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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUCSP
Maura Castello Bernauer
Nascendo pais:
a transição para a parentalidade em
Reprodução Assistida (RA)
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
O PAULO
2009
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência para obtenção
do título de Mestre em Psicologia Clínica,
do Núcleo de Psicossomática e Psicologia
Hospitalar pela Pontifícia Universidade
Calica de São Paulo, sob a orientação da
Profa. Dra. Edna Peters Kahhale.
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Banca Examinadora
................................................................................................................................
Profa. Dra. Edna Peters Kahhale
.................................................................................................................................
Profa. Dra. Elisa Maria Barbosa Esper
.................................................................................................................................
Profa. Dra. Maria da Graça Marchina Gonçalves
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“Existem momentos na vida em que a questão de saber se é possível pensar diferentemente do
que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar olhar e
refletir”.
Michel Foucault (1984)
*AGRADECIMENTOS
Ao Carlos pela amizade.
Aos meus filhos compreensão.
Aos familiares pelo apoio.
À Edna pelo incentivo.
Aos amigos por acreditarem.
RESUMO
BERNAUER, Maura Castello. Nascendo pais: a transição para a parentalidade em
reprodução assistida (RA). SP: 2009. 200f. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
Neste estudo, buscou-se refletir acerca dos impactos da infertilidade na subjetividade de
homens e mulheres que se submeteram e tiveram filhos através de RA; e sobre o
processo de transição da conjugalidade para a parentalidade após o nascimento do
filho. A partir do enfoque da abordagem teórica da Psicologia Sócio-Histórica de
Vygotsky, explorou-se a concepção simbólica de gênero para implementar uma
perspectiva desnaturalizadora da maternidade e da paternidade em que avaliou-se o
conceito das identidades de gênero masculino e feminino que foram se modificando ao
longo dos anos, através de condutas sociais sobre sexualidade e reprodução. E na qual
buscou-se apreender os significados e sentidos através de entrevista aberta em
profundidade, com três casais heterossexuais inférteis que se submeteram a tratamento
de RA e têm um primeiro filho(s) nascido pelo menos um ano numa clínica
privada, numa cidade próxima a cidade de São Paulo. Assim sendo: Casal 1 Ana (35
a, grau de escolaridade superior- Adm) e Bruno (38 a, grau de escolaridade superior,
adv); são casados há 6 anos e têm um casal de filhos gêmeos de 2 anos de idade. Casal 2
- Carla (39 a, grau de escolaridade superior, Adm ) e Daniel (44 a, grau de escolaridade
nível médio, comerciante); o casados 13 anos e têm um filho de 2 anos e meio.
Casal 3 - Elsa (36 a, grau de escolaridade superior, Informática) e Fábio (34 a, grau de
escolaridade superior, Informática); são casados há 7 anos e têm uma filha de 2 anos.
Foram feitas leituras dos dados coletados que permitiram um processo de aglutinação
dos 66 pré-indicadores, pela similaridade, complementaridade ou contraposição. Após
esse processo obtiveram-se uma menor diversidade de temas, podendo-se aglutinar em
29 indicadores. A partir da re-leitura do material, foi feito o processo de articulação que
resultou na organização dos núcleos de significação: (1) tratamento de RA, gravidez e
parto; (2) conjugalidade; (3) espiritualidade; (4) relacionamentos familiares e (5)
parentalidade. A partir da contextualizão sócio-histórica dos laços conjugais e
parentais, compreendemos as relações existentes entre a conjugalidade e a
parentalidade de homens e mulheres que tiveram filho(s) através de RA. O tratamento
de RA produz a construção de sentidos pessoais e redimensiona os significados da
transição para a parentalidade. Os casais estudados continuam na condição de inférteis
apesar de terem filhos. A representação do vínculo biológico (subentendido: conceber,
gravidez e parto) para confirmação das identidades de gênero é a principal razão que
conduz os casais aos serviços de RA levando-os, assim, a preterir a adoção ou
permanecer sem filhos. A idéia de natureza em sua função ideológica reforça a ordem
moral e gera culpabilidade. Pode-se hipotetizar que problemas emocionais são
decorrentes do não desenvolvimento da parentalidade, ou seja da relação das crianças
com os adultos, porque muitos homens e mulheres não desejavam ter filhos, queriam
ser pai e mãe, para confirmar sua feminilidade e masculinidade.
Concluímos que
desnaturalizar as significações de feminino/maternidade e masculino/paternidade
ampliaram nossas perspectivas da compreensão das relações de gênero e de suas
repercussões sobre a subjetividade na contemporaneidade.
Palavras-chave: conjugalidade, parentalidade e reprodução assistida, desnaturalização
da maternidade e paternidade.
ABSTRACT
BERNAUER, Maura Castello. Being born parents: the transistion for the parenthood in
assisted reproductive therapy (ART). SP: 2009. 200f. Dissertação de Mestrado.
Pontifical University Catholic of São Paulo - PUCSP.
In this study, is searched to reflect concerning the impacts of the infertility in the
subjectivity of men and women that had submitted and had children through ART; and
about the process of conjugality transition to parenthood after the birth of the son. From
the approach of the theoretical boarding of Sociohistoric Psychological of Vygotsky, it
was explored symbolic conception of genre to implement a perspective denaturalizing
of maternity and of the paternity where the concept of the identities was evaluated of
masculine and feminine genre that they had been if modifying throughout the years,
through social behaviors on sexuality and reproduction. And in which one searched to
apprehend meanings and felingst through open interview in depth, with three couples
infertile heterosexuals whom had submitted treatment of ART and has a first son (s)
already born at least for one year in a private clinic, in a city near the city of São Paulo.
Thus being: Couple 1 Ana (35, degree in Adm) and Bruno (38, graduated in law);
they are married for 6 years and have a couple of twin children of 2 years of age.
Couple 2 - Carla (39, degree in Adm) and Daniel (44, high school degree, works with
commerce); they are married for 13 years and have a son of 2 and a half years. Couple 3
- Elsa (36, degree in Computer Science) and Fábio (34, degree in Computer Science);
they are married for 7 years and have a son of 2 years. Readings of the collected date
had been made that they had allowed a process of aglutination of 66 pré-indicators, for
the similarity, complementary or contraposition. After this process had gotten a lesser
diversity of subjects, being able itself to agglutinate in 29 indicators. To leave of the
reverse speed-reading of the material, the joint process was made that resulted in the
organization of meaning core: (1) treatment of ART, pregnancy and childbirth; (2)
conjugality; (3) spirituality; (4) family relationships and (5) parenthood. To leave of the
partner-historical context of the conjugal and parental bows, we understand the existing
relations between conjugality e parentahood of men and women who had had son (s)
through ART. The treatment of ART produces the construction of personal directions
and redimension the meanings of the transistion for parenthood. The studied couples
continue in the condition of infertile although they have children. The representation of
the biological bond (implied: to conceive, pregnancy and childbirth) for confirmation of
the sort identities is the main reason that leads the couples to the ART services taking
them, to neglect the adoption or to remain without children. The idea of nature in its
ideological function it strengthens the moral order and it generates culpability. It can be
hypothesing that emotional problems are decurrent of not development of parenthood,
that is of the relation of the children with the adults, because many men and women did
not desire to have children, they only wanted to be father and mother, to confirm its
femininity and manhood. We conclude that denaturalizing the meanings of
feminine/maternity e masculine/paternity they had extended our perspectives of the
understanding of the relations of sort and its repercussions on the subjectivity in the
contemporaneousness.
Word-key: conjugality, parenthood, assisted reproductive therapy (ART),
denaturalization of the maternity and paternity
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.............................................................................................. 9
INTRODUÇÃO................................................................................................... 11
PARTE I.............................................................................................................. 15
Embasamento teórico sobre a Psicologia cio-Histórica de Vygotsky............. 15
PARTE II............................................................................................................. 24
1.NERO: hierarquia x complementaridade................................................... 24
1.1. As Relações de Gênero na história do pensamento ocidental...................... 27
1.2. Poderes e papéis dentro da família............................................................... 28
1.3. As Relações de Gênero e a Família na potica social vigente..................... 31
1.4. As mudanças nas relações de patriarcado e matriarcado.............................. 33
2.NERO e SEXUALIDADE......................................................................... 35
2.1. Feminismo.................................................................................................... 35
2.2. Estudos sobre Gênero e Sexualidade no Brasil............................................ 36
3. SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO (ANTROPOLOGIA).......................... 39
4. NATUREZA – NATURALIZAÇÃO.............................................................. 42
4.1. Desnaturalizando as verdades (Filosofia)..................................................... 43
5. MULHER/ FEMININO: mãe.......................................................................... 45
5.1. Naturalização do Feminino........................................................................... 46
5.2. A naturalização da maternidade.................................................................... 47
5.3. A identificação da natureza feminina com a maternidade............................ 49
6. HOMEM/MASCULINO: pai.......................................................................... 51
7. CONJUGALIDADE........................................................................................ 54
7.1. Subsistema Parental...................................................................................... 54
8. PARENTALIDADE........................................................................................ 56
9. INFERTILIDADE: confronto com as identidades de gênero......................... 59
9.1. A tentativa da psicologia (assim como o modelo médico) em explicar a
infertilidade como doença- patologia..................................................................
61
9.2. A infertilidade como crise vital.................................................................... 62
9.3. Infertilidade desencadeando estresse............................................................ 63
9.4. O estigma social da infertilidade................................................................. 65
9.5. O desejo de filhos........................................................................................ 65
10. REPRODUÇÃO ASSISTIDA – RA............................................................. 67
10.1. Parentesco biológico – “sangue”............................................................... 69
10.2. A RA desencadeando estresse................................................................... 70
10.3. A Ética do desejo em RA - Lucros e limites.............................................. 71
11. Relacionamento parental em RA................................................................... 73
PARTE III.......................................................................................................... 77
1. JUSTIFICATIVA............................................................................................ 77
2. METODOLOGIA............................................................................................ 80
2.1. Participantes.................................................................................................. 82
2.2.
Instrumentos............................................................................................................ 84
2.3. Procedimentos.............................................................................................. 85
3. ANÁLISE DOS DADOS............................................................................. 88
PARTE IV........................................................................................................... 90
RESULTADOS.................................................................................................. 90
Núcleo de Significão 1..................................................................................... 94
Núcleo de Significão 2..................................................................................... 105
Núcleo de Significão 3..................................................................................... 114
Núcleo de Significão 4..................................................................................... 123
Núcleo de Significão 5..................................................................................... 130
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.................................................................. 140
CONCLUSÃO.................................................................................................... 182
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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PARTE I
Embasamento teórico sobre a Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky para análise dos
resultados
A perspectiva metodológica escolhida para esta pesquisa foi a Psicologia cio-
Histórica que procura refletir o indivíduo em sua totalidade, articulando dialeticamente os
aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual
pertence. Dessa forma, nos pareceu que a metodologia desenvolvida especialmente por
Vygotsky, sobre a apreensão de significados e sentidos satisfez a necessidade da busca de
explicações do processo de constituição do objeto estudado no seu processo hisrico.
Conforme Gonçalves e Bock (2003) a Psicologia Sócio-Histórica tem se dedicado ao
estudo dos mais variados fenômenos sociais entre eles as questões de gênero, onde em síntese,
o homem é ativo, social e histórico. A partir desses pressupostos, a Psicologia Sócio-Histórica
propõe-se a compreender o psiquismo e suas categorias fundamentais: atividade, consciência
e identidade. Baseia-se na concepção materialista, ou seja, a realidade material tem existência
independente em relação à idéia, ao pensamento, à razão; a leis próprias, numa visão
determinista; é possível conhecê-la e suas leis. Assume a concepção dialética
, ou seja a
contradição é característica fundamental de tudo que existe, de todas as coisas; a contradição
e sua superação constante é à base do movimento de transformação constante da realidade; o
movimento da realidade está expresso nas leis da dialética (lei do movimento e relação
universal; lei da unidade e luta de contrários; lei da transformação da quantidade em
qualidade; lei da negação e em suas categorias). Assume a concepção histórica
, ou seja, que
é possível compreender a sociedade e a história através de uma concepção materialista
dialética, ou seja, que a história deve ser analisada a partir da realidade concreta e o a partir
das idéias, buscando-se as leis que a governam (visão materialista). As leis da história, além
de materiais, são as leis do movimento de transformação constante, que têm por base a
contradição; portanto, não o leis perenes e universais, mas são leis que se transformam; não
expressam regularidade, mas contradição (visão dialética). Nesse sentido, as leis que regem a
sociedade e os homens não são naturais, mas históricas; não são alheias aos homens porque
são resultados de sua ação sobre o real (trabalho e relações sociais); mas são leis objetivas,
porque estão na realidade material do trabalho e das relações sociais; entretanto, essa
objetividade inclui a subjetividade porque é produzida por sujeitos concretos, que o, ao
mesmo tempo, constituídos social e historicamente.
Considerando que a Psicologia cio-Histórica é importante na medida em que
demonstra claramente que o conteúdo psíquico não tem origem no próprio indivíduo, mas
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constitui uma construção social e singular; para iniciar o processo reflexivo dessa pesquisa
faz-se necessário explanar brevemente alguns pontos essenciais sobre certos aspectos teóricos
metodológicos desenvolvidos por Vygotsky (em quatro variações de ortografia, trocando-se as
letras y e i), para apreender as noções de significado e sentido que serão utilizados na
discussão dos resultados deste estudo.
Sem pretender polemizar sobre as diversas pesquisas que usam as contribuições de
Vygotsky para o processo de produção de conhecimento e, embora cientes dessas dificuldades,
decidiu-se enfrentar a tarefa de apresentar algumas das reflexões metodológicas de Vygotsky,
pois se reconhece que sua contribuição a esse campo transcende o seu próprio tempo e se
apresenta ainda hoje como referência importante para as pesquisas em psicologia.
Cabe explicitar aqui que, conforme Passerino e Santarosa (2002) o trabalho de Vygotsky
buscou identificar de que forma as características tipicamente humana, que chamou de
Processo Psicológicos Superiores (PPS), se desenvolvem durante a vida de um indivíduo. Os
PPS são o resultado da estimulação autogerada pela criação e uso de estímulos artificiais
(signos) dentro de um contexto sóciocultural que foram caracterizadas como sendo:
constituídos
no contexto social; voluntários, ao regularem a ação através de um controle
voluntário; intencionais,
ou seja, regulados conscientemente, embora um processo superior
que sofreu um longo processo de desenvolvimento possa ser automatizado, continua sendo
consciente (fossilização); e mediatizados
pelo uso de instrumentos (signos).
Nessa perspectiva Molon (2003) sustentou que Vygotsky elaborou a teoria Sócio-
Histórica, entre o período de 1928-1932 e desenvolveu um método de investigação e análise
para estudar as funções psicológicas superiores definindo-as pela inter-relão com as funções
psicológicas inferiores que são imediatas, reações diretas a uma determinada situação, porém
matizadas afetivamente; são de origem natural e biológica; portanto são controladas pelo meio
físico e social, e, consequentemente, são inconscientes e involuntárias. as funções
psicológicas superiores são mediadas e caracterizam-se por serem operações indiretas, que
necessitam da presença de um signo mediador, sendo a linguagem o signo principal.
Originam-se das relações reais entre indivíduos humanos, apresentam natureza histórica, são
de origem sociocultural e estão inter-relacionadas. Ex: linguagem, memória lógica, atenção
voluntária, formação de conceitos, pensamento verbal, afetividade, etc.
Dessa forma, para Vygotsky (2007[1984]) signo é um meio auxiliar para solucionar
um dado problema psicológico: lembrar, comparar coisas, relatar, escolher etc. Constitui-se
num meio de atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo (campo
subjetivo) e é orientado internamente. instrumento serve como um condutor sobre o objeto
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da atividade (campo da objetividade), controlando a natureza. Ambos têm função mediadora e
tratam de uma ligação real entre as atividades (função psicológica superior).
Cabe referir que Zanella (2004) focalizou que, por intermédio dos signos, o sujeito se
objetiva e transforma a realidade, ao mesmo tempo em que transforma a si mesmo e se
subjetiva. O signo é apropriado pelo sujeito em sua significação. A relação que estabelecemos
com a realidade é, neste sentido, sempre e necessariamente mediada pela cultura, pelos
valores característicos do momento social e histórico em que vivemos, bem como pela nossa
história de vida e o que, decorrente dela, consideramos significativo.
De acordo com Molon (2003) na constituição do sujeito as atividades são
operacionalizadas pelos signos, que são meios de comunicações e conexões das funções
psicológicas superiores, presentes em todo o processo de constituição do sujeito. Para
Vygotsky tanto os signos quanto os instrumentos operam como uma atividade mediada. O
signo precisa de um estímulo, mas nem todo estímulo é um instrumento. O processo de
mediação dos signos tem a função de regulação da conduta. São os signos que atuam sobre o
sujeito e que possibilitam o controle sobre ele e sobre os demais. É controlado e depois se
controla (autocontrole). Os signos aparecem primeiro numa dimensão interpsicológica (meios
de comunicação) e depois intrapsicológica (meios de conduta) sendo que essa passagem de
dimensões é realizada pela mediação dos signos. A mediação é o conceito fundamental de
Vygotsky, como pressuposto norteador da relação eu-outro, da intersubjetividade. É a própria
relação. A mediação pelos signos possibilita e sustenta a relão social, pois é um processo de
significação. Uma das maiores contribuições de Vygotsky foi a formulação do signo como
instrumento (psicológico), tomando a noção de mediação em que as palavras são signos. A
mediação ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação.
Sem a mediação dos signos não contato com a cultura, pensando que fenômenos
psicológicos são relações sociais convertidas no sujeito pela mediação semiótica. São
constituídos nas e pelas relações sociais.
De acordo com Molon (2003[1984:1993]) para Vygotsky toda palavra tem significado,
é o significado da palavra. A unidade de pensamento verbal é uma palavra com significado,
uma palavra significada. O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na
medida em que ganha corpo por meio da fala. O pensamento se realiza na palavra e essa
ganha significado pelo pensamento. O pensamento passa a existir através da palavra, mas para
isso atravessa diversas transformações, pois a fala não é pia do pensamento. Na relação
entre o pensamento e a palavra, o significado faz o elo entre os dois. O significado da palavra
é diferente do pensamento expresso na palavra e é diferente do significado do objeto.
Vygotsky diferenciou significado e referente. Na relação entre o referente, ou seja, a coisa
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referida ou o objeto significado e o significado aparece o significante que é o signo. No
entanto, entre o referente e o significante não está o significado, porque a relação entre
significante e referente acontece no sujeito, que estabelece a relação pela significação. O
sujeito estabelece a relação entre significante e referente pela significação e não pelo
significado, que possibilita a linguagem e o pensamento, em um sujeito em relação, em
intersubjetividade. as palavras e os sentidos apresentam um grau elevado de dependência
entre si, o que não ocorre entre palavra e significado. O sentido de uma palavra modifica-se,
tanto dependendo das situações como das pessoas que o atribuem. A palavra adquire o seu
sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera seu sentido.
Ainda detendo na questão teórico metodológica de Vygotsky (1998), -se a
necessidade de explorar as categorias significado e sentido, que, segundo Aguiar (2001)
uma distinção evidenciando a dialética da constituão da consciência, a integração entre
afetivo e cognitivo, o caráter social, histórico e único do sujeito. Para o autor:
...significado é uma construção social, de origem convencional, relativamente estável. O
homem, ao nascer, encontra um sistema de significações pronto, elaborado historicamente.
Por outro lado, o sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavra evoca na
consciência. O sentido se constitui, portanto, a partir do confronto entre as significações
sociais vigentes e a vivência pessoal. O significado constitui apenas uma das zonas do
sentido. ...quando nos referimos às expressões do sujeito, ao novo que ele é capaz de colocar
no social, nos referimos aos sentidos que produz, aos sentidos subjetivos por ele construídos a
partir da relação dialética com o social e a história. Podendo conter elementos contradirios,
gerando assim sentidos subjetivos contraditórios, que incluem emoções e afetos como prazer e
desprazer, gostar e não gostar, por exemplo”. (2001a:105)
Dando continuidade ao tema, Zanella, Reis, Titton e Urnau (2007) relata que
significado e sentido são produzidos por sujeitos em suas complexas relações, via atividade
que é marcada pelas trajetórias e experiências de cada um e de todos e ao mesmo tempo pelas
condições e características do contexto histórico em que vivem.
Nessa abordagem Aguiar e Ozella (2006) enfatizam a importância de se compreender
as categorias significado e sentido juntas uma a outra, porém sem perder sua singularidade,
sendo, significado um conceito em que o homem transforma a natureza e a si mesmo na
atividade numa produção cultural, social e pessoal. Os significados são, portanto, produções
históricas e sociais. Os significados referem-se aos conteúdos instituídos, mais fixos,
compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias
subjetividades. Nesta mesma abordagem, o sentido é muito mais amplo que o significado,
pois constitui o que o sujeito produz frente a uma realidade. É bastante complexo apreender o
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processo constitutivo dos sentidos que são categorias que possibilitam a apreensão do que é
próprio de cada indivíduo, é a expressão da singularidade dentro do contexto histórico e
social.
A partir de Vygotsky, Gonçalves (2001b[1991]) identificou que o significado é social e
objetivo, e que é apropriado pelo sujeito a partir de sua atividade, o que implica uma
subjetividade própria de cada sujeito, o que se expressa na atribuição de sentidos pessoais. Os
sentidos representariam:
“...a síntese entre a atividade do sujeito sobre o objeto, o significado social
produzido intersubjetivamente e que representa a atividade sobre o objeto e a
subjetividade na sua dimensão emocional (subjetiva) e ativa (objetiva)”.
O sujeito interativo da concepção sócio-histórica constitui-se na relação. Assim, a
produção de significados é fundamental, mas, além de significar, o sujeito vivencia,
experimenta, age e, nesse sentido constrói sua subjetividade, recuperando a idéia de um
sujeito com uma essencialidade processual e histórica.
Isso posto, entende-se que a relão social não é composta de dois elementos, mas sim, uma
relação dialética entre eu e o outro, um elemento semiótico que é constituinte e constituído
pela relação, portanto, mediação. Retomando as reflexões sobre a constituição dialética do
homem e da mulher, e focados na proposta desta pesquisa, pode-se pensar que para se
constituir como sujeito é preciso subjetivar as significações para ser reconhecido pelo outro,
sendo necessário significar na relação social: “ter filhos naturais para serem reconhecidos
como homem e mulher”.
Nesta perspectiva, Aguiar e Ozella (2006) esclarecem que a categoria mediação nos
permite romper as dicotomias interno-externo, objetivo-subjetivo, significado-sentido;
afastando a Psicologia Sócio-Histórica de visões naturalizantes baseadas numa análise das
determinações inseridas num processo dialético. Portanto, subjetividade e objetividade,
externo e interno, não podem ser vistos numa relação dicotômica e imediata, mas como
elementos que, apesar de diferentes, se constituem mutuamente, possibilitando um a
existência do outro numa relação de mediação. De acordo com os autores deve-se apreender
as mediações sociais constitutivas do sujeito, saindo assim da aparência, do imediato, e indo
em busca do processo, do não dito, do sentido. Para discutir parentalidade é necessário
discutir as relações de gênero, feminino, masculino, gravidez e reprodução.
Para Gonçalves (2001a), dentre as diversas formas de mediação, a linguagem é o que
melhor representa a ntese entre objetividade e subjetividade, pois implica na utilização do
signo e tem papel fundamental de instrumento de natureza social no processo de constituição
do homem. Assim, nessa mesma abordagem Aguiar e Ozella (2006[1998]) afirmam que os
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signos são instrumentos psicológicos que representam o objeto na consciência e uma forma de
apreensão do ser, pensar e agir do sujeito. Conforme Vygotsky, ao apreender o significado da
palavra, entende-se o movimento do pensamento e a relação de mediação entre pensamento-
linguagem, onde um constitui o outro. A mediação através dos signos modifica o mundo
externo (interpessoal) e transforma em interno (intrapessoal). Essa subjetivação é chamada de
internalização de comportamentos sociais e culturais historicamente desenvolvidos.
Internalizamos a significação do agir, da atividade humana que tem o poder de transformar o
natural em cultural.
Investigando o processo de internalizar para Vygotsky (2007[1984]), como
consistindo de uma série de transformações, verificou-se que: (a) operação que representa
uma atividade externa é reconstrda e começa a ocorrer internamente; (b) um processo
interpessoal é transformado num processo intrapessoal; e (c) a transformação de um processo
interpessoal num intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos durante o
desenvolvimento.
Dando continuidade ao tema, a questão da internalização para Vygotsky é um
constructo teórico central no âmbito da perspectiva histórico-cultural, que se refere ao
processo de desenvolvimento e aprendizagem humana como incorporação da cultura, como
domínio dos modos culturais de agir, pensar, de se relacionar com outros, consigo mesmo, e
que aparece como contrário a uma perspectiva naturalista ou inatista (Smolka , 2000; Bock,
2001[1984]).
Para Vygotsky (2007[1984]), esta internalização é um processo interpessoal,
transformado num processo intrapessoal, ocorrendo primeiro no vel social e, depois no nível
individual, ou seja, o indivíduo internaliza a linguagem social, tornando-a pessoal. Dessa
forma entende-se que homens e mulheres internalizam o desejo da maternidade e da
paternidade como sendo “seu” (próprio). Com isso, está-se dizendo que internalizamos
culturalmente, que é natural que homens e mulheres desejem ter filhos biológicos, do
interpessoal para o intrapessoal. Nessa perspectiva, propõe-se tentar superar e levantar
questionamentos sobre a concepção que considera como natural o desejo da maternidade e da
paternidade, e que a maternidade e a paternidade são sempre prazerosas e constituintes dos
homens e mulheres.
O tornar-se pessoal, ou seja, a constituição dos sentidos pessoais, a partir dos
significados micro/macro sociais, onde se está inserido e se tem a participação das emoções
que os significados produzem no indivíduo. Faz sentido para os casais heterossexuais buscar
tratamento de RA, pois está internalizado o sentimento de cumprimento do dever” que a
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sociedade e a família dão ao filho biológico e à comprovação da feminilidade através da
gravidez e da masculinidade através da concepção de companheira (virilidade).
A qualidade do relacionamento afetivo com o outro (família, comunidade,
sociedade...), compor-se-á como um elemento constitutivo dos sentidos construídos pelo
sujeito e com os quais estabelecerá novas relações, transformando-os, a partir de novas
experiências, ou em alguns casos, cristalizando-os, pela importância afetiva, a partir da qual
se constitram.
Os significados coletivos, apreendidos no meio das relações familiares e sociais
comporão os significados do sujeito que os internalizará de uma forma singular e própria.
Está internalizado nos homens e mulheres na contemporaneidade que o casal heterossexual
dentre várias atribuições, deve: sair da casa dos pais, unir-se (casar), formar família, ter filhos
biológicos para perpetuar a herança getica da família, cuidar dos filhos e realizar-se
profissionalmente (mulher e homem). Especificamente para a mulher: ser boa e, boa filha,
boa esposa (permeada pela dupla moral da cisão entre a mãe dos filhos e a amante do marido),
suportar a responsabilidade de que as qualidades dos filhos são vinculadas ao dever materno
(física/psicológica) e, acima de tudo, espera-se que seja feliz e realizada.
O peso do valor emocional das sociedades que significaram a maternidade e a paternidade faz
com que homens e mulheres tornem suas estas significações, mantendo intocado o elo
emocional de que o certo”, o “esperado” é: o casal heterossexual deve cumprir seu papel de
homem e mulher, tornando-se pai e e de um filho biológico.
Tais idéias são importantes para nossas reflexões por que: primeiro
supõem um
desenvolvimento natural, do qual a paternidade e a maternidade são conseqüência; segundo
, a
diversidade que se apresenta como riqueza humana é construída pela humanidade por meio de
sua ação transformadora sobre o mundo e, sendo assim, nada que se apresente em nosso
mundo nos deve ser estranho (por exemplo: não desejar ser pai ou mãe); e terceiro
, se a
humanidade é transmitida e apropriada pelo indivíduo a partir de seu contato com a cultura,
fica evidente que as diferenças sociais serão produtoras de diferenças individuais (próprias).
Diante disso questiona-se: Porque homens e mulheres, mesmo sem condições físicas,
emocionais e financeiras se propõem a ter um filho “natural”, biologicamente seu, a ponto de
se submeterem aos agressivos tratamentos de RA?
As significações atribuídas pela sociedade que naturalizam a maternidade e a
paternidade podem, devido ao sentido afetivo e emocional, constituírem-se como formas
internalizadas pelos sujeitos que trazem para si que é natural querer ser pai e mãe e, serem
assim mantidas no decorrer da vida.
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Para contrapor a essa perspectiva naturalizante com relação à maternidade e à
paternidade, usou-se o conceito Problema do comportamento fossilizado”: muitos processos
psicológicos passaram por um desenvolvimento histórico longo e foram fossilizados
(automatizados). Segundo Vygotsky (1996), no processo de desenvolvimento vivido,
incorporam-se formas, valores, atitudes, comportamentos, que podem passar despercebidos
pelo próprio sujeito.
Vygotsky (2007[1984]),enfatiza que precisamos nos concentrar no processo de
estabelecimento das formas superiores e estudá-las de maneira não fossilizada no processo de
mudança (método dialético). Conceituando como comportamento fossilizado:
...processos que se esmaeceram ao longo do tempo, isto é, que passaram através de um
estágio bastante longo do desenvolvimento histórico e, tornaram-se fossilizados. Essas formas
fossilizadas de comportamento são mais facilmente observadas nos assim chamados
processos psicológicos automatizados ou mecanizados, os quais dadas as suas origens
remotas, estão agora sendo repetidas pela enésima vez e tornaram-se mecanizados”.
Zanella (2007[1984]) identificou que para Vygotsky as formas fossilizadas são o elo entre o
presente e o passado em que há possibilidade de compreensão do processo histórico de
transformação das funções culturais rudimentares para novas formas de comportamento.
No trajeto que se percorre singularmente, uma determinada forma, socialmente
constituída, foi apreendida sem crítica, sem questionamento pelo sujeito, em função do tipo de
vínculo afetivo com seus interlocutores familiares, podendo assim se manter cristalizado,
motivado pelo medo, pela falta de informação, pelo receio da perda do amor e por outros
variados motivos afetivos.
Freitas (2005) elaborou um conceito sobre as formas fossilizadas, nomeando de
Persistência uma forma própria de relacionar-se, adquirida e o transformada, durante o
desenvolvimento do indivíduo, e sobre a qual não recai seu olhar crítico, mesmo diante de
situações novas, onde a mudança se faria necessária.
Parece que a persistência de homens e mulheres inférteis em conceber e gestar um
filho, através dos tratamentos invasivos de RA e a falta de olhar crítico mostram o
comportamento fossilizado na idéia internalizada de ter um filho biológico para ter sua
identidade de nero preservada. Pois permanecem como significados apreendidos cultural e
socialmente e aceitos como naturais, não tendo sido transformados em sentidos pessoais, via
emoção e ação, o estando atendendo à realidade atual da infertilidade e à vida conjugal sem
filhos ou à adoção.
As colocações de Vygotsky (1996) referem-se a comportamentos que unem os estágios
superiores do desenvolvimento aos estágios primários. Não processos específicos do
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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desenvolvimento se fossilizam, mas também significados internalizados pelo sujeito, no
decorrer de suas experiências, principalmente nos estágios iniciais de sua constituição como
ser humano.
Pensa-se que o termo fossilizado enquanto significados internalizados pelo sujeito, no
decorrer de suas experiências pessoais e individuais, parece adequado para trabalhar com o
sentido de maternidade e paternidade para cada pessoa, e sua história particular, e o para
grupos. No entanto não nos pareceu adequado utilizá-lo para conceituar comportamentos
sociais e culturalmente internalizados ao longo da história da humanidade. Tem um
significado social, mas o sentido é pessoal. Novos significados vão sendo apreendidos no
processo histórico e, transformações de significados ocorrem por todo processo do viver.
Na perspectiva adotada, portanto, destaca-se o artigo de Bock (2004) que nos convida a
superar a concepção naturalizante do ser humano no campo da psicologia. Através desse
avanço se torna possível compreender o psiquismo humano como algo que se desenvolve por
meio do processo de inserção do indivíduo na cultura e nas relações sociais. A psicologia, no
decorrer de seu desenvolvimento, vem apresentando teorias que naturalizam o ser humano e o
mundo psíquico. Não qualquer preocupação em explicitar a gênese do psiquismo humano,
pois este é tomado como algo natural.
Dessa forma, refletiu-se que historicamente, até o final do século XIX as mulheres não
tinham a opção da não-maternidade (aborto e contracepção), antes, porém, seu trabalho era
quase que exclusivamente doméstico, ou no campo se necessário, mas sempre voltado para o
bem estar da família, da prole. Na contemporaneidade a mulher adquiriu controle de seu
corpo através da ciência o domínio de seu processo reprodutivo podendo optar
voluntariamente por ter filhos naturais ou não, e ter carreira profissional fora do âmbito
doméstico. Porém, entendeu-se que a prática social ocidental de hoje reconhece o homem e
a mulher quando estes têm filhos biológicos e constituem família.
PARTE II
1. GÊNERO: hierarquia x complementaridade
O conhecimento científico, em grande parte das vezes, atende a demandas históricas e
sociais. A categoria gênero não foge à regra, tendo sido constrda a partir de reflexões
originalmente desencadeadas nos movimentos sociais, relatou Nuernberg (2005). A história
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social e a história cultural estão entre as disciplinas mais importantes para compreensão dos
estudos de gênero em que a psicologia também se projeta nesse contexto, especialmente
através de sua contribuição a respeito da importância da categoria nero na constituição de
subjetividades. Faz-se necessário dizer também que não há posões teóricas homogêneas nos
debates de gênero, coexistindo perspectivas contrastantes e mesmo opostas em torno das
questões analisadas. Neste estudo necessitou-se salientar o caráter interdisciplinar e pluralista
dos estudos de gênero, cuja compreensão exige o intercruzamento e a integração das
contribuões de campos disciplinares distintos.
As primeiras teorias de gênero vindas dos Estados Unidos que chegaram ao Brasil
trabalhavam dentro de uma lógica funcionalista, com base nas categorias de ‘papéis’ e
‘diferenças’ sexuais, analisando sociologicamente a instituição familiar. Suas grandes
contribuões foram a crítica às visões essencialistas da biologia e da psicologia e a produção
da concepção de identidade de gênero, a partir da noção de que os indivíduos se produzem e
são produzidos através da vida social. A partir da década de 80 começou-se a ser mais
divulgado o conceito de “relações de gênero”, na tentativa de contemplar o caráter relacional
das questões investigadas e a dimensão social e cultural das identidades subjetivas
De acordo com Helman (2003) todas as sociedades humanas dividem suas populações
em duas categorias sociais
, chamadas “masculina” e “feminina”. Essa divisão é baseada em
uma série de pressupostos (derivados da cultura em que ocorrem) sobre os diferentes
atributos, crenças e comportamentos característicos dos indivíduos incluídos em cada uma das
categorias. Variando seus atributos nos diferentes grupos culturais. O gênero de um indivíduo
pode ser mais bem compreendido como resultado da combinação complexa de elementos
como: Gênero Genético (genótipo), Gênero Somático (fenótipo), Gênero Psicológico
(autopercepção e comportamento) e Gênero Social (categorias culturais e sociais). As culturas
de gênero podem ser descritas como um conjunto de diretrizes, explícitas e implícitas
adquiridas na primeira infância que ditam ao indivíduo como ele deve perceber, pensar, sentir
e agir enquanto membro masculino ou feminino daquela sociedade.
Em consonância Scott (1990) e Vieira (2005) dizem que desde muito cedo as
identidades de mulheres e de homens são construídas no contexto social. Enfatizando que em
qualquer sociedade, a identidade é construída socialmente pelas práticas discursivas, cujo
discurso é produto da cultura que a construiu; que gênero pode ser entendido como um
elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os
sexos e, ainda, como um modo de dar significado às relações de poder. O resto das diferenças
entre os dois sexos é definido pelas suas respectivas representações sociais e culturais. Gênero
o apenas abordando características individuais de sujeitos homens e mulheres, mas
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relacionado a um conceito psicossocial
que reflete a apropriação, a compreensão e o uso que a
cultura faz das diferenças sexuais biológicas.
Serpa da Fonseca (1997) pressupôs que a categoria gênero é a compreensão das
relações que se estabelecem entre os sexos na sociedade, diferenciando o sexo biológico do
sexo social. O sexo social e historicamente construído é produto das relações sociais entre
homens e mulheres e deve ser entendido como elemento constitutivo destas mesmas relações
nas quais as diferenças o apresentadas como naturais e inquestionáveis. Em se tratando de
gênero como uma categoria relacional e cio-histórica, que se considerar, portanto, a
constituição da identidade de gênero como um percurso constituinte e constituído na trajetória
do sujeito, a partir das inúmeras relações que este sujeito traça com os outros significativos
que partilham mediata ou imediatamente de sua experiência.
Segundo Siqueira (1997) as vivências masculinas e femininas são múltiplas e se faz
necessário contextualizar no tempo e espaço, em primeiro lugar, de onde
estamos falando, e,
em segundo lugar, de quem
estamos falando. Assim, a constituição da identidade de gênero,
inscrita nas trajetórias singulares destes sujeitos, ancora-se nas significações constrdas por
eles, imersos em suas famílias de origem e essas, por sua vez, em uma determinada classe
social de uma sociedade situada no tempo e no espaço. É na análise do cruzamento das
histórias dos sujeitos da pesquisa dos autores que come o casal, imersos em seu contexto
sócio-cultural, que podemos encontrar os sentidos/significações que imprimiram às
experiências passadas, sentidos estes que funcionam como determinantes das experiências
presentes, num processo complexo de sobredeterminação que direciona as possibilidades
futuras. Portanto, faz-se necessário um constante ir e vir interpretativo entre as várias esferas
da realidade sócio-histórica em que estes sujeitos estão inseridos, ou seja, do individual ao
social e vice-versa, em seus distintos níveis de atuação. A constituição da identidade
masculina, bem como da feminina, é entendida, então, como um complexo processo dialético
em que as biografias individuais entrecruzam-se com as pautas sociais historicamente
construídas, onde o sujeito interativo imprime significações singulares às suas ações no
mundo, ões essas inscritas em um cenário de alternâncias, confrontos e superações com os
outros significativos que comem o seu universo vivencial. Assim, masculinidades e
feminilidades constituem-se em práticas ltiplas e mentalidades correlatas, oriundas de
fontes diversas, assumindo um caráter dinâmico e polimorfo em contínua transformão.
Para Negueira (2001) e Vieira (2005) gênero não é uma questão de identidades
individuais, unitárias e consistentes de homem e mulher, pelo contrário desenvolve-se
mediante peças de discurso, organizadas num sistema de significados disponíveis aos
indivíduos de forma a darem sentido às suas posições, o que historicamente é reconhecido
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como respostas femininas e masculinas. No que diz respeito à construção da identidade,
qualquer modelo familiar estabelecido, mostra que desde muito cedo as identidades de
homens e de mulheres são construídas no contexto social; em suma, a identidade de nero é
produto de comportamentos sociais aprendidos com a família e com outras instituições
sociais.
Conforme Brasileiro e Jablonski (2002) deve ser entendida como elemento
constitutivo das relações entre os sexos nas quais as diferenças são apresentadas como
naturais e inquestionáveis. Gênero, casamento, maternidade e paternidade são construídas
por e entre pessoas. Identificamo-nos de maneiras particulares, interagimos de maneiras
particulares, e nossa sociedade é sistematizada de maneiras particulares que geram e
perpetuam formas particulares de diferença entre homens e mulheres. É também uma
interpretação do significado da diferença sexual, ou, com desvantagens que inclui
organizações socioeconômicas e crenças culturais generalizadas no nível macro, maneiras de
se comportar em relação aos outros no nível interacional e traços e identidades adquiridos no
nível individual.
Araújo (2005), Alves (2005) e Costa, Stotz, Grynspan e Borges de Souza (2006)
sustentam que gênero é uma construção cultural, histórica e potica da igualdade e da
diferença que forma uma categoria analítica dentro da realidade social onde homens e
mulheres são distintos: aos primeiros destinam-se atividades do mundo público, do trabalho,
da política e do comércio e, às últimas, atividades na esfera privada da família,
desempenhando funções de es e esposas. Siqueira de Andrade (2004) e Alves (2005) e
Torrão Filho (2005) avaliaram a construção dessa categoria analítica como a busca e a
compreensão da relação entre homens e mulheres como relação de poder, ultrapassando as
demarcações entre os vários espaços nos quais ela se constrói a família, o mercado de
trabalho, as instituições, a subjetividade, suas múltiplas conexões e suas hierarquias.
1.1. As Relações de Gênero na história do pensamento ocidental
Os estudos de natureza teórica e empírica em torno das denominadas relações de
gênero” passaram a ter maior relevância a partir dos anos 70, em numerosos países e na
América Latina onde sua expansão se deu a partir dos anos 80. O ensaio historiográfico de
Carola (2006) teve como propósito explicitar, refletir e problematizar as ideologias que
naturalizaram a desigualdade de nero ao longo da história mostrando que esta é tão antiga
quanto à própria história da cultura humana. Conforme o pesquisador o conceito
contemporâneo de nero emergiu no interior do movimento feminista internacional e
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possibilitou revelar representações preconceituosas e desigualdades sexuais naturalizadas por
discursos religiosos, filoficos e científicos.
A representação do feminino como símbolo do mal está bem caracterizada nas duas
principais tradições do mundo ocidental. Na Grécia Antiga, por exemplo, o poeta Hesíodo
revela o mito de Pandora, o mal personificado em forma de uma bela mulher. Na mitologia,
Prometeu é o criador e protetor dos homens, enquanto Pandora representa o castigo imposto
por Zeus, o mal na forma feminina.
Na tradição judaico-cristã, o texto do livro do Gênesis também traz uma representação
sobre a relação entre o masculino e o feminino. Na primeira versão, História da Criação,
aparece o relato de que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e criou-os, macho e
fêmea. Nesta primeira narrativa, Deus criou o homem e a mulher ao mesmo tempo e não
estabelece nenhuma hierarquia entre os sexos, embora lhes autorize a sujeitar e dominar a
terra e os animais. A primeira hierarquia de nero aparece na narrativa de O Homem no
Paraíso; é nesta segunda versão que aparecem os personagens Adão e Eva, esta sendo criada
por meio da costela de Adão. Aqui os papéis estão bem definidos. Semelhante ao mito
grego, O Homem no Paraíso é representado como o reino onde se vivia em harmonia, em
comunhão, em paz e felicidade. Tanto no mito grego de Hesíodo, como na narrativa do
gênese da bíblia cristã, a mulher é associada ao mal e o homem é condenado ao trabalho fora
do espaço doméstico.
Para Badinter (1986) até a divisão do gênero masculino e feminino durante o último
período da era paleotica, não se encontrou vestígios da guerra dos sexos. Os três ou quatro
milênios depois o ricos em conflitos entre homens e mulheres, comprometendo sua
complementaridade, num tempo em que o patriarcado reinou de maneira absoluta. Foi o início
de uma concepção dos sexos, hierarquizada ao extremo. O patriarcado designa uma forma de
família baseada no parentesco masculino, em que o poder paterno e toda estrutura social nasce
do poder do pai. Nesse caso, a família bíblica é: endogâmica, patrilinear, patriarcal, patrilocal,
ampliada e polimica. É necessário sublinhar que o culto à virgem Maria não apenas é uma
homenagem prestada à mãe, mas também marca que, se uma mulher causara a perda da
humanidade (Eva), outra contribuiu para salvá-la (Maria), tornando-se objeto de salvação e
veneração. Lembremos que Jesus não tem pai carnal e que seu único laço com os homens
passa por sua filiação matrilinear: “Jesus é o mais puro exemplo de uma sociedade
ginecocrática, na qual o pai não desempenha nenhum papel”. A Virgem é fecundada como
uma Deusa-Mãe, por um espírito que se insinua nela. É uma mulher livre, que, além de não
ser escrava do homem, como suas contemporâneas, pode até dispensá-lo para pôr no mundo o
filho de Deus. Entretanto, se o culto de Maria constituiu de início uma revolução no meio
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paternalista, numa tentativa de devolver à mãe seu papel verdadeiro, a Igreja oficial vai logo
esvaziar o conceito de toda sua significação fazendo da Virgem um ser cuja característica
feminina, será atestada pelo aspecto da e sofredora, sacrificada, passiva e “escrava do
filho”.
No âmbito da filosofia, Carola (2006) identificou que a naturalização da desigualdade
de gênero foi explicada pelo filósofo grego Platão em A República que idealizou os papéis de
gênero numa perspectiva muito mais igualitária do que a que predominava no senso comum e
no pensamento filosófico de sua época onde os homens superam as mulheres em quase todas
as atividades humanas, mas também reconhece que elas são superiores em outras fuões.
1.2. Poderes e papéis dentro da família
Ao contrário de Platão, Aristóteles, seu ex-discípulo, produziu uma interpretação que
fortalece a naturalização da desigualdade de nero, reconhecendo um estado “natural” de
dependência entre o homem e a mulher, e numa divisão “natural” pré-definida de papéis
sociais.
Apesar da mensagem de amor e do discurso igualitário de Cristo, para Badinter (1986)
a teologia cristã, em virtude de suas raízes judaicas, reforça e justifica a autoridade paterna e
marital. Aristóteles (Pai-Marido-Senhor todo-poderoso) reafirmava o dogma da desigualdade
natural, implicada a dependência e submissão dos filhos aos pais fortalecidas pelo silêncio
das leis divinas (Os Dez Mandamentos). A mãe estava submetida ao esposo como a Igreja a
Cristo sempre à disposão do senhor. No fim da Idade Média até a Revolução francesa o
filho é “Criatura de Deus”, um “Presente de Deus” ou cruz a carregar, não se pode usar e
abusar dele segundo a definição clássica da propriedade. Todas as disposões evidenciam a
atenção dada à autoridade paterna. Exercia-se nesse sentido uma pressão social tão forte que
quase não sobrava lugar para qualquer outro sentimento como o amor.
Ainda Badinter (1985), focalizou que na ideologia familiar do século XVI a criança
tinha pouca importância na família, constituindo muitas vezes para esta um verdadeiro
transtorno. Na melhor das hipóteses, a criança tem uma posição insignificante. Na pior,
amedronta. A partir do início do século XVII, os adultos modificam sua concepção da
infância e lhe concedem uma atenção nova, porém ainda não se reconhece um lugar tão
privilegiado na família que faça dela o seu centro. A teologia cristã de Santo Agostinho
elaborou uma imagem dramática da infância, manifestando verdadeiro medo, pois logo que
nasce a criança é símbolo da força do mal. Após a escola aristotélica, a filosofia cartesiana de
Descartes, retomou, num outro registro a crítica da infância. Descartes não diz que a infância
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é a ocasião do pecado, mas que ela é a ocasião do erro, fraqueza de espírito e total
dependência do corpo. O reinado da criança começa a ser celebrado nas classes
ascendentes do século XVIII, por volta dos anos 1760-1770 quando surgiram obras que
concitam os pais a novos sentimentos e particularmente a mãe ao amor materno.
No fim do século XVIII, o amor materno parece um conceito novo. Mas o que é novo,
em relação aos dois séculos precedentes, é a exaltação do amor materno como valor ao
mesmo tempo natural e social, favorável à espécie e à sociedade. Alguns verão nele um valor
mercantil. Igualmente nova é a associação das duas palavras, “amor” e “materno”, que
significa não a promoção do sentimento, como também a da mulher no papel de mãe.
Deslocando-se insensivelmente da autoridade para o amor, o foco ideológico ilumina cada vez
mais a e, em detrimento do pai, que entrará progressivamente na obscuridade.
Foram necessários dois discursos diferentes para que as mulheres voltassem a
conhecer as doçuras do amor materno: o primeiro surgiu das pesquisas demográficas em
meados do século XVIII em que se percebe o valor mercantil da mão-de-obra e potencial
riqueza ecomica. O segundo discurso propagou-se a partir dos grandes ideais de igualdade
e felicidade individual. Viu-se modificar a posição do poder paterno num sentido de uma
maior homogeneidade entre pai-mãe-filho. O século XVIII aproximou consideravelmente e
esposa do marido. Uma verdadeira obsessão da filosofia das Luzes: a busca da felicidade,
logo seguida pela valorização do amor. Esses dois novos valores virão reforçar oportunamente
a homogeneização dos esposos entre si, e mesmo a dos pais e filhos. Nesse sentido, a procura
da felicidade familiar é um passo importante na evolução rumo à igualdade. Desde o século
XVIII a era das provas de amor começou.
Um pensador que exerceu grande influência na cultura ocidental segundo Mansur
(2003a) e Carola (2006), foi Rousseau, que pontuou a educação como um instrumento
essencial para formação do homem ideal ensinado por três espécies de mestre: a natureza, o
homem e as coisas. Com a publicação de Emílio, em 1762, Rousseau cristaliza a iia e
impulsiona definitivamente o surgimento da família moderna, fundada no amor materno.
Idéias como o mito do instinto materno ou amor espontâneo de toda e pelo filho
permanecerá nos séculos seguintes com a ideologia de sacrifício e do devotamento materno.
A meta primordial de Rousseau é a educação e formação de Emílio, o homem. E quem deve
educá-lo? A mulher-mãe, com certeza, mas esta também precisa ser educada para cumprir
este papel. Na sua visão, a primeira infância é a fase mais importante da educação e a e é a
pessoa naturalmente destinada para essa fase. Não duvidas de que filósofo iluminista
Rousseau, assim como a maioria dos filósofos de sua época, acreditava cegamente na
inclinação natural da mulher para o lar e para a educação das crianças; assim como para o
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casamento e à maternidade. Todavia, apresentou uma concepção equilibrada de poderes.
Além de evidenciar o estado natural de dependência entre ambos os sexos, identificou os
segredos dos múltiplos poderes das mulheres. Miranda (2005) esclareceu que o tratado de
Rousseau de 1775, intitulado Do Sistema Físico e Moral da Mulher, tornou-se referência ao
discurso sobre as mulheres que são identificadas por sua sexualidade e seu corpo, já os
homens por sua energia e espírito.
Rousseau representava a nova ideologia: quando os esposos se escolheram livremente
e o amor que sentem um pelo outro se concretizará naturalmente em sua prole. A procriação é
uma das doçuras do casamento e que seria mais natural amar e em seguida os seus frutos.
Progressivamente, os pais se consideraram cada vez mais responsáveis pela felicidade dos
filhos. Mansur (2003a) observou que por intermédio de Rousseau e de outros filósofos e
enciclopedistas, a nova ideologia redefiniu os papéis sexuais, onde a autoridade paterna, até
então absoluta, tida como de origem divina e natural, passa a ser limitada pelas necessidades
da criança, sendo dever do pai zelar pelo bem-estar de seus filhos. Para a mulher, a procriação
passou a ser garantia de felicidade, visto ser a realização da sua natureza, e o aleitamento
materno tornou-se uma regra a ser cumprida. O casamento, decorrência da expressão da
liberdade e do amor, tornou-se uma escolha realizada livremente e a família volta-se para a
intimidade do lar.
(...) O reinado do Menino-Rei começou porque ele se transformou no mais
precioso dos bens: um ser que não pode ser substituído. A presença desse
novo personagem no seio familiar se faz sentir cada vez mais no século XIX.
A importância e autoridade paterna entram em declínio, sua maior função
era dar bom exemplo. O homem foi despojado de sua paternidade,
reconhecendo-lhe tão somente uma função econômica, distanciando-se do
filho. Paradoxalmente, seria preciso esperar a libertação econômica das
mulheres e seu acesso às carreiras outrora reservada aos homens para que,
estabelecida a igualdade, os homens pensem, finalmente, sob a sugestão das
mulheres, em questionar o papel paterno. Sob a pressão das mulheres, o
novo pai materna o filho à imagem e semelhança da e, surgindo o amor
paterno. (Badinter: 1985:210; 294; 364)
Foi a Revolão Francesa que rompeu as fronteiras que no Antigo Regime separavam
a esfera pública da privada, levando a um esboço de desordem social no século XVIII. Apesar
dos ideais revolucionários e emancipadores, as mulheres continuavam excluídas do direito de
cidadania e não se verificava a formação de um novo senso comum questionando as
diferenças “naturais” entre os sexos. Desse modo, Miranda (2005) verificou que a noção de
sujeito no sentido filofico, apoiada nos pressupostos da liberdade individual, igualdade e
autonomia, ainda o se aplicava às mulheres no período pós-Revolução. Até o século XIX,
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ainda se afirmava a superioridade dos homens em relação às mulheres como algo natural,
inclusive por parte das próprias mulheres. As mudanças propostas pela Revolução em relação
às mulheres não haviam sido incorporadas no dia-a-dia, e a elas era conferido um lugar à parte
em função de sua natureza. Nesse momentocio-histórico, as mulheres, de modo mais geral,
o pareciam ainda aspirar à condição de sujeito e de indivíduo. No horizonte da feminilidade
da sociedade vitoriana não se encontrava o construto sujeito, mas sim, a submissão, a
docilidade, a passividade e a fragilidade feminina.
1.3. As Relações de Gênero e a Família na política social vigente
Na Europa do século XVIII e XIX, enquanto religiosos, filósofos e cientistas
empenharam-se em demarcar os espaços naturais de homens e mulheres, o impiedoso
capitalismo industrial preferiu explorar o trabalho de mulheres e crianças, contrariando todos
os preceitos que afirmavam ser o espaço doméstico o lugar natural de ambos. De acordo com
Carola (2006) o capitalista da primeira fase da Revolução Industrial se apropriou do
tradicional discurso que acentuava a inferioridade e fragilidade natural de mulheres e crianças
para o trabalho. E foi em função das péssimas condições de trabalho que se intensificou o
movimento social
que tinha como meta primordial o reordenamento do espaço feminino e do
masculino.
Para restituir a suposta ordem natural dos papéis de gênero, três forças ideológicas
poderosas da época, ou seja, a moral cristã, a filosofia e a ciência, agiram para produzir e
propagar a ideologia que naturalizava a desigualdade de nero. Na prática, isso significava
que mulheres e crianças deveriam ser confinadas no espaço doméstico, cabendo aos homens o
espaço público. A preocupação dominante, no entanto, era com a formação de um novo
modelo de sociedade, com a formação de um Estado Moderno que requeria a valorização da
família e a redefinição do papel do marido, da esposa e dos filhos.
Na Inglaterra e França, por exemplo, Engels, Marx, Zola e Michelet, foram ativistas
importantes do movimento social acima citado, e Marx, da mesma forma que Engels, também
expressava sua indignação contra o trabalho de mulheres e crianças nas minas e fábricas.
Esses dois pensadores explicitaram visões e idéias radicais, ideologias que eram antagônicas à
mentalidade dominante da época. Sobre as relações de nero, ambos defendiam a igualdade
entre os direitos do homem e da mulher; condenavam o sistema burguês porque além dos
rios tipos de exploração e dominação, a mulher passou a ser uma propriedade privada do
homem, um simples instrumento de produção. No Manifesto Comunista, Marx e Engels
caracterizam a família burguesa como uma unidade ecomica da sociedade burguesa. Na
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França, Émile Zola materializou em forma de literatura sua visão e sua denúncia sobre a
condição de vida e trabalho das famílias mineiras.
Por outro lado, Jules Michelet, polêmico intelectual do século XIX, expressou a idéia
de que os principais males da sociedade eram causados pela mulher: o adultério, a
prostituição, o infanticídio, a discórdia, etc. Michelet vislumbrou uma nova República
eticamente fundamentada no amor e no papel da mulher; acreditando que a sociedade
provinha naturalmente da família e nesta a mulher tinha uma função essencial: educar a
criança para formar o homem ideal. Entretanto, a sociedade do século XIX, ou seja, a
sociedade do s Revolão Francesa, ainda o havia solucionado um dos seus maiores
males: a presença da mulher no mundo do trabalho.
Nesta mesma abordagem Langer (1981) sustentou que é necessário conhecer a
evolução histórica de nossa sociedade ocidental e patriarcal que manteve a mulher, durante
muitos séculos, totalmente subjugada ao homem. Foi a Revolução Francesa, com seu lema de
igualdade, que s pela primeira vez emvida que esta subordinão fosse natural e
inalterável. A mulher estava inserida no processo de produção caseira, mas alternou sem
limites definidos com este trabalho, a atenção para a família, a criação e educação dos filhos,
até a Primeira Guerra Mundial, favorecendo as mudanças das possibilidades do feminino.
Uma vez terminada a guerra, a transformação tornou-se irreversível, os homens voltaram e
encontraram mulheres independentes economicamente e conscientes de seus valores, com
uma liberdade sexual comparável à do homem, onde o ato sexual corria o risco de converter-
se somente em fonte de prazer, de ter perdido a transcendência e adquirido autonomia.
1.4. As mudanças nas relações de patriarcado e matriarcado
Desde o final do século XVIII, o estudo das diferenças sexuais ligou-se a debates
sobre a função social dos sexos. Para Luna (2002) a noção de natureza era uma forma de
subordinão, já que se acreditava que somente a ciência poderia prover evidência conclusiva
da alocação de papéis de nero na sociedade. Após o Iluminismo, a natureza, identificada a
uma realidade exterior imutável, a ser estudada por métodos científicos e que não a religião
ou a metasica, deveriam definir o lugar do homem e da mulher na nova ordem social.
Na abordagem de Badinter (1986), no início do século XIX, a autonomização da
ginecologia legitima a visão de que a finalidade do corpo feminino é a reprodução.
