
  Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 98 
    
  
 
estigmatizando defeitos físicos, intelectuais e morais, tais como 
Scaurus
, o manco, Galba, o barrigudo, 
Sêneca
, o velhote, 
Lur-
co
, glutão, 
Brutus
, o grosseiro, ou 
Bibulus
, o beberrão. To-
mando-se por base esses sobrenomes, o simples deslo- 
camento de uma letra permite uma mudança de sentido 
cômico: M. Fulvius Nobilior, o notável, torna-se, para Ca-
tão, Mobilior, o instável. Essa prática, que para nós revela-
se de baixo nível, é comum mesmo nos exercícios oratórios 
de alto nível, tais como as prédicas de Cícero. Este não he-
sita em recomendar o procedimento, assim como os dimi-
nutivos: seu adversário, Clodius Pulcher (o belo), torna-se 
Pulchellus
 (o belo garoto ). Ele próprio, Cícero (o grão-de-
bico), não escapa às brincadeiras, que aceita de bom grado. 
Aos amigos que lhe aconselham mudar de nome, ele res-
ponde que tornará esse grão-de-bico tão célebre quanto 
Catão
 (o prudente), 
Catullus 
(o pequeno travesso) ou 
Sacaurus
 (o manco). (Minois, 2003, p. 85) 
Virgulino Ferreira da Silva e Bernardino Jabá não escaparam 
dessa origem camponesa latina em seus apelidos. O primeiro recebeu o 
apelido ao entrar para o cangaço de Lampião
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, pois teria uma relação 
com a luz que emanava de sua arma quando ele atirava, o segundo apre-
senta-se como Lamparina por confrontar com a ignorância do Capitão Zé 
Candeeiro, pois surgiu esta idéia de apelido diante da situação de que 
algo precisava ser “clareado” para impor uma farsa de dominação. Ambos 
na concepção de Bakhtin passavam a receber o que o autor denomina de 
nome-alcunha: 
Se um nome tem um valor etimológico determinado e cons-
ciente o qual, ainda por cima, caracteriza a personagem 
que o traz, já não é mais um nome, mas uma alcunha. Es-
se nome-alcunha não é jamais neutro, pois o seu sentido 
inclui sempre uma idéia de apreciação (positiva ou negati-
va), é na realidade um brasão. Todos os verdadeiros apeli-
                                                 
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  Conforme Grunspan-Jamin (2006, p. 92), a atribuição do apelido “Lampião”, qualquer que seja 
a sua origem, sela uma espécie de aliança definitiva com o cangaço. Doravante há um “antes” e 
um “depois” desse pacto. Virgulino adota uma nova identidade. Ele torna-se Lampião e assume 
toda dimensão simbólica de seu apelido. Enquanto alguns cangaceiros recebiam apelidos ao seu 
meio ambiente natural, nomes de árvores ou de animais, o que demonstrava um laço muito forte 
com o sertão, alusão ao clarão que saía de sua arma ligava Lampião a um universo guerreiro, e 
quando ele se fizesse chefe de grupo seus atos seriam condizentes com seu apelido.