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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - ULBRA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MENINAS E FUTSAL – UM ESTUDO SOBRE QUESTÕES DE GÊNERO
NA EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA E PARA ALÉM DE SEUS
MUROS
Mestrando: Carlos Alberto Tenroller
Orientadora: Dra. Rosa Maria Hessel Silveira
Canoas, RS, outubro de 2009.
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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MENINAS E FUTSAL – UM ESTUDO SOBRE QUESTÕES DE GÊNERO
NA EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA E PARA ALÉM DE SEUS
MUROS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Luterana do Brasil ULBRA como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação.
Mestrando: Carlos Alberto Tenroller
Orientadora: Dra. Rosa Maria Hessel Silveira
Canoas, RS, outubro de 2009.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Responsável: Ana Lígia Trindade CRB/10-1235
T312m Tenroller, Carlos Alberto
Meninas e futsal: um estudo sobre questões de gênero da educação física da
escola e para além de seus muros. / Carlos Alberto Tenroller. – Canoas, 2009.
132 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Luterana do
Brasil, 2009
Orientação: Dra. Rosa Maria Hessel Silveira
1. Educação estudos culturais. 2. Educação física escolar. 3.
Futsal – gênero.
I. Silveira, Rosa Maria Hessel. II. Título.
4
À minha filha Carla Christinna de Castro Tenroller e ao
meu filho Lorenzo de Castro Tenroller, no sentido de que
conseguiram entender as muitas horas de ausência que
tive para trabalhar, pesquisar e confeccionar esta
dissertação. Amo-os muito!
A minha mãe, Edith Tenroller, que, apesar de não contar
com a presença do meu pai, não se furtou a ensinar-me o
caminho do trabalho, do respeito, da educação e dos
estudos.
A Cristiane Castro, “sócia” dos meus maiores tesouros: a
Carla e o Lorenzo.
AGRADECIMENTO
Agradecimentos aos meus “padrinhos”
Aos meus “padrinhos” grandes, amigos e incentivadores, os professores Ivan Basegio,
Rogério Voser, Paulo Vernes, Nelson Bavier e a professora Ana Lígia. Todos têm grande
significado na minha vida, tanto na formação pessoal como profissional. Sou eternamente
grato por vocês terem acreditado em mim e pelas oportunidades que me deram.
Agradecimentos especiais
As professoras Doutoras Mariangela Momo e Rosa Maria Hessel Silveira, que,
apesar de terem se revezado no importante papel de orientadoras, foram sensíveis às minhas
inquietações e intenções nesta pesquisa. Sou duplamente feliz e grato por ter sido orientado
5
por estas excelentes profissionais, que acima de tudo são extremamente humanas (“além da
média”) o que certamente tornou esta pesquisa mais prazerosa.
As professoras Doutoras Marisa Vorraber Costa e Daniela Ripoll e ao professor
Doutor Alex Branco Fraga por terem aceito o convite para compor a banca examinadora
desta pesquisa. Muito obrigado pela leitura e pelas sugestões apontadas nesta investigação.
A cada professora e professor do corpo docente do Programa de Pós-graduação em
Educação da ULBRA.
Aos meus colegas, professoras e professores na ULBRA e da rede municipal de
Canoas.
Aos atuais e ex-alunos e ex-alunos nos mais diversos lugares que trabalhei (escolinhas,
escolas do município, acadêmicos do Curso de Educação Física da Universidade Luterana do
Brasil.
Em especial, aos pais das alunas e dos alunos da escola Municipal de Ensino
Fundamental Rio de Janeiro, por terem autorizado e colaborado diretamente nesta pesquisa ao
responderem as questões aqui analisadas.
6
O fenômeno esportivo é uma criação sociocultural da
humanidade que, se compreendida em sua complexidade
e vivenciada de forma crítico-reflexiva, pode contribuir
como uma força transformadora no processo de
emancipação e humanização do homem.
Dourivaldo Teixeira
RESUMO
O presente estudo, de cunho qualitativo, teve como objetivo analisar os discursos que
compõem determinados regimes de verdade sobre a presença-ausência de mulheres/meninas
na prática de futsal. Dada a pouca visibilidade feminina como praticante de futsal nos mais
variados veículos midiáticos, optou-se por empreender uma garimpagem de elementos
dentro e fora da escola, procurando entender como vem sendo representado o gênero feminino
neste âmbito. O referencial teórico es composto pelas produções identificadas com os
Estudos Culturais e com os Estudos de Gênero, influenciados por reflexões de Michel
Foucault. Como caminhos metodológicos, optou-se por analisar o discurso dos seguintes
artefatos culturais: um jornal de grande tiragem da cidade de Canoas, RS, (Diário de Canoas),
do qual foram interpretadas imagens e textos veiculados no caderno de esportes; revistas com
matérias esportivas sobre o gênero feminino; imagens das capas de livros didáticos de futsal
em duas importantes bibliotecas de universidades (ULBRA em Canoas, e UFRGS em Porto
Alegre). A decisão de realizar as análises nestes artefatos culturais decorreu do entendimento
7
de que a educação acontece a partir dos mais variados lugares. Além de tais análises,
procedeu-se a um estudo em uma escola de ensino fundamental da rede municipal de Canoas,
RS, compreendendo observações e anotações de conversas e situações cotidianas, assim como
entrevistas gravadas e questionários escritos respondidos por alunos e alunas praticantes de
futsal, no decorrer das aulas de Educação Física e durante um torneio deste esporte. As
análises indicam que os discursos que circulam nos artefatos culturais bem como nas falas,
nos comportamentos e respostas dos alunos com algumas exceções reforçam o privilégio
do acesso e da prática do futsal ao gênero masculino. Foi recorrente, e aceito como natural por
ambos os gêneros, o entendimento de que as meninas são mais fracas e frágeis, não gostam e
não sabem jogar futsal, embora, na resposta ao roteiro escrito as meninas manifestassem
vontade de praticá-lo. Registrou-se o reforço de binarismos como: medo versus coragem,
força versus fragilidade, menina não gosta de jogar futsal versus meninos gostam de jogar
futsal. Um olhar menos atento, menos problematizador de professores e professoras para com
estas questões de gênero parece que tem, mesmo não intencionalmente, contribuído para
construir e manter estas noções antagônicas entre alunas e alunos. Tudo indica que os
discursos (imagens e representações) que circulam e chegam aos alunos e alunas têm
contribuído para ensinar, subjetivar e manter um regime de verdade hegemônico de que o
futsal na Educação Física escolar e para além dos muros da escola, é uma prática pouco
indicada para o gênero feminino.
Palavras-chave: Estudos Culturais, gênero, Educação Física escolar e futsal.
8
ABSTRACT
This qualitative study aims at analysing discourses shaping particular regimes of truth about
presence-lack of women/girls in futsal practice. Because of the low female visibility as futsal
player in the many media vehicles, we have chosen to search for elements in and out of
school, seeking to understand how the female gender has been represented in this sphere of
action. The theoretical referential is made up of productions identified with the Cultural
Studies and Gender Studies influenced by Michel Foucault’s reflections. As a method we
have chosen to analyse the discourse in the following cultural artefacts: a major newspaper in
Canoas (RS), Diário de Canoas, whereby we have interpreted images and texts issued in this
section; magazines with sports materials on the female gender; cover images from futsal
textbooks in two major university libraries (ULBRA in Canoas and UFRGS in Porto Alegre).
We have decided to conduct analyses in these cultural artefacts because of the understanding
that education occurs in many places. In adition to these analyses, we have observed and
registered daily talks and situations, taped interviews and written questionnaires students who
played futsal answered in Physical Education classes and in a tournament in a municipal
primary school in Canoas (RS). Analyses showed that discourses circulating in the cultural
artefacts as well as in the students’ talks, behaviours and answers, with a few exceptions,
reinforced the male futsal practice and access privilege. The understanding that girls are
weaker and delicate, and cannot and do not enjoy playing futsal (although, in answers to the
written questions, girls reported that they would like to practice it) was recurrent and taken for
granted. We have found reinforced binarisms: courage vs fear, force vs delicateness, boys
enjoy playing futsal vs girls do not enjoy playing futsal. An inaccurate less problematising
gaze teachers would give for these gender questions has probably, though unintentionally
helped to construct and keep these opposing notions among male and female students. It is
likely that discourses (images and representations) circulating and coming to male and female
students have helped to teach, subjectify and keep a hegemonic regime of truth that futsal in
Physical Education classes and out of school is a practice not much recommended for the
female gender.
Keywords: Cultural Studies, gender, Physical Education classes, and futsal.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 - Foto gestante jogando futebol, Jornal Correio do Povo, p.15, 10.2.2007 ..... 80
Figura 02 - Capa do livro “Futsal: ensino e prática”, 1ª edição (2004) ........................... 84
Figura 03 - Capa do livro “Futsal: enseñanza & práctica (espanhol) 1ª edição (2004) ... 84
Figura 04 - Capa do livro “Futsal: ensino e prática”, 2ª edição (2008) ........................... 84
Figura 05 – Foto “elas como coadjuvantes” .................................................................... 89
Figura 06 - Foto e texto “Mulheres não pagam sábado no Beira-Rio”, p. 25, Jornal
Diário de Canoas, 04.03.2008 ................................................................ 90
Figura 07 - Excerto da Revista da CBFS, pág.46, 2005 ................................................. 92
Figura 08 - Foto Visibilidade feminina, Revista da CBFS, 2004, p. 16 .......................... 93
Figura 09 - Foto Visibilidade feminina, Revista da CBFS, 2004, p. 13 .......................... 94
Figura 10 - Foto Visibilidade feminina, Revista da CBFS, 2004, p. 12 ...........................95
Figura 11 - Foto Elas com as camisas dos clubes, Revista da CBFS, 2005, p. 48 .......... 96
Figura 12 - Foto divulgada no Jornal Diário Gaúcho, 04.09.2008, p. 24 ........................ 97
Figura 13 - Capa do livreto “O mundo mágico do futsal” da CBFS e FIFA, 2008 ......... 97
Figura 14 – Ilustração do livreto “O mundo mágico do futsal”, 2008, p. 8 .................... 97
Figura 15 – Excerto do Jornal do Comércio, 30.11.2006, p. 27 ...................................... 99
Figura 16 – Capa do livro “Futsal: treinamento para goleiros” ..................................... 123
Figura 17 – Capa do livro “Futsal: conceitos modernos” ............................................. 123
Figura 18 – Capa do livro “Futsal: metodologia e planejamento” ................................. 123
Figura 19 – Capa do livro “Treinamento técnico nas posições do futsal” ..................... 123
Figura 20 – Capa do livro “A ciência do esporte aplicada ao futsal” ............................ 123
Figura 21 – Capa do livro “Futebol de salão – regras, técnica, tática” .......................... 123
Figura 22 – Capa do livro “Kit esporte Futsal” ............................................................. 123
Figura 23 – Capa do livro “FUTSAL Princípios Técnicos e Táticos” ........................... 123
Figura 24 – Capa do livro “Futebol de Salão Tática e Técnica” .................................... 123
Figura 25 – Capa do livro “Manual de FUTSAL”.......................................................... 123
Figura 26 - Excerto do Jornal Diário de Canoas, 15.03.2008, p. 8 ................................ 124
10
Figura 27 – Excerto do Jornal ABC, (sem data) ............................................................ 124
Figura 28 – Excerto do Jornal ABC, 27.04.2008, p. 37 ................................................. 124
Quadros
Tabela 1 - Biblioteca Edgar Sperb (73 livros sobre futsal) .............................................. 85
Tabela 2 - Biblioteca Martinho Lutero (30 livros sobre futsal) ....................................... 86
11
SUMÁRIO: A SÚMULA DO JOGO
1 INTRODUÇÃO
uma partida de futebol
1
Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer o gol
Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?
2
A bandeira no estádio é um estandarte
A flâmula pendurada na parede do quarto
O distintivo na camisa do uniforme
Que coisa linda é uma partida de futebol
Posso morrer pelo meu time
Se ele perder, que dor, imenso crime
Posso chorar, se ele não ganhar
Mas se ele ganha, não adianta
Não há garganta que não pare de berrar
A chuteira veste o pé descalço
O tapete da realeza é verde
Olhando para bola eu vejo o sol
Está rolando agora, é uma partida de futebol
O meio-campo é lugar dos craques
Que vão levando o time todo pro ataque
O centroavante, o mais importante
Que emocionante, é uma partida de futebol
O meu goleiro é um homem de elástico
Os dois zagueiros tem a chave do cadeado
Os laterais fecham a defesa
Mas que beleza é uma partida de futebol
Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer o gol
1
Música do grupo musical mineiro Skank.
2
Grifos meus.
É
12
Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?
O meio-campo é lugar dos craques
Que vão levando o time todo pro ataque
O centroavante, o mais importante,
Que emocionante uma partida de futebol !
Composição: Samuel Rosa e Nando Reis
1.1 Aquecendo e Alongando ao Som de É uma Partida de Futebol
A música É uma partida de futebol, interpretada pelo grupo musical mineiro Skank,
uma das bandas mais famosas e mais ouvidas no Brasil na década de noventa, era um dos
instrumentos utilizados por um proprietário de escolinha de futsal, onde atuei como estagiário
nos anos de 1997 e 1998, para “estimular” as crianças na prática do futsal. Os meninos/alunos
vestiam-se com as camisas do time do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e do Sport Club
Internacional para disputar torneios popularmente conhecidos como Gre-Nal. Antes de suas
entradas em quadra e durante o alongamento e o aquecimento, o professor, usando caixas de
som e alto falantes, aumentava o volume da referida música procurando simular um ambiente
de estádio lotado, semelhante ao que se constata nos estádios onde ocorre a tradicional disputa
entre esses dois clubes de futebol. Além desta música, havia uma gravação da comemoração
dos gols pelas torcidas de futebol dos referidos clubes, gravadas de jogos oficiais. A cada gol
ocorrido naqueles torneios
3
, imediatamente as caixas de som e os alto-falantes eram acionados
com um volume estridente para reproduzir as gravações da comemoração dos gols, seguidas
da música É uma partida de futebol. A sensação que se tinha era de que realmente as duas
numerosas torcidas - do Grêmio e do Internacional - estavam presentes vibrando pelos gols de
seus craques/jogadores/crianças naquele ginásio.
Ainda hoje, decorrida mais de uma década daquelas vivências e práticas de ensino
naquela escolinha de futsal, lembro-me dos comportamentos de meus ex-alunos envolvidos
naquele ambiente dos jogos. Eles “incorporavam” o espírito de jogadores profissionais; era
como se realmente fossem atletas do Grêmio e do Internacional: imitavam comportamentos,
atitudes e gestos corporais de seus ídolos do futebol. Isso ocorria de tal modo que, ao final de
cada jogo, os que perdiam a disputa ficavam acentuadamente (alguns choravam e outros
3
Torneios internos, entre meninos da própria escolinha, que ocorriam bimestralmente.
13
ficavam agressivos) insatisfeitos com suas performances. Parece-me que o clima criado com
as músicas ajudava a infundir determinados pensamentos e sentimentos nos alunos; tal
“clima” parecia ter o poder de “prender” os meninos de modo que comportamentos
semelhantes aos descritos anteriormente eram manifestados tanto antes como após os jogos.
Naquela época eu não tinha a ideia de que aquela música e a simulação de um clima
de estádio de futebol lotado compunham determinados entendimentos sobre a própria prática
de futsal como, por exemplo, uma prática esportiva “legítima” para meninos. Penso que isso
ocorria porque eu não usava as “lentes” teóricas dos Estudos Culturais para fazer as análises e
problematizações que venho fazendo nos dias de hoje. Em outras palavras, o que quero dizer é
que as músicas usadas nas minhas práticas de ensino do futsal naquela época me pareciam
apenas um bom modo de estimular as crianças para aquela prática esportiva. Eu não entendia
que o modo como as aulas e torneios esportivos eram realizados também fazia parte de
determinados regimes de verdades sobre a prática de futsal e seus praticantes. Naquele
contexto, futsal era um esporte para ser sonhado e praticado apenas por meninos. Como diz a
própria letra da música: Quem não sonhou em ser um jogador de futebol, Os craques, O
centroavante...
Ao trabalhar mais de uma década com o esporte futsal nos mais diversos contextos -
ensino fundamental, universidade, treinamento de equipes de alto rendimento
4
, competições,
entre outros - vivenciei e inquietei-me com vários temas. Uma dessas inquietações dizia
respeito ao fato de que a predominância de discentes envolvidos nessa modalidade esportiva
era de homens. Isto é, a procura e o número de discentes mulheres era significativamente
menor do que o número de homens, chegando, em algumas situações, ao fato de não haver
nenhuma representatividade de mulheres. Assim, eu percebia que o número de atletas do
gênero feminino era significativamente inferior ao número de atletas do gênero masculino,
quando essa modalidade esportiva era oferecida para estudantes do ensino fundamental, e era
de zero quando se tratava de escolinhas de futsal infantil.
Ao longo desses anos em que tenho estado envolvido com esportes, em especial o
futsal, como professor supervisor de estágio em Educação Física em uma universidade, tenho
realizado frequentes visitas de supervisão a diversas escolas e tenho percebido que, quando os
4
Trata-se de uma das três dimensões do esporte, denominado por Tubino (1992) como esporte-performance ou
esporte de rendimento, que o entende como socialmente importante pelos efeitos produzidos na sociedade, por
influenciar as dimensões do esporte-educação e esporte de lazer, também denominado de esporte de
participação.
14
estudantes de Educação Física trabalham com seus alunos modalidades esportivas como
voleibol e handebol, a participação de meninos e meninas é, praticamente, equitativa.
quando o “conteúdo” a ser trabalhado é o futsal, em muitas situações há uma configuração em
que as meninas não participam nas equipes que começam a jogar. As equipes que iniciam os
jogos são compostas apenas por meninos e às equipes compostas por meninas é reservado um
curto espaço de tempo, comparando-se ao tempo reservado aos meninos. Venho percebendo,
também, que nessas aulas de futsal, muitas meninas sequer têm sido envolvidas pelos
professores nestas atividades, isto é, elas m ficado em locais distintos (separados) dos
meninos. Tal constatação articula-se com o objeto de análise de Fraga e Gonçalves (2005), em
estudo realizado no contexto escolar, quando discutem as relações de gênero no interior da
escola a partir de significados atribuídos à ocupação dos espaços na quadra por alunos e
alunas envolvidos nas atividades de Educação Física.
Além disso, tenho percebido que a opção por praticar o futsal durante o recreio é uma
constante apenas entre os meninos. Ou seja, os meninos ocupam os espaços das quadras ou de
áreas possíveis para realizar as disputas de jogos, enquanto, em raras vezes, presenciei
meninas optando por tais práticas. Em síntese: percebo a prática do futsal, no âmbito escolar,
como algo pertencente quase que exclusivamente aos meninos, e vejo que isso é tomado como
algo natural, tanto pelos professores/estagiários quanto pelos alunos. Pode-se dizer que essa
naturalização é decorrente de uma construção social que se constitui por meio de vários
argumentos, como os biológicos e os psicológicos. Conforme Souza Júnior e Darido (2002),
na Educação Física escolar, apesar de o futebol (e o futsal) constituir-se no principal meio de
ensino, quando não o único conteúdo das aulas dos meninos, às meninas são oferecidas
atividades, jogos e brincadeiras infantis. Esses estudiosos constataram que na escola os
meninos ocupam amplamente os espaços destinados para as práticas esportivas,
especificamente o futsal. Altmann (1998), ao realizar um estudo a partir de uma
perspectiva de gênero, identificou, no contexto escolar, uma intensa competitividade
manifestada por meninos nos esportes, enquanto as meninas eram excluídas das atividades
esportivas por serem consideradas com falta de habilidade e, portanto, desinteressantes para o
bom desempenho esportivo em uma competição. Por outro lado, em estudos sobre as formas
como são organizadas as aulas de Educação Física em relação às práticas de esportes,
incluindo o futsal, Louzada e Devide (2004) encontraram uma opinião favorável das meninas
a que as aulas de Educação Física acontecessem de maneira separada para meninos e meninas,
visto que, segundo elas, os meninos, além de discriminarem as meninas, eram “brutos”. Os
15
meninos, segundo os autores, também argumentavam que as atividades de Educação Física
deveriam ocorrer separadas para meninos e meninas, para que as aulas fossem mais dinâmicas
e intensas. Fraga (2000), ao realizar uma pesquisa em uma escola pública da cidade de
Cachoeirinha, no Estado do Rio Grande do Sul, também nos mostra que tradicionalmente as
meninas e os meninos vêm sendo separados durante as aulas de Educação Física. Em seu
estudo, este autor pode constatar que, no decorrer das aulas de futsal mista (meninos jogando
com meninas), os meninos mantinham uma postura de competitividade, comportamento
observado através do esmero, seriedade e compenetração na realização dos gestos e jogadas
no decorrer dos jogos e que, ainda, algumas vezes reclamavam da falta de atenção em lances
corriqueiros e do posicionamento das meninas em quadra.
Pelo exposto até aqui, senti-me desafiado a entender por que as práticas de futsal no
ambiente escolar acontecem do modo como tenho presenciado ao longo de minha trajetória de
trabalho corroborado pelos estudos citados e não acontecem de outro modo. Por que
existem tais práticas e atitudes? Interessava-me saber, pelo menos em parte, como ocorre – ou
como se o processo de naturalização do futsal como uma prática esportiva do âmbito do
masculino. Ao mesmo tempo, interessava-me investigar os discursos que estão em circulação
na contemporaneidade e que colocam sob tensão o entendimento de que o futsal é para
meninos e homens. Pergunto-me: como o futsal se constituiu como uma prática do âmbito do
masculino? E, na contemporaneidade, como o futsal é narrado em relação ao gênero? Que
representações de feminilidades e masculinidades são postas em circulação quando se fala de
futsal? Quais são as narrativas de alunas e alunos sobre as práticas de futsal e gênero? Que
tipos de representações de masculino e de feminino estão presentes nas narrativas dos alunos
e das alunas? O que está em jogo na inclusão das mulheres no futsal? Ou seja, me
inquietavam os discursos referentes ao futsal para além dos muros da escola. De início, creio
que estas questões são importantes no sentido de discutir como as relações de poder e saber
estão acontecendo nestes tempos ditos pós-modernos, conformando tanto a prática do futsal
quanto os sujeitos que o praticam. Consoante a estudiosa Sarlo (1997), as perguntas têm o
sentido de indicar o que fazer e também servem para “armar uma perspectiva para ver”.
Para pensar sobre essas questões, debrucei-me, especificamente, em matérias de
jornais, em imagens de cartazes e de revistas, em produções da área da Educação Física
5
, na
5
Imagens e textos em livros didáticos sobre futsal e artigos em revistas e periódicos que trazem como tema
central esse esporte.
16
legislação brasileira que versa sobre as práticas esportivas para mulheres e em algumas
narrativas e práticas de estudantes de uma escola da periferia de Canoas-RS, com o objetivo
de analisar os discursos que compõem determinados regimes de verdade em relação às
mulheres/meninas em relação à prática de futsal.
Lançar um olhar investigativo sobre o futsal nos mais variados lugares parece ter sido
uma opção teórico-metodológica que me permitiu entender, entre outros aspectos, como têm
operado alguns discursos, como têm sido construídas as relações sociais de gênero, ou ainda,
como vêm operando alguns regimes de verdade sob a perspectiva dos estudos pós-
estruturalistas, com inspiração em Michel Foucault. Este autor entende que o poder é
capilarizado, difuso, descentralizado e perpassa horizontalmente todas as práticas e instâncias
sociais e os mais variados “lugares”. Ao entender o poder deste modo, é possível pensar sobre
como os discursos sobre futsal na contemporaneidade operam na produção de identidades de
gênero.
Desse modo, um dos meus interesses com esta dissertação foi dar visibilidade a
problematizações em torno das identidades de gênero sucedidas nas relações com o futsal. A
escolha por esta modalidade esportiva também está relacionada ao fato de que, apesar da
existência de várias versões esportivas, o futsal, uma modalidade de tradição não olímpica
6
,
vem se destacando, cada vez mais, como um dos esportes coletivos mais procurados e
praticados. Isso pode ser verificado nas escolas, nas práticas de lazer e em âmbito de alto
rendimento, sendo que é a segunda modalidade esportiva mais praticada no nosso país.
Conforme dados das Federações Estaduais de Futsal e da Confederação Brasileira de Futsal
7
,
este é um dos esportes que mais vem aumentando o número de praticantes no Brasil e, cada
vez mais, espaços públicos e privados, nos mais variados segmentos da sociedade, são
ocupados para a prática deste esporte.
Estes dados, por si, seriam consideráveis para explicar e justificar a escolha que fiz
e pelas opções de estudos que versam sobre este tema. Acrescento ainda, apoiando-me nas
palavras de Goellner (2007), que o esporte nesta pesquisa, especificamente o futsal deve
ser entendido como um espaço generificado que marca corpos e comportamentos a partir do
6
As versões esportivas, conforme Tubino (1994), são as seguintes: esportes olímpicos, esportes de tradição não-
olímpica, artes marciais, esporte aventura ou de desafio, esportes de relação com a natureza, esportes intelectivos
e esportes de identidade cultural.
7
Conforme o site www.cbfs.com.br da Confederação Brasileira de Futsal, esta modalidade esportiva não é
mais praticada que o futebol de campo.
17
que cada cultura define como masculino e ou feminino. Um espaço que produz determinadas
práticas e discursos sobre as masculinidades e as feminilidades. Deste modo, ter lançado um
olhar investigativo sobre alguns dos discursos sobre o futsal na contemporaneidade, permitiu-
me mesmo que parcialmente mostrar algumas das masculinidades e feminilidades que
estão sendo produzidas nas relações com esse esporte e também compreender por que a
prática desse esporte acontece no âmbito da Educação Física escolar do modo como
sucintamente narrei acima.
É pertinente lembrar que o objetivo central deste estudo não foi o de encontrar
respostas definitivas ou apresentar uma única verdade, até porque, como ensina Hall (1998),
tudo o que dizemos tem um antes e um depois, uma “margem” na qual outras pessoas poderão
escrever. Quiçá “os resultados” desta pesquisa venham a produzir inquietações em relação a
alguns discursos que estão em circulação no cenário esportivo, de modo que estudiosos
identificados com esta temática consigam construir outras articulações e trazer novas
possibilidades de pensar questões de gênero e futsal no âmbito das práticas escolares e para
além dos seus muros.
Para realizar este estudo estive envolvido desde o segundo semestre de 2005, na
condição de aluno especial no Mestrado em Educação. Desde então, realizei leituras que me
aproximaram das teorias pertinentes aos Estudos Culturais, o que possibilitou que eu lançasse
um olhar investigativo e interpretativo sobre as práticas discursivas em relação ao futsal na
contemporaneidade, com vistas a entender algumas questões de gênero nas práticas dessa
modalidade nas aulas de Educação Física. Além disso, debrucei-me sobre textos produzidos
sob a perspectiva dos Estudos Culturais e dos estudos de gênero, e, também, participei de
Seminários, de Encontros e Congressos relacionados a estes campos teóricos e às suas
“maneiras de pesquisar”.
Relevantes foram as leituras e discussões realizadas que me forneceram suporte
teórico para a realização desta pesquisa. Sob a perspectiva de gênero, destaco algumas
estudiosas e estudiosos que contribuem para esta dissertação: Scott, 1995; Bourdieu, 1995;
Louro, 1995 e 1997; Fraga, 2000 e 2005; Felipe, 1998; Meyer, 2003 e 2007; Goellner, 2000,
2001, 2003, 2004 e 2007. sob a ótica dos Estudos Culturais, lancei mão, entre outros, de
autoras e autores como Hall, 1998; Silva, 1994, 1996, 1999 e 2000; Costa, 2003 e 2004;
Kellner, 1995 e 2001; Veiga-Neto, 2002 e 2004. Os estudos de gênero, entre eles Fraga
(2000), apontam que devemos discutir as relações de poder que se estabelecem entre homens
18
e mulheres, para nos contrapormos à concepção de que nelas uma motivação de uma
essência biológica. Tal ideia de essência constrói como natural, por exemplo, o discurso de
que os homens são mais fortes do que as mulheres, de que isto é natural, universal e imutável.
É preciso, pois, pensar como estão sendo construídas estas relações nas mais diversas
instâncias sociais. Nesta pesquisa, a escola e não somente ela, ou nela é entendida como
uma dessas instâncias que têm um papel de grande relevância na construção e, por que não, na
perpetuação de valores. Em especial, conforme diz Louro (1997), as aulas de Educação Física
têm discursos implícitos e explícitos que constituem identidades de gênero, isto é, os esportes
coletivos de contato físico trabalhados nessas aulas, muitas vezes, são reforçadores dos
significados constituídos em torno das diferenças de cunho biológico.
Há, a partir de tal justificativa, uma necessidade de desconstruir aqueles discursos que
se assentam nos argumentos de caráter biológico. Tais discursos entendem que as
propriedades de agilidade, força, resistência não são próprias das meninas e mulheres, de tal
modo que a inserção feminina, sua participação e seu envolvimento nas atividades de jogos
que necessitam destas propriedades, como é o caso do futsal, m sido dificultadas em
consequência de privilégios falocêntricos
8
. Apesar de inúmeras outras possibilidades de
estudos e de análises sob a perspectiva dos Estudos Culturais, gostaria de enfatizar que minha
pretensão através desta pesquisa foi a de contribuir para entender, sob a perspectiva de
gênero, alguns regimes de verdade que estão em circulação entre meninos e meninas nas
práticas de futsal na Educação Física escolar (para além dos muros de uma escola). É preciso
mencionar que a maioria dos estudos e referências que encontrei e que aqui trago para compor
esta dissertação enfatizam a visão de que “somos construídos” social e culturalmente. Porém
com isso não esqueço e não ignoro que há, sim, diferenças biológicas entre alunas e alunos, e
entre atletas. Ou seja, somos híbridos cultural e biologicamente. Enfim, apropriando-me de
algumas palavras de Deleuze (1992), se este estudo conseguir suscitar acontecimentos,
mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novas ideias e conhecimentos,
estimulando e ampliando outras reflexões e novas análises, é provável que tenha “atingido
seus propósitos”.
8
Falocêntrico diz respeito ao falocentrismo, que Silva (2000) define como a tendência a privilegiar as
características e os valores masculinos, em detrimento das características e dos valores femininos.
19
2 ESTÁ COMEÇANDO O JOGO!
2.1 Estudos Culturais
Os deuses, por terem acesso às “coisas mesmas”, não necessitam discutir
os conceitos e abominam as condições babélicas da linguagem. Nós
mortais, porém, mesmo sabendo que a linguagem está sempre “verde”,
sempre a “brotar”, precisamos constantemente entender a respeito do
sentido das palavras. (GONZÁLES e FENSTERSEIFER)
Qualquer equipe (em qualquer modalidade esportiva) que inicie sua participação em
um jogo ou em uma competição com o objetivo de ser bem sucedida, deverá, previamente,
realizar no mínimo uma série de treinamentos. Para poder iniciar esta dissertação, os meus
“treinamentos prévios” foram as leituras que fiz
9
na perspectiva dos Estudos Culturais, ou
seja: para poder realizar uma boa competição”, com propósitos de “classificar-me para as
finais”, dediquei-me intensamente às leituras nessa perspectiva. Assim, neste “primeiro tempo
do jogo”, pretendo trazer alguns entendimentos que construí a partir das leituras realizadas, as
quais julgo terem sido muito importantes para a elaboração desta dissertação. Além disso, tais
leituras me possibilitaram enxergar os acontecimentos escolares e extraescolares (para além
dos muros da escola) relacionados ao futsal de uma maneira “bem diferente” daquela com a
qual eu as vinha enxergando. Cenas que antes me pareciam corriqueiras e “banais”, agora
vejo com desconfiança e fico a questionar a naturalidade dos acontecimentos. Isto é, ver TV,
ler jornais ou ver fotos em cartazes e revistas têm sido, com frequência, motivo para “pôr em
prática os ensinamentos”que emergiram do meu envolvimento com os estudos de mestrado.
9
Iniciadas em 2005, quando, na condição de aluno ouvinte, frequentei a disciplina Introdução aos Estudos
Culturais - Seminários III junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do
Brasil. Ao longo dos três anos subsequentes, realizei outras leituras que têm me ajudado a entender e a compor o
“quebra-cabeça” de minha proposta de pesquisa de mestrado.
