a sua representação (o significante e o significado, o enunciado
e a enunciação). Porque dependem das articulações que estabelecem as distâncias e
sistematizam o conjunto das hierarquias distintivas que tornam o sentido hegemônico.
O status do sujeito da falta, assim como o status do social, aparece correspondendo a
uma “impossibilidade central” (ŽIŽEK, p.199-258) de constituição plena e de sua
representação. O “necessário” e o “contingente” estão reciprocamente contaminados
(LACLAU, 1996) no movimento de condensação e dispersão na construção dos limites
híbridos dos lugares onde o sujeito se constitui ocupando os ‘vazios’. Os limites são
necessários para estabelecer essas diferenças entre o “sujeito” e a sua “posição de sujeito”,
que nunca são puras e, em decorrência, ela será parte integrante de um sistema de identidades
ambivalentes constituídas por um processo de “identificação”, que nunca pode ser totalmente
representado. Por seu turno, como esses limites apresentam uma contingência variável, e
sendo ela constitutiva da diferença, a presença de tal variação se torna absolutamente
necessária” ao sistema de diferença (LACLAU, 1988; 2000) para que os múltiplos e
distintos pontos se ‘fixem’ no discurso e estabeleçam as séries ordenadas de efeitos de
fronteiras” de inclusão e exclusão nas diversas configurações
16
. Por essa noção “totalidade
social” (identidade), entendida como uma série articulada desses efeitos de atos de decisão,
opacos, constitui um horizonte” imaginado mais do que o nome de um “fundamento” que
necessita de uma representação.
Essa representação, no processo de “subjetivação”, pode ser assim estruturada:
(...) a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao
assumir essa imagem - a demanda de identificação, [ser para o Outro] implica a
representação do sujeito na ordem diferencial da alteridade. A representação é
sempre o retorno de uma imagem de identidade que traz a fissura do olhar do Outro
de onde ela vem. O momento primário dessa repetição do eu, reside no desejo do
olhar e nos limites da linguagem (BHABHA, 2002, p.76).
16
Ressalte-se que, para Laclau (1993, p.199), uma articulação hegemônica remete a um “[...] amplo e
diversificado conjunto de relações e intervenções que se cristalizam – uma “configuração”, que Foucault chama
dispositivo”. “Afeta os vários níveis em que os homens conformam sua identidade e suas relações com o
mundo (sexualidade, a construção do privado, as formas de sociabilidade, o gosto estético, etc.)”.
90
2.2 A Tarefa da Rede de Equivalência: fronteira, limite e hegemonia
A dimensão estética - o desejo que simboliza a identificação se realiza na experiência
estética - é considerada por Laclau (1990, p.198) importante para a compreensão da
construção de identidades nesses nossos tempos. Platão teria dito que a beleza é o “esplendor
da verdade”. Seu projeto estético para o mundo da experiência sensível tentava mostrar as
imperfeições desse mundo “das formas ou os paradigmas que constituíram sua essência”. A
identificação na experiência estética de Platão, na interpretação desse autor, reside na
passagem da limitação, ou seja, da imperfeição ao que é concebido como forma essencial ou
pura. Sendo a forma, também, um universal e sendo a experiência estética “‘do indivíduo a
identificação do indivíduo a si mesmo um universal’, a identidade é alcançada através da
repetição do que em ‘mim é idêntico com os outros indivíduos’” (LACLAU,1990, p.199).
A cultura da eliminação das especificidades muito tem se desenvolvido assim na
modernidade: busca no que por trás dessas especificidades era concebido como universal. As
expressões de subculturas, contraculturas juvenis são exercícios de homogeneizações desse
tipo, visam a um ideal de cultura adulta, da maturidade, ou juvenil do crescimento a ser
comparada nos processos de pertencimento e não-pertencimento. Na visão laclauniana, a
tarefa de uma “nova cultura”, que poderíamos chamar de “pós-moderna”, é transformar essas
formas predominantes de identificação e construção de subjetividade que existem em nossa
civilização.
É necessário passar das formas culturais concebidas como uma busca do universal
no contingente, a outras que vão em direção diametralmente oposta: que tentam
mostrar a contingência essencial de toda universalidade, que construam a beleza do
específico, do não repetível, daquilo que transgride a norma. Devemos reduzir o
mundo à sua ‘escala humana’. É necessário passar de uma cultura centrada no
absoluto - que nega, portanto, a dignidade do específico - a uma cultura da
irreverência sistemática. ‘Genealogia’, ‘desconstrução’ e outras estratégias similares
são formas de questionamento da dignidade da ‘presença’ e da ‘origens’ da forma
(LACLAU, 1990, p. 200).
Para Laclau (1997, p.19-18), a dimensão da universalidade não pode ser eliminada
porque não há nenhuma comunidade homogênea. Mas um significante universal é apenas um
lugar “vazio”, unificando um conjunto de demandas equivalentes (significante flutuante). É
possível distinguir o conteúdo e a função que conferem uma natureza a esse lugar. A função
do universal (ou significante vazio) é “introduzir redes de equivalência num mundo onde as
identidades são diferenciais”. Esse é um lugar que não tem conteúdo próprio (por isso,
catacrésico). O conteúdo é sempre uma articulação provisória de demandas equivalenciais
que, entretanto, se apresentam como reais e válidas (mas sempre haverá exceções). Esse
conteúdo tem uma função particular de operar em “um jogo de linguagem específico e tornar
91
discursivamente possível uma cadeia de efeitos equivalenciais” (p.19). Por exemplo, existem
muitos contextos em que os significantes vazios ‘maturidade’, ‘juventude’, ‘segunda
adolescência’, ‘domínio’, ‘mente’, ‘jovem’, ‘autoconstrução’, ‘idoso’, podem operar
produzindo efeitos de totalidade e universalização histórica.
As equivalências podem ser introduzidas de duas formas: por “agregação” ou
“articulação”. A forma da “agregação relativa” inscreve identidades ou demandas particulares
numa cadeia maior. Na forma da “demanda particular”, a “articulação traz para a demanda
específica a função de representação universal”; atribui-lhe o valor de um “horizonte”, que
proporciona efeito de coerência, e, por outro lado, mantém aberta a cadeia. A condição para a
realização de um particular é a contínua abertura de seus limites, e a redefinição permanente
da sua relação com o universal (LACLAU, 1997, p.28). Mas não se sabe quando uma
demanda particular vai assumir uma função de “representação universal”. Um universal é
parte de toda identidade tanto quanto é por uma falta constitutiva (HALL, 2001, p.85), é no
lugar vazio dessa fissura que “equivalência” e “diferença” se encontram.
Sempre que afirmamos o direito a todos de serem diferentes, estamos afirmando de
alguma forma a igualdade. Então, interrompemos pela lógica da diferença e da igualdade a
lógica da diferença. Sinteticamente, ilustramos rapidamente um momento do processo (aqui
fora do contexto) de construção da “idade da beleza” no discurso sobre a “jovem idade
madura”.
(T1).Beleza para todos. (T2) Todo mundo pode ficar mais bonito. (T4) É de Lei: O Direito a
Beleza.(chapéu). Melhores e mais acessíveis e mais baratos, os tratamentos estéticos se disseminam e
criam uma nova utopia: hoje em prestação ou no cartão, todo mundo pode ser mais bonito (Revista
Veja, Capa. nº 1835, 2004).
Sem contar que, nesse momento, tentam-se destruir aspectos do mito de gênero da
unificação da ‘beleza’ à mulher, a enunciação está claramente interrompendo a lógica da
diferença: o direito de ser feio, de não poder ficar mais bonito, a beleza natural, etc. O próprio
texto (T4) é um rastro do paradoxo da construção da identidade ‘beleza’: ‘uma nova utopia’
da democratização da beleza pela igualdade de acesso aos aparatos de embelezamento. O
valor da beleza é atribuído a um bem cultural, cuja barreira de exclusão não é mais a cega
natureza biológica, mas o olho do modelo do consumo e o seu encantamento; esse é o seu
fundamento.
O limite do privilégio de poucos, ditado pelo poder de aquisição aos benefícios das
tecnologias estéticas mais recentes, tenta ampliar-se através do “suplemento” “beleza a
prazo”, que assume nesse momento a função representativa (particular universal). A
necessidade da beleza, seu desejo, se mostra na ‘presença/ausência’ (fort/da) simbólica do
92
sistema de diferenças ‘beleza’ contemporânea significada pelo suplemento “tratamento
estético a prestação”, que assume nesse momento a função representativa da beleza popular.
Qualquer demanda que tente defender a ‘feiúra’, num forte sistema de exclusão que enalteça a
decisão e a responsabilização pela autoconstrução do rejuvenescimento sob o signo beleza,
tende a promover o isolamento e a se localizar reprodutivamente nas margens, podendo até
transformar-se em ‘folclore’. É nesse sentido que Laclau (1997, p.12-13) afirma que a
possibilidade de vitória é quase nula em termos de “autenticidade cultural já adquirida”, e que
isso explicaria a centralidade atual do conceito de hibridismo, como terreno mais fértil para a
constituição de identidades.
2.2.1 “Exterior Constitutivo”, “Entre-tempo” e Inscrição do Agente
Na perspectiva desconstrucionista, a desconstrução de uma identidade é a afirmação
de sua historicidade construída social e culturalmente, porque é nessa operação teórico-
discursiva que o “exterior constitutivo” (que a identidade habita) aparece inquisidor e
questionador, fazendo revelar a contingência, a qual se referiu Laclau, que traduz a sua
profunda historicidade. Dessa forma, para o processo desconstrutivo, as identidades são
históricas e contingentes e estão sempre sendo questionadas. Em sendo assim, como se
formulam, e se deparam, e se enfrentam as ‘questões’ para a nomeação? O que seria essa
fonte que constrói o social? Somente poderia ser a ‘decisão’ que socialmente tomamos para
constituir nossas identidades e nossa existência.
O que eu estou afirmando é que estas decisões, que se tomam ignorando
parcialmente as circunstâncias, as conseqüências, e inclusive as próprias
motivações, são a única fonte do social, e que é através delas que o social se
constitui (LACLAU, 1990, p. 202).
Assim como qualquer representação de “posição de sujeito” social apresenta uma
contingência constitutiva (um vazio estrutural), essa mesma contingência povoa a
subjetividade do agente. Este não pode fugir de um permanente jogo entre a contingência e a
necessidade, registrado nos confrontos na sua vida social parcialmente opaca e hostil e em
uma “falta”, que é necessária para a sua subjetividade.
Como alternativa às visões tradicionais (que asseveravam a transparência dos limites
dos calendários etários para a constituição plena da ordem e da continuidade social por
mecanismos que levam ao sucesso do “universal no contingente”), o horizonte das operações
teórico-discursivas que emana da instabilidade das relações significante/significado olha para
o oposto: o social não obedece a nenhuma ‘lei imanente’, uma vez que está na mesma escala
que os agentes (históricos, contingentes e falíveis). Nessas condições, a liberdade do “sujeito
93
agente” não consiste em projetar a si mesmo na “representação da plenitude dos tempos”; sua
tarefa é mostrar o caráter temporal articulado de qualquer plenitude. Qual então seria o lugar
da tradição
17
, a sua relação na repetição do passado no presente garantindo sentido à
continuidade?
A recomendação para a repetição é que se reconheça no passado a sua diferença com
relação ao presente, e não deixar de considerar na constituição da diferença a continuidade e a
descontinuidade, e o fato de que o passado não pode ser reconhecido como um modelo e uma
origem ao qual o presente venha a ser ‘reduzido’ pela manipulação teórica
18
. O autor
relaciona a “tradição” à casta dos “grandes intelectuais”, que se atribuem à função de
desvendar a ‘verdade’. Quando a tradição é posta sob a condição de que “toda verdade é
relativa a uma formação discursiva” – “que toda eleição entre discursos é somente possível
sob a base de constituir novos discursos” (LACLAU, 1990, p.205), a “verdade” passa a ser
pragmática e, sob esse aspecto, democrática. A atividade intelectual se constrói em toda parte
entre os agentes que reconhecem e assumem a responsabilidade de sua própria contingência e
de seus destinos. Sendo o social, articulação e discurso, essa atividade somente pode ser
concebida como construção, o que torna problemático concebê-la como “reconhecimento”.
Pela relação de equivalência (LACLAU; MOUFFE, 1985; LACLAU, 1998, 2002,
2003), construímos identidades a partir da sistematização de um conjunto articulado de
diferenças (discurso). As articulações entre os elementos de cada uma dessas diferenças a uma
outra posição de diferença somente poderão ser estabelecidas se estiverem relacionadas a
alguma coisa que esteja ‘fora’ desse sistema de posições, funcionando como um exterior
constitutivo - “Outro” - que as suplementam e as diferenciam, internamente, de modo
particular e variado a cada uma dessas posições.
São as articulações internas para a construção da unidade que conferem sentidos a um
‘universal’ e, ao mesmo tempo, mostram que este é um espaço catacrésico, que se trata apenas
uma imagem, pois ele mesmo não possui um sentido literal que lhe corresponda: a vinculação
de um dos sentidos do sistema de diferenças e a sua referência na sua negatividade é mostrada
pelo antagonismo, que ameaça constantemente o sentido hegemônico ao abrir o espaço à
possibilidade de indicar que há outras diferenças que foram acinzentadas por aquele
17
O desenvolvimento desses argumentos de Laclau (1990) parte dos conceitos de Gramsci: hegemonia, bloco
histórico, ideologias orgânicas, intelectual orgânico e senso comum.
18
La sociedad solo posee la racionalidad relativa - valores, formas de calculo, secuencias argumentativas - que
ella construye colectivamente como tradición y que, por consiguiente, puede ser siempre transformada y
contestada’ (LACLAU, 1990, p. 204).
94
significante no processo de “decisão”, nessa operação da escolha do sentido a ser fixado para
ocupar o “vazio”.
Assim, uma identidade nunca está plenamente assegurada ou constituída porque é,
desde sempre, constitutivamente ameaçada pelo antagonismo que habita o seu “exterior
constitutivo” e que se abre com a instituição da alteridade radical e do campo da negatividade
no discurso, que é exigido pela lógica de construção da identidade, através dos sistemas de
equivalências e de diferenças culturais. A construção desses sistemas, por meio da quebra das
cadeias de equivalências em “atos de decisão”, constitui uma forma de busca da neutralização
do antagonismo potencial de um grupo ou grupos ordenados de diferenças, visando
homogeneizá-los, enfraquecer as diferenças, fixando “pontos” articulados (hegemônicos) no
discurso, “pontos nodais”.
O processo de enunciação, proposto por Bhabha (2001), instala uma ruptura no
presente performativo da identificação cultural, numa tentativa da produção de uma “nova
cultura” no sentido indicado por Laclau (1990): uma cisão entre a “exigência culturalista
tradicional de um modelo, uma tradição, uma comunidade, um sistema estável de referência”,
e a negação necessária de uma certeza da garantia da articulação de novas exigências,
significados e estratégias culturais no presente político como prática de dominação ou
resistência’. Refere-se à introdução de um tempo de indescidibilidade significatória ou
representacional questionador das divisões binárias, na instância da representação cultural e
de sua interpelação legítima (BHABHA, 2001, p.64).
O problema está em que esse autor solicita, no ato da reinscrição, alguma forma de
reconhecimento do passado, e a ‘revisão’ da legitimidade da representação cultural de lugares
que ainda sofrem efeitos da negatividade das construções binárias da modernidade (entre
estas: passado /presente, tradição /modernidade, novo /velho, metrópole /colonia)
19
.
[esse] desejo de reconhecimento ‘de um outro lugar e de uma outra coisa’[é] o
desejo de reconhecimento da presença cultural como ‘atividade negadora’ de Fanon
[que] afina-se com minha ruptura da barreira do tempo ‘presente’ culturalmente
conluiado (id. Ibid., p. 29).
A questão que sobressai, então, seria: como, ao significar o presente, alguma coisa
vem a ser repetida, recolocada e traduzida em nome da tradição, sob a forma de um passado
que pode não se apresentar como um signo fiel da memória histórica, mas que pode ser
justamente uma estratégia de representação (figural) da autoridade como um “artifício do
19
Esse parece ser o “essencialismo estratégico” provisório que Laclau (1997, p. 13) admite porque põe em
evidência as alternativas antinômicas as quais se refere, vendo a necessidade de um equilíbrio politicamente
negociado (Bhabha chama de política de interpelação).
95
arcaico” (dos considerados atrasados, excluídos e abjetos, subestimados pela modernidade).
Essa relação de interação reduziria a nossa percepção dos efeitos homogeneizadores dos
símbolos e dos ícones culturais, porque questionaria a nossa percepção da “autoridade da
síntese em geral” (Id. Ibid. p.65).
Nenhuma cultura é jamais unitária em si mesma, nem simplesmente dualista
na relação do Eu com o Outro. A razão pela qual o texto ou o sistema de
significados culturais não pode ser auto-suficiente é que o ato de enunciação
cultural -
o lugar do enunciado - é atravessado pela différance da escrita.
Isso tem menos a ver com o que os antropólogos poderiam descrever como
atitudes variáveis diante de sistemas simbólicos no interior de diferentes
culturas do que com a
estrutura mesma da representação simbólica - não o
conteúdo do símbolo ou sua função social, mas a estrutura da simbolização. É
essa diferença no processo da linguagem que é crucial para a produção do
sentido e que, ao mesmo tempo, assegura que o sentido nunca é simplesmente
mimético e transparente (BHABHA, 2001, p. 66, negrito meu).
Quem seria o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação? Poderíamos nos referir
ao sujeito do enunciado bhabhiano como o sujeito da proposição. E ao sujeito da enunciação
como o reconhecimento da incrustação e interpelação discursiva, da posicionalidade cultural,
da referência a um tempo presente e a um espaço específico deste sujeito do enunciado. O
autor, Bhabha, argumenta que a diferença lingüística que está na base de qualquer
performance “ é dramatizada no relato semiótico comum referente à disjunção entre o
enunciado (enoncé) e a enunciação”. Esse ‘relato’ não é representado no enunciado, mas
reconhece a sua referência a um tempo presente e a um espaço específico (Id. Ibid., p. 66).
Como ressalta Derrida (Bhabha, 2001, p. 66), interpretação não é um ato de
comunicação entre um Eu e um Você, designados no enunciado. A produção de sentido
precisa que esses dois lugares sejam mobilizados na passagem por um Outro espaço. Um
espaço que, embora em si irrepresentável, representa não somente as condições gerais da
linguagem, mas também a implicação específica do enunciado em uma estratégia
performativa e institucional da qual ela não pode, em si, ter consciência. Essa relação
inconsciente introduz a ambigüidade no momento do ato tradutório: introduz a uma
ambivalência no ato da interpretação. Isso quer dizer que o “sujeito do enunciado” (Eu
pronominal da proposição) não pode ser levado a interpelar, com suas próprias palavras, o
sujeito da enunciação. Por esse motivo a relação não é “personalizável”, continua sendo uma
relação espacial de distanciamento e aproximação, deslocamento e condensação, situada
internamente nos esquemas e estratégias do discurso. Essa ambivalência é enfatizada quando
se percebe que o conteúdo da proposição não pode revelar a estrutura de sua posicionalidade,
o contexto não pode ser mimeticamente deduzido do conteúdo.
96
2.2.1.1 A Categoria ‘Entre-tempo’
O trabalho de Home Bhabha (1996; 2001) recobre questões importantes relativas ao
processo de constituição da subjetivação e de estratégias de identificação que estabelecem as
fronteiras e os limites híbridos. Nesse sentido, tratar da posição do agente é cuidar da
construção da “posição de sujeito” como efeito do contingente: nunca se pode apontar ao
certo quem é o sujeito e o que ele faz. O sujeito estaria de tal forma cindido que o agente
continua sendo “o sujeito, em suspensão, da sentença” (BHABHA, 2001, p. 263). A sua
premissa para a tradução é a tese de Barthes (2002), que afirma ser o lugar do autor um
espaço anunciativo, compreendendo o limite da cultura como um problema de enunciação da
diferença. A sua referência à natureza híbrida da enunciação (espaço da tradução) inspira-se
na idéia de Bakthin sobre a relação de conexão que este estabelece entre significante e
significado, e a necessidade da mediação, historicamente situada em contextos marcados por
variáveis múltiplas, que interagem e constituem o hibridismo. O lócus da enunciação é um
lugar atravessado por uma plêiade de ideologias e valores socioculturais que constituem os
sujeitos e onde brotam os antagonismos, agonismos e contradições. Dessa forma, nenhuma
tradução pode ser auto-referente.
O que Bhabha (1996, 2001)
20
busca é que, no momento da reinscrição e intervenção,
(revisão e negociação), sejam levadas em conta as condições sociais de enunciação que
situam o sujeito na ordem do desenvolvimento dos signos, valores e símbolos culturais, para
que possa ocorrer o processo da “agência ativa da tradução”; o momento da construção de um
nome para si na luta pela significação de lugares no discurso
21
(BHABHA, 2001, p. 332-335).
O posicionamento do texto na temporalidade peculiar da metáfora da linguagem do
presente, conforme Bhabha no texto acima citado, inaugura uma estratégia narrativa sutil
para a emergência e a negociação dos ‘agentes’ pós-modernos (do marginal, das minorias, do
subalterno, do diaspórico). Esse espaço, “além da teoria” ou “fora da sentença
22
” é um espaço
20
Sobretudo nos capítulos IX e XXI (2001).
21
Esse é um momento de transmutação simbólica, onde o moderno surge como signo do presente fazendo com
que o contemporâneo ou o novo apareça como “enunciação”, “época” e “cotidiano”; desse modo, damos às
nossas práticas cotidianas uma consistência como “contemporânea”.Essa noção de “enunciação” e
“contemporaneidade” cultural na estruturação simbólica do processo de subjetivação no lócus do terceiro espaço,
segundo esse autor, se opõe não só ao pluralismo cultural (“igualitarismo espúrio”, culturas diferentes ao mesmo
tempo) como ao relativismo cultural (diferentes temporalidades culturais no mesmo ‘espaço universal’ ).
Consultar também Bhabha (1996).
22
Para Barthes, esse espaço da “não-sentença não é uma ontologia do negativo”: não está antes da sentença, mas
é algo que poderia ter assentido à sentença e, no entanto, estava fora dela. É um discurso de indeterminismo que
não é nem contingência ou negatividade ‘pura’ nem adiamento sem fim. Essa não-sentença não se relaciona com
a sentença como polaridade, perturbando o ‘dentro/fora’, ‘interior/exterior’, etc. (BARTHES, 2002; BHABHA,
2001).
97
problemático e teórico do qual nos fala Laclau como “exterior constitutivo”. Vai ser nesse
espaço que Bhabha coloca a questão da forma como a agência emerge fixando uma “posição
de enunciação” e, ao mesmo tempo, em relação ao seu lado ameaçador de proximidade e
contigüidade à sentença, porém diferente dela.
Para Barthes (2002)
23
, o paradoxo da metáfora da linguagem é que ela abre espaço
para onde o fechamento teórico é usado para “ir além da teoria”. Isso permite que as
experiências e as identidades possam ser tomadas como formas de descrição teórica que não
estabelecem a divisão teoria/prática. Por outro lado, a teoria também assume uma forma
“anterior a contingência da experiência social”. Trata-se de assumir uma concepção de teoria
como uma forma “liminar de significação”, que cria um espaço para a articulação da
experiência social, extremamente importante para identidades emergentes (essa representação
da experiência não apresenta uma realidade transparente como no empirismo ou “exterior” ao
autor). O retorno ao presente é revisionário, é o tempo para reescrever a contemporaneidade
cultural.
Podemos observar que o espaço que está “dentro” da sentença tende à repetição, uma
vez que “o passar do tempo preserva mais a identidade da linguagem” e evoca o retorno às
verdades eternas, à similitude. Já aquilo, que está “além da sentença”, tenderia a produzir uma
temporalidade interativa que rasura os espaços bipolares ocidentais da linguagem –
‘dentro/fora’, ‘passado/presente’, ‘adulto/criança’, etc. - nos conduzindo a uma leitura da
agência do texto social como ambivalência e catacrese.
A objetividade da agência é construída no discurso no momento da negociação no
entre-tempo” de significação do fechamento do sentido, efetivado metaforicamente no
momento contingente e necessário da repetição (o “passado projetivo”), como uma
superposição sem equivalência – fort/ da - do processo simbólico de negociação (BHABHA,
2001, p.50).
O importante aqui é a natureza intersubjetiva do agente negociador (o sujeito social da
não-sentença)
24
, que se torna transparente através do “entre-tempo”, estabelecido na estrutura
do símbolo. Bhabha constrói o espaço da exclusão (resíduos, restos, ruídos) e de composição
23
Em A Imaginação do signo; Devaneios; Aula e Prazer do Texto. Bhabha cita: Barthes, Roland. Critical
Essays, III: Northwestern University Press, 1972. The imagination of the sign (citado por Bhabha, 2001);
Benjamin, W. Iluminations. New York: Schocken Books, 1968, Derrida, J. Gramatologia, Disseminação,
Escritura e diferença, My Chances. Bakhtin, M Speech Generes and Other Late Essays.Austin, Texas Press,
1986.
24
“A não-sentença não fica antes (seja no passado ou a priori) ou dentro (seja como profundidade ou presença),
mas fora […] interruptiva, intervalar, nas fronteiras, virando o dentro para fora), o que emerge nessa forma
ambivalente de fala - [… ]- é uma pergunta sobre o sujeito do discurso e a agência da letra: poderá haver um
sujeito social da ‘não-sentença’?” (BHABHA, 2001, p.254).
98
do Outro como aquilo que ficou depois da “capitonnage”
25
- o posicionamento - do
significante para o sujeito. Não somente instigando o antagonismo, na negociação do
momento de individuação do sujeito, sobre o lugar com que nos identificamos e tentamos
preservar, negar, alterar, valorizar (Como é o meu lugar? ‘A que pertenço eu nesse
momento?’) mas também nesse instante do distanciamento do significado na enunciação em
que a ‘voz’ lacaniana, (‘fora da sentença’) no “entre-tempo” do “terceiro espaço”, se
manifesta inquirindo sobre seu “retorno” como “sujeito agente” na posição do cálculo
interativo e ambivalente que interpela: Chez vuoi? (Você está me dizendo isso, mais o que
você quer com isso, o que você pretende?). Essa “voz”, como instrui Lacan, que fala no lugar
dessa “interpelação” não é minha nem do meu interlocutor (ŽIŽEK, 1992), assim, o momento
de individuação do sujeito vai emergir no “entre-tempo” do distanciamento do significado na
enunciação pela interferência desse ‘terceiro’ como um efeito do intersubjetivo, no momento
do “retorno do sujeito como agente”: o momento em que se depara com o corte-limite na
hierarquia da cadeia simbólica que estabelece identidade pela diferença, e que divide e exclui
coagindo.
O entre-tempo descerra este espaço de negociação entre fazer a pergunta para o
sujeito e a repetição do sujeito ‘em torno’ do nem/nem do terceiro lócus. Isso
constitui o retorno do agente sujeito como agência interrogativa na posição
catacrésica. Esse espaço disjuntivo da temporalidade é o lócus da identificação
simbólica que estrutura o domínio do intersubjetivo - o domínio da outridade e do
social - onde ‘nos identificamos com o outro exatamente no ponto em que ele é
inimitável, no ponto em que se esquiva a semelhança” (BHABHA, 2001, p.257, cita
ŽiŽek, 1992).
O momento da “interpelação” em Bakhtin (HALL, 2003g, p.235) é constantemente
perturbado por uma virada dialógica (interativa e relacional), decorrente da alusão ao
enunciado de um outro que introduz mudanças na noção de autoria individual. Assemelha-se
ao que Bhabha (Ibid. p,50) exprime como o “fort/da do processo simlico de negociação”,
que constitui uma “política de interpelação” e traz à tona o “terceiro espaço” - o campo
daqueles ‘questionamentos’ cruciais, referidos acima e que envolvem questões de hierarquia e
de juízo de valor e identificação no gesto da enunciação.
Segundo Bhabha (Ibid, p.262-263), Bakhtin teria buscado ‘individuar a agência social
como um efeito subseqüente do intersubjetivo’, assim como desloca o problema conceitual
relativo à performatividade dos atos de fala, buscando o empírico da área da ‘atividade
humana e da vida cotidiana, as quais se relacionam com a elocução’. Mas aquele autor
25
Sobre os gráficos de significação de Lacan e o seu desenvolvimento para a constituição do Outro e do sujeito,
ver ZiZek, 1992 e o próprio Bhabha, 2001, p. 239-273. A voz que fala nesse lócus (Outro), Lacan esclarece que
não é nem a minha fala nem a do meu interlocutor (não é localizável).
99
pergunta pelo ‘específico’ na construção da agência sobre como se dá o retorno do sujeito
26
.
O processo em que o agente busca a revisão (relocação e a reinscrição) na tentativa de
renegociar através da interrupção do tempo linear contínuo da repetição do passado no
presente. O fechamento é estratégico, é mais uma revisão que uma conclusão, é uma
interrogação liminar – fora da sentença (a questão não é se retorna o mesmo, mas em quem se
transformou).
2.2.1.2 O Contemporâneo entre o Passado e o Presente
A estrutura simbólica do espaço do “entre-tempo” possui uma temporalidade
contingente entre o passado e o presente, característica da modernidade, que Bhabha
denomina “passado projetivo” e “presente enunciativo”, que não parecem contrariar as
observações de Laclau a respeito da tradição e da memória sobre os mecanismos da relação de
repetição do passado na contemporaneidade do presente. O “entre-tempo”, onde o senso de
contemporaneidade banha as relações no cotidiano, mostra uma constante reconstrução e
reinvenção do eu: o sujeito e o presente ao qual pertence são constantemente (re)construídos
(BHABHA, 2001, p. 331). A “autoconstrução” do sujeito no presente requer certo esforço de
resgate do passado para que a reflexividade necessária a esta ‘autoconstrução’ possa
acontecer, permitindo a significação e a sua visibilidade pela ‘auto-reprodução’ e
representação - a tradução necessária para a enunciação. Esse é um motivo para Bhabha
chamar “passado projetivo” a essa temporalidade da estrutura do “entre-tempo” da
simbolização, que tende à repetição metafórica preenchendo o vazio do signo, e que
interrompe a passagem da ‘novidade’ das enunciações no ‘presente’.
O passado projetivo” apresenta-se como a forma da repetição da experiência
(estética) de identificação do indivíduo a si mesmo, como forma universal, do que em si é
idêntico a outros indivíduos de uma outra maneira.
reinscrever nossa comunidade humana, histórica; tocar o futuro em seu lado de cá.
Nesse sentido, o espaço intermédio ‘além’ torna-se um espaço de intervenção no
aqui e no agora. O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com ‘o novo’
que não seja parte de um continuum de passado e presente (BHABHA, 2001, p. 26).
É uma espécie de negatividade que torna disjuntivo o “presente enunciativo” da
modernidade (Id. Ibid., p.328). Abre um “entre-tempo” na enunciação no momento em que
26
Bhabha (2001, p. 262-263): “Não é que o contexto social não localize a elocução; apenas o processo de
especificação e individuação ainda precisa ser elaborado dentro da teoria de Bakhtin, como a modalidade através
da qual o gênero da fala vem a conhecer o específico como limite da significação, uma fronteira discursiva. A
agência como retorno do sujeito
100
“falamos da humanidade” através de suas diferenças (gênero, classe, geração, raça, idade)
que, segundo Bhabha (1996, 2001, p.350), marca uma marginalidade excessiva da
modernidade. As passagens pelo “entre-tempo”, que bloqueiam a totalização do espaço do
enunciado, podem se dar de formas mais ou menos repentinas na desaceleração da
linearidade passado-presente-futuro. Os confrontos, os antagonismos, nas representações do
terceiro espaço, questionam e refazem o passado, ordenado de acordo com os binarismos,
desfavorecendo o movimento para frente (não é deslizamento infinito e nem movimento
teleológico). A função do “lapso”, para Bhabha, seria desacelerar o tempo linear progressivo
para revelar as pausas e as marcações da performance, os “rastros”.
No presente enunciativo”, o “contemporâneo”, a “novidade” (que identificamos
serem símbolos de “geração” e “juventude”), nunca concluídos, vão sendo
desconfortavelmente anunciados e estabelecendo a espacialidade sincrônica na qual as
relações sociais são instituídas, produzindo as diferenças e as identidades. O movimento de
reconstrução constante das diferenças se dá em função das inquisições, das demandas, das
solicitações, das reivindicações, dos antagonismos, inclusive, àquelas decorrentes da
simbolização do olhar ou do desejo do “Outro” pelo lugar de enunciação que afaga, opõe e
contradiz. No limite discursivo fronteiriço da cultura, o “Outro”, que não pode ser localizado,
trabalha na produção de sistemas de diferenciação simbólica.
No anúncio da “morte da morte do sujeito” (LACLAU, 1998), na perspectiva que
estamos adotando, considera-se que a constituição de sua unidade é sinônimo de “horizonte” e
não se trata de um “fundamento”. Da mesma maneira, para que a noção de ator histórico
ilimitado seja abandonada, a constituição dos atores sociais “só pode ser o processo
pragmático de construção de identidades altamente sobredeterminadas” (Id. 1996, p.26).
A articulação hegemônica busca, incessantemente, a produção do efeito totalizante
para tornar a articulação discursiva possível e não esquecer a própria heterogeneidade
constitutiva que a tornou possível. Em sendo assim, se quisermos, no processo de
subjetivação, não poderemos nos referir à estruturação simbólica e valorativa do sujeito
híbrido como “sujeito agente” de “decisões”?
Nesse ponto, chegamos ao encontro das categorias diretamente referentes à
(re)construção de uma totalidade - “representação”, “identidade”, “identificação”, “sujeito,
tradução” - e que nos favoreceram à compreensão da “equivalência” e do “entre-tempo”
como importantes caminhos teórico-discursivos para a consideração de identidades
constituídas em espaços liminares de diferenciação. Pensamos também no “entre-tempo”
(com a noção de “tradução” que o acompanha) como uma operação “estratégica” de
101
distanciamento do ‘universal’ e do ‘particular’, o ‘todo’ e a ‘parte’, para desconstruir
identidades culturais.
O problema central que enfrentamos é: se não temos mais a segurança dos pontos de
referência que nos permitia, individualmente ou em grupos, construir a continuidade de
nossas existências em certos momentos do cotidiano, como a passagem no “passado
projetivo” pode ser referenciada para permitir a constituição de “atos de decisão”, para as
escolhas, no “presente anunciativo” no discurso sobre a ‘JIM’?
2.3 Construindo Pegadas do ‘Agente’ na Pesquisa
Neste ‘retorno’ do sujeito, jogado de volta por sobre a distância do significado, para
fora da sentença, o agente emerge como uma forma de retroatividade, não é a
agência por si mesmo (transcendente, transparente) ou em si mesmo (unitário,
orgânico, autônomo). Como resultado do próprio entre-tempo da significação, o
momento de individuação do sujeito emerge como um efeito do intersubjetivo - como
um retorno do sujeito como agente, pois o agente, constituído no retorno do sujeito,
está na posição dialógica do cálculo, da negociação, da interrogação: Chez vuoi?
(BHABHA, 1991, p. 258).
É possível reconhecer nesse espaço de enunciação (terceiro espaço) uma proximidade
com a lógica da equivalência desenvolvida por Laclau & Mouffe (1985) para desconstruir as
identidades modernas. Em Bhabha (2001, 1996), as implicações dessa cisão enunciativa para
a análise cultural é que a cisão do sujeito da enunciação mina a lógica da sincronicidade e,
também, da evolução temporal linear que legitima o sujeito do conhecimento cultural e suas
identidades históricas com subjetividades autênticas. O contingente e o liminar tornam-se os
tempos e os espaços para a representação histórica dos sujeitos da diferença cultural. É a
ambivalência encenada no presente enunciativo - “disjuntivo e multiacentuado” - que
produz o desejo político da hegemonia; aquilo que Hall (2003) chama de fechamento
arbitrário como o significante. Mas este fechamento não é uma conclusão, é o espaço para a
abertura de “novas” identidades que podem confundir a continuidade das temporalidades
históricas, perturbar a ordem simbólica, desorganizando as fronteiras das exclusões modernas
(BHABHA, 2001, p. 249-250) como as do sistema das idades cronológicas.
O espaço simbólico cindido entre o enunciado e a enunciação (“entre-tempo”)
promove o distanciamento que mostra a contingência da estrutura e a indescidibilidade,
produzida na ambivalência estrutural, encenada na repetição no presente. Esse movimento
que marca o momento do retorno do sujeito como agente não poderia ser o encontro das duas
teses de Laclau (1998, p. 111) para a construção da posição de sujeito, colocadas no início
desse capítulo?
102
No “entre-tempo”, a significação simbólica na enunciação efetua-se metaforicamente
na forma da repetição fantasiosa do “passado projetivo” como uma superposição sem
equivalência (fort/da), e a negociação do sentido nessa ambigüidade do “presente
enunciativo”. O agente negociador tem no movimento do “retorno” uma natureza
intersubjetiva em virtude do distanciamento do significado na enunciação. A imagem do lugar
do sujeito no retorno é sempre incompleta e contingente, como diz Derrida (2001), somente o
‘Outro’ poderá responder quem sou, e, ainda assim, nunca de forma plena. A estrutura
simbólica da temporalidade do presente é complexa e traz a marca da fissura (‘vazio’) que
mostra a necessidade do “suplemento”, de algo que está “fora” e com o qual identifico em
mim próprio.
Quando se trata assim a “tradução” do sentido, como “interior constitutivo”,
hibridismo, ‘intertexto’, não seria mais apropriado falar em agenciamento, como sugeriu
Laclau, uma vez que não há espaço para uma posição de sujeito auto-referente? A noção de
‘tradução’, como está sendo convocada para o trabalho de interpretação discursiva na margem
do “entre-tempo”, passa, necessariamente, por junto da noção de identidades descentradas e
com uma alteridade profunda, como visto por Laclau (1993, 2000, 2003) e Žižek (1992,
1993). Por isso, as inscrições e negociações de demandas por identidade serão tão mais
consideradas quanto mais bem puderem ser traduzidas na construção da intersubjetividade
que configura os agentes
27
. Com Bhabha, os agentes são discursivamente construídos no
inquisidor ‘terceiro espaço’ da enunciação, onde se abre o “entre-tempo” da significação,
onde os antagonismos se mostram, este é o lócus da negociação da intersubjetividade no
momento do “retorno” da imagem do sujeito como agente.
Esse autor, como Hall (2003h, p.254), trata a diferença cultural como um processo de
enunciação da cultura como “conhecível, legítimo e adequado à construção de sistemas de
identificação cultural”, onde a diferença é trabalhada como um processo de significação pelo
qual as afirmações da cultura ou a seu respeito “diferenciam, discriminam e autorizam a
produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade”
28
: um campo de
27
Baseado em Joanildo Burity, anotações de aula, de minha inteira responsabilidade, no curso Discurso e
Política por ele ministrado, em 2004, no Programa de Pós-graduação em Sociologia, UFPE.
28
E nisso residiria uma grande diferença entre a “diversidade cultural” e a “diferença cultural”. Naquela, a
diversidade é tratada como um objeto epistemológico e a cultura como conhecimento empírico. Enquanto a
diversidade cultural pode ser uma categoria da ética, estética ou etnologia comparativas que, também, reconhece
os conteúdos e costumes culturais pré-dados, mantém-se em uma temporalidade de feitio relativista que origina
noções liberais de multiculturalismo, de intercâmbio cultural ou da cultura da humanidade. A diversidade
cultural seria, também, a representação de uma retórica radical de separação de culturas totalizadas que existem
incólumes protegidas pela memória mítica de uma identidade coletiva única. (BHABHA, 2001, p. 63).
103
resistências e aderências na batalha de posições no jogo das escolhas e decisões (BHABHA,
2001, p. 63).
Assim é que buscamos, como objetivo desta tese, perseguir na enunciação rastros das
relações e experiências, através das representações das formas dos registros de passagem do
universal ao específico e vice-versa, no entre-tempo da negociação. Momentos de
“reinscrição” em que suplementos (particulares) cumprem a função temporária que produz a
imagem do “sujeito agente” na ordem dos signos, e estruturam a hierarquia dos lugares
sociais.
No Apêndice A, apresentamos “A Desconstrução do Agente” e “A Operação da
Agência no Entre-tempo em quadro-síntese, indicando como o sujeito está sendo
considerado e o processo de significação sendo constituído pela lógica da equivalência.
Salientamos, também, como essas redes de sistema de diferenças se articulam nas fronteiras e
são consideradas na negociação.
Consideramos que a abertura da estrutura simbólica da “reinscrição” “entre-tempo” ,
onde as negociações das opções são anunciadas, revela uma cisão análoga do conceito de
“atos de decisão” de Laclau (1993) e Mouffe (2003, p.27). Em Bhabha, a cisão do “entre-
tempo” revela o “passado projetivo”, seu registro específico e a abertura da negatividade
inquisitória do “terceiro espaço”, interrompendo a tendência à continuidade linear e
ameaçando os limites desenhados nos registros pela autoridade da regra (Lei, normas,
instituições, etc) do discurso, refazendo o passado no presente enunciativo e alterando os
espectros dos conteúdos que podem, em certos momentos, exercer uma função universal.
29
No
presente enunciativo”, o ‘Outro’ apresenta no discurso a sua voz inquisitória na terceira
pessoa do presente indicativo suscitando a re-inscrição do sujeito, o seu retorno como “sujeito
agente” (na última frase), fazendo emergir no “contemporâneo” um passado que interfere no
presente, no futuro e na narrativa do próprio passado.
Nós veremos adiante que, nas décadas que margeiam a metade do século passado, o
prolongamento da vida, o feminismo, a revisão do conceito de “geração” e “juventude” e a
invenção da ‘terceira idade’, o predomínio e a exploração da cultura em estilos de vida
consistiram fatores desestabilizadores dos limites e das fronteiras da identidade adulta e das
demais “fases” por ela referenciada, e de suas fragmentações possibilitando, inclusive, ruídos
no discurso sobre o lugar da adolescência e da velhice e expondo as emergentes “fases” -
29
O que queremos expressar é que o “entre-tempo” se distingue por ter uma estrutura simbólica que se aproxima
da estruturação do “significante flutuante” (e ‘vazio’) da lógica da equivalência desenvolvida por Laclau &
Mouffe (1985).
104
“juventude” e “terceira idade” - sob a égide de uma ressignificação do envelhecimento
através da exploração da natureza contingente do significante “contemporaneidade”. Esse
jogo contribuiu para pôr em cheque os processos cognitivos de formação da personalidade
(“eu” coerente, Self), que garantiam os status e os papéis ordenados das diferenças de idades
organizadas por binarismos básicos (idade/corpo, adulto/criança, jovem/velho, mente/corpo) e
que se perseguissem novas formas de constituição e representação de sujeitos estruturados
com ênfase nas posições de idade, após 60. Melucci (2004) sugeriu que o próprio processo de
identização” reflete melhor o processo de constituição da identidade; Laclau e Hall sugerem
ser mais adequado que falemos emidentificação” ou “subjetivação”; Bhabha fala em
individuação”. Nessa perspectiva, todos adotam a concepção de atos de identificação.
As articulações entre idade e elementos diferenciais das redes contemporaneidade/
jovem/ juventude/ geração/ estilo de vida; velhice/ envelhecimento/ terceira idade/ corpo vão
estar muito ativas no deslocamento do curso da vida, em torno da metade da década de 1960 e
início de 1970, na produção da noção de ‘jovem idade’. É sobre isso que trata o capítulo 3.
Nele sobressaem as questões iniciais sobre a dissolução das fronteiras de idades.
105
CAPITULO 3 O CONTEXTO DA ‘JOVEM IDADE’ E O AFASTAMENTO DAS
FRONTEIRAS DO CURSO DA VIDA
“Geração” e “juventude” são conceitos coexistentes às vésperas da Segunda Guerra
Mundial, que já apresentavam algumas dificuldades para utilização porque eram comumente
confundidos.
[geração é][...] confundido, com o tema da juventude, fazendo de conta que uma
geração não é tanto feita por pessoas da mesma idade, quanto por pessoas ‘da
mesma jovem idade’ (FORQUIN, 2003, p.4, itálico meu).
Podemos fazer uma leitura desse texto, apontando para o significante “juventude
relacionando-o com a “idade” e “geração” para estabelecer a diferença pela equivalência nos
significados ‘contemporaneidade’ pela ‘jovem idade’. Trata-se do deslocamento conceitual de
“juventude” e “geração” que contribui para o afastamento do sistema cronológico das idades.
Esse primeiro conceito não se restringe a um momento no curso da vida a ser vivenciado e se
desloca para referir-se ao efêmero e contingente nas formas de participação política, na
cultura de massa ou de modos de produção e consumo. Essa reflexão sobre esse texto de
Forquin e de Balandier (1976), nos suscitou as questões: qual a principal razão para tantas
referências a instabilidade da emergente “juventude” e da valorização do que é “jovem” nos
grupos geracionais? O que estaria concorrendo para esse trabalho de inversão das redes de
valores “idade/jovem”? Existe registro de posições de idade mais velhas consideradas “jovem
idade”?
Essas relações de equivalências entre os elementos diferenciais “geração”, “idade” e
“juventude” tendem a valorizar a “jovem idade”, na década de 1960, e de modo gritante trinta
anos depois. Quaisquer caminhos que as considere com esse fito solicitam que se levem em
conta os deslocamentos dos limites e fronteiras dos calendários etários, incluindo as sucessões
de gerações.
Para tanto, exploraremos o argumento que o deslocamento dos termos “juventude” e
“geração”, no após II Guerra, predispõem à inversão no par idade/jovem produzindo efeitos
jovem/idade” no trabalho de ressignificação da ordem das idades nas décadas de 1980 e
1990.
Preocupamo-nos em abordar “geração” visando clarear o conceito, e estabelecer uma
coordenada para tratar a nossa questão sobre a possibilidade de um movimento afastando as
redes do significante “geração” para a temporalidade “contemporaneidade” de posições de
idades de nascimento. Fazemos isso para perscrutar sobre o trabalho discursivo de
diferenciação entre “juventude” e “modos de vida” jovens, e a construção de limites dessa
106
identidade. O que, provavelmente, nos conduzirá à exploração de indicadores dos códigos de
contemporaneidade (das idades) nos registros de “juventude”, afinal, os signos do “novo” e
da “novidade” e da “renovação” são comuns aos dois significantes.
Essas relações, que sobrepõem os calendários de idades, facilitam compreender por
que autores, como Melucci (2004), aceitam que é preciso repensar o conceito de “geração”
como tempo padronizado; ou, por que é possível surgir várias gerações coetâneas, como
informa Nunes (1968) e Segalen (1999); ou, se podemos hoje falar em “geração social”, se
existe um fosso entre as fragmentadas narrativas individuais que torna contingente os
processos coletivos de sucessão das ordens de idades no curso da vida moderno
(FEATHERSTONE; HEPWORTH, 2000); ou, mesmo, por que Galland
(1994;2003) e Margulius e Urreste, (1998), permanecem dentro dos termos formulados pelo
discurso da “cronologização da vida” perseguindo ‘moratórias’; ou, por que o discurso JIM
explora a fragmentação das idades cronológicas para reordená-las noutro lugar.
Assim, aspectos da construção dos limites e fronteiras da identidade “juventude” e a
forma como foi concebida como “fase”; a ressignificação do conceito de “geração social”,
tendendo a borrar os limites do sistema de “cronologização da vida moderna”; o
enfraquecimento das fronteiras das “classes de idades”, pela articulação simbólica entre
juventude/ geração/ cultura juvenil, são pontos fundamentais para o deslocamento do sistema
moderno das idades na metade do século passado. A valorização da “jovem idade”, também,
ronda a ressignificação do envelhecimento mostrando seus efeitos sobre a nova forma de
envelhecer “terceira idade”, ainda nos anos setenta.
Trataremos a seguir como a temporalidade de “juventude” interfere nas relações e
práticas discursivas de “geração”, e vice-versa, de modo tal que permite uma relação
metafórica com “estilos de vida” contribuindo para misturar os limites idades da configuração
“curso da vida moderno” e possibilitar as escolhas de “modos de vida”, que diferenciam os
vários grupos. Esse é ponto imprescindível para a análise do discurso JIM, porque o nosso
interesse reside em estabelecer os parâmetros para uma delimitação conceitual que permita a
diferenciação na distância entre a ordenação pela cronologia (curso da vida) e a ordenação do
“ciclo vital”.
107
3.1. A Redefinição dos Conceitos de Juventude e Geração
3.1.1 A Identidade de “Geração” e “Juventude”
O corriqueiro linguajar ‘conflitos de gerações’, ‘geração do ano tal’, as ‘novas
gerações’, as ‘gerações passadas’, etc. são tropos ou conceitos indicativos do registro de
diferenciações históricas nas configurações do curso da vida. Não são diferenciações
quaisquer, pois estão associadas aos “mecanismos determinantes de certos ritmos básicos da
vida social” (NUNES, 1968, p.75) que remetem a uma “realidade fundamental”, ligada à
existência e coexistência de vários “grupos ou quase-grupos” de pessoas com idades
diferentes e à continuidade, pela formação de “novos grupos”
1
.
No momento em que são percebidas incertas e dúbias as representações das idades em
diversos campos e dimensões vemo-nos diante de dificuldades com os processos de
socialização que garantem a reprodução do curso da vida. Nos momentos de “crises” de
continuidade, como o evidenciado com a emergência da “juventude”, como se referiu
Balandier
2
, “cuidados precisariam ser tomados” porque em sociedades avançadas,
organizadas em grandes escala, abertas à urbanização veloz e à mudança permanente e
acelerada, estariam se formando e expandindo “espaços culturais e meios sociais”, favoráveis
ao que chamou relações individuais menos “constrangentes” para referir-se ao afrouxamento
institucional. Por isso, esse autor chama atenção para a concomitância entre a emergência da
juventude e o enfraquecimento dos ‘antigos quadros’ de socialização (escola, família,
comunidade ou vizinhança) e a valorização das novas formas de solidariedade.
Assim, as fronteiras das idades cronológicas tendem a ser violadas: as divisões por
idades se sobrepõem e se ‘fixam’ em espaços de intercessão vulneráveis. As referências de
“passagem” de “fases” se borram trazendo efeitos desarticuladores variados em diversos
pontos. Podemos remeter aos vários exemplos em que os jovens antecipam o momento da
“maturidade” ou “maioridade”, os mais velhos investem no prolongamento da “juventude”,
um “quarentão se junta a um de trinta anos” (Id. Ibid., p. 68), as leis apresentam-se
confusamente estabelecidas para as idades de acesso às responsabilidades sociais, a exemplo
1
Os grupos seriam unidades coletivas estruturadas isto é: “os indivíduos que os compõem encontram-se ligados
entre si por um sistema relativamente estável de relações, no qual só eles participam, e ocupam pontos definidos
num dado campo de posições sociais, a cada uma das quais corresponde um papel social e um determinado
estatuto social, definindo-se aquele e este no interior do próprio grupo. Os quase-grupos são unidades coletivas
não-estruturadas, onde não há, portanto, posições, papéis e estatutos sociais diferenciados, correlativos e
formando sistema, como no grupo” (NUNES, 1968, p.86)
2
‘[...] estão [as sociedades] sujeitas ao repto e, cada vez mais freqüentemente, ao ataque de gerações ascendentes
que se recusam a participar de algum modo para ocupar posições quando, a seu tempo, a ocasião se apresentar.
As experiências da vida social já não se realizam mais sem as vicissitudes, e a simples crítica das relações de
classes de idade se transforma em crítica abrangente da sociedade (BALANDIER, 1976, p.67).
108
do casamento, serviço militar, direitos cívicos, maioridade penal
3
, entradas em espetáculos e
casas noturnas, consumo de bebidas e cigarros, etc. garantidas pela associação entre “estágio
de maturidade” e a “idade cronológica”. Cada vez mais são evidentes em vários lugares
sociais as práticas desarticulatórias desse tipo, construindo novos e temerários registros das
diferenças entre as idades cronológicas.
Foi assim que, simultaneamente, os processos de formação das “maturidades” e os
marcadores de diferenciação das sucessões pelas passagens tornaram-se “telescópicos”, e a
duração do aprendizado estendeu-se ao longo da vida conduzindo a uma formação
permanente escolarizando as profissões (FORQUIN, 2003). Nesse passo, a apropriação da
maturidade social delineada pela preparação para o trabalho e a aquisição de uma profissão
tornou-se sem sentido ou problemática, levando, inclusive, muitas pessoas a confundirem o
trabalho com a profissão ou privilegiarem o emprego
4
.
De início, uma importante distinção não prescinde ser feita para evitar confundir
conceitos. “Geração biológica”, “geração demográfica” e “geração social” são categorias
diferenciadas e diferenciadoras, embora se acompanhem, se entrecruzem e se dissociem
apenas para fins de estudo. Nunes (1968, p.77) trata “geração biológica” como um interstício
de tempo que “abrange o número médio de anos que decorrem entre um certo ano e aquele em
que nascem os filhos dos indivíduos nascidos nesse ano (25 a 30 anos)
5
. Há de se convir que a
idade para a reprodução hoje está mais retardada contribuindo para reduzir historicamente o
número de “gerações biológicas” (ou de “geração familiar”), como prefere Segalen (1999, p.
221), e para aumentar a coexistência de um número maior de gerações, prevalecendo hoje três
ou quatro. Nunes (1968, p.77) refere-se à “geração demográfica” como um “simples agregado
estatístico de indivíduos cujas idades se situam dentro de certos limites” (“classes”).
Esses interstícios do conceito de geração assinalam nas instituições e nas relações
pessoais e de intimidade os vários lugares para as idades, definindo-se as regras e as normas
com os direitos e os deveres sociais para cada indivíduo em suas respectivas posições. Isso
não é tão simples quanto aparenta. A banalidade da autorização para a identidade juvenil e
adolescente situada no intervalo com idades entre 16 e 24 anos, por exemplo, produz efeitos
3
Sobre esse aspecto ver interessante e atualizado artigo de Alvim e Paim. (2004) sobre a relação aumento de
penalidades e posições de segurança e redução da maioridade penal no Brasil. As autoras discutem as
implicações dessas relações sobre a atribuição de responsabilidades e as ‘definições’ de moralidade nos
‘julgamentos’ sobre as possibilidades de recuperação dos menores.
4
Para esse ponto, sobre a experiência entre os jovens do Recife, ver Araújo, 2002. Esses aspectos sob diversos
ângulos: Balandier, 1976; Margulis e Urreste,1998; Mouger 1994; Galland 1991, 1994, Camarano 2003; Pais
1993; Forquin, 2003; Martins, 1997; Wautier, 2003.
5
Desse modo, a história do Brasil cobriria em torno de 16,8 gerações apenas. E as gerações modernas,
considerando o século XIX, seriam apenas mais ou menos 6,8 gerações.
109
de inclusão distintos da configuração que inclui na “juventude” pessoas com até 30 anos. A
inclusão de seis anos para mais no corte etário do discurso da “cronologização da vida” exclui
grupos de idades do mundo “adulto” e reduz dois anos da “adolescência”.
Outro ponto a considerar é a relação entre a tradição e o moderno. Sociologicamente,
quase sempre é tratada como oposição entre gerações maduras e velhas (meia-idade
6
e
ancianidade) e as ‘gerações jovens’ (juventude e maturidade adulta). Desnecessário se faz
apontar, pelo menos até pouquíssimo tempo, que o tradicional e obsoleto estão no imaginário
ocidental associado à meia-idade e à velhice (MENDES DA SILVA, 1996).
Como tendência histórica, o potencial renovador de uma sociedade está condicionado
à proporção entre o volume das gerações mais jovens e das gerações mais velhas. Em geral,
quanto mais nova a geração, maior é o potencial energético que pode ser canalizado para a
renovação (NUNES, 1968, p.78; HALBWACHS, 1952). A contribuição renovadora de uma
‘nova’ geração social implicaria rupturas da continuidade cultural prevalecente na sucessão de
modelos, normas, representações, concepções, valores, ideais. Pensamos ser esse um ponto
relevante de equivalência entre os termos “juventude” e “geração”: a face inovadora e
energizante do sistema.
Para Nunes (Ibid.), o movimento geracional não necessariamente se dá no sentido
evolutivo e linear, indicando uma certa imprecisão na ordem progressiva das relações inter e
entre as “gerações sociais” - fundamentadas na própria formulação do conceito de
“juventude” e na relação de indeterminação presente em seu sentido.
Uma característica importante do conceito “geração social”, ressaltada em torno das
décadas de 1960/1950, distintiva da “geração demográfica” e “biológica”, é que os agregados
dos intervalos estatísticos não constituem “grupos ou quase-grupos sociais” (NUNES,1968, p.
78). Nunes chamava atenção que existiam homens maduros, mas que não havia os grupos ou
quase-grupos da “maturidade”; existiam “velhos”, mas não encontrávamos o grupo dos
envelhecidos. A emergência da “juventude” já expõe uma outra realidade sociológica: é
constituída por conjuntos específicos de grupos ou quase-grupos “jovens”. Estes
contribuíram para borrar as fronteiras das “classes de idades” – provavelmente, para às vezes
fazer vingar papéis e comportamentos ligados às normas grupais. O que teria concorrido para
isso?
6
Nunes (1968) chama segunda maturidade ao que estou denominando ‘idades centrais’, aproxima-se muito das
divisões de Ortega e Gasset (MARÍAS, 1967). Classifica a maturidade assim: juventude (16 a 30), a maturidade
jovem (31 a 45), a maturidade avançada (46 aos 60) e “ansiaria” (61 ou mais) e infância (0-15). Isso para a
sociedade portuguesa. No Brasil, em geral, a ‘meia-idade’ vem sendo considerada entre 40 e 60 anos, pois tem
sido aceita como um interlúdio entre a jovem idade adulta e a velhice (MENDES DA SILVA, 1996). Mas ela
tende a se dilatar em virtude do aumento da expectativa de vida que altera o marcador da velhice.
110
Os principais fatores argüidos por esse autor seriam: o progresso técnico-econômico e
a urbanização e a comunicação de massa, a aglomeração de significativo número de jovens
nos locais de ensino, o enfraquecimento do controle familiar e a redução das funções
educacionais na família, que teriam concorrido para a constituição de espaços de convivência
juvenis culturalmente distintos, “meios sociais” mais agregadores. Por seu turno, esses fatores
teriam, também, um potencial reativo ante o conjunto da vida social que residem: no
isolamento cultural e institucional do sistema de ensino, no progresso do conhecimento e na
elevação do nível geral de instrução, na oposição entre as “pautas reais” e as “pautas ideais”
da cultura e na aceleração do processo de criação e de propagação de inovações científicas e
tecnológicas.
Outro ponto a considerar sobre a fixidez das fronteiras dos calendários de idade em
sua relação com o calendário “geração social” é que as “classes de idades” de uma “geração
demográfica” tendem à auto-renovação costumeira, enquanto que na “geração social” esta
renovação torna-se impossível. Estas estão sujeitas a um processo temporal evolutivo natural
rumo a uma inevitável extinção; percorre os vários conjuntos de idades em direção à velhice
até o desaparecimento dos membros que a compõem. As “gerações sociais” (NUNES, 1968,
p.97-98) teriam uma referência a grupo ou quase-grupo social, enquanto as “gerações
demográficas” abrangeriam todos os indivíduos de uma determinada faixa de idade em um
determinado momento. “[...] permanecem as idades, variando com o tempo dos indivíduos”;
na “geração social”, permanecem os indivíduos agrupados, “variando com o tempo as idades”
(p.88).
Essas diferenciações embolam as fronteiras das sucessões que equilibram a
continuidade do ciclo vital. E torna-se razoável falarmos que não necessariamente o destino
dos indivíduos de uma “geração demográfica” se fixa ao longo da vida a uma mesma
“geração social”. Poderão ocorrer descontinuidades no desenvolvimento das trajetórias de
alguns grupos e quase-grupos ou de elementos destes, que atrasam ou adiantam as diferentes
posições que definem os seus lugares nas fronteiras. A própria idéia de “sobredeterminação”,
em algumas posições nos calendários, referidas por Nunes (1968) e Balandier (1976)
7
, e as
disritmias na linearidade das “classes de idades”, contradizem o conceito de “geração social”
se ele atrela um indivíduo ou os grupos a uma posição contínua e linear na sucessão.
Segalen (1999, p.221) acrescenta que esse processo de sobreposição altera a
constituição da população e os processos de reprodução com acentuados efeitos sobre a
7
Abstraindo do texto o poder da pré-determinação da posição de classe ainda presente, em Nunes (1968), e de
idade, sexo e classe em Balandier (1976).
111
“geração demográfica” e a “geração social”. Como coloca essa autora, alguns anos após,
gerações coexistem, sobrepõem-se e já não se sucedem”, sendo estas as grandes novidades
da instituição familiar contemporânea.
Esse fato nos possibilita considerar uma tendência para a movimentação nas fronteiras
de definição das diferenças e das identidades etárias para dar sentido à ‘contemporaneidade’
na ‘jovem idade’ como signo de ‘geração social’ entrecortada por redes de ‘estilos de vida’
(geração social/ contemporaneidade/ jovem/ idade/ estilos de vida).
Assim, de modo geral, nesta tese “geração” é um conceito coletivo que é tomado
como relação de articulação (discursiva) entre as redes simbólicas de identificação e
diferenciação dos sistemas de idades, e de registros sociais de modos de experimentar e
decidir escolhas orientadas entre o passado e o presente
8
.
Na metade do século passado, três fatores atuam como forças específicas e com
diferentes intensidades em momentos: a emergência da “juventude”, como face dacultura
jovem”, o aumento da expectativa de vida, e o desenvolvimento da cultura de consumo
prevalecendo sobre a produção e instruindo a constituição de estilos de vida
9
. Intrinsecamente
relacionados, esses fatores contribuem para transformações no curso da vida trifásico em
direção à sua fragmentação e ao descentramento, e ao aumento da intensidade das resistências
às sucessões cronológicas.
Focalizada nas distintas formas de manifestação da “cultura jovem”, considera-se que
os jovens compartilham diferentes linguagens, valores, vestimentas e desenvolvem maneiras
de pensar, sentir e agir variadas. Nesses diversos conjuntos de mapas de significação, os
códigos podiam ser lidos do ponto do significado que os jovens conferiam as suas ações e
atividades cotidianas, ou sob o ponto de vista da “cultura dominante” (adulta).
Implicadas na discussão sobre a especificidade da subcultura jovem, estão as
reivindicações e as demandas pela valorização da pessoa ou do indivíduo e do seu corpo já
não facilmente situável nos lugares do sistema moderno do curso da vida.
Estreitamente associada ao fenômeno demográfico de renovação da população no após
II Guerra, e aos efeitos de alargamento nas margens superiores de todas as “fases”,
“juventude” se mostra um lugar que contribui para confundir as representações da cultura
adulta e do processo de envelhecimento. A imagem da “juventude”, representada pelas idades
8
Mais especificamente no “entre-tempo” do “passado projetivo” e o “presente enunciativo” (BHABHA, 2001)
9
A importância da caracterização dos “estilos de vida” se associa à valorização cultural da diferença e da
multiplicidade das identidades culturais: aos artefatos culturais, aos valores, aos mitos, às instituições, às leis, às
práticas simbólicas e às relações que as constituem e significam a cultura. É através desses significados que os
símbolos têm e de sua exploração na vida social, que os sentidos são construídos e partilhados.
112
entre 15 e 24 anos
10
, constrói-se inoculada nos chamados “grupos de amigos” que os anglo-
saxões chamaram “peer groups” e observa-se que, na “classe de idade” correspondente à
“juventude”, existe a interseção com parte da “adolescência”, dificultando a distinção com
essa identidade. Formados, ainda, na década de 50, esses grupos contribuíram para
proporcionar maior autonomia aos “adolescentes” (jovens) pela redução do controle adulto
sobre as escolhas dos amigos dos filhos. Esses aspectos da sociabilidade e da sexualidade
foram considerados decisivos para o desenvolvimento da “cultura jovem” característica da
década seguinte, e para as mudanças nas relações homem/mulher e na família
Segalen (1999, p.201) também aceita que a imagem desses grupos associada à
delinqüência e à violência de “adolescentes” seria uma espécie de “medida(s) de objeção para
com uma sociedade adulta que lhes recusa um estatuto próprio”. Enfático na indeterminação
estatutária da “juventude”, Nunes (1968) considera que os “grupos de jovens” cumpriam a
função de socialização complementar à família e à escola, e tiveram um importante papel na
maturação e na formação sexual. A função e a “revolta” dos grupos juvenis apresentariam as
faces integradora e transgressora que alteram os marcadores vigentes dos limites da
maturidade sexual.
11
Assim, a visibilidade da cultura juvenil e dos seus estilos de vida jovens contribuiu e
foi efeito da crise de autoridade e totalidade da cultura adulta e da valorização da performance
do corpo pelos movimentos culturais e pela mídia. Nesses termos os significantes “jovem” e
“juventude” representam um valor simbólico que “endossa a vida como uma performance
delimitada pela natureza do corpo”, ou seja, em permanente renovação e em direção à
exploração do novo, como um traço de sua identidade a juventude ocidental coloca o “curso
da vida em movimento para frente” (BASSIT, 2000, p., 223
12
). Essa face renovadora, fértil e
propulsora dos signos da “juventude” alia-se à ‘instabilidade’, à ‘transitoriedade’ e à
‘ambivalência’, interferindo com suas marcas nas fronteiras de inclusão e exclusão das idades.
10
No momento, a Organização Mundial de Saúde define o período da “juventude” como compreendido entre 15
e 24 anos. Por adolescência, em geral, considera-se o grupo etário entre 13 e 19 anos, mas os seguimentos
considerados ativos pelo IPEA são entre 15 e 65 anos. Para as demais referências, IPEA e MTE in
CAMARANO, 2003, p. 53-55. Lembramos que as pesquisas mais recentes sobre “juventude” têm incluído as
idades até 29 anos (ARAÚJO, 2002; SEBRAE, 2003). A ONU, a Organização Internacional da Juventude (OIJ)
e a Organização Brasileira da Juventude (OBJ) marcam as idades entre 15 e 24 anos.
No Brasil, a maioridade civil é juridicamente definida aos 18 anos, indivíduo com menor idade que esta é
considerado “incapaz”. Mas, para votar, têm direito às idades entre 16 e 18 anos. Para cumprir serviço militar, a
minoridade é de 17 anos. Para efeito de trabalho, a minoridade cessa aos 14 anos (www.wikipedia.org
, verbete
maioridade).
11
“Graças ao grupo de amigos, a maturação sexual perdeu o seu caráter solitário e perturbador, enquanto a idade
da puberdade diminuiu, tal como as primeiras experiências sexuais” (SEGALEN, 1999, p. 202).
12
A citação é de Featherstone (e as idéias que Bassit desenvolve aí também) extraída do trabalho Yoult,
Adolescence and the Transition into Adult Life, Paper apresentado na Pré-Conferência Internacional Youth
2000. Apóia-se, também, em Debert (org), 1994.
113
Esses signos que remetem à contemporaneidade sublinham a dinâmica, a contingência e a
plasticidade, facilitando as disjunções na fixidez dos calendários de idades modernos.
A cultura da modernidade tem uma estreita relação com a cultura jovem, que é
associada com a noção do novo, como a celebração das experiências fragmentadas da
vida moderna e urbana. Nesse sentido, a lógica da modernidade parece residir em
noções sobre desenvolvimento, expansão, diferenciação e universalismo, o que
propiciou os elementos fundamentais para os movimentos culturais identificados com
o idealismo da ‘juventude’ em oposição aos valores apregoados pelo Estado. A visão
da juventude que esses movimentos culturais apóiam é contrária àquela relacionada
com a preparação normal para o trabalho, casamento, vida familiar e direito dos
cidadãos (BASSIT, 2002, p. 223).
Por um lado, associado a um rico registro do imaginário moderno sobre o gosto pelo
novo e a novidade, a força, a beleza, a renovação, a transgressão, a criatividade, a inovação, e,
por outro lado, sobre a dependência, a subordinação, a maturidade incompleta, o egoísmo, o
despreparo, inconstância, a irresponsabilidade, e a aventura. Antes de tudo, tal indefinição
incita - quando não se é inteiro e não se tem um destino individual e coletivo pré-traçado e
controlado para seguir -, a necessidade da busca incessante de produção de identidade.
Referindo-se a essa tendência para aproximar a cultura jovem ao “novo” e à
“novidade”, Bhabha (2001, p.335) trata a questão como uma “fissura” que a modernidade
apresenta entre a “enunciação” e o “cotidiano”, e configura “a prática da vida cotidiana
oferecendo-lhe uma consistência como contemporânea”, que produz o movimento das
descontinuidades.
Sem dúvida, nesse momento do século passado, a indefinição de referências fixas nos
calendários etários e os processos para a sua legitimação, constituem objeto de reflexão de
pesquisadores preocupados com a questão da “geração”, com a “socialização contínua”, com
a cultura de massas, com a polissemia dos termos “juventude” e “geração”. Em geral,
enfatizam a natureza construída e histórica destas duas categorias e de “classe etária” e do
perigo da exploração ideológica de tomar-se uma certa noção de juventude e de cultura
juvenil como universais. Na mesma discussão, chama-se atenção para as contextualidades em
que os indivíduos agem e para as diferenciações sociais e culturais que promovem as divisões
e hierarquias (privilegiando-se a “classe social”).
3.1.2 Articulação Ciclo Vital e Curso da Vida
A compreensão do conceito de “contemporaneidade” também é importante para situar
“maturidade”, em face das etapas do “ciclo da vida” e com relação ao sistema de idades que
lhes sobrepõem, para que tenhamos uma certa percepção de unidade à medida que o tempo da
114
vida, controlado pelas idades, passa. Por isso procuramos distinguir contemporaneidade de
coetaneidade, os dois elementos primários do conceito de geração
13
.
Ortega y Gasset
14
(citado em MARÍAS, 1967, p. 99) defende que “cada geração
representa uma certa atitude vital”, a partir da qual se percebe a existência de uma
determinada maneira. Mas cada geração constitui uma forma interpretada que “nasce” de
outras de tal modo que cada “nova geração” brota das formas anteriores: idéias, valores,
instituições, etc. que, por sua vez, deixará fluir sua própria interpretação e vivência. Havendo
épocas de maiores e menores conflitos entre as gerações anteriores, onde alguns grupos da
mesma idade: crianças, velhos etc. (‘coetaneos’) se distinguem mais entre os
contemporâneos’ (todos os que vivem no mesmo tempo, em uma mesma época, ao mesmo
tempo).
Quando confundimos os dois conceitos, podemos perder de vista que todo ‘hoje’
envolve três “tempos vitais” distintos que Ortega y Gasset chama “anacronismo essencial na
história” (Id. Ibid, p.100). Acaso todos os contemporâneos fossem coetâneos, o movimento da
história se cristalizaria por ausência de inovação radical. A distância entre contemporaneidade
e coetaneidade pode assim ser considerada um terreno de oposição geracional.
Para Ortega y Gasset
15
, a diferença cronológica das idades resulta na divisão da vida
em cinco períodos de quinze anos, e mais importante que a continuidade pela “sucessão” de
grupos são essas relações entre contemporaneidade e coetaneidade que desenham as
diferenças na subjetividade e no conjunto da vida humana. Desse foco, emerge um conceito
de “geração” articulado a cronologia das idades levando em conta a associação entre situar-se
em uma ‘etapa’ e ter um certo horizonte de modo de vida. Ter a “mesma idade” é seguir uma
certa trajetória vital comum, um certo “projeto de vida”, pois as idades são ‘etapas’ com
significados diferentes. Teriam a “mesma idade” não somente os que nascem no mesmo ano.
Também, são assim os que nascem dentro de uma “classe de idades” e m um “certo tipo de
querer fazer peculiar”, pois “Vivie es lo que hacemos y lo que nos pasa” (MARÍAS, 1967,
p.80).
13
“El presente es rico de tres grandes dimensiones vitales, las cuales conviven alojadas en él, quieran o no,
trabadas unas con otras, y, por fuerza, al ser diferentes, en esencial hostilidad. Los contemporáneos no son
coetáneos: urge distinguir en historia entre coetáneo y contemporaneidad. Alojados en un tiempo externo y
cronológico, conviven tres tiempos vitales distintos” (MARÍAS, 1967, p. 100).
14
Marías (1967), faz uma analise profunda sobre a perspectiva desse autor sobre “geração”. Ortega toma o
conceito como expressão da expressão histórica da diversidade humana.
15
Sua produção inicia nos anos 1914 indo até 1943, concentrando-se mais no tema geração entre os anos 1923 e
1933. Período em que coexistem duas gerações, e a expectativa de vida era muito aquém dos 75 anos da divisão
de Ortega y Gasset; o que não importa tanto, porque não é considerada uma geração historicamente ativa. Ver
uma genealogia de ‘geração’, até 1950, tomando por base a obra de Ortega y Gasset em Marías (1967).
115
El conjunto de los que son coetáneos en un círculo de actual convivencia es una
generación. El concepto de generación no implica, pues, primariamente, más que
estas dos notas: tener la misma edad y tener algún contacto vital (MARÍAS, 1967,
p. 102-103, grifo meu).
A idéia de vida é plástica e apresenta-se como um “querer fazer” ao qual ninguém
pode se esquivar. O decisivo não são os componentes parciais e abstratos, as coisas e as
pessoas, mas como ‘decidem’ usá-las, em meio às fontes de nossas possibilidades limitadas
pelo “repertório social” de facilidades e dificuldades para indivíduos e grupos. Para isso,
defende Marías, na perspectiva de Ortega y Gasset, precisamos de um projeto de vida, o
campo onde a “realidade imaginada”,
[…] como tal se constitui através da ação humana una imagem más o menos vaga
del argumento de mi vida, uma prétensión que como tal me constituye, y eso es lo
que hace que em cada momento eleja uma de entre mis posibilidades y posponga
outras. Esto quiere decir que en cada instante, para decidirme, para poder vivir,
tengo que justificar - por lo pronto ante mí mismo - por que hago una coso y no
otra. La vida es constitutiva responsabilidad, […]. Y el hombre es forzosamente
libre, porque no puedo dejar de elegir y decidir en todo momento, y nadie puede
hacerlo por mí; para lo único que el hombre no tiene libertad es para dejar de ser
libre, para renunciar a ella (MARÍAS, 1967, p. 81).
A ênfase nessa “razão vital”
16
mais esclarecida para os nossos propósitos se dá
quando Ortega y Gasset segmenta a vida em cinco momentos com intervalos de 15 anos. Os
primeiros 15 anos: infância, sem atuação histórica: os segundos: 15 a 30 anos, juventude,
época de informação e passividade; os terceiros: 30-45 anos: iniciação, caracteriza-se como
um período de ‘gestação’ em se que luta com a geração anterior e tenta afastá-la do poder; os
quartos: 45-60 anos: predomínio, período de domínio e ‘gestão’ do poder sobre todas as
ordens da vida. “[...] uma vez que se luta para defender esse mundo frente a uma nova
inovação postulada pela geração mais jovem”; e os últimos quinze anos: 60-75, ou mais:
velhice, os dessa idade são considerados “fora da vida”, vestígios do mundo anterior e que
trazem a sua experiência. Estariam fora das lutas da atualidade e seriam numericamente pouco
representativos (MARÍAS, 1967, p.101). Mas não podemos esquecer que o autor escreveu nas
primeiras décadas do século passado, época em que se desconhecia o sentido de “juventude”,
que se configura no após II Guerra. É interessante observar como centraliza a oposição mais
vibrante entre os grupos da maturidade “iniciação” e “predomínio”, valorizando a “meia
idade” (45-60 anos).
As “classes de idades”, propostas por Ortega y Gasset, acentuam que são idades de
nossas vidas, “etapas” diversas em que segmentam nossos “querer fazer vital”. A idéia de
16
Ortega preocupa-se com a construção social da idade, em sua perspectiva a idade biológica é uma componente
abstrata e necessária da nossa vida (e das gerações), mas ela não é suficiente para explicar por si mesma nada; as
determinações físicas condicionam mas não explicam e nem decidem (MARÍAS, 1967, p.105).
116
‘horizonte’ finda por orientar os limites para “projetos de vida”, uma vez que estes são
compostos por “atos de decisão de usos” (MARÍAS, 1967, p.81-105). Consideramos
importante essa articulação que Ortega y Gasset estabelece entre “ciclo vital”, “projeto de
vida” e limites cronológicos (“idades”), através do distanciamento de “geração”, e desse
horizonte de uma “realidade imaginada”, que funciona como terreno de orientação de
referências de sentidos na vida cotidiana
A responsabilidade por esses “atos de decisão de usos” é atravessada por uma
indecidibilidade que reside nas múltiplas possibilidades e limitações que envolvem as
escolhas, e na dúvida da opção a ser justificada a “prestação de contas” para si sobre a escolha
é um ato pessoal de construção da subjetividade. A estruturação dos “atos” não se dá por uma
“falta” constitutiva geradora de uma indescidibilidade estrutural, que procura incessantemente
um suplemento para a produção da identificação, como os atos de decisão requeridos aos
agentes por Laclau e Mouffe (1985). Os “atos de decisão” são a fonte do social e da
constituição de nossa existência e a possibilidade da liberdade, conforme assente, também,
Laclau, partindo de outra base, como discutimos no capítulo anterior.
