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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Mulheres no Púlpito:
as pastoras luteranas e o pastorado
(década de 1970 a 1990 )
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História, da Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito para obtenção do grau de Mestre em História
Cultural, sob orientação da Prof. Dra. Joana Maria Pedro e co-
orientação do Prof. Dr. João klug.
Josilene da Silva
Florianópolis
2004
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2
A mãe disse para a filha:
_ Se o homem é a cabeça, a mulher é o pescoço e
vira a cabeça para onde quiser!
(Trecho do filme Casamento Grego)
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3
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................
ABSTRACT...................................................................................................................
AGRADECIMENTOS.................................................................................................
SIGLAS..........................................................................................................................
INTRODUÇÃO.............................................................................................................
1 As fontes......................................................................................................................
1.1 A realização das entrevistas......................................................................................
1.1.1 As pastoras..........................................................................................................
1.1.2 Os membros.........................................................................................................
1.2 Os jornais..................................................................................................................
1.3 Os trabalhos acadêmicos escritos pelas estudantes de Teologia na EST: TCCs e
Dissertações...............................................................................................................
I Capítulo: Os usos da Bíblia: tensão e ambigüidade no debate travado entre os
luteranos sobre a situação das mulheres (década de 70 a 2000)...............................
1.1 A situação das mulheres em debate: rompendo as fronteiras do gênero ..................
1.2 A autoridade dos homens sobre as mulheres: “instituição divina”............................
2 A presença das mulheres na EST..................................................................................
2.1 O Grupo de Mulheres na EST....................................................................................
2.2 A implantação da disciplina Teologia Feminista na EST: entre a perspectiva
da mulher e o gênero.........................................................................................................
II Capítulo: Experiências de mulheres: as pastoras luteranas narrando sobre suas
trajetórias ........................................................................................................................
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1 A escolha da profissão ....................................................................................................
2 A reação dos pais ............................................................................................................
3 O período na faculdade, no estágio e nas comunidades .................................................
3.1 O pastorado voluntário ................................................................................................
3.2 Não ao confronto ..........................................................................................................
4 A pastora solteira ............................................................................................................
5 A pastora e a oratória ......................................................................................................
6 A pastora, a esposa do pastor, a mãe e a dona-de-casa ...................................................
6.1 O cuidado da casa .........................................................................................................
III Capítulo: As pastoras luteranas e o pastorado ........................................................
1 A criação do Grupo de Mulheres e a opção pelo feminismo da igualdade: um
primeiro momento na formação das pastoras......................................................................
1.1 As diferencialistas .........................................................................................................
1.1.1 A pastora como complemento do pastor ...................................................................
1.2 Entre o diferencialismo e o igualitarismo ......................................................................
1.2.1 O uso do estereótipo feminino pela pastora ...............................................................
1.3 Da igualdade ao gênero..................................................................................................
2 A adoção da cadeira de Teologia Feminista na década de 90: uma nova forma de
pensar o pastorado...............................................................................................................
2.1 O gênero na fala das pastoras.......................................................................................
2.2 As diferencialistas ........................................................................................................
3 A Teologia Feminista na EST e a negação do feminismo...............................................
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102
4 As identificações das pastoras com as linhas teológicas da IECLB: entre a
Teologia da Libertação, o Tradicionalismo e o Pietismo...................................................
4.1 A opção pela Teologia da Libertação ...........................................................................
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5 Paulo, libertador das mulheres ou não? As pastoras luteranas discutindo os
escritos do Apóstolo Paulo .................................................................................................
5.1 Paulo: o libertador das mulheres ...................................................................................
5.2 Paulo: o não libertador das mulheres ............................................................................
6 A pastora na visão dos membros luteranos ....................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
FONTES ...........................................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................
ANEXO ..............................................................................................................................
6
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo dar historicidade ao processo de formação
das pastoras luteranas no período de 1970 a 1990. Uma das principais questões é perceber o
diálogo das estudantes da Escola Superior de Teologia (EST), localizada em São Leopoldo,
Rio Grande do Sul, com as teorias feministas que foram surgindo a partir de meados da
década de 70, momento em que esta faculdade começa a aceitar mulheres no estudo teológico.
Uma outra questão é observar como estas estudantes de Teologia, a partir de sua presença
nesta faculdade, foram se construindo como pastoras.
Palavras-chave: história, feminismo, identidade.
7
ABSTRACT
This dissertation intends to historicize the formation process of the Lutheran
shepherdess in the period between 1970 and 1990. One of the main questions is to perceive
the dialogue of the Superior School of Theology (EST) students, located in São Leopoldo, Rio
Grande do Sul, with the feminists theories which had been appearing from the middle of
1970s decade, moment where this college started to accept women in the theological study.
One another question is to observe how these students of Theology, from its presence in this
college, they had been constructing themselves as shepherdess.
Keywords – history, feminism, identity.
8
AGRADECIMENTOS
A realização desta dissertação foi um grande desafio na minha vida, um desafio que só
foi vencido com o apoio e o incentivo de várias pessoas.
Gostaria de agradecer especialmente à Prof.ª Dr.ª Joana Maria Pedro, que com muito
carinho, paciência e dedicação me orientou, repartindo o seu conhecimento. Do mesmo modo,
agradeço ao meu co-orientador, Prof. Dr. João Klug, que também sempre esteve disposto a
me ajudar no que fosse preciso.
De grande importância também foi o incentivo que recebi de meus amigos, Lenita
Raad, Janine Petersen e Aujôr de Souza Júnior. Estes amigos se tornaram especiais para mim,
pois deles recebi motivação, além de ter compartilhado momentos alegres e difíceis nestes
longos anos de vida acadêmica.
Gostaria de deixar meu agradecimento à Maristela Moreira de Carvalho que, com
muita atenção, ajudou-me não só na correção ortográfica, mas também pela trocas de idéias.
À minha amada mãe, Maria Esmeraldina Schmitz da Silva que, mesmo não tendo
estudo, sempre me incentivou a estudar, apesar das dificuldades. Ao meu irmão Jade e sua
esposa Cleusa, gostaria de também deixar minha sincera gratidão, pois a ajuda destes foi
fundamental para a realização deste trabalho.
Ao meu noivo Alysson Kopsch, um agradecimento especial por ter sido sempre um
alento nas horas de angústia. Aos seus pais, Wilson e Célia Kopsch, por terem sempre me
incentivado.
Ao auxílio financeiro fornecido pela CAPES – CNPq, que foi muito importante para a
realização deste trabalho. Meu muito obrigado pelo apoio desta instituição.
9
SIGLAS
EST – Escola Superior de Teologia
IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
PPHP – Período Prático de Habilitação Pastoral
FACTEOL - Faculdade de Teologia
OASE – Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo trazer uma nova reflexão sobre o processo de formação
das pastoras luteranas, processo este iniciado a partir da década de 70, já que foi este o
momento em que as mulheres luteranas passaram a estudar Teologia e a serem ordenadas.
Salientamos, nesta dissertação, que a formação das pastoras na Escola Superior de Teologia
(EST), passou por diferentes momentos, sendo possível observar três gerações distintas.
Utilizamos, por isso, o conceito de geração, contudo é importante destacar que o uso deste
conceito não tem o objetivo de delimitar uma linha temporal inflexível. Na verdade, o que
pretendemos destacar é o fato do processo de formação das pastoras ter passado por três
momentos que foram influenciados pelo tipo de teoria feminista utilizada pela EST para
refletir a situação das mulheres na Igreja.
O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu a partir do momento em que
soubemos da existência de pastoras na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB). Para nós, isto foi uma novidade, pois na Igreja da qual participamos até os 18 anos
não era possível uma mulher tornar-se pastora. No período em que congregamos na Igreja
Batista, não imaginávamos a possibilidade das mulheres ocuparem o espaço do pastorado.
Sempre aprendemos que as mulheres poderiam tornar-se grandes missionárias e
evangelizadoras, mas não era possível que se tornassem pastoras. Em 1998, começamos a
participar da IECLB e entrar em contato com esta nova forma de expressão religiosa. Embora
a Igreja Batista também fosse uma Igreja histórica tradicional, como a IECLB, pudemos
perceber que ambas possuíam diferenças significativas, uma delas era a possibilidade que
mulheres da IECLB tinham de exercerem o pastorado.
A partir deste momento, quando nos deparamos com esta questão, começamos a
indagar sobre como as mulheres luteranas entraram no pastorado e como foi construída a sua
formação na EST, instituição de ensino ligada à IECLB. Esta indagação também surgiu,
devido a influência de uma série de leituras sobre as relações de gênero, realizadas durante
um trabalho de pesquisa da qual participamos, pesquisa esta coordenada pela Prof. ª Dr. ª
Joana Maria Pedro, intitulada “A Medicalização da Contracepção: conhecimento e autonomia
(1960-1980)”. A partir das indagações surgidas através deste trabalho, procuramos ler sobre
religião e gênero, momento em que percebemos o quanto este tema ainda não havia sido bem
explorado, não existindo muitos trabalhos sobre o assunto. Foram encontrados, contudo,
11
alguns trabalhos importantes que analisam, especificamente, o processo de formação das
pastoras luteranas e estes são referências fundamentais para quem estuda este tema. Dentre
estes podemos destacar o trabalho de Fátima Weiss de Jesus
1
, o qual teve o objetivo focalizar,
a partir de um olhar de gênero, o processo de inclusão das mulheres no ministério pastoral na
IECLB, buscando perceber também, através da fala de pastoras e teólogas, como elas
construíram toda a sua trajetória. Num momento anterior a este trabalho, a teóloga Maristela
Lívia Freiberg
2
realizou sua pesquisa sobre este mesmo processo, mas não a partir de um
olhar de gênero, diferenciando-se de Fátima Weiss de Jesus. Freiberg, em seu trabalho,
trouxe muitas fontes, documentos sobre as primeiras pastoras que estudaram na EST, o que
para nós tornou-se fundamental, pois ela foi a primeira a juntar um número de documentos
importantes para pensarmos sobre o processo de formação das pastoras luteranas.
Antes de continuarmos nossa discussão, é fundamental conhecermos um pouco sobre a
hierarquia da IECLB e a função desempenhada por seus pastores e pastoras. Segue em anexo
um organograma
3
da IECLB que contribui para o esclarecimento da sua estrutura
institucional. Cabe aos pastores e às pastoras responsabilidade especial pelos cultos e os
ofícios, bem como pelo aconselhamento e a disciplina fraternal. Seu trabalho é coordenado
com os demais ministros e os presbíteros.
Na presente dissertação, optamos por utilizar a categoria geração, como já
salientamos, para estabelecer uma periodização na formação dessas pastoras, embora haja
algumas restrições no seu uso, em especial por parte de alguns historiadores. Lucien Febvre,
por exemplo, discordava da utilização desta categoria e, em 1929, sugeriu que a abandonasse.
4
Entretanto, nas últimas décadas, os historiadores têm mostrado a pertinência na utilização
desta categoria como periodização e hoje ninguém tem contestado a sua fecundidade para a
história.
5
A geração é uma construção do historiador, que classifica e rotula as diferentes
gerações. Ela é uma peça fundamental para pensarmos a divisão do tempo. Este limite deve
ser marcado por um fato inaugural, mas deve ser elástico, distanciando-se de uma visão
aritmética do tempo.
6
1
JESUS, Fátima Weiss de. As mulheres sem tranças: uma etnografia do ministério pastoral feminino na IECLB.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 2003. 106 p.
2
FREIBERG, Maristela Lívia. Retratos do processo de formação e atuação das primeiras pastoras da IECLB –
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Dissertação( Mestrado em Teologia). Escola Superior de
Teologia. São Leopoldo, RS, 1997.
3
ANEXO. p.128
4
SIRINELI, Jean – François. A geração. In: (Org) FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Usos e
abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998., p.p. 131-137. p 132.
5
Idem. p. 137.
6
Ibidem. p. 134.
12
A existência destas três gerações reflete a preocupação das estudantes de Teologia em
buscar uma base teórico-metodológica para pensar as mulheres no campo religioso, pois, num
primeiro momento, na década de 70, as estudantes buscaram uma aproximação com as
discussões realizadas, na época, pelas feministas. O feminismo que imperava neste momento
era o que afirmava a diferença entre homens e mulheres. Num segundo momento, percebemos
que muitas estudantes se identificaram com o feminismo da igualdade, que surgiu a partir da
década de 80, trazendo uma nova percepção das mulheres tanto na sociedade quanto no
espaço eclesiástico. A partir da década de 90, a EST passou por um terceiro momento no que
diz respeito à formação das pastoras, pois o gênero, que surgiu nesta época como uma nova
categoria, passou a ser utilizado nas discussões realizadas pelas estudantes de Teologia.
A IECLB, a partir da década de 70, passou a formar mulheres para atuar no pastorado.
Este processo de mudança foi contemporâneo do ressurgimento do Movimento Feminista que,
desde os anos 60 na Europa e nos Estados Unidos, e a partir de meados dos anos 70 no Brasil,
passou a organizar-se com novas reivindicações. A maneira como as discussões ocorreram
dentro da Igreja Luterana – discussões estas mais ligadas à Teologia da Libertação e à forma
como as mulheres luteranas organizaram-se, reivindicando espaços no campo religioso -
refletiu os confrontos e ambigüidades deste feminismo retomado a partir da década de 60.
É importante destacarmos que o espaço do pastorado como um campo de disputas
entre religiosos, com o objetivo de construir saberes sobre a religião e sua prática, ou seja,
produzir o que Bourdieu
7
chama de capital religioso, que legitime determinado saber sobre
esta prática. Desta forma, podemos perceber as pastoras neste campo de disputas, onde
buscam a construção de um novo olhar sobre as mulheres na Bíblia, procurando também
legitimar sua presença no pastorado da IECLB.
Foi através da História Cultural que este trabalho pôde ser problematizado desta
maneira. Sabemos que foi a partir da década de 70 que o olhar sobre a História passou por
mais um “abalo”, sofrendo uma série de transformações. A História Cultural emergiu
trazendo uma nova forma da história trabalhar a cultura, ou seja, trata-se de pensar a cultura
como “um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens (e mulheres) para
explicar o mundo”.
8
Ainda, a cultura passou a ser vista como “forma de expressão e tradução
da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às
7
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva. 1988.
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 15.
13
palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto, já
com um significado e uma apreciação valorativa”.
9
O conceito de representação tornou-se uma categoria central da História Cultural.
Segundo Roger Chartier:
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar
deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e
pautem sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais,
dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que
constroem sobre a realidade.
10
É este o nosso objetivo: através da História Cultural, mostrar como a diferente relação
dos homens e mulheres com o espaço religioso é uma construção histórica que surgiu num
contexto em que se delegou aos homens o transito livre neste espaço e a responsabilidade
pelas funções que exigem o exercício de autoridade, poder e decisão. As mulheres foram
afastadas deste tipo de função, tornando-se cada vez mais responsáveis pela assistência social
dentro da igreja, sendo as ouvintes mais devotas e presentes nos cultos.
11
Para a realização desta pesquisa, utilizamos também a categoria de análise de gênero.
A utilização desta categoria possui uma historicidade que está intimamente ligada à trajetória
do Movimento Feminista. Citando kristeva, Joana Maria Pedro, mostra as transformações que
se sucederam através de três gerações do feminismo que influenciou a historiografia. Na
década de 70, a primeira geração de feministas da historiografia era formada por historiadoras
(es) que reivindicaram uma história que percebesse as mulheres como sujeitos históricos.
12
Uma segunda geração baseou-se na idéia da diferença, onde os historiadores (as) buscaram
encontrar uma cultura própria das mulheres e, conseqüentemente, escrever uma história
própria sobre as mesmas. Esta geração criou a categoria mulheres.
13
Por sua vez, a terceira
geração do Movimento Feminista é constituída por aquelas (es) historiadoras (es) que
começaram a utilizar o gênero como categoria de análise histórica, uma categoria que,
Segundo Joana Maria Pedro, leva os historiadores a pensarem, entre outras coisas, “que a
organização social das relações entre os gêneros é instável, e depende de múltiplas
9
Idem. p.15.
10
Ibidem. p. 39.
11
CHARTIER, Roger. Introdução. In: A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, Lisboa [ Portugal]: Difel, 1990. p.17.
12
PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero na pesquisa histórica. In: Revista Catarinense de História. n. 2,
1994. pp- 35-43, 38-39.
13
Idem. p. 39.
14
determinações e relações de poder. Perceber estas relações, e a conseqüente construção dos
gêneros pode nos apontar como funcionam, e a possibilidade de mudá-los.”
14
A ênfase sobre a diferenciação dos gêneros teve grande importância no
desenvolvimento metodológico da História Cultural. Segundo Lynn Hunt
15
, Joan W. Scott, ao
trazer a idéia de que a relação de gênero é um primeiro campo onde o poder é articulado,
contribui para pensar como o poder permeia as relações de gênero e como o gênero é
construído também a partir do discurso.
Neste trabalho de gênero, iremos abordar a memória das pastoras sobre suas
trajetórias. Marina Maluf nos orienta sobre como trabalhar a memória. Primeiramente, esta
autora aponta a necessidade de pensarmos o fundamento da recordação que, segundo ela, é
dado por um sentimento de realidade. O narrador, quando narra sobre o seu passado, tende a
acreditar que está trazendo a verdade absoluta sobre este passado.
16
Maluf ainda salienta que
o ato de relembrar não significa que o narrador possa trazer seu passado puro e intocado, mas,
pelo contrário, o ato de relembrar é reconstruir o passado pela vida atual, ou seja, pelo lugar
social que aquele que lembra ocupa. Segundo a autora, “nada é esquecido ou lembrado no
trabalho de recriação do passado que não diga respeito a uma necessidade presente daquele
que registra. Se lembramos, é porque a situação presente nos induz a lembrar”.
17
Maluf
também afirma que o lugar de onde o relato é narrado deve ser analisado, pois
não há lugar no mundo que não esteja mergulhado na linguagem e na
cultura, de qualquer lugar que se fale (...) não há como erradicar o ponto de
vista, a incerteza, a contradição e a parcialidade da narrativa. Toda palavra
reflete uma perspectiva particular esculpida por fatores sócios-culturais,
políticos e sociais
.
18
Deste modo, entendemos que as entrevistadas, ao narrarem sobre suas trajetórias, estão
construindo-se na narrativa, pois não é possível reviver o que viveram, e nem voltar a um
passado intocado. Estas mulheres lançam um olhar sobre seu passado, que não deixa de ser
uma elaboração feita a partir do presente, sendo também uma perspectiva particular. Não
podemos deixar de perceber esta narrativa como um ponto de vista que pode ser contraditório
e incerto. Por isso, existe a necessidade do entrevistador interpretar os depoimentos à luz de
um sólido referencial teórico.
14
Ibidem p. 39.
15
HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 24.
16
MALUF, Marina. Ruídos da memória. São Paulo: Siciliano. 1995. p. 30.
17
Idem. p. 31.
18
Ibidem. p. 34.
15
1 As fontes
1.1 A realização das entrevistas
1.1.1 As pastoras
Para a realização desta pesquisa, tornou-se fundamental utilizarmos a História Oral
como uma maneira de conhecer o percurso das pastoras. As autoras Marieta Moraes Ferreira e
Janaína Amado nos orienta sobre as técnicas específicas para a realização das entrevistas,
transcrições e de procedimentos metodológicos para a realização da pesquisa. A História Oral
nos permite apenas formular questões, enquanto que as respostas cabem ao historiador
oferecer através de suas análises.
19
A leitura do livro “Manual de História Oral”, de Verena
Alberti, também foi significativa para a compreensão das etapas de preparação, realização e
tratamento das entrevistas.
20
Durante a elaboração desta dissertação, foram entrevistadas dez pastoras, sendo que
nove exercem o pastorado em comunidades luteranas em Santa Catarina. Wanda Deifelt é
pastora e professora da disciplina Teologia Feminista na EST, em São Leopoldo, RS.
A localização destas pastoras não foi difícil. A IECLB publica anualmente um
prontuário com os nomes de todas as (os) pastoras (es) que atuam no Brasil e no exterior.
Portanto, esta primeira etapa não foi complicada, embora tenha havido algumas dificuldades
no acesso a estas pastoras, pois muitas se encontravam em várias regiões de Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. Dessa forma, estive em Pomerode, Timbó, Indaial, Joinville e Blumenau,
em Santa Catarina, além de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. A região de Blumenau é a
que mais concentra pastoras no Estado. Somente nesta região entrevistei três delas.
A realização das entrevistas foi feita a partir de um questionário por nós elaborado,
sendo realizada num local onde nos encontrávamos a sós. No entanto, ao longo da pesquisa,
este roteiro de entrevistas passou por algumas modificações que se tornaram convenientes.
O interesse em saber sobre suas trajetórias fez com que as pastoras nos
recepcionassem bem. Recebemos atenção desde a marcação das entrevistas, feita por telefone
como também durante as entrevistas. Percebemos que elas desejavam falar sobre suas
experiências como pastoras e suas trajetórias. Elas “se orgulham” de exercer este ministério
dentro da Igreja e sabem que, por muito tempo, este espaço, lhes foi negado. Neste sentido,
19
FERREIRA, Marieta Moraes; AMADO, Janaína. Apresentação.In: Usos e Abusos da História Oral. Op.Cit, p.
xii.
20
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
16
observamos que nossa conversa foi bastante “aberta”, ou seja, mostraram-se bastante
interessadas em colaborar com a pesquisa que estava sendo realizada.
1.1.2 Os membros
Também entrevistamos cinco membros da IECLB, dentre os quais três participam da
comunidade de Indaial, enquanto os demais congregam na Paróquia de Pomerode. No
decorrer da pesquisa, achamos ser necessário observar também a maneira como os membros
de algumas paróquias viram a entrada das mulheres no pastorado de suas comunidades e
como eles começaram a perceber o trabalho da pastora. Para isso, entrevistamos pessoas com
idade próxima ou superior a 50 anos de idade.
A realização das entrevistas com membros das igrejas, e que se inseriram neste perfil,
foi mais complicada. Entramos em contato, primeiramente, com muitas senhoras que
acabaram ficando receosas em nos encontrar. Diante desta situação, não nos restou outra
alternativa, a não ser ir até suas casas. Por isso, fizemos uma seleção daqueles endereços que
me eram mais familiares.
1.2 Os jornais
Para a realização desta pesquisa também utilizamos jornais importantes que circularam
no meio luterano nas décadas de 60, 70 e 80, como o Jornal Evangélico
e A voz do
Evangelho. Maria Helena Capelato nos orienta acerca da utilização do jornal como uma fonte
histórica, pois, segundo afirma, através da análise dos jornais é possível conhecer uma época.
Ainda, através da análise dos discursos dos jornais, é possível depreender visões de mundo
representativo e muitas vezes divergentes.
21
1.3 Os trabalhos acadêmicos escritos pelas estudantes de Teologia na EST: TCCs e
Dissertações
Também utilizamos como fonte os trabalhos acadêmicos escritos, a partir da década de
70, por estudantes de Teologia na EST. Através da análise destes trabalhos, foi possível
constatar algumas mudanças na perspectiva da teoria feminista utilizadas por estas estudantes.
21
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil: I:mprensa oficial e imprensa contestadora. O
jornal como documento. O papel do jornal na História. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. p. 34.
17
Foi a partir da década de 80 que surgiu um número crescente de trabalhos acadêmicos como
TCCs e Dissertações que problematizaram as mulheres na Igreja. Sobre isso iremos discutir
melhor no final do primeiro capítulo, quando abordamos as diferentes teorias feministas
utilizadas por estas estudantes.
O objetivo do primeiro capítulo será observar a maneira como os (as) luteranos (as)
fizeram uso dos escritos bíblicos no debate sobre a situação das mulheres na sociedade e na
Igreja, debate este travado nas décadas de 70, 80 e 90, no interior da IECLB. Assim também
queremos perceber como as estudantes de Teologia da EST, neste mesmo período, buscaram
uma aproximação com a Teologia Feminista, sendo esta uma nova forma de pensar as
mulheres no campo religioso.
O segundo capítulo tem o objetivo de observar de que maneira as pastoras narram
sobre suas experiências e trajetórias no pastorado. Observamos que essas pastoras se
constroem de duas maneiras através de suas narrativas. Um grupo enfatizou a experiência de
sua trajetória como um momento difícil, especialmente por serem mulheres. Esta experiência
é narrada como um momento em que precisaram lutar pela conquista do espaço do pastorado.
Este grupo de mulheres é formado, principalmente, pelas pastoras formadas na década de 70 e
80. Por outro lado, outras pastoras enfatizam que, embora tenham passado por dificuldades no
exercício de seu trabalho, pelo fato de serem mulheres, procuram não entrar em confronto
com a comunidade. Para estas, há necessidade de utilizar atributos considerados femininos -
como o “carinho”, a “sensibilidade” e a “docilidade” - para conquistar a confiança dos
membros e evitar possíveis conflitos. Este grupo é formado, basicamente, pelas pastoras
formadas recentemente.
O terceiro e último capítulo tem por objetivo mostrar como as pastoras luteranas têm
pensado e construído a sua prática pastoral. Observamos que elas têm pensado o pastorado de
maneira muito própria e independente da formação que receberam na EST. A formação das
estudantes de Teologia nesta faculdade passou por algumas transformações desde a década de
70, sendo possível observar três gerações. Estas transformações ocorreram, principalmente,
em relação ao tipo de teoria feminista utilizada pela faculdade para pensar as mulheres na
sociedade e no espaço religioso. É nosso objetivo mostrar, através da análise das entrevistas
realizadas com pastoras formadas da década de 70 até 2002, as ambigüidades de seus
discursos e de suas identificações. Além disso, neste capítulo também queremos observar de
que maneira alguns membros luteranos percebem o pastorado exercido por mulheres.
18
CAPÍTULO I
Os usos da Bíblia: tensão e ambigüidade no debate travado entre os
luteranos sobre a situação das mulheres (década de 70 a 2000)
Não pode haver judeu, nem grego, nem escravo, nem liberto, nem homem
nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus (Gálatas 3: 28).
O homem sendo o ‘cabeça’ é o controlador e a autoridade sobre a mulher
( I Coríntios 11: 3).
Os versículos supracitados possibilitaram aos luteranos diferentes interpretações, pois
o primeiro é utilizado para afirmar que homens e mulheres são iguais para Cristo, enquanto o
segundo é percebido como sugestão de que os homens são superiores às mulheres. O autor
Roger Chartier faz algumas considerações sobre o texto bíblico, considerações que podem nos
ajudar a entender o surgimento de diferentes interpretações. Ele afirma que a fragmentação do
texto bíblico, separado em unidades – capítulos e versículos – pode propiciar uma leitura na
qual seitas, grupos religiosos e indivíduos acabam legitimando, conforme sua conveniência,
alguns desses fragmentos, podendo torná-los rapidamente aforismos independentes.
22
Ou seja,
a leitura não contextualizada de um mesmo texto pode gerar interpretações divergentes.
Em relação ao uso da Bíblia pelos luteranos, e à maneira muitas vezes divergente
como a leram neste período, é necessário discutirmos o conceito de leitura. Segundo Jean
Marie Goulemot, o ato de ler sempre produz sentido e essa prática é feita de um lugar cultural.
23
Conforme argumenta o autor, a leitura não é simplesmente encontrar o sentido desejado por
quem escreve, o que implicaria coincidência entre o sentido desejado e o sentido percebido.
Ler é constituir, e não reconstituir um sentido.
24
Goulemot descreve que “cada época constrói seus modelos e seus códigos narrativos”
e diz que em cada período encontramos códigos diferentes, segundo os grupos culturais e que
“essas narrativas diferentes coabitam no mesmo espaço cultural e social.”
25
A leitura é vista
22
CHARTIER, Roger. Comunidade de leitores. In: A ordem dos livros: leitores e bibliotecas na Europa entre os
séculos XIV e XVIII. 2 ed. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 19.
23
GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: BOURDIEU, Pierre; CHARTIER,
Roger. Práticas de Leituras. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p. 107.
24
Idem. p. 108.
25
Ibidem.p. 113.
19
por este autor como uma estratégia de afrontamento e de manipulação. Salienta, também, que,
a cada leitura, o que já foi lido muda de sentido, tornando-se outro.
26
A utilização deste conceito sobre a leitura nos ajuda a entender as ambigüidades
encontradas nos discursos de alguns luteranos a partir da década de 70, possibilitando falar
que estas leituras são estratégias e têm o objetivo de produzir um sentido, seja proporcionar e
justificar a entrada das mulheres em espaços antes ditos masculinos, ou reafirmar que o lugar
das mulheres está restrito ao âmbito privado.
As citações bíblicas escritas pelo apóstolo Paulo foram muito utilizadas por segmentos
da Igreja Luterana, já no início da década de 70, quando se iniciou uma discussão, no interior
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), sobre a situação das mulheres
na sociedade. Esta igreja acompanhou, através de seus meios de comunicação, como o Jornal
Evangélico
27
, e outros materiais bibliográficos, como Roteiros de Trabalhos da Ordem
Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE)
28
, as discussões que a sociedade brasileira
estava realizando sobre a questão das mulheres neste período. Observamos que o debate
travado por diferentes segmentos de luteranos se apresentou de forma ambígua, pois uns
defendiam a mudança dos papéis que as mulheres exerciam na sociedade, enquanto outros
procuraram manter, através de seus discursos, os papéis de mãe, esposa e dona-de-casa, como
se estas fossem naturalmente funções exclusivas das mulheres. É interessante salientar que a
divergência nos discursos destes luteranos pode ser vista como o reflexo da maneira como
eles interpretaram a Bíblia naquele momento.
Não podemos deixar de citar que nesta época, década de 70, não somente as mulheres
luteranas estavam buscando discutir a situação das mulheres dentro da igreja, mas esta era
uma discussão que estava sendo feita por várias mulheres em diferentes áreas.
A passagem bíblica de Gálatas 3: 28, onde Paulo afirma que “não pode haver judeu,
nem grego, nem escravo, nem liberto, nem homem nem mulher, porque todos vós sois um em
Cristo Jesus”, foi bastante utilizada por um grupo de luteranos que pretendia rever a
imposição de funções específicas para cada sexo na sociedade. Este grupo de luteranos era
formado especialmente pelas estudantes de Teologia. Estes membros luteranos buscavam não
somente argumentos bíblicos, mas também procuraram discutir temas levantados pelo
Movimento Feminista, como, por exemplo, mulher, trabalho, sexualidade, entre outros.
26
Ibidem. 116.
27
Este foi um dos jornais luteranos mais importantes que surgiu e circulou na década de 70, existindo ainda hoje.
28
Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas. Este roteiro de trabalho é uma publicação que existe desde a
década de 50 e tem por objetivo levar aos grupos de mulheres luteranas um guia de discussões para se realizar
em grupo.
20
Houve luteranos, entretanto, que se utilizaram de inúmeras passagens bíblicas – como,
por exemplo, a de I Coríntios 11:3, que afirma que o homem é o “cabeça” da mulher - para
mostrar que as mulheres, por escolha divina, têm seu papel socialmente definido, tendo que
submeter-se à autoridade masculina. Este grupo seria formado por luteranos que estavam
ligadas a EST, como alguns professores e alunos na EST, inclusive luteranos que exerciam
algum tipo de poder dentro desta Faculdade e na IECLB.
Estas duas formas discursivas presentes nestas duas décadas, ou seja, a que procura a
mudança nos papéis sexuais e a que percebe a divisão desses papéis como natural e instituída
por Deus, utilizam argumentos respaldados na Bíblia, especialmente nas palavras do Apóstolo
Paulo quando este se refere às mulheres. É interessante observar que o texto escrito por este
apóstolo apresenta no seu bojo a possibilidade para o aparecimento de argumentos
divergentes sobre as mulheres. Iremos tratar disto neste trabalho. A entrada das pastoras na
EST promoveu debates teológicos, entre estes relacionados aos escritos do apóstolo Paulo.
A polêmica criada em torno dos escritos do apóstolo Paulo nos revelam como os
escritos deste apóstolo foram importantes para os luteranos. Revendo um pouco da história da
Reforma Protestante, por exemplo, vemos que sua ênfase foi a salvação pela fé e somente pela
graça, discurso proferido por Paulo em Romanos 3:21-31. A utilização das falas de Paulo
sobre as mulheres possui um peso muito grande para os luteranos já que seus discursos foram
utilizados para que ocorresse a reforma no século XVI.
É importante observa como ocorreu o processo de inclusão das mulheres no pastorado
da IECLB na década de 70, momento em que a discussão sobre a situação das mulheres na
sociedade estava sendo travada pelos luteranos. A Escola Superior de Teologia (EST),
instituição ligada à IECLB, apresentou um quadro de instabilidade em relação à situação das
futuras pastoras, especialmente nos anos 70. Esta instabilidade pode ser apontada pelo fato da
ordenação das pastoras luteranas pela IECLB começar a ser concretizada somente em 1983,
portanto, 13 anos após a entrada das mulheres nesta faculdade. Destacamos que a ordenação
possui um significado muito importante para os luteranos. Significa a autorização formal da
direção da Igreja, autorização esta que os permite agir como sacerdotes. A interpretação
bíblica feita por Martinho Lutero sobre a ordenação também foi significativa para que
ocorresse a ordenação das mulheres nesta Igreja.
Queremos salientar a aproximação das estudantes de Teologia, já na década de 70,
com a Teologia Feminista, trazendo para a EST uma nova interpretação sobre o papel das
mesmas na sociedade. A partir da década de 80, vários trabalhos foram realizados com este
21
intuito.
29
Cabe destacar também que os trabalhos que apontam nesta direção foram escritos
pelas estudantes de Teologia, que parecem não economizar no uso do termo “feminista” - este
bastante presente nos títulos dos trabalhos. Vários deles abordam a categoria gênero.
A categoria de análise de gênero “ajuda-nos a compreender as formas pelas quais os
papéis masculinos e femininos são construídos socialmente, não sendo determinações
biológicas.”
30
Sendo assim, foi significativa a utilização desta categoria para esta pesquisa,
porque encontramos discursos de luteranos, como já sinalizamos anteriormente, que reforçam
a diferença biológica existente entre homens e mulheres, e que afirmam que foi instituída por
Deus a dominação da mulher pelo homem. Neste trabalho, a perspectiva de abordagem tem
como ponto de partida o uso desta categoria, buscando, desta forma, desconstruir as narrativas
que forjam hierarquias.
Pretendemos trabalhar as fontes discursivas olhando-as não como passivas, inertes,
sem intenções, mas, pelo contrário, observando-as como cheias de intenções, desejos e
29
DALFERTH, Heloisa Gralow. A visão do feminino em Jerônimo: um estudo a partir de quatro necrólogos.
Trabalho (Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1987; MUSSKOFF, Ruth L.
Winckler. O falar de Jesus sobre Deus como pai nos evangelhos sinóticos e suas implicações para uma Teologia
Feminista. Trabalho (Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS,1988; BECKER,
Lauri. Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas – OASE: a mulher buscando o espaço que lhe foi negado na
sociedade e na Igreja. Um caminho para a conscientização e libertação da mulher. Trabalho (Conclusão de
Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1988; KLEN, Vânia Moreira. A mulher e a serpente:
Gn 3:1 – 7: perspectiva para leitura. Trabalho Semestral. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1992;
WEISSHEIMER, Vera Cristina. Bruxas nos tempos de Lutero: as mulheres que ajudaram a escrever a história da
Reforma Luterana.
Trabalho Semestral. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1994; BERGESCH,
Karen. Cristologia Feminista. Trabalho (Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS,
1994; SCHWARZ, Aneli. Buscando por uma ética feminista de libertação sexual. Trabalho (Conclusão de
Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1994; ZIRBEL, Ilze e KLEN, Vânia Moreira. As
mulheres em direção ao estudo teológico. Trabalho (Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São
Leopoldo, RS, 1994; GROSSMANN, Carla Andréa. O aconselhamento pastoral a partir de uma ótica feminista.
Trabalho (Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1995; BLASI, Márcia.