20
Para ilustrar meus sentimentos em relação ao que pretendo dizer, trago o pensamento
do pesquisador Veiga-Neto (2004), que, ao adotar o termo hipercrítica, afirma:
Deve-se questionar cotidiana e filosoficamente as verdades ditas ou
estabelecidas. Nada deve escapar à hipercrítica de maneira que isto não
implique negação abstrata ou irracional da verdade, mas sim que aconteça a
problematização constante, o que possibilita novos arranjos e novas práticas
sociais que podem melhorar nossas condições de estar no mundo. (VEIGA-
NETO, 2004, p. 47)
É com este espírito problematizador que, nos últimos semestres olhei para os artefatos
culturais e cenas corriqueiras nos diferentes lugares que transitei, tais como as escolas, a
universidade, os ginásios e os locais públicos, para tentar entender como estão sendo
construídas determinadas verdades em relação ao futsal. A partir da inspiração teórica de
Michel Foucault, é possível dizer que “a verdade” ou “as verdades” são desse mundo, são
constituídas na forma de discursos regidos pelo poder. Os artefatos culturais e as práticas
sociais, como o futsal na escola entre meninos e meninas, as competições esportivas oficiais e
não-oficiais, nos ensinam, são constituídos e constituintes de significados que criam e
compõem a realidade. Ao interpretar os discursos, como ensina Veiga-Neto (2002), o que
importa não é saber se existe ou não uma realidade real que eles estariam retratando, mas,
sim, saber como está sendo pensada essa realidade.
No caso desta dissertação, me interessa publicar o que entendi em relação às falas de
alunas e alunos no ambiente de uma escola no decorrer das atividades de Educação Física,
especificamente através das práticas de futsal sob a perspectiva de gênero. Na mesma
perspectiva, antes de sistematizar, isto é, de elaborar questões e preparar uma estratégia de
abordagem dos discentes de uma escola, efetuei buscas de materiais (fotos, textos, imagens)
em jornais, revistas e cartazes para realizar análises dos discursos que circularam
representando mulheres praticantes de esportes, em especial a modalidade de futsal. Procedi
assim porque penso que tais formas de representação se articulam com algumas das falas e
discursos emitidos pelos discentes estudados em relação às práticas de futsal na escola.
Ao considerar a amplitude de possibilidades que os Estudos Culturais têm
proporcionado para pensar, questionar e problematizar discursos nos mais variados “lugares”
na contemporaneidade, torna-se relevante destacar a produtividade desse campo para a
realização de pesquisas na área da educação. A partir desse campo, conceitos e entendimentos
na área da educação podem ser abordados no sentido do que diz a estudiosa Costa (2005):
21
As “lentes” dos Estudos Culturais parece que vêm possibilitando entender de
forma diferente, mais ampla, mais complexa e plurifacetada a própria
educação, os sujeitos que ela envolve, as fronteiras. De certa maneira,
poderia dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem uma
ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que
questões como cultura, identidade, discurso e política da representação
passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica.
(COSTA, 2005, p. 112)
Desse modo, muitas e infinitas questões podem ser levantadas na área da educação e
da Educação Física escolar. Significados produzidos e articulados nas relações com a raça, a
etnia, as classes sociais, o gênero etc., podem e merecem ser investigados. Isto é, os
discursos que narram as identidades acabam por contribuir na composição de determinados
regimes de verdade que são tomados como naturais e estruturam as relações sociais. No caso
deste estudo, pode-se dizer que os significados de gênero relacionados ao futsal na Educação
Física escolar, para além dos muros da escola na contemporaneidade, resultam de um amplo e
complexo processo social. Além disso, cabe ressaltar que cada época tem certas matrizes e
modelos hegemônicos de verdade que operam através de discursos que “dominam” o senso
comum. Ou, conforme as palavras de Foucault:
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade:
isto é, os tipos de discursos que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras
e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado. (FOUCAULT,
1993e, p. 12)
É neste sentido que penso as questões de gênero. Busquei problematizá-las e e analisá-
las, a partir dos discursos de alunas e alunas em uma escola pública do município de Canoas,
Rio Grande do Sul, em relação a atividades de Educação Física, para entender os regimes de
verdade que circulam naquele e em outros locais.
Nesta pesquisa é central, portanto, o entendimento de artefatos culturais
10
, advindo do
campo dos Estudos Culturais, uma vez que me debruço sobre estes artefatos para entender
como têm sido produzidas narrativas e verdades sobre ser homem e ser mulher na relação com
10
Artefatos culturais são objetos e entidades que adquirem significações específicas dentro de práticas culturais
dadas.
22
a prática do futsal. Assim, os discursos que estão imbricados nas fotos e nas ilustrações dos
livros sobre futsal (um dos artefatos que analisei) parece que vêm ensinando que esta
modalidade esportiva é somente para eles e não para elas. Comerciais que versam sobre
futsal, veiculados em jornais, revistas e TV, e que m o predomínio da presença masculina
podem ser entendidos, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais, como contendo
pedagogias culturais que colaboram para formar opiniões e produzir determinados modos de
ser sujeito. Pode-se dizer, assim, que os sujeitos, ao terem acesso a tais artefatos da cultura, o
que muitas vezes acontece de modo repetitivo (ver várias vezes a mesma imagem, ler a
mesma notícia, assistir ao mesmo comercial) estão sujeitos a instâncias pedagógicas que
ensinam por meio de diversas estratégias de subjetivação. Como afirmam Costa, Silveira e
Sommer (2003), somos constantemente educados por imagens, filmes, textos, pelas
propagandas, pelas charges, pelos jornais e pela televisão. A partir desse entendimento, outros
espaços, além da escola, são mencionados como lugares onde o saber e o poder são
difundidos. A mídia jornalística e televisiva, as peças publicitárias, os filmes, os desenhos
animados e os seriados de TV são espaços de aprendizagem e os Estudos Culturais têm se
ocupado em esquadrinhar os ensinamentos que circulam nesses artefatos. Além disso, a
importância que a mídia assumiu na vida social e cotidiana nos últimos anos tornou-se de tal
modo uma preocupação que este fato colaborou para a ampliação substantiva das noções de
educação e pedagogia.
Neste sentido, Fischer (1997) aponta que, para que os artefatos midiáticos funcionem
com eficácia, estudos de mercado e de contextos são prévia e constantemente realizados. A
partir desses estudos, estratégias de endereçamento
11
são traçadas. Em síntese, pode-se
entender que os diferentes meios e produtos de comunicação e informação assumem uma
função nitidamente pedagógica na medida em que produzem saberes e formas especializadas
de comunicar e produzir sujeitos sociais. Cada vez mais professores e professoras, alunos e
alunas, estão sujeitos aos mais variados textos midiáticos (imagens, músicas, novelas, jogos e
comerciais de esportes), os quais têm operado na composição de identidades e na subjetivação
das pessoas. Penso, então, que é necessário que alguns dos possíveis “efeitos” desses textos
sejam conhecidos por docentes para que consigam entender e trabalhar com seus discentes e
11
Conforme Silva (2000), “tradução do inglês mode of address, é utilizado na literatura anglo-saxônica de
semiótica do cinema para se referir à relação entre o “sujeito” que supostamente é a fonte de um texto - o
‘endereçador’ - e o ‘sujeito’ que supostamente é o seu destinatário - o endereçado” (p. 80).
23
também lidar com os problemas e as expectativas oriundas de pais, mães e da sociedade em
geral.
Torna-se cada vez mais pertinente, para o campo da educação, o entendimento de que
os sujeitos constroem suas identidades também por meio das relações que estabelecem com os
discursos midiáticos regidos pelos interesses de grandes empresas. Para Hall (1998), ao invés
de identidades fixas, estáveis, estamos vivendo, na s-modernidade, constantemente,
possibilidades de identidades cambiantes, instáveis e temporárias. para Louro (2000),
algumas identidades são representadas como “normais”, básicas e hegemônicas e é em
contraste com essas que as outras identidades são avaliadas. A autora entende que uma
identidade é sempre, necessariamente, definida em relação a outra, depende de outra, ou seja,
na afirmação da identidade inscreve-se a diferença. Para a autora há um discurso de que existe
no Brasil (e no Ocidente, de maneira geral) uma “pluralidade cultural”, mas, mesmo assim,
opera-se explícita ou implicitamente através de uma identidade referência: homem branco,
heterossexual, de classe média urbana e cristã. Dentro desse quadro, entende-se que as
identidades de gênero também são construções que precisam ser compreendidas social,
cultural e historicamente. De modo que lançar um olhar investigativo sobre a Educação Física
escolar e os discursos que estão em circulação na contemporaneidade sobre a prática do futsal
pode colaborar para o entendimento de como têm sido produzidas as identidades de gênero
nestes locais.
Por meio das leituras que realizei, entendi que discursos não estão apenas nos textos
falados e escritos, mas, também, nas imagens da TV, fotos em jornais, encartes, revistas etc.,
materiais sobre os quais lancei um olhar inquiridor para realizar análises sob a perspectiva de
gênero. Valho-me, assim, do pensamento de Foucault, conforme demonstra Silva (2000) O
discurso não descreve simplesmente objetos que lhe são exteriores: o discurso “fabrica” os
objetos sobre os quais fala”. (FOUCAULT, apud SILVA, p. 43).
As análises culturais que levam em consideração esse entendimento de discurso de
Foucault e de outros pensadores contemporâneos permitem examinar como têm acontecido as
relações sociais em contextos educacionais, de labor, de esporte, de atividades artísticas, de
lazer, entre outros. A ênfase das análises, desse modo, não se em questões estéticas ou
humanísticas, mas, especialmente, em seu caráter político. Esse tipo de estudos, conforme diz
Costa (2004), funciona no sentido de mostrar como alguns dispositivos e práticas culturais se
24
constituem e como operam na conformação de nossas concepções de mundo e sobre as
formas como agimos.
De modo geral, expressões como “o futsal é esporte para meninos”, “as meninas
devem jogar outro esporte”, entre outras falas que com frequência são proferidas por alunas e
alunos ao argumentarem sobre o que pensam sobre o futsal na escola (e também fora),
parecem tão naturais que, em muitas ocasiões, não são questionadas, não nenhuma
resistência a tais asserções. Ou seja, são tomadas como “expressões conhecidas e
populares” e inquestionáveis. Porém, através de um olhar “diferenciado”, pensado a partir de
contribuições teóricas de Foucault e, ao articulá-las com as perspectivas de análises de gênero,
elas permitiram que eu entendesse os regimes de verdade e, nesse sentido, tivesse despertado
para problematizações em torno dos discursos em circulação sobre o futsal. Logo, nas minhas
práticas de ensino desta modalidade, diante de alunas e alunos no ensino fundamental e no
ensino superior, tenho promovido debates enfatizando o caráter de construção que se
mediatizado por relações de poder.
Foucault, ao afirmar que devemos superar os medos em relação aos discursos vigentes
(logofobia), em relação aos jogos de enunciados que circulam como verdades, observa que
devemos analisar os discursos em suas condições de produção. O autor afirma:
É preciso, creio, optar por três decisões às quais nosso pensamento resiste
um pouco, hoje em dia, e que correspondem aos três grupos de funções que
acabo de evocar: questionar nossa vontade de verdade; restituir ao discurso
seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do significante.
(FOUCAULT, 2002, p. 51)
Pelo exposto acima, é possível entender que as sociedades se organizam por meio do
estabelecimento e circulação de discursos e que certos significados são fixados e, por
consequência, acabam circulando sob a ótica do “senso comum” como regimes de verdade.
Nesse sentido, vários conceitos e valores que estão em ação precisam ser postos em
suspensão, isto é, precisam ser questionados, restituídos, conforme ensina Foucault. Em
síntese, é preciso questionar a naturalidade dos discursos evidenciando como eles estão
imbricados em construções advindas dos mais variados lugares na sociedade, uma vez que
essa é uma das condições que possibilita que esses discursos sejam aceitos como verdades.
25
Entre as várias instâncias que têm contribuído intensamente para que a circulação de
ideias e valores “operem como regimes de verdade”, certamente a mídia impressa, digital e
eletrônica tem sido um poderoso instrumento de penetração nos mais distintos lugares das
sociedades. Com o propósito de atingir o máximo de pessoas, as mensagens midiáticas são,
muitas vezes, exaustivamente repetidas e veiculadas durante os horários de maior pico de
audiência para, como diz Kellner (1995), “não contribuir para construir identidades sociais
e vender produtos, mas vender uma visão de mundo, um estilo de vida e um sistema de
valores”. O que percebi, em relação às estratégias de endereçamento utilizadas na divulgação
de produtos como tênis, camisetas e acessórios tecnológicos para a prática de esportes, por
algumas empresas de marketing esportivo, foi uma tendência (poderia dizer, um discurso) que
contempla o gênero masculino. Em consequência disso, parece que se tem constituído uma
“identidade esportiva masculina”, isto é, a ideia de que os esportes são prioritariamente para
homens.
Trago aqui um exemplo de um comercial que foi veiculado diversas vezes pela
televisão aberta durante o ano de 2008. Trata-se de um anúncio de uma marca esportiva
famosa que tinha como objetivo divulgar uma bola e um modelo de tênis para a prática do
futsal. Os personagens: dois meninos, atores que, durante todo o tempo da propaganda,
jogavam futsal. Então, pergunto: como construir identidades femininas como legítimas
praticantes ou atletas de futsal se as mulheres não são representadas na prática desse esporte?
Creio que esse exemplo (e significativa quantidade deles circulando) pode ser articulado
com o entendimento de regime de verdade e de relações de poder pensados por Foucault.
Parece que os modos de representação dos produtos midiáticos têm ensinado,
majoritariamente, que os esportes devem ser praticados por homens jovens, ainda que existam
discursos que enderecem determinados produtos esportivos para mulheres e outras faixas
etárias como crianças e idosos. Pode-se entender, assim, como vem sendo criada esta cultura
de que o futsal é uma modalidade esportiva eminentemente masculina. Em conformidade com
esse raciocínio, e para ilustrá-lo de outra maneira, trago as palavras da estudiosa Louro (1997)
Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, mbolos,
representações e práticas, os sujeitoso se construindo como masculinos e
femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições,
suas formas de ser e de estar no mundo. Essas construções e esses arranjos
são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo,
historicamente, como também transformando-se na articulação com as
histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe [...]. (p.
28)
26
Em minha pesquisa, como já assinalei, percebi a invisibilidade de meninas e mulheres,
na mídia, em relação ao futsal: elas não estão presentes nos comentários esportivos e nem em
propagandas de produtos para a prática do futsal, por exemplo. Se considerarmos que as
estratégias de representação são uma preocupação cada vez mais presente na elaboração dos
anúncios publicitários, parece que ainda são lentas as mudanças em direção à desnaturalização
do futsal como um esporte masculino. Penso que a mídia, eminentemente, continua ensinando
que futsal é somente para os homens. Acredito nesse argumento na medida em que, ao atuar
mais de dez anos em esportes, e na área de Educação Física, tenho percebido que os
efeitos advindos da mídia são significativos e têm produzido verdades que implicam atitudes
e ações nos mais diversos âmbitos. Para explicar esse entendimento lembro: sempre que a
mídia noticia uma nova campeã ou um novo campeão esportivo, em qualquer modalidade,
logo em seguida surgem legiões de praticantes daquela modalidade. São criadas escolas e
escolinhas de determinadas modalidades esportivas de um dia para o outro. Os pais levam
suas filhas e filhos para essas instituições de ensino, constituindo tal fato um exemplo visível
dos efeitos produzidos pelos discursos midiáticos. Como exemplo, menciono três fatos
“concretos” e recentes: o surgimento de várias escolinhas de tênis, por ocasião do sucesso do
tenista Gustavo Kuerten; o surgimento de escolinhas de ginástica olímpica, por ocasião das
conquistas da atleta Daiane dos Santos e, finalmente, quando o judoca João Derly conquistou
os mundiais de judô, o surgimento de outras tantas opções de estabelecimentos de ensino
desse esporte surgiram. Acredito que estes são poderes que tem a mídia para influenciar
naquilo que circula socialmente e sua ação tem se dado de modo capilarizado, atingindo sutil
e estrategicamente a todos os níveis, classes sociais e gêneros.
Ainda sobre os feitos e efeitos dos arranjos midiáticos, trago um exemplo que está em
evidência pelo menos nos últimos quatro ou cinco anos. Trata-se do uso hegemônico da
imagem do jogador Falcão
12
para vender os mais variados produtos
13.
Levando-se em
consideração a predominância de tal representação pode-se perguntar: quais os entendimentos
de gênero e futsal que estão em jogo?” Será que esta hegemônica representatividade
masculina não estará contribuindo para reforçar que o futsal é um esporte indicado apenas
para homens? Parece que esses discursos, práticas e símbolos integram um saber social,
chegando também às aulas de Educação Física moldando comportamentos de meninas e
meninos ao praticarem as atividades e jogos de futsal.
12
Atleta da Seleção Brasileira de Futsal que foi eleito em 2004 e 2008 como o melhor jogador do mundo dessa
modalidade esportiva.
13
A mídia tem usado a sua imagem e o seu sucesso para anunciar produtos como: roupas, materiais esportivos,
banco para o repouso durante os jogos etc.
27
Por outro lado tenho observado algumas fissuras que rompem com a hegemonia
masculina no futsal, apesar da longa história de obstáculos ao envolvimento feminino. Trago
como exemplo a realização de competições e torneios em escolas, clubes e prefeituras que
tem incrementado e estimulado as disputas entre meninas. No Brasil, há competições oficiais
14
de futsal feminino entre clubes, entre seleções estaduais e campeonatos brasileiros.
Trago estes exemplos e concordo com Louro (1997), quando ela afirma que os
arranjos discursivos são transitórios, temporários e, dessa maneira, sua influência também
pode ser transitória. Assim, estamos em constantes movimentos de construção, uns mais
intensos, outros mais sutis, de nossas identidades.
Apesar do meu interesse nesta pesquisa direcionar-se a analisar as questões de gênero
entre meninos e meninas na Educação Física escolar e, além disso, mostrar como o futsal está
sendo narrado na mídia, nas leis, na contemporaneidade, não posso deixar de ficar atento ao
fato de que os esportes, em suas mais variadas modalidades e versões, têm sido um fenômeno
social de grandes proporções e de abrangência significativa na atualidade. Os esportes
envolvem a vida de milhões de pessoas nas mais diferentes sociedades de maneira direta ou
indireta, de modo que talvez seja possível dizer que não exista alguma sociedade que escape
de tal fenômeno
15
, caracterizando-se como um fenômeno globalizado. Na contemporaneidade,
os esportes são praticados por pessoas das mais variadas faixas etárias, etnias, portadores de
necessidades especiais, classes sociais e gênero. Dada essa abrangência, quando se pretende
realizar análises discursivas relacionadas aos esportes torna-se difícil nos determos apenas em
uma modalidade, uma categoria ou uma classe. Abordagens interessantes em relação aos
esportes têm sido realizadas para discutir enfoques específicos, como temas educacionais,
biológicos e políticos e suas implicações sociais. Nesse sentido, não dúvida de que,
principalmente nos últimos 100 anos, o desporto
16
se tornou um dos fenômenos mais
14
O Brasil é o primeiro país a possuir uma Liga Nacional de Futsal Feminina. Há, também, competições entre
Seleções Estaduais que acontecem a cada dois anos (como nas competições masculinas). Disponível em:
http//:www.cbfs.com.br. Acesso em: 17 out. 2008.
15
Exemplos são os eventos mundiais, os Jogos Pan-americanos, Europeus, a Copa do Mundo de Futebol, os
Jogos Olímpicos, o Campeonato Mundial de Futsal entre outros, quando as nações participam tentando obter
vagas em eliminatórias para que consigam representar as suas sociedades.
16
A palavra desporto está sendo entendida, neste texto, como sinônimo de esporte. Conforme Tubino (1994), a
partir do uso do termo desporto pelos portugueses, o Brasil, a partir da primeira lei do esporte (Decreto-Lei
3199, de 1941), optou por tal termo, que vem se mantendo nos textos legais, inclusive na Constituição de 1988,
no artigo 217. Entretanto, nos demais cenários, o termo esporte é o mais adotado, inclusive relacionando-o a uma
ciência do esporte. Por isso, nesta pesquisa estou adotando o termo esporte.
28
significativos do nosso tempo que, direta ou indiretamente está presente na vida de pessoas
mulheres e homens – em todos os lugares.
Em decorrência da sua presença nas sociedades contemporâneas, os esportes, entre
eles o futsal, constituem-se em poderosos e fundamentais meios de atração de pessoas para
eventos, de divulgação e promoção de produtos da mais variada natureza, ampliando, assim, a
possibilidade de ganhos econômicos, sociais e educacionais. Usar o esporte para subjetivar e
educar as pessoas, para livrá-las dos “perigos” das drogas, nos diversos contextos sociais,
utilizando estratégias diversas, associadas com cuidados com a saúde, a estética, a busca de
prazer e a realização de desejos, tem sido uma constante; porém, muitas vezes, essas
estratégias têm passado despercebidas por olhares menos atentos, menos meticulosos e menos
desconfiados. Isso porque, conforme Coli (2006)
Nosso universo visual é, por assim dizer, sintetizador: o impacto dos cartazes
publicitários, o sentido único e indiscutível dos sinais de trânsito, a
solicitação frenética das imagens da televisão exigem uma leitura rápida:
somos treinados para aprender, de um só golpe, o sentido de cada mensagem
enviada. Perdemos o hábito do olhar que analisa, perscruta, observa. (COLI,
2006, p. 122)
Penso que, também em relação aos esportes, somos habituados a realizar de uma
forma superficial a leitura de textos e mensagens sobre os mesmos. Não estamos acostumados
a lançar um olhar investigativo e interpretativo sobre o que nos chega. É por este e outros
motivos que, neste trabalho, pretendo analisar os discursos de alunas e de alunos envolvidos
nas práticas de futsal na Educação Física escolar sob uma perspectiva de gênero articulando-
as a algumas análises feitas em imagens de jornais, revistas e livros didáticos sobre esta
modalidade esportiva. Busco, assim, distanciar o entendimento desse esporte apenas como um
evento prático de jogo, e, conforme Paim (2004), aproximando o seu entendimento a um dos
pilares organizadores das relações sociais, isto é, como um instrumento de significações.
Essa compreensão está diretamente relacionada à ideia de Goellner (2004), que, ao
pensar o esporte como um fenômeno social de visibilidade fabulosa, entende-o como histórico
e como constitutivo de valores de cada época e em cada espaço social. É nesse sentido que, no
cenário escolar, os esportes são tidos como excelentes meios adotados por professores de
Educação Física para trabalhar e desenvolver, entre outros conteúdos, a socialização, a
afetividade, as questões disciplinares, emocionais, as habilidades motoras, a consciência
corporal, entre outras questões. É importante assinalar que o ano de 2009, no Brasil, foi eleito
29
pelo Sistema Confef/Crefs
17
como o “Ano da Educação Física Escolar”, que o entende como
componente curricular obrigatório da educação básica, cujo objetivo, entre outros, seria o de
contribuir na formação geral dos estudantes mediante o ensino de conceitos, princípios,
valores, atitudes e conhecimentos nas dimensões biodinâmicas, comportamentais e sócio-
culturais.
Portanto, por meio de uma análise mais apurada, é possível perceber uma infinidade
de efeitos atribuídos aos modos de trabalhar com os esportes nas aulas de Educação Física. As
relações de poder são complexas e perpassam os mais variados lugares sociais, incluindo as
aulas de Educação Física, produzindo determinados comportamentos relativos a gênero,
religião, profissão, classe social, nacionalidade, etc. Ao buscar os discursos e argumentos
trazidos por alunas e alunos envolvidos nessas práticas de ensino do esporte futsal, espero
mostrar como ocorrem alguns dos possíveis efeitos advindos das mais variadas instâncias e
artefatos culturais TV, rádio, jornais, revistas, a mídia de modo mais amplo. Em síntese,
como escreve o pensador francês, Michel Foucault (1988), nada escapa das relações de poder.
Para ele, os corpos são lugares privilegiados de ação do poder e do controle social, trazendo
marcas impressas da cultura e não da natureza.
Nesta dissertação, pois, socializo, isto é, trago a público, um recorte da complexa
construção das relações entre gênero e a prática de futsal nos mais variados lugares sociais e,
em especial, a interpretação de falas, ações e discursos sobre o futsal de meninos e meninas de
uma escola de ensino fundamental da cidade de Canoas. Procuro, desta maneira, através de
um olhar que desnaturaliza, que estranha os comportamentos “normais” em relação ao futsal,
trazer outras possibilidades de entendimento desse fenômeno social e, assim, quiçá, criar
expectativas de novas investigações, novos olhares, quem sabe, com novas questões que
possam abalar concepções cristalizadas. Através das problematizações que realizei neste
estudo sob a perspectiva de gênero gostaria de contribuir no sentido de mostrar como os
regimes de verdade aconteceram na Educação Física escolar, para além dos seus muros, em
torno e através do conteúdo de futsal entre meninas e meninos. Ressalto que não tive e não
tenho a pretensão de definir, concluir ou trazer uma verdade definitiva. Entendo e reconheço,
assim, que outras abordagens podem trazer à luz outras interpretações e entendimentos.
Conforme Silva (1994), a natureza opressiva ou libertadora de um discurso não pode ser
determinada teoricamente, deve ser investigada historicamente, em cada caso específico. E,
17
Sistema Confef/Crefs trata-se do Conselho Federal de Educação Física e dos Conselhos Regionais de
Educação Física. Órgãos instituídos a partir da Lei 9.696/98 para regular e fiscalizar o exercício profissional da
Educação Física no Brasil. Site www.confef.org.br
30
como as relações de poder são onipresentes, não se trata de identificar sua fonte, mas deve-se
tentar demonstrar como elas acontecem.
2.2 Iniciando Discussões de Gênero
Gênero é uma influência tão persuasiva na
sociedade que é muito difícil apontar sua dimensão.
Gill
A escolha por estudar as questões de gênero nas práticas do futsal é uma opção que foi
construída, conforme explicitado anteriormente, ao longo das minhas experiências
profissionais e acadêmicas. Some-se, ainda, o fato de que me envolvi em um Mestrado da
área de Saúde Coletiva, no ano de 2004, e este acontecimento trouxe-me um
“amadurecimento” no sentido de que pude refletir e entender que, para se desenvolver uma
pesquisa, é muito importante gostar da temática que se irá pesquisar. Assim, a opção pelo
tema relaciona-se tanto à minha “missão” enquanto professor de Educação Física que atua
com meninas, meninos, mulheres e homens nas áreas do ensino fundamental, médio e
universitário, quanto à esfera de realização pessoal. Este é o contexto a que faço referências
neste “começo do jogo”.
Ao buscar e fazer leituras de produções realizadas sobre a temática gênero, pude
perceber que uma quantidade significativa de publicações e autores que se dedicam a
estudos da área e, ainda, que estudiosas e estudiosos
18
que estão engajados nestas
investigações são oriundos de diferentes áreas tais como: biologia, antropologia, educação,
educação física, medicina, história, psicologia, ciências sociais etc. Pude perceber que em
muitos artigos, pesquisas, dissertações, teses e monografias, a abordagem e exploração de
temas como sexualidade, etnia, religião, classes sociais, escola, música, TV, mídia e educação
em sua conexão com questões de gênero, havia uma identificação com a ótica dos Estudos
Culturais.
18
Apesar de, neste estudo estarem sendo abordadas questões de nero, optarei a partir deste momento pelo uso,
na escrita, da expressão genérica “o”, englobando tanto o masculino quanto o feminino (a eles e elas).
31
Creio ser relevante (talvez ilustrativo ou “pedagógico”) realizar uma aproximação com
algumas teorias que abordam o entendimento acerca “da origem” dos estudos sobre gênero e
deixar nítida a maneira como entendi este campo de estudo. Para tanto, considero a afirmação
feita por Butler em uma entrevista a Prins e Meijer (2002) de que os discursos “habitam
corpos”, “eles se acomodam em corpos” ou, ainda mais contundentemente, “os corpos, na
verdade, carregam discursos como parte de seu próprio sangue”. Para essa autora, nós somos
o discurso feito carne. Portanto, parece prudente pensar que as representações são construídas
discursivamente, inscritas nos corpos e se expressam através deles. Isto implica pensar que
tanto o gênero quanto o corpo são produzidos histórica e culturalmente e estão sujeitos a
transformações. Com este mesmo raciocínio, mas com outras palavras, Sabat (1999) afirma
que é principalmente no corpo que se inscrevem as marcas da cultura e as distinções sociais,
raciais e de gênero.
Entre os autores que têm se ocupado em discutir questões de gênero, olhando para
aspectos históricos, situa-se Laqueur (2001). Creio ser apropriado refletir sobre o teor de sua
obra Inventando o Sexo corpo e gênero dos gregos a Freud. Nela, o autor analisa gênero e
sexo a partir dos “períodos gregos” até o século XVIII, e afirma ter havido uma mudança
significativa em torno do que se entende em relação ao corpo. Louro (2004), ao se referir à
obra de Laqueur, aponta para a existência do corpo masculino como referência e do corpo
feminino como desviante; assim, “entendia-se que os corpos de mulheres e de homens
diferiam em ‘graus’ de perfeição” (p.77). Conforme Costa (1995), nos séculos XIX e começo
do XX, sob a ótica biológica e médica, as diferenças foram ampliadas. Ou seja, o corpo
feminino era visto como inferior, pois não teria o mesmo “calor vital” para atingir a perfeição
dos homens. Conforme podemos perceber, a partir do exposto até aqui, o entendimento de
gênero como uma construção social do sexo dos sujeitos é uma proposta relativamente
recente. Assim, para se chegar a entender o “surgimento” (ou invenção) do conceito de
gênero, é preciso considerar toda uma história de conquistas frente às submissões construídas
ao longo da história humana em relação às mulheres.
O que se entende por gênero, aqui, é uma categoria de análise oriunda das conquistas
nascidas dos movimentos feministas que pretendiam pôr abaixo as condições e normas que
resultavam em sufocamento e restrições dos papéis e atividades reservadas às mulheres na
sociedade. Essas ações, no contexto das ciências humanas e sociais, como empreendimentos
intelectuais, foram denominadas de Estudos Feministas, que Louro (1997) identifica como
32
decorrência de um movimento social organizado e iniciado no Ocidente no século XIX. os
movimentos feministas nasceram com o propósito de militar em prol de melhores condições
sociais para as mulheres, efetuando críticas em relação aos vieses sexistas do saber e de sua
pretensa neutralidade. Tinham (ainda têm) como principais intenções anular e refutar os
modelos teóricos dominantes que pensavam e determinavam os papéis e a vida das mulheres.
Colocavam e colocam em questão a posição das mulheres na história, a qual, durante muitos
séculos, foi registrada por “vozes” masculinas que impunham valores sexistas. Esse raciocínio
denominado de ordenamento masculino pode ser exemplificado pelo trecho de Rousseau
(1995), em sua obra Emílio ou Da Educação:
Toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradar-lhes,
ser-lhes úteis, fazer-se amar e honrar por eles, educá-los quando jovens,
cuidar deles quando adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida
agradável e doce, eis os deveres das mulheres em todos os tempos.
(ROUSSEAU, 1995, p. 502)
A emergência da história das mulheres como um campo de estudos contestou não
apenas os limites da história em relação à presença e ao protagonismo feminino, mas, como
menciona Scott (1995), acompanhou também as campanhas feministas para melhorias nas
condições profissionais, de igualdade e de direitos. Ao mesmo tempo, as feministas
engajaram-se em movimentos intelectuais com o objetivo, entre outros, de tentar escapar das
inúmeras exclusões impostas, como na literatura e na escrita androcêntrica, e almejavam
conquistar, de forma democrática, as transformações das instituições sociais. Para Descarries
(1994), os Estudos Feministas caracterizam-se como um campo multidisciplinar de
conhecimentos, não sendo unicamente centrado nas mulheres, nem constituindo uma corrente
homogênea. Tais estudos, segundo a autora, fazem uso de variados instrumentos e métodos
para analisar as questões de gênero, que configuram relações sociais hierarquizadas e
divididas socialmente.
Ao apontar o caráter de intervenção social dos Estudos Feministas, Louro (1997)
localiza o surgimento” de tais estudos a partir da segunda metade do século XIX, no
Ocidente. Essa autora nos mostra que tais estudos advêm de pelo menos dois grandes
movimentos. O primeiro deles foi denominado sufragismo
19
e também foi identificado como
“a primeira onda”. Tal movimento, apesar de ter ocorrido em vários países, teve uma relativa
19
Movimento que se caracterizou pela reivindicação do direito da mulher a votar.
