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ALEJANDRA PÍA NICOLOSI
Merchandising
social na telenovela brasileira.
Um diálogo possível entre ficção e realidade em Páginas da Vida.
D
issertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Comunicação da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do tulo de mestre em Ciências da
Comunicação, na Área de Concentração Teoria e
Pesquisa em Comunicação
Orientadora: Profª Drª Maria Immacolata
Vassallo de Lopes
São Paulo
2009
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ii
Alejandra Pía Nicolosi
Merchandising social na telenovela brasileira.
Um diálogo possível entre ficção e realidade em Páginas da Vida.
Banca Examinadora
P
residente: _____________________________________________
Profª Drª Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Membros: _____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
São Paulo, de de 2009.
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iii
A
meus pais Alicia e Juan, e meus irmãos
Romina e Emiliano; meu lar, minha rede.
A Abril Nicolosi, a nova luz da família,
A Mariano, meu amor de novela.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente a minha cara orientadora Profa. Dra. Maria Immacolata Vassallo de
Lopes, que confiou em mim quase de olhos fechados e fez desta minha viagem uma
caminhada plena de crescimento acadêmico e pessoal.
Agradeço ao Prof. Alfredo Alfonso por ter me iniciado na pesquisa em Comunicação e por ter
me apresentado a ECA.
Agradeço também aos professores doutores Maria Aparecida Baccega (ECA-ESPM) e
Heloísa Buarque de Almeida (FFLCH-USP) que participaram da banca de qualificação deste
trabalho e contribuíram com sugestões. Da mesma forma, agradeço aos professores doutores
com os quais tive o prazer de aprender durante as disciplinas do mestrado: Esther Império
Hamburger, a saudosa Maria Lourdes Motter e Eduardo Morettin.
Agradeço à FAPESP, pela bolsa de mestrado.
Agradeço à Rede Globo, pelo material de pesquisa fornecido.
Agradeço a Ana Isabel Siano, Daniela Sandrini Bittencourt, Denise Freire, Fernanda Budag e
Tainá Nunes que tanto me ajudaram nas correções preliminares deste trabalho.
Agradeço também a todas as pessoas que me ajudaram “na escrita das inesquecíveis ginas
da (minha) Vida, ao longo do meu mestrado em São Paulo, compartilhando comigo, de perto
e de longe, minhas alegrias e saudades:
Alexandre Dos Santos, Alfredo Alfonso, Ana Isabel Siano, Andressa Siqueira, Carlos Vila,
Celia Zubiri, Cláudia Mogadouro, David Soares Rodrigues, Daniel Gonzalez, Daniela
Sandrini Bittencourt, Denise de Oliveira Freire, Equipe CETVN, Fábio Farias, Família Da
Costa, Família Dramis, Família Nicolosi-Piazza, Fernanda Budag, Gustavo Carvalho, Isabel
Sala, Janna Pissinato, José Claudino Bernardino, Juliana Mancuso, Leonardo Mora Doldán,
Luciano Linardi, Mariana Klinke, Mestre Pé de Chumbo, Mónica Cejas, Natalia Garcia,
Natália Hermoso, Patrícia Lima, Ricardo Bergamo, Richard Romancini, Rodrigo Gomes
Lobo, Ruth Agnoli, Susana Acerbi, Tiago Fausto Neto, Verónica Fontana, Victoria Maniego,
Viviana Carlini.
v
Da função da Arte/1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o
mar. Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcaaram aquelas alturas de areia, depois de muito
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu
fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!
O Livro dos Abraços
Eduardo Galeano
vi
RESUMO
A presente pesquisa procura indagar acerca do merchandising social como via possível para
analisar o diálogo entre ficção e realidade tecido pela telenovela brasileira. Sob esse guarda-
chuva trabalhamos a hipótese do merchandising social como ação pedagógica ou mediação
para uma educação baseada na oralidade. Encaramos a perspectiva de análise das mediações a
partir de duas dimensões de abordagem do texto: o Gênero e a Produção. O foco recai,
principalmente, na problematização da pedagogia do melodrama como matriz cultural do
merchandising social e na representação naturalista como princípio de sua legitimidade. Para
isso, realizamos o estudo de caso da telenovela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, através de
uma metodologia ltipla composta de observação direta e indireta. As principais interfaces
teóricas desse estudo de comunicação são os Estudos Culturais, a Filosofia da Linguagem, a
Sociologia da Educação e a Teoria do Cinema.
Palavras-chave: merchandising social, telenovela, melodrama, ação pedagógica, ficção,
realidade, naturalismo, discurso.
vii
RESÚMEN
La presente investigación pretende indagar acerca del merchandising social como vía posible
para analizar el diálogo entre ficción y realidad tejido por la telenovela brasileña. En base a
ese panorama general, trabajamos la hipótesis del merchandising social como acción
pedagógica o mediación de una educación basada en la oralidad. Encaramos la perspectiva de
análisis de las mediaciones a partir de dos dimensiones para abordar el texto: el Género y la
Producción. El foco recae, principalmente, en problematizar acerca de la pedagogía del
melodrama como matriz cultural del merchandising social, y de la representación naturalista
como su principio de legitimidad. Para tales fines, realizamos el estudio de caso de la
telenovela Páginas da Vida de Manoel Carlos, a través de una metodología múltiple
compuesta por observación directa e indirecta. Las principales interfases teóricas de este
estudio de comunicación son los Estudios Culturales, la Filosofía del Lenguaje, la Sociología
de la Educación y la Teoría del Cine.
Palabras-claves: merchandising social, telenovela, melodrama, acción pedagógica, ficción,
realidad, naturalismo, discurso.
viii
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Teses e Dissertações sobre ficção seriada (1980-2005)............................................9
Gráfico 2. Teses e Dissertações: formatos estudados (1980-2005)..........................................10
Gráfico 3. Teses e Dissertações sobre telenovela (1980-2005)................................................10
Gráfico 4. Merchandising social em Páginas da Vida - de inserções por temática
social.........................................................................................................................................55
Gráfico 5. Evolução do merchandising social na TV Globo (1995-2007).............................152
Gráfico 6. Merchandising social em Páginas da Vida por temática social e mês..................156
Gráfico 7. Conteúdo de merchandising social - SÍNDROME DE DOWN...............................158
G
ráfico 8. Conteúdo de merchandising social - AIDS...........................................................162
Gráfico 9. Conteúdo de merchandising social - BULIMIA...................................................165
Gráfico 10. Contdo de merchandising social - ALCOOLISMO........................................166
Gráfico 11. Contdo de merchandising social - ADOÇÃO.................................................169
Gráfico 12. O papel da música no merchandising social.......................................................174
Gráfico 13. Merchandising social em Páginas da Vida por mês de exibição........................179
Gráfico 14. Índices de audiência em Páginas da Vida...........................................................182
Gráfico 15. Merchandising social em Páginas da Vida por bloco.........................................184
Gráfico 16. Duração de cena de merchandising social...........................................................185
Gráfico 17. Tipos de inserções de merchandising social........................................................187
Gráfico 18. Personagens no merchandising social.................................................................194
Gráfico 19. Função social dos personagens no merchandising social ...................................196
Gráfico 20. Lugar e ambiente do merchandising social.........................................................197
Gráfico 21. Cenário social do merchandising social..............................................................199
Gráfico 22. Linguagem de planos no merchandising social...................................................201
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1. Quadro metodológico. Caracterização analítica das mediações..............................34
Quadro 2. Protocolo de coleta de dados primários...................................................................35
Quadro 3. Os quatro “P” do marketing comercial e social.......................................................40
Quadro 4. Telenovelas educativas de Miguel Sabido.............................................................118
Quadro 5. Telenovelas tradicionais X Telenovelas Entretenimento-Educação (E-E)...........125
Quadro 6. Efeito Camila. Impacto do merchandising social em Laços de Família...............130
Quadro 7. Merchandising social e o discurso do Terceiro Setor/Governo.............................135
Quadro 8. Merchandising social nas telenovelas da TV Globo (1988 – 2007) .....................143
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição de famílias, por posse de bens duráveis relacionados à cultura...........21
Tabela 2. Evolução de focalização de temáticas sociais na telenovela brasileira....................96
ÍNDICE DE IMAGENS
Imagem 1. Estreia de Páginas da Vida na Argentina..............................................................183
Imagem 2. Merchandising social e leitura documentarizante................................................192
ix
LISTA DE SIGLAS
AA – Alcoólicos Anônimos
ABRAD - Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas
ACNUR- Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome
AL - ANON – Grupo Familiares AL-ANON do Brasil
AP – Ação Pedagógica
BitC - Business in the Community
CCCS - Centre for Contemporary Cultural Studies
CEAD/RJ - Conselho Estadual Antidrogas / Rio de Janeiro
CETVN - Centro de Estudos de Telenovela da USP
CORA - Centro de Orientação Para Adolescentes
DEA - Drug Enforcement Administration
DNA – Ácido Desoxirribonucleico
ECA - Escola de Comunicações e Artes
E-E – Entretenimento Educação
EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.
ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing
FBI - Federal Bureau of Investigation
HEMORIO - Instituto de Hematologia do Rio de Janeiro
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
INCA - Instituto Nacional do Câncer
INCOR - Instituto do Coração
INTELSAT - International Telecommunications Satellite Consortium
LEVOP - Levantamento de Oportunidades
MADA - Mulheres que Amam Demais Anônimas
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MS - Merchandising social
OBITEL - Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva
OMS - Organizão Mundial da Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PCI - Population Communication International
PCS - Population Communication Services
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares
PT–RJ – Partido dos Trabalhadores/Rio de Janeiro
PT-SP Partido dos Trabalhadores/São Paulo
REDOME - Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea
TELEVISA - Televisión Vía Satélite/Grupo Televisa
TV- Televisão
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de São Paulo
x
SUMÁRIO
PRIMEIRAS PÁGINAS...........................................................................................................1
CAPÍTULO I:
Do des-centramento da modernidade à centralidade da comunicação...................................5
1.1 Justificativa do tema..............................................................................................................6
1.2 O tempo histórico da pesquisa.............................................................................................12
1.3 O merchandising social como ação pedagógica. Qual é o problema?................................18
1.4 Hipóteses.............................................................................................................................24
1.5 Objetivos.............................................................................................................................24
1.6 Processos metodológicos: amostragem e instrumentos de pesquisa...................................26
CAPÍTULO II:
A armação teórica de nossos óculos........................................................................................36
2.1 O que é merchandising social.............................................................................................38
2.2 A telenovela como “forma cultural”....................................................................................41
2.3 Merchandising social como ação pedagógica.....................................................................46
2.4 Merchandising social entre a ficção e a realidade ..............................................................53
CAPÍTULO III - MEDIAÇÃO DO GÊNERO.
Da pedagogia do melodrama à pedagogia do merchandising social.....................................61
3.1 A telenovela como relato popular........................................................................................62
3.2 O gênero melodrama como matriz cultural.........................................................................67
3.3 A pedagogia moral do melodrama......................................................................................73
3.4 O passeio da matriz melodramática pelo bosque das formas culturais...............................76
3.5 A telenovela como ação pedagógica...................................................................................80
CAPÍTULO IV - MEDIAÇÃO DA PRODUÇÃO.
Do merchandising comercial ao merchandising social na telenovela.................................104
4.1 Merchandising em telenovela............................................................................................106
4.2 Merchandising e naturalismo............................................................................................108
4.3 Tipologia das inserções e metodologia de merchandising................................................111
4.4 Miguel Sabido e o modelo de Entretenimento-Educação em telenovela..........................115
4.5 Afastamentos e aproximações do merchandising social ao modelo E-E..........................124
CAPÍTULO V - MEDIAÇÃO DO GÊNERO.
Merchandising social como ação pedagógica explícita em Páginas da Vida.......................141
5.1 Merchandising social na TV Globo (1988-2007)..............................................................142
xi
5.2 Merchandising social e o discurso de responsabilidade social na TV Globo....................150
5.3 Merchandising social como ação pedagógica explícita em Páginas da Vida...................154
5.4 Merchandising social e imaginação melodramática em ginas da Vida........................172
CAPÍTULO VI - MEDIAÇÃO DA PRODUÇÃO.
Merchandising social em Páginas da Vida: do realismo ao naturalismo............................177
6.1 Análise de fluxo.................................................................................................................179
6.2 Tipos de inserções de merchandising social......................................................................186
6.3 Os personagens ou autoridades pedagógicas do merchandising social.............................194
6.4 Lugar e ambiente do merchandising social.......................................................................197
6.5 Cenário social do merchandising social............................................................................199
6.6 Linguagem de planos no merchandising social.................................................................201
ÚLTIMAS PÁGINAS............................................................................................................204
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................219
ANEXOS................................................................................................................................227
1. Planilhas de Identificação....................................................................................................228
2. Entrevista com Flávio Oliveira, Gerente de Projetos Sociais
da Central Globo de Comunicação......................................................................................256
3. Entrevistas e Matérias sobre Manoel Carlos e sua obra......................................................261
4. Entrevistas e Matérias sobre merchandisings em telenovela
e sobre aspectos destacados da produção de Páginas da Vida.............................................277
5. DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida .........................................288
Primeiras Páginas
2
Desde sua aparição, a mídia vem transformando a vida cotidiana do sujeito moderno,
bem como suas percepções e práticas. Potencializadas as transformações por meio dos
processos de globalização, o esforço para compreendê-las trouxe uma luta epistemológica que
resultou em uma frutífera produção teórica e um reconhecimento da Comunicação como
ciência que melhor expressa o espírito do tempo (MORIN, 1969); a interdisciplinaridade ou o
paradigma da complexidade (MORIN, 1982) como perspectiva de análise na abordagem dos
processos comunicativos na atualidade.
Para Vattimo, a sociedade globalizada é a sociedade da comunicação cuja
especificidade são as tecnologias de produção do mundo como imagem (2004:12). A explosão
dos meios de comunicação trouxe a dissolução do ponto de vista unitário e, em decorrência
disso, uma explosão de visões de mundo veiculadas através do rádio, dos jornais e,
principalmente, da televisão. O discurso da mídia se insere, então, em todos os jogos da
linguagem da vida social, criando representações sociais, ancorando imaginários,
movimentando identidades coletivas. São os meios e suas produções simbólicas, as principais
mediações entre o sujeito e o mundo objetivo, entre o homem e a realidade. Como assinala
Lopes (2006),
(...) as modernas epistemologias sociológicas revela
m como a realidade se cria e se
experimenta dentro e através das suas representações. Daí, o real é imaginário, nos
termos de um realismo emocional (Ang), que não restitui uma imagem especular e fiel da
realidade, mas alarga o horizonte das experiências para esferas imaginárias, de
elaboração, identificação, projeção, que o partes constitutivas da vida cotidiana e, por
isso mesmo, pedaços significativos e ativadores de efeitos de realidade. É muito menos
por ser uma fuga que uma dilatação simbólica do mundo social que temos que nos
ocupar da ficção. Como o cinema e outras narrativas literárias, a ficção televisiva pode
ajudar a decifrar valores, expectativas, mitos, visões de mundo que, num dado momento,
povoam e compõem o universo cultural de uma sociedade. Trata-se, pois, de reivindicar
uma análoga validade para a ficção televisiva (LOPES, 2006:5).
D
essa observação decorre uma elucidação epistemológica que consiste em entender a
realidade conforme a relação de componentes da ordem do simbólico, subjetivo e imaginário,
em oposição a uma conceituação positivista e objetivista da sociedade que nega esses
elementos. A fião, pois, não deve ser considerada como um dispositivo que distorce a
realidade, mas sim um recurso cognitivo que faz parte dela. Enquanto a experiência cotidiana
se fragmenta, as narrativas ficcionais costuram a realidade, trazendo a seu modo, a unidade
perdida. Nesse cenário des-centrado (HALL, 1995), os lugares sagrados de produção e
circulação do saber, baseados no regime da escrita (a escola e o livro), perdem sua autoridade
absoluta e outras formas entram em ação: o merchandising social em telenovela é uma delas.
3
O Brasil tem na telenovela o principal produto da instria cultural e um produto
diferenciado, fruto da história da televisão e da cultura do país. Desde a sua irrupção até hoje,
a telenovela brasileira evoluiu conforme a modernização da sociedade num processo dialético
entre transformações sociais e mudanças no modelo narrativo, quanto à estética, temáticas e
complexidade nos enredos. Desde o final da década de 1960, é por meio do melodrama que o
formato tem refletido e refratado (BAKHTIN, 1981) a realidade social cotidiana,
constituindo-se, na sua proposta realista, em agente de informação e educação difusa,
espontânea e involuntária; único modo de aprendizado para muitos dos brasileiros. Essa
junção de ficção e realidade se exacerba com a reabertura democrática, iniciada por volta dos
anos 90. É nesse contexto que é identificado o merchandising social, em que a dimensão
pedagógica do gênero é explorada de forma deliberada e explícita. Estamos diante de um
discurso pedagógico, mediação de uma educação ou alfabetização secundária (MARTIN-
BARBERO; REY, 2004) por meio de outro regime: a cultura oral, característica dos relatos
populares.
Assim sendo, a presente pesquisa interessou-se pelo estudo do merchandising social
na telenovela brasileira como um articulador entre as dimenes da ficção (o narrado) e da
realidade (o vivido), e dentro dessa problemática geral, como ele se constitui em uma ão
pedagógica (BOURDIEU, 1975) deliberada e explícita. Abordamos a pesquisa por meio do
método do estudo de caso, sendo Páginas da Vida de Manoel Carlos, nosso objeto de estudo
empírico. O percurso realizado para indagar tais questões é exposto ao longo de seis capítulos,
a saber:
Capítulo I: Do descentramento da modernidade à centralidade da Comunicação,
trata-se do capítulo teórico-metodológico em que é apresentada a proposta da pesquisa.
Portanto, são expostos a justificativa do tema, as condições históricas da pesquisa, o
problema, as hipóteses, os objetivos perseguidos e os processos metodológicos escolhidos;
Capítulo II: A armação teórica de nossos óculos, expõe o Quadro Teórico de
Referência que embasa a pesquisa, isto é, a noção de merchandising, as contribuições dos
Estudos Culturais, a Filosofia da Linguagem e, principalmente, a Sociologia da Educação;
Capítulo III Mediação do Gênero. Da pedagogia do melodrama à pedagogia do
merchandising social na telenovela aborda o objeto de estudo a partir de uma das dimensões
de análise propostas: o Gênero. Nesse capítulo, é apresentado o melodrama e sua essência
pedagógica como matriz cultural (MARTIN-BARBERO, 2001) do merchandising social. A
fim de elucidar esse aspecto, foi elaborada uma espécie de genealogia do merchandising
social, centrando a discussão em como a telenovela, por meio do melodrama, foi
4
gradualmente aumentando o diálogo com o cotidiano brasileiro, ao mesmo tempo em que sua
dimensão pedagógica foi ganhando contornos mais deliberados e explícitos.
Capítulo IV Mediação da Produção. Do merchandising comercial ao
merchandising social na telenovela aborda o objeto de estudo através de uma segunda
dimensão de análise: a Produção. O catulo é focado no aspecto: A televisão enquanto modo
de Organização. Assim sendo, o examinados o âmbito organizacional e produtivo da
emissora a respeito do merchandising comercial e social, a relação que eles mantêm com o
naturalismo como forma de representação, e o diálogo que o merchandising social estabelece
com o modelo de telenovelas do Entretenimento-Educação.
Capítulo V - Mediação do nero. Merchandising social como ação pedagógica
explícita em Páginas da Vida apresenta a análise do estudo de caso, Páginas da Vida, a partir
da mediação do Gênero. O capítulo aborda o conteúdo pedagógico veiculado nos cinco
merchandising sociais identificados na telenovela em questão, identifica o dispositivo da
repetição como forma pedagógica de transmissão e avalia como os componentes da
imaginação melodramática entram em jogo na hora de comunicar as mensagens didáticas.
Por fim, apresenta uma relação das telenovelas produzidas pela TV Globo ao longo das
décadas de 1990 e 2000, período em que se observa a presença do merchandising social.
Capítulo VI - Mediação da Produção. Merchandising social em Páginas da Vida: do
realismo ao naturalismo relata a alise de Páginas da Vida a partir da mediação da
Produção. O capítulo é focado num segundo aspecto em relação a essa mediação: o
desvelamento da constituição da sintaxe audiovisual do merchandising social. A pesquisa
aprofunda-se na representação naturalista do merchandising social como estratégia de
verossimilhança e legitimidade, uma vez que este tema constitui-se seu interesse principal. É
realizada uma análise acurada dos códigos que conformam o texto audiovisual e é apresentada
uma tipologia de inserções de merchandising social, identificando três formas possíveis de
enunciação desse discurso pedagógico.
Quem sabe possamos, com a realização deste trabalho, deixar nossa modesta
contribuição para o entendimento da fião televisiva brasileira, e especialmente, do
merchandising social na telenovela. Esperamos que ela possa ser útil tanto para pesquisadores
quanto para aqueles envolvidos no fazer televisivo, a fim de que cada vez mais a telenovela
possa encontrar caminhos que a levem ao seu aprimoramento, ao fortalecimento do diálogo
que mantém com a sociedade e ao desenvolvimento de sua capacidade para mediar a
educação por meio do imaginário.
Capítulo I
Do des-centramento da modernidade
à centralidade da comunicação
6
1.1 Justificativa do tema
O atual cenário da globalização é o do capital multinacional, tendo a indústria das
comunicações como o setor mais próspero da economia mundial. As vias de comunicação
evoluíram para criar uma rede complexa e global que conglomera as empresas de produção da
comunicação (imprensa, rádio, televisão, cinema), as companhias de distribuão dos
produtos, a indústria da informática ou computação eletrônica e o vasto setor de
telecomunicações, inclusive via satélites espaciais. Num processo dialético e contraditório,
enquanto a informação se democratiza, o espaço público se privatiza e constitui-se o lugar
pelo qual passa o exercício da cidadania.
Segundo Verón (2001), a sociedade contemporânea não pode ser entendida fora de um
processo de mediatização. Esse conceito escapa da visão representacional da sociedade
moderna, que considera a mídia como simples espelhos que a refletem e pela qual ela se
comunica, estabelecendo um limite entre uma ordem do “real” social (sua história, suas
práticas, suas instituições, seus conflitos, sua cultura) e uma outra, da reprodução midiática.
Entretanto, o conceito de mediatização tem como implicação
o
funcionamento das instituições, das práticas, dos conflitos, da cultura, começa a estruturar-
se em relação direta com a existência da mídia: a mídia não é simplesmente um dispositivo
de reprodução do real que o copia com maior ou menor fidelidade, é um dispositivo de
produção de sentido (VERÓN, 2001:14).
Os movimentos de fragmentação e de globalização são
complementares: são os
meios de comunicação que transmitem, em escala mundial, informações fragmentárias das
mais variadas, atualmente tomadas como conhecimento, construindo, desse modo, o mundo
que conhecemos. Trata-se, como diz Vattimo (1992), citando Nietzsche, do mundo
verdadeiro transformado em fábula, ou do mundo editado, nas palavras de Baccega (2000-
2001), que chega até nós e cujos significados são ativados ao confrontá-lo com nossos valores
e experiências cotidianas:
trata-se de um mundo construído pelos meios de comun
icação, que selecionam o que
devemos conhecer, os temas a serem pautados para discussão, e mais que isso, o ponto de
vista a partir do qual vamos compreender esses temas. Eles se constituem em educadores
privilegiados, dividindo as funções antes destinadas à escola (BACCEGA, 2000-
2001:21).
O regime da visualidade (MARTÍN-BARBERO; REY, 2004), especificamente da
televisão como híbrido entre a oralidade e a tecnicidade, traz modificações na experiência
7
cotidiana e na cultura. Nesse âmbito educativo descentrado e difuso que emerge a partir da
globalização, o estudo das narrativas ficcionais como mediadoras ou costuradoras” da
realidade se revela de singular importância. Dentre todas as narrativas, a telenovela brasileira
tem se transformado, ao longo de sua história, não apenas no produto mais rentável
economicamente para a indústria do audiovisual, mas no formato mais significativo em
termos culturais, uma vez que os brasileiros se reconhecem nela, compartilhando referências
comuns sobre representações da realidade social ou do pprio indivíduo. Histórias do
cotidiano chegam à pequena tela todos os dias, contudo, isso é apenas o ponto de partida: os
assuntos narrados se inserem nas conversas cotidianas, inclusive das pessoas que não
assistiram à telenovela, e enchem as páginas dos jornais impressos e digitais, percorrendo
também os espaços televisivos, seja em forma de críticas, polêmicas, fofocas ou resenhas; os
significados se constroem dinamicamente em todos os campos sociais. Sem abandonar o
sentimentalismo, a emoção e a dimensão pedagógica próprios de sua matriz melodramática,
ao longo do tempo, a telenovela brasileira foi estreitando cada dia mais as dimensões da
ficção e da realidade, constituindo-se um produto cultural híbrido (CANCLINI, 1995 e
2003), levantando preocupações sociais contemporâneas e pautando discussões: o “Brasil
passou a ser mais retratado na telenovela do que no Jornal Nacional” (LOPES, 2003:25). E
mais: essa aproximação é exacerbada no merchandising social
1
, por meio do qual, frente a
diferentes problemas sociais contemporâneos tratados na narrativa, são oferecidas
informões, explicações e conselhos, de forma pedagógica, para serem aplicados no
cotidiano: uma verdadeira pedagogia do certo e do errado que repõe a memória do imaginário
melodramático popular, agora de forma explícita em sua forma técnica mais desenvolvida.
É por meio da imagem e da visualidade que se abrem novas possibilidades
educativas provocando mudanças no tecido do social: a possibilidade de ascender à educação
através de uma outra cultura que não a escrita. Acreditamos que estudar o MS na telenovela é
trazer para o foco da discussão uma problemática atual: se, por um lado, a vida cotidiana se
fragmenta com a revolução tecnológica, as narrativas ficcionais audiovisuais oferecem uma
integração possível, elaboram a partir do imaginário uma ordem do social, costuram” nossa
vida, são mediações de nossa experiência atual. A respeito da relevância do estudo da ficção
televisiva, como bem assinala Lopes (2008),
1
O merchandising social, nosso objeto de estudo, será trabalhado ao longo desta dissertação. Em sua definição
clássica e geral, trata-se de mensagens estruturadas sócio-educativas insertas nas narrativas de ficção,
especialmente, nas telenovelas. Daqui para frente só MS.
8
A ficção televisiva não deve ser pensada numa história específica, numa particular
produção de gênero, mas antes no inteiro corpus e fluxo das narrativas por onde assume a
função de preservar, construir e reconstruir um senso comum” da vida cotidiana. Na
sociedade contemporânea, a fragmentação e dispersão das experiências, a rapidez das
mudanças, o decnio de sistemas unitários de referência valorativa, criam condições de
homeless mind”, uma necessidade de “volta para casa”, de aceder a uma casa comum de
significados (BARKER, 1999; MEYEROWITZ, 1995, apud LOPES, 2008:39).
A
revelar-se como um importante fenômeno social, psicológico e cultural,
transclassista e transnacional, a telenovela vinha sendo marginalizada como objeto de estudo
pela comunidade acadêmica. O motivo dessa defasagem entre a sua aparição e a produção
acadêmica pode estar na postura preconceituosa, sustentada durante décadas, de considerá-la
um “entretenimento alienante que encobre a realidade”, ou um formato que, ancorado no
cotidiano, atua no nível do “senso comum”, convertendo-se num produto banal. Como
assinala Borelli,
U
m dos maiores desafios das pesquisas sobre telenovela diz respeito ao enfrentamento
com os critérios que legitimam e consagram os objetos dentro do campo cultural e do
debate acadêmico; tais critérios concebiam e ainda concebem as narrativas ficcionais
televisivas apenas como produtos industriais, simples entretenimento, exteriores à
produção artística e às tradições e distantes da esfera dos bens culturais. As críticas
negativas foram veementes, até que a telenovela se incorporasse ao rol dos objetos de
reflexão ou fosse considerada parte constitutiva do campo cultural brasileiro e latino-
americano (BORELLI, 2001:29-30).
C
om o passar dos anos, algumas pesquisas se dispuseram a enfrentar o paradoxo que
resulta de análises e interpretações sobre os variados e complexos produtos da indústria
cultural: o fato de serem eles não apenas “mercadorias”, mas também formas culturais
(WILLIAMS, 1975 e 1979) em que a sociedade se expressa, capazes de estabelecer profundas
relações de mediação entre os emissores e os receptores.
Aos poucos, essa situação foi se revertendo e começaram a surgir pesquisas
acadêmicas mudando os focos de interesse e das possíveis abordagens teóricas ao calor da
hora das transformações sociais. De fato, muitos acontecimentos se sucederam desde as
pesquisas na década de 1970-80, que advogavam os ideais frankfurtianos, em que a telenovela
era sinônimo de objeto de dominão e alienação, perspectiva teórica que caía como uma luva
para explicar as políticas culturais do regime militar no Brasil da época. Até os atuais Estudos
Culturais, que consideram a telenovela brasileira como um produto sociocultural híbrido,
9
fruto da mestiçagem, do embate entre elementos da tradição com outros, que resulta de
variações e rupturas engendradas pelo próprio processo de modernização tardia
2
.
Atualmente, podemos afirmar, por um lado, que a telenovela confirma-se como o
principal produto da indústria cultural brasileira e é o gênero televisivo de maior consumo na
América Latina, cada vez mais se expandindo para o mercado internacional. Por outro lado, o
reconhecimento da telenovela como objeto de estudo legitimado ocorre não apenas no campo
da Comunicão, mas também em outras áreas de conhecimento.
Gráfico 1. Teses e Dissertações sobre ficção seriada (1980-2005)
Total: 121 trabalhos
Fonte: CETVN
Segundo o levantamento de dados realizado pelo CETVN - Centro de Estudos de
Telenovela da ECA-USP (ex-Núcleo de Pesquisa de Telenovela)
3
, e conforme o Gráfico 1,
pode-se observar o progressivo crescimento da produção científica sobre ficção seriada no
país. De 1980 até o ano de 2005, registra-se um total de 121 trabalhos (constituído por 94
teses e 27 dissertações). Já a segunda metade da década de 1990 é o ponto de inflexão desse
crescimento.
2
Essa passagem é mapeada no artigo da autora apontando linhas de pesquisa e referências bibliográficas. Para
ampliar vide: Borelli, Sílvia (2001).
3
O CETVN, ex-Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN), foi criado em 1992 e consolidou-se como o maior
centro de referência de pesquisa de telenovela, tanto em nível nacional como internacional. O CETVN
conquistou, em 1999, o Prêmio Luiz Beltrão de Ciência da Comunicação na Categoria Grupo Inovador. O
Prêmio foi entregue em cerimônia ocorrida em 06 de setembro, na Academia Brasileira de Letras durante o XXII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação INTERCOM/99, no Rio de Janeiro. Atualmente é coordenado pela Profa.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Site do CETVN: http://www.eca.usp.br/nptn/. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
10
Gráfico 2. Teses e Dissertações: formatos estudados (1980-2005)
Total: 121 trabalhos
Fonte: CETVN
Dentro desse universo, o formato mais estudado é a telenovela (Gráfico 2), com 85
trabalhos produzidos, o que significa 70% do total geral; seguido pela minissérie, que
equivale a 12% da amostra (15 trabalhos); e, em terceiro lugar, a categoria Geral, com 7% (8
trabalhos), que engloba diversos formatos, contemplando a teledramaturgia em sentido amplo.
Gráfico 3. Teses e Dissertações sobre telenovela (1980-2005)
Total: 85 trabalhos Fonte: CETVN
11
Em relação à telenovela (Gráfico 3), é notável o progressivo aumento de produção
cienfica a seu respeito. A produção duplica na segunda metade dos anos 1990 (19 trabalhos,
22% do total) e triplica no primeiro quinqnio do novo século (51 trabalhos, 60%).
O objeto, em sua complexidade, vem submetendo-se ao quadro metodológico
interdisciplinar:
E
ste caráter interdisciplinar por excelência das ciências da comunicação pode ser
observado através, por exemplo, da leitura dos trabalhos existentes sobre o objeto
telenovela. São pesquisas que versam sobre os mais diversos temas como sua
historiografia, processos de produção, comercialização, estética, autoria, questões de
gênero, seu universo discursivo, simlico; pode-se abordá-la como entretenimento e
informação, como nutriente do imaginário, como catarse social; pode-se estudar os
impactos sociais, as técnicas de persuasão, a utilização que faz de estereótipos e
preconceitos, enfim, qualquer que seja o recorte, disciplinas como a sociologia, a
antropologia, a psicologia, a semiótica, a filosofia, etc., vêm auxiliar a construção do
objeto (MOTTER, 2005:2).
N
esse quadro, o CETVN da ECA-USP muito tem contribuído para a legitimação
deste novo campo de estudo, lançando outros olhares sobre o objeto. Entre os projetos-marco
desenvolvidos nesse âmbito, destacam-se “Ficção e realidade: a telenovela no Brasil; o Brasil
na telenovela”
4
, coordenado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega, e “Nações e
Narrações Televisivas. Por um Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva”
5
,
coordenado pela Profa. Maria Immacolata Vassallo de Lopes. A bibliografia sedimentada
dessas pesquisas traz para o nosso trabalho importantes contribuições nos planos teórico e
metodológico.
A respeito de bibliografia específica sobre M
S na telenovela, as pesquisas
apresentadas em congressos e outros espaços acadêmicos demonstram que uma vasta
produção científica sobre o tema está em andamento
6
. Em termos gerais, pode-se afirmar
que a tendência das pesquisas sobre o tema dá-se principalmente nos estudo de recepção,
4
Esse projeto foi composto por um conjunto de 9 subprojetos individuais, iniciados em 1995 e concluídos em
1998, contando cada um com pesquisadores e profissionais da área, alunos de pós-graduação e graduação. Os
subprojetos desenvolveram-se em áreas de conhecimento distintas, todos voltados para análise da telenovela no
Brasil sob uma multiplicidade de ângulos.
5
O projeto dá continuidade ao anterior “Nações e Narr
ações. O caso da telenovela brasileira no cenário
internacional” (2005-2007), encontrando-se, neste momento, em uma nova fase, denominada A telenovela
como narrativa da nação: a recepção em nova chave”. Trata-se de um estudo sobre ficção televisiva, identidade e
interculturalidade que analisa a implantação de um Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva,
mediante um estudo sistemático de análise sobre os diferentes sentidos da teleficção nos planos nacional,
regional e internacional. Mais informações: http://www.eca.usp.br/nptn/. Último acesso em: 14 de dezembro de
2008.
6
O Congresso INTERCOM, do ano 2006, dedicou uma sessão inteira ao tema. Os papers podem ser
consultados no site: http://www.intercom.org.br/papers/banco.shtml.Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
12
seguida pelo foco na discursividade e pelos trabalhos quantitativos que recuperam a memória
do MS na ficção televisiva da TV Globo
7
. Frequentemente, o estudo do MS tem sido abordado
dentro de uma problemática mais ampla ligada às pesquisas que têm indagado sobre a
presença das temáticas sociais na telenovela e seu vínculo com o cotidiano
8
.
Por outro lado, a referência pioneira no campo é a tese de Livre-Docência de Márcio
R. Schiavo, intitulada Merchandising social: uma estratégia de sócioeducação para grandes
audiências, defendida em 1995. Dentro do banco de teses da Capes disponível na internet
9
verifica-se apenas uma tese, defendida no ano de 2002, com o título: MS na telenovela
brasileira: estudo de caso do tie-in em O Salvador da Pátria, de Paulo Militello.
Este breve panorama dos estudos existentes revela que uma escassez de
referências bibliográficas publicadas, circunstância que impõe à presente pesquisa um desafio
ainda maior em relação à procura de referências consolidadas sobre o tema.
Sendo assim, nossa proposta teórica e metodológica assume o desafio de preencher
uma lacuna no estado atual do problema, discutindo e nutrindo-se das contribuões
cienficas em circulação, esperando poder contribuir e abrir novos filões para futuras
formulações sobre o tema.
1.2 O tempo histórico da pesquisa
Segundo reflete Ianni (1994), as rupturas históricas vêm acompanhadas com
frequência de rupturas epistemogicas e, do mesmo modo que as Ciências Sociais, como
campos disciplinares, foram herdeiras da Revolução Francesa, o fato de seu estatuto ser
discutido até os dias atuais é produto do processo hisrico da globalização. Globalização
entendida como uma série complexa de processos, e não um, que operam, além disso, de
uma maneira contraditória ou antitética (GIDDENS, 2000:25). Nesse contexto, estudar a
7
Essa perspectiva de abordagem é trabalhada unicamente por rcio Schiavo, pesquisador e consultor da Rede
Globo, através da empresa Comunicarte Marketing Cultural e Social. A empresa é parceira da TV Globo nas
atividades de monitoramento do merchandising social.
8
Nessa linha de pesquisa encontram-se os trabalhos de MOTTER, Lourdes. Ficção e realidade: a construção do
cotidiano na telenovela. São Paulo: Alexa Cultural, Comunicação e Cultura, 2003. JAKUBASZKO, Daniela.
Telenovela e experiência cotidiana: interação social e mudança. Dissertação de mestrado. Universidade de o
Paulo, USP, Brasil, 2004. Obras de importância para a discussão levantada nesta pesquisa.
9
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior:
http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
13
sociedade globalizada implica superar os limites convencionais de determinada ciência social
para voltar-se a uma análise que envolve necessariamente várias ciências. A Comunicação,
pois, ainda questionada como ciência delimitada que tem seu próprio objeto de estudo, acha,
nesse tempo histórico, um terreno privilegiado para recolocar-se no campo científico e
discutir, a partir da epistemologia, a própria Modernidade, dado que seu caráter
interdisciplinar
10
se torna, paradoxalmente, sua condição essencial como disciplina. Entenda-
se como interdisciplinariedade, a integração no trabalho científico favorecido pela troca e
confronto de métodos, teorias e técnicas para abordar os objetos de estudo (MORAGAS,
1984:39). Atualmente, no Brasil, as pesquisas em Comunicação dirigem seus esforços a fim
de dotar o paradigma da complexidade (MORIN, 1982), que entende os processos
comunicativos como uma totalidade complexa que guarda uma relação dialética com os
elementos que a constituem. Esse paradigma desterra a concepção funcionalista que muito
tem marcado a tradão histórica do campo e cujos estudos tomam os fenômenos
comunicativos fragmentadamente, isolando os seus componentes (receptor, emissor, canal,
mensagem).
A respeito deste novo paradigma, Lopes (2001) acrescenta que:
A
atual tendência latino-americana tem se expressado na proposta de inserir a pesquisa de
Comunicação no espaço das Ciências Sociais e Humanas e no desenvolvimento do
enfoque sócio-cultural. Aí o vistos obstáculos à delimitação de um objeto próprio e a
sua legitimação acadêmica. Por isso, torna-se necessário aumentar, no Campo da
Comunicação, o movimento de auto-reflexividade que se espraia em todo o campo das
Ciências Sociais, com particular atenção à reflexão crítica e atualizada. Acreditamos que
a prática transdisciplinar pode se produzir através de movimentos de convergência e de
apropriações mútuas, tais como, a partir da Comunicação o trabalhados processos e
dimensões que incorporam perguntas e saberes históricos, antropogicos, estéticos, ao
mesmo tempo em que a sociologia, a antropologia e a cncia política começam a se
voltar, de forma não marginal, para os meios e os modos como operam as instrias
culturais (LOPES, 2001: 115).
O
des-centramento (HALL, 1999) que a globalização produz na Ciência retirando
dela o princípio da unidade disciplinar como definidora de sua identidade, e fazendo da
Comunicação uma ciência híbrida, é produto da dinâmica social nos tempos atuais. Para
Canclini, a hibridação é a palavra-chave da pós-modernidade, entendendo hibridação como
10
Para se aprofundar no conceito de Interdisciplinaridade nas Ciências Sociais, veja: MORAGAS, Miguel.
Ubicación Epistemológica e Ideológica de la Comunicación de Masas. In: Fernández, F. et.al. Comunicación y
Teoría Social. México: UNAM, 1984. MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de, Por um paradigma transdisciplinar para o campo da Comunicação. In:
Dowbor, Ladislau et al (orgs.). Desafíos da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001.
14
processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma
separadas, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas (2003:19).
Os processos de convergência entre comunicação, telecomunicação e informática,
que acarretam a compressão espaço-temporal e a aceleração progressiva dos fluxos
informativos, junto à ampla difusão dos meios de comunicação, constituem a força que
dinamiza o capitalismo na atualidade. Como consequência geral e ampla, temos transformado
a ideia de território comum, unificador e estável de pertencimento, para a concepção de
campo difuso, móvel, plural e contraditório. A globalização, então, não apenas estabelece
relações intrínsecas entre comunicação e economia, mas também, por extensão, entre
comunicação e sociedade, e comunicação e cultura.
As monoidentidades, produtos da formação das nações modernas durante os séculos
XIX e XX, encerravam o conceito de cultura nacional enquanto sistema razoável para
preservar, dentro de certa homegeneidade industrial, determinadas diferenças (o arcaico e o
moderno, o rural e o urbano etc.) e certo arraigo territorial que coincidiam com os espaços de
produção e circulação de bens: o ser nacional (valor simbólico) se realizava no consumo
material do “próprio”. A globalização de mãos dadas com a transnacionalização (que diminui
os custos de produção e eleva a rentabilidade) faz circular uma calça americana numa vitrine
francesa, uma telenovela brasileira em uma emissora de Portugal, um carro alemão com motor
inglês, uma estudante argentina pesquisando em uma universidade brasileira; as pessoas e os
bens (materiais e simbólicos) viajam e os meios de comunicação dão visibilidade não apenas
às diferenças entre as culturas que povoam o mundo, mas aos graus desiguais de apropriação
dos produtos das diversas sociedades:
Q
uando a circulação cada vez mais livre e frequente de pessoas, capital e mensagens nos
relaciona cotidianamente com muitas culturas, nossa identidade não pode definir-se só
por pertencimento exclusivo a uma comunidade nacional. O objeto de estudo não deve
ser eno a diferença, mas tamm a hibridização (CANCLINI, 1995:109)
11
.
Aprofundando a desconstrução da ideia moderna de culturas nacionais como
entidades unificadas, Hall (1999), analisando o caso da Inglaterra, afirma que elas devem ser
consideradas como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como
unidade ou identidade: A Europa Occidental não tem qualquer nação que seja composta de
apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As nações modernas são todas, híbridos
culturais (HALL, 1999:63). Nesse sentido, no marco da globalização, as culturas nacionais
11
Todas as citões de Canclini contidas no trabalho, foram traduzidas pela autora desta dissertação.
15
contribuem para “costurar” a fragmentação ltipla do indivíduo numa única identidade, uma
vez que, como afirma Gellner, sem um sentimento de identificação nacional, o sujeito
moderno experimenta um profundo sentimento de perda subjetiva (apud HALL, 1999:48). O
imaginário espanta o terror. É desse modo que a telenovela brasileira foi adquirindo, com o
decorrer do tempo, o caráter de narrativa de nação (LOPES, 2003), tese que sintetiza a
telenovela como forma cultural (WILLIAMS, 1975, 1979), produto cultural e social que foi
cristalizando no seu desenvolvimento os processos contradirios de conformação do país
como nação moderna, criando e atualizando um repertório de referências comuns para os
brasileiros a partir do qual se sentem representados. A telenovela possui
u
ma penetração intensa na sociedade brasileira, devido a uma capacidade peculiar de
alimentar um repertório comum por meio do qual as pessoas de classes sociais, gerações,
sexo, raça e regiões diferentes se posicionam e se reconhecem umas às outras. Longe de
promover interpretações consensuais mas, antes, produzir lutas pela interpretação de
sentido, esse repertório compartilhado está na base das representações de uma
comunidade nacional que a TV capta, expressa e constantemente atualiza (LOPES,
2003:18).
A
o analisar a sociedade global, Vattimo (1992) identifica o papel central dos meios
como agentes do des-centramento da modernidade, conceituando a sociedade contemporânea
como uma sociedade de comunicação generalizada (VATTIMO, 1992:7). O que os meios de
comunicação trouxeram foi a dissolução do ponto de vista unitário e uma explosão de visões
de mundo, veiculadas através do rádio, dos jornais e da televisão. Consequentemente,
começam a circular uma diversidade de informações, conhecimentos e interpretações da
realidade social que não guardam, necessariamente, relação direta com a experiência cotidiana
dos sujeitos. Se a pluralidade de vozes culturais agora visibilizadas (minorias étnicas,
religiosas, culturais, estéticas etc.) e de informações acerca do mundo poderiam ser uma
realização da emancipação iluminista baseada na autoconsciência da humanidade, esse ideal é
desmentido: estando o poder econômico nas mãos do grande capital, a emancipação possível
radica na consciência da falta de um princípio de realidade único, objetivo. Diz o autor,
R
ealidade, para nós, é mais o resultado do cruzamento, da “contaminação” (no sentido
latino) das múltiplas imagens, interpretações, reconstruções que, em concorrência entre si
ou, seja como for, sem qualquer coordenação central, os media distribuem (VATTIMO,
1992:13).
A mediação dos meios de comunicação é vista como condição da experiência social
e do relativismo da ppria cultura em face da existência de tantas outras; a libertação consiste
na apropriação da existência de outras realidades além do mundo concreto que nos cerca.
16
Viver neste mundo múltiplo significa, nas palavras do autor, fazer experiência da liberdade
como oscilação contínua entre pertencimento e desenraizamento (1992:16).
Nessa linha, no cenário atual de tensão entre pertencimento e desterritorialização,
somada à mediação da mídia para dar sentido às experiências cotidianas, Canclini (1995) abre
uma nova chave para compreensão do exercício da cidadania nas sociedades globalizadas,
especialmente nas latino-americanas, onde o ideal de modernidade fracassou e as políticas do
“progresso econômico” se traduziram em miséria, desemprego, analfabetismo; desigualdades
sociais de toda ordem. Apoiado no conceito de cidadania cultural, o autor entende que ser
cidadão não se resume apenas aos direitos que dependem dos aparatos burocráticos oferecidos
às pessoas que nasceram num território particular – noção político-jurídica e abstrata de
cidadania – mas, também relaciona-se com as práticas sociais e culturais que proporcionam o
sentimento de pertencimento às redes sociais. Essa prática é, para o autor, o consumo,
especialmente o dos meios massivos de comunicação audiovisuais. O acelerado crescimento
dessa mídia testemunhou a mudança que, desde o século passado, vinha acontecendo na
configuração do público e do exercício da cidadania:
P
orém, esses meios eletrônicos que fizeram as massas populares irromper na esfera
pública, foram deslocando o desempenho do cidadão para as práticas de consumo.
Estabeleceram-se outros modos de se informar, de entender as comunidades de que se faz
parte, de conceber e exercer os direitos. Desiludidos das burocracias estatais, partidárias e
sindicais, o público recorre ao rádio e à televisão para conseguir o que as instituições
cidadãs não fornecem: serviços, justiça, ressarcimentos ou simplesmente, atenção
(CANCLINI, 1995:23).
Embora não centremos nosso trabalho sobre a persp
ectiva de análise do consumo ou
da recepção, partilhamos a ideia da mediação dos meios de comunicação entre as
transformações e as mudanças sociais, e a reconfiguração das práticas culturais como as novas
formas de exercício de cidadania. Entendemos que essa ideia concebe um público que possa
usufruir dos meios, de certas necessidades materiais e simbólicas, sentindo-se representados e
integrados ao tecido social. É nessa linha que concebemos a importância do estudo da
telenovela brasileira e, especificamente, do MS contido nela, numa perspectiva crítica que não
veja esse produto cultural como um mero dispositivo de alienação e de consumo irracional.
De fato, o espaço doméstico da vida cotidiana, principal cenário de assisncia de televisão,
tem sido frequentemente considerado como um espaço mecânico de reprodução social e não
como mediador de produção de sentidos e transformação de práticas culturais. Na mesma
linha que Canclini (1995) problematiza a relação consumo-cidadania, De Certeau (1994)
propõe a vida cotidiana como um espaço de luta entre a reprodução e a criação cultural. O
17
embate se dá entre as estratégias” dos dominadores e as táticas de resistência” dos
dominados. Por meio dessas táticas invisíveis e efêmeras, o “Homem Ordinário” (ou o
homem que circula nas ruas, o homem comum; um praticante”) descobre brechas para a
criação e subversão da ordem estabelecida. O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça
não autorizada (38). O homem consegue escapar de seu cotidiano sem, contudo, deixá-lo:
O
cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona
dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã,
aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver
nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos
prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos,
quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este "mundo memória",
segundo a expressão de guy. É um mundo que amamos profundamente, memória
olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos
prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta história
"irracional" ou desta "não-história", como o diz ainda A. Dupront: O que interessa ao
historiador do cotidiano é o invisível (DE CERTEAU, 1996: 31).
C
oncordando com a concepção de Vattimo acerca do caráter de libertação que abre a
sociedade da comunicação, a televisão e a telenovela, em particular pode ser considerada
como um espaço público que torna disponíveis informações e repertórios anteriormente da
alçada privilegiada de certas instituições socializadoras tradicionais como a escola, a
família, a igreja, o partido político ou a agência estatal (LOPES, 2003:18). Nesse contexto,
instauramos o estudo do MS na telenovela brasileira dentro da problemática geral do des-
centramento do regime do ler Martín-Barbero (2001 e 2004), que a ampla difusão dos meios
de comunicação provocou. O pressuposto desse regime baseia-se na ideologia da cultura
escrita como única cultura possível. O MS, enquanto mensagens sócioeducativas estruturadas
nas narrativas de ficção, permite pensarmos em novas possibilidades educativas para um país
como o Brasil, cuja sociedade é marcada por baixos índices de escolaridade e altos índices de
desigualdade social. Assim sendo, pretendemos estudar o MS como uma ação pedagógica
(BOURDIEU, 1975) deliberada, para além do caráter de reprodução social e determinista
atribuído à indústria cultural: as “estratégias” podem significar táticas”. Pretendemos
também, entrar nas nuances da hegemonia audiovisual e analisar como e através de quais
mecanismos a indústria cultural responde, a partir de seus formatos, a certas demandas sociais
(WILLIAMS, 1975, 1979) em momentos de profundas transformações.
Sendo que os produtos culturais refratam as condiçõe
s sociais em que estão
inseridos, a telenovela brasileira absorve as mudanças sociais e revitaliza suas expressões: a
hibridação do gênero se afirma no tempo histórico atual. Logo, a contaminação entre ficção e
18
realidade como especificidade da telenovela brasileira será nosso grande guarda-chuva,
abordado à luz da teoria clássica de Bakhtin (1981). O MS como ação pedagógica deliberada
e explícita pode ser uma via para analisar, a partir da linguagem imagética, um
aprofundamento dessa relação.
1.3 O merchandising social como ação pedagógica. Qual é o problema?
Um dos des-centramentos trazidos pela ampla difusão dos meios de comunicação,
especialmente, a televisão, é a modificação no regime do saber (MARTÍN-BARBERO; REY:
2004), que, encarnado historicamente no paradigma da escrita, no livro e na escola,
hegemonizava a comunicão pedagógica como única via possível e legítima.
A escritura como prática, afirma De Certeau, corresponde a uma atividade que
determina um lugar próprio de produção que se impõe a um exterior, seu domínio (página em
branco). Compõe um sistema, uma ordem de elementos (palavras, frases etc.) que dá origem a
um texto, quer dizer, a um mundo agora não recebido em seu estado natural, mas fabricado, e
que exerce um jogo: remeter à realidade de que se distinguiu a fim de mudá-la, seu alvo é a
eficácia social. Para o autor, a escrita é o princípio fundamental da sociedade capitalista, cuja
prática encerra a ideia de progresso:
O
progresso é de tipo escriturístico. De modos mais diversos, define-se portanto pela
oralidade (ou como oralidade) aquilo que de uma prática legítima científica, política,
escolar etc. deve distinguir-se. “Oralé aquilo que o contribui para o progresso; e
reciprocamente, “escriturístico” aquilo que se aparta do mundo mágico das vozes e da
tradição (DE CERTEAU, 1994:224).
C
entro único e fazedor da História, a escrita se torna um princípio de hierarquização
social, funcionando como lei de uma educação organizada pela classe dominante, burguesa,
que pode fazer da linguagem seu instrumento de produção. No século XVIII, a ideologia das
Luzes, sob égide do livro e do projeto pedagógico criado para remodelar a nação de forma
generalizada, instaurou a ideia de que o indivíduo é moldado pela escrita, e que a leitura
supõe “tornar-se semelhante” àquilo que se absorve e não “torná-lo semelhante” ao que se é,
quer dizer, conforme uma apropriação dependente da própria cultura, o que fornece uma
competência específica e singularidade de interpretação. A distinção entre produtores
(autores, pedagogos etc.) e aqueles que o o o inscreveu o conceito de consumo-
receptáculo. Da cultura do livro à crítica pessimista da cultura da televisão como dispositivo
19
de alienão totalizadora, era só uma questão de tempo. A crítica dos intelectuais em relação à
televisão como experiência cultural associa-se a um olhar elitista e etnocentrista herdado
daquela época que confunde iletrado com inculto. No século XVIII, o acesso do povo à
política (que garantia o Estado Moderno) e a negação dele na cultura, fizeram da incultura o
traço que segmentava o “culto” do “popular”, caracterizando os setores populares como
degradados, ideologicamente ocultando as experiências e matrizes culturas próprias de uma
outra cultura (MARTÍN-BARBERO, 2001: 34-37).
De Certeau expõe que a escrita e a leitura são dois processos que se cruzam, mas que
não são necessariamente dependentes: é a comunicão pedagógica, institucionalizada pelo
uso do livro, que estabelece que o progresso escolar é possível sempre em correspondência
com a linearidade do aprendizado da escrita. Entretanto, o autor desmente essa premissa:
uma memória cultural adquirida pela escuta, através da tradição oral, permite e enriquece
aos poucos as estratégias de interrogação semântica cujas expectativas a decifração de um
escrito harmoniza, precisa ou corrige (1994:263).
Frente às transformações sociais na era da globalização, Martín-Barbero e Rey
(2004:59) explicam como esse modelo pedagógico unitário e linear rejeita e se defende
ante à supremacia da imagem, fechando os olhos à condição de entorno educacional difuso e
descentrado que a mídia produz na atualidade. Sem negar a importância e a hegemonia do
regime do saber instaurado pelo livro, os autores defendem a existência de uma outra cultura,
outro modo de conhecer e aprender que entra em tensão e convívio com o tradicional. É uma
cultura cuja sociedade possui diversas mídias para armazenar, classificar, difundir
conhecimentos, sendo elas de maior alcance e acesso para as pessoas que a própria escola;
uma cultura marcada pelos fluxos de imagens e informações que transformam os modos de
ler, já não mais lineares, mas intertextuais
12
. Assim, os saberes fragmentados que perpassam o
cotidiano deslocam dois centros: o lugar (escola) e os agentes sociais exclusivos e excludentes
(professores, pedagogos etc.), e o suporte (livro). A televisão, afirmam Martín-Barbero e Rey:
D
esvela o que cataliza em matéria de mudanças na sociedade: desde o deslocamento das
fronteiras entre razão e imaginação, entre saber e informação, natureza e artifício, saber
especializado e experiência profana, à conexão das novas condições do saber com as
novas formas de sentir e as novas figuras da sociabilidade (MARTÍN-BARBERO; REY,
2004:60).
12
O conceito de intertextualidade tem sido abordado por rios autores, entre eles Fiske (1987) e Bakhtin
(1981). Sob perspectivas diferentes (semiótica textual e filosofia da linguagem, respectivamente), o comum
denominador é que todos os textos são necessariamente lidos e produzidos em relação a outros, portanto, tanto
na recepção quanto na produção, mobiliza-se uma gama de conhecimentos textuais.
20
É nesse cenário difuso que estudamos o MS na telenovela como uma outra forma
possível de produção e circulação de saber. É claro que não estamos falando da substituição
da cultura letrada pela oral ou audiovisual; seria tão ingênuo quanto supor que a televisão não
contém “estratégias” de hierarquização e de reprodução do social. Assim sendo, des-
centramos a unidade formada pela escola, professores e livro como produtores e transmissores
do saber, para a TV, o autor e o MS na telenovela como um outro provável espaço educativo.
O que discutimos é a presença, na atual cultura de massas, de novas formas possíveis de
socialização, e que o MS na telenovela brasileira se constitui em uma destas. Como afirmam
Martín-Barbero e Rey: O livro continuará sendo a chave da primeira alfabetização formal
que, em vez de se fechar sobre si mesma, deve fundamentar as bases para essa segunda
alfabetização que nos abre às múltiplas escrituras, hoje abrange o mundo do audiovisual e
da informática (2004:62).
A presença da televisão no Brasil é significativa não apenas como a opção de lazer
mais extensa e fundamentalmente popular, mas também em termos de potencial agente
pedagógico numa sociedade muito marcada pela desigualdade. em 1974, o economista
Edmar Bacha criou o neologismo Belíndia” para ilustrar o que seria a distribuição de renda
no Brasil: uma mistura entre uma pequena e rica lgica e uma imensa e pobre Índia. Em
artigo de 1984, Miceli descreve o grau de desenvolvimento da indústria cultural e as relações
de poder entre os conglomerados medticos, destacando a posição hegemônica política e
econômica da televisão e, particularmente, da TV Globo. Dados da época informam que o
número de aparelhos de televisão saltou de 600.000, em 1960, para 18 milhões no início dos
anos 80; a TV Globo já cobria 99% dos domicílios com aparelhos de televisão. Segundo
recente pesquisa do IBGE
13
e conforme a tabela a seguir, podemos conferir a evolução de
posse de televisores pelas famílias brasileiras, desde então até os dias atuais.
13
A pesquisa acerca da distribuição de bens duráveis relacionados à cultura foi realizado pelo IBGE com base na
Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 1987-1988, 1995-1996 e 2002-2003. A POF 2002-2003 foi uma
pesquisa com abrangência nacional (salvo a área rural do nordeste). As POFs 1987-1988 e 1995-1996, por sua
vez, foram realizadas nas Regiões Metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, no Município de Goiânia e no Distrito Federal. As amostras das
pesquisas foram compostas por: 1987-1988: 11.014.088 famílias; 1995-1996: 12.544.069 famílias; 2002-2003:
15.653.706 famílias. A presente tabela é um recorte dentro de um universo de bens composto por: conjunto de
som, gravador e toca fitas, rádio de mesa e portátil, microcomputador, entre outros. Para ampliar, consultar:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_culturais/2005/indic_culturais2005.pdf. Último acesso
em: 14 de dezembro de 2008.
21
Tabela 1. Distribuição de famílias, por posse de bens duráveis relacionados à cultura
Distribuição de famílias, por posse de bens duráveis relacionados à cultura (%)
Nenhum 1 bem 2 ou mais
TV
1987-
1988
1995-
1996
2002-
2003
1987-
1988
1995-
1996
2002-
2003
1987-
1988
1995-
1996
2002-
2003
Em
Cores
42,6 17,1 6,8 47 55,5 57,2 10,4 27,4 36
Em Preto
e Branco
51,2 74,5 94,1 46,1 24,4 5,8 2,7 1,1 0,1
Fonte: IBGE – Indicadores Culturais, 2003-2005
A Tabela 1 revela que, enquanto em 1987-1988, 42,6%
das famílias não possuíam
TV em cores, em 2003, este percentual caiu para 6,8%. Chama ainda a atenção o fato de que,
mais de 92% de famílias que possuíam TV em cores, 36% tinham acima de um aparelho.
Como um sinal evidente de mudança de padrão tecnológico, no caso da TV em preto e
branco, deu-se o inverso: 46,1% das famílias possam pelo menos um destes aparelhos, ao
passo que, em 2003, este percentual foi de apenas 5,8%. Por outro lado, cabe lembrar que,
segundo dados de IBOPE
14
, a TV continua sendo o meio de maior credibilidade entre todas as
classes sociais (média de 3,86, em uma escala de 1 a 5, sendo 1 discorda e 5 concorda),
seguida pelo rádio (3,51) e por fim, o jornal (3,42). Em dois trabalhos publicados na cada
de 1970 e 1980, Miceli, fazendo uso do conceito de ação pedagógica
15
(BOURDIEU, 1975)
aponta que o mercado de bens culturais como um todo e, em particular, a indústria cultural
como seu setor mais dinâmico, principalmente a televisão, é determinado basicamente pela
frágil cobertura de um sistema de ensino institucionalizado capaz de fazer sentir seus efeitos
sobre os diversos segmentos da estrutura social:
Assim, os níveis de consumo alcançados pelas diferen
tes modalidades de bens veiculados
pela indústria cultural encontram-se fortemente associados ao montante e às espécies de
capital escolar dos públicos expostos a esses bens. E por isso mesmo pode-se afirmar que
certas frentes de expansão e, em especial, os carros-chefes da indústria cultural
(fascículos, televisão etc) derivam de seu potencial de consumo e expansão do fato de
estarem cumprindo funções para-didáticas, ou melhor, de constituírem instrumentos
14
IBOPE Notícias:
http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&nome=h
ome_materia&db=caldb&docid=6C5AA230D1120BB48325743A00462B28. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
15
MICELI, Sérgio. Entre no ar em Belíndia (A indústria cultural hoje). Cadernos Unicamp. Para se aprofundar
no tema, consulte: MICELI, Sérgio. A noite da madrinha. o Paulo: Perspectivas, 1982. Ainda que Martin-
Barbero apoie a constatação da não unificação do mercado simbólico e sua expressão decorrente na
heterogeneidade da TV, faz uma ressalva a Miceli: não obstante na pesquisa de Miceli não fica esclarecido até
que ponto a não unificação do mercado simbólico decorre não apenas da lógica dos interesses da classe
dominante (caráter dependente), mas também da dinâmica e complexidade do universo dos dominados
(MARTIN-BARBERO, 2003:320).
22
supletivos na formação escolar daqueles setores sociais que se vêem excluídos do sistema
de ensino formal (MICELI, 1984:24).
Em pleno culo XIX, os índices de analfabetismo no
país continuam desanimadores.
A respeito do sistema educativo formal, segundo os dados do IBGE, a PNAD Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios, de 2006, mostra que a taxa de analfabetismo encontrada
entre pessoas a partir de 15 anos, foi de 10,5%, o que corresponde a 14,4 milhões de
indivíduos. Por outro lado, o estudo revelou grandes mudanças no quadro educacional do país
ao comparar seus resultados com aqueles obtidos pela mesma fonte no ano de 1996. As taxas
brutas de frequência à escola de alguns segmentos etários, em 2006, apresentaram
crescimento relativo muito significativo. Para as crianças de 0 a 3 anos de idade, os
percentuais dobraram de 7,4% para 15,5%. Na faixa seguinte, que vai dos 4 aos 6 anos, as
taxas passaram de 53,8% para 76,0%, o que significa um aumento de mais de 40%. para a
faixa etária de 7 a 14 anos acesso é praticamente universal o, não havendo discriminação de
gênero ou cor. Porém, o quadro é bem menos favorável para os adolescentes de 15 a 17 anos
de idade, faixa etária correspondente ao ensino médio:
Mesmo a taxa de acesso à escola tendo crescido de 69
,5% para 82,2%, entre 1996 e 2006,
é possível constatar que a taxa de frequência líquida, ou seja, a frequência deste grupo ao
ensino médio nível adequado para a faixa etária de acordo com o modelo educacional
vigente no País em 2006, não atinge sequer metade do segmento populacional: 47,1%.
Nos estados do Norte e Nordeste, a situação revelada pela PNAD mostra a precariedade
do sistema escolar, onde se encontram situações cujos percentuais não atingem a casa dos
30% os Estados do Pae Alagoas, com apenas 28,4% e 25,4%, respectivamente de
seus adolescentes frequentando o ensino médio (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, Síntese de Indicadores Sociais, 2007).
Nessa discussão que vimos sustentando, o M
S pode ser considerado como mediador
educativo se pensarmos no reconhecimento e inserção que a telenovela tem conquistado nos
lares brasileiros ao longo de 45 anos de existência. Essa inserção vê-se refletida não apenas
nos índices de audiência
16
atingidos, mas nos papéis social e cultural que tem desempenhado
como narrativa que vem expressando a realidade brasileira. Lopes define a telenovela
brasileira como:
(...) um exemplo de narrativa que, presente no cotid
iano das grandes cidades, ultrapassou
a dimensão do lazer, que impregna a rotina cotidiana da nação, construiu mecanismos de
interatividade e uma dialética entre o tempo vivido e o tempo narrado e se configura
16
Uma telenovela de sucesso da Rede Globo alcança, em média, 45 pontos de audiência. Cada ponto de
audiência equivale a 54,4 mil residências ou 178,3 mil telespectadores na Grande São Paulo. Fonte: "Páginas da
Vida" decola no ibope; veja top 5 da emissora. Folha de São Paulo, 26 de julho de 2006. Sítio:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u62818.shtml.Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
23
como uma experiência que é, ao mesmo tempo, cultural, estética e social. Como
experiência de sociabilidade, ela aciona mecanismos de conversação, de
compartilhamento e de participação imaginária. A novela tornou-se uma forma de
narrativa sobre a nação e um modo de participar dessa nação imaginada. Os
telespectadores se sentem participantes das novelas e mobilizam informações que
circulam em torno deles no seu cotidiano (LOPES, 2003:30).
E
stamos cientes que diagnosticar o nível educacional do país depende de múltiplas
variáveis. Não é nossa intenção dar um extenso panorama, mas, a partir de dados básicos,
traçar o esboço que permite imaginar uma pintura. Tampouco pretendemos depositar no MS a
redenção de uma modernização descompassada, nem cobrar dele o que as instituições
tradicionais, sob fomento governamental, têm a obrigação de fazer. O que pretendemos com
nossa pesquisa, através da abordagem geral da relação fião-realidade na telenovela, é
analisar como o MS se constitui a mediação de uma possível alfabetização secundária. Em
outras palavras, como se constitui numa ação pedagógica explícita, difusora de um saber
aplicável no cotidiano concreto.
Estando na sociedade da comunicação, cujas especificidades são as tecnologias de
produção do mundo como imagem (VATTIMO, 1992:23), é à análise da imagem que nos
voltamos. A mediação implica, então, que a construção discursiva do MS não saia do nada ou
da pura lógica comercial. Situando-nos na mediação desde o texto, esta implica uma dialética;
a do emissor-receptor, da escritura-leitura: Dialética que forma parte dos mecanismos por
meio dos quais o público é cativado, mas que na sua realização nos mostra como o mundo do
leitor incorpora-se ao processo de escrita inserindo-se nela e deixando suas marcas no texto
(MARTIN-BARBERO, 2003:177). A análise do MS se centrará, principalmente, no
desvendamento dos dispositivos de reconhecimento, quer dizer, dos dispositivos que
possibilitam ao receptor o acesso e a compreensão das mensagens educativas veiculadas.
Então, cabe questionar: Como o MS chega à telenovela? Como ele se constitui
narrativamente? Quais são esses dispositivos de reconhecimento? Como ele constrói sua
legitimidade como espaço de difusão de saber? Quais são as suas estratégias discursivas de
construção de verossimilhança e credibilidade? Como o autor, no caso, Manoel Carlos,
assume a partir da ficção a posição de autoridade pedagógica?
Para abordar tais indagações, trabalhamos baseados nas hipóteses a seguir.
24
1.4 Hipóteses
1. Existe um MS quando uma temática social em tratamento transforma-se numa
ação pedagógica explícita (BOURDIEU, 1975) ou deliberada. Inserções de MS são, portanto,
ações pedagógicas deliberadas atreladas à temática social em questão;
2. O caráter pedagógico do MS se constitui a partir da matriz cultural do
melodrama. Em sua comunicação pedagógica, guarda os resíduos de uma imaginação
melodramática (BROOKS, 1995) como dispositivos de reconhecimento.
3. A ação pedagógica ganha verossimilhança, como dispositivo de
reconhecimento, pelo caráter n
aturalista (XAVIER, 2005) da representação. Em sentido
complementar, ela ativa uma leitura documentarizante (ODIN, 1984) fazendo do MS um
produto cultural testemunha da sociedade de que é expressão;
4. O MS confirma a especificidade da telenovela brasileira como discurso híbrido
por combinar ficção e realidade, melodrama e realismo, dimensão imaginária e pedagógico-
social.
1.5 Objetivos
Essas preocupações e hipóteses nortearam o desenvolvimento da nossa pesquisa e
o representadas através dos seguintes objetivos:
Objetivo Geral
Possibilitar uma contribuição crítica sobre o MS, desvendando sua gênese, sua
constituição e seu funcionamento narrativo, e possibilitando a compreensão do papel social
que cumpre a telenovela na sociedade brasileira.
25
Objetivos Específicos
a) Teóricos
17
Analisar o MS a partir de uma perspectiva interdisciplinar, de acordo com a
exigência do atual campo de pesquisa em Comunicação.
Tentar conceituar o MS e revelar sua constituição como ação pedagógica
deliberada e explícita.
Possibilitar uma contribuição para a análise do MS como discurso híbrido que
sintetiza as dimenes da ficção e realidade, deixando inscritas as marcas da sociedade de que
é expressão.
Estabelecer uma genealogia do MS, procurando sua dimensão pedagógica no
teatro popular francês do século XIX e observar como essa matriz evoluiu até inscriver-se nas
lógicas de produção industrial na telenovela e no MS em particular. Ou seja, elaborar uma
perspectiva de análise a partir da mediação do nero.
Indagar acerca do MS a partir da perspectiva da produção da TV Globo,
analisando a origem do termo, de sua transposição para o social, evolução e metodologia de
criação. Ou seja, elaborar uma perspectiva de análise a partir da mediação da Produção.
Analisar o MS a partir da perspectiva autoral, através do exame do processo de
criação, do universo ficcional do autor, do compromisso do autor com a realidade social, da
sua preocupação com o naturalismo como forma de representação. Este aspecto está presente
tanto na perspectiva de análise a partir da mediação do Gênero quanto da Produção
Possibilitar uma contribuição para a análise qualitativa das inserções de MS
desvendando os dispositivos de construção da verosimilhança de sua comunicação
pedagógica: o naturalismo e a leitura documentarizante desde a perspectiva de análise a partir
da mediação da Produção (no sentido da construção da linguagem); dos componentes da
imaginação melodramática desde a perspectiva do nero.
17
A explicitação teórica da perspectiva das mediações para esta pesquisa está explicitada no tópico 1.6:
Processos metodológicos: amostragem e instrumentos de pesquisa, no ítem Considerações teórico-
metodológicas. A análise do merchandising social, a partir da mediação do Gênero, é desenvolvida nos
Capítulos III e V e da mediação da Produção, no Capítulo IV e VI.
26
b) Empíricos
18
:
Analisar o MS a partir do Estudo de Caso da telenovela Páginas da Vida, de
Manoel Carlos (TV Globo).
Explorar o máximo possível o MS, analisando sua estrutura discursiva a partir
da mediação do Gênero e da Produção.
Identificar uma tipologia de inserções de MS ou suas formas de enunciação.
Entrevistar profissionais da área de merchandising social da TV Globo.
Utilizar depoimentos e entrevistas de Manoel Carlos, autor de Páginas da
Vida, colhidas em jornais e revistas.
1.6 Processos metodológicos: amostragem e instrumentos de pesquisa
1.6.1 Amostragem
O corpus da pesquisa é a telenovela Páginas da Vida, de autoria de Manoel
Carlos, veiculada pela TV Globo entre 10 julho de 2006 e 2 de março de 2007. Dentro desta
unidade foi necessário mais um recorte: os capítulos da telenovela que continham cenas de
MS. A partir daí, delimitamos ainda mais a pesquisa ao optarmos somente pelas cenas,
necessariamente, de MS. Para chegarmos ao recorte final, trabalhamos sobre um corpus de
186 capítulos, o que configura 92% da totalidade da telenovela, que teve 203
19
capítulos
veiculados. O corpus de 186 capítulos foi constituído por: 160 capítulos (81%) gravados,
pelas pesquisadoras, concomitantemente a sua transmissão no ano 2006; 16 capítulos (9%)
fornecidos pelo CETVN-ECA; e 10 capítulos (5%) concedidos, na íntegra, pela TV Globo.
Consideramos que o corpus faltante, equivalente a 17 capítulos (8%), não teve expressiva
incidência nos resultados finais
20
.
A escolha por uma telenovela da TV Globo é baseada no fato da emissora ser a
maior produtora do produto audiovisual no Brasil e por ter sistematizado e padronizado o uso
de tal conceito, no caso o MS, neste tipo de fião. Quanto à escolha da telenovela ginas da
18
O Protocolo de coleta de dados pririos da pesquisa é descrito no tópico 1.6 Processos metodológicos:
amostragem e instrumentos de pesquisa, item 1.6.2 todos e Técnicas de coleta. A sua versão gráfica e
sistematizada pode ser consultada no Quadro 2. Protocolo de coleta de dados primários (Pág. 35).
19
Tradicionalmente, o último capítulo de toda telenovela é reprisado no dia posterior à sua primeira exibição. Ou
seja, veicula-se o último capítulo em primeira mão na sexta-feira, reprisando-o no sábado. Neste caso, a reprise,
transmitida no sábado, 3 de mao, foi desconsiderada da amostra.
20
Apesar da importante colaboração do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) da ECA-USP e da TV
Globo, uma pequena parte do material deixou de ser gravado. Porém, esses capítulos podem não conter cenas de
MS, o que torna a incidência relativa.
27
Vida, temos que seu autor, Manoel Carlos, é reconhecido como o teledramaturgo que mais
retrata o cotidiano brasileiro nas suas obras, da sua afinidade pelo tratamento de temáticas
sociais, característica que permite a inserção do MS. Não é por acaso que ele é, junto a Glória
Perez, um dos autores da emissora que mais incluem esse conceito nas tramas ficcionais.
1.6.2 Métodos e Técnicas de coleta
Em face dos objetivos e hipóteses estabelecidos, proe-se a adoção de quatro
métodos de pesquisa: a) Estudo de caso; b) Observação direta; c) Observação indireta
(entrevista); d) Análise de conteúdo.
a) Estudo de caso
O Estudo de Caso
21
caracteriza-se como um todo cujo objeto é uma unidade que
se analisa profundamente, visando o exame detalhado de um ambiente, de um simples sujeito
ou de uma situação particular. Dentro das possibilidades de um estudo de caso apontadas por
Yin (2005:63), a pesquisa direciona-se para um estudo de caso pico (em oposição a um
estudo de caso excepcional ou não usual) e único (em oposição a um estudo comparativo de
casos ltiplos). Assim, a telenovela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, é o estudo de caso
proposto para ser analisado, a partir do qual pretendemos responder às questões gerais de
“como” o MS chega à telenovela, “como” se constitui uma ação pedagógica e “comoele é
narrativamente construído.
O fato de ter como corpus uma telenovela ainda no ar quando o projeto de pesquisa
do presente estudo começou a ser desenvolvido, fez com que iniciássemos o levantamento do
material de maneira metódica, atendendo à exigência da exaustividade de corpus que impõe
um estudo de caso. Essa circunstância nos permitiu elaborar um registro bastante rigoroso e
sistemático do material de pesquisa e uma observação inicial que, mesmo permeada de senso
comum, foi fonte das primeiras inferências e hipóteses que seriam, em seguida, trabalhadas
metodologicamente.
21
O Estudo de Caso é uma forma de fazer pesquisa empírica que investiga fenômenos contemporâneos dentro
de seu contexto de vida real, em situações em que as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente estabelecidas, onde se utiliza múltiplas fontes de evidência (...) faz-se uma questão do tipo ‘como’ ou
‘porque’ sobre um conjunto contemporâneo de acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou
nenhum controle (YIN, 2005:28-33).
28
A vantagem do estudo de caso é que ele permite a utilização de diferentes técnicas de
coleta de dados e fontes de informação, sejam de ordem estatística, qualitativa ou histórica, e
de análise dos dados (tanto quantitativa como qualitativa). Considerando nossa abordagem
múltipla, um estudo de caso atende nossas necessidades de pesquisa.
Considerações teórico-metodológicas
O estudo de caso foi abordado metodologicamente a partir da metáfora do óculos”,
sendo as dimensões do Gênero e da Produção as duas partes analíticas que, juntas, nos
permitiram enxergar nosso objeto como uma unidade. Ambas as dimensões o consideradas
como mediações, no sentido lato sensu, uma vez que o conceito stricto senso é geralmente
operacionalizado em pesquisas de recepção
22
. Martín-Barbero define as mediações como:
e
sse “lugarde onde é possível compreender a interação entre o espaço da produção e o
da recepção: o que se produz na televisão o responde unicamente a requerimentos do
sistema industrial e a estratagemas comerciais mas também a exigências que vêm da
trama cultural e dos modos de ver (MARTÍN-BARBERO E MUNHOZ, apud LOPES,
BORELLI, RESENDE, 2002:39).
O conceito da m
ediação emerge de uma visão que integra os fenômenos de
comunicação por meio do binômio comunicação-cultura, e através do qual é criticado o
determinismo informacional e ideológico:
(...) a problemática da comunicação não participa apenas a título temático e quantitativo –
os enormes interesses econômicos que movem as empresas de comunicação – mas
também o qualitativo: na re-definição da cultura é chave a compreensão da sua natureza
comunicativa. Quer dizer, seu caráter de processo produtor de significações e não de mera
circulação de informações, onde o receptor não é mero decodificador do aquilo que o
emissor depositou nas mensagens, senão também um produtor (MARTIN-BARBERO,
2001: 299).
A
análise das mediações do Gênero e da Produção é trabalhada a partir da
apropriação e adequação da metodologia de Lopes, Borelli e Resende (2002).
A dimensão do nero é trabalhada a partir das contribuições de Martín-Barbero
(2001; e REY, 2004), Brooks (1995), Tomasseau (2005), Morin (1969), e autores nacionais
que têm se debruçado sobre o objeto telenovela, como Lopes (2002, 2003, 2004), Motter
22
Um caso exemplar de análise nessa perspectiva é a obra Vivendo com a telenovela, de LOPES, M.I.V.;
BORELLI, S.; E RESENDE, V. São Paulo: Summus, 2002. Esta obra inspirou a metodologia proposta no
trabalho.
29
(2003), Ortiz, Borelli e Ramos (1989), Baccega (2000-2001, 2001), Pallottini (1998), entre
outros.
A partir da perspectiva da Produção, a telenovela é concebida como um produto
televisivo submetido a condições específicas de produção; é um formato industrial. Essa
dimensão será abordada em dois aspectos: 1. A televisão enquanto modo de Organização
(produção organizativa da TV Globo e a questão autoral); 2. Análise do texto audiovisual.
Para desenvolver esta abordagem trabalharemos principalmente com as contribuições teóricas
de Mattelart (1987), Williams (1975, 1979), Fiske (1987), Xavier (1983,2003, 2005), Odin
(1984).
A partir do nero e da Produção buscamos reconhecer os elementos que dizem
respeito à construção do MS como ação pedagógica no cerne das relações entre ficção e
realidade, e cujo embasamento teórico é fornecido, principalmentem por Bourdieu (1975) e
Bakhtin (1981). Pretendemos indagar tanto acerca de sua nese – numa análise diacrônica
quanto sobre sua constituição imagética – numa análise sincrônica. O arcabouço teórico geral
é desenvolvido no capítulo II deste trabalho.
Essas duas mediações, dimensões de análise, são operacionalizadas no estudo de
caso a partir das seguintes operações metodológicas mencionadas: b) observação direta (a
telenovela); c) indireta (entrevista da TV Globo e depoimentos de Manoel Carlos na
imprensa); e d) análise do conteúdo. Estes procedimentos são explicitados a seguir e
descritos de forma sintética no Quadro 1 (página 34).
b) Observação direta
Uma das técnicas de observação (enquanto momento de obtenção de dados) aplicada
na pesquisa é do tipo direta
23
. Assim, o trabalho teve início com uma observação preliminar e
geral da telenovela ginas da Vida, em que identificamos as temáticas sociais em que o MS
foi veiculado. Numa segunda observação, nos detivemos no levantamento específico das
inserções de MS. A ferramenta utilizada para desenvolver essa observação e extrair dados
originais foi a Planilha de Identificação
24
. Em decorrência da observação preliminar,
23
A observação direta consiste em análise de documentos ou de imagens relativas ao fato. Este tipo de
observação consiste num sistema de questionamento que visa a captar uma informação que circula nos canais
dos meios de comunicação ou que é estocada em arquivos (THIOLLENT,1980:32).
24
As Planilhas de Identificação resultaram da adaptação e adequação da metodologia do Projeto OBITEL,
coordenado pela Profa. Maria Immacolata Vassallo de Lopes. O OBITEL - Observatório Ibero-Americano de
Ficção Televisiva - é uma rede de pesquisa integrado por 9 países (México, Venezuela, Colômbia, Chile,
Argentina, Brasil, Portugal, Espanha e Estados Unidos (de fala hispânica) que tem por objetivo realizar o
monitoramento dos programas de ficção oferecida pela televisão aberta. No Brasil, o Projeto está sendo
desenvolvido no Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) da Escola de Comunicações e Artes da USP.
30
utilizamos 5 Planilhas, uma para cada um dos MS identificados. Assim sendo obtivemos:
Planilha de Identificação 1: Síndrome de Down; Nº 2: AIDS; 3: Bulimia; Nº 4:
Alcoolismo; Nº 5: Adoção.
Com o propósito de desvendar a construção narrativa do merchandising social, a
Planilha de identificação foi dividida em dois setores, segundo a mediação abordada. Por um
lado, e desde a mediação da Produção, foram considerados Indicadores técnicos e Indicadores
culturais. Por outro, desde a mediação do Gênero, foram considerados os indicadores da
“imaginação melodramática”.
1. Planilha de Identificação – Mediação da Produção
Indicadores técnicos
: esses indicadores permitiram articular inferências a respeito do
comportamento dos MS ao longo da exibição da telenovela, da frequência e localização das
inserções por bloco dentro do capítulo e da duração das cenas de MS. Tratam-se de
categorias que contribuem para análise de fluxo (WILLIAMS, 1975) do MS. São elas:
- Número de ordem: indica a ordem sequencial de cada inserção.
- Número de capítulo: identifica o número de ordem do capítulo de exibido ginas da Vida.
- Data de emissão: indica o dia e o mês de exibição da cena de MS.
- Bloco: indica o número do bloco em que a inserção acontece.
- Timer: referência do tempo de gravação da cena no próprio material de pesquisa (Dado de
control interno).
- Duração da cena (Min): indicador de duração de cena expressado em minutos.
Indicadores culturais
: esse grupo de indicadores permitiram inferências qualitativas
acerca do MS e de sua sintaxe audiovisual. A partir deles, observamos o grau de presença de
cada um dos MS identificados, o conteúdo social e pedagógico veiculado por cada um deles,
o papel dasica em sua comunicação. Além disso, identificamos os personagens emissores
do MS e sua função social tanto quanto o lugar, ambiente e cenário social onde o MS é
encenado. Analisamos o sentido criado a partir da linguagem de planos e distinguimos uma
tipologia de inserções. Tais indicadores foram sistematizados e organizados da seguinte
forma:
31
1. Plano da Imagem:
1.1 Cenários:
- Cenário social: ambiente cotidiano onde acontece o MS (Ex. hospital, consulrio, apto.
familiar etc).
- Lugar: é preenchido conforme a cidade, ou bairro, ou região predominante da narrativa do
MS.
- Ambiente: pode ser classificado como urbano (ação desenvolvida em cidade) ou rural
(cenas ambientadas no campo com temáticas ligadas a esse ambiente).
1.2 Uso da câmara
- Planos: indica o tipo de plano utilizado na cena, segundo convenção de escala advinda do
campo do cinema.
1.3 Personagens
- Função social do personagem: corresponde a profissão ou papel social desempenhado pelo
emissor de MS no ato mesmo da enunciação (Ex. Médico).
- Especificidade: indica a especificidade do emissor de MS dentro do campo profissional (Ex.
Infectologista).
- Fala para: indica o nome da personagem destinatária do conteúdo do MS.
- Tipo de personagem: é preenchido conforme o grau de protagonismo do personagem
emissor de MS, em relação à telenovela em geral: Protagonista (P) ou Secundário (S). A
identificação é seguido pelo nome do personagem.
2. Plano de texto verbal
- Discurso: trata-se do conteúdo de MS. Segundo o caso, o conteúdo pode aparecer na
Planilha como comentário acerca do tratado, ou bem, como transcrição literal da cena (nesse
caso, a transcrição é citada ao final da correspondente Planilha e devidamente referenciada
nesta última).
- Tema: indica o tema social específico em que o MS se encaixa.
- Referência temática: categoria que permite a análise de conteúdo de cada MS, agrupando-o
segundo causas, consequências ou definições dos problemas sociais abordados.
3. Plano da Sonoridade
- Música/Som: é preenchido segundo a presença ou ausência de música ou som.
32
Por fim, Tipologia de cena: indica a forma em que o MS é comunicado ou
enunciado, conforme a análise dos personagens, planos e cenários. Identificamos três tipos:
Assimétrica, Simétrica e depoimento.
2. Planilha de Identificação – Mediação do Gênero
25
Tecnicamente, as categorias de análise desde a dimensão do Gênero nos auxiliam a
desvendar como opera o discurso do MS desde a matriz do melodrama. A “imaginação
melodramática” que pretendemos desvendar como “estratégia de comunicabilidade” do MS
reside na identificação dos elementos da configuração melodramática conforme trabalhados
por Brooks (1995): a) pedagogia moral b) reconhecimento c) sentimentalismo d)
maniqueísmo bem x mal e) herói/vilão f) música/som.
c) Observação Indireta
Estudando o MS inserido na telenovela enquanto produto, pretendemos indagar
acerca do processo produtivo. Para tal, fizemos uso da técnica da entrevista como instrumento
da observação indireta
26
. Por um lado, entrevistamos os responsáveis da área de
Merchandising da TV Globo, por outro, analisamos depoimentos do autor de Páginas da
Vida, Manoel Carlos. No primeiro caso, a entrevista foi semiestruturada (caracterizada pela
existência de um roteiro previamente preparado), e realizada por e-mail. No segundo caso,
utilizamos como base entrevistas dadas pelo autor à imprensa. (Veja Entrevistas no Anexo).
d) Análise de Conteúdo
Para desenvolver a primeira etapa de análise dos dados, a pesquisa utiliza a análise
de conteúdo
27
como método descritivo e “técnico”. A pesquisa considera a característica
estrutural da análise que visa identificar, sob a diversidade dos conteúdos particulares as
características constantes, para fazer surgir a estrutura que as especifica. Neste sentido, a
primeira etapa da análise faz um tratamento estatístico (quantitativo) das tabulações para
verificar concentrações, campos de sentido e índices de frequências dos indicadores culturais
25
As categorias são desenvolvidas de forma teórica no Capítulo III desta dissertação.
26
A observação indireta trata-se de um questionamento que consiste em submeter grupos de indivíduos a séries
de questões para obter respostas formuladas numa situação de comunicação artificial que é criada pela
presença dos investigadores (THIOLLENT, 1980:32).
27
Segundo aponta Kientz, as mensagens, produtos materiais da indústria da comunicação, prestam-se muito
mais facilmente às operações clássicas de análise: decomposição de um todo em seus elementos constituintes,
estudo das relações que esses elementos têm entre si. As mensagens são objetos materiais, suscetíveis de
medição e de quantificação. A análise de conteúdo decompõe-nos, recenseia os seus elementos, calcula as
frequências de aparecimento, apura as correlações (KIENTZ, 1973:21).
33
do MS veiculado na telenovela (Quadro 2, página 35). Nesta primeira fase analítica, os dados
o classificados, tabulados e apresentados em gráficos que apontam as primeiras inferências
gerais a respeito do objeto de estudo, na dimensão do Gênero e da Produção.
A Interpretação, segunda etapa da análise, é o momento em que o objeto empírico e
o objeto teórico se reúnem de forma dialética numa totalidade: o ponto de chegada na
pesquisa retoma o ponto de início. A partir do tratamento analítico prévio dos dados colhidos,
o quadro teórico de referência fornece os métodos interpretativos de análise dos dados,
momento em que a pesquisa aspira atingir o caráter científico.
O modelo metodológico
28
abordado neste trabalho forma-se como um tecido de fases
(Construção do objeto, Observação, Descrição, Interpretação) e níveis (Epistemológico,
Teórico, Metódico e Técnico) interdependentes. Essa trama, acrescenta Lopes (2005), impede
que a metodologia vire um receituário de “como fazer” a pesquisa e que o projeto, fixado no
início, seja convertido numa verdadeira camisa-de-força que transforma o processo de
pesquisa num ritual de operações rotineiras (2005:98).
Uma vez explicitado os marcos do debate da pesquisa e a proposta de estudo no que
se refere a problemas, hipóteses, objetivos e métodos, nosso próximo passo é explicitar os
conceitos teóricos que fundamentam a abordagem do nosso objeto. Começamos, então, a
trilhar o caminho da pesquisa que, como toda viagem de metodologia, é sempre uma
aventura.
28
Sobre o modelo metodológico, ver LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em Comunicação. São
Paulo: Loyola, 2005.
34
Nivel: Fonte: Lugar: Discurso:
Plano da
dimeno ou
inserção
estrutural da
mediação
Mediação tomada
através de sua
caracterização em
objetos observeis
Perspectiva
de análise
Âmbito de discuro em que a
mediação se insere
Gênero ficcional Produto Semântica (relação dos signos
com o que representam)
Produção
Sintaxe (relações dos signos
entre si)
Depoimento de profissionais
* Veja decomposição de categorias de análise em Quadro 2. Protocolo de coleta de dados primários
** Veja ANEXO
Instrumentos de coleta de
Planilhas de Identificação*
Planilhas de Identificação*
Análise de dados
Análise de contéudo
Método técnico-descritivo:
instância analítica que
posisbilita infencias
atras do ordenamento
dos dados (tabulações)
Técnicas de observação utilizadas
na situação de coletas de dados,
a fim de transformar as
informações em dados
Quadro 1. Quadro metodológico. Caracterização analítica das mediações
cnico
Observação direta
Médoto de coleta de dados:
ESTUDO DE CASO: Merchandising social em Páginas da Vida (Corpus)
Produção
Observação direta
Observação indireta Entrevista**
Instância de reconstrução
empírica da realidade
35
A1 ) Produção
- Lugar
- Ambiente
- Fala para...
2.1 Discurso
2.2 Tema
3.1 Música/Som
4. Fluxo
4.4 Bloco
4.5 Timer
Quadro 2. Protocolo de coleta de dados primários
A. Planilha de Identificação (Leitura de texto audiovisual)
A2) Gênero (Produto)
1.Plano da Imagem 1. Categorias da imaginação melodramática:
1.1 Cenários
- Cenário social
1.1 Pedagogia moral
1.2 Reconhecimento
1.2 Uso da Câmera - Planos 1.3 Sentimentalismo
1.3 Personagens
- Função social do personagem 1.4 Maniqueísmo BEM x MAL
- Especificidade 1.5 Herói/Vilão
1.6 Música/Som
-Tipo de Personagem
2. Plano de Texto verbal
2.3 Referência tetica
3. Plano da Sonoridade
4.1 Número de ordem
4.2 Número de capítulo
4.3 Data de emissão
4.6 Duração da cena
5. Tipologia de cena
B. Entrevista com Flávio Oliveira Gerente de Projetos Sociais da Central Globo de Comunicação
C. Entrevistas e Matérias sobre Manoel Carlos e sua obra
D. Entrevistas e Matérias sobre merchandisings em telenovela e sobre aspectos destacados da produção de Páginas da Vida
- Veja ANEXOS -
Capítulo II
A armação teórica de nossos óculos
37
No capítulo anterior expusemos o cenário atual de des-centramento das identidades e
da experiência social, da fragmentação da vida cotidiana, e de como a mídia, especialmente a
televisão, aparece como a mediadora entre as transformações que a globalização acarreta e as
mudanças nas práticas cotidianas. Assinalamos que uma dessas transformações foi a expansão
da televisão com a decorrente explosão de informões e saberes disseminados. Como
ninguém sobrevive sem o sentido da unidade, a televisão, através de seus formatos, traz para
nós narrativas da realidade, fornecendo referências comuns para reconstruirmos o mundo que
se apresenta a nós cada dia mais caótico; o sentido da realidade é, então, uma construção
narrativa que está presente desde o telejornal
29
até a telenovela. Esse panorama acelerado pela
globalização traz, entre outras mudanças epistemológicas, a secularização do saber que sai
dos lugares sagrados livros, escola, professores para circular por meio das representações
sociais construídas através das gramáticas tecnoperceptivas da televisão, junto ao o rádio,
cinema e internet. O que emerge é uma outra cultura, outro modo de ver e de ler, de aprender
e de conhecer; uma segunda alfabetização (MARTÍN-BARBERO; REY, 2004) aberta pelo
mundo do audiovisual, da oralidade e da informática. Reconhecer essa alfabetização é
reconhecer as práticas que conformam a multiculturalidade na América Latina:
P
or mais escandaloso que pareça, é um fato cultural incontornável que as maiorias da
América Latina estão se incorporando à, e se apropriando da, modernidade sem deixar sua
cultura oral, isto é, não por meio do livro, senão a partir dos neros e das narrativas, das
linguagens e dos saberes, da indústria e da experiência audiovisual. (...) O que portanto,
necessitamos pensar é a profunda compenetração a cumplicidade e complexidade que
hoje se produz na América Latina entre a oralidade, que perdura como experiência cultural
das maiorias, e a visualidade tecnológica, essa forma de oralidade secundária tecida e
organizada pelas gramáticas tecnoperceptivas do rádio, e do cinema, do vídeo e da
televisão. Porque essa cumplicidade entre oralidade e visualidade não remete aos
exotismos de um analfabetismo terceiro-mundista, mas a persistência de estratos
profundos da memória e da mentalidade coletiva jogados à superfície pelas bruscas
alterações do tecido tradicional, que a própria aceleração modernizadora comporta
(MARTÍN-BARBERO; REY, 2004:47).
