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Trata-se de um poema que se questiona a si mesmo sobre a
essência do poetar, num sentido muito diferente, porém, das
“artes poéticas” versificadas da preceptística tradicional: o que
está em causa não é um receituário de como fazer poesia, mas
uma indagação mais profunda da própria razão do poema, uma
experiência de limites. Assim, a linguagem do ensaio e da
especulação teórico-filosófica (...) passa a integrar-se no
poema, que se faz metalinguagem de sua própria linguagem-
objeto (CAMPOS, 1977, p. 36).
Mas por que razão o texto moderno
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tenderia a essa atitude
metalinguística questionadora, o que não se veria bem delineado na tradição
literária clássica? Um vislumbre de resposta para questão tão complexa estaria
na consideração das mudanças de caráter histórico e cultural por que passa a
sociedade pós-romântica, que redundariam também em uma mudança de
consciência em torno das formas artísticas. É o que nos ensina Hildeberto
Barbosa Filho:
O texto moderno envolve, portanto, uma atitude
metalinguística. Sistematicamente metalinguística. E essa
particularidade, considerada em função da longínqua tradição
clássica, não resulta naturalmente do acaso literário: a
mudança de consciência em torno das formas artísticas
prende-se, sem dúvida, às mudanças de caráter histórico e
cultural por que passa a sociedade como um todo. A
necessidade, pois, de fazer da literatura objeto de investigação
de si mesma trai a presença da crise da “boa” consciência
burguesa, desencadeada a partir do momento pós-romântico e
a partir do enrijecimento do Capitalismo, da fragmentação do
mundo, do crescimento das cidades, da clivagem da
subjetividade, etc”. Foram precisos os primeiros abalos no
momento pós-romântico, com sua urgência em problematizar
as relações entre a arte e a vida social, de problematizar as
suas formas de articulações, para que o discurso literário
vivenciasse uma dimensão crítica, percorrendo aquilo que,
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Não que essa atitude metalinguística questionadora não se encontre também em outros
estilos de época literários, anteriores ao próprio Modernismo. Um importante trabalho de Sergio
Alves Peixoto (1999), intitulado A consciência criadora na poesia brasileira: do barroco ao
simbolismo, procura “mostrar exatamente como a preocupação consciente com o fazer poético
se manifestou e se impôs como elemento significativo em nossa poesia”, “de Bento Teixeira ao
simbolista Cruz e Sousa” (pp. 12 e 15). O que queremos deixar claro, porém, é que,
especialmente na modernidade, tal atitude se intensifica, assumindo um nível de profundidade
muito maior.