As duas etapas de “eficácia histórica” são as situadas entre 30 e 60 anos e que “põem a
mão sobre as mesmas coisas” até o ponto de estar em luta. Nesse particular, é relevante o fato
da sucessão nessas “zonas” porque minimiza os efeitos de “classes de idades” sem que se
eliminem os limites e as possibilidades do conflito e assentimentos.
Desse modo, no curso de suas vidas, os indivíduos e os seus grupos contemporâneos,
tendem a ser ativos e nem todos são coetâneos e podem ter “projetos de vida” que são
mesclados pelas condições mais ou menos aproximadas de escolha e usos. São gerações que
atuam de diferentes modos em torno dos mesmos temas, das mesmas questões e das mesmas
coisas, com distintos índices de idades e, por causa disso, com referências de sentidos ‘vitais’
diversificados e regulados por esses “sistemas de vigência”. Não é suficiente sabermos a
idade de nascimento para percebermos qual a nossa geração porque ela é definida
coletivamente e em sistemas historicamente situados.
Essa distinção entre os termos contemporaneidade e coetaneidade implica uma fissura
simbólica que torna ambíguo o conceito de “geração social”. Nesse caso a nossa questão toma
fôlego: no intervalo entre as idades 30 a 69 anos, ‘jovem idade’ pode constituir um signo de
contemporaneidade’ através do distanciamento entre “geração” e “classe de idade/fase”?
A nosso argumento sobre a possibilidade da contemporaneidade do não coetâneo
para estabelecer a diferença e a identidade de “geração”, articulada aos sistemas cronológicos
e ao “ciclo vital”, serve para situarmos no discurso JIM o recorte das relações entre
117
“maturidade” como etapa intermediária do “ciclo vital” e a cronologia das idades
sistematizadas por um “curso da vida”.
Para desenlaçar o nome “geração” de “classe de idade” e “fases”, podemos recorrer,
ainda, ao alemão contemporâneo e seguidor de Ortega y Gasset, Wilhelm Pinder
17
, Marías
(1967), Nunes (1968), Manheimm (1990) e Bourdieu (1970, 1976). Marías, como Pinder,
parte do fato que cada um de nós ‘vive’ com pessoas da mesma idade e com pessoas de idades
diferentes, em uma plenitude de possibilidades e dificuldades simultâneas. Considera
importante o exame da “data do nascimento” de cada indivíduo da mesma época, justamente,
porque cada época é referida a ele mesmo e somente compartilhada com seus coetâneos
18
.
Dessa maneira, na ‘zona de eficiência’, se os efeitos de continuidade/descontinuidade no
‘ciclo vital’ sobressaem, esmaecendo o calendário da ‘idade cronológica’ individual, com
Pinder este se destaca para explicar as relações de contemporaneidade favorecendo a
consideração da subjetividade e a diferenciação das posições de idades ao longo da vida.
Por seu turno, Manheimm (1990) conclui que o jovem não é mais apenas “o
adolescente” vivendo uma “adolescência” que possa torná-lo apto a formar-se adulto num
ritmo normal de transmissão, como no início do século XX. Podendo ser considerado agente
de mudança social de um determinado momento histórico vivido por uma geração social, que
se avalia ou é considerada capaz de transformar a sociedade em que vive. Argumento que
justifica o tropo ‘o jovem é o futuro da nação!’, tão em moda nos anos 50 e 60.
Esse autor distancia o conceito de contemporaneidade demográfica (coetâneidade)
como definidor de “geração social”, livrando-o, também, da necessária oposição familiar que
rege as sucessões, trazendo o conceito para a dimensão política e ideológica relacionada a
conflitos de classe social entre gerações
19
. O “fundamento último” (Laclau) na constituição da
identidade de uma “geração” é a classe social, porém discute essa posição associada ao ritmo
biológico da existência humana, mostrando que esta condição não é suficiente para explicar as
fronteiras geracionais, que também considera sociais e históricas. Com base em uma
sociedade que imaginara sem conflito e morte, Manheimm (1990) conclui que a
17
El problema de las generaciones en la historia del arte de Europa,1946; este autor desenvolve a noção de
gerações de arte. É citado por Marías (1967).
18
Embora as análises do autor sigam em outra direção (MARÍAS 1967, p. 119-122), pensamos que está presente
a noção de uma certa regularidade na ordem das idades regida pela ‘coetaneidade’ na diversidade de ‘idades’
contemporâneas.
19
Nesse caso, mais especificamente costumou-se associar o status de estudante (ex. França, Brasil) ou de
operário (Inglaterra) ao de ‘jovem’, em virtude dos conhecidos movimentos estudantis e operários
questionadores da ordem social e política e do sistema de ensino. Os jovens estudantes de Berkeley em 1964-
1965, a UNE brasileira em 64 e os franceses em 1968 são conhecidos como fenômenos de geração. Da mesma
forma, a Geração Front referente aos jovens que estiveram lutando na II Guerra Mundial
118
contemporaneidade do nascimento não é constitutiva de uma situação comum no espaço
social. Coloca as experiências e os conflitos de classe (inclusive as “vanguardas”) no lugar da
situação de proximidade cronológica para explicar as diferenças entre gerações que
promovem mudanças (os conflitos entre as gerações não são apenas conflitos de ordem
cronológica).
Bourdieu (1980, 1986) questiona a validade do conceito de “corte de geração”
(generation gap) e sugere que seja substituído pela noção de embaçamento das “classes de
idades”, nos estudos sobre o problema das sucessões. O movimento histórico que produz os
efeitos de geração (aparecimento de várias e distintas ‘idades de geração’ e suas condições de
existência e reprodução) estaria regulado pelas disposições nos diversos “campos” do sistema
de reprodução da dominação simbólica, cultural e política e das desigualdades sociais
organizados nos ‘habitus’ das diferentes sociedades e lugares. Os comportamentos
diferenciados, ‘exóticos’ são compreendidos como o resultado do confronto dos sistemas
simbólicos “jovem” e “velho”, cuja sistematização seria idealizada e realizada,
preponderantemente, nas posições distintivas dos adultos, representados pela classe que
exerce a dominação.
Isso implicou a consideração das particularidades dos grupos juvenis, e pela
exploração cultural dos seus “modos de vida” baseados em estilos que têm por traços a
distinção, para distinguir as gerações sociais através de comportamentos associados a status e
papéis vinculados às idades. Bourdieu (1989; 1970), ao considerar a problemática da
“juventude,” no âmbito da transmissão de geração, trouxe a discussão da produção da
diferença desses grupos estreitamente associada à reprodução social e aos dispositivos
corporais.
Parece-nos que a maior dificuldade de Bourdieu (1989;1970), para desatar a
continuidade nas sucessões das gerações, que garante a unidade da identidade “juventude”
entre as diferenças e as garantias da autoridade adulta, consiste na subjugação aos
dispositivos de classe registrados no corpo e na sua relação com o habitus. As posições dos
grupos de indivíduos de certo modo estão predestinadas, como sujeitos, pela força do habitus,
que é materializada no corpo; “Os jovens inscrevem seus destinos dentro do destino dos seus
pais”, escreve Percheron (1986), comentando suas idéias. Isso concorre para que as posições
nos campos articuladas simbolicamente à idade cronológica e ao corpo tendam à reprodução
do trabalho simbólico de unificação das posições numa direção específica e predeterminada
de interpelação (refletida) no habitus.
119
Segalen (1999) adverte que a presença simultânea de gerações assegura a transmissão
de modelos culturais, desenvolve trocas numerosas e, em geral, contribui para garantir a
reprodução social. Entretanto, esse é um processo em que os fluxos não se dão em um único
sentido, pois são múltiplos e perpassam e se reforçam “circularmente em etapas diversas da
vida de uns e outros” numa dinâmica de (re)transmissão social.
A autora esclarece que em Bourdieu esse movimento de transmissão é muito lento e
não afeta da mesma maneira todas as categorias sociais, embora seja ciente da necessidade de
mobilidade numa sociedade em transformação que exige novos saberes e novas qualificações.
Nas palavras de Bourdieu
20
:
A mobilidade controlada de uma categoria de indivíduos cuidadosamente
selecionados e modificados pela e para a ascensão social não é incompatível com a
permanência das estruturas, podendo ela mesma contribuir, da única maneira
concebível para sociedades que reclamam de ideais democráticos, para a estabilidade
social e para a perpetuação da estrutura de classe (apud SEGALEN, 1999, p. 223).
Não restam dúvidas de que Bourdieu (1970,1976,1980,1986) e seus seguidores
trazem, entre outras, contribuições para 1. a percepção das fases do curso da vida como uma
construção relacionada a sistemas simbólicos hierarquizados de poder e distinção vinculados a
posições de gramática do gosto que compõem os “estilos de vida”; 2. uma crítica à idéia de
sub-cultura e contracultura de grupos de idades específicas das “classes de idades”; 3. o papel
ideológico dos sistemas simbólicos de poder realizado na luta de posições na estrutura social
para fixar sentidos e dos seus efeitos classificatórios nas ‘bases’ (material, simbólica, cultural
e imaginária), provocados pelos movimentos das relações entre o sentido universal e
localizado
21
. Porém, como salientam Ritzer (1993) e Segalen (Ibid.), estudos de todos os lados
têm progressivamente nos certificado sobre a relativa independência da posição de classe
social sobre as transmissões culturais
22
(SEGALEN, 1999, p.224) e sobre o trabalho de
‘decisão’ realizado pelos agentes sociais na transformação parcial de suas posições.
Nunes (1967) busca nas zonas de fronteiras dos grupos juvenis nos distintos “setores
sociológicos” o que promove o pertencimento (não apenas de classe social ou ‘vanguarda’) e
diferencia as “gerações sociais”, conforme conceito já explicitado, associando-as às várias
20
De acordo com Ritzer (1993), existe uma tendência entre alguns interacionistas simbólicos, como os
seguidores de Khum, que tendem a defender a lentidão nas mudanças estruturais. O texto de Bourdieu, Segalen
extraiu de “Reproduction Culturelle et Reproduction Sociale” , Informations sur lês Sciences Sociales, X-2,
1971, p. 45-75. Sobre uma crítica à fixidez da estrutura e à natureza do ‘habitus em Bourdieu, ver Domingues
(2001).
21
Em Bourdieu, o corpo serve como referência de lugar que se aproxima da posição de Foucault a esse respeito,
conforme observamos com, Hall (2000), em outro lugar desta pesquisa.
22
Nesse aspecto, Nunes (1968, p.90) levanta a seguinte hipótese geral: “os ‘conflitos de gerações’
provavelmente constituem –[...] – um dos mecanismos sociais básicos que permitem explicar a própria gênese
dos grupos geracionais” .
120
posições. A composição do seu referencial analítico em estudo sobre a emergência da
“juventude” em muitos aspectos corrobora as colocações de Marías (1967) e Ortega y Gasset,
o que o leva a cogitar a hipótese de que “as gerações sociais se formam durante a juventude
dos seus membros”, fato que favoreceria a situação de concomitância com outras gerações. E,
também, alertou mais concretamente para a emergência nas sociedades mais desenvolvidas
modernas da identidade etária que, após 1970, costumou-se chamar “terceira idade”.
Levando-o a admitir que uma geração pode se formar em qualquer “fase” (embora sua
concepção de “geração social” tenha sido formulada na perspectiva da “juventude”)
esclarecendo a confusão entre os conceitos geração e juventude, oferecendo destaque às
diferenças internas.
[...] parece estar a se desenvolver entre um grande número de velhos, o sentimento de
pertença a um determinado tipo de gerações sociais: as ‘gerações idosas’,
possivelmente separadas por estratos, classes ou meios sociais, de acordo com a
estrutura geral da sociedade. Um tal sentimento não se relaciona, presumivelmente,
com experiências comuns juvenis e passadas desses indivíduos, mas com a
experiência coletiva e presente da sua própria e especial ‘situação de velhos’ na
sociedade moderna altamente desenvolvida e em evolução rápida. Desta sorte, se
gerações sociais que se formam durante a juventude dos seus membros,
aparentemente também pode haver gerações sociais que se constituem por ocasião da
velhice dos seus componentes (NUNES, 1968, p.89).
Ortega y Gasset (MARÍAS, 1967) havia observado, nas primeiras décadas do século
passado, essa tendência para o progressivo aumento do grupo de idosos e do estado de “plena
eficácia” em que podiam se encontrar, vislumbrava ainda a propensão para melhorar com a
invenção da “geriatria”. Por isso prognosticou uma alteração no esquema das idades,
tendência observada logo após a metade do século: o alargamento das faixas de idades, a
transparência da “juventude” e a valorização de seguimentos da “velhice” como fase de
atividade. O prolongamento da expectativa de vida contribuiu para que puséssemos
estabelecer vínculos mais duradouros com os nossos contemporâneos, da mesma forma que
favorece e expande a manifestação dos antagonismos e das contradições e oposições entre as
diferentes idades ou entre coetâneos.
É possível que a contemporaneidade de mais de duas gerações ativas tenda a tornar
mais complexas as relações e a intensificar os conflitos nas bordas das várias posições-limite.
Nunes (1968, p.90) ainda acrescenta que através dos conflitos sociais uma geração social
poderá provocar, agindo, ou pela simples presença na estrutura social, a formação de outras
gerações.
Esse autor, embora afeito à análise de classe social, propõe uma analogia e uma
vinculação de outros elementos diferenciadores do conflito geracional em busca de distinguir
121
posições sobrepostas à “classe”, e inquire sobre a extensão social do fenômeno da diferença
entre gerações. Entre suas preocupações, podemos localizar o problema do surgimento de
“gerações sociais” não coetâneas.
Ainda para Sedas Nunes (p.91, 93), as diferenças geracionais se dão em “setores
sociologicamente distintos”, e assim elas podem se constituir inclusive por sobre as fronteiras
dos vários grupos ou quase-grupos - sobrepondo-os - incluídos numa “classe de idade” e que
formam as “gerações sociais” como a geração jovem.
Já dissemos que, ao se deslocar no momento que marca a metade do século passado
como um símbolo da renovação e da novidade, o signo “juventude” estabeleceu essa relação
de temporalidade contingente associada ao presente (‘contemporaneidade’), que é constitutiva
de “geração”. Um sentido de presente em atualização constante e que é culturalmente diverso
e plural, que agrega e desagrega (com relação a todos os grupos coetâneos e aos
contemporâneos). Uma temporalidade fértil e favorável ao trabalho dos intermediários
culturais e da mídia na constituição de identidades etárias. O contemporâneo sendo o tempo
do cotidiano, é o presente do ‘testemunho’ e do movimento das descontinuidades que
revelam também a “retroversão histórica” (BHABHA, 2001, p.344), que faz com que se
remova a perspectiva de tempo vazio ‘homogêneo’. Carvalho situa bem a noção de presente
que queremos fixar:
O tempo já não é, então, uma categoria do ver, mas sim do agir e do padecer’
[Ricouer] [...] Mais do que um elo, é lócus privilegiado, onde o passado – pelas
lembranças, símbolos, marcas - impregna o atual e o futuro é gestado. Nesse
sentido, o presente é contemporaneidade, ‘espaço comum da experiência’ [Ricouer]
e criador da expectativa. A vida humana no presente se apóia, portanto, nesses dois
pilares, se a imagem não for distorcida, pelo sentido de ‘estancabilidade’. [...] O
tempo presente [...] longe de ser um tempo harmônico, homogêneo, ele é o universo
dos conflitos e da heterogeneidade, [...]’ (CARVALHO, 2002, p.274 -275. Itálico e
negrito meus).
Concluindo, pensamos que o significante ‘contemporaneidade’, como uma face
metafórica do conceito de “geração” e entendido como efeito da articulação do passado no
presente, é crucial para a quebra das barreiras de “classes de idades” que formavam as
“fases”, e para a invenção da “terceira idade” impregnada dos signos da “juventude” (sempre
deferida e referida) e para a jovialização da vida social. As relações entre os signos de
geração/ contemporaneidade/ juventude/ coetaneidade/ estilo de vida, e seus efeitos nos
movimentos de fissura nas “fases” que se seguiram, produziram imagens de ‘jovem idade’
como moeda simbólica para as estratégias de identificação e (des)identificaçaõ em qualquer
idade, em especial, nas fronteiras e limites das idades centrais.
122
Pelo exposto, consideramos, também, o pressuposto que, no intervalo de idades
cronológicas (30 a 69 anos), os efeitos da temporalidade da “maturidade” -
contemporaneidade - pode produzir orientação de ‘horizonte’ de modos de vida de grupos de
quaisquer idades. E que essas identificações são contingentes, os sujeitos tem seus lugares
redefinidos pelas ‘escolhas’ nos atos de ‘reinscrição’ de suas identidades e diferenças (em
condições específicas e reguladas).
Os lugares sociais são constituídos, e nada obriga como fundamento último a
designação da escolha dos conteúdos. O importante são as referências dos lugares dos sujeitos
e o campo das possibilidades dessas ‘escolhas’ que os produzem, porque a eleição da regra da
norma no discurso (JIM) não visa, a rigor, à cronologia das idades, mas aos processos de
decisão sobre as oportunidades e as necessidades por elas articulados. Por meio desses
processos de identificação e diferenciação os níveis e as arritmias nas práticas e nos
horizontes simbólicos dos modos vida as divisões sociais incluem e excluem.
Neste subitem trouxemos alguns processos desarticuladores dos ‘calendários de
idades’ e do ‘ciclo vital’ que implicaram alterações decisivas na ‘cronologização moderna do
curso da vida’. As representações das ‘identidades etárias’ submetidas a processos de
enfraquecimento sofrem efeitos de fragmentação e sobredeterminação em seus limites. De
modo que se admite: gerações compostas de pessoas e grupos ou artefatos culturais com
idades de nascimento variadas; a emergência de geração em qualquer “classe de idade”; a
sugestão de gerações variadas e coetâneas.
Particularmente esses processos associados à ressignificação dos conceitos de
“geração”, “juventude”, “classe de idade” e a suas associações com “estilo de vida” e “modo
de vida” são substanciais para as alterações nas ordens de valores simbólicos das idades e as
instituições, relações, comportamentos, etc., que envolvem as experiências cotidianas. Além
disso, são mudanças que concorrem para o distanciamento dos sentidos dos termos
idade/jovem’ na ressignificação do contínuo vital, crescimento, amadurecimento e
envelhecimento.
Tomando como premissa que o significado de “geração social” articulado a
contemporaneidade prescinde de “idade de nascimento”, acreditamos que esse vínculo frouxo
da diferença de “geração” com diferença de “idade” cronológica contribuiu para deslocar e
fragmentar os limites das “fases de idades” e de “juventude” como signo de “fase da vida”. O
que concorreu para a desobrigação das demandas e das negociações de idades numa
referência a uma determinada “classe de idade”. Dessa forma, a hierarquização simbólica do
valor cultural de “modos de vida” pode ser inscrita por meio de experimentações e de
123
registros diversos do imaginário que tem por horizonte as referências dos significados
jovem/idade, em qualquer limite etário.
Relembrando que “geração social” está sendo considerada uma relação de articulação
em que as solicitações para a definição de sistemas de diferenças envolvem uma associação
do passado com o presente, que introduz uma noção de “contemporaneidade” que interfere no
movimento ‘para frente’ e ‘para trás’ das redes de equivalência dos signos de
jovem/juventude e idade.
Perguntamo-nos se existem sinais dos rastros do significante vazio “jovem idade”
privilegiando inclusões nas hierarquizações nas idades JIM? A adesão às formas de consumo,
que refletem ‘escolhas’ nas negociações de ‘modos de vida’, que muitas vezes se confrontam,
passam a servir de sinais valorizados entre aqueles(as) que se (auto) consideram e que são
considerados pelos ‘outros’ ou com quem se identificam de ‘jovem idade’?
Para oferecermos uma interpretação sobre como estão se constituindo no discurso os
processos de subjetivação estruturados no interstício 30-69 anos, perseguimos não os
indicadores de ‘passagens’ cronológicas que formavam a “juventude”, a “adultícia” e a
“velhice” e mesmo a “terceira idade”. Buscamos os ‘vazios’ deixados no discurso pelo
trabalho da produção simbólica do distanciamento entre as redes dos calendários etários da
“cronologização da vida moderna” e as redes de construção dos registros da “jovem idade”.
Porém, resta uma questão que inquieta sobre a visibilidade quase concomitante da “terceira
idade” e da “juventude”: como será que, após 70, essas lutas pela re-significação das idades
“juventude” e “terceira idade” podem contribuir para desarticular a “velhice” e o
“envelhecimento”?
3.2 Fragmentos do Jovem Envelhecimento – a “Terceira Idade”
3.2.1 Traços da Configuração ‘Terceira Idade’
A “terceira idade”
23
corresponde a uma nova etapa do “curso da via” que ocupa
espaço entre a aposentadoria e a velhice e é considerada o produto da generalização dos
sistemas de aposentadoria e da intervenção de instituições e agentes, que, ao se especializarem
no tratamento da velhice, contribuem para o processo de autonomização da categoria
(LENOIR, 1996, p.76). É essa concepção que predomina em quase toda literatura sobre essa
“etapa”, pelo menos a que a concebe como “inventada”.
23
Segundo Laslett, o termo ‘Terceira Idade’ teria surgido na França nos anos 70 com a implantação das Universités du
Troisième Age, e foi incorporada ao vocabulário anglo-saxão com a criação do mesmo tipo de universidade em
Cambridge, na Inglaterra, em 1981.
124
‘A invenção da terceira idade - [...] – é simplesmente produto da
universalização dos sistemas de aposentadoria e do conseqüente surgimento
de instituições e agentes especializados no tratamento da velhice, que
prescrevem a esse grupo etário maior vigilância alimentar e exercícios
físicos, mas também necessidades culturais, sociais e psicológicas’
(LENOIR, 1996, p. 76).
Acredita-se que foi apenas no final do século XIX que os franceses distinguiram
socialmente a velhice, separando os velhos dos mendigos internados nos “depósitos de
velhos” e asilos públicos, e que somente há poucas décadas o tema da velhice atraiu os
cientistas sociais. Quando isso ocorre, o reflexo das imagens que chega é de exclusão: o velho
não tem um estatuto social. E aquele de idade avançada que possui esse estatuto não é
considerado “velho” porque não é decadente ou incapacitado para o trabalho. Somente em
1960, é que “Ser velho é pertencer à categorização emblemática dos indivíduos idosos e
pobres” (PEIXOTO, 1998, p. 70-73).
Esse contingente populacional reflete o que Foucault, em várias de suas obras,
identifica como uma tendência da modernidade para desenvolver “mecânicas de poder” que
definem como se pode ter domínio sobre o corpo do outro, ‘fazer viver’ e ‘fazer morrer’,
estando o saber geriátrico envolvido nesse projeto que constrói a realidade social da velhice e
do envelhecimento.
Groisman (1999), no trabalho sob a reconstrução da velhice, afirma que precisamos
sempre nos lembrar do fato de que a velhice e o envelhecimento são uma construção social
para não nos apegarmos a estereótipos como sobre a “idade de ouro da velhice” ou da
“gerontocracia”. Para tanto, tenta interpretar a velhice do século XIX ao século XX
explorando aparatos tecnológicos de diferenciação: o saber geriátrico, a aposentadoria e os
asilos de velhos.
O saber geriátrico remonta do período de transformação medieval (séc XVIII e XIX),
onde a doença, que estava associada às forças cósmicas e divinas, passa a ser localizada nos
tecidos do corpo, a partir do exercício da anatomia patológica. A geriatria se desenvolve a
partir da idéia de que, estando a doença localizada no tecido, compromete os órgãos, e como
no envelhecimento há uma deterioração do tecido, pode-se assentir que o envelhecimento
equivale ao processo da morte. No início do século XX, a especialidade ‘geriatria’
corresponde ao desenvolvimento de uma clínica específica para tratar dessa etapa do curso da
vida; a partir de então, a velhice entra no mundo da ciência médica, sendo objeto de cuidados
especializados.
125
Ao constituir um grupo demográfico relativamente volumoso, a velhice como “classe
de idade” interessa a outro ramo da ciência médica como um campo de estudo voltado para o
“prolongamento da vida”, juntando-se à tarefa vários especialistas (demógrafos, sanitaristas,
etc) e um conjunto diversificado e maior de recursos. Segundo esse autor, teria havido um
hiato na produção nessa área até a metade do século, quando a antropologia e a sociologia
exploram os temas da “idade ouro” da velhice, a marginalidade e a solidão dos velhos e as
associações de idosos. Nesse momento, começa a se projetar a produção científica sobre o
tema, a declaração e implementação de políticas públicas específicas e com elas a
regulamentação de direitos e obrigações atualizadas e os interesses para inserção estratégica
dos grupos idosos como ‘consumidores’, acompanhado de um amplo mercado de trabalho
relacionados à geriatria e à gerontologia. Esta, em virtude do aumento da expectativa de vida,
alarga o seu campo de estudos na direção da disciplinarização da vida nessa etapa. É esse o
momento de emergência da “terceira idade” e dos Centros de Convivência dos Idosos.
No que se refere à “tecnologia de diferenciação” aposentadoria, Groisman (1999)
lembra que foi uma resposta aos operários que não podiam se autoprover após o desgaste
físico do trabalho. Assim, estabelece-se uma relação direta entre ‘invalidez’ e ‘inatividade’ e
‘aposentadoria’, passando esta a simbolizar uma idade para ficar fora do trabalho,
praticamente a morte social, pois, em termos de idade, estes eram quase indistintos. Mas foi
somente com o estatuto do direito à aposentadoria que se passou a qualificar os problemas
subjetivos a ela associados, porque, para esse autor, antes eles não faziam parte da história da
velhice.
Peixoto (1998), em estudo sobre os estigmas vinculados aos sentidos de termos usuais
para denotar a velhice, fala sobre como a política de integração da velhice introduzida na
França nessa época passou a adotar uma forma mais respeitosa – “idoso” - para designar todos
os aposentados que, inclusive, tiveram suas pensões elevadas. Com esse estatuto, “o problema
dos velhos” tornou-se o “problema dos idosos”. A aposentadoria passa a servir de amálgama
nesse novo recorte da velhice fixando a identidade de velho ao aposentado. Imagem do
“velho”, “idoso” e “aposentado” aparece caracterizada pelo ócio e a disponibilidade em
virtude da vinculação à condição não-produtiva. Essa condição se transforma em hábitos,
comportamentos e expectativas novas que são confrontadas com o estigma da carga cultural
associada ao termo “velho”, transformando a aposentadoria em passagem simbólica para a
associação velhice/improdutividade/inatividade.
Entretanto, para o mais recente contingente de aposentados mais jovens, esse tempo de
‘ócio’ pela ausência de trabalho faz pouco sentido ser considerado improdutivo porque o ‘não
126
ter nada para fazer’ transforma-se em um espaço a ser realmente experimentado: período para
a realização dos sonhos, para elaborar um novo projeto pessoal. Nesse projeto, predominam a
reprodução de imagens das práticas das camadas médias assalariadas como meio de fugir da
identificação com as camadas populares. A aposentadoria para alguns grupos dessa categoria
de “idoso” é olhada como “ativa e independente associada à arte de bem viver” (PEIXOTO,
1998, p 75-76).
Na metáfora do “envelhecimento ativo e independente”, o tempo livre simboliza
práticas de atividades dinâmicas e autogeridas (‘integração’ e ‘autogestão’) onde a
sociabilidade aparece como a característica principal da representação do interregno entre a
aposentadoria e a velhice. Novamente, quando os aposentados passam a ser
indiscriminadamente chamados idosos da “terceira idade”, novas diferenciações foram sendo
necessárias. Então, aposentados com mais de 74 anos passaram a ser nomeados “quarta
idade”, e já se fala em uma ‘quinta idade’ (85 anos e mais).
Para a autora as designações da velhice no Brasil aproximam-se da França e datam do
final de 1960. Até então, o termo predominante “velho” (e até usado com carinho para
referir-se a pessoas mais novas) passa a ser substituído pelo tom respeitoso que carrega o
“idoso”. As “casas de apartamentos” para idosos e o “lar” para os velhos quebram a
ambigüidade do termo idoso para designar os velhos: “velho” é negativado pela aproximação
com o popular (‘lar’ e não ‘residência’) e com a externalização dos sinais do envelhecimento
e do declínio. Não obstante, e talvez , por isso, a categoria dos idosos se estende para todos os
ligados ao sistema previdenciário. O termo ‘velho’ foi praticamente encapsulado, juntamente
com aquilo que se aproxima da velhice “popular”.
Semelhante ao caso Francês, no Brasil, com a nova Constituição de 1988, a vinculação
da aposentadoria ao termo idoso levou a divisão entre produtores e não-produtores à revelia
da idade. Isso concorreu para a associação da aposentadoria à velhice - pela força desse
marcador para designar essa etapa para o repouso e tempo de ócio.
Embora não concordemos de todo, a “terceira idade” foi considerada uma espécie de
transplante, ‘decalque’, do vocabulário francês.
A rubrica terceira idade é fundamentalmente empregada nas proposições relativas à
criação de atividades sociais, culturais e esportivas. ‘Idoso’ simboliza sobretudo as
pessoas mais velhas ‘os velhos respeitados’, enquanto ‘terceira idade’ designa
principalmente os jovens velhos, os aposentados dinâmicos, como a representação
francesa. Não é por acaso que surge um mercado para a terceira idade: turismo,
produtos de beleza, [ ..]’ (PEIXOTO, 1998, p. 81).
Essas duas faces da velhice acompanham a produção dos gerontólogos e mais
recentemente geriatras e psicólogos, que sempre despenharam importante papel na idealização
127
das fases do curso da vida moderno. E foi da crítica interna desse campo médico que brotaram
os questionamentos à “teoria da atividade” e à “teoria do desengajamento” desse
“envelhecimento ativo”. Em ambas, o problema central gira em torno de atitudes em face de
‘perda’ de papéis sociais: por um lado, o “bem viver”: idosos felizes, ativos, realizando
atividades compensatórias, e, por outro lado, “saber envelhecer”: a entrega conformada à
condição de inatividade e isolamento ‘natural’ da velhice. Como bem expressa Debert (1999,
p.74), a velhice passa a ser uma questão de ‘convencimento’ para ser de um ou de outro tipo.
O significado de “terceira idade” quer dizer, sobretudo, adotar certos padrões de
consumo e expectativas que denotam um estilo de vida “jovial” diferenciado dos “velhos”. Os
aposentados, com a ampliação das camadas médias assalariadas (1960-1970), passam a
constituir “nichos” de mercado para a exploração de aptidões e aspirações de consumo e uma
moral individualista de ‘escolhas’ baseadas nessas realizações pessoais. São idosos da
“jovem idade”.
Hoje, é possível distinguir não somente diversas dessas idades “ativas” como a
mudança operada apresenta o perfil da preservação da “vontade de não envelhecer” que está
inculcada entre os mais velhos desde a “geração progresso”
24
. A exploração mercadológica
crescente de produtos e serviços, de formas diversas, gratifica os esforços necessários à
realização dessa “vontade” para aproveitar “bem” e “melhor” a vida. Provavelmente, por
essas razões, alguns grupos nascidos próximos a 1920, estando em 1970 na faixa dos 50 anos,
estiveram propensos a não se sentirem “velhos”, mas da “terceira idade”; conservando o
ideário da autonomia e independência ou até mesmo da idéia de que o trabalho possa ser
ilegítimo para eles (época para realização de sonhos). É possível, ainda, que quase-grupos ou
grupos dessa mesma geração, que em 1990 completava setenta anos, inclinem-se a dissociar a
velhice do fim da atividade e da aposentadoria (DEBERT, 1999, p.80) como estratégia de
demanda de indicadores de independência funcional.
Após 1970, várias defesas são desenvolvidas por gerontólogos, antropólogos,
psicólogos, sociólogos e outros especialistas sobre a necessidade de articulações para fixar o
“envelhecimento ativo” segmentando a velhice.
a velhice é um problema por si só, capaz de sobrepor-se a diferenças socioeconômicas
e étnicas. Nesse caso, a tendência é propor novos recortes em estágios de
envelhecimento, com base na idade e no nível de independência funcional dos idosos
[...] Neste sentido, novos recortes são propostos: jovens idosos (65-75); idosos-idosos
(acima de 75 anos), como que Uhlember (...); ou, ainda, idosos mais idosos (mais de
85 anos) como sugere Johnson (...), dariam ao envelhecimento recortes
diferenciadores mais significativos (DEBERT, 1999, p.93).
24
Áries, F. , 1983. em “Une histoire de la vieillesse?”. Communications, n.37 fala dessa geração situando-a no final
do século XIX até metade do séc.XX..
128
Nas sucessões de idades, as diferenças entre esses indicadores de independência
passam a constituir limites “classes de idades” que tendem a reduzir os limites das diferenças
para dez anos, e denunciam as dificuldades para lidarmos com a diversidade e com a
pluralidade das representações do sistema etário. Nesse sentido, a imagem do “idoso em
crise” de autonomia ou independência privilegia a articulação da idade cronológica para
marcador de diferenciação e hierarquização social. Em contrapartida, existem os que alertam
que a idade é mecanismo de controle e reprodução dos analistas sociais que podem alimentar
estereótipos legitimando as políticas públicas. Estudos como os de Thompson
25
, afirma
Debert, (1999), consideram que o processo contínuo de reconstrução da identidade seria mais
importante que as questões de avanço da idade. Tentam rever as representações
estereotipadas sobre o idoso em “crise” da sociologia sobre a velhice (doença, pobreza,
dependência e passividade, e do idoso como doente, isolado, abandonado, alimentado pelo
Estado), e considera que nem mesmo raça, moradia e classe social comportam a complexa
diversidade das experiências individuais. Essa postura parte do princípio que as sociedades
atuais exercitam a intensificação do controle tomando por base a idade cronológica e a
fantasia da imagem que a velhice pode deixar de ser um problema.
No âmbito da produção, acentuam-se as mudanças relacionadas à informatização, à
velocidade na implementação de novas tecnologias e à obsolescência das técnicas de
produção e administração. Isso teria proporcionado efeitos sob as relações entre grades de
idade e as carreiras, na proporção em que os conhecimentos adquiridos anteriormente, com
freqüência, tornam-se até uma barreira para a abertura e adaptação às inovações. Esse
distanciamento entre experiência e conhecimento acumulado estaria pondo em cheque,
inclusive, os sentidos de “maturidade” auferidos ao envelhecimento como acúmulo de
experiência e conhecimento e sabedoria.
As complexas mudanças na estrutura do emprego implicaram alargamento das
camadas medianas assalariadas que provocaram novas questões e expectativas com respeito à
aposentadoria que passa a incluir, progressivamente, pessoas com idades mais jovens. Trata-
se de um processo de desorganização desse momento de “passagem” para velhice como um
meio de garantia da subsistência daquelas pessoas que, em virtude da idade, são julgadas
inaptas para realizar um trabalho produtivo. Os aposentados não necessariamente são mais
avaliados sem condições para o trabalho produtivo; ao contrário, após 70, elaboram-se
25
Estudo citado como exemplo é de Thompson, Paul; ITZIN, Catherine & ABENDSTERN, Michele (1991) I Dont´t
Feel Old: The Experience of Later Life. Oxford, Oxford University Préss. .
129
estratégias para adesão ao potencial produtivo e benéfico - individual e social - da atividade
e do lazer após a aposentadoria.
Carvalho (2002, p.74-78) defende que, na última década do século XX (em especial
entre 1991-1998), a sociedade brasileira registra um intenso processo de aposentadoria dos
servidores públicos com idade média de 56 anos – as mulheres se aposentam
predominantemente com 54 anos e os homens com 56 anos - “uma população ainda não
sexagenária e distante de ser considerada como idosa, aceitando-se a delimitação de 65 anos
para essa denominação”.
Mesmo sendo uma “terceira idade” mais identificada com a mulher, podemos
considerar que a inversão de alguns traços negativos que afetam o horizonte do
envelhecimento tornou-se possível graças à possibilidade de alguns ‘idosos’, após a década de
70, livrarem-se do destino isolado do ‘aposento’. Esta condição da emergência da chamada
“terceira idade”
em muito esteve imbricada nas alterações das relações entre o que se entendia
por “maturidade”, “velhice” e “meia-idade”. O que ajuda a esclarecer, inclusive, mais um
motivo por que a “terceira idade” é considerada feminina em um quadro em que a
aposentadoria ainda faz parte do mundo masculino
26
. Na ‘cronologização das idades’, o lugar
biológico da mulher na família, no casamento e na reprodução é extremamente simbolizado, o
que tornou a interrupção da fertilidade um marcador da velhice feminina tão importante
quanto a aposentadoria para masculino mundo adulto do trabalho.
Entendida pela maioria dos estudiosos da sociologia e da antropologia da velhice e da
geriatria e gerontologia como uma nova fase da vida, ou uma etapa do envelhecimento para
quem não-é-velho, mas, sim, “idoso”, em virtude do contexto de sua emergência, já pode ser
concebida como limites de posições relativamente abertos de estilos de vida. Podendo ser lida
à luz da pluralidade das diferenças de posições de idades. Isso indica que em sua emergência
já não havia muito espaço para uma correlação transparente e necessária entre a “idade” e o
conteúdo específico da posição de sujeito da “terceira idade”. De forma semelhante ao
tratamento dado à “juventude”, teve-se que levar em consideração a sua condição construída,
contingente e ambígua no sistema de diferenças das idades. Para isso, o discurso feminista
26
Lenoir, diz Debert (2000), mostra que, “na França, a partir dos anos 70, um novo mercado da previdência é criado,
transformando os fundos de pensão em agências financeiramente poderosas que, na condição de estarem entre os
maiores investidores institucionais, têm o poder de ditar as regras e os ritmos dos mercados financeiros. A
concorrência entre esses grupos financeiros leva-os não apenas a assegurar um rendimento mensal aos aposentados,
mas também a oferecer uma série de outras vantagens e serviços, tais como férias, clubes e diferentes tipos de
alojamento. Empregando profissionais em diferentes áreas de formação, na pesquisa das condições de vida e das
necessidades dos velhos, essas instituições contribuíram ativamente para a invenção da terceira idade e inspiraram o
trabalho com essa categoria em outros contextos, como no caso brasileiro”.
130
muito contribuiu com suas teorias e suas análises das práticas de diferença de sexo, classe e
gênero, que puderam ser articuladas às idades.
3.2.2 Feminismo, Envelhecimento e Jovem Idade
Consideramos a “invenção da ‘terceira idade’” efeito da fragmentação da “velhice”.
Entre os fatores favoráveis à sua emergência incluímos o aumento da expectativa de vida, a
ênfase na valorização da linguagem, das representações juvenis, a criação da Universidade
para Terceira Idade na França e a política do feminismo, no final de 1960 a 1980. O conjunto
desses fatores contribui para a valorização da “jovem idade”, também nas fronteiras das
idades da “maturidade” com a “velhice”, e são cruciais para a reordenação das idades centrais
na década de noventa
27
. Reflexos dessas discussões são sentidos nos significados dos
conceitos de “geração”, “juventude”, “maturidade” e “terceira idade”, na marcação das ‘fases’
e na dissolução e resolução de algumas posições nas fronteiras dessas ‘fases’
Entre a visibilidade da terceira idade e o movimento feminista, há muitas histórias que
justificam se dizer que esta é uma idade para mulheres no limiar da velhice. As demandas dos
chamados grupos da “terceira idade” passaram (e passam) por temas da agenda feminista
(sexo, reprodução, papel da mulher na sociedade, na família e na intimidade), como também
influenciou vários grupos de idades mais novas. Transformadas em problemas sociais, as
questões que passam por esses temas foram em boa parte tratadas em termos de política de
defesa de identidade, onde se procura redefinir as relações de poder e dar destaque às
diferenças culturais. Isso foi possível pelo foco de a discussão incidir na relação sujeito e
intersubjetividade como prática teórica. As políticas públicas de organização da “terceira
idade” demandam justamente a autoconstrução dessa identidade do envelhecimento
focalizado na “autogestão” (DEBERT, 1999).
Hall (2003f), em avaliação desse momento de influências do feminismo sobre os
estudos culturais do Centro de Estudos Culturais, em Birmingnam
28
, comenta que além dessas
provocações o feminismo recoloca as relações entre psicanálise (inconsciente), linguagem e
cultura reacendendo a noção de ‘agência’. Segundo Escosteguy (2004, p. 151), as principais
questões que medeiam o debate referem-se à relação entre subjetividade e intersubjetividade
(retorno do sujeito), e à “integração de novas modalidades de relações de poder na
problemática da dominação”.
27
Os autores que mais de perto trabalhamos com a “terceira idade” foram Debert (1988, 1998, 1999, 2000, s/d),
Néri (1991), Peixoto (1998) e Groisman (1999).
28
Hall esteve no Centro entre 1964-1979, inclusive o dirigiu por muitos anos.
131
As questões referentes às identidades são repensadas ampliando e diversificando
elementos da cultura de classe e sua transmissão geracional. Somam-se a estas posições as
questões de gênero e, logo após, de raça e etnia. São freqüentes, na década de 80, as pesquisas
sobre cultura de massa/ideologia/consumo popular, sendo o ponto predominante entre elas o
foco nas relações de poder, ideologia e resistência, a exploração do “potencial de resistência e
a significação de classe” (ESCOSTEGUY, 2004, p. 153). Nos estudos sobre diferença cultural
prevalecem, desde o início, os temas da dominação, hegemonia e distribuição do poder e a
centralidade, e o sentido das relações sociais na produção da diferença e da sua historicidade
(HALL, 2003f).
Com a bandeira “o pessoal é político”, como movimento social ou como crítica
teórica, o feminismo provocou um grande impacto sobre o que veio a se chamar de “política
de identidade” ou “política de autenticidade” (JOHNSON, 2004; SEMPRINE, 1999; HALL, (
Ibid.). Ao seu lado, encontramos as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contraculturais
e antibelicistas, as lutas pelos direitos civis, os movimentos revolucionários do ‘Terceiro
Mundo’ e os movimentos pela paz. Toda essa mobilização apresenta como características bem
gerais: a ênfase e forma cultural acentuadas; ilustram a debilitação no domínio da entidade
“classe política” e das suas organizações de massa e a sua fragmentação em movimentos
sociais distintos; e o apelo a uma identidade social para cada movimento. Assim, o
“feminismo” clamava às mulheres, a “política sexual” aos gays e às lésbicas, as “lutas raciais”
aos negros (HALL, 1999, p.45) e, se se pode acrescentar, as “contraculturas” e “subculturas”
à juventude.
Esses movimentos, que ficaram conhecidos como “novos”, refletiam uma tendência
que se acentua nas últimas décadas, para a multiplicação de pontos de ruptura paralelos à
crescente burocratização da vida social e à proliferação de antagonismos (em grande parte
efeitos do processo de “comodificação” nas sociedades modernas avançadas). Entretanto, a
particularidade desses antagonismos, é que “cada um deles tende a criar seu novo espaço e a
politizar uma área específica de relações sociais” (LACLAU, 2002, p.6), como constata
Debert (1999) com relação à “terceira idade” no Brasil.
Essa particularidade, de acordo com esse autor, concorre para que a dimensão do
limite do imaginário político não seja constituída segundo um modelo de totalidade da
sociedade, mas se restrinja a certas exigências e relações específicas de cada movimento. Tais
exigências pressupõem, no após II Guerra, as alterações na noção de um poder centralizado e
unificado para a sua fragmentação e dispersão (discutido por Foucault), ao lado da tendência
132
às redefinições da identidade com relação à subjetividade e ao conjunto da vida social em que
se referencia.
Como é mostrado no discurso sobre a JIM, a ‘Revolução Feminina’, a partir dos anos
70, traz na pauta as buscas por redefinições da identidade sexual e de conflitos interpessoais
(“Guerra dos sexos”) colocadas no terreno político que transforma as relações de poder. As
investidas, para a construção de uma nova cultura feminina e masculina, problematizam
questões importantes relacionadas ao modelo ocidental implícito e incontestado da autoridade
do mundo superior, branco, ocidental, adulto e viril (HARAWAY, 2000).
Morin (1986) escreve na década de setenta sobre uma “revolução cultural” em curso
que, através do discurso, clama pela valorização da subjetividade e que implica o
desenvolvimento de um novo modelo de relação masculino-feminino, baseado no valor
‘pessoal’. As questões femininas e de diferença cultural são colocadas sobrepostas às
problemáticas da sexualidade e de gênero; dez anos após, os gays (e as lésbicas) postulam as
suas questões em termos equivalentes. Dessa nova cultura baseada na “ética do cuidado”,
possivelmente emergiria um ‘novo’ modelo de homem, contrapondo-se à “ética da justiça”
(masculina e liberal)
29
.
Para Mouffe (1996, p. 107-116), essa “luta política se estendeu ao se concentrar nos
pontos que distinguem as mulheres dos homens: amor, amizade....passando pelas relações
entre mãe/filho, homem/mulher, cidadania sexual, grupos diferenciados”. Lembra que a luta
contra a “exclusão” não afeta somente as mulheres, mas vários outros grupos sociais com base
em diferenças de etnia, de raça, de sexo, de idade, de capacidade. Desse modo, como
esclarece Hall (1999), extrapolou seus limites iniciais de contestação da posição social das
mulheres, abrindo-se às demandas em novas zonas da formação de identidades: como a
família, o trabalho e profissão, a divisão doméstica do trabalho e o cuidado com as crianças.
A construção da identidade etária “terceira idade”, entre 1970 e 1980, não pode se
esquivar às marcas de uma nova concepção de política e de subjetividade, que balança entre a
“morte do sujeito” e sua ressurreição como sujeito agente. Esse momento coincide com a forte
influência do novo pólo de produção e circulação de cultura Estados Unidos da América, que
coincide com o deslocamento da cultura erudita para o popular, o aumento da expectativa de
vida e com a juvenilização da sociedade. Fatores que tocam de perto a relação entre
29
“Aqui cumpre lembrar que, de maneira crua, espontânea, ingênua, a revolução cultural ocidental esboça ou pede um
contramodelo: à civilização viril do homem branco adulto opõe uma civilização em que seriam vividos e honrados os
valores efetivamente femininos: natureza, amor, paz. É talvez aí, isto é, na fonte do neo-feminismo, mas diferente dele,
que se podem encontrar os germes ideológicos de uma complementaridade entre o feminino e o masculino, em que
este também reencontraria e estenderia sua própria parte feminina” (MORIN, 1986, p.163).
133
feminismo, inconsciente, cultura e linguagem. Bem entendido, cultura sendo pensada aqui
como uma “área de deslocamento” discursivo.
A metáfora do discursivo, {...] representa um adiamento necessário, um
deslocamento, que acredito estar sempre implícito no conceito de cultura. Se
vocês pesquisam sobre a cultura [...] Há sempre algo descentrado no meio
cultural na linguagem, na textualidade, na significação; [...] que
constantemente escapa e foge à tentativa de ligação, direta e imediata, com
outras estruturas. E ainda, simultaneamente, a sombra, a estampa, o vestígio
daquelas outras formações, da intertextualidade dos textos em suas posições
institucionais, dos textos como fonte de poder, da textualidade como local de
representação e de resistência [...] (HALL, 2003f, p. 111-112).
Segundo Žižek (1993), Kristeva
30
, partindo da proposição de Lacan la femme n´existe
pás, defende que a produção da subjetividade humana não pode ser entendida fora da
linguagem e da cultura e está sempre em processo, nunca é completamente fixada. A
subjetividade humana faz parte de uma ‘realidade’ que possui uma fissura que não pode ser
simbolizada e, nesse aspecto, a preocupação das autoras feministas era produzir um texto que
não fechasse essa clivagem, tornando a escritura feminina uma forma de escrever mais
volátil, móvel, lúdica.
O esforço era para que o texto rompesse com as estruturas da linguagem “falocêntrica”
para que fosse por si mesmo transformador, embora muitas diferenças se apresentassem entre
as relações de gênero e classe. Essa mesma tendência de legitimação da linguagem estendeu-
se para alguns discursos relacionados à raça. Encontramos algumas contestações feministas
negras que são usadas como estratégias culturais e textuais de aquisição de poder,
precisamente porque a posição crítica que elas ocupavam estavam livre das polaridades
invertidas de uma contra-política de ‘exclusão’. Bhabha (2001, p.249) mostra que elas nunca
estiveram obcecadas por uma imagem única ou por legislar quem fala sobre o assunto, ou,
ainda, por policiar as fronteiras que separam ‘nós’ e ‘eles’.
A crítica negra, sobremodo pós-colonial (BHABHA, 2001; HALL, 1993), tem
defendido o restabelecimento das tradições vernacular e oral negras indo além das formas
européias dominantes. Como no “texto das mulheres”, o efeito do pós-estruturalismo e da
desconstrução teria direcionado essa crítica para a consciência da diferença e da diversidade,
em vez da identidade. Esses trabalhos têm avançado para o questionamento e a consciência
das várias diferenças culturais onde se arranjam as relações para a constituição dos processos
de identificação e des-identificação que produzem a subjetivação ressuscitando o(s) sujeito(s)
agente(s) no discurso da diferença cultural.
30
Julia Kristeva, Luce Irigaray e Hélène Cixous valeram-se da reelaboração lacaniana da psicanálise de Freud para
buscar como se constrói a identidade da mulher no texto.
134
Os processos interativos e relacionais, que dão sentido à vida social, apresentam o
nascimento de um novo tipo de ‘individualidade’ e solidariedade que tentam se afastar das
continuidades estabilizantes. As novas construções discursivas sobre a constituição da
identidade roubam da psicanálise a idéia de que a personalidade não se estrutura em torno de
um ego habitado por um sujeito que servia de fonte de sentido para a significação do mundo
e da vida. A estruturação da personalidade se dá em vários níveis, distante da conscientização
e da racionalidade dos agentes. Essa “remoção” da centralidade do sujeito levou a uma
inversão da noção clássica de subjetividade, deixando esse sujeito de possuir o significado do
mundo e de si mesmo, passando-se a valorizar as posições de sujeito ocupando diferentes
locais no interior de uma estrutura discursiva. Numa formação, os sujeitos que ocupam esses
lugares no discurso são concebidos como uma pluralidade dependente das várias posições de
sujeito, através das quais o indivíduo é constituído nas várias formações discursivas
(LACLAU,2003; ŽIŽEK, 1993)
31
.
Por essa perspectiva, as vicissitudes do sujeito têm sua própria história que
encontramos em episódios-chave de passagem desses tempos, em meados do século passado,
que Hall (1996) chama de “Novos”. Entre estes teríamos aqueles que vimos considerando
como contexto para o deslocamento na ordem das idades 1. a revolução cultural dos anos
60, particularmente 68 2. o slogan feminista O Pessoal é político questionando a relação
‘interior’ e ‘exterior’ 3. a psicanálise e a redescoberta das raízes inconscientes da
subjetividade e 4. as revoluções teóricas dos anos 1960-1970 com sua atenção na linguagem
e na representação (a semiologia, o estruturalismo e o pós-estruturalismo). Em especial, a
dimensão do retorno do subjetivo estaria sugerindo a necessidade de um discurso que
desrespeitasse as velhas distinções entre as dimensões objetiva e subjetiva dos processos de
mudança (HALL, 1999).
Um problema citado pelos críticos dessa postura (ESCOSTEGUY, 2004) é que: uma
vez que a classe social perdeu o valor como conceito crítico para a construção de identidades,
o foco pode deslocar-se para os problemas da subjetividade e da intersubjetividade, e para os
textos culturais e midiáticos que ocupam os domínios privado e doméstico, aos quais se
31
Por considerar que todas as distinções deveriam ser meramente diferenciais, foi possível pensar uma teoria
lingüística em que o sujeito não constitui a ‘fonte’ de significado. O sujeito passa a ser tomado, segundo Laclau
(1993), como uma posição particular dentro de uma totalidade significativa importando como é ‘determinado’
(pela maneira como as instituições são estruturadas, pelo que é sensível em certos contextos, etc. ordena as
sentenças) e não como uma expressão da vontade de um sujeito inteiramente autônomo.
135
dirigem
32
, concorrendo para que o centro da “resistência” se perca no poder cultural,
incluindo o consumo.
No que pese a pertinência do alerta aos prejuízos que podem levar à ênfase do poder
da cultura e da mídia, do subjetivismo e da individualização, vale uma breve observação de
fundo à análise cultural
33
. Temos que levar em conta a tendência já indicada que vem
predominando nas últimas décadas da multiplicação de pontos de ruptura, provocados por
demandas por identidade, paralelos à crescente burocratização da vida social e à proliferação
de antagonismos. As lutas feministas por liberdade sexual, ecológicas, contra a violência, pela
maioridade penal, contra instituições ou de grupos marginais, para Laclau (2002, p. 6-7),
“conduzem a uma politização direta do espaço no qual cada uma delas foi constituída”
trazendo efeitos locais. As práticas feministas e suas elaborações teóricas, além de produzir
“novos objetos” de estudo (nas identidades sociais, nas subjetividades, na popularidade e no
prazer), obrigam a rever os “velhos objetos”.
As influências do feminismo e do anti-racismo vêm se expandido sobre formas do
trabalho cotidiano onde se tem reconhecido que os resultados produtivos dependem de
relações baseadas em um apoio mútuo que representam novas formas de solidariedade
necessárias ao sentido de continuidade da vida cotidiana (JOHNSON, 2004).
Assim, o conjunto das agendas mobilizadas pelo feminismo, em suas esferas de ação
teórica, pedagógica e prática, vem possibilitando, inclusive, uma extensão global para
milhares de mulheres que passaram a assumir e enriquecer esta ‘bagagem’ (ou partes dela)
como parte das práticas de suas vidas (BASSIT, 2000). De qualquer modo é indiscutível a
importância das problemáticas trazidas por esses estudos que privilegiam a pluralidade e a
diferença cultural, a construção discursiva e prática de processos subjetivos e intersubjetivos e
o lugar da agência, do simbólico e do poder nas relações sociais. A ‘invenção’ da “terceira
idade” refletiria algumas dessas mudanças?
Em geral, na concepção da “terceira idade”, subjaz a idéia de que os ‘anos a mais’ a
serem vividos na “velhice” tendem a eleger as idades situadas entre o fim da vida, até então,
considerada útil (aposentadoria 55 – 60/65 anos e menopausa 45-55 anos), e aquele período
mais próximo das idades mais velhas (de 65 a 70 anos). Uma parte da população com essas
idades, consideradas mais vizinhas da “meia-idade” e, sobretudo feminina, vai ser objeto da
32
Na crítica de Scosteguy (2004, p.153), ao mesmo tempo em que prevalece essa tendência, nos anos 90, verifica-se
um deslocamento para uma metodologia que limita a interpretação àqueles casos nos quais se vêem os ‘participantes
capacitados e que tira a atenção das estruturas’.O foco da atenção na ‘resistência’, com a implicação em uma operação
momentânea ou estratégica, foi substituído por uma ênfase no exercício do poder cultural como característica contínua
da vida cotidiana’.
33
Ver Mattelart e Neveu, 2004, Semprini, 1999.
136
atenção e intervenção de setores públicos e privados com diferentes intensidades e
necessidades. O trabalho de legitimação e de institucionalização do envelhecimento estimula
formas reguladas de sociabilidade que concorrem para orientar os diferentes estilos de vida,
associados às escolhas de formas de consumo diversos dos grupos etários específicos situados
entre 50/55 – 60 anos (DEBERT, 2000).
A construção de um imaginário que informe sobre a condição de envelhecimento
“terceira idade” pressupõe a existência de uma “comunidade de aposentados”
34
(LASLETT,
1987), com peso significativo na sociedade, formada por agentes ativos evidenciando dispor
de saúde, independência financeira e outros recursos apropriados para tornar ‘reais’ as
expectativas de realização e satisfação individual, e de reação à negatividade da ‘velhice’
como degeneração biológica e mental que impede a produtividade social (FEATHERSTONE;
HEPWORTH, 2000).
Trata-se de um deslocamento do envelhecimento que remete aos efeitos de
descentralização e à fragmentação nas fronteiras que correspondem à ‘velhice’ e à ‘idade
adulta’ (60/65 – 25/30 anos) no sistema de ‘cronologização das idades modernas’. A demanda
por necessidade de uma certa consciência da aceitação e de resistência à inevitabilidade da
degeneração biológica e mental impregnada nos poros desse deslocamento somente vai ser
mais visível no discurso em 1990. Quando se torna explosivo o crescimento do mercado de
bens e serviços, destinados a essas idades, a criação de uma nova linguagem em oposição às
antigas formas de tratamento dos velhos e aposentados.
De acordo com Debert (1999), é possível registrar os signos do envelhecimento
invertidos e assumindo novas designações: “nova juventude”, “idade do lazer”. Também a
“terceira idade” substitui a “velhice”, a aposentadoria, o asilo passa a ser chamado de centro
residencial, o assistente social de animador social, e a ajuda social ganha o nome de
gerontologia. Há um movimento de inversão nos signos da aposentadoria passando de um
estágio de descanso e recolhimento para tornar-se um “período de atividade de aprendizagem
para melhor integração social e lazer” (DEBERT, s/d. p.12 http).
34
Muito embora uma “comunidade” desse tipo seja sociologicamente uma categoria complicada para ser identificada
no trabalho empírico, havemos de pressupor alguma coisa que se assemelhe ao que Hall [2004(e)] considera necessário
para que a diferença cultural seja inteligível e traduzível aos agentes, uma espécie de “comunidade interpretativa” onde
a total transparência do sentido não estaria garantida nunca. Questiona-se o lugar da cultura como um “objeto de
conhecimento empírico”, para se reconhecê-la na perspectiva da “diferença cultural” como um processo de sua
enunciação como “conhecível, legítimo, adequado para a construção de sistemas de identificação cultural. Como
sugere Bhabha (2001), na mesma direção, a “diferença cultural refere-se a um processo de significação através do qual
afirmações ‘da’ cultura ou ‘sobre’ a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força,
referência, aplicabilidade e capacidade”. Trata-se da “necessidade de pensar o limite da cultura como um problema da
enunciação da diferença cultural” (p. 63).
137
Poderíamos tomar esse quadro como um momento importante do processo geral de
envelhecimento ressignificando parte das idades pressionadas pelo alargamento das fronteiras
e pelos demais movimentos já aludidos, que particularizam o final dos anos 60 e que
favorecem a queda de marcadores de ‘fronteira’ da aposentadoria. Mas que favorece, da
mesma forma, a ruptura com outras posições hegemônicas que não são simplesmente
invertidas como ilustram a menopausa e a aposentadoria e que podiam nem parecer tão
importantes para a ordem das idades.
No âmbito das complexas relações familiais, pode-se dizer que os movimentos nas
fronteiras das idades entre 30-69 anos muito têm a ver com as vinculações entre o
prolongamento do tempo de vida e a coexistência de mais de duas gerações. São notáveis as
transformações que implicam alterações no espaço doméstico e nas relações de parentesco e
de intimidade entre homens e mulheres que esbarram em debates do movimento feminista e
que desarticulam as convencionais definições de fronteiras de idades: casamento,
maternidade, separação, composição de novas formas de unidades domiciliares, etc. Alega-se,
por exemplo, que as idades cronológicas são irrelevantes para as relações de parentesco, pois,
“mais do que mudança de uma forma para outra”, há mudanças que indicam a diversidade de
idades para o casamento, o nascimento de filhos, e as diferenças entre as idades de pais e
filhos e na sucessão familiar.
As obrigações familiares tenderiam a se desligar da idade cronológica. A
mesma geração, em termos de parentesco, apresenta uma variedade cada vez
maior em relação à idade cronológica (mães pela primeira vez aos 16 e aos
45 anos), e gerações sucessivas, do ponto de vista da família, pertencem ao
mesmo grupo de idade como, por exemplo, mães e avós na mesma faixa
etária (DEBERT, s/d p.13. http).
A formação de uma unidade doméstica independente pode ocorrer em qualquer idade
sem marcar, necessariamente, o início de uma nova família, de forma que pessoas de idades
cronológicas muito distintas podem ter uma experiência similar em termos de situação de
moradia. Observe-se o quanto se torna cada vez mais complicado, em virtude das
descontinuidades e da imprevisibilidade que marcam as decisões, proceder às comparações de
narrativas das posições de várias trajetórias de vários eus, e dos atrasos e adiantamentos de
cada especificidade dos calendários etários, e a variação de seus momentos diferenciais ao
longo do esforço para a narração das experiências e sonhos passados e presentes.
Não se pode desconsiderar que as movimentações nesses limites são perturbadas pelo
aumento de anos na expectativa de vida e pela fragmentação e mistura das idades, que dilatam
o significado de “geração” na face contemporaneidade e comprimem a face coetaneidade, -
138
embora intensifique o senso de proximidade pela pulsação da pontuação dos grupos definidos
por unidade etária nas várias posições (borrando o calendário “classe de idade”). Esses dois
signos de geração são indicativos de comprometimentos que afetam a autoridade adulta, no
domínio familiar e no seu foro íntimo, nas relações de gênero e parentesco entre pais e filhos
e do casal, favorecendo no relaxamento das responsabilidades assumidas em função das
exigências da maturidade
35
e da autoridade da posição adulta (FORQUIN, 2003), perguntando
pela sua suposta independência e autonomia.
Essa tendência se intensifica na metade dos anos 90, na construção do discurso sobre
a JIM, com a hegemonia da medicina na sistematização e na valorização dos ‘anos a mais’
ganhos, oferecidos pelas ciências médicas e biológicas, além dos já conquistados pelo
processo civilizatório refletidos na esperança de vida e dos processos de incorporação
corpo/mente/idade/cultura.
Os movimentos das idades são dinâmicos e pouco previsíveis, seguem direções muitas
vezes a contrapelo da tendência ao freio das idades mais velhas. Scott (2002) mostra
adolescentes grávidas que se sentiram estimuladas à maternidade, pela positividade gerada
nos últimos anos nas idades mais velhas. Veremos, também, com Posterman (1999) e Furedi
(2004) e Martins (1997), que cresce o contingente dos chamados adultos jovens - ‘kindults’ -
relutantes em amadurecer e esforçados na onda “retro” que torna um passado muito recente
em tempos saudosos, e de ‘criança adulta’ que tende ao amadurecimento precoce.
O lugar simbólico da “terceira idade” quando emerge não absorve diretamente a
conotação negativa que poderia carregar os termos “velho” e “velhice”. Isso muito se deveu
ao processo de jovialização da sociedade, ao efeito de valorização da “jovem idade” e a
dilatação das fronteiras das idades, também, em função do prolongamento da vida.
Debert (2000, 1999) mostra que, no Brasil em 90, foram implementados vários
programas para idosos universidades para terceira idade, “grupos de convivência de idosos”,
“escolas abertas”, que têm como características principais “encorajar a busca da auto-
expressão e a exploração de identidades de um modo que era exclusivo da juventude, abrindo,
35
No exemplo citado acima de Debert, gostaríamos de observar que, se as obrigações da maternidade entre as
mulheres atingem mais facilmente as adolescentes de 16 anos, isso não significa que o signo idade cronológica não
sirva mais como referencial. O que, talvez, ele perde é a sua vinculação mais imediata a uma determinada posição
unificada da reprodução feminina. Como mostrou Parry Scott (2001), é possível que outros elementos da reprodução
sejam articulados pela idade entre grupos de adolescentes, deslocando o limite em direção a um outro ponto de
identificação (nesse estudo, a atração pela positividade das idades mais maduras) e marcando nova diferença na
maternidade entre mulheres de 16 e 45 anos.
139
assim, espaços para uma experiência inovadora de envelhecimento [...]”
36
(2000, p.303).
‘Meia-idade’, ‘terceira idade’, ‘aposentadoria ativa’, não são considerados por Debert (2002,
p.304) interlúdios maduros entre a idade adulta e a velhice, mas etapas que marcam
experiências do envelhecimento. A compreensão desse ponto é crucial para nossa proposta de
interpretação do discurso sobre a maturidade (JIM).
Na década de 80, torna-se visível a qualificação de alguns “idosos” e de alguns grupos
geracionais “maduros” pelo potencial para aprender e experimentar (traços da juventude),
desenvolvendo novas formas de sociabilidade e autogestão (DEBERT, 1999; PEIXOTO,
1998; MENDES DA SILVA, 1996). Essa imagem do envelhecimento, como “negação” da
doença e da degeneração física e mental (DEBERT, 2000, s/d), acompanha uma
correspondente alteração na positividade do “bom” envelhecimento longevo que prevalece
nos anos 1990 - viver mais e melhor. A especificidade de sua configuração, sobremodo a
partir da metade dessa década e na passagem para o século XXI, está em que: a construção
desse limite “‘idoso’ da ‘terceira idade’”, com ênfase na “autoprodução” e na “autogestão”,
servirá como referência para a constituição do imaginário de simbolização “jovem idade” no
contínuo da reprodução vital que, como analisamos, sublinha o amadurecimento.
O mais específico desse processo envelhecimento das idades da maturidade é a
exploração e valorização de elementos internos (subjetividade) e as práticas e relações de
“cura” articuladas à “jovem idade”.
Quando esses signos do ‘rejuvenescimento’ facilitam o reordenamento desse espaço
central do curso da vida na temporalidade ‘contemporânea’, acentuam-se as redes de
equivalências dos sentidos do sistema discursivo favorável à construção das idades JIM,
tornando claro a negatividade do social.
Porém, através de quais textos podemos nos endereçar para proceder análises sobre a
construção da positividade de um “novo” amadurecimento - as articulações de sentidos sobre
a ‘jovem idade madura’?
36
“[...] na medida em que a visibilidade conquistada pelas experiências inovadoras e bem-sucedidas fecha o espaço
para as situações de abandono e dependência funcional próprias do avanço das idades”, conclui adiante Debert.
140
CAPÍTULO 4 O UNIVERSO DA PESQUISA
4.1 Os Três Principais Momentos da Análise
Nesse ponto abrimos para análise o conjunto dos textos-amostra selecionados.
Buscamos trabalhar os fios que tecem a configuração JIM, que requerem articulações de
elementos chaves, que perpassam boa parte do corpus para a construção de uma certa unidade
àquela configuração. Desdobramos esse movimento em três momentos, quais sejam:
a. A Re-inscrição e a construção da fronteira. Perseguimos os efeitos dos
deslocamentos do curso da vida moderno na constituição das cadeias estruturantes da
significação da JIM - juventude, rejuvenescimento, envelhecimento, maturidade,
contemporaneidade, geração, modo de vida, autoconstrução, longevidade, saúde e doença ,
acentuamos como se tenta inscrevê-las através de signos de referências internas em
equivalência à “maturidade” e “idade”. É importante observar como trabalham para a
autorização da ‘jovem maturidade’ ou ‘antienvelhecimento’, explicitando as regulações para
as relações de idades do “corpo” e da “mente” em espaço cronológico antes equivalente a
grupos “classes de idades” e “fases” distintos: para “adultos”(as), “idosos”(as), “terceira
idade” e “velhos(as)”. Dedicamos o espaço do capítulo 5 para essas relações.
Nessas zonas de esvaziamento dos significados da “maturidade adulta” e dos signos da
“velhice”, associados à doença, morte, a perdas, como estão se reordenando as fronteiras para
a diferenciação do amadurecimento rejuvenescido? Qual a forma de sistematização das idades
num contexto de “ganhos” de mais anos para viver? Até onde prolongar a vida
rejuvenescida?
b. A construção do horizonte imaginário e limites para ‘decisões’. O foco reside na
organização dos signos da rede ‘autoconstrução’ em equivalência ao significante
“maturidade” (universal) para a sistematização das regulações das formas de escolhas e dos
atos de decisão, e a eleição e ordenação dos signos de referência de constituição do “interior”
dos agentes. A questão que clama resposta é: como as possibilidades de escolhas e decisões
vão sendo restringidas pelos critérios e necessidades que orientam as negociações?
1
.
Esses momentos de identificação, de repetição da falta, composta por escolhas e
decisões em movimento de adesão e /ou resistência, são flagrados no “entre-tempo” e/ou na
1
Há momentos diferenciados de enunciação em que se tenta, explicitamente, indicar como os “atos de decisão”
se constituem no “entre-tempo”, fazendo aparecer o “agente” em defesa de identidade [imagens de lugares
constituídos por conjuntos de títulos T1, T2, ...T4 de uma edição (às vezes mais), com ou sem primeiro e último
parágrafo].
141
passagem do universal ao particular (e vice - versa). Buscamos os “pontos nodais” das teias
nas redes de posições de sujeito (e dos seus efeitos), constituídas pelos símbolos que
equivalem ao ‘horizonte’ de construção das subjetividades na configuração JIM (autonomia,
domínio, autêntico, “consciência presente” e hormese, ‘poder interior’, ‘idade da mente’)
metáforas da “mente incorporada” (mente (eu) e corpo), como analisados no capítulo 6
Como se relacionam os conjuntos de efeitos de ‘atos de escolhas’ que produzem a
simbolização da “mente incorporada”?
c. A figuração de limites de diferenciação de idades dos ‘sujeitos agentes’. Os “atos
de escolhas” e de “decisão” de alguns conjuntos de posições revelam os traços de identidade e
da diferença que emergiram nas relações construídas nos capítulos anteriores. São
consideradas as “escolhas” articuladas aos elementos que dão sentido às experiências e
relações de sexo e sexualidade, casamento, sociabilidade, maternidade e reprodução,
infantilização e beleza. Apresentamos resíduos do desenho do mapa das diferenças e
identidades da configuração ”rejuvenescimento” (30 a 69 anos). A que lugar pertenço nesse
momento? Chez vuoi? São questões importantes tratadas no capítulo 7.
Os textos ficaram livres para serem usados na construção de posições distintas. Os
seus agrupamentos por tema não devem ser entendidos como contendo fundamentos
determinantes de “classificação”. Trata-se de aproximações temáticas para dar uma certa
ordem aos dados com o intuito de facilitar os momentos de sistematização da análise. Da
mesma forma, a ordenação da análise em três partes é uma metáfora admitida em nome do
artifício que traduz o desejo de apreender e interpretar a objetivação do real.
4.2 A Opção Pelo Texto de Mídia e Procedimentos Para Análise
Sendo os momentos de re-inscrição e negociação
2
os focos a serem privilegiados no
discurso para a construção da intersubjetividade dos sujeitos agentes, uma categoria
discursiva de análise sobressai: “atos de escolha” e “atos de decisão”. Atos de sujeitos,
produzidos na passagem da universalidade da regra à decisão, por meio de “atos de
identificação”, que promovem a reordenação da identidade e da diferença na tensão
contingente da sobreposição entre o símbolo e o signo, entre o universal e o particular.
2
Bem entendido esse momento de negociação como inserção ou intervenção de algo que assume um significado
novo no intervalo temporal da representação, “situado no entremeio do signo, destituído de subjetividade, no
domínio do intersubjetivo” (BHABHA, 2001, p. 266). Pois, no nível do signo a relação é intersubjetiva; ‘signo’,
entendido como nomeia Derrida (2001): distância entre o significante e o significado.
142
Os “atos de escolhas” dos sujeitos, que encerram as “decisões” (posições de sujeito),
que delineiam as diferenças e as identidades, se baseiam em equivalência que situa os
critérios inteligíveis reguladores das escolhas e necessidades específicas (suplementos) para
identificação. Esses momentos não são apenas de re-inscrição da identidade do sujeito, são
também de luta ‘contemporânea’ para a revisão e intervenção cultural da autoridade da
regra, que produziu e produz a diferenciação. Questiona-se o conteúdo cultural da distinção e
a exclusão, para que se proceda à ‘re-inscrição’ simbólica do sujeito como “sujeito agente”.
Os atos de escolha não são decisões pessoais ou inteiramente individuais, são de natureza
coletiva.
Esses pressupostos (e categorias discursivas) orientam a questão primária desta
pesquisa: são as idades importantes para estabelecer diferenças e identidades na vida
contemporânea?
Quais as principais marcas dos “atos de decisão” nos vazios do “sistema de
cronologização moderno das idades”, que ecoam nos limites e fronteiras na reordenação das
equivalências das idades centrais?
Como estão se ordenando as principais redes de equivalências favoráveis às inscrições
nas fronteiras centrais da formação “ciclo da vida”?
Na luta por um nome na hierarquia simbólica do sistema de idades, quais as pistas que
apontam como os sujeitos se constituem agentes?
O conjunto dessas questões direciona o objetivo geral da pesquisa de buscar algumas
pistas em momentos no discurso em que os sujeitos, ao contribuírem para a construção de
suas identidades etárias, questionam o lugar desse posicionamento cultural. O que leva ao
objetivo específico de indicar pistas de que os “atos de decisão” e as “escolhas” produzem
imagens intersubjetivas ilustrativas de processos simbólicos de divisões e inclusão e exclusão.
As maiores dificuldades para desenvolver esta pesquisa decorreram da extensão da
problemática e da amplitude do objeto, bem como das dificuldades de mapear no terreno da
constituição de identidade liminar. A outra dificuldade incide diretamente no recorte para o
estudo e em problemas de aproximação empírica. No primeiro caso, limites de tempo para
desenvolver o tema no intervalo de quatro anos. As razões residem não apenas na
complexidade desse curso da vida e na sua importância em largos espaços de organização e
controle da vida política, cultural e social, transformações aceleradas, recentes e
momentâneas que desorganizam a vida contemporânea, e que não podem trazer ao lado senão
incipientes sistematizações de saberes, a organização de novas instituições, mudanças nas
143
formas de sociabilidade e nas experiências, acentuadas alterações nas hierarquias de valores,
que começam a ser demandados em múltiplas e diferentes portas.
A discussão sobre os vazios na estrutura do curso da cronologização da vida moderna
é um problema da repetição do seu sistema de diferenças; emerge no próprio cotidiano
porque a “quotidianidade é a diferença na repetição” (BAUDRILLARD, 1995, p.124). Nas
experiências do dia-a-dia, afloram mal-estares que clamam por ordenações que possam, de
certo modo, ‘estabilizar’ processos primários da organização da vida social, como: a idade
para reproduzir e o que fazer com os anos em que não se é mais ‘criança’, ou não se é mais
tão ‘velho’ quanto se pensava, e não se é tão maduro e autônomo quanto ainda criança o
‘adulto’ de hoje imaginava tornar-se, etc. Confrontamo-nos, a toda hora, com evidências que
põem em cheque, cobram, assombram, recusam, acomodam, silenciam e tornam opacas as
seguranças culturais e simbólicas que vingaram centena de anos sem alterações tão bruscas
como verificadas no final da década de 1960 e na década 1990. Muitas vezes, exploradas
pelos meios de comunicação de massas que tendem a:
‘exalta [r] com todos os sinais de catástrofe (...) a quietude da vida cotidiana [...]:
exaltação dos extraordinariamente jovens e dos provectos da idade,[...] hino dos
‘mass midia’ ao corpo e a sexualidade - assiste-se em toda a parte à desagregação
histórica de certas estruturas que , sob o signo do consumo, [...] A família está a
dissorver-se? Então, exalta-se. As crianças deixaram de o ser? Sacraliza-se,
portanto, a infância. Os velhos encontram-se sós, fora da circulação? Promove-se o
enternecimento coletivo pela velhice. E de maneira ainda mais clara: enaltece o
corpo [...]’ (BAUDRILLARD, 1995, p. 104).
Quando todas as fronteiras se apresentam comprometidas e o próprio curso da vida
também, por onde continuar? Colecionando-se pequenas e fragmentadas narrativas do
cotidiano? Perseguindo etnografias personalizadas de diferentes idades conjugadas a outras
posições diferenciais? Essa parecia uma possibilidade. Mas o universo da amostra composta
de sujeitos informantes, por mais extensa possível, apresentava-se, em princípio, insuficiente
para ‘respostas’ significativas à questão que nos movia. Até porque uma decisão havia sido
tomada: se a visibilidade do problema concentrava-se na juventude e na velhice, o nosso
propósito não deveria ser outro senão atingir o ponto nevrálgico do sistema das idades: um
deslocamento da fase adulta, certamente, estaria abalando essas fronteiras, tornando-as mais
visíveis. Afinal, tratava-se da descontinuidade da definição de suas fronteiras e dos limites das
diferenças da identidade etária adulta.
Por qual razão podemos julgar o texto da imprensa escrita adequado às análises de
relações que constroem as passagens da universalidade da regra à decisão dos sujeitos
agentes?
144
Algumas leituras iniciais diárias em revistas, jornais, textos de novela e reportagens
especiais sinalizavam para a adequação da sugestão de Laclau sobre a lógica da equivalência
para desconstrução das representações das identidades modernas. Estudos de Hall (2003)
serviam de pistas para a análise das diferenças culturais através dessa lógica. Por fim, a
leitura de Bhabha (2001) aproximou-nos da sistematização metodológica para proceder à
análise no nível mais empírico, através do “entre-tempo” da enunciação. Consideramos
possível, então, estabelecer relações entre elementos de processos estruturantes de identidades
em textos midiáticos sem que se tratasse de procedimento propriamente dito do
funcionamento do discurso de meios de comunicação.
