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Enfatizando a sugestão de FORÇA e belicosidade do termo cruzada, localiza-se, no
mesmo exemplo 25, outro desdobramento de POLÍTICA É UM COMBATE SAGRADO.
Trata-se do verbo lutei, também metafórico, visto que, certamente, não houve enfrentamento
físico entre Collor e seus oponentes. Esta luta a que o candidato se refere aconteceu à época
em que foi eleito governador do estado de Alagoas, em 1986, durante a qual implantou um
estilo polêmico de governo que pretendia sanear e moralizar a administração pública. Vem
desse período a denominação “caçador de marajás” que, no corpus estudado, vem
representada pela expressão caça aos marajás, presente neste mesmo exemplo.
A expressão metafórica caça aos marajás remete tanto ao locutor (caça/caçador)
quanto a seus oponentes (os marajás). O termo caça acrescenta à ideia de COMBATE o
sentido da busca, da perseguição a criminosos ou animais, além de constituir uma metáfora
gramatical, ou seja, o uso de um recurso gramatical para expressar uma função que não lhe é
própria. A função primordial, de designar ações, do verbo caçar aqui foi desempenhada por
caça, que não seria literalmente um substantivo, cuja função principal seria nomear, mas uma
metáfora do verbo caçar.
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Na mesma expressão, o termo marajás é usado para caracterizar os adversários de
Fernando Collor, funcionários públicos corruptos que ocupam cargos com altos salários, o
alvo da cruzada moralizadora do orador. No exemplo 1, retomado da página 32, observa-se a
caracterização dos ‘corruptos’, daqueles que devem ser combatidos, por termos como marajá,
boa vida e turistas, evocando, no imaginário dos interlocutores, as facilidades e privilégios de
quem tem uma posição de destaque, já que marajá significa ‘grande rei’ e é o título dos
príncipes ou potentados da Índia (FERREIRA, 1975), que, imagina-se, só passeiam e não
precisam trabalhar, diferentemente daqueles cidadãos comuns, “professores” e “médicos”,
que compõem o auditório a quem Collor se dirige, como ocorre no segmento:
(26) (...) com você professora professor médica médico que educa os nossos filhos que toma conta da sa-ú-
de dos nossos filhos e não é reconhecido com um salário DIGno...(linhas 1 a 3)
Dessa forma, são construídas três identidades distintas: a primeira é a do locutor, um
guerreiro combativo, que já lutou e promete travar um combate sagrado enfrentando os
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A respeito do conceito de metáfora gramatical, Sardinha (2007, p. 45) afirma que este é “um termo usado na
linguística sistêmico-funcional em referência ao uso de um recurso gramatical para exprimir uma função que não
lhe é intrínseca.” O exemplo que o autor dá é o uso de um substantivo em lugar de um verbo, como em ‘sua
mudança’ em vez de ‘ele mudou’, no qual a função original de designar ações do verbo ‘mudar’ passou a ser
exercida por um substantivo, cuja função original seria nomear coisas, o termo ‘mudança’. Essa passagem,
chamada nominalização, é um processo metafórico, pois o substantivo ‘mudança’ não é literalmente um
substantivo, mas uma metáfora do verbo ‘mudar’.