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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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MANOEL
Rebeca Gontijo
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Gontijo, Rebeca.
Manoel Bomfim / Rebeca Gontijo. – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
170 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-503-6
1. Bomfim, Manoel José do, 1868-1932. 2. Educação – Brasil – História. I. Título.
CDU 37(81)
ISBN 978-85-7019-503-6
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não
formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
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SUMÁRIO
Apresentação por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Rebeca Gontijo, 11
Manoel Bomfim, educador e “cientista da educação”?, 11
Ciência ou arte?, 16
O higienismo, 20
O papel do professor, 25
Bomfim hoje, 35
Textos selecionados, 39
Lições de Pedagogia: teoria e prática da educação,
Pedagogia e educação
A pedagogia: objeto e definição, 39
Metodologia da história, 45
Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária.
Instrução pública
Instrução popular, 64
Dos sistemas de ensino, 69
O dever de educar, 73
Cultura progressiva da ignorância..., 90
Valor positivo da educação, 98
O Pedagogium do Distrito Federal, 120
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6
Nacionalização da escola, 124
Intervenção da União, 130
Atração, 141
O Brasil na história: deturpação das tradições, degradação política
História e política
O Brasil modelou a América, 143
Cronologia, 149
Bibliografia, 155
Obras de Manoel Bomfim , 155
Obras sobre Manoel Bomfim, 158
Outras referências bibliográficas, 162
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7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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9
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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10
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11
MANOEL BOMFIM
(1868-1932)
Rebeca Gontijo
Manoel Bomfim, educador e “cientista da educação”
1
?
Rebeca Gontijo – requisito existente desde 1838 e compartilhado
internacionalmente – sem promover mudanças significativas no ter-
reno da educação, a não ser pela instituição do ensino laico.
Bomfim analisou os efeitos da descentralização sobre a instrução
popular. Em artigo de 1897, argumentou:
Sofremos, nesse momento, uma inferioridade, é verdade, relativamente
aos outros povos cultos. É a ignorância, é a falta de preparo e de educação
1
Em 1998, participei das pesquisas que resultaram na elaboração de dois verbetes para o
Dicionário de Educadores brasileiros: da colônia aos dias atuais (1999), escritos em coautoria
com a profª. dra. Maria Ciavatta Franco, da Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense. No início de 2007, Maria indicou meu nome aos coordenadores do
projeto Educadores Brasileiros, para que elaborasse o ensaio sobre Manoel Bomfim e
indicasse o texto base a ser incluído na Coleção Educadores. Agradeço a todos os respon-
sáveis pela oportunidade concedida a uma recém-doutora, especialmente a Maria e à profª.
dra. Maria de Lourdes Fávero, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Oportunidade
que, entre outras coisas, permitiu que eu trilhasse um novo caminho de pesquisa, no
fascinante campo da história da educação. Também não posso deixar de agradecer muitís-
simo a Rosane Maria Nunes Andrade, do setor de pesquisa da Biblioteca Nacional, pela
ajuda prestimosa na localização e cópia dos textos de Manoel Bomfim dispersos em
periódicos. Do mesmo modo, agradeço à profª. dra. Alessandra Frota Martinez de Schueler,
da Faculdade de Educação da Uerj – amiga desde a graduação – pelas valiosas sugestões
de leitura; ao prof. dr. Osmar Fávero, da Faculdade de Educação da UFF, que gentilmente
me emprestou a cópia de um raríssimo livro de Bomfim, Cultura e educação do povo
brasileiro (1932); a Luciana da Silva Santos, então aluna da Uerj-FFP, que me auxiliou na
cópia de alguns textos; a Cristina Grangier, que ajudou muito na digitação; e a Ana Elizabete
Negreiros Barroso, do MEC, que me manteve sempre informada. Agradecimento especial
devo ao sr. Luiz Paulino Bomfim, ex-combatente do Exército Brasileiro, neto de Manoel
Bomfim, que gentilmente me recebeu em sua casa no Rio de Janeiro, confiou-me fotogra-
fias de família e presenteou-me com valioso objeto biográfico: a caneta-tinteiro de seu
avô. Muito obrigada. Por fim, agradeço a Marcelo Magalhães pela leitura atenta.
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12
para o progresso – eis a inferioridade efetiva; mas ela é curável, facilmente
curável. O remédio está indicado: a necessidade imprescindível de aten-
der-se à instrução popular. (...) A natural reação contra a centralização
imperial levou os constituintes da República a retirar à União toda e
qualquer ingerência na organização da instrução popular do país. (...)
Todos os governos das nações cujas condições políticas mais se aproxi-
mam das nossas, intervêm na organização moral e política da escola
primária e contribuem largamente para a instrução popular. (...) O que
não conheço é país onde o governo central se despreocupe tão absoluta-
mente da instrução primária como entre nós; não sabendo o que o povo
aprende nem se há escolas, nem o que nelas se ensina; não concorrendo
com um ceitil para a instrução do povo, ignorando, por inteiro, tudo o
que a isso se refere.
2
Na contracorrente das interpretações em voga acerca do atra-
so brasileiro, comumente explicado pelos determinismos do meio
(o clima tropical) e da raça,
3
Bomfim, como outros intelectuais de
sua época, acreditou que o tema da educação e da instrução públi-
ca possibilitava a definição de sua identidade como intelectual, as-
sim como a afirmação da própria identidade nacional. Como
observou André Botelho, a defesa da educação assumiu, progres-
sivamente, o estatuto de caminho ideal para a “redenção do atraso
brasileiro”, permitindo a construção de uma visão mais otimista
sobre a viabilidade do progresso e da modernidade no país após
três séculos de escravidão.
4
Cabe ainda ressaltar que, no início da República a educação não
era vista apenas como sinônimo de aprendizado escolar, pois dizia
respeito à aquisição de todo um conjunto de recursos capazes de
proporcionar a liberação e, também, a adequação do indivíduo e
dos diferentes grupos sociais às novas demandas sociais.
5
Naquele
2
Bomfim apud Aguiar, op. cit., pp. 190. Grifos do autor. Artigo originalmente publicado com
o título de “Instrução popular” no jornal A República, de 2/12/1897, posteriormente incluído
no livro póstumo Cultura e educação do povo brasileiro (1932), utilizado por Aguiar.
3
Sobre a difusão e amplo compartilhamento das teorias deterministas do meio e da raça no
fim do século XIX, ver, por exemplo: Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo das raças:
cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
4
Botelho, op. cit., pp. 35-36.
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13
momento, o debate sobre educação não estava circunscrito ao âm-
bito pedagógico. De um lado, porque a pedagogia no Brasil se en-
contrava em plena fase de consolidação enquanto saber científico,
dotado de métodos capazes de promover o aperfeiçoamento efe-
tivo do ensino e da aprendizagem. De outro lado, porque a questão
educacional mobilizava diferentes agentes interessados nos rumos
do país e preocupados em identificar e enfrentar as causas do “atra-
so” brasileiro. Aqueles que se dedicavam aos temas da educação
possuíam formação diversificada, assim como eram distintos seus
campos de atuação. Compartilhavam, contudo, o meio por exce-
lência para divulgação de ideias: a imprensa, que ao longo das déca-
das de 1880 e 1890 expandiu-se significativamente.
No artigo citado, Bomfim afirma que seu desejo de estudar o
problema da instrução pública nasceu da leitura do Report of the
Comissioner of Educations (1889-1890), divulgado pelo governo nor-
te-americano em 1893. Nas palavras do autor:
Foi tão profunda a impressão que me causou essa leitura, pela insig-
nificância e pobreza dos nossos recursos, que nunca mais pude [me]
furtar ao desejo de observar e estudar o problema da instrução po-
pular entre nós. De então pra cá só tenho encontrado motivos para
maior desconsolo.
6
O Report foi elaborado por uma comissão nomeada pelo go-
verno dos Estados Unidos: a Comissão dos Dez, que produziu
estatísticas acerca do ensino nos diversos estados da federação,
avaliou os programas escolares e as condições de administração
das principais escolas do país.
7
Bomfim não foi o único a se im-
pressionar com o Report. Para José Veríssimo, esse relatório era “o
documento sobre instrução pública mais importante do mundo
5
Idem, p. 23.
6
Bomfim apud Aguiar, op. cit., p. 193. Trecho extraído de Bomfim, Instrução popular
[1897].
7
O relatório (ou parte dele) foi publicado na Revista Pedagógica, tomo 9, n. 48, 15/6/1896,
pp. 290-331.
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14
inteiro, e o mais opulento e conceituado repositório de elementos
para o estudo de quanto se refere a esse assunto”.
8
No Brasil, a descontinuidade das iniciativas e a falta constante de
recursos compatíveis com a tarefa gigantesca de garantir educação
gratuita à maior parte da população também esbarrava na ausência
de informações estatísticas confiáveis, capazes de orientar políticas
públicas. Como observou Angela de Castro Gomes, vários levanta-
mentos foram produzidos, gerando impactos diferentes sobre o
conhecimento e o planejamento do sistema educacional. Um dos
primeiros levantamentos data de 1916 e foi incluído no volume de
Estatística da Instrução, elaborado pela Diretoria Geral de Estatística
no Brasil, órgão criado em 1871. Em termos gerais, apontava a
precariedade da educação no país, afirmando que o analfabetismo
atingia 69,2% da população brasileira; que o ensino secundário
inexistia em muitos estados; que o número de escolas primárias pú-
blicas era superior ao de particulares; e que o poder público estadual
era o principal responsável pela rede de escolas primárias. Importa
destacar é que, além de dados estatísticos, a publicação também
apresentava a defesa da necessidade de intervenção do poder públi-
co federal no campo da instrução primária. Opinião que encontrava
ressonância entre numerosos intelectuais e políticos – entre os quais
estava Bomfim –, que criticavam a limitação do poder central no
âmbito da instrução primária, afirmando o equívoco da orientação
constitucional descentralizadora.
9
Além dos debates em torno da legislação e seus entraves à
expansão da instrução pública, a promoção da educação estava
vinculada à construção de uma cultura escolar capaz de convencer
as famílias abastadas de que podiam e deviam abrir mão de práti-
8
O autor invejava o fato de que, nos EUA, a instrução pública destinada ao maior número
de cidadãos capazes de influir na cultura geral do país e na formação do “caráter”
nacional, no “espírito” e na opinião das massas, estava sob a dependência do Estado,
“providos, dirigidos, fiscalizados, pagos e inspecionados por ele”. Cf. VERÍSSIMO, A
instrução no Brasil atualmente, op. cit., pp. 25-26.
9
GOMES, op. cit., pp. 405-408.
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15
cas costumeiras como o ensino praticado por mães e preceptores
no interior dos lares, sem interferência dos poderes públicos. O
envio dos filhos à escola começava pelo reconhecimento de que o
ensino em casa, em espaços improvisados, por professores for-
mados pela experiência, não era o mais adequado. Era preciso
afirmar a escola como instituição social relevante, promovendo a
identificação da educação com espaços próprios e com os agentes
desse espaço. O ensino deveria ser ministrado em prédios adequa-
dos – capazes de materializar arquitetonicamente a ideia de educar
– e por profissionais capacitados, representativos do moderno
ideal de educação.
10
Além disso, era preciso convencer as famílias
pobres de um país eminentemente agrário, de que o estudo era
importante e mesmo necessário. Nesse sentido, observa-se que “a
oferta e a demanda de ensino foram criadas lado a lado, havendo
dificuldades nas duas pontas dessa relação”.
11
Quanto à formação dos profissionais do ensino, havia proble-
mas de ordem prática e teórica. Em primeiro lugar, era preciso
expandir as escolas destinadas à formação de professores: as escolas
normais. Em segundo, era preciso definir o conjunto de teorias e
métodos que deveriam orientar o ensino escolar.
Franco Cambi definiu o século XIX como “o século da peda-
gogia”, considerando o advento da sociedade de massa, a afirma-
ção do industrialismo e a centralidade assumida pela educação, à
qual foi atribuído o papel de “repacificação social entre as classes e
grupos, homologando-os com valores uniformes e comuns”, ao
mesmo tempo em que dela se exige a libertação do indivíduo por
meio da expansão de suas potencialidades. Observa-se, então, o
processo de fundação da pedagogia como um saber dotado de
cientificidade. Nas palavras do autor, “a centralidade da especula-
ção filosófica como guia da pedagogia foi substituída no pensa-
10
Idem, p. 391.
11
Idem, p. 392.
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16
mento contemporâneo pela centralidade da ciência”. Ao longo do
800 e das primeiras décadas do século XX, operou-se a reorgani-
zação do discurso pedagógico por meio de métodos inspirados
pelas ciências sociais emergentes, pelas ciências do espírito e, tam-
bém, pelas ciências da natureza.
12
Paralelamente, constituiu-se a
cultura escolar, fundada, como já foi dito, na construção de um
espaço apropriado ao processo educativo e, além disso, alimenta-
da pela “mitificação da infância”, elemento central do discurso
pedagógico especializado, fundamental para a unidade da peda-
gogia enquanto campo de saber específico; pela definição de um
léxico pedagógico, dotado de certo rigor conceitual; e pela pro-
gressiva definição e valorização da profissão docente.
Ao longo do século XIX (sobretudo, na última década) desen-
volveu-se, na Europa, um sistema de formação de professores de
instrução primária, que incluía a produção e difusão de um novo
artefato: os manuais de pedagogia e didática, instrumentos de di-
vulgação de ideias e métodos de ensino, apresentados como no-
vos em relação a todo um conjunto de práticas, que, desde então,
passaram a ser vistas como tradicionais ou passadistas. Tratava-se
de caracterizar a profissão docente e definir a pedagogia enquanto
conhecimento científico.
13
Ciência ou arte?
No Brasil, a preocupação com a cientificidade da pedagogia
evidenciou-se nas décadas finais do século XIX e no início do XX.
12
CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Unesp,1999, pp. 403 e 413.
13
PINTASSILGO, Joaquim. Os manuais de pedagogia no primeiro terço do século XX: entre
a tradição e a inovação. In: ______; FREITAS, Marcos Cezar de; MOGARRO, Maria João;
CARVALHO, Marta Maria Chagas de (org.). História da escola em Portugal e no Brasil:
circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Edições Colibri, 2006, pp. 175-200.
Entre os manuais de pedagogia utilizados no Brasil no século XIX e início do XX (incluindo
obras portuguesas e traduções), destacam-se: o Curso prático de pedagogia (1865), de
Jean Baptiste Daligault; o Compêndio de pedagogia [1874], de Marciano da Silva Pontes; o
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17
De acordo com Manoel Bomfim, em sua época, a noção de peda-
gogia encontrava-se mal determinada. O autor acreditava que não
havia uma ciência da educação, embora houvesse, ou devesse ha-
ver, ciência na educação. Nesse sentido, a pedagogia assumiu, em
seu pensamento como no de outros intelectuais, uma função prá-
tica, que consistiu na sistematização dos princípios e métodos cien-
tíficos úteis na “intervenção educativa”. Nas palavras do autor, “a
pedagogia é, de fato, uma sistematização teórica, um corpo de
doutrinas, em plena evolução, e não uma ciência propriamente
dita, pois que seu objeto é nimiamente prático – a educação”.
Contudo, ela não correspondia a uma simples fórmula prática para
dirigir a criança. Tratava-se de uma discussão teórica que se desti-
nava a uma finalidade prática: inspirar a “arte da educação”.
14
No texto de apresentação do manual Lições de pedagogia: teoria
e prática (1915), observa-se a afirmação de uma dicotomia bas-
tante comum na virada do século XIX para o XX: aquela que
define a pedagogia como “ciência”, que sistematiza “as leis teó-
ricas da educação”, e como “arte”, que remete para a dimensão
prática e aplicada da educação. Em outras palavras, a pedagogia
Compêndio de pedagogia (1878), de Carlos Augusto Soares Brasil; Pedagogia e metodologia
(1887), de Camilo Passaláqua; o Tratado de metodologia, para uso de professores e alunos
das escolas normais (1888), de Felisberto de Carvalho; o Princípios de pedagogia (1893),
de José Augusto Coelho; o Compêndio de pedagogia escolar (1908), de Feliciano Pinheiro
Bittencourt; Lições de pedagogia: teoria e prática (1915), de Manoel Bomfim; e o Esboço
histórico e crítico geral da educação (1929), de Afrânio Peixoto. Sobre os manuais, ver,
além do texto de Pintassilgo anteriormente citado, CARVALHO, Marta Maria Chagas de
Carvalho. A caixa e utensílios e a biblioteca: pedagogia e práticas de leitura. In: VIDAL,
Diana Gonçalves e HILSDORF, Maria Lúcia Spedo (org.). Tópicas em história da educação.
São Paulo: Edusp, 2001, pp. 137-167; Idem. A caixa de utensílios e o tratado: modelos
pedagógicos, manuais de pedagogia e práticas de leitura de professores, disponível em
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenadas/eixo03/Coorde-
nada%20por%20Marta%20Maria%20Chagas%20de%20Carvalho/Marta%20Ma-
ria%20Chagas%20de%20Carvalho%20-%20Texto.pdf; TREVISAN, Thabatha Aline. A peda-
gogia por meio de pedagogia: teoria e prática (1954), de Antonio d’Avila. Marília, SP:
Universidade Estadual Paulista, dissertação de mestrado, 2007.
14
Bomfim, Manoel. Lições de pedagogia: teoria e prática da educação. 1915. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1920, pp. 9 e 10. 2a edição.
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18
era, de modo geral, definida como “ciência da educação” e como
“arte de ensinar”.
15
Bomfim não escapou a essa ambiguidade, ainda que conside-
rasse a pedagogia como uma ciência em “evolução” e não como
uma “ciência da educação” bem delimitada. Nesse sentido, o con-
teúdo do livro e seu título são reveladores dessa ambiguidade.
Enquanto o título lições remete ao ensino guiado por modelos
exemplares, o conteúdo combina as “artes de fazer” – associadas
a conhecimentos de ordem prática – com o modelo dos tratados,
que compendia teorias, expondo-as analiticamente por meio de
exemplos e de argumentos de autoridade. Teoria e prática direta-
mente relacionadas às experiências do próprio autor como pro-
fessor da Escola Normal e “cientista da educação”.