Em Fragmentos de um tecido, Verón (2005, p.213-220) apresenta, nos vários estudos
sobre a imprensa escrita, questões sobre os “dispositivos de enunciação” – que nas capas de
revistas semanais (títulos, subtítulos e imagens e, em alguns casos, a reportagem) - “contrato
de leitura”. Também trata da construção do “espaço de suspeita” e modos como nele é
explorado o “retorno do sujeito”, localizando-o na terceira pessoa. As sugestões de Verón
acrescidas de idéias de Bhabha (2001) sobre o “terceiro espaço” poderiam nos autorizar a
conduzir uma “tradução” das formas como estão se constituindo posições de idade dos
agentes nas enunciações da revista Veja.
Verón (2005, p.217-218) indica que os “dispositivos de enunciação” nas revistas
semanais sempre levam em consideração uma imagem construída dos seus leitores potenciais
e efetivos, e tentam aproximá-la para obter êxito no trabalho de construção dos novos sentidos
favoráveis ao “reconhecimento”. Em qualquer discurso, afirma Verón,
‘as modalidades do dizer, constroem, dão forma, ao que chamaremos de dispositivo
de enunciação. Este dispositivo comporta:
1. A imagem de quem fala: [...] Aqui o termo é metafórico; trata-se do lugar (ou
dos lugares) que aquele que fala atribui a si mesmo. Essa imagem contém, portanto,
a relação daquele que fala ao que ele diz.
2. A imagem daquele a quem o discurso é endereçado: o destinatário. O
produtor não só constrói seu lugar ou seus lugares no que diz; fazendo isso, ele
define igualmente seu destinatário.
3. A relação entre o enunciador e o destinatário, que é proposta no e pelo
discurso (VERÓN, 2005, p. 218).
Os “dispositivos de enunciação”, nesse sentido “contrato de leitura”, movimentam-se
buscando a construção e a fixação do sentido hegemônico, através dos limites do imaginário
projetado para recepção. Como indicou Verón (2005), procede-se à leitura “prévia”,
traduzem-se os significados para (re) contextualizá-los no “endereçamento” para convencer
sobre o conteúdo que se tenta fixar (‘reconhecimento’). O problema é que podemos nos
defrontar com a pressuposição de uma realidade fora da linguagem, ou através dela, que torna
145
incompatível com a metodologia proposta: de um lado, a interpelação (produção), do outro, o
reconhecimento (recepção).
Verón (Ibid., p.160) adverte que, num conjunto de textos de mídia para análise, a
busca de traços de operações discursivas requer a designação de critérios que formam o
conjunto do “dispositivo de análise” onde se define uma das posições a ser privilegiada:
produção ou recepção. Pois um discurso não pode ser analisado em si mesmo e nem o seu
efeito (recepção ou reconhecimento) pode ser deduzido diretamente da análise da produção.
Esta tese considera essa propriedade do discurso midiático como limites ou restrições,
decorrentes da eleição desse tipo de fonte principal da pesquisa, que realmente interferem no
modo como significam as idades e constroem as posições das identidades etárias.
Ressalte-se que procedemos à leitura dos textos, tendo em conta que os “dispositivos
de enunciação” constituem operadores de estratégias de poder que operam, ficticiamente, ao
mesmo tempo na produção e na regulação do efeito no próprio momento da enunciação.
Nesse sentido, o propósito de buscar na superfície do discurso a emergência de rastros de
agentes no “entre-tempo” (ou em formas mais diversas de passagem do universal ao
particular através de redes diferenciais) pode conduzir aos atos de decisão que marcam os
momentos de enunciação. Não há a preocupação válida com a avaliação entre os sujeitos
(ontológicos) leitores efetivos ou potenciais de Veja dos efeitos do discurso na constituição de
suas posições etárias; até mesmo porque essa seria uma tarefa muito difícil em se tratando de
identidades híbridas. Importa como esses lugares são tomados como horizontes referentes
para construção do sentido nas relações sociais.
O foco da pesquisa está no momento discursivo em que se possam flagrar essas
relações que levam aos “atos de decisão” e definem posições liminares estruturadas por
idades. A exterioridade da formação do discurso, que consideramos para a análise (JIM), está
definida pela negatividade estabelecida por sua fronteira, seu exterior constitutivo, conforme
trabalhamos nos capítulos 1, 3 e 5.
Não há dúvidas sobre o poder da mídia na construção de identidades, como também
não restam dúvidas sobre a dificuldade de delimitar e quantificar esse poder num planeta onde
a produção e o consumo de signos e imagens predominaram.
Feitas essas ressalvas, valeria propor que o “dispositivo de enunciação” constrói
relações fantasiosas, não necessariamente conscientes e nunca concluídas, estruturadas num
espaço de negociação, “entre-tempo”?.
Nesse ‘lócus’, duplamente imaginário, busca-se a identificação e a des-identificação
de pontos que se tentam fixar. Para isso, qualquer produção de discurso na mídia considera,
146
pelo menos no campo da comunicação (FEATHERSTONE, 1997), o que se tem chamado
interdiscurso ou “exterior constitutivo”. Deve-se concentrar, lembra Hall (2003 l), em análises
de discurso na mídia no modo como opera a hegemonia, ou seja, de que forma os meios
atuam em uma formação para transformar em senso comum, ou difundir valores e saberes
comprometidos com interesses particulares. Afinal, a construção de cada posição de sujeito
numa configuração é sempre um ato de tradução e de transferência de sentidos (BHABHA,
2001, p. 54), fazendo com que os efeitos dos sentidos do discurso sejam imprevisíveis.
Esse “Outro”, como não tem subjetividade, se não pode ser identificado de onde fala,
não poderia ser representado. Além do que, em qualquer posição, a mediação para (re)
inscrição será sempre uma imagem construída menor que sua unidade pretendida: a
representação dos lugares dos ‘atos’ dos agentes “é uma imagem de identidade e a
transformação do sujeito ao assumir esta imagem” (BHABHA, 2002, p.76).
Posto isso, também podemos nos remeter à imagem fantasiosa dos “dispositivos de
enunciação” considerando que o lugar do “enunciador” (‘sujeito’) é construído articulado à
imagem do lugar projetado para o ‘leitor’, junto ao sonho paranóico de perdê-lo para aquele
que o ‘deseja’ ou ‘olha’ (cisão interna). A introdução de um “Terceiro” (‘Outro’) no espaço
da identificação, que interroga, incomoda e denuncia, como sugerem Bhabha (2001) e Verón
(2005), é um lugar de (re)inscrição, que permite a emergência da agência na ordem diferencial
da alteridade (ser para o outro).
Nos fragmentos de textos da revista semanal impressa Veja, buscamos identificar a
estrutura do “entre-tempo”, sob o pressuposto de tomá-lo como um possível “dispositivo de
enunciação” operador de processos articulatórios de identificação, que pode constituir,
também, uma crítica cultural da própria forma das representações binárias das identidades
modernas.
Essa decisão delineou, também, a natureza contingente da abrangência geográfica da
pesquisa e a definição dos sujeitos. Acentuamos sua característica institucional e o seu lugar
como meio de comunicação escrita de largo porte, que atravessa as fronteiras do país.
Preferimos falar que essa pesquisa trata de construção de relações que são produzidas num
campo jornalístico que não se restringe ao Brasil, e que, predominantemente, realça os valores
e interesses dos setores mais abonados
3
da população.
Além disso, há que se ter em vista que “o desenvolvimento da comunicação mediada
forneceu os meios pelos quais muitas pessoas podem reunir informações sobre poucos e, ao
3
De acordo com DINAP, órgão de informação da Editora Abril, os leitores de Veja pertencem às classes A e B,
sendo a maioria da classe B (2004).
147
mesmo tempo, uns poucos podem aparecer diante de muitos”, os que são mais poderosos é
que estão mais expostos a um tipo de visibilidade: “[...] a visibilidade dos indivíduos e as
ações são agora separadas da partilha de um lugar comum, e das condições e limitações face-
a-face” (THOMPSON, 1999, p.121). Essa alteração na forma de controle social, antes pân-
óptica, de alguma maneira favorece a possibilidade de tornar visíveis aderências e rejeições
das posições abjetas, subalternas, preteridas.
4.3 Corpus principal: fragmentos de Veja.
4.3.1 Sobre a Agência Veja
O corpus é considerado um princípio alternativo para a coleta de dados nas pesquisas
qualitativas, como podem ser consideradas as pesquisas no campo da linguagem. Incluem-se
os critérios da seleção de textos, as entrevistas, as imagens ou qualquer material simbólico,
pois isso é fundamental para uma boa sistematização dos sentidos e da força de um discurso
(BAUER; AARTS, 2002). Nesta pesquisa, optamos por fragmentos de textos da imprensa
escrita semanal – Revista Veja - para compor o universo da amostra.
Revista brasileira da Editora Abril, Veja, começou a circular em setembro de 1968,
ano importante para referências do recorte mais geral traçado para a abordagem da nossa
problemática. Esse fato, em princípio, pode indicar uma primeira eleição de critérios para a
seleção da amostra: temas considerados sociologicamente relevantes para o deslocamento do
curso da vida moderno, provavelmente, apareceriam como notícia e informação.
Classificada no gênero de “revista de informações e/ ou atualidades”, a revista lida com
temas diversificados que julga de interesse geral e de “relevância no contexto atual". No
concorrente mercado de revistas impressas (são 1 485 revistas), Veja circula com 1 milhão e
260 mil exemplares, aproximadamente (Fonte: DINAP, 2000). Em 2000, esse número era 1
milhão e 100 mil. Em agosto de 2004, com a capa Poder Interior, a tiragem foi 1 226 606
exemplares. Em 1997, entre maio e junho, dominava 79% do segmento no seu gênero. Com a
entrada da revista da Editora Globo, em 1998, Época, a proporção cai para 66%, embora esta
compartilhe apenas 16% do mercado, e Isto É, 18%
4
(NASCIMENTO, 2002, p.23).
4
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, 29 set. 1998. Mino Carta lançou uma concorrente da sua criação (Veja)
CartaCapital.
Vieira de Melo (1993, p. 2) fala que Veja é a quinta revista do mundo entre as semanais de informação Time,
NewsWeek, U.SNews e Der Spiegel. Está à frente de L’Express, Panorama e The Economist.
148
QUADRO 1
Revistas VEJA, ÉPOCA, ISTO É.
Média de Circulação Anual. 1990-2000
Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC).
Dados agregados por mim.
A extensão do poder de Veja no campo jornalístico não se deve somente à sua
penetração em lugares longínquos e de difícil acesso do país e aos números da sua circulação.
Estudo a ela se refere como ‘um respeitável órgão informativo’. Veja, afirma Nascimento
(2002, p. 11), é uma agência de informação onde “imperam o saber e o poder, de uma certa
forma, saber e poder modernizados, históricos”, que vão definir uma matriz de construção de
sentidos que inclui as “supostas demandas dos leitores”, divididos quase proporcionalmente
entre homens e mulheres.
TABELA 1
PÚBLICO DE VEJA. Razão por Idade
15 a 19 anos 15%
20 a 29 anos 28%
30 a 49 anos 38%
+ de 50 anos 19%
Fonte DINAP. 2004. Dados agregados por mim.
Na percepção da Editora Abril, os leitores apresentam o seguinte perfil psicográfico:
“São homens e mulheres com alto poder aquisitivo, curiosos, ávidos por informação, que
gostam de entender o que acontece no Brasil e no mundo para se destacar na vida social e
profissional” (www.abril.com.br/.DINAP, consulta abril,2004). Segundo Vieira de Melo
(1993, p. 3), a Revista, ao comemorar 25 anos, também celebra a ‘formação e informação’ de
uma geração inteira de leitores.(p, 96). A conclusão de Nascimento corrobora com essa
imagem.
‘[...] no entanto, o discurso está marcado pela explicação, ou seja, pela
determinação de um ‘saber sobre’, pois, mesmo em relação à legitimação do
poder político, essa legitimação dá-se, digamos, a partir de um lugar de quem
está apto a explicar, a argumentar tal legitimidade’ (NASCIMENTO, 2002, p.
174).
REVISTA ANO
1999 2000
Veja 1.117.000 1.172.000
Época 486.000 571.000
Isto È 345.000 396.000
149
4.3.2 A Escolha dos Títulos e Subtítulos de Capa, Parágrafos
A decisão de trabalhar com os títulos das capas de 1968 até 2004, e das matérias de
Capa após 1990- setembro 2004 deveu-se à extensão do arquivo. Verón (2005), Nascimento
(2002), e Vieira de Melo (1993), nos deixaram mais informadas sobre a escolha.
Nascimento analisa, em doze reportagens de Veja e doze de Manchete, o
funcionamento discursivo a partir de três enfoques: a identificação dos principais mecanismos
narrativos do texto, como ironia, opinativos etc; a pontuação das palavras e expressões que
sinalizam para o campo semântico (cadeia significante)
5
; e a descrição de imagens,
destacando legendas e posição na página. Em suas conclusões, a autora afirma que a revista
tem por objetivo “explicar os acontecimentos do mundo”, por isso recorre constantemente ao
conhecimento legitimado, sendo esse fio que amarra as cenas discursivas das reportagens e
títulos e imagens. Sua pesquisa ofereceu uma panorâmica da estruturação do campo
semântico de Veja e pudemos ter idéia da força dos títulos e a fluidez dos significantes da
estrutura das matérias de reportagens.
Vieira de Melo (1993, p.5), por seu turno, interessa-se pelo estilo narrativa como um
gênero jornalístico explorado nas reportagens da Revista, perguntando-se se este influi na
objetividade da notícia e sobre a importância para a significação. Através das marcas
lingüísticas que funcionam como elementos persuasivos na identificação, buscamos como a
revista produz o sentido da informação. “O processo discursivo da imprensa privilegia e
reforça alguns sentidos em detrimento de outros, através de significados textuais. Essa
privatização de sentidos impõe limites ao processo de democratização da sociedade”. No caso
específico de Veja, como veículo do setor privado, a Abril desenvolve uma política editorial
liberal que explora a livre iniciativa e a expansão do mercado.
A contribuição maior desse estudo de Vieira de Melo (1993), para o nosso propósito, é
a análise que faz do modo como Veja explora os “títulos” e as categorias “lead” e
“background”, que sempre vêm acompanhados de um antetítulo e um subtítulo (ou “olho”). O
Manual de Estilo da Abril (1990) que orienta os seus jornalistas recomenda que o antetítulo
seja impresso no alto da página interna especificando a seção. O título (capa) deve conter três
ou quatro palavras, mas, adverte a autora citada, na maioria das reportagens do seu corpus, na
capa, estas variam entre quatro e doze.
5
Nascimento (2002, p. 89-92) segue orientada pelo conceito de “lexia” de Barthes, explorado em S/Z, quando
analisa a novela Sarracine de Balzac. Lexia são unidades de leitura que definem o campo semântico e os
sentidos do encadeamento dos significantes. A análise do significante feita pela autora estrutura-se com base na
“fórmula do desejo” de Lacan.
150
À primeira vista, o título
não especifica de fato o que está tratando. Busca
despertar a curiosidade e tornar o relato mais próximo da percepção e do
entendimento do leitor. Para tanto, muitas vezes, utiliza-se do recurso da
intertextualidade, através do qual faz referências a títulos de filmes, romances,
músicas ou novelas. Do título passa-se ao
subtítulo’, de uma situação
indeterminada passa-se a uma situação específica. A revista constrói o título
pressupondo que o leitor domina uma série de informações que não estão,
necessariamente, explicitadas. Contudo, a ausência de especificadores
lingüísticos no título é solucionada no
subtítulo. O evento principal da notícia é
claramente anunciado neste ponto e, a partir daí, o leitor consegue ativar modelos de
situação e perceber qual o ‘tom’ dominante da matéria. Mesmo assim, espera-se do
leitor o domínio de uma série de dados para que a articulação antetítulo/título
funcione a contento (VIEIRA DE MELO, 1993, p. 42, grifo meu).
Os títulos da capa e das páginas internas funcionam como estruturas discursivas de
argumentação; não meramente informativos são avaliativos, argumentativos, personificadores
(transformam conceitos abstratos em entidades: coisas, animais ou pessoas). Em geral,
acrescenta a autora, os subtítulos apresentam natureza temática e oracional. Outra
característica em Veja (e em jornais e revistas) é que, nos títulos, o verbo se apresenta sempre
no presente sendo a partir dele que se constrói o comentário. “Ao mundo comentado
pertencem todas as situações comunicativas que não consistam, apenas em relatos, e que
apresentem como característica a atitude tensa”. Nesse caso, a fala tende a ser dramática
porque “ao comentar o falante compromete-se com o seu discurso” (Id. Ibid., 1993, p. 45).
Essa sugestão parece importante para uma apreciação da possibilidade do antagonismo na
enunciação no “presente enunciativo” e a construção de agentes nas enunciações de capa
(títulos)!
O Lead corresponde à primeira proposição da notícia, e deveria responder as questões
que organizam o texto (Quem? O quê? Quando? Como? Onde? e Por quê?). Entretanto, é
comum o descumprimento do Manual de Estilo. Conforme mostra a pesquisa de Vieira de
Melo (Ibid.p.49), as respostas se dão de modo muito irregular no parágrafo de abertura: o
‘quê’ e o ‘quando’ são muito privilegiados, seguindo-se o ‘onde e o ‘quem’, entretanto, o
‘como’ e o ‘por quê’ aparecem raramente. Isso nos deu a liberdade de considerar para a
análise o primeiro parágrafo inteiro e o último, porque estas duas últimas questões são
importantes como elementos para a constituição de “atos de decisão”. Embora não seja nosso
objetivo proceder a uma análise do discurso nesse nível da estrutura narrativa da notícia, a
composição do texto influi na forma da significação e definições das posições dos sentidos no
discurso.
Os “títulos”, “subtítulos”, “antetítulos”, “lead” e “último parágrafo” (e alguns textos
específicos de reportagens de capa após 1980) são considerados na pesquisa, também, para a
151
localização do espaço da categoria ‘background’: “[...] domina as porções de texto em que se
dá informação que não é parte do evento noticioso principal, mas que fornece o contexto
social, político ou histórico geral ou as condições do evento” (VIEIRA DE MELO, 1993,
p.50-51). Desse modo, pode atualizar situações e tornar a notícia inteligível, seja pela
exploração do contexto (o evento principal é repetido várias vezes e é marcado por expressões
de tempo e lugar) e “eventos prévios” (evento específico que precede o evento principal), seja
pela organização ‘histórica’ da notícia (“eventos do passado relacionado com a situação ou
eventos presentes”).
Nesse espaço, há possibilidade da reinscrição (“passado projetivo”) no “presente
enunciativo” numa estrutura de enunciação que comporta a exploração da categoria
discursiva “entre-tempo”? Provavelmente comporta essa forma de repetição.
4.3.3 Seleção de Arquivos
Os arquivos virtuais das edições da revista estão disponíveis aos assinantes, a partir do
ano de 1978. Existe um arquivo organizado por “reportagens históricas”, que incorpora
algumas edições desde o lançamento. O acervo da biblioteca da UFPE dispõe da coleção com
exemplares de vinte e cinco anos de Veja. Assim, pudemos manuseá-los e proceder à seleção
das capas, já previamente alistadas na consulta ao site da Editora Abril, onde há um arquivo
com todas as capas. Um ou outro exemplar, anterior a 1978, pôde ter a capa resgatada pela
Internet.
Compõe o corpo desta pesquisa todos os títulos das reportagens de capa selecionadas.
Na década de 1970, predomina esse modelo (abaixo) simples. Em 1980, praticamente, todas
essas reportagens apresentam três títulos (incluídos subtítulos e antetítulos) que batizamos
T1, T2, T3. Depois de 1990, aproximadamente, temos de T1 a T4 ou T5. A ordem dos títulos
ou a ausência de algum deles não foi considerada importante na organização do “dispositivo
de enunciação” “entre-tempo”, se assim podemos chamar, ou nas análises mais soltas das
redes de equivalência.
Nos textos do corpus restrito (1990-2004) foram consultados e considerados: os boxes,
as legendas, os destaques no corpo do texto, etc. porque nesses espaços costumam-se fazer
referências mais diretas às idades. Consideramos, também, pertencentes a este corpus as
edições que, explicitamente, trazem reportagens associadas mais diretamente ao discurso da
JIM (maturidade, rejuvenescimento, prolongamento da vida, idade verdadeira, etc). Incluiu-
se, da mesma forma, fragmentos de reportagens desse período que não são de capa. No
152
apêndice B, apresentamos as 122 capas, selecionadas das Edições de Veja (entre 1977–
set.2004), que formam o conjunto-chave dos textos-amostra.
Veja. Ed. 362. 13 de agosto de 1975. Medicina.
T1. A CIÊNCIA DO SEXO.
T3 A Sexologia e o seu mundo
MODELO DE FICHA DE CONTROLE DE TÍTULOS DE VEJA 1990 -2004
(Exemplo)
Veja. Edição 1872. 22 de setembro, 2004 jornalista S. B.
T1 Titulo da Capa. MENINA OU MENINO.
Chapéu: Com a reprodução assistida é possível escolher o sexo dos filhos.
Isto é certo?
Casais contam suas experiências.
T2 Índice/Especial. A Família Moura: um menino depois de quatro meninas.
T3 Índice/Geral/Especial. Casais já podem escolher entre menino e menina.
T4. Subtítulo (reportagem). Nas Clínicas de Reprodução Assistida, os pais decidem, com quase 100%
de acerto, o sexo do futuro filho.
T5 (outro subtítulo, ou título da reportagem)
Lead Pais, respondam rápido:se pudessem, teriam escolhido o sexo dos seus filhos? Os sinceros
responderam que sim. Os muito sinceros fizeram o mesmo. E provavelmente disseram que o
primogênito seria um menino (é a força de muitos anos de patriarcalismo).
Último parágrafo: A imagem da família ideal pode variar - no atual momento histórico prevalece o
clássico parzinho, um menino, uma menina -, mas está tão arraigado no inconsciente coletivo que
parece um imperativo da mãe natureza. Esta evidentemente tem suas próprias idéias sobre o assunto:
dissemina, sim, meninos e meninas em proporções praticamente idênticas, mas não está nem aí se se
desejam seis ou sete dos primeiros em determinado casal, três ou quatro do gênero oposto em outro ou
nada de nada em alguns outros. O importante é o resultado final.
O corpus foi expandido com a inclusão nas análises das edições das revistas Época
(Casa da Mamãe; Mulher Solteira Procura; A Segunda Adolescência); Uma (Na Separação, as
Crianças Já Não Ficam Com a Mãe); Valor (As Conquistas da Mulher); Vida (Jornal do
Brasil- A Sede de Juventude), Isto É (Edição 1810, 2004), Galilleu. (Ed. 149, 2003) e revista
Carta Capital (Novembro, 2003). Caderno Mais (Não Quero ser Grande, Folha de São Paulo).
Ao nos auxiliarmos dessas fontes, procuramos conservar a unificação do corpus não
apenas pela temática, mas também pela proximidade com o gênero de jornalismo escrito de
informação e atualidades. Segundo Verón (2005, p.93), as agências do mesmo gênero se co-
determinam, umas pressupõem e levam em conta o conteúdo das informações veiculadas
pelas demais e, possivelmente, a posição ideológica. Além desses casos, utilizamos como
153
apoio algumas reportagens e debates de televisão, de jornais, livros de auto-ajuda e textos
especializados de várias fontes que estão explicitadas na análise.
4.3.4 Citações
Regrinhas para facilitar a identificação e as citações e usos dos textos: 1- As
reportagens internas que não são de Capa: fazemos citações eventuais a título de apoio,
indicando ‘interna’. 2- Páginas Amarelas: são consideradas tão importantes quanto a
reportagem de capa. Depois de 1990, partes de todo o texto poderiam ser utilizadas, antes
dessa data apenas a estrutura de títulos e primeiro e último parágrafos. 3- Partes da matéria
interna, quando citadas, não sendo chapéu, vêm com a legenda ‘Capa. Interna’, sem a
companhia de qualquer dos três (T). 4- Grifos: os textos de Veja são sempre citados em
itálico. Quando palavras ou orações estiverem em grafia ‘normal’ ou sublinhadas, ou em
negrito, significa destaque nosso. 5- As reportagens podem ser identificadas pelo número da
edição. 6- Para tornar a leitura mais exeqüível, mesmo repetindo, procuramos sempre citar os
enunciados no próprio texto da análise. 7- No caso das Edições Especiais, as numerações
pertencem a uma outra série e consta a palavra ‘Especial’.
Quanto à coorte das idades a serem estudadas, em princípio pensou-se no limite que
correspondia no ‘sistema cronológico das idades’ ao início da idade adulta e da velhice (25-
60/65 anos), porém a intimidade com os textos levou a uma correção dessa faixa: o recorte do
limite da maturidade dada pelo discurso da JIM é de aproximadamente 30- 69 anos (Capítulo
5).
4.3.5 O Critério Para Eleição das Capas
A Editora Abril relaciona por temas ‘reportagens históricas’ de Veja. São edições de
circulação comum ou ‘especial’ consideradas relevantes. O arquivo está organizado por áreas
temáticas, entre estas selecionamos algumas capas por temas e subtemas. De posse desses
conjuntos, fizemos um remanejamento do modo como as edições estavam ordenadas,
procurando agregar os títulos para construir contextos e categorias que, certamente, se
sobrepõem. Produzimos os seguintes conjuntos: ‘feminismo’, ‘juventude/ jovem’, ‘geração e
reprodução’, ‘’saúde’, ‘corpo’, ‘velhice/ envelhecimento’, ‘sexo/ sexualidade/ gênero’, ‘idade
da mente’, ‘idade/ geração’ e ‘diversos’, apresentados no Apêndice C. Pela categorização
das “Reportagens Históricas”, foram agregados 64 títulos, entre 1970 e junho 2003 e, com a
154
abertura do link “capas de Veja”, fizemos uma triagem complementar que foi sendo
atualizada até setembro de 2004, através da assinatura da revista. Concomitantemente,
procedemos à organização e à cópia das capas e das reportagens disponíveis no acervo da
biblioteca da UFPE/CFCH.
O corpus restrito foi todo lido, e se utilizamos textos de algumas reportagens
anteriores a 1980, não foi por indecisão metodológica. Entendemos que, no tipo de análise de
discurso que procedemos à valorização do “exterior constitutivo” e do encadeamento
simbólico, não pode prescindir de recorrências contextuais historicamente situadas. Ainda
mais porque Veja costuma retomar palavras e orações de narrativas anteriores (e mesmo
argumentos inteiros) para (re) fixar sentidos em momentos variados e temporalmente
distintos. Essas opções, que contribuem para aumentar o campo de inteligibilidade dos atos de
decisão e do horizonte do discurso sobre as idades, podem ser notadas nas datas das citações e
nas referências ao local da matéria a que pertence o fragmento. A lista, com todas as edições
por ano, mês, seção, edição e título da capa, encontra-se no Apêndice B.
155
CAPÍTULO 5 RASTROS DE UMA NOVA CONFIGURAÇÃO DO
AMADURECIMENTO
5.1 Até Onde Prolongar a Vida ? O Significado da Longevidade
O que vem sendo chamado de revolução mundial da longevidade apresenta como
principal positividade a oportunidade de vivermos muito mais e, assim, conviver com várias
gerações, e aproveitar mais a vida. O lado reverso revela que as nossas sociedades ainda não
se ajustaram a essas mudanças de base demográfica: temos problemas com os sistemas de
atendimento médico, previdenciário e com o financiamento da longevidade, com a sua
organização social e com a aceitação da velhice e do envelhecimento.
Essa agenda, presentemente colocada no debate internacional, sobressai em países
paises da Europa, o Japão, o Estados Unidos e outros: “Em breve, o Brasil será um dos seis
países com população madura mais densa do mundo e nós não estamos preparados para essa
mudança de rosto” (Veja, ed.1140.1990.médico A).
A problemática do prolongamento da vida gira em torno do que significa viver mais
anos em cada etapa do ciclo vital. Envelhecer com qualidade entende-se por: vida funcional,
sociabilidade, sexualidade e preservação de relação de intimidade, padrões de saúde e terapia,
o desenvolvimento de uma cultura de aceitação das idades mais avançadas, menos
discriminatória e preconceituosa com o envelhecimento e com os sinais do amadurecimento e
da degeneração, e doenças associadas à idade.
Safar-se dos males e danos provenientes de doenças ou invalidez, ou de uma baixa
qualidade de vida (solidão, abandono, tristeza profunda, sentimento de inutilidade) constitui
uma preocupação dos que pretendem viver mais. Entre os que chegam à idade considerada a
“primeira maturidade” (30 a 45 anos), observamos que lutam mais intensamente por uma
‘vida longa e saudável’. O que não equivale necessariamente a ‘viver mais e melhor’.
As defesas pela maturidade rejuvenescida e longa estão imbricadas em alguns efeitos
das formas de envelhecimento expostas, particularmente, pela significação da ‘terceira idade’.
O diferencial maior vem a ser a estratégia para manter durante os anos da constituição do
nome, a aparência nas proximidades dos limites iniciais das idades biofisiológicas de início do
amadurecimento. Ou seja, busca-se, metaforicamente, anular em termos de “aparência” do
corpo e da mente, a distância intermediária entre as fronteiras: jovialidade/envelhecimento. A
dificuldade está em como se diferenciar nesse espaço pontuado, proporcionalmente extenso,
sem o risco de se anular. Sobretudo, quando a visibilidade dessas duas pontas é acentuada.
156
Não é muito silenciosamente que cresce o poder dos mais velhos, ao lado da disputa
pela produção e consumo da jovialidade que se dissemina na vida social, contribuindo para
homogeneizações e divisões marcadas pelas idades. No Brasil por não ser mais um país tão
jovem, por um lado, se intensificam as falas sobre viver mais aparentando menos idade e, por
outro, sobre os problemas sociais pertinentes à vida longeva, que são sombreados pelo déficit
crescente na previdência social. Os ganhos de anos para viver transformaram-se, em certos
termos, em crise nacional.
O quadro das desigualdades sociais no Brasil, apresenta limitações importantes para
uma vida mais autônoma, a maioria dos idosos já vive bem aquém dos benefícios que a
civilização que produziu o ‘plus’ de tempo para viver poderia oferecer.
[No Brasil]. Houve um ganho muito grande de vida, na média da população.
Isso fez com que tivéssemos, estamos tendo, pouco tempo para saber o que
fazer com esses vinte anos a mais. Depois dos 60, que nos foram dados, e
quem sabe ainda vamos ganhar mais. E para que esses vinte anos sejam
vinte anos aproveitáveis e memoráveis, nós precisamos que eles sejam anos
funcionais e aí precisamos nos preparar precocemente.[...] Com dois
agravantes: o Brasil ainda é um país pobre, envelheceu a despeito de não ter
um desenvolvimento social. Então muitos idosos serão pobres na velhice,
isso dificultará. Muita gente que não teve educação formal, muitos velhos
que serão analfabetos, e como isso, terão menos estratégias de proteção
contra problemas cognitivos, que são comuns na velhice
(
www.globonewsTV.semfronteiras).
A questão da longevidade está relacionada com a continuidade dos estágios do ciclo de
desenvolvimento da vida humana do seu início ao fim. As formas do crescimento e do
amadurecimento têm sido incitadas a produzir, até a fronteira do envelhecimento, “modos de
vida” para a “maturidade” com idades mais avançadas. De modo que não sejam confundidos
como os códigos da “velhice” e nem como a essência da forma “adulta” ou da “juventude”
como “fases” do sistema cronológico das idades. É sobre a construção de posições nesses
espaços discursivos que trataremos a seguir.
5.1.1 Longevidade, Saúde e Corpo
Da maior importância nos anos 1980, particularmente para as pessoas classificadas
“pós-adultas”, foi a enunciação sobre uma espécie de um ‘novo tempo’ composto de ganhos
de anos para viver, e as inquietações sobre as várias necessidades e possibilidades do que
fazer com eles, de experimentá-los. O discurso sobre o rejuvenescimento da maturidade cobre
os dois grandes eixos da problemática atual sobre o valor da juventude: a total aversão à
possibilidade de decadência do corpo e da mente, e a recusa da morte e o desejo de prolongar
a vida. Entretanto, o desejo da longevidade subjuga-se à vontade da “vida sadia”. Seus tropos
157
poderiam ser: ‘vida longa e saudável’ e ‘viver mais e melhor’ - “Estamos querendo
acrescentar vida aos anos e não anos à vida
1
.
Foram os dispositivos de poder biotecnológico associados à urbanização
(‘biopolítica’) que, em parte, promoveram esses efeitos, que, em escala global, se tornam cada
vez mais complexos. As taxas e as projeções apresentadas pelo senso demográfico de 1980
indicam rápidas mudanças no perfil da população brasileira: a queda na taxa de fertilidade e
da mortalidade infantil, a redução de pestes e epidemias, as melhorias em múltiplos aspectos
da qualidade de vida, e outros fatores, que foram se acumulando e culminaram com um
prolongamento da expectativa do tempo de vida. Em 1930 ao nascer esperávamos viver 44
anos, em 2005 essa esperança é de não menos que 72 anos (ANEXO - B)
2
.
Minimizando outros indicadores, que possam ter contribuído para a melhoria da
qualidade de vida e que concorrem para o prolongamento da sua expectativa social, há uma
insistente e crescente preocupação relacionada às idades e com o lugar da autoridade das
ciências médicas na produção dessa transformação.
O ‘corte’ na linguagem
3
que forma as barreiras híbridas entre a maturidade e o
envelhecimento, com suas estratégias de retardamento e antecipações para a re-configuração
das posições de idades, aproxima eu/ corpo/ cultura da idade. Essas tentativas não se dão sem
resistências de todos os lados. Entre essas, persistem fragmentos da configuração ainda em
muitos pontos hegemônica “cronologização do curso da vida” moderno, que convive ao lado
das mais recentes demandas pela redefinição dos sentidos das idades.
Nesses momentos de indefinições intensas nas enunciações, os antagonismos se
revelam em pelejas pela significação das posições, sob a forma de confrontos, das subversões,
das transgressões, trazendo alguns efeitos de mudanças de lugares menos favorecidos na
ordem do sistema que tem sua hegemonia questionada.
O poder de ‘escolha’ e de ‘decisão’ da ciência biomédica (ou de outra diferente), está
aberto às relações em quaisquer dessas configurações que atravessam as diferenças de idades.
Porque, através delas, poderá negociar posições, encontrando os significados e estabelecendo
1
Expressão usada pelo geriatra Edward Schneider da Universidade do Sul da Califórnia. (Veja, ed.1 140,1990).
2
A queda na taxa de mortalidade infantil, embora apresente reação, vem chamando atenção de especialistas, com base em informação da
ONU, a taxa caiu 8,6% de 2000 para 2003. O que levaria ao predomínio da população mais velha em poucos anos, tendendo a inversão da
pirâmide: “em 70 anos a população brasileira terá crescido menos de cinco vezes. Enquanto o número de idosos será 16 vezes maior,[...]”.
(www.globo.com/jornaldaglobo
). Sobre essa mesma tendência ver Fukuyama (2004. 4º Capítulo).
3
Relembrando: aqui remete a limite e fronteira que promovem a unidade textual, a linha que margeia o lado de dentro e o lado de fora. Como
colocado por Laclau , com base em Derrida, essa concepção inclui o conceito de articulação e suplemento, contingência. O conceito de
ambivalência, presente na perspectiva da autoridade colonial (Bhabha 2001,p.144-145), também, permite que se “invagine” a autoridade do
colonizado de modo que “cada ponto de identificação é sempre uma repetição parcial e dupla da alteridade do eu – o pai e opressor, o regido
e o rebaixado.[...]. E em torno de ‘e’ - conjunção de repetição infinita – que a ambivalência da autoridade civil [colonial] circula como
significante ‘colonial’ que é menor que um e duplo”. Como já visto, essa noção também foi tratada por Deleuze com base em Foucault.
158
as articulações hegemônicas e as regras para a repetição dos elementos identitários e
diferenciais.
5.1.2 A Era da Saúde
No final da década de 1970, uma palavra-chave indica as mudanças de modos de vida
associados à valorização do corpo e à “consciência terapêutica” - ‘saúde’. Os estímulos aos
novos “modos de vida”, baseados na estética, têm por base o aperfeiçoamento e o zelo com a
natureza fisiológica e biológica: condicionamento físico, popularização de várias formas de
esportes e ginásticas, hábitos de alimentação natural, macrobiótica e meditação, para o
equilíbrio do peso.
Simbolicamente, a ‘gordura’ e o ‘fumo’ sobressaem como os inimigos do projeto
saúde do corpo. Decreta-se guerra à doença e à degeneração biológica como um fato natural
inevitável de que tanto falam Featherstone e Hepworth (2000) e Bassit (2000). O
envelhecimento pode e deve ser combatido. As lutas simbólicas pelo rejuvenescimento
articulam doença e infelicidade à velhice e à morte. De modo que os jovens também podem
ser julgados velhos se são doentes e infelizes. O “Culto do corpo” também contribui para
enfraquecer o índice de mortalidade porque os cuidados tornam-se mais intensos.
Veja. Ed. Especial. Anos 70. 1979. A consciência terapêutica da década foi tão profunda que chegou
a criar para ela uma classificação de conotação religiosa: foi a década da ressurreição do corpo.
4
Atrás dela [saúde] correram jovens e velhos, principalmente depois que se descobriu que nos últimos
anos, só nos Estados Unidos, surgia um canceroso a cada 5 minutos e 700 mil pessoas morriam de
ataque cardíacos - sem falar nas inúmeras doenças que não matam mas tornam infelizes [...].
A “consciência terapêutica” orienta-se pela exploração de normas de qualidade de vida
baseadas na “saúde”. O que particulariza a tônica no corpo nessa década é a exploração da
associação entre a qualidade de vida e a saúde, vinculando-a a um limite biológico da idade,
como o espaço autorizado para ser organizado pelas ciências médicas e biológicas. O que
intensifica e muda a relação de intervenção da cultura na natureza do corpo, do seu
funcionamento, de sua criação e do seu valor. Podemos dispor, interferir, controlar,disciplinar
e, agora, produzir a vida.
[...] podemos inventar culturalmente a natureza, [...] comprometendo-a
definitivamente [...] não significa que podemos deixar de nascer , morrer ou [...] a
diferença entre nós e as culturas do passado é que podemos transformar esses
limites em objetos de consciência e de elaboração cultural, porque sobre a natureza,
incluindo aquela que nos constitui como espécie, intervimos com conhecimento,
técnica e nossas decisões [...] Fazer dos limites um objeto de escolha é uma
4
Vieira (1993), em estudo sobre Veja, conclui que essa revista explora o discurso religioso para redimensionar os acontecimentos ligados à
ciência e à tecnologia, o que dá um certo tom para essa missão da medicina.
159
possibilidade única em nossa cultura, porque somos os primeiros a produzir a
capacidade de nos destruir’ (MELUCCI, 2004, p.37.grifos meus).
Esse é o ponto principal que nesse texto sobre o “culto ao corpo” se expressa na
metáfora da “ressurreição do corpo” em equivalência com a “consciência terapêutica”. Há
uma explicitação da “incorporação” mente e corpo.
Ferreira (2002) explora como na concepção de homem-máquina de La Mettrie (ainda
que a política humana e vida espiritual estejam submetidas aos princípios mecânicos) está
presente a noção de que o médico tinha uma tarefa diferenciada e impossível de ser
circunscrita em outro terreno que não fosse o da cultura.
Na genealogia, disciplina e biopolítica
5
podem ser concebidas dois conjuntos de
técnicas orientadas para a dominação, onde a medicina pode ser considerada um de seus
agentes. Segundo La Mettrie, “ninguém melhor que o médico para comandar politicamente as
comunidades humanas” (FOUCAULT,1998, p.118). A disciplina conduziria ao homem-
corpo, alvo de uma política individualizante, e, as biopolíticas conduziriam ao homem-espécie
(homem biológico), alvo da biologia política regulamentadora de aspectos vitais da
população no sentido de uma homogeneização, da massificação. Um e outro conjunto são
autônomos e funcionam como aparatos de saberes de normalização, para maximizar os
esquemas de poder sobre os indivíduos e seus corpos, coletiva ou individualmente. O projeto
moderno empenhou-se na universalização das transições como garantia de abrangência e
continuidade, na uniformização nos vários contextos institucionais e na segregação dos
grupos sociais. Isso implicou uma crescente diferenciação no curso da vida e a necessidade
de definir limites para as “fases” que integravam as continuidades (sucessão de idade e
geração).
Essa missão das ciências médicas não é uma invenção da modernidade. Foucault
(1998, p.121) cita como Aristóteles, referindo-se à questão da reprodução social e da espécie,
através das gerações, atribui esse papel relevante para essa disciplina, pois, quando esta se
dirige aos “homens racionais e livres, deve explicar, dar razões”, persuadir o doente para que
“regule como convém o seu modo de vida”. Explicar ao indivíduo e à espécie sobre a morte e
a vida, faria com que o “[...] cidadão aceite com mais simpatia e docilidade as prescrições que
devem regular sua vida sexual, o casamento, o regime [...]” de sua vida “temperante”. Os
5
Com base nas categorias biopoder e biopolítica, Ranciére (1996) vai distinguir o campo da política do campo da polícia. Neste último, as
ações administrativas da biopolítica predominariam em face das decisões dos agentes. A distinção feita por Ranciére é muito interessante
quando introduz o campo do político na análise interdiscursiva das mudanças contemporâneas, o espaço (da ‘terceira pessoa’) onde se
desenvolvem as relações políticas, para ele motor de transformações sociais.
160
exemplos atuais poderiam ser muitos. Vejamos alguns nas posições rejuvenescimento, sexo e
sexualidade:
Veja. Capa. Ed. 1140. 1990. T1.Como a ciência está prolongando a juventude.
Veja. Capa. Ed.1650. 2000. T1. Vaidade, vida mais saudável e a medicina ajudam homens e mulheres
na cama.
Veja. Capa. Ed.1806. 2003. T1. O novo manancial da ciência contra o envelhecimento.
A idéia de que as pessoas têm uma idade biológica diferente da que registra a carteira de identidade
fez o médico americano Michael Roizen, da Universidade de Chicago, uma celebridade. Roizen
montou um teste exaustivo que permite às pessoas saber se poderiam ser mais jovens do que
realmente são. Mais que isso, ele ensinou como atrasar a passagem do tempo biológico adotando uma
dieta e um estilo de vida saudáveis. Agora, parte dos ensinamentos do médico de Chicago está sendo
adaptada por outros especialistas para manter e prolongar a saúde sexual de mulheres e homens. A
medicina, os laboratórios e os terapeutas estão produzindo soluções para as mais resistentes
disfunções sexuais, ajudando a prevenir outras e manter por décadas um desempenho satisfatório [...].
No discurso sobre o antienvelhecimento, na última década do século passado, uma das
intervenções das ciências médicas e afins visava convencer que mitos da medicina, que
serviram de marcadores biológicos nos calendários etários, foram invertidos ou não fazem
mais sentido, com os desenvolvimentos recentes da ciência, sendo preciso rever as prescrições
dos limites que regem a vida e a morte
6
, entre eles o prolongamento da vida até seu limite de
controle “sem avarias”; leia-se “prolongando a juventude” (Veja. Ed. 1140, 1990).
Veja. Capa. Ed.1856. 2004 T1.As receitas do papa da longevidade Michael Roizen [...] para atrasar o
relógio biológico.
Veja, Capa. 1140, 1990. Agora a ciência trabalha para que ele (o trem da vida) siga seu caminho da
forma mais confortável possível e que vá o mais longe sem avarias rumo ao limite biológico. O fato de
que se está vivendo muito mais hoje e de que se poderá viver muito mais no futuro cria um desafio
enorme.
Da década de 1990 aos primeiros cinco anos deste século, aproximadamente, o
controle do limite biológico tende a orientar a ‘regra’ básica para a diferenciação desse
afastamento (real) nos limites das idades na direção do envelhecimento humano. De modo
que o corpo e a mente pudessem acompanhar a longevidade revertendo em anos a “velhice”
e o envelhecimento biofisiológico.
Os desenvolvimentos que faremos a seguir focam alguns efeitos de organização
desse movimento de deslocamento no discurso da “cronologização das idades da vida
moderna” e as tentativas de rearticulação por esse discurso da “idade biológica”, que se
anuncia no final da década de 1970
7
. As disputas pela produção dos sentidos nos lugares de
6
Observemos como Veja, vinte e cinco anos após, continua usando o gênero religioso de discurso para tratar essa missão de “ressurreição do
corpo”. A ciência é a Igreja e o médico é o “papa”, conselheiro, tutor e educador no domínio e controle da natureza (inclusive alguns códigos
de criação e funcionamento biofisiológico).
7
Não estamos afirmando que o discurso “aconteceu” nesse momento, esse é o corte metodológico que estabelecemos conforme esclarecido
no capítulo 2.
161
fronteiras e limites que representam as identidades das idades centrais do “curso da vida”.
Inicialmente, elegem-se critérios que pontuam inscrições na superfície da idade “40 anos”,
como se esta fosse o “centro” do rejuvenescimento e o intervalo demarcando os limites das
idades em seu entorno.
Capa. Veja 1575. 1988. Começo da vida aos 40.
Capa.Veja. 1575. 1998. Ser mãe perto dos 40.
Capa. Veja.1650. 2000. O Sexo depois dos 40.
Capa. Veja. 1738 2002. A Batalha começa aos 40.
Capa. Veja.1806. 2003. Receitas da ciência para manter-se jovem aos 30, 40, 50 ... e 60 anos
As mulheres têm vivido na modernidade mais que os homens, disso o discurso não
pode se descuidar (ANEXO - C). Uma das razões atribuídas para isso é que as mulheres se
cuidam e se medicamentam mais e estão menos expostas à violência que os homens e, por
isso, segundo Dr. Michael Roizen (Veja. Ed.1856, 2004), devem servir como exemplo de
controle e disciplina.
Existem também diferenças regionais
8
. No Nordeste, os brasileiros viviam, em 1990,
quase dez anos menos que a média do país. Essas particularidades locais muitas vezes se
apresentam como ‘transgressões’ ou ‘descuidos’ que atrapalham o trabalho de
homogeneização pelo critério da igualdade de condições entre as populações.
No quadrinho de um jogo de “auto-ajuda”, apresentado por Veja (Ed.1140,1990), no
conjunto de pontos que promete medir o capital do indivíduo para fazer mais ou menos
aniversário, temos outras pistas: a solidão, as tensões emocionais (e a vida no meio rural)
aparecem com um terço do peso em valor nos itens da avaliação para personalizar o ponto
máximo da expectativa de vida: menos pontos, menor a expectativa de vida. Isso implica que
os elementos ligados às estruturas ‘internas’ tendem a ser mais articulados pela alta
negatividade, são propensos ao envelhecimento, exigindo mais cuidados, disciplina, controles
médicos e terapeutas redobrados.
Técnicas de informação, como esses “testes” de autoconhecimento, podem operar
efeitos de monitoramento para a “escolha” dos elementos diferenciais que estimulam os
processos de identificação e divisões simbólicas. São utilizados como recursos terapêuticos
para ajudar nos ajustes interativos das assimetrias entre o ‘mundo interior’ e o ‘mundo
exterior’, promovendo homogeneizações, através dessas relações e experiências reflexivas
autoterapêuticas (personalizadas) que interferem no delineamento da identidade
8
Outros dados são apresentados pela Veja (Ed. 1140,1990) tendo por fonte também o IBGE. As diferenças regionais são relevantes em anos
médios e meses: década de 1930: Norte: 40,4, Nordeste: 38,1; Sudeste:44,0; Sul:50,0; Centro-Oeste: 48,2. Para a década de 1950 obedecendo
à mesma seqüência regional: 44,2; 38,6; 48,8; 53,3; 51,0. Para a década de 1970: 54,0; 44,3; 56,8; 60,2; 55,9. Para 1990: 64,1; 51,5; 63,5; 66,
9; 64,7.
162
(subjetividade). Esses dois elementos, “solidão” e “tensão emocional”, serão discursivamente
acentuados e repetidos em vários momentos de decisão e escolhas, para a distinção de
significados de referências internas. Em geral suscitando necessidades terapêuticas para evitar
as desorientações que promovem as “crises” de identidade (desequilíbrio na sintonia interativa
entre o “interior” e o sistema “exterior” mais abrangente).
O princípio que tende a prevalecer é o de que o nosso potencial para antecipar e
resolver “crises de transição” (nascimento, adolescência, casamento, divórcio, morte, etc)
exige uma alta consciência reflexiva
9
e a expansão da capacidade de “vigilância” e
domínio”, como meios de “controle e monitoramento” da atividade dos atores por “meios
sociais’, tornando automobilizadas as condições de reprodução social. Os enunciados tendem
a considerar que os “[...] sistemas sociais são processos interativos que constituem
totalidades” e as estruturas são ao mesmo tempo “capacitadora[s]” e provedoras de “recursos”
para isto (DOMINGUES, 2001, p. 66-67).
Por essa perspectiva, a “morte” passa a ser vista como um “problema” quando ocorre
antes do previsto pela expectativa social projetada culturalmente (“ponto zero” de controle
10
).
A ausência desse controle sobre a vida encaixa-se como uma preocupação com a doença. Esse
seria o motivo por que costumamos associar “velhice” às doenças e à decrepitude. Assim,
quando elevamos o valor da vida saudável, o repúdio à morte produz constrangimentos pela
perda desse “controle”, quando causados antes do tempo por ‘doença’ (GIDDENS, 2002,
p.188-189).
Esse ponto nos traz a difícil questão sobre até onde a vida deve ser prolongada, e até
onde a doença é uma necessidade para a distinção na configuração JIM? Como sinais de
práticas discursivas orientadas por aquele princípio podem ser indicadas, constituindo
escolhas e decisões, na consideração do valor da morte e da vida como uma questão de
saúde?
5.1.3 Vida Sem Saúde, Velhice e Morte
9
Remete ao conceito de “consciência presente” de Giddens (2002, p.187). Ele fala de uma consciência reflexiva que está na base de uma
experiência que se funda na “auto-observação contínua”, que intensifica a consciência dos pensamentos, sentimentos e sensações corporais.
O indivíduo pode “ser capaz de controlar as circunstâncias de vida, colonizar o futuro com algum grau de sucesso e viver dentro dos
parâmetros de sistemas internamente referidos [...]”. Para uma crítica a tipos de “corpo consciente” semelhantes, ver Rose (2001). Para a
crítica desse ponto na sociologia de Giddens, ver Domingues (2001, p. 65-68).
10
Essa perspectiva baseia-se em Neugarten, para o qual a assincronia entre a expectativa média de vida e a experiência pessoal, traz
problemas de ansiedades decorrentes da inadequação dos dois tempos (MENDES DA SILVA, 1996).
163
As múltiplas articulações da “saúde”, como valor social para a vida e medida
simbólica para posicionamentos em lugares no discurso, tendem a produzir a aceitação da
morte como opção para a vida doente. O dispositivo da morte “eutanásia”, compreendida
como metáfora da “opção de morte digna” (Veja) para as doenças que a ciência não consegue
curar, simboliza as dificuldades relacionadas aos problemas para “[...] os tratamentos fúteis,
que apenas mantêm vivos doentes para os quais não há esperança”. (Veja. Ed.Interna.1767.
2002).
Veja. Capa. 1º de agosto, 1994. T1. A Morte digna.
T2 A dura opção pela morte digna.
T3. A Dura opção pela morte digna. Cada vez mais os médicos e
famílias de pacientes terminais acolhem encurtar a vida
Qual seria a imagem plena dessa forma de morte, intensamente repetida como opção
para escolha? A ambigüidade se estabelece. Seria “digna” a opção - o ato de decisão de
encurtar a vida doente terminal para evitar constrangimentos ao corpo doente e à família que
de certo modo o ‘representa’? Ou a forma da morte? Uma ‘pessoa digna’ seria autônoma,
“consciente”, “auto-realizada”, “autêntica” e, por isto, “verdadeira” consigo mesma porque
sabe distinguir o “certo e apropriado” (GIDDENS, 2002,p.77)?. Pessoas assim podem ser
socialmente avaliadas do ponto de vista moral positivamente (uma vez que souberam
distinguir o “verdadeiro do falso” em momentos de crise), processo que estimula o que é bom
e distingue o que é mau, também, para uma ‘outra’ “pessoa digna”. A idéia é preservar a
correlação direta entre escolha e auto-estima como parâmetro superlativo de integridade,
honestidade, compaixão e amor.
Por essa lógica, a “escolha”, na metáfora da morte na prática da “eutanásia” tende a ser
suposta como uma responsabilidade delegada por alguém a um terceiro que exercita a
representação dessa moral (“família” e “medicina”), porque o estado inconsciente do
moribundo ou perturbado pela gravidade da doença e pelo limite com a morte não o permite
decidir com ‘dignidade’. Essa, talvez, seja uma das experiências mais gritantes do limite da
decisão sobre a vida do outro. Sobretudo, se esse limite é pensado, como alerta Melucci
(2000,p.101-104, p.107): um objeto de consciência e de elaboração cultural que produz a
opção pela escolha da ‘vida’ e ‘morte’, interferindo no seu tempo. O que, no último caso,
poderíamos aqui equivaler à ‘vida sem saúde’ quando se privilegia “curar a vida em vez de
vivê-la”.
Quando a ausência de saúde equivale à morte, o problema se agrava. Isso porque o
sistema de diferenças que tem por norte a oposição saúde/doença, na falta do termo negativo
164
(‘doença’), o significante ‘saúde’ assume a função de ‘vazio’ concorrendo para inscrições
sobre essa forma de morte “eutanásia” (a ausência de saúde). Entre as possibilidades dentro da
cadeia diferencial, existe a probabilidade de emergir referências do imaginário que associa a
velhice a doença para incluir no campo das escolhas a adequação dessa prática para os grupos
idosos.
Os atos de decisão, vinculados a critérios morais de identificação (dignidade
/domínio), baseados na equivalência da extrema valorização da vida saudável, mostram o
lugar da medicina na experiência do limite do controle sobre a vida. Um poder, conferido pela
autorização para destruir a “vida doente” e resolver as “crises pessoais”, naturalizando-as,
apoiado na reflexividade do sistema institucional (no caso, a “família”). Ao mesmo tempo, em
que assinala sua contingência uma vez que não pode recuperar a vida, contrariando a
promessa missionária de agente cultural da vida longa e da cura.
Entendemos que a eleição dos critérios sociais sobre o prolongamento e a redução da
vida confere sentidos à cultura e interfere em seu poder de transformar, distinguir, dividir e
hierarquizar, através dos “atos de decisão” dos agentes. E que absolutamente não renuncia às
relações de base biológica na perspectiva do corpo e o poder de intervenção da cultura nessa
forma híbrida da natureza para produzi-la e modificá-la. Mas as resistências aparecem nessas
situações limite - como percebeu FERREIRA (2002) um “corpo em estado de emergência,
agoniza dentro e fora de sua possibilidade de vida” - em que a medicina esbarra no limite do
seu poder de controle e domínio sobre a cura do corpo e da mente doentes
11
.
O que prevalece no discurso da JIM, no momento de construção da posição de sujeito
“eutanásia”, é a decisão sobre o posicionamento do valor da vida e da sua importância no
projeto de “curar a vida em vez de vivê-la [...]”, de curar não apenas o indivíduo “mas o
sistema de relações” (MELUCCI, 2004, p.107-108).
O trabalho para a construção do horizonte da ‘vida longa’
12
é o trabalho de
constituição das possibilidades de autonomia de ‘vivos sadios’ embora envelhecidos. Por isso
a necessidade de ‘repetição’ monótona ‘dura opção’,‘dura opção’...’morte digna’...’morte
digna’...; pois esse constitui momento de um processo de ‘escolha’ da ‘autoconstrução’ e do
domínio da vida sadia, mediado pela medicina e por terapeutas, onde são importantes as
prescrições pragmáticas de distinção da vida sem saúde, ou da ‘doença sem cura’, para as
hierarquias de valorização de todo o curso da vida. A forma da morte e a eleição dos critérios
11
“paradoxalmente, porque não pode garantir a esse corpo uma sociabilidade que não nega estar ausente, este exercício de poder é
fundamentalmente nulo sobre o moribundo [...] a inteireza do corpo já não garante uma subjetividade, uma consciência sobre a qual se exerça
disciplina política já não pode constituir consciência capaz de promover a disciplina do corpo” (FERREIRA, 2002).
12
Passaremos a usar aspas americanas quando as citações no texto forem de Veja. Estas, quando no interior da cercadura permanecerão sem
aspas; apresentaremos as duas em itálico.
165
reguladores de controles do “ponto zero” estão sendo escolhidas em meio à questão a quem é
dado o direito de conceber e de suprimir a vida da espécie humana.
As alterações na positivação da morte, pela negociação para barganha de anos a mais
na vida com qualidade, foi também considerada por Fukuyama (2003), em seus prováveis
efeitos sociais. Para ele, as conseqüências podem ser drásticas quando a morte não é mais
tomada como um aspecto natural e inevitável da vida humana, mas como um mal que se pode
evitar como o sarampo e a poliomielite. E, nesse caso, a aceitação da morte passa a ser uma
opção insensata, não havendo como encará-la com dignidade ou nobreza. Pergunta-se
Fukuyama (2003, p.82-83), “Irão elas [as pessoas] se agarrar desesperadamente à vida que a
biotecnologia oferece? Ou poderia a perspectiva de uma vida interminavelmente vazia parecer
simplesmente intolerável?”.
As repetições (‘morte digna...’), que tendem a fixar sentido em direção da
fundamentação da morte na metáfora da ‘doença sem cura’, alteram o campo dos critérios-
necessidades para escolhas e decisões que alimentam o horizonte imaginário do próprio ciclo
vital, e servem de referências para as divisões no curso da vida.
Essa “vida vazia”, a que se refere esse autor, indica duas tendências para a formação
de dois grandes grupos de idades no futuro breve. Por um lado, teríamos um grande
contingente populacional de longevos que pertence à categoria não funcional: dos que não
têm ocupação eletiva, que, também, não se reproduzirão, não trabalharão e utilizarão os
recursos de outras gerações mais novas para sobreviver - “vidas vazias e mais solitárias” que
poderão fazer parte do “grande sanatório geral” do planeta (FUKUYAMA, 2003, p.82-83).
Pois, para os muitos males que se acentuam com o passar dos anos (como a demência), a
medicina não avança tão rápido quanto se estende a longevidade.
Os limites da vida saudável, marcados pela responsabilidade individual de egresso de
anos de ‘rejuvenescimento’ à idade 70 anos, traz, pelo menos incertos, 10 ou 15 anos de
existência que podem ser de difícil tolerância para muitos.
Não obstante toda enunciação seja uma tradução, o que torna impossível qualquer
autoria de um texto, podemos arriscar que é significativa a influência identificada por
Semprini na construção e disseminação dos sentidos hegemônicos privilegiados no discurso.
[...] cientificismo cuja epistemologia monocultural
13
é a marca. Ele está
particularmente presente nos EUA, que cultiva o reducionismo quantitativo do fato
sociocultural. Os recentes avanços da genética, da biologia e das ciências cognitivas
deram um novo alento a um antigo programa intelectual, que sonha explicar as
13
Em Multiculturalismo, Semprini expõe várias características do que está chamando de ‘epistemologia monocultural’ para esclarecer a
‘epistemologia multicultural’. A crítica ao fundacionismo constitui um dos pontos básicos da epistemologia multicultural. Nesse caso, ver
Laclau & Mouffe (1985), Laclau (1993), Derrida (2001).
166
atitudes e os comportamentos humanos a partir de sua base biológica (SEMPRINI,
1999, p. 88).
5.2 Os Limites Superiores das Jovens Idades Maduras
A “quarta idade”, da qual se começa a falar mais amiúde, pode ser considerado efeito
de contigüidade geracional de alguns grupos da “terceira idade” e de “idosos”. Remete à
capacidade e à disposição que permitem alguns chegar às idades 70 a 80 anos, com saúde
física e mental, integrados socialmente, vida familiar ativa, plena capacidade para as
atividades cívica, sexual e produtiva economicamente
14
. O chamado “envelhecimento ativo”
tem por objetivo “viver a vida bem”, com “independência” e “autonomia”, por mais no
mínimo dez anos sem esquecer que “dependência é doença” (www.globonews consulta, maio,
2006).
Na passagem para o século XXI, são diversos os antagonismos na fronteira com o
envelhecimento que, sob a forma de demandas e reivindicações em defesa do
“envelhecimento ativo”, solicitam mudanças nas formas de controle e o domínio das
experiências e dos ‘projetos para o futuro’ nas idades JIM.
Boa parte da geração ativa, nas décadas de 1950 a 1970, aproxima-se dos limites
considerados da “velhice” pelo sistema moderno “cronológico” das idades. Esse efeito de
sucessão de idades, mesmo com significativa dissolução de “classe de idade”, concorre para
sobressair as arritmias e diferenças de planos entre maturidade e envelhecimento, indicando
que as mudanças na forma como o envelhecimento e a velhice foram simbolizadas, para a
maioria, não foram suficientes para borrar a imagem de solidão, abandono e exclusão.
Situação a ser enfrentada agora por todas essas gerações (1946-1964). Reivindica-se essa
responsabilidade aos grupos de idades com mais ou menos 40 a 45 anos, e à geração
sucessora com mais de 25 anos, para cumprir a função de “vanguarda” na tarefa de
transformar a cultura do envelhecimento, e desarticular e/ou reforçar alguns elementos
associados à ‘maturidade’ com esse objetivo.
Na forma como está colocada a demanda para a negociação, usando os parâmetros
comparativos da “Primeira”, “Segunda” e “Terceira” adolescência (s), prevalece a disputa na
fronteira JIM nas posições de idades próximas de 70 anos. Observemos como são anunciadas
as faixas de idades de 40 a 58 anos que daqui a vinte anos serão contadas 60 a 78 anos. Entre
14
Uma análise sobre a mudança do paradigma demográfico do envelhecimento, baseado na dinâmica do crescimento característico do início
da industrialização, para um outro, em meados do século passado, com a preocupação nas estruturas de diferenciação demográfica
(socialmente construída) foi desenvolvida por Alejandro Cerón em La Población em la era de la información. De la transición demográfica
al proceso de envejecimiento. [envelhecimento e expectativa de vida pdf].
167
outras coisas, a ‘revolução da terceira idade’ procura distinguir a ‘quarta idade’ para
“idosos” em torno de 78 anos.
As pessoas da geração baby boom, que revolucionaram a moda, o consumo e a tecnologia no século
XX, nos próximos vinte anos estarão aposentadas. Elas detêm hoje 70% do poder de compra nos
Estados Unidos e não poderão ser ignoradas. É a geração que dará início `a revolução da terceira
idade. O que não podemos é esperar ficar velhos para começar a transformar a imagem dos idosos na
sociedade. Temos de começar a partir de agora, enquanto somos fortes e poderosos. Depois nossa
credibilidade será menor. Todos aqueles que nasceram entre 1960 e 1980 devem se juntar à revolta
(SCHIRMACHER. Páginas Amarelas de Veja, Ed. 1866, 2004. grifos meus).
As repercussões dessas questões do autor do Complô Matusalém
15
,em defesa do
“envelhecimento ativo”, logo chega ao Brasil, através de Página Amarela de Veja. A tese
desse autor chama atenção em dois pontos que divergem de Fukuyama (2003), quando antes
tratou das conseqüências da visibilidade planetária do prolongamento da vida
16
. Os pontos
contundentes são a sexualidade e a funcionalidade. O ‘Complô’ parte do fato de o ‘velho’
mundialmente ser tratado como estorvo e improdutivo, e prevê um choque intrageracional em
poucos anos quando estes forem a maioria
17
. Pois, em virtude da dependência dos pequenos
grupos ascendentes de jovens, o confronto não se daria entre os jovens e os velhos, mas entre
os vários grupos idosos que cobrariam entre si ascendentes produtivos.
Teremos que modificar em poucas gerações um modelo biológico e cultural construído ao longo de
milhares de anos. Precisamos resgatar o que tiramos dos velhos: dignidade, trabalho, biografia (‘são
seres improdutivos, sem memória, maçantes e fracos’)[assexuados] [...] é preciso mudar o conceito
de envelhecimento a partir de agora. O sentimento de culpa dos que estão envelhecendo [...] Achamos
feios aqueles que parecem não estar mais em idade reprodutiva e desprezamos os que não
trabalham mais. Isso tem de mudar. Já estamos vivendo uma revolução na sexualidade que doma
nosso instinto (Páginas Amarelas. Veja. Ed.1866. 2004).
Featherstone (1994a) trabalhou a noção de ‘estetização da vida’ ilustrando-a com essa
geração pós-guerra (1946-1964, aproximadamente), conhecida como baby boom. Para ele, foi
uma geração “ativa” na recriação de valores e estilos específicos em cada ultrapassagem
“critica” das idades, que, desde a década passada, redefiniu os estágios mais avançados,
dispondo de uma maior expectativa de vida. O autor restringe esse fenômeno a uma geração
composta de pessoas da classe média e reconhece o seu poder na produção de valores e de
15
Esse livro de Schirmacher , nas três primeiras semanas de lançamento na Alemanha, em 2004, vendeu 300 mil exemplares.
16
Fukuyama era Prof. Da Nitze School of Advanced International Studies, Johns Hopkins University, no momento de lançamento do livro O
Futuro Pós-humano, que trata das conseqüências da revolução tecnológica. Foi nomeado para o Conselho sobre Bioética dos Estados
Unidos.
17
E divulga dados que estão hoje sendo repetidos em qualquer referência à experiência do envelhecimento que é sempre julgada nova e
alarmante. Seu estudo mostra que as estatísticas prevêem que, na China, em 2050, viverão tantas pessoas com mais de 65 anos quanto hoje
em todo mundo. O total de idosos no planeta vai triplicar, enquanto o resto da população crescerá apenas 50%. Os centenários, de qualquer
sexo, se multiplicarão por dez. A América Latina terá o número de pessoas com mais de 80 anos multiplicada por quatro. Na próxima
década, na Alemanha, pessoas com 50 anos serão a maioria. A história verá pela primeira vez mais velhos que crianças (em 99, 99% da
historia humana as pessoas viveram apenas 35 anos). A construção ocidental deu-se com base na expectativa de vida do século XIX. Os
números para o Brasil e sobre esperança de vida estão no Anexo - C.
168
cultura como o sociólogo A. Giddens, que defende o “projeto reflexivo do eu
18
Nesse
conjunto, também, poderíamos incluí-lo por suas influências teóricas, inclusive, nos estudos
mais recentes sobre o envelhecimento e o curso da vida incorporado “pós-moderno”
(corpo/self/sociedade) (Featherstone; Hepworth, 2000).
Na questão da continuidade da ordem social, esses dois autores privilegiam a oposição
entre jovens e velhos, e não remetem à possibilidade de disputa intrageracional acirrada dos
“velhos”. Mas preocupam-se com a qualidade do envelhecimento e com a sua negatividade
social.
Veja. Capa. Ed.1871. 2004. T6. Para Ficar de Cabelos Brancos.
Primeiro ¶: [...] o envelhecimento da população mundial é prova de que a civilização é um projeto
bem-sucedido. Mas como equilibrar uma pirâmide social que está ficando de cabeça para baixo.
Viver a velhice com saúde é sempre uma aspiração pessoal de quem se aproxima dessa etapa. Mas ela
está rapidamente se convertendo em algo mais: uma urgência social.
A construção da JIM tangencia, em suas fronteiras, elementos desse discurso pelo
“envelhecimento ativo”. Três semanas depois da enunciação do ‘Complô’, sobressaem os
movimentos de negociação nas fronteiras. O trabalho de articulação dos elementos
configuradores das redes de simbolização da ‘vida longa e saudável’ tende a alargar um certo
espaço de adesão nas inferências de sentidos da rede ‘viver mais e melhor’. Uma estratégia
para resistência a certos termos do envelhecimento e para a busca da definição hegemônica
das distinções entre maturidade e velhice/envelhecimento. Em 2004, esses antagonismos se
mostram no exercício discursivo para a equivalência e diferença de termos da regulação do
‘antienvelhecimento’ à ‘velhice ativa e prazerosa’: (T1). A Ciência do rejuvenescimento. Vida
longa e saudável. [...] A promessa agora é de uma velhice ativa e prazerosa (Veja. Capa.
Ed.1781, 2004, grifos meus).
Desse modo, os antagonismos se mostram no balanço entre lutar pela “autonomia” das
idades nos limites demarcados 30 a 69 anos, e esse projeto mais ambicioso para
prolongamento do amadurecimento: “[...] alongando a velhice, torná-la cada vez mais
parecida com os primeiros anos de idade madura (Veja. Capa. Interna. Ed.1140.1990) -
certamente com variações internas em torno de 69 e 70 anos -, e lutar para identificar o lugar
do ‘outro’ “quarta idade” mais distante: beirando os limites 75 anos, 85 anos e mais.
Essa estratégia mantém ‘vazia’ uma pequena, mas significativa zona de fissura, um
ínterim, entre 70 a 75 anos, de distancia cultural entre a fronteira da JIM e a “velhice”
nomeada “quarta idade”. Talvez, para quem perguntar pela “terceira idade” marcada por
18
O autor cita também, C. Lasch com a “tirania da intimidade” como uma cultura de exaltação ao narcisismo e R. Sennett discutindo o
“declínio do homem público”.
169
alguns grupos dessa idade, emergente há três ou quatro décadas. Ou então para ‘comportar’
novos modos de vida nessas idades (constituídas por futuros egressos da configuração JIM),
uma forma particular para “envelhecer” e construi-se pós-sexuada (medicalizada com
‘Viagra’, hormônios e outros aparatos mantenedores da libido) e integrada nos três eixos
19
subordinados aos valores da aparência da “beleza”, da “jovialidade” e da “saúde”. Porém, o
diferencial maior está que esses sujeitos JIM vêm desenvolvendo formas específicas de
subjetividades, reguladas por sistemas de poder que buscam fazê-las operar transformando
suas vidas em projetos de capacitação ‘autoterapeuta’ para proceder ajustes para escolhas
(estéticas) “adequadas”.
Esse é um momento muito importante porque o significante “envelhecimento ativo”,
como equivalente momentâneo em alguns pontos a forma ‘JIM’, pode envolver muito mais do
que o Complô situou. A paternidade do discurso sobre o “envelhecimento ativo” é atribuída à
Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002. A postura do Estado brasileiro, através da
Secretaria de Educação Especial
20
, é desenvolver condições para a segurança, dignidade,
participação na sociedade e na família e independência. Vê-se que o ponto em comum
acentuado nas duas propostas remete à demanda por solidariedade e dignidade, embora
‘dignidade’ no Complô Matusalém remeta à condição ‘trabalho’, item não relevante no
documento do Ministério.
O conceito da ONU de “envelhecimento ativo”, adotado pelo governo brasileiro,
envolve o manejo de estratégias preventivas, clínica, social e ambiental. O termo ‘ativo’ é
situado dentro da política de direitos humanos: continuidade da participação do idoso na vida
social, cultural, espiritual, cívica e, de certo modo, como força de trabalho. Para tanto, devem-
se desenvolver condições para a independência (“realizar funções relativas à vida diária”), a
participação, a dignidade, acesso a cuidados e autonomia (“capacidade para tomar decisões
pessoais”). Isso significa que a política assistencialista estaria sendo substituída pelo direito à
igualdade de “oportunidade e tratamento”, sob condição de a ‘igualdade’ estar sujeita à
responsabilidade individual pela autonomia. A política tem por meta viabilizar o “ciclo da
transição demográfico ‘sustentável’”, partindo desse fundamento do princípio da igualdade de
condições de autonomia
21
. (Como traduziu a Rede Globo “dependência é doença”).
19
Como estão se organizado as idades, e qual a especificidade desse fosso é uma problemática que fica aberta para posteriores estudos.
20
No oficio do ME/SESu/Gab, o Ministro Nelson Maculan dirige-se ao Conselho Nacional de Educação (2005) orientando procedimentos da
política para o desenvolvimento humano do envelhecimento, com qualidade e inserção social de acordo com o Plano Internacional para o
Envelhecimento da ONU.
21
“Políticas [...] para o ‘Envelhecimento Ativo’ devem reconhecer a importância do encorajamento e da delegação de responsabilidade ao
indivíduo pelos seus cuidados, bem como criar condições para que estes possam exercê-lo (ambientes amigáveis, recursos para superar
deficiências, estímulo à solidariedade entre diversas gerações). Para isso, profissionais sensibilizados com as perspectivas de um
envelhecimento digno, e despidos de preconceitos ou conceitos errôneos relativos ao envelhecimento, são fundamentais[...]”.
(http://portal.mes.gov.br/sesu/arquivos/pdf
. envelhecimento ativo. consulta fevereiro, 2002).
170
Em um cenário profundamente desigual, o estimulo a essa forma de envelhecimento,
equivalendo a valores altamente seletivos atribuídos a ‘JIM’, como elementos de identificação
associados à ‘saúde’ (superação de deficiências), à solidariedade e à sociabilidade na
“velhice”, sob a égide da valorização da aparência jovem, poderá produzir uma radical
rejeição às formas biológicas do nascimento ‘natural’, à degeneração física e mental, e à
aproximação intensa entre doença/velhice/morte. Tanto pior, quando as formas predominantes
de velhice e envelhecimento sequer conquistaram a prática do direito à aposentadoria, à
sobrevivência, e o direito e o acesso à saúde, à habitação, ao saneamento e até a mesmo à
raça, à idade e à sexualidade.
A tendência é explorar a longevidade na ‘jovem maturidade’ pelo rejuvenescimento
prazeroso - ‘vida longa e saudável’ que opõe a saúde à doença. Para isso, o discurso tende a
acentuar como ‘Outro’ uma cultura associada ao sistema de diferenças da ‘ordem cronológica
das idades’, que cristalizou “maturidade” no curso da vida como uma etapa inicial do
envelhecimento marcada pela “pós-adultícia”, a “meia idade” que antecede a chegada à
“velhice”, mesmo que todo o mundo adulto seja assim considerado.
As enunciações sobre o prolongamento da vida com aparência bela e jovem são
atiçadoras de demandas e proclamam novos termos para a “maturidade”, em parte
assegurados pela autoridade derivada do poder de nomear, através dos mecanismos dos
aparatos biotécnologicos e das operações estratégicas para a constituição de escolhas.
Assim, quando tomamos a distância entre o sistema de diferenças do “calendário
biológico” e o “sistema de diferenças do calendário cronológico, mudanças de semântica são
notadas na construção da JIM. Alguns sentidos da palavra “terceira idade” passam a conotar
“meia-idade” e “idade madura” ou “experiente”; a palavra “macho” é aludida para distinguir o
“homem” ou “novo homem” e “masculino”; a palavra “balzaquiana” é substituída pelas
metáforas “loba”, “quarentona”, “idade exuberante”; o nome “idade cronológica” é
substituído pela “idade real”, “verdadeira’, “biológica” ou da “carteira de identidade”, e assim
por diante.
Nessa batalha da nomeação e da re-significação das idades (entre 30-69 anos), que é
também um exercício de “autonomia”, de divisão e hierarquização e inclusão e exclusão
simbólica, não são usuais as referências à “terceira idade” ou diretamente ao “adulto”, sendo
este trocado às vezes por “gente grande”. Torna-se mais comum a repetição dos termos
“homem” e “mulher” para designar pessoas equivalentes àquelas antes consideradas adultas.
171
Nos enunciados (da capa e de abertura), tendem a permanecer as referências aos jovens, à
juventude e aos velhos, idosos e velhice, mas, raramente, fala-se em “adulto”(a). Também,
com freqüência, repetem-se os registros de códigos de “geração”e “idade de nascimento”.
Veja. Capa.Ed. 1428, 1996. T4- O homem
atrás de um novo modelo. Acuado pelo avanço das
mulheres, inseguro diante da mulher, [...] os homens buscam sua identidade num mundo em que não
aceita o machismo mas pede que sejam essencialmente masculinos.
Veja. Capa.Ed. 1140. 1990.[...] alongando a velhice, torná-la cada vez mais parecida com os
primeiros anos de idade madura.
Veja. Capa. Ed. 1399. 1995. (T2) Quando elas entram na idade da loba. A geração de mulheres [...].
O fio de construção discursiva JIM tem marcas de momentos que se concentram
praticamente em movimentos geracionais: na década 1970, valoriza as demandas e as
experiências relacionadas ao “Culto de corpo” sadio; a década de 1980, enfatiza a
“Construção da beleza”; a década de 1990, sistematiza as regras de ordenação do
rejuvenescimento/antienvelhecimento; e, nesse século, a sua disposição estruturada nos
sistema de calendários biológicos da “Idade Verdadeira”. Na “Idade biológica”, “Real” ou
Verdadeira” predomina o esforço de tornar as relações e as experiências da vida social
curável, por vias disciplinares terapêuticas e clínicas.