33
acomodação, isto é, perdeu sua força política na contemporaneidade, também em função de
perder sua principal bandeira de lutas. No Brasil, como indica Meyer (2007), o movimento da
“primeira onda” iniciou praticamente com a Proclamação da República, em 1890, e acabou
quando o direito ao voto foi estendido às mulheres brasileiras na constituição de 1934.
Somada a essa reivindicação, as mulheres brancas de classe média reclamavam, também, a
possibilidade de estudos, de organizações da família, de acesso a algumas profissões. As
mulheres, após manifestações contrárias a algumas formas de pressão impostas pela sociedade
machista (que tinha direitos trabalhistas e sociais), passaram a obter, mesmo que de maneira
incipiente, direitos que antes não possuíam.
O segundo movimento que colaborou no surgimento dos Estudos Feministas,
denominado de “segunda onda”, intensificou-se no final da década de 1960, principalmente
através das manifestações que se somavam a movimentos de oposição ao regime militar em
alguns países da Europa e da América do Sul e reivindicavam a legitimidade na produção do
conhecimento. Isto é, as feministas não desejavam apenas denunciar, mas especialmente,
compreender e explicar as condições sociais e a invisibilidade política que eram impostas
historicamente às mulheres. Apesar de serem bastante remotas tais reivindicações no
mundo ocidental (mais de cem anos), advindas de mulheres camponesas que buscavam
assegurar condições dignas de trabalho nos mais variados lugares lavouras, oficinas de
manufaturas, em fábricas –, foi o movimento da “segunda onda” que colaborou para a
ampliação de investigações e estudos sobre as mulheres nos mais variados contextos. O
estudo do “trabalho das mulheres”, por exemplo, contribuiu significativamente para colocar as
mulheres, os seus interesses, as suas necessidades e dificuldades em discussão. Para Louro
(1997), a “segunda onda” é um dos momentos mais significativos e marcantes dos Estudos
Feministas, uma vez que, a partir de ações políticas, passou-se a problematizar questões como
objetividade e neutralidade, distanciamento e isenção, que acabaram por se constituir em
condições indispensáveis para o fazer acadêmico. Passaram a ser problematizados,
subvertidos e transgredidos muitos temas que até então não eram questionados.
Entre as décadas de 1960 e 1970, trabalhos e estudos foram produzidos a partir de
informações e dados coletados sobre as condições de vida das mulheres. Surgiram mais
denúncias de opressão nas práticas educacionais e de trabalho. Vieram à luz estudos para
mostrar como o sexismo se reproduzia nos textos (até mesmo em livros didáticos) e foram,
também, abordados academicamente assuntos que eram tidos como menos relevantes, tais
34
como questões de família, de sexualidade e de trabalho doméstico. Penso que é possível dizer
que esses estudos foram precursores para que, por exemplo, o esporte futsal e as questões de
gênero fossem considerados como temas legítimos de serem estudados em um programa de
pós-graduação em educação.
Explicações e justificativas que se apoiam em teorias de caráter biológico, religioso ou
de classe social, como se sabe, vinham sendo e ainda são usadas para fundamentar as
diferenças e desigualdades sociais em relação às mulheres. Como alternativa para fazer frente
aos argumentos efetuados a partir dessas teorias, principalmente a biológica, as feministas
passaram a argumentar que:
São os modos pelos quais características femininas e masculinas são
representadas como mais ou menos valorizadas, as formas pelas quais se re-
conhece e se distingue feminino de masculino, aquilo que se torna possível
pensar e dizer sobre mulheres e homens que vão constituir, efetivamente, o
que passa a ser definido e vivido como masculinidade e feminilidade, em
uma dada cultura, em um determinado momento histórico. (MEYER, 2007,
p. 14)
A partir de tal entendimento, estudiosas anglo-saxãs, na década de 1970, começaram a
usar o termo gênero (do inglês gender) para romper com a visão pela qual eram explicadas,
por meio das ciências biológicas e “naturais”, as diferenças entre homens e mulheres. Gênero,
em sentido contestador a essas teorias, é um conceito que surge para postular que as
diferenças e desigualdades entre homens e mulheres ocorrem através de construções sociais e
culturais.
Assim, o conceito de gênero foi pensado, por estudiosas feministas européias e
americanas, dentro de um caráter relacional, pelo qual homens e mulheres são entendidos
como partes integrantes de uma “mesma moeda”. Isto é, falar de gênero é abordar as relações
de poder, as construções sociais, e rejeitar o caráter determinista de ordem biológico. Segundo
Silva (1996), teria sido o biólogo John Money, no ano de 1955, uma das primeiras pessoas a
adotar o conceito de gênero para dar conta dos aspectos sociais.
Scott (1995), ao apontar os mais remotos usos da expressão gênero, observa que as
feministas passaram a conceber a palavra para se referir à organização das relações sociais
35
entre os sexos. A estudiosa chama a atenção para o fato de que o termo gênero, além de
explicitar a ideia de masculino e feminino, permite a possibilidade de fugir do binarismo, pois
em várias línguas indo-européias há uma terceira categoria linguística: o neutro.
Scott (1995), ao definir gênero, o considera em duas partes e em diversos
subconjuntos que estão inter-relacionados e que devem ser analiticamente diferenciados.
O núcleo da definição repousa numa conexão integral entre duas
proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma
forma primária de dar significado às relações de poder. As mudanças na
organização das relações sociais correspondem sempre nas mudanças nas
representações do poder, mas a mudança não é unidirecional. (SCOTT, 1995
p. 86)
A autora ilustra que ser “masculino” ou ser “feminino” é decorrente das relações de
poder nas diversas e diferentes posições e ocupações das pessoas nas sociedades. O termo
gênero é designado para indicar as relações sociais entre os sexos, rejeitando-se
explicitamente explicações biológicas e tem, portanto, caráter de construção cultural, isto é,
parte-se do entendimento de que os significados, como os papéis adequados aos homens e às
mulheres, são criações inteiramente sociais.
Scott (1995), ao abordar os elementos inter-relacionados que definem o gênero,
destaca os símbolos culturalmente disponíveis que são por ele utilizados. Tais símbolos
evocam representações com frequência antagônicas. Maria e Eva, como símbolos de mulher,
são exemplos de mitos de luz e escuridão, purificação e poluição, inocência e corrupção,
sendo que Eva é a pecadora, enquanto que Maria é a submissa, mas ambas, na opinião de Del
Priore (1997), são referências, adequadas e inadequadas, para a conduta das mulheres.
Os conceitos normativos, para Scott (1995), expressam interpretações dos significados
dos símbolos e tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas. Conceitos presentes na
doutrina religiosa, educativa, científica, política ou jurídica tomam a forma típica de oposição
binária, afirmando e fixando, de maneira categórica e inequívoca, os significados sobre ser
homem e ser mulher. Portanto, em minha pesquisa, parece prudente pensar as diferenças
entre homens e mulheres como sendo discursivamente inscritas nos corpos em suas relações
com o esporte futsal. Além disso, torna-se pertinente pensar as questões de gênero e de
36
sexualidade como sendo feitas transformadas histórica e culturalmente. Em outras palavras,
como menciona Louro (1997)
Um outro modo de compreender as identidades sexuais e de gênero implica
mudanças extremamente significativas [...] não como negar que a
disposição de questionar nosso próprio comportamento e nossas próprias
convicções é sempre muito mobilizadora: para que resulte em alguma
transformação, tal disposição precisará ser acompanhada da decisão de
buscar informações, de discutir e trocar ideias, de ouvir aqueles e aquelas
que, histórica e socialmente, foram instituídos como ‘outros’. (LOURO,
1997, quarta capa)
É preciso destruir o caráter de fixidez em relação aos significados sobre ser homem e
ser mulher e desconstruir valores estabelecidos (fixos) em áreas como a educação, o trabalho,
o lazer, os esportes etc. Quanto à subjetividade, deve-se examinar as formas pelas quais as
identidades generificadas são substancialmente construídas. Isto porque, conforme chama a
atenção Butler, apud Prins e Meijer (2002), diversos setores da sociedade vêm realizando
investimentos continuados, reiterativos, repetidos para garantir a coerência, a solidez e a
permanência da norma em relação às identidades de gênero. Tais normas têm sido reiteradas
por instâncias como as famílias, as escolas, as igrejas, as leis, a mídia ou os médicos, com o
propósito de afirmar e reafirmar os critérios que regulam os gêneros e as sexualidades.
Apesar do termo gênero ter seu significado, em certa medida, consolidado, quando
do seu uso em diferentes contextos, é necessário considerar os diferentes momentos históricos
em que ele se insere. Essa consideração é importante ao se ponderar, por exemplo, os
movimentos feministas no Brasil, no final dos anos 1980; isso porque, conforme lembra
Louro (1997), o termo o conceito não pode ser simplesmente transposto para outros
contextos sem que sofra um processo de disputa, de ressignificação e de apropriação
conceitual. Consoante esta autora, apenas recentemente (em relação à época da publicação
deste estudo, 12 anos atrás) nos espaços acadêmicos tinham aparecido estudos relativos às
relações de gênero. A autora menciona, ainda, que estavam sendo realizados esforços, em
várias universidades do Brasil, no sentido de legitimar essa área de estudos e, para tanto, eram
adotadas diferentes abordagens e estratégias. Ao mesmo tempo chama a atenção para o fato
de que, diante de tais esforços, algumas vezes as opções dos estudos realizados são
contraditórias.
37
Louro (1995), ao considerar a relevância das abordagens de gênero que se aproximam
dos estudos pós-estruturalistas, com ênfase na adoção do conceito de poder de Michel
Foucault e dos procedimentos de desconstrução
20
de Jacques Derrida, aponta que esses
estudos são úteis para pensar gênero e suas implicações políticas e pedagógicas.
Em relação às contribuições oriundas de Jacques Derrida, cabe destacar que esse autor
demonstra que, na modernidade, a tendência é de que as pessoas raciocinem dentro de uma
lógica dicotômica. Ao estar e olhar para o mundo pensando dessa maneira, alerta o filósofo,
somos impossibilitados de enxergar a complexidade de uma série de questões. Temos, pois,
dificuldade para problematizar e desconstruir as verdades que comumente apresentam pólos
antagônicos ou opostos, como é o caso das construções sobre o masculino e o feminino nas
sociedades ocidentais. Desconhecemos, assim, que um pólo contém o outro. Isto é, o pólo
masculino contém o feminino, mesmo que reprimido, desviado ou postergado e vice-versa.
Nesse sentido, e ampliando essa ideia, Louro (1997) acrescenta que cada pólo é internamente
fragmentado e dividido, de tal maneira que não existe a mulher, mas várias e diferentes
mulheres que não são idênticas entre si, ou seja, mulheres solidárias, cúmplices ou opositoras.
Michel Foucault é outro autor de significativa relevância para pensar as questões de
gênero, ainda que não as tenhas problematizado diretamente. Ao abordar como as práticas e
discursos constituem as relações sociais, esse filósofo mostra como acontecem as relações de
poder neste contexto, argumentando que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as
lutas ou os sistemas de dominação, mas sim aquilo pelo que se luta, o poder do qual
desejamos nos apossar.
Como uma categoria de análise, gênero é uma possibilidade efetiva de contestar as
construções que foram e continuam sendo produzidas nos mais diferentes lugares sociais.
Nesse sentido, em minha pesquisa de mestrado procurei investigar, pelo menos em parte,
como se dá o processo de naturalização do futsal como sendo uma prática esportiva do âmbito
do masculino. Ao mesmo tempo, também considerei os discursos que estão em circulação na
contemporaneidade e que colocam sob tensão tais noções, tais entendimentos. Busquei ver
como o futsal é narrado na contemporaneidade na perspectiva de gênero, quais representações
de feminilidades e masculinidades são postas em circulação quando se fala de jogo,
analisando narrativas de alunas e alunos sobre as práticas de futsal, articulando-as às análises
20
Conforme Derrida, a desconstrução não significa destruição, mas sim desmontagem, decomposição dos
elementos da escrita. Serve nomeadamente para descobrir partes do texto que estão dissimuladas e que
interditam certas condutas. Referências em DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004
38
feitas em alguns artefatos culturais. Em síntese, ou em uma frase, em um trocadilho, inquieto-
me em pensar: “O que está em jogo, em relação às questões de gênero, quando o assunto é
futsal?” Trata-se, como menciona Louro (1997), de desconfiar da norma, duvidar do natural.
Para fazer isso em relação ao futsal, julguei necessário realizar buscas, obter informações,
colher falas de alunas e alunos para, a partir desses “materiais”, articular conceitos e
entendimentos da perspectiva dos Estudos Culturais e dos Estudos de Gênero para entender o
que está em jogo na constituição do futsal na contemporaneidade.
39
3 PRIMEIRO TEMPO DO JOGO: A CONSTITUIÇÃO DO FUTSAL
COMO DO ÂMBITO DO MASCULINO
3.1 Gênero e Esporte: da Negação ao Direito da Mulher à Prática dos Esportes
esporte, consoante Goellner (2004), é um fenômeno social de enorme visibilidade,
não constituindo fenômeno “a-histórico” que existiria e pairaria sobre os intensos
movimentos que cada sociedade produz. Trata-se de um acontecimento
absolutamente contextualizado, expressando e construindo valores de cada época e espaço
social. Assim, para a autora, o esporte possui uma história, que devemos considerar. A partir
de tal pensamento vejo como pertinente trazer, a seguir, alguns recortes históricos, bem como
algumas reflexões e problematizações trazidas por diversos autores, a partir de uma
perspectiva histórica, para, assim, ilustrar “de onde vêm” os discursos da negação ao direito
da mulher à prática dos esportes.
O
Conforme Gertrud Pfister (2003), o esporte e a ginástica foram inventados nos séculos
XVIII e XIX pelo homem e para o homem. Os homens desenvolveram atividades práticas e
performances esportivas de modo a contemplar suas necessidades e seus ideais. Para esta
autora, ainda nos dias de hoje, o esporte é um mundo masculino, ainda que as mulheres
estejam se fazendo presentes cada vez mais. Nesse mesmo raciocínio está a afirmação de
Dunning (1992), que entende o desporto como sendo tradicionalmente pertencente ao gênero
masculino e uma das mais importantes áreas reservadas aos homens.
Ao que tudo indica, a invenção do esporte moderno sua sistematização e a primeira
institucionalização – teria ocorrido, conforme Bourdieu (1983), na Inglaterra, especificamente
a partir das escolas públicas que transformaram os jogos populares em esportes com regras
em meados do século XIX. Ainda para ele,
40
[...] parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito
tenha se realizado nas grandes escolas reservadas às ‘elites’ da sociedade
burguesa. (BOURDIEU, 1983, p. 138)
Esta é a mesma opinião de Bracht (1997), que compara a velocidade do surgimento do
sistema capitalista ao surgimento e expansão do esporte, acontecimento este que teria se
originado no continente europeu, culminando nos dias de hoje numa expressão hegemônica
no âmbito da cultura.
Naquele período, a presença do gênero feminino no esporte era inexistente, dadas as
características brutais e agressivas com que aconteciam as disputas esportivas, somadas e
reforçadas por valores sexistas e patriarcais daquele período social. A presença masculina
predominante implicava decisões na institucionalização e criação de regras e de futuras
associações esportivas. Tais fatos, de certo modo, colaboraram e se refletem, até os dias de
hoje, no entendimento e na existência do discurso de que o esporte é naturalmente um evento
social mais apropriado para os homens. Apesar de o esporte ter sido sistematizado, na Europa,
entre os séculos XVIII e XIX, a versão para a origem deste termo, conforme Tubino (1994),
remonta ao século XIV, quando os marinheiros usavam as expressões “fazer esporte”,
“despostar-se” ou “sair do porto”. fortes indícios de que a chegada de diversas
modalidades de esportes tenha se dado, no Brasil, através de marinheiros, principalmente nos
portos de cidades litorâneas, incluindo-se entre tais modalidades o futebol.
No contexto brasileiro e dado o fato de que a origem do futsal é decorrente da história
do futebol, isto é, o processo de criação desta nova modalidade tem suas raízes atreladas ao
popular futebol de campo, Goellner (2003b), ao analisar o artigo “Por que a mulher não deve
praticar o futebol” - publicado num dos mais importantes periódicos editados no Brasil entre
os anos de 1932 até 1945, na edição 49 do ano de 1940 - destaca as seguintes ideias presentes
no artigo:
A sublime missão destinada à mulher é a maternidade e toda a sua formação
física, moral e intelectual deve visar a êsse nobre objetivo. (...) O futebol é
um esporte de ação generalizada, porém violento e prejudicial ao organismo
não habituado a êsses grandes esforços. Além disso, o futebol provoca
congestões e traumatismo pélvicos de ação nefasta para órgãos femininos.
Quanto ao desenvolvimento intelectual, facilmente concordaremos que o
futebol não é dos mais eficientes. Portanto não sendo aconselhado por
motivos higiênicos, físicos ou morais, não será pelo reduzidíssimo valor
intelectual que a mulher o praticar. (...) Assim, pelas razões acima
expedidas, que envolvem matéria de ordem técnica é nossa opinião ser o
futebol, para a mulher, anti-higiênico e contrário à natural inclinação da alma
41
feminina. (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 49, 1940, p. 36, apud GOELLNER,
2003b, p.76-77).
Atrelada apenas ao gênero feminino, a preocupação com a reprodução, associada ao
fator saúde, integra uma recomendação que não é feita ao gênero masculino (GOELNNER,
2003b). Este, entre outros argumentos, integrava, naquele período, o discurso que impedia o
envolvimento de mulheres nas práticas corporais esportivas, especificamente relacionado ao
futebol, mas, logo em seguida atingindo, além de outras modalidades ditas violentas, os
demais tipos de futebol, como o de praia e o futebol de salão.
Em decorrência de tais sucedidos históricos, pode-se entender que o futsal faz parte de
um processo de “futebolização”, que culmina e pode ser visualizado nos dias atuais através de
sua regulamentação (a padronização de regras em todo o mundo), com as suas federações e
confederações e, acima de todas, controlando-as, a FIFA. Esta entidade padroniza e chancela
todos os eventos oficiais, assim como faz no futebol, organizando-o em categorias e nos
gêneros masculino e feminino, em todos os continentes.
Na história da humanidade registros visíveis de discriminações
21
raciais, de classe,
de idade e de gênero em várias sociedades e segmentos sociais, o que, na história dos
esportes, também foi e continua sendo visível. Pessoas autorizadas a comentar o desempenho
das mulheres em eventos esportivos têm, em algumas ocasiões, destacado, exclusivamente,
atributos de beleza, de graça e feminilidade, enquanto que os comentários técnicos dos
rendimentos e resultados obtidos são inexistentes ou insignificantes. Esse é um exemplo
apesar de simples de como a mulher é discretamente posta à margem do esporte. Ou seja,
quando se deveria valorizá-la, através de comentários específicos e técnicos em relação ao seu
desempenho, surgem falas sutis (às vezes nem tão sutis) que destacam “outros atributos na
jogada”. Nesse sentido, Moura (2005), ao comentar as muitas transformações em todos os
setores da sociedade, a partir dos anos vinte do século XX, em relação às conquistas das
mulheres, destaca que
[...] a prática esportiva feminina estava ligada ao critério da beleza das
formas, da sutileza dos movimentos, da graça e de uma moda que estivesse
ligada com uma estética compatível, dada pelas normas e valores sociais.
(MOURA, 2005, p. 135)
21
Utilizo o termo “discriminação” no significado de estabelecimento de diferença, de apartar, de segregar, isto é,
no sentido de pôr à margem, marginalizar.
42
Diversas conferências
22
, congressos e discussões em eventos internacionais têm sido
realizados nas últimas décadas para pôr em debate a situação das mulheres nos esportes. Em
decorrências de tais eventos, uma significativa quantidade de protocolos e documentos
23
que abordam a efetiva participação das mulheres nos esportes mediante o estabelecimento de
direitos equivalentes tanto no contexto de lazer quanto em contextos escolares e do esporte,
em competições de alto rendimento técnico. Apesar da notória visibilidade que as mulheres
obtiveram no século XX, em relação à sua participação em diferentes modalidades esportivas
e na sociedade em geral, esportes em que as restrições sobre a sua participação e a
consequente discriminação são evidentes. Esse é o caso, por exemplo, do futsal. Um quadro
histórico crônico foi construído em torno do argumento de que mulher não deveria jogar
futsal para não colocar em risco a sua capacidade de reprodução e a sua feminilidade. Por
mais paradoxal que possa parecer, essa construção vem, na última década, prejudicando os
homens.
No decorrer deste capítulo procurarei desenvolver essa questão, entre outras: a da
condição paradoxal anteriormente apresentada. Meu objetivo aqui não é o de simplesmente
trazer dados históricos, mas apontar algumas contribuições de estudiosos que se interessam
por questões de gênero e “história das mulheres nos esportes” para poder entender as
condições e os discursos sobre o futsal na contemporaneidade. Para essa pesquisa coletei
materiais empíricos recentes, em revistas esportivas, jornais e livros didáticos de futsal,
porque é nos últimos anos que a organização de competições e alguns torneios envolvendo
mulheres no futsal vem ocorrendo mais significativamente do que em qualquer outro período
da história.
Em Gênero e Mulheres no Esporte: História das Mulheres nos Jogos Olímpicos
Modernos, Devide (2005) argumenta que o francês Pierre de Coubertin, responsável por
apresentar a renovação dos Jogos Olímpicos (sucedidos em Atenas no ano de 1896), com base
na crença de que as “leis naturais” impunham às mulheres apenas as responsabilidades de
reprodução, negou-lhes o reconhecimento dos atributos intelectuais e físicos para os moldes
22
Conferências Mundiais das Organizações Unidas (ONU) sobre/para as mulheres; Conferências Internacionais
Mulheres e Desporto; Congresso Pan-americano de Educação Física e Recreação para a Mulher; Conferência
Árabe sobre Mulheres e Desporto.
23
Em 1976, a Carta Européia do Desporto para Todos; em 1978, a Carta Internacional da Educação Física e do
Desporto; em 1981, no Conselho Europeu, foi elaborada a resolução sobre a maior participação das mulheres no
desporto; em 1987, a União Européia, elabora a Resolução do Parlamento Europeu sobre a Mulher e o Desporto;
em 1984, a Declaração de Brighton; em 1996, a Declaração e plataforma de ação de Pequim; em 1996, a
Resolução da primeira Conferência Mundial do Comitê Olímpico Internacional sobre Mulheres e Desporto etc.
43
dos Jogos Olímpicos Antigos (776 a.C. até 393 d.C.). Às mulheres possibilitava-se apenas o
papel de torcedoras para que pudessem assistir e aplaudir as vitórias dos homens.
Ao argumentar em favor da opção de não permitir a entrada das mulheres como
competidoras em nenhuma modalidade esportiva, Coubertin publicou um artigo, trazendo
questionamentos, na Revista Olímpica no mês de julho de 1912, conforme segue:
É possível oferecer às mulheres acesso a todas as competições? Não? Então
por que permitir o acesso a algumas e excluí-las de outras? E, sobretudo,
com quais critérios estabeleceremos as competições de livre acesso e as de
acesso restringido? Não tenistas e nadadoras. Também amazonas,
praticantes de esgrima e na América inclusive remadoras. No futuro pode ser
que haja corredoras e até jogadoras de futebol [e futsal] Seriam estes os
esportes, praticados por mulheres, um espetáculo edificante para as
multidões que presenciam os Jogos Olímpicos? (DEVIDE, apud LYBERG,
2005, p. 89) [grifo meu].
Em decorrência do posicionamento inflexível de Coubertin, diversos estudos e
publicações que versam sobre os primeiros jogos da Era Moderna informam que as mulheres
não contaram com nenhuma representante naquelas disputas. No entanto, Devide (2005),
apoiado em documentos de Tarasouleas, menciona que, na primeira edição dos Jogos
Olímpicos Modernos, por ocasião da prova da maratona, uma mulher de aproximadamente 30
anos tentou se inscrever na competição por duas vezes, sendo que, mesmo na segunda
tentativa, apesar de usar outro nome, não foi aceita. Mesmo não tendo sido inscrita, esta
mulher percorreu o trajeto descalça, no dia seguinte à prova dos homens.
Em outro setor (administrativo) de grande importância para propor os Jogos
Olímpicos, as mulheres até recentemente também não tinham representantes. Assim, quando
questões em torno da futura participação feminina nos jogos foram postas em pauta, em
decorrência da ausência de mulheres nas esferas decisórias, coube somente aos homens
deliberar sobre o futuro em relação à participação das mulheres. Tais decisões, embora
tardiamente, colaboraram para romper com a tradição dos moldes oriundos dos Jogos
Olímpicos Antigos. As mulheres deveriam continuar apenas no papel de torcedoras para que
pudessem assistir e aplaudir as vitórias dos homens? Os homens, mais uma vez, decidiram o
destino das mulheres nos esportes. Conforme Jesus e Devide (2006), os homens eram
educados para a vida pública, incluindo os esportes, enquanto que as mulheres eram educadas
44
para a vida privada, como as tarefas domésticas. Essas desigualdades de oportunidades são
assim comentadas por Meyer
A força corporal foi, por muito tempo, um importante argumento, dentre
outros, para explicar a superioridade dos homens sobre as mulheres.
Características anatômicas como o tamanho e o formato da bacia explicaram
e justificaram a maternidade como destino natural da mulher. (2004, p. 9)
Os aspectos históricos aqui abordados são relevantes para que seja possível registrar e
ilustrar os entendimentos sobre homens e mulheres em outros tempos e, desta maneira,
contrastar (analisar) com os entendimentos que estão em evidência nos dias de hoje. Deste
modo, é possível notar que uma significativa redução das imposições, proibições e limites
à participação do gênero feminino no cenário esportivo, principalmente em esportes
denominados de masculinos, como o caso do futsal. Entretanto, apesar desses avanços, Pfister
(1997), alerta para o fato de que a História tem se caracterizado como outra área de
hegemonia masculina. Assim, a exemplo de outras áreas do conhecimento, a História também
é narrada conforme interesses pessoais, sociais, políticos, econômicos e culturais o que, por
sua vez, implica uma produção dos fatos, da “realidade”, de uma forma determinada.
Conforme o entendimento de Certeau (2000), a pesquisa historiográfica se articula com os
lugares de produção sócio-econômica, política e cultural e, desse modo, está submetida a
imposições ligadas a privilégios enraizados em um dado contexto temporal e territorial.
Decorridos muitos eventos esportivos internacionais nos mais diferentes países e
culturas, no período contemporâneo, mais uma vez estão em pauta, com a proximidade dos
Jogos em Londres, 2012, as evidências das disputas de mais uma edição dos Jogos Olímpicos.
A presença masculina neste evento gigantesco é um fenômeno “pra de normal”. Porém,
rompendo barreiras que foram construídas ao longo da história em relação à presença do
“sexo frágil”, eis que surgem as mulheres: no levantamento de peso, no judô, no caratê, nas
lutas, fazendo gols, marcando pontos, fazendo cestas, jogando futebol, futsal etc. As mulheres
têm participado nas mais variadas modalidades esportivas, inclusive naquelas caracterizadas,
em épocas anteriores, como apenas possíveis para homens. Ou seja
No cenário mundial o esporte enriqueceu ao abrir as portas para as mulheres
competirem em igualdade de oportunidades com os homens, e os Jogos
45
Olímpicos são um espelho deste movimento de inclusão. (DEVIDE, 2005, p.
130)
Diante de tais acontecimentos e por meio dos Estudos Culturais é que venho entendendo que
o esporte é social, cultural e historicamente produzido, sendo possível abordá-lo como um
fenômeno
24
que pode ser transformado.
Nesta pesquisa, ao considerar o futsal, entendo que as mulheres vêm borrando
fronteiras, mas, ao mesmo tempo, continuam em circulação discursos que produzem e
reafirmam o que muitas meninas e mulheres superaram. Nesse sentido, aqui o futsal está
sendo analisado como um espaço generificado construído socialmente. Ao mencionar que
mais uma edição dos Jogos Olímpicos se aproxima, tenho como propósito abordar algo que
está em jogo exatamente nesta modalidade. Considero que a inclusão do esporte futsal é (está
sendo), em vários aspectos, parecida com a história de outros esportes
25
, ou seja, uma
história de resistências e conquistas em torno da participação feminina nesse esporte que
colocam em questão as construções das atribuições femininas, entre as quais a materna. Além
de tais construções (conquistas e aceitações), o que tem me chamado a atenção é o fato de que
está acontecendo, como referi, um verdadeiro paradoxo: os homens estão “valorizando” a
participação feminina no esporte futsal. Então, diante desta “nova ordem”, resolvi estudar este
novo e raro caso, e, entre outras questões, pergunto: o que estaria em jogo nas práticas do
futsal na contemporaneidade?
Pelo que venho entendendo (e acima mencionei como sendo um verdadeiro paradoxo),
o que está em jogo é o interesse masculino mais uma vez de que o esporte futsal seja
aceito como esporte olímpico. Para que o futsal seja aceito como modalidade olímpica, o
Comitê Olímpico Internacional (COI) exige que as mulheres também estejam envolvidas em
competições oficiais do esporte. Trata-se, a meu ver, de uma estratégia, isto é, de uma ação
que visa incrementar e elevar em todos os continentes o número de praticantes de futsal com
objetivo de popularizar este esporte. Tais ações podem e parece que vem gerando efeitos
24
A expressão “fenômeno” é recorrente na literatura esportiva e da Educação Física, ou seja, muitos são os
estudiosos que ao abordarem este tema, lançam mão deste termo. Os autores aqui citados são alguns dentre
outros tantos pesquisadores. Uso o termo apenas em seu significado comum, não pretendendo com isso me filiar
à corrente fenomenológica.
25
Na história da inclusão dos esportes coletivos nos Jogos Olímpicos, é possível constatar que os homens foram
os primeiros a serem incluídos no vôlei, no basquetebol, no handebol, no polo aquático, no handebol de campo e
de quadra e no futebol de campo.
46
mesmo que ainda tímidos em âmbitos de ensino (nas aulas de Educação Física) e para além
da escola nas práticas de lazer, entretenimento e de rendimento nos clubes.
As formas de controle dos esportes, principalmente a partir do século XIX, têm
ocorrido através de clubes, federações, confederações, regras das modalidades esportivas, da
mídia em relações às transmissões das competições e de contratos de direito de imagem.
Pensando nas reflexões de Foucault, pode-se entender que os esportes são poderosos meios de
disciplinar os corpos na contemporaneidade. Já Elias e Dunning (1992) alertam para o fato de
que o esporte é regido por argumentos de que a força, potência e virilidade foram (e são)
atributos masculinos valorizados para a prática de esportes. Todavia, me parece que nesse
“novo jogo”, esses discursos vêm cada vez mais e de maneira rápida caindo por terra. Ou
seja, apesar da hegemonia dos interesses masculinos, novas e rápidas construções se
avizinham em relação às perspectivas de participação e representação feminina no futsal
brasileiro e mundial. Em outras palavras, está se verificando uma paradoxal mudança (ou
inversão) da ideia: da negação do direito da mulher à prática dos esportes para a “obrigação”
da mulher como praticante do futsal.
Se, no cenário escolar, o futsal é adotado como um excelente meio para que os
professores de Educação Física desenvolvam, entre outros conteúdos, a socialização, a
afetividade, as dimensões emocionais e disciplinares e as propriedades motoras de meninos e
meninas, outro setor da sociedade também tem estado atento ao uso desse esporte para atingir
seus objetivos. Trata-se do setor econômico que, cada vez mais, vem ocupando espaços nos
mais variados segmentos da sociedade. Para Pilotto (2000), foi a partir do final da década de
1970 e início da década de 1980 que as empresas começaram a investir fortemente no esporte,
com vistas a associar as marcas de empresas e de seus materiais através de estratégias de
marketing, para, assim, aumentar as vendas de tais produtos. Para tanto, diversas empresas e
marcas de materiais esportivos têm sido, algum tempo, atraídas também pelo esporte
futsal e vêm lançando mão de campanhas publicitárias com fins de convencer, isto é,
subjetivar essa população no intuito de conquistá-los como consumidores de seus produtos.
Ou seja, o futsal também faz parte dos “jogos econômicos” movimentando cifras cada vez
mais representativas
26
. Nesse sentido, é provável que essas novas e rápidas mudanças relativas
26
Exemplo da movimentação de altas cifras vem da procura, cada vez maior, de empresas que desejam praticar
marketing através de compras de franquias para patrocinarem equipes de Futsal que disputam a Liga Nacional
Masculina no Brasil. O número limite de vinte vagas, preenchidas desde a 10ª edição, vem suscitando a
possibilidade do lançamento da Liga de Prata. (fonte: Revista Oficial da Liga Futsal, 2006, p. 6 e 7).