16
Para compreender as ideias de Bomfim sobre educação, pode
ser útil distinguir sua produção em três tipos de escritos: os arti-
gos publicados em periódicos (jornais e revistas); os discursos de
ocasião, proferidos em solenidades como as formaturas de
normalistas; os livros destinados à sistematização de conhecimen-
tos sobre educação e pedagogia, endereçados aos mestres ou
futuros professores; e os livros voltados para o público em ida-
de escolar. Trata-se de uma produção diversificada, semelhante à
de outros homens de letras envolvidos com o problema da edu-
cação no início do século XX, a exceção, talvez, dos livros sobre
pedagogia e educação destinados à formação dos professores,
produção mais especializada.
Os artigos de Bomfim publicados na imprensa versam, na sua
maioria, sobre educação e/ou instrução pública. Bem ao estilo da
época, possuem o tom dos textos produzidos em meio a calorosos
debates de ideias ou discussões sobre temas de relevância social e
15
Ver, por exemplo, Pintassilgo, op. cit., p. 180.
16
Sobre os manuais pedagógicos como caixa de utensílios ou tratados, ver Carvalho, A
caixa de utensílios e a biblioteca, op. cit.; Idem, A caixa de utensílios e o tratado, op. cit.
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19
política. Já os discursos foram elaborados em função de dois tipos de
acontecimento: a fala no plenário da Câmara dos Deputados e as
cerimônias de formatura da Escola Normal. Nesse último caso, cabe
lembrar a importância desses eventos, que frequentemente contavam
com a presença do prefeito do Distrito Federal e, até, do presidente
da República. Quanto aos livros, alguns reúnem as lições de Bomfim
na Escola Normal, resultando, portanto, dos estudos realizados pelo
autor e de sua experiência em sala de aula. O livro Lições de pedagogia
(1915), por exemplo, é composto pelos resumos das lições no curso
de pedagogia da Escola Normal. Quanto aos livros destinados ao
público em idade escolar, destacam-se por ser o gênero mais vendá-
vel no início da República,
17
alguns com várias edições, formando
gerações de leitores ao longo de décadas, como é o caso de Através do
Brasil (1910), escrito em parceria com Olavo Bilac.
Com relação à contribuição de Bomfim para a educação, é
preciso considerar que seu pensamento educacional está vinculado
à sua formação médica e às pesquisas desenvolvidas no campo da
psicologia experimental. Além disso, sua atuação como “pensador
da história”, empenhado no estudo da formação da nacionalida-
de, não deve ser esquecida. Trata-se, como já foi assinalado, de um
intelectual polígrafo, como muitos de seu tempo, cuja trajetória foi
marcada, de forma notável, pela atuação no âmbito educacional,
como professor da Escola Normal, diretor de instrução pública
e, sobretudo, como autor de livros destinados à escola e à forma-
ção de professores. Feita essa ressalva, cumpre destacar alguns as-
pectos presentes em seus escritos sobre educação.
17
Lembro o comentário do livreiro Garnier, quando João Ribeiro lhe ofereceu O fabordão,
visando publicá-lo, após destinar um manual escolar a outro editor, Francisco Alves: “O
livro didático, a carne, é para o Alves; a literatura, o osso, para mim”. Cf. Afrânio Peixoto
apud HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: T. A. Queiroz;
Edusp, 1985, p. 212.
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20
O higienismo
Chama atenção, de imediato, que o autor compartilhava o que
pode ser definido como uma cultura da higiene,
18
dotada de um
léxico próprio e de um conjunto de princípios e técnicas ampla-
mente difundidos em sua época, em várias partes do mundo, uti-
lizado por médicos, engenheiros, educadores e por muitos daque-
les preocupados em conduzir o país ao “progresso”, nos moldes
então vistos como “civilizados”.
19
Na virada do século XIX, a perspectiva higienista difundia-se em
meio aos debates sobre a questão nacional. Discutia-se a possibilidade
de existência da própria nação, considerando a dificuldade de conce-
ber algo como um “povo” brasileiro. A mestiçagem era comumente
vista como um obstáculo à afirmação da nacionalidade, num contex-
to em que teorias deterministas, acerca da inferioridade de certas “ra-
ças humanas”, afirmavam o alto grau de degeneração da população
mestiça. Nesse contexto, e dentro do léxico dominante da biologia,
18
Sobre a questão da higiene, na virada do século XIX há variadas interpretações. Ver, por
exemplo: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996; GONDRA, J. G. Artes de Civilizar: medicina, higiene
e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004; CARVALHO, Marta
Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização
das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). História social da infância no Brasil. São
Paulo: Cortez/USF, 1997, pp. 291-309.
19
Segundo Borges, Bomfim, ao defender a higiene mental e moral da infância brasileira,
com base nas ciências naturais, promoveu a justificativa das desigualdades, “escamote-
ando as contradições sociais inerentes às sociedades de classes”. Analisando o livro
Lições de pedagogia (ed. 1926 [1ª ed. 1915]) em termos de equívocos e incompletudes, a
autora defende que Bomfim trata a educação como fenômeno isolado das questões
sociais. Ver BORGES, Roselania Francisconi. A pedagogia de Manoel Bomfim: uma propos-
ta higienista na educação. Maringá, PR: UEM, dissertação de mestrado, 2006. Interpreta-
ção diferente pode ser lida, por exemplo, em FREITAS, Marcos Cezar de. “Da ideia de
estudar a criança no pensamento social brasileiro: a contraface de um paradigma. In:
______ e KUHLMANN JÚNIOR, Moyses (org.). Os intelectuais na história da infância.
São Paulo: Cortez, 2002. A perspectiva assumida aqui é a de que a obra educacional de
Bomfim, por sua complexidade e ecletismo, só pode ser bem compreendida se for conside-
rada em conjunto com suas reflexões sobre a formação da nacionalidade brasileira.
20
Bomfim, A América Latina, op. cit., pp. 243-244. 3ª ed. Ver também o estudo: Sussekind,
Flora e Ventura, Roberto. História e dependência: cultura e sociedade em Manoel Bomfim.
Rio de Janeiro: Moderna, [1981].
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21
Manoel Bomfim se destaca como crítico das teorias raciais, por ele
consideradas como “sofismas abjetos” mascarados de “ciência bara-
ta”, aplicados “à exploração dos fracos pelos fortes”, ou em outros
termos, “parasitados” e “parasitas”. O autor criticava a compreensão
das desigualdades sociais, para ele resultantes de condições históricas,
como “expressão do valor absoluto das raças e das gentes – a prova
para sua aptidão ou inaptidão para o progresso”.
20
O higienismo – valorizado por sua potencial capacidade de
civilizar e regenerar indivíduos e sociedades –, ao mesmo tempo
em que podia servir ao ocultamento de contradições sociais, à
despolitização da realidade, à legitimação de políticas públicas
excludentes etc., restringindo a explicação do “atraso” brasileiro à
falta de ordem e limpeza, também podia servir como alternativa
aos determinismos do meio e da raça então vigentes, alimentando
visões menos pessimistas sobre o país.
Essa cultura da higiene apoiava-se em um cientificismo difuso,
de acordo com o qual a ciência seria o melhor meio para compre-
ender e solucionar os problemas sociais. Para além das particulari-
dades que distinguiam os paradigmas científicos difundidos entre os
intelectuais brasileiros da virada do século XIX, observa-se a con-
vergência de perspectivas no sentido de consagrar o saber científico
como o caminho ideal para reduzir os fenômenos sociais a leis e
informações objetivas, capazes de fomentar o desenvolvimento de
instrumentos adequados a intervenções reformadoras na sociedade.
Assim como grande parte dos intelectuais do início do século
XX, Bomfim valorizava o saber científico, considerando-o como um
pressuposto legítimo e necessário para a compreensão da realidade e
a solução dos problemas sociais. A aplicação desse saber se dava por
meios diversos, resultando em práticas que se institucionalizaram de
20
Bomfim, A América Latina, op. cit., pp. 243-244. 3ª ed. Ver também o estudo: Sussekind,
Flora e Ventura, Roberto. História e dependência: cultura e sociedade em Manoel Bomfim.
Rio de Janeiro: Moderna, [1981].
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22
forma notável na virada do século, como sugere a criação de gabine-
tes e laboratórios destinados a experimentações científicas, tais como
o laboratório de psicologia experimental, criado em [1906], vinculado
ao Pedagogium, no Rio de Janeiro, ou o Gabinete de Psicologia e
Antropologia Pedagógica, criado em 1914, anexo à Escola Normal
de São Paulo.
Como assinalado, foi como diretor do Pedagogium que Bomfim
viajou à Europa em 1902, em comissão pedagógica nomeada pela
prefeitura do Distrito Federal. Lá estudou psicologia com Alfred
Binet,
21
um dos criadores da pedagogia experimental, fundada na
observação de fatos, base para a elaboração de métodos práticos
destinados à avaliação da aprendizagem, à medição da inteligência e
das aptidões das crianças.
22
Retornou ao Rio em 1903 e, algum tem-
po depois, ajudou a criar um laboratório de psicologia experimental
no Pedagogium.
23
A criação desse laboratório insere-se no contexto
de difusão da pedagogia experimental, observada por meio da or-
ganização de laboratórios similares por todo o mundo, que, de modo
21
Entre outras coisas, as pesquisas de Binet deram continuidade aos trabalhos de Wilhelm
Wundt (1823-1920) – autor também citado por Bomfim – , cujos estudos de psicologia
experimental contribuíram para o enfrentamento de problemas educativos, tais como, a
memória, a aprendizagem e a solução de problemas. Para Wundt, a psicologia científica
compreendia dois grandes ramos: a psicologia fisiológica, dedicada ao estudo dos fatos
elementares da consciência, compreendida como a percepção advinda de uma série de
vivências em contínuo movimento (atualismo); e a psicologia dos povos, que trata do
estudo dos produtos culturais (linguagem, religião, costumes, arte, moral etc.).
22
A pedagogia experimental desenvolveu-se na segunda metade do século XIX, represen-
tando um esforço no sentido de afastar a pedagogia da filosofia, renovando seus métodos
pela adoção de paradigmas científicos oriundos das ciências naturais e da sociologia
positiva. Ver CAMBI, op. cit., pp. 498-502.
23
Lembrando: o Pedagogium foi criado em 1890 e Bomfim foi seu diretor entre os anos de
1896 e 1905 e, posteriormente, entre 1911 e 1919, quando a instituição foi fechada. Tanto
Ronaldo Conde Aguiar como Regina Helena de Freitas Campos e Mitsuko Aparecida
Makino Antunes afirmam que Bomfim fundou e dirigiu um laboratório de psicologia expe-
rimental no Pedagogium em 1906. Ver AGUIAR, op. cit., p. 206; CAMPOS, op. cit., p. 14;
ANTUNES, A psicologia no Brasil, op. cit., p. 68. Porém, no livro Pensar e dizer, de 1923,
Bomfim afirma que durante doze anos, ou seja, desde 1911, teve à disposição um
laboratório de psicologia. Ver Bomfim, Pensar e dizer, op. cit., p. 45, nota 10. O ano de
1911 coincide com o retorno de Bomfim à direção o Pedagogium.
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23
geral, promoviam pesquisas com o objetivo de solucionar os pro-
blemas do ensino, de acordo com as leis das ciências biológicas e
sociológicas, com base em experimentos, análises estatísticas e ob-
servação sistemática.
24
A confluência entre o cientificismo e as discussões sobre “raça”,
meio, higienismo, mestiçagem – e, a partir dos anos 1910 e 1920, o
sanitarismo
25
– naturalizava as práticas de mensuração e aferição
estatística, além de todo tipo de experimentação aplicável à educa-
ção. Nas palavras de Marcos Cezar de Freitas, “a ciência da peda-
gogia amparada na pedagogia do cientista representava, também,
a indicação de uma direção a ser tomada pela sociedade como um
todo”. Por causa disso, a ciência e a instrução eram vistas como os
melhores instrumentos para a solução dos problemas sociais, sen-
do que o ponto de partida para um futuro “moderno” – por
oposição ao passado e ao presente comumente associados ao “atra-
so” – era a criança, alvo de projetos por parte da medicina e da
educação, dois campos em construção no Brasil do fim do século
XIX. Identificando a escola como um campo de ação da higiene
e, posteriormente, do sanitarismo, justificava-se o empenho na afe-
24
De acordo com Francisco Larroyo, o primeiro laboratório pedagógico foi criado em
Chicago, Estados Unidos, em 1899. Desde então, observam-se iniciativas similares por
todo o mundo, tais como: São Petersburgo, 1901; Budapeste, 1902; Milão, 1905; Gene-
bra, 1905. Ver LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre
Jou, 1974, p. 683. Claparède dirigiu o laboratório de Genebra e visitou o Laboratório de
Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Professores, em Belo Horizonte, Minas
Gerais, em 1930. Em 1928, essa escola dera início ao ensino de psicologia em nível
superior no Brasil e, em 1929, passou a ser dirigida por Helena Antipoff, ex-aluna de
Claparède. Alguns anos antes, em 1913, surgiu o laboratório de psicologia experimental
da Escola Normal de São Paulo, onde foram realizadas pesquisas sobre raciocínio infantil,
memória, grafismo etc. Nos anos 30, o laboratório foi dirigido por Lourenço Filho, que
desenvolveu experiências com o teste ABC.
25
Sobre sanitarismo no Brasil, ver, por exemplo: HOCHMAN, Gilberto e LIMA, Nísia
Trindade. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil descoberto pelo movi-
mento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos Chor e SANTOS, R. V. (org.).
Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz / FCRB, 1996, pp. 23-40.
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24
rição de potencialidades cognitivas e deficiências orgânicas, capazes
de justificar progressos e atrasos.
26
No momento mesmo em que o Brasil passava a ser visto como
um país jovem, pois seu potencial de modernização e civilização
era lançado para o futuro, a infância tornou-se metáfora da nação
a ser examinada e tratada de acordo com métodos científicos.
27
Instrução, educação sanitária, educação física, hábitos higiênicos na
rua, em casa, na escola e no trabalho, serviços de saúde pública
etc., tudo isso conjugado ao objetivo de sanar corpo e mente.
28
Como observou Marcos Cezar de Freitas, as experiências
laboratoriais aplicadas à educação mantinham interface com a an-
tropologia, a medicina legal e a psicometria, promovendo a
imbricação entre os problemas educacionais e o tema da miscigena-
ção. Desse modo, as ações de educação da infância, moralização,
higiene e controle social eram vinculadas, tomando os métodos de
aferição da inteligência como instrumentos úteis para verificar os
“danos da mestiçagem”. Buscava-se identificar [e corrigir] a “típica”
criança brasileira, num contexto em que predominava a diversidade
e os determinismos do meio e da raça. Nas palavras do autor:
Mensurar capacidades, sanear e dar argumentos científicos às
hierarquizações da sociedade eram gestos intelectuais conexos diante
de uma República permanentemente atacada como incompleta e con-
siderada abaixo das expectativas de todos os republicanos.
29
26
FREITAS, op. cit., p. 351.
27
Sobre o imaginário do país novo, ver HANSEN, op. cit.; e, também, LUCA, Tânia
Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação. São Paulo: Unes´p, 1999.
28
De acordo com Borges, Manoel Bomfim participou da Liga Brasileira de Higiene Mental,
fundada no Rio de Janeiro, em 1923, pelo médico Gustavo Riedel. O objetivo principal da
Liga era elaborar programas de higiene mental a serem difundidos por meio do sistema
educacional. BORGES, op. cit.
29
FREITAS, op. cit., p. 352.
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25
O papel do professor
A trajetória de Bomfim exemplifica o engajamento de um in-
telectual na defesa da instrução pública e da nacionalização da es-
cola, bem como no desenvolvimento de pesquisas experimentais
acerca da individualidade da criança, sendo possível identificar o
diferencial de sua contribuição ao longo do tempo. Considerado
por Freitas como mais um “cientista da educação da criança” que
um educador, Bomfim rejeitou o caráter autoritário e dogmático
com que a escola habitualmente tratava a criança, criticando, até
mesmo, a centralidade atribuída ao professor no processo educativo
e defendendo o “respeito absoluto à individualidade da criança”.
30
Isso pode ser inferido com base no discurso “O respeito à criança”,
proferido em 1906, durante a solenidade de formatura das pro-
fessoras da Escola Normal. Nas palavras de Bomfim:
Evocai os quadros da vida infantil e reconhecereis que persiste, com a
tenacidade do mal, esse espírito autoritário e dogmático, que inspirava a
educação nos regimes de submissão. É contra essa resistência do passa-
do, deformando o presente e comprometendo o futuro, que eu concito
todo vosso bem-querer, todo vosso esforço. Tirânicas, dogmáticas, es-
sas práticas educativas eram lógicas – e de certo modo necessárias, nas
épocas de tirania e de dogmatismo. Hoje são dissolventes, ilógicas, cri-
minosas. Pensai que vivemos numa democracia, aspirando realizar um
regime de liberdade e justiça. Ora, bem sabeis que o resultado último de
uma tal educação é inutilizar definitivamente os homens para o exercício
da liberdade, tornar impossíveis as iniciativas e dissolver as individuali-
dades. Qual sua essência? Considerar a criança um ser sem vontade e
substituir seu querer, seu julgamento e sua consciência pela vontade,
discernimento e consciência do educador. A criança é um cego: menos
que um cego – um autômato. (...) Fora mesmo impropriedade chamá-
-los educandos. São adestrados...
31
30
Idem, pp. 360 e 362.
31
BOMFIM, Manoel. O respeito à criança. Discurso pelo dr. M. Bomfim, diretor geral da
Instrução Pública e professor da Escola Normal, proferido em 27 de setembro de 1906,
na solenidade da entrega de diplomas às normalistas da turma de 1905. Rio de Janeiro,
mimeo, p. 14-16. Cópia fornecida pelo sr. Luiz Paulino Bomfim.
