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Pensamentos de um “correria”. (ANEXO H)
Ele me olha, cumprimenta rápido e vai para a padaria. Acordou cedo, tratou de
acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café.
A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro para alguém para tomar mais
uma dose de cachaça, ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão,
que é como todos chamam fazer um assalto.
Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos
vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar
impostos.
Quando o filho chora de fome moral não vai ajudar.
A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro para não se ver dentro do carro,
cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra
sentimentalismo.
O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa
mostrar nada. O moto boy tenta se afastar dele, desconfia pois ele está com outro na
garupa, lembra das 36 prestações que faltam para quitar a moto, mas tem que arriscar e
acelera, só tem 20 minutos para entregar uma correspondência do outro lado da cidade,
se atrasar a entrega perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.
Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque
no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.
Enquanto isso, muita gente em seus carros, ouvem suas músicas, falam em seus
celulares e pensam que estão vivos e num país legal.
Ele anda de vagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não
terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá
uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e
um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.
Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava
ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa,
ela começou a beber, a mesma bebida que os programas de televisão mostram nos seus
comerciais, só que neles ninguém sofre por beber.
Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que
sirva para o século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa, mas pra que
estudar se pela nova lei do governo todo mundo é aprovado?
Ainda menino, quando assistia as propagandas, entendia que ou você tem ou
você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém, do que morrer velho
como ninguém.
Leu em alguém lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o
que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra.
Não acreditava em heróis, isso não! Nunca gostou do super-homem nem de
nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que
moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.
Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas
nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vitimas. Ou matava logo ou saia fora.
Era da seguinte opinião, nunca iria num programa de auditório, se humilhar
perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua para ganhar o suficiente para
cobrir as dividas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.
Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que apesar de morar
perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.