47
à aceleração da participação feminina no futsal competitivo tenham sido estimuladas por esses
fatores (interesses) de ordem econômica, que envolvem prioritariamente o consumo.
Analisando as informações históricas sobre o envolvimento das mulheres nos esportes,
isto é, as restrições à sua aceitação nesse universo masculino, percebe-se que na modalidade
de futsal houve uma transformação muito rápida e intensa no que diz respeito a sua inclusão,
como se pela recente autorização da FIFUSA (Federação Internacional de Futebol de
Salão) em relação à prática do Futebol de Salão
27
. Assim, conforme Santana e Reis (2003), a
prática do futebol de salão feminino foi autorizada pela FIFUSA em 23 de abril de 1983. Mas,
conforme Morel e Salles (2005), antes de as mulheres terem praticado o futebol de salão, elas
praticavam o futebol de praia, depois o futebol de campo e, em seguida o chamado futebol
society. O futebol de salão feminino no Brasil teve sua primeira competição oficial nível
nacional – através da taça Brasil que acontece até os dias de hoje e que anualmente está na 18ª
edição. Ao comparar a realidade do futebol de campo com o futsal no Brasil, Morel e Salles
(2005) destacam os seguintes acontecimentos negativos em relação à organização das
competições de futebol de campo para as mulheres: falta de equipes, ausência de calendários,
desinteresse econômico etc, itens que enfraquecem e desestimulam a participação e as
competições nesse esporte no país. Já sobre o futsal, eles comentam:
Ausente deste quadro, pelo menos por enquanto, encontra-se o Futsal, que é
praticado em todos os estados, entre federados, não-federados e estudantes.
Por sua vez, o perfil de clubes dedicados ao Futsal feminino é distinto da
tradição localista e comunitária do esporte brasileiro, desde que está mais
vinculado a empresas e serviços públicos, e menos às grandes cidades do
país. (MOREL e SALLES, 2005, p. 263)
É possível constatar que restrições e impedimentos que vinham sendo impostos ao
menos, em termos legais - desapareceram rapidamente. Ou seja, em menos de trinta anos
(quando as mulheres não eram autorizadas a praticar esse esporte) até os dias atuais, todo um
conjunto de valores, de argumentos, de discursos foi “esquecido” pelos responsáveis em dizer
quem pode e quem não pode fazer parte deste esporte. Nesse contexto, parece que mais uma
vez os homens estão decidindo e definindo as regras do jogo, porém, agora, as mulheres
27
Futebol de Salão era o nome desta modalidade enquanto a FIFUSA era a entidade que controlava e
administrava suas competições oficias que aconteceram de 1971 até 1989. A partir de 1989/90, a FIFA assumiu
tais “funções” e passou, então, a denominar esta modalidade de Futsal (abreviatura da denominação original) em
todo o mundo.
48
poderão fazer parte nesse jogo. O jogo está acontecendo e nesses instantes o placar está assim:
da negação ao direito da mulher à prática dos esportes (do futsal) por elas.
3.2 Gênero e História do Futsal
Pode-se verificar, como já referi, que textos e discussões em eventos acadêmicos têm,
cada vez mais, se ocupado em abordar questões de gênero. Como fenômeno generificado, o
esporte tem sido trazido à luz por estudiosas como Goellner (2007) que, entre outros
enfoques, têm contribuído para ilustrar a importância da inserção feminina em eventos
esportivos. Para tanto, são relevantes as considerações em torno de teorizações feministas e
teorias pós-críticas no intuito de romper com uma visão binária que coloca homens e
mulheres em frequente e constante oposição. Essas teorias são importantes não apenas para
dar visibilidade às mulheres, mas, para além disso, promover questionamentos e trazer para o
debate discursos que vêm sendo produzidos em relação à inserção feminina nos esportes.
Se as versões históricas da origem do futebol remetem a milhares de anos
28
, os dados
referentes ao surgimento do futsal
29
como prática sistematizada comparando-o ao tempo
de existência do vôlei, basquetebol, handebol, entre outras modalidades esportivas, mostram-
no como um dos esportes coletivos mais “jovens” no Brasil e no mundo. Foi a partir do
futebol que
Em um período relativamente curto, surgiu uma série de práticas derivadas:
futebol sete, futvolei, futebol indoor, beach soccer, etc. Esse esporte, de forte
tradição masculina, possui no Brasil um poder interpelativo que atravessa as
diferentes relações. (FRAGA, 2000, p. 125)
as versões sobre o surgimento do futsal não são consensuais ao se referirem ao país
que teria sido o pioneiro na prática desse esporte, havendo controvérsias quanto ao ano e ao
local de tal aparecimento. Não há unanimidade se esse fato teria ocorrido no Uruguai nos anos
28
Historiadores relatam que o futebol teve sua origem em 4.500 antes de Cristo, quando a nobreza japonesa
jogava com uma bola feita de fibras de bambu, usavam as mãos e os pés num jogo denominado Kemari (A
HISTÓRIA...,1980). Outra versão aponta que o chinês Yang-Tsé, cerca de 2500 a 2600 a C., tenha sido o
verdadeiro inventor do futebol, que era disputado por 8 jogadores em um campo de 14 metros quadrados, com
uma bola recheada de cabelo e crina (LEAL 2000).
29
Maiores informações sobre a história, datas, locais e demais dados, ver TENROLLER, Carlos Alberto. Futsal:
ensino e prática. Canoas: Ed.ULBRA, 2004.
49
1930 ou no Brasil na década de 1940. Como referido, apesar do pouco tempo da existência
dessa modalidade, o futsal conta com milhões de praticantes em todos os continentes
30
e há
um esforço no sentido de incluí-lo na relação dos próximos Jogos Olímpicos, como
comentei. Para que isso aconteça, existe uma mobilização iniciada no Brasil envolvendo
dirigentes, jogadoras, jogadores, apaixonadas e apaixonados por esse esporte para que ele
venha a fazer parte das Olimpíadas.
31
O futsal e o futebol, apesar de serem práticas motoras que conjugam oposição e
cooperação, são esportes diferentes. Todavia, venho observando, em vários ambientes (escola,
clubes, nas ruas, nas praças), que professores e professoras, muitas vezes inclusive em
artigos e estudos empíricos ao falarem sobre o futsal, expressam-se como se estivessem
tratando de futebol. O futebol é praticado em campo (areia, sintético ou gramado) com o
número de componentes maior, a bola e o espaço do jogo são maiores e, ainda, o espaço de
tempo e as regras são diferentes em relação ao futsal. Apesar de tais diferenças, pode-se dizer
que o futsal é uma modalidade esportiva “derivada” do futebol de campo, isto porque as
primeiras regras foram, em sua maioria, oriundas do futebol de campo, juntamente com
algumas regras adaptadas das modalidades esportivas que existiam quando do seu surgimento,
na década de 1930. Naquela época, Juan Carlos Ceriani, professor na Associação Cristã de
Moços (ACM), na cidade de Montevidéo, buscou inspiração no handebol, no basquetebol e
pólo aquático para criar uma cartilha de regras versando sobre o novo esporte: o futebol de
salão. Quiçá o fato mais importante para que o futsal viesse a ser criado tenha sido o sucesso
da seleção uruguaia de futebol de campo. Os uruguaios, nas décadas de 1920 e 1930, haviam
conquistado os três mais importantes títulos mundiais no futebol de campo: em 1924 e 1928
tornaram-se bicampeões olímpicos e, em 1930, em seu país, sediaram e conquistaram a
primeira Copa do Mundo de futebol. Tais conquistas aceleraram o surgimento do futsal, pois
os uruguaios passaram a jogar futebol nos mais inusitados espaços, como em quadras de
basquetebol e em salões de baile, derivando, daí, o nome futebol de salão.
Sob a perspectiva de gênero, a exemplo do futebol de campo, também nas suas
primeiras práticas, coube aos homens (associados das ACMs) a procura pelo futsal. Nas
décadas de 1930 até 1950, as primeiras bolas usadas para jogar futsal eram muito pesadas, e
30
No encarte “O Mundo Mágico do Futsal” criado para divulgação do Campeonato Mundial de Futsal ocorrido
no Brasil de 30 de setembro até 19 de outubro de 2008, a FIFA informa que esse esporte é o que mais cresce no
mundo. No Brasil mais de 350 mil atletas registrados em 4 mil clubes nas 27 Federações Estaduais.
Efetivamente, em nosso país, o número de praticantes superam a 10,5 milhões de pessoas.
31
A partir de 2002, em seu site a Federação Paulista de Futsal, iniciou o movimento “Eu Quero Futsal
Olímpico”. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eu_Quero_Futsal_Ol%C3%ADmpico.
50
as regras permitiam” lances violentos e não havia o número mínimo de faltas. Tratava-se,
assim, de mais alguns obstáculos, aliados aos discursos da época, que preconizavam o não
envolvimento feminino neste esporte. Por falta de regras que coibissem a violência (os
jogadores podiam cometer muitas faltas sem punições) e por usarem uma bola muito pesada,
o futsal passou a ser conhecido como uma versão violenta do futebol e como o esporte da bola
pesada. Com o passar dos anos, no Brasil, foram criadas federações em todos os estados e,
assim, surgiram os calendários e competições oficiais, primeiramente para o gênero
masculino, e, somente a partir da década de 1980, para o gênero feminino. Apesar de recente
a organização do futsal para as mulheres, o Brasil foi o primeiro país do mundo a criar uma
Liga Nacional
32
para este gênero.
A exemplo das mudanças que aconteceram com o futebol de campo, não apenas no
cenário brasileiro, mas em todo o mundo, o futsal, modalidade que também é chancelada e
administrada pela FIFA, é um dos esportes que mais vem sofrendo alterações em suas regras,
sendo bastante diferente do futebol de campo. Devido a tais diferenças, são raras as escolas
brasileiras que realmente têm condições (espaços físicos) para que seus alunos pratiquem o
futebol (de campo). É, portanto, tendo como pano de fundo o futsal praticado em quadra de
cimento, de tábua ou em piso sintético e disputado cinco contra cinco, que esta pesquisa versa
na perspectiva de gênero.
Como já comentamos, por mais paradoxal que possa ser, os homens praticantes dessa
versão esportiva, para poderem participar nas próximas edições Olímpicas, necessitam
incentivar a participação feminina nesse esporte, uma vez que esse é um dos critérios para a
inserção de uma nova modalidade esportiva nos jogos olímpicos. Isto é, o Comitê Olímpico
Internacional (COI), julga importante que as mulheres tenham envolvimento na prática desse
esporte. Mas não basta apenas existirem participantes, é preciso que as mulheres tenham,
assim como os homens, competições oficiais, calendários de competições regionais, nacionais
e internacionais sistematicamente organizadas no maior número possível de países. Ou seja,
Há, inclusive uma necessidade de se expandir o futsal feminino em âmbito
internacional, isso porque, para tornar-se Olímpico, tem de ser praticado
pelos gêneros masculino e feminino. Logo, ao nosso ver, o futsal feminino
vive o seu mais bem-sucedido momento histórico. (SANTANA e REIS,
2003, p. 46)
32
Informações sobre equipes, resultados, estatísticas, e história da Liga Naional Feminina de Futsal estão
disponíveis no site oficial www.ligafutsal.com.br
51
Preocupados em atender as exigências do COI, os responsáveis por organizar e
administrar essa modalidade esportiva têm agido rapidamente, conforme pode ser analisado
em uma resposta do presidente da Confederação Brasileira de Futsal, em entrevista à Revista
33
Oficial da Liga Nacional de Futsal, à seguinte pergunta: “O futsal feminino esno programa
de prioridades a partir de agora?”
três anos estamos trabalhando para a evolução do futsal feminino. É um
pré-requisito para a entrada da modalidade na olimpíada a participação
maior das mulheres em competições. Em 2004, realizamos campeonatos
adulto, sub-20, sub-17 e sub-15. Este ano, vamos repetir todas as
competições. A Taça Brasil, na categoria adulta, já foi realizada este ano. Na
avaliação de todos, foi um sucesso. Pela primeira vez na história tivemos
eliminatórias. A fase final, disputada em Campo Grande (MS), reuniu 12
equipes de alto nível técnico. Pela primeira vez também um jogo do futsal
feminino foi transmitido ao vivo pela televisão brasileira aberta (Rede TV).
Para coroar e consolidar de vez a força das mulheres no Brasil, em setembro
começa a Liga Nacional Feminina. Terá a mesma estrutura da versão
masculina. Outra boa notícia é que estamos com a comissão técnica da
seleção brasileira feminina toda definida e com calendário de competição.
(VASCONCELOS, 2005, p. 46)
Vê-se, assim, como novos interesses provocam mudanças nos discursos que
anteriormente vigoravam sobre a relação entre mulheres e esportes.
Sabemos que o discurso que naturaliza mulheres como sendo mais frágeis que os
homens vem operando na Educação Física Escolar Brasileira desde há muitos anos. Conforme
Sousa e Altmann (1999), a partir dos anos 30 quando os esportes passaram a ser praticados na
escola, por haver uma forte influência dos discursos médicos e, nesses, a afirmação de que a
mulher era mais fraca, as meninas começaram a ser consideradas como naturalmente
adequadas para atividades de dança e artes. Enquanto isso, os meninos praticavam judô,
futebol, basquetebol, esportes que exigiam maior esforço, confronto corporal e movimentos
violentos. Ao estudar as imagens do corpo feminino na Revista Educação Physica, que
circulou no Brasil de 1932 até 1945, olhando especialmente para as práticas corporais e
esportivas, Goellner (2000b) problematizou as consequências das determinações políticas,
33
Revista organizada pela CBFS e publicada para divulgar e informar sobre as equipes de futsal que participam
anualmente da Liga neste esporte no Brasil. Nela são veiculadas informações dos plantéis e principais jogadores,
sobre as estatísticas da competição como gols, artilheiros e números de acessos na internet, jogos televisionados
e públicos nos ginásios em cada jogo.
52
econômicas e culturais na produção do corpo. A autora entende que, ao mesmo tempo em que
os corpos das mulheres tiveram visibilidade nessa época, também foram produzidas
estratégias de “ocultamento” delas. Conforme a autora
[...] a representação construída desta ‘nova mulher’ traz poucas
possibilidades de construção de um efetivo projeto de emancipação
feminina, na medida em que suas ‘conquistas’ devem estar ajustadas aos
seus deveres. Dito de outra forma, precisa ousar sem com isso esquecer de
preservar suas virtudes, suas características gráceis e feminis nem abandonar
o cumprimento daqueles deveres que, ao longo da existência, lhe foram
designados: o cuidado com o lar e a educação dos filhos. (GOELLNER,
2000b, p. 81)
As revistas analisadas por Goellner (2000b), cujo fragmento analítico acima evidencia
a maneira de pensar as relações sociais no Brasil, são do mesmo período em que foi
promulgada a primeira lei que versa sobre os esportes, elaborada durante o governo de
Getúlio Vargas e contida no Decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941. Essa legislação
indicava que a natureza das mulheres não permitia que elas praticassem esportes que
pudessem colocá-las em risco, pois, entre outros argumentos médicos, elas poderiam correr o
risco de se machucarem e comprometer seus órgãos sexuais reprodutores.
Apesar de, nessa lei, não constar a referência a futebol como esporte proibido, tal
proibição fica evidente nas desaprovações e nos apelos advindos dos discursos médicos, como
pode ser visualizado a seguir.
Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos
incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este
efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às
entidades desportivas do país. (Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941).
[grifos meu].
Com todas as letras, foi a partir da deliberação número 7, no ano de 1965, que o
Conselho Nacional de Desportos (CND) baixou instruções às entidades esportivas do país
sobre a prática de esportes pelas mulheres. Em seu artigo declara-se: “não é permitida a
53
prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático,
rúgbi, halterofilismo e basebol”.
Essa deliberação, criada no período da Ditadura Militar, vigorou durante
aproximadamente quatorze anos até sua revogação em 1979. Desse período até os dias de
hoje, verificam-se que algumas estratégias foram criadas para aceitar (incluir) as mulheres nas
práticas esportivas anteriormente reservadas apenas para os homens. Teixeira Junior (2006)
chama a atenção para uma ação com o objetivo de divulgar a prática de futebol entre as
mulheres, no ano de 2001, quando a Federação Paulista de Futebol, através do seu presidente,
lançou uma campanha para selecionar atletas mulheres. Entre vários critérios de seleção,
estabeleceu-se que a faixa etária deveria ser entre 17 e 23 anos, que as mulheres não deveriam
ter cabelos curtos ou raspados e a beleza era um dos itens importantes a ser considerado para a
escolha das candidatas a jogadoras desse esporte. Diante de tais exigências pode-se perguntar:
por que o critério “beleza”? Não deveriam ser consideradas as habilidades e a capacidade
técnica como principal característica a ser avaliada? Frente a tais critérios estabelecidos para a
seleção de atletas em tempos muito recentes, pode-se questionar se ainda não estão em vigor
aqueles discursos identificados por Goellner (2000b) na Revista Educação Physica no início
do século XX, quando se exigia das mulheres que seus corpos fossem belos e saudáveis para
garantir a reprodução.
Outro caso semelhante ocorreu em 2003, quando uma atleta
34
foi convocada para
participar nos treinos da seleção brasileira às vésperas do campeonato mundial de futebol.
Nesse caso, além do critério beleza, a convocação foi muito polemizada e explorada pela
mídia, pelo fato de essa jogadora estar sem treinar havia pelo menos dois meses, somando-se
a este episódio que a jogadora era esposa de um famoso jogador de futebol. Depoimentos
posteriores viriam a justificar ser a escolha “uma estratégia de marketing na tentativa de
popularizar a prática feminina neste esporte.
Comparativamente às décadas anteriores, o aumento do número de mulheres que
praticam futebol e futsal é significativo, isto é, aconteceram mudanças significativas e
expressivas em torno da presença feminina em diversos esportes, porém Goellner (2003)
chama a atenção para a ainda reduzida presença feminina junto às comissões técnicas e na
administração de equipes e clubes.
34
A atleta é Milene Domingues, então esposa do jogador de futebol Ronaldo Nazario, eleito o melhor jogador do
mundo. Informações obtidas na Revista Veja na edição de 24 de setembro de 2003.
54
Se as dificuldades encontradas pelas mulheres para poderem ser aceitas como
praticantes de futebol e futsal foram (e são) acentuadas, isso também ocorria (ainda ocorre)
com aquelas que “se aventuram” a estudar e fazer cursos de arbitragem. Teixeira Junior
(2006) traz o exemplo de uma das pioneiras
35
no Brasil e no mundo, que teve seu
reconhecimento como árbitra somente após quatro anos de atuação. A aceitação de mulheres
apitando jogos é extremamente dificultada. Novamente o atributo beleza, somado ao
argumento de “falta de pulso”, era (e ainda “é”) um dos discursos que circulam no cenário
esportivo (nos jogos, na mídia, nos ginásios, nos estádios).
Propositalmente escrevo entre parênteses é” porque tenho constatado nos últimos
anos um ainda tímido envolvimento feminino nas práticas de futsal. Apesar da existência de
um quadro em ascensão, ou seja, encontrar vários exemplos de envolvimento feminino,
proporcionalmente ao masculino uma grande diferença em números. Em épocas passadas,
conforme supracitado, as restrições e dificuldades eram maiores do que nos dias de hoje. Por
conseguinte quiçá, agora, as fronteiras possam ser rompidas com mais intensidade”, com
“mais agressividade”. Isto é, que as meninas (na escola, nas escolinhas, no bairro) e as
mulheres (nos clubes e nos quadros de arbitragem) envolvam-se mais e ocupem esses espaços
que parecem estar mais “disponíveis”. Como se pode notar pelo exposto até aqui, as mulheres
construíram uma história de conquistas e, nesse sentido, para Lovisolo et alii (2006, p. 186)
“parece que chegou a hora de pensar sobre o que fazer com aquilo que foi ‘conquistado’, ao
invés de, de forma repetitiva, insistir sobre os territórios a conquistar.” Em síntese, conforme
constatou Boccardo (1998), as evidências apontam para a liberação crescente da prática
esportiva feminina. Isto aconteceu pois houve uma maior mobilidade da mulher no cenário
esportivo e, também, uma diminuição nas restrições à prática de modalidades esportivas
consideradas masculinas. De modo similar, este é, ao meu ver, o caso do futsal feminino
brasileiro, que, de certo modo, pode ser considerado, apesar de ainda incipiente, como um
exemplo de rompimento na lógica dos discursos circulantes e ainda vigentes em torno das
construções e dos regimes de verdade sob a perspectiva de gênero.
3.3 Gênero, Futsal, Educação Física e Escola
35
Trata-se da mineira Lea Campos, a primeira árbitra de futebol no mundo. Credenciada pela Federação Mineira
de Futebol em 1967. A FIFA e o Governo Federal, entretanto somente reconheceram a sua atuação em 1971.
55
[...] desde a infância, meninas aprendem não apenas a proteger os seus
corpos, mas também a ocuparem um “espaço corporal pessoal muito
limitado”, desenvolvendo uma timidez corporal. (SCRATON,1992 apud
LOURO, 1997, p. 76)
Nas minhas vivências como professor nos últimos dez anos, em escolas públicas, me
recordo neste momento de algumas das perguntas mais feitas por meninos aos professores de
Educação Física quando este está chegando na escola ou no ginásio ou alguns momentos
antes de iniciar o período de aula: “Hoje nós vamos ter futsal?”, “Professor, é jogo hoje? Ou
“Hoje tem futebol?” Quando a resposta do professor é não, escuta-se um coro decepcionado:
“Ah!” Segue-se, na maioria das vezes, uma “pressão” psicológica dos alunos que tentam
convencer o professor a mudar o conteúdo que ele havia planejado. Talvez por isso, (não
somente), na maioria das vezes, ao presenciar o início das aulas de Educação Física cujo
conteúdo seja o futsal ou o futebol, tenho constatado uma forte tendência de que as meninas
não participem nas equipes que irão começar a jogar. De modo geral, as pessoas alunas,
alunos e professores – argumentam que é por motivo cultural ou “são fatores culturais”; o fato
é que muitas dessas falas e atitudes são demasiadamente naturalizadas. Esses discursos estão
imbricados em construções advindas de vários lugares na sociedade e acabam sendo aceitos
como verdades. A TV, os jornais, as revistas, até a música (conforme epígrafe na introdução
desta dissertação) entre outros artefatos culturais são exemplos de lugares que ajudam a
subjetivar as pessoas em torno de hábitos e atitudes e, especificamente, também nesse caso. É
em decorrência de tais possíveis efeitos, que, até aqui e nos capítulos seguintes, venho
trazendo referenciais acerca do esporte e do futsal fora da escola. Intencionalmente procedi
deste modo por estes caminhos por crer que os alunos chegam na escola subjetivados
pelos discursos que circulam fora dos muros da escola. Nesse mesmo sentido, a partir de
referências históricas, a escola adotou os esportes como meio de ensino após “uma história
construída” de negação ao gênero feminino. Mais adiante abordarei o contexto do surgimento
da Educação Física escolar no Brasil, momento que enfatizarei com mais atenção este
capítulo da sua história na escola.
Como disse, a modalidade de futsal vem se destacando como um dos esportes
coletivos dos mais procurados e praticados, tanto na escola quanto no lazer e em âmbito de
alto rendimento. Entre os fatores que contribuem para aumentar a procura pela prática deste
esporte, alguns merecem ser destacados: trata-se de uma modalidade que não precisa de
56
grandes recursos econômicos, sendo mais acessível para investimentos na construção de uma
equipe ou plantel (se comparado ao futebol de campo, menos da metade de integrantes); a
maioria das escolas tem os espaços para sua prática, ou seja, em pequenas áreas é possível
desenvolver os jogos; nos dias de frio intenso e ou de chuva,maior quantidade de quadras
e espaços para a realização de jogos em ginásios, se comparado, por exemplo, ao futebol de
campo, que poucas são as escolas que têm campo para a prática de jogos de futebol de
campo; com apenas dez praticantes é possível acontecer um jogo; em relação ao basquetebol,
muitas escolas não têm arcos nem tabelas; em relação ao vôlei, poucas escolas possuem
postes e rede.
Do mesmo modo que, para poder abordar, analisar e problematizar questões de
gênero, é necessário considerar homens e mulheres, analogamente, para escrever sobre futsal,
é preciso considerar também o futebol de campo. Apesar de serem esportes diferentes, muitas
vezes tenho escutado as pessoas – e várias vezes professores de Educação Física mencionar
que os alunos praticaram ou jogaram futebol, quando na verdade praticaram ou jogaram
futsal. É provável que esse engano esteja associado às constantes informações sobre eventos e
práticas dos campeonatos de futebol de campo que são veiculadas na TV, rádio, jornais e
revistas, e que fazem com que as pessoas “falem numa linguagem”: a linguagem do
futebol, que pode ser interpretada como um discurso hegemônico. Acrescente-se também que
o futsal é um esporte bem recente e sua “origem” está efetivamente relacionada à história do
futebol de campo como expus anteriormente. Talvez em decorrência dessa realidade, ao
pesquisar discussões que versam sobre Educação Física escolar cujas questões se articulam a
gênero e, em especial, a partir de contribuições produzidas por alguns estudiosos que se
debruçam sobre as atividades de futsal no contexto da escola, notei que ainda é incipiente e
reduzida (se comparado ao futebol) a quantidade de trabalhos nessa perspectiva, enquanto é
possível notar que não são poucos os autores que, ao escreverem sobre a Educação Física
36
,
mencionam o futebol de campo.
Apesar de inúmeras abordagens em torno dos significados da Educação Física, a
perspectiva entendida nesta pesquisa alia-se à concepção de que ela é uma disciplina no
interior da escola, que, enfaticamente, trabalha os conhecimentos da cultura corporal. Ou seja,
a Educação Física é
36
Vide Referências.
57
[...] uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de
atividades expressivas corporais: jogo, esporte, dança, ginástica, formas
estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de
cultura corporal. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 50)
Entre os diversos autores que se debruçaram a estudar a Educação Física escolar e seu
significado no decorrer do século XX, destacam-se Castellani Filho (1988), Soares (1994),
Goellner (1995), Ferreira Neto (1995) e Bracht (1997), que apontam esta disciplina como
colaboradora na difusão dos discursos médicos e biológicos e, assim, usada como meio
educacional sob a perspectiva da educação higienista, da educação eugenista e a educação
esportiva.
Assim como a concepção de esporte, o conceito de Educação Física e, em seguida de
Educação Física escolar, foram ideias e pensamentos trazidos para o Brasil a partir da cultura
europeia. Atrelada aos discursos médicos, a Educação Física com preocupações higienistas
[...] buscava a aquisição e a manutenção da saúde individual, visando a
“disciplinar os hábitos das pessoas no sentido de levá-las a afastarem-se de
práticas capazes de provocar a deterioração da saúde e da moral, o que
comprometeria a vida coletiva”. (GHIRALDELLI JR, 1991, p. 17)
A primeira escola de Educação Física no Brasil
37
, por influência do pensamento
europeu (e militar), através dos métodos ginásticos francês, austríaco e alemão, além de
continuarem com o ideário médico higienista e eugenista, entendia que o homem (eles e elas)
é um ser definido e explicado biologicamente e com desigualdades naturais. Segundo
Gallardo (2000), os primeiros professores contratados para serem instrutores de ginástica nas
escolas foram militares que tinham a missão de construir um homem forte, ágil [...]” ibid,
p.18.
A implantação da Educação Física escolar brasileira aconteceu a partir de 1910 até
1934 em alguns estados, e em caráter obrigatório em todo o Brasil no ano de 1937. Na
perspectiva de contribuir nos cuidados da preparação de mão-de-obra adestrada e capacitada é
que a Educação Física deu seus primeiros passos no sistema oficial de ensino. Para Soares
(2001), tal contexto levou a reforçar a visão do corpo como a-histórico, indeterminado,
37
Conforme Gallardo (2000), a primeira escola de Educação Física no Brasil, denominada de Escola de
Educação Física da Força Policial do Estado de São Paulo, foi criada em 1907 e, logo após, em 1922, surgiu o
Centro Militar de Educação Física.
58
considerado restritamente nos aspectos anátomo-fisiológicos, mas obediente, disciplinado,
saudável, ágil. Em decorrência disso,
As aulas começaram a ser preparadas, separando-se meninos de meninas,
pois para cada sexo os objetivos eram diferentes: homens produtivos, fortes
e futuros militares; mulheres feminis e reprodutoras de filhos, futuras donas
de casa. (GALLARDO, 2000, p. 18)
É neste contexto, e influenciada por tais concepções, que a Educação Física escolar, a
partir de 1950
[...] começa a sofrer influência do esporte. Mesmo sendo um fenômeno
social presente na cultura corporal brasileira desde o início do século XX,
será somente no pós Segunda Grande Guerra que o esporte passa a ser
hegemônico na Educação Física Escolar. (CORRÊA, 2004, p. 96)
Para Bracht (1992), a Educação Física escolar teria nascido juntamente com a escola
cujas contribuições sociais seriam de, a partir de uma sistematização dos conhecimentos,
socializar as pessoas. Contudo, alerta este autor, a Educação Física escolar estaria mais
voltada à manutenção da disciplina do que proporcionar o acesso ao conhecimento da cultura
corporal do movimento humano.
Diante de tais aspectos históricos, pode-se entender que, nos dias de hoje, o esporte é
um meio adotado para pôr em ação, além dos seus principais conteúdos, uma infinidade de
temas como estratégias de ensino. Especificamente, nesta pesquisa sob a ótica dos Estudos
Culturais, pude encontrar variados assuntos e questionamentos desenvolvidos sob a
perspectiva de gênero na escola. Assim, opto por destacar a polêmica opção defendida por
alguns professores em conduzir as atividades educativas de maneira mista: meninas e meninos
nas mesmas atividades, enquanto outros professores defendem que as aulas devam acontecer
com alunas separadas dos alunos e com atividades distintas. Alinhada a este assunto, Romero
(1990) entende que a escola reproduz a ideologia sexista através da educação diferenciada,
isto é, enquanto os meninos são favorecidos nas práticas de atividades que trabalham a
coordenação motora ampla, as meninas são preteridas quanto a tais atividades. Segundo
Romero, fora da escola os meninos tem mais oportunidades e, assim, são mais estimulados a
59
desenvolver a motricidade ampla no decorrer das aulas quando estas vivenciam os jogos.
Romero (1990) constatou que na maioria das vezes as meninas não jogam futebol (creio que
seja o futsal), enquanto que os meninos escolhem praticar este esporte coletivo (o futsal).
Segundo Saraiva (2002), cabe aos professores e professoras de Educação Física,
através de suas intervenções, questionamentos e reflexões, abordar e problematizar as
questões que já estão naturalizadas em relação aos esportes. Tal contexto, para Jesus e Devide
(2006), é desafiador e
[...] gera a necessidade do debate sobre a temática para que o docente da
Educação Física escolar possa desvelar a naturalização das desigualdades de
gênero, reconhecendo a pluralidade inerente às fronteiras entre masculino e
feminino. (JESUS e DEVIDE, 2006, p. 125 e 126)
Nessa direção, Dornelles (2007), ao procurar tensionar, problematizar e mostrar como
se dá, a partir de articulações discursivas, a invisibilidade da prática da separação das meninas
e dos meninos nas aulas de Educação Física, destaca, sob a perspectiva de gênero, que há uma
representação que atravessa e justifica tal prática: meninas são passivas e meninos são ativos.
Na sua dissertação, a autora analisa argumentos de professores e professoras que são a favor
das aulas separadas e entende que as opções destas
[...] são produtos de uma articulação discursiva que define o corpo como
construto biológico e constitui representações naturalizadas de feminilidades
e masculinidades no âmbito dessa disciplina escolar. (DORNELLES, 2007,
p. 138)
Ao examinar os efeitos do discurso biológico que opera nas práticas escolares
especificamente nas aulas de Educação Física escolar, Dornelles (2007) afirma que um
efeito de hierarquização nas mesmas práticas. Para ela, tal fato advém da ideia de que a
estrutura muscular, a força e a agressividade são fatores determinantes para classificar e
separar as meninas dos meninos nas práticas escolares. Nesse sentido são recorrentes os
estudos que buscam compreender, sob a perspectiva de gênero, como vêm acontecendo estas
relações nas aulas de Educação Física, que, de modo geral, apontam o predomínio das
60
atividades separadas: meninas pra lá, meninos pra cá. Para Sousa (1994), os valores de
hierarquização são mantidos quando as aulas de Educação Física acontecem através da
separação por sexo.