Considerando-se que puberdade, parto e menopausa afetam a mente e o corpo femininos sem
contrapartida no homem. No fim do século XIX, surgiu a tese evolucionista de um
matriarcado primitivo baseada no fato de que a filiação mãe/filho é indiscutível, enquanto a
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paternidade podia ser posta emvida, até mesmo ignorada. Somente muito mais tarde ter-se-
ia começado a conceber a noção de paternidade. Os homens foram então tomando posse do
poder, dos bens e dos títulos adquiridos pelas mulheres como chefes de família e lhes foi dado
o lugar de patriarcas, e seus filhos mantiveram a ascendência patrilinear. No fim do século
XIX, para serem iguais aos homens, restou às mulheres adquirirem um último direito: o de
disporem de seus corpos e obterem os meios da livre maternidade (aborto e anticoncepção).
Após a Segunda Guerra Mundial o patriarcado ainda existia porque a ideologia da
complementaridade ainda estava bem viva.
Estes termos patriarcado e matriarcado assumiram uma extensão considerável no
discurso antropológico da segunda metade do século XIX, em fuão das duas modalidades
da nova soberania burguesa: uma fundada na autoridade paterna a outra no poder das es.
Do mesmo modo foi preciso atribuir-lhes uma função de sexualização do laço social. Eles
permitiam pensar a história da família sob categoria não apenas da diferença sexual o
masculino contra o feminino e vice-versa mas também da contradição entre duas formas de
dominação econômica e psíquica: paternalocentrismo de um lado, maternalocentrismo de
outro. Com a abolão da monarquia na sociedade do século XIX o pai da sociedade burguêsa
o se assemelhava mais a um Deus soberano, porém ele conseguiu reconquistar sua
dignidade perdida, tornando-se o patriarca do empreendimento industrial. O destino feminino
continuou a ser inscrito no lar, pelo intermédio da maternidade. Uma mulher não era
respeitável”, realizada” ou “desabrochada” senão em função de seu status de e e
doméstica. No século XIX surge a “dessexualização” do trabalho por conta do maquinismo
que desvalorizou a força do homem.
Nesta mesma abordagem, Miranda (2005) esclarece que até o século XIX, um fato
tatuava a produção da subjetividade feminina e do ideal social de feminilidade: as mulheres
o tinham controle sobre o próprio corpo; isso fazia da reprodução uma imposição biológica,
tolhia uma liberdade sexual, amarrava a sexualidade à reprodução e lhes roubava o direito à
propriedade e à posse do bem mais próximo, o seu corpo. No período entre as duas guerras as
mulheres manifestavam comportamentos de independência, mas eram abafados pelo discurso
consensual sobre a mulher-mãe. que se sublinhar nesse período a valorização da
maternidade como função social. o século XX é o século da tecnologia. A pílula
contraceptiva, reflexo do avanço tecnológico do século, suscitou o debate público da liberação
da contracepção, a despeito da questão religiosa, como é o caso da inflexibilidade da igreja
católica, que se manteve conservadora. A liberalização da contracepção possibilitou às
mulheres a reapropriação do seu corpo e da sua sexualidade, dando-lhes o domínio da
fecundidade.
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Nesta mesma abordagem Carola; Costa, Stotz, Grynspan e Borges de Souza; e
Valbenedito, Lamas e Lolas (2006) identificam que no século XX passou-se a aproveitar as
destrezas femininas em que a era do computador não distingue as tarefas masculinas e
femininas. De acordo com esses autores, existiam duas vertentes sociais que dividiam o
trabalho feminino nas camadas altas e dias: a primeira, por necessidade financeira e a
segunda por realização profissional. O trabalho passou a ser para as mulheres, a sua
autonomia e prazer pessoal que não conseguiam mais encontrar no lar. A segunda etapa da
emancipação feminina diz respeito ao domínio de sua fecundidade e, pela mesma razão, de
sua liberdade sexual. Por volta de 1955/60 a primeira pílula anticoncepcional oral foi
comercializada e a contracepção feminina deu um golpe fatal na família patriarcal, deixando o
domínio da procriação para as mulheres. A partir daí não é mais o homem quem decide, mas a
mulher que escolhe ter ou não ter filho com esse homem. A relação de força inverteu-se
completamente em detrimento do pai, despojado de um poder essencial. É dela que tudo
depende, e nada pode ser feito contra sua vontade. Ela pode recusar fazer o filho que ele
deseja como também procriar contra a vontade dele, na verdade reduzi-lo ao seu papel
biológico de inseminador, sem que ele saiba jamais que é pai. Substituiu-se uma desigualdade
por outra, pesando agora sobre o homem. Por enquanto a única diferença que subsiste é o fato
de que são as mulheres que gestam os filhos dos homens, e nunca o inverso Assim, a
maternidade continua sendo a marca irredutível da especificidade feminina.
2. GÊNERO e SEXUALIDADE
2.1. Feminismo
O termo feminismo indica historicamente conjuntos variados de teorias e práticas
centradas em torno da constituição e da legitimação dos interesses das mulheres. O
movimento feminista do século XIX aceitava as concepções comuns de masculino e feminino
como elementos da natureza. No início do século até 1914 assistiu-se a uma movimentação
diversa por parte das mulheres objetivando, entre outras coisas, a igualdade potica,
particularmente o direito ao voto. Com a Primeira Grande Guerra aconteceu uma
desmobilização desses movimentos e percebeu-se certa harmonia sexual e fortificaram-se os
sentimentos familiares e o mito do homem protetor da pátria. As idéias sobre a diferença entre
os sexos, veiculadas desde o início do século e aquecidas pelas discussões que suscitavam
além das modificações sociais que garantem conquistas poticas às mulheres dão fôlego ao
movimento feminista a partir dos anos sessenta. Ao longo do século XX atenuou-se a iia
baseada na natureza ou na razão que justificava a crença na superioridade do homem sobre a
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mulher. Na perspectiva adotada por Miranda (2005), o pensamento feminista, a partir dos
anos setenta, sofre a influência do marxismo, da psicanálise e do s-modernismo,
justificando sua grande diversidade. O feminismo dos anos sessenta aos anos oitenta não deve
ser expresso no singular, pois haviam vários feminismos e pode-se observar um
amadurecimento dos movimentos na medida em que se defrontavam com questões históricas
e poticas onde o cenário s-moderno de mundo, que enfatizava cada vez mais a força do
eu em detrimento dos ideais coletivos, deixou seus reflexos no social, inclusive nos
movimentos feministas.
Mediante a trajetória dos estudos sobre sexualidade no Brasil, Loyola (2000)
identificou pontos de similaridade e convergência entre eles como: prazer/obrigação,
hierarquia/complementaridade, autonomia/dependência, igualdade/desigualdade etc. Os
primeiros estudos do tema sexualidade no Brasil datam no final da década de 70 e início de
80. O movimento feminista iniciado na cada de 60 produziu trabalhos acadêmicos, que, no
entanto, o focavam a sexualidade, pois surgiram num contexto fortemente marcado pelo
marxismo, por uma grande difusão da psicanálise e da ideologia individualista-igualitária
resultante das transformações ocorridas nos costumes brasileiros com o advento da pílula, da
revolução sexual e da cultura hippie.
Foi no movimento feminista que se desencadearam os primeiros debates em torno das
temáticas que caracterizam os estudos de gênero. O feminismo brasileiro é, no entanto, um
movimento heterogêneo, distribuído em diferentes vertentes conceituais e propostas políticas.
Conforme Nuernberg (2005) até a década de 70 os estudos sobre mulher no Brasil
encontravam-se numa espécie de limbo, inserindo-se em categorizações tradicionais das
ciências sociais, as quais ocultavam seu caráter inovador. O impacto social e potico dos
novos movimentos de esquerda e os pressupostos marxistas compunham o clima intelectual
respirado pelas feministas na década de 70, na medida em que as questões pertinentes ao
feminismo foram sendo incorporadas pela ciência e vice-versa, produziram-se novos campos
científicos a condição da mulher na sociedade, começando a surgir na academia uma série de
investigações. No caso do Brasil, é importante ressaltar o fato de que com a abertura
política se tornou possível a emergência dos movimentos sociais, de tal modo que os
movimentos feministas e a produção científica sobre mulher e gênero acabaram sendo
praticamente concomitantes.
Boa parte das teorias feministas assumiu o ponto de vista s-moderno, inspirando-se
nas abordagens desconstrucionistas. Concomitante às tensões internas do campo das teorias
feministas e de nero, existem também as tensões entre tais estudos e os demais campos
teóricos das ciências sociais e humanas. Enfim, a despeito de muitos preconceitos vigentes
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em uma parcela da comunidade científica que concebe nero como um conceito
“ideológico”, a categoria gênero tem sido cada vez mais utilizada como uma chave para o
avanço na compreensão dos temas que tradicionalmente caracterizam os campos das ciências
sociais no Brasil.
Dos anos 60 aos anos 80 pode-se observar mediante vasta bibliografia um
amadurecimento dos movimentos feministas na medida em que se defrontavam com questões
polêmicas. É importante ressaltar sua marca histórica e política e, conseqüentemente, as
mudanças deles geradas, porém, optou-se neste estudo por o aprofundar-se nas discussões
sobre o tema por divergir do foco proposto.
2.2. Estudos sobre Gênero e Sexualidade no Brasil
O início dos estudos sobre sexualidade no Brasil surgem, conforme Loyola (2000), no
início de 1983, com discursos variados, em que o eixo central era a problemática da
associação e dissociação entre sexualidade e reprodução, apontando para uma tensão entre os
modelos de família e de relação ente os gêneros. A primeira pesquisa surgiu com artigos
feministas, depois criticada por sua ingenuidade; depois, em 1984 outro trabalho apoiado nos
paradigmas foucaultiano exprimiu a moral da “vergonhae da “não vergonha”, contrapondo
idéias anteriores. As, outros trabalhos discutiram a tensão entre individualidade e família,
sobre a posição da mulher (solteira/virgem- casada/fiel), das mães solteiras por “opção” e dos
homossexuais. Na década de 90 com o advento da Aids e dos “bebês de proveta” surgiram os
estudos de gênero, mas que comportavam hierarquia, em que as construções das identidades
masculina se caracterizavam por atributos relacionais e as femininas com atributos
contrastivos, devido à relação de complementaridade hierárquica.
A partir de um debate teórico sobre nero e ciência, Rohden (2008) discutiu os
processos de redefinição das diferenças de gênero e sexo por meio de marcadores tidos como
biológicos ou naturais. E identificou um percurso de naturalização das diferenças através de
uma lógica de “substancialização” ou “materialização”, a exemplo da percepção da medicina
sobre a mulher, que promoveu modelos explicativos da economia corporal feminina centrados
ora em órgãos como útero e ovários, ora na mecânica dos hormônios e, mais recentemente,
também nas distinções genéticas e neurológicas. Ainda conforme o pesquisador, na produção
dica editada no Brasil, a associação entre órgãos genitais femininos e suas funções e
perturbações mentais apareceu sob diversas formas, desde a histeria até a loucura puerperal.
É quase como se a mulher, por sua própria natureza, beirasse a patologia. As manifestações
dessa condição, diagnosticadas pelos médicos, embora pudessem assumir caracteres sicos
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eram principalmente de ordem mental. Ele comentou sobre a tese de Urbano Garcia, Da
intervenção cirúrgico-ginecológica em alienação mental, defendida em 1901, em que o mais
impressionante era a facilidade com que era feita a associação entre problemas nos órgãos
genitais e perturbações mentais. Contudo, na mesma época já começaram a aparecer
discussões em torno da sede do desejo sexual e da relação entre os genitais e as funções
mentais. Se anteriormente, até a passagem para o século XX, prevaleceu uma idéia de
excesso, relativo à sexualidade feminina ou à própria concepção de feminilidade, tão
marcadamente manifesta nos vários ciclos femininos, na nova etapa o que se destacou foi a
imagem da falta, da chamada insuficiência ovariana, que representou uma carência ou
ausência de feminilidade, expressa de várias formas, do desejo sexual à capacidade de
procriar.
Nesta mesma visão, Leal e Pereira (2005) abordaram que ao longo de muitos séculos o
papel da mulher deve incluir o de gerar filhos. Porém, apesar das grandes alterações sociais
que levaram a modificações no papel da mulher na sociedade, ainda se verifica uma
prescrição normativa para que ela cumpra essa função social, sendo que a mulher que recusa
esta imposição normativa é mais facilmente conotada com mau ajustamento psicológico.
Dando continuidade ao trabalho de Rohden (2008), pondera-se que saímos de uma
lógica do excesso a ser coibido para uma lógica da falta que precisava ser suprida -
perspectiva que permanece ainda hoje governando as iias sobre as diferenças entre os
gêneros e especialmente sobre a sexualidade de homens e mulheres. A descrição dessa
passagem entre uma e outra lógica nos leva a tentar entender as influências que poderiam
estar relacionadas ao processo. Certamente um evento fundamental nesse caso é a história da
criação ou descoberta dos chamados hormônios sexuais. Parece ficar nítido que há uma
resistente tentativa de encobrir o gênero a partir de uma lógica da substancialização da
diferença. Percebe-se a pregnância de uma necessidade de 'essencialização' das diferenças
entre homens e mulheres ao longo do último século, que remete necessariamente à tradição
dualista que tem caracterizado a cultura ocidental moderna.
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3. SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO (ANTROPOLOGIA)
O olhar antropológico caracteriza-se, em particular, por tomar de maneira mais ou
menos radical a afirmativa de que os temas a serem investigados fazem sentido somente a
partir da teia de significados e relações sociais que os sustentam em um determinado contexto.
Assim, na abordagem de Heilborn e Brandão (1999), o que é sexo para certo grupo não é
necessariamente para outro, e os nexos estabelecidos entre essa dimensão e as demais da vida
social também variam.
A despeito de inicialmente gênero ter sido confundido com "papel sexual", por ater-se
a uma visão funcionalista da sexualidade, atualmente, a concepção subjacente à visão
materialista histórica e dialética sobre o tema é a de que refere-se ao sexo social e
historicamente construído. As relações entre sexo e reprodução estão historicamente tão
ligadas, que ainda hoje é impossível falar da sexualidade nas sociedades contemporâneas, sem
falar em anticoncepção, gravidez, parto, paternidade e maternidade. Em que gênero é a
organização social da diferença sexual sendo uma expressão da estrutura social movente,
devendo ser analisada nos seus diferentes contextos históricos e na perspectiva da
subjetividade dos sujeitos que as constroem constituindo a objetividade, esclarecem Loyola
(2003a) e Alves (2005).
Os editores de Cadernos de Saúde Publica ofereceram para Maria Andrea Loyola o
desafio de formular um texto sobre a contribuição da medicina, segundo o controle normativo
e tecnológico da sexualidade feminina e do processo reprodutivo (parto, aleitamento,
contracepção e tratamento das infertilidades) para a construção, durante o século XX, de um
novo modelo de reprodução (biológica e social), calcado em uma mudança radical das
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identidades e das relações entre os sexos; para que fosse debatido por oito profissionais
qualificados (Abdo; Altman; Carrara; Egypto; Estellita-Lins; Knauth; Santos;Vieira: 2003) e
que comportavam diferentes perspectivas. No artigo Loyola (2003a) cita que existem dois
modelos históricos de reprodução e de controle da sexualidade: o tradicional e o moderno; o
primeiro baseado na homogamia, no amor conjugal, na indissolubilidade dos laços
matrimoniais, numa rígida divisão de trabalho entre os sexos e num rígido controle da
sexualidade feminina, na submissão jurídica e social da mulher ao homem, na identidade
familiar; e o segundo baseado na escolha individual do njuge, em normas relativamente
mais flexíveis de homogamia, no amor-paixão, na possibilidade de divórcios e separações
freqüentes, numa divisão de trabalho pouco gida entre os sexos, na liberação (e mesmo
valorização) da sexualidade feminina, na igualdade jurídica e social entre os sexos, na
identidade individual e no controle tecnológico da contracepção. Porém, a desagregação do
casamento tradicional não parece contradizer a tendência de esvaziar a família de suas antigas
funções reprodutivas, tampouco, o "desejo de filhos" (ainda que em número limitado), nem os
de maternidade/paternidade. Reforçando a visão naturalizada daqueles papéis e do processo
reprodutivo: a iia de filho como um prolongamento do próprio corpo, a transmissão do
patrimônio sociocultural pelo sangue, em suma, os aspectos biológicos em detrimento dos
sociais, o que explica em parte, o sucesso das NTRs.
Em resposta ao desafio para participar deste debate Altman (2003) afirma que a
medicina moderna é uma medicina social, fundamentada em certa tecnologia do corpo social,
onde o corpo é uma realidade biopolítica e a medicina é uma estratégia biopolítica, termo
utilizado primeiramente por Foucault. Como fala Loyola, o modelo de controle social
consolidado durante o século XX é denominado por Foucault de biopoder, que é marcado por
um forte investimento potico na vida, para o qual o controle da sexualidade é fundamental.
Utilizando o mesmo autor como refencia, pode-se acrescentar que a importância do sexo
como foco de disputa política deve-se ao fato dele se encontrar na articulação entre os dois
eixos ao longo dos quais se desenvolveu toda a tecnologia da vida potica: o sexo faz parte
das disciplinas do corpo permitindo o exercio de micropoderes e pertence à regulão das
populações.
Dando continuidade ao debate do artigo de Loyola, Vieira (2003) focalizou que a
construção da nova sexualidade feminina se deu às custas da incorporação da contracepção
como objeto médico, de um lado, e do desenvolvimento das novas tecnologias de reprodução,
por outro. Para medicalizar é necessário naturalizar o objeto, pois esse é o caráter da
medicina, que se apóia no conhecimento da biologia e disciplinas correlatas, tomando o corpo
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isolado do contexto social e seus significados para poder compreendê-lo isolado, enquanto
objeto somático, e lhe dar novo sentido para o estabelecimento da intervenção.
Após discussão Loyola (2003b) agradeceu aos editores pela oportunidade e respondeu
ao debate lembrando que a associação e dissociação entre sexualidade e reprodução são duas
dimensões da atividade humana, é de fato uma construção social, um processo permanente e
inerente às sociedades humanas e notadamente às sociedades que perpetuam suas criações por
meio da escrita. Loyola lembra que Carrara (2003) indagou porque o prazer sexual assim
radicalmente autonomizado (da reprodução) deveria necessariamente cair sob controle
dico. No entanto, quem melhor respondeu a essa questão foi o próprio Foucault, como
enfatiza Altman (2003) em seu comentário:
"a medicina moderna é uma medicina social, fundamentada em uma certa
tecnologia do corpo social (...) A importância do sexo como foco de disputa
política deve-se ao fato de ele se encontrar na articulação entre os dois eixos
de orientação do biopoder que se desenvolve a partir do século XIX: o
investimento político na vida e na qualidade de vida das populações. Assim,
a sexualidade foi investida e tornou-se chave da individualidade, dando
acesso à vida do corpo e à vida da espécie, permitindo o exercício de um
biopoder sobre a população, a sociedade e a reprodão".
A problematização da relação das biotecnologias com a produção de subjetividades na
contemporaneidade, colocando em discussão a naturalização da evolução da espécie humana
e da ciência que objetiva tomar as biotecnologias como um exemplo de progresso da
humanidade neste momento atual da sociedade é o que trata o artigo de Bernardes (2007).
Enfoca que as biotecnologias são compreendidas como biopolíticas, ou seja, como estratégias
do poder se exercer sobre a vida. De acordo com Foucault (1999), as biopolíticas são formas
do que o autor nomeia de biopoder que emerge na modernidade e exerce-se por meio de
políticas voltadas para a vida. Estas se dividem em duas formas distintas, as quais não se
excluem, pelo contrário, reforçam-se mutuamente: anatomopolítica, que centra-se no corpo
como máquina e encontra na utilização e docilização da força deste corpo trabalhador a
possibilidade de integrá-lo ao sistema de produção de riqueza; e biopolítica da população,
que se centraliza no corpo como espécie, um corpo reconhecido por seus processos
biológicos.
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4. NATUREZA – NATURALIZAÇÃO
O pesquisador Brasil (2002) enfocou em seu estudo a natureza sob o olhar filofico
discutindo a aplicabilidade do conceito de desnaturalização segundo uma intervenção na
clínica do acontecimento (acontecimentoo é o que acontece, ele é no que acontece).
Motivo de debates, de antigas discussões entre filósofos, que opõem a existência de dois
mundos, o da natureza e o do artifício. A iia de natureza tem sido tomada como princípio
aquilo que se faz sem a ação do homem e, como força força estranha e natural, efetuada
de modo silencioso, invisível e... impensável. Por mais que se interrogue a respeito, essa idéia
tem mantido o silêncio acerca das características próprias da natureza e produzido efeitos de
naturalização nos modos de pensar, sentir, agir...
Se a idéia de natureza tem ocupado “lugar” especial nas práticas sociais é porque
nunca se abandonou, nunca se rompeu definitivamente com a formulação platônica e
aristotélica que a desenvolveu e mantém sua marcante e indiscutível presença no pensamento
do mundo ocidental. Por ser uma crença, simplesmente acredita-se que exista, porém, sem
saber em que se acredita. Por ser imprecisa, funciona como ponto de apoio a outras iias a
ela entrelaçadas em uma rede imaginária. Por ser silenciosa, presta-se à miragem, à “ilusão”.
A ilusão distingue-se do erro porque, para ser falso, é necessário primeiramente ser, e a idéia
de natureza não é, ou melhor, é um nada. A ilusão naturalista é impulsionada, ganha força no
mito, na idéia de que a repetição reproduz no presente aquilo que foi no passado. Na fronteira
móvel entre o dado, o “natural”, e o criado, o “artificial”, ou ainda, na fronteira “móvel”
entre natureza e cultura, inscreve-se a investigação histórica.
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Nesse processo de transformação da natureza em cultura, que poderia ser chamado
“desnaturalização”, a história tende a evidenciar os “limites de significabilidade” de modelos
ou linguagens.
Nas mais variadas formas que tenha sido adotada, a iia de natureza funciona como
uma espécie de “porto seguro”, uma instância construída historicamente e da qual o homem
tem recorrido diante daquilo que o consegue definir – e quando o faz, a definição resulta do
negativoe/ou daquilo com que reluta em se defrontar: a dimensão caótica da existência. De
posse da idéia de natureza, qualquer que seja a sua configuração no horizonte histórico, o
homem vê-se assegurado de um conforto, um aconchego tranqüilizador, mas provisório, tanto
quanto ilusório.
Para Costa, Stotz, Grynspan e Borges de Souza (2006) a recorrência da naturalização
como fundamento do processo de medicalização do corpo feminino como forma de controle
social, como base na reprodução biológica, aprofunda as desigualdades sociais e de nero,
com base na reprodução. É preciso salientar que as tecnologias de reprodutivas e os métodos
contraceptivos permitem que as mulheres tenham o direito de definir quando querem ser
es, que a crescente busca por serviços de RA compreende, mais uma vez, o processo de
medicalização, já que a ausência de filhos configura patologia. Ao longo do tempo, pôde ser
identificada a manutenção e perpetuação da representação de gravidez e maternidade como
algo inerente à natureza feminina, requeridas à constituição da identidade feminina e à sua
plena realização como sujeito, em que essa naturalização perpetua e aprofunda desigualdades
de gênero.
4.1. Desnaturalizando as verdades (Filosofia)
Na abordagem de Martins (2004) propõem-se dois métodos filoficos
complementares de aplicação: o da genealogia filosófica e o filosófico-conceitual. O primeiro,
desconstrutivo, permite a desnaturalização de idéias às quais se atribui um valor de verdade.
O segundo, construtivo, promove reconceitualizações cujo valor o mais se oculta sob a
idéia de verdade. Ambos não encerram doutrinas filoficas e mantêm o caráter questionador
da filosofia, constituindo-se como um instrumental para se pensar os conceitos envolvidos e
propostos nas práticas e poticas de saúde. A proposta é um todo propriamente filofico,
de um uso constante intrinsecamente investigativo e questionador.
Nessa perspectiva, o autor esclarece que relação entre Filosofia e Saúde está no
interior da própria filosofia, pois em toda a história da filosofia, esta foi vista como medicina
da alma. A medicina cuidaria do corpo, enquanto a filosofia cuidaria da alma. Tal concepção
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da filosofia como uma terapêutica, no entanto, torna-se mais forte com as filosofias que não
dissociam corpo e alma. Por exemplo, Espinosa e Nietzsche que são filosofias que enfatizam
a importância do ambiente e do afeto para o pensamento. Foi Espinosa que inaugurou a
intuição genealógica, no sentido nietzschiano do termo onde a genealogia implica a
investigação de causas em um sentido não cartesiano. Logo, estas causas são, em última
instância, afetivas.
O papel da história para o genealogista é o de permitir a desconstrução destas ficções
de verdades, de propiciar colocar a nu a construção do que hoje aparece como natural e
inevitável. O que hoje nos parece cristalizado e presente desde toda a eternidade tem, no
entanto, uma história, a história de uma construção, que forjara objetos, crenças, identidades,
modelos culturais, racionalidades, concepções do que sejam as coisas a razão, a ciência, a
liberdade, a moral, o comportamento correto para si e para os outros, o Bem, o Mal , modos
de valorar e de viver.
A genealogia afigura-se como método de desconstrução de objetivações e hipostasias,
capaz de desconstruir e relativizar as crenças atuais. Compreendendo a formão das verdades
atuais ao longo da história história da civilização, da ciência e da filosofia
contextualiza-se o que, de outra forma, poderia se nos apresentar como verdades, sejam
absolutas ou relativas. A genealogia descontrói, nos abre para a construção de novos
conceitos, seja porque nos reapropriamos de conceitos antigos atualizando-os, seja porque
modelamos os nossos próprios.
Sendo assim, a filosofia tem: (a) um papel de desconstrução de crenças e
naturalizações atuais, problemáticas para nossa contemporaneidade; (b) um papel de
construção de novos conceitos, valores e formas de conceber a saúde e a vida, abrindo a
novos modos de nos afetarmos e nos inserirmos no mundo.
Foucault inaugurou uma arqueologia como método de investigação e chamou este de
solo epistêmico. A arqueologia que busca encontrar epistemes por detrás de práticas sociais
participa da desconstrução dos objetos tidos por naturais. O campo do saber e poder da
psicologia clínica, ao incorporar o "princípio da desnaturalização" operado por Foucault,
redefine seu objeto e seus dispositivos ético-metodológicos. Para Escossia (2005) após as
obras de pensadores tais como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, a psicologia
foi abalada por duas idéias: a primeira, aprofundando um princípio enfatizado por
pensadores do século XIX, é a de que o sujeito não é um dado preexistente e de que sua forma
o é definitiva: sua natureza é fundada e refundada historicamente. A segunda, a de que a
própria psicologia é produto e faz parte de uma trama de saberes e poderes voltada para a
disciplina e controle dos corpos individuais e coletivos.
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A desnaturalização do sujeito e a politização da psicologia, se por um lado,
desestabiliza o campo psi afastando a psicologia do almejado e modo lugar da neutralidade
científica e colocando-a como exercício simultâneo de saber e poder, por outro lado, abre uma
nova possibilidade de reconfiguração desse campo. Possibilita a emergência de práticas que
tomam o caráter histórico, contingente, inacabado e múltiplo do sujeito como potência
afirmadora e engendradora de novos modos de existência.
Em suma, Martins (2004) sugeriu que os todos, genealógico e conceitual,
separadamente ou encadeados, podem trazer às reflexões no campo da saúde um caráter
crítico e questionador próprio da filosofia naquilo que ela tem de não ideológica ou
sistemática, mas de desconstrutora de crenças e cristalizações e construtora de suportes de
vitalização. Nossa saúde e a saúde como campo de saber têm a ganhar abrindo-se à prática
reflexiva, investigativa e questionadora da filosofia.
5. MULHER/ FEMININO: mãe
Feminino e materno são conceitos diferentes e entrelaçados entre si que acabam por
confundir-se como se fossem uma e a mesma coisa. Matos (2000) identificou que as teorias
psicológicas dinâmicas consideram que ao longo do processo de desenvolvimento da mulher,
elas vão progressivamente adquirindo uma identidade feminina, culminando esse processo
com a aquisição de uma identidade/capacidade materna em que a mulher se torna capaz de
cuidar, tomar conta de outros e tem desejo de fazê-lo. Esta identidade materna seria
dominante sobre a identidade feminina e, assim, a mulher seria em primeiro lugar e, sobretudo
e e só depois disso, mulher. Assim sendo, ser mulher seria mais ou menos coincidente com
ser e, e o materno seria considerada não como uma possibilidade do feminino, mas como o
próprio feminino.
A autora sustentou a associação entre maternidade e feminilidade em entrevistas em
que as mulheres falaram que: - ser mãe é o sonho de toda mulher, que se sentem inferiores em
relação às outras mulheres por não conseguirem ter filhos, que é função feminina criar os
filhos, que é muito natural querer ter filhos e que sentem-se menos mulheres por não
conseguirem gerar seus filhos. Afirmam que é mais importante para a mulher ter filhos do que
para o homem. As entrevistadas comentaram sobre esperar que os pais sustentem
materialmente seus filhos e que as mães cuidem deles com carinho. Sugerindo que o exercício
de funções tem uma visão do masculino relacionado com o sustento material dos filhos, e do
feminino com o cuidado pessoal deles.
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De acordo com Brasileiro e Jablonski (2002) as representações socioculturais da
maternidade e da paternidade influenciadas pelos valores de nero vigentes na sociedade
revelam nossos ideais, padrões, crenças e expectativas em relação às mulheres e homens que
serão es e pais, e estão embutidas de valores de gênero tradicionais em que o feminino é
associado à expressividade e à afetividade, e o masculino à instrumentalidade e autonomia.
Avaliando que a sociedade é dividida em mundo público e privado em que o primeiro, de
domínio exclusivo dos homens, produziu e reforçou estes valores baseando-se em uma
percepção hierarquizada das diferenças sexuais.
Na abordagem de Luna (2007) o Iluminismo marca a mudança epistêmica na qual se
enraízam as concepções de que a biologia (o corpo estável e a-histórico) é a base para
prescrições sobre a ordem social. Configura-se hoje uma revolução nas relações de gênero,
com a desconstrução das imagens tradicionais de feminino e masculino e com a retirada de
fronteiras de seus respectivos territórios.
5.1. Naturalização do Feminino
A revisão histórico-bibliográfica de Miranda (2005) explorou dados interessantes
sobre a noção de sujeito e a posição da mulher, que com o advento da modernidade trouxe
consigo as noções de autonomia, de indivíduo, de liberdade e de igualdade, já citados
anteriormente. O cristianismo introduziu a dimensão da interioridade e a valorização da
experiência íntima e, é no início da era cristã que encontrou-se os primeiros vestígios da
concepção de sujeito. Contudo, segundo esse autor, é no mundo moderno que a configuração
“sujeitose naturaliza. A noção de sujeito como fundamento, atrelada à noção de indivíduo,
de privado, de autonomia, tal como a conhecemos hoje, surge na era moderna e, portanto de
subjetividade. O conceito da sociedade moderna individualista pressupõe a noção de sujeito
autônomo já delineado na filosofia cartesiana e ganhou substância com o Iluminismo do
século XVIII. No século das Luzes, a idéia de “natureza” substitui a idéia de “Deus” e, como
os deuses se desmistificam, é o homem que se mistifica. À idéia de “natureza” se aliava a
idéia de “natureza feminina”, que era uma produção discursiva da cultura européia dos
séculos XVIII e XIX que levava as mulheres a uma adequação àquilo que lhes seria natural: o
espaço doméstico, a família, a maternidade. Naquele momento histórico, a feminilidade
retratava um discurso que se referia à docilidade, ao recato e ao papel social de mãe e esposa
atribuído às mulheres.
Esclarece Luna (2002) que, no século XIX, com o desenvolvimento da ginecologia,
uma ciência médica da mulher, reiterou-se o sexo feminino como dotado de peculiaridades
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 40
fisiológicas que o afetariam em grau mais elevado do que as características fisiológicas
masculinas afetariam os homens. As fuões biológicas das mulheres na reprodução da
espécie as aproximou da natureza em geral, além de definir a natureza feminina. Haveria uma
relação necessária entre a biologia da mulher e suas atividades sociais, sua moralidade, sendo
vista positivamente no amor maternal.
E de acordo com a idéia de que maternidade como natural faz parte dessa construção,
e de uma interpretação de gênero, segundo Luna (2002/5) identificou-se que no contexto
brasileiro a gestação ainda tem bastante peso para definir a maternidade onde a construção do
sistema de parentesco ocidental tem a maternidade como fato natural, na percepção de que a
relação mãe-filho em si estaria no âmbito natural, sendo necessária a existência do pai ou
marido para implantar a socialidade. A concepção da maternidade natural estaria presente
tanto no discurso jurídico na definição da mãe pelo parto, como na idéia de uma natureza
feminina centrada na reprodução e manifesta no instinto materno, conforme construído pela
medicina dos séculos XVIII e XIX. No que diz respeito a representações de gênero ocidentais
correntes em que a mulher enquanto e é símbolo de abnegação, dotadas de um matiz
peculiar no caso brasileiro, esta peculiaridade reforçou a centralidade do papel materno,
sacralizando a posição de mãe conforme a presença cultural de aspectos de honra e vergonha.
Houve a transformação de uma concepção de natureza humana oriunda da teologia cristã e da
filosofia, integrante de um sistema moral, para a noção de uma natureza humana intrínseca à
dimensão biológica vinda do Iluminismo onde ela deixou de ser o reflexo de valores maiores
transcendentes e passou a ser objeto da ciência estabelecendo o ordenamento social em que a
noção ocidental de parentesco baseou-se nos "fatos da vida" onde ter relação sexual,
transmitir genes e dar à luz são fatos considerados naturais.
5.2. A naturalização da maternidade
Investigando a bibliografia disponível sobre maternidade e paternidade para esta
pesquisa, constatou-se que ao pretender delimitar em cerca de 10 anos atrás, entre 1998 até
hoje, os artigos referentes à maternidade, nesta última década, são escassos e aqueles sobre
paternidade são em maior número. Percebeu-se este fato na leitura da revisão bibliográfica de
Moura e Araújo (2004) sobre a discussão da naturalização de conceitos e práticas
relacionadas à maternidade e aos cuidados maternos, associando-se sua construção social às
modificações pelas quais a família tem passado na Europa e no Brasil, sendo trabalhos de
autores da década de 80 e somente um do ano de 1990.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 41
No século XX, na década de 1940, no livro O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir
(1980) a autora e filósofa francesa pontua que a mulher era definida tradicionalmente por sua
condição de reprodutora da espécie e que a maternidade é vista como a vocação “natural” da
mulher, e que no homem é acentuada sua vocação para o trabalho. Cabia às mulheres a
obrigação de formar filhos felizes, porém, essa obrigação nada tem de natural porque a
natureza não poderá nunca ditar uma escolha moral. Nesse sentido, o existe mãe
“desnaturada”, uma vez que o amor materno nada tem de natural e, por isso mesmo, existem
es más. Segundo Carola (2006) ao refletir, sobre Beauvoir afirma de forma instigante que
a mulher não nasce mulher, ela torna-se mulher”. Tal afirmação incisiva, que também vale
para o homem, provocou um primeiro impacto na história do pensamento social e científico.
A partir dessa premissa, ficou cada vez mais evidente de que os papéis atribuídos aos homens
e às mulheres são historicamente construídos e estão em constante mutação.
Apesar da pesquisa de Gomes Costa (1995b) ser de treze anos atrás, ela tem uma
importância no sentido de que a autora tentou compreender as concepções sobre a
maternidade: por que algumas mulheres desejam tanto ter filhos, e filhos que sejam
biologicamente seus e de seu maridos/companheiros? Ela considerou que dois pontos de
vista que se deve tomar em conta para as conclusões a respeito das concepções sobre
maternidade: o êmico e o ético. Do ponto de vista êmico das entrevistas, encontrou ênfase na
maternidade como um desejo natural; assim como um evento natural na vida da mulher; a
maternidade faz parte do casamento e da família (tanto porque um casamento/família
pressupõe filhos, quanto porque os filhos seriam mais reconhecidos dentro do
casamento/família); a maternidade implica gravidez e transmissão genética de características
físicas e morais; e a maternidade é um elemento fundamental na definição do feminino, sendo
um desejo de origem interna, instintiva. Do ponto de vista ético, a autora entende que a
concepção da maternidade é construída socialmente, no contraponto com pessoas,
instituições, corpos, tecnologias, categorias de gênero. Conclui que um duplo processo de
construção da concepção sobre maternidade. Um se através das relações entre maternidade
e família, maternidade e sociedade, maternidade e corpo, maternidade e categorias de nero.
E outro processo está se desenvolvendo através da assistência dada à “natureza/biologia”, por
interdio das novas tecnologias reprodutivas.
Dando continuidade em sua pesquisa na linha de discussão sobre a questão da
valorização da maternidade em diferentes sociedades e períodos históricos, quando a
imprensa feminina carioca (RJ) mostrou que através de revistas do final do culo XIX e
início do século XX procuravam orientar as mulheres no desempenho de suas atividades de
esposa, mãe e dona de casa onde o discurso do amor materno associava a maternidade ao
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 42
sacrifício e à renúncia, dando a dimensão exata do que significava ser mãe. No período de
1945-1964 as revistas valorizavam muito a maternidade chamando-a de “a sagrada missão
feminina”, associando diretamente à natureza feminina. Ainda Gomes Costa, cita uma
pesquisa realizada em Montevidéu (1994) onde a maternidade é despojada de sua condição
social e aparece naturalizada onde o altruísmo é visto como “natural” e o sacrifício sendo
inerente à condição biológica da mulher. No Brasil Colônia a esterilidade feminina era
considerada um estigma onde a impureza sica ou moral dentro da vida conjugal podiam
tanto atrasar quanto impedir uma gravidez e, ainda, os médicos esforçavam-se por enfatizar a
vocação natural das mulheres para a maternidade.
Para Moura e Araujo (2004) a naturalização de conceitos e práticas relacionadas à
maternidade e aos cuidados maternos, associando-se sua construção social às modificações
pelas quais a família tem passado, na Europa e no Brasil. Durante um longo período, a
maternagem foi pensada como intrinsecamente relacionada à maternidade, como função
feminina por excelência, concernente à natureza da mulher. Na verdade, diversas revisões
históricas acerca da instituição familiar sugerem que a exaltação ao amor materno é fato
relativamente recente dentro da história da civilização ocidental, constituindo-se esse tipo de
vínculo, tradicionalmente descrito como “instintivo” e “natural”, em um mito construído
pelos discursos filosófico, médico e potico a partir do século XVIII.
Dando continuidade ao estudo, Moura e Araujo abordam que nas classes favorecidas,
a mulher passou a assumir, além da função nutcia, a de educadora e, muitas vezes, a de
professora. À medida, pom, que as responsabilidades aumentaram, cresceu também a
valorização do devotamento e do sacrifício feminino em prol dos filhos e da família, que
novamente surgiram no discurso médico e filosófico como inerentes à natureza da mulher.
Assim, se por um lado as novas responsabilidades da mulher conferiam-lhe um novo status na
família e na sociedade, afastar-se delas trazia enorme culpa, além de um novo sentimento de
anormalidade”, visto que contrariava a natureza, o que podia ser explicado como desvio
ou patologia.
5.3. A identificação da natureza feminina com a maternidade
Abordando o conceito de gênero Makuch (2006a) compreendeu que experiências
sociais distintas para homens e mulheres permeiam as relações de casal e familiares, o
desenvolvimento do projeto parental e às vivências vinculadas à reprodução. Em que
tradicionalmente, a maternidade tem sido definida a partir da relação biológica que atribui o
papel de mãe à mulher que gestou e deu à luz o be. Todavia, o autor observou que a maioria
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 43
das mulheres define o termo “mãe” como a interação estabelecida entre a mulher e a criança
que transcende o aspecto meramente biológico, sendo o papel de mãe construído ao longo da
gravidez, do parto e do cuidado aos filhos.
Chodorow (1990) explicitou a perpetuidade da maternagem
1
das mulheres como elemento
central e constituinte na organização e reprodução social dos neros. Sua hitese é que a
reprodução contemporânea da maternagem ocorre por intermédio de mecanismos
psicológicos e sociais estruturalmente induzidos. Não a considera um produto da biologia nem
de preparo intencional para a função e, através da teoria psicanalítica do desenvolvimento da
personalidade, busca demonstrar que a maternação das mulheres se reproduz ciclicamente.
Como mães, as mulheres produzem filhas com desejos e capacidades de maternar que surgem
no próprio relacionamento mãe e filha. Os filhos, por outro lado, têm suas habilidades e
necessidades maternantes sistematicamente reduzidas e reprimidas, e isso os predispõe a
papéis menos afetivos, ao trabalho impessoal e à vida pública.
No âmbito dos estudos de gênero a questão da maternidade assim como a crítica
feminista à naturalização do sentimento materno têm sido examinada com freqüência a
presença de uma imagem materna idealizada ativa no imaginário da cultura que, mesmo
quando Chodorow (1990) e Badinter (1986) debatem a questão da naturalidade, elas não
resistem à influência dos estereótipos e se apóiam no modelo materno como o modelo de
relação, ternura e cuidado, interpretando as trocas afetivas e de cuidado dos pais com seus
filhos como uma forma de “maternar” (“maternagem para Badinter e “maternação” para
Chodorow). Segundo Roudinesco (2003[1984]) os homens assumiram um papel
“maternalizante” no exato momento em que as mulheres não eram mais obrigadas a serem
es porque detinham o controle da procriação.
O resultado da pesquisa de Souza e Ferreira (2005) reforçou os estudos nos quais se
constatou que a concepção da maternidade como algo inerente à natureza feminina encontra-
se presente no discurso de mães e não-mães, bem como das investigações nas quais se
evidenciou que as mulheres não-mães sentem-se desvalorizadas e apresentam índices de bem-
estar subjetivo e de auto-estima inferiores, quando comparadas às mulheres mães. Por outro
lado, contrariam de certa forma, as pesquisas nas quais se demonstrou que a não-maternidade,
em alguns casos, surge como uma opção de vida necessária à construção da identidade
feminina adulta. Em síntese, os estereótipos tradicionais, que atrelavam a maternidade à
1
O termo "maternagem" referido neste texto tem sido utilizado na área de estudos de gênero para expressar os
processos sociais de cuidado e educação de crianças, que visa suprir suas necessidades, em oposição á
maternidade, que se refere à dimensão biológica da gestação e do parto; e tem sido utilizado em estudos
feministas para enfatizar as dimensões culturais da criação dos filhos.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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condição feminina, ainda exercem influência na construção da identidade feminina. Os
achados evidenciaram ter prevalecido a visão de que a maternidade confere à mulher um
status mais nobre, associado a um maior poder de decisão sobre a própria vida e sobre a vida
de um outro ser, bem como maior valorização social.
Em suma, os autores sugeriram que sob a perspectiva psicossocial a identidade
materna consiste tão-somente em um dos aspectos da identidade feminina. No entanto, as
representações sobre o papel materno, uma vez incorporado à identidade feminina, serão as
responsáveis pela transformação total da mulher, que passa a ser regida por sua identidade de
e. Contrariamente à perspectiva biológica, portanto, a mãe o é aquela que gera um filho,
mas a que deseja um filho, identifica-se com o papel de mãe e, conseqüentemente, o ama. As
representações da maternidade com as quais a mulher se identifica é que irão permitir-lhe
escolher tornar-se ou não mãe, e adquirir, assim, uma identidade feminina associada ou não à
função materna.
6. HOMEM/MASCULINO: pai
Na cultura brasileira, conforme Unbehaum (2000) e Scavone (2001) os termos
paternidade e maternidade designam muito mais do que mera capacidade biológica de gerar;
significa também responsabilidade social, que apresenta uma conotação distinta conforme o
gênero: a mãe, podendo ser biológica ou não, é responsável pelo bom desenvolvimento da
criança, pela sua educação, alimentação, saúde; e o pai é visto como responsável por prover as
necessidades materiais da família, sendo seu condutor moral. Tanto a paternidade como a
maternidade englobam significados que são construções socioculturais, e, por isso, fortemente
influenciadas pela constituição das identidades e dos papéis de gênero.
Makuch (2006b) verificou em seu estudo que igualmente no Brasil do século XX a
configuração familiar estabelecia o papel do provedor para o homem e para a mulher o papel
de cuidadora da família e responsável pelo desenvolvimento da subjetividade dos filhos.
Verificou, ainda, que a definição de paternidade tem sido construída socialmente, sendo
frequência ambígua, uma vez que o papel de pai é atribuído ao marido ou parceiro da mãe.
Por outro lado, a relação dos homens com as crianças se define a partir da sua participação na
concepção.
Picinini, Silva, Gonçalves, Lopes e Tudege (2004) e Faustino e Freitas, Coelho,
Cavalcanti e Silva (2007) concordam que, diante dessa complexidade, a experiência da
gravidez é vivida como um processo imaginário, no qual o parto representa a mudança
radical: o ser pai nasce com o(a) filho(a). Culturalmente, a maternidade está intimamente
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 45
ligada ao cuidar e a manifestações afetivas para com os(as) filhos(as). Mas, por sua vez, a
paternidade segue caminho oposto ao da maternidade, sendo associada ao papel de provisão
material, exortação, configurando o bom pai como aquele que não deixa faltar o alimento e
lições para a vida aos(às) filhos(as). Para o pai, a primeira responsabilidade social é com o
provimento financeiro da família o que significa que ser pai não é só ter filhos, mas conseguir
mantê-los.
Muszkat (2000) explorou em sua pesquisa que a paternidade foi ancorada
principalmente no reconhecimento do filho e na responsabilidade de prover materialmente a
família, se descartava a responsabilidade sobre a contribuição emocional e afetiva assim como
sobre os princípios básicos necessários ao cuidado, à sensibilidade e à continência,
indispensáveis ao reconhecimento da absoluta depenncia do bebê. Porém, jogados na arena
emocional homens, apesar de almejarem serem pais (nem sempre de forma enfática) sentem-
se desamparados e hesitantes, em relação ao seu status e aos seus limites no que se relaciona
ao exercício da paternagem. Recusando-se a reproduzir o modelo dos seus pais busca um
modelo próprio, modelo que a própria sociedade hesita em definir e que o poder feminino
hesita em absorver. uma tendência atual de se anunciar a “morte do Paiou o “novo-pai”,
como se as demais referências se mantivessem estáveis. Por outro lado, parece prematuro,
também, anunciar a existência de um “novo pai” com todas as conotações de ser um pai
“melhor” do que o anterior.
Por outro lado, o trabalho de Piccinini (2004) sobre o grande envolvimento das
mulheres no campo profissional e o novo papel social do trabalho feminino, dentre outros
fatores sócio-econômicos, observou que se vêm abrindo espaços para a participação dos pais
nos cuidados com seus filhos. Desta forma, os pais estariam mais ativos em sua
parentalidade, exercendo influências diretas sobre o desenvolvimento deles. Existe uma nova
consciência de que criar um filho é também função do pai, mas ainda não há clareza quanto a
este novo papel, e aqueles homens que assumem esta responsabilidade nem sempre recebem
apoio social.
O resultado das entrevistas da pesquisa de Borges (2005) focalizou que embora haja
uma maior e significativa participação dos pais nas tarefas relacionadas aos cuidados como os
filhos, estas, ainda são na sua maior parte exercidas pelas mulheres, de acordo com
disponibilidade interna do casal, pelo desejo dos homens de inserirem-se e participarem mais
da vida dos filhos e também pela abertura dada pela mãe. Vivenciada com aflição e um estado
de preocupação devido a uma cobrança em acertar a respeito de uma função ainda não
aprendida, sendo que essa convivência com o filho significado ao ser pai” e de certa
forma, constitui o pai.
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Gomez (2005) abordou sobre o papel do pai que foi até recentemente o “progenitor
esquecido”, valorizado, apenas pelo suporte financeiro e instrumental e quando muito,
remetido para o papel de “segundo objeto ou “primeiro estranho”. Ainda, que a
culpabilização da mãe e exclusão do pai foram guardiãs da “ordem de gênero” tradicional e
que não é alheia a iia de “instinto materno”. Conforme o autor, nos anos 50 a masculinidade
dominante viu-se debaixo de uma crítica do movimento feminista, já nos anos 60, na cultura
pop, o movimento humanista influenciou uma concepção libertadora do homem que o se
conteve com o papel de chefe de família e a partir dos anos 70 surgiu uma “nova
paternidade”, uma nova imagem enquanto progenitor não comprometido com o sustento
econômico e disciplinador dos filhos, mas envolvido e capaz de assumir os cuidados destes. A
imagem do pai-expectante passa a ser a de um homem ativo e apoiante da companheira
grávida e envolvido emocionalmente. Tal imagem aproximou os papéis parentais nos quais os
homens ajudam nos cuidados infantis e tarefas domésticas, mesmo como apenas um “adjunto
periférico das mães”. Ser um novo pai implicou numa ruptura com os papéis masculinos
tradicionais e ainda convive com a hipervalorizão da função materna. Mas temos assistido
grandes mudanças cias nas últimas décadas como o aumento do poder econômico das
mulheres, a dissociação entre a conjugalidade e a parentalidade e o aumento do número de
divórcio e recasamento.
Neste conjunto de trabalhos e pesquisas sobre o papel do homem na família mostrou-
se uma “crise da paternidade” nesta última cada, em que a igualdade de direitos entre os
gêneros e o advento da pílula conferiram à mulher o poder sobre a natalidade e a autoridade
parental resultando numa desvantagem masculina, sobretudo em assuntos procriativos. Em
que o conceito tradicional de pai/provedor se atrelado ao um novo conceito, também de
certa maneira socialmente imposto, de que o homem deve, além de prover, ser carinhoso,
atencioso e sensível.
7. CONJUGALIDADE (subsistema conjugal)
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Para Frizzo e Kreutz (2005) a família é um sistema que diferencia suas funções através
de subsistemas, os indivíduos são subsistemas dentro da família, assim como as díades mãe-
pai, pai-filho, etc. O subsistema conjugal é aquele que se forma quando dois adultos se unem
com o propósito de formar família. Uma das fuões do subsistema conjugal é conseguir uma
fronteira que o projeta das exigências e necessidades dos demais subsistemas, especialmente
quando o casal tem filhos. Essa fronteira precisa permitir o acesso da criança aos pais, mas
excluindo-a das questões conjugais.
Na lição de Souza (2006) a conjugalidade refere-se à díade conjugal e que constitui
um espaço de apoio ao desenvolvimento familiar. Este modelo de funcionamento de casal
resulta do modelo de integração de conjugalidade construído na família de origem veio
sofrendo diversas alterações ao longo da evolução do sistema familiar.
No subsistema conjugal, composto por marido e mulher, a complementaridade e a recíproca
são aspectos importantes do seu funcionamento. Uma das funções deste subsistema é o
desenvolvimento de limites ou fronteiras que protejam o casal da intrusão de outros membros,
de modo a proporcionar-lhe a satisfação das suas necessidades psicológicas, constituindo,
assim, uma plataforma de suporte para o casal lidar com o estresse intra e extra familiar.
Também se torna vital para o crescimento dos filhos, servindo-lhes de modelo relacional para
o estabelecimento de futuras relações de intimidade.
7.1. Subsistema Parental
De acordo com Frizzo e Kreutz (2005) o subsistema parental se constitui na nova
etapa no ciclo de vida familiar quando nasce o primeiro filho, Deve se diferenciar para
desempenhar a tarefa de socialização da criança, sem perder o apoio mútuo que deveria
caracterizar o subsistema conjugal onde suas principais funções são a educação e socialização
dos filhos e refere-se à intensa preocupação com o(a) parceiro(a), por si e pela relação
conjugal. A dinâmica conjugal, ainda que influenciada pela parentalidade, normalmente tem
sua origem anterior ao nascimento da criança e forma uma esfera separada de interação.
O sub-sistema parental, conforme Souza (2006) é normalmente constituído pelo
mesmo número de adultos que o sub-sistema conjugal mas as suas funções são executivas e
destinam-se a educar e a proteger as gerações mais novas. É a partir das interações pais-filhos
que as crianças aprendem o sentido da autoridade, a forma de negociar e de lidar com o
conflito no contexto de uma relação vertical. É ainda no contexto desta interação que se
desenvolve o sentido de filiação e de pertença familiar.
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8. PARENTALIDADE
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Souza (2006) esclareceu que a parentalidade diz respeito às funções executivas,
designadamente a proteção, educação e integração na cultura familiar das gerações mais
novas. Estas funções podem estar a cargo não dos pais biológicos, mas também de outros
familiares ou até de pessoas que não sejam da família. Em qualquer família, o modelo de
parentalidade resulta da re-elaboração de modelos de parentalidade constrdos nas famílias
de origem. O seu desenvolvimento vai-se processando a partir do estágio de evolução familiar
e dos contextos vivenciais da própria família.
Em seu estudo Frizzo e Kreutz (2005) entendem coparentalidade em famílias nucleares
2
como um contexto onde pai e e estão presentes ou morando juntos, compartilhando a
parentalidade. Nesse sistema pai e mãe dividem a liderança e se apóiam nos seus papéis
parentais. E revisam este conceito e suas implicações para a pesquisa e a prática clínica.
Decorrente do sistema da parentalidade tem a coparentalidade, que é um conceito triádico,
pois inclui pelo menos uma criança. Está associada e é motivada pela preocupação com o
bem-estar da criança e envolve apoio e comprometimento mútuo (dos pais) no exercício da
parentalidade. É através desta relação que os pais podem negociar seus papéis,
responsabilidades e contribuições para o desenvolvimento da criança. A coparentalidade tem
seu próprio trajeto de desenvolvimento, representando os laços dos cônjuges enquanto pais.
O estudo da coparentalidade significa um avanço em termos teóricos e apresenta
potencial para aplicações na clínica. Este conceito envolve vários aspectos de outros conceitos
que tradicionalmente vêm sendo investigados, tais como maternidade, paternidade,
parentalidade, envolvimento paterno e relacionamento conjugal. Traz um avanço na
compreensão da família ao destacar a relevância das relações mais harmônicas e seus efeitos
no desenvolvimento da criança oferece uma importante contribuição à pesquisa e à clínica ao
deslocar o foco das interações diádicas para as triádicas, ou outras mais amplas, envolvendo
mais de um filho, enfatizando a questão de que qualquer mudança em um dos componentes
pode afetar o sistema como um todo.
Considerando que o nascimento emocional e psicológico do be não coincide com
seu nascimento biológico, Berthoud (1997/2002) focalizou que na verdade, a história de todos
nós, de cada bebê, coma a ser traçada já na história de nossos pais, e a destes por sua vez,
na de seus próprios pais. Começamos a nascer na infância de nossos pais, quando eles
vivenciam, de sua ótica de crianças, o significado do papel de pais e filhos. Todos esses
acontecimentos são arquivados e registrados e influenciam no seu desejo de conceber, de se
2
ainda não um consenso na literatura sobre qual termo utilizar para designar famílias compostas por pai,
mãe e filhos em um primeiro casamento. Para este estudo, optou-se pela nomenclatura de famílias nucleares.
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tornarem pais. Assim, comamos a nascer no desejo inconsciente de nossos pais, cujas rzes
estão em vivências precoces. Cezár-Ferreira (2007) concorda que a família não se inicia
quando os pais se casam ou os conviventes se unem, mas sim, quando os pais nasceram, ou
antes. Pois os valores, as crenças, os mitos, a visão de mundo vêm para a família atual,
transmitidos transgeracionalmente, por mensagens diretas ou por mensagens verbais e não-
verbais.
No livro de Solis-Ponton (2004) - psicanalista e psicóloga mexicana -, por meio de um
diálogo “vivocom Serge Lebovici (1915-2000) - psiquiatra infantil e psicanalista francês -, a
autora sustenta que o conceito de parentalidade é o produto do parentesco biológico e do
processo de tornar-se pai e mãe e que contém a idéia da função parental e a de parentesco, a
história da origem do bebê e das gerações que precedem seu nascimento. Para ser pai e ser
e é necessário tornar-se pais”, o que se faz por meio de um complexo processo,
implicando níveis conscientes e inconscientes do funcionamento mental, que o muito além
do que costumamos denominar de função dos pais. A parentalidade começa com o desejo de
ter a criança, se desenvolve durante a gravidez e continua após o nascimento da criança.
Neste diálogo Lebovici diz que: ser pai ou mãe não é só ter filho, mas também uma
oportunidade para refletir a respeito de sua descendência. A parentalidade vai além do fator
biológico: para tornar-se um pai ou uma mãe é preciso ter feito um trabalho interior que
começa pela aceitação de que herdamos algo de nossos pais, relativamente à transmissão
intergeracional. Assim, Solis-Ponton define que parentalidade não é a mesma coisa que ter
um filho. Mas um produto do parentesco biológico e da parentalização do pai e da mãe onde a
criança tem um papel ativo. É o estudo dos vínculos de parentesco e dos processos
psicológicos que se desenvolvem a partir daí.
Houzel (2004) - psiquiatra infantil- e um grupo de pesquisadores, estudaram a
parentalidade (França) com o objetivo de conferir as conseqüências de situações de ruptura
total ou parcial dos laços dos pais-filho e propuseram o conceito que chamaram de eixos da
parentalidade”. Consideraram três eixos que articulavam o conjunto das funções adquiridas
pelos pais: o exercício, a experiência e a prática da parentalidade. Eles concluiram que a
família é, ao mesmo tempo o lugar de inscrição da criança numa genealogia e numa filiação
necessária à constituição de sua identidade e de seu processo de humanização, além do lugar
de confronto de aspectos fundantes com que todo psiquismo humano deve deparar e resolver:
a diferença de si e do outro (a alteridade), a diferença de sexos e a diferença de gerações.