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26
Relacionando o tipo de educação à forma de organização da
sociedade, o autor procura contrastar o ideal educativo de uma época
anterior, caracterizado por “fazer homens submissos”, ajustados a
uma sociedade regida por imposições de uma ordem superior, com
o ideal da sociedade de sua época, quando “a soberania se generali-
zou pela universalidade dos cidadãos”, levando em conta que as
formas e os processos educativos de então estariam ainda muito
longe desse ideal.
32
Acreditando que a liberdade humana só pode ser medida pe-
las possibilidades de desenvolvimento da ação e da satisfação dos
desejos e necessidades, Bomfim defende que a principal atribuição
da escola é “ensinar a aprender” e o objetivo da educação é “tor-
nar o indivíduo capaz de adaptar-se, modificar-se por si mesmo”.
Nesse processo, mais importante que a soma do que se ensina é o
como se ensina, sendo que nem a criança deve ser tratada como
um receptor passivo – como demonstra o trecho do discurso
citado –, nem o professor deve ser visto como um simples trans-
missor, como explicita no livro Lições de pedagogia (1915). Em suas
palavras, o papel do professor é “escolher e sistematizar os fatos,
sugerir as hipóteses, verificar as conclusões, insinuar as aplicações,
lembrar as analogias”,
33
de modo a indicar à criança “os meios de
disciplinar as próprias forças”.
34
A atuação de Bomfim como cientista da educação deixou re-
sultados nas obras dedicadas à psicologia da educação e, também,
na produção destinada ao uso escolar. No primeiro caso, desta-
cam-se os livros Noções de psicologia (1916), Pensar e dizer (1923) e O
32
Idem, pp. 12 e 14.
33
Idem, Lições de pedagogia, op. cit., pp. 26, 35, 87, 88 e 90.
34
Idem, O respeito à criança, op. cit., p. 20.
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27
método dos testes (1928), este último escrito em parceria com Ofélia e
Narbal Fontes, professores da Escola Normal.
35
Bomfim inovou com estudos arrojados para sua época e ini-
ciou uma reflexão apurada sobre a psicologia educacional, de-
monstrando certo incômodo diante do excesso de iniciativas
antropométricas relativas ao conhecimento da criança. No livro
Pensar e dizer, o autor expressa a insatisfação com os resultados das
pesquisas no laboratório de psicologia experimental, desenvolvi-
das ao longo de doze anos. Afirma sua recusa diante das práticas
que consideravam a sociedade como um organismo similar a outras
esferas da biologia.
36
Como já foi visto, Bomfim fez amplo uso de metáforas bioló-
gicas, construindo analogias entre o social e o biológico, como de-
monstra a noção de parasitismo social, utilizada no livro A América
Latina (1905). Defendia, então, que “as sociedades existem como
verdadeiros organismos, sujeitos como os outros a leis categóricas”.
37
No entanto, isso não significa que o autor se limitasse a considerar as
sociedades como organismos similares aos biológicos.
Durante o século XIX, a homologia entre sociedade e orga-
nismo estabelecia um modelo de compreensão dos fenômenos
sociais, uma vez que – como ensinava a biologia e a química – só
35
Idem. Noções e psicologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1916; Idem. Pensar e dizer,
1923, op. cit.; Idem. O método dos testes: com aplicações à linguagem do ensino primário.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1928. O livro Pensar e dizer apresenta, entre outras coisas,
a constatação da existência de uma crise da “psicologia de laboratório” em sua época. O
autor afirma que, no período em que esteve em Paris pela primeira vez (1902), realizando
estudos sobre os métodos de estudos psicológicos, já se observava certa “descrença e
desilusão” nos laboratórios. O autor lembra que o próprio Wundt, que contribuiu para
afirmação da psicologia experimental, expressou essa desilusão com a mesma, consideran-
do seus resultados “insignificantes”. De acordo com Bomfim, Binet manifestou opinião
semelhante. Ver Bomfim, Pensar e dizer, op. cit., pp. 23-24. Essa visão crítica em relação
à psicologia de laboratório já está presente no livro Noções de psicologia, de 1917. As obras
citadas, incluindo o livro Lições de pedagogia (edição de 1926) podem ser acessadas no
site: http://201.47.188.102/bvs/ebooks/bomfim.htm (em dezembro de 2007).
36
Freitas, op. cit., pp. 364-365.
37
Bomfim, A América Latina, op. cit., p. 51.
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28
o que é vivo poderia evoluir. Essa naturalização do homem garantiu
à biologia – que disputava a solução do enigma da origem da
humanidade com a teologia e a filosofia – um lugar destacado
entre os saberes. O diálogo com a biologia tornou-se o recurso
científico fundamental de todo o pensamento social do período,
principalmente devido ao fato dessa ciência possibilitar o uso de
um método comparativo, baseado em homologias e paralelismos,
que passaram a ser considerados como instrumentos poderosos
de investigação científica, num momento em que os campos de
cada ciência ainda não estavam suficientemente delimitados.
38
Indo além, Bomfim dizia que em sua época se tinha abusado
da associação entre sociedades (“grupos sociais”) e “simples orga-
nismos biológicos”, afirmando que:
Não é o conceito [de organismos biológicos] que é condenável, e sim
a estreiteza de vistas com que o aplicam à crítica dos fatos sociais,
mais complexos, sem dúvida, que os fatos biológicos, pois depen-
dem das leis biológicas, e ainda das leis sociais, peculiares a eles.
39
Embora fizesse amplo uso de uma linguagem marcada por
metáforas biológicas – fato que, segundo Flora Sussekind e Roberto
Ventura, seria responsável pelo esquecimento de sua obra
40
– a
reflexão de Bomfim demonstra o esforço para ir além dos limites
38
Ver Mello, Maria Tereza Chaves de. Futuro do passado: uma apologia da América Latina.
Rio de Janeiro: PUC/Departamento de História, dissertação de mestrado, 1997, p. 17,
nota 27 e pp. 19-21.
39
Bomfim, op.cit., p.51. Bomfim defendia que a sociologia podia ser considerada uma
ciência por ser: “O estudo de um conjunto de fatos dependentes de leis fatais, tão fatais
como as da astronomia ou da química, fatos estreitamente dependentes e relacionados,
e pelos quais nos é dado perceber a sociedade como uma realidade à parte, cujas ações,
órgãos e elementos são perfeitamente acessíveis ao nosso exame”. Idem, pp. 51-52.
40
Sussekind, Flora e Ventura, Roberto. História e dependência: cultura e sociedade em
Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Moderna, [1981].
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29
do biológico no estudo das crianças, da sociedade e da história.
Por um lado, esse esforço encontrou fundamentos na psicologia
41
;
por outro, no estudo da história, inspirado tanto pelas reflexões
sobre psicologia social – de que Wundt foi um referencial – quanto
pela sociologia nascente no fim do século XIX, sendo notáveis as
leituras de Bomfim sobre Gabriel Tarde, um dos “pais funda-
dores” das ciências sociais.
42
A autoridade de Bomfim como investigador da inteligência
infantil permitiu-lhe participar, por exemplo, da comissão para
implantação dos testes de inteligência no ensino primário. Empre-
endimento que resultou na publicação do livro O método dos testes
com aplicações à linguagem no ensino primário, em parceria com Ofélia e
Narbal Fontes, com a participação de professoras da Escola de
Aplicação do Rio de Janeiro. Utilizando as “escalas de Binet”, acre-
ditava-se que os testes poderiam revelar as características da men-
talidade infantil, de modo a contribuir para a constituição de clas-
ses mais homogêneas. Contudo, o próprio Bomfim se posiciona
de forma crítica em relação a tais testes, afirmando que “o mais
interessante é que os mecanizadores apelam para a escala Binet,
sem se lembrarem de que esse deixou a fórmula nítida ‘o teste
deve ser interpretativo’”.
43
Para Bomfim, a criança era um complexo objeto de estudo e as
pesquisas deveriam contribuir para a expansão de sua individualida-
de e independência. O autor criticava o que via como excessos da
métrica, considerando os testes úteis, mas capazes de apurar apenas
41
Para uma melhor compreensão das ideias de Bomfim sobre psicologia, ver: Penna,
Antonio Gomes. Apontamentos sobre as fontes e sobre algumas das figuras mais expres-
sivas da Psicologia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 1986; Antunes,
Mitsuko Aparecida M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. São
Paulo: Unimarco Editora – Educ, 1999; Idem. A contemporaneidade da obra de Manoel
Bomfim. In: Bomfim, Pensar e dizer, op. cit., pp. 18-25.
42
Sobre Gabriel Tarde, ver: Vargas, Eduardo Viana. Antes Tarde do que nunca: Gabriel
Tarde e a emergência das ciências sociais. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.
43
FREITAS, op. cit., pp. 365-366.
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30
dados limitados, sem dar conta da originalidade e da diferença de
qualidade do pensamento infantil. Desse modo, defendia que a ciên-
cia sobre a criança deveria estruturar-se menos nas experiências
laboratoriais do que no estudo de sua relação com o mundo social.
Ou seja, ao mesmo tempo em que contribuiu para a difusão de
práticas de observação da criança e testes de mensuração da inteli-
gência infantil, o autor também posicionou-se de forma crítica em
relação aos “excessos e entusiasmos pela mensuração da inteligên-
cia”.
44
Tal perspectiva não deixa de ser um modo de romper com
possíveis determinismos e considerar a necessidade de ir além dos
limites impostos pela antropometria então vigentes.
Como se afirmou antes, além de “cientista da educação infan-
til”, Bomfim também foi um notório autor de livros destinados a
crianças em idade escolar.
45
No Brasil do século XIX, o ensino-
aprendizagem da leitura nas escolas foi marcado pela prática de
adaptar textos europeus à linguagem brasileira. É possível afirmar
que, até meados do século XIX, os livros de leitura inexistiam nas
escolas brasileiras. A base do ensino e da prática de leitura eram os
relatos de viajantes, as autobiografias e romances, além de manus-
critos (documentos de cartório, por exemplo). Por vezes, a Cons-
44
Ibidem, pp. 366-367. Para Bomfim, a psique humana se caracteriza por ser essencial-
mente socializada, concretizando-se por meio da comunicação entre os indivíduos. Nes-
se processo, a linguagem tem papel fundamental. No livro Pensar e dizer (1923) –
publicado no mesmo ano em que Jean Piaget publicou A linguagem e o pensamento da
criança na Europa – o autor realiza um exercício de “interpretação de documentos de
pensamento e linguagem”, tomando como fontes os textos de escritores brasileiros,
sobretudo poetas, visando compreender os processos de simbolização na vida conscien-
te. Em sua opinião, a consciência só se forma na medida em que se assimila o meio
social, de modo que isolar o indivíduo da vida (leia-se “formas históricas e tradicionais”)
por meio de abstrações corresponde a uma redução. Ver BOMFIM, Pensar e dizer, op.
cit., pp. 7-8, 15 e 17.
45
Bomfim escreveu os seguintes livros destinados à escola primária: Primeiras saudades
(1920), Crianças e homens (1922), Lições e leituras (1922) e Lições e leituras: livro do
mestre (1922), além daqueles produzidos em colaboração com Olavo Bilac, já mencio-
nados: Livro de composição (1899), Livro de leitura (1901) e Através do Brasil (1910), os
dois primeiros para o curso complementar e o último, para o curso médio. Há também o
Compêndio de zoologia geral (1902) e Elementos de zoologia e botânica gerais (1904).
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31
tituição do Império, o Código Criminal e a Bíblia eram utilizados
como manuais de leitura. Somente a partir da segunda metade do
800 é que livros de leitura destinados às séries iniciais começaram a
circular pelo país.
46
Do mesmo modo, inexistiam, segundo Bomfim e Bilac, livros
de composição que servissem de guia para a prática da escrita.
Sabendo disso, reuniram extratos de obras literárias no Livro de
composição (1899), adotado pelo Conselho Superior de Instrução
Pública da capital federal e pelos governos dos estados de São
Paulo, Bahia, Sergipe, Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro etc.
47
Al-
guns anos depois, publicaram o Livro de leitura (1901), que também
teve ampla distribuição.
A expressão livro de leitura servia para designar as obras des-
tinadas ao aprendizado da língua nacional e à aquisição de conhe-
cimentos e regras de moral, considerados úteis à socialização do
indivíduo.
48
Nas palavras de Bomfim e Bilac:
Geralmente, os livros de leitura não passam de compilações de co-
nhecimentos úteis, de lições de coisas e de regras de moral. São um
repositório, um indicador dos assuntos que a criança deve aprender
na escola e que o professor precisa ensinar. E assim deve ser – para os
cursos elementar e médio. Aí, esse livro resume todos os outros: é o
livro único. Nos tempos atuais, nenhum professor, digno desse
nome, põe nas mãos de um aluno de qualquer desses cursos um
compêndio de história, uma aritmética, uma geografia etc. Ensina as
coisas, mas ensina-as incidentemente a propósito da leitura. (...). O
46
ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira: ensaio de preliminares para sua histó-
ria e suas fontes. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1968; ZILBERMAN, Regina e
LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira,
autores e textos. São Paulo: Global, 1986; PFROMM NETO, Samuel et al. O livro na
educação. Rio de Janeiro: Primor, 1974.
47
Bomfim, Manoel e Bilac, Olavo. Livro de composição para o curso complementar das
escolas primárias. Rio de Janeiro: Laemmert & C. Editores, 1904, p. xi. 2 ed. revista e
aumentada.
48
Sobre os livros de leitura, ver, por exemplo: Batista, Antônio Augusto Gomes; Galvaão,
Ana Maria de Oliveira e Klinke, Karina. Livros escolares de leitura: uma morfologia (1886-
1956). Revista Brasileira de Educação, n. 20, maio/junho/julho/agosto 2002, pp. 27-47.
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32
livro de leitura não é um livro de consulta filológica, mas sim um
modelo de elocução que ela imita, sobre o qual calca sua linguagem.
49
O trecho citado afirma a importância do livro de leitura des-
tinado a crianças em idade escolar no início da República, quando
a educação passou a ser vista como meio privilegiado para o de-
senvolvimento da ideia de nação, contribuindo para deslocar o
debate sobre a formação da nacionalidade do plano dos
determinismos naturalistas para o plano histórico-social.
50
Ao lado
dos compêndios dedicados ao ensino dos conteúdos específicos
de cada disciplina, os livros de leitura e composição constituíam o
conjunto da chamada literatura escolar nacional.
Essa literatura escolar encontrou na Primeira República um ter-
reno favorável. Desde o fim do século XIX, alguns dos mais im-
portantes intelectuais brasileiros, como Silvio Romero, Olavo Bilac e
Coelho Neto, se dedicaram a escrever livros para o público em
idade escolar. A criança passava a ser vista como futuro da nação no
momento mesmo em que se construía uma noção de “infância
brasileira” e se consolidava a ideia do Brasil como “país do futuro”.
No contexto marcado pelo fim da escravidão e início da República,
os textos cívicos visavam à formação de cidadãos e a difusão de um
modelo de civilização calcado em valores, hábitos e sentimentos
compatíveis com o estilo de vida burguês. Diante da constatação do
atraso em que o país se encontrava e das visões negativas a respeito
do povo brasileiro, tais textos, mais que formar cidadãos, objeti-
vavam promover verdadeira regeneração da nação e de seu povo.
Nesse sentido, cabia-lhes promover um ideal de infância, exempli-
ficado pela visão da criança como ser precoce e viril, espécie de
“raiz” dos futuros cidadãos.
51
49
Bomfim, Manoel e Bilac, Olavo. Livro de leitura para o curso complementar das escolas
primárias, 1901. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1910, pp. IX-XII. 9 edição.
50
BOTELHO, op. cit.
51
Ibidem; HANSEN, op. cit.; CORDEIRO, Andréa Bezerra. Dando vida a uma raiz: o
ideário pedagógico da Primeira República na poesia infantil de Olavo Bilac. Curitiba:
UFPR, dissertação de mestrado, 2004.
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33
A obra mais celebrada da parceria Bomfim-Bilac é Através do
Brasil: prática da língua portuguesa – narrativa (1910), “leitura apaixo-
nada e obrigatória de muitas gerações de brasileiros”.
52
Podendo
ser lido como um romance de formação,
53
o livro conta a história
dos irmãos Carlos e Alfredo, que viajam pelo país em busca do
pai desaparecido. Viagem no espaço e no tempo, que leva os ir-
mãos pelos caminhos do Brasil do presente e do passado, nas
sucessivas paisagens de homens e lugares, de norte a sul do país.
Apresentando o livro como “uma simples narrativa, acompa-
nhada dos cenários e costumes mais distintivos da vida brasileira”,
os autores expressam a concepção de que a escola deve ensinar a
criança a conhecer a natureza com a qual está em contato e “a vida
que ela tem de viver e da qual já participa”. Nesse sentido, o livro de
leitura deve fornecer oportunidades para que o professor possa re-
alizar suas lições e, ao mesmo tempo, deve conter em si uma grande
lição. Para além do ensino da língua, é preciso promover a instrução
moral e o “aprendizado do Brasil”, por meio de uma visão geral de
sua natureza e sociedade. A função do professor como “verdadeira
enciclopédia” também é explicitada, ao mesmo tempo em que se
valoriza o esforço próprio da criança em aprender por si mesma.
54
52
LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história & históri-
as. São Paulo: Ática, 1985, p. 34. 2. ed. Através do Brasil teve mais de sessenta edições.
Foi publicado em 2000 pela Companhia das Letras, como parte da coleção Retratos do
Brasil. Ver também: BOTELHO, op. cit.; SANTOS, Claudefranklin Monteiro OLIVA, Terezinha
Alves. As multifaces de “Através do Brasil”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.
24, n. 48, 2004, pp. 101-121.