Creio que esse discurso vem funcionando com mais intensidade e visibilidade nas
aulas cujos conteúdos são os esportes, como é o caso do futsal, e esse raciocínio ganha mais
força com o avançar das séries e idades dos alunos. É a partir de tais entendimentos que
acredito que os espaços escolares atravessados pelos discursos da dia e das antigas leis que
existiram até recentemente foram (e ainda são) fatores sociais que compuseram (e ainda
compõem) as construções de resistência em torno da aceitação feminina nesse esporte, tanto
na escola como nos demais lugares da sociedade.
As dificuldades de aceitação de meninas nas aulas de esportes que “necessitam” de
força e agressividade, como o futsal, são decorrentes de construções que se apoiam em teorias
biológicas e argumentos médicos. Aqui nessa pesquisa busco entender como essas
construções culturais, sob a perspectiva de gênero, vêm influenciando as práticas de meninos
e meninas nas aulas de Educação Física nos dias de hoje.
No ano de 2003, escrevi um texto
38
e enviei-o para uma editora. Na época, eu não
imaginava que decorridos pouco mais de seis anos eu estaria realizando a socialização das
análises que fiz em artefatos culturais e discursos de alunos praticantes de futsal em uma
escola, como o faço nesta pesquisa de mestrado. Pelo fato da elaboração daquele texto ter
ocorrido a partir das minhas práticas (empíricas) de ensino e, principalmente, por ele ir ao
encontro das ideias dos autores que pesquisei e nos quais me apoiei para construir este estudo,
creio ser apropriado retomar alguns entendimentos nele contidos. Faço isso, influenciado pelo
seguinte raciocínio:
[...] a pesquisa nasce sempre de uma preocupação com alguma questão, ela
provém, quase sempre, de uma insatisfação com respostas que já temos, com
explicações das quais passamos a duvidar, com desconfortos mais ou
menos profundos em relação a crenças que, em algum momento, julgamos
inacabáveis. Ela se constitui na inquietação. (BUJES, 2002, p. 14)
Naquele texto, com o título A riqueza de trabalhar os conteúdos de futsal entre
meninos e meninas, procurei destacar alguns fatores positivos (“as riquezas”) em relação à
38
Publicado no livro Futsal: ensino e prática, p.35-38. Editora da ULBRA em 2004. Vide referências.
61
participação de meninos e meninas nas mesmas atividades de futsal. Para tanto, mencionei um
estudo empírico que desenvolvi junto a uma escolinha de futsal nos anos de 1997, 1998 e
1999 com meninos e meninas. Constatei, então, que a evolução da aprendizagem das meninas
em comparação aos meninos, quanto à execução dos fundamentos do futsal, era equivalente e,
em alguns casos, até superior. Em síntese, tentei ilustrar que as meninas precisavam (e
precisam) das mesmas oportunidades que os meninos para que não sejam excluídas dos jogos
e atividades e que não sejam “vítimas culturais”, porque tratadas como “menos habilidosas”.
No decorrer da realização desta pesquisa aumentei, ainda mais, a minha convicção de
que a escola é um dos lugares mais apropriados para pôr em ação questionamentos e
ensinamentos que envolvam problemas de gênero. Todavia, parece-me que esta não é uma
prática recorrente entre professores de Educação Física. Ou seja, penso que a problematização
de gênero não tem sido pensada sob a perspectiva de construção cultural. Talvez isso seja
decorrente, como diz Louro (1997), de se tratar de uma tarefa em que não é fácil perceber
diferenças sutis. Acredito que professores devam se preocupar em ensinar e estimular que o
futsal também seja possível para as meninas Assim, poderão contribuir para criar uma nova
cultura e borrar as fronteiras com mais velocidade. Em conformidade com esse raciocínio e
para ilustrá-lo de outra maneira trago as palavras da estudiosa Louro (1999):
Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, mbolos,
representações e práticas, os sujeitoso se construindo como masculinos e
femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições,
suas formas de ser e de estar no mundo. Essas construções e esses arranjos
são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo,
historicamente, como também transformando-se na articulação com as
histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe [...] (p.
28)
Os acontecimentos de esquecimento de participação das meninas em aulas de futsal
podem implicar ensinamentos e contribuir para construir e manter em voga aqueles discursos
biológicos de que o esporte é uma área restrita ao masculino.
Não se pode esquecer, como alerta Kunz (1994), de que as alunas e os alunos levam
para a escola “uma história de vida”. Ou seja, de se considerar que os discentes são
atravessados por discursos que os subjetivam em torno de valores hegemônicos. Essas
informações que se estabelecem através de informações repetidas acabam por constituir
62
verdades que atendem a determinados interesses, como de anunciantes de produtos e
diferentes serviços relacionados a eventos esportivos. Os objetos que são anunciados, como
tênis, camisas e uniformes de equipes, ajudam a compor e constituir uma rede capilar e difusa
que tende a envolver e a prender a todos (incluindo alunos e professores). Ninguém escapa
dos discursos. E, nesta perspectiva, de um modo ou de outro, somos parte e participantes;
mesmo que “sem saber ou sem intenção”, compomos os regimes de verdade. Em suma, a
partir da ótica dos Estudos Culturais, e entendendo que todo o conhecimento está intimamente
vinculado as relações de poder, é que trago, nas análises dos discursos a seguir, as
implicações presentes na produção e construção de identidade e subjetividade relacionadas ao
gênero.
É nesse sentido que vejo e venho entendendo, cada vez mais, que a educação na
escola, em especial a Educação Física, através do “conteúdo” futsal, precisa lançar mão de
problematizações de gênero para pôr em questão os modos como ocorrem determinadas
práticas esportivas, evidenciando como elas não são nem naturais nem imutáveis. Dentro de
uma perspectiva similar àquela que considera que os mais diferentes artefatos culturais (como
os aqui analisados no capítulo quatro) educam os sujeitos, entendo que a Educação Física
escolar, de maneira institucionalizada e sistematizada, exerce a ação pedagógica de ensinar e,
assim, construir as relações e diferenças de gênero. É, portanto, pertinente lançar um olhar
analítico para as práticas e enunciados de alunos e alunas envolvidos no ensino do futsal, a
fim de entender seus discursos, que (ao meu ver) estão (e são) influenciados por tais
diferentes artefatos culturais que aqui optei por caracterizar como sendo do âmbito “para além
dos muros da escola”. Certamente, as análises discursivas aqui efetuadas não podem
desconsiderar a história que se deu em torno das questões, mudanças e conquistas na
perspectiva de gênero. Ou seja, os diferentes e diversos sentidos de épocas passadas, mesmo
que de modo invisível, se fazem presentes nas relações de poder nos dias de hoje.
Dada a naturalidade com que o futsal é representado e praticado pelo gênero
masculino, tanto na escola como nos artefatos culturais que analisei, pude perceber e
corroborar a opinião de Fraga (2000), que afirma:
O poder de penetração de um discurso na vida social está associado a sua
capacidade de ser visto como “natural”, tornando imperceptíveis seus efeitos
entre aqueles que se encontram capturados. (FRAGA, 2000, p. 97)
63
Entre os indivíduos capturados por este discurso hegemônico (de que futsal é um
esporte masculino), salvo poucas exceções, percebi que a maioria de alunos, alunas,
professores, professoras e equipe diretiva, além de “toda uma sociedade” fora dos muros da
escola, estão presos nessa complexa rede discursiva. Assim, a realização desta pesquisa
aconteceu na perspectiva de que é preciso “perturbar a familiaridade do pensamento e pensar
fora da lógica segura.” (LOURO, 2004, p.71)
64
4 ENTRANDO EM QUADRA
39
[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em
primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a
escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o
conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias
socialmente condicionados, frutos de determinada inserção no real, nele
encontrando suas razões e seus objetivos. (MINAYO, 1996, p. 90)
inculada à linha de pesquisa Escola, docência e identidade, essa investigação de
cunho qualitativo entende a escola como instância na qual se articulam os
processos de produção de identidades e subjetividades, a partir das novas formas
de pensar o sujeito, a cultura e a sociedade que emergem no cenário contemporâneo. Ao
enfatizar as análises centradas em torno das questões de gênero, abordadas no capítulo
anterior, e munido das lentes teóricas dos Estudos Culturais, realizei, a partir de um olhar
problematizador, esta investigação e fiz análises com o intuito de desnaturalizar a participação
feminina e masculina nas práticas de futsal.
V
Para tanto, procedi da maneira que passo a descrever, para “capturar” acontecimentos
diários entre alunos de quintas séries em uma escola de ensino fundamental no município de
Canoas, RS. No decorrer das aulas de Educação Física, quando se praticava futsal, fiz
registros (anotações) acerca de comportamentos, expressões, falas, gestos, comentários,
envolvimentos ou não, de alunos e alunas nas atividades e jogos nesta modalidade esportiva,
numa espécie de diário de campo. Esta parte da investigação aconteceu nos períodos letivos
de 2008 e 2009, desde o mês de agosto de 2008 até meados dos meses de maio e junho de
39
Para que aconteça um jogo de futsal é preciso que as equipes entrem em quadra; daí minha opção por adotar
a expressão “Entrando em quadra”, que metaforicamente refere-se à ação de entrar/ir a campo para realizar
as anotações, os registros e fazer as análises dos materiais escolhidos neste projeto de pesquisa.
65
2009, perfazendo esta observação a média de uma a duas vezes por semana, sempre às terças
e às quartas-feiras no turno da manhã
40
.
Além de tais observações, com o objetivo de ampliar e trazer mais elementos para
compor as análises neste estudo, me envolvi em um torneio de futsal que aconteceu entre as
quatro turmas de quinta série no mês de junho de 2009. Para poder estruturar e trazer a
público os discursos que foram enunciados por alunos e alunas que se envolveram ou não
neste evento, construí e apliquei, dez dias antes do torneio, um roteiro escrito que será trazido
no capítulo a seguir, juntamente com a análise das respostas obtidas.
Como referi no início deste texto, ao longo de mais de uma década de trabalho em
escolas, clubes, entre outros lugares, tenho constatado que a representatividade de meninas
ou seu envolvimento em atividades de futsal é significativamente menor em relação aos
meninos. Isto é, elas envolvem-se desproporcionalmente aos meninos na maioria das vezes
– para menos, chegando algumas vezes a não existir representação feminina, tanto no decorrer
de disputas de jogos na forma de torneios escolares como nas práticas das atividades de
ensino. Pois é em decorrência de tal constatação que minhas inquietações tomaram “vulto” no
sentido de que me propus a buscar entender como e quais são os discursos sobre o tema que
circulam nas falas e textos de meninas e meninos envolvidos no contexto de ensino
fundamental em uma escola pública. Além deste contexto de investigação (a escola), procedi
para além dos seus muros nesse estudo de cunho qualitativo a uma “garimpagem” em
busca de informações em diferentes artefatos culturais, para analisar como têm sido
representados e construídos os gêneros em relação à modalidade esportiva futsal. Agi assim
por acreditar que há efeitos contínuos oriundos dessas instâncias. Isto é, há um efeito de poder
(quiçá uma pedagogia) que, conforme pude constatar (analisadas as fotos, textos, imagens),
tem ensinado que futsal não é para mulheres.
Nesse sentido, as observações, anotações e as interpretações que fiz a partir das falas e
escritos dos alunos buscaram entender como os discursos que circulam em relação ao esporte
futsal têm afetado meninas e meninos na educação física escolar. Penso que os artefatos aqui
analisados têm contribuído para naturalizar, para manter uma norma, ou um discurso, que
afeta hegemonicamente esta modalidade esportiva, no sentido de que sua prática seja possível
(ou mais aceita pela sociedade), na maioria das vezes, preferencialmente ao gênero masculino.
40
Exerço a docência nesta escola nestes dias da semana e usei meus intervalos, as “janelas”, quando não tinha
aula, para fazer observações e registrá-las. Sou o professor de educação física de uma das turmas que serviu de
campo para minhas observações.
66
Por que penso assim? Porque através das observações e de alguns diálogos com que
mantive na escola, pude constatar que meninos têm sido influenciados pelo uso de produtos
como tênis e camisetas de clubes de futsal ao assistirem este esporte na TV. Com certa
frequência, alunos que praticam aulas de Educação Física o fazem usando uniformes de
escolinhas de futsal ou camisetas de clubes cujos jogos são transmitidos pela TV. A
quantidade de camisetas usadas por alunos, referentes a equipes como Ulbra, ACBF
41
,
Malwee e da Seleção Brasileira de futsal é um modo, nem tanto sutil, de entendermos como
esta modalidade tem sido ensinada como um esporte a ser praticado pelo masculino. Isto é,
parece que a invisibilidade feminina tem contribuído para este entendimento. Em uma das
minhas atividades de observação
42
, estando eu próximo à quadra onde estava acontecendo
uma aula de Educação Física dirigida por uma professora, dois alunos se aproximaram de
mim e um deles perguntou-me se eu jogava na Ulbra, uma vez que teriam notado que eu
estava usando um abrigo desta equipe. Respondi que não e que eu havia sido preparador físico
na equipe de futsal da Ulbra. Foi então que eles me relataram que frequentavam uma
escolinha de futsal e que os pais deles, além de comprarem os uniformes desta escolinha,
compraram camisas da Ulbra e, ainda, que o “sonho” deles seria ter a camisa da Malwee e da
Seleção Brasileira com o número 12. Este desejo (o sonho por um deles relatado) de ter a
camisa da Malwee (equipe de futsal de Santa Catarina) foi motivado pude constatar pelo
fato de eles, por apreciarem muito o futsal, sempre que podiam, assistiam da TV os jogos da
seleção, principalmente porque gostavam do jogador Falcão (camisa 12 na Malwee e na
Seleção Brasileira). “Bah, sor, vai dizer, ele não é o melhor do mundo?” “Faz gol de tudo que
é jeito.”, “Dribla todo mundo.”, “Faz gol até de bicicleta!”, “Ah, ele é o melhor, não adianta.”
Concordei (e compartilhei) com eles na opinião de que, no momento, este é um dos melhores
jogadores de futsal.
O exemplo acima esclarece a forma como as análises de conversas, mesmo casuais,
dos comportamentos e atitudes de alunos e alunas que observei, vão se articulando aos dados
que intencionalmente coletei.
Acrescidas a estes modos de investigação, realizei entrevistas com três questões
abertas dirigidas a alunas e alunos, como mais uma estratégia de que lancei mão para
conhecer e analisar as narrativas que circulam no ambiente escolar em relação às intersecções
entre gênero e prática do futsal. Sobre a entrevista, Silveira (2002) aponta que este é um
41
Associação Carlos Barbosa de Futsal (ACBF) uma das equipes mais vitoriosas do futsal brasileiro.
426
Anotações feitas em diálogo com dois alunos de 5ª série no mês de abril de 2009.
67
instrumento muito usado em pesquisa na área de Ciências Humanas e, em especial, na
Educação. A autora chama a atenção, porém, para o fato de que muitas vezes esse recurso é
usado como uma simples técnica, sem que sejam feitos exames em relação à sua concepção e
suas implicações. Ao compartilhar do entendimento de Arfuch (1995, p.25) de que a
entrevista é um gênero discursivo e, como tal, engloba um “jogo de intersubjetividades”
expresso através do uso da linguagem (coloquial, formal, do chiste, do mal-entendido, da
ironia ou da agressão), Silveira (2002) alerta para o fato de que as entrevistas feitas através da
escrita, da oralidade ou na televisão estão enquadradas numa forma de produção discursiva e
isso deve ser considerado na sua análise. Chama a atenção, ainda, para que não nos iludamos
com os jogos de representação e de imagens que acontecem nas pesquisas acadêmicas ditas
“sérias”. Outro aspecto sobre o uso da entrevista como instrumento de pesquisa, lembra essa
autora, diz respeito a umavisão mais tradicional” na qual são abundantes as recomendações
para pô-la em prática. Nesse sentido se adotadas tantas recomendações
43
muitas delas
poderiam configurar a ativação de autênticas “tecnologias do eu” foucaultianas, isto é, a
realização de procedimentos para que as pessoas possam ser ensinadas
44
a responder de forma
a satisfazer os interesses do entrevistador em relação a pormenores.
Considerando tais aspectos, julgo que consegui, através da transcrição das respostas
gravadas, ter acesso a algumas enunciações sobre a prática do futsal e as questões de gênero,
tal como estão sendo entendidas naquele grupo. É necessário esclarecer que, antes de efetivar
a realização da pesquisa, obtive autorização da equipe diretiva da escola e, em seguida,
escolhi aleatoriamente, em três turmas de quinta série do ensino fundamental, cinco alunas e
cinco alunos aos quais entreguei os termos de consentimento livre e esclarecido sobre os
objetivos da pesquisa para que eles levassem até seus pais ou responsáveis para as devidas
autorizações. Em decorrência de alguns pais não terem autorizado a realização das entrevistas,
gravações e filmagens
45
, optei por realizar entrevistas com três meninas e três meninos.
Porém, ao usar o gravador notei (e aprendi) que o seu uso deixava os entrevistados mais
inibidos para falar. Em decorrência disso, procurei usá-lo discretamente. Na terceira e na
43
Entre algumas recomendações ao entrevistador mencionadas por Silveira (2002, p.122-123) como
“tradicionais” estão: ser simpático, não sugerir respostas, respeitar o entrevistado, não interrompê-lo, não
intimidá-lo, estabelecer um clima de confiança, utilizar linguagem próxima ao do entrevistado, eliminar palavras
técnicas e eruditas, ser flexível, minimizar o uso do gravador, procurar falar menos do que o entrevistado.
44
O que se caracteriza como “autênticas tecnologias do eu”, ou seja, para Bogdan e Biklen (1994): as pessoas
podem ser ensinadas a responder de forma a satisfazer os interesses do entrevistador em relação a
pormenores.“[...] com a ajuda de outro efetua certo número de operações sobre seu corpo, e sua alma e
pensamentos, conduta...”. (FOUCAULT, 1990, p. 48)
45
Os Termos de consentimento livre e esclarecido foram elaborados contemplando a possibilidade de realização
de gravações (vídeos) e fotografias.
68
quarta entrevista, permiti que outra aluna que eu não havia escolhido para entrevistar se
fizesse presente. Esse procedimento fez com que o diálogo “rendesse” muito mais, com mais
informações para esta pesquisa. Ou seja, durante a entrevista aquelas meninas falaram muitas
coisas sobre o que pensam de meninas e meninos no futsal na escola e para além dos muros
da escola.
Foi dessa forma, lançando mão deste tipo de pesquisa (qualitativa), tanto procedendo a
análises textuais, quanto realizando entrevistas e anotações que construí este estudo. É
provável (e certo) que se eu for realizá-lo novamente, outras estratégias, outros caminhos e
outros procedimentos culminariam em mudanças neste percurso, e isto porque, conforme
Denzin e Lincoln (2003, p. 23) [...] os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza
socialmente construída da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é estudado, e
as limitações situacionais que influenciam a investigação.” Ou seja, ao socializar nesta
dissertação os “momentos” que vivi neste estudo, não posso deixar de considerar que “[...] a
natureza é repleta de valores da investigação [...] os pós-modernos e os pós-estruturalistas
contribuíram para a compreensão de que não existe nenhuma janela transparente de acesso à
vida íntima de um indivíduo.”
Em consonância com essa idéia, percebi que, a partir das respostas enunciadas por
alunas e alunos nas entrevistas, me parecia que havia sempre algo mais que poderia ser dito,
ser falado, ser observado e ser considerado para compor as análises que realizei. Parecia-me,
assim, que havia algo a mais que poderia ser entendido a partir de imagens em jornais,
revistas, em capas de livros didáticos que trazem mulheres e/ou homens que praticam ou estão
envolvidos/as no esporte futsal. É nesse sentido que concordo com Denzin e Lincoln (2003, p.
23) quando estes afirmam: “[...] nenhum método é capaz de compreender todas as variações
sutis na experiência humana contínua.”
Dentre as características ressaltadas por Denzin e Lincoln (2003) em relação à
pesquisa qualitativa, destaco que
[...] A pesquisa qualitativa é, em si mesma, um campo de investigação. Ela
atravessa disciplinas, campos e temas. [Há um] grande número de métodos e
de abordagens classificados como pesquisa qualitativa, tais como o estudo de
caso, a política e a ética, a investigação participativa, a entrevista, a
observação participante, os métodos visuais e a análise interpretativa.
(DENZIN e LINCOLN, 2003, p. 16)
69
É considerando tais formas de pesquisar que trago minhas compreensões e
interpretações para dar visibilidade às questões de gênero que escolhi como foco de análise.
Em alguns momentos desta pesquisa pareceu-me que este tema estava ao meu alcance (que
era mais simples/fácil de pesquisar), enquanto, em outros, no entanto, pareceu-me muito mais
complexo, principalmente diante das cenas que pareciam tão naturais”. É nesse sentido que
alerta Louro (1997, quarta capa): “É preciso pôr a norma em questão, discutir o centro,
duvidar do natural.” Para tanto busquei enunciados, escutei e troquei ideias com as minhas
orientadoras
46
, com alguns colegas do mestrado, com os autores que estudei e de grande
relevância foram as sugestões trazidas pelos estudiosos que compuseram a banca examinadora
no momento da qualificação deste estudo
47
.
4.1 A Empiria em uma Escola de Ensino Fundamental no Município de Canoas, RS
Todos nós escrevemos e falamos desde um lugar e um tempo particulares,
desde uma história e uma cultura que nos são específicas. O que dizemos
está sempre ‘em contexto’, posicionado. (HALL, 1996)
Trago esta afirmação de Hall (1996) por acreditar no sentido que ela tem nesta
pesquisa. Tem a ver com a realidade que me cerca, com a minha história profissional de
professor e, agora, com o papel de pesquisador. Assim, estou posicionado e neste contexto
tive a escola como um dos lugares importantes nesta pesquisa e, a partir daí, articulo-a às
análises que fiz de outros artefatos. Ao escolher este espaço para observar, anotar, gravar e
transcrever entrevistas de alunos e alunas, aprendi que é preciso conseguir pôr em prática tais
ações como um estranho”. Isto é, não no papel de professor, mas como “outro” que deve
mergulhar nos acontecimentos observados. Tive a preocupação de proceder assim, sem
desconsiderar que minhas experiências poderiam ter influenciado nas interpretações e análises
que construí, até porque é impossível conseguir realizar análises impessoais, se é que existem
46
Fui orientado nos dois primeiros semestres pela professora dra. Mariangela Momo e nos semestres seguintes
pela professora dra. Rosa Maria Hessel Silveira.
47
O projeto de pesquisa de mestrado foi apresentado dia 24 de abril de 2009. Os componentes da banca
examinadora foram: prof Alex Branco Fraga (UFRGS), prof.(a) Marisa Vorraber Costa (Ulbra), prof.(a) Daniela
Ripoll (Ulbra) e prof.(a), orientadora, Rosa Maria Hessel Silveira (Ulbra).
70
“análises impessoais”. Desta maneira, passei a perceber que algumas questões que elaborei
para as entrevistas foram mais “apropriadas” e produtivas, enquanto outras precisaram ser
refeitas com pequenas e maiores modificações (ou adaptações). O que pretendo dizer é que,
com alguns alunos e algumas alunas, as questões utilizadas na realização das entrevistas
foram interpretadas e respondidas com mais facilidade: alguns alunos tiveram mais facilidade,
enquanto outros tiveram dificuldade em entendê-las. Menciono isso porque, ao efetuar as
primeiras entrevistas, tive algumas dificuldades em “obter informações” para realizar e
compor as análises da pesquisa, também em função da situação da timidez, principalmente
das meninas. Minha intenção inicial era a de realizar as entrevistas de maneira individual,
porém diante de algumas alunas que quase não articulavam respostas naquela situação, optei
por entrevistá-las em duplas. Soma-se a esses casos o detalhe dos pais ou responsáveis que
não quiseram autorizar as entrevistas
48
.
Feita esta contextualização, observo que, diante de tais dificuldades, optei por realizar,
adicionando às entrevistas, a coleta de informações através do roteiro escrito acima
mencionado por ocasião do citado torneio de futsal na escola. Estes foram, então, os
acontecimentos que me inspiraram e que me permitiram optar pelas escolhas destes e não de
outros caminhos empíricos e teórico-metodológicos nesta pesquisa.
Ainda em conexão com a epígrafe inicial desta seção, é pertinente ampliar o
esclarecimento em torno dos meus interesses neste estudo. A escolha da escola aconteceu de
modo intencional, pois, sendo um dos locais do meu trabalho, foi possível realizar com
facilidade as perguntas para alunas e alunos que não são meus alunos, mas são de outras
turmas de outras professoras de Educação Física. Somo a tal motivo aquilo que diz Messner,
citado por Louro (1997, p.72), a qual indica as aulas de Educação Física, especialmente as
atividades de ginástica e de esportes, como palcos privilegiados para manifestações
“naturais”, “instintivas”, de modo que em relação aos meninos é esperada a sua participação
em esportes enquanto que o contrário, a sua não participação, pode ser um indicador de que
“algo está (ou estava) errado”, já que o esporte seria “parte da existência” masculina.
No cenário deste estudo, trago as contribuições e esclarecimentos de Velho (2003),
que afirma que, nos dias de hoje, se multiplicam os trabalhos de pesquisa que tentam lidar
com a familiaridade e o estranhamento no cenário brasileiro. Estudos realizados por meio de
entrevistas e observações, como o que estou realizando, possibilitam aproveitar experiências
48
Enviei dez termos de consentimento livre e esclarecido, todavia, nem todos foram assinados autorizando as
entrevistas.
71
do pesquisador para estudar o objeto de pesquisa. Todavia, como alerta esse autor, ao possuir
um tipo de conhecimento e de informação apreciável sobre parte do universo que se pretende
investigar (creio ser este o meu caso), é preciso haver “o movimento de estranhar o familiar
tarefa nada trivial e, com certeza, nem sempre bem-sucedida” (Velho, 2003, p.15). Para Velho
(2003), é preciso conseguir pôr em prática um exercício de distanciamento, o que ele
denomina no título do seu artigo de “o desafio da proximidade”. Assim, atento a esta
afirmação, escolhi aleatoriamente alunas e alunos de quintas séries do ensino fundamental
(que não são meus alunos) para realizar entrevistas, aplicar questões abertas e fazer
observações em práticas de futsal no decorrer de aulas de Educação Física.
4.2 Representatividade de Gênero e Imagens de Quem Pratica Futsal em Artefatos
Culturais
A partir da minha aproximação com os Estudos Culturais, venho aprendendo que
vários são os discursos, em distintos lugares, que operam no sentido de subjetivar as pessoas,
sendo alguns de forma mais explícita, outros com mais sutileza. A produção de discursos que
“ensinam” o que é ser homem, o que eles devem/podem fazer, e o que é ser mulher, o que elas
devem/podem fazer, se através de diversos artefatos culturais, ou seja, não é apenas na
escola ou em instituições formais que alunos e alunas podem ser inspriados a entrar em
processo de subjetivação. Parece que, na maioria das vezes, tais artefatos têm contribuído para
reforçar alguns discursos e, assim, perpetuar e ensinar alguns valores, isso porque
[...] existe pedagogia em qualquer lugar onde o conhecimento é produzido
em qualquer lugar em que existe possibilidade de traduzir a experiência e
construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente
redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum. (GIROUX e
McLAREN, 1995, p. 114)
Nesse sentido, ao longo de quase dois anos de pesquisas, efetuei um intenso
49
exercício de procura de imagens que representassem e identificassem mulheres e homens
49
Ao adotar o termo “intenso”, acredito que esta expressão tenha sentido pelo fato das dificuldades em conseguir
e obter imagens sobre mulheres/meninas praticantes de futsal. Acrescento que fiz “coleta de dados”, gravei
imagens e retirei fotos num shopping de Porto Alegre por ocasião de divulgação do Campeonato Mundial de
Futsal que ocorreu entre os dias 30 de setembro e 19 de outubro de 2008, em Brasília e no Rio de Janeiro.
72
envolvidos com o futsal em jornais, revistas, assistindo programas na TV aberta ou por
assinatura, cujo assunto abordado fosse este esporte. Minha motivação estava relacionada à
inquietação que tinha sobre o porquê da prática do futsal ser mais significativa para meninos e
homens e, assim, buscava entender como operam os discursos contemporâneos que vêm
ensinando que esse esporte é para eles e não para elas. Entendo, assim, que efeitos nos
comportamentos de alunas e de alunos nas práticas desta modalidade, no decorrer embora
não somente – das aulas de Educação Física.
Sobre a importância das imagens, Goellner (2000b, p. 83) afirma que “as imagens não
são apenas observadas por nossos olhos. Elas invadem nossos sentidos e deixam marcas no
nosso corpo”. Assim, comecei a perceber que era predominante nos artefatos que investiguei
(jornais, capas de livros didáticos, revistas, etc.) a representatividade masculina. Conforme
constatei, há uma lacuna da presença do gênero feminino em relação ao futsal nestes artefatos
culturais.
Conforme Pfister (2003, p.33), “o gênero é uma representação”. Esta mesma autora
entende que o gênero é
[...] uma instituição, as identidades dos gêneros e a representação dos
gêneros estão conectadas interdependentemente com o mercado de trabalho
e os sistemas de símbolos coletivos baseado no sexo. O gênero, em nível
institucional, individual e interacional, também está embutido nas estruturas
e nos sistemas esportivos. (PFISTER, 2003, p. 33)
Diante de tal constatação, somando-se à minha inquietação inicial em relação à pouca
procura das meninas por escolinhas de futsal
50
, elegi como um dos focos de análise interpretar
(analisar) como estão sendo representadas, por meio de imagens, as mulheres que se
envolvem e praticam o esporte futsal. Na perspectiva teórica em que este estudo se localiza,
influenciou-me para optar por tais objetos de análise – as imagens -
[...] a impossibilidade de tratar da condição pós-moderna somente por meio
de palavras, e mesmo assim se considera que tal condição não é redutível a
qualquer forma de representação. (MOMO, 2007, p. 164)
50
Conforme expus na Introdução.
73
Em relação à análise de imagens é possível encontrar estudos produzidos e trazidos a
público em livros, artigos apresentados em congressos, dissertações e teses sob a perspectiva
de gênero
51
que constatam que as mulheres aparecem pouco e, em alguns esportes, como é o
caso do futebol e do futsal, são praticamente “invisíveis”. Ao escolher esse caminho
metodológico para realizar minha pesquisa e analisar os artefatos culturais supracitados
apoiei-me na seguinte citação:
[...] não importa o método que utilizamos para chegar ao conhecimento; o
que de fato faz diferença são as interrogações que podem ser formuladas
dentro de uma ou outra maneira de conceber as relações entre o saber e o
poder. Os “novos olhares” dizem respeito, exatamente, a essas novas e
talvez seja melhor dizer incomuns formas de conceber um tema como
problema de investigação. (COSTA, 1996b, p. 10)
Ao tomar de empréstimo as ideias dessas autoras, faço uma relação com o pensamento
de Silva (1994), que afirma que
A natureza opressiva ou libertadora de um discurso não pode ser
determinada teoricamente, deve ser investigada historicamente, em cada
caso específico. E, como as relações de poder são onipresentes, não se trata
de identificar sua fonte, mas deve-se tentar demonstrar como elas
acontecem. (SILVA, 1994, p. 250)
A partir da opção de tentar demonstrar como m acontecendo e como estão sendo
construídas as relações de gênero no futsal, através de uma abordagem de inspiração
qualitativa, percebo que outros olhares poderiam (e podem) ser lançados para tentar explicar
tais acontecimentos. Outras interpretações e outras questões podem ser construídas para
analisar e problematizar falas, atitudes e comportamentos observados no ambiente escolar.
Ler os interesses/intenções presentes nos jornais que trazem, ou não, imagens, textos e
representações delas e deles; nas matérias esportivas na TV que abordam e não abordam as
mulheres/homens no futsal; nas capas de livros didáticos que m ou não representantes
femininos/masculinos e nas leis que “autorizam” ou “desautorizam” as mulheres a praticar
futsal foi uma tarefa estimulante e desafiadora, uma vez que se apresentam diversas
possibilidades para futuros estudos e suscitam possibilidades amplas de enfoques e de análises
sob a ótica dos estudos de gênero.
51
Tenroller e Momo (2008); Souza e Knijnik (2003 e 2007); Thoohey (1997); Fink (1998); Koivula (1999).