O psiquiatra infantil Ochoa-Torres e a psicóloga Lelong (2004) enfocaram a família
sob o ângulo da teoria do apego elaborada por Bowlby, pois entendem que os conceitos de
parentalidade e de função parental são difíceis de serem definidos. Considera-se que a criança
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nasce com uma necessidade social primária e o apego se estabelece quando a figura materna
satisfaz essa necessidade de contato social. Bowlby [1907-1990] era um psicanalista que se
interessava pelas experiências afetivas precoces. Para ele o apego é considerado um vínculo
intrafamiliar, portanto faz parte do sistema familiar, que é considerado um sistema de relações
de parentesco organizado diferentemente segundo as culturas. Seu núcleo principal é
constituído de vínculos afetivos estabelecidos entre diversos membros: aliança entre o casal,
intimidade e compromisso, apego dos filhos em relação aos pais, sistema de cuidados
paternos e maternos, vínculos fraternos suscetíveis de se transformar em apego, etc. O apego é
o vínculo afetivo que um indivíduo (criança, adolescente ou adulto) estabelece com as pessoas
do sistema familiar. Esse vínculo emocional contribui para a busca de proximidade e de
contato com as pessoas às quais nos apegamos chamadas figuras de apego.
Igualmente para Leal e Pereira (2005) a parentalidade é a chegada de uma criança,
que opera a passagem de um indivíduo ou de um casal numa família em que a cultura
ocidental advoga o conceito de parentalidade consciente, significando que se espera que os
indivíduos disponham de um conjunto de recursos materiais, psicológicos e sociais para
decidirem tornarem-se pais.
Canavarro e Pedrosa (2005) através de uma revisão da literatura sobre o processo de
transição para a parentalidade conheceram diversos modelos e abordagens em que na
perspectiva desses autores, nesta adaptação destacam-se quatro abordagens: duas mais
centradas em dimensões relacionais e outras duas focadas em dimensões de desenvolvimento
e mudança. Sendo: a teoria da vinculação que perspectiva a parentalidade centrada na
construção da relação entre a figura cuidadora, que oferece proteção, e o bebe que procura
segurança (Bowlby); uma Perspectiva Ecológica que também numa linha relacional,
valoriza um modelo pessoa-processo-contexto, reconhecendo a importância de diferentes
sistemas sociais, bem como da sua interação e fatores associados, no processo de adaptação a
esta transição normativa do ciclo de vida; uma Perspectiva Desenvolvimentista, baseada na
concepção da transição para a parentalidade como uma fase desenvolvimental acompanhada
de tarefas específicas; e uma abordagem baseada em teorias de Estresse e mudaa, em que
se baseia na concepção de adaptação à crise.
9. INFERTILIDADE
3
: confronto com as identidades de gênero
3
Infertilidade é a incapacidade de concepção após um período estipulado medicamente e esterilidade é a
incapacidade absoluta de procriar. Optou-se no texto que os termos infertilidade, infecundidade e esterilidade
terão o mesmo significado: impossibilidade de conceber naturalmente, sem ajuda da tecnologia médica.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 52
De acordo com Diniz e Gomes Costa (2005) infertilidade e infecundidade são
expressões de diferentes femenos: a infecundidade é a ausência de filhos. Uma mulher, um
homem ou um casal infecundo é aquele que não possui filhos. A infecundidade pode ser
voluntária ou involuntária. No primeiro caso, a ausência de filhos é parte de um projeto
pessoal ou conjugal e não se expressa como um problema biomédico. a infecundidade
involuntária é aquela comumente traduzida em termos biomédicos como sinônimo de
infertilidade.
A infertilidade humana constitui um problema de saúde pública reconhecida pela
OMS e podendo ser classificada epidemiologicamente em causas masculinas, femininas,
duplas ou idiopáticas. No mundo, atinge de 15% a 20% dos casais. Na balança mundial, isto
significa que 50-80 milhões de pessoas sofrem de infertilidade. Freitas, Dzik e Cavagna
(2007) e Oriá, Moraes, Moreira e Ximenes (2007) esclarecem que a incidência de infertilidade
pode variar de região para região e a porcentagem de casais inférteis aumenta de acordo com
a idade do casal, principalmente da mulher. Em geral as chances de uma mulher engravidar a
cada ciclo menstrual gira em torno de 20%. Em mulheres acima de 40 anos essas chances
diminuem para 5%. Estando a causa masculina presente em 50% dos casos, isoladamente em
30% e, associado aos fatores femininos em outros 20%. mais de 6 milhões de casais no
Brasil, que possuem algum tipo de impossibilidade para engravidar. Em geral 1 em cada 10
casais possui alguma dificuldade de concepção. Recentemente Castro, Castro e Queiroz
(2008) levantaram um perfil da produção científica das publicações sobre infertilidade
masculina nos últimos 10 anos (1997 / 2007), e em sua maioria destacavam como fatores
determinantes: a varicocele, fatores ambientais e hábitos de vida que começam a ser
estudados.
O processo de socialização conforme Borlot e Trindade (2004) se diferentemente
para homens e para mulheres e as convenções cio-culturais determinam quais os papéis que
cada um deve representar. Apesar da maior responsabilização dirigida às mulheres quando o
assunto é a geração de filhos, a dificuldade em consegui-los costuma atingir ambos os
cônjuges, posto que seja uma situação que geralmente afeta o relacionamento do casal. Além
disso, a cobrança por parte da sociedade é dirigida aos dois, embora de maneiras diferentes.
Em relação ao homem, a cobrança é no sentido de sua masculinidade; quanto à mulher, é
relacionada à sua completude, ou seja, para ser uma mulher completa, ela deve ser mãe.
Nesta abordagem Mamede e Clapis (2004), em estudo bibliográfico (1994/1999) sobre a
situação de infertilidade, constataram que vários autores vêm chamando atenção para o fato
de que a intensidade de sofrimento, ansiedade e depressão é mais evidente na mulher do que
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 53
no homem, isto porque a diferenciação entre os gêneros no modo de vivenciar a infertilidade é
sinalizada pela forma como os papéis sociais são construídos e pela expectativa quanto ao
desempenho desses papéis.
Estudos feitos por Trindade e Enumo (2002) advertem que a angústia gerada pela
descoberta da infertilidade pode variar de acordo com a valorização dada à maternidade e à
paternidade na medida em que os papéis sexuais tradicionais ditam que as mulheres devem
valorizar a maternidade e é inadequado se elas não se tornam mães. Para Gomes Costa (2002),
Diniz (2005) e Miranda (2005), ser infértil mostrou ser um problema que fere tanto a
masculinidade quanto a feminilidade, mas de maneira distinta. Pelo fato de comumente a
esterilidade masculina estar associada à impotência, não conseguir ter filhos relaciona-se, para
os homens, à sexualidade e ameaça sua virilidade. para as mulheres a esterilidade ameaça
sua feminilidade porque as impede de cumprir sua vocação feminina 'natural' de mãe. Neste
sentido, o pressuposto do casal reprodutivo heterossexual também reafirma noções de gênero
convencionais que associam masculinidade com potência sexual e feminilidade com
maternidade. Sendo assim, os casais inférteis tornam-se desviantes por não conseguirem
satisfazer o estereótipo socialmente definido para todos aqueles que apostam numa relação
conjugal – ter filhos.
Numa sociedade em que cada vez mais o gerar de um filho é feito quando se quer e
como se quer, a impossibilidade de procriar é vivida como uma importante perda de controle
sobre a vida pessoal. Conforme Leal e Pereira (2005) a situação da infertilidade pode trazer
níveis elevados de ansiedade e depressão para as mulheres e sofrimento psicológico
caracterizado por: baixa auto-estima, desrealização, despersonalização, paranóia, reações
ansiosas e psicossomáticas.
Na constatação da falta de controle sobre seu corpo, sua auto-imagem corporal pode
ser afetada por essa iia de corpo estéril, podendo influenciar no desempenho social e
profissional em que o casal infértil vê-se invadido por emoções que desconhecia como:
inveja, destrutividade, ódio, infelicidade, ciúme, amargura, raiva pelo que lhe foi negado, ou
medo.
Em um estudo de caso de um casal que estava se submetendo à fertilização in vitro em
um centro de reprodução humana de Fortaleza, Or e Ximenes (2006), a partir das premissas
do interacionismo simbólico, evidenciou que o casal age em relação à gravidez de acordo com
seu significado cultural e que a gravidez é derivada da interação que o casal estabelece com a
rede social de seu ambiente. Observando que nordeste do Brasil a gravidez está relacionada à
prova da feminilidade (mulher) e da virilidade (homem), podendo abalar a união conjugal.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 54
9.1. A tentativa da psicologia (assim como o modelo médico) em explicar a infertilidade
como doença- patologia
Trindade e Enumo (2002) e Braga e Amazonas (2005/6/7) investigaram através de
uma revisão da literatura e encontraram basicamente três modelos psicológicos de
infertilidade predominantes até a década de 70:
...o primeiro modelo, que focalizava as causas da infertilidade e a
conceitualizava como doença psicossomática, que atingia principalmente as
mulheres. Baseados em pressupostos psicodinâmicos, os pesquisadores da
época atribuíam esses mecanismos psicogênicos a conflitos relacionados ao
papel materno, a problemas com a identidade sexual feminina, à imaturidade
feminina e à neurose. As pesquisas geradas por este modelo objetivavam
demonstrar diferenças entre: mulheres férteis e inférteis, tanto na estrutura da
personalidade como no padrão emocional; mulheres cuja infertilidade tinha
causa orgânica e mulheres cuja infertilidade não podia ser explicada
organicamente; e mulheres consideradas inférteis que conseguiam engravidar
posteriormente e aquelas que não conseguiam. Contudo, as autoras observam
que os estudiosos que se dedicaram à revisão da literatura sobre a
psicogênese da infertilidade "...concluíram que a maioria dos estudos não
revela evidências consistentes ou que causem maior impressão sobre as
causas psicológicas da infertilidade".
A concepção de que os conflitos emocionais apresentados por casais inférteis seria
uma conseqüência do problema e não sua causa começou a se fortalecer como decorrência do
avanço das técnicas de diagnóstico dico e da diminuição do interesse pelo modelo
psicogênico
.
...um segundo modelo, que conceitualiza a infertilidade como uma das
principais crises da vida. Concebe-se, então, a infertilidade como "... um
problema geralmente insolúvel que ameaça importantes objetivos de vida,
onera recursos pessoais, e traz à tona importantes problemas do passado não
resolvidos" produzindo uma seqüência previsível de padrões emocionais”.
Esses autores reconheceram as contribuições deste segundo modelo, que orientou as
preocupações dos profissionais para as conseqüências da infertilidade e estabeleceu o
ajustamento dos casais a esta condição como um problema digno de atenção. Neste segundo
modelo os autores concordam com o avanço das técnicas sobre a infertilidade, que considera
os conflitos emocionais como conseqüência, e não causa do problema, sendo a infertilidade
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 55
uma das principais crises da vida. Esse modelo, porém, permaneceu enfatizando a questão das
diferenças e semelhanças emocionais entre os férteis e os inférteis.
...O terceiro modelo analisa a infertilidade a partir dos estudos sobre estresse
e é assim descrito por: ... conceitualiza a infertilidade como uma experiência
potencialmente estressante e utiliza teorias psicológicas estabelecidas para
identificar as condições sob as quais aqueles que se confrontam com a
infertilidade são vulneráveis a uma extrema angústia e a uma ruptura em sua
vida ou têm maior probabilidade de mostrar um funcionamento adaptativo.
As pesquisas geradas por este último modelo têm se preocupado em
descrever e analisar os indicadores que facilitam ou dificultam o ajustamento
à situação, considerando também a relação dos sujeitos com a paternidade e a
maternidade.
Em suma, Trindade e Enumo (2002) e Costa (2006) entenderam que houve um avanço
considerável na forma como se concebe a infertilidade. Primeiramente, porque se ultrapassou
o modelo psicogênico, que atribuía a infertilidade às características psicológicas da mulher,
contribuindo decisivamente para a sua culpabilização. que a ausência de filhos configura
patologia. Além do mais, passou-se a considerar a centralidade do significado da maternidade
e da paternidade como possíveis indicadores para o ajustamento à infertilidade.
9.2. A infertilidade como crise vital
Por outro lado, Palacios da Vigília (2000) e Dominguez (2002) através das
publicações no assunto identificaram que os estudos durante a primeira metade do século XX
eram do sentido psicanalítico, até os anos 80 dentro modelo psicossomática, e após, uma
terceira perspectiva enfatizando sequelas psicológicos produzidas pela infertilidade, e
fornecendo informações sobre a área da auto-estima, da identidade sexual, da operação social
e da sexualidade. Nestes espaços surge a ansiedade, a depressão que são descritos como
sentimentos da falha, medo e isolamento. Estudos recentes sugerem que o estresse pode
influenciar na resposta aos tratamentos de infertilidade.
Palacios da Vigília (2000) avaliou o impacto do diagnóstico de infertilidade em casais
e descreveu como uma crise vital, identificando grande desgaste emocional de caráter clico.
Nesta abordagem o autor mostrou estudos em que as alterações emocionais dos casais eram:
sentimentos de inadequação, despreparo, dor, de inveja e de ciúme para mulheres grávidas,
medo, a perda do libido, o impotência, instabilidade emocional, a perda da auto-estima, culpa,
o depressão, e iias suicidas.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 56
Na pesquisa de Carreño-Melendez (2003) que se propôs a determinar o nível de auto-
conceito (Escala de Tennessee) de homens e mulheres inférteis por fator masculino (30) e
fator feminino (30) e conhecer o impacto desta probletica no casal; os resultados
mostraram que nos casais onde o fator causal era masculina, tiveram níveis de auto-conceito
mais baixo em todas as áreas (auto-crítica, conflitos e auto-conceito). O auto-conceito é
básico para a integração da personalidade, motivação de comportamento e desenvolvimento
da saúde mental.
O trabalho de Uribelarrea (2008) na Espanha sobre a infertilidade e suas
consequências psicológicas analisou casais que buscaram tratamento em clínica de RA e
constataram autovalores negativos” como: baixa auto-estima e sentimentos de inferioridade;
confiança e orgulho rebaixados; pobre auto-imagem no homem; autoavaliação como
incompletos ou com algum defeito; de pouco dignidade e desconsideração pelo outro
(estigma); incapacidade de tornar-se pai e de manter uma relação de casal. O estudo de
enfatizou que a maioria das investigações sobre as repercussões da infertilidade na vida dos
casais, durante os últimos quarenta anos realizaram-se em países desenvolvidos ocidentais,
em que o bem estar econômico-social é assegurado.
Jurado e Moreno-Rosset (2008) avaliaram que os casais inférteis, mesmo o tendo
uma doença crônica (não nenhuma sintomatología associada ou limitação sica e não
representa uma ameaça para a sobrevivência), apresentam alterações emocionais similares.
Em que as reações e o estado emocional não são de estáticos, mas se modificam conforma o
curso do tratamento e de um ciclo de tratamento para outro (se o anterior não deu certo).
Para Moreno e az (2008) a concepção, a infertilidade, a gravidez e o nascimento de
um filho são crises vitais no sentido de que produzem mudanças e afetam o mundo interno da
pessoa, e que é vivida como algo imprevisível, inesperado e que nunca pode lhes acontecer.
Para estes autores as características do vel psicológico dos casais inférteis são inicialmente
de sentimentos de negação e de choque é seguido, de confusão, medo, tristeza, incredulidade,
culpas, excitabilidade e desassossego.
9.3. Infertilidade desencadeando estresse
4
Conforme citado acima, o desenvolvimento dos estudos sobre os aspectos psicológicos
da reprodução, as alterações emocionais dos casais inférteis o eram compreendidas como
4
O termo stress é um estado gerado pela percepção de estímulos que provocam excitação emocional e
desequilíbrio da homeostase. Conforme uso coloquial da língua portuguesa optou-se no texto pela grafia
estresse.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 57
uma conseqüência da doença, mas como sua causa, especialmente na infertilidade
denominada idiopática, de acordo com Jurado e Moreno-Rosset (2008). Estes trabalhos
saíram da teoria psicodinamica, recolhida pela medicina psicossomática e reformulada mais
tarde sob os princípios teóricos do estresse. A relação entre o estresse e a capacidade
reprodutiva foi mostrada por Selye (1950) que observou a aparência de atrofia ovariana” em
ratos que tinham sido expostos a uma variedade de estímulos estressantes. Não obstante e
embora se considere demonstrado à relação entre estressores físicos e a função reprodutiva,
existem dificuldades de se diferenciar entre a causa e o efeito apesar da certeza das
observações clínicas que apontam para a existência dessa relação.
O artigo de Dominguéz (2002) reviu crìticamente a literatura existente com relação
aos aspectos psicológicos da infertilidade comentando que este é um assunto controverso,
focalizando quatro perguntas centrais que estão sempre nas publicações sobre o assunto: (1)
Os problemas psicológicos produzem a infertilidade? (2) A infertilidade produz problemas
psicológicos? (3) O estado psicológico da mulher influencia na resposta aos tratamentos? (4)
Qual é papel da atenção psicológica nos programas diagnósticos e no tratamento da
infertilidade? E comenta que os estudos que tentam responder estas perguntas têm mudado à
partir das informações que contribuem com a investigação em área diferentes daquelas de
uma, três ou cinco décadas atrás.
A maioria das investigações sobre a interação entre estresse emocional e infertilidade
nos últimos 30 anos conforme demonstrou Campagne (2008), afirmaque o estresse não é
causa de infertilidade e sim, conseqüência. Porém reconhece-se que os fatores psicológicos
como o estresse agudo e crônico podem influenciar negativamente no resultado do FIV, e ser
um fator causal da infertilidade.
Seger-Jacob (2000), Moreira (2004), Melamed, Ribeiro e Seger-Jacob (2006) acharam
conveniente mencionar que os pesquisadores estão divididos na proposição de que a
infertilidade pode ter causas psicológicas (hitese psicogênica ou idiopática). Os estudos
mais recentes se preocupam com a idéia de que a ”infertilidade pode ser a origem de
significativo estresse psicológico”, por ser considerado por muitas mulheres inférteis como o
mais estressante evento de suas vidas. Algumas pesquisas alertam para a dificuldade dos
pacientes no manejo das emoções, em que tanto homens como mulheres confessam sua
incapacidade para lidar com os sentimentos de fracasso, ansiedade e culpa. Tendo-se
demonstrado que a infertilidade constitui uma importante fonte de estresse que afeta várias
outras áreas da vida dessas pessoas, podendo gerar um estado de instabilidade emocional, ou
seja, de crise. Podendo essas alterações psicológicas obedecerem a uma ordem: negação,
isolamento, busca de culpa, depressão e aceitação, merecendo abordagens específicas.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 58
9.4. O estigma social da infertilidade
Estar estigmatizado é estar inabilitado para a plena aceitação social devido à existência
de qualquer atributo socialmente considerado como depreciativo. No estudo de Conceição
(1998) sugeriu que ao confrontar com a impossibilidade imediata de ter filhos, os casais
tornam-se desviantes por não conseguirem satisfazer o estereótipo socialmente definido para
todos aqueles que apostam numa relação conjugal ter filhos. O fato de não conseguirem
satisfazer o desejo de ter uma criança, numa época em que o seu valor social é fortemente
exaltado, parece ter como conseqüência provável a estigmatização social.
Luna (2007) estudou de que modo a infertilidade passa a existir como realidade social
onde comparou o ato voluntário de não ter filhos como fruto de um planejamento em que se
posterga a maternidade ou a parentalidade e a infertilidade como uma condição
estigmatizante semelhante a fenômenos naturais: árvore seca, árvores sem frutos, ou
ressecadas, flores murchas, fontes que secaram. O que se é a manutenção de uma
representação social da infertilidade, que implica em depreciação e estigmatização da mulher.
Conforme Melamed e Quayle (2006) apesar das mudanças de concepção em relação à
infertilidade, inclusive em virtude do desenvolvimento tecnológico, que veio atender os
inférteis e propiciar resultados antes impossíveis, a condição de infértil ainda pesa
emocionalmente para a mulher e permanece como fator estigmatizante.
Para Trindade e Enumo (2002) a mulher é sempre naturalizada, ora como destino
biológico inarredável, ora como valor social inseparável da concretização da identidade
feminina. A categoria estigma, referente à infertilidade feminina, pode ter como
correspondência a categoria ameaça à virilidade para a subjetividade masculina, porque
ambas podem ser entendidas como uma forma de inferiorização.
9.5. O desejo de filhos
Enfocando as conquistas de liberdade sexual e social das mulheres na modernidade,
Cameira, Cabral e Leal (2000) focalizou que a maternidade deixou de ser o único meio e
motivo para a sua felicidade e realização da mulher. O controle contraceptivo da natalidade
deu opção para que ela tenha ou não filhos, sendo que este poder de decisão implica uma
vontade, um querer ou não querer ter filhos, questionando as possíveis razões subjacentes a
este desejo de parentalidade. Conscientes ou inconscientes, as razões que levam um indivíduo
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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(homem ou mulher), numa determinada altura do seu percurso pessoal, a querer ter um filho,
prendem-se com uma enorme variedade de aspectos psicobiológicos e sociais, sendo por
vezes difícil identificá-los, dada a sua complexidade e interligações.
Santiago de Matos (1991) afirmou que dentre as várias angustias do ser humano está a
certeza de sua finitude através da morte, e que na fantasia da imortalidade surge em homens e
mulheres o desejo da procriação como continuidade. Igualmente, para Szeger e Stwart (1997)
é da concepção e do desejo de homens e mulheres ter um filho que nasce um projeto,
consciente ou não, que faz parte da pré-história do filho do casal. O desejo é diferente do
projeto de ser pai e mãe. Quando se deseja um filho, é o filho que se projeta,
imaginariamente, no futuro.
Assim também, Leal e Pereira (2005) concordam que o desejo de criar descenncia,
possibilidade de transmissão da herança biológica e cultural num devir transgeracional em
que um filho representa uma extensão temporal das esperanças, objetivos e aspirações. A não
descendência pode constituir, de algum modo, uma confrontação com a idéia da própria
morte, já que um filho possibilita um prolongamento e perpetuação da família e das tradições
sendo a procriação um meio de significar a vida.
Partir do campo do desejo para marcar a origem da vida significa sublinhar a
transcendência da biologia quando trilhamos o campo da constituição do humano, destacando
sua dimensão subjetiva. A constituição do desejo da maternidade e paternidade faz parte da
cadeia simbólica constitutiva da própria identidade do sujeito. Conforme Farinati, Rigoni e
Miller (2006), nascemos emaranhados numa teia de desejos maternos e paternos (conscientes
e inconscientes), carregando as marcas de estarmos vinculados a uma trama simbólica, que
transcende a biologia, mas que por meio dela revela nosso pertencimento a uma família, a
uma geração, a um lugar no mundo.
A infertilidade conjugal é uma disfunção relativa à reprodução humana presente desde os
tempos mais remotos evidenciado pelos relatos blicos observou Oriá (2007). Se nos
primórdios da civilização a infertilidade era tida como um castigo divino e não se tinha
conhecimento de como tratá-la, com a evolução tecnológica e o desenvolvimento da área
clínica denominada RA existem alguns procedimentos não para curar a infertilidade (pois a
causa permanece), mas para obter o filho desejado.
Por outro lado, Michelon e Farinati (2004) sustentam que o desejo veemente de ter
filhos pode gerar um conflito intrapsíquico e condicionar a uma somatização em nível
inconsciente, afetando estruturas neuroencrinas e neurovegetativas que impedem o
processo reprodutivo fisiológico.
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10. REPRODUÇÃO ASSISTIDA - RA
Segundo a SBRA Sociedade Brasileira de RA estima-se que existam cerca de 120
centros de reprodução humana assistida no país. Eles obedecem a normas estabelecidas pela
Anvisa de Regulamento Técnico para o funcionamento de Banco de Células e Tecidos
Germinativos que estão discriminadas na Resolão RDC 33/2006. As Normas Éticas são da
Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina e os aspectos legais são da Lei de
Biosegurança nº 11105/2005 - Decreto 5591/2005.
Entende-se como Reprodução Assistida (RA) todos os tipos de tratamentos que
incluem a manipulação in vitro (no laboratório) em alguma fase do processo, de gametas
masculinos (espermatozóides), femininos (oócitos) ou embriões, com o objetivo de se
estabelecer uma gravidez. A fertilização in vitro é um procedimento de alta complexidade e
envolve várias etapas para sua realização: estimulação ovariana, aspiração folicular ou
captação, capacitação dos espermatozóides, fertilização in vitro (FIV) propriamente dita e
transferência de embriões. A FIV pode ser dividida em convencional e a micromanipulação
de gametas, mais conhecida como ICSI injão intracitoplasmática de espermatozóides.
Surgiu inicialmente (1992) para os casos graves de infertilidade por fator masculino, tais
como baixíssima concentração de espermatozóides, alterações importantes de motilidade ou
mesmo ausência de motilidade. Com o desenvolvimento da técnica, atualmente é um
procedimento usual para aumentar as chances de sucesso no processo de RA. (Mancebo;
Albuquerque da Rocha: 2008)
O Congresso Nacional (Senado) decretou a Lei que regulamenta o uso das técnicas de
Reprodução Assistida (RA) para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos,
fertilizados in vitro, no organismo de mulheres receptoras nos casos em que se verifique
infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo: é proibida a gestação de
substituição e o consentimento livre e esclarecido é obrigatório; os serviços de saúde e
profissionais que realizam RA são responsáveis pelas doações de gametas; são vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material e são obrigados a zelar pelo sigilo da doação;
porém este poderá ser quebrado nos casos autorizados. Os gametas e embriões poderão ser
produzidos e transferidos até 2 (dois), respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo
reprodutivo. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos, doados ou
depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos definidos em regulamento.
A filiação é atribuída aos beneficiários e a condição de paternidade plena da criança nascida,
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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o doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à
paternidade ou maternidade.
O conjunto de técnicas da FIV com transferência de embriões é um dos maiores
avanços obtidos nas últimas três décadas para a terapêutica da infertilidade conjugal, o
aperfeiçoamento das técnicas de micromanipulação dos gametas como a ICSI permitiu a
partir da última cada o tratamento da infertilidade masculina severa, conforme Abreu e
Santana (2006). Quando os resultados de RA são analisados, deve-se levar em conta que a
taxa de fertilização por ciclo, em um casal normal em idade reprodutiva tendo relações
sexuais naturais, é aproximadamente 50%, e a taxa de gravidez por ciclo é 25%. A diferença
de 25% se dá pelas gestações não viáveis que terminam em abortamentos espontâneos.
Atualmente, o método de ICSI associado a todas estas novas tecnologias pode oferecer uma
taxa total de gravidez de 36,4%, com redução significativa a partir dos 30 anos da mulher.
A (RA) tem sentido porque os casais continuam a querer ter filhos ligados por
vínculo biológico. Uma reivindicação que ocorre, não devido à importância deste vínculo,
mas também devido à vergonha que os casais sentem da sua infertilidade, e que parece ser
acompanhada pelo fantasma da estigmatização social que, ainda afeta os casais inférteis. Para
Tamanini (2003a) e Braga e Amazonas (2005) a paternidade e maternidade se referem à
condição ou qualidade de ser pai e mãe, respectivamente. Isto é, referem-se à capacidade
biológica de reproduzir. As possibilidades oferecidas pelas técnicas de RA reforçam o estigma
da mulher infértil, sob o prisma de que, com todo o avanço tecnológico nessa área, hoje é
infértil quem quer permanecer nesta condição. Os tratamentos para engravidar, no entanto,
o são apenas um meio para se atingir ilusoriamente um resultado fácil - o filho; mas
proporcionam para as pessoas envolvidas vivências e experiências novas, carregadas de afetos
contraditórios, muitas dúvidas e ambivalências.
Na antropologia, é antigo o debate sobre a percepção da relação causal entre coito e
procriação. Luna (2007) explora com clareza o tema sobre o mito do nascimento virgem que é
central na religião hegemônica do contexto cristão, em que a maternidade e a paternidade
adquirem sentido através dos conceitos de construção cultural: a maternidade significa nutrir e
acolher, ao passo que paternidade é o poder de gerar.
Scavoni (2004) através de sua pesquisa refletiu sobre a crescente utilização da RA no
Brasil e seus impactos nas matrizes dominantes da maternidade e da paternidade. E
questionou sobre como as mudanças interferem nas relações de gênero chamando a atenção
para o fato de que todas as técnicas de fecundação se passam no corpo das mulheres,
provocando impactos consideráveis em sua saúde, reafirmando a responsabilidade feminina
na procriação. Em que a RA obedece uma lógica que responde ao desejo da paternidade (um
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 62
filho do próprio sangue), de uma aproprião masculina pela ciência e da capacidade feminina
de dar a vida e criar um ser humano.
Seguindo essa abordagem, para Melamed e Quayle (2006) a medicina da RA subverte
a posição feminina, mas, ao mesmo tempo, reforça antigas identidades, como a mulher-objeto
ou a mulher-mãe. para Mansur (2003b) as técnicas de RA dissociam a sexualidade da
procriação, a concepção da filiação, a filiação biogica dos laços afetivos e educativos, a mãe
biológica da mãe portadora/hospedeira e da mãe educadora. E para Luna (2001) ao mesmo
tempo as biotecnologias de RA produzem esperança e provocam mal-estar. Após o êxito em
criar recursos médicos visando ao sexo sem reprodução, tem-se agora a reprodução sem sexo.
10.1. Parentesco biológico – “sangue”
O parentesco é o sistema sócio-cultural responsável pela regulação da formação de
pessoas, unindo aspectos biológicos e sociais da reprodução na cultura ocidental moderna. De
acordo com Luna (2001) tal concepção caracteriza-se por dois aspectos básicos: o primeiro
consiste na conexão entre parentes por meio de substância biogenética comum, os ‘laços de
sangue’ irrevogáveis. O segundo aspecto é o vínculo estabelecido pelo digo de conduta, o
complexo de atitudes que caracteriza a relação de intimidade entre os parentes. O amor seria o
símbolo de unidade do parentesco, relacionando os aspectos de comunhão de substância e de
código de conduta. Até a virada do século XIX para XX, na Europa, pensava-se a
hereditariedade em termos de transmissão de sangue e não de genes, com a mescla do sangue
de ambos os pais. Também se usava a linguagem do sangue para falar de hereditariedade no
meio erudito do Brasil até o início do século XX. Segundo geneticistas, a idéia de herança
pelo sangue surgiria da tentativa de explicar a semelhança do filho com os pais: a influência
igual do pai e da mãe se deve à mescla do sangue dos progenitores, combinando suas
características. O parentesco revela-se como um idioma de pertencimento: o “meu” filho
“mesmose opõe ao filho “dos outros”. Deseja-se a comunhão de substância com os filhos,
por isso se fala em “minha carne”, “meu sangue”. O “sangue”, “as características”, “as
células” são símbolos de comunhão de substância física como sinal de pertencimento.
A motivação principal para o uso das técnicas de RA encontrada entre as informantes
da pesquisa de Luna (2005) consistiu em efetivar o parentesco como comunhão de substância
biológica ou genética. De modo geral houve superposição entre a noção tradicional de
parentesco de sangue e a noção científica moderna de parentesco genético com o DNA. O
sangue garante a semelhança física e de caráter entre pais e filhos. Assim, é possível
identificar um sistema comum de símbolos e representações de parentesco em que as pessoas
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 63
são definidas relacionalmente a partir de seus laços de sangue, sangue este percebido como
uma herança que envolve tanto o lado biogenético como a tradição de família.
Seguindo essa questão, a pesquisa de Borlot e Trindade (2004) sobre as representações
sociais do filho biológico comprovou que o objetivo de todos os casais entrevistados era:
sangue do meu sangue (o filho sendo parte do casal e a ênfase na importância da gestação); a
descendência, dando continuidade à família; as semelhanças físicas entre pais e filhos e a
pressão social influenciando as decisões do casal.
10.2. A RA desencadeando estresse
Na Espanha, Bayo-Borràs, Cánovas i Sau e Hortet (2004), investigaram dois trabalhos,
um de Psicanálise e Tecnologias Reprodutivas (1991) e outro de Psicologia Clínica (1999),
que introduziram uma dimensão intersubjetiva no estudo de casais de RA com a intenção de
avaliar os efeitos e as repercussões dessas técnicas na subjetividade dos homens, das mulheres
e das crianças. Entre os manifestações de sofrimento psíquico enfatizados foram: sentimentos
de dúvida e de incerteza que produzem ansiedade (medos obsessivos); sentimentos
conscientes e inconscientes de culpa (remorso); medos reais ou imaginários nos resultados
(fantasias catastróficas); dor psíquica pelo resultado negativo (tristeza, desmotivação);
colisões nos sentimentos de auto-estima (vergonha, humilhação); e sentimento do débito com
o par fértil.
Ainda na Espanha, Uribelarrea (2008) através da Psychology do SEF (Sociedade
Espanhola da fertilidade) analisou os processos emocionais dos pacientes em clínicas de RA e
encontrou expressões emocionais de: isolação, culpas e culpabilização, ansiedade, depressão e
problemas sociais e pessoais na relação do par. Ainda, comentou uma revisão de 25 anos da
investigação dos aspectos psicológicos da FIV em que não é possível afirmar, de maneira
geral, se a maioria dos casais com problemas de infertilidade apresentam alterações
psicológicas, porém, parece haver um “subgrupo de casais com problemas psicológicos
sérios (20% do total).
o estudo brasileiro feito por Correa e Loyola (1999b) identificou que as mulheres
que se submeteram a RA são unânimes em ressaltar os custos financeiros, físicos e
emocionais de sua aplicação, invasividade, efeitos colaterais, o tempo de espera, o transtorno
cotidiano e o estresse psicológico do casal, mas valorizam positivamente a RA. Nesta
abordagem Miranda (2005) avaliou que apesar dos casais estarem “resolvendo o problema da
infertilidade” através de RA apresentam estresse e tensão emocional, mas têm confiança e
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 64
otimismo pelo resultado positivo, acreditando que a ansiedade acaba sendo uma conseqüência
natural de um tratamento que pressupõe espera, possibilidades e incerteza.
Na amostra dos casais submetidos a RA da pesquisa sobre estresse de Seger- Jacob
(2000) os resultados mostraram que 80% do diagnóstico de infertilidade eram de causa
masculina, com grau maior de estresse que as mulheres, o que levou o pesquisador acreditar
que o estresse possa interferir na qualidade dos espermatozóides. Já Moreira, Tomaz e
Azevedo (2005) sugeriram que o estresse não interfere nos resultados da RA, pom
Michelon e Farinati (2004) acreditam que sim.
10.3. A Ética do desejo em RA - Lucros e limites
Para Tamanini (2003a, 2004) uma vez constituída a ética em torno “do querer” do
casal, legitima-se todas as formas de intervenção. A assistência médica e psicológica revestida
de uma aura de relação de ajuda” confirma que a ciência faz intervenções ditas naturais, pois
são utilizadas para “imitar” o trabalho da natureza fazendo com que a intervenção perca
qualquer possível ar de maleficência e permitindo considerar tal intervenção como “ajuda à
natureza e ganhando em benevolência.
Nesta enfoque Correa e Loyola (2005) indagaram em que medida as técnicas de RA
vieram reforçar aquele ideal de parentalidade “completa” , bem como a naturalização do
papel social de homens e mulheres, o que termina por reduzir as representações sobre
maternidade/paternidade e sobre todo processo reprodutivo às suas dimensões exclusivamente
biológica e getica. Concordando que em um primeiro momento, a RA veio reforçar as
representações no sentido que essas técnicas foram concebidas para “ajudar” casais
heterossexuais inférteis a realizar seus projetos reprodutivos, o mais proximamente possível
do modelo “natural”.
Mesmo estando diante de conflitos éticos, morais e religiosos, os casais vêem na FIV a
única possibilidade de realizar o sonho da maternidade e da paternidade, passando a ser algo
aceitável, mesmo que envolvido com sentimentos de medo e ansiedade, conforme dados da
pesquisa de Oriá e Ximenes (2004) com 6 mulheres que fizeram tratamento de RA no Centro
de Medicina Reprodutiva de Fortaleza, fundamentado na análise temática de Bardin.
Existe uma extensa bibliografia nacional e internacional de profissionais respeitados
refletindo, discutindo e levantando questionamentos importantes sobre dilemas
éticos/bioéticos que surgem atualmente em nosso contexto sociocultural. A bioética, antes de
ser uma disciplina, segundo Oliveira (2006) estabeleceu-se como movimento social. A
disciplina é uma decorrência do movimento pela ética na assistência e na pesquisa em saúde.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 65
Portanto, segundo a autora, ambos têm objetivos comuns: a busca do bom e do melhor para o
ser humano e a humanidade, em determinado contexto social.
Conforme Marchesini (2008), na ausência de legislação infraconstitucional própria
para definir os destinos das relações metajurídicas fundadas na RA, sob os aspectos éticos, e
das normas administrativas faz-se necessário motivar e sensibilizar os representantes do povo
no Congresso Nacional para discussões e resoluções, pois o Brasil já está no seleto rol da mais
alta biotecnociência mundial de ponta, ladeando-se aos grandes representantes do chamado
Primeiro Mundo - Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e Itália, dentre outros - na busca
permanente da manipulação e industrialização da vida com auxilio da Engenharia Getica
(ou Biociência). Oriá (2007), em seu artigo nos propõe a fazer uma reflexão teórico-filosófica
da FIV fundamentada no pensamento de Hans Jonas - o filósofo alemão-, enfatizando a
necessidade do casal analisar cada aspecto que envolve a RA, a fim de que estejam
conscientes de suas responsabilidades e riscos.
11. Relacionamento parental em RA
É sabido que nos últimos anos houve uma elevação do número de crianças nascidas
através de RA, isso posto, Guerra e Golombok (2001) questionaram quais seriam as
conseqüências psicológicas que esta realidade terá nas crianças. Eles investigaram, através de
um estudo europeu (Espanha, Reino Unido, Itália, Holanda) o desenvolvimento emocional de
crianças nascidas através de fertilização in vitro (FIV) e de inseminação artificial de doador
(IAD), em comparação com grupos de controle composto por famílias que conceberam
naturalmente (CN) e famílias que adotaram uma criança. Participaram 116 famílias de FIV,
111 de IAD, 120 CN com idades entre 4 e 8 anos. Neste estudo as contagens foram
combinadas para obter duas contagens globais para cada criança: sentimentos positivos entre
a criança e a mãe e sentimentos positivos entre a criança e o pai. E as escalas obtidas foram:
(i) competência cognitiva, (II) competição física, (III) aceitação maternal e (IV) aceitação de
outras crianças. Nos resultados não se encontraram diferenças entre os grupos quanto à
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 66
presença de transtornos psicológicos ou à qualidade da relação com as crianças e a família. E
os resultados relativos à qualidade da paternidade e ao desenvolvimento sócio-emocional das
crianças eram similares nos 4 países que participaram do estudo.
Por outro lado, o trabalho de Makuch (2006b) investigou através de uma revisão
bibliográfica pesquisas internacionais (1996/2001) sobre a relação parental entre pais e filhos
nascidos através de RA e observou que as mulheres estabelecem uma relação próxima com
seus bebês, apesar do estresse em relação ao bem-estar e cuidados do filho nos primeiros
meses. No ano s-parto, o desenvolvimento parental foi semelhante entre os pais que
conceberam naturalmente (CN) e os que tiveram filhos por RA em que as mães nesta etapa
apresentaram maior preocupação centrada na criança. Já no segundo ano de vida das crianças,
conforme o autor, a análise da literatura o mostrou diferenças significativas entre os dois
grupos de pais em relação à saúde mental e à relação de casal; ao passo que os pais de RA, em
geral, são mais superprotetores e têm mais satisfão com a relação parental.
Em Portugal, Algarvio (2000/4) propôs e validou uma escala de avaliação de
preocupações parentais, e em 2006, junto com Serra, aplicou essa escala em pais de 19
crianças nascidas através de RA ao qual comprovaram o estilo parental ansioso e super
protetor, têm um risco acrescido para o desenvolvimento de problemas do foro emocional e
para perturbações relacionais e do comportamento da criança, devido ao super investimento
materno. Além disso, são consideradas pelos pais como especiais”, preciosas”, vulneráveis
e, por isto, os pais dão-lhes mais carinho, mas menos autonomia e são muito ansiosos na
separação, o que poderá prejudicar a constituição da criança como indivíduo. As autoras
puderam verificar, ainda, que existem diferenças entre o número de tentativas para engravidar
dos casais, visto que as preocupações foram mais intensas quando existiam mais de três
tentativas. Percebe-se, assim, que o investimento e o tempo de espera para poderem ter um
filho influenciam as preocupações sentidas pelos pais. Este filho é sempre percebido como
uma criança muito desejada, “milagre” e, portanto, e os pais demonstram estarem muito
preocupados com o seu desenvolvimento. Em relação ao tempo de espera da FIV, quem mais
se preocupa são os pais que tiveram um tempo de espera superior a dois anos. Parece
necessário referir que esta gravidez não é de nove meses como as habituais, mas sim de mais
de dois anos e nove meses. As maiores preocupações destes pais são relativas a problemas
familiares e a comportamentos negativos por parte da criança. Podendo significar que no
desenvolvimento da coparentalidade, os dois membros não ajudam” um ao outro para
propiciar uma educação que promova autonomia à criança.
o estudo britânico feito por Fisher-Jeffes, Banerjee e Sutcliffe (2006) intitulado
Interesse dos pais a respeito de suas crianças de RAcom famílias que foram recrutadas de
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 67
22 unidades britânicas de fertilidade avaliaram o crescimento e desenvolvimento de crianças
com aproximadamente 5 anos de idade (hoje com 8-9 anos de idade) através de
questionamentos aos pais, obtendo 329 respostas (164 FIV e 169 ICSI) mostrando que esses
pais sentem-se como vencedores da loteria. O grupo de mães FIV (após um ano de nasc.)
considerou suas crianças como “mais vulneráveis” comparado com as crianças concebidas
naturalmente (CN). Nos resultados finais os casais descreveram ansiedade durante a gravidez
de suas crianças FIV, as mães relataram ansiedade sobre a separação de seus bebês depois do
nascimento e sobre a sobrevincia desses bebês, normalidade e os possíveis danos na
infância. Podendo a ansiedade das mães, promover a superproteção e o não desenvolvimento
da autonomia da criança. As perguntas mais freqüentes feitas pelos pais foram “se ou não”
sua criança concebida por ICSI ou FIV teria sua fertilidade diminuída, sobre a saúde futura da
criança de RA e interesses sobre “como, quando, ou se” vão dizer para sua criança como
foram concebidas. Este estudo seguiestas crianças até idade adulta com contato regular e
por avaliações ocasionais.
Seguindo esta mesma abordagem, Barnes e Sutcliffe (2004) avaliaram o estresse de
famílias que tiveram filho(s) através de RA, comparando 241 crianças de 5 anos concebidas
através de ICSI e crianças concebidas naturalmente(CN), em cinco países europeus (Bélgica,
Dinamarca, Grecia, Suécia e o Reino Unido), por meio de testes psicológicos e avaliação
pediátrica, onde as mães e os pais responderam questionários com o objetivo de associar
estresse parental que poderia interferir na adaptação ao papel parental, relacionamentos
parentais, relacionamento pais-criança e desenvolvimento sócio-emocionais. Intitulado “A
influência da RA no funcionamento da família e no desenvolvimento socio-emocional das
crianças: resultados de um estudo europeu”. Os testes concluíram que muito poucas diferenças
foram encontradas. As únicas diferenças significativas eram que as mães no grupo ICSI
relataram ser menos hostis ou terem menos sentimentos agressivos para com a criança e
apresentavam níveis mais elevados de compromisso parental do que as mães de crianças CN.
Mas ao contrário de pesquisas anteriores, as mães são pouco “calorosas” e os pais (homem e
mulher) podem ser superprotetores e suprimirem os sentimentos negativos sobre sua criança.
Aqui no Brasil, Quayle (2006) investigou que estudos transversais internacionais
comparativos não mostram diferenças significativas no que concerne às relações maritais ou à
qualidade do vínculo dos pais com seus filhos nascidos de RA, nem no desenvolvimento
comportamental e cognitivo, embora se considerassem superprotetores. Podendo-se pensar
que ter filhos geneticamente relacionados com pais através de RA é o mesmo que tê-los
engravidado espontaneamente em que a diferença estaria unicamente na forma de concepção.
Entretanto, para Makuch (2006b) existem evidências que sugerem que o estresse associado à
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Maura Castello Bernauer Página 68
infertilidade e seu tratamento tendem a persistir por um tempo após o nascimento do bee
pode-se traduzir em dificuldades na função parental, tornando os pais mais protetores,
preocupados, e gerando expectativas pouco realistas em relação a seus filhos e ao próprio
papel de mãe e pai.
Levando-se em conta que Serra e Algarvio são psicólogas portuguesas que
pesquisaram uma população de cultura européia, a pesquisa delas identificou pais que
consideram seus filhos como especiais, preciosos, vulneráveis, um milagre, preocupados com
o desenvolvimento dos filhos e ansiosos na separação. E que apresenta alguns resultados
iguais aos estudos britânicos de Fisher-Jeffes e Banerjee: pais como vencedores da loteria,
crianças consideradas mais vulneráveis, ansiedade durante a gravidez e na separação,
superproteção e preocupados sobre como ou se vão contar as crianças como foram
concebidas. Já na pesquisa de Barnes e Sutcliffe as mães mostraram menos sentimentos
agressivos, pouco “calorosas”, maior compromisso parental e os pais podem ser
superprotetores.
Os resultados não são consensuais, talvez em função das diferentes abordagens de
pesquisa e da falta de análise cultural e histórica do fenômeno, sendo que o único dado em
comum entre as pesquisas foi a superproteção.
Foram escassos os achados bibliográficos sobre a relação dos pais com os filhos nascidos de
RA. No Brasil não há nenhum estudo.
Destaca-se somente uma pequena proposta de Cúneo (2004) em que focalizou a
necessidade da equipe multidisciplinar intervir na relação entre pais e filhos nascidos de RA
no sentido de responsabilidade, onde a função do pediatra é detectar na consulta médica:
como os pais abordam com o filho sua concepção, ansiedades e temores com relação ao
futuro do filho, fantasias de rejeição e outros temores. E orientar: o quê, quando, quanto,
como, e de que modo informar ao filho sua concepção.
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PARTE III
1. JUSTIFICATIVA
Dando continuidade ao trabalho, cabe frisar que o termo parentalidade (tornar-se pai e
e) designa uma das maiores transições do ciclo de vida familiar, quando se assumem novos
papéis sociais, que podem exigir uma grande adaptação de suas identidades individuais e,
principalmente, de sua identidade enquanto casal. Conforme Brasileiro e Jablonski (2002), na
transição para a parentalidade, as modernas relações de gênero parecem gerar confusão e
ambigüidade, em que as referências para a maternidade e a paternidade parecem ainda
associadas aos significados tradicionais de masculino e feminino, talvez por se tratar de um
evento tão fortemente ligado às diferenças biológicas entre os sexos e por elas delimitado.
Portanto, se por um lado indícios de que a linha entre a maternidade e a paternidade está
começando a se diluir, também estudos longitudinais que evidenciam um aumento da
diferenciação por gênero ou da polarização entre masculino e feminino durante e após a
transição para a parentalidade.
Estudos feitos por Trindade e Enumo (2002) verificaram que a angústia gerada pela
descoberta da infertilidade pode variar de acordo com a valorização dada à maternidade e à
paternidade e que estes devem ter como objetivo compreender as reações à infertilidade e
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 70
estar atentos para a importância que os indivíduos dão a parentalidade, seja como um aspecto
estruturante da identidade, seja como um objetivo de vida.
A possibilidade de gerar filhos fora do coito parental, através da RA, colocou-nos
diante da fragmentação das certezas conduzindo-nos a repensar os significados de ser mãe, de
ser pai, de ter filhos e de ter família. O nascimento de um begerado através de técnicas de
RA, apesar de significar a possibilidade de desenvolver o papel parental desejado e de
constituir uma família, também é uma situação nova em nosso meio e para a qual não existem
referenciais sociais. Conforme Makuch (2006a) ainda são poucos os estudos sobre a
configuração dessas relações e por existirem muitas incertezas, propõe uma reflexão profunda
sobre as novas formas de filiação e constituição familiar por parte das equipes de saúde que
desenvolvem trabalhos nessa área.
Nesta abordagem, Fisher-Jeffes (2006) nos atentam para o fato de que os casais que
tiveram filhos através de RA, comparados a casais grávidos de uma relação natural,
potencialmente podem ter associados na sua gravidez de RA um novo estresse, o “parental”.
Podendo apenas este detalhe trazer consequências à adaptação deste novo papel em suas
vidas, assim como na relação com a(s) criança(s) advindas e, logicamente, interferir no
desenvolvimento psico-social da(s) mesma(s).
De acordo com revisão bibliográfica, a transição para a parentalidade é
reconhecidamente um momento que implica um conjunto de transformações individuais,
conjugais e sociais para os novos pais (fase em que as investigações sobre a adaptação paterna
são mais escassas) Procurou-se, assim, verificar em que medida a experiência do tratamento
de RA promove a constituição psíquica da parentalidade de homens e mulheres e como eles
pensam e constroem o sentido e ressignificam ser pai e ser mãe.
Considerando que a conceão de natureza humana está ligada à visão de indivíduo
autônomo, independente das relações sociais, pode-se explorar a idéia de que é natural que
homens e mulheres desejem ter filhos. Desse modo, entende-se que o processo da
parentalidade de pais de crianças nascidas através de RA está intimamente correlacionado
com a confirmação social de gênero masculino e feminino em que é natural que o homem e a
mulher desejem ter filhos biologicamente seus, pois seu corpo foi feito pela natureza para
procriar e que ele deve ser naturalmente fértil. Podemos assim, considerar a infertilidade
como antinatural, e que a RA naturaliza a infertilidade, (ou desnaturaliza a fertilidade), pois
torna uma natureza infértil em provisoriamente fértil. Advindo disto pode-se questionar: Qual
o significado e o sentido de tornar-se pai e mãe para esse casal?
Sustenta-se a idéia de que o homem é construído socialmente e que através de sua
relação com a realidade, apropria-se subjetivamente dela, tornando-a própria e apropria-se da
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 71
história nas relações com outros homens, utilizando a linguagem como instrumento para atuar
sobre esta realidade. Concorda-se com Vygotsky que afirma que a linguagem materializa e
constitui as significações construídas no processo social e histórico, oferecendo um sentido
pessoal e particular e que o sentido pessoal pode estar em contradição com o significado
socialmente atribuído.
Desse modo, acredita-se que os sujeitos desta pesquisa se apropriaram das
significações sociais e historicamente produzidas sobre as identidades de gênero identificadas
através da maternidade e da paternidade e vivem este espaço intersubjetivo de conflitos,
confrontos e trocas, atribuindo sentidos pessoais e apropriando-se deles. Portanto, a RA faz
sentido para os casais entrevistados.
Tendo o subsistema parental como foco mais importante desta pesquisa, que
pretendeu apreender os significados e sentidos através das entrevistas colhidas com os
participantes, os objetivos foram:
OBJETIVO GERAL
Refletir sobre os impactos da infertilidade na subjetividade de homens e mulheres que se
submeteram e tiveram filhos através de RA e sobre o processo de transição da conjugalidade
para a parentalidade após o nascimento do filho, buscando-se apreender seus significados e
sentidos.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
ψ Desnaturalizar as significações (signos) de feminino/maternidade e
masculino/paternidade.
ψ Desnaturalizar o desejo de ser pai e mãe.
ψ Desnaturalizar o desejo de ter filhos.
ψ Desnaturalizar a infertilidade.
ψ Desnaturalizar a RA.
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Maura Castello Bernauer Página 72
2. METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos propostos nesta investigação e analisar o material coletado,
sentiu-se necessidade de orientar este estudo a partir de uma perspectiva sócio-histórica,
conforme explicitado anteriormente, pois se considerou necessário articular o femeno da
parentalidade em RA às transformações mais amplas que vêm ocorrendo na sociedade.
Isso posto, destaca-se que o objeto das ciências sociais é histórico e essencialmente
qualitativo, pois a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com
toda a riqueza de significados que transborda dela, conforme Minayo (2007), em que os
pesquisadores são, dialeticamente, autores e frutos de seu tempo histórico. Na investigação
social a relação entre o sujeito investigador e o sujeito investigado é crucial, considerando os
termos teoria e métodos inseparáveis (caminham juntos e vinculados), devendo ser tratados de
maneira integrada e apropriada quando se escolhe um tema, um objeto, ou um problema de
investigação.
A narrativa oral como abordagem qualitativa de entrevista, tem sido um instrumento
básico nos esforços dos trabalhos sobre nero, para incorporar vidas, atividades e
sentimentos, inicialmente das mulheres e, posteriormente, também dos homens. Conforme
Rocha-Coutinho (2006) ela se apresenta como uma das melhores formas de fazer com que as
pessoas falem sobre suas vidas, porque permite ao pesquisador explorar não apenas fatos e
atividades como também sentimentos, isto é, as experiências emocionais de seus informantes,
concretizando melhor a opção pela entrevista em profundidade. Pois ao falar, as pessoas
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 73
constroem identidades, articulam suas experiências e refletem sobre o significado destas
experiências para si.
O método escolhido foi de pesquisa qualitativa e a técnica escolhida para a coleta de
dados foi a entrevista aberta em profundidade, o que a priori poderia indiciar escassez de
informão, mas este tipo de entrevista tem a vantagem de possibilitar uma análise mais
pormenorizada do acontecido quando o informante é convidado a falar livremente sobre um
tema e as perguntas do investigador, quando são feitas, buscam dar mais profundidade às
reflexões.
Na realidade, o eixo principal Apreender os significados e sentidos que homens e
mulheres que tiveram filho (s) de RA, acerca do processo de construção da parentalidade -
que norteou a realização da entrevista em profundidade aos casais que atravessaram uma
situação de infertilidade, de tratamento de RA, de gravidez, parto e relacionamento parental
foi constantemente readaptado às demandas dos participantes da pesquisa.
Desse modo, frisou-se que a proposição metodológica de Vygotsky é coerente com
toda sua teoria dialética de compreensão dos fenômenos humanos. Partindo da premissa
básica de que as funções mentais superiores o constitdas no social, em um processo
interativo possibilitado pela linguagem e que antecede a apropriação pessoal, ele também vê a
pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna promotora de
desenvolvimento mediado por um outro. Para Freitas (2002) essa posição tem importantes
conseqüências para a pesquisa em que é possível perceber a mediação do pesquisador
provocando alterações de comportamento que possibilitam a compreensão de seu
desenvolvimento.
Nesse enfoque destacado por Freitas, o pesquisador, portanto, faz parte da própria
situação de pesquisa, a neutralidade é impossível, sua ação e também os efeitos que propicia
constituem elementos de análise. Disso também resulta que o pesquisador, durante o processo
de pesquisa, é alguém que está em processo de aprendizagem, de transformações. Ele se
ressignifica no campo. O mesmo acontece com o pesquisado que, não sendo um mero objeto,
também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa. A
entrevista, na pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico, também é marcada por essa
dimensão do social. Ela não se reduz a uma troca de perguntas e respostas previamente
preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica. Os
sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes
espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. Na entrevista é o sujeito que se
expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo,
gênero, etnia, classe, momento histórico e social.
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Dessa forma, acreditou-se que o todo escolhido proporcionou o conhecimento
acerca dos significados e sentidos do processo de construção da parentalidade de homens e
mulheres que tiveram filho (s) através de RA, no contexto atual.
2.1. Participantes
Os participantes desta pesquisa foram pré-selecionados através do prontuário da clínica onde
o pesquisador atuava como psilogo, segundo critérios de inclusão:
Três homens e três mulheres (estes não precisavam necessariamente ser
casais);
Que fizeram tratamento de RA e m um primeiro filho(s) nascido pelo
menos um ano;
Cuja a causa da infertilidade irrelevante, podendo ser no homem, na mulher ou
em ambos;
Sem delimitação de idade; qualquer estado civil, tempo de relacionamento
conjugal, condição sócio-econômica, religião, etnia e nível de instrução.
Quanto aos critérios de inclusão:
A escolha de homens e mulheres fez-se necessária por que o processo de socialização
dá-se diferentemente para homens e mulheres e as convenções cio-culturais determinam
quais os papéis que cada um deve representar. Apesar da maior responsabilização dirigida às
mulheres quando o assunto é a geração de filhos, a dificuldade em consegui-los costuma
atingir ambos os cônjuges, posto que seja uma situação que geralmente afeta o
relacionamento do casal. Além disso, a cobrança por parte da sociedade é dirigida aos dois,
embora de maneiras diferentes. Em relação ao homem, a cobrança é no sentido de sua
masculinidade; quanto à mulher, é relacionada à sua completude, ou seja, para ser uma mulher
completa, ela deve ser mãe.
O critério de idade do(s) filho(s) foi baseado em Kitzinger (1997) que considera o
puerpério como o quarto trimestre” da gravidez, considerando um período de transição que
dura por volta de três meses após o parto, acentuado em particular no primeiro filho. Nessa
etapa a mulher torna-se especialmente sensível, quando a ansiedade normal e a depressão
reativa são comuns. A autora defendeu a tese de que existe uma relação muito estreita entre as
experiências da criança com seus pais e sua capacidade posterior, para estabelecer vínculos
afetivos. Os vínculos afetivos e os apegos são estados internos e sua existência pode ser
observada pelos comportamentos de apego. Esse conceito diz respeito a todas aquelas
condutas que possibilitam ao indivíduo conseguir e manter a proximidade em relação a uma
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figura de apego. Ao final do primeiro ano de vida, e durante o segundo e terceiros anos,
quando adquire a linguagem, a criança se habilita a construir modelos funcionais de como
esperar que o mundo físico se comporte, como a e e outras pessoas significativas poderão
se comportar, acerca dela mesma e das interações entre todos. Então, acreditou-se, nesta
pesquisa, que passado o primeiro ano de adaptação e/pai/bebê e ao final do terceiro ano do
bebê quando este começa a se socializar, seja o período ideal para coletar as concepções de
paternidade e maternidade.