Essa estratégia se desenvolve de tal modo que, às vezes, nem a “idade de nascimento”
parece ser importante para constituir as diferenças no ponto de ‘controle zero
22
’. Para as
idades do meio, as investidas de freio e aceleração do centro “40 anos”, através de marcadores
biofisiológicos e cognitivos, visam, justamente, regular uma certa orientação em face da
imprevisibilidade desse movimento e permitir a fixação dos sentidos para as referências das
relações entre idade e saúde. Essa é uma das estratégias de esforço para a constituição do
“calendário biológico” da “Idade Verdadeira” (Roizen, 1999).
Os conteúdos que reinscrevem as marcas do rejuvenescimento se espalham e se
misturam em vários pontos, numa larga amplitude de registro de idades que soma em tempo
quarenta anos, cobrindo, quando comparada, praticamente as três gerações “biológicas ativas
de Ortega y Gasset.
Nos vazios que se estabelecem nesse deslocamento da “maturidade” na década de
1990, a diversidade de pontos etários apresentados por Veja (Ed. 1806. 2003) ‘30,40,50,60/69
anos’ (e nos seus interstícios, e para dentro e fora deles: jovialidade e envelhecimento) dos
registros dos sistemas de diferenças da configuração JIM tendem a jogar na produção dos
limites do imaginário do antienvelhecimento, sob o ‘Olhar’ da “velhice” e da “juventude” e
22
Bassit (2000) considera que, no sistema pós-moderno, quando a idade se aproxima muito do final da expectativa social ou a excede, vai
perdendo a importância.
172
vice - versa. Não existem garantias atuais ou futuras sobre os efeitos e a responsabilidade
social dessa expansão, da incerteza de até quanto e quando é possível manter a aparência da
vida longa e saudável” nesse espaço metafórico da JIM.
5.3 Estratégias de Antienvelhecimento
5.3.1 Desarticulação Doença, Velhice e Idade
Para desfazer alguns dos preconceitos e mitos associados à velhice e à inevitável
senilidade, particularmente, as ciências biomédicas e terapêuticas estariam fazendo a sua
parte. Como o trabalho de esclarecer que ‘não se pode confundir doença com idade’ (Veja,
Ed. 1.140. jul., 1990), e que uma condição não leva necessariamente à outra. Catorze anos
após essa enunciação, observamos a reinscrição: [podemos] ‘atrasar o processo de
envelhecimento em até vinte anos’ e ter uma vida mais saudável e ativa(Veja, ed.1856.jun.,
2004).
Essa decisão concorre para que o universo simbólico do significante ‘vida longa’ -
saúde, atividade, vida boa e bem–estar, além de tornar contemporânea cerca de quatro
gerações, ao sobrepor as idades produz efeitos aparentes de coetaneidade social sem que a
‘idade da carteira de identidade’ (que é ‘outra’) seja deslocada. Como resultado, temos o
efeito da homogeneização das idades entre 30 a 69 anos.
Essa estratégia busca bloquear os sentidos em alguns ou vários pontos nesse interstício
da vida, para conferir alguma coisa ‘a mais’ a cada número da seqüência, de modo a anular
algumas diferenças entre as unidades de nascimento. É que, por sua natureza, um número
sempre exige a referência a um outro número da seqüência para fazer sentido, mesmo que
não lhe seja imediatamente antecedido ou sucedido. Um número é menor do que ele mesmo e
duplo
23
.
A contingência nos limites etários tende a indicar que esse algo “a mais” metafórico
que confere essência a um número não é suficiente para servir como “suplemento” nos atos
de negociação das várias posições de sujeito articuladas pelas idades. É o processo de
equivalência na rede de diferenças que produz o efeito de homogeneidade às idades e grupos
delas. O aparato “calendário etário” está sujeito à sua natureza relacional, embora as
inscrições em números sejam cruciais para as classificações e divisões pelo poder de fixar.
23
Como dissemos, Bhabha sugere ao discutir o conceito de ambivalência da autoridade colonial (2001, p.114-115) que: “a ambivalência da
autoridade civil circula como significante ‘colonial’ que é menor que um e um duplo”. Ver, também, excelente texto de Ernesto Laclau
(2000), onde analisa do ponto de vista da lógica da equivalência o trabalho de Espinoza sobre o “zero e o um” e a obra de Pascal, onde cada
número sempre é “menor que um e um duplo” (‘zero mais um’).
173
Essa contingência e a ambigüidade de valores, nas fronteiras das seqüências cronológicas,
confere-lhes plasticidade para operar marcadores de hierarquias e sobreposições. Sugerimos
que o conhecido poder de fixar da categoria etária, em princípio, é correlato ao seu poder
desagregador e tradutório. Por si uma identidade etária é um “significante flutuante”.
Efeitos de “geração social”, por exemplo, podem ser mobilizados quando se infere
elementos das redes dos códigos das idades maduras aos registros das idades juvenis ou ao
símbolo “jovem” (beleza, ‘aparência jovem e saudável’, vigor, beleza, atividade), porque
estabelecem equivalências de diferentes e distantes idades, em um dado momento, com o
significado contemporaneidade. Essa operação simbólica no limite das identidades etárias
produz grupos que aparentam, numa ou mais posição, ter a mesma “idade biológica”, como se
um número fosse equivalente ao outro, sugerindo para eles a essência ou a condição
coetaneidade. Abrindo o espaço para que o sentido de algumas experiências de grupos de
geração se organizem em função da aparência do corpo/mente. Condição determinante para a
especificação do rejuvenescimento (‘Aproveito a experiência dos 40 anos com um corpo de
20’ - F.S, 39 anos. Veja. Ed.1639, 2000).
Esse efeito discursivo altera as relações e as práticas no sistema simbólico cronológico
de idades, prevalecente no mínimo até os anos 1970, quando muitos criam que as gerações
mantinham necessária paridade com as “classes de idades” e que as “fases” eram “unidades”
traçadas pelos cortes de idades.
Veja. Capa. Ed.1614. 1999. T3. Teste mostra sua Verdadeira Idade Biológica. Veja. Capa.Ed.1708,
2001. T1- Saúde e Vitalidade dos 50 aos 80. T4. Quantos anos você pode ganhar com mudanças de
hábitos. Veja.Capa.Ed. 1806, 2003. T1- Jovem dos 30 aos 60. Receitas para manter-se jovem aos 30,
40, 50..., e 60 anos.
Assim, no desenvolvimento das estratégias para rejuvenescimento da maturidade,
conforme apontam os enunciados, o primeiro passo foi tentar convencer que algumas doenças
relacionadas à velhice não são privilégios dessa idade. O segundo passo foi atualizar signos
do mito da jovialidade e da juventude, e da velhice e envelhecimento. Para isso, tenta
organizar o sistema de diferenciação da ‘vida longa e saudável’ distinguindo doença de idade
(‘não se pode confundir doença com idade’) (Veja.Capa. Ed.1140, 1990), para subverter os
significados da equivalência da doença com a “velhice” e com o “envelhecimento”.
Enfraquece-se a associação da doença com a “fase da velhice” e ao idoso, para estabelecer o
vínculo da doença com a velhice em qualquer “fase”?
Toma-se a doença como um critério para a velhice, assim se procede à inversão
mantendo-se a relação de doença (velhice/doença) e dependência em qualquer idade. Assim,
174
no sistema de diferenciação JIM, dissocia-se o significado de “maturidade” do início da
doença/velhice.
A simbolização da fronteira de diferenciação da velhice/envelhecimento tende a ser
marcada na distância da posição ‘velho doente, inativo, com sinais aparentes da idade
cronológica’, sendo o limite para resistência próximo aos 69 anos (‘jovem dos 30 aos 60’, a
contagem em geral é por década, de cinco em cinco anos ou ano a ano).
24
Posições de idade
abaixo desse limite, e com essas marcas, somente podem ser situadas do outro lado das
fronteiras JIM. As ciências biomédicas e farmacêuticas e a cosmetologia nomeiam-se grandes
‘parceiras’ na função de organizar a simbolização das idades para a “maturidade” e para o
“envelhecimento” com saúde, como poderemos observar na próxima citação de Veja (Capa.
Ed.1140, 1990) mais à frente e em vários momentos.
5.3.2 Desarticulação Maturidade, Experiência e Sabedoria
Por ser tradicionalmente atribuída à plenitude do sujeito adulto, a “maturidade”
25
designa a infância e a velhice como ‘falta’, períodos de incompletude, ausência ou perda
marcada pela dependência, irresponsabilidade (FORQUIN, 2003;
FEATHERSTONE;HEPWORTH, 2000). Essa noção sociológica de maturidade - cívica,
produtiva e reprodutiva - se associa a uma independência, para determinar e dirigir o melhor
possível a vida com autonomia para auto-suprir e garantir a sobrevivência e a preparação dos
mais jovens (filhos), responsabilizar-se pelas conseqüências decorrentes da não produtividade,
dos desgastes e das doenças dos mais velhos da família, e para assegurar a reprodução e a
ordem social. Esse fardo torna-se tanto maior e quase insustentável quando se associa o valor
do prolongamento da vida ao antienvelhecimento da população. Essas representações são
heranças da idéia predominante
26
de que o desenvolvimento humano culmina com a fase
adulta: trabalho, cidadania e reprodução. Como chegamos a elas?
A noção de plenitude da maturidade moderna situa em seu exterior as formas
imperfeitas “infância’ e “velhice”. Essa representação da forma imperfeita tem, por trás, a
idéia de uma infância maculada pelo pecado que a torna má, e do homem bom e libertado pela
razão. Quando estreitamos esse argumento aos seus efeitos na diferenciação das idades,
24
Veja. Capa. Int. Ed.1140, 1990.’Até na doença velho é normal. São comuns pessoas sadias com 70 anos’.
25
Pelo dicionário virtual Houaiss. Maturidade. substantivo feminino estado ou condição de pleno desenvolvimento 1(1873) estado,
condição (de estrutura, forma, função ou organismo) num estágio adulto; condição de plenitude em arte, saber ou habilidade adquirida Ex.:
<m. intelectual> <m. emocional> <m. de comportamento> 2termo último de desenvolvimento Ex.: <m. das ciências> <m. política> 3
período da vida compreendido entre a juventude e a velhice; meia-idade 4 Experiência ou ponderação própria da idade madura. Ex.: pessoa
de grande m. 5 Rubrica: botânica.estado ou qualidade de maduro. Ex.: m. de um fruto.
26
Como indicam resultados da pesquisa realizada por Almeida e Cunha (2003). A pesquisa abrangeu um universo de 210 educadores
brasileiros.
175
vemos que passou a predominar a idéia de uma ‘natureza humana’ específica para cada classe
de idade calcada na autoridade da ciência. No entender das duas autoras abaixo citadas, essas
teorias que explicavam a ‘natureza’ infantil visavam substituir a idéia de ‘pecado original’ por
uma idéia científica de ‘maturidade’. De início, essa produção teórica esforça-se para
descrever a natureza humana e seus processos de transformação onde a ‘maturidade’ se
caracterizava pela
‘[...] possibilidade de se postergar a gratificação (enfoque psicanalítico), ou de um
egocentrismo baseado na incapacidade de se descentrar (enfoque de Piaget),
incrementando-se com as idéias de recompensa e punição que visavam o abandono
dos papéis infantis (behaviorismo) (ALMEIDA; CUNHA, 2003, p.2).
Com o passar do tempo, cristalizou-se como realidade quase inconteste que o
desenvolvimento de todo indivíduo é acompanhado de um processo dividido em etapas que se
diferenciam, pelo acúmulo de capacidades que atingem o seu apogeu na idade adulta.
A Convenção Francesa de 1893 constitui um marco na história do curso da vida,
porque a relação criança/adulto pouco a pouco deixa de ser de direito “propriedade dos pais”
para estar sob as suas “responsabilidades”, deslocando-se o conceito de responsabilidade
adulta em razão da nova posição que opõe o mundo adulto ao mundo infantil. Dependência
que veio a ser reafirmada com a Declaração dos Direitos da Criança (1959), quando os jovens
adolescentes adquirem maior visibilidade como um lugar de transição, de “moratória” para a
madura vida “adulta”
27
.
Bassit (2000, p.218) considera que a ruptura com estágios de desenvolvimento da
maturidade foi introduzida nas análises sobre o curso da vida, quando os estudos de Paul
Baltes trazem uma concepção mais maleável e contínua, que parte do interesse da adaptação
individual ao que julgava a dupla natureza do envelhecimento: experimentamos perdas
biológicas e ganhos culturais. Essa mudança favoreceu como conseqüência a introdução da
“agência humana”
28
nos estudos sobre as idades envolvidas num jogo contínuo e permanente
de perdas e ganhos individuais, que resultam em responsabilização e culpa personalizada.
A estrutura simbólica desse jogo impede a negociação porque os ganhos sempre se
opõem às perdas. Dessa forma, essa simetria da relação entre os dois pólos (o biológico e o
cultural) poderá ser em boa parte assegurada pelas experiências associadas à acumulação de
27
Nesse processo, os idosos foram preteridos em termos de legislação. Faz-se, entretanto, apropriado relembrarmos que a velhice começou a
ser estruturada como senilidade (declínio físico, probabilidade de doenças) ainda na última metade do século XIX, e no final deste mesmo
século, com a aposentadoria marcando a descontinuidade. Teria sido em 1970, com o
desenvolvimento balteano do ‘life-span’, que a
psicologia começou a incluir “ganhos” à velhice; mas as marcas simbólicas da incapacidade e da não-produtividade permanecem
(ALMEIDA; CUNHA, 2003, p. 4).
28
Considerado por Giele e Elder o terceiro entre os quatro elementos do paradigma do curso da vida no após II Guerra, o conceito de
“agência humana”, utilizado na maioria dessas análises, diz respeito ao modo como os indivíduos se “movimentam ao longo de suas vidas
para atingir suas metas pessoais, fato que configura e direciona os caminhos pelos quais suas vidas são traçadas”. Os demais elementos são: a
situação no tempo e lugar, “vidas interligadas” e “sincronização da vida”.(citado por BASSIT, 2000, p. 218).
176
perdas e ganhos e à responsabilidade individual pelo auto-agenciamento da vida. Essa fala,
que sempre teve um espaço influente, tem evocado nos últimos anos a defesa da ‘felicidade’ e
da ‘autonomia’ no envelhecimento com as redes de apoio da família e da ‘comunidade’
29
.
A pesquisa sobre representações da velhice de Almeida e Cunha (2003) depara-se com
um dado sugestivo em face da imagem de ganhos de ‘experiência, ‘sabedoria’ e
‘espiritualidade’, atribuídos ao desenvolvimento da maturidade dos mais velhos. Nessa
pesquisa, a imagem que a velhice tem sobre a maturidade não privilegia esses signos da
‘experiência sábia’.
[...] é como se a vida se encerrasse na fase adulta, quando o adulto assume suas
responsabilidades com a família através do trabalho’ (ALMEIDA; CUNHA, 2003,
p. 8).
Os ‘ganhos’ acumulados na velhice: “sabedoria, a atitude mediadora, a tranqüilidade
filosófica, a imparcialidade e o desejo de oferecer lições de moral aos mais jovens”
30
- foram
considerados sinais da forma incompleta da maturidade dos velhos por muitos anos.
Os signos da sabedoria e da experiência não são propensos a assumir posições
privilegiadas na escala hierárquica das redes simbólicas associadas à ‘maturidade’ no curso da
vida moderno (“é como se a vida se encerrasse na fase adulta”). O acúmulo de ‘sabedoria’ e
‘experiência’ apresenta seus significados mais expressivos posicionados nos limites da
“velhice”, e “maturidade” é um signo que tem seus sentidos relevantes ordenados na plenitude
do desenvolvimento humano em cujo centro estão os símbolos da “adultícia” (trabalho,
cidadania, reprodução).
Não é com a figura do indivíduo adulto per si que o significado de ‘maturidade’ deve
ser considerado; a sua imagem deve referir-se a um campo que constitui um horizonte
referenciado por três símbolos essenciais. Sinais disso são os marcadores do envelhecimento:
menopausa e aposentadoria. É nesse terreno que se abre a possibilidade do sistema diferencial
do envelhecimento (experiência/ sabedoria/ espiritualidade) para subverter posições quando
inferido nas redes de equivalências de sentidos dos termos trabalho e profissão, sexualidade e
reprodução.
Esse deslocamento no sentido da maturidade orienta-se na direção da desarticulação
entre os elementos ‘sabedoria’ e ‘experiência’ e a ‘velhice’. Em boa parte, é nessa
transgressão que repousa a construção da “terceira idade” e do “envelhecimento ativo”. A
29
Em Veja tem destaque pela página assinada e as matérias concedidas ao trabalho de Lia Luft, autora de best seller nacional com o
sugestivo título ‘Perdas e Ganhos’.
30
Esses elementos, segundo Bassit (2000, p.222), já tinham sido identificados na psicologia de Hall nas primeiras décadas do século
passado.
177
produção da descontinuidade do envelhecimento pela articulação desses signos com o
trabalho/sexo/sexualidade/reprodução permite a valorização da ‘experiência’ e ‘sabedoria’
como uma forma da ‘maturidade’.
O esgotamento do acúmulo de experiências, gerado pela rápida e constante
necessidade de atualização, passa por dentro dessa questão. As sociedades contemporâneas
ocidentais experimentam processo de expansão do envelhecimento para todas as idades
causado, prioritariamente, pelas redes de informação características das sociedades modernas.
Castells (2001) considera, que esse processo se particulariza pela quebra da
sincronização da cronologização do curso da vida em seus componentes sociais e biológicos,
que, agindo sobre o tempo da vida humana, redefine, substancialmente, o curso da vida em
três aspectos: 1) a velhice não mais delimita a saída do mercado de trabalho, pois, como há
possibilidade de viver mais, é possível que as pessoas saiam do mercado antes de terem
vivido dois terços de suas vidas; 2) as deficiências não estão mais somente associadas à
velhice: algumas dificuldades podem ser estendidas a grupos mais jovens como a
possibilidade de morrer por doenças até então consideradas de ‘velho’ e pelos riscos de morte;
3) os indicadores de diferenciação social apontam para a acumulação de capital social e
cultural em todos os momentos do curso da vida, sobrepondo-se às diferenças entre as idades
cronológicas
31
. Quebra-se, pois, a sincronia entre velhice e aposentadoria (fim do trabalho),
velhice e doença, velhice e morte.
Os esclarecimentos desse autor ajudam a perceber o movimento do corte de inclusão
da velhice pela saída do trabalho, pela ‘aposentadoria’ e pela associação com a doença e a
morte, na direção de outros marcadores de diferenciação, orientados pelo acúmulo de capital
cultural e social. Desse modo, afrouxa a extensão dos significantes sabedoria e experiência
como valores simbólicos para qualquer idade.
A referência ao capital cultural e social chama atenção sobre essa distância entre os
lugares ‘envelhecimento e sabedoria’ e ‘envelhecimento e experiência’, no discurso sobre o
rejuvenescimento (antienvelhecimento) e a maturidade. Esses distanciamentos subtraem do
‘envelhecimento’, entendido como um processo cultural e biológico geral do contínuo
determinante do curso da vida, a positividade da repetição de experiências acumuladas. Além
de lidar com o ‘passado’, que passa muito ligeiro e que tende a tornar as experiências e
sonhos recentes distantes lembranças, tem-se a sensação de que está obsoleto, do ‘tempo
antigo’, alterando e ampliando as possibilidades de ‘escolhas’.
31
Praticamente, essas três conclusões de Castells são também as de Debert (1999), e em boa parte de Almeida e Cunha (2003), para o Brasil.
178
Para não perder o senso de unidade, em face dessas contingências, enquanto se
reinscreve, traduz-se, constantemente, através de novas experiências e sonhos, necessidades,
desejos, lembranças e imagens de projetos de lugares num presente sempre adiado,
negociando e perseguindo algo (alguma essência) que garanta essa fantasia da unidade da
identidade. Mais agravado se torna a contingência, quando Melucci (2004) e Castells (2001)
lembram que o saber acumulado individual tornou-se intransferível, comprometendo os
processos de projeção e introjeção da socialização.
O arrojamento e o desempenho para e de novas experiências, e a capacidade para
experimentar passam a ser a medida para a avaliação responsável do valor do capital cultural
no entender de Castells (Ibid). Essa perspectiva, que contribui para redesenhar as formas de
maturidade, vem favorecendo o enfraquecimento do mito da inerente ‘inexperiência’ jovem,
opondo-se à sábia ‘experiência’ e ‘sabedoria’ dos mais velhos.
Ainda que essa especificidade possa aumentar a relação de solidariedade entre as
idades de geração (DEBERT, 2000), também, pode trazer problemas nas ‘fontes’ tradicionais
de autoridade (FORQUIN, 2003), gerando colisões, discórdias e conflitos e agonismos outros,
que exigem negociações entre gerações. Desnecessário se faz acrescentar a situação de
desprestígio em que podem ser colocados alguns idosos e velhos para os quais a ‘sabedoria’ e
a ‘experiência’, bem ou mal, marcavam a particularidade de uma frágil face admirada. Mas,
ao mesmo tempo, apresenta-se algum espaço que possibilita a essas idades, assim como as
mais jovens, tornar transparente a capacidade e poder para decidir e escolher com autonomia.
Nos momentos em que operam como significantes ‘flutuantes’ nas redes de
equivalência de maturidade como capacidade para experimentar, em que se encontram
enredados em suas particularidades, ‘sabedoria’ e ‘experiência’ passam a constituir signos
relevantes na estruturação de posições das jovens idades maduras? Seria esse lugar um terreno
cultural propício à valorização da experiência da sabedoria como elemento de defesa de
identidade ‘jovem madura’?
No discurso sobre o rejuvenescimento (JIM), o desenvolvimento das estratégias de
articulação da maturidade, as redes sabedoria/experiência/espiritualidade tendem a intensificar
os registros de inclusão dos ‘outros’, pela capacidade para experimentar escolhas e decisões.
A plenitude da maturidade, agora sendo um nome para essa capacidade para
experimentar com autonomia, marca o modo de vida longo, corajoso e saudável. O ganho
cultural ‘experiência’ é chamado a assumir a ‘postura corporal’ logo aos 40 anos como o
limite máximo de inclusão. Como vimos, orientação da rede ‘vida longa e saudável’ trabalha
179
privilegiando a dissociação/associação da saúde e com a doença inscrita no campo mais geral
de oposição ao envelhecimento na maturidade.
Época. Capa. inter. Ed. 308, 2004. A preocupação com o envelhecimento é um dos marcos da Segunda
Adolescência. ‘O filme mudou’[...] ‘com 40 e poucos anos’[...]. Um checkup pode ter dois veredictos:
ou o sujeito está ótimo e fica assustado quando o médico diagnostica que ele vai chegar aos 100 anos,
ou fica aterrorizado ao descobrir que sua máquina está enferrujada. ‘É nessa hora que ele tem uma
visão mais realista da vida’. Com todos os exames,[...], basta manter o estilo de vida saudável para
estar bem [...]. Uma postura corajosa diante das mudanças é fundamental nessa fase.
As articulações hegemônicas, que positivavam essas ‘competências’ acumulativas de
ganhos simbólicos pelo envelhecimento, reinscrevem nos últimos anos, além e aquém desse
estágio. Acentuam a constituição do horizonte desse limite, pela aceleração da onda de
valorização da felicidade, dos laços afetivos familiais e de amizade (redes de apoio) e do
fortalecimento da família como suporte de acúmulo do capital social para a autonomia
individual.
De modo que o discurso sublinha a tendência para que a regra ‘vida longa e saudável’
prescinda dos significantes ‘experiência, sabedoria e espiritualidade’ como uma forma de
exclusão/inclusão etária e não impeça que a sua extensão para o acento na positividade do
envelhecimento - ‘viver mais e melhor’ - implique ou não esses valores.
Os sentidos de sabedoria e experiência são cobrados como lugar “vazio” pelo
esquecimento da necessidade de adesão a esses critérios em cada ‘etapa’: Hoje amadurecemos
tarde e mal, acredita Lia Luft. Não é à toa, portanto, tememos tanto a velhice; chegamos a
ela vazios, sem a bagagem interior
com que deveríamos nos sustentar em mais essa etapa
(Veja. Capa Ed.1844, 2004).
Esse lugar-limite contingente dos signos do envelhecimento (experiência/ sabedoria/
espiritualidade) passa a ser simbolizado, por um lado, nas relações e práticas articuladas à
consciência corporal” e, por outro lado, a “modo de vida” afirmador do ‘mundo interior’.
Essa ‘opção’, indiscutivelmente, foi importante para, nos últimos anos, construir a
configuração rejuvenescimento (30 a 69 anos) e a noção de “envelhecimento ativo”.
Reivindicações e demandas do ‘envelhecimento ativo’ que os velhos são os mais
lentos, os mais esquecidos e os mais improdutivos
32
(Veja. Página Amarela. Ed.1866)
chamam para a defesa da identidade cultural: eles podem desenvolver experiências nesses
limites porque teriam a seu favor a experiência e a confiança no próprio trabalho.
Note-se como são complexas as relações entre velhice, experiência e maturidade. No
exemplo que segue sobre gerações familiares, as experiências de ‘meio século são citadas
32
Por exemplo, Schirrmarcher, o autor do Complô Matusalém
180
para afirmar a negação que o exercício dessa qualidade leva à unidade da ‘velhice’, mostrando
a ambivalência na relação. A autoridade auferida com o acúmulo da experiência vai ser
abalada pelo movimento da conclusão que esvazia o seu valor, tornando esse lugar “vazio”
(experiência): foram necessários 50 anos para dizer metaforicamente aos ‘maduros’ o que
eles, talvez, sabem e, mesmo assim, buscam.
Veja. Ed.1036, 1988. T1. Deixem os seus filhos em paz. Com 50 anos de experiência o psicanalista
Bruno Bettelheim tem grandes conselhos para os pais. T3 [...] mostra aos pais que a educação
perfeita é um mito
.
5.3.3 Maturidade: Capacidade Para Ponderar Escolhas?
A revista semanal, Época (Ed.308. 2004. Capa), destaca a associação da maturidade
com os signos experiência e sabedoria, buscando estabelecer uma distância dos estigmas da
“velhice” e de “juventude”, ao tempo em que introduz pontos de distinção nesses limites. No
exemplo abaixo, passa-se pelas margens da “juventude”, da “adultícia” e da “velhice” para
estabelecer as diferenças, borrando essas fases do sistema “cronologização da vida”.
É a articulação com elementos da rede de diferenciação “jovem” e “juventude”
(esperança, rebeldia, coragem, gosto pelo novo e a novidade, instabilidade emocional,
mudanças no corpo, irresponsabilidade, ‘peso’ social) que está valorizando o lugar JIM,
através das equivalências do potencial para decidir avaliando riscos, perigos e danos,
distinguindo-se de ‘crianças’, ‘adolescentes’, ‘jovens’, ‘velhos’, ‘terceira idade’ e ‘adultos’.
O corte na rede de sentidos para estabelecer a fronteira discursiva da maturidade
mostra-se bem: ‘sabem ponderar sobre o que realmente vale a pena’. Observemos a
inferência no sistema da configuração de “cronologização da vida moderna”, procedendo
reinscrições nos registros do sistema de diferenciação da configuração JIM, marcando as
diferenças de fronteira através do valor simbólico e dos sentidos da “fase adolescência”, que,
também, estão sobrepostos à contemporânea “pós-adolescência”. O momento de reinscrição,
que marca o ato de decisão para a passagem do universal “adolescente” articulado ao
particular ‘Segunda adolescência’, como um nome para o lugar da posição de sujeito JIM, é
ilustrativo nesse fragmento:
181
Época. Capa. Ed.308, 2004. T1. A Segunda Adolescência. Com os filhos crescidos, homens e
mulheres entram numa nova etapa da vida – com tempo, dinheiro e disposição, querem diversão e
prazer.
1º ¶ Como os adolescentes, eles têm sonhos e estão dispostos a vivê-los, rebelam-se contra a vida que
levam e questionam seus valores. Querem trocar de cidade, de emprego, de parceiro. Como os
adolescentes, estão passando por um turbilhão hormonal que provoca constantes flutuações de
humor. Assim, como os adolescentes não querem virar adultos nem ser tratados como crianças, eles
não admitem ser chamados de velhos. E, como os adolescentes, têm poder para mudar. Com uma
diferença sua força não é física, mas fruto da maturidade. Não se desgastam com coisas pequenas
porque sabem ponderar sobre o que realmente vale a pena. Entre a meia-idade e a terceira idade a
turma que está chegando aos 50 anos vive uma segunda adolescência.
O elemento de identificação predominante adere ao significante
adolescente/adolescência’, onde vários dos seus elementos associados, também, à
juventude/jovialidade e pós- adolescência foram inscritos em equivalência. As referências
mais significativas do sistema discursivo JIM estão articuladas aos elementos da “terceira
idade”, sem que esta seja mencionada. Mas a diferença que sobressai para distinguir a
‘Segunda’ da ‘Primeira’ adolescência é amaturidade para ponderar escolhas’.
Por seu turno, a decisão de privilegiar o espaço para a passagem na fronteira de idades
superiores da “juventude” (30 anos) se baseia em relações de igualdade de identidade, e tenta-
se preservar a exclusão pela incompletude
33
: inexperientes... imaturos ‘se desgastam com
coisas pequenas’, seu poder para escolhas está na força física. O que sugere insuficiência da
capacidade para escolhas e decisões apropriadas e de poderes constituídos pelos efeitos desses
atos.
A tentativa de homogeneização das duas ‘adolescências’, com a identificação
estabelecida nesse ponto, auxiliaria na tarefa de deslocar o ‘vanguardismo jovem da
atualidade’, cedendo lugar, ‘amanhã, a um novo reino República da Maturidade’ onde
prevalecem em sua direção a “sabedoria” e a “prudência”, em detrimento da “prepotência” e
do “artificialismo” atribuídas à cultura jovem, ao tempo em que se fixem os demais signos
da rede jovialidade (www.caminhodasletras.com.br, consulta janeiro, 2006).
Na posição “geração” articulada à “sexo”, a enunciação do lugar “vazio” da
experiência e a possibilidade do “suplemento” pela associação ao poder dos jovens para
responder com autonomia, também, re-significam as relações entre maturidade e experiência,
porque valorizam a capacidade para experimentar (‘precocidade e liberdade...’) sobrepondo
o lugar estabelecido para a forma da “escolha jovem” limite significado pela “escolha livre”
jovem que é efeito força física. Além disso, ao realizar esse trabalho, enfraquece o lugar da
autoridade da experiente geração que fez a ‘revolução sexual’ dos anos 60/70 (‘confusos’,
33
Nos subitens ‘kindults’ e ‘pós-adolescentes’, voltarei ao que deixo pendente sobre essa incompletude.
182
‘pasma’). Em contrapartida, e como prêmio simbólico da negociação, aumenta a distância
entre o significado de “maturidade” e “velhice”, que poderia ser simbolizada na rede
experiência/sabedoria (‘poucos sabem...’).
Veja. Capa. Ed.1633, 2000 (T1). Os pais estão confusos. A geração que fez a revolução sexual está
pasma com a precocidade e a liberdade da vida amorosa de seus filhos. Poucos sabem como lidar
com a primeira vez dos adolescentes.
Mais recentemente, o resgate da autoridade dessa ‘geração’ da ‘revolução sexual’,
que está relacionado à maturidade e à decisão com a ausência de sua plenitude nas idades
mais jovens, desloca-se para o terreno do conflito entre gerações, em outros termos.
Progressivamente, busca-se a colonização da autonomia e da liberdade do adolescente e da
juventude na hierarquia familiar, limitando o poder de decisão e evocando-se as experiências
das gerações mais velhas e passadas como algo ‘contemporâneo’, para desenhar os limites do
poder e da autoridade nos projetos familiares individuais.
Nesse momento de orientação sobre escolhas sexuais, transparece a aproximação dos
sistemas de diferenciação experiência/sabedoria e capacidade de escolha e decisão, dirigindo
a significação para os limites da plenitude madura no corte lingüístico ‘capacidade para
responder sobre o que vale a pena’ e sem o uso da força física. Essa diferença, a única que
distinguia os jovens dos maduros quanto à natureza do poder para mudar (Época, Capa.
Ed.308. 2004, acima), vê-se mais uma vez ameaçada: a violência nos últimos anos,
acentuadamente atribuída aos jovens, é introduzida na negociação para a reconstrução da
‘autoridade’ madura nos conflitos entre as duas gerações.
Veja. Capa Ed.1602, 1999. T1. Por que é preciso dizer não. Depois de uma geração que tudo permitia
aos filhos, agora educar é saber impor limites.
Veja. Capa. Ed.1224, 2004. T1. Não tenha medo de ser visto como repressor ao impor limites no
adolescente que atazana a sua vida. Educadores e Psicólogos dizem que isso faz bem a ele e a você.
Veja. Capa. Ed.1841, 2004. 1º ¶. Até poucas décadas atrás, os pais educavam seus filhos com base
numa regra simples: cabia a eles exercer sua ascendência sobre a prole de maneira inquestionável,
pois como diziam os avós dos adultos de hoje – criança não tinha direito nem querer. Com a
revolução comportamental dos anos 60, a difusão dos métodos pedagógicos modernos e a
popularização da psicologia, a liberdade passou a dar o tom nas relações entre pais e filhos. A tal
ponto que hoje se vive o oposto da rigidez que pontificava antes disso [...] chegamos a uma situação
limite. Está na hora dos pais recuperarem sua auto-estima e a sua autoridade.
Guarde-se que essas tentativas para limitar as experiências da autonomia nas fronteiras
da “adolescência” e na “juventude” nas relações com os pais não extinguem os rastros
mostrados no discurso sobre o poder dos jovens para decidir (ou pelo ‘uso da força física’, ou
pela ‘precocidade e liberdade’), em face da plena capacidade da maturidade para ponderar
escolhas’. Evidentemente, esses antagonismos, que são efeitos das barreiras de “geração” para
183
as posições diferenciais experiência e sabedoria em equivalência com a ‘maturidade’ para
ponderar’ atos de escolhas e atos de decisão, estabelecem hierarquias e divisões que
organizam simbolicamente as diferenças e identidades de vários e distintos grupos de jovens
idades.
A principal diferença, ‘ponderar escolhas’ sem violência física, foi revelada nos
antagonismos que marcam as posições sexo e geração. O que levou a uma radicalização do
conflito em nome da autoridade madura e da preservação de sua identidade (‘[...] chegamos
numa situação limite. Está na hora [...]’).
Dessa forma, esses signos híbridos da maturidade e do envelhecimento estariam
contribuindo para deslocar os calendários etários, através do exercício cotidiano da
capacidade para ponderar escolhas e decisões, aproximando-se ou afastando-os dos limites
dos lugares JIM. Porque parece ser esta a regra básica do valor da JIM que tende a prevalecer:
a capacidade para ponderar o que ‘escolher’, e ‘decidir’, e experimentar e desafiar, muitos
anos de antienvelhecimento: saudável, ativo e rejuvenescido. O que exige ‘atos de decisão’
sobre as relações que produzem as escolhas de novas experimentações.
Isso possibilitaria, por dentro das cadeias de equivalências dos signos de ‘geração’ e
da ‘jovem idade’, o registro das marcas híbridas, sinalizando nas posições de fronteira, para os
significantes: esperança, rebeldia, coragem, prepotência, gosto pelo novo e a novidade,
instabilidade emocional, mudanças no corpo, irresponsabilidade, contemporaneidade e poder
para influenciar no esforço da homogeneização de ‘modos de vida’ marcados por posições
etárias.
Mas essa possibilidade não se deu sem que as enunciações considerassem as posições
antagônicas, como mostradas nas reivindicações e pelejas pela reconsideração de traços da
‘velhice’ e do retorno da autoridade da maturidade ‘adulta’, presentes no imaginário sobre o
“sistema cronológico do curso da vida moderno”. Entre outras coisas, esses resíduos do
último fragmento citado tornaram possível preservar uma certa estabilidade à distinção entre
a ‘Primeira’ e a ‘Segunda Adolescência’ nas relações entre pais e filhos. Termos que são,
inclusive, importantes nos códigos do ‘sistema cronológico moderno’ de idades. Por essa
razão, apropriados para, de um lado, relacionar a identificação da maturidade com a
autoridade ‘adulta’ que tudo pode (entre outras coisas, agressiva e repressora) e, por outro
lado, para enfraquecer essa relação, ao apresentar os ‘jovens’ como agentes da ‘força física’,
e a “maturidade JIM” uma capacidade para ponderar e decidir agindo. O que revela o
antagonismo da posição ‘conflito de gerações’, no momento ‘jovem maturidade’, em que se
184
inscreve esse significado de poder de violência da juventude para aderências e legitimações ao
exercício desse tipo de autoridade na JIM.
Não tenha medo de ser visto como repressor ao impor limites no adolescente que atazana a sua vida’
[Ou] [...] ‘exercer sua ascendência sobre a prole de maneira inquestionável, pois como diziam os avós
dos adultos de hoje – criança não tinha direito nem querer’
[acima, em três edições de Veja].
Regra básica da Jovem Idade Madura
Lugar vazio daexperiência’ articulada a ‘sexo’
Lugar vazio da autoridade adulta articulada ao conflito pais/filhos
Distância entre os dois calendários: Primeira e Segunda Adolescências e Velhice
e Experiência
Elementos de identificação: tempo, dinheiro, diversão, prazer e outros signos
jovem (esperança, rebeldia, coragem, gosto pelo novo/novidade, instabilidade
emocional, mudanças no corpo, irresponsabilidade, peso social).
Traço da diferença da ‘jovem idade’: capacidade para ponderar escolhas e
decisões (mais velhos são ponderados e os mais novos prepotentes e artificiais).
Redes para desvincular as idades mais altas da maturidade: quebra do mito:
‘velhos lentos e fracos’, e reforço no imaginário ‘velhos têm experiência e
confiança no que fazem’.
Antagonismo: na posição sexo e geração, a enunciação do ‘lugar vazio’ da
experiência e a possibilidade do ‘complemento’ poder dos jovens para ‘responder
agindo’, desarticula as relações entre maturidade e experiência. Porque valoriza a
autonomia (‘precocidade e liberdade...’) por cima do seu limite significado como
efeito da ‘experiência’ pelo uso da força física.
Negociação: enfraquece as diferenças entre velhice e maturidade ao desvalorizar
a confiança e a experiência, e aumenta a capacidade de autonomia jovem pelo seu
‘poder de força’.
Articulação hegemônica: poder e capacidade para ‘escolher’, ‘decidir’ e
experimentar e desafiar os limites incertos dos muitos anos de antienvelhecimento
saudável, ativo, rejuvenescido, sem equivalência aos 30-69 anos dos calendários
‘cronológicos modernos’. O que exige arrojamento e desempenho prudente na
decisão (consciente ou não) sobre as relações e as escolhas de novas
experimentações.
5.4 As Fronteiras do ‘Antienvelhecimento’
Na análise de suas pesquisas sobre o envelhecimento nos anos noventa, Debert
(1999) comenta que a ligação entre velhice e doença é aceita também entre idosos da “terceira
idade”. Contudo, fala de uma tendência entre eles para localizar algumas doenças físicas e
mentais como parte de uma relação que se definiria nas condições gerais que afetam as
pessoas em qualquer fase da vida. O que assente com a liberação e reconstrução de posições
dos idosos com essa referência interna nas ‘novas’ formas de envelhecimento.
185
Observamos, em outro lugar, que essa autora e Peixoto (1998) mostram uma rápida
mudança nos termos do discurso predominante (gerontólogo cuja imagem é a do velho
brasileiro como uma vítima do sofrimento
34
e da solidão), no final dos anos 1980, na direção
da positivação do envelhecimento nos termos em que são colocados alguns grupos da
“terceira idade” e alguns “idosos”.
Também acentuamos os esforços para diferenciar a pós-aposentadoria da velhice, sem
a qual se tornava impossível distinguir as duas identidades: ‘velhice’ e ‘terceira idade’. Fazia-
se necessário romper com a rede que equivalia à velhice e à aposentadoria para diferenciar a
“terceira idade”, e, ao mesmo tempo, produzir mais nitidamente o movimento de segregação
interna ‘jovem idoso’, ‘idoso’, ‘velho novo’, ‘velho velho’ (DEBERT, 1999). Nós
entendemos que esse trabalho de diferenciação do envelhecimento foi possível pelas
definições nas fronteiras da maturidade que esse discurso vai tornar mais visível após 1990
(vide Veja, Ed.1806, acima: ‘... jovens dos 30, 40...’), como em parte já acentuamos nesse
capítulo.
A função da ciência biomédica na produção da vida longa e rejuvenescida predomina
nos textos-amostra pesquisados, que inscrevem demandas sobre as idades entre 30 e 69
anos
35
. Observemos o apelo ao mito do ‘prolongamento da juventude’ em seu posicionamento
com a ‘JIM’. Os agentes ‘ciência da saúde’, que também anunciam prolongar a “jovem
idade”, são metaforizados numa posição de sujeito que suscita ser o lugar da própria ‘fonte da
juventude’.
Veja.Capa.Ed.1.140. 1990. T1- Em Busca da Juventude. Como a ciência prolonga e melhora a vida
T2- Como a ciência está prolongando a Juventude. O carioca Carlinhos Niemeyer (foto no centro da página)
chegou aos 69 anos sem sofrer qualquer das doenças associadas a idade avançada, como pressão alta ou
artrite. Os avanços da medicina estão permitindo que mais pessoas cheguem a velhice com saúde.
T3- Fonte da Juventude. A ciência desvenda os segredos...
Veja.Capa. Ed.1575, 1998. T1- Ser Mãe perto dos 40. T2- Ser mãe na maturidade. Um número cada vez maior
de brasileiros está adiando para a meia-idade seus planos para ter filhos.
A ciência desvenda segredos do rejuvenescimento, produz drogas e tratamentos novos para frear o efeito dos
anos e promete uma idade madura mais saudável.
Veja. Capa. Ed. 1806. 2003. T5 É possível prolongar a juventude. T4. Jovem dos 30 aos 60 anos. A ciência já
decifrou os mecanismos [...]
34
A imagem em geral espelha um ser de ‘perdas’: discriminado, inativo, vivendo precariamente, perdendo status, prestígio e das relações
funcionais decorrentes do trabalho. Decorre disso um ser em ‘crise’ de identidade que pode levar a ‘retração’, ‘à volta a si mesmo’, à
síndrome da pós-aposentadoria (isolamento, solidão, morte social e física) (DEBERT, 2000, p.308).
35
No discurso da mídia sobre a longevidade e o rejuvenescimento, podemos sentir movimentos de uma cultura empresarial dominando a
expansão do consumismo, e desenhando a incorporação de novos domínios de mercado
Dois processos que envolvem o consumo de
mercadorias estão caracterizando e dominando como tendências nos discursos contemporâneos: a comodificação e a democratização. Para
Fairgcloug (2001, p. 151), instituições não ligadas aos bens de consumo têm enfrentado crescentemente o dilema de se virem arrastadas para
o modelo dos bens de consumo e para a matriz do consumismo e estão sendo pressionadas para ‘empacotar’ as suas atividades como bens de
consumo e ‘vendê-las’ aos ‘consumidores’. O dilema estaria em que, para situarem-se no mercado de bens de consumo, faz-se preciso
render-se ao poder dos consumidores e tornar os ‘serviços’ (ou produtos) simples, atraentes e sem restrições (isto é, democráticos) mas cada
um desses bens necessita de ‘regras e salvaguardas’ para serem consumidos. Esse viés da democratização e da comodificação, que
transforma o cidadão-consumidor em cidadão-cliente, constitui um rico campo para outras análises da construção das identidades do curso da
vida, mas não é nosso foco.
186
Evocando, o mito do imaginário desejado em todas as idades de humanos – a
juventude – a autoridade do agente “ciência da saúde” estabelece a orientação ‘viver mais e
melhorpara promover a inversão entre velhice e doença, e para reafirmar as doenças na
‘velhice’ de forma contundente: ‘é velho quem é, quer, pensa ou aparenta estar doente’. Esse
é um lugar bem diferente de ‘é doente quem é velho’ (doença/velhice). Como é impossível
significar sem estabelecer fronteiras que contenham o movimento das diferenças, busca-se a
ordenação de um novo horizonte para bloquear o movimento das diferenças; procuram-se
fixar as fronteiras dentro/fora - 30 e 69 anos - como um campo onde se trava a luta pelos
limites da diferenciação da identificação.
Persegue-se a estruturação de um ‘novo’ horizonte pelo jogo dos efeitos da
desarticulação das relações entre doença e velhice regidas pelos calendários da
‘cronologização das idades’. Dessa forma, foi possível perceber os antagonismos, deixando os
rastros da especificidade da “regra”, que rege a fronteira da JIM: rejuvenescimento saudável
constantemente recuperado equivale a indeferir a velhice/envelhecimento.
Quadro de destaque. Veja.Capa Ed. 1 140.1990.Realidade (e não mito). Uma pessoa de idade sem
doenças é, sob o ponto de vista médico, uma pessoa sadia. Idade não é doença. Pulmões e coração
perdem capacidade, mas num ritmo lento que ainda pode ser retardado com exercícios e dieta. Até na
doença velho é normal. São comuns pessoas sadias com 70 anos’.
Veja. Capa. Interno Ed. 1140.1990. (Dra. E.S.) [...] ‘dar vida aos anos’ e não apenas ‘anos a vida. [...]
o foco da medicina atualmente não é ganhar anos, alongando a velhice, mas torná-la cada vez mais
parecida com os primeiros anos da idade madura’.
Explora-se o significado de contemporaneidade do lugar do ‘outro’: velhas e velhos
ou/e aparentemente envelhecidos e envelhecidas ou jovem demais – , extemporâneos desse
tempo da ‘jovem idade madura’, sobretudo, algumas representações da “cronologização do
curso da vida moderno”. É para estabelecer a positividade que essas e outras imprevisíveis
referências negativas são absolutamente exigidas continuamente (LACLAU, 2000). Na
constituição de identidade e da diferença, essa pré-condição nos sugere que a negação das
redes simbólicas da ‘maturidade’ é a condição para a sua afirmação: se não podemos
interpretar em suas várias desarticulações o que significa o envelhecimento, a velhice e a
juventude, a fantasia do contínuo da vida humana moderna - crescimento, maturidade e
envelhecimento - estaria destruída.
A construção da fronteira ‘JIM’, opondo-se ao “envelhecimento”, procura excluir
posições de sujeito produzidas nas redes de identificação morte/doença/infelicidade, sinais
aparentes de envelhecimento e desgaste: baixo desejo de prolongar a vida e a incapacidade
para a ‘autoprodução’, ‘auto-realização’, terapia e vigilância do rejuvenescimento. Esses são
alguns critérios que orientaram os sistemas de diferenciação nas fronteiras das idades entre
187
30-69 anos em importantes momentos de decisão dos significados JIM. Mas nada garante que
prevalecerão em todos os momentos de construção das posições de sujeito e que seus sentidos
não sejam desarticulados por estes ou outros elementos, uma vez que os sistemas de diferença
são sempre abertos e ameaçados.
Assim, nessa configuração que tem por base processos de homogeneização e
diferenciação constituídos através de sistemas de diferenças posicionados na barreira da
maturidade/envelhecimento trabalha no desenvolvimento de estratégias de ‘freio dos anos’ na
aparência da idade de nascimento. Essa aparência deverá ser rejuvenescida, até a idade limite
da velhice e do envelhecimento, sempre deferido (no momento, o limite é 70 anos). Nessa
fronteira, os lugares nos limites superiores das idades são tanto ou mais perturbadores e
ameaçadores do que nos limites inferiores.
No lócus das idades não se pode deixar de acompanhar o sinal da ordem crescente dos
anos que passam. Sobretudo porque o processo de prolongamento da vida tende a afastar as
fronteiras e os limites para as idades mais velhas. Por isso é importante, para o
‘rejuvenescimento’, que alguns desses anos possam ser simbolicamente vencidos, ao serem
reduzidos os efeitos aparentes das marcas do envelhecimento. O que, em princípio, depende
do ‘projeto’ para desempenho pessoal baseado em modos de vida “terapêuticos” (“terapia” no
sentido distinguido por Melucci e Giddens) e aparatos do rejuvenescimento e de ‘escolhas”,
para anular o acúmulo de “perdas” biofisiológicas em geral (corpo/mente). É como se
fossemos convidados para o desafio de viver os quarenta anos de “maturidade” com a
aparência “rejuvenescida” dos ‘primeiros anos’.
Alguns desses efeitos simbólicos sobre o corpo e a mente e seus limites podem ser
ficticiamente contados na metáfora do relógio da vida. Podendo-se atrasá-lo, ou adiantá-lo,
segundo os pontos de ‘crises’ do irregular amadurecimento biológico e fisiológico e os ritmos
individuais no esforço vigilante do domínio para vencê-los, e manter a aparência
rejuvenescida pelos cuidados pessoais e o acompanhamento sistemático de médicos e de
outros especialistas e terapeutas. Conjuntos de aparatos de informação, comunicação e auto-
ajuda comunicam e instruem sobre mudanças de hábitos, comportamentos, formas de
planejamento das intervenções, autocontrole e monitoramento, vigilância, controle e domínio
através da escolha desse leque em expansão de opções , a exemplo do exposto no QUADRO
2 a seguir.
Capa.Veja.1671.1999. T1. A Idade Real. Quantos anos você pode ganhar com mudanças de hábitos.
T2. Médico americano calcula quantos anos pode ganhar quem adota hábitos saudáveis
.
188
QUADRO 2 - MARCAS DO CALENDÁRIO BIOLÓGICO : “JOVEM DOS 30 AOS 60 ANOS”
QUADRO 2. Marcas do Calendário Biológico: “Jovem dos 30 aos 60 anos”. Fonte: Veja, Edição, 1806. junho,2003. Capa. Destaques Internos
30 ANOS 40 ANOS 50 ANOS 60 ANOS
PELE
A elastina e o colágeno que dão
flexibilidade eso nos mesmos
veis da juventude, mas a
epiderme começa a se tornar
mais fina e sensível.
Perda de elastina e colágeno. Rugas de
expressão.
Surgem manchas (melanoses) na face e nas mãos.
Aumento das áreas com manchas com
incidência alta de câncer de pele
tratável.
OSSOS
Nenhuma alterão. Perda de massa óssea de 1% a 2% ao ano é
normal.
Defini-se a estrutura óssea para os próximos 20 anos. Se
não houver’ perda por doença, os ossos serão fortes até
depois dos 70 anos.
Defini-se a estrutura óssea para os próximos 20 anos. Se
não houver’ perda por doença, os ossos serão fortes até
depois dos 70 anos.
Sem doenças espeficas, a ossatura
esta em bom estado geral, com
algum desgastes nas juntas.
OLHOS
Nenhuma alteração. Primeiros sintomas de vista cansada. A miopia tende a ceder e a vista cansada piora. Vista cansada exige lentes mais fortes
OUVIDOS
Nenhuma alteração. Menos acuidade para tons agudos. A audição piora mesmo sem nenhuma doença. A audição perde quase totalmente a
sensibilidade para freqüências altas.
MÚSCULOS
Estão no auge da força.
Depois dos 45 anos, perda de 1% da massa
muscular por ano.
A perda de 1% ao ano se acentua se a pessoao se
exercitar com pesos.
Além de perda de massa, músculos
não usados se atrofiam.
CORAÇÃO
A pressão ideal de 11,5 por 7,5
tende a subir para 12 por 8.
É a idade em que a hipertensão arterial se
revela em 80% dos homens com tendência
a essa doença. Nos normais, a pressão
tende a subir para 12,5 por 8.
A pressão tende a ir para 13 por 8,2. O risco de ataque
cardíaco fatal por entupimento das artérias cai em função do
desenvolvimento da circulação periférica.
Diminui o volume de sangue que o
coração consegue bombear. Também
cai o consumo de oxigênio pela célula
do músculo caraco.
RECOMENDAÇÕ
ES
PARA HOMENS
Exercícios aeróbicos regulares
(uma hora por dia, três vezes por
semana). Controle anual dos
veis de colesterol, preso
arterial e exames preventivos de
diabetes.
Aos aeróbicos, acrescentar exercícios
regulares com peso. Correção postural,
check-ups cardíacos anuais, exames
laboratoriais da próstata. Discutir com o
dico a necessidade de suplementos
vitamínicos e de tomar um comprimido de
aspirina por dia.
Exercícios fisicos com peso. Exames de colonoscopia e
clinico da próstata. Check-up anual completo com avaliação
cardíaca e de níveis do colesterol. Controle mensal da
pressão arterial. Discutir com o médico a necessidade de
fazer exames que possam indicar inflamação nos vasos
sanguíneos.
O mesmo exercio dos cinquentões
com carga diminuída e freqüência
aumentada. Exames médicos
semestrais para áreas com problemas
porventura detectados, como pele e
próstata. Exame da função tireoidiana,
entre outros motivos, para encontrar
possíveis causas orgênicas de
depressão e mudanças de humor.
RECOMENDAÇÕ
ES
PARA
MULHERES
Os mesmos exercícios
recomendados aos homens mais
trabalho com peso. Filtro solar
diário e cremes com DMAE
(estimulantes do metabolismo)
para a pele. Alimentação
balanceada. Avaliação clinica
com exame papanicolau e a
primeira mamografia no caso de
antecedentes familiares.
Mamografia anual, dieta balanceada com
mais peixe, alimentos integrais, castanhas e
frutas, e menos carnes vermelha e arroz
branco. Vitaminas, em especial acido
lico. Teste de desintometria óssea para
detectar osteostoporose. Exame postural e
exercios de correção.
Roizen sugere tomar uma aspirina por dia e vitaminas.
Discuta com seudico essa possibilidade. Além dos
exames de rotina femininos, fazer testes de tireóide e
colonoscopia (para detectarncer de cólon), dosagem
hormonal e de marcadores tumorais (para outros tipos de
câncer).
Aos exames femininos de rotina
acrescentar testes de malignidade de
manchas da pele. Fazer os mesmos
exames recomendados à faixa dos 50
anos.
189
As redes do retardamento das idades são, também, possíveis pela exploração da ‘juventude’,
como símbolo do novo e da novidade, sempre anunciada no presente como um signo de
contemporaneidade’. O que faz com que a articulação de alguns elementos construa os
pontos de enunciação, apagando os grupos de ‘classes de idades’, findando por sistematizar
duas gerações e meia (os quarenta anos mais ativos do curso da vida), retardando o momento
para a “passagem” de 25 anos para 29/30 anos e de seu fim de 60/65 para 69 anos. Nesse
caso, a idade de nascimento, que pode estabelecer a relação de ‘coetaneidade’ mais próxima
do calendário biológico ‘JIM’, serve como medida de referência da grandeza do valor do que
seria ‘extemporâneo’ aos seus limites e fronteiras: qualquer objeto, saber, artefato, imagens do
envelhecimento e a “velhice” ou sua aparência, e os modos de vida, com estilos
personalizados de rejuvenescimento e de prolongamento de vida de baixa aptidão e
capacidade na operação de expansão das escolhas individuais (Outro).
A produção discursiva dessa distância entre as posições dos calendários ‘cronológico’
e ‘biológico’, que caracteriza esse discurso sobre as idades, serve de chave para as
negociações que interferem na reordenação do conjunto dos sistemas de diferenças que
produzem os limites das divisões internas e externas do ‘amadurecimento’ - e as decisões
sobre modos de vida correspondentes. É nessa distância discursiva que uma ‘nova’
configuração vai se construindo.
A ambivalência dos sentidos, nas redes orientadas pelas normas do registro
“cronológico” orientado pela autoridade “adulta”, e inferidos na configuração regida pelas
regras do registro ‘biológico’, favorecem as disputas pelos sentidos. Esta é uma contingência
estrutural que possibilita que os sujeitos quando exercitam seus poderes, em processos de
decisão, possam dar visibilidade às “posições-de-sujeito-agente”, sendo esse o terreno mais
fértil da subjetivação.
Às vezes, e sem garantias, os calendários biológicos podem funcionar para ‘fixar’ as
posições com o intuito de fazê-las operar segundo suas regras, que interferem no
mapeamento assimétrico das idades e representam as grandes áreas vitais do corpo: “idade
biológica”, ‘idade sexual’, ‘idade da mente’ e ‘idade no prato’ (alimentação e suplementos).
No geral, para as ‘quatro’ idades que uma pessoa teria, as estratégias para identificação e des-
identificação desenvolvem-se mais ou menos nos termos que estão orientando a regulação da
‘idade sexual’. Seus critérios exigem um grande esforço de ‘autoconhecimento’.
(Veja. Ed.1738. 1999. Primeiro ¶, reportagem de capa).
A idéia de que as pessoas têm uma idade biológica diferente da que registra a carteira de identidade
fez o médico americano Michael Roizen, da Universidade de Chicago, uma celebridade. Roizen
montou um teste exaustivo que permite às pessoas saber se poderiam ser mais jovens do que
190
realmente são. Mais que isso, ele ensinou como atrasar a passagem do tempo biológico adotando uma
dieta e um estilo de vida saudáveis. Agora, parte dos ensinamentos do médico de Chicago está sendo
adaptada por outros especialistas para manter e prolongar a saúde sexual de mulheres e homens. A
medicina, os laboratórios e os terapeutas estão produzindo soluções para as mais resistentes
disfunções sexuais, ajudando a prevenir outras e manter por décadas um desempenho satisfatório [...]
Também, por esses motivos, nenhum dos processos que sofrem de alguma forma
efeito de homogeneização de idade pode ser total (como a velhice aos 70 anos). Haverá
sempre “[...] partes, órgãos ou funções do corpo que se mantêm muito mais ‘jovens’,
‘conservados’ que outros [órgãos] os médicos e a vida cotidiana estão sempre apontando isso.
Do mesmo modo, no terreno do sentimento e das representações, [...]” (BRITTO DA
MOTTA, 1998, p. 228).
5.4.1 Os Limites Inferiores: Passaportes Para a Maturidade
Na margem dos limites inferiores JIM (30/45 anos), também o movimento pode se dar
em várias direções. Assim como o discurso tenta produzir efeito de ‘freio’ do envelhecimento
no sentido das fronteiras das idades maiores aos 69 anos, a positividade gerada pela tarefa de
‘dar vida aos anos’ torna o novo terreno da maturidade atrativo para alguns grupos com idades
menores que 30 anos. Talvez, porque se julgam e/ou sejam julgados em posições
desconfortáveis, sendo estimulados e atraídos para identificação com alguns lugares
‘amadurecidos’ mais valorizados. Mas, como toda regra, essa não é ‘pré’-estabelecida, única e
sem exceções, e a sua regulação é entendida como processo tradutório e não uma “aplicação”
(LACLAU, 2000).
Analisando as pirâmides de idades na França e na Alemanha, ainda no início do século
XX, Halbwachs (1935, 1972) conclui que a primeira pirâmide indica um país de velhos e a
segunda um país de jovens. Sob o ponto de vista sociológico, naquele momento, buscou saber
qual a opinião pública sobre a velhice e a juventude e anui, que nos países de população
jovem este tende a ser adulto mais cedo, nos de população mais velha os jovens envelhecem
mais tarde.
Suas analises mostram que a longevidade altera a estrutura populacional uma vez que,
nos países com população considera envelhecida a concorrência entre as gerações seria mais
reduzida alterando a tensão nas relações entre os jovens e os velhos
1
.
A essa tendência ao envelhecimento dos jovens
2
brasileiros somam-se a positivação de
alguns traços das idades dos “idosos”, a valorização da “terceira idade” e os debates em torno
1
Na próxima década, a Alemanha terá a maioria de sua população composta pelas pessoas com mais de 50 anos.
Veremos noutro lugar que esse argumento hoje está posto em dúvida pelos defensores da ‘revolta dos velhos’.
191
dos temas da velhice e do “envelhecimento ativo” e da ameaça do breve “poder dos velhos”,
que concorreram para que tivéssemos visibilidade nas duas pontas, favorecendo a
contigüidade dos dois processos apontados por esse autor.
Scott (2001,p.61-65) olha essa questão pelo ângulo da reprodução. Lembra que a
queda da fertilidade teria acarretado o envelhecimento populacional, também, porque “menos
filhos para as mulheres têm implicações sobre a vivência do ciclo vital”, uma vez que o
período de gravidez e de criação da prole reduz-se. A transição demográfica teria alterado a
distribuição da idade. Mas a novidade não residiria em adolescente engravidando, e sim na
mãe da adolescente deixando de engravidar mais cedo. Tal especificidade faz parte de um
fenômeno que o autor localiza no trabalho de Britto da Motta (1998), como parte de um
processo geral de antecipação das passagens pelas fases do ciclo vital num quadro de
valorização da juventude dos idosos, sua ampliada sociabilidade e capacidade de consumo,
fazendo com que “esta fase do ciclo da vida” seja “desejada”. Assim, um fator concorrente
para a antecipação da idade adulta, entre esse grupo de jovens adolescentes pesquisado por
Scott, seria a transição demográfica e a visibilidade das gerações nas pontas vividas no Brasil
desde 1980.
O discurso sobre a JIM nos leva a consideração de que a gravidez
3
retardada, ao
contrário da antecipação do amadurecimento na adolescência, pode ser uma estratégia
antienvelhecimento, aliada à quebra de preconceitos associados ao papel da fêmea na
reprodução, à sexualidade, às tarefas da maternidade e no casamento, que o desenvolvimento,
a tecnociência, o feminismo e o trabalho fora do lar ajudaram a (des)fazer. Não faltam
estímulos para isso, até porque a gravidez tardia é considerada um sinal de “civilização”
comandada pela medicina e a biogenética. (Veja. Ed.1575. 1998). São vários os momentos em
que imagens de mulheres com mais de 40 anos, já com filhos, se empenham na tarefa de nova
gestação. Insistentemente, repete-se a associação da idade “40 anos”, articulada a elementos
do ‘começo da vida’ (novos modos de vida da mulher na maturidade e bêbês que nascerão),
tomados por critérios para inclusão: mulher realizada e preparada, relacionamento sólido
(casada enquanto o filho nasce), independente para desenvolver experiências e consolidar a
2
Pesquisa recente realizada por Amélia Camarano (IPEA) sobre o novo perfil da população idosa brasileira mostra que
pessoas com mais de 60 anos representam mais de 8% da população quando há duas décadas atrás representavam 4%. Estima
que este contingente em 2020, abranja 28,5 milhões de pessoas. Ao ultrapassar esse limite de idade, a expectativa de vida
passa de 11,6 anos para 15,5 configurando a "quarta idade” (Internet.Especial-Pesquisa IPEA.15/11/2001). Os jovens (15 e
23 anos) são hoje em torno de 35 milhões , segundo a pesquisa do SEBRAE realizada em 2002. Se tomarmos como base o
total da população brasileira considerada no senso de 2000 (aproximadamente 170 milhões), equivale a aproximadamente
20% do total.
3
Não toma por foco a população desfavorecida financeiramente e em nível de educação. E tem consciência disso: ‘Retardar
a gravidez é mais comum entre famílias de maior renda e instrução’. Levantamento realizado em 1996, pela ONG Sociedade
Civil Bem-Estar Familiar no Brasil indica isso (Veja. Capa. Ed.1575, 1998).
192
carreira profissional (significa que para chegar à pós-graduação precisa no mínimo de 18 anos
de estudos), equilíbrio emocional. Mulher que soube aproveitar melhor a juventude
prolongada: livre das obrigações maternas pode se cuidar mais.
Veja.Capa. Ed.1575. 1998. T1. Ser Mãe Perto dos 40. T2.Ser Mãe na Maturidade.T3. Cada vez maior
número de brasileiras está adiando para a meia-idade seus planos para ter filhos.
Interno. Quarentona tornava-se uma peça de museu, enfrentando monotonamente – as vezes
depressivamente – os trinta ou quarenta anos de virtual inutilidade... à reta final. Hoje, entre os 20 e
os 40 anos, a mulher quer afirmar-se [...] fora de casa,[...] independência, ter tempo para romance, as
viagens, o sonho - sem... uma penca de crianças. Ter filhos mais tarde pode também ser compensador
do ponto de vista afetivo. Mulheres mais maduras[...] maternidade com mais serenidade [...].
Último ¶ Atualmente, uma mulher pode ter um filho aos 35 ou 40 – e ainda restarão outros quarenta
para orientá-lo, educá-lo até bem depois de atingida a fase adulta.
No Brasil de hoje, a propensão para a maior longevidade da população (relembrando
que, de 1980 para 2004, ganhamos 8 anos a mais de vida e, de 1930 para 2004, em torno de
28 anos) está, também, relacionada a uma particular situação de risco infanto-juvenil em
virtude da violência e de fatores propiciadores da redução da taxa de fecundidade. Acreditam-
se que, se o número de mortes por violência não fosse tão alto, a expectativa de vida
aumentaria mais dois ou três anos
4
. Isso confere atualidade à observação de Halbwachs (1972,
p, 337) que o fato de a população ser mais velha não implica, necessariamente, que a taxa de
mortalidade seja maior entre os velhos, porque a morte é, da mesma forma que a velhice, um
“fato social”. (Tanto parece ser assim que, nesse discurso ‘JIM’, a morte identificada pela
ausência de saúde/cura tem o seu lugar privilegiado).
Nas relações entre beleza e saúde, a “exuberância” salta como marca da beleza
madura. É um nome para a aparência de saúde, do vigor e energia da juventude (até 30 anos),
que deve instigar as relações e as experiências nas posições de idades. Estes seriam signos
relevantes para a chegada sem ‘crise’ à maturidade. A diferença dessa beleza ideal no discurso
sobre a JIM da beleza na “maturidade adulta” e “pós-adulta” está nos sinais do
envelhecimento biológico; e, na mulher, na perda da sexualidade e da própria beleza e, em
conseqüência, da feminilidade.
Esses critérios favorecem a produção do antienvelhecimento, homogeneizando e
dividindo grupos pela simbolização e valorização da “beleza juvenil e saudável”. Por isso,
deve-se entender que os elementos reguladores da ‘vida longa e saudável’ trazem essa carga
cultural na composição do horizonte dessas ‘jovens idades longevas’: aparência, saúde e
vigor da juventude - o espaço de representação da plenitude da “Idade da Beleza” que segue
4
Como afirma Camarano (2003, p. 53), 3,8% dos jovens brasileiros (15 e 24 anos) morrem antes de completar 25 anos,
contribuindo para o envelhecimento da população.
193
os ditames da ‘Ciência da Mulher’ (Veja,Capa.Ed.1639, 2000). Essas relações interferem no
desenho do modelo feminino que, certamente, contamina a constituição do masculino
5
.
Veja. Capa. Ed.1639, 2000. T1. Como a descoberta da medicina e da estética tornaram a maturidade
uma fase exuberante. T2. A beleza madura da modelo Luma de Oliveira [35 anos]. T3. Na idade da
beleza. Como os avanços científicos vêm ajudando as mulheres a chegar à maturidade com a
aparência, o vigor e a saúde da juventude.
1º ¶ A possibilidade de envelhecer com beleza e saúde é uma conquista na história da mulher, Com
poucas exceções, as mães das jovens adultas de hoje eram consideradas aposentadas para a beleza e
para o sexo ali pelos 40 anos. Por assim dizer estavam fora do mercado a partir dessa faixa etária ,
muitas vezes bem antes. Os inimigos eram facilmente identificáveis. Pele do rosto ressecada ou
estufada por bolsas de gordura. Flacidez nas nádegas e nas coxas, além da celulite em demasia.
Peitos e braços amatronados (...). Isso era o que se via por fora. Por dentro também se processava o
envelhecimento que, para os padrões de hoje, era prematuro.
Argumento nesses termos, a respeito da construção social e cultural da juventude, é
explorado, repetitivamente, como razão para se retardar o envelhecimento precavendo-se de
doenças que se podem evitar com autoconhecimento, cuidados clínicos e terapeutas;
operações discursivas reguladoras para produzir as referências vida saudável, plenamente
ativa e reprodutiva na ‘meia idade’.
Veja. Capa.1699. 2001.T1- Tudo Por um Filho. Nove em cada dez casais brasileiros inférteis
conseguem ter um filho com a ajuda da medicina
Veja.Capa. Ed.1399. 1995. T1- Hormônios, ginástica, cosméticos – como as mulheres estão
enfrentando a menopausa. A Batalha Começa aos 40.
T2- Quando elas entram na idade da loba. A geração de mulheres que fez a revolução sexual, invadiu
o mercado de trabalho, como a atriz Betty Faria, está na menopausa, mas não se rende. Apela para
reposição hormonal, faz plástica e [...] para retardar o envelhecimento.
Essas duas tendências não resultam de meros acasos naturais demográficos,
decorrentes de fenômenos biológicos da mesma forma naturais, ou de ‘crises’ personificadas
de ‘eus’, ou ‘eu’, pelas ameaças às essências que ilustram a diversidade. Podemos considerar
relevante o fato de o discurso predominante nos anos noventa do século passado resgatar
fortemente a relação corpo e idade do indivíduo e conferir um significativo espaço ao “poder”
da subjetividade, através da metáfora da “mente” e do “poder interior” - ‘autodomínio’. Como
o discurso, há três décadas e mais intensamente no final de 1990-2004, explora a ‘jovialidade’
e a ‘beleza’ como bens preciosos, a sua extrema positividade circulando no espaço
mercadológico mediado por agências da mídia tendeu para a sua popularização. Isso parece
incomodar as representações mais posicionadas no discurso (setores econômico-financeiros
mais abonados, nomeados pelas pesquisas de marketing “classes A e B alta”
6
).
No limite imaginário da beleza, alguns rastros do paradoxo da construção das
representações modernas transparecem: as insistentes repetições que ‘todo mundo pode ficar
5
Mesmo porque ‘vigor’ é uma característica do modelo masculino jovial.
6
Parâmetros de pesquisas de Marketing utilizadas por Veja (www.veja.editora).
194
bonito’, também, aparece como uma ‘utopia’ de mercado porque a beleza é metáfora de um
poder, que pode ser comprado e que decide sucesso e fracasso. Enuncia-se o valor da
autoridade da “Ciência da beleza”, na produção de aparatos de rejuvenescimento e
embelezamento, que contribuem para decidir sobre o lugar cultural onde ela diferencia e
distingue pelas equivalências da ‘aparência’. Para cuidá-la, as “classes C e D” teriam o acesso
às redes diferenciadas de produtos de higiene pessoal e lojas de departamento, supermercados
e farmácias, possibilidades bem mais restringidas em termos de acessos às novidades do
mercado e aos resultados.
Veja. Capa. Ed.1741. 2002. T1. Corpos à Venda. Movidos pelo desejo legitimo de ter uma aparência
melhor, milhares de brasileiros recorrem à cirurgia plástica como quem vai às compras. Para tudo
no entanto há limite.
Veja. Capa.Ed.1935. 2004. T1- Beleza Para Todos. Antes e depois de B.R., 36 anos, gaúcha. Que é o
exemplo de uma nova ordem estética: silicone, lipo, Botox em doze prestações. T3. Todo mundo pode
ficar bonito. T4. É de Lei: O Direito à Beleza. Melhores, mais acessíveis e mais baratos, os
tratamentos estéticos se disseminam e criam uma nova utopia: hoje, em prestações ou no cartão, todo
mundo pode ser mais bonito.
Veja. Capa. Ed.1855, 2004. T1. O Poder da Forma. Como o design, o estilo e a aparência se
tornaram fundamentais no mundo atual, decidindo o sucesso ou o fracasso de pessoas, empresas e
produtos. T3. O design, de acessório a fundamental.
Essa imagem é disseminada pelas agências de informação mercadológica e de
formação de profissionais: “Carreira: pessoas ‘bonitas’ garantem maior sucesso no mercado
de trabalho” (MSN. InfoMoney. 13/01/2006. grifo meu).
Você sabia que um profissional considerado esteticamente bonito pode obter um
salário maior do que seu colega mais "feinho"?
7
. Além da discriminação por sexo e
raça, os rendimentos e salários das pessoas também estão atrelados ao fator beleza.
Pessoas bem cuidadas, por exemplo, chegam a ganhar 10% mais. Setor de beleza e
estética cresce [...] refletindo no aquecimento das atividades do setor de beleza e na
indústria como um todo. Por sua vez, as empresas, cada vez mais, enxergam este
movimento como grande oportunidade de negócio e investem na diversificação de
produtos cosméticos. Outro fator que influencia, de forma significativa, o
crescimento do setor, diz respeito à longevidade da população. Quanto maior a
expectativa de vida, maior a preocupação com o envelhecimento.
Porém, da mesma forma relevante na construção popular dessa ordem estética é a
‘necessidade’ de os agentes negociadores levarem em consideração os sistemas simbólicos
centenários arraigados numa cultura discriminatória. Com a popularização da beleza, sua
superfície de inscrição amplia-se, interferindo nos lugares historicamente abjetos e
subalternos não apenas associados às diferenças de idades.
7
A constatação é do estudo "O impacto socioeconômico da Beleza - 1995 a 2004”, realizado por professores da Faculdade de
Economia da Universidade Federal Fluminense, sob coordenação de Ruth Helena Dweck, sob encomenda da Associação
Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec).
195
A nova categoria etária que está apontando na “pré-adolescência” - “teens”, pode, por
exemplo, num momento quase performático da estratégia de “aceleração” de idades, ser
diferenciada pelo poder do consumo e manejo de tecnologia de informação, onde, nessa
posição, não somente inverte a função dos mais velhos de socializar a criança como é
apresentada como um sujeito que decide em equivalência ao potencial ‘gente grande’ que
escolhe . Outrossim, essa linguagem da informática, pelo menos até a presente geração não é
a mais expressiva dos grupos da maturidade, mostrando que não se trata de uma relação de
determinação necessária entre as estratégias de afastamento de diferenças e a associação à
valorização das idades centrais.
Veja. Interna. Teens, 2003. T1- Eles têm a força. T2- Criança não senhor - pré-adolescente. A
meninada de 8 a 12 anos vive e consome feito gente grande
. E ainda ensina os pais a lidar com
computador.
O marcador ‘classe de idade’ (8-12 anos) serve como referência de ‘geração social’
associado à indefinição e à renovação no presente; um signo que equivale às indefinidas
idades do significante vazio “gente grande” (“modo de vida” desses sujeitos? Não seria um
traço da “maturidade” específica desses grupos?). De qualquer modo, alguns grupos “pré-
adolescentes” tenderiam a tornar unitário (vazio) o lugar da identidade JIM, na posição
consumo e manejo de novas tecnologias da informação, pela capacidade de escolha e decisão
ponderada se não fosse a explicitação da repetição do significado da “força” (signo de
“violência”), impulsionando a decisão (T1). O traço que aproxima a infância e a juventude
das competências associadas ao domínio das tecnologias de informação, talvez, implique na
dificuldade das gerações mais velhas para lidar com ‘o novo’ ou a ‘novidade’. Porém, podem
apontar apenas efeitos da especificidade de inovação histórica do desenvolvimento da
informática e da cultura digital na socialização de novos grupos etários.
Pelo exposto prevalecem as defesas da longevidade, da maturidade e da saúde do
corpo e da mente, cuidando de distinguir as idades da ‘jovem maturidade’ das referências do
imaginário da “velhice” e do “envelhecimento” associadas à doença e a “experiência,
sabedoria e espiritualidade”. As estratégias “antievelhecimento”, abrem o campo de
negatividade do social em oposição à “cura” e à ‘capacidade e habilidade para escolher e
decidir e experimentar’. Nesse ponto, enfatiza a impulsividade do uso da força para bloquear
as identificações com a forma de escolha da “juventude”, embora os signos “liberdade e
precocidade” sejam valorizados nas hierarquias de decisões adequadas, como analisaremos no
próximo capítulo.
196
CAPÍTULO 6 HORIZONTE DAS JOVENS IDADES MADURAS
Aquilo que não nos mata nos torna mais fortes (Nietzsche)
6.1 A Eleição do Domínio de Si e a Mente Incorporada
Esse momento discursivo busca constituir a normalização da “idade da mente”, ou
seja, trabalhar as normas para regulação das “escolhas” através do controle e disciplina dos
processos subjetivos e dos seus efeitos sobre os limites do corpo.
Os elementos “autonomia” e “responsabilidade” nos dão pistas das relações
discursivas que constituem a subjetividade na construção do que chamamos “idade da mente
incorporada”. O efeito da introdução dos códigos ‘hormese’, orientando um esforço do
subjetivo para essa tarefa de homogeneização pelo isolamento “interno”, não deve ser
considerado um lugar específico que alguém pode ocupar. Desenvolvemos a noção de
hormese’ como signo do “horizonte imaginado” dos sistemas de relações e das práticas, que
tornam os diversos lugares sociais constitutivos de limites para identificação e diferenciação
JIM.