74
Pelo exposto neste capítulo, em torno das opções metodológicas, observo que, através
desta pesquisa de mestrado, privilegiei as questões relacionadas a análises de gênero na
perspectiva dos Estudos Culturais. Não busquei e não tive a pretensão de definir, concluir ou
trazer uma verdade definitiva. Reconheço, sim, que outras pontes ou outras abordagens seriam
possíveis e poderiam trazer à luz outros entendimentos e outras instigantes possibilidades de
investigação.
Deste o início deste estudo
52
até sua finalização, creio que as minhas motivações foram
multiplicadas. Se, no início, eu estive hesitante e inseguro, com dúvidas de qual problema ou
de qual tema abordar e como investigar, percebo, no entanto, que, gradativamente, as leituras
sob a perspectiva dos Estudos Culturais me tornaram mais sensível e adaptável às infinitas
possibilidades de análises. Essa sensibilidade me permitiu vislumbrar possíveis
problematizações em torno de questões de gênero. Tomando de empréstimo a expressão da
pesquisadora Costa (2002), em algumas etapas deste estudo, senti-me como um “aventureiro”
que, nesse sentido, apresenta a ação de pesquisar como
[...] uma aventura, seja um bom detetive e esteja atento a suas intuições!
Pistas, intuições, suspeitas, dúvidas merecem ser objeto de atenção, e não
deveriam ser descartadas sem antes perscrutar-se cuidadosamente várias
possibilidades de conectá-las com aquilo que se deseja investigar. (COSTA,
2002a, p. 151)
Por desconfiar que efeitos advindos dos artefatos culturais, principalmente no
sentido de contribuir para ensinar (e reforçar) que a modalidade de futsal é uma modalidade
esportiva direcionada apenas para o gênero masculino, e assim, ter contribuído para “moldar”
comportamentos de alunas e de alunos nas práticas de futsal nas aulas de Educação Física,
trago no capítulo a seguir minhas análises dos artefatos culturais mencionados acima, que
estão articuladas às interpretações feitas em observações, anotações, entrevistas e
depoimentos de alunas e alunos em uma escola de ensino fundamental. Busco, então, trazer
alguns recortes acerca dos regimes de verdade que estão em circulação referentes aos
discursos e práticas em torno dos gêneros masculino e feminino para além dos muros de uma
escola.
52
Quanto ao cronograma completo desta pesquisa, o espaço de tempo bem como suas etapas realizadas ver
Anexo A. Questões abertas das entrevistas orais estão no anexo B. Roteiro escrito de questões está no anexo C.
A lista dos artefatos e materiais analisados está no anexo D.
75
5 ESTÁ TERMINANDO O JOGO, MAS COM PREVISÃO DE
PRORROGAÇÃO: ALGUMAS ANÁLISES...
eu envolvimento nesta pesquisa de mestrado, ao longo de aproximadamente
dois anos, aconteceu de uma maneira bem diferente do modo como eu vinha
praticando e trabalhando com ensino do futsal desde a minha conclusão da
graduação e passando pelas minhas duas especializações
53
. Envolver-me com este modo de
pensar e interpretar
54
os acontecimentos no dia-a-dia permitiu-me, ao olhar e examinar os
objetos que escolhi, ampliar possibilidades de novos projetos e novas pesquisas. Se antes o
meu pensar funcionava” no sentido de buscar uma resposta única e definitiva, atualmente
venho conseguindo entender outra perspectiva. Assim,
M
frequentemente, empregamos um raciocínio do tipo ou isso ou aquilo.
Estudiosos e estudiosas pós-modernos sugerem a produtividade de se pensar
de um outro modo, na base do e/e, ou seja, admitindo que algo pode ser, ao
mesmo tempo, isso e aquilo. se adivinha, por esse comentário, que
apostamos na possibilidade de questionar o pensamento binário e
oposicional com o qual estamos acostumados a lidar e nos lançamos para
experimentar a pluralidade. (LOURO, 2004a, p. 3)
Então, é influenciado pela ideia desta afirmação que realizei, nesta pesquisa, análises
de gênero, sem, todavia, esgotar as respostas e as possibilidades sobre a constituição do futsal
tanto na Educação Física escolar quanto para além dos muros da escola na
contemporaneidade.
Em uma disciplina
55
que frequentei no Mestrado em Educação, um dos trabalhos
avaliativos foi a organização e a apresentação do “pré-projeto de pesquisa”. Naquela que foi a
53
Graduação em Educação Física (1998); Especialização em Ciências do Esporte (2000) e Especialização em
Saúde Coletiva (2005).
54
Conforme exposto em Introdução.
55
Seminários de Pesquisa, no segundo semestre de 2008.
76
primeira exposição acerca das minhas incipientes intenções quanto à minha pesquisa, fui
questionado sobre o motivo de “tantos artefatos para análises”. Decorridos alguns dias
daquela apresentação, em uma reunião de orientação, comentei com a minha orientadora o
questionamento e ela ajudou-me na elaboração da seguinte explicação: apesar de algumas
barreiras e fronteiras terem sido rompidas pela participação feminina no futsal, são poucos
os “lugares” em que elas efetivamente aparecem, o que me sugeriu uma busca em mais
materiais. Ou seja, partindo das consideráveis dificuldades de encontrar mulheres/meninas nas
práticas de futsal, é que trago, nesta dissertação, o trabalho de “garimpo” que efetuei. Uso,
então, análises de artefatos culturais para, exatamente, poder trabalhar e articular estas
interpretações (as análises) com minha pesquisa qualitativa em uma escola de ensino
fundamental, com alunos e alunas envolvidos nas aulas de Educação Física. Busco trazer aqui
sob a ótica de gênero os modos como estão se dando e se constituindo os regimes de verdades
nestes lugares”. Ou, dito de outro modo, pretendo socializar através deste estudo minhas
análises dos discursos e da maneira como vêm sendo representados os gêneros feminino e
masculino neste esporte. Para conseguir fazer este recorte, foi preciso ouvir, olhar, observar,
transcrever, copiar e, finalmente, analisar as falas, acontecimentos e comportamentos de
meninas e meninos envolvidos ou não nas práticas de futsal, como expliquei no capítulo
anterior.
Nesse sentido, seguem abaixo as análises desses tantos lugares que “garimpei” nos
últimos semestres. Dados os efeitos legitimados nas práticas sociais entre os gêneros
masculino e feminino, opto por compartilhar minhas interpretações a seguir, apoiando-me em
imagens e textos que busquei em artefatos culturais; na sequência, serão discutidas as
respostas e entrevistas obtidas com alunos do ensino fundamental de uma escola pública de
Canoas, RS.
77
5.1 Decreto-Lei 3.199 Preconizando uma Prática Esportiva do Âmbito Masculino e seus
Efeitos na Escola – não Somente – nos Dias Atuais
Inicio minhas análises de gênero debruçando-me sobre o teor (e, de certa forma, os
efeitos) do Decreto-Lei 3.199
56
de 14 de abril de 1941, que versa sobre esporte no Brasil.
Apesar de revogado no ano de 1979
57
, um olhar mais detido permite perceber que seus efeitos
ainda se fazem notar em pleno século XXI. Talvez o caráter de sutileza seja a forma mais
efetiva de sua ação nos dias de hoje. Menciono este fato, porque tenho feito alguns exercícios
de reflexão e nestes com frequência vêm à minha mente as lembranças das aulas de Educação
Física que tive na década de 1980. Como eram as atividades? Como o professor organizava as
aulas? Quais eram os conteúdos? Meninos e meninas praticavam e executavam as mesmas
atividades juntos ou separados? Poderia continuar construindo mais perguntas, mas creio que
estas são suficientes para iniciar algumas análises a partir dos efeitos desta Lei (Decreto-
Lei). Tenho a convicção de que estas reflexões e problematizações que aqui trago não teriam
ocorrido se eu não tivesse continuado a estudar neste Mestrado em Educação
58
. Nesse sentido,
penso que eu poderia estar incidindo naturalmente nesses mesmos “equívocos” que venho
observando em algumas escolas e escolinhas cujas práticas têm sido desenvolvidas no ensino
do futsal por alguns profissionais de Educação Física.
Dando continuidade às questões que levantei e explicando o sentido delas aqui,
justifico-as pelo fato de entender que meus ex-professores de Educação Física foram
influenciados pelos termos e proibições contidos em decretos, normas e leis que versam
(versaram) sobre esportes. Trago, como singelo exemplo, o fato de aqueles professores
“acreditarem” que vôlei era/é um esporte mais apropriado para as meninas”, enquanto que
para os meninos havia/há a crença de que a maioria das demais versões esportivas é “mais
apropriada”. Percebo que havia (e ainda há) uma ênfase na prática do futsal para meninos,
sendo que eles podiam (e ainda podem) até “ser esquecidos” em uma quadra jogando sem que
fossem/sejam interrompidos. Parece-me que aqueles efeitos das leis têm reflexos que
continuam ainda nos dias de hoje. Ou seja, pelo que observei e analisei nas minhas práticas de
ensino e nesta pesquisa, é aceita como natural esta “situação” de que esportes para eles e
56
Trata-se da primeira Lei que versa sobre a institucionalização dos esportes no Brasil.
57
Em 1979, o CND revogou a Deliberação 7/65, colocando em seu lugar a de nº 10, que fornece instruções às
entidades desportivas do país para a prática de desportos pelas mulheres.
58
Como expliquei no capítulo 1, esta nova perspectiva, ou estas novas “lentes” dos Estudos Culturais têm me
permitido entender de maneira diferente, duvidar e questionar os mais “naturais fatos” nos mais variados
ambientes sociais.
78
(poucos) esportes para elas. Esta naturalidade pode ser percebida também na opinião,
emitida oralmente por uma aluna que me respondeu sobre o que ela pensa sobre o futsal na
escola: “Ah ‘sor’, eu acho que o futsal combina mais com os guris.” Na sequência do registro
(gravação) desta resposta, esta menina da quinta série busca conseguir “reforço” à sua
resposta, perguntando às demais colegas que estavam próximas: vai dizer gurias, eu não
certa?” As três alunas convidadas a participar da entrevista concordaram com a resposta da
colega de turma.
Para entender o contexto do surgimento deste Decreto, apoio-me na perspectiva de
Scott (1995), que ensina que é preciso analisar os sistemas de significados, os modos como a
sociedade representa o gênero, como “operam” seus símbolos (por exemplo: cor rosa para
elas, força para eles etc) para criar certas regras que constroem o significado da experiência. É
provável que o teor contido na carta abaixo (datada de 25 de abril de 1940) tenha contribuído
na decisão do então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, no sentido de apressar a exclusão
das mulheres das práticas de algumas modalidades esportivas.
[Venho] Solicitar a clarividente atenção de V.EX. para que seja conjurada
uma calamidade que está prestes a desabar em cima da juventude feminina
do Brasil. Refiro-me, Snr. Presidente, ao movimento entusiasta que está
empolgando centenas de môças, atraindo-as para se transformarem em
jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá
praticar esse esporte violento, sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológico
das suas funções orgânicas, devido à natureza que dispoz a ser mãe... Ao que
dizem os jornais, no Rio, estão formados, nada menos de dez quadros
femininos. Em S. Paulo e Belo Horizonte também estão constituindo-se
outros. E, neste crescente, dentro de um ano, é provável que, em todo o
Brasil, estejam organisados uns 200 clubes femininos de futebol, ou seja:
200 núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras mães que, além do
mais, ficarão presas de uma mentalidade depressiva e propensa aos
exibicionismos rudes e extravagantes
59
.
Dada a relevância histórica do teor do texto acima, creio ser de valia tê-lo reproduzido
na íntegra (mantendo, inclusive, a grafia original das palavras da época). Parece que este tipo
de discurso repercutiu como uma das formas de estímulo em todo o país, na época, cujos
efeitos fazem-se sentir até os dias de hoje. Devido ao seu contundente e explícito conteúdo, é
59
Fonte: TEIXEIRA JUNIOR, 2006, p. 16. Carta de José Fuzeira dirigida ao então presidente da república
Getúlio Vargas, datada de 25/04/1940 e repercutida na imprensa.
Conforme FRANZINI (2005), José Fuzeira foi um cidadão comum que, apesar de não dispor das "credenciais de
qualquer autoridade educacional ou científica", fez soar o alarme da Presidência da República. Esta carta
também foi encaminhada à Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde, que, por sua vez, a
repassou à sua Subdivisão de Medicina Especializada, onde recebeu não o parecer favorável da "voz da
ciência" como todo o seu apoio na cruzada contra as mulheres futebolistas.
79
fácil interpretar e imaginar de anteo o impacto (ou o prejuízo) acarretado para todas as
pessoas que nasceram classificadas na categoria gênero feminino, naquelas primeiras décadas
de 1900. Isto porque, naqueles anos, as mulheres eram concebidas a partir da teoria biológica,
como sendo do “sexo frágil”, principalmente no que diz respeito às práticas desportivas, ou
seja,
Falava-se que o campo de futebol colocava em prova as representações de
feminilidade, comprometendo a graciosidade, a harmonia das formas, a
beleza, a sensualidade e a delicadeza. (TEIXEIRA JUNIOR, 2006, p. 16)
As possibilidades de acesso aos mais variados ambientes da sociedade (escola,
trabalho, lazer, esportes) eram práticas e direitos apenas permitidos a uma ínfima fração de
mulheres. Foi neste contexto, a partir de argumentos de ordem higienista e eugenista, que às
mulheres foi imposta a proibição da prática de esportes “incompatíveis com a sua natureza”
(frágil). Ainda a partir de tais argumentos, Fraga (2000) afirma que, em decorrência desta
concepção, um efeito direto e específico em torno de quais poderiam ser as práticas
corporais na Educação Física.
Aos meninos era importante privilegiar a virilidade e a robustez,
componentes de uma presumida identidade masculina. Às meninas, o vigor
necessário para superar os obstáculos impostos pela maternidade, mas sem
perder o ‘encanto’ feminino: ser forte em sua ‘missão’, mas ao mesmo
tempo, graciosa em seus gestos. (FRAGA, 2000, p. 116)
Considerando os valores vigentes, bem como a legislação daquele período na
sociedade brasileira, a prática que pode ser vista na Figura 1, a seguir, seria literalmente
“incompatível com as condições” da natureza feminina naquela época em que vigorava o
citado decreto, cuja “validade” legal perdurou até o ano de 1979, quando foi revogado através
da deliberação número 10 do CND.
80
Figura 1. Fonte: Jornal Correio do Povo, p.15, 10.2.2007
De 1941 até 1979, quando vigorou o Decreto-Lei 3.199 no Brasil, não eram todas as
atividades esportivas que as mulheres podiam praticar. Se exercícios e atividades físicas eram
vistos como excelentes alternativas para fortalecer o corpo feminino e prepará-lo para uma
boa maternidade, algumas práticas esportivas eram entendidas como de risco para a “natureza
das mulheres”.
A cena da Figura 1, obtida no ano de 2007, remete para o que seria uma “transgressão”
em duplo sentido: por se tratar de duas mulheres jogando futebol e, mais grave ainda, pelo
fato de que uma delas está gestante. Isto porque, conforme os valores morais da sociedade
daquele período, o entendimento (através do discurso vigente) de que o futebol era um esporte
muito violento que poderia pôr em risco a saúde feminina. Sob a influência dos discursos
higienistas e eugênicos, a partir do pensamento médico, entendia-se que o principal papel das
mulheres era contribuir para a perpetuação de uma população sadia. Para tanto, elas poderiam
(“estavam autorizadas”) a praticar esportes como vôlei, natação, atletismo e tênis,
modalidades que não colocariam em risco a função materna.
Explicitamente, foi através da deliberação número 7 que, no ano de 1965, o Conselho
Nacional de Desportos (CND) baixou instruções às entidades esportivas do país sobre a
81
prática de esportes pelas mulheres. Em seu artigo 2 declara: “não é permitida a prática de lutas
de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, rúgbi,
halterofilismo e basebol” (grifos meus).
Conforme Morel e Salles (2005, p. 262), “não é admissível realizar uma análise linear
da história da mulher no futebol” (eu incluo o futsal). muitos fatores e entraves sob a
perspectiva histórica e social. Merecem destaque o entendimento (principalmente pela classe
médica) de que seria perigoso (nocivo) para mulheres praticarem futebol e o pensamento
vigente de que filhas de “boa família” não deveriam se misturar com jogadores de futebol.
Olhando para aquele período, um dos entendimentos que se pode ter em relação ao
impedimento feminino tão veementemente imposto pelo discurso médico pode ser
relacionado aos poucos estudos
60
(ou à falta deles) que pudessem mostrar” e provar, sob os
aspectos fisiológicos, que as mulheres poderiam praticar esportes “para homens”. Parece que
a falta destes estudos direcionados a elas possibilitou ampliar especulações que ocasionaram
preconceitos e barreiras, culminando na proibição do seu envolvimento num dos eventos
sociais mais relevantes em muitas diferentes culturas.
de considerar, também, que o viés sexista, embutido no contexto social brasileiro
(e mundial) naquela época, perpetuava as desigualdades de gênero. Em suma, é possível
perceber, ainda hoje, alguns (para não dizer muitos) efeitos daquele período que interferiram
na aceitação feminina nos esportes, principalmente nas “opções e escolhas” de modalidades
que meninos e meninos devem praticar nas aulas, no interior das escolas.
Se é possível perceber com certa facilidade os efeitos proibitivos das leis em torno das
práticas possíveis de esportes para elas, a mesma facilidade não ocorre em relação aos
discursos sutis que circulam como, por exemplo, em imagens que ilustram as capas de livros
que ensinam sobre futsal. No exercício de análise que efetuei em livros didáticos, sob a
perspectiva de gênero, pude perceber que uma invisibilidade do gênero feminino nesta
importante parte dos livros que circulam nas bibliotecas especificamente direcionadas aos
futuros professores que ensinarão esta modalidade esportiva.
60
Trata-se de estudos que ajudam a entender as diferenças de propriedades motoras (força, velocidade resistência
aeróbica e anaeróbica) entre homens e mulheres. Estudos que mostrassem que as dimensões corporais (ósseas e
musculares) não eram fatores biológicos determinantes para impedir as mulheres de praticar esportes que
necessitassem destas características.
82
5.2 (In)visibilidade Feminina no Futsal: Breve Olhar para Capas de Livros Didáticos
sobre Futsal e para a Mídia
Apesar de se verificar que no final do século XX a visibilidade da mulher no cenário
esportivo teve uma grande ascensão, é possível constatar que em algumas modalidades esta
ascensão foi muito discreta. Como venho comentando, ao despertar o interesse e o
envolvimento cada vez maior das pessoas, a partir de sentimentos de paixão e de emoção, a
adesão à prática da modalidade de futsal na contemporaneidade tem sido expressa na mídia,
invariável e facilmente, através da representação masculina. Para dizer de outra maneira,
aproveito a afirmação de Altmann (2009), quando ela se refere à pouca oportunidade do
gênero feminino na mídia
Pesquisas têm demonstrado o que qualquer pessoa que acompanhe
noticiários ou diários esportivos pode constatar: a mídia esportiva se
constitui em um espaço de reserva dos homens. (ALTMANN, 2009, p. 61)
Assemelhando-se a este entendimento, fiz algumas constatações. Na opinião de
Devide (2005), a partir do entendimento de que as mulheres são classificadas” como mais
frágeis é que às mulheres é dada pouca atenção nos programas esportivos. Para ele
consenso de que se tem sub-representado a performance das mulheres no
esporte, o que contribui para o retardo do desenvolvimento do esporte
feminino e para a manutenção da hegemonia dos homens sobre as mulheres
neste campo, reforçando o mito da fragilidade e justificando a contínua
exclusão feminina. (DEVIDE, 2005, p. 66)
Minha intenção, então, volta-se para e centra-se na ausência do gênero feminino
enquanto representante desse esporte. Diante desta constatação, escolhi como um dos focos de
análises dar visibilidade
61
a esta (in)visibilidade nada discreta” delas, resultado, mesmo que
indireto (e sutil), de ensinar que o futsal não é uma modalidade para o gênero feminino.
Por mais paradoxal que possa ser imaginado, é possível dizer, através de um jogo de
linguagem, que elas estão presentes, mesmo estando ausentes. Isto é, a ausência delas como
esportistas também faz parte de um discurso ou, conforme aprendi com Bauer e Gaskell
61
Ao enfatizar que pretendo “dar visibilidade” a esta (in)visibilidade feminina deixo claro que não pretendo
“reforçar” o binarismo: elas versus eles, mas sim entender e mostrar como vêm operando e sendo representadas
as imagens do gênero feminino nestes artefatos como uma “dominação do masculino”.
83
(2002), podemos e devemos ler tantos os registros visuais presentes, como os “ausentes”. Com
isso quero dizer que minha tarefa de análise é possível, uma vez que, para esses autores, a
ausência de determinados indivíduos, ações, cores, objetos, práticas também pode ser lida
como quem um texto. Por quê? Como? Venho entendendo que interesses (comerciais,
culturais, sociais) que predominam na insistência de que alguns esportes são para homens.
Apesar do rompimento de vários obstáculos (preconceitos) no que diz respeito a questões de
gênero no mundo dos esportes, acredito ser o futsal um dos esportes cujas barreiras e fronteiras
culturais mais rapidamente vêm sendo rompidas. Entendo que é possível aprender, subjetivar e
influenciar através das ausências, das (in)visibilidades. Pois é considerando essa perspectiva
que realizei este estudo desenvolvendo algumas análises de gênero a partir de imagens que
obtive em livros didáticos sobre futsal, fotos em jornais, cartazes que anunciam a realização de
torneios e reportagens, sobre este esporte. Então, estas análises compõem o meu “quebra-
cabeça
62
” em relação às minhas inquietações dessa pesquisa.
Uma contribuição fundamental, no sentido de ampliar o porquê da minha opção em
analisar imagens em diferentes artefatos que coletei, diz respeito ao caráter simbólico das
imagens, cujo efeito pode ser extremamente avassalador e persuasivo. Para Kellner (1995,
p.113) “(...) as imagens vendem também uma visão de mundo, um estilo de vida e um sistema
de valores congruentes com os imperativos do capitalismo de consumo.” Por que falo aqui de
consumo e de efeito “persuasivo de imagens”? Porque vivi a experiência, ao publicar alguns
livros, no momento de escolher a imagem e a cor que iriam compor a capa, de ver que a
principal preocupação dos editores era/é exatamente “chamar a atenção” dos leitores
(principalmente para vender mais livros). Assim, as imagens precisam “persuadir para vender
uma visão de mundo, um sistema de valores”, como afirma Kellner (1995). Nesse momento,
julgo apropriado, então, que eu traga as imagens das três capas de livros que publiquei.
62
Não que eu queira, assim, “concluir” ou encerrar meus achados. O quebra-cabeça é uma metáfora que adoto
para expressar algo parecido com uma “bricolage”.
84
Figura 2. Futsal: ensino e
prática. 1ª edição (2004)
Figura 3. Futsal: enseñanza e
práctica. Edição em espanhol
(2004)
Figura 4. Futsal: ensino e
prática. 2ª ed. (2008)
Olhando para estas três imagens e comparando-as, é possível constatar que nas Figuras
2 e 3 não imagem de representante feminina, enquanto que o desenho de uma menina na
Figura 4 e a cor rosa (um dos signos associados ao feminino) rompe com a norma. Por que
digo que rompe com a norma? Porque constatei que as imagens contempladas nas capas de
livros didáticos sobre futsal trazem apenas o masculino ou imagens de bolas, cones, quadra,
goleira. Há, assim, uma (in)visibilidade feminina nesta parte do livro, a parte que mais chama a
atenção das pessoas (ela é a mais “persuasiva”). Por consequência, constitui-se numa tendência
privilegiar as características e os valores masculinos, em detrimento das características e dos
valores femininos, no que Silva (2000) entende como falocentrismo.
Nesse sentido, meus movimentos para realizar estas análises aconteceram inspirando-
me na ideia de Silva (2000) cujo entendimento sobre representação cultural refere-se às formas
textuais e visuais através das quais se descrevem os diferentes grupos culturais e suas
características. Considerando esse raciocínio, julgo relevante a pergunta: o que está sendo
ensinado a partir das representações (imagens, figuras, fotos ou desenhos) contidas nas capas
dos livros didáticos sobre futsal? Realizar este exercício analítico e ilustrar como estão se
dando as relações de gênero foi uma tarefa interpretativa nada fácil. Antes da minha
aproximação às teorias dos Estudos Culturais, eu não conseguia fazer estas análises. Foi neste
exercício de análises textuais que escolhi mudar, sair da norma, e optar pela escolha da cor rosa
(em vez da azul na edição anterior) e por trazer a representação feminina, em vez da masculina
que aparecia na capa anterior.
Procurando constatar quais representações aparecem nas capas de livros didáticos sobre
futsal, destaco, agora, alguns achados que fiz durante as visitas que realizei a duas bibliotecas.
85
A primeira foi feita na biblioteca Edgar Sperb
63
, na Escola Superior de Educação Física da
UFRGS, em Porto Alegre, onde, com o auxílio da bibliotecária, constatei a existência de 73
títulos de livros versando sobre futsal. Dado meu interesse em analisar somente as capas dos
livros didáticos, nesta categoria encontrei nas prateleiras o total de 40 títulos. Os demais livros
(33) versam sobre regras e não contêm imagens nas suas capas, motivo pelo qual não os
considerei nesta pesquisa. Realizei a segunda visita à Biblioteca Martinho Lutero (Ulbra de
Canoas, RS), onde encontrei trinta livros, conforme demonstro abaixo na tabela 2.
Seguem abaixo dois quadros, 1 e 2, que ilustram o que encontrei nas duas bibliotecas.
Quadro 1 - Distribuição de capas de livros sobre futsal
encontradas na bibioteca Edgar Sperb, conforme
representações presentes
Tipos de livros com capas Frequência
Livros sem imagens 33
Livros com imagens não humanas 12
Livros com imagens de meninos 28
Livros com imagens de meninas 0
Total 73
Durante a visita que efetuei no andar da biblioteca Martinho Lutero
64
, na ULBRA de
Canoas, constatei que a maioria dos trinta (30) livros sobre futsal disponíveis para consultas e
empréstimos é igual aos que analisei na biblioteca Edgar Sperb.
63
Esta visita aconteceu no dia 28 de novembro de 2008. Fui atendido pela bibliotecária que gentilmente
acompanhou-me até as prateleiras no local dos livros de futsal. Ao final da visita ela enviou-me por e-mail a
relação completa dos 73 livros.
64
Visita realizada no dia 01 de dezembro de 2008, segunda-feira.
86
Quadro 2 - Distribuição de capas de livros sobre futsal
encontradas na biblioteca Martinho Lutero, conforme
representações presentes
Tipos de livros com capas de futsal Frequência
Livros sem imagens 10
Livros com imagens não humanas 8
Livros com imagens de meninos 12
Livros com imagens de meninas 0
Total 30
Como os títulos encontrados são, na sua maioria, iguais em ambas as bibliotecas, inferi
que a maioria deles deve ter circulação nacional. Ou seja, eles têm tiragem em quantidade
elevada de tal modo que é possível encontrá-los em muitas outras bibliotecas do país, como
constatei
65
; assim, é provável que os meus achados não sofressem diferenças significativas nas
demais bibliotecas brasileiras. Em síntese, me parece que a representatividade feminina em
livros didáticos sobre futsal é nula não apenas nestas duas bibliotecas que pesquisei. A imagem
delas, meninas e mulheres, provavelmente é (in)invisível nestes significativos artefatos
culturais que versam sobre futsal e circulam nas mãos dos futuros professores de Educação
Física que trabalharão nas escolas em todo o Brasil.
Na perspectiva em que esta pesquisa se insere, entendo que as ilustrações, fotos,
desenhos e imagens presentes nas capas dos livros didáticos que ensinam sobre futsal são
artefatos culturais que colocam em circulação determinadas representações. E, assim, operam
constituindo, reforçando e produzindo as identidades de gênero nas relações estabelecidas com
este esporte. Ao final desta dissertação, trago em anexo dez imagens de capas de livros
didáticos de futsal em que não há representação feminina.
Envolver-me nesta dissertação e trazer estas análises possibilitou-me questionar (para
além desta pesquisa) o meu próprio modo de abordar as questões sociais relacionadas às
construções de gênero, o que tem contribuído sobremaneira para que eu consiga, junto aos
meus alunos, discutir, analisar e problematizar, sob esta perspectiva, acontecimentos teóricos e
65
Constatações feitas a partir de consultas que venho realizando em alguns sites de bibliotecas de universidades
nacionais, tais como: www.ufrgs.br; www.ufsc.br; www.unisul.br; www.unisinos.br; www.feevale.br .
87
práticos que estão sendo veiculados na mídia sobre o futsal. Pois é com o mesmo olhar que
realizei idêntico exercício (em relação ao das capas de livros didáticos de futsal) de análise em
um jornal de grande circulação na cidade de Canoas, RS
66
. Minha primeira intenção (antes de
iniciar a busca, a construção e análises dos textos e imagens naquele artefato cultural) era a de
fazê-lo em matérias que versassem sobre o futsal. Todavia, dada a reduzida quantidade de
matérias sobre este esporte, optei por buscar imagens e textos para problematizar quais as
representações de feminilidades e masculinidades que estavam em jogo quando se falava (e se
noticiava) sobre futebol no jornal Diário de Canoas. Para tanto debrucei-me sobre as edições
dos meses de março e abril de 2008, totalizando 92 páginas analisadas no caderno esportivo
deste jornal. A escolha deste diário de comunicação se deu à sua ampla abrangência (grande
tiragem
67
, dadas as devidas proporções), considerando-o como um artefato cultural que coloca
em circulação determinadas representações estabelecidas na relação com o futebol que
constituem e produzem os sujeitos femininos e masculinos sobre os quais falam. Alunos, pais e
professores da escola onde exerço minhas atividades docentes leem este jornal diariamente
Talvez este público não tenha perscrutado suas páginas à procura de notícias sobre futsal como
eu fiz. Todavia, creio que a invisibilidade que constatei ajuda a ensinar que o futebol, e associo
o futsal, é esporte vinculado ao universo masculino. Assim, trago aqui alguns destaques em
relação às principais constatações feitas a partir destas análises.
Neste segundo material analisado, de início, uma característica impactante refere-se à
quase ausência feminina nas matérias que versam sobre futebol (e futsal). Diante de tal
constatação, foi cogitada a inadequação de continuar as análises neste jornal. As mulheres
praticamente foram “esquecidas” nesse importante jornal na cidade de Canoas, RS. Assim, ao
procurar fotos e textos que veiculassem a presença feminina nas notícias sobre estas
modalidades, a quantidade era extremamente reduzida comparada à presença masculina. Em
relação ao número de fotos, encontrei o seguinte “placar”: os homens apareceram em 142
fotos, enquanto que as mulheres em apenas 4 fotos. em relação aos textos, estes também
foram acentuadamente desproporcionais, pois havia 290 matérias escritas com assuntos
referentes aos homens no futebol, enquanto que os conteúdos escritos que continham
referências a mulheres totalizavam apenas 9. Neste momento, é interessante considerar um dos
66
Parte da problematização expressa ao longo desse texto sobre a análise do referido jornal também constituiu o
artigo intitulado Problematizando questões de gênero e futebol em um jornal da cidade de Canoas, RS
(TENROLLER, Carlos; MOMO, Mariangela, 2008).
67
Conforme informações dos editores do jornal, ele é lido por pessoas das classes ‘A’ até a classe ‘E’ e sua
venda diária é em torno de quinze mil exemplares, sendo que dez mil são entregues para assinantes.
88
argumentos de Louro (1997), de que as práticas sociais são constituídas pelos gêneros, mas são
também constituintes deles. Assim, posso dizer que, nas páginas do jornal, a prática do futebol
e do futsal é eminentemente constituinte do gênero masculino. Diante de tal constatação, vale
fazer o seguinte questionamento: como as leitoras (alunas e mães) desse jornal poderiam se
identificar com a prática do futebol ou do futsal se elas não se viam (creio que ainda não se
vêem) ali representadas?
Nas poucas matérias com alusão à presença feminina, conforme constatei, pude
perceber que elas estavam secundarizadas em relação ao masculino. Elas eram apenas
coadjuvantes, como pode ser analisado no seguinte excerto.
Coruja, mãe do pequeno Denis, de 10 anos, Daiane Hanich, 25 anos, não
desgrudou os olhos do campo do Botafogo. A moradora do bairro
Canudos levou o filho, que joga como volante, em sua primeira peneira.