“Silêncio no paraíso”: Sobre o uso de elementos culturais na opressão da mulher. Trabalho Semestral. Escola
Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1995; GIERUS, Renate. Muçulmanas em movimento:
caminhando no
mundo islâmico. Trabalho (Conclusão de Corso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1996;
KRÜGER, Carla Suzana. As mulheres e o ministério ordenado na Igreja
: um estudo sobre a ordenação de
mulheres na IECLB. Trabalho Semestral. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1996; LUDCKE,
Elaine. Gn 2:4b – 3.24. A base para a submissão feminina? Escola Trabalho (Conclusão de Curso). Escola
Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1997; EGGERT, Edla. Educa-teologiza-ção: fragmentos de um
discurso teológico (mulheres em busca de visibilidade através da narrativa transcriada).
Tese (Doutorado em
Teologia). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, 1998; GOMES, Carmem Etel Alves. Liturgia e missão
na perspectiva feminista. Dissertação (Mestrado em Teologia). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS,
1999; GIERUS, Renate. História das mulheres
cristãs: uma historiografia feminista do cristianismo na América
Latina e no Caribe. Dissertação ( Mestrado em Teologia). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 2000;
PLETSCH, Rosane. Diaconia feminista:
uma ressignificação do conceito de servir. Dissertação (Mestrado em
Teologia). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 2001; OLIVEIRA, Elizabete da Conceição Paiva de.
Teologia e corpo: leitura da corporalidade cristã a partir da perspectiva feminista. Projeto Final do Curso de Pós-
graduação Lato Sensu de História e Teologia. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 2001.
30
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil na análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto alegre 16 (2),:
5:22, jul/dez, 1990.
22
criadoras de sentidos.
31
Portanto, quando encontramos discursos que delimitam os lugares e as
diferenças de gênero, ou que buscam a ocupação de novos espaços ( neste caso, o pastorado)
entendemos como discursos cheios de intenções. Quando as estudantes de Teologia se
aproximaram da Teologia Feminista, buscando uma nova interpretação bíblica sobre as
mulheres, estavam procurando debater e desconstruir uma teologia que, até aquele momento,
as colocava num lugar inferior dentro das igrejas. Procuraram trazer um novo olhar teológico
sobre as mulheres e legitimar o seu acesso ao do pastorado.
Para compreendermos a relação estabelecida entre as estudantes de Teologia na EST e
a Teologia Feminista, é necessário compreender o surgimento da mesma e suas discussões.
Segundo Maria José Fontelas Rosado Nunes, a Teologia Feminista, no âmbito internacional,
surgiu a partir da década de 80, especialmente na França e nos Estados Unidos. Nesta década,
algumas mulheres se engajaram na luta pelo direito das mulheres na área teológica. A teóloga
francesa, Elisabeth Schussler Fiorenza, por exemplo, foi uma das precursoras da Teologia
Feminista no século XX. Seu livro, publicado em 1986 e intitulado “As origens cristãs a partir
da mulher: uma nova hermenêutica”, na época, tornou-se, a princípio, uma obra bastante
importante na sua época na França, posteriormente sendo reconhecida em outros países.
Fiorenza, nesta obra, tentou reconstruir o processo de patriarcalização da Igreja e da Teologia,
contribuindo para a elaboração de uma Teologia da Libertação da mulher na Igreja e na
sociedade atual.
32
Apesar desta obra apresentar, conforme indica Nunes, motivos para ser criticada
teoricamente, no período em que foi publicada representou uma grande contribuição, já que
foi uma tentativa de recuperar a presença das mulheres na Bíblia, especificamente no Novo
Testamento. Fiorenza afirmava que o Novo Testamento, apesar de ser uma fonte revelada da
verdade, era também a responsável pela subordinação da mulher e pela dominação patriarcal.
33
Ainda, segundo Nunes, a teóloga inglesa Elaine Pagels, nesta mesma época, em 1988,
também publicou um importante livro que significou uma grande contribuição na discussão
sobre a tradição cristã e as mulheres. Seu livro, intitulado “Adão, Eva e a Serpente”, tinha o
objetivo de saber como e por que a tradição cristã chegou à concepção do desejo sexual como
pecaminoso e à idéia da corrupção de toda a humanidade.
34
Pagels concluiu que a conduta
31
Idem. p. 10.
32
NUNES, Maria José Fontelas Rosado. De mulheres e de deuses. In: Estudos Feministas. CIEC/ECO/EFRJ. n.
5.0/1992. pp. 5-30. p. 5.
33
Idem p. 7.
34
Ibidem. p. 8.
23
sexual associada à tradição cristã foi construída no Ocidente. Para esta autora, foi no século
IV, com Agostinho, que o ensinamento cristão sobre a passagem de Gênesis 1:3 - que era até
então vista como sinônimo de liberdade de escolha da humanidade sobre o bem e o mal -
passou a ser referência para a moral sexual. Pagels afirma que a sociedade greco-romana
também foi responsável pela introdução de um catecismo sexual na tradição sexual
35
Segundo Nunes, a origem da Teologia Feminista tem suas raízes já em 1895. Esta data
é considerada um marco, pois foi neste ano que um grupo de mulheres norte-americanas, de
várias áreas do conhecimento, sob a liderança de Elisabeth Cady Stanton, fizeram uma
releitura da Bíblia. Desta releitura surgiram uma série de textos que deram origem ao livro,
publicado por Elisabeth Stanton, intitulado “A Bíblia das mulheres”, cujo objetivo foi fazer
uma crítica radical do uso da Bíblia contra as mulheres, na Igreja e na sociedade.
36
Para Stanton, a Bíblia é vista como um livro androcêntrico e deve ser revisto. Por isso,
propôs uma interpretação bíblica feminista, afirmando que “a Bíblia não é um livro neutro,
mas é uma arma política e ideológica contra a luta da libertação das mulheres”.
37
Foi esta
autora, de acordo com Nunes, quem trouxe a idéia de que homens e mulheres deveriam ter a
possibilidade de se referirem a Deus como pai celestial, ou mãe celestial.
38
A Teologia Feminista na América Latina surgiu com mais intensidade na década de
80. Neste continente, conforme Nunes, os anos 60 e 80 foram momentos de forte mobilização
das mulheres na luta pelos direitos civis. Esta luta surgiu, entre outros fatores, devido à
crescente pobreza e por causa dos regimes militares ditatoriais.
39
Nesta mesma época, no
campo religioso, no interior da Igreja Católica e de certas Igrejas Evangélicas, passa a ocorrer
a formação e difusão das Comunidades Eclesiais de Base ( CEBs) e da Teologia da
Libertação. Grupos de mulheres católicas passaram a ter como objetivo a criação de uma
Igreja dos pobres. É neste contexto que surge a produção teológica feita por mulheres na
América Latina, pois estas passaram a ter acesso à formação teológica. Sendo assim, essas
mulheres chegaram à conclusão, a partir da realização de vários encontros, de que
necessitavam pensar a Teologia do ponto de vista da mulher.
40
Vários encontros ecumênicos começaram a ser realizados pelas teólogas: o primeiro
encontro foi realizado no México (1979); o segundo ocorreu em San José (1981);
35
Ibidem p. 9.
36
Ibidem p. 11.
37
Ibidem p. 12.
38
Ibidem p. 13.
39
Ibidem p. 17.
40
Ibidem p. 17.
24
posteriormente houve os encontros de Manágua (1983), Bogotá (1984), Buenos Aires (1985)
e Oaxtepec (1986). Esses encontros, em sua maioria, foram patrocinados por organismos
internacionais, como a Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), na
qual foi criada uma comissão de mulheres. O projeto desta comissão seria realizar, até 1994,
vários encontros continentais e intercontinentais, na busca de um diálogo mais próximo entre
teólogas do primeiro e do terceiro mundo.
41
Segundo Fabíola Rohden, foi a partir de 1985 que a Teologia Feminista começou a ser
elaborada no Brasil. Na década de 70, no interior da Igreja Católica, surgiram as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sob a influência da Teologia da Libertação. Na
década de 80, o discurso das teólogas buscavam valorizar o cotidiano e a experiência da
mulher pobre. Neste momento, surgem vários artigos, teses e dissertações nesta perspectiva.
42
.As teólogas utilizaram uma hermenêutica sob a ótica da mulher, ou perspectiva da mulher.
Primeiramente tiveram o objetivo de desconstruir a imagem negativa que foi criada em torno
da imagem feminina, como a culpa do pecado original. Além disso, exaltaram mulheres na
Bíblia, tornando-as heroínas e reivindicando a noção de que Deus também era feminino.
43
Rohden ainda afirma que as teólogas católicas se aproximaram de correntes feministas que
valorizavam a singularidade do feminino e não mais a igualdade com o masculino.
44
Foi a partir da década de 90 que as militantes feministas e as teólogas se aproximaram
em busca de um diálogo. Essa aproximação foi impulsionada pelo tema “direitos
reprodutivos”. A partir de então, vários encontros foram realizados para discutir o tema. Um
dos resultados deste diálogo foi a utilização, por parte das teólogas, do conceito de relações de
gênero. Por outro lado, outras teólogas identificaram-se com um feminismo específico,
baseado na diferença, na especificidade e na valorização da mulher. O ecofeminismo, por
exemplo, é este novo feminismo baseado na valorização da mulher como “salvadora
ecológica”. Estas teólogas fazem uma aproximação das mulheres com a natureza e com Deus,
já que elas estariam mais distantes dos processos de destruição da natureza.
45
As feministas baseadas na diferença criticam o feminismo acadêmico e igualitário por
utilizar categorias como o gênero, raça e classe social, pois podem acabar não dando a devida
atenção às dimensões mais profundas da vida, como a espiritualidade. Também criticam a
41
Ibidem p. 18.
42
ROHDEN, Fabíola. Feminismo do sagrado: uma reencenação romântica da diferença. In: Estudos Feministas.
IFSC/UFRJ.vol. 4. n.1.1996. pp. 96- 117. p. 97.
43
Idem p. 97.
44
Ibidem p. 98.
45
Ibidem p. 99.
25
própria Teologia da Libertação por utilizar categorias das Ciências Sociais, deixando de lado
a afetividade e a espiritualidade que fazem parte da realidade. Assim, este feminismo que
enfatiza a diferença, aproxima a experiência das mulheres com a gestação, a maternidade, já
que possuem uma vocação para restaurar a vida.
46
Esta discussão conflituosa entre feministas surgiu porque o feminismo que enfatiza a
diferença assumiu a Teologia da Revelação. Para esta Teologia a diferença entre homens e
mulheres está na essência e estas diferenças são verdades reveladas por Deus que não podem
ser alteradas. Esta Teologia, portanto, acaba sendo visto como possibilidade de “respaldo”
para a naturalização e permanência da diferença entre homens e mulheres.
1.1 A situação das mulheres em debate: rompendo as fronteiras do gênero
É interessante observar como, a partir da década de 70, o Jornal Evangélico
problematizou a questão das mulheres na sociedade. Este jornal foi um meio de comunicação
que levou a comunidade luterana a discutir sobre o sexismo e sobre a discriminação das
mulheres. O interessante é que a maioria dos seus artigos não possui autoria. De acordo com a
pastora Wanda Deifelt, algumas estudantes de Teologia neste período fizeram parte da
redação deste jornal – o que leva a crer que, possivelmente, estas estudantes possam ter sido
as autoras de algumas das matérias que denunciaram e discutiram a discriminação das
mulheres, além de trazer reflexões sobre a igualdade dos sexos.
47
Um dos primeiros artigos encontrados no Jornal Evangélico
, em 1975, problematiza a
relação das mulheres com a igreja, afirmando o seguinte: “Maio, mês da mulher. 1975, ano da
mulher. Igreja, amiga da mulher? A mulher sempre foi a melhor amiga da religião, no entanto,
a religião nunca foi a melhor amiga da mulher”. A autora questiona o fato de que muitas
mulheres ainda hoje, estão excluídas da maioria das atividades culturais. Sua tarefa, muitas
vezes, “é de simples servente ou auxiliar dos sacerdotes”.
48
É interessante salientar que neste
mesmo ano 1975, foi declarado pela ONU o Ano internacional da Mulher, influenciando
discussões no meio acadêmico.
46
Ibidem p. 105.
47
Wanda Deifelt
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 04/12/2002, na cidade de São Leopoldo, Rio
Grande do Sul.
48
MAIO – MÊS DA MULHER. Jornal Evangélico. Segunda quinzena de maio de 1975. Ano XC, nº10.p. 1.
26
Um outro artigo encontrado em 1978, intitulado “Teu lugar é em casa Mulher? Ou és
igual ao teu companheiro?”
49
, problematiza o sexismo no trabalho. Em sua reflexão, a autora
lança as seguintes perguntas às mulheres e aos homens: “E o sustento da família, só cabe a
ele? Estas tarefas - cuidar dos filhos, lavar e passar a roupa, fazer as compras, preparar a
comida, cerzir as meias - só são tuas?”.
50
Através deste artigo percebemos o surgimento de
questionamentos referentes à divisão sexuada de tarefas no lar. As perguntas levantadas às
mulheres tinham por objetivo levá-las a pensar sobre o seu papel na sociedade e sobre a
necessidade de repensar alguns estereótipos que afirmam que certos trabalhos - como, por
exemplo, o doméstico - deveriam ser exclusivamente realizados por mulheres, ou que o
sustento da casa não pudesse também ser de sua responsabilidade. Seus comentários trazem a
idéia de que outras tarefas, até então inéditas para ambos os sexos, poderiam ser assumidas
tanto pelas mulheres quanto pelos homens. Ou seja, que o sustento da casa poderia ser
assumido também pelas mulheres e que as funções domésticas poderiam, por sua vez, ser
também realizadas pelos homens.
Um outro artigo, de 1978, retrata a experiência de uma estudante de Teologia
chamada Valburga. Ela morou nos Estados Unidos durante quatro anos e acompanhou de
perto os movimentos feministas surgidos naquele país. Por isso, trouxe consigo algumas
impressões sobre as mulheres norte-americanas, expondo-as no Jornal Evangélico,
para que
toda a comunidade luterana pensasse sobre o futuro das mulheres que participavam da
IECLB. Segundo ela:
A mulher americana não se dá mais por satisfeita, hoje, permanecendo
confinada em casa, servindo apenas como procriadora da espécie. Ela quer e
procura trabalhar fora. Sua luta, na atualidade, é por equiparação salarial
com o homem, no desempenho de
uma mesma função, e por um
reconhecimento de igualdade ao lado do homem. Na própria escola
[Teologia] procurávamos incentivar meninas a desempenharem profissões,
como de eletricistas, por exemplo, tidas até há pouco tempo como
estritamente para homens.
51
Valburga ainda mencionou que, nos trabalhos realizados na Faculdade, segundo a
exigência dos professores, era necessário colocar sempre entre parênteses (ele, ela), “numa
clara alusão de que Deus não precisa ser visto como sendo necessariamente homem”. Ela
49
TEU LUGAR É EM CASA MULHER? OU ÉS IGUAL AO TEU COMPANHEIRO? Jornal Evangélico.
Segunda quinzena de setembro de 1978. Ano XCII, nº 18. p. 1.
50
Idem. p.1.
51
O LUGAR DELAS É O LAR? In: Jornal Evangélico. Segunda quinzena de setembro de 1978. Ano XCII,
18. p. 2.
27
propôs ainda a necessidade de congressos e palestras para a conscientização das mulheres
luteranas, chamando a atenção para que os homens também participassem desses encontros.
Neste mesmo jornal, em 1979, sob o título “Em Cristo não há homem nem mulher”,
encontramos comentários escritos por uma mulher sobre um episódio ocorrido na Igreja
Metodista do Paraná, onde uma pastora não pôde fazer parte do Conselho de Pastores da
cidade, especificamente pelo fato de ser mulher. De acordo com a autora da matéria, na Igreja
as mulheres poderiam trabalhar, mas, na concepção da maioria dos luteranos, uma mulher
nunca poderia mandar. O referido artigo problematizava a questão da discriminação dos sexos
na igreja, afirmando esta discriminação não tem fundamento bíblico. Continuando sua
argumentação, a autora lembra ainda que o apóstolo Paulo, na carta aos Gálatas, foi taxativo
quando afirmou que “não pode haver judeu, nem grego, nem escravo, nem liberto, NEM
HOMEM, NEM MULHER, porque todos vós sois UM EM CRISTO JESUS”.
52
Através deste
artigo, é possível levantar algumas questões. Uma das primeiras é perceber como a autora
busca desconstruir o gênero, estabelecendo a igualdade. Nesta busca, as palavras do apóstolo
Paulo se tornaram imprescindíveis, pois afirmam que homens e mulheres são iguais perante
Cristo, ou seja, que o sexo não é determinante de hierarquias.
Ainda, neste artigo, a autora mostra como as mulheres de Lages, Santa Catarina, são
percebidas como diferentes dos homens. O texto critica a situação das mulheres lageanas que
não podiam sair de casa depois das 21 horas, porque seriam malfaladas pelos vizinhos. Isso
ocorreria porque as mulheres, sendo submetidas pelos maridos, estariam limitadas a participar
de certas atividades, segundo a autora, ou seja, as “prendas domésticas”, tendo que ficar em
casa, na frente da televisão, a “máquina de fazer doidos” - tornando-se escravas das novelas,
com os braços cruzados. Portanto, estariam impossibilitadas de se tornarem seres humanos
mais versáteis, sem poderem enriquecer seus conhecimentos. Concluindo, a autora destaca
que a mulher prejudica a própria comunidade quando deixa de prestar serviço à Igreja.
53
É
interessante observar como a articulista deste comentário deixou clara a sua indignação com
as mulheres que permitem que os maridos mandem nas suas decisões. Ela afirma também que
quem estaria perdendo com isso era a Igreja, pois as mulheres se deixam anular pelos homens.
Aqui também percebemos a busca pela igualdade e a flexibilização das fronteiras dos gêneros.
Na visão de Heinz Dietrich Wendland, a passagem bíblica de Gálatas 3:28, afirmando
que “Em Cristo não há mais o judeu nem o grego, o escravo nem o homem livre, o homem,
52
EM CRISTO NÃO HÁ HOMEM NEM MULHER. In: Jornal Evangélico. Segunda quinzena de setembro de
1979. p. 12.
53
Idem. p. 12.
28
nem a mulher, porque são todos um em Cristo”, eliminou, naquele período, a inferioridade
religiosa da mulher, mas não a sua inferioridade jurídica e social. A partir do Novo
Testamento, Cristo trouxe a igualdade religiosa entre homens e mulheres, mas, por razões
culturais, esta igualdade não veio a ser concretizada.
54
No ano de 1988, encontramos, no Roteiro da OASE,
55
um estudo bíblico que é um
resumo de uma publicação da Federação Luterana Mundial, datada de fevereiro de 1987. Este
estudo bíblico trata de uma interpretação do texto de I Coríntios 7: 1-16, escrito pelo apóstolo
Paulo. Eis alguns versículos bíblicos.
Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não
tocasse em mulher; Mas por causa da prostituição, cada um tenha a sua
própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido. O marido pague à
mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido. A
mulher não tem poder sobre o seu corpo, mas tem-no o marido; e também da
mesma maneira o marido não tem poder sobre o próprio corpo, mas tem-no a
mulher. Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por
algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e a oração; e depois ajuntai-vos
outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência.
56
( grifos
nossos)
Este estudo afirma que Paulo trata sobre a igualdade dos parceiros na relação
matrimonial. De acordo com o texto, “Paulo refere-se muito ao sexo quando fala do
relacionamento conjugal. Ele não concebe o sexo como pecado, nem como uma possibilidade
fora do casamento (...) As mulheres não devem ser objetos passivos de experiência sexual,
mas parceiras ativas”. Percebemos, nesta citação, como a igualdade dos parceiros na relação
matrimonial foi problematizada pela pessoa que escreveu a nota no jornal. A relação sexual,
não é então pensada como um ato de pecado quando realizado dentro do casamento. Em
relação às atividades sexuais das mulheres, estas devem sentir prazer, não sendo apenas
passivas na relação. Buscou-se, através da maneira como foi interpretada a palavra do
apóstolo Paulo, a não passividade das mulheres na relação sexual.
Continuando o estudo sobre a relação matrimonial, a passagem bíblica de I Pedro 3:1-
7 é citada para mostrar como a passagem de Gênesis 18:22 tem sido interpretada de maneira
errônea, quando afirma que Deus mandou Sara obedecer o seu marido Abraão. “Precisa ser
54
WENDLAND, Heinz Dietrich. Ética do Novo Testamento: uma introdução. São Leopoldo: Sinodal, 1974. p.
96.
55
HOMEM E MULHER – OBEDIÊNCIA E DOMINAÇÃO. In: Roteiro da OASE. 1988. p. 32.
56
BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, Brasil,
1995.
29
reconhecido que Sara chamou Abraão ‘Senhor’ somente em uma ocasião (Gen. 18:22). Mas
conforme Gen 21:10, Deus afirma a Abraão para obedecer Sara, chamando assim ambos para
obedecerem um ao outro.”
57
No Jornal Evangélico
, publicado em março de 1977, um membro da IECLB,
Adroaldo, teceu um comentário intitulado “Trabalho de Homem”. Em sua reflexão,
mencionou que existia uma grande dificuldade por parte dos homens em admitir a idéia de
assumir papéis que tradicionalmente estariam relacionados com as atividades das mulheres.
Salienta ainda que “o trocar fraldas e cuidar da hora da mamadeira não são mais tarefas que
dizem respeito somente às mulheres”.
58
Este autor ainda afirma que os homens norte-
americanos estavam assumido também a responsabilidade da educação das crianças,
trabalhando em creches, por exemplo. No Brasil, embora existissem homens trabalhando
nesta área, ainda havia grandes dificuldades destes se disporem a exercer esta profissão, em
vista do preconceito enraizado no nosso país, lembra o autor.
59
Ainda, nos comentários deste
autor nos deparamos novamente com a tentativa de flexibilizar os papéis sexuais. Os homens
luteranos agora, de acordo com ele, deveriam assumir funções que antes eram realizadas
somente por mulheres. Eles deveriam rever alguns preconceitos em torno da divisão sexual do
trabalho doméstico.
1.2 A autoridade dos homens sobre as mulheres: “instituição divina”
Encontramos alguns relatos de mulheres e homens luteranos salientando que a
autoridade dos homens sobre as mulheres foi instituída pelo próprio Deus e que a relação
hierárquica estabelecida entre ambos não estaria sujeita a modificações. É necessário, no
entanto, considerar quem são as articulistas, a sua condição social, pois muitas estão presa a
vários tabus em relação às mulheres nesta época, apesar do movimento feminista estar em
plena efervescência. Chamou-nos bastante atenção o relato que encontramos na sessão
destinada às cartas de leitores do Jornal Evangélico
em 1979. Jana Junghans, mulher que fazia
parte da Igreja Luterana do Paraná, expôs sua opinião sobre as recorrentes notícias que
problematizavam as mulheres e que as chamavam para uma nova realidade social. Disse ela
não entender o porquê discutir tanto sobre a igualdade dos sexos. Sobre este assunto, declarou
o seguinte:
57
Idem. p. 35.
58
TRABALHO DE HOMEM. In: Jornal Evangélico. Março de 1977.p. 11.
59
Idem.p. 11.
30
Sou mulher e, portanto, não concordo com essa idéia de igualdade de sexos.
É ridículo querermos nos igualar aos homens, como também é sem
cabimento os homens se igualarem a nós, mulheres. Felizmente eles não
querem. Não sei porque se discute tanto esse ponto. Basta nós nos basearmos
na Bíblia, onde na epístola de Paulo aos Efésios, lemos: “Vós mulheres,
sujeitai-vos a vossos maridos como ao Senhor; porque o marido é o cabeça
da mulher... Se o Senhor assim determinou, como ousamos querer
modificar? Deus criou “homem” e “mulher” cada um para determinadas
tarefas.
60
Na citação acima, Jana usou as palavras do apóstolo Paulo para afirmar que os homens e
mulheres são diferentes e que devem ser responsáveis por tarefas distintas. Às mulheres cabe
o cuidado da esfera privada, enquanto que aos homens, o cuidado da esfera pública.
Continuando, afirmou:
O homem tem mais força muscular, mais arrojo e ousadia, com mais
iniciativa e coragem para enfrentar os adversários e defender sua
companheira. A mulher, ao contrário, é mais fraca, de compleição física
mais delicada, mais tímida e recatada (ou pelo menos deveria ser, apesar de
que há muitas jovens hoje em dia que não mais se enquadram neste aspecto),
de reações mais lentas e de índole mais passiva. Tudo isso pela diversidade
da formação biológica. Um para lutar, enfrentar e vencer, e o outro para
guardar e conservar o lar além dos filhos.
61
(Grifos nossos)
É interessante observar como esta mulher reforça a diferença entre homens e mulheres.
É possível perceber o que ela entende ser um homem e uma mulher. Na compreensão desta
autora, os homens, por serem mais fortes fisicamente do que as mulheres, naturalmente
devem dominá-las. Continuando a sua carta, ela apontou para as possíveis perdas de
privilégios ao realizarem tarefas destinadas aos homens.
Querer se igualar aos homens é um contra-senso, pois as tarefas são
diferentes. Isto, absolutamente, não quer dizer que nós, mulheres, sejamos
marginalizadas. Com essa mania de querer nos igualar, estragamos o
conceito de ‘sexo frágil’, perdendo muitas considerações por parte dos
homens, que era antigamente praxe. Qual é o rapaz ou homem que oferece o
seu lugar a alguma senhora nos coletivos, nas salas de espera? Quem dá
prioridade de passagem? Hoje, estas práticas caíram em desuso, unicamente
pelo slogan “igualdade”. A mulher, sendo igual, não mais necessita de
proteção ou consideração por parte de seu companheiro. As feministas
60
LANCE LIVRE: A TRIBUNA DO LEITOR: O LUGAR DA MULHER. In: Jornal Evangélico Segunda
quinzena de outubro de 1979. p. 9.
61
Idem.p.9.
31
lutaram tanto e conseguiram boa parte da igualdade, mas estragaram
completamente o romantismo e a galanteria masculina para com a mulher
‘feminina’.
62
Podemos observar que Jana não concebe a possibilidade de mudança do papel das
mulheres na sociedade e isto está claro pela maneira como interpretou os escritos do apóstolo
Paulo, privilegiando a passagem de Efésios 5: 21-33. Através de sua narrativa, a mulher
possui uma essência feminina e é naturalmente diferente do homem, portanto a mudança seria
contra a ordem da natureza. Na sua visão, o homem seria um ser superior, forte, protetor e,
portanto, o “cabeça” da mulher.
Críticas às feministas também foram feitas pela autora. As feministas são acusadas de
acabarem com o romantismo e a proteção masculina para com a mulher “feminina”. Entende-
se por mulher “feminina” aquela que possui as características seguintes: é o “sexo frágil”,
necessita de proteção masculina, é delicada, tímida, recatada, além de passiva. Jana Junghans
ainda afirma que as tarefas domésticas se restringem somente às mulheres e que o abandono
destas responsabilidades colocaria em risco a felicidade do matrimônio. Ainda, declara que as
mulheres casadas são diferentes das solteiras, pois, ao se casarem, devem assumir sua função
de “rainha do lar”. De acordo com suas colocações:
A mulher invadiu o campo masculino em detrimento do lar, família (...) Falo
das casadas, pois as solteiras e independentes dispõem de tempo para
atividades das quais as casadas deveriam se abster. Qual o marido que gosta
de ver a sua esposa sempre em reuniões, viagens, etc., largando o lar nas
mãos da empregada? (Lamentavelmente isto acontece em muitos lares de
hoje.) A mulher deveria ser a ‘rainha do lar’, e exercer este seu domínio com
alegria e abnegação, realizando-se plenamente neste campo. Garanto que
haveria mais matrimônios e famílias felizes e menos desajustados e
delinqüentes juvenis.
63
Continuando, mencionou que visitar os doentes e exercer a assistência social deveriam
ser as únicas formas de trabalho realizado pelas mulheres fora do lar. Enfatizou ainda que as
mulheres não podem abandonar o lar por causa do emprego. A passagem bíblica I Timóteo 5
foi usada para reforçar seu pensamento.
62
Ibidem. p. 9.
63
Ibidem.p. 9.
32
É claro que nós, mulheres, podemos exercer alguma atividade fora do lar
(assistência social, visita a doentes, etc.), mas nunca a ponto de deixar o lar
ao abandono por causa disso. Na I Epístola de Timóteo, capítulo cinco,
lemos: ‘ Mas se alguém não tem cuidado dos seus e, principalmente, aos de
sua família, nega a fé e é pior que o infiel. A mulher é excelente
colaboradora e deve lutar ao lado do homem, não usurpar o seu lugar’.
64
(Negritado pela autora)
Uma outra matéria encontrada no Roteiro de Trabalho da OASE
, escrita em 1981 pela
pastora luterana Ruthild Brakemeier e intitulada “Mulheres e Homens unidos na missão”,
problematizou a relação homem e mulher na Igreja. Apesar de possuir um discurso um tanto
igualitário no início de sua reflexão, no final do texto ela deixou claro a sua opinião a respeito
da autoridade do homem sobre a mulher e a natural submissão feminina.
Sabemos que na vida social e política não podemos dispensar a liderança.
Mesmo entre iguais reconhece-se a legítima necessidade de autoridade. Por
que a mulher não haveria de aceitar a autoridade do homem no lar e na
comunidade? Por que ela não haveria de aceitar livremente o lugar que Deus
destinou quando disse através de Paulo: ‘Porque o marido é o cabeça da
mulher, como também Cristo é o cabeça da Igreja’?
65
(Grifos nossos)
Esta pastora afirma ainda:
Esta subordinação da mulher não significa prejuízo para ela, como Cristo
não sofreu prejuízo na sua glória, aceitando a autoridade do Pai. Porque ser
cabeça significa ter responsabilidade, significa dar amparo e proteção,
mesmo com alto sacrifício pessoal. Por que a esposa não aceitaria esta
liderança do marido? Com isto ela não se torna inferior, entregue aos
caprichos do homem, porque, na visão do apóstolo, quem governa está a
serviço do governado. Homem e mulher estão a serviço um do outro. Nem
um nem outro é independente (1 co 11.11-12). Proclamar que a mulher só
pode realizar-se integralmente como mulher livre da tutela do homem é
condená-la à frustração, porque a realização tanto do homem como da
mulher acontece na cooperação mútua, na interdependência, assumindo cada
um o lugar e a função que lhe foram conferidos pelo Criador.
66
( Grifos
nossos)
64
Ibidem. p. 9.
65
BRAKEMEIER, Ruthild. Mulheres e Homens unidos na missão. In: Roteiros de Trabalho da OASE. Não
negligencieis a prática do bem e a mútua cooperação; pois com tais sacrifícios Deus se compraz.. São Leopoldo,
RS, 1981. p. 9
66
Idem. p. 9.
33
Para esta pastora, a mulher deve ser submissa ao homem porque isto foi destinado por
Deus. É difícil entender, de acordo com ela, o porquê da mulher não aceitar seu lugar de
submissão. O homem é o “cabeça” da mulher e esta deve aceitar esta condição. A autoridade
de Deus é em todo o momento afirmada como aquela que é instituída e imutável. O que Deus
instituiu entre o homem e a mulher não deve ser mudado.
Para concluir, observamos, através destas falas retiradas de jornais e outros materiais
bibliográficos, olhares heterogêneos sobre a questão das mulheres na sociedade. Esses olhares
presentes nos discursos, no entanto, possuem significado e têm por objetivo produzir sentidos.
Alguns pretendem constituir imagens “femininas” e “masculinas”; outros, quebrar com essas
imagens. Na fala de alguns luteranos, é explícita a tentativa de romper com algumas imagens
dadas às mulheres - imagens estas até então dominantes na nossa sociedade - apontando a
necessidade de mudanças em suas práticas cotidianas. Outros, por sua vez, afirmam as
fronteiras do gênero, marcando as funções sociais que cada sexo deve cumprir. Esses olhares
constituíram-se de acordo com a interpretação das palavras do apóstolo Paulo sobre as
mulheres. Lembremos aqui o que nos mostra Eni Orlandi a respeito da Bíblia e o que ela
representa para os cristãos. A Bíblia é o principal espaço para instituir a verdade sobre
qualquer temática e tornar um discurso legítimo. O discurso bíblico é caracterizado como
aquele em que fala a voz de Deus ou representa sua voz. De acordo com esta autora, a relação
entre o locutor - ou seja, a Bíblia - e o ouvinte é desigual, pertencem a duas ordens de mundo
completamente diferentes, sendo afetadas por um valor hierárquico. O locutor é sempre
Deus, que é considerado como eterno, imortal, todo poderoso, infinito e infalível. Já os
humanos são vistos como falíveis, efêmeros, possuidores de um poder relativo, finitos e
mortais. O discurso religioso domina o discurso humano, e é esta uma das características
fundamentais para compreender seu funcionamento.
67
Além disso, as diferentes
interpretações possíveis da palavra de Deus, ou seja, a Bíblia, possuem um certo limite,
podendo ser consideradas transgressões. Neste sentido, a interpretação da palavra de Deus é
controlada. Os sentidos não podem ser quaisquer sentidos, tendo que ser coerentes com a
escritura sagrada. Do cristianismo provém esta interpretação, sendo que o texto a ser
interpretado restringe-se somente à Bíblia.
68
67
Ibidem. p. 218-219.
68
ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas. São Paulo:
Fontes, 1987, p. 221.
34
A partir das palavras de Eni Orlandi, percebemos o quanto é significativa a utilização
de argumentos bíblicos pelos cristãos. A citação de passagens bíblicas reforça e legitima o
discurso e, por isso, estas passagens são bastante utilizadas na discussão dos luteranos sobre
as mulheres, pois elas são uma forma de instaurar um discurso autorizado.
É interessante perceber como um grupo de mulheres luteranas, naquele momento,
estavam buscando maior autonomia através de uma leitura diferenciada da Bíblia. As
mulheres, de maneira geral, também estavam exercendo outras funções, vistas, por muito
tempo, como exclusivamente masculinas e, conseqüentemente, buscavam legitimidade para
esta ocupação. A Bíblia foi, por muito tempo, o principal texto utilizado pelos cristãos para
inferiorizar as mulheres. Portanto, para estas, debater com os textos bíblicos e trazer uma nova
interpretação bíblica sobre as mulheres abrem possibilidades de tornar legítima a realização,
por parte das mulheres, de algumas funções no campo religioso, como o pastorado, por
exemplo.
Na década de 70, influenciada pelo feminismo, surge a Teologia Feminista, com a qual
estas mulheres buscaram uma aproximação maior, formando, primeiramente, o Grupo de
Mulheres na EST e reivindicando a inclusão de uma cadeira intitulada Teologia Feminista.
2. A presença das mulheres na EST
A autora e teóloga luterana, Maristela Lívia Freiberg
69
, em sua dissertação de
mestrado, intitulada “Retratos do processo de formação e atuação das primeiras pastoras da
IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil”, ajuda-nos a observar a
trajetória das mulheres dentro da faculdade de Teologia e o contexto sócio-político deste
período. Seu trabalho é uma grande contribuição para entender este processo, e por isso será
muito utilizado.
Nosso trabalho tem o objetivo de refletir, como já sinalizamos, as transformações
ocorridas na formação das pastoras luteranas desde a década de 70 na EST. Salientamos que a
formação destas mulheres passou por três gerações e estaremos observando-as a partir deste
momento.
Na IECLB, na década de 70, a teoria feminista da diferença era utilizada pelas
estudantes de Teologia. Na verdade, neste momento, esta era a única teoria que possibilitava
69
FREIBERG, Maristela Lívia. Retratos do processo de formação e atuação das primeiras pastoras da IECLB
.Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Dissertação (Mestrado em Teologia). Escola Superior de
Teologia. São Leopoldo, RS, 1997.
35
discutir a situação das mulheres na sociedade e também na Igreja. Na década de 80, a partir
da criação do Grupo de Mulheres, a perspectiva da mulher, ou melhor, a categoria mulher
tornou-se uma perspectiva muito utilizada pelas estudantes para pensar as mulheres na
sociedade. Mais tarde, na década de 90, a cadeira de Teologia Feminista foi incluída na EST,
buscando o gênero como a categoria de análise teológica.