Essa colocação nos posiciona face à questão dos meio
s como mediadores: o lugar de
encontro entre as necessidades da sociedade e as suas demandas produzidas pelas mudanças
sociais, e a resposta que os meios constroem aí, onde a representação política encaradas nas
instituições tradicionais não é suficiente. Essas respostas não têm qualquer lógica, mas a sua
própria lógica vem do tecido cultural em que essas necessidades surgem e do qual também os
meios fazem parte, essa mediação é um espo de comunicação. O conceito de mediação,
29
Nessa perspectiva, destacam-se os trabalhos de: VERÓN, Eliseo. Construir el acontecimento, Barcelona:
Gedisa, 1981; MOTTER, Maria Lourdes. Ficção e História Imprensa e construção da realidade, São Paulo:
Arte & Ciência, Villipress, 2001.
38
geralmente considerado como perspectiva de análise de recepção, nesse trabalho é ampliado:
o meio é a mediação, especificamente o MS na telenovela, cuja expressividade material é o
texto audiovisual.
Para começar a trilhar o caminho que nos conduzirá às respostas pertinentes ao
questionamento da maneira que o MS se constitui como “ação pedagógica“, sendo um
possível mediador de uma “alfabetização secundária, expomos o quadro teórico principal
para onde envereda nossa pesquisa: a noção de merchandising, e principalmente, as
contribuições dos Estudos Culturais, Sociologia da Educação e a Filosofia da Linguagem.
2.1 O que é merchandising social
O termo merchandising provém de uma área específica do campo da comunicação
que é o marketing. Ao marketing estão associadas as atividades de criar, promover e distribuir
produtos, em consonância com a capacidade de produção de uma empresa e com a demanda
do momento ou potencial. Na acepção clássica, marketing é
A
análise, o planejamento, a implementação e o controle de programas cuidadosamente
formulados e projetados para propiciar trocas voluntárias de valores com mercados-alvo,
no propósito de atingir os objetivos organizacionais. Depende intensamente do projeto da
oferta da organização, em termos das necessidades e desejos dos mercados-alvo, e no uso
eficaz da determinação de preço, da propaganda e da distribuição, a fim de informar,
motivar e servir os mercados (KOTLER, 1978:20).
A
atividade envolve, então, um conjunto de procedimentos voltados a obtenção de
lucro. Uma forma de execução do marketing é o merchandising que consiste na comunicação
da oferta no ponto de venda, utilizando displays, cartazes, amostras grátis etc., visando
destacar e valorizar a presença do produto nos estabelecimentos de varejo (KUNSCH,
2003:78). Apesar do descontentamento dos profissionais do meio, o termo ganhou uma nova
definição ao ser aplicado à mídia. A aplicação específica do termo na mídia e, em particular,
na telenovela, passou a significar:
A
publicidade impcita que se faz no interior da ficção, durante o decorrer da ação na
telenovela. Criada no texto pelo próprio autor, essa publicidade é inserida no fluxo
narrativo, na corrente ficcional, e dela passa a fazer parte. Difere da publicidade comum,
que aparece desligada da fião, é explícita e se assume como tal, o merchandising
disfarça e tenta passar pelo que não é (PALLOTINI, 1998:128).
39
O comum denominador entre a acepção clássica e sua implementação na mídia é o
planejamento das ações para colocar o produto ou o serviço no mercado ou promover sua
venda eliminando a concorrência. O merchandising é, portanto, uma ferramenta de
comunicação e marketing que serve de apoio às ações de propaganda e de promoção. Isso
significa que sua função é lembrar, informar e tentar persuadir o consumidor à compra de um
determinado produto. Para tal, existem técnicas de exposição de produtos, além de uma série
de materiais de apoio destinados a chamar a atenção do consumidor para que este efetue a
compra.
no cerne da transposição do termo merchandising comercial para o social, subjaz a
matriz mercadológica do marketing, agora associada ao produto social; em outras palavras, às
estratégias de marketing social. O termo marketing social apareceu pela primeira vez, em
1971, para descrever o uso de princípios e técnicas de marketing para a promoção de uma
causa, ideia ou comportamento social. O marketing social relaciona-se com a política de
responsabilidade social das empresas que têm como função a criação de novas propostas de
ação norteadas pela ética e pela moral, com o objetivo de beneficiar toda sociedade. Kotler
(1992) assinala que:
D
esde então o termo passou a significar uma tecnologia de administração da mudança
social, associada ao projeto, à implementação e ao controle de programas voltados para o
aumento e da disposição de aceitação de grupos de adotantes escolhidos como alvo.
Recorre a conceitos de segmentação de mercado, pesquisa de consumidores,
desenvolvimento e teste de conceitos de produtos, comunicação direta, facilitação,
incentivos e teoria de troca, para maximizar a resposta dos adotantes como alvo. A
instituição patrocinadora persegue os objetivos de mudança na crença de que eles
contribuirão para o interesse dos indivíduos ou da sociedade (1992:25).
O
desdobramento dessa matriz pode ser compreendida melhor segundo o quadro a
seguir:
40
Quadro 3. Os quatro “P” do marketing comercial e Social
Fonte: Schiavo, 1999
Do mesmo modo que o merchandising comercial é uma via de execução do
marketing comercial, o MS o é do marketing social. O MS passou a ser considerado como:
a
inserção intencional e motivada por estímulos externos de questões sociais nas tramas das
telenovelas. Através do merchandising social, criam-se oportunidades para interagir com as
telenovelas, compondo momentos da vida dos personagens e fazendo com que eles atuem
como formadores de opinião e/ou introdutores de inovações sociais. Enquanto estratégia de
mudança de atitudes e adoção de novos bitos, o merchandising social é instrumento dos
mais eficientes, tanto pelo elevado número de pessoas que atinge quanto pela forma como
demonstra a efetividade do que está sendo promovido (SCHIAVO, 1995:100).
O MS não envolve custos como o merchandising comercial, mas tem um
compromisso ideológico com o pensamento do autor ou da emissora de televisão. O custo é a
parte que o consumidor deve dar em troca dos benefícios da inovação. Conforme o quadro
acima, esse preço pode ser intangível (mudanças de crenças ou hábitos) ou tangível (tempo,
esforço pessoal, custo de locomoção).
OS QUATRO
"P"
MARKETING
COMERCIAL
MARKETING SOCIAL
PRODUTO
Todo e
qualquer bem
de consumo
dispovel no
mercado
É o conceito que se deseja
transmitir, aquilo que se procura
transformar na conduta da
audiência
PREÇO
Custo total do
produto, pago
pelo
consumidor
O que o "consumidor" dever dar
em troca para receber os
benefícios da inovação. Este
pro pode ser intangível
(mudaa de crenças ou hábitos)
ou tangíveis (tempo, esforço
pessoal, custo de locomão
etc.)
PROMÃO
Como se
divulga o
produto no
mercado
(propaganda)
Como se promove o conceito
(ações de informação, educação
& comunicação)
PONTO
São os
diferentes
locais em que
o produto pode
ser adquirido
Lugares onde o benecio pode ser
encontrado, incluindo os
diferentes canais utilizados para
alcançar as diversas audiências.
41
A partir dessas noções, e a fim de revelar nosso objeto, questionaremos o uso do
merchandising comercial na telenovela brasileira na condição de estratégia tanto de
financiamento de produção quanto de construção de verossimilhança. em relação a sua
transposição para o social, discutiremos o contexto de aparão do termo na telenovela, seu
encaixamento no discurso de responsabilidade social da TV Globo e, o diálogo que o
merchandising social mantém com a telenovela socioeducativa do modelo de produção do
Entretenimento-Educação. Não obstante, ao trabalhar a hitese do MS como “ação
pedagógica deliberada”, recorremos a contribuições teóricas que estão além do campo do
marketing. Propomos assim, uma resolução teórica para a análise do MS que encerre noções
de discurso pedagógico, de legitimidade e da telenovela como produto cultural e enunciação
social.
2.2 A telenovela como “forma cultural”
Os Estudos Culturais surgiram na Inglaterra, no Centre for Contemporary Cultural
Studies (CCCS), com Richard Hoggart, em 1964. O eixo principal desse Centro é a relação
entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e
práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais. Três
textos são considerados as fontes
30
dos Estudos Culturais do final dos anos 1950:
R
ichard Hoggart com The Uses of Literacy (1957), Raymond Williams com Culture and
Society (1958) e E. P. Thompson com The Making of the English Working-class (1963). O
primeiro é em parte autobiográfico e em parte história cultural do meio do século XX. O
segundo constrói um histórico do conceito de cultura, culminando com a ideia de que a
"cultura comum ou ordinária" pode ser vista como um modo de vida em condições de
igualdade de existência com o mundo das Artes, Literatura e Música. E o terceiro
reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular a
história "dos de baixo" (ESCOSTEGUY, 2006:1).
Embora os autores não tenham uma intervenção coordenada entre si, revelam um
leque comum de preocupações que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.
30
Embora não seja citado como membro do trio fundador, a importante participação de Stuart Hall na formação
dos Estudos Culturais britânicos é unanimemente reconhecida (ESCOSTEGUY, 2006:3). Para aprofundar a
evolução das propostas teóricas e objetos de estudo dos Estudos Culturais, consultar: ESCOSTEGUY, Ana
Carolina D.. Cartografias dos estudos culturais: uma versão latino-americana. Belo Horizonte: Editora
Autêntica, 2001. 250 p. ou acesse http://www.pucrs.br/famecos/pos/cartografias/teoria.php. Último acesso em:
14 de dezembro de 2008.
42
O que os une é uma abordagem que insiste em afirmar que através da análise da cultura de
uma sociedade – as formas textuais e as práticas documentadas de uma cultura – é
possível reconstituir o comportamento padronizado e as constelações de ideias
compartilhadas pelos homens e mulheres que produzem e consomem os textos e as
práticas culturais daquela sociedade. É uma perspectiva que enfatiza a “atividade
humana”, a produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo (STOREY,
1997:46, apud ESCOSTEGUY, 2006:3).
O
conceito de cultura é, então, ampliado. Por um lado, ela não é uma entidade
homogênea, mas manifesta-se de maneira diferenciada em qualquer formação social ou época
histórica. Por outro, não significa apenas sabedoria recebida ou experncia passiva, mas um
grande número de intervenções ativas expressas por meio do discurso e da representação
que podem tanto mudar a história quanto transmitir o passado. A perspectiva dos estudos
culturais britânicos pode relacionar a produção, a distribuição e a recepção culturais às
práticas econômicas que estão, por sua vez, intimamente relacionadas à constituição do
sentido cultural.
As práticas culturais são simultaneamente estudadas como formas materiais e
simbólicas, dando atenção àquelas formas de expressão não tradicionais, consideradas tão
constitutivas de uma formação cultural quanto as artes. Contra o binarismo cultura alta/baixa,
superior/inferior, a cultura popular alcança legitimidade, transformando-se num lugar de
atividade crítica e de intervenção.
Os Estudos Culturais postulam que a criação cultural se situa no espaço social e
econômico dentro do qual a atividade criativa é condicionada, fugindo da leitura determinista
ou mecanicista que tem recaído sobre a teoria marxista. Nesse sentido, o estudo dos meios de
comunicação de massa e seus produtos culturais não deve limitar-se apenas à influência
econômica: existem várias forças determinantes – econômica, política e cultural – competindo
e em conflito entre si, compondo aquela complexa unidade que é a sociedade. Como aponta
Wolf,
O efeito ideológico global da reprodução do sistema
cultural operada através dos mass
media, sobressai pela análise de várias determinações (internas e externas ao sistema das
comunicações de massa) que vinculam ou libertam as mensagens dentro das práticas
produtivas e atras delas. De tais práticas é explicitado sobretudo o caráter
estandardizado, redutor, que favorece o status quo, mas que é também, simultaneamente,
contraditório e variável (1999:109).
A
relação entre a base material (cotidiano) e a superestrutura (nível ideológico
meios de comunicação) não é de oposição, mas dialética:
A complexidade da reprodução cultural surge em primeiro plano, assim como se torna
clara a ligação entre o sistema cultural e as atitudes dos indivíduos. O comportamento do
43
público é orientado por fatores estruturais e culturais, que por outro lado, influenciam o
conteúdo dos mass media, precisamente pela capacidade de adaptação e de englobamento
destes últimos. Para além disso, esses fatores estruturais favorecem a institucionalização
dos modelos “aprovados” de utilização dos mass media e do consumo dos produtos
culturais (WOLF, 1999:109).
N
essa linha de preocupações, Raymond Williams estuda a televisão como forma
cultural (1975,1979): produto social e cultural nascido da relação dialética entre base e
superestrutura, focando especificamente a relação entre tecnologia e sociedade. Na sua obra
Television: technology and cultural form (1975), a partir da premissa a TV mudou o mundo,
Williams estabelece nove afirmações que constituem dois paradigmas diferentes, tendo
perpassado o debate acerca das tecnologias: o determinista e o sintomático
31
. Ambos contêm
uma ideia de autogeração tecnológica abstraída da sociedade. O autor defende que a
sociedade demonstra impulsos que motivam a construção de mudanças e recoloca a
concepção de materialismo histórico na categoria de “demandas sociais”:
P
ara mudar estas vies s precisamos de um esforço intelectual prolongado e
cooperativo. Mas no caso da televisão talvez seja possível desdenhar um outro tipo de
interpretação, que nos permita ver o apenas a sua história mas também os seus usos de
uma forma mais radical. Uma interpretação deste tipo difere do determinismo tecnológico
na medida em que recupera a noção de intenção ao processo de pesquisa e
desenvolvimento de meio. Desta forma a tecnologia é vista, vamos dizer assim, como
sendo construída, buscada e desenvolvida com certos propósitos e práticas em mente.
Ao mesmo tempo, a interpretação seria diferente da sintomática no sentido de que os
propósitos e práticas o vistos como diretos: como demandas sociais conhecidas,
propósitos e práticas para os quais a tecnologia não é marginal, mas central (WILLIAMS,
1975:14).
A
televisão, portanto, não apenas produz efeitos; é parte da história, da cultura; é
expressão da sociedade na qual está inserida. Como assinalam Lopes, Borelli e Resende,
acompanhando o raciocínio de Williams, a TV pode ser compreendida ela própria como um
efeito que vem na esteira de consequências provocadas por mudanças sócioeconômicas
substantivas e de amplo espectro (2002:312).
O autor britânico destaca que as respostas tecnológicas para as demandas sociais
decorrem menos das demandas em si e mais do papel que elas desempenham em uma
formação social existente: Uma demanda que corresponde às prioridades dos grupos de
decisão atrairá, é claro, mais rapidamente o investimento, recurso e permissão oficial,
aprovação ou fomento, de que depende uma tecnologia em desenvolvimento (WILLIAMS,
31
Para ampliar, vide: WILLIAMS, Raymond. Television: technology and cultural form, Nova York: Shocken
Books, 1975, pp. 11-14.
44
1975:19). Quer dizer que as formas culturais expressam o embate pela hegemonia, como
veremos mais adiante.
A televisão é, pois, efeito de mudanças sociais mais amplas, enquanto os formatos
o as formas culturais, decorrentes da própria história da televisão
32
.
Estas colocações nos interessam uma vez que o autor está assinalando o conceito de
forma cultural como uma mediação e o papel constitutivo que a tecnologia desempenha
nessas formas. Neste sentido, e a partir da perspectiva de análise do Gênero e da Produção
encarada em nosso trabalho, consideramos o MS como um discurso desenvolvido dentro da
telenovela como forma cultural, quer dizer, como efeito de uma história da telenovela que, em
diálogo com seu contexto social, foi estreitando cada vez mais as fronteiras entre a ficção e a
realidade. O MS é expressão da história da telenovela (aspecto diacrônico) e expressão da
realidade social que o circunda (aspecto sincrônico).
Dentro das perspectivas dos Estudos Culturais, as tecnologias, num sentido amplo,
o efeitos e produzem efeitos, mas estes últimos não podem ser determinados, uma vez que a
tecnologia pode ser apropriada por outros grupos sociais com interesses contrários. Esta visão
se opõe à concepção determinista e funcionalista que permeia a linha teórica desenvolvida
pela Escola de Frankfurt
33
. Se por um lado, essa perspectiva possui o mérito de abrir o
paradigma da teoria crítica da cultura e da comunicação de massa, concebe a indústria cultural
(Dialética do Iluminismo, Horkheimer e Adorno, 1947) como um sistema de dominação
totalitário:
Se “no século XVIII, o próprio conceito de cultura p
opular, voltado para a emancipação
da tradição absolutista e semifeudal, tinha um significado de progresso, acentuando a
autonomia do indivíduo como ser capaz de tomar decisões” (Adorno, 1953:383), na época
atual, a indústria cultural é uma estrutura social cada vez mais hierárquica e autoritária
transformam a mensagem de uma obedncia irreflexiva em valor dominante e avassalador
(WOLF, 1999:87).
S
egundo a Escola de Frankfurt, o mercado de massas impõe estandardização e
organização, enquanto os gostos dos públicos e as suas necessidades impõem estereótipos e
baixa qualidade. Prontos para serem consumidos descompromissadamente, os produtos da
indústria cultural refletem o modelo do mecanismo econômico que domina o tempo do
32
Dessa maneira, Williams propõe o estudo: 1) da história do meio em seu desenvolvimento histórico; 2) como
aparato cnico cujos formatos se desenvolvem a partir de formas anteriores combinando-se com o novo dado
tecnológico ou surgindo como alternativas; 3) como expressividade da cultura (análise do fluxo). WILLIAMS,
Raymond. Television: technology and cultural form, Nova York: Shocken Books, 1975. Capítulos: 3 e 4.
33
Perspectiva teórica nascida na Alemanha, nos anos 30-40, no contexto de crise liberal burguesa, ascensão do
fascismo na Europa, regressão do movimento socialista na Europa e progressão da sociedade de consumo nos
Estados Unidos.
45
trabalho e do lazer: consumir entretenimento é efetivar a reprodução social, significa a perda
da autonomia para o disciplinamento e o conformismo. Enfim, a racionalidade técnica é a
racionalidade do próprio domínio (HORKHEIMER; ADORNO, 1947:131, apud WOLF,
1999:85), logo, a razão crítica é incorporada pela razão técnica e a ideologia torna-se a própria
realidade. Essa teoria crítica ao capitalismo escomprometida com uma visão elitista: a “alta
cultura” única forma de transcendência é degradada pela lógica do mercado. Por outro
lado, as formas “inferiores” perdem, através de sua domesticação, a capacidade de resistência
que lhe era inerente enquanto o controle social não era onisciente.
Em suma, o que os Estudos Culturais trazem, frente a essa leitura mecânica da
superestrutura como mero reflexo da infraestrutura, é o conceito de “hegemonia”. Esse
conceito nos ajuda a pensar o MS como lugar de luta pela significação, ou seja, não como
mera imposição de sentidos, mas de negociação: como um mediador. Um lugar de produção
de sentido que não responde apenas a interesses burocráticos, mas a demandas que provêm do
tecido social cotidiano e que são materializadas em um texto cultural (o texto gênero e
produção – como mediador entre o emissor e o receptor).
A revisão da teoria marxista, feita por Antonio Gramsci através do conceito de
hegemonia, considera que a sociedade capitalista é dividida em classes desiguais, portanto, a
cultura como processo global deve reconhecer a instância de domínio e subordinação e a
dinâmica que se estabelece entre elas. As reflexões sobre o bloco histórico, ou seja, sobre o
vínculo orgânico entre a estrutura e a superestrutura, desembocam nos estudos sobre o terreno
cultural e o papel dos intelectuais, que no estudo da cultura de massa seriam, em nosso caso
específico, os autores de telenovela e a estrutura produtiva em que se encaixam.
Segundo Martín-Barbero,
O
caminho que levou as ciências sociais críticas a se interessarem pela cultura, e
particularmente pela cultura popular, passa em boa parte por Gramsci. (...) nos interessa
assinalar unicamente o papel jogado pelo pensamento de Gramsci no desbloqueamento, a
partir do marxismo, da questão cultural e da dimensão de classe na cultura popular. Está,
em primeiro lugar, o conceito de hegemonia elaborado por Gramsci, possibilitando pensar
o processo de dominação social não como imposição a partir de um exterior e sem
sujeitos, mas como um processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em que
representa interesses que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes
subalternas. E ‘na medida’ significa aqui que não hegemonia, mas sim que ela se faz e
desfaz, se refaz permanentemente num ‘processo vivido’, feito não só de força mas
também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução e de cumplicidade.
O que implica desfuncionalização da ideologia nem tudo o que pensam e fazem os
sujeitos da hegemonia serve à reprodução do sistema – e uma reavalião da espessura do
cultural: campo estratégico na luta para se tornar espaço articulador dos conflitos
(MARTIN-BARBERO: 2001:116).
46
Assim, a relação da comunicação das indústrias culturais com o público deixa de ser
pensada em termos de dominação para ser pensada em termos de negociação. Os produtos
culturais oferecidos terão significado e valor a partir do contexto social onde vivem esses
receptores, suas próprias formas de vida, suas identidades culturais. Mas, para que essa
negociação se realize, tanto produtores como receptores se encontram num lugar comum: a
linguagem. O problema da hegemonia ou da dialética entre base e superestrutura concerne,
como veremos logo, à Filosofia da Linguagem.
2.3 Merchandising social como ação pedagógica
Na obra A reprodução (1975)
34
, Pierre Bourdieu apresenta uma análise sobre a Ação
Pedagógica (AP), a Autoridade Pedagógica (AuP), o Trabalho Pedagógico (TP) e o Sistema
de Ensino, como instrumentos utilizados pela educação, a fim de dar continuidade à meta
reprodutivista social. O conceito de ação pedagógica foi pensado para a escola e a família
como instituições reprodutoras, sendo os pais e os professores as autoridades legítimas para
seu exercício. Porém, o conceito não foi pensado para os meios de comunicação e para a
prática de uma educação não formal. Portanto, propomos uma adequação transdisciplinar a
partir da operacionalização do conceito, uma vez que o consideramos aplicável para a análise
do MS.
Para Bourdieu (1975), a ação pedagógica é um tipo de violência simbólica
35
que
impõe uma cultura arbitrária
36
de um grupo ou classe a outros grupos ou classes, por meio de
um poder que a leva a ser reconhecida como legítima. Segundo o autor, a ação pedagógica
primordial, tida como principal e primeira, é a ação pedagógica familiar. Em seguida virá a do
âmbito escolar, que a escola é uma instituição legitimada pela sociedade. A violência
34
Bourdieu constrói sua reflexão teórico-crítica a partir da análise do sistema educacional francês, justamente na
segunda metade dos anos 1960, quando o Estado alardeava o sucesso das políticas de democratização do ensino.
Desde então, ele não deixaria de aprofundar e afinar seus questionamentos e de revelar (com dados
incontestáveis) a persistência de desigualdades profundas no que concerne ao acesso, à permanência, às
diferenças entre percursos escolares, conforme as classes sociais, o sexo, a origem sócioprofissional, o local de
moradia (NOGUEIRA, 2002).
35
Violência simbólica é todo poder que chega a impor significações como legítimas, dissimulando as relações
de força que estão em sua base, acrescentando ao tempo sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a
essas relações (BOURDIEU, 1975:19).
36
O ponto de partida do raciocínio de Bourdieu talvez se encontre na noção de arbitrário cultural (não
proveniente da antropologia). Para Bourdieu, a cultura consagrada e transmitida pela escola não seria
objetivamente superior a nenhuma outra. O valor que lhe é concedido seria arbitrário, não estaria fundamentado
em nenhuma verdade objetiva, inquestionável. Apesar de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente
reconhecida como a cultura legítima, como a única universalmente válida.
47
simbólica da AP é arbitrária em dois sentidos. Em um primeiro sentido, pelo caráter arbitrário
da imposição,
n
a medida em que as relações de força entre os grupos ou classes constitutivos de uma
formação social compõem o fundamento do poder arbitrário que é a condição da
instauração de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, de imposição e inculcação
de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e inculcação
(educação) (BOURDIEU, 1975: 21).
É, em um segundo sentido, pelo caráter arbitrário do conteúdo imposto:
na medida em que a delimitação objetivamente implica no fato de impor e de inculcar
certas significações, convencionadas, pela seleção e a exclusão que lhe é correlativa, como
dignas de ser reproduzidas por uma AP, re-produz (no duplo sentido do termo) a seleção
arbitrária que um grupo ou uma classe opera objetivamente através de seu arbitrário
cultural (BOURDIEU, 1975: 22).
N
a perspectiva de Bourdieu, a conversão de um arbitrário cultural em cultura
legítima pode ser compreendida quando se considera a relação entre os rios arbitrários
em disputa em uma determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou classes
sociais presentes nessa mesma sociedade. Aqui cabe colocar a noção de campo desenvolvida
por Bourdieu:
O
campo científico enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em
lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em
jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de
maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou se quisermos, o
monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de
agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente
outorgada a um agente determinado (BOURDIEU, 1983:122).
N
o caso das sociedades de classes, a capacidade de legitimação de um arbitrário
cultural corresponderia à força da classe social que o sustenta. De um modo geral, os valores
arbitrários capazes de se impor como cultura legítima seriam aqueles sustentados pela classe
dominante.
Toda ação pedagógica desenvolve-se através de processos de comunicação,
dependendo das condições sociais de imposição ou inculcação. Assim, faz-se necessário que o
emissor, no ato de comunicação, tenha o poder de impor a mensagem ao receptor, que a
recebe, de uma forma também imposta. É assim que se demonstra a dupla arbitrariedade da
ação pedagógica: a da imposição/inculcação de conteúdo e a da ppria seleção/exclusão de
conteúdos, resultantes das relações de força (material) entre os grupos ou classes de uma
determinada formação social. Para Bourdieu, portanto, a cultura escolar, socialmente
48
legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes.
Bourdieu observa, no entanto, que a autoridade alcançada por uma ação pedagógica, ou seja, a
legitimidade conferida a essa ação e aos conteúdos que ela transmite, seria proporcional à sua
capacidade de se apresentar como não arbitrária e não vinculada a nenhuma classe social.
O conceito de ação pedagógica deve ser compreendido como uma relação de
comunicação, istó é, como um ato de fala, como uma enunciação. Porém, esta comunicação é
do tipo pedagógica ou que supõe uma operação de seleção/combinação de um conteúdo
socialmente legitimado (Enunciado) e transmitido por meio de emissores com competência
reconhecida para fazê-lo (Enunciadores). Assim sendo, deslocando o conceito de ão
pedagógica para o MS, assumimos este último como um discurso, sendo nosso principal
objetivo desvendar sua construção. No nível do enunciado, ou do conteúdo veiculado no MS
de Páginas da Vida, o autor Manoel Carlos selecionou/combinou informações e explicações
em torno de cinco temas sociais: Síndrome de Down, Aids, Alcoolismo, Bulimia e Adoção.
Entendendo o discurso como um campo ou como areia de luta de classes (BAKHTIN, 1981),
o MS veiculado constrói suas próprias estratégias de legitimidade e verossimilhança. Essa
estratégia recai, principalmente, no caráter naturalista da representação, cujo efeito de sentido
é a equação: discurso=verdade (XAVIER, 2005). Ao definirmos enunciadores legitimados,
estamos no cerne do conceito de Autoridade Pedagógica, condão social necessária para o
exercício da ação. A autoridade pedagógica é garantida por instituições e/ou agentes que
definem suas informações e conhecimentos como necessários, emissores esses considerados
pelos receptores dignos de transmitir-lhes as mensagens. Segundo afirma Bourdieu, os
emissores pedagógicos são logo de imediato designados como dignos de transmitir o que
transmitem e, por conseguinte, autorizados a impor a recepção e a controlar a inculcação
por sanções socialmente aprovados ou garantidas (1975: 34).
E centrado na noção de campo, sendo a legitimidade socialmente indivisível, a
concorrência para sua efetivação é necessária:
N
uma formão social determinada, as instâncias que pretendem objetivamente o
exercício legítimo de um poder de imposição simbólico, e que tendem assim a reivindicar
o monopólio da legitimidade, entram necessariamente em relações de concorrência. Isto é,
em relações de força e relações simbólicas cuja estrutura exprime segundo a sua gica o
estado da relação de força entre os grupos ou as classes (BOURDIEU, 1975:32).
E
m contrapartida, os receptores pedagógicos estão de imediato dispostos a
reconhecer a legitimidade da informação transmitida e a autoridade dos emissores e, por
conseguinte, a receber e a interiorizar a mensagem. A autoridade pedagógica marca os
49
aspectos da relação de comunicação pedagógica que é vivida como arquetípica e natural: pai-
filho. Assim se efetiva a interiorização do conteúdo veiculado pela ação pedagógica.
Num sentido amplo, considerando a teledramaturgia como um campo, trabalharemos
algumas referências que dizem respeito aos autores Manoel Carlos e Glória Perez como
autoridades legitimadas no uso de MS na telenovela brasileira. focados na análise do MS
propriamente dito, observamos que seus principais enunciadores legitimados, ou autoridades
pedagógicas, são os profissionais da medicina.
Outra das categorias implicadas na teoria de Bourdieu acerca da ação pedagógica é a
do Trabalho Pedagógico, atividade contínua e sistemática por meio da qual a ação se realiza.
O trabalho pedagógico é definido como o trabalho de inculcação que deve prolongar-se até
produzir uma formação durável, quer dizer, um habitus. O habitus é o produto da
interiorização dos valores, normas e princípios sociais de uma cultura arbitrária, são esquemas
de pensamento, de percepção, de apreciação e de ação (1975:51) capazes de permanecerem
interiorizados e de se perpetuarem nas práticas dos destinatários, mesmo depois de uma ação
pedagógica ter cessado. Ao reproduzir as mesmas relações objetivas que o criaram, o habitus
vai conformar, orientar as ões humanas, em um processo que não é necessariamente
consciente. Visto que ele é o produto da interiorização dos princípios de uma cultura
arbitrária, seu objetivo é perpetuar essa mesma cultura
37
.
O caráter contínuo do trabalho pedagógico, implicado
em uma ação pedagógica,
permite nos posicionar diante de outras teorizações acerca do MS. Para Motter, o MS
corresponde a pequenas inserções como campanhas para uso de camisinha, contra o
mosquito da dengue, vacinação, enfim, prestação de serviço e informação que não faria
nenhuma falta à história que está sendo contada (2006:17). Em contraposição a essa
definição e trabalhando a hipótese da ação pedagógica, o MS, para nós, se diferencia das
ações descontínuas e extraordinárias (BOURDIEU, 1975:44). De fato, ao indagar no capítulo
37
Conforme Bourdieu, todo e qualquer h
abitus depende da ação pedagógica primeira, que é a familiar, para
posteriormente ser produzido por trabalhos pedagógicos secundários, desenvolvidos por outras instâncias sociais,
tais como a Igreja e a Escola. Assim, ao ingressar na escola, a criança é portadora de um habitus, fruto da
socialização familiar, já tendo internalizado disposições dominadas pelo estado prático, que o compartilhadas
com outros indivíduos socializados de forma semelhante. A inculcação de novos valores pela escola significa, de
certo modo, uma desconstrução/reconstrução desse sujeito, um rompimento com o seu habitus de “classe” e a
incorporação de novas estruturas de percepção do mundo social. Bourdieu observa que a comunicação
pedagógica, tal como realizada tradicionalmente na escola, exige implicitamente, para o seu pleno
aproveitamento, o domínio prévio de um conjunto de habilidades e referências culturais e linguísticas que apenas
os membros das classes mais cultivadas possuiriam. Os professores transmitiriam sua mensagem igualmente a
todos os alunos como se todos tivessem os mesmos instrumentos de decodificação. Esses instrumentos seriam
possuídos, no entanto, apenas por aqueles que têm a cultura escolar como cultura familiar, e que são, assim,
iniciados nos conteúdos e na linguagem utilizada no mundo escolar (NOGUEIRA, 2002:30).
50
V na mediação do nero, como dimensão de alise, observamos a presença contínua de MS
ao longo de ginas de Vida e, muito especialmente, a reiteração sistemática e prolongada do
conteúdo pedagógico em cada uma das temáticas sociais em que o MS se fez presente.
Falamos assim, de um trabalho pedagógico baseado em um dispositivo de reconhecimento
próprio do relato popular: a repetição. Por outro lado, identificamos uma ampliação do MS
através do diálogo com outros formatos e discursos, prolongando sua ação pedagógica no
tempo e no espo da grade (outras telenovelas, reportagens, publicidade). Nessa mesma
dimensão, trabalhamos duas categorias que dizem respeito ao tipo de trabalho pedagógico que
pode assumir uma ação pedagógica. No caso do MS, identificamos o trabalho pedagógico
como sendo uma pedagogia explícita e de conversão.
Os trabalhos pedagógicos não se desenvolvem todos da mesma forma: são
orientados por diferentes métodos, pedagogias fixadas pela autoridade pedagógica que
estabelece as ações. Bourdieu (1975:55) define que um modo de inculcação determinado, um
trabalho pedagógico, pode caracterizar-se segundo vise à conversão: visando operar a
substituição completa de um habitus; ou à manutenção ou reforço: visando confirmar
puramente ou simplesmente o habitus primário. A partir da análise de Páginas da Vida
realizada no capítulo V, observamos que o discurso de MS visa ao primeiro tipo exposto por
Bourdieu. Ao analisar o conteúdo do MS veiculado, observamos que ele visa à
desmistificação de certas crenças, tanto quanto à promoção de mudança de comportamento e
atitudes; em outras palavras, sua pretensão é a substituição do habitus.
De outra parte, o sistema dos meios pelos quais é produzida a interiorização de um
arbitrário cultural caracteriza-se pela posição que ocupa entre:
(
1) o modo que produz um habitus pela inculcação inconsciente de princípios
manifestados no estado prático da ação imposta (pedagogia implícita) e (2) o modo que
produz o habitus pela inculcação metodicamente organizada enquanto tal, por princípios
formais e mesmo formalizados (pedagogia explícita) (BOURDIEU, 1975:57).
Uma pedagogia implícita própria das sociedades tradicionais – é mais eficaz
quando se trata de transmitir conhecimentos tradicionais, indiferenciados e totais
(aprendizagem das maneiras ou das habilidades). O processo de inculcação e formação de
habitus é baseado na transferibilidade prática:
P
rocesso de familiarização no qual o mestre transmite princípios, pela conduta exemplar e
que ele não domina conscientemente, a um receptor que os interioriza inconscientemente. .
Ao termo, como se nas sociedades tradicionais, todo o grupo e todo o meio ambiente
como sistema das condições materiais de existências, enquanto são dotadas da significação
51
simbólica que lhes confere um poder de imposição, exercem sem agentes especializados
nem momentos especificados uma AP anônima e difusa (BOURDIEU, 1975:58).
Por sua parte, a pedagogia explícita visa ao esclare
cimento e à formalização dos
princípios que operam numa prática primária, isto é, o domínio simbólico dessa prática e que
se segue, necessariamente e na ordem cronológica, ao domínio prático desses princípios.
Logo, o grau de produtividade de um trabalho pedagógico secundário se mede pelo grau em
que o sistema dos meios precisos para a realização do trabalho está objetivamente organizado
visando assegurar, pela inculcação explícita de princípios codificados e formais, a
transferibilidade formal do habitus (BOURDIEU, 1975:58).
A distinção entre uma ação pedagógica implícita e explícita é de singular
importância para analisar o MS, uma vez que trabalhamos a hipótese da segunda propriedade
(o explícito). Essa discussão é desenvolvida na dimensão do nero, no capítulo III, a partir
da elaboração de uma genealogia do MS que pretende mostrar como a pedagogia da matriz
cultural do melodrama foi sendo reformulada ao longo dos anos, adquirindo uma feição
realista que cada vez mais foi naturalizando-se e expressando-se de forma deliberada. Em
termos gerais, argumentamos que, pela própria natureza de sua linguagem (BAKHTIN, 1981;
JAKOBSON, 1970) e do funcionamento do imaginário (MORIN, 1969), a te
lenovela apresenta-
se como uma ação pedagógica implícita e espontânea ativada pela correspondência entre os
habitus do mundo narrado e do vivido – prática –, sendo o MS uma ação pedagógica explícita
que se apresenta de forma deliberada e cujo discurso traz explicações, conceituações e
definições teoria – acerca dos temas sociais abordados. Ao analisarmos como se efetiva essa
enunciação explícita e deliberada do MS em Páginas da Vida, consideramos os dispositivos
da imaginação melodramática (BROOKS, 1995) na dimensão do Gênero (capítulo V) e da
representação naturalista (XAVIER, 2005) na dimensão da Produção (capítulo VI).
Cabe reafirmar que, para Bourdieu, toda ação pedagógica (sendo o sistema de ensino
o paradigma) tende à reprodução social da cultura dominante e das desigualdades sociais. Diz
o autor:
N
a realidade, devido ao fato de que elas correspondem aos interesses materiais e
simbólicos de grupos ou classes diferentemente situadas nas relações de força, essas AP
tendem sempre a reproduzir a estrutura da distribuão do capital cultural entre esses
grupos ou classes, contribuindo do mesmo modo para a reprodução da estrutura social:
com efeito, as leis do mercado em que se forma o valor econômico ou simbólico, isto é, o
valor enquanto capital cultural, dos arbitrários reproduzidos pelas diferentes AP, e por
esse meio, dos produtos dessas AP (indivíduos educados), constituem um dos
mecanismos, mais ou menos determinantes segundo os tipos de formações sociais, pelos
52
quais se encontra assegurada a reprodução social, definida como reprodução da estrutura
das relações de força entre as classes (BOURDIEU, 1975:25).
O h
abitus funciona então como matriz geradora de práticas e representações, para
Bourdieu, reproduzindo sempre estruturas de dominação, ainda que diferencialmente. Apesar
da vigência das contribuições de Bourdieu para explicações macrossociais, entanto que o
habitus explica a organicidade da vida cotidiana, algumas ressalvas foram feitas a respeito do
nível microssocial: o que ficou de fora, não pensada, é a relação das práticas com as
situações e o que a partir delas se produz de inovação e transformação (MARTÍN-
BARBERO, 2001:125). Neste ponto, voltamos à ideia de hegemonia já colocada. Sendo
assim, o MS não pode ser considerado pura e simplesmente como instrumento (determinista)
de dominação, uma vez que ele distribui um saber que pode ser positivamente apropriado por
quem nem sequer tem acesso a outras possibilidades educativas e, ao mesmo tempo,
significado de diversas maneiras a partir de diferentes habitus de classe. Um tal determinismo
seria desconhecer a capacidade ativa do educando de revisitar, refletir sobre seus habitus ou
inclusive mudá-los, ampliando sua capacidade de ação. Em outras palavras, negar a
capacidade de transformar uma estratégia em uma tática. Sendo assim, aceitamos o conceito
de ação pedagógica de forma positiva e crítica enquanto agente socializador ou mediador
de uma “segunda alfabetização” (MARTIN-BARBERO; REY, 2004) que abre a possibilidade
para a libertação, no sentido dado por Vattimo ao termo, quando descreve o cenário
descentrado que a mídia traz ao desvendar a existência de outros mundos, e que é comparado
à experiência estética:
C
ada um de nós, amadurecendo, restringe os seus próprios horizontes de vida, especializa-
se, fecha-se dentro de uma esfera determinada de afetos, interesses, conhecimentos. A
experiência estética faz-lhe viver outros mundos possíveis, e mostra-lhe assim também a
contingência, a relatividade, o caráter não definitivo do mundo “real” no qual se encerra
(VATTIMO, 1992:16).
53
2.4 Merchandising social entre a ficção e a realidade
A relação entre linguagem e sociedade e, por decorrência, a análise de um produto
cultural como a telenovela, sendo expressão de seu contexto social (forma cultural), podem
ser vistos à luz das contribuições teóricas de Schaff (1974, 1978) e Bakhtin (1981). É a partir
das conexões entre ficção e realidade presentes nesses autores que enquadramos o MS como
um diálogo possível entre ambas as dimenes.
Os autores partem do pressuposto de que o pensamento conceitual é sempre verbal e
que sua função cognitiva não se realiza fora da linguagem. Logo, pensamento e linguagem
o dois aspectos de um mesmo processo: o conhecimento do mundo pelo homem, a reflexão
sobre o conhecimento e o conhecimento que o homem tem de si. A linguagem é um produto
ligado à prática humana social: é criadora da nossa imagem de mundo e é também uma
criação desse mundo; não é nem produto arbitrário de uma convenção nem de uma função
biológica. Conforme Schaff,
E
nquanto ponto de partida social do pensamento individual, a linguagem é mediadora
entre o que é social dado, e o que é individual, criador, no pensamento individual. (...) Não
só transmite aos indivíduos a experiência e o saber das gerações passadas, mas se apropria
dos novos resultados do pensamento individual, a fim de transmiti-los sob a forma de
um produto social – às gerações futuras (SCHAFF, 1974:251).
A linguagem, então, influencia nosso modo de percepção da realidade: é um reflexo
específico da realidade e é também a criadora da nossa imagem do mundo, mas fá-lo na
medida que impõe ao indivíduo, no decurso de sua apreensão ontogênica do mundo, os
modelos e os estereótipos formados ao longo da experiência filogenética da espécie humana e
transmitidos graças à educação, que é sempre linguística (SCHAFF, 1974:265-266).
Linguagem e cultura mantêm uma relação bilateral, retomamos, assim, a questão da dialética
entre a base e superestrutura. Ao apontar a relação entre objeto e sujeito, Schaff (1978)
assinala o modelo Interativo
38
como variante da teoria do reflexo. Este modelo supõe uma
relação na qual o sujeito e o objeto mantêm a sua existência objetiva e real; um atuando sobre
o outro ao mesmo tempo. O sujeito é, pois, produto e produtor de cultura: é um conjunto de
relações sociais cujo modo de percepção está ligado à linguagem e ao aparato conceitual
recebido da sociedade. Sobre o papel ativo do sujeito, Schaff comenta:
38
Esse pressuposto gnoseológico articula duas visões contrapostas que correspondem a duas maneiras de
entender o funcionamento do social: a visão Mecanicista (o objeto atua sobre o aparelho perceptivo de um
sujeito passivo, o produto do processo é reflexo do objeto) ou Idealista-ativista (predominância do sujeito que
conhece e que percebe o objeto como da sua criação) (SCHAFF, 1978).
54
Além disso, transforma” as informações obtidas segundo o digo complicado das
determinações sociais que penetram no seu psiquismo mediante a língua em que pensa,
pela mediação da sua situação de classe e dos interesses de grupo que a ela se ligam, pela
mediação das suas motivações conscientes ou subconscientes e, sobretudo, pela mediação
da sua prática social sem a qual o conhecimento é uma ficção especulativa (SCHAFF,
1978:82).
S
endo a linguagem o resultado da interação entre objeto e sujeito, ela se constitui
como a mediação que não só reflete a realidade, mas também a projeta. O reflexo da realidade
objetiva e a criação subjetiva de sua imagem no processo de conhecimento o se excluem,
mas complementam-se, constituindo um todo. É essa dinâmica o que na mesma linha teórica,
Bakhtin (1981) chamou de reflexo e refração do signo a fim de explicitar o caráter dialógico
da linguagem.
As relações entre linguagem e sociedade, ou melhor, entre texto e contexto, ou, nos
termos de Williams (1975,1979), as formas culturais, podem ser melhor compreendidas a
partir de duas noções fundamentais na filosofia bakhtiniana: a enunciação e o signo
ideogico. Essas duas noções encerram o caráter dialógico e interdiscursivo da linguagem,
que é a tese central do autor.
Produto do ato de fala, a enunciação é a unidade de
base da ngua. Ela é
compreendida como uma réplica do diálogo social: A enunciação é o produto da interação de
dois indivíduos socialmente organizados, e mesmo que não haja um interlocutor real, este
pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor
(BAKHTIN, 1981:112). Dito de outra forma, a essência da língua é constituída pelo
fenômeno da interação social, realizada através da enunciação ou das enunciações, portanto,
fora do contexto social, a enunciação não existe. O diálogo é uma das mais importantes
formas da interação verbal. Não obstante, num sentido amplo, ele se refere não apenas à
comunicação em voz alta, de pessoas face a face, mas a toda comunicação verbal de qualquer
tipo que seja. No exemplo do livro como ato de fala apontado por Bakhtin, temos a telenovela
como enunciação baseada na oralidade e na visualidade, e o MS especificamente como
hipótese de enunciação pedagógica deliberada.
Assim sendo, se pensarmos na telenovela brasileira como em qualquer obra de
arte, qualquer produção da superestrutura , os temas que ela aborda emergem da sociedade,
daquele momento histórico. o temas, principalmente sociais, que refletem inquietações e
que propõem problemas a serem pensados, definidos, resolvidos, sugerindo um diálogo com o
ambiente social em que circulam. Especificamente, Páginas da Vida apresenta um leque de
temas sociais que o abordados em maior ou menor grau de intensidade. De nossa
55
observação através das Planilhas de Identificação, explicitadas no capítulo anterior,
obtivemos o primeiro gráfico a seguir. O mesmo identifica 5 temáticas abordadas de forma
deliberadamente pedagógica, o que nos permite constatar a existência de 5 MS na telenovela
em questão.
Gráfico 4. M
erchandising social em Páginas da Vida – Nº de inserções por temática social
Total de inserções: 117
O Gráfico introdutório mostra as temáticas sociais identificadas, em Páginas da
Vida, como sendo abordadas via MS e a quantidade de inserções correspondente a cada uma
delas. De um total de 117 inserções, o maior índice é abraçado pela temática de Síndrome de
down, eixo central da telenovela. Em relação ao resto, ela apresenta 41 inserções pedagógicas
explícitas, o que significa 41% do total. Segue-se a temática da AIDS (22 inserções; 19%),
Bulimia (19 inserções; 16%), Alcoolismo (18 inserções; 15,5%) e Adoção (17 inserções;
14,5%). Sinteticamente, a preocupação do autor, Manoel Carlos, e a comunicação pedagógica
deliberada em volta delas visaram: esclarecer acerca da inclusão social, cuidados e direitos
dos portadores da síndrome de down; identificação da bulimia e tratamento da doença;
prevenção, esclarecimentos e informação sobre a AIDS e o vírus HIV; consequências e
tratamento da dependência alcoólica e, por fim, esclarecimentos acerca dos procedimentos
legais de adoção.
Conforme Bakhtin, sendo sujeitos históricos, nosso olhar acerca do mundo é por ele
orientado:
(...) na realidade é claro que vemos “a cidade e o m
undo” através do prisma do meio social
concreto que nos engloba. Na maior partes dos casos, é preciso supor além disso um certo
56
horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideogica do grupo
social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da
nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito (BAKHTIN, 1981:112).
O
autor de ficção produz então sua obra desde e para esse horizonte. Logo, ele e sua
narrativa transformam-se em mediador entre a ficção e a realidade. A respeito de Páginas da
Vida, seu autor Manoel Carlos, afirma:
Minhas novelas transitam por um território muito doméstico, onde é inevitável a
acentuada presença de personagens como porteiro, mulher de porteiro, prima da mulher do
porteiro, empregadas, namorados das empregadas, o dono da farmácia e por vai. Eu
gosto dessas relações pessoais e de comportamento. O meu universo é o das relações
humanas. Sento diante do computador todos os dias e vejo se vou para a direita ou para a
esquerda. O que mais me interessava agora é falar sobre a Aids e a ndrome de Down,
que é meu eixo nessa novela (MANOEL CARLOS, 2006)
39
.
A
palavra, realizada na enunciação concreta, é inteiramente determinada pelas
relações sociais, estando sujeita às variações em função do interlocutor, relativamente ao grau
de intimidade, à hierarquia, ao contexto e à situação. A situação e os participantes mais
imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais
profundos da sua estrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e
duráveis a que está submetido o locutor: a situação social mais imediata e o meio social mais
amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a
estrutura da enunciação (BAKHTIN, 1981:113). É nesse sentido que, por sua própria
natureza social, a enunciação é ideológica. Um texto (produto da criação ideológica ou de
uma enuncião), portanto, define-se pelo diálogo entre os interlocutores e pelo diálogo com
outros textos.
Ao falar da classe média como protagonista de suas novelas e os temas sociais
40
abordados nas narrativas, Manoel Carlos comenta:
E
screvo apenas sobre o que conheço. Nas minhas novelas não grã-finos porque nunca
convivi com eles. Muitos personagens, inclusive, nasceram das minhas observações e
lembranças da vida real. (...) Acho que a classe média está mais aberta para esses assuntos.
A personagem da Vera é a que mais sensibiliza o público, porque tenho a impressão de
que não existe uma família que não tem ou nunca teve um alcoólatra. Eu quis colocar uma
professora de adolescentes que bebesse, porque me parece que isso acentua a gravidade do
problema. No caso da violência doméstica, não escolhi um pedreiro que toma umas
cachaças na esquina e enche a mulher de bolachas. Para mostrar que é um drama comum a
39
TRIGO, Mariana. Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela. Folha de São Paulo, 9 de
julho de 2006.
40
No depoimento citado, o autor refere-se especificamente à telenovela Mulheres Apaixonadas (2003). Porém, e
em decorrência do argumentado, essa característica é extensível a todo seu universo autoral.
57
ricos, remediados e pobres, retratei o agressor como um sujeito da classe média alta, que
tem carro importado, é gentil e educado (MANOEL CARLOS, 2003)
41
.
A palavra, como unidade que compõe a enunciação, é caracterizada como tal pelo
fato de gerar potencialmente uma multiplicidade de significações. O signo é por natureza
vivo, móvel e polissêmico, e, por estar ligado à situação social, ele é ideológico. A mesma
palavra se estende a formações sociais diferentes, assumindo uma coloração específica,
portanto, um significado, em função do contexto em que é utilizada. O que determina a
refração do ser no signo ideológico são os interesses sociais contraditórios no interior de uma
mesma comunidade semiótica, ou seja, a luta de classes, já que a classe social e a comunidade
semiótica não se confundem. O código é comum, mas as diversas classes fazem dele um uso
particular na medida em que cada uma atribui a um único e mesmo signo índices de valor
diferentes e, mesmo, contraditórios. Por exemplo, a palavra “melodramático” pode ser
considerada tanto como adjetivo pejorativo quanto elogioso. O signo se torna a arena onde se
desenvolve a luta de classes. Toda verdade viva não pode deixar de parecer para alguns a
maior das mentiras (BAKHTIN, 1981:46-47). Continua o autor,
E
sta dialética interna do signo não se revela inteiramente a não ser nas épocas de crise
social e de comoção revolucionária. Nas condições habituais da vida social, esta
contradão oculta em todo signo ideogico não se mostra à descoberta porque, na
ideologia dominante estabelecida, o signo ideológico é sempre um pouco reacionário e
tenta, por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da corrente dialética da evolução social
e valorizar a verdade de ontem como sendo válida hoje em dia. Donde o caráter refratário
e deformador do signo ideológico nos limites da ideologia dominante (BAKHTIN,
1981:47).
Podemos considerar a polissemia do signo como arena
de luta pela significação
(ou como campo, ainda que seja uma luta concorrencial, nas palavras de Bourdieu) em termos
de polêmicas suscitadas pela abordagem de determinados MS. No caso de Páginas da Vida,
houve reações negativas em torno de duas questões sociais que foram objetos de MS: o fato de
uma escola pública que tinha discriminado crianças portadoras de síndrome de down ter
ficado impune e, no caso do tratamento da AIDS, o fato de a doença ter sido diagnosticada
sem exame prévio. Essas questões, que serão retomadas no capítulo V, colocam em destaque
a complexidade da imbricação ficção-realidade. Um exemplo disso é a demanda e exigência,
por parte de agentes ou entidades sociais, de compromisso com o real que a ficção, por si, não
precisaria ter. Estamos no bojo da noção de discurso enquanto campo e da luta
concorrencial pela significação que nele se instaura. Sendo que o MS, enquanto discurso,
41
ROGAR, Sílvia. Escrevo sobre o que conheço. Revista Veja, 9 de julho de 2003.
58
procura construir verossimilhança e legitimidade, a sua “verdade”, inevitavelmente, não pode,
no dizer de Bakhtin (1981), deixar de parecer para alguns a maior das mentiras. Esta
concepção implica ainda a impossibilidade de determinação de significados, por mais
explícito e deliberado que for o projeto do autor e que vise evitar desvios de interpretação.
Considerando o MS como ação pedagógica deliberada projeto de autor deliberado , isso
não garante necessariamente os efeitos pretendidos. A telenovela agenda; a sociedade decide
o que vai fazer (BACCEGA, 2001:367). Esta indeterminação dos efeitos é assumida nas
palavras do autor:
N
ão sei se o que pretendo fazer será polêmico. O público e a dia que decidem. Todos já
sabem que vou encarar temas como Síndrome de Down, Aids, Bulimia, casamentos
desfeitos, traições, muita felicidade tamm, etc., etc. Se virarão polêmica, só quando
forem apresentados é que saberemos (MANOEL CARLOS, 2006)
42
Ao propor a análise do MS como diálogo possível entre ficção e realidade, as
contribuições da Filosofia da Linguagem interessam ao nosso objeto de forma central.
Como abordamos anteriormente, ao refletir e refratar (BAKHTIN, 1981) a realidade
por meio da representação do cotidiano, especialmente, por meio dos temas sociais, o texto
expressa a sociedade (valores, comportamentos etc) da qual faz parte, aponta caminhos e
difunde um saber. Nesse amplo guarda-chuva, nos focamos em como essa refração se dá
particularmente por meio do MS. Para tal, é necessário esboçar uma distinção entre o caráter
pedagógico implícito e explícito que pode assumir a telenovela, situando o MS no segundo
patamar.
Ao falarmos de caráter implícito, partimos do pressuposto da encarnação de um
certo “ethos” pedagógico na forma diálogo, uma vez que um texto traz, em seu bojo, desde o
momento inicial de sua concepção/produção, uma preocupação com seu destinatário.
Enquanto sujeito veiculador de mensagens, o autor/emissor está atento em relação ao seu
destinatário, mobilizando estratégias que tornem possível e facilitem a comunicação.
Conforme a perspectiva bakhtiniana que abordamos, o “outro”, na figura do destinatário,
instaura-se no próprio movimento de produção do texto na medida em que o autor/emissor
orienta sua fala, tendo em vista o público-alvo selecionado. o há emissor sem receptor e
toda comunicão seria impossível sem um código comum, um repertório de possibilidades
preconcebidas”, subjacente a toda troca de mensagens. O diálogo implica um duplo caráter da
linguagem: as operações de seleção e combinação
43
:
42
Manoel Carlos fala de depoimento polêmico exibido em novela. O Fuxico, 16 de julho de 2006.
43
Para aprofundar esse conceito, consulte Jakobson (1970: 39-41).
59
Falar implica a seleção de certas entidades linguísticas e sua combinação em unidades
linguísticas de mais alto grau de complexidade (...). Quem fala seleciona palavras e as
combina em frases, de acordo com o sistema sintático da língua que utiliza: as frases, por
sua vez, são combinadas em enunciados. Mas o que fala não é de modo algum um agente
completamente livre na sua escolha: a seleção (...) deve ser feita a partir do repertório
lexical que ele próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum. (...). Na troca
ótima de informação, o que fala e o que ouve têm a sua disposição mais ou menos o
mesmo “fichário de representações pré-fabricadas”; o destinatário da mensagem verbal
escolhe uma destas “possibilidades pré-concebidas” e impõe-se que o destinatário faça
uma escolha idêntica no mesmo repertório de possibilidades previstas e preparadas”.
Assim, para ser eficiente, o ato de fala exige o uso de um código comum por seus
participantes (JAKOBSON, 1970:37).
E
xiste na forma diálogo, portanto, uma função inerente à linguagem que é a função
conativa: a orientação para o destinatário, que encontra sua expressão gramatical mais pura
no vocativo e no imperativo (JAKOBSON, 1970:125). Por exemplo, no discurso político,
religioso e publicitário, esta função é dominante.
Na verdade, este caráter espontâneo de indução, natural do ato de fala, espresente
em todo e qualquer discurso. Retomamos aqui a ideia do mundo editado (Baccega, 2000-
2001) que os meios de comunicação nos trazem. Eles escolhem do cotidiano e pautam os
temas (selecionam e combinam) frente aos quais tomamos posição, discutimos, avaliamos e
damos sentido a nossa experiência do dia-a-dia. Podemos falar, portanto, de uma ação
pedagógica difusa e involuntária dos meios de comunicação.
Transponhamos a questão particularmente para a telen
ovela, cuja matriz cultural, o
melodrama, propõe em sua natureza uma pulsão de verdade do tipo moral que visa a exortar a
uma determinada atuação. Ao refletir e refratar a realidade, o autor/emissor pauta um tema ou
temática social (operação de seleção) e oferece um tratamento, expondo o conflito, seu
desenvolvimento e possibilidade de resolução, quer dizer, ele narra seu projeto ideológico
(operação de combinação) tanto para a realidade como para a ficção. Nessa operação de
narração-edão, é difundido um saber sobre o mundo que se insere no cotidiano, gerando
conversas, reavaliações da própria experiência, exercendo pressões políticas ou a
provocando mudanças de comportamento. No nível natural ou conativo da linguagem, a
telenovela constitui-se uma ação pedagógica involuntária e implícita. Podemos concluir,
então, que o social como tema é inerente à escrita, a uma prática (ou habitus) autoral presente
desde a inflexão narrativa de Beto Rockefeler (1968) em que ficção e realidade aproximaram-
se de forma inédita. Ela se constitui como promotora de uma educação informal, involuntária
e mesmo não pretendida ao alcançar determinados objetivos. De fato, pesquisas de recepção
tem demonstrado que:
60
A pessoa cresce se nutrindo e se saciando de informações novelísticas, e tem a ilusão de
poder participar de um sistema do qual ela se sente exclda. Diante de um universo
cultural carente, a apropriação da telenovela ultrapassa a dimensão do lazer, impregna as
rotinas de vida de tal maneira que o receptor não a percebe como opção de
divertimento. Jovens e criaas sem acesso a outras formas de diversão e cultura podem
deslocar o eixo de interesse e transformar a programação de telenovela em campo de
domínio e conhecimento, até como afirmação pessoal diante do grupo (LOPES;
BORELLI; RESENDE, 2002:373).
A
ssim sendo, trabalhamos sobre a hipótese de que o MS traz uma inflexão nessa
pedagogia implícita da telenovela brasileira. Portanto, o MS acarreta uma indução voluntária e
explícita que pode culminar em uma campanha social. Passaremos, então, a desenvolver o
estudo do MS em Páginas da Vida nos próximos capítulos, a partir das duas dimensões de
análise propostas: o Gênero e a Produção.
Capítulo III
Mediação do gênero.
Da pedagogia do melodrama
à pedagogia do merchandising social na telenovela
62
3.1 A telenovela como relato popular
Ao estudar o relato popular, Martín-Barbero (1989, 2001) dá pistas para ingressar no
estudo da cultura não letrada ou cultura oral. Negativamente o que estabelece o conflito
que constitui a identidade do popular a cultura não letrada significa uma cultura cujos
relatos não vivem no livro nem dependem dele, mas nas canções, nos contos e nas narrativas
44
que passam de boca em boca e, ainda, naquelas impressas, como o folhetim, a novela-
folhetim, a fotonovela e, hoje, a telenovela. Estes não possuem o mesmo estatuto social do
livro, porque tanto a materialidade desses textos como sua forma de circulação e consumo
referem-se a um outro tipo de comunicação que se estabelece com eles. Afirmativamente, a
cultura oral é o modo de enunciação do popular e seus dispositivos próprios estão presentes
tanto na forma do narrar como do ler
45
. Sobre a perspectiva do narrar, o autor comenta:
a
cultura popular continua sendo a daqueles que apenas sabem ler, que leem muito pouco
e que não sabem escrever. Perguntem para um camponês acerca do mundo em que realiza
a sua vida e poderão constatar não apenas a riqueza e a precisão do seu vocabulário, mas
também a expressividade do seu saber contar”. Porém, peçam-lhe que o escreva e verão
sua mudez (MARTÍN-BARBERO, 1989:111)
46
.
É
Benjamin quem destaca a diferença entre a novela que provém da tradição escrita
dependente do livro e da narração, como ato de enuncião de uma tradição oral:
Por não provir de, nem integrar-se à tradição oral, a novela enfrenta-se a todas as outras
formas de criação em prosa como a fábula, a lenda e, ainda, o conto. Mas muito
especialmente, enfrenta-se ao narrar. O narrador extrai a narração de sua própria
experiência ou da transmitida, ao mesmo tempo extrai das experiências de quem escuta
sua história. O novelista, de sua parte, tem se isolado. O reduto de nascimento da novela é
o indivíduo na sua solidão (BENJAMIN, 1991:V).
É
este contar a” um dos principais dispositivos enunciativos do relato popular. Seja
recitado ou lido em voz alta, o relato popular se realiza sempre em um ato de comunicação, no
compartilhamento de uma memória que funde experiência e forma de contá-la. Trata-se de
44
O termo narrativa, em uma acepção mais ampla, pode ser utilizado para qualquer forma de conto de
imaginação que a história humana tenha conhecido, da pintura rupestre à poesia épica, às obras teatrais, aos
diversos gêneros de prosa literária; de narração cinematográfica, aos quadrinhos e aos desenhos animados.
(BUONANNO, Milly. Leggere la fiction. Napoli: Liguori. Ed. 1996. Apud, BACCEGA, 2001:354).
45
O modo de ‘ler’ na cultura oral é uma crítica ao paradigma da leitura-escrita instaurada pela Ilustração e sua
concepção da educação: elite-pólo ativo x povo-pólo passivo e ignorante; produção: criatividade e atividade x
consumo; passividade e conformismo. A leitura na cultura oral é: coletiva, expressiva e desviada (MARTÍN-
BARBERO, 1989:113-115).
46
Todos os trechos de Martín-Barbero (1989) e Benjamin (1991) citados no trabalho em português, são
traduções do espanhol para o português realizadas pela autora da desta dissertação.
63
uma memória dos fatos, das palavras, mas também dos tons, dos gestos, das pausas etc. e cuja
possibilidade de ser apropriada pelo auditório e de voltar a ser narrada depende que o relato se
deixe memorizar. A repetição convive com a inovação: o relato se transforma conforme o
contexto a partir do qual se conta a hisria, pom mantém a fidelidade ao sentido, a sua
moralidade. Essa moralidade ou pedagogia do relato é percebida por Benjamin como a
esncia de todo narrador, e nos coloca diante do diálogo como forma pedagógica implícita
ou deliberada, oculta ou aberta:
U
m recorte característico de muitos verdadeiros narradores é uma orientação para o
prático (...), por exemplo, num Gotthelf que dava conselhos acerca da economia agrária a
seus camponeses; percebemos esse interesse em Nodier que se ocupou dos perigos da
iluminão a gás; assim como em Hegel que inseria lições de ciências naturais no seu
Pequeno Tesouro”. Tudo isso indica a qualidade presente em toda narração verdadeira.
Contribui, por si, oculta ou abertamente, sua utilidade; algumas vezes em forma de
parábola moral, em outras, em forma de indicação prática, bem como em provérbio ou
regra de vida. Em todos os casos, quem narra é um homem que tem conselhos para quem
escuta (BENJAMIN, 1991:IV).
A outra oposição entre a cultura oral e a letrada é
o fato de o relato popular ser
gênero. Para além de uma teoria literária, Martín-Barbero (2001) postula uma concepção
cultural dos neros considerando-os o como receita de regras fixas ou tipos ideais, mas
como os mediadores entre o sistema produtivo e os receptores; são suas regras que
configuram basicamente os formatos e nestes se ancoram o reconhecimento cultural dos
grupos. O autor elabora o conceito de matriz cultural como estratégia de comunicabilidade de
modo que o nero é constitutivo do meio (televisão) e elemento de expressão do cotidiano
vivido pelos receptores:
U
m gênero é, antes de tudo, uma estratégia de comunicabilidade, e é como marca dessa
comunicabilidade que um gênero se faz analisável no texto. (...) como estratégias de
interação, isto é, modos em que se fazem reconhecíveis e organizam a competência
comunicativa, os emissores e os destinatários. (...) seu funcionamento nos coloca diante do
fato de que a competência textual, narrativa, não se acha apenas presente, não é
unicamente condição da emissão, mas tamm da recepção. (...) Falantes do “idiomados
gêneros, os telespectadores, como nativos de uma cultura textualizada, desconhecem sua
gramática, mas são capazes de falá-lo (MARTÍN-BARBERO, 2001:314).
B
accega aponta que o narrador sempre ocupou lugar de destaque nas sociedades:
quer seja ao redor da fogueira, quer seja nas cortes, quer seja nos jornais, no rádio, e agora,
na televisão (2001:354). A telenovela é o narrador moderno do século XX, sendo definida
como:
64
uma história contada por meio de imagens televisivas
, com diálogos e ação, criando
conflitos provisórios e conflitos definitivos; os conflitos provisórios vão sendo
solucionados até substituídos no decurso da ação, enquanto os definitivos os principais –
são resolvidos no final. A telenovela se baseia em diversos grupos de personagens e de
lugares de ação, grupos que se relacionam interna e externamente ou seja, dentro do
grupo e com os demais grupos; supõe a criação de protagonistas, cujos problemas
assumem primazia na condução da história (PALLOTTINI, 1998:35).
Herdeira da tradição folhetinesca, cuja matriz mais
distante encontra-se no
melodrama nascido como forma cultural popular no século XIX, a telenovela detém os
elementos de enunciação de uma cultura baseada na oralidade: a experiência do “contar a”
sempre a mesma história, mas de forma diferente (PALLOTTINI, 1998:37-38). Para Morin
(1969:28), num sentido macro, a força dinamizadora da indústria cultural é justamente a
dialética que se instaura entre uma força padronizadora desse sistema burocrático e técnico e
a força inovadora que provém da capacidade criadora do autor do produto cultural. E quem
disse que eu não me repito? E quem disse que quem escreve ficção (realista ou não) não se
repete? Praticamente conto sempre as mesmas histórias, nos diz Manoel Carlos
47
. Mas, como
apontamos, narração é comunicação: o narrador toma a experiência ppria e a do receptor
para construir seu relato. Na telenovela é o gênero que faz a mediação entre essas duas
instâncias que não se encontram cara a cara: o autor (e o aparato burocrático-técnico) e o
receptor (audiência). Para Morin, a organização burocrático-industrial da cultura radica na
mesma estrutura do imaginário:
O
imaginário se estrutura segundo arquétipos: existe figurino-modelos do espírito humano
que ordenam os sonhos e, particularmente, os sonhos racionalizados que são os temas
míticos ou romanescos. Regras, convenções, gêneros artísticos imem estruturas
exteriores às obras, enquanto situações-tipo e personagens-tipo lhes fornecem as estruturas
internas (...). A indústria cultural persegue a demonstração à sua maneira padronizando os
grandes temas romanescos, fazendo clichês dos arqtipos em estereótipos (MORIN,
1969:29).
É
a matriz cultural do melodrama que opera como gênero constitutivo principal da
telenovela, enquanto narrador e articulador do imaginário. Veremos no decorrer deste capítulo
que a telenovela brasileira tem conquistado, ao longo de mais de 45 anos de existência, uma
estratégia de comunicabilidade baseada na junção da matriz melodramática sob tratamento
realista como fundamento de verossimilhança. E é essa estratégia híbrida de ficção e
realidade que é advertida com intensidade no MS.
47
CIMINO, James. Leia entrevista exclusiva com autor de "Páginas da Vida", Folha de São Paulo, 1 de julho de
2006.
65
Considerando essa dialética entre repetição e inovação, a telenovela (num nível
macro de funcionamento da linguagem) é um claro exemplo do aperfeiçoamento da narração
e de como a audiência foi adquirindo competência cultural para compreender essa narração ao
longo do tempo. Nessa história que a telenovela tem construído ao longo dos anos, a matriz
melodramática – forma de narrar foi se repetindo, porém incorporando a novidade e
transformando-se segundo as demandas sociais de cada contexto histórico. Como aponta
Baccega: A telenovela é um universo onde circulam, reelaborados, a partir das normas da
ficção, aquilo que está acontecendo na sociedade, os problemas, os valores, “as exigências
que vêm da trama cultural e dos modos do ver” (2001:368). É nessa evolução social da matriz
do melodrama que indagamos a constituição do chamado MS na telenovela, termo que
começa a circular na TV Globo no ápice da verossimilhança a partir do aprofundamento do
tratamento de temáticas sociais nas tramas da década de 1990, dentro de uma proposta
realista iniciada por volta do final dos anos 1960.
Consideramos que o MS se constitui como ão pedagógica deliberada para quem
não sabe ler e pouco escrever” a partir de elementos de enunciação de reconhecimento
popular. Acaso não podemos considerar o MS os “conselhos práticos” abertamente oferecidos
de que nos fala Benjamin (1991) em sua forma mais moderna? O MS como mediador de uma
alfabetização secundária (MARTÍN-BARBERO; REY, 2004) baseada na cultura oral
recoloca a memória de uma educação para o povo a partir do melodrama, como outrora
realizava Pixérécourt no século XIX, agora no bojo de tensões que se instaura entre as
demandas sociais e os interesses de mercado. Ali, concoulidou-se uma imaginação ainda
vigente para narrar a realidade: a imaginação melodramática (BROOKS, 1995).
Ampliando o conceito de gênero, Peter Brooks, em The Melodramatic Imagination
(1995), alcunha a expressão imaginação melodramática dando um novo impulso às reflexões
que investigaram o vínculo entre o melodrama e a indústria do audiovisual. Pesquisando a
literatura realista do século XIX (Honode Balzac e Henry James), o autor procurou analisar
os elementos constitutivos do gênero originário do teatro popular francês para demonstrar
como ali se estruturou uma forma vital para a imaginação moderna, cuja função modeladora
viria a se refletir sobre a produção ficcional do século XX, tanto no cinema como na televisão.
Embora tal crítica funde-se no campo literário, suas contribuões encontraram lugar
principalmente fora dele, na análise dos produtos de comunicação de massa
48
.
48
Algumas propostas de análise encontram-se na obra XAVIER, Ismail. O olhar e a cena – melodrama,
Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. o Paulo: Cosac Naify, 2003. Também no trabalho: KORNIS,
Monica Almeida. Uma história nas minisséries da Rede Globo. Tese de doutorado, São Paulo: ECA/USP, 2000.
66
O que pretendemos discorrer neste capítulo é que o caráter didático-pedagógico do
MS tem sua gênese na matriz melodramática, originária da cultura popular do século XIX. O
MS na telenovela aponta a permanência dessa imaginação. Expresso de outra forma, a
intenção é traçar um mapa que revele a permanência de uma forma de narrar o gênero
melodramático como matriz própria das culturas populares e de uma forma de “educar ao
povo” por meio de um imaginário melodramático. A moral oculta (BROOKS, 1995) por trás
da proposta do MS, sua enunciação esquemática, polarizada, maniqueísta, facilmente legível e
sem ambiguidades, traz à tona os elementos dessa imaginação melodramática de forma
renovada e deliberada. Este apsecto será focado específicamente no capítulo V, quando
analisarmos Páginas da Vida.
Assim sendo, no intuito de indagar a constituição do MS a partir do gênero como
lugar metodológico, propomos, neste capítulo, sem pretensão de exaustividade, traçar o
caminho que percorrido pela dimensão pedagógica da matriz cultural do melodrama,
constituindo-se em diferentes formas culturais (folhetim, fotonovela, radionovela) até
assentar-se no formato consolidado da telenovela e, especificamente, no chamado MS. Iremos
nos deter, especialmente, nesse último formato (telenovela) e, embora nosso foco recaia no
Gênero, a mediação da Produção
49
será inevitavelmente associada, acompanhando esse
processo. Para trilhar esse caminho, adotaremos a perspectiva de Bakhtin considerando, num
nível macro do funcionamento da linguagem, a matriz do melodrama dialogicamente em
transformação em relação às condições sociais nos diferentes momentos históricos que
marcaram a formação de uma cultura de massa no Brasil. Cada forma cultural (folhetim,
radionovela, telenovela), nos termos de Williams (1975) ou cada criação ideológica ou
enunciação, nos termos de Bakhtin (1981) é refratária de um contexto social determinado.
Conforme este último autor, dado que a linguagem se realiza sempre numa língua natural
modificada pelo grupo social no processo histórico, a língua também evolui, acompanhando o
processo de mudança:
A
s relações sociais evoluem (em função das infraestruturas), depois a comunicação e a
interação verbais evoluem no quadro das relações sociais, as formas dos atos de fala
evoluem em consequência da interação verbal e o processo de evolução reflete-se, enfim,
na mudança das formas da língua (BAKHTIN, 1981:124).
49
A Produção é outras das dimensões abordadas neste trabalho. Como antecipamos no Capítulo I, ela
compreende o caráter organizacional da prodão e seus agentes (emissora e autores) e os recursos da linguagem
televisual envolvidos na confecção do produto telenovela.
67
Passemos, então, a trilhar o percurso que vai da pedagogia do melodrama (do teatro
popular do século XIX) à pedagogia do MS na telenovela (formato industrial do século XX).
3.2 O gênero melodrama como matriz cultural
3.2.1 Origem e formação
O surgimento do melodrama está relacionado a um processo de dessacralização do
mundo, situado entre o fim da tragédia e o crescimento do Romantismo, especialmente na
França, mas também na Alemanha e na Inglaterra. É no contexto da Revolução Francesa
50
e em suas consequências – o momento epistemológico da criação do gênero:
É
o momento que simbólica e definitivamente marca o fim do poder sagrado tradicional e
de suas instituições representativas (a Igreja e a Monarquia), da pulverização do mito do
Cristianismo, da dissolução de uma sociedade hierarquicamente orgânica e coesa e do fim
da validade das formas literárias tragédia e comédia de costumes próprias daquela
sociedade (BROOKS, 1995:15).
O
fim do poder real deixou um vácuo nos valores morais da sociedade:
(...) os imperativos tradicionais de verdade e de ética foram violentamente colocados em
questão, ainda que a instauração de [novas] verdades como um modo de vida seja
preocupação imediata, diária, potica. (...) O melodrama preencheu esse vazio,
caracterizado como uma força moral que existe (a despeito da vilania, a despeito dos
obstáculos) para afirmar sua presença entre os homens (BROOKS, 1995:15 e 20).
D
entro dessa liberdade radical, na situação em que as normas morais, naturais e
sociais foram deixadas de lado, uma nova retórica demonstra que os imperativos éticos ainda
o viáveis. Cria-se um gênero otimista que exorciza e anula, de certa forma, pela imaginação,
os transtornos da Revolução. Por meio da rmula do melodrama, percebemos seu sentido de
ordenamento social, o que possibilita descortinar a moral vigente e o que a sociedade espera
afirmar como padrão de valores. A República é a instituição da moral; o melodrama, a sua
retórica.
50
O processo de dessacralização, cujo ápice é a Revolução, tinha começado no Renascimento, passando pelo
Humanismo Cristão e sendo aumentado no período do Iluminismo. O divórcio da literatura do mito acha-se na
disputa entre os Antigos e os Modernistas no final do século XVIII. O Romanticismo, no final do período do
Iluminismo, foi o movimento que reagiu à dessacralização (BROOKS, 1995:16).
68
3.2.2 Origem do termo até a formação canônica do gênero
Durante todo o século XIX o melodrama iria permanecer num estatuto
ambíguo: amado pelo grande público e odiado por críticos e historiadores da literatura que
viam nele um nero degradado e pouco original. o próprio termo apresentou, desde as
suas origens, sentidos múltiplos e ambíguos
51
. A partir de 1790, o termo é correntemente
utilizado, desempenhando um papel de chamariz, para nomear toda peça que fugia aos
cânones clássicos e que utilizava a música como apoio de efeitos dramáticos. É necessário
sublinhar o papel preponderante desempenhado à margem dos teatros oficiais, pelos teatros da
feira e dos bulevares que, desde 1760, suscitaram um clima propício a todas as inovações
teatrais e que foi especialmente visível no período revolucionário. Até 1791, os teatros oficiais
foram reservados às classes altas enquanto que, para o povo, eram permitidas representações
sem diálogos, sob pretexto de “não corromper o teatro verdadeiro”. É assim que, em 1795,
aproximadamente, a palavra melodrama tomou um novo significado: a pantomima. Os teatros
populares deviam, então, lançar mão de encenações por meio de elementos não verbais, como
a música, a dança, o gestual, as expressões faciais, as posturas corporais, o figurino, o cenário,
já que, impedidos da apropriação da palavra verbalizada, cabiam a estes espetáculos populares
o exercício da pantomima como recurso. Após a liberação do repertório para os teatros de
segunda categoria pela Assembleia Nacional burguesa, houve um rico florescimento de
espetáculos de todos os tipos, especialmente daqueles conhecidos como pantomimes
dialoguées, pantomimes historiques e mimodrames, aproximando-se cada vez mais dos
melodramas. De fato, as pantomimas deixaram claramente as marcas da estética
melodramática:
A
tipificação simplificadora dos personagens, a mise en scéne movimentada e com regras
bem estabelecidas, onde a interpretação através da mímica foram postas em relevo, o uso
da temática obsessional da perseguão e do reconhecimento deram ao melodrama os
elementos principais de sua ossatura (THOMASEAU, 2005:20).
51
A palavra nasceu na Itália, no século VII, e designava um drama inteiramente cantado. Na França, o termo
aparece, no século XVIII, durante a querela entre músicos franceses e italianos. Em 1762, Laurent Garcins
escreveu uma dissertação sobre o drama e a ópera intitulada Tratado do Melodrama. Em 1775, com Rousseau,
em Pigmalião, o termo passa a significar um breve monólogo entrecortado e sustentado por frases musicais que
sublinham uma expressiva pantomima. O modelo foi sendo imitado porém, mantendo pouca fidelidade com o
original de Rousseau. Também começaram a ser chamadas de melodrama cômico ou pastoral algumas peças
curtas musicais conhecidas, hoje, como operetas” (THOMASEAU, 2005).
69
Embora o melodrama tenha se diferenciado da tragédia e do drama burguês
52
,
convém ressaltar que ele se nutriu de ambos, incorporando elementos para a sua constituição.
A diferença central entre a tragédia e o melodrama, é que, enquanto na primeira, a
envergadura do herói se confunde com a da sociedade como um todo, no melodrama
articulam-se as verdades simples da vida e dos relacionamentos, em que a nitidez de um
sentido moral quase transcendental assume os gestos cotidianos. Xavier destaca: um dado
fundamental é a identidade de status que aproxima as figuras do palco e da plateia,
marcando a ancoragem histórica do melodrama, sua inserção numa cultura laica de
mercado de 1800 (2003:92).
Coelina ou a criança do mistério, de Pixerécourt, de 1800, é considerado o primeiro
verdadeiro melodrama: encenado nos espetáculos populares de feira ao ar livre, de caráter
coletivo, muitas vezes constituindo-se a única referência literária para um público analfabeto.
Passemos a descrever, então, os elementos que dão fo
rma ao gênero: os componentes
da imaginação melodramática (BROOKS, 1995).
3.2.3 A
imaginação melodramática
a) Convenções técnicas
Num primeiro momento, Pixerécourt recorreu às convenções técnicas de Aristóteles
para relacionar o espírito do melodrama ao prestígio da tragédia. Assim sendo, os
melodramaturgos, face à conceituação do gênero como “bastardo”, procuraram se justificar a
partir das regras aristotélicas das três unidades: ação, tempo e espaço. Desse modo,
Pixerécourt chega a afirmar que o melodrama é encenado três mil anos”
(THOMASSEAU, 2005:29). O melodrama clássico, drama de encontros fortuitos e de
desfecho rápido, acomodava-se num certo espaço e tempo delimitados a fim de criar um
espetáculo total (BROOKS, 1995) que o olho pudesse abarcar sem esforço. A modificação
dessa regra veio, aproximadamente, em 1815, com o aparecimento do melodrama em
quadros.
52
Por sua parte, René-Charles Guilbert de Pixerécourt, autor marco do melodrama canônico, reconhecia a
influência do drama burguês, dos dramas noir, das comédias, dos dramas históricos e até dos dramas alemães. O
nero romanesco não apenas forneceu o roteiro de encenação para o melodrama, mas manteve com ele um
vínculo estreito ao longo do século XIX, uma vez que os autores de peças eram também romancistas e os
mesmos assuntos eram desenvolvidos no palco e no folhetim.
70
b) A música
A música constitui-se um componente importante do melodrama. O termo
“melodrama” foi cunhado, como já apontamos, tendo a música em sua configuração. Dentro
da narrativa melodramática, a música desempenha várias funções:
A
música no melodrama, antes de tudo, marca entradas, anunciando por seu tema
[musical] qual personagem chega ao palco e que tom emocional ele traz à situação
[...] Outro recurso para a sica é mais evidente em momentos de cmax e em cena
de rápida ação física, particularmente em cena sem diálogo, que recebem reforço
orquestral. A sica parecia ser chamada sempre que o dramaturgo quisesse
impactar um lance emocional ou manipular o humor da audiência (BROOKS,
1995:48-49).
A
sica, como veremos a seguir, interpreta um papel singular na expressão de uma
“estética do excesso”.
c) As temáticas e os personagens
A perseguição é o pivô de toda intriga melodramática, personificada na distribuição
maniqueísta dos personagens pelo vilão, que encarna o Mal absoluto. Antes de sua chegada, o
mundo é ainda harmonioso; após sua punição, os mal-entendidos se dissipam e a vida familiar
recupera o equilíbrio perdido por culpa do vilão. A aparição histriônica dessas figuras é algo
perpetuado no imaginário coletivo. O estereótipo do vilão é representado pelo bigode fino, a
capa e a adaga escondida, e constituído de uma maldade opaca. O triunfo do personagem
acontece graças à ingenuidade das mocinhas. Da perseguição decorre a vitimização como
outro elemento do gênero. Tudo conspira contra o herói ou a heroína, que encarna a força do
Bem. O senso patético violento que traz a perseguição da vítima vai crescendo ao longo da
peça. Porém, o momento em que a vitória do vilão parecia definitivamente conquistada era
aquele em que a Fatalidade, transformando-se em Providência, intervinha para ministrar-lhe
um castigo exemplar e consagrar a vitória da virtude sobre o vício (THOMASSEAU,
2005:35)
53
. O tema da perseguição permite ao melodrama expressar uma de suas primeiras
qualidades e constitutivas da narração: a imaginação, que joga mais com as peripécias do que
com os motivos de ação, sempre idênticos: a vingança, a ambição, o dinheiro; raramente o
amor. Eis a repetição e a inovação de todo relato popular. Se a perseguição se desenvolve ao
longo de toda a peça, é por meio do ou dos reconhecimentos que se encerra, assinalando a
“voz do sangue” como uma das formas da Fatalidade: ninguém pode lhe escapar. Como
71
assinala Martín-Barbero, todo o peso do drama recai no fato de as fidelidades primárias
constituírem (relações de parentesco) a origem do sofrimento:
q
ue converte toda existência humana desde os mistérios da paternidade dos irmãos que
se desconhecem, ou dos gêmeos em uma luta contra as aparências e os malefícios, é
uma operação de decifração. É isso que constitui o verdadeiro movimento da trama: a ida
do desconhecimento ao re-conhecimento da identidade, “esse momento em que a moral se
impõe” (MARTÍN-BARBERO, 2001:165).
Localizado no final da peça, o drama do reconhecimento restabelece a harmonia ao
erradicar o vilão, encenado com a orquestração para sublinhar o momento dramático de
desmascarização das forças do mal. Como destacamos anteriormente, a humanidade
representada no melodrama é maniqueísta, simples e dividida entre os bons de um lado e os
maus do outro. Esse mundo bipolar é encarnado por personagens – arquétipos – portadores de
valores morais, fortemente codificados em comportamentos e linguagens, logo, facilmente
reconheveis. Essas entidades fixas principais são: o Vilão (já apresentado), o Justiceiro:
protetor e herói que, na última hora, salva a vítima e castiga o vilão; a Vítima inocente: é
principalmente uma mulher, encarnação das virtudes domésticas, a heroína é uma esposa,
mas, especialmente, uma mãe que é separada de seus filhos e que sofre a submissão filial e
conjugal junto às consequências de atos irreparáveis (maldições, violações, ultrajes etc.); e o
Cômico
54
: não é protagonista, mas é necessário para o funcionamento de gênero, ele traz os
momentos de relax e introduz a ironia e o grotesco a partir de sua aparente torpeza física.
A matriz melodramática continuou diversificando-se em termos de temáticas e
estética, dialogicamente com as transformações sociais da época. A geração do melodrama
romântico (1823-1848) se inicia no momento em que a alta sociedade se hierarquiza
novamente e simula deixar os Bulevares. Por um lado, o período foi marcado pelo sarcasmo,
pela inversão de valores (os bandidos viram heis) e as reivindicações sociais (especialmente
depois das barricadas de 1830); por outro, pelo ressurgimento das ideias republicanas e
bonapartistas. As convenções do nero também foram alteradas, transformando as obras em
atos e as cenas em “quadros” que o progresso técnico permitia trocar rapidamente, ao mesmo
tempo em que acompanhava os passos do folhetim que fragmentava a narrativa usando o
mesmo recurso e lhe fornecia novos tipos sociais que influenciaram a diversificação de seus
53
A dimensão moral e pedagógica do melodrama seaprofundada, nesta dissertação, no item 3.3 A pedagogia
moral do melodrama.
54
Por sua vez, representam, nos termos de Martín-Barbero (2001:162), quatro sentimentos básicos: medo,
entusiasmo, lástima e riso; quatro sensações: terror, excitação, ternura e comicidade; e quatro gêneros: novela
noir, epopeia, tragédia e comédia.
72
personagens (notários, banqueiros, médicos, advogados defensores dos oprimidos etc.). Vale a
pena nos determos um instante nesta forma cultural, uma vez que terá plena ligação com a
formação da telenovela brasileira. Um crítico da época destacou: O folhetim não é nada mais
do que um teatro móvel que vai buscar os espectadores em vez de esperá-los (ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989:11). O folhetim nasce como narrativa sob o signo do
entretenimento: a palavra designa um lugar específico da página do jornal o rodapé –,
espaço visualmente demarcado e separado dos outros temas, no qual são tratados os faits
divers, os crimes, as crônicas policiais e, por fim, o romance-folhetim, publicado em pedaços.
O romance-folhetim nasceu, em 1836, com a publicação de um romance de Balzac no jornal
La Presse, de Émile de Girardin. É, em 1841, com os Mistérios de Paris, de Eune Sue, no
Journal des Débats, que a narrativa – por entregas ou quadros –transforma-se numa estratégia
empresarial para aumentar o número de assinantes dos jornais (até então restrito àdia e alta
burguesia), tornando-se uma literatura popular de alcance massivo, por volta do final do
Segundo Império, adquirível já a um centavo
55
. Já no Segundo Império (Napoleão III 1852-
1870), o gênero melodrama ajusta-se ao rigor e à censura do novo regime que calava as
expressões mais contestatórias, e começa a concorrer com outros formatos em ebulição, como
o folhetim, com os quais estabelecia empréstimos e doações. No período chamado de
Melodrama diversificado (1848-1914), o melodrama acompanhou todas as expressões teatrais
da época, mas sem se modificar profundamente. Distinguem-se, no período, quatro
inspirações melodramáticas
56
: a Militar, patriótica e histórica; a de Aventuras e exploração; a
Policial ou judiciária; e a de Costume ou naturalista. Iremos nos deter, especialmente, nesta
última por conter as características gerais mais pximas do espírito da telenovela das oito”,
e especialmente, do MS, tal como hoje a conhecemos.
Com a ascensão de novos estratos sociais, o diálogo castelo-choupana vem para o
centro da cena. Direitos de precedência, preconceitos sociais e familiares são tratados em
forma de quadros de costumes. Nesse gênero se encaixa L´Étranger (1876), de Dumas Filho.
A respeito dessa nova geração de melodramaturgos, agora fazendo uso de uma representação
realista, Sarcey, crítico da época, afirma:
T
odos os elementos do antigo melodrama ali estão, mas o ressaltados por novos
temperos! Um gosto pelo realismo no estudo da vida, teorias cienficas e morais
sucedendo aos gritos de paixão, os acontecimentos subordinando-se ou parecendo
55
Para a história do folhetim, consultar: MEYER, Marlyse. Folhetim, Uma História. São Paulo, Companhia das
Letras, 1996.
56
Para aprofundar as noções sobre inspiração melodramática, consultar: THOMASSEAU, Jean-Marie. O
Melodrama. São Paulo: Perspectiva, 2005. pp. 95-120.
73
subordinar-se a uma lógica superior: assim é a lei m
oral que emana de Deus
(THOMASSEAU, 2005:104).
Nos primeiros anos do Império, algumas peças tratara
m o imobilismo social,
representando um movimento que preconizava a reconciliação entre as classes e a
manutenção do status quo. Porém, o melodrama orientou-se para o retrato dos meios sociais
sublinhando os contrastes violentos entre os ambientes ricos e os despossuídos, os artistas em
face aos poderes do dinheiro e da política etc. Essa forma de melodrama social exacerba-se
para a estética naturalista, sendo Os Miseráveis (1862), de Victor Hugo, encenada em 1878, a
obra marco. Na primeira metade do século XIX, existia uma tendência esparsa de se encenar
melodramas sociais que tratavam dos dissabores da pobreza, mas é a estética naturalista que
iapropriar-se deles e codificá-los. Lembra Tomasseau,
E
m torno do final do século, este tipo de melodrama se carregará novamente de fortes
reivindicações sociais, no clima de insegurança provocado pelos movimentos anarquistas,
pelos protestos operários, pela ascensão do socialismo internacional e pelos escândalos
financeiros (THOMASSEAU, 2005:108).
L
igadas às teorias humanitárias e socialistas, as obras naturalistas colocam em cena
os dissabores e o patético da pobreza, sendo a cenografia o recurso que mais enfatiza esse
espírito: hospitais, esgotos, prisões, cemitérios etc. Analisando o folhetim naturalista de
Victor Hugo e Eugène Sue, Martín-Barbero repara no caráter testemunhal dessa narrativa que
traz a voz de um mundo social ausente e reprimido nos discursos sociais da cultura e a
política (2003:184), ainda que de maneira sentimental, moralista e até reacionária. Seguindo
essa pista, acaso não podemos identificar o caráter testemunhal no MS, produto de uma
história da telenovela que, ao longo do tempo, foi trazendo cada vez mais realidade social
para a ficção?
3. 3 A pedagogia moral do melodrama
A função moral e pedagógica do melodrama não pode dissociar-se de sua linguagem
refratária: o sensacionalismo ou “estética do excesso(BROOKS, 1995) operacionalizados
pelos elementos anteriormente descritos. O melodrama nasce com uma missão educadora:
Pixerécourt reconhecia escrever para aqueles “que não sabem ler”, para este público novo, em
sua maioria inculto, no qual se desejava inculcar certos princípios de sadia moral e de boa
74
política (Thomasseau, 2005:29). Mas, para tal, era necessário considerar essa nova
sensibilidade nascente e codificá-la no gênero, como assinala Martín-Barbero:
A
s paixões políticas despertadas e as terveis cenas vividas durante a Revolução
exaltaram a imaginação e exacerbaram a sensibilidade de certas massas populares que
afinal podem se permitir encenar suas emoções. E para que estas possam desenvolver-
se, o cenário se encherá de prisões, de conspirações e justiçamentos, de desgraças
imensas sofridas por vítimas e traidores que no final pagarão caro suas traições (...)
Antes de ser um meio de propaganda, o melodrama será o espelho de uma consciência
coletiva (2001:152).
O público não buscava palavras, mas ações e grandes paixões. Esse sabor pelo
sensacional coloca o melodrama ao lado do popular, enquanto a marca da educação burguesa
se manifestará no contrário: no controle e na privatização dos sentimentos. Eis o rasgo de uma
cultura não letrada ou oral apontada por Marn-Barbero (1989). O melodrama não é filiado a
uma tradição literária. Ele é um espetáculo “ocular, inteiramente voltado ao espetacular; é
um gênero que responde primeiramente às exigências do movimento, da sinceridade e da
sensibilidade; é um teatro de ação e de imagem desligado deliberadamente de uma escrita
tradicional do teatro
57
. Essa retórica do excesso ou da exacerbação dos sentimentos traz uma
vitória contra a repressão, contra uma determinada economia da ordem, em correspondência
ao conceito de democracia:
q
ualquer que fosse a classe social, acredita-se mais no mérito do que no privilégio, e na
fraternidade do Bem. Entre as forças repressoras da retórica melodramática está a de
dominação de classe, sugerindo que uma pobre garota perseguida pode confrontar seu
poderoso opressor com a verdade da condição moral dela (BROOKS, 1995:44).
O excesso narrativo se faz presente também na falta
da ambiguidade do texto e na
reação de espanto dos personagens que, corporizados em gestos de grande efeito visual,
tornam visível a moral em jogo e o reconhecimento do lado em que está o Bem. Lembremos
do maniqueísmo, como raiz do modo melodramático: o mundo constitui um campo de batalha
entre duas forças antagônicas, o Bem e o Mal. O Bem se mantém como força moralmente
superior e suporta sempre as provações impostas pelo Mal. Como o melodrama se funda na
moral cristã
58
, o Bem deve se caracterizar pelo destino e não espaço para eventos não
arbitrários; tudo é parte de um plano providencial: a Providência ajudará sempre aquele que
57
Thomasseau (2005), no começo da sua obra, salienta como o teatro do melodrama foi rejeitado pela História
teatral por não se constituir a partir de um estilo literário. Daí, a conotação pejorativa do melodrama qualificado
de “subliteratura, paraliteratura ou a-literatura”.
58
Outros elementos cristãos do melodrama canônico são a abnegação, o perdão, o sacrifício, a recompensa, a
salvação.
75
souber ajudar a si mesmo. O Bem é superior e deve sempre mostrar a sua superioridade. Vale
na imaginação melodramática a ideia de expressão direta dos sentimentos na superfície do
corpo. Tudo no melodrama se traduz em imagem: o conflito moral se dá entre a autenticidade
e a hipocrisia. O principal é garantir a pedagogia que requer a resolução das ambiguidades.