53
O romance de formação – tradução brasileira do termo alemão Bildungsroman – é um
gênero de narrativa que discorre sobre o processo de formação do indivíduo, compreen-
dido como o desenvolvimento gradativo de suas predisposições, paralelamente sua
socialização. Georg Lukács (1885-1971) indica que a questão fundamental do romance de
formação (ou de educação, conforme a tradução brasileira) é a crença na possibilidade do
desenvolvimento pleno da personalidade humana, no sentido da realização dos ideais
humanistas, no contexto da sociedade burguesa, caracterizada pela crescente divisão
social do trabalho. Seu conteúdo visa “a educação dos homens para a compreensão
prática da realidade”. Ver LUCKÁCS, Georg. Posfácio. In: GOETHE, J. W. Os anos de
aprendizado de Wilhelm Meister. São Paulo: Ed. 34, 2006, p. 592.
54
Bomfim e Bilac, Através do Brasil, op. cit., pp. 43-52.
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34
De acordo com André Botelho, Através do Brasil é uma peça
decisiva no processo político-social de construção de um “léxico
do Brasil nação”, que difunde os valores cívicos do Estado repu-
blicano e serve como veículo do ideário burguês.
55
Deve-se ainda destacar a contribuição de Bomfim, pontual,
mas significativa, para o ensino de história. Como diretor de ins-
trução pública, em 1899, emitiu um parecer favorável sobre o
Compêndio de história da América, escrito por Rocha Pombo.
56
Além
de um prêmio em dinheiro, esse trabalho disputava, num concur-
so, a chance de ser adotado nos cursos de história da América da
Escola Normal. Interessado no tema tratado, Bomfim procurou
justificar sua iniciativa em emitir tal parecer, mesmo em se tra-
tando de um tema fora da sua alçada. Disse ele:
(...) tal era o interesse que esse assunto apresentava para mim; e só
assim se explica essa pretensão de tratar de matéria fora da minha
especialidade, e a qual não podia apresentar nenhum título de com-
petência oficial.
57
Comentando esse parecer, Circe Bittencourt lembra o
paradigma da história da civilização que se impôs ao longo do
século XIX. Inspirado pelo ideário imperialista dos países euro-
peus, o conceito de civilização tornou-se sinônimo de progresso
– identificado a certos modelos de organização política, econô-
mica e social –, sendo utilizado para distinguir povos civilizados
e atrasados. A inclusão desses últimos na civilização servia como
justificativa para o domínio imperialista em todos os continentes.
Uma das tendências da história da civilização era a explicação
das diferenças entre os povos e a justificativa da dominação branca
europeia por meio de teorias raciais. Nesse contexto, os estudos
55
Botelho, op. cit.
56
Pouco depois, Pombo escreveu História da América: para escolas primárias (1904).
57
Bomfim, Manoel. A América Latina, op. cit., p. 35. Ver Bomfim, Manoel. Parecer (1899).
In: Pombo, Rocha. Compêndio de História da América. Rio de Janeiro: Laemmert & C.
Editores, 1900, pp. vii-xxvii.
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35
sobre a história da América representavam o esforço no sentido
de “deslocar uma constituição identitária forjada sob moldes eu-
ropeus para o espaço americano, criador de novos projetos para
as nações do continente americano”.
58
Quando era diretor da Instrução Pública Municipal, Bomfim
propôs reformas curriculares visando introduzir a história da
América no ensino primário e na Escola Normal. Um dos des-
dobramentos foi o referido concurso promovido pela Diretoria
de Instrução Pública Municipal em 1897, visando premiar o
melhor compêndio de história da América destinado ao uso dos
alunos da Escola Normal. No edital se lê que tal obra não deveria
conter apenas:
altas generalidades etnográficas e filosóficas (...) nem tão pouco uma
seca cronológica. A narração dos fatos deve ocupar o primeiro lugar,
de sorte que o aluno venha a ter uma noção exata do modo porque
cada parte da América foi primeiro descoberta, depois colonizada e
chegou afinal à situação em que hoje se acha: ainda de sujeição ou já
de independência. É indispensável que, durante toda a obra, não se
perca de vista seu fim, inteiramente alheio à erudição, visando apenas
educar educadores.
59
A obra vencedora foi a de Rocha Pombo, que, ao relativizar o
ideal europeu de civilização, expunha, nas palavras de Bittencourt:
Uma versão sobre os caminhos a serem seguidos pela recente Repúbli-
ca que, finalmente, se inseria no mundo do republicanismo america-
no, liberto da escravidão, e que deveria preocupar-se com seu papel
diante do imperialismo europeu e reconhecer a mestiçagem de seu
povo como portador de um novo tipo de civilização.
60
Embora tenha encontrado um terreno propício no início da
República, o programa de história da América, vinculado a um
58
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Identidades e ensino da história no Brasil. In:
CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLEZ, María Fernanda (org.). Ensino de
história e memória coletiva. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 40.
59
Edital apud POMBO, op. cit., p. vii.
60
Bittencourt, op. cit., p. 40.
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36
projeto de identidade nacional bastante distinto daquele que pre-
dominava então, não se consolidou, prevalecendo a perspectiva
eurocêntrica.
Bomfim hoje
Por fim, a produção de Manoel Bomfim foi, ao menos até
certo ponto, esquecida. Embora seu nome tenha permanecido em
sucessivos balanços da história intelectual e das ideias da Primeira
República, seus livros não foram reeditados (ou melhor, só o foram
recentemente, a partir dos anos 1990), a exceção de alguns daqueles
destinados ao uso escolar, entre os quais se destaca Através do Brasil,
que até a década de 1960 teve mais de sessenta edições. Como ob-
servou Marcos Cezar de Freitas, seus estudos sobre psicologia edu-
cacional foram vistos como “vestígio antecedente”, situado como a
contraface do momento seguinte, marcado pela difusão da Escola
Nova.
61
Pode-se acrescentar a isso que uma sólida memória acerca
da produção intelectual anterior aos anos 1930 foi construída, iden-
tificando esse período como uma espécie de hiato, supostamente
marcado pela estagnação criativa e imitação de ideias estrangeiras.
Assim, a produção intelectual, literária e científica surgida entre as
décadas de 1880 e 1910 foi frequentemente considerada “menor”,
“pré-moderna”, precursora do que viria depois. Apesar de algumas
vozes dissonantes, essa interpretação prevaleceu até, pelo menos, os
anos 1980 e ainda é muito difundida.
62
Nesse movimento de inven-
61
Freitas, op. cit., p. 346.
62
Candido, Antonio. Formação da literatura brasileira, momentos decisivos. São Paulo, Martins
Fontes, 1971; Idem. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento, Rio de Janeiro, vol. 1, n.
1, 1973, pp. 20-21; Idem. Literatura e cultura de 1900 a 1945. In: _______. Literatura e
sociedade. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965; BOSI, Alfredo. História concisa da
literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1997; Idem. O pré-modernismo. São Paulo, Cultrix,
1966; Idem. As letras na Primeira República. In: Fausto, Boris (org.). História geral da
civilização brasileira. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, tomo III, vol. 9, 1997, pp. 293-319; Lima,
Luiz Costa. Da existência precária: o sistema intelectual brasileiro. In: _______. Dispersa
demanda (ensaios sobre literatura e teoria). Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981, pp. 3-29.
Originalmente publicado in Cadernos de Opinião, Rio de Janeiro, n. 2-5, 1978.
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37
ção das tradições de reflexão sobre o país, muitos autores foram
vistos como “menores”, enquanto outros tornaram-se “clássicos”
do pensamento brasileiro, devido sua suposta capacidade de com-
preender e explicar o Brasil. Desse modo, ambos “clássicos” e “es-
quecidos” foram retirados de seu próprio tempo e cristalizados em
um lugar atemporal, como interpretação definitiva ou, pelo contrá-
rio, como interpretação digna de ser esquecida, respectivamente.
Concordando com Maria Stella Bresciani
63
, pode-se dizer que isso
não deixa de ser uma traição a tais autores, pois desconsidera as
preocupações políticas e sociais que lhes foram contemporâneas,
que serviram de norte para seus estudos e ações.
64
63
Bresciani se refere apenas aos clássicos. Ver: Bresciani, Maria Stella Martins. O
charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil.
São Paulo: Unesp, 2005, p. 16.
64
Gontijo, Rebeca. Esboço final. In: _______. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da
historiografia ao historiador. Niterói: UFF, tese de doutorado, 2006.
Rebeca Gontijo Teixeira é mestra e doutora em história pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). Desenvolve atividades de pesquisa e docência no departamento de
história e no programa de pós-graduação em história da UFF. Participa do Núcleo de
Pesquisas em História Cultural (Nupehc), vinculado ao departamento de história da UFF,
e do Grupo de Pesquisa Oficinas de História, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
que desenvolve projetos sobre ensino de história e historiografia. Atua em temas como a
história do Brasil nos séculos XIX e XX com foco na história intelectual, história da
historiografia brasileira, teoria e metodologia da história, história do livro e da leitura e
história do ensino de história.
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38
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39
Os textos que seguem, publicados em diferentes momentos,
foram extraídos de seus suportes originais (livros, revistas e jor-
nais) e reunidos aqui em cinco grupos temáticos, a saber: pedago-
gia e educação; metodologia; instrução pública; discursos; história
e política. O objetivo é duplo: possibilitar o acesso a textos não
reeditados recentemente, alguns dos quais dispersos em periódi-
cos de difícil acesso; indicar algumas das variadas temáticas pre-
sentes na produção de Manoel Bomfim sobre educação. A grafia
original foi atualizada, mantendo-se a pontuação.
Pedagogia e educação - Texto 1
A pedagogia: objeto e definição
65
1. Caráter da pedagogia como disciplina autônoma; seus in-
tuitos. Ciência ou arte – a pedagogia? Discussão teórica da
educação. Importância, utilidade e necessidade da pedago-
gia. O educando. Princípios científicos e preceitos práticos; a
elaboração pedagógica.
A noção de pedagogia está ainda mal determinada: não
corresponde aos elementos léxicos do vocábulo, pois que a peda-
gogia não é uma simples fórmula prática de dirigir ou conduzir a
criança, nem se define precisamente com a rápida indicação de ser
65
Bomfim, Manoel. A pedagogia: objeto e definição. In: _______. Lições de Pedagogia:
teoria e prática da educação, 1915. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1920, pp. 9-14.
TEXTOS SELECIONADOS
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40
– a ciência da Educação. Há, ou deve haver, ciência na educação;
mas não há, de fato, uma ciência da educação.
A pedagogia é, de fato, uma sistematização teórica, um corpo
de doutrinas, em plena evolução, e não uma ciência propriamente
dita, pois que seu objeto é nimiamente prático – a educação.
A pedagogia é, pois, a sistematização dos princípios científi-
cos, na discussão dos métodos racionais de intervenção educativa.
Ora, a ciência é uma sistematização que tem por objeto, simples-
mente, a organização do conhecimento e a aquisição da verdade; é
sempre teórica, inteiramente indiferente às aplicações práticas; ao
passo que a pedagogia é uma discussão – teórica, pelos princípios
em que se baseia, mas essencialmente prática pelos fins a que se
destina. Quando se diz que a pedagogia é a teoria da educação,
não se lhe tira o intuito caracterizadamente prático.
Não é ciência, a pedagogia: é uma arte? Também não, porque, no
caso, a arte propriamente dita é a realização, é a própria educação.
Não pareça, porém, que seja um absurdo, ou um exagero, o considerá-
la como disciplina distinta. A pedagogia é, apenas, a elucidação teórica
e racional que inspira a arte da educação. Tão importante, contudo, e
complexa, e difícil, é essa arte, que sua teoria bem merece designação
especial, e deve ser tratada como disciplina autônoma.
Em primeiro lugar, a existência da pedagogia explica-se pelo de-
sejo e o intuito de tornar a educação uma obra metódica e científica.
Além disso, a própria natureza das relações, que devem existir entre a
arte educativa e as doutrinas teóricas, torna necessário e indispensável
que esse corpo de doutrina se converta numa disciplina à parte.
A pedagogia não é uma simples condensação de princípios ci-
entíficos, ou um formulário de preceitos práticos. É uma discussão
interpretativa, uma doutrina de deduções racionais, rigorosas, mas
aparentemente variáveis. A educação é obra complexa, longa e ár-
dua, deve ser feita muito racionalmente, sob um regime rigorosa-
mente científico. Daí advém a grande importância da pedagogia.
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41
A arte da educação aplica-se a um ser de natureza muito espe-
cial – que é a personalidade humana, em formação. É uma arte
que não trabalha com a simples matéria bruta, nem se dirige a
organizações. A entidade a que se aplica a educação não existe
quase, nem está caracterizada, quando a obra educativa começa; é
uma individualidade que se deve formar como resultado da pró-
pria educação. No entanto, esse ser – que ainda não existe de modo
completo, terá, em cada indivíduo, um caráter próprio, cada crian-
ça é um caso particular, que exige uma discussão interpretativa
especial, e um processo de elucidação educativa também especial.
Daí resulta que a pedagogia não pode ser um simples repositório
de princípios gerais, nem uma codificação acabada de preceitos
práticos. Ela tem de ser uma sistematização em discussão contí-
nua; uma constante coordenação de métodos racionais; uma in-
cessante reforma adaptativa de processos lógicos e maleáveis.
Há na pedagogia princípios gerais, científicos e rigorosos, que
se inscrevem com o rigor de noções científicas, e há preceitos,
regras, praxes... que são outros tantos esforços para orientar cada
caso particular, cada necessidade de momento, segundo os princí-
pios gerais. A transformação dos princípios e leis científicas em
regras de ação prática exige uma elucidação especial, complexa,
em que se condensam e se combinam múltiplas noções teóricas,
para a organização de um sistema de processos que, sem deixar de
ser racionais e científicos, sejam suficientemente elásticos para con-
vir a todos os casos que a prática pode apresentar.
Essa é a parte ativa e autônoma da pedagogia.
2. Pedagogia e educação. A pedagogia se define pela educação.
Caráter geral do fato – educação; a adaptação psíquica do indiví-
duo; importância essencial do fenômeno. Definição provisória de
educação. A transmissão dos processos e recursos adaptativos
conscientes constitui a parte mais importante da educação.
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42
Desde que se defina a pedagogia como teoria da educação,
não é possível delimitar ou caracterizar de modo explícito seu
objeto, sem determinar o próprio objeto da educação.
A expressão – educação – corresponde a uma noção muito coe-
rente, mas sem um valor preciso, sem definição rigorosamente justa.
Por ter um sentido muito complexo, o termo varia de acepção, e se
torna vago e indefinido. Geralmente lhe atribuímos a ideia de modifi-
cação ou correção, e a de desenvolvimento. Efetivamente, na educa-
ção, há sempre modificações, e todas elas se fazem como desenvolvi-
mento; mas, apreciada em síntese, a educação é a adaptação do indi-
víduo às condições da vida humana. A ideia central, ou dominante, no
conjunto do conceito é a de adaptação ou preparo. E vem daí o valor
que tem a educação, e a importância que se dá à pedagogia.
O homem, como ser vivo que é, não pode existir sem se adaptar
ao mundo em que vive. Essa necessidade corresponde a uma das
mais gerais entre as leis biológicas, e que se impõe a nós, como se
impõe aos mais insignificantes dos monocelulares. Mas, ao mes-
mo tempo, ocorre que o homem – o mais perfeito e complicado
dos seres vivos – possui processos especiais de adaptação, proces-
sos que, sendo comuns a outros animais, são em nós extraordina-
riamente desenvolvidos, constituindo nossa verdadeira e única su-
perioridade. Deles resulta essa forma de adaptação, característica
da nossa espécie – a adaptação consciente, ou por outras palavras,
a vida psíquica, ou acomodação atual ao meio. Em todos os seres
vivos há dessas reações de acomodação atual; mas, no homem tais
reações apresentam realmente, no que há de mais importante e
complexo, um caráter de trabalho esforçado e consciente, com
todas as vantagens das adaptações flexíveis e aperfeiçoáveis.
Outra lei biológica, tão geral e imperiosa como a adaptação, é a
hereditariedade: as espécies se conservam, justamente, porque os
indivíduos transmitem uns aos outros, de geração em geração, umas
tantas capacidades adaptativas. Na generalidade dos casos, essa trans-
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43
missão se faz por herança orgânica: os progenitores, adaptados, pas-
sam à prole, com a própria vida, uns tantos modos de agir já acomo-
dados à vida. É assim, por herança biológica, que se faz neles a
transmissão adaptativa, até para certos casos de adaptação complexa,
como o instinto de migração dos pássaros. No homem, a atividade
instintiva, simples expressão da herança, existe de certo, mas muito
reduzida: instinto de sucção do recém-nascido...
A atividade psíquica, consciente, com seus infinitos recursos
de iniciativa e de apuro, substitui quase que completamente as rea-
ções instintivas. O pensamento refletido, forma superior de adap-
tação abreviada e flexível, reduz progressivamente todos os instin-
tos a simples impulsos. Disso resulta que, na espécie humana, a
herança biológica é muito restrita, no que se refere à vida psíquica,
e se resume nas tendências e inclinações, isto é, no que determina a
natureza do caráter. Tudo, porém, que é forma de ação, nas rela-
ções do indivíduo com o meio, e nos seus esforços de adaptação
– tudo isso se faz por uma série de sistematizações, processos e
recursos, de natureza psíquica, superior e consciente, adquiridos
no curso da vida individual – na infância e na adolescência.
Dada a natureza e o viver social da espécie, as formas e os
processos de adaptação se generalizam em grande parte, consti-
tuindo uma sorte de experiência comum, social, e essa experiên-
cia concretizada na tradição, transmite-se de geração em geração.
Toda superioridade da espécie humana está, pois, nesse psiquismo
socializado, que permite condensar, em cada individualidade, em
cada consciência, a experiência de todas as outras; e a educação
vem a ser a forma de transmissão psíquica dos processos e das
capacidades adaptativas.
3. Relações da pedagogia com as ciências. Os dados do pro-
blema – “educação”; as ciências em que se inspira a pedago-
gia. “Fim” da educação; o ser educável. Condições naturais
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do viver humano. A psicologia e a pedagogia. A educação se
aplica diretamente e especialmente à vida psíquica.