Através da análise da narrativa de pastoras formadas desde a década de 70 até 2000,
observamos que estas mulheres possuem discursos ambíguos, identificando-se com diferentes
feminismos, e não apenas com aquela teoria feminista adotada pela EST. Observando a
trajetória da formação das pastoras pela EST, observamos três gerações: a primeira iniciou-se
a partir da criação do Grupo de Mulheres, em 1983; a segunda geração iniciou-se a partir da
inclusão da Cadeira de Teologia Feminista, em 1991; a terceira geração iniciou-se quando
esta disciplina adotou oficialmente a categoria de análise de gênero, em 1994.
Maristela Lívia Freiberg fala sobre os fatores que contribuíram para a admissão
regular de mulheres na Faculdade de Teologia (FACTEOL), já na década de 50. Para esta
autora, a efetiva inclusão das mulheres na formação teológica teve sua raiz histórica nas
décadas de 50 e 60, quando havia a possibilidade das estudantes, procedentes do Instituto Pré-
Teológico (IPT), concluírem seu curso secundário através de um ano de estudo complementar
na FACTEOL.
70
A década de 60 foi um período em que a Faculdade de Teologia buscou
também uma maior capacitação para acolher um número crescente de estudantes. Até esta
década, esta Faculdade aceitava somente os alunos oriundos da escola secundaria IPT. A
partir de 1963, foi aberta a possibilidade de alunos de outras escolas cursarem Teologia
devido à falta de obreiros e pastores nas comunidades luteranas no Brasil, o que gerou um
grande número de matriculados.
71
Freiberg aponta para o contexto na década de 60, no qual estava inserida a EST, e
salienta a importância dos acontecimentos que ocorreram neste período visando a uma maior
abertura da faculdade às mulheres. Neste momento, ocorreu a fusão dos sínodos, formando
então a IECLB, em 1968. Esta fusão ocorreu juntamente com o processo de aculturação e
estruturação nacional e como o surgimento de discussões dos problemas sociais. A Segunda
Guerra Mundial ocasionou algumas dificuldades na relação entre a Alemanha e a Igreja local.
Por muito tempo, a IECLB esteve profundamente ligada à Alemanha. Grande parte dos
pastores alemães que serviam à Igreja Luterana no Brasil retornaram para seu país, deixando
de atender as suas comunidades. Esta situação tornou-se muito preocupante, aumentando o
70
FREIBERG, M. L. Op.Cit. p. 72.
71
Idem.p. 69.
36
desejo da Igreja em resolver esta situação, especialmente formando futuros pastores para as
suas comunidades.
72
Um terceiro aspecto ressaltado por Freiberg foi a forte ligação da Faculdade de
Teologia com a Alemanha, pois, neste país, a Igreja Luterana admitia a ordenação de
mulheres há muito tempo. O corpo docente desta faculdade era praticamente formado por
alemães que já haviam tido contato com as pastoras. Isso possibilitou a atuação de teólogas,
mesmo que fosse para a realização de funções especiais, consideradas femininas, dentro da
Igreja. O trabalho das pastoras nas igrejas protestantes na Alemanha já tinha iniciado uma
década antes da Segunda Guerra Mundial. A Igreja de Berlim, por exemplo, ordenava suas
pastoras desde 1936. Mas, além disso, existia a influência de uma exegese histórico-crítica,
que afastou argumentos fundamentalistas capazes de manter a mulher fora do estudo
teológico.
73
As décadas de 70 e 80 representaram mudanças rumo a uma concepção de Teologia
mais própria e contextualizada na IECLB. Surge a necessidade de uma Teologia voltada para
a realidade brasileira. Este período é marcado pelo auge da Teologia da Libertação, o que
acabou influenciando a construção de uma Teologia luterana mais voltada para os problemas
da sociedade brasileira.
74
A Igreja Luterana, nas últimas décadas, passou por um processo chamado “polarização
teológica”. Essa polarização aconteceu em nível de pessoas e comunidades, estando mais
presente no âmbito da formação teológica. Nas últimas décadas, algumas tendências
conseguiram organizar-se e estruturar-se em movimentos e posições teológicas chamadas de
“linhas teológicas”. Segundo Günter K. F. Wermann, “linha teológica é apenas um sistema
abstrato de conceitos filosóficos e teológicos”.
75
As linhas teológicas são influenciadas e determinadas não apenas pela leitura
da Bíblia, mas também pelo jeito de lê-la (hermenêutica). Esse jeito, por sua
vez, depende de muitos fatores, como por exemplo, a individualização do
intérprete, seus interesses pessoais, seus objetivos e suas experiências
.
76
72
Ibidem. p. 69.
73
Ibidem. p. 72.
74
Ibidem p. 69.
75
WERMANN, Günter K. F. A polarização de linhas teológicas na IECLB. In: HOCH, Lolhar. Formação
teológica em terra brasileira: Faculdade de Teologia da IECLB – 1946-1986. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p.
132.
76
Idem. p. 125.
37
Na IECLB, existem atualmente quatro linhas teológicas que surgiram nas últimas três
décadas. A primeira é chamada de linha pietista-evangelical, que tem suas concepções
teológicas lançadas por pastores alemães e americanos. Suas principais ênfases estão baseadas
no tripé: evangelização, edificação integradora e preparação de lideranças comunitárias. Esta
linha, a partir da realização de encontros e retiros de evangelização, passou a ser chamada de
“Movimento Encontrão”.
77
Uma outra tendência teológica é formada por pessoas inspiradas
na “Teologia da Libertação”. Esta tendência cresceu muito entre os luteranos na década de
80, influenciando bastante as decisões políticas assumidas pela IECLB nos últimos tempos.
Este grupo é formado por pessoas comprometidas com a realidade social brasileira,
principalmente com as injustiças sociais, enfatizando o engajamento do cristão nos
movimentos sociais. Julgam a realidade a partir da Bíblia, buscando ação para a
transformação social.
78
Por último, temos a presença dos conservadores do tradicionalismo
luterano. Esta linha teológica se caracteriza basicamente pela ênfase na confessionalidade
luterana, e é nela que a maioria da comunidade da IECLB se sente segura. É enfatizada
também sua ligação com a Alemanha e a leitura e releitura dos documentos da reforma.
79
A partir de 1993, começou a surgir um movimento chamado renovação carismática
dentro da IECLB, mais especificamente dentro do Movimento Encontrão. A partir deste
momento, este movimento tem crescido, conseguindo adeptos dentro da própria IECLB. Este
movimento carismático é a busca por experiências com o Espírito Santo, como o batismo e o
falar em línguas espirituais. Em 1999, foi realizada a 1ª Conferência do Espírito Santo, em
Ivoti-RS, onde estudantes de Teologia da EST e pessoas adeptas do movimento de renovação
espiritual tiveram a oportunidade de traçar um diálogo sobre o assunto. Mil e quinhentas
pessoas participaram deste encontro. Da mesma forma, no Brasil, outras conferências têm
sido realizadas a cada dois anos e o número de participantes têm crescido. No entanto, o
Movimento Carismático tem causado questionamentos das outras linhas teológicas, inclusive
do próprio Movimento Encontrão, de onde emergiu. Fóruns de Diálogos têm sido uma
maneira de conversar sobre determinados temas, pois muitos destes temas têm sido
polêmicos, criando divergências entre luteranos.
80
É importante lembrarmos que as diversidades teológicas e tensões fazem parte desta
Igreja desde sua implantação no Brasil, no século XIX. A princípio, a implantação da IECLB
77
Ibidem.p. 133.
78
Ibidem.p. 133-134.
79
Ibidem. p. 134.
80
SCHREIBER, Eldo. Enchei-vos do Espírito Santo. Florianópolis: Edição do Autor, 2003. 104 p. p. 31-35.
38
no Brasil, ocorreu de forma não uniforme. Aos poucos, os imigrantes foram ocupando vários
lugares, como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul. Em cada uma dessas regiões foram criados regimentos próprios. Somente em
1938 foram constituídos vários sínodos com o objetivo de aproximar as igrejas. Depois, em
1949, foi criada a Federação dos Sínodos para integrar os vários sínodos do Brasil.
81
Esta religião, como vimos, ficou por muito tempo sem um regimento único que
abrangesse todas as comunidades no Brasil. Esta integração foi ocorrendo aos poucos e muito
tempo depois da vinda dos luteranos. Por este motivo, podemos dizer que a IECLB, desde sua
implantação, teve certa autonomia para o pensar teológico. Mas não é só isso. A livre leitura
da Bíblia, prática esta surgida a partir da Reforma Protestante no século XVI, também fez
com que a IECLB se tornasse uma igreja plural, pois os indivíduos têm autonomia para fazer
suas próprias exegeses.
Estefano Martelli também pode nos ajudar a compreender melhor a IECLB e o
contexto em que ela está inserida, quando indica que a religião institucional brasileira tem
passado por mudanças. A respeito disto, ele afirma que “na sociedade contemporânea,
reduziu-se o espaço dos comportamentos e das expectativas reguladas pela necessidade e pelo
costume, e amplia-se um espaço de indeterminação, ou seja, de liberdade, aberto à iniciativa
dos indivíduos e dos grupos.”
82
Nas últimas décadas, surgiu, no interior das religiões institucionais, entre elas as
igrejas históricas tradicionais, um espaço onde os indivíduos têm buscado novas formas de se
expressar religiosamente, influenciando o aparecimento de novas maneiras de pensar a
própria Teologia. Na IECLB não tem sido diferente. Novas linguagens têm surgido iniciadas
pelos indivíduos no interior desta igreja, gerando, inclusive, tensões, como observamos
acima.
83
A entrada das mulheres gerou discussões dentro da IECLB, onde elas introduziram
uma nova linguagem para problematizar as mulheres. Sobre isso nós iremos tratar neste
capítulo. Antes disso, porém, iremos pensar sobre como ocorreu a entrada das primeiras
estudantes de teologia na EST.
Em 1952, aparece a primeira estudante de teologia chamada Eve Wysk. Em 1957,
entra mais uma estudante, Sybille Raspe. Em 1962, Ursula Kleine entra para a Faculdade.
81
MENDONÇA, Antônio G. Evolução Histórica e configuração atual do protestantismo no Brasil. In:
MENDONÇA, Antônio G. e FILHO, Prócolo Velasques. Introdução ao protestantismo no Brasil
. São Paulo:
Edições Loyola. p. 27.
82
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e dessecularização. São
Paulo: Paulinas, 1995. p. 453.
83
Idem. p. 468.
39
Todas buscavam reconhecimento de seus estudos teológicos. Elas já tinham estudado teologia
no IPT, o que equivalia uma formação no segundo grau. Mas estas mulheres não pretendiam
concluir seus estudos na FACTEOL.
84
O caso da estudante Elisabeth Dietschi foi um marco importante para o futuro das
teólogas luteranas no Brasil. Ela iniciou os seus estudos em 1966, na EST, recebendo o título
de Bacharel em Teologia, em junho de 1970. Diferente das outras estudantes de Teologia que
tinham estudado no IPT e na FACTEOL, Dietschi tinha intenção de tornar-se pastora. No
mesmo ano de sua formação, ainda não ordenada pela IECLB, deu continuidade aos seus
estudos em Teologia na Alemanha e acabou sendo ordenada pastora, em 1973, pela Igreja
Evangélica da União, em Berlim. A segunda mulher a concluir o curso na FACTEOL foi Rita
Marta Panke, que se matriculou em 1971, formando-se em 1976.
85
Ela foi a primeira mulher a
assumir atividades pastorais no Brasil.
Maristela Lívia Freiberg cita, também, algumas reivindicações e questionamentos
feitos pelas primeiras estudantes de Teologia, os quais demonstram a instabilidade das
mulheres em relação ao seu futuro como pastoras. A estudante de teologia Lorita Manske, em
1969, publicou, na Folha Dominical, um artigo lançou encontrou uma série de perguntas à
IECLB em relação ao futuro das pastoras. Em resposta às indagações feitas por esta estudante,
que queria saber como ficaria o futuro das teólogas luteranas, a direção da IECLB manifestou-
se sobre o assunto. Freiberg afirma que eles conceberam um ministério pastoral para as
mulheres, no entanto enfatizaram as restrições do campo de atuação. Embora tenham
estabelecido que teologicamente não havia nada que impedisse a mulher de exercer o
pastorado, conceberam o ministério diferenciado para as pastoras casadas e as solteiras. As
casadas “com pastores” serviriam como uma grande ajuda ao marido pastor, sendo
consideradas aptas para exercerem determinadas funções especiais dentro da igreja, como
ensino confirmatório, trabalho com as mulheres e jovens, assistência social, visita aos doentes
e idosos, além dos trabalhos com as crianças.
86
Algumas funções, como podemos observar,
foram apontadas como mais próprias aos homens, como o ato de pregar e ministrar os
sacramentos, a realização de casamentos, batizados, entre outros. A pastora solteira teria a
possibilidade de administrar uma comunidade sozinha, caso ela viesse a ser chamada pela
comunidade. É interessante observar também que a pastora casada com um homem que não
fosse pastor não foi cogitada nesta primeira discussão.
84
Ibidem.p.67.
85
Ibidem.p. 67.
86
FREIBERG, M. L. Op. Cit. p. 87-89.
40
O protestantismo, diferente do catolicismo, deu maior atenção às reivindicações das
mulheres em relação à ordenação. Atualmente, é nas igrejas protestantes que algumas
mulheres têm conquistado o direito de serem ordenadas pastoras. No entanto, isso não
significou que o protestantismo, historicamente, não tenha resistido a essa conquista.
Pesquisadoras (es) têm mostrado uma trajetória difícil, apontando como as pastoras luteranas
se depararam com inúmeras dificuldades no exercício desta profissão, especificamente por
serem mulheres.
Natalie Zemon Davis, Catherine Hall e Uta Ranke-Heinemamm, entre outros autores,
podem ajudar-nos a compreender sobre a história da hostilização das mulheres e sua relação
conflituosa com a tradição cristã. É importante sabermos sobre este contexto para
compreender o debate divergente sobre a ordenação de mulheres e a ocupação destas em
lugares como o pastorado, bispado, etc.
Uta Ranke afirma que na Antigüidade existia um tabu contra o sangue menstrual, o
que, por sua vez, trouxe sérias conseqüências na relação das mulheres com o mundo sagrado.
No antigo testamento, há algumas passagens bíblicas que definem a mulher menstruada como
impura. Durante sete dias, ninguém deveria tocar nada do que ela tinha tocado, pois poderia
também ficar impuro. Já na Idade Média, a mulher, durante o período menstrual, era proibida
de comungar na igreja. Nesse sentido, a menstruação tornou-se fatal para as mulheres que
quisessem participar dos ofícios divinos. Em certas épocas, as diaconisas eram ordenadas
conforme as leis da Igreja, tendo o direito de aproximar-se do altar. No entanto, elas foram
sendo afastadas dos lugares sagrados, como o altar, e foram proibidas de realizar a liturgia por
serem consideradas impuras.
87
Foi a partir da Reforma Luterana, ocorrida no século XVI, que novas interpretações
bíblicas sobre as mulheres e o sacerdócio começaram a aparecer. Davis afirma que o
questionamento sobre o sacerdócio exclusivamente masculino foi realizado pelas mulheres
que, influenciadas pela própria Teologia protestante, começaram a ler a Bíblia e a fazer suas
próprias exegeses. Esta autora mostra-nos alguns exemplos de mulheres que, a partir da
reforma protestante, questionaram o sacerdócio exclusivamente masculino. Marie Dentière,
segundo Davis, além de pregar para o público protestante, publicou, por volta de 1520,
inúmeros trabalhos direcionados às mulheres. Uma outra mulher que se destacou no campo
religioso foi a poetisa Louise Labé, que reunia as mulheres em sua casa para discutir as
escrituras. Enfim, existiram, em vários momentos da história, muitas mulheres que tiveram o
87
RANKE HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e a Igreja Católica.
Tradução de Paulo Fróes. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1996. p. 36.
41
intuito de serem sacerdotisas e pregadoras da palavra de Deus, embora estas acabassem sendo
excluídas dos espaços sagrados reservados somente para os homens.
Cabe destacar que o protestantismo, embora tenha dado a liberdade para as mulheres
lerem a Bíblia, e incentivado esta prática, afirmou que a leitura da Bíblia serviria somente
para instruir os filhos e ensinar as meninas.
88
Como vimos, as discussões realizadas acima nos mostram como historicamente as
mulheres foram percebidas como não possuidoras do direito de desempenharem determinadas
funções dentro do campo religioso. Salientamos estas dificuldades porquê as próprias
entrevistadas afirmam também terem enfrentado inúmeros problemas em relação ao seu
desempenho como pastoras. O trecho que segue mostra como dentro da faculdade de Teologia
estas mulheres tiveram que se organizar para poder reivindicar mudanças na forma como esta
faculdade percebia as pastora, que de acordo com elas, era uma visão ainda preconceituosa e
sexista.
2.1 O Grupo de Mulheres na EST
Na década de 80, segundo Fátima Weiss de Jesus, foi criado o Grupo de Mulheres, e
as mulheres que participavam deste grupo também faziam parte de um grupo maior, o Partido
dos Trabalhadores (PT). Essas teólogas tratavam a questão das mulheres a partir da
“perspectiva da mulher”. Este grupo formado em 1983 pelas estudantes de Teologia da
Faculdade de Teologia (FACTEOL), tornou-se um espaço importante, servindo como um
lugar de diálogo e encaminhamentos de uma série de questões relativas às mulheres no estudo
teológico e sua entrada no ministério pastoral. Maristela Lívia Freiberg aponta para a
importância deste grupo ao expor algumas discussões realizadas.
Essas mulheres reuniam-se com o intuito de refletir sobre o papel das mesmas na
FACTEOL, na Igreja e na sociedade. Começaram também a ler mais sistematicamente sobre a
libertação da mulher. Surgiu ainda neste grupo, a busca por uma hermenêutica que
descobrisse a mulher na Bíblia.
89
Esse grupo também buscou um entendimento acerca do
pastorado feminino. Havia um grande desejo das estudantes em saber como estava sendo a
experiência prática das pastoras, estando preocupadas também em fazer a história dessa
88
DAVIS, Natalie Zemon. Mulheres urbanas e mudança religiosa. In: Cultura do Povo: sociedade e cultura no
início da França moderna. Tradução de Mariza Corrêa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. pp.63 – 86. p. 76.
89
Haide Jarschel. Algumas reflexões sobre o ministério feminino. P. 144. In: FREIBERG, M. L. Op.Cit. p. 93.
42
inclusão.
90
Elas também reivindicaram uma mudança na legislação sobre o trabalho feminino,
especialmente referente à questão salarial e previdência social. Reivindicaram a inclusão de
uma disciplina que estudasse a Teologia Feminista, e criaram o Encontro de Pastoras da
IECLB.
91
Foi na década de 80 que apareceram os primeiros trabalhos escritos pelas estudantes
de Teologia na EST. Estes privilegiaram os escritos bíblicos sobre mulheres. É importante
lembrar que os trabalhos elaborados acerca do tema sobre mulheres representavam um
número pequeno, pois eram, geralmente, escritos pelas estudantes de Teologia. Raramente
homens escreviam.
O trabalho de conclusão de curso de Ruth L. Winckler Musskopff, em 1988, intitulado
“O falar de Jesus sobre Deus como pai nos evangelhos sinóticos e suas implicações para uma
teologia feminista”, teve o objetivo de mostrar que a utilização exclusiva do termo “Deus –
pai” é sexista e fruto de uma relação de poder. Este termo pode ser utilizado desde que não se
torne único. Essa autora defende que Deus também pode ser Deusa, mas isso não deve ser
tomado literalmente como ser feminino ou como mãe, pois os símbolos familiares devem ser
evitados.
92
Uma das preocupações das alunas de Teologia foi buscar uma história das mulheres
na IECLB. Em 1988, Lauri Becker elaborou seu trabalho de conclusão de curso intitulado,
“Ordem auxiliadora de senhoras evangélicas. OASE: a mulher buscando espaço que lhe foi
negado na sociedade e na igreja. Um caminho para a conscientização da libertação da
mulher”.
93
O título deste trabalho resume bem seus objetivos. Cabe destacar novamente que
no período da década de 80, a Teologia da Libertação exerceu forte influência sobre a
FACTEOL, e por isso muitos trabalhos foram realizados nesta perspectiva.
O trabalho de Maria Lucia Sturm Schneider, intitulado, “Participação das mulheres na
formação e construção das primeiras comunidades cristãs no mundo Grego-Romano: um
estudo a partir das cartas de Paulo”, buscou mostrar a importância da participação das
mulheres na construção das comunidades Grego-Romanas. Esta autora salientou que durante
90
Idem.p. 95.
91
Ibidem.p. 97.
92
MUSSKOF, Ruth L. Winchler. O falar de Jesus sobre Deus como pai nos evangelhos sinóticos e suas
implicações para uma teologia feminista. Trabalho (Conclusão de Curso). Escola superior de Teologia. São
Leopoldo, RS, 1988.
93
BECKER, Lauri. Ordem auxiliadora de senhoras evangélicas: OASE: a mulher buscando o espaço que lhe foi
negado na sociedade e na igreja. Um caminho para a conscientização e libertação da mulher. Trabalho
(Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1988.
43
séculos, a tradição cristã calou as mulheres, delegando-as à pessoas de segunda categoria,
impossibilitando sua participação igualitária nos diversos ministérios da Igreja.
Observamos, ao ler alguns desses trabalhos realizados na década de 80, que a maioria
destes buscaram escrever a história das mulheres cristãs a partir da perspectiva da mulher,
desconstruindo, através de uma nova leitura bíblica, alguns conceitos negativos criados
historicamente sobre as mulheres.
2.2 A implantação da Cadeira de Teologia Feminista na EST: entre a perspectiva da
“mulher” e o gênero
A década de 90 é percebida como um momento de mudanças na formação dos
estudantes de Teologia da EST. Em 1991, a cadeira de Teologia Feminista foi incluída na
grade curricular como disciplina obrigatória para homens e mulheres. Esta disciplina começou
a possibilitar aos alunos uma reflexão sobre as mulheres e os homens no campo religioso,
social, político e privado. Nesta época, no interior do feminismo, surge a categoria gênero,
que começa a ser debatida na sala de aula na EST. Observamos que embora o gênero, no
início da década de 90, começasse a ser debatido, a perspectiva da Teologia Feminista
pautada na “perspectiva da mulher” ainda era pensada e utilizada pelas estudantes e isso foi
possível observar através dos trabalhos por elas realizados. A seguir, citaremos dois dos
trabalhos realizados pelas estudantes de Teologia da EST, no período de 1990 a 2002. Um
deles apresenta uma perspectiva de gênero, enquanto o outro ainda possui uma perspectiva da
“mulher”.
O trabalho de Aneli Schwarz, em 1994, intitulado “Buscando uma ética feminista de
libertação sexual”,
94
foi um exemplo da busca das estudantes de Teologia por uma
aproximação com a categoria de análise de gênero. A autora mostrou em seu trabalho como a
heterossexualidade se tornou uma instituição do patriarcado, a fim de garantir aos homens o
acesso e o poder sobre os corpos das mulheres. Ela questionou a heterossexualidade
compulsória a partir de alguns extremos da sexualidade aos quais ela levou, como “a
genitalização da sexualidade, a repressão homofobótica da homossexualidade e a objetivação
e a escravidão das mulheres como seres essencialmente sexuais.”
95
Observamos, na análise da
autora, como a sexualidade foi construída a partir de relações de poder.
94
SCHWARZ, Aneli. Buscando por uma ética feminista de libertação sexual. Trabalho (Conclusão de Curso).
Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1994.
95
Idem. p. 338.
44
Por sua vez, o trabalho de Carla Andréa Grossmann, em 1995, intitulado “O
aconselhamento pastoral a partir de uma ótica feminista”
96
, teve como objetivo buscar uma
proposta de aconselhamento pastoral feminista, pautado na perspectiva da “mulher”. Ou seja,
ela acredita que o aconselhamento a partir da ótica feminista pode resgatar a humanidade
plena de homens e mulheres. Propõe ainda um trabalho de aconselhamento em grupo, que tem
como objetivo superar problemas bem específicos surgidos através do sexismo, tais como,
violência doméstica e a situação da mãe solteira. Neste trabalho, podemos observar ainda
como esta autora, ao utilizar a perspectiva da mulher, percebe a sexualidade como uma
construção essencialista.
A professora contratada para lecionar a disciplina Teologia Feminista foi Wanda
Deifelt. Esta professora formou-se em 1984, na EST, e, no início de 1985, foi para Boston,
nos Estados Unidos, para estudar com Rosemary Radford Ruether, no Garret Evangelical
Theological Seminary e Northwestern University, terminando seu mestrado em 1986. Em
1990, começou seu doutorado no Canadá na área de Teologia Sistemática e de Teologia
Feminista.
97
Segundo Wanda Deifelt, foi na década de 90 que surgiu, na América Latina, o termo
Teologia Feminista de Libertação. Em 1993, foi adotado oficialmente este termo no Encontro
Regional das Teólogas da Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro
Mundo- (ASETT/EATWOT}, no Rio de Janeiro. A partir de 1993, ao utilizarem o termo
Teologia Feminista, as teólogas assumiram o gênero como uma categoria de análise, como um
princípio metodológico oficialmente.
98
No início da década de 90, com o fim do Grupo de Mulheres, foi criado o Núcleo de
Gênero, que teve o objetivo de romper com a ênfase na questão da mulher, pensando, a partir
daí, em termos de gênero.
99
Na EST, em 1999, surgiu o Núcleo de Pesquisa de Gênero (NPG),
vinculado ao grupo CNPq, tendo como seu principal objetivo pensar a Teologia a partir da
perspectiva de gênero.
100
Professora da EST desde 1991, Wanda Deifelt, em um de seus textos publicado em
1994, mostrou-nos os objetivos da cadeira de Teologia Feminista e de como ela estava
pensando uma metodologia para o ensino desta disciplina a partir do estudo das relações de
96
GROSSMANN, Carla Andréa. O aconselhamento pastoral a partir de uma ótica feminista. Trabalho
(Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1995.
97
FREIBERG, M. L. Op.cit. .p. 103.
98
DEIFELT, Wanda. Teoria feminista y metodologia teológica. Vida y Pensamiento. Vol. 14, n 1, 1994, p. 9 -
14.
99
JESUS, Fátima Weiss. Op.cit.p. 94.
100
Idem.p. 94.
45
gênero, propondo assim uma metodologia em três passos. O primeiro passo seria a tomada de
consciência do caráter não-normativo das mulheres em relação ao corpo literário tradicional.
Segundo ela:
A tarefa da teologia feminista começa apontando o aspecto patriarcal das
relações sociais para então falar de novas alternativas e reconstruções. Para
tal é necessário reconhecer a exclusão histórica das mulheres de cargos de
liderança social, política e religiosa. A hermenêutica feminista, em
particular, avalia criticamente o corpo de literatura tido como norma e aceito
pelas instituições religiosas e educacionais (entre estes a própria Bíblia e
escritos dos pais da igreja). Ela aponta para o conteúdo patriarcal de
determinados textos bíblicos, como os códigos domésticos no Novo
Testamento. A hermenêutica feminista questiona o próprio processo de
canonização, que reflete uma seleção de textos que privilegiam a atuação de
homens e que ainda hoje impedem uma atuação mais participativa por parte
da mulher. A teologia feminista é essencialmente um ato de revisão.
101
Nesse sentido, a Teologia Feminista questiona a Teologia tradicional de um corpo
literário, como a Bíblia. Questiona também o silêncio sobre as mulheres e suas contribuições
ao povo de Deus. Critica a maneira como a Teologia tradicional e patriarcal apresenta Eva
como a segunda na ordem da criação, mas a primeira a pecar, além de identificar todas as
mulheres como física, racional e moralmente inferiores e mais fracas que os homens.
Já o segundo passo, resumidamente, seria a descoberta de que as mulheres estão
presentes na literatura, possuindo temas e perspectivas próprias. Ainda, de acordo com a
autora:
O segundo passo da hermenêutica feminista começa com o reconhecimento
que, apesar das mulheres terem sido praticamente esquecidas no processo
histórico e excluídas dos textos bíblicos e seculares, as mulheres são, de fato,
participantes da história, da cultura, da sociedade. Estudos elaborados
durante as últimas décadas mostram que a descrição da mulher como a
eterna excluída não é uma definição acertada. Há mais e mais evidência de
que dentro do Judaísmo e do Cristianismo mulheres não tenham sido
excluídas de modo uniforme de estudos e práticas religiosas. Ou seja, que o
corpo de literatura tido como normativo é somente um lado do argumento.
Mesmo que um texto seja explicitamente misógino, ele permite uma leitura
pelo seu revés, pelo que tenta negar. Se as feministas começam descrevendo
a mulher como vítima da história em seu papel secundário, também apontam
para o fato de que ser vítima não é suficiente para descrever a dinâmica das
mulheres na história.
102
101
Ibidem. p. 6.
102
Ibidem.p. 6.
46
Por fim, o terceiro e último passo se constitui na reivindicação não somente de que as
experiências das mulheres e os escritos sobre elas sejam reconhecidos, mas também mostrar o
modo como tradicionalmente são avaliados os escritos bíblicos, propondo novos temas e
abordagens.
103
Este é o estágio em que as mulheres reavaliam as normas e os métodos da
teologia à luz da crítica às tradições bíblico-eclesiásticas, buscando modelos
alternativos. Neste terceiro passo, a teologia feminista tem a função não
de criticar o passado e buscar histórias perdidas de mulheres. Ela também
tem a função de reconstruir a teologia, recriando e revisando categorias
teológicas, usando as experiências de opressão e as lutas de libertação das
mulheres como articuladoras de saber. A base para esta reconstrução
teológica não se encontra necessariamente dentro da igreja institucional e de
sua tradição, das Escrituras, mas na convicção de que as mulheres são
criadas à imagem de Deus, vivendo numa comunidade de fé e engajadas nas
lutas de êxito do patriarcado. É neste estágio que a Teologia Feminista deixa
de se ater à reprodução e passa a lidar com a formulação teológica, propondo
modos alternativos de ler a Escritura, redefinindo conceitos teológicos como
pecado e salvação, por exemplo, e atribuindo novos papéis à própria Igreja.
104
Finalizando, queremos chamar a atenção para a busca, na EST, de uma releitura das
passagens bíblicas que se referem às mulheres. As pastoras buscaram legitimar a sua presença
nesta faculdade, na IECLB e discutir a situação das mulheres na sociedade. A aproximação
destas mulheres tanto com a Teologia Feminista pensada a partir da ótica feminina, como a
utilização da categoria gênero, foi uma questão de poder. Lembrando aqui as palavras de
Bourdieu, o qual afirma que o campo religioso é um espaço de disputa, isto nos faz pensar que
essas pastoras estão lutando para construir um novo saber sobre as mulheres e a Teologia.
Queremos salientar também que o uso da Bíblia, que continua sendo considerada autoridade
por essas mulheres, tem sido um instrumento de poder fundamental para legitimar o discurso
das estudantes de Teologia.
103
Ibidem. p. 6.
104
Ibidem.p. 6.
47
48
CAPÍTULO II
E
xperiências de mulheres: as pastoras luteranas narrando sobre suas
trajetórias
Neste capítulo, temos o objetivo de observar de que maneira as pastoras formadas na
EST, desde a década de 70, narram suas experiências e trajetórias no pastorado. Natalie
Zemon Davis é uma referência na historiografia ao falar sobre as experiências de mulheres em
vários momentos da história, principalmente as religiosas. Por exemplo, o artigo intitulado “
Mulheres urbanas e mudança religiosa na França moderna” e o livro “Nas margens: três
mulheres do século XVII”
105
, são obras que abordar a experiência de mulheres religiosas. O
primeiro artigo mencionado mostra a experiência de mulheres religiosas urbanas na França,
enfocando sua participação na Reforma Protestante no século XVI.
Desejamos, desta forma, neste capítulo, observar a experiência das mulheres como
pastoras luteranas, analisando suas identificações e crenças, tentando também interpretar seus
significados. Através das narrativas destas pastoras, podemos separá-las em dois grupos
distintos. Um grupo enfatizou a grande dificuldade de aceitação, por parte dos membros da
Igreja, do fato de uma mulher ocupar um cargo considerado masculino. Por isso, suas
trajetórias pastorais são narradas como difíceis, especialmente por serem mulheres. As
pastoras formadas especialmente na década de 70 e 80, ao narrarem sobre sua experiência,
constroem-se em sua maioria como lutadoras e vencedoras. Afirmam que enfrentaram
inúmeras dificuldades, sendo pioneiras e responsáveis por abrir caminho para as demais
pastoras, e disso se orgulham. Por outro lado, outras pastoras formadas em sua maioria na
década de 90, enfatizaram que, embora tenham passado por dificuldades no exercício de seu
trabalho por serem mulheres, procuraram não entrar em confronto com a Igreja por causa
disto, destacando a necessidade de utilizar atributos considerados femininos, como o
“carinho”, a “sensibilidade” e a “docilidade”. Outra questão observada na narrativa de grande
parte das pastoras foi o acréscimo de dificuldade por serem mulheres, ou seja, a dificuldade de
viver a diferença que elas mesmas acreditam existir entre homens e mulheres. Certamente,
parte das narrativas são baseadas em bibliografia feminista disponível desde os anos 70 no
Brasil, sendo oriunda de um movimento que, em nível internacional, questionava papéis
105
DAVIS, Natalie Zemon. Nas Margens: três mulheres do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras,
1977.
49
atribuídos a homens e mulheres, além de relações hierarquizadas. Sobre esta bibliografia,
apresentamos no primeiro capítulo.
No tocante à utilização do conceito de experiência, é necessário fazer algumas
reflexões, haja vista ser através da análise da experiência narrada pelas pastoras que
construímos nossa pesquisa. Segundo Joan Scott, o conceito de experiência passou por várias
mudanças, especialmente no século XX. A princípio, os historiadores utilizavam este conceito
como a forma mais autêntica de verdade, não levando em conta a subjetividade dos sujeitos
pesquisados, nem do próprio historiador. Hoje, a utilização desta categoria de análise implica,
além de tornar visível a experiência dos sujeitos, mostrar como as suas identidades são
construídas historicamente.
106
Além disso, é necessário fazer um exame crítico desta
experiência para destacar, no nosso caso, como a categoria de representação mulher/homem é
uma identidade flexível e mutável.
107
Scott afirma que o historiador deve prestar conta dos processos históricos, os quais,
através de discursos, posicionam sujeitos e produzem experiência. Ou seja, a experiência é
produzida pelo discurso. “Não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que
são constituídos através da experiência”.
108
Neste caso, é importante salientar que a pastora,
ao narrar sobre sua experiência, está constituindo-se enquanto sujeito. Ela é sujeito do seu
próprio discurso.
A narrativa das pastoras entrevistadas indica que o período da Faculdade de Teologia
foi uma época em que, por serem mulheres, e enfrentaram problemas com os colegas.
Percebemos que as pastoras formadas nas décadas de 70 e 80 falam com ênfase numa
experiência mais difícil, pois foram as primeiras que decidiram em tornar-se pastoras, a
ocuparem os bancos da referida faculdade e também a pregarem nos púlpitos das
comunidades luteranas no Brasil.
Um dos momentos mais difíceis, enfatizado por elas foi o início de sua vivência
como pastoras nas comunidades, especialmente na época do estágio. Muitos dos membros não
estavam acostumados a presenciar uma mulher como pastora, embora a IECLB, oficialmente,
tivesse declarado, no início da década de 70, que teologicamente não havia nada que
impedisse uma mulher de exercer este magistério. Tornar-se pastora, portanto, foi um desafio,
principalmente nos primeiros contatos com a comunidade.