Como ressalta Xavier:
A
premissa do gênero é a de que o ser autêntico é transparente, expõe-se por inteiro, sem
zonas de sombra; o ser hipócrita é turvo, cobre-se de máscaras, exibe sua duplicidade. Em
termos retóricos, isso significa que é essencial na composição do drama colocar os
autênticos ao “nosso lado” e os hipócritas “do lado oposto”, regra geral posta em prática
nas várias faixas do espectro ideogico, pois todos no melodrama procuram identificar os
seus valores sociais com a celebração da espontaneidade e o ataque à dissimulação. A
virtude de caráter de um personagem sanciona a sua posição, a hipocrisia o desautoriza. A
hipótese da legibilidade que se dá ao olhar garante nossa percepção da diferença entre uma
coisa e outra (XAVIER: 2003:95).
B
rooks assinala também um jogo de aparências ao analisar a literatura realista do
culo XIX. O autor chama de moral ocultaa parábola moral que se esconde por trás das
coisas banais do cotidiano realista representado nas narrativas:
R
ealidade é para Balzac tanto o cenário do drama quanto a máscara do verdadeiro drama
que está por trás, é misterioso, e pode ser referido, questionado, logo gradualmente
elucidado. (...) O mundo é subjugado por um maniqueísmo subjacente e a narrativa cria a
excitação do drama nos colocando em face ao conflito entre o bem e o mal exercido por
baixo da superfície das coisas (...). A “moral oculta” é o domínio da operalização de
valores espirituais que é tanto indicada quanto mascarada pela superfície da realidade
(BROOKS, 1995:5).
Durante o século XX, a penetração mais significativa
do melodrama se deu no
cinema e na televisão, muito especialmente na América Latina, onde, sedimentada na
telenovela, tem acompanhado a formação das nações modernas e agenciado o processo de
constituição de uma cultura popular de massas.
Como temos observado na formação e evolução do gênero, ele nasceu como
expressão de uma sensibilidade particular que se refrataria numa estética específica: o
sensacional. O sensacionalismo popular compensou e, ao mesmo tempo, imitou a estrutura
frenética desarticulada da vida moderna. O melodrama é um gênero vivo enunciação que
foi refletindo e refratando em sua narrativa (temáticas, personagens, cenários, modos de
representação etc.) as transformações sociais, captando, reelaborando e dando visibilidade aos
valores circundantes no horizonte social da sociedade em um momento determinado.
Atualmente, essa representação baseada no excesso e no sensacional nos pareceria absurda
76
por não mais corresponder aos nossos códigos culturais. Se o sensacional, como linguagem, é
a refração do cotidiano e seu conjunto de normas e valores do século XIX, o
realismo/naturalismo o separa a sociedade de consumo e de experiência fragmentária da
modernidade do século XX e da pós-modernidade do século XXI. Como aponta Xavier
(2003), os padrões morais do melodrama ajustaram-se à sociedade de consumo no século XX:
a admissão do prazer substitui a moral religiosa, o final feliz ao triunfo da virtude, enfim, o
melodrama conseguiu trabalhar imaginários diferentes, agora gradualmente marcados pela
psicologia moderna, mas sem abandonar as encarnações do bem e do mal que as incorpora
nas variações que tais noções tem sofrido. O autor explica:
h
á melodramas de esquerda e de direita, contrários ou favoráveis ao poder instituído, e o
problema não está tanto numa inclinação francamente conservadora ou sentimentalmente
revolucionária, mas no fato de que o gênero, por tradição, abriga e ao mesmo tempo
simplifica as questões em pauta na sociedade, trabalhando a experiência dos injustiçados
em termos de uma diatribe moral dirigida aos homens de vontade (XAVIER,
2003:93).
3.4 O passeio da matriz melodratica pelo bosque das formas culturais
Para discorrer acerca das transformações dialógicas sofridas pela matriz
melodramática até constituir-se no dispositivo de MS na telenovela brasileira, tomaremos
como elo condutor principal o percurso proposto por Ortiz, Borelli e Ramos na obra
Telenovela: História e Produção (1989). O passado da telenovela, a partir desta perspectiva,
supõe não um itinerário linear, mas um percurso marcado por rupturas e descontinuidades,
que traz no seu desenvolvimento o dlogo com o romance-folhetim e também com outras
formas culturais, como a soap-opera americana e a radionovela latino-americana.
3.4.1 Romance-Folhetim
O folhetim se desenvolve no Brasil quase que simultaneamente ao seu surgimento na
França, especificamente, em 1838, com a publicação de Capitão Paulo, de Alexandre Dumas,
no Jornal do Comércio (RJ). Porém, existiam diferenças substanciais entre a matriz francesa e
a brasileira. De um lado, a maioria dos folhetins eram traduções, salvo algumas exceções de
romances brasileiros publicados na forma seriada. De outro, os escritores brasileiros
escreviam os romances para logo serem publicados nos jornais, único modo possível, na
77
época, de difundir as suas obras. A diferença da França, cuja imprensa seguia o ritmo
empresarial e diferenciava a cultura erudita da popular, em relação ao contexto brasileiro deve
ser ressaltada. No Brasil, o capitalismo, ainda incipiente, caracterizava-se pela falta de
autonomia das esferas culturais (arte, literatura etc.) de modo que os escritores, mais do que
literatura folhetinesca de entretenimento, encontravam no jornal o seu canal mais amplo de
difusão. Disso decorre a falta de uma “cultura de mercado e o caráter não popular dos
folhetins. De fato, numa sociedade escravocrata como foi a brasileira, a escrita era um bem da
elite dominante não atingindo a massa analfabeta da população. O contexto cio-histórico
não favoreceu o desenvolvimento do gênero que, por volta do final do século XIX, havia
declinado sem nunca ter sido popular. Entretanto, o folhetim deixaria as características
formais que dariam fisionomia à telenovela. Ortiz, Borelli e Ramos (1989) assinalam que o
gap que separa o folhetim da radionovela, que chega ao Brasil nos anos 1940, é preenchido
pela influência da soap-opera americana.
3.4.2 A soap-opera
A soap opera foi lançada nos Estados Unidos, nos anos 1930, dialogando com um
contexto social específico: o rádio já contava com uma estrutura industrial de exploração
baseada na publicidade e a crise econômica da Grande Depreso fez com que o aparelho se
tornasse um bem de consumo popular, constituindo-se na forma mais barata de
entretenimento. Agências financiadoras do rádio comercial empresas como Colgate-
Palmolive e Lever Brothers começaram a produzir as operas de sabãopara vender seus
produtos às donas-de-casa, uma vez que a venda havia diminuído por causa da recessão
econômica. A soap opera guarda diferenças substanciais com o folhetim; Ortiz, Borelli,
Ramos resumem a primeira delas da seguinte forma:
c
ontrariamente ao gênero folhetinesco, que se organiza em “pximos capítulos” que
anunciam o desfecho da estória, a soap opera se constitui de um núcleo que se
desenrola indefinidamente sem ter realmente um fim. Não há verdadeiramente uma
estória principal, que funcione como fio condutor guiando a atenção do “leitor”; o que
existe é uma comunidade de personagens fixadas em determinado lugar, vivendo
diferentes dramas e ações diversificadas. Por isso, as “novelas” americanas são
bastante longas, chegando a permanecer no ar por mais de vinte anos (ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989:19)
59
.
59
Essa diferença é ainda determinante para distinguir uma soap opera de uma telenovela. A única produção
audiovisual de televisão brasileira que se encaixa nesta categoria é Malhação, da TV Globo, estreada em 1995 e
ainda no ar. Apesar de o MS, como ferramenta sócio-educativa, estar inserido também em Malhação, essa
78
Outra diferença é o caráter comercial do produto cul
tural, concebido, dirigido e
sustentado por imperativos corporativos: os grandes patrocinadores (as fábricas de sabão)
eram também os produtores dos programas. Outra característica essencial é o público-alvo
dessas produções: as donas-de-casa, que segundo pesquisas da época, que detinham o poder
de decisão da compra no seio familiar, pois são elas que se ocupam dos afazeres domésticos e
que se interessam pelos programas de entretenimento mais do que pelos didáticos. Esse
contexto será refletido nas temáticas voltadas para o mundo feminino (problemas do
casamento, saga familiar etc.) e certas feministas reconhecerão o selo melodramático da
narrativa que, em momento crítico da sociedade americana, colocava a mulher como fator
moral e ético de preservação do lar contra as forças do mundo exterior (ORTIZ; BORELLI;
RAMOS, 1989:21). A mulher, então, é vista duplamente: como consumidora potencial e
como representativa de um universo de valores que podem ser explorados por uma narrativa
particular.
3.4.3 A radionovela
A soap opera induzirá a criação da radionovela na América Latina, cujo berço
encontrar-se-ia em Cuba. Neste país existia uma tradição folhetinesca e algumas experiências
em rádio como o rádio-teatro. Por volta do ano 1933, Cuba tinha um sistema radiofônico
desenvolvido, mas padecia por falta de interesse oficial pelo setor. Os Estados Unidos, em
face da ampliação de fronteiras, acabou sendo a principal fonte de referência na aplicação de
técnicas, comercialização e programação radiofônica. Nesse contexto, aparecem as
radionovelas patrocinadas por fábricas de sabão cubanas que logo seriam incorporadas pela
Colgate-Palmolive e pela Procter and Gamble. O escritor cubano Felix Gaignet deixa a escrita
folhetinesca de mistério e detetives para se voltar para o melodrama sentimental, rendendo,
em 1935, um fruto que seria o marco para o nascimento da telenovela: El Derecho de Nacer
(O Direito de Nascer). A cidade de Havanna transforma-se num pólo produtor de
radionovelas, começando a exportar artistas, diretores e livretos para o restante da América
Latina. A marca distintiva da radionovela cubana em relação à soap opera será privilegiar a
matriz melodramática canônica, o sentido trágico da vida e as narrativas de amor. Como
lembram Ortiz, Borelli e Ramos (1989), os títulos Mujeres que Trabajan, El Dolor de Ser
produção ficará fora de nosso estudo por se tratar de uma soap opera e não de uma telenovela, que é nosso objeto
de estudo.
79
Madre etc. revelam o interesse pelo mundo feminino e a intenção propositada de “fazer
chorar” um público feminino que, mergulhado na pobreza, encontraria nas radionovelas a
válvula de escape para o pranto a fim de liberar as próprias angústias.
As empresas americanas multinacionais de sabão, ao se implantarem no continente
latino, levarão consigo a fórmula comercial (patrocinadores e produtores) e melodramática –
consagrada na ilha, chegando a instalar-se no Brasil, em 1941, ano em que foram lançadas A
Predestinada, pela Rádio São Paulo, e Em Busca da Felicidade, pela Rádio Nacional.
A radionovela chegou ao Brasil no contexto do “processo autônomo ou nacional de
desenvolvimento”, iniciado com a Revolução de 1930 e que se prolongaria até meados de
1950. É o período marcado pelo início de industrialização e urbanização de forma desigual e
insuficiente que fará emergir novas forças sociais as camadas médias e populares urbanas, o
que justificará por parte do Estado uma política nacional-populista.
As contradições de um sistema que se afirmava como capitalista em crescimento,
porém sob alto custo social gerado pela concentração de renda e exclusão da maioria da
população, serão expressas pelo papel ambivalente desempenhado pelos meios de
comunicação massiva (MCM). Como assinala Lopes (2005), por um lado, eles se posicionam
como difusores do efeito-demostração do estilo de vida urbano e na forma de agências de
socialização antecipada
60
. Por outro, como aguçadores de tensões sociais, uma vez que,
graças a eles, as camadas percebem as discrepâncias entre as pressões de consumo e a falta de
oportunidades e acesso aos bens. Diante deste campo de tensão, a proposta política
funcionamento da hegemonia - foi fixar um modelo de inserção e participação particular e
específico para os estratos sociais de baixa renda, que se associa ao problema da identidade,
do que é nacional: converter as massas em povo e o povo em nação (LOPES, 2005:23).
Aliados ao Estado populista, os MCM se tornaram cada vez mais eficazes à medida que as
massas reconheciam, nos conteúdos veiculados, algumas de suas demandas básicas e a
presença de seus modos de expressão:
F
oram o rádio e o cinema os meios que nesse período mais propiciaram às classes
populares, seja às pessoas do interior, seja aos migrantes nas cidades, as primeiras
vivencias cotidianas da nação, difundindo a experiência cultural simultaneamente
partilhada por nordestinos, paulistas, gaúchos, cariocas (LOPES, 2005:24).
60
Os meios agem no nível cultural e ideológico no sentido de introduzir padrões modernos de conduta
contribuindo para a difusão do estilo de vida urbano e para a adesão, por meio da socialização antecipada, às
oportunidades inerentes àquele estilo de vida que se difundiam como superiores (LOPES, 2005:22).
80
No Brasil da década de 1940, os aparelhos de rádio eram um bem de acesso massivo,
de modo que o gênero adquiriu um sucesso inédito, tornando-se a radionovela um produto
cultural popular
61
, estatuto que não tinha adquirido o folhetim. Se inicialmente a radionovela
era importada, aos poucos surgiram textos escritos por autores brasileiros e uma consequente
especialização da produção, acumulando-se uma experiência sobre a literatura melodramática
que logo seria transferida para um novo dispositivo técnico: a televisão. Nos próximos anos e
diante de um novo contexto de aceleração de mudanças, uma nova forma cultural cumpriria a
função de talhar a nação por meio do imaginário: a telenovela.
3.5 A telenovela como ação pedagógica
A partir da leitura de distintas periodizações acerca da telenovela como produto
cultural, realizadas por diversos autores
62
, buscamos discorrer sobre as transformações da
matriz melodramática, neste formato, em função de três períodos que consideramos os mais
marcantes e que expressam, de certo modo, a evolução do estreitamento do vínculo entre
ficção e realidade, e a evolução de uma dimensão pedagógica que, cada vez mais, vai se
expressando de forma explícita e deliberada. Chamamos esses três períodos de: 1. Herança
melodramática canônica (1950-1967); 2. Proposta realista e diversificação do gênero (1968-
1990); e 3. Melodrama e naturalismo (1990-atualidade). É no terceiro período que colocamos
o MS como expressão naturalista e deliberada da pedagogia da matriz melodramática.
1. Herança melodramática canônica (1950-1967)
A história da telenovela está atrelada à história da televisão no Brasil. Foi Assis
Chateaubriand quem lançou o Brasil na era da televisão, inaugurando a TV Tupi Difusora São
Paulo, em 1950, face a um capitalismo nacional incipiente. A primeira telenovela, Sua Vida
me Pertence, de Walter Foster, estreou em 1951. Todo o período será caracterizado por uma
indústria televisiva de caráter artesanal e improvisado, dirigida por “capitães de indústria” e
61
Entre 1943 a 1945 foram transmitidas 116 radionovelas pela Rádio Nacional, num total de 2.985 capítulos
(ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:27). A existência do IBOPE, em 1944, faz entrever a formação de uma
massa de público.
62
ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia H.S.; RAMOS Ortiz, José Mario. Telenovela, História e Produção. São
Paulo: Brasiliense, 1989. MATTELART, Armand & Michèle. O Carnaval das imagens. A ficção na TV. São
81
não segundo parâmetros de uma administração racional e moderna. Esta base material de
recursos técnicos e humanos limitados teria seu correlato na linguagem artística que buscava
uma expressão própria. Constituída a partir do capital simbólico do rádio, a telenovela abriga
tanto atores, quanto diretores, escritores e gêneros, sendo sua linguagem caracterizada mais
pela oralidade de um narrador em off do que pelo mundo imagético. O melodrama
63
lacrimoso, calcado à cubana, e sua estrutura maniqueísta serão as matrizes predominantes
desta nova forma cultural nos primeiros anos:
S
e a tradição radiofônica, por um lado, impunha barreiras ao desenvolvimento da
telenovela, por outro, constituía uma fonte inesgotável de referência. (...) Deixando de
lado alguns romances adaptados (Machado de Assis e José de Alencar), existe uma clara
predominância do gênero melodramático (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:29).
Porém, a partir de 1954, essa matriz declina em favo
r da adaptação de clássicos
estrangeiros do romance-folhetim que já haviam sido imortalizados na filmografia de
Hollywood: Victor Hugo, Julio Verne, Alexandre Dumas, e autores expoentes de uma escrita
“mais erudita”, como Bernard Shaw, entre outros. Essa escolha o dependia tanto de um
interesse pelo folhetim, mas pela falta de uma indústria cinematográfica brasileira, de modo
que “copiar” os filmes americanos constituía-se na referência hegemônica para a construção
de uma linguagem de câmeras na TV. Se o rádio contribuía na oralidade, o cinema americano
exercia sua influência na linguagem imagética. Outro motivo que dialoga com o declínio do
melodrama como matriz de gênero é a falta de uma indústria cultural televisiva. Se a
radionovela atingia os objetivos de explorar um mercado, a televisão era ainda precária para
que isso acontecesse. Os investimentos em publicidade televisiva provinham principalmente
do varejo e não das multinacionais que, voltadas ao sucesso do rádio, desconfiavam da
rentabilidade da televisão. Entretanto, essa situação começa a reverter-se no final da década
quando as agências e os patrocinadores estrangeiros “apostamna TV brasileira motivados
pelo sucesso da televisão nos seus países de origem.
A partir do caráter precário de experimentação da TV comercial brasileira durante a
década de 1950, dois pólos de legitimidade cultural são devolvidos ao seu seio. O primeiro, é
marcado pela tradição radiofônica: programas humorísticos, de auditório e novelas; o
Paulo: Brasiliense, 1987. CAMPEDELLI, Samira Y. A telenovela, São Paulo: Ática, 1985. FERNANDES,
Ismael. Memória da telenovela brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1997, entre outros.
63
Alguns títulos da época são: Meu Destino Trágico (1952), de J. Silvestre; Um Beijo na Sombra (1952), de José
Castelar; Na Solidão da Noite (1953), de Péricles Leal.
82
segundo, é marcado pelo “cultural”: teatro na TV e teleteatro
64
. É preciso frisar que, além do
caráter de entretenimento ou comercial que esses formatos tentam introduzir na TV, eles
trazem também uma distinção cultural para o meio. É com a literatura estrangeira consagrada
regime da escrita – que se pretende endossar o prestígio social da TV, opondo-se à tradição
oral e desqualificando-a, pois esta insistia em se perpetuar. Outro motivo que marcaria o
declínio da produção da telenovela é o ingresso e a popularidade dos seriados americanos que
começam a circular no país por volta de 1958. Entretanto, essa situação seria revertida a partir
da segunda metade da década de 1950, aprofundando-se durante o período do governo militar
(1965-1985). É o momento do processo “transnacional” de desenvolvimento em que capitais
estrangeiros passaram a dominar os ramos-chave da indústria.
O processo de industrialização e crescimento da indústria cultural , iniciado na
década de 1960, tem sua expressão no crescimento do número de aparelhos de TV
65
e das
redes
66
de televisão que ampliam o eixo Rio-São Paulo, facilitado pela introdução de uma
nova tecnologia: o videoteipe. A TV começa a ser um veículo de massa, fato que reorienta o
financiamento publicitário que deixa o rádio e vincula-se definitivamente aos interesses de
mercado. Essa fase será marcada por uma nova forma de gerenciar a produção, cujo
paradigma será a TV Excelsior que poderia ser apontada como a passagem intermediária entre
a TV Tupi e sua mentalidade artesanal, e a TV Globo e seu padrão consolidado de produção.
De fato, a TV Excelsior, criada em 1959, é a primeira emissora a ser administrada com uma
moderna visão empresarial (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:57), o que implica um
processo de racionalização em rios níveis: o uso de gravação em videoteipe permite a
formatação da grade de programação, estabelecendo horários e programas estáveis para fixar
o telespectador num único canal; a criação de seu próprio logo e slogan, autopromovendo-se
como marca; a quebra do “acordo de cavalheiros”
67
ao investir na profissionalização e
64
O “teatro na TV” consistia na encenação na TV de obras teatrais em cartaz, sendo as mesmas companhias de
atores que montavam as peças. O teleteatro respondia à necessidade de adaptação de peças teatrais (clássicos
da literatura universal) para uma linguagem especificamente televisiva, não considerava a TV como mero
veículo. Alguns exemplos de Teatro na TV são o Grande Teatro Tupi”, criado em 1950, em o Paulo, e o
“Teatro Cássio Muniz”, no Rio de Janeiro. O formato tinha duas horas conforme o tempo real da encenação no
palco. O programa modelo de teleteatro era TV de vanguarda”, criado em 1952 pela TV Tupi, permanecendo
no ar até 1967.
65
Na década de 1950 registram-se 434 mil aparelhos. No primeiro quinquênio da década de 1960, 1993
aparelhos (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:79).
66
Cidades brasileiras com emissoras: 1950: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Riberão
Preto, Bauru. Em 1960 incorporam-se emissoras em: Recife, Salvador, Curitiba, Fortaleza, Brasília,
Guaratinguetá, Belém, Uberlândia, Londrina, São Luís, Juiz de Fora (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:79).
67
Perante a precariedade do sistema televisivo, o “acordo de cavalheiros” consistia num pacto entre os donos das
emissoras através do qual eles se comprometiam a não empregar funcionários que trabalhassem para seus
concorrentes. Quebrar esse pacto significaria atrair pessoal técnico e artístico com ofertas de salários melhores
83
especialização de uma equipe própria (técnicos, figurinistas, cenógrafos etc.). Essa série de
mudanças se refrataria na transformação do formato: a telenovela diária. Em 1963, estreia 2-
5499 ocupado, do argentino Alberto Migre, veiculada pela TV Excelsior e financiada pela
Colgate-Palmolive. A telenovela diária responde à racionalização industrial em ascensão,
repetindo o papel que outrora representou o rádio na década de 1940
68
.
O ano de 1964 constitui um marco na história da telenovela no Brasil: estreava na TV
Tupi o texto original cubano escrito por Félix Caignet: O Direito de Nascer. A telenovela
ganha adesão firme de audiência, penetrando na vida das diversas camadas da sociedade
brasileira, marcando o tempo social (MARTÍN-BARBERO, 2001) do cotidiano ao provocar a
mudança de hábitos rotineiros, como sincronizar o horário do jantar com o da telenovela das
20hs, por exemplo. Os jornais da época começam a falar da telenovela como um fenômeno
inédito: o público nas ruas confunde os atores com os personagens, crianças recém-nascidas
ganham o nome do protagonista, todos param suas atividades ou o adiadas para não perder a
telenovela.
Durante o primeiro quinquênio da década de 1960, percebe-se na grade televisiva da
TV Excelsior o gradual aumento da presença da telenovela, ocupando um lugar firme no
prime-time
69
. Ao lado da TV Excelsior, em 1965, outra emissora ingressa no cenário
audiovisual brasileiro: a TV Globo, pertencente ao grupo de Roberto Marinho
70
. Apesar do
trabalho das grandes emissoras da época TV Tupi, TV Excelsior e TV Globo a favor do
desenvolvimento do formato, ainda imperava a falta de um modelo de produção que
equacionasse a duração do formato e seu custo operacional. Daí, a duração irregular (30, 50
ou 150 capítulos) e a descontinuidade na produção das telenovelas.
Como se refrataria essas condições de enunciação na matriz melodramática? Se, até
1966, ainda permaneciam as adaptações de romances estrangeiros próprios do período
que as do mercado, desregular o controle das emissoras sobre os casts e manter uma política salarial livre das
pressões do pessoal assalariado.
68
Da mesma forma, são as empresas de sabão e dentifrício que serão os pólos de financiamento e produção das
telenovelas, suprimindo a autonomia das emissoras. Dentro desse esquema, começa um processo de autoria que
irá desde a seleção e adaptação de roteiros de sucesso latino-americano até a realização de roteiros nacionais.
69
Embora ainda apresente os enlatados estadunidenses (
1963: 36%, e 1969: 43% da grade), os programas
populares de audiência e os teleteatros perdem audiência para a telenovela, sendo os últimos definitivamente
tirados da grade por volta do ano 1967. Em 1963, a TV Excelsior tira do ar “Teatro 9” e “Teatro 63”
concomitantemente ao lançamento da primeira telenovela diária. Em 1964, o sucesso de O direito de nascer
determina o fim do “Grande Teatro Tupi”.
70
Em 1950 Juscelino Kubitschek concede um canal ao grupo Roberto Marinho, que contava com o jornal O
Globo (1925), Rio Gráfica Editora e Rádio O Globo (1944). Em 1962, a emissora se associa ao grupo americano
Time-Life, que tinha interesse em ocupar estrategicamente espaço nos meios de comunicação da América
Latina. A emissora começa a operar, em 1965, com o canal 4 (RJ) e, em 1966, penetra em São Paulo com a
compra da TV Paulista, Canal 5.
84
anterior, a época iria caracterizar-se pela hegemonia do melodrama canônico. Este modelo se
impunha como hegemônico perante as decisões das multinacionais que ainda controlavam a
produção. Em primeiro lugar estavam as telenovelas importadas (cubanas, argentinas,
mexicanas, venezuelanas) de autores como Alberto Migre, Abel Santa Cruz, Felix Caignet.
Em seguida, vinham os melodramas brasileiros, muito deles transmitidos na fase de ouro do
rádio. Neste período, alguns escritores brasileiros começaram a se firmar, como Ivani Ribeiro,
Eduvaldo Vianna, Raimundo Lopes, entre outros. Percebe-se, nesse período, dois tratamentos
diferentes dados à matriz. De um lado estavam as telenovelas melodramáticas exibidas pela
TV Tupi e pela TV Excelsior. Nelas eram tratados uma pluralidade de assuntos que em torno
do amor, do dever e da família, numa rede de polarização entre bem e mal, ricos e pobres,
justos e injustos, felicidade e tristeza. As tramas recuperam as temáticas dramáticas e
dicotômicas do romance-folhetim:
a
doméstica numa relação amorosa com o patrão milionário (A Moça que Veio de Longe,
1964, Abel Santa Cruz); o relacionamento conturbado entre a e e a filha que
desconhece a verdadeira maternidade (Uma Sombra em Minha Vida, 1964, S. Leblon),
bebês trocados num duelo de culpa e vingança (Somos Todos Irmãos, 1966, J. W.
Rochester), a paternidade desconhecida (Direito de Nascer, 1964-5, F. Caignet) (ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989:70).
Observa-se nessas produções uma intenção germinal de
abrasileirar o nero,
aproximando esses dramalhões a um cotidiano brasileiro reconhecível pelo público,
tratamento que será hegemônico a partir da década de 1970. Os personagens do antigo
folhetim que reforçavam um imaginário herdado da aristocracia com carruagens, reis, rainhas,
duques e condes, o aos poucos transmutados para um imaginário moderno em ascensão,
cujos tipos sociais ligam-se ao mundo urbano contemporâneo: carros, ônibus, cidades
brasileiras, profissões etc.
Outro campo de produção melodramática será desenvolvido na TV Globo na sua fase
inicial de incursão no gênero, cujo paradigma será a escritora cubana Glória Magadan. A
autora chega ao Brasil como supervisora da seção internacional de telenovelas Colgate-
Palmolive de São Paulo. Logo em seguida é contratada pela TV Globo, onde investe em
adaptações “livres” de filmes hollywoodianos, romances consagrados e folhetins do século
XIX. Essas megaproduções fantasiosas, chamadas também de folhetim exótico, são
ambientadas em paisagens alienígenas, distantes, onde atuam personagens excêntricas,
extravagantes, quando não esdrúxulas (CAMPEDELLI, 1985:32). Localizadas no horário
nobre da grade, destacam-se as telenovelas Eu Compro essa Mulher (1966), baseada no
85
romance O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas; e O Sheik de Agadir (1966),
adaptação de Taras Bulba, de Gogol. O Sheik de Agadir pode ser considerado o paradigma de
um modelo melodramático caracterizado por personagens com nomes estrangeiros, vivendo
dramas pesados, diálogos formais e figurinos pomposos, ambientados em tempos e lugares
remotos (LOPES, 2003:24). Modelo que será transfigurado no período seguinte, sob novas
condições sociais, dito de outro modo, sob novas condições de produção de enunciação.
Para fechar esse período inicial da telenovela, o qual chamamos Herança
melodramática canônica, resta concluir que a forma herdada do folhetim melodramático foi
refratária a um contexto de capitalismo incipiente, no qual a arte folhetinesca de narrar dia
após dia se impõe para criar o bito de audiência e horizontalidade da grade. Mas esse
caráter econômico não seria viável sem levar em consideração a reação de um público ávido
por histórias, que encontra naquele imaginário um meio de entretenimento, de projeções de
desejos, de angústias, de anseios e de realizações, que se vê representado e através do qual se
reconhece. É gradualmente e a partir da matriz melodramática canônica que produtores e
receptores vão desenvolvendo uma nova linguagem e as competências tanto para falá-la ou
narrá-la quanto para lê-la, estabelecendo-se um diálogo possível. A esta herança
melodramática seguem-se as transformações sociais e nela se imprime cada passo da história.
É a partir de 1968 que achamos outro marco do diálogo que, em termos bakhtinianos, é
estabelecido entre a arte e a sociedade.
2. Proposta realista e diversificação do gênero (1968-1990)
Por volta do final da década de 1960, percebe-se uma tendência de afastar-se do
melodrama canônico nos termos em que vimos desenvolvemos até aqui. o as telenovelas
Ninguém Crê em Mim (César Lauro Muniz, TV Excelsior, 1966), Os Rebeldes (Gerardo
Vietri, TV Tupi, 1967-68), Os Tigres (Marcos Rey, TV Excelsior, 1968-69) e Beto Rockfeller
(Bráulio Pedroso, TV Tupi, 1968-69) que trazem a renovação
71
da matriz melodramática,
sendo o último título o paradigma dessa periodização. Beto Rockfeller é considerado, por
71
Os autores citados, provinham, diferentemente dos autores do período anterior (1. Herança melodramática
canônica), do campo do teatro e do cinema, o que significa que, desaparecido o teleteatro, a tensão e a
contradição que existia entre a telenovela e o teleteatro como campos de distinção cultural se recoloca no seio da
telenovela. Essa captação de autores será reforçada na década seguinte, com a incorporação ao universo da
telenovela de nomes como Walter George Durst, Benedito Ruy Barbosa, Dias Gomes etc., decisivos para a
consolidação de uma teledramaturgia nacional.
86
Mattelart e Mattelart (1987), o primeiro arquétipo real da telenovela brasileira, transformando
radicalmente a fórmula do produto audiovisual:
C
om ritmo mais rápido, linguagem e movimentos dos atores mais soltos, Beto Rockfeller
introduz principalmente outro tipo de herói e de impulso dramático: não se trata mais do
princípio maniqueísta do Bem e do Mal o herói não é mais executor de vingança, a
encarnação da Paixão ou o portador do Bem, mas um indivíduo de origem modesta,
habitante da cidade, sujeito a erros, cheio de dúvidas, inseguro, buscando estima, pondo
em prática todos os seus recursos de astúcia para subir na escala social (MATTELART e
MATTELART, 1989:30).
A telenovela se afirmava afastando-se do gênero pura
mente sentimental, colocando
situações sociais que se aproximavam da realidade cotidiana brasileira, em que os
personagens-tipo correspondiam às diversas classes sociais (tanto o industrial como o
mecânico) vivendo em conflito. É a classe média urbana brasileira que é representada na
telenovela. Essas temáticas correlatas de uma realidade conhecida serão refratadas na
linguagem por meio do que o mesmo Bráulio Pedroso chamou de uma proposta realista
(ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:78). A proposta realista de trazer o cotidiano para o
vídeo – será concretizada graças a uma inovação técnica: Beto Rockfeller é a primeira
telenovela em que é utilizado o videoteipe. Esta ferramenta será a apropriada para a realização
dos primeiros planos e planos meios, o que modifica a postura do ator, agora mais
descontraída, provocando mudanças de tom e de diálogos, que passam a ser coloquiais e
soltos, construindo uma narração mais ágil, possibilitada pelo aumento de gravação de cenas,
e, por fim, acrescentando verossimilhança devido à possibilidade de gravação de exteriores.
É hora de se perguntar: com que contexto está dialogando agora a matriz
melodramática ou é produto de qual sociedade? Na virada da década de 1960/1970 a
telenovela se encontrava imersa num processo cultural atravessado pela aceleração da
modernização da sociedade sob coerção do governo militar. Se os anos 1940-1950 podem ser
considerados como momentos de incipiência de uma sociedade de consumo sob uma política
nacional de desenvolvimento, as décadas de 1960 e 1970 se definem pela consolidação de um
mercado nacional de bens culturais. A modernização do país, baseada na construção de uma
ideologia de integração nacional promovida pelo Estado autoritário – Lei de Segurança
Nacional
72
, terá consequências determinantes no campo cultural. Essa integração é operada a
72
A Ideologia de Segurança Nacional constitui o fundamento do pensamento militar em relação à sociedade.
Essa ideologia concebe o Estado como uma entidade que detém o monopólio da coerção, isto é, da faculdade de
impor, inclusive pelo emprego da força, as normas de conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se também de
um Estado que é percebido como centro neurálgico de todas as atividades sociais relevantes em termos políticos,
daí uma preocupação constante com a questão da “integração nacional” (ORTIZ, 2001:115).
87
partir da implantação da infraestrutura tecnológica do sistema de telecomunicações (Embratel
e Intelsat, em 1965; Ministério de Comunicações, 1967) e do sistema de microondas (1968)
que abre o funcionamento de redes permitindo a interligação de todo o território nacional. O
que a lei propunha era uma instância que integrasse, a partir de um centro, a diversidade
social que compunha a sociedade. Retomando as palavras de Williams (1975:119): Uma
demanda (social) que corresponde às prioridades dos grupos de decisão atrairá, é claro,
mais rapidamente, os investimentos, recursos e permissão oficial, aprovação ou fomento, de
que depende uma tecnologia em desenvolvimento. Portanto, como o Estado privilegia a área
econômica, os frutos desse investimento serão colhidos pelos grupos empresariais televisivos,
sendo a TV Globo a maior beneficiária. Ainda que a indústria cultural seja um dos principais
veículos de exercício da hegemonia cultural pelas classes dominantes, a relação entre Estado e
mercado cultural não se deu sem contradições, estas perpassaram por todas as fases
produtivas, até mesmo pela recepção que cada segmento social deu aos produtos. O Estado
impulsiona uma produção cultural ambivalente, no intuito da busca por uma “cultura
brasileira”, uma “identidade nacional”. Se, por um lado, a censura era de caráter repressor
(proibindo determinada produção), por outro, era disciplinadora (incentivando determinado
tipo de produção), fazendo do período, o momento de maior produção e difusão de bens
culturais (ORTIZ, 2001:114). Conforme o autor,
A
implementação de uma indústria cultural modifica o padrão de relacionamento com a
cultura, uma vez que definitivamente ela passa a ser concebida como um investimento
comercial. O processo de industrialização da televisão, e particularmente o papel que nele
desempenha a telenovela, é esclarecedor (ORTIZ, 2001:144).
S
e a TV Tupi, com Beto Rockfeller, inaugura uma nova geração de produtos
televisivos em diálogo com o social, é a TV Globo
73
que saberentabilizar as descobertas,
constituindo-se, em 1969, como a principal rede nacional e produtora de telenovela do
mercado audiovisual e veículo majoritário de um imaginário nacional através de suas
telenovelas. A década de 1970 significou a consolidação da emissora por meio da telenovela,
73
A TV Tupi que, em 1967, conta 13 emissoras mais quatro afiliadas, é a concorrente principal da TV Globo no
peodo. Porém, diante da consolidação progressiva da TV Globo, seu declínio é eminente em 1980. Outras
emissoras, como a Record e a Bandeirantes, só atuam no nível regional, tornando-se redes nacionais por volta do
final da década de 1970. A produção da Record é irregular e a Bandeirantes incursiona no gênero nesse ano,
voltando a produzir só em 1979-80. A TV Excelsior faz sua última telenovela em 1970 quando tem sua
concessão cassada. Em 1980, a TV Globo conta com 36 emissoras afiliadas que, em 1986, somam 48, cobrindo
98% dos municípios brasileiros, atingindo 17,6 milhões de domicílios com TV (ORTIZ; BORELLI; RAMOS,
1989:83-89).
88
cuja racionalização tomou forma de padrão industrial
74
e foi a mentora de uma
teledramaturgia nacional:
F
alar de telenovela brasileira é falar das novelas da Globo. São elas, sem dúvida, as
principais responveis pela especificidade da teleficção brasileira. Essa especificidade é
resultado de um conjunto de fatores que vão desde o caráter técnico e industrial da
produção, passam pelo nível estético e artístico e pela preocupação com o texto e
convergem no chamado padrão Globo de qualidade. É possível atribuir às novelas da
Globo o papel de protagonistas na construção de uma teledramaturgia nacional (LOPES,
2003:23).
O processo de sedimentação das telenovelas da TV Glo
bo se dará paralelamente à
formação de uma dramaturgia diversificada, cujo eixo é a nacionalização do gênero, o seu
abrasileiramento. O realismo será a proposta para viabilizar essa nacionalização, tanto nas
temáticas como nos procedimentos de linguagem; o realismo é a forma/conteúdo que adotará
a partir desse momento a telenovela brasileira. O realismo concebido pelos autores visa
responder uma questão central: como retratar, discutir e criticar a realidade brasileira?
Lauro sar Muniz, citado por Ortiz, Borelli e Ramos (1989:94), nos diz, em 1977: Espelho
de uma realidade mágica, o mundo do espetáculo reflete a vida a partir da recriação
artística. Esta história será passada em dois níveis distintos: o nível da realidade e o nível da
arte, espelho da realidade. Essa reformulação da matriz melodramática que, agora, em termos
backtinianos, passa a refletir (“no nível da realidade”) e refratar (“no nível da arte”) o
cotidiano brasileiro, sofrerá tensões em relação à censura imposta pelo Estado no seio dos
produtores culturais, onde considerarão a proposta realista como uma nova legitimidade para
o produto telenovela contra os “dramalhões”
75
e a proposta melodramática mais canônica
como “alienada”. As telenovelas realistas quase sempre tratarão de ambientes regionais e de
um ideário nacionalista e crítico que ganhou forma no cinema na década de 1960, passando a
ser transposto para a TV. São títulos da época: Irmãos Coragem (1970-71), Bandeira Dois
(1971-1972), O Bem-amado (1973), O Espigão (1974), e Fogo sobre a Terra (1974-1975),
entre outros. A linha será ainda desenvolvida nos anos 1980, com títulos como Roque
Santeiro (1985) e Roda de Fogo (1986-87), em diálogo com o contexto político da época: um
74
A média de capítulos por obra ficou estipulada em 6 meses. A grade se padroniza oferecendo três telenovelas
diárias, incorporando, em 1972, uma quarta, a das 18hs, conformando hábitos de audiência específicos. Na
atualidade esse padrão é mantido e representado por: 18h: telenovela histórica ou romântico-folhetinesca; 19h:
telenovela contemporânea em chave cômica; 20h: a principal telenovela, de tema social e adulto.
75
Os dramalhões mais tradicionais serão explorados pelo SBT Sistema Brasileiro de Televisão (1981), do
empresário Sílvio Santos, produzindo adaptões de telenovelas mexicanas de Marisa Garrido para, por fim,
identificar-se, nos anos 1990, como a emissora que importa enlatados da Televisa conseguindo um mercado
cativo baseado na audiência das classes D e E.
89
esgotamento do modelo autoritário, uma desilusão do “milagre brasileiro” que era a bandeira
da modernizão, e uma lenta, mas progressiva, redemocratização do país expressado no
clima das Diretas Já
76
.
Do outro lado da proposta realista, o gênero se diversifica em adaptações
literárias
77
(romances nacionais que falam da tradição) como resposta da TV Globo às
pressões governamentais que exigem uma televisão educativa, bem comportada e de melhor
nível (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:97). Essas produções vêm negociar com o
disciplinamento do Estado que nas telenovelas um instrumento tanto educativo como
deturpador da ética da sociedade
78
. O interesse pelas adaptações literárias decai na década de
1980, que passa a ser prioritário da TV Cultura. Por outro lado, a matriz melodramática
explora o personagem canônico do bobo,” dando origem a outro formato: a telenovela-
comédia
79
, localizada na faixa – ainda vigente na TV Globo das 19h, caracterizada por suas
tramas paródicas e farsescas. Este formato dialogará com outros gêneros trazendo para a
linguagem as referências das chanchadas do cinema e das hisrias em quadrinhos,
estendendo a produção aos anos 1980
80
. Por fim e dentro também de um enclave realista –,
encontra-se outra diversificação do gênero, que é o modelo mais profícuo de produção
telenoveleira até a atualidade: o folhetim-modernizado
81
, isto é, os temas da matriz
melodramática tradicional são readaptados à realidade brasileira, combinando-se com
elementos mais visíveis do cotidiano de uma sociedade em processo de modernização. São
títulos da época: Dancing Days (1978-79), Mulheres de Areia (1973-1974), O Astro (1977-
78), Selva de Pedra (1972-73), entre outros. Na década de 1980, encaixam-se nessa categoria:
Água Viva (1980), Coração Alado (1980-81), a segunda versão de Selva de Pedra (1986) e
Corpo Santo (1987), considerada uma telenovela-reportagem, um formato que funde ficção
e realidade com pretensões jornasticas (RAMOS, 1996). Podemos dizer, em termos gerais,
que a década de 1980 foi um período de estabilidade e fortalecimento das transformações da
76
Diretas Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil, em 1984. A
possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se concretizaria com a aprovação da
proposta da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, pelo Congresso Nacional.
77
Localizadas na faixa da tarde, entre as 18 e 19 horas, também foram produzidas, em menor medida, pela TV
Tupi e pela Rede Record. Alguns títulos o: A Escrava Isaura (1976), Cabocla (1979), Olhai os Lírios do
Campo (1980).
78
Nessa tensão a telenovela Roque Santeiro é censurada, em 1975, aparecendo no ar só 10 anos após.
79
Entre as telenovelas da época destacam-se O Cafona (1971) e O Bofe (1973).
80
Esta tendência continuará a ser trabalhada na cada
de 1980 no horário das 19h, por meio de produções de
uma nova geração do audiovisual encabeçada por Guel Arraes e Jorge Fernando. São títulos da época: Guerra
dos Sexos (1983), Cambalacho (1986), Sassaricando (1988), de Silvio de Abreu, e Bebê a Bordo (1988) de
Carlos Lombardi.
90
matriz melodramática que tinham surgido de maneira intempestiva seguindo a sensibilidade
e os ritmos da modernização na década de 1970. Na década de 1980, a TV Globo descansa
sobre os ombros confortáveis da telenovela quase sem concorrentes
82
, preocupando-se com a
internacionalização
83
de suas produções e com o usufruto das novas tecnologias de
telecomunicações (satélite) que lhe renderiam o fortalecimento na concorrência nacional e
mundial.
Na atualidade, a demarcação entre telenovelas “realistas” e “folhetim-modernizado
não é tão estrita, e, poderíamos dizer, que abrangem uma categoria comum, que é a da
complexidade social. Entretanto, essa é uma característica própria da telenovela, mais
especificamente, na faixa horária das 20h, padronizada como de conteúdo social e adulto,
característica predominante que confere identidade a esta produção nacional. Citando Baccega
(2001), essa identidade poderia ser conceituada como “telenovela sócio-cultural”,
caracterizada pela presença da complexidade social em todas as esferas:
A
s personagens deixam de ser planas, com possibilidade de construir seu próprio
“destino”, em interação com o contexto socioeconômico-cultural, à vista do telespectador.
Abordam-se novas temáticas e se modifica o tratamento dado ao melodrama e à
estruturação dos capítulos. A família (...) vai se configurar de modos múltiplos, incluindo
arranjos familiares, mais de acordo com a sociedade; a corrupção e o mau caratismo nem
sempre são punidos (...) não personagens boas ou más e, talvez o mais
importante, cria-se um número grande de subtramas que passam a ter grande importância
no desenvolvimento da história, gerando a possibilidade de discuso múltipla de uma
variedade de temas. A história de amor, central, não desaparece, mas se torna como se vê,
muito mais complexa. Esta é a telenovela brasileira (BACCEGA, 2001:359).
S
e argumentarmos que existe um MS quando uma temática social abordada
transforma-se numa ação pedagógica explícita (BOURDIEU, 1975) ou deliberada,
precisamos, neste momento, considerarmos, desde a perspectiva do gênero, na relação que se
estabelece entre ficção e realidade na telenovela, até o papel que a proposta realista joga como
ação pedagógica implícita (BOURDIEU, 1975) nessa relação.
81
A escritora Janete Clair foi paradigmática da época, chamada de “a maga das oito”, por garantir grandes
índices de audiência nas telenovelas exibidas no horário das 20 h.
82
A TV Tupi cessa sua atividade em 1980; o SBT (1981)
volta-se para a produção de dramalhões e importação
de enlatados mexicanos; a Manchete recém-aparecida no mercado (1983) produz Dona Beija (1986), Helena
(1987), Corpo Santo (1987), Kananga do Japão (1989); a TV Bandeirantes inicia timidamente sua segunda e
breve temporada de produção/exibição de teledramaturgia (1979-1985, aproximadamente) com Cara a Cara,
Cavalo Amarelo, O Meu Pé de Laranja Lima, Os Imigrantes, Ninho da Serpente e outros títulos.
83
Em agosto de 1985, a Globo compra a filial italiana da Telemontecarlo. Em 1982, a Globo exportava apenas 3
milhões de dólares; em 1987, de 15 a 20 milhões. A tulo de comparação, em 1985, a cifra dos negócios de
exportação, revelada pela France dia International, órgão governamental encarregado de comercializar no
exterior as produções das redes estatais, não ultrapassava 30 milhões de francos, isto é, aproximadamente 4
91
2.1 Do realismo e a ação pedagógica implícita ao naturalismo e a ação pedagógica
deliberada
A preocupação em retratar a realidade não é uma característica exclusiva da
telenovela, mas da indústria cultural em geral. Para Morin (1969:82), é principalmente através
dos espetáculos que se manifestam os conteúdos imaginários
84
da cultura de massa,
estabelecendo-se no consumo uma relação estética. Tal relação supõe a duplicidade de
conceber o imaginário o real quanto o próprio real, porém, sem perder a crença de seu
caráter imaginário. O universo imaginário de um autor (ou artista) adquire vida para o
leitor/espectador sempre que existe uma relação de comunicação, quer dizer, que o
leitor/espectador não apenas identifique os personagens, mas se projete neles e se identifique
com eles; se ele vive neles e se eles vivem nele:
U
ma cultura afinal de contas é um sistema neurovegetativo que irriga, segundo seus
entrelaçamentos, a vida real de imaginário, e o imaginário de vida real. Essa irrigação se
efetua segundo o duplo movimento de projeção e de identificação... O imaginário é um
sistema projetivo que se constitui em universo espectral e que permite a projeção e a
identificação mágica, religiosa ou estética (MORIN, 1969:85).
Portanto, a tendência para o r
ealismo constitui uma estratégia que se fundamenta na
ideia de verossimilhança e que ativa os mecanismos de projeção e identificação. Em outras
palavras, quando, na história a ser contada, é introduzida uma série de signos e sinais “de
realidade”, isto tem por finalidade estabelecer uma ligação entre o que está sendo mostrado e
certas situações da vida cotidiana, o que permite ao telespectador mergulhar na ficção e
projetar a fião na realidade. Conforme Morin, a projeção e identificação significa que, ao
mesmo tempo em que o leitor/ espectador libera fora dele virtualidades pquicas (seja por
divertimento, evasão, compensão ou expulsão), fixando-as sobre os personagens em
questão, identifica-se com personagens que, no entanto, lhe são estranhas, e se sente vivendo
experiências que contudo não pratica (1969:86).
Este aspecto em torno do realismo e a verossimilhança como ativadores dos
processos de projeção-identificação, expostos por Morin, é um traço presente no conjunto da
milhões de dólares (Mattelart e Mattelart, 1987:28). Por volta de 1984, a TV Globo já exportava seus produtos a
92 países, sendo que 30 adquiriam telenovelas e, os demais, séries (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:118).
84
Estrutura antagonista e complementar do que chamamos real, o imaginário uma fisionomia não apenas a
nossos desejos, nossas aspirações, nossas necessidades, mas também às nossas anstias e temores. Liberta não
apenas nossos sonhos de realização e felicidade, mas também nossos monstros interiores, que violam os tabus e a
lei, trazem a destruição, a loucura ou o horror. Não delineia o possível e o realizável, mas cria mundos
impossíveis e fantásticos (MORIN, 1969:84).
92
obra de Manoel Carlos, a ponto de esse autor ser chamado, informalmente, de “cronista do
cotidiano”. Páginas da Vida assim como o restante de sua obra é uma ficção
contemporânea que aborda fatos simples e conversas cotidianas. O autor privilegia várias
histórias simulneas que, como uma rede, entrecruzam-se ao longo da telenovela,
reproduzindo situações bem banais, como ir ao supermercado, à escola, ao trabalho, à praia
etc., utilizadas para servir de pano de fundo para trabalhar uma gama de conflitos e problemas
sociais que o além das classes sociais. O próprio autor afirma essa procura de
correspondência entre o cotidiano narrado e o vivido:
(
...) o me interessam as peripécias da imaginação, mas o que a imaginação pode colher,
mudar, ampliar, transformar dos fatos reais, do cotidiano. Não acredito que haja
qualquer coisa mais interessante do que a vida das pessoas. O que elas pensam, sonham,
desejam e renunciam. Nisso, para mim, reside o que interessa contar. (...) O que eu quero
e felizmente tenho conseguido é que o público que tem assistido às minhas novelas se
identifique de algum modo com alguns dos seus personagens. O cme, o alcoolismo, o
amor que acaba, a relação entre pais e filhos, entre irmãos, entre vizinhos, tudo isso
encontra eco na vida cotidiana de qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Aquilo
da pessoa assistir e pensar: Isso poderia acontecer comigo”. Ou então: “Esse homem é
igualzinho ao meu pai”. Ou ainda: “Minha mãe também fala como essa mulher está
falando com seus filhos”. isso me interessa (MANOEL CARLOS apud BORGES,
2004).
P
artindo de uma perspectiva bakhtiniana para analisar a telenovela brasileira em sua
especificidade de retratar o cotidiano, Motter aponta que:
Há, pois, o hábito cotidiano de assistir à telenovela e um cotidiano dentro da telenovela,
que simula um paralelismo entre rotinas: a da realidade concreta e a da realidade
representada das personagens, no que diz respeito à sua atividade diária em cada capítulo
da série, aos temas escolhidos pelos autores para suas histórias e aos temas que circulam
no curso do desenvolvimento da trama e sustentam as falas dessas personagens no
cotidiano das suas vidas ficcionais. Essa presença simulnea de problemas e questões
reflete o mundo real refratado pela visão do autor que seleciona, discute e encaminha a
proposta de solução válida ao mesmo tempo para esses dois universos e que pode oscilar
entre a paráfrase e a padia, entre a reprodução da ideologia dominante e permanência do
status quo à subversão da ideologia da ordem vigente (MOTTER, 2003:33).
O
s personagens, os cenários, os figurinos são fonte de emanação de realidade, mas é
a recorrência a temáticas e, principalmente, a temáticas sociais, a fonte principal, pois elas vão
encher esse cotidiano ficcional de problemas, conflitos e inquietações que darão dinamismo
aos personagens, tornando-o um mundo social, irradiando as atribulações presentes no
cotidiano concreto para a vida que ali se constrói. Em termos narrativos, Motter conceitua as
temáticas sociais da seguinte forma:
93
(...) o que estamos chamando de temáticas sociais ou
de questões de interesse social, são
problemas que aparecem nas próprias tramas e vão sendo tratados ao longo de seu
desenrolar. Envolve a instauração dos problemas no seu interior e traz consequências para
essa parte da história podendo se irradiar, ou não, para a trama central. Ou, o que tem sido
menos usual, e confere um maior valor diferencial à telenovela, estão na trama central
com consequências para toda a história (MOTTER, 2003:127).
O
próprio tema, afirma Baccega (2001:364), a ppria temática da telenovela
emerge da sociedade, daquele período histórico, daquela sociedade em que está vivendo o
artista, em que está vivendo o dramaturgo que se constituirá no grande mediador entre ficção
e realidade. O tema parte das inquietações individuais como sujeito inscrito em um momento
histórico determinado, d o fato de sua imaginação não provir de um idealismo
(subjetivismo) nem emergir de um cotidiano que independe da consciência (objetivismo
abstrato). Nessa relação histórica (dialética entre objeto e sujeito), o autor toma um aspecto da
realidade que a sociedade não se dispõe a tratar ou não conseguimos abarcar enquanto
participantes envolvidos no seu movimento. O ato criativo do autor é um ato de tomada de
consciência (de si para si), um momento de elucidação de aspectos da realidade que se tornam
compreensíveis para os outros através do embalo da ficção. Esse conhecimento gerado acerca
da realidade é o dado novo, oferecido aos telespectadores como o narrador oral que conta sua
experiência e deixa para eles a lição. A telenovela, ao levantar discussões pertinentes à
sociedade para um público relativamente pouco informado e escolarizado, revela seu
potencial educativo. Motter diz a respeito:
N
ão tendo por função educar, cada vez mais se cobra dela um rigor e uma precisão no
tratamento de detalhes pouco significativos do ponto de vista da ficção, mas que do ponto
de vista da realidade podem disseminar modos de agir inadequados no tocante a técnicas e
procedimentos científicos, por exemplo. Isso demonstra seu potencial educativo e atesta
seu reconhecimento como criadora e propagadora de um saber sobre o mundo, ao mesmo
tempo que se atribui a ela aquela função (MOTTER, 2003:35).
No nível linguístico e na ordem de uma função c
onativa da linguagem, conforme
tentamos explicitar no capítulo II, o diálogo que o autor trava e medeia entre ficção e
realidade, esse saber sobre o mundo que a ficção difunde, a proposta de resolução de conflitos
que provam a validade de determinados valores, que aponta modelos de comportamento etc.,
fazem da telenovela embora o seja sua proposta inicial um dispositivo pedagógico
informal, espontâneo e implícito. Como reforça Morin, desde o funcionamento do imaginário,
o fato dos personagens se aproximarem das “pessoas reaisfaz deles alteregos idealizados do
leitor/espectador que realizam, do melhor modo possível, o que este sente em si de possível,
logo, podem vir a serem modelos exemplares de conduta:
94
N
um determinado optimum identificativo de projeção-identificação, portanto, o
imaginário secreta mitos diretores que podem constituir verdadeiros modelos de conduta.
Inversamente, um ótimo projetivo de evasão, como da “purificão”, isto é, da
expulsão-transferência das angústias, fantasmas, temores, como das necessidades
insatisfeitas e aspirações proibidas (MORIN, 1969:87).
A
ssim, a vida social ficcional que se estende, em média, ao longo de oito meses,
exerce uma pedagogia implícita como trabalho pedagógico que produz um habitus pela
inculcação inconsciente de princípios manifestados no estado prático na prática imposta
(BOURDIEU, 1975:58). Nesta discussão, o estado prático” seria, portanto, a vida cotidiana
dos personagens, seus conflitos e resoluções (seus hábitos), com os quais o espectador se
vincula e extrai ensinamentos por meio da familiarização decorrente do hábito de audiência da
telenovela. Essa verossimilhança ou realismo como linguagem natural da telenovela brasileira
exerce uma pedagogia implícita em que a autoridade pedagógica é anônima e difusa
(BOURDIEU, 1975:58). Já o MS propõe um ensinamento baseado não na identificação-
projeção com o estado prático rotineiro dos personagens, mas na identificação-projeção
fundada numa pedagogia explícita (BOURDIEU, 1975:57) que versa à formalização e
objetivação dessas práticas. Surgem, assim, mensagens educativas que oferecem conceitos e
explicações acerca de diferentes questões sociais na voz de autoridades pedagógicas
(BOURDIEU, 1975) socialmente legitimadas: médicos, psicólogos, juízes etc. É nessa
distinção entre o “implícito” e o “explícito e deliberado que pretendemos argumentar a
especificidade do MS, definindo-o como uma ação pedagógica deliberada identificada a partir
da década de 1990, quando o realismo é potencializado.
A telenovela, como produto da indústria cultural que responde às lógicas de
produção, tem por finalidade entreter, mas, por conta das características culturais da sociedade
brasileira (que descrevemos anteriormente), vai muito além que um mero produto de
distração. De fato, como apontam Ortiz, Borelli e Ramos (1989), no seio de década de 1970
se trava o debate, entre os atores sociais que produzem telenovela, sobre qual é a função da
telenovela: entreter, passar mensagens didáticas ou conscientizar através das temáticas
sociais? Na primeira posição encontra-se Glória Magadan que, como assinalamos, no período
anterior liga-se a uma tradição mais folhetinesca e fantasiosa sem referências à realidade
brasileira. Ela expõe:
A
única função da novela é entreter. Porque se pensamos em fazer algo de caráter mais
elevado corremos o risco de não ser entendidos, nem de atingirmos a grande massa. A
telenovela é um produto a ser vendido comercialmente, como uma geladeira, um tipo de
95
tecido ou um par de sapatos. Não é literatura, nem s
ubliteratura. É um produto industrial
(GLÓRIA MAGADAN apud ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:160).
Em contrapartida, autoras como Ivani Ribeiro e Janet
e Clair, características do
período em discussão, especificamente do folhetim-modernizado, propõem fornecer pitadas
de conhecimento nas telenovelas, tomando cuidado de não passar ao público informações
imperfeitas (JANETE CLAIR, 1975 apud ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:160). Sobre o
esse assunto, Janete Clair comenta:
Escrevo sobre aquilo que conheço bem: a classe média. E tenho o cuidado de fazê-lo ao
gosto bem popular, não escondendo os problemas, mas tratando-os com mão leve. A ideia
é tornar a vida e os conflitos humanos acessíveis a todos, fazendo com que os personagens
vivam, e não apenas conversem sobre os seus dramas (JANETE CLAIR apud ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989:160).
os autores advindos do teatro afiliados à perspec
tiva de esquerda e pertencentes à
corrente “realistaultrapassam a ideia de didatismo para falar em conscientização e reflexão,
igualando as mesmas possibilidades do teatro para a telenovela:
E
u como escritor de novela procuro dar o máximo de informações possíveis ao espectador
na medida em que este é um país onde não se lê. Então eu procuro nas minhas novelas,
mesmo que se sacrifique um pouco esteticamente a novela, dar informações à grande
massa. Como por exemplo em Escalada (1975) onde procurei discutir o problema do
desenvolvimento do período Juscelino Kubitschek da forma mais didática possível, para
que o espectador receba isto como um dado histórico que nós vivemos na década de 50, e
que de uma certa forma está refletido até hoje (LAURO CÉSAR MUNIZ apud ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989: 162).
Diante dos depoimentos apresentados poderíamos levan
tar a hipótese de que esta
consciência do valor pedagógico da telenovela estaria representada de forma deliberada e
explícita na narrativa, isto é, que o tratamento de temáticas sociais na década de 1970
tivesse embutido essa deliberação que hoje chamamos de MS. Sendo assim, estaríamos, na
atualidade, diante de um conceito cujo mérito maior foi ter organizado elementos já
largamente explorados e reconhecidos, como observou Thomasseau (2005: 26) a respeito da
codificação que realizou Pixérécourt ao determinar Coelina ou a Criança do Mistério como
obra marco do melodrama canônico. Não obstante, sendo nosso problema atual, deixamos em
aberto um filão de pesquisa sobre o assunto, pois a comprovação dessa afirmação requer um
estudo específico, que está além de nossas pretensões.
Nessa luta concorrencial travada na época entre os autores de telenovela, entendendo
a teledramaturgia como campo (BOURDIEU, 1983:122), o confronto tem sido vencido por
96
uma certa consciência do papel social e cultural que a telenovela desempenha na sociedade
brasileira atualmente. Sobre essa questão, Jayme Monjardim, diretor de Páginas da Vida,
declara:
É impossível hoje fazer uma novela sem m
erchandising social. Acho que isso faz parte da
cultura dos autores nesta década. Acho que eles se sentem com o compromisso de trazer
sempre, de alguma forma, a discussão de que a gente pode fazer alguma coisa para mudar
nosso país e nossa sociedade (JAYME MONJARDIM, 2006)
85.
De fato, o interesse em focalizar questões e temáticas sociais foi aumentando
paulatinamente, segundo demonstra a pesquisa quali e quantitativa de Jakubaszko (2004). A
tabela a seguir demonstra o aspecto quantitativo dessa evolução:
Tabela 2. Evolução de focalização de temáticas sociais na telenovela brasileira
Fonte: Jakubaszko, 2004
* A partir de 1995, são consideradas as telenovelas da TV Globo em vista da dificuldade de coleta de dados de outras
emissoras.
No período da década de 1960, é clara a hegemonia da matriz melodramática
canônica, com apenas 2% de produções com interesse social. Já na década de 1970, podemos
observar o salto quantitativo com 23% de focalização de temáticas sociais que, como vimos
acompanhando, significou a reformulação da matriz em tempos de modernização. Na década
de 1980, percebe-se uma queda no interesse em focalizar questões sociais, 10%, cuja hipótese
reside na sedimentação das estratégias mais do que no risco das inovações e das
problematizações sociais. Já a partir da década de 1990 a dimeno social da telenovela atinge
seu ápice. Sua prolongação na cada de 2000 é significativa se considerarmos que, em
apenas três anos e num total de 18 produções, a focalização social supera amplamente os
períodos anteriores. Cabe resgatar também que a maior porcentagem das telenovelas com
85
O grande charme desta novela é a história das relações humanas. Site oficial de Páginas da Vida- TV Globo,
2006. Site: http://paginasdavida.globo.com/Novela/Paginasdavida/0,,AA1230292-5744,00.html. Último acesso
em: 14 de dezembro de 2008.
Peodo
Quantidade
de
Telenovelas
produzidas
Focaliza
temáticas
sociais
Não
Focaliza
temáticas
sociais
1960 163 2% 98%
1970 142 23% 76%
1980 118 10% 85%
1990* 60 38% 62%
2000-2003 18 50% 50%
97
interesse social é veiculada no horário nobre, no período das 20 às 22h, o que corresponderia
à atual “novela das oito”: 1970: 75%; 1980: 42%; 1990: 61%; 2000: 56%
86
. A partir de uma
análise qualitativa, as pesquisas de Motter (2003, 2005) e Jakubaszko (2004) demonstram que
o movimento de focalização
87
é crescente, atingindo o maior grau a partir da segunda metade
dos anos 1990. Cabe observar que temas germinais da década de 1970, como a ecologia em O
Espigão e Fogo sobre Terra (1974), tornam-se frequentes na década de 2000, e temas como
as drogas que em Cavalo de o (1974) foi censurado por propor uma campanha contra o
tráfico são amplamente discutidos em telenovelas como O Clone (2001), sendo a autora,
Glória Perez, premiada nacional e internacionalmente pelo trabalho realizado.
No período em questão, a abordagem de determinados temas sociais transformou a
telenovela em uma verdadeira campanha, contribuindo, inclusive, para a formulação de
atitudes capazes de exercer pressão para que se efetuem mudanças sociais, atingindo as
resoluções do Estado. Eis o cerne do MS como alargamento do realismo e de uma dimensão
pedagógica impcita. É a partir desse pano de fundo em que a telenovela traz, cada vez mais,
a realidade para a narrativa intensificando seu diálogo com o social, que apontamos o MS
dentro de uma nova reformulação da matriz melodramática, cuja dimensão pedagógica é,
agora, explorada de forma deliberada e explícita, e a partir de uma representação
excessivamente realista. Passaremos a uma nova fase, então, que chamaremos de Melodrama
e Naturalismo.
3. Melodrama e naturalismo (1990-atualidade)
A última década do século XX testemunhou o início de um processo de
diversificação da estrutura das telecomunicações. A introdução tardia da TV a cabo, a
disseminação de aparelhos de videocassete, do videogame, das transmissões de sinais via
salite e, no final da década, da Internet, ampliaram o rol de opções de programação e
informação disponível aos telespectadores. Diante disso, a concorrência
88
televisiva tornou-se
86
Esses dados foram extraídos da observação do mapeamento das telenovelas realizado na pesquisa:
JAKUBASZKO, Daniela. Telenovela e experiência cotidiana: interação social e mudança. Dissertação de
mestrado. Universidade de São Paulo, USP, Brasil, 2004.
87
A partir de dois grandes grupos foram estabelecidas categorias semânticas que denotam o modo de tratamento
das questões: a) quando o debate que se instala é intenso (tematização, denúncia); b) quando o debate está
presente (discuso, crítica, contribuição); c) quando há pequenas inserções e meões passageiras (mostrar,
lembrar, questionar, evidenciar, defender, valorizar).
88
O SBT coloca no ar o telejornal popular Aqui, Agora, como mediador da defesa dos direitos das classes
desfavorecidas, utilizando uma estrutura narrativa telenovelesca. A TV Manchete apresenta Pantanal de
Benedito Ruy Barbosa, que propõe uma visão exótica e mítica do Brasil rural que contrasta com a proposta
98
acirrada e a telenovela virou o campo de batalha onde se disputava estilos e representações do
país. É a década do imperativo da internacionalização
89
, uma vez que o formato já se
consolidou industrialmente, caracterizado por um manejo gerencial sistematizado da
produção, pela exploração constante das reações de audncia e pela sofisticação de
estratégias de merchandising
90
. No contexto nacional, não podemos perder de vista que a
diversificação de fontes de entretenimento coincide em larga medida com o fim da censura e a
consolidação do regime democrático no Brasil. Em novembro e dezembro de 1989, realizam-
se as primeiras eleições diretas para a Presidência da República desde 1960. Emerge um ps
com um maior números de cidadãos aptos a votar, com mais da metade de sua população
vivendo em regiões urbanas, resultado de uma transição demográfica. A televisão surge nesse
Brasil pós-autoritário como um mediador para a compreensão dos acontecimentos e, as
telenovelas, em particular, são utilizadas para levantar ou mesmo ajudar a dar o tom dos
debates públicos (LOPES, 2003:20). Um exemplo disso é associação das telenovelas Vale
Tudo (Gilberto Braga) e Deus nos Acuda (1992), da TV Globo, à eleição de Fernando Collor
de Melo, retratando a corrupção econômica e política do país. Ambas trouxeram para a ficção
o processo de impeachment do presidente três anos após a sua ocorrência. em Deus nos
Acuda nota-se um entrosamento cada vez mais próximo entre realidade e ficção com a
presença dos intelectuais Roberto da Matta e Dalmo Dallari falando acerca do Brasil. Outro
exemplo, verifica-se em O Rei do Gado (1996), na qual a senadora do PT–RJ Benedita da
Silva e o senador do PT-SP Eduardo Suplicy comparecem ao velório ficcional de um senador.
Identificamos o naturalismo no sentido apontado por Motter (2003) que, em relação
à utilização das convenções do gênero dramático, afirma:
T
odavia o modo como elas se realizam em algumas telenovelas chamam a atenção pelo
rigor com que buscam verossimilhança e pela proposta de cada vez mais aproximar o
cotidiano da telenovela do cotidiano comum do telespectador, diminuindo
realista da emissora líder. Diante do êxito, a TV Globo traz o autor de volta, e produz Renascer (1993), O Rei do
Gado (1996), Terra Nostra (1999), Esperança (2002), que retratam o Brasil rural.
89
Por volta de 1990, as telenovelas eram exportadas para 127 países. Dez anos depois, são 140 os países
importadores, com predomínio da América Latina, porém abrangendo também países da Europa Ocidental e
Oriental e África.
90
Em 1994, a TV Globo inaugura o Projac Projeto Jacarepaguá, o maior centro de produção da América Latina
de 1.300.000 m
2
. Cinco anos depois lança a TV Globo Internacional. Em 1996, o SBT constrói em São Paulo o
complexo Anhanguera, um pólo de produção televisivo de 210 mil m
2
de área construída, porém garantida a sua
audiência através de telenovelas mexicanas da Televisa, o pólo ficou praticamente desativado. Sua posição de
segunda emissora em audiência será desestabilizada a partir do ingresso da TV Record na produção ficcional em
1999. Segundo aponta a Revista Veja (Edição 2029, outubro 2007: 86), na atualidade, é a TV Record que ocupa
esse lugar. Para saber mais sobre o contexto televisivo do período consultar. MATTOS, Sérgio. História da
televisão brasileira: uma visão econômica, social e política. Petrópolis: Vozes, 2002, pág.202-225.
99
progressivamente o espaço a ser preenchido por ele,
de modo a reduzir a consciência de
que está diante de uma representação (MOTTER, 2003:55).
Esta feição n
aturalista na qual a narração pretende apagar as marcas de sua
enunciação dando lugar à própria realidade” é uma característica própria do estilo de
Manoel Carlos, sendo notada em Páginas da Vida em vários aspectos e ocasiões, tais como: a
presença do cineasta Daniel Filho apresentando seu filme Muito Gelo e Dois Dedos D'água,
que estreou nos cinemas 13 dias antes da abordagem na telenovela em questão; a participação
do filho de Cândido Portinari apresentando uma exposição de obras do artista no espaço
cultural AMA; a presença, no mesmo espaço, de Paulo e Daniel Jobim, respectivamente, filho
e neto de Tom Jobim, numa homenagem ao célebre sico; a referência explícita a
acontecimentos recentes do país através da leitura do jornal O Globo
91
; a difusão de peças de
teatro
92
e filmes
93
, produzidos pela TV Globo, em cartaz no momento da exibição da
telenovela; outros tantos merchandisings comerciais e, logicamente, os merchandisings
sociais, dos quais nos ocupamos ao longo do trabalho. O apego pelo realismo e pela
verossimilhança que, como apontamos, teve início na década de 1970, vai se aprimorando
cada vez mais, não apenas por meio da incursão de pessoas reais e outros recursos
naturalísticos na trama, mas, também, pela potencialização do verossímil narrativo no
tratamento dos personagens e das temáticas. Como apontam Martín-Barbero e Rey (2004),
mesmo mantendo os marcos de melodrama, a telenovela da década de 1990 introduz temas
novos, compõe personagens mais complexos, ambíguos e impreviveis, elabora com maiores
matizes os contextos, investiga com maior cuidado os diálogos e o universo referencial no
qual transcorrem as situações. A respeito dos temas sociais, os autores acrescentam:
E
mbora a telenovela latino-americana sempre tenha sido social, em meados dos anos 80 e
começo dos 1990, introduziu no sucesso dramatúrgico os ritmos sociais, desde os mais
densos aos mais conjunturais e explosivos. Porque, se o social na novela das décadas
anteriores se referia ao fosso entre ricos e pobres ou entre a cidade e o campo, a dos 1990
91
Algumas das notícias trazidas à ficção foram: o caso de adoção oficial de uma criança de 5 anos, por um casal
homossexual, em Catanduva, no interior de São Paulo (18/12/2006), o treinamento das forças de seguraas do
Rio de Janeiro para atuar em favelas e impedir o narcotráfico (15/01/2007), o assalto e assassinato do menino
João Hélio (9/02/2007).
92
Tratou-se da peça "Renato Russo", estreada em 11/10/2006, no teatro do Centro Cultural dos Correios, no Rio
de Janeiro. O protagonista, o ator Bruce Gomlevsky, aparece na telenovela como marido de Tatiana,
fonoaudióloga de Clarinha. Em suas duas únicas aparições, o ator aparece no papel de si mesmo, anunciando a
peça para a Helena (11 e 15/12/2006). Porém, no momento de exibição das cenas, a peça estava sendo
encenada no CCBB de São Paulo.
93
O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili de Marcus Figueiredo (10 e 11/01/2007), Pro dia nascer feliz de João
Jardim (9/02/2007), Antônia de Tata Amaral e A Grande Família, de Maurício Farias (fev.2007).
100
assume assuntos que pertencem à agenda pública mais insistente, como a corrupção, o
narcotráfico, a crise da política ou a pobreza (MARTÍN-BARBERO; REY, 2004:171).
Assim sendo, a partir da perspectiva do gênero trabalhada neste capítulo, podemos
identificar a representação naturalista em outro sentido complementar. Referimos-nos à
matriz melodramática, citada, desenvolvida pela terceira geração de melodramaturgos no
culo XIX e que apontamos Victor Hugo como exemplo; trata-se do melodrama social
(THOMASSEAU, 2005). Percebemos certa analogia na evolução do gênero melodramático
conforme o progressivo desenvolvimento da modernidade e a sociedade de consumo. Se, no
culo XIX, a periodização da matriz aponta-se como sentimental, romântica e
realista/naturalista, no caso da telenovela brasileira – conforme nossa proposta – temos:
sentimental, realista e naturalista; o que nos fala da universalidade e mutabilidade da matriz
para expressar traços culturais de diferentes sociedades em seu processo histórico.
No caso brasileiro especificamente, a telenovela catalisa a abertura democrática com
a pluralidade de temas e a intensidade de tratamento e aceitação para o debate, que continuará
em ascendência nos anos 2000:
O
mundo da globalização com as suas vantagens e desvantagens passam a fazer parte dos
mundos ficcionais. Há uma maior pluralidade e diversidade dos temas presentes, dos
pontos de vista. também uma abertura e maior receptividade da sociedade para dar
prosseguimento a discussões e debates blicos. Am do aprofundamento de questões já
presentes como a reforma agrária, o preconceito étnico, a ecologia, a política e a
corrupção, são incluídos temas como a dependência química, a homossexualidade
feminina, as discussões sobre as inovações científicas e tecnogicas. Tamm entram em
cena as denúncias contra a exploração do trabalho infantil, a violência doméstica
(JAKUBASZKO, 2004: 82).
P
oderíamos considerar como a porta de ingresso desse período, a telenovela Vale
Tudo (1989), folhetim-modernizado, de Gilberto Braga, que comove a opinião pública ao
focalizar a realidade social brasileira de maneira polêmica a partir de temas como o
alcoolismo e a homossexualidade, sendo esta última temática atingida pela censura:
Foram agenciados todos os componentes que chamaram a atenção da opinião pública,
elementos que inclusive entraram em efervescência na década seguinte, originando uma
forma cultural que marcou aquele ano. Vale Tudo atingiu mais de 70% de audiência
nacional, colocando-se, portanto, por trás do grande êxito de Roque Santeiro (RAMOS,
1996).
É
nesse contexto que um novo conceito começa a circular publicamente propiciado
pela TV Globo: o merchandising social. Para a voz institucional da emissora, o MS é:
101
A estratégia de comunicação que consiste na veiculação, nas tramas de novelas e demais
programas de entretenimento, de mensagens sócio-educativas explícitas ou implícitas, de
conteúdo ficcional ou real. São “mensagens sócio-educativas” tanto as elaboradas de
forma intencional, sistematizadas e com propósitos definidos, como aquelas assim
percebidas pela audiência que, a partir das situações dramatúrgicas, extrai ensinamentos
e reflexões capazes de mudar positivamente seus conhecimentos, valores, atitudes e
práticas. Tem por objetivo difundir conhecimentos, promover valores e princípios éticos e
universais (ex. defesa dos direitos humanos, voto consciente etc), estimular a mudança de
atitudes e a adoção de novos comportamentos (inovações sociais) frente a assuntos de
interesse público (ex. aleitamento materno, uso de preservativo, quebra de preconceitos
etc), promover a crítica social e pautar questões de relevância social, incentivando o
debate pela sociedade (Material oferecido pela emissora, julho 2008. Veja ANEXO:
Entrevista com Flávio Oliveira).
Desde que o conceito começou a circular na mídia e n
o circuito acadêmico tem se
instaurado uma certa divergência em torno dos alcances do termo. Basicamente, o dilema
parece estar entre “o que é” e o que não é” MS, existe uma certa oposição dicotômica entre
“temática social” e MS. Podemos levantar a hipótese de que a dicotomia se estabelece a partir
do fato da “questão social ser o denominador comum entre ambas. Então, será que toda
questão social que aparece na telenovela pode ser chamada de MS? Se, como argumentamos
anteriormente, as temáticas sociais são tratadas desde os anos 1970, então a distinção não
seria apenas um problema de conteúdo, mas de tratamento desse conteúdo, quer dizer, de seu
funcionamento discursivo.
No intuito de esclarecer o conceito de MS a TV Globo aponta,
A mera ocorrência de um fato na trama (ex: gravidez,
consumo de álcool, agressão
doméstica, discriminão racial, acidente etc.) não caracteriza merchandising social. Para
isso, é necessário que haja, por exemplo: referência a medidas preventivas, protetoras,
reparadoras ou punitivas; alerta para causas e consequências associadas ou quanto a
hábitos e comportamentos inadequados; valorização da diversidade de opiniões e pontos
de vista etc. Quando um tema social faz parte da trama central ou de tramas paralelas que
permanecem ao longo da obra, é sinal de que o compromisso do autor com a causa é
absolutamente genuíno – e de que os resultados podem ser ainda mais significativos
(Material oferecido pela emissora, julho 2008. Veja ANEXO: Entrevista com Flávio
Oliveira).
P
odemos apontar a abordagem do alcoolismo em Vale Tudo (1988), como o MS que
inicia a década de 1990. A personagem de Heleninha (Renata Sorrah), artista plástica, acaba
participando dos Alcoólicos Anônimos, e por meio dessa associação, é esclarecido o processo
de recuperação dos dependentes e de suas dificuldades. Não obstante, cabe lembrar que, antes
de Vale Tudo, antes do alcoólatra chegar ao núcleo principal da telenovela, um dependente
químico do etanol havia aparecido numa das tramas paralelas de Louco Amor, também de
Gilberto Braga, em 1983. Alfredo (Fernando Torres) era fotógrafo de um jornal e tinha um
casamento infeliz. Recuperou-se também com a ajuda dos Alclicos Anônimos.
102
Ao falarmos novamente em teledramaturgia como um campo
94
, devemos esclarecer
que é o mercado quem delimita a autoridade dos produtores de cultura; sua força provém do
êxito junto ao grande público (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:158). Assim sendo, ainda
que as narrativas de Giberto Braga pareçam ter inciado o MS, na atualidade, quem possui
legitimidade reconhecida ou autoridade no uso de MSo especificamente dois autores:
Manoel Carlos e Glória Perez. Tal reconhecimento foi adquirido pela presença central e
contínua de MS em suas obras, pelos índices de audncia das suas produções e,
especialmente, pela capacidade de mobilização social e de objetivos atingidos, junto às
premiações recebidas no nível nacional e internacional.
No caso da autora Glória Perez, e segundo entrevista
concedida à imprensa, o seu
primeiro MS registra-se, não na TV Globo que tem instituiu o termo, mas na extinta TV
Manchete. Trata-se da telenovela Carmen, produzida em 1986, em que a novelista aproveitou
o espaço para tratar o tema da AIDS e esclarecer as formas de transmissão da doença. No bojo
da teledramaturgia como campo, a autora parece posicionar-se diante de uma luta
concorrencial pela legitimidade ao declarar, a partir de Carmem, seu pioneirismo no uso do
dispositivo pedagógico:
Essa é uma marca minha e que hoje em dia muitos auto
res usam, felizmente, mas que foi
invenção minha. O primeiro merchandising social foi numa novela minha, “Carmem”, na
extinta TV Manchete. Eu tinha uma personagem aidética e a usei para esclarecer as
pessoas sobre o assunto, reduzir o preconceito contra as vítimas da doença. O Betinho
(Herbert de Souza, sociólogo que morreu em decorrência da AIDS, tendo adquirido o
vírus HIV numa transfusão de sangue) até fez participações na novela, falando sobre o
problema, explicando que não era doença de homossexuais. Depois disso, muita gente
entendeu que não tinha problema conviver com aidéticos (GLÓRIA PEREZ, 2005)
95
.
Ao longo de sua caminhada pela teledramaturgia na TV
Globo, Gria Perez tem
abordado questões sociais via MS em várias de suas narrativas
96
. Dentre elas destaca-se O
Clone (2001) que alertou para a prevenção do uso de drogas e apresentou o tratamento como
solução para o usuário. Por esse trabalho, a autora foi homenageada pela Associação
94
As perspectivas teóricas de Bourdieu foram desenvolvidas para o estudo da “esfera dos bens restritos”: para
uma dimensão espefica da cultura, a arte, a ciência, a literatura, na qual existe de fato uma autonomia de
criação que faz com que a gica do campo seja definida por seus pares. No caso da indústria cultural nos
encontramos no lado oposto. Não obstante as categorias são aplicáveis, recolocadas no interior de nossa
problemática (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989:158).
95
O final de Sol e o de Tião serão como acontece na vida real. Site Oficial de AméricaTV Globo, 2005. Site:
http://america.globo.com/Novela/America/0,,AA1061220-4197,00.html
. Último acesso em: 14 de dezembro de
2008.
96
Algumas delas são: inseminação artificial, em Barriga de Aluguel (1991); crianças desaparecidas, em Explode
Coração (1995); inclusão social de deficientes visuais, em América (2005); entre outras. No capítulo seguinte,
apresentaremos outros exemplos de MS realizados pela autora, junto a outros autores que também utilizam esse
discurso.
103
Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad) e recebeu o prêmio Personalidade dos anos 2001 e
2002, concedido pelo Conselho Estadual Antidrogas (Cead/RJ). Em fevereiro de 2003, ela e o
diretor Jayme Monjardim receberam um prêmio concedido pelo FBI e pela Drug Enforcement
Administration (DEA), os dois principais órgãos do governo norte-americano responsáveis
pelo controle do tráfico de drogas.
no caso de Manoel Carlos, a telenovela História de Amor, veiculada na TV Globo,
em 1995, poderia ser considerada seu primeiro trabalho em que o MS pode ser identificado.
Na trama, o câncer de mama foi abordado de forma pedagógica através da personagem Marta
(Bia Nunes), que luta contra a doença a partir do momento em que descobre um caroço no
seio”. A telenovela veiculou informações sobre a doença, reforçando as campanhas de
prevenção e conscientização sobre a mesma. Porém, o maior reconhecimento veio a partir da
veiculação do drama de Camila (Carolina Dieckmann), que sofria de leucemia, inserido em
Laços de Família (2000). Na trama, foi desenvolvida uma campanha p-doação de órgãos
explicitando a doença, o tratamento e os procedimentos para ser doador. Com Laços de
Família e seu Efeito Camila
97
, a TV Globo foi a primeira empresa não europeia a
conquistar, em 2001, o mais conceituado prêmio de responsabilidade social do mundo: o
Business in the Community (BitC) Awards for Excellence.
Ao longo de sua trajetória, Manoel Carlos tem incorporado o MS como hábito
criativo, reconhecendo seu potencial:
Acho fundamental o m
erchandising chamado social. A novela é um veículo perfeito para
isso, pois atinge milhões de pessoas diariamente. Sinto-me gratificado quando consigo
colaborar, como no caso das doações de medula óssea, em "Laços de Família" (MANOEL
CARLOS, 2006)
98
.
C
hegando a este ponto da discussão, propomos passar para o próximo capítulo, em
que indagamos, a partir da mediação da Produção, o uso do merchandising na telenovela e
sua decorrente transposição para o social. Dessa forma, pretendemos revelar ainda mais a
constituição do discurso de merchandising social ao mesmo tempo em que é feita uma maior
aproximação de nosso objeto empírico específico: a telenovela Páginas da Vida.
97
Efeito Camila foi o nome dado ao impacto social desencadeado por Laços de Família. Veja Quadro 6,
Capítulo IV deste trabalho.
98
CIMINO, James. Leia entrevista exclusiva com autor de "Páginas da Vida", Folha de São Paulo, 1 de julho de
2006.
Capítulo IV
Mediação da Produção.
Do merchandising comercial
ao merchandising social
na telenovela
105
105
Como expusemos no primeiro capítulo com o intuito de explorar ao máximo o
conceito de MS se tratando de um Estudo de Caso, propusemos trabalhar a partir de duas
dimenes (mediações, no lato sensu) como as duas partes que compõem os óculos que nos
ajudaram a enxergar nosso objeto: o Gênero e a Produção. A partir da mediação da Produção
abordaremos o objeto telenovela como forma cultural, quer dizer, como formato, no sentido
em que Williams (1975, 1979) concebeu o termo e foi explicitado no capítulo II desta
dissertação, e que salienta a importância da técnica em relação dialética com o contexto social
em que se desenvolve. Essa relevância da técnica se liga a dois aspectos que serão abordados
em dois capítulos diferentes: 1. A televisão enquanto modo de Organização (Capítulo IV) e
2. Análise do texto audiovisual (Capítulo VI).
Portanto, este capítulo será dedicado a analisar nosso objeto de estudo a partir do
primeiro aspecto: A televisão enquanto modo de Organização.
Esse caráter organizacional refere-se à ideia de que todo produto traz os traços do
sistema produtivo que o engendrou e que sua natureza é inteligível a partir das regras
sociais de sua produção (MATTELART, A. e M, 1989:151). Todo produto é resultado de uma
racionalidade política e cultural, mas também econômica. Especificamente, a TV Globo, e seu
modelo organizacional, foi evoluindo conforme as condições históricas (como demonstramos
no capítulo anterior) aconverter-se na líder de audiência nacional e na maior produtora de
ficção na América Latina, sendo a telenovela o carro-chefe e sua indústria. A realização do
produto audiovisual envolve um sistema complexo que encerra numerosas decies, diversos
agentes e numerosas fases produtivas.
Assim sendo, propomo-nos ampliar a discussão acerca do MS, questionando o uso do
merchandising na telenovela e sua transposição para o social. Nesse sentido, discorremos
acerca do merchandising como estratégia comercial e de construção de verossimilhança. Já no
cerne do MS estabelecemos contrapontos entre esse dispositivo e as telenovelas educativas do
modelo Entretenimento-Educação. Recorremos à entrevista com Flávio Oliveira, Gerente de
Projetos Sociais, da Central Globo de Comunicação, para questionar acerca da posição da
emissora em relação à definição do MS e metodologia de trabalho, e recolhemos depoimentos
do autor de ginas da Vida, Manoel Carlos, que também dizem respeito a essas questões.
106
106
4.1 Merchandising em telenovela
A prática do merchandising na telenovela é tão antiga quanto a própria televisão. Ela
se deferencia dos comerciais tradicionais em vários aspectos, entretanto, ambos cumprem o
mesmo papel: vender o produto. O merchandising está intrinsecamente ligado às lógicas do
produto e a um matrimônio entre a TV e a publicidade que tem dado certo desde os
primórdios da indústria televisiva.
Sobre as telenovelas da TV Globo, Almeida (2002) considera que, especialmente as
chamadas “Novela das oito”, são as mais eficientes na união de duas características que
atraem os anunciantes: popularidade e qualificação de audiência, e considera que:
A
s novelas, para o médio publicitário, ainda que femininas, são vistas como capazes de
atingir todo mundo, a família toda que assiste à TV, todas as classes sociais, o Brasil em
geral. Ela é assim muito poderosa e eficiente, mas igualmente cara para anunciar, como
também o Jornal Nacional. Nesse sentido, nem todo produto e nem todo anunciante tem a
verba necessária para pagar este horário, que é reconhecido como um espaço forte, que dá
poder a uma marca que está ameaçada ou que permite dar visibilidade a uma marca ou
produto novo. Am disso, pela característica de ser seriada e criar fidelidade, a novela é
ótimo espaço para inovação e novas marcas (ALMEIDA, 2002:126).
O custo dos intervalos comerciais no horário da nove
la das oito, da TV Globo, por
exemplo, gira em torno de 98 mil reais por 30 segundos (REVISTA VEJA, 4 fev.1998 apud
ALMEIDA, 2002:120). Existe uma legislação que permite até 15 minutos de publicidade,
mas o preço da inserção de merchandising e os critérios que regem as taxas são mantidos em
sigilo. O preço pode variar de marca para marca, segundo o conhecimento dos consumidores,
assim como o número de inserções determinadas na telenovela. Essas inserções são,
aproximadamente, 40% mais caras do que um comercial tradicional (MATTELART, A e M,
1989:75). Importante ressaltar que os atores, os diretores e os demais membros envolvidos na
produção da telenovela, que aceitarem incorporar o merchandising, participam do
faturamento. Segundo Ortiz, Borelli e Ramos,
N
a Globo o merchandising é contratado e realizado pela Apoio, empresa vinculada à
emissora, que envolve um grande número de pessoas (planejador, redator, gerente de
produção etc.). Divididas em grupos para cada telenovela, e funcionando como agências
de publicidade, as equipes vão pensar as chamadas ‘ações de merchandising’. E o preço
de uma ação deste tipo é equivalente a 20 a 30% a mais do valor de 1 minuto de comercial
(
1989:114
)
99
.
99
Cabe ressaltar também que, desde 1978, as TVs Globo e Bandeirantes possuíam, em suas emissoras, um
departamento destinado a esta atividade. Na TV Globo, a Apoio Comunicação era a empresa estruturada
exclusivamente para cuidar da área de merchandising nas telenovelas. Extinta em 1994, suas funções foram
absorvidas pelo Departamento Comercial da emissora.
107
107
Na telenovela Paraíso Tropical (Gilberto Braga, 2007) houve uma ação de
merchandising recorde em termos de tamanho e custo. Tratou-se de uma cena de dois minutos
de duração da marca Citroën estimada em R$ 1 milhão, sem incluir o cachê dos ato
res, que
varia de 5% a 30%. A iniciativa supera uma similar que tomou dois minutos de cena em
Páginas da Vida e custou algo em torno de R$700 mil, sem incluir os cachês
100
.
O objetivo é fazer com que o telespectador assista aos capítulos de forma que seu
inconsciente se envolva na trama. Nas cenas, logotipos de produtos e serviços são
apresentados, embutidos nas relações de aventura e amor. Por isso, na opinião de Ramos
(1986:81), diz-se que o merchandising é indireto, subjetivo e inconsciente. Se inicialmente o
merchandising tinha as características de uma propaganda casual, com o decorrer do tempo,
desenvolveu outras formas mais próximas de um comercial tradicional, como a incorporação
de texto próprio sobre o produto em questão.
Se quisermos traçar uma retrospectiva não exaustiva do uso do formato, podemos
citar Trindade (1999), que considera a primeira experiência de merchandising na telenovela
em Beto Rockfeller, cujo protagonista, Beto, amanhecia ressacado das noites de farra e
tomava o antiácido efervescente Alka Seltzer. para Muniz Sod o surgimento se dá de
forma casual na TV Globo na telenovela Cavalo de Aço (Walter Negrão, 1973):
N
a novela Cavalo de Aço, 1973, uma garrafa de conhaque Dreher foi, casualmente, posta
num cenário por um regra-três. Funcionou como propaganda poderosa do produto: a
situação dramática ficou no segundo plano na memória do telespectador, destacando-se a
marca do conhaque. Ninguém na tevê sabia que estava fazendo propaganda (na época a
Rede Globo ainda não faturava esse tipo de anúncio o que é comum agora, mas esta
funcionou com toda a força (SODRÉ, 1981 APUD RAMOS, 1986:43)).
Embora seja difícil estipular quando a ação começou
a ser utilizada economicamente,
é fato que, durante a década de 1980, o uso do merchandising na telenovela é sistematizado e
principalmente exercido pela TV Globo concomitantemente à consolidação do seu padrão de
qualidade. Os primeiros grandes cases de merchandising têm registro na telenovela Dancing
Day's (Gilberto Braga, 1979, TV Globo). O merchandising das calças jeans Staroup, através
da personagem lia (Sônia Braga), teve grande efeito sobre os telespectadores no período,
seguido do case das camisetas USTop, na telenovela Água Viva (Gilberto Braga, 1980, TV
Globo), protagonizado pela atriz Betty Faria, no desempenho da personagem Lígia.
100
JIMENEZ, Kelia. Merchan milionário. O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 2007.
108
108
4.2 Merchandising e naturalismo
No capítulo III apontamos a nacionalização do gênero através da representação do
cotidiano brasileiro e a proposta realista surgida com Beto Rockefeler em 1968.
Contextualizamos o MS em 1990, no período em que a hibridação entre ficção e realidade é
potencializada, sendo o naturalismo o seu traço característico. Podemos, então, transladar a
hipótese do naturalismo ao merchandising comercial como discurso que também exacerba
essa interpenetração de dimensões.
Como abordamos anteriormente, em plena gestão modernizadora a proposta realista
da telenovela instalou a crítica, mas também a difusão de comportamentos modernos e de
objetos de consumo produzidos pela pujante indústria de bens duráveis. A telenovela tem se
transformado numa poderosa difusora de estilos de vida e de comportamento graças à
identificação que suscita a narrativa no emocional que se produz no reconhecimento entre o
cotidiano vivido pelas pessoas “reais” e aquele refratado na ficção.
Os personagens constroem seu mundo social a partir do substrato realista, ou seja,
eles interagem com elementos concretos e vivem no seu próprio mundo do consumo:
É
nesse aspecto que os elementos cotidianos ganham importância, na medida em que os
detalhes estabelecerão o clima de familiaridade, coerência, coesão, em analogia com os
mundos conhecidos pelo espectador. Os mesmos elementos estão presentes aqui e lá:
móveis, objetos de decoração, livros, roupas, bijuterias, assuntos do país, problemas,
temas do momento, existem e circulam lá e aqui. Inclusive os produtos de consumo
(merchandising comercial) como café solúvel, determinada marca de leite, de refrigerante,
cosméticos, como certos serviços (bancos, hospitais), assim como novos hábitos, podem
entrar para diluir diferenças e promover o apagamento da mediação e a interpenetração
dos mundos de aquém e além da tela (MOTTER, 2003:164).
Duas questões são levantadas a partir dessa citação. Por um lado, involuntariamente,
a telenovela exerce uma ação pedagógica implícita (BOURDIEU, 1975) que promove uma
educação, em torno de questões e valores sociais, como subproduto (FUENZALIDA, 1996)
por reconhecimento e identificação. A mesma hipótese pode ser levantada em torno dos
produtos que circulam espontaneamente nesse cotidiano, promovendo uma espécie de
educação para o consumo. Como exemplo temos, os vestidos da personagem Vitória, em
Belíssima (Sílvio de Abreu, 2006), ou os brincos da Bebel, em Paraíso Tropical (Gilberto
Braga, 2007), mesmo sem terem uma marca específica associada, viraram moda, sendo
vendidos até na Rua 25 de março em São Paulo.