Critérios de exclusão:
ter outro filho(s) de casamento (relacionamento) anterior ou o; natural (is) ou
adotado(s); ter feito uso de óvulos ou gametas doados; pois interferiria numa
probletica diferente da proposta nesta pesquisa.
Quanto aos critérios de exclusão:
É sabido que a inseminação artificial homóloga não cria maiores problemas de ordem
psicológica, já que a matéria manipulada é originária do marido e da mulher; já a inseminação
heteróloga, com doador de esperma e/ou óvulos, estranho ao casal, é traumatizante e
paradoxal, na medida em que permite o estabelecimento de uma aparente conformidade às
normas sociais e individuais da filiação, independente da notória transgressão dessas normas.
De acordo com Minayo (2007) em pesquisa qualitativa a amostragem boa é aquela que
possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões. Cabe
salientar que se optou por realizar entrevista aberta, devido ao interesse em produzir um
material mais aprofundado, bem como compreender as especificidades culturais do grupo
estudado (experiências, vivências e representações).
Considerou-se que a proposta de pesquisa qualitativa com a amostra de seis (6) participantes
(3 homens e 3 mulheres) atendeu aos propósitos deste estudo.
2.2. Instrumentos
Foram realizadas entrevistas em profundidade com três homens e três mulheres que
conceberam e tiveram o primeiro filho(s) através de tratamento de RA com a técnica
FIV/ICSI e o filho (a) no momento da coleta tinha entre um (1) e três (3) anos de idade. A
coleta de dados foi feita através de gravação em fita de áudio (cassete), com horário
programado e a saturação de dados foi o que orientou a decisão com respeito à quantidade e o
tempo das entrevistas.
Durante a entrevista aberta em profundidade o pesquisador usou mentalmente um
roteiro pré-estabelecido aparentemente simples, sendo uma lista de temas por parte do
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pesquisador, uma descrão sucinta, breve, ao mesmo tempo abrangente, do objeto da
investigação, orientando os rumos da fala do participante. Conforme Minayo (2007) este
instrumento empregado exige preparação suficiente do pesquisador, permitindo-lhe, durante a
entrevista, levantar questões que ajudem o participante a abranger níveis cada vez mais
profundos em sua exposição. Neste tipo de entrevista, “o entrevistador se libera de
formulações pré-fixadas, para introduzir perguntas ou fazer intervenções que visam abrir o
campo de explanação do entrevistado ou aprofundar o nível de informações ou opiniões”.
2.2.1. Roteiro de Entrevista
As questões norteadoras foram baseadas no problema desta pesquisa e foram refeitas e
reformuladas conforme o andamento da entrevista. Nesse caso, o instrumento que ficou
guardado na memória do pesquisador, testando sua capacidade de ver, concatenar fatos, mas,
sobretudo, de ouvir e conduzir o pesquisado para que explicita-se, da forma mais abrangente e
profunda possível, seu ponto de vista, foi:
Como é ser pai/mãe do(a)... nomear a criança?
O que você imaginava ser pai/mãe foi o que realmente aconteceu?
Para você qual é a função de pai/mãe?
Elas (funções) podem ser trocadas com seu companheiro/a?
Para você existe alguma diferença entre ser pai/mãe? Qual?
Como foi feita a “reorganização” do casal da conjugalidade p/a parentalidade?
Como foi a experiência:
Da infertilidade (Constatação, enfrentamento, busca médico/tecnológica, família,
emprego, vida social...).
Do tratamento de RA (Enfrentamento, família/amigos, aspectos físicos/éticos...).
Da gestação (Aspectos físicos/psi...).
Do parto (Aspectos físico/psi...).
Do nascimento/filho (Primeiros contatos, primeiros dias/meses...).
Do convívio com o filho (Aspectos práticos, convívio, rotinas...).
Da relação do casal, como ficou depois do nascimento (O que mudou, se mudou).
2.2.2. Questionário Sócio-demográfico
Idade:
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 77
Sexo: masc ( ) fem ( )
Escolaridade:
Profissão:
Data da união conjugal: mês/ano
Data do início do tratamento de RA: mês/ano
Quantas tentativas de tratamento de RA: 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( )
+ de 5 ( )
Data do nascimento da criança: s/ano
Causa da Infertilidade:
2.3. Procedimentos
Os participantes foram selecionados através do prontuário da clínica de reprodução
humana onde estes fizeram tratamento para infertilidade através de RA/FIV e obtiveram uma
gestação e filho(s). Preferencialmente seriam homens e mulheres que fizeram pelo menos um
atendimento psicológico durante o tratamento de RA. Não precisavam formar um casal, pois,
ao pesquisador interessou-se o relato de homens e mulheres separadamente. Porém,
circunstancialmente os três homens e três mulheres que se dispuseram a participar desta
pesquisa formavam três casais, casados formalmente. A partir daí, passou-se a nomear casal:
um (1), dois (2) e três (3).
Os participantes escolhidos dentro dos critérios acima, foram contatados pelo
pesquisador, por telefone residencial no período da noite para agendamento da primeira
entrevista com a finalidade de discorrer resumidamente sobre o trabalho e também para dizer-
lhes que o depoimento deles poderia contribuir direta ou indiretamente para a pesquisa como
um todo, para a comunidade e para o próprio entrevistado. Mencionou-se e referenciou-se a
instituição à qual o pesquisador está vinculado. Explicando dos motivos da pesquisa em
linguagem coloquial. Justificou-se a escolha dos entrevistados, buscando mostrar-lhe em que
ponto e porque foram selecionados para essa conversa. Garantiu-se o anonimato e sigilo sobre
os dados, e agendou-se encontro conforme disponibilidade de tempo do participante em local
escolhido por ele onde, se garantiu reserva e ambiente tranqüilo e acolhedor. Foi explicado
que poderia haver necessidade de outros encontros para que se colhesse todo material
importante para a coleta de dados pertinente à pesquisa e à sua saturação.
Para evitar conflitos conjugais optou-se por agendar com as mulheres que
concordaram e aceitaram em nome do casal.
As entrevistas foram feitas na residência dos participantes, por opção destes, nos
meses de março, abril, maio e junho de 2008.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 78
O pesquisador escolheu para melhor ordenação dos dados a ordem alfabética dos nomes
fictícios dos homens e mulheres que formaram três casais. Assim sendo:
Casal 1: Ana e Bruno
Casal 2: Carla e Daniel
Casal 3: Elsa e Fábio
Os três casais optaram por conhecer os objetivos da pesquisa e fazer a entrevista no
mesmo momento. No primeiro encontro foi lido e assinado pelos pesquisador e participantes
da pesquisa o termo de consentimento livre e esclarecido onde constou o objetivo e
questionáriociodemográfico.
A proposta de pesquisa era a entrevista individual com o homem e a mulher. Assim
sendo:
O casal 1 Ana e Bruno foram entrevistados individualmente, uma única vez pois após
transcrição dos relatos o pesquisador analisou o material colhido e viu-se que os dados
satisfaziam os objetivos propostos, verificando não haver necessidade de novo encontro. O
pesquisador havia feito dois atendimentos psicológicos com a Ana, durante a gestação, por
indicação médica, na clínica onde os participantes fizeram o tratamento de RA em que a
queixa principal era ansiedade caracterizada pelos inúmeros pedidos dela de ultrasom para
detectar anomalias na filha. Houve outro atendimento pós-parto imediato na maternidade. O
pesquisador conheceu Bruno, nesta ocasião, somente superficialmente.
No entanto o casal 2, no momento da primeira entrevista, optou por fazê-la conjuntamente
(homem e mulher), e, para evitar desconforto, foi aceito pelo pesquisador/entrevistador. O
casal 3 fez a entrevista individualmente.
Após a transcrição das primeiras entrevistas, necessitou-se de mais uma entrevista com o
casal 2 Carla e Daniel e com o casal 3 Elsa e Fábio. Novo encontro foi remarcado com
Carla, quando foi enfatizada a entrevista individual. Novamente a participante ignorou a
instrução e a segunda entrevista foi feita com o casal. Realizado novo contato com Elsa para
que fosse remarcada nova entrevista, a participante alegou falta de tempo, sendo remarcado
duas vezes. Decidiu-se não retomar os contatos para respeitar a privacidade do casal
participante.
O tempo estipulado para cada entrevista foi espontâneo, a partir da necessidade de
escuta dos participantes. Acreditou-se que seria aproximadamente 1 hora para cada entrevista.
Para surpresa do pesquisador no final dos encontros, o tempo transcorrido foi:
Casal 1: 1ª Entrevista - Ana ( 2h) e Bruno (1h)
Casal 2: 1ª Entrevista - Carla e Daniel (3h) e 2ª Entrevista - (1h45min)
Casal 3: 1ª Entrevista - Elsa (2h30min) e Fábio (1h30min)
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 79
A não delimitão do tempo foi metodologicamente importante, porém, a necessidade
dos participantes em contar sua história” fez com que o tempo transcorresse rapidamente. É
preciso lembrar que a entrevista, como forma privilegiada de interação social, estava sujeita à
mesma dinâmica das relações existentes na própria sociedade. Na pesquisa qualitativa, o
envolvimento do entrevistado com o entrevistador, em lugar de ser considerado falha ou risco
comprometedor da objetividade, é necessário como condição de aprofundamento de uma
relação subjetiva. Portanto, no tempo de escuta atenta do pesquisador interagido com os
entrevistados, com grande grau de profundidade, gerou desgaste físico e emocional.
2.3.1. Cuidados Éticos
O projeto foi submetido ao Comide Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo PUCSP, sendo aprovado com o protocolo de número 012/2008.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido durante a
condução da entrevista respeitando o processo do participante, evitando situações de angústia
e fragilização.
Ao considera que as entrevistas ocorreram na resincia dos casais participantes,
alguns cuidados éticos foram tomados no sentido de garantia de respeito, sigilo e acolhimento.
O pesquisador preocupou-se com relação à roupa que usaria durante as entrevistas, pois
estava apropriando-se do espaço domiciliar dos participantes”. Enquanto uma roupa
formal” poderia denotar muita seriedade e provocar desconforto e uma “roupa despojada”
poderia denotar desrespeito, optou-se por uma “roupa discreta” que demonstrasse respeito e
evitasse constrangimentos.
3. ANÁLISE DOS DADOS
Para analisar os dados, adotaram-se os seguintes procedimentos: após as entrevistas, as
fitas de áudio (cassete) foram transcritas, realizando-se uma primeira leitura do material.
Depois, organizaram-se os relatos, revisaram-se os objetivos e questões teóricas discutidas no
estudo. Terminada esta etapa, mapearam-se os discursos, segundo temas emergentes (sempre
guiados pelos objetivos da pesquisa). Esses agrupamentos permitiram a apreensão dos
significados, as associações de iias, e a captação da variedade de pensamentos.
Na etapa seguinte, analisou-se o material colhido e verificaram-se se os dados
satisfaziam os objetivos propostos. Após esta avaliação, o pesquisador verificou se o material
disponível revelou qualidade, principalmente quanto à impressão e clareza dos registros e se
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 80
foi suficiente para a análise. Se sim, foi feita a análise de conteúdos. Se não, o sujeito foi
contatado novamente, conforme combinado anteriormente, e foi agendado novo encontro
conforme disponibilidade do sujeito. Depois do segundo encontro, todo processo de
transcrição, leitura e avaliação foi feito igualmente ao primeiro, assim por diante, até que
houve a saturação de dados, ou repetição, alcançando-se os objetivos propostos, conforme
relatado nos procedimentos p.85.
O estudo do material não abrangeu a totalidade das falas e expressões dos participantes
porque, em geral, a dimensão sociocultural das opiniões e representações de um grupo que
tem as mesmas características, costumam apresentar muitos pontos em comum, ao mesmo
tempo em que mostram singularidades próprias da biografia de cada interlocutor. Sendo
assim, conforme Minayo (2007), ao analisar e interpretar as informações geradas por essa
pesquisa, caminhou-se tanto na direção do que é homoneo quanto no que se diferencia
dentro de um mesmo meio social.
Após os dados colhidos e acumulados, voltou-se para a fundamentação teórica que faz
parte da elaboração dos conceitos iniciais na fase exploratória com o intuito de verificar quais
temas exigiam aprofundamento. Para melhor operacionalização, seguiu-se as fases:
Ordenação dos Dados
Essa etapa incluiu: (a) transcrição de fitas-cassete; (b) releitura do material; e (c) organização
dos relatos em determinada ordem.
Classificação de Dados
Leitura horizontal e exaustiva dos textos
: em que o material foi cuidadosamente analisado por
meio de frases, palavras, adjetivos, concatenação de iias e sentido geral do texto buscando a
coerência interna das informações e procurando construir categorias empíricas.
Leitura transversal
: o processo foi do recorte de cada entrevista em unidade de sentido”, por
estruturas de relevância”, por “picos de informação” ou por “temas”.
Análise Final
: as etapas de ordenação e classificação demandaram uma profunda inflexão
sobre o material empírico, que foi considerado o ponto de partida e o ponto de chegada da
compreensão e da interpretação, inserindo-se o contexto sócio histórico dos dados coletados.
Relatório:
foi a formatação final, como uma síntese do objeto de estudo.
Na etapa final do processo de investigação trabalhou-se com as entrevistas como
instrumento que acessam os significados e sentidos sugerido por Aguiar e Ozella (2006).
Foram feitas “leituras flutuantes”, visando à sua apropriação, em que se permitiu organizar
pré- indicadores para a construção de indicadores e de núcleos futuros. Foram emergindo
temas os mais diversos, caracterizados por maior freqüência (pela sua repetição ou
reiteração), pela importância enfatizada nas falas dos informantes, pela carga emocional
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 81
presente, pelas ambivalências ou contradições, pelas insinuações não concretizadas, etc. As
novas leituras permitiu-se um processo de aglutinação dos pré-indicadores, pela similaridade,
pela complementaridade ou pela contraposição. Após esse processo obtiveram-se uma menor
diversidade de temas, podendo-se aglutinar em indicadores.
A partir da re-leitura do material, considerando a aglutinação resultante (conjunto dos
indicadores e seus conteúdos), iniciou-se um processo de articulação que resultou na
organização dos núcleos de significação através de sua nomeação.
Nesse processo de organização dos núcleos de significação - que teve como critério a
articulação de conteúdos semelhantes, complementares ou contraditórios -, foi possível
verificar as transformações e contradições que ocorreram no processo de construção dos
significados e dos sentidos, o que possibilitou uma análise mais consistente que permitiu ir
além do aparente e considerar tanto as condições subjetivas quanto as contextuais e históricas.
Nesse momento iniciou-se o processo de análise e avançou-se do empírico para o
interpretativo, apesar de todo o procedimento ser, desde o início da entrevista, um processo
construtivo/interpretativo. Os núcleos de significação resultantes expressaram os pontos
centrais e fundamentais que trouxeram implicões para os sujeitos, que os envolveram
emocionalmente e que revelaram as suas determinações constitutivas.
Finalizando, procurou-se examinar os significados e sentidos apreendidos a partir da
fala dos entrevistados resultando em núcleos de significação referentes à experiência da
conjugalidade (relação amorosa, familiar e trabalho), a infertilidade, o tratamento de RA, a
gravidez e parto, e em destaque a parentalidade ou coparentalidade (paternidade e
maternidade).
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 82
PARTE IV
4. RESULTADOS
É importante destacar que se trata de uma amostra de tipo não probabilístico, porque
o diz respeito à totalidade de casais inférteis, existentes no nosso país, que recorrem aos
serviços médicos de combate à infertilidade. Esses dados valem por aquilo que são: uma
primeira abordagem a um tema que tem sido alvo de poucas investigações, apesar de afetar
cada vez mais casais e filhos em todo o mundo. De qualquer forma, o fato da vivência da
infertilidade e do tratamento de RA interferirem com todas as esferas da vida privada e social
do indivíduo tornaria muito difícil, caso fosse esse o propósito deste trabalho, encontrar dois
casos iguais.
Dados Sócio-Demográficos
Casal 1:
Ana tem 35 anos, Grau de Escolaridade Superior (Administração) e trabalha como gerente de
banco.
Bruno tem 38 anos, Grau de Escolaridade Superior (Direito) e trabalha em escritório próprio
de advocacia.
São casados há seis (6) anos, desde a descoberta da infertilidade até o nascimento do casal de
filhos gêmeos, com dois anos de idade (na data da coleta), transcorreu-se um ano.
Casal 2:
Carla tem 39 anos, Grau Escolaridade Superior (Administração), é aposentada por
fibromialgia e atualmente faz a contabilidade da firma do marido.
Daniel: 44 anos, Segundo Grau completo, comerciante próprio (material etrico).
São casados treze (13) anos, desde a descoberta da infertilidade até o nascimento do filho
do casal, com dois anos e meio de idade (na data da coleta), transcorreram-se seis anos. Com
busca de tratamento também no Serviço Público.
Casal 3:
Elsa tem 36 anos, Grau de Escolaridade Superior (Tecnologia da Informação) e é analista de
sistemas de uma firma.
Fábio tem 34 anos, Grau de Escolaridade Superior (Ciências da Computação) e trabalha na
área da infortica numa firma em SP.
São casados sete (7) anos, desde a descoberta da infertilidade até o nascimento da filha do
casal, com dois anos de idade (na data da coleta), transcorreu-se três anos. O único casal que
fez duas tentativas de fertilização (FIV-ICSI).
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 83
Os três casais têm em comum a causa da infertilidade masculina (pouca mobilidade dos
espermatozóides) sendo que no casal 3 também aparece a problemática feminina relativa à
endometriose. O três casais fizeram tratamento em RA com a técnica FIV-ICSI.
Características gerais dos casais:
A e B: Ana considera-se “poderosa” como mãe e profissional. Referiu-se Bruno como seu
porto seguro”, resolvido, decidido, um pai e marido maravilhoso. Bruno considera-se
nervoso e tenso, porém controlado; compreensivo e objetivo, que resolve os problemas na
prática, sem complicações. Referiu-se a Ana como pessimista, insegura e que lhe “falta a
reflexão”. Não divulgaram para suas famílias que fizeram FIV, pois acharam que não seriam
compreendidos e sofreriam preconceito. Ana contou que sentiu muito medo e depressão
durante a gravidez ao saber que seriam gêmeos, a partir daí passou a acreditar que a menina
teria Síndrome de Down. Bruno disse que foi uma gravidez tranila, “sem dor para ela”. E
que mudou a maneira de pensar depois do nascimento dos filhos, pois a prioridade são eles, a
família. Ana converteu-se à religião evangélica e se questionou-se bastante se haveria algum
problema com os filhos, pois eles “são feitos em laboratório”. Ana afirmou ter bom
relacionamento com a mãe e com o pai que teve um AVC recentemente. Referiu-se à sogra
como muito rígida e dominadora. Ana se declarou-se preocupada com o destino dos 7
embriões excedentes criopreservados. Bruno é filho único de pais enérgicos, tem um perfil
conciliador entre as famílias. Acredita ter expectativas em ser um pai calmo e companheiro
dos filhos.
C e D: Carla considera-se ansiosa, tensa e pessimista. Considera que Daniel também é
ansioso, pouco reflexivo e bravo. Daniel acha-se otimista, calmo e prático. Considera que
Carla é pessimista, séria e que pensa 10 vezes antes de fazer qualquer coisa”. Devido ao alto
custo do tratamento de fertilização buscaram o serviço público, num longo processo de
dificuldades e angustias. Carla referiu-se uma gravidez com muita angústia, tristeza e
ansiedade. Daniel diz que foi uma gravidez tranquila para ela e que ele não sentiu desejo
sexual neste período. Carla fez rias referências à mãe que era bipolar e faleceu de câncer
4 anos, quando assumiram definitivamente a guarda do irmão dela, João, que na época tinha
15 anos. Ambos fizeram referências sobre a dessemelhança sica do filho com o pai. Daniel
fez referência a dois abortos que cometeu na juventude, que lhe provocam culpa e o desejo de
adotar uma criança. Daniel encontrou-se na data das coletas debilitado sica e
emocionalmente em consequência do tratamento de hepatite C da qual é portador. São muito
zelosos nos cuidados com o filho e gostam muito dessa convivência diária com ele. Ambos
referem-se ao bom relacionamento com as famílias que acompanharam todo o processo FIV.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 84
E e F: Elsa considera-se ansiosa e exigente. Falou que Fábio é atencioso e preocupado com a
aparência. Fábio considera-se sensível, emotivo, calmo, passível e dependente. Refere-se a
Elsa como independente, fechada, pessimista e ativa. Fizeram uma primeira tentativa de FIV
que não deu certo e que gerou muito sofrimento. Como não souberam lidar com a dor de
familiares e amigos, resolveram não contar a ninguém sobre a segunda tentativa que
transcorreu numa gravidez sem problemas. Ambos fizeram um aborto antes de se casarem,
sentem-se culpados e pensam em adoção para compensar o erro. Fábio mostrou-se
extremamente angustiado com a relação conjugal atual, com sua relação com a filha e com
futuro.
Para compreender a experiência de terem concebido um filho através de RA fez-se
necessário buscar os sentidos mais amplos e complexos contidos nas significações, desejos,
necessidades e emoções envolvidas nessa experiência. Nossa tarefa, portanto, foi apreender as
mediações sociais constitutivas do sujeito, indo em busca do não dito, ou seja, do sentido.
Tendo como objetivo apreender os significados e sentidos de homens e mulheres que tiveram
filho(s) por meio de tratamento de RA, através da subjetividade configurada pelos sujeitos,
possibilitou-se identificar núcleos de significação de forma que os sentidos subjetivos
puderam ser analisados. Estes núcleos foram articulados ao processo sócio-histórico e cultural
que os constituiu e analisados a partir das falas dos sujeitos.
Para alcançar este movimento de transformação expresso nas falas dos sujeitos
entrevistados em que se buscou apreender os significados e sentidos, o processo de análise
dos dados permitiu que, através de inúmeras leituras das entrevistas realizadas com o intuito
de fazer um primeiro levantamento, surgissem diversos temas que, após o processo de
aglutinação, emergiram em 66 pré-indicadores que foram nomeados de forma genérica, pois
ainda era muito amplo o mosaico de idéias, sentimentos e palavras. Foi uma primeira tentativa
de aglutinar falas carregadas de afetos e ansiedades, seguindo-se os critérios de freqüência
com que foram abordadas, a carga emocional, as ambivalências e contradições das falas.
Destes 66 pré-indicadores aglutinaram-se 29 indicadores que por sua vez aglutinaram-se em
5 núcleos de significação: ANEXO 1.
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NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO:
1. Tratamento de RA, Gravidez e Parto: “Decidimos fazer FIV e engravidamos”.
2. Conjugalidade: “O casal não pode só se dedicar aos filhos”.
3. Espiritualidade: “E Deus nos deu um presente”.
4. Relacionamentos Familiares: “Nossas famílias não entendem que nós sabemos ser pais”.
5. Parentalidade – Coparentalidade: “Primeiro o filho, depois a gente”.
INDICADORES 29 NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
2.
Infertilidade;
3.
Tratamento FIV;
4.
Aspectos
emocionais envolvidos no tratamento FIV; 5.
Gravidez; 7. Parto e Pós-parto; 22. Sobre os
embriões excedentes.
1. Tratamento de Reprodução
Assistida – RA - Gravidez e Parto:
2; 3; 4; 5; 7; 22.
12.
Mulher X Mãe X ProfissionalConflitos
Internos; 14. Conjugalidade X Sexualidade
antes
e durante gravidez; 15. Sobre o
relacionamento
conjugal após nascimento do filho (a) (s); 23.
Gênero; 28. Sobre o Cônjuge; 29. Sobre si
mesmo.
2. Conjugalidade: 12; 14; 15; 23;
28; 29.
13.
Finitude – Morte;
Fé – Deus
espiritualidade – Culpa; 19. Sobre o futuro; 20.
Sobre ter outro filho - Nova tentativa FIV
atual;
21. Fraternidade - Irmandade; 24. Aborto –
Culpa; 25. Adoção – Reparação.
3. Espiritualidade: 13; 16; 19; 20;
21; 24; 25.
1.
O nascimento da Família – Pai X Mãe X
Filho
(a) (s); 6. Sobre o filho (a) (s); 8. O nascimento
do filho real; 9. Mãe; 10. Pai; 11. Família; 27.
(59) Uma família dentro da outra.(exceção).
4. Família: 1; 6; 8; 9; 10; 11 e 27
17.
Sobre a relação Pais X Filho (a) (s);
18.
Sobre
o filho (a) (s); 26. Hepatite.
5. Parentalidade: 17; 18; 26.
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NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 1.
“Decidimos fazer FIV e engravidamos”.
Este núcleo de significação diz respeito aos sentidos sobre todo longo e doloroso
processo de descoberta da infertilidade, o enfrentamento e decies sobre o tratamento de RA,
a gravidez, o parto e o pós-parto. O elevado conteúdo emocional demonstrado durante os
relatos de situações passadas pelo menos três anos, permanece atual, parecendo que o
sofrimento é atemporal. Podes-se identificar que os sentimentos ligados à infertilidade
continuam com o mesmo “peso” emocional mesmo depois de terem tido filho(s), porque
afinal, eles ainda são casais inférteis, pois se quiserem ter outro filho precisarão recorrer
novamente a tratamento de RA.
A infertilidade, que consiste numa alteração fisiopatológica, adquire para os sujeitos
um sentido que não é inerente apenas a esta incapacidade, mas à incapacidade como um todo.
Sobre a descoberta da infertilidade:
A. “...eu não tinha idéia, eu nem cogitava, nunca tinha passado pela minha
cabeça... Quando ele falou aquilo, sabe quando uma coisa quente, uma
situação que você fala: - O que eu vou fazer, como assim? Não é que vo
não aceita, você não espera. Quer dizer, para você está tudo normal”.
B. ...Aí eu fiz o espermograma e deu baixo, o médico falou: - Com esse
quadro você não vai engravidar nunca”.
C. “...exame dele vai dizer que tem milhões, mas não diz a qualidade deles”.
D. “...chegou a hora que a gente achava que não ia conseguir...”
E. “E não foi. A gente pensava: - A gente não tem problema nenhum, é
super fértil...”
F. “...meus espermatozóides tinham pouca mobilidade...eu passei muito
mal...”
Nos relatos das mulheres o significado da infertilidade foi sobre a capacidade
espermática dos maridos, porém o sentido era de desqualificação, desvalia. Quanto aos
homens, se abstiveram de fazer comentários pessoais e citaram que o “problema” era com
eles, mas já havia sido resolvido.
Os relatos a seguir mostraram o sentimento de “pena” que as mulheres sentiram pelos
maridos:
A. “... eu comecei a chorar, eu falei para ele... E eu não levei assim: -
ah eu tenho que provar, eu tenho que fazer de tudo, o meu marido não pode
ter filho então eu tenho que engravidar, eu não levei por essa carga... Eu
acho que não se tornou tão difícil pelo fato de eu ter certeza que eu ia
engravidar, talvez porque eu sabia que não tinha problema, talvez fosse
diferente. E já resolvemos”.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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C. “Então, até a gente não tinha descoberto que o problema era com
ele...”
E.“...eles eram meio preguiçosos...meio devagar...Ele tomou a
medicação...não estava agüentando, ficou o dia todo de cama...nem
conseguia ir trabalhar...Ele ficou muito chateado...Aí o problema também
era meu e eu lembrei disso, e pensei como ele deve ter se sentido, por que eu
estava me sentindo péssima”.
Ao se defrontarem com o diagnóstico da infertilidade os sujeitos reorganizaram as
experiências pessoais e as (re)significaram. Trata-se, assim, de um confronto entre as
configurações já existentes (férteis) daquilo que enfrentarão futuramente (infértil). O signo
emocional comum é o desejo de manter o significado da sua identidade de gênero.
O recurso utilizado para enfrentar a infertilidade foi o tratamento de RA, ressaltando
que a motivação desta forma de enfrentamento tem o sentido de realização do desejo de ser
socialmente aceita sua identidade de gênero.
O enfrentamento da infertilidade:
A. “...aí na mesma semana ele foi lá, procurar o Dr *, resolveu, decidiu,
marcou, fez tudo, eu nem sabia. Foi que ele procurou o Dr.* marcou
tudo com ele, resolveu tudo com ele e me falou.... eu o tive tempo de
pensar, ele chegou e... Então, para mim eu não tive tempo de digerir essa
situação, mas ao mesmo tempo foi até bom porque depois que passou eu
digeri muito bem...”.
Bruno enfrentou sozinho a infertilidade (por opção) e levou Ana a enfrentar também.
Ela mostrou-se confortável com essa sua posição passiva, pois reconhece como proteção e
cuidado.
A fala de Daniel sintetizou a motivação que permeou as ações apontadas pelos sujeitos
em relação ao confronto com a infertilidade e a RA, ou seja, o desejo de querer um filho
biológico:
D. “...talvez você não tenha idéia do que a gente passou, por que assim, foi...
da história de não poder ter filho a gente podendo ter, querendo ter e não
conseguia ter filho, um sofrimento...”
A análise do enfrentamento da infertilidade permitiu-nos compreender melhor as ações
dos sujeitos relacionadas ao tratamento de RA.
Quanto a decisão de fazer RA:
A. “Aí ele (Bruno) decidiu tudo, marcou: - Oh, tem que ir tal dia, eu fiquei
olhando assim, mas como assim?”
B. “A decisão foi nossa de ter filhos... Então o objetivo era aquele, então fui
lá e resolvi...”
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E. “Até mesmo a decisão de fazer foi dele, a segunda tentativa por mim eu
dava um tempo maior, mas ele e o Dr falaram: não. Não foi por mim, foi por
ele, então eu me deixei ser levada... A gente decidiu por que era uma vontade
nossa...Aí eu fui fazer...”.
Para as três mulheres o nascimento do(s) filho(s) foi pela mediação de um terceiro
(médico), para um marido insuficiente, e pela coragem e sofrimento dela que se ofereceu em
sacrifício, e para fazer do marido um homem.
O valor, ou o preço de um filho:
A. “...tem a questão financeira: - aí, peraí, calma. A gente tinha dinheiro
guardado na previdência. ele disse: - olha, aquela minha previdência,
então eu vou sacar...Por que previdência é uma coisa que você guarda para
quando precisar. Não tinha nem cogitado, na minha cabeça”.
B. “...quanto é? Resolvi sozinho”.
C. “O problema é que era uma super de uma grana...Aí eu fui na clínica * ,
deram o preço, a gente sempre sente tudo muito frio, é dinheiro. A gente
saiu de lá pensando: - É muita grana”.
D. “...na época a gente não tinha... E quando você não tem dinheiro, tem
direito a uma chance... juntamos dinheiro e fomos lá e fizemos”.
E. “...só particular, mas vamos pagar...
F. “Paguei para tirar, pago para dar a luz...” (fazendo referência a um
aborto cometido anteriormente)
No relato de Ana é interessante pensar no significado da palavra “previdência”, de
prevenção, prevenir (dispor com antecedência de modo que se evite mal ou dano futuro), em
que ela não queria abrir mão de uma segurança financeira porque, na verdade, ela não
precisava de tratamento para fertilidade, mas ele sim.
Ana mostrou-se ambivalente: ela tinha o desejo de engravidar, mas não através de RA,
e sim, naturalmente. E, na verdade ela pode conceber sem a ajuda médica.
O relato anterior, assim como os seguintes, mostra o valor econômico influenciando
diretamente em decisões que podem mudar a história de várias pessoas e famílias. Nossa
realidade brasileira com alto custo de vida e as diferenças sociais provocam um “livre
mercado” onde o tratamento de RA atua como um comércio, um mercado de troca onde a
ganância e o interesse econômico ditam o preço de um sonho.
Diante do confronto com essa realidade os casais desmistificam o imaginário social de que a
maternidade e a paternidade é sempre fácil, prazerosa e recompensadora.
A postura de “poder” do médico domina e convence os casais de que a RA é um
procedimento simples o qual se deixam levar, pois:
A .O Bruno falou: - Não, eu já falei, o cara é gente boa. Aí cheguei lá, o Dr.
* parecia que era amicíssimo do Bruno, - nossa gente, o que está
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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acontecendo? ele me explicou que era um processo...Ele já ia me
preparando para essa situação...Eu falei: não Dr. eu quero um. Não, um não,
que é duro de virar. Aí eu olhei para a cara do Bruno: - então vamos né, mas
eu estava grogue. Aí ele chegou e colocou dois.
B. “Aí esse médico falou: - Pode ser que vocês engravidem, mas pode ser
muito difícil, se eu sou você, não perco mais tempo, faço a inseminação, e
tal... - Então está bom”.
C. “Aquela coisa dele, o marketing. Mas a gente sente tudo muito frio, a
gente sai de lá angustiado”.
D. “...o Dr. * foi a nossa última esperança, a última tacada, eu não teria
dinheiro para um mês depois, seis meses depois, um ano depois, fazer de
novo”.
E.“...até hoje eu não sei por que, e isso não vem ao caso, de questionar o Dr,
ele também não tem resposta, ele foi até duro comigo no telefone... :- Vamos
tentar de novo? Por que ainda tinham dois embriões. Por que foram 6, usou
4 na primeira tentativa... . Mas quando se unem o Dr e ele: - Vamos tentar de
novo. : - Não, eu não quero agora. Então me deixei levar... me bateu aquela
coisa...” (Sobre a segunda tentativa de FIV)
Com os homens é uma relação de identificação, de aliança, de “machos”, de
cumplicidade. Já com as mulheres é uma relação de poder (pai), infantilizando-as.
A relação com Ana é claramente infantilizada, vista neste relato sobre o médico
indicá-la para atendimento psicológico e, conforme relato, dizia que precisava do “colo” dele
e ele a indicou para atendimento psicológico como se fosse desequilíbrio mental,
desqualificando o sentimento dela:
A. Foi o Dr.* que mandou. Por que ele não agüentava mais eu fazer
ultrasom...comecei a chorar... eu sabia que ele ia me dizer alguma coisa que eu não
queria escutar. Eu liguei pedindo: - Eu preciso fazer um ultrasom porque eu quero
ver minha filha, por que eu preciso ver por que eu não estou bem”.
Essas relações parecem ser muito complexas e delicadas vivenciadas num momento de
intensa fragilidade dos casais. Onde a postura do médico não foi assertiva.
A comunicação que se estabelece na relação entre o sujeito e o outro, tem um sentido
particular que, por sua vez, define a qualidade emocional dessa comunicação: a satisfação das
necessidades dos sujeitos, a atenção que eles esperam receber, e o desejo de ser reconhecido
pelo outro como sujeito. A significação da infertilidade e do enfrentamento através do
tratamento de RA é também mediada pelo outro da inter-subjetividade, também circunscrito
na inter-relação com seus pares, com outras pessoas do seu dia-a-dia e familiares em que
sujeitos buscam recursos para lidar, da melhor forma, com as novas necessidades.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 90
O significado central do discurso médico é de “ajuda”, os sujeitos confiam nesse
discurso, ignorando suas motivações, a sua dimensão social e subjetiva. Este paradoxo entre a
confiança e a resistência ao discurso científico aparece nos discursos de Fábio
“E quando não deu certo...Eu até fiquei bravo com o Dr.* depois a gente até
conversou, ele me explicou, ele é um médico assim, diferente dos outros, ele é
muito apegado, de falar... E quando aconteceu, ele foi muito frio. E ela
estranhou. Ela falou para mim e eu fiquei “p” da vida. E quando ele veio
conversar com a gente...eu até que aceitei, por que não pode ficar o tempo
todo envolvido senão não certo. Passar a mão na cabeça. Ele até falou: -
Eu faço a minha parte, todo o processo científico, mas depois é só Deus”.
O dico se isentou da culpa pela primeira tentativa não ter dado certo, alegando não
ter o poder divino e convenceu Fábio porque esta atitude lhe “configurou” como
“humildade”. Elsa, passou a não mais confiar no médico e não queria fazer a segunda
tentativa. O médico, “ignorando” sua decisão, lhe indicou atendimento psicológico de suporte
para “acalmá-la”, pois o marido ele já havia convencido.
Todo processo do atendimento médico em RA tenta naturalizar a infertilidade e a RA procura
convencer os casais de que esse é um processo de assistência e na qual tratamento de RA
(médico) é apenas o facilitador da natureza.
Nesse e em outros episódios pode-se perceber como que na e pela inter-relação
dialógica ocorre a elaboração partilhada de sentimentos, de apropriação de palavras dos outros
e da emergência do processo de significação. Nessa dinâmica os sujeitos vão construindo
significados e sentidos e se transformando, em relação a sua forma de ser, como infértil.
Acredita-se que os médicos não precisam se posicionar “melhor” com seus
pacientes como também com a equipe dica. A disputa de poder aparece claramente neste
depoimento:
A. “- Aí eu lembro eu deitada, já estar lá para transferir...aí entrou a bióloga
de novo e falou: - Dr. eu escolhi esses dois. Aí o Dr. * falou: - não, esse sim,
mas eu quero que coloque aquele. Ela: - mas é que esse daqui...ela quis dizer
que não era tão bom. Ele: - não, não, esse daqui”.
Talvez esse declarado desencontro de opiniões entre os profissionais num momento
tão íntimo e delicado de Ana, tenha desencadeado o sentimento de “menos valia” de um dos
embriões que ela decidiu por ser a menina, e que lhe causou profundo sofrimento durante toda
gestação. Daí a importância de enfatizar a necessidade de preparar os profissionais da equipe
multiprofissional que atuam na área de RA com critérios rigorosos, pois esta atitude dos
profissionais determinou a forma com que Ana se relaciona com a filha, mantendo um
comportamento fossilizado.
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Maura Castello Bernauer Página 91
Todo o tratamento de RA no Brasil é complicado, custoso, desgastante física e
emocionalmente falando. Apesar disso, esses casais tiveram uma experiência gratificante, pois
ao final conseguiram gerar um filho(s), porém, esse atendimento de certa forma
diferenciado” por ser custeado não é privilégio de todos os casais inférteis. Carla e Daniel
relataram uma “saga”, assim nomeada, na busca por atendimento público em São Paulo, mas
o obtiveram sucesso:
C- “...passamos por aquela via sacra todinha, quando chegou na hora de
fazer: - você tem hepatite C, então não pode... Eu passei por dois estresses
assim, em dois hospitais... Depois de uns três meses de terror, horrível, saí de
desanimada...No * lembro que vinha uma psicóloga, sentava na mesinha
com a gente e ficava horas... Essa psicóloga sentava na sala de espera, era
chatinho, fala uma, fala outra. Mas pelo menos passa a hora e diminui a
ansiedade...Nisso você troca telefone com vários casais, faz amizade...É meio
angustiante... Muitas histórias... por que também era muito cansativo aquela
conversa de fila, os problemas, parece que suas costas vão ficando pesadas,
e tem gente com problemas mesmo, sei lá, parecia mais do que o meu... Eu
sei que não deu...Eu sei que depois nós fomos para outro hospital e também
era um custo grande...Eu queria respirar, não queria pensar por muito,
muito tempo...E a gente sabia que se ele entrasse em novo tratamento da
hepatite teria 6 meses e depois mais um ano, aí a gente fez a soma da idade e
eu falei: - A gente tem que fazer filho agora senão a gente não vai conseguir
mais”.
D- “Ouvi que era gratuito, vamos tentar... parou na hepatite C...A gente
estava cheio de animação...Mas eu continuava otimista...Bem frio mesmo.
Não tem um serviço de psicólogo...mas lá também era totalmente comercial.
A gente saia angustiado de lá...A gente ouvia cada uma... Por que não
resolve, não tínhamos condição financeira para fazer, o único jeito de
resolver é o hospital público, por que o tratamento é muito ruim, o governo
devia olhar isso, por que eu sei que são milhões de casais que querem ter
filho e não conseguem, isso é um problema muito grande...ela me ligou
chorando”.
Vários aspectos podem ser observados nesse relato do casal 2 em que Carla e Daniel
tinham o desejo de ter um filho biológico e não tinham condições financeiras de bancar um
tratamento particular e assim se sujeitaram ao um estresse não só decorrente do tratamento em
si, mas também do dificultoso atendimento público dos hospitais que prestam serviço à
comunidade carente. Ao tentar se naturalizar a RA se mantém a desigualdade social.
Daniel apresentou o agravante do diagnóstico da hepatite C ao problema da
infertilidade e impediu que eles fizessem RA em hospitais públicos, acarretando um aumento
do estresse devido ao valor financeiro do tratamento particular.
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Na relação entre os interlocutores, o papel do outro tem implicações no processo de
significação dos sujeitos e na sua constituição subjetiva. Ser reconhecido pelo outro (qualquer
que seja ele) como ativo e interativo, empenhado em realizar o desejo do filho biológico,
possibilita ao sujeito a emergência de novas emoções e necessidades, num estado dinâmico de
reorganização das experiências e de seu enfrentamento. Nesse movimento aparecem
ambigüidades e contradições, reveladas pelas mudanças nos significados e pelo papel que o
sujeito assume na intersubjetividade.
A aceitação do tratamento de RA corresponde a um processo mediado: pelos sentidos
e significados que emergem do medo da impossibilidade de não ter um filho biológico, pelo
significado do filho “natural” e o significado de identidade de gênero.
Sobre o tratamento de RA:
A. “...por que eu procurei lidar com a situação de que ia dar tudo certo,
positivamente. Eu não tive tempo. Foi tudo muito rápido e deu tudo muito
certo”.
B. “...É diferente se é uma gravidez natural”.
E. (Sobre a primeira tentativa de FIV) “...foi tudo muito doloroso, toda uma
perda...Foi aquele choque...mas foi muito difícil....Ele (Fábio) ficou
desesperado por que até eu era toda durona, mas eu chorava...ficava
pensando no dinheiro que você gastou, o carro. Até então você vai fazendo
por que você está imaginando o sucesso...Mas não deu certo...Acho que meu
marido também pirou. Acho que esse foi um momento terrível mesmo, ele
também estava se segurando, mas foi a gota d´água...Por que eu também
estava cansada de ser durona, de agüentar”.
F. “...para mim foi uma experiência marcante, forte é lógico que ela viveu
muito mais do que eu, estressou mais do que eu, se decepcionou mais do que
eu, eu estava ali em paralelo... sabe, todo esse processo era desgastante, e
você faz tudo isso e não dá certo?... Mas ela sofreu muito, tinha época até
que ela queria desistir... eu estava mais preocupado com o sofrimento que
ela estava, o que eu não estivesse sofrendo, mas eu estava mais
preocupado que ela sinta aquele sofrimento, e ela chorou muito, coisa que
não é dela... Mas só eu mesmo segurava a barra mais pesada...”.
São nas relações intersubjetivas que o indivíduo constrói sua subjetividade, e quando
as emoções estão presentes nas ações, consciência, pensamento, linguagem e identidade do
homem, pode-se concluir que as formas de significação também são emocionadas, mediadas
pelas emoções, conforme os relatos citados.
Tanto para Ana quanto para Bruno a RA deu outras possibilidades que eles re-
significaram como positivas. Quando Ana fala sobre a infertilidade de Bruno, pareceu-nos
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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que se esses filhos tivessem sido concebidos naturalmente eles não seriam “tão especiais e
preciosos”:
A. “E eu não levei assim: ah eu tenho que provar, eu tenho que fazer de tudo,
o meu marido não pode ter filho então eu tenho que engravidar, eu não levei
por essa carga... E hoje eu agradeço a Deus por ter tido gêmeos, eu acho que
foi a melhor coisa que podia ter acontecido na minha vida, foi ter tido eles e
hoje eu agradeço o fato do Bruno ter tido problema. Senão não teria sido o
e a . Não iam ser essas jóias raras. Então para mim, hoje foi ótimo ele
ter tido problema e a gente passou muito bem por essa situação. Eu acho que
não se tornou tão difícil pelo fato de eu ter certeza que eu ia engravidar,
talvez porque eu sabia que o tinha problema, talvez fosse diferente. E
resolvemos”.
B. (sobre o resultado) “...eu tive o resultado primeiro. Eu fiz aquela surpresa
para ela. Esse método tem a possibilidade do homem...que geralmente é a
mulher que faz a surpresa. Agora foi o inverso eu fiquei sabendo primeiro
que ela. Eu fiz a surpresa...É o inverso, é outra possibilidade”.
As ambigüidades e contradições que aparecem nos discursos, relacionadas aos
significados a respeito da gravidez revelam muitos medos e culpas:
A. “Eu chorava. No dia que eu fiquei sabendo que eram gêmeos eu
comecei a vomitar e de lá não parei mais...Só a minha gravidez que eu achei
que podia ter curtido mais por que eu fiquei com medo pela ...Naquele dia
mesmo eu já vomitei, para mim o mundo tinha acabado, entrei em depressão,
para mim tudo tinha acabado....
B. “Para mim não teve problema, não teve problema nenhum, preocupação
nenhuma... Foi muito fácil. Eu estava tranqüilo a gravidez todinha. Eu não
estava preocupado com ela por que ela estava muito bem... Tudo dependia
dela. Eu podia fazer o que eu quisesse, ela não. Então ela se controlou.
Então foi tranqüilo por que ela fez por onde, estava grávida, então cortou
coisas que podiam fazer mal. A gravidez foi tranqüila...Mas na gravidez, não
foi mais tranqüila por causa dela, do jeito dela, por que senão...agora, não
teve problema. Mas se está com dor, tem que ser internada, mas não teve
nada disso. Estava tudo ótimo, mas ela se sentia bem fazendo
ultrasonografia. Era assim para ela ficar legal”.
C. “Eu sofri, mas pensamento positivo, não vou desistir...foi uma coisa
emocionante...foi ssimo por que eu engordei muito. Mas eu curti muito,
curti tudo, demais... Eu vou te falar que eu queria estar mais feliz, eu não sei
por que, mas me dava uma angústia...Eu lembrava da minha mãe, eu tinha
uns picos de tristeza, me achava gorda, ficava preocupada com ele, muito
sensível com ele...Eu me apavorei: - Como é que uma pessoa que me ama
deixa de me amar por que eu estou gorda. Aí assim, eu já não
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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trabalhava...muito ociosa, então foi dando angústia, ansiedade. Chorava, era
muito sofrido, ficava muito mal humorada e ele participava de tudo”.
D. “...Era muita ansiedade...E graças a Deus, tudo correu como uma
gravidez comum, tranqüila... E eu tive repúdio por ela, assim, na parte de
relação sexual, aí ela já começou a achar que eu não gostava mais dela, que
eu não amava mais ela, mas eu não conseguia. E eu não tinha teo mesmo
por ela, era aquele respeito, era mãe, né?”.
E. “A gente ficou feliz, mas não foi eufórico...Tinha a preocupação de não
perder, mas o feto era super saudável, estava tudo bem...A gente foi
relaxando...era um outro foco... era uma gravidez normal...por que também
não tinha problema nenhum, eu ia enfrentar o que fosse...eu cobrava dele
participar, mas não dava então...”.
F- “...ela relaxou mais, passou uma gravidez bem, ficou feliz”.
Tanto Bruno quanto Daniel tiveram a percepção de que a gravidez de Ana e Carla foi
feliz, tranqüila e sem problemas. Acreditou-se que eles se referiam ao estado físico das
esposas; porém elas se referiram a um profundo sofrimento emocional durante a gestação.
Ana se apegou à iia de que a filha era portadora de Síndrome de Down. Mesmo os
inúmeros ultrasom a que foi submetida não aliviavam suas angustias. Bruno demonstrou
admiração pelas atitudes de controle de Ana, fazendo referência à iia de “boa e”. Carla
falou da sua tristeza devido à falta da mãe (falecida) e à idéia de que esta lhe daria apoio
emocional, lembrando aqui que a mãe era bipolar. Sensação ainda reforçada pela diminuição
da libido de Daniel. Elsa e Fábio mostraram um afastamento ou até uma relação pouco
emocionada para quem ficou tão triste e angustiado pela primeira tentativa não ter dado certa.
Talvez possamos hipotetizar que eles desejavam engravidar e o ter filho. Eles compararam
a gravidez como uma gravidez comum”, ou seja, como se tivessem concebido naturalmente.
A contradição significa que a matéria contém em si (essência) o seu contrário, ou seja,
sua própria negação. Ela deve ser compreendida à maneira dialética, de forma que uma
superação do velho pelo novo, sendo que este, ainda assim, conserva características do
momento anterior que podem atualizar-se, mas estando agora modificadas, entendida como
unidade de contrários. Sofre transformações, é mutável. Conhecer um objeto significa,
portanto, compreender seus processos de movimento interno (contradições), desvendar e
explicar as determinações (mediações) deste movimento. Tanto Carla quanto Elsa têm
atitudes contraditórias em seus discursos.
O parto das três foi cesariana por motivos médicos apesar do desejo verbalizado de
Carla e Elsa pelo parto normal e Ana tinha clareza da quase” impossibilidade por serem
gêmeos. A vontade de ter parto normal pode ser entendida como parte do desejo da mulher de
se identificar com as outras mulheres que m filhos, que passaram pelas dores do parto e as
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suportaram. Essa experiência faz parte da maternidade tão almejada. A dor pode ser suportada
porque é compartilhada, e se torna mais um aspecto na construção do feminino (“parirás em
dor”).
O parto de Ana foi feito pelo mesmo médico que fez a RA, enquanto Carla e Elsa
escolheram outros obstetras de sua confiança:
A. “...tão calma, tranqüila, serena...fui muito paparicada, parecia
celebridade...me senti cuidada...Perfeitos.
C. “Isso eu planejei sempre, eu queria parto normal, viver aquela coisa da
dor... e todo mundo falava que a cesária era o máximo, ótimo, você entrava e
saía bem, tranqüila, que não sofria, e eu tinha para mim que não, que eu
preferia sentir aquela dor e depois pronto...fiquei meia triste...foi uma
cesária horrível!... mas aí foi a melhor coisa do mundo”.
E. ele (médico) perguntou para o meu marido: - Quer assistir o parto?
Ele falou que não queria, que tinha medo, que ia ficar nervoso. Então tchau,
na maca... depois a gente não se viu mais. Foi tão rápido... a minha
preocupação de tudo era com a anestesia, esse era o maior medo e foi... De
não pegar... Pedi milhões de desculpas por dar trabalho... Eu prefiro que ele
não venha. Não seria legal ele me ver daquele jeito. Eu falei antes para ele
que a minha preocupação era ele estar do meu lado, segurar minha mão,
conversando comigo, a gente ali, um apoio... normalmente eu programo
tudo, mas aquele cenário eu não tinha vivido, não tinha passado pela minha
cabeça...Pronto, eu sozinha de novo... A minha barriga murcha...”.
Ana sentiu-se calma, protegida e cuidada. Diferentemente de Carla que como Elsa
queria controlar a situação, posto que se fosse parto natural ou vaginal elas poderiam ter
algum controle da situação, mas o parto cesário está no controle das os do médico. O parto
é sentido como uma situação de passagem, cuja principal característica é a irreversibilidade
(“um salto no escuro”), um momento imprevisível e desconhecido sobre o qual não se tem
controle. As sensações sicas, o medo e a anstia permaneceram nos relatos sobre o parto. O
medo do parto está vinculado ao medo da morte simbolizado pela passagem da vida intra e a
extra uterina em que a sensação da mãe é estar carregando tanto a vida quanto a morte. Mas
como diz a bíblia: “ser mãe é padecer no paraíso”, lembrando-se conforme dito por elas, que
o nascimento do filho compensou todo sofrimento. A relação distante entre Elsa e Fábio
aparece claramente neste relato do parto e, também, a sensação de solidão e abandono dela.
para Bruno a postura dominante de controle permaneceu, referindo-se tranilo.
Daniel deparou-se com a dúvida quando concretamente visualizou o filho que “não foi feito
por ele”, mas sim pela ciência. Fábio, assim como Elsa permaneceram distantes um do outro:
B. “...o parto foi tranqüilo... Não tinha por que ficar preocupado....eu assisti
o parto, eu estava junto...Tranqüilo, sossegado”.
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D. “Aí, conclusão da história: - Uma alemãozinho, de cabelo loiro e olho
azul, azul, azul. Então não tem nada a ver, que eu ainda estou na dúvida se o
esperma era realmente meu. (Em tom de brincadeira)”.
F. “...Eu falava que não queria entrar, para você ver como ela é
controladora... na hora, me deu vontade de ver a enfermeira falou para
mim que ela falou que não, que ela estava nervosa e que ela ia me ver ali, e
sabia que eu ia desmaiar e que ia ficar nervosa, que era melhor eu não
entrar...então está bom. Fazer o quê?...Foi um desencontro...”.
Sendo nestes casais a infertilidade de causa masculina, os significados da gravidez e
do parto pareceram distante dos sentimentos de cumplicidade, parece-nos que todo o sentido
está envolto no aspecto de que é o esperma que legitima a masculinidade.
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NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 2.
“O casal não pode só se dedicar aos filhos”.
A partir da contextualização histórica e sociocultural buscou-se compreender as
relações existentes entre a conjugalidade e as subjetividades contemporâneas a partir das
relações estabelecidas pelos casais entrevistados. Considerando que a conjugalidade define-se
como uma dimensão psicológica compartilhada de ideais e valores igualitários construída pelo
sentimento de intimidade, o aspecto que nos chamou a atenção é o da necessidade de se
agregar a essa dimensão dual um terceiro para contextualizar um núcleo de família.
A idéia transmitida cultural e socialmente é obter o máximo de prazer da família através do
amor concretizado através do filho biológico e harmonizando-os no casamento produtivo,
através da complementaridade das funções parentais.
Sobre o relacionamento conjugal antes e durante a gravidez dos casais:
A. “...adoro que ele (Bruno) resolva, sabe por que? Gera segurança, por que
eu sempre decidi as coisas, eu sempre fui a pessoa da família que decidia
tudo... Mas se tem uma pessoa que pode decidir ou então dividir...”.
C. “Toda mulher foge do marido no sexo, né? Nessa época, era muito
engraçado por que eu ficava esperando meu ciclo. Daí eu cercava ele, para
garantir vamos tentar três dias diretos, é um estresse, porque era uma coisa
forçada, e ele falava: - você está me usando?. então ficava aquela coisa de
que você fazia por obrigação mais uma mistura de...Tinha aquele assunto na
cama: - será que a gente vai conseguir completar esse sonho? Que triste.
(Sobre as tentativas de engravidar naturalmente). Eu tenho pavor, eu tinha
pavor de não ter filhos: - vai ser muito triste...E a nossa rotina foi muito
diferente, a gente viajava muito, passeava, ia para barzinhos com amigos e
depois eu estava muito preguiçosa, então a gente pegava filme, então o
casamento também cai naquela rotina. E o dinheiro que a gente tinha era
para o nenê...na gravidez tinha umas crises de choro, eu lia isso que é
normal, mostrava para ele, avisavam ele também, ele estava muito cheio de
tato comigo. nós fomos fazer uma viagem aos 4 meses, para Búzios e eu
achei que o ambiente era propício para namorar mas não deu, isso
“impipinava” muito a cabeça dele e a minha...”.
D. “A gente, você imagina ficar dez dias fazendo por obrigação então,
psicologicamente pode até acabar um casamento... na viagem a gente
teve relação, mas teve uma só. E ela achou que não valeu, achou pouco
para uma semana viajando... Nós temos treze anos de casado e por nove a
gente viveu só nós dois. Nós saíamos muito, e a gravidez já mudou,
começou a mudar, não posso gastar, tenho que pagar isso, tenho que pagar
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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aquilo, a gente parou de sair com os amigos, parou de sair para
barzinhos...”.
E. “Depois a gente voltou ao normal (depois da RA)... Não tinha aquela de
agora não vamos ter relação que agora ela é mãe, me via como mulher, ele
até achava que ia ter esse bloqueio, mas não teve. Teve um pouco mais de
cuidado (na gravidez)”.
A postura dominadora de Bruno no sentido de resolução de problemas traz segurança
para Ana. Bruno, por sua vez, assenhora-se do poder que o patriarcado lhe concedeu.
O relacionamento sexual de Carla e Daniel, conforme relatado, era satisfatório até surgir a
cobrança por parte dela de conceber, e o quanto esse processo foi desgastante para o casal. O
estresse gerado fazia surgir questionamentos sobre se o projeto de parentalidade seria
alcançado gerado pelo valor financeiro, o custo real de um filho, as mudanças e adaptações
necessárias para isso, a delicadeza de sentimentos do casal, e o reflexo disso na relação
sexual, mostrando a contradição entre da conjugalidade e a parentalidade.
Repete-se em Elsa um sentimento identificado como pouco afetivo quando referiu-se a
uma suposta dificuldade que poderia surgir durante a gravidez, mas que não aconteceu.