Reconhecido e admitido – que o objeto da pedagogia é a siste-
matização dos princípios que devem inspirar a obra da adaptação do
indivíduo às condições de vida humana, logo se compreende que
esses princípios têm de ser procurados nas ciências que estudam e
fazem conhecer por um lado, a natureza da criança, e por outro lado,
as condições da vida humana, isto é, o meio físico e moral em que o
homem tem de viver. Tanto vale dizer que a pedagogia se deve inspi-
rar em todas as ciências – físicas, naturais, históricas e sociais. Destas,
porém, há uma que lha dá os principais subsídios. É a psicologia.
Quando estudamos e analisamos o problema educação, a fim
de resolvê-lo convenientemente, distinguimos com facilidade estes
quatro dados: o fim da educação, e que é a adaptação do educan-
do e seus três fatores – natureza do educando, natureza do meio a
que ele se destina e ação do educador. Donde concluímos, neces-
sariamente, que – é o conhecimento da natureza da criança e da
natureza do meio, onde ela vai viver, que deve constituir a base do
preparo do educador, a fim de que, pela sua ação, se assegure o
êxito da obra educativa, cujo fim é a adaptação. Ora, essa adapta-
ção é de caráter essencialmente psíquico, e é à natureza psíquica da
criança que se dirigem os processos educativos; logo é essa nature-
za psíquica que se deve estudar de modo explícito.
Quanto ao meio, esse se desdobra em meio físico e meio moral
ou social.
O conhecimento do primeiro tem grande importância; mas o
essencial, e o mais difícil, é o conhecimento e apreciação do meio
moral, que é constituído pelo conjunto de relações entre as consci-
ências individuais, e resulta diretamente da vida psíquica. Por isso, é
ainda a psicologia a fonte principal de inspirações, no estudo da
moral e na apreciação da vida social. Então, sem hesitação, pode-
mos chegar à conclusão de que – o estudo sistemático da pedago-
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gia deve ser precedido do estudo também sistemático e científico
da vida psíquica ou das atividades conscientes.
Metodologia da história
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1. Definição e objeto da história; sua importância e função no
preparo geral do indivíduo. Utilidade educativa da história.
Caráter dos fatos históricos.
Ao ensino da história na escola primária, aplicam-se, em gran-
de parte, as considerações e os conceitos com que justificamos a
metodologia racional da geografia. Quanto ao papel que desem-
penham na instrução geral do indivíduo, ambas concorrem para
o mesmo fim. São disciplinas que se completam. Uma e outra se
referem a fatos complexos; tão complexos e tão vastos que, em
geral, não podem ser diretamente observados, e têm de ser apre-
sentados ao aluno sob a forma descriptiva e narrativa. São disci-
plinas que estudam as formas e as condições do viver humano.
Por isso mesmo, também para a história se torna necessário su-
bordinar o problema da respectiva metodologia à elucidação
dessa dupla questão: Que é a história?... Para que serve uma tal
disciplina, no preparo geral do indivíduo?...
A história é a reconstituição da vida consciente das sociedades
humanas, representada na evolução de cada uma das suas institui-
ções características.
É uma definição sintética, esta – para abranger e caracterizar o
objeto da história, porque só desse modo será possível julgar da
utilidade real dessa disciplina na instrução geral. Definir a história
como simples relato de fatos morais, sociais e econômicos; considerá-
la, apenas, no aspecto cronológico e narrativo, seria um grave erro.
A história é crônica, é descrição narrativa, porque compreende to-
das as crônicas, e porque somente sob essa forma se pode observar
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Bomfim, Manoel. Metodologia da história. In: _______. Lições de Pedagogia: teoria e
prática da educação, 1915. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1920, pp. 251-270.
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e caracterizar os fatos históricos; mas vai muito além, porque, como
todas as disciplinas que concorrem para a formação do espírito, ela
tem seus princípios gerais, – apreciações e fórmulas de compreen-
der e de julgar, que equivalem às leis e aos axiomas das ciências
positivas e exatas. Há (e não poderia deixar de haver), na história,
uma parte sintética, que é a própria contemplação inteligente do
viver geral dos grupos sociais. Nela se condensam todos os traços
que, na sua vida consciente, vai o homem deixando sobre a terra, de
forma que, através dos seus julgamentos e das suas constatações,
podemos apreciar e conhecer: os progressos realizados, o sentido
em que se faz esse progresso, as resistências que a ele se opõem, a
função do tempo, os liames necessários que nos prendem ao passa-
do, e, finalmente, – o que é licito e lógico esperar do futuro. É nessa
contemplação geral da história, que bem podemos apreciar o jogo
dos esforços morais em relação com as forças físicas.
A história não se explicaria, principalmente como matéria de
instrução geral, se devesse existir simplesmente como descrição
narrativa. Dir-se-á: “Isso equivale a transformar a história em soci-
ologia, e incluir sociologia no ensino primário...” Sociologia?!... que
seja. Nada há de extraordinário que se dê um caráter sociológico
ao ensino da história; é o único meio de torná-lo racional.
67
A
sociologia entrará ali como, no ensino da geografia, entram: a ge-
ologia, a astronomia, a meteorologia, a mecânica... como a física, a
67
Nota do autor: “O ensino da história propriamente dita, na idade em que isso é possível,
pressupõe o mesmo método que a explicação dos fatos elementares e da ação do governo
e da sociedade, isto é – disto que nós chamamos sociologia. Poder-se-ia considerar essa
questão, ao mesmo tempo que a do estudo das leis da economia política, que constituem
uma parte de sociologia, mais simples que as leis gerais da política, se bem que em última
análise estas se liguem àquelas. Como já o dissemos muitas vezes, a corrente das
narrações históricas comoventes leva consigo certo número de fragmentos despegados da
sociologia, e que chega um momento em que esses fragmentos se podem reunir de modo
que se complete o ensino respectivo” (A. Bain = Science of Educations). Nota do organizador:
Alexander Bain (1818-1903), autor de A ciência da educação (1879), propõe uma pedagogia
de base fisiológica e psicológica, com destaque para dois campos principais, valorizados
por sua dimensão prática: a ciência e a linguagem. Ver referências em CAMBI, Franco.
História da pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999, p. 472.
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biologia entram nas lições de coisas... como o direito constitucional
e o direito civil, concorrem para Instrução cívica. Em pedagogia
prática, como realização didática, não há nenhuma disciplina que
seja sociologia, como não há nenhuma que seja biologia. Esses
dois termos designam grandes domínios científicos, cada um com
seu objeto, e sua orientação geral. Biologia é a orientação de todas
as ciências e disciplinas que estudam os fenômenos da vida no seu
orgânico e positivo, como – sociologia é a orientação das ciências
e disciplinas que estudam a vida no seu aspecto moral e subjetivo,
na existência dos grupos humanos.
Não há, por conseguinte, nenhuma razão para hesitar em fa-
zer do ensino da história uma coisa racional, pelo receio de lhe dar
um caráter sociológico. Não será ele mais difícil por isso. Pelo
contrário: tudo que torna racional a instrução, serve para facilitá-la.
Além disso, essa questão de facilidade, ou dificuldade, depende
exclusivamente da dosagem da matéria e da gradação do ensino.
Há muita noção de Sociologia perfeitamente acessível à mentali-
dade infantil, no aluno de 9, 10 e 12 anos.
Na instrução geral, a história tem como função essencial fazer
conhecer o mundo moral e político a que o indivíduo pertence.
Ora, isso não se obtém sem a contemplação do passado, porque
o mundo moral, e tudo que o determina – ideias e sentimentos
gerais são resultados de fatos e de condições anteriores. O meca-
nismo social só pode ser conhecido quando o apreciamos no seu
desenvolvimento através do tempo. É a história que nos faz com-
preender explicitamente o meio social de que fazemos parte. A
educação comum, espontânea, incorpora o indivíduo à tradição,
mas incorpora-o de um modo inconsciente, quase. O indivíduo
vive nela, deixa-se levar por ela, mas, realmente, não conhece os
fatores dessa tradição; vive a vida social como vive a vida orgânica
quando ignora o mecanismo dos seus órgãos. Por isso mesmo,
ignorante, ele é um prisioneiro passivo da tradição, ou um rebelde
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desvairado e pernicioso, como por ignorância, é um escravo dos
apetites materiais e um inerte, em face dos agentes capazes de pre-
judicar-lhe a saúde. O estudo racional da história deve ser, para a
vida moral, o que o estudo da anatomia e da psicologia é para a
vida orgânica: satisfação necessária ao clássico preceito do conhe-
ce-te a ti mesmo. Nessas condições, a instrução histórica se torna
condição capital na educação e no preparo geral do indivíduo,
porque se confunde na própria obra da educação, que é a adapta-
ção consciente da pessoa humana ao meio que lhe é próprio. E,
para que isso se faça de modo completo, é indispensável que o
indivíduo conheça realmente esse meio.
Podemos, então, considerar a história como disciplina essenci-
almente educativa, tanto do ponto de vista mental, como do pon-
to de vista moral. Para tanto, porém, e para que o conhecimento
da História seja eficiente e fecundo, é necessário dar-lhe esse cará-
ter racional e sintético a que nos referimos. Destarte, seus resulta-
dos efetivos serão, como devem ser: fornecer subsídios para a
instrução cívica e a geografia política; facilitar e preparar a adapta-
ção à vida social; indicar o caminho e as possibilidades de progres-
so; e, finalmente, servir de tema às lições morais.
Não será preciso insistir muito para demonstrar que fora im-
possível fazer compreender bem as condições da vida política de
que o aluno vai participar, e dar-lhe a noção racional dos respectivos
deveres e direitos, sem que ele conheça, pela história, a razão de ser
de uns e de outros. Por exemplo: nos regimes de liberdade, um dos
direitos políticos essenciais (e que se pode considerar, até, como
dever) é o de concorrer, pelo exercício do voto, para a constituição
dos poderes do Estado; ora, esse direito só se revela em toda sua
importância, quando chegamos a apreciar os esforços necessários
para conquistá-lo. A instrução cívica já é preparo para a vida social;
mas, além disso, a instrução histórica intervém diretamente para a
adaptação do indivíduo ao meio moral, porque faz compreender,
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de um modo explícito, o papel de cada uma das suas instituições, e
o valor efetivo dos costumes e das tradições. Já o dissemos: desse
modo, o indivíduo se conforma com o viver geral, sem perder, no
entanto, a capacidade de iniciativa, porque sabe que a Humanidade
tem progredido e deve continuar a progredir; que a ordem, dentro
da tradição, não quer dizer imobilidade. Se há, no jovem indivíduo,
as qualidades de um reformador, na história encontrará ele as mais
preciosas inspirações, porque só pelo cotejo do presente com o
passado se pode reconhecer bem que é que se deve pedir no futuro,
e que é que se pode razoavelmente esperar dele. Quanto à educação
moral, a influência dessa disciplina é universalmente reconhecida; com
razão, a pedagogia a tem considerado, sempre, como o mais eficaz
dos fatores, depois da ação imediata do meio. Há circunstâncias em
que uma consagração, ou uma condenação da história, tem mais
poder sobre os espíritos do que um exemplo direto. Na história,
cada tipo, que se caracteriza e fala ao sentimento, inspira estima, ad-
miração, entusiasmo... ou compaixão, repulsa, reprovação... Bem apro-
veitados, os fatos históricos são incomparáveis lições de civismos e
de moral; mas para que sejam sugestivas, é preciso, justamente, não
deixar perceber esse intuito, nem lhes dar tom de propaganda dou-
trinária. É pela intensidade dramática dos feitos, pela pintura anima-
da e real dos heróis, fazendo-os amados, ou detestados, que a con-
templação da história se torna, de fato, uma excelente escola moral.
2. Ensino racional da história; fatos e concepções gerais. Im-
portância da crítica nas construções e apreciações históricas. O
ensino se deve inspirar no método de construção e de coorde-
nação da história. Papel dos indivíduos no desenvolvimento his-
tórico. Aplicação do método racional à história do Brasil.
Todos esses parágrafos, em que se assinala a utilidade da instru-
ção histórica, e se explicam seus intuitos no preparo geral do indi-
víduo, valem como outras tantas indicações precisas, quanto à orien-
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tação que se tem de dar sua realização didática. Se o fim da instrução
histórica é o conhecimento sintético da vida social, ela deve tender
para os aspectos gerais, servindo-se dos fatos na medida, apenas em
que eles são necessários para dar a noção concreta das formas de
viver, e permitir um juízo seguro e fundamentado – do caráter dos
personagens, da importância das causas e da extensão dos efeitos. A
história é a melhor escola para a cultura da capacidade de julgar,
porque seus juízos resultam sempre de comparações e de aprecia-
ções muito complexas, de sorte que a parte mais importante, na sua
elaboração, não é propriamente a compendiação dos fatos, e, sim, a
orientação geral que preside sua escolha, os preceitos de crítica a que
são submetidos, e o método com que são coordenados, no sentido
de fazer contemplar e compreender a evolução social.
Assim se faz a história; assim deve ser ensinada.
Para compreender o valor dos fatos, é mister considerar a
história como verdadeira construção, em que os acontecimentos
servem, apenas, de material; os lineamentos característicos, a con-
cepção geral, determinam-se pelas relações de sucessão, pelas apre-
ciações de causa e efeito, e pelas inspirações gerais, hauridas no
domínio conjunto da ciência e da filosofia.
Está bem-visto que os aspectos gerais devem estar de acordo
com os fatos, porque são conclusões, resultantes das relações neces-
sárias entre os mesmos fatos. Mas está bem-visto, também, que o
estudo da história não se poderia limitar a simples enunciação dos
fatos, que ficariam, desse modo, sem valor. No entanto, é esse o
caráter que lhe dão em muitos casos; e, com isso, se torna o ensino
inteiramente árido, difícil e inútil. É nessas condições que vemos re-
duzir-se a instrução histórica à crônica exclusivamente política ou
militar – recitação de nomes de príncipes e de generais, enumera-
ções de batalhas, listas de datas, indicação de casas reinantes... citadas
sem discernimento, e onde se amontoam personagens banais, não
permitindo ao aluno o lobrigar uma sequência racional de efeitos,
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nem descobrir a linha geral do desenvolvimento necessário ao gru-
po social, ou a evolução das respectivas instituições. Os personagens
se tornam, então, inteiramente ilógicos; surgem como deuses, ou se
movem com títeres, porque – ou não se destacam, quase, dos acon-
tecimentos, ou são apresentados como a causa definitiva deles... Ora,
uma das utilidades da história é mostrar-nos em que medida os
indivíduos influem, realmente, sobre a marcha dos acontecimentos,
e de que forma se refletem sobre a alma dos heróis as necessidades
e as aspirações gerais. Do estudo da história, deve o aluno trazer essa
noção: de que um homem não cria uma época, mas pode concentrá-
la, sendo o realizador de uma aspiração. Aí aprende o aluno a distin-
guir o apóstolo e o organizador: Graccho e Júlio César... Barata e
José Bonifácio... Não há lições mais próprias para dar ao indivíduo
o grande sentimento de humanidade e do valor relativo do homem,
no determinismo da evolução histórica.
Todos esses defeitos no estudo da história provêm de moldá-lo
às formas estreitas e inanimadas das páginas dos compêndios. Não
há disciplina mais incompatível com eles. O ensino da história, na
escola primária, tem de ser obra direto (sic) da palavra do mestre. As
leituras são convenientes e necessárias, como complemento das li-
ções do professor; mas não será nos compêndios que o aluno acha-
rá as páginas mais próprias para ilustrar o espírito, na compreensão
dos fenômenos históricos. A boa leitura do viver passado e sentir
com a evocação dos tipos que se agitaram na história. As lições de
história devem, sempre, fazer ressaltar o desenvolvimento geral do
grupo social, ou das instituições, e condensar os quadros históricos,
no resumo dos acontecimentos mais importantes e expressivos.
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Em síntese, o bom método, no ensino da história, consiste
em: racionalizar a enunciação dos fatos, mediante a boa escolha
deles e a apreciação sensata de suas dependências; acentuar as épo-
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Algumas páginas bem escolhidas, na história do povo de Israel, valem mais que o
melhor dos compêndios, para dar ideia do que é a nação judaica. Nota do autor.
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cas; caracterizar os personagens, definir seu papel e assinalar o
desenvolvimento social, através da sucessão dos fatos.
Seja exemplo nossa história. Principia como episódio da his-
tória de Portugal, e assim deve ser ensinada. Fazer a história do
Brasil – exclusivamente, é mais absurdo do que pretender ensinar
a formação do fruto, sem tomar em consideração a vida da plan-
ta. Isso não quer dizer, porém, que seja preciso estudar exaustiva-
mente a história lusitana. Para conhecer a história do Brasil, e com-
preender sua formação, é necessário ter uma noção geral da evo-
lução histórica do Ocidente, nos seus períodos característicos: Grécia
– Roma ... Cristianismo: intromissão dos bárbaros do Norte; feu-
dalismo, irrupção do Islamismo; formação das nacionalidades
modernas; Renascença, expansão dos povos europeus; movimen-
to científico e filosófico, aspirações políticas e sociais consecutivas
à Renascença... De tudo isso se pode dar uma ideia em quadros
gerais, comentados, de espaço em espaço, por leituras sugestivas.
O aluno compreenderá então a descoberta da América, e todas
suas consequências: o estado de espírito dos colonizadores, e a
diferença entre a vida dos aborígenes e dos adventícios.
A história do Brasil (como a de qualquer nação americana) apre-
senta condições especiais para tornar interessante e fácil o ensino. Só
por absoluta incompreensão do que deve ser a história, e da sua utili-
dade no preparo geral, poderia ter chegado a instrução dessa disci-
plina ao grau de aridez a que a vemos reduzida. O Brasil histórico é
um mundo que se cria, é uma nação que se forma; e até podemos
marcar o momento em que se começou a nova ordem de coisas que
produziram o povo brasileiro. A sociedade que para aqui se estendeu,
o quadro em que se estabeleceram os fundadores do Brasil, a natureza
que os recebeu, as almas simples com que se encontraram... tudo isso
nós conhecemos, e podemos apresentar em traços vivos. São dois
mundos que estão em face de nós; como que os vemos encontrar-se,
reagir, fundir-se... através das condições de vida que se ofereciam.