109
109
De fato, Heloisa Buarque de Almeida, no seu estudo de caso na comunidade rural de
Montes Claros, constata que o reconhecimento que se produz entre ficção e realidade na
telenovela, leva a uma educação para o consumo:
M
ais do que simplesmente promover o consumo de bens e serviços, a novela, pelo uso de
certos valores e pela exposição de diversos estilos de vida através de suas narrativas e
personagens, promove a formação de uma cultura de consumo que, como demonstro, é
notável em Montes Claros (ALMEIDA, 2003: 32).
o merchandising comercial consiste num produto específico, posto a circular de
forma deliberada e explícita na narrativa, o que nos permitiria falar de uma educação ou uma
ação pedagógica explícitica
101
para o consumo. Trata-se da promoção, divulgação e
explicitação de um produto com marca existente no cotidiano real do telespectador e não mais
de um produto indiferenciado pertencente ao mundo do cotidiano ficcional e realista. O
realismo é, portanto, potencializado, naturalizando a narrativa.
Neste trabalho, o termo naturalista, como aponta Xavier (2005), tem suas interseções
com o estilo de Emile de Zola
102
, mas o se identifica inteiramente com ele. Num sentido
mais amplo, naturalismo refere-se:
à
construção de espaço cujo esforço se dá na direção de uma reprodução fiel das
aparências imediatas do mundo físico, e à interpretação dos atores que busca uma
reprodução fiel do comportamento humano, através de movimentos e reações “naturais”.
Num sentido mais geral, refiro-me ao princípio que está por detrás das construções do
sistema descrito: o estabelecimento da ilusão de que a plateia está em contato direto com o
mundo representado, sem mediações, como se todos os aparatos de linguagem
construíssem um dispositivo transparente (o discurso como natureza) (XAVIER,
2005:42).
S
eja endereçada a um evento natural, arquitetura ou acontecimento determinado, tal
reprodução atua como instrumento retórico, quer dizer, como operador de sentido. O cuidado
apurado manifestado nos detalhes simboliza uma atitude de respeito à verdade: o todo
cumpre com a função de projetar sobre a situação ficcional um coeficiente de verdade
tendente a diluir tudo o que a história tem de convencional, de simplificação e de falsa
representação. A mesma equação afirma-se: discurso=verdade (XAVIER: 2005:42).
101
Essa hipótese não será trabalhada porque excede as pretensões desta pesquisa. Porém, ela é apontada em vista
do paralelismo que estamos esboçando entre os dois tipos de merchandising. Nesse paralelismo, iremos nos
focar no aspecto macro da pesquisa que é a relação entre ficção e realidade.
102
Émile Zola (Paris, 1840-1902) foi um consagrado escritor francês, considerado criador e representante mais
expressivo da escola literária naturalista. O Naturalismo é tido como a radicalização do Realismo. Essa escola
literária baseava-se na observação fiel da realidade e na experiência, mostrando que o indivíduo é determinado
pelo ambiente e pela hereditariedade. No capítulo III, abordamos este estilo como terceira geração de
melodramaturgos.
110
110
Portanto, o naturalismo trata de montar um sistema de representação que procura anular,
justamente, a sua presença como trabalho de representação.
Nesse sentido, o merchandising comercial é uma imposição simbólica voluntária,
deliberada e explícita cujo efeito de sentido é estreitar ainda mais o vínculo entre ficção e
realidade, do mesmo modo que o MS atua em torno de questões e valores sociais. Estamos
diante de uma construção que procura apagar a mediação e situar-nos em face da “própria
realidade”.
Como esclareceu Motter (2003) e compartilha Trindade (1999), o objetivo da ação
de merchandising é estimular o mecanismo empático, identificatório com a realidade
reproduzida na telenovela; ele proporciona a verossimilhança da ficção com a realidade, a
partir do momento em que a primeira se aproxima da segunda, através da refração
(BAKHTIN, 1981) na ficção de produtos/serviços e questões sociais existentes no cotidiano
real. Disso decorre a inserção de ambos os merchandisings, principalmente, no horário nobre
e, ainda mais, nas “novelas das oito”. A dificuldade de inserir o merchandising, tanto o
comercial quanto o social, nas telenovelas de época, ambientadas em tempo longínquo, reside
na quebra do contrato de verossimilhança que a estratégia provoca. Porém, o MS parece
aprimorar-se e ampliar-se na faixa vespertina. Um exemplo recente que poderíamos
considerar MS parece ter acontecido na telenovela Desejo Proibido (Walter Negrão, 2007-
2008), veiculada às 18 horas. O autoritário prefeito Viriato (Lima Duarte) mantém em sigilo
que tem um filho, André (André Varella), portador da Síndrome de Down. Ele é cuidado por
Galileu (Pedro Paulo Rangel) numa cabana afastada da cidade, sob a ordem do prefeito. Na
cena veiculada no dia 25 de abril de 2008, Viriato consulta o médico Escobar (Alexandre
Borges) que, no seu consultório, dá indicações ao prefeito sobre o cuidado que o filho precisa
explicando “que existem dois pilares sicos: a atenção médica, pois “de 80% a 90% dos
portadores da síndrome têm problemas auditivos e entre 30% e 40% têm problemas
respiratórios, e por outro lado, “muito amor. Chamou nossa atenção essa inserção
socioeducativa num tempo histórico que, para o formato, parecia estar “proibido”.
Nas narrativas de Manoel Carlos, essa preocupação pela verossimilhança acarreta,
inclusive, a dificuldade de distinguir quando a busca de naturalização trata-se ou não de uma
ação publicitária. Em depoimento dado à imprensa, o autor declara:
A
hoje visitam a livraria Argumento, no Leblon, e perguntam pelo Tony Ramos (risos),
que vivia o Miguel em Laços de Família, querem saber onde está aquela escada. Tenho
uma preocupação em fazer uma obra verossímil e esta mistura de pessoas do Leblon é
bastante atípica. Os personagens vão dizer "Eu estou jantando na Pizzaria Guanabara.
Chico, me serve uma pizza?". Não é um merchandising. Não se vai cobrar nada por isso.
111
111
O Leblon tem uma particularidade: as pessoas que circulam por aqui realmente moram
aqui. Ninguém visita o bairro para passear, como Copacabana ou Ipanema. O jornaleiro
está ali 38 anos, o homem que vende ovos, há 40 anos. Essas pessoas trazem
credibilidade para a trama (MANOEL CARLOS, 2006)
103
.
4
.3 Tipologia das inserções e metodologia de merchandising
Para Ortiz, Borelli e Ramos (1989:115) o merchandising pode ser categorizado em
dois grupos, mesmo havendo uma deliberada confusão entre ambos: a “ação de
merchandising como a estratégia promocional que envolve o ator mais diretamente; e o
“sinal de merchandising” que consiste só no aparecimento do produto. Já em trabalhos
posteriores, essas categorias são ampliadas, identificando uma tipologia de inserções. Schiavo
(1995), Trindade (1999) e Castro (2005) concordam na seguinte categorização:
M
enção no texto:
Ocorre quando os personagens falam o nome da marca ou do produto num diálogo.
Um exemplo: em Páginas da Vida, na abertura da sala de cinema do espo cultura AMA, o
cineasta Daniel Filho apresenta seu filme Muito Gelo e Dois Dedos D’água, lançado na época
em que o merchandising foi ao ar (capitulo 88, 19/10/2006). Em outra cena, Carmem (Natália
do Valle) vai à farmácia com sua sobrinha e pede para ela procurar uma tinta para cabelo
MAXITOM (capítulo 187, 12/02/2007). Outro exemplo: na telenovela Senhora do Destino, os
funcionários da empresa de materiais Votorantin vendem os produtos do anunciante.
Uso do produto ou serviço:
Quando a cena mostra utilização do produto ou serviço pelo personagem, com
destaque para a marca. Um exemplo: em Páginas da Vida, sem mencionar as qualidades do
produto, Miroel (Ângelo Antônio) chega à casa de cultura AMA falando ao telefone celular
da marca Nokia, modelo 6101 (capítulo 56, 12/09/2006). No mesmo capítulo, em outra cena,
sem mencionar diretamente as qualidades do automóvel, os personagens de Sílvio (Edson
Celulari) e Olívia (Ana Paula Arósio) chegam à mansão de Tide (Tarcísio Meira), juntamente
com o pequeno Guilherme (Rafael Machado), filho dos dois, dentro de um automóvel Audi
A4, como uma família feliz e satisfeita. Outro exemplo: em Guerra dos Sexos (Silvio de
103
TRIGO, Mariana. Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela. Folha de São Paulo, 9 de
julho de 2006.
112
112
Abreu, 1983-84), no jardim, uma empregada usa em seu trabalho um aparador de grama Arno.
Após um close de vários segundos, a câmera volta para o rosto da empregada, um rosto
tranquilo e despreocupado, que parece apagar o esforço do trabalho.
Conceitual:
A personagem explica para outro personagem as vantagens, as inovações, as
relevâncias e os preços do produto ou serviço. Um exemplo: em Páginas da Vida, Helena
(Regina Duarte) e seu filho de criação vistam a loja Todeschini para comprar novos veis.
Na loja, eles encontram-se com o arquiteto Miroel, que se dise a ajudar Helena. Os três
percorrem a loja e enquanto Miroel fala da qualidade e do bom preço dos produtos, a câmara
acompanha, focando a logomarca da empresa (capítulo 98, 31/10/2006). Outro exemplo: em
Duas Caras (Aguinaldo Silva, 2007), Maria Eva (Letícia Spiller) volta do supermercado
falando em qualidade e quantidade de produtos comprados dando destaque à praticidade de
achar tudo em um só lugar. Enquanto isso, o Hipermercado Extra não é mencionado, porém,
evidenciado nas sacolas plásticas que levam impressas seu nome.
Estímulo visual
O produto ou serviço é mostrado de forma a ser apreciado: visto no contexto da
totalidade da cena, devidamente explorado pela câmera. Um exemplo: em Páginas da Vida,
Miroel e sua esposa Anna (Deborah Evelyn) o ao cinema e, enquanto mantêm uma longa
conversa na fila, por trás são explorados visualmente os cartazes de dois filmes produzidos
pela Rede Globo: Antônia, de Tata Amaral e A Grande Família, de Maurício Farias
(Fevereiro, 2007)
Ainda que existam ações isoladas, o mais comum é um conjunto de cenas que
conformem a ação. Por outro lado, estas categorias o se apresentam exclusivamente em
estado puro. Se pensarmos no Hipermercado Extra como cenário social de trabalho de uma
das protagonistas da telenovela Duas Caras, as inserções eram exploradas visualmente
durante o tempo em que a personagem estava diretamente envolvida com os produtos e a
empresa.
A unidade da ação do merchandising é dada pelo capítulo. Uma ação vai
potencializando a outra, ao estilo da novela (SCHIAVO, 1995:85). Assim, várias cenas em
um mesmo capítulo configuram uma ão, inclusive formando uma subdramaturgia
específica, especializada em sequências de tratores, bicicletas, cervejas e refrigerantes etc.
(PALLOTTINI, 1998:131).
113
113
O processo de criação do merchandising comercial não pode ser dissociado do
processo geral de produção
104
da telenovela. Porém, para desenvolver uma proposta de
merchandising tanto na telenovela quanto em séries, Schiavo (1995) e Trindade (1999)
apontam dois caminhos possíveis: 1) Resposta à consulta e 2) Levantamento de
Oportunidades (LEVOP).
1) Como resposta a consulta:
A resposta à consulta surge a partir de uma solicitação direta do cliente ou de sua
agência de publicidade. Com base na consulta, buscam-se soluções para o cliente, criando
uma oportunidade para atendê-lo. Um exemplo disso é a promoção da inseminação artificial
de gado bovino realizada em Pedra sobre Pedra (Aguinaldo Silva, 1992). Segundo relata
Schiavo (1995:89), o cliente “consultoua TV Globo sobre a possibilidade de ser criado para
seu produto um espaço (oportunidade) onde pudesse não apenas promover vendas, mas
também explicar o conceito de inseminação artificial, mostrar os procedimentos a seguir,
custos e retornos para os produtores. Para operacionalizar tal demanda, foi criada uma trama
paralela em que Pilar Batista (Renata Sorrah) descobre uma mina e, ao mesmo tempo,
examina seu rebanho e pretende melhorá-lo.
2) Levantamento de oportunidades (LEVOP):
É o processo inverso ao anterior. O LEVOP é feito a partir da sinopse de uma
telenovela ou minissérie, antes mesmo dela ser gravada. A partir da sinopse da telenovela, os
redatores de merchandising a estudam minuciosamente, explorando as caractesticas da
trama principal e das paralelas. A partir daí, produzem um Levantamento de Oportunidades
que é apresentado às agências de publicidade junto com o perfil descritivo do autor,
personagens, trilha sonora, horário de exibição, enfim, dados partir dos quais as agências e os
anunciantes possam identificar potencialidades a serem exploradas. Um caso do
merchandising por LEVOP é trazido como exemplo por Almeida (2002) em sua pesquisa
sobre O Rei do Gado (Benedito Rui Barbosa, 1996). Ao longo da novela foram exibidas cenas
que mostravam Bruno Mezenga (Antônio Fagundes) vacinando o gado com o pautado
produto, como também anúncios de empresas como o Banco Itaú e, principalmente, as
Fazendas Reunidas Boi Gordo. Os merchandising surgiram a partir da distribuão de um
104
Para se aprofundar o assunto, consultar: Ortiz, Borelli e Ramos, 1989. Pág. 129-149.
114
114
folheto para as agências de publicidade antes de iniciada a novela. No setor intitulado
Merchandising em O Rei do Gado”,
O
folheto aponta para a possibilidade de ações de merchandising comprodutos que
fazem parte do dia-a-dia do homem do campo como: medicamentos de uso veterinário,
máquinas agcolas, fertilizante, arame, veículos, posto de combustível, alimentos à base
de carne, empresa de ônibus, eventos rurais”. O folheto segue explicando em que contexto
e relativos a quais personagens os produtos podem ser inseridos na trama (ALMEIDA,
2002:150).
Em ambos os casos, a responsabilidade de criação das ões de merchandising fica
por conta da Divisão de Merchandising da Rede Globo, que trabalha de forma entrosada com
o autor (ou os autores) da telenovela, que em última instância, é o responsável pela criação
final das ações de merchandising que serão veiculadas.
O papel do autor e o exercício de sua liberdade de criação, condicionadas pelas
lógicas produtivas, nesse caso, pelo aspecto comercial da emissora, tem levantado certa
controvérsia. Alguns autores aceitam a proposta de merchandising sem questionamentos.
Mattelart A. e M. recolhem um depoimento:
J
anete Clair achava [o merchandising] viável e natural. “A telenovela retrata situações do
cotidiano. Ora, se um personagem está cozinhando numa cena e aparece o condimento que
está colocando na comida, é justo que alguém pague por isso” (MATTELART, A. e M,
1989:76).
Do lado oposto, Carlos Eduardo Novaes, autor de Chega Mais (1980), teve uma
atitude quase excepcional em face ao merchandising: sua rejeição. Declara o autor:
U
ma das razões que podem estar reduzindo a qualidade das telenovelas é o excesso de
merchandising. A minha telenovela não tem merchandising. Resisti porque teria que fazer
uma série de concessões em função da comercialização, o que implicava a mudança de
personagens (MATTELART, A. e M, 1989:76).
Fazer “concessões” implicava fazer mudanças de personagens em função dos
contratos comerciais da emissora. Por exemplo, transformar um personagem prioritário de
uma empresa de pulverização de defensivos agrícolas em fotógrafo, porque havia um contrato
com uma empresa de aparelhos fotográficos. Na realidade, o merchandising é uma prática
incorporada ao trabalho produtivo e criativo do autor em que todos os participantes
beneficiam-se, no mínimo, em termos comerciais. A criatividade é, de fato, possível e, em
última instância, -se em um campo de negociação e tensão. Por sinal, os autores afirmam
publicamente o caráter não obrigatório de incorporação do merchandising nas suas
115
115
narrativas
105
. Por sua parte, Manoel Carlos, ao referir-se à produção autoral em relação ao uso
de merchandising, expressa:
N
ada é definido sem a autorização do autor. pessoas dizendo que fazem
merchandising em minhas novelas, mas é mentira. O merchandising social sou eu que
coloco, porque acho importante. Tudo que foi dito sobre livros não era comercial. Eu
queria promover aquelas obras. O merchandising comercial é acertado entre o autor, um
departamento especializado da Globo e a empresa interessada (MANOEL CARLOS,
2001)
106
.
O autor refere-se à telenovela Laços de Família (2001) em que, por meio do
personagem Miguel (Tony Ramos), foi desenvolvida uma ação pedagógica em torno da
valorização da leitura. O personagem, dono de uma livraria e amante dos livros, chamava a
atenção para a importância da leitura e divulgava livros novos e antigos. No ano seguinte,
Manoel Carlos recebeu do Sindicato Nacional dos Editores de Livros o Prêmio José Olympio.
Percebe-se que o naturalismo que comportam os merchandisings acarreta também, em
determinadas ocasiões, confusão entre o que é identificável como comercial ou social.
4.4 Miguel Sabido e o modelo de Entretenimento-Educação em telenovela
A transposição do merchandising “comercial” para o “social” dialoga com um
modelo de produção de entretenimento educativo baseado no marketing social, conhecido
como Entretenimento-Educação. O produtor e autor mexicano Miguel Sabido é considerado o
pioneiro na realização de experiências educativas em telenovela na América Latina dentro
desse modelo.
O binômio Entretenimento-Educação não pode ser separado dos pressupostos da
Teoria da Modernização
107
consolidada durante as décadas de 1940 e 1950 nos países
industrializados. Arquétipo teórico acerca do que deve ser entendido como
105
O autor Sílvio de Abreu confirmou essa postura no IV Seminário OBITEL Internacional. Rio de Janeiro,
junho de 2008.
106
MATTOS, Laura. Autor de "Laços de Família" já prepara novo projeto. Folha de São Paulo, 19 de fevereiro
de 2001.
107
A predominância do paradigma deve-se ao êxito do Plano Marshal (1947) aplicado na Europa após a Segunda
Guerra Mundial. A lógica do plano consistia em reativar a economia dos países europeus membros do bloco
antisoviético para se contrapor ao poder do Leste. O contraponto desse modelo é a Teoria da Dependência,
alinhada à teoria marxista. A terceira via é representada pelo Paradigma da Multiplicidade (1970). Para mais
informações, consultar Lavanderos (2006:161).
116
116
desenvolvimento
108
e como deve ser atingido, o pressuposto desse paradigma é que o
desenvolvimento conduz à mudança social, de modo que novas e modernas práticas e ideias
vêm substituir as tradicionais, produzindo um aumento na renda dos indivíduos e, em
decorrência, seu bem-estar. Diante do fracasso na transposição de grande parte das políticas e
planos de desenvolvimento ocidental no Terceiro Mundo, a prioridade passa a ser a
implementação de ações para a mudança de hábitos e valores considerados como tradicionais
para que a modernização se efetivasse. Nesse modelo, o processo da comunicação é
interpretado em função dos efeitos produzidos pelos meios de comunicação de massa, que
manteriam com os receptores uma relação unidirecional baseado no esquema funcionalista
109
do estímulo-resposta. Entre os autores que sustentam essa linha, encontra-se Rogers
110
,
Singhal e Brown, teóricos clássicos da metodologia do Entretenimento-Educação (E-E).
O marketing social é uma das origens-chave das estratégias atuais de
Entretenimento-Educação. Desenvolvido na década de 1970, o marketing social foi
rapidamente acomodado aos formatos ficcionais e de entretenimento, particularmente ligados
à televisão e ao dio. Singhal, Rogers e Brown, apontam:
P
rogressivamente, formatos de entretenimento como seriados, vídeos musicais e
programas de concursos, estão sendo utilizados para transmitir mensagens educativas à
audiência. Essa inovadora estratégia comunicacional é conhecida como Entretenimento-
Educação, definida como a inserção de conteúdo educativo em mensagens de
entretenimento a fim de aumentar o conhecimento acerca de determinado assunto, criar
atitudes favoráveis e mudar comportamentos transviados. A telenovela (...) revelou-se
como o carro-chefe do Entretenimento-Educação nos países em desenvolvimento
(SINGHAL; ROGERS; BROWN, 1993:149)
111
.
E
m América Latina existe certo consenso em considerar Miguel Sabido
112
como o
pioneiro na sistematização do uso sócio-educativo da televisão, especificamente, através da
108
Em termos gerais, desenvolvimento” poderia ser definido como um conjunto de ideias pessoais e coletivas
referentes ao processo que leva ao bem-estar pessoal e coletivo, desde a perspectiva de uma determinada cultura.
Tal conjunto pode se transformar num arquétipo ou paradigma de desenvolvimento, que demarcará o caminho
para atingir tal bem-estar (LAVANDEROS, 2006:162).
109
Para aprofundar o assunto, consultar Wolf, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1999.
g. 62.
110
Baseada na Teoria de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1944), Rogers desenvolve a Teoria da Difusão de
Inovações, que assume que as mensagens da mídia conscientizam as pessoas acerca da importância do uso de
ferramentas e métodos modernos, enquanto o contato interpessoal levaria o indivíduo a realizar a mudança.
111
A tradução do inglês para o português foi realizada pela autora desta dissertação.
112
Miguel Sabido nasceu no México, em 1938, numa família indígena, preocupada com questões sociais. Sua
avó foi fundadora de uma entidade prestadora de serviço social e sua mãe participou da Revolução Mexicana de
1910. Educado num entorno intelectual e cultural profícuo, Sabido começou a se interessar pelo teatro como
ferramenta de consciência social, formando vários grupos na Cidade do México. Começou a produzir peças
histórico-culturais e, em 1950, formou-se em Ciências Humanas na Universidade Autônoma do México,
especializando-se em Teoria das Artes Cênicas e Teatro Azteca do século XVII. Durante as décadas de 1950 e
1960, Sabido ganhou prestígio como diretor de peças de teatro. Em 1974, assume a presidência da área de
117
117
telenovela. Sabido estabeleceu uma base teórica
113
para seu trabalho e definiu uma estratégia
de educação pelo entretenimento por meio deste formato: a telenovela “Pro-
Desenvolvimento(SINGHAL; ROGERS; BROWN, 1993, 1999).
Desde 1967
a 1975, sendo executivo da área de pesquisa de rede Televisa de México,
Sabido trabalhou na definição de uma metodologia própria para que a televisão comercial
fosse utilizada com propósitos de desenvolvimento social sem comprometer os ganhos
econômicos da empresa. Neste período de testes foram realizadas quatro telenovelas
histórico-culturais que promoviam o patrimônio e a história cultural do México, e que
renderam bons índices de audiência: La Tormenta (1967) tratava da invasão da França no
México; Los Caudillos (1968) retratava a luta mexicana pela independência; La Constitución
(1969) expunha os princípios da constituição mexicana; El Carruaje (1970) relatava a história
de Benito Juarez, herói da luta pela independência mexicana (SINGHAL; ROGERS;
BROWN, 1993:154). A motivação de Sabido pela produção de telenovelas com propósito
educativo foi ainda encorajada pelo sucesso de Simplesmente Maria, estreada no Peru em
1969 e vendida para o resto da América Latina, em 1970. A hisria girava em torno de uma
jovem mulher imigrante que consegue êxito socioeconômico por meio de seu desempenho na
costura com uma máquina da marca Singer. A telenovela obteve altos índices de audiência e
gerou impactos econômicos e sociais: aumentou consideravelmente tanto a venda de
máquinas de costura Singer quanto às matrículas de jovens mulheres nos cursos de costura.
Em decorrência disso, e fazendo transposição de um merchandising comercial para o social,
Miguel Sabido refletiu:
S
e era possível vender máquinas de costura por meio de mensagens veiculadas nas
telenovelas pensou Sabido –, porque o poderia vender, tamm, programas de
alfabetização para adultos ou estimular o uso adequado dos equipamentos e serviços
sociais oferecidos pelo governo? Seera possível influenciar o comportamento dos
telespectadores enquanto consumidores-potenciais, por que não se poderia fazer o mesmo,
enquanto cidadãos, visando o exercício dos seus direitos? (SCHIAVO, 1995:62).
Foi assim que Sabido realizou seis telenovelas com objetivos explicitamente
educativos, dentro do modelo do E-E: Vem Conmigo, Acompáñame, Vamos Juntos, El
pesquisa na TELEVISA, avaliando, estudando e analisando a audiência e o conteúdo dos diversos programas.
Em 1988, funda, junto com sua irmã, uma organização sem fins lucrativos para promover cultura e educação por
meio das telenovelas. Em 1990, Sabido deixa seu cargo na TELEVISA. Singhal, A. e Rogers, E. (1999).
113
O modelo teórico de Sabido baseia-se em três pilares: 1. Definição de um valor educativo central; 2. Marco
teórico interdisciplinar que abraça principalmente: a. Teoria da Comunicação, b. Teoria Dramática, c. Teoria da
aprendizagem social; 3. A telenovela como sistema produtivo. Ver: SABIDO, M. e JARA, R. Marco teórico de
las telenovelas mexicanas. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación, Quito, 1989, Edição 31,
g. 24-30.
118
118
Combate, Caminemos e Nosotras las Mujeres. Para sistematizar a descrição de cada uma
delas, partimos do Quadro a seguir.
Quadro 4. Telenovelas educativas de Miguel Sabido
Fonte: Schiavo (1995), Singhal e Rogers (1999)
*Devido à dificuldade de achar bibliografia a respe
ito, os dados não puderam ser aprofundados
O Quadro mostra que as telenovelas foram produzidas de forma contínua, veiculadas
cinco vezes por dia, com capítulos de trinta minutos de duração, ao longo de 8 meses,
aproximadamente. Passemos a descrever sucintamente cada uma delas:
Vem Conmigo:
Produzida, em 1975, Vem Comigo foi a primeira telenovela com propósitos
estritamente educativos. A média de audiência atingiu 33% a mais do que as telenovelas
tradicionais da Televisa, o que representava uma audiência de 4 milhões de pessoas na Cidade
TELENOVELA
TEMA
CENTRAL
PERÍODO DIA/HORÁRIO
CAPÍTULOS
PARCEIROS
Vem Conmigo
Alfabetização
de adultos
Novembro de
1975 a
Dezembro de
1976
17:30 às 18:00
(Seg. a Sex.)
280
Programa
Nacional de
Educação
Acompáñame
Planejamento
familiar
Agosto de
1977 a abril
de 1978
18:30 às 19:00
(Seg. a Sex.)
180
Programa
Nacional de
Planejamento
familiar
Vamos Juntos
Paternidade
responsável
Julho de
1979 a Março
de 1980
17:00 às 17:30
(Seg. a Sex.)
180 Apoio a ONU
El Combate
Alfabetização
de adultos
Abril de 1980
a Setembro
de 1980
17:00 às 17:30
(Seg. a Sex.)
120
Secretaria de
Educação
Pública
Caminemos
Juntos
Educação
sexual para
jovens
Setembro de
1980 a abril
de 1981
16:30 às 17:00
(Seg. a Sex.)
160
Centro de
Orientação
Para
Adolescentes
(CORA)
Nosotras las
Mujeres
Equidade de
gênero
Abril de 1981
a Outubro de
1981
16:30 às 17:00
(Seg. a Sex.)
160
Programa
Nacional de
Planejamento
familiar
Por Amor *
Planejamento
familiar
1981-1982 * * *
Los Hijos de
Nadie *
Crianças de rua
1997 * * UNICEF
119
119
do México (SINGHAL; ROGERS, 1999:54). Segundo apontam esses autores, por volta de
1975, 8 milhões de adultos operários eram analfabetos. Sob o pressuposto de que a falta de
educação formal era um obstáculo para o desenvolvimento socioeconômico do país, o
Ministério de Educação Pública criou o Programa Nacional de Educação para Adultos, para
que pudessem obter o diploma de Curso Primário. Nesse contexto, Vem Comigo foi pensada
para
apoiar ao Ministério e reforçar o valor da educação
para adultos, a autoaprendizagem
(estimular adultos analfabetos a estudar), e o altruísmo (estimular adultos alfabetizados
para tutelar analfabetos). Ele quis aproveitar a infraestrutura da alfabetização que o
Ministério de Educação havia criado (SINGHAL; ROGERS; 1999:54).
Nos primeiros capítulos, a telenovela tentou ensinar
a ler e escrever, mais esse
tratamento didático não deu bons resultados. Consequentemente, a trama orientou-se para
estimular a participação dos adultos nas aulas de alfabetização.
Para avaliar os efeitos da telenovela, a Televisa realizou uma sondagem entre 600
adultos da Cidade do México. Segundo a pesquisa, as pessoas que assistiram à telenovela
demonstraram mais conhecimentos sobre o Programa do Ministério e uma atitude de
colaboração para incentivar o estudo dos outros. Em termos de impacto, durante a veiculação
da telenovela, quase um milhão de pessoas se inscreveram em aulas de alfabetização de
adultos, um aumento de 63% em relação ao ano anterior (SINGHAL; ROGERS, 1999:10).
Acompáname
Após o sucesso de Vem comigo, Sabido aposta novamente na realização de
telenovela de E-E. Produzida em 1977, Acompáñame atingiu uma média de audiência 29%
maior do que as telenovelas tradicionais. Impressionado com os resultados do Censo
Demográfico de 1970 e motivado pela Conferência Mundial da Saúde (Bucareste, 1974), o
então presidente do México, Luis Echeverria, lançou um programa nacional de planejamento
familiar. Acompáñame, somada ao esfoo do governo, foi concebida para atingir três
objetivos: a) informar a população sobre o direito de planejamento familiar e dos serviços de
planejamento familiar disponibilizados pelo governo, b) estimular mudanças no
comportamento reprodutivo da população, por meio da adoção de práticas anticonceptivas,
oferecidas gratuitamente nos postos de saúde e de atendimento c) estimular os casais que
praticam planejamento familiar a incentivar em outros casais a sua prática.
A trama consistiu na história de três irmãs de baixa renda na Cidade do México, cada
uma vivendo em uma situação matrimonial diferente. O modelo positivo foi representado por
Marta, mãe de três filhos, que leva uma vida movimentada e difícil. Junto com o marido,
120
120
discute alternativas de abstinência e decide consultar uma clínica de serviços de planejamento
familiar. Em contrapartida, outra personagem não adota métodos anticonceptivos e,
consequentemente, sofre uma gravidez não desejada.
Do mesmo modo que aconteceu em Vem Comigo, as sondagens feitas após a
transmissão de Acompáñame falam de impactos positivos. Durante a veiculação da
telenovela, a adoção de métodos de planejamento familiar em clínicas estatais cresceu 33%
em relação ao ano anterior e as ligações para o programa nacional de planejamento familiar
passaram de 0 a 500 por mês (SINGHAL; ROGERS, 1999:57). Os índices de crescimento
populacional diminuíram de 3,2%, em 1976, para 2,5%, em 1982. Porém, a tendência o se
manteve, ficando em 2,4% até 1989, quando o previsto era 1,9% (SCHIAVO, 1995:57).
Vamos Juntos
Terceira telenovela de E-E veiculada, em 1979-1980, ela se insere no contexto da
declaração da ONU de 1979, Ano Internacional da Criança. Apoiando os esforços da ONU,
Vamos Juntos trouxe à discussão temas como paternidade responsável, desenvolvimento da
criança e sua integração na família. Para colaborar com a equipe da Televisa foram
convocadas rias organizações públicas e não-governamentais ligadas ao trabalho com
crianças e adolescentes. Diferentemente dos casos anteriores, essa telenovela não se baseava
em um único valor, mas numa rede de valores que, por sua vez, foram apoiados por outros
meios de comunicação (SABIDO; JARA, 1989:24).
El Combate
Quarta produção de Sabido, El Combate voltou ao tema da educação para adultos,
convocado diretamente pela Secretaria de Educação Pública. Diferentemente de Vem Comigo,
El Combate possa um público-alvo definido: as comunidades localizadas fora da área
urbana da Cidade do México. Na trama, o analfabetismo era visto como um inimigo que todos
deveriam combater. Todavia, a vitória era sentida não apenas pela ppria pessoa
alfabetizada, mas também pelo seu entorno participante da luta (amigos, vizinhos, parentes
etc.).
Caminemos Juntos
Quinta produção educativa, lançada entre os anos de 1980 e 1981, nasceu da
solicitação do Centro de Orientação Para Adolescentes (CORA), organização não-
121
121
governamental que mantinha centros para convivência de adolescentes em distintas
localidades da Cidade do México.
O objetivo da telenovela foi difundir noções de educação sexual dirigidas ao público
adolescente e promover serviços nos centros disponíveis. A trama principal passava-se num
bloco de apartamentos que abrigava famílias e situações que exemplificavam a necessidade de
se prover educação sexual aos adolescentes. Um exemplo: uma menina engravida e os pais se
dão conta que é responsabilidade deles educar seus filhos a respeito do exercício da atividade
sexual. Eles descobrem que não estão capacitados para tal tarefa e procuram um centro do
CORA para receber capacitação. Por outro lado, Miriam é dona de um salão de beleza e uma
de suas empregadas, vindas do interior, morre por causa de um aborto feito em más condições
de higiene. Traumatizada e consciente do problema, Miriam decide contatar os serviços de
planejamento familiar e orientação às adolescentes. Com a ajuda de cnicos do CORA,
Miriam promove sessões de aconselhamento no seu salão de beleza.
Nosotras las Mujeres
Produzida em 1981, Nosotras las Mujeres tinha como tema central a equidade do
gênero, colocando em discussão os pressupostos machistas e a valorização da mulher apenas
em termos reprodutivos e domésticos. A telenovela foi ambientada na Cidade do México e
envolvia um grupo de amigas de classe média. Por trás da defesa pela emancipação e
conquista plena de direitos, estava o planejamento familiar, enfocado não apenas como ão
de saúde reprodutiva, mas também como parceiro da mulher moderna, que estuda, trabalha e
aspira ascender socialmente sem renunciar suas responsabilidades familiares.
Essas cinco telenovelas de Sabido mantiveram uma média de audiência entre 11% e
16% a menos, do que os índices das duas primeiras, Vem Conmigo e Acompáñame
(SINGHAL; ROGERS, 1999:57).
Como parte da metodologia das telenovelas de Sabido, no final de cada capítulo
eram colocados epílogos educativos, de um minuto de duração, na voz de personalidades
nacionais. O comentário final reforçava os pontos-chave tratados no capítulo e prestava
informões (por exemplo, o endereço de Ministério de Educação, onde era distribuído
material gratuito de alfabetização) e esclarecimentos pertinentes, de forma a sedimentar os
conteúdos abordados na trama.
122
122
O modelo de Sabido foi difundido internacionalmente através de duas ONGs
sediadas no EEUU, a Population Communication Internacional (PCI)
114
e Population
Communication Services (PCS)
115
. Influenciadas pelo trabalho de Sabido, desenvolveram
inúmeras campanhas usando marketing social na dramaturgia de rádio e televisão e em
produções musicais, ligadas a itens de saúde reprodutiva e de planejamento familiar
116
.
Ambas as entidades possuem na atualidade atuação na área.
4.4.1 Críticas ao modelo clássico de E-E
A linha de Comunicação para o Desenvolvimento que enquadra o modelo clássico de
E-E tem gerado controvérsias, principalmente, no que diz respeito ao grau de influência da
mídia nas audncias. Numerosos estudos na perspectiva de análise da recepção na América
Latina provaram a leitura ativa e de múltipla significação que se processa na recepção de
textos medticos
117
e a invalidade de um paradigma modernizador, pois o que se verifica é o
convívio – culturas híbridas (CANCLINI, 2003) – de valores modernos e tradicionais, e o a
anulação dos últimos pelos primeiros.
À visão funcionalista de Singhal, Rogers e Brown, Thomas Tufte (2004), citando
Martine Bouman, contrapõe uma definição do Entretenimento-Educação que considera a
comunicação como um processo mais complexo:
E
stratégia de Entretenimento-Educação é o processo de formar e implementar
propositadamente uma forma de comunicação mediada com o potencial de entreter e
educar as pessoas, a fim de aprimorar e facilitar diferentes estágios de mudança pró-social
(BOUMAN, 1999. Apud.TUFTE, 2004:309).
A
o citar em caráter “potencial”, o autor parece entender a estratégia como um
agregado dentro dos processos social e cultural em que é difícil prever o desenvolvimento da
114
PCI Population Communications Internacional é uma ONG multinacional, sediada nos Estados Unidos,
cuja finalidade é estimular o uso de programas massivos de entretenimento, como a telenovela, para transmitir
mensagens sociais. Entre os mais importantes temas escolhidos estão: prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, direitos das crianças e dos adolescentes, defesa do meio ambiente e qualidade de vida. Dispovel
em: http://www.population.org/index.shtml
. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
115
PCS Population Communication Service é um serviço que desenvolve e apoia projetos de comunicação
para o desenvolvimento, ligada a item de sexualidade, reprodução humana e planejamento familiar. Integra o
Center for Communications Programs, da The Johns Hopkins University.
116
Consultar: SINGHAL, Arvind e ROGERS, Everett. Entertainment-Education: A Communication Strategy for
Social Change. Nova Iorque: L. Erlbaum Associates, 1999.
117
Na linhagem teórica dos Estudos Culturais, consultar: LOPES, M.I.V, RESENDE, V. R., BORELLI, H. S.
Vivendo com a Telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Editora Summus, 2002;
ALMEIDA, H.B.de. Telenovela, consumo e gênero. Bauru: EDUCS, 2002; LEAL, O.F. A leitura social da
novela das oito. Petrópolis : Vozes, 1986.
123
123
reação a este, reconhecendo a imprevisibilidade da compreensão ou a ressignificação dos
textos por parte da audiência.
O modelo teórico-metodológico desenvolvido por Miguel Sabido, que possiu mérito
por ter sido o pioneiro a pensar o uso educativo da telenovela em função das causas sociais,
tem sido criticado e reavaliado ao longo do tempo. Tanto Tufte (2004, 2007) como Fuenzalida
(1996), interessados em como as audiências constroem significados na vida cotidiana a partir
da recepção da telenovela e, em particular das telenovelas E-E, pontuam a necessidade de
uma análise das mediações (MARTÍN-BARBERO, 2001), considerando que a telenovela pró-
social seria mais efetiva se considerasse a subjetividade cultural das audiências.
A crítica principal ao modelo reside na ausência, na teoria do aprendizado social
118
que o sustenta, do processo de reconhecimento inerente ao processo comunicativo. Fuenzalida
(1996) explica que o reconhecimento envolve e ativa a memória cultural (grupal, familiar,
religiosa, política etc.) das pessoas e que esse repertório cultural, mais ou menos explícito e
consciente, desacredita a ideia simplista de uma modelação mecânica. O blico se relaciona
ativamente a partir de seu próprio mundo de significações, reconhece-se e se identifica-se
com aquilo que considera significativo. Para ilustrar, um exemplo do autor:
U
ma estória de uma adolescente que sofre de dolorosas consequências de uma gravidez
não desejada pode representar uma personagem mais formativa do que uma lição acerca
de bom comportamento ou a estória de um modelo virtuoso. Uma mãe má que descuida
da saúde do seu filho até lhe provocar a morte, pode despertar emoções de rejeição e um
aprendizado mais entretido e efetivo do que o comportamento de uma mãe exemplar
(FUENZALIDA, 1996:44).
O
autor fala em “apropriação educativa” como uma atividade, um processo em que o
telespectador percebe como “educativos” programas de entretenimento que apresentam
situações, comportamentos ou informações necessários para lidar com a vida cotidiana. Essa
ressignificação é “um subproduto” extraído do gênero por meio do reconhecimento, e a
apropriação diferencial significa que nem toda influência educativa seja efetiva ainda que seja
118
Essa teoria se fundamenta na proposta teórica de Bandura que propõe a aprendizagem de comportamentos
sociais como resultado da imitação de modelos de outras pessoas com quem se interage, ou da imitação dos
modelos veiculados através dos meios de comunicação. Essa perspectiva entende que a identificação/imitação do
comportamento desejável e, em decorrência, a adoção do mesmo reside na premiação de modelos positivos e na
punição dos comportamentos negativos. Transposto à telenovela, Sabido distribuía prêmios e castigos para os
personagens que facilitavam ou dificultavam a implantação das ões sócioeducativas. Na vida real, cabia às
instituições públicas “premiar” os telespectadores, atendendo as demandas provocadas na tela. SABIDO, M. e
JARA, R. Marco teórico de las telenovelas mexicanas. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación,
Quito, 1989, Edição 31, Pág.24-30.
124
124
planejada deliberadamente pelo emissor. De fato, pode acontecer que um programa seja
apropriado como educativo embora não tenha tido a pretensão.
Tuffte (2007), de sua parte, aponta que essa necessidade de desenvolver estratégias
mais integrais para analisar os efeitos das telenovelas E-E é uma preocupação também dos
clássicos Singhal e Rogers que, para entender como, quando e por que os programas são
mais ou menos efetivos, têm sugerido cinco pontos para alavancar a pesquisa de E-E no
futuro:
1) atenção à variabilidade nas intervenções de E-E;
2) atenção às resistências da audiência
ao E-E; 3) atenção à retórica, funcionamento e aspectos afetivos do E-E; 4)
reconsideração às conceituações prévias na mudança dos comportamentos; 5) uso de
metodologias múltiplas e relativização dos resultados da avaliação do E-E (SINGHAL;
ROGERS, 2002 Apud TUFFTE, 2007:92).
4
.5 Afastamentos e aproximações do merchandising social ao modelo E-E
A telenovela brasileira em geral, é a que contém merchandising social, no entanto,
pertence a um paradigma diferente de produção da telenovela do modelo E-E ou Pro-
desenvolvimento. Podemos, entretanto, estabelecer algumas aproximações entre elas. Feita a
crítica ao modelo E-E no tópico anterior, tal vinculação não significa aceitar seu
embasamento teórico. As aproximações identificadas entre os formatos recaem em três
aspectos identificados: a avaliação de resultados, o depoimento como reforço educativo e a
referência explícita de ONGs ou de apoio a projetos governamentais na narrativa.
Com o objetivo de síntese do exposto até agora sobre o modelo, é interessante
transcrever as diferenças entre uma telenovela tradicional e as de Entretenimento-Educação.
125
125
Quadro 5. Telenovelas tradicionais X Telenovelas Entretenimento-Educação (E-E)
Fonte: Schiavo, 1995
Fonte: Schiavo, 1995
TRADICIONAL ENTRETENIMENTO-EDUCAÇÃO
Livre para criar, valorizando a
imaginação e a concepção
estética da telenovela.
Criação condicionada aos objetivos
sócioeducativos que se pretende
alcançar.
Roteirização livre; possível uso de
colaboradores.
Roteirozação condicionada às
questões técnicas e de infra-
estrutura; uso de consultores.
Contar bem uma hisria; criar e
satisfazer as expectativas dos
telespectadores; uso das técnicas
de teledramaturgia para atrair e
manter a atenção dos
telespectadores.
Transmitir mensagens educativas,
utilizando a telenovela apenas
como suporte.
Propiciar entretenimento.
Atender às expectativas dos
órgãos que elegeram os temas,
sem esquecer o telespectador,
visto como destinatário.
Identificação/Projeção como
exemplos do comportamento
humano.
Uso de técnicas de
teledramaturgia para convencer o
público de que o "produto
educativo" é bom e que contribuirá
para a melhoria de sua qualidade
de vida.
Selecionados de acordo com o
roteiro, o orçamento e suas
necessidades de produção.
Acompanham as necessidades do
roteiro, mostrando como vivem as
pessoas sobre as quais se deseja
influenciar.
Valorização da imagem, com uso
de efeitos electrônicos, mostrando
lugares agradáveis e pessoas
bonitas.
Respeitam as limitões
orçamentárias e buscam
referências nas própria realidade.
Elenco comprometido com os
conteúdos sócioeducativos e
disponível para as atividades
complementares.
Elenco disposto a dar seu aval aos
servos promovidos.
Limpa, com novidades e uso
adequado de efeitos sonoros.
Privilegia músicas mais
conhecidas; exagera nos efeitos
sonoros; busca intensificar a
dramaticidade da cena.
Vitrine para comercialização de
discos e a promoção de cantores
e compositores.
Poluição sonora.
Compromiso com índices de
audiência, buscando captar e
manter um número cada vez maior
de telespectadores.
Segmentação, buscando melhores
índices de audiência, considerando
o blico alvo específico
(população analfabeta,
adolescentes).
Busca promover mudaas de
atitudes e comportamentos.
Compromisso com as mudanças
de atitudes e comportamento
defendidas.
Trilha Sonora
Audiência/Resultados
Principais
Proporcionar prazer.
TELENOVELAS
Autoria da História
Direção, Produção e
Equipe Técnica
Locação, cenários e
figurinos
Elenco
Cast colocado à disposição pela
produtora, à frente atores e atrizes
de renome e carisma junto ao
público.
126
126
Entendemos que, ao empregar o termo “tradicionais”, Schiavo refere-se às
telenovelas produzidas pela TELEVISA, cujo padrão temático é o melodrama mais canônico,
o “dramalhão”, tendo como propósito oferecer entretenimento (o que o significa que não
haja uma apropriação educativa por parte dos telespectadores). Esse paradigma continua
vigente ainda hoje no Brasil, sendo comercializado pelo SBT. A telenovela de E-E refere-se à
proposta deliberadamente e explicitamente educativa que traz para a narrativa informações e
indicações com o objetivo de combater os problemas da realidade social. Diante desse quadro,
não podemos deixar de fazer algumas observações levando em consideração a especificidade
da telenovela brasileira.
A primeira ressalva a considerar é que, no caso brasileiro, a telenovela tradicional”,
em seu formato, possui uma tradição, na forma de se comunicar com seu público, que não
pertence ao padrão melodramático canônico, mas possui conteúdo social e linguagem realista,
conforme argumentamos no capítulo anterior. Portanto, e continuando esse raciocínio, uma
telenovela “brasileira tradicional” é produzida em prol do entretenimento, porém, pela sua
condição cultural, ela é, implicitamente, educativa. O relato da experiência da telenovela
mexicana mostra nas telenovelas de E-E um salto radical em termos de temática, passando de
um caráter mais sentimental a outro de conteúdo realista e com uma pedagogia explícita. Em
contrapartida, a telenovela brasileira foi trilhando um longo caminho de erros e acertos, de
aperfeiçoamento do gênero para narrar a realidade juntamente à alfabetização constante do
público de assimilação, recepção e troca com ele. A pedagogia explícita e deliberada do
merchandising social é fruto desse percurso. Por outro lado, o paradigma de produção do E-E
é voltado à realização de uma narrativa cuja trama e personagens envolvidos estão
integralmente dirigidos a fins pedagógicos e a objetivos precisos desde o momento zero da
produção. Em contraste, e dada a complexidade da telenovela brasileira, o merchandising
social não abraça necessariamente nem todas as tramas e nem todos os personagens. E, ainda
que ele manifeste sua intencionalidade pedagógica, sua produção encaixa-se no mesmo
modelo de produção que o restante das telenovelas: o do entretenimento. Nessa relação entre
entretenimento e merchandising social, a TV Globo expressa:
A
telenovela e a minissérie são obras de ficção, cujo objetivo é o entretenimento, não
tendo compromisso restrito com a realidade e assim o compreendidas pelo
telespectador, que entende com clareza onde estão os limites. Sendo assim, não
qualquer interferência na criação artística. Cabe ao autor e à direção artística a decisão de
incorporar o merchandising social na trama. A razão é óbvia: assegurar a integridade da
obra e a finalidade de entreter. Cabe à divisão de projetos sociais da Central Globo de
Comunicação conduzir o relacionamento com a sociedade, o contato com organizações da
sociedade civil, especialistas etc. e coordenar o processo que resulta no encaminhamento
127
127
ao autor de sugestões de abordagem, ressalvas e informação qualificada, útil para a
abordagem na trama. Quando a iniciativa parte do próprio autor que, em geral, conta
com apoio de pesquisador, para atender a necessidades diversas –, a CGCOM busca
apoiar da mesma forma (Material fornecido pela emissora, julho de 2008. Veja ANEXO:
Entrevista com Flávio Oliveira)
Mesmo assim, uma temática social pode apresentar-se
deliberadamente pedagógica
no início da história – como é o caso da Síndrome de Down e da AIDS em Páginas da Vida
ou revelar essa intencionalidade após a temática ter ganhado certa relevância e peso dramático
na trama como demonstramos a partir do caso do Alcoolismo ou da Bulimia. Essa
possibilidade é dada pelo fato da telenovela brasileira constituir-se uma obra em aberto,
característica que a telenovela de E-E não possui. Essas diferenças descritas situam o
merchandising social fora do modelo estritamente de Entretenimento-Educação, segundo
concebido por Sabido.
Não obstante, como referência mais próxima ao modelo de telenovelas de E-E dentro
da teledramaturgia brasileira, podemos citar uma telenovela produzida mesmo antes de
Miguel Sabido ter consolidado o modelo noxico. Trata-se de Meu Pedacinho de Chão, de
Benedito Rui Barbosa, produzida pela TV Globo em 1971-1972 e reprisada pela TV Cultura
quase simultaneamente.
Meu Pedacinho de Chão foi realizada no contexto de modernização e
desenvolvimento no Brasil, estando as emissoras de televisão submetidas à Lei de Segurança
e Censura. A TV Globo, respondendo às pressões estatais de uma TV “mais culta e
educativa”, investiu na área educacional adaptando uma versão brasileira de Sesame Street
(Vila Sésamo). Segundo apontam Ortiz, Borelli e Ramos (1989:87), a emissora contou, para
colocar em prática a proposta educativa, com um financiamento de 8 milhões de dólares
doados pelo U.S. Office Education. Meu Pedacinho de Chão é considerada a primeira
telenovela educativa brasileira. O próprio Benedito Rui Barbosa explicita suas intenções
pedagógicas:
A
proposta de Pedacinho... foi mostrar o problema do homem do campo, ensiná-lo sobre
as doenças (tracoma, tétano, verminose), levá-lo para uma sala de aula, dar-lhe melhores
condições de higiene e ao mesmo tempo mostrar o interesse das classes patronais
(fazendeiros e autoridades) pelo camponês analfabeto, sem questionar nunca sua miséria e
seus problemas... Como este foi o peodo de desenvolvimento do Mobral eu tentei com
Pedacinho... ajudar este projeto de ensino em que na época eu acreditava (ORTIZ;
BORELLI; RAMOS, 1989:88).
Além de ser propositadamente pedagógica e ter produç
ão voltada para tais fins,
percebe-se a ligão dessa telenovela infanto-juvenil a um programa estatal, como acontece
128
128
na metodologia de Sabido, seja por encomenda ou por apoio voluntário. No caso de Meu
Pedacinho de Chão, o programa estatal era o MOBRAL Movimento Brasileiro de
Alfabetização
119
, criado em 1969, tendo efetivadas suas ações a partir de 1971. Nesse
contexto, a telenovela de Benedito Rui Barbosa, que podemos considerar de E-E, concebe a
ficção televisiva como um serviço de utilidade pública.
Ainda que a principal aproximação entre o MS e as telenovelas de E-E seja a
intencionalidade pedagógica na abordagem de determinada temática social, apontamos o fato
de o MS não se identificar estritamente com esse modelo. Não obstante, cabe salientar certas
correspondências entre eles, em torno dos três aspectos antecipados: a) a avaliação de
resultados, b) o depoimento como reforço pedagógico e c) a referência explícita de ONGs
ou de apoio a projetos governamentais na narrativa.
a) A avaliação de resultados
Os efeitos e impactos diretos da associação publicidade e telenovela, seja por meio
do merchandising comercial ou dos intervalos comerciais, podem ser mensurados
quantitativamente –, entretanto, os efeitos indiretos e suas implicações socioculturais não
podem ser estritamente identificados. Como aponta Canclini (1995), o consumo é um dos
espaços onde se organiza a racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica, sendo os
meios um dos grandes responsáveis por deslocar o desempenho da cidadania em direção às
práticas de consumo.
H
oje vemos os processos de consumo como algo mais complexo do que a relação entre os
meios manipuladores e dóceis audncias. (...) é necessário situar os processos
comunicacionais em um quadro conceitual mais amplo (...). O que significa consumir?
Qual é a razão para os produtores e para os consumidores – que faz com que o consumo
se expanda e se renove incessantemente? (...) não existe uma teoria sociocultural do
consumo (CANCLINI, 1995:76).
Entendendo as instâncias de recepção e consumo como processos que não acabam,
mas pelo contrário, iniciam-se no momento da assistência à telenovela, é muito difícil
identificar os efeitos do MS em longo prazo, a não ser por meio de pesquisas que indaguem
em que grau a ação pedagógica conseguiu a conversão do habitus, em que grau outras
119
O MOBRAL propunha uma campanha de alfabetização de jovens e adultos, porém sem capacitá-los ao
verdadeiro exercício da cidadania. Foi extinto em 1985 com a Nova República e o fim do Regime Militar. Em
seu lugar surgiu a Fundação Educar.
129
129
mediações favoreceram ou não a transferência dos conhecimentos e a durabilidade do habitus
etc. Do mesmo modo, na metodologia do Entretenimento-Educação, a “efetividade” ou
sucesso do MS é avaliado pelos índices de impacto social, que geralmente são visibilizados na
mídia ou nos Balanços Sociais da emissora. A respeito desse ponto, a TV Globo nos informa
que:
Não são realizadas pesquisas específicas para se med
ir percepção e resultados. Mas é
possível identificar evidências de impacto social de diferentes formas, podendo variar de
acordo com o tema. O contato com instituições de diversas áreas (inclusive as utilizadas
como fonte para abordagens) nos permite acompanhar os resultados de ões, em função
do relato sobre: mudança de percepções/comportamento (públicos específicos e populão
em geral), alterações quantitativas (ex: busca por atendimento/informação, registros de
diferentes naturezas, como serviços públicos, denúncias etc.). Am da cobertura da
imprensa especializada (repercussão e dados de fontes diversas), de manifestações
voluntárias de segmentos da sociedade e de contatos da audiência recebidos pela Central
de Atendimento ao Telespectador da Rede Globo (Material fornecido pela emissora,
j
ulho de 2008. Veja ANEXO: Entrevista com Flávio Oliveira).
Assim sendo, entre as telenovelas de maior impacto social produzidas a partir da
inserção de MS encontram-se:
D
e Corpo e Alma (1992-1993), Glória Perez:
Ao abordar a questão de transplantes de órgãos, Glória Perez mostrou as dificuldades
que os pacientes enfrentam para obtenção do órgão, as dificuldades da própria doação, a
rejeição e os problemas entre as famílias de doadores e receptores. Na semana de estreia da
novela, o Instituto do Coração (INCOR), em o Paulo, que estava dois meses sem uma
única doação, recebeu nove órgãos para transplante.
Explode Coração (1995-1996), Glória Perez:
Fortemente trabalhado na novela, o tema das crianças desaparecidas acabou sendo
divulgado e debatido em programas de rádio e TV e em matérias de jornais e revistas. Essa
movimentação estimulou várias empresas a participar do esforço de localização das crianças
desaparecidas, com esse objetivo, fotos passaram a ser impressas em bilhetes de loterias e em
embalagens de diversos produtos vendidos no comércio. Mais de 60 crianças foram
encontradas. A questão gerou ainda uma campanha realizada no programa Fantástico, em
1998.
130
130
Laços de Família (2000-2001), Manoel Carlos:
O impacto social desencadeado em torno da história de Camila (Carolina
Dieckmann), personagem que sofria de leucemia, ficou conhecido como Efeito Camila”. O
aumento no interesse da população em doar sangue, órgãos e medula óssea estão refletidos no
quadro a seguir:
Quadro 6. Efeito Camila. Impacto do merchandising social em Laços de Família
Fonte: Organizações Globo, 2001
O
Clone (2001-2002), Glória Perez:
A telenovela alertou para prevenção e tratamento a dependência química, gerando
significativo aumento no número de ligações recebidas pela central de atendimento da
Secretaria Nacional Antidrogas. De janeiro de 2002 para maio de 2002, a quantidade de
telefonemas passou de 900 para 6 mil aproximadamente. O número de reportagens sobre
drogas e dependência química nos 50 maiores jornais do país também teve aumento
importante a partir de fevereiro de 2002: 65% em março, 120% em abril; 156% em maio, e
120% em junho
120
.
Mulheres Apaixonadas (2003), Manoel Carlos:
A telenovela abordou a violência doméstica contra a mulher, contribuindo para que
as iniciativas da sociedade ganhassem fôlego; o movimento culminou com a sanção da Lei
Maria da Penha”, em 2006, que tipifica os crimes domésticos contra as mulheres e aumenta as
punições para os agressores. Além disso, Mulheres Apaixonadas abraçou a causa do
desarmamento, mostrando cenas de manifestações que pediam nova lei para restringir o uso e
120
Fonte: ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância. Material fornecido pela TV Globo, julho de
2008. Veja ANEXO: Entrevista com Flávio Oliveira.
Centro de doação Tipo de serviço Nov/2000 Jan/2001
Registro Nacional de Doadores de
Médula Óssea (Redome)
Registra potenciais
doadores de medula
20 incrições/mês 900 incrições/mês
Disque-Saúde (Ministério de Saúde)
Informões sobre
doões de órgãos e
sangue
67 ligações/mês 458 ligações/mês
Instituto de Hematologia do Rio de
Janeiro (HemoRio)
Registra potenciais
doadores de sangue
10 incrições/mês 154 incrições/mês
Instituto Nacional do Câncer (Inca)
Registra potenciais
doadores de medula
10 incrições/mês 149 incrições/mês
131
131
porte de armas. A mobilização social pelo desarmamento culminou com a sanção da Lei do
Desarmamento, no. 10826 de 22 de dezembro de 2003.
Reconhecendo a dificuldade de indagar acerca dos efeitos indiretos do MS, a TV
Globo afirma:
Mas nem todas as ações de merchandising social podem ter seu impacto
mensurado, por se tratar de efeitos subjetivos, que não podem ser medidos
quantitativamente. No caso de Páginas da Vida (2006-2007), que tratou de
síndrome de Down, e de América (2005), que tratou de deficiência visual, os
impactos foram verificados por meio do retorno de entidades que cuidam dessa
causa e que perceberam a novela (pelo relato de indivíduos/familiares ou de
pessoas envolvidas diretamente no atendimento à população) como uma grande
contribuição ao combate ao preconceito e ao debate sobre inclusão (Material
fornecido pela emissora, julho de 2008. Veja ANEXO: E
ntrevista com Flávio
Oliveira)
Uma das repercussões ligadas à defesa da inclusão social de crianças com ndrome
de Down, em termos de impacto social, foi o lançamento da boneca “Clarinha”, o primeiro
brinquedo com as características físicas da Síndrome de Down no país. Idealizado por Audrey
Bosio e Andrea Barbi, mães de crianças portadoras da síndrome, o brinquedo nasceu com a
intenção de promover a inclusão social e fazer com que todas as crianças possam crescer em
contato com a diversidade humana, de maneira dica. A Rede Globo abriu mão de todos os
direitos de royalties, sendo a renda das vendas dos bonecos revertida para o Grupo ndrome
de Down da Associação das Voluntárias do Hospital Infantil Darcy Vargas, em São Paulo
121
.
Para além do caráter funcionalista do modelo de E-E e da concepção que Schiavo
(1995) traz do MS, enfatizando o sucesso da estratégia em termos de estímulo real - resposta
efetiva, observável e quantificável – cabe priorizar uma leitura do impacto social em relação à
capacidade da telenovela de mobilização social e ao seu potencial pedagógico de
transformação social sempre que bem engajada e articulada com a sociedade civil. Como
expressa Motter,
P
osto que a telenovela tem propiciado pautas para a mídia e para a sociedade, criando
desejos a partir do conhecimento ficcional propiciado e da sensibilidade despertada,
gerando movimentos em direção à mudança e ações concretas como o aumento de
demandas sociais - em busca de ofertas e de apoios nas instituições, movimentos e
organizações - cabe a estas reconhecer a eficiência dessa comunicação e se preparar para
dar conta dos efeitos provocados: aparelhar-se para atuar como parceiro eficiente capaz
de absorver e atender às demandas que campanhas institucionais não conseguem produzir
(MOTTER, 2003:78).
121
POMPEU, Carmem. Alvo de preconceito, boneca da "Clarinha" será lançada em Brasília. Folha de São
Paulo, 14 de março de 2007.
132
132
b) O depoimento como reforço pedagógico
Um aspecto de singular destaque presente no modelo de E-E que dialoga com o MS é
a presença de depoimentos de pessoas reais no final de cada capítulo, antes dos créditos
finais. No caso do modelo E-E, tratavam-se de celebridades que ofereciam os endereços e
telefones dos serviços promovidos na ficção, tendo um minuto de duração. no caso de
Páginas da Vida, cada capítulo foi encerrado com testemunhos de pessoas anônimas, de
1min10seg de duração, sobre o assunto abordado na novela naquele dia, principalmente
referentes às temáticas objeto de MS: Síndrome de Down
122
, AIDS, bulimia etc
123
. Embora os
modelos de depoimento se diferenciem (celebridade x anonimato), o denominador comum é a
intencionalidade de reforçar o conteúdo veiculado, ligando a ficção com a realidade. Nas
palavras de Manoel Carlos,
O
s depoimentos foram pensados pelo Jayme Monjardim [diretor] e por mim para fazer
com que a voz das ruas chegasse à novela e, consequentemente, ao público que
televisão (...) Ao encerrar a novela com os depoimentos, é como se eu perguntasse aos
telespectadores: "Gostaram dessas cenas de ficção que acabaram de ver? Pois então agora
fiquem com uma cena real, que foi vivida por uma pessoa comum (MANOEL CARLOS,
2006)
124
.
Para Fuenzalida (2005), preocupado com as expectativas educativas das audiências
televisivas, a forma depoimento ou testemunho é um recurso presente em diversos gêneros e
formatos, muito apreciado como forma de aprendizado educativo a partir da experncia
alheia. Longe de corresponder a um gênero didático-escolar ou a figuras pedagógicas que
sistematizam conceitos, ou a especialistas que debatem diversos diagnósticos e soluções sobre
um determinado assunto, como alcoolismo, AIDS, prostituição etc.,
O tema social aparece “personalizadocom depoimentos, seres humanos narram
sua experiência acerca de como encararam seus problemas, os esforços realizados,
os fracassos, os caminhos trilhados para atingir o sucesso. Essa forma testemunhal
permite às audiências um aprendizado experiencial sobre a temática tratada, em
situações concretas e cotidianas (FUENZALIDA, 2005:75).
122
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 2; minuto: 04:52.
123
Um depoimento de grande ressonância pública foi o da mulher de 68 anos relatando como fora seu primeiro
orgasmo aos 45. Manoel Carlos se desculpou publicamente pelo que considerou um excesso e, a partir desse
momento, os depoimentos passaram a sofrer censura interna da emissora. PADIGLIONE, Cristina; JIMÉNEZ,
Keila. Globo censura depoimentos reais de Páginas da Vida. Estadão, 18 de julho de 2006.
124
MATTOS, Laura. CARIELLO, Rafael."Páginas" muda, mas depoimentos continuam. Folha de São Paulo, 20
de agosto de 2006.
133
133
A potencialidade do depoimento como forma educativa por meio da empatia ou de
reconhecimento com pessoas que vivenciaram “diretamente” determinados problemas, foi
advertida por Miguel Sabido muito tempo após o lançamento do modelo E-E, ao
abordarnovamente a metodologia na última de suas produções educativas. Segundo relatam
Singhal e Rogers (1999), em 1997, Miguel Sabido, entrevistado no México, declarou que
“os epílogos são muito importantes para o sucesso do Entretenimento-Educação
nas telenovelas, porém, eles apresentam também o risco de serem percebidos como
pedantes e tediosos”. Ele acredita que os epílogos são mais eficientes se
transmitidos por uma pessoa que for percebida pela audiência como “simpática,
charmosa e autoridade moral” (SINGHAL; ROGERS, 1999:54).
É por isso que em sua última telenovela, Los hijos de Nadie, os epílogos foram
transmitidos por crianças.
Com tudo isso, consideramos o depoimento ou testemunho como uma das formas de
enunciação do MS, ou dito de outra maneira, uma das formas em que a ação pedagógica se
realiza. A autoridade moral, que para nós corresponde à autoridade pedagógica, é a vítima ou
paciente que transfere e narra para seu interlocutor o conhecimento acumulado a partir da
própria vivência. No caso de Páginas da Vida, o trabalho pedagógico do MS se estende até
fora da narrativa ficcional em forma de epílogos. Enquanto o MS dentro da narrativa se
realiza, principalmente, através da conceitualização dos problemas nas vozes autorizadas dos
especialistas (médicos, juízes, educadores etc.), fora da ficção ele é reforçado nas vozes
autorizadas das pessoas comuns e reais, que verbalizam sua experiência, deixando sua lição
de vida “sem mediação”.
A autora Pallottini, embora reconheça a intenção dos epílogos de trazer a vida para a
ficção, acredita que tal objetivo não tenha sido cumprido e levanta a crítica: A própria ficção
traz a opino do autor e, com o depoimento, reforça demais, pesa demais. É redundante, o
telespectador tem a capacidade de, pela história, chegar a suas pprias conclusões. Essa
ideia de levar a gente a concluir algo ficou pesada, "over'" (PALLOTINI, 2006)
125
. É essa
redundância deliberada que reforça conceitos e ideias que logo explicitaremos como uma
característica do MS enquanto ação pedagógica. No capítulo VI, no item 6.2 Tipos de
inserções de merchandising social, aprofundamos outras formas de enunciação do MS dentro
da categoria depoimento ou testemunho: os ficcionais e reais dentro da narrativa.
125
Idem. 123.
134
134
c) Referência explícita ao Terceiro Setor (ONGs) ou ao apoio de projetos
governamentais na narrativa
O terceiro aspecto que dialoga com o modelo E-E é a presença, no MS, de
organizações não governamentais (ONGs), associações sem fins lucrativos que dão apoio a
projetos ou campanhas lançadas pelo governo. Desde a produção, a relação com especialistas e
entidades de diversos setores se faz necessária para auxiliar o autor de telenovela com
subsídios conforme o tema desenvolvido. Conforme a TV Globo,
A equipe da área social mantém contato frequente com instituições e especialistas
de diversos setores, de forma a se atualizar permanentemente sobre temas que
podem vir a ser abordados em novelas e programas da emissora, e também por
conta de parcerias e do apoio (veiculação gratuita de campanhas relevantes de
interesse público) a entidades de referência nas diversas áreas. E, conforme o
tema/necessidade, busca expertise específica de organizões e especialistas
(Material oferecido pela emissora, julho 2008. Veja ANEXO: E
ntrevista com Flávio
Oliveira).
A
nalisando o conteúdo do discurso dos MS em Páginas da Vida, observamos que em
várias oportunidades essas entidades assessoras e parceiras aparecem explicitamente nas
tramas, seja nos diálogos dos personagens, seja no cenário social em que os personagens estão
envolvidos.
A seguir, apresentaremos uma amostra de algumas telenovelas que o uso de MS
revela a presença deliberada de ONGs ou entidades do terceiro setor sem fins lucrativos. A
lista não é exaustiva, apenas pretendemos fornecer uma noção da presença reiterada das
mesmas em inserções de MS. Sendo este um traço percebido na análise de ginas da Vida, a
relação a seguir fala de uma característica constitutiva das inserções, e o de uma presença
isolada. Pretendemos demonstrar o funcionamento do MS como um discurso que imbrica de
maneira exacerbada a relação ficção-realidade, ao mesmo tempo em que ganha autoridade por
meio do diálogo com o discurso de entidades reais e legitimadas socialmente. Inclusive,
algumas dessas entidades aparecem de forma sistemática em várias narrativas de diferente
autoria ao longo do tempo. A presença de Alcoólicos Anônimos no MS sobre alcoolismo
poderia ser apontada como um caso paradigtico.
135
135
Quadro 7. Merchandising social e o discurso do Terceiro Setor/Governo
Título Autor Ano
Horá
rio
Tema Terceiro Seitor Site Oficial
Vale Tudo
Gilberto
Braga,
Agnaldo
Silva e
Leonor
Bassères
16/5/88 a
7/1/89
20h Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Vamp
Antônio
Calmon
15/7/91 a
8/2/92
19h Ecologia
Fundação
Boticário de
Proteção à
Natureza
http://internet.boticario.com.br/portal/sit
e/fundacao
O Mapa da
Mina
Cassiano
Gabus
Mendes
29/03 a
4/9/93
19h Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Pátria Minha
Gilberto
Braga
18/7/94 a
10/3/95
19h
Combate à
pobreza
"Ação da
cidadania contra
a miséria pela
vida "-
Campanha de
Herbert de
Souza, o Betinho
http://www.acaodacidadania.com.br/
Explode
Coração
Glória Pérez
6/11/95 a
4/5/96
20h
Crianças
desaparecidas
Movimento Mães
da Cinelândia
-
Laços de
Família
Manoel
Carlos
5/6/00 a
3/2/01
21h
Combate à
pobreza
"Solidariedade e
Cidadania"
-
O Clone
Glória Perez
1/10/01 a
15/6/02
20h30
Drogas
Narcóticos
Animos
http://www.na.org.br/portal/
O Beijo do
Vampiro
Antônio
Calmon
26/8/02 a
3/5/03
19h
Doão de
sangue
Doadores
Internacionais
-
Violência
urbana
Viva Rio -
Campanha
"Brasil Sem
Armas"
http://www.vivario.org.br/
Dependência
afetiva
MADA -
Mulheres que
Amam Demais
Animas
http://www.grupomada.com.br/site/
Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Celebridade
Gilberto
Braga
13/10/03
a 26/6/04
21h Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Acoolismo AL-ANON http://www.al-anon.org.br/novosite/
Acoolismo
Pratique Saúde
Festas
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/v
isualizar_texto.cfm?idtxt=25718&janela
=1
AIDS ACNUR http://www.acnur.org/
Alcoolismo
Alclicos
Animos
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
Acoolismo AL-ANON http://www.al-anon.org.br/novosite/
10/7/06 a
3/3/07
21h
Duas Caras
Aguinaldo
Silva
1/10/07 a
31/5/08
21h
Mulheres
Apaixonadas
Manoel
Carlos
17/2 a
11/10/03
20h
ginas da
Vida
Manoel
Carlos
136
136
A seguir, discorreremos alguns comentários a respeito das telenovelas citadas. Por se
tratar de nosso objeto de estudo, Páginas da Vida será descrita ao final, a fim de determo-nos
nela com maior profundidade.
V
ale Tudo (TV Globo, 1988-1989): como apontamos no capítulo anterior, Vale Tudo
abre em plena reabertura política – mesmo ainda cerceada pela censura – a escalada na
intensidade de focalização de temas sociais, tanto quanto como qualitativamente. O alcoolismo
foi uma temática marcante da telenovela, tratada a partir da personagem Heleninha (Renata
Sorrah). No final da trama, ela integra-se aos Alcoólicos Anônimos, em cena que esclarece
sobre o processo de recuperação dos dependentes e de suas dificuldades.
Vamp (TV Globo, 1991-1992): embora tenha sido uma telenovela em chave de humor,
não deixou de abordar temas sociais. O MS surgiu de uma parceria da Rede Globo com a
Fundação Boticário de Proteção à Natureza. Na trama, a ecologista Soninha (Bia Seidl) ensina
o capitão Jonas a salvar as tartarugas que ficam presas nas redes de pesca.
O Mapa da Mina (TV Globo, 1993): telenovela das 19h em chave de humor, não
deixou de abordar temas sociais via MS. O alcoolismo foi abordada por meio do personagem
Erasmo (Dennis Carvalho). Os problemas com a dependência do álcool arruínam o casamento
de Erasmo, que chega a agredir fisicamente a mulher e o filho. Após muitas dificuldades, ele
finalmente decide buscar ajuda junto aos Alcoólicos Anônimos.
tria Minha (TV Globo, 1994-1995): sempre que possível o movimento Ação da
cidadania contra a miséria pela vida campanha iniciada no ano anterior pelo sociólogo
Herbert de Souza, o Betinho era lembrada na telenovela. A ão encaixou-se no núcleo de
Pedro (José Mayer) a partir dos seus questionamentos políticos. Ele havia decidido tentar
estabelecer-se nos Estados Unidos, mas mostra-se sempre reticente quanto ao abandono de
seu país. Chegando ao Brasil, Pedro lidera uma revolta contra Raul Pelegrini (Tarcísio Meira),
que havia ordenado a desocupação de um terreno na favela onde a família do rapaz morava.
Explode Coração (TV Globo, 1995-1996): o MS abordado na novela foi a questão do
desaparecimento de crianças. Unindo ficção e realidade, foram juntadas na mesma cena as
Mães da Cinelândia como o chamadas as mulheres que dedicam suas vidas à busca dos
filhos desaparecidos e Odaísa (Isadora Ribeiro), que procurava o filho Gugu (Luiz Cláudio
Júnior).
Laços de Família (TV Globo, 2000-2001): atendendo a um pedido da então primeira-
dama Ruth Cardoso, presidente de honra da campanha Solidariedade e Cidadania, o autor
137
137
Manoel Carlos incorporou nos últimos vinte capítulos da trama cenas para ajudar essa
iniciativa. Para incentivar a mobilização pública foram usadas personagens jovens como
Estela (Júlia Almeida) e a protagonista Camila (Carolina Dieckmann) apareceram se
dedicando ao trabalhado voluntário.
O Clone (TV Globo, 2001-2002): Mel (Débora Falabella) e Nando (Thiago Fragoso)
sofrem as consequências da dependência química. Maysa (Daniela Escobar) e Clarice (Cissa
Guimarães), mães de Mel e Nando, passam a frequentar reuniões dos Narcóticos Anônimos
para tentar ajudar os filhos e a si próprias. No final, Mel e Nando aceitam ir às reuniões e
abrem uma clínica para dependentes químicos.
O Beijo do Vampiro (TV Globo, 2002-2003): a telenovela incentivou a doação de
sangue por meio de vários moradores de Maramores. Na trama, a campanha é implantada por
rbara (Michele Martins), membro da ONG - Doadores Internacionais, e por Carlos (Sérgio
Menezes), médico da cidade. Os telespectadores ficam na dúvida se essa ONG existe
realmente. Eis o jogo entre ficção e realidade.
Mulheres Apaixonadas (TV Globo, 2003): uma das temáticas relevantes da
telenovela foi a violência urbana, motivada pela morte de Fernanda, vítima de bala perdida.
Com o apoio da TV Globo e do autor Manoel Carlos, o movimento Viva Rio conseguiu reunir
cerca de 40 mil pessoas na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, na manifestação “Brasil sem
Armas”, para pressionar a aprovação do Estatuto do Desarmamento no Congresso Nacional.
As cenas da manifestação, da qual participaram autoridades federais e estaduais, vítimas da
violência, anônimos e atores de Mulheres Apaixonadas, foram exibidas na obra teleficcional
ao som do Hino Nacional. Tony Ramos encabeçou a passeata em uma cadeira de rodas, já que
seu personagem, Téo, estava em fase de recuperação do tiro que levou no mesmo episódio em
que Fernanda foi morta. Por outro lado, também foi tratada a dependência afetiva excessiva
das mulheres em relação a seus companheiros. Na história, Heloísa (Giulia Gam) além de
procurar apoio médico e psicológico, passa a frequentar as reuniões do grupo de apoio
MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), divulgando assim o trabalho da associação
especializada em tratar esses casos. Por fim, o MS acerca do alcoolismo foi abordado a partir
da personagem Santana (Vera Holtz), uma professora de escola particular, que viveu diversas
crises de alcoolismo. No começo da trama ela se nega a buscar tratamento, mas no final
reconhece sua doença e resolve procurar ajuda. Foram apresentados os sintomas e efeitos da
doença (abstinência, a compulsão pela bebida, a negação da doença etc.), a importância de
amigos e família para a sua conscientização e tratamento e as formas de atuação dos
Alcoólicos Anônimos.
138
138
Celebridade (TV Globo, 2003-2004): tratou a temática do alcoolismo por meio do
jornalista Cristiano Reis (Alexandre Borges), que também busca ajuda nos Alcoólicos
Anônimos.
Duas Caras (TV Globo, 2007-2008): o alcoolismo foi uma das temáticas sociais da
telenovela via MS. O personagem da Feira (Eri Jonhson), dependente alcoólico, chegou a
ponto de, por um descuido, botar fogo na favela Portelinha. Sua mulher Amélia (Josie
Antello) o leva aos Alcoólicos Anônimos onde ele é orientado e tratado. Amélia lhe propõe
participar da AL-ANON e explica a importância do apoio dos familiares aos dependentes. No
último capítulo, Zé da Feira faz um apelo olhando para a câmera e quebrando o pacto
ficcional: brinda com suco por todos os recuperados através do AA.
ginas da Vida (TV Globo, 2006-2007):
Algumas organizações que pertencem ao Sistema das Nações Unidas
126
dedicam-se a
iniciativas de Entretenimento-Educação especificamente na área específica da comunicação
para a saúde, sendo o HIV/AIDS um dos temas principais trabalhados. A presença dessas
entidades foi central no tratamento da AIDS em Páginas da Vida. O conteúdo da ação
pedagógica da AIDS, ainda que seja baseado em estatísticas e na situação da doença no
mundo etc., aparece associado principalmente a duas entidades: o ACNUR e a OMS. Cabe
aqui nos deter num primeiro aspecto e analisá-lo no que diz respeito à presença de entidades
do Terceiro Setor ou ao apoio governamental no funcionamento discursivo do MS. Este
aspecto se relaciona à legitimidade do conteúdo veiculado no MS, quer dizer, à referência
explícita de fontes oficiais de informação.
Como aponta Bourdieu (1975:32), sendo a legitimidade de uma imposição simbólica
socialmente indivisível, a concorrência para sua efetivação é necessária. Diante dessa
concorrência, o MS faz uso de estratégias para se impor como discurso válido e verossímil, no
caso, estabelecendo um diálogo com as ONGs ou entidades especializadas nos assuntos
abordados. É a voz do “outro(BAKHTIN, 1891) legitimado socialmente que se transluz na
comunicação pedagógica do MS. Para ilustrar de maneira mais clara, podemos citar a cena
sobre a AIDS, exibida em 12 de outubro (Cap.82), em que o médico infectologista Diogo, em
chave testemunhal, inicia seu relato sobre a missão realizada através do ACNUR - Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Como estratégia discursiva, a
126
O Sistema das Nações Unidas é formado pela Secretaria das Nações Unidas, pelos programas e fundos das
Nações Unidas e pelos organismos especializados. http://www.onu-brasil.org.br/conheca_orgaos.php. Alguns
deles o: UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, OMS –
Organização Mundial da Saúde, a UNAIDS - Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS e a FAO
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Último acesso em: 14 de dezembro de
2008.
139
139
colocação desta ONG garante os dados estatísticos que serão logo apontados, reforçando o
caráter verídico da informação: “existe um médico para cada 100.000 pessoas, uma criança
morre a cada 10 minutos”, diz o personagem. Essas informações condizem com o plano da
realidade pois tratam-se de estatísticas oferecidas pelo Centro de Informações das Nações
Unidas que, entre outros dados, destaca:
O
s dados demonstram avanço do número de casos e crescimento das mortes por
AIDS. Um total de 39,5 milhões de pessoas vive com HIV/AIDS no mundo em 2006.
63% delas vivem na África Subsaariana. Dos diagnósticos positivos, 37,2 milhões o
adultos, 17,7 milhões representam mulheres (maior número de mulheres até hoje
reportado) e 2,3 milhões referem-se a crianças com menos de 15 anos. As mortes por
AIDS somam 2,9 milhões: 2,6 milhões são adultos e 380 mil, crianças. (UNICRIO,
23/11/2006)
127
.
O
mesmo papel é desempenhado através da referência ao relatório anual da OMS,
em cena exibida em 5 de dezembro de 2006 (Cap. 128): O número de infeções pelo HIV
aumentou em todas as regiões do mundo, só no ano passado foram mais de 3 milhões de
mortes (...) Esse mesmo relatório diz que uma pessoa é contaminada pelo vírus do HIV, no
mundo, a cada 8 segundos, dizem os médicos especialistas Diogo e Rubinho
128
.
No que diz respeito ao alcoolismo, o MS contou com a presença de Alcoólicos
Anônimos e a menção do AL-ANON como referências de centros de apoio ao dependente e
familiares. Para além dessas fontes oficiais, a ação pedagógica em torno do alcoolismo é
ainda legitimada com o apoio oferecido à campanha “Pratique Saúde Festas” que o Ministério
da Saúde estava desenvolvendo na época para reforçar os cuidados que deve haver,
especialmente, durante o período de festas em geral (Carnaval, Festas picas regionais etc.).
Como corolário da ação, em cena de 27 de fevereiro (Cap.2000), a médica Marília (Daniela
Galli) explica para o personagem Bira que as pessoas podem se divertir, mas sem
comprometer a saúde. E lembrando a campanha, a personagem reforça a ideia de que é
possível se divertir com consciência e sem excessos.
Como mostra o Quadro 7, o MS mantém uma relação interdiscursiva com os mesmos
organismos ou entidades do Terceiro Setor ao tratar determinadas temáticas sociais. Diante da
lógica da repetição-inovação da telenovela, identificamos que determinadas ações
pedagógicas mantêm uma coerência discursiva ao longo do tempo: o alcoolismo, junto ao
Alcoólicos Anônimos e o AL-ANON é o caso mais evidente. São apontadas também a presença
127
Fonte: http://www.unicrio.org.br/SalaDaImprensaTextos.php?Texto=2311de.htm. Última consulta: 8 de
dezembro de 2006.
128
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 4; minuto: 06:42.
140
140
de entidades com quem a Rede Globo mantém parcerias e ações sociais fora da telenovela.
Por exemplo, a partir da temática da violência urbana, a ONG Viva Rio é incorporada na
trama da telenovela Mulheres Apaixonadas (2003) meses após ter sido lançado o projeto
Geração de Paz (2002), cujo objetivo é combater a violência nos centros urbanos através de
programas de educação. Outras vezes, as ONGs aparecem por meio de campanhas específicas
de terceiros ou em campanhas ligadas ao Estado. São exemplos disso a “Ação da cidadania
contra a miséria pela vida”, "Solidariedade e Cidadania", e “Pratique Saúde Festas”. Podemos
concluir que a presença das ONGs ou entidades especializadas sem fins lucrativos é uma das
estratégias discursivas por meio das quais o MS legitima a validade do conteúdo educativo
veiculado.
Após apronfudar a discussão acerca do MS em termos de procedimentos de produção
e apresentar as primeiras características próprias desse discurso pedagógico, passaremos a nos
focar na análise exclusiva do MS em Páginas da Vida. Assim sendo, abordaremos a seguir, o
capítulo V, em que realizaremos a análise de nosso objeto empírico a partir da dimensão do
Gênero.
Capítulo V
Mediação do gênero.
Merchandising social como ação pedagógica explícita
em Páginas da Vida
142
5.1 Merchandising social na TV Globo (1988-2007)
Continuando com a perspectiva diacrônica elaborada a partir da mediação do
Gênero, abordada no capítulo III, apresentaremos, a seguir, uma relação das telenovelas
veiculadas durante as décadas de 1990 e 2000, período em que identificamos a presença de
MS, ou seja, o período que chamamos de Melodrama e naturalismo quando traçamos a
evolução da transformação da matriz cultural do melodrama na telenovela. O objetivo foi
mapear a presença do MS ao longo do tempo, detectando as principais temáticas sociais em
que o MS se engaja, com a pretensão de trazer algum aspecto levantado na pesquisa, seja em
termos de conteúdo pedagógico veiculado, seja em sua forma de enunciação. O levantamento
foi baseado na leitura de resumos, artigos e sites especializados de telenovela, de tal modo
que, mapeamos apenas as telenovelas em que a presença do MS, conforme o estudado nesta
pesquisa, revela-se sem ambiguidades. Para citar um exemplo, em Sete Pecados (2007) de
Walcyr Carrasco, segundo o banco de dados digital da TV Globo, Globo Memória, o
alcoolismo se fez presente através da personagem Valéria (Sofia Torres). Não obstante, na
sinopse não registro da trama que a envolveu, nem grau de aprofundamento da questão,
daí, a impossibilidade de saber se a temática social foi abordada de forma explicitamente
pedagógica. Ao contrário, a presença de MS é claramente identificável em O Mapa da Mina
(1993) de Cassiano Gabus Mendes, sendo a presença dos Alcoólicos Anônimos, uma pista.
Diante dessa dificuldade, a inteão é mais a contextualizão do que a exaustividade de
Páginas da Vida, no conjunto de telenovelas socioculturais que exploram a pedagogia do
gênero via MS. Pretendemos assim, revelar certas recorrências que visem, também, à
confirmação de nosso estudo de caso, como caso típico, evitando os riscos da generalização;
crítica comumente lançada às pesquisas que utilizam o método.
143
Quadro 8. Merchandising social nas telenovelas da TV Globo (1988 - 2007)
N. TELENOVELA AUTOR PERÍODO
HORÁ
RIO
TEMÁTICA SOCIAL MERCHANDISING SOCIAL
1 Vale Tudo
Gilberto
Braga,
Aguinaldo
Silva e
Leonor
Bassères
16/5/88 a
7/1/89
20h Alcoolismo
O alcoolismo foi abordado a partir da
personagem Heleninha (Renata Sorrah). No
final da trama, ela junta-se aos Alcoólicos
Anônimos, em cena que esclarece o processo
de recuperação dos dependentes e de suas
dificuldades.
2
Barriga de
Aluguel
Glória
Perez
20/8/90 a
1/6/91
18h Inseminação artificial
A inseminação artificial foi tratada a partir da
história de Ana (Cássia Kiss), jogadora de
vôlei, e de seu marido Zeca (Victor Fasano),
treinador do time em que ela joga. Eles vivem
felizes na Barra da Tijuca mas não conseguem
ter filhos, apesar dos vários tratamentos a que
Ana se submete. Para realizar o sonho de
serem pais, o casal decide contratar uma mãe
de aluguel. Foram veiculadas cenas
educativas acerca de questões científicas e
limites éticos da inseminação artificial,
esclarecendo pontos acerca do processo.
3 Vamp
Antônio
Calmon
15/7/91 a
8/2/92
19h Ecologia
Na trama, a ecologista Soninha (Bia Seidl)
ensina ao capitão Jonas como salvar as
tartarugas que ficam presas nas redes de
pesca. O merchandising ecológico surgiu de
uma parceria da Rede Globo com a Fundação
Boticário de Proteção à Natureza.
4
De Corpo e
Alma
Glória
Perez
3/8/92 a
6/3/93
20h Doação de órgãos
Paloma (Cristiana Oliveira), a protagonista
desta telenovela, tem problemas cardíacos e
recebe o corão de Betina (Bruna Lombardi).
A partir daí, Diogo (Tarcísio Meira) que amava
Betina aproxima-se de Paloma - sem que ela
saiba do envolvimento dos dois - e um
problemático relacionamento amoroso se
inicia. O foco na abordagem de doação
mostrou as dificuldades que os pacientes
enfrentam para obtenção do órgão, as
dificuldades da própria doação, a rejeição e os
problemas entre as famílias de doadores e
receptores. Contribuiu para a divulgação de
informação sobre o assunto, bem como para a
conscientização da população, estimulando a
doação de órgãos.
5
Mulheres de
Areia
Ivani
Ribeiro
1/2 a
25/9/93
18h Ecologia
A poluição ambiental foi tratada a partir da
questão da interdição das praias poluídas da
fictícia Pontal D´Areia, um dos pontos centrais
da disputa pelo poder no município entre os
personagens Breno (Daniel Dantas) e Virgílio
(Raul Cortez). Quando assume a prefeitura,
Virgílio libera o banho de mar, movido por
interesses econômicos, e uma epidemia se
alastra pela cidade. Através da história, foram
veiculadas informações sobre doenças
relacionadas à poluição das praias, como
hepatite e cólera.
6
O Mapa da
Mina
Cassiano
Gabus
Mendes
29/3 a
4/9/93
19h Alcoolismo
O MS acerca do alcoolismo foi abordado
através do personagem Erasmo (Dennis
Carvalho). Os problemas com a dependência
do álcool arruínam o casamento de Erasmo,
que chega a agredir fisicamente a mulher e o
filho. Após muitas dificuldades, Erasmo
finalmente decide buscar ajuda junto aos
Alcoólicos Anônimos.
144
7 Sonho Meu
Marcílio
Moraes
27/9/93 a
14/5/94
18h Doação de órgãos
A doação de sangue foi abordada através de
Maria Carolina (Carolina Pavanelli), que sofre
de leucemia. A doença da menina propiciou a
discussão sobre a qualidade do sangue,
doação voluntária e AIDS.
8 Pátria Minha
Gilberto
Braga
18/7/94 a
10/3/95
19h Drama dos Sem-teto
O drama dos sem-teto surge a partir dos
questionamentos políticos de Pedro (José
Mayer). Ele havia decidido tentar a vida nos
Estados Unidos, mas, preocupado com a
situação do Brasil, resolve voltar, e enfrenta
forte oposição de sua mulher, Ester (Patrícia
Pillar). Ao chegar ao Brasil, Pedro lidera uma
revolta contra Raul Pelegrine (Tarcísio Meira),
que havia ordenado a desocupação de um
terreno na favela onde a família do rapaz
morava. Sempre que possível, a Ação da
cidadania contra a miséria pela vida
campanha iniciada no ano anterior pelo
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho era
lembrada na novela.
Deficiência sica
Os direitos das pessoas com necessidades
especiais foi uma questão social protagonizada
pelo personagem Assunção (Nuno Leal Maia).
Assunção, que comandava um programa de
esportes na televisão, conseguiu entrevistar
ao eno Ministro Extraordinário dos
Desportos, Edson Arantes do Nascimento
(mundialmente conhecido Pelé), que falou
sobre esses problemas e suas possíveis
soluções.
9
Uma História
de Amor
Manoel
Carlos
3/7/95 a
2/3/96
18h
Câncer de mama
O câncer de mama é abordado através da
personagem Marta (Bia Nunes), que luta
contra a doença. A novela reforçou as
campanhas de prevenção e conscientização.
Mastectomia e o apoio familiar às vítimas do
câncer foram alguns dos assuntos referidos.
10
Explode
Coração
Glória
Perez
6/11/95 a
4/5/96
20h Crianças desaparecidas
A temática das crianças desaparecidas é
abordada por meio de Odaísa (Isadora
Ribeiro), a empregada da família de Dara
(Tereza Seiblitz), cigana, protagonista da
novela. A autora juntou na mesma cena
depoimentos das Mães da Cinelândia – como
são chamadas as mulheres que dedicam suas
vidas à busca dos filhos desaparecidos – e
Odaísa, que procurava o filho Gugu (Luiz
Cláudio Júnior).
11 Anjo de Mim
Walther
Negrão
9/9/96 a
29/3/97
18h Menor abandonado
Ao longo da trama, o escultor Floriano Ferraz
(Tony Ramos), protagonista da trama,
descobre que sua missão é cuidar de crianças,
decidindo transformar o palacete onde morava,
num abrigo. Através dos esforços do
personagem e de seus amigos, procurou-se
mostrar um trabalho de recuperação de
crianças e jovens; buscou-se apontar
alternativas viáveis para a solução do
problema da infância e da juventude em
situação de risco social.
12
O Amor está
no Ar
Alcides
Nogueira
31/3 a
6/9/97
18h Câncer de mama
A novela abordou o câncer de mama, quando
a personagem Esther (Monah Delacy)
descobre um tumor maligno no seio. Na trama,
Esther entra em depressão quando descobre a
doença e passa a frequentar um grupo de
apoio, que a faz recuperar a vontade de viver.
O autor mostrou às telespectadoras como se
prevenir contra a doença, através dos
autoexames, e, principalmente, como enfrentar
o tratamento com coragem.
145
AIDS
Jacqueline (Adriana Londoño) é portadora do
vírus HIV e casa-se com Solano (Alexandre
Borges). Através da relação dos dois, o autor
fala sobre formas de prevenção da doença e
sobre o preconceito que a envolve. O último
capítulo da novela contou com a participação
da atriz Sandra Bréa, homenageada pelo
autor. Portadora do vírus HIV, ela aparece na
cena do lançamento do livro de Jacqueline,
fazendo um discurso otimista sobre as
pesquisas que buscam a cura da doença. A
atriz faleceu em maio de 2000.
13 ZAZÁ
Lauro
César
Muniz
5/5/97 a
10/1/98
19h
Exploração infantil
Por meio da personagem Maria Olímpia
(Cláudia Ohana), Zazá também abordou a
questão da exploração do trabalho infantil.
Maria Olímpia era militante e integrante de
uma ONG que fazia denúncias sobre a
questão. A telenovela mostrou a situação das
crianças trabalhadoras da construção civil em
Palmas (TO). Foram colocadas possíveis
soluções para o problema, como uma
campanha de solidariedade com o objetivo de
retirar as crianças do trabalho e inseri-las na
escola, através da contribuição de empresários
da região.
14 Anjo Mau
Maria
Adelaide
Amaral
8/9/97 a
28/3/98
18h
Violência contra a
mulher
A violência sexual foi abordada a partir da
tentativa de estupro de vian (Thaís Araujo)
por Ricardo (Leonardo Brício). Após a
agressão, Vívian se dirige ao Instituto Médico
Legal e submete-se a exame de corpo delito. A
novela informou todos os passos que a mulher
deve tomar num caso como esse. Na trama,
Ricardo se transforma numa pessoa melhor,
desculpa-se, é absolvido em seu julgamento e
os dois terminam juntos, casando-se.
15 Por Amor
Manoel
Carlos
3/10/97 a
23/5/98
20h Alcoolismo
O alcoolismo é tratado através do personagem
Orestes (Paulo José). Ele é alcoólatra, frágil,
cheio de sentimento de culpa e derrota. Depois
de muito sofrimento em família, por conta das
bebedeiras de Orestes, ele é levado aos
Alcoólicos Anônimos pela própria filha, a
menina Sandrinha (Cecília Dassi).