Sobre o relacionamento conjugal após o nascimento do(s) filho(s):
B. “Eu vejo o lado bom e ela vê as outras coisas, e aquilo deprime
ela. Então eu tenho que ter um jogo, para contornar, entender. A gente sai,
viaja. Não é a mesma coisa, mas dá. É aquele negócio, quando você está
casado sem eles não dava valor para certos momentos, certo tempo, ver uma
televisão, estar junto. Hoje você mais valor a isso. Então, talvez o casal
que não tenha filhos nunca vá ter este valor. Eu conversei com ela: vai
chegar o momento em que eles vão tomar a vida deles. E eu e ela vamos ter
uma hora que a gente vai ficar sozinho. Então a gente tem que criar eles,
mas tem que manter o casamento. As vezes a gente deixa eles na casa do pai
dela e sai, tem que ter, senão. Você tem que ter, mas você tem que forçar, se
você não forçar, naturalmente você nem pensa nisso. As tarefas do dia-a-dia
faz você ficar trabalhando, cuidando deles...Não, eu tenho que sair com
eles, você vai se dedicar , o que acontece com muitos casais que acabam se
separando por causa disso, não pensam nisso, não conseguem dividir. É isso
C. E eu parei de dar peito com 1 ano entrei com mamadeira, ai a gente
falava: - A gente vai conseguir, deixa ele dormir uma noite na casa da minha
mãe para a gente poder sair à noite, num barzinho. Por que não tinha essa
vida, foi um ano assim. Um ano para resgatar... Então a gente tem feito
passeios tranqüilos... e não a hora de dormir, os três... A gente nem faz
nada lá. A gente faz em outro lugar... A gente nem usa mais o quarto para
isso, por que o está lá... Antigamente achavam que a criança tinha que
ficar sozinha, criar independência. Hoje já falam que quanto mais...que
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dormir mais segurança para a criança, que ela se torna um adulto mais
seguro, quando sente que está seguro...Eu não me liguei nessa coisa de
dormir junto, não parei para pensar se faz bem, se faz mal, eu acho cômodo
para mim...Quando a gente está sozinho fica um vazio, a gente curte ficar
sozinho às vezes, a gente sai a noite, ele fica com minha cunhada...a gente foi
para Monte Verde com ele, num hotel fazenda e a gente é louco para voltar
nós dois lá, por que é romântico, gostosinho. Tem muita pousadinha
romântica e a gente está toda hora falando, tem que deixar um pouco o
com a mãe dele e... a gente está toda hora ameaçando fazer isso”.
D. “...aí nasceu o , ficou mais difícil. Então a vida deu uma mudada.
Muda apor que a gente está mais maduro como pessoa, com 38, 40 anos
de idade você tem sua independência, não está acostumado com uma pessoa
dependente dele, hoje a gente tem que deixar o em algum lugar se quiser
fazer alguma coisa, hoje tem que pensar primeiro nele do que na gente. É
sempre um passeio rápido, no máximo uma vez por semana, uma pizza,
cinema...Tanto eu como ela não somos muito de extravagância. Tem uma
vida bem regradinha, eu gosto dessa vida regrada...só acho que isso não é
bom para o casal (sobre o filho dormir com eles)...tira um pouco da
intimidade por que a criaa está ali perto, se acontece alguma coisa tem
que ser com muito cuidado...É exatamente isso, a gente faz em outro lugar. O
pessoal mais antigo acha que tira a intimidade do casal, de não ter tempo de
ficar junto...Conclusão, a gente comprou um outro apartamento que fica
pronto daqui um ano e vai ter um quarto dele, agora não vai ter jeito, é um
caminho sem volta, a gente vai fazer o quartinho dele e ele vai dormir no
quartinho dele”.
E....Às vezes peço ajuda para o meu marido, jogo a carga para ele por que
eu também quero me sentir protegida, eu carregando tudo, fazer tudo
sozinha? Disso eu não abro mão, não, ontem mesmo falei para ele que o
queria fazer janta, faz alguma coisa, ou vamos pensar junto...Sobre sexo:
Quando ela nasceu teve um pouco de bloqueio no começo, mas depois
normal. Hoje é mais difícil por causa dela, horário...Sobre a possibilidade de
outra gravidez: - Se acontecer, quando acontecer, vai ser bem vindo. Claro
que eu acabo me esquivando um pouco da situação e acabo entrando na
tabelinha, um pouco depois de menstruação e um pouco antes de vir, então
na minha cabeça estava até enganando ele para não cair no período fértil,
eu sei que a gente não fez nenhuma tentativa no meu período fértil. Então eu
não estar grávida ainda, não é por que eu tenho algum problema, por
enquanto eu não posso, se vier, aconteceu, ela é pequenininha, duas crianças
pequenas não vai ser fácil...”.
F. “Totalmente. Mudou para pior. Você gosta de uma pessoa e não é
sexo, gosta da pessoa por inteiro...a gente conversou, não pode, mas a
gente poderia ter tido brigas muito mais sérias...tem certas coisas que a
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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gente ainda não sabe lidar com ela. Com a nenê e com a gente. Se você
perguntar como está nossa vida hoje, a nossa vida hoje é a nossa vida de
família, mas vida, eu e ela, casal...vamos por ela no meio da cama. E dali ela
ficou até hoje. Não saiu. que assim, não né? A gente brinca, mas a
nossa vida mesmo...então acaba. Que nem, ela trabalha, eu trabalho, eu
acordo cedo e além de tudo eu chego de SP tarde, irritado, um monte de
coisa para fazer, e eu, além disso tudo estou com uns problemas, o mesmo
que a Elsa engordou na gravidez, eu engordei junto com ela, ela emagreceu
e eu não. Então tenho isso para resolver. Aí eu tenho que estudar, tenho que
ficar com ela...Aí eu fico meio desnorteado, não sei o que eu faço, daqui a
pouco não estou fazendo nada...isso que eu tenho medo... ela se magoa.
Então para política de boa vizinhança eu fico quieto. que isso é perigoso,
por que vai acumulando, acumulando, acumulando, e eu tenho medo de
repente eu uma hora me irrite de vez e eu acho que é o problema de algumas
pessoas que tem pavio muito longo, aí quando explode, explode de vez. E eu
sei que se eu falar a gente vai acabar brigando. Não faço nada. Por
enquanto tenho deixado para lá. E isso está custando minha felicidade... Eu
não sei quem está errado, se é eu, se é ela, se são os dois. E fica esse
negócio da e ela está atrapalhando extremamente, nesse ponto do
casamento, es atrapalhando...Não, a gente es muito distante, muito
distante. Eu não queria fazer isso através de...se eu sentar e ter uma
conversa séria com a Elsa, tipo essa que eu estou tendo com você, ela
começa a chorar e eu sou muito brincalhão, então para ter uma conversa
séria é complicado. Acho que o tom da minha entrevista e da dela deve ter
sido bem diferente, né? Ela toda feliz, não que eu não esteja feliz. Então é
assim, ser pai é maravilhoso, amo minha filha, a Elsa, amo, quero passar o
resto da minha vida com ela, mas está difícil juntar as coisas, está
difícil...Sabe, eu acho que a gente tinha que conversar (ele com a Elsa), ou ir
em terapeuta, por que tudo ela acha que eu estou criticando, muito pelo
contrário, não tenho nada para falar dela, o fato dela se permitir mais, se
abrir mais, não sentir como crítica. Aí eu não falo nada, fico calado... Só que
eu não me vejo assim, eu não sou submisso não. Assim, eu deixo ela fazer as
coisas por que eu sei que deixa ela feliz: - Ela gosta disso, eu faço o
sacrifício e deixo. Eu permito, dou espaço. Eu acho que eu tenho que mudar
pelo próprio bem do nosso casamento. Sabe, no outro dia que eu estava
doente, eu cheguei a pensar: - Sabe, Elsa acabou, não dá, por que eu me
sinto uma pessoa jogada, você não o mínimo de atenção para mim”.
O primeiro aspecto que nos chama a atenção é que Ana não falou nada sobre o
relacionamento conjugal dela e de Bruno. No entanto, no relato dele sua posição na relação
ainda é dominadora, e consegue resgatar a relação conjugal e a sexualidade do casal tentando
mostrar para Ana que é preciso preservar os momentos de intimidade e entender que os filhos
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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fazem parte da família, mas que terão vida própria. Também demonstra à mulher a
necessidade de se preservar a conjugalidade, reafirmando o papel da interdição do pai e,
ainda, de que cabe a mulher satisfazer os desejos sexuais do marido.
Carla é ambivalente no sentido de saudosismo do tempo agradável em que eram um
casal conjugal, mas reconhece os prazeres do convívio com o filho (parentalidade).
Apresenta-se um pouco resistente às insistências de Daniel e até da sociedade para assimilar
os papéis de mãe e mulher “satisfatoriamente”, ou seja, como dizem que deve ser.
Daniel mostrou-se pressionado com a cobrança social de “pai provedor” e reconhece
as mudanças que o papel de pai carrega, não tão boas. É interessante observar que o quarto do
casal que era usado na conjugalidade (antes do filho nascer) para o exercio da sexualidade,
agora é usado para abrigar a família (parentalidade), sendo que o filho o foi feito na relação
sexual (sem coito). Assim, para resgatarem a sexualidade (conjugalidade) eles saem do quarto
(parentalidade) cabendo, ainda a Danielcomprar um apartamento maior para colocar o
filho em seu devido lugar.
Elsa tem a percepção de que existe algo “pesado na relação, mas não identifica e
exige de Fábio alguma resolução e referindo não ter nenhum problema de relacionamento
sexual. Cabe observar que apesar de dizer que uma nova gravidez seria bem vinda, ela se
esquiva de ter relações sexuais e de uma gravidez indesejada. Repete-se aqui o sentimento
identificado como ambivalente, nesse jogo intersubjetivo.
O discurso de Fábio é carregado de angústias, goas e ressentimentos pelo
afastamento físico e emocional de Elsa perante a dificuldade de aproximação da filha.
Pareceu evidente que não houve construção nem da conjugalidade e nem da parentalidade. A
dificuldade de resoluções e a falta de caminhos provocam nele a sensão de sentir-se
perdido, irritado e com medo, provocando o distanciamento do casal e o embotamento
afetivo.
Para as três mulheres a conjugalidade estaria ocupando uma posição secundária nos
planos e nas preocupações qualificando a relão como “normal”. No entanto, os três homens
relataram a intenção de encontrar um espaço dentro da relação parental, para a conjugalidade,
mesmo que para isso eles tenham que insistir. Existe uma clara diferenciação à percepção dos
homens e das mulheres com relação à conjugalidade, de que houve um declínio na satisfação
e na relação conjugal após o nascimento do filho(a)(s).
Os três homens mostraram claramente o papel designado à figura masculina dentro da relação
do casal, em que cabe ao gênero masculino lembrar a mãe que ela é também mulher e que ele
é além de pai, é homem, não permitindo que a conjugalidade seja substitda pela
parentalidade.
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Pode-se estabelecer relações quando os entrevistados falam sobre si mesmo:
B. “É, eu fico nervoso, mas eu procuro manter a calma, para eu raciocinar e
saber o que eu vou fazer naquele momento. Por que se você ficar
desesperado... Sou nervoso, sou tenso. E na prática, eu vou me adaptando”.
C. Sobre o filho: “- Eu sou até mais generala no meio da relação, ele me
obedece...eu sou mais assim prática...é tão gostoso tomar banho
sozinha...prazer que eu tenho às vezes é entrar no banho sóziiinhaaa. Por
que o domina o chuveiro. E eu brincava: - Vou fazer uma plástica ou vou
ter outro filho? Até então outro filho me assustava um pouquinho, até ele
fazer dois anos... eu sou aquela pessoa que sempre pensa no pior, antes de
acontecer eu penso no pior, então eu sou assim muito tensa, eu me abato
muito...eu sofro”.
D. “Eu sempre fui positivo, não gosto de sofrer de véspera, eu deixo para
sofrer na hora, eu sou assim... Eu procuro só pensar no problema quando ele
realmente acontece, por que não adianta, não para resolver,
antecipar...Por que eu tinha que me manter firme... Eu sou uma pessoa que
aqui em casa se tiver que fazer um negócio sou eu que faço, eu procuro dar
esse espaço mais decisivo por que eu cerco mais...então se você não
consegue atirar direito você não consegue se dar bem na vida”.
E. “... É aquele negócio: muito durona, muito durona...depois acaba caindo,
muito sozinha...Eu me sentia cobrada de estar bem por ela... fazia
acupuntura, eu comecei a fazer para dar uma equilibrada, eu sou muito
ansiosa e a cobrança... De fazer as coisas direito, de dar certo, sempre fui
muito exigente”.
F. “...eu choro, eu boto para fora, se eu estou triste as pessoas percebem...
eu expresso meus sentimentos... Eu sou totalmente dependente... eu sou muito
mimado pelos meus pais, eu sou muito apegado com meus pais...Eu sou uma
pessoa muito calma, eu aceito as coisas, sou mais passivo, sou mais fácil de
lidar...Sou mais flexível”.
Novamente Ana foi a única entrevistada que não falou espontaneamente sobre si
mesmo. Bruno demonstrou ser prático e racional.
Carla fez referências à dificuldade de conviver em harmonia (após o nascimento do
filho) com a feminilidade e a maternidade em que reconhece que o filho (maternidade)
domina a feminilidade, deixando pouco espaço para o exercício da individualidade e a
sexualidade. Daniel refere-se mais prático e assertivo.
Elsa mostrou-se, como já observado anteriormente, uma ambivalência entre força e
fragilidade. Faz referência sobre a necessidade de equilíbrio por ser ansiosa. E Fábio mostrou-
se carente afetivamente.
Sobre o cônjuge:
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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A. “- nossa! não tem isso, para falar dele. Então isso também aliviou minha
carga. Por que se você tem uma pessoa que está junto com você no processo
e ela te ajuda, se entende seus problemas, se procura atenuar sua carga,
poxa, ele divide totalmente comigo... Ele sempre ajuda, na boa. Ele dá
banho, janta, leva para sair, dormir...Ele é calmo, decidido para resolver as
coisas, o Bruno é o meu porto seguro....ele nunca deixou transparecer, ele
nunca transparece, se ele está com algum problema ele não é de
demonstrar... ele sempre foi um marido maravilhoso, mas depois que ele foi
pai, - nossa!”.
B. “Ela é evangélica, eu não sou. Mas eu tenho muito mais fé que ela.
Qualquer coisa ela fica com medo... geralmente ela tem esse problema, eu
sou muito positivo. Eu sempre vejo o lado bom... Mas ela não pára, falta a
reflexão dela... Ela não tem essa cabeça feita... , se eu chegar para ela e
falar uma determinada coisa ela vai se ofender, sofrer com aquilo, esse é o
jeito dela... O que é difícil para mim, seja o que qualquer for é: desespero.
Isso para mim é muito difícil. Do contrário, trabalho, nada me deixa em
desespero”.
C. “Ele nem pensa... Eu sou ansiosa para isso, mas se você for ver ele é
ansioso para outras coisas, ansioso por fazer, mas não por pensar, eu
penso... : - Esse aqui sempre foi meio bravão, é uma moça com o filho... Ele
fala:- Vou chamar sua mãe, hein? Mas a gente está aprendendo... ele é
muito manhosinho com ele... Ele tem bastante paciência... O Daniel é uma
pessoa que se diverte bastante, graças a Deus ele é uma pessoa que
risada... Às vezes ele ri mais do que o filho, crianção.
D. “A Carla não é muito positiva, é uma característica dela, ela sempre
pensa no pior. Por que se vier o melhor, legal, se der o pior, sempre
pensando negativo... Em relação a qualquer coisa ela é assim, ela pensa no
pior por que se vier o melhor é lucro... ela muito fraca, pessimista...Ela é
muito ativa, está sempre fazendo alguma coisa... A Carla é muito séria, ela
não sorri... como ela é muito pessimista, ela pensa o pior, então é difícil ela
concretizar uma coisa, ela pensa dez vezes”.
E. “Meu marido me cobrava de estria. (na gravidez)...Cobrava óleos,
cremes... era assim antes, tanto que daqui a pouco ele vai começar a
encucar com ela, (a filha) vou ter que lambuzar ela de óleo para não ter
estrias. Por que eu tenho, ele tem dó.(no parto) Queria me ajudar, que eu
ficasse confortável, prestando atenção... ele teve a preocupação de me
poupar”.
F. “A Elsa é uma pessoa muito contida, ela é muito quieta...ela é uma pessoa
muito controladora, não no mal sentido, ela gosta de ter o controle das
coisas...a Elsa é mais intransigente”.
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Ana tem quase uma idolatria por Bruno, ela admira sua força e coloca-se numa
posição de fragilidade para ser cuidada por ele. Bruno referiu-se a Ana como muito frágil,
sensível e fraca, necessitando de sua força. A clássica categorização de gêneros
masculino/feminino e forte/frágil. Ele faz uma conexão com as palavras desespero e trabalho
como tendo um aspecto de donio, autoridade. Típico modelo masculino: provedor, detentor
do poder e do controle. Pareceu-nos que o sentido seja: para não entrar em desespero e não se
descontrolar é preciso trabalhar, sendo que trabalho é dinheiro, é poder e é prover, porque
talvez ele só admita alguém entrar em desespero se não conseguir prover a família.
Carla fala da boa relação de Daniel com o filho. E que ele é pouco reflexivo. Já Daniel
referiu-se a Carla como uma pessoa que reflete demais e isso lhe causa sofrimento. O
sentimento que Carla identifica como impulsivo, Daniel identifica como masoquismo.
Novamente se vê claramente as identificações de gênero onde a mulher é vista como reflexiva
e sensível e o homem como racional e prático.
Elsa só faz referência sobre Fábio com relação à cobrança, estética, mas identifica essa
posição como aspecto de proteção (para poupá-la de sofrimentos futuros). Fábio demonstra
uma atitude egoísta de gênero masculino em que a mulher deve-se manter fisicamente
atraente para o homem tanto na conjugalidade quanto na parentalidade. No entanto Elsa
identifica essa atitude manipuladora como cuidado”. No entanto, Fábio é temeroso da
posição dominante de Elsa na relação do casal.
Ana e Carla fizeram referências sobre o papel de gênero feminino na
contemporaneidade com relação à maternidade e as vicissitudes inerentes a ela:
A. “...Mas eu me surpreendi pela força, por que não é fácil cuidar de dois e
trabalhar fora... Depois que eles nasceram eu tive promoção... Agora vou ter
que ficar duas semanas longe, como? Nem me fale. Eu já fico estressada”.
C. “Engraçado, eu tinha tudo para estar feliz, mas parece que eu estou aqui,
eu estou vendo o mundo passar lá fora, por que no começo você não sai para
a rua você fica um tempo em casa com a criança, até tomar aquelas vacinas
e tal, e eu em casa também, a teta pingava, aquela coisa horrível, eu gorda.
Eu falava para ele: - Eu me sinto uma vaca leiteira. Pesada, em casa, o dia
inteiro sozinha... Agora ele está na escolinha e eu tenho mais tempo para
mim. Falei para ele que a vida voltou”.
Ana mostra-se mais positiva, pois acredita que os filhos são amuletos de sorte, mas
reconhece as dificuldades dessa realidade. Carla é mais realista e desgosta das
desagradáveis vivências inerentes à maternidade. Essas falas demonstram algumas das
situações que o gênero feminino incorporou como suas.
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Finalizando este núcleo, em seu discurso Bruno faz um interessante comentário sobre
gênero, em que homens e mulheres continuam diferentes mesmo depois de serem pais, e que
o é possível o homem fazer o papel de mãe e vice-versa por que esses papéis estão
inscritos e internalizados nas relações sociais de gênero:
B. “Independente de como seja, vai, um casal lésbico, por exemplo, duas
mulheres, elas são mulheres, mesmo o que está fazendo o papel de pai ele vai
ter um desespero...que eu, que sou homem e que também sou pai,
vou...entendeu? Por que ela tem uma estrutura de mulher. Você entendeu o
que eu quis dizer? Então, pai e mãe, mas os dois são como mãe. Não dá para
mudar, por que não é estrutura de pai e mãe, é estrutura de homem e
mulher”.
A identidade de gênero pode ser compreendida dentro deste dinamismo como uma das
facetas da identidade do sujeito. Em se tratando gênero como uma categoria relacional e
sócio-histórica, que se considerar, portanto, a constituição da identidade de nero como
um percurso constituinte e constituído na trajetória do sujeito interativo, a partir das inúmeras
relações que este sujeito traça com os outros significativos que partilham mediata ou
imediatamente sua experiência.
Uma vez que na ação partilhada o sujeito internaliza o significado da ação
coletivamente produzido o sentido de gênero está sempre inscrito nelas, sendo, portanto,
apropriado pelo sujeito. Com o termo apropriação quero enfatizar o papel do sujeito que é
determinado por suas condições concretas de existência, mas apenas limitadamente, uma vez
que se o fosse de forma absoluta não o consideraria como sujeito. Apropriar-se, então, inclui,
movimentos dialéticos de acomodação e resistência às pautas sociais. A constituição da
identidade de nero, inscrita nas trajetórias singulares destes sujeitos, ancora-se nas
significações construídas por eles, imersos em suas famílias de origem e essas, por sua vez,
em uma determinada classe social de uma sociedade situada no tempo e no espaço.
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NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 3
“E Deus nos deu um presente”.
Buscando respeitar as diferentes doutrinas religiosas de cada participante e tentando
abster-se de tendencionismo, julgamento ou pragmatismo, entende-se que nomear este núcleo
de espiritualidade foi com a intenção de identificar sentidos de uma subjetividade muito
pessoal. Levando-se em conta que o Brasil é um país majoritariamente de religião católica e
que conforme nossa revisão bibliográfica identifica-se a inflncia cio-cultural e histórica
dessa doutrina em nossa população.
A proposta é, então, fazer uma leitura relacionando a palavra Deus à natureza (criador
divino).
Assim, compreendeu-se a posição dos participantes desta pesquisa que buscam
explicações para a infertilidade, tentando, por meio delas, conhecer as suas causas e encontrar
significados que melhor respondam às configurações já existentes, as quais se constituem na
sua própria história de vida. Para isso, recorrem à religião, ou melhor, Deus ou ao destino,
apontados como uma forças sobrenaturais, às quais negam a historicidade da vida e do ser
humano:
A. “...Hoje eu agradeço, eu entrei orando, pedindo: abençoa, toca. Por que
para mim eu estava fazendo uma coisa errada...(na hora do parto) Parecia
que naquele momento foi sublime.(após primeira visita ao pediatra) Sabe
quando você se fortalece? Não, realmente Deus me agraciou, muito, muito
obrigada. E agora, bola para frente... Porque eu achava que, pensava...meu
Deus do céu, eu fiz uma coisa errada, Deus será que vai me castigar? Deles
virem com alguma coisa. Talvez se fosse um, eu não sentisse tanto. Mas eu
tinha medo. Aí eu pensava, então acho que um deles tem problema, será que
eu fiz o certo? Será que a gente fez a coisa certa? Só que meu medo veio só a
questão da Síndrome de Down, porque desde pequena eu achava que eu ia
ter um filho com isso. Eu achava que por ser dois. Que era bom demais,
então um deve ter, porque as outras mulheres têm e é tão difícil, eu achava
que dois perfeitos era muita areia para o meu caminhão...por isso que eu te
falo, eles vieram para arrumar, abençoar tudo...”
B.”Não tive preocupação e minha vida financeira melhorou muito, tenho
uma crença em Deus que eu acho que é por eu sempre estar voltado para
minha família a coisa fica fácil. Então por isso eu acho que é a natureza,
Deus”.
C- “Pesava ouvir porque parecia que tinha alguma coisa com dívida com
Deus, de fazer o bem para ganhar, culpa. Mas eu não sentia isso...por que a
gente até acha que de repende Deus fez a coisa tuda..”.
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D. “Diziam: - É por que Deus não quer, não é a hora... E tem gente que acha
que é Deus que não quer, não é via normal, tem os tabus... E eu falava isso
talvez como desculpa, que não era o correto, tem gente que quer um carro,
compra um carro, eu quero um filho, então tudo que eu ganhar daqui para
frente eu vou investir em ter um filho. Mas eu tinha que me manter firme: -
Calma, vai dar certo, vamos esperar, vamos rezar. Eu sofria quieto, eu não
podia falar isso para ela. :- Vamos deixar na mão de Deus...Ficou muito
forte nós três, a gente tem até tenho medo: você imagine se um dia
acontecesse alguma coisa assim...sabe? A coisa de Deus aconteça. Por que
ficou muito junto, muito ligado nós três. Por que o foi um presente diante
de toda a história que você já soube, e a gente curte muito ele, faz uma parte
da vida da gente...”.
E. “Que era castigo... (sobre o aborto provocado) a gente também tem
sentimento e tem coisas que não substituem aquela, até hoje não substitui
aquela...”.
Eles buscaram explicações em Deus sobre não poder conceber “naturalmente”,
fazendo uma associação de causalidade, a qual é mediada pelos significados daquilo que
permanece, ou seja, das representações cristalizadas da infertilidade e de outras que permeiam
o senso comum, de que todos os homens e mulheres são naturalmente férteis (se o, é uma
patologia).
Ana e Bruno sempre referem aos filhos como presentes de Deus, amuletos de sorte,
pois tudo melhorou após o nascimento deles. Porém, os questionamentos morais de Ana
interferem em sua consciência e não a deixam aceitar dois “presentes de Deus”, pois não
considera merecedora de tanta graça divina”. A culpa moral fez com que introjetasse a figura
da filha (mulher) como doente. O significado do castigo pela culpa da transgressão à natureza
era a fantasia de um filho imperfeito.
Bruno relaciona Deus e natureza: “se a ajuda que a medicina deu à natureza deu certo,
então Deus aprovou”. Cabe a ele, portanto, cumprir seu papel de bom pai para pagar” o
presente.
Carla referiu angústia na busca de uma explicação talvez no passado para justificar o
castigo da infertilidade e sentia-se culpada mesmo sem saber do quê. Em sua subjetividade
individual Carla acredita que o significado da infertilidade está ligado a algum fator que não
identifica, mas no qual acredita que errou e sente culpa, pois busca um sentido para o
sofrimento na dificuldade de realizar o sonho de ter um filho biológico.
Daniel crê ter sofrido o castigo divino da culpa gerada por dois abortos
provocados na juventude e o arrependimento causado pelo medo da possível “morte”
do filho, que ele nem consegue nomear.
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Elsa fez um pequeno comentário sobre castigo divino diante da culpa por ela e Fábio
terem cometido um aborto e a impossibilidade de voltar atrás.
A culpa gerada pelo aborto(s) provocado anos atrás é abordada:
C. “E o Daniel fez um aborto na adolescência e ele ficava
psicologicamente... Ele falava: - Eu fiz um aborto, eu tenho a coisa do
castigo. Ele achava que ia ser punido...A culpa pesava: - É castigo, é castigo.
Essa coisa de aborto eu sou um pouco mais prática. Às vezes eu pensava,
mas aí: - Eu não posso pensar nisso, você o estava preparado, acho que
você fez a escolha certa, sei lá...Era inexperiência. Acho que a culpa vinha
do aborto...Fez por que os pais forçaram a fazer...”.
D. “...porque eu fiz dois abortos, um eu tinha 16 anos, a menina tinha 15,
novinho... No outro eu tinha 20 mas era uma menina totalmente desmiolada,
acabei fazendo, na época achei certo mas depois você fica mais velho e: -
Nossa, fiz a maior besteira do mundo. Vamos chamar isso de uma
ignorância, quando você é novo você acha que aquilo está certo. A culpa,
né? Achando que estavam me castigando...É consciência, né?...Eu continuo
achando um crime, eu continuo achando que é uma coisa errada”.
E. “A gente começou a namorar...aí tive uma gravidez não desejada. Apesar
de não ser planejada, foi muito estranho, aconteceu numa situação tão
complicada no início...foi mexendo com a cabeça...Mas foi um choque tão
grande. Que a primeira e única solução foi tirar, não tinha dúvida...naquele
momento não era o que a gente queria...Para mim era uma doença...Hoje eu
vejo que pode até ser um pecado, um erro.Então eu tomei a decisão que
naquele momento, a gente tinha que casar logo. (sobre RA) A gente estava
bem financeiramente, pesava muito a gente ter pago para não ter, e se tinha
que pagar para ter, esse seria nosso castigo”.
F- ...eu tinha uma culpa muito grande por que a gente acabou fazendo um
aborto, não sei se ela comentou com você, por que a gente tem um pacto de
não ficar falando disso, mas...Não que existe sigilo, a gente não fala disso
porque é uma coisa que machuca muito, foi uma coisa que a gente fez, que
nós dois dividimos, mas é uma coisa que se fosse para fazer de novo, jamais
faria isso, é uma coisa terrível, acho que depois eu consegui caminhar,
depois conversando um dia com meus pais que eu consegui pôr para fora
toda angústia que eu tinha, mesmo assim, tudo que eu achava que tudo que
acontecia era castigo, culpa, arrependimento...era segredo meu, então eu
passei algumas coisas sozinha, sem apoio, aprendi...(sobre RA) E eu encarei
todo esse processo, pus na minha cabeça que todo esse processo, se eu
paguei para tirar uma vida, tenho que pagar para ter uma. Para mim essa foi
a parte mais difícil”.
Carla tenta aliviar a culpa de Daniel e encontrar uma justificativa para a atitude dele,
pela inexperiência ou pela pressão familiar.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Após assinar o consentimento para a entrevista, a primeira coisa que Elsa falou, após a
pergunta estimuladora foi sobre o aborto cometido por ela e Fábio e do acordo que fizeram de
“nunca” mais falar sobre o assunto. Mas ao mesmo tempo, demonstrando uma enorme
necessidade de “falar” sobre a experiência, de tentar elaborar ou dividir o peso da culpa. Ela
decidiu casar para “ter outro filho” e reparar o erro de ter matado o primeiro.
Para Fábio o mais difícil não foi ter feito o aborto, mas sim suportar a culpa por ter
feito. Os dois fazem referência ao valor, ao “preço a pagar” pelo pecado. O significado do
resultado positivo da RA é Deus ter perdoado, porém eles continuam em dívida com ele.
Tanto Daniel quanto Elsa e Fábio sentiram-se culpados e castigados pela “força divina”
quando se defrontaram com a impossibilidade de conceber naturalmente, a vingança da
natureza, de Deus.
Um ponto importante nesses relatos é perceber que os três entrevistados que
cometeram aborto sentem-se culpados e julgam que a remissão deste pecado será através da
adoção de uma criança na qual eles não tenham vínculo biológico. Sobre a adoção:
C. “Aí sempre tem alguém que conhece um casal que tentou, tentou,
adotou, engravidou: - Será que vou ter que ir por esse caminho. E ele
falava: - Se não der a gente vai adotar. A gente conversava, mas não estava
na minha cabeça, ainda não me sentia preparada para isso. Até hoje ele
ainda fala. Não me sinto preparada, eu falo para ele, eu tenho muita dúvida
se eu vou conseguir amar igual, eu tenho dúvida em relação a mim, eu ainda
não estou preparada. Pesava, tinha dias com angústia, sem angústia; tinha
dias com otimismo...Ele chegou até a me oferecer usar sêmen de doador...eu
sempre disse não, de cara...Se fosse assim eu preferia adotar e não ser
filho de nenhum dos dois, eu tinha muito esse egoísmo de me sentir grávida,
de ficar com a barriga, de viver isso, para mim era importante viver isso...”.
D....usar o sêmen de outra pessoa, não tem problema eu quero é um
filho...Por que os fins acabam justificando os meios, eu acho que se você
quer ter um filho, quer criar uma criança, independe de você ser o pai
biológico ou não, o importante é estar junto, participar da gravidez, criar”.
E. “Se vier naturalmente, se daqui dois anos a gente optar por fazer de
novo... Sei lá, por que não adotar? De repente substituir aquela criança, e
retribuir com uma outra, mas que não vai substituir, mas de repente reparar
alguma coisa que a gente fez, está devendo, fazer por alguém. De repente
pegar uma criança que tamm não quiseram, eu penso dessa forma. E
transferir aquele amor que eu podia ter dado para aquela criança para essa.
A gente pode optar, até por que nós dois pensamos assim. Se tiver
financeiramente bem, pode até ter três, um outro natural e outro adotivo”.
F. “Se eu tivesse que adotar uma criança, hoje, pelo sentimento que a gente
tem, vou voltar um pouquinho, que nem, quando a gente fez o aborto, só você
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passando por aquilo que você pode saber. E o conhecimento veio para
mim depois que aconteceu. E a mesma coisa que hoje eu vejo: - Ah, nós
tiramos um filho e hoje eu tenho um natural. Mas hoje eu tenho certeza que
se eu tivesse que adotar uma criança não teria a menor diferença, o mesmo
amor”.
Carla pensou na possibilidade de adoção se isso pudesse concretizar uma gravidez
natural depois, para ela havia a necessidade clara de gestar e sentir-se mulher. Parece que
para Daniel somente criar, cuidar de uma criança pode aliviá-lo da culpa por ter cometido
assassinato através dos abortos (a redenção), e até mesmo aceitar o sêmen de outro homem.
Para Carla tanto a doação de esperma quanto a adoção de uma criança são negadas,
pois o mais importante do desejo de ter um filho biologicamente seu e de seu marido era que a
criança tivesse o sangue, as feições e o caráter do marido. O sangue possui um valor
simlico ligado à transmissão de características morais e “jeitos de ser”. Essa reprodução
o se daria através de identificações que são adquiridas socialmente, mas sim
substancialmente. Na adoção e na doação seria imprevisível a herança genética do pai
biológico. Ela queria preservar, de algum jeito, o que acredita que o marido tem de bom.
Sendo a maternidade constitda pelo sangue e pela gravidez (fatos naturais), a adoção
precisa ser construída pelos laços sociais afetivos, e essa percepção de construção se
contrapõe com aquela da naturalidade.
Elsa tem clareza de que poderia adotar uma criança para pagar pelo erro. Porque
naturalmente ela deixou claro acima que não quer ter outro filho:
“...por ele e pelo Dr eu já estava grávida de novo...Para mim, estou fora por
enquanto...adotar, o que pesou foi irmão, é muito bom ter irmão. E tem
outra, eu não quero que a minha criança não tenha um irmão. Como eu
tenho, eu quero”.
Fábio entende que foi perdoado de algum modo por ter tido a filha, mas mesmo assim
precisa retribuir e pagar através do amor, a uma criança não geneticamente sua. Mas ao
mesmo tempo não consegue se relacionar afetivamente com a filha legítima.
Tanto para Daniel quanto para Elsa e Fábio a adoção é como a remissão (perdão) do
pecado cometido.
Refletindo sobre a questão do poder sobre a vida e a morte (a finitude):
B. Eu nunca tive...hoje eu tenho preocupação de morrer, nunca tive isso aí,
minha preocupação não por grana; enquanto meus pais forem vivos e a Ana
trabalhar eu sei que não é esse o problema. Precisa da presença do pai,
precisa da presença da mãe. Então hoje eu tenho medo dela morrer ou de eu
morrer, nesse sentido de presença, não de grana. Toda criança precisa de
presença de um pai e de uma mãe”.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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C. (antes de ter o filho) “Porque eu vou ficar doente e quem vai cuidar de
mim é minha sobrinha, ou meu irmão, vou ficar sozinha, nós vamos ficar
sozinhos e a casa é fria, ou ficar enjoando um do outro, ou que vida a gente
via ter? Ficar viajando, viajando...E eu sofria muito...(sobre o filho) Não tem
que tratar ele como nenê... eu quero que ele tenha iniciativas... Preocupação
de constituir a personalidade dele, a gente quer que ele seja independente, de
tomar atitudes, não ficar direcionando...O tem que ser forte. O que a gente
tem conversado recentemente é: como eu tenho a realidade do João (irmão
dela), super protegido, mimado, um garoto sem objetivos, sem ânsia de
correr atrás das coisas, por que nunca sofreu...a gente não deixou ele sofrer
necessidades. Então o que a gente conversa sobre o é não cometer esse
erro, a gente quer que ele se torne um garoto seguro, independente...”.
D. “É até uma preocupação, por que aí: o que é que eu faço da minha vida?
Você vive em função do moleque...A gente tem a preocupação por que
tivemos filhos velho, né? E eu vou estar com 60 anos e o com 18. Então eu
quero que ele se encaminhe rápido na vida, por que se amanhã ou depois eu
faltar...ele estar encaminhado...Na verdade a gente tem que criar filho para o
mundo. as crianças estão assim, né? Os pais estão criando os filhos com 19,
20 dependentes dos pais, não conseguem dar um passo sozinhos”.
Bruno revelou a doença do sogro, a proximidade da morte dos pais por serem idosos
referindo-se ao fato de ter deixado de ser filho e ter se tornado pai, com todas as
responsabilidades que este papel encerra, tanto financeiras quanto afetivas.
Carla fala do significado do filho do próprio sangue como herança familiar, em que
sem filhos naturais a família acaba e o casamento não tem sentido. Tanto Carla quanto Daniel
demonstram preocupação em preparar o filho para as dificuldades da vida sem a presença
deles, sem a proteção deles devido à diferença de idade.
A preocupação com o futuro é clara, conforme Daniel:
“- Outro dia estava ouvindo uma reportagem sobre isso: abandono do ninho.
É muito difícil, né? Vivem para os filhos e depois..., né? O que eu faço
agora? Fica meio perdido, né? ...sentar todo mundo na mesa, junto, almoçar
e jantar junto; isso é importante, ? E é “porto seguro” família, você está
ruim com alguma coisa você vai num pai, num irmão... Tem pai que não liga
muito. Mas a maioria acho que liga. E a gente curte bastante e a gente tem
até medo, é muito ligado”.
E na tentativa de garantir alguma segurança afetiva ao filho eles refletem sobre a
necessidade de ter outro filho para que ele tenha um irmão:
C. “E se eu vier a faltar ele vai ter com quem... E ele concordou comigo
também e falou:- Acho que é legal ter um irmão que segura os trancos. E a
gente quis ter mais por ele. Acho que a gente estava pensando mais nele do
que na gente”.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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D. “O tem que ter um irmão, filho único, vai ser mimado. Um irmão, uma
companhia. eu queria adotar, na verdade eu nem queria outro filho, eu
falei para a Carla: - Vamos adotar outra criança. Ela: - Não, tenho medo de
não gostar como se fosse filho. Então vamos ter outro. Mesmo sangue, né?”.
Para Daniel ter outro filho já seria abusar da bondade de Deus, por isso ele aceitou
resignado a segunda tentativa de RA que não deu certo:
Deus me deu tanta coisa, não vai me dar outro filho... se não der certo
nem vou ficar triste. E foi isso que aconteceu...Aceitamos a vontade de
Deus”.
Para Carla o amor fraterno tem um significado profundo, pois a vivência dela com a
doença da mãe (bipolar), sua doença terminal (câncer de pele) e consequentemente assumir a
guarda do irmão mais novo trouxeram sentimentos de união familiar:
C. “Eu pensei em outro filho para dar uma dividida e também assim, eu
perdi minha mãe muito nova, e o que me segura é meu irmão. Os dois irmãos
são próximos, eu sei que com eles eu posso contar para tudo, posso contar
com tudo, qualquer pepino que em aconteça. Tem o marido, mas não é a
mesma coisa como um irmão. E se eu vier a faltar ele vai ter com quem...Por
que quando minha mãe morreu meu irmão veio morar comigo e o sentimento
que eu tenho por ele é quase como um filho. E ele sente isso. E a gente morou
junto, então ele ficou a vontade, não foi muito dramático. Então eu penso
também, quando eu tiver uma idade e eu tiver algum problema, o vai estar
sozinho na vida, não vai dividir isso com ninguém”.
Cabe observar uma fala de Ana sobre o poder de Deus:
“E hoje eu agradeço a Deus por ter tido gêmeos, eu acho que foi a melhor
coisa que podia ter acontecido na minha vida, foi ter tido eles e hoje eu
agradeço o fato do Bruno ter tido problema senão não teriam sido o e a .
Não seriam essas jóias raras. Então para mim, hoje foi ótimo ele ter tido
problema e a gente passou muito bem por essa situação”.
Apesar da fala de Ana nos levar a crer que ela está feliz com os filhos que Deus lhe
deu, parece um contra-senso agradecer a patologia do marido que acarretou num tratamento
dico para conceber. Apesar de reconhecer que exatamente estes” filhos foram feitos pela
ciência e o pela natureza, mas abençoados por Deus.
Um ponto importante a ser explicitado é a situação na qual a estimulação de oócitos
provocou em Ana um excessivo número de embriões.
Conforme revisão bibliográfica a FIV é a técnica que produz embriões em laboratório
a fim de aumentar a eficácia da técnica proporcionando maiores chances de gravidez,
estimulando-se a maturação de rios foculos no ovário, formando óvulos que serão
coletados e unidos a sêmen tratado. Freqüentemente criam-se embriões além do número que
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seria seguro transferir para o útero (quatro). Os embriões restantes podem ser criopreservados
(congelados) em cilindros de nitrogênio, guardando-os para nova tentativa, se o ocorrer
gravidez. A nova Lei de Biossegurança permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização
de lulas-tronco embrionárias obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro e não
transferidos para o útero, desde que os embriões sejam inviáveis ou estejam congelados
três anos ou mais para tanto, exige-se o consentimento dos "genitores" (os fornecedores de
gametas).
Talvez seja possível estabelecer algumas relações na fala de Ana sobre o poder de
Deus e do homem através da ciência, quando relatou suas dúvidas sobre os embriões
excedentes da estimulação hormonal a que foi submetida. Sobre os dilemas, os
questionamentos éticos e morais que a RA provoca:
“...eu fui na clínica fazer preventivo e o Dr.* me perguntou sobre o que nós
vamos fazer com os 7 embriões excedentes. Isso para mim é uma coisa que,
eles estão lá, quietinhos, isso é uma coisa que não me incomodava. Agora,
será que vou ter que me ver com Deus? Será que eu estou fazendo um
aborto? Agora me levantaram questões de ética... levantou um “plim” na
minha cabeça: - Será que vou ter que me ver com Deus também? Será que eu
estou fazendo alguma coisa errada? Mas, assim...eu não vou poder ter sete,
concorda? Aí o Bruno falou: - Doar eu não vou. Por que são sete vidas que
vão estar espalhadas sabe Deus onde. Que embora sejam casais que a gente
deduz que têm condição, mas e aí? E como se voestivesse dando seu filho
para alguém. Sete filhos, eu acho que é muita responsabilidade. E eu vou
além, tanta coisa acontece nessa vida, seque um dos meus filhos pode se
apaixonar por um irmão? Pode ser uma fantasia ou não. Aí o Dr.* falou que
doa até para outro Estado, outro País. Mas não sei se é egoísmo da minha
parte...Porque da mesma forma que eu passei por problema de que eu não
podia e outra pessoa doou o óvulo eu também quero fazer esse bem. Mas
eu paro para pensar: - A gente tem o direito disso, de dar? É muito
complicado. A opção de jogar fora está descartada também. Então sobrou a
alternativa que eu acho mais legal. Aí eu assisti na tv uma entrevista daquela
bióloga, eu achei o máximo. Aí você pára para pensar e quanta coisa bacana
aconteceu para melhorar nossa saúde, antigamente nem tinha ultrasom, hoje
se opera dentro da barriga. E outras doenças que eu não tenho
conhecimento. Se não forem feitas pesquisas... eu me coloco no lugar
daquelas mães que têm filhos com deficiência. Então as células tronco vão
estar servindo para essas pessoas, para esses estudos.Será que vou estar
matando meu filho? Aí eu pensei: - Caramba, meu pai teve derrame, está sem
falar direito, sem mexer o braço direito, sem andar direito. E isso vai servir
para essas pessoas. E nada é sem a permissão de Deus. Então hoje eu estou
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tentando alimentar essa situação. Então, por que não? Ter os sete eu não
posso, jogar fora está descartado, doar para os outros pais... por que aí seria
meu filho e do Bruno; eu não quero correr esse risco de no futuro minha
filha ou meu filho se apaixonar por um irmão. Então sobrou essa
possibilidade da ciência, das células tronco”.
O sentido de pecado, culpa, penincia e remissão está tão internalizado na cultura
ocidental que mantém e confirma comportamentos fossilizados que geram sofrimentos e
estagnação.
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NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 4.
“Nossas famílias não sabem que nós sabemos ser pais”.
A significação da RA é mediada pelo outro da inter-subjetividade, também
circunscrito na inter-relação com seus familiares em que sujeitos buscam recursos para lidar,
da melhor forma, com as novas necessidades.
Um ponto importante desta análise é entender que a conjugalidade refere-se à díade
conjugal (homem e mulher) e a parentalidade a um conceito triádico, pois inclui pelo menos
uma criança, porém não são excludentes, mas sim, complementários.
Desse modo entende-se que o conceito de família para os participantes desta pesquisa
significa o nascimento de um filho biológico perpetuando o ciclo de herança familiar e
vínculo de parentesco.
Um ponto importante da presente análise refere-se ao conceito do que é ser e, para
as entrevistadas:
A. “Aí eu levei para casa e eu olhava para ela... Será que ela tem Síndrome
de Down? Por que depois ela foi começando a mudar, quando a gente foi
para casa ela já estava diferente, por que ela nasceu muito enrugada, sei lá,
acho que não tinha espaço, ela ficava muito assim. (Encolhida). (após 5 dias
de nascidos, quando o pediatra descartou qualquer deficiência nas crianças)
eu fiquei tranqüila. Aí parece que eu me fortaleci na hora. eu depois
tirei isso da cabeça, totalmente... A partir de agora eu sou mãe, né? Vai
chegar a hora, eu sou mãe... Eu não precisei de nada disso. Então, por todo
esse processo eu me surpreendi: - Puxa, eu sou capaz, eu achava que não era
capaz de cuidar de dois. Não sei nem cuidar de um, quanto mais de dois.
Sinceramente eu me surpreendi comigo mesma. Eu achava que seria uma
boa mãe, porque eu adoro criança. Então me deu uma força. Tanto é que
depois me veio uma força interna: - eu vou amamentar essas crianças, eu
tinha força para amamentar... e depois eles chagarem e o quiseram mais
meu peito, você ter que conviver com isso, com a rejeição. Então nessa
situação vo vai arrumando força, como mãe a gente arruma força não
sabe de onde. Eu arrumo uma força, eu posso estar estressada...Eu entro
nessa casa, se estou com meus filhos, acabou”.
C. “Eu falo para todo mundo, depois que eu tive o , foi a melhor coisa do
mundo, que eu desejo para qualquer pessoa, por que é um sentimento... E eu
não conseguia dormir por que queria ficar olhando para ele o tempo todo,
achava ele lindo, perfeito, olhava dedinho e tudo certinho...só que eu não
tinha noção nenhuma de que eu ia perder 90% da minha vida. Que era
dedicada a mim, somente. Eu fazia o que eu queria hora que eu queria.
Depois eu me vi vivendo em função da vida dele.. É muito fácil ser mãe, não
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dá trabalho nenhum, mas eu tentei, então se dedicar...Não que eu fosse
neurótica...tentei fazer tudo certinho”.
E. “Falar o quê para aquela criança por que primeira vez que a gente estava
se vendo, tudo né? aquela preocupação....Aí fomos para minha casa, minha
mãe foi também... Ele tirou uns dias de férias e ficou comigo...não podia
ficar sozinha por que não era legal. (mãe dela) ...e ela: - Já compra uma lata
de NAN. Eu sabia que não era fácil. Em casa eu preparei o leite, olhava
para a mamadeira e olhava para meu peito, olhava para um, olhava para
outro. Não vou desistir, não foi nenhuma derrota, nem tentar? Não. Sei que
não é fácil, sei que eu vou ter que ter o meu jeito, o dela, da gente se
conhecer. Aí eu falei para o Fábio: - Eu vou entrar no quarto, vou ficar
sozinha, eu com ela, vou tentar dar de mamar. foi, ela pegou no peito e
daí foi tranqüilo”.
É possível que o medo de Ana, que começou quando ela soube que eram gêmeos fosse
pela incerteza da capacidade de cuidar bem deles e por isso se mostrou surpresa com sua
própria competência, orgulhosa por tornar-se a mãe abnegada e poderosa” que culturalmente
se espera da mulher. Porém, o fato dela ter escolhido a menina como a detentora de alguma
fragilidade possa estar relacionado às dificuldades que passou com relação a assumir a
responsabilidade do sustento da família de origem quando ainda estava na faculdade e tinha
sonhos de realizações profissionais que foram interrompidos. Uma responsabilidade
masculina de provedora do lar quando não estava estruturada para tal. Acredita-se que por
isso ela sente-se tão bem e segura quando Bruno assume uma postura de poder dentro da
relação do casal. No entanto Ana encontra-se em conflito quando seu desejo de ser mãe é
alterado justamente por uma incapacidade masculina, e talvez o sentido da angústia dela com
relação à filha (sexo feminino) seja em decorrência dos conflitos internos causados pelo papel
de gênero mostrado pela ambivalência de emoções que ela apresenta: ser mulher é ser mãe, é
cuidar e se preocupar com os filhos; além de ser competente profissionalmente. Ser homem é
ser capaz de fecundar uma mulher, prover a família e assumir o pátrio poder. Ana
circunstancialmente assumiu o papel de pátrio poder com a família de origem e o sentido
desse encargo pode ter sido transferido para a filha com relação ao quanto ela era frágil e
vulnevel, mas mesmo assim teve que aceitar seu destino. E conjectura que a situação
enfrentada acontece com muitas mulheres e que, talvez aconteça com a filha. Acrescente-se aí
o fato de ter que aceitar a infertilidade de Bruno e se submeter ao doloroso tratamento de RA
por sentir-se obrigada a isso. Mas ela não desejava isso para ela e nem deseja para a filha,
sente-se deficiente no sentido de fragilidade e incapaz de não assumir posições que
necessariamente o são dela. E talvez tenha transferido para a filha a sensação de “menos
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valia de que a mulher deve ser submissa e aceitar alguns encargos mesmo que sejam
insuportáveis.
Carla ficou extasiada com a visão do produto que gerou” (o filho). Mas demonstrou
preocupação com seu desempenho materno, e surpresa com a falta de individualidade que o
papel imposto de mãe abnegada: bastante desgastante e pouco gratificante. O significado do
filho foi confirmar sua identidade feminina, mas o sentido gerou angústia quando se deparou
com sentimentos de irritação que o se coadunam com o da boa mãe gerando conflitos com
relação ao papel feminino esperado e o desejo “egoísta” de ser unicamente ela.
Para Elsa seria possível dar uma explicação para a filha? De como é o mundo? De como é a
vida? Como é vida de uma mulher? A surpresa pela sensação que a visão real da filha causou
pode estar relacionada à vida de sua incapacidade de ser e, ser mulher. Não sentia-se
segura o suficiente para desempenhar seu papel materno sozinha, porém encontrou forças, se
transformou em mãe e se compactuou com a filha (deixou de ser filha para ser mãe). Ela
claramente excluiu Fábio da relação dela com a filha, já no parto, pós-parto e depois.
As três mulheres falaram da força que a visão do filho, o contato com o filho real fez
“nascer” a mãe. Se deparar com um produto seu, do seu corpo, mostra ao mundo sua
capacidade ou incapacidade feminina de gerar uma criança. É a hora de r prova sua
competência feminina de gerar e sua capacidade de suportar dores, nutrir seu filho através da
amamentação, e ainda testar sua competência materna de cuidar e promover o
desenvolvimento de outro ser humano. Está dando à luz uma nova identidade de si mesma em
que a da mulher deixa de ser filha para ser mãe: mulher/mãe.
Bruno mostrou-se surpreso com a transformação de Ana em mãe, apesar de considerar
um “dom natural” que aflora na mulher quando ela tem um filho, e reconhece a diferença de
gênero com relação aos papéis de pai e mãe:
B. “: - Ah, é dez. Ela superou. Por ela fazer passar essa insegurança, esse
medo, até achei... Ela pode até ter tido uma preocupação, mas naturalmente
ela segurou, hoje ela é uma mãeee, que faz coisas incríveis... Mas como mãe
o que ela falasse antes ou pensasse vou fazer isso, vou fazer aquilo, ela agiu
naturalmente, ela parecia que tinha uma habilidade que brotou dela , ela se
transformou na hora que tinha que se transformar. Eu se tiver que fazer um
curso de três, quatro dias em SP, não vai ser fácil para mim, mas eu vou
fazer e não vou ficar aqui chorando. Se é uma mãe, uma mulher que tiver que
ficar um, dois dias fora, acho que já é diferente. Talvez sofrer mais. Eu acho
que é uma coisa da mulher, particularmente. Acho que é por ser homem e
mulher”.
Outro aspecto das diferenças de nero a que Bruno se refere aborda a relação afetiva
do pai com os filhos em conflito com a postura mais rígida de pai x autoridade:
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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B. “: - E como é ser pai deles? Deles especialmente? É muito bom, mas no
caso deles é difícil de te falar por que eu posso estar pondo uma emoção na
frente e não sabendo diferenciar. É o máximo...Então eu sei que
características eu tenho que ter, pensando em ser um bom pai...O dia-a-dia ,
talvez a coisa seja diferente...Então na prática, no dia-a-dia se você o
quiser aprender”.
Ao falarmos sobre a relação pai x filho do sexo masculino e identificação de nero,
aparece na fala de Daniel com um tom de brincadeira, procurando significar os
questionamentos inerentes a RA, porém o sentido subjetivo aparece como uma vida ou
fantasia sobre a herança genética:
D. “: - Não, é brincadeira, é por que o moleque não tem nada a ver comigo.
Loiro de olho azul, todo mundo fala: - Ah, é a cara do pai. Ele é uma criança
muito bonita, né? Ele chamava muita atenção na rua, por que ele é muito
branco... Muito loiro, depois começou a cachear que nem anjinho. Então, a
gente como pai ficava muito cheio”.
Assim como a mãe “nasce” no momento em que a mulher depara-se com seu produto
(filho real), o nascimento do pai é a partir do momento que eles assumem o dever de manter
financeiramente a família. Segundo eles mesmos, genitor x pai provedor:
B. “Dois são...nós ficamos sozinhos...Seguramos na maior tranqüilidade. O
gasto que eu tenho com eles que não é pouco, quando nasce é da noite para o
dia começa uma gasto que é uma coisa que você não se preparou. Tem o
gasto, mas o gasto que eu tenho hoje eu ganho, antes eu não ganhava para
ter esse gasto que eu tenho hoje. Nós compramos esse apartamento sem eles
a venda é uma coisa hoje eu tenho que pensar, eu não posso dar muito passo
em falso porque tenho eles dois, tua cabeça é outra. Sua cabeça, você como
solteiro, como casado sem filho, é uma situação, você com filho tem que
pensar”.
D. “...e eu fui tendo uma condição melhor de sustentar a casa. Quando ela
ficou doente eu falei: - pode deixar que eu assumo a casa e vamos ter filho. A
gente ia tentar até conseguir, nem que eu me endividasse todo”.
F. “quando a enfermeira mostrou no vidro eu vi...aí foi caindo a ficha de ser
pai...acho que a responsabilidade do primeiro filho é complicado, é
diferente, acho que vai mudando...”.
É clara a concepção de pai provedor para Bruno e Daniel. Fábio demonstra
dificuldade em internalizar a nova condição, pois sua identidade de nero masculino não foi
construída na relação conjugal, visto que diante da gravidez não planejada (anterior) ele não
assumiu uma postura corajosa (ligada ao fator força masculina) de enfrentamento e
considerou sua atitude covarde.
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As práticas de interação social com as famílias de origem (avós) são bem
administradas pelos três casais:
A. “...a minha mãe eu não podia contar, ela sempre foi meio estressada,
meio nervosa. E por outro lado eu queria uma pessoa mais calma do meu
lado. E minha mãe também nunca teve muita experiência por que sempre
trabalhou fora, minha avó que basicamente cuidou de mim”.
B. ...Não quero que meus pais faleçam agora, mas se falecerem... Não
quero, mas se acontecer vai ter um sofrimento, mas eu sei que está legal,
valeu, o tempo que ficou foi bom”.
C. “Minha mãe teve um relacionamento, um amigo de trabalho, que cruzou
as estações e ficou grávida e veio o João, nossa diferença é 20 anos. Ela
era maníaco depressiva (internação manicomial), a gente descobriu quando
meu irmão tinha dois anos. Mas antes disso a minha mãe ficou doente
(Câncer), foi todo aquele “baque”, foram quatro meses, parei, nem pensei, aí
meu irmão veio morar comigo, a gente se dedicou muito a ele por que ele
tinha quinze anos, era um “baque” por que perdeu a mãe, toda aquela
adaptação, eu também adaptação, eu não pensava nisso...”.
D. “(sobre a mãe dele): - Ela baba pelo . Ele é muito agarrado com os dois,
é vovô, vovó”.
E. “...meu pai é muito racista, de cor, eu sou morena, ele é moreno... a gente
começou a namorar e ficou namorando um bom tempo escondido...Mas hoje,
tudo é ela, até mesmo não verem ela diferente, eu tive essa
preocupa...precaução...Minha tia perguntou para minha e: - Você já deu
banho nela? Minha mãe: - Não. – Então você não é avó dela...”.
F. “...eu fui filho único por muito tempo. O engraçado é que os meus pais
que me criaram são pais diferentes que criaram meu irmão...Comigo eles
eram muito mais severos, eles eram mais rígidos, cobravam muito, e do meu
irmão...nem tem comparação...”.
A expectativa materna de Ana pareceu ter sido correspondida; Bruno mostra-se
sempre muito prático e assertivo, como um bom pai responsável que procura não se envolver
afetivamente, sempre identificado com o gênero masculino.
Carla tem uma experiência familiar complicada de administrar, ao mesmo tempo em
que se torna mãe, sua e (que não tinha condições mentais de cuidar do próprio filho)
faleceu e ela assume esta função materna com relação ao irmão.
Daniel mostrou-se tranilo com relação à sua família de origem e realizado por poder
proporcionar à família a herança transgeracional.
Elsa apontou a questão da aceitação familiar direcionando para posições racistas e a
necessidade de propiciar uma relação familiar satisfatória confirmando a transmissão
transgeracional através das figuras femininas/matriarcais.
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Fábio mostrou-se revoltado ou até ciumento com relação à diferença de tratamento
que os pais tiveram com ele e o irmão mais novo. Suas colocações demonstram fragilidade
emocional e infantilização.