Esses significantes, engendram a mobilização de estratégias de controles de modos de
inscrições para “escolhas” no processo de identificação etária, tendo em vista à expansão da
capacidade do corpo ao domínio máximo da cultura sobre a natureza. Essa operação é
simbolizada pelo “poder interior” (ou da “mente”) de identidades que são consideradas e/ou
se julgam ‘donas de si’, capazes de se conhecerem e de exercerem “autodomínio” em suas
escolhas. A esse horizonte simbólico, interpretado como uma série de efeitos de “atos de
decisão” que são também importantes para as “escolhas” e “decisões” dos agentes (LACLAU,
1988), sugerimos a denominação: “idade da mente incorporada”.
As ‘idades da mente’ cumprem importante função para traçar as linhas das
possibilidades de ‘escolhas’ que interferem nos “atos de decisão” e na designação e
negociação com o Outro. Alguns antagonismos se mostram na “desconfiança” e no
pessimismo” questionadores e avaliadores da autoridade dessa tentativa de regulação para a
constituição da diferença e da identidade em várias posições de sujeito.
A luta por referências internas na ordenação das idades no curso da vida (JIM), se
torna mais agressiva no início do século XXI. Momento coincidente com as demandas
procedentes das defesas do “envelhecimento ativo” e pela enunciação do ascendente poder da
‘velhice’, como categoria social em escala planetária. Em conjunto, essas demandas compõem
as aderências ao envelhecimento e velhice ativas, antagonizando na fronteira da JIM.
197
Veja. Capa. Ed.1556. 1998 Crise Nervosa; Veja. Capa. Ed.1591.1998. Depressão. A luta contra a
doença da alma; Veja. Capa. Ed.1777. 2002. Auto-Ajuda que funciona; Veja. Capa. Ed.1804. 2003;
Capa. Ed.1827, 2003 O Medo exagerado; Veja. Capa. Ed.1829. 2003. Equilíbrio mental; Veja. Capa.
Ed.1840. 2004 Stress; Veja. Capa. Ed.1843. 2004 Amor, família, envelhecimento, separação, perdas,
recomeços...; Veja. Capa. Ed.1865, 2004. O Novo mapa do cérebro; Veja. Capa. Ed. 1868, 2004.
Poder Interior.
A exploração da idade da mente’, como lugar adequado para ressignificar aspectos
do domínio do “eu” sobre o “corpo” e vice-versa, reside na particular possibilidade de
desvincular a “idade” atribuída pelo sistema cronológico moderno, que enlaçou
idade/corpo/mente às idades maiores da adultícia e à velhice numa cultura de declínio e
perdas crescentes.
A ‘idade da mente’ pressupõe que o mito, ‘a alma não tem idade’, não é muito
convincente quando contextualizado no tempo funcional do relógio da cronologização da
vida, quando o corpo é concebido como máquina que se desgasta e se torna obsoleta com o
tempo do trabalho. Para fortalecer esse mito, utiliza-se de um outro mito: ‘o corpo é o espelho
da alma’, trazendo o foco para a concepção de corpo e para ampliar a superfície de inscrições
visando borrá-lo como o “outro” do “self”. Assim, a alma não tem idade, e o corpo é o reflexo
daquele que não tem “idade”, de modo que corpo e mente se cruzam no ponto “idades”
(vazio). O que finda por favorecer a estratégia de anulação de outro mito que equivale o
envelhecimento às doenças degenerativas da mente e ao desgaste do corpo. Como?
A ênfase da “mente” (subjetividade) sobre o “corpo” produz vazios nessas anteriores
relações corpo/ idade/ mente, possibilitando um trabalho extremamente importante para a
constituição da JIM longeva. Além de semear uma nova cultura sobre as idades “adultas” e
“pós-adultas”, permite que as dificuldades materiais provenientes da fadiga(s) do eu (eus),
que atingem diretamente as emoções e os sentimentos e afetos, as ‘doenças da mente’ (crise
nervosa, stress, angústia, depressão, solidão, etc.), sejam consideradas no campo terapêutico e
médico. Da mesma forma, os problemas surtidos com o fortalecimento das redes simbólicas
associadas à valorização da estética da jovialidade, da beleza e do rejuvenescimento, baseada
no traço da forma fina e magra, dominem a mente deixando-a obcecada: bulimia, anorexia,
abuso de química para emagrecimento e de recursos de tecnologias do rejuvenescimento.
Nessa relação mente/corpo aquela adquire uma certa corporeidade sujeita ao desgaste e a
degeneração passível de classificação, possibilitando uma ressignificação da relação onde o
elemento “idade” articulado ao “corpo” é uma relação reflexiva. O “outro” do “eu” não é mais
propriamente o “corpo”, mas a produção da “cura” e os sinais do desgaste e degeneração.
198
O acento na construção do ‘autodomínio’, da ‘auto-realização’, do ‘autoconhecimento’
exige um esforço superior do(s) ‘eu(s)’ para aprofundar a capacidade de ‘escolha’ e ‘decisão’
e a responsabilidade individual para indicar (‘responder’) a si o que ‘quer para si próprio e
conseguir’, mesmo a preço de culpas, desprezos, vergonhas e fadigas. O importante passa a
ser o equilíbrio da “idade” que se quer aparentar para manter a imagem do
“rejuvenescimento” pela “cura” na relação corpo/ mente.
O problema que se coloca é que, para estabelecer sentidos para a ‘idade da mente’,
faz-se necessário um sistema diferencial para que a inteligibilidade favoreça as aderências e as
rejeições. Qual seria a fronteira para a determinação desses limites que envolvem as relações
com o corpo e as emoções, os sonhos, os projetos, os sentimentos, a amizade, as simpatias, as
rejeições, a felicidade e o ódio? Em busca de referentes adequados para a construção das
fronteiras, para que os sistemas de equivalências possam constituir posições da “idade da
mente”, o discurso legitimado pela autoridade da ciência (medicina) mobiliza estratégias
apoiadas em componentes biológicos onde se pode destacar a codificação da ‘hormese’.
A exploração dos códigos desse registro vai favorecer a formação de um campo para
inscrição de sentidos - “horizonte imaginário - que orienta o valor do ‘Poder da mente’, O
Poder interior’ (Veja, Ed.1868) até ao ponto em que o corpo comporta ser insultado,
estressado; até onde se é ‘dono de si’ para dominar, e, ao mesmo tempo, postergar os próprios
limites. Parece-nos ser esse o ponto da ‘plenitude’ para a identificação e a diferenciação dos
elementos para a autonomia dos sujeitos ‘autênticos’. Antes de destacarmos as identidades
produzidas por interferência desse ‘Poder interior’, adiantemos como o nome ‘hormese’ está
sendo utilizado aqui.
O conceito ‘hormese’ pertence a um ramo médico da toxologia. Pelo menos, desde
1888, a medicina aceita que doses mínimas de substâncias tóxicas fazem bem ao organismo.
Como princípio geral, argumentou-se que, ao entrar em contato com poucas quantidades de
veneno, as células reagem a esse estímulo negativo, tornando-se mais resistentes. As
dificuldades para medir e quantificar os efeitos do fenômeno ou explicar a sua ação
trouxeram, na década de 30, um movimento para a sua descrença que atingiu, inclusive, a
homeopatia, que segue princípios semelhantes, utilizando-se de baixas doses de toxinas que
não chegam a desencadear a ‘hormese
1
. (Galilleu. Ed.149. 2003). No princípio desse século,
o debate refloresce através da revista americana Science e britânica Nature, onde se conclui,
1
Deriva do grego ‘hormao’: excitar.
199
entre outras coisas, que: “um pouco do perigoso pode ser bom” desde que se mantenha a
temperança. (www.belleonline.com e Boletim Belle
2
).
Procuram-se evidências sobre a ‘hormese’ constituir um processo natural de toda a
vida no planeta. A idéia é que qualquer desafio ao organismo é melhor que nenhum desafio;
entre prazeres e desejos, os limites são provocações para a mente incorporada.
Veja, Capa. Interna. Ed.1840, 2004. [...] ao deparar com um nível, digamos, gerenciáveis de stress, o
organismo batalha para compensá-lo. E, por precaução termina por supercompensá-lo.[...], um
instinto geneticamente embutido em todas as formas de vida do planeta. Mais, como a vida evolui no
sentido de responder à diversidade, ela precisa desta para prosperar [...].
Praticamente todo tipo de insulto ao organismo, da fome ao excesso físico e à radiação, teria um
comportamento semelhante’.
O conceito atinge as áreas do controle mental sobre esse limite biológico, penetrando
em domínio que foge ao controle da autoridade racional terrena. Benjamin Teixeira
(www.saltoquantico.com.br) apresenta mensagem psicografada sobre a importância da
hormese para o desenvolvimento espiritual e a regulação dos estilos de vida com base na
valorização da rede experiência/espiritualidade/longevidade, recomendando o desprezo do
prazer (‘nunca troque a plenitude por saciedade’). Oferece como exemplo o que está sendo
explorado pelos médicos: dieta de redução calórica (até 60% do nível médio de sustentação
dos organismos aumenta a longevidade em até 40% da expectativa média da espécie, por
exemplo).
Esta idéia de ficar com um pouco de necessidade fisiológica para conduzir a
consciência para o psicológico [...] está assentado em princípios científicos e
em organização inerente dos sistemas complexos [...]. O corpo e a mente
humanos são sistemas auto-organizadores pré-programados para suportar e
transcender privações e ataques diversos do meio, para até mesmo se
fortalecer através deles. Por isso, se você está pensado exclusivamente em
sua saúde e em seu bem estar, em sua evolução e em seu amadurecimento,
não busque, para si, felicidades, confortos e prazeres excessivos para não
intoxicar [...] mente e seu corpo com o cansaço, achaques, vícios, tédio e
morte’ (www.saltoquantico.com.br.2006
).
Farinatti (2006
3
) discute a ‘hormese’ no seio das teorias biológicas do envelhecimento,
onde escolhe como definição: “[...] a ação(ões) benéfica(s) resultante(s) da resposta do
organismo a um estresse de baixa intensidade”. O conceito, para alguns autores, estaria na
2
A sigla Belle corresponde à legenda americana Efeitos Biológicos de Baixos Níveis de Exposição. Algumas
taças de vinho tinto por semana fazem bem à saúde, como recomenda Roizen (1999). A adoção desse hábito
poderia contribuir para a redução de 40% das doenças cardíacas e vasculares, servir para proteger contra
cálculos biliares e a diabetes tipo 2; pode atuar como um tônico ou um veneno. Essa extensão, mediada dos
signos da saúde com o vinho tinto, tem conduzido a alterações nos hábitos de consumo de bebidas. Entretanto, o
que faz bem mesmo é o etano (encontrado no vinho, na cerveja, nos destilados) que pode ser consumido
guardadas as proporções de uma dose para as mulheres e duas doses para os homens (Galilleu. Ed.149. 2003).
3
Teorias biológicas do envelhecimento. Do genético ao estocástico’. www.prohealth.com.br. Consulta em
janeiro, 2006.
200
base da ação antienvelhecimento induzida pela restrição calórica, e a maior dificuldade no
momento é o quanto esta restrição representaria um estressor de intensidade reduzida. Ou
seja, a questão fundamental reside na delimitação do limite de exposição ao stress e dos
benefícios sobre o rejuvenescimento longevo.
Nesse discurso, os critérios para a identificação no campo dos aparatos médicos de
biotecnologias de emagrecimento e longevidade já emergem conquistando posições sob o
olhar e a denúncia da “suspeita” a respeito da sua legitimidade. O antagonismo pode ser
flagrado na relação entre os dois ramos da medicina:
(Veja. Capa. Ed.1689. 2001). (T3) Dietas que ensinam o corpo a perder gordura... (T4) [...] atraem
milhões de seguidores apesar de ainda enfrentarem a desconfiança
da medicina tradicional.
É provável que a capacidade para distinguir, escolher e decidir na experiência-limite
da ‘hormese’ constitua, nas décadas 1990/2004, um valor situado no topo da plenitude JIM:
incorporada, longeva e rejuvenescida. Uma orientação que se destaca na perseguição dessa
inteireza é a defesa por algo, marcando a identidade de alguns grupos identificados com essa
posição da ‘idade da mente’.
Os ‘extemporâneos’ dessa era do ‘rejuvenescimento’ distinguem-se pela ‘doença da
mente’: descuidam do domínio e controle, são julgados fracos, fatigados e vulneráveis ao
envelhecimento com baixa qualidade de vida e “incapazes”; tendem a viver menos. Isso
significa que várias áreas sociais foram logo invadidas pela exploração dessa categoria
conceitual da medicina alternativa. Mesmo que não seja chamado pelo nome, o “significante
flutuante” ‘hormese’ atua como um operador estratégico, para as investidas de negociação de
“autodomínio” e da “autenticidade”, termos equivalentes para orientação do significado de
autonomia das identidades JIMs.
Em que reside o esforço articulatório do trabalho discursivo de fixar a identidade na
posição de sujeito ‘idade da mente’?
O que faremos em seguida é perseguir as pistas para desfazer algum desses momentos,
em que se articulam as redes dos significados ‘idade da mente’. O terreno de simbolização
hormese” é favorável, ainda, à liberação semântica do campo saúde/doença/terapia. O
significado do conceito oferece os elementos para que se conceba “terapia” (Giddens),
também, como uma forma de “pedagogia de estilo de vida de controle futuro das
possibilidades de escolhas e capacitação” biofisiológica do mente/corpo para isso. A rede de
equivalência do significante “cura” traduz, sobretudo, as relações e as práticas desse espaço
do controle terapeuta que atravessa discursivamente o social.
201
6.1.1 Estratégia Terapêutica de Controle da Subjetividade
O pensamento autobiográfico - ‘o que eu quero para mim mesmo’ - ao procurar
conferir à existência um sentido a mais à consciência da vida que ‘escoa’, pode estimular uma
atitude positiva em face deste sentimento de finitude. Aspecto muito importante para quem
vislumbra a possibilidade de permanecer aparentemente “rejuvenescido” por longos anos de
maturidade. Sobretudo, em sociedades contemporâneas, nas quais os sistemas institucionais,
apesar de cada vez mais complexos e extensos, produzem uma vida social diversa, temerária e
contingente, envolvendo riscos nas escolhas feitas e nas decisões tomadas. O que conduz à
metáfora da ‘contemporaneidade’ dos indivíduos, cuja capacidade e aptidão dependem
irreversivelmente de probabilidades externas.
Essa dependência das incertezas “externasobscurece a noção de “geração histórica”
pela predominância de idéias e valores aproximados (de grupos e subgrupos de um período)
que reservam um projeto coletivo (altruísta) de transformação social. As estratégias de
isolamento individual são favoráveis nesse momento à predominância da “idade de
nascimento”, como referente etário unitário, embora, paradoxalmente, a ‘mente não tenha
idade’. Quer dizer, favorece o laço da relação ‘individual’ sem comprometimento coletivo que
não seja o pacto de agenciamento da vontade e do interesse próprio.
Experimentar a “idade da mente” seria uma forma de escolher e decidir produzindo
efeito diferenciado de construção dos agentes JIMs? Como indicamos abaixo, no “presente
enunciativo”, as inscrições nas redes do significante ‘poder interior’ trabalham na valorização
dos signos da “experiência”, da “espiritualidade” e da “sabedoria”. Apresentam-se mais
dissociados da plenitude da “velhice’ como concebida na formação discursiva
“cronologização do curso da vida”. Os registros se baseiam nos signos: adesão aos hábitos
cotidianos da leitura, da meditação, do aprimoramento do senso estético, da espiritualidade,
“abraçar as boas causas” como elementos de diferenciação do ‘poder interior’. Destaca-se o
horizonte ‘hormese’ para a preservação do próprio zelo com o limite da ‘saúde da mente’.
Sendo esta apresentada como necessária para resistir e vencer as exposições cotidianas
(‘caóticas’), que interferem no processo de ‘equilíbrio mental’ (Veja. Capa. Ed.1829. 2003).
O corte na linguagem nos significados da “velhice” (espiritualidade, aperfeiçoamento
pessoal...) posiciona estes elementos como estratégias para o momento presente, pouco tem a
ver com o acumulo de experiências, dado pela aprendizagem ao longo da vida. O universal
poder interior’ orienta-se em equivalência com o particular ‘dono de si’, explicitando a
necessidade do “aperfeiçoamento pessoal” na construção da pessoalidade “equilibrada” ao
202
agir. Esse traço do agente “dono de si” apresenta-se dando esse sentido diferenciado ao
referente interno “poder interior”, assumindo a função de “significante flutuante”.
Veja. Capa.Ed. 1868, 2004. T1. O Poder Interior. Os caminhos para construir uma sólida estrutura
mental e emocional capaz de colocar ordem no caos do dia-a-dia. Meditar. Ler por prazer. Aprimorar
o senso estético. Desenvolver a espiritualidade. Abraçar as boas causas.
T3. O aperfeiçoamento interior contra o caos do dia-a-dia.
T4. Os Donos de si. Os caminhos para o aperfeiçoamento pessoal, que permite enfrentar – e vencer -
com mais facilidade os obstáculos do dia-a-dia.
O terreno da construção “interior” (eu) promove um certo encastelamento da vida
social. Observa-se, nesse momento de negociação do aprimoramento do autoconhecimento da
identidade ‘dono de si’, a indecisão entre: 1. critérios baseados em signos do
“envelhecimento ativo”, estimulantes de práticas muito solitárias 2. e, a valorização da
‘espiritualidade’ e da ‘sabedoria’, operando para a saúde da mente na vida longeva. Nesse
fragmento, o aparato de subjetividade “poder da mente incorporada” opera buscando o
‘vazio’ na estrutura do sistema de diferenciação da “mente”, sem enfatizar uma essência
necessária ao estágio de uma “fase”, marcando o desenvolvimento humano. Estende-se à
reserva de um tempo específico de observação e dedicação “interior”, que não se caracteriza
como ocupação do tempo livre do ócio, transparece como “necessidade” do processo de
“autoterapia” para a capacitação e aptidão individual para as “escolhas” nas sociedades
atuais.
De fato, uma batalha sobre o valor do ‘equilíbrio da mente’ é travada através da
oposição saúde/doença, que contribui para corroer os controles e domínios internos e
externos. No final da década de 1990, as patologias da ‘mente’ (ou “da alma”) são
demandadas inicialmente articuladas às posições sexo, risco para a longevidade e a
‘depressão’ e ao stress, porque se julgou ser menos estigmatizado que a AIDS (Veja.
Ed.1591.1998). Assim, o stress, a depressão e a fadiga são eleitos símbolos da “doença da
mente”, barreiras para o ‘autodomínio’ e ‘controle’ do antienvelhecimento.
Veja.Capa. Ed.1556. 1998. (T1). Crise nervosa , que anula o autodomínio e o controle: mina o poder
da mente e sobre si. T2. Ronaldinho e a tragédia do stress. T3. Pressão demais. Como o stress e as
crises nervosas [ilustradas pelo caso Ronaldinho] derrubam as pessoas.
4
Veja: Capa. Ed.1840. 2004. T1. Stress: por que estamos todos a beira de um ataque de nervos. T2.
Como é possível se defender [...] T3. Stress. Como conviver com ele e usá-lo de modo positivo. T4.
Ninguém está a salvo ... Mas é possível aprender a conviver com ele.
Veja. Capa. Ed.1591. 1998. T1. A Luta contra a doença da alma. Ela ataca mais mulheres do que
homens, o número de casos se multiplica, mas o mal já pode ser vencido com a ajuda de remédios.
T3. Depressão, a doença da alma. T4. A Doença da alma. A depressão é o mal que mais ataca as
mulheres e cresce entre os homens, mais já pode ser tratada com sucesso pela medicina.
4
Refere-se ao episódio da Copa do Mundo em que o ‘jogador Ronaldinho’ (“fenômeno”) não pôde participar da
partida final e o Brasil perdeu da França (alegou pressões demais).
203
No terreno da construção da “idade da mente” na “vida longa e saudável”, a medicina
terapêutica e clínica, e os laboratórios farmacêuticos se mostram agentes bem ativos. Mesmo
assim, observemos a denúncia sobre a contingência de suas posições quando se supõe com
ironia que, talvez, depois do ‘ano de 2020’, se terá sucesso com a saúde das gerações de
sofredores patológicos’ (que acompanham e se equivalem às gerações de remédios, como a
“geração Prosac” dos anos 70 que é retratada, inclusive em filme que leva o mesmo nome).
Os signos de “geração” mostram os seus traços híbridos deslizando sobre “modos de vida”,
sobretudo, de mulheres, solitários (as) e disfuncionais.
Veja. Capa. Interna. Ed. 1591, 1998 No ano de 2020 será a segunda moléstia que mais roubará anos
da vida útil [vida longa e saudável] da população em geral. Ficará atrás apenas das doenças do
coração. Como ainda não surgiu nenhum tratamento preventivo, os médicos dão como certo que
vão surgir 2 milhões de novos deprimidos clínicos no mundo a cada ano. Só no Brasil são mais de 10
milhões de sofredores patológicos .
São dois Brasis de vítimas de todas as idades, classes sociais e raças, mergulhada numa melancolia
atroz que altera seus hábitos de vida, afastando-as do convívio social e do trabalho.
Os marcadores idade e doença tendem a apagarem-se nas relações com a ‘saúde da
mente’. Mesmo assim, é curioso como muitas vezes se estabelece a relação discursiva ‘doença
da mente’ e ‘idade’. A marcação cultural do referente biofisiológico “idade de nascimento” se
dilui de modo pontuado a cada parágrafo, grifando várias narrativas fragmentadas de
diferentes atores distinguindo as ocorrências das doenças e curas nas narrativas pessoais.
Como numa lista de chamadas (exemplo Veja. Capa.interna.Ed.1591,1998: DM, 33 anos; RS,
51 anos; AP, 17 anos; RP, 33 anos; MB; 38 anos; CTF, 64 anos), as idades vão sendo
enunciadas procurando homogeneizar, selecionar e classificar, pela relação ‘cura e doença’,
várias unidades etárias em práticas que levam do desespero dos sintomas e os efeitos na
degeneração do corpo ao prazer do alívio, gerados pela medicação, o acompanhamento e
controle do médico e terapeuta. Mostram-se como pulsações ‘vazias’ de um relógio digital
(MELUCCI, 2004) que, talvez pela insistência nessa forma sinalética de ‘repetição’, possa
fixar conteúdos específicos para promover os sentidos da ‘idade da mente’, vinculados aos
critérios baseados na oposição ‘saúde/doença’.
Os grupos de riscos começam a se desenhar, sendo o de maior risco nas idades entre
22-45 anos (Veja. Capa. Ed.1591. 1998). A negatividade fica mais clara próximo à passagem
para o ano 2000, quando a ordenação dos sistemas de diferenças divide o campo em “doentes
patológicos” e “doentes em potencial”.
Os sistemas formados pelo significante “sofredor patológico” (Veja. Ed.1591) são
posicionados por não querer ou não poder, por qualquer motivo involuntário, recorrer aos
processos preventivos (clínicos, terapêuticos e de cura) incluindo a ‘auto-ajuda’. A luta maior
204
está na divisão entre os ‘dois brasis’: o que já é composto desses ‘sofredores’ e os que são
potencialmente’ assim, e alvo do risco anunciado. E esse ponto é determinante para unir
áreas da biomedicina e da psicologia e outras especialidades alternativas (no exercício
contemporâneo do biopoder) no espaço da significação da mente.
Na fronteira da JIM, a recomendação terapêutica para manter ‘o cérebro jovem por
mais tempo’ é estimulá-lo e exercitá-lo com leituras, desafios intelectuais e cuidados com as
‘doenças da mente’ e a alimentação. Celebra-se, nessa idade, o afastamento da fronteira de
idade da “velhice” de 60/65 para 70 anos, até porque aos 70 anos seria possível conservar o
cérebro e os reflexos próximos ao desempenho médio da idade biológica 40 anos, como
veremos mais à frente.
Veja. Capa.1140. 1990). As pessoas envelhecem aos 60 não por uma lei da natureza, mas por uma
questão psicológica [...]. O cérebro é o órgão que menos sente o passar dos anos. Os neurônios
perdidos são recompensados por novas conexões nervosas. Até aos 70 anos [limite da velhice na
idade da mente], tudo o que o cérebro precisa é ser usado.
A ‘idade da mente’ ou o ‘poder interior’ tende a preservar maior distanciamento do
desenvolvimento da mente do “sistema cronológico do curso da vida moderno”, também, pela
consideração de sua temporalidade que cria desorientação pela ausência de fixidez. Em um
espaço social experimentado basicamente pelo registro simbólico, a relação com o corpo
tende a desaparecer e, em conseqüência, como observou Melucci (2004), o corpo perde as
suas habilidades espaciais e a possibilidade de verificar os seus próprios limites. Para
Featherstone e Hepworth (2000), temos que considerar que o tempo, mesmo sendo hoje uma
experiência múltipla e descontínua, envolve a desincorporação/ incorporação da mente.
Pensamos que essa plasticidade do simbólico na construção “corpo/mente” necessita
tanto de referências temporais para produzir sentidos, a partir de referências pontuais de
“idade de nascimento” e de “geração”, como de outros elementos culturais (conscientes ou
não) de tolerância biológica como a ‘hormese’ que favorece a verificação dos próprios limites
no dia-a-dia
Entre os dispositivos para manter o ‘equilíbrio da mente’ saudável estão, nesse
desafio, as drogas, as estratégias de auto-ajuda, as técnicas de relaxamento e meditação e,
sobretudo, a positivação do stress para que se mantenha a “consciência presente” e do
corpo”, na luta pela autonomia.
Os critérios de natureza naturalista, em certos momentos, sobrepõem à defesa da
terapia com ‘drogas’ nos processos de incorporação mente/corpo. A articulação de códigos
terapêuticos, que constituem o sentido ao ‘poder da mente’ pelo seu autodomínio, associa
205
recursos alternativos ao saber científico para relacionar idade/mente/corpo/saúde/cura. A
natureza desses saberes, considerados populares, amplia o campo de legitimação do ‘poder da
mente incorporada’ pela aproximação do critério terapêutico influindo na restrição e na
regulação das possibilidades das opções e necessidades dos pressupostos ‘sofredores
patológicos’.
O significante vazio ‘poder da mente’ baseia-se no ‘equilíbrio’ interior da saúde que
nesse momento de negociação tenta fixar a necessidade de ‘autodomínio’ da “cura”,
distanciada dos termos como está articulada na medicina tradicional. O ‘equilíbrio da mente’
corresponde ao espaço de intervenção terapêutica (entre a saúde e a doença), no controle da
autonomia (dominação/subordinação) desse lugar “sofredores patológicos”.
Essa rede de equivalência, da capacidade para expandir o poder da mente sobre os
processos que associam idade/mente/corpo, desafia a hegemonia da medicina tradicional para
prevenir, manter e determinar o tensor do ‘equilíbrio’ das emoções e sentimentos. Os
movimentos buscam inscrever sentidos nesse vazio da “cura do eu”. Por meio da organização
das posições no ‘entre-tempo’, o antagonismo se mostra constituindo o lugar social do sujeito
agente “psicologia positiva” cuidando, também, de delinear os efeitos do temperamento no
comportamento e no envelhecimento e desgastes do corpo. Esse movimento tenta deslocar o
lugar da autoridade dos ‘agentes de Freud’, na medicina que intervém na ‘doença da alma’,
para promover a necessidade das práticas de dominação da “cura”, através de operações sobre
a mente.
No texto a seguir, ‘A Cura pela Mente’ movimenta-se como “significante vazio”,
buscando as equivalências nas redes diferenciais dos sentidos de cura/corpo/mente/equilíbrio
para negociar a inscrição no lugar social “psicologia positiva”.
Presente Enunciativo Veja, Capa. Ed.1804. (mai) 2003. T1. A Cura pela Mente. A medicina
reconhece o poder da meditação, da ioga e de técnicas de relaxamento no tratamento de: doenças
cardíacas. Hipertensão. Depressão. Ansiedade. Infertilidade e Enxaqueca. T3. O Poder da mente.
Passado projetivo T4. O Corpo é o espelho da mente. A medicina se rende a práticas antes
consideradas alternativas...
Retorno no presente. [...] Está provado que a meditação, ioga e técnicas de relaxamento previnem e
ajudam a curar doenças.
Passado. Veja. Capa. Ed.37. (set) 2003. T1. Equilíbrio Mental. As armas da ‘psicologia positiva’ que
ganhou prestígio no meio acadêmico, para vencer a timidez, o pessimismo, a insegurança e outros
traços negativos da personalidade.
Presente Enunciativo . O que é fácil, difícil e quase impossível de mudar no temperamento.
. Ousadia intelectual dos psicólogos que negam os dogmas de Sigmund Freud.
Passado projetivo T2. Freud investigou a neurose, hoje a ciência pesquisa a saúde mental.
206
Retorno do Sujeito T3. A Busca do equilíbrio da mente. T4. Depois de um século dedicado a estudar
as neuroses, os doutores da alma acham que o melhor caminho agora é descobrir as raízes da saúde
mental. O sucesso prático deles nessa nova via é surpreendente.
Nesse texto a rede do significante idade da mente’, equivalendo a ‘equilíbrio mental’,
explora um campo de larga inteligibilidade, para tratar de assunto culturalmente tão delicado
como a saúde mental. Na disputa pela aderência do seu significado que envolve o poder de
decisão e escolhas dos atores sociais, elementos do campo da “psicologia positiva” investem
na transgressão e na inversão da relação de oposição saúde/doença, contribuindo para
produzir pelo menos seis efeitos discursivos.
Primeiro, no tempo presente [(T1) Ed. 1804], explora o mito milenar ‘O corpo é o
espelho da mente’ para associar o simbolismo das práticas corporais às imagens dos estados
emocionais considerados patológicos. No “entre-tempo” do processo de enunciação, o
passado projetivo” acusa a interferência do ‘Outro’, apontando uma razão histórica porque
não havia lugar para a psicologia positiva (T2. Ed. 37) ( ‘Freud investigou a neurose, hoje
[...]’), e o sucesso dos esforços do ‘autodomínio’ corpo/mente para a prevenção e cura. No
retorno do sujeito, o posicionamento discursivo desse ramo da psicologia ocupando o espaço
‘vazio’ da saúde emocional e sentimental com as suas ‘armas’, culturalmente conhecidas
para mediar o cuidado das práticas, que envolvem a ‘consciência terapeuta do corpo’ (T4). O
equilíbrio da mente sadia constitui o suplemento da decisão que constrói a diferença na
posição de sujeito “idade da mente” (cura/mente/corpo): ‘sofredores’ ameaçados, mas não
necessariamente patológicos. A promessa é a redução do risco sob a mediação da autoridade
terapêutica da agência “psicologia da positiva”. Estabeleceu-se uma relação que determina o
“ponto nodal” “idade da mente incorporada”, representada pela imagem fantasiosa da
incorporação mente/corpo.
Segundo, nas enunciações sobre a ‘idade da mente’, também transparecem as decisões
que deslocam e valorizam o lugar da ‘cura da mente’ pela medicina alternativa num processo
de subjetivação, cujo ‘suplemento’ (metonímia
5
) baseia-se na conhecida fórmula mente sadia
= corpo sadio, que se ancora na necessidade de constante domínio do equilíbrio para manter a
fantasia da unidade da imagem – “mente incorporada”. O corpo forneceria o mapa da
visibilidade das inscrições das demandas e aspirações da cura ou da prevenção.
5
A metonímia é um recurso que amplia, como no caso que toma a parte pelo todo: mente refletida na totalidade
do corpo: ‘O corpo é o espelho da mente’, reflexo da imagem da mente incorporada, para situar as relações de
idade biofisiológica.
207
Essa estratégia facilita a introdução da noção de “consciência do corpo, dando a
impressão de que a relação de identificação é localizada na pessoa ou no indivíduo. Produz-se
uma imagem de emancipação individual proporcional à sua responsabilização pela idade que
se aparenta, a saúde que se tem e os anos que se viverá, através do domínio dos efeitos
benéficos da “mente” sobre o “corpo” e vice - versa.
A perspectiva do ‘autodomínio’ exige a reflexividade para auxiliar no monitoramento
da produção da identidade e da diferença. Nesse sentido (GIDDENS, 2002, p.76-77), observar
os processos do corpo, inclui a contínua atenção necessária para a preservação’ da
autonomia. Essa “consciência do corpo” seria a base para captar a totalidade desses
momentos de ‘escolhas’ do que se quer para agradar a si própria, e ao mesmo tempo
envolveria o seu monitoramento no exercício de tomar referências do corpo com uma “idade
cronológica”, mas da mesma forma julgado “disponível” (“emancipado”?) para uma outra
ordem de datação que pode ser biofisiológica.
O “eu incorporado” nessas condições comanda a produção individual da aparência
rejuvenescida e sadia: experimentar o corpo nas escolhas passa a ser adotar uma “postura
corporal”
6
desse tipo. A inscrição para a diferenciação dar-se-ia pelo processo de
transformação do indivíduo em indivíduo incorporado, posicionado pelas redes dos sentidos
da ‘idade da mente’, que cria esse efeito de necessidade do ‘monitoramento’ e controle do
‘equilíbrio’ (‘cura’) na relação saúde/doença (T1. Ed.1804. ‘[a medicina ...] reconhece o
poder da meditação, da yoga e de técnicas de relaxamento no tratamento de doenças
cardíacas. Hipertensão.[...] Infertilidade. Enxaqueca. O Poder da Mente’).
Em terceiro lugar, nesse movimento de inscrição no “entre-tempo”, no “presente
enunciativo”, temos o rastro do antagonismo que torna transparente o artifício da totalização
pela eleição do significante ‘vazio’ ‘Poder interior’ (Veja. Ed.1868, 2004), em equivalência
aos significados dos termos ‘cura da mente’ e ‘equilíbrio da mente’ para o desenvolvimento
da capacidade de ‘autodomínio’ e ‘controle’ da identidade “Dono de si”.
Veja. Capa. Ed. 1868 (T1). O Poder interior. (no texto em equivalência ao particular “Dono
de si”).
(T4). Os Donos de si. Os caminhos para o aperfeiçoamento pessoal, que
permite enfrentar – e vencer [-..]. (no texto na rede autodomínio e controle)
Veja. Capa. Ed. 1591, 1998. (T1). A Luta contra a doença da alma. Ela ataca [...], T3.
Depressão, a doença da alma. T4. A Doença da alma. A depressão [...] já pode ser tratada
[...]. (no texto na rede cura da mente/corpo)
6
Relembrando que Giddens (2002, p.122). conceitua assim ‘postura corporal’: “a condição estilizada do
indivíduo nos contextos da vida cotidiana, envolvendo o uso da aparência para criar impressões específicas do
eu”.
208
Veja.Capa. Ed. 1556. (T1). Crise nervosa, que anula o autodomínio e o controle: mina o
poder da mente sobre si. (no texto na rede poder interior)
Veja. Capa. Ed. 1804, 2003. (T1). A Cura pela mente.(no texto na rede cura do corpo).
(T4). O Corpo é o espelho da mente (no texto na rede cura da
mente).
Veja.Capa. Ed. 37, 2003.(T1). Equilíbrio mental.(no texto na rede cura da mente/corpo)
Em quarto lugar, a interpretação da lógica da equivalência no “entre-tempo” nos
permite apreender que o que escapa no discurso não é um processo pessoal ou individual no
‘ato de decisão’ que registra a posição de sujeito ‘dono de si’ (Ed.1868) pelo suplemento
“saúde mental” e não pela “doença”. Tal como na posição de sujeito ‘equilíbrio da mente’,
essa é uma ‘escolha’ que se faz em processo simbólico intrinsecamente coletivo, embora
prevaleça um sentido.
O ‘corpo’ está sendo constituído também para fazer valer princípios normativos
disputados no interior da medicina e em seu ‘exterior’, vinculados ao consumo (‘prático’)
dirigido pelos ‘doutores da mente’, através das tentativas de práticas de automonitoramento
mente/corpo favoráveis na organização de processos sociais inclusivos e exclusivos.
É oportuna a repetição simbólica da prática da ‘medicina alternativa’, expondo e
abandonando a condição de exclusão ‘ou’ (‘alternativa’) e desprestígio no campo médico.
Assim, demanda-se o reconhecimento e a aceitação (‘Está provado...’; ‘...a medicina se
rende’) da sua identidade cultural na prevenção e auxílio da cura de algumas patologias e
desvios de personalidade. Afinal, a incapacidade da medicina para lidar com a saúde mental e
solucionar alguns problemas de doença fora das ‘drogas’, e às vezes do isolamento, sugere a
falácia da eficácia de suas práticas para responder às demandas que são atiçadas, tornando
esse um lugar de disputas (acima, Veja. Ed.1591. 1998).
Em quinto lugar, a negociação da ‘suspeita’ dessa condição ‘alternativa’ da identidade
dessa prática médica, desdobrando-a para o agente mediador da saúde mental e seu reflexo
sobre o corpo, de certo modo, homogeneiza os saberes e poderes de especialistas dentro e fora
da ciência médica.
Em sexto lugar, deve-se destacar que nesse processo o ‘autoconhecimento’ sobre o
corpo e a mente é requerido como pré-condição para a diferenciação do limite na posição
‘dono de si’. Mas, para isso, além das construções das posições de sujeito citadas, teve-se que
negociar e afrouxar a regra ‘vida longa e saudável’, para fortalecer os códigos que buscam a
regulação ‘viver mais e melhor’. Ou seja, borraram-se algumas diferenças nas fronteiras da
209
velhice e do envelhecimento com a JIM, porque essa luta não dispensa o trabalho de
transgressão do mito que equivale à ‘velhice’ à ‘degeneração mental’ por causas biológicas,
favoráveis à adesão à ‘velhice ativa’ e ao adiamento da “velhice” para 70 anos..
Veja.Capa.1140.1990. A primeira coisa que se associa à velhice é a decadência mental. O que as
pessoas não se dão conta, em geral, é que o cérebro decai muito mais por falta de estímulo e de uso
do que por causas biológicas.
Porém o limite do calendário biológico de idades apresentado pela JIM é de 69 anos
de idade para a possibilidade limite do rejuvenescimento mental, que pode chegar ao
equivalente da idade aproximada aos 40 anos do “sistema de idade cronológica”. Trata-se de
limite da relação de incorporação e domínio do ‘eu’ sobre o ‘corpo’, que recai sobre uma
pequena mas influente zona de risco dos ‘sofredores patológicos’, que, segundo os textos
consultados, cobre a faixa de 30 a 45 anos de idade. Assim, pelo calendário biológico o
individuo, ao chegar aos 70 anos, pode ter sua mente aparentemente rejuvenescida 29 anos o
que corresponde a idade cronológica próxima dos 40 anos (Figura 1.1).
Sem dúvida, as redes simbólicas ‘idade da mente’, articuladas à “idade de nascimento”
para significar as relações intersubjetivas, são favoráveis aos afastamentos das divisões e
hierarquias dos sistemas de diferenças dos “calendários de cronologização da vida”. Na
constituição do lugar social ‘idade da mente incorporada’, os sujeitos buscam o
autodomínio’, auxiliados e/ou tutelados pelas demandas das necessidades de dispositivos
biotecnológicos médicos e de acompanhamentos diversos, incluindo monitoramentos de
‘autoterapia’, através de mecanismos de “auto-ajuda” para “cura” e “autoconhecimento”,
provenientes de vários pontos do sistema institucional.
Através das redes de equivalências de sentidos dos significantes ‘espelho da mente’,
idade da mente’, domínio da mente’, ‘poder da mente’, equilíbrio da mente’, ‘cura da
mente’,’controle da mente’, ‘dono de si’, ‘poder interior’, os vários agentes, organizadores de
várias diferenças e identidades etárias, negociam demandas e reivindicações, valores,
representações, normas, artefatos, mitos, símbolos, interferindo na construção dos lugares que
ocupam. Entre eles, nessa posição ‘idade da mente incorporada’, destacam-se os interesses e
as necessidades da medicina tradicional, da medicina alternativa, dos agentes dos laboratórios
e farmacêuticos, dos agentes dos aparatos terapêuticos diversos para “autoconhecimento” e
monitoramento: de auto-ajuda e disciplina dos sentimentos e emoções, de embelezamento,
sexualidade, entre muitos, para re-inscrever nas superfícies de opções para ‘escolhas’
baseadas na aparência do rejuvenescimento em que o corpo pode ser a moradia ou o casulo da
mente.
210
6.2 “Hormese”, Um Símbolo do Horizonte de Referência Interna
Assim como a distância simbólica entre corpo e mente constrói-se no terreno da
hormese ’ (domínio do limite de resistência do corpo e da mente), também a luta e a
perseguição da longevidade e do rejuvenescimento maduro atravessam esse espaço. O desejo
de prolongar a vida, para a qual não se pode circunscrever o seu encontro com a linha da
finitude, tem sido uma obsessão humana que exige um esforço intenso para resistir e
postergar, ou negar a velhice. O problema da imortalidade já rondava a Grécia Antiga, onde
se atribuía aos deuses esta qualidade adquirida através do ‘néctar da juventude’.
Parece ser o medo da velhice e a consciência da ‘ausência do controle’ sobre o “ponto
zero” da vida que impulsionam no homem formas míticas de prolongar a vida: buscar ‘o ouro
da imortalidade’ (China, século 1 a.C), a ‘fonte da eternidade’ (Ponce de Leon, século
XV/XVI), a ‘juventude contagiosa’(Idade Média), as ‘glândulas animais’ (século XIX), o
‘leite azedo’(médicos do início do século, Paris), a ‘esterilidade’ (fisiologista autríaco, anos
20), o ‘elixir’ (Gerovital) (médica romena Ana Aslan)
7
ou o ‘Retrato de Dorian Gray’ (Oscar
Wilde, 1891). Encontramos, facilmente, o sonho da imortalidade, ou mesmo da ressurreição,
em várias providências como mostram as buscas pelos frigoríficos ‘high tech’ ou a promessa
de clones (CIBILIA, 2002; FUKUYAMA, 2003, ROSE, 2001). Essa fantasia inclui a
imagem de uma existência jovial.
O ‘insulto ao organismo’, a sua exposição ao risco e ao ‘stress benéfico’ podem ser
considerados uma resposta ao organismo, “projetado para enfrentar adversidades”, tal como
o Pinus Longeva (espécime, próximo a 5 000 anos, que está no ‘rank’ dos seres vivos mais
velhos da terra), que sobrevive em solo árido, exposto ao vento e a frio extremos. Acredita-se
que em termos semelhantes “Os rigores do cotidiano talvez respondam pela longevidade”
ativa da georgiana de 133 anos e de seu sobrinho de 85 anos (Veja. Interna, maio,2004). Fato
que revalida a máxima de Nietzsche: o que não nos mata nos torna mais fortes. A teoria da
hormese’ valoriza esse princípio vital que serve como justificativa para que se escape com
vantagem das formas de stress, típicas da vida contemporânea, que trazem doenças com
efeitos sobre a qualidade e a redução do envelhecimento longevo por incidir na degeneração
do corpo e da mente
7
Essas formas de procurar a juventude eterna estão ilustradas no livro de Leonard Hayflick Como e por que
envelhecemos. Editora Campus/Elsevier. A obra de Wilde (2005) é realmente expressiva: o personagem
permanece jovem e inocente ao passo que seu retrato vai envelhecendo revelando sua decadência moral e física.
211
Ao que se sabe, só há uma outra estratégia mais eficaz do que o exercício: a restrição calórica. Os
efeitos perversos da fome são conhecidos nas populações que sofrem de forma crônica -
desenvolvimento físico e mental retardado e, não raro morte. Um pouco de fome, porém, e desde que
não haja escassez de nutrientes, faz milagres pela vida. Na verdade, faz o maior de todos os milagres
torna-a longa e saudável (Veja. Interna, maio, 2004).
O estímulo médico ao consumo de altas doses de vitaminas, eleito como um critério
que permite a conquista do lugar da vida longeva precavida de doenças e uma aparência
rejuvenescida em qualquer idade, sugere o desafio da capacidade individual para escolha
adequada e decisão ponderada para experimentar o limite hormese.
Em geral, não se tem conhecimento suficiente para estabelecer o cálculo do risco sobre
o perigo dessa linha tênue do poder de curar, adoecer e matar das drogas ou dos tensores de
resistência física, necessários para participar do jogo de suas práticas. A questão não está
somente na utilidade terapêutica dos suplementos vitamínicos, da dieta, dos exercícios e em
outras técnicas de rejuvenescimento e embelezamento, acha-se no desafio da exposição aos
estímulos, à overdose e à dependência (controle sobre a autonomia) que acompanha os atos
de escolhas.
Veja. Capa. Ed.1294. 1993. T1. Vitaminas. O Poder das superdoses. T2 Nossas pesquisas mostram
que altas dosagens de alguns tipos de vitaminas podem prevenir uma série de doenças e até retardar
os sinais do envelhecimento. Consumidores como [...], espantam-se com a variedade de complexos à
venda nas farmácias e drogarias do país. T3 A química da vida. Os cientistas descobrem que
superdose de algumas vitaminas podem ajudar a evitar o enfarte, certos tipos de câncer e retardar o
envelhecimento.
Anuncia-se que a ausência de controle dos limites da relação consumo/benefício e a
não observância de consumo e modos de viver, orientados por médicos e especialistas
terapeutas, poderão ser devastadores. A bulimia e a anorexia, por um lado, e a obesidade, por
outro, decorrentes de “crises nervosas” pelo esforço exagerado para superação (ou em
decorrência da “vergonha”, da “culpa” ou do “desprezo”), são mostradas como exemplos
‘normais’ de práticas mal avaliadas que negligenciam a vigilância do esgotamento do limite
de insulto ao organismo. O stress apresenta-se como um sinal da “consciência corporal”, que
pode indicar o limite da re-inscrição para evitar a “crise”, ou recuperá-la, conforme a
prescrição dos sintomas para a experiência da ‘consciência terapêutica’ (Veja. Ed.590, 1979).
O stress nada mais é do que uma reação natural do organismo a situações desconhecidas. É uma
bomba que, quando explode, deixa o corpo todo em alerta. Vêm as crises nervosas. As mãos tremem e
suam, o coração dispara, as pupilas dilatam (Veja. Interna. Maio, 2004).
Se no corpo as moléstias do coração são as vilãs, na ‘doença da mente’ seriam a
depressão e o stress não positivo. No discurso para manter o princípio da igualdade, todas as
idades são incluídas, sendo os grupos distinguidos pelos níveis de riscos. Os grupos de
212
maiores riscos são constituídos por mulheres. A faixa etária situada entre 22-45 anos é
apresentada como a mais atingida; nos ‘outros’ grupos de risco estão os adolescentes, em
virtude das mudanças hormonais, e os idosos, por causa da deterioração física. Nesse
contexto, na posição ‘idade da mente incorporada’, haveria uma menor probabilidade de
identificação das mulheres e homens com idades entre 46 e 69 anos. Em princípio, por essa
lógica do discurso, seria esse grupo de idades maduras que mais experimentam o
‘autodomínio’ e o ‘autocontrole’, que habilita a ponderar escolhas e decisões. Isso torna esse
grupo contingente da população hierarquicamente bem valorizado para identificação das
representações ‘dono de si’, não obstante, contraditoriamente, a equivalência de redução de
anos possa pela aparência conduzir a uma aproximação com a doença – ‘sofredor’ (veremos
adiante que esse período da vida também sobrepõe o esgotamento do tempo do ‘solteirismo’).
A perseguição, quase compulsória, do estado de saúde da mente ‘felicidade’ é uma
das estratégias discursivas adotadas para positivar as experiências associadas à busca da
longevidade saudável e do rejuvenescimento. Os signos da ‘felicidade’ e da ‘saúde’ passam a
concorrer nas negociações das posições de sujeito “cura” em contextos favoráveis à
dissociação das relações velhice/doença/debilidade/tristeza. Vimos, no capítulo anterior, como
o discurso da JIM tentou desarticular a velhice da morte, da doença e da infelicidade,
contribuindo para que as pessoas buscassem essa imagem da felicidade, baseadas em
horizontes de ‘modos de vida’, orientados por “necessidades”, cujos “critérios” se pautam em
defesas de interesses e satisfações inteiramente personalizadas e nunca completadas. O que
contribui para aumentar os permanentes “vazios” internos, resultantes do efeito pelo fracasso
da tarefa impossível da unidade da autonomia para escolher e decidir apenas segundo as
próprias referências.
Essa condição pode levar à incapacidade para ‘recuperar’ o ‘equilíbrio interno e
externo’, produzindo às ‘crises’ que vão marcando as passagens pela vida entre o prazer e o
desejo. Daí, o leque de oportunidades oferecido pela parafernália de informação de auto-
ajuda, com modelos e receitas para a autoprodução do conhecimento do ‘eu (inclusive através
da televisão e de revistas), que estimulam a confiança no alcance momentâneo da felicidade,
regida pelo princípio do prazer
8
(drogas, consumismo, práticas de embelezamento e
rejuvenescimento, terapias, etc), ou pela transitoriedade das relações interpessoais, ou, ainda,
8
Baudrillard (1995, p.139) desenvolve como no discurso da sociedade de consumo o corpo não “se reapropria
segundo as finalidades autônomas do sujeito, mas de acordo com o princípio do prazer e da rendibilidade
hedonista, segundo a coação de instrumentalidade diretamente indexada pelo código e pelas normas da sociedade
de produção e de consumo dirigido”. Não é essa a posição que adotamos aqui ao considerarmos as práticas das
negociações de sentidos e os “atos de decisões” construindo posições de sujeito na vida social.
213
sendo ‘outra pessoa’ mais apta na obtenção de prazeres pela associação da felicidade com a
beleza aparente [quanto mais bela mais feliz (Veja. Capa. Ed. 1862, 2004)].
Essa experiência discursiva, que sobrepõe beleza/felicidade/juventude, exige o que
identificamos com conceito de Giddens (2002, p. 122) ‘postura corporal’
9
, e as investidas
para ‘criar’ e ‘modelar’ as relações e as experiências do corpo, posicionadas de acordo com a
aparência da idade. Três frentes se destacam: dietas, equilíbrio mental e intervenção direta
sobre o corpo (cirurgias, prótese, plásticas e outros recursos, como alteração de gens),
dispositivos para re-configuração na direção não somente do aperfeiçoamento, mas também
de construir a aparência de uma ‘outra’ identidade idealizada.
Veja. Capa. Ed.1569. 1998. T1 Comer sem engordar!!! Chegou a ´pílula’ que reduz em 30% a
absorção de gorduras. T2. A Pílula que faz a dieta.
Veja. Capa. Ed.1868. 2004. T1 Os caminhos para construir uma sólida estrutura mental e emocional
capaz de colocar ordem no caos do dia-a-dia. T4 Os caminhos para o aperfeiçoamento pessoal, que
permite enfrentar - e vencer – com mais facilidade os obstáculos do dia-a-dia.
Veja. Capa. Ed.1862. 2004. T1 O Milagre da transformação. Plásticas em grande escala realizam o
sonho de virar ‘outra pessoa’. T4 Corrigir nariz? Inflar busto? Isso é ínfimo para quem muda tudo e
renasce outra pessoa – quase sempre mais bela e mais feliz.
A denúncia de Seligman
10
ao exagero do acento na cultura do ‘eu’, no individualismo
exagerado para a conquista da felicidade, faz coro com as demandas para uma crítica à noção
vigente sobre a “autêntica felicidade”, correspondendo às experiências prazerosas. Defende
que a luta para a felicidade deve ser travada na dobra entre o interior e o exterior, e afina sua
posição com a psicologia positiva. A “boa vida” identifica-se mais com a regra da ‘vida longa
e saudável’, para a qual se recomenda o autoconhecimento dirigido para a “posse”, como
critério de escolhas para a autoconstrução. A defesa da qualidade - ‘viver mais e melhor’, que
caracteriza a demanda do “envelhecimento ativo”, poderia associar-se com mais facilidade ao
princípio da felicidade situado na “virtude” e não na “posse”.
Os profissionais de auto-ajuda vivem apregoando que todo mundo deve entrar em contato
com seus sentimentos. Ora, há limite para isso. Talvez fossemos mais felizes se nos
preocupássemos mais com o outro (Veja, Página Amarela. Dr. Martin Seligman. Ed.1844.
2004).
No ano 384 a.C, Aristóteles ( www.filosofianet.com ), preocupado com o que
precisava um homem para viver uma ‘boa vida’, designa três formas de realidade que
9
Ver nota logo atrás sobre ‘Consciência Corporal’. Nesses resíduos de texto, se percebem as três tendências da
área médica que disputam no discurso: ênfase das cirurgias e outras técnicas de intervenção estética na aparência
do corpo; o uso de terapias com drogas, acompanhamentos clínicos e laboratoriais e equivalentes, e o destaque
para recursos da ‘medicina alternativa’ e ‘psicologia positiva’.
10
Universidade da Pensilvânia (E.U.A). Foi Presidente da Associação Americana de Psicologia, autor do best-
seller Felicidade Autêntica. Editora Objetiva, 2004.
214
compõem a vida: a vida dos prazeres e satisfações, a vida do cidadão livre e responsável e a
vida de pesquisador e filósofo. Para essas formas (as características, o que elas são
‘capazes’), que vão da mais simples às mais complexas, correspondem algumas substâncias
(a matéria, aquilo que elas ‘fazem’). Assim, na realidade da vida, a primeira, a substância dos
prazeres proporciona a felicidade mais transitória. A segunda seria a boa vida, onde
reconhecer as próprias potencialidades e saber como usá-las seria de fundamental
importância. A terceira é a forma onde se teria uma vida com qualidade Assim é que
Seligman (2004) coloca para a felicidade na “boa vida” a necessidade de autoconhecimento
para usá-lo no trabalho, no amor, na amizade, no lazer e com os filhos. Mas, para uma vida
de “qualidade”, é imprescindível que desenvolvamos uma causa maior do que nós mesmos e
nos coloquemos espontaneamente a serviço dela (Veja, Página Amarela. Ed.1844. 2004).
Para Seligman, temos que determinar nas práticas cotidianas, através do peso das
emoções positivas no equilíbrio físico e mental, a ‘essência comum das pessoas felizes’
11
. A
representação da identidade ‘felicidade’ passaria pelos elementos que a suplementam: alegria,
gentileza, criatividade, humor, otimismo e tolerância (Aristóteles, 2005) .
A psicologia convencional nasceu para tentar entender o que torna alguém neurótico, deprimido,
ansioso, de mal com o mundo.[ ..]. Descobri que os homens e mulheres satisfeitos têm uma vida social
mais rica e produtiva. Os muito felizes passam o mínimo de tempo sozinhos e mantêm ótimos
relacionamentos (Veja, Página Amarela. Dr. Martin Seligman. Ed. 1844, 2004).
Existem na defesa de Seligman várias demandas da felicidade autêntica, que revelam
antagonismos no discurso na JIM a respeito das relações com o dinheiro, a beleza, a instrução,
a inteligência, por exemplo, que, para ele, somente às vezes ajudam e não são determinantes
da felicidade. Para uma vida baseada na quantidade de prazer imediato de consumo, e de sexo
seria “uma vida baseada no humor” e, por isto, vulnerável; sobrevive pouco.
O desafio da felicidade, que não acredita deva ser tomado como meta obrigatória, seria
mais que o “bom humor”, gerado pelo prazer imediato do supérfluo, que gera ansiedade e
vazio pelas perdas. Para recuperar as crises, precisaríamos “equilibrar” a tensão das pequenas
felicidades momentâneas e dos grandes eventos para retornar sempre ao “nível básico da
felicidade”. O “nível” baseado no ‘limite herdado geneticamente e para o qual
invariavelmente voltamos, por obra de um termostato interno dado pela natureza’ (Veja,
Página Amarela, Ed.1844,2004). O que é isso, senão o limite hormese? Talvez creia que dessa
11
Aristóteles, defensor da liberdade individual e da privacidade, que advoga, também, o controle social como
meio necessário para alcançar a virtude, uma vez que o homem é “um ser político”. Para este filósofo, “para a
felicidade é preciso não apenas a virtude completa, [ mas...] também uma vida completa” (Aristóteles, 2005, p.
32). Em sua opinião, as criaas jamais podem ser felizes.
215
maneira se possa chegar à boa vida e alcançar a qualidade, através de escolhas e decisões que
visem interesses pessoais e coletivos.
Esses esclarecimentos sobre a relação pragmática entre felicidade e consumo, são
importantes para a orientação do sentido das “escolhas” ao longo da vida e para a definição
dos momentos de “crise” entre a busca interior da felicidade e sua relação com a percepção e
a opção de algum projeto para a construção da vida social.
A revisão e a recolocação do posicionamento do termo felicidade em face da
pedagogia das “escolhas” também pretendem chamar a atenção para a eleição do consumo
como o objetivo do projeto de produção da sociedade. Atribui-se (um mês após a Ed.1844)
aos múltiplos sinais de infelicidade da classe média americana uma certa ‘ingratidão’ e
desatenção com o progresso e o princípio da igualdade da democracia.
Veja, Interna.Ed.1849. 2004. Para Easterbrook
12
, se a classe média americana não está se sentido
bem, isso é culpa de uma mistura indigesta que inclui decepção com o progresso, consumismo
exacerbado, falta de novos objetivos para a vida e excesso de opções .
Logo abaixo, poderemos perceber a incidência da enunciação no “passado projetivo
para assinalar o sentido de contemporaneidade, exigido para a valorização da continuidade
do progresso e para fixar o quanto a sociedade americana é feliz (e não sabe). Devendo os
americanos apegarem-se aos projetos futuros de satisfação no padrão do modelo de produção
e consumo vigentes como medida da felicidade; e fazer disso aquele “algo maior que nós
mesmos”, para dar sentido a vida, já que os prazeres das farturas e o esforço pessoal não são
suficientes para a ‘autêntica felicidade’.
A esperança é figurada como uma referência interna para o registro da felicidade
equivalendo ao consumo. Essa estratégia ideológica equivale àquela sugerida por Giddens
(2002), que torna o “projeto do eu” um recurso de modo de vida baseado na “esperança”,
importantíssimo para a orientação do futuro, de modo que não se viva um dia-de-cada vez.
Assim, é possível, reflexivamente, “colonizar” o futuro da vida dos atores; e nesse processo a
imagem do corpo fornece o quadro das inscrições das relações felicidade/consumo como
projeto de todos.
Veja, Interna. Ed.1849. 2004 [...] o progresso pressupõe crescimento gradual do bem-estar, em
direção a um objetivo idealizado. Se uma pessoa já realizou todos os seus objetivos, isso significa que
atingiu a felicidade? Não, é a resposta [...] Daniel Kahneman, da Universidade Priceton,[...]. Segundo
ele, as pessoas julgam seu bem-estar não pela situação atual, mas pela perspectiva de melhorar a
vida no futuro. Ou seja, nada como uma boa esperança para dar a sensação de felicidade. A classe
média americana vive na fartura, mas não percebe que melhorou. [...] a maré alta levanta todos os
barcos. Ou seja, quando um sobe todos sobem juntos, e por isso perde-se a perspectiva de como era
na realidade antes de a maré subir.
12
Autor do livro O Paradoxo do progresso: como a vida melhora enquanto as pessoas se sentem pior.
216
6.3 Regulação da Escolha: Construindo a Negociação ‘Objetivo do
Consumo’ e a ‘Livre Escolha’
Ao estabelecer a equivalência entre os objetivos imediatos de consumo e o estado de
felicidade da mente, o texto em análise sugere que a própria realização desse consumo
promove a sensação de plenitude que é reforçada pela imagem do modelo de igualdade da
distribuição, que mantém as diferenças no mesmo patamar, ofuscando-as ao torná-las
‘normais’ pelo modo homogêneo como se reproduzem. A preocupação não reside tanto em
fazer valer uma política de distribuição radical liberal em que as desigualdades materiais são
legítimas e justificadas pelos benefícios econômicos, para a partir desses critérios criar os
espaços dos estímulos para as escolhas pessoais. Confiamos que essa estratégia discursiva
pode visar à associação entre opção de escolha e capacidade para realizar a escolha e a
felicidade gerada por essa operação.
Esse espaço de ‘falta’ (infelicidade gerada pela ‘fartura’. Ed. 1849) vai sendo
simbolizado pelo termo ‘esperança’ que, por definição, é sempre ‘contingente’ (uma presença
‘fort/ dá’), e estar limitado pela distância dos significados dos termos felicidade e consumo.
O consumo agora representado pelo objetivo sempre postergado, pela ‘esperança’ que
alimenta o desejo a cada experimentação. Essa estratégia de diferenciação do consumo pelo
suplemento esperança, nas redes de equivalências dos significados do universal felicidade,
mantém o ideal da igualdade de proporções das condições como uma tendência válida para a
regulação discursiva articulada aos sistemas de diferenças de distribuição do consumo.
O próprio termo ‘esperança’ opera como suplemento que mantém sempre aberta a
possibilidade de sua repetição no ‘“fort/dá’ da significação”, usando a expressão de Bhabha
(2001). Quer dizer sobre a possibilidade de algo que se deseja e se aguarda, nunca acaba e
nunca chega; sempre suportará ambivalências e tornará contingentes as novas demandas,
alimentando o desejo do consumo supérfluo em nome da igualdade, da “boa vida” ou da vida
de “prazeres” (‘vida longa e saudável’, ‘viver mais e melhor’). A homogeneização opera no
bojo da própria impossibilidade da justaposição do significante felicidade com o significado
esperança de ‘consumo feliz’. Porque o que se visa é expandir o propósito do consumo
supérfluo, através do ‘desejo’ de optar e escolher colonizando o futuro: ‘pessoas julgam seu
bem-estar não pela situação atual, mas pela perspectiva de melhorar a vida no futuro ...nada
como uma boa esperança para dar a sensação de felicidade’ (Veja. Ed.1849).
217
Admite-se, pois, níveis de descontrole do limite do equilíbrio de exposição ao stress
positivo da mente incorporada para esse esforço porque o momento da experiência já não
importa tanto quanto a esperança da melhora.
Como exposto, no momento interno da articulação do universal ao particular, se é que
serve de exemplo para a prática brasileira, a “insatisfação” e a “decepção” dos americanos não
se deve a sua “ingratidão” ou aos produtos que podem escolher, como faz parecer o
enunciado. O que colocamos como “tradução” é a delimitação de um espaço para contestação
e antagonismo, que está sendo julgado como efeito da má avaliação pessoal de escolhas de
consumo e de problemas patológicos na mente, conforme situamos a seguir.
6.3.1 Nos Rastros das Negociações: Pausas Para “Revisão” e
“Relocação” das Escolhas do Consumo Supérfluo
Na perspectiva que estamos adotando, a autonomia, a responsabiliadade e a
independência são constituídas nos processos de negociação das escolhas que produzem as
identidades e as diferenças sociais. Esse é um dos motivos de termos que lidar com a
responsabilidade das possibilidades não escolhidas, ao nos identificarmos com algo que
imaginamos complementar a ‘autonomia’ – que contribui para que sejamos diferentes de
alguns indivíduos e grupos e valores mais ou menos próximos a outros.
Para Melucci (2004), as escolhas e as decisões envolvem a noção de “maturidade”
porque dizem respeito à responsabilidade de “responder agindo”, e à capacidade que temos
para constituir a nós mesmos e outras identidades (“autonomia”).
O desenho geral da regulação do processo de negociação é um momento importante
em uma configuração (esse é o fio que tece a rede que constitui o social), pois é através das
formas heterogêneas de escolhas para a reinscrição de nossa identidade que as diferenciações
se processam. O predomínio de uma “política de escolhas”, baseada em interesses
corporativos, por exemplo, restringirá ao máximo o campo dos critérios que definem as
possibilidades das opções aos interesses do “centro” do sistema de mercado. Tenderá a
desenvolver estratégias de equilíbrio para a interação entre os interesses predominantes no
sistema e as ações dos sujeitos individuais.
No próximo fragmento a ser analisado, contendo inclusive resíduos do texto anterior,
procuramos as pistas de tentativas de estruturação das normas e controle dos “atos de
decisão” e as “escolhas”, que produzem a fixação dos sentidos em um contexto (“ponto
218
nodal”). Neste caso específico, trata-se de priorizar as necessidades das “escolhas” para a
esperança do consumo diferenciado (‘supérfluo’), articulando-o ao sentimento de “felicidade”
que este deveria promover.
Nosso interesse consiste em ‘abrir’ o “entre-tempo” da negociação e penetrar na
relação entre o “universal” (felicidade) e o “particular” (consumo), em equivalência à
esperança’ posicionada como a necessidade (suplemento), para perscrutar o momento
interno que produz o efeito da posição “livre escolha” (no momento anterior essa articulação
produziu o “consumo feliz”).
Agora, ressaltamos como esse processo de negociação implica assentir uma abertura
para o antagonismo, as resistências e novas aderências, que, ao manter a cadeia de diferenças
para eleição das escolhas abertas, predispõe a ameaça da reprodução do campo das opões.
Nessa análise, consideramos que a “insatisfação” e o “descontentamento” é o lugar dessa
abertura, que identificamos como o terreno da “má notícia”, que vem sempre de “fora” e que
serve de complemento que preenche o “vazio” que impede a autonomia necessária à
construção do nome.
Como estratégia discursiva para restrição do campo das diferenças, a configuração
JIM tenta conjugar essas demandas que explicitam as diversas e plurais necessidades
justamente negando a prioridade ou a legitimidade destas escolhas em nome do interesse de
todos; e assim, busca separar a realidade “interna” desses processos mais amplos de
homogeneização. É, pois, pela consideração do “exterior constitutivo” (na metáfora “má
notícia”) interferindo nos processos intersubjetivos que envolvem as escolhas, que aparecem
essas estratégias, que trabalham para designar a escolha individualizada, ou pessoalizada, com
estreita abertura da alteridade como se fosse uma opção de todos ou da maioria ou a ‘escolha
mais apropriada’..
Como tendência, no discurso JIM, estratégias do processo de decisão visam garantir a
unidade da interação indivíduo e sistema social; assim, as escolhas tendem a se basearem no
ideal de indivíduos e de grupos coincidindo com a própria ação. Não explora porque tende a
proteger-se e negar que os “atos de decisão” são atos de poder para a construção das
hierarquias simbólicas de diferenciação social numa sociedade complexamente plural. A
valorização do ‘mundo interior’ inclina-se a “isolar” a identidade dos processos mais amplos
de definições de poder do conjunto dos lugares sociais, e a localizar na ‘mente incorporada’
(uma subjetividade trabalhada no corpo) o sentido das experiências no mundo.
Esse perfil de escolha tende a produzir o efeito de “autonomia” da identidade “dono de
si” – quase sempre em busca de segurança em ambientes de riscos, conhecedora de si mesma,
219
centrada em si mesma mesmo dividida em partes (vários “eus” de um todo), amante de si e
representante de interesses próprios
O exercício que procedemos aqui aproxima-se do que Bhabha (2001, 1996) chama de
“política da interpelação”, e Foucault de “aparatos de subjetivação” (1981) e Hall (2003) “luta
por identificação”, onde a incerteza da escolha é obrigatória para a ação (“indescidibilidade”).
Esta considera que os indivíduos têm o poder de autoconstrução e auto-representação, até
mesmo com certa consciência disso, mas é um poder dependente que lhes reduz a
possibilidade de a “reinscrição” produzir o “retorno do indivíduo em indivíduo”, dobrado
inteiramente sobre si no movimento de reflexibilidade interativa com o sistema. (o que lhe
garante que a reprodução dos limites de sua personalidade sejam sempre reconhecidos
anteriormente à ação). Essas escolhas são orientadas de modo a prevalecer os processos
produtores da lógica que reproduz a diferença individual.
13
Levando em consideração o exposto, voltemos objetivamente a nossa questão: como o
discurso desenvolve estratégias para a reinscrição? Qual seria o espaço reservado à
consideração do ‘Outro’ na distância produzida entre a identidade e a diferença? Quais os
termos das equivalências de sentidos que possibilitam a inscrição dos significados na posição
de sujeito, “escolha livre”?
Na sugestão estratégica (Veja, interna Ed.1849. 2004), baseada na simbolização do
campo ‘hormese’, a ‘suspeita e o descontentamento’ são enunciados como características
‘naturais’ da espécie humana para a garantia da sobrevivência, sempre ameaçada por algo
“externo”, não localizável e indeterminado. Busquemos especificar o momento da construção
dessa interferência discursiva que permite a consideração e a nomeação do “Outro” – no caso,
a “má notícia”, a qual estaríamos todos sujeitos nos ‘atos de decisão’ - articulando as relações
entre o “universal” ‘consumo’ e a significação da sua forma “específica”: que simboliza uma
diferença que particulariza o ‘consumo’ na forma da ‘esperança de consumo supérfluo’.
Nesse retalho de discurso sobre a independência e a autonomia (‘liberdade para
escolher com quem quer casar, onde morar e qual profissão [...]’ Ed.1849, 2004), a
fundamentação do ‘pessimismo’ na ‘suspeita’ e no ‘descontentamento’; que ajudou a
sobrevivência da espécie na evolução biológica, é utilizado como o núcleo para a
identificação do limite da autonomia para todas as idades?
(
E.U.A). Explosão do consumo: comida e produtos baratos levaram a cultura do supérfluo
americano [...]. Até a liberdade, uma das maiores conquistas modernas, tem sido a causa de
13
Tende a apegar a um núcleo interno central estável, visando determinadamente reconstruir uma essência, que
pode levar a sectarismos e diásporas e equivalentes (valorização de grupos primários parentais, local ou
territorial e aos reforços de preconceitos).
220
infelicidade. Liberdade de escolher com quem se quer casar, onde morar e qual profissão a seguir: há
cinqüenta anos tudo era mais limitado. Hoje, o excesso de caminhos a seguir é motivo de ansiedade e
sessões redobradas no psicanalista [...]. O pessimismo que se abateu sobre a sociedade americana
também pode ser percebido na preferência da população por notícia. A explicação para isso está
em Darwin e na teoria da seleção natural. Ou seja, contra o hábito de reclamar de barriga cheia,
Eastearbrook propõe um exercício coletivo a seus conterrâneos: ‘que sejam mais gratos pelo que
possuem, mais generosos com o próximo e mais otimistas com o futuro’. Desde os primórdios, a
suspeita e o descontentamento ajudaram o ser humano a sobreviver a todo tipo de ameaça (Veja.
Interno. Ed.1849, 2004)
14
.
A equivalência do ‘pessimismo’ com a ‘má notícia’, sobretudo pelos efeitos da
suspeita’ e do ‘descontentamento’ sobre a autoridade cultural do que está sendo enunciado,
sugere que o significante ‘má notícia’ seja tomado em face da rede diferencial, levando em
conta que, após a “capitonnage”, assume significado (flutuante) associado à fronteira de
negatividade do discurso. As relações e práticas que envolvem a ‘má notícia’, como o terreno
do antagonismo, devem ser consideradas constitutivas da ordenação de referências para a
diferenciação “interna” na fronteira das oposições para inclusão/exclusão, na construção
(metafórica) da capacidade de “autonomia” da identidade JIM. Nessa configuração JIM, os
antagonismos são mais visíveis nos sistemas de relações que organizam os lugares dos
agentes: consumo supérfluo, sexo, sexualidade e reprodução, casamento e moradia, como
veremos no próximo capítulo.
Agora, podemos perceber os rastros de “atos de decisões” nas negociações das
relações associadas ao consumo e à felicidade, orientados pelo símbolo de referência da
maturidade JIM ‘hormese’. A figuração desse momento discursivo de organização de
estratégias de decisão das escolhas de demandas de consumo traz os sinais desses “atos”
articulados nas redes dos sentidos dos termos felicidade, consumo e esperança.
A imagem da felicidade é borrada na angústia da indescidibilidade “decisão livre” em
meio à diversidade de opções e perturbada pela constante “necessidade” que está do outro
lado, que “vem de fora” sob a forma da ‘má notícia’. O terreno do “exterior”, construído por
“atos” de ‘suspeita’ e de ‘descontentamento’ (antagonismos e agonismos, demandas,
contradições, questionamentos, oposições, solicitações, reivindicações), justamente por ser
constitutivo interfere e é interferido pelas decisões e escolhas.
A seguir, sistematizamos a abertura do “entre-tempo” da negociação do consumo
apresentado como uma “escolha livre” e bem-sucedida (‘feliz’). O significante vazio consumo
é anunciado como critério necessário para os processos de identificação do “objetivo do
14
Nesse texto, consideramos partes do corpo da reportagem que não são Lead ou último e primeiro parágrafos.
221
consumo”, tornando as relações contingentes e ambivalentes , pois, como visto, está associado
às redes da ‘(in)felicidade’ e da (des)esperança.
Na decisão anterior ‘consumo feliz’, indicamos que na prescrição da ‘esperança do
consumo’ como suplemento para a ‘felicidade’, as relações que estabelecem as suspeitas de
descontentamento individual e coletivo são sinais da abertura do limite para as interferências
“externas” nas escolhas de algumas diferenças. Porque é através desse espaço de
antagonismos, nas formas do ‘pessimismo’, da ‘suspeita’ e do ‘descontentamento’, que pode
se tornar visível que a (in)satisfação do consumo não o interrompe (‘hábito de reclamar de
barriga cheia’), ao contrário, fortalece-o. Em outros termos, com a interferência da ‘
notícia’ nos processos de escolha, identificamo-nos com algo exterior que nos torna ao
mesmo tempo saciados e desejosos , no ‘“fort/dá’ da negociação” (Bhabha), trazendo o efeito
do ‘pessimismo’ – uma metáfora da ‘suspeita’ e do ‘descontentamento’. A enunciação da
má notícia” se revela como a forma que exprime a contingência simbólica da posição do
sujeito; o efeito de unidade que é intersubjetivo, construído em função da necessidade de um
“suplemento” externo sempre incerto por ela mediado.
Nesse momento da repetição do consumo, na qual é feita a relocação e a revisão dos
suplementos (conteúdos) que especificam as diferenças, na “cultura do supérfluo” (Veja, Ed.
1849) é inscrito como a forma de esperança do consumo diferenciado. Através do consumo de
supérfluos, estilos e “modos de vida” podem ser crescentemente especificados pela ampliação
das opções de escolhas. Somos obrigados rever a forma das demandas e as reivindicações,
relacionadas às práticas e relações de consumo, para ampliar sua capacidade de personalizar
em bases terapêuticas.
A negociação do “consumo de supérfluos” se reinscreve como uma forma particular
de consumo que se realiza no ‘desejo do consumo’; que bem ou mal, em contrapartida, as
resistências sob a forma de antagonismos são admitidas como inevitáveis e necessárias à
renovação da vida social. O trabalho ideológico, para o fechamento da unidade textual nesse
corte de linguagem, para estabelecer o sentido hegemônico da relação “consumo/esperança e
felicidade”, revela-se, também, no uso estratégico do reforço da citação para construir a
positividade, dividindo e ampliando a responsabilidade das decisões sobre o assentimento das
resistências, os limites para o pessimismo e a estratégia mercadológica para os bens e serviços
estimulantes de demandas de ‘consumo supérfluos’ –
Veja, Interna. Ed.1849. Ou seja, contra o hábito de reclamar[...][fulano] propõe o exercício coletivo...
‘sejam mais gratos pelo que possuem, mais generosos [...] mais otimistas com o futuro’
.
222
Ao mesmo tempo, ‘escolhe’ articular o significado do termo ‘descontentamento’ às
redes de intolerância, procedendo à tradução da enunciação sobre o que foi dito a respeito do
potencial subversivo desse campo metafórico do “passado projetivo”: o ‘pessimismo’; Desde
os primórdios a suspeita e o descontentamento...’; a ‘reclamação de barriga [...];
equivalendo-o no presente enunciativo”, a ‘liberdade’
15
. Para, no retorno do sujeito como
agente, lançar para esse lugar do ‘outro’ o ‘Olhar gordo’ no ponto em que escapa à
diferença, através do significante ‘hormese’: também um signo dos limites de resistência à
exposição de ameaças e insultos à liberdade para escolher e decidir (‘a suspeita e o
descontentamento ajudaram o ser humano a sobreviver a todo tipo de ameaças’).
Nesse “retorno”, altera-se o lugar de acomodação posicionado anteriormente (“vida
[ou consumo] feliz”) e emergem (e/ou passa-se a suscitar?) as resistências na simbolização
hormese’. Afinal, sem essas doses de ‘resistências positivas’, no nível adequado, o
‘significante flutuante’ desejo do ‘consumo supérfluo’ será enfraquecido pela carência de
eleição de ‘necessidades’ e ‘critérios’.
6.3.2 Sistematização do “Entre-tempo” ‘Livre escolha’
Decisão e ‘livre escolha’ - Negociação do Consumo Supérfluo
Quando consideramos um ‘terceiro’ espaço (Bhabha, 2001), na estrutura da
simbolização posicional, ao abrirmos o ‘entre-tempo’ entre esse enunciado e essa
anunciação, o jogo ambivalente da identificação se mostra com maior clareza nos lugares
figurativos no discurso. Onde, no processo de subjetivação no ‘entre-tempo’, o locus da
‘escolha’ passa a ser, no nosso exemplo, a distância do posicionamento entre o ‘consumo
feliz’ e a ‘suspeita e o descontentamento’, no terreno da ‘má notícia’. (Veja. Interna.