16
Pecado
Capital
Glória
Perez
5/10/98 a
8/5/99
18h Violência urbana
Nesta reedição de Janete Clair (1975), Glória
Perez refaz a tragédia urbana e atualiza a vida
do submundo urbano. Próximo à praia onde
Tenorinho (Eri Johnson) jogava futevôlei havia
um posto fictício onde pessoas reais davam
depoimentos denunciando a impunidade. Entre
os depoentes estavam: a mãe do estudante
Frederico Guimarães, morto em novembro de
1998 por uma gangue em Ipanema; e
Raimundo Pereira, do grupo Atobá, que luta
pelos direitos dos homossexuais. Também
participaram da novela as vítimas da tragédia
do edifício Palace II, que desabou em fevereiro
de 1999.
17
Laços de
Família
Manoel
Carlos
5/6/00 a
3/2/01
21h Doação de órgãos
Camila (Carolina Dieckmann) está casada com
Edu (Reynaldo Gianecchini) e engravida dele.
Camila perde o bebê e descobre que sofre de
leucemia. Ela, então, passa por todos os
processos do tratamento para a doença, mas
suas chances de sobreviver dependem
fundamentalmente de um bem-sucedido
transplante de medulaDando endereços,
mostrando procedimentos para ser doador, a
novela ajudou a esclarecer acerca da
leucemia, abrindo discussão sobre a doença e
o tratamento. O impacto social da telenovela
foi chamado de "Efeito Camila" (Veja Quadro
6).
146
17
Laços de
Família
Manoel
Carlos
5/6/00 a
3/2/01
21h Incentivo à leitura
A partir do personagem Miguel (Tony Ramos)
foi desenvolvido um MS em torno da
valorização da leitura. O personagem, dono de
uma livraria e amante dos livros, chamava a
atenção para a importância da leitura e
divulgava livros novos e antigos.
18
Um Anjo
Caiu do Céu
Antônio
Calmon
22/1 a
25/8/01
19h Crianças desaparecidas
A novela abordou o desaparecimento de
crianças atras do drama vivido pela
personagem de Duda (Patrícia Pillar), que se
tornou uma mulher obcecada após o
desaparecimento de seu filho Joaquim, o Kiko
(Jonatas Faro), transformando-se em uma
ativista de uma ONG dedicada à busca de
crianças desaparecidas.
19
Porto dos
Milagres
Aguinaldo
Silva e
Ricardo
Linhares
5/2 a
29/9/01
21h Cooperativismo
O cooperativismo foi tratado, numa trama
secundária, a partir da criação de uma
cooperativa de pescadores; ideia de Guma
(Marcos Palmeira) para enfrentar de forma
organizada os atravessadores Félix (Antônio
Fagundes) e Eriberto (José de Abreu). As
ações foram em torno do conceito de
cooperativismo, das informações acerca de
como criar uma cooperativa e de quais são
seus benefícios.
20 O Clone
Glória
Perez
1/10/01 a
15/6/02
20h
30
Drogas
A abordagem das drogas em O Clone mostra
um contraponto entre os personagens Mel
(Débora Falabella) , Nando (Thiago Fragoso) e
Lobato (Osmar Prado). Enquanto os jovens se
iniciam na experiência e vivem a fase de
deslumbramento que caracteriza esse começo,
Lobato – alcoólatra que também faz uso da
cocaína – vive o desespero de quem perdeu
emprego e família por causa da dependência.
No decorrer da história, Mel e Nando também
sofrem as consequências da dependência
química. Maysa (Daniela Escobar) e Clarice
(Cissa Guimarães), mães de Mel e Nando,
passam a frequentar reuniões dos Narcóticos
Anônimos para tentar ajudar os filhos e a si
próprias. No final, Mel e Nando aceitam ir às
reuniões e abrem uma clínica para
dependentes químicos. Glória Perez mesclou
depoimentos reais de usuários à trama, desde
anônimos até pessoas famosas, como o ator
Carlos Vereza e a cantora Nana Caymmi, para
contar suas experiências, seu cotidiano, o
processo de degradação e, em alguns casos,
os mais felizes, o processo de tratamento,
recuperação e reinserção social.
21
Coração de
Estudante
Emanuel
Jacobina
25/2 a
28/9/02
18h Síndrome de Down
A Síndrome de Down foi tratada por meio de
Amelinha (Adriana Esteves), que dá à luz
Joãozinho, portador dandrome, e aprende a
lidar com um filho nessas circunstâncias. O
tema também foi enfocado através do
personagem Osvaldo, vivido pelo ator Luiz
Felipe Badin, portador da síndrome, que luta
contra o preconceito. A novela desencadeou
uma campanha para que os empresários
investissem na contratação de portadores de
Síndrome de Down.
22
O Beijo do
Vampiro
Antônio
Calmon
26/8/02 a
3/5/03
19h Doação de sangue
Na trama, a temática de doação de sangue é
tratada por meio de Bárbara (Michele Martins),
membro da ONG Doadores Internacionais, e
por Carlos (Sérgio Menezes), médico da
cidade. A novela contou com uma campanha
de doação de sangue, incentivada por vários
moradores de Maramores.
147
Violência urbana
O tema da violência urbana esteve presente
desde o começo da novela e atingiu seu ápice
com a morte de Fernanda (Vanessa Gerbelli),
vítima de bala perdida. Com o apoio da TV
Globo e do autor Manoel Carlos, o movimento
Viva Rio promoveu a manifestação “Brasil sem
Armas”, para pressionar a aprovação do
Estatuto do Desarmamento no Congresso
Nacional. As cenas da manifestação foram
exibidas na novela ao som do Hino Nacional.
Os pais da estudante Gabriela Prado Maia,
vítima de uma bala perdida na Tijuca, zona
norte do Rio de Janeiro, no início de 2003,
participaram da novela em um debate sobre a
violência promovido pela professora Santana
na escola.
Ciúme doentio
A dependência afetiva exagerada das
mulheres em relão a seus companheiros foi
abordada por meio da personagem Heloísa
(Giulia Gam). Na trama, além do apoio médico
e psicológico, ela passa a frequentar as
reuniões do grupo de apoio MADA (Mulheres
que Amam Demais Anônimas), sendo
divulgando o trabalho da associação,
especializada em tratar esses casos.
Alcoolismo
O MS acerca do alcoolismo foi abordado a
partir da personagem Santana (Vera Holtz),
professora de uma escola particular, que vivia
entre crises de alcoolismo. No começo da
trama ela se negava a buscar tratamento, mas
no final reconheceu sua doença e resolveu
procurar ajuda. Foram apresentados os
sintomas e efeitos da doença (abstinência, a
compulsão pela bebida, a negação da doença
etc.), a importância de amigos e família para a
sua conscientização e tratamento, e as formas
de atuação do AA.
23
Mulheres
Apaixonadas
Manoel
Carlos
17/2 a
10/10/03
21h
Violência contra a
mulher
A personagem Raquel (Helena Ranaldi) sofria
com a violência do Marido Marcos (Dan
Stulbach). No começo da trama, ela fugiu do
marido, refugiando-se em outra cidade. Depois
de algum tempo, o marido volta a persegui-la.
Ela reata o casamento e todo o drama
recomeça. A personagem tem medo de se
expor, e por isso o denuncia Marcos à
polícia. A impunidade é o combustível para
que o companheiro violento a espanque mais.
No final, ela resolve denunciá-lo na Delegacia
Especial de Atendimento à Mulher (DEAM),
mas se vê desamparada por uma justa lenta
e com penas muito brandas para esse tipo de
crime.
24 Celebridade
Gilberto
Braga
13/10/03
a 26/6/04
21h Alcoolismo
O tema do alcoolismo foi tratado por meio do
jornalista Cristiano Reis (Alexandre Borges).
Cristiano é um jornalista de grande sucesso,
versado em cultura brasileira e MPB, viúvo,
que sua carreira ir por água abaixo após se
entregar à bebida por não suportar a morte da
mulher. Com a ajuda do filho Zeca (Brunno
Abrahão) e de sua vizinha Nmia (Julia
Lemmertz), ele passa a frequentar um grupo
de Alcoólicos Anônimos e acaba virando
diretor da revista Contemporânea.
25
Começar de
novo
Antonio
Calmon e
Elizabeth
Jhin
30/8/04 a
16/4/05
19h Câncer de colo
Em uma das tramas secundárias, Janis
(Malia Pêra), a “Vó Doidona”, descobre que
tem um câncer no colo do útero, e a doença
mexe com a toda a família. Através da
personagem, a novela mostrou as formas de
tratamento e prevenção do câncer no colo do
útero.
148
26 América
Glória
Perez
14/3 a
05/11/05
21h
Deficiência visual e
física
América abordou as dificuldades de inclusão
social dos deficientes visuais e físicos em
geral. Islene (Paula Burlamaqui) é mãe da
menina cega Flor (Bruna Marquezine), a quem
sempre protegeu em excesso, impedindo sua
interação com o mundo. A vida de Flor se
transforma quando ela conhece Jatobá
(Marcos Frota), um deficiente visual que,
apesar das limitações, leva uma vida normal,
junto com seu cão-guia Quartz. O MS
veiculado enfocou algumas atribuições dos
cães, apresentou ao blico o “golbol, jogo de
futebol para cegos, cuja bola faz barulho
enquanto rola; mostrou livros especiais que
ensinam conceitos e ajudam a desenvolver a
percepção táctil; discutiu a importância dos
sinais luminosos sonoros para orientar os
deficientes ao atravessarem a rua; divulgou o
projeto DOSVOX programa para a utilização
de computadores por cegos, desenvolvido pelo
núcleo de computação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que prega
a inclusão digital; e popularizou exposições,
danças e balés para deficientes visuais. Por
outro lado, Dudu Braga, filho do cantor Roberto
Carlos, que tem apenas 5% da visão, foi o
apresentador do ficcio programa de TV É
preciso saber viver. Dudu Braga entrevistou
muitos deficientes físicos e visuais como os
atletas Sandro Soares, ganhador da medalha
de ouro no futebol de cinco nas
paraolimadas de Atenas; a corredora e
também medalhista Ádria Santos; e o nadador
Clodoaldo Silva, premiado como o melhor
atleta paraolímpico do mundo pelo Comitê
Paraolímpico Internacional. O cineasta Evaldo
Mocarzel, pai de Clarinha, de Páginas da Vida,
menina com síndrome de Down, e diretor do
filme Do luto à luta, que aborda o assunto,
também deu seu depoimento na trama.
27 Belíssima
Silvio de
Abreu
07/11/05
a 08/7/05
20h Prostituição
Através da personagem Taís (Maria Flor), a
novela de Sílvio de Abreu discutiu sobre tráfico
internacional de mulheres. A brasileira Taís
aceita a oferta para trabalhar como bailarina na
Grécia e acaba vítima de um grupo de
traficantes de mulheres. Depois que chega à
Grécia, os agenciadores confiscam o
passaporte da jovem e a transformam em
escrava e prisioneira no país. As inserções de
merchandising social procuraram alertar as
estratégias tendentes ao engano e, como
preveni-las.
28
Páginas da
Vida
Manoel
Carlos
10/7/06 a
02/3/07
21h
Síndrome de Down /
Bulimia / Alcoolismo/
AIDS / Adoção
Foram transmitidas mensagens educativas
acerca da formação da Síndrome e cuidados a
serem considerados, como assim também,
acerca do papel social da família e da escola
na inclusão / Foram veiculadas informações
acerca da bulimia, alcoolismo, e AIDS,
descrevendo, sintomas, causas e tratamento.
A respeito do último tema social, foram
veiculadas informações e estatísticas sobre o
estado da doença na África e no mundo /
Foram esclarecidos aspectos técnicos e legais
sobre a adoção.
29
Sete
Pecados
Walcyr
Carrasco
18/6/07 a
15/2/08
19h
Valorização da
educão
A valorização da educação foi tratada a partir
de Miriam (Gabriela Duarte), uma jovem
idealista que, ao assumir o posto de diretora
de uma escola pública e perceber que a
instituição vive em um caos, decide
transformá-la. A personagem de Gabriela
Duarte, professora, organizava palestras na
escola sobre AIDS e Dengue, divulgando
informações sobre as doeas, incentivando à
leitura, promovendo o voluntariado.
149
Dengue
Duas Caras fez campanha contra a dengue em
mais de um capítulo, mostrando o líder
comunitário da favela Portelinha, Juvenal
Antena (Antônio Fagundes), ora ensinando aos
moradores formas de prevenção contra o
mosquito Aedes aegypti, ora cobrando ações
da comunidade. A novela estava no ar durante
a epidemia que se alastrou sobre a cidade do
Rio de Janeiro.
30 Duas Caras
Aguinaldo
Silva
01/10/07
a 31/5/08
21h
Alcoolismo
O alcoolismo também foi tema da novela Duas
Caras, por meio do personagem Zé da Feira
(Eri Jonhson), que fazia a mulher, Amélia
(Josie Antello), padecer, chegando ao ponto
de, por um descuido, botar fogo na
Portelinha. Nessa ocasião, quase foi expulso
da comunidade por Juvenal, que reconsiderou
a decisão depois que o músico prometeu
entrar para os Alcoólicos Anônimos. Por sua
parte, Amélia é orientada para comparecer a
AL-ANON.
31
Desejo
Proibido
Walther
Negrão
05/11/07
a 02/5/08
18h Síndrome de Down
A Síndrome de Down é abordada através do
personagem Viriato (Lima Duarte), autoritário
prefeito que mantém em sigilo o fato de ter um
filho, André (André Varella), portador da
Síndrome de Down. Ele é cuidado por Galileu
(Pedro Paulo Rangel) numa cabana afastada
da cidade, sob a ordem do prefeito. O MS
versou acerca de informações sobre a doença
e cuidados a serem dispensados para os
portadores.
A partir da observação do Quadro 8, podemos extrair algumas conclusões. Do
universo das 31 telenovelas identificadas no período 1988-2007, os autores com maior
presença de MS o Glória Perez com 6 (19%) e Manoel Carlos com 5 (16%) novelas. O
dado, junto às premiações recebidas já colocadas, confirma a legitimidade desses autores no
fazer do MS, dentro do campo da teledramaturgia. Seguem-se Antônio Calmon, 4 produções
(12%), Aguinaldo Silva e Gilberto Braga com 2,5 (8%) produções cada um e Walther Negrão,
com 2 (6%). Os demais autores (9) possuem apenas 1 título (3%) com presença de MS. Cabe
destacar que apesar de Glória Perez superar Manoel Carlos em quantidade de produções
realizadas, é distintivo do autor, trabalhar mais de um MS por novela. Do mesmo modo que
em Páginas da Vida, Manoel Carlos abriu um leque de assuntos abordados de forma
pedagógica e explícita na maioria de suas obras. Exemplos disso são: Uma História de Amor
(1995): câncer de mama e deficiência física; Laços de Família (2001): doação de órgãos,
incentivo à leitura; Mulheres Apaixonadas (2003): ciúme doentio, violência contra a mulher,
alcoolismo e violência urbana. A respeito desse tema social, fazendo um contraponto com
Páginas da Vida, o tema da violência urbana esteve presente nessa última novela de Manoel
Carlos, porém, ela não chegou a ser abordada como MS. A violência urbana foi
constantemente referida nas falas dos personagens, incluso, trazendo para a ficção atos
criminosos da vida real, por meio da leitura dos jornais do dia (o assassinato do menino João
Hélio, é exemplo disso). Como corolário, nos últimos capítulos foi representado um ataque e
150
posterior incêndio de um ônibus, dramatizando o acontecido no Rio, em 28 de dezembro de
2006. Apesar do tratamento naturalista, o houve uma deliberação enquanto mobilização ou
apelação direta ao telespectador contra a violência, como aconteceu no caso de Mulheres
Apaixonadas. Nesse caso, a novela, no primeiro capítulo, começa por uma manifestação
pacífica e ficcional em favor da paz e culmina com uma passeata contra a violência real,
amparada por ONGs verdadeiras. Ao falar sobre em qual recorte seria abordada a violência
em Páginas da Vida, Manoel Carlos comenta:
A
violência habitual, que vemos nas ruas quase todos os dias. Ou nas notícias dos jornais
e televisão. Balas perdidas, assaltos a mão armada, invasões de apartamentos, arrastão nas
praias, desrespeito aos idosos, crianças de rua, tudo que existe em qualquer lugar. Tudo
isso passará pela novela, de uma maneira ou de outra (MANOEL CARLOS, 2006)
129
A
declaração do autor parece condizer com a falta de intencionalidade pedagógica,
em Páginas da Vida, em torno da temática da violência urbana. O caráter de tal declaração,
contrapõe-se às citadas a respeito das temáticas da Síndrome de Down e da AIDS, em que
sua vontade por mudar certas crenças é manifestada de forma explícita.
Outras das inferências possibilitadas pelo mapeamento é a confirmação da presença
dominante do MS no horário nobre, mas, principalmente na faixa das novelas das “20h” com
presença em 13 produções (42%). O segundo lugar é ocupado pela faixa das 18h com 10
produções (32%) e por fim, das 19h com 8 (26%). Cabe lembrar que, salvo Desejo Proibido,
as demais novelas das 18h não são de época (o que traria problemas de verossimilhança para
o MS), mais de corte realista, o que explica o bom grau de frequência de MS nessa faixa.
5.2 Merchandising social e o discurso de responsabilidade social na TV
Globo
C
onforme informado pela TV Globo, a ampliação e sistematização “das inserções de
caráter social com motivação educativa”, que foram nomeadas de MS, começou na década de
1990. Comunica a emissora que
129
CIMINO, James. Leia entrevista exclusiva com autor de "Páginas da Vida". Folha de São Paulo, 1 de julho
de 2006.
151
A abordagem de questões de relevância social nas produções de teledramaturgia da Rede
Globo vem sendo uma constante desde o início da década de 70, quando as tramas
passaram a apresentar temáticas inspiradas na realidade do país e na cultura. A telenovela,
assim, passava a servir de veículo para a discussão dos problemas nacionais.(...) na
década de 90, uma maior preocupação com a eficácia das ações e com a sistematização
do processo. A mensuração das cenas de conteúdo socioeducativo está neste contexto. O
emprego do termo merchandising social” para expressar as inserções de caráter social
com motivação educativa serve para mostrar que uma metodologia, que um
processo estruturado suportando aquela iniciativa, e que não se trata de algo esporádico e
ocasional. É, portanto, inovador enquanto ão social (Material fornecido pela
e
missora, julho de 2008. Veja ANEXO: Entrevista com Flávio Oliveira).
Dez anos após, já na virada do novo século, o M
S transforma-se numa prática
institucionalizada na emissora. De fato, perto do final do ano de 2003, a Rede Globo
distribui entre os seus autores de telenovela um documento batizadoPolítica para o
merchandising social – Sistematização do Projeto
130
. Segundo informa o jornal, esse
documento é dividido em três tópicos: 1) Definição, Premissas e Objetivos; 2) Processo e 3)
Sinergias e Resultados, funcionando como manual de procedimentos que orienta os
teledramaturgos a priorizar as ações promovidas pela emissora.
A mensuração das cenas sócioeducativas é para a TV Globo uma das atividades que
o MS, como estratégia corporativa de comunicação, comporta. A propósito deste aspecto, a
emissora amplia:
O
acompanhamento do merchandising social nas novelas (levantamento quanti/qualitativo
de contdo cioeducativo na teledramaturgia) é feito por auditoria externa, pela
Comunicarte. Essa monitoria é realizada diariamente, e apenas as cenas com a mensagem
sócioeducativa explícita/impcita são contabilizadas (registro quantitativo/descritivo). As
cenas preparatórias” são consideradas apenas na alise qualitativa, que pode gerar
informações úteis para o desenvolvimento do processo no longo prazo (Material oferecido
p
ela emissora, julho 2008. Veja ANEXO: Entrevista com Flávio Oliveira).
Segundo a TV Globo e conforme essa apreciação, a evolução do uso de MS pode ser
verificada no gráfico a seguir, que apresenta um monitoramento das inserções educativas no
período 1995-2007. Cabe assinalar que esses dados são difundidos pelo consultor Márcio
Schiavo, diretor da empresa parceira da TV Globo, em artigos apresentados em congressos, e
através dos Balanços Sociais da emissora, publicados anualmente.
130
MATTOS, Laura. Globo faz operação para ter fama do ‘bem’. Folha de S. Paulo, 21 de março de 2004.
152
Gráfico 5. Evolução do merchandising social na TV Globo (1995-2007)
Total de inserções: 13.055
Fonte: Schiavo 2006 – TV Globo Balanço Social 2007
O
Gráfico mostra um total de 13.055 inserções nos últimos 13 anos de MS. Percebe-
se um salto quantitativo de 1995 a 1996 e um comportamento irregular no primeiro
quinquênio. Os maiores índices se concentram na virada do século, concomitantemente à
época de lançamento do documento de sistematização do MS. O ápice encontra-se em 2005
com 1551 inserções, porém, com certa tendência à diminuição de inserções.
Cabe aqui a crítica à esta quantificação. A respeito da citação supracitada da
emissora, fica a vida no que se refere a cenas “preparatórias” e de conteúdo
“sócioeducativo implícito”. Se pensarmos em apropriação educativa como subproduto
(FUENZALIDA, 1996), contabilizar cenas impcitas seria reduzir uma atividade subjetiva a
uma quantitativa. De outra forma, como pré-determinar quantitativamente que uma
determinada cena não explicitamente pedagógica possa ser assimilada como tal? Apontamos o
problema.
De todo o exposto acerca do discurso da TV Globo, podemos lançar a hipótese de
que a apropriação do termo merchandising pela emissora, que remete às estragias de
marketing, neste caso, do produto social, para nomear o caráter cioeducativo das
telenovelas, implicando nesse movimento a ideia de campanha social, significa uma tomada
de consciência quanto à responsabilidade que possui um poderoso meio de comunicação.
153
Nesse caso, estaamos diante de uma tendência atual, na qual as empresas buscam maior
participação e responsabilidade social. Kunsch afirma que
a necessidade de uma consciência do individuo como c
idadão e agente social nos
processos de construção de uma sociedade mais justa e humana, está no cerne do conceito
de responsabilidade social. Portanto, responsabilidade social das organizações ultrapassa
as fronteiras das ações sociais isoladas e descomprometidas com as pessoas, com a
natureza, o ambiente e com a sociedade em geral (2003:137).
Em decorrência dessa consciência, é preciso que as empresas desenvolvam ações
sociais concretas para minimizar ou resolver os problemas sociais. As empresas que exercem
responsabilidade social geralmente por meio de programas de projetos sociais e parcerias
com o terceiro setor (ONGs) são comumente chamadas de “empresa cidadã”, sendo o
balanço social
131
o instrumento de monitoramento dessas práticas, capaz de demonstrar por
meio de indicadores sociais o montante dos investimentos das organizações.
Ao inserir a quantificação das cenas cioeducativas nas novelas no contexto dos
balanços sociais da emissora e a proposta da sistematização “para demonstrar que um
processo estruturado suportando aquela iniciativa, e que não se trata de algo esporádico e
ocasional”, o discurso da TV Globo a respeito do MS parece encaixar-se no da
responsabilidade social. Por outro lado, no documento de sistematização Política para o
merchandising social Sistematização do Projeto”, a Globo se autoproclama "a única fonte
de informação e entretenimento para milhões", o que justificaria sua "responsabilidade na
difusão de conhecimentos". O documento diz ainda que não vinculão do MS a interesses
econômicos, "exceto benefício da imagem". Este ponto é para Kunsch um dos retornos dos
investimentos sociais das empresas cidadãs. A respeito disso, Kunsch (2003) afirma que as
organizações modernas não podem limitar-se à divulgação dos seus produtos ou serviços, mas
devem agregar um valor ao negócio e contribuir para criar um diferencial no imaginário do
público. O marketing social é uma dessas estratégias. A autora distingue imagem e identidade
corporativa. Imagem é o que passa na mente do público, em seu imaginário, passa uma visão
intangível das coisas, o que se transfere simbolicamente para a opinião publica, enquanto que
a identidade é definida pelo o que a organização é, faz e diz:
131
No Brasil, a iniciativa pioneira na elaboração de indicadores para formatar o balanço social foi lançada pelo
Ibase-Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, ONG fundada em 1981, pelo ícone de luta pela
cidadania contra a fome no país, Herbert de Souza, o Betinho, que ao morrer em 1997, havia conseguido
disseminar a ideia por muitas empresas que até hoje o adotam como parâmetro (KUNSCH, 2003:140).
154
A imagem da empresa é a representação mental, no imagirio coletivo, de um conjunto
de atributos e valores que funcionam como um estereótipo e determinam a conduta e
opiniões desta coletividade. (...) a imagem de empresa é um efeito de causas diversas:
percepções e deduções, projeções, experiências, sensações, emoções e vivências dos
indivíduos associadas entre si e com a empresa que é seu elemento capitalizador. (...) A
identidade corporativa reflete e projeta a real personalidade da organização. É a
manifestação tangível, o autoretrato da organização ou a soma total de seus atributos, sua
comunicação, expressões etc. (KUNSCH, 2003:170-172).
A
ssim sendo, com a denominação de MS ligada ao discurso na telenovela que
explora a dimensão pedagógica do gênero de forma deliberada, a TV Globo renova sua
imagem corporativa em tempos de internacionalização, conquista novos mercados e
reabertura potica, em que o discurso da construção de cidadania torna-se a pauta do dia.
5.3 Merchandising social como ação pedagógica explícita em Páginas da
Vida
Como procuramos argumentar no decorrer desta dissertação, ao longo do tempo, a
telenovela brasileira tem reformulado a matriz melodramática estreitando cada vez mais o
diálogo com a realidade social. A partir da década de 1990, este vínculo vê-se intensificado no
MS, cuja chave de interpretação está, para nós, no cerne do conceito de ação pedagógica
(BOURDIEU, 1975). Se argumentarmos que as questões sociais fazem parte da escrita autoral
desde a década dos anos 1970 e, enquanto tal, constituem a telenovela como ão pedagógica
implícita e involuntária, iremos considerar o caráter pedagógico deliberado e explícito como
especificidade do discurso do MS, em que a representação realista é exacerbada para o
naturalismo. Não se trata, então, de opor “temática social” versus MS pois o segundo está
no cerne da primeira –, mas de estabelecer uma diferenciação que permita desvendar ou
distinguir um funcionamento narrativo próprio.
O autor Manoel Carlos possui um capital acumulado, em termos de tratamento
temático, do dispositivo de MS. Páginas de Vida foi sua décima telenovela produzida na TV
Globo, sendo que alguns de seus MS foram trabalhados pelo próprio autor em outras obras,
assim como por outros autores que fazem uso do dispositivo com menor frequência.
Conforme afirma Bourdieu, uma ação pedagógica é, antes de tudo, uma relação de
comunicação, e seu conteúdo transmitido (selecionado e combinado) busca efetivar-se a partir
de uma atividade sistemática e contínua chamada Trabalho Pedagógico, trabalho de
155
inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável, o habitus
(1975:43). Considerando o MS uma ação pedagógica deliberada e analisando Páginas da Vida
sob a ótica da categoria trabalho pedagógico, observamos a presença constante e sistemática
de inserções de MS durante o período de exibição (10 de julho de 2006 a 3 março de 2007). O
trabalho pedagógico, isto, é, o modo de inculcação do conteúdo veiculado pela ação
pedagógica, quer dizer, pelo MS, é acionado pelo dispositivo de reconhecimento da repetição.
Como apontamos no início do capítulo III, a cultura oral é o modo de enunciação do
popular e seus dispositivos próprios estão presentes tanto na forma de narrar como do ler
(MARTÍN-BARBERO, 1989:11). A repetição é um dispositivo de enunciação do relato
popular, logo, da cultura o letrada ou oral. Como lembra Pallottini, a redundância era
exigência da narrativa folhetinesca, lida em pedaços, em diferentes dias, passando de o em
mão, o que requeria uma rememoração permanente para que o público leitor pudesse
acompanhá-la sem perder o fio. Herdeira da tradição folhetinesca, cuja matriz cultural
encontra-se no melodrama, a telenovela, narradora moderna, vive da redundância. Veiculada
pela televisão, o dispositivo da repetição não garante o compromisso de audiência como
acontece no teatro ou no cinema. Seguindo as pistas propostas por Martín-Barbero (1989,
2001), a repetição atua a partir do gênero como mediador ou estratégia de comunicabilidade,
uma vez que faz o encontro entre produtores e espectadores, havendo um compartilhamento
de competências narrativas. Portanto, a serialização do modelo industrial precisa de
prolongação da história para amortizar os custos. Entretanto, para manter a audiência, a
história precisa construir um laço sentimental e identificatório com seu telespectador, enchê-
lo de emoções, de fantasias e de tenes, quer dizer, oferecer-lhe ações e peripécias. A
redundância e a novidade são características essenciais da telenovela. Pallottini frisa,
(
...) a telenovela pede tempo para se fixar na mente e na imaginação do espectador. Ela
deve ser, por definição, redundante, repetitiva. Seu público espera isso dela. o se pode
bastar com simples menções rápidas a fatos novos: esses fatos serão mostrados uma e
outra vez até que toda audiência tome conhecimento deles. O blico sabe o que espera
espera o que sabe. Qualquer novidade é aucia do autor (1998:38).
A
ssim sendo, a redundância (ou repetição) apresenta-se como uma estratégia
essencial para o trabalho pedagógico do MS “para se fixar na mente e na imaginação do
espectador” e estabelecer laços identificatórios, a fim de atingir a procurada interiorização dos
valores e princípios veiculados (formação de habitus). Assim, estamos diante de um
dispositivo de reconhecimento popular que fala de uma ação pedagógica baseada em uma
156
outra cultura que o a sagrada do livro e da escrita, mas na qual se fazem presentes os
dispositivos da cultura oral.
O gráfico a seguir mostra a sistematicidade e presença contínua de MS ao longo da
exibição de ginas da Vida, expressado na identificação das diferentes temáticas sociais
abordadas sobre esse dispositivo.
Gráfico 6. M
erchandising social em ginas da Vida por temática social e mês
Total de inserções: 117
P
odemos, então, apontar na existência de cinco MS, logo, cinco ações pedagógicas
sobre cinco assuntos diferentes. Para organizar a exposição de como o trabalho pedagógico se
em cada um dos MS veiculados, propomos a descrição de cada um deles separadamente
para, assim, estabelecer uma análise conjunta. Nesta primeira análise, nos focaremos no
conteúdo veiculado por cada ação pedagógica, por cada MS. A análise foi realizada a partir do
mapeamento e do ordenamento sequencial de cada inserção correspondente a cada temática
social identificada (mapeamento horizontal)
132
. Em conjunto, obtivemos uma subdramaturgia
(PALLOTTINI, 1998) especializada em Síndrome de Down, AIDS, Bulimia, Alcoolismo e
Adoção.
132
O conteúdo das inserções de todos os MS pode ser consultado nos Anexos.
5
3
8
9
10
4
2
1
2
3
1 1
8
1
5
4
1
4
5 5
1
2
5
4 4
2
1
5
1
7
3
0
2
4
6
8
10
12
Julho 2006 Agosto
2006
Setembro
2006
Outubro
2006
Novembro
2006
Dezembro
2006
Janeiro
2007
Fevereiro
2007
Março 2007
Sindrome de down
Aids
Bulimia
Alcoolismo
Adoção
157
5.3.1 SÍNDROME DE DOWN
Páginas da Vida é uma telenovela que se passa em dois períodos: 2001 e 2006,
ambientada no espaço urbano do Rio de Janeiro, mais precisamente, no bairro do Leblon,
cenário constante nas obras do autor. A Síndrome de Down é o eixo central da telenovela.
A história se inicia com o casal de jovens estudantes, Léo (Thiago Rodrigues) e
Nanda (Fernanda Vasconcellos), que mora na Holanda. Nanda engravida, mas Léo não
assume a paternidade. Assim, Nanda decide voltar para o Brasil, sendo rejeitada por sua mãe,
Marta (Lília Cabral), e compreendida pelo pai, Alex (Marcos Carusso). Após discutir com a
mãe, Nanda é atropelada e levada ao hospital, onde trabalha Helena (Regina Duarte), dica
obstetra. Nanda morre no parto, porém seus filhos gêmeos sobrevivem. São eles: Francisco
(Gabriel Kaufmann), que é criado pelos avôs maternos (Marta e Alex), e Clarinha (Joana
Mocarzel), portadora de Síndrome de Down, que é rejeitada pela avó. Diante da rejeição,
Helena decide adotar a criança. Desde então, Helena trava uma luta férrea pela inclusão social
da sua filha. Cinco anos depois ela enfrenta, ainda, a luta pela guarda da criança, uma vez que
Léo, ao tomar conhecimento da sua existência, pretende recuperar judicialmente o direito
sobre sua filha
133
.
A partir dessa trama, conformou-se uma ação pedagógica deliberada e explícita em
torno de diferentes aspectos sociais e de saúde que afetam as pessoas com a ndrome de
Down. Em entrevistas prévias ao lançamento de Páginas da Vida, Manoel Carlos
manifestava publicamente o diálogo que pretendia estabelecer com a realidade, através da
ficção, tendo como referencial o tratamento dessa temática:
F
o muitas pesquisas e, de acordo com os resultados, escolho os temas. No caso da
Síndrome de Down, o que me interessa é mostrar o preconceito em torno dela. As
pesquisas mostram que muitas famílias escondem essas crianças quando chegam visitas,
muitos homens largam as mulheres que têm filhos assim. É importante se discutir a
inclusão e exclusão social dessas crianças (...). Preciso ajudar a mudar esse panorama
(MANOEL CARLOS, 2006)
134
.
A deliberação presente nas palavras do autor para “m
udar esse panorama” nos leva a
uma caracterização do trabalho pedagógico que define, não apenas esse MS em particular,
mas o MS que visa à conversão, isto é, a operar a substituição completa de um habitus
133
Para se informar sobre o conteúdo da trama, consultar os resumos dos capítulos no site oficial de Páginas da
Vida: http://paginasdavida.globo.com. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
134
TRIGO, Mariana. Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela. Terra, 9 de julho de
2006.
158
(BOURDIEU, 1975:55). Passemos a observar, atentamente, o conteúdo da AP ou MS sobre a
Síndrome de Down e a repetição como dispositivo de modo de inculcação ou trabalho
pedagógico.
Como antecipamos no Gráfico 5, a Síndrome de Down concentra o maior índice de
inserções de MS: 41 (35%) sobre um total de 117. Sua presença é contínua entre os meses de
agosto de 2006 e fevereiro de 2007, atingindo o maior índice de inseão (9 inserções em
média por mês) na etapa intermediária da telenovela, momento em que as tramas estão
solidamente implantadas
135
. As inserções se distribuem da seguinte forma:
Gráfico 7. Conteúdo de merchandising social – SÍNDROME DE DOWN
Total de inserções: 41
O Gráfico 6 apresenta três concentrações temáticas e
m volta do conteúdo da AP da
Síndrome de Down. Em primeiro lugar, está a questão da Inclusão social, com 20 inserções
(49%); seguido pela Saúde, com 15 inserções (37%); e, por fim, vem a Definição da
Síndrome, com 6 inserções (14%).
O principal conteúdo pedagógico veiculado na AP da Síndrome de Down foi o
problema da Inclusão social (20 inserções, 49%). O eixo central desse conteúdo foi a defesa
da inclusão social de crianças portadoras da síndrome em escolas regulares. Acerca dessa
abordagem, Manoel Carlos comenta,
135
Uma análise do comportamento geral do MS em Páginas da Vida, segundo as fases de produção da
telenovela, é apresentado no capítulo seguinte.
159
Helena (a personagem de Regina) defende a inclusão e vai lutar por isso, se preciso for,
até na Justiça. Mas eu preciso ter o outro lado também, com seus argumentos pela
exclusão. Helena está batalhando para conseguir, mas, procura alternativa, escuta os
argumentos do lado oposto ao seu. Ela vai conseguir vencer, já que eu, Manoel Carlos, e a
minha novela, somos pela inclusão (MANOEL CARLOS, 2006)
136
.
D
e fato, no capítulo veiculado no dia 5 de setembro de 2006, diante da discriminação
de Clarinha no colégio onde estuda, Helena ameaça denunciar a escola ao Ministério Púbico.
Entretanto, não o faz. A partir daí, Helena inicia uma busca por uma escola regular para sua
filha, mas ela é rejeitada sob diferentes desculpas (falta de estrutura, falta de vagas etc). Essa
situação faz Helena entrar no dilema acerca de qual é a melhor escola para a sua filha. Após
apresentar diferentes argumentos e visitar uma instituição especial (outubro de 2006), Helena
acha a escola inclusiva que tanto desejava (novembro de 2006). Em face do desenvolvimento
da trama, apresentam-se inserções pedagógicas explicitando e esclarecendo as situações
conflitivas vivenciadas pela personagem. A AP, neste aspecto, dirigiu-se à defesa do direito
de frequentar escolas regulares e, principalmente, ao esclarecimento do conceito de “escola
inclusiva: a não descriminação das crianças, o estímulo ao convívio, tolerância e a diferença
entre crianças portadoras da síndrome e o portadoras. Também foram veiculadas
mensagens explicando o funcionamento pedagógico de uma escola especial e discutiu-se a
dificuldade de pôr em prática a incluo social.
Cabe lembrar que, no bojo do problema do signo como areia de luta de classes
(BAKHTIN, 1981), o tratamento da inclusão social tem ocasionado certas controvérsias que
dizem respeito à complexidade entre a relação ficção-realidade. Por volta de fevereiro de
2007, em face ao desfecho da trama, o Ministério Público recomendou à Globo não encerrar o
folhetim sem antes exibir cenas que mostrassem que escolas não podem recusar a matrícula
de crianças com deficiências e ficarem impunes. Entretanto, caso a Globo se recusasse a
cumpriu a exigência, solicitou que exibisse, no mínimo, por três dias, junto aos créditos finais
da telenovela, um texto esclarecendo que “crianças e adolescentes com deficiência também
têm direito inalienável de acesso às classes e escolas comuns da rede regular de ensino e que é
dever dos pais e de seus responsáveis exigirem o cumprimento desse direito"
137
. Porém, esta
exigência “de realidade” para a ficção não foi concedida pela TV Globo.
136
TÓFOLI, Daniela. Pais e escolas vivem dilema sobre deficiente. Folha de São Paulo, 5 de novembro de 2006.
137
Segundo pesquisa realizada pela mídia entre seus leitores, 57% dos votos (2.820) consideram a recomendação
é correta. Em segundo lugar, com 32% da preferência (1.571 votos), os internautas votaram na alternativa que
classifica a recomendação como errada,que "a Justiça não pode determinar o que um autor escreve". A opção
menos votada, com 12% dos votos (575), diz que a recomendação é indiferente, já que não é uma novela que vai
mudar a realidade brasileira. Ministério Público pede para Globo alterar "Páginas da Vida", Folha de São Paulo,
160
A questão da Saúde (15 inserções, totalizando 37%) contemplou, por um lado, a
divulgação de descobrimentos recentes acerca da Síndrome de Down como agente de
prevenção de doenças como o câncer e o infarto, oferecendo dados estatísticos atualizados e
explicações detalhadas dos motivos. Porém, principalmente, a AP versou em torno dos
cuidados a serem dispensados aos portadores da síndrome que, na verdade, são cuidados
normais que qualquer criança exigiria, como evitar a superproteção para que a criança consiga
autonomia. Foi colocado em destaque e explicada a importância da prática de fonoaudiologia
para estimular o aparato fonador da criança, em vista da diminuição do tom muscular
característico da síndrome, na qual são oferecidos exercícios simples para serem praticados no
cotidiano.
A respeito da Definição de Síndrome de Down, das 6 inserções veiculadas (14%), 4
correspondem a uma mesma cena reprisada, e as 2 restantes ao reforço da ideia principal. A
cena em questão dura 8 minutos encurtada para 2 minutos em duas das 4 reprises) e é a
primeira inserção de MS sobre a temática (Cap. 27, 9/08/2006). Uma longa explicação é feita
acerca do que é a Síndrome de Down, argumentando que não se trata de uma doença, mas um
acidente genético ocorrido por acaso no momento da divisão celular do cromossomo 21. São
explicitados os traços identificatórios característicos da síndrome (olhos puxados, língua
grossa etc.), e enfatiza-se a possibilidade da criança viver como qualquer outra, sempre que
lhe for outorgada a possibilidade. O fato de ter desenvolvimento intelectual e motor mais
lentos, não impede a criança de passar por todas as etapas do aprendizado, inclusive, numa
escola regular
138
.
Cabe destacar que, em termos de trabalho pedagógico, o MS acerca da Síndrome de
Down extrapolou o campo da ficção, tendo continuidade na telinha bastante tempo depois de
finalizada a telenovela, através do que, no jargão da TV Globo, conhece-se como Publicidade
Social
139
. A emissora lançou uma campanha social a favor da inclusão e a não discriminação
de portadores da Síndrome, fazendo uso da cena de Páginas da Vida descrita. Tratou-se de
um spot veiculado durante o mês de outubro de 2007, cujo texto final, em off, sinalizava
“Páginas da Vida foi uma obra de ficção. O preconceito com os portadores de Síndrome de
23 de fevereiro de 2007. Site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68726.shtml. Acessado em 19
de outubro de 2007.
138
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 1; minuto: 00:43.
139
“Publicidade social” é o espaço que a TV Globo cede para veiculações gratuitas de campanhas sociais e
culturais próprios ou de terceiros, beneficiando diversas ONGs, sociedades médicas, associações e instituições
de atuação expressiva no Terceiro Setor, sem fins lucrativos (Balanço Social TV Globo, 2007).
161
Dowm é real. Faça sua parte. Responsabilidade social, a gente por aqui”
140
. A campanha
social veio reforçar a AP veiculada pela telenovela e colocou a complexidade da relação entre
ficção e realidade que cuja separação pura, como defendemos, fica apenas no plano do
teórico.
5.3.2 AIDS
A
temática social da AIDS foi tratada através do personagem Gabriel (Miguel
Lunardi), que chega a um hospital em estado grave, e de Diogo (Marcos Paulo), médico
infectologista que cuidadele. A história transcorre entre a dificuldade do paciente de lidar
com a doença, principalmente, com a sua aceitação; e sua paixão pela enfermeira Lavínia
(Letícia Sabatella), uma noviça que dispensará o cuidados especiais que ele necessita.
Como plica do diálogo social (BAHKTIN, 1981), o autor expressa seu projeto
ideológico em torno deste tema social da seguinte forma:
J
á com a Aids, as pessoas voltaram a se comportar como se tivessem descoberto a cura
para a doença. Com o aparecimento do AZT e dos coquetéis de remédios, muitos acham
que ela o mata mais. Quero advertir que isso não é verdade. No Brasil, enquanto não
morre nenhum artista, a Aids fica fora das primeiras páginas dos jornais e o governo pára
de fazer campanhas de esclarecimento. Preciso ajudar a mudar esse panorama (MANOEL
CARLOS, 2006)
141
.
Tanto quanto na temática da Síndrome de Down, o autor exprime uma inteão
deliberada de fazer do tratamento da AIDS, “uma advertência” que ajude a modificar certas
crenças, ou, nas palavras de Bourdieu (1975:51), certos esquemas de pensamento, de
percepção, de apreciação e de ação habitus – em torno da doença.
Segundo declarações do autor, a AIDS é junto à Síndrome de Down o outro eixo
principal da telenovela. O Gráfico 5 mostra que o total de inserções (22, 19%) é distribuído de
forma contínua em todos os meses de exibição da telenovela, concentrando o maior número
de inserções no mês de dezembro, fase em que o personagem soropositivo ingressa na trama.
Vejamos detidamente essa distribuição em termos de conteúdo pedagógico:
140
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 3; minuto: 06:00.
162
Gráfico 8. Conteúdo de merchandising social – AIDS
Total de inserções: 22
D
iferentemente do tratamento dado à Síndrome de Down, o MS acerca da AIDS
começa em julho, primeiro mês de exibão de Páginas da Vida. Junto ao grande esforço
empregado e ao alto investimento que caracteriza toda a primeira etapa de produção de uma
telenovela global, o MS veiculado no mês de julho de 2006 corresponde a uma ação acerca do
estado da AIDS na África, realizado em registro estilo documentário
142
. Trata-se de uma
viagem para os campos de refugiados em Burundi, África, empreendida pelo médico
infectologista Diogo (Marcos Paulo), sob o apoio do ACNUR Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados, após sofrer desilues amorosas e profissionais. Lá,
Diogo será testemunha de uma realidade assustadora marcada pela falta de respeito aos
direitos humanos. O relato da viagem é narrado no conjunto de 6 inserções (10 min. de
duração ao todo) veiculadas durante os meses de julho, agosto e setembro de 2006, e que, em
parte, serão reprisadas mais tarde em forma de vídeo documental que o dico exibirá para
seus amigos (6 cenas veiculadas entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007). Este relato
pode ser incluído na concentração temática Estado da AIDS e Estatísticas, representada por
14 inserções (64%). Esta categoria encerra cenas, não apenas acerca do estado da AIDS na
África, mas no mundo em geral, trazendo dados estatísticos e concretos avaliados pelo
141
TRIGO, Mariana. Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela. Terra, 9 de julho de
2006.
142
Nos ocuparemos desse registro e tipo de inserção no capítulo seguinte, quando abordaremos a tipologia
“Depoimento” como uma das formas identificadas de enunciação possível do MS.
163
ACNUR e a OMS – Organização Mundial da Saúde, de pessoas infectadas e mortas por causa
da doença. As inserções são um forte apelo à falta de campanhas governamentais sobre a
AIDS e uma ctica ao senso comum de que a cura foi achada. Em segundo lugar, vem a
categoria Tratamento (6 inserções, 27%), cujo conteúdo visa à: desvincular a AIDS do
aspecto cadavérico; explicar a importância da aceitação da doença para possibilitar um
tratamento que a frequentemente é negado em vista do preconceito; trazer a definição de
doenças oportunistas na progressão da AIDS (pneumocistose) e descrever seus tratamentos; e
advertir o uso de camisinha como única forma viável de prevenção. Por fim, a categoria
Sintomas (2 inserções, 9%), explicação e esclarecimentos sobre os sintomas da doença,
como as manifestações na pele (dermatite seborreia), e do papel da dermatologia para emissão
de um diagnóstico.
Do mesmo modo que com a Síndrome de Down, a abordagem da AIDS despertou
certa polêmica em torno de como a realidade é refratada na ficção e como se dá uma luta
concorrencial pela imposição de uma determinada visão da realidade. As críticas provieram
do Ministério de Saúde, da Sociedade Brasileira de Infectologia e de ONGs que defendem
portadores do HIV. O ponto de partida foi a cena veiculada no dia 11 de dezembro (Cap.
133), quando o personagem Gabriel, soropositivo, entrou na hisria. O principal problema
apontado pelas entidades é o fato do dico Diogo ter diagnosticado a doença com base na
aparência do paciente, ou seja, sem realizar o teste do HIV. Por outro lado, destacaram que o
teste de AIDS no Brasil não é compulsório (na telenovela, o médico Diogo decide fazer o
teste apesar da resistência do paciente). As entidades exigiram do autor uma correção a
respeito da abordagem, uma vez que, no dizer deles: “Lutamos 25 anos para desmistificar
a doença, e a novela acabou estimulando o preconceito
143
. A TV Globo considerou essa
reação “precipitada” e fazendo uso da capacidade dialógica da telenovela em sua qualidade de
obra em aberto
144
, a cena de 14 de dezembro (Cap. 136) parece assumir a crítica ao
incorporar, na fala do paciente, em uma cena de MS, a ameaça de denúncia por ter sido
realizado o teste da HIV sem seu consentimento. A defesa das exigências provenientes do
campo do “real” foi legitimada a partir das inserções de MS que falaram acerca da condição
143
MATTOS, Laura. LEITE, Fabiene. Abordagem da Aids em novela é criticada. Folha de São Paulo, 14 de
dezembro de 2006.
144
Pallotini (1998:60) estabelece uma diferenciação entre obra aberta” e “obra em aberto”. A primeira remete
ao conceito de Humberto Eco e supõe que uma obra é finalizada através de uma fruição estética do receptor, o
que requer um certo conhecimento erudito a respeito da enunciação. A segunda corresponde à telenovela e
significa que ela é escrita enquanto se produz, isto abre a possibilidade de correção de rumos a partir dos
acontecimentos do dia a dia e da resposta da audiência. Geralmente, uma telenovela estreia com 25 capítulos
gravados (LOPES: 2003:26).
164
de médico experiente em infectologia, segundo “provado” pela viagem com a ACNUR, e sob
explicação da negação da doença como forma de suicídio. Diante desse diálogo entre ficção e
realidade em que o MS se insere, a TV Globo se posiciona:
As campanhas sociais e de cidadania inseridas nas novelas são uma marca da TV
Globo, que tem o reconhecimento das mais respeitáveis entidades do mundo. Um
texto de teledramaturgia não é um texto científico (...) O que importa é que
sempre, no decorrer da trama, o telespectador recebe as informações corretas que
obtemos através das mais diversas assessorias. Temos certeza de que, em breve,
como aconteceu no passado, esses mesmos críticos reconhecerão a contribuição
que a nossa teledramaturgia dará para a prevenção desse mal (TV GLOBO,
2006)
145
.
5.3.3 BULIMIA
O MS sobre Bulimia é veiculado na história de Giselle (Raquel Braga de Queiroz)
que, na primeira etapa de Páginas da Vida, é uma menina de apenas 10 anos. Anna Maria
(Deborah Evelyn), mãe de Giselle, força sua filha a dançar e fazer dietas para se manter no
peso que considera ideal. Por trás dessa exigência, há o sonho frustrado da Anna de não ter
sido uma bailarina famosa. Ela controla os bitos alimentares da filha e insiste em dizer que
“o mundo se divide em duas categorias: a dos heróis e a dos gordos”. Já na segunda etapa da
telenovela, o relacionamento entre mãe e filha é conflituoso e tenso. Anna descobre que com
frequencia, Giselle come tortas, sanduíches e bolos secretamente e depois os vomita no
banheiro. Assim, Anna suspeita que a menina sofre de bulimia e, desesperada, consulta a
vizinha Helena, que aconselha a amiga a levar a filha ao médico para confirmar o distúrbio
alimentar.
Diferentemente das temáticas anteriores, cuja intenção pedagógica deliberada se
adverte desde o início do desenvolvimento das tramas, o MS acerca da bulimia aparece depois
da trama em questão ter atingido certo peso dramático. A partir da suspeita de Anna, foram
veiculadas 19 inserções (16%) de conteúdo educativo explícito, desde a detecção da doença
até a recuperação total da paciente. As inserções se distribuem de maneira equitativa (5
inserções em dia) nos principais meses de cada uma das fases de produção da telenovela.
Na fase inicial, o MS corresponde à elucidação dos Sintomas, Definição e Causas da bulimia;
145
DA REPORTAGEM LOCAL. Iniciativa será reconhecida, afirma a Globo. Folha de São Paulo, 14 de
dezembro de 2006.
165
a fase intermediária com a explicação sobre o Tratamento, com ênfase no aspecto emocional
da doença; e na fase final, as inserções enfatizam o aspecto clínico do Tratamento.
Gráfico 9. Conteúdo de merchandising social – BULIMIA
To
tal de inserções: 19
Em primeiro lugar aparece a categoria Tratamento, totalizando 9 inserções. Essa
categoria enfatiza a importância de uma equipe multidisciplinar que permita lidar com o
tratamento da doença tanto no aspecto biológico (atenção clínica e nutrição) como emocional
(necessidade de terapia para a paciente racionalizar as emoções, e de apoio familiar).
Em seguida vem o conteúdo que abrange a Definão e Causas da doença (6
inserções, 32%), que define a bulimia como uma compulsão dirigida à comida, como
somatização de conflitos pquicos emocionais, daí a importância do tratamento psiquiátrico.
Por fim, a categoria Sintomas (4 inserções, 21%) descreve os sinais de manifestação
da doença: mudanças no comportamento físico (comer compulsivamente, provocação de
vômito, desidratação – desequilíbrio hidroeletrolítico –, sangramento ao vomitar) e emocional
(irritabilidade, intolerância).
Outras das temáticas sociais abordadas por conta de uma intenção pedagógica
deliberada – o que nos permite falar em existência de MS – foi o Alcoolismo.
166
5.3.4 ALCOOLISMO
Da mesma forma que a temática da Bulimia, o MS acerca do Alcoolismo se inicia
quando a trama se encontra em estágio avançado. O problema social começa a ser
perfilado desde o início de Páginas da Vida por meio do personagem Bira (Eduardo Lago).
Porém, a intencionalidade pedagógica explícita começa em setembro de 2006, com o
reconhecimento da doença e o ingresso do personagem nos Alcoólicos Anônimos
146
na
tentativa de uma recuperação. No início da história, Bira mantém um casamento desgastado
com Carmen (Natália do Valle). Após descobrir que está sendo traído, os dois se separam e
ele entra em depressão, passando a beber muito. Sua filha Marina (Marjore Estiano) culpará a
sua mãe por todo o sofrimento de seu pai e acabará abrindo mão de sua vida própria para
cuidar dele. Quando a doença atinge uma situação limite, Bira é internado e, após o
tratamento e a recuperação, pai e filha recompõem sua vida social e sentimental.
Por meio desse núcleo de personagens, Manoel Carlos discutiu sobre o Alcoolismo a
partir de uma perspectiva pedagógica. Das 117 inserções de conteúdo pedagógico explícito
identificadas ao longo da exibição de Páginas da Vida, 18 inserções (15,5%) foram inseridas
nessa trama secundária.
Gráfico 10. Conteúdo de merchandising social – ALCOOLISMO
Total de inserções: 18
146
Alcoólicos Anônimos é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e
esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo. Site oficial:
http://www.alcoolicosanonimos.org.br/index.php. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
167
O Gráfico 9 mostra uma preponderância do conteúdo acerca do Tratamento para a
recuperação de alcoólicos (17 inserções, 94%). O MS aponta a internação como a única
solução possível de reabilitação dos pacientes e também mostra como” induzi-los a
aceitarem a doença para assim, concordar com o tratamento (“O alcoólico não aceita
tratamento enquanto a doença for barata”). O tratamento é explicado tanto no seu aspecto
clínico, explicitando a duração e as características de cada uma das fases (como a
desintoxicação e o decorrente delirium tremens); quanto no seu aspecto emocional,
esclarecendo o papel da terapia no processo de recuperação do paciente. Por outro lado, e
exacerbando os vínculos entre a ficção e realidade, é colocada em destaque a importância de
grupos de apoio ao dependente que tem existência no plano do real: Alcoólicos Anônimos,
para os pacientes, e AL-ANON
147
, para os familiares, indiretamente afetados. A Entidade
Alcoólicos Anônimos aparece de forma explícita na primeira inserção de MS, momento em
que o personagem depõe acerca da doença, explicando para o resto de seus companheiros as
Consequências (1 inserção, 6%) da dependência; consequências que até então tinham sido
mostradas na trama de forma implícita e que, agora, se apresentam de forma verbal,
deliberada e explícita: a degradação física, social e psíquica.
A temática do alcoolismo abordada via MS já tinha sido trabalhada por Manoel
Carlos em obras anteriores à Páginas da Vida. Em todos os casos, adverte-se a presea de
características similares em torno das histórias e do conteúdo de MS
148
veiculado sobre a
doença.
Na telenovela Por Amor (1997), o alcoolismo foi abordado através de Orestes (Paulo
José) que, diante da indiferença da filha, da dificuldade para conseguir emprego
(principalmente, por ter ultrapassado os 40 anos) e da relativa dependência financeira em
relação à mulher, acaba se refugiando no álcool. Contudo, no decorrer da história, ele recebe o
apoio de amigos e da família para reabilitar-se, passa a frequentar as reuniões dos Alcoólicos
Anônimos e, enfim, consegue abandonar o vício.
Circunstâncias similares se repetem em Mulheres Apaixonadas (2003) através do
drama da personagem Santana (Vera Holtz), professora alcoólatra que chega a ser afastada do
147
AL-ANON é uma associação de autoajuda sem fins lucrativos para familiares de alcoólicos. Site oficial:
http://www.al-anon.org.br/novosite. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
148
Os MS identificados em outras produções que não Páginas da Vida, baseiam-se na leitura dos resumos e
relatos acerca das telenovelas. São fonte de pesquisa: Memória Globo: http://memoriaglobo.globo.com; Site de
Teledramturgia: www.teledramaturgia.com.br; as publicões descritivas de Schiavo (1995) e SCHIAVO,
rcio. Páginas da Vida: Pesquisa de impacto de merchandising social. Rio de Janeiro: Comunicarte,
Population Media Center, 2008; e a dissertação de Jakubaszko (2004). Um levantamento de MS nas telenovelas
da TV Globo é expressado no Quadro 8 desta dissertação. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
168
trabalho por não conseguir controlar sua dependência. Do mesmo modo que nas obras
anteriores, no começo da trama a personagem nega-se a buscar tratamento, mas, no final, ela
reconhece sua doença e resolve procurar ajuda nos Alcoólicos Anônimos.
Essa repetição de conteúdo nos permite refletir acerca do trabalho pedagógico
efetuado pelo MS, não apenas no seio de cada temática na ppria telenovela, mas,
visualizando nosso objeto em um espectro mais amplo. Isto é, de forma diacrônica: o trabalho
ou modo de inculcação de conteúdo pedagógico (trabalho pedagógico) que visa à
internalização de princípios e valores para serem reproduzidos em estado prático (habitus) é
sustentado, ao longo do tempo, através de diferentes narrativas baseadas no mesmo problema
social. Assim sendo, o MS constitui-se uma ação pedagógica cuja função educativa pode
apresentar-se de forma contínua e sistemática em diálogo com outros MS de mesma índole,
perpetuando a ação num sentido diacrônico. Como exemplo temos, então, o MS do alcoolismo
que se repete em Por Amor (1997), Mulheres Apaixonadas (2003) e Páginas da Vida (2006).
5.3.5 ADOÇÃO
Por fim, a última temática identificada em ginas da Vida como objeto de MS foi a
Adoção. Do total das 117 inserções de MS identificadas na telenovela, 17 (14,5%)
correspondem à temática em questão. De todos os MS trabalhados, o da adoção é o que
apresenta um comportamento mais irregular.
A primeira inserção ocorre na primeira fase da telenovela, quando Helena decide
adotar legalmente Clarinha após esta ser rejeitada pela sua avó. Porém, a maior concentração
acontece a partir da fase intermediária, atingindo o ápice no mês de fevereiro, na reta final de
Páginas da Vida. Esse aumento corresponde com a volta do Léo ao Brasil, que, ao tomar
conhecimento da existência de seus filhos Clarinha e Francisco pretende recuperá-los
judicialmente, com total apoio de Marta. Enquanto isso, Helena teme perder sua filha de
criação, uma vez que, diante da chegada do Léo, ela não pode mais sustentar a mentira,
mantida em cumplicidade forçada com Marta, de que Clarinha tinha falecido “erro moral”
que Helena cometeu para poder ficar com a criança.
O período final corresponde ao encerramento da telenovela, momento em que Helena
e Alex, avô de Francisco, lutam pela guarda das crianças.
169
O tema da adoção foi também tangencialmente abordado pela história de Rubinho
(Fernando Eiras) e Marcelo (Thiago Picchi), casal homossexual que reflete acerca da
possibilidade de adotar um filho. Essa possibilidade virá de Margareth (Carolina Bezerra),
empregada doméstica do casal, que engravida e doa a criança a eles.
Em face dessas tramas, identificamos três concentrações temáticas de MS envolvidas
em torno da temática da adoção.
Gráfico 11. Conteúdo de merchandising social – ADOÇÃO
Total de inserções: 17
E
m primeiro lugar, a temática Guarda Judicial (9 inserções, 53%) oferece a
explicação do funcionamento do processo de guarda judicial, explicitando o procedimento das
audiências (a conciliatória e a de segunda instância, caso não haja acordo), da função e
obrigações do juiz e das testemunhas, e da definição de Tribunal Conjunto.
Em seguida, aparece a categoria DNA
149
(5 inserções, 29%), que concerne a
explicitação do que é o exame, quais as consequências conforme o resultado, qual é o
procedimento clínico e que documentação é precisa para sua realização.
Por fim, a temática Adoção (3 inserções, 18%) abrange os procedimentos legais a
serem realizados diante de uma adoção e a ênfase na adoção como direito irrevogável.
149
O exame de DNA é necessário para comprovar a paternidade de Léo, dando direito à guarda das crianças e
permitindo a revogação da adoção de Clarinha. Por esse motivo, as inserções foram consideradas como parte do
MS de adoção.
170
Cabe destacar que o MS sobre a adoção, assim como a Síndrome de Down, foi
extrapolado para o plano do real, neste caso, a partir do discurso jornalístico do Globo
Repórter. Após o capítulo final de Páginas da Vida, em 2 de março de 2007, o programa
veiculou uma reportagem acerca do estado dos abrigos no Brasil, alertando para o preconceito
sofrido em relação à adoção de crianças com Síndrome de Down ou com lesões cerebrais, e
da falta de correspondência entre as escolhas dos futuros pais e as característi
cas das crianças
que esperam pela adoção (irmãos de mais de 3 anos e pele escura). Foram abordados também
os procedimentos, as dificuldades, as angústias e as esperanças enfrentadas por casais que
desejam adotar, relatou o caso de um casal adotivo homossexual e exibiu depoimentos de
adolescentes que foram criados em orfanatos. Neste caso, podemos observar como, através do
diálogo entre ficção e realidade – diálogo que se processa entre diferentes formatos e gêneros
(MS em telenovela / reportagem em programa jornalístico) , a ação pedagógica em torno da
adoção pautada pela telenovela é reforçada e continuada, prolongando o seu trabalho
pedagógico na grade da emissora.
Considerando o MS como uma ão pedagógica, isto é, como relação de
comunicação, logo como uma enunciação, nos detivemo-nos na observação e na descrição do
enunciado, quer dizer, do conteúdo educativo veiculado. Nesta primeira fase de análise,
observamos e tentamos demonstrar como esse conteúdo responde a uma pedagogia explícita
que, nas palavras de Bourdieu, é o tipo de trabalho pedagógico ou modo de inculcação que
produz o habitus pela inculcação metodicamente organizada enquanto tal por princípios
formais e mesmo formalizados (1975:57). Em diálogo com o espectador, o MS não se trata
de uma pedagogia que tende a uma transferência prática do habitus por projeção-
identificação espontânea com os personagens que vivenciam situações e problemas
corriqueiros presentes também no cotidiano do espectador –, mas pela produção simbólica,
verbalizada, objetiva e codificada dessas práticas. Trata-se de uma transfencia formal.
Assim sendo, enquanto os personagens vivenciam seus dramas e conflitos no seu cotidiano
ficcional com seus hábitos e suas práticas Clarinha rejeitada pelas escolas regulares, Bira
sofrendo uma alteração nervosa após internação, Giselle convivendo com distúrbios
alimentares, Gabriel negando a presença da AIDS, Helena temendo a perda da guarda da sua
filha o MS é um discurso que propõe a objetivação dessas práticas, ou, em outras palavras, a
verbalização e a conceituação classificatória (BOURDIEU, 1975:59): definição de escola
inclusiva, explicitação do delirium tremens, esclarecimento acerca de bulimia, informações
sobre a AIDS, explicação da adoção como direito irrevogável, entre outras.
171
Ao analisar o conteúdo de MS em Páginas da Vida podemos traçar dois grupos: 3
MS (60%) que correspondem a doenças e 2 (40%) a outras questões sociais.
No primeiro grupo, composto pelas temáticas AIDS, Bulimia e Alcoolismo, o
conteúdo versa, principalmente, acerca da definição da doença, a explicitação dos sintomas,
causas, consequências e do tratamento para levar à recuperação.
No segundo grupo, no qual se insere a Síndrome de Down e Adoção, o conteúdo é
mais diversificado, atendendo a definição de cada uma das questões e aos esclarecimentos de
suas diversas implicações (definição de escola inclusiva, procedimento de processo de guarda
judicial etc.).
Por outro lado, além de ser o MS uma ação pedagógica explítica, isto é, realizar-se
através de um trabalho pedagógico de formalização, identificamos o tipo Conversão como
sendo aquele que busca a modificão total do habitus. Essa intencionalidade é expressa nas
palavras do próprio autor ao manifestar sua intenção em ajudar a mudar o panorama”, no
sentido de modificar crenças e modelos de ação enraizados no cotidiano das pessoas. Por fim,
outro aspecto elucidado na alise referente ao trabalho pedagógico ativado no MS é um
dispositivo da repetição próprio da comunicão dos relatos populares. Assim sendo,
observamos como a repetição sistemática do conteúdo se dá no seio de cada uma das
temáticas sociais abordadas. Em outras palavras, o MS não é uma inserção isolada e
extemporânea, mas um conjunto de inserções arraigado a uma temática social em
desenvolvimento, e cujo conteúdo educativo insiste nas mesmas questões e valores.
Observamos também como o trabalho pedagógico se prolonga no tempo em diálogo com
outros formatos e discursos.
Identificamos três possibilidades no estudo de nosso caso em questão: 1) a
continuidade da ão pedagógica a partir do diálogo entre diferentes obras do mesmo autor
(Ex.: O MS do alcoolismo); 2) o diálogo com as campanhas da TV Globo (Ex.: Publicidade
social acerca da Síndrome de Down fazendo uso de cena da telenovela); e 3) o diálogo com
outros formatos e gêneros (Ex.: Globo Repórter sobre adoção).
O primeiro caso assinalado pode ser ainda ampliado a fim de mostrar a ação
pedagógica de forma diacrônica, isto é, em relação a um mesma temática social abordada,
porém, de diferente autoria. Por exemplo, o MS acerca de Síndrome de Down aparece
previamente em Coração de Estudante (2002) de Emanuel Jacobina e se prolonga após
Páginas da Vida, em uma trama secundária, em Desejo Proibido (2007) de Walther Negrão.
O MS sobre AIDS, aparece já em Za(1997) de Lauro César Muniz. Por fim, o MS acerca do
172
alcoolismo é o caso mais evidente em termos de trabalho pedagógico, é tratado em diversas
telenovelas: Vale Tudo (1988) de Gilberto Braga, O Mapa da Mina (1993) de Cassiano Gabus
Mendes, Por Amor (1997) de Manoel Carlos, Mulheres Apaixonadas (2003) de Manoel
Carlos, Celebridade (2003) de Gilberto Braga, Duas Caras (2007) de Aguinaldo Silva.
Resta-nos ampliar o assunto, apontando outras temáticas sociais em que é
exercida uma pedagogia explícita em volta delas, de forma sistemática e duradoura ao longo
do tempo. A partir da observação do Quadro 8, apresentado no item 5.1 Merchandising social
na TV Globo (1988-2007), fizemos a síntese mostrada a seguir:
Câncer de mama/colo: Uma história de Amor (1995), O Amor está no Ar (1997),
Começar de Novo (2004)
Crianças desaparecidas: Explode Coração (1995), Um Anjo Caiu do Céu (2001)
Deficiência física/visual: Uma História de Amor (1995), América (2005).
Doação de órgãos/sangue: De Corpo e Alma (1992), Sonho Meu (1993), Laços de
Família (2003), O Beijo do Vampiro (2002).
Ecologia: Vamp (1991), Mulheres de Areia (1993).
Violência contra a mulher: Anjo Mau (1997), Mulheres Apaixonadas (2003).
Violência urbana: Pecado Capital (1998), Mulheres Apaixonadas (2003).
O trabalho pedagógico acerca do alcoolismo se confirma como paradigmático, uma
vez que, do total das 31 produções identificadas como sendo de MS, aparece em 7, o que
corresponde a 23% do total. Em segundo lugar, está o MS sobre doação de órgãos/sangue com
presença em 4 telenovelas,13%, e por fim, o MS sobre câncer de mama/colo, em 3, 10%.
Uma vez abordado o MS desde o conteúdo (enunciado) até seu trabalho pedagógico
(modo de enunciação), iremos nos debruçar, a seguir, sobre seu funcionamento narrativo a
partir de outros dispositivos de enunciação presentes no gênero melodrama.
5.4 Merchandising social e imaginação melodramática em Páginas da Vida
Como argumentamos ao longo deste trabalho, a matriz cultural da telenovela é o
melodrama, gênero que se fundamenta numa função moral e pedagógica, ou seja, no
ensinamento de valores que a sociedade espera afirmar como padrão.
Ao traçar o caminho de transformação do melodrama em relação ao seu contexto
social e sua mutação recorrente em diferentes formas culturais, observamos como,
progressivamente, o gênero se converteu na matriz por excelência para narrar a realidade
brasileira. Se, a partir da cada de 1970, com a inflexão trazida pelo realismo de Beto
173
Rockefeler (1968), essa pedagogia moral está presente, mas implícita, difusa e diluída diante
da complexidade da vida social dos personagens que, aos poucos, deixaram de ser planos e
sem nuances, no MS a pedagogia se apresenta de forma deliberada e explícita conforme
tentamos demonstrar no tópico anterior. Não obstante, essa pedagogia é enunciada a partir dos
dispositivos de reconhecimento de uma imaginação melodramática (BROOKS, 1995) em sua
forma mais tradicional: através de uma comunicação baseada numa representação
esquemática, polarizada e sem ambiguidades, logo, facilmente legível.
Conforme apontamos, seguindo as contribuições de Brooks (1995) e Thomasseau
(2005), a pedagogia do melodrama supõe sempre uma oposição entre o Bem e o Mal. O
embate é corporizado através dos personagens os heróis e vilões que tornam visível a
moral em jogo.
A partir da análise de Páginas da Vida, observamos que no MS a pedagogia se
apresenta por meio de um embate entre forças sem nuances. De um lado está a força do Bem,
representada por personagens sempre marcados pela clareza nas intenções e em seus
conhecimentos. O Bem é corporizado, principalmente, nos profissionais da medicina
médicos, psicólogos, fonoaudiólogos etc. , e de outras áreas, como educadores, advogados e
jzes, que velam pelo cuidado e pela vida alheia. Eles são os heróis que cumprem a função
de autoridades pedagógicas, isto é, desempenham o papel de emissores legitimados
socialmente para transmitir os ensinamentos. Os heróiso os educadores que oferecem
informões e explicações didáticas acerca de doenças e outras questões de relevância social,
conforme descrevemos detalhadamente no tópico anterior. Do outro lado dessa representação
maniqueísta e polarizada, o Mal é encarnado em vilões que se transmutam em diversas formas
como: o vício, corporizado na vítima do flagelo (ex.: dependente alcóolico) que luta por
livrar-se dele ajudado pelos médicos heróis; o preconceito, que não permite a prevenção,
tratamento e ajuda em torno de doenças (ex.: AIDS); ou não permite o convívio harmonioso
com a diferença (ex.: ndrome de Down); e o desconhecimento, que impede as pessoas de
verem a realidade à sua volta (ex.: bulimia) ou as fazem temer e sofrer por direitos
inalienáveis (ex.: adoção).
Outro dos dispositivos essenciais de reconhecimento da matriz melodramática é a
música. A partir da análise de todas as cenas de MS veiculadas em ginas da Vida
obtivemos o Gráfico a seguir:
174
Gráfico 12. O papel da música no merchandising social
Total de inserções: 117
O
Gráfico 11 revela a auncia de música (79 inserções, 68%) como uma
característica própria do discurso de MS. Em oposição à função primária da música no
melodrama, que implica impactar um lance emocional (BROOKS, 1995:48-49), as cenas de
MS, em sua grande maioria, o são acompanhadas por trilhas sonoras próprias de uma
encenação melodramática. Por contraste, ao tratar-se de explicações e informações, o MS é
principalmente encenado em ambientes sonoros límpidos onde o conteúdo verbal as falas
adquirem principal relevância. Entretanto, observa-se que certas passagens musicais “clichês”
o utilizadas como conectivas entre as cenas, ou para introduzir o MS ou sair dele. Para
exemplificar, podemos citar a cena de MS sobre Síndrome de Down veiculada no dia 20 de
outubro de 2006 (Cap. 89). No encerramento da cena de MS, no final do diálogo entre Helena
e a fonoaudióloga, é incorporado um dado dramático em referência à verdadeira mãe de
Clara, já falecida. Assim, a cena deixa de ficar a importância da mastigação no
desenvolvimento da fala nas crianças portadoras da Síndrome e volta-se para a trama
sentimental, acompanhada agora de uma música “clichê que, dentro da alfabetização da
telenovela, representa o fantasma da citada mãe. Essa função da música de reconhecimento da
anunciação de personagens e de que tom emocional ele traz à situação (BROOKS, 1995:48-
49) é explorada em menor medida no MS, observando-se esse registro em 38 inserções (32%).
Como exemplo disso, podemos citar o MS sobre AIDS realizado em registro documentar (12
inserções).
175
O conjunto de cenas que mostram a viagem para a África de Diogo são ambientadas
pelo registro de som direto e, principalmente, pela sica afro, cujos ritmos e tambores
gritantes enfatizam o tom dramático das cenas. A fala do personagem se mistura entre o
conteúdo informativo e pedagógico, e suas apreciações de caráter emocional. Não obstante, as
palavras cedem lugar às imagens da pobreza, fome e desamparo enfatizadas pela música
própria da cultura local. Na mesma função de reforço emocional, a música se faz presente nas
cenas de MS em que as vítimas das doenças (alcoolismo, bulimia) narram suas experiências
de vida para os seus respectivos médicos (ex.: capítulos 48 e 116), ou quando o conteúdo
educativo versa acerca de implicações na ordem emocional dos afetados, como por exemplo,
o tratamento psicológico em bulimia ou alcoolismo (ex.: capítulos 150, 165, 186).
Por fim, em menor medida, a música aparece de forma tênue como ambientação
sonora das inserções, criando um clima de serenidade e harmonia (ex.: a fonoaudióloga
estimulando a fala de Clarinha, nos capítulos 73, 90 e 91).
Apesar da música ser um componente essencial da imaginação melodramática,
observamos que, no registro pedagógico do MS, este componente es ausente na maioria das
ocorrências. No discurso do MS, o reconhecimento se baseia, principalmente, não tanto na
presença da sica, mas na sua ausência. O Bem parece encarnar em uma manifestação
puramente verbal e objetiva, enquadrado em uma ambientação sonora límpida que contribui
para a clareza de exposição e o impedimento de desvios de atenção. Não obstante, cabe
lembrar que, quando a música se faz presente, ela ativa a função clássica de ênfase emocional.
O melodrama sempre aborda o reconhecimento, trata-se de reconhecer quem de fato
es do lado do bem e quem é um dissimulador. No capítulo 32, veiculado no dia 15 de
agosto, a personagem Selma (Elisa Lucinda), médica obstetra, confirma: “Aqui todo mundo é
do bem, tirando a Irmã Maria, os médicos, enfermeiros... Nossa! tudo mundo é maravilhoso”.
O principal é, retomando as palavras de Xavier (2003
), garantir a pedagogia que requer a
resolução das ambiguidades:
Em termos retóricos, isto significa que é essencial na composição do drama colocar
os autênticos de “nosso lado” e os hipócritas “do lado oposto”, regra geral posta em
prática nas várias faixas do espectro ideológico, pois todos no melodrama procuram
identificar os seus valores sociais com a celebração da espontaneidade e o ataque à
dissimulação. A virtude de caráter de um personagem sanciona a sua posição, a
hipocrisia o desautoriza. A hipótese da legibilidade que se dá ao olhar garante nossa
percepção da diferença entre uma coisa e outra (XAVIER: 2003:95).
176
Assim sendo, por trás da hibridação entre ficção e realidade presente no discurso de
MS existe uma moral oculta (BROOKS, 1995) que comporta uma pedagogia do “certo e do
errado” diante dos problemas cotidianos, apelando aos valores sociais e morais a fim de serem
internalizados. Há, portanto, no MS de Páginas da Vida, uma pedagogia da prevenção, do
cuidado da saúde, da valorização da informação, da integração familiar, do respeito e da
tolerância à diversidade. Por outro lado, essa pedagogia é comunicada através de um esquema
simplificado, polarizado e maniqueísta que se repete em todos os MS observados. Como um
espetáculo total que o olho possa abarcar sem esforço (BROOKS, 1995), o Bem e o Mal,
junto ao papel desempenhado pela sica, aparecem no MS de forma clara e sem
ambiguidades para serem facilmente reconhecidos e, consequentemente, para evitar a
promoção de desvios na interpretação das mensagens educativas.
Desde a mediação do Gênero, trabalhada neste capítulo, tentamos indagar acerca
da matriz cultural do melodrama como sendo a constituinte do discurso de MS. Ao trabalhar a
hipótese do MS como ação pedagógica deliberada e explícita, debruçamo-nos na dimensão
pedagógica do gênero, identificando os seus dispositivos de reconhecimento popular. A partir
de um olhar diacrônico, contextualizamos o MS no terceiro período de evolução da matriz
melodramática na telenovela brasileira, que chamamos Melodrama e Naturalismo. Neste
período, ocorre a reabertura democrática no país, permitindo que a telenovela estabeleça
sintonia com os temas mais recorrentes na agenda pública. Estamos diante de uma matriz que
Thomasseau (2005) qualificou como melodrama social e, Martín-Barbero (2001), como
narrativa testemunhal em sua condição de retratar, ou refratar, em termos bakhtinianos, as
condições sociais de um período histórico determinado.
Recuperar uma genealogia do MS nos permite considerar a permanência de uma
imaginação melodramática como forma de narração da realidade e como via de educação
possível através de uma cultura que não a escrita. O MS apresenta-se como um discurso
híbrido que sintetiza duas dimenes em diálogo e cujos contornos foram fundindo-se com o
decorrer do tempo: a dimensão melodramática-pedagógica e a dimensão realista-social.
Por fim, no próximo capítulo, analisaremos o MS de Páginas da Vida por meio de
outra mediação que compõe os óculos através dos quais enxergamos nosso objeto de estudo: a
medição da Produção.
“Não perca!
Capítulo VI
Mediação da Produção.
Merchandising social em Páginas da Vida:
do realismo ao naturalismo
178
178
O segundo aspecto a indagar, a partir da mediação da Produção, para revelar ainda
mais nosso objeto de estudo é, como antecipamos, a Análise do texto audiovisual.
A partir desta dimensão nos preocupamos em elucidar um aspecto do MS pouco
levando em consideração: identificar os recursos de linguagem utilizados na sua construção
narrativa. Aliado às contribuições de Bakhtin para a análise da enunciação, Fiske considera
que as imagens e a fala televisiva estão sujeitas às mesmas regras que se aplicam à linguagem.
Sendo assim, a televisão e, em decorrência, a telenovela é concebida como uma
modalidade de linguagem, um discurso
150
, utilizando códigos semelhantes aos usados para
perceber a realidade:
o
que é considerado realidade em qualquer cultura é o produto dos códigos culturais, então
a realidade é sempre codificada, nunca crua. Se essa peça de realidade codificada é
exibida na televisão, os códigos técnicos e as convenções da representação do meio são
relacionados para que ela seja tecnologicamente transmissível e apresente um texto
culturalmente adequado para sua audiência (FISKE, 1987:5).
Nos códigos audiovisuais, como nos signos de Bakhtin, têm lugar a luta de classes. O
texto torna-se o campo de batalha; o lugar de embate entre as forças de produção ideologia
dominante e as leituras da recepção. É por meio dos códigos que a realidade é refletida e
refratada. Para o autor:
o
s códigos da televisão formam um sistema regrado de signos cujas leis e convenções o
compartilhadas pelos membros de uma cultura, o qual é usado para promover e circular
significados dentro e para essa cultura. Os códigos o ligações entre produtores, textos e
audiências, e o os agentes da intertextualidade através da qual os textos relacionam-se
com a rede de significados que constitui nosso mundo cultural (FISKE, 1987:4).
Assim sendo, nos preocupamos em identificar por meio
de determinados códigos ou
mediações (categorias de análise Quadro 2, página 35) como é construído o MS a partir da
sintaxe audiovisual. Nossa hipótese é de que o MS se constitui, nesta dimensão, através de
uma forte representação naturalista (XAVIER, 2005), o que faz com que ele ganhe
verossimilhança, credibilidade e legitimidade enquanto ação pedagógica. Num sentido
complementar, este vínculo estreito entre ficção e realidade provoca uma leitura
documentarizante, quer dizer, uma leitura capaz de tratar todo filme como documento
(ODIN, 1984). Cabe salientar que a análise foi realizada com base no conjunto das 117
150
Nos termos de Fiske (1987) o discurso define-se como: linguagem ou sistema de representação que tem se
desenvolvido socialmente para produzir e fazer circular um conjunto coerente de significados sobre um assunto
determinado. Esses significados servem aos interesses de parte da sociedade dentro da qual o discurso foi
originado e que trabalha ideologicamente para naturalizar esses significados e transformá-los em senso comum.
Discursos são relações de poder (FISKE, 1987:14).
179
179
inserções que agrupam os cinco MS veiculados em Páginas da Vida (Síndrome de Down,
AIDS, Bulimia, Alcoolismo, Adoção).
6.1 Análise de fluxo
151
P
ara começar a análise, vamos nos focar nos aspectos formais da produção do MS a
partir de algumas variáveis quantitativas que dizem respeito a: o comportamento geral do MS
dentro do fluxo narrativo ao longo da exibição da telenovela e a variação de índices de
audiência, a localização do MS por bloco no fluxo do capítulo e, por fim, a duração das cenas.
Comportamento geral do MS dentro do fluxo narrativo e índices de audiência
Analisando a telenovela Páginas da Vida em seu conjunto, a presença geral de MS
pode ser expressada no Gráfico a seguir:
Gráfico 13. Merchandising social em Páginas da Vida por mês de exibição
Total de inserções: 117
151
A noção de “fluxo” quer dizer que a televisão é uma sucessão contínua de imagens que não obedece a regras
lógicas ou de causa e efeito, e constitui a experiência cultural de “ver televisão”. O modo pico pelo qual a
televisão organiza seus textos é essencialmente associativo. Em todos os sistemas de radiodifusão
desenvolvidos, a organização característica e, portanto, a característica da experiência, é uma sequência ou
‘fluxo’. Este fenômeno, do fluxo planejado, é então talvez a característica definidora da radiodifusão,
simultaneamente como uma tecnologia e como uma forma cultural. Em todos os sistemas de comunicação, antes
da radiodifusão, os itens essenciais eram discretos (WILLIAMS, 1975: 90-93).
180
180
Observemos o movimento de inserções de MS levando em consideração a
dinâmica narrativa de toda telenovela em termos estruturais. A estrutura da narrativa é
organizada pelo volume de capítulos, que ficam subdivididos em três etapas básicas:
implantação, fase intermediária e a fase conclusiva (LOPES; BORELLI; RESENDE,
2002:334). Assim sendo, a primeira fase prevê um investimento de produção muito grande
que permite atingir boa qualidade e audncia a fim de que o produto possua autonomia até o
final. Nesse período, observamos um começo tímido e um progressivo aumento de índices de
inserção de MS que se estabilizam nos primeiros meses da telenovela (em média, passagem de
1 a 10 inserções / %), período que corresponde à apresentação de personagens e começo dos
conflitos. Nessa fase inicial os esforços são mais qualitativos que quantitativos, uma vez que o
destaque desta fase é o MS sobre a AIDS, apresentado em um registro documentarizante
(ODIN, 1984) em que o personagem Diogo viaja à África em missão da ONU. Na fase
intermediária, ocorrida entre os meses de novembro de 2006 e janeiro de 2007, que procura
manter um ritmo mais modesto e lento em termos de narrativa, concentram-se os maiores
índices de MS (em dia, 22% - 26 inserções). É o período de desenvolvimento das tramas,
momento em que a telenovela como um boing, já decolou e voa sozinha (ORTIZ; BORELLI;
RAMOS,1989:137). As tramas entram em um ritmo de administração e de preocupação na
consistência dramática mais do que na tecnológica (LOPES; BORELLI; RESENDE,
2002:336) e, não por acaso, é o momento de maior veiculação de conteúdo pedagógico. O
período conclusivo tende geralmente a finalizar a trama em alto e grande estilo, como na fase
inicial. A respeito do MS, podemos dizer que a tendência geral é o declínio de inserções,
coincidentemente com os desfechos das tramas. De fato, o mês de janeiro de 2007 mostra
uma queda abrupta (14%). Porém, “a alta” neste período final acontece em fevereiro de 2007,
propulsada pelo ápice e desfecho do conflito de Adoção com o qual a telenovela é encerrada.
De fato, das 21 inserções (18%) de MS veiculadas nesse s, 7 (6%) correspondem a essa
temática e as 14 restantes (12%) distribuem-se entre as resoluções das demais: AIDS e
Bulimia (5 inserções respectivamente), ndrome de Down e Alcoolismo (2 inserções
respectivamente). em março, que foram apresentados apenas 2 capítulos, o MS veiculado
corresponde inteiramente ao tema de Adoção.
Percebe-se uma presença de conteúdo pedagógico de forma sistemática e fluida ao
longo de toda a telenovela. Ao destacar a presença contínua de merchandising comercial,
Trindade (1999) alerta que o uso exagerado do merchandising pode causar a rejeição do
público, de modo que a identificação com a ficção que o merchandising projeta acaba
subvertendo-se:
181
181
Mas essa sutileza do merchandising pode ser colocada em xeque, quando um produto ou
serviço é mostrado de forma ostensiva. Percebe-se que certa rejeição por parte do
público que considera esta técnica abusiva. (...). O merchandising, por caracterizar uma
ação publicitária no espaço da telenovela, se não for bem realizado, traz consigo o mesmo
princípio que o horário comercial causa no telespectador (TRINDADE, 1999).
A
o falar em MS, as críticas lhe são endereçadas no mesmo sentido. Motter chama a
atenção para a incorporação da Campanha das Crianças Desaparecidas, em Explode Coração
(Glória Perez, 1995-1996). A autora considera que a incorporação direta da realidade na
ficção, por meio dos depoimentos de mães reais pertencentes ao Movimento Mães da
Cinelândia, trouxe um prejuízo criativo em favor da sensibilidade social do autor e da
emissora:
Lamentavelmente, as mães não atrizes não puderam con
vencer de sua dor verdadeira, pela
incapacidade de representar na telenovela a si mesmas. Talvez por ser a primeira
experiência, ela tenha ficado entre o que denominamos temática social e merchandising,
no primeiro caso, por estar dentro de uma trama secundária e, no segundo, por ter
resvalado para insistência que transformou a campanha num apêndice que incorporou a
realidade diretamente, sem conseguir transformá-la adequadamente em elemento artístico
(MOTTER, 2003:139).
A
autora associa essa rejeição à variação nos índices de audncia. A telenovela
começa com 43 pontos e termina com 54; ela passa a manter esse índice, com pequena
oscilação para baixo, a partir da Campanha (MOTTER, 2003:74). Outra crítica, num tom
mais radical e dualista, é percebida nas palavras de Hamburger (2004):
Na ânsia de mostrar uma dimensão construtiva da TV, diversos programas andam
privilegiando conteúdos com registro "didático" em detrimento de boa dramaturgia.
Novelas, na tradição do romance seriado francês do século 19, que Marlyse Meyer aborda
no seu livro "Folhetim",muito aludem a eventos atuais. Nos anos 80 e 90, referências a
temas sociais e políticos faziam parte das convenções do gênero, com menções à
campanha pelas diretas ou personagens que advertiam, por exemplo, sobre a necessidade
de usar camisinha. Hoje essas referências se tornaram obrigatórias e "oficiais". O tom
"politicamente correto" das produções atuais aniquila a possibilidade da criação
artística
152
.
No caso de P
áginas da Vida, o comportamento dos índices de audiência pode ser
expresso no Gráfico
153
a seguir.
152
HAMBUGER, Esther. Marketing social empobrece ficção na TV. Folha de S. Paulo, 31 de março de 2004.
153
Durante o ano de 2006, os dados expressam a média semanal. Já em 2007, o índice representa a dia anual
(de de janeiro a 2 de março de 2007). Cada ponto representa 54,4 mil residências ou 176 mil telespectadores
na Grande São Paulo. Os índices e perfil de audiência foram cedidos pelo IBOPE para a pesquisa.
182
182
Gráfico 14. Índices de audiência em Páginas da Vida
Fonte: IBOPE
O primeiro capítulo da novela registrou 50 pontos em
média e um share de 67%,
estabilizando-se no decorrer da semana em 46 pontos. Os maiores picos registraram-se no
mês de agosto com o enterro de Nanda (7/8; 60 pontos) e no início do mês de fevereiro, com a
troca de beijos entre o casal romântico Thelma (Grazielli Massafera) e Jorge (Thiago
Lacerda), atingindo os 50 pontos. o último capítulo rendeu 53 pontos e 76% de share
154
.
Porém, esses picos foram isolados e, em termos gerais, a telenovela manteve uma audncia
fiel de 48 pontos em dia e um share de 70%. Conforme dados do IBOPE, o perfil da
audiência foi composto por um público majoritariamente feminino, 63% em média. E,
considerando ambos os sexos, o maior índice de audiência concentrou-se na classe
socioeconômica C, e nas faixas etárias para além dos 35 anos (35 a 49 anos: 25%; + de 50
anos, 27%).
Da comparação dos Gráficos 13 e 14, surge um dado singular: o maior período de
veiculação de MS durante os meses de novembro e dezembro de 2006 (51 inserções)
coincide com o período de menor índice de audiência: 45 pontos em dia, 3 pontos abaixo
da média geral. Considerar que a queda de audiência ocorreu devido ao privilégio concedido
ao conteúdo com registro didático” seria simplificar a questão, entretanto, é interessante
apontar o dado para pesquisas que abordem o MS a partir da perspectiva da recepção.
154
GARCIA, Mariana. Grazi alavanca audiência na reta final de Páginas da Vida. Folha de São Paulo, 9 de
fevereiro de 2007. Penúltimo capítulo de Páginas da Vida marca 54 pontos, mas o é recorde. OFuxico, 2 de
março de 2007. Último capítulo de Páginas da Vida registra 53 pontos de audiência. Folha de São Paulo, 3 de
março de 2007.
183
183
Por outro lado, ginas da Vida tem recebido reconhecimento público por meio de
premiações e de sua penetração no mercado internacional. Em março de 2007, o autor Manoel
Carlos foi homenageado com a medalha Pedro Ernesto pelo trabalho desenvolvido na novela,
abordando o tema da Síndrome de Down. Em maio de 2007, Páginas da Vida recebeu o
Prêmio Contigo! nas seguintes categorias: melhor novela de 2006; melhor autor (Manoel
Carlos); melhor atriz (Lília Cabral); melhor atriz coadjuvante (Danielle Winnits); melhor atriz
revelação (Grazielli Massafera); melhor ator infantil (Gabriel Kaufman) e melhor atriz infantil
(Joana Mocarzel). Além disso, em 2008, a novela estreou no horário nobre do canal Televen,
da Venezuela, e foi vendida para cerca de 20 países, entre eles Portugal, Argentina, Romênia,
Bolívia, Equador, Bulgária, Panamá, Costa Rica, Nicarágua e Peru.
Imagem 1. Estreia de Páginas da Vida na Argentina
Fonte: Jornal La Nación, 10 de fevereiro de 2008.Argentina.
184
184
Localização do merchandising social no fluxo do capítulo
Se no ponto anterior analisamos o MS dentro do fluxo total da telenovela, agora
examinaremos o lugar que ele ocupa dentro do fluxo de cada capítulo. Ao mapear a
localização das 117 inserções, obtivemos o Gráfico a seguir:
Gráfico 15. Merchandising social em Páginas da Vida por bloco
Total: 117 inserções
A
telenovela foi composta majoritariamente por capítulos de 55 minutos de duração
aproximada (sem intervalos comerciais), segmentados em 5 blocos
155
. Dentro desta estrutura,
observou-se, conforme o Gráfico acima, que o MS foi inserido, principalmente e quase
equitativamente, nos blocos 5 (31 inserções, 26,5%) e 1 (30 inserções, 25,5). Em segundo
lugar, segue-se o bloco 2 (23 inserções, 20%). O bloco 4 ocupa o terceiro lugar (20 inserções,
17%) e por fim, encontra-se o bloco 3 (13 inserções, 11%).
Podemos atribuir essa preponderância do MS localizado no primeiro e último bloco
ao fato dos capítulos veiculados neste período constituírem-se em dois los de atenção: o
como traz a novidade do dia, e o fim, o “gancho”, isto é, a criação de uma expectativa que
faça com que o espectador volte a procurar o capítulo no dia seguinte. Assim sendo, no
embalo da estrutura básica da matriz folhetinesca, responsável pela dinamização da narrativa,
como e fim são dois momentos em que a audiência é garantida, fator que permite a
155
No contexto de eleições presidenciais e de constantes campeonatos de futebol, alguns capítulos,
principalmente nas terças e quartas-feiras, apresentaram duração menor, chegando a ter apenas dois blocos por
emissão.
185
185
realização do trabalho pedagógico do MS. Em outras palavras, se a audiência de televisão é,
por essência, descompromissada e dispersa por inúmeras práticas cotidianas, começo e fim
têm mais chances de nuclear a atenção e de converterem-se num espaço propício para a
recepção das mensagens didáticas e pedagógicas. Não obstante, existe outra razão que se
relaciona também à dinâmica folhetinesca. Trata-se, reforçando as apreciações anteriores, da
redundância ou repetição como dispositivo de reconhecimento. Identificamos que em muitas
oportunidades, o MS encerra o capítulo, sendo portanto, recapitulado no dia seguinte, no
primeiro bloco. Essa dinâmica favorece o trabalho pedagógico, reforçando conceitos e
explicações ao prolongar-se de um dia para o outro. Como exemplos podemos citar: a cena de
8 minutos de duração acerca da definição de Síndrome de Down, veiculada em 8 (bloco 5) e 9
(bloco 1) de agosto; a explicação acerca de como ajudar o alcoólatra a assumir a doença,
veiculada em 24 (bloco 5) e 25 (bloco 1) de outubro; a explicação de tratamento de
recuperação do alcoólatra, exibida em 9 (bloco 5) e 10 (bloco1) de novembro, entre outros.
Duração das cenas de merchandising social
O terceiro aspecto a considerar, com base na análise de variáveis quantitativas, é a
duração das cenas de MS.