A mediação da atividade conforme Vygotsky (1991) se refere aos signos enquanto
instrumentos psicológicos produzidos socialmente e utilizados pelos seres humanos na
comunicação com os outros com os quais se relacionam e consigo mesmos. Os signos são
produto da ação do próprio ser humano e decorrem, portanto, da história da humanidade.
Uma vez internalizado, ele representa algo tanto para quem o recebe quanto para quem o
emite, o que não necessariamente coincide, posto que os sujeitos em relação atribuem sentidos
diferentes àquilo que vivenciam. Abordando a perspectiva da relação dos entrevistados com a
família do cônjuge (avós):
A. “Porque minha sogra sempre foi muito rígida, o Bruno sempre foi de
apanhar muito, agora com os netos que ela é mais, até pegajosa demais para
o meu gosto...minha sogra é uma pessoa dominadora e ela ia tomar conta da
situação... Nunca deixei ninguém meter o bedelho. Eu sou muito clara na
minha colocação, eu sou assim, não sou de bajulamento, minha sogra não
gosta. Eu sou de poucas palavras. Para mim eles ainda o pequenininhos.
Por que se você deixa um dia vai querer sempre... porque minha sogra é
muito dominadora, se deixar ela vai invadir. Então é não e acabou”.
B. “O pai dela teve um AVC, eu socorri...hoje ele está andando, está
lúcido...Mas ela está vendo o lado ruim, teve um sofrimento e não tem o que
fazer, você tem que ajudar, mas não anular sua vida, ficar depressivo”.
C. “A minha sogra quase morreu, ela acha que não morreu por que tinha
que ficar viva para ver o nascer. Por que os outros netos já estão grandes,
e ela acha que esse foi o motivo dela não ter morrido... a minha sogra faz
questão de ver o pelo menos uma vez a noite, a gente tem que dar um jeito
de passar lá, senão ela vem aqui. A minha cunhada, irmã dele também dá um
jeitinho de vir, minha sobrinha gosta muito de ficar com ele. Então a gente
faz isso. Por que a gente teve uma história diferente, essa coisa de querer,
querer ter filho e não conseguir, todo mundo se envolve, então acaba sendo
uma vitória”.
D. “Era doença terminal e ela (sogra) ficava na nossa casa, então foi muito
chocante aquilo...Mas assim, a mãe dela sempre esteve doente então a gente
sempre ficava meio que cuidando dele, desde os três anos de idade (o
cunhado adolesc). Foi quando nós começamos a namorar. E desde essa
idade nós pegamos o moleque por que ela não conseguia criar ele...
Achavam que a gente era um casal triste por não ter filhos”.
E. “...meus sogros sempre participam de tudo, e a neta... Mas aos poucos
eles foram entendendo, fomos trabalhando isso devagar, e eles aceitam.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Tenho que falar com jeito para não magoar, ás vezes eles argumentam: - Eu
fazia assim e deu certo. É complicado, não é fácil. fico assim quando
tenho que iniciar uma coisa nova, tem que ser durona tamm para ser
diferente nos moldes antigos... Aí eu tenho que ficar mais ou menos em cima,
para não mudar muito de linha. Eles tentam...Respeitam... Ás vezes eu falo de
colocar na escola, eles: - Não, não, não... eles sabem que a autoridade é da
gente”.
F. “...se você pegar a família é muito característico, se você pegar as
mulheres, todas as mulheres, tem a mesma personalidade, todas do mesmo
jeito, se você olhar: - A mulher manda e o marido é mais submisso. A Elsa, já
com os pais dela, também é ligada, mas acho que é aquele ligado modelo
americano, se quer morar sozinho, vai... fica com meus pais, os pais dela...
Ana declara que a sogra é dominadora, mas repete exatamente essa mesma postura.
Bruno fala da necessidade de Ana ser menos afetiva para se preservar e não sofrer,
como se isso fosse possível, pelo menos ele tenta. E da mudança de papel que o filho
proporciona: deixar de ser filho para ser pai.
Carla reconhece o apoio afetivo da família diante das dificuldades que passaram.
Compartilhar o sofrimento fez com que tivessem a impressão de diminuir a carga e de
sentirem-se acolhidos em sua fragilidade. E refere-se à sogra sobre a questão da vida e da
morte permeada pela valorização do neto no papel de transmissor transgeracional das
heranças geticas da família.
Reconhecer e acolher a doença da sogra e assumir as responsabilidades com o
cunhado demonstra o afeto que Daniel tem por Carla e sua família. O significado é altruísta,
mas o sentido é de união familiar.
Elsa pareceu compreender e aceitar as dificuldades inerentes às relações familiares.
Mostrando posicionamentos assertivos com relação ao papel de pais.
Fábio faz referência às características das mulheres da família da esposa, portanto,
indiretamente inclui a filha também. E também faz alusão a um certo desapego. Porém, com
relação à conduta com a filha esta é a primeira reação mais segura e positiva dele.
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NÚCLEO SIGNIFICAÇÃO 5
“Primeiro o filho, depois a gente”.
A significação da parentalidade é mediada pelo discurso médico-científico e do senso
comum de que homens e mulheres que vivem maritalmente “devem ter filhos”, e pela história
de vida dos sujeitos, que compreende as experiências já vividas, a expressão deles no presente
e as perspectivas quanto ao futuro. Estas mediações não ocorrem pela somatória dos eventos
ou pela incorporação das representações sociais e dos discursos que chegam aos sujeitos, mas
elas participam de um processo de configuração da parentalidade, que faz parte do
desenvolvimento da sua própria história de vida.
Essas reflexões fornecem-nos subsídios para a análise da parentalidade como um
fenômeno sócio-histórico e da ordem da subjetividade. Mostrando que ambos os discursos,
dico-científico e social, participam da significação da parentalidade biológica enquanto
atributo de identidade de gênero. Nesse processo, os discursos muitas vezes se contradizem,
mostrando a mediação dos motivos centrais dos sujeitos, ou seja, a esperança da
parentalidade biológica
5
e o desejo de manter, para si e para os outros, a identidade de
pessoas ativas profissionalmente e independentes (sem filhos), vivendo sós na conjugalidade.
Os sujeitos privilegiam o discurso médico-científico, reconhecendo-o como legítimo
para expressar o desejo da parentalidade biológica e a sua terapêutica. Mas, com freqüência,
eles reproduzem esse discurso, imprimindo-lhe significados do senso comum, mostrando,
dessa forma, a mediação das emoções vinculadas ao medo de não conceber, e a mediação das
representações sociais da parentalidade biológica:
A. “Porque até então eu tinha uma visão assim: será que meus filhos vão ser
perfeitos? Porque eles são feitos em laboratório. Será que não tem...aí eu
ficava...sabe? Mas e aí? Será que entrou sujeira? Sei lá, eu sou ignorante em
certos assuntos.... Porque eles foram feitos em laboratório, será que vão ser
nenê normal, igual a todo mundo? Igual a todas as crianças? Sabe, você fica
achando que seu filho vai ser meio robô”.
E. “...pessoas que fazem fertilização, então de repente na escolinha dela, ela
não vai ser a única criança de fertilização. Mas até então, hoje, no nosso
convívio, que a gente sabe, ela é. Então também não vou querer que veja ela
diferente...discriminem... De ser diferente, então muita gente não sabe”.
A fala de Ana sobre o impacto da FIV na relação afetiva dela com a filha é claro:
5
Utilizou-se aqui o termo “parentalidade biológica” para a maternidade e paternidade de homens e mulheres
que conceberam naturalmente, sem intervenção médica. E utilizarei o termo “parentalidade assistida” para a
maternidade e paternidade de homens e mulheres que conceberam através de intervenção médica (RA).
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 123
A. “...Eu acho que foi ali que começou...eu lembro como se fosse hoje: foi
uma troca na minha cabeça. Eu acho que depois que eu fiquei sabendo que
era gêmeos aí, por isso eu comecei a fantasiar tanta situação... E até hoje eu
sinto que esse outro era a . Entendeu? Desde quando... a bióloga falou:
imagina Ana, não tem nada a ver. Era a , eu tenho certeza. Para mim, hoje
eu agradeço. Mas eu posso te afirmar: é a . Eu sinto como mãe. Não sei te
explicar. Eu sei que trocou pelo que o Dr.* queria, que não era tão bom, tão
perfeito”.
A parentalidade biológica constitui um sentido dominante, um signo emocional
comum, que pode explicar a seleção dos sujeitos pelos significados sobre o tratamento de RA,
relacionados ao discurso científico ou ao do senso comum.
A significação da parentalidade biológica é, portanto, mediada por um signo
emocional comum aos sujeitos, ou seja, o medo de não ter reconhecida sua identidade de
gênero.
Conforme a revisão bibliográfica a coparentalidade é o compartilhamento da
parentalidade dos pais com os filhos comprometidos com o bem-estar da criança e apoio
mútuo:
A. “Agora é que eles estão indo para a escola, faz um s... Então nessa
situação vo vai arrumando força, como mãe a gente arruma força não
sabe de onde”.
B. “...ela: - Quero que vão para a escola,...Aí foi.Passou um mês...acho que
vou tirar da escola...: - Agora você colocou, agora vai tirar? Então ela faz,
aí acho que depois ela pensa no que está fazendo, mas é o jeito dela...Quanto
maior o problema mais calma você tem que ser.Eu tenho expectativas, eu sei
que eu tenho coisas que eu tenho que fazer e acabou”.
C. “Não tinha nem noção, nenhuma noção...Antigamente achavam que a
criança tinha que ficar sozinha, criar independência. Hoje já falam que
quanto mais...que dormir dá mais segurança para a criança, que ela se torna
um adulto mais seguro, quando sente que está seguro...Eu não me liguei
nessa coisa de dormir junto, não parei para pensar se faz bem, se faz mal, eu
acho cômodo para mim...ele é um menino muito calmo, muito querido,
tranqüilo... ...:- é muito cômodo por a criança no outro quarto, mas é a mãe
que vai levantar, cuidar...Eu acho que a rotina é saudável e acho que o
acaba sendo calmo, não sou rígida assim...Eu li quando eu estava grávida
que o filho tinha que interagir com o pai. Ficou redondo... Acho que todos os
pais devem ser assim, com alguns que sei o porquê da vida...Eu pus na
escola mais pela necessidade de não ficar só comigo, e brincar, fez bem para
ele e para mim. Que eu estava precisando de um tempo, estava meio
sufocada. Essas rotinas é que são gostosas. A gente vai passear e não sabe
andar, quer colo, colo, fica preguiçoso. pego no dele. Outra coisa é
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 124
manhinha, se ele machuca ele : - pai, pai. Ele pegou essa manha de dar
beijinho. Eu já falei: - Pára com isso, menino tem que ser forte, você pára de
mimar”.
D. “Desde pequenininho, nunca deu trabalho...Foi bem tranqüilo.Então ele
tem horário para acordar, rígido...se tiver no horário...ela volta para casa
para por ele num lugar calminho.Aí sábado e domingo ele encarna em
mim.A gente sai bastante...programa de criança...os programas quem fica
babando sou eu, eu me divirto. Eu sou daquele de me jogar no chão com ele,
brincar, dar cambalhota, então ele gosta.E a Carla é a que dá bronca.
Quando ele está aprontando alguma e a Carla chega e ele escuta os
passos...está aprontando, ele tem medo. A Carla falou forte com ele, ele pára
o que estiver fazendo e obedece ela...”.
E. “... Outro dia tem uma amiga minha que tem uma filhinha que até é minha
afilhadinha e ela falou: - Quando é que você vai deixar a passar uma
tarde comigo? Não. - Quando ela crescer, ela vai. Por que se acontecer
algum problema não sei como eles vão fazer, a reação dela. Agora que ela
está maiorzinha eu já deixo eles irem introduzindo alguma coisa, dando um
pouco de mais liberdade, não ficar podando muito, deixar sair aqui pertinho.
Eu também tinha que ter a liberdade de colocar as coisas que eu acho que
devem ser, cuidados”.
F. “A exige ela, até para tomar mamadeira, se eu pego para dar
mamadeira ela chora que ela não quer, ela quer que quem é a
Elsa...Vamos começar o processo de pôr a no quarto dela...para ela se
acostumar...ela dormia no berço, foi indo, indo. Nossa vida sexual melhorou.
Mas a Elsa acorda cedo, mas não tão cedo quanto eu, que ela tem um
monte de tarefa para fazer. Aí a começou a chorar à noite, então foi mais
fácil para ela, e a não me aceita. Eu não sei lidar com essa parte da me
rejeitar. Eu não sei o que fazer para ela chegar e não exigir tanto da Elsa e
eu poder participar mais.Para não ter essa desculpa, a Elsa usa essa
desculpa, por que é mais fácil ter ela ali, ela se vira e mamadeira, mais
cômodo do que ela ter que levantar, ir no quarto.Só que nisso ela fica
lá...Carinhoso. A gente brinca, põe música e nós três dançamos, farra ela
gosta, mas ficou com sono, está com fome, eu, praticamente já me chuta.Eu,
do meu tamanho, fico encolhido na cama, no canto...E tem outro ponto que
agora a gente não sabe lidar. Por que assim: antes a gente falava que não
quero que meu filho seja assim, não quero que seja assado. Só que na prática
tudo é diferente....
Ana retornou ao trabalho e deixou os filhos aos cuidados da babá e a retaguarda de
Bruno, parecendo tranila; porém, sentiu angústia quando os filhos foram para a escola,
saindo do convívio familiar para o social.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Bruno faz referência à dificuldade de Ana em sua vontade de querer e não querer socializar os
filhos. Ele espera dela posturas mais assertivas ou racionais, pois tem um plano” de educação
dos filhos que ele acredita ser o ideal, de garantia de proteção.
Carla havia se programado para engravidar naturalmente, mas conforme reportou, isso
o foi possível. Tem, também um modelo ideal de pais e educação de filhos que e em
prática, mas pondera a possibilidade de adaptações. Sente dificuldade em separar o
relacionamento conjugal (sexualidade) da maternidade, ao mesmo tempo reconhece a
necessidade de que o filho cresça e seja independente.
Daniel admitiu as qualidades maternais de Carla. Considerou-se um pai amoroso e
afetivo, enquanto Carla é mais disciplinadora. Afirmou que o filho aceita bem essa diferea.
De algum jeito Daniel reconheceu que os papéis de gênero estão invertidos. Durante a
gravidez Carla queixou-se da falta de libido de Daniel e após o nascimento do filho o quadro
se inverteu, demonstrando a posição tradicional de nero onde cabe ao homem interditar a
relação da mãe com o filho e reintroduzi-la na relação conjugal.
Elsa demonstrou lidar tranilamente com o desenvolvimento da filha e sua
socialização. Porém não cita nada sobre a relação de Fábio com a filha, parecendo ser
satisfatória para ela.
Fábio, como visto anteriormente está sofrendo bastante. Ele pontua três aspectos: a
conjugalidade, que ele tenta resgatar; a parentalidade, significada pela dificuldade de
adaptações de horários, tarefas da casa e a educação da filha; e a paternidade que não se
efetivou. Elsa não lhe deu permissão de se relacionar com a filha e a coloca literalmente entre
eles. Ele tenta se aproximar delas, mas Elsa não permite, fazendo-o sentir-se rejeitado, às
vezes agressivo e revoltado em suas atitudes.
Sobre o(a) filho(a)(s):
C. “Por que o foi tardio em tudo, para andar, para falar, agora que está
saindo da fralda, ele sempre foi muito “calmão”, perto do que você ouve aí.
Mas também já tinha lido tudo e eu já sabia que cada criança tem seu tempo,
eu nem me estressei, e eu respeitei o tempo dele. Ele andou com treze meses,
mas aí todo mundo fala que fulano andou com dez. E ele foi muito calmo em
tudo...Ele é preguiçoso, ele é mimado, o centro da atenção... O é bem
bebezão... Calmão, nada muito acelerado... O parece ser meio
tinhoso...uma personalidade um pouco assim...tem opinião... ele é muito
engraçado...: - Eu sou até mais generala no meio da relação, ele me
obedece...Eu sou mais assim prática...eu sinto que ele tem necessidade de
interagir, brincar”.
D. “Desde bebê, ele nunca deu trabalho. A Carla é muito organizada, muito
certinha, e nosso filho ele é organizado por causa disso... Ele é bem popular
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 126
na escola...Ele é bem tranquilão... O é uma criança bem calma, não é de
chorar, fazer manha. Mas quem toma banho à noite sou eu, ele espera para
tomar banho comigo. Final de semana eu não trabalho, ele de manhã já sobe
na cama, abre meu olho. Daí para frente ele cola em mim, o dia todo. Ele
dorme comigo, acorda comigo. Ele está falando mais.
E. “Eu sempre achei que eu ia ser mãe de um menino. Na minha cabeça,
mesmo antes de saber, alguma coisa estava me dizendo que era uma
menina....vou ter que lambuzar ela de óleo para não ter estrias...minha
pretinha, colocando assim ela é bem mais escurinha que eu, ela ficou no
meio termo, chocolate, maravilhosa, todo mundo baba na pele dela”.
F. “A ainda consome muito a gente, consome muito a Elsa, eu não sei
disso de sentimento que tem a ver, eu ao sei se foi da gente querer muito, não
sei, acho que a criança até sente. Por que a é uma decepção para mim,
nesse ponto é até uma decepção para mim, por que todo mundo falava que
filha é agarrada com o pai, a minha não é. A minha parece...Se está com a
avó e eu apareço aí ela vem, se não tem tu, vai tu mesmo. Mas se a Elsa está
perto... Ela gosta de mim, mas não dá nem para comparar com a mãe. A mãe
parece que ainda tem um vínculo, ela é um grude com a mãe”.
Ana e Bruno não falaram especificamente sobre os filhos.
Na relação com o filho Carla e Daniel invertem os papéis de gênero socialmente
esperados, ela é mais disciplinada e ele mais afetivo. Ela faz diversas referências sobre a
excessiva calma do filho, significando certo atraso nas aquisições dele, porém o sentido pode
estar vinculado ao fato do filho ter sido concebido através de tecnologia médic-científica e
portanto, sem parâmetros de normalidade. A intenção de Carla é deixá-lo preparado para o
futuro na tentativa de preservá-lo de sofrimentos.
Daniel reconhece os “valorosos” cuidados maternos de Carla com o filho. Aceita com
prazer o afeto do filho e se identifica como pai.
Elsa faz novamente uma refencia a diferença de raça e preconceito, tentando
minimizá-lo. A identificação de gênero pareceu confusa mesmo quanto ela fala da
preocupação com da futura estética da filha.
Várias falas de Fábio demonstram atitudes infantis como ciúmes. Ele acredita que a
relação mãe/filha veio pronta da gestação e que Elsa não lhe permissão de ser pai.
Pareceu provável que a dificuldade de crescer, tornar-se adulto, impede que Fábio se
relacione afetivamente como pai da filha. Sente-se decepcionado com o papel de pai e
ludibriado sobre a tão propalada felicidade após o nascimento do filho e a formação da família
(“propaganda enganosa”).
É na e pela inter-relão dialógica que ocorre a elaboração partilhada de sentimentos,
de aproprião de palavras dos outros e da emergência do processo de significação. Nessa
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 127
dinâmica os sujeitos vão construindo significados e sentidos e se transformando, em relação a
sua forma de ser. Fábio e Elsa não conseguem se inter-relacionar dialogicamente e portanto
o dão significado nem sentido para a parentalidade.
Pensando que os entrevistados se propuseram a responder questões sobre a
conjugalidade e a parentalidade, a saúde física e mental deles estava permeada em todo
relato. Sendo assim, a hepatite C de Daniel, uma patologia que pode acarretar danos em seu
organismo, faz parte da vivência deste casal onde o desejo de constituir uma família e de
conviver com os filhos está intimamente relacionado. Cabe lembrar aqui que o tratamento
medicamentoso da hepatite C, geralmente acarreta efeitos colaterais muito desagradáveis,
podendo-se refletir na rotina com a esposa, filho e familiares. Sendo assim, Carla e Daniel
relataram:
C. “...mas nessa história de fazer a inseminação, de fazer esses exames
todos e no meio ele descobriu a hepatite C, foi um tapa” conhecer aquilo,
isso nesse tempo, minha mãe ainda era viva, a gente tentando, mas faz um
coisa, faz outra, mas sem desespero ainda... e começamos a tratar...Um ano
para sair esse porcaria de quimioterapia, aí não conseguiu negativar. Mas aí
tinha que esperar mais um ano para limpar o organismo, ele sentia
culpa...Daniel está numa fase crítica do tratamento, não que ele seja mal
humorado, ele está naquele pico que debilita muito o organismo...Oscila
irritabilidade e depressão, então entrou até com antidepressivo... ele é bem
tolerante à noite...estava rosnando, você olhava para ele e ele de cara feia.
Então pegou esses dias, ele não dorme bem, dor de cabeça, se sentindo
mal, enjôo... irrita, ele perde o sono...não por ele, mas pelo momento que
ele está passando. Acho que é mais pelo estado que ele está do que uma nova
realidade”.
D.Por que o tratamento era de um ano mais seis meses para sair os
remédios do organismo para tentar...Culpa, dupla né, por que a hepatite era
minha, e na verdade eu fiz dois abortos. Aí eu fiz o tratamento uma segunda
vez e não curei...Fico num mau-humor, estou até tomando antidepressivo. Eu
fico muito mal... sentado no sofá, dor de cabeça, febril. Passei uma semana
na sala por que ele perturbava, ruim da gripe, ele não conseguia dormir, eu
tenho o sono muito leve. Então eu vim dormir na sala.Mas eu não gosto,
gostaria que ele estivesse no quarto dele...”.
Carla reconheceu que não a infertilidade de Daniel, mas também a descoberta de
hepatite e seu tratamento dificultaram seu projeto de maternidade. Após RA, gravidez, parto e
nascimento do filho Daniel se submeteu a nova quimioterapia para a hepatite C, mas somente
depois de 2 anos porque gostariam de ter outro filho e o tratamento tornaria Daniel
definitivamente estéril.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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A segunda tentativa de RA dependia da pouca quantidade e qualidade espermática e da
qualidade dos óvulos de Carla. Devido à espera de anos Carla, nesta ocasião tinha 39 anos e a
qualidade de seus gametas não poderiam produzir embriões viáveis.
Diante da angustia de tentar garantir um futuro sem sofrimento para o filho, através de
um irmão do próprio sangue, eles resolveram fazer uma nova tentativa de RA que não deu
certo:
C. “A gente combinou que seria uma vez e o Daniel começaria o
tratamento da hepatite de novo...Dessa vez eu sofri muito. Dessa vez que eu
tentei e não consegui...com quase 40...mas fiz a primeira fase...Tipo: -
Você já foi muito sortudo de uma vez. Vai ser de novo?... eu chorei a quarta-
feira inteira...Foi difícil”.
D. “fazer outro de novo isso três anos depois, e mesmo assim está a dívida aí
para pagar durante o ano, não conseguimos, infelizmente. Mas bem
consciente, agora vamos tentar uma vez, se não conseguirmos: desistimos,
está combinado. Eu já fui pessimista. Não sei, no meu íntimo eu achei que
não ia dar certo. Foi por desencargo de consciência: - Se vier é lucro, senão
vier também estou satisfeito com o que eu tenho. E foi o que aconteceu. A
gente ficou triste um dia, dois? ela ficou mal...eu não tinha mais peso na
consciência....
Sendo assim, Daniel fez novo tratamento para a hepatite C e está curado.
O significado dado a “um outro filhocom a intenção de dar um irmão para o filho,
nascido é de garantir um amor fraterno de união e cumplicidade. Pom, o sentido desse outro
filho desejado e que não será concretizado demonstra o sentimento de medo da morte, da
finitude e da solidão:
C. “E não deu....Eu pensei em outro para dar uma dividida, meus dois
irmãos são próximos, eu sei que com eles eu posso contar para tudo... E se
eu vier a faltar ele vai ter com quem... por que... se eu morrer vai morar
com a tia? Por que quando minha mãe morreu meu irmão veio morar comigo
e o sentimento que eu tenho por ele é quase como um filho. E ele sente isso.
Então eu penso também, quando eu tiver uma idade e eu tiver algum
problema, o vai estar sozinho na vida, não vai dividir isso com ninguém”.
Carla e Daniel enfrentaram vários percalços para vivenciarem a parentalidade: a
infertilidade e a hepatite C de Daniel, a busca por atendimento público, o tratamento de RA, a
doença (bipolar) e morte (câncer de pele) da mãe de Ana e a assunção do irmão mais novo
dela, João:
C. Minha mãe morreu de câncer, ficou quatro meses no hospital...E eu
tenho um irmão que mora comigo de 19 ele até então supria minha
carência... Foi a pior coisa na minha vida que eu já vivi, e esse menino em
casa, bom, vou ser a mãe dele...Ela parou de ser a mãe, eu comecei a ser
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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um pouco a mãe, a assumir. E fiquei cuidando dela, aquela coisa toda e
ficava vigiando...E meu irmão, a gente tentando proteger, esconder. Eu sei
que ela faleceu, foi um “baque”, aí por um ano eu não pensei em
engravidar...Esse é um problema que a gente vive, essa fase do João.Muito
individualista...Ele está nessa fase de entra e sai...tem 19 agora...A gente
comprou um berço e pôs no quarto do João, eu tentei deixar o quarto metade
juvenil, metade bebê...mas coube o berço no meu quarto, eu ainda não
estava segura...O horário do João é maluco e: - Poxa a criança vai sofrer.
Não sei.. o João com 2 anos a minha mãe teve a primeira crise de PMD,
foi aí que eu acho que aconteceu todo erro, esse sentimento de dó, por que já
não estava com o pai, a mãe doente, então a gente superprotegeu, deu muito
amor e estragou tudo. Tudo que ele pensava a gente dava, mesmo se não
pensava a gente dava. Eu encarei que é minha função, mesmo porque é
ligado a sentimento... eu ando com muita angústia”.
D. “...a e dela sempre esteve doente então a gente sempre ficava meio que
cuidando dele, desde os três anos de idade. E desde essa idade nós pegamos
o moleque por que ela não conseguia criar ele...Foi quando nós começamos
a namorar.A gente tenta integrar ele, mas ele não consegue se integrar na
família, ele é meio disperso... são duas famílias dentro de uma só”.
Quando Carla começou a contar sobre João, ficou com expressão ria e triste.
Daniel que se mostrou mais retrdo durante as duas entrevistas, colocou-se numa postura
mais ereta e tom de voz mais seguro, firme, mostrando clara mudança de papéis na relação
familiar. A mãe dela engravidou de João aos 36 anos de idade e faleceu aos 53 anos de idade,
quando o filho tinha 15 anos. Assim, Carla e Daniel assumiram a guarda oficial dele.
Em algumas falas Carla parece colocar-se como irmã de João e em outras, como mãe
dele. Ao mesmo tempo em que cuidou da mãe como se fosse sua filha. Essas alternâncias de
papéis são sentidas por Carla como uma incapacidade de lidar com os papéis femininos
determinados a ela: mãe, filha, irmã e esposa cuidadora.
Daniel expressa muito claramente a conformação da família quando entende que é
uma família dentro da outra. A proposta desta pesquisa abrangeria homens e mulheres que
fizeram tratamento de RA e tiveram o primeiro filho(s) já nascido pelo menos um ano, e
Carla e Daniel enquadravam-se neste critério. Porém, ao agregarem João, mudou-se a
estrutura da família. Portanto aceitar este dado imprevisto corresponde em entender os
significados e sentidos da parentalidade deste casal com todas as suas vicissitudes.
Finalizando esta parte dos resultados, gostaríamos de comentar que as falas de Elsa foram
num tom de voz lento e quase inaudível, dificultando a transcrão. Podendo significar não
querer que ouvíssemos algumas coisas e talvez por isso negou-se a fazer uma segunda
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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entrevista e ficar exposta. Tanto ela quanto Fábio não falaram nada sobre o futuro, afinal, eles
o são ainda não construíram a parentalidade.
Um ponto importante para nossa análise dos resultados é identificar que as entrevistas foram
permeadas de sentimentos contraditórios e fossilizados.
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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A psicologia tem abordado o estudo de gênero de várias maneiras, alguns descrevendo
as mudanças e diferenças de comportamento entre homens e mulheres, buscando suas causas,
conceituando e categorizando. Este estudo pretendeu ampliar essa visão pontuando que as
categorias maternidade e paternidade são a validação da identidade de gênero. E a partir daí
buscou-se desnaturalizar os pré-conceitos de mulher/mãe e homem/pai.
A primeira idéia surgida na elaboração deste estudo, partiu do princípio de que a
transição da conjugalidade para a parentalidade trazia mudanças nas relações de gênero;
porém, o que se constatou, através dos relatos dos entrevistados, foi o contrário, pois
apresentaram comportamentos fossilizados reconhecidos pelas identidades de nero
instituídas sócio-historicamente, que permanecem “estagnadas no tempo”, claramente
observadas pela necessidade desses homens e mulheres confirmarem sua masculinidade e
feminilidade através da maternidade e da paternidade biológica. Conforme Deus ou a
Natureza atestou.
Uma transição, no sentido amplo, é qualquer evento ou não evento que resulte em
mudanças de relacionamentos, rotinas, crenças e papéis (algumas óbvias, outras sutis). É
preferível não utilizar o termo crise para definir uma transição, devido à conotação negativa
que esta palavra carrega. A transição não é tanto uma questão de mudança objetiva, mas da
percepção que o indivíduo tem de sua própria mudança.
O interesse pelo estudo da parentalidade surgiu em 1957, quando se considerava a
passagem da conjugalidade para a parentalidade como uma severa crise. A partir dos anos 80
começaram a surgir os estudos longitudinais, passando a ser aceita a idéia de que a transição
para a parentalidade é um período de estresse para o casal e nos idos anos 90 os estudos
acrescentaram também o prazer propiciado por essa relação parental. Sendo considerada uma
etapa do ciclo familiar, o exercício da parceria entre homem e mulher, a coparentalidade,
provocando questionamentos e adaptações dos papéis de nero definidos sócio-
historicamente.
Quando um homem e uma mulher se dispõem a viver a parentalidade, tornarem-se
pais, eles não têm a verdadeira noção da experiência advinda das trocas emocionais entre eles
e entre pais e filhos. Tudo isso somado às exigências do mundo atual e do passado individual
e social. Enfim, as vivências carregadas de angústias dos mundos internos e externos de
homens e mulheres com sua subjetividade.
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Os resultados desta pesquisa sugerem que os casais entrevistados tentam romper com
os modelos de gênero internalizados; porém, suas vivências demonstram comportamentos
fossilizados com relação à identidade de gênero vinculada a da maternidade/paternidade.
Considerando a existência de uma multiplicidade de crenças que acentuam a importância de
ter filhos e torná-los objetos altamente valorizados na sociedade, Cameira (2000) identificou
alguns motivos do desejo de ter um filho como: desejo de ser completo e onipotente, desejo de
fusão e de união com o outro, desejo de se rever no filho, realização de ideais e oportunidades
perdidas, desejo de renovar velhas relações, oportunidade dupla de substituição e separação
da própria mãe e, ainda, modo de assegurar uma espécie de imortalidade.
Ana e Bruno enquadram-se no padrão modelo (ocidental contemporâneo) namorar,
casar, se realizar profissionalmente e ter filho numa idade considerada biologicamente
favorável, portanto era esperado por eles e pela sociedade o desejo de constitrem família e
perpetuarem a herança genética, visto que ambos não admitiram a possibilidade de usar
esperma de doador.
Carla e Daniel namoraram, casaram, se realizaram profissionalmente, mas acrescente-
se aí problemas da família de origem que precisaram ser administrados, adiando o desejo de
constituir sua própria família.
Elsa e Fábio namoraram, abortaram, se realizaram profissionalmente e casaram; a
partir daí surgiu o desejo de ter filho, da culpa por não terem desejado um filho anteriormente.
O desejo de ter um filho surgiu após o aborto, eles namoravam e não necessariamente haviam
construído a conjugalidade. O desejo da parentalidade que deveria ter sido construído na
conjugalidade, na verdade foi construído em cima de uma falta.
O desejo nesses três casais tinham significados semelhantes, porém o sentido era
próprio de cada casal.
Seguindo essa mesma abordagem, Corrêa (2000) sustenta que quando a mulher diz
querer uma criança, todos acreditam que exista um desejo, mas muitas vezes a necessidade de
uma criança provém da pressão da sociedade, onde a mulher é caracterizada pela sua
capacidade de procriar. O desejo por uma criança se sustenta no senso comum pelo
pressuposto social de que é natural da mulher, e isso legitima socialmente a demanda,
tornando-a incontestável. Segundo o autor, a gravidez não é a única via de realização da
feminilidade, porém o fato de que a mulher pode engravidar (pelo menos por enquanto)
assinala a maternidade como traço absoluto que distingue não apenas os sexos, mas também
os gêneros. Ao relatar o desejo de ficar “barriguda e parir de parto normal”, Carla mostrou
claramente sua idéia de identidade feminina e maternidade.
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Talvez existam necessidades inerentes a uma relação conjugal como a iia que um filho
possa ser desejado para resolver questões relacionais, pela convicção que o sucesso ou
insucesso de um casamento depende da sua existência. Ou ainda o desejo pode refletir a
necessidade de pertença a um grupo social, onde a família é valorizada e o não ter filhos pode
ser encarado como um sinal de imaturidade, egoísmo, falha ou instabilidade. Ao não
construírem uma boa conjugalidade ou terem construído em cima de anstias mal resolvidas
(o pacto de não falar sobre o aborto cometido), Elsa e Fábio acreditavam que o filho biológico
resolveria” por sitodos os problemas relacionais do casal.
Para Queiroz e Arruda (2006) em sua pesquisa com mulheres inférteis, o desejo de
engravidar era fruto de pressão e cobranças sociais já que as mulheres são consideradas as
principais responsáveis pela procriação. Esse dado levou-o a considerar que, ainda hoje, as
normas parentais são fortemente coercitivas, levando essas mulheres a sentirem-se
pressionadas a cumprir um papel pré-estabelecido socialmente
, a despeito de seus próprios
valores, desejos e projetos de vida. Tal constatação vem de encontro com os dados desta
pesquisa em que as três mulheres são férteis e teriam outras formas de maternidade, pom
o questionaram essas possibilidades, apenas cumpriram o papel feminino de resignação e
mudaram seus projetos de vida em função da infertilidade do marido.
Um aspecto a considerar e que foi citado por Bayo-Borrás (2004) é a necessidade de
que o casal infértil discrimine entre seu desejo
de ter um filho e a demanda de ter um filho,
cabendo ao profissional discernir entre um e outro, porque esses dados reforçam a idéia de
que ser mãe é equivalente a ser mulher, podendo surgir essa ambivalência como um sintoma
quando os processos da RA falham. Assim, os autores concluem que as mulheres inférteis não
desejam ter um filho, mas sim, engravidar.
Este é um dos pontos importantes da nossa análise, pois aborda que bem antes da
descoberta da infertilidade, os homens e as mulheres o refletiram sobre o significado que o
filho teria para eles.
Campos (2002) clarificou que a RA é um terreno privilegiado para o estudo das
articulações prováveis entre o desejo feminino e o desejo de ter uma criança, porque pode-se
interrogar sobre a significação real desta demanda e o desejo de ter uma criança. As mulheres
com dificuldades de ter filhos se confrontam mais com o desejo e são obrigadas a parar para
pensar. Concluindo que a necessidade de uma criança muitas vezes provêm da pressão social
da qual a mulher é caracterizada pela sua capacidade de procriar, mostrando que o desejo de
se ter uma criança é sustentado pelo pressuposto social que ele é inato na mulher, o que
legitima socialmente a demanda (o pedido).
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Na perspectiva de Correa (2000) o desejo pelo filho é legitimado socialmente porque
se pressupõe que é natural da mulher, dessa forma Campos (2000) reitera essa colocação e
afirma que esse desejo legitima os tratamentos de RA.
Foi partindo dessa idéia que elaboramos a refleo do sentido que a gravidez deu aos casais
entrevistados, ou seja, o significado dos gêneros feminino e masculino identificados com a
maternidade e a paternidade.
Dentro desta concepção, Mansur (2003a), sustentando a idéia da maternidade como
convencional prova de feminilidade e acreditando que a infertilidade passa a ser um processo
de inferiorização e descrédito, identificou que não querer ter um filho
é diferente de querer e
o ser capaz de ter, colocando em cheque seu valor pessoal da mulher e sua feminilidade,
por meio da avaliação de sua fecundidade. O autor citou pesquisas que avaliaram criticamente
a literatura acadêmica relativa à não-parentalidade ou não-maternidade (principalmente
voluntárias), divididos em duas posições: a sociológica
procurando justificar tal escolha e a
psicológica
avaliando, prescrevendo a parentalidade e condenando a não-maternidade
entendida como um comportamento patológico que questiona a identidade feminina das
mulheres que não desejam ser mães. nas análises sociológicas baseadas nas condições
sociais favoráveis ou desfavoráveis à parentalidade, os pesquisadores consideram aceitável
o desejar filhos. Alguns estudos partilhados por ambas as disciplinas, representam esforços
teóricos de integração, todavia, conservam sua orientação de base e limitão.
Na medida em que os papéis sexuais tradicionais ditam que as mulheres devem
valorizar a maternidade, e é inadequado se elas não se tornam es, as diferenças de gênero
nas reações à infertilidade podem refletir esta diferença socializada na importância de tornar-
se mãe/pai. De acordo com Trindade e Enumo (2002) a categoria estigma, referente à
infertilidade feminina, pode ter correspondência com a categoria ameaça à virilidade, porque
ambas podem ser entendidas como uma forma de inferiorização. No entanto, não couberam ao
homem infértil metáforas depreciativas como as que são utilizadas para as mulheres, sempre
ancoradas na associação simbólica mulher-natureza: "tronco oco", "árvore sem frutos",
"árvore seca", "terra árida", entre outras, que, em conjunto com as evocações incompleta e
pessoa inferior, comprovam a permanência do estigma da infertilidade feminina no
pensamento social. Por outro lado, enquanto a infertilidade masculina é representada como
fortemente ligada à sexualidade, pondo em dúvida a potência sexual do homem, não há
qualquer referência à sexualidade quando o foco é a infertilidade feminina, reafirmando o
estereótipo da mulher-mãe como um ser assexuado
, fundamentado na dupla moral sexual que
até hoje permeia as relações de nero, tendo como argumento as diferenciações
biologicamente determinadas.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 135
Ao se depararam com a infertilidade, os três casais entrevistados referiram-se a
sentimentos difíceis de suportar e que mesmo após o nascimento do filho
, permanecem como
uma lembrança triste.
De acordo com Trindade e Enumo (2002), Michelon e Farinati (2004), Braga e
Amazonas (2005/6/7), Farinati e Rigoni; Makuch; Melamed, Ribeiro e Seger-Jacob (2006) e
Moreno e Diaz (2008), desejar ter filhos e se deparar com o impacto emocional do
diagnóstico da infertilidade pode: provocar uma crise de identidade com baixa auto-estima,
sentimentos de perda, raiva, frustração, desvalia, vergonha, culpa, profunda tristeza,
depressão, ansiedade e angústia, medo e como o maior estressor. Visto que transcende os
limites do orgânico, e cuja presença implica numa disrupção do projeto de vida dos casais
envolvidos, a sensação subjetiva de perda do controle pessoal e estar sob o controle médico,
produzem sentimentos de falhas, “sentirem-se danificados” ou “defeituosos”, vivências de
inferioridade e impotência a partir da perda do controle sobre o próprio projeto de vida, e
problemas sociais e pessoais na relação do casal. Sintomas estes que foram encontrados nos
três casais entrevistados nesta pesquisa.
Pensando no fato dos casais que buscam as clínicas de RA e que de um modo quase
geral não divulgam para amigos e familiares a infertilidade, concordamos com LeBreton
(2008) que considera a infertilidade como uma deficiência em que o indivíduo é visto pelo
prisma da compaixão, da estigmatização. Nesta perspectiva a tecnologia médica “veste” a não
funcionalidade em “defeitoe a sociedade a significa, como se fosse da natureza da pessoa
“ser um deficiente” mais do que “ter” uma deficiência.
Além de todos esses sentimentos difíceis de suportar, somam-se outros sintomas tão
ou mais difíceis ao se submeterem ao tratamento de RA.
Em sua pesquisa Straub (2007) demonstrou o reflexo da estigmatização da
infertilidade relacionada com a busca aos atuais recursos tecnológicos reprodutivos gerando
culpa, frustração, angústia, ambivalência, sofrimentos e dilemas envolvidos em situações de
segredos e vergonha de revelar as tentativas obstinadas pela superação, que podem deixar
cicatrizes em nível das subjetividades que tendem a se projetar no (a) filho (a) tão desejado
(a), seja por preocupações, cuidado excessivo, idealizações e temores de que possa ser
discriminado (a). Essa conclusão que o pesquisador focalizou em sua pesquisa vem de
encontro com os dados de pesquisas internacionais, conforme revisão bibliográfica (p.73)
Queiroz e Arruda (2006) relataram que a despeito de todas as transformações e
evoluções potico-culturais que aconteceram nas últimas décadas, ter filhos ainda ocupa um
lugar central na definição da identidade psíquica e social para os indivíduos, em nosso país.
Ao constatarem a impossibilidade de conceber sem a intervenção médica, os três casais
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 136
entrevistados passaram a uma busca incessante pelo filho em que a infertilidade é vista como
condição de doença e até como castigo divino. O que prevaleceu na primeira entrevista foi o
sofrimento psíquico do enfrentamento da infertilidade. Como se ter o filho ali, presente, real;
o fizesse a menor diferença. Eles continuam inférteis, pois se hoje quiserem ter outro filho
terão que novamente recorrer à RA; portanto ainda são inférteis. Ser infértil, não ter podido
gestar naturalmente continua sendo para eles, um enorme peso.
Conforme LeBreton (2008) a RA com sua prodigiosa carga de fantasia, onde na s-
modernidade o corpo é um rascunho que pode e deve ser aprimorado, transforma a
infertilidade num sofrimento e na impaciência de resolvê-la. A oferta de assistência médica
para a procriação provavelmente criou mais sofrimento do que resolveu a questão, tornando a
vontade de filhos uma exigência fundamental a ser satisfeita logo e a qualquer preço gerando
uma formivel “fábrica de sintomas”.
A RA, segundo Barbosa (2003) foram introduzidas, no Brasil, quase que
exclusivamente por iniciativa da medicina privada, ainda que alguns de seus primeiros
especialistas exercessem também atividades ligadas às universidades, e contribuíram para essa
“situação de interesses(financeiros) ligados à medicina privada, à indústria farmacêutica e
de produtos e equipamentos médicos, que atuavam de maneira disseminada no campo da
reprodução.
Conforme Freitas, Siqueira e Segres (2008) dos 117 centros de RA brasileiros, apenas
seis instituições oferecem o tratamento totalmente gratuito e três prestam serviço parcialmente
gratuito, com a medicação paga pelo casal. Essa situação ainda se agrava quando se observa
que além do insuficiente número de centros de RHA blicos para a demanda, 80% desses
estão concentrados no Estado de São Paulo e distribuídos de maneira não equânime no
próprio Estado e no País.
Realidade esta vivida pelo casal 2 Carla e Daniel que além do desgaste sico,
emocional e financeiro gerado pela tentativa da resolução da infertilidade e pela gravidez,
buscaram o atendimento público que denominaram de “saga”.
Assim como o diagnóstico da infertilidade gera estresse psicológico
nos casais, o
tratamento de RA mantém este sintoma
declarado como um dos mais estressantes de suas
vidas, conforme revisão bibliográfica de Moreira, Tomaz e Azevedo (2005a). Porém, através
de um estudo prospectivo com 150 mulheres admitidas para tratamento de RA concluíram que
o vel de estresse não influiu no resultado do tratamento
. Já em outro estudo transversal com
150 mulheres realizando tratamento para engravidar que foram comparadas a um grupo
controle de 152 mulheres que não manifestavam dificuldade para conceber feito por Moreira
(2004/6) mostrou que nos resultados, a freqüência de estresse foi maior no grupo infertilidade
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 137
e que na análise qualitativa as mulheres apresentavam tristeza, verificando que o modelo
social valorizado é o de casal com filhos, desta forma concluíram que a condição de infértil
faz as pessoas sentirem-se desvalorizadas, anormais, diferentes, inúteis e incapazes de ter uma
família completa.
Alguns anos atrás a visão tradicional da infertilidade onde não existiam formas de
tratamento, responsabilizava-se o corpo da mulher por sua incapacidade restando-lhes a
responsabilidade social pelo não-cumprimento do seu papel cio-familiar: o de conceber
filhos. Atualmente, conforme Tamanini (2003a/2004) no contexto da FIV e especificamente
da ICSI (p.66) para tratamento da infertilidade masculina, um único espermatozóide aparece
como penetrante do óvulo, ou seja, como elemento “ativo e os óvulos como agentes
passivos” na fecundação (penetração via tecnologia
). A tecnologia é capaz de devolver para
a mulher o que ela perdeu ou não tem, ao mesmo tempo em que potencializa o homem no que
ele tem, na busca de resultados reprodutivos. Essa visão de ciência confirma as marcas
desiguais de gênero, onde o espermatozóide penetrador fala do ato em potência e se torna
sujeito da ação em que, se não é capaz de penetrar é somente porque o óvulo não está
apropriado.
A partir daí, o que se constata na prática é que o homem é absorvido na categoria casal
infértil sem ser constitdo como homem infértil. Para a linguagem social, essa categoria
possibilita manter a representação de que a infertilidade é sempre da mulher, mantendo os
moldes da desigualdade de gênero. Ao mesmo tempo, a referência ao casal infértil
constrói
grande aceitabilidade social, pois apóia duas complementaridades: o desejo de um casal
, em
busca da família com filho e a conjugalidade
, que faz desaparecer as referências aos motivos
egoístas de um, ou a busca de filhos para sanar crises de outras ordens.
Na visão de Tamanini (2003b) a identidade sexual é inscrita no corpo segundo os
dicos e é capaz de dotá-los de modos diferentes. Generosa com o homem e perversa com a
mulher, esta natureza marca a mulher com a incapacidade
quando lhes falta óvulos ou o útero.
O homem é marcado com uma falha
, onde os médicos são a ajuda” que vem devolver a
capacidade reprodutiva. Na mulher, a “ajuda médica” vem de fora para dentro, via medicação
e no homem, vem de dentro para fora, via ICSI. Assim, o corpo masculino é concebido como
“naturalmente” fértil, podendo sua potencialidade ser desenvolvida por meio de uma ajuda
tecnológica, que vai buscar até mesmo lulas imaturas, as espermatides, para utilizá-las via
ICSI. O gameta masculino é preparado e capacitado para ser colocado no corpo da mulher
como fértil, portanto, potencializado através de um poder biomédico/laboratorial sobre o
corpo. A prática médica reforça as concepções culturais de que o homem é sempre fértil,
enquanto a mulher é mais necessitada de ajuda tecnológica. Seu corpo, seu útero e seus
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 138
ovócitos continuam sendo partes imprescindíveis para as NTRc. Mas ela tem que normatizá-
los via medicação e intervenção corporal. A partir dessa colocação, podemos conjecturar que
talvez, esteja o fato dos três homens desta pesquisa (os três inférteis) não sentirem-se
inferiorizados, porque fizeram ICS e o médico apenas “ajudou”. Para eles o significado da
infertilidade foi re-significado pelo médico, transformando em capaz de ser fértil (capacitação
espermática). Mas o sentido pessoal é que Daniel não sentiu-se inferiorizado em contar para
todos que a causa da infertilidade era dele pois ele já engravidou duas mulheres no passado,
então sabe de sua competência viril. Bruno o tem esse sentido, por isso optou por não
contar a ninguém.Fábio foi menosprezado por Elsa quando descobriram a causa da
infertilidade (depois acrescida pela dela) significando pouco valia”, porém o sentido foi
baseado no comportamento fossilizado da época em que sentiu-se “fraco por não ter
assumido uma postura de “homem” e ter levado à diante a gravidez indesejada por ambos.
Nessa mesma perspectiva podemos focalizar a diminuição da libido de Daniel durante a
gravidez de Carla relacionada à impotência, no sentido de não ter inseminado (penetrado),
sentindo-se impotente, pois seu esperma não teve potência para perfurar o óvulo.
Coube a Elsa e Fábio (único casal que se fez uma segunda tentativa de RA)
administrar a frustração em relação a um ciclo perdido, havendo nessa hora, muitas dúvidas,
desconfianças e constatações de erros que se interpõem, além da carga de frustração, que foi
imensa diante de um insucesso futuro ou de uma expectativa não concretizada. Esses aspectos
levam os casais (quando persistem) e os médicos a refazerem as regras do relacionamento e
do tratamento, caso a caso. Para Tamanini (2004) a atitude do dico tem um efeito de
parceria e cumplicidade que elimina o fator crítico da parte do casal e permite ao médico
administrar o risco. Em caso de insucesso futuro, o profissional estará protegido porque
informou os procedimentos e riscos e ao mesmo tempo, manterá a cumplicidade e até em
certo nível o apoio do casal envolvido. (- "Mas ele foi honesto, tentou").
Ainda nessa abordagem, Tamanini fala da insistência sobre o querer do casal
, onde o
dico permite-se dizer que enquanto o casal não desistir, ele não desiste, porque a meta é o
filho, não importa quantas vezes tenha que fazer o procedimento de RA. Isso é justificado por
um entendimento subliminar explicitado deste modo: "Estou tentando ajudar alguém a ser
feliz", "Estou tentando ajudar alguém a realizar um desejo", "Faço tudo o que posso", "A
maternidade é um instinto, uma paixão que não passa e precisa ser realizada".
Entende-se, desse modo, assim como Tamanini (2003a) que quando o médico, em seu
discurso, insiste em dizer: “É preciso ajudar uma mulher a ser feliz”, ou “Faz parte da
essência feminina ser mãe”, ele coloca em evidência um modelo de “feminilidade
essencializada”, fabricada para ela, a partir do entendimento de que existe um corpo natural,
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 139
que é o corpo fértil feminino;
o que foge a esta regra precisará ser aproximado do padrão de
fertilidade, entendida como normalidade, porque ser fértil é o “normal” em toda mulher.
Quando se fala detratamento do casal”, se esconde o fato de que as práticas médicas
(estimulação ovariana, hormonal, aspiração, transferência...) são feitas no corpo da mulher,
que não é visto como um todo, mas em partes. Constitui-se em uma verdadeira bomba de
hormônios, que provocam mudanças e alterações dolorosas no corpo das mulheres durante
todo o processo provocando impactos consideráveis na sua saúde, o que reafirma a
responsabilidade feminina na concretização do desejo do casal de ter um filho biológico.
Obedecendo uma lógica de relações de gênero que responde ao desejo da paternidade (um
filho do próprio sangue) e a uma apropriação masculina, pela ciência
, de uma capacidade
feminina de dar a vida e criar um ser humano. (Tamanini:2003a; Scavoni:2004; Braga e
Amazonas; Makuch:2006).
De alguma maneira, os casais entrevistados sentem-se manipulados em sua deficiência
gerando sentimentos de inferioridade confirmados pelos tratamentos invasivos de RA
.
Conforme Braga e Amazonas (2007) o casal infértil vive um sentimento de impotência diante
do fato de que a simples atuação do sentimento que um nutre pelo outro, e que a paixão e a
vivência de sua sexualidade não são suficientes para conseguir gerar o filho. Algumas
mulheres m a participação dos homens no processo como coadjuvante, pois a grande parte
de intervenções é sobre elas, restando para eles apenas o fornecimento do esperma. A pressão
que a condição do marido exerce sobre a mulher é grande, pois ela tenta diminuir o
sentimento e a frustração dele através do velho estratagema feminino de tudo sozinha suportar
para não piorar ainda mais a condição dele. Algumas mulheres fazem uma crítica velada à
participação do marido minimizando-a, assim como o padecimento dele, como se tudo o que
ele estivesse sofrendo fosse pouco. Para ela, porém significa muito pouco diante do que ela
própria tem de passar.
As três mulheres participantes dessa pesquisa mantiveram uma postura suportiva do
sofrimento durante o tratamento de RA e demonstraram compaixão pela incapacidade
espermática dos maridos.
Nessa história a identidade feminina se engrandece pelo sofrimento, fortalece o
estereótipo de “mater dolorosa”, “mulher sofre”, etc. Aumenta o aspecto de um restinho de
poder que não se deseja ser totalmente perdido diante da “doença” e da intervenção externa. A
dor e o sofrimento não causam o mesmo impacto para a identidade masculina, a infertilidade
se confunde com impotência, em que o homem sente-se diminuído, “menos macho”, menos
homem diante de si, de sua mulher e dos outros. Braga e Amazonas (2007) acreditam que
esse velho recurso estóico feminino pode também contribuir para colocar a situação da mulher
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 140
como participante ativa do processo, uma vez que tudo se passa entre ela e o médico como
resgate de uma parcela de poder e controle sobre a progenitura que ela ainda pode ter.
Todo processo de RA é desgastante no que se refere aos fatores sicos, psicológicos e
financeiros, podendo refletir na relação do casal onde sexo e o prazer podem ficar totalmente
desvinculados. Conforme descrito pelos casais 2 Carla e Daniel e 3 Elsa e Fábio.
Segundo Tamanini (2004) o sexo cronometrado, a relação sexual para ser meio de
procriação desgastam a relação do casal, o companheirismo e a cumplicidade, associado,
também, à coleta sob pressão do material para a inseminação. O sexo e o erotismo são
submetidos ao imperativo da reprodução da espécie. Verbalizados com clareza por Daniel.
os dados da pesquisa de Seger-Jacob (2000) com relação à atividade sexual durante a RA
mostra o fator “interesse sexual” como a menor média de nível de estresse, salientado que
preferem não enfrentar o decréscimo da libido como mais um fator de angústia nesse
momento”. Para Michelon e Farinati (2004) a situação de infertilidade na esfera interpessoal
surge no relacionamento conjugal como “medo de perda do cônjuge e relacionamento sexual
dissociado do prazer”. Já para Farinati, Rigoni e Miller (2006) a situação de infertilidade pode
provocar efeitos devastadores tanto na esfera individual como conjugal, e mesmo
desestabilizar as relações do sujeito com seu entorno social, podendo ocasionar um
decréscimo na qualidade de vida.
Em sua pesquisa com 30 casais que se submeteram a tratamento de RA, Seger-Jacob
(2000) não questiona as relações de gênero implicadas no processo, porém observa que as
mulheres identificaram a concretização da gravidez, maternidade e feminilidade na
quantidade e qualidade das lulas femininas (óvulos) captadas no dia da coleta, e os homens
nas células masculinas (espermatozóides).
Ainda sobre essa perspectiva, Palácios da Vigília (2000) avaliou disfunções sexuais de
casais em tratamento para fertilidade e relatou a diminuição de desejo e de relações sexuais, e
disfunções na fase de excitação, como ejaculação precoce e falta de lubrificação vaginal. Este
autor citou um estudo feito com um grupo de 181 mulheres inférteis (Bélgica, França e
Holanda) e concluíram que ser incapaz de procriar deteriora a auto-imagem sexual do homem
que sente-se pouco viril e a mulher se percebe menos feminina; as relações sexuais tornam-se
insatisfatórias; e a perda da espontaneidade e da privacidade. O homem experimenta uma
situação de avaliação de sua virilidade.
Na presente pesquisa tanto Daniel quanto Fábio caracterizam bem a denominada
Síndrome de Couvade”
6
que é uma expressão somática da ansiedade do homem durante a
6
O termo couvade, do francês-basco, couver, significa encubar, e foi originalmente usado na Antropologia para
designar um conjunto bastante heterogêneo de rituais masculinos associados ao nascimento.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 141
gravidez da companheira, conforme Piccinini, Silva e Gonçalves (2004) esses aspectos podem
revelar o sentimento de exclusão, muitas vezes presente neste processo, além do pouco espaço
que muitos pais encontram para expressar todas suas angústias e expectativas. Tal processo
pode acarretar o desenvolvimento de diferentes fantasias nos homens, como o temor de que o
bebê traga algum tipo de desestabilização no casamento, que muitos apontam haver uma
diminuição da satisfação conjugal com o decréscimo da vida social e sexual do casal
.
Por último, mas não de menor importância, surgem os sentimentos dos indivíduos em
relação às crianças e a sua atitude face às tarefas e exigências inerentes à parentalidade.
As mulheres sofrem também, fortes reações emocionais com a experiência da maternidade.
Ocorre que essas experiências nas mulheres, o avaliadas como antinaturais e interpretadas
como patológicas, como no caso da “depressão puerperal”. Não se trata de discutir o quadro
da depressão s-parto, mas de nos perguntamos por que, se para as mulheres este é
considerado um quadro nosológico do âmbito da psiquiatria, enquanto, nos homens, a recusa,
o medo e a depressão pós-nascimento de um filho não recebe igual tratamento?
Cabe ainda abordar que numa linha de investigação sobre a “síndrome de couvade”
(ou síndrome de incubação”) e a ocorrência de alterações hormonais durante a paternidade-
expectante, os autores portugueses Gomez, Leal e Figueiredo (2002) e Gomez (2005)
concluíram que os sintomas mais comuns são: gastrointestinais, dermatológicos, musculares,
alterações de peso, náuseas e dores de cabeça. Para eles o pai-expectante ou pai de primeiro
filho pode centrar-se nos aspectos desconhecidos e não testados de si mesmo e perguntarem-
se que tipo de pais vão ser e como serão aceitos por aquela criança
que, em última instância,
pode perceber neles o fracasso e a mediocridade. E mais recentemente, outros investigadores
incluíram na definição também sintomatologia psicológica.