Ed.1849. 2004).
Presente Enunciativo: ‘Até a liberdade, uma das maiores conquistas modernas, tem
sido a causa de infelicidade. Liberdade de escolher com quem se quer casar, onde morar
e qual profissão a seguir: ... Hoje, o excesso de caminhos a seguir é motivo de ansiedade
e sessões redobradas no psicanalista’. Ou seja, contra o hábito de reclamar de barriga
cheia, Eastearbrook propõe um exercício coletivo a seus conterrâneos: ‘que sejam mais
gratos pelo que possuem, mais generosos com o próximo e mais otimistas com o
futuro’.
Passado Projetivo: [...] O pessimismo que se abateu sobre a sociedade americana
também pode ser percebido na preferência da população por má notícia. A explicação
para isso está em Darwin e na teoria da seleção natural.
15
Lembremos a construção do mesmo artifício discursivo na equivalência da liberdade das mulheres
“separadas” à condição de descontentamento: “vida avulsa”, “solidão”, “viajante solitária” etc., explorado no
próximo capítulo.
223
Retorno: ‘[...] há cinqüenta anos tudo era mais limitado]. Desde os primórdios, a
suspeita e o descontentamento ajudaram o ser humano a sobreviver a todo tipo de
ameaça’.
Os atos de decisão’ significados nesse lugar de associação da responsabilidade
e autonomia com a ‘liberdade de escolha’, equivalendo a ‘atos suspeitos’, embora
fundamentados numa suposta natureza cultural (uma vez que a regra a ser levada em
consideração para a negociação é uma referência biológica patológica, situada no plano
do sentimento e da emoção ligada às perdas e às culpas individuais), fazem lembrar que o
conflito é constitutivo da vida social.
O ponto da equivalência do sentido da liberdade de escolha com o efeito da
eleição do suplemento (‘pessimismo’) para fixação mostra sua vulnerabilidade no limite
hormese
16
. Quando se tenta naturalizar o ‘pessimismo’ e preservar a igualdade do direito
individual à ‘liberdade’ na pluralidade, transparece essa falácia da igualdade moderna que
pretende anular qualquer distanciamento dos meios e das condições históricas de atrasos
de acesso e desnivelamentos culturais, que especificam as posições das escolhas dos
vários grupos tratados (classe média) como homogêneas.
A enunciação que transforma o valor da liberdade
em signo da infelicidade,
trazida para o plano terapêutico de ‘doença da mente’ (ansiedade), que bloqueia a
capacidade para ser livre para decidir e ser feliz, permite a passagem para o plano da
‘cura’ da mente. O efeito ‘infelicidade’ é praticamente anunciado como uma questão
existencial natural de foro terapeuta dos que não conseguem construir a ‘autonomia’
(presente enunciativo). Essa relação persiste após a negociação para a imagem do
“retorno do sujeito como agente” (“ajudaram...”).
Na imagem do ‘retorno’, surgem as dicas para evocar de um outro lugar a
negociação da felicidade e do pessimismo, que não sejam a reprodução e o
reconhecimento da autoridade da igualdade na democracia (americana). Nesse campo de
batalha pelo sentido, duas posições apresentam outras razões para a insatisfação gerada
pelo ‘pessimismo’ sobre a construção cultural da natureza. Na enunciação do presente,
posiciona-se o lugar ‘livre escolha’, marcado pelo critério da gratidão e do otimismo
(‘ser grato pelo que possui.. otimista com o futuro’). Neste momento de reinscrição, que
marca o “retorno do agente” para a escolha do consumo supérfluo, negocia-se e autoriza-
se o terreno das resistências reguladas para a ‘livre escolha’ (tensor de ‘autonomia’) do
consumo para a cura terapeuta (suspeita/descontentamento).
Na negociação dos processos de escolhas, de um lado, estratégia para a
autorização (regulada) do antagonismo e das contradições, de outro lado, a estratégia de
16
Estamos considerando o limite da ‘hormese’ o que está distinguido como ‘passado projetivo’ e o ‘retorno do
sujeito’ do exemplo em análise (Veja. Ed.1849. 2004).
224
fortalecimento da produção do consumo diferenciado e a fantasia ‘livre escolha’ para os
“otimistas” e os “gratos” com as regras de distribuição do consumo diferenciado, baseado
no princípio da igualdade de condições de produção e distribuição e em recursos
terapeutas. Nesse momento, a ‘escolha feliz’ equivale à ‘esperança’ do ‘consumo feliz’.
O pessimismo opõe-se
à esperança para mobilizar o desejo do consumo, elemento
necessário ao ‘objetivo’ do seu permanente adiamento. E, por isso, deve ser insultado,
estressado positivamente (no espaço do antagonismo).
6.4 Negociando a Diferença no “Envelhecimento Ativo”
A especificação no terreno da luta pelo domínio dos anos que se podem agregar de
antienvelhecimento’, também, exige um esforço de negociação intenso e permanente na
barreira para a exclusão dos processos da “velhice” e de suas representações. Exploramos
duas decisões a esse respeito. Uma diz respeito à “revisão” da autoridade na “medicina do
rejuvenescimento” para organização desse trabalho de fronteira nessa posição. A outra marca
o significativo momento de negociação do posicionamento da distância do “envelhecimento
ativo” na fronteira da JIM, e a explicitação da definição do lugar da batalha pela
ressignificação do “envelhecimento” após 2003.
Veja. Capa. Ed.1806, 2003.
Presente enunciativo T1 Receitas da ciência para manter-se jovem aos 30, 40, 50 ... , e 60.
Passado projetivo T2 O novo arsenal da ciência contra o envelhecimento.
Retorno do Sujeito T4 Jovem dos 30 aos 60 anos. A ciência já decifrou os mecanismos básicos do
processo de amadurecimento do corpo humano e, pela primeira vez, os médicos têm recomendações
eficientes para ajudar as pessoas a atrasar o ritmo do relógio biológico e viver mais, melhor e com
intensidade.
A “ciência do rejuvenescimento” apresenta a função de atrasar o relógio biológico
para estabelecer a direção da organização e o dimensionamento simbólico do campo da
configuração JIM. Sobretudo, pela enunciação da luta pelo “antienvelhecimento” com seus
conjuntos de instituições e aparatos diversos para a re-significação da “maturidade”, pela
exploração e alteração do campo semântico associados às redes ’jovialidade’, ‘maturidade’ e
‘envelhecimento’ e ‘idade’. Expandem-se os mecanismos terapêuticos informando e
instruindo como ampliar a capacidade para suprir essa necessidade de controle dos processos
de amadurecimento do corpo e os primeiros sinais do envelhecimento (‘manter-se jovem...’,
225
‘atrasar o ritmo do relógio biológico e viver mais e melhor’ - suplemento), inferida em
equivalências recíprocas àqueles quatro termos.
Em 2003, essa luta inclui a sistematização da diferenciação do imaginário das idades
entre 30-69 anos, explorando as possibilidades operadoras dos signos ‘hormese’, para re-
associar a construção biofisiológica da relação mente/ corpo/ idade. O que inclui dúvidas
sobre estratégias para interferir e transformar a natureza do amadurecimento e assinalar os
limites da ‘hormese’ pelo ‘relógio biológico’ que atrasa, adianta ou segue o ritmo normal.
O lugar do ‘novo’ na repetição do passado’ noprojetivo’ (T2) ‘já decifrou’ é o lugar
da incerteza que conduz, numa face, à esperança e ao desejo do consumo do
“rejuvenescimento”, na outra, à desconfiança e ao pessimismo na capacidade dessa ciência
para proceder a escolhas e decisões. É a experiência da ‘primeira vez’ que pode atrapalhar a
esperança”, com respeito ao domínio da ciência para controlar os processos de
“rejuvenescimento”. Essa suspeita procede da ‘ notícia’ figurada no insucesso no passado
para controlar os processos do envelhecimento.
A ‘missão’ da medicina e de convencimento do médico encontra espaço para
questionar as certezas das verdades da ciência, que agora concorrem para esvaziar muitos
lugares da “cronologização da vida”, e envidar a reorientação para a construção dos sistemas
de diferenciação do rejuvenescimento na maturidade, a partir de controles do calendário de
idades biológico. Um considerável esforço concentrou-se em estabelecer os pontos dos níveis
de intensidade e arritmias no desenvolvimento da potencialidade máxima da mente e das
partes dos sistemas de funcionamento do corpo para “manter-se jovem”, até esse limite de
insulto máximo, que demarca o envelhecimento aos 70 anos. De outra maneira, intensificar o
controle vigilante do retardamento e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio nos limites
ameaçadores do ritmo biofisiológico do envelhecimento, e dos riscos de desgastes e doenças
nas idades em que esse processo se inicia.
Mesmo que a metáfora do ‘relógio biológico’ assinale que os limites dos ritmos de
idades para o antienvelhecimento seja uma criação humana, chama para o mistério do seu
processamento interno, o que causa a ‘suspeita e a desconfiança’ nas interferências que
ameaçam o ritmo predominante de aceleração e o controle do nível básico. Receios fundados,
pois, se há indícios de que as conclusões da medicina moderna em muitos aspectos são
provisórias para tal feito, o individuo comum não saberá se autoconhecer para experimentar
os limites do ‘autodomínio’ sem correr considerável risco. Dessa forma, a responsabilidade
individual pela “livre-escolha” está sendo negociada com base em sistemas de simbolização
226
assentados em controles de limites mente/corpo/idade em condição de extrema dependência
das biotecnologias e dispositivos terapêuticos para capacitação da “mente incorporada”.
No fragmento recém-citado, o significante maturidade, quando equivale à capacidade
para negociar valores para a construção da ‘vida longa e saudável’, e mesmo a ‘viver mais e
melhor’, exalta a metáfora da ‘intensidade’ como critério. Porque este é menos aderente à
referência de “idade de nascimento” para distinguir posições entre e dentro dos intervalos de
idades. Porém é favorável às relações de “tensão” para distinguir os ritmos de retardamento e
adiantamento de processos pontuais diferenciador de idades. Para fixar “pontos” de exclusão
na fronteira com o “envelhecimento ativo”, ordena as posições diferenciais nesse espaço entre
a ‘maturidade’ (‘30, 40,...,69 anos’) e a extensão dos ‘anos a mais’, diferenciados do
envelhecimento na configuração geral do “ciclo da vida”.
Da mesma forma, procede na fronteira com o “crescimento”, valorizando as idades
internas do meio pela regulação das redes ‘vida longa e saudável’. Em várias posições a
associação à contagem das idades de 30 a 69 anos ordena as estratégias de aceleração e
retardamento das identidades e das diferenças pelas decisões que valorizam as relações pelo
antienvelhecimento; entre elas, predominam as associadas à cura, à aparência jovem e à
longevidade e acentuação da capacidade para ponderar escolhas e decisões (exploração dos
referentes internos da “maturidade”).
Ao olharmos sob o ponto de vista das forças homogeneizantes dos processos de
escolhas de “modos de vida”, tomando por centro a articulação desses elementos citados, a
estratégia que aumenta a carga dos efeitos de perdas e fracassos individuais, quando é
transferida para o âmbito biológico (espécie), tende a fixar e produzir o efeito de redução do
campo das disputas sociais porque ancora em necessidades do indivíduo ou da pessoa.
Talvez seja essa uma razão que contribua para o calendário etário biológico da JIM
apresentar um horizonte centrado na produção metafórica da ‘autonomia’, que condensa na
mente o ‘domínio’ e a ‘autoterapia’ para configurar o ‘rejuvenescimento’, através de escolhas
de ‘modos de vida’, orientados pela regulação da ‘vida longa e saudável’.
Essas operações de individualização e redução do campo político, mais recentemente,
têm sido em boa parte inferidas no imaginário ‘hormese’. Ressaltamos, que este termo não é
usado no discurso como nós vimos utilizando, como uma superfície de simbolização do elo da
cultura com a capacidade do corpo e da mente inscrever suas escolhas (“recuperar”). Um
símbolo de maior intensidade no esforço para a aceleração de operadores da aparência jovial
na maturidade, e da desaceleração dos sinais da aparência do “envelhecimento ativo” na
direção dos limites das idades maiores da JIM. Da mesma forma, procura cobrir “vazios” para
227
re-posicionar, esquecer ou apagar códigos do “amadurecimento” e do “envelhecimento” da
configuração “cronologização do curso da vida moderno”.
Isso significa que a redefinição do envelhecimento, pelo menos neste século nas
posições de fronteira da JIM, absolutamente não exclui o critério da regra que estabelece a
necessidade das referências internas
17
, sendo uma das suas formas de projeção o consumo
terapeuta preventivo (objetivo de consumo supérfluo?) e/ou de cura para estabelecer as
fronteiras e limites
18
.
Tendo em vista a necessidade de negociações para maximizar a positividade do
antienvelhecimento’ longevo da maturidade, também, opera-se, não sem dificuldades,
associações no registro das “fases” da idade cronológica como barreira discursiva. É que o
estímulo para o uso das biotecnologias considera, em princípio, que se deve respeitar o direito
individual à igualdade, à beleza e ao rejuvenescimento e à liberdade para buscá-las. Todos, se
quiserem, podem rejuvenescer. Mas os códigos da ‘velhice’ e da ‘juventude’ oferecem
resistências, inclusive, esta última, pela preservação do nome próprio. Não se poderia
considerar ‘má noticia’, um grupo da “quarta idade” ou julgado muito jovem, que recorre com
freqüência às técnicas para embelezamento e aos recursos terapêuticos, cirúrgicos,
farmacêuticos e laboratoriais para isso? Como toda imagem de identidade, a aparência e o
rejuvenescimento maduro estabelecem limites para distinguir as diferenças de suas
identidades (Veja. Capa. Interna. Ed.1866. 2004. Ao assumir a aparência jovial, o idoso atrapalha,
simbolicamente. É como se não fosse permitido aos velhos parecer que ainda estão na idade de
reprodução
).
17
Simbolizadas em relações de ‘autodomínio’, de ‘autoconhecimento’, de ‘auto-realização’, ‘auto-estima’, etc.
18
Como reconhece o próprio Giddens (2002, p.167), “Na alta modernidade, o acesso aos meios de auto-
realização torna-se em si mesmo um dos focos determinante da direção da divisão de classes e da distribuição
das desigualdades em geral”. Ele sabe que a construção do social se faz através das estratégias e das formas das
escolhas.
228
CAPÍTULO 7 IDENTIDADES EMERGENTES DO REJUVENESCIMENTO
7.1 Equivalências entre Jovialidade e Maturidade: Kindults” e “Pós-
adolescentes”, Resistências à Maturidade?
Com expressão mundial o ‘prolongamento da juventude’ refere-se a alguns lugares
etários que costumam ser caracterizados por processos de antecipação ou retardamento da
maturidade e da adultícia, sendo mais distinguidos em espaços metropolitanos. A identidade
kindult, como é chamada nos Estados Unidos, costuma ser exemplificada e tem sido analisada
como efeito de estratégia de retardamento
1
. Essa nova metáfora de identidade etária vem
sendo configurada como parte do movimento de infantilização imbricado com a juvenilização
das idades mais novas da ‘adultícia’, que Furedi (2004) classifica próximas à casa das idades
35 e 45 anos. Para entender melhor o que assim está sendo denominado, recorramos
brevemente ao conhecido perfil de diferenciação das crianças e dos adultos de Áries (1981) e
Elias (1993).
Os estudos de Áries mostram que, na França medieval, logo que a condição física
permitisse, as crianças em idade prematura já participavam do trabalho e da vida social, não
sendo novidade experimentarem coisas que os adultos fariam. Somente a partir do século
XVIII, formaram-se as fronteiras que, progressivamente, as foram afastando destes. A noção
de infância desenvolveu-se lentamente associada à escola e aos cuidados domésticos, tendo
sido nesse momento que fortes distinções foram se cristalizando e definindo os lugares dos
meninos e das meninas, no espaço social diferenciado dos adultos.
Em contraponto a esse depoimento sobre a existência de criança ‘séria’ e
‘responsável’, semelhante aos adultos, Norbert Elias (1993) atribui ao adulto medieval
comportamento significativamente “espontâneo” e “solto”, de certo modo infantilizado,
apesar da força física e do potencial para a violência. Os adultos, dessa época, teriam um
controle menor sobre as emoções e seriam mais relaxados em suas expressões de culpa ou
vergonha.
Na tese de Elias (1993) que culmina com a teoria dos processos civilizatórios na qual
os processos sociais sobreporiam os instintos, a modernidade realmente teria afastado os
adultos das crianças, construindo uma infância dependente e com emoções mais controladas,
e, concomitantemente, adultos autônomos e independentes, sérios e maduros e com direito à
cidadania, e velhos dependentes dos cuidados familiares ou do Estado.
1
Sobre os “pós-adolescentes”, tivemos a oportunidade de nos referir em outros pontos desta tese. Neste lugar, o central é o processo de
infantilização nas fronteiras das idades mais novas (30/5-40/5 anos) do intervalo etário coberto pela pesquisa.
229
A atualidade desses estudos é reconhecida pela transparência de alguns grupos em que
se evidenciam indivíduos tomados por adultos, assumindo ou desenvolvendo alguns
comportamentos, linguagens, maneiras de se vestir, de se divertir, gostos artísticos, enfim,
formas de enfrentar o processo de envelhecimento e o amadurecimento, externando as
emoções e sentimentos com maior chance para decidir sobre elas, estilos de viver associados à
caracterização da infância.
Posteman [(1982),1999, p. 02], advoga que “a cultura americana é hostil à idéia de
infância”, e que as crianças são praticamente obscurecidas pela televisão. Para ele, esse meio
de comunicação, promove a sua desmontagem e reflete a imagem do seu declínio no conteúdo
do que apresenta. Tais evidências poderiam ser observadas na fusão do gosto e estilo de
crianças e adultos e nas mudanças de perspectivas de instituições sociais como o direito, a
escola e os esportes. Meninos e meninas, com pouca idade (próxima a 7 ou 13 anos), são
representadas em formas ‘adultas’ mostrando interesses, usando linguagem e roupas e
exercitando uma sexualidade que os assemelha aos adultos exibidos nos mesmos programas,
comerciais e filmes.
No mesmo sentido, constata a proliferação dos indícios de formas de adulto
‘infantilizado’: negligente com os compromissos de cuidados dos filhos, resistente para
cuidar dos mais velhos, experimentando jogos, alimentando-se, apreciando música e dança e
desenvolvendo outras ações que indicam a mistura ou a indistinção entre o comportamento de
crianças e adultos. Meyrowitz (1985 apud, DEBERT, 1999, p. 55) havia chamado atenção
para isso. Teria enfatizado que a mídia dissolve o controle que os adultos tinham sobre as
informações que consideram desejável para as faixas mais jovens e, como decorrência, a
mídia (eletrônica) estaria exercendo um forte papel socializador das crianças e adultos.
O lamento pelo prejuízo na infância das crianças, provavelmente, acompanha a
denúncia da subversão “adulta” ou dos ‘avós avançados’ da Segunda infância e da Segunda
adolescência, às vezes consideradas irresponsáveis ou negligentes - infantis e imaturas.
Importa reter que o desenho geral desse processo de infantilização apresenta zonas de
semelhança com a conjugação de valores infanto-juvenis, constitutivos da ‘invenção’ da
“terceira idade”. Com a ressalva que aos jovens, aos idosos e aposentados atribui-se um
excedente de tempo livre; ínterim em que as requisições de responsabilidade cederiam lugar à
positividade para a brincadeira e à descontração.
Todo esse processo, onde se hibridizam os espaços sociais dos adultos e das crianças
transformando a unidade em certas posições, no entender de Posteman (1999), tende a
230
produzir um curso da vida bipolar, um misto de “criança-adulta e adulto-criança” e a
“velhice”.
A cultura da ‘infantilização’ dos mais velhos e da ‘adultização’ dos mais novos,
associada à jovialização dos processos estruturados por idades, perpassa a questão da
possibilidade da reversão do curso da vida no sentido daquelas caracterizações medievais, e
induz a pelo menos dois tipos de reações: o protecionismo, que defende a dependência da vida
infantil e do corpo da criança e o direito dos adultos para libertarem-se da carga de
responsabilidades e competências relativas a dependência infantil. Essas atribuições
produzem traços de ‘seriedade’ e a ‘sisudez’, a ocupação do tempo e o comprometimento dos
recursos materiais e emocionais (FORQUIN, 2003).Por seu turno, esse esvaziamento da
autoridade da “maturidade adulta” expõe-se às negociações e, no extremo, ao desprezo, ao
isolamento e aos julgamentos de culpas, pelas alusões aos acúmulos de perdas e redução de
ganhos de ‘autonomia’ e ‘responsabilidade’.
Na outra margem da fronteira, como aponta Martins (1997, p.106), no Brasil, a
incorporação da maioria da população até 18 anos no mercado de trabalho
2
antecipa o
ingresso na escola ou lhe é concomitante. Essa relação que, também, permite a definição de
um lugar para a criança e o jovem de relativa independência no seio da família, pode, talvez,
significá-los como adultos ou faz parte da infância de segmentos da população brasileira?
A autora, defende que a absorção da criança e do jovem no trabalho pode ser
considerada uma estratégia do sistema de socialização das camadas populares que não se
contrapõe, necessariamente, à escola, mas, ao contrário a complementa. O trabalho e a escola,
afastariam estas categorias da marginalidade e reforçaria na formação de suas identidades o
sentido de decisão e afirmação. Essa estratégia, também, realizaria a pressão do consumo
iniciando as crianças e os jovens na “gramática do gosto”, na definição e acesso de consumo
de alguns bens (Ibid., p.107).
Por esse ângulo, podemos inferir que um indício do distanciamento entre adultos e
“jovens” em relação ao trabalho, seria basicamente a qualidade e as condições do emprego.
Porque, em geral, os termos da valorização do trabalho no Brasil, segundo Martins (1997),
ainda hoje contribuem para uma indistinção da fronteira entre “adultos” e “jovens” e
“crianças” mais pobres. Por seu turno, à tendência para a valorização de uma cultura estética
2
Considerando a distribuição dos ocupados, pela idade em que começaram a trabalhar, dados da PNAD, para o Brasil, referentes a 1993,
mostram que 86,1% da população empregada começou a trabalhar antes dos 18 anos. Olhando apenas a faixa etária entre 10 e 14 anos,
vemos que 48,6% dos trabalhadores iniciaram a sua trajetória de trabalho nessa fase de sua vida (DIEESE,1996). O que impele essas crianças
e adolescentes para o trabalho, em um momento em que deveriam estar na escola, e só na escola, preparando-se, exatamente, para uma
profissão? (MARTINS,1997, p.104).
231
entre os jovens, com ênfase no consumo, também, tende a ser indicadora das demais idades
homogeneizando-as.
Pesquisa recente, realizada pelo SEBRAE em 2003, mostra que os jovens brasileiros
(15 a 24 anos) estão mais no trabalho (76%) que na sala de aula (64%). Isso não significa que
eles tenham contrato e carteira assinada já que, entre os que realizam uma atividade
econômica 65% estão no mercado informal e 86% ganham ou ganhavam menos de dois
salários mínimos por mês. O número de jovens a procura de emprego (40%) é maior que o
número de empregados (36%) (Isto é. Ed.1804. 2004).
Spósito (1997), acrescenta que, no Brasil, a tendência é de antecipação do início da
vida juvenil para antes dos 15 anos, na medida em que certas características de autonomia e
inserção em atividades no mundo do trabalho tornam-se o horizonte imediato para grande
parcela dos setores empobrecidos.
Esta autora, ainda refere-se a esses processos que dissociam a fixação de pontos de
“passagem” para “estado adulto”: a “partida da família de origem”, “a entrada na vida
profissional” e “a formação de um casal” que, entre os operários no início do século, era
caracterizada pela instantaneidade da passagem da infância à vida adulta e pela
simultaneidade necessária das três condições de ‘passagem’. Por seu turno, o modelo
“burguês” que vislumbrava a idéia de “diletantismo”, tendeu a possibilitar tanto o adiamento
do momento e das “etapas” de entrada definitiva na idade adulta, quanto o descompasso as
torna quase independentes. Sendo, esta uma da peculiaridade que Galland (1991) elege
fundamental para distinguir esse interstício do “prolongamento da juventude”
3
.
No Brasil (SPÓSITO, 1997), a trilogia família-escola-trabalho, é ofuscada nos estudos
sobre a juventude pela ênfase que se dava a exclusão social. Somente após 1990, é que pouco
a pouco passa a ocupar um espaço nas dissertações e teses de mestrado. Em 1995, o tema da
exclusão ainda reserva-se 25% do total da produção sobre o tema, seguindo-se mais longe: a
participação política, os jovens e a mídia, a violência e drogas que, também, estão na pauta
das agendas acadêmicas, das ongs e das agências governamentais. Na verdade, são analises
sobre a entrada ou saída no mundo adulto que apontam para a recomposição das identidades
de grupos sociais pela diferenciação das idades na chegada no mercado de trabalho dos jovens
mais velhos e da saída dos velhos jovens
4
.
3
Por seu turno, na passagem da adultícia à velhice a tendência é a permanência na escola. As condições diferenciais de acesso ao universo do
trabalho, também, favoreceram a desconexão entre as ‘classes de idades’ e as qualidades ligadas aos modos de acesso à idade do meio.
Peralva (1997, p.22), afirma, com relação à velhice que ‘o significado simbólico de certos atributos se alteram e certas idades diminuem’; e,
acrescentamos, podem se fazer diminuir ou aumentar relativamente aos conjuntos das várias posições de idades num movimento de efeitos
de condensação e deslocamento face às demais posições (antecipando e retardando em ritmos e tempo diferentes os calendários idades).
4
Estes últimos, são problematizados pela sociologia do envelhecimento através da aposentadoria compulsória e de mecanismos de ocupação
do tempo livre e de sociabilidade da “terceira idade” (CARVALHO, 2002).
232
Distintos modos de vida marcam os grupos da emergente geração social Kindult. O
mercado, a mídia, o Estado, os institutos de pesquisas e outros centros se esforçam para
organizarem os seus limites e distinguir a hierarquia dos valores correspondentes às suas
representações, os comportamentos, as emoções e os sentimentos, e as práticas e relações
envolvidas. Faz-se oportuno relembrar o que disse Debert (1999) sobre a liberação precoce
da situação infantil e adolescente, e sua relação com a infantilização da vida adulta. Uma
situação de dupla dificuldade para a produção da imagem da identidade adulta moderna: a
juventude interminável e a aposentadoria precoce.
Considerada a questão sob a margem diferencial “adulta”, poder-se-ia pensar que se
está diante da construção de modos de vida característicos de tipos de ‘adulto jovem’, que
podem ser em que sentido diferente dos ‘jovens adultos’? Tratar-se-ia de movimentos
estratégicos de antecipação das idades na direção do alongamento dos anos ou de um
retardamento do ritmo da adultícia? Ou não se trata de nenhuma das duas coisas
especificamente? Se essa não é apenas de uma questão de semântica (“kindults” e “pós-
adolescentes”) ou de acento em uma ou outra direção, o que estaria promovendo as
diferenciações que tornam visíveis grupos com idades próximas a 25 e 30/45 anos, até há
pouco consideradas idades da “fase adulta” (e “meia-idade”) e agora espraiadas nas margens
superiores da “juventude”?
Com Galland (1994), pudemos constatar como tem sido comum utilizar como
indicadores genéricos de visibilidade dos grupos “pós-adolescentes”: o prolongamento da
escolaridade, o trabalho ou o emprego e o adiamento da decisão de sair de casa e à
constituição de família. Em certas condições e momentos, esses grupos tenderiam a atrasar a
‘passagem’ por esses indicadores. Embora os sentidos dessa posição de sujeito Kindult tenda
a se movimentar na mesma direção, podemos vê-la do outro lado da fronteira. Esses grupos
representam resistência à imagem do processo de “maturidade adulta” da cronologização
moderna? O lugar Kindult simboliza resistência e aderência a quais formas de
amadurecimento?
Entende-se, nesse contexto, que o discurso sobre a JIM toma, por parâmetro para a
distinção, a plena capacidade para ponderar escolhas e decisão adequadamente reconhecendo
a pluralidade e a diversidade, mesmo que às vezes não queira ou possa não aceitá-las. Talvez,
por razão dessa ordem, Featherstone e Hepworth (2000) propõem que os estudos sobre a
“maturidade” deveriam considerar a existência de uma transição “para fora da vida adulta”, e
Esse processo é também colocado Debert, (1999).
233
também uma “para dentro da vida adulta”. Porque isso indicaria que a natureza, a
homogeneidade e a duração das diferentes “fases” da vida são regidas por relações
sobredeterminadas e, também, configuradas segundo as continuidades e descontinuidades de
conjuntos das trajetórias.
O alongamento da transição transtorna o evolutivo “modelo de instalação” de
passagens ou de “moratória” (GALLAND, 1994; MARGURIS; URREST,1998), e traduz um
processo de reestruturação e recomposição política, cultural e social da “juventude” e das
formas de maturidade modernas.
Podemos prosseguir, admitindo que a possibilidade de viver anos a mais pode alterar o
horizonte imaginário do “crescimento” no ciclo da vida na perspectiva de uma fixação
precária das idades, seja a partir de como foi concebido pela cronologização moderna, seja
como está sendo ressignificado nesse discurso a respeito do ‘antinenvelhecimento’. E que a
forma da aparência do corpo modelada e modificada e mesmo reproduzida ou criada tende a
constituir um ‘espelho da mente’ (Veja): uma forma da autorepresentação da saúde e da
doença da “idade da mente”. A designação de uma “idade de nascimento” 60 anos,
correspondendo a uma mente de 40 anos, dificilmente, poderá ser considerada ‘jovem’ porque
esta pressupõe a performance corpo/mente equivalente a certo formato cultural e simbólico do
imaginado 40 anos. Dessa maneira, as questões recentes relacionadas às redefinições
biológicas da cultura das idades necessitam ter seus critérios atualizados para aproximação
das “necessidades”, que são inscritas nas ‘novas’ relações e práticas no cotidiano, e que
reforçam e atualizam ou deslocam os pontos dos “calendários de idades cronológicas” para
que se possam proceder as referências equivalentes das aparências.
A assertiva de Furedi (2004), que a imagem da identidade kindult se caracteriza por
não levar a sério a “meia-idade”, ilustra esse tipo de demanda. Sem discutir se esse é um dos
modos de “levar a sério” esse interstício da vida, fica registrado que, se há um afrouxamento
na “seriedade e na sisudez”, ou mesmo uma mudança profunda nesse ponto da cultura adulta,
os grupos de diversas idades tendem a construir posições partindo de outras referências não
sendo, necessariamente, a inversão desse marcador da relação adulto/criança. De qualquer
modo, podemos pensar que constitui um traço do rejuvenescimento na maturidade em
equivalência a jovialidade.
234
7.1.1 Aderências à Infantilização na Maturidade
Frank Furedi, em ‘Não quero ser grande’ (2004) trata dos processos de adesão às
relações de infantilização, entre as idades aproximadas a 30 e 45 anos, admitindo que as
sociedades contemporâneas aceitam que a idade adulta tem início “no final da casa dos 30
anos”
5
. No discurso sobre a JIM, esse processo faz parte da negação do envelhecimento, e o
intervalo etário articulado a identidade kindult inclui da mesma forma 15 anos,
compreendendo a contagem aproximada de idades entre 25 e 40 anos (Veja. Ed.1866, 2004).
O quase-grupo Kindult que, segundo esse autor se auto-avalia “vanguarda da cultura
jovem” resistente a meia-idade, não pode ser confundido com o descrito estando na ‘meia
juventude’, na “pós-adolescência”, porque se acha uma geração à frente. Esse signo, que
admitimos aproximar sentidos da ‘jovem idade madura’ teria como traços acentuados para a
diferenciação:
Negam-se a se assentar e a assumir compromissos na vida, uma pessoa que preferiu
chegar à meia-idade fazendo farra.
São pessoas de 35 a 45 anos que se vêem como estando na vanguarda da cultura
jovem; elas passam por uma fase conhecida como mediascência (midlescence) um
estado de espírito que resiste ferozmente a tudo o que costuma acompanhar a
chegada da meia-idade.
Uma das razões pela qual palavras como kindults
e adultescente não entraram na
linguagem do dia-a-dia é que a sociedade não sabe como lidar com a
gradativa erosão da linha divisória entre infância e idade adulta. A sociedade
já aceitou que as pessoas se tornam
adultos quando estão no final da casa dos
30 anos. Em conseqüência a adolescência foi estendida para a casa dos 20 anos
(FUREDI, 2004, p. 6, grifo meu).
Esse processo de infantilização da sociedade atual tem ao lado o desejo de conservar a
aparência sempre jovem que, na avaliação do autor citado, pode ser traduzido como uma
busca “consciente da imaturidade” (Ibid., p.6). O diferencial dessa vontade estaria em que, no
passado, não necessariamente, a pessoa queria comportar-se como criança. O autor considera
que o anseio obsessivo contemporâneo entre as idades 35-45anos pelas coisas da infância é
um sintoma de profunda insegurança perante o futuro: “A hesitação em aderir à condição
adulta reflete uma aspiração reduzida à independência, ao compromisso e à experimentação
(FUREDI, 2004, p. 6. grifo meu).
A infantilização/jovialização da sociedade contemporânea não pode ser interpretada
como uma forma de resistência, na qual a reação ao envelhecimento da aparência do corpo
5
Mostra como é difícil remeter a um parâmetro de fronteira específica: a Fundação Mac Arthur financiou um grande projeto de pesquisa
intitulado ‘Transições para a Idade Adulta’, que situa o final dessa transição nos 34 anos. E que a Sociedade de Medicina Adolescente dos
Estados Unidos aceita no seu site cuidar de pessoas entre 10 e 26 anos. “A celebração da imaturidade” é reafirmada constantemente pela
mídia em programas (Cartoon, Shrek, Monstros S.A, Toy Story, A Fuga das Galinhas, Simpsons, etc.), na literatura (Harry Potter, Senhor
dos Anéis), no cinema (Olhe Quem está falando, Peter Pan, Quero Ser Grande, Forest Gump, etc.) (FUREDI, 2004, p. 6-7).
235
concentra-se na adoção da estratégia ‘retrô’, explorando a “temporalidade multifuncional”, no
sentido usado por Melucci (2004) da idade da mente? Muitos tentam recuperar ou conservar
aspectos de modos de vida e objetos da infância para atualizar, no presente, comportamentos,
estilos, valores e símbolos de registros de narrativas fragmentadas de suas vidas, e findam por
‘retardar’ a aparência da idade. Mas, em geral, quando tentam libertar-se do ‘destino’ das
idades, por meio das tecnologias do embelezamento e do rejuvenescimento do corpo e da
mente, esbarram ainda com a necessidade de utilizar os códigos da “cronologização da vida”,
para produzir a imagem da unidade de suas identidades, o que promove a sensação de uma
certa desorientação.
Neste discurso em análise, a inferência dos códigos “interiores” com os códigos
“exteriores” da identidade etária aparece na disjunção que move o jogo da construção das
posições nas estratégias mais gerais para o antienvelhecimento. Abaixo, uma imagem da
‘mente incorporada’ aparece figurada produzindo esse efeito de afastamento de limites das
etapas do ciclo vital orientadas pela direção do ‘calendário cronológico moderno’.
‘O corpo envelhece mas a personalidade se recusa a acompanhar a mudança. É comum vermos pessoas de 25-
40 anos que falam ou se vestem como criança [...] Harry Porter é uma cirurgia de beleza para a alma. Faz parte
do fenômeno de
negação do envelhecimento[...](Veja. Interna. Ed.1866. 2004).
Furedi (2004) acrescenta que a característica desses grupos é a busca de produtos que
causem a sensação de reconforto, experiências sensoriais que lhes tragam de volta a fase
“inocente” e mais “feliz” da infância. As faixas de idades menores, 20 a 30 anos, os
publicitários Becky Ebenkamp e Jeff Odiorne apelidaram tendência ‘peterpandemônio’.
Em geral, as interpretações das decisões para infantilizar-se, é para deixar que a sua
“criança interior consiga o que quer” (Ibid., p.6); nesse sentido podemos pensar que se apóiam
deliberadamente em dispositivos para “estetização da vida” (Foucault).
Grupos situados no mesmo intervalo de idades morando com os pais tornam-se cada
vez mais comum, reduzindo o tempo de pais de “meia-idade” ficarem sozinhos. Com
freqüência, tem-se argumentado que a permanência no “ninho” é explicada pelas questões de
emprego e inseguranças de ordem econômica como a ausência de condições financeiras para
viver sozinho ou a dificuldade para conseguir uma vida de conforto. Esses argumentos
sozinhos não têm conseguido sustentação para interpretar mudanças tão complexas na ordem
das idades.
6
Alguns filhos, certamente, permanecem na casa dos pais por motivos
econômicos, mas essa permanência também gera uma economia financeira e afetiva para
6
Segalen (1999) faz interessantes observações sobre a demora no ‘ninho’, coincidindo com o tempo de renovação da família.
236
alguns desses grupos de solteiros chamados de “parasitas” ou “cangurus”, já reconhecidos
pelo boom de vendas de produtos de luxo destinados para esse seguimento de mercado.
Para Furedi (2004), ao decidir sair de casa, os jovens e as jovens não priorizavam na
avaliação a probabilidade de a vida custar tão caro, a liberdade para assumi-la de forma
independente era mais importante. Hoje, na decisão para a permanência no “ninho”, estariam
predominando os problemas e as dificuldades para conduzir os relacionamentos íntimos. A
expectativa do fracasso e as incertezas do casamento ou de coabitação, implicam largo risco e
instabilidade emocional, sendo o distanciamento da fonte do potencial da decepção uma
estratégia para lidar com os riscos emocionais.
Assim, permanecer na casa dos pais ou retornar à segurança do “ninho” (“ioiô”) pode
reduzir o desejo de “autonomia” dos grupos mais jovens de idades (30 anos, e até 45 anos).
Em contrapartida, como exploram Forquin e Pais (2003;1999), podem articular redes de
relações de solidariedade familiar de modo a fortalecer o efeito de “autonomia” e de
“felicidade”, passando a família a constituir um dos quadros de referências para a
consolidação dos laços afetivos.
A pesquisa de Henriques (2003), com famílias consideradas de classe média do Rio de
Janeiro (mais de 29% dos adultos solteiros com mais de 30 anos residem com os pais sendo a
maioria homem
7
), defende que a imagem de jovens “parasitas” (atualização de ‘Os Boas
Vidas’, Fellini, 1954) é enganadora porque estaríamos diante de uma opção recíproca de pais
e filhos: nessas relações barganham-se autonomia, liberdade, compreensão, tolerância, solidão
e conformismo
8
. A convivência com os jovens e a confiança e a amizade seriam para os pais os
principais retornos da relação, um indicador de redução dos conflitos intergeracionais. Suas
análises indicam que, em 90% das famílias pesquisadas os filhos não contribuem com o
orçamento doméstico.
Essa autora defende que a família simboliza para essa geração o que significou a
liberdade sexual ou a igualdade de direitos para os seus pais cinquentões e sessentões. Na
ausência de objetivos mais amplos para lutar, o espaço familiar passou a ser um ideal e uma
moradia”. Ainda porque este lugar, mais favorável à segurança para os vários momentos de
“crise” ao longo da vida, sofreu significativas alterações na década de 1970.
O adiamento da separação da família é um reflexo da conjugação de fatores
intrafamiliares – ambivalência de sentimentos em relação à partida e à perda dos
papéis conquistados – com extrafamiliares, fruto de um contexto social fortemente
marcado pela instabilidade e a incerteza (HENRIQUES, 2003, p. 5).
7
Dados oferecidos pelo pesquisador Arlindo Mello à Época, Ed.332. 2004.
8
Como veremos, logo adiante, uma problemática que perpassa por aí é a da reprodução em virtude não somente do solteirismo como do
adiamento da decisão para reproduzir. O trabalho de Pais (1999) sobre conflito intergeracional em Portugal traz as mesmas conclusões.
237
Os grupos mais jovens, por motivos diversos, se acham muito enlaçados afetivamente
e se não encontram um relacionamento íntimo que equivalha, tendem a adiar o casamento e a
optar por ficar com os pais em clima de regras mais elásticas e favoráveis ao diálogo do que
quando eram ‘juvenis’ (HENRIQUES, 2003).
Segundo a autora citada, no Brasil, boa parte do registro da identidade “canguru”
[mais de 25 anos, morando com os pais e “bem-sucedido(a)” profissionalmente
9
] faz parte da
imagem que coincide com a criação do nicho do mercado para o aumento de anos da
‘juventude’. Ocorre que temos que considerar que o termo “canguru” produz negatividade
simbólica quando sobreposto ao significado da identidade kindult pelo prejuízo da
“autonomia” e da independência financeira desta.
A educadora Zagury
10
distingue os jovens com essa idade ou mais, nas classes menos
favorecidas, que, com freqüência, não saem de casa, inclusive, quando casam. Provavelmente
pela ausência de condições para constituir uma moradia ou sobreviver independente. Contudo
esta autora traça um perfil da identidade “canguru”, partindo de referências do modelo de
“passagens” para a vida adulta ao qual estávamos acostumados. O que implica defesa dos
parâmetros de assunção e autonomia às responsabilidades “adultas” em oposição ao que
denomina “rebelde sem causa” ou “parasita”.
Época. Interna Capa. Ed.332. 2004). [...] tem condições para morar sozinho e está independente
financeiramente mas não sai porque não quer; não convive com várias regras e limites que
proporcionam a concretização de planos de liberdade como a sexualidade; é indeciso quanto à
preparação profissional porque sabe que pode demorar mais na faculdade, da mesma forma no
trabalho um emprego não vale uma contrariedade; são rebeldes sem causa porque dispõem de muitas
coisas, exigem todos os direitos e não têm medida de deveres e, em geral, são acomodados.
Bassit e Segalen (2000;1999) consideram que o esvaziamento da responsabilidade e
da autoridade madura “adulta” produz a insegurança e pode ser compreendido em face das
respostas da juventude na busca da renovação e da exploração de novas realizações antes
bloqueadas.
Dos antagonismos sobre o sentido do incremento de anos nas fronteiras dos limites
inferiores da JIM, no lugar kindult, sobressaem as “negociações” que redefinem as posições
entre sistemas das idades mais ‘jovens’ e mais ‘velhas’ no curso da vida. Mas não poderíamos
afirmar, no momento, que os grupos com idades acima do limite da juventude não buscam
renovação e a exploração de novas realizações. No esgotamento dos conteúdos da
“maturidade adulta”, o que se tende a apreender no discurso sobre JIM é justamente um
9
A matéria a que me refiro agora é da revista Época, Ed. 332, 2004.
10
Zagury , Tânia. Revista Kalunga. Loja Virtual. Consulta em janeiro, 2006.
238
movimento de hierarquização considerável sobre o agenciamento desses grupos maduros (30-
69 anos).
Assim, não poderemos estabelecer um conteúdo determinante permanente para
identificação do lugar ‘permanecer na casa dos pais’, algo como dificuldades financeiras, o
bom desempenho profissional que garante a “autonomia” ou mesmo a redução do conflito
intergeracional, a menor ou a maior tendência à acomodação ou ao individualismo. Pensamos
que nada pode assegurar que as ‘escolhas’ dessas distinções sejam realmente as mais
importantes no sistema de diferenciação das identidades kindults na posição “continuar na
casa dos pais”; em suas articulações particulares muito há ainda a ser pesquisado.
O posicionamento dessa identidade na instituição familiar facilita o trabalho de
controle e vigilância das principais relações e experiências que estabelece (se isso é bom ou
não, é outra história), interfere na regulação do campo de negociação e de certo modo amplia
as condições para escolhas autoconscientes de estilização de “modo de vida”.
Assim, as questões sobre esses grupos são colocadas em geral em face do poder da
autoridade e da preservação do mundo “adulto” da “cronologização do curso da vida”, nas
relações entre pais e filhos, e na constituição de modelos de unidades familiais e casamento.
Na conjugação desses fatores sobressai “ficar ou sair do ninho”, ou o movimento “ioiô”. O
campo discursivo JIM, enfatiza grupos com essas idades através do posicionamento e
sobreposições dos lugares sociais: o que traz à tona o problema do ‘solteirismo’, do
‘casamento amadurecido’, do ‘sexo/sexualidade’, da ‘reprodução’, da(o) yuppie xxi, da
‘solidão’, entre outras.
Destaque-se, que passaremos por pistas de identificação kindult como signo do
antienvelhecimento em equivalência a sistemas diferenciais da rede jovem/idade/maturidade
com acento na valorização interior e no distanciamento da autonomia e da responsabilidade
constitutivas das obrigações do “mundo adulto”, que, em contrapartida, valoriza as relações
de cura e os processos de escolhas e decisão.
239
7.2 Controle e Isolamento da Subjetividade: marcas terapêuticas
7.2.1 Maturidade, Solteirismo e Solidão
A visibilidade da posição ‘solteiro’ e sua quantificação crescem rapidamente e por
toda parte, trazendo grande impacto
11
na divisão social dos papéis e nas relações familiares,
alterando os marcadores seculares de passagem na fronteira para ingresso nas idades “adulta e
meia-idade”.
Os registros dos códigos para a identificação da juventude com a ‘meia idade’, na
década de 1990, disseminados em manuais e literaturas de auto-ajuda, pela mídia,
publicidade e outros agentes de setores mercadológicos, introduzem novos estilos de vida para
grupos que beiram os limites inferiores das identidades JIM. Nas posições solteiros e de
solteiras
12
, consideradas “yuppies xxi”, são produzidas formas estéticas de experiências de
‘autoconstrução’, onde, na maioria das vezes, mulheres entre 30 a 40/45 anos de idade são as
protagonistas de narrativas onde predomina a orientação para enfrentar sucessivos
relacionamentos sem comprometimento em nenhum deles – “monogamia serial”
13
.
Embora se explore que o stress, o riso e a descontração em “doses certas” são bons
antídotos para o envelhecimento em todas as idades, o jogo de resistências às formas do
“amadurecimento adulto” pode constituir estratégia para reivindicar a simbolização de
espaços para comportamentos, status, condições de escolhas, negociações, etc., para
diferenciação no interior dos limites JIM.
Essa nuvem de desorientação dos sentidos e dos valores do “mundo adulto” faz
aparecer as representações das identidades de grupos de “solteiros”, como referências
privilegiadas para as mais recentes alterações nas relações do casamento e da escolha do
parceiro. Muitas das antigas posições abjetas das mulheres foram apagadas. Novas posições
são julgadas por inverter ou esvaziar os papéis no pacto do matrimônio, colocando alguns
homens em posições desconfortáveis para decidir sobre seus lugares sociais, e outras estão
sendo redefinidas. Afinal, até bem pouco tempo, o horizonte da “responsabilidade”, da
“autonomia” e da “independência”, que cobria as relações nas práticas associadas com essas
posições, era essencialmente favorável ao masculino, fossem ou não pesadas para este.
11
Em 1950, cerca de 3% da população Européia e Americana do Norte vivia sozinha. Sete milhões de adultos vivem sozinhos no Reino
Unido (três vezes mais em 40 anos), nos E.U.A, entre 1970 e 2000, lares com uma só pessoa aumentou 9%, 40% dos suecos vivem sozinhos,
em Munique, Frankfourt e Paris mais de 50% dos lares vive apenas uma pessoa; e os exemplos poderiam se seguir (FUREDI, 2004, p. 7).
12
Pouco tem a ver com o preconceito com a ‘solteirona’ muito presente em nossa cultura, pelo menos até vinte anos atrás, para referirem-se
às mulheres que “passavam dos 30”, e não conseguiam um casamento (‘vitalina’, ‘ficar no caritó’).
13
Caracteriza por troca de parceiros em tempo considerado curto, um relacionamento sucedendo ao outro sem distinção entre eles. Tem-se
como sugestão desse modelo: Mulheres Alteradas (Mailena); Sex and the city; Friends, Você me ama ou estou só paranóica? (Carina
Chocano).
240
Nesses grupos de idades (30 a 45 anos), o ‘solteirismo’ masculino incluindo os
‘descasados’ e ‘viúvos’, visivelmente, se diferencia dessa condição para as mulheres. No
cerne da questão “novos(as) solteiros(as)”, são acentuadas as mudanças recentes na família
nuclear, na reprodução e no sexo/sexualidade. Pelo laço do casamento, na família, cabia ao
homem adulto o papel de provedor da esposa e da prole, que constituía, e de garantidor da
acumulação da reprodução do patrimônio familiar. À mulher eram reservados a maternidade e
os cuidados com a saúde do marido e dos filhos, bem como a responsabilidade com a
educação destes. Na vida pública, as competências e a responsabilidade masculina eram muito
enaltecidas para a organização da continuidade social. Com o progressivo desenlace desse
arranjo, após 70, emergem formas predominantes de identidade ‘solteiro’(a) [‘descasado’(a),
kindult’, ‘yuppie xxi’], embaralhadas em muitas posições liminares, como figurações
reveladoras dos efeitos dessa desarticulação nos lugares sociais que tornaram sem sentido
suas funções e papéis, tendo o divórcio, a pílula anticoncepcional, o trabalho fora do lar e a
instrução, especialmente, contribuído para isso.
7.2.2 A Geração 70, o Lugar dos Solteiros e Solitários
Nas posições ‘descasados’(as), a identidade prevalecente é feminina com mais de 30
anos. Destacando-se como elemento para a identificação a própria posição enviesada,
insubordinada e insubmissa à regra do casamento. Nas práticas de rompimento dos
compromissos com o casamento, na passagem para 1980, a idade 30 anos, para a mulher é
marcada pela possibilidade de transgressão.
Veja. Interno, Década 70. 1979. [...:] as descasadas, mulheres de mais de 30 anos, às vezes belas,
quase sempre de boa conduta, que resolvem optar por uma nova vida sem vínculos obrigatórios. [o
que as identifica é a] insubordinação contra um papel que a sociedade historicamente lhes destinem -
de fidelidade, disciplina e submissão [...] As descasadas – mulheres que rejeitaram a subordinação
escolhendo a autonomia [...].
Entretanto, a maior autonomia, que permite a prática da resistência mais efetiva aos
vínculos obrigatórios’ das experiências e relações de “fidelidade, disciplina e submissão no
casamento, contribuiu para uma aproximação com a posição de sujeito ‘solitária’, constituída
como um efeito provável da decisão que rompe com o matrimônio. Essa equivalência de
sentidos entre mulher ‘descasada’ e ‘solitária’ tende a predominar na simbolização da luta
pela emancipação feminina. Por isso, oportunamente, muitas vezes se reclamará a confusão
241
costumeira entre os termos “solteiro” e “solitário
14
– quando, certamente, não estão
intrinsecamente correlacionados.
A relação pode ter a ver com essa estratégia valorativa que obscurece o elemento da
resistência, transformando essa decisão pela escolha do suplemento “autonomia” para a
distinção da posição “descasada” no lugar da perda e do isolamento, deslocando e
enfraquecendo o sucesso feminino nas negociações para o campo simbólico marginal
‘solitário’.
A “solidão” das mulheres, com mais de 30 anos, é apresentada discursivamente como
o prêmio da emancipação. Passa a constituir um elemento para a identificação em
equivalência de risco à luta pela emancipação feminina no casamento, que conduziria à
“liberdade”.
Veja. Capa. Ed.567. 1979. (T1) Mulher descasada. (T2). A Viajante solitária [...] ‘no caminho da
liberdade’.
A metáfora viajante’ enfatiza a ausência de lugar social para essas mulheres que, em
1970, representavam entre as ‘solitárias’ 4,13%, e em 2000, 6,97 (contra 3,97 homens). Para
os mesmos anos, as mulheres solitárias (descasadas, solteiras e viúvas) perfaziam 35,47% e
38,38% (Tabela 3)
O Estudo de Marcelo Néri, “A Solidão é senhora” (2005), indica uma tendência
comportamental das mulheres pela vida solitária.. Dados exibidos por Elza Berquó à Revista
Época (Ed.250, 2003), para o Brasil, indicam que as mulheres passam a predominar em
relação aos homens na condição solteira entre os 30 e 34 anos. Como apresenta Marcelo
Néri, na juventude as mulheres são menos solteiras que os homens (22,51% contra 25.84%) a
“taxa de solidão” inverte a partir dos 35 anos; na “terceira idade” (mais de 60 anos)
seriam até mais que o dobro deles, além do que, entre estas, metade nunca tiveram qualquer
união (Tabela 2).
TABELA 2
SITUAÇÃO CONJUGAL DAS MULHERES .
Taxas Por Grupo de Idades.
ANOS 1970 e 2000
Total 25 a 29 anos 55 a 59 anos MULHERES
2000 1970 2000 1970 2000 1970
Solitárias
38,38 35,47 34,75 28,97 38,27
-
Viúvas
22,51 20,68 30,59 25,02 11,61
-
Solteiras
8,9 10,65 0,36 0,94 16,07
-
Acompanhadas
61,62 64,43 65,25 70,96 61,73
-
14
Quando usamos solteira ou solteiro, favor considerar que está implícito , aliás, desde o início do texto desta tese, a inclusão da diferença de
gênero e sexo, assim como a diversidade em outras categorias utilizadas.
242
Solitárias: separada, desquitada ou divorciada. Solteiras: com ou sem união anterior. Acompanhada: casada
no civil e religioso ou união consensual.
Fonte: CPS/IBRE/FGV. Base de Dados Censo IBGE.
TABELA 3
SOLITÁRIOS. Taxas de Grupos de Idades e Sexo. Ano 2000.
20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 e mais
Mulheres
55,08 34,75 26,63 25,58 27,34 29,48 33,60 38,27 59,23
Homens
71,92 42,35 26,45 20,34 17,15 15,40 15,21 25,63 22,66
Fonte: CPS/BRE/FGV. Solitários: descasados, solteiros e viúvos.
Essa situação parece ter contribuído para que a condição ‘solteiro’ entre os
homens fosse cada vez mais considerada ‘opção’ para ‘aproveitar a vida em festas e viagens’,
enquanto as mulheres ‘sofrem em casa por falta de um namorado’ (Veja, Especial Homem.
2003). Na verdade, outros elementos contribuem para isso: as mulheres vivem mais, preferem
homens da mesma idade ou mais velhos e têm alcançado maior independência. As solitárias
tendem a ter um perfil de salário e escolaridade maior que a média das brasileiras: “Observa-
se que a possibilidade de uma mulher desacompanhada ter mais de doze anos de estudo é
quase 70% superior do que para as sem instrução” (NÉRI, M. 2005, p. 70).
Mas essa imagem da ‘opção’ masculina vem sendo borrada. Alastra-se, entre os
masculinos, que parece sentirem-se mais afastados ou isolados em função do “solteirismo”.
Talvez, por razões populacionais e históricas, inclusive de “viajante solitária”, na avaliação
destes, as mulheres tendem a lidar melhor com a condição “solteira” e procuram distingui-la
da “solidão”. Seus modos de vida são tidos como dinâmicos e divertidos.
Veja. Especial Homem, 2003. T3 A Solidão dos solteiros. A vida é dura para quem tem mais de 30
anos e está sem companhia. T4 Elas estão ótimas. Já eles ... Diferentemente do que ocorre as
mulheres, a rotina é cruel para os homens que passaram dos 30 anos e não têm namorada.
(Veja. Especial Homem. 2003, fala masculina) ‘[...] elas se divertem com as amigas, fazem dezenas
de cursos, em geral têm um hobby. Já os homens... há uma tremenda dificuldade para encontrar um
espaço próprio [...]’ (masculino, 32 anos).
Particularmente, alguns masculinos jogam o ‘Olhar’ de desejo inquietante para o lugar
da amizade e do prazer ‘delas’, e ‘deles’, homossexuais, que publicamente podem aproximar-
se do corpo do mesmo sexo.
Veja. Interno. Especial Homem. 2003). Engana-se quem acha que é normal sair para jantar com um
amigo. É algo que parece ser privilégio de mulheres e gays. Cinema com amigo também soa
esquisito’ (masculino, 32 anos).
Nesse milênio, a solidão de ambos os sexos na faixa etária entre 30 a 40 anos,
variando de intensidade de momentos e de posições de grupos diferenciados, torna
243
contemporâneos modos de vida de quase grupos e grupos de “solteiros (as)” com ou sem
filhos (incluindo os separados ou divorciados), morando ou não com os pais, etc. Esses limites
atrativos para a identificação em posições específicas misturam as idades, homogeneizando-as
aqui e diferenciando-as ali. Estão constantemente rasuradas, mas não sem diferenças
distinguíveis na hierarquização simbólica do lugar ‘solteiro(a) e dessa referência “interior”
(“solidão”), mais afeitas a questões de (auto)terapia e mudanças de hábitos.
A categoria discursiva ‘solitário(a) expõe o seu peso numérico e econômico em nossa
sociedade, e particulariza-se por primar pela acentuação do individualismo. Mas não se trata
de isolamento de fundo existencialista
15
. Esse isolamento social do indivíduo, tende a ser
estratégico, parte de controle de “modos de vida” que logo se tornam também um novo
grande foco do mercado de marketing e de consumo, incluindo os aparatos e tecnologias
terapeutas com ênfase na auto-ajuda, comida gelada, embalagens individuais, Internet,
joguinhos de computador, livros de auto-ajuda, passeios, sessões tardias de cinema, Spa’s de
check up, entre uma grande lista.
7.2.3 Solteiro(a)s, “Yuppie xxi” e o Novo Casamento
Entre as formas da identidade “solteiro(a)”, a nomeada pela revista Época “yuppie
xxi” encontra-se simbolicamente hierarquizada em lugares privilegiados no discurso, e muitas
vezes se constitui sobrepondo-se à posição de sujeito “kindult”. É mostrada pela mídia e a
propaganda em imagens de modelos dos dois sexos aparentando aproximadamente entre 30 e
menos de 40 anos (Época. Ed.250. 2003). No pano de fundo do desenho desta imagem, na
feminina prevalece o “espírito auto-indulgente. Fala-se do grande poder de consumo e dos
cuidados consigo e a aparência, sendo a maioria não casada.
Época. Ed.250. 2003, 1º ¶ [...] ‘independente, bem-sucedida, estudada, malhada, viajada, elegante,
com vida social intensa e intelectualmente inquieta’. Uma espécie de um subgrupo geracional com
mais de 30 anos e menos de 40, que está nos grandes centros urbanos e ‘são a maioria nas
universidades, tomam conta do mercado de trabalho e, em certas instâncias nivelaram seus ganhos
aos dos homens. No Brasil, há quase 20 milhões de mulheres assim. Nos Estados Unidos, o número de
mulheres entre 30-34 anos que ainda não casaram cresceu de 6% para 22% nos últimos 30 anos’.
Outros traços distintivos, ao serem mostrados, nos deixam na dúvida se estão
condicionadas a permanecerem “solteiras”, pois se incentiva o “solteirismo” associando-o ao
sucesso social dessa identidade “yuppie xxi”. Com idades próximas às julgadas ideais para o
casamento, o principal ponto para aderência e resistência nas identificações na posição
15
No glossário de Giddens, temos: “Questões existenciais: dúvidas sobre dimensões básicas da existência, tanto em relação à vida quanto ao
mundo material, a que todos os homens ‘respondem’ nos contextos de suas condutas cotidianas” (2002, p. 223).
244
“solteiro(a)” e “yuppie xxi solteiro (a)” reside na revisão dos termos do “pacto” matrimonial,
agora baseado na trempe: sustento financeiro, filhos e relação afetiva. Prescindindo dos dois
primeiros critérios, a relação no caso JIM, talvez, por falta da configuração de um novo
acordo, que garanta pelo menos um pouco de estabilidade para as escolhas e decisões,
concentra um esforço obsessivo na necessidade de laços afetivos (emoção, segurança e
disponibilidade) para tentar buscar a unidade pelo efeito ‘autoconstrução’ na posição
casamento.
Afastando-se do modelo costumeiro de “passagem para a idade adulta”, essa imagem
de identidade transparece influente, embora os critérios para seus limites restrinjam seu perfil
a alguns grupos sociais mais bem posicionados financeira e economicamente (medianos e
altos). O traço de ‘geração social’ é marcado pelo período mais intenso de estudos para a
formação profissional e as experiências primeiras de trabalho para disputar o mercado, o que
se completa com a tendência para “morar sozinho(a)”. Este ponto anterior, como indicou
Galland (1994) e outros estudiosos do ‘prolongamento da juventude’, inexistia quando a
posição solteiro(a) era a distância entre o fim dos estudos e o casamento. Sua construção foi
favorecida pela extensão de anos, pela jovialização das idades, as mudanças institucionais no
casamento e na família, no trabalho e no emprego e nas relações de intimidade.
Uma vez que se tenta fixar o casamento por volta dos 35 anos, duas resistências se
apresentam: uma relativa aos espaços favoráveis para a escolha de pretendentes e outra
relativa à consideração do limite biológico para a reprodução e a sexualidade.
Época, Ed.250. 2003. apesar dos avanços e da liberação sexual, a sociedade aceita a vida avulsa
apenas como uma etapa.
O discurso oscila entre momentos de valorização do casamento ‘eterno’ do
‘contingente’, incluindo os critérios para a escolha do parceiro baseados em referências menos
estáveis. Metáforas da liberação da dominação doméstica, no discurso da JIM, que questiona
a autoridade do casamento ‘eterno’, quase sempre aliviam a responsabilização da mulher pelo
insucesso conjugal. Embora desde o final da década de 70, quando se equivale a condição
‘”solteiro” da “mulher descasada” à saga da solidão da ‘vida avulsa’, expõe-se esse efeito de
“isolamento”, que permeia a “solidão”.
A produção da identidade “solteira”, na posição de sujeito ‘morar sozinha(o)’,
aproxima a equivalência simbólica na rede “solitária(o)”, que inclui solteiras, viúvas e
descasadas. A identidade solteira “yuppie xxi” pode constituir-se na identificação com a
maternidade mesmo sem história de casamento. Nesse ponto, que são lugares
predominantemente coetâneos (30 - 40 anos) para os dois sexos, os modos de vida se
245
desdobram nas responsabilidades com a família: os filhos acentuam a preocupação com o
trabalho para a manutenção da sobrevivência (sua e, às vezes, até de três gerações).
Para a maioria das mulheres, sobretudo das FCM
16
, a coexistência de mais de duas
gerações e a convivência responsável com diferentes segmentos etários, associadas às
separações conjugais e à jornada de trabalho fora do lar, têm produzido uma vida de esforços
redobrados que as deixam praticamente sem tempo para si.
VEJA. Capa. Ed.1413. 1995. T1 Uma em cada cinco famílias brasileiras é chefiada por uma mulher -
que educa os filhos sozinha e paga as contas da casa.
Vale ressaltar que essa mudança de papel familiar se dá com ênfase nas idades mais
maduras. As mulheres brasileiras com idades contando 55 a 59 anos representam em 2000
34,3% da chefia familiar, enquanto em 1970 esse número era de 4,38% (NÉRI, M.,2005).
Mas nos textos-amostra os exemplos das várias narrativas tentam repetidamente inscrever
esse papel familiar para as idades menores na fronteira da maturidade, entre 33 e 46 anos,
concentrando-se entre 33 e 39 anos, sendo a grande maioria descasada com filho (s).
Para essas mulheres, sobretudo as que são menos favorecidas financeiramente, que se
separam e não contam com a ajuda do ex-companheiro para cuidar das crianças, os critérios,
para a identificação ‘yuppie xxi’, mais do que ‘Kindult’, nos parecem mais distantes de modo
que a responsabilização pelo mundo familiar e o isolamento podem ser bem mais acentuados.
No perfil traçado no discurso (Veja. Ed.1413. 1995), a posição mulheres chefes de família
apresenta melhor desempenho médio profissional que a que se referencia pelo casamento e
“cobra mais responsabilidades dos filhos”. A auto-exigência e a autoresponsabilização,
talvez sejam traços tendentes à identificação com a “vida avulsa‘ e a ‘solidão’, que, em geral,
se estabelece após a primeira separação.
A conquista da “autonomia” feminina, através do trabalho fora do lar também é
propícia à liberação masculina de suas responsabilidades no laço conjugal. Com mais
facilidade este reingressa na fila dos solteiros até o próximo casamento. Um dos efeitos desse
processo é o de se fazer acreditar que as mulheres apresentam tendência “comportamental” à
solidão que se agrava nas idades mais avançadas. Não seria, talvez, a solidão produzida
senhora?
VEJA. Capa. Ed.1413. 1995. 1º ¶ Essa postura mais responsável da mulher está comprovada pelas
autoridades brasileiras [...], A experiência
17
mostrou que [...] o pai é capaz de vender o lote [terreno]
por uns trocados e ir embora...
16
Percentual de “Famílias Chefiadas por Mulheres” (FCM), por região brasileira; IBGE, 1991. Nordeste 19,4; Sudeste 18,6; Centro Oeste
16,9; Sul 15,5; Brasil 18,1. Brasil, 2000, 34,3%.
17
Observe ‘experiência’ equivalendo à capacidade de decisão: na hierarquia do valor de responsabilidade, autorizada ‘publicamente’, a
mulher-mãe é positivada acima do homem-pai.
246
VEJA. Capa. Int. Ed.1413, 1997. Nesse mundo, os espécimes do sexo feminino ganham salário
equivalente à metade do que recebem os do masculino, e, embora sempre se fale num certo feminismo,
a verdade é que elas, e não eles – e muito menos os dois – é que respondem, desde sempre, pela labuta
doméstica e pela defesa incondicional da prole [...] Alimentado e bem servido, o marido costuma ir
embora quando fez um progresso na carreira, por coincidência foi sempre ai que concluiu que o
casamento se estava tornando uma monotonia e resolveu interessar-se por fêmeas mais jovens.
Época. Capa. Int. Ed.308, 2004. (fala masculina). ‘Estava sendo coadjuvante do sonho de outra
pessoa. Chegou o momento de viver meu próprio sonho’.
Em meio às negociações pela significação e os valores produtores do discurso sobre a
JIM feminina, registra-se a posição “yuppie xxi” sobreposta às marcas do perfil imaginado
“dona de si”; mas a marca da condescendência tende a dobrar-se sobre si.
Não se podem ignorar nas resistências as diferenças nas relações de sexo e
sexualidade, como as marcações do chamado ‘feminismo manso’ - que, segundo esse
discurso sobre as idades, na prática, teria conquistado a universidade, lugares destacados no
mercado de trabalho, um comportamento sexual considerado liberado acompanhado de um
maior conhecimento do corpo e das emoções e que não afronta para ocupar o lugar masculino.
Mesmo com o destaque dos encaminhamentos da questão divórcio, ainda considera que ‘a
década [1970] criou pouco e conservou muito’. (Veja. Ed.590, Década de 70. 1979). Várias
operações, no decênio seguinte, visam defender novas regulações nas instituições casamento,
sexo e reprodução, buscando redimensionar suas funções. Também, são desenvolvidas as
estratégias que valorizam o adiamento das idades apropriadas para o casamento (próximas a
40 anos) e à reprodução (próximas a 44 anos).
Veja.Capa. Ed.1004. 1987. T1 Casamento. Como mantê-lo. Como terminá-lo. Num refluxo do
liberalismo dos costumes, o casamento volta a ser valorizado [...].
O conjunto prevalecente das normas para “escolhas” do parceiro, em geral, se
circunscreve nos binarismos: fidelidade/ traição e desejo/prazer sexual, que sinalizam os
principais limites reguladores para as identificações e des-identificações na posição de sujeito
casamento amadurecido”. As redes desses significantes prevalecem, interferindo na forma
da intersubjetividade, nesse caso, acreditamos que os grandes investimentos discursivos para
fixar o “casamento amadurecido” proviriam do trabalho de equivalências das redes simbólicas
dos termos: respeito e afinidade e traição e sexo. Esta primeira relação posiciona esse
“casamento” nas relações de opção por estilos de vida.
Veja. Capa. Ed.1610. 1999. T1 Casamento. A hora de investir e a hora de desistir.
T2 Desatenção: quando um não ouve mais o outro, acabou-se.
Afinidade: convive bem quem tem assunto para conversar.
Traição: Hillary perdoou a Clinton. Você faria o mesmo?
Sexo: Elas querem mais e melhor. Eles não sabem o que fazer.
T3 Renovação do casamento
247
T4. O Casamento morreu. Viva o casamento. Casar estar em alta, mas tem pouco a ver com o ‘até
que a morte nos separe’ de antigamente.
T5 (Destaque). Passo à frente: amadurecidos, casais exigem afinidade e respeito na vida conjugal.
Casamento Amadurecido”
Veja. Capa. Ed.1610. 1999.
Limites predominantes: 27-30 a 40 e poucos anos.
Presente Anunciativo T1 posicionamento do significante vazio “casamento” em
equivalência ao “amadurecimento” nas redes de sentidos ‘afinidade’ e respeito’; e
distingue a eleição da ‘norma’: a sua contingência (‘A hora....) e os quatro critérios para o
limite de resistência da ‘unidade’.
Passado Projetivo T2 e T4 A especificidade do “casamento amadurecido” no novo
pacto é o impasse que permanece deixando aberta a base da relação de sexo entre os
parceiros, denunciado pelo “passado projetivo” (elas querem [...] eles não sabem o que
fazer). Para os demais critérios, as soluções terapeutas são dadas.
No retorno do sujeito como agente (T5), a imagem da posição de sujeito “casamento
amadurecido” traz a fissura de sua própria impossibilidade: a radical dependência
externa do ‘pacto’ mostrando o ponto de esquiva à semelhança. E acolhe apenas a
afinidade” e o “respeito” para suplemento. Esse antagonismo reaparece no discurso sob
a forma da II Guerra dos Sexos, a revelia do “novo pacto”; o que sinaliza o fechamento
da posição pelo enfraquecimento da diferença na posição sexo.
Essas transformações renovariam a instituição “casamento” por uma nova regulação
“nodal” de escolha de estilo de vida que questiona e redefine os critérios preponderantes no
casamento anterior ‘fidelidade, disciplina e submissão’. Elementos que, como vimos, isolados
ou conjuntamente, foram subvertidos em vários momentos por alguns grupos de mulheres
‘separadas’ como forma de resistências, não apenas como “política de escolhas de estilo de
vida” (Giddens, 2001).
A enunciação do ‘novo pacto do amor’ (Veja. Capa. Ed.1610. 1999), agora
experimentado por grupos no final da década de 1990, passa pela necessidade de revisão da
cultura e dos valores do casamento. Não é a instituição casamento que está posta em questão,
é a anunciação da ‘má notícia’ da desvalorização do ‘casamento duradouro’. O ‘novo pacto’
emerge com base na experiência que gerou o ‘pessimismo’ e a ‘desconfiança’ no ‘casamento
que dá certo’. Nesse momento da ‘livre escolha’ para a seleção e a continuidade do processo
que tem em vista a regularização no casamento, o discurso se constrói em lugares de
mulheres mais atentas a essa questão da liberação.
Além do exposto, não podemos esquecer que discursivamente o ‘pessimismo’ e a
suspeita’ são signos do antagonismo que constrói o terreno atrativo da denúncia que chega de
“fora”, do lugar e do ‘Olhar gordo’, que deseja a capacidade da mulher para decidir sobre a
248
hora da separação, mas que sabe também que essa decisão pela separação remete à postura
que admite a “derrota”, que impulsiona a vergonha.
Veja. Capa. Ed.1641. 2002. T1 Separação. Agora a iniciativa é das mulheres. Mais independentes
elas preferem terminar tudo a manter um casamento infeliz
. T3 São as mulheres que pedem a
separação do casal. T4 Até que o casamento os separe.
Esse efeito de mudança na posição do universal “separação” pelo suplemento do
sentido “casamento” (T4) está marcado pela imagem do retorno do sujeito como agente
“casamento amadurecido” como aparato de liberação da mulher, cuja natureza torna precária
e contingente a união (‘até que [...] separe’). A suspeita da traição e o impasse nas relações
de sexo são elementos diferenciais do novo casamento que ficaram enfraquecidos, pela
equivalência dos sentidos que prevaleceu na “última frase”: os termos “respeito” e a
afinidade” simbolizando escolhas de diferentes “modos de vida”, para a construção da
intersubjetividade no “casamento amadurecido” (T5 e T4, nas duas edições: 1999 e 2002).
Oportuno lembrar que, nesse fragmento, o ‘novo pacto’ não inclui experiências
discursivas das idades acima de 40 anos, como se essas questões conjugais dissessem respeito
e afetassem apenas os limites mais baixos das idades consideradas JIM, quando cada vez mais
as separações se dão entre grupos de idades mais velhas. Nesse caso, a decisão feminina
envolve o alto risco da ‘vida avulsa’ e das questões de “solidão”. Também é possível, como
apontou M. Néri (2005), que as insistências nessas regulações visem ordenar e controlar as
uniões informais entre os grupos de idades mais jovens.
7. 3 A Sexualidade na Maturidade Rejuvenescida
7.3.1 Fissuras Entre Sexo e Reprodução: Distanciamento na Função Sexu
al?
A desarticulação de elementos nas relações de sexo e de reprodução promove
mudanças profundas nas experiências de intimidade e na liberação do corpo feminino. Torna
o elo da relação sexo do ‘macho
18
’ menos necessária, suscitando o enfraquecimento do valor
deste nas relações entre a sexualidade e a reprodução. Esta relação, que estivera caracterizada
na evolução da espécie no plano do truque da natureza ou do plano divino, sofreu
consideráveis alterações que desembocam numa fissura irreversível entre uma e outra.
Segundo Melucci (2004), o principal motivo para isso são as práticas de sexualidade, que se
18
O ‘macho’, que dizer, o símbolo do ‘adulto’ da cultura falocêntrica, que predominou na “institucionalização do curso da vida moderno”, e
que costumou definir as regras de submissão sexual das mulheres, estaria se mostrando dispensável e resignado? Esta parece ser a principal
questão que promoveu a “II Guerra dos Sexos”.
249
dariam, sobretudo, sem o objetivo da reprodução, e a reprodução sem acento na sexualidade
que caracteriza as relações amorosas em nossos dias.
O controle e as interferências na reprodução da população não se dão pressupondo-se
qualquer idéia de que a reprodução é um “destino”; a. cultura da continuidade da espécie é
vislumbrada como um campo de ação, decisão e opção. A responsabilidade individual
continua regulada pelo conjunto dos aparatos científico e médico, que interferem na distinção
entre a normalidade e a patologia que, conjuntamente com outras transformações sociais, têm
hoje ascendido o poder sobre a vida e a sua transformação e criação (FOUCAULT, 1981,
v.1).
A dissociação entre a sexualidade e a reprodução, segundo Melucci (2004), deixou de
ser uma questão de foro restrito aos sistemas de especialistas e à intimidade, sua
popularização vem contribuindo para importantes mudanças, tornou-se um “fenômeno de
massa e de aquisição cultural”, tendo contribuído para isso: o conhecimento médico
biofisiológico no controle do mecanismo reprodutivo, as transformações culturais nos papéis
familiares, na sexualidade jovem e a aceitação e difusão cultural desses processos e
experiências, sobretudo, entre os jovens e as mulheres.
Segalen (1999) exemplifica como são importantes as experiências para esses processos
que consideramos apenas do mundo do saber científico. O traço da autonomia na “cultura
jovem” que mais contribuiu para mudança no comportamento sexual foi, provavelmente, a
antecipação das experiências sexuais de iniciação como via de sociabilidade e de socialização,
distanciando-as da finalidade reprodutiva.
Por seu turno, as alterações na cultura da mulher, com a ajuda do trabalho fora do lar,
da pílula anticoncepcional e de hormônios, tenderam a afastar a sexualidade da tarefa da
maternidade, em direção à ‘autonomia’, pelo amadurecimento de uma nova consciência de
rejeição subalterna e de rigidez dos papéis familiares que consagrava a destinação de esposa e
mãe. A separação entre a maternidade e a sexualidade está associada à liberação para a
possibilidade de ‘escolhas’ que, conforme o autor citado, introduz na relação entre os sexos
outros elementos que se incorporam e/ou conferem à sexualidade, senão a primazia, a
necessidade do prazer, da identificação
19
e do desejo.
Os sistemas simbólicos da ‘cultura da mulher’ atuam na concepção e na gestação. Na
primeira, as formas contraceptivas (‘pílula’, ‘adesivos’, etc.) deslocam a função da procriação
biológica do ato sexual. Na segunda, as técnicas de reprodução artificial enfraquecem o acaso
da concepção natural pela função biológica e deixa livre a opção da reprodução sem o ato
19
Essa identificação liga-se à idéia de ‘afinidade’ e ’respeito’, referida no discurso como critério do ‘casamento amadurecido’.
250
sexual. Assim, amplia-se o campo possível para as experimentações da sexualidade e da
produção de seus sentidos, inclusive após-menopausa.