Gráfico 16. Duração de cena de merchandising social
Total: 117 inserções
Total: 117 inserções
186
186
O Gráfico 16 mostra que do total de inserções de MS, 52 % (61 inserções) possui
uma duração dentro do parâmetro normal
156
, e 48% (56 inserções) o supera.
O primeiro grupo está constituído por cenas da viagem à África (que aparece
fragmentada ao longo da novela), conceitos pontuais (o que é um Tribunal Conjunto,
cuidados na saúde de crianças com Síndrome de Down, por exemplo), reprises encurtadas de
longas cenas explicativas (definição da Síndrome, por exemplo) e cenas curtas que reforçam
os conceitos e explicações veiculadas naquelas cenas de duração superior ao normal. São
essas cenas que conformam o grupo que abrange 48%. Ele é constituído principalmente por
cenas que vão dos 3 aos 8 minutos de duração ininterruptos, um tempo consideravelmente
comprido para uma dinâmica de narrativa que altera as histórias da trama em cenas de 30
segundos a 2 minutos. Destas observações, deduz-se que boa parte da inserção de MS
estabelece uma desaceleração do ritmo dentro do fluxo narrativo e uma interrupção no
desenvolvimento da ação dramática para fazer pesar a comunicação pedagógica. Dentro do
fluxo narrativo da telenovela, a inserção de MS implica uma dilatação do tempo, pois o
esclarecimento de um problema social (AIDS, alcoolismo, Síndrome de Down etc.) requer
uma linguagem coloquial, simples, redundante e, principalmente, pausada para ser
compreendida pelos espectadores. Daí, a sua longa duração em relação a outros segmentos.
6.2 Tipos de inserções de merchandising social
Ao trabalhar a hipótese do MS como ação pedagógica deliberada e explícita
(BOURDIEU, 1975), sendo esta uma relação de comunicação, uma enunciação, falamos em
tipos para nos referir a formas distintivas em que esta enunciação pode realizar-se. O
encadeamento das falas e o conteúdo veiculado nas cenas de MS envolvem os personagens
numa relação nitidamente desigual e hierárquica, estruturada pelo par conhecimento x
desconhecimento; pela transfencia do saber de quem o possui para quem é digno de recebê-
lo. Essa é a comunicação elementar da ação pedagógica. Dentro dessa relação desigual e
baseado na análise do conjunto de inserções (117), identificamos três modalidades em que ela
pode apresentar-se: Assimétrica, Simétrica e Depoimento.
156
Com base em um capítulo amostra, obtivemos a seguinte equação: cada capítulo possui uma duração total de
55 minutos aproximados sem intervalos comerciais; dividindo-se cada capítulo divide-se em 5 blocos de 12 min
cada um; cada bloco possui 8 cenas. Em dia cada cena dura 1min 30seg; dentro de cada bloco a duração da
cena varia entre 30 segundos e 2 minutos.
187
187
Gráfico 17. Tipos de inserções de merchandising social
Total de inserções: 117
O
Gráfico 17 revela a dominância da forma Assimétrica com 88 inserções (75%),
seguida pela Simétrica com 17 inserções (15%) e ficando em último lugar Depoimento, com
12 inserções (10%).
A forma que chamamos de Assimétrica (88 inserções, 75%) é formada, de um lado,
pelo enunciador, representado pelo personagem competente e especializado que cumpre o
papel de educador ele é quem sabe e explica e de outro, pelo enunciatário, o personagem
protagonista que cumpre o papel de educandoele é quem não possui conhecimento sobre os
fatos, quem interroga, logo, compreende e como resultado, é educado. O personagem-
educando é quem estaria representando o telespectador como interlocutor do MS. Ele carrega
em suas falas as perguntas em que o cidadão faria a respeito do tema que está sendo tratado,
ao mesmo tempo em que coloca as marcas da redundância para reafirmar e ajudar a fixar a
informação, levando em consideração a efemeridade do tempo televisivo e a audncia
descompromissada.
Como ilustração, citamos os seguintes casos:
Síndrome de Down
- Cap.73, 2-10-2006. A fonoaudióloga Tatiana responde às inquietações de
Helena acerca da estimulação da fala de criança portadora da Síndrome (sua filha Clarinha, no caso).
Helena - O que você está achando, Tatiana? Como es indo a evolução
dela? / “Eu tenho feito isso, tenho procurado estimular a autonomia…”/
“Sei. Fazer com que ela fale mais, dar oportunidade para que ela fale e não
ficar falando por ela”/ “Dá uma dica, como é que eu devo agir, porque às
vezes eu acho que eu estou fazendo tudo errado. Como é que eu faço?”/ “Eu
188
188
sei de tudo isso, mas eu preciso lembrar e reforçar, porque, às vezes, a gente
acaba fazendo por ela…”/ “Não se deve fazer, não, mas é tão difícil...”.
A
IDS
157
- Cap. 128, 5-12-2006. Os médicos Diogo e Rubinho falam para a Irmã Zenaide
sobre do estado da contaminação da AIDS no mundo ao comentar o relatório anual da OMS:
Irmã Zenaide “Mas, por que isso?”/“Onde estão os governos nisso, e as
campanhas contra a AIDS e os alertas à população?”/“E qual é a razão?”.
Bulimia
158
- Cap. 46, 31-8-2006. Conforme as perguntas dos pais de Giselle, o psiquiatra Bernardo
explicita o que é bulimia, sua causas e o tratamento a seguir:
Miroel/Anna – “Mas por que isso acontece? Não consig
o entender, ela foi
sempre tratada com tanto carinho”/ “O que é que a gente tem que fazer a
partir de agora?”
Alcoolismo Cap. 108, 11-11-2006. A Dr. Juliana explica para Marina o que é o delirum
tremens que seu pai acabara de sofrer e as fases do tratamento de reabilitação:
Marina “Nunca vi uma cena tão chocante na minha vida”/ “Ele começou a
ver insetos e ratos na cama. Até que ponto meu pai chegou!?”/ “Eu não sabia
que era tão sofrido. E depois dessa fase, acontece o quê?”/ “Será que a gente
vai aguentar até lá, eu e meu pai?”.
Adoção
1
59
- Cap. 171, 24-1-2007. Conforme as perguntas de Léo, o advogado Saldanha
explica o procedimento que implica uma primeira audiência de guarda judicial:
Léo – “E agora, como é que funciona?”/Eles sabem sobre a audiência?”/
“Mas eles não precisam de um advogado”.
Nesses jogos de falas, percebe-se a relação assimétrica entre quem informa e instrui
com conceitos ou conselhos práticos para serem aplicados ao cotidiano, e quem recebe essa
informação e aceita aplicá-la. Essa demonstração empírica corrobora a apreciação de Barros
de Andrade acerca do MS:
A
s informações veiculadas por personagens relacionados à temática posta em discuso
lembram, não raro, o discurso jornalístico pelo seu apelo a uma linguagem objetiva, clara
e direta, típica da práxis incorporada pelos profissionais do campo. Envoltos por esse
discurso, as personagens, quase sempre, são “suspensas” dos conflitos emocionais da
narrativa para repassarem informações que os autores julguem pertinentes para esclarecer
a questão posta em debate, chegando, em determinados momentos, a se criar um
verdadeiro monólogo entre a personagem-pedagoga e o telespectador-aluno (BARROS
DE ANDRADE, 2006:3).
157
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 4; minuto: 06:42.
158
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 5; minuto: 09:16.
159
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 6; minuto: 10:50.
189
189
Em segundo lugar, na forma Simétrica (17 inserções, 15%), a comunicação
pedagógica é construída de forma diferente. Nesse tipo de inserções a relação de desigualdade
no conhecimento persiste, porém, o telespectador é deslocado de lugar. Tipificamos como
Simétrica a inserção em que os saberes dos especialistas em questão são integrados numa
conversa comum, através do cruzamento de seus pontos de vista e/ou dos seus
conhecimentos, próprios de cada uma das suas áreas específicas. Assim sendo, eles estão
mesmo nível, como os personagens-educadores da ação, e o telespectador é objetivamente
posicionado como educando. A imagem seria a do aluno-espectador diante de uma aula ou
palestra. Como exemplo, podemos citar:
AIDS - Cap.82, 12-10-2006. Nessa cena são integrados, de um lado, os
conhecimentos do dermatologista (Rubinho) - que salienta a importância da dermatologia
para a recuperação de tecidos com queimaduras como consequencia de acidentes e,
principalmente, da relização do diagnóstico da AIDS -; de outro, os conhecimentos do
infectologista (Diogo) que reforça a informação, junto aos dados estatísticos, acerca da
doença.
Síndrome de Down
160
- Cap. 181, 5-2-2006. Diogo comenta com Helena acerca da
ausência de registros de câncer em pessoas com Síndrome de Down e explica como e por que
a Síndrome previne certas doenças. Helena afirma e aponta o Brasil como país líder na
pesquisa sobre o assunto. Em uma cena do capítulo 56 de 12-9-2006, a diretora da escola
regular, na qual Clarinha tinha sido discriminada, incentiva às professoras a pôr em prática a
incluo social. Conjuntamente, diferentes vozes de professoras enfatizam o direito que toda
criança possui de estudar numa classe regular. Por fim, dentro da categoria Simétrica e nessa
mesma temática em questão, consideramos um tipo de inserção bastante singular e de
presença reiterada (9 inserções). Trata-se de uma camiseta usada por Lívia, empregada
doméstica, cuja legenda era Ser diferente é normal”. A camiseta foi explorada
constantemente pela câmera em diversas situações corriqueiras da vida familiar da
protagonista, cujo foco principal recaía nas atividades diárias da criança portadora da
Síndrome, Clarinha. A deliberação do uso desse recurso preenchia a mesma função que uma
epígrafe numa fotografia: o fechamento da polissemia da imagem, que leva a concluir uma
lição: criança com Síndrome de down pode levar uma vida normal.
Finalmente, uma outra forma em que pode manifestar-se o MS é o Depoimento, cuja
presença ocorre em 12 oportunidades (10%). O valor pedagógico desse recurso foi abordado
160
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 7; minuto: 11:51
190
190
no ponto 4.5 deste trabalho, Afastamentos e aproximações do merchandising social ao
modelo E-E, a partir da análise dos epílogos
161
veiculados no final de cada capítulo de
Páginas da Vida. Cabe agora aprofundar as variações que ele pode assumir e sua relação com
a noção de leitura documentarizante (ODIN, 1984).
Complementarmente à noção de naturalismo como equação discurso=verdade
(XAVIER, 2005), a leitura documentarizante é um efeito de posicionamento do leitor e
centra-se sobre a imagem que o leitor faz do enunciador: na leitura documentarizante o leitor
constrói a imagem do enunciador, pressupondo a realidade desse enunciador, o leitor
constrói um eu - origem real (ODIN, 1984). Assim sendo, essa leitura é capaz de tratar todo
filme como documento, tanto o ficcional quanto o documentário propriamente dito. Uma das
formas de ativar esse tipo de leitura é partir dos recursos estilísticos utilizados no texto
audiovisual (modo de produção interno) tais como o funcionamento dos créditos, o foco
embaçado, tremulação de imagem, som direto, olhar para câmera, entre outros. Odin (1984)
aponta que um filme pertence ao conjunto de documentário quando ele integra explicitamente
em sua estrutura a instrução de pôr em ação a leitura documentarizante, programando-a a
partir das figuras estilísticas referidas. Em Páginas da Vida, a manifestação máxima da
imbricação entre ficção e realidade pode ser identificada no MS da viagem do personagem
Diogo médico infectologista à África, na missão do ACNUR-ONU
162
. A narrativa brinca
como pêndulo entre a programação de uma leitura documentarizante que mostra a África de
uma maneira direta e uma fictivisante (ODIN, 1984)
163
, que nos lembra que se trata de um
personagem e obra de ficção. Dentro das instruções textuais que nos convidam a ler esse
trecho de ficção como um documentário (das 12 inserções totais da viagem, 9 são
depoimentos com esse registro), temos no nível da imagem vários indicadores. A diferença do
restante da narrativa, o registro da viagem à África é dominantemente granulado, com forte
presença de tremulação da imagem (a câmera vai acompanhando Diogo enquanto percorre,
seja a pé ou de carro), de travellings aos solavancos, de longos planos sequenciais mostrando
o panorama geral da pobreza do lugar e de uma iluminação deficiente. Esses recursos
produzem o sentido de uma filmagem direta, crua, sem artifícios de edição, em outras
161
Os depoimentos dos epílogos o foram tratados quantitativamente por estarem situados “fora” da narrativa
ficcional e pelo grande mero que representam, o que desvirtuaria a proporção em relação às outras formas
encontradas dentro da novela.
162
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 8; minuto: 13:17.
163
Por oposição à leitura documentarizante, na leitura fictivisante o leitor recusa a construção de um eu-
origem (ODIN, 1984). A instrução é indicada por recursos como: imagens enquadradas em planos
padronizados, sem tremulações, cortes secos, poucos planos sequência, som limpo e sem interferências, e olhar
nunca direcionado a câmera.
191
191
palavras, o efeito é que a realidade é captada sem mediações. A mesma função preenche o
som direto que, por oposição ao som de estúdio, apresenta-se de maneira suja”, registrando
gritaria das crianças, barulhos e outras referências sonoras do lugar. Ao mesmo tempo, como
explicitamos no catulo anterior, a música afro enfatiza a dramaticidade da situação. É uma
das poucas vezes em que a música preenche uma função melodramática canônica no MS.
Cabe lembrar que as filmagens no Burundi foram realizadas sob consultoria do brasileiro Ivan
Canabrava, que possui uma vasta experiência como documentarista das Nações Unidas em
zonas de guerra, como Burundi, Ruanda e Angola, na África, e em Timor Leste e Camboja,
na Ásia
164
.
Pelo fato de nas cenas descritas não aparecer o olhar direcionado para a câmera
(quebra da regra canônica da leitura fictivisante) como figura clássica do depoente ou
testemunha, incluímos essa viagem na categoria Depoimento, pela utilização da voz em off ou
over, isto é, a voz que se sobrepõe às imagens e cujo foco emissor é indeterminado ou se
encontra em outro espaço frente ao observado pela câmera (XAVIER, 1983:128). No caso, é
a voz do médico infectologista que fala acerca dos índices de AIDS na África, da
precariedade do lugar e do desrespeito aos direitos humanos, enquanto as imagens
corroboram o descrito. Essa articulação entre imagem e voz é um tro do documentário
clássico; o narrador (personagem Diogo) é colocado como uma master voice: uma
autoridade que comenta, explica e as coordenadas do fato mostrado na tela” (XAVIER,
1983:128). Assim sendo, o relato transforma-se num testemunho: “ele está ali, ele narra o que
vê, o que ele é real”. Em termos de ação pedagógica, a autoridade (enunciador) dessa
comunicação é o médico infectologista, legitimado em seu caráter de testemunha dessa
realidade vivida; através de seu depoimento é que são transmitidas as mensagens educativas
acerca da AIDS. Essa representação documentarizante, híbrida de ficção e realidade, é
constantemente contrabalançada por uma pulsão fictivisante, uma vez que, em certas ocasiões,
a voz em off do personagem cede lugar para falas referidas à trama sentimental da novela,
como sua ligação amorosa com Helena no passado recente.
164
DA FOLHA ON LINE. Brasileiro vai documentar situação dos refugiados no Líbano. Folha de São Paulo,
26 de julho de 2006.
192
192
Imagem 2. Merchandising social e leitura documentarizante
Muyinga é uma província do Burundi onde
está localizado uns dois mais importantes
campos de refugiados daqui. O mero gira
em torno de 3000 pessoas, e 7 de cada 10
refugiados são mulheres e crianças. São
pessoas que perderam tudo, seus parentes,
sua casa. Mulheres e filhos que viram seus
maridos e pais serem torturados e mortos
por milícias que queimam casas e roubam o
pouco que m. Esses refugiados chegam ao
acampamento apenas com a roupa do corpo
buscando proteção, um pouco de água e
comida. Todas as crianças são órfãs e a
maioria delas está infectada com o vírus do
HIV: a previsão é que apenas uma minoria
esteja viva no final de esse ano de 2001.
Vendo de perto tudo isso, eu não sei
quando eu volto no Brasil, tenho saudade de
você, Helena, saudade de muitas coisas, mas
eu tenho uma missão. Eu posso ajudar e vou
ajudar essas pessoas. Hoje no horário do
almoço eu senti vergonha do lanche que
levei na mochila. Crianças famintas...
Cozinhando larvas e cupins para comer,
crianças, Helena, apenas crianças,
indefesas. E eu fico me perguntando: onde
está Deus enquanto tudo isso está
acontecendo?!. Um beijo. Diogo.
(Páginas da Vida – 14/8/2006)
193
193
Por fim, outro tipo de representação dentro da forma Depoimento refere-se ao relato
de pacientes/vítimas encarnados em personagens ficcionais (3 inserções). Tal é o caso de
Bira, que relata sua experiência como dependente alcoólico para o grupo Alcoólicos
Anônimos
165
, da jovem Giselle que expressa seu mundo interior como bulímica, e de uma mãe
de uma criança portadora da Síndrome de Down que relata para Helena seu testemunho
acerca das dificuldades e sucessos da educação da sua filha em uma escola regular e especial.
Cabe salientar que o Depoimento como forma pedagógica é um recurso bastante
frequente no MS. Em História de Amor (1995), Manoel Carlos tratou via MS, entre outros
temas, a questão de pessoas com deficiência física. Na trama, o personagem Assunção (Nuno
Leal Maia) que apresentava um programa de esportes na TV, conseguiu entrevistar o então
Ministro Extraordinário dos Esportes, Edison Arantes do Nascimento (Pelé) que, no marco da
preparação para a Paraolimpíada de Atlanta, discursou sobre os problemas dos deficientes e
suas possíveis soluções, ressaltando a necessidade dos poderes constituídos adotarem medidas
que propiciem às pessoas com deficiência o exercício pleno de seus direitos fundamentais. De
outro lado, em Mulheres Apaixonadas (2003), quando a personagem Heloísa (Giulia Gam)
passa a frequentar as reuniões do MADA, foram articulados depoimentos acerca de ciúme
doentio baseados em testemunhos reais. Além disso, no tratamento da violência urbana via
MS, os pais da estudante Gabriela Prado Maia, tima de uma bala perdida na Tijuca, zona
norte do Rio de Janeiro, no início de 2003, participaram da novela em um debate sobre a
violência promovido pela professora Santana (Vera Holtz) na escola. Essa representação
naturalista de trazer pessoas reais para depor, ativando também uma leitura
documentarizante, é constantemente trabalhada por Glória Perez. Alguns exemplos são: os
depoimentos das mães de crianças desaparecidas em Explode Coração (1995), os
depoimentos de usuários de drogas em O Clone (2001), desde anônimos até pessoas famosas,
como o ator Carlos Vereza e a cantora Nana Caymmi, e os depoimentos de deficientes visuais
em América (2005) no contexto do tratamento das dificuldades de inclusão social dos
mesmos.
Em síntese, o Depoimento se apresenta como uma forma muito rica de veicular
mensagens educativas e de aprimorar os mecanismos de verossimilhança. Quando os
depoimentos provêm do mundo “real”, a diluição das fronteiras entre ficção e realidade são
ainda mais evidentes e complexas.
165
Vide Anexo: DVD com cenas de merchandising social em Páginas da Vida. Cena 9; minuto: 15:21.
194
194
6.3 Os personagens ou autoridades pedagógicas do merchandising social
Ao trabalhar o MS como ação pedagógica, debruçamo-nos agora sobre os
personagens que veiculam as mensagens educativas. Em outras palavras, analisamos quem
o e como são construídos, a partir do discurso, os emissores legítimos do MS, isto é, as suas
autoridades pedagógicas (BOURDIEU, 1975).
Gráfico 18. Personagens no merchandising social
Total de inserções: 117
De acordo com o total de cenas analisadas (117), percebeu-se que o MS é articulado
a partir de dois tipos diferentes de personagens que podem ser categorizados em dois grandes
grupos: os Personagens Secundários, com presença em 65 inserções (56%) e os
Protagonistas, em segundo lugar, em 52 inserções (44%).
O grupo que tem mais inserções, Personagens Secundários (65 inserções, 56%), é
formado por personagens que não estão engajados a uma trama com desenvolvimento
próprio; eles apenas participam da trama na qual eles se inserem para veicular o MS. De fato,
o único papel que eles desenvolvem na telenovela é o de se corresponder com uma
especialização profissional determinada. Eles estão sempre presentes no mesmo espo de
trabalho que os profissionias, vinculando-se frequentemente aos mesmos personagens que,
aliás, são os protagonistas cujas histórias motorizam a narrativa. O grupo é formado por 15
personagens. Eles são: Dr. Ferreira, advogado; Raúl, pediatra; Bernardo, psiquiatra; Laura,
Norma, Clarice e Paula, educadoras; Tatiana/Manuela, fonoaudiólogas; Juliana, médica
195
195
clínica; Mãe de Vitória, criança com Síndrome de Down; Lídia, empregada doméstica;
Saldanha, advogado; o personagem laboratorista; Marília, psiquiatra; o personagem no papel
de juiz. Percebe-se que, do total dos personagens secundários, apenas Tatiana (Julia Carrera) é
anunciada nos créditos na vinheta de abertura, e Marília (Daniela Galli) e Saldanha (Bruno
Padinha) aparecem identificados na relação de personagens no site oficial de Páginas da
Vida
166
. Para Odin (1984), a ausência de nomes dos atores nos créditos é outro recurso interno
ao texto audiovisual que ativa a leitura documentarizante. A falta de identificação dos atores
nos convida a considerar como enunciadores reais não os atores de fato, mas os responsáveis
pelo discurso, aqueles que garantem a autenticidade dos eventos relatados e das palavras
pronunciadas (ODIN, 1984). No mesmo sentido, essa representação naturalista nos coloca
diante da impressão de estar frente a falas de “verdadeiros profissionais”, e não de atores,
apagando, assim, a linha que divide a ficção da realidade. o segundo grupo, Protagonistas
(52 inserções, 44%), é formado pelos personagens que deflagram ação, que agem e
dinamizam o conjunto dos acontecimentos (PALLOTTINI, 1998:155). Eles estão engajados
na narrativa a partir de suas próprias histórias, tanto sentimentais quanto sociais, e são
encarnados por atores profissionais e conhecidos no meio artístico. Nesse grupo, o MS
provém das vozes de 9 personagens claramente identificáveis tanto nos créditos da vinheta de
abertura quanto no site oficial da telenovela. Eles são: Helena (Regina Duarte),dica
obstetra/mãe; Diogo (Marcos Paulo), médico infectologista; Bira (Eduardo Lago), paciente
alcoólatra, Giselle (Pérola Faria), paciente bulímica; Rubinho (Fernando Eiras), médico
dermatologista; Miroel (Ângelo Antônio) e Anna (Deborah Evelyn), familiares; Selma (Elisa
Lusinda), médica obstetra; Lucas (Paulo César Grande), médico clínico/pai, Tereza (Renata
Sorrah), advogada; Ivan (Buza Ferraz), advogado. Assim como o filme tem, com efeito, o
poder de interditar certos níveis; é assim que a exibição, nos créditos, da participação dos
atores bloqueia a possibilidade de se construir personagens como enunciadores reais (ODIN,
1984). Assim, o MS tem como se apropriar de outras estratégias discursivas para que o
telespectador reconheça os enunciadores pressupostamente reais. Outro traço a analisar é,
portanto, a função social desses personagens, emissores do MS.
166
Site oficial de Páginas da Vida: http://paginasdavida.globo.com. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
196
196
Gráfico 19. Função social dos personagens no merchandising social
Total: 117 inserções
O Gráfico 19 mostra com maior clareza a função social desempenhada pelos
personagens emissores do MS, sejam eles protagonistas ou personagens secundários. Em
primeiro lugar, o MS como comunicação pedagógica tem nos médicos a principal autoridade,
com 73 inserções, o que representa 62% do total. Essa autoridade está presente em todos os
MS, exceto no da Adoção, e abraça as mais diversas especializações conforme a necessidade
do caso. Por exemplo, médico dermatologista e infectologista para a veiculação de mensagens
acerca da AIDS; médico psiquiatra para as mensagens acerca do tratamento psicogico na
recuperação de alcoolismo e bulimia etc.
Os restantes (38%), distribuem-se entre: 11 (9%), 3 (2,5%) e 3 (2,5%) inserções para
as autoridades de advogado, juiz e laboratorista, respectivamente, que atendem mensagens
relacionadas aos procedimentos legais e técnicos de adoção; 9 (8%) e 7 (6%) respondem às
autoridades de empregada doméstica e educadores como emissores legítimos na defesa da
incluo social das crianças portadoras de Síndrome de Down; 2 (2%) inserções que se
referem aos depoimentos das vítimas das doenças (alcoolismo e bulimia) e por fim, as
autoridades familiares com 9 inserções (8%). Esse último caso corresponde às funções sociais
de mãe e pai, que basicamente repassam para seus filhos ou comentam com parentes os
ensinamentos apreendidos das autoridades oficiais (médicos, psiquiatras etc.). Nesses casos,
observa-se que os personagens educados transferem o habitus apreendido para o seio familiar,
isto é, prolongam a ação pedagógica recebida por meio do exercício de um trabalho
197
197
pedagógico primário, sempre citando a autoridade que ofereceu tal conhecimento. Para
ilustrar, eis um exemplo:
“Lídia, não... Lembra do que a fonoaudióloga disse,
temos que estimular
mais ela, nada de ficar adivinhando o que ela quer, dar comida na boca,
amarrar os tênis. Amarrar tênis por exemplo, ela pode perfeitamente fazer
sozinha, enfim... “
Diz Helena para Lídia, sua empregada doméstica e babá de Clarinha (Cap.78,
7/10/2006).
6.4 Lugar e ambiente do merchandising social
Ao nos depararmo com o espaço de encenação do MS, as categorias mais amplas de
análise referem-se ao lugar e ao ambiente em que a ação pedagógica acontece.
Gráfico 20. Lugar e ambiente do merchandising social
Total de inserções: 117
O Gráfico 20 mostra que o M
S concentra-se em dois lugares e ambientes. O maior
índice é representado pelo Rio de Janeiro ambiente urbano, com 106 inserções (91%).
Especificamente, trata-se do bairro do Leblon, no sul da cidade; bairro que é o cenário
corrente e principal nas tramas de Manoel Carlos. Leblon é para o autor, o que New York é
para Woody Allen: faz do lugar um microuniverso onde personagens convivem com os
moradores e estabelecimentos do lugar. Essa sutil mistura entre realidade e ficção no espaço
198
198
cotidiano pode ser considerada mais uma pedra de toque no encantamento do autor pelo
naturalismo. Sobre esse assunto, o autor declara:
Sempre ambientei no Leblon (há quase 20 anos faço is
so) porque sempre morei aqui.
Gosto de fazer meus personagens viverem onde eu vivo, transitarem pelas ruas que eu
transito, frequentarem os lugares que eu frequento. Gosto que eles se incorporem à
vida do bairro. É muito provável que a Regina Duarte, aqui no Leblon, seja chamada
de Helena (…) O melhor do Leblon é o seu aspecto de vila, onde todos se conhecem e
onde ninguém vai passear. Todos que transitam pelo Leblon moram aqui. Não é como
Copacabana e Ipanema, onde o público flutuante é maior do que o número de
moradores. Nesses lugares parece que todos estão de passagem. No Leblon o. Por
isso os rostos são tão familiares a quem mora aqui. A gente se cumprimenta na rua,
mesmo sem se conhecer, porque no fundo todos se conhecem (MANOEL CARLOS,
2006)
167
.
O
segundo lugar e ambiente de locação é conformado pela África ambiente rural,
com presença em 11 inserções (9%). Como abordamos anteriormente, trata-se do pequeno
país de Burundi, na África, o terceiro país mais pobre do mundo. Para gravar as cenas na
África, o diretor Jayme Monjardim e o ator Marcos Paulo embarcaram para o continente
acompanhados por voluntários da ONU e registraram imagens em campos de refugiados de
Burundi, Congo, Ruanda e Quênia.
167
LESSA, Rafael. O porquê do Leblon na nova novela da Globo. Revista Viagem e Turismo. Edição 129,
07/2006.
199
199
6.5 Cenário social do merchandising social
Gráfico 21. Cenário social do m
erchandising social
Total de inserções: 117
Da análise das 117 inserções, observa-se, conforme o Gráfico 21, que o lugar
dominante de encenação do MS é o âmbito médico, presente em 69 inserções (59%). Esse
grupo é formado, em primeiro lugar, pelo “Hospital Casa de Saúde Santa Clara de Assis” (26
inserções). Por esta instituição perpassarão muitas das subtramas que motorizam a narrativa
pelo fato de ser o local de trabalho dos personagens principais da telenovela. Ao hospital,
segue-se a clínica de reabilitação de alcoólatras “MAGNA” (16 inserções), os consultórios
(14 inserções) de fonoaudiologia e terapia, as ONGs (9 inserções), conformadas pelo campo
de refugiados da ANCUR (8 inserções) e pelo Alcoólicos Anônimos
(1 inserção), e, por fim, o
laboratório para teste de DNA (4 inserções). Em segundo lugar, o cenário familiar abraça 27
inserções (7%) corespondentes aos apartamentos residenciais dos personagens; em terceira
posição, encontra-se o cenário educativo, que corresponde a 8 inserções (7%) de MS
encenado nas escolas especial e regular, como a “Saber Viver”. A quarta posição é ocupada
pelo cenário de lazer que compreende 7 inseões (6%) distribuídas entre cenas “externas” em
bares e padarias, e a casa de cultura “Amália Martins de Andrade - AMA”. Esse espaço é um
destaque da produção cenográfica, baseado em um edifício real do Leblon, localizado na Rua
General San Martin. Por fim, ocupando o quinto lugar, o cenário judicial aparece em 6
inserções (5%), representado pelo “Fórum de Justiça”.
200
200
Em decorrência da busca de aproximação entre ficção e realidade, a filmagem de
cenas externas, no próprio bairro de Leblon, foi um traço presente na produção geral de
Páginas da Vida, assim como em outras obras de Manoel Carlos, constituindo-se uma de suas
marcas autorais. Porém, no MS a imbricação entre ficção e realidade se efetua, ao contrário,
pela sua enuncião em ambientes internos. De fato, a ação pedagógica acontece
predominantemente nos ambientes de trabalho dos profissionais das diversas áreas (médica,
educativa, judicial), contextualizando, assim, a informação dentro de um âmbito institucional.
Os personagens veiculam o MS em pleno exercício do cargo ou, nos termos de Bourdieu
(1975), em plena prática ou habitus profissional. O reconhecimento dessa institucionalização
é frequentemente assinalada através de marcas textuais, como placas ou cartazes com os
nomes dos cenários. Elas aparecem no início da cena de MS, como placas identificativas na
porta de ingresso principal do hospital, da clínica de reabilitação, do Fórum de Justiça, das
escolas ou no campo de refugiados. Além disso, podem apresentar-se nos corredores dos
lugares, inclusive, nas telas dos computadores que se encontram em tais lugares. Cabe
salientar que, quando essas marcas correspondem a cenários da vida real, como o caso do
ACNUR ou dos Alclicos Anônimos, a legitimidade é ainda mais potencializada. O mesmo
ocorre quando as marcas de institucionalização são verbais e provêm também do campo do
real. Já trabalhamos esse aspecto em relação à presença das ONGs no discurso de MS
(capítulo IV, tópico 4.5). Vale lembrar como o naturalismo se constitui uma estratégia de
representação do MS, que trabalha no apagamento das fronteiras da ficção e da realidade para
criar um discurso “verdadeiro”, “real”. Esse enquadramento institucional (verbal e visual),
reforça a noção dos personagens como vozes autorizadas ou autoridades pedagógicas, cujo
discurso é legitimado ou respaldado pelas instituições a que pertencem.
Essa apreciação é também válida para o cenário familiar, sendo os pais e a família a
instituição primária da sociedade. Já no caso do cenário lazer, a locação da padaria faz papel
de cenário educativo em que a fonoaudióloga (Tatiana) mostra como pôr em prática a
estimulação da fala de uma criança com Síndrome de Down (no caso, Clarinha). De sua parte,
a locação do bar encena, ao mesmo tempo em que ilustra, a última advertência em torno do
alcoolismo: lembrando da campanha “Pratique Saúde Festas”, os personagens comemoram
seu recente namoro bebendo refrigerante. Não obstante, é no espaço da AMA que a relação
discurso-autoridade-instituição não é tão diretamente expressada, pois o MS veiculado
relaciona-se a explicações judiciais. A justificativa provém da verossimilhança da própria
trama, pois a AMA é o lugar de trabalho de Alex que não tem condições de arcar com um
201
201
advogado para lutar pela guarda de seu neto. Em decorrência, é seu cunhado Ivan, advogado,
quem desempenhará essa função.
Destas observações, decorre a conclusão de que o MS é institucionalmente encenado,
contribuindo para a legitimidade do conteúdo veiculado. O diálogo entre ficção e realidade é
posto a serviço de uma representação naturalista que integra conteúdo-voz autorizada e
âmbito institucional, sendo o efeito de sentido a construção de um discurso portador de valor
de verdade.
6.6 Linguagem de planos no merchandising social
O olhar da câmera e o uso dos planos (quanto às unidades mínimas de significação
da linguagem audiovisual) são outros elementos fundamentais que, integrados aos demais
códigos (som, falas, personagens, cenários etc.), fazem emergir o sentido do discurso. Da
análise das inserções de MS, obtivemos o Gráfico a seguir:
Gráfico 22. Linguagem de planos no merchandising social
Total de inserções: 117
202
2
02
Do Gráfico 22, deduz-se a presença de 4 tipos de planos
168
no funcionamento da
linguagem de câmeras no MS. Observa-se que o plano que lidera a linguagem de câmera do
MS é o primeiro, que se apresenta em duas variações. Como recurso dominante, temos o uso
do primeiro plano puro” (78 inserções, 67%) e a dinâmica de montagem de campo e
contracampo para construir o diálogo entre o profissional-educador e quem recebe a
informação, o educando. Esse uso é característico da forma de enunciação de MS que
chamamos de “Assimétrica”. Observou-se que o momento de encenação do MS é uma
instância dominada pela oralidade e que é construída a partir de um jogo esquemático de
pontos de vista: a personagem que fala é mostrada quase sempre do ponto de vista de quem
escuta. Esse mecanismo é próprio da linguagem do cinema clássico em que, ao não existir
disjunção nenhuma entre o som (a fala) e a imagem, cria-se a impressão de realidade, de
apagamento da mediação da câmera, como instância sempre presente que organiza o texto
audiovisual,
no cinema corrente e em certa literatura naturalista
, a figura do narrador se esconde por
trás do seu próprio ato, o qual ele executa com certo cuidado. o é palpável, não tem
rosto, nem nos deixa qualquer traço que não seja o ato mesmo de narrar. Pelos cuidados
que toma, acaba por provocar em nós uma relação muito particular com a ficção, tal
como se esta se desenvolvesse por si mesma e a mediação o existisse, tal como se
estivéssemos diante de algo tão autônomo quanto certos acontecimentos de nosso
cotidiano (XAVIER, 1983:13).
E
ssa estratégia, baseada no princípio de continuidade, contribui para a representação
de uma narração fluente, verossímil e clara, que produz um efeito global de “perfeição
(encaixe preciso das partes, ausência de lacuna ou incoerências), num espetáculo “forte e
realista (XAVIER, 1983:45). Dessa maneira, a apropriação dessa estratégia discursiva
corresponde a uma comunicação pedagógica naturalizada de fácil apreensão. No mesmo
sentido, o primeiro plano se faz presente nos depoimentos/epílogos finais de cada capítulo.
Nesse caso, o olhar para câmera quebra o pacto ficcional, sendo o telespectador interpelado
diretamente por meio da “voz da experiência” e do “olho no olho”.
Em segundo lugar, e em menor medida, o primeiro plano aparece combinado com o
plano médio ou geral (16 inserções, 14%). Ele se faz presente na forma Depoimento, em que
o paciente é destacado, mas em um contexto maior do que aquele a que ele se dirige, seja um
auditório ou o dico especialista. De igual forma, aparece na categoria Assimétrica, sempre
que a autoridade principal se dirija para mais de um destinatário.
168
Por convenção, o plano geral corresponde à tomada de corpo inteiro, paisagem ou objeto por inteiro; o plano
médio, à tomada da cintura até o topo da cabeça, e o primeiro plano do ombro ou pescoço até o topo da cabeça.
203
203
Em terceiro lugar, o plano médio combinado, presente em 12 inserções (10%),
envolve cenas que contêm mais de dois personagens, o que permite a presença de mais de um
em cada plano, numa dinâmica em que o espectador fica posicionado como ouvinte presente
frente a esse núcleo de pessoas. Ao ser combinado com o plano geral, os personagens são
colocados em contexto. O jogo de câmera é característico da forma de enunciação Simétrica,
que cria a imagem de uma palestra de especialistas.
Por fim, o registro documentário presente em 11 inserções (9%) corresponde a um
uso particular dos planos, que identificamos como instrução documentarizante (ver tópico
4.8.2).
Concluímos que, a partir do pprio MS, enquanto discurso pedagógico, são
construídas as estratégias de legitimidade e verossimilhança necessárias para apreensão e
aceitação deste pelo público. Assim sendo, por médio da seleção/combinação dos códigos
audiovisuais (planos, sica, personagens, falas, cenários etc), comprovamos a hipótese do
caráter naturalista da representação. O jogo da mediação da técnica é, paradoxalmente,
apagar as marcas do trabalho de narração de forma tal que o efeito de sentido resulte na
equação: discurso=verdade (XAVIER, 2005). O MS é, portanto, uma ão pedagógica, de
conteúdo legítimo e autorizado.
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205
Acerca dos conceitos chave da pesquisa
A
presente pesquisa concentrou os esforços na problemática geral das relações entre
ficção e realidade na telenovela brasileira. Mais precisamente, indagamos acerca do MS como
via de acesso à análise dessa relação. Preocupamo-nos, então, em compreender como sua
narrativa ficcional reflete e refrata (BAKHTIN; 1981) a realidade, construindo sentidos que
estruturam e organizam o seu entendimento. Dentro desse amplo espectro, focamos-nos no
MS como mediação (MARTIN-BARBERO, 2001) para o acesso à educação através de uma
outra cultura que o a escrita. Encarou-se o MS como possível alfabetização secundária
(MARTIN-BARBERO; REY, 2004) permitida pelas imagens de TV, pela oralidade, pelo
campo do imaginário.
Diante dessas questões trabalhamos dois conceitos-chave: o de mediação e o de ação
pedagógica (BOURDIEU, 1975). O primeiro atua como chave teórico-metodológica e refere-
se à dinâmica na qual o sentido é construído no processo de comunicação, logo, refere-se à
dialética que se instaura entre emissor-receptor/escritura-leitura. Para operacionalizar o
conceito, conforme os interesses de nossa pesquisa, fez-se necessária uma primeira adequação
teórica que diz respeito ao seu uso, não a partir da perspectiva clássica da recepção, mas, da
produção textual. Assim sendo, nosso principal objetivo foi desvendar como o MS constrói
sentido desde sua constituição narrativa; como é a estrutura desse discurso; como o mundo do
leitor incorpora-se ao processo de escrita inserindo-se nela e deixando suas marcas no texto
(MARTIN-BARBERO, 2003:177).
O segundo conceito-chave, o de ação pedagógica, foi desenvolvido por Bourdieu
(1975) para explicar a educação como o processo fundamental de reprodução da desigualdade
social na sociedade capitalista. Excetuando as objeções feitas ao caráter meramente
reprodutivista expressado pelo autor
169
, o conceito foi de central importância para a pesquisa e
encerrou nossa hipótese principal, isto é, da presença do MS na telenovela brasileira sempre
que uma temática social abordada manifesta-se como uma ação pedagógica deliberada e
explícita. Em decorrência disso, uma segunda adequação disciplinar se fez necessária na
pesquisa: a transposição de um conceito pensado para o sistema escolar e a falia, aplicado
aos meios de comunicação, especificamente, para a telenovela. Desta forma, abraçávamos o
problema central da pesquisa, o do des-centramento (HALL, 1999) ou deslocamento dos
169
Por meio de uma visão menos determinista e mais crítica, Martín-Barbero faz a crítica: o que ficou de fora
(na teoria de Bourdieu), não pensada, é a relação das práticas com as situações e o que a partir delas se produz
de inovação e transformação (MARTÍN-BARBERO, 2001:125).
206
lugares sagrados de circulação e produção do saber, legitimados pelo regime do ler e da
escrita, instaurados pela modernidade ocidental do século SXVIII. Na era da globalização e
do estilhaçamento dos meios de comunicação, novas condições do saber, juntam-se às formas
de expressão da sensibilidade e às novas figuras da sociabilidade. Assim sendo, des-
centramos a unidade formada pela escola, professores e livro como produtores e transmissores
do saber, para a TV, o autor e o MS na telenovela como um outro espaço educativo possível;
um espaço baseado na oralidade, na cultura dos relatos populares.
Acerca dos resultados
O estudo de caso da telenovela ginas da Vida de Manoel Carlos, foi abordado por
meio de duas dimensões de análise, ou dito de outra maneira, duas mediações; lugares de
construção de sentido: o Gênero e a Produção. Por um lado, a mediação do Gênero foi
abordada a partir da indagação do melodrama como matriz cultural do merchandising social;
por outro, a mediação da Produção foi encarada numa dupla indagação: a análise da sintaxe
audiovisual do MS, e os aspectos ligados à metodologia de criação (organizacional - TV
Globo e autoral). Ainda que as mediações tenham sido desenvolvidas, nesta dissertação, nos
capítulos III e V, e IV e VI, respectivamente, exporemos os resultados de forma conjunta,
tentando realizar um processo de síntese, que, voltando à metáfora dos óculos, nos permite-
nos enxergar o MS como uma unidade.
A hipótese do MS como ação pedagógica deliberada encerra dois conceitos
trabalhados por Bourdieu: o de autoridade pedagógica e o de trabalho pedagógico. O
conceito de ação pedagógica deve ser compreendido como uma relação de comunicação, isto
é, como um ato de fala, como uma enunciação. Porém, essa comunicão é do tipo
pedagógica ou que supõe uma operação de seleção/combinação de um conteúdo socialmente
legitimado, o Enunciado, que é transmitido por meio de emissores com competência
reconhecida para fazê-lo, os Enunciadores, ou por outras palavras, as autoridades
pedagógicas. A forma em que o conteúdo é transmitido corresponde ao tipo de trabalho
pedagógico exercido pela ação e que Bourdieu (1975) identifica como podendo ser implícito
207
ou explícito, e de conversão ou reforço do habitus
170
. Da análise de Páginas da Vida
concluímos que o MS é um discurso pedagógico explícito e de conversão.
Para chegar no caráter de discurso pedagógico explícito do MS, traçamos, desde a
mediação do nero, uma genealogia do MS que pretendeu mostrar como a pedagogia da
matriz cultural do melodrama foi sendo reformulada ao longo dos anos, em diálogo com o
contexto social. Descrevemos assim, a ppria evolução do nero na França do
melodramático ao naturalismo ou melodrama social traçando um paralelismo com a
telenovela brasileira. Elaboramos uma periodização que descreveu os inícios da telenovela
como sendo de temática melodramática cssica e cujo pilar foi O Sheik de Agadir (1966) [(1.
Herança melodramática canônica (1950-1967)]; uma fase de inflexão, de refração de um
cotidiano brasileiro com seus problemas sociais e cuja pedra fundamental foi Beto Rockefeler
(1968) [2. Proposta realista e diversificação do gênero (1968-1990)]; e uma terceira e última
fase, em que contextualizamos a aparição do MS [3. Melodrama e naturalismo (1990-
atualidade)], em que o diálogo com o social intensifica-se, o realismo exacerba-se e o caráter
pedagógico do melodrama aparece de forma deliberada. Apontamos, Vale Tudo (1988) como a
telenovela que inaugura essa fase. Em termos gerais, argumentamos que, pela própria natureza
da linguagem da telenovela, de refletir e refratar a realidade (BAKHTIN, 1981), da função
conativa da linguagem (JAKOBSON, 1970) e do funcionamento do imaginário (MORIN,
1969), a telenovela apresenta-se em si mesma como uma ação pedagógica implícita e
espontânea ativada pela correspondência entre os habitus (BOURDIEU; 1975) dos
personagens do mundo narrado e os dos sujeitos do mundo vivido (do cotidiano concreto ou
“real”). Assim sendo, trata-se de uma pedagogia transmitida em seu estado prático e cuja
autoridade é difusa e anônima, legitimada e assimilada por familiarização, ou identificação
espontânea. Em contraste, o que faz do MS um discurso diferenciado recai em sua
manifestação explícita; trata-se de uma pedagogia não mais baseada na prática mas, na
inculcação explícita de princípios codificados e formais (BOURDIEU, 1975:58), é o domínio
simbólico dessa prática. Em Páginas da Vida, identificamos 5 temas sociais acerca dos quais
foram difundidas explicações, conceituações e definições normalizão a seu respeito.
Portanto, podemos falar na presença de 5 MS diferentes, compostos por números variáveis de
inserções (Gráfico 4)
171
. Inferimos, então, que o MS é um discurso que pode aparecer em
170
O habitus é o produto da interiorização dos valores, normas e princípios sociais de uma cultura arbitrária, são
esquemas de pensamento, de percepção, de apreciação e de ação (1975:51) capazes de permanecerem nos
destinatários, mesmo depois de uma ação pedagógica ter cessado.
171
O principal instrumento de coleta de dados primários foi a Planilha de Identificação. Essa ferramenta
permitiu mapear as 117 inserções totais de MS identificadas em Páginas da Vida. O mapeamento geral foi
208
diferentes graus de intensidade, podendo localizar-se tanto na trama principal quanto nas
secundárias. No nosso caso, em particular, o MS acerca da Síndrome de Down desenvolveu-se
na trama principal com 41 inserções de conteúdo pedagógico (35 %). Nas tramas secundárias
desenvolveram-se os MS de AIDS (22 inserções; 19%), Bulimia (19 inserções; 16%),
Alcoolismo (18 inserções; 15,5%) e, por fim, Adoção (17 inserções; 14,5%). Observamos
também, que tanto a temática social da Síndrome de Down quanto da AIDS, são abordadas de
forma explicitamente pedagógica desde o começo do desenvolvimento da novela, enquanto as
restantes ganham o peso pedagógico do MS uma vez que a temática tenha adquirido certo peso
dramático. O porquê dessa diferenciação ou decisão de produzir essa inflexão pedagógica, que
chamamos de MS, ou dito de outra forma, o porquê ou quando uma temática social pode virar
MS, e cuja resposta cabe ao processo de criação autoral, é uma questão que esta pesquisa não
conseguiu dar conta.
Por outro lado, a partir do mapeamento e análise de conteúdo dos MS de Páginas da
Vida, observamos que seu discurso visa à desmistificação de certas crenças, tanto quanto à
promoção de mudanças de comportamento e atitudes; em outras palavras, sua pretensão é a
substituição do habitus. Portanto, o trabalho pedagógico posto em ação é do tipo de conversão
(BOURDIEU, 1975:55). Esse objetivo do MS foi expressado de forma aberta em depoimentos
de Manoel Carlos acerca das temáticas da Síndrome de Down e da AIDS. O autor manifestou o
preconceito em torno da inclusão social e da AIDS, propondo-se através da ficção, ajudar a
mudar esse panorama
172
. Assim mesmo, Flávio Oliveira, Gerente de Projetos Sociais da TV
Globo, corrobora esse objetivo do MS, ao defini-lo como mensagens socioeducativas por meio
das quais a audiência pode extrair ensinamentos e reflexões capazes de mudar positivamente
seus conhecimentos, valores, atitudes e práticas
173
.
Conforme explicita Bourdieu, é condição do trabalho pedagógico prolongar-se o
bastante para produzir uma formação durável, o habitus (1975:43), daí, seu caráter de
atividade sistemática e contínua. Da análise e observação do comportamento dos distintos MS,
concluímos que o modo de inculcação, de veiculação, no caso, de conteúdo didático, é
realizado por meio do dispositivo de reconhecimento da repetição ou redundância;
mecanismo de enunciação da matriz folhetinesca, do relato popular e da cultura oral. De fato,
dividido em 5 Planilhas, sendo elaborada uma planilha para cada uma das temáticas sociais abordadas (Veja
Anexos). Isso permitiu analisar cada um dos MS de forma separada. os aspectos específicos da Produção
(análise de fluxo e sintaxe audiovisual) foram trabalhados a partir da análise conjunta de todas as inserções
veiculadas.
172
TRIGO, Mariana. Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela. Terra, 9 de julho de
2006.
173
Entrevista com Flávio Oliveira, Gerente de Projetos Sociais da TV Globo. Veja Anexos.
209
observamos a presença contínua, regular e sistemática de MS ao longo de toda a exibição de
Páginas de Vida (Gráfico 6), concentrando os maiores índices de inserções na fase
intermediária de exibição da novela, momento de desenvolvimento das tramas e de maior teor
dramático (Gráfico 13). Cabe lembrar que a diferença da presença contínua e regular do
restante dos MS, o comportamento de Adoção foi bastante irregular, concentrando-se
principalmente nos derradeiros meses de exibição de Páginas da Vida. De outro lado,
observou-se que o conteúdo das inserções de cada um dos MS pouco varia ao longo da
exibição (Gráficos 7, 8, 9, 10 e 11), ou seja, existe um trabalho de reforço das mensagens
educativas através da repetição constante das mesmas definições ou explicitações. Por
exemplo, o MS acerca da Síndrome de Down conteve 20 inserções (49%) sobre a importância
da inclusão social dos portadores. Assim mesmo, o dispositivo da repetição se revela pela
localização das inserções educativas no fluxo interno dos capítulos da novela (Gráfico 15). A
maior concentração encontra-se quase equitativamente nos blocos 5 (31 inserções, 26,5%) e 1
(30 inserções, 25,5), pontos extremos dos capítulos e pólos de atenção do espectador. Dessa
maneira, identificamos que esses pólos atuam como reforço pedagógico, uma vez que uma
cena educativa veiculada no bloco final de um capítulo é recapitulada no dia seguinte no
bloco inicial.
A partir de um olhar diacrônico, identificamos, a possibilidade de ampliação do MS
através do diálogo com outros formatos e discursos, prolongando, assim, a ação pedagógica
no tempo e no espaço da grade. Identificamos três possibilidades no estudo de nosso caso em
questão, em que a repetição ou redundância do MS extrapola a própria narrativa: 1) a
continuidade da ão pedagógica a partir do diálogo entre diferentes obras do mesmo autor
(Ex.: O MS do alcoolismo, também presente em Mulheres Apaixonadas); 2) o diálogo com as
campanhas da TV Globo (Ex.: Publicidade social acerca da Síndrome de Down fazendo uso
de cena da telenovela); e 3) o diálogo com outros formatos e gêneros (Ex.: Globo Repórter
sobre adoção).
Concluímos, por fim, que o dispositivo da repetição ou redundância é o operador do
trabalho pedagógico do MS, isto é, o dispositivo mediador para a interiorização das
mensagens educativas, diante do cenário de audiência, fragmentado e descompromissado, da
vida cotidiana. Inclusive, esse trabalho pedagógico pode ser observado na linha do tempo, em
função da repetição dos mesmos MS em diferentes narrativas e autorias (Quadro 8). Nesse
sentido, identificamos a problemática do alcoolismo como sendo um caso paradigmático de
abordagem via MS ao longo dos anos. Nessa reflexão, cabe lembrar as palavras de Pallottini,
210
(...) a telenovela pede tempo para se fixar na mente e na imaginação do espectador. Ela deve
ser, por definição, redundante, repetitiva (...) Não se pode bastar com simples menções rápidas
a fatos novos: esses fatos serão mostrados uma e outra vez até que toda audiência tome
conhecimento deles (1998:38).
A outra categoria desenvolvida na pesquisa para trab
alhar a hipótese do MS como
ação pedagógica é a de autoridade pedagógica; condição social necessária para o exercício da
ação. Estamos no cerne do problema da legitimidade, pois uma ação pedagógica é factível
sempre que desempenhada por um agente determinado cuja capacidade de falar e de agir
legitimamente (de maneira autorizada e com autoridade) lhe foi outorgada socialmente
(BOURDIEU, 1983:122). Entendendo o discurso como um campo (BOURDIEU, 1975) ou
como arena de luta de classes (BAKHTIN, 1981), o MS, enquanto discurso pedagógico,
constrói suas próprias estratégias de legitimidade e verossimilhança. Assim sendo,
comprovamos a hipótese do caráter naturalista da representação, que ao apagar as marcas
da mediação constrói, em decorrência, o efeito de sentido que é a equação: discurso=verdade
(XAVIER, 2005).
Por meio da mediação da Produção e da análise dos códigos sonoros e audiovisuais
que formam a sintaxe audiovisual do MS, concluímos que a representação naturalista é
construída a partir dos seguintes aspectos: em primeiro lugar, identificamos dois tipos de
personagens (Gráfico 18) que representam os emissores legítimos - autoridades
pedagógicas - da comunicação pedagógica: os Personagens Secundários, com presença em
65 inserções (56%) e os Protagonistas, em segundo lugar, em 52 inserções (44%). Destaca-se
o primeiro grupo de personagens, que em vista da falta de seus nomes nos créditos e de uma
história própria fora da veiculação das mensagens educativas, apresentam-se ante nós como
“verdadeiros profissionais” (da medicina, da educação etc) e o como atores desempenhando
um papel. Em segundo lugar, e ligado ao primeiro aspecto, o MS tem na função social
(Gráfico 19) do médico, 73 inserções (62%), sua principal autoridade. As restantes 44
inserções (38%) se distribuem entre: 11 (9%) para a autoridade de advogado; 9 (8%) tanto
para empregada doméstica quanto para autoridades familiares; 7 (6%) respondem às
autoridades de educadores; 3 (2,5%) tanto para juiz como para a autoridade de
laboratorista; e por fim, 2 (2%) inserções para vítimas das doenças (pacientes). Um quarto
aspecto diz respeito ao lugar e ambiente (Gráfico 20) em que o MS acontece. Ele é encenado,
principalmente, em um ambiente urbano, mais precisamente no bairro do Leblon (106
inserções, 91%). Manoel Carlos privilegia o Leblon em sua obra, e, através desse espaço, o
autor explora o cotidiano naturalista em suas narrativas levando para a ficção, as lojas e
211
moradores do próprio bairro. Ainda que as tomadas externas contribuam nessa busca de
representação naturalista, o MS, em contraste, é encenado no interior dos cenários sociais
(Gráfico 21), sendo o cenário médico o âmbito dominante (69 inserções, 59%). Seguem-se os
cenários: familiar com 27 inserções (7%), o educativo com 8 inserções (7%), o de lazer que
compreende 7 inserções (6%) e o cenário judicial presente em 6 inserções (5%). Observou-se
que os personagens veiculam o MS em pleno exercício do cargo, ou nos termos de Bourdieu
(1975), em plena prática ou habitus profissional. Frequentemente, as cenas são precedidas de,
ou apresentam em seu interior, marcas textuais de reconhecimento da institucionalidade que
moldura o discurso pedagógico do MS. Exemplo disso são placas identificativas na porta de
ingresso principal do “Hospital Casa de Saúde Santa Clara de Assis”, da clínica de
reabilitação “MAGNA”, ou da escola “Saber Viver”. Esse enquadramento institucional
reforça a noção dos personagens como vozes autorizadas ou autoridades pedagógicas, cujo
discurso é legitimado ou respaldado pelas instituições a que pertencem. Quando essas marcas
correspondem a cenários da vida real, como as placas do ACNUR nas cenas sobre a AIDS no
campo de refugiados na África, ou a presença de Alcoólicos Anônimos para abordar o
tratamento de reabilitação do alcoolismo, a legitimidade do discurso é ainda mais
potencializada. Esta institucionalização aparece não apenas de forma visual, mas também
verbal. De fato, uma das estratégias do MS para ganhar autoridade enquanto discurso
pedagógico é a apropriação do discurso das ONGs, trazendo para a ficção dados estatísticos, o
nome de entidades sociais de existência real que respaldam esses dados (OMS, ACNUR) ou a
referência a organizações que podem ser consultadas para pedir ajuda na recuperação de
doenças (Alcoólicos Anônimos, AL-ANON). Às vezes, campanhas sociais implementadas pelo
governo no momento de exibição das novelas encontram um espaço de difusão no MS ao
mesmo tempo em que reforçam as mensagens educativas por ele veiculadas. É o caso em
Páginas da Vida, por exemplo, da difusão da campanha para prevenção de alcoolismo
“Pratique Saúde Festas” lançada em 2007 pelo Ministério de Saúde. Ao mapear outras
referências de novelas que contivessem MS, percebamos que essa exacerbação de realismo é
um traço frequente utilizado como estratégia de verossimilhança (Quadro 7). Alguns
exemplos revelados foram: Ação da cidadania contra a miséria pela vida em Pátria Minha
(1994), Narcóticos Anônimos em O Clone (2001), MADA em Mulheres Apaixonadas (2003),
e o caso exemplar de Alcoólicos Anônimos, presente em Vale Tudo (1988), O Mapa da Mina
(1993), Por Amor (1997), Mulheres Apaixonadas (2003), Celebridade (2003) e Duas Caras
(2007).
212
Outra das estratégias incluídas na representação naturalista do MS é baseada na
utilização das meras e da linguagem de planos (Gráfico 22). A predominância de um ou
outro plano se corresponde a alguma das formas possíveis de enunciação – tipologia - do MS.
Na pesquisa foram identificadas três formas que chamamos de: Assimétrica, Simétrica ou
Depoimento (Gráfico 17).
Como recurso dominante, temos o uso do primeiro plano “puro”, presente em 78
inserções (67%) e a dinâmica de montagem de campo e contra-campo para construir o diálogo
entre o profissional-educador e quem recebe a informação, o educando, que por sua vez,
estaria representando o telespectador como interlocutor do MS. Esse uso é característico da
forma de enunciação de MS que chamamos de Assimétrica, presente em 88 inserções (75%).
O plano médio combinado, aparece em 12 inserções (10%), dominando as cenas
contêm mais de dois personagens-educadores, o que permite a presença de mais de um em
cada plano, numa dinâmica na qual o espectador-educando fica posicionado como ouvinte
frente a esse núcleo de eruditos. O jogo de câmera é característico da forma de enunciação
Simétrica, presente em 17 inserções (15%), que cria a imagem de uma palestra de
especialistas.
A terceira forma revelada em que o discurso pedagógico pode realizar-se é o
Depoimento, com 12 inserções (10%). Em Páginas da Vida, esse recurso foi utilizado de
varias formas. Por um lado, como epílogo ao final de cada capítulo, preenchendo o papel de
reforço pedagógico das mensagens veiculadas no dia
174
. Nesse caso, domina o primeiro plano
“puro” e o olhar da pessoa comum” é dirigido à câmera, quebrando, assim, o pacto ficcional
com o telespectador. De outro lado, identificou-se como Depoimento os relatos
correspondentes a pacientes/vítimas de doenças encarnadas por personagens ficcionais. Nesse
caso, o plano dominante é o primeiro plano combinado, com 16 inserções (14%), mediante o
qual o depoente é posto em destaque, porém, sem perder de vista a quem se dirige seu relato
na hora da enunciação (seja médico ou auditório). Cabe lembrar que esse tipo de plano (o
primeiro plano combinado) é também utilizado na forma Assimétrica, em menor medida,
sempre que o enunciatário inclui mais de uma pessoa.
Exceto nos epílogos, podemos concluir que, em termos gerais, as formas de
enunciação descritas respeitaram a montagem clássica de continuidade, cujo maior efeito é
provocar em nós uma relação muito particular com a ficção, tal como se esta se
174
Os depoimentos dos epílogos finais não foram tratados quantitativamente por estarem situados “fora” da
narrativa ficcional e pelo grande número que representam, o que desvirtuaria a proporção em relação às outras
formas encontradas dentro da novela.
213
desenvolvesse por si mesma e a mediação não existisse, tal como se estivéssemos diante de
algo o aunomo quanto certos acontecimentos de nosso cotidiano (XAVIER, 1983:13)
1
75
.
Além do texto e os movimentos de câmera, o tempo da ação é também decisivo para a
construção da naturalização. De fato, sendo 1.30 minutos o parâmetro normal
176
de duração
de uma cena de telenovela, 30 inserções (25,5%) tiveram uma duração de até 2 minutos e 56
inserções (48%), uma duração superior à normal. Esse último grupo é integrado,
principalmente, por cenas de 3 a 8 minutos de duração.
Portanto, observou-se no MS uma tendência à desaceleração do fluxo narrativo na hora
de comunicar certos esclarecimentos. São realizadas cenas simples, pausadas e redundantes, a
fim de que a mediação da Produção no discurso do MS atenda à construção de um ritmo
temporal que dialoga com o tempo vivido pelo telespectador, enquanto se adequa a suas
condições de recepção cotidianas para lograr melhor interiorização. Mesma função cumpre o
papel da música (Gráfico 12), que está praticamente ausente no discurso de MS, com 79
inserções (68%). A força do discurso do MS provém mais da oralidade, dos textos límpidos,
sem referências sonoras que possam desviar a atenção, do que de impactos emocionais
articulados por meio da música. Essa função melodramática clássica da música é percebida
em menor medida, 38 inserções (32%), ora na forma Depoimento, quando a emotividade do
relato da experiência própria é acompanhado por sica leve; ora como índice que ativa o
reconhecimento do personagem envolvido na cena de MS.
As estratégias de representação naturalista descritas, ativam, nos termos de Odin,
(1984) a leitura documentarizante (Imagem 2). Essa noção, que consideramos complementar
à de naturalismo, realiza a construção da imagem do enunciador pressupondo a realidade
dele, em outras palavras, os enunciadores não são os atores de fato, mas os responsáveis pelo
discurso, eles garantem a autenticidade dos eventos relatados e das palavras pronunciadas.
No discurso de MS, quem garante a autenticidade são os especialistas das diferentes áreas
profissionais, que em conjunto com os marcos institucionais nos quais se encaixam - os dados
e referências oficiais extraídos da realidade, o jogo de planos, a força do texto, o tempo da
ação e o papel da sica - constroem um discurso autorizado, legitimado e verossímil: um
discurso pedagógico portador de valor de verdade. Logo, estamos em face a um discurso que
documenta a realidade.
175
No caso dos epílogos finais, a mediação é apagada por meio do olhar para a câmera. É o efeito do depoente
falando “diretamente” com o telespectador.
176
Com base em um capítulo amostra, obtivemos a seguinte equação: cada capítulo possui uma duração total de
55 minutos aproximados sem intervalos comerciais; cada capítulo divide-se em 5 blocos de 12 min cada um;
cada bloco possui 8 cenas. Em média cada cena dura 1min 30seg; dentro de cada bloco a duração da cena varia
entre 30 segundos e 2 minutos.
214
A ativação dessa leitura documentarizante alcança sua maior expressão em Páginas
da Vida, na produção do MS acerca da AIDS, realizada em África. Trata-se de uma espécie de
cena de curta duração, aproximadamente 10 minutos, fragmentada em 6 inserções inéditas e
narrada em registro documentário
177
. A ação narra a viagem do médico infectologista Diogo
para os campos de refugiados em Burundi, África, com apoio do ACNUR. O conjunto de
cenas inéditas e parte das cenas repisadas representam, ao todo, 9% (11 inserções) do MS
encenado em ambiente rural. As instruções textuais que nos convidam a ler esse trecho
ficcional como um documento reside, no plano da imagem, na utilização de recursos próprios
da linguagem documentar: qualidade de imagem granulada, forte presença de tremulação da
imagem, travellings aos solavancos e longos planos sequenciais mostrando o panorama geral
da pobreza do lugar. No plano sonoro, destaca-se o uso do som direto que, por oposição ao
som de estúdio, apresenta-se de maneira “suja”, registrando diretamente as referências
sonoras do lugar. Ao mesmo tempo, a música afro enfatiza a dramaticidade da situação, sendo
uma das poucas oportunidades em que também o componente da imaginação melodramática
(BROOKS, 1995) preenche a função canônica. Esses recursos imagéticos e sonoros produzem
o sentido de uma filmagem direta, crua, sem artifícios de edição, dito de outra forma, o efeito
é a realidade captada sem mediações. Outro registro tópico do documentário clássico é
utilização da voz em off que se sobrepõe às imagens mostradas. Dessa forma, o narrador
(personagem Diogo) é colocado como uma master voice: uma autoridade que comenta,
explica e dá as coordenadas do fato mostrado na tela(XAVIER, 1983:128). Assim sendo, o
relato transforma-se num testemunho: “ele está ali, ele narra o que vê, o que ele é real”.
Nesse sentido, em termos de ação pedagógica, a autoridade (enunciador) dessa comunicação é
o médico infectologista, legitimado em seu caráter de testemunha da realidade vivida; é,
portanto, através da forma Depoimento que o transmitidas as mensagens educativas acerca
da AIDS presentes nesse trecho. Além de Páginas da Vida, existem outros casos de MS em
que é ativada a leitura documentarizante fazendo uso da forma Depoimento. Glória Perez, por
exemplo, faz uso do recurso com bastante freqncia. Como exemplos podemos citar os
depoimentos acerca das drogas em O Clone (2001) ou das Mães da Cinelândia em Explode
Coração (1995).
Concluímos, então, que o MS é uma ação pedagógica, um discurso pedagógico, cujo
trabalho de inculcação, do conteúdo selecionado/combinado como digno de ser transmitido, é
177
O relato da viagem é narrado em 6 inserções distribuídas entre os meses de julho, agosto e setembro de 2006.
Entre os meses de dezembro de 2006 e janeiro e fevereiro de 2007, 6 cenas são reprisadas, agora transformadas
em vídeo que o dico mostra para seus amigos. (Das 6 cenas reprisadas, o cenário urbano é dominante em
apenas uma delas).
215
baseado no dispositivo da repetição, na pedagogia explícita e orientada à conversão do
habitus. O princípio de autoridade de tal discurso é construído a partir de uma representação
naturalista cujo efeito é o discurso como verdade objetiva. Os médicos, o, principalmente,
os porta-vozes de tal verdade.
Ainda que essa conclusão tenha sido elaborada, principalmente, a partir da dimensão
da Produção, outra interpretação complementar se impõe desde a mediação do Gênero. Trata-
se da análise da comunicação pedagógica do MS através dos arquétipos próprios da matriz
melodramática. Se o naturalismo como representação é a forma em que o MS adquire
credibilidade e efeito de verdade, no campo do gênero, a verdade como foa moral se realiza
no jogo maniqueísta da luta entre o Bem e o Mal que se digladia por baixo da superfície de
coisas tão banais, quanto, por exemplo, uma consulta ao médico. Seguindo o pensamento de
Brooks, por trás da naturalidade do MS existe uma “moral oculta”, o domínio da operalização
de valores espirituais que é tanto indicada quanto m
ascarada pela superfície da realidade
(1995:5). A partir da análise de Páginas da Vida, observamos que no MS a pedagogia do
discurso se apresenta por meio de um embate entre forças sem nuances que garante a
legibilidade da ação pedagógica De um lado, está a força do Bem, corporizada nos
profissionais da medicina médicos, psicólogos, fonoaudiólogos etc. –, e de outras áreas tais
como educadores, advogados e juízes, que velam pelo cuidado da vida alheia. São eles os
heróis, as autoridades pedagógicas. Do outro lado da representação maniqueísta e polarizada,
encontra-se o Mal, encarnado em vilões que devem ser combatidos: o vício, o preconceito, o
desconhecimento. O melodrama sempre trabalha com o reconhecimento, trata-se de
identificar quem de fato esdo lado do bem e quem é um dissimulador. Assim sendo, o MS
comporta uma pedagogia do certo e do errado”, diante dos problemas cotidianos,
comunicada através de um esquema simplificado, repetitivo, polarizado e maniqueísta como
um espetáculo total que o olho possa abarcar sem esforço (BROOKS, 1995). Essa pedagogia
baseia-se nos valores da prevenção, do cuidado da saúde, da valorização da informação, da
integração familiar, do respeito e da tolerância à diversidade.
No discurso do MS, a memória de uma imaginação melodramática (BROOKS,
1995) em que a imbricação do realismo com o melodrama se faz presente no século XXI
como mediação para o acesso à educação em tempos de desigualdade e exclusão social, da
mesma forma que Pixérécourt concebeu o melodrama perante as transformações sociais do
culo XIX. O discurso do MS confirma a telenovela como narrativa híbrida, como forma
cultural que dialoga com seu tempo hisrico, respondendo às exigências que provém do
216
tecido social. No caso, uma forma de inclusão social, de educação informal através do
melodrama, através da telenovela, através de um bem cultural de acesso popular.
Acerca da ampliação da discussão sobre o merchandising social
A fim de desvendar ainda mais o conceito de MS e seu funcionamento narrativo
aprofundamos as discussões abordando outros aspectos ligados à mediação da Produção do
nosso objeto. Por meio da perspectiva da televisão enquanto modo de organização
(MATTELART, 1989), indagamos acerca da origem do termo merchandising, recuperando os
primórdios de seu uso na telenovela brasileira e mapeando a tipologia instituída (ORTIZ,
1989; SCHIAVO, 1995; CASTRO, 2005; TRINDADE, 1999) com exemplos presentes em
telenovelas contemporâneas. Focados na problemática macro da pesquisa, traçamos um
paralelismo entre o merchandising comercial e o social como discursos que refletem e
refratam a realidade de maneira exacerbada, potencializando a identificação do cotidiano
ficcional com o real, apagando as marcas da mediação (naturalizando a narrativa) e
contribuindo para um maior envolvimento do espectador com a fião. É uma forma mais
deliberada e explícita do que espontânea e involuntária de fomentar modelos de cultura, do
mesmo modo que atua o merchandising social.
Por outro lado, descrevemos a origem do termo merchandising social como
desdobramento da matriz mercadológica do marketing, agora pensado para a promoção de
causas sociais (Quadro 3). Diante disso, refletimos sobre nosso objeto de estudo dialogando
com um modelo de produção de telenovela que provém do campo do marketing social,
conhecido como Entretenimento-Educação (Quadro 5). Recuperando as experiências
pioneiras na América Latina, realizadas pelo produtor mexicano Miguel Sabido (Quadro 4),
concluímos que o MS guarda certas intersecções com esse modelo, porém, não se identifica
em sua totalidade com ele. As aproximações identificadas entre o modelo E-E e nosso objeto
foram: a intencionalidade pedagógica presente na produção ficcional, o recurso do
depoimento como “autoridade moral” para reforçar as mensagens educativas veiculadas, e a
presença do discurso das ONGs, que legitimam as informações brindadas, sendo difundidas
como lugares concretos onde se pode procurar ajuda face aos problemas tratados. Desse
modo, tanto um modelo quanto o outro, é aberto ao apoio de projetos ou campanhas sociais
encabeçadas pelo governo nacional, e, por fim, a avaliação de resultados é baseada na
mensuração dos efeitos de impacto, refletida em índices quantitativos (Quadro 6). Esboçadas
as diferenças no que refere à produção de cada modelo e elevada a crítica ao funcionalismo
217
que embasa o E-E, identificamos Meu Pedacinho de Chão (1971) como sendo a narrativa que
melhor se aproxima do modelo de telenovela educativa.
Como último ponto em torno da utilização do termo merchandising social,
esboçamos um breve panorama sobre sua aparição, evolução, metodologia e sistematização
na TV Globo, conforme os depoimentos de Flávio Oliveira, Gerente de Projetos Sociais da
TV Globo e consulta dos balanços sociais da emissora (Gráfico 5). Concluímos que o MS
abordado na telenovela que explora a dimensão pedagógica do nero de forma deliberada,
encaixa-se no discurso da responsabilidade social, sustentado pela TV Globo, em vista de
um duplo aspecto: de sua condição como principal fonte de informação e entretenimento
para milhões de brasileiros, em que reside sua responsabilidade na difusão de
conhecimentos
178
; e da declaração de não obter, via MS, outro benefício que não o da
imagem
179
, um dos retornos dos investimentos sociais das empresas cidadãs (KUNSCH,
2003:137).
Acerca da escolha metodológica
A escolha do método de estudo de caso nos permitiu abordar nosso objeto empírico,
Páginas da Vida de Manoel Carlos, através de múltiplas técnicas e dimensões de análise
(Quadro 1). A intenção foi explorar o conceito de MS da forma mais exaustiva possível,
entrelaçando referências teóricas e bibliografia especializada, com dados obtidos por meio do
protocolo de coleta proposto (Quadro 2). Para atender aos objetivos da pesquisa, o protocolo
foi composto, de um lado, pelas Planilhas de Identificação (Observação direta Quadro 2) e
pelo desenho de uma entrevista estruturada para TV Globo (Observação indireta - Anexos) a
fim de extrair dados primários.; e por outro, pela proposta de coleta de entrevistas concedidas
por Manoel Carlos a jornais e revistas, tanto impressas quanto on line (Observação indireta).
Outros dados secundários foram obtidos através de matérias de jornais, sites oficiais de dados
estatísticos (IBGE), e diversas fontes informais como os balanços sociais da TV Globo e sites
especializados em teledramaturgia. Dessa forma, nos propusemos a construir um olhar
metodológico complexo para poder indagar o caso com a maior profundidade possível.
178
Mattos, Laura. Globo faz operação para ter fama do ‘bem. Folha de S. Paulo, 21 de março de 2004.
179
Idem 178.
218
Assim, tentamos estudar o MS de ginas da Vida no diálogo com outras produções
em que o MS se fez presente, não apenas com as do pprio Manoel Carlos, mas com as de
outras autorias. Desta forma, conseguimos lidar de uma maneira melhor com o risco de
generalização que o método de estudo de caso impõe, sendo, por sinal, uma das críticas mais
fervorosas que frequentemente lhe é endereçada
180
. Contrariamente a tal risco, a escolha do
estudo de caso de Páginas da Vida, revelou-se ao longo da pesquisa, como um modelo de
análise. A pesquisa revelou que, diferentemente da autora Glória Perez, que trabalha o MS
geralmente em função de apenas uma temática social, Manoel Carlos costuma criar vários MS
em uma narrativa . Assim sendo, podemos considerar “vários casos em um caso só”, o que
permite maior profundidade na análise do objeto de estudo. O que queremos colocar em
destaque é a abertura de interrogões e o caudal de inferências que permite o estudo de caso
como Páginas da Vida, que em seu seio encerra uma multiplicidade de MS. Esse aspecto
aliado ao cotejamento e à busca de referências de MS em outras narrativas, contribuiu para o
aprimoramento de inferências enquanto construção discursiva e funcionamento narrativo do
MS em geral. Em resumo, Páginas da Vida revelou-se como um caso heurístico
181
,
representativo para todo pesquisador que desejar debruçar-se sobre o MS.
Todo processo de pesquisa é uma longa viagem cheia de descobertas e acertos, mas
também de equívocos e de espaços difíceis de serem revelados. Como em toda viagem,
também rias portas são deixadas em aberto, ingressos a novos caminhos que não se
adentram por falta de tempo, por medo do desconhecido ou por plena consciência de não
perder de vista o sentido da caminhada em que se esindo. Esta pesquisa tem tudo disso.
Mas, existe sempre a chance de voltar, de percorrer o mesmo lugar de um modo diferente e
de desafiar os caminhos não resolvidos, tendo a vantagem de ter na mochila, o mapa,
mesmo de incertezas, de quem passou por ali. Se com essa viagem deixamos alguma
pegada que leve a outros caminhantes a redescobrir este mar, então, nos consideramos
satisfeitos.
Agora posso brincar na beira, feliz de o ter morrido na praia.
180
Para saber mais sobre as críticas de generalização, consultar: ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Usos e
abusos dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 129, set./dez. 2006. Link:
http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n129/a0736129.pdf.
181
Modelo de pesquisa qualitativa, a palavra Heurística” decorre do verbo grego heuriskein, que significa
“encontrar”, “descobrir”. “Refere-se a um processo de pesquisa interna através do qual se descobre a natureza e
o significado da experiência, e desenvolve métodos e procedimentos para investigações futuras. Neste modelo
o self do pesquisador está presente ao longo de todo o processo, ou seja, o pesquisador experiência self-
awareness (autoconsciência) e autoconhecimento(HOLANDA, 2006:368).
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- Folha on line: http://www.folha.uol.com.br
- Ofuxico: http://ofuxico.terra.com.br
- Revista Viagem e Turismo: http://viagemeturismo.abril.uol.com.br
- Site Oficial da telenovela América – TV Globo: http://america.globo.com
- Site oficial da telenovela Páginas da Vida – TV Globo: http://paginasdavida.globo.com
- Teledramaturgia: www.teledramaturgia.com.br
- Terra: www.terra.com.br
- Veja On line: http://veja.abril.com.br
Anexos
228
1. Planilhas
de Identificação
229
PLANILHA DE IDENTIFICAÇÃO Nº 1: SÍNDROME DE DOWN
N.
N.
Cap.
Data
Bloco
Timer Min. Tema
Referência
temática
Tipo de
MS
Discurso
Cenário
social
Função
social do
Personagem
Especificidade
Fala Para
Tipo de
Personagem
Lugar
Ambiente
Planos
Musica-
som
1 27 9-8 5
2:32:24
a
2:40:24
8
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Helena fala para Marta o que é a
Síndrome de Down. Ver transcrição:
Cap. 27, 9-8-2006 Bloco 5”.
Hospital Médico Obstetra Marta P-Helena RJ Urbano PP não
2 28 10-8 1
2:40:50
a
2:48:51
8
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Reprise MS cena 9-8. Helena fala para
Marta o que é a Síndrome de Down. Ver
transcrição: Cap. 27, 9-8-2006 Bloco 5
Hospital Médico Obstetra Marta P-Helena RJ Urbano PP não
3 33 16-8 5
de
5:44:30
a5:45:09
0:39
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Helena se preocupa com o cuidado de
Clara. Ver transcrição: “Cap. 33, 16-8-
2006 Bloco 5 (a)”.
Hospital Médico Pediatra Helena S-Raul RJ Urbano PG-M não
4 33 16-8 5
de
5:45:09
a
5:46:49
01:30
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Cuidados com uma criança com
Síndrome de Down. Fonoaudiologia. Ver
transcrição: “Cap. 33, 16-8-2006 Bloco
5 (b)”.
Hospital Médico Pediatra Helena S-Raul RJ Urbano PP não
5 38 22-8 1
de 1:36
a 3:29
01:53
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Cuidados com uma criança com
Síndrome de Down. Insiste na
fonoaudiologia. Ver transcrição: Cap.
38, 22-8-2006 Bloco 1”.
Hospital Médico Pediatra Helena S-Raul RJ Urbano PP não
6 49 5-9 3
de
5:20:50
a
5:22:10
01:20
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Formas de evitar a superproteção de
crianças com Síndrome de Down. Ver
transcrição: Cap. 49, 05-9-2006 Bloco
3”.
Escola Familiar/Mãe e
Carla -
Escola
P-Helena RJ Urbano PP não
7 56 12-9 4
de
1:28:20
a
1:31:40
03:20
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica
Diretora de escola regular incentiva as
professoras a pôr em prática a inclusão
social. Ver transcrição: “Cap. 56, 12-9-
2006 Bloco 4”.
Escola Educador
Diretora de
Escola regular
Professoras
S-Laura RJ Urbano PP-M
cenas
da
Clara
8 67 25-9 2
1:07:05
a
1:07:45
00:40
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica
Existem leis no Brasil, mas isso não é
suficiente. É preciso professoras
preparadas para lidar com a diferença.
Hospital Familiar/Mãe Mãe Selma P-Helena RJ Urbano PP não
9 73 2-10 5
de 44:10
a 45:45
01:35
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Tatiana ensina Clarinha a modular a fala.
Colam figurinhas falando as palavras.
Consultório
Médico Fonoaudióloga Clarinha S-Tatiana RJ Urbano
PP-M-
G
sim
10
73 2-10 5
de 46:50
a 49:30
02:40
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga explica a Helena como
estimular a fala de Clarinha. Ver
transcrição: “Cap.73, 2-10-2006 Bloco 5”
Consultório
Médico Fonoaudióloga Helena S-Tatiana RJ Urbano PP não
230
11 78 7-10
3
de
4:41:25
a
4:42:38
01:13
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Helena: Lídia, não lembra do que a
fonoaudióloga disse? Temos que
estimular mais ela, nada de ficar
adivinhando o que ela quer, dar comida
na boca, amarrar o tênis. Amarrar nis,
por exemplo, ela pode perfeitamente fazer
sozinha, enfim...
Lídia: Faço com maior carinho, não custa
nada.
Helena: Lídia, eu sei que não custa nada
para você mas custa para ela, ela pode
de repente ter que pagar um preço alto
por isso. Precisa exercitar a fala, ela
precisa cada vez mais ficar independente.
Não é mocinha? Não esqueça depois de
escovar os dentes, tá?
Apto.
residencial
Familiar/Mãe
Mãe Lídia P-Helena RJ Urbano PP não
12 90
21-
10
4
3:37:49
a
3:40:26
02:37
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga com Clarinha. Ensina a
desenhar o corpo e estimula a fala dela.
Consultório
Médico Fonoaudióloga
Clarinha S-Tatiana RJ Urbano PP Sim
13 91
23-
10
1
3:46:19
a
3:47:20
1:00
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga com Clarinha. Ensina a
desenhar o corpo e falar as cores,
estimulando a linguagem.
Consultório
Médico Fonoaudióloga
Clarinha S-Tatiana RJ Urbano PP Sim
14 91
23-
10
2
4:02:24
a
4:03:08
0:44
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga com Clarinha. Ensina a
desenhar o corpo e falar as cores,
estimulando a linguagem.
Consultório
Médico Fonoaudióloga
Clarinha S-Tatiana RJ Urbano PP Sim
15 98
31-
10
4
de
35:00 a
43:36
08:36
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Diretora de escola especial explica como
é seu trabalho, conforme as perguntas de
Helena. Ver transcrição: “Cap. 98, 31-10-
2006 Bloco 4”.
Escola Educador
Diretora de
Escola
Especial
Helena S-Norma RJ Urbano PP
não.
No final.
16 98
31-
10
5
47:05 a
49:09
02:04
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Diretora de escola especial explica como
é seu trabalho, conforme as perguntas de
Helena. Ver transcrição: ” Cap. 98, 31-10-
2006 Bloco 5”.
Escola Educador
Diretora de
Escola
Especial
Helena S-Norma RJ Urbano PP Não
17 107
10-
11
5
de
3:36:16
a
3:41:00
05:16
Síndrome
de down
Inclusão
social
Depoimento
Mãe de filha com Síndrome de Down
conta para Helena sua experiência com a
escola regular e especial. Ver
transcrição:” Cap. 107, 10-11-2006 Bloco
5”
Padaria Familiar/Mãe
Mãe Helena S RJ Urbano PP Não
18 108
11-
11
4
de
4:33:14
a
4:35:14
02:00
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia e Helena falam
com Clarinha.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica x S-Lídia RJ Urbano PM Sim
19 109
13-
11
4
de
5:12:00
a
5:15:20
03:20
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia, Helena e
Clarinha arrumam a mesa para o jantar.
Salvador chega com um piano de
presente para Clarinha.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica x S-Lídia RJ Urbano PM Sim
231
20
115
20-
11
2
de
3:55:40
a
3:57:14
01:34
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga estimula a fala de
Clarinha brincando com uma casa de
bonecas.
Consultório
Médico Fonoaudióloga Clarinha S-Tatiana RJ Urbano PM-G sim
21
115
20-
11
2
de
3:57:14
a
4:00:45
03:31
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Explicação de como e porquê estimular
a fala de Clarinha. Ver transcrição:
“Cap. 115, 20-11-2006 Bloco 5 “.
Consultório
Médico Fonoaudióloga Helena S-Tatiana RJ Urbano PP
não.
No final.
22
115
20-
11
5
de
4:36:26
a
4:32:26
02:00
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Diretora de escola regular fala acerca
das escolas inclusivas. Ver transcrição:
” Cap. 115, 20-11-2006 Bloco 5”.
Escola Educador
Diretora de
Escola regular
Helena S-Clarice RJ Urbano PP Não
23
116
21-
11
1
de
4:50:40
a
4:51:27
00:47
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Diretora de escola fala acerca dos
valores do convívio e da cooperação
entre crianças. Ver transcrição: “Cap.
116, 21-11-2006 Bloco 2”.
Escola Educador
Diretora de
Escola regular
Helena S-Clarice RJ Urbano PP Não
24
116
21-
11
3
de
4:57:05
a
4:59:40
02:35
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Diretora explica que na escola tem
cursos para estimular todas as
linguagens e que Clara pode e deve
participar deles. Destaca a importância
de colocar em debate a questão da
inclusão social e que isso é um desafio
para a escola regular. Ressalta também
a questão da cooperação, Helena apóia
esse conceito.
Escola Educador
Diretora de
Escola regular
Helena S-Clarice RJ Urbano PP Não
25
118
23-
11
1
57:15 a
58:45
01:30
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Importância da família no aprendizado
da criança. Pede para Lídia e Salvador
se esforçarem muito em casa, ficar de
olho no andamento dela, na relação de
Clarinha com o Colégio. Clarinha vai
estar bem, porque a família vai
direcioná-la para isso.
Apto.
residencial
Familiar/Mãe
Mãe
Lídia e
Salvador
P-Helena RJ Urbano PP-M Não
26
125
1-12
3
de
2:08:15
a
2:10:55
02:40
Síndrome
de down
Inclusão
social
Assimétrica
Paula responde as perguntas ansiosas
da Helena, acerca do desenvolvimento
da Clara no primeiro dia de aula. Paula
explica que o sofrimento faz parte do
aprendizado de qualquer criança e que
a escola é preocupada com o
desenvolvimento humano. Explica que
até o melhor aluno das turmas sofre
muito porque fica pressionado em ser o
melhor o tempo todo. Explica que a
Clara está se ambientando, tudo é muito
novo para ela, mas que acredita que ela
esteja feliz.
Escola Educador
Professora de
Escola regular
Helena S-Paula RJ Urbano PP Não
27
133
11-
12
1
1:42:00
a
1:43:47
01:47
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Fonoaudióloga com Clarinha. Estimula a
fala de Clarinha brincando com um
apito.
Consultório
Médico Fonoaudióloga Clarinha
S-Tatiana-
Manoela
RJ Urbano
PP-
PM
Não
28
143
22-
12
2
5:08:20
a
5:09:09
00:49
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada
pela câmera, enquanto Lídia e Helena
falam.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Helena S-Lídia RJ Urbano PM Não
29
145
25-
12
4
de
1:23:40
a
1:25:12
01:32
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Tatiana passeia com Clara e a leva para
fazer compras. Clara escolhe doces
com Tatiana. Estimulação da fala de
Clarinha.
Padaria Médico Fonoaudloga Clarinha S-Tatiana RJ Urbano PP Sim
232
30 145
25-
12
5
de
1:36:58
a
1:37:38
00:40
Síndrome
de down
Saúde Assimétrica
Tatiana e Clara no caixa da padaria.
Estimulação da fala de Clarinha.
Padaria Médico Fonoaudióloga
Clarinha
S-Tatiana RJ Urbano PP Sim
31 146
26-
12
2 xxxx 00:00
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia e Helena falam.
Hospital Empregada Doméstica Helena S-Lídia RJ Urbano PM Não
32 148
28-
12
4
de
1:27:37
a
1:30:14
02:37
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia e Clarinha
brincam na cozinha. Helena chega.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Clarinha
S-Lídia RJ Urbano PM-G Sim
33 148
28-
12
5
de
1:38:24
a
1:39:50
01:26
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Helena,dia, Salvador
e Clarinha conversam na sala.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Todos S-Lídia RJ Urbano PM-G Sim
34 149
29-
12
1
de
2:41:00
a
2:41:17
00:17
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto dia avisa Helena que
Giselle desmaiou.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Helena S-Lídia RJ Urbano PM-G Sim
35 149
29-
12
1
de
2:41:38
a
2:41:50
00:12
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia fala com Diogo.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Diogo S-Lídia RJ Urbano PM-G Sim
36 152
2-1 3
de
4:;32:57
a
4:32:10
00:13
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Gabi fala para a sua mãe que Clarinha é
doente. Lucas, seu pai, aparece e diz que
não é doente, que ela tem Síndrome de
Down e que é mais esperta do que ela.
Apto.
residencial
Familiar/Pai Pia Gabi P-Lucas RJ Urbano PP Não
37 153
3-1 5
1:29:54
a
1:30:54
01:00
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Marta se lembra da conversa com Helena
sobre a filha de Nanda ter ndrome de
Down. Repete características físicas da
síndrome. MS inicial.
Hospital Médico Obstetra Marta P-Helena RJ Urbano PP o
38 153
3-1 5
de
1:35:30
a
1:37:40
02:10
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Marta se lembra da conversa com Helena
sobre a filha de Nanda ter ndrome de
Down. Repete características físicas da
síndrome. MS inicial.
Hospital Médico Obstetra Marta P-Helena RJ Urbano PP o
39 176
30-1 2
5:08:37
a
5:08:43
00:06
Síndrome
de down
Inclusão
social
Simétrica/Visual
Camiseta com a frase "Ser diferente é
normal" é constantemente explorada pela
câmera, enquanto Lídia fala com Helena e
Selma no café da manhã.
Apto.
residencial
Empregada Doméstica Diogo S-Lídia RJ Urbano PM-G Não
40 181
5-2 4
de
3:33:15
a
3:37:25
04:10
Síndrome
de down
Saúde Simétrica
A ndrome protege o portador de
doenças como câncer, asma, entre
outras. Ver transcrição: “Cap. 181, 5-2-
2006 Bloco 4”.
Hospital Médico Clínico Helena P-Diogo RJ Urbano PP Não
41 184
8-2 1
de
54:13 a
55:22
01:09
Síndrome
de down
Definição Assimétrica
Helena deixa claro para Gabi que Clarinha
é normal e saudável e tem apenas uma
deficiência, não uma doença. Enfatiza que
é importante que ela faça as coisas
sozinha.
Apto.
residencial
Familiar/Mãe
Mãe
Gabi-
Angêlica
P-Helena RJ Urbano PP Não
233
TOTAL DE INSERÇÕES: 41
Transcrição de conteúdo do merchandising social de ginas da Vida acerca de Síndrome de Down
Cap. 27, 9-8-2006 Bloco 5 (Referência temática: Definição)
Helena -... Eu percebi que a senhora é objetiva e que gosta da verdade sem rodeios. Quando as crianças nasceram, o pediatra fez os exames e constatou que pelas
características - implantação das orelhas, língua grossa - a menina teria Síndrome de down.
Marta - Isso é uma suspeita ou está comprovado?
H - Era uma suspeita, mas foram feitos os exames específicos para que possa se afirmar com certeza. E a suspeita se confirmou, e a menina tem Síndrome de down.
M - Deve haver algum engano, não conheço nenhum caso desses na minha família, a não ser que a Nanda tenha feito alguma besteira. Não existe chance dela ter tido um filho
mongolóide.
H - Mongolóide é um termo pejorativo que a senhora não deveria usar, principalmente agora, que é avó de uma menina com Síndrome de down.
M - Não sou não, não estou convencida disso, portanto não sou.
H - Por favor, me deixa explicar: a Síndrome de down é um acidente genético, pode ocorrer em qualquer ser humano, em qualquer classe social ou raça. Não tem nada a ver com
fatores hereditários ou com alguma coisa que a Nanda possa ter feito durante a gestação.
M - Ela engravidou em Amsterdã e eu sei como são as coisas .
H - Me deixa terminar, por favor. É um acidente do organismo, no momento da divisão celular, o par do cromossomo 21 se divide. É como bater um carro, levar um tiro, tropeçar
na rua. Ninguém pode prever como, porquê ou quando isso acontece.
M - Síndrome de down... Eu reconheço, na cara dá para ver.
H - Eu sei que dá. O acidente na divisão celular provoca alterações na fisionomia, os olhos médios puxados, amendoados, ngua grossa, as orelhas implantadas mais abaixo,
características que existem na população geral, comum. Agora, essa criança com o tempo vai acabar se parecendo com a família dela, com a mãe, o pai, a avó, a senhora.
M - Sei lá esse gene ruim! Só pode ser do marido que bem sei quem é, e abandonou minha filha (...) A criança fica retardada, limitada, dá um trabalho do cão. Deus me livre. Que
inferno de vida eu vou ter!
H - São crianças com desenvolvimento intelectual mais lento, desenvolvimento motor mais lento, mas sua neta vai poder passar por todas etapas do aprendizado, ninguém sabe
ainda o potencial de uma criança dessas, nem onde ela pode chegar. Qualquer criança sem oportunidades, decidindo viver uma vida saudável, como existem milhares neste país,
pode crescer com comprometimento intelectual. Se não forem dadas oportunidades para ela, ela será uma criança incapaz e depois, um adulto incapaz. Não precisa ter ndrome
de down para isso.
M - Eu o reconheço, o quero essa criança, eu passo. Não quero um estorvo na minha vida. Uma criança que não tem condições de fazer nada sozinha, que depende de mim
todo o tempo. Eu não tenho paciência, nem dinheiro, nem sentido da caridade. A senhora não sabe um terço da minha vida.
H - A menina vai poder estudar numa escola regular, fazer os cursos que quiser. Aprender outras línguas, viajar, fazer balé, ir ao cinema, como qualquer criança. É sua neta, sua
história, a continuidade da sua família. Sua filha morreu, mas deixou esperança. A senhora não consegue enxergar ainda que herança seja essa. Pense bem.
M - (...) Toda essa carga vai cair nas minhas costas.
H - Eu insisto, reflete. Trata-se de uma vida preciosa como a de qualquer outra criança. O mundo espera por ela do jeitinho que ela é. (Eentrega uma foto a M).Veja a felicidade de
sua filha, ela quis tirar, era uma lembrança que ela queria ter para sempre. Olhe para ela. Eu tenho certeza que essa foto vai levar a senhora a pensar de um modo diferente.