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Pois bem, todo o problema, no ensino da nossa história, está
em mostrar como se formou a organização política e social que
abrange e sistematiza nossa tradição. Notemos, porém, desde já,
que, para definir essa tradição, não basta contar; é preciso fazer
senti-la. Das lições de história pátria, deve resultar, além da ins-
trução propriamente dita, o vivo sentimento da tradição nacio-
nal, a caracterização bem nítida, na consciência do aluno, da sua
alma de brasileiro.
É impossível atender a esses intuitos, desde que se dá à nossa
história esse tom de resenha, ou de efemérides políticas e governa-
mentais. Toda ela se reduz a relatos apagados, inexpressivos. Para
tirar deles a conveniente instrução, é mister dar-lhes sentido, ani-
mando-os com visões de conjunto, capazes de revelar à consciên-
cia que agora surge o espírito dessa nacionalidade, e seus motivos
de estímulo. Como em toda história, fôra preciso dar caráter soci-
al aos relatos. Não há narração que não se possa fazer com esse
aspecto, e as que dizem respeito são especialmente próprias para
isto: explorações, expedições, lutas de raça, a conquista da terra
pelo homem... Mais tarde, uma população natural, fusão de tudo
quanto aqui se encontra, encarnando uma alma nova e afirmando
a existência de um novo mundo... Não temos as grandes guerras,
as lutas lendárias de defesa nacional; mas temos lances e períodos
bem expressivos – a expulsão do Holandês, a resistência do Sul à
influencia castelhana.. e temos, principalmente, a vigorosa epopeia
dos bandeirantes. Material não falta, desde que saibam aproveitar.
3. Sistematização e aspectos característicos da história brasilei-
ra. O Novo Mundo. Os germens da nacionalidade; suas afir-
mações explícitas. Importância da história de Portugal para a
compreensão da história nacional.
Iniciado desse modo o estudo sistemático da história do Brasil,
e bem caracterizados os primeiros encontros dos portugueses com
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o Novo Mundo, incorporam-se no primeiro capítulo os resultados
das incursões e explorações esporádicas que aqui se fizeram, os esta-
belecimentos e as povoações que delas resultaram, até a adoção da
exploração sistemática, sob a forma de capitanias. Esse assunto cons-
titui o segundo aspecto geral da vida colonial, e aí se compreendem:
condições do litoral brasileiro onde se desmarcaram as capitanias;
dificuldades que se ofereciam aos donatários; ambições que os ani-
mavam; riquezas exploráveis, então; condições de trabalho, estado
geral dos aborígenes, diferenças essenciais de educação, entre os in-
dígenas e os reinóis; serviços que uns podiam prestar aos outros,
dificuldades de se associarem; espírito religioso, catequese; capitanias
que floresceram e prevaleceram, capitanias que pereceram; causas na-
turais e inevitáveis dos fracassos, causas removíveis; povoações e cul-
turas resultantes da exploração sob o novo regime das capitanias; re-
lações dos donatários com o Estado da metrópole, razões políticas
contrárias a esse regime; repercussão dele sobre a história da colônia
até a época atual – províncias, estados... o surgir da nova sociedade,
vida nos estabelecimentos coloniais, natureza das suas produções; cos-
tumes que se estabeleceram, relações e dependências sociais e políticas
com a metrópole; comunicações que se abrem entre as diferentes
partes dos territórios; condições de prosperidade do norte do país;
papel do governo colonial, suas relações com a metrópole...
Nesse estudo, o aluno vê nascer a nova sociedade. De período
em período, ele pode comparar o estado de desenvolvimento da
colônia, os centros de povoamento que se iam formando: “Nos
fins do século XVI, já havia tantas cidades, ou povoações, com
tantos habitantes... tais e tais rios já tinham sido explorados...“ Des-
de o início, outro aspecto geral da nossa história se oferece à con-
templação e ao julgamento: o desenvolvimento das relações dos
indígenas com os adventícios – colonos e missionários. Depois de
comparar o grau de civilização de uns e de outros, e o respectivo
estado de espírito, para explicar as lutas e as alianças que se estabe-
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lecem, acompanha-se a fusão das tribos na massa da nova popu-
lação, ou seu extermínio e afastamento para os sertões protetores;
a ação especial dos catequistas, oposição entre seus desígnios e os
dos colonos. Multiplicam-se os aspectos característicos neste novo
mundo em formação: o regime grosseiro de vida que necessaria-
mente se estabelece; deficiência da ação governamental para ga-
rantir a justiça, costumes despóticos, normais naquela época; es-
cassez de lavoura; origem da importação de escravos negros, for-
ma de exploração que, então, se estabelece; importância dos pro-
prietários agrícolas, cidades e campos, escravos e senhores, ne-
gros, brancos e índios; relações que se desenvolvem entre os vári-
os elementos da população; política adotada pela metrópole, se-
gundo os costumes da época e os intuitos de tirar da colônia todo
o proveito possível. No curso desse evoluir, surgem, como episó-
dios importantíssimos: as cobiças de outras nações, e as tentativas
para se estabelecerem aqui; lutas que se travam, papel do elemento
indígena, tribos que se aliam ao estrangeiro, tribos que se incorpo-
ram efetivamente aos primeiros povoadores... Uma como que nova
raça se vai formando, já afeita ao clima, moldada a esta natureza,
mais simples e mais grosseira que os colonos, mas apercebida dos
instrumentos e dos recursos comuns da época... Agora, é essa raça
que vem completar o desbravamento dos territórios, e achar o
caminho para a realização daquele sonho de riqueza que animava
os primeiros colonizadores.
Nessas condições, quando cabe estudar um episódio como o
da reação contra o invasor holandês, o aluno está em condições de
compreender a razão de ser da hostilidade aos holandeses, e o
espírito que anima e conduz para uma ação comum – Henrique
Dias, Camarão, Fernandes Vieira, Vidal de Negreiros... Então, pouco
importa a enumeração exata dos combates, a menção definida
dos sítios e a indicação precisa das datas, ou a resenha rigorosa dos
generais e almirantes holandeses: a evocação da figura de Nassau,
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a definição expressiva da Companhia das Índias... bastam para dar
ideia do valor, dos intuitos e das qualidades do invasor. O essencial
para o aluno é aprender a significação real da luta, e sua extensão;
a energia e a natureza dos sentimentos nas hostes que intransigente-
mente resistem, anos e anos, e vencem por fim, consagrando uma
nacionalidade nascente, e que se afirma na própria defesa. Nessa
luta, já é o Brasil quem combate: secunda as ações dos almirantes
de Philippe III, acompanha os generais de D. João IV, luta por
conta própria... luta, luta sempre, luta... até à vitória definitiva.
Já há, então, preocupação de pensamento – Vieira, Gusmão...
elevam o espírito para as grandes cogitações. Dentro em pouco,
essa população brasileira completará a afirmação de sua existência
no Sul, com a conquista das minas. A cultura açucareira do Norte
fez nascer e criou o Brasil, mas é produto direto do reinol; a ex-
ploração mineira já é façanha do bandeirante paulista. Começou
também outra forma de afirmação nacional – a luta contra o pró-
prio reinol, a reivindicação da autonomia. Sucedem-se os inciden-
tes e os pretextos: resistência às exações do Fisco e à tirania dos
governadores... oposição de interesses com os reinóis... veleidades
de independência política... de tal sorte que, quando o Ocidente se
agita ao influxo das aspirações de liberdade e justiça, já há no Brasil
corações generosos que se deixam arrastar para o ideal de uma
pátria livre e americana; há caráteres que aceitam o martírio em
nome desse ideal. Desde então, toda a afirmação será contra a
metrópole, não por ódio à tradição portuguesa, mas pela necessi-
dade de definir essa outra tradição nascente, produto da ação por-
tuguesa, mas que é diversa, porque, nela concorreram muitos ou-
tros fatores, e muitas outras condições; para ela se abrem novos
destinos. A metrópole opõe-se a que esse novo mundo se afirme
completamente; mas ele resiste, e impõe sua vontade. No dia em
que o Estado português para aqui se transporta, o Brasil aceita-o,
porque destarte se exprime formalmente sua existência; mas resis-
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te inexoravelmente a toda política tendente a negar-lhe o direito de
povo que se formou e quer continuar. Seduz o príncipe portugu-
ês, tenta fazê-lo brasileiro, adota o regime monárquico; luta depois
contra o novo imperador, bane-o por lusitanismo; e vemos exa-
cerbar-se um paradoxal nativismo – paradoxal, porque, em vez
de ser retrógrado, tradicionalista e reator, é revolucionário e pro-
gressista. É que esse nativismo se ocupa, em particular, do comba-
te contra os que são, ou parecem ser, adversos à nacionalidade que
se quer afirmar; em vez de ser o nativismo por amor a uma tradi-
ção já feita, e que procura conservá-la e defendê-la contra os ex-
cessos das imposições e inovações estrangeiras; é o nativismo pela
aspiração de consagrar a nova nacionalidade numa tradição pró-
pria, e que luta abertamente contra a tradição da metrópole.
No perpassar dos quadros, que confirmam a formação dessa
nova sociedade, a crônica política serve, sobretudo, para estabele-
cer explicitamente a sequência ou a sucessão dos fatos: a cronolo-
gia é uma ordem natural. Quanto ao mais, para a boa compreen-
são da história colonial, mais importância tem a crônica política de
Portugal, do que as efemérides banais, dos sucessivos governado-
res gerais do Brasil. É indispensável comentar frequentemente os
destinos da metrópole, para apontar o reflexo dos seus sucessos
na vida da colônia. Poderia o aluno compreender o movimento
da Independência – feita como foi feita, sem ter a noção exata da
situação política, econômica e social de Portugal?... Como explicar
que a permanência do príncipe português aqui – o Fico – tenha
sido uma vitória do espírito brasileiro, se não se conhece a necessi-
dade que tinha o Estado português de diminuir a situação política
do Brasil, e de dominá-la diretamente?...
Formou-se uma população, constituiu-se uma nacionalidade,
definiu-se seu caráter; existe a nação com um sistema civil e políti-
co, hábitos e costumes, território delimitado, correntes gerais de
sentimentos, movimentos de ideias, aspirações novas... eis o que
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importa ao indivíduo conhecer, para conhecer a si mesmo, naquilo
em que sua consciência reflete o elemento tradicional. O mais sim-
ples, em tudo isso – a delimitação do território, orienta-se, em
parte, pela tradição; tem uma explicação complexa, e é resultante
de muitos fatores, cuja importância só se pode compreender e
apreciar quando se faça um estudo assim racional e generalizado.
4. Início do estudo sistemático da história; instrução prepara-
tória intuitiva. Relações da história com a geografia. Caráter da
narrativa histórica; condições de realidade. Quadros gerais da
história do Ocidente. O julgamento histórico; culto dos heróis.
Essa longa enumeração de aspectos gerais da nossa história, teve
como intuito mostrar como se pode tornar interessante, eficaz e útil
uma instrução que, realizada nas formas da didática trivial, será sem-
pre inexpressiva, banal, inútil e árida. Parecerá difícil, e até mesmo
inexequível, o estudo da história com tal método, quando se trate de
alunos que não estejam convenientemente preparados. O ensino sis-
temático da história não pode começar antes dos 9, 10 anos. Até
então, a instrução a fazer, nesse sentido, é toda preparatória, e exclu-
sivamente educativa. Começa, como toda instrução, pelo exercício
da intuição, e passa à observação mais aturada – à observação refle-
tida e analítica, do viver atual e da organização moral, naquilo que
pode ser conhecido e apreciado pela criação. Se a história tem por
fim fazer conhecer a vida das sociedades através dos tempos, seu
estudo deve basear-se no conhecimento da sociedade de hoje, por-
que todos os juízos que o aluno forme, todas as noções que no seu
espírito se organizem, levam a cotejos explícitos, ou implícitos, entre
as coisas atuais e as idades passadas. A vida corrente é o ponto de
partida dos conceitos a respeito das causas históricas porque é na
apreciação do viver atual que a criança aprende a julgar os heróis e a
compreender as situações. A vida atual será história amanhã. A no-
ção da existência social tem de ser adquirida intuitivamente, pela
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observação que o aluno faça do seu próprio viver, das dependênci-
as e dos liames que o prendem a outras pessoas; dos interesses co-
muns e dos serviços necessários que os homens prestam uns aos
outros. Dá-se, a esse respeito, o mesmo que se dá com a linguagem:
a criança a pratica, serve-se do instrumento comum, mas quase que
não tem consciência disso; assim, também, ela vive a vida social,
aproveita suas inúmeras vantagens, mas não a percebe quase; e só
lhe compreende a importância quando a atenção é levada formal-
mente para aí. Então, as verificações que se faz são como que desco-
bertas, e ela se reconhece uma criatura social, isto é, reconhece a
forma positiva das suas relações no grupo humano, e tem a intuição
da absoluta importância dessas relações.
Nessa fase preparatória – de observação do mundo ambien-
te, a instrução histórica se confunde necessariamente com a da
geografia, que também começa, como vimos, pela observação
direta do meio. Quando o aluno é convidado a ver, e a resumir
numa redação, as formas e os meios usuais de transporte, ele estu-
da, a um tempo, geografia e história; e o mesmo ocorre quando o
fazem observar e apreciar a organização, os fins e a extensão dos
diferentes serviços públicos: correios, telégrafos, higiene, instru-
ção, policiamento, iluminação, distribuição de água... ou quando
levam a compreender a natureza e a função das relações comerci-
ais, a constituição das indústrias, e as formas comuns de produção.
Então, as duas disciplinas fazem objeto das lições de coisas, como
quase todas as outras do programa.
Por outro lado, esse estágio preparatório para o estudo da
história propriamente dita se confunde com a educação moral e
instrução cívica, porque, nessa fase de observação direta, deve o
aluno estudar e compreender, na medida da sua capacidade men-
tal, cada uma das instituições sociais; o poder das leis, as fórmulas
da moral, as exigências dos costumes... Não será um estudo filo-
sófico da vida social, mas uma análise, uma discriminação, em que
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se acentuem, um a um, todos seus elementos e fatores. É realmen-
te a observação sistemática, para o conhecimento intuitivo das re-
lações sociais, naquilo que só intuitivamente pode ser conhecido.
Fora impossível, no entanto, conservar a criança impassível quan-
do fazemos observar a vida moral: em muitas circunstâncias, ela
terá de julgar – do bom e do mau, terá de sentir e de pronunciar-
se; é necessário mesmo que o faça, porque assim se prepara para
os julgamentos históricos.
Nesses exercícios, adquire o espírito do aluno o necessário
amadurecimento, que lhe permitirá acompanhar o desenvolvimento
dos relatos históricos, apreciar a sucessão dos acontecimentos, e
discernir suas relações e dependências. Então, seu espírito se habi-
tua às circunstâncias e aos fatos que assinalam as mudanças nos
acontecimentos; e o mestre lhe dá explicitamente as noções de:
invasão, conquista, domínio, reinado, governo, independência,
emancipação, guerra, tratado... Só desse modo pode o aluno achar
sentido das descrições históricas. Seguir as narrativas não é difícil à
mentalidade infantil; pelo contrário: uma tendência natural a leva
irresistivelmente para os encadeamentos dramáticos. Esse interesse
pelas narrações e aventuras, tão frequentes na história, pode ser
aproveitado, desde que as crianças começam a ler de forma cor-
rente. Elas gostam de história, e as acompanham facilmente; o
preparo inicial, nesse estudo, não visa propriamente habilitar o alu-
no para acompanhar as narrações e interessar-se por elas, e, sim,
habituá-lo a discernir nas narrativas o elemento racional: exigir a
verossimilhança, reconhecer a exatidão, julgar os personagens, com-
parar as situações, relacionar causas e efeitos... Isso se obtém apro-
ximando as narrativas da realidade, quer dizer, familiarizando a
criança com os relatos de casos reais, em vez de mantê-las no
domínio da fantasia. São muito convenientes e muito educativas,
nesse sentido, as biografias dramáticas; ensinam a apreciar os he-
róis, e a acompanhar um prosseguimento lógico de acontecimen-
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tos. O elemento racional torna-se explícito na vontade de heróis:
ele quer racionalmente; ele quer e julga, e a criança segue o desen-
volvimento de uma ação racional, inteligente, justificada.
Alega-se, geralmente, que a convivência da criança com os se-
res de fantasia – nos contos de fadas e bruxas, é útil como cultura
da imaginação. Seria contrassenso. A verdadeira cultura da imagi-
nação consiste em dar-lhe a inspiração das realidades, para que ela
possa produzir melhor que a realidade. Não esqueçamos, porém,
que esse – melhor não é arbitrário, se não, indicação da própria
realidade. Todas as exigências da estética, todos os elementos da
beleza, todos os recursos de pensamento – harmonia de propor-
ções, propriedade e vigor de expressão, sentimento de verossimi-
lhança... resultam do traquejo com a realidade. A criança busca a
narrativa e nela se compraz, porque tem necessidade de alimentar
a imaginação, sem o esforço penoso da disciplina. É-lhe tão fácil
seguir a narração fantasista como correr desordenada pela campi-
na. A narrativa pura, fantasista, é, quase, um exercício passivo da
imaginação, que, arrastada para o desenlace, perde toda a iniciati-
va, e toda a capacidade de construção original. No estudo da his-
tória, sucessão de fatos, não há necessidade de cultura especial para
isso. O difícil é subordinar o espírito da criança à realidade.
Em resumo: o preparo para o estudo sistemático da História
se faz pelo conhecimento intuitivo da vida social, e pela observa-
ção do meio moral, completando-se com as biografias dramati-
zadas dos personagens históricos. Essa observação direta da vida
social é que se confunde com o estudo intuitivo da geografia, e
com a instrução moral e cívica. Seu fim é tornar a criança capaz de
apreciar as relações sociais contemporâneas, e de compreender e
seguir racionalmente uma descrição histórica.