O futuro da espécie e a continuidade do sistema curso da vida humano certamente
dependem da reprodução; em conseqüência, diz respeito à relação amorosa intimamente
ligada ao sexo e à sexualidade. Na história das relações de gênero tornou-se inquestionável a
inexistência da fixidez da linearidade e a crescente ampliação da heterogeneidade do campo
da “escolha” e as operações e mecanismos de “decisão” articulados a sexo/sexualidade
(reprodução), regidos pela capacidade de intervenção dos agentes nos processos de
continuidade do ciclo vital.
Às mudanças na família nuclear associam-se aos diversos estilos de vida, que alteram
as formas da maternidade e da paternidade com relação à definição da idade biológica ideal
para parir e com as várias formas possíveis e disponíveis para conceber os filhos. Os avanços
da genética e as tecnologias de reprodução, associadas à incorporação de ‘novos’ modelos
culturais (valendo lembrar a atuação e agenda do feminismo), teriam possibilitado a
dissolução da reprodução de paternidade/maternidade. O que implicou uma revisão do lugar
da “maturidade” e da idade “adulta”, inclusive, como uma “fase da vida” dedicada à
reprodução da espécie e à constituição de uma família.
Esse deslocamento da maternidade e da sexualidade tem sido decisivo para o sistema
das idades, destacando-se: a revisão dos conteúdos das seqüências de sucessão das “fases” do
sistema na relação natureza/cultura, na divisão do trabalho doméstico, na constituição da
família, como lugar da reprodução e relações geracionais, nas alterações das idades para
reproduzir, e nos marcadores de inclusão e exclusão etária para a sexualidade, como a
menopausa - elemento importante na definição cultural da idade da mulher madura.
Por ser o corpo da mulher ainda considerado o lugar sacro da gestação natural da vida,
a dissociação das relações sexualidade e maternidade produzem efeitos decisivos sobre as
posições anteriores na divisão sexual. Em princípio, esses processos envolvem decisões
importantes sobre a transformação da vida e do corpo, num espaço social onde a expansão da
cultura juvenil introduz, e já acolhe, com menor resistência e rejeição, as possibilidades da
reprodução na maturidade (em função das múltiplas alternativas), e as práticas de sexo sem
fins de reprodução ou obrigação do casamento. Esse é um desafio que envolve os
componentes cultural/natural “sexo” e “idade”, estruturantes da base de organização e
classificação de qualquer sociedade, juntamente com raça e etnia.
Quando a procriação natural deixa de ser a única opção, desobrigamo-nos do destino
biológico e aprofundamos a nossa responsabilidade social e individual pelo padrão que regula
251
as possibilidades das escolhas. O “caráter unívoco e linear dos procedimentos ‘naturais’ acaba
desaparecendo, a escolha sexual e a reprodução individualizam-se e fogem à regularidade de
um modelo geral” (MELUCCI, 2004 p. 148).
De todo modo, qualquer ato de decisão nesse campo da reprodução envolve a
sexualidade, a fecundidade, a geração e o nascimento. Um problema que se coloca será saber
quais valores predominantes “autorizam” a regulação do limite que diferencia as escolhas nas
posições dos grupos de idades. Como os sujeitos, ao se constituírem em posições, podem
contrariar as formas de repetição da sexualidade/sexo/fecundidade/reprodução que interferem,
e sofrem interferência, nos significados das idades?
É indiscutível a ingerência da ciência e tecnologia no controle da fecundidade,
produzindo efeitos no discurso que influem na definição do campo de opção para as escolhas
e decisões sobre gestação e contracepção. Anuncia-se a ‘Ciência do Sexo’ (biologia e
sexologia) como agência que libera mulheres e homens tomados JIM para o prazer da
reprodução concebida como ato de “livre escolha” de foro individual e pessoal, inclusive, a
decisão do sexo dos possíveis filhos (autonomia). Essas negociações transparecem na década
de 1970, chegando a tornarem-se hegemônicas em muitos pontos no campo das relações
natureza e reprodução, que definem paternidade/ maternidade/ sexo/ sexualidade/ fertilidade/
nascimento, condensando o foco na legitimidade do poder da biotecnologia e seus aparatos e
afins. No início, explora-se a necessidade de vencer a esterilidade, depois decisões a respeito
de opções sobre o domínio da criação da natureza.
Veja. Capa. Ed.362. 1975. T1 A Ciência do sexo.T3. A Sexolologia e seu mundo.
Veja. Capa. Ed.591. 1980. T3 A Revolução da vida. [...] nos anos 80, a biologia vai tomar o lugar de
rainha das ciências.
Veja. Capa.Ed.841. 1984. T1 A Brasileirinha de proveta. A medicina vai vencendo a esterilidade. T3
A vida que sai do tubo[...] vitória contra a esterilidade.
Veja. Capa. Ed.1622. 1999. T1. Bebês pré-fabricados [...] óvulos e sêmen para produzir crianças sob
encomenda. T3 Bebê ao gosto dos pais. T4 Em busca do bebê perfeito. Boutiques de sêmen, sexo
selecionado e escolha de embriões: o Brasil entra na era dos superbebês.
Veja. Capa.Ed.1846. 2004. T1 Estes bebês são pioneiros [...] de uma revolução da medicina...
Veja. Capa. Ed.1872. 2004. T1 Menino ou menina. Com a reprodução assistida é possível escolher o
sexo dos filhos. Isso é certo?
Os meios de comunicação e informação selecionam e divulgam literaturas e
aconselhamentos sobre relações sexuais, práticas de contracepção e esterilização, regras para
o aborto, exemplos de experiências bem sucedidas e controle de riscos, técnicas de
inseminação artificial e concepção e fertilidade - funcionam como aparatos biotecnológicos e
autoterapeutas para autoconhecimento e orientação e delimitação das escolhas. Essa
popularização da luta pelas técnicas científicas diversas de inseminação artificial, por
252
exemplo, cria condições para antecipar a possibilidade do fim da maternidade e da
paternidade como eventos biológicos. Também pode ser considerada influente nos controles e
decisões sobre a reprodução e a intervenção social sobre o nascimento
20
, que facilitam e
dificultam as avaliações do risco e da insegurança quanto aos efeitos de descobertas recentes,
e alertam para imprevistos
21
.
Essas transformações essencialmente culturais na maternidade, na paternidade e no
nascimento, são importantes na organização da tarefa vital humana de dar a vida e criar os
filhos. Abrangem largos campos sociais, deixando-os abertos a uma pluralidade de inscrições
e normalizações, que operam como controles sobre as motivações para as identificações dos
lugares sociais marcados pelas relações de geração biológica (‘homem-pai, ‘mulher-mãe’ e
‘filho’) na configuração JIM. Entre estas, predominam os marcadores sociobiológicos (da
fertilidade e sexualidade, do sexo, da maternidade e da paternidade) que perpassam as idades
entre 30 e 69 anos: idade para casar, idade para ter filhos, do fim da reprodução, idade da
plenitude e do ‘fim’ da sexualidade, idade para ter filhos sem família, idade do cônjuge, idade
da sexualidade exuberante. E, nessas posições etárias, a mínima normalização das cargas de
“maturidades” equivalentes à autonomia das decisões sobre a escolha do parceiro (ou apenas
reprodutor), sobre a hora e a forma de fecundação e gestação, sobre o número e o sexo de
filhos que se quer, sobre o sentido do prazer, e sobre a precaução futura com a reprodução
pela guarda do sêmen ou do óvulo.
Faz toda a diferença se em cada decisão predomina uma ‘resposta’ ao que se quer
para si próprio, se é uma “revisão” e “alocação” cultural (uma ‘resposta’ sobre o lugar a que
pertence no sentido usado por Bhabha) ou ainda apenas pretende preservar a diferença.
É possível que o próprio horizonte da continuidade da vida social, do ciclo vital
humano, e de suas relações com outros elementos da natureza estejam sendo ressignificados.
No fim da década passada, a pílula do homem, Viagra, é introduzida como valioso operador
para maximizar a relação ‘sexo e prazer’ masculino, em virtude da possibilidade de controle
da impotência sexual em qualquer idade, sem uma associação necessária com a reprodução. A
exploração dos seus efeitos é mais intensa na sexualidade relativa as idades mais velhas da
maturidade e nos grupos na faixa dos 70 anos (idades ‘pós-sexuadas’, também não
valorizadas nas relações de sexo do “novo pacto” do ‘casamento amadurecido’).
20
Ressalta-se a importância da medicina, do médico no parto, da prática hospitalar, da intervenção na vida intra-uterina, e dos avanços
rápidos e do volume de informações que circulam.
21
Essas mudanças nas formas de geração derrubam o princípio da certeza da filiação materna uma vez que a concepção é extracorpórea
(inseminação ou fecundação in vitro) (MELUCCI, 2004, p. 144-155) Discussão sobre as possibilidades de reprodução engendradas pela
engenharia genética, ver Fukuyama (2003, p. 84-95).
253
Veja, Capa. Ed.1540. 1998. T1 A Pílula Milagrosa. Foi aprovado o remédio que resolve até 80% da
impotência sexual. T2 A Pílula contra a impotência.
Os códigos culturais da evolução biológica, com matriz determinada, que
transformavam a reprodução e o sexo em um destino, que permitiam autorizar ‘naturalmente’
algumas passagens ditadas pelas mudanças hormonais, por exemplo, estão sendo redefinidos
como um lugar de decisão, de escolhas para o amor e o acasalamento, e também para a
construção do nome, para o isolamento e a concepção, gestação solitária e assistida.
Os registros simbólicos envolvem os dispositivos biofisiológicos nas (des)articulações
em várias posições de idade, sexo/sexualidade, alterando, também, os ritmos do equilíbrio
populacional dos gêneros. Porém, na construção dos “pontos nodais”, que irão sinalizar as
diferenças e as identidades no “calendário biológico”, não podemos desconsiderar a
interferência das necessidades (e interesses) dos vários agentes sociais, na configuração de
seus limites internos e externos. O sombreamento dos limites da menopausa pode servir de
exemplo de prática de desenvolvimento desses processos.
7.3.1.1 Sexo e Reprodução após os 40 anos
Momentos discursivos necessitam levar em conta a autonomia da mulher nas decisões
sobre o seu corpo, a hora da concepção e da reprodução e a capacidade
reprodutiva/sexualidade, deslocando o marcador biológico da gestação (40/44 anos,
sobreposição da idade-limite do ‘solteirismo’). Como a mulher-mãe é um signo valorizado,
tende a prestigiar a idade 40 anos.
Presente enunciativo. Veja. Capa. Ed.1399.1995. T4 [...] A geração de mulheres fortes que fez a
revolução sexual e dos costumes agora desafia os estigmas da menopausa.
Veja. Capa. Ed. 1575. 1998. T1 Ser Mãe perto dos 40. T2. Ser mãe na maturidade.
Passado projetivo. T4 O começo da vida aos 40. Um número cada vez maior de mulheres está
adiando para a meia-idade seus planos de ter filhos.
Retorno do sujeito Veja. Capa. Ed.1640. 2000. T1 Sexo depois dos 40. T2 A médica MS, 44 anos:
na meia-idade e no auge.
No entre-tempo” da enunciação (T4, Ed.1399. ‘A geração...’), o ‘Outro’ (Ed.1575)
intervém, situando que a luta pela reprodução em período próximo à menopausa é um
‘desafio’ das mulheres consideradas fora do tempo para a reprodução e para expressar a
sexualidade. O fechamento (T1 e T2. Veja. Ed.1640) revela o sucesso pela mudança da
posição sobrepondo a condição do sinal da reprodução natural - ‘na meia-idade e no auge’ -,
trazendo para o terreno da cultura o papel da reprodução e do desejo, rasurando o marcador da
velhice, da sexualidade e feminilidade ‘menopausa’. Para intervir na defesa persistente que as
254
mulheres não apenas devem procurar parceiros com idades aproximadas ou mais velhos,
aponta para posições de mulheres com várias idades (entre 30 a 60 anos), acentuando o perfil
‘yuppie xxi’
22
(30 a 45 anos), optando por experiências com parceiros mais jovens. A
instrução para a seleção também parte do critério básico masculino da escolha do parceiro que
acolhe todas as faixas etárias (Ed.1640).
Os problemas da continuidade da ordem social e do valor da vida deslocados para o
foro da “cura” terapêutica e clínica podem trazer efeitos fantásticos e, muitas vezes,
desastrosos. Podemos citar, por exemplo, que as gerações mortas e vivas são instigadas a falar
como critério para a delimitação das possibilidades das ‘escolhas’ (evidentemente entre
vivos), e a delimitação das inclusões. Pois o que se toma como ‘herança’ não é a propriedade
privada, a solidariedade ou a amizade, que predominavam nas questões geracionais no curso
da vida pelo menos até 1980, é a carga genética sem defeitos.
Nos registros das demandas da ciência biológica e genética e da medicina para
agências do rejuvenescimento nas relações de geração biológica e na continuidade do ciclo
vital, os valores associados com a cura e a seleção e diferenciação de raça e etnia, passam a
tentar organizar divisões de gerações familiares das populações.
Veja. Capa. Ed.1397. 1995. T1 Saúde Como Herança. A genética descobre como prevenir doença
através do estudo dos problemas médicos de parentes.
T2 Nascendo com o inimigo. Cresce o papel da genética na prática da medicina e os cientistas
descobrem que, fora os acidentes, e as doenças infecciosas, todos os demais problemas de saúde têm
uma relação qualquer com a história familiar dos parentes.
T3 A investigação da doença dos parentes ajuda a medicina a retardar ou evitar problemas fatais.
T4 Pistas do álbum de família.
Nas relações de parentesco, sublinha-se a associação saúde/doença, onde a propensão
para a doença pode colonizar o curso da vida de indivíduos e grupos, e constituir indicador de
controle social das chances no trabalho e profissão, na sociabilidade e na escolha do parceiro
e na reprodução baseado em características biológicas (cor da pele, raça, marcas do
envelhecimento e dos sinais de beleza e outras características mais específicas de ‘saúde’ do
código genético).
Veja. Capa. Ed.1680.2000 T1 De Onde viemos. Teste de DNA permite saber a origem de nossos
antepassados. 61% dos brancos têm sangue índio ou africano. Confira os resultados das
personalidades testadas. T2 [...] Nosso perfil genético.
T4 Quem somos nós? [...]: somos mesmo o país da miscigenação; há brancos que são geneticamente
negros, e vice versa.
Rastros de resistências, ao fechamento da imagem de “retorno” em que o
“complemento controle de geração familiar (biologia) equivale a “saúde” como valor
22
Veja normalmente se refere a essas solteiras e solteiros como mulheres e homens ‘bem sucedidos’, e não adotou o termo “Yuppie xxi”.
255
elevado das relações de parentesco que implicam em continuidade do sistema vital, surge
tentando bloquear a fixação desse sentido. O ponto do antagonismo realça os limites da
confiança no médico e da possibilidade de sua missão de convencimento, em virtude do
intenso controle e disciplina e da conjugação de sistemas mercadológicos sobre a vida e o
controle seletivo, incluindo e dividindo, por critérios de saúde e perfeição biofisiológica.
Último ¶. Mesmo quando os testes [testes genéticos] não são exigidos as pessoas começam a temê-
los, porque o resultado pode eventualmente cair nas mãos de seguradoras, empresas que prestam
serviços de saúde e até contratadoras de mão-de-obra. Seria irônico e também desastroso se as
pessoas deixassem de procurar esclarecimento médico com medo de serem prejudicadas pelo
resultado da pesquisa [...].
O controle sobre a vida também pode ser ilustrado pela eleição de processos de
escolha personalizados pela geração e seleção do sexo que prevalecerá. Nessas decisões que
autorizam a reprodução, após 35 anos, correspondendo as recomendações ideais para o fim do
“solteirismo”, subestimam-se a importância de outros elementos da cadeia diferencial como o
descarte de embriões que está no cerne da ‘reprodução assistida’.
Veja. Capa. Ed.1622. 1999. T1 Bêbês pré-fabricados. [...] já oferecem óvulos e sêmem para produzir
crianças sob encomenda. T2 Superbebês. T3 Bebê ao gosto dos pais. T4 Em busca do bebê
perfeito. Boutiques de sêmen, sexo selecionado e escolha de embriões: Brasil entra na era dos
superbebês.
Reprodução assistida
Enunciação (Veja. Capa. Ed.1872. 2004). Articulação: idade/sexo/reprodução artificial.
Presente enunciativo. T1 Menino ou Menina. Com a reprodução assistida é possível
escolher o sexo dos filhos.( T3). Casais contam suas experiências. Casais já
podem
escolher entre menino e menina.
Passado projetivo. T2 A Família Moura: um menino depois de quatro meninas.
(1º ¶ ) Pais, respondam rápido: se pudessem teriam escolhido
o sexo dos seus filhos? Os
sinceros responderam que sim. Os muito sinceros fizeram o mesmo. E provavelmente
disseram que o primogênito seria
um menino (é a força de muitos milênios de
patriarcalismo).
Retorno do sujeito. Marcas nos limites da identidade.
T4 Você já pode
escolher. Nas clínicas de reprodução assistida, os pais decidem, com
quase 100% de acerto, o sexo do futuro filho.
(Último ¶) Aos 35 anos
[...] que se prepara para ter o primeiro filho por reprodução
assistida também se sente perfeitamente em paz com sua escolha
. ‘Não vou nem tentar
engravidar naturalmente. Quero ter um menino. Vou dar esse presente a meu pai, que
está com câncer e sonha com um neto para assumir os negócios da família’, explica. No
lugar dela, quem não faria o mesmo atire a primeira pedra’.
Na construção desse lugar social “reprodução assistida”, a escolha da forma de
reprodução não é apenas mediada pela ciência e a tecnologia, assume a consideração da
assistência, da tutela de especialistas, laboratórios e aparatos diversos afins. Entretanto, entre
256
os elementos negociados enfatiza-se a margem da opção e da decisão da mulher sobre as
questões da maternidade, o adiamento da idade para ter o primeiro filho, e a escolha do sexo
deste filho, resultando na produção do efeito do domínio e controle sobre o corpo/mente e a
produção da natureza.
A “última frase” promove o julgamento sentencioso que visa legitimar e anular outras
possíveis opções de escolha do “sexo” e dessa forma de “geração” de bêbês: ‘quem não faria
o mesmo atire a primeira pedra’ - buscando a unificação da posição como a única escolha
adequada para todos. A recorrência à tradição, a livre escolha da forma de geração que
permite a ‘certeza’ do primogênito, atualiza-se, estrategicamente, sem fazer transparecer na
negociação o interesse em produzir redefinições na função do parceiro (‘macho’) no processo
de reprodução para favorecer mecanismos terapêuticos, clínicos e laboratoriais.
Na enunciação que trabalha mecanismos de auto-ajuda e monitoramento para a
escolha do parceiro, desenvolve-se a mesma estratégia para a ‘escolha’ do sexo do filho:
sublinha-se a ‘tradição’ para estabelecer o distanciamento cultural e reinscrever o sentido das
relações que sempre escapa. O signo ‘geração’ circula num continuado apelo à forma de
continuidade dos valores e do comportamento pelas sucessões de blocos geracionais. Na
‘revisão’, segue sem questionar a autoridade dessa continuidade cultural, através da
simbolização de geração pelo signo ‘contemporaneidade’, que sobrepõe o passado no
presente interferindo neste e no futuro: a repetição vence codificando a predestinação dessa
forma de escolha do parceiro sexual um ‘modo de vida’ natural da espécie. A monótona
repetição:
Veja, Capa. Ed.1812. 2003. T1 Sexo, como os ancestrais. A ciência garante: você ainda escolhe seu
parceiro como faziam nossos ancestrais na caverna.
T2 Nosso comportamento sexual é do tempo das cavernas.
T3 Sexo como nossos ancestrais. A ciência traz a tona indícios de que, na hora de escolher um
parceiro [escolherá], ainda somos guiados pela biologia e por referências estabelecidas pela espécie
a milhões de anos [fomos] .
Aparece o jogo discursivo na temporalidade do ‘contemporâneo’ representado no
presente enunciativo” no “entre-tempo” do enunciado (T1) Sexo como os ancestrais - e a
enunciação jogando na folga entre gerações mortas e passadas, gerações presentes e futuras,
em torno da escolha do parceiro sexual. O advérbio ‘ainda’ proporciona o movimento da
continuidade de uma forma especificada pelo ‘como’. E inclui o tempo todo produzindo o
estímulo para repetir a atualidade desse tipo de escolha, baseada em critérios biológicos e em
referências culturais da espécie humana como a alternativa válida, fundamentada
predominantemente na natureza da ‘verdade’ garantida pela ciência biológica.
257
O problema é que, na indicação do processo dessa ‘escolha’ específica nos diferentes
tempos das sucessões de gerações, não se aponta porque entre outras formas diferentes de
escolher o parceiro, justamente esta tem sido apresentada como a única opção historicamente
adequada para responder às necessidades diversas das gerações, nas diferentes relações e em
diferentes lugares e tempos. Por que aparece discursivamente importante a contigüidade
interativa do comportamento sexual das gerações mortas e contemporâneas esta necessidade
monótona da repetição que torna a escolha uma prática “vazia”?
A biologia, como a ciência testemunha da história da evolução da espécie, requer o
lugar de sua autoridade de agência na mediação dessa relação de intimidade e no saber
produzido culturalmente sobre a espécie humana. Na imagem do “retorno do sujeito” (T3),
sobressai a reivindicação pela decisão sobre a necessidade do julgamento da biologia a
respeito dessas questões e dos seus efeitos sobre a limitação do campo de escolha. Na década
de 1980, já se havia anunciado o valor que o problema assumiria: ‘A Revolução da vida [...]
nos anos 80, a biologia vai tomar o lugar de rainha das ciências’ (Veja. Capa. Ed.591. 1980).
Como vínhamos indicando, o uso estratégico do significantecontemporaneidade’
como signo equivalente de ‘geração associado a ‘modo de vida’, tende, neste discurso, a fixar
sentidos articulando as relações ao movimento do ciclo vital. Nesse momento, desvalorizam-
se, no presente e no futuro, as contestações e as escolhas (T1, T2, T3); busca-se o efeito de
bloqueio simbólico para novas inscrições exteriores a esse domínio da ciência
23
como se o
movimento fosse eterno e inquestionável, e a autoridade do saber biológico sobre esses
processos também.
Esse efeito de totalização discursiva deixa clara a importância da biomedicina no
início deste século. É possível que esse “vazio”, produzido pela repetição, ofereça sinais para
re-posicionamentos da reprodução e na relação de sexo onde o “parceiro” poderia não ser
essencial?
7.4 O Lugar das Agências da “Segunda Guerra dos Sexos”
No movimento discursivo JIM, são notórias as estratégias estabelecidas para sublinhar
que estamos em tempos ‘pós-feminista’, entre elas, destaca-se a ‘Revolução sexual’, para
nessa posição sexo/sexualidade anunciar o ‘fim do macho’ (Veja. Ed. 1428, 1996) e uma
Segunda Revolução Sexual’ que estaria em curso nos anos noventa. Nessa “II Guerra dos
Sexos”, setores da ciência assumem lugar privilegiado na sistematização e organização dos
23
Curiosamente, poder-se-ia indagar: poderia ter sido a ciência biológica uma necessidade dos ancestrais na caverna?
258
sentidos de processos, estratégias, imagens, símbolos, valores, instituições, e a mídia continua
atuante na mediação e popularização dessas representações construtoras de sistemas de
diferenças e de identidades de sexo e sexualidade, trazendo à tona a questão do que fazer após
a “morte” ou a debilitação do “macho”.
Segundo Hall (2003f), a ginocrítica, na passagem para a década de 1980, tentava
desvelar como a cultura dominante produzida por homens negava às mulheres a sua
subjetividade de tal forma que, em grandes espaços culturais, elas assumiam as subjetividades
alheias. Essa crítica destacou as categorias sexo, gênero e raça para re-posicionar as relações
de forma a situar que o sujeito não se constitui inteiramente autônomo. No geral, a Revolução
feminina lutou (e luta) por uma nova cultura onde as redefinições de identidade sexual
(gênero) e dos conflitos interpessoais (“Guerra dos sexos”) eram basilares.
Cumpre lembrar que, na década de 70, Morin (1986) dizia que os efeitos do
movimento feminista pedia a revisão da cultura masculina adulta em que prevaleceriam os
valores “efetivamente femininos” (natureza, paz e amor), mas que seriam diferentes deles
(complementares). Mouffe (1996) caracteriza os principais focos das batalhas: as mulheres
deveriam lutar pela “ética do cuidado” em contrapartida à ética da justiça masculina liberal.
Defendiam-se conjuntos de valores baseados na “experiência da maternidade e cuidado no
privado domínio da família” (p. 107-116). A questão deveria se concentrar nos valores que
distinguem as mulheres dos homens: amor, amizade, passando por questões das relações entre
mãe/filho, homem/mulher, cidadania sexual e grupos diferenciados.
Como efeito dessas investidas, algumas posições das mulheres (e outras minorias, que
são ‘maiorias’, como grupos étnicos e gays), ordenadas de papéis associados às idades na
família, na escola e no mundo do trabalho e civil, e na sexualidade foram revolvidas e/ou
reorganizadas. Evidentemente, contribuindo para mudanças na ordem das posições de idades
cronológicas, no lugar da intersubjetividade na construção dessa ordem, e na redefinição da
relação do corpo e suas marcações que afetam a vida em seu curso cotidiano.
Como muitas vezes se repete nas falas construtoras do discurso (JIM), a mulher e a sua
feminilidade foram à rua, inclusive ao trabalho fora do lar, abalando a segregação cultural,
que garantia uma certa forma de sistematização do casamento, da intimidade e do doméstico,
onde os papéis da mulher eram e ainda são centrais.
Aliem-se ao contexto as condições de acelerado desenvolvimento das ciências
biomédicas e da genética, institutos farmacêuticos e laboratórios que trazem componentes
para alguma emancipação biossocial: próteses, cirurgias, químicas de rejuvenescimento,
tecnologias de emagrecimento, reposição hormonal, pílula anticoncepcional, liberdade sexual
259
e o controle sobre os filhos que se deseja ter, como e quando tê-los, a mudança no ‘conceito’
de menopausa como velhice e do sentido da reprodução a ela associado ao corpo inútil... a
lista poderia crescer.
Tanto nos Estados Unidos como nos países anglo-saxões aparecem os woman’s
studies, os genderstudies ou os feminist studies trazendo o postulado do movimento – o
pessoal é político - nas publicações de suas pesquisas - sobre a sexualidade, a beleza, o
corpo, o prazer, a mídia e os gêneros - ou em programas destinados às mulheres: revistas,
melodramas, romances sentimentais, soap opera (MATELLARDT; NEVEU, 2004),
introduzindo a importância da subjetividade nas relações sociais focadas nesses pontos.
Vale recordar que, em 1975, no ensaio Virtual Pleasure and the Narrative Cinema, a
inglesa Laura Mulvey indicava que o filme hollywoodiano identifica o prazer com o olhar
masculino, convidando as espectadoras a se identificar, a se enxergar por trás dele, a se
“alinhar com essa objetivação da mulher” (homem-prazer-mulher). Portanto, urgia que o
movimento de mulheres rompesse com essa maneira determinante de conceber o prazer,
‘destruindo-o’, para assim escapar à opressão. Praticamente na década seguinte, em filmes
como Female Gaze, reivindica-se a positividade do prazer. Passou-se a desvelar as virtudes
ideológicas desses filmes, sob a justificativa de que a popularidade dos produtos da cultura de
massa tem poderes que nos torna impossível situar fora deles, até mesmo porque o espectador
tem o poder de atribuir sentido ao que assiste. O prazer passa a ser tratado no meio acadêmico
como “política do popular” (MATTELART; NEVEU, 2004, p.105-106); no caso específico,
prazer e sexo são fundamentais para a política sexual. E é nesse mesmo pólo que o discurso
procura colocar a “II Revolução Sexual”.
Na passagem para este século 2000, neste discurso sobre as idades maduras e o
rejuvenescimento, o privilégio do desejo, ‘ausência do prazer’ e a ‘impotência’ ou disfunção
masculina perpassam o mercado de drogas, terapias e clínicas que torna a dependência uma
barreira aos atos de decisão dos agentes. Tratados como potencialmente doentes (ou doentes),
e expostos ao domínio de resistência dos limites internos e biológicos (‘incorporação’
mente/corpo) que promovem esse efeito, os grupos mais ativos da população travam batalhas
solitárias com ‘modos de vida’ predominantemente individuais, cujo objetivo é dirigido para a
definição adiada da aparência jovial vencendo a idade (69 anos aparentando cerca de 50
anos), tomando como um dos termômetros a atividade sexual, com ou sem reprodução.
Essas estratégias hegemônicas, para exploração dos anos a mais de vida e de
experiências mais duradouras da maturidade ‘crescentemente’ mais avançada em idade –
vida longa e saudável”, tendem hoje a organizar a identidade e a diferença no curso da vida
260
em função da divisão das relações de sexo e aparência biofisiológica/idade. O tempo poderá
ilustrar as resistências, que provavelmente não serão poucas, devido à seletividade dos
critérios e campo de oportunidades para as escolhas e inclusões. Nos limites e fronteiras das
várias idades, situadas no intervalo de intensa atividade humana entre 30 e 69 anos, sem as
quais seria difícil organizar as equivalências de vários sistemas de diferenças que incorporam
mente e corpo, entre eles, de sexo/sexualidade e cura e doença.
As relações entre sexo e prazer revelam-se no conjunto das imagens das pelejas que
evocam atos de decisão sobre os lugares sociais “divórcio”, o “novo pacto do casamento
amadurecido” (onde ficou pendente qualquer prescrição terapêutica sobre essa questão), o
‘fim do macho’ e a valorização da “beleza” em que se tenta definir a posição “macho” em
relação ao prazer feminino. Associam-se os desempenhos biológicos às mudanças nas
relações domésticas e familiares e aos cuidados de si.
Como se trata da inscrição de identidade pela articulação gênero/sexo, é merecedora
de referência a observação de Baudrillard (1995) que, estando os signos do masculino por
todos os lados sendo estimulados para o deleitar-se e o comprazer-se, entende-se que é
agradando a si próprio que se tem todas as possibilidades de agradar aos outros [como pensam
Giddens, 2002; Melucci, 2004, e outras vozes nesse discurso JIM]. No limite, nas sociedades
de consumo modernas, o “comprazer” e a “auto-sedução”
24
poderiam levar a um
empreendimento sedutor que recai sobre si mesmo, embora tenha como referência sempre a
instância do outro. Acontece, como realça este autor, que agradar ao “outro” terminaria por
ser uma consideração secundária e predominaria o interesse por si próprio.
Como os modelos são imagens diferenciais, não tratam de sexos reais ou categorias
sociais reais de homens e mulheres, a difusão e a contaminação invadem todas as áreas do
social: na regulagem do consumo
25
, o homem moderno é convidado a comprazer-se e a
mulher moderna à exigência e à seleção. O importante para o questionamento da “morte” do
“macho” aqui em pauta é que esse autor havia antevisto a imagem (simulacro) de identidade
híbrida de um ‘terceiro hermafrodita’, penetrado pelos signos da juventude e da beleza, que
24
Baudrillard (1995, p. 97-98) chama atenção para as duas formas predominantes de “escolhas” na sociedade de consumo. Na mulher,
predominaria esse modelo de “comprazer” e de “auto-sedução” mesclado da ‘feminilidade funcional’, que corresponderia a um modelo de
‘masculinidade’ ou a ‘virilidade funcional’. Ordenada aos pares, a subjetividade do masculino estaria vinculada à “exigência” (que não tolera
o fracasso) e à “escolha seletiva” (intransigência, energia e decisão); não para comprazer-se, mas para distinguir-se, escolher sem falhas.
Esse tipo de escolha seria “mais excludente e classificatória que o modelo feminino”, acrescenta o autor, que realça a tendência para a
“mulher a necessidade de se comprazer a si mesma”. No fragmento, o registro do “comprazer” de quem sabe o que quer: (Veja. Capa.
Ed.1299.1993). T1 Elas Querem mais sexo e prazer [..] T2 ela expressa com clareza a necessidade de prazer.T3.As mulheres em busca
do
prazer.Veja.Capa. Ed. 1782. 2001. T1. Prazer. A vez da mulher.T3 Muito Prazer
25
O autor lembra que não se pode confundir isso que diz sobre o modelo e o consumo com o fato de alguém “agradar a si mesmo em virtude
das qualidades reais da beleza, encanto, gosto etc.”, pois, em tal caso, não haveria consumo o que registra a existência de relações
“espontânea”(s) e “natural”(ais) (BAUDRILLARD, 1995, p. 96).
261
perturba e altera, mas não destrói o antagonismo e a fronteira nas relações dos sistemas de
diferenciação em que predominam os dois pólos de escolhas.
Detonado pelo crescente volume de imagens de homens fortes, belos e saudáveis,
verdadeiros Adônis
26
, os masculinos passam a se constituir tendo que considerar (conscientes
ou não) tais referências joviais, que exigem esforço nos cuidados da aparência do corpo, como
o “macho” exigia das mulheres, pelo menos até duas décadas passadas
27
.
O estatuto teórico e o lugar do trabalho doméstico estiveram na agenda do feminismo,
na década de 1970, simbolizando a subordinação e questionando as relações de gênero e as
posições articuladas à classe, etnia, idade e geração (HALL, 2003). A visibilidade da
valorização desse tipo trabalho, através da ‘terceira idade’, quando as mulheres o exercitam
como meio de auto-afirmação e até de emancipação (BRITTO DA MOTTA, 1998), pode ter
concorrido para processos de identificação que rabiscam o desenho de um “novo homem” em
algumas dessas atividades e relações.
Através da metáfora da guerra o texto indica o movimento do “retorno do sujeito”
(T3), onde a imagem desse “macho” emerge em outra posição em defesa da identidade
“homem” (‘que acorda [...]. T3 [...] à luta em busca da auto-estima).
Desse modo, a oposição e antagonismo homem/mulher vão se mostrar intensos no
discurso sobre as idades maduras nas relações entre sexo e sexualidade articuladas à
reprodução, beleza, saúde, jovialidade e idade. Mesmo porque se diz que o ‘homem’, pelo
menos há dez anos, ‘preferiu cuidar de si mesmo’ (Veja. Especial. Década de 70. Ed.590,
1979) e, nesse ínterim, produziram-se imagens perturbadoras com relação à mulher, à
sexualidade e à própria linha do seu físico (Veja. Ed. 1428, 1996: ‘inseguro, preocupado,
acuado, cheio de dúvidas’).
Reitera-se com freqüência o significado “homem” procurando libertá-lo da identidade
“macho”, esvaziando este lugar pelo movimento equivalencial no sistema de diferenças:
macho’: ‘nocauteado’ ou despertando atordoado do nocaute,angustiado’, ‘acuado’
abandonado’, ‘inseguro’, ‘incompetente’, ‘herói fragilizado’(s), [que] ‘choram’,
preocupado com a forma física e o desempenho sexual’. Por seu turno, temos a rede do
sistema diferencial “mulheres”, inferida nessa rede do sistema “macho” nesses termos:
26
Adônis, entre os gregos, era um deus jovem descendente das mitologias Fenícia e Síria e detentor de grande beleza. O sentido estendeu-se
para indicar jovem que é elegante, bonito e gentil.
27
Britto da Motta (1998, p.233) relembra o que dizia Beauvoir próximo aos anos 70, sobre o papel do homem e o seu distanciamento da
questão da emoção e do sentimento, do embelezamento e do rejuvenescimento associado à condição mulher-objeto, e das tarefas domésticas
que eram tidas como coisa de mulher ‘“[o homem] acha-se empenhado em empresas mais importantes que a do amor; (...) e como não lhe
pedem as qualidades passivas de um objeto, as alterações de seu rosto e de seu corpo não arruínam suas possibilidades de sedução’. Simone
Beauvoir”.
262
querem sexo e prazer’. E, mais recentemente, ‘insatisfeitas’, ‘sem vontade’, ‘com desejo de
mais e melhores relações sexuais’ e ‘necessidade de prazer’, e outros enunciados.
Assim, na década de 1990, nos limites circunscritos por adesões e resistências às
equivalências dos significados dos termos ‘macho’ e ‘masculino’, constroem-se as posições
novo homem’ -essencialmente masculino’. De modo que a “II Revolução sexual” propõe
discursivamente a morte do “macho” para trazer de volta a cena de gênero e sexo à
simbolização o lugar do “homem”, nem tanto definido no discurso quanto o da “mulher”.
(Veja. Capa. Ed. 1428, 1996).T1. A angústia do macho. Inseguro diante da mulher,
preocupado com a forma física e o desempenho sexual, o homem está acuado.
T2. O homem atrás de um novo modelo. Acuado pelo avanço das mulheres, inseguros e
cheios de dúvidas, os homens buscam sua identidade num mundo que não aceita o machismo
mas pede que sejam essencialmente masculinos.
T3. O homem acorda do nocaute. Abandonados em seu trono, os homens vão à luta em
busca da auto-estima perdida.
O modo como foi encaminhada a questão da subordinação, adiante da pura dicotomia
homem/mulher, (uma vez que as relações, as práticas, as instituições, os símbolos, os valores,
os processos que regulam o campo das possibilidades das opções, baseiam-se na capacidade e
no poder para as escolhas e as decisões que garantem a “autonomia” nos processos de
identificação) vêm facilitando o trabalho de ressignificação desses lugares ‘vazios’ disputados
por demandas masculinas nessa “II Revolução sexual”, pelo menos segmentos de classe
média ilustrados em práticas no discurso da JIM.
As demandas cuidam para que as posições não sejam hierarquicamente inferiorizadas
como estiveram sujeitadas boa parte das mulheres; tende-se a perseguir positivações para
‘auto-realização’ e a liberação, inclusive, dessa tendência de que fala Britto da Motta (1998,
p.230), para uma certa resignação histórica masculina de aceitação da velhice como um fato
inexorável e do trabalho doméstico. Nesse discurso sobre as idades do rejuvenescimento,
homem que é novo homem elabora’ (Veja, Especial Homem, Ed. 34. 2004), quer dizer,
recupera’, quer dizer, registra diferenças em superfícies de atividades e profissões
consideradas típicas das mulheres: enfermagem, assistência social e educação básica e tarefas
domésticas.
Porém mais importante do que “saber quem é esse novo homem” são as negociações
que o constroem; a hora em que distingue “sou/somos do que não-somos”. Abaixo, ilustramos
um desses momentos de “atos de decisão” construindo a afetividade na relação homem-pai
(aos 39 anos), tentando afirmar valores de sociabilidade intergeracional, baseados na
263
afetividade e na emoção, na busca da ‘felicidade’ e na revisão da divisão das tarefas
domésticas, ou de escolha do “consumo supérfluo”.
‘Elas estavam carentes de homens vaidosos. Por que ir ao salão e receber cuidados deve ser só
privilégio da mulher?’ ( 32 anos, empresário. Veja.Especial Homem. Ed. 34, 2004).
É maravilhoso chegar em casa e ver que, só de ouvir minha voz, minha filha muda – fica
extremamente alegre. Eu então assumo o comando. Brinco com ela, alimento, dou banho e ponho pra
dormir. O convívio com meu pai era diferente do meu com [...] Ele não participou muito da minha
vida [...]’ (advogado, 39 anos). Veja.Especial Homem. Interno. Ed. 34, 2004.
Entre todos os elementos, os mais explorados no momento para articulação na posição
‘novo homem’ são: o papel na família, no consumo e a linguagem da beleza e da moda,
etiqueta, sexo, prazer, lazer e nutrição. Os sinais da “II Guerra dos Sexos”, na jovem
maturidade, são de estratégias predominantemente masculinas que tocam as subjetividades em
alguns pontos onde a razão enclausurava no “macho” a emoção e os sentimentos.
Nessa “II Guerra”, a estrutura das enunciações afasta a fronteira concentrando as
batalhas no objetivo do ‘antienvelhecimento’. O ponto “central” dos antagonismos consiste na
mudança da forma da regulação das relações prazer/sexo/sexualidade, agregando na
capacidade para estender as relações e as experiências, ampliando a pluralidade de opções
para as escolhas, mas lutando para preservar o campo da negociação da regulação.
Emerge a “suspeita” das mulheres de que os homens, talvez, queiram “satisfazê-las”
mas não sabem, uma vez que desconhecem os mecanismos específicos do “prazer” sexual
feminino. Estrategicamente, essa necessidade é identificada com a biomedicina que requer a
autoridade de agência para a intermediação na construção do “prazer”: mulher/ ciência
médica-prazer/ homem, interferindo na relação e prática de sexo/sexualidade, contribuindo
para fazê-la operar em conjunto com o sistema de ‘cura’.
Na constituição do lugar da mulher, a demanda prioritária não sublinha mais o
prazer” mas o seu bloqueio pela ausência de demanda do “desejo”. No posicionamento
“homem” não predomina o significado ‘indecisos’ e ‘inseguros’, como colocado na posição
casamento amadurecido” (Ed.1610. 1999), agora ‘incompetentes’ e necessitam de ajuda para
autoconhecimento e autodomínio.
Veja. Capa. Ed.1579. 1999:
Presente enunciativo: T1. ‘A Guerra dos Sexos’ .
Passado projetivo: T2. A Luta continua! Pesquisa exclusiva revela que a guerra dos sexos está longe
de acabar.
Sujeito agente: T3. Mulheres sem vontade e Homens incompetentes.
Assim, na passagem para este milênio, elege-se o que as ‘mulheres’ necessitam para a
plenitude da sexualidade: a autoterapia e ajuda de especialistas para o estímulo ao ‘desejo’,
264
tomando por objetivo a condição de sua ‘repetição’, ou seja, ‘mais e melhores relações
(Edição 1610, 1999).
Veja. Capa. Ed. 1766. 2002. T1 Em busca do desejo. Falta de vontade é um problema sexual cada
vez mais comum. Como a medicina e a terapia podem ajudar. T2 Falta de desejo é uma queixa que
cresce nos consultórios. T3 A escassez do desejo.
Veja. Capa. Ed.1812. 2003. T1 A Ciência garante. T2 Nosso comportamento sexual [...]
Veja. Ed.1837. 2004. T1 Atração sexual. A ciência explica quais são os traços da anatomia e
personalidade que mais provocam o desejo. T2 Jannifer Lopes: pele, lábios e curvas que atraem os
homens. T3 A Ciência explica como funciona.
Haveria o ‘inimigo’ nessa guerra? Quem seria? A ‘bandeira’ içada em suas batalhas
para a plenitude diferida do prazer do sexo poderia ser ‘Mulheres sem vontade, homens
incompetentes’ (Ed.1579. 1999). Essa é a especificidade da “II Guerra”, que traz a marca do
controle da medicina e do monitoramento terapeuta próximo ao limite do ‘pessimismo’ em
que o ‘objetivo do consumo postergado’ e a prática da sexualidade posicionam-se em
equivalência à imagem do ‘prazer’ e do ‘desejo’. As condições de possibilidades para as
‘escolhas’ e as ‘decisões’ têm os limites ‘bloqueados’ nos dois lados: pela astenia feminina; e
pela incapacidade, inaptidão do ‘novo’ homem. Nesse caso, as marcas do “machão” estariam
no máximo em suspensão? (substitui-se o termo “macho” pelo “homem?”).
As des-articulações prejudicam a ‘capacidade para escolher e decidir
ponderadamente’, de modo que atinge e põe, nesse momento, em suspensão as tentativas de
demandas dos dois gêneros por autonomia. Nesse caso, a metáfora da Guerra seria uma ilusão
se esta não fosse a tradução da luta da ciência médica pela hegemonia do sentido das relações
e práticas nesse campo: que diferença faz para mulheres potencialmente ‘doentes da mente’ -
‘sem vontade’ de sexo - que os homens sejam ‘incompetentes’ para satisfazê-las e vice-
versa?
Ao que se coloca, é possível que a mediação da relação do desejo e do prazer
28
se faça
sob a predominância da autoridade do ‘Olhar’ e do lugar de controle da biomedicina, da
psicologia, da genética, da indústria farmacêutica e dos laboratórios e cosmetologia e
especialidades outras clínicas e terapêuticas. Nessa “missão” da ciência médica, a mídia
exerce um importante papel para sua legitimação. No caso do discurso sobre a JIM (em Veja),
predominam os momentos de preservação dessa autoridade, mais especificamente nos braços
da medicina que investem nos tratamentos com drogas, terapias, prevenções e dermatologia
do que no campo cirúrgico da estética. Pesquisas genéticas e biológicas (e equivalentes)
dedicadas à longevidade, ao rejuvenescimento e à reprodução são também incorporadas como
28
Associado à produção e ao consumo de imagens de modelos de rejuvenescimento, longevidade, aparência do corpo e sexualidade e da
‘mente incorporada’.
265
questões calorosas e de interesse sobre a “cura” da vida cotidiana e futura das pessoas e da
“população” viva (Foucault).
Nesse momento do discurso, os efeitos são favoráveis à ‘desconfiança’ e à
‘insatisfação’ das mulheres e de alguns homens, gerando a angústia, a apatia e a insegurança -
nos dois pólos da construção da identificação entre os sexos. A tendência é promover o
distanciamento das experiências, trazendo efeitos estimulantes ao “solteirismo” e/ou à
“solidão” e ao “isolamento”. Pelo menos até que o campo se defina com mais nitidez,
mostrando que o perfil estimulado para a representação “dono de si” dificulta as relações de
intimidade e amizade. Os ditames do ‘novo pacto’ do matrimônio já apontam para isso, o
‘amor a si mesmo’ pode facilmente bloquear a “alteridade” mais profunda para o respeito e a
aceitação da diferença e da identidade.
Esse é um momento de intenso trabalho discursivo de interferência da ciência
biomédica e da biotecnologia sobre a vida e a construção da intersubjetividade, porque
contribui para promover um deslizamento nas relações entre sexo e sexualidade e reprodução,
em meio à “II Guerra dos sexos”. Sendo, como sugeriu Melucci (2004) para outro contexto,
mais intensa e condensada em dois pontos chaves: nos processos em que a reprodução pode
ser promovida sob baixa necessidade ou irrelevância do sexo oposto, e em processos em que a
sexualidade/sexo não implica efetivamente reprodução. No discurso sobre as jovens idades
maduras os dois casos estão vinculados a alguma relação ou experiência de sujeição à
orientação e ‘assistência’ da biomedicina ou por ela autorizados. A relação natural entre
macho e fêmea, em idade de reprodução, é de certa forma posta entre parênteses. E a
atividade sexual e das instituições e valores que lhe servem de suporte no lugar ‘pós-sexuado’,
transparece sob a vigilância, o controle e monitoramento auxiliado por essa ciência e os
dispositivos tecnológicos a ela relacionados.
Ainda mais, quando ao estímulo à defesa e à valorização da sexualidade madura
longeva são acrescidos pela realidade da ‘pílula contra a impotência’, a promessa da “pílula
do prazer” feminino, e do controle hormonal, que relacionados à imagem idealizada da saúde
e da boa aparência na maturidade, também, interferem na redefinição das hierarquias nas
fronteiras de idades mais velhas: a geração ‘pós-sexuada’, no caso em apreço, como vimos
com mais de 55 – 69 anos.
A “Segunda Revolução Sexual” não estaria sendo conduzida pela figura da oposição
de um dos dois gêneros como foi a “Primeira”, o lugar onde se trava a ‘II Guerra dos Sexos’ é
no terreno da popularização da ciência médica e terapias, o que não significa que as
diferenças de gênero não sejam relevantes sobrepondo posições nesse lugar.
266
É, em princípio, assim que a ‘A nova revolução sexual está sendo gestada nos
laboratórios [...](Veja. Ed.1782). A ciência busca se interpor no lugar do ‘Olhar masculino’
na objetivação das relações e práticas sexuais com auxílio de seus aparatos técnicos: drogas,
médicos, especialistas, hospitais, clínicas, laboratórios, etc. O “prazer” posiciona-se em
equivalência a terapias e a “revolução química” simbolizada pela necessidade da “pílula
milagrosa”.
Veja. Capa. Ed.1782. 2001. T1 Prazer. A Vez da Mulher. A ciência desvenda os problemas sexuais
femininos. E já resolve muitos. T2 Os avanços que melhoram a vida sexual da mulhor. T3 Muito
Prazer. As terapias e drogas que aumentam o desejo e estimulam o orgasmo,a ciência avança no
campo até recentemente inexplorado da satisfação sexual das mulheres.
Interno: A nova revolução sexual está sendo gestada nos laboratórios [...] O que a medicina pode
fazer por elas? No campo das promessas muito , muitíssimo: os grandes laboratórios farmacêuticos
estão obcecados pela busca da ‘pílula do orgasmo’ e aí reside a expectativa de tal revolução química
do prazer [...].
Veja, Capa. Ed.1540. 1998. T1 A Pílula Milagrosa. Foi aprovado o remédio que resolve até 80% da
impotência sexual. T2 A Pílula contra a impotência [Viagra].
O sistema de equivalências que organiza as idades JIM concentra os vários interesses
de diferentes ramos da ciência e aparatos tecnológicos na expansão da capacidade de
inscrição de elementos internos dos agentes visando torná-los aptos e capacitados para
proceder escolhas e decidir sob pressão externa, entretanto, esta capacidade “da mente
incorporada” está marcada por estratégias de monitoramento sobre o que quer e o que faz, e
pelo efeito de isolamento que promove ou visa promover. Esses desfavorecem as investidas
de emancipação. Ainda mais quando se pode pressupor que o corpo e a mente estão
emancipados, para serem livremente organizados em sistemas de escolhas individuais de
estilos de vida, nesse caso sob o signo da “cura” (como sugere Giddens).
Veja. Capa. Ed.1836. 2004. T1 Decida antes que decidam por você.
– Como fazer escolhas num mundo com excesso de informação, pressão por desempenho e pouco
tempo para pensar. O peso da intuição.
– Teste: como você decide?
7.5 No Horizonte, a Cura, a Aparência e o Sexo/sexualidade
O maior diferencial do ‘rejuvenescimento’, entendido um horizonte para a
sistematização e ordenação das idades centrais, não reside na procura do convencimento sobre
a ‘fonte da juventude’, que está em algum lugar a ser descoberto, ou no combate às doenças
do envelhecimento que causam a decrepitude e a debilidade que vão se processando na
maturidade e marcam a chegada da “velhice”. A estratégia de unificação do texto tenta
267
separar o processo de amadurecimento
29
de ‘doença da velhice’ e atrasar o ‘relógio biológico’
pela valorização na saúde e sua prevenção. Esse processo, incidindo sobre o conjunto das
relações sociais, trata-as como uma questão de “saúde”; o sistema de relações “cura” visa à
integração do indivíduo à sociedade, para isso requer um trabalho de intensificação do
isolamento dos indivíduos entre si e do individualismo e a expansão da capacidade de
resposta às necessidades e interesses das aderências e resistências diversas ao
antienvelhecimento”.
Assim, altera-se o valor da vida e a forma da relação entre o “interior” e o “exterior”
da identidade, o que implica reconsideração da alteridade. É nesse ponto que o esforço do
controle discursivo intervém nas relações de amizade, de solidariedade, de afeto e intimidade,
no trabalho, enfim, no conjunto das experiências e comportamentos. Falamos do modo como
o sujeito dobra sobre si para constituir-se – o seu retorno como agente constituidor de limites
do social através dos atos de escolhas, que delineiam suas diferenças e identidade. No
sistema discursivo JIM, intensificam-se os esforços para controlar o que chamamos “mente
incorporada”: esforço de busca da unidade no indivíduo transformando o seu corpo na
instância de exposição do limite da plasticidade da interação de seu “interior”, cujo valor
maior que define a hierarquia das “escolhas” é a “cura”. O que transforma a noção de
“maturidade” em recurso de exploração da capacidade para proceder às escolhas e às decisões
da forma que se deseja que se proceda (tutelada), para esse objetivo de tornar a vida “modos
de vida”, não apenas de consumo estético da aparência rejuvenescida mas um projeto de
“cura” para o controle das formas de gestação, nascimento, crescimento, amadurecimento,
envelhecimento e morte da população viva (e em latência).
Vários momentos destacados neste capítulo são empreitadas para homogeneizar esses
intentos na direção do “poder’ tutelar e controle exaustivo sobre a vida e a natureza ao qual
nos referimos no capítulo inicial; o que não significa que os sujeitos diversos são passivos na
construção dos lugares sociais por identificação, e que não consigam esquivar-se a esses
estímulos para identificação; o próprio Foucault, quando vislumbrou a sua consistência,
admitiu a possibilidade dos “aparatos de subjetivação”.
Quando nos referimos às necessidades requeridas por Hall, Laclau e Bhabha sobre a
mudança na cultura, no nosso caso em mudança na cultura das idades, dizemos que essa
leitura tradutória, certamente auxilia no trabalho de emergência dos agentes, situados em
posições menos privilegiadas no discurso, que aparecem questionando a validade da
29
Veja atribui ao Dr. Bruce Yanker (neurologista) da Escola de Medicina de Havard um dos primeiros a chamar a atenção para esse ponto. E
a Roizen o desenvolvimento de estratégias para o rejuvenescimento cientifico na maturidade (Ed.1806.2003).
268
autoridade das hierarquias de valores e divisões no discurso e reivindicando um lugar para a
consideração da sua identidade e diferença nesse campo de batalha por significação dos
lugares sociais. Nas negociações das escolhas que dão sentido às relações e às práticas dos
agentes as reações a essas tentativas de disciplina e controle das referências “internas” e
“externas”, estão no bojo dos processos de identificação articulados à idade/mente
incorporada.
Tendo em vista um projeto de aparência saudável, a biomedicina e seus aparatos se
apresentam como a ‘fonte’ de todo o sentido desse processo de “rejuvenescimento” das idades
maduras. Embora faça parecer que essa ‘fonte’ está dentro de cada um de nós, ao eleger para
sujeitos o ideal do perfil “dono de si”, quando se trata de sujeitos necessitados, muito
inseguros quanto ao que devem fazer, em virtude sobretudo das pressões externas, e que
tornam suas decisões dependentes de mecanismos institucionais predominantes de interação.
Um quadro muito próximo do individualismo
30
da ‘política de escolha de estilo de vida’,
baseada na observação, proposto por Giddens (2000).
O ‘projeto’ concentra-se no desenvolvimento de estratégias ancoradas em autoterapias,
que expandem a capacidade do corpo e da mente ao seu limite de resistência máxima na
produção de efeitos de ‘rejuvenescimento’, em até 20 anos a menos que o estabelecido pelo
calendário cronológico da “idade de nascimento”. De modo que se expandam as idades do
amadurecimento da aparência rejuvenescida ao limite máximo (não se sabe ao certo o limite
desse quanto), tomando como quadro para referências comparativas as idades do imaginário
“adulto” e “pós-adulto” (talvez por essa razão se tente fixar a idade de 69 anos como o limite
provisório atual do amadurecimento).
Na metáfora do relógio, ajustar os ponteiros entre esses dois calendários seria
estabelecer equivalências de atrasos e adiantamentos em anos de vida, garantidos pela
aparência e sexo e/ou pela ‘verdade’ da ciência médica do estado biológico de preservação do
corpo sadio (saúde equivale à beleza jovial). A idéia é ‘conservar’, ir recuperando a
aparência da “idade juvenil”, atrasando o relógio biofisiológico pelo domínio e controle
intensos dos processos normais de ‘amadurecimento’, quebrando a determinação da relação
de continuidade entre “velhice” e “doença”, “amadurecimento” e “envelhecimento”.
30
O individualismo, que predomina na teoria de Giddens, contém características do chamado “individualismo ético” que trata a “moralidade
como essencialmente orientada para o indivíduo – seja na forma do egoísmo ético (de acordo com o qual o único objeto moral da ação de
um indivíduo é o seu próprio benefício) ou na de um outro e mais radical conjunto de idéias, de que descende o EXISTENCIALISMO, de
acordo com o qual o indivíduo é a própria fonte dos princípios morais, o árbitro supremo dos valores morais e outros” (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 382). No plano político, a representação se dá de acordo com os interesses individuais. Em geral, segundo esses
autores, essas idéias se baseiam no pressuposto que rege a Lei Natural (de Hobbes a Kant), para os quais qualquer forma de vida social era
‘“a criação de indivíduos” e meramente ‘o meio para alcançar os seus objetivos”, que está na base do ‘utilitarismo’”.
269
Assim, o prioritário nas articulações nesse momento de organização da ‘aparência’ da
“cura” que promove a “saúde” na maturidade seria 1. manter o cérebro e os demais órgãos
vitais funcionando por mais dezenas de anos depois da idade de 30 anos; e 2. assumir que a
‘idade cronológica’ não é a ‘idade verdadeira’, uma pessoa tem no momento duas idades.
Partindo desses pressupostos, o trabalho discursivo visa tornar o estágio intermediário do
‘ciclo vital humano, “amadurecimento”, mais extenso em anos e, ao mesmo tempo, o grande
momento em que as idades mais avançadas são positivadas e valorizadas afastando ao
máximo a fronteira do envelhecimento. A metáfora do “rejuvenescimento” traduz a fantasia
de manter-se com uma aparência do amadurecimento juvenil durante grande parte da
existência (pelo menos 40 anos); fora desse ideal, resta a “velhice”. A velhice dos “pós-
rejuvenescidos”, uma forma específica de “envelhecimento ativo” ainda não muito bem
delineado, até porque suas práticas parecem se iniciar nesses primeiros anos do terceiro
milênio.
Não obstante uma série de especificidades e exceções, a tendência geral e universal é a
anunciação de que aos ‘30 anos’ se iniciam os sinais externos do envelhecimento, e se
estabelece o calendário etário biofisiológico das possibilidades de perdas e medidas de
controles generalizados (mas especificados pelo sistema de órgãos do corpo), para a
prevenção e manutenção da intensidade do ritmo e das condições de equilíbrio da saúde e da
aparência.
Aprendemos a controlar o processo de envelhecimento das artérias e do sistema imunológico.
Falhas nesses sistemas são responsáveis por quase todas as doenças na idade madura’.(Veja.
Ed.1806. 2003. Interna Fala de Dr. Roizen).
O processo de antienvelhecimento muito depende do autoconhecimento sobre essas
questões do funcionamento do corpo e do cérebro (mente). Entre as doenças a serem evitadas
predominam aquelas associadas à ‘doença da mente’, sexo e coração: diabetes, hipertensão,
artrite, depressão, demência, inapetência sexual, perda de apetite sexual, insônia e perda de
memória. E os maiores avanços científicos e tecnológicos estariam relacionados a duas
categorias interligadas e valorizadas no discurso: à vida sexual e à ‘beleza’ (aparência e
sexo) medicalizadas (clínica e terapêutica).
Dr. Roizen (1999) estabelece, e Veja (Ed. 1806)
31
explora a divulgação e explicitação,
em linguagem popular no estilo auto-ajuda, das doze regras básicas para frear o processo
natural do envelhecimento no “relógio biológico”. O mapeamento especifica as áreas dos
grandes sistemas de órgãos e estabelece os segmentos das ciências que respondem por elas:
31
Juntamente com as várias agências do campo jornalístico brasileiro, incluindo televisivas.
270
“ciência do sexo” (idade do sexo), “ciência do rejuvenescimento” (o conjunto sistêmico do
processo antienvelhecimento, JIM), “ciência da beleza” (idade da beleza), “ciência da dieta e
suplementos vitamínicos” (idade do prato), “ciência do poder interior” (idade da mente).
Roizen (1999, p. 61-70), divide as soluções do “Plano de Redução da Idade”, que uma pessoa
deve adotar, em três graus de dificuldades a superar para tornar-se mais jovem: 1. medidas
rápidas e fáceis ganhos entre 5 -8 anos; medidas moderadamente fáceis ganhos entre 10 e 20
anos; e moderadamente difíceis e difíceis cujos ganhos variam entre 3 e 30 anos.
QUADRO 3
PONTEIROS COM 12 HORAS DE REGRAS DE ESPECIFICAÇÃO DE ANOS DE REJUVENESCIMENTO
HORA EVENTO ANOS HORA EVENTO ANOS
12:00 Não Aposente o
32
CÉREBRO Rejuvenesce
2,5
06:00 NÃO PARE Rejuvenesce
5,0
01:00 Tome VITAMINAS Rejuvenesce
6,0
07:00 CINTO DE SEGURANÇA/
10 km
Rejuvenesce
3,4
02:00 FUMAR Envelhece
8,0
08:00 Coma FIBRAS Rejuvenesce
2,5
03:00 Mantenha a PRESSÃO
NORMAL
Rejuvenesce
2,5
09:00 Faça CHECK-UPS
Periódicos
Rejuvenesce
12
04:00 Reduza o STRESS Envelhece
25,0
10:00 Adote um PLANO PARA A
VIDA
Rejuvenesce
26,
05:00 Mantenha a SAÚDE BUCAL Rejuvenesce
6,4
11:00 RIA MUITO Rejuvenesce
8,0
Dados de Veja, Capa. Edição 1806, 2003.
A valorização da maturidade - envolvendo duas “gerações de eficiência histórica” (Marías,
1967) - pelo “rejuvenescimento”, ressignifica “modos de vida” específicos que positivam,
também, uma juventude e uma velhice cujas experiências são altamente seletivas e
dependentes de agências interessadas no antienvelhecimento.
A função de agenciamento biomédico na organização da configuração do
rejuvenescimento maduro longevo em face aos limites do desempenho do desejo/prazer
sexual, direciona a sistematização de grandes áreas do discurso, e se repetem em vários
lugares sobre a necessidade universal de hábitos saudáveis e preventivos para uma vida longa
e saudável. Note-se que se parte da pressuposição de que o corpo envelhece naturalmente e
que, por isso, a pessoa é um doente potencial, nesse caso, a herança genética passa a ter um
papel muito importante na definição do lugar social.
32
Na Figura 1, no desenho que fizemos da “Possibilidades de rejuvenescimento”, nos baseamos na edição 1957 de maio de 2006, tem
praticamente o mesmo título da edição 1614 (1999), qual seja: “A Idade Real. O Seu Coração, Cérebro, Ossos e Músculos Podem Ficar
Mais Jovens Por Muito Mais Tempo”. “Exclusivo: um teste para saber a idade real da sua pele”. Nela, podemos verificar um
aperfeiçoamento do calendário biológico e uma maior valorização biológica da “idade da mente” (cérebro). Essa edição de 2006, usei apenas
para construir nessa Figura 1 esse específico eixo biológico.
271
As estratégias hegemônicas, para exploração dos anos a mais de vida e de
experiências mais duradouras da maturidade ‘crescentemente’ mais avançada em idade –
vida longa e saudável”, tendem hoje a organizar a identidade e a diferença no curso da vida
em função da divisão das relações de sexo e aparência biofisiológica/idade. O tempo poderá
ilustrar as resistências, que provavelmente não serão poucas, devido à seletividade dos
critérios e campo de oportunidades para as escolhas e inclusões. Nos limites e fronteiras das
várias idades, situadas no intervalo de intensa atividade humana entre 30 e 69 anos, sem as
quais seria difícil organizar as equivalências de vários sistemas de diferenças que incorporam
mente e corpo, entre eles, de sexo/sexualidade e de cura e doença.
272
FIGURA 1 TENDÊNCIAS NODAIS DO REJUVENESCIMENTO NO DISCURSO JIM
CRESCIMENTO REJUVENES CIM ENT O ENVELHECIMENTO
I I
DONO DE SI/ HORMESE
IDOSO E VELHO
JUVENTUDE DOENTE DA MENTE (Exaustão do domínio) (Exaustão do domínio)
-------------------SOLTEIROS_________________
? ?
YUPIEE
KINDULT (Veja) (Furedi)
------
BELEZA/SEXUALIDADE exuberantes
SOLIDÃO ? ________________________________________________??___________________________________________
CHEFE DE FAMILIA ? PÓS - SEXUADOS ? ? 4º IDADE
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..........................
CASAMENTO
Peterpandemônio.........................................
.. . . . . . . . . . . . . . . ____ . . . ______________________REPRODUÇÃO
____________________________________________________________________________________________________________________________________________
20 22 25
27 30 33 35 40 44 45 50 54 55 60 65 69 70 75 80 85 90
? ? ?
Adolescente Invasor
Canguru/Parasita
Invasor
FIGURA 1.1 CALENDÁRIO BIOLÓGICO BÁSICO DE REJUVENESCIMENTO POSSÍVEL
(
-40) Sist. Imunológico (-30) (-29? ) (-27? ) (-9)
Músculos Reflexos Cérebro Pele
70 anos
Ossos
30 40 41 43 61 70 anos
FIGURAS 1 e 1.1. Elaboradas a partir das análises da pesquisa.
273
CONCLUSÃO: RELAÇÕES ENTRE IDADE, MATURIDADE E JOVIALIDADE
O que nos conduziu a referir sobre a construção discursiva de um sistema das idades,
nos últimos vinte anos, nos fragmentos de Veja ? Para oferecermos uma ‘resposta’ a essa
questão, razão de ser desta tese, precisamos considerar o pressuposto que, na teoria de Ernesto
Laclau, um discurso resulta da organização de elementos dispersos que não estavam
articulados entre si; esses elementos puramente diferentes, quando relacionados, tornam-se
equivalentes.
Como prática articulatória, o discurso resulta da relação desses elementos equivalentes
em “momentos diferenciais” organizados em torno de um “ponto nodal” (‘centro
hegemônico’). Isso significa que uma identidade constituída pela diferença altera seus
conteúdos semânticos particulares ao ingressar em uma prática articulatória, porque os
sentidos são produzidos pelas articulações que posicionam os elementos diferenciais nas
cadeias de equivalências no sistema discursivo. As referências para as identificações e
diferenciações são delineadas nos limites internos de uma configuração discursiva. O que está
em suas fronteiras (“exterior constitutivo”) são os elementos que se encontram “fora”, em
posição antagônica, não, ou ainda não, articulados discursivamente.
Na verdade, o “exterior constitutivo” de um sistema discursivo é concebido como uma
relação antagônica formada por elementos de outros discursos. É o antagonismo que coloca as
barreiras para a expansão de uma formação pelo corte do seu fechamento, mas é ao mesmo
tempo “constitutivo”, ou seja, uma condição de possibilidade para que essa configuração
constitua uma certa literalidade, mesmo contingente e precária. É que não há, em princípio,
nenhuma medida em comum entre o “interior” de um sistema de diferenças e o seu “exterior”
(LACLAU, 1993), a relação entre um e outro espaço discursivo é de antagonismo. Isso faz
com que a identidade assim produzida traga a marca da impossibilidade de sua constituição: é
a presença desse “Outro”, o “exterior constitutivo”, que impede uma identidade ser ela mesma
(LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 121); pois, articular o que se nega, significa correr o risco de
anular-se.
Para Laclau & Mouffe (1985, p.109-113), “o mundo objetivo está estruturado em
seqüências relacionais as quais não possuem necessariamente um sentido finalístico [...]. É
suficiente que certas regularidades estabeleçam posições diferenciais para estarmos aptos a
falar de uma formação discursiva”, porque nesse sentido pode-se estabelecer o antagonismo
que constrói o limite da objetividade que constitui e organiza relações sociais. São os efeitos
274
de fixação dos “pontos nodais” resultantes das práticas articulatórias que fixam parcialmente
os sentidos da vida social.
Assim, para que possamos falar de sistema discursivo, precisamos da condição de
elementos dispersos e, de práticas de articulação de equivalências que estabeleçam limites
(internos) e fronteira (externa) de divisão e inclusão/exclusão. Então, se um discurso organiza
identidades antes não associadas entre si, quais dessas identidades (constituídas por
diferenças) foram articuladas mais intensamente nas cadeias discursivas da configuração JIM?
Como articulamos uma cadeia discursiva?
Neste discurso analisado, os principais momentos diferenciais tendem a estabelecer
relações nas redes de sentido “(longev)idade”, “jovialidade” e “maturidade”, que são
organizadas em torno do “centro” rejuvenescimento, antienvelhecimento; a essa totalidade
estruturada chamamos discurso sobre a ‘jovem idade madura’ (JIM) e longeva.
Iniciamos pela eleição dos principais elementos dispersos articulados e a construção da
negatividade social., para, em seguida, destacá-los em redes equivalenciais que introduzem a
possibilidade da relação de negociação nos processos de escolhas e decisões que podem
interferir nas hierarquias das divisões sociais.
Como efeito do deslocamento do “sistema cronológico do curso da vida moderno”,
incluindo o aumento da expectativa social de vida, produziram-se um distanciamento na
relação entre o clico vital do desenvolvimento humano e as “fases”, “classes de idades” e
“geração” a ele de alguma forma correspondente, o que nos leva a pensar numa implosão dos
seus limites internos e fronteiras trifásicas.
Assim, no final da década de 1960, muitos elementos desse sistema de diferenciação
etária se dispersam borrando as fronteiras simbólicas e os limites dos valores das idades
cronológicas, alterando o sentido das relações entre os princípios classificatórios “estágios de
maturidade” e “idade cronológica”, e reordenando as hierarquias de valores. Na conhecida
teoria de Erikson, o critério chave para estabelecer as hierarquias de valores da “maturidade”,
associada às “crises” lineares e seqüenciais das passagens, levam à adultícia e à pós-adultícia.
Já na teoria de Neugarten, os acúmulos de “ganhos” vão se agregando até a plenitude adulta;
perto da “meia idade”, iniciam-se as “perdas” culturais, biofisiológicas e sociais.
A base da organização desses elementos era definida nos status e padrões de
comportamento adequados ao desenvolvimento biológico, orientados pela noção de
“maturidade adulta”. A autonomia desses dois sistemas de diferenças faz com que pareçam
independentes; mas, quando articulados, inferidos um no outro pelas redes de equivalência
275
entre as diferenças de maturidade e idades cronológicas produzem formas diferenciadas de
identidades.
Provavelmente, a “disjunção” que se supõem existir entre o significado de “idade
cronológica” e da “maturidade’ na modernidade”
1
(DEBERT, 1998;1999;2000), produz o
sombreamento da constituição social dos sentidos de ‘maturidade’ como um significante em
oposição ao envelhecimento e ao crescimento no conjunto do sistema das idades
referenciando o ciclo vital. Foi através do movimento de afastamento dos sentidos de
“maturidade” do modelo “adulto” que buscamos as pistas de re-articulação dos dois termos.
Na superfície do sistema discursivo da “cronologização do curso da vida moderno”,
em “crise” na década de 1960, desenvolvemos a hipótese que os significados de
“maturidade”, “idade” e “jovialidade” contribuem para construir uma totalidade pela forma
como esses elementos dispersos são articulados. Entretanto, para significar a si própria
(constituir-se), uma formação necessita transformar seus limites em fronteiras, constituindo
uma cadeia de equivalências que constroem o que está além dos limites posicionado como
aquilo que “não-é” (LACLAU; MOUFFE, 1985). A fronteira dessa configuração que emerge
principalmente antagoniza com as cadeias diferenciais do sistema em “crise” inferidas umas
nas outras. Os valores das hierarquias e das práticas são constantemente redefinidos nos
espaços das relações sociais, ao lado do deslocamento dos limites que vão (des)construindo as
divisões e exclusões.
Bem entendido, consideramos a relação entre “idade” e “maturidade” como
articulação que implica 1. a impossibilidade da total transparência dos principais limites da
formação curso da vida; 2. que a relação e as práticas que dão sentido ao curso da vida são
construídas através de sistemas de equivalências e diferenças articuladas as idades, que
introduzem a negatividade que promovem as exclusões; 3. como princípio classificatório
organizador, os calendários ‘estágios de maturidade’ e ‘idade cronológica’ (‘fases’,
‘geração’, ‘classe de idades’ e ‘idade de nascimento’) são mecanismos operadores de divisões
e hierarquias simbólicas com base nos antagonismos que se mostram na fissura estrutural do
processo de identificação: o suplemento (externo) da idade e o ‘núcleo’ de sua construção
(interno) que sugere o limite da autonomia. Isto faz com que a “regra”, estabelecida para as
relações e as experiências associadas às idades não se baseie igualdade de condições de
possibilidades e necessidades que conduz facilmente à sua “aplicação”. As equivalências de
1
“[A idade cronológica] [...] só ganha relevância quando é crucial para o estabelecimento de direitos e deveres políticos; isto é, quando o status de cidadão ganha
precedência sobre as relações familiares e de parentesco (esferas em que a ordem geracional é uma dimensão central) e também sobre outras características,
como a estrutura física e os níveis de maturidade dos indivíduos. Os critérios e normas da idade cronológica são eficientes quando o ideário da igualdade e
liberdade é posto em ação, não porque esse ideário esteja em sintonia com o aparato cultural que domina nossa reflexão sobre os estágios de maturidade, como a
psicologia do desenvolvimento se empenha em nos fazer acreditar quando testemunhamos mudanças na legislação relativa às idades” (DEBERT. www.htm.s/d).
276
sentidos que produzem uma articulação hegemônica, sob condições reguladas de produção da
identidade e da diferença, necessitam da “tradução” dos processos normativos e não da
“aplicação” da “lei”.
Essa operação interna de homogeneidade/heterogeneidade dos sentidos é que permitiu
que os significados dos termos “cidadania”, “trabalho” e “reprodução”, associados ao
“sistema moderno de idades cronológicas”, fossem anunciados como direito de todos os
“adultos”. Acontece que a “maturidade’ é ummbolo da plenitude deste “adulto”, e a sua
ausência significa “vazios” de obrigação dos deveres e direitos diversos.
Essa forma particular de “maturidade” - “maturidade adulta” - que pode ser
considerada pelo registro do desenvolvimento humano relacionado no calendário das idades
sob a soberania do lugar da ‘adultícia’ e da valorização da posição ‘adulto’ numa ‘classe de
idade’ - sempre tentou jogar para fora do seu campo da positividade o que estava sobrando
nas suas margens: o ‘resíduo’ que atrapalha e fica do ‘outro’ lado da fronteira e que também
possibilita a homogeneização de um sentido específico de “maturidade” como se fosse uma
essência comum do desenvolvimento de todos os humanos (hegemonia). Por isso, necessitou,
também, do trabalho de fronteira e divisão para a nomeação da ‘heterogeneidade’ das outras
diferenciações etárias (infância, adolescência, juventude, velhice, terceira idade); da
referência de algo que não é igual a si, é exterior, e que ao mesmo tempo constitui a
positividade da cultura adulta.
Na verdade, a “idade cronológica” em si não se opõe a “níveis de maturidade”, são
significantes ‘vazios’. O posicionamento relacional dos termos criança/infância e
velho/velhice, é que possibilita torná-los ‘significantes flutuantes’ etários que favorecem a
homogeneidade/heterogeneidade.
Atrás, alertamos que para Laclau qualquer identidade é um “significante flutuante”
2
, o
que abre a possibilidade de articulação entre campos opostos em constante redefinição.
Adiantamos que o enfraquecimento generalizado de um sistema relacional, que define as
identidades de um dado espaço social e político, produz a proliferação dos elementos
flutuantes. Esses momentos de ‘crise’ de identidades, em que os antagonismos se revelam em
vários pontos sobredeterminados, sugerem que qualquer sociedade constitui suas formas
específicas de racionalidade e intelegibilidade, dividindo-se e expurgando o excesso de
sentido que a subverte (LACLAU; MOUFFE, 1985).
2
Na linguagem de Laclau (1997, p.10-11), toda identidade é um “significante flutuante” : uma forma particular homogeneizadora, por agregação, que inscreve
identidades e demandas particulares numa cadeia.
277
A articulação dos significantes (vazios) cidadania/reprodução/trabalho nas redes de
elementos diferenciais da configuração “níveis de maturidade” não fugiu à regra, na produção
de marcas contingentes da identidade “cidadão/adulto/maduro”. Defendemos que um dos
momentos de “crise” do “sistema de cronologização do curso da vida moderno”, que expôs
sua indescidibilidade e contingência mais profunda, é marcado pela conjuntura do final da
década de 1960; um momento de desarticulação que põe em questão a hegemonia da cultura
adulta.
Um importante efeito, que toca o cerne da estrutura das representações modernas de
identidades constituídas pela diferença, reside em que as equivalências funcionam para fazer
aparecer cada vez mais que as relações entre os indivíduos são de igual para igual. Na medida
em que essas relações vão se tornando mais complexas, favorecem o enfraquecimento da
autoridade adulta pautada na plenitude da “maturidade”, simbolizada no posicionamento da
“idade”, associada à cultura da “fase adulta” para o exercício do poder da cidadania, da
produção, do controle da educação e da paternidade, do cuidado com a prole e chefia
doméstica. As demandas e as reivindicações intergeracionais e entre os sexos, que estão
borrando a fronteira dos “níveis de maturidade” e “idade cronológica” que separa os “adultos”
das demais idades, em grande parte dos casos, remete a essa capacidade da maior ou menor
autonomia para, na inscrição da identificação, constituir-se e interferir na constituição do
“outro”.
A face do paradoxo da igualdade e da liberdade, que constitui a democracia ocidental,
mostra a fissura que torna precária a autoridade
3
adulta. Por direito, “criança”, “adolescente”,
“jovem”, “velho”, todos são iguais e livres, por isto, também, iguais aos adultos. Dessa forma,
justamente, o status e o exercício da autonomia da autoridade/dominação deste “centro” estão
abertos à possibilidade de ser julgados ilegítimos.