Cap. 33, 16-8-2006 Bloco 5 a. (Referência temática: Saúde)
Helena - Tanto tempo já se passou do nascimento da minha filha, mais de 20 anos, estou me sentindo mais como uma primeira viagem, sério. Que cuidados eu devo ter? Você vai
ter que me orientar, hein. Estou me sentindo muito insegura, Raúl.
Raúl - O que é isso, Helena! Vovai tirar de letra. Nenhuma preocupação especial. Você foi mãe, você é uma médica experiente, você vai ter que cuidar da Clara exatamente
como você cuidou de sua filha, igualzinho. E disso, minha cara, nenhuma mulher esquece.
H - Tá, com relação à alimentação...Continua com a mamadeira. Você tem alguma recomendação especial?
234
Cap. 33, 16-8-2006 Bloco 5 b. (Referência temática: Saúde)
Raúl - Tem que lembrar que todas as crianças com Síndrome de Down adquirem peso mais lentamente, mas continua a dieta complementar porque ela não recebe leite materno. E
por outro lado, já receitei para ela todas as vitaminas pediátricas de rotina.
Helena – Tá, isso já tem tudo em casa. Agora outra coisa, posso sair de casa com ela, dar uma voltinha?
R - É claro que pode e deve fazer isso porque é importantíssimo (música). O sol das 9 às 10:30 da manhã. Pode ser onde você quiser, pode ser na pracinha perto da sua casa,
pode ser na varanda, deixar ela na varanda é ótimo. E vou indicar também uma fonoaudióloga e uma fisioterapia. Mas a fono, principalmente, porque ela não mamou no peito,
então vamos fazer toda uma estimulação necessária. Ah, fizemos também uma avaliação, lá na UTI, fonoaudiólogica, oftalmológica, cardiológica e está tudo bem, normal.
H - Graças a deus. (...). Então, pelo que estou entendendo agora, é seguir em frente. Eu tenho um bebê nas mãos, me deseja sorte companheiro!
R - Não precisa de sorte, não. Eu vou desejar felicidade, e daqui a 15 dias traz a Clarinha aqui.
H - Qualquer coisa vou te ligar, hein!. Vou fazer cerimônia, vou pegar no teu pé...(risos)
R - Estou entendendo agora você deixou lá pra trás a médica e virou uma mamãe coruja, hein!. Vá em frente. Tchau!
Cap. 38, 22-8-2006 Bloco 1 (Referência temática: Saúde)
Helena – (...) me sinto insegura com medo de errar nos horios, na hora do banho, da alimentação, sinto que ela precisa tanto de mim. Ela é tão dependente, tenho medo de não
entender os sinais dela, de deixar faltar alguma coisa que seja importante para ela.
Raúl - A culpa materna é algo que as mães sempre sentem, agora é assim e vai seguir sendo daqui a 20 anos. Era assim com sua e, com você, vocês são todas iguais e sofrem
à toa.
H - Eu tenho as mesmas neuroses até com Salvador... meu filho de criação.
R Mas, sua menina está ótima. A possibilidade de capacitação dela está muito favorecida, pode criar a Clara com tranqüilidade e paciência como qualquer outra criança exige. O
mais importante agora é pensarmos numa fono. Porque ela não mamou no peito e precisa de estímulo. E na fisioterapia, depois. Mais adiante vamos pensar em outras
providâncias.
H - E as vacinas? Eu estou preocupada com isso, porque eu gostaria de levá-la para passear, para a rua, mas tem tantas viroses, bactérias por ai.
R - Nós vamos fazer a imunização. Além das básicas e rotineiras, vamos fazer as complementares. Fique tranqüila quanto a isso.
Cap. 49, 05-9-2006 Bloco 3 (Referência temática: Inclusão social)
Carla - Olá Clarinha, meu anjo, por que você não fica sentadinha para as outras crianças não derrubarem você?
Helena - Sentadinha, como assim? Não entendo, Carla. Como é que é? As crianças brigam, se derrubam umas as outras?
C - Não Helena, acontece que ela... ela...ela é assim...Mais miudinha. Às vezes, ela vai brincar e cai.
H Mas ela tem que brincar mesmo no meio dos outros, junto com todo o mundo. Ela tem que aprender a se defender, aprender a cair, vai chorar, vai levantar, enfim, vai reagir
como qualquer criança.
C - Você acha, então, que ela pode ficar com todos...?
H - Claro que sim, pode e deve...
C - Tudo bem, sem problemas, falei para protegê-la.
H - Carla, ela precisa da proteção que toda criança do mundo precisa, nem mais nem menos. Pelo amor de Deus, Carla. Isso é muito importante.
Cap. 56, 12-9-2006 Bloco 4 (a) (Refencia temática: Inclusão social)
Laura - A Helena está muito angustiada, devemos dar um conforto a essa e. Esse é nosso papel. Eu quero saber melhor o que está acontecendo. Você está com dificuldades
com a Clara?
Carla - Eu gosto muito da Clara, é um amor de menina, mas ela não acompanha a turma. Eu tentei muitas vezes, mas ela não avança.
L – Por que você não conversou comigo na ultima reunião?.o é assim que eu, nós tratamos a infância. Sabemos que todas as crianças são diferentes, têm tempos diferentes. A
Clara tem limitações como qualquer outra criança. Precisam de estímulos, oportunidades, credibilidade no que fazem. Se excluir a menina das atividades, só vai piorar a situação.
Essa nunca foi a conduta da nossa escola. Você tem que ser incansável, Carla, você está formando pessoas.
C - São exatamente as minhas responsabilidades como professora, Laura, mas na prática isso é muito difícil de aplicar.
L - Você não acredita na inclusão?
Irene: Laura, você me desculpe, mas não seria melhor se a Clara estudasse numa escola especial, com crianças iguais a ela?
Norma: Claro que não, Irene, toda criança tem direto de estudar em uma classe regular, a escola é um lugar onde as crianças se reconhecem como parte de uma geração, vo
quer que elas aprendam a descriminar desde cedo? Combinar tipo de crianças?
235
(Cenas da Clara e música)
Laura - Concordo plenamente com a Norma, isso mesmo. Toda criança tem o mesmo valor dentro da sala de aula. Toda criança. Proponho que nós trabalhemos juntas nessa
questão da inclusão. Vamos trocar iias, vamos aprendendo durante o dia, estudando, pedindo ajuda da mãe, a Clara faz parte dessa turma.
Irene - Duvido que isso seja possível, não é tão fácil. Eu conheço vários casos de crianças com Síndrome de Down que começaram estudando e logo depois pararam.
(Acabam as cenas da Clara)
Carla – Laura, talvez eu também não esteja preparada para lidar com uma criança com deficiência. Na escola especial ela terá professores especializados que vão poder dar toda a
atenção.
Laura - Não, nada disso, Carla. Atualmente, nós temos todo um respaldo pedagógico para nos auxiliar: são cartilhas, ONGs, Leis e artigos, enfim, vamos aprender juntas a fazer
uma escola para todos. Não dá mais para fugir do desafio, a hora é essa.
Norma - A gente tem que estar aberto para estimular alguns pontos da Clara e de qualquer outra criança que precise. À tarde, depois de que ela sai da aula. O que vocês acham?
Carla fala que não se sente preparada para isso.
Cap.73, 2-10-2006 Bloco 5 (Referência temática: Saúde)
Helena - O que você está achando, Tatiana? Como está indo a evolução dela?
Tatiana - Helena, ela está indo muito bem. O que ela precisa é estar estimulada o tempo todo, sabe. Trabalhar a linguagem num ambiente social é o mais importante. E isso
começa em casa.
H - Eu tenho feito isso, tenho procurado estimular a autonomia, a independência, oportunidades para ela falar.
T - Isso é fundamental, a gente precisa valorizar essa autonomia, sabe. Criar oportunidades para a Clara se expressar, porque como a criança com Síndrome de Down compreende
mais do que ela pode se expressar, geralmente, a gente precisa prestar muita atenção quanto ao estimulo da fala.
H - Fazer com que ela fale mais, dar oportunidade para que ela fale e não ficar falando por ela.
T - Isso, isso, nunca falar por ela. A gente precisa fazer com que ela tente falar por ela mesma, mesmo que não seja fácil, né, a gente precisa fazer com que ela sinta necessidade
de falar
H - Dá uma dica, como é que eu devo agir, porque às vezes eu acho que eu estou fazendo tudo errado. Como é que eu faço?
T - Por exemplo, se ela apontar uma boneca. Você fala:- é o biscoito que voquer? O que é que você quer então? Boneca ah..a boneca, ai vorepete, boneca. Isso vai
ajudar muito.
H - Como é bom conversar com você, Tatiana. Eu sei de tudo isso, mas eu preciso lembrar e reforçar, porque, às vezes, a gente acaba fazendo por ela, respondendo por ela.
T - E é isso o que não se deve fazer, nê?
H - Não se deve fazer não, mas é tão dicil...
T - Mas ela consegue sozinha.
(Despedem-se)
Cap. 98, 31-10-2006 Bloco 4 (Referência temática: Inclusão social)
(Helena visita uma escola especial. Relata para a pedagoga sua experiência com a Clara na escola regular “Florescendo”. Conta como Clara tem se desempenhado na escola e sua
decisão de tirá-la de lá por causa de um mal entendido com uma das professoras. Relata sua longa caminhada por ts escolas regulares e como ela foi elegantemente rejeitada).
A pedagoga explica que ali tem vaga, a estrutura, capacitação pedagógica necessária para atender qualquer criança com deficiência e que trabalham no tempo e no ritmo de cada
uma delas.
Helena Eu queria que vo explicasse melhor isso, porque eu nunca entendi. Como a escola especial consegue, ao mesmo tempo, estimular e trabalhar no tempo do aluno?
Porque para estimular você precisa lançar desafios, para que a criança ultrapasse seus limites, né? E se você ficar no tempo dela, da criança, ela vai demorar muito, ela pode,
talvez, nunca avançar.
Norma - A parte pedagógica da escola especial atende e respeita as crianças no nível de conhecimento e ritmo delas. O que fazemos, Helena, é adaptar o conteúdo didático à
realidade da criança com deficiência. Por exemplo, um aluno da sexta série de nossa escola. Por que vamos massacrá-lo com álgebra e geometria? Damos aulas de matemática, é
claro, mas optamos por ensinar o uso da quina de calcular. Esse aluno se sente motivado a fazer suas contas sozinho, alcançando maior independência com suas contas, com
seu dinheiro.
H - Estou entendendo agora. Eu tenho que te confessar, eu sempre tive resistência à escola especial. Eu acredito, sinceramente, que minha filha vai ser mais estimulada se ela
conviver com crianças normais. E eu estou aqui hoje porque não suporto mais esse sofrimento, essa busca, essa procura… e todo mundo dizendo que minha filha não vai ser feliz
numa escola regular… e comecei a ficar insegura. E vim até aqui conhecer o trabalho de vocês.
236
N - Bom, Helena, eu vou também ser sincera com você. Para mim, a inclusão virou uma bandeira, virou uma briga a qualquer custo pelos direitos da criança. Mas, no dia–a-dia,
não é isso o que vemos. É muito difícil para uma criança com deficiência se adaptar a uma escola normal. Na verdade, a inclusão ainda é utópica. Não apenas na minha escola, que
temos crianças com limitações intelectuais e motoras, mas também para as crianças pobres, por exemplo.
H - O que você está me dizendo é que você não acredita na inclusão?
N - Como teoria, eu acho brilhante. Mas é claro que eu gostaria de viver numa sociedade inclusiva, numa sociedade para todos, mas, na verdade, não funciona dessa maneira
(música- Helena se emociona). Você o imagina a quantidade de es arrasadas que vem aqui todos os dias porque seus filhos são discriminados em escolas regulares. O papel
de minha instituição é dar oportunidade a essas famílias. Essas crianças encontraram educação porque encontraram espaço e são acolhidas aqui.
H - Então você acha que minha filha está condenada ao fracasso em uma escola regular?
N - Helena, eu estou tentando te dar os dois lados. O pais têm direito à opção. É claro que eu gostaria que a Clara ficasse aqui, ela seria muito feliz. Na nossa escola sua filha não
seria humilhada, não ficaria para trás, estaria sempre inserida na sua turma. Nossos alunos são ativos como qualquer criança: eles viajam juntos, têm seus grupinhos, estão cheios
de amigos, namoram, praticam esportes, enfim, eles vivem bem.
H - Estou tão confusa, dividida mesmo. Ao mesmo tempo em que acredito que a escola regular é a mais acertada para minha filha, eu tenho medo que ela sofra por conta dessa
distinção, discriminação, que fazem na escola regular.
N - O que eu posso te dizer como educadora é que na faixa etária em que a Clara está, é fundamental o papel da escola no desenvolvimento da linguagem. É claro que uma
criança com Síndrome de Down, vendo uma criança normal agir, vai seguir aquele modelo comportamental e isso é um ganho numa escola regular, sem vida. Mas você tem
problemas , sendo a descriminação o pior deles. O fato é, Helena, que tanto pela escola especial como pela escola regular, você terá perdas e ganhos. E realmente, essa escolha
é só sua.
H - Sei, sei de tudo isso. Estou aprendendo na medida em que converso com as pessoas, leio, me informo... Estou realmente com medo de errar na escolha que estou fazendo
neste momento para minha filha.
N - Você só vai saber isso realmente quando você souber qual é seu verdadeiro desejo como mãe: voquer escolher uma escola regular porque realmente você acredita que será
o melhor para o crescimento dela ou porque se sente pressionada a fazer a inclusão? Segunda opção: você quer a Clara numa escola especial porque você acha que será o melhor
para ela ou porque você tem medo que ela enfrente situações de preconceito?
Cap. 98, 31-10-2006 Bloco 5 (Referência temática: Inclusão social)
Helena - Foi muito importante para mim e um prazer ter vindo aqui, Norma. Foi muito bom conhecer você e a escola, mas vou tentar um pouco mais, procurar um pouco mais no
caminho que eu acho melhor para minha filha. Não posso fraquejar, mudar de lado ainda.
Norma - Faça isso, Helena, sabendo que o lugar da sua filha está assegurado aqui. Pena que estamos de férias porque eu gostaria tanto que você conhecesse as turmas, que você
conhecesse o trabalho das professoras. Eu tenho certeza que isso contribuiria para essa decisão.
H - Eu faço questão de conhecer sim. Eu passo outro dia.
N - Por mim, a Clara se matricularia hoje mesmo. É sempre uma alegria receber um aluno novo. Mas eu estou vendo que você não está certa disso. Então, enquanto você tiver
força para lutar, tem que incluir sua filha no colégio que você desejar. Vá em frente. Não tem quatro colégios no Rio de Janeiro. Procure o melhor, com o atendimento mais
direcionado.
H - E será que você tem algum para me indicar?
N - Claro! Vamos conversar sobre isso. Mas, antes disso, eu gostaria que você conversasse com as mães que têm filhos nesta escola. É muito importante ter a referência de
alguém que está vivendo a experiência que você não quer viver.
H - Claro! Ajude-me nisso também.
N - Como estamos em férias, vou te dar o telefone de duas ou três delas. Você liga, se apresenta e tenho certeza que elas conversaram com você com a maior alegria.
Cap. 107, 10-11-2006 Bloco 5 (Referência temática: Inclusão social)
Helena e a mãe de Vitória, portadora da Síndrome de Down, de 8 anos, se conhecem no mercado e decidem tomar um sorvete com as filhas e conversar. Vitória vai à escola
especial da Norma, que Helena acabou de conhecer. Essa mãe é agente de viagem e atua na rotina da escola organizando viagens econômicas para as turmas.
A e relata para a Helena sua experiência com Vitória: até os 6 anos, Vitória ia à escola regular, mas optou logo pela escola especial, uma vez que percebeu sua filha abatida,
não se dando bem com a turma dela. Explica seu sofrimento e o difícil que foi para ela lidar com a inclusão social da filha, uma vez que acredita que, ainda, é um tema tabu.
Tentou de tudo, inclusive, com uma tutora dentro da escola para acompanhar a filha. Diante do sofrimento de Vitória, ela decidiu mudar para uma escola especial. Hoje ela é
integrada, querida e feliz. A mãe passou pelo mesmo dilema que a Helena. Ela insiste em que vale a pena tentar. É importante para a filha poder conviver e lidar com a diferença,
porém, cada caso é um caso. força para Helena na sua luta e a convida para assistir uma série de palestras sobre Síndrome de Down.
237
Cap. 115, 20-10-2006 Bloco 2 (Referência temática Saúde)
Tatiana - Ela está evoluindo muito bem, Helena. Mas eu queria tirar uma dúvida com você. Como é que está a alimentação dela? Ela está mastigando bem durante as refeições?
Helena - Tatiana, a única coisa é que ela não gosta de alimentos duros. Eu notei que ela evita. Ela adora batata, gelatina, macarrão...Essas coisas fáceis, mais molinhas de
mastigar.
T - Então, eu queria pedir uma coisa para você. Eu queria que você tentasse não amassar tanto os alimentos. Deixar alguns pedacinhos para ela, aos poucos, ir desenvolvendo
essa mastigação, porque a mastigação é muito importante para a motricidade bucofacial, que está diretamente ligada ao desenvolvimento da fala. E, como as pessoas que têm
Síndrome de Down têm uma diminuição de tom muscular, a Clara realmente tem uma dificuldade de mastigação. É por isso que o estímulo é muito importante.
H - E fazendo isso em casa, é uma forma de ajudar para que ela se expresse melhor?
T - Exatamente! Isso vai ajudar na articulação dela. Porque ao mastigar, ela vai lateralizar o alimento, e, com isso, ela vai obrigatoriamente posicionar a ngua mais atrás e,
assim, ela vai trabalhar toda essa musculação que eleva a mandíbula. Então, na mastigação, ela vai trabalhar a musculação facial toda. A gente afaz uns exercícios assim aqui
no consultório. E se podermos fazer também em casa, os ganhos vão ser ainda maiores.
H - Eu vou ficar atenta e pedir para a Lídia e o Salvador também fazerem.
Cap. 115, 20-11-2006 Bloco 5 (Refencia temática: Inclusão social)
Helena visita outra escola regular. A diretora do colégio comenta a experiência da sua irmã e de seu filho hemofílico, que era discriminado. A diretora compara esse caso com o de
Helena.
Clarice - A escola em que a Clara estava estudando não era uma escola inclusiva, é por isso que você teve problemas. Às vezes, os colégios se mostram receptivos, abertos para
lidar com a deficiência da criança, mas, na verdade, ele não está preparado para isso. Então ele não consegue de fato.
H - No meu caso específico, eu acho que o problema foi a professora.
C - Me desculpe, Helena. Mas, não. Isso é diminuir muita a questão. A culpa nunca é da professora. A escola inteira tem que se capacitar para lidar com a deficiência.
H - Bom, eu acho também fundamental.
C - Então, na nossa escola nos preparamos diariamente para lidar com a diferencia e posso te garantir que não é tarefa fácil.
Helena expressa seus medos.
C - Aí entra o desafio da escola que, junto com a família, tem que preparar essa criança para lidar com as diferencias.
Cap. 116, 21-11-2006 Bloco 2 (Referência temática: Inclusão social)
Clarice - Helena, como estava te falando, aqui, a escola trabalha com as crianças para elas lidarem com as diferencias, e é o próprio convívio com as crianças com deficiências que
vai trazer o sentido de tolerância entre elas. A gente estimula sempre a questão da cooperação, nunca a competição. A questão fundamental para nós é estimular a convivência.
H - E tem algumas outras crianças com deficiência, na idade da Clara?
C - Não, no jardim três, esse ano, não tem ninguém. Esse ano, na primeira série tem uma criança com dislexia, e temos um caso de uma menininha com problemas de
motricidade grave.
Cap. 181, 5-2-2006 Bloco 4 (Referência temática: Saúde)
Diogo comenta com Helena que esteve pesquisando e descobriu algumas coisas acerca da Síndrome de Down. Fala que esteve com o Dr. Paulo Niemeyer, que tinha ido visitar um
paciente no hospital. Ele diz que esteve num congresso de neurocirurgia em Chicago e que conheceu o trabalho de um tal Dr. Faulkner, indicado para ser premio Nobel.
Diogo - No trabalho dele, diz que não existem registros de câncer em pessoas com ndrome de Down. A estatística é quase zero. As pessoas com Síndrome de Down produzem
mais endostatina. A endostatina é uma proteína que inibe o crescimento de tumores cancerígenos sólidos. A quantificação dela é feita no cromossomo 21. Como se sabe, os Down
têm três cromossomos 21 e nós temos dois, por isso é que provocam 50% a mais de endostatina e isso os protege do câncer completamente. As pesquisas estão ainda no começo,
mas existem vários estudos para tentar sintetizar essa proteína e reduzir o câncer nas pessoas comuns.
Helena - Você falou em tumores sólidos, isso não vale, então, para a leucemia, já que a leucemia são tumores líquidos do sangue.
D Exatamente. No caso da leucemia é diferente. A incidência é muito maior nos portadores de Dowm do que nas pessoas comuns. Mas uma diferença. Se uma criança com
leucemia for diagnosticada prematuramente, tem 100% de chance de cura; nas comuns, 80 %. É impressionante, maravilhoso. Você sabia que existe apenas 8 casos de câncer no
mundo em pessoas com Down?
H – É um paradoxo, mas não posso deixar de dizer que é uma excelente notícia.
D - Dois casos são no Brasil, portanto, o Brasil é um dos pioneiros em detectar essa proteína como um fator de proteção contra o câncer nas pessoas que tem Síndrome de Down.
H - O dico de Clarinha, que é um especialista no assunto, me diz que o Brasil está na ponta da pesquisa clínica sobre a Síndrome de Down. E, nesse aspecto, pelo menos o país
está no primeiro plano.
238
D - É verdade! Estive pesquisando na internet e as pessoas com Síndrome de Down têm menos doenças coronarianas, um infarto, por exemplo. Não existe registro. Também estão
protegidos contra a retinopatia diabética, é uma complicação do diabete. E mais, a asma quase não existe entre eles.
Ela fica feliz de notar em Diogo um interesse pela Síndrome. Ele responde que não apenas pela questão clínica, mas por causa de Clarinha. Quer estar mais perto deles.
239
PLANILHA DE IDENTIFICAÇÃO Nº 2: AIDS
N.
N.
Cap.
Data
Bloco
Timer Min. Tema
Referência
temática
Tipo de MS Discurso
Cenário
social
Função
social do
Personagem
Especificidade
Fala
Para
Tipo de
Personagem
Lugar Ambiente
Planos
Musica-
som
1 18 29-7 5
5:42:29 a
5:43:23
00:54
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Mesmo o longe sendo testemunha de
cenas tão chocantes, não me esqueceria
desse dia tão bom para nós dois, o dia
de nossa formatura (....) em breve
estaremos novamente juntos. Um beijo.
Diogo.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista Helena
P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim.
Registro
docume
ntário
2 31 14-8 5
1:15 a
3:30
02:15
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Relato do estado da AIDS na África. Ver
transcrição: Cap. 31, 14-8-2006 Bloco
5”.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista Helena
P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim.
Registro
docume
ntário
3 38 22-8 1
de 2:47 a
4:53
01:06
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Acerca do estado da AIDS na África.
Missão ACNUR. Ver transcrição: “Cap.
38, 22-08-2006 Bloco 1”
Campo de
refugiados
Médico Infectologista Helena
P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim.
Registro
docume
ntário
4 48 4-9 5
de
4:54:00 a
4:54:50
00:50
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Helena, este postal é o ultimo que eu lhe
mando da África, daqui viajo para
Londres e Paris, devendo ficar uma
semana em cada cidade e sigo depois
para o Brasil. Vou procurar você assim
que eu chegar, quero que você me
coloque de volta nesse mundo onde
você vive e do qual eu s há 5 anos,
sinto que eu poderia fazer um bom
trabalho no meu país. Saudades e até
logo. Diogo.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista Lavínia
P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim
5 52 7-9 2
de
1:05:30 a
1:10:15
04:45
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Camp de Refugies de Kinama -
Financement: ECNO-UNHCR Gestiom
du camp: CNR. Travaux de construction:
CNR. Junho 2006: Despedida do Diogo.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista X P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim.
Registro
docume
ntário
6 58 13-9 1
de
2:32:20 a
2:32:40
00:20
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documen
tário
Imagens da África com Diogo. Estado da
AIDS na África. Missão ACNUR.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista X P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
docume
ntário
Sim.
Registro
docume
ntário
7 82
12-
10
4
de
2:56:56 a
3:02:50
05:54
AIDS
Síntomas e
progressão
Simétrica
O papel da dermatologia na AIDS - AIDS
na África. Ver transcrição: “Cap.82, 12-
10-2006 Bloco 4”.
Hospital Médico Dermatólogo
Selma
- Diogo
P-Rubinho RJ Urbano PP-M-G Sim
240
8 128
5-12 4
4:48:00
a
4:53:00
05:00
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Assimétrica
Relatório da OMS sobre AIDS: estatísticas,
tratamentos etc. Ver. Transcrição: “Cap.
128, 5-12-2006 Bloco 4”.
Hospital Médico Infectologista
Irmã Zenaide P- D-O RJ Urbano PP-PG Não
9 134
12-12
3
2:48:45
a
2:50:11
02:26
AIDS
Síntomas e
progressão
Simétrica
Diogo e Rubinho falam acerca da negação
da doença. Ver transcrição: “Cap.134, 12-
12-2006 Bloco 3”.
Hospital Médico Infectologista
Diogo/Rubinho
P-D-R RJ Urbano PP Não
10
134
12-12
3
2:50:13
a
2:50:31
00:18
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documentário
Imagens de Diogo na África.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista
X P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
documentário
Sim
11
137
15-12
3
1:17:49
a
1:18:40
00:51
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documentário
Imagens de Diogo na África.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista
x P-Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
documentário
Sim. Registro
documentário
12
140
19-12
2
de
2:59:00
a
2:59:50
00:50
AIDS
Síntomas e
progressão
Simétrica
Rubinho fala que Gabriel é um paciente
que nega a doença. Lembram do caso do
Cadu e que sua salvação foi apóio de
familiares e amigos, o que é essencial para
a recuperação.
Apto.
residencial
Médico Infectologista
Marcelo e
Hortênsia
P-
Rubinho
RJ Urbano PP-M Não
13
141
20-12
1
00:50:06
a 52:32
02:26
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Depoimento/Documentário
Vídeo com imagens da África na TV, na
casa de Renato. Combinam de fazer uma
exposição com esse material e as fotos de
Renato.Vídeo vira documentário.
Apto.
residencial
Médico Infectologista
Renato P-Diogo
RJ Urbano PP
Sim. Registro
documentário
14
144
23-12
2
5:06:00
a
5:09:50
03:50
AIDS
Síntomas e
progressão
Assimétrica
Gabriel se nega a aceitar a doença e
ameaça Diogo de mandá-lo à cadeia por
ter feito exame de HIV sem seu
consentimento. Diogo insiste que ele está
ali para ajudá-lo e que tem experiência
para tratá-lo. Explica que AIDS não tem
cura, mas que existem remédios muito
potentes que controlam os danos que a
doença pode causar ao organismo. Uma
pessoa pode conviver muito bem com a
AIDS. Se aceitar a doença e o tratamento,
ele vai sair do hospital com uma vida pela
frente. Fala que ele tem preconceito da
doença, do que as pessoas vão pensar
dele.
Hospital Médico Infectologista
Gabriel P-Diogo
RJ Urbano PP Não
15
148
28-12
3
1:14:10
a
1:19:10
05:00
AIDS
Síntomas e
progressão
Assimétrica
Diogo aponta a presença de uma
pneumocistose. Explica o que é e como é o
tratamento. Ver transcrição: “Cap. 148, 28-
12-2006 Bloco 3”.
Hospital Médico Infectologista
Gabriel P-Diogo
RJ Urbano PP Não
16
153
3-1 4
de
1:20:55
a
1:22:22
01:27
AIDS
Síntomas e
progressão
Assimétrica
Diogo esclarece para Lavígna o porquê de
não ter impedido que Gabriel fosse
embora. Diz que fez de propósito, para
saber até que ponto ele iria. Se ele tivesse
ido embora, Diogo teria mudado de tática.
Hospital Médico Infectologista
Gabriel P-Diogo
RJ Urbano PP Não
241
17 160
11-11
2
de
2:53:55
a
2:56:08
02:13
Uso de
camisinha
Prevenção Assimétrica
Selma orienta Giselle para se cuidar e não
ter uma gravidez não desejada. Selma
entende que Giselle procura um método
contraceptivo complementar à camisinha.
Selma explica que a camisinha é
imprescindível, não tem método que a
substitua. Além de evitar a gravidez, é a
única que protege das doenças
sexualmente transmissíveis. Vai fazer o
primeiro preventivo, pede exames de rotina
e dosagem hormonal.
Hospital Médico Obstetra Giselle
P-
Selma
RJ Urbano PP não
18 196
22-2 1
de
5:25:40
a
5:28:20
02:40
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Assimétrica/Documen
tário
Diogo discursa acerca das condições de
vida sub-humanas na África e apresenta o
vídeo para os amigos.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista
Auditório
P-
Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural Todos
Sim. Registro
documentário
19 196
22-2 2
de
5:31:04
a
5:32:40
01:36
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Assimétrica/Documen
tário
Vídeo da África.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista
Auditório
P-
Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
documentário
Sim. Registro
documentário
20 196
22-2 2
de
5:39:55
a
5:40:05
00:10
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Assimétrica/Documen
tário
Vídeo da África.
Campo de
refugiados
Médico Infectologista
Auditório
P-
Diogo
Muyinga,
Burundi,
África
Rural
Todos.
Registro
documentário
Sim. Registro
documentário
21 196
22-2 4
de
5:45:43
a
5:48:13
02:30
AIDS
Estado da
AIDS -
Estatísticas
Assimétrica
Reunidos, Diogo fala da África: segundo
maior continente do planeta que produz
15% do petróleo consumido pelos Estados
Unidos e, ainda assim, 50% de sua
população vive abaixo da linha da pobreza.
Concluem que o Brasil não está longe
dessa situação. Falam da violência urbana
no Brasil. Falam da necessidade de
difundir essa realidade.
Apto.
residencial
Médico Infectologista
Auditório
P-
Diogo
RJ Urbano
Todos.
Registro
documentário
não
22 201
28-2 X xxxx X AIDS Prevenção Assimétrica
Diogo diz a Gabriel que ele está curado da
pneumonia, mas precisa continuar fazendo
o tratamento para cuidar da AIDS. E avisa
que ele poderá ter uma vida normal,
inclusive sexual, desde que use
preservativo.
Hospital Médico Infectologista
Gabriel
P-
Diogo
RJ Urbano PP não
TOTAL DE INSERÇÕES: 22
242
Transcrição de conteúdo do merchandising social de ginas da Vida acerca de AIDS
Cap. 31, 14-8-2006 Bloco 5 (Referência temática: Estado da AIDS e Estatísticas)
Diogo - Muyinga é uma província do Burundi onde está localizado uns dois mais importantes campos de refugiados daqui. O número gira em torno de 3000 pessoas e 7 de cada 10
refugiados são mulheres e crianças. São pessoas que perderam tudo, seus parentes, sua casa. Mulheres e filhos que viram seus maridos e pais serem torturados e mortos por
milícias que queimam casas e roubam o pouco que têm. Esses refugiados chegam ao acampamento apenas com a roupa do corpo buscando proteção, um pouco de água e comida.
Todas as crianças são órfãs e a maioria delas está infectada com o rus do HIV: a previsão é que apenas uma minoria esteja viva no final desse ano de 2001. Vendo de perto tudo
isso, eu já não sei quando eu volto no Brasil, tenho saudade de você, Helena, saudade de muitas coisas, mas eu tenho uma missão. Eu posso ajudar e vou ajudar essas pessoas.
Hoje no horário do almoço eu senti vergonha do lanche que levei na mochila. Crianças famintas...Cozinhando larvas e cupins para comer, crianças, Helena, apenas crianças
indefesas. E eu fico me perguntando: onde está Deus enquanto tudo isso está acontecendo? Um beijo. Diogo.
Cap. 38, 22-08-2006 Bloco (Referência temática: Estado da AIDS e Estatísticas)
Abril,2006.
Diogo - Helena, estou me preparando para voltar ao Brasil; foram 5 anos de intenso trabalho que consumiu cada hora, cada minuto de meu tempo, mais do que isso, da minha
vida. (musica e registro documentário). Por essa razão já não saio daqui inteiro, deixo boa parte de mim nesta terra, com esta gente que eu conheci e com quem aprendi a amar e
sofrer. Tenho muito mais para contar para você e certamente muito a ouvir também. (Helena). Esses anos todos...Não tenho perguntado se você continua com Greg, se está com
outro amor, ou se esta sozinha. (Documentário) Não perguntei nunca e confesso agora o medo da resposta. Neste exílio voluntário que estou encerrando pude pensar nos planos
que fizemos, no pouco que realizamos.Mas também pude sentir que ainda tenho esperança dentro de mim, o que me certeza que ainda vou chegar a tempo de ser feliz no meu
país, na minha cidade, com minha gente. Beijo. Diogo.
Cap.82, 12-10-2006 Bloco 4 (Referência temática: Sintomas)
(música suave)
Selma – Eu sou louca por cosméticos, tem pomada, creme para tudo e aqueles potes que enfeitam o banheiro da gente, que delícia!
Rubinho Você tem toda a razão, os cosméticos são excelentes, a indústria evoluiu muito de uns anos para , mas precisa ter alguns critérios. Por exemplo, tem uns produtos
que têm uma característica, uma concentração bem menor que as fórmulas prescritas pelos dicos e que atuam diretamente no tratamento da pele. A diferença é que não tem
aquela embalagem glamourosa nem aquela modelo lindona fazendo propaganda, não tem isso.
S- Pára! Deixe-me divertir... (Fim da música. Chega Diogo e Rubinho é apresentado por Selma)
Diogo:- Rubinho, eu simpatizo muito com sua especialização, eu acho incrível os benefícios que a dermatologia traz para a humanidade, especialmente na recuperação de tecidos,
em caso de acidentes, queimaduras e até doenças degenerativas.
S Nossa, e aquele caso no ano passado, uma mulher que perdeu parte do rosto por causa de uma mordida de cachorro. Impressionante o que puderam fazer com plástica,
produtos dermatológicos, impressionante!
R – Há uma integração bem sucedida entre a plástica e a dermatologia, que, aliás, funcionam muito bem juntas.
S - É verdade, inclusive, antes de você chegar, Diogo, estávamos falando da “revolução dos cosméticos”.
(Diogo brinca com a sua falta de entendimento sobre o tema e a necessidade de tratamento para combater as rugas)
D Olha, eu trabalhei muito tempo com pacientes soro positivos, eu fiquei bastante tempo na África por conta da minha profissão. Eu sou infectologista. E é incrível como as
doenças de pele se manifestam na AIDS.
R – Exatamente, inclusive algumas vezes o diagnostico da HIV é dado pelo dermatologista que suspeita das reações da pele. Suspeitas que você conhece, lesões que aparecem em
função da imunodeficiência. A AIDS inaugurou um novo capitulo na historia da dermatologia, viu?
(Selma se despede)
R – Diogo, me fala um pouco desse seu tempo na África, que te levou à África?
D - Eu fui apela ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, você não pode imaginar o que é a miséria, o alto índice de mortalidade infantil, guerras
civis, enfim, um completo desrespeito aos diretos humanos. Fome e uma quantidade inacreditável de soro positivo. Eu fui para lá (musica) por causa da minha missão como
médico e isso acabou sendo um grande aprendizado na minha vida. Para você ter uma idéia, Rubinho, em Burundi, onde eu fiquei mais tempo, existia um médico para cada
100.000 pessoas, uma criança morre a cada 10 minutos. É uma situação calamitosa.
(Entra a irmã Lavínia e é apresentada para o Rubinho, convida a irmã para acompanhar a conversa).
243
Cap. 128, 5-12-2006 Bloco 4 (Referência temática: Estado da AIDS e Estatísticas)
Rubinho pergunta se Diogo leu relatório anual sobre AIDS, divulgado pela Organização Mundial da Saúde. Diogo afirma que leu, e, portanto, não dormiu. Achou chocante. Irmã
Zenaide ingressa na sala e após falar dos preparativos da festa de Diogo, Rubinho a convida para participar da conversa. Ela se interessa.
Diogo comenta que essa semana o programa de AIDS da ONU divulgou um relatório com dados e estatísticos alarmantes: o número de pessoas contaminadas pela AIDS que
morrem todo ano no mundo é o maior já registrado desde o aparecimento do vírus, há mais de 25 anos.
Irmã Zeneide - E eu que pensei que essa doença tinha acabado, eu não ouvi falar mais nada.
O - O número de contaminados aumentou em todas as regiões do mundo, só no ano passado foram mais de 3 milhões de mortes.
IZ – Mas, por que isso?
D - Todo mundo relaxou. Existem rios remédios que retardam os danos causados pela doença, então, as pessoas acham que foi descoberta a cura para a doença. O que é uma
absoluta ignorância. Pensando assim, as pessoas continuam sem se proteger e acabam se contaminando.
O - E AIDS só vai aparecer nos jornais quando acontecer com algum famoso, um artista, por exemplo. Então as pessoas continuam sabendo que a doença continua por aí.
D - Esse mesmo relatório diz que há uma pessoa contaminada do vírus HIV, no mundo, a cada 8 segundos.
IZ - Onde estão os governos nisso, as campanhas contra a AIDS e os alertas à população?
D - Alguns médicos das Nações Unidas acham que com os usuários de drogas injetáveis, os governos estão negligenciando. No Brasil, o Ministério de Saúde acha que houve uma
queda significativa, o problema é que agora são as mulheres. Cada vez mais as mulheres estão se contaminando.
O – E na população acima dos 40 anos também.
IZ – E qual é a razão?
O – Os remédios que apareceram por aí, para impotência masculina...É que a vida sexual entre a população mais velha se intensificou e nem todos se protegem, irmã.
IZ - Eu não sei praticamente nada sobre sexualidade, ainda que me interesse e leia tudo o que me cai nas os. É uma pena, mas a verdade é que as irmãs não têm acesso a
essas informações, como se estar informado fosse pecado.
D - É uma pena, porque vocês, irmãs, poderiam liderar uma campanha para as mulheres.
(A irmã vai embora). Rubinho, você sabia que este hospital não aceita pacientes com HIV, nem de qualquer doença infecto-contagiosa?
Rubinho fala que foi advertido disso. Diogo fala que pensa em tornar público o material que trouxe da África, que seria bom fazer uma campanha para as mulheres.
Cap.134, 12-12-2006 Bloco 3 (Referência temática: Sintomas)
Rubinho e Diogo conversam acerca da AIDS e sobre a atitude de negar a doença, que é o pior tipo de paciente.
R - Pessoas não têm consciência dos riscos. Os que já foram infectados desenvolveram uma lucidez sobre a necessidade de tratamento e, assim, vão fazendo o que podem para se
salvar. E ainda mais, numa cidade como Rio de Janeiro, onde você tem acesso à informação e onde os remédios são distribuídos gratuitamente, inclusive.
D – Eu não entendo porquê o cara nega. É uma forma de suicídio. Também tem a ver com a forma como ele se infectou. Às vezes, o paciente nega a doença por puro preconceito,
por medo que as pessoas se afastem dele porque está com AIDS. O que você achou das manchas na pele?
R - Dermatite seborréia. É uma das primeiras manifestações dermatológicas relacionadas ao HIV.
D - Tudo se confirma: manchas na pele, insuficiência respiratória, febre alta, cansaço.
(Imagens da África - campo de refugiados).
Cap. 148, 28-12-2006 Bloco 3 (Referência temática: Tratamento)
Diogo fala para Gabriel que não existe tuberculose. Porém, adverte a presença de uma pneumocistose
Gabriel - O que é isso?
Diego - É uma doença causada por micro-organismos. Ela parece com uma pneumonia, mas pode causar efeitos muito piores em pacientes imune-deprimidos, pacientes que têm
AIDS.
G - E como é o tratamento?
D - Com remédios antimicrobianos.
Gabriel pede para prescrever e ir embora. Diego insiste em não resistir. Diogo explica que ele tem AIDS, que ataca o sistema imunológico e que é por isso que ele tem essas
doenças oportunistas. A primeira etapa é tirá-lo dessa fase aguda, atacar essas doenças, logo, começa o tratamento da AIDS propriamente dito, com os anti-retrovirais, os
coquetéis. Gabriel fala para fazer o tratamento na casa dele.
D - Seu caso requer cuidados especiais, o tratamento é feito pela veia com doses altas, portanto, os comprimidos não adiantam para você.
Explica que o sangue está pouco oxigenado, portanto, é preciso trocar o cateter e pôr uma mascara de oxigênio. Enfatiza a importância de não resistir, aceitar a doença para poder
levar uma vida pela frente, como milhões de pessoas contaminadas.
244
PLANILHA DE IDENTIFICAÇÃO Nº 3: BULIMIA
N.
N.
Cap.
Data
Bloco
Timer Min. Tema
Referência
temática
Tipo de
MS
Discurso
Cenário
social
Função social
do
Personagem
Especificidade
Fala
Para
Tipo de
Personagem
Lugar
Ambiente
Planos
Musica-
som
1 42 28-8 1
de
31:57 a
35:02
03:05
Bulimia
Sintomas Assimétrica
Anna procura Helena. Sintomas e
diagnóstico de bulimia. Ver transcrição:
“Cap. 42, 28-08-2006 Bloco 1”.
Hospital Médico Obstetra Anna P-Helena RJ Urbano PP não
2 43 28-8 2
de
2:49:00
a
2:55:00
6 Bulimia
Definição e
causas
Assimétrica
Anna procura Helena. Causas e
funcionamento da bulimia. Ver transcrição:
Cap. 43, 28-8-2008 Bloco 2”.
Hospital Médico Obstetra Anna P-Helena RJ Urbano PP não
3 45 30-8 5
de
4:52:46
a
4:52:30
00:44
Bulimia
Definição e
causas
Assimétrica
Psiquiatra fala acerca da bulimia e de suas
possíveis causas. Ver transcrição: “Cap.
45, 30-8-2006 Bloco 5”.
Consultório
Médico Psiquiatra
Miroel
e
Anna
S-Bernando RJ Urbano PP não
4 46 31-8 2
de
2:34:30
a
2:36:41
02:10
Bulimia
Definição e
causas
Assimétrica
Psiquiatra fala acerca da bulimia, causas e
tratamento. Ver transcrição: “Cap. 46, 31-8-
2006 Bloco 2”.
Consultório
Médico Psiquiatra
Miroel
e
Anna
S-Bernando RJ Urbano PP-M não
5 62 19-9 4
de
5:25:10
a
5:26:00
00:50
Bulimia
Definição e
causas
Simétrica
Você não tem culpa nenhuma. Aconteceu,
tenho lido muita coisa sobre isso, ela não é
a única. Adolescentes que não têm mães
que ficam proibindo de comer e estão na
mesma situação que ela, sabe? Lembra o
que o psicanalista falou, sobre a tirania da
beleza, dos corpos magros? Pois é. O
mundo está cheio dessas meninas que
querem desfilar, que querem ser modelos,
elas falam que não comem porque querem
ficar magras, para não engordar. Tem uma
que parou de fumar e começou a engordar,
então, começou a fumar novamente.
Condenada duas vezes, uma menina de 18
anos, por não comer e por fumar.
Casa de
Cultura
Familiar/Marido
Marido Anna P-Miroel RJ Urbano PP não
245
6 116
21-
11
5
de
5:20:00
a
5:23:28
03:28 Bulimia Sintomas Depoimento
Giselle expressa que tem vergonha de falar.
Bernando explica que não está para julgar,
mas para ajudar a organizar seus sentimentos.
Ela conta para o seu psicólogo acerca da sua
primeira vez, que está feliz, mas que agora se
sente tensa, sem saber lidar com isso, que se
acha feia e gorda e que morre de vergonha de
Luciano. Bernardo reconhece que é medo de
intimidade. Giselle confessa que tem medo de
engordar, que desde pequena a mãe brigava
com ela com medo de vê-la gorda e explica
como ela provoca o vómito após comer tudo o
que ela gosta.
Consultório
Paciente Bulimia Psiquiatra
P-Giselle RJ Urbano
PP sim
7 116
21-
11
5
de
5:20:00
a
5:23:28
03:28 Bulimia
Definição e
causas
Assimétrica
Psiquiatra fala acerca do aspecto emocional da
bulimia. Ver transcrição: “Cap. 116, 21-11-
2006 Bloco 5”.
Consultório
Médico Psiquiatra Giselle
S-
Bernando
RJ Urbano
PP Sim
8 124
30-
11
4
de
1:25:20
a
1:27:00
01:40 Bulimia
Tratamento
- emocional
Assimétrica
Miroel e Anna têm uma entrevista com o
psicólogo da Giselle. O psicólogo explica que a
bulimia chegou no ponto em que a paciente
reconhece que tem consciência da doença,
porque está atrapalhando a vida dela. Agora o
desafio é conduzi-la para que entenda
internamente as emões dela e o que causa
bulimia. Explica que as pacientes têm
dificuldade em identificar os sentimentos, bem
como tendência a se fechar. Anna reconhece
esse diagnóstico nas atitudes de sua filha e
pede orientação: “o que é que a gente pode
fazer, me dá uma luz, um caminho”.
Consultório
Médico Psiquiatra
Miroel e
Anna
S-
Bernando
RJ Urbano
PP Não
9 124
30-
11
5
de
1:27:
10 a
1:29:50
02:40 Bulimia
Tratamento
- emocional
Assimétrica
Psicólogo explica as causas da bulimia e como
a educação familiar influi no desencadeamento
da doença. Os pais perguntam como é a forma
certa de limitar os filhos, sem provocar
angústias que podem gerar a doença. O
psicólogo orienta e salienta a importância de
conversar com Giselle acerca de seus
sentimentos, de como se sente com a vida,
ressalta que Giselle precisa agora é do apóio e
respaldo familiar.
Consultório
Médico Psiquiatra
Miroel e
Anna
S-
Bernando
RJ Urbano
PP Não
10
136
14-
12
5
39:50 a
41:50
02:00 Bulimia Sintomas Simétrica
Helena e Selma falam acerca da bulimia de
Giselle, que avançou muito. Apontam que os
distúrbios o além do que a gente pode
imaginar e ver, que mexem com a estrutura
psíquica e emocional das meninas de uma
forma avassaladora. Em 15 dias morreram
três; todos os dias morrem, mais do que as
que aparecem no jornal. Falam da obsessão
da mãe pela gordura de Giselle, que peca pelo
excesso de selo e que poderia ter sido causa
de bulimia.
Hospital Médico Obstetra
Helena-
Selma
P-S-H RJ Urbano
PP Não
246
11
141
20-
12
3
1:15:00
a
1:16:57
01:57 Bulimia
Tratamento
- emocional
Assimétrica
Helena pergunta se Anna falou para Bernardo,
se ela tomou alguma medicação. Helena
prescreve um tranqüilizante fraco, para caso de
emergência e pede que Giselle beba muito
líquido para não se desidratar. Quando
Bernardo chegar, é preciso contar o que foi
receitado. Anna pergunta se isso vai piorar a
bulimia. Helena acha que sim e que é provável
que Bernardo receite um antidepressivo.
Explica as razões: as emoções mexem muito,
administrar melhor a bulimia no momento
dramático, ajudar a passar por esse processo.
Apto.
residencial
Médico Clínico Anna P-Helena
RJ Urbano
PP não
12
143
22-
12
5
5:51:17
a
5:52:55
Bulimia
Tratamento
- emocional
Assimétrica
Sessão de terapia da Giselle. Bernardo a
orienta e explica seus sentimentos.
Apto.
residencial
Médico Psiquiatra Giselle
S-
Bernando
RJ Urbano
PP Não
13
144
23-
12
1
4:51:47
a
4:53:22
01:35 Bulimia
Tratamento
- emocional
Assimétrica
Bernardo receita um antidepressivo para
Giselle, indicando uso contínuo. Ele explica que
os vômitos que agora a Giselle está tendo são
para se livrar da dor. O anti-depressivo é para
que esteja mais estabilizada, sendo
fundamental o apoio familiar e análise para que
possa externalizar a dor.
Apto.
residencial
Médico Psiquiatra
Anna e
Miroel
S-
Bernando
RJ Urbano
PP-M o
14
149
29-
12
1
de
2:46:24
a
2:48:10
01:46 Bulimia Tratamento Assimétrica
Diogo explica para Anna que distúrbios
alimentares são tratados por uma equipe
multidisciplinar e que, além do psiquiatra,
Giselle precisa ser acompanhada por um clínico
e por um nutricionista. Avisa ainda que ela
precisa fazer exames o mais rapidamente
possível. O quadro dela pode evoluir para a
anorexia.
Apto.
residencial
Médico Clínico Anna P-Diogo RJ Urbano
PP Não
15
186
10-
2
1
3:07:12
a
3:09:38
02:26 Bulimia Tratamento Assimétrica
Helena explica que foi feita uma endoscopia e
pergunta acerca do comportamento da Giselle
nos últimos dias. Helena diz a Miroel e Anna
que estão realizando exames em Giselle.
Helena pede que não se abatam porque Giselle
precisa de amparo emocional. Orienta para ligar
para o psiquiatra.
Hospital Médico Clínico
Miroel e
Anna
P-Helena
RJ Urbano
PP-PM Sim
16
186
10-
2
2
3:18:47
a
3:24:07
05:20 Bulimia Sintomas Assimétrica
Helena e Diogo conversam com Giselle sobre
bulimia. Ela admite que induz o vômito desde
pequena e que tem sangrado nos últimos dias.
Helena e Diogo explicam que ela está com
distúrbios no aparelho digestivo e desidratada
(desequilíbrio hidroeletrolítico). Falta de
potássio leva a uma disritmia, que pode levar a
UTI. Helena lembra que a bulimia pode levar à
morte e, por isso, ela precisa de tratamento.
Diogo se prontifica a tratar de Giselle, com o
psiquiatra, e Giselle concorda, comovida. É
explicado todo o tratamento. Apelam, também,
à força de vontade da Giselle.
Hospital Médico Clínico Giselle P-Helena
RJ Urbano
PP Sim
247
17
187
12-
2
2
23:24 a
24:50
01:26 Bulimia
Definição e
causas
Assimétrica
Diogo fala que a ficha caiu, vem a crise e logo
melhorará. Anna e Miroel agradecem a Diogo
e dizem que a crise foi importante para que se
rompesse a barreira do silêncio em torno da
doença.Diogo fala que faltou que caísse a
ficha dos pais.
Hospital Médico Clínico
Miroel e
Anna
P-Diogo RJ Urbano
PP não
18
190
15-
2
1
1:27:30
a
1:28:05
00:35 Bulimia Tratamento
Assimétrica
Alta de Giselle. Helena e Diogo dão as
últimas indicações. Não faltar à terapia e
procurar nutricionista, fundamental para a
continuidade do tratamento.
Hospital Médico Clínico Giselle P-D-H RJ Urbano
PP não
19
194
20-
2
5
47:10 a
48:28
01:18 Bulimia Tratamento Assimétrica
Anna e Miroel lembram que o analista falou
que a bulimia é como o alcoolismo: pode ter
uma recaída a qualquer momento.
Apto.
residencial
Familiar/Mãe
Mãe Miroel P-Anna RJ Urbano
PP não
TOTAL DE INSERÇÕES: 19
Transcrição de conteúdo do merchandising social de ginas da Vida acerca de Bulimia
Cap. 42, 28-08-2006 Bloco 1 (Referência temática: Sintomas)
Anna - Estou preocupada com a Giselle. Eu venho observando um comportamento estranho nela. Ao principio custou em perceber, depois em acreditar e agora está dicil de
admitir. Eu acho que a Giselle está sofrendo um transtorno alimentar.
Helena - Que tipo de transtorno?
A - Pelo pouco que eu conheço, eu tentei me informar um pouco mais, acho que é bulimia. Ela come descontroladamente, escondida, claro, e depois ela provoca o vômito.
H - Sei, com que freqüência? Notou algum tipo de mudança no comportamento dela, desde quando?
A - Eu o sei, Helena, se foi alguma coisa que começou quando ela era criança e eu não percebi ou foi na adolescência, mas, há uns meses para cá, a Dorinha que trabalha em
casa, também me chamou a atenção.
H - E o comportamento dela de um modo geral, mudou?
A - Mudou. Ela está tão irritada, intolerante, ela não me obedece em nada, totalmente intratável.
H - Bom, diante desse quadro que voestá apresentando, por alto, posso concluir que se trata mesmo de bulimia. Mas temos que ver melhor para não fazer um julgamento
precipitado.
A - Eu estou arrasada, perdida, derrotada. Ajude-me, Helena, pelo amor de Deus o que é que eu faço? Ficou me perguntando porquê, sabe, a Giselle é o amada, tão cheia de
cuidado, de carinho, ela tem tudo o que ela quer.
Cap. 43, 28-8-2008 Bloco 2 (Referência temática: Definição e causas)
Helena - (...) são angustias que vem lá de trás...
Anna – Mas, que tipo de angustia uma menina como a Giselle pode ter? Ela não tem nenhuma preocupação na vida...Estou sempre à disposição dela, dou todo o que eu posso para
ela!
H - Você realmente está preocupada com ela ou com vomesma? Você está preterida porque ela tem um problema sério a pesar de todo o seu empenho como e. Agora, por
favor, não subestime o sofrimento dela.
A - Você tem razão, desculpe. É muito difícil para uma mãe ver uma filha se destruindo assim.
H - É ela que precisa de ajuda, você deve saber, mas, é bom repetir, a bulimia (musica-cena da Giselle) provoca um sofrimento intenso na pessoa, a menina perde auto-estima,
não acredita que possa ser amada. Quando ela se sente deprimida, porque acha que ela vai engordar, precisa vomitar e quando vomita se sente deprimida também porque não
conseguiu resistir ao impulso. É sofrido demais, violento demais, eu acho que antes de tudo, você deve tentar uma conversa com sua filha.
248
A - Uma conversa? Eu não consigo trocar duas palavras com ela sem que a gente brigue, a gente acaba se agredindo, se ferindo, não consigo me aproximar para conversar (a
Helena é chamada para atender um parto). (...) Mas pensa o seguinte: tem solução. Vou te dar depois alguns nomes de médicos que podem te ajudar e atender a Giselle para
tratar esse problema que ela está enfrentando. Respira fundo, procura se recuperar, não apareça tensa diante dela desse jeito porque ela não vai querer mesmo falar com você.
Cap. 45, 30-8-2006 Bloco 5 (Referência temática: Definição e Causas)
Bernardo - A pessoa pode ter uma propensão genética à compulsão dirigida ao álcool, ao sexo, ao consumo. No caso da bulimia, a compulsão é dirigida à comida, pode ser uma
questão social, por causa da ditadura da beleza, da magreza, mas a causa mais forte geralmente é psíquica, emocional, quase sempre ligada a questões e desajustes familiares,
por isso é que o tratamento psiquiátrico é muito importante.
Cap. 46, 31-8-2006 Bloco 2 (Referência temática: Definição e Causas)
Bernardo - Bom, do jeito que vocês me falaram, eu diria que se trata de bulimia, mas, por outro lado, eu não posso fazer um diagnóstico assim, sem conversar com a Giselle, sem
ter um conhecimento completo do caso. Os bulímicos, eles m um núcleo de desorganização interna aguda e eles respondem a isso com um sintoma compulsivo, que é
justamente a bulimia. Para ser mais exato e com outras palavras, eles projetam a agressividade no alimento. Precisamos descobrir o que realmente angustia a Giselle.
Anna – Mas por que isso acontece, não consigo entender, ela foi sempre tratada com tanto carinho.
B - Normalmente a resposta está trás, na infância. A bulimia pode ser o resultado de um processo longo, de superproteção ou de projeção de expectativas dos pais sobre a
criança, mas pode ser também causada por uma ruptura, uma separação, por exemplo. Nos não sabemos ainda o que perturba a Giselle e faz com que ela tenha essas crises
bulímicas
Miroel - O que é que a gente tem que fazer a partir de agora?
B - O tratamento tem que ser focado, não truques, nem quebra galhos, nem promessas milagrosas, nada disso. Deve ser uma equipe multidisciplinar, um psiquiatra ou
psicanalista, como preferirem, um dico da confiança de vocês e, em alguns casos, um nutricionista também. É uma doença que precisa ser bem tratada, mas tem cura. Eu
(música- Anna e Miroel saem e vão para o seu apartamento. Medico- voz em off) preciso advertir que a bulimia causa muito sofrimento para a paciente e para a falia, a Giselle
vai precisar de carinho e paciência. É preciso que ela venha até aqui conversar comigo, mas que não venha forçada. Vocês precisam fazer com que ela procure ajuda
espontaneamente, quase sempre os pais nem sequer notam que a filha está doente. Essas meninas nos procuram quando a bulimia destruiu suas vidas, quando já não
conseguem mais trabalhar, estudar. O que precisamos agora é antecipar o máximo o tratamento da Giselle.
Cap. 116, 21-11-2006 Bloco 5 (Referência temática: Definição e Causas)
Na sessão de terapia, Giselle relata sua experiência e responde as perguntas de Bernardo: Com que freqüência ela vomita, como ela se sente antes e depois de vomitar. Ele lhe
diz:
Bernardo - Presta atenção ao que vou te falar: tudo isso que você me contou, me parece que é um mecanismo que você criou para te proteger das coisas que te angustiam.
Normalmente, o sensações de separação, abandono, solidão, às vezes, são coisas simples, alguma nota baixa, uma viagem longa de uma amiga querida, ou, como você mesma
falou, a insegurança sua sobre o que seu namorado vai achar de você, do seu corpo, enfim. Observe bem as coisas que podem estar te angustiando e tenta entender a relação que
existe entre sua ansiedade, a vontade de comer e vomitar.
Giselle explica que tenta parar de fazer isso, mas não pode. Reconhece que isso é bulimia, que já leu na internet casos de outras garotas. Ela pede sua ajuda.
249
PLANILHA DE IDENTIFICAÇÃO Nº 4: ALCOOLISMO
N.
N.Cap.
Data
Bloco
Timer Min. Tema
Referência
temática
Tipo de MS
Discurso
Cenário
social
Função
social do
Personagem
Especificidade
Fala
Para
Tipo de
Personagem
Lugar
Ambiente
Planos
Musica-
som
1 48 2-9 1
de
4:02:54
a
4:06:54
4 Alcoolismo
Conseqüên
cias
Depoimento
Depoimento de Bira nos Alcoólicos
Anônimos. Ver transcrição: “Cap. 48,
02-9-2006 Bloco 1”.
ONG
Dependente
Quimico
Alcoólico Grupo P-Bira RJ Urbano PP-M sim
2 92
24-
10
5
5:44:40
a
5:51:29
6:49 Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Como ajudar o dependente químico a
assumir a doença. Ver transcrição:
“Cap. 92, 24-10-2006 Bloco 5”.
Clínica Médico Clínico Marina
S-Juliana RJ Urbano PP não
3 93
25-
10
1
00:00 a
2:27
02:27
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Repete última parte da inserção do dia
24-10. "Enquanto a doença for
barata...". Ver transcrição: “Cap. 92, 24-
10-2006 Bloco 5”.
Clínica Médico Clínico Marina
S-Juliana RJ Urbano PP não
4 101 3-11 5
5:39:30
a
5:40:30
01:00
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Repete última parte da inserção do dia
24-10. "Enquanto a doença for
barata...". Ver transcrição: “Cap. 92, 24-
10-2006 Bloco 5”.
Clínica Médico Clínico Marina
S-Juliana RJ Urbano PP não
5 106 9-11 5
sem
registro
06:00
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Explicação da necessidade de
internação e tratamento. Ver
transcrição: “Cap. 106, 09-11-2006
Bloco 5”.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP
não.
No final.
6 107
10-
11
1
de
2:47:10
a
2:53:10
06:00
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Repete inserção do dia 9-11. Ver
transcrição: “Cap. 106, 09-11-2006
Bloco 5”.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP
não.
No final.
7 107
10-
11
2
de
3:05:30
a
3:07:50
02:20
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Juliana pedi para Bira ficar, alertando
que a primeira parte é difícil, mas que
ele vai ficar bem, que eles não prendem
ninguém e que a decisão de ficar é
dele. Bira tem um ataque de nervos.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP
não.
No final.
8 108
11-
11
4
de
34:02 a
38:16
04:18
Alcoolismo
Tratamento Assimétrica
Explicação acerca do Delirum tremens
e tratamento. Ver transcrição: Cap.
108, 11-11-2006 Bloco 4”.
Clínica Médico Clínico Marina
S-Juliana RJ Urbano PP não
250
9 126
2-
12
3
de
2:57:00
a
3:01:55
04:55
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Médica apresenta Marília, a
psicoterapeuta, para Bira. Marília explica
qual é a função da terapia no contexto
de recuperação do alcoólico: a análise
faz parte do tratamento, da mesma
forma que os médicos tratam de dor e
doenças, há médicos que cuidam do
mundo emocional das pessoas, e isso
pode ser feito falando livremente de si
mesmo. Todas as pessoas têm
angústias e ansiedades, algumas sabem
lidar com elas, outras não. Essas
emoções geram tristeza, medos, culpa,
sentimentos diversos. As sessões são
para ajudar a lidar com suas emoções e
angústias.
Clínica Médico Psiquiatra Bira S-Marília RJ Urbano
PP-
PM
sim
10
138
16-
12
2
1:55:24
a
1:59:34
04:10
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Marília explica as razões de sua
presença. Repete texto da inserção do
dia 2-12 e dialoga com Bira acerca da
sua vida, Bira se nega e rejeita a
sessão.
Clínica Médico Psiquiatra Bira S-Marília RJ Urbano PP Não
11
138
16-
12
3
de
2:08:15
a
2:09:50
01:35
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Marília fala que a terapia dá a estrutura
emocional que o tratamento necessita,
não adianta tomar medicação sem
racionalizar o que vem acontecendo
com ele. Bira se nega. Marília vai
embora.
Clínica Médico Psiquiatra Bira S-Marília RJ Urbano PP Não
12
150
30-
12
1
de
4:36:26
a
4:38:40
02:14
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Juliana fala que a desintoxicação faz
parte de um processo global, explica
para Bira que ele vai precisar de análise,
que continue nas reuniões do AA, e
receita um complexo vitanico para o
fortalecimento de seu organismo. Marília
insiste no compromisso com a terapia.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP Sim
13
150
13-
1
5
de
3:48:08
a
3:50:10
02:02
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Juliana fala que a recaída pode fazer
parte do tratamento, que elas sabem o
que a abstinência exige dos pacientes.
Juliana e Marília tentam animar Bira.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP Não
14
162
13-
1
5
de
3:51:20
a
3:55:50
04:30
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Juliana conversa com Marina, que diz
não ter mais forças. A médica diz que
Bira precisa de cuidado e não de
controle e que, agora que teme perder o
amor da filha, pode ser que se submeta
melhor ao tratamento. O alcoólico não
aceita se tratar enquanto a doença for
barata. Marina quer saber como
continua o tratamento e quanto vai
durar. Juliana explica: repouso,
alimentação balanceada, bastante
líquido, medicação tranqüilizante e
análise.
Clínica Médico Clínico Marina S-J-M RJ Urbano PP Sim
251
15
163
15-
1
1
de
4:54:50
a
4:58:12
03:22
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Repete última parte MS 13-1. Clínica Médico Clínico Marina S-J-M RJ Urbano PP Sim
16
165
17-
1
5
de
53:48 a
56:53
03:05
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Marília orienta Marina para se
reaproximar de sua mãe. Às vezes, a
dor é uma via de aproximação. Marília
faz Marina racionalizar suas emoções.
Clínica Médico Psiquiatra Marina S-Marília RJ Urbano PP Sim
17
190
15-
2
2
1:45:35
a
1:47:04
01:29
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Dra. Juliana dá alta para Bira,
lembrando que ele deve continuar o
tratamento, que ele cumpriu a primeira
etapa, a fase da desintoxicação. Agora
deve continuar freqüentando o AA,
seguir plano de alimentação e fazer
terapia.
Clínica Médico Clínico Bira S-Juliana RJ Urbano PP Não
18
200
27-
2
4
43:58 a
45:21
02:31
Alcoolismo Tratamento Assimétrica
Marília reforça a idéia de que a luta
contra o alcoolismo é diária porque que
um dia pode voltar. As pessoas podem
se divertir, mas sem comprometer a
saúde. Lembra a "Campanha do
Ministério da Saúde: Pratique Saúde
Festas: divertir-se com consciência, sem
excessos". Brinde à saúde, lucidez e
sobriedade.
Bar Médico Clínico Bira S-Marília RJ Urbano PM Não
TOTAL DE INSERÇÕES: 18
Transcrição de conteúdo do merchandising social de ginas da Vida acerca de Alcoolismo
Cap. 48, 02-9-2006 Bloco 1 (Referência temática: Conseqüências)
O grupo de ajuda reza.
Bira - Boa tarde a todos, meu nome é Birajara, mas, todos me chamam de Bira. Eu hoje bebi, bebi ontem e venho bebendo todos os dias ao longo dos últimos anos. Eu
acompanhei algumas reuniões do AA e infelizmente não pude dar continuidade, mas hoje minha filha Marina resolveu me acompanhar e me incentivar junto a meu sobrinho Rafael.
Todos m me dado apoio, mas, de fato, minha presença se deve à minha filha Marina. Eu preciso tomar coragem e me fazer merecedor de todo o esforço, de todo sacrifício que
minha filha tem feito por mim. Portanto, eu reconheço que se não fosse pela coragem, pela dedicação da minha filha, eu poderia estar num lugar muito pior, então, eu queria
agradecer do fundo do meu coração. Ao longo dos últimos anos da minha vida, eu tenho tido muitas perdas: perdi meu casamento, perdi os meus trabalhos e perdi a minha
dignidade. Portanto, eu não suportaria perder minha filha porque é a única coisa que me resta na vida de valioso. Por isso eu estou aqui, por isso preciso estar aqui. Portanto, eu
peço a todos vocês que me ajudem, afim de que eu evite o primeiro gole, e eu puder estar aqui amanhã e poder dizer para todos vocês: eu estou a mais um dia sem beber, eu
consegui passar 24 horas sem beber. Muito obrigado.
Cap. 92, 24-10-2006 Bloco 5 (Referência temática: Tratamento)
Bira fala que bebe o tempo todo e tem perdido tudo, que a bebida amansa a tristeza que causou a separação da sua esposa. Marina desmente e fala que esse foi motivo de
separação. Bira fala que médico deve ser homem. Ele vai embora. Marina pergunta com raiva porque a médica não teve uma atitude mais incisiva para que ele ficasse.
Juliana - Eu não posso. A o ser que você queira que eu interne seu pai à força. Ele tem que vir espontaneamente, ele tem que ter consciência pelo menos da sua própria
condição. Ele tem que entender que está doente. É isso o que agente mostra para o paciente aqui. A gente estimulo para que ele possa fazer uma auto-analise até que a ficha
caia. É esse o termo que agente usa aqui “a ficha tem que cair”. Mais agora uma coisa é certa: você vai precisar ajudar.
Marina - Jura?!! O que eu tenho feito por ele ninguém sabe (Rafael pede para ela ficar e não fazer que nem o pai)
252
J – Mas é esse o tipo de ajuda que ele precisa. Não faça tanto. Quando você começa a exercitar seu desprendimento, sim,ele vai ter uma chance, ele precisa desse isolamento
para tomar a decisão de uma vez: “Eu quero me tratar”.
M - Como assim? Não entendi.
J - Enquanto a doença for barata, esqueça. Seu pai não vai fazer o menor esforço. A doença tem que ser cara para o alclico procurar qualquer tipo de ajuda. E pelo o que eu ouvi
aqui, nenhuma dessas atitudes graves que seu pai tomou fez você se afastar dele, dar um gelo, largar a mão. Marina, o que você está fazendo é amenizar a dor dele passando a
mão na cabeça. Agora mesmo, deixa-o, não atrás, eu te asseguro que ele volta, para ou para outra clínica. Mas, para isso, é ele que precisa entender que a internação é a
única solução. Marina, você não pode querer esse tratamento mais do que ele, entende?
Cap. 106, 09-11-2006 Bloco 5 (Referência temática: Tratamento)
Bira se irrita com a Dra. Juliana, quando ela insiste que a única possibilidade para ele é a internação.
Juliana Não tem outro jeito! Vochegou ao último estágio, entenda! Vo acha mesmo que vai conseguir evitar o álcool, na sua casa, sozinho? Agora pensa bem, em pouco
tempo você vai poder, sim, mas agora, nesta fase, você vai precisar ser acompanhado por dicos. É sério, é sua última e única saída.
(Bira se nega)
J - Escuta, vou te explicar uma coisa. Eu estou muito disposta a ajudar você neste sofrimento. Parte do tratamento fica por conta do auxílio médico, mas a outra parte é por vo.
Então, calma, não faça dessa internação um bicho de sete cabeças. Você vai ter todo o aparato, conforto, um ambiente tranqüilo para poder passar por esse período, pela
desintoxicação. E quem sabe, em uma semana, dez dias e você volta para casa e continua esse tratamento.
(Bira se nega e chora). Marina fica atônita quando o pai começa a chorar e pede que ele se trate. Bira passa a o no rosto da filha, comovido, e concorda. Juliana chama a
enfermagem. Marina uma força para o pai. Os enfermeiros chegam, Bira chuta a lata de lixo, olha raivoso para a médica e sai com os enfermeiros, sem permitir que Marina
ao quarto.
Juliana fala para a Marina: - Quando quiser, venha conversar. Relaxa e cuida de você.
Cap. 108, 11-11-2006 Bloco 4 (Referência temática: Tratamento)
Marina – Calma?! Ele está pior do que antes. Nunca vi uma imagem o chocante na minha vida!
Juliana Calma, vou te explicar. É uma coisa muito triste, mas acontece. As primeiras 48h são muito difíceis. As primeiras seis, o mais difíceis ainda, mas tudo isso faz parte
desse tratamento. Seu pai está passando por uma crise de abstinência. O que você viu, chama-se de delirium tremens, que é uma forma mais intensa e mais complicada dessa
abstinência. A pessoa fica num estado de confusão mental.
M - Ele começou a ver insetos e ratos na cama. Até que ponto meu pai chegou?
J - Não se preocupe, esse é um trato comum desse delirium tremens. É por isso essa agitação violenta que você viu.
M - Estou muito arrependida... Coitado do meu pai! Ele já perdeu toda dignidade.
J - Marina, presta atenção: você vai precisar ficar forte. O que você fez foi a melhor coisa que você poderia ter feito por seu pai. A internação é um critério internacional para o
paciente ficar abstinente. Se ele está pondo em risco sua vida e a vida de terceiros, não mais o que fazer. Ele precisa passar de período de forte desintoxicação, e passar por
esse tratamento, sim.
M - Eu não sabia que era tão sofrido. E depois dessa fase, acontece o quê?
J - Essa fase tende a melhorar em 72 h, claro, levando em conta a saúde sica, a alimentação do paciente, tudo está sendo feito para evitar um dano permanente no seu pai,
como, por exemplo, algumas ndromes decorrentes do próprio alcoolismo. Mas, calma, daqui uma semana ou dez dias, seu pai vai ficar bem, vai voltar para casa e o
tratamento segue mais leve. Com terapia, com reuniões no AA (Alcoólicos Anônimos), que ele já freqüentava, não é?
M - Será que a gente vai agüentar até lá, eu e meu pai?
J - Claro. Você precisa ficar forte. Você aman vai voltar e, com certeza, seu pai vai estar melhor. Agora, pensa um pouco em aquilo que eu te falei. Procure ajuda você também.
Agora mesmo, vou te dar o endereço de um grupo: AL-ANON, você vai gostar. É um grupo para os familiares dos alcoólicos. Você gostou quando você foi ao AA, certo? Eno,
você vai se sentir muito bem com esse aqui. Melhor, vocês dois devem ir juntos.
Rafael – Pode deixar, a gente vai.
253
PLANILHA DE IDENTIFICAÇÃO Nº 5: ADOÇÃO
N.
N.
CAP.
Data
Bloco
Timer Min. Tema
Referência
temática
Tipo de
MS
Discurso
Cenário
social
Função
social do
Personagem
Especificidade
Fala
Para
Tipo de
Personagem
Lugar
Ambiente
Planos
Musica-
som
1 29 11-8 2
de
3:57:02
a
3:58:02
1 Adoção
Adoção Assimétrica
Dr. Ferreira é o advogado de nosso hospital,
ele já está sabendo de tudo.
F: Temos alguns procedimentos legais que eu
mesmo vou conduzir, representando o hospital.
Eu vou comunicar os fatos à Vara da Infância e
Juventude, e o juiz vai designar o serviço social
e a divisão de psicologia para entrevistá-la.
Depois a senhora será intimada para uma
audiência com o juiz.
H: E isso tudo dura quanto tempo?
F: Eu ainda hoje vou entrar com um pedido de
urgência e acredito que o juiz deva despachar
em um ou dois dias.
H: Vocês me avisam, me ligam, ou sou eu que
ligo para cá?
F: Não se preocupe que a senhora será
avisada.
H: Obrigada.
Hospital Advogado X Marta S-Ferreira RJ Urbano PP não
2 112
16-
11
4
de
2:20:16
a
2:22:48
02:34
Adoção
DNA Assimétrica
Ivã, cunhado de Leandro, orienta e assessora
acerca do procedimento e conseqüências de
um exame de DNA, por exemplo: ele revela
quem é o pai, mas isso não muda a condição
do avô. Diz também que Léo terá que entrar
com uma ação para pleitear a guarda de
Francisco, que o juiz vai olhar sempre o que é
melhor para o menino e que, seja qual for a
decisão do juiz, é para obedecer.
Casa de
Cultura
Advogado X Alex P-Ivan RJ Urbano PP não
3 122
28-
11
1
1:27:13
a
1:27:40
00:27
Adoção
DNA Assimétrica
No momento prévio à realizão do exame de
DNA, chega Saldanha, advogado de Léo.
Marta fala que ela não sabia, que ela não
trouxe advogado. Saldanha explica que não
precisa, ele está presente porque é um exame
mediado por uma ordem judicial. Explica quais
os documentos que são necessários para a
realização do exame.
Laboratório
Advogado X Marta S-Saldanha RJ Urbano PP não
4 122
28-
11
2
de
3:38:30
a
3:43:47
05:17
Adoção
DNA Assimétrica
O Laboratorista explica o procedimento de
exame de DNA, enquanto ele é realizado.
Laboratório
Laboratorista X Todos
S-
Laboratorista
RJ Urbano PP-M não
5 122
28-
11
3
de
3:44:10
a
3:44:55
00:45
Adoção
DNA Assimétrica
O Laboratorista explica o procedimento de
exame de DNA, enquanto ele é realizado.
Laboratório
Laboratorista X Todos
S-
Laboratorista
RJ Urbano PP-M sim
6 122
28-
11
4
de
3:53:54
a
3:54:27
00:33
Adoção
DNA Assimétrica
O Laboratorista explica o procedimento de encaminhamento
do exame de DNA para a Justiça, conforme as inquietações
de Marta. Explica que os resultados estariam prontos ainda
hoje, porém, é a Justiça que vai receber os resultados, por
isso a demora não depende deles.
Laboratório
Laboratorista X Todos
S-
Laboratorista
RJ Urbano PP-M não
254
7 171
24-1 1
49:30 a
50:33
01:03
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
A primeira audiência está marcada, foi
publicada no boletim oficial. Saldanha responde
as perguntas de Léo, que se interessa pelo
procedimento. Saldanha explica: a primeira
audiência é de conciliação, o juiz tenta levar as
partes a um acordo, especialmente para que a
criança não sofra. Caso não haja conciliação, o
processo continua até se definir quem fica com
a guarda, o oficial de justiça avisa os outros
interessados. Na primeira audiência não é
preciso advogado, o juiz prefere que as partes
conversem.
Apto.
residencial
Advogado
x Léo S-Saldanha RJ Urbano
PP não
8 179
2-2 5
5:35:45
a
5:37:34
01:49
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Como não houve acordo, o Juiz explica como
continua o processo: Francisco também será
interrogado e equipes de psicólogos
acompanharão Francisco e outros familiares.
Léo pergunta se não conta o fato de que Marta
está a favor do acordo. O juiz explica que a
guarda é compartilhada pelos dois e que, como
Alex não concordará, ele irá contestar a ação
que Léo esmovendo. Lembra que Francisco
entende o que está acontecendo com o caso.
Forum de
Justiça
Juiz x Auditório
S RJ Urbano
PP Não
9 180
3-2 4
de
1:29:50
a
1:35:46
05:56
Adoção
Adoção Assimétrica
Helena conta tudo a Tereza, que diz que a
adoção de Clara foi perfeitamente legal. Tereza
diz que omitir a existência de Clara ao avô e ao
pai foi erro moral, não crime. E avisa: depois da
adoção concretizada, ela não deve satisfação à
família biológica de Clara. Para a justiça é
assim. A adoção é um direito irrevogável. Se os
avôs ou pai entrarem na briga pela guarda de
Clara, então é para entrar com uma ação de
defesa.
Apto.
residencial
Advogado
x Helena P-Tereza RJ Urbano
PP Não
10
180
3-2 1
de
43:09 a
44:53
01:49
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Repete inserção 2-2.
Forum de
Justiça
Juiz x Auditório
S RJ Urbano
PP Não
11
181
5-2 1
de
2:49:29
a
2:53:43
04:14
Adoção
Adoção Assimétrica
Repete última parte inserção 3-2.
Apto.
residencial
Advogado
x Helena P-Tereza RJ Urbano
PP Não
12
191
16-2 5
3:10:05
a
3:11:45
01:40
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
É explicado o conteúdo da segunda audiência,
no marco da ação judicial pela guarda de uma
criança: tem as testemunhas, cada um faz um
depoimento sozinho, sem a presença dos
outros.
Casa de
Cultura
Advogado
x Alex P-Ivan RJ Urbano
PP Sim
13
197
23-2 4
2:14:50
a
2:15:31
00:41
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Juiz adverte que a testemunha deve dizer a
verdade, uma vez que mentir em juízo configura
crime de falso testemunho.
Forum de
Justiça
Juiz x Olívia S RJ Urbano
PP Não
14
198
24-2 1
3:01:25
a
3:02:05
00:40
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Tereza explica o procedimento a cumprir: agora
os advogados falam, depois o promotoro
parecer e, finalmente, o juiz dá a sentença.
Essas sessões nunca são curtas e rápidas,
existem sempre procedimentos formais que
precisam ser seguidos.
Forum de
Justiça
Advogado
x Sérgio P-Tereza RJ Urbano
PP Não
255
15 202
1-3 2
de
1:30:40
a
1:31:50
01:10
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Saldanha explica para Léo que vai pedir ao juiz
que investigue se adoção é legal. Explica as
ações que serão realizadas. Insiste que a adoção
é coisa muito séria, Helena é a mãe. Será
realizado o exame de DNA para comprovação de
paternidade e, logo, entrar com uma ação de
anulação de adoção da Clara. O crime de Helena
foi moral.
Apto.
residencial
Advogado
x Léo S-Saldanha RJ Urbano
PP não
16 203
2-3 1
de
2:21:02
a
2:22:24
01:22
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Tereza Explica o que é recorrer na justiça. O
processo continua num Tribunal Conjunto, isto é,
o pai estará lutando pelos dois filhos juntos.
Nessa situação, Léo leva vantagem, pois os
irmãos vão poder viver juntos.
Forum de
Justiça
Advogado
x Todos P-Tereza RJ Urbano
PP Não
17 203
2-3 5
de
2:22:25
a
2:22:45
00:25
Adoção
Guarda
judicial
Assimétrica
Saldanha explica o que é o Tribunal Conjunto.
Forum de
Justiça
Advogado
x Todos S-Tereza RJ Urbano
PP Não
TOTAL DE INSERÇÕES: 17
2. Entrevista com Flávio Oliveira,
Gerente de Projetos Sociais
da Central Globo de Comunicação
257
Entrevista concedida por Flávio Oliveira, gerente de Projetos Sociais da Central Globo de
Comunicação, especialmente para esta pesquisa, em julho de 2008.
1. O que é merchandising social (MS)?
Flávio Oliveira (FO) - Merchandising social televisivo é a estratégia de comunicação que consiste na veiculação,
nas tramas e no enredos das produções de teledramaturgia e programas de entretenimento, de mensagens
socioeducativas explícitas ou implícitas, de conteúdo ficcional ou real. São “mensagens socioeducativas” tanto as
elaboradas de forma intencional, sistematizadas e com propósitos definidos, como aquelas assim percebidas pela
audiência que, a partir das situações dramatúrgicas, extrai ensinamentos e reflexões capazes de mudar
positivamente seus conhecimentos, valores, atitudes e práticas.
A mera ocorrência de um fato na trama (ex: gravidez, consumo de álcool, agressão doméstica, discriminação
racial, acidente etc.) não caracteriza merchandising social. Para isso, é necessário que haja, por exemplo:
referência a medidas preventivas, protetoras, reparadoras ou punitivas; alerta para causas e conseqüências
associadas a bitos e comportamentos inadequados; valorização da diversidade de opiniões e pontos de vista
etc.
Quando um tema social faz parte da trama central ou de tramas paralelas que permanecem ao longo da obra, é
sinal de que o compromisso do autor com a causa é absolutamente genuíno e de que os resultados podem ser
ainda mais significativos.
2. Quais são as premissas e objetivos do MS?
FO - O merchandising social tem por objetivos: difundir conhecimentos; promover valores e princípios éticos e
universais (ex: defesa dos direitos humanos, voto consciente etc.); estimular a mudança de atitudes e a adoção
de novos comportamentos (inovações sociais) frente a assuntos de interesse blico (ex: aleitamento materno,
uso do preservativo, quebra de preconceitos etc.); promover a crítica social e pautar questões de relevância
social, incentivando o debate pela sociedade.
A telenovela e a minissérie são obras de ficção, cujo objetivo é o entretenimento, não tendo compromisso
restrito com a realidade e assim são compreendidas pelo telespectador, que entende com clareza onde estão
os limites. Sendo assim, não qualquer interferência na criação artística. Cabe ao autor e à direção artística a
decisão de incorporar o merchandising social na trama. A razão é óbvia: assegurar a integridade da obra e a
finalidade de entreter.
Cabe à divisão de projetos sociais da Central Globo de Comunicação conduzir o relacionamento com a sociedade,
o contato com organizações da sociedade civil, especialistas etc. e coordenar o processo que resulta no
encaminhamento ao autor de sugestões de abordagem, ressalvas e informação qualificada, útil para a
abordagem na trama. Quando a iniciativa parte do próprio autor – que, em geral, conta com apoio de
pesquisador, para atender a necessidades diversas –, a CGCOM busca apoiar da mesma forma.
3. Porque se fala em existência do MS desde a cada de 1970 quando o conceito começa a circular
nos anos de 1990?
FO - A abordagem de questões de relevância social nas produções de teledramaturgia da Rede Globo vem sendo
uma constante desde o início da década de 1970, quando as tramas passaram a apresentar temáticas inspiradas
na realidade do país e na cultura. A telenovela, assim, passava a servir de veículo para a discussão dos
problemas nacionais. São exemplos a novela O Espigão, que em 1974 trouxe a ecologia para o vocabulário
nacional, e a minissérie Malu Mulher, que em 1979/80 ampliou o debate sobre a emancipação da mulher.
O desenvolvimento do gênero e a compreensão do papel que a teledramaturgia pode ter na difusão de
conhecimento (constitui veículo privilegiado, dado o envolvimento pela emoção, verossimilhança)
considerando-se as desigualdades do país, em especial no que se refere ao acesso à informação, e o alcance da
Rede Globo – formaram a base para a ampliação da iniciativa.
Já na década de 90, há uma maior preocupação com a eficácia das ações e com a sistematização do processo. A
mensuração das cenas de conteúdo socioeducativo está neste contexto. O emprego do termo “merchandising
socialpara expressar as inserções de caráter social com motivação educativa serve para mostrar que uma
metodologia, que há um processo estruturado suportando aquela iniciativa, e que não se trata de algo
esporádico e ocasional. É, portanto, inovador enquanto ação social.
258
4. Qual é a metodologia de produção de MS? Qual é o papel do autor de telenovela na criação do MS?
FO - Como explicado, cabe ao autor e à direção artística a decisão de incorporar as temáticas de interesse
social nas tramas. O autor(a) é o responsável pelo conteúdo da obra de ficção. As cenas que vão ao ar são
escritas pelo autor e sua equipe. A abordagem pode tanto ser prevista na fase de concepção da novela, como
pode também ser inserida no decorrer da trama. À área social/equipe de merchandising social, cabe
acompanhar, estimular, sugerir (às vezes por conta de uma demanda factual, como, por exemplo, a epidemia de
dengue) e apoiar o autor com subsídios, a partir do contato com especialistas, conforme o tema. Os subsídios
transmitidos aos autores funcionam como referência para inspirar e orientar a criação artística, sem
interferências externas. As tramas e cenas com abordagem socioeducativa são, assim, inseridas naturalmente,
integradas no processo normal de criação e produção dramatúrgica.
5. Qual a relação das ONGs ou Terceiro Setor na metodologia do MS?
FO - A equipe da área social mantém contato freqüente com instituições e especialistas de diversos setores, de
forma a se atualizar permanentemente sobre temas que podem vir a ser abordados em novelas e programas da
emissora, e também por conta de parcerias e do apoio (veiculação gratuita de campanhas relevantes de
interesse público) a entidades de referência nas diversas áreas. E, conforme o tema/necessidade, busca
expertise específica de organizações e especialistas.
6. Qual é a metodologia de monitoramento do MS?
FO - O acompanhamento do merchandising social nas novelas (levantamento quanti/qualitativo de conteúdo
socioeducativo na teledramaturgia) é feito por auditoria externa, pela Comunicarte. Essa monitoria é realizada
diariamente, e apenas as cenas com a mensagem socioeducativa explícita/implícita são contabilizadas (registro
quantitativo/descritivo). As cenas “preparatórias” são consideradas apenas na análise qualitativa, que pode gerar
informações úteis para o desenvolvimento do processo em longo prazo.
7. Qual é a metodologia de avaliação de resultados?
FO - Não são realizadas pesquisas espeficas para medir percepção e resultados. Mas é possível identificar
evidências de impacto social de diferentes formas, podendo variar de acordo com o tema. O contato com
instituições de diversas áreas (inclusive as utilizadas como fonte para abordagens) nos permite acompanhar os
resultados de ações, em função do relato sobre: mudança de percepções/comportamento (públicos específicos e
população em geral); alterações quantitativas (ex: busca por atendimento/informação, registros de diferentes
naturezas, como serviços públicos, denúncias etc.); além da cobertura da imprensa especializada (repercussão
e dados de fontes diversas), de manifestações voluntárias de segmentos da sociedade e de contatos da
audiência recebidos pela Central de Atendimento ao Telespectador da Rede Globo.
No caso de Laços de Família, de Manoel Carlos, exibida em 2000/2001, que estimulou a doação de medula
óssea, o Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea), que cadastra potenciais doadores, registrou
um aumento relevante no mero de inscrições. Em novembro de 2000 (antes de o tema surgir na trama),
cerca de 20 pessoas se inscreviam mensalmente para fazer doação; em janeiro de 2001, com a abordagem
contundente da doação de medula na novela, esse número saltou para cerca de 900 inscrições/mês.
Outro exemplo é Mulheres Apaixonadas (2003), também escrita por Manoel Carlos. Diversos temas tratados na
novela ganharam repercussão na sociedade, proporcionando avanços na legislação. A discussão em torno dos
direitos da terceira idade (com o combate aos maus tratos sofridos por idosos na novela) levou o Congresso a
aprovar o Estatuto do Idoso, que aguardava votação cinco anos. A telenovela abordou também a violência
doméstica contra a mulher, iluminando o problema e estimulando a discussão, contribuindo para que as
iniciativas da sociedade ganhassem fôlego; o movimento culminou com a sanção da Lei Maria da Penha”, em
2006, que tipifica os crimes domésticos contra as mulheres e aumenta as punições para os agressores. Além
disso, Mulheres Apaixonadas abraçou a causa do desarmamento, mostrando cenas de manifestações que pediam
nova lei para restringir o uso e o porte de armas. A mobilização social pelo desarmamento culminou com a
sanção da Lei do Desarmamento n° 10826, de 22 de dezembro de 2003.
O Clone (2001-2002), de Glória Peres, que alertou para prevenção e tratamento de dependência química, gerou
significativo aumento no número de ligações recebidas pela central de atendimento da Secretaria Nacional
Antidrogas. De janeiro de 2002 para maio de 2002, a quantidade de telefonemas passou de 900 para 6 mil
aproximadamente. O número de reportagens sobre drogas e dependência química nos 50 maiores jornais do
país também teve aumento importante a partir de fevereiro de 2002: 65% em março, 120% em abril 156% em
maio e 120% em junho (fonte: ANDI- Agência de Notícias dos Direitos da Infância).
Mas nem todas as ões de merchandising social podem ter seu impacto mensurado, por se tratar de efeitos
subjetivos, que não podem ser medidos quantitativamente. No caso de Páginas da Vida (2006-2007), que tratou
de síndrome de Down, e de América (2005), que tratou de deficiência visual, os impactos foram verificados por
meio do retorno de entidades que cuidam dessa causa e que perceberam a novela (pelo relato de
259
indivíduos/familiares ou de pessoas envolvidas diretamente no atendimento à população) como uma grande
contribuição ao combate ao preconceito e ao debate sobre inclusão.
8. Qual é o papel social do MS e da TV Globo no mercado audiovisual?
FO - Além do compromisso com a cultura do país, com sua identidade, integração, pluralidade de informações e
valores éticos, a Rede Globo mescla entretenimento, jornalismo e programas voltados para a educação e o
conhecimento. Indo além de sua obrigação legal, a TV Globo tem projetos sociais específicos, caracterizando um
amplo portfólio de ações pioneiras. São parcerias estratégicas, que unem a expertise e a capacidade de
articulação de entidades renomadas e a capacidade de comunicação da Globo, criando mobilização em larga
escala, condição necessária para se gerar transformação social no contexto brasileiro:
CRIANÇA ESPERANÇA é a maior campanha de promoção dos direitos da infância e da adolescência do país. Os
recursos arrecadados são direcionados para os projetos selecionados pela Unesco no Brasil com base em
rigorosos critérios técnicos e acompanhados durante todo o período de execução. A arrecadação, em 22 anos,
chegou a R$ 190 milhões. Mais de cinco mil projetos, com cerca de três milhões de crianças, jovens e
adolescentes, já foram beneficiados.
Criado em 1999, o AMIGOS DA ESCOLA busca fortalecer a escola pública de educação básica por meio do
estímulo ao trabalho voluntário e à integração escola-comunidade. Parceria com Consed, Undime e Instituto Faça
Parte.
Realizada 14 anos, a ÃO GLOBAL atingiu, em 2007, seu recorde de blico, reunindo mais de 1,5 milhão
de pessoas. A oferta de serviços gratuitos nas áreas de saúde, cidadania, educação, cultura, esporte e lazer
resultou em quatro milhões de atendimentos, incluindo a emissão de mais de 150 mil documentos (36% a mais
que no ano anterior), beneficiando comunidades de baixa renda de dezenas de municípios nos 27 estados do
país.
Em termos de PUBLICIDADE SOCIAL, a Rede Globo realizou, em 2007, mais de 812 mil inserções gratuitas
(equivalente a quase R$ 600 milhões de investimento em mídia) de mensagens publicitárias de conteúdo social e
cultural, entre campanhas próprias, em parceria ou de terceiros (ONGs, sociedades médicas, associações etc.).
Para mais detalhes, vide Relatório de ões Sociais 2007 disponível na homepage da Rede Globo:
www.redeglobo.com.br
9. Qual é o reconhecimento público do MS?
FO A Rede Globo já recebeu diversos prêmios pelas iniciativas sociais. A prática inovadora do merchandising
social deu à TV Globo, em 2001, o Business in the Community Awards for Excellence (UK), o mais conceituado
prêmio de Responsabilidade Social do mundo, na categoria Global Leadership Award. O Amigos da Escola foi
ganhador do Prêmio Darcy Ribeiro de Educação 2007, concedido pela comissão de educação e cultura da Câmara
dos Deputados. O Criança Esperança é reconhecido pela ONU como referência para TVs de todo o mundo.
10. Alguns dados quantitativos de monitoramento de MS nas telenovelas.
FO - Desde 1995, nas telenovelas, foram mais de 12 mil cenas de conteúdo socioeducativo, incluindo
“Malhação”, que representa aproximadamente 30% das inserções a cada ano.
Entre as ações que se destacaram em 2007 estão:
· Preconceito racial: tratando de diversos temas de interesse público, da prevenção à dengue à convivência
pacífica entre religiões, a novela Duas Caras, de Aguinaldo Silva, realiza uma ação contundente de combate ao
preconceito racial, entre outras formas de discriminação.
· Valorização da educação: por meio da personagem de uma diretora de escola blica que transforma a
realidade à sua volta com a participação da comunidade, o autor Walcyr Carrasco mostrou, em Sete Pecados, o
papel central da educação no desenvolvimento social.
· Abuso no consumo de bebidas alcoólicas: em Paraíso Tropical, Gilberto Braga e Ricardo Linhares
enfocaram a prevenção ao alcoolismo, entre outras questões relacionadas à saúde.
· Síndrome de Down: a abordagem sobre o tema na novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, iniciada no
ano anterior, ampliou o debate sobre inclusão.
260
CENAS DE CONTEÚDO SOCIOEDUCATIVO (2007)
NOVELAS CENAS em 2007 PRINCIPAIS AÇÕES
MALHAÇÃO 193 Ação social; combate ao preconceito; ética;
doação de medula; educação para o trânsito;
desenvolvimento sustentável; participação da
família na educação; direitos do trabalho;
direitos da infância; valorização da cultura;
prevenção à dengue; prática de exercícios
físicos.
O PROFETA 28 Combate ao preconceito racial e social;
gravidez não desejada/planejada; igualdade
de gênero.