Para Decat de Moura (2008) alguns autores a interpretam como ato de inclusão do pai
no acontecimento do nascimento, ou um ritual de adoção através do qual o pai declara sua
vontade de reconhecer a criança como sua, um ritual de socialização do homem agora pai. O
dado mais consistente é que a ocorrência de sintomas somáticos aumenta com a ocorrência de
sintomas psicológicos, como a ansiedade. Alguns desses sintomas foram relatados por Fábio e
podemos conjecturar se a avaliação que ele fazia de si mesmo como pai pode ter interferido
tão fortemente que o impediu de se aproximar afetivamente da filha, porém na esfera familiar
estendida (avós) ele se posiciona contrariamente, como pai disciplinador:
“...Mas eu falo, tanto para meus pais quanto para meus sogros: - Não é para
fazer isso. Brigo na frente deles para eles saberem que quem vai dar ordem
para eles lá, quem ela tem que respeitar é o meu jeito de criar, não o deles.
Eu imponho minha autoridade”.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 142
Gomez (2005) investigou as conseqüências desta síndrome, para o desenvolvimento
infantil e envolvimento paterno sendo mais vantajoso na qualidade da relação (proximidade e
calor) do que a quantidade. Assim, os pais promovem o desenvolvimento positivo dos filhos
provendo suporte financeiro, apoiando os outros envolvidos nos cuidados à criança (mãe),
influenciando a qualidade da vida familiar geral através de interações diretas com a criança.
Este autor citou um estudo em que se identificaram quatro condições que fomentam o
envolvimento paterno: (1) motivação, (2) competência e auto-confiança, (3) suporte,
sobretudo da companheira e (4) práticas institucionais. No que diz respeito à competência e
auto-confiança, a investigação indica que estas o, geralmente, adquiridas no contato diário
com os filhos, quer pelos pais, quer pelas mães. No entanto os pais podem sentir-se pouco
confiantes e assumir que as mulheres são mais competentes. Esta falta de sentimentos de
competência e auto-confiança pode ser um obstáculo ao envolvimento com os filhos, mesmo
quando os pais estão motivados. A questão da competência para lidar com o filho é uma clara
identificação do gênero feminino com a maternidade. Nas entrevistas Bruno e Daniel
conseguiram adquirir competências para a prática da paternidade, apesar de Daniel ter
referido dificuldades sexuais durante a gravidez. Porém, Fábio não conseguiu superar esse
processo, mostrando-se angustiado com sua relação conjugal e ligação afetiva com a filha.
Outro ponto importante para a discussão dos resultados é sobre as várias colocações que os
participantes fizeram sobre Deus. Sentiu-se apreensão sobre como dialogar com esses dados
sem questionar ou “ferir sentimentos” ou de alguma maneira “denegrir escolhas”. Não
desejou-se discutir direitos civis, doutrinários, sócio-políticos, questões éticas e morais,
portanto optou-se por reflexões religiosas.
Desta forma através do texto de Duarte, Jabor, Gomes e Luna (2004) entendemos ser
oportuno refletir sobre a compreensão do religioso nas sociedades modernas num sentido
amplo de “visão de mundo”, numa cosmologia estruturante - Cosmologia Moderna -
reconhecendo que no Brasil se abarcam muitos valores e comportamentos oficialmente
“laicos” ou “não confessionais”, associados ao Subjetivismo e ao Naturalismo como
princípios de uma visão “religiosa” do mundo e ao “valor da família”. No subjetivismo
está a
escolha pessoal do sujeito, o individualismo ético; e o naturalismo
está a valoração da
realidade sica do mundo, apreensível pela razão (vista, ela própria como natural).
Outra relão entre subjetivismo e naturalismo está o sangue” como substância
natural (biológica) e essência do parentesco (herança) – Dimensão: natural, relacional e
social, onde três vontades correlacionadas
, Divina, Natural e Humana (Subjetiva) aparecem
claramente nos discursos em que, não se verificando a correlação positiva
entre essas
vontades é porque “a vontade de Deus falou mais alto”, “Graças a Deus(Vontade de Deus).
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 143
A Igreja Católica no Ocidente reforçou os argumentos “naturalistas, por exemplo, o modelo
de família e parentesco.
Segundo a mitologia grega o corpo humano vem da terra, que nos mitos do poeta
Hesíodo, é um ser constituído inteiramente de natureza ao qual se acrescentou o espírito
divino. Essa gênese humana, semelhante, como se pode verificar, àquela indicada na tradição
judaico-cristã, completamente integrada e integrante da natureza e da essência divina,
predomina durante milênios na história das mais diversas civilizações. Conforme Silva (1999)
escritos originários da Mesopotâmia de 35 séculos atrás, já traziam a idéia da natureza
humana como perfeitamente integrada à ordem da natureza e dependente dos desígnios
divinos.
O conceito de natureza possui, em sua etimologia, o sentido da ação de "fazer
nascer", proveniente do latim natura, substantivado em nascimento e vinculado ao verbo
nasci, nascer, ser nato. A raiz indogermânica dessas palavras é gen, com o mesmo significado
de nascer, resultar, que daria origem, na língua portuguesa, a palavras como gênese e genitor.
A natureza seria, então, responsável por gerar, fazer nascer o ser humano do interior de si
própria. Em diferentes idiomas encontram-se essas mesmas raízes que aproximam os termos
natureza e gestação, indicando que essa concepção está presente em diversas culturas
espalhadas por todo o planeta.
Portanto, acreditamos que fica muito difícil desvincular a maternidade e a paternidade
da natureza, de que é natural gerar e nascer.
Como referido na revisão bibliográfica a concepção da maternidade natural estaria
presente tanto no discurso jurídico como na iia de uma natureza feminina centrada na
reprodução e manifesta no instinto materno, conforme construído pela medicina dos séculos
XVIII e XIX. Isto posto, destacamos os estudos de Luna (2002/5) que abordam culturalmente
a categoria "esposa-mãe" como uma figura santificada enquanto símbolo da honra familiar,
solidariedade e figura da mãe desinteressada, auto-sacrificial e protetora. Outra peculiaridade
brasileira é o grande peso do catolicismo na formação dos valores na figura da Virgem Maria
na representação de gênero em que a e é símbolo de abnegação. Podendo-se relacionar
com a postura da mulher diante da manipulação de seu corpo nos tratamentos de RA.
O núcleo de significação 3 contém falas tanto das mulheres quanto dos homens, que remetem
sobre esta abnegação e renúncia da individualidade da mulher pelo sacrifício da maternidade
(“ser e é padecer no paraíso”).
Na linha de análise de Badinter poder-se-ia dizer que nas mulheres desta pesquisa o
desejo da procriação aparece como duas concepções de “natural”, uma ligada ao biológico
e
outra ligada ao instintivo, sendo ambas relacionadas. O funcionamento sadio do aparelho
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 144
reprodutor seria a concepção biológica
e o desejo de ter filhos seria a concepção instintiva,
sendo então que desejar filhos é uma coisa natural, pois seu corpo feminino foi feito para
isso.
Quando os três casais decidiram fazer RA eles se expressaram na capacidade
tecnológica de “consertara própria natureza sobre a forma representacional de uma aliança
com a vontade divina quando dizem que a decisão final é sempre de Deus. O médico também
fala isso com a intenção de diminuir sua culpa caso o tratamento não dê certo.
em 1985, Badinter focalizou que de uma maneira geral, tende-se a pensar no amor
materno como algo instintivo, como uma tendência inata das mulheres. Contudo, as atitudes
maternas, bem como o papel de mãe, têm se modificado com o decorrer de nossa história, o
que nos pode levar a pensar a maternidade como um comportamento social, que se ajusta a
um determinado contexto cio-histórico. Para o autor o instinto materno é um mito e o amor
materno é apenas um sentimento que pode existir ou não; ser e desaparecer, mostrar-se forte
ou frágil, e o é inerente às mulheres, é “adicional”. É apenas um sentimento humano. E
como tal, é incerto, frágil e imperfeito; talvez, não
esteja profundamente inscrito na natureza
feminina.
Durante um longo período, a maternagem foi pensada como intrinsecamente
relacionada à maternidade, como função feminina por excelência, concernente à natureza da
mulher. Na verdade, em diversas revisões históricas acerca da instituição familiar Badinter
(1985) e Chodorow (1990) sugerem que a exaltação ao amor materno é fato relativamente
recente dentro da história da civilização ocidental, constituindo-se esse tipo de vínculo,
tradicionalmente descrito como “instintivo” e natural”, em um mito construído pelos
discursos filofico, médico e político a partir do século XVIII. O argumento seria a forma
“natural” de cuidados com a criança e, por isso, a mais adequada; uma vez que a mulher
era capaz de gestar e parir, seriam, pois, concernentes apenas à “natureza feminina” a
educação e os cuidados com a prole. A partir do século XVIII começou valorização da
mulher-mãe, a “rainha do lar”, dotada de poder e respeitabilidade desde que não transcendesse
o domínio doméstico. Assim, se por um lado as novas responsabilidades da mulher
conferiam-lhe um novo status na família e na sociedade, afastar-se delas trazia enorme culpa,
além de um novo sentimento de “anormalidade”, visto que contrariava a natureza, o que
podia ser explicado como desvio ou patologia. Os cuidados maternos passam a ser
valorizados e um novo olhar sobre a criança possibilitou a manifestação do amor materno”,
que tornou-se não somente desejável como “natural”.
Seguindo essa perspectiva, Tamanini (2003a) abordou que na medida em que a
maternidade é vista como sinônimo da essência feminina e da filiação construída sobre as
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 145
bases do biológico, associada à idéia de natureza como corpo reprodutivo colocado em
atividade para gerar filhos, a RA atua para tornar produtiva uma natureza dotada de uma falta
porque é incapaz de ser fértil. Essa natureza que sofre o controle tecnológico é tomada em sua
passividade e obediência, mesmo se os resultados são pensados sob bases probabilísticas, nem
sempre passíveis de confirmação.
Muitos autores, durante muitos anos têm estudado a maternidade enquanto um desejo
íntimo (que é o maior de todos), um desejo indefinível da mulher e que elas têm uma
necessidade de ter uma criança para serem mais seguras e, sobretudo, mais mulheres.
A maternidade ainda é vista como um fator fundamental e constituinte da identidade
feminina, mesmo quando a mulher possui atividades profissionais ou mesmo quando não
pode ter filhos (Trindade,1993). Porém, na pesquisa de Dias (2003) as jovens mães fizeram
questão de enfatizar a importância de realizações de suas atividades profissionais como uma
parte significativa de seus projetos de vida, mesmo que essas atividades pudessem dificultar o
exercício da maternidade. Vê-se, assim, que a representação social da maternidade não é um
processo estanque, mas sim complexo e dinâmico que se encontra em transformação.
As pesquisas Unbehaum (2000) e Wagner, Predebon, Mosmann e Verza (2005)
observaram que, na última década, houve um significativo aumento da taxa de participação
das mulheres, especialmente as casadas, no mercado de trabalho. As necessidades
econômicas, como também o desejo de ascensão social e de realização profissional de ambos
os sexos; a divisão do orçamento doméstico entre os njuges; os indícios de mudanças de
valores e costumes indicam alterações nos arranjos familiares e o questionamento dos
significados atribuídos à maternagem e à paternagem. Tudo isso está imprimindo um novo
perfil à família contemporânea, contrapondo-se à estrutura familiar tradicional.
Nos casais entrevistados, todos os njuges têm trabalho remunerado e conforme relato, a
motivação das mulheres foi por realização profissional, mas também por necessidade
financeira a partir de um acordo conjugal informal” de proporcionar um futuro confortável
para a família como um todo e uma condição de estudo melhor para o filho.
A entrada da mulher no mercado de trabalho e a ambição profissional de constituir
carreira e se realizar fizeram com que elas adiassem a gravidez. Como explica Miranda (2005)
é difícil falar das mulheres num sentido geral no Brasil em função da disparidade de recursos
econômicos e culturais na sociedade e nas diferentes regiões brasileiras. Segundo o IBGE -
2008, as mães que tiveram o primeiro filho com idades entre 40 e 49 anos, somavam 9.063
(0,79%), principalmente no RJ e SP. Essas mães fazem parte de um segmento populacional
com alta escolaridade, pertencem a famílias com alto poder aquisitivo, são economicamente
ativas e estavam em relação conjugal estável. As entrevistadas desta pesquisa não
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 146
correspondem a tais dados com relação à idade, porém, fazem parte do grupo de mulheres que
adiaram a maternidade, mas entendem que o filho e a carreira profissional são realizações
pessoais passíveis de convivência.
Costa (2008) afirmou que o desejo de filhos aproxima mulheres de diferentes classes
sociais, a solução dica é a mesma, mas os motivos para a opçãotardia pela maternidade
e o acesso à RA são bem diferentes. Onde a maternidade tardia nas mulheres das classes
populares decorre de uma longa busca em serviços de saúde, por soluções para a infertilidade
(que muitas vezes é detectada no auge do período reprodutivo).
Para Knauth (2003) aquilo que aparentemente representa um avanço no sentido do
reconhecimento da diversidade sexual, familiar e social é um fortalecimento do controle
biomédico sobre a sexualidade e a reprodução. E que, apesar de suas infinitas possibilidades,
as novas tecnologias médicas continuam a serviço da ordem social tradicional e do capital em
que ao mesmo tempo em que estimula as mulheres a investirem em sua carreira profissional,
vende seus "produtos", visto que as chances destas mulheres necessitarem de técnicas dicas
para engravidar aumentam também com a idade com um custo econômico e emocional
bastante elevado. A experiência de Carla sobre o tempo “perdido” na busca de tratamento de
RA blico diminuiu suas chances de reprodução após alguns anos quando decidiu fazer uma
segunda tentativa de RA e seus gametas eram inviáveis.
A utilização das técnicas de RA é marcado por uma ambigüidade: por um lado, o uso
desses recursos acentua aspectos naturais e naturalizantes da reprodução e da maternidade,
historicamente associados à imagem e à identidade da mulher. Por outro lado, o empregi de
técnicas responde a mudanças no plano da cultura representadas pela necessidade de
ampliação no tempo da formação escolar, do preparo para a entrada no mercado de trabalho,
fatores esses que, com efeito, postergam a idade da procriação para faixas etárias mais
avançadas e, consequentemente, aumentam sua demanda. Mas o aspecto mais importante
neste ponto, não está no plano tecnológico, mas no simlico, pois a mulher, no plano da
contracepção tem o controle da fecundidade em que a maternidade sai de um lugar
sacrossanto, essencialmente naturalizado, e vai concorrer com outras vivências e aspirações
na vida da mulher: seja no plano do prazer e da sexualidade livres da injunção procriativa;
seja pelo fato de tornar-se mãe não implicar-se mais ser obrigada a ter de abrir “mão de tudo”.
(Corrêa:2008)
Isso posto, concorda-se com Guilhem e Prado (2001) quando sustentam a idéia de que
a insidiosa passividade com que as mulheres se submetem aos procedimentos de RA permite-
nos inferir que o simbolismo social da maternidade como um dom persiste fortemente no
imaginário feminino. Entretanto, em muitos casos, essa associação reflete a tentativa das
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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mulheres por adquirir ou recuperar o poder de inserção na sociedade que a maternidade lhes
confere. Porém, alguns poderiam argumentar que as mulheres não teriam uma noção precisa
do poder e status social que a maternidade lhes confere em que, “desejo de ter filhos”
representaria apenas o resultado de uma construção social que vincularia obrigatoriamente a
vivência feminina ao ideal simbólico da relão mãe-filho. De forma diversa, porém, acredita-
se que as mulheres têm plena convicção desse poder, utilizando-o, inclusive, como moeda de
trocas sociais.
Uma das questões a serem discutidas após os resultados é o desejo de ter um filho,
porém um filho natural, biológico, um filho do próprio sangue, como detentor da herança
genética do casal e da identidade familiar. Para Queiroz e Arruda (2006), não podemos
esquecer que as representações sobre as concepções de família e parentesco ainda são
fortemente ancoradas ao espectro do biológico/natural e pouco situadas no âmbito do sistema
cultural. Há quem se refira a medo do preconceito e que jamais se sentiriam pais verdadeiros,
como se o vínculo amoroso dependesse de “laços de sangue”. Em outras palavras, enquanto a
adoção pode ser considerada como incorporação de um “estranho na família”, a RA introduz
na família apenas um “meio estranho”, que depois segue seu curso natural, sugerindo vínculos
que podem se apresentar como inticos aos estabelecidos pela natureza, ou como uma ajuda
que a técnica vem dar a ela.
Tamanini (2003a) verificou que o casal infértil engloba um projeto de conjugalidade
que se expressa na busca do “filho do próprio sangue”, ao mesmo tempo que os indivíduos,
enquanto homem e mulher desaparecem. O deslocamento do foco, primeiro do desejo das
mulheres de ter um bebê para o desejo do casal, depois do desejo do casal para a qualidade da
concepção, constitui a grande mudança que tem acontecido no campo da reprodução. A busca
pelo aparentamento via “filho do próprio sangue
constitui o núcleo fundamental dessas
relações familiares, onde o que conta é o casal construindo através do filho uma situação de
parentesco
. Na família são as crianças que dão parentesco. A ligação com o filho diz para o
pai e para a mãe qual foi o grau de parentesco estabelecido. Torna não somente o antepassado
presente, para dizer ao filho quem são seus tios, primos, avós, mas também marca o lugar na
linhagem da parentalidade do novo nascido. A parentalidade, ao mesmo tempo em que
relocaliza os pais, reata a linha do tempo nas relações entre parentalidades geracionais. Na
maioria dos casos, a parentalidade não é suficiente para partilhar relações de família: elas se
dão no filho, dentro do casamento.
Ainda sobre este tema, Luna (2005) avaliou que os laços de sangue o símbolos de
pertencimento entre pessoas e das relações de filiação em que o sangue é a "substância
transmissora de qualidades sicas e morais, formando o corpo e o caráter”. O sangue articula
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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a ordem da Natureza
com a ordem da Cultura, transmitindo mais do que genes. A pessoa
nasce mais do que um simples corpo natural, já surgindo "moralmente constituída,
representante de uma família, uma tradição". A motivação principal para o uso das técnicas de
RA, encontrada nas pesquisas do autor consiste em efetivar o parentesco como comunhão de
substância biológica ou genética em que a intenção é não só propiciar o parentesco de sangue,
mas também a herança genética garante a semelhança física e de caráter entre pais e filhos e a
tradição familiar.
Dando continuidade, Gomes Costa (1995/2002) mostrou que são os filhos do “próprio
sangue” que fazem parte do projeto de família, do projeto de ter “filhos próprios” através da
RA que contém a idéia de estar o mais próximo possível do modelo reprodutivo considerado
natural, procurando-se garantir que pelo menos o “sangue” do marido ou da esposa será
transmitido ao filho; ou que a gravidez da esposa garanta uma boa formação do filho, através
da transmissão de amor, tranilidade, uma alimentação adequada, cuidados médicos, etc. A
crença do sangue na construção da noção de pessoa, tanto nos caracteres sicos quanto nos
sociais, tem o poder de explicar a transmissão da herança biológica e moral de pais para
filhos. O princípio de inclusão da família é regido pelas relações de substâncias, concretizadas
pelo sangue (caracteres biológicos e morais), e o princípio da legitimidade, regido pelas
relações sociais caracterizadas pelo afeto, solidariedade, responsabilidade, etc.
O sistema transgeracional de cada família abrange três ou mais gerações em seu
movimento através do tempo, havendo um forte impacto modelador de vida provocado pelas
gerações anteriores nas seguintes. Em várias situações o casal 2 comprovou a importância de
significado desse sistema transgeracional em sua família, primeiro pela busca da RA para
conceber uma criança geneticamente compatível, a negação de Carla em usar sêmen de
doador, a avó paterna referir não ter morrido para poder conhecer o neto, a “adoção do
irmão mais novo de Carla (João), cuidar da mãe como se fosse uma filha e depois de sua
morte engravidar e dar vida ao filho, o querer adotar uma criança, tentarem uma segunda
RA para dar um irmão ao filho, isso tudo por acharem que o morrer logo. A questão da vida
e da morte e esse elo de ligação familiar pode ser rompido. A questão da vida e da morte
significando a finitude permeia essas relações. Mas essas elaborações parecem ter sentidos
diferentes para Daniel, pois ele o consegue identificar o filho como parte dessa
transgeracionalidade quando não reconhece características físicas nele compatíveis com a sua
e que talvez os outros dois “filhos abortados” romperam a transgeracionalidade.
Pode-se constatar que o valor social dado aos laços consangüíneos de maternidade e
paternidade não tem o mesmo significado da adoção, pois ainda hoje se atribui à
“naturalização” da família o fator consangüinidade. Porém, conforme visto, ser pai e mãe
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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ultrapassa a questão consangüínea, mas sim, de um vínculo afetivo. A partir disso as relações
parentais se constroem a partir dos significados atribuídos a esse filho, os quais irão favorecer
ou não seu pertencimento a uma determinada família. Porém nossa cultura ocidental valoriza
os laços consangüíneos em detrimento dos laços afetivos. Os pais de filhos adotivos muitas
vezes sentem-se inseguros de que um dia o filho queira conhecer os pais biológicos (“que
sangue fale mais alto”), que ele escolha ficar com a família genética ou gostar mais dela, e
que o desconhecimento da herança genética possa provocar a fantasia desangue ruim”
significando traços negativos de comportamento e personalidade. Observam-se aspectos
morais presentes nos discursos sociais em que valoriza-se os genes, considerando-os
superiores aos dos outros. Pode-se constatar através do quanto valorizamos as vitórias e
conquistas de nossos filhos como se fossem nossas e os defeitos nós tentamos acreditar que
foram influências de terceiros.
Acredita-se que essa visão dos pais adotivos seja decorrente da iia de que
interferiram no vínculo natural de afeto inerente aos laços de sangue, sendo o vínculo
biológico natural, verdadeiro e indissolúvel. Com isso, afirma-se que a adoção desnaturaliza
o amor materno e paterno, provocando questionamentos e angústias nas pessoas com a idéia
de que o amor verdadeiro “a gente tem pelo filho do próprio sangue”. Tem-se visto em
pesquisas da área que a mulher gestante constrói um laço afetivo de “amor materno” pela
criança, pois está ligado à fantasia da troca sanguínea entre eles, o pai, constrói esse laço
afetivo quando “vê” a criança pela primeira vez e confirma características sicas suas que
podem comprovar o vínculo biológico. Sabe-se que uma quantidade de pais que hoje
buscam os testes de DNA de filhos criados por eles e que se confirmada a não
consangüinidade, eles se desvinculam afetiva e financeiramente destas crianças, pois a figura
do pai ainda é a do provedor.
Essas vinculações entre afeto e consangüinidade foram relatadas por Carla quando
revê sua simbiose com o filho durante a gestação e também em Daniel, quando ele não se
reconhece nas características físicas do filho.
Na perspectiva adotada, portanto, o filho biológico simboliza o laço consangüíneo e o laço
conjugal, é a confirmação de Deus que o casal tem a aprovação da natureza (foi Deus que fez
a natureza). Sendo assim, os laços de sangue, o vínculo biológico é valorizado e considerado
superiores.
Muitas vezes, na adoção se prevalece o desejo de imitar a biologia em que alguns
casais escondem a origem dos filhos adotados para “fingirem” socialmente que são naturais.
Inclusive dão preferência a bebês pequenos com características sicas parecidas com as deles.
Com uma atitude clara de “tentar” reproduzir a concepção natural. Porém, no caso de Daniel,
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Elsa e Fábio a adoção seria, pelo contrário, bem divulgada, para que gerasse sentimentos de
compaixão e reconhecimento pelo ato de benevolência e altruísmo. E quem sabe, Deus esteja
vendo... (recordando o fato dos três terem provocado aborto)
Ainda referindo-se sobre a adoção, podemos mostrar o trabalho de Weber (1996) que
verificou as motivações da adoção ao qual estava o interesse pessoal de satisfazer o desejo de
ser pai e mãe, a necessidade de preencher solidão, proporcionar companhia a um filho único,
escolher o sexo do próprio filho, substituir um filho biológico falecido e outras.
O sentimento identificado por Daniel, Elsa e Fábio como benevolente, nesse jogo
intersubjetivo, pode significar a substituição de um filho biológico falecido. Mas, podemos
entender que o sentido da adoção, nesse caso, é uma troca de favores entre eles e Deus.
Enquanto o filho biológico é cobrado socialmente para confirmação de gênero, uma exigência
externa; a adoção, neste caso específico, é uma cobrança interna e pessoal, porém a motivação
é superior no sentido de ter poder (inclusive o poder de vida e morte) que é representado pela
figura de Deus, mesmo não se podendo comprovar sua existência nem tal “poder absoluto” (o
poder divino).
Elsa e Fábio nem sequer conseguiram elaborar juntos a decisão tomada pelo aborto
onde combinaram um “voto de silêncio”, de negação da situação com a ilusão de que isso
fizesse sumir” quando eles engravidassem novamente e tivessem um filho, e da qual
desenvolveriam vínculos afetivos e consanguíneos. Porém, a infertilidade os fez confrontar o
passado e buscar o perdão divino através do filho natural (com vínculo biológico) e agora
querem “pagar pelo erro desenvolvendo um laço afetivo com uma criança sem vínculo
biológico. Mas acreditamos ser esse é um preço bem alto para uma criança suportar.
Ao pensar na adoção no sentido apontado por Weber, Cornélio, Cagno e Silva (1995)
e Weber (1996/7) de “dar pais a quem não os têm, do que em dar filhos a quem não os têm”,
visando ao interesse da criança, pode-se refletir sobre as reais motivações de quem adota, Vê-
se a adoção ainda é associada, no imaginário social, à caridade e à filantropia. Apesar da
análise dos resultados das pesquisas deste autor demostrarem que não existe correlação entre a
motivação dos adotantes e o sucesso da adoção, sugerimos questionar qual a motivação que
levou os entrevistados dessa pesquisa a desejarem adotar uma criança. Acreditamos que seja a
culpa gerada pelo aborto provocado em que o vínculo afetivo com uma criança adotada
poderá ficar prejudicado se Daniel, Elsa e Fábio não elaboraram o luto do filho que eles não
permitiram que nascesse. Pode-se supor que eles não têm recursos emocionais para lidar com
a circunstância do(s) aborto(s) cometido(s), o que levaria a criança adotada ao risco de não
desenvolver um lugar de filiação seguro e sadio dentro da família. Seria bom acreditar que a
dinâmica familiar pode deixar em segundo plano o motivo inicial, pois outra história é capaz
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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de ser construída posteriormente. No entanto, é preciso levar em conta a capacidade de
reconstrução da história passada, da construção do apego e da capacidade de amar, pois
ninguém substitui ninguém e todo filho pode ter seu lugar no afeto dos pais.
Mais recentemente, Reppold e Hutz (2003) verificaram que não consenso entre os
profissionais da área sobre a associação entre os fatores que impulsionam os pais a adotar um
filho ou sobre a qualidade da relação estabelecida entre estes.
Ainda seguindo o tema da adoção, focalizamos que Carla se realizou como mulher ao
engravidar, parir e amamentar seu filho, por isso considerou-se realizada como mãe/mulher e
o sentiu necessidade de ter outro filho ou adotar, somente se fosse para manter os laços de
sangue, de parentesco do filho e do irmão João com a família e sua função de
transgeracionalidade em que o apoio na vida e na morte e a solidariedade imposta pela
genética (“parentes a gente não escolhe, a gente herda”) poderiam garantir um laço afetivo.
Ao passo que sentiu-se triste com relação à segunda tentativa de FIV que não pode se
concretizar a gravidez por causa do envelhecimento de seus óvulos fato que ainda veio
confirmar sua finitude (morte) e o conseguindo aceitar a adoção por reconhecer sua
dificuldade de talvez estabelecer vínculo afetivo com essa criança.
Sendo assim, o desejo de adoção por parte de Daniel não tem o mesmo significado
para Carla. Ele deseja adotar uma criança como atitude altruísta e merecedora do perdão
divino. E ela, apesar de entender o significado da adoção para Daniel, entende o significado
mas não entende o sentido, pois não provocou nenhum aborto e o carrega a mesma culpa e
necessidade de redenção.
A questão discutida é que um filho adotado não apaga a marca de um aborto
(provocado ou não) nem a infertilidade. Em contrapartida, é, muitas vezes, sua prova viva.
Desse modo, os lutos não trabalhados poderão interferir negativamente na relação que será
estabelecida com o filho adotivo. Para Zibini e Vasconcellos (2006) o significado de ter um
filho não é algo universal e intico na vida das pessoas como: reparação da culpa pela
infertilidade de um ou de ambos os njuges, pagamento de promessas, compensação pela
perda de um filho falecido, preenchimento de vazios existenciais, depressão, dentre outras.
Outros questionamentos sugeridos são: - Que lugar ocupará uma criança que entra na família
com esses propósitos? Terá uma filiação segura? Que implicações essa situação poderá trazer
para a vida emocional da criança?
Pensamos que essa opção está ligada ao significado implícito da paternidade e da
maternidade para cada um dos parceiros e como ela se insere em sua história de vida, em seus
projetos e também em seu relacionamento conjugal. Qualquer perda requer elaboração, o que
pressupõe entrar em contato com a dor e com os sentimentos de frustração que dela advém.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 152
o enfrentamento desse processo é que poderá permitir, no futuro, novos investimentos
afetivos, que poderão reparar, de algum modo, a falta vivida.
No Brasil, desde 1940, o Código Penal estabelece que o aborto praticado por médico
o é punido quando o outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez for
resultado de estupro. Todos os demais casos são passíveis de punição, com penas que variam
de um a dez anos de prisão para a mulher e para a pessoa que realiza o aborto. Apesar de o
aborto, na esfera das poticas públicas de saúde, ter sido tema amplamente discutido nas duas
últimas décadas, pouco se conhece a respeito da opinião de mulheres e homens sobre o tema.
As poucas pesquisas sobre o assunto questionam se as pessoas são a favor ou contra o aborto,
incluindo sua legalização. A pesquisa de Duarte (2002) com 361 homens interessava analisar
a perspectiva masculina
no que se refere ao aborto provocado, concluindo que quando
confrontados com situações concretas, os entrevistados manifestaram-se muito mais
favoráveis à realização do aborto, portanto manifestaram uma postura que poderia ser
chamada de socialmente aceita, que encontra respaldo cultural. As situações apresentadas
que envolviam sentimentos como falta de condições emocionais para levar a gravidez adiante
e não desejar o filho foram as que receberam maior concordância. Parece que a tendência é:
quanto maior o equilíbrio de gênero na relação do homem com sua parceira, maior será a
possibilidade de ele se perceber co-protagonista da decisão frente ao aborto. Os autores
pontuam que do ponto de vista genético, mesmo que homens e mulheres reconheçam-se como
participantes do processo reprodutivo, este não ocupa o mesmo lugar no imaginário de cada
qual. A preocupação com a reprodução é relevante para a construção de uma identidade moral
masculina, mas se relaciona ao campo do social e não a seu próprio corpo. Essencialmente, os
homens tenderiam a pensar o ato de ter filhos como meio de ter família, pela qual eles
assumem a responsabilidade, o que os fazem respeitáveis na vida em sociedade. Nesse
contexto, a identidade masculina se firma na esfera pública, legitimando o papel do homem
como provedor e protetor da família. Do ponto de vista de perdas e ganhos, quando as
mulheres decidem-se pelo aborto tendem a avaliar essa decisão em termos do que ganharam
ou deixaram de perder, enquanto os homens podem pensar no que perderam ou deixaram de
ganhar. Ao mesmo tempo, para eles, reconhecer a autonomia das mulheres quanto à
interrupção, ou não, da gestação equivale a reconhecer não serem autônomos nessa área e que,
na verdade, dependem delas para realizar qualquer projeto reprodutivo.
As relações de gênero são intercambiáveis em várias situações, como capacidades
intelectuais, profissionais e adaptáveis com relão a força física. Mas as situações
eqüidistantes são as relativas à reprodução (pelo menos por enquanto) por que se processam
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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em corpos diferentes biologicamente. Hoje, é a mulher que tem o poder de decisão sobre a
reprodução ou não, e cabe ao homem aceitar ou argumentar e tentar fazer parte dessa decisão.
Os conflitos gerados pela decisão dos abortos para Daniel e Fábio mantêm-se fossilizados e
podem estar gerando a não identificação paterna e o desenvolvimento da paternidade plena.
Nesta mesma perspectiva, mas enfatizando a experiência feminina
diante do aborto
provocado, Pedrosa e Garcia (2000) exploraram a idéia do autoconceito e colocaram à prova o
julgamento moral acerca de uma questão a que se contrapõe toda uma trajetória de vida em
sociedade que lhes aponta ser a maternidade o seu destino, acreditando que dizer não à
maternidade através da prática do abortamento pode afigurar-se como uma opção
extremamente difícil e conflituosa para as mulheres. E que na origem dessa dificuldade, está a
permanência de um processo de socialização de papel de nero estereotipado durante o qual
se internaliza o sistema de crenças e valores predominantes na sociedade em relação à função
procriativa da mulher. Enfocando a subjetividade de mulheres e identificando os significados
dessa experiência sobre seu autoconceito, concluíram que o senso moral e a consciência moral
da pessoa, por dizer respeito à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do
bem e do mal, do permitido e do proibido, do correto e do incorreto, são criações sociais,
definidas culturalmente, naturalizadas e tornadas válidas para todos os membros de uma
determinada cultura e sociedade. Decidir-se por induzir um abortamento implica em juízo
ético de valor, através do qual se enunciam que atos, sentimentos, intenções e
comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral. Para os autores a
culpa
pelo ato realizado era explícita e estava estreitamente vinculada ao modo como se
constrói, em nossa sociedade, o significado de ser mulher. Mas, havia uma culpa que
antecedia a do abortamento induzido, a saber, a de haver engravidado em circunstâncias
contrárias ao que é socialmente aceito, o que também as tornava suscetíveis de ser
estigmatizadas. Elsa apresenta, assim como as mulheres pesquisadas por esses autores,
reações emocionais negativas como: remorso/consciência pesada, arrependimento, sensação
de perda e, principalmente, culpa que, segundo seus próprios relatos, sentimentos que
carregariam para o resto de suas vidas.
O processo de abortar leva as mulheres
a um dilema e colocam-nas em conflito em
virtude de suas crenças, princípios religiosos e valores, os quais contribuem para o
aparecimento do sentimento de culpa
. Conforme Gesteira, Barbosa e Endo (2006) a iia de
morte está associada à iia de perda. Isto acontece porque nas relações afetivas são
investidos amor, amizade, segurança, esperança, sendo que a separação traz a dor psíquica de
tristeza, de solidão, de medo e insegurança e de finitude. Após uma perda há o
desenvolvimento de uma grande quantidade de emoções, experiências e mudanças na vida
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psíquica da pessoa, e o tempo de duração da vivência dessa perda dependerá da intensidade da
relação com o objeto perdido. A perda de qualquer ordem gera o sentimento de luto. O
processo de luto come-se das seguintes fases: de entorpecimento, que geralmente dura de
algumas horas a uma semana e pode se interrompida por explosões de aflição e/ou raiva
extremamente intensas; de anseio e busca da figura perdida, que dura de alguns meses, por
vezes anos; da raiva e da urgência de recuperar a pessoa perdida; de desorganização e
desespero e, finalmente, de reorganização. Para essa autora, a mulher em situação de aborto
vivencia o "luto não autorizado" que se refere às perdas "que não podem ser abertamente
apresentadas, socialmente validadas ou publicamente pranteadas". Para dissipar a dor psíquica
de uma perda, é necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca
negada. O processo de abortamento provocado, no Brasil é experimentado como uma situação
que tem o estigma da sociedade, em que homens e mulheres vivenciam a própria perda e o
luto sozinhos.
Os aspectos morais e religiosos apresentados pelos entrevistados remontam da idéia de
pecado e culpa arraigada na cultura brasileira. Tanto com relação ao aborto quanto com à RA.
Outros questionamentos surgem a partir daí: - Será que a criança nascida de RA também
o tem uma conotação de pecado, de usurpar do desejo de Deus que não lhe deu filhos
naturalmente”; Vo burlou, enganou Deus e os teve através da tecnologia moderna”. A
maior dúvida que se apresenta aqui é se a culpa por fazer RA iinterferir na relação parental
com as crianças nascidas de RA.
Os casais que se submetem a RA, de um modo geral, são afetados pela dolorosa
lembrança da constatação de que o amor, a sexualidade e o desejo eram insuficientes para
procriar. Assim como as mulheres entrevistadas, que, mesmo alcançando a gravidez tão
desejada, permanecem com os sentimentos de culpabilização
. Este sentimento pode permear
toda a gestação, trazendo uma ambivalência (contradição) de emoções que poderá se
apresentar como sensações de angústias e medos, mesclados por momentos de felicidade.
Ana foi o único participante que havia feito atendimento psicológico durante a
gravidez com o pesquisador por indicação do obstetra devido aos inúmeros exames de
ultrasom que ela solicitava. Segundo Missonnier (2004) a ultra-sonografia é como um ritual
de morte. Mesmo na ausência de anomalias (95% das ultra-sonografias são “normais”, o que
o quer dizer que não haja anomalias), a ultra-sonografia como ritual de morte, e na qual a
violência não está explicitamente reconhecida. Tanto os pais quanto os profissionais
reconhecem apenas que se trata de um rastreamento que corre o risco de terminar muito mal
para o feto. Esse exame será um ritual defensivo de fechamento, se no lugar de conter,
favorecer, sustentar a parentalidade, ele for apenas um processo que vai mergulhar esse feto
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no indiferenciado, sem lhe propor uma maturação humanizante. A reação de insegurança de
Ana pode ser considerada um comportamento fossilizado se, ao retroceder um pouco na sua
história, lembrarmo-nos de suas angústias e medos em assumir responsabilidades com relação
à família estendida.
O significado do filho do próprio sangue sentido à busca do tratamento de RA por
que internalizamos o modelo cultural de família e transgeracionalidade não ligada aos laços
afetivos. Está internalizado também a idéia de se unir heterossexualmente, construir
conjugalidade e parentalidade, e dar o sentido à família.
A conjugalidade define-se como dimensão psicológica compartilhada, permeado pelo
sentimento de intimidade e que se ancora em ideais e valores igualitários construídos histórica
e culturalmente. E como a parentalidade, também sofreu transformações sucessivas. Para
compreender esse processo, é importante ressaltar o aparecimento da noção de sentimento de
família, que se fundamenta numa representação social e cultural. Pressupondo o ideal de
complementaridade entre os parceiros na conjugalidade, a parentalidade acrescenta mais um
nessa relação dual, transformando-se numa família requerendo condições suportivas
emocionais tanto do homem quanto da mulher. Para Borges (2005), a alteração da
configuração do casal, pode trazer sentimentos de família e de continuidade da vida através do
filho que relembra aos pais de sua historicidade. Porém, gera uma mudança de foco e de
projetos do casal que se através do “aprendercom a criança, nas relações transmitidas
transgeracionalmente e na capacidade de se dispor a parentalidade. A vivência das funções
materna e paterna pode trazer angústias relacionadas ao medo de educar, a uma necessidade
de acertar e à responsabilidade inerente à função, mas é através do processo de tornarem-se
pais que se a passagem do “conhecimento (no sentido de deter informações) para o
“saber” (decorrente da experiência vivida). A experiência emocional advinda das trocas entre
os pais, entre eles a criança e o mundo que os rodeia, é que lhes possibilita tornarem-se pais.
Processo que pode ser vivido com muitas angústias, transformações e conflitos devido à
enorme quantidade de exigências do mundo atual, e do mundo interno dos pais com suas
subjetividades. Este exercício de funções materna e paterna é uma espécie de parceria “co-
parentalidade” que rompe com a idéia de papéis sistemática e rigidamente definidos que
podem estar sendo exercidas não mais por papéis entre homem e mulher, mas de acordo com
as condições psicoemocionais de ambos.
Nesta mesma abordagem com relação ao ajustamento conjugal e emocional de homens
e mulheres na transição para a parentalidade, antes e depois do nascimento, resultou em
declínio
no ajustamento conjugal para ambos os sexos e trouxe considerável turbulência nas
relações e acarretou profundas transformações e mudanças para os novos pais. Mas que as
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 156
mulheres
durante a gravidez apresentaram níveis de ajustamento emocional
significativamente mais elevados
que os homens, conforme Hernandez (2005). Menezes e
Lopes (2007) mostrou que os casais apresentam menos
satisfação e intimidade sexual e mais
conflitos depois do nascimento de seus filhos do que durante a gravidez. Muitos homens
consideraram estressante dar o apoio adicional que suas esposas relataram necessitar e sentem
que o são mais o centro de suas vidas. Porém, apontaram aspectos positivos como maior
proximidade e companheirismo e perceberam que seu relacionamento está declinando em
termos de romance. O resultado do estudo hispano-português de Ramos, Canavarro, Oliveira
e Monteiro (2005) também constatou declínio
na satisfação com a relação conjugal durante a
transição para a parentalidade e que os pais com níveis mais elevados de escolaridade
mostraram-se menos felizes, mais tristes e ansiosos do que os pais com níveis mais baixos de
escolaridade.
No estudo de Magagnin e Korbes (2003) sobre os efeitos da transição da
conjugalidade para a parentalidade antes e depois do nascimento do bebê mostram que
durante a gestação as mudanças podem tomar rumos diferentes
, o que era antes um
investimento mútuo, passa a investir no bebê, mergulhando o relacionamento conjugal em
uma nova configuração. Exigindo uma reorganização, na qual ocorrem mudanças
intrapsíquicas, apresentando três questões: tornar-se pai e e é assumir um território que
havia sido exclusivo dos seus progenitores; há uma constante comparação, consciente ou não;
e a habilidade de dar algo único e importante a seu próprio ciclo de desenvolvimento: netos.
O trabalho de Menezes e Lopes (2007) vem em concordância com os relatos de Fábio
quando os autores concluem que o nível de satisfação conjugal
apresentado por casais antes
do nascimento do primeiro filho tende a corresponder ao nível de satisfação conjugal
constatado durante e após
a transição para a parentalidade. Acreditou-se que variáveis como
habilidades individuais para lidar com situações estressantes e rede de apoio social são
importantes fatores na transição para a parentalidade, mas é a natureza da relação conjugal
que tem a maior influência nas respostas que o casal dará às demandas da transição para a
parentalidade. Constataram que o é a transição
para a parentalidade, em si, que gera uma
crise no sistema familiar e conjugal. É a história de cada casal
e a qualidade de sua relação
afetiva que o ser relevantes para a existência de uma crise ou não. Os casais com
envolvimento emocional sofrem as mudanças provocadas pela transição para a parentalidade,
mas conseguem, ainda assim, preservar a sua conjugalidade. Os casais que têm um
distanciamento emocional, por sua vez, mostram-se mais suscetíveis à crise que se instaura e
parecem enfrentar mais dificuldades na preservação de sua conjugalidade.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 157
Ana e Bruno pareceram ter um bom relacionamento conjugal antes da parentalidade e
através de Bruno, está sendo resgatado com satisfação. Carla e Daniel, conforme relato,
tinham um bom relacionamento conjugal que ficou abalado” durante a gestação, mas que foi
resgatado pelo casal após o nascimento do filho. Elsa e Fábio referiram ter um bom
relacionamento conjugal antes da filha nascer, mas conforme relato o afastamento de Elsa e o
sentimento de rejeão de Fábio que já chegou ao esgotamento, fazem-nos supor que a
parentalidade não se efetivou porque nem a conjugalidade estava bem estruturada.
Após a transcrição das entrevistas o pesquisador teve a impressão de que os assuntos
relacionados à conjugalidade haviam sido muito relatados, enquanto a parentalidade o.
Porém, ao iniciar o processo de escolha dos indicadores ficou-se claro que o inverso era
verdadeiro. Acreditou-se que esses relatos sobre a conjugalidade foram tão intensos e
carregados de angústias que se sobressaíram nas entrevistas, com um “peso” maior.
A chegada de um filho altera a dinâmica tanto do casal, sua conjugalidade quanto a
convivência com familiares e pessoas próximas. Isso somado ao fato de divulgar ou não a
maneira como este filho foi concebido, pode gerar angústias e sofrimento para esse casal,
conforme relatado anteriormente e acreditando que o significado do filho para o casal infértil
é esconder dos outros e de si mesmo, a impossibilidade de conceber (casal 1 e 3).
Como já foi dito, a parentalidade é um exercio diário de convivência e adaptações,
ao qual o bebê precisa de uma história, construída em co-autoria com o adulto, e pela qual
pode, através de seu corpo, relatar sua própria história relacional, essencial para a inscrição da
criança em sua dupla filiação: materna e paterna. Conforme Makuch (2006b) os bebês têm
necessidade de uma história, não somente biogica ou genética, mas de uma história
relacional que lhes permita, a partir da dupla filiação, a inscrição na filiação a um grupo
familiar que os situe na história dessa família. A história se constrói entre as crianças e os
adultos, constituindo-se um elemento fundamental das relações estabelecidas na família. Ana
e Bruno não contaram para ninguém sobre seus filhos terem sido concebidos através de RA
alegando ignorância das pessoas que poderia gerar preconceito. Carla e Daniel precisavam
do apoio afetivo das pessoas e assim, contaram para família, conhecidos e até desconhecidos.
E Elsa e Fábio contaram para as famílias na primeira tentativa e se ressentiram por provocar
tristeza neles, assim, decidiram não contar sobre a segunda tentativa e que as pessoas
acreditam ter sido uma concepção natural.
Sentir-se pai e mãe de uma criança não depende exclusivamente do aspecto biológico,
mas de um vínculo afetivo e ultrapassa a questão consanínea. A partir disso as relações
parentais se constroem a partir dos significados atribuídos a esse filho, os quais irão favorecer
ou não seu pertencimento a uma determinada família.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 158
Tendo em vista a importância de se estudar a família inserida no seu contexto e refletindo os
aspectos cio-econômicos-culturais, Berthoud (1997/2002) caracteriza a família ao longo do
seu ciclo vital em 4 etapas não rigidamente circunscritas em: Fase de Aquisição, Adolescente,
Madura e última. A primeira fase engloba o nascimento da família pela união formal ou
informal -, o nascimento dos filhos e as fases iniciais da vida familiar, sendo caracterizada
pela tarefa de aquisição de modo geral, seja de patrimônio, seja de novas formas de
relacionamento, e pela reorganização do sistema em função da definição e adoção de novos
papéis de cada um de seus membros. Os njuges re-negociam valores e regras de
relacionamento, em um processo de construir o modelo particular de família que desejam
constituir, e aquisições que se tornam o eixo propulsor e vão modelar o núcleo que está se
formando. Podem durar muitos anos, em especial para os casais que adiam a decisão de ter
filhos e as vincias desta fase se revestem de características peculiares em função de
aspectos como idade dos njuges, estilo de vida e contexto social no qual o novo núcleo
familiar está inserido. Dentro do período da Fase de Aquisição
, a categoria conceitual
Vivendo a parentalidade” tem início com o desejo e a decisão de ter filhos até a construção
de uma relação triádica, ou seja, a transformão do casal em família. É um complexo
processo emocional e psicológico que envolve muitas transformações individuais e que nem
sempre acontecem ao mesmo tempo, onde: decidindo em conjunto, optando, sentindo-se não-
preparado e sentindo-se imaturo são sentimentos que surgem neste momento. Seu ápice de
intensidade é nos primeiros meses após a chegada do be caracterizado como um período de
profundas tenes e demandas, que impulsionam o casal a mudanças em que desejos e
expectativas são confrontados com a realidade vivida, valores e padrões são revistos e
renegociados e novos papéis e funções são experimentados e assumidos.
Ainda nessa abordagem a vinda do filho envolve inúmeros fenômenos vivenciais
representados por conceitos como: descobrindo novos sentimentos, vivendo dificuldades
pessoais, vivenciando maturidade, sentindo as mudanças, planejando, reproduzindo padrões,
sentindo a rede e sendo surpreendido.
Se analisarmos os casais entrevistados a partir da visão de Berthoud, eles estão no
período do ciclo vital denominado fase de aquisição onde nasce um núcleo familiar em que o
casal busca administrar a conjugalidade atrelada a uma nova configuração. Com relação a re-
negociação de valores e regras de relacionamento, tanto o casal 1 quanto o casal 2 se
adaptaram, porém o casal 3 está claramente desajustado quanto a essa nova aquisição.
Nesta mesma perspectiva sobre família e ciclo vital, Souza (2006) avaliou que as
famílias apresentam, no seu processo de desenvolvimento, especificidades e semelhanças que,
sejam quais forem as suas potencialidades e dificuldades, se vão modificando ao longo de
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 159
todo o processo de desenvolvimento e que vão definindo o seu perfil de interação. Em que a
formação da identidade familiar é constituída através de avanços e recuos nas respostas às
dificuldades num processo de aprendizagem em comum onde se valorize a mobilização
pessoal pelo uso eficaz da dose de frustração que, em vez de bloquear o desenvolvimento, seja
capaz de potencializar novas formas de maturidade e de integração de saberes e de afetos.
Essas habilidades construídas através da co-parentalidade trazem embutidas
diferenças de gênero, conforme relatado anteriormente sobre as várias funções e papéis que as
mulheres, cada uma com seu motivo pessoal, adquiriram ao longo de sua história e também às
habilidades constrdas pelos homens. Pom, atribuições “fossilizadas”, como comprovar o
atributo físico da paternidade através da capacidade de sustentar e educar os filhos como
atributo moral. Gomes Costa (2002), explorando o significado da paternidade confirmou que
o casamento (heterossexual e monogâmico) recria a noção de masculinidade ao incorporar a
paternidade, com suas conseqüentes responsabilidades e que é concebida não apenas como
“fazer filhos”.
Nos casais entrevistados, os sentimentos que permeiam a parentalidade o os
mesmos da conjugalidade após a constatação da infertilidade: processos de depressão leve,
estresse, ansiedade e tristeza. Mas não necessariamente pelos motivos anteriores, mas sim
pela mágoa que ficou por ser infértil, não ser igual a “todos” os outros casais, não ter podido
viver a experiência da maternidade e da paternidade dentro dos moldes considerados
“normais”. Ter o filho (através de RA) aliviou a sensação de competência, de cumprimento do
socialmente esperado, porém permanece a sensação de “menos valia”.
Romanelli (2004), Borges (2005) e Costa (2006) concordam que a paternidade ainda
tem um de seus esteios no exemplo de trabalhador e de provedor financeiro da família
segundo e que, sustentar e educar os filhos são uma responsabilidade considerada masculina,
o que coloca o trabalho remunerado dos homens como refencia fundamental nas concepções
sobre paternidade e masculinidade. Os pesquisadores obtiveram dados que trouxeram a noção,
pela fala dos pais, de que ser pai não é apenas ser pai biológico, mas ser capaz de sustentar
física e emocionalmente os filhos. Nesta mesma abordagem Bornholdt, Wagner e Staudt
(2007) identificou que muitos pais demonstram uma maior necessidade de serem os principais
provedores financeiros no núcleo familiar, principalmente com a chegada dos filhos. Passando
a dar uma atenção aumentada a seu trabalho para oferecer maior segurança financeira à
família, demonstrando ser esta uma tarefa ainda creditada principalmente ao homem. Tanto
Bruno, quanto Daniel e Fábio se encaixam perfeitamente neste papel de provedor
característico do modelo masculino de paternidade. Mas este grupo de homens reconhece e se
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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preocupa com a sobrecarga a que estão expostas suas companheiras e participam de suas
aspirações profissionais.
Faustino e Freitas (2007), Piccinini (2004) e Scavoni (2004) concordam entre si sobre
a concepção de paternidade apresentar-se desvinculada da gravidez, parecendo ser um papel
materno, sendo o(a) filho(a), nessa fase, propriedade exclusiva da mulher que o(a) "gera". Por
sua vez, a ausência paterna é justificada pelo respeito à privacidade feminina, sendo
considerada uma fase de donio interior da mulher, em que o gestar e o parir são intrínsecos
à sua responsabilidade. Alguns pais ainda encontram dificuldades quanto ao envolvimento
com seu filho, durante a gestação, parecendo não percebê-lo como real e apresentando uma
baixa ligação emocional. O pai o sabe como se situar internamente, cabendo-lhe o papel de
observador passivo. Nos depoimentos em que a paternidade é vivenciada pelos homens desde
a gravidez, há o discurso de busca do "novo pai", que rompe o modelo tradicional de
paternidade, desenvolvendo sentimentos afetivos e de vínculo que favorece a construção do
trimio pai-mãe-filho(a).
Através dos relatos dos homens dessa pesquisa, a gestação de suas esposas foi
tranqüila, ao contrário delas que referiram vários desconfortos. Tanto Bruno quanto Daniel
descreveram com detalhes o(s) filho(s) e seu desenvolvimento, mostrando-se participativos e
presentes. Os casais, apesar de concordarem com o fato de que é a mãe quem permanece mais
tempo com o filho e decidem suas rotinas, eles revezam-se com seus cuidados e reconhecem
este modelo contemporâneo de divisão de tarefas como uma variante do modelo tradicional,
em que os casais se esforçam para construir uma “versão nova de um modelo velho”. Os três
casais mencionaram que, apesar de terem seu tempo para a conjugalidade diminuído,
percebem o aumento de sentimentos de companheirismo e união. Podendo ser este um
aspecto positivo da transição da conjugalidade para a parentalidade.
Autores contemporâneos têm estudado e debatido sobre a paternidade, assim como
Piccinini (2004) e Silva e Picinini (2007) que identificaram mudanças no papel do pai e o
conceito de envolvimento paterno. O autor definiu este conceito a partir de três dimensões de
avaliação do comportamento paterno: interação que refere-se ao contato direto com o filho,
em cuidados e atividades compartilhadas; acessibilidade que concerne à presença ou
disponibilidade para a criança para possíveis interações; e responsabilidade que diz respeito
ao papel que o pai exerce garantindo cuidados e recursos para a criança. Atualmente, a
avaliação do envolvimento paterno inclui também aspectos qualitativos, como a qualidade e o
conteúdo do envolvimento. Esta perspectiva metodológica nos a impressão de que apesar
dos estudos atuais tentarem mudar as relações de gênero com relação à maternidade e
paternidade, isso ainda não foi desmistificado. Pois definir o conceito de paternidade em
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 161
modelos conceituais mostra a aceitação de que para a mulher a maternidade é instintiva e que
de que para o homem a paternidade precisa ser aprendida.
Sem a inteão de nos determos aos conceitos de paternidade, achamos interessante
citar a pesquisa portuguesa de Mendes (2007), pois ela se coaduna com os resultados obtidos
nessa pesquisa à respeito da atuação prática da paternidade. Segundo o pesquisador, seus
resultados permitiram sistematizar e agrupar as vivências da paternidade inspirada na tradição
weberiana de definição de tipos-ideais. As características do grupo denominado do “tipo pai-
galo” é a que se encontra Bruno, Daniel e Fábio em que suas características são por um
posicionamento mais conservador perante o desempenho efetivo do papel de pai, na prática
o revelam um envolvimento nas atividades e cuidados quotidianos dos filhos, identificando
as mulheres como as responsáveis por eles e defendem a idéia de homem provedor da família,
o no sentido da proteção ou de uma eventual não profissionalização das mulheres, mas no
sentido de o homem ser entendido como o pilar da casa”.
Os resultados que são iguais aos dessa pesquisa sustentam quatro aspectos
transversais: o primeiro
é que ser pai representou um aumento das responsabilidades,
passando a maioria a assumir uma postura diferente perante o trabalho; o segundo
diz respeito
às questões relacionadas com a vida doméstica e com a partilha das tarefas domésticas; o
terceiro
aspecto tem como especial enfoque as vincias da conjugalidade e as relações
estabelecidas com as famílias de origem. De um modo geral, no seio do casal, observou-se
que apesar do nascimento dos filhos implicar uma redução drástica no tempo disponível para
a “vida a dois”, os jovens pais afirmam que veio fortalecer a relação. O quarto
aspecto refere-
se à noção de “pai perfeito”, ainda que alguns indivíduos indiquem a impossibilidade de
existir a perfeição, é descrito como alguém que está sempre presente: presencialista”.
Na pesquisa de Silva (2007) todos os homens caracterizaram suas esposas como boas mães,
afirmando que elas incentivavam o relacionamento entre pai e filho. Pode-se pensar, portanto,
que o bom relacionamento com suas esposas facilita o envolvimento dos pais com seus filhos.
Além desse envolvimento direto, o bom relacionamento entre pai e mãe pode fazer com que o
pai esteja psicologicamente mais presente para seus filhos através do discurso materno.
Portanto podemos acreditar a dificuldade da relação de Fábio com a filha possa advir de uma
relação de conjugalidade desestruturada dele com Elsa desde antes da gravidez.
As interações específicas na conjugalidade e na parentalidade de cada tipo familiar,
permitirão diferenciar de forma mais efetiva o que todas as famílias têm em comum, o que as
torna semelhantes com algumas e também aquilo que é único em cada uma delas. Por sua
vez, também a conjugalidade e a parentalidade se podem chocar e prejudicar mutuamente. As
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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fronteiras entre os papéis de cônjuges e de pais são frequentemente tênues ou confusas e
desencadeiam ciclicamente momentos de mal-estar, conflitos e sofrimentos culpabilizantes
.
No casal 3, conforme relatado por eles, e transcrito nos núcleos de significação, houve um
distanciamento entre eles na transição para a parentalidade. Elsa referiu que o Fábio foi
atencioso e gentil durante a gravidez, incentivou e apoiou o aleitamento materno e
administrou as relações familiares de ambos, e que atualmente está tudo normal”. Mostrou-
se queixosa e desagradada com relação a pouca participação do marido nos afazeres
domésticos e com a filha.