“Ele estava bastante ansioso, mas estamos sempre na torcida”, salientou.
(Jornal ABC
68
, 27.04.2008, p. 37)
(Figuras 26, 27 e 28 estão no anexo E).
Aqui neste excerto constata-se a presença feminina relacionada ao “papel de mãe”.
Outra característica que constatei em relação à referência à mulher nos textos do caderno
esportivo e que parece ser a condição possível para que ela apareça é que a representação
feminina se a partir dos interesses dos homens, com os quais as mulheres têm relações
familiares, como pode ser verificado através do excerto transcrito abaixo:
O auxiliar administrativo Jacob Pier, 44, levou a esposa Carla, 32, e o
filho Tiago, 8, ao campo. “Viemos torcer pelo time da casa, ainda mais
como colorados”, salientou.
(Jornal ABC, 27.04.2008, p. 37).
Destaco estes excertos porque servem para pensar e evidenciar o modo como o jornal
constitui o feminino a partir das vontades, desejos e necessidades do masculino. A impressão é
a de que Carla foi ao estádio porque seu marido teve vontade de levá-la e Daiane
desempenha, nos campos, o papel de mãe e torcedora para a realização do sonho do filho de ser
jogador de futebol.
68
Aos domingos os cadernos são feitos de modo conjugado, isto é, são três jornais (Vale dos Sinos, Diário de
Canoas e ABC), impressos no jornal ABC, com notícias, principalmente, das cidades de Canoas, São Leopoldo e
Novo Hamburgo.
89
Nas raras fotos em que elas aparecem, as mulheres são coadjuvantes nas conquistas
masculinas. Exemplo é a foto abaixo (Figura 5) que traz o time masculino campeão de futebol-
sete realizado pelo Sesi, em Canoas. É possível ver que os atletas masculinos, uniformizados,
estão em duas fileiras, uma em pé, outra abaixada. Do lado esquerdo do time estão, sentadas no
chão, sem uniforme, duas mulheres e uma criança, remetendo à leitura de que seriam esposas e
filha de algum jogador ou então torcedoras.
Figura 5. Foto “elas como coadjuvantes”
Na próxima foto (Figura 6) seis jovens uniformizadas, caracterizadas não como
atletas, mas como torcedoras do Sport Club Internacional vestndo a camisa do clube e calça
jeans. Abaixo da foto consta a frase: “INTER: colorado conta com o apoio das suas torcedoras
no Dia Internacional da Mulher” (DIÁRIO DE CANOAS, 04.03.2008, p. 25). A condição para
que essa foto esteja estampada “repleta de belas jovens” está relacionada à homenagem
prestada pelo clube para as mulheres pelo Dia Internacional da Mulher, como forma de obter o
apoio das suas torcedoras. Ou seja, pode-se entender que aqui a imagem feminina es
condicionada a uma estratégia de marketing, apelando para que as mulheres lotem o estádio.
90
Figura 6. “Mulheres não pagam sábado no Beira-Rio”.
Aqui nota-se uma estratégia de marketing com a possibilidade de atrair mais público.
As mulheres, jovens, bonitas, sorridentes compõem uma bela imagem, um belo efeito, um
adorno estratégico para conquistar mais mulheres (com este papel) e mais público nas
arquibancadas.
Ainda como última constatação das análises acerca da presença de referências à mulher
tanto no texto escrito como nas fotos relativas ao futebol ao longo das 92 páginas do jornal,
observo que foram encontradas apenas 4 fotos e 9 textos que as mencionam. Das 4 fotos que
encontrei sobre o gênero feminino no jornal, apenas uma delas refere a mulher como praticante
de futebol, ou seja, em relação ao esporte futsal o placar ficou “em branco”, ou invisível.
Percebo que o reduzido espaço ocupado por mulheres no caderno esportivo deste jornal
ajuda a construir a ideia de que futebol é para homens, reforçando valores machistas que se
evidenciam através da quantidade desproporcional de fotos e textos sobre mulheres e homens
neste esporte. E mais: esta construção tem sido direcionada a perpetuar alguns valores
hegemônicos, tais como “futebol é para ser praticado por homens e eles é que devem ter lugar
de destaque”. O modo como as mulheres são representadas nas relações estabelecidas com o
futebol parecem contribuir para construir um único tipo de identidade para cada gênero – como
quando as mulheres estão no futebol porque “acopladas” a um marido ou a um filho –,
perpetuando a domesticidade feminina como valor hegemônico.
91
Diante das constatações advindas dessas análises, penso que a (in)visibilidade feminina
que identifiquei nas capas dos livros didáticos sobre futsal e a ausência de imagens e de textos
sobre as praticantes deste esporte no jornal Diário de Canoas, RS, são alguns aspectos – muitas
vezes imperceptíveisque vêm contribuindo para a reiteração e exemplificação de fatos como
o de que as mulheres e meninas não devem gostar nem se envolver com este esporte. Parece,
diante do que constatei nestes artefatos culturais, que o futsal não faz parte da vida cotidiana de
milhares de mulheres e meninas. Entretanto, de certa maneira, eles não “conferem” com os
dados oficiais divulgados pela Confederação Brasileira de Futsal, de que milhares de
praticantes deste esporte em todo o Brasil e de que cada vez cresce mais o número de
envolvidas nesta modalidade. Afinal, o que está em jogo em relação à constituição deste
esporte, sob a análise de gênero? Por enquanto, me parece que estes e outros modos de ser
mulher (e praticantes de futsal) nesses tempos contemporâneos têm atravessado, vem
compondo e fazendo parte deste jogo social que, naturalmente, vem ajudando a compor os
regimes de verdade. Estes artefatos, creio, são poderosos veículos que influenciam condutas,
em opções ou não de alunos e de alunas praticarem futsal na escola e para além dos seus
muros.
5.3 O que está em Jogo quando ocorre a Visibilidade Feminina no Futsal?
Se os artefatos culturais que analisei até aqui têm e “trazem” como principal marca a
(in)visibilidade feminina no futsal, isto não encontra contrapartida em relação ao masculino.
Apesar de ainda ser “tímido” o uso do futsal dentro das estratégias de marketing, constatei
que algumas grandes empresas
69
vêm lançando mão de atletas de sucesso nesta modalidade
para divulgar alguns de seus produtos. Dentro desse panorama, como está a visibilidade
feminina? Ora: como tem sido na história da maioria dos esportes de alto rendimento, a
exploração de imagens focaliza principalmente o gênero masculino; infelizmente, as mulheres
teriam que “se acostumar” a esta realidade, pois, comparada ao masculino a sua visibilidade é
nula. Logo, o gênero feminino precisa continuar torcendo para o sucesso do naipe masculino.
Assim, a representatividade e o êxito deles na mídia deverá continuar abrindo novas
possibilidades, neste jovem esporte coletivo e, quiçá, as mulheres comecem a ser
representadas em jornais, revistas ou na Tv?
69
Banco do Brasil, Correios, Umbro e Malwee.
92
Para poder construir minha análise em torno do que denomino a estratégia de uso de
mulheres como moeda de troca no futsal, valho-me da ideia de que somos atravessados e
“organizados” por esta cultura do consumo e de que somos cotidianamente mediados por esta
lógica (COSTA, 2008, p.7)
Como mencionei no capítulo 2, haveria um interesse por parte dos homens de que as
mulheres viessem a ser aceitas no universo de praticantes de futsal. Haveria, inclusive, “um
esforço” que vem sendo posto em ação no sentido de facilitar o aumento de criação de
equipes, de competições, de torneios, entre outras “facilidades”. O excerto, presente na figura
abaixo, ilustra este esforço que vem sendo praticado pela Confederação Brasileira de Futsal.
Figura 7 – Fonte: Revista da CBFS
Este é um excerto da Revista organizada pela CBFS, que publica informações
referentes à Liga Nacional deste esporte no Brasil. Trata-se da resposta do presidente da
CBFS à pergunta: O futsal feminino também está no programa de prioridades a partir de
agora? (2005, p. 46).
Trago esta fala da maior autoridade do futsal no Brasil para questionar o seguinte: por
que o “trabalho para a evolução do futsal feminino” vem acontecendo apenas três anos, se
a prática do futsal feminino é significativa desde a década de 1980
70
? As perguntas que faço,
apesar de parecerem ter tom irônico, servem para problematizar o jogo de interesses que está
relacionado ao esforço que “surgiu três anos”. Faço uma relação entre o “trabalho” da
CBFS em prol da evolução do futsal feminino, e o entendimento da lógica do mercado
consumista na contemporaneidade, conforme Costa (2008). Fica claro que a mulher vem
70
Conforme informado (capítulo 2), a prática do futsal feminino no Brasil aconteceu pela autorização da
FIFUSA em 23 de abril de 1983.
93
sendo usada como moeda de troca para que o futsal masculino seja aceito como uma das
modalidades olímpicas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Em decorrência desta
realidade, é fato que o futsal feminino somente agora passa a ter um significativo peso
político, que por muitos anos não teve, impulsionado por valores econômicos.
Talvez para que a visibilidade feminina aconteça isto, no papel principal elas
tenham que estar e fazer parte desse jogo. Conforme aconteceu com outros esportes
71
,
através de competições e calendários organizados e sempre depois do sucesso do gênero
masculino, é provável que elas usufruam destas conquistas que somente agora se avizinham,
em função de tal jogo.
No exercício de pesquisa e de busca de materiais que fiz nos últimos dois anos,
percebi que a presença feminina relacionada ao futsal vem acontecendo não na condição de
personagem principal, mas em muitas oportunidades, “elas são apenas mais uma”: torcedora,
animadora das torcidas, um número nas estatísticas. Isto é, o tipo de visibilidade que o gênero
feminino tem alcançado pode ser observado em ginásios, nas torcidas, nos intervalos dos
jogos e até na apresentação das camisas das equipes masculinas que disputam os jogos da
Liga Nacional de futsal. Ao meu entender, parece que elas (mulheres e meninas) estão, de
certa forma, à margem deste fenômeno esportivo. Estas são as interpretações que fiz a partir
de algumas imagens que analisei, retiradas de diferentes revistas e jornais de ampla
circulação.
Figura 8. Animadoras das torcidas. Fonte: Revista da CBFS
Na imagem acima, parece que a beleza, os movimentos dos corpos estimulados pelo
ritmo da música dos alto-falantes no ginásio e o tipo de roupa dão a entender que elas, através
da beleza e da jovialidade, são “excelentes” animadoras do espetáculo de jogar futsal.
71
Como o vôlei, as lutas, corridas e, ainda de maneira incipiente, no futebol de campo.
94
nos gráficos e imagens ilustrados abaixo – Figuras 9 e 10 – é possível constatar que
a presença feminina nos ginásios ajuda a elevar as estatísticas de público no decorrer de
campeonatos, como publicado pela Revista da Liga Nacional de Futsal.
Figura 9. Elas e as estatísticas no futsal. Fonte: Revista da CBFS
95
Figura 10. Contribuição feminina nas estatísticas do futsal. Fonte: Revista da CBFS
96
Figura 11. Meninas e moças na apresentação das equipes masculinas (camisas dos clubes) que
disputariam a Liga Futsal 2005. Fonte: Revista da CBFS
Apesar de o futsal, em geral, “depender do sucesso do futsal feminino” para atender as
exigências do COI e, assim, participar dos Jogos Olímpicos, noto que a divulgação de
imagens e textos que possam atuar como estratégia de estímulo e conquista de mais meninas e
mulheres em prol do esporte tem sido pouco explorada. Faço esta constatação a partir de
observações empíricas
que fiz
72
. Verifiquei vídeos e filmagens contendo depoimentos de
atletas, de personalidades e de dirigentes, assisti a lances de gols e de jogadas bonitas, tive
contato com textos e fotos em materiais de divulgação do futsal
73
. Resultado: a representação
do gênero feminino naqueles eventos foi, mais uma vez, significativamente inferior em
relação à representação do masculino. A partir dessas acentuadas diferenças, é possível
chamar a atenção para o fato de que, mesmo quem deve (deveria) promover a visibilidade
feminina para atrair patrocinadores e incrementar este gênero no futsal, acaba “reforçando”
valores e discursos que circulam, são aceitos muitas vezes como naturais, operando, assim,
como regimes de verdade, e prosseguem dificultando a participação feminina no esporte.
A próxima imagem (figura 12) refere-se ao evento no qual fiz uma breve incursão de
campo e obtive materiais como os que constam nas figuras 13 e 14.
72
Visita que fiz ao Evento “Um Show de Futsal” no Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, no mês de
setembro de 2008, organizado pela CBFS com o propósito de divulgar a Copa do Mundo de Futsal ocorrida no
Brasil em 2008.
73
Entre os materiais distribuídos, além de assistir vídeos, obtive o livreto “O mundo mágico do futsal” que
contém informações gerais sobre o futsal.
97
Evento “Um Show de Futsal”
Figura 12. Evento para divulgar a realização da Copa do Mundo de Futsal no Brasil.
Fonte: Jornal Diário Gaúcho
Figura 13. Capa de Livreto de divulgação. Figura 14. Página 8 do livreto.
Fontes: CBFS
Olhando para a figura 13, capa do livreto “O mundo mágico do futsal”, pode-se
perguntar: onde está a representação feminina na mais visível e importante parte deste
98
material de divulgação da modalidade? Na figura 14, encontramos a única página que traz a
imagem feminina e ela é representada na cor rosa (um dos signos construídos em torno da
feminilidade). Acrescento que o diálogo entre os personagens (eles), quando o mascote da
Copa informa que “(...) até as meninas estão batendo o maior bolão!”, causa uma grande
surpresa ao personagem Roberto, de modo que, duvidando de tal possibilidade, ele
pergunta: “O quê! As meninas sabem jogar?” Após ter sido chamada a sua atenção (“Olha o
preconceito, Zé!”), o mascote diz que “As meninas estão mostrando que tem talento pra
caramba!” Na sequência, afirma: E tem até salários...” O uso do termo “até” sinaliza a
excepcionalidade dos acontecimentos em relação às meninas.
Este material de divulgação do futsal foi impresso com grande tiragem e distribuído
gratuitamente a milhares de pessoas em várias capitais do Brasil. O que se percebe neste
livreto, tanto na conversa dos personagens e nos acontecimentos e cenas criadas na história
construída para que o público brasileiro conheça mais o futsal, é, mais uma vez, uma
secundarização da participação feminina. Em relação às imagens (os desenhos), assim, é
possível constatar que o gênero feminino esrepresentado apenas uma vez entre as mais de
cinquenta ilustrações que compõem o livreto.
nas minhas buscas em jornais, fiz uma constatação muito parecida com as análises
nas duas figuras (13 e 14) anteriores. Ao deparar-me com a matéria que trago na figura 15,
inserida abaixo, reforça-se a grande diferença da representatividade dos gêneros.
Apesar de abordar o mesmo esporte e o mesmo assunto, o texto e a ilustração dão
extrema visibilidade ao masculino. Apenas no último e reduzido parágrafo “aparecem” as
mulheres. Evidencia-se, assim, através desta notícia, veiculada em um jornal de grande
tiragem e de grande circulação no Rio Grande do Sul, a diferença de representação entre eles
e elas neste esporte.
99
Figura 15. Fonte Jornal do Comércio, p.27, 30.11.2006.
Em síntese, através dos achados que fiz até aqui, pude constatar como são poucos os
espaços e as oportunidades, tanto na mídia impressa como na TV, para que o gênero feminino
consiga romper fronteiras e resistências que lhe foram impostas em épocas passadas. Acredito
que esta maneira hegemônica de difundir os esportes, como estão representados nestes
100
artefatos culturais que investiguei, tem contribuído para reforçar os discursos que ensinam
que os diferentes tipos de futebol
74
são para homens.
5.4 Futsal: Feminilidades e Masculinidades em Jogo na Escola e Fora Dela
Apesar da pouca visibilidade conferida à mulher quanto ao “papel” de praticante de
futsal, isto não significa que ela não tenha ou não venha sendo representada. de se
considerar a existência da força dos discursos que já estão postos muito tempo e em várias
sociedades. Certamente que a naturalização (como abordei antes) de que esportes
“impróprios” para o gênero feminino implica uma considerável dificuldade para sua aceitação
nesse nicho masculino. Trago esta consideração porque é perceptível (e visível) que algumas
praticantes de esportes “novos para elas” têm realizado um esforço no sentido de mostrar que
são capazes de executar as mesmas atividades que eles. Para tanto, observo que algumas delas
vêm utilizando
75
gestos, trejeitos e comportamentos peculiares dos meninos no decorrer de
jogos
76
. Assim, é como se, para “provar” que o futsal também é possível de ser praticado por
meninas, elas tivessem (me parece) que “esquecer” sua feminilidade (aqueles atributos e
construções de sensibilidade, delicadeza, emotividade, etc). Ao entrar nesse jogo –
feminilidadeversus” masculinidade o gênero feminino tem que “provar” pelo menos duas
vezes para a sociedade que elas não fogem das normas aceitas como corretas”. Ou seja, se
elas os imitam são, muitas vezes, taxadas como “sapatão
77
”, expressão recorrente e com
sentido pejorativo, como pode ser notada na fala da “aluna 2”, no excerto a seguir que obtive
na escola que pesquisei, a partir da resposta à questão “O que tu pensas sobre futsal e meninas
na escola?”
Aluna 2
78
... Ah, na verdade eu penso... quer dizer... muitas pessoas, alguns guris quando veem
74
Apesar de meu objetivo ser o futsal, nos demais tipos de futebol, como o futebol de campo, futebol de areia,
futebol de grama sintético, futebol sete, a representação feminina também é mínima.
75
Como tenho percebido nos eventos em que atuo como árbitro e, mais recentemente, na escola onde venho
coletando narrativas (gravando entrevistas, observações, fotos...), elas tentam “imitar” algumas posturas dos
meninos.
76
Principalmente em torneios, em datas ou turnos que não os das aulas de Educação Física nos períodos
regulares, os denominados “Torneios extraclasse”.
77
Atribui-se o surgimento deste termo “Maria Sapatão” à premiação de pares de sapatos num campeonato
feminino no ano de 1940, feita por um empresário do ramo calçadista. Conforme Teixeira Jr. 2006, p.15.
78
Para diferenciar as citações de falas de alunos e alunas entrevistados/as de citações bibliográficas, uso também
negrito.
101
as gurias jogando, né, logo vão falando que são tudo, sapatona, né? Por isso que
eu e as gurias não gostamos de jogar quando eles ficam na quadra olhando a gente
jogar...
Ao analisar a opinião desta aluna, o faço articulando com as próximas entrevistas e
também considerando os artefatos que já analisei, para entender a construção social de gênero
na escola e fora dela. Procedi, assim, sem desconsiderar que as diferenças de cunho biológico
atravessam estes comportamentos entre alunas e alunos (na escola) ou entre homens e
mulheres (fora da escola). Por isso, sei que outras construções podem ser feitas a partir de tais
diferenças.
É significativa a quantidade e a qualidade de trabalhos que foram socializados em
torno das questões de masculinidade, feminilidade e esporte. Paim (2008), ao pesquisar
mulheres praticantes de futsal e a representação social da violência de gênero no contexto
esportivo, faz alusão a vários trabalhos sobre este assunto, entre os quais destaca Sousa e
Altmann (1999), Knijnik e Vasconcellos (2003), Capitanio (2004) e Paim (2005). Em seus
estudos, ao assumir que gênero é uma construção social, Paim (2008) constatou que mulheres
praticantes de futsal sofrem preconceitos e que alguns estereótipos as permeiam, destacando
que, na maioria das vezes, tem ocorrido um tipo de violência silenciosa que passa
despercebida pela sociedade e pelas próprias praticantes.
Moura (2003), referindo-se à masculinização da mulher nos anos 1940, menciona que
elas (aquelas mulheres que jogavam futebol) faziam movimentos não condizentes com os de
uma mulher e cuspiam no chão imitando os homens. Daí serem taxadas de mulheres
masculinizadas, atributo que na época (e até hoje) suscitava e suscita desprezo por
significativa parte da sociedade.
Outro gesto praticado pelas meninas na escola que me chamou a atenção é o uso das
mãos para proteger os órgãos sexuais quando elas formam a barreira. Às vezes, algumas delas
“esquecem” de proteger os seios. Trata-se de uma imitação do masculino? Penso que este é
um exemplo de construção social e, também, um dos recursos que, percebido e praticado por
elas, tem sido usado como estratégia para que possam ser aceitas por eles, neste esporte
construído pelo e para o gênero masculino. Ou usando algumas palavras de Fraga (2000, p.
146) “os corpos e gestos delas se tornam um ponto de passagem (...) marcados muito mais
102
pela cultura do que por limitações de natureza fisiológica”. De certa maneira, relaciono estes
exemplos com a colocação de Goellner (2007), que enfatiza
[...] o esporte como um espaço generificado, que produz práticas e discursos
que marcam os corpos e os comportamentos a partir do que cada cultura
define como masculino e/ou feminino. (GOELLNER, 2007)
No excerto abaixo respostas da aluna 1– é possível fazer relações com várias
questões que venho trazendo.
... As gurias ficam sem fazer nada... os guris gostam de jogar... Os guris têm
mais habilidade... eles têm, assim, como se diz? Eles têm mais corpo. Se a gente se
machucar é pior, eles nem ligam... Futsal é mais para homens... As gurias
jogam diferente... Os guris são mais agressivos... Eles entendem mais que nós...
Eles ficam mais vidrados no jogo... Os guris sabem jogar (...) nós não sabemos
jogar (...) imagina... Eu sei dum guri que quebrou cinco vezes o nariz... Meus
Deus! pensou se a bola bate no meu nariz?! Eu morro! Acho que os guris
nasceram com esse dom, mas a gente não.
Essa aluna deixa entender que “é natural” que os meninos joguem enquanto que as
meninas “podem se machucar” (elas são delicadas) e esta aluna pode até morrer” se a bola
bater no seu nariz, utilizando, inclusive, um termo “dom” que representa a naturalização
de tendências e privilégios. Será que esta sensibilidade e a fragilidade têm relação com
aqueles discursos médicos do século passado? Por outro lado, os meninos “são agressivos”,
“têm mais corpo, têm raça (“ficam mais vidrados”) sabem jogar, têm mais habilidade. Em
síntese, para esta aluna (e tantas outras) futsal é um esporte para o gênero masculino. Este é
um excerto que me ajuda a compor meu estudo no sentido de entender como “andam” as
narrativas de alunas e alunos sobre este esporte, de como operam e como entendem o esporte
futsal nas práticas de Educação Física na escola.
No próximo depoimento excerto do aluno 1 percebo uma narrativa quase análoga,
isto é, muito parecida com a da aluna 1 e que, de certa forma, a reforça.
... As gurias ficam sem fazer nada... os guris gostam de jogar... As gurias são
meio atrapalhadas... Os guris têm mais habilidade... Ah, eu prefiro jogar futsal do
que ficar jogando vôlei... Os guris correm mais e são mais rápidos. Os guris
103
gostam mais de jogar bola. As gurias ficam andando pelo pátio do colégio...
pulando corda ou fazendo outra coisa... Jogando vôlei... Às vezes elas não fazem
nada.
Este aluno traz um quadro que é muito parecido com as narrativas que escutei e que
observei nos espaços da escola (quadra, pátio e corredores). Assemelha-se também a alguns
depoimentos e respostas que obtive. Ele destaca que os meninos seriam “superiores” em
relação às meninas, tanto no que diz respeito à habilidade, quanto à propriedade motora de
velocidade. Sua fala tem identificação com o discurso biológico intensamente difundido desde
o século passado e que continua a vigorar em larga escala. Mas outro fato que é recorrente e
que chamou a minha atenção foi a “opção
79
das meninas em procurar outras atividades e
muitas “não terem feito nada”, no decorrer dos períodos das aulas de Educação Física. Acho
que a maioria se não todas das palavras deste aluno tem relação direta ou indireta com
questões de gênero. Será que o jogar vôlei não tem relação com a opção permitida nas antigas
leis e decretos?
Será que não são estas as questões que estão em jogo na escola e fora dela, quanto às
feminilidades e masculinidades no futsal? Não pretendo responder de modo inquestionável,
até porque não posso, não devo e não pretendo afirmar ou trazer verdades definitivas nesta
pesquisa. Mas, de algum modo, no conjunto de análises que compartilho deste trabalho
investigativo, “as respostas estão dadas”.
Assim, pude, nas falas das meninas e dos meninos, identificar algumas dicotomias
que, muitas vezes, parecem antagônicas, tais como: forte versus frágil; com habilidade versus
sem habilidade; coragem versus medo. Estes opostos acabam reforçando ainda mais a
natureza dicotômica em torno das questões de gênero, criando (ou construindo) e alimentando
a perpetuação dos discursos e suas pseudoverdades. Nos argumentos dos meninos aparecem
os termos força, habilidade, coragem, enquanto que elas mencionam palavras associadas à
fragilidade, falta de habilidade, ausência de coragem, de força, ausência de agressividade e
falta de conhecimento (‘não sabem jogar’).
79
Uso o termo “opção” para não fugir do “fio condutor das análises” que venho fazendo, mas vejo como
problemática esta “opção” de deixar alunos e as alunas, principalmente, livres para fazer o que querem (e, assim,
não estimular e não cobrar o envolvimento delas nas práticas do futsal).
104
5.5 Um Torneio de Futsal na Escola: o que Dizem Meninas e Meninos.
Os acontecimentos que passo a descrever e analisar tiveram lugar por ocasião de um
torneio de futsal ocorrido entre quatro turmas de quinta série do ensino fundamental na
mesma escola onde fiz entrevistas, anotações e registros diários de envolvimentos e práticas
de futsal de alunos nas aulas de Educação Física. Este evento faz parte do conjunto de
projetos
80
que ocorre anualmente na escola. De maneira muito pertinente para minha pesquisa,
pude organizar previamente a este torneio um roteiro escrito de questões a serem apresentadas
a alunos de ambos os sexos, o qual apresento mais adiante. Observo que coube a mim, como
docente da escola na disciplina de Educação Física, organizar a arbitragem
81
, chaves das
equipes e demais tarefas no torneio.
A alusão ao torneio de futsal, no momento da entrega dos roteiros de questões aos
alunos, foi apresentada como uma perspectiva ou possibilidade. Ou seja, tal evento foi tratado
naquele momento como uma hipótese (os alunos e as alunas não sabiam que iria acontecer o
torneio). Fiz esta opção para não inibir (ou influenciar) nas respostas. Para responder às
questões, os alunos não precisavam se identificar; marcavam apenas qual a turma a que
pertenciam (51, 52, 53 ou 54) e se eram menino ou menina.
Creio ser oportuno mencionar que, no momento que fui convidado pela direção da
escola para organizar o torneio, uma frase da orientadora da escola me chamou a atenção:
“Professor Carlos, o senhor está convidado para organizar o torneio de futsal dos guris das
quintas séries!”. Imediatamente, perguntei: “Mas e as gurias não irão participar?”. Ah, tu
podes convidá-las para fazer a torcida”, respondeu ela. Na perspectiva teórica em que estou
envolvido neste estudo, estas duas frases são fecundas para minhas análises. Na sequência do
diálogo que tive com a orientadora, perguntei-lhe (na verdade informei-a): “Posso convidar as
gurias para jogar?” Ela respondeu: “Será que vai dar certo?”, “Será que elas jogam?!”,“Tu
não achas melhor elas virem formar torcidas pros guris?”, “Acho brabo elas jogarem, todo
caso...é tu que vais organizar...”, “Tu que sabes.” Tudo contigo...”, “Podes convidá-las”.
Neste curto diálogo, é possível perceber como uma noção arraigada de que as
meninas “têm um lugar” separado dos meninos. Eles são vistos jogando, ocupando a quadra,
80
Os projetos da escola caracterizam-se como atividades que compõem a carga horária anual de 800 horas e
acontecem uma ou duas vezes em cada mês, sempre aos sábados. Este aconteceu dia 6 de junho de 2009.
81
Os jogos foram arbitrados por um acadêmico de Educação Física que fez seu estágio na escola.
105
sendo os protagonistas do torneio, enquanto elas são as animadoras (de acordo com imagens
que garimpei e estão nesta pesquisa, como a figura 8). Efetivamente, a escola, que teria o
papel de estimular, de promover a redução das desigualdades acaba em alguns momentos
contribuindo para perpetuar a hegemonia de certas tendências, mesmo que inocentemente,
como pode ser analisado nesse diálogo que trouxe agora. Parece-me que, deste modo, a
manutenção e construção dos regimes de verdade em torno da possibilidade feminina estão
atravessadas por discursos que são enunciados por todos os lados (na escola, nos jornais, nos
livros didáticos etc). É assim, com um caráter sutil e inocente, que venho percebendo e
percebi as segregações de gênero na escola e para além dos seus muros, em relação ao esporte
futsal.
Como mencionei acima, entreguei um roteiro escrito com questões para serem
respondidas por alunos (meninos e meninas). É o seguinte roteiro:
Para responder as questões abaixo não é preciso identificar-se.
Eu sou da turma 51 ( ); 52 ( ); 53 ( ); 54 ( )
Menina ( ) Menino ( ).
Caso acontecesse um torneio de futsal na escola, tu participarias de qual maneira?
( ) Compondo uma das equipes como jogador (a).
( ) Compondo a torcida.
( ) Apenas assistindo.
Caso quisesses participar do torneio de futsal de outra maneira, qual seria? Responde com as
tuas palavras.
Caso um torneio de futsal viesse a ser realizado para as turmas de 5ªs séries e este fosse
possível apenas a um gênero: meninos ou meninas, e tu pudesses votar para escolher quem
deveria disputar jogar no torneio, teu voto seria para?
As meninas ( ) Os meninos ( )
Explica com tuas palavras por que tu votarias, ou não votarias, nas meninas?
Explica com tuas palavras por que tu votarias, ou não votarias, nos meninos?
Este roteiro foi entregue por mim, impresso em folhas de ofício em quatro salas de
aula, não para a totalidade da turma, mas para seis meninas e seis meninos de cada turma,
totalizando quarenta e oito participantes das turmas de quintas séries do ensino fundamental.
As alunas e os alunos foram escolhidos por indicação da professora que estava na sala de aula
106
no momento da distribuição das folhas. A recomendação das quatro professoras (uma em cada
sala) foi feita no sentido de que os questionários fossem entregues para aqueles alunos e
aquelas alunas que têm o hábito de escrever mais. A opção por tal critério foi motivada pelo
pouco material para análise obtido através de outras tentativas anteriores (agosto a outubro de
2008) com questões abertas
82
direcionadas, respondidas oralmente por alunos e alunas desta
mesma série
83
.
A seguir trago as respostas dadas por meninas e por meninos, que responderam ao
roteiro de questões, para, a seguir, proceder às análises articulando-as com os entendimentos e
pesquisas de gênero trazidas neste e nos capítulos anteriores. Neste momento, opto em
organizar as análises em dois grupos, nomeando-os de grupo A, referente às meninas e, o
grupo B, com as respostas dos meninos.
Em relação a questão “1: - Caso acontecesse um torneio de futsal na escola, tu
participarias de qual maneira?” A questão continha três alternativas de resposta:
a) Compondo uma das equipes como jogador;
b) Compondo a torcida
c) Apenas assistindo.
Além das respostas, caso o respondente desejasse, poderia responder de qual maneira
gostaria de participar do torneio de futsal.
5.5.1 Grupo A (respostas das meninas)
Em relação a esta questão, das 23 meninas que responderam, 15 (quinze) optaram pela
alternativa “a”, ou seja, compondo uma das equipes como jogadora. Seis (6) optariam em
compor a torcida, enquanto que 2 (duas) participariam apenas assistindo. Em relação a
questão aberta, 14 meninas não responderam, enquanto que, das nove respostas das demais,
destaca-se a opção mais recorrente: quatro optariam por ser torcedoras das meninas, sendo
que uma escolheria ser líder de torcida. Uma das respostas foi “eu seria a treinadora”. Outra
preocupação que elas manifestaram nas respostas foi a opção de poderem jogar separadas,
isto é, meninas versus meninas e meninos versus meninos.
Analisando as respostas referentes a esta questão, é possível entender que, apesar da
maioria delas optarem por jogar, há, ainda, uma significativa fração das alunas que não
desejam participar jogando. Ou seja, optar por não jogar (só assistir) ou apenas compor a
82
Conforme anexo A.
83
Previamente expliquei, na sala dos professores, por ocasião do intervalo, recreio, que iria passar em cada uma
das salas para entregar o roteiro e, então, pedi para cada professora me indicar alunos que têm mais fluência na
escrita.