106
SCOTT, Joan W. Experiência. In: SILVA, Alcione Leite, LAGO, Mara Coelho de Souza, RAMOS, Tânia
Regina (Org.) Falas de gênero: teorias, análises, leituras.Florianópolis: Mulheres, 1999. p. 24.
107
Idem.p. 26.
108
Ibidem.p. 27.
50
Dentre os vários problemas levantados por estas pastoras, está a dupla e tripla jornada
de trabalho. O pastorado é uma profissão que exige dedicação exclusiva e, muitas vezes, não
há horário específico para o trabalho. Caso ocorra uma morte, por exemplo, a (o) pastora (o)
é responsável pela condução do sepultamento, independente do horário e do dia, assim como
outras emergências pastorais que extrapolam o horário agendado dos cultos, reuniões etc...
Além disso, por serem mulheres, devem cuidar também da casa e dos filhos.
1 A Escolha da Profissão
De acordo com a maioria das pastoras, a busca e o desejo por esta profissão foram
identificados durante a infância, certamente como uma forma de demonstrar a solidez
vocacional. Assim, grande parte das entrevistadas justificou que a motivação que despertou o
desejo de se tornarem pastoras foi a forte ligação com a Igreja desde pequenas. Como
exemplo, a pastora Suzani Elisabeth Wander Hepp, formada em 1988, mostra-nos esta
influência.
Essa história de ser pastora vem desde criança. Eu morava no Rio Grande do
Sul e tinha uns 10, 12 anos. Este período foi quando nós tivemos o primeiro
contato com estudantes de teologia. Eu não lembro bem o que houve, mas
nós brincávamos muito de igreja. Então toda vez que nós tínhamos que
brincar eu acabava fazendo o papel de padre. Nós nunca imitávamos os
pastores, porque não sabíamos o que ele estava falando. Ele falava o alemão,
e nós não decorávamos ainda. Como o padre rezava a missa em latim, nós
não precisávamos saber o que ele dizia. Assim, nós brincávamos. Disseram-
me que eu nunca poderia ser pastora, e eu falava que quando adulta queria
ser pastora. Falavam que mulher não poderia estudar para ser pastora,
somente homem. Então, eu respondia: “Por que não?” Na minha época, eu
também vou poder estudar, porque hoje as mulheres já estão sendo doutoras.
Mas essa experiência adormeceu. Eu fui realmente despertar para isso
quando nós morávamos em Curitiba. Eu trabalhava com o ministério infantil
e aquele desejo foi crescendo. Um dia, uma amiga que dava culto infantil
comigo perguntou-me porque que eu não iria estudar teologia. Eu respondi:
“mas mulher já pode? E ela respondeu: Mas é claro que pode.”
109
Um dos aspectos que ajudou essa mulher a almejar esta profissão foi o fato de tomar
conhecimento desta possibilidade. Quando soube desta possibilidade pela amiga, de acordo
109
Suzani Elisabeth Wander Hepp
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
51
com sua narrativa, o desejo adormecido foi despertado e o sonho de criança novamente pôde
ser revivido.
A pastora Mariane Beyer Ehart, formada em 1978, e atualmente representante do
Sínodo do Vale do Itajaí, também mostrou-nos que a ligação dela com a Igreja desde pequena
foi fator preponderante para a escolha desta profissão.
Foi algo que aconteceu com naturalidade e num crescente. Desde pequena,
eu participava do ensino confirmatório da minha irmã. Com 5 anos, foi
quando despertei. Depois, com a participação no culto infantil foi crescendo
uma certeza daquilo que eu queria. Isso aconteceu no período em que tinha
meu próprio ensino confirmatório e trabalhava com a juventude.
110
Um outro aspecto que deve ser analisado é o fato destas mulheres passarem pela
experiência da liderança, seja dando aulas no ensino confirmatório ou liderando o grupo de
juventude. Essa experiência também é apontada como sendo um dos motivadores para a
escolha desta profissão. Através da fala da pastora Neuzeli Erert, formada em 2002,
observamos esta motivação.
Minha família é de tradição luterana. Então, eu já cresci participando em
todas as atividades da comunidade. Eu tenho cinco irmãs mais velhas e dois
irmãos. Sempre os acompanhava no culto infantil; participei na juventude e
inclusive de sua liderança. Então, muito cedo, eu já sabia o que queria.
Queria ir para São Leopoldo fazer Teologia. Mas surgiu aquela idéia de que
poderia desistir. E eu, ao contrário, quanto mais participava mais ia ficando
interessada.
111
A narrativa da experiência da pastora Adriane B. Dalferth Sossmeier, formada em 1996,
também nos mostra a sua ligação, desde pequena, com a Igreja e a liderança da juventude. Ao
perguntar sobre o momento da escolha da profissão, ela relatou:
Não dá para identificar o momento exato, mas eu sei que era uma caminhada
muito grande em termos de liderança de juventude e do culto infantil. Desde
cedo, sempre estive presente na Igreja. Conheci-me como ser humano dentro
110
Mariane Beyer Ehrat
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
111
Neuzeli Erert
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 16:00 horas, na cidade
de Blumenau.
52
da Igreja. Eu tive um espaço na Igreja como líder. Dedicava-me ao teatro, ao
acampamento, a dança folclórica. Para mim a igreja sempre foi um lugar
gostoso e maravilhoso. Sempre gostei muito. Encontrei-me como jovem lá
dentro. Um certo dia, um pastor da nossa liderança da Igreja disse assim:
“Sabe que você poderia ser pastora?” Isso começou a martelar na minha
cabeça, mas eu estava fazendo psicologia. Estava dando aula num colégio e
estava muito bem como professora. Dava meio turno de um dia para outro. O
que me motivou foram vários fatores. Eu penso e acredito que a mão de
Deus colocou-me no lugar certo. Tenho certeza disso. Teve também uma
história que na minha região várias mulheres tornaram-se pastoras. Meu
irmão é pastor e minha cunhada é pastora. Talvez, inconscientemente, eu
sabia da possibilidade deste espaço.
112
Novamente vemos aqui que o saber da possibilidade de ocupação deste espaço pelas
mulheres tornou-se imprescindível para que surgisse e crescesse o desejo das mesmas
exercerem o pastorado. Além disso, para esta pastora, a vontade do próprio Deus deveria ser
obedecida, pois queria que se tornasse uma pastora. Ou seja, ela compreende que Deus a
escolheu para realizar este trabalho e acredita que a comunidade em que trabalha também foi
preparada pelo próprio Deus.
Podemos observar, na narrativa do “como” se tornaram pastoras, que as entrevistadas
buscaram legitimidade de sua escolha num passado mais distante, localizado na infância,
permeado por vivências de liderança, estimuladas por exemplos familiares e pela
possibilidade de viver num tempo em que as mulheres podem ser pastoras. Além disso, a
escolha desta profissão, segundo a entrevistada acima, foi vocacional, ou seja, dada pelo
próprio Deus, conforme sua vontade, afastando assim qualquer questionamento em relação à
legitimidade de sua profissão.
Segundo a pastora Carla Suzana Kruger, desde 1978 a IECLB tem mulheres atuando,
regular e oficialmente, no ministério pastoral. Esta pastora sinaliza para a importância do
conceito do sacerdócio universal de todos os crentes, questão sustentada por Martinho Lutero,
no que diz respeito à legitimação da ordenação das mulheres, mesmo que ele não tenha
declarado especificamente esta possibilidade para as mulheres em seus discursos. Esta pastora
cita um trecho da fala de Lutero para confirmar sua interpretação.
Todos cristãos são verdadeiramente de estamento espiritual e não há
qualquer diferença entre eles a não ser exclusivamente por força do ofício,
conforme Paulo diz em 1 Cor 12: 12. Todos somos um corpo, porém cada
membro tem sua própria função, com a qual serve aos outros. Tudo isso se
112
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 22 de junho, as 10:30 horas,
na cidade de Joinville.
53
deve ao fato de que temos um Batismo, um Evangelho, uma Fé que tornam
as pessoas espirituais e cristãs.
113
Esta pastora afirma que, para a Teologia luterana, o Batismo é considerado como
ordenação e assim todas as pessoas batizadas podem assumir o ministério ordenado, sejam
homens ou mulheres.
2. A Reação dos Pais
Em várias narrativas surgiram dificuldades, e os pais encabeçaram a relação destas.
Um considerável número de pastoras contou-nos que não tiveram, na hora da escolha da
profissão, pelo menos a princípio, apoio dos pais, ou, em especial, o apoio do pai. Segundo
elas, seus pais resistiram em aceitar que sua filha se tornasse uma pastora. Este foi o caso
relatado pela pastora Suzani E. Hepp, formada em 1988.
A minha mãe foi a única pessoa que desde o primeiro momento não disse
não. Agora, meu pai não. Meu pai aceitou-me como pastora, aceitou os meus
estudos somente quando fiz o casamento da minha irmã. Foi quando ele não
implicou mais comigo para eu largar o estudo. Eu estava no quarto ano da
faculdade. Então, ele me viu vestida de pastora e a partir daquele momento
realmente não implicou mais. Nas férias, era uma briga quando eu tinha que
ir embora. Ele não queria que eu fosse embora porque, segundo ele, mulher
não precisava estudar, mulher casa e o marido sustenta.
114
O pai, segundo algumas narrativas, mostrou-se o mais preocupado com o futuro da
filha caso ela viesse a tornar-se pastora, pois segundo ele, à mulher cabia exercer as tarefas de
âmbito privado, como cuidado da casa, dos filhos e dedicação ao esposo. Muitos pais
acreditavam que o exercício do pastorado poderia colocar em risco o desempenho esperado
das mulheres na sua esfera “natural”.
A pastora Neuzeli Erert contou-nos sobre a preocupação de sua mãe com seu futuro.
Sua mãe achava que ser uma pastora seria muito difícil por ela ser mulher.
A minha mãe no início não queria, principalmente porque era muito tempo
distante da família. Minha mãe não queria, mas também não se opôs. Por ela,
eu teria ficado em Ivoti e tentado vestibular. Ela falava que em pastor todo
113
LUTERO, Martinho. À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. P.282.In:
KRUGER, Carla Suzana. As mulheres e o ministério ordenado na Igreja – um estudo sobre a ordenação de
mulheres na IECLB. Trabalho Semestral. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1996.
114
Suzani Elisabeth Wander Hepp. E
ntrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
54
mundo manda. “É muito complicado, nunca agrada todo mundo”. Mas ela
tinha outras preocupações por eu ser mulher também. Eu acho que,
diretamente, ela não dizia: “Olha, você é mulher e não será respeitada. Você
é mulher e será mais difícil ainda.”
115
Observamos que na narrativa das pastoras, as formadas na década de 70 e 80 relatam
que tiveram mais problemas para exercer o pastorado, sendo uma delas a resistência dos pais
em aceitarem sua escolha profissional. A pastora Marion Freitag, de Badenfurt, bairro de
Blumenau, formada na década de 70, contou-nos um pouco sobre a dificuldade de seus pais
aceitarem a escolha de sua profissão. Seu pai, principalmente, queria que ela casasse e se
tornasse uma dona -de- casa. Mas não desistiu e estudou Teologia.
A explicação que a pastora apresenta faz referência à Simone de Beauvoir. Não
sabemos se leu, mas certamente sua geração leu livros, jornais ou acompanhou pela mídia as
múltiplas leituras que divulgaram estas idéias. Segundo Beauvoir, a sociedade propõe o
destino do casamento tradicionalmente às mulheres. Para homens e mulheres, o casamento é
apresentado como radicalmente diferente. Embora ambos os sexos sejam necessários um ao
outro, isso não significa necessariamente que haja uma reciprocidade. Socialmente, o homem
é visto como um indivíduo autônomo e completo, é encarado como o produtor e sua
existência se justifica por seu trabalho dedicado ao público e à coletividade.
116
Ainda, o
casamento é um tempo de encargo e um benefício para ambos os cônjuges, mas nem por isso
há uma simetria nas situações. Para as jovens, o casamento é apresentado como “o único meio
de integrar-se na coletividade e, no caso ficarem solteiras, tornam-se socialmente
resíduos.”
117
A realização das mulheres como mães também é cobrada pelos pais. Essa
também é uma condição que eleva a dignidade das mulheres, segundo Beauvoir.
Marion Freitag, afirmou:
O pai, na verdade, queria que eu fosse dona-de -casa. Ainda hoje ele não se
convence que eu sou uma pastora. Na cabeça dele isso não poderia existir.
Mas meus pais sempre foram muito dedicados ao trabalho da Igreja e eu
acho que o meu inconsciente foi se formando. Uma vez, o pai me perguntou
se eu pudesse estudar de novo o que eu faria. Eu respondi: “ - Teologia.”
118
115
Neuzeli Erert.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 16: 00 horas, na cidade
de Blumenau.
116
BEAUVOIR, Simone. A mulher casada. In: O segundo sexo .2. A experiência vivida. Tradução de Sérgio
Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. pp. 165 – 249, p. 166.
117
Idem. p. 167.
118
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
55
Continuando, esta pastora fala sobre a opinião da mãe sobre sua profissão.
A minha mãe era daquela geração que segue o marido. Ela o seguiu. Para os
outros eles admiram o meu pastorado, meu trabalho, mas para mim não. É
porque eu sou a irmã mais velha de seis e vim de uma família que o mais
velho tinha que ser homem. Meu pai não consegue trabalhar isso e essa
situação me magoa muito. Mas apesar de tudo, o importante é que eu tenho
um objetivo no meu trabalho
.
119
Aqui cabem algumas reflexões sobre as questões colocadas por esta pastora. A autora
Elena Gianini Belotti
120
, em seu livro intitulado “Educar para a submissão: o
descondicionamento da mulher”,
ajuda-nos a pensar como as famílias definem a trajetória
das crianças desde seu nascimento. Ela afirma que a tradicional diferença das características
entre homens e mulheres não é devido a fatores biológicos, mas sim aos condicionamentos
culturais aos quais o indivíduo é forçado no curso de seu desenvolvimento. Diz que os
condicionamentos na direção do papel designado a um ou outro sexo começam até mesmo
antes do nascimento, quando se escolhe e prepara o enxoval, que geralmente é rosa para a
menina e azul para o menino. Ainda, este condicionamento prossegue com a escolha pelos
adultos das brincadeiras que cada sexo deve brincar, depois as funções que “podem” ou
“devem” desempenhar na sociedade. Assim, esse condicionamento prossegue no campo dos
estudos e trabalho. A autora ainda lembra que este condicionamento visa conservar e
transmitir valores, como o mito da superioridade “masculina” e a natural inferioridade
“feminina”. É certamente com este tipo de análise que as pastoras constroem a narrativa de
suas dificuldades de enfrentamento familiar.
3 O período na faculdade, no estágio e nas comunidades
A Igreja Luterana, embora tenha se destacado no Brasil como sendo uma das primeiras
igrejas a abrir espaço para as mulheres no ministério ordenado, não lhes concedeu todo o
apoio devido. A narrativa da experiência das primeiras pastoras formadas nas décadas de 70 e
80 mostram-nos que elas não foram recebidas pela IECLB com tantos “aplausos”, como
sugeriram algumas notícias publicadas pelo Jornal Evangélico.
Dentre estas notícias podemos
119
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
120
BELOTTI, Elena Gianini. Educar para a submissão: o descondicionamento da mulher. 6 ed. Tradução de
Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1987.
56
citar: “Pastoras, uma profissão de futuro”, “Os muros caem na igreja”, ou ainda “O serviço de
uma pastora foi um sucesso”. Apesar dessas matérias tentarem transmitir apoio a estas
mulheres, em suas narrativas estas afirmam terem encontrado uma série de dificuldades ao
exercerem esta profissão considerada eminentemente masculina, demonstrando que os muros
da desigualdade entre os sexos dentro da Igreja ainda teriam que ser, aos poucos e com muita
resistência, destruídos.
Uma entrevista concedida, no dia 15 de setembro de 1973, ao Jornal Evangélico
pela
pastora Elisabeth Moltmann, a primeira mulher brasileira a ser ordenada pastora luterana fala
sobre algumas dessas dificuldades enfrentadas pelas primeiras pastoras, necessitando de
“cuidados especiais” em suas opiniões pessoais em relação ao seu trabalho. Assim, ela
colocou:
A profissão que abracei, eu sabia, não deixa de ser motivo de forte tentação
para querer convencer os outros de opiniões pessoais e valorizar
excessivamente a própria personalidade. Mas meu cuidado está em apenas
fazer-me entender, e que as outras pessoas sintam-se bem em minha
companhia.
121
Ainda nesta entrevista, Moltmann afirmava taxativamente: “não conseguir entender
que haja alguma diferença qualitativa referente ao papel do homem e da mulher na Igreja de
Cristo”, embora reconhecesse que nem todos pensassem do mesmo modo.
122
Podemos
perceber que ela tinha razão quando fez este comentário, pois um ano depois de sua incursão
na comunidade de Ipanema, no Rio de Janeiro, em 1974, ela foi afastada de sua comunidade.
Segundo afirma, o motivo foi desencadeado por desentendimentos ocorridos entre ela e o
Presbitério da comunidade do Rio de Janeiro, sendo despedida por causa disto.
123
A experiência da pastora luterana Rita Marta Panke, uma das primeiras mulheres a
trabalhar como pastora pela IECLB, em 1973, mostrou-nos como estava presente no
imaginário masculino, neste período, a associação da responsabilidade do espaço privado à
mulher, mesmo ela estando no pastorado (público). Uma notícia encontrada no Jornal
Evangélico retrata as impressões dos membros sobre o primeiro culto celebrado por ela em
uma comunidade de Vitória, Espírito Santo. Os homens, segundo o jornal, afirmaram ter
achado positiva a pregação desta pastora, inclusive um deles afirmou que “a gente sente-se
121
A PASTORA ELISABETH. In: Jornal Evangélico. São Leopoldo, Ano 88, 15 de setembro de 1973. p. 5.
122
Idem. p. 5.
123
JUVENTUDE LAMENTA O AFASTAMENTO DA PASTORA ELISABETH. In: Jornal Evangélico. São
Leopoldo, n 4,, 15 de fevereiro de 1974. [S. N. P. ]
57
mais à vontade, elas falam mais simples. É como se estivessem lavando louças, e as ameaças,
exortações, não são tão fortes”.
124
Através da fala deste homem, podemos observar o tipo
ideal de pastora que eles esperavam encontrar nas comunidades. Seriam elas submissas aos
maridos, sendo ainda responsáveis pelo espaço doméstico de sua casa e, além disso, sem
autoridade suficiente para exortá-los, como faria um pastor. O “lavar louças” pelas mulheres
era algo natural na fala deste homem, assim também a pregação moderada feita por esta
pastora. Enfim, esta fala nos faz pensar sobre como era esperado que as mulheres, mesmo
exercendo o pastorado, continuassem responsáveis pelos afazeres domésticos.
A pastora Tais Doriléia Strelow formou-se em Teologia pela Universidade de São
Leopoldo, em 1983. Em sua narrativa, ela expôs que os homens questionavam a presença
feminina no curso de Teologia. Tiveram que provar serem tão capazes quanto eles nos
estudos. Não negavam “fogo” no trabalho, sacrificando até a família para cumprir todos os
compromissos. Tiveram que conquistar este espaço.
125
Observamos, através desta narrativa,
como Strelow constrói-se como uma guerreira, ao enfatizar que foi necessário uma série de
sacrifícios para tornar-se uma pastora.
Taís Strelow também falou sobre sua experiência nas comunidades em que já
trabalhou: Rio do Sul, Benedito Novo e Indaial. Segundo ela, encontrou um grande apoio e
uma afetividade maior por parte das mulheres do que dos homens, especialmente pela
existência da Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas (OASE), grupo de mulheres que
se reúne para discutir questões bíblicas e pessoais, além de realizar trabalhos filantrópicos ou
assistenciais. Esta sociedade de mulheres foi fundada na Alemanha, em 1888. No Brasil, a
OASE surgiu na década de 10 e, aos poucos, várias comunidades luteranas passaram a contar
com esta reunião de mulheres.
126
Segundo Strelow, sua figura era vista pelas mulheres da
OASE como a “amiga pastora”. Por outro lado, apesar de ter sido bem recebida pelas
mulheres na Igreja, sua autoridade como pastora, cargo responsável por exortar e aconselhar
os fiéis muitas vezes foi abalada por ser encarada como “a amiga pastora” e não como a
autoridade devida.
Sobre o exercício da autoridade, Pierre Bourdieu nos ajuda a compreender a
dificuldade das mulheres exercerem autoridade ao falar sobre como ocorre a dominação
124
MUROS CAEM. In: Jornal Evangélico. São Leopoldo, 1 de setembro de 1973, n º 17. p.8.
125
Tais Doriléia Strelow
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 04 de setembro de 2001, na cidade de
Indaial.
126
BECKER, Lauri. Ordem auxiliadora de senhoras evangélicas- OASE: a mulher buscando espaço que lhe foi
negado na sociedade e na igreja. Um caminho para a conscientização e libertação da mulher. Trabalho
(Conclusão de Curso). Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, RS, 1988. p. 5.
58
masculina, que é responsável por delegar às mulheres o lugar da submissão e não da
autoridade. Segundo o autor, a diferença biológica entre os sexos, entre o corpo feminino e
masculino, é utilizada como justificativa natural para estabelecer a divisão social do trabalho,
por exemplo, estabelecendo lugares que cada sexo deve ocupar. Essa divisão é imposta
através da violência simbólica, que acaba naturalizando a divisão sexual nas várias práticas
sociais. Nesse sentido, a submissão é algo percebido como próprio das mulheres e o exercício
do poder como próprio e natural dos homens.
127
Portanto, mesmo as pastoras ocupando um
lugar de exercício de autoridade, esta autoridade é percebida como diferente aquela exercida
pelo homem.
A pastora Mariane Beyer Ehart, ao narrar sobre sua experiência na Faculdade de
Teologia, na década de 80, afirmou que não foi uma experiência muito fácil, especialmente
por ser uma das poucas estudantes mulheres naquele período. Disse ainda que os colegas
acabavam achando que elas entravam na Faculdade só para “colher marido”. De acordo com
ela, muitas mulheres acabaram casando-se com pastores, com exceção dela, que se casou com
um policial militar, contrariando, de certa maneira, as expectativas da própria Faculdade de
Teologia. Através desta narrativa, observamos como esta pastora tenta construir-se como
diferente das demais, ao contrariar as expectativas da faculdade que, de alguma forma,
esperava que ela se casasse com um pastor.
Mariane afirmou ter sido difícil seu processo de formação. Ela nos falou que “queria
provar para os outros e para ela mesma que era capaz de ser uma pastora”. Somente com
muito trabalho, através de muita resistência, as barreiras foram caindo, e hoje tem aceitação
da IECLB e da comunidade em que trabalha como pastora. Como uma das primeiras pastoras
da IECLB na década de 70, contou-nos que foi preciso conquistar o espaço na Igreja. Para
conquistar este espaço, foi necessário mostrar para a comunidade que poderia fazer igual, ou
melhor, do que um homem; mostrar que ela, como mulher, era capaz de dirigir um culto, de
proclamar a palavra de Deus, de administrar os sacramentos tão bem quanto um homem.
Mas, a princípio, é importante que, como mulher, pelo menos a minha
geração em comunidades, que nós pelo menos tivéssemos a oportunidade (e
nós tivemos), em provar as paróquias que nós conseguimos e podemos fazer
que nem um homem. Que nós vamos diante do público, que proclamamos a
palavra, que administramos os sacramentos, que pregamos de forma
diferente. Existe esse trabalho que é incomum, que é provar que a mulher
pode fazer tão bem quanto o homem e ao lado do homem também. Ali nós
tivemos que provar na prática que sabemos e podemos fazer. Isso foi o início
127
BOURDIEU, Peirre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 20.
59
e eu até entendo que as comunidades precisavam dessa experiência porque
elas se perguntavam: “Será que vai dar certo? Como vai ser?” E é só com o
trabalho, só com a demonstração, é provando que nós ocupamos o nosso
espaço. Eu sempre fui dessa opinião. Não me adianta pegar uma bandeira e
ir para a rua e dizer que a mulher precisa daquele espaço. Eu preciso, sim,
ocupar aquele espaço e provar que eu sei, que consigo. Na prática, com o
trabalho as barreiras foram caindo por parte dos colegas homens pastores e
por parte da comunidade, porque não era somente os homens da comunidade
que se perguntavam: “Será que uma mulher vai dar conta? “Também era
uma pergunta das mulheres.
128
A narrativa de Suzani Elisabeth Wander Hepp, atualmente pastora efetiva na
comunidade de Pomerode, relatou a dificuldade no início do seu pastorado. Afirmou que foi
um momento muito difícil e quase acabou com o seu futuro como pastora. Ela nos contou
um episódio vivido no seu estágio em Cariacica, um município de Vitória, Espírito Santo.
Lembra destes acontecimentos com bastante ressentimento, pois se sentiu discriminada.
O início do meu pastorado foi bem difícil [suspiro profundo]. Acho que
quando você é vocacionada para alguma coisa, não tem dificuldade que você
não supere. Se você for ver o início do meu pastorado, eu teria largado tudo
pelos ares porque nós temos ainda em nosso meio pastores que não aceitam
mulheres de maneira nenhuma. No meu primeiro pastorado, fui enviada para
Vitória, no município de Cariacica, e o contato que mantive com a faculdade
foi apenas com o pastor distrital, que na época era pastor de Vitória. Eu
telefonei para ele perguntando se tinha colocado para a comunidade que
seria uma estagiária mulher. Ele disse: “Pode vir tranqüila”. Está bem, eu fui.
Eu não tinha muita mudança, somente a roupa do corpo e algumas outras
roupas. Ele me esperou e eu cheguei numa segunda-feira. Na terça-feira,
fomos para uma conferência de três dias, nos reunimos e ficamos de dois
atrês dias juntos por causa da distância. Eu cheguei e meu colega
simplesmente disse que naquela noite eu daria o estudo bíblico. Eu disse:
“Mais como: Eu não conheço nada?” E ele disse: “Não tem importância
não”. Ele me levou na frente da casa da família onde eu iria dar o estudo
bíblico e mandou-me tocar a campanhia. Não me apresentou a ninguém. Eu
apertei a campanhia e disse que eu era pastora. E eles disseram: “Pastora?”
Ficaram meio assim: vamos deixar uma estranha entrar? Só na fé e na
confiança eles me deixaram entrar. Uma falta de respeito e desconsideração
para a própria família. Chegar e colocar uma estranha na frente da porta sem
dizer para eles que iria uma pastora e que ele não iria. Ele não me falou
sobre a pessoa da casa. O marido desta pessoa estava acamado, numa
situação muito constrangedora para mim. No outro dia, pela manhã, ele disse
que eu teria um culto no domingo. Eu disse: “Mas como um culto!” Falaram
me que eu não teria logo no início um culto porque lá a liturgia era
totalmente diferente do sul e eu não conhecia, ainda não tinha contato com
os membros nem com a diretoria. Ele falou: “Não tem problema.” Ele me
128
Mariane Beyer Ehrat.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
60
deu um livrinho que tinha toda a liturgia do Espírito Santo que em um lado é
português, no outro, alemão. Eu perguntei.: “Qual lado devo ler?” Ele disse:
“Leia aqui porque não vai ter problema nenhum.”
129
Continuando a narrativa sobre sua experiência como pastora em Cariacica, Hepp
comentou também sobre o primeiro culto ministrado por ela como estagiária na comunidade e
a falta de atenção do pastor para com ela.
Ele [o pastor] levou-me no domingo, em cima da hora para a comunidade.
Largou-me no pátio e disse: “Procure o zelador que ele vai te encaminhar”.
Ele não me apresentou nem para o zelador. Então, eu cheguei no local,
perguntei quem era o zelador. Olhei para os lados e ele disse: “Sou eu! A
senhora veio para o culto?” Eu disse: “Sim”. Ele disse: “Nós estamos
esperando o pastor chegar”. Eu disse: “Mas eu sou a pastora”. Então, ele saiu
correndo. De repente, voltou e me chamou para dentro. Foi um caos. Bem,
mas como já estava em cima da hora, vesti o talar e pensei: “Aqui ninguém
está sabendo”. Eu cheguei na frente do altar e disse: “O meu talar me
denuncia Eu sou a nova pastora de vocês. Eu fui envidada para substituir o
pastor que saiu.” Então, levantou-se no meio da comunidade um homem, que
depois eu soube que era o tesoureiro, e me disse: “ Minha senhora, vou ser
bem sincero, nós falamos para o pastor que não queríamos mulher, mas já
que a senhora veio, seja bem vinda.” Esse foi o meu começo. Depois daquela
ducha de água fria, quando eu iria fazer o meu primeiro culto, na primeira
comunidade, aquilo foi difícil.
130
Através da experiência narrada pela pastora Suzani Elisabeth Wander Hepp, é
interessante notar o impacto negativo que surgiu na comunidade luterana a partir da presença
de uma pastora. Segundo ela, não recebeu a devida atenção, especialmente pelo pastor de
Cariacica, responsável pelos estagiários. Nem ao menos foi apresentada à comunidade pelo
pastor local. Esta situação foi relatada pela pastora com bastante mágoa. Os próprios membros
também rejeitaram sua presença na comunidade, expondo publicamente, no culto, que não
queriam que o estagiário fosse uma mulher. Ela não se sentiu bem aceita por esta comunidade,
indo trabalhar mais tarde, por este motivo, na comunidade de Jardim do Limoeiro, local mais
interiorano.
Continuando sua história, a pastora Suzani contou que seu primeiro culto na
comunidade em que estava estagiando foi bastante problemático, pois além do pastor tê-la
avisado em cima da hora, largado-a no pátio da Igreja sem apresenta-la à comunidade, teve
129
Suzani Elisabeth Wander Hepp.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
130
Idem.
61
que ministrar o culto com uma liturgia da qual os membros não estavam habituados. A
liturgia que ela tinha aprendido era mais utilizada no sul. Por isso, lamentou indignada pelo
surgimento de vários comentários por parte dos membros, sobre o culto ter realizado um com
uma outra liturgia. Esses comentários se resumem na seguinte fala: “além de ser mulher, não
sabe nem fazer um culto”.
Resumindo, no final do culto surgiu o comentário: “Além de mulher, não
sabe nem fazer o culto”. Essa impressão ficou naquela comunidade. Depois
foram falar com o pastor, porque diziam: “Ah, é mulher”. E ele falou:
“Calma. É por pouco tempo”. E nesse pouco tempo eles não aceitaram.
Então, sempre surgia aquela proposta porque eles não queriam mulher, e
quando eu falava alguma coisa, fazia alguma coisa, eles diziam: “Ah, ela é
mulher. Deixa isso, é coisa de mulher.” Então, eu não fui aceita como
pastora e nem respeitada como pastora. Sempre correndo até eles. Uma série
de coisas dentro da própria igreja aconteceu e eu fui falar com o pastor
regional. Ele também não se incomodou. Depois, eu nem quis fazer o pré-
ministério. Eu disse: “Não estou em condições. Não nesta comunidade.” Eu
fiquei quatro anos naquela comunidade. Na verdade, depois que eu não fui
aceita como pastora, eu fui trabalhar numa outra área, Jardim do Limoeiro,
mais no interior. O pastor não gostou. Então não quis fazer o pré-ministério e
disse que queria sair daquela comunidade. A comunidade disse: “Nós
queremos que você faça” Mas quando eu fiz o pré- ministério eu disse que
não queria ser ordenada naquela igreja. Eu pedia licença para o conselho
diretor para ir para outra paróquia porque ali eu não queria ficar. A princípio,
eu disse para o pastor regional: “ Se isto é ser igreja, então eu estou fora
deste barco porque isto para mim não é igreja porque eu fui muito (...) aqui.”
Mas ele disse: “Não, o que é isso?” Eu disse: “ Na verdade é isso, todas as
vezes que eu venho aqui vocês nunca tem tempo, você não dão a mínima
atenção.” Nem os pastores regionais não deram a mínima.
131
Esta pastora, ao falar sobre as dificuldades enfrentadas na primeira comunidade em
que trabalhou, afirma que foi rejeitada na sua primeira experiência na comunidade de
Cariacica, tendo que provar que era capaz de ser uma pastora.
O fato de você ser aceita pela comunidade ajuda muito. Quando você pode
trabalhar, é muito bom. Você se bloqueia diante da rejeição, da não-
aceitação, porque tem que se esforçar em dobro. Você tem que provar e
ainda assim. Quando você faz alguma coisa, é visto com outros olhos. Nós
ficamos muito inseguras também. A própria insegurança não te deixa
avançar. Com certeza, ser pastora é diferente de um pastor. Eu acho que a
diferença está na pessoa, ser uma mulher. Mas não quero reproduzir os
131
Idem.
62
moldes dos homens para ser aceita no mundo deles. Eu quero ser aceita
como mulher.
132
3.1
O pastorado voluntário
Marion Freitag, pastora de uma comunidade em Blumenau, apontou alguns problemas
de relacionamento com os membros na Igreja em que trabalha. Ela também é casada com
pastor e exerce o pastorado voluntário. Este tipo de pastorado exercido pelas mulheres é
bastante comum nas Igrejas Luteranas e funciona com o consentimento da direção da Igreja.
Ela exerce todas as funções de uma pastora e recentemente é que a direção tem pago o INSS
para que elas também possam se aposentar, se caso não abrir vaga na comunidade em que
trabalha junto com o marido.
Freitag, salientou que problemas de relacionamento com homens e mulheres sempre
existem, mas que é necessário “ignorar” tais situações. Por meio de sua fala, é possível
perceber que o “ignorar” determinadas situações muitas vezes se torna uma tática importante
e fundamental para não criar conflito entre ela e os membros.
Problemas sempre existem. Mas eu não lembro de ter vivido nenhum. A
gente ignora. Eu tive problemas com as próprias mulheres. Eu sinto que os
colegas de trabalho, os pastores, são machistas. O machismo da mulher é
maior do que o machismo do homem. Já fui machucada várias vezes.
133
Ainda, segundo ela, os cultos não são pré-fixados para não haver problema de
membros aparecerem em um determinado culto e no outro não. Foi uma estratégia utilizada
por ela para não gerar problemas na comunidade. “Nós também não falamos para a
comunidade se esse mês é aquele que prega, enquanto que no outro mês é aquele. Os cultos
nós nunca pré-fixamos para não dar problemas de alguém afirmar que no seu culto vem mais
e no outro vem menos. É para não nos machucar”.
134
A pastora Louvani Kuhn Hirt, formada em 2001, fala sobre sua primeira experiência
como pastora na comunidade de Teotônia, em Três Coroas, Rio Grande do Sul. Segundo ela,
em Teotônia já haviam passado outras estagiárias e não foi muito problemática a sua
experiência. Já em Três Coroas foi bem diferente. Contou-nos que não foi bem aceita na
132
Idem.
133
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
134
Idem.
63
comunidade por ser mulher. Em seu depoimento, percebemos sua angústia e frustração por
não ter sido bem recebida. Ela nos relatou um episódio vivido em que foi desqualificada para
a realização de um casamento por um casal membro da comunidade, especificamente por ser
mulher.
O meu estágio em Teotônia foi tudo bem. Eu fui bem aceita porque aquela
igreja já tinha tido experiência com pastora. Apesar de ser uma região
tipicamente alemã, nós tínhamos um pouco de receio. Em Teotônia, os cinco
meses foram ótimos. No meu PPHP, em Três Coroas, eu não fui muito bem
aceita, apesar de naquela cidade existirem cinco moças fazendo PPHP -
Período Prático de Habilitação Pastoral. Uma das minhas frustrações foi não
conseguir realizar meu primeiro casamento em Três Coroas porque eu era
mulher. E o pior de tudo é que a noiva não queria que o seu casamento
fosse feito por uma mulher. Então, eu fiquei chateada e muito sentida. Eu
disse para o meu colega pastor que eu não iria fazer mais o casamento. Se ela
quisesse que eu fizesse, eu não faria mais. Porque não tinha ninguém que
fizesse, a não ser eu. Os colegas estavam todos ocupados. Agora, mesmo se
ela mudasse de idéia, não faria mais. Eu não iria sentir-me bem porque eles
iriam lembrar o resto de suas vidas de que alguém fez o casamento do qual
eles não queriam. Eu não fiz nenhum casamento no ano passado, mas em
compensação, fiz um batismo. Isso foi minha volta por cima. Mas eu sempre
me lembro desse episódio com bastante tristeza.
