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Morte e vida em Gil Vicente e João Cabral de Melo Neto
ou expressões religiosas identificam o nosso calendário folclórico com a própria
religião ( MENDONÇA, 1979, p. 03).
No entanto, desde 1930 as representações populares vêm-se reduzindo drasticamente
(CARNEIRO, 1966, p. 283). A influência de culturas estrangeiras e a transformação de
festas religiosas em festas comerciais, principalmente o Natal e a Páscoa, estão desviando o
interesse de crianças e jovens por essas tradições para o presente do Papai Noel, para a
árvore de Natal ornada de neve, o ovo de Páscoa etc. Assim, representações tradicionais,
antes comuns nos centros e interiores das cidades, limitam-se a poucas cidades do interior
de algumas regiões do país, mormente o Norte e Nordeste.
Contudo, nas poucas representações pelo país, concentram-se ainda os mais variados
autos tradicionais. Folcloristas, como Edison Carneiro, tentam até mesmo sistematizar essas
representações populares, face à autonomia das variantes de cada auto (CARNEIRO, 1974,
p. 159). A nomenclatura dessas representações, também chamadas de folguedos populares,
é reduzida e repetitiva, causando confusão e rodeio por parte dos pesquisadores. E existe
um intenso intercâmbio de temas, de situações, de personagens, entre os vários autos e
entre cortejos, danças, romances e outras manifestações folclóricas.
No caso do auto cabralino, sua construção pauta-se, provavelmente, no ideal de
escritores como Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho, que com a fundação do Teatro do
Estudante de Pernambuco, em 1946, pretendiam escrever peças baseadas na cultura popular
(CURRAN, 1969, p. 114), a fim de “acostumar o povo com os dramas que vivem dentro do
seu sangue” (PONTES, 1966, p. 67).
Guiado por esse ideal, Suassuna criou sua peça de maior vulto, baseada na literatura
popular − o Auto da Compadecida, cuja origem remonta à Idade Média, não somente pelo
nome da espécie dramática (Auto), mas também pelo tema que se relaciona à tradição dos
Milagres de Nossa Senhora, dos quais a coletânea mais famosa seria a de Afonso X, de
Leão e Castela (século XIII). Todavia, o enredo do Auto da Compadecida é, além disso, a
reunião e adaptação de algumas histórias da literatura de cordel – O enterro do cachorro, O
cavalo que defecava dinheiro, O castigo da soberba –, no qual a vida do nordestino, nos
seus mais variados aspectos, é trazida à tona numa reflexão por meio da comicidade. De
maneira jocosa e, ao mesmo tempo, crítica, João Grilo e Chicó, e os outros personagens, se
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