107
torcida, assemelha-se ao pensamento presente no diálogo que trouxe acima com a orientadora
da escola. Sem generalizar, é possível que falte uma atenção mais efetiva por parte de
professores no sentido de que poderiam quebrar” ou mudar a lógica de que o futsal nas
escolas é prioridade para eles, uma vez que, das 23 meninas que responderam o roteiro, 15
desejariam jogar. Creio que isto aponta para derrubar a versão de que “achar que elas não
gostam de futsal” é uma opinião correta (“será que vai dar certo? ou “será que elas jogam?).
Estas duas interrogações constituem-se em barreiras de gênero construídas discursivamente há
muito tempo. Parece, sim, que o pouco interesse de envolvê-las em esporte masculino
conforme ensinam os artefatos culturais é um discurso que existe como verdade. Assim, a
maioria destas meninas que optariam em participar jogando futsal no torneio, acabam tendo
que fazer parte desta história de uma maneira que confirma o discurso tradicional. Quando
não analisamos os acontecimentos, estamos contribuindo para manter estes valores. Desse
modo, estamos, muitas vezes, presos a estas verdades e, assim, agimos de modo tão natural
que não conseguimos notar que estamos contribuindo, ainda mais, para reforçar estas
construções desiguais.
As respostas delas em relação a poderem jogar separadas, isto é, meninas versus
meninas e meninos versus meninos aproxima-se a uma fala que trouxe acima, isto é: nota-se
uma preocupação delas em não jogarem contra os meninos. Querem jogar em “condições” de
disputas sem correrem o risco de se machucarem (“já pensou se eu quebro o meu nariz?”, “os
guris são uns cavalos, jogar contra eles nem pensar”.). Estas duas falas que obtive nas
entrevistas gravadas parecem fazer sentido com a preocupação e medo que as meninas
têm em jogar contra os meninos e emana da ideia de que, para jogar futsal, tem que ser forte,
viril, tem que disputar a bola como “macho”. Esta preocupação de não jogar contra os
meninos assemelha-se ao discurso das diferenças biológicas. Jogar contra meninos seria
inviável porque eles são agressivos”, “são mais fortes”, podem machucar ou agredir as
meninas”. Entretanto, desconstruir este temor para o gênero feminino é importante; como
professor, preciso ensiná-las de que o futsal é constituído de regras que visam preservar a
integridade física de seus praticantes. Entre algumas destas regras, se destacam: não é
permitido dar ou tentar dar pontapé, calçar, empurrar, trancar ou pôr em risco o adversário, os
equipamentos, espaço de tempo e a área de jogo (a quadra). Tais regras são iguais para ambos
os gêneros e devem ser respeitadas por quem joga uma partida de futsal. Nesse sentido,
jogarem meninas contra meninos, caso fossem respeitadas as regras, seria viável e possível
sem maiores riscos de danos físicos.
108
Em relação à questão 2, ela traz a situação hipotética de que um torneio de futsal
pudesse ser realizado para as turmas de 5ªs séries e este fosse possível apenas a um gênero:
meninos ou meninas; e perguntava-se, no caso de a aluna poder votar para escolher quem
deveria disputar jogar no torneio, para quem iria seu voto para: a) As meninas, ou b) Os
meninos.
Das vinte e três respostas coletadas, 22 alunas votaram na letra “a”: as meninas; logo,
apenas um voto na letra “b”, nos meninos. Esta questão remete para o entendimento de que há
interesse do gênero feminino em praticar uma modalidade esportiva que, no entanto, aparece
discursivamente quase só como um esporte masculino.
A questão 3, que solicitava: “explica com tuas palavras por que tu votarias, ou não
votarias, nas meninas?” e “explica por que tu votarias, ou não votarias nos meninos?” teve
várias respostas. Algumas alunas não responderam, enquanto que algumas assim se
posicionaram com estas opiniões:
“As meninas têm que jogar para aprender.”
“Por que as meninas também têm o direito de jogar, não só os meninos”.
“Deve ser mais legal as meninas jogando”
“Eu votaria nas meninas porque aí elas teriam uma chance de participar de um torneio.”
“Eu não votaria nos meninos porque eles são acostumados a jogar e, com certeza, as
meninas perderiam.”
“Eu gostaria que as meninas jogassem, porque elas ficam sempre fora do futsal.”
“Eu votaria nas meninas porque eles não deixam as meninas jogarem.”
“Os meninos jogam por gostar. Desde que nascem parece que já sabem.”
“Eles jogam melhor que as meninas.”
“Não votaria nos meninos porque eles podem machucar as meninas.”
“Não votaria nos meninos porque eles estão acostumados a jogar.”
“Não votaria nos meninos porque eles não deixam as meninas jogarem na quadra. eles
pensam que são os donos da bola e da quadra”
Duas respostas iguais: “Eu não votaria nos meninos senão as gurias não iam poder
participar.”
Três respostas: “Eu não votaria nos meninos por que eles já jogam bastante na escola.”
“Por que eles jogam bem.”
“Por que eles jogam demais.”
“Não votaria nos guris porque eles sempre participam do futsal, e ficam se achando
quando fazem um gol, por isso que eu gostaria que as gurias participassem.”
“Eu votaria nas meninas porque eu e as minhas colegas gostaríamos muito de jogar.”
“Eu votaria nas meninas porque os torneios geralmente são para os meninos, né! Também
é uma vez na vida e outra na morte.”
A única menina que não votaria nas meninas, explica que “eu não votaria nas meninas
porque nós não temos muita experiência.” Ela justifica que votaria nos meninos porque
eles são melhores.
109
Diante desta e das demais respostas, é possível deduzir que as opiniões estão
relacionadas à pouca oportunidade de vivências de atividades de ensino e práticas de jogos
para as meninas, e a uma espécie de reivindicação de espaço e de direito. Isto é, como elas
poderão ter experiência sem que sejam convidadas para jogar um torneio? Por que os torneios
de futsal na escola e para além dos seus muros não são organizados ou não abrangem o gênero
feminino? De certo modo, as respostas das meninas destas quatro turmas de quinta série
podem ser interpretadas, mesmo que sutilmente, como um “desabafo”. Elas expressam suas
mágoas por serem preteridas por professores e pelos meninos de suas turmas tanto no dia a
dia da escola como em eventuais torneios.
Minhas anotações das aulas de Educação Física e observações, de certo modo,
harmonizam-se com as respostas das meninas. Ou seja, elas são pouco convidadas (na maioria
das vezes, são esquecidas) a participarem e a praticarem as atividades de ensino e de jogos de
futsal. É provável e justificável, em decorrência desta realidade, que elas não gostassem de
“pagar um mico” (expressão de uma aluna que entrevistei) se tivessem que disputar um
torneio na frente de todas as turmas da escola. Pude perceber, sem ter a intenção de medir,
mas sim para compor minhas análises na perspectiva de gênero, que, no decorrer da maioria
das aulas de Educação Física, quando o conteúdo era futsal, os meninos jogaram e realizaram
mais exercícios e ocuparam a quadra de modo bem mais frequente e amplo em relação às
meninas. Elas, enquanto eles envolviam-se com o futsal, jogavam vôlei, algumas escutavam
músicas com fones em celulares ou mp3, outras ficavam sentadas olhando os meninos e
meninas jogando futsal com a observação do professor de Educação Física; enquanto isso, as
meninas que jogavam vôlei não eram observadas ou corrigidas em relação à execução dos
movimentos. Havia, ainda, algumas alunas que conversavam caminhando pelo amplo pátio da
escola como se estivessem livres ou no recreio escolar.
Diante deste quadro creio, em relação às justificativas trazidas pelas meninas acima,
caso eu ou outro pesquisador em outros tempos viesse a elaborar um roteiro semelhante
para obter opiniões de alunas enquanto praticantes de futsal no decorrer das aulas de
Educação Física, as respostas não seriam muitos diferentes. Isto é, me parece que uma
conivência ou uma falta de interesse por parte de alunas e professores em alterar esta
realidade, e, assim, alterar estes discursos mencionados por docentes e discentes. Estes
acontecimentos fazem parte de uma lógica: é normal apenas o gênero masculino praticar
110
futsal. Ninguém (quase ninguém) acha errado, inadequado ou preconceituoso as meninas
ficarem livres para fazerem o que quiserem.
5.5.2 Grupo B (respostas dos meninos)
Relembro a formulação da questão 1: Caso acontecesse um torneio de futsal na escola,
tu participarias de qual maneira?
a) Compondo uma das equipes como jogador;
b) Compondo a torcida
c) Apenas assistindo.
Além das respostas, caso o respondente desejasse, poderia escrever de qual maneira gostaria
de participar do torneio de futsal.
Dos vinte meninos que responderam esta questão, dezessete pretendiam participar jogando,
enquanto três gostariam de assistir. Ao responderem sobre outra maneira possível de
participar, ao explicarem de qual maneira gostariam de participar, dez deles reforçam que
gostariam de jogar, enquanto quatro pretenderiam atuar como juiz (árbitro). Seis não
responderam.
Em relação à questão 2, sobre a possibilidade de um torneio de futsal vir a ser
realizado para as turmas de 5ªs séries e este ser possível apenas a um gênero: meninos ou
meninas, solicitava-se que eles votassem para escolher quem deveria disputar jogar no
torneio: a) As meninas, ou b) Os meninos.
Das vinte respostas obtidas com os meninos, todos eles votaram na letra “b”: “os
meninos”; logo, nenhum na letra “a”, nas meninas. Esta questão remete para o entendimento
hegemônico de que interesse (amplo e unânime nesta amostra) do gênero masculino em
praticar uma modalidade esportiva que aparece discursivamente como um esporte masculino,
vedando simbolicamente a participação feminina.
A questão 3 solicitava: “explica com tuas palavras por que tu votarias, ou não votarias,
nas meninas?” E, “explica por que tu votarias ou não votarias nos meninos?” Poucos alunos
responderam. Ao analisar as respostas, foi possível perceber a recorrência de três ideias. Por
111
este motivo, optei em agrupá-las conforme os termos que mais apareceram, que são os
seguintes: saber, gostar e força/fragilidade.
Assim, as justificativas para não votar nelas aparecem, principalmente, relacionadas ao
fato delas não saberem jogar futsal. Estas são as frases escritas pelos meninos:
“Não votaria nelas por elas não sabem jogar. Por que os meninos sabem jogar melhor.”
“Não voto em meninas por que elas não sabem jogar.”
“Não votaria nelas por que elas são ruins.”
“Eu votaria nos meninos por que nós até temos time feito. Elas não gostam e nem sabem
jogar e nem tem time.”
“Por que elas não sabem jogar onde vai a bola elas vão atrás.”
“Eu não voto nas meninas por que elas não sabem jogar bem. Votaria nos meninos por que
os jogos seriam mais competitivos.”
“Não votaria nelas por que elas não tem futuro no futsal. Alguns meninos tem o futuro
feito.”
“Eu votaria neles por que eles são organizados cada um marca um sabem chutar a gol, tem
drible, alguns tem futuro.”
“Eu votaria nas meninas se elas fossem boas de bola. Eu voto nos meninos por que eles são
melhores que as meninas.”
“Votaria nos meninos por que eles tem possibilidades de participar dos jogos mundiais.”
Entendo que este elevado número de afirmações que apontam a falta de habilidade das
meninas, ou seja, “o não saber jogar futsal”, decorre de, constitui-se e estabelece-se junto
com outros discursos. Isto é, como verdades que são entendidas, aceitas e praticadas de
maneira natural. O fato de elas não saberem jogar, não saberem praticar os fundamentos
técnicos, não terem noção de espaço, não terem consciência da ocupação e da posição que
devem ocupar na quadra é interpretado por praticamente todos discentes e até por docentes
(como o caso da professora da equipe diretiva que pensou no torneio somente para os
meninos) como fato normal. Como sensibilizar para ver este problema de outra maneira?
Como mudar este jogo discursivo? Não pretendo propor respostas a estas perguntas, faço-as
para mostrar, quiçá ilustrar, como estamos enredados nas relações de poder (na escola e fora
dela). Quando optei por construir este estudo na perspectiva de gênero, me parecia ser uma
alternativa apropriada para partilhar e socializar estes discursos que operam na escola como
o que acabamos de ler. Creio, também, que se exerce um modo de crítica; isto, porque trago e
mostro como a escola “está parada” (ou presa) nestes regimes de verdade.
112
O segundo grupo de respostas, não gostam de futsal”, está relacionado e preso aos
mesmos argumentos donão sabem”. Pois, como as meninas poderiam gostar de jogar futsal
se elas não são estimuladas ou convidadas a praticarem?
“Não voto nelas porque elas não gostam de futsal.”
“Por que os meninos gostam mais de futsal.”
“Por que elas não são muito apegadas ao futsal.”
“Elas não gostam e nem sabem jogar e nem tem time.”
O não gostar de jogar futsal, explícito nas frases acima, remete para as cenas que
presenciei ao longo desta pesquisa. Estão associadas ao fato – aceito naturalmente – de que as
meninas ficam livres no pátio da escola enquanto acontecem as atividades de futsal no
decorrer das aulas de Educação Física. Ou seja, tem sido entendido como normal e natural
esta associação entre o não saber e o não gostar de futsal. Em suma, um fato ajuda a reforçar o
outro, contribuindo para dar força a este discurso.
Finalmente, no terceiro grupo de respostas aparecem os termos força e fragilidade
que remetem e articulam-se à ideia da diferença biológica, provavelmente o discurso mais
frequente quando se busca entender o fenômeno de exclusão ou impedimento feminino às
práticas da grande maioria dos esportes. Estas são as respostas dadas pelos meninos das
quintas séries:
“Eu não votaria nas meninas porque tem mais risco delas se machucarem”
“Eu votaria nos meninos por que eles têm mais resistência e mais força.”
“Por que nós (os meninos) somos mais forte.”
“Não votaria nas meninas por que o estilo delas para mim não é futebol de salão, para mim o
estilo delas é mais vôlei e handebol e outros esportes.”
“Não votaria nelas por que acho vão se machucar. Eu votaria nos meninos por que eles
jogam mais.”
As respostas acima estão agrupadas conforme semelhança de justificativas dos
discursos expressos pelas meninas. De certa maneira, então, acabam se repetindo noções de
argumentos biológicos para justificar o voto nos meninos e não nas meninas. Associam-se
noções de que, para conseguir jogar futsal, é preciso ter força, resistência e que, assim, os
jogos seriam mais competitivos. Como elas são mais fracas poderiam se machucar, e é
corrente a opinião de que outros esportes combinam mais com o “estilo” delas: o vôlei, o
handebol - mas futsal é um esporte que põe em perigo a integridade das meninas. Será que
113
dos meninos também não? É recorrente a ideia de que elas não sabem jogar. Será que falta
vontade delas? De quem mais? Os alunos ocupam as quadras, participam, jogam, enquanto
elas podem escolher o que fazer ou se não querem fazer nenhuma atividade física, parece que
ninguém se importa. Isto parece normal. Parece que todos sabem que “é assim.” uma
pedagogia muito ampla, muito capilarizada em circulação na escola e para além dos seus
muros assim que se estabelecem e acontecem as relações de poder, conforme Foucault).
Nesse sentido, e tentando entender para conseguir organizar e, assim, socializar os discursos
que mencionam alunos e alunas na escola e fora dela, conforme trouxe acima, é que me
avizinho – me aproximodo final do jogo. Jogo de discursos mediatizados e atravessado por
verdades que se repetem, às vezes com mais facilidade de interpretação, outras vezes, mais
sutis, mais detalhadas, mas que juntos compõem regras aceitas ou não por elas e eles. Assim
constroem e se re-constroem (ou perpetuam-se) as noções de gêneros entre os muros da escola
e para além deles.
Pelo que tenho percebido nas análises que realizei através dos artefatos que escolhi
neste estudo, docentes e discentes chegam à escola com uma influência, com uma certa
aprendizagem, um entendimento dos seus “lugares”, de suas identidades e de seus papéis
enquanto praticantes ou não praticantes de esportes, em especial em relação ao futsal. Isto é,
eles chegam nas aulas de Educação Física com uma história. Todavia, parece que “estas
histórias” têm merecido pouca ou até nenhuma problematização por parte dos professores que
trabalham com estes conteúdos. Em síntese, as diferenças percebidas nas relações de gênero
no decorrer das práticas de futsal no contexto desta escola que investiguei, não foram, em
nenhum momento, discutidas e postas em xeque. Percebi que as diferenças foram se repetindo
como fato social natural, isto é, sem que houvesse o interesse por parte de nenhum dos
envolvidos em mudar ou propor modos diferentes de atividades ou, menos ainda, de alterar
estas relações de poder que estão envolvidas em tais verdades inquestionáveis. Há, a meu ver,
uma aceitação dos fatos, do modo como as meninas são preteridas em relação às práticas de
atividades em torno do futsal, tanto nas aulas de Educação Física como no decorrer do torneio
de futsal ocorrido entre meninos e meninas.
Neste momento, passo a relatar – de maneira detalhada e com inspiração etnográfica
e a tecer alguns comentários a partir de anotações e observações que fiz durante este evento
na escola, os quais, de certo modo, se articulam às respostas mencionadas por estes alunos ao
roteiro que trouxe acima.
114
No dia do torneio, 6 de junho de 2009, um sábado, no turno da manhã, a temperatura
estava próxima dos 10 graus centígrados e com possibilidades de chuva. Acredito que este
clima tenha influenciado para reduzir a quantidade de alunos presentes no torneio, isto porque
a quadra não é coberta. Considerando que o total de alunos e alunas das quatro turmas de
quinta série convidadas perfaziam aproximadamente 150 integrantes, a quantidade de pouco
mais de vinte alunos (15 meninos e 8 meninas) presentes pode ser considerada reduzida.
Penso assim porque, de longe, a modalidade de futsal é a mais desejada e reivindicada por
alunos das mais variadas faixas etárias, tanto nas aulas de Educação Física como no recreio ou
em atividades livres na escola.
A previsão para o início do torneio informada aos alunos era para as 8 horas e trinta
minutos. Cheguei na escola às 7 horas e 45 minutos. Organizei os materiais
84
. Registrei as
chegadas, horários e de que maneira se individual ou se em grupos os alunos chegaram.
Constatei que os primeiros a chegar foram cinco meninos. Ao cumprimentá-los na chegada,
um deles disse: “Ó, professor, aqui o nosso time!” “Queremos jogar no mesmo time.” “O
senhor deixa a gente escolher os coletes?” Logo em seguida chegaram quatro meninas. Notei-
as um pouco tímidas. Pensei, talvez, que pudesse ser pela baixa temperatura, todas
“encolhidas de frio”. Na sequência foram chegando os meninos, alguns em duplas e outros
individualmente. Finalmente chegaram mais quatro meninas. Disponibilizei algumas bolas
para quem quisesse trocar passes. Os meninos rapidamente pegaram as bolas de futsal e foram
para a quadra. Um deles (o goleiro) se posicionou na goleira e os demais alternadamente, mas
não organizados, iniciaram uma infinidade de chutes a gol. Neste mesmo espaço de tempo,
notei que as 8 meninas optaram por pegar uma bola e não ocuparam a outra goleira ou a outra
metade da quadra. Elas escolheram um espaço coberto próximo ao refeitório da escola,
distante da quadra, que estava sendo ocupada pelos meninos. Pensei, novamente, que a
escolha delas pudesse ter sido em decorrência do frio. Fui questioná-las se não preferiam usar
a outra goleira na quadra e uma delas respondeu: “Não professor, aqui bom!” “Depois que
os guris jogarem, pode chamar a gente.” A maneira de as meninas ocuparem os espaços de
jogo (a quadra de futsal) que presenciei nesta investigação de campo, se assemelha a achados
dos estudos realizados por Altmann (1999), Fraga e Gonçalves (2005), que, em síntese,
identificam que os meninos ocupam espaços mais amplos que elas, por meio do esporte.
84
Separei os coletes, coloquei as redes nas duas goleiras, levei para a quadra duas mesas e cadeiras para os
componentes da arbitragem (anotadores e cronometristas). Neste torneio fui auxiliado por duas professoras da
escola e por um estagiário de Educação Física que tem curso de árbitro de futsal e atuou em todos os jogos neste
torneio.
115
A partir deste diálogo, passei a notar que elas estavam muito inseguras em relação a
jogar. Parece que elas não se importariam se não fossem chamadas para jogar no torneio. Elas
não manifestavam o mesmo interesse ou motivação em relação ao jogo que notei entre os
meninos. Diferentemente delas, eles queriam saber se os jogos iriam começar. Queriam
começar logo o torneio. Dado o reduzido número de alunos e alunas, optei por esperar mais
15 minutos para iniciar o primeiro jogo. Percebi que os alunos não realizaram aquecimento ou
alongamento. Diante desta constatação, chamei todos os alunos e alunas para a quadra. Dirigi
alongamentos e, em seguida, entreguei uma bola para cada dupla (que eu havia organizado)
para que trocassem passes parados e depois se deslocando pela quadra. Esta atividade, notei,
ajudou a reduzir consideravelmente a insegurança delas.
Decidi iniciar os jogos no torneio com um jogo entre as meninas. Como havia apenas
8 meninas, escolhi 2 meninos para atuarem como goleiros (um em cada equipe). Quando
anunciei que as meninas iriam disputar o primeiro jogo, um dos meninos que havia chegado
mais cedo reclamou: “Pô, professor, nós chegamos primeiro.” Uma das meninas, ao escutar a
reclamação daquele menino, disse: “Professor, por que o senhor não deixa eles começarem?”
Expliquei para ela, para ele e os demais meninos que fiz esta opção porque eu estava
esperando chegarem mais alguns alunos para formar mais times. Penso que este
comportamento (a reclamação) dos meninos não teria acontecido, se eles iniciassem a jogar e,
também, creio que as meninas não iriam reclamar se eles tivessem iniciado o torneio. Vejo
este comportamento das meninas, à luz da análise de Romero (1994), como uma consequência
da preparação educação que elas m. Isto é, os corpos delas são educados para a
dependência e submissão que estão aliados ao ideal de feminilidade. Além disso, notei que
eles e elas entendem ser normal e natural que os meninos tenham prioridades em relação à
prática do futsal na escola.
De forma similar, esta mesma lógica observei nos artefatos culturais analisados nos
subcapítulos anteriores. um pensamento hegemônico em relação a tais práticas. Os
discursos aqui analisados, apesar de lugares diferentes, se repetem com palavras, imagens e
estratégias semelhantes. Todavia, não deixam de operar como verdades que se reforçam
mutuamente, isto é, perpetuam os discursos de que o gênero feminino não é relevante no que
diz respeito a modalidade esportiva futsal, principalmente quanto à possibilidade de meninas
116
ou mulheres desempenharem o papel central de praticantes deste esporte, quer seja na forma
de lazer, de ensino ou como atleta.
Assim, no decorrer deste torneio pude fazer análises contextualizadas e, de certo
modo, captar os discursos que os alunos carregam impressos em seus corpos. Em suma, a
vivência investigativa que criei
85
me permitiu fazer recortes e, assim, entender
[...] a importância da utilização do ‘gênero’ como uma categoria analítica
visto que esse conceito é fundamental para perceber os processos pelos
quais, no interior de redes de poder, a diferença biológica é tomada para
explicar desigualdades sociais gestando, assim, formas de inclusão e
exclusão de sujeitos e grupos. (GOELLNER, 2007, p. 3)
85
Digo “criei” porque a intenção da equipe diretiva era de que o torneio acontecesse apenas entre os meninos.
Sugeri convidar e envolver o gênero feminino nos jogos, fato que, de certo modo, pode ser entendido como um
rompimento da norma.
117
6 O QUE SE AVIZINHA NA PRORROGAÇÃO DESTE JOGO SOBRE
GÊNERO E FUTSAL NA ESCOLA E PARA ALÉM DOS SEUS MUROS?
m decorrência de algumas dificuldades encontradas no desenvolvimento da
pesquisa e por eu estar cada vez mais perto do final da escolha das derradeiras
palavras para compor esta escrita, e, ainda, ciente da possibilidade de sua
prorrogação, é que optei por denominar este capítulo de “está terminando o jogo, mas com a
previsão de prorrogação.”
E
Talvez por eu estar em constante contato e envolvido com o futsal no dia-a-dia, isto
tem me facilitado obter materiais empíricos e vivenciar experiências (ao menos em parte)
ligadas aos e às personagens que escolheram por opções “próprias” viver as emoções nas
disputas, nos torneios escolares e nos treinos desta modalidade esportiva ou nas aulas de
Educação Física. Nesse contexto, tenho percebido que outras possibilidades de representações
de feminilidade têm sido postas em circulação em relação às práticas do futsal. Penso isto por
entender que gênero não é algo que se tem, mas é algo que é produzido e construído nas
relações sociais. Ou nas palavras de Lorber (1994, p.13):
O gênero é constantemente criado e recriado nas interações humanas, na
vida social e é a estrutura e ordem dessa vida social, ele depende de todos
estarem constantemente fazendo gênero. (citado por PFISTER, 2003, p. 33)
As imagens, os textos, as falas gravadas, e as entrevistas juntamente com as anotações
que fiz ao longo desta pesquisa me ajudaram a encontrar algumas respostas, mesmo que
provisórias. Ou seja, através de um olhar desconfiado que é peculiar à perspectiva aqui
assumida consegui compor minhas análises e, assim, temporariamente, entender as relações
de poder que acontecem nas práticas de futsal na Educação Física e para além dos muros da
escola. Aprendi que as questões e entendimentos trazidos aqui podem (e devem) suscitar, caso
eu as olhe novamente, amanhã ou depois, outros significados, outras palavras, outros sentidos.
118
Da mesma maneira outra pessoa, ao olhar para estes mesmos artefatos (fotos, imagens,
narrativas), terá opinião e entendimento diferente (quiçá até divergente) daqueles que trouxe.
Mesmo assim, conforme afirma Veiga-Neto (2006, p.307), “nunca as palavras são
suficientes”. Talvez por isso pesquisar seja uma maneira de aventurar-se; deve-se estar alerta
aos inúmeros significados possíveis. Desta maneira, procurei agir como um “detetive” e tentei
seguir as
[...] pistas, intuições, suspeitas, dúvidas que merecem ser objeto de atenção,
e não devem ser descartadas sem que antes eu as perscrute cuidadosamente
as várias possibilidades de conectá-las com aquilo que se deseja investigar.
(COSTA, 2002a, p. 151)
Esta pesquisa possibilitou-me perceber que os fatos mais simples, os mais corriqueiros
ou os acontecimentos mais naturais talvez sejam aqueles em que seja mais difícil ver (e dar
visibilidade) os atravessamentos de relações de poder. Ao estar atento a tais “movimentos” e
construções sociais, tentei entendê-los a partir de análises sob a perspectiva de gênero. Olhar,
estudar textos, fotos, imagens não foi “apenas” um conjunto de exercícios analíticos, mas sim
uma indispensável prática que contribuiu no sentido de que eu conseguisse interpretar
atitudes, comportamentos e falas de docentes e discentes.
Algumas respostas às minhas inquietações iniciais, mesmo que na forma de recortes e
de maneira parcial, foram contempladas. Obtive-as através das articulações que fiz entre os
artefatos culturais (para além dos muros da escola) e entre análises empíricas em uma escola
de ensino fundamental. Ou seja, a soma de artefatos (ou bricolagem) foram os componentes
desta pesquisa cujo intuito maior foi o de mostrar como os regimes de verdade operam e
como eles vêm constituindo (ao menos em parte) as personagens homens e principalmente
as mulheres nos artefatos analisados – e meninos e meninas envolvidos nas aulas de Educação
Física, especificamente com o esporte futsal, na escola sob a perspectiva de gênero.
uma expressão popular que diz: “A vida é um jogo!” Usei a expressão “jogo” para
dar título aos capítulos desta pesquisa relacionando-os, metaforicamente, como se eu estivesse
participando de um jogo de futsal. Mas o jogo tem seu espaço de tempo limitado. Da mesma
forma, estudos, dissertações, projetos de pesquisa, livros e teses precisam ser concluídos. Este
é o meu caso agora: o árbitro apitou o final do jogo. Tenho que terminar o texto (trazer
palavras finais). Eis as palavras: espero que este jogo tenha prorrogação para que outras
119
questões venham a ser feitas. As perguntas que trouxe e as análises que realizei não esgotam
as possibilidades de trazer para visibilidade outros problemas articuladas a este fenômeno.
Aliás, entendo que esta pesquisa é um devir, um início de novas (e muitas) possibilidades para
outras ideias, novos insights para novas perguntas. Espero que esta dissertação possa
colaborar, pelo menos como um estímulo, como se fosse “um aquecimento” para o próximo
jogo, para que novos estudos e novas pesquisas tragam outros e novos entendimentos acerca
dos discursos que circulam sobre futsal.
Por fim, penso que, após ter dado estes primeiros passos no cenário acadêmico, tenho
como “certo” que devo continuar cada vez mais atento e mais sensível aos acontecimentos e
aos mais variados artefatos culturais que atuam no sentido de compor e constituir os regimes
de verdade que atravessam meninas, meninos, mulheres e homens que praticam o esporte
futsal na contemporaneidade. Assim, continuo atento ao que se avizinha na prorrogação deste
jogo sobre gênero e futsal na Educação Física na escola e para além dos seus muros...
120
ANEXO A
Roteiro básico de questões elaboradas para entrevistas com alunos e as alunas
na escola de Ensino Fundamental do município de Canoas, RS.
O que tu pensas sobre o futsal?
O que tu pensas sobre futsal e meninos na escola?
O que tu pensas sobre futsal e meninas na escola?
121
ANEXO B
Objetos e materiais analisados
Reportagens e imagens femininas sobre futsal no caderno de esportes do jornal Diário
de Canoas, Rio Grande do Sul.
Fotos e textos que versam sobre futsal em cartazes e revistas esportivas.
Capas de livros didáticos sobre futsal.
122
ANEXO C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A pesquisa que realizo neste momento, como mestrando do Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade Luterana do Brasil intitulado “Meninas e futsal um estudo sobre
questões de gênero na Educação Física da escola e para além de seus muros”, tem o objetivo de
investigar a prática de futsal na escola e os discursos dos alunos e alunas sobre o futsal. Para tanto,
com autorização e consentimento da direção e coordenação pedagógica da escola, realizarei e gravarei
conversas com as crianças, bem como farei filmagens e fotografias de situações relacionadas ao futsal
no ambiente escolar.
Comprometo-me a respeitar os valores éticos que permeiam esse tipo de trabalho, efetuando
pessoalmente as conversas, observações e fotografias.
Os dados obtidos através da coleta de dados junto às crianças serão analisados e utilizados na
realização de minha dissertação de mestrado. Contudo, comprometo-me em manter a ética na
utilização dos dados, fotografias e filmagens, em todas as instâncias em que eles possam ser
divulgados. Informo que o responsável pelo aluno(a) têm a liberdade de recusar, desistir ou
interromper a participação do aluno(a) na pesquisa no momento que desejar, sem necessidade de
qualquer explicação.
Como pesquisador responsável por esta pesquisa, comprometo-me a esclarecer devida e
adequadamente qualquer dúvida ou necessidade de informação que o participante ou seus responsáveis
venham a ter no momento da pesquisa, ou quando julgarem necessário, através do telefone 51-
91426868 ou pelo endereço eletrônico [email protected]m.br
CONSENTIMENTO
Após ter sido devidamente informado de todos os aspectos desta pesquisa e ter esclarecido
todas as minhas dúvidas:
Eu _________________________________________, R.G. sob nº __________________,
concordo que o/a aluno/a _______________________________, sob minha responsabilidade e
guarda, participe do projeto de pesquisa.
_____________________________________________________
Assinatura dos Pais ou Responsável
______________________________________________________
Assinatura do Pesquisador
Carlos Alberto Tenroller - CREF2/RS 238
Graduado e Especialista em Educação Física pela ULBRA, Mestrando do PPGEDU/ULBRA
Canoas, RS, ____ de _____________ de 2009.
123
ANEXO D
Amostra de imagens (figuras 16 a 25) de capas de livros didáticos de futsal, como
ilustração do padrão (norma) de imagens analisadas no capítulo 4.
Figura 16 Figura 17 Figura 18
Figura 19 Figura 20 Figura 21
Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25
124
ANEXO E
Amostra de imagens e textos encontrados no Jornal Diário de Canoas, analisados no
capítulo 4.
Figura 26. Jornal Diário de Canoas,
15/03/2008, p. 8
Figura 27. Jornal ABC (sem data)
Figura 28. Jornal ABC, 27.04.2008, p. 37
125
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