135
Por meio da fala desta pastora, observamos que a celebração de muitas liturgias e
sacramentos, como o casamento, por exemplo, teve que ser “conquistadas” pelas pastoras no
cotidiano, embora a IECLB, teologicamente, trate pastores e pastoras igualmente. O exemplo
deste problema enfrentado pela pastora Louvani Kuhn Hirt, citado acima, mostra-nos
claramente a desqualificação da pastora por este casal.
A pastora Zirlei Horst Pereira, casada com pastor e pastora voluntária na comunidade
de Pouso Redondo, contou-nos alguns dos problemas vividos por ela.
O que mais me constrangeu foi o que aconteceu recentemente. Isso
aconteceu no aconselhamento pré-matrimonial com um casal e depois de ter
feito toda a palestra sobre casamento. Depois de ter conversado bastante com
os noivos, chegamos ao final da conversa. Abri para perguntas e perguntei se
eles tinham alguma dúvida. Eles perguntaram se seria eu ou o meu esposo
que iria fazer o casamento. Quando surgiu esta pergunta, eu já senti e
perguntei porque ela estava perguntando aquilo: “Você tem preferência?”
Ele disse que preferia o pastor, enquanto a noiva ficou mais encabulada e
disse que não havia preferência por nenhum dos dois. Então, perguntei o
porquê e ela disse me: “Porque o pastor é homem.” Ali eu notei que estava
135
Louvani Kuhn Hirt.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 29 de junho de 2003, as 14:00 horas, na
cidade de Timbó.
64
muito claro. O que mais me assustou foi que ele era um rapaz muito tímido e
fechado, de quem nós não esperávamos uma reação dessa. Eu disse: “Tudo
bem! Você tem o direito de escolher. Nós damos liberdade para esta
escolha.” Eu achei esta situação muito constrangedora.
136
Cabe destacar aqui o forte argumento utilizado pela noiva e que fez com que ela
escolhesse o pastor para a realização do seu casamento: pelo simples fato do pastor ser
homem, ele é mais preferido do que a pastora. O homem, neste caso, é percebido como
possuidor de uma maior autoridade espiritual do que a mulher. É interessante destacar que
determinadas funções desempenhadas na Igreja pelas pastoras, como o trabalho com as
crianças, jovens e senhoras, em nenhum momento é questionado. Já a realização do
casamento e enterro, por exemplo, são cerimônias que a maioria dos membros prefere que
sejam realizadas pelo pastor, pelo simples fato dele ser homem. Continuando sua narrativa,
Zirlei afirmou que a maioria dos membros procura aconselhamento com o seu marido pastor
do que com ela, mas salienta que procura não entrar em conflito com a sua comunidade por
causa disto.
A leitura da obra de Georges Duby
137
nos ajuda a entender sobre a dificuldade da
realização de casamentos pelas pastoras, por ser o casamento uma invenção patriarcal. Entre o
ano mil e o início do século XIII, a Igreja Católica conseguiu impor as suas concepções da
instituição matrimonial. Este projeto consistia em tornar o celibato dos padres obrigatório e
controlar o mundo dos leigos, através da célula conjugal. Duby salienta que o conceito de
casamento elaborado pelos padres deste período colocava a mulher em uma posição menor do
que a do homem. Afirma, inclusive, que o casamento servia para ordenar a desigualdade entre
ambos os sexos, pois a mulher levava consigo a culpa do pecado do paraíso e o castigo divino
por este ato. Ser dominada pelo homem e sentir a dor do parto resumem seu castigo.
138
Ainda
Duby mostra que, no tocante ao casamento, sobre as mulheres era a seguinte: “A mulher é um
ser fraco que deve necessariamente ser subjugado, porque é vista como naturalmente
perversa, estando destinada a servir o homem no casamento, e que o homem tem o poder de
servir-se dela.”
139
O conceito de casamento está imbuído de um valor hierárquico. Muitos membros não
vêem com bons olhos serem casados por uma pastora, porque a realização desta cerimônia
136
Zirlei Horst Pereira
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, às 20:00 horas, na cidade de Florianópolis.
137
DUBY, Georges. O cavaleiro, a mulher e o padre. Dom Quixote. Lisboa, 1981.
138
Idem. p. 22.
139
DUBY, Georges. Idade Média: idade dos homens: do amor e outros ensaios. Tradução de Jônata Batista
Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 30.
65
exige uma comunhão muito grande da mesma com o próprio Deus. Afinal, é a pastora que irá
dar a bênção matrimonial aos noivos em nome de Deus. O lugar ocupado pela pastora para a
realização do casamento é um lugar no qual são exercidos o poder e a autoridade. O exercício
da autoridade pelas mulheres, especialmente a espiritual, é questionado pelos membros,
pois,de acordo com suas percepções historicamente construídas, a vocação “natural” das
mulheres não é exercer poder, embora sejam pastoras.
A pastora Adriane B. Dalferth Sossmeier, formada em 1996, também casada com um
pastor e recentemente atuando como pastora contratada numa das comunidades de Joinville,
narrou-nos sobre sua experiência no estágio do pastorado. Disse que sua experiência também
não foi fácil. Segundo ela, escutou muitas coisas por ser pastora, das quais jamais esquecerá.
Eu fiz o meu PPHP em Rio Bonito, numa região onde nunca teve uma
pastora. Neste local, existem colonos carrascos muitas vezes com as próprias
mulheres. Eu cheguei naquela região e eles disseram: “Agora só falta
pendurar uma mulher na cruz.” Outra coisa que eu ouvi: “Quando morrer, se
for enterrado por uma mulher, irei para o inferno.” Isso foi no início, quando
eu cheguei.
140
No imaginário dos membros desta comunidade, a cruz é associada diretamente ao
masculino, afinal Deus é percebido como homem. Jesus veio ao mundo como homem para
salvar a humanidade. Uma mulher salvadora jamais seria concebida pelos membros. Ser
enterrado por uma pastora também é visto como um problema. Não é possível uma mulher ser
pastora, muito menos realizar um enterro. Isso poderia trazer sérias conseqüências espirituais
ao morto, levando-o, inclusive, para o inferno.
3.2 Não ao confronto
Diante de situações constrangedoras como estas supracitadas, a pastora Adriane
afirmou ter optado em não entrar em confronto com a comunidade, pois, segundo ela, o
confronto não funciona, já que poderia gerar conflitos maiores e colocar em risco sua
profissão.
Depois de um ano, a partir da leitura em que mostramos o ministério através
do dom, todas as mulheres e este homem mudaram de idéia, porque eu não
140
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevista realizada por Josilene da Silva
,
em 22 de junho de 2003, as
10:30, na cidade de Joinvile.
66
entrei em confronto. Eu entrei pela conquista do abraço. Eu não falava em
machismo ou feminismo, mas eu usava outras palavras para dizer a mesma
coisa. O que eu aprendi é que o confronto não é o certo. Mas é o caminhar
junto. Os membros não têm culpa por pensar assim, porque a história os fez
pensar assim. E o coitado que disse que só faltava pendurar uma mulher na
cruz não sabe que Jesus não é homem nem mulher. Ele era filho de Deus, e
não será colocando uma mulher nem um outro homem na cruz que vai ser
diferente. Ele era um ser humano como um todo. Coitado deste homem. Eu
não posso culpá-lo.
141
Não entrar em confronto com a Igreja parece ser uma estratégia utilizada por esta
pastora para permanecer na comunidade. E, embora pense diferente, ela procura, através do
não confronto, mostrar suas idéias.
Michel de Certeau nos orienta a prestar atenção nas práticas cotidianas dos sujeitos.
Criticando Michel Foucault, afirma que ele privilegiou o estudo dos aparelhos reprodutores da
disciplina, ou seja, as instituições. Por outro lado, esqueceu de pensar nas práticas dos sujeitos
diante desta disciplina. Existem no cotidiano, segundo Certeau, inúmeras maneiras do “fazer”,
maneiras estas utilizadas pelos sujeitos, que não estão presos às instituições que impõem as
disciplinas. Observando estas práticas, devemos perceber a sua lógica. Muitas táticas são do
tipo que surgem ao acaso, como as maneiras de falar, ler, conversar e as estratégias que
traçam objetivamente seus propósitos. Lembra ainda que essas táticas e estratégias são
resistências presentes nas práticas dos sujeitos.
142
No cotidiano vivido pelas pastoras nas comunidades no período do estágio, e também
quando assumem uma comunidade, estas utilizam táticas e estratégias para conseguir
conviver com a comunidade sem entrar em confronto com ela, embora tenham vivenciado
situações em que afirmam que sua presença foi questionada por muitos membros. As pastoras
se sentiam vigiadas pela comunidade, como se os membros estivessem esperando que
cometessem algum erro para poderem criticá-las.
A pastora Adriane, no início do seu pastorado, afirma que não teve uma aceitação
satisfatória por parte da comunidade. Segundo ela, para conquistar a Igreja utilizou-se de
várias táticas, como o “abraço”, o “carinho”, a “atenção” e a “paciência”. Cabe destacar aqui
que estes são atributos ditos “femininos”. Segundo afirma:
Eu enfrentei o meu PPHP sozinha, e lá eu consegui fazer muita coisa. Essa
mudança ocorreu por eu não ter entrado em confronto com a comunidade.
141
Idem.
142
CERTEAU, Michel de. Artes de fazer. In: A invenção do cotidiano 1: Artes de fazer. Petrópolis. Rio de
Janeiro: Vozes, 1994.p. 47. pp- 33-53.
67
Por mais que estivesse com vontade de abandonar tudo, o mais importante
foi a minha paciência. Isto me ajudou muito.
143
Através do exposto acima, observamos o quanto a “paciência” foi uma atitude
assumida por muitas pastoras nos momentos de conflito com a comunidade. Com muita
“paciência”, decepcionada e com muita vontade de ir embora e largar o pastorado, a pastora
Adriane afirmou não ter desistido. Relatou orgulhosa ter provado que era capaz de cuidar e
administrar uma comunidade sozinha. De acordo com ela, os membros, aos poucos, depois de
questionarem muito sobre a validade do pastorado feminino e a capacidade de uma mulher na
direção de uma Igreja, chegaram à conclusão de que uma mulher poderia dirigir um culto
sozinha, tocar violão, dirigir o louvor e, inclusive, dirigir à noite na BR 101, ou seja, exercer
funções “masculinas” tão bem quanto um homem.
Aqui se torna necessário que algumas reflexões sejam feitas para nos ajudar a entender
estas dificuldades da comunidade em aceitar uma mulher como pastora. A leitura de Michelle
Perrot pode auxiliar neste sentido, pois afirma que o lugar das mulheres no espaço público
sempre foi muito problemático no mundo ocidental. Já na Grécia desenvolvia-se o conceito de
cidadania em que se excluía a mulher desses direitos. Ela salienta que a esfera pública
constituía-se em oposição à privada. A mulher era criada para a família e para os afazeres
domésticos. Ser mãe e dona-de-casa era a sua vocação natural. Os homens dominam a esfera
pública e fazem dele seu santuário. Criou-se a percepção da mulher como desordeira,
selvagem, instintiva e muito mais sensível do que racional. Era comparada a Eva, a mulher
que quis desafiar Deus e a ordem do mundo. Lembra que, no século XVIII, a partir do
nascimento das ciências naturais e biológicas, os corpos das mulheres passaram a ser vistos
como doentes. Elas eram, por isso, incapazes de fazer abstrações, de criar e principalmente, de
governar e exercer o poder.
144
Isso se mantém até hoje e é um dos motivos que dificulta os
membros a aceitarem com tanta facilidade o discurso das pastoras. E, quando é aceito, ele é
fortemente criticado, o que não acontece com um discurso feito por um pastor.
A experiência contada pela jovem pastora Neuzeli Erert, formada em 2002, atualmente
estagiária numa comunidade localizada no município de Blumenau, bairro da Velha, mostrou-
nos que se tornar pastora não foi tão simples. Foi necessário, segunda ela, tomar uma série de
“cuidados” nas pregações dos cultos, pois uma frase apenas, quando mal interpretada, poderia
143
Adriane B. Dalferth Sossmeier
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 22 de junho de 2003, as
10:30, na cidade de Joinville.
144
PERROT, Michelle. Mulheres públicas. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Fundação Editora
UNESP, 1998. p. 8-9-10.
68
acabar desqualificando rapidamente seu trabalho. É diferente, por exemplo, do que
aconteceria com o trabalho de um pastor. Há que tomar certos cuidados, especialmente com
as palavras, tendo que, inclusive, modificar sua conduta para agradar os fiéis para ser bem
aceita.
Sou mulher do Norte do Brasil. Tenho características diferentes. Não fui
criada dentro de uma tradição rígida alemã. Tive contato com pessoas de
outras culturas. Rondônia não tem uma cultura hegemônica, forte. É uma
mescla de imigrantes. O meu jeito de ser aqui é diferente. E me sinto
diferente. E por ser mulher também. Digamos que devemos ter muita
cautela, tentar fazer um bom trabalho, mas sempre lembrando de cuidar dos
detalhes, porque uma coisinha pequena pode estragar todo o trabalho. Essa
consciência, acredito que cada uma das colegas têm. Temos que cuidar
porque se você apronta alguma coisa, ou se alguma coisa é mal interpretada,
todo o trabalho vai por água a baixo.
145
Através da fala da Pastora Neuzeli percebemos que esta se sentiu visada e cobrada
pela Igreja. Essa cobrança é feita pelos próprios membros. Segundo Neuzeli, a maioria das
pastoras têm que conquistar seu espaço, pois na comunidade em que trabalha atualmente o
lugar da pastora não existia. Criar este espaço se tornou um trabalho bastante complicado,
cansativo, cheio de estratégias para conquistar os membros, com táticas para permanecer na
comunidade sem causar polêmica ou grandes discussões. Aqui nos deparamos novamente
com a opção desta pastora pelo não-confronto com a comunidade. É interessante perceber
que, ao se identificar como nortista, parece que essa condição traz algumas dificuldades a
mais no seu relacionamento com a comunidade.
Neuzeli conta que a comunidade na qual ela é estagiária, a princípio não queria uma
pastora, mas acabaram “aceitando” após muita conversa com o pastor local. É neste momento
de escolha da comunidade entre um estagiário e uma estagiária que se percebe como os
membros diferenciam um pastor de uma pastora, afirma Neuzeli. Ou seja, a maioria das
comunidades luterana prefere pastores a pastoras.
Os membros diferem. Para o bem ou para o mal, eles diferem. A pastora tem
que conquistar o seu espaço, porque mesmo na minha experiência do PPHP,
quando eu falei pela primeira vez com o meu monitor, ele disse que a
comunidade não queria muito que a estagiária fosse uma mulher. Por isso,
nós percebemos que faz diferença ser homem ou mulher. Mas, então, nós
145
Neuzeli Erert. E
ntrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 16: 00 h, na cidade de
Blumenau.
69
conversamos e negociamos e ele disse que poderia vir que não teria
problema, somente para me tranqüilizar. E realmente eu não tenho
encontrado barreiras pelo fato de ser mulher, mas sinto-me em observação.
É diferente porque o homem chega e o lugar é dele, e inclusive a resistência
tem a ver com experiências com outras estagiárias mulheres. Se uma mulher
comete um erro, isso vale para todas as demais posteriormente. Fecha-se a
porta para as mulheres, enquanto para os homens não. Já houve pastores que
fizeram a maior “burrada” na comunidade e eles simplesmente comentavam:
“Vamos chamar outro pastor. Não vamos chamar uma pastora porque o
homem errou.” Então essa diferença perdura.
146
As observações colocadas por esta pastora nos fazem pensar sobre um mito
147
presente
ainda hoje na sociedade ocidental. Segundo Beauvoir, o homem é considerado um sujeito
completo, essencial, sexuado, absoluto, e que a mulher, é o Outro. Este mito ainda diz a
mulher é fêmea e não sujeito. Ela é o feminino, o inessencial, o incompleto sem o masculino.
Torna-se sexuada em função do homem.
148
Seguindo este pensamento, podemos entender o
diferente tratamento dado pelos membros em relação a conduta dos estagiários e das
estagiárias. Os membros estabeleceram uma percepção diferente entre homens e mulheres,
pautado neste mito. Existe uma preocupação maior com à conduta moral da pastora do que
com a do pastor. Quando a pastora erra, ela representa uma coletividade, uma espécie, ou seja,
todas as outras mulheres, como se todas fossem iguais. Já os pastores, por sua vez, são vistos
como responsáveis somente pelos seus atos, afinal são vistos como seres completos.
4 A pastora solteira
Uma outra dificuldade narrada pela pastora Neuzeli foi a grande preocupação dos
membros por ela ser solteira. Esta preocupação com os pastores não existe, afirma. Diante da
preocupação com a moral da pastora, observamos que o mito que estabelece a diferença entre
os homens e mulheres está presente no pensamento desses membros. Os homens são homens
e sua conduta moral é particular. Morar sozinho não é visto como problema pela Igreja. Já
com a pastora é diferente. Sua moral é controlada e constantemente vigiada. Namorar torna-se
um problema, diferente do que acontece com o pastor, afinal ele é sexuado e, portanto,
namorar é uma vontade natural. Já a pastora é vista como assexuada. É interessante observar o
que Neuzeli menciona em relação ao namoro. Disse que os homens da comunidade não se
146
Idem.
148
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: fatos e mitos. Parte I. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1968. p. 10 - 11.
70
aproximam muito dela por ser vista como uma mulher mais “pura” do que as outras, ou seja,
sem sexualidade, sem desejos. Segundo ela, essa preocupação não existe com os pastores
estagiários pelo simples fato deles serem homens.
Pelo fato de eu morar sozinha causou polêmica. Queriam me colocar com
uma família. Essas são preocupações que com o homem não existem. A
questão da moral é muito forte. Arrumar um namorado é um problema.
Namorar no estágio então! Sabemos de PPHPistas homens que namoraram
muito, e quando foram embora isso não se tornou um problema para a
comunidade. Já com as mulheres não. E até é engraçado porque os próprios
rapazes têm uma certa resistência. A pastora passa a idéia de estar envolvida
com a Igreja o tempo todo. Os homens têm um pouco de receio e não se
aproximam tanto quanto as mulheres dos pastores. E as mães também
praticamente empurram as filhas para namorar com os pastores. Essas
pequenas coisas nós percebemos.
149
O pastor solteiro é percebido pelas mulheres da Igreja como um bom partido para as
suas filhas. Ele chega a ser disputado por elas, e as próprias mães fazem questão do namoro.
Já para a pastora encontrar um namorado na época de estágio é bastante difícil, pois há esta
idéia de que ela estaria envolvida o tempo todo com a Igreja. Deve ser por isso que muitas
pastoras acabam casando-se com pastores que conheceram no período de faculdade.
5 A pastora e a oratória
A pastora Adriane também levanta algo bastante interessante sobre a validade do seu
discurso como pastora. O discurso de uma pastora não é encarado da mesma maneira do que o
discurso feito por um pastor. Relatou-nos que ela e seu esposo lideram um grupo de casais e
percebeu que o discurso do pastor tem um peso maior do que o dela. Um exemplo é a
declaração feita por ela, deixando bem claro a maneira diferenciada com que os membros
percebem o pastor e a pastora.
Nós trabalhamos juntos, principalmente nos grupos de casais. Nesse lado,
há muita resistência. Por exemplo, nos grupos de casais, quando eu coloco
alguma questão, eles têm uma compreensão, e quando o Jandir coloca a
mesma questão, eles aceitam melhor. Então, uma grande tarefa que eu vejo é
não somente nós mulheres falarmos de nós mulheres. Devemos conquistar
alguns homens. Se um pastor menciona que precisa lavar louças, ou quando
149
Neuzeli Erert.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 16: 00 h, na cidade de
Blumenau.
71
ele fala de sua experiência, é uma coisa, agora quando eu digo: vamos
ajudar, vamos ser mais compreensivos, vamos ouvir o que as mulheres têm a
dizer, que a mulher pode trabalhar fora, que não precisa ter três jornadas, é
diferente. O que me ajuda muito é saber que meu marido é pastor.
150
A pastora Neuzeli escutou inúmeras reclamações por ser mulher. Segundo ela, a Igreja
já está acostumada a ouvir a voz do pastor, que geralmente é mais grossa, alta e dominante.
Isso se torna uma dificuldade para muitas pastoras, pois muitas delas possuem uma voz mais
fina, baixa, diferente da voz de um homem. Essa cobrança e comparação existe por parte da
comunidade.
A comunidade está até acostumada com a voz do pastor. Ouvir aquela voz
forte, grossa, puxando sempre. Eles estranham e geralmente é uma crítica em
relação às vozes das pastoras. Há mulheres que possuem voz suave, baixa,
mais fina, e mesmo que saibamos que nem todos os pastores possuem vozes
boas, já é uma diferença no ouvir, pois a comunidade já esta acostumada a
ouvir o pastor.
151
Michelle Perrot nos ajuda a entender melhor a relação entre as mulheres e a oratória.
Afirma que a idéia de que a natureza das mulheres se destina ao silêncio e à obscuridade está
profundamente arraigada em nossas culturas. A autora destaca que as mulheres permaneceram
por muito tempo excluídas da palavra pública. Mas, aos poucos, elas foram inserindo-se em
todas as áreas do escrito e saíram da obscuridade. Entretanto, sua visibilidade é contestada
ainda hoje em muitas áreas, pois ainda há a idéia de que às mesmas cabe o silêncio.
152
Perrot lembra que muitas mulheres, no período da Revolução Francesa, foram
expulsas das assembléias e das tribunas, sendo proibidas de falarem de política.
153
Portanto,
para as mulheres saírem da obscuridade foi bastante difícil, pois estavam acostumadas ao
silêncio. As manifestantes feministas do século XX ousaram em exercer a oratória, correndo o
risco de serem zombadas e sua identidade ser colocada em jogo, pois quem era considerado
bom falante em público, ou melhor, os autorizados, eram apenas os homens.
154
150
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevistada por Josilene da Silva, em 22 de junho de 2003, as 10:30, na
cidade de Joinville.
74
Neuzeli Erert.
Entrevista realizada por Josilene da Silva,
em 28 de maio de 2003, as 16: 00 h, na cidade de
Blumenau.
152
PERROT, M. Op. Cit. p. 59.
153
Idem.p. 67.
154
Ibidem. p. 70.
72
6 A pastora, a esposa do pastor, a mãe e a dona-de-casa
Praticamente, todas as entrevistadas, em suas narrativas, apontaram para o problema
da dupla e tripla jornada de trabalho. As casadas com pastores afirmaram ter que exercer, em
algumas ocasiões, a função de esposa de pastor, em outros momentos, o de pastora, e ainda
são mães e responsáveis pelo cuidado da casa. Elas relatam as dificuldades de exercer todas
essas funções simultaneamente e, muitas vezes, por não conseguirem exercer todas elas,
acabam optando em dar ênfase apenas a algumas, não se dedicando ao pastorado como
gostariam, pois o cuidado da casa e a educação dos filhos ainda é de sua responsabilidade.
Isto foi o que aconteceu com a pastora Marion Freitag, pastora em Badenfurt, município de
Blumenau. Ela destacou que não conseguiu dar conta de exercer todas essas funções:
Não entra na cabeça da maioria das pessoas que eu não tenho condições de
ser mãe, esposa de pastor e pastora ao mesmo tempo. Mas é o jeito. Graças a
Deus, ele tem dado forças para eu não ficar “estressada” da vida. Ás vezes
chego nervosa num lugar e as pessoas esquecem que a mulher tem “tpm”,
cólicas...
155
É interessante ressaltar que os próprios membros identificam as pastoras, em alguns
momentos, como esposa do pastor e, em outros, como pastora. Essa situação gerou alguns
problemas, pois nos momentos em que ela deveria ser vista como uma pastora acabou sendo
percebida como a esposa do pastor, e, em outros momentos, o contrário aconteceu. Nesse
sentido, a situação da pastora é complicada, porque ela tem que saber lidar com estas
diferentes percepções da comunidade. Os membros definem os lugares em que a pastora e a
esposa do pastor atuam.
A pastora Ruth L. W. Musskopf, contratada pela Igreja da Paz, em Joinville, afirma
também ser confundida como esposa de pastor, mas relata que o pastor também é conhecido
como o esposo da pastora, afinal, ser pastora é algo ainda diferente para a Igreja.
Eu sou a pastora desta comunidade e quando estou com meu marido,
algumas pessoas me chamam de esposa do pastor. Mas, por outro lado, ele
diz que é conhecido como o marido da pastora. Então, muitas vezes, ele se
apresenta e menciona que é esposo da pastora. Eles me conhecem. Quando
acontece conosco, pensamos imediatamente que se trata de preconceito, pois
155
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
73
estão me chamando de mulher do pastor. Ele é o pastor e eu sou a mulher.
Mas, por outro lado, isso também acontece com ele.
156
Algumas expressões colocadas pelos membros são dirigidas à pastora, incomodando-
a, pois a classificam como esposa do pastor e não como pastora.
Uma vovozinha que diz “Frau” [esposa de pastor em alemão]. Da vovozinha
eu não levo isso a mal, porque eu sei que ela foi educada assim, mas tem as
mais novas que me chamam “senhora pastora e esposa de pastor”. Às vezes
elas colocam como esposa de pastor. Eu coloco na brincadeira que eu sou as
duas coisas, pastora e esposa de pastor.
157
6.1 O cuidado da casa
Por meio da fala das pastoras observamos que para elas exercerem o pastorado
integralmente, tiveram que contratar uma pessoa para auxiliar na organização da casa e no
cuidado dos filhos, pois estas tarefas são responsabilidades delas e não do esposo, seja pastor
ou não. Este é o caso da pastora Mariane Beyer Ehrat.
Eu sempre pude dedicar-me à minha atividade, porque sempre tive o apoio
da minha família, do meu marido e do meu filho. Sempre tive uma pessoa de
confiança, pois, como pastora, tinha muitas atividades. Meu marido era
industrial e tinha seus compromissos, e é claro que eu tinha que deixar meus
filhos com alguém.
158
A pastora Ruth L. W. Musskopf, formada em 1987, também fala da necessidade de
contratar uma pessoa para cuidar de sua casa e dos seus filhos. Ela afirmou não conseguir ser
pastora, cuidar da casa e dos filhos simultaneamente. Essa cansativa jornada de trabalho a tem
levado a refletir sobre o seu exercício no pastorado. Pensa em parar e exercer outras
atividades, como a de lecionar, por exemplo.
A minha sorte é que eu tenho uma empregada muito amável com minhas
crianças: uma filha de três anos e uma de sete. Pela manhã, dou aula no
156
Ruth L. W. Musskopf.
Entrevista realizada por Josilene da Silva
,
em 21 de junho de 2003, as 14:00, na
cidade de Joinville.
157
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
158
Mariane Beyer Ehrat.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
74
colégio: à tarde estou na paróquia e à noite também. Final de semana
também. Isso é que está me fazendo repensar se é isso que quero. Por mais
que eu goste, é muita coisa. Sou mãe e as minhas filhas sentem falta. É o
nosso problema. Meu marido trabalha pela manhã, à tarde e à noite.
159
A pastora citada acima afirma preocupar-se mais com a casa e com os filhos do que
seu marido. Para este, o emprego está em primeiro lugar. Ela tem exercido com dificuldades
as atividades do pastorado, pois ainda desempenha as funções de mãe e o cuidado da casa.
Para preparar a pregação de um culto num domingo, por exemplo, tem que “pedir” ao marido
para ficar com as crianças e, se possível, fazer as compras no supermercado.
Tenho que pedir para ele se pode ficar com as crianças. Tenho que pedir para
ele, enquanto para mim é uma preocupação. Vejo que gostaria de
permanecer mais tempo com eles, mas ele entende que primeiro vem o
trabalho. É diferente a visão de trabalho e de família de homens e mulheres.
Eu tenho que saber o que precisa ser comprado. É a mulher que faz a lista
das compras. Meu marido vai ao supermercado, mas quem faz a lista sou eu.
Então, quando tenho que preparar uma pregação para o culto no domingo,
peço para ele fazer as compras para que eu possa à tarde preparar o culto.
160
É interessante notar que esta pastora tem que “pedir” para o seu esposo “ajudá-la” no
cuidar dos filhos e da casa, como se fosse um favor concedido pelo homem à mulher. Ou seja,
à mulher é destinada a manutenção da casa e dos filhos. É como se fosse sua obrigação a
realização dessas tarefas, além do exercício do pastorado. Cabe relembrar o que Stella
Bresciani
161
trata em seus estudos sobre a relação das mulheres com o espaço público e
privado. Esta autora afirma que foi entre os séculos XVII e XVIII que ocorreu a divisão
dessas duas esferas, a pública e a privada, e que esta última ficou sob responsabilidade das
mulheres e daqueles que não tinham o direito à propriedade e não gozavam de nenhum direito
político
.
É interessante sabermos que os homens também possuem tarefas encaradas como
“essencialmente” masculinas, como os consertos, o cuidado com o jardim, as tarefas do
banco, o carro etc... Destacamos isso, pois o nosso trabalho não tem como o objetivo vitimizar
as mulheres, mas mostrar como elas falam sobre as suas percepções.
159
Ruth L. W. Musskopf.
Entrevista realizada por Josilene da Silva
,
em 21 de junho de 2003, as 14: 00 da
tarde, na cidade de Joinville.
160
Idem.
161
BRESCIANI, Stella. O anjo da casa. In: História e Perspectiva. Uberlândia. (7): 191-223 Julh/Dez., 1992. Op.
Cit. p.192.
75
Louvani Kuhn Hirt, casada com pastor, está no pastorado voluntário em Timbó e, por
não receber salário, afirmou achar difícil pagar uma pessoa para auxiliar na casa e nos
cuidados dos filhos. Sendo assim, possui várias tarefas, e o pastorado fica em segundo plano.
O trabalho do pastorado é feito após a realização das outras atividades. Segundo ela, tenta
acompanhar o marido nas atividades, mas nem sempre é possível.
Na minha casa não temos quem nos auxilie, até porque sou voluntária e
também pela própria questão financeira. Se não consigo trazer nenhum
recurso financeiro para casa, como é que eu vou colocar alguém e ainda
pagar? Então, tenho as atividades da casa, tenho o filho, as atividades
escolares do filho, e tento acompanhar meu esposo em alguns trabalhos de
visitação. Eu comecei a fazer sozinha dentro do meu voluntariado foi visitar
alguns hospitais.
162
Por sua vez, a pastora Adriane relatou-nos que para ela assumir o pastorado teve que
contratar uma pessoa para cuidar de sua casa. Mesmo que muitas vezes o salário não
compense todo o trabalho realizado na comunidade, ela prefere pagar para uma outra pessoa
assumir suas responsabilidades domésticas e, muitas vezes, maternas
.
Segundo suas palavras,
“Sou pastora, mãe e mulher. Ter uma pessoa em casa para auxiliar tem me ajudado muito. Eu
tive que abdicar. O salário não compensa. Tenho o meu salário hoje, mas trabalhei seis anos
no voluntariado”.
163
Um outro problema levantado pela pastora Louvani Kuhn Hirt é o exercício do
pastorado voluntário pela maioria das pastoras casadas com pastores. Ela é pastora, casada
com um pastor efetivo em Timbó. Não exerce o pastorado efetivamente. Trabalha no
pastorado voluntário por falta de vaga para ela na Igreja. Geralmente, é difícil abrir
simultaneamente duas vagas para pastores nas comunidades. Abre-se uma vaga por vez. Pelo
que podemos observar nas entrevistas, quem assume, na maioria das vezes, é o marido pastor
e não a esposa pastora. Por causa desta situação, muitas pastoras contam que ficaram anos
sem receber salário.
Em sua pesquisa, Suely Gomes da Costa
164
analisou a natureza das tensões presentes
na saída das mulheres para o espaço público e na montagem de sistemas protecionistas no
Brasil. Em relação a essas tensões que ocorreram com a saída das mulheres em busca do
162
Louvani Kuhn Hirt.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 29 de maio de 2003, as 14:00 horas, na
cidade de Timbó.
163
Adriane B. Dalferth Sossmeier
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 22/06/2003, as 10:30, na
cidade de Joinville.
164
COSTA, Suely Gomes da. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. In: Estudos
Feministas. Vol. 10, n.º 1/2002, p. 301-323.
76
espaço público, houve a necessidade destas delegarem tarefas da administração de suas casas
e cuidado dos seus filhos a outras mulheres. No Brasil, estas são práticas que reafirmam a
maternidade transferida, onde as mulheres acabam atribuindo responsabilidades mutuamente.
Esta prática foi importante para a conquista do espaço público pelas mulheres, especialmente
na década de 70. Entretanto, Suely chama nossa atenção afirmando que esta transferência
acaba reforçando as desigualdades, que são próprias das relações de poder entre as mulheres.
Neste caso, a que trabalha fora e a que fica em casa. É somente na década de 80 que a luta
pelos direitos reprodutivos passa a discutir a igualdade entre as mulheres.
Por fim, neste capítulo, pudemos constatar um pouco da vida de algumas pastoras e
como elas se constroem ao narrarem suas experiências. Observamos que as pastoras se
constituem de duas maneiras: a guerreira, lutadora, que venceu as dificuldades e tornou-se
pastora, e a que, apesar dos problemas, preferiu contornar os conflitos, não enfrentando os
membros ou, muitas vezes, ignorando tais problemas.
As narrativas das entrevistadas apontam dificuldades no exercício desta profissão
desde a tomada da decisão, pois, de imediato, muitas delas não receberam apoio dos pais,
especialmente o do pai. Na concepção deste, uma mulher tem que ser dona-de-casa e ser
sustentada pelo marido, como relatou a pastora Marion Freitag.
Muitas pastoras lembram do estágio com bastante ressentimento e afirmam que foi
um período difícil de suportar. Além de não terem sido bem aceitas pela comunidade, muitas,
a princípio, foram desqualificadas pelo seu trabalho, pelo simples fato de serem mulheres.
Segundo elas, tiveram que tentar permanecer neste espaço utilizando táticas para vencer certas
resistências dos membros em aceitar uma mulher como pastora. “Ignorar” algumas situações
foi mais uma estratégia utilizada pelas pastoras para não entrar em conflito com a
comunidade. Não bater de frente com a comunidade significa suportar alguns comentários
que desqualificaram o seu trabalho especificamente por serem mulheres. Bater de frente e
contrariar de imediato a opinião da comunidade seria colocar em risco sua profissão.
Poderiam ser afastadas do estágio, por exemplo. Por este motivo, destacam que tomam certos
“cuidados” com o uso das palavras no púlpito. As pregações são realizadas com bastante
“cautela”. As pastoras relataram que a comunidade tende a vigiá-las, colocando em prova, em
alguns momentos, suas capacidades de realizar todos os sacramentos, de administrar uma
comunidade sozinha, de dar conta do serviço pastoral.
A maioria das pastoras entrevistadas são casadas e estão presas à dupla ou tripla
jornada de trabalho. Ou seja, afirmaram encontrar muito mais dificuldades em provar sua
77
capacidade de serem pastoras do que os homens, pois estes exercem somente a função de
provedor da família, que é a sua principal responsabilidade. Algumas pastoras, como Ruth,
por exemplo, têm enfrentado dificuldades em conseguir dar conta de exercer todas as funções
que lhes cabem e têm repensado sobre a continuidade no ministério pastoral. Muitas vezes, a
vocação pastoral é colocada de lado em função da necessidade da pastora cuidar dos filhos e
da casa. O mesmo aconteceu com a pastora Marion Freitag, que afirmou não ter condições de
ser mãe, esposa de pastor, pastora e dona-de-casa simultaneamente, optando por exercer mais
as funções privadas do que a do ministério pastoral, o qual divide com o marido.