Pelo princípio da igualdade, todos têm direito à liberdade da autonomia e à
independência. Ocorre que a essencialização sociobiológica da ‘não-maturidade’, relacionada
à ‘não-idade cronológica’ X, Y ou Z, marcada pela ausência de saber e competências, torna
dependentes e pouco autônomos (e até abjetos) jovens e velhos e muitos adultos, os quais os
critérios, que orientam as regras, as normas, as instituições, os padrões sociais, são distantes
do campo de possibilidades para ação e nomeação positiva, o que promoveu descompassos
históricos de inclusão e exclusão entre os vários grupos coetâneos e contemporâneos de
homens e mulheres nas várias “fases”. De modo que a construção dos antagonismos reside,
3
Autoridade nesta pesquisa foi usada ‘como poder moral e como capacidade para se fazer ouvir e ser obedecido sem violência’ , como usa Forquin (2003),
baseado em Arendt em Entre o passado e o presente.
278
não propriamente no conteúdo da “maturidade”, que se revela padronizada numa idade, mas
na própria forma da construção sistemática deste conteúdo da identidade e da diferença etária
que se tornou hegemônico ou predominante
4
.
Essa essência, ou conteúdo, que ocupa os lugares vazios denomina-se “suplemento”,
que num dado momento específico confere o efeito de unidade a uma identidade. Faz aparecer
que, naquela relação ou experiência, existe um único sentido possível – esse é o sentido
hegemônico; o que vai prevalecer no discurso sobre aquela identidade como sendo uma
característica intrínseca que, sem ela, naquela posição que homogeneíza, todas as identidades
se dissolveriam.
Assim, na dualidade adulto/criança construíram-se as identidades da cronologização
da vida moderna. No nível ontológico, este é o termo negativo do adulto, tudo o que o
‘adulto’ não é. Desse modo, um e outro não podiam existir sem que essa relação se
estabelecesse. O processo do desenvolvimento da formação social do ciclo vital é regido
basicamente pela socialização e a aculturação para a suplementação dessa falta estrutural
“interna” que garante o ritmo da continuidade/descontinuidade em torno do centro ‘adulto’.
Por essa lógica, o envelhecimento vai no sentido do esvaziamento, que caracteriza os
acúmulos de ‘perdas’, explorados pelas teorias do envelhecimento ou de crises sucessivas e
progressivas.
As diferenças de identidades são construídas a partir da distância que se toma – mais
ou menos próxima dos dois pólos. Se você é “jovem”, marcando por distância a referência
positiva, quanto mais você se identifica, mais corre o risco de não ser diferente daquele lugar
“adulto”; quanto mais se identifica, menos diferente será e mais põe em risco a própria
identidade. O limite dessa alteridade define até que ponto uma identidade pode se identificar
com o ‘outro’, que é diferente e ‘igual’ em algum ponto, sem dissolver a própria a auto-
identidade.
Por isso, é constante a luta pela fixação dos sentidos para a constituição e preservação
da identidade no permanente movimento de homogeneização e hetrogeneização:
antagonismo, divisão e oposição. Os ‘excessos’ e as defasagens nas posições de fronteiras e
limites eram tomados como ‘crises’ patológicas, indicando que a presença do conflito e das
contradições e antagonismos equivaliam à ‘doença’ associada aos processos biopsicológicos
de introjeção e projeção, do indivíduo ou da sociedade (instituição). De forma que o
4
“Hegemonia é, simplesmente, um tipo de relação política, uma forma, se se deseja, de política mas não um lugar determinável na topografia do social. Numa
dada formação, pode haver uma variedade de pontos nodais hegemônicos” (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 52).
279
imaginário da saúde/doença associado à transgressão e à velhice/envelhecimento perpassam o
conjunto da formação “cronologização do curso da vida moderno”.
Assim, as posições de fronteira que abrem a negatividade na ‘formação’ do emergente
curso da vida são mais orientadas na direção do par jovem/velho, sendo que, na
“cronologização do curso da vida moderno”, especifica-se essa oposição através da relação
adulto/criança, e, mais para o começo do século passado, também, na outra ponta,
adulto/velho. Contudo, ambas seguem o mesmo princípio regulador da forma que promove as
divisões e hierarquias. Na primeira parte deste trabalho tratamos dessa questão;
perseguimos o momento de “crise” favorável às condições para a presença de elementos
dispersos e desagregados, os quais concorreram para engendrar processos de identificações e
diferenciações no sistema de equivalências ‘jovem idade’, ameaçando a hegemonia da
autonomia’ e independência “adulta”. As “subculturas juvenis” foram ilustrativas de
“fissuras” no “centro” da cultura adulta.
O deslocamento desse curso da vida que possibilitou a visibilidade dessas formas
modernas de “juventude”, da “terceira idade”, de “geração social” e a valorização da ‘jovem
idade’ engendra as condições para se aceitar que as formas representativas do curso trifásico
são discursivamente construídas por redes de equivalências, e que essas leituras da relação
entre o “particular” e o “universal”
5
poderão levar a uma nova cultura das idades.
Compreendeu-se que a organização dos calendários etários não traça destinos inexoráveis
para os indivíduos marcados numa escala numérica normalizadas em “classes de idades” e em
“fases” que fundamentaram a memória socializadora das instituições de base para as
transmissões de gerações de sujeitos individuais e coletivos.
As categorias universais, que estruturam o sistema trifásico de idades relacionado aos
estágios de desenvolvimento humano, foram, neste texto, admitidas como formas
hegemônicas de divisão e hierarquização simbólica da vida social. Fazem parte do universo
cultural e social dos “significantes vazios”, às vezes símbolos seculares, como “juventude”,
“idade” ou “maturidade”, que somente adquirem os sentidos que orientam as práticas quando
relacionados a algo historicamente contextualizado, através de processos de articulatórios.
A re-construção do sistema de diferenciação da categoria “juventude”, especificado na
forma da geração 1968, e da ‘terceira idade’ (e o testemunho histórico da função particular
universal desse significante), tratamos não apenas como alteração de ritmos de papéis ou/e
efeito demográfico que alarga as fronteiras da adolescência e da velhice, prolongando-as ou
5
O texto de Forquin (2003) sobre a educação é bastante sugestivo nesse aspecto onde trata da ‘autoridade’ na relação “adulto-criança”, baseado Alain Reneaut.
Em algumas passagens Debert (1999), também, busca essa relação ao analisar as mudanças nas formas de envelhecimento, especialmente, a “terceira idade”.
280
perturbando nesses limites a ‘passagem’ para a adultícia. Os rastros dos sistemas simbólicos
tornaram possível a visibilidade de diferenças obscurecidas nos espaços liminares das “classes
de idades” e “fases” do “sistema de cronologização da vida moderna”.
A “juventude” que se constituía não foi interpretada como a “adolescência” das idades
superiores desta “fase” com um “plus” de tempo. Assim, como a “terceira idade” não foi
considerada simplesmente uma idade para os “velhos” mais novos ou os “maduros mais
velhos” com tempo a mais para a diversão e o lazer. Ao pressupô-las figurações de formas do
crescimento e do envelhecimento, pudemos referenciá-las de “fora”, nas fronteiras do
“sistema cronológico da vida moderno”. De sorte que pudemos exercitar a análise da
contextualização da ‘jovem idade’ baseada na equivalência dos sentidos que permitiram
distinguir critérios para posicionamento dos elementos, que ‘puxavam’ a direção das redes
simbólicas que produziam o trabalho de sistematização e organização de uma nova
configuração, sem perder as referências com elementos externos do discurso, até então
hegemônico, sobre as idades cronológicas e o curso da vida moderna.
Os sujeitos de identidades liminares, perseguidos na pesquisa, não são
fundamentalmente inteiros nem centrados, constroem-se no momento articulatório em que
negociam e se definem em posições diferenciais, momentos em que escolhem e decidem em
condições, obviamente, não inteiramente livres (reguladas). Por isso, o nosso esforço na
análise da problemática iniciou-se pela concentração nos movimentos de condensação e
afastamento (sintagmático e paradigmático) efeitos de articulações hegemônicas em torno do
“centro” agregador de sentidos ‘jovem idade’. Esse “ponto nodal”, que já organizava
posições diferenciais com a emergência da “juventude”, “terceira idade”, “geração social” e
“estilo de vida” nos anos 1960/70 e na década seguinte, são registrados em trabalhos como os
de Marías (1967), Nunes (1968), Morin (1986, 1975), Balandier (1976), e Bourdieu (1980).
Concentramos o desenrolar desta tese nos momentos e nas formas como se dão as re-
inscrições dos sujeitos, o processo tradutório da ‘repetição’ (não solitário, entre ‘eu e tu’ ou
“absolutamente livre”), que (re)definem as posições na homogeneidade e na heterogeneidade
contextual particular. Essa operação de distanciamento entre as relações do “universal” com o
“particular” possibilitou a identificação da relação possibilidade/ necessidade que interfere na
eleição de ‘critérios’ para as escolhas e as decisões em um momento diferencial dado de
construção de “ponto nodal”. Momentos cruciais de equivalências que dão visibilidade ao
lugar da ‘autoridade’ que regula (e escapa) aos registros dos códigos para a predominância de
determinadas “escolhas”. O nosso alvo foram esses processos de identificação que se tornam
281
visíveis pelo antagonismo e se objetificam justamente nos conjuntos dos “atos de decisão” das
escolhas para a diferenciação e identificação das identidades (intersubjetividade) etárias.
Para estabelecer as relações entre identidades constituídas em terreno de fronteira e
limites, valorizadas pelo olhar ou o lugar que ocupam, somos obrigados a oferecer esses
novos tratamentos discursivos para que possam negociar posições. Assim, qualquer decisão
no terreno das relações e práticas articuladas no campo das JIMs, provavelmente, sofre a
interferência do trabalho simbólico do significante ‘jovem idade’ para a sistematização das
posições nas duas fronteiras das idades julgadas maduras.
Antienvelhecimento’ no discurso analisado é também um nome que anuncia o lugar
da negatividade na batalha pelo ‘rejuvenescimento’ nas idades centrais do curso da vida.
Maturidade” como momento diferencial em equivalência ao “rejuvenescimento” antagoniza
com o discurso “cronologização do curso da vida moderno” e, mais especificamente, com as
formas não juvenis e não joviais (velhice e envelhecimento), redução dos anos de vida e
doença. Essa tendência se acentua no final da década de 1990, momento em que o sistema se
vê constrangido a redefinir parte dos seus limites em função das alterações nas relações entre
“maturidade” e “envelhecimento ativo”.
Amplia-se a rede de equivalências em torno do “centro” rejuvenescimento expandindo
o campo discursivo e os limites dessa configuração. Entre eles, destacam-se as posições
diferenciais onde predominam as regulações de processos de “cura” e controles dos
marcadores de referências internas através dos processos de escolhas e decisões.
Esse discurso ‘emergente’ sobre as idades tende a constituir redes de equivalências e
diferenças que expandem o campo semântico no sentido de renomear ‘rejuvescimento’ o
terreno alargado do estágio intermediário do ciclo vital - crescimento, rejuvenescimento,
envelhecimento. A luta busca, também, a ressignificação das referências pontuadas pelas
idades/corpos que organizam o curso da vida. Essa questão é extremamente importante para
as sociedades atuais onde o poder disciplinar tende a expandir e monitorar para todo o lado o
seu exercício sobre a criação da vida e da morte atingindo as formas de construção “interna”
das identidades (FOUCAULT, 2001; KEHL, 2003; DELEUZE, 2005)
6
.
O desencadeamento dos “atos de decisão”, que produzem a simbolização desse
horizonte imaginário rejuvenescimento (JIM), e que servem para orientar as articulações
hegemônicas das identidades no curso da vida (“pontos nodais”), chama atenção para aspectos
importantes que, por seu turno, são elementos que Laclau (2005) considera chaves para se
entender como se constitui um ator coletivo (o momento da nomeação): “a relação de
6
Faço alusão também à discussão que se prolifera sobre a forma de poder “Império” , título de livro de Negri e Hard.
282
equivalência” (ordenação da cadeia significante), “o vínculo hegemônico” (suplemento
particular) e o “significante vazio” (função particular de representação universal, pois se
afasta do significado específico; porém, este seu destino depende do testemunho do tempo).
A articulação do ‘universal’ maturidade pelo acento no vínculo hegemônico
autocontrução do rejuvenescimento longo e saudável tende a realçar as diferenças que estão
“fora”, impedindo a expansão das redes de equivalências. Atente-se que muitas dessas
diferenças constituem, também, a fronteira para distinguir o ‘rejuvenescimento maduro’ da
“juventude”.
Assim, superfície discursiva do significante ‘jovem idade madura’ (flutuante),
marcado pelo ‘vínculo hegemônico’ ‘autoconstrução do rejuvenescimento’,
“antienvelhecimento”, expande-se em redes diferenciais ordenando os “pontos nodais” e
passa a significar vários outros objetos que delineiam os seus limites internos dessa
configuração: ‘capacidade para escolher e decidir adequadamente’ – ‘autoconstrução’,
hormese, autodomínio, autoterapia, mente incorporada, beleza exuberante, reprodução após
35 anos, pós-sexualidade, opção por um novo pacto de casamento, e outras mostradas no texto
e representadas na Figura 1.
Consideramos os movimentos de articulação discursiva que produzem as posições de
sujeito, em vários momentos da análise, ora como momentos personalizados como apresenta
ou exige o contexto, ora como momentos de “subjetivação”, que constituem as imagens das
posições de sujeito dos agentes. Muitas vezes, tivemos em vista esses momentos de
constituição de “pontos nodais”, sob a forma mais ‘performática’ da pausa no ‘entre-tempo’
da organização do momento de negociação proposta por Bhabha (1996; 2001) que, como
vimos defendendo, de modo muito especial trabalha a “individualização” das identidades
culturais como um momento de “tradução” e “revisão”
7
que lhe confere o lugar da
“subjetivação”.
A construção dos limites e fronteiras ‘antienvelhecimento’ ou ‘rejuvenscimento’,
também, contribui para desencadear “processos de mobilização e mudanças de fronteira”
produzindo “significados flutuantes” (diferenças). Apresentamos alguns posicionamentos
diferenciais na posição sexo, em que as escolhas se aproximam desse perfil porque, nessa
posição, os antagonismos na fronteira do discurso da “cronologizaçãodo curso da vida
moderna” se fazem mais efetivos impedindo a articulação hegemônica (II Guerra dos Sexos,
na distância entre o ‘macho e o masculino’, no re-posicionamento ‘gay’, na luta pelo resgate
da auto-estima ‘adulta’).
7
Considerei suficientemente compatível para a análise das formas dos fragmentos de títulos e reportagens de capa de mídia impressa analisados.
283
Cinco pontos insistentes na ‘repetição’ registramos no discurso fundamentais para a
valorização da nossa opção por essa perspectiva teórico-metodológica que permitiu explorar o
deslocamento dos significantes ‘maturidade’, ‘idade’e ‘jovialidade’ e, também, indicar
processos de mobilização e mudança de fronteira. 1. a identificação dos rastros da regra que
estabelece as linhas de fronteira da identificação da JIM e o seu horizonte imaginado; 2. a
regulação simbólica do campo das possibilidades de escolhas (critério/necessidade) de
sentidos para as relações e práticas em vários momentos e posições; 3. os limites para a
simbolização da ‘decisão’ (espaços de antagonismos); 4. a designação das posições do retorno
do sujeito agente e a ‘revisão’ da autoridade em dados momentos do discurso; 5. a relevância
da posição de sujeito nas redes sexo /sexualidade/ casamento/ reprodução/ filhos/ aparência,
para a sistematização da ordem provisória das posições de “jovem maturidade”, referenciadas
pelas equivalências de ‘idade’ e vice-versa.
Nos fragmentos de Veja, o discurso demanda a exploração das capacidades e
possibilidades de viver com mais intensidade a saúde, mais anos de ‘maturidade’ com anos a
mais (por enquanto, em média, acrescidos 15 anos em face da década de 1950, quando se
ficava ‘velho’(a) ou ‘idoso’(a) perto da idade 45/50 anos) mantendo-se aparentemente
‘jovem”, sem os sinais do envelhecimento biofisiológico e de doença. Esses sinais servem
como parâmetro para referências para a contagem regressiva das “idades de nascimento” de
modo a aproximá-las dos 40 anos.
Como os sentidos se constroem somente a partir de outros sentidos, a natureza dessa
aparência é produzida pela relação de negatividade estabelecida na associação
idade/corpo/mente (eu) às “fases” e outros calendários da “cronologização do curso da vida
moderno”. A configuração JIM utiliza-se dessas indicações, inclusive para trazê-las
estrategicamente, como mitos ou equívocos, visando estabelecer equivalências e fixar
“pontos nodais” nos limites etários entre 30-69 anos.
Esses limites cobrem quarenta anos em números na escala cronológica e ultrapassam o
que se considera, hoje, no Brasil, a fronteira com a “juventude” e com a “velhice” de homens
e mulheres. Temos no sistema discursivo JIM quatro décadas para o desenvolvimento do
rejuvenescimento com idades da maturidade relativamente mais envelhecidas cerca de dez
anos, cinco em uma ponta e cinco na outra.
Os elementos mais articulados do valor hegemônico do “antienvelhecimento”,
rejuvenescimento” ou “jovem idade madura” incidem efeitos sobre a capacidade dos agentes
para escolhas, decisões, controle, domínio e monitoramento da produção e consumo da
doença e da saúde da “mente incorporada”. As tentativas de domínio sobre os elementos de
284
construção subjetividade produzem movimento de repetição para fixação de “pontos nodais”
nomeados identidades “yuppie xxi” (27-45 anos), “sexualidade exuberante” (40-50 anos), a
“beleza rejuvenescida” (30-69 anos), “solidão” do modo de vida solteirismo (30-45 anos),
exaustão do ‘autodomínio’ hormese (22-40 e mais 69 anos), “casamento amadurecido”
(Figura 1).
No processo de “reinscrição” do nome, as várias manobras, requeridas pelas
negociações dos limites que delineiam as identidades e de suas fronteiras, se dão em meio a
resistências e adesões, sobretudo através da interferência ambivalente nesses espaços das
negociação, de “suspeita” e do “descontentamento”.
A luta não se concentra no desejo em si da “eterna juventude” ou na busca desse
‘elixir’ em alguma parte como é enfatizado em outros discursos. Sabendo-se e anunciando-se,
com clareza essa impossibilidade, o esforço reside em construí-la e na fantasia de mantê-la. A
regra é para a partir de um certo ponto (40 anos) “recuperar” sempre para manter-se
aparentemente na ‘jovem idade’. Internamente não importa que se tenha a ‘idade da mente’
madura de 45 anos se o corpo aparenta 68 anos, valoriza-se na equivalência entre o “espelho”
e a “mente” o momento da incorporação idade/mente/corpo: é preciso que ‘o espelho’,
metáfora da aparência da ‘idade do corpo’, reflita a mesma imagem da “idade da mente” ou
proporcionalmente inferior para constituir a unidade mítica do sistema “rejuvenescimento”
(Figura 1.1)
Esse traço da superposição idades/corpo/mente constitui uma diferença da relação
mente/corpo com respeito ao sistema discursivo anterior - quando se evocava que não existia
parâmetro de idade para a mente (‘não tem idade’), porque esta podia assumir distintas idades
à revelia do corpo, ou dos padrões de comportamentos e capacidades e aptidões atribuídas à
maturidade. Talvez, uma maneira de reconsiderar a distância entre idade/corpo/mente na
tentativa de reduzir a possibilidade da ‘fraude’ na negociação, nos limites JIM, que a
introdução do termo ‘aparência’ pode apontar como ‘pista’ de homogeneização da “idade
biológica”.
A “repetição” insistente de sentidos equivalentes de formas simbólicas de referências
internas (auto-referidas) estimulantes de “modos de vida” da identidade JIM (“idade da
mente”, “hormese”, “dono de si”, “autoterapia”, “autodomínio”, “auto-realização”,
“amadurecimento”, “autonomia”, “autenticidade”) contribui para acentuar a positividade do
poder interior” e a responsabilidade pelas ‘escolhas’ adequadas à interação com o sistema?
(‘política de escolha’?).
285
As tentativas de colonização do campo das escolhas pelo discurso biomédico e
terapeuta, popularizado pela mídia, pelos próprios médicos
8
, pelos especialistas de auto-ajuda
(incluindo os filósofos e educadores) e afins, pressupõem sujeitos “doentes patológicos” ou
em “potencial” necessitados de agentes mediadores. Esses sujeitos em geral cumprem a
função de agentes do saber, monitores e clínicos, para o propósito de expansão da produção
da diversidade das ‘opções’ que possibilitam, não sem resistências, as atualizações das
escolhas e os ‘atos de decisão’ cotidianos, cujos efeitos delineiam no tecido social as
hierarquias simbólicas de divisões e inclusões e exclusões sociais.
Na exploração dos ‘vazios’ nas relações discursivas do ‘desejo’ e do ‘prazer’
(inclusive, mas não somente, posicionado pelo diferencial “objetivo de consumo” sempre
postergado da ‘longevidade’, do ‘sexo/sexualidade’, da ‘beleza’, e da ‘saúde’ alimentando a
‘doença’ e ‘cura’), neste terreno onde se encontram a identidade e a diferença, desenvolvem-
se condições aos “aparatos de subjetivação” (Foucault). Na reinscrição, os sujeitos buscam
‘oportunamente’ deslocar os significados das equivalências para o ‘pessimismo’ e a
suspeita’. A articulação desses dois elementos, em várias redes diferenciais, atua
favoravelmente para o posicionamento diante dos antagonismos e das contradições, que
produzem o questionamento do lugar da autoridade cultural da tradução das práticas e das
relações. Mesmo que os mecanismos hegemônicos assumam posições privilegiadas nessas
negociações e considerem a “suspeita” e o “descontentamento” como “doença da mente”,
ainda assim, nesses espaços menos valorizados, são favoráveis aos lugares dos sujeitos
agentes que podem ter seus limites alterados pela transgressão e subversão das normas, das
leis, das instituições, dos padrões de comportamento. E deixam os seus rastros mais férteis no
campo das demandas das necessidades para as escolhas que influenciam no significado que
vai prevalecer.
Esse constitui um paradoxo das identidades na configuração JIM: demanda
mecanismos por sujeitos ‘auto-suficientes’, ‘donos de si’, ‘expostos ao stress positivo’
(‘hormese’) para decidir e escolher adequadamente, e, ao mesmo tempo, reivindica
estrategicamente a redução do potencial para a ação e a nomeação ao eleger critérios
associados à doença e à terapia e controles e acompanhamentos médicos, clínicos,
laboratoriais, alternativos e afins.
Anuncia-se o direito a liberdade da ‘escolha livre’ para a autonomia da identidade
‘dono de si’, o que se produz na realidade, também, são efeitos de ‘doenças da mente’: a
8
“Devo agradecimentos especiais a [..], que perguntava palavra por palavra o que eu estava querendo dizer, traduzindo-o em palavras compreensíveis ([...]
compreensíveis ao leitor) e dizendo de forma atraente depois que eu tentava inserir outros detalhes científicos” (ROIZEN, 1999. Agradecimentos).
286
vergonha, a exaustão, a culpa, o isolamento e o desprezo gerados por essa impossibilidade de
‘autonomia’, de ‘responsabilidade’ e de ‘autenticidade’ a que se referiram Wautier (2003),
Foucault (2001) e Elias (1993).
Existem indícios fortes de estímulos à necessidade da mediação dos saberes da ciência
biomédica e suas tecnologias e da exploração da “missão” de convencimento da medicina e
da mídia como agências autorizadas para eleição, ordenação, regulação e controle da
disseminação desse processo, para biopolíticas de tutelas e controles disciplinares sobre as
ações da população e sobre a vida e a morte dos indivíduos.
Temos, por exemplo, a eleição discursiva de uma população com 25-40 anos e mais
de 69 anos (‘idosos’), que pode ser alvo de intervenções baseadas em pressupostos de que
representam evidências de “doenças patológicas”; no entremeio desses grupos, a metáfora do
indivíduo “doente em potencial”, ‘autovigilante’ e automonitorado para manter-se no limite
da ‘cura’. O terreno das relações que cobrem essas idades está perpassado pelas relações de
equivalências e sistemas de diferenças de cura/doença como a base para construção dinâmica
da negatividade do envelhecimento e da probabilidade da vida curta.
A regra básica para o ‘antienvelhecimento’ abre espaço para a biomedicina, a
medicina alternativa e estética, psicólogos, setores do campo genético, biológico,
farmacêutico e laboratorial, com suas tecnologias específicas de cura, terapia e prevenção
lutarem pelo lugar de autoridade cultural e social em nome de interesses prioritariamente
mercadológicos e/ou pessoais e institucionais (‘ciência’: médicos, esteticistas, biólogos,
grandes centros privados de institutos de pesquisas e clínicas para orientação e consulta e
acompanhamento, exploração de aparatos de tecnologias do corpo e embelezamento,
contracepção, gestação e reprodução, associados aos ramos específicos genética, da
informática, da medicina nuclear, psicologia e até de filósofos).
A “infância” não é mais apenas uma questão da “educação” de pediatras e de cuidados
familiares, a “velhice” de cuidados de gerontólogos e geriatras. O processo de
desenvolvimento vital é absorvido por vários e inúmeros desses especialistas, serviços e bens
em geral e por toda a parte, para transformar o valor simbólico das relações sociais e o sentido
das práticas (a sociabilidade, a solidariedade), e do “interior” das identidades sociais a
(subjetividade, a amizade, o amor, os encantamentos, os ideais) em divisões e hierarquias
fundamentadas na hegemonia e no exercício do poder da “cura” nunca assegurada. A
hegemonia do valor da “cura”, nessa configuração, é representada pelas “escolhas”
diferenciadas de modo de vida do rejuvenescimento JIM -
belo/saudável/jovial/solitário/individualista/etc. com idade amadurecida e expandida - em
287
cujos limites, hoje, como vimos principalmente no capítulo 4, preponderam as idades 30 a 69
anos.
Esses diversos interesses e necessidades estão vinculados ao campo de regulação das
escolhas individuais para a pontuação das demandas, reivindicações e re-inscrições da
identidade e da diferença das idades. O interesse que une todos os agentes é a ‘batalha pela
identificação’ (Hall) do ‘rejuvenescimento’ longevo, na luta pela hegemonia dos lugares
vazios no discurso das idades/corpo/mente, e no campo da medicina a superfície de
inscrições é ampla. Abrange não somente os “vazios” nas estruturas da formação
“cronologização do curso da vida moderno”, remete ao espaço demográfico célere no
aumento na expectativa social da vida e de envelhecimento da população, às potencialidades
geradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico na ‘pós-modernidade’ mais próximas
das aderências ao discurso do “curso da vida incorporado” em que predominam as tecnologias
e as interferências culturais nos processos biológicos naturais (tecnologia/self/cultura).
Esses movimentos contribuem com efeitos que deixam o sistema descoberto de
“fases” e com grupos de idades indefinidos e sobrepostos, sem referências específicas para as
“gerações sociais”, quebrando a forma de continuidade/descontinuidade da ordenação
cronológica moderna da população viva e morta.
Assim, no momento, na “carteira de identidade” e no “calendário biológico”, algumas
idades tendem a aparecer pontuadas, e o indivíduo pode aparentar várias “idades biológicas”
(tomadas por referência comparativa à “idade cronológica” ou de “nascimento”). O trabalho
de inversão e transgressão dos signos do ciclo do desenvolvimento humano é indicativo das
tentativas de construção de sentidos para essas referências temporais do curso da vida.
Nessas tentativas para a nova regulação, parece não existir um esforço para a
disjunção entre os componentes equivalentes ao conteúdo do rejuvenescimento amadurecido
e as idades do nascimento pontuadas. Ao contrário, trata-se da ênfase na incorporação
idade/mente/corpo. Idade incorporada que tende à eliminação da distância entre o limite que
pode a mente e o limite que pode o corpo pela introdução de relação e prática mediadas pela
hormese’ (com a ‘ajuda’ dos aparatos tecnológicos, de saberes e poderes diversos no domínio
da construção das ‘referências internas’), no controle permanente da aparência do
rejuvenescimento (por enquanto durante 40 anos).
O reforço do individualismo na jovialização da sociedade pelo ‘antienvelhecimento’,
em 1990, diferencia-se do processo de juvenilização de 1968. Nessa época, acentuava-se a
visibilidade dos estilos de vida de grupos juvenis que se disseminavam através da cultura de
massa. Como mostram vários estudiosos da velhice, do envelhecimento, a “invenção” da
288
“terceira idade” está intrinsecamente ligada a esses processos e posteriores mecanismos de
comodificação diferenciadores de grupos de consumo exploradores do hedonismo
(FEATHERSTONE; HAPWORTH, 2000; DEBERT, 1999).
Existem rastros que a predominância das definições estratégicas do discurso da JIM
não remete à adoção de estilos de vida juvenis ou infantis, reside, antes, em não estabelecer
diretamente as regras para essas escolhas, pelo menos até certo limite interno de idade, como
é o caso da posição de sujeito ‘kindults’ ou ‘canguru’ contando até os 40/45 anos. Pontos
registrados no Quadro 3 mostram como é importante a construção de “modos de vida”
(Foucault) rejuvenescidos baseados em mudanças de hábitos, que priorizam a forma e a
intensidade como se opera e se decide sobre a constituição do nome, e a capacidade para
testar os próprios limites diferenciais da “idade de nascimento”, para encontrar espaço na
configuração orientada pelos significados do “calendário biológico”. Ou seja, engendram-se
mecanismos para a produção das formas de rejuvenescimento maduro como modos de vida,
posturas em face do poder de interferir na construção da ‘jovialidade’ durante o
amadurecimento.
Entre as pistas, temos figurações das práticas (exemplos e imagens) que tornam
sempre mais visíveis manequins masculinos e femininos adolescentes (12 ou 13/16 anos)
aparentando a idade de 30 anos: o início do posicionamento dos sujeitos da ‘beleza
exuberante’. Quase-grupos Kindults podem se comportar romanticamente em “modos de
vida” específicos, até uma dada idade (limite que confere marca de geração social), mas o
corpo maduro rejuvenescido é o símbolo do “poder interior” que comanda os “atos de
escolhas” (conscientes ou não) diferenciados dos “outros” jovens e velhos. Para isso, os
“pontos nodais” são organizados para orientar os sentidos dos significados dos limites de
diferenciação e identificação, das fronteiras e das divisões hierárquicas momento diferencial
rejuvenescimento’ medicalizado entre as idades 30-69 anos (JIM). As representações de
quase-grupos de geração biológicas tendem a ser nomeadas por eventos biológicos ou
medicamentos para a cura ou prevenção sendo marcadas por um tempo muito breve: “geração
prosac”, geração proveta”, geração viagra”, “geração barriga de aluguel”, “geração botox” são
exemplos.
Observamos uma especificidade na construção do calendário biológico. O movimento
de organização das ‘idades biológicas’ tente a direcionar as inferências equivalenciais, entre a
‘aparência’ e a ‘redução da idade’ em termos de anos, para a constituição dos momentos
diferenciais de tal modo que o limite superior de 60/69 anos serve para indicar a equivalência
do ‘rejuvenescimento’ a “idade de nascimento” de 61 anos - o limite atual de possibilidade de
289
rejuvenescimento da pele. Pela mesma razão tem-se, na outra ponta, a designação valorativa
dos limites 30 e 40 anos para outros indicadores de órgãos do corpo (Figura 1.1).
O trabalho de diferenciação e identificação na fronteira do “envelhecimento” é
intenso, mas também é considerável na fronteira do “crescimento”, uma vez que a chance de
ganhos de anos na aparência ameaça constantemente a identidade ‘re-juvenescimento’, porque
pode ser confundida com o próprio “crescimento” associado à imagem da “juventude” e da
“jovialidade”.
A redefinição do envelhecimento, na passagem para o século XXI, chama para a
preocupação com os valores associados as idades mais velhas na produção da fronteira
JIM/velhice. As crescentes reivindicações de grupos e de políticas públicas para a construção
e a organização do “envelhecimento ativo”, bem ou mal acentuam a necessidade de respeito
social com os que contam 70 anos e mais (ou aparentam) ou a “quarta idade” (75-85 anos).
Entre outras reivindicações de identidade, clama pela consideração do ‘poder’ numérico dos
‘velhos’ e certo potencial para a produtividade. A ameaça do perigo que pode representar para
o conjunto da vida social, levando-se em conta a baixa produtividade e a contabilidade
previdenciária necessária para a responsabilidade social de manutenção e proteção dos grupos
mais idosos, que podem chegar até mais de cem anos de idade.
O recorte simbólico do valor hegemônico do ‘antienvelhecimento’ produz
antagonismos que revelam dificuldades nas negociações entre maturidade/envelhecimento. O
que parece necessário para a identificação/des-identificação do ‘rejuvenescimento maduro e
longevo, não é a simulação de comportamentos característicos da “juventude” ou das posições
hierarquizadas da “fase” juvenil. Ao contrário, o que se visa é ao domínio da postura corporal
após a idade de nascimento de 30 anos, e a constante exploração das formas plásticas da
“plenitude madura” na negociação e eleição das ‘escolhas adequadas’ às resistências aos
limites e fronteiras das possibilidades/necessidades para rejuvenescer. Mas uma tradução dos
textos, passa pelas pistas que os ‘atos de decisão’ das escolhas se dão através de momentos de
subjetivação, que definem a imagem dos lugares dos sujeitos agentes na longevidade madura.
E que esses atos de negociação da identidade e da diferença social e cultural do “relógio
biológico”, que produz significado para a “mente incorporada”, interferem nos limites etários
dos lugares sociais mesmo que possam (ou não queiram) não mudar a sua posição.
Assim, as idades do ‘rejuvenescimento’ JIM não se opõem e antagonizam apenas às
formas de resistência à ‘velhice’ e ao envelhecimento, como degeneração biofisiológica e
‘ausência de saúde’. Resistem, sobretudo, às formas renitentes à colonização das idades que
se experimentará para as escolhas que produzem a diferenciação pela observação da
290
manutenção atenta da aparência rejuvenescida dos 30 aos 69 anos: sadia, jovem, bela,
reprodutiva, produtiva, ‘autodominada’ e ‘autocontrolada, etc. Daí, a oportunidade dos
conceitos de Giddens (2002) “consciência presente”, “consciência do corpo”, “autenticidade”,
“domínio” e “recuperação” na estruturação simbólica do horizonte ‘mente incorporada’,
importante momento diferencial de construção de posições de agentes sociais JIM.
Os momentos que constroem a posição de sujeito ‘livre escolha’ e ‘critérios e
escolhas para decisão’ são reveladores das fortes tentativas de subjugação dos sujeitos pela
“opção” entre a doença e a cura (que deve ser mediada por esses agentes e/ou
‘autocontrolada’ não sem acompanhamento e monitoramento). Nesse processo, o mais
importante é a maneira como discursivamente faz operar essa regulação nas relações e nas
práticas (através de exemplos por depoimentos e citações) de atos de escolhas individuais que
definem os processos de personalização (posições de sujeito agente): a escolha do parceiro, a
escolha do sexo do filho, a opção pela morte (eutanásia) são exemplos.
Como indicamos, na construção da operação da subjetivação, pela identificação e
diferenciação, no processo de fechamento interno, os sujeitos não coincidem com a posição de
sujeito. A interferência do Outro no “entre-tempo”, ou através de espaços tradutórios que
formam o “exterior constitutivo”, nas posições liminares e de fronteiras mostram a
impossibilidade de agentes liminares, ou “sujeitos coletivos”, produzidos por processos
inteiramente personalizados. A autonomia da identidade é uma fantasia da completude
sempre perseguida, mas impossível em virtude da fissura estrutural, que exige a consideração
da outridade e da mesmidade.
O limite do sistema de diferenças da JIM 40/45 anos, para despedir-se do solteirismo e
assumir a responsabilidade do ‘novo pacto’ do casamento, reflete a preocupação com a
reprodução da espécie
9
. Os antagonismos entre os calendários “biológico” e “cronológico do
curso da vida moderno” se mostram mais evidentes nos critérios para a ‘escolha do
parceiro’, na definição do redesenho do “macho” em um ‘novo homem’, na forma de
concepção e reprodução e na regulação e agenciamento das relações entre mulher/homem
pela ciência.
Vários momentos no discurso oscilam entre as defesas de posições das ‘passagens’
para a vida “adulta” e a “velhice” pelo código do “sistema de cronologização do curso da vida
moderno”, e a introdução de aparatos biotecnológicos de gestação e reprodução,
9
A interferência de defesas das agendas do discurso feminista nas relações e práticas que envolvem o sexo/sexualidade/casamento reflete mais positivamente nas
posições ‘solteirismo’, ‘novo homem’ e ‘solidão’. Algumas vezes se inquire sobre a autoridade cultural das inscrições, introduzindo de alguma forma a
linguagem em sua relação com a natureza (que a reconstrói ou cria) tentando distanciar os fundamentos biofisiológicos, quase sempre (naturalizações)
repetidamente suscitado no discurso biomédico para a identificação no corpo.
291
embelezamento e rejuvenescimento, e de atividade e prazer sexual. Mas existem rastros do
cuidado e o carinho consigo mesmo perpassando as posições de sujeito JIM. É possível que a
percepção desse traço conduza à adoção de estratégias para a sua exageração a ponto da
aclamação da ‘autenticidade’ e ‘autodomínio’ produzir a “solidão” ou a “vida avulsa”. Os
indicadores populacionais sobre a real falta de parceiro masculino para essas gerações são
expressivos (após os 45/55 anos); afora essa realidade quantitativa, a “solidão” tende a ser um
traço diferencial do “modo de vida” ‘rejuvenescimento’.
Os espaços para maiores vantagens nas negociações das posições de sexo e
sexualidade de gênero feminino são mais freqüentes em outras áreas do discurso: na revisão
das regras do pacto do casamento, na revisão da imagem das mulheres ‘solitárias’ e do
caminho da ‘solidão’, na revisão da associação da menopausa ao fim sexualidade e da beleza
aos 45/50 anos
10
, no estímulo às relações de identificação com parceiros mais jovens, na
elevada valorização da posição ‘Yuppie xxi’ e o potencial de sociabilidade feminino.
Ilustramos na posição ‘reprodução artificial’, como o lugar da idade para a maternidade
muda para após os 40 anos.
Nas relações com os filhos, as experiências da “geração do feminismo”, da liberdade e
o diálogo na educação são citadas como referência para equivalência de decisão inadequada à
socialização infantil e para a preservação da autoridade e da ‘auto-estima’ maduras. Nessa
negociação, fica clara a defesa da cultura da autoridade e dominação “adulta”, da “moratória”
da juventude e da incapacidade infantil.
Diferentemente nas relações intergeracionais entre pais e filhos, que diferenciam o
lugar ‘permanecer na casa dos pais’, estimulam-se as identidades ‘Yuppie xxi’, ‘Canguru’ e
‘solitário’ (idades entre 30/45 anos), através das demandas para a produção de redes de
solidariedade e amizade. Nesse sentido, tenta-se borrar os conflitos intergeracionais pela
sugestão de negociação vantajosa para cada uma das partes; como, nos mesmos termos
defende Pais
11
em pesquisa recentemente realizada em Portugal.
Concluindo, consideramos que, a partir da década de 70, quando se admite que as
formas de resistências nas posições reguladas em limites e fronteiras são processos estruturais
constitutivos (‘normais’), o deslocamento do sentido de ‘doença’ acompanha as alterações
nessas posições e acentua a transparência de suas novas redes de equivalências de sentidos na
década de 1990. Embora o discurso sobre a jovem idade madura e longeva explore a
negatividade do termo doença opondo-se a saúde, a diferença, hoje, está em que o lugar
10
A sexualidade é considerada perpassada por relações ‘amadurecidas’ e a beleza não é jovial é ‘exuberante’.
11
PAIS, Machado. ‘Conflito de gerações acabou’. Jornal Expresso. Lisboa, no 1374, 27-02.1999.
292
significado por ela é explorado ao limite para que a ‘cura’ possa parecer positividade.
Entretanto, há uma forte tendência para a essencialização da doença da ‘mente incorporada’
como um traço característico da contemporaneidade das várias idades que deve ser
reconhecido para ser continuamente combatido por processos de monitoramento terapêutico e
clínico.
Os rastros são de que este sistema discursivo tende a expandir o processo de
ordenação da relação “maturidade”, “(longevi)idade” e “jovialidade” na positivação da
“doença” e rejeição das ações individuais e coletivas, que negligenciam os cuidados com
controles biomédicos e terapeutas. Assim, o campo de simbolização da equivalência
doença/envelhecimento/velhice/baixa longevidade é ativado, fortalecendo a fronteira da
diferenciação que abre a negatividade no campo social.
No momento, a ênfase nos processos de construção da autonomia da JIM, centrada na
capacidade para ponderar escolhas e decisões e ‘administrar’ limites individuais estabelecidos
para o domínio da mente sobre o corpo (mediada pela medicina), registra os termos que
tendem a regular as práticas e as relações entre ‘idade e maturidade’ para definição das
fronteiras centrais das idades estabelecidas pelo calendário biológico que procura expurgar o
“envelhecimento ativo” e ao mesmo tempo valorizá-lo na perspectiva do “pós-
rejuvenescimento”.
Os movimentos textuais indicam que os antagonismos maiores se concentram do final
de 1990 a 2004, nas posições de fronteira com as formas de “velhice” e “envelhecimento” que
resistem às exigências da definição do rejuvenecimento sob a égide das incorporações das
decisões em torno das equivalências entre os significados dos termos ‘corpo-idade-jovem-
mente-madura’, opondo-se às formas de envelhecimento que não passem por esse momento
de rejuvenescimento. Entretanto, as resistências são também sinalizadas na fronteira com o
“crescimento”. É que a associação do controle da mente espelhada no corpo jovem
doente/sadio com a exploração da beleza dos 30 aos 69 anos nas redes de “juventude”,
esbarrarão nos próprios limites do esforço impossível para manter a unidade do “calendário
biológico” básico de rejuvenescimento, nos seus custos subjetivos e na materialidade da vida
social. Mesmo que os parâmetros associados à valorização das idades na configuração JIM
tenham sido re-significados, por conta do alongamento das idades e redefinidos que a medida
da metade da vida está em torno dos 40 anos de idade (Figura 1).
Não consideramos esses conjuntos de traços da JIM, como característicos de uma
“fase” da vida, antes constituem uma configuração em que o significante vazio
rejuvenescimento’ assume valor de ‘horizonte imaginário’ e, em cuja superfície, estão sendo
293
inscritos (adesão e rejeição) grupos de idades, ou em certos momentos ‘uma’ idade de
nascimento, que organiza, contingencialmente, as posições e divide a cronologia em face da
esperança social da vida.
Podemos penetrar nesses espaços entre o interior e o exterior, entre limites e fronteiras
simbólicas de um sistema discursivo e perseguir os rastros de como os sujeitos lutam não
somente para “observar” e estar atentos às escolhas mais adequadas à interação com o
sistema, mas para interferir nos processos como se dão as escolhas para a construção da
identidade e diferença que circunscrevem uma autonomia construída coletivamente, numa
perspectiva de buscas de oportunidades emancipatórias.
O universal particular “rejuvenescimento”, “jovem idade madura” ou os outros nomes
que lhe equivalem, tende a assumir o valor hegemônico de um “horizonte imaginário”
(Laclau) do interstício mais vital da vida humana. Suas referências simbólicas associam-se
aos elementos dos sistemas de diferenças formados pelos órgãos do corpo músculos, ossos,
mente, etc. (Quadro 2) que classificam as idades biológicas, constitutivas da valorização do
lugar do sujeito “dono de si”, cujo limite dos processos de opção e escolhas é
preponderantemente regulado pelo “ponto nodal” ‘hormese’.
Esta tese constitui um esforço para aproximar-se de uma postura nas investigações nas
Ciências Sociais que evita a referência às coisas através da mediação dos conceitos –
“acreditando que na palavra encontramos traços descritivos que habilitam aplicar nomes às
coisas”. Através das lógicas da “diferença e da equivalência” um conjunto de traços
heterogêneos pode atingir a unidade pelo nome, sem o qual qualquer unidade se dissolveria
em elementos desarticulados (Laclau, 2005, p. 2-3) e sem que se nomeie através da descrição.
Nesse sentido, entendemos que as tendências aqui indicadas são efeitos de
deslocamento da “maturidade adulta” na direção do significante ‘rejuvenescimento’ longevo,
orientado pelos significados do “calendário biológico”, principalmente referenciado pela
“idade de nascimento” e “geração social”. São momentos que poderão auxiliar na expansão
de novas contribuições sobre as disputas dos agentes por um nome, a partir de uma crítica à
forma como essas representações ‘universais’ sobre o sistema das idades foram construídas.
Esse é um instante ímpar para sociólogos, e demais cientistas sociais dedicarem suas
pesquisas à categorização das estruturações etárias e à sua valorização para a construção dos
agentes sociais e das hierarquias de inclusão/exclusão. Essas discussões estão nos salões, no
quarto das casas, na rua, diariamente na mídia, nas clínicas, nos laboratórios, não precisariam
ser mais privilegiadas pelos estudiosos da vida social?
294
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308
APÊNDICE - A
SÍNTESE DA DESCONSTRUÇÃO DO AGENTE E OPERAÇÃO DA AGÊNCIA NO ‘ENTRE-TEMPO’
A Desconstrução do Agente
1) A concepção de sujeito não pressupõe descidibilidade ou indescidibilidade total, porque
isso implicaria ausência de estrutura e de agente decisório. 2) O momento de emergência do sujeito :
qualquer posição de sujeito é um efeito de uma regra, não tem o status de uma consciência substancial
construída fora da estrutura da configuração do discurso. 3) A indescidibilidade (insuperável),
decorrente do vazio estrutural das identidades, é o terreno onde o sujeito se constitui em atos
articulados de decisão. Estes não expressam a identidade do sujeito (algo que ele já seja), ao
contrário mostram que requer atos de identificação 4) Os atos de identificação, que ‘costuram’ uma
identidade do sujeito têm duas faces: uma apresenta um conteúdo particular (suplemento) e a outra é
sua relação com a completude ausente do sujeito (significante flutuante). 5) Sendo a completude
ausente (vazio) um objeto impossível, não possui conteúdo a priori determinado para cumprir a função
de encarnação. 6) Toda decisão sobre a escolha de um ‘suplemento’ é tomada em um contexto
concreto. O que é descidível não está inteiramente livre: terá os limites de uma estrutura parcialmente
estruturada. 7) A passagem da universalidade da regra à singularidade da decisão (e vice-versa) é
assegurada através da lógica da equivalência que sublinha a indeterminação do conteúdo da decisão
em três pontos basilares. 7.1 Como a plenitude deve expressar a si mesma através de conteúdos que
não têm com ela nenhuma medida comum, nenhum conteúdo literal, existirão muitos conteúdos
igualmente capazes de exercer essa função de representação universal. Assim, a indeterminação se dá
na distância que o ‘ato de decisão’ (Laclau) promove e que desenha a forma da identidade entre o
conteúdo particular e a função que este vai assumir de representação da identificação que modela a
identidade. 7.2 Os contextos das experimentações são de algum modo regulado, por isso, reduzem as
dificuldades das decisões, também, porque limitam o espectro dos conteúdos das ‘escolhas’, que em
um dado momento desempenham a função de representação universal. 7.3 A relação em que um
elemento particular assume essa tarefa impossível da representação universal é uma relação
hegemônica.
A Operação da Agência no Entre-tempo
1) É pela operação do ‘entre-tempo’ do processo de enunciação que Bhabha introduz a
negatividade no discurso, constrói o espaço da exclusão. Este espaço é construído pelo distanciamento
do significado simbólico do enunciado e da enunciação e o espaço do Outro, que introduz a
negatividade e que questiona sobre o sujeito da enunciação no momento em que tenta a negociação da
reinscrição, fazendo com que esta se transforme numa revisão e intervenção. 2) Sua função principal é
estabelecer uma pausa no movimento contínuo e linear (passado-presente-futuro), por onde passam os
registros contingentes do contexto desenhado pela autoridade da regra do discurso (Lei, norma,
instituição). Assim, procura refazer o passado no presente buscando alterar e mostrar os conteúdos
específicos de identificação que podem, naquele momento, exercer a função de representação da regra
(universal). 3) No ato de reinscrição da diferença cultural, no presente anunciativo, o sujeito é
questionado e envidado a ‘repetir’ a inscrição, agora mediada pelo espaço da ‘tradução’, que interfere
nos três tempos. 4) Esse é um momento importante para a construção de ‘nova cultura’ não somente
porque questiona a autoridade da regra, mas também por introduzir a ‘autoridade cultural’ dos
diferenciados subalternos mostrando sua importância para a constituição do antagonismo do qual flui a
vitalidade e a atividade da regra. 5) Considera que na modernidade o presente tem o valor de um
símbolo – contemporaneidade, é um signo que faz com que se possa dar as práticas cotidianas a
tessitura do contemporâneo como valor do novo e da novidade e da continuidade (BHABHA, 2001, p.
332-335). Os efeitos dessas redes simbólicas e de sentidos são fundamentais para as relações de
equivalência e diferença das idades em função dos calendários ‘juventude’ e ‘geração’.
APÊNDICE – A. Elaborado a partir do desenvolvimento do capítulo 2 desta tese.
309
APÊNDICE - B
EDIÇÕES DE VEJA POR ANO, MÊS, EDIÇÃO, TÍTULO DA CAPA E SEÇÃO
MARÇO DE 1970 – SETEMBRO DE 2004
1 1970 Março Bebê de Proveta
Medicina
2 1974 Maio 299 Tudo para emagrecer
Medicina
3 1975 Fevereiro 338 Divórcio. Um Debate Livre
Familia
4 1975 Agosto 362 A Ciência do Sexo
Medicina
5 1977 Junho 460 O que há com os Cientistas
Ciência
6 1977 Maio 453 A Presença dos Estudantes
7 1977 Junho 459 Divórcio
Especial
8 1977 Outubro 475 A mulher no Trabalho
Especial
9 1979 Dezembro 578 O Culto do Corpo
Vida Moderna
10 1979 Dezembro 590 Os Anos 70 ( certo e o errado)
Especial
11 1979 Dezembro O Poder Homossexual
Especial
12 1980 Janeiro 591 Do Computador à Biologia
Ciência
13 1980 Setembro 629 Mulher Hoje
Especial
14 1981 Fevereiro 649 A Crise da Psicanalise
Comportamento
15 1981 Abril 658 A Medicina da Beleza
Especial
16 1981 Genética a ciência que muda o mundo
Medicina
17 1982 Junho 718 As Supermodelos
Moda
19 1983 Novembro 793 A Ameaça da Superpopulação
Comportamento
20 1983 Maio 768 Negocios Previdência Privada
Economia
21 1984 Janeiro 804 Eu quero votar para Presidente
Brasil
22 1984 Julho 827 Os Limites do Homem
Olimpiadas
23 1984 Maio 818 Retrato do Jovem Brasileiro
Comportamento
24 1984 Dezembro 850 A Arte de Comer sem remorso
Comportamento
25 1984 Abril 814 O Jovem eo Computador
Educação
26 1984 Outubro 841 A Brasileirinha de Proveta
Medicina
27 1987 Dezembro 1004 Casamento como Mantê-lo, como Termina-lo
Comportamento
28 1988 Julho 1036 Deixem os Seus Filhos em Paz
Especial
29 1990 Julho 1140 Em Busca da Juventude
Especial
30 1990 Outubro 1154 Feras Radicais
Comportamento
31 1991 1185 O Casamento em Crise
Comportamento
32 1991 1196 Menos filhos. Mãe no trabalho
Familia
33 1992 Agosto 1248
Anjos Rebeldes - colegias na rua pedem a saída de Collor Brasil
34 1993 Agosto 1299 Elas Querem Mais Sexo e Prazer
Sexo
35 1993 Junho 1294 Estudos dao um fôlego as vitaminas
Saúde
36 1993 Maio 1287 O Que é ser Gay no Brasil
Comportamento
37 1994 Dezembro 1371 A morte digna das gorduras
Especial
38 1994 A Morte Digna
Especial
39 1995 Fevereiro 1380 Aposentadoria
Brasil
40 1995 Março 1384 Cabeças Diferentes
Comportamento
41 1995 Abril 1388 A Tribo unida na aldeia Global
Comportamento
310
42 1995 Junho 1397 Saúde como Herança
Medicina
43 1995 Junho 1397 A Saúde como Herança
Genética
44 1995 Julho 1402 A Criança e o Sexo na TV
Sexo
45 1995 Julho 1399 A Batalha Começa aos 40
Saúde
46 1995 Agosto 1406 A Guerra contra o espelho
Beleza
47 1995 Outubro 1413 Mamãe Coragem
Familia
48 1996 Janeiro 1428 A Angústia do Macho
Especial
49 1997 Julho 1506 Sem Tempo para os filhos
Familia
50 1997 Especial Jovens
Especial
51 1997 Setembro 1514 O Golpe nos Gordos
Saúde
52 1997 Fevereiro Stress
53 1998 Dezembro 1575 Ser mãe perto dos 40
Familia
54 1998 Outubro 1569 Comer sem engordar
Saúde
55 1998 Fevereiro 1532 O Medo da Balança
Saúde
56 1998 Outubro 1570 Peguei AIDS do Meu Marido
Sexo
57 1998 Abril 1540 A Pílula Milagrosa
Medicina
58 1998 Julho 1556 Crise Nervosa
Especial
59 1998 Dezembro 1575 Ser Mãe perto dos 40
Familia
60 1998 Junho 1552 Do Preconceito ao Sucesso
Especial
61 1998 Maio Negros
Especial
62 1999 1589 Unidos pelo Divórcio
Familia
63 1999 Agosto 1610 Casamento a hora de começar e de acabar
Familia
64 1999 Novembro 1622 Bebês pré- fabricados
Genética
65 1999 Janeiro 1579 Guerra dos Sexos
Comportamento
66 1999 Março 1591 A Doença da Alma
Especial
67 1999 Setembro 1614 A Idade Real
Especial
68 1999 Junho 1602 Não, não e não
Comportamento
69 1999 Agosto 1611 A Classe Média Negra
Especial
70 2000 Março 1641 Separação
Familia
71 2000 Dezembro 1680 De Onde Viemos
Genética
72 2000 Abril 1645 A guerra das dietas
Nutriçao
73 2000 Setembro 1666 O Laboratório do Corpo
Olimpiadas
74 2000 Janeiro 1633 A Hora de Começar
Sexo
75 2000 Março 1639 A Ciência da Mulher
Especial
76 2000 Maio 1650 Sexo depois dos 40
Comportamento
77 2000 Fevereiro 1636 Gays, o Desafio de assumir a idade sexual
Especial
78 2001 Maio 1699 Tudo por um Filho
Especial
79 2001 Setembro Especial Jovens
Especial
80 2001 Fevereiro 1689 Dieta sem fome
Especial
81 2001 Janeiro 1683 De Cara Nova
Especial
82 2001 Novembro 1728 A Ciência da Boa Forma
Especial
83 2001 Julho 1708 Saúde e Vitalidade dos 50 aos 80
Especial
84 2001 Agosto 1714 Homem. O Super Herói
Especial
85 2001 Maio 1782 Prazer, a Vez da Mulher
Especial
86 2001 Dezembro Mulher
Especial
87 2002 1667 Eles escolheram entre a vida e a Morte
Especial
88 2002 Novembro 1827 Medo
Especial
311
89 2002 Março 1741 Os Exageros das Plásticas
Especial
90 2002 Fevereiro 1738 Sua Idade Sexual
Especial
91 2002 Agosto 1766 Em Busca do Desejo
Especial
92 2002 Agosto Especial Mulher
Especial
93 2003 Setembro Equilibrio Mental
Especial
94 2003 Novembro 1829 Yoga
Especial
95 2003 Março Limites do Corpo
Especial
96 2003 Junho 1806 Receita para manter-se jovem
Especial
98 2003 Julho Especial Especial Jovens
Especial
97 2003 Dezembro Como ficar mais bonito
Especial
98 2003 Junho 1808 Vida for a do armário
Especial
99 2003 Julho 1812 Sexo
Especial
100 2003 Outubro Especial Homem
Especial
101 2003 Maio 1804 Cura pela Mente
Especial
102 2004 Julho 1863 Regras Básicas para…
Especial
103 2004 Julho 1862 O Milagre da Transformação
Especial
104 2004 Março 1846 Estes bebês são Pioneiros
Genética
105 2004 Setembro 1972 Menina ou Menino
Especial
106 2004 Maio 1855 O Poder da Forma
Especial
107 2004 Fevereiro 1840 Stress
Especial
108 2004 Agosto 1862 O Novo Mapa do Cerebro
Especial
109 2004 Fevereiro 1841 Filhos Tiranos, Pais…
Especial
110 2004 Agosto 1868 Poder Interior
Especial
111 2004 Março 1843 Amor, Família, Encelhecimento
Especial
112 2004 Junho 1856 Os alimentos que podem nos…
Especial
113 2004 Setembro 1871 A Ciência da Vida Longa
Especial
114 2004 Janeiro 1835 Beleza para Todos
Especial
115 2004 Janeiro 1836 Decida, antes que decidam por você
Especial
116 2004 Setembro 1871 A Ciência da vida longa e saudável
Especial
117 2004 Setembro 1972 Menina ou Menino
Especial
118 2004 Junho Especial Jovens
Especial
119 2004 Janeiro 1836 Atração Sexual
Especial
120 2004 Agosto Especial O Homem em seu novo papel
Especial
121 2004 Junho Especial Mulher & Estilo
Especial
APÊNDICE – B. Quadro elaborado a partir do material do corpus principal da
pesquisa.
312
APÊNDICE - C
EDIÇÕES DE VEJA. AGRUPAMENTOS POR TEMAS, ANO E MÊS.
Março 1970 - Setembro 2004
GRUPO 1
FEMINISMO/
CASAMENTO/
MATERNIDADE/
MULHER/
PROFISSÃO
14
ed
GRUPO 6
VELHIÇE/
ENVELHECIMENTO
07 ed
GRUPO 2
GESTAÇÃO/
REPRODUÇÃO
15
ed
GRUPO 7
GÊNERO E SEXO
27 ed
GRUPO 3
JUVENTUDE/
JOVENS
09
ed
GRUPO 8
DIVERSOS
03 ed
GRUPO 4
SAÚDE
07
ed
GRUPO 9
IDADE/GERAÇÃO
10 ed
GRUPO 5
CORPO
19
ed
GRUPO 10
IDADE/MENTE
11 ed
Total de Edições 122 ed
GRUPO 1-FEMINISMO/CASAMENTO/MATERNIDADE/MULHER/PROFISSÃO
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1975 Fevereiro 338 Divórcio. Um Debate Livre Familia
1977 Junho 459 Divórcio Especial
1977 Outubro 475 A mulher no Trabalho Especial
1980 Setembro 629 Mulher Hoje Especial
1987 Dezembro 1004 Casamento como Mantê-lo, como Termina-lo Comportamento
1991 1185 Menos Filhos. Mãe no trabalho Comportamento
1991 1196 Casamento em Crise Comportamento
1995 Outubro 1413 Mamãe Coragem Familia
1997 Julho 1506 Sem tempo para os filhos Familia
1998 Dezembro 1575 Ser mãe perto dos 40 Familia
1999 1589 Unidos pelo Divórcio Familia
1999 Agosto 1610 Casamento a hora de começar e de acabar Familia
2000 Março 1641 Separação Familia
2004 Janeiro 1836 Decida, antes que decidam por você Especial
* Seção: Familia (7), Especial (4) e Comportamento (3) - Total 14 Edições
GRUPO 2- GESTAÇÃO/REPRODUÇÃO
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1970 Março capa Bebê de Proveta Medicina
1977 Junho 460 O que há com os Cientistas Ciência
1980 Janeiro 591 Do Computador à Biologia Ciência
313
1981 Setembro capa Genética a ciência que muda o mundo Medicina
1983 Novembro 793 A ameaça da superpopulação Comportamento
1984 Outubro 841 A Brasileirinha de Proveta Medicina
1994 10/ago A Morte Digna Especial
1995 Junho 1397 A Saúde como Herança Genética
1999 Novembro 1622 Bebês pré- fabricados Genética
2000 Dezembro 1680 De Onde Viemos Genética
2001 Maio 1699 Tudo por um Filho Especial
2002 Setembro 1767 Eles escolheram entre a vida e a Morte Especial
2004 Março 1846 Estes bebês são Pioneiros Genética
2004 Setembro 1871 A Ciência da vida longa e saudável Especial
2004 Setembro 1972 Menina ou Menino Especial
* Seção: Genética (4), Especial (5), Comportamento (1),Ciência (2) e Medicina (3) - Total 15 Edições
GRUPO 3- JUVENTUDE/JOVENS
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1977 Maio 453 A Presença dos Estudantes
1984 Janeiro 804 Eu quero votar para Presidente Brasil
1984 Maio 818 Retrato do Jovem Brasileiro Comportamento
1984 Abril 814 O Jovem eo Computador Educação
1992 Agosto 1248
Anjos Rebeldes - colegias na rua pedem a saída
de Collor Brasil
1995 Abril 1388 A Tribo unida na aldeia Global Comportamento
1997 ESPECIAL Jovens Especial
2001 Setembro ESPECIAL Jovens Especial
2003 Julho ESPECIAL Jovens Especial
2004 Junho ESPECIAL Jovens Especial
* Seção: Brasil (2), Especial (4), Comportamento (2),e Educação (1) - Total 9 Edições
GRUPO 4- SAÚDE
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1984 Dezembro 850 A Arte de Comer sem remorso Comportamento
1993 Junho
1294 Vitaminas.Estudos dão um fôlego as vitaminas
Saúde
1994 Dezembro 1371 Gorduras. A morte digna das gorduras Especial
1998 Outubro 1569 Comer sem engordar Saúde
2000 Abril 1645 A guerra das dietas Nutriçao
2001 Fevereiro 1689 Dieta sem fome Especial
2004 Junho 1856 Os alimentos que podem nos… Especial
* Seção: Saúde (2), Especial (3), Comportamento (1),e Nutrição (1) - Total 7 Edições
GRUPO 5- CORPO
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1974 Maio 299 Tudo para emagrecer Medicina
1979 Dezembro 578 O Culto do Corpo Vida Moderna
1979 Dezembro 590
Os Anos 70. ( O Certo e o Errado). ESPECIAL
Especial
1981 Abril 658 A Medicina da Beleza Especial
1982 Junho 718 As Supermodelos Moda
1984 Julho 827 Os Limites do Homem Olimpiadas
1995 Agosto 1406 A Guerra contra o espelho Beleza
1997 Setembro 1514 O Golpe nos Gordos Saúde
1998 Fevereiro 1532 O Medo da Balança Saúde
2000 Março 1639 A Ciência da Mulher Especial
2000 Setembro 1666 O Laboratório do Corpo Olimpiadas
314
2001 Janeiro 1683 De Cara Nova Especial
2001 Novembro 1728 A Ciência da Boa Forma Especial
2002 Março 1741 Os Exageros das Plásticas Especial
2003 Março Limites do Corpo Especial
2003 Dezembro Como ficar mais bonito Especial
2004 Janeiro 1835 Beleza para Todos Especial
2004 Maio 1855 O Poder da Forma Especial
2004 Julho 1862 O Milagre da Transformação Especial
* Seção: Saúde (2), Especial (11), Medicina (1), Vida Moderna (1), Beleza (1), Olimipiadas (2) e
Moda (1) - Total 18 Edições
GRUPO 6- VELHICE/ENVELHECIMENTO
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1983 Maio 768 Negocios Previdência Privada Economia
1990 Julho 1140 Em Busca da Juventude Especial
1995 Fevereiro 1380 Aposentadoria Brasil
2001 Julho 1708 Saúde e Vitalidade dos 50 aos 80 anos Especial
2003 Junho 1806
Receita para manter-se jovem aos 30, 40, 50...60
anos
Especial
2004 Março 1843 Amor, Família, Encelhecimento Especial
2004 Setembro 1871 A Ciência da Vida Longa e Saudável Especial
* Seção: Especial (5), Brasil (1) e Economia (1) - Total 7 Edições
GRUPO 7- GÊNERO E SEXO/SEXUALIDADE
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1975 Agosto 362 A Ciência do Sexo Medicina
1979 Dezembro O Poder Homossexual Especial
1983 Novembro 793 A Ameaça da Superpopulação Comportamento
1993 Maio 1287 O Que é ser Gay no Brasil Comportamento
1993 Agosto 1299 Elas Querem Mais Sexo e Prazer Sexo
1995 Março 1384 Cabeças Diferentes Comportamento
1995 Julho 1402 A Criança e o Sexo na TV Sexo
1996 Janeiro 1428 A Angústia do Macho Especial
1998 Outubro 1570 Peguei AIDS do Meu Marido Sexo
1998 Abril 1540 A Pílula Milagrosa Medicina
1999 Janeiro 1579 Guerra dos Sexos Comportamento
2000 Janeiro 1633 A Hora de Começar Sexo
2000 Março 1639 A Ciência da Mulher Especial
2000 Maio 1650 Sexo depois dos 40 Comportamento
2000 Fevereiro 1636 Gays, o Desafio de assumir a idade sexual Especial
2001 Agosto 1714 Homem. O Super Herói Especial
2001 Maio 1782 Prazer, a Vez da Mulher Especial
2001 Dezembro ESPECIAL Mulher Especial
2002 Fevereiro 1738 Sua Idade Sexual Especial
2002 Agosto 1766 Em Busca do Desejo Especial
2002 Agosto ESPECIAL Mulher Especial
2003 Junho 1808 Vida for a do armário Especial
2003 Julho 1812 Sexo Especial
2003 Outubro ESPECIAL Homem Especial
2004 Janeiro 1836 Atração Sexual Especial
2004 Setembro 1972 Menina ou Menino Especial
2004 Agosto ESPECIAL O Homem em seu novo papel Especial
2004 Junho ESPECIAL Mulher & Estilo Especial
315
* Seção: Especial (16), Medicina (2), Comportamento (5) e Sexo (4) - Total 27 Edições
GRUPO8- DIVERSOS
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1998 Junho 1552 Do Preconceito ao Sucesso Especial
1998 Maio Negros Especial
1999 Agosto 1611 A Classe Média Negra Especial
* Seção: Especial (3) - Total 3 Edições
GRUPO 9- IDADE/GERAÇÃO
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1988 Julho 1036 Deixem os Seus Filhos em Paz Especial
1990 Outubro 1154 Feras Radicais Comportamento
1995 Julho 1399 A Batalha Começa aos 40 Saúde
1995 Junho 1397 Saúde como Herança Medicina
1997 Julho 1506 Sem Tempo para os filhos Familia
1998 Dezembro 1575 Ser Mãe perto dos 40 Familia
1999 Setembro 1614 A Idade Real Especial
1999 Junho 1602 Não, não e não Comportamento
2004 Fevereiro 1841 Filhos Tiranos, Pais… Especial
2004 Julho 1863 Regras Básicas para… Especial
* Seção: Especial (4), Comportamento (2), Saúde (1), Medicina (1) Família (2) - Total 10 Edições
GRUPO 10 –IDADE MENTE
ANO MÊS EDIÇÃO TÍTULO/CAPA SEÇÃO*
1981 Fevereiro 649 A Crise da Psicanalise Comportamento
1997 Fevereiro Stress Especial
1998 Julho 1556 Crise Nervosa Especial
1999 Março 1591 A Doença da Alma Especial
2002 Novembro 1827 Medo Especial
2003 Maio 1804 Cura pela Mente Especial
2003 Setembro ESPECIAL Equilibrio Mental Especial
2003 Novembro 1829 Yoga Especial
2004 Fevereiro 1840 Stress Especial
2004 Agosto 1862 O Novo Mapa do Cerebro Especial
2004 Agosto 1868 Poder Interior Especial
* Seção: Especial (9) e Comportamento (1) - Total 11 Edições
APÊNDICE C - Quadros elaborados a partir do material do corpus principal da
pesquisa.
316
ANEXO A – Tabela 4
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA PARA 1-VII DE 2050 (REVISÃO 2004)
A PARTIR DE GRUPOS ETÁRIOS QÜINQÜENAIS EM 1-VII DE 1980
FECUNDIDADE LIMITE TFT=1,85; SEM MIGRAÇÃO INTERNACIONAL
MORTALIDADE OFICIAL 1980-2000 IBGE / CELADE; 2001-2050 PROJEÇÃO IBGE
ESPERANÇAS DE VIDA AO NASCER
TAXAS DE MORTALIDADE
INFANTIL (‰)
ANOS
TOTAL HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES
TAXAS DE
FECUNDID
ADE
TOTAL
1980 62,60 59,62 65,69 69,10 76,30 61,70 4,06
1981 63,01 59,94 66,20 66,60 73,70 59,20 3,96
1982 63,43 60,26 66,72 64,10 71,20 56,60 3,86
1983 63,86 60,59 67,26 61,50 68,70 54,10 3,71
1984 64,30 60,93 67,80 59,00 66,20 51,50 3,71
1985 64,70 61,29 68,24 56,70 63,60 49,50 3,43
1986 65,09 61,64 68,67 54,50 61,10 47,60 3,29
1987 65,45 61,93 69,10 52,60 59,20 45,90 3,16
1988 65,81 62,23 69,54 50,80 57,20 44,10 3,06
1989 66,18 62,53 69,99 48,90 55,20 42,30 2,95
1990 66,57 62,84 70,44 47,00 53,30 40,50 2,79
1991 66,96 63,16 70,91 45,10 51,30 38,70 2,69
1992 67,34 63,58 71,25 43,30 49,00 37,30 2,60
1993 67,73 64,02 71,59 41,40 46,70 35,90 2,57
1994 68,13 64,46 71,94 39,50 44,40 34,50 2,54
1995 68,49 64,81 72,32 37,90 42,70 33,00 2,51
1996 68,85 65,15 72,69 36,40 41,00 31,60 2,48
1997 69,23 65,53 73,08 34,80 39,30 30,20 2,45
1998 69,62 65,92 73,47 33,20 37,50 28,80 2,43
1999 70,02 66,31 73,88 31,70 35,80 27,40 2,41
2000 70,43 66,71 74,29 30,10 34,00 26,00 2,39
2001 70,71 66,99 74,58 29,20 33,10 25,20 2,36
2002 71,00 67,28 74,88 28,40 32,20 24,30 2,35
2003 71,29 67,56 75,17 27,50 31,30 23,50 2,33
2004 71,59 67,85 75,47 26,60 30,50 22,70 2,31
2005 71,88 68,14 75,77 25,80 29,60 21,80 2,29
2006 72,18 68,44 76,06 25,00 28,70 21,10 2,27
2007 72,48 68,75 76,36 24,10 27,80 20,30 2,25
317
2008 72,78 69,06 76,66 23,30 26,90 19,50 2,23
2009 73,09 69,37 76,96 22,50 26,00 18,80 2,21
2010 73,40 69,68 77,26 21,60 25,10 18,00 2,20
2011 73,67 69,97 77,52 21,00 24,40 17,40 2,18
2012 73,95 70,25 77,79 20,30 23,60 16,80 2,16
2013 74,23 70,54 78,06 19,60 22,80 16,20 2,15
2014 74,51 70,84 78,33 18,90 22,10 15,60 2,13
2015 74,79 71,13 78,60 18,20 21,30 14,90 2,12
2016 75,04 71,39 78,84 17,60 20,60 14,40 2,10
2017 75,29 71,66 79,07 17,00 20,00 14,00 2,09
2018 75,55 71,93 79,31 16,50 19,30 13,50 2,08
2019 75,80 72,20 79,55 15,90 18,70 13,00 2,06
2020 76,06 72,47 79,80 15,30 18,00 12,50 2,05
2021 76,29 72,71 80,01 14,80 17,50 12,10 2,03
2022 76,51 72,95 80,22 14,40 16,90 11,70 2,02
2023 76,74 73,20 80,43 13,90 16,40 11,30 2,01
2024 76,97 73,44 80,64 13,40 15,80 10,90 1,99
2025 77,20 73,69 80,86 13,00 15,30 10,50 1,98
2026 77,41 73,91 81,04 12,60 14,80 10,20 1,96
2027 77,61 74,13 81,23 12,20 14,40 9,90 1,95
2028 77,82 74,35 81,42 11,80 13,90 9,60 1,94
2029 78,02 74,58 81,61 11,40 13,50 9,30 1,93
2030 78,23 74,80 81,80 11,00 13,00 9,00 1,92
2031 78,41 75,00 81,96 10,70 12,70 8,70 1,91
2032 78,59 75,19 82,13 10,40 12,30 8,50 1,90
2033 78,77 75,39 82,29 10,10 11,90 8,20 1,89
2034 78,96 75,59 82,46 9,80 11,50 8,00 1,88
2035 79,14 75,79 82,63 9,50 11,20 7,70 1,87
2036 79,30 75,97 82,77 9,20 10,90 7,50 1,86
2037 79,46 76,14 82,92 9,00 10,60 7,30 1,86
2038 79,62 76,32 83,06 8,70 10,20 7,10 1,86
2039 79,79 76,50 83,20 8,50 9,90 6,90 1,86
2040 79,95 76,68 83,35 8,20 9,60 6,70 1,86
2041 80,09 76,84 83,48 8,00 9,40 6,60 1,86
2042 80,23 76,99 83,60 7,80 9,10 6,40 1,86
2043 80,38 77,15 83,73 7,60 8,90 6,30 1,85
2044 80,52 77,31 83,85 7,40 8,60 6,10 1,85
2045 80,66 77,47 83,98 7,20 8,40 6,00 1,85
2046 80,79 77,61 84,09 7,00 8,20 5,80 1,85
2047 80,91 77,74 84,20 6,90 8,00 5,70 1,85
2048 81,04 77,88 84,32 6,70 7,80 5,60 1,85
2049 81,16 78,02 84,43 6,50 7,60 5,50 1,85
2050 81,29 78,16 84,54 6,40 7,40 5,30 1,85
ANEXO – A. Tabela 4. Fonte: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais.
Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica demográfica. Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o
Período 1980- 2050 – Revisão 2004.
318
ANEXO B – Tabela 5
Brasil: Esperanças de vida ao nascer e ganhos no período - 1991-2000
Anos de referência Ambos os sexos Homens Mulheres
1991 66,0 62,6 69,8
1998 68,1 64,4 72,0
1999 68,4 64,6 72,3
2000 68,6 64,8 72,6
Ganhos na esperança de vida ao nascer 1991 - 2000
Em anos
2,59 2,26 2,84
Em meses 31,08 27,12 34,08
1998 – 2000
Em meses 6,24 5,52 6,72
Em dias 187 166 202
ANEXO B- Tabela 5. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de População e Indicadores
Sociais, Tábua de Mortalidade para o Brasil – 1991, 1998-2000.
Se por um lado, os maiores ganhos absolutos na expectativa de vida, ao longo do período
1991-2000, são observados nas primeiras idades, por outro lado, as maiores variações
relativas ocorrem nas idades mais avançadas. Este fato não chega a causar surpresa, pois
elevações nas esperanças de vida guardam estreitas relações com o paulatino aumento da
longevidade humana (Gráficos 5 e 6. Anexos).
319
ANEXO C – Tabela 6
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR RAZÃO DE SEXO: 2000, 2005,2010
ANEXO- C. Tabela 6 .
Projeção da população brasileira por razão de sexo: 2000, 2005, 2010. Fonte: IBGE
Idade Ambos os sexos
Razões do Sexo
(%)
Excedente Feminino
2000 30-34 13.677.030 97,12 199.500
35-39 12.867.234 93,22 451.510
40-44 10.761.253 92,12 441.601
45-49 8.656.170 90,98 408.844
50-54 6.845.720 91,1 318.828
55-59 5.422.021 88,71 324.411
60-64 4.589.750 88,67 275.654
65-69 3.422.927 84,49 287.749
70-74 2.655.431 81,61 268.939
75-79 1.660.291 78,6 198.899
80+ 1.586.958 71,39 264.940
2005 30-34 14.144.074 98,62 98.108
35-39 13.479.781 95,87 284.511
40-44 12.626.795 91,87 535.041
45-49 10.485.825 90,52 521.521
50-54 8.351.766 89,06 483.098
55-59 6.508.343 88,63 392.307
60-64 5.044.084 85,61 390.988
65-69 4.137.717 84,76 341.341
70-74 2.940.775 79,6 334.099
75-79 2.119.353 75,68 293.353
80+ 2.044.787 70,94 347.675
2010 30-34 15.575.070 98,54 114.440
35-39 13.966.840 97,49 177.290
40-44 13.256.642 94,62 366.692
45-49 12.337.720 90,41 621.108
50-54 10.151.330 88,73 605.902
55-59 7.974.375 86,74 566.113
60-64 6.088.342 85,6 472.246
65-69 4.580.999 81,85 457.209
70-74 3.585.834 79,75 403.932
75-79 2.373.812 73,58 361.360
80+ 2.653.061 68,89 488.783
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