Fábio relatou menos satisfação e intimidade, e mais conflitos. Considerando
estressante providenciar o apoio adicional que Elsa relata necessitar por chegar cansado do
trabalho em SP, percebendo-se como elemento periférico na relação de mãe e filha. Em que
o é mais o centro da vida de Elsa, e sim, a filha. Mostrou-se queixoso com relação a pouca
atenção recebida por Elsa e por sua falta de interesse sexual. Como visto na literatura, cabe ao
homem resgatar na mulher a conjugalidade através da sexualidade, depois do nascimento do
filho. Pom, Elsa o repudia mas justificou sua atitude ao relatar que o motivo desse
afastamento proposital é devido ao risco de engravidar naturalmente, e quando Fábio solicita
relações sexuais, ela literalmente coloca a filha na cama, entre eles. Mas Elsa não disse para
Fábio o motivo de sua rejeição. Provocando nele sentimentos de desamor e ciúmes projetados
na relação dele com a filha.
Ambos mostraram-se cansados, sobrecarregados e queixosos. E Fábio relatou que a
transição para a parentalidade não estava sendo como imaginava e que a vida familiar estava
cada vez mais difícil, considerando a possibilidade de separação do casal. Sente estar sendo
deixado de lado, em segundo plano, e sente ciúme da atenção de Elsa com a filha, não
aceitando a transformação de uma relação dual em uma relação triádica. Relatou não
conseguir se aproximar da filha, sente-se rejeitado por ela e projetando sua raiva”. Gerando
pouco vínculo paternal que pode prejudicar a estrutura dessa relação. Entretanto, mostrou-se
consciente de seu distanciamento e tentou justificar alegando que a própria filha não o aceita
como pai, ou usa esse argumento como desculpa para tentar justificar uma frágil construção
da conjugalidade e consequentemente da parentalidade.
Dessa forma cabe lembrar que ambos relataram ter um “pactode não falar sobre o
aborto cometido por eles antes de se casarem, como se isso fizesse esquecer-se do fato. Eles
impuseram a si próprios um afastamento emocional, optando por sofrer sozinho e em silêncio,
pois supõem que a elaboração não seria suportável. Mas o fato de ambos citarem isso
exatamente como o primeiro assunto na entrevista, mostra quanto sofrimento está permeado
nessa relação conjugal e parental. Diante disto foram feitas três tentativas de aproximação do
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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casal após a primeira entrevista, com a intenção de sugerir um acompanhamento profissional
ao casal, porém Elsa não mostrou-se disponível como anteriormente e negou-se ao encontro.
O casal 3 apresentou diferentes opiniões sobre as mudanças ocorridas em sua conjugalidade
durante a transição para a parentalidade, não uma sincronia entre eles, cada um sente e
percebe o relacionamento conjugal e parental de forma diferente. Essa insatisfação do casal
parece confirmar os dados da literatura pesquisada sobre a difícil adaptação para a
parentalidade.
O estudo da parentalidade enquanto momento do ciclo vital familiar surgiu, conforme
Hernandez (2005) em um estudo americano em 1957 onde afirmava-se que 83% dos novos
casais passavam por uma severa crise na passagem da condição de casal para a de pais.
Somente no início dos anos 1980 passou-se a ser aceita, a idéia de que a transição para a
parentalidade é um período de grande estresse para o casal e, também, um momento
potencialmente ameaçador para o desenvolvimento do bebê, devido à possibilidade de
diminuição da qualidade conjugal e da interação pais-criança. Em que o conflito conjugal
cresce e as pessoas podem ficar vulneráveis à depressão, e uma queda na qualidade do
relacionamento no período de um ano após o nascimento do primeiro filho.
Acreditamos que entender que a parentalidade faz parte do ciclo vital, que é um período de
adaptações e re-negociações entre os casais, já é um importante passo na disponibilidade de
discussões e questionamentos visando o bem estar da família contemporânea.
Muszkat (2000), Berthoud (1997-2002) e Borges (2005) esclarecem que tornar-se pai
e mãe acontece no desejo da progenitura, no contato entre os parceiros, sua criança e a
sociedade, através de um interjogo de conflitos e angústias. Os pais parecem estar vivendo o
exercício de suas funções em uma espécie de parceria “co-parental” que rompe com a idéia
sistemática de papéis rigidamente definidos. As funções materna e paterna parecem também
estar sendo exercidas não mais somente pelos papéis de gênero masculino (provedor) e
feminino (cuidador), mas sim, de acordo com as condições psicoemocionais individuais dos
pais.
O fato evidente é que, como foi dito, existem mais crenças sobre as diferenças
(baseadas no mito da vocação natural da mulher para a maternidade) do que diferenças de
fato, na forma como homens e mulheres organizam seu relacionamento e a distribuão de
responsabilidades pela educação dos filhos e o ganho do dinheiro, conforme Muszkat (2000).
Diferentemente dos seus pais os nossos entrevistados (homens e mulheres) aspiram integrar o
trabalho à vida doméstica lutando contra pressões subjetivas e sociais, mesmo que entre os
casais contemporâneos com duas carreiras a tendência, após o nascimento de um filho, é a de
reproduzir papéis tradicionais na divisão das tarefas domésticas e o cuidado com o filho.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Apesar de todos os esforços, na transição da conjugalidade para a parentalidade, os casais
tendem a uma regressão aos papéis sexuais mais convencionais e a uma conseqüente
diminuição de auto-estima nas mulheres.
A distinção dos papéis de pai e mãe foi feita por meio de constrões sociais de gênero
no que tange às atribuões de masculino/feminino, constrdas a partir das diferenças sociais
que ainda são baseadas no modelo patriarcal relacionando a maternidade à sensibilidade e à
submissão e a paternidade à força e à atividade. O pai continua a ocupar, nessas concepções,
um lugar de respeito e de autoridade sobre a família onde o pai exerce autoridade sobre os
filhos cabendo-lhe a função de estabelecer limites, impor regras de conduta, delimitar
simbolicamente o que é e o que não é permitido. (Perucchi; 2007) Bruno fala disso quando
refere que busca hoje a aproximação do vínculo afetivo com os filhos para que no futuro ele
possa garantir a segurança e o papel de autoridade com eles. Daniel considera-se “usado” pelo
filho, mas tem a noção de que essa relação destoa da tradicional e procura atuar como
autoridade na sua relação com o cunhado (João). Fábio fala que é rígido e controlador com
a filha por que acha que é assim que um pai deve ser.
B. “Eu sei o modo que eu acho que deve ser. Eu sei que eu tenho que ter
amizade com os dois, eu tenho que mostrar para eles que eles podem chegar
para mim que tacaram fogo no quarto que não vou bater neles, ser tão
radical...aí eles vão querer viajar no carnaval com o pessoal da faculdade,
mas ela vai querer ficar monitorando...Por que quando eles fizerem amizade
com algum traficante e coisa e tal, eles vão me chegar e falar para mim. Eu
não quero manter uma barreira por que se ele não chegar para mim e falar
vai falar para um outro que às vezes não é o ideal”.
D. “...eu mimo ele... De mim ele não tem medo. A minha voz ele não leva a
sério.(sobre o João) a mim ele respeita...Ele não teve limites nem
referência de pai”.
F. “Ás vezes é tão difícil não brigar e talvez eu acabe brigando demais
difícil dosar, se você não briga, se não por limite fica malcriado.Se por limite
vira sargento, e eu não quero isso.Mas quando preciso eu brigo e ela chora,
chora”.
As mulheres entrevistas nesta pesquisa reconhecem a importância da presença paterna
na estruturação dos processos mentais da criança; e os homens aproximam-se dos filhos pelo
caminho que lhes parece mais seguro: o do modelo materno. Expondo uma contradição dos
estereótipos de gênero tradicionais e os contemporâneos na atuação prática dos papéis
parentais.
Essas intercambiáveis ou não, entre pais e mães geram vidas e angustias muitas
vezes traduzidas em irritação e sentimentos de culpa.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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Através de indicadores de saúde mental, reatividade emocional e estresse percebido
em mulheres que vivem a transição para a maternidade em Portugal, Monteiro e col. (2005)
concluíram que a rejeição e a superproteção parecem estar relacionadas ao fator de
vulnerabilidade nesta fase do ciclo de vida em que a satisfação global com o apoio recebido
do companheiro surge relacionada com as emoções (culpa), isto é, maior satisfação com o
apoio, menor índices de culpa, apresenta uma relação direta com níveis mais baixos de
ansiedade. E concluíram, também que proximidade emocional à mãe (avó materna), aparece
como fator de proteção e realização materna, porém apresentaram também níveis mais
elevados de estresse. Ana optou por não ter a ajuda da mãe e referiu uma adaptação tranquila
da maternidade em função do apoio recebido por Bruno. Carla referiu sentir falta do apoio
materno (falecida) mas adaptou-se a nova função. Elsa teve ajuda materna mas sentiu-se
invadida com relação aos comentários desqualificadores (amamentação e aparência física)
gerando estresse.
Conde e Figueiredo (2007) estudaram as preocupações dos pais com determinados
acontecimentos adversos da vida e a incidência de diferenças de nero na presença destas
preocupações parentais ao longo da gravidez e puerpério. E concluíram que os processos
foram idênticos entre mulheres e homens
na transição para a parentalidade com preocupações
semelhantes, mas distintas com relão à sua vivência podendo contribuir para uma forma de
estresse crônico durante este período. Identificaram que preocupações relativas a situações
familiares e interpessoais, em particular relativos à saúde e bem-estar do bebê, são mais
pontuais, e as preocupações de caráter desenvolvimental tendem a diminuir à medida que as
es e os pais vão se adaptando a esta fase de transição para a parentalidade.
Os resultados do estudo de Moura-Ramos e Canavarro (2007) constataram diferenças
na Reatividade Emocional e na Psicossintomatologia entre pais e mães nos primeiros dias
após o parto e oito meses após o parto. Apresentando uma adaptação mais difícil nas mães
que nos pais, com a presença de maior tristeza e menor felicidade, e sintomatologia
psicopatológica mais elevada. Estes resultados podem ser indicadores de maior intensidade
nas mudaas e necessidade de reorganização na vida das mães, pois são estas quem
geralmente assumem a responsabilidade da maior parte das tarefas de prestação de cuidados
ao bebê. No entanto estas diferenças diminuem e conclui-se que, apesar das diferenças entre
pais e mães, ambos apresentaram boas capacidades de ajustamento e adaptação a esta nova
situação.
A transição para a parentalidade
segundo Canavarro e Pedrosa (2005) mostra
diferenças significativas nas trajetórias de homens e mulheres
. Em que a transição masculina
processa-se de forma mais lenta ao longo do tempo, formando-se a iia de si próprio com
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
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figura cuidadora. Enquanto a transição feminina envolve mudanças mais radicais, deslocando
habitualmente o eixo de vida do mundo do trabalho para as atividades domésticas e de
cuidados. Por mais igualitária que anteriormente fosse a organização da vida do casal, o
nascimento de uma criança diferencia seus papéis de gênero. “empurrando-os” para assumir
papéis de gênero mais tradicionais. Diferenças que o devem ser negligenciadas.
Conforme citado na revisão bibliográfica, Solis-Ponton (2004) por meio de um diálogo
“vivo” com Serge Lebovici [1915-2000] ele considerou que a parentalidade começa durante a
gravidez e que há um trabalho a ser feito sobre o desejo da criança. Se isso não é feito, ela vai
reivindicar a sua função de parentalizar e pode ser que ele tenha de afrontar a recusa dos pais.
Esse processo da parentalização engloba uma criança imaginada fruto da história
transgeracional da mãe e do pai, e da história que constitui o mandato do destino da criaa. A
representação dos cuidados parentais é uma situação a três na qual a criança estabelece desde
cedo a distinção entre cuidados paternos e maternos.
Com isso, podemos pensar que a dificuldade de parentalização de Fábio e sua filha
vinha de longa data, porém essa insatisfação está gerando dificuldades maiores e até conflitos
conjugais.
Os estudos acima citados referem-se a transição para a parentalidade de homens e
mulheres que conceberam naturalmente (CN), sem a ajuda da tecnociência, porém seus dados
são semelhantes aos encontrados nesta pesquisa, com relação a maior sobrecarga física e
emocional para as mulheres demonstrando clara diferença de gênero nos cuidados e atenção
com o filho. Sendo assim, concluímos que no período do nascimento até os três (3) anos de
idade o relacionamento parental de casais de RA e os CN se coadunam.
Numa revisão bibliográfica de artigos internacionais, em sua maioria europeus,
Makuch (2006b) verificou que mulheres RA e mulheres que CN, durante os primeiros quatro
meses após o nascimento do bebê, as mães que conceberam por RA apresentavam auto-estima
mais baixa, menos confiança na sua capacidade para cuidar e proteger seus filhos, e avaliaram
o temperamento de seus filhos como mais difícil que as es CN. Entendendo que este
resultado pode sugerir que, apesar de ter tido um filho, as es RA continuam tendo
sentimentos não-resolvidos acerca de sua infertilidade.
Um ano após o parto, não se encontraram diferenças entre os pais com filhos nascidos
por RA e os CN quanto à ansiedade e depressão, apego, ansiedade de separação e as
interações entre pais e filhos durante o brincar. Mas continuam com tendência a ter maior
preocupação com seus filhos, menor confiança em sua capacidade de criá-los. Outro dado dos
pais de RA é que estes apresentam tendência a ter auto-estima mais baixa e menor satisfação
com a relão de casal.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 167
Outro aspecto focalizado pelo pesquisador e que coaduna com os de Algarvio (2006),
foi a diferença nas vivências da relação mãe-filho de acordo com o número de ciclos RA que
a mulher precisou realizar para engravidar. Em que mães que realizaram mais ciclos de RA
apresentam maior preocupação em relação à capacidade de cuidar dos filhos. Assim, poderia
se especular se essa vivência está relacionada às maiores expectativas dessas mulheres em
relação ao papel de mãe, idealizado durante o tempo de tentativas e dificuldades para
engravidar.
Em estudos europeus mais recentes (1996/2001), o foram encontradas diferenças
entre os grupos de mães RA e as que CN quanto ao papel materno. Mostrando que após o
primeiro ano um desenvolvimento semelhante do papel parental onde não encontraram
diferenças quanto à saúde mental, relação de casal, relações mãe filho e preocupação pelo
bem-estar dos filhos. Contrariamente à pesquisa anterior, pode-se afirmar que as mulheres de
RA estabelecem uma relão próxima com seus bebês, apesar do estresse em relação ao bem-
estar e cuidados do filho nos primeiros meses. Permanecendo assim, no ano pós-parto, em que
as mães apresentam maior preocupação centrada na criança.
No segundo ano, a análise da literatura não mostrou diferenças significativas entre os
dois grupos de pais em relação à saúde mental e à relação de casal, porém, são superprotetores
e têm mais satisfação com a relação parental, em comparação aos pais CN.
Sobre o processo parental em RA todos os autores enfatizaram a superproteção dos
pais com relação aos filhos FIV. Nos resultados dessa pesquisa esse dado não aparece.
Algarvio, Fisher-Jeffes e Banerjee, e Barnes e Sutcliffe são estudos internacionais. Os autores
Makuch e Quayle são brasileiros, mas pesquisaram estudos internacionais que falam de
superproteção. Monteiro e Araújo (Portugal) encontraram este mesmo resultado, mas em
filhos CN. Portanto, achamos necessário rever que o conceito de superproteção é diferente no
Brasil e fora dele, em conseqüência de sua diversidade cultural. As diferenças sociais que
podem ser geradoras de violência urbana no Brasil são uma realidade a ser administrada por
todos. E é preciso levar em consideração que as crianças dos estudos internacionais tinham até
5 anos e as crianças desse estudo têm no máximo 3 anos. Acreditamos que a superproteção
dos filhos dos casais entrevistados deve ser avaliada pela tenra idade e pela realidade social
que vivemos. E sobre a questão do apego e dos cuidados com a criança acreditamos que no
Brasil somos mais afetivos com os filhos, familiares e amigos. Portanto, superproteção para
os estudos internacionais, pode ser avaliada por nós como sendo apenas um cuidado mais
assertivo.
Recentemente, diversos estudos sobre contar a prole (RA) sobre sua concepção e varia
de acordo com a idade das crianças, podendo causar conflitos dos pais com a criança. Fisher-
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 168
Jeffes (2006) identificaram que uma grande maioria dos pais não tinha informado ainda sua
criança (3-10 anos) na data da coleta dos dados destes estudos. Os pais de RA que informaram
sua criança observaram significativo comportamento mais difícil quando comparado com pais
de RA de que não divulgaram ainda para suas criaas. Entretanto, o estudo indica que a
metade dos pais pretende dizer para sua criança em algum ponto.
Este é um dado que os casais entrevistados não relataram, fica a vida: será devido a
pouca idade da criança e que talvez entrar em contato com esse tema pode ser adiado?
Foi encontrado somente um estudo brasileiro que abordou inquietações dos pais com relação
aos (as) filhos (as) concebidos (as) por RA, tanto para revelar-lhes as condições de sua
concepção, quanto ao refletirem sobre eles (as) como membros de um grupo social,
igualmente sujeitos aos estigmas que aí se produzem (infertilidade). Segundo Straub (2007) os
pais inquietam-se em revelar seu “segredo” ao (a) filho (a), pela possibilidade deste (a) abrir
aos outros e assim, serem novamente identificados como estigmatizados.
Se faz necessário uma pequena explicação sobre o fato de não pretendermos nos ater
aos aspectos morais e éticos referente aos embriões criopreservados. Especificamente no caso
de Ana e Bruno, estes estão presentes na dinâmica e no imaginário familiar em que diferentes
aspectos foram avaliados e refletidos pelo casal. Eles não suportavam a idéia de “abandoná-
los”, mesmo reconhecendo o caráter abstrato de sua atitude. O amontoado de células
humaniza-se e provoca um dilema de consciência. Destr-los ou abandoná-los provoca então
sentimentos de uma espécie de traição contra essas “crianças” adormecidas e que foram
objeto de tanta aflição e tanto desejo.
Considerando que o embrião carrega em si as características de seus pais biológicos, a
doação de embriões pode gerar conflitos tanto na vida do casal que doa, quanto daquele que
nasce e poderá exigir o direito de conhecer seus pais biológicos. Na perspectiva de Or
(2007) a destruição embrionária, seja de maneira sumária, seja usando o embrião para
pesquisas geticas, é outro drama. Vale ressaltar que os autores não são contra a tecnologia,
nem negam o seu valor, mas estão abrindo um painel de discussão para que a sociedade possa
refletir sobre até que ponto essa tecnologia atua a nosso favor, ou melhor, até que ponto ela é
correta e eticamente utilizada a serviço do bem da humanidade.
Diferentes atores (os pais, representantes da Igreja Católica, do aparato jurídico, da
comunidade científica, dos médicos e outros integrantes da sociedade civil) se posicionam
constituindo o debate sobre a condição do embrião. Três
pontos ficam claros na polêmica: o
tratamento dos embriões como sujeitos em primeiro lugar. Segundo, enquanto sujeitos, esses
embriões estão envolvidos em uma trama de parentesco: eles têm pais e são os pais que
exercem a autoridade máxima sobre eles como em situação de crianças dependentes.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 169
Finalmente, a relação desses embriões com os pais é constituída pelo vínculo genético. O
impacto dessas discussões diz respeito à forma pela qual o ser humano se pensa reproduzindo
a si mesmo e dominando a natureza, um valor característico do imaginário ocidental.
Muito se tem pesquisado e discutido sobre essas novas perspectivas familiares e
relacionais. Amazonas e Braga (2006) fazem um importante alerta sobre as novas formas de
parentalidade, promovidas a partir das mudanças na família e nos pais parentais e de
gênero masculino e feminino, do controle sobre a procriação e das novas biotecnologias.
Segundo os autores seria mais adequado nos referir a uma trans-historicidade do laço familiar
onde as questões levantadas suscitam sobre a saúde (ou patologia) psíquica e social das
crianças geradas por processos de RA. Relatam preocupação com os "bebês assistidos",
gerados sob interferência de terceiros e em ambiente fora do padrão 'casal e família' e que
merecem uma reflexão para maior apropriação do tema. E que devemos considerar a
medicalização e a intervenção no corpo feminino (uma verdadeira bomba de hormônios), que
provocam mudanças e alterações dolorosas no corpo das mulheres durante todo o processo, e
que ainda não sabemos o que pode produzir nos embriões.
O tema que cabe ainda ser discutido é sobre a mulher autônoma e livre em que a
infertilidade associa-se à perda do poder de optar ou não pela maternidade, direito
conquistado socialmente e valorizado na s-modernidade. Para Miranda (2005), se a
contracepção possibilitou a reapropriação do seu corpo e o domínio da fecundidade, a
infertilidade representa exatamente o seu oposto. A infertilidade representa um retrocesso no
que se refere à auto-aproprião feminina relativa ao corpo e atualiza a estrita ligação entre o
reino do corpóreo e a constituição da subjetividade ao veicular um retrocesso no que se refere
ao direito de optar por ter ou não filhos e, tamm, no que se refere à sexualidade que, no
decorrer do processo de tratamento de RA acaba reduzindo-se novamente à procriação.
Assim, a infertilidade fere a mulher no seu estatuto de sujeito.
Devemos aqui, discordar, pois acreditamos que a mulher poderia optar por continuar
infértil e não ter filho ou adotar. A tecnologia da RA deu a possibilidade de escolha de ser
fértil ou não, perante a sociedade, mas seu corpo continuará infértil. Há décadas a
contracepção deu para a mulher a opção da maternidade ou não. Porém, a busca pela RA, e
o
a infertilidade, que retrocedeu ao direito de optar por ter ou não filhos. Pois a mulher
continua infértil depois do tratamento de RA e até após o nascimento do filho.
Ainda, Miranda (2005) apresentou rias imagens de maternidade: maternidade-
desvalorizada, maternidade-dever, maternidade-sacrifício e a maternidade-opção, desligada da
noção de função natural ou social das mulheres e ligada à noção de desejo e de escolha.
Conforme o autor, para as mulheres se firmarem como sujeito foi necessário que
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 170
conquistassem a autonomia simbólica e uma nova relação com a maternidade atrelada a seu
desejo. Elas querem poder desejar e é isso que a infertilidade retira. A “in” da in
fertilidade
significa mais que um não à fertilidade; ele retira das mulheres o direito de escolha, de optar
ou não pela maternidade, imprimindo uma relação bem mais complexa.
Julgamos que os procedimentos para “tratara infertilidade neste momento em que a
autora chama de maternidade-opção
representa a perda do poder de escolher. Defendemos
aqui a idéia de que ainda estejamos na maternidade-dever
, imposição social. A mulher “acha”
que escolhe, mas é a sociedade que “força” essa idéia e a RA “confirma”. A RA fere o direito
de escolher ser infértil ou pela opção da o maternidade/paternidade.
Sensacionalista, simplista e benevolente, a RA utilizada em sua divulgação,
juntamente com a abordagem dica para o "tratamento" da infertilidade, contribui para a
demanda de homens e mulheres, homogeneizados num único desejo: o desejo de filhos.
(Corrêa, 1997a, 1997b, 1999a).
Iniciar a discussão sobre o uso da RA a partir do desejo de filhos, ou de seu negativo, a
ausência involuntária de filhos, foi a opção adotada por Corrêa (2001) para seu artigo
reflexivo que está em continuidade com suas pesquisas anteriores. E mostra como a categoria
de desejo de filhos, de reprodução, de família tornou-se central e altamente operativa em
análises da demanda e da oferta de técnicas e serviços da medicina reprodutiva.
Para Queiroz e Arruda (2006) apesar das mudanças do papel da mulher na
contemporaneidade, o desejo pela maternidade/maternagem e/ou o modelo tradicional,
socialmente estabelecido, que preconiza a obrigação por ser mãe, transforma a infertilidade
em condição de doença, vista muitas vezes até como castigo divino. As autoras fizeram uma
reflexão sobre a situação de infertilidade dentro do contexto da saúde reprodutiva, analisando
como ela passa a ser considerada uma “patologia
”, necessitando assim de intervenção
biotecnológica - “tecnologização”. A questão aqui a ser levada em conta é que, dizem as
autoras, através de tal pressão social, a mulher passa a desejar o que o social lhe apresenta
como desejável.
Tamanini (2003a) observa que, ao intervir para gerar capacidade reprodutiva, parte-se
de um pressuposto. O corpo como natureza normal é o rtil, se ele não está conseguindo
manifestar sua essência, então precisa ser ajudado, uma vez que ele está falho (anormal). O
processo de materialização trará para esse corpo a função reprodutiva, ainda que passageira”,
na maioria dos casos. O “tratamentonão (re)essencializa uma natureza fértil, apenas permite
produzir um efeito de remodelação que se aproxima do que era considerado natural pela
cultura. O que ocorre na verdade é que esse natural é todo construído.
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 171
Na RA a natureza é modificada de infértil para fértil, sendo que o natural e o artificial passam
a ser realmente metáfora um do outro. E tenta construir uma natureza fértil. O natural é o
corpo fértil. Trata-se de remodelar corpos inférteis em corpos férteis. A fertilidade passa a ser
totalmente “construída” por um tempo. O tempo do nidar, do gestar e do nascer. Depois do
nascimento, o corpo (útero, orios) pode não estar fértil. Ele volta à sua condição de
hipofertilidade, exigindo o recomeço de sua construção, caso se queira um novo filho.
Fechando nossa reflexão, baseada no artigo de Bock (2004) gostaríamos de apontar,
seguindo as concepções sócio-históricas, um conceito para a maternidade e a paternidade que
o são vistas aqui como um processo natural do desenvolvimento sexual, como uma etapa
natural para a vida adulta. E sim, são vistas como uma construção social que tem suas
repercussões na subjetividade e no desenvolvimento do homem moderno e não como um
processo natural. É um momento significado, interpretado e construído pelos homens. Estes
estão associados aos órgãos reprodutores do corpo masculino e feminino constituindo a
paternidade e a maternidade como um fenômeno social. O fato de existirem órgãos
reprodutores no corpo humano não deve fazer da paternidade e da maternidade um fato
natural. Os órgãos reprodutores são “marcas corporais naturais” que são significadas
socialmente. Os gêneros o qualificados através deles onde são construídas as significações
sociais.
Finalizando nossa discussão, consideramos interessante focalizar as idéias de Corrêa
(2008) de que sem o desejo de filhos não há infertilidade a ser investigada ou tratada.
Habituamo-nos de tal maneira a naturalizar aquele desejo que junto com ele naturalizamos
também uma suposta categoria médica: a infertilidade. A concepção de que todas as mulheres
querem se reproduzir; sendo tão naturalizado o desejo de filhos, que o inverso desejar
permanecer sem filhos é o que deveria ser interrogado. Baseada na idéia sobre a visão
tradicional dos neros, em particular o estereótipo do mito do amor materno, construiu-se a
categoria casal infértil que ignora as diferenças de gênero tanto no que diz respeito ao papel
de homens e mulheres na reprodução quanto à dissimetria na manipulação de seus corpos nos
tratamentos de RA. Para o autor o único limite da aplicação das RAs seria representado pelo
desejo oposto, isto é, o de não querer ter filhos. Como visto, o filho das NTRs tem que ser
desejado para que a infertilidade possa ser aventada ou diagnosticada. Não querer ter filhos
anula a possibilidade de um estado de hipo-fertilidade ou de infertilidade vir a ser ou o
medicamente confirmado, ou mesmo apenas ser interrogado. Há um aspecto ainda mais
importante: a ausência de desejo de filhos invalida também a possibilidade de se falar em
nome de um direito irrestrito à reprodução ou pelo menos, traz a necessidade de se falar,
também, em um direito de não se reproduzir biologicamente, ou de se viver sem ser
Nascendo pais: a transição para a parentalidade em Reprodão Assistida (RA)
Maura Castello Bernauer Página 172
estigmatizado
. A transformação do desejo em um direito a ser positivamente garantido por
tecnologias reprodutivas e por assistência tecnológica poderia vir a anular o direito a não
reprodução. A redescrão da ausência não desejada de filhos como direito à reprodução em
nome do desejo de filhos poderia expelir o direito de se permanecer sem filhos, sem sofrer
pressões por busca de tratamento.
A nosso ver, a reflexão se mostrou necessária diante da busca “dolorida” por um filho
que talvez o seja necessário.
Um ponto importante a explicitar é que alguns temas explorados na parte III desta pesquisa
o haviam sido abordados anteriormente na revisão bibliográfica por que surgiram
espontaneamente a partir do discurso dos entrevistados. São eles: embriões criopreservados,
religiosidade, aborto, adoção e hepatite C. Dada a importância de seus conteúdos, foram
abordados superficialmente, porém deverão ser futuramente em outros trabalhos, mais
detalhadamente estudados.
Cabe ainda comentar a receptividade do casal 2, que demonstrou uma disponibilidade
muito generosa. Na segunda entrevista, às 21:15h conforme o combinado, Carla recebeu o
pesquisador de pijamas; e Daniel de moleton. Ela disse que ele a questionou sobre receber a
visita de pijamas e: “- Ah, não faz mal, a Maura já é de casa”.
Acreditamos ser importante fazer esse adendo por que demonstra o vínculo que uma
entrevista em profundidade pode estabelecer, que além de enriquecedor faz surgir demandas
importantes que devem ser respeitadas.
Nesta data Daniel estava 8 kg mais magro, muito abatido, e contou ser por causa do
tratamento da hepatite, em que ele fica muito enjoado, com mal estar, irritado e depressivo,
referiu que estava tomando antidepressivos. Mas felizmente já “zerou” os exames, por isso
tem vontade de desistir, mas como da outra vez que fez o tratamento corretamente e mesmo
assim ouve recidiva, dessa vez resolveu fazer “direitinho”, até o fim.
Ao mesmo tempo em que fazer a entrevista na própria residência do entrevistado pode
produzir sensação de intimidade, também pode ser invasiva ou produzir desconforto.
Portanto, cabe ao pesquisador ter consciência de sua postura e habilidade profissional e
também de sua capacidade empática.
Consideramos que o tema da hepatite C estimada em cerca de 170 a 200 milhões de
infectados em todo o mundo (1999) é de uma enorme importância porque o longo período em
que a infecção permanece completamente assintomática faz com que o indivíduo não tome
conhecimento dela e, portanto, não procure atenção especializada, e a sua capacidade de se
tornar crônica em até 85% dos infectados, elevando o risco de desenvolvimento de
complicações graves, como cirrose hepática e ncer de gado. o sem razão, a hepatite C
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vem sendo apontada como a mais importante pandemia desse início de século 21, sendo
responsável já pela maioria dos casos de transplantes de fígado em inúmeros países.
Por isso enfatizamos que este tema deve ser discutido e divulgado nos meios leigos e
acadêmicos. O surgimento desse fator transversal ao estudo mostra claramente que este é um
problema de saúde blica e que acreditamos ser da responsabilidade de todos os
profissionais conscientes.
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Maura Castello Bernauer Página 9
6. CONCLUSÃO
Para Vygotsky a consciência era mediada pela cultura, em que o problema central foi e
continua sendo a mediação da mente e da consciência: uma atividade que distingue o ser
social do ser natural, isto é, define a especificidade do ser humano como um ser histórico,
social e cultural.
Cabe, nesta conclusão, a reflexão sobre a perspectiva de Vygotsky que o parte do
pressuposto de que algo em germe que, na interação com o meio, irá se desenvolver, como
a maioria das teorias psicológicas. Mas sim, ressignificar o conceito de natural e o resultado
da atividade humana no contexto das relações sociais.
Nesta pesquisa, foram identificados e analisados os significados e sentidos da
transição para a parentalidade de casais que tiverem filhos através de RA, na perspectiva
vygotskiana com a intenção de desnaturalizar a construção histórica de que o feminino se
afirma através da maternidade e o masculino, da paternidade e, também, desnaturalizar o
desejo de ser pai e mãe, de ter filhos, a infertilidade e a RA; em direção a novas produções de
subjetividade, acreditando que o é natural todos os homens e mulheres desejarem ter filhos
.
A contextualização da desnaturalização da maternidade e da paternidade implicou a
compreensão do processo de desenvolvimento e de transformação da conjugalidade e da
parentalidade que são fenômenos complementários. Concluiu-se que nos casais entrevistados,
esse ajustamento ainda” não se efetivou porque supomos que eles não desejavam ter filhos, e
sim, ser pai e mãe para confirmar suas identidades de gênero.
A identidade humana significa não apenas o que sou
, mas quem sou situado no tempo e no
espaço social, ela constitui-se como uma experiência cultural e a presença do outro é a
condição de possibilidade para a constituição e afirmação da identidade.
Entende-se que, na sociedade contemporânea a identidade social de gênero é identificada pela
relação masculino/paternidade e feminino/maternidade e que, portanto, desnaturalizar e
questionar essas constrões sociais podem desestruturar a identidade pessoal. Porém,
consideramos salutar fazer esses questionamentos para promover a saúde psicossomática de
homens, mulheres e crianças.
Os homens e mulheres que não tiveram ou não têm dificuldades biológicas para
conceber (os ditos “normais”) muitas vezes não questionam se o desejo de “ter filhos” é
genuinamente “seu” (enquanto sentido pessoal) ou se foi construído socialmente como
identidade de nero. O questionamento se efetiva pela dificuldade em determinar em que
medida a reprodução é um exercício da vontade individual e em que medida é produto de
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condicionamentos sociais
. Os casais inrteis são confrontados com o desejo de ter fihos
obrigando-os a parar para pensar”. Porém, quando uma mulher e um homem férteis querem
uma criança, talvez não exista um desejo, como algo genuíno e que tenha sentido no processo
subjetivo deles, mas sim, ocumprimento” de uma conduta esperada socialmente, pelos
familiares, amigos e redes de relações.
A cultura brasileira, ou talvez a ocidental, confirma o dualismo fundamentado nas
relações de gênero, acreditando que os órgãos sexuais masculinos e femininos, ao cumprirem
a função biológica de reprodução da espécie, constituem a identidade feminina e a masculina.
Assim, a naturalização da maternidade/paternidade e sua associão com a feminilidade e a
masculinidade podem ser entendidas em fuão da construção social que se impõe aos
gêneros. Portanto, questionar a identidade de nero seria questionar a própria existência.
Talvez por isso, pensar a maternidade e a paternidade como não natural seja probletico,
pois desestabiliza a identidade de gênero que possuímos.
Gênero, como categoria de análise, pressupõe que são realizadas construções do
feminino e do masculino, onde a natureza e a naturalidade fazem parte do discurso social e
pessoal. A idéia da maternidade como natural faz parte de uma construção e interpretação de
gênero feminino, negando seu caráter histórico de maternidade constrda. Outra questão
imbricada nesta discussão é que a natureza humana não existe em si mesma, mas sim a
condição ou possibilidade de humanização que é resultante de um processo socio, histórico e
cultural , portanto, não está livre de valores sociais. A construção dessa reflexão permitiu
desnaturalizar os conceitos feminino/maternidade e masculino/paternidade, abrindo
possibilidades de mudança, troca e expansão, colocando assim a maternidade e a paternidade
como uma opção da existência humana e não como fundantes da identidade de homens e
mulheres.
Apoiados nos conceitos de gênero que desnaturalizam hierarquias de poderes
baseados nas diferenças de sexo, e buscando desconstruir os componentes do natural em
relações sociais, e de que o “corpo naturalmente fértil” foi construído cio-historicamente,
o conceber um filho é: não cumprir o socialmente esperado (ser pai e ser mãe)
.
Identificou-se, em nossa pesquisa, que uma das características dos casais foi, mesmo depois
de conseguirem engravidar, a permanência dos sentimentos associados à infertilidade, sem
conseguirem restaurar o equilíbrio parental. Pode-se supor, que o tratamento de RA, que no
Brasil pode durar anos, produz a construção de sentidos pessoais e redimensiona os
significados da transição para a parentalidade. Pois esses casais continuam sendo inférteis
apesar de terem filhos. A condição de infértil ainda existe, eles não se “curaram da doença”.
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Se eles quiserem ter outro filho ainda não podem tê-lo naturalmente, permanecendo o
sentimento de inferioridade e estigma. Acredita-se que os avanços da tecnologia estão
(re)construindo significados sobre a parentalidade porque não existem parâmetros de
comparação, só a experimentação.
Não conceber um filho, indicador de infertilidade, assume a dimensão de não cumprir
o socialmente esperado (ser pai e ser mãe), pois o casal não está atendendo ao imaginário
coletivo, fruto da construção socio-histórica da sociedade, de que o “corpo é naturalmente
fértil e que homens e mulheres atestam sua identidade de nero engravidando. Baseados
nos conceitos de gênero que desnaturalizam hierarquias de poderes baseados nas diferenças
de sexo, buscando desconstruir os componentes do natural em relações sociais, e que o “corpo
naturalmente fértil foi construído sócio-historicamente, não conceber um filho é: não
cumprir o socialmente esperado (ser pai e ser mãe).
Identificou-se, nesta pesquisa que uma das características dos casais era que, mesmo
depois de conseguirem engravidar, os sentimentos permaneceram associados à infertilidade,
sem conseguirem restaurar o equilíbrio parental. Pode-se supor que o tratamento de RA, que
no Brasil pode durar anos, produz a construção de sentidos pessoais e redimensiona os
significados da transição para a parentalidade, que esses casais continuam sendo inférteis
apesar de terem filhos. A condição de infértil ainda existe, eles não se “curaram da doença”.
Se eles quiserem ter outro filho ainda não podem tê-lo naturalmente, permanecendo o
sentimento de inferioridade e estigma. Acreditamos que os avanços da tecnologia da
reprodução estão (re)construindo significados sobre a parentalidade, já que não existem
parâmetros de comparação, só a experimentação.
O fato de a infertilidade ser considerada uma patologia legitima o desenvolvimento
das técnicas de RA: imposição biológica do parentesco; esconder as “deficiências” na relação
privada do casal (segredo); vergonha da infertilidade (culpa
). Não se abre a discussão e a
possibilidade de se olhar a infertilidade como um fenômeno socialmente construído, em vez
de, propriamente, um agravo à saúde, como fator de doença, tendo como gênese ou uma
fatalidade individual ou uma condição social, por exemplo (o adiamento da maternidade para
aprimoramento profissional ou, até mesmo, para melhorar condições financeiras de sustento).
Faz-se necessário refletir sobre a ordem associada à constituição da oposição entre natureza e
cultura expressa na naturalização de procriar. Biologicamente, o ser humano nasce com
óros capazes de procriar (fecundar, gestar, parir) e a cultura social impõe às pessoas
submeterem seus corpos a tratamentos hormonais e cirúrgicos para se enquadrarem nos
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Maura Castello Bernauer Página 12
planos prescritos sociais vigentes contemporâneos (homem e mulher que vivem na
conjugalidade, passar a terem filhos – parentalidade).
O desejo por uma criança se sustenta no senso comum pelo pressuposto social de que
é natural da mulher, e do homem e isso legitima socialmente a demanda pela RA, tornando-a
incontestável. A representação do vínculo biológico (subentendido: conceber, gravidez e
parto) para confirmação das identidades de gênero é a principal razão que conduz os casais
aos serviços de RA levando-os, assim, a preterir a adoção ou permanecerem sem filhos.
Pensando que o parentesco é um fato socialmente radicado na natureza e tem significado para
os relacionamentos humanos, a RA faz um contraste entre natural e artificial, uma vez que,
ao ter filho sem coito, fica difícil manter a iia dos laços de parentesco, (“laços de sangue”)
como algo natural. Família é um fenômeno que tem sido compreendido como conexões entre
consangüinidade e afinidade (sistema de parentesco) entre suas principais características.
Através da RA o modelo de família vem se modificando, mas apenas para manter o modelo
de transmissão geracional através dos laços de sangue. Ao sustentar a idéia de que ter” um
filho, dá-se a ilusão do controle sobre a finitude, consolidando a ilusão de imortalidade.
A significação do filho biológico não pode ser compreendida apenas como uma construção
semiótica vinculada à infertilidade ou às representações que circulam no discurso científico
ou na sociedade. Trata-se de um processo complexo e seletivo, orientado por um sentido
dominante e comum aos sujeitos: o medo da perda da identidade de nero
. Desenvolve-se e
se configura-se na constituição emocional e nas experiências dos sujeitos, reestruturando a sua
condição subjetiva e a realidade, sendo, portanto, um processo que se constitui na
intersubjetividade.
A significação da parentalidade se configura no decurso da constituição emocional
dos sujeitos e das suas experiências, reestruturando a sua subjetividade e a realidade em que
vivem. A motivação central dessa significação é ter um filho biológico para “confirmar” os
gêneros masculino e feminino correlacionados à virilidade e à capacidade de gestar e parir.
Através do interesse em pesquisar homens e mulheres que tiveram que recorrer a RA para
conceber um filho que supostamente a “natureza não lhe concedeu”, entendeu-se que a busca
pelo filho biológico (do mesmo sangue”) demonstra a necessidade de homens e mulheres de
confirmar suas identidades de gênero definidas socialmente. Portanto, pode-se supor que
muitos problemas emocionais são decorrentes do não desenvolvimento da parentalidade, ou
seja, da relação das crianças com os pais. Talvez, porque muitos homens e mulheres não
desejavam ter filhos, queriam ser pai e e, para confirmar sua feminilidade e
masculinidade.
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Um ponto considerado interessante de citar é que ao fazer a revisão bibliográfica para
o embasamento teórico desta pesquisa, havia mais artigos atuais sobre paternidade do que
sobre maternidade. Parou-se para refletir e constatou-se uma grande quantidade de teorias
sobre maternidade e psicanálise, que o foi nossa proposta de linha teórica de embasamento.
Partiu-se, então, para uma visão histórico antropológica da maternidade e da paternidade até a
contemporaneidade, procurando evitar textos sexistas e desiguais com relação aos gêneros. A
partir daí, constatou-se que havia pouco material sobre maternidade contemporânea, somente
adaptações da vida cotidiana da mulher/profissional e mãe, tripla jornada de trabalho, apoio
para realização profissional e doméstica, a “ajuda” do pai nesse processo, as dificuldades de
conciliação, divórcio, realização profissional e culpa, recasamento, famílias recompostas,
como ser uma boa mãe e uma boa profissional, relação com o cônjuge e com os filhos. É
explorando a identidade da mulher continua vinculada à da mãe, atrelada à do pai, à do
filho(s), à da família estendida (avós), às pessoas que lhe dão retaguarda na rotina doméstica e
profissional. Ela sempre está atrelada” a alguém, nunca sozinha. Sua realização sempre está
vinculada a um terceiro, se não for assim, ela é “tachada” de incompetente ou egoísta.
O movimento de ascensão da mulher, como profissional e mãe, dentro do grupo
familiar, aconteceu em paralelo ao declínio do poder do pai. Porém, o pai não perdeu toda a
sua autoridade, pois hoje a autoridade é compartilhada e o que define família são os
investimentos afetivos. Aparentemente, o filho da RA corrige as falhas e retoma a cadeia
familiar, mas também reafirma uma condição de fracasso.
Na introdução deste estudo pontuamos que a mulher deseja ter filhos porque considera sua
função natural e que socialmente não muita indulncia para com aquelas que se afastam
do que lhes é próprio. o homem, por sua vez, deseja ter filhos para provar sua
masculinidade e aceita com mais facilidade o não desejo de filhos, arranjando uma boa
justificativa para sua atitude. Podendo-se revelar uma diferença na relação de nero quanto
às exigências sociais para tornar-se pai e mãe. A partir daí convém explorar brevemente uma
situação que costuma ocorrer nos grupos sociais considerados de alta renda (AA) em que a
opção por não querer ter filhos é aceita em função da carreira promissora do casal.
Os grupos citados acima são denominados Dinks (Reino Unido, India e China).
Traduzindo: Dinks (Abreviação em inglês para Double income no kids) são os casais, hetero
ou homo, bi, tri ou pansexual, com dois excelentes salários, que dividem o mesmo teto e o
querem saber de filhos no momento. O termo dinks é usado nos Estados Unidos e no Japão,
especialmente para um subconjunto dos yuppies e pode também ser um termo mais
apropriado para os pares que preferem não ter filhos (Childfree).
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Maura Castello Bernauer Página 14
Os Dinks são frequentemente alvo de esforços de marketing para artigos luxuosos tais
como carros, restaurantes, artigos supérfluos e viagens, pois têm um estilo de vida mais caro e
tendem a consumir mais do que aqueles com famílias.
Parece-nos que a relação de gênero, apontada neste estudo, em que o feminino é
identificado com a maternidade e o masculino com a poder de provedor da família, pode estar
se modificando. Porém, se a carreira profissional da mulher está socialmente vinculada e
valorizada no gênero masculino, que elas estão ocupando esse espaço, e foram aceitas e
reconhecidas em seu valor, poder-se-ia supor que essa seria uma mudança de identificações
de gênero pelo menos para as mulheres?
Chamou-nos a atenção algumas pesquisas sobre gravidez tardia e a busca da
maternidade através de RA, após os considerados “anos férteis”, que talvez revele que as
coisas não mudaram tanto assim”. Uma das vantagens contemporâneas da mulher é a
possibilidade de poder gestar quando, como e de quem. Digam-se as clínicas de RA que
desenvolveram técnicas para manter óvulos criopreservados e em condições viáveis por vários
anos, além de estarem em condições possíveis de gerar uma criança. É uma realidade nas
clínicas privadas no Brasil e outros países, onde as mulheres optam pelo adiamento da
maternidade para realizarem-se profissionalmente num mercado de trabalho competitivo,
onde o tempo faz toda a diferea, porém quando realizadas profissionalmente sentem o
chamado do relógio biológico”. Seria apelo biogico ou sentem-se culpadas
por não terem
cumprido todos os papéis sociais designados para elas?
A ideia de natureza em sua função ideológica reforça a ordem moral e gera
culpabilidade
. O desejo encontra-se intrinsecamente ligado à idéia de natureza, e se manifesta
pela transgressão da lei moral: a culpa.
A culpa é o oposto cultural do desejo. Através dos
discursos dos entrevistados de-se perceber que os conceitos de natureza e religião estão
muito emaranhados, interligados.
Estabeleceram-se as relações:
ψ Considera-se que é natural o ser humano desejar viver e antinatural querer morrer
(eutanásia).
ψ Considera-se natural que o homem queira inseminar uma mulher (virilidade) e que a
mulher deseje ser inseminada pelo homem (gestação).
ψ Os óros reprodutores foram feitos pela natureza para procriar e não só para o prazer.
(religiosidade)
ψ É esperado socialmente que homens e mulheres aceitem o que a natureza lhes deu. Por
exemplo: um filho indesejado.
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ψ Se você não quer o filho indesejado e provocar aborto: culpa.
ψ Se você é fértil, mas por rios motivos não deseja filhos, usa contracepção ou opta
por não tê-los: culpa
.
ψ Se você é infértil e deseja permanecer sem filhos e não busca resolução através da
tecnologia médica: culpa
.
ψ Se você é infértil, mas deseja filhos e faz RA: culpa
.
Deve-se compreender que tudo que se opõe ao desejo transgride a natureza e que a
natureza foi feita por Deus, quando você transgride a natureza você sente a culpa
propalada
pela religiosidade.
Refletindo a partir das entrevistas pudemos correlacionar que o casal infértil, que não aceita
sua natureza infértil e procura tratamento de RA, sente-se culpado
por transgredir a natureza
e estar indo contra os desígnios de Deus.
A RA desnaturaliza a infertilidade e na tentativa de dizimar-se da culpa
por
transgredir uma natureza infértil, ela se “veste-se” de uma pseudo “ajuda à natureza”. Quando
a RA não dá certo a medicina propala que a culpa
foi da natureza: “que Deus não quis”.
Mas se a RA dá certo, o filho não alivia” a culpa
porque o foi natural, não foi Deus que
deu, foi o homem através da tecnologia reprodutiva. Então a culpa
persiste e o casal sente-se
em dívida com Deus.
Ao final desse estudo de profunda reflexão muitos aspectos passíveis de discussões e
questionamentos foram levantados. Um aspecto que chamou a atenção foi que a RA considera
o desejo da maternidade e da paternidade naturais e desnaturaliza a infertilidade, tornando o
casal infértil em temporariamente fértil com a “desculpa” de realizar o desejo do casal e
justificar todas as intervenções médicas. E a sociedade confirma esse desejo de ser pai e mãe e
condena os que o o cumprem.
Diante disto, surgiram rios questionamentos que se deseja compartilhar com o leitor e
estimular futuras pesquisas:
ψ Como saber se o desejo legítimo da paternidade e da maternidade o é um desejo em
parte alienado, uma resposta às coerções sociais?
ψ Por que não se aceita que a infertilidade é natural e não uma patologia?
ψ Por que considerar natural que homens e mulheres desejem filhos e antinatural se não
desejam?
ψ Por que não viver bem a conjugalidade sem filhos? Não existe família com dois
membros?
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ψ Por que se submeter a um tratamento que acarreta alto ônus financeiro, riscos sicos e
psicológicos?
ψ Por que não adotar?
ψ Que tipo de vínculos se constitui com filhos gerados através de RA?
ψ Como seria a relação do homem e da mulher que talvez não quisessem ser pai e mãe, e
que somente tiveram o filho para assegurar seu papel de nero sócio-historicamente
construído? Qual será o reflexo desse “não desejo” por essa criança?
Ao compreender a complexidade do tema e assumir uma postura reflexiva, tomou-se a
liberdade de fazer três sugestões. A primeira é sobre o aspecto econômico dos casais que
participaram desta pesquisa que, embora com dificuldades, têm um padrão financeiro capaz
de “bancar” um tratamento de RA privado. Sugere-se então, um olhar mais atento sobre o
contexto sócioeconômico brasileiro em que as técnicas de RA são aplicadas e que algumas
questões ainda carecem de estudos mais aprofundados sobre como a demanda por filhos é
tratada por mulheres e por homens nos diferentes contextos sociais, culturais e econômicos.
Uma segunda sugestão é sobre a intervenção psicológica é claramente necessária no
campo da psicologia da saúde e hospitalar priorizando a qualidade de vida da população.
Especificamente na área da RA, acredita-se que o atendimento psicológico de sustentação
emocional não deve ser centrado apenas no paciente, mas também na equipe multidisciplinar,
onde se podem focar as questões de nero e da culpa atravessadas no tratamento. Sugere-se
que todos os membros da equipe terapêutica que trabalham em RA devam desenvolver suas
capacidades e habilidades ao máximo, visando a saúde mental de todos. Porém, tais atitudes
o devem somente visar ao sucesso do tratamento de RA, mas possibilitar crescimento e
estrutura emocional para homens e mulheres.
E, ainda, que o atendimento psicológico dos casais deva centrar-se no seu ajuste
emocional, permitindo a detecção do risco de desenvolver desordens emocionais, oferecendo-
se ajuda psicológica apropriada a cada caso. O atendimento psicológico não deve preparar
os casais para aquisição de recursos para lidar com o processo do tratamento médico, mas
para avaliar o sofrimento subjetivo deles. No processo de tomada de decisão dos casais em
fazer a RA, propõe-se discutir a possibilidade de não ter filhos ou de adotá-los e assegurar que
os pacientes compreendam as implicações de suas opções, recebendo sustentação emocional
suficiente para poder enfrentar as conseqüências.
Aproveita-se a oportunidade para comentar que os profissionais da psicologia no
Brasil, não têm o hábito de trabalhar com equipes multiprofissionais e, então, advém a
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dificuldade de estruturar um protocolo de diagnóstico e atendimento de seus procedimentos,
tomando os cuidados éticos e de sigilo. Porém, cabe salientar que essa universalização de
atendimento integrado deve ter uma linguagem “comum” ou “coloquial” e que deve ser
empregada por toda a equipe com a intenção de qualificar o atendimento. Outro ponto
importante é a necessidade de validar instrumentos psicológicos para a população brasileira
com o objetivo de medir o desajustamento emocional e os recursos adaptáveis de casais que
se propõem a submeter-se à RA.
uma grande distância a percorrer antes que seja oferecida a todos os brasileiros
uma atenção a saúde do corpo/mente. Não obstante, acredita-se que “você faz o trajeto
enquanto voanda”, desse modo, espera-se ter contribuído com informações relevantes que
possam ajudar os profissionais da psicologia e afins.
Cabe ainda sugerir uma última proposta que por acreditar que a identidade de gênero
pode ser constituída não
somente através da maternidade e da paternidade, gostaríamos de
sugerir que os casais inférteis desnaturalizem essa pré-concepção e abram possibilidades de
mudança, troca e expansão do que se considera identidade masculina e feminina. Viver ou
o a paternidade e a maternidade, mas com a opção de experimentá-la através de novas
formas de parentesco (sobrinhos, adoção...) ou ões cias (creches, ONGs...) ou
acolhimento de pessoas próximas (na família expandida, no trabalho...) ou produzindo,
gestando e parindo iias e paixões, pesquisas, estudos, obras de arte...
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ANEXO 1.
P
-
INDICADORES
66
INDICADORES
29
1.
Sobre a decisão de ter filhos, formar uma
família, projeto de Parentalidade. 48. O
nascimento da família – Pai X Mãe X Filhos –
Parentalidade.
1. Parentalidade - O
nascimento da Família – Pai
X Mãe X Filho (a) (s): 1 e 48
2.
Descoberta da Infertilidade.
4.
Se os ditos
normais soa capazes de compreender a dor de não
poder ter filhos naturalmente. 5. Como as
mulheres lidaram com a dor do cônjuge. 22. Sobre
a Infertilidade do marido. 7. Enfrentando a
Infertilidade. 9. Sobre usar esperma de doador.
2. Infertilidade: 2; 4; 5 e 22;
7; 9
8.
A busca, decisão de fazer FIV.
10.
Questão
financeira qto ao custo do FIV – Valor de um
filho. 11. Sobre o médico. 14. Disputa de poder da
equipe dica. 16. Serviço Público. 17. Sobre o
tratamento FIV. 20. Sobre o envolvimento do
marido no processo FIV. 21. Transferência dos
embriões. 51. Sobre as pessoas que souberam do
FIV.
3. Tratamento FIV: 8; 10; 11;
14; 16; 17; 20; 21; 51
13.
Sobre o médico indicá-la para atendimento
Psi. 18. Sofrimento do tratamento FIV (sico e
Emocional). 19. Percepção do sofrimento do outro
durante processo FIV. 23. Após a transferência –
Avida do positivo.
4. Aspectos emocionais
envolvidos no tratamento
FIV: 13; 18; 19; 23
12.
Desejo de fazer Ultrasom.
24.
Sobre a
Gravidez. 25. Sobre o cônjuge durante a gravidez.
5. Gravidez: 12; 24; 25
26.
Filhos da ciência.
29.
Sobre o impacto do FIV
e o relacionamento afetivo com o e talvez a
influência do médico, da ciência nesse processo.
6. Sobre o filho (a) (s): 26; 29
30.
O parto – 3 cesarianas.
31.
Sobre o marido no
parto. 32. Planejamento do parto. 33. Pós-parto
imediato – efeito da anestesia. 34. Pós-parto
Imediato.
7. Parto e Pós-parto: 30; 31;
32; 33; 34
36.
Primeiros dias em casa.
37.
Amamentação.
39.
O nascimento do filho real.
8.
O nascimento do filho
real: 36; 37; 39
6.
Desejo de ser mãe – cumprindo papel esperado.
35. Visão do homem sobre “ser mãe”. 40. O
nascimento da mãe. 41. A mãe abnegada. 42. O
poder da mãe ou o poder divino. 50. Ser mãe na
prática.
9. Mãe: 6; 35; 40; 41; 42; 50
38.
O nascimento do Pai - Pai provedor X Pai
genitor. 44. Ser Pai.
10. Pai: 38; 44
45.
Sobre a família de origem – Avós.
46.
Sobre a
família do cônjuge – Avós. 47. Administrando a
família de origem.
11. Família: 45; 46; 47
43.
Mulher X Mãe X Profissional – Conflitos
internos. 54. Sobre quema retaguarda para a
mulher poder atuar profissionalmente.
12.
Mulher X Mãe X
Profissional - Conflitos
Internos: 43; 54
3.
Finitude – Morte
13.
Finitude – Morte:
3
15. Conjugalidade – Sexualidade antes e durante
gravidez.
14.
Conjugalidade X
Sexualidade antes e durante
gravidez: 15
49. Sobre o relacionamento conjugal após o
nascimento dos filho(s).
15.
Sobre o relacionamento
conjugal após nascimento do
filho (a) (s): 49
27. Fé – Deus – espiritualidade – Culpa.
16.
Fé – Deus –
espiritualidade – Culpa: 27;
28.
55. Sobre a relação Pais X Filhos ou
coparentalidade.
17.
Sobre a relão Pais X
Filho (a) (s) ou
coparentalidade: 55
56.
Sobre o filho (a) (s)
18.
Sobre o filho (a) (s):
56
57.
Sobre o Futuro
19.
Sobre o futuro:
57
58. Sobre ter outro filho. 60. Nova tentativa de
FIV – atual.
20.
Sobre ter outro filho -
Nova tentativa FIV – atual:
58; 60
61. Fraternidade – Irmandade.
21.
Fraternidade
Irmandade: 61
62. Sobre os embriões excedentes.
22.
Sobre os embriões
excedentes: 62
63.
Gênero.
23.
Gênero:
63
64.
Aborto – Culpa.
24.
Aborto – Culpa:
64
65.
Adoção – Reparação.
25.
Adoção - Reparação:
65
66.
Hepatite.
26.
Hepatite:
66
59
. Uma família dentro da outra.
27.
Exceção:
59
52.
Sobre o Cônjuge.
28.
Sobre o Cônjuge:
52
53.
Sobre si mesmo.
29.
Sobre si mesmo:
53
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