78
CAPÍTULO III
As pastoras luteranas e o pastorado
Este capítulo tem por objetivo mostrar como as pastoras luteranas têm pensado e se
identificado com a prática pastoral. Observamos que essas pastoras têm pensado o pastorado
de maneira muito própria e independente da formação que receberam na Escola Superior de
Teologia (EST). A formação das estudantes de Teologia nesta faculdade passou por algumas
transformações desde a década de 70, sendo possível observar três gerações. Essas
transformações ocorreram, principalmente, em relação ao tipo de teoria feminista utilizada por
esta faculdade para pensar as mulheres na sociedade e no espaço religioso. Pretendemos
mostrar, através da análise das entrevistas realizadas com pastoras formadas da década de 70
até 2002, as ambigüidades de seus discursos e de suas identificações. Antes de continuarmos
nossa discussão torna-se necessário conhecermos que feminismos são esses, o que discutiram
e de que maneira a EST acompanhou e foi influenciada por estas discussões.
Joan W. Scott fala sobre os três momentos da historiografia feminista. Segundo a
autora, o feminismo ressurgiu nos anos 60, sendo estimulado, em parte, pelo movimento de
Direitos Civis e pelas políticas de governo que tinham o objetivo estabelecer o potencial
feminino, incentivando-as a estudarem em universidades e a exercerem diferentes profissões.
Assim, o feminismo assumiu um discurso de igualdade e acabou criando uma identidade
coletiva das mulheres. As mulheres seriam indivíduos do sexo feminino que estariam lutando
contra a subordinação e invisibilidade social. Portanto, o discurso que prevaleceu nesta
década foi a luta pelo controle de seus corpos e suas vidas.
165
Nos anos 70, as feministas discutiram as indagações da história existente e apontaram
para a necessidade de reescrevê-la, pois estaria carente, ou seja, incompleta sem a presença
das mulheres. A partir desta época, as mulheres buscaram a sua visibilidade como sujeitos
históricos, complementando a história com uma “História das Mulheres”.
166
Essa resposta feita
pelas feministas acabou gerando um dilema, o da diferença na igualdade, pois, ao mesmo
tempo em que afirmavam a existência de uma “História das Mulheres”, elas lutavam pela
igualdade de direitos entre homens e mulheres.
167
É neste momento que surge a categoria
165
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org.) A escrita da história: novas perspectivas. São
Paulo: UNESP, 1992. pp 63-95. p. 68.
166
Idem p. 75.
167
Ibidem.p. 77.
79
mulheres, que acaba assumindo uma existência social separada. Por muito tempo, a partir
desta perspectiva, as historiadoras feministas, por exemplo, tentaram provar as capacidades
das mulheres em fazer história.
No final dos anos 70, as feministas se dão conta de um problema a ser analisado: a
“diferença”. Chegou a hora de teorizarem sobre a diferença, pois a sua definição serviria para
explicar como se davam as relações entre os indivíduos e entre os grupos sociais. Assim, no
final dos anos 70 o gênero passou a ser o termo utilizado para teorizar a questão da “diferença
sexual”.
168
Nos anos 80, a categoria mulheres foi modificada, sendo introduzidas outras
categorias, como mulheres pobres, mulheres negras, mulheres mães, lésbicas etc... Outras
feministas, mais tarde, estudaram a masculinidade e a feminilidade como posições de sujeitos,
não sendo restritos a machos ou fêmeas biológicos. A “diferença” entre homens e mulheres
passou a ser percebida como uma construção hierárquica, que é produzida numa relação de
poder, onde um é superior e o outro é inferior.
169
Apesar da categoria de gênero ter possibilitado às feministas discutirem sobre as
diversas experiências das mulheres e dos homens, algumas têm feito certas críticas sobre as
limitações desta categoria. Chamamos este momento de pós-gênero. Linda Nicholson é uma
importante teórica do pós-gênero, desconstruindo dois conceitos centrais da crítica feminista
utilizados a partir da década de 60: a categoria gênero e mulher. A autora afirma que, apesar
da importância da utilização pelas feministas do sistema binário, ou seja, sexo/gênero,
possibilitando-as analisar as diferentes experiências culturais entre mulheres e entre homens,
este pensamento binário não dá conta de explicar os chamados desvios das normas de gênero
que existem em nossa sociedade, e acaba reforçando estereótipos culturais em relação aos
significados das experiências masculinas e femininas, além de acabar reprimindo maneiras de
ser que ultrapassam os limites do gênero.
170
Joan W. Scott, em seu livro intitulado “A cidadã paradoxal”,
ajuda-nos a compreender
o aparecimento dos vários feminismos e suas contradições internas, especialmente em relação
as discussões sobre igualdade e diferença. Scott começa esclarecendo que embora a
Revolução de 1789, na França, tenha declarado os direitos do homem a partir dos três pilares,
-liberdade, igualdade e fraternidade, nunca chegaram de fato a cumprir o que prometeram às
mulheres. Por exemplo, o voto feminino, naquele país, a só foi possível em 1944, muito
168
Ibidem p. 86.
169
Ibidem p. 90.
170
NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. In: Estudos Feministas. Florianópolis, n. 2/2000. p. 09-41. p. 9.
80
depois de vários outros países. A exclusão das mulheres dos direitos políticos estava pautada
na diferença biológica entre homens e mulheres. Acreditava-se que a “diferença sexual”, além
de ser um fator natural, era também uma justificativa ontológica para estabelecer um
tratamento diferenciado para ambos os sexos no campo social e político. O feminismo
constituiu-se como um protesto contra essa exclusão das mulheres no espaço político pautado
na diferença sexual. Scott diz que o feminismo acabou defendendo as “mulheres”, o que
reforçou a diferença sexual que elas estavam procurando eliminar. Ou seja, ao mesmo tempo
as feministas queriam aceitar e recusar a “diferença sexual”, criando um paradoxo.
171
A aparente necessidade de escolher entre a igualdade ou a diferença (...) é
apenas um sintoma da dificuldade que a diferença sexual representa para se
chegar a uma concepção de singularidade do indivíduo. E o feminismo, na
medida em que se constrói numa relação paradoxal com esse conceito de
indivíduo singular, reproduz inevitavelmente os temas contraditórios da sua
própria construção.
172
Esta autora salientou que enfoques feministas, ainda hoje, têm defendido duas
tendências opostas quanto a conceitualização de indivíduo influenciada pela maneira como as
feministas do século XIX discutiram o feminismo. Nesse sentido, coloca:
Uma tem pugnado pela corrente que considera as mulheres iguais aos
homens (indivíduos abstratos) e outras pela corrente que insiste na diferença
radical entre homens e mulheres (indivíduos por diferença sexual). As
feministas que argumentam a favor da igualdade entre homens e mulheres
seguem Simone de Beavoir. Estas tomam, por conseguinte, partido do
indivíduo abstrato e ignoram a diferença sexual, por considerá-la irrelevante
no contexto dos direitos humanos que os princípios universais da lei
democrática liberal reconhecem. Outras têm defendido a diferença entre
homens e mulheres, sustentando que a diferença sexual é um produto
inevitável da individualização e que o individualismo abstrato não apenas
reprime a diferença sexual – um fator implacável - mas também perpetua a
opressão da mulher, pois transforma a masculinidade em norma (...) A meta
das chamadas feministas da diferença é, estabelecendo a diferença como
base para a representação de uma subjetividade feminina autônoma, romper
com o processo que objetifica as mulheres e as torna sujeitos individuais
masculinos.
173
171
SCOTT, Joan W. A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem. Florianópolis:
Mulheres, 2002. p. 27.
172
Idem.p. 284.
173
Ibidem. p. 283.
81
Joan Scott nos mostra a existência de uma primeira geração feminista que é chamada
diferencialista, pois acredita que a diferença sexual entre homens e mulheres produz uma
subjetividade feminina autônoma. A segunda geração é chamada igualitarista por lutar pela
igualdade entre os indivíduos, ignorando a diferença entre os sexos. Entretanto, esta geração,
por pensar que as “mulheres” deveriam lutar por esta igualdade, acabou criando um paradoxo:
a luta pela igualdade na diferença.
A terceira geração do movimento feminista, segundo Thomas Foster, surgiu em
resposta à primeira e à segunda, recusando-se a aceitar a imposição das limitações subjetivas
que acabavam reforçando a diferença irredutível. Esta geração estava preocupada em “entrar
na sociedade e na História para nela produzir a possibilidade de mudar os elementos sociais
heterogêneos, a ‘diferença irredutível.”
174
Teve como objetivo mostrar como em determinada
sociedade se produz uma cultura específica para as mulheres, exigindo que a pratiquem e
interiorizam. Ainda, rejeitam as limitações simbólicas como a responsabilidade do espaço
doméstico e a teleologia da maternidade.
175
A EST acompanhou e foi influenciada pelas discussões feministas desde o início da
década de 80, quando foi criado, pelas estudantes de Teologia, o Grupo de Mulheres. Antes da
formação deste grupo, a EST não possuía nenhuma disciplina específica que problematizasse
as mulheres e a Teologia. Foi a partir da reivindicação das próprias estudantes que a disciplina
Teologia Feminista foi implantada, em 1991. Antes da década de 80, portanto, as primeiras
estudantes buscavam, por sua livre escolha, leituras sobre as mulheres na sociedade e no
campo religioso. Já com a formação do Grupo de Mulheres, elas começaram a utilizar a
“perspectiva da mulher” em suas discussões, influenciadas pela segunda geração do
movimento feminista que vinha trazendo a categoria de análise mulher. Apesar da
implantação da cadeira de Teologia Feminista na EST, a “perspectiva da mulher” continuava
a ser utilizado pelas estudantes de Teologia até que, em 1994, segundo Wanda Deifelt, a EST
passou a pensar as mulheres a partir da categoria de gênero e não mais a partir da “ótica da
mulher”, sendo que, em 1999, foi criado o Núcleo de Estudos de Gênero, ligado ao CNPq.
Percebemos aqui, claramente, a influência da terceira geração do movimento feminista que,
ao utilizar a categoria de análise de gênero, trouxe uma nova discussão envolvendo não
somente as mulheres em seus estudos, mas também as relações hierárquicas entre as classes,
as raças e os sexos. No entanto, apesar da EST ter assumido esta postura de gênero e
possibilitar esta discussão para as suas alunas, a identificação das pastoras com as teorias
174
Ibidem. p.3.
175
Ibidem.p. 4.
82
utilizadas pelas gerações feministas anteriores não deixaram de existir, sendo possível
perceber esta identificação na fala dessas mulheres quando narram sobre a sua relação com o
pastorado.
As pastoras entrevistadas, formadas na década de 70, ao falarem sobre sua relação
com o pastorado acabam mostrando como, por serem mulheres, se percebem diferentes dos
pastores enfatizando as diferenças essenciais entre ambos. As pastoras formadas neste
momento se aproximam, portanto, das discussões levantadas pela primeira geração feminista,
que afirmava que homens e mulheres eram diferentes em função das diferenças biológicas
entre ambos. Já algumas pastoras formadas na década de 80, como Ruth, embora possuam
um discurso em alguns momentos igualitarista, em outros momentos aproximam-se do
feminismo da diferença ao enfatizar as diferenças entre pastores e pastoras. Dessa forma,
podemos observar a existência de uma certa tensão nos discursos das pastoras em relação aos
feminismos, já que identificamos várias gerações do feminismo num único discurso.
O que nos chamou atenção foi que a maioria das pastoras formadas a partir da década
de 90, momento este que representou mudança na formação destas mulheres, passando do
feminismo da igualdade para o estudo de gênero, não eliminou a sua identificação com o
feminismo da igualdade e nem com o da diferença. Pelo contrário, muitas pastoras reforçam
as fronteiras do gênero e enfatizam a necessidade de construírem uma prática pastoral
diferenciada. Ou seja, acreditam que, por serem diferentes dos homens, devem exercer o
pastorado pautado nesta diferença, complementando, assim, o trabalho exercido pelo pastor.
Segundo algumas entrevistadas, é necessário levar para o púlpito o seu lado “mulher”. Por
outro lado, observamos que a categoria gênero passou a ser pensada por algumas pastoras
formadas no final da década de 90, como a pastora Neuzeli, a única entrevistada que pensa o
pastorado a partir de um olhar de gênero.
Diante deste contexto, o uso do conceito de identidade, ou melhor, identificação,
tornou-se fundamental para a realização desta pesquisa. O autor Stuart Hall nos ajuda a
entender sobre a constituição do sujeito em seu livro intitulado “ A identidade cultural na pós-
modernidade”, ao destacar que a noção de que o sujeito é previamente visto como tendo uma
identidade estável e unificada está se fragmentando. O sujeito não é composto por uma única
identidade, mas por várias identidades, inclusive muitas vezes contraditórias e não-resolvidas.
83
176
Diz ainda que “o processo de identificação através do qual nos projetamos em nossas
identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.”
177
Hall salienta que esse processo produz um sujeito que não tem uma identidade fixa,
permanente e essencial. Continuando, ele afirma que
a identidade tornou-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida
historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao
redor de um ‘eu’coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações
estão sendo continuamente deslocadas.
178
Stuart Hall ainda propõe que o conceito de identidade seja posto “sob rasura” e que
este não pode ser pensado da forma antiga
179
. Ele sugere que o termo identificação seja
utilizado no lugar de identidade, embora este conceito também esteja sendo ainda
teorizado.
180
A partir da leitura deste autor, podemos perceber que as pastoras luteranas não
possuem uma identidade fechada e fixa, mas se constituem a partir de várias identificações.
Ao identificar as várias tendências do feminismo presente na fala destas mulheres,
observamos como a constituição do sujeito ocorre através de uma forma móvel, que se
modifica ao longo do tempo, mas que não deixa de ser, em muitos momentos, incoerente,
contraditória e desordenada. A maneira como essas pastoras se relacionam com o pastorado,
como discutem a Teologia Feminista, as linhas teológicas e como encaram os escritos do
apóstolo Paulo, refletem estas identificações que estão presentes na constituição dos sujeitos.
1 A criação do Grupo de Mulheres e a opção pelo feminismo da igualdade: um primeiro
momento na formação das pastoras
A partir da criação do Grupo de Mulheres, em 1983, as estudantes de Teologia
buscaram uma aproximação com a teoria feminista desta época: o feminismo da igualdade.
176
STUART, Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. 6 ed. Tradução Tomaz Tadeu da Silva. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001. p. 12.
177
Idem. p. 12.
178
Ibidem p. 13.
179
Stuart Hall discute como o sujeito era pensado no Iluminismo e depois na Modernidade.
180
STUART, Hall; HATHRYN, Woodward. Quem precisa de identidade? In: Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais; Tomaz Tadeu da Silva. (org.) Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
84
No entanto, observamos que as pastoras formadas neste período que umas salientam mais a
luta pela igualdade entre os sexos, outras, apesar de desejaram a igualdade, enfatizam as
diferenças entre os sexos.
1.1 As diferencialistas
A pastora Mariane Beyer Ehrat, formada em 1978, também aponta para um pastorado
feito a partir de sua postura como mulher. “Todos os ofícios, todos os cultos e atendimentos,
eu faço, claro, do meu jeito de mulher, com uma postura de mulher. Mas a palavra de Deus é
a mesma, a seriedade é a mesma. Os problemas que as pessoas trazem são encarados com a
mesma responsabilidade”.
181
Esta pastora, ao afirmar que os cultos são encarados com a
mesma responsabilidade que os homens, permite-nos compreender que os homens “sempre” e
“naturalmente” encaram estas funções com muita responsabilidade, sugerindo que as
mulheres também são capazes disto.
Ainda esta mesma pastora, embora diga que não vê diferença no trabalho pastoral
desempenhado por homens e por mulheres, salienta que, através das interpretações bíblicas e
do aconselhamento pastoral, é possível perceber uma prática teológica diferenciada realizada
por pastores e pastoras.
As paróquias têm trabalhos que estão agendados. Os cultos são cultos, os
ofícios são ofícios. Quando ministrado por um pastor ou uma pastora, o culto
tem que ter algo em comum com aquilo que a Igreja e a palavra de Deus
descrevem. Eu diria que, em algumas coisas no formal, eles não podem
diferir em muito porque as coisas seguem uma liturgia. Existem parâmetros
prescritos pela Igreja. Também tanto na pregação da palavra ou na
administração dos sacramentos tem que ser a reta pregação da palavra e a
reta publicação dos sacramentos. Pastores e pastoras, nós temos algo a
seguir. Não é assim que nós mulheres fizemos do jeito da mulher ou do jeito
do homem. O que está aí é uma coisa bastante objetiva. É a palavra de Deus.
É claro que na interpretação e na postura que nós adotamos é ali que estão as
diferenças. As execuções pessoais (sic.), o aconselhamento, é onde as
pessoas notam as diferenças.
182
A pastora Marion Freitag, formada em 1981, também reforça a diferenciação dos
gêneros, pois, na sua concepção, percebe diferença entre pastores e pastoras por serem de
sexo opostos. Salienta que, por existir esta diferença, as pastoras sofrem mais, porque as
181
Mariane Beyer Ehrat.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
182
Idem.
85
mulheres são mais “emotivas” do que os homens. “É muito diferente. Eu acho que isto não é
muito bom, a gente sofre. O homem é mais racional e a mulher é mais emotiva.”
183
1.1.1 A pastora como complemento do pastor
Cabe aqui destacar que a maioria das pastoras entrevistadas casadas com pastores,
deixam bem claro sua condição de complemento no pastorado. Através da fala da pastora
Marion Freitag, podemos visualizar esta percepção.
Eu e meu marido nos completamos. E também nunca fizemos entre nós
motivos para um ter ciúmes um do outro. Entendemos que um complementa
o outro. Ele está 70 % na rua e eu mais dentro de casa, porque também tem
as coisas da casa. Ele trabalha mais na área da visita, enquanto eu em outras
áreas. Eu ministro o culto em alemão aqui, ele faz em último caso.
184
Como complemento do pastoso, seu esposo, a pastora supre principalmente as
necessidades do âmbito privado, como o cuidado da casa e dos filhos, enquanto ele, estando
70 % do tempo fora, é responsável pelo trabalho no âmbito público.
Observando a narrativa desta pastora, há alguns pontos a serem pensados. Em primeiro
lugar, observaremos a relação das mulheres com o espaço público e privado. Já num segundo
momento, analisaremos a noção de complementaridade do pastorado pelos casais de pastores.
Maria Stella Bresciani nos ajuda a pensar como as mulheres ainda hoje estão ligadas
ao espaço privado e como existem dificuldades de ocuparem os espaços públicos. A autora
fala do surgimento das noções de esfera pública e privada entre os séculos XVII e XVIII,
retomada dos filósofos gregos, e como estas noções ajudaram na exclusão das mulheres do
espaço público. Afirma que a esfera privada configurava o espaço do domínio da espécie,
sendo destinado à mulher. Considerava-se a esfera privada o lado oculto da esfera pública,
destinada ao homem.
185
Ainda, “o domínio do privado congregava o conjunto daqueles que,
destituídos de qualquer outra propriedade, além do seu próprio corpo, deviam trabalhar para
se manterem vivos.”
186
Bresciani diz que a mulher era pensada como parte da humanidade
naturalmente presa ao domínio do privado, à esfera das atividades destinadas à reprodução da
183
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
184
Idem.
185
BRESCIANI, Maria Stella. O anjo da casa. In: História & Perspectivas.Uberlândia, (7): 191-223, jul./dez.
1992. p. 192.
186
Idem. p. 193.
86
espécie. A casa representava o local onde realizavam os trabalhos domésticos para suprir as
necessidades do homem livre, o cidadão.
É interessante destacar que, especialmente a partir do século XIX, embora as
mulheres pudessem freqüentar o espaço público, trabalhar fora, exercendo funções antes não
permitidas para elas, em nenhum momento se desfez a imagem da mulher esposa e mãe,
preocupada e responsável pela sua casa e pela educação dos filhos. Estas tarefas passaram a
ser vistas como um atributo de dignidade. As mulheres passaram a ocupar o espaço público,
mas ainda continuam sendo responsáveis pelo cuidado da casa, ou seja, são responsáveis pela
manutenção do privado.
187
É por isso que observamos que, embora as mulheres estejam
desempenhando funções no espaço público do pastorado, elas ainda são cobradas pela
manutenção do lar. Em suas narrativas falam sobre isso.
Georges Duby afirma que, no século XII, o casamento passou a ser uma associação,
cujos participantes passaram a ser desiguais:
Entre o marido e a esposa estabeleceu-se uma relação sentimental excelente,
primordial, salvo que nesta conjunção a direção cabe ao homem, a
submissão à mulher. O homem é prelado, ele comanda. Todavia, da
hierarquia emana a complementaridade. De fato, tal como a Lua e o Sol, tal
como a água e o fogo, o princípio feminino e o masculino corrigem-se pela
sua reunião mutuamente, das suas deficiências.
188
Esta visão de complementaridade do pastor pela pastora é um argumento que
diferencia homens e mulheres e incentiva a opressão de gênero. Esta complementação é feita
por duas partes desiguais, sendo o pastor o principal e a pastora o complemento, estando em
segundo plano. Ser complemento, portanto, é estar sob o comando do pastor. Ele, o
masculino, é o referencial, a norma, o que não pode faltar numa comunidade luterana.
A pastora Suzani Elisabeth Wander Hepp, formada em 1988, também reforça a
diferença do gênero quando aponta para algumas diferenças que percebe na prática pastoral
do pastor e da pastora. Segundo ela, a mulher é mais “carinhosa” e utiliza esta virtude na sua
relação com a comunidade.
Eu acho que a postura e as pregações são diferentes. A maneira de ser faz a
diferença. Entre os membros permanece aquele carinho que a mulher tem, e
eu não posso deixar de lado. Nesse ponto, a postura que eu tenho diante dos
187
Ibidem. p. 219.
188
DUBY, Georges. O cavaleiro, a mulher e o padre. Dom Quixote. Lisboa, 1981.p. 28.
87
membros é diferente. Também a própria pregação. A ênfase está na maneira
que a gente coloca toda a questão.
189
Uma outra questão bastante interessante percebida por meio da fala desta pastora, foi o
fato de que ela considera que a percepção e as interpretações bíblicas são diferentes quando
feitas pelas pastoras, pois as mulheres são mais “sensíveis” do que os homens. Aqui,
novamente temos o reforço da diferença dos gêneros. Segundo ela, “a gente tem uma
percepção muito maior até para a interpretação dos textos porque coloco abertamente todas as
questões.”
190
Ainda para esta pastora, a diferença entre o pastor e a pastora está na própria
essência. “Com certeza, ser pastora é diferente de um pastor. Eu acho que a diferença está na
pessoa, ser uma mulher.”
191
Em relação à realização do enterro, chamou-nos a atenção a fala da pastora Taís Kind
Strelow. Ela se indagou, muitas vezes, se teria coragem de chamar uma pastora para fazer o
seu próprio enterro, caso estivesse entre a vida e a morte. Questionou ainda se confiaria numa
pastora, assim como os membros de sua comunidade confiam nela.
192
1.2 Entre o diferencialismo e o igualitarismo
Através da análise da fala da pastora Ruth, percebemos que a mesma, em alguns
momentos, não é diferencialista como as outras supracitadas. Em alguns trechos de sua fala,
ela salienta a necessidade da mulher “fazer” a diferença, mas não que seja essencialmente
diferente do homem. Esta pastora tende para o feminismo da igualdade, embora diga que, no
período da faculdade, achava que pastores e pastoras deveriam ser diferentes. Para Ruth, a
diferença entre pastores e pastoras está na sua maneira de falar e fazer o culto e não na sua
“essência” “feminina”.
Teve uma [pastora] que veio do estágio e disse-me que o maior elogio que
ela recebeu é que não tinha diferença nenhuma entre ela e um homem.
Então, nós brigamos com ela. Nós tínhamos que ser diferentes. E hoje em dia
eu não acho mais isso. Por ser mulher, eu tenho que fazer diferença. Nós
temos que fazer uma diferença. Tem que fazer diferença pela minha forma
189
Suzani Elisabeth Wander Hepp.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
190
Idem.
191
Ibidem.
192
Taís Kind Strelow.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 10:30, na cidade
de Indaial
.
88
de fazer, de falar, mas a diferença não está no ser mulher ou no ser homem.
193
1.2.1 O uso do estereótipo feminino pela pastora
É interessante notar que as pastoras afirmam, em suas narrativas, possuírem certas
facilidades em algumas áreas no pastorado por serem mulheres. Segundo Ruth, as pastoras
mostram-se mais acessíveis e, por este motivo, as mulheres as procuram mais. Questões como
sexualidade e problemas conjugais chegam até ela com muito mais facilidade do que com o
seu esposo, também pastor. Relatou-nos que, em muitos momentos, escutou desabafos
descascando batatas na cozinha, juntamente com outras mulheres. A cozinha é um espaço que
os homens não vão freqüentemente e é justamente neste espaço que ela, como pastora,
consegue saber muitos problemas vividos pelas mulheres. De acordo com esta pastora, essa
abertura existe porque os pastores estão mais preocupados com suas relações públicas do que
com as íntimas, de foro privado. Dessa forma, a mesma afirmou encarar de forma diferente os
problemas vividos pelas mulheres do que seu esposo.
É diferente. Nós somos mulheres e encaramos de uma forma diferente. O
que acontece muito é ouvir desabafo de mulheres, o que não acontece em
grupos onde os pastores dirigem. A questão sexual e a relação com o marido
são muito fortes. Então, isso aflora com muito mais rapidez quando envolve
uma pastora do que um pastor. Tem facilidades. As mulheres têm mais
abertura comigo porque elas me vêem mais acessível do que um pastor e
também porque esse tipo de problema elas dificilmente levariam para o
mesmo. Eu lembro, já no início da vida pastoral, que contava algumas
coisas para ele e ele nunca imaginou que aquele casal estivesse passando por
aquele tipo de problema, porque o homem jamais iria contar e a mulher
também não tinha essa liberdade. Muitas vezes, quando ocorrem festas,
enquanto os pastores fazem mais a parte das relações públicas, as mulheres,
por sua vez, encontram-se na cozinha juntamente com outras mulheres
apoiando no trabalho. Nós conversamos e apoiamos quem está dando duro.
Muitas vezes, foi descascando batatas na cozinha que ouvi muitos
desabafos. E, aparentemente, as pessoas olham e perguntam: “O que a
pastora esta fazendo descascando batatas?” Enquanto outros poderiam estar
fazendo isso, eu estava ali na frente. Não é pelo descascar batatas, mas o
estar com outras pessoas.
194
193
Ruth L. W. Musskopf
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 21 de junho de 2003, as 14: 00 horas,
na cidade de Joinville.
194
Idem.
89
O que se depreende a partir da fala desta pastora, é a forma com utiliza os estereótipos
femininos para realizar o aconselhamento pastoral. Usa da sua feminilidade e freqüenta os
espaços considerados femininos, como a cozinha, em busca de oportunidades para realizar o
aconselhamento. Além disso, enfatiza que as mulheres na comunidade onde trabalha
demonstram mais seus sentimentos para com ela do que os homens e disse que os pastores
são mais superficiais nas relações. Por ser mulher, mostra-se mais “abatida”, “cansada”, e isso
faz com que a pastora seja vista, pelas mulheres da Igreja, como mais humana do que os
pastores, facilitando assim a abertura para o diálogo.
195
Destacamos que o estar “cansada” e
“abatida” representa “fraqueza” e “sensibilidade”, características estas consideradas próprias
das mulheres. Ou seja, a pastora utiliza esses estereótipos para aproximar-se das mulheres da
comunidade.
1.3 Da igualdade ao gênero
A pastora Wanda Deifelt, professora da cadeira de Teologia Feminista, na Faculdade
de Teologia de São Leopoldo, desde sua criação, em 1991, afirmou que começou a trabalhar
com a Teologia Feminista em 1983-84, quando as primeiras literaturas em inglês chegaram
até elas, que, na época, eram estudantes de Teologia. Mas Wanda Deifelt afirma que sua
identificação com os direitos das mulheres e com o movimento feminista no Brasil data de
antes, já no início da década de 80. Fez seu mestrado e seu doutorado nos Estados Unidos, sob
a orientação da teóloga Rosemary Ruether. A categoria de gênero ela começou a utilizar já na
sua dissertação de mestrado e depois na tese de doutorado. Quando assumiu a referida
disciplina na EST, em 1991, as relações de gênero passaram a fazer parte das discussões em
sala de aula envolvendo alunos e alunas, mesmo que, a princípio, timidamente.
196
Observamos que Wanda Deifelt passou por um processo de mobilidade na sua
identificação com as teorias feministas, pois quando era estudante de Teologia identificou-se
com a Teologia Feminista, utilizando a perspectiva da mulher. Ao dar continuidade aos seus
estudos, entrou em contato com a categoria de gênero, identificando-se com esta. Alguns de
seus artigos, publicados em diferentes revistas de teologia, mostra-nos a sua ligação com a
Teologia Feminista a partir de 1991. Seus textos, primeiramente, deixam transparecer sua
195
Ibidem.
196
Wanda Deifelt
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 04 de dezembro de 2002, na cidade de São
Leopoldo.
90
relação com a Teologia da Libertação, que influenciou as discussões realizadas pela Teologia
Feminista da América Latina.
É interessante observarmos que tipo de discussão começou a ser realizada por esta
pastora, já que foi ela a responsável por introduzir a disciplina Teologia Feminista na EST. A
seguir, analisaremos alguns artigos publicados, enquanto outros somente apresentaremos na
nota de rodapé.
197
Um dos primeiros artigos publicados por Wanda Deifelt intitula-se “Os primeiros
passos de uma hermenêutica feminista: a Bíblia das mulheres. Editada por Elisabeth Cady
Stanton”. Este artigo foi publicado na revista Estudos Teológicos
, importante revista editada
pela EST. Através da análise dos escritos de Elisabeth Cady Stanton e sua publicação da
Bíblia das Mulheres, em 1898, procurou mostrar a importância desta escritora para o
surgimento da própria Teologia Feminista. Segundo Deifelt, Elisabeth Cady Stanton nasceu
nos Estados Unidos, em 1815, e foi criada numa tradição calvinista. Após seus estudos
começou a participar, junto com seu esposo, Henry B. Stanton, do movimento abolicionista.
Além deste movimento, Elisabeth envolveu-se no movimento temperança, que tinha como
propósito acabar com o problema da prostituição e do alcoolismo.
198
Elisabeth analisou a Bíblia não como um livro inspirado diretamente por Deus. Para
ela, a Bíblia é um livro escrito por seres humanos, dentro de um contexto cultural específico.
Além disso, afirmava que o Pentateuco, os primeiros cinco livros da Bíblia, não teriam sido
escritos por Moisés. Diante disso, mostrava que a Bíblia não era mais um livro sagrado, mas
estava sujeito à análise textual, histórica e literária, como qualquer outro livro. A Bíblia, para
Elisabeth, passou a ser a memória de um povo e não mais a voz de Deus.
199
Wanda Deifelt, continuando a relatar a história de Elisabeth Cady Stanton, narra que o
objetivo de Stanton era mostrar que Deus não escreveu a Bíblia pessoalmente, e que a cena do
jardim, descrita em Gênesis, não passava de um mito, e por isso, as mulheres não poderiam
continuar a ser responsáveis pelo pecado do mundo. A vontade de Deus, segundo Stanton, não
era a submissão das mulheres.
200
Elisabeth Cady Stanton também defendia a idéia de que a
hierarquia da Igreja deveria ser questionada, pois foi ela a responsável por ditar o local
197
DEIFELT, Wanda. A prática da Teologia em uma perspectiva feminista. O caso da violência doméstica. In:
Prática cristã: novos rumos. Mulheres pregadoras; uma tradição da Igreja. THEOPHILOS – Revista de Teologia
e Filosofia. Canoas – 2 º semestre de 2001, n. 2, 2001.
198
DEIFELT, Wanda. Os primeiros passos de uma hermenêutica feminista: a Bíblia das mulheres. Editada por
Elisabeth Cady Stanton. In: Estudos Teológicos. Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo. Ano 32, 1992. p. 5-13. p. 5.
199
Idem. p. 6.
200
Ibidem. p. 7.
91
divinamente ordenado das mulheres, pois obtinha o controle da palavra de Deus. Stanton,
segundo Wanda Deifelt, ao escrever a Bíblia das Mulheres, não quis ir contra a Igreja cristã,
mas quis ir contra aos falsos ensinamentos sobre as mulheres.
201
Deifelt mostrou neste artigo a importância dos pressupostos levantados por Elisabeth
Cady Stanton para sua época, pois eles questionaram não somente a Teologia, mas toda a
Igreja. Concluindo, Deifelt descreve os passos utilizados por Stanton, os quais acabaram
tornando-se pressupostos para o surgimento de uma hermenêutica utilizada pelas feministas
anos depois. O primeiro passo seria reconhecer que a Bíblia foi escrita por homens e que sua
mensagem pode não ser homogênea. É necessário perceber que, às vezes, o texto mostra
culturas que não servem para os dias atuais. O segundo passo seria perceber se eles podem ser
considerados totalmente corretos.
202
Um outro texto escrito por Wanda Deifelt, intitulado “ Palavras e outras palavras:
teologia, as mulheres e o poder”, foi publicado em 1996, na revista Estudos Teológicos,
problematizava o uso das palavras pelas mulheres, apontando que é através das palavras que
se exerce o poder. Deifelt, neste texto, tenta mostrar a necessidade das mulheres estarem
envolvidas com o pensar teológico, inclusive, com sua teoria. Afirma que muitas mulheres,
historicamente, têm falado, mas este falar está ligado somente ao privado, o que deve ser
modificado. É necessário que as mulheres saiam deste espaço e falem no espaço público.
203
Ainda de acordo com ela, o falar sobre Deus, ou seja, a Teologia, não tem sido um campo
familiar às mulheres, apesar delas serem o grande contingente na Igreja. Elas não fazem parte
do grupo que planeja, reflete, pensa e teoriza.
204
Sendo assim, “as experiências de fé precisam
ter um lugar dentro da história de vida das mulheres, de modo que elas possam refletir
autonomamente sobre elas.”
205
Um outro texto, intitulado “Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e
homossexualismo”, publicado em 1999, Deifelt aponta para a necessidade da Igreja discutir
seriamente a questão da homossexualidade. Ela sugere que, ao se perguntar sobre o
homossexualismo, é necessário discutir sobre toda a ética sexual. Após afirmar que este tema
tem sido muito polêmico no meio religioso, mostra como esta prática é histórica. Além disso,
201
Ibidem.p. 9.
202
Ibidem. p. 13.
203
DEIFELT, Wanda. Palavra e outras palavras: a teologia, as mulheres e o poder. In: Estudos Teológicos.
Escola Superior de Teologia. Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil. São Leopoldo. n. 1, ano 36, 1996. p. 12.
204
Idem. p. 14.
205
Ibidem. p. 15.
92
demonstra como alguns estudiosos têm pensado os textos bíblicos que são utilizados para
condenar tal prática, que são
Gn 1:27-28 e 2: 18-25 ( relato da criação do casal), Gn 19 (Sodoma e
Gomorra). Lv 18:22 e 20:30 (preceitos referentes à moral sexual, tirados do
código da Santidade). Dt 23:17 (uma proibição para que os ‘filhos de Israel
não se tornassem prostitutos do Templo’ ). 1 Rs 14: 24; 15: 12; 22: 47; 2 Rs
23:7 ( diferentes relatos sobre a instalação e a prostituição no Templo), Rm
1: 18-32 (alerta que ‘malfeitores’ não herdarão o Reino), 1 Co 6: 9-11 (uma
lista de pessoas que não herdarão o reino de Deus), Ef 5:33 (como deve ser
a relação matrimonial ) e Jd 7 ( referência a Sodoma e Gomorra ).
206
Wanda Deifelt argumenta que dentre todas as passagens mencionadas apenas quatro
fazem referência explícita a relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Estes textos
tratam-se de Gênesis, Levíticos, Romanos e 1 Coríntos.