Assim preparado, será para o aluno um verdadeiro prazer ouvir
falar desse mundo grego ou romano; seguir em quadros sumários
a história da grande República Latina; vê-la vencer, um a um, to-
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dos os grandes povos que com ela se encontraram, e transformar-
se, depois em Império – sobre todo o mundo civilizado de en-
tão... Que lhe mostrem, em torno, o mundo bárbaro, fascinado
pela grandeza de Roma, a investir contra ela, repetidamente, até
que, por fim, o Império se desmantela no Ocidente, para continu-
ar no Oriente uma vida mesquinha, já sem repercussão sobre o
resto da Terra... Na universalidade do domínio romano, calados
os sentimentos de pátria, surge uma doutrina de compaixão e de
amor, de reparação e de justiça para os humildes e os infelizes; e
essa doutrina ganha os corações, nas multidões dos vencidos e
espoliados da sorte... Finalmente, todo o Ocidente se converte ao
Cristianismo que, então, se organiza por inteiro e fora da ideia de
pátria, e de acordo com as tradições católicas de Roma. Os prín-
cipes e generais bárbaros estabelecem-se com suas hostes sobre os
territórios que conquistam; assenhoreiam-se das terras, adotam da
civilização latina o que é vantajoso, como instituições políticas, re-
ligiosas e morais; apuram os costumes, afinam o espírito; mas con-
vertem-se em casta privilegiada de senhores; é o feudalismo, com
suas lutas, temperadas de cavalheirismo e de misticismos.
Dessa aliança entre as tradições bárbaras e as da vida latina, em
cada parte, surgem as nações modernas. Nessas lutas, o espírito
guerreiro se afirma de mais em mais; combinado ao fervor religi-
oso – de uma crença nova e profundamente mística, ele arrasta
príncipes e povos às Cruzadas. Irrompe o Islamismo, a luta se
exacerba; acentua-se o pendor para as expedições guerreiras e
catequizadoras do Império do mundo. Os povos que, no Ociden-
te, sofreram o jugo maometano, libertando-se dele, querem, ago-
ra, arrancar-lhe as outras conquistas – sonham a Índia, buscam seu
caminho... descobrem a América...
Esse perpassar de panoramas históricos, será a fase final do
preparo para o estudo formal e sistemático, ou da história univer-
sal, ou da história do Brasil. Sem isso, o estudo pormenorizado
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não terá sentido, nem interesse. É bem de ver que, na escola pri-
mária, não será possível um estudo completo de toda a história,
ou da história nacional; nem é necessário. O essencial é que o aluno
chegue ao conhecimento geral da situação histórica da humanida-
de e da sua pátria. É conveniente, porém fazê-lo estudar
pormenorizadamente, uma fase, uma quadra, ou um acontecimento
em particular. Tem isso a vantagem de apurar o espírito na critica
história, e de habituá-lo a prosseguir por si mesmo nesses estudos,
se o gosto o leva para aí. Demais, para bem conhecer a alma de
um povo, é indispensável analisá-la detidamente no desenvolver
de uma das suas crises históricas. O caráter da nacionalidade brasi-
leira está, todo inteiro, na história da abdicação.
69
O estudo da his-
tória, que é uma verdadeira escola de moral e de civismo, deve ser
feito de molde a suscitar e cultivar os sentimentos de admiração e
veneração pelos grandes tipos; deve despertar entusiasmo e devo-
ção pela comunidade nacional; mas tudo se tem de obter, sem
recorrer ao ódio, sem criar contrastes, sem gerar dissensões nos
espíritos. Apelando para a história, no intuito de fortalecer o patri-
otismo, o mestre se dirige aos sentimentos que unem; evoca as
figuras legendárias e consagradas; insiste nos temas que falam da
grandeza do país, ou lembram aspirações gerais, sem preferências
de classes ou de partidos e de crenças.
A instrução histórica fornece o melhor material para os exercí-
cios de linguagem, principalmente os de composição. Nessa or-
dem de assuntos, o aluno tem facilidade de desenvolvimento, e, se
possui um pouco de talento literário, poderá exprimi-lo em toda a
plenitude, porque a exposição histórica admite perfeitamente, e
pede, muitas vezes, a forma artística. Não lhe acontecerá aqui o –
não saber o que dizer... Não lhe custará achar a ordem em que
deve dizer... A ordem na narrativa indica-se por si mesma.
69
Todas as revoluções vencedoras se fizeram, no Brasil, sem luta; em todas as guerras
civis, o partido da revolução foi vencido. Nota do autor.
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64
Para completar e reforçar a instrução histórica, convém localizar
geograficamente os acontecimentos. As associações entre os fatos
históricos e as descrições geográficas convertem estas últimas em
cenários animados, com grande poder evocativo, principalmente quan-
do as condições topográficas concorrem como causas, e servem para
explicar a marcha dos acontecimentos. Há verdadeiros quadros histó-
ricos que são, ao mesmo tempo, panoramas geográficos.
INSTRUÇÃO PÚBLICA – TEXTO 1
Instrução popular
70
Foi nas páginas de um trabalho estrangeiro (Report of the
Comissioner of Education – Washington 1889) que eu pude apreciar,
pela primeira vez, num quadro geral, a instrução pública no Brasil.
Foi tão profunda a impressão que me causou essa leitura, pela
insignificância e pobreza patentes dos nossos recursos escolares,
que nunca mais me pude furtar ao desejo de observar e estudar o
problema da instrução popular entre nós. De então pra cá só tenho
encontrado motivos para maior desconsolo.
O que naquelas páginas se lia, aquele quadro, era o legado da
instrução pública imperial.
E, quando se considera que, na instrução pública, o que mais
interessa o país é a instrução primária, por ser a que mais refere a
grande maioria da nação, dotando-a com as ideias originais de toda
a educação intelectual, por ser a que mais concorre para a formação
do caráter nacional, e do espírito público e a única que prepara os
povos para ao regime democrático, levando à massa popular a soma
de conhecimentos, capaz de dar a cada um a independência então
indispensável nos regimes livres – é profundamente triste verificar
que essa instrução quase não existia no Brasil.
70
Extraído de Bomfim, Manoel. Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da
instrução primária. Rio de Janeiro: [Pongetti], 1932, pp. 55-62. Originalmente publicado no
periódico República, n. 291, 2/9/1897. O artigo está assinado por “M. Bomfim (da Revista
Pedagógica)”.
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65
Depois de setenta anos de vida nacional autônoma e de mais de
quarenta de plena paz, as camadas inferiores da população brasileira
não estavam mais cultas, nem mais elevadas intelectualmente, que
nos tempos coloniais; que o diga a queixa unânime de todos quantos,
no Brasil, tentaram a profissão das letras e dela têm desistido em
face da antipatia, da indiferença e da hostilidade, mesmo, do nosso
público, da falta de leitores... que o diga o grau de fanatismo, de
profunda ignorância, de absoluto analfabetismo em que jazem as
populações dos sertões do Norte, tão genuinamente nacionais..., que
o digam a indiferença do público em face dos acontecimentos políti-
cos e das dificuldades que tem encontrado em assentar-se o novo
regime, o qual supõe, antes de tudo, a existência de povo, isto é, de um
quociente social, cujas unidades tenham consciência do seu papel...
Recebendo este legado – uma massa popular inculta e inca-
racterizada – cumpria e cumpre, à República, educá-la, para conti-
nuar definitivamente a alma brasileira, dando-lhe a feição republica-
na, criando a homogeneidade dos interesses nacionais, unificando,
desenvolvendo e caracterizando os sentimentos de patriotismo e os
altos motivos políticos, elementos indispensáveis à integridade e ao
progresso do país, principalmente quando a descentralização veio
quebrar os únicos laços que, na ausência desses de ordem moral e
intelectual, podiam conservar unida esta grande nação.
A natural reação contra a centralização imperial levou os cons-
tituintes da República a retirar à União toda e qualquer ingerência
na organização da instrução popular do país.
É verdade que nisso eles apenas conservaram uma disposição
do regime imperial – desse abstruso regime centralizador que, en-
tretanto, alienava de si a organização da escola primária.
Uma vez que essa foi considerada a melhor organização repu-
blicana e a mais apropriada às nossas condições, é mister preparar
o país para que ela possa funcionar livremente, sem os riscos de
um desmembramento.
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66
Livres, autônomos os estados, cumpre uniformizar uns tantos
serviços de ordem moral e política. É a única maneira de conservar
íntegro, para o futuro, este grande país, onde os interesses materiais
variam tanto de zona para zona.
É forçoso criar fortes correntes internas de sentimentos e de
ideias que liguem nossos destinos; e a base de tudo isso é escola
primária.
O Império não o fez e por isso nos legou o Brasil que hoje te-
mos, atrasado, sem compreensão dos seus detinos, sem vontades
e sem entusiasmos. Se não sentimos mais forte a necessidade de
remediar tamanho mal é porque a tudo nos habituamos.
Somos um povo sem tradições, sem correntes de opiniões, sem
correntes sociais fortemene constituídas. A par disso estamos orga-
nizados em República federativa, sob a forma a mais lata possível.
Que nos resta fazer, se nos queremos conservar como uma nacio-
nalidade única? Criar, o mais cedo possível, um espírito público,
levar a todos os ânimos o sentimento de uma pátria única; afinar, de
um extremo ao outro do país, o amor do Brasil comum.
E o que está naturalmente indicado para isso como o mais con-
forme nossa situação especial, à nossa crise social é desenvolver uni-
ficando e nacionalizando a escola primária – que são urgentíssimas
para a República e para a pátria.
De que nos serve decretar o regime das liberdades se não
sabemos compreendê-lo?... A liberdade não se cria pela virtude
mirífica das leis: enquanto a maioria dos brasileiros não estiver no
caso de compreender seus direitos e deveres cívicos, só teremos o
governo da nação como a expressão de um poder pessoal.
O remédio contra isso está exclusivamente na instrução po-
pular, capaz de criar o que se pode chamar uma alma nacional,
lúcida, sã, caracterizada e forte.
Isso que venho recomendando não é novo em outros países
nem atenta contra as regalias da federação brasileira.
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Todos os governos das nações, cujas condições políticas mais
se aproximam das nossas, intervêm na organização moral e polí-
tica da escola primária e contribuem largamente para a instrução
popular. Assim é na Suíça, na Alemanha, na Inglaterra e nos Es-
tados Unidos. O que não conheço é país onde o governo central
se despreocupe tão absolutamente da instrução primária como
entre nós; não sabendo se o povo aprende nem se há escolas, nem
o que nelas se ensina; não concorrendo com um ceitil para a instru-
ção do povo, ignorando, por inteiro, tudo o que a isso se refere.
Creio que não há um brasileiro com responsabilidade no atual
regime e consciente dessas responsabilidades, que endosse e louve
tal estado de coisas. Todos reconhecerão que é preciso trazer um
remédio a isso e quanto antes.
Dá-se entretanto que o esforço a tentar só pode ser feito, por
enquanto, indiretamente.
A Constituição republicana atribuiu, exclusivamente, aos esta-
dos todos o serviço de organização e manutenção do ensino pri-
mário e, no momento atual, ninguém deve cogitar de uma refor-
ma constitucional. Por isso e porque, para as providências que o
caso requer, vale infinitamente mais o esforço combinado, mas
livre e espontâneo, de todos que têm o encargo da instrução pú-
blica, do que a decretação de leis, o que devemos fazer é procurar
um meio prático de trazer para um acordo comum a ação indivi-
dual de todos os que trabalham nesse mister – mesmo porque
nesse particular de instrução pública há muito que duvidar da efi-
cácia das medidas legislativas e da ação do governo sem o concurso
da iniciativa particular e coletiva.
Ainda mesmo quando a União houvesse inscrito entre seus
encargos a instrução elementar, muito haveria por fazer: seria pre-
ciso fazer passar a instrução das leis para as escolas e das escolas
para os costumes – e, para isso, o Estado nada pode. Para essa
obra, é preciso dedicações e a máquina administrativa é quase sem-
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pre estéril. Todo o segredo está,
71
dado que consigamos vencer
nossa própria inércia, em conciliar a iniciativa particular com a do
poder central.
Por hora só há um meio de podermos atingir a essa almejada
unificação, caracterização e nacionalização da escola primária – é o
acordo voluntário de todos os estados e dos poderes da União.
Cumpre provocá-lo, e, penso, não seria difícil, sobre ser de vanta-
gens para a causa da instrução pública e da segurança da pátria
brasileira; vantagens que se mede pela inteira liberdade com que
cada parte entra no acordo e pela soma de inteligências, de esforços
e de competência, que virão concorrer nessa obra comum.
Parece-me que não haverá uma só parcela da nação brasileira
capaz de negar seu concurso para essa obra salvadora, cujos trâ-
mites são relativamente fáceis.
Imagine-se que os poderes de todos os estados e da União
resolvem conferir a um congresso de profissionais competentes,
adrede nomeados por cada uma das partes, a organização das
bases gerais da instrução primária, dos programas escolares (es-
colas primárias e normais) e a adoção dos livros escolares?... Tería-
mos conseguido o essencial. Contra isso que se pode objetar? Que
é uma quebra da autonomia dos estados? Não, pois eles concorrem
de maneira livre, ficando senhores inteiramente da administração
de suas escolas.
Que ficam tolhidos de prover a melhoria e o progresso do
ensino público? Também não; por intermédio dos seus represen-
tantes eles têm iniciativa para proposta das reformas que eles jul-
garem convenientes. Daí só poderá advir um bem: maior estabi-
lidade na codificação do ensino.
Se a tudo isso se juntar a ação do governo central, indo em
auxílio das zonas mais pobres do país, subvencionando escolas pri-
71
Parece faltar um trecho nesse ponto. A publicação original não foi localizada, de modo
que foi mantida a reprodução de 1932.
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márias, mas tendo escolas normais e escolas modelos, cujos progra-
mas devem ser os mesmos formulados pelo congresso pedagógico
de todos os Estados e, no qual ele teria representantes, teremos a
União no seu verdadeiro papel, sem sair das linhas constitucionais.
Há um meio muito simples e natural de medir esse auxílio: é a
relação entre a renda de cada um dos estados e a cifra de sua
população. Por aí se pode conhecer perfeitamente aqueles que ca-
recem do auxílio da União.
Essas ideias que, estou certo, são sufragadas pela maioria dos
que se interessam e têm competência dos negócios da instrução
pública, trarão no terreno da prática a primeira iniciativa que se
levante nesse sentido: agremiados os que assim pensam e formula-
das as bases gerais, essa agremiação solicitaria dos órgãos dos po-
deres públicos dos diversos estados da União para que nomeas-
sem seus representantes, com o compromisso de aceitarem as re-
soluções adotadas no congresso desses mesmos representantes.
É tempo de se fazer alguma coisa nesse sentido.
***
TEXTO 2
Dos sistemas de ensino
72
O fato que primeiro fere a atenção de quem se ocupa dos
assuntos pedagógicos é a multiplicidade de sistemas referentes à
educação e instrução; cada qual atribuindo exclusiva capacidade
para o desiderato proposto: cada qual mais absoluto.
Essa sistematização não é partilha única da pedagogia; é um
fato geral, comum a todos os ramos da atividade do espírito hu-
mano. Desde que o indivíduo leva sua atenção para um assunto
qualquer, que estudando-o e observando-o chegou a conclusões
suas, desde que se supõe com uma concepção original e quer daí
72
Reproduzido do livro Cultura e educação do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti,
1932, pp. 63-68. Originalmente publicado no periódico República, n. 53, de 7/1/1897.
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70
tirar aplicações, sente, imediatamente, o desejo de generalizar, e
começa criando um sistema, ao qual confere virtudes únicas e ex-
clusivas, atinentes ao fim a que se propõe.
Mas se conseguirmos vencer essa tendência à sistematização e
encaramos o problema pedagógico, primeiro nas condições em
que ele se apresenta, depois nos seus fins, para então cogitar dos
meios e processos a levá-lo a efeito, o resultado a que chegamos é
a seguinte verdade – que a pedagogia não pode, e não deve ficar
presa a nenhum sistema exclusivo; que para ensinar e educar, o
mestre tem de servir-se de todos os sistemas e processos.
A evidência dessa verdade mais se acentua quando bem se
considera no papel racional da escola, que não pode ser outro
senão o de – assistir, acompanhar, guiar e corrigir, o quanto possí-
vel o desenvolvimento de todos os caracteres e inteligências, nas
infinitas modalidades que eles soem revestir, no sentido, sempre
da moral e do progresso humano, da maior perfeição que cada
um pode atingir.
Há porventura sistema algum capaz de compreender toda a
latitude desse problema?
Para atingi-lo é preciso que a escola possua o que se pode
chamar – uma alma; que seja – uma inteligência e não um sistema.
A escola é o professor; e este no desempenho de sua missão tem
de se desprender das regras e dos sistemas, das palavras e dos precei-
tos, para voltar-se todo para a alma da criança, estudá-la, compreendê-
la, conquistar-lhe os afetos, sem dominá-la, em suma acompanhá-la,
guiando-a, até que suas energias e vontade sejam bastante fortes para
levá-la sem perigo e com êxito pela viagem da vida.
Para isso, o mestre tem de integrar-se na vida do aluno, convi-
ver com ele, assistir continuamente a expansão e evolução da sua
personalidade, ajudá-la, para que ela adquira a consistência para
resistir a todos os embates futuros, e isso não se pode fazer confi-
nando na estreiteza de um sistema.
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71
Não é com a instrução ministrada do alto de uma cadeira, sob
certo programa, seco, dogmático, doutoral, sem a efetiva penetra-
ção da alma pela alma indiferente às afinidades espirituais, sem ver-
dadeira intimidade, que o ensino pode influir e produzir bom efeito
sobre a inteligência inexperiente e versátil da criança. De qualquer
forma o que se dá é a absorção da individualidade da criança pelo
sistema criando massas e destruindo as unidades sociais.