ETERNA MAGIA 53
Direitos da mulher; analfabetismo; incentivo à
leitura; valorização do estudo; hábitos
saudáveis; relações familiares; preconceito
racial.
DESEJO PROIBIDO 9 Preservação ambiental; ética pessoal e nos
negócios; doação de sangue.
PÉ NA JACA 47 Alcoolismo; violência doméstica; uso do
preservativo; prática de atividades físicas.
SETE PECADOS 136 Valorização da educação, do estudo e das
artes; incentivo à leitura; voluntariado;
crítica ao culto exagerado à beleza física;
combate ao preconceito racial e social;
uso/abuso de drogas; direitos da infância;
igualdade de gênero; doação de sangue e
medula óssea, entre outras.
PÁGINAS DA VIDA 88 Síndrome de Down (preconceito, inclusão);
alcoolismo; bulimia; HIV/Aids; direitos
humanos fundamentais; combate ao
preconceito; combate à violência; prática de
atividades físicas; saúde da gestante e do
bebê; preservação do patrimônio cultural etc.
PARAÍSO TROPICAL 142 Alcoolismo, responsabilidade social das
empresas; ética; educação para o trânsito;
hábitos saudáveis (alimentação, atividades
físicas); combate à corrupção;
empreendedorismo; direitos da infância;
igualdade de gênero; discriminação etc.
DUAS CARAS 96 Combate ao preconceito racial, social e de
crença/religião e de orientação sexual;
direitos do trabalho; valorização da
educação; cuidados ambientais; combate à
violência doméstica; segurança blica;
uso/abuso de drogas e dependência química;
dislexia; educação para o trânsito; incentivo
à leitura.
TOTAL 792
261
3. Entrevistas e Marias
acerca de Manoel Carlos e sua obra
262
2001
19/02/2001 - 11h05
Autor de "Laços de Família" já prepara novo projeto
LAURA MATTOS
da Folha, no Rio
As férias de Manoel Carlos, autor de "Laços de Família", prometem não durar muito. Depois de dar à Globo
recordes de audiência com a novela e ter atingido 60 pontos no Ibope com o último capítulo, há duas semanas,
o autor finca o pé no primeiro time da emissora.
Enquanto descansa, já prepara seu próximo projeto: a minissérie "A Presença de Anita", que deve ir ao ar no
próximo ano. E faz planos ambiciosos para a Globo, aconselhando a emissora a adotar um esquema
hollywoodiano de produção de novelas e séries.
Aos 67 anos, Manoel Carlos tem bem definido seu papel: "Não sou pago pela Globo para escrever novela. Sou
pago para escrever novela que dê ibope".
Assim, aposta sempre na mesma fórmula para suas tramas ("Falar do cotidiano, de história banais até. É o que
sei e gosto de fazer") e se orgulha de nunca ter decepcionado ("Todas as minhas novelas tiveram boa
audiência").
Em seu apartamento no Leblon, no Rio, esse paulistano do Pari junta recortes de jornais e revistas e joga em
uma caixa que chama de lixo, de onde já tirou muita novela de sucesso. Nesse cenário, que parece parte de
suas tramas, ele recebeu a Folha para a seguinte entrevista:
Folha - "Laços de Família" foi o maior ibope em novela nos últimos cinco anos e ajudou a audiência
média da Globo em 2000 a crescer 6%. Para o sr., o que significou?
Manoel Carlos - "Laços de Falia" foi uma vitória muito grande não só nossa, mas significativa para todos os
autores e diretores da Globo. Isso porque foi talvez a primeira novela em que Marluce Dias da Silva (diretora-
geral da Globo) pediu uma sinopse, eu entreguei, ela leu e falou: "Sinal verde. Faça com quem quiser, como
quiser". Não houve nenhuma interferência. Tanto que foi a primeira novela em que nós participamos da escolha
das músicas. A trilha antes era feudo da Som Livre (braço musical da Globo).
Folha - Que tipo de interferência prejudica a criação? Ter de esticar a história, por exemplo?
Manoel Carlos - Isso atrapalha. Evidentemente, nunca me neguei a esticar a novela diante de um problema
da Globo. As reuniões de grupo que a Globo faz para saber o que os telespectadores pensam costumam
interferir também. Só acompanhei isso uma vez e não gosto do método. Não acredito nas mulheres que vão
sabendo que vão interferir na Globo, dar palpite na novela dos outros. Elas saem de casa e dizem para o
marido: "Hoje eu vou mexer na novela da Globo".
Folha - Como é trabalhar na pressão de ter que manter a audiência da novela anterior?
Manoel Carlos - Nunca senti essa pressão porque minhas novelas sempre corresponderam ao que a Globo
esperava. Mas tenho uma opinião sobre isso: eu não me sinto pago para escrever uma novela, eu me sinto
pago para escrever uma novela de sucesso. A novela das oito não pode dar errado, é um produto vital para a
empresa.
Em "Por Amor", eu era obrigado a fazer, às vezes, capítulos de uma hora e meia para neutralizar o Ratinho. O
dia mais forte do Ratinho era quinta-feira. Uma vez, tive de jogar um episódio importante da quarta para a
quinta.
Folha - É possível experimentar ou é necessário trabalhar com uma fórmula certa para o Ibope?
Manoel Carlos - Minha fórmula talvez seja uma que dê certo sempre, é natural, e usei em todas as novelas
que escrevi. É uma história realista, do cotidiano. São novelas em que até o nome da protagonista é o mesmo,
e as relações são absolutamente iguais, normais, cotidianas, banais até.
Folha - Já existe uma história para sua próxima novela?
Manoel Carlos - Ainda não tenho nada definido, mas tenho muita coisa guardada. Sou um rato de jornais. A
Capitu de "Laços de Família" tirei de uma reportagem da Revista da Folha.
Gosto de fazer novelas sobre coisas que realmente conheço, como o Rio, mas gostaria muito de fazer uma
novela passada em São Paulo, porque sou de lá e amo minha cidade. Em novelas passadas em São Paulo,
sempre mostram o Minhocão, quatro cenas da avenida Paulista e o resto é no estúdio da Globo, no Projac. E a
minha novela não vive disso, vive das ruas. Eu queria fazer uma novela que tivesse o Brás, o Bixiga, o Pari,
onde eu nasci.
263
Folha - Como o sr. analisa o problema da novela com a Justiça?
Manoel Carlos - Na verdade, o problema foi menor do que parecia. Para mim, o pior foi tirar as crianças das
cenas já escritas. Isso deu um trabalho de 15 dias. Foi necessário regravar algumas cenas. E isso impulsionou a
novela. Teve gente que não via antes e passou a ver. Essas coisas sempre beneficiam.
Acho que no caso das crianças tivemos uma cena que foi um excesso e um pecado de todos nós. Foi a cena em
que Clara (Regiane Alves) era atropelada com a filhinha no colo. Fiquei apavorado de ver que ela teve de
repetir a cena, cheia de tensão, dez vezes. A menina chorava e a cena se repetia. Ela não conseguiu mais
trabalhar na novela e teve de ser substituída. Com relação às cenas de sexo, acho que estavam dentro de um
realismo possível.
Folha - Por que Edu (Reynaldo Gianecchini) foi perdendo espaço na trama e participou pouco do
último capítulo, nem ficando ao lado da mulher durante o transplante?
Manoel Carlos - Não, ele não sumiu. Mas o galã, quando se casa, diminui o papel. Não tem mais assunto. Se o
casamento for feliz, pior ainda. Costumo dizer que felicidade não dá ibope. No transplante, não era pertinente
que ele entrasse. Em primeiro lugar, ele não era um bom médico. Fez medicina para agradar a tia. E, na hora
difícil, as pessoas querem a mãe e não o marido ou a mulher.
Folha - Como é escrever tendo de encaixar publicidade na história?
Manoel Carlos - Nada é definido sem a autorização do autor. Há pessoas dizendo que fazem merchandising
em minhas novelas, mas é mentira. O merchandising social sou eu que coloco, porque acho importante. Tudo
que foi dito sobre livros não era comercial. Eu queria promover aquelas obras. O merchandising comercial é
acertado entre o autor, um departamento especializado da Globo e a empresa interessada.
Fonte: Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2001 . Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u10705.shtml
. Ùltimo acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
2003
Edição 1810 . 9 de julho de 2003
Índice
Brasil
Internacional
Geral
Economia e Negócios
Guia
Artes e Espetáculos
Claudio de Moura
Castro
Gustavo Franco
Entrevista
"Escrevo sobre o que conheço"
Silvia Rogar
Selmy Yassuda
MANOEL CARLOS
"Mulheres Apaixonadas
será a minha última
novela. Não tenho mais
condições físicas. Novela
é uma estiva. Se não
parar, minha mulher se
separa de mim"
264
Diogo Mainardi
Roberto Pompeu de
Toledo
Carta ao leitor
Entrevista
Cartas
Radar
Holofote
VEJA on-line
Contexto
Veja essa
Arc
Gente
Datas
VEJA Recomenda
Os livros mais
vendidos
Aos 70 a
nos, Manoel Carlos é o único remanescente de uma geração de autores
que participou ativamente da construção da televisão brasileira. Nos anos 50,
escreveu mais de 100 peças para o Grande Teatro Tupi e, nas duas décadas
seguintes, criou e dirigiu programas que marcaram época, como O Fino da
Bossa, Jovem Guarda, Essa Noite Se Improvisa e Família Trapo, todos da Rede
Record. Foi o primeiro diretor do Fantástico, da Rede Globo. Escreveu para as
TVs mexicana, argentina, colombiana e americana sem jamais ter estado na
maioria dos lugares onde a trama se desenrolava. Nessa estrada, adquiriu
domínio sobre todas as etapas da produção televisiva. "Na TV ao vivo, a gente
tinha de trocar cenário sem fazer barulho", lembra. "Quem começou na TV
Globo não passou pela dificuldade da televisão sem tecnologia e sem dinheiro."
Manoel Carlos recebeu VEJA em seu apartamento no Leblon, bairro carioca que
tornou nacionalmente conhecido em suas novelas, para a seguinte entrevista.
Veja – Por que o senhor elegeu a classe
média a protagonista de suas novelas?
Manoel Carlos – Porque escrevo apenas
sobre o que conheço. Nas minhas novelas não
há grã-finos porque nunca convivi com eles.
Muitos personagens, inclusive, nasceram das
minhas observações e lembranças da vida
real. No caso de Mulheres Apaixonadas, a
mulher de classe média que tem caso com o
motorista de táxi baseia-se numa história que
ocorreu no bairro em que eu morava em São
Paulo. Já o padre Pedro, que balança o
coração da personagem de Lavínia Vlasak, é
baseado num religioso espanhol que havia no
meu colégio. Ele despertava verdadeiras
paixões.
Veja – Em Mulheres Apaixonadas, o
senhor aborda o alcoolismo por meio de
Santana (Vera Holtz) e a violência
doméstica por intermédio de Raquel (Helena Ranaldi). Ambas são
professoras e têm um bom padrão de vida. A classe média não rejeita o
fato de ver-se retratada dessa forma?
Manoel Carlos – Acho que a classe média está mais aberta para esses
assuntos. A personagem da Vera é a que mais sensibiliza o público, porque
tenho a impressão de que não existe uma família que não tem ou nunca teve
um alcoólatra. Eu quis colocar uma professora de adolescentes que bebesse,
porque me parece que isso acentua a gravidade do problema. No caso da
violência doméstica, não escolhi um pedreiro que toma umas cachaças na
esquina e enche a mulher de bolachas. Para mostrar que é um drama comum a
ricos, remediados e pobres, retratei o agressor como um sujeito da classe
média alta, que tem carro importado, é gentil e educado.
Veja – Por que as mulheres têm mais destaque nas suas novelas?
Manoel Carlos – Há um pouco de lenda nisso, mas não nego que acho as
mulheres mais interessantes. São menos hipócritas, mais verdadeiras,
percebem melhor as coisas. O que mais me impressiona é o fato de a mulher
ser muito confessional. Numa roda de amigas, ela diz sem medo que é traída
pelo marido. Um homem jamais faria isso. Homens falam com homens sobre
sexo, futebol, trabalho e contam anedotas. Mulher fala de si própria. Além de
tudo, mulher fala mais. Isso para mim é importante, porque tenho de escrever
34 páginas por dia.
Veja – Como é sua rotina de trabalho?
Manoel Carlos – Não tenho nenhuma rotina. Não tenho hora para escrever,
hora para dormir nem hora para comer. Tenho um sono muito leve e, quando
acordo no meio da noite, é comum que a novela venha inteira na minha
cabeça. Aí eu me levanto e vou trabalhar no meio da madrugada. É como se
fosse uma doença que toma
conta de você, não dá para pensar em outra coisa.
Mas não perco o contato com a minha família em hipótese alguma, e não deixo
de ler seis jornais por dia.
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265
Veja – Uma das marcas de suas novelas é a atualidade dos diálogos, a
rapidez com que expressões cotidianas de um grupo etário ou social
são transpostas para a televisão. Como o senhor se abastece das
informações necessárias para conseguir esse resultado?
Manoel Carlos –
Levo uma vida absolutamente normal. Vou a banco, entro em
fila de casa lotérica e freqüento feira e bancas de jornal. Ando pela rua e
converso com as pessoas. É assim que assimilo as diferentes expressões. A
Globo é uma torre de marfim, de onde as pessoas costumam sair pouco. Já eu
saio todos os dias, mesmo fazendo novela. Só não posso ir ao cinema porque
me atrapalha. Também não leio romances quando estou escrevendo.
Veja – Por quê?
Manoel Carlos – Quando você escreve uma novela, tem de acreditar que só
existe uma história no mundo –
a sua. Se não for assim, você pára de escrever.
Tenho pavor de que isso aconteça. O romancista tem essas crises, mas põe o
livro de lado e recomeça depois. Mas como um autor de novelas pode parar de
escrever uma novela que está no ar? Não pode. Tem de acreditar que a sua
história é a melhor que existe e seguir até o fim.
Veja – Com mais de cinqüenta anos de televisão, o senhor ainda tem
esse tipo de medo?
Manoel Carlos – Claro. Eu também não teria estrutura para agüentar uma
novela que não dá certo. Deve ser uma experiência simplesmente desastrosa.
Uma novela que não dá certo é como carregar um cadáver nas costas. Isso
pode acontecer comigo. Faltam três meses para terminar a novela e eu fico
contando na folhinha. Só se pode ter certeza do sucesso no fim, não dá para
achar que se ganhou de véspera.
Veja –
Até que ponto a pressão por audiência interfere em seu processo
de criação?
Manoel Carlos – Posso garantir que a Globo não faz pressão. Se a audiência
cair, não pense que alguém da direção da emissora ligará para dizer que a
novela não está indo bem. Eu é
que me pressiono. Quando entra uma cena que
considero lenta, anoto o minuto exato em que ela foi ao ar, para conferir no
medidor de audiência que tenho em casa como foi o ibope. Novela é uma
surpresa. Às vezes não assisto a um capítulo porque acho que ficou tão ruim
que tenho vergonha. Mas não é raro que as pessoas gostem do que não gosto.
Veja O senhor se
incomoda com o
merchandising em suas
novelas?
Manoel Carlos Não, de
maneira nenhuma. Se não
existisse merchandising, eu
pediria para incluir de graça a
citação de produtos nas falas
dos personagens. Isso mais
veracidade às cenas.
Evidentemente, tomamos
cuidado para não cair no
exagero. Nas minhas novelas
não entra merchandising de bebida alcoólica e de cigarro. Meus personagens
eventualmente bebem e fumam, mas não aparece nenhuma marca. E os atores
podem aceitar ou não fazer merchandising de um determinado produto. O
Marcello Antony é um que não faz merchandising de nada, por convicção.
Veja –
O senhor recebeu cticas pelo excesso de cenas de sexo na série
Presença de Anita. Quanto a Mulheres Apaixonadas, houve quem se
incomodasse com algumas cenas tórridas. O que pensa disso?
Manoel Carlos –
Não acho que eu exagere nesse ponto. As pessoas com quem
converso na rua nunca criticam as cenas de sexo que escrevo. Pelo contrário,
costumam elogiar. Mas sempre estou aberto para rever certos aspectos. Não
quero ofender ningm, nem criar problemas para a família brasileira. Quero
fazer novelas de que as pessoas gostem. Não faço o tipo "minha novela eu não
mudo".
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Veja –
O senhor já fez grandes mudanças em suas novelas por causa do
público?
Manoel Carlos – Já mudei muito, mas foram mudanças pontuais. Em
Laços de
Família, o ator Henrique Pagnoncellis entrou para fazer seis capítulos com a
Capitu (Giovanna Antonelli) e, como agradou, ficou até o fim. Em Baila Comigo,
não matei o Fernando Torres por causa das cartas que recebia. Numa delas, o
sujeito dizia que tinha ficado órfão havia pouco tempo e, caso o Fernando
saísse da novela, ele se sentiria perdendo o pai pela segunda vez. No caso de
Mulheres Apaixonadas, a quantidade de pedidos para eu poupar a Fernanda
(Vanessa Gerbelli, que vive uma história de amor com o personagem de Tony
Ramos)
foi enorme. Por causa disso, a personagem teve uma sobrevida de mais
de 100 capítulos. Mas sua morte já está decidida.
Veja – A que tipo de programa o senhor assiste?
Manoel Carlos – Novela, telejornal e programa de entrevistas. Mas muita
novela, sempre. Eu assisto a um pouco de cada uma, de todos os canais. E
acho engraçado quando vejo atores de televisão dizendo que não vêem novela.
A maioria declara que só assiste ao Boris Casoy e ao Jô. Como ator de novela
não gosta de ver novela? Tem ator que diz: "Meu negócio é teatro". Mas,
quando você vai olhar, ele fez uma única peça em dez anos e nunca parou de
trabalhar em novela. Acho que é até uma ingratidão, porque eles vivem
essencialmente do salário da televisão. Ao aparecer numa novela, ganham
projeção. Quando está no ar, ator faz baile de debutantes, cobra para ir a um
show. O teatro não tem esses subprodutos.
Veja – Mas teatro dá status...
Manoel Carlos –
Sim, mas eles não levam em conta que ator de teatro tem de
ter uma formação cultural que a televisão não exige. É difícil um ator de teatro
ser absolutamente inculto e desinformado. Na televisão, uma boa parte dos
atores nunca leu um livro. Na TV, tem gente que sonha com as capas, mas nem
lê as revistas.
Veja – Qual será sua próxima novela?
Manoel Carlos – No que depender de mim, Mulheres Apaixonadas será a
última. Não tenho mais condições físicas. Escrever novela é uma estiva. Tenho
contrato com a Globo até 2008 e gostaria de fazer duas minisséries por ano.
Trabalho com muita vontade, e gosto do que faço. Mas, se eu não parar de
escrever novelas, minha mulher se separa de mim. Aos 30, 40 anos, você pode
adiar projetos por dez anos. Aos 70, fica mais difícil.
Fonte: Veja On line, 9 de julho de 2003. Site: http://veja.abril.com.br/090703/p_075.html.
Ùltimo acesso em: 14 de dezembro de 2008.
2006
01/07/2006 - 18h47
Leia entrevista exclusiva com autor de "Páginas da Vida"
JAMES CIMINO
Colaboração para a Folha Online
Leblon: bairro de classe-média alta da zona sul carioca onde vivem (ou viveram) diversas Helenas. Essas
mulheres se caracterizam pela extrema humanidade, por uma vida aparentemente perfeita e pela busca de
uma felicidade que, em última instância, não se sabe ao certo o que é. Essa rotina, vez ou outra, é alterada por
eventos fatídicos, como uma bala perdida ou um seqüestro relâmpago.
267
Isso tudo poderia ser o retrato da vida de inúmeras mulheres que
habitam os centros urbanos do Brasil, mas, no caso das Helenas,
não passa do enredo básico das tramas criadas pelo autor Manoel
Carlos, que, no pximo dia 10, trará ao horário nobre da Globo
"Páginas da Vida", outra história centrada em sua emblemática
protagonista.
Desta vez, sua Helena será (pela terceira vez) a atriz Regina
Duarte, "uma médica obstetra que, cada vez que põe uma criança
no mundo, pensa na responsabilidade que isso representa",
conforme define o autor.
Essa característica se ressalta quando adica se depara com
Nanda (Fernanda Vasconcelos). Grávida de gêmeos, a moça morre
ao dar à luz uma menina e um menino portador da síndrome de
Down. Helena entra em contato com Marta (Lília Cabral), a avó
dos bes, que passa a criar a garota, mas rejeita o menino. A
obstetra decide, então, adotá-lo.
Manoel Carlos explica o que move sua personagem a tomar a decisão. "Ao mesmo tempo que sente uma certa
angústia com isso, experimenta também uma doce sensação de, talvez, estar povoando o mundo com uma
geração que vai salvá-lo. É um ser humano cheio de imperfeições, como todos."
Em entrevista à Folha Online, o autor falou um pouco de seu universo ficcional, declarou sempre se repetir e
justificou seu amor pelo Leblon, cenário sempre presente em sua obra.
Folha Online - O que há de comum entre todas as suas Helenas?
Manoel Carlos - Todas são o mais verdadeiras possível. Melhor: o mais verdadeiras que eu consigo fazer.
Todas, sem exceção, mentem, enganam, trapaceiam, traem e são traídas. Tudo por amor. Ou, supostamente,
por amor. Por isso são tão reconhecíveis pelas mulheres que assistem às minhas novelas.
Folha Online - Esta será sua terceira Helena vivida por Regina Duarte. Você escreveu o papel para
ela? Considera que ela seja o modelo de mulher que melhor retrata a Helena de Manoel Carlos e,
conseqüentemente, um tipo de mulher brasileira?
Manoel Carlos - Cada Helena precisa de uma atriz. Regina encaixou-se em três delas, mas não poderia ter
feito a Helena de Lilian Lemmertz (Baila Comigo, 1982), de Maitê Proença (Felicidade, 1991), de Vera Fischer
(Laços de Família, 2000), de Christiane Torloni (Mulheres Apaixonadas, 2003). Para cada uma escrevi a Helena
que elas poderiam fazer. Já tenho uma nova Helena em mente, para uma próxima novela, mas ainda não
escolhi a atriz.
Folha Online - Mais uma vez você retomará muitos aspectos recorrentes às
suas novelas, como o ambiente do Leblon. Qual é a peculiaridade desse
microcosmo que lhe chama tanto a atenção?
Manoel Carlos - O Leblon me remete ao bairro onde nasci e cresci em São Paulo, de
onde saí aos 18 anos. Um bairro pequeno, quase uma vila, onde todos se conhecem e
se cumprimentam cordialmente. Onde ninguém está de passagem, como em Ipanema
e Copacabana, por exemplo, em que a população flutuante é maior do que o número de
moradores. No Leblon, quem está andando nas ruas mora no bairro. O Leblon é isso.
Ainda é isso. Não sei por quanto tempo mais.
Folha Online - As suas novelas, em particular, são as que mais parecem ter
essa preocupação com a realidade concreta. Qual a relação de sua obra com o
cotidiano?
Manoel Carlos - Procuro fazer uma ficção não delirante. Nunca gostei, por exemplo,
de ler ficção científica e realismo mágico, como nunca me entreguei, nem quando
criança, às histórias em quadrinhos. O que me ocupou sempre foi uma ficção realista ou próxima disso. Escolho
um grupo de pessoas e começo a escrever sobre como elas vivem, o que sonham, o que conseguem. Faço
ficção, mas tenho compromisso com o verossímil.
Folha Online - O fato de sua temática ser recorrente acabou lhe dando um estilo próprio. Como
trabalhar com um mesmo tema sem se repetir?
Manoel Carlos - E quem disse que eu não me repito? E quem disse que quem escreve ficção (realista ou não)
não se repete? Praticamente conto sempre as mesmas histórias.
Folha Online - Você acha que o seu estilo criou um diálogo próprio com o público?
Manoel Carlos - Acho que todos os novelistas de televisão têm seu quinhão de público cativo, além daquele
Ana Carolina Fernandes/FI
Manoel Carlos volta a escrever novela das
8 apostando no compromisso com a
realidade
Divulgação
Regina Duarte e Ana
Paula Arósio nos
bastidores da novela
268
que a novela cativa ao longo dos seus 200 capítulos. Não é privilégio meu, nem de ninguém.
Folha Online - Suas histórias são essencialmente familiares. Seria correto
afirmar que, em sua obra, a única instituição sólida de nossa sociedade é a
família? É nela que está a força de sua narrativa?
Manoel Carlos - Na família não está apenas a força da minha narrativa, mas a força de
uma nação, de todas as nações, em todo o mundo.
Folha Online - Uma de suas grandes preocupações é a violência. Em "Páginas"
haverá novamente esse retrato? Sob que recorte?
Manoel Carlos - A violência habitual, que vemos nas ruas quase todos os dias. Ou nas
notícias dos jornais e televisão. Balas perdidas, assaltos a mão armada, invasões de
apartamentos, arrastão nas praias, desrespeito aos idosos, crianças de rua, tudo que
existe em qualquer lugar. Tudo isso passará pela novela, de uma maneira ou de outra.
Folha Online - Haveo chamado "marketing social" em sua novela, segundo
me consta, sobre os portadores da síndrome de Down e de HIV. Como você
avalia essa responsabilidade social que a novela tem em nossa sociedade e como você, no papel de
autor, se utiliza desse poder?
Manoel Carlos - Acho fundamental o merchandising chamado social. A novela é um veículo perfeito para isso,
pois atinge milhões de pessoas diariamente. Sinto-me gratificado quando consigo colaborar, como no caso das
doões de medula óssea, em "Laços de Família".
Fonte:
Folha de São Paulo, 1 de julho de 2006. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61990.shtml
.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
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Depois de Nazaré,
Renata Sorrah será
juíza em "Páginas"
269
Páginas da Vida
Domingo, 9 de julho de 2006, 10h00 Atualizada às 11h11
Manoel Carlos quer colocar acontecimentos do Brasil em novela
Mariana Trigo
Manoel Carlos tem um olhar aguçado sobre o dia-a-dia. Passeia
todas as manhãs pelo Leblon, bairro de classe média alta da Zona
Sul carioca onde mora, e a cada esquina garimpa personagens.
Dessa vez, muitas pessoas que trabalham no bairro se misturam à
ficção de ginas da Vida, trama das oito do autor, que estréia
nesta segunda, dia 10. Aliado a esse cenário, que mistura
realidade e fantasia, Maneco costura temas polêmicos, quase
sempre relacionados a doenças, que normalmente formam a
espinha dorsal de suas tramas. Outro fascínio do autor de 73 anos
é poder inserir notícias recentes em suas tramas para acrescentar
um caráter ainda mais naturalista. "Continuo com o sonho de
escrever o capítulo de amanhã depois de assistir ao de hoje. Estou
cada dia mais perto disso. Tudo o que acontecer de importante no
Brasil vou dar um jeito de colocar no ar o mais rápido possível",
avisa, alisando a barba branca.
"Páginas da Vida" é a grande aposta de Globo em 2006
Em todas as suas tramas você elege uma doença para ser
analisada, como a leucemia em Laços de Família. Dessa vez
você aborda a Síndrome de Down, a bulimia e a Aids. De
que forma você escolhe as doenças que vai explorar nas
tramas?
Faço muitas pesquisas e, de acordo com os resultados, escolho os
temas. No caso da Síndrome de Down, o que me interessa é
mostrar o preconceito em torno dela. As pesquisas mostram que
muitas famílias escondem essas crianças quando chegam visitas,
muitos homens largam as mulheres que têm filhos assim. É
importante se discutir a inclusão e exclusão social dessas crianças.
Já com a Aids, as pessoas voltaram a se comportar como se
tivessem descoberto a cura para a doença. Com o aparecimento
do AZT e dos coquetéis de remédios, muitos acham que ela não
mata mais. Quero advertir que isso não é verdade. No Brasil,
enquanto não morre nenhum artista, a Aids fica fora das primeiras
páginas dos jornais e o governo pára de fazer campanhas de
esclarecimento. Preciso ajudar a mudar esse panorama.
Ser autor das oito e mexer com temas polêmicos é um pouco brincar de Deus?
Bastante! "Vou dar um câncer para aquele, vou matar fulano, vou fazer nascer uma criança... Faço nascer
menino ou menina? Menina! Dou o nome de Joana...". É uma maneira de brincar com acidentes, balas
perdidas, tudo isso é uma maneira de brincar com o destino das pessoas. É um poder absurdo que eu tenho
nas mãos.
De que forma você se relaciona com esse poder?
É muito complicado. De repente eu faço uma coisa e o País inteiro passa a comentar. O negócio da bala
perdida esteve na primeira página dos jornais como se fosse verdade. Meu Deus! É ficção! Estou contando
uma história! Em Laços de Família, quando teve a leucemia da Camila, da Carolina Dieckmann
, as pessoas
tinham medo que eu a matasse. Um dia eu estava na padaria e uma senhora, com uma menina de uns oito
anos, me pegou pela mão e disse: "Essa aqui é minha neta. Ela tem leucemia. O senhor não vai matar a
personagem porque senão essa menina aqui também morre!" Falei "Claro que não, fica tranqüila, a
personagem vai ficar curada e sua neta também". Aq
uilo me deu um susto. Essa responsabilidade é difícil de
carregar. As pessoas cobram soluções da gente e eu preciso dar satisfação também à empresa em que
trabalho.
Você é um dos raros autores da Globo que têm total carta branca em suas tramas. Como isso foi
conquistado?
Tenho mesmo. Me dão tudo o que eu peço. E olha que eu peço à beça! Eu vou pedindo tudo. Mas existem
situações em que é preciso insistir. A trilha sonora de abertura da novela, por exemplo, é sempre cantada.
Isso vende muito mais que uma música instrumental. As pessoas se ligam muito na letra. Eu lutei para que
a minha abertura dessa trama fosse só instrumental e consegui colocar Wave, do Tom Jobim, apenas no
piano. Não bato o , tipo "eu quero isso". Mas mostrei que seria importante. O Tom tem grande
Luiza Dantas/Carta Z Notícias/TV
Press
Manoel Carlos é o autor de
ginas da
Vida
270
importância nas minhas novelas. E com o elenco eu sempre consigo quem eu quero.
Como em Laços de Família, quando você afirmou que só faria a novela se a Vera Fischer pudesse
ser a Helena?
Exatamente. Quando penso numa novela, imagino imediatamente a atriz para Helena. Nessa ocasião, a
Globo disse que ela não poderia fazer. Então eu disse que não faria essa novela, mas outra, com outra
história. Felizmente a Vera fez. Nessa novela, por exemplo, é a terceira Helena da Regina Duarte. Eu a
escolhi novamente porque é uma atriz que encarna muito bem mulheres que não demonstram a gravidade
das coisas que são capazes de fazer. É honesta, mas tem deslizes de desonestidade.
Todas as suas Helenas são anti-heroínas. Isso não é contraditório?
Elas são muito humanas, cheias de defeitos. A de Baila Comigo, da Lilian Lemmertz, escondia o filho. A de
Felicidade, vivida pela Maitê Proença, enganava o marido e escondia que estava grávida. A Helena de Por
Amor, da Regina Duarte, trocava o filho morto da filha pelo seu filho vivo. Toda Helena minha mente,
trapaceia, engana e finge, como todo ser humano. Isso não quer dizer que ela seja uma mentirosa, fingida,
enganadora. Essa também comete atos graves e ilícitos, como ficar com o bebê com ndrome de Down e
dizer que ele morreu. Gosto desses ingredientes.
Outro ingrediente seu é a violência do Rio. Depois da bala perdida de Mulheres Apaixonadas
, você
vai mostrar um arrastão na Praia do Leblon. É uma estratégia para polemizar?
Ahoje esse arrastão está mal-explicado. Na verdade, esse episódio acontece em 2001, na primeira fase,
quando eram comuns arrastões no Rio. Não é um arrastão grave. Alguns jovens promovem um tumulto e
quem está na praia se apavora com a idéia de ser um arrastão e todos saem correndo. Não são dezenas de
pessoas assaltando na areia do Leblon, como ocorria na época. É só um susto.
Apesar de sempre ambientar as tramas no Leblon, dessa vez você também traz personagens
reais do bairro e estabelecimentos que serão citados pelos seus nomes verdadeiros. No que isso
interfere na novela?
Ahoje visitam a livraria Argumento, no Leblon, e perguntam pelo Tony Ramos (risos), que vivia o Miguel
em Laços de Família, querem saber onde está aquela escada. Tenho uma preocupação em fazer uma obra
verossímil e esta mistura de pessoas do Leblon é bastante atípica. Os personagens vão dizer "Eu estou
jantando na Pizzaria Guanabara. Chico, me serve uma pizza?". Não é um merchandising. Não se vai cobrar
nada por isso. O Leblon tem uma particularidade: as pessoas que circulam por aqui realmente moram aqui.
Ninguém visita o bairro para passear, como Copacabana ou Ipanema. O jornaleiro está ali há 38 anos, o
homem que vende ovos, há 40 anos. Essas pessoas trazem credibilidade para a trama.
Em Mulheres Apaixonadas você terminou a novela com 106 atores. Esta se inicia com 90 e chega
a mais de 110 personagens. Que percalços existem numa escalação tão numerosa?
Eu gosto de muitos personagens. Minhas novelas transitam por um território muito doméstico, onde é
inevitável a acentuada presença de personagens como porteiro, mulher de porteiro, prima da mulher do
porteiro, empregadas, namorados das empregadas, o dono da farmácia e por aí vai. Eu gosto dessas
relações pessoais e de comportamento. O meu universo é o das relações humanas. Sento diante do
computador todos os dias e vejo se vou para a direita ou para a esquerda. O que mais me interessava agora
é falar sobre a Aids e a Síndrome de Down, que é meu eixo nessa novela. Todos os personagens, de alguma
forma, acabam se envolvendo nesse contexto e me ajudam a contar a história.
Parceria planejada Há tempos Manoel Carlos queria trabalhar com o diretor Jayme Monjardim. Mas
sempre havia desencontros. Como, por exemplo, na primeira versão da minissérie Presença de Anita
, que foi
prevista para ser gravada em 1994, mas não foi à frente. A dupla até chegou a comar a definir o elenco,
mas a emissora engavetou a trama até 2001, quando foi dirigida de Ricardo Waddington. "Nós brincamos
de gato e rato. Sempre quis que ele dirigisse uma obra minha. Finalmente nos unimos agora", comemora o
autor.
Na verdade, Manoel Carlos pediu à direção da Globo que Jayme Monjardim fosse diretor de Páginas da Vida
quando ele ainda dirigia América. "Assim que ele pediu para sair da trama da Glória (Perez) eu falei: 'agora
eu o ganhei'. E ele pôde se dedicar desde o icio. Mesmo assim, a Globo deixou que ele decidisse se queria
emendar uma novela na outra", explica Maneco, que garante ter apresentado a intimidade do bairro do
Leblon ao diretor paulistano. "Passei quatro meses perambulando por aqui para conhecer o universo do
Maneco", reconhece Jayme, que mantém um contato diário com o autor. "Esse encontro nosso é muito feliz.
Só não vou ao Projac acompanhar as gravações porque é muito longe para mim. Quase preciso de
passaporte para chegar lá", brinca Manoel Carlos.
Inspirado literato
Manoel Carlos assume seu fascínio por adaptações literárias desde o icio de sua carreira. Desde sua
infância na capital paulista, onde nasceu, o autor cresceu cercado por livros. Tamanha influência foi utilizada
no começo de seu ofício como autor de novelas com as tramas Maria Maria e A Sucessora, ambas na Globo.
A primeira foi uma adaptação da obra Maria Dusá, de Lindolfo Rocha. Já A Sucessora foi baseada na obra
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homônima de Carolina Nabuco. Sua mais recente adaptação literária foi Presença de Anita, inspirada no
romance homônimo de Mário Donato. "Quero muito voltar a fazer adaptações. Mas no horário das oito não
dá. Vou dar um jeito de fazer um 'remake' de A Sucessora logo as a novela", promete.
Trajetória televisiva
Brasil 60 (TV Excelsior, 1960) - assistente de direção.
O Fino da Bossa (Record, 1965) - produtor.
A Família Trapo (Record, 1967) - diretor e produtor.
Esta Noite se Improvisa (Record, 1968) - diretor.
Fantástico (Globo, 1973) - diretor.
Maria Maria (Globo, 1978) - autor.
A Sucessora(Globo, 1978) - autor.
Malu Mulher (Globo, 1979) - autor.
Água Viva (Globo, 1980) - colaborador.
Baila Comigo (Globo, 1981) - autor.
Sol de Verão (Globo, 1982) - autor.
Joana (Manchete, 1984) - roteirista.
Viver a Vida (Manchete, 1984) - autor.
Novo Amor (Manchete, 1986) - autor.
O Cometa (Band, 1989) - autor.
Felicidade (Globo, 1991) - autor.
História de Amor (Globo, 1995) - autor.
Por Amor (Globo, 1997) - autor.
Laços de Família (Globo, 2000) - autor.
Presença de Anita (Globo, 2001) - autor.
Mulheres Apaixonadas (Globo, 2003) - autor.
Páginas da Vida (Globo, 2006) - autor.
TV Press
F
onte: Terra, 9 de julho de 2006. Site: http://exclusivo.terra.com.br/interna/0,,OI1063978-
EI6813,00.html. Último acesso em: 14 de dezembro de 2008.
Manoel Carlos fala de depoimento polêmico exibido em novela
A novela ginas da Vida iniciou seu ciclo de muitas polêmicas mesmo antes de estrear. O governo do Rio de
Janeiro tentou proibir a cena de arrastão – considerada negativa para a imagem da cidade - na Praia do Leblon.
Mas ela acabou indo mesmo ao ar no primeiro capítulo da trama, dia 10 de julho. Esta semana, o strip-tease de
Olívia, personagem de Ana Paula Arósio, originou algumas discussões quanto à adequação ou não da cena para
o horário. Já se comenta inclusive que Páginas da Vida, liberada para as 21h (14 anos), está sendo monitorada
pelo Ministério da Justiça, que pode reclassificá-la se julgar necessário.
E as polêmicas da trama de Manoel Carlos não param por aqui. Os moradores do Leblon, bairro carioca onde a
trama é ambientada, não andam gostando do tumulto que as gravações por lá m causando. Até ovos os
moradores já jogaram na equipe da novela, atirados do alto dos prédios.
Mas o episódio mais polêmico e que promete muito barulho ao longo desta semana, ocorreu no final do capítulo
exibido na noite de sábado (15). No espaço que o autor dá voz aos populares para falarem de situações da
própria vida, dentro de um determinado tema, uma senhora de 68 anos fez um depoimento extretamente forte.
Sem papas na língua, ela disse ter dormido ouvindo uma música de Roberto Carlos e que, quando acordou,
percebeu que havia se masturbado. Foi aí, segundo ela, que descobriu o que é ‘gozar’, coisa que não sabia até
os 45 anos. Ainda no depoimento, que na certa chocou muita gente, julgando-o desnecessário, a mulher
também diz preferir masturbação a uma relação sexual a dois, dizendo que “aos 68 anos, não precisa de
homem (referindo-se ao prazer no sexo), pois sabe se virar sozinha”.
Diante disso, a reportagem de OFuxico entrevistou o autor Manoel Carlos, neste domingo, dia 16. Sobre o peso
do referido depoimento, o autor admite que ele realmente pode ter sido forte demais e diz que poderá orientar
a produção de Páginas da Vida que se diminua o impacto dos próximos. Porém, o novelista ressalta: “Eles
(depoimentos) são verdadeiros e colocados sempre às 22 horas.”
Questionado se polêmica é sinônimo de audiência alta, Maneco diz que não faz nada deliberadamente para
causar polêmica, mas que elas acontecem. A audiência sobe, se o público gosta da novela. A audiência subir
num capítulo por causa de uma nudez ou qualquer cena forte, pode funcionar naquele capítulo, mas isso o
significa que vá influenciar a novela toda. O público não é bobo e nem se deixa enganar”, define.
Confira toda a entrevista com Manoel Carlos e, em seguida, o relato da anônima, bem como a letra da música
de Roberto Carlos citada por ela:
272
OFuxico: Como você avalia todas essas polêmicas geradas por Páginas da Vida.
Manoel Carlos: Não faço nada deliberadamente para causar polêmica. Elas acontecem. Não sei se isso é bom ou
ruim, porque independem de mim. O bebê chorando em Laços de Família causou uma polêmica enorme e tirou
até os atores menores de idade da novela (na época, uma determinação do Juizado de menores do Rio). Mas
meu Deus do céu, quase toda novela tem criança chorando. Por que na minha causou tantos problemas? Sobre
as reclamações no Leblon, isso existe e existi em qualquer bairro que se gravar, pois o caminhões,
carros, mais de 100 pessoas na equipe, etc., etc. Mas olha: ando pelo Leblon todos os dias, a pé, e só recebo
carinho e atenção. Uma pessoa que jogou um ovo em cima da equipe, desceu depois do apartamento e foi
pedir para entrar como figurante. Jogou o ovo de molecagem, como muita gente faz. Noutro dia, um rapaz deu
um tiro com espingarda de chumbinho, do seu apartamento aqui no Leblon, e feriu um empregado do
supermercado Zona Sul que estava na porta. O que é que ele queria dizer com isso? Que é contra a presença
do supermercado em frente à casa dele? Não, claro. Foi só molecagem e a mãe atravessou a rua para pedir
desculpas.
OF: Está mesmo havendo muitas reclamações do público à Globo sobre a nudez da Ana Paula
Arósio? houve por parte da direção da Globo uma recomendão para que você evite
determinadas cenas?
MC: Estou sabendo que houve reclamação porque você está me dizendo, porque até agora ninguém falou nada
comigo. Achei a cena muito bonita, de bom gosto, sem vulgaridade. E afinal, o personagem faz um strip-tease
para o marido, a portas fechadas, na noite de núpcias. Eles estão casados estão na igreja e no civil. Qual é o
problema? Existem cursos de strip-tease para mulheres aqui no Rio, freqüentados por donas de casa e mães de
família de todas as classes sociais
OF: Muitas pessoas com as quais comentei sobre o depoimento daquela mulher, no final do capítulo
de ontem (sábado), falando de sua forma de sentir prazer no sexo, diz que a cena era dispensável.
Até então, os depoimentos mostrados na trama eram de situações de vida, de uma forma até
poética... Porque houve essa mudança?
MC: o houve mudança nenhuma premeditada. Um dos depoimentos foi esse. Mas gravamos muitos e talvez
esse tenha sido forte demais. Se acharmos necessário, diminuímos o impacto deles. Mas são verdadeiros e
colocados sempre às 22 horas.
OF: Sobre esses depoimentos dos populares, de que forma são feitos? Os textos são espontâneos ou
você os faz para serem representados?
MC: Todos os textos são espontâneos e feitos na rua, com quem está passando, desde que a pessoa queira e
autorize. Recebemos centenas de pedidos de pessoas que quer gravar depoimentos, mas recusamos todos. Só
nos interessamos por pessoas que não se oferecem.
OF: E esses depoimentos irão sempre pontuar os finais de todos os capítulos da trama?
MC: Não sei. Nada é definitivo numa novela. Eles continuarão, enquanto acharmos que eles funcionam que eles
preenchem nosso desejo de transmitir ao público depoimentos espontâneos e sinceros, ainda que alguns
possam parecer chocantes. Mas podemos cortá-los também do final do capítulo. Isso dependerá apenas da
minha vontade e da do diretor Jayme Monjardim. Estamos analisando.
OF: Você reserva mais situações polêmicas para a novela?
MC: Não sei se o que pretendo fazer será polêmico. O público e a mídia que decidem. Todos já sabem que vou
encarar temas como Síndrome de Down, Aids, Bulimia, casamentos desfeitos, traições, muita felicidade
também, etc., etc. Se virarão polêmica, só quando forem apresentados é que saberemos.
OF: Você acredita que polêmica sobe a audiência?
MC: A audiência sobe se o blico gosta da novela. Essa é a única verdade que eu conheço a respeito de
repercussão e aumento de audiência. A audiência subir num capítulo por causa de uma nudez ou qualquer cena
forte, pode funcionar naquele capítulo, mas isso não significa que influenciar a novela toda. O público não é
bobo e nem se deixa enganar. Ele quer ver numa novela mais do que nudez, mais do que cenas fortes. Ele quer
se emocionar, vibrar, ter o que falar no dia seguinte, no trabalho, na escola, entre amigos e colegas. Isso é o
que vale. Isso é o que eu quero que aconteça.
O relato da senhora anônima, na íntegra
“Esse negócio das pessoas dizerem que têm que gozar junto, que é isso que faz nenen, é tudo mentira, porque
fiquei sem gozar dos meus 14 aos 45 anos... Pra mim era tudo normal... o homem terminava e eu também...
Daí, eu colecionava discos do Roberto Carlos e, aos 45 anos, ganhei um LP dele. Botei na vitrola a música
‘Côncavo e Convexo’ e fui dormir. E quando acordei, estava com a perna suspensa, a calcinha na mão e toda
babada. Comentei com as amigas..., elas disseram: vo gozou!’. Aí que vim saber o que era gozo. Moral da
história: sou uma mulher de 68 aos, que homem pra mim não faz falta, eu mesma dou meu jeito.”
Letra da música citada: Côncavo e Convexo
Nosso amor é demais, /E quando o amor se faz /Tudo é bem mais bonito. /Nele agente se /Muito mais do
que está /E o que não está escrito.
Quando agente se abraça/ Tanta coisa se passa/Que não dá para falar.
Nesse encontro perfeito/Entre o seu e o meu peito/Nossa roupa não dá.
Nosso amor é assim,/ Pra você e pra mim,/Como manda a receita
Nossas curvas se acham /Nossas formas se encaixam/ Na medida perfeita.
273
Este amor é pra nos/ A loucura que traz/ Esse sonho de paz /E é bonito demais, / Quando agente se beija/ Se
ama e se esquece
Da vida lá fora/ Cada parte de nos/ Tem a forma ideal/Quando juntas estão, coincidência total
Do côncavo e convexo/Assim é nosso amor, no sexo.
Este amor é pra nos/ A loucura que traz/ Esse sonho de paz
E é bonito demais, /Quando agente se beija Se ama e se esquece
Da vida lá fora/ Cada parte de nos/ Tem a forma ideal/
Quando juntas estão, coincidência total
Do côncavo e convexo/ Assim é nosso amor, no sexo.
Fonte: OFuxico, 16 de julho de 2006. Site:
http://ofuxico.uol.com.br/Materias/Noticias/2006/07/27564.htm
. Último acesso em: 29 de
setembro de 2006.
O porquê do Leblon na nova novela da Globo
Edição 129 - 07/2006
Por Rafael Lessa
Manoel Carlos, autor da nova novela da Globo, explica por que escolheu o Leblon como principal cenário de
Páginas da Vida. Para o autor, o bairro tem aspecto de vila e justamente por isso difere de lugares como
Copacabana e Ipanema. Leia abaixo a entrevista que Manoel Carlos concedeu ao repórter de VT, Rafael Lessa:
Alguns escritores gostam de ambientar suas tramasno mesmo espaço. Como Woody Allen e Paul Auster,
apaixonados por Nova York, por exemplo. Nas novelas do senhor acontece o mesmo com o Leblon. Qual a
importância dessa relação autor/espaço? Uma trama concentrada em Ipanema ou Copacabana seria muito
diferente
Em Ipanema ou Copacabana seria a mesma coisa, se eu morasse nesses bairros. Sempre ambientei no Leblon
(há quase 20 anos faço isso) porque sempre morei aqui. Gosto de fazer meus personagens viverem onde eu
vivo, transitarem pelas ruas que eu transito, freqüentarem os lugares que eu freqüento. Gosto que eles se
incorporem à vida do bairro. E muito provável que a Regina Duarte, aqui no Leblon, seja chamada de Helena.
Em Páginas da Vida, o senhor decidiu incluir figuras reais do Leblon na trama, como atendentes de livrarias e
padarias do barrio. Por que o senhor tomou essa decisão? Como eles reagiram com o convite?
A idéia que eu tenho, desde Por Amor (1997), Laços de Família (2000) e Mulheres Apaixonadas (2003) é de
aproximar as minhas novelas de uma realidade cotidiana possível. Por isso, HELENA (Vera Fischer em Laços de
Família) se acidentava na rua Dias Ferreira, entrava na Livraria Argumento para ir ao banheiro lavar o rosto e lá
conhecia EDU (Reynaldo Gianecchini). É para tentar dar à história alguns toques reais. Eu tento fazer uma
ficção não delirante. Nunca gostei, por exemplo, de ficção científica e nem de realismo gico. Todos os
convidados receberam a notícia com encantamento.
Sem quais lugares o Leblon não seria o Leblon ou pelo menos, o SEU Leblon?
O Leblon, o meu Leblon, é todo o bairro, com predominância na Avenida Ataulfo de Paiva e rua Dias Ferreira.
Sem esses caminhos o Leblon não seria o mesmo. Como imaginar o Leblon sem o Jobi, sem a Livraria
Argumento, sem a Padaria Rio-Lisboa, sem o BB Lanches?
O que é o melhor do Leblon hoje? E o pior?
O melhor do Leblon é o seu aspecto de vila, onde todos se conhecem e onde ninguém vai passear. Todos que
transitam pelo Leblon moram aqui. Não é como Copacabana e Ipanema, onde o público flutuante é maior do
que o mero de moradores. Nesses lugares parece que todos estão de passagem. No Leblon não. Por isso os
rostos são o familiares a quem mora aqui. A gente se cumprimenta na rua, mesmo sem se conhecer, porque
no fundo todos se conhecem. O pior do Leblon é o pior em qualquer lugar: a violência e a intolerância, que
estão tomando conta do mundo. Talvez no Leblon ainda seja menor do que em outros lugares, mas já o é o
paraíso que era quando eu vim morar aqui em 1971.
Qual o seu "achado" no Leblon?
O Leblon não causa surpesas. É muito provável (diria mesmo que certo) que as pessoas venham até aqui e não
vejam absolutamente nada de importante ou diferente do que em em outros bairros. Mas esse é justamente
o segredo do Lebon: quem é de fora não vê o que nós vemos.
Fonte: Revista Viagem e Turismo. Edição 129, 07/2006. Site:
http://viagemeturismo.abril.uol.com.br/edicoes/129/supertour/conteudo_146759.shtml
.
Último acesso em: julho de 2006.
274
Jayme Monjardim – entrevista
“O grande charme desta novela é a história das relações humanas”
Jayme Monjardim é diretor de grandes sucessos. Seus mais
recentes trabalhos na TV Globo foram as novelas Terra
Nostra (1999), O Clone (2001) e América (2005), todas
ganhadoras de prêmios internacionais, e as minisséries
Chiquinha Gonzaga (1999), Aquarela do Brasil (2000) e A
Casa das Sete Mulheres (2003). Antes de se lançar nesta
nova empreitada, Jayme dirigiu o filme Olga (2004),
baseado no livro homônimo de Fernando Morais, um
sucesso de bilheteria que levou mais de três milhões de
pessoas ao cinema.
Páginas da Vida marca a primeira parceria de Jayme
Monjardim com o autor Manoel Carlos. Antes de começar a
gravar a novela, o diretor se aprofundou no universo do
bairro Leblon, no Rio de Janeiro. “Fiz minha adaptação no
Leblon para compreender o universo urbano com o qual não tive contato constante”, explica Jayme. Em seu
período de imersão e estudo no bairro, Monjardim conversou com pessoas que trabalham e moram anos no
bairro. Desses encontros surgiu a iia de filmar um pequeno documentário, que fez parte do processo de
preparação do universo de ginas da Vida tanto para o elenco quanto para as equipes de produção da novela.
Abaixo Jayme Monjardim fala sobre esse seu novo desafio.
Como você resume Páginas da Vida?
Jayme Monjardim:ginas da Vida é a história de cada um e de todos nós. Páginas da Vida representa todos
os universos de família, todos os tipos de relacionamentos e todos os tipos de emoções. Tudo isso em uma
novela só. O grande charme desta novela é a história das relações humanas, a emoção. O que mais tem nesse
universo de personagens, de vida e de sentimentos são as emoções que, de alguma forma, fazem esses
personagens tocarem a vida e viver. O gancho da novela é que ela é repleta de emoções.
Como estão sendo trabalhadas as cenas gravadas na
Holanda?
Jayme Monjardim: Eu mudei um pouquinho meu estilo de
gravar, fazendo planos mais abertos. As novelas do Maneco
precisam desse respiro porque têm muito texto e muito
conteúdo. É muito importante rechear isso tudo com um
pouquinho de visual. Acho que Amsterdã traz esse respiro,
uma grande parte pstica e bela da história, independente
do lado emocional e profundo que têm seus personagens.
E as cenas gravadas na África? Como foi a experiência
de gravar em um dos países mais pobres do mundo?
Jayme Monjardim: Foi uma experiência muito marcante. O
ator Marcos Paulo e eu topamos passar por esse desafio
juntos. Filmamos em um campo de refugiados onde havia
15 mil pessoas, sendo que metade eram crianças abandonadas e sem nenhum futuro. Algumas crianças comem
larvas de cupim. A situação é caótica. Todos os dias chegam mais pessoas fugidas de Ruanda. No Quênia,
vimos outro tipo de violência. As imagens que vamos mostrar não são tão fortes como as palavras.
Uma das tramas centrais da novela discutirá a inclusão na sociedade dos portadores de síndrome de
Down. É importante ter temas sociais na novela?
Jayme Monjardim: É impossível hoje fazer uma novela sem merchandising social. Acho que isso faz parte da
cultura dos autores nesta década. Acho que eles se sentem com o compromisso de trazer sempre, de alguma
forma, a discussão de que a gente pode fazer alguma coisa para mudar nosso país e nossa sociedade.
A novela também terá uma grande relação com a arte.
Como você vai trabalhar esse tema?
Jayme Monjardim: Televisão para mim é pura arte.
Novela é arte e incluir a arte dentro da novela é uma
obrigação. Maneco é um dos autores que luta para fazer um
mercado cultural nas novelas, falando de livros, de teatro,
de pintura e das artes como um todo. A televisão é o
grande veículo de divulgação das artes em geral. Nessa
novela, além de termos a obrigação das artes, tamm
temos a discussão das artes, que faz parte do pensamento
do autor e que também passa por toda a nossa equipe,
todos os atores e diretores que também são envolvidos e
engajados com movimentos culturais.
Esta é uma novela com muitas gravações externas, especialmente no Leblon. Isso dificulta? Vocês
fizeram alguma cidade cenográfica?
275
Jayme Monjardim: Isso já é uma marca registrada do Maneco e acho que todas as últimas novelas dele
tinham essa característica. Estamos dando continuidade a um trabalho que já foi feito por ele. As cenas são
gravadas no Leblon e têm a dificuldade natural de exteriores e de realidade. A novela do Maneco é pura
realidade. A cidade cenográfica que construímos serve de apoio apenas para melhorar a qualidade de áudio,
porque as cenas serão originalmente gravadas no Leblon.
As novelas de Manoel Carlos sempre se passam no momento atual. Como foi seu trabalho com o
elenco para a composição dos personagens?
Jayme Monjardim: Eu pedi para o elenco se emprestar. Pedi para cada um emprestar um pouquinho de suas
vidas e de suas emoções para os seus personagens. Essa é outra das marcas das novelas do Maneco.
Como está sendo dirigir Páginas da Vida?
Jayme Monjardim: Está sendo muito bom, está sendo
uma experiência nova. Estou em um momento importante
da minha carreira como diretor, por ter a oportunidade de
“pegar Manoel Carlos pela frente” e dar a minha visão de
Manoel Carlos em um trabalho. Estou muito feliz.
E como está sendo a parceria com Manoel Carlos?
Jayme Monjardim: Está sendo ótima. Primeiro porque o
Maneco representa um pouco o épico dos sentimentos das
pessoas. Para mim é uma grande oportunidade de fazer
uma viagem pelo interior humano, pelo pensamento, pelas
emoções.
O que o público pode esperar de Páginas da Vida?
Jayme Monjardim: Muita emoção!
Fonte: S
ite oficial de Páginas da Vida – TV Globo. Site:
http://paginasdavida.globo.com/Novela/Paginasdavida/0,,AA1230292-5744,00.html. Último
acesso em: 14 de dezembro de 2008.
São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006
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"Páginas" muda, mas depoimentos continuam
Após polêmica, Globo cogitou tirá-los do ar na segunda fase, que
começa amanhã
Intelectuais debatem a novidade da novela das oito e se dividem
entre achá-la "muito democratizadora" e "totalmente
dispensável"
LAURA MATTOS
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Páginas da Vida" entra na segunda fase a partir de amanhã, e o autor,
Manoel Carlos, decidiu não retirar do ar os depoimentos reais que
encerram cada capítulo da novela.
A Globo cogitou acabar com a novidade após o sexto episódio, quando
foram veiculadas as polêmicas declarações de uma mulher de 68 anos a
respeito de orgasmo atingido com masturbação, ao som de "Côncavo e
Convexo", de Roberto Carlos.
À época, a cúpula da emissora avaliou que a transição para a segunda
fase, quando a história saltará de 2001 para 2006, seria uma
oportunidade para abandonar os testemunhos. Desde então, o cuidado
com o conteúdo dos relatos foi redobrado e o tom mudou. A ordem é
emocionar, jamais escandalizar (veja quadro). Nessa linha mais "light",
eles sobreviveram.
276
Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da Universidade de São
Paulo, pode comemorar. Para ele, os relatos ao final de cada capítulo
são uma iniciativa, antes de tudo, "democratizadora". "É a primeira vez
que a gente vê depoimentos populares desse tipo no ar."
"Aquela senhora pode ter ido um pouco longe demais ao falar da
masturbação, mas, independentemente disso, o que está em jogo é o
discurso de pessoas que são totalmente anônimas."
Ao que parece, em sua opinião, "a idéia é justamente dar voz a quem
não tem voz, a quem não aparece na TV, nunca tem lugar nesse
espaço".
O discurso é semelhante ao do autor da novela. "Os depoimentos foram
pensados pelo Jayme Monjardim [diretor] e por mim para fazer com que
a voz das ruas chegasse à novela e, conseqüentemente, ao blico que
vê televisão", afirmou à Folha Manoel Carlos.
A escritora e pesquisadora da USP Renata Pallotini (autora de "O que É
Dramaturgia"), no entanto, embora reconheça que a intenção possa ter
sido "trazer a vida real para perto da ficção", afirma crer que o objetivo
não tenha sido cumprido.
"A própria ficção já traz a opinião do autor e, com o depoimento, reforça
demais, pesa demais. É redundante, o telespectador tem a capacidade
de, pela história, chegar a suas próprias conclusões. Essa idéia de levar
a gente a concluir algo ficou pesada, "over'", avaliou.
Manoel Carlos afirmou, sem conhecer a opinião de Pallotini, que o
sentido dos depoimentos é o de reforçar a ligação da vida "real" com o
que se passa nos capítulos. "Ao encerrar a novela com os depoimentos,
é como se eu perguntasse aos telespectadores: "Gostaram dessas cenas
de ficção que acabaram de ver? Pois então agora fiquem com uma cena
real, que foi vivida por uma pessoa comum"."
Para Janine Ribeiro, é natural que esse tipo de depoimento popular
surgisse em uma telenovela. "As novelas são o que de melhor a
televisão brasileira criou e terminaram por se tornar um espaço
privilegiado de discussãoblica no país."
Para o professor da USP, a novela foi, durante muito tempo, mais
realista do que o "Jornal Nacional" e ainda é mais progressista e menos
reacionária que os programas de humor.
"O Dono do Mundo"
O psicanalista Tales Ab'Sáber acredita que a polêmica em torno dos
depoimentos reais de "Páginas da Vida" tenha sido acalorada porque as
novelas "ocupam um lugar privilegiado na atenção das pessoas e na
construção de seu universo imaginário". "Muitos acharam um escândalo
uma senhora negra e velha ter contado a primeira vez que gozou. O
mais curioso é que esse tipo de discurso sobre a sexualidade pode no
outdoor, pode antes e depois da novela, mas na novela não pode. Esse
espaço da teledramaturgia, de fato, não é banal. Ele agencia questões e
convoca a vida imaginária das pessoas. Algumas, talvez, só tenham vida
imaginária aí", defendeu.
Ele vê no evento do relato ao som de "Côncavo e Convexo" uma reação
semelhante, embora em menor escala, à que outra novela, "O Dono do
Mundo", provocou no público em 1991.
Em artigo publicado no caderno "Mais!", da Folha, em 2003, Ab'Sáber
havia chamado a atenção para o fato de que muitas pessoas desligaram
a TV ou mudaram de canal no capítulo em que o protagonista e vilão da
trama, Felipe Barreto (Antonio Fagundes), tirava a virgindade da
personagem de Malu Mader. Ela era a mocinha da trama e, segundo a
história, estaria sendo levada a trair seu noivo com o vilão. A ação de
Felipe Barreto, segundo Ab'Sáber, revelava "o poder sádico e cínico de
parcela da elite" brasileira. Esse retrato, inesperado numa novela em
sua opino, teria provocado um "curto-circuito na esfera blica".
Fonte: Folha de São Paulo, 20 de agosto de 2006. Site: http
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2008200618.htm
. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
277
4. Entrevistas e Marias
sobre merchandisings em telenovela
e sobre aspectos destacados da produção
de Páginas da Vida
278
2004
São Paulo, quarta-
feira, 31 de março de 2004
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ANÁLISE
Marketing social empobrece ficção na TV
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na ânsia de mostrar uma dimensão construtiva da TV, diversos
programas andam privilegiando conteúdos com registro "didático" em
detrimento de boa dramaturgia. Novelas, na tradição do romance
seriado francês do século 19, que Marlyse Meyer aborda no seu livro
"Folhetim", há muito aludem a eventos atuais.
Nos anos 80 e 90, referências a temas sociais e políticos faziam parte
das convenções do gênero, com menções à campanha pelas diretas ou
personagens que advertiam, por exemplo, sobre a necessidade de usar
camisinha.
Hoje essas referências se tornaram obrigatórias e "oficiais". O tom
"politicamente correto" das produções atuais aniquila a possibilidade da
criação artística.
Campanhas antidrogas, antiviolência ou divulgação do hábito da leitura
ganharam o nome técnico de "marketing social". E como tal perdem
força dramática.
Seriados para jovens como "Malhação" ou seu dublê português
"Morangos com Açúcar", dirigida pelo brasileiro ex-Tupi Atílio Riccó, que
estreou dublada na Band anteontem, giram em torno do bom mocismo
educativo.
A intenção é transmitir a idéia de que o aprendizado pode ser prazeroso.
Mas a superficialidade do projeto transpira no resultado. As histórias
acontecem em escolas, mas essas "usinas" de criatividade são mesmo
local privilegiado para tramóia, fofoca e namoro. Reduzida às
mensagens sociais ou comerciais, a ficção se esvazia e o imaginário
empobrece. Pior, o fantasma da manipulação dos meios de comunicação
ressurge...
Decisões apressadas
Índices do Ibope às vezes provocam decisões apressadas de
programação. É o que se vê com a transferência repentina do "Jornal da
Record", sólido telejornal de opinião, para mais tarde. A emissora a
justifica como estratégia de alavancar a audiência da novela
"Metamorphoses". Já a Band comemora a troca, interpretando-a como
uma fuga do concorrente. Difícil mesmo é encarar o "Cidade Alerta"
espichado, já que o programa, ao contrário do "jornal do Bóris", em dias
"normais", carece de assunto.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP
Fonte: Folha de São Paulo, 31 de março de 2004. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3103200418.htm
.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
279
2005
Entrevista: Glória Perez
“O final de Sol e o de Tião serão como acontece na vida real”
Gloria Perez terminou de escrever América” vários dias, mas ela
não conta de jeito nenhum o final da novela. No entanto, ela acaba
dando pistas preciosas. A entrevista abaixo está salpicada de dicas
sobre o destino dos personagens e das tramas mais polêmicas. A
autora aproveita para fazer um balanço final de mais esse grande
sucesso de sua carreira.
Sol vai ficar com Ed ou com Tião?
Será como acontece na vida. Acho que todo mundo já ficou entre dois
amores, já teve que escolher entre uma paixão de pele e um amor
que foi nascendo e crescendo devagarzinho. Qual decisão essas
pessoas tomam normalmente? Será assim. De qualquer modo, não
será surpreendente se a Sol ficar com um ou com outro, porque os dois são mocinhos e há motivos coerentes
para ela ficar com qualquer um deles. Surpreendente seria se a Sol ficasse com uma terceira pessoa. Mas isso
não vai acontecer, eu garanto. É bom destacar que a Sol é uma mocinha moderna, completamente diferente
das outras. Mocinhas de novela, por definição, sofrem, como ela. Só que a Sol não é uma mocinha tradicional,
daquelas que ficam a novela inteira lutando para conseguir ficar com o seu grande amor. Esta foi a primeira vez
que uma mocinha chegou para o mocinho e disse: “Sou louca por você, adoraria passar o resto da minha vida a
seu lado, mas eu vou deixar você pra lá e correr atrás do meu sonho, OK? Tchau!”.
E os vilões? Serão punidos no final?
Também será como na vida real: alguns são punidos, outros não. Posso dizer que a participação especial da
Vera Fischer está relacionada ao desfecho do Alex. E que todo dia alguém me diz que a May tem que morrer,
porque a odeia. Isso é maravilhoso! Significa que a personagem cumpriu muito bem sua função de incomodar.
Vai ter beijo entre o Júnior e o Zeca?
Espere e veja. Só posso dizer que não é verdade o que saiu no jornal por estes dias, sobre o público ser contra
o beijo. É justamente o contrário: o público quer o beijo. Houve um tempo em que personagens homossexuais
eram até retirados das novelas, porque incomodavam. Mas evoluímos muito desde então, as coisas mudaram.
Você não acreditaria na quantidade de cartas que eu recebo de homens heterossexuais dizendo que admiram e
respeitam muito o Júnior! Isso é uma evolução e tanto! O personagem não conquistou apenas os
homossexuais. As únicas pessoas que me pedem para não mostrar o beijo de jeito nenhum são as garotinhas
que são fãs do Bruno Gagliasso. Elas, sim, querem morrer sem ver seu ídolo beijar outro homem na boca. Não
digo se vai ter beijo, mas posso garantir que o final será coerente com a forma como a trama vem sendo
construída desde o começo. Não dá para começar como “Cinderela” e terminar como “A dama do lotação”.
Algum ator teve um desempenho especialmente surpreendente para você?
Quando a gente escolhe um ator para determinado papel, é porque espera que ele se saia muito bem no
personagem. E é claro que, quando o ator é mesmo muito bom, ele sempre faz ainda melhor do que a gente
imaginava. Uma pessoa que realmente me surpreendeu foi a Flávia Guedes, atriz que interpreta Berê, a
empregada da Haydée. Ela imprimiu tanta personalidade à personagem, que eu acabei caprichando mais nas
suas falas, porque eu vi que podia fazer isso. Mari, a irmã da Sol, também cresceu por causa do desempenho
da atriz, Camila Rodrigues.
Não mais nada sobre o final da novela que você possa contar?
Ah, eu prefiro deixar todo mundo na curiosidade, ver a imprensa inventando as coisas mais estapafúrdias, e
depois ficar todo mundo sem saber o que é verdadeiro e o que é falso nesses boatos. Eu acho isso
divertidíssimo! É como se fosse uma segunda novela que os jornalistas inventam. Então, eu não conto nada!
digo que o Daniel vai fazer uma participação especialo apenas como cantor. E que Maria Ellis voltará no
último capítulo. Será uma única cena, mas muito significativa. Posso dizer também que as breteiras começaram
juntas e terminarão juntas de alguma forma, só não digo como.
Merchandising social é uma marca das suas novelas. Quais foram os resultados em “América”?
Essa é uma marca minha e que hoje em dia muitos autores usam, felizmente, mas que foi invenção minha. O
primeiro merchandising social foi numa novela minha, “Carmem”, na extinta TV Manchete. Eu tinha uma
personagem aidética e a usei para esclarecer as pessoas sobre o assunto, reduzir o preconceito contra as
vítimas da doença. O Betinho (Herbert de Souza, sociólogo que morreu em decorrência da AIDS, tendo
adquirido o vírus HIV numa transfusão de sangue) até fez participações na novela, falando sobre o problema,
explicando que não era doença só de homossexuais. Depois disso, muita gente entendeu que não tinha
problema conviver com aidéticos. Por causa de “América”, cresceu 80% o número de cleptomaníacos que
buscam tratamento para o seu problema. As pessoas com deficiência visual estão sendo vistas como cidadãs
iguais a quaisquer outras. O próprio presidente do Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora
280
de Deficiência) nos disse que “América” conseguiu mais por essas pessoas do que em 40 anos de luta,
mostrando do que elas são capazes, mostrando que elas merecem respeito. Coisas assim não têm preço.
Uma marca forte de “América” foi a utilização de elementos da vida real na trama. Por que isso?
Porque nãoficção que seja mais forte, mais dramática ou mais surpreendente que a realidade. A cena em
que o touro Bandido joga Tião a seis metros de altura é real. Quem está ali naquela imagem não é o Murilo
Benício, é o Neyliowan, um peão que desafiou o boi e ficou entrevado por oito meses. Nós usamos a cena
verdadeira não apenas porque seria irresponsável botar um ator ou um dublê para montar o Bandido, mas
também porque uma simulação daquele acidente não seria tão forte quanto o acidente real. Na verdade, as
histórias reais que me inspiraram são muito mais fortes que as que eu mostrei na novela. Lembra da cena da
Sol chegando na casa do Ed dentro de uma caixa? Pois foi muito pior com a mulher que fez isso pra valer. Ela
mesma se despachou numa caixa que viajou para os Estados Unidos dentro de um avião, como carga. Ela
chegou lá entre a vida e a morte! E a cena da Sol escondida dentro do painel de um carro? Eu nunca poderia
imaginar que alguém pudesse fazer algo parecido. Só soube disso porque vi fotos de gente naquela situação. A
vida real não pára de nos surpreender.
O que lhe deu mais prazer em “América”?
Mostrar o drama das pessoas que deixam o Brasil para tentar a vida nos Estados Unidos. O Brasil é o segundo
país em fluxo migratório para lá, só perde para o México, que faz fronteira com os Estados Unidos. É uma
realidade um tanto assustadora, sobre a qual as pessoas não sabiam muito. Falou-se bastante sobre a novela
ser americanófila, sobre eu estar estimulando o brasileiro a abandonar o país para se arriscar como imigrante
ilegal nos Estados Unidos, mas isso é bobagem. Jamais passaria pela minha cabeça tentar a vida no exterior,
mas esse é um sonho válido para muita gente que só sai daqui porque não enxerga outra saída. Muita gente
desistiu de fazer a travessia ilegal depois que viu em “América” o quanto isso é perigoso. Proporcionar algo
assim também não tem preço.
E quanto há de verdade nas cenas da experiência da quase morte de Tião?
Antes de escrever as cenas, eu conversei com pessoas que passaram por experiências da quase morte. Todas
elas têm coisas parecidas para contar, e isso me serviu de base. Mas é claro que nós tivemos que usar a
criatividade também, porque o Tião passa pelo purgatório, pelo limbo, pela ante-sala do paraíso, pelo portal do
paraíso, vê Nossa Senhora Aparecida, vê a Virgem de Guadalupe, vê seu falecido pai e vê seu próprio corpo.
Então, nós precisamos de uma boa dose de imaginação para retratar todas essas coisas. Foram reunes e
reuniões até chegarmos a uma conclusão sobre como seriam as cenas de EQM.
Mas... E o final da novela? Não dá para adiantar mais nada mesmo?
Só digo que o final mostrará o fechamento de um círculo. Tudo será explicado, as pessoas não ficarão sem
respostas nem sem entender qualquer detalhe que seja do desfecho. Há duas versões do último capítulo: uma
falsa e uma verdadeira. Apenas três pessoas além de mim têm a verdadeira: Sérgio Madureira (gerente de
produção da novela), Marcos Schechtman (diretor geral de “América”) e Mário Lúcio Vaz (diretor da Central
Globo de Qualidade).
Fonte: Site Oficial de América TV Globo:
http://america.globo.com/Novela/America/0,,AA1061220-4197,00.html
. Último acesso em:
14 de dezembro de 2008.
2006
26/07/2006 - 16h32
Brasileiro vai documentar situação dos refugiados no Líbano
Da Folha Online
O documentarista brasileiro Ivan Canabrava vai integrar a equipe de emergência do Acnur (Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados) enviada ao Líbano para documentar a assistência humanitária à população
afetada pelo conflito no Oriente Médio. Canabrava embarcou hoje para a Síria, de onde deverá seguir por terra
para Beirute (capital do Líbano).
Coordenada pela jornalista canadense Leigh Foster, a equipe do Acnur produzirá imagens para as redes de
televisão de todo o mundo, com ênfase na situação da populão deslocada pelo conflito. Também
acompanhará o transporte dos suprimentos para essas pessoas.
Canabrava foi recrutado devido à sua experiência como documentarista das Nões Unidas em zonas de guerra,
como Burundi, Ruanda, Angola (na África), Timor Leste e Camboja (na Ásia). Recentemente, ele produziu um
281
filme publicitário insitucional para o ACNUR e participou, como consultor da Rede Globo, das filmagens da
novela "Páginas da Vida" realizadas no Burundi com o diretor Jayme Monjardim e o ator Marcos Paulo (seu
personagem, Diogo, é um médico infectologista que atua em campos de refugiados na África).
Estacionados na fronteira da Síria com o Líbano, cerca de 40 caminhões do Acnur estão carrregados com 20 mil
cobertores, 20 mil colchões, cinco mil tendas tamanho-família, cinco mil abrigos plásticos, cinco mil fogareiros e
outros cinco mil utensílios de cozinha. O material poderá ser entregue imediatamente à população, assim que o
"corredor humanitário de segurança" seja confirmado pelos países envolvidos no conflito.
Fonte: Folha de São Paulo, 26 de julho de 2006. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u62813.shtml
. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
05/11/2006 - 09h44
Pais e escolas vivem dilema sobre deficiente
DANIELAFOLI
da Folha de S.Paulo
O drama de Regina Duarte na novela "Páginas da Vida" em busca de um colégio para sua filha portadora de
síndrome de Down e a recente decisão da Justiça de São Paulo que deu à uma escola particular o direito de
vetar a matrícula de uma criança com a deficiência reacenderam o debate sobre a inclusão de alunos especiais
em escolas regulares.
A grande maioria de pais e educadores é a favor da inclusão. Mas há quem discorde e defenda escolas especiais
alegando, entre outras coisas, que em colégios regulares os estudantes com deficiência ficam com a auto-
estima baixa porque são sempre os últimos da turma (leia nesta gina).
De 18 escolas tradicionais de São Paulo questionadas, 12 dizem aceitar alunos com deficiências.
O Colégio Dante Alighieri, na zona sul, por exemplo, tem estudantes com deficiência, mas não fala sobre o
assunto por acreditar que não deve tratá-los de forma diferenciada. "É política do colégio não falar sobre
inclusão. Os coordenadores acreditam que, tratando como casos especiais, você acaba excluindo um indivíduo
que já está incldo no contexto do colégio", afirmou sua assessoria.
Já o Friburgo, também na zona sul, conta com 15 alunos com alguma deficiência. Lá, a regra é aprender a lidar
com a diversidade, explica seu diretor, Cyro de Figueiredo. "Há 20 anos aceitamos crianças com síndrome de
Down. Mas algumas deficiências, como o autismo grave, são complicadas de trabalhar na escola." Para atender
às necessidades dos alunos, professores --e também funcionários-- têm ajuda de especialistas externos.
"Também é importante que haja interação dos terapeutas dessas crianças, como fonoaudiólogos e
fisioterapeutas, com o corpo docente e é fundamental que a família seja nossa parceira."
Mãe de Susanna, 13, que tem Down e estuda no Friburgo, a arquiteta Carla Bernardi Roselli, 44, acredita que a
parceria é a chave do sucesso para a inclusão. "Fico em cima da escola diariamente para que não facilitem a
lição, não a tratem como café-com-leite e tem dado certo." Susanna está na 5ª série e, apesar de sentir
dificuldades em alguma matérias de exatas, consegue acompanhar a turma.
Carla, que faz parte da ONG Grupo 25 (pró-inclusão), conta que nunca ficou em dúvida entre uma escola
regular ou uma especial. "Sei que alguns pais passam por esse dilema, mas sempre acreditei na minha filha.
Ela é tratada como uma adolescente normal. Sai com os amigos, viaja com a escola", diz. "Susanna tem noção
do seu problema e aprendeu a conviver com quem não é igual a ela."
Para os educadores, não são só as crianças com deficiências que ganham com a inclusão. Além de
desenvolverem sua sociabilização, elas ensinam as novas gerações a lidarem com as diferenças e a não
praticarem a discriminação. "Todos ganham com a inclusão de verdade, que não rejeita nenhum tipo de
deficiência. Esse discurso que algumas escolas usam dizendo que não estão preparadas para receber crianças
especiais é falta de argumento", afirma Cláudia Weneck, da ONG Escola de Gente. "Não estamos preparados
para uma série de coisas e ainda assim encaramos as dificuldades. Uma escola só vai aprender a lidar com uma
criança especial quando tiver vontade e uma delas na sala de aula. É com a prática que se aprende."
O livreiro José Antônio Montes, 53, concorda. Pai de Helena, 6, que também tem síndrome de Down e estuda
na Escola Viva, na zona sul, ele diz que sempre quis uma escola regular para sua filha para que ela não fosse
criada em uma "bolha".
"A Helena tem o acompanhamento fora do colégio. O que queremos da escola é que a trate como as demais
crianças, que ensine os conteúdos, sem diferenciação. E, para isso, não é preciso tanto preparo assim até
282
porque eu e minha mulher também não estávamos preparados para ter um filho com Down e acabamos
aprendendo", diz. "Tive um irmão com deficiência que estudou em escola especial e nunca quis esse estigma
para minha filha."
Na semana passada, alguns pais e educadores criticaram a cena de "Páginas da Vida" na qual Regina Duarte
procurava uma escola especial para a filha, após várias tentativas frustradas de encontrar um colégio regular. O
autor da novela, Manoel Carlos, diz que Helena (a personagem de Regina) defende a inclusão e vai lutar por
isso, se preciso for, até na Justiça. "Mas eu preciso ter o outro lado também, com seus argumentos pela
exclusão. Helena está batalhando para conseguir, mas procura alternativas, escuta os argumentos do lado
oposto ao seu", diz. "Ela vai conseguir vencer, já que eu, Manoel Carlos, e a minha novela, somos pela
inclusão."
Fonte: Folha de São Paulo, 5 de novembro de 2006. Site
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127850.shtml
.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006
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Abordagem da Aids em novela é criticada
Para Ministério da Saúde, médicos e ONGs , "Páginas da Vida",
da Globo, mostrou tratamento antiético
LAURA MATTOS
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A maneira como "Páginas da Vida", novela das oito da Globo, iniciou a
abordagem sobre a Aids nesta semana gerou duras críticas do Ministério
da Sde, da Sociedade Brasileira de Infectologia e de ONGs que
defendem portadores do HIV.
O personagem soropositivo entrou na história no capítulo da última
segunda-feira. O principal problema apontado pelas entidades é o fato
de o médico Diogo (Marcos Paulo) ter dado a ele o diagnóstico sem
antes realizar o teste do HIV, com base apenas na aparência do paciente
-magro, abatido e com manchas na pele- e num exame clínico
superficial.
Na trama, o infectologista é reconhecido por ter tratado de soropositivos
na África.
No episódio seguinte, o paciente diz a Diogo que está com gripe. O
médico o contesta: "Você está com Aids e sabe que está. Se quiser
levantar e sair do hospital, pode ir, mas pela minha experiência eu posso
garantir que você vai morrer".
Manoel Carlos, autor de "Páginas", teve um filho que morreu vítima de
Aids, aos 33 anos, em 1988. Procurado ontem pela Folha, disse que a
resposta seria dada pela emissora. A Central Globo de Comunicação
afirmou achar "estranha a reação precipitada" quando a emissora
"resolve tratar de um problema que estava meio escondido do
noticiário".
Ontem, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota
de repúdio à novela. Para os médicos infectologistas, a "abordagem foi
totalmente inadequada e antiética". "A SBI entende que uma emissora
com a responsabilidade social da TV Globo deva estar melhor
assessorada quando veicular assuntos dicos em sua programação",
diz a nota.
Juvêncio Furtado, diretor da SBI, ressalta o fato de uma enfermeira
(Letícia Sabatella) ter diagnosticado a doença após um breve encontro
com o paciente no corredor. "Depois, ela sai correndo para avisar ao
médico, e ele fica tão assustado quanto ela, como se eles estivessem
diante de uma bomba."
Ele defende que nenhum médico pode dar um diagnóstico como esse
sem antes conhecer o resultado do teste do HIV. "Lutamos há 25 anos
para desmitificar a doença, e a novela acabou estimulando o
preconceito. A nossa esperança é que o autor se toque dessa besteira e
283
a corrija. Estamos preocupados com a repercussão dessa abordagem",
afirmou. Segundo Furtado, são 600 mil os infectados por HIV no Brasil.
O Ministério da Saúde informou que espera que a novela mostre um
contraponto à atitude antiética do médico da trama. "A novela pode até
estar retratando uma situação que acontece em algum serviço, mas não
se faz diagnóstico olhando o paciente e [o personagem] também feriu
regras da conduta médico-paciente", afirma Mariângela Simão, diretora
do programa de Aids da pasta. Ela destacou que o teste de Aids no país
não é compulsório -na novela, o médico Diogo decide fazer o teste
apesar da resistência do paciente.
Ainda segundo a diretora, a imagem de um paciente abatido como a do
personagem retoma as utilizadas em campanhas no início da epidemia,
nos anos 80. Depois verificou-se que as campanhas mais assustavam do
que educavam.
"Páginas da Vida" registra a maior média de audiência de novelas dos
últimos dez anos. Das TVs ligadas no horário, 68% sintonizam a trama.
Fonte: Folha de São Paulo, 14 de dezembro de 2006. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1412200617.htm
. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006
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Iniciativa será reconhecida, afirma a Globo
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia abaixo a íntegra da nota sobre o caso divulgada pela TV Globo.
"As campanhas sociais e de cidadania inseridas nas novelas são uma
marca da TV Globo, que tem o reconhecimento das mais respeitáveis
entidades do mundo.
Um texto de teledramaturgia não é um texto científico. O que importa é
que sempre, no decorrer da trama, o telespectador recebe as
informações corretas que obtemos através das mais diversas
assessorias.
O que é estranho é a reação precipitada quando a TV Globo resolve
tratar de um problema que estava meio escondido do noticiário, no seu
horário mais nobre.
Temos certeza de que, em breve, como já aconteceu no passado, esses
mesmos críticos reconhecerão a contribuição que a nossa
teledramaturgia dará para a prevenção desse mal".
Fonte: Folha de São Paulo, 14 de dezembro de 2006. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1412200618.htm
.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
2007
09/02/2007 - 14h38
Grazi alavanca audiência na reta final de "Páginas da Vida"
MARIANA GARCIA
do Agora
284
Grazi Massafera, 24, conseguiu se superar novamente. A ex-Miss Paraná, que abocanhou o segundo lugar no
"Big Brother Brasil 5" há dois anos, agora se transformou na sensação da novela das oito como a doce
Thelminha.
O romance da caipira com Jorge (Thiago Lacerda) caiu no gosto do público e tem tido mais espaço na trama do
que a aproximação dos protagonistas Léo (Thiago Rodrigues) e Olívia (Ana Paula Arósio). "Hoje, nas ruas, fala-
se tanto dela quanto das maldades da vilã, Grazi é muito popular", diz a fã Lila que, ao lado das amigas Dani,
Dandy e Riane, é responsável por uma página dedicada à ex-"BBB" na internet.
E o Ibope confirma o sucesso. No capítulo exibido na última segunda-feira,
quando Jorge e Thelma trocaram beijos apaixonados, a audiência de
"Páginas" ficou em 50 pontos --três a mais do que a média geral da novela.
Assim como Thelma, a atriz estreante vem causando furor desde que entrou
para a trama. Mesmo depois de ser aprovada no teste para o papel, Grazi
enfrentou a resistência de colegas de elenco. Hoje, a situação se inverteu.
"Grazi é muito espontânea, tem carisma e empatia, e está sabendo utilizar
essas qualidades no trabalho. É claro que é preciso ter disciplina para
estudar os textos e acompanhar o ritmo das gravações, o que ela tem feito
com sucesso. Além disso, entende a importância da troca com o elenco e a
direção. É notável seu rápido desenvolvimento", fala o diretor Jayme
Monjardim. Maneco é ainda mais direto na defesa à nova estrela. "Grazi fez
a oficina [de interpretação] da TV Globo e se destacou pela responsabilidade
e seriedade com que se preparou. Levou adiante seu objetivo, mesmo diante
das habituais piadinhas que fazem sobre os participantes do 'Big Brother'",
diz o autor da trama.
Como boa miss, a estreante agradece aos elogios dos mentores, da mesma
forma com que costuma fazer com os fãs. "Eles apostaram em mim, e o
nimo que eu poderia fazer era corresponder à expectativa", afirma.
Diplomática, Grazi prefere não polemizar nem mesmo quando o assunto são
as críticas. "Estou começando na profissão. Ainda tenho muito o que
aprender", finaliza.
Mas, apesar da humildade, a modelo admite que está mais confiante durante
as gravações. "Vou me sentindo mais à vontade a cada dia que passa e me concentro bastante antes das cenas
mais fortes", conta.
Sem medo de se arriscar, a loira está prestes a encarar mais um desafio: desfilar à frente da bateria da Grande
Rio, no Carnaval. Para se garantir contra possíveis comentários negativos, vem treinando com passistas da
escola. "Sambo desde pequena. As aulas são para aprimorar os passos da minha coreografia", conta a agora
candidata a musa da Sapucaí.
Fonte: Folha de São Paulo, 9 de fevereiro de 2007. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68360.shtml
. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
23/02/2007 - 11h32
Ministério Público pede para Globo alterar "Páginas da Vida"
daFolhaOnline
O Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo enviou à Globo recomendação para que a emissora não leve ao
ar o último capítulo de "Páginas da Vida", na próxima sexta, sem antes exibir cenas que mostrem que escolas
não podem recusar a matrícula de crianças com deficiências e ficarem impunes, informa o colunista Daniel
Castro na edição desta sexta-feira da Folha.
Em nota enviada hoje à imprensa, o MPF confirma as informações do colunista. Na novela, a menina Clara
(Joana Mocarzel), que tem síndrome de Down, foi rejeitada por pelo menos uma escola de ensino regular. Mas
a mãe adotiva da garota, Helena (Regina Duarte), simplesmente procurou outro colégio e não denunciou a
escola que a discriminou.
"Caso o autor da novela e a emissora não queiram alterar os capítulos para a inclusão destas cenas, os autores
da recomendação, a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, e o Procurador Regional dos
Direitos do Cidadão em São Paulo, Sergio Gardenghi Suiama, sugerem que a Rede Globo exiba por três dias,
junto aos créditos finais da novela, um texto esclarecendo que crianças e adolescentes com deficiência também
têm direito inalienável de acesso às classes e escolas comuns da rede regular de ensino e que é dever dos pais
e de seus responsáveis exigirem o cumprimento desse direito", cita a nota do MPF.
Segundo o Ministério Público, as duas "distorções" da novela (tratar a entrada de crianças com deficiência em
escolas regulares como opção dos pais e não mencionar que uma escola que recusa crianças nessas condições
é crime) reforçam o desconhecimento do público e das próprias autoridades sobre o tema e desestimulam os
Divulgação
Grazi Massafera em "Páginas da
Vida"; veja galeria de
fotos da
atriz
285
pais das crianças com deficiência a buscarem, das mais diversas maneiras, garantir a seus filhos o acesso às
escolas comuns.
A Globo informou ontem que seu departamento jurídico está estudando a recomendação. Manoel Carlos, autor
da novela, não se manifestou.
Fonte: Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 2007. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68726.shtml
.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
02/03 - 16:36
Penúltimo capítulo de Páginas da Vida marca 54 pontos, mas não é recorde
Páginas da Vida mostrou ter agradando ao público. Os índices de audiência comprovaram. Agora que a trama
chega na reta final, não está sendo diferente. Nesta quinta-feira (1º), quando foi ao ar o penúltimo capítulo da
novela de Manoel Carlos, a média de audiência chegou a 54 pontos, de acordo com a Centrtal Globo de
Comunciação (CGCOM). O pico foi de 57 pontos.
Apesar de considerado alto, o número o chega a registrar um recorde da trama. O maior índice de audiência
de Páginas foi registrado no dia 7 de agosto, no capítulo que mostrou o velório de Nanda (Fernanda
Vasconcellos). Na época, foram 56 pontos de dia, com 60 pontos de pico e 73% de share (participação das
TVs ligadas no canal).
Antes disso, Páginas da Vida tinha batido recorde de audiência no dia 31 de julho, quando foram alcançados 55
pontos de média. Ainda de acordo com a CGCOM, o menor índice registrado durante o peodo de exibição foi
de 49 pontos, considerado alto pela Globo.
Nesta sexta-feira (2), os termômetros de audiência deverão subir, afinal se exibido o último capítulo da
novela.
Fonte: OFuxico, 2 de março de 2007.
http://ofuxico.uol.com.br/Materias/Noticias/2007/03/44865.htm
. Acessado em: 4 de março de
2006.
03/03/2007 - 18h35
Último capítulo de "Páginas da Vida" registra 53 pontos de audiência
da Folha Online
Nesta sexta-feira, o capítulo final de "Páginas da Vida", de Manoel Carlos, rendeu 53 pontos de audiência à
Globo, com participação de 76% (televisores ligados no canal). O número ficou abaixo do alcançado pelas
tramas anteriores.
Em julho, o último capítulo de "Belíssima" registrou umadia de audiência de 60 pontos, com 80% das TVs
ligadas na trama de Silvio de Abreu. O resultado ficou abaixo do recorde de sua antecessora no horário das
21h, "América", que cravou 66 pontos e 82% de participação.
Cada ponto no Ibope equivale a 178,3 mil telespectadores na Grande São Paulo.
No último capítulo, alguns segredos vieram à tona. Todos desconfiavam que debaixo da tirania da irmã Maria
haveria um segredo que pudesse explicar tanta perseguição à Lavínia (Letícia Sabatella). Emocionada, a irmã
confessa que já fez um aborto.
Como de costume, um casamento encerra a trama: Thelminha (Grazi Massafera) casa-se com Jorge (Thiago
Lacerda).
A trama também sugere uma suposta cena de suidio, quando Marta (Lívia Cabral) está diante da sacada de
seu pdio quando é "salva" pela filha, Nanda, que segura a mão de sua mãe.
A polêmica em torno da guarda de Francisco e Clara chega ao fim: a justiça decide que as crianças ficam sob os
cuidados da mãe adotiva Helena (Regina Duarte) e do avô materno, Alex (Marcos Caruso).
Como prometido a Sandra (Danielle Winits), Machadão (Zé Vitor Castiel) ganha na loteria. "Agora seremos
sócios", diz Sandra.
Na cena final, Alex, Francisco e Clara passeiam em um jardim, quando Nanda aparece para os filhos e diz que
sempre irá protegê-los.
286
Fonte: Folha de São Paulo, 3 de março de 2007. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69016.shtml.Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
14/03/2007 - 16h58
Alvo de preconceito, boneca da "Clarinha" será lançada em Brasília
CARMEN POMPEU
Da Folha Online
A boneca "Clarinha", inspirada na personagem interpretada por Joana Mocarzel na novela "Páginas da Vida",
será lançada oficialmente no próximo dia 21, no Shopping Pátio Brasil, em Brasília. Primeira boneca com
características de síndrome de Down feita no país, ela também será comercializada em Portugal, onde
"Páginas da Vida" ainda encontra-se em exibição.
Idealizado pelas amigas Audrey Bosio e Andrea Barbi, mães de crianças com Down, o brinquedo começou a
ser vendido há uma semana em São Paulo. A divulgação do produto entre os lojistas está sendo feita por elas
duas. Segundo Audrey, de cinco lojas visitadas, três fizeram pedidos. "As outras duas ainda não deram
retorno", disse.
Audrey e Andrea admitem que não foi fácil encontrar parceiros
para o projeto. "'Durante um ano fizemos contato com mais de 20
fabricantes, ouvimos inúmeras negativas e comentários
preconceituosos", conta Andréa. "Alguns deles diziam: 'quem vai
comprar uma boneca doente?'", afirmou Audrey.
Depois de muita peleja, ano passado, a Walbert --empresa
especialista em fabricação de brinquedos com sede em Boituva
(SP)-- topou o desafio. "Clarinha" é vendida nas lojas por R$
59,90.
Segundo Audrey, é muito cedo para dizer que a boneca está sendo
rejeitada só porque tem Down. "A gente não tem essa idéia de
mercado. Afinal, somos apenas mães. Mas não estou vendo como
rejeição. Está começando ainda. De cinco lojas, três compraram.
Está bom, né?", comentou.
A iia de criar uma boneca com ndrome de Down, segundo
Andrea, era de promover a inclusão social e fazer com que todas
as crianças possam crescer em contato com a diversidade
humana, de maneira lúdica.
Foram desenvolvidos bonecos de vários modelos. Além da própria "Clarinha", há um casal de negros, um
casal de loiros de olhos azuis, e um casal de bonecos de cabelos e olhos castanhos. "A idéia é promover a
inclusão no meio de todas as pessoas", afirma Audrey. "A intenção ainda é ter uma segunda parte do projeto,
que seriam lançados novos personagens, com características diferenciadas", finaliza.
A Rede Globo abriu mão de todos os direitos de royalties e a renda das vendas dos bonecos será revertida
para o Grupo Síndrome de Down da Associação das Voluntárias do Hospital Infantil Darcy Vargas, em São
Paulo.
Fonte: Folha de São Paulo, 14 de março de 2007. Site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69348.shtml
. Último acesso em: 14 de
dezembro de 2008.
Divulgação
Bonecas da "Turma da Clarinha" são as
primeiras com Down feitas no Brasil
287
Fonte: O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 2007.
288
5. DVD com cenas de merchandising social
em Páginas da Vida
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