A passagem de Gênesis 19 narra a história de Ló e a destruição das cidades de
Sodoma e Gomorra. Deifelt salienta que, apesar da palavra sodomia ser muito conhecida
atualmente e referir-se a pecados sexuais cometidos na época de Sodoma, existem autores que
têm feito diferentes interpretações sobre a punição desses habitantes. Segundo ela, alguns
estudiosos dizem que Sodoma foi destruída por ser muito rica e não ajudar os pobres. Já outros
afirmam que o pecado de Sodoma não foi o homossexualismo, mas a tentativa de estupro em
massa de dois anjos que acompanhavam Ló. Segundo esses estudiosos, o estupro em massa é
condenado por todas as religiões.
207
Apesar disto, este texto tem sido lido como se Deus
condenasse o homossexualismo. Wanda Deifelt afirma que a mesma leitura não foi feita em
relação a Ló, que ofereceu suas filhas virgens para serem estupradas em massa, além da não
polêmica e não condenação do ato incestuoso de Ló com suas filhas. Diante desta análise,
questiona a Igreja e pergunta o porquê que a violência contra as mulheres não se tornou motivo
para fortes discussões como aquelas geradas pelo homossexualismo.
208
Esta autora afirma que a passagem de Levítico 18: 22, que diz que “com homem não
te deitarás, como se fosse mulher, isto é abominação”, não proíbe que mulheres se deitem com
mulheres. Para Deifelt, compreender a concepção de sexualidade nesse contexto é
fundamental. A concepção de sexualidade passava pelo masculino e o sexo só poderia
206
DEIFELT, Wanda. Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e homossexualidade. In: Estudos Teológicos.
Escola Superior de Teologia. Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil. v. 39, n.1, 1999. pp.36-48. p. 40.
207
Idem. p. 40.
208
Ibidem. p. 41.
93
acontecer envolvendo um homem. A pastora salienta, ainda, que as idéias de Aristóteles, de
que as mulheres seriam um mero receptáculo da semente masculina, permeava este discurso.
209
Afirma que a Bíblia não apresenta nenhum manual de ética sexual. Este livro pode até
estimular atitudes contraditórias com relação à sexualidade, se lido superficialmente. Observa
ainda que nos Evangelhos há uma orientação e elogios ao casamento monogâmico e
indissolúvel. Por outro lado, Paulo faz um apelo à virgindade e à continência em respeito ao
corpo.
210
Diante destas leituras, Deifelt defende a idéia de que o uso de textos bíblicos isolados
deveria ser revistos, ou colocado sob suspeita. Ainda, a autora afirma que o próprio Jesus não
falou nada a respeito, não condenando esta prática. Este silêncio deve ser ouvido, declara. A
vinda de Jesus significou o desmantelamento de um sistema legalista e trouxe uma proposta
mais humana, pois Jesus identificou-se com os marginalizados, pobres, doentes e deficientes,
publicanos e prostitutas.
211
A autora termina dizendo que a Igreja deve ser um espaço de
inclusão e, independente da opinião que se tenha sobre os gays, “Todas as criaturas são
imagem de Deus e merecem viver com respeito e dignidade, independente de nacionalidade,
classe, credo, cor ou preferência sexual”.
212
Estes trabalhos realizados por Wanda Deifelt demonstram sua aproximação com o
gênero. Foi a partir da utilização desta categoria que inúmeras discussões puderam ser
exploradas e discutidas dentro da própria IECLB, sendo estas muito polêmicas e divergentes.
2 A adoção do gênero pela cadeira de Teologia Feminista: uma nova forma de pensar o
pastorado
2.1 O gênero na fala das pastoras
Algumas pastoras formadas a partir da década de 90 e que passaram pela cadeira de
Teologia Feminista, a que apresenta uma perspectiva de gênero, demonstram que, apesar
disso, elas identificam-se com outras teorias feministas, como o da diferença e o da igualdade.
Através da narrativa da pastora Neuzeli, podemos perceber a influência do gênero na maneira
209
Ibidem. p. 41.
210
Ibidem. p. 42.
211
Ibidem. p. 43.
212
Ibidem p. 43.
94
como compreende o pastorado. A citação abaixo demonstra algumas de suas percepções e
preocupações com a prática pastoral.
Na comunidade em que estou fazendo estágio, a liderança e a diretoria são
formadas por homens. Os homens é que decidem. As pastoras, em geral,
assim como eu, vivem, às vezes, no meio masculino, e temos que estar
nesses espaços. Como pastora, você tem essa autoridade, mas isso pode
incomodar outras mulheres. Muitas mulheres preferem pastores porque se
sentem ameaçadas. Ao mesmo tempo que elas valorizam a liderança
feminina, elas sentem-se ameaçadas porque seus maridos fazem parte da
liderança. Mas, além disso, as frustrações de não serem líderes também
surge. Elas percebem com a presença da pastora que há mulheres que estão
fazendo, ocupando várias áreas, inclusive o pastorado. Então, elas se
perguntam: “O que eu fiz com a minha vida?” Desta forma, só a presença da
mulher na comunidade é questionadora. Uma experiência bem clara com as
pastoras recentes é que onde há pastora há mais mulheres líderes. Aqui, por
exemplo, teve eleição para a presidência da comunidade e não foi cogitado
nenhum nome feminino. Tem mulheres na ativa, que participam da OASE e
em vários outros lugares. Mulheres capazes, mas, infelizmente, os seus
nomes não aparecem, e elas também não questionam. Fica claro que a
liderança não é a área, por isso procuram homens. Por outro lado, as
secretárias são sempre mulheres. Para escrever, são as mulheres; para
guardar dinheiro, por sua vez, são os homens. Eu, atualmente, estou fazendo
um trabalho com os jovens, trabalhando essa questão de gênero,
especialmente sobre masculinidade.
213
A pastora em questão está preocupada em desconstruir alguns estereótipos construídos
em torno da imagem das mulheres e dos homens. Ela busca incluir as mulheres em vários
espaços na igreja e questiona o porquê destas não estarem presentes na liderança das
comunidades.
Muitas alunas e alunos da EST, a partir da década de 90, têm buscado fazer uma
aproximação entre a Teologia e outras áreas do conhecimento. O livro intitulado “À flor da
pele: ensaios sobre gênero e corporeidade”, publicado em 2004, teve o objetivo de abordar
temas a partir da categoria de gênero e corporeidade. O corpo também passou a ser objeto de
reflexão teológica, hermenêutica e exegética. Marga J. Ströher, uma das organizadoras do
livro, afirmou que a partir do olhar de gênero e corporeidade será possível ressignificar
identidades e experiências religiosas e sagradas.
214
Vários temas são abordados neste livro,
213
Neuzeli Erert. E
ntrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de maio de 2003, as 16: 00 horas, na cidade
de Blumenau.
214
STRÖHER, Marga J.; DEIFELT, Wanda; MUSSKOPF, André S. À flor da pele: ensaios sobre gênero e
corporeidade. São Leopoldo. Rio Grande do Sul: Sinodal, 2004. 318 p. p. 7.
95
como História Oral, masculinidade, Teologia Gay, corpos femininos, violência contra a
mulher, entre outros.
Um dos eventos que representa um avanço nas discussões de gênero na EST foi a
realização do 1 º Congresso Latino-americano de Gênero e Religião, realizado na própria
EST, em São Leopoldo, em agosto de 2004. Temas variados que envolvem gênero e religião
foram debatidos neste evento, demonstrando a importância da utilização da categoria gênero
para pensar sobre algumas questões do meio religioso.
2.2 As diferencialistas
A fala da pastora Adriane, formada em 1996, ao salientar a necessidade de trazer
mudanças na prática pastoral, demonstra como ela é diferencialista. Ao falar sobre a sua
experiência na faculdade, afirma ter tido problemas de relacionamento com os colegas, por
possuir uma postura teológica diferente da maioria dos estudantes de Teologia. Para ela, a
pregação deveria ser feita de uma maneira muito mais criativa. Os pastores também deveriam
utilizar-se desta criatividade na preparação de uma celebração, de um culto, ou mesmo em
reuniões de grupos de casais, grupos de jovens e grupos de senhoras.
Pelo fato de eu ter trabalhado o teatro, a dança, eu sempre via a teologia
como algo mais criativo. E isso era uma barreira, porque isso questionava os
outros com uma dogmática muito teórica. Eu me lembro que eles sempre
tentavam colocar assim: “Você não pode pensar assim, você vai transformar
tua comunidade num bibliodrama? Vai formar tua comunidade num grupo
de dança?” Não tinha nada. Entre as mulheres pastoras existia um incentivo
mútuo. Mas o que eu sempre tentava questionar, é que para você poder
continuar na teologia você era induzida a pensar como os homens pensavam.
E eu resisti. Chamaram-me de infantil, de sem conteúdo, mas eu não dava
bola porque eu sabia que eu tinha conteúdo, eu sabia que não era uma
infantilidade, mas era uma maneira criativa.
215
Ao analisar esta fala, concluímos que a referida afirma que a criatividade é algo
“próprio das mulheres”, como se os homens “naturalmente” tivessem maior “dificuldade” na
preparação de cultos mais criativos. Continuando sua fala, ela expôs:
Um tempo depois, as outras pessoas usavam dessa forma para celebrar os
cultos, inclusive os próprios homens, mas não tinham jeito de fazer. Na
215
Adriane B. Dalferth Sossmeier. E
ntrevista realizada por
Josilene da Silva, em 22 de junho de 2003, as
10:30, na cidade de Joinville.
96
verdade, as coisas eram pensadas e feitas a partir das mulheres. Mas nós
ficávamos contentes para fazer com que eles mudassem um pouco de idéia.
Eu questionava as mulheres que se tornavam e pensavam como os homens,
se vestiam como homens, com uma postura em que pretendiam se igualar
aos homens. Elas deveriam estar preocupadas em estar fazendo algo mais
criativo e não pensar que isso significava estar debaixo do nível.
216
As mulheres podem tornar as celebrações religiosas mais “acolhedoras” e “acessíveis”
ao utilizarem uma linguagem litúrgica diferenciada. Ser acolhedora, e ser acessível, na sua
concepção, são características das mulheres, devendo ser exploradas pelas mesmas.
Você pode fazer as mesmas coisas, mas com uma linguagem mais acessível,
de uma forma mais acolhedora. E isso eu questionava tanto das mulheres que
já estavam se formando, como daquelas que já estavam iguais aos homens,
mas que estavam em crise. A crise era exatamente essa: não estavam fazendo
como gostavam. Não faziam da teologia um prazer.
217
Adriane propõe uma nova forma de louvor que explora o corpo, a música, o teatro, a
dança, que pode parecer “heresia” para uma prática pastoral mais tradicional. Por outro lado,
deixa transparecer o medo de parecer-se com as Igrejas pentecostais e carismáticas.
Além da criatividade, uma outra característica dita feminina, e o que aparece na
narrativa desta pastora, é a “sensibilidade”. A mulher em si é mais “sensível” do que o
homem. Cabe destacar aqui o quanto a sensibilidade é um argumento utilizado pelo
feminismo da diferença.
Podemos atingir as palavras através da sensibilidade. Isso não tem nada a
ver com pentecostalismo, ou com movimento carismático, ou ainda com
mudança de teologia. A nossa teologia, a luterana, é fantástica. E eu a amo,
gosto da nossa Igreja porque por mais que nós tenhamos as barreiras, nós
encontramos espaços. Isso que é o bonito. Os vários dons contam no espaço.
E essa é a arte.
218
Embora a pastora Adriane diga que o pastorado da mulher não se difere do pastorado
do homem somente por ser mulher, mas por causa do dom que é dado por Deus, ela deixa
claro que mulheres e homens são essencialmente diferentes e isso influencia a maneira de
216
Idem.
217
Ibidem.
218
Ibidem.
97
como se percebe como pastora. Na citação abaixo, levanta inúmeros exemplos dessas
diferenças entre homens e mulheres. Por exemplo, aproxima as mulheres com a natureza, a
ecologia, fazendo a ligação da maternidade feminina com a mãe-terra. Segundo ela, como
mulher, pode-se sentir as dores do mundo.
O pastorado é diferente não porque eu sou mulher, pelo simples fato de ser
mulher precisa ser diferente. É porque cada mulher também tem o seu dom.
E o meu dom talvez seja o acolher, a simpatia. Nós visualizamos a questão
da ecologia, além de outras coisas que a teologia em dois mil anos não
pregou. Eu estou preocupada com essas coisas diferentes. Não é encher
lingüiça, mas é fazer diferença no mundo para dizer que eu faço arte de um
todo, de uma mãe terra, e eu como mulher, sou mãe também. Eu posso sentir
as dores diferentes do mundo.
219
Este depoimento nos mostra a influência do ecofeminismo, que estabelece uma ligação
entre as mulheres e a salvação do mundo. A obra de Vandana Shiva, intitulada, “Abrazar la
vida: mujer, ecología y desarrollo”, ajuda-nos a compreender melhor sobre o surgimento
deste novo conceito sobre a mulher. Para a autora, as mulheres são percebidas como possíveis
libertadoras da destruição do mundo e, nesse sentido, são vistas como mais importantes do
que os homens.
220
Ela estabelece uma ligação entre o gênero feminino, ecologia e a
etnicidade. Além disso, as mulheres possuiriam, segundo esta teoria, uma inclinação natural
em compreender, compadecer, acompanhar e alimentar os que sofrem. As mulheres seriam,
de acordo com a autora, mais solidárias “naturalmente”.
221
A pastora Adriane narrou que, na sua experiência como pastora, tem trabalhado
todas as áreas criativas no pastorado. Procura trabalhar mais por trás das celebrações,
enquanto o seu marido é o responsável pelos cultos. Ela faz questão de aparecer. Segundo
afirma, consegue colocar maior “beleza” nos cultos do que seu esposo. O gênero masculino
seria visto como o responsável pela parte racional do pastorado, enquanto o feminino é tido
como responsável pela parte mais criativa. Seria como se o toque feminino estivesse
auxiliando o pastorado, tornando-o mais sensível e feminino por causa disto.
Continuando, ela sugere que, na hora de realizar um culto, é necessário que o “olhar
feminino” seja utilizado, que a meditação seja feita com “palavras mais doces”, próprias das
mulheres.
219
Ibidem.
220
SHIVA, Vandana. Abrazar la vida: mujer, ecología y desarrollo. Montevideo: Horas y HORAS. 1995. p. 13.
221
Idem. p. 15.
98
No culto, feito por nós, podemos fazer a mesma liturgia, mas com o olhar e
palavras mais doces, que nós não podemos deixar de lado. Quando alguém
vem com algum problema, não devemos dizer: “Lá vem de novo ele com
esse negócio.” Você deve olhar para essa pessoa e perceber que a mesma
está com algum problema. E isso se espalha e perpassa no pastorado
masculino, e em todo o pastorado.
222
A pastora Adriane reforça a complementaridade entre os casais de pastores. Segundo
ela, o que os tem ajudado no pastorado é que ambos se complementam. Salienta, ainda, que
deve ser muito difícil uma pastora administrar uma comunidade sozinha, sem a presença de
um pastor.
223
Destacamos que ma outra questão observada nesta pesquisa foi que a maioria das
pastoras entrevistadas assumem os trabalhos em áreas consideradas “femininas”, como o
ensino confirmatório, trabalho com crianças, trabalho com as senhoras no grupo da OASE,
entre outros. Adriane afirmou ter-se identificado mais com o ensino confirmatório, com as
crianças e com a OASE, mas que, por outro lado, sente dificuldade em assumir tarefas ditas
“masculinas”.
Identifico-me com o trabalho das crianças, todos os trabalhos com mulheres
e com o ensino confirmatório. Mas dizer que isso é uma área somente das
mulheres, penso que está mudando. Há reunião com empresários que eu já
participo. Eu também assumo este papel. Tremo toda, mas assumo esta
tarefa. Sou capaz de enfrentar, por exemplo, um culto onde estão as
autoridades. Tenho capacidade, e falar em público não é coisa apenas de
homem. Tive que enfrentar porque somos acostumadas a fazer trabalhos
femininos.
224
Para vencer as dificuldades existentes no relacionamento entre a pastora e os
membros, e para conquistá-los, Adriane acredita que as mesmas não devem ser
“escandalosas” para não causar constrangimento. Devem ser “discretas”. É necessário deixar
fluir o lado “sensível” que as mulheres possuem, como o “abraçar”, o “acolher” e o “sorrir”.
Estes são gestos necessários que devem ser utilizados para a conquista dos membros.
222
Adriane B. Dalferth Sossmeier
. Entrevista realizadas por Josilene da Silva, em 22 junho de 2003, as 10:30,
na cidade de Joinville.
223
Idem.
224
Ibidem.
99
O interessante é que não são somente as mulheres que se abrem com você.
Se você der uma abertura, os homens também lhe procuram. É muito bom
dar abertura para os homens como para as mulheres. Inicialmente, as
mulheres procuram-me mais, mas agora eu percebo maior abertura com os
homens. Eles gostam porque vêem confiança. Eu não estou abraçando por
causa do sexo, mas eu estou com uma sensualidade sem conotação sexual.
Eu posso abraçar e olhar. Essa é a grande diferença.
225
A conquista dos homens da Igreja também deve ser feita a partir de gestos femininos,
pois isso passa confiança aos homens.
A pastora Louvani Kuhn Hirt, formada em 2001, demonstrou a preocupação em tornar
as mensagens e o culto mais inteligível e acessível à comunidade, além de visualizar os
oprimidos. Afirma também que a Bíblia foi escrita por homens e que se as mulheres foram
citadas na Bíblia é porque elas foram muito atuantes e importantes naquele tempo. Também é
necessário, segundo ela, interpretar o contexto da época, pois se o contexto não for pensado as
mulheres serão bastante discriminadas.
A época em que foi escrita, a Bíblia foi escrita por homens, mas o que a
mulher fez foi tão marcante que não se pôde deixar de escrever. Acredito
que o apóstolo Paulo assim o fez. Inclusive ele fala de mulheres, como
Priscila. Eu acho que ele não era machista além de sua época. Nós
precisamos analisar o contexto. Que época foi escrito? Em que situação e o
porquê? Se nós não fizermos esta análise, então a mulher é bastante
discriminada. Nós precisamos saber o porquê que ele escreveu desta maneira
em relação às mulheres. Nós podemos usar um versículo isolado dentro de
um contexto maior para justificar aquilo que pretendemos dizer.
226
3 A Teologia Feminista na EST e a negação do feminismo
É interessante observar a identificação das entrevistadas com a Teologia Feminista.
Algumas pastoras, que não passaram pela cadeira de Teologia Feminista, mencionam não se
identificar com este tipo de Teologia, pois a percebem como feminista e, portanto, extremista.
Por sua vez, dentre aquelas que passaram por esta disciplina, somente uma identificou-se com
esta Teologia e com o feminismo, enquanto outras afirmaram não ter se identificado por
achá-la também extremista. Além disso, a negação do feminismo está bastante presente na
fala das pastoras.
225
Ibidem.
226
Louvani Kuhn Hirt.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 29 de maio de 2003, as 14:00 horas, na
cidade de Timbó.
100
Diante disso, a pastora Suzani Elisabeth Wander Hepp, que não cursou esta disciplina
na faculdade, afirmou não se identificar com o termo feminista.
Feminista não. Se nós pensarmos no início, aquela rebelião toda, acho que
não tem cabimento. Nós temos que continuar lutando para firmar toda a
posição das mulheres como sendo iguais. Acho que essa luta é de toda a
mulher. Quem educa são as mulheres. Se elas têm uma mentalidade
machista, irão passar isso para seus filhos. A primeira coisa que deve
acontecer é que a mulher deve se libertar desse idealismo de feminismo.
Ela deve se encontrar primeiro como mulher. Lutar como mulher. Se utilizar
o termo feminino, aí eu aceito. Todos nós devemos lutar para que a mulher
seja aceita como uma igual, que seja respeitada. Eu acho que neste ponto de
lutar pelos direitos da mulher, identifico-me como feminista. Mas o que eu
não concordo é quando as mulheres querem reproduzir e reverter os papéis.
O homem mandava, agora eu mando. No meu trabalho, eles percebem a
diferença da atuação dos homens e a minha atuação.
227
(Grifo nosso)
Esta pastora não admite ser chamada de feminista, pois as feministas são comparadas
a rebeldes, embora diga que a mulher deve lutar pela igualdade dos sexos. Porém,
destacamos que ela salienta que esta luta deve ser feita a partir de uma postura de mulher,
como se existisse uma maneira própria das mulheres lutarem.
A pastora Marion Freitag diz que não se identifica como feminista porque o
feminismo, segundo ela, é extremista, postulando que acredita que exista uma essência
feminina e uma masculina.
Eu não sou feminista. Qualquer tipo de movimento, sendo extremista, não é
certo. Eu acho que quando nós quebramos um paradigma, nós não deixamos
de ser feministas, mas eu não gostaria de me enquadrar. Eu gosto daquilo
que, às vezes, o feminismo não aceita. Eu acho que tem algumas coisas que
são nossas como mulheres, e outras que são dos homens.
228
A pastora Zirlei Horst Pereira, por exemplo, passou pela cadeira de Teologia
Feminista e disse que, embora esta disciplina tenha contribuído em sua formação, lembra que
esta “extrapola”. Para ela, a Teologia “esvaziou-se” quando levantou a bandeira do
feminismo, tentando trazer um novo conceito sobre a submissão da mulher ao homem.
227
Suzani Elisabeth Wander Hepp.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
228
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, no dia 28 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
101
Na Teologia Feminista existem muitas histórias que extrapolam. A Teologia
Feminista tem muito a contribuir até o ponto de mostrar onde a mulher não é
reconhecida, onde a mulher é oprimida e pisada. Isso é real. Hoje eu vivo no
interior e vejo quantas mulheres apanham do marido e são marginalizadas.
Então, nos perguntamos: “O que está acontecendo? Se fosse homem, estaria
passando por isso?” Até aí, onde denuncia, prega a justiça, o amor, a
liberdade, eu concordo, porque Deus não faz acepção de pessoas, mas
quando extrapola, quando a mulher quer estar acima do homem, querendo a
liberdade também na questão do adultério, drogas, direitos igualitários de
fumar, viu-se assim um outro extremo. Eu acho que a Teologia Feminista
esvaziou-se. Ela foi para um canto em que ela grita, berra, levanta a bandeira
e, neste sentido, nós temos que olhar para as Sagradas Escrituras sobre a
submissão da mulher. Eu vejo que Deus tem falado no meu coração para eu
cuidar muito na minha submissão ao meu esposo, porque nisso tudo eu quero
obedecer ao que está nas Sagradas Escrituras. Até onde a Teologia Feminista
vai de acordo com a palavra, eu concordo. Vimos que Jesus, quando
quiseram apedrejar aquela mulher adúltera, disse que quem não tivesse
pecado, atirasse a primeira pedra. A gente vê como Jesus queria libertar e
dizer porque que o homem que também pecou não seria apedrejado. Se nós
virmos, quantas mulheres que Jesus falou. Mas até aí tudo bem, mas
passando das Sagradas Escrituras, onde a mulher diz: “Eu quero mandar no
meu marido e não ser submissa,” eu não concordo. Acho que devo ser
submissa ao meu esposo. Tenho que ouvir, ver se ele concorda comigo, devo
colocar tudo, ter diálogo, um respeitar o outro. Isso é fundamental. Então,
em primeiro lugar, o que as Sagradas Escrituras mandam, depois o que esses
livros têm a dizer e a contribuir, porque a própria palavra diz: leia tudo e
retenha o que é bom. Se for uma leitura boa, que traz contribuição a luz da
palavra, esse livro é bom.
229
A pastora Louvani identifica-se com a Teologia Feminista, embora não goste de
extremos. Segundo ela, esta cadeira ajudou a valorizar a mulher, além de mostrar que existem
hábitos culturais que normatizam os papéis “masculinos” e “femininos”.
A teologia feminista ajudou-me a refletir sobre idéias que eu tinha, de que
menina brinca de boneca porque ela vai trabalhar dentro da casa. Menino
brinca de carrinho porque quando ele for maior vai ser o motorista, a mulher
não. Então, por isso eu tive dificuldades de aprender a dirigir. Eu nunca
peguei num carrinho e fiz uma estradinha. A cadeira de Teologia ajudou-me
a refletir e a pensar o que agora eu preciso mudar. Essa reflexão sobre
hábitos, sobre atitudes está me ajudando a valorizar a mulher.
230
229
Zirlei Horst Pereira.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, as 8 horas da noite, na cidade de
Florianópolis.
230
Louvani Kuhn Hirt.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 29/5/2003, as 14:00 horas, na cidade de
Timbó.
102
Adriane não concorda com o feminismo que anuncia que as mulheres não devem ser
mais submissas aos maridos. Para ela, é necessário que homens e mulheres submetam-se uns
aos outros. Propõe a substituição da palavra submissão por humildade, o que não deixa de ter
o mesmo significado. Neste caso, a mulher não é obrigada a submeter-se ao marido, mas ser
humilde o suficiente para submeter-se a ele.
Eu vejo tudo no equilíbrio, agora eu sou feminista e não vou mais ser
submissa. Tem momentos em que eu terei que me submeter e o meu marido
também. Eu preciso ensinar a submissão porque para poder relacionar-me
com as outras pessoas. A submissão é encarada como um termo pejorativo.
Existe a questão da humildade. Eu não gosto da palavra submissão. Às
vezes, nós substituímos esta palavra por humildade.
231
Para a pastora, a Teologia Feminista a ajudou muito.
A teoria feminista ajudou-me muito. Uma das feministas disse assim: “O
ministério pastoral não se mostra a partir do gênero e nem mesmo a partir da
dogmática, mas se mostra a partir dos dons.” Eu disse que iria mostrar a
minha vontade de pregar a palavra a partir do meu dom.
232
Sua vontade de pregar surgiu a partir do dom que é dado por Deus. A passagem
bíblica de I Coríntios 12:1-11 e 14: 1 diz que Deus concede diferentes dons aos seus filhos.
Os dons são a sabedoria, o conhecimento, a fé, o dom de curar, operação de milagres,
profetizar, discernimento do espírito, variedade de línguas e interpretação de línguas. Ainda
no capítulo 14:1, Paulo diz que se deve procurar os melhores dons, sendo o dom melhor o de
profetizar, ou seja, levar a mensagem de Deus.
Por sua vez, a pastora Neuzeli afirma identificar-se com as discussões levantadas pela
cadeira de Teologia Feminista desde o início do curso, pois já fazia parte do Grupo de
Mulheres que se reunia para ler e discutir textos, inclusive os de teoria feminista.
Desde o primeiro ano, eu já participava do Grupo de Mulheres e muita coisa
que eu vi na cadeira de Teologia Feminista não era totalmente novo para
mim como era para os meus colegas. E quanto mais nós íamos lendo e
vivendo, íamos percebendo algumas coisas sutis.
233
231
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 22 de junho de 2003, as 10:30
horas, na cidade de Joinville.
232
,
Idem.
233
Neuzeli Erert.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28/05/2003, as 16: 00 horas, na cidade de
Blumenau.
103
Para esta pastora, diferente de todas as outras entrevistadas, ser identificada como
feminista não foi visto como um problema.
No início eu tinha muito problema com esse nome feminista. Há várias
linhas feministas, desde grupos mais radicais até menos radicais. Logo que
comecei a participar do Grupo de Mulheres, começaram a me chamar de
feminista. Isso me incomodava muito, porque a maneira que os colegas
chamavam era pejorativa. Mas um dia, perguntei para a professora Wanda o
que era feminismo. Ela respondeu-me dizendo: “O feminismo é a noção
radical de que as mulheres são gente.” Então, não é o feminismo que é
radical, mas a noção é radical. Disso eu não abro mão. Eu entendi assim. As
mulheres são gente. Depois isso foi amadurecendo e hoje eu não me auto -
intitulo feminista porque acho que seria honra demais. Ser feminista exige
muito estudo, muita pesquisa, bem como a compreensão dos seus próprios
termos. A Teologia Feminista é muito ampla, muito bonita. Quando você
intitula-se feminista, pressupõe já um conhecimento. Então eu sou
cuidadosa. Eu não acho nenhuma ofensa, eu acho muito bonito.
234
Ser considerada feminista é uma condição com a qual a maioria das pastoras não
compactua, com exceção desta pastora supracitada. Aqui cabem algumas reflexões levantadas
por Rachel Soihet sobre o surgimento do anti-feminismo, o que ajuda a compreender o receio
das pastoras em não querer ser comparadas ou confundidas como feministas. Segundo ela, o
anti-feminismo surgiu na era vitoriana, quando as feministas e seus partidários lutavam pelo
direito ao voto, às profissões e à propriedade. As feministas foram apresentadas como
desafiadoras das sábias leis da natureza. Foram chamadas de “galinhas a cacarejar”,
hermafroditas, entre outros. Já os homens que as apoiavam recebiam o nome de “solteironas
de calças”. Nesse período, surgiu um anti-feminismo forte, o qual defendia que homens e
mulheres deveriam ocupar esferas separadas porque tinham naturezas e capacidades
diferentes e, assim, deveriam exercer funções distintas.
235
Este anti-feminismo, portanto,
persiste até hoje e está presente na fala das pastoras.
4 As identificações das pastoras com as Linhas Teológicas da IECLB: entre a Teologia
da Libertação, o Tradicionalismo e o Pietismo
234
Idem.
235
SOIHET, Rachel. Violência Simbólica: saberes masculinos e representações femininas. In: Estudos
Feministas.IFCS/UFRJ. Vol. 5. Ed: Linhares, n 1/97. pp – 7-29.p. 12-13.
104
4.1 A opção pela Teologia da Libertação
Observamos que grande parte das entrevistadas identificam-se com a Teologia da
Libertação, mesmo simpatizando também com outras linhas teológicas existentes na IECLB.
Nesse sentido, torna-se necessário entendermos o surgimento desta Teologia e seu
significado. A Conferência de Medellín, em 1968, é considerada um marco histórico
importante, que inaugurou uma nova etapa da cristandade. Esta etapa é marcada por três
acontecimentos. Primeiramente, o sonho de desenvolvimento e o mito do progresso foram
desacreditados, pois embora a América Latina tivesse se tornado independente da Espanha e
Portugal este continente permaneceu sob o poderio norte-americano. As instituições cristãs,
que vinham apontando para este ideal de desenvolvimento, entraram em crise. Neste período,
surgiram novas formas políticas de autoritarismo em alguns países na América Latina,
crescendo assim o controle do governo sob o seu país, reprimindo toda e qualquer
manifestação contra esta forma de governar. A Igreja, diante deste contexto, teve que
submeter-se a este tipo de governo ou ser reprimida.
236
Desta forma, tanto a Igreja Católica
quanto a Luterana acabaram apoiando o movimento popular que crescia e se conscientizava
da necessidade de libertação dos oprimidos neste país. É neste contexto que surge a Teologia
da Libertação que, segundo os teólogos, consiste em:
questionar a Teologia tradicional, que se interessa essencialmente pelo
conteúdo doutrinário da fé e pela elaboração teórica (...) O cristianismo
consiste fundamentalmente num agir histórico, e num agir em favor da
libertação, e, assim sendo, a teologia tem como função compreender, à luz da
Palavra de Deus, este agir, dele partindo e a ele voltando incessantemente.
237
Neste sentido, a Teologia da Libertação percebeu a necessidade de libertar o oprimido,
percebendo Jesus como o grande libertador.
A Conferência episcopal ocorrida em Medellín, em 1968, é considerada um marco
importante para as teólogas feministas. A Teologia da Libertação e a sua opção pelos pobres e
oprimidos as motivaram a elaborar uma reflexão sobre a opressão das mulheres. Segundo a
teóloga Maria Pilar de Aquino, o trabalho teológico libertador
236
FERREIRA, Isabel Leal. As Teologias da libertação: iniciação à Teologia. São Paulo: Paulinas, 1981. p
Idem.p. 16-17.
237
Idem p. 23.
105
leva a sério a obra salvadora de Jesus Cristo, por isso reclama a libertação de
toda a opressão, exigindo o acesso real das mulheres e homens à bem-
aventurança evangélica, e propõe-se a superar toda forma de despojo e
injustiças que assolam a imensa maioria dos pobres e oprimidos da terra.
238
A Teologia Feminista na América Latina , na década de 70, influenciada pela Teologia
da Libertação, surge com um discurso que vem lutar pela igualdade entre homens e mulheres,
embora afirme que existam diferenças entre ambos. Segundo Maria Pilar Aquino, as teólogas
lutaram para que as “relações entre os homens e as mulheres fossem simétricas e equivalentes,
e que, efetivamente, se reconhecesse a alteridade de cada qual.”
239
Esta explanação sobre o surgimento da Teologia da Libertação e da Teologia
Feminista torna-se importante, porque observamos que praticamente todas as pastoras
entrevistadas identificam-se mais com a Teologia da Libertação do que com as demais linhas
teológicas existentes na IECLB. Elas explicam os motivos para esta escolha, apontando para a
visibilidade dada às mulheres por esta linha teológica.
Na década de 80, segundo Fátima Weiss de Jesus, existia o Grupo de Mulheres, e as
mulheres que participavam deste grupo também faziam parte de um grupo maior, o Partido
dos Trabalhadores (PT). A Teologia da Libertação era a linha teológica comum entre esses
dois grupos. Estas teólogas tratavam a questão das mulheres a partir da “perspectiva da
mulher”. No início da década de 90, esses dois grupos foram extintos, sendo criado o Núcleo
de Gênero, o qual teve o objetivo de romper com o pensar na questão da mulher, mas pensar
em termos de gênero.
240
As teólogas luteranas, na década de 90, tentaram repensar a sua maneira de tratar a
questão das mulheres. Em 1999, surgiu na EST o Núcleo de Pesquisa de Gênero (NPG),
ligado ao Grupo de Pesquisa Nacional do Conselho de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), sendo seu principal objetivo pensar a Teologia a partir da perspectiva de
gênero.
241
A pastora Ruth L. W. Musskopf, por exemplo, considera-se da linha Tradicional e da
linha da Teologia da Libertação, e explica a construção de sua identificação.
Quando saí da faculdade, eu tinha uma postura mais próxima da Teologia da
Libertação. Mas com o passar do tempo, eu me defini como uma pessoa de
238
AQUINO, Maria Pilar. A teologia, a Igreja e a mulher na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1997.p. 9.
239
Idem. p. 46.
240
JESUS, F. W. Op. Cit. p. 94.
241
Idem.
106
tradição luterana, mas também aberta para a questão política e social,
sabendo que na Igreja você tem que receber forças para encarar o mundo e
tentar transformá-lo. Acredito que esta transformação não poderia ser feita a
partir do púlpito. No púlpito, nós temos que dar forças às pessoas para
quando saírem da Igreja perceberem seu papel de cristãos lá fora. Não
adianta ficar apenas cantando, louvando e achando que Deus está somente
ali. Irei passar minha semana inteira embriagada com o que eu passei nesse
momento e não ver meu papel de cidadã no mundo.
242
Suzani Elisabeth Wander Hepp destacou também identificar-se com a Teologia da
Libertação, mas afirmou não gostar de extremismos. Salientou ainda que esta teologia
proporciona uma maior “abertura” para as questões sociais.
Na faculdade, identifiquei-me mais com a Teologia da Libertação. Eu venho
de uma família pietista. Eu não posso dizer que me enquadro numa linha ou
outra definitivamente. Tive decepções. Primeiro tentei trabalhar com a PPL,
mas me decepcionei. Eu tiro o que há de melhor das duas. O extremismo
acaba sempre caindo para um lado que não é o correto. As pessoas aqui
sabem que eu identifico-me mais com a linha da Libertação porque eu
sempre dei mais abertura, relaciono-me muito bem com as pessoas.
243
Outra pastora, Marion Freitag, comentou que se identifica com as três linhas
teológicas. Segundo ela, o pastorado deve estar envolvido com os movimentos sociais,
admitindo que tende mais para a Teologia da Libertação. A linha pietista e tradicional também
são adaptadas, no entanto, diz não gostar de extremos.
244
Por sua vez, a pastora Mariane,
formada em 1978, afirmou identificar-se com a linha Tradicional. Segundo ela, a linha que
mais preservou a identidade luterana é a tradicional, e por isso a escolheu.
245
Já Adriane,
identifica-se mais com a linha da Teologia da Libertação e explica seus motivos.
Identifico-me com a libertação. Mas eu gosto muito daquilo que o
departamento de catequese faz que é a espiritualidade. Complemento com a
espiritualidade. Gosto muito de acender uma vela, de meditar, de parar, de
ter um grupo de oração, mas tudo no equilíbrio, nada de exageros, porque
rapidamente nós podemos perder o controle teológico. Eu coordeno um
trabalho com 128 crianças empobrecidas, mas mesmo entrando fundo na
área social, preciso da espiritualidade. Na época em que eu entrei na
242
Ruth L. W. Musskopf.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 21 de junho de 2003, as 14:00 horas,
na cidade de Joinville.
243
Suzani Elisabeth Wander Hepp.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
244
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
245
Mariane Beyer Ehrat.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
107
faculdade, a Teologia da Libertação era somente social, e eu questionava
porque precisava da espiritualidade
.
246
A Teologia da Libertação também é a opção da pastora Neuzeli. Segundo ela, dentro
desta linha, encontra espaço de reflexão e ação.
247
Já Louvani identifica-se com a linha
Tradicional e Pietista, mas nenhuma no extremo, embora admita que se identifique mais com
a Tradicional.
248
Como orienta Stuart Hall, os sujeitos são constituídos a partir de várias identificações,
que podem ser contraditórias. Podemos perceber, através da análise das narrativas de algumas
pastoras, como elas se identificam com várias linhas teológicas ao mesmo tempo. Outras se
identificam somente com uma linha, como a tradicional ou a Teologia da Libertação. O que
nos chamou a atenção foi o fato das pastoras fazerem questão de dizer que não são
extremistas, especialmente as que optaram pela Teologia da Libertação.
5 Paulo, libertador das mulheres ou não? As pastoras luteranas discutindo os escritos do
apóstolo Paulo
Deparamo-nos com discursos divergentes por parte das pastoras sobre os escritos do
apóstolo Paulo. Algumas consideram Paulo libertador, outras afirmaram que ele é
contraditório, mas, de alguma maneira, é apontado como libertador. A única pastora que
possui um discurso diferente das demais é a pastora Neuzeli, que tratou os escritos do
apóstolo Paulo a partir de um olhar de gênero. Para ela, não há possibilidade de que Paulo
tenha trazido libertação às mulheres, embora ele tenha andado com muitas no seu ministério.
Em seus escritos, Paulo manifesta-se em vários momentos sobre as mulheres. Sua fala
tem sido bastante utilizada para buscar uma explicação sobre o papel da mulher na Igreja. Ele
tem sido interpretado de diferentes maneiras. Para a Igreja Católica, por exemplo, ele é um
dos escritores-chave para não permitir que as mulheres sejam ordenadas, tornando-se
ministras do evangelho, dispondo dos mesmos “poderes espirituais” que os homens. Em 1994
foi declarada a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, pelo papa João Paulo II, insistindo que
246
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 22/06/2003, as 10:30 horas,
na cidade de Joinville.
247
Neuzeli Erert. E
ntrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28/05/2003, as 16:00 horas, na cidade de
Blumenau.
248
Louvani Kuhn Hirt.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 29/5/2003, as 14:00 horas, na cidade de
Timbó.
108
a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres ao sacerdócio. A passagem bíblica de I
Coríntios 14: 34-35 refere-se às mulheres na Igreja. “As vossas mulheres estejam caladas nas
igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E
se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos, porque é
vergonhoso que as mulheres falem na igreja.”
249
Na passagem bíblica de I Timóteo 2:10-12,
Paulo afirma que para as mulheres cabe o silêncio, não recebendo autoridade divina para
ensinar aos homens. “Mas (como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus)
com boas obras. A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que
a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.”
250
Mas, afinal, Paulo foi ou não libertador das mulheres? Como seus escritos têm sido
lidos e interpretados pelas pastoras luteranas?
5.1 Paulo: o libertador das mulheres
Para a pastora Ruth L. W. Musskopf, Paulo é libertador das mulheres e ao mesmo
tempo não.
Ele é libertador e ao mesmo tempo não. Ao mesmo tempo que ele diz que
não pode haver nem grego, nem judeu, nem homem, nem mulher, colocando
os sexos em igualdade, por outro lado ele diz que as mulheres têm que ficar
quietas na igreja. Ele mesmo se contradiz. E eu acho que ele é de uma época
que tinha problemas para ser resolvidos (...) Ele escreveu tanta coisa boa e
libertadora que essas passagens que dizem que o homem é o cabeça e essa
que a mulher tem que ficar quieta eu o desculpo.
251
Para esta pastora, ao analisar os escritos do apóstolo Paulo e perceber que ele fala
muito mais em favor das mulheres do que contra, ele torna-se libertador, apesar das
contradições.
A pastora Marion Freitag afirma que Paulo teve suas razões para escrever o que
escreveu sobre as mulheres. Ao citar uma experiência vivida por ela, afirma que as mulheres,
em determinados momentos, precisam ser advertidas, pois elas “falam muito”. É necessário
que elas se calem em alguns momentos
.
249
BÍBLIA. traduzida de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica Tridentina do Brasil. 1995.
1363 p.
250
Idem.
251
Ruth L. W. Musskopf.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 21 de junho de 2003, as 14:00, na
cidade de Joinville.
109
Por exemplo, há mulheres na OASE que temos que mandar ficar quieta,
porque acham que somente elas sabem. Acho que esta é a situação de Paulo
quando escreveu para Corinto. Ele tinha companheiras muito legais com ele.
Então são situações. Eu também tenho situações, que como mulher não vou
aparecer. Tive uma vez uma discussão com um estudante de teologia quando
eu já estava no pastorado. Ele veio fazer uma entrevista comigo para ver
como eu estava no pastorado, e as mulheres no meu lado “crocheteando”.
Isso foi na faculdade de Teologia e numa reunião. Primeiro lugar, foi um
desrespeito para com os homens. Acho que tem hora para tudo. Fazer
crochetear na hora da reunião? Eu acho que esta é a situação do apóstolo
Paulo. Era uma reunião, não era hora de ficar “crocheteando”.
252
Um segundo aspecto a ser analisado é quando a mesma salienta a existência de
momentos em que as mulheres “devem” e “podem” aparecer, enquanto que em outros não
“podem” e não “devem” aparecer. Entende-se o termo “crochetear” como fazer fofocas.
Para a pastora Suzani, o apóstolo Paulo, em alguns momentos, é contraditório. Se por
um lado fala de mulheres que o acompanharam em sua jornada missionária, por outro lado
exorta as mulheres em inúmeras passagens para que fiquem quietas dentro da igreja. Mas, na
sua concepção, ele dá abertura para as mulheres e, de certa maneira, torna-se libertador.
As próprias cartas não são interpretadas como deveriam. Eu, em primeiro
lugar, coloco os Evangelhos. Nos Evangelhos Cristo ensina. Eles devem ter
prioridade. Eles estão acima de qualquer carta. As cartas de Paulo, quando
ele fala das mulheres, foram escritas num momento, naquela situação. As
mulheres são muito curiosas. Os homens são mais da linha tradicional. Então
eu acho que as próprias mulheres queriam mais do que os homens poderiam
dar. Como elas não poderiam estudar, acabavam exigindo mais dos homens
e, por isso, toda essa questão de Paulo. Mas nós vemos que Paulo é muito
contraditório, porque se um momento disse que a mulher deveria falar, por
outro lado, exorta as mulheres a não falarem. Ele esteve preso com uma
mulher, Júnia, que é colocado como homem, mas que, na verdade, é uma
mulher. Então, ele também dá abertura e mostra que as mulheres
trabalhavam.
253
Ao falar sobre Paulo, Suzani reporta-se ao texto da criação de Adão e Eva, e ao pecado
da mulher. O problema, segundo ela, está na maneira como os homens, por muito tempo,
interpretaram este texto encontrado em Gênesis. Diante disso, as pessoas não entendem
252
Marion Freitag
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na cidade de Blumenau.
253
Suzani Elisabeth Wander Hepp.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28 de abril de 2003, na
cidade de Pomerode.
110
direito sobre o pecado da mulher por não conhecerem o hebraico, língua originária na qual foi
escrita a Bíblia. O texto bíblico de Gênesis, ao falar sobre o pecado da mulher, na verdade não
está tratando de homem e mulher, mas de carne e espírito. Segundo sua interpretação, o
homem (Adão) é encarado como carne, enquanto a mulher (Eva) é vista como espírito, vida.
Na verdade, quem caiu em pecado foi o espírito e conseqüentemente, a carne também caiu,
pois a mesma, seguindo as escrituras, é fraca. Nesse sentido, quem caiu foi o espírito, o qual é
uma parte complementar do homem. Ou seja, na concepção da Pastora Suzani, homem e
mulher se complementam. O homem (Adão) é a carne e a mulher (Eva) é o espírito.
A questão realmente é a interpretação que os homens fazem desses textos. É
dada mais ênfase no segundo relato da criação, onde Deus tirou a mulher da
costela do homem, do que onde Deus criou o homem e mulher. Esse relato
que Deus tirou a mulher da costela de Adão é um relato bem posterior. As
pessoas não entendem sobre o pecado da mulher se não estudarem o
hebraico. Eu digo que ali os próprios homens estão colocando a mulher
acima deles, porque, na Bíblia, Adão é ser humano. Eva não é nome de
mulher, é a vida. É a inteligência, a sabedoria dentro de você. O próprio
Paulo diz que a carne é fraca, mas o espírito é forte. Então, Adão foi tentado
pelo espírito do homem, e não a carne. Por isso que não foi Adão quem
pecou, mas Eva, o espírito. Se o espírito cai, automaticamente a carne
também cai. Isso, no hebraico faz sentido, mas na nossa tradição não, porque
é colocado como homem e mulher.
254
,
Ainda para a pastora, os escritos de Paulo não têm sido interpretados como deveriam.
Segundo ela, os livros que deveriam ter prioridade para pensar as mulheres são os textos de
Mateus, Marcos e Lucas, que são os chamados livros do evangelho. Esses livros falam sobre a
vida de Jesus e em especial, sobre seus ensinamentos. São os únicos livros onde Jesus fala,
manifesta-se, ensinando através das parábolas. São os livros onde os feitos de Jesus são
narrados.
Para a pastora Mariane, o apóstolo Paulo teve uma evolução dentro de seu pensar
teológico. Se ele no início do seu ministério foi muito machista com as mulheres, no final de
sua jornada tornou-se menos machista e, de alguma maneira, libertador das mulheres. Salienta
ainda que é importante lembrar que Paulo estava preso a um tempo histórico e isso deve ser
levado em consideração. No início de seu ministério, Este apóstolo chegou a escrever, por
exemplo, que as mulheres ficassem caladas na Igreja. Mas, no final de seus escritos, afirmou
que “já não há mais judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nem homem e nem mulher”.
254
Idem.
111
A pessoa é ordenada para um ministério, em ser nova criatura. A pergunta
não é mais se é um homem ou mulher. A pessoa está ali para o Evangelho.
Por isso, eu respeito a opinião do apóstolo Paulo, pois sabemos que ele
estava dentro de um pensamento e dentro de seu tempo. No entanto, suas
manifestações foram totalmente de uma nova visão, de um novo horizonte.
Dentro deste pensar também que a igreja admitiu mulheres. Ela não ficou
presa ao tempo do apóstolo Paulo.
255
Por sua vez, a pastora Adriane B. Dalferth Sossmeier, analisando os escritos de Paulo,
entende ser possível percebê-lo como libertador das mulheres. Na verdade, ele não poderia
escrever diferente do que escreveu na sua época, porque tinha impregnado em si o valor de
verdade daquele tempo e, mesmo que estivesse liberto da ideologia preconceituosa da época,
não poderia escrever de uma maneira mais libertadora, pois poderia levá-lo a morte. Ela
salienta também que a palavra submissão não está traduzida como deveria.
Eu não sou fundamentalista. Este é um primeiro passo. Se você vê a questão
de Paulo como um todo, você consegue enxergá-lo como libertador. As
pessoas precisam responder o que elas entendem por submissão. A palavra
submissão não está traduzida direito. Ela não é bem submissão. A
palavra submissão é nós estarmos abertos para o outro. (Negrito
nosso)
256
Esta pastora mencionou também que, para tornar Paulo libertador, é necessário pensar
a mulher a partir dos Evangelhos e não somente a partir dos seus textos.
257
5.2 Paulo: o não libertador das mulheres
Para Neuzeli Erert, Paulo, embora tenha trabalhado com muitas mulheres no seu
ministério e tenha inclusive citado muitas delas, não foi libertador. Para ela, os escritos do
apóstolo são muito cruéis. Esta pastora foi a única que se manifestou contra ele, não vendo
nenhuma possibilidade de seus escritos representarem alguma libertação para as mulheres.
255
Mariane Beyer Ehrat.
Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 30 de abril de 2003, na cidade de
Blumenau.
256
Adriane B. Dalferth Sossmeier.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 22 de junho de 2003, às
10:30, na cidade de Joinville.
257
Idem.
112
Os escritos do apóstolo Paulo são bastante cruéis em relação às mulheres. Eu
vejo como fruto de uma época. Eu não vou torná-lo libertador. Eu acho
Paulo em muitas partes libertador, mas em relação às mulheres ele não foi.
Apesar de que o próprio apóstolo Paulo tenha trabalhado com mulheres. Nas
cartas paulinas nós vemos muitas mulheres. Ele cita Priscila, Áquila e Lídia.
Muitas mulheres andaram com Paulo, mas ele não foi libertador.
258
Roger Chartier, ao fazer uma reflexão sobre as múltiplas leituras que os indivíduos
realizam sobre um mesmo texto, e as divergências que podem existir a partir desta leitura,
ajuda-nos a entender as diferentes interpretações destas pastoras sobre os escritos de Paulo.
Assim também este autor demonstra como um mesmo texto é lido de maneiras diferentes em
diferentes momentos históricos. As pastoras, ao afirmarem que Paulo foi libertador,
apresentam um significado. Elas estão no interior de um campo de disputas para construírem
um saber sobre as mulheres na Igreja. De um lado está a Teologia Tradicional, que afirmou
durante séculos que Paulo deixou claro que às mulheres cabia o silêncio nas Igrejas. Estas
pastoras estão buscando argumentos bíblicos que justifiquem a presença das mulheres no
campo do pastorado.
As pastoras que percebem o apóstolo Paulo como libertador apontam uma série de
indicativos, como a necessidade de fazer uma nova interpretação de seus escritos. É
necessário percebe-lo dentro do contexto de sua época para torná-lo libertador, segundo
algumas pastoras. Ainda, destacam que algumas palavras, como submissão, têm sido
interpretadas de maneira equivocada. É necessário rever seu significado no hebraico para
entender o que esta palavra quer dizer de verdade. Sobre a queda do homem, foi destacada a
necessidade de uma nova interpretação para que as mulheres não carreguem a culpa da
entrada do pecado no mundo e a expulsão dos homens do paraíso.
A pastora Neuzeli, diferente das demais, afirmou que Paulo não foi libertador das
mulheres e nem tinha esta intenção. Retomando Chartier, este autor declara que as opiniões
contraditórias que surgem a partir da leitura de um mesmo texto devem-se aos próprios
leitores, “cujas opiniões incompatíveis podem remontar não apenas à diversidade de caráter e
tendências entre eles, mas também à multiplicidade de suas aptidões e expectativas”.
259
Neste capítulo, deparamos com opiniões contraditórias presentes nos discursos das
pastoras luteranas sobre a prática pastoral, a disciplina Teologia Feminista, as linhas
258
Neuzeli Erert.
Entrevista realizada por
Josilene da Silva, em 28/05/2003, às 16: 00 horas, na cidade de
Blumenau.
259
ROGER, Chartier. Texos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. 2 ed. Tradução
Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2001. pp. 211-238. p. 212.
113
teológicas e os escritos do apóstolo Paulo. Estas contradições são frutos da maneira como
ocorre a constituição dos sujeitos, que se constroem de maneira autônoma e, muitas vezes,
ambígua, não seguindo uma coerência. Os sujeitos possuem várias identidades e aos
historiadores, cabe registrá-las e discuti-las, como fizemos neste capítulo.
Concluímos que embora a EST tenha passado por mudanças no que diz respeito a
formação das pastoras - por exemplo, na década de 80, utilizando a “perspectiva da mulher”
em seus estudos; e depois, na década de 90, criando a cadeira de Teologia Feminista e, mais
tarde, incluindo o gênero – essas mudanças não impediram que as estudantes de Teologia,
independente da formação que receberam, buscassem suas identificações a partir de suas
próprias leituras e interpretações.
6 A pastora na visão de membros luteranos
Nesta pesquisa, percebemos o quanto as pastoras têm buscado uma prática pastoral
diferente daquela realizada pelo pastor. Os atributos da feminilidade, como sensibilidade,
delicadeza, docilidade e emoção são vistos pelas pastoras como elementos presentes e
necessários em seu pastorado. Diante desta questão, consideramos pertinente observar a visão
de alguns membros luteranos em relação ao pastorado realizado por uma pastora. Para tanto,
entrevistamos cinco membros da IECLB, residentes em duas regiões distintas de Santa
Catarina: Indaial e Pomerode. Entrevistamos duas mulheres e três homens, com idade
próxima ou acima de 50 anos, e que possuem, ou já possuíram por algum tempo, cargos de
liderança em suas comunidades. Escolhemos entrevistar pessoas líderes e com cargos na
Igreja por acreditar que essas pessoas, ao participarem de reuniões e trabalhos na comunidade,
tiveram um convívio maior com a pastora. A escolha da faixa etária acima de 50 anos ocorreu
pelo fato de que esses membros certamente presenciaram a entrada das primeiras mulheres no
pastorado da IECLB. Estas entrevistas são apenas uma pequena amostragem e não têm o
objetivo de generalizar as opiniões, mas buscam apenas dar uma idéia de como alguns
membros têm percebido e até idealizado o trabalho pastoral realizado por uma mulher na
IECLB.
Ao analisar as entrevistas, percebemos como os entrevistados fizeram questão de
ressaltar como se orgulham de ter uma pastora em suas comunidades. Além disso, todos
pareciam saber que a presença da pastora ainda é uma novidade em muitas Igrejas. Acredito
que por isso, enfatizaram tanto que em nenhum momento tiveram problemas em aceitar
114
pastoras, ou que nunca ouviram nenhuma reclamação em relação a estas. Também é
importante lembrarmos aqui o fato de termos nos apresentado como luterana e talvez esta
identificação tenha conduzido os entrevistados a responderem dentro de uma perspectiva do
“politicamente correto”, não querendo polemizar algumas questões referentes ao pastorado
das mulheres.
A fala do membro Edson Huebes, demonstra como ele se orgulha da pastora. Ele tem
46 anos, é empresário em Indaial e presidente da paróquia desta mesma localidade. Afirmou
que não viu problemas em relação às pastoras porque já trabalhou com mulheres em outras
áreas. Lembrou orgulhoso, ainda, que sua cerimônia de casamento foi realizada por uma
pastora, em 1982.
260
Chista Wagenh Nenht, por muitos anos foi líder da Ordem Auxiliadora de Senhoras
Evangélicas, (OASE) da comunidade de Indaial, e tem 64 anos. Ela também se orgulha de
existirem duas pastoras na sua comunidade. Uma pastora permanece atualmente e seu nome é
Taís O. K. Strelow, enquanto que a pastora Mariane Beyer Ehrat, a primeira a ser contratada
pela comunidade, é nos dias de hoje representante do Sínodo do Vale do Itajaí. Chista, em sua
narrativa, ressaltou que foi ela própria quem indicou a pastora Mariane ao presidente da
paróquia de Indaial. Afirmou que já a conhecia e por isso acreditava que a mesma faria um
bom pastorado. Lembra que o casamento do seu filho foi realizado pela pastora Mariane,
sendo muito bem feito. Ainda, segundo ela, nunca escutou nenhuma reclamação sobre o
trabalho da pastora. Pelo contrário, afirmou que os membros se apegaram a ela, e quando esta
saiu da comunidade para assumir o Sínodo, muitas pessoas lamentaram por achar que
somente esta pastora saberia fazer os cultos e os enterros. Muitos membros pediram para que
a pastora fizesse a confirmação e o batismo de seus filhos antes de deixar a comunidade.
261
Através da analise da narrativa de Alvir Galle, de 56 anos, atualmente secretário da
paróquia de Pomerode, observamos que, apesar deste membro ter afirmado que concordava
com o fato das mulheres se tornarem pastoras, e tenha destacado que homens e mulheres são
iguais, apesar das diferenças biológicas, lembrou que o pastorado realizado pela pastora
possui uma delicadeza, o que é próprio das mulheres. “A pregação do evangelho, como tudo
na vida, não pode haver discriminação de gênero, porque homens e mulheres são iguais,
principalmente perante Deus. É necessário respeitar as diferenças biológicas, que são
260
Edson Huebes
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 20 de abril de 2004, na cidade de Indaial.
261
Chista Wagenh Nenht
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 20 de abril de 2004, as 10.30, na
cidade de Indaial.
115
características físicas, mas eles são iguais.”
262
Num outro momento da entrevista, ao perguntar
sobre o trabalho realizado pela pastora, Alvir expôs:
O trabalho da pastora tem sido do mesmo nível que o trabalho dos pastores,
talvez com aquela delicadeza que é característica marcante do feminino.
Então, há determinadas circunstâncias que é possível que ela tenha mais
sucesso no seu trabalho por esta questão. Ela desempenha melhor os
trabalhos da OASE com as senhoras e com algumas áreas mais específicas.
O tempo de convivência como mulher ajuda.
263
Alvir destaca no trabalho realizado pela pastora sinais da feminilidade, como a
delicadeza. Salientou que existem áreas dentro da comunidade com o qual a pastora, por ser
mulher, identifica-se e realiza “melhor”. Ao fazer esta afirmação, Alvir reforça a existência da
diferença entre os gêneros, apesar de ter destacado que ambos são iguais perante Deus. Para
ele, existe uma essência própria das mulheres e outra própria dos homens e isto transparece na
prática pastoral de ambos. Esta narrativa faz pensar como a pastora é percebida antes de tudo
como mulher que possui características próprias, tanto físicas quanto psíquicas.
Entrevistamos Marianne S. Herweg, presidente da OASE e líder de grupos de estudos
bíblicos em Pomerode. Ao perguntarmos se concordava que mulheres se tornassem pastoras,
respondeu-nos positivamente e destacou a importância da presença da mulher na comunidade,
pois, segundo ela, homens e mulheres possuem uma sensibilidade diferente, própria de cada
sexo. Marianne lembrou que a mulher possui uma sensibilidade maior que a do homem.
Destacou também que quando o aconselhamento pastoral é feito por uma pastora, as mulheres
sentem-se mais a vontade para conversar assuntos íntimos, principalmente porque a pastora,
por possuir esta sensibilidade, coloca-se mais no “lugar” das mulheres.
264
Enfim, ao afirmar
que as mulheres possuem uma maior sensibilidade do que os homens, pelo simples fato de
serem mulheres, acaba também reforçando as diferenças entre os gêneros.
Foi entrevistado também Affonso Thiel, 66 anos, que atualmente é membro da
comunidade de Indaial. Ele foi pastor desta comunidade durante 24 anos e hoje se encontra
aposentado. Sua fala foi bastante significativa, pois foi um dos responsáveis pela escolha e
contratação da pastora Mariane Beyer Ehrat para que atuasse na comunidade de Indaial. Esta
262
Alvir Galle
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 19 de abril de 2004, as 10: 35 horas, na cidade de
Pomerode.
263
Idem.
264
Marianne S. Herweg
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 19 de abril de 2004, ás 14:00 horas, na
cidade de Pomerode.
116
pastora foi a primeira mulher a pastorear na região do grande Vale do Itajaí. Affonso Thiel
concorda que mulheres sejam pastoras em virtude do Novo Testamento. Ressaltou que elas
foram as primeiras a testemunhar a ressurreição de Cristo. Ainda, segundo ele, existem
denominações fundamentalistas, as quais valorizam algumas passagens escritas pelo apóstolo
Paulo, afirmando que as mulheres devem calar-se nas reuniões e assembléias da Igreja.
Afirmou ainda que hoje se vive um outro tempo, em que tem-se buscado a igualdade entre
homens e mulheres, por isso a Igreja não deve deixá-las de lado. As mulheres devem possuir
voz ativa na Igreja.
265
Thiel, ao falar sobre a convivência com a pastora Mariane, e a entrada desta na
profissão, destacou que na região do Vale do Itajaí foi o único que, na época, aceitou uma
pastora em sua paróquia. O receito com relação às pastoras, segundo ele, seria pela existência
de dúvidas em relação ao trabalho realizado pelas pastoras e, principalmente, porque a direção
da IECLB tinha receio de que os membros não as aceitassem. Este pastor afirmou que, na
ocasião da entrada da pastora Mariane na comunidade de Indaial, fez a ela algumas
recomendações importantes e que não deveriam ser esquecidas ao longo do seu trabalho. Ele
relatou: “Eu sempre disse a ela: você é mulher, então vai realizar seu trabalho como pastora e
também como mulher, não se esquecendo desta condição. Não queira ser homem. Você é
mulher e isso você deve deixar transparecer em toda a sua atuação.”
266
A fala deste pastor nos leva a refletir que quando as pastoras começaram a exercer o
pastorado em determinada comunidade, como no caso da Mariane, que foi uma das primeiras
pastoras formadas pela IECLB, foi imposta uma condição: a de que ela deveria realizar seu
trabalho primeiramente como mulher. Ou seja, mulher, nesse sentido, significa possuir
atributos femininos. Isso denota que a própria IECLB estava preocupada em deixar bastante
claro, pelo menos no início do exercício do pastorado pelas mulheres, que as mesmas
deveriam deixar “transparecer”, na prática pastoral, a sua condição feminina. Não se igualar
ao homem também era uma recomendação importante.
O relato acima permite pensar como, desde o início da entrada das pastoras no campo
pastoral, elas foram “incentivadas” a procurar, a construir e elaborar uma prática pastoral mais
própria e diferenciada daquela praticada pelo pastor. Por isso, observamos a busca das
estudantes de Teologia por uma base para pensar seu trabalho, busca esta que foi influenciada,
já na década de 70, pelas discussões teológicas e, em muitos casos, feministas.
265
Affonso Thiel
. Entrevista realizada por Josilene da Silva, em 20 de abril de 2004, 10:00 na cidade de Indaial.
266
Idem.
117
Concluindo, observamos que os membros luteranos entrevistados concordam com as
que mulheres sejam pastoras, mas as percebem, antes de tudo, como mulheres que possuem
na sua essência atributos próprios ao seu sexo, como a sensibilidade que transparece ou
“deve” transparecer no seu pastorado. Percebemos que estes luteranos observam a pastora a
partir de um olhar diferencialista de gênero, e também “cobram” ou “esperam” que as mesmas
possuam tais atributos femininos no exercício do seu ministério. A visão destes membros,
portanto, é baseada no feminismo da diferença, segundo o qual a mulher deve lutar e ter o
direito de exercer o pastorado, mas não deve esquecer de sua condição feminina.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença das estudantes de Teologia na Escola Superior de Teologia (EST) gerou
uma série de debates sobre as mulheres no campo religioso e na própria sociedade.
Observamos que esses debates tornaram-se divergentes em vários momentos. Foram as
estudantes de Teologia que iniciaram estas discussões, buscando, desde o início, uma
aproximação cada vez maior com as teorias feministas.
Foi através da análise de alguns jornais luteranos e outros materiais bibliográficos que
encontramos discursos divergentes sobre a situação das mulheres. Esta divergência nos
mostra como as relações de poder permeiam a construção do gênero, pois muitos luteranos
defendiam a noção de que as mulheres deveriam continuar responsáveis pelo espaço privado,
como o cuidado da casa, sendo esta a sua função natural e divina. De forma diferente, outros
luteranos, dentre eles as próprias estudantes de Teologia, introduziram no meio luterano
discursos que tentam flexibilizar os papéis ditos femininos e masculinos, mostrando as
possibilidades e capacidades das mulheres atuarem em várias áreas profissionais, como
também de exercerem várias funções dentro das Igrejas, como o pastorado.
A partir da presença das mulheres na EST, também foi possível observar a construção
de experiências de mulheres no púlpito. As vivências das pastoras nas Igrejas luteranas, fato
percebido desde a década de 70, foram narradas de forma diferente. Observamos que as
primeiras pastoras contam suas trajetórias como uma experiência difícil, pois, segundo elas,
encontraram inúmeras dificuldades de exercerem o pastorado, especialmente por serem
mulheres. Num segundo grupo de pastoras, especialmente as formadas entre a década de 90 a
2000, narram não ter encontrado tantas dificuldades na sua aceitação como pastoras, e quando
encontraram, não entraram em confronto com a Igreja, mas buscaram estratégias para
solucionar as “eventuais” dificuldades.
A pastora, um sujeito novo na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB), foi sendo construída a partir de sua presença, e esta em construção, continua até os
dias atuais. As próprias pastoras, desde sua entrada na EST, procuraram se pensar como
pastoras e também buscaram elaborar uma prática pastoral própria. Por outro lado, os próprios
membros também procuraram construir a pastora a partir de seus discursos e percepções. É
assim que as identidades são construídas, numa relação com o outro, e o discurso tem uma
119
participação fundamental nesta construção, pois em seu bojo se constituem as relações de
poder que normatizam sujeitos, ditam e refletem práticas sociais.
Pudemos também observar a preocupação das pastoras em elaborar uma prática
pastoral diferente daquela exercida pelo pastor. Ser pastora, para muitas delas, significa ser
mulher e isto deve ser lembrado na sua prática pastoral. Todos os atributos ditos femininos
têm que acompanhar o seu trabalho. Esta idéia chega a ser uma cobrança feita pelos próprios
membros, como pudemos perceber no final do terceiro capítulo.
Através da análise das entrevistas realizadas com pastoras luteranas, observamos que
estas muitas vezes têm pensado o pastorado de maneira muito própria e independente da
formação que receberam na EST. Desde a década de 70 as mulheres têm acesso à Teologia
na EST, mas observamos que a sua formação nesta área passou por algumas transformações.
Essas transformações se deram, principalmente, em relação ao tipo de teoria feminista
utilizada pela faculdade para pensar as mulheres no campo religioso, pois observamos que
esta instituição acompanhou as discussões feministas, sendo influenciada por elas. Por
exemplo, na década de 70, as primeiras pastoras foram em busca de uma literatura do
feminismo corrente na época para dar suporte às suas discussões e, inclusive, para sua
presença na EST. Elas acabaram identificando-se com um feminismo que reforça a diferença
entre homens e mulheres e passaram a pensar o pastorado a partir desta diferença, tentando
elaborar uma prática teológica onde o feminino pudesse ter seu espaço. Em 1980, foi criado o
“Grupo de Mulheres”, no interior do qual as estudantes de Teologia adotaram a categoria
mulher para fazerem suas reflexões teológicas. Elas buscaram a igualdade das mulheres, que
nesta época era o tema central do feminismo. Por sua vez, na década de 90, as estudantes
começam a utilizar a categoria de análise de gênero em seus trabalhos, abrindo novas
discussões sobre gênero e religião.
A formação das pastoras, apesar de ter sido influenciada pelas discussões feministas,
não segue necessariamente uma ordem. Ao analisarmos os discursos das primeiras pastoras e
das mais novas percebemos que seus discursos são divergentes quanto a identificação com as
teorias feministas. Praticamente todas as pastoras formadas na década de 70 reforçam a
diferença entre pastores e pastoras, bem como a necessidade de criar uma prática teológica
pautada na sua especificidade feminina. Na década de 80, apesar das pastoras assumirem uma
postura de busca da igualdade, elas também se mostram diferencialistas. Às vezes, num
mesmo discurso conseguimos identificar falas contraditórias, como no caso da pastora Ruth
Muskopff. Na década de 90, apesar do gênero ter sido adotado na cátedra de Teologia
120
Feminista,percebemos que muitas pastoras formadas nesta época identificam-se tanto com o
feminismo que reforça a diferença entre os sexos, quanto com o feminismo que enfatiza mais
a luta pela igualdade.
É necessário ponderar também que, para estas mulheres pudessem ser aceitas nas
comunidades luteranas onde foram atuar, era forçoso repetir à exaustão o discurso da
Tradição, eminentemente masculino. As comunidades, principalmente do interior catarinense,
e de origem imigrante, são conservadoras. A ousadia em matéria de interpretação dos textos
bíblicos, e dos ritos, podia implicar – como parece que implicou – na perda de autoridade e
até mesmo na exclusão da pastora no convívio com os fiéis. Parece mesmo que o casamento
com um pastor era o aval de competência das pastoras, se não para a sua aceitação na
comunidade, ao menos como garantia para assegurar seu papel principal – o de esposa e mãe.
O “diálogo”, ao longo dos depoimentos, entre o que pretendiam ser e o que realmente são, em
termos sociais e profissionais, é testemunho da realidade vivida e da força do imaginário e das
representações sociais que permeia a história de todas as sociedades humanas.
Por fim, destacamos que esta dissertação não teve o objetivo de ser uma pesquisa
fechada e acabada. O seu objetivo foi de instigar outros pesquisadores a mergulharem no
campo dos estudos de gênero e religião, uma combinação que tem crescido nos últimos anos.
Este trabalho sobre a IECLB mostrou o quanto o campo religioso necessita da análise de
gênero, pois, como vimos, esta Igreja tem buscado fazer suas próprias reflexões sobre gênero
e religião. Este trabalho foi uma contribuição para pensar a formação das pastoras luteranas na
EST, suas experiências como pastoras e de que maneira elas têm pensado a sua prática
pastoral.
121
FONTES
1. Arquivos
Arquivo Histórico da IECLB (São Leopoldo/RS)
Arquivo Municipal de Blumenau/SC
Arquivo do Sínodo do Vale do Itajaí (Blumenau/SC)
2. Jornais pesquisados
Os jornais pesquisados foram A Voz do Evangelho
e Jornal Evangélico, os quais circularam,
respectivamente, nas décadas de 60, 70 e 80.
3. Entrevistas
Pastoras entrevistadas
Data e local de nascimento Ano da formação
Mariane Beyer Ehrat 1955 – Blumenau/SC 1978
Marion Freitag 1957 - Presidente Getúlio/SC 1981
Taís Strelow 1956 1983
Wanda Deifelt Estrela/ RS 1985
Ruth L. W. Musskoff 1974 - Palmitos/SC 1987
Suzani Elisabeth Hepp 1957 - Giruá/RS 1988
Adriane B. Dalferth Sossmeier 1966 1996
Zirlei Horst Pereira 1971- São José/SC 1999
Louvani Kunh Hirt 1968 - Independência/RS 2001
Neuzeli Erert 1977 - Caco Alto/RO 2002
Luteranos entrevistados Data e local de nascimento
Comunidade
que participa
Edson Huebes 1958 – Indaial Indaial
Chista Wangenh Nenht 1939 – Indaial Indaial
Alvir Galle 56 anos -Porto União/SC Pomerode
Marianne S. Herweg Pomerode
Afonso Thiel 1928 - Ituporanga indaial
4. Bibliografia
122
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Deus se compraz. 1981. p. 9.
BECKER, Lauri. Ordem auxiliadora de senhoras evangélicas: OASE: a mulher buscando o
espaço que lhe foi negado na sociedade e na igreja. Um caminho para a conscientização e
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.
129
ANEXO
130
ORGANOGRAMA DA IECLB
Comunidade
Assembléia Geral
Paróquia
Conselho
Sinodal
131
Pastor
Sinodal
IECLB
Concílio
Secretaria Geral
Diretoria
Conselho
da
Igreja
Presidência
Sínodo
Assembléia Sinodal
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