Hoje a pedagogia compreendeu que a missão da escola não
é fazer sábios, nem tão somente implantar no espírito do aluno
certa dose de conhecimentos; mas sim, tomando de uma inteli-
gência qualquer, torná-la apta a aprender. Ela instrui ensinando a
estudar. Os conhecimentos que confere são antes um meio que
um fim.
Verificado como está que nenhuma escola pode dar ao indiví-
duo a soma de conhecimentos que ele carece, segue-se que a esco-
la deve, antes de tudo, deixar ao individuo a plena posse da sua
personalidade, condição indispensável ao seu progresso futuro.
Daí vem que a Inglaterra, por exemplo, onde a instrução esco-
lar é deficiente, mas cuja educação moral e intelectual é feita sobre
essas bases, longe de estar em situação inferior com relação ao
progresso intelectual dos outros países, apresenta, pelo contrário,
uma soma de talentos originais e de sábios autodidáticos como
nenhuma outra nação pode contar.
Não é muito insistir nesse assunto, escrevendo para nosso meio.
Somos em geral adoradores do sistema dos sistemas, crentes fer-
vorosos nas virtudes com que eles vêm apregoados, fetichistas
dessa técnica escolar, com uma pedagogia, disciplina, programas e
fórmulas tradicionais, a que de boamente conferimos um mérito
absoluto e um absoluto saber.
Contra isso, pois, é preciso reagir, porque desse sistema não
tiraremos mais que um verniz de educação e de instrução; verniz
moral e intelectual.
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72
Não importa isso dizer que condenamos os sistemas, no que
eles têm de bom e proveitoso.
Não: todos eles servem, prestam serviços e encerram precio-
sas verdades e preceitos; mas para certos casos, quando o pedagogo
sabe respigar neles, aqui e ali, os melhores processos para o cum-
primento da sua missão, escolhidos de acordo com seu caráter, e
principalmente com o caráter de educando e aluno.
De início, todo o empenho do preceptor deve ser assistir a
eclosão da individualidade da criança. Não sendo isso possível,
tem ele, antes de tudo, de estudá-lo moral e intelectualmente; in-
vestigar seu caráter e espírito; ensaiá-lo mesmo; descobrir as qua-
lidades e faculdades que predominam, para conhecer o ponto por
onde a deve atacar para dar-lhe o ensino e a educação necessários;
ver os vícios que deve combater e as virtudes que tem de desen-
volver e as que deve vigiar.
Para isso, já se vê, não há sistema pedagógico que por si só
baste ou que deva ser, no seu todo, condenado. Ainda os mais
atrasados têm seus casos especiais de aplicações; senão em tudo,
pelo menos em parte.
Compreende-se, por acaso, que a criança afetuosa, meiga e
caridosa, cuja sensibilidade moral não suporta o simples olhar se-
vero do mestre, seja educada pelos mesmos processos que aquela
cujo espírito e caráter trazem o germe do futuro louco moral, do
criminoso instintivo?
Deverão ser dirigidos pelo mesmo sistema: a criança dissimulada,
refalsada e mentirosa, e a arrogante, impetuosa, atrevida e franca?
É natural que o menino de inteligência precoce, pronta e bri-
lhante seja instruído pelo mesmo processo que o de inteligência
tardia e lerda, ou o que é suscetível de pouco desenvolvimento
cerebral?
É por não cogitar desses elementos que comumente vemos sair
dos colégios e escolas, e mesmo dos cursos superiores, indivíduos
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73
portadores de péssima reputação intelectual, que depois patenteiam
excelentes dotes de inteligência.
Para tudo isso que vem escrito, empreende-se bem que o que
condenamos não é propriamente o sistema, mas sim o espírito de
sistematização, sempre nocivo e intenso aos verdadeiros interesses
da pedagogia, ainda mesmo quando se prende a trabalhos como
o de Spencer, feito nas linhas de um sistema filosófico positivo e
científico, fruto de uma observação rigorosa e racional, e que não
é simplesmente um sistema pedagógico, mas sim a súmula das
condições do problema da educação.
Sobressai de tudo isso que um perfeito educador deve ser
simultaneamente um observador e um psicólogo, habilidades que,
reunidas às suas especiais, fazem dele um verdadeiro moralista,
teórico e prático; porque o mestre tem de ser o exemplo que fere
a imaginação viva e impressionável das crianças, e o modelo sobre
o qual se exerça sua espantosa faculdade de imitação.
Difícil mister! Bem difícil! Por entre vicissitudes da nossa vida
política lembro-me continuamente dos conceitos de Xenofonte,
quando ao começar seu Anábase tanto encarece a dificuldade de
governar e dirigir os homens. Conceitos em verdade bem justos.
Mas, colocado entre os dois, bem difícil é dizer-se o que mais
custa – se governar e dirigir homens; se educá-los e instruí-los.
***
TEXTO 3
O dever de educar
73
A educação é fato natural, e corresponde a uma fase indispensá-
vel na formação dos indivíduos, para que possam atingir e realizar
as condições do viver humano. É uma necessidade imperiosíssima,
que resulta desta circunstância: no homem, os processos de adapta-
73
Bomfim, Manoel. “O dever de educar”. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, terça-feira,
27/9/1921, p. 2.
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ção ao meio e os recursos de realização da vida de relação, em vez
de serem simplesmente instintivos e hereditários são conscientes, in-
teligentes, suscetíveis de variações e de aperfeiçoamentos, e se trans-
mitem às gerações sucessivas, não como herança biológica, mas sob
a forma de aquisições pessoais, com esse mesmo caráter de consci-
entes e inteligentes, mediante a ação sistemática dos indivíduos já
feitos, e das suas obras, sobre os jovens indivíduos.
Essa ação sistemática, ou intervenção necessária e propositada,
na formação das criaturas humanas é a própria educação. Com ela
se adquire a verdadeira qualidade de ser humano, porque é assim,
educativamente, que se faz a transmissão dos processos conscientes
e humanos de relações com o meio. Há, em tudo isso, infinitas van-
tagens: a transmissão consciente e educativa, substituindo, na espécie
humana, a herança biológica, quanto às formas adaptativas, é uma
das suas acentuadas superioridades, porque, convenientemente feita,
ela permite, a cada indivíduo, o condensar e aproveitar, no seu pre-
paro pessoal, a experiência geral da espécie. Graças à educação, cada
personalidade nova pode resumir o progresso moral e mental da
humanidade. Em compensação, se é malfeita, ou incompleta, a edu-
cação, o indivíduo será um deformado moralmente, ou mutilado
mentalmente, como resultaria ser um deformado o animal, cuja ges-
tação, perturbada por qualquer processo mórbido, desse lugar a
herdar funções alteradas e instintos pervertidos. Ao mesmo tempo,
sucede que, ainda quando seja benfeita a formação educativa esten-
de-se por longo período, e enquanto ela não está terminada, ou,
pelo menos muito adiantada, o jovem é um incompleto.
A educação equivale, em verdade, a um terceiro período de
desenvolvimento, na constituição do ser humano completo: gesta-
ção, aleitamento, educação. A educação é uma consequência natu-
ral da superioridade de organização nervosa do homem, como o
aleitamento é uma consequência natural da organização biológica
dos mamíferos. É tão necessário educar a criança como aleitar o
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recém-nascido. Para o homem, tanto é condição de vida o alimen-
tar-se o bebê, e garantir a formação completa do organismo, como
dar à criança a educação, que nutre a inteligência, e permite a for-
mação do seu espírito para a vida moral.
Essa é a situação natural dos jovens indivíduos humanos quanto
à necessidade de educação. Transportada para as condições do viver
moral, na linguagem da vida social, essa necessidade se desdobra em
direitos da criança, e deveres dos pais e da sociedade para com a
criança. Na realidade, direitos e deveres não são mais do que aspectos
subjetivos com que se formulam, na consciência humana, as impo-
sições naturais, relativamente às relações dos indivíduos entre si.
O instinto materno, extensamente animal, prende os pais à sorte
da prole. Com a vida moral, esse instinto se espiritualiza, como se
espiritualizam as relações do casal. Então, espiritualizando-se os
instintos em sentimentos maternais, as dependências naturais da
prole se representam mentalmente como direitos, se [sic] os pen-
dores íntimos para atender a elas como deveres. Na lucidez da
consciência moral, todos os pendores de socialização tomam a
forma de sentimentos, e se impõem e são aceitos, como deveres.
Por isso, pois que a ação educativa é essencialmente moral e
socializadora, para bem compreender o problema da educação e
formular o respectivo sistema de realização, convém considerar o
caso no seu aspecto moral, e defini-lo em termos sociais, isto é –
como direitos e deveres.
Não se trata de apelar para o estreito, inexpressivo e estéril
formalismo jurídico, se não de considerar o problema da educa-
ção em termos bem humanos, apreciando e acentuando o valor
social da criança.
***
O primeiro direito do homem – direito essencial, e de que
derivam todos os outros, como aspectos secundários – é o direito
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à vida. Todo indivíduo significa um valor absoluto, e encarna in-
contestável direito de existência, pelo simples fato de que existe. A
moral, a política – todo o travamento social se baseia no reconhe-
cimento desse direito, que é a própria essência da justiça.
O DIREITO é, em si mesmo, a expressão e a afirmação das
vantagens que o viver social, organizado segundo as tendências e
os interesses mais gerais da espécie, oferece e garante ao indivíduo
humano, adulto ou criança. A moral, e a justiça não distinguem a
situação do infante, nem a restringem, quanto a essas garantias es-
senciais. Mas esse direito primordial da criança à vida não pode
significar, apenas, a garantia da vida orgânica. O direito é uma
resultante da vida moral e social, e, pois, refere-se sempre à vida
moral e às relações sociais; a sociedade que, em virtude do direito
à vida, garante à criança a nutrição do corpo, a integridade dele e a
plena expansão orgânica, tem como dever, mais imperioso ainda,
assegurar-lhe, à criatura infantil, a indispensável nutrição do espíri-
to, a saúde e o pleno desenvolvimento da vida mental e moral.
A criança tem de ser considerada e garantida nas condições na-
turais da sua realidade, em vista da situação humana em que vai
viver. Seus direitos não são, apenas, os de um animal que deve viver,
nem mesmo, simplesmente, os de uma criatura já em definitivo cons-
tituída e que tem de continuar a existir; a criança é, principalmente,
um ser a realizar-se. A vida não lhe será possível, senão humana,
moralmente, e, para tanto, é lhe em absoluto necessário ser conveni-
entemente educada. A sociedade, que mais tarde, vai exigir moralidade
e atividade, tem o dever de garantir e fornecer à criança as possibi-
lidades de realizar a vida nessas condições. Para ser implacável, como
é, nas exigências, ela tem de ser completa nas garantias.
A criança é, realmente, um potencial humano; dela tem de sair
uma pessoa, consciente das próprias forças, capaz de utilizá-las
com o máximo de proveito, para si e para a sociedade. Com as
energias psíquicas da criança, se têm de formar: uma inteligência,
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um caráter e um coração. Sem isso, não se terá realizado nela uma
personalidade. Nada se pode exigir ou pedir ao homem como
personalidade social, se não lhe é afirmado e assegurado esse di-
reito de realizar-se como personalidade social. A sociedade, no
definir os deveres individuais, trata somente com individualidades
conscientes, com pessoas devidamente situadas na vida, e senhoras
dos meios que permitem viver moralmente, no complexo dos
liames sociais. Para chegar a essa situação, para ser uma pessoa
humana, é indispensável a educação; a criança não se pode educar
por si; tem o direito a ser educada. A sociedade tem, então, o
dever de dar-lhe a conveniente educação.
***
O direito que tem a criança de ser convenientemente educada,
representa, para o Estado, o dever explícito de assegurar-lhe essa
educação, porque o Estado é a organização social explicitamente
encarregada de garantir direitos.
Nas condições jurídicas e políticas em que vivem as socieda-
des, hoje em dia mais cultas, incumbe ao Estado dupla função:
superintender as necessidades coletivas, sob a forma de serviços
públicos, e defender e garantir os direitos individuais, fazendo-os
valer pela força, quando preciso, isto é, obrigando os fortes a res-
peitar os direitos dos fracos. Em qualquer desses casos, qualquer
que seja o aspecto sob o qual consideremos a função do Estado, a
educação se lhe impõe como assunto capital, pois que o Estado é
o órgão explícito da nação, isto é, da própria sociedade organiza-
da, nas formas normais da existência coletiva.
A nação, coletividade solidária, define-se e explica-se como um
fato histórico; tem, por isso, como condição essencial para consti-
tuir-se e conservar-se, a existência de um conjunto de tradições co-
muns. Outros fatores, de ordem simplesmente física e biológica: a
raça e o clima não garantem, nem condicionam a vida e a unidade
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nacional. Para isso, o que tem importância são esses mesmos pro-
cessos puramente psíquicos, conscientes e inteligentes, mediante os
quais se faz a transmissão das tradições nacionais, isto é, os proces-
sos que se incorporam na educação. Se o Estado é o órgão central
da nação, o primeiro dos seus deveres está em garantir-lhe a conser-
vação e a unidade; por conseguinte – garantir e apurar a educação,
único processo de conservação nacional.
Além disso, e como desenvolvimento racional desse princípio,
devemos refletir que o Estado, representante formal da sociedade
organizada em nação, responsável pelos seus destinos, tem na edu-
cação o recurso que lhe permite influir de fato, e com segurança, nos
destinos nacionais. Não esqueçamos que a realidade, na organização
social, são as pessoas, e que todo o valor, toda a significação de um
povo vem do seu preparo para o viver social, o qual resulta exclusi-
vamente da educação, e constitui, justamente, seu aspecto mais im-
portante. Bem se pode definir: educar é ensinar a vida social. Por
fim, nem há necessidade de demonstrar que a educação, mais do
que qualquer outra, é uma questão social e que sua boa realização
atende a necessidades essenciais na evolução da espécie humana.
Todas essas coisas são aqui pensadas e indicadas em atenção
ao nosso caso. Admitidos esses princípios, indiscutidos, corriquei-
ros na filosofa política de todo o mundo civilizado, vejamos como
se realizam eles na nossa democracia, sob uma Constituição cha-
mada de republicana.
Para a República brasileira nunca houve a questão da educa-
ção. Reconhecido desde o primeiro momento que, na democracia
instituída não havia povo, isto é, que a massa geral da nação nenhu-
ma significação política podia ter, ficou admitido também, desde
logo, que seria assim mesmo. E assim tem sido.
No Brasil, o Estado republicano se organizou sob a inspira-
ção ininteligente de puras e antiquadas abstrações políticas, moti-
vos de retórica banal, de que resultou uma obra sem relação efeti-
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va com o momento político e econômico em que vivemos, obra
inteiramente alheada das necessidades reais da nação.
Um romantismo esgotado e um positivismo sem espírito po-
sitivo juntaram-se e combinaram-se para, no Brasil de 1891, insti-
tuir uma organização republicana que muito bem poderia ter sido
a do Cabo, ou da Malásia, em 1850.
Num país novo, de população escassa, disseminada em vastos e
afastados territórios, divididos em circunscrições autônomas; país
de imigração, provocada e subsidiada pelo próprio Estado; com
uma população em que 70% são analfabetos; num tal país, bem
compreendidos os interesses gerais da nação, ainda malformada, o
mais imperioso dever do Estado é a educação popular, para criar,
pode-se assim dizer, o espírito público, realizar a verdadeira unidade
nacional, dando a cada brasileiro a consciência de ser cidadão da
democracia republicana brasileira. No entanto, os constituintes de
1991, em vez disso, ao mesmo tempo que encarregaram o Estado
nacional – a União – da instrução superior, tiraram-lhe toda a inge-
rência na instrução primária, quer dizer, na educação popular.
Vê-se bem que aqueles formadores só tinham da política a
verbiagem; pátria, democracia e república eram arroubos, sinceros,
decerto, mas, vazios e estéreis. Organizaram o Brasil em nação repu-
blicana ignorando realmente o que seja uma nação, desprezando de
modo absoluto o fator primeiro da existência nacional a tradição.
Não pareça exagerado tal conceito. Se os constituintes repu-
blicanos tivessem a justa compreensão do caso, eles, que chegaram
a todas essas minúcias de que está inçada a Constituição, teriam
reservado para a União o serviço da instrução, único processo de
que o Estado pode dispor para fazer a educação popular, e tornar
bem consciente a tradição nacional. Em países como a Confede-
ração Suíça onde a origem histórica, a língua, e até a raça, obrigam
o Estado a deixar às unidades confederadas larga autonomia, a
própria constituição federal se tem reformado, para permitir ao
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Estado central a ocupar-se explicitamente da escola primária, isto
é, da educação nacional.
Desse modo, nossas instituições políticas nos levam a absur-
dos assim: é a União que estatui o direito político, é ela quem deve
garantir a cada brasileiro o exercício e o gozo desses direitos; a
Constituição estabelece que a parte mais importante desses direi-
tos – o de ser eleitor – não existe para quem não saiba ler e escre-
ver; no entanto, a União não garante às crianças brasileiras a instru-
ção necessária para que cheguem à plenitude dos direitos essenciais
ao cidadão de uma democracia! É caso, realmente, para espanto.
E o espanto cresce, quando se pensa que: se os poderes locais, a
quem, como coisa sem interesse geral, foi deixada a instrução pri-
mária – se eles abandonarem os escassos serviços de instrução
primária, teremos, de fato, realizado o ideal negativo: da demo-
cracia sem eleitores. Para tornar completa essa situação absurda, a
legislação federal instituiu o serviço militar, obrigatório, para to-
dos os brasileiros, isto é, obrigou-os a darem ao Estado uma as-
sistência que irá até ao sacrifício da própria vida, quando o Estado
não lhes dá, sequer, a garantia do mínimo de instrução, indispensá-
vel para ser um cidadão brasileiro completo.
É nessas condições políticas que existe a nação brasileira, e
no seio desse absurdo, medram os contrassensos. Ainda agora,
nessa capital: segundo as estatísticas oficiais, nem um terço, tal-
vez, das crianças, frequentam escolas, públicas ou particulares;
por conseguinte, a grande maioria das população é de analfabe-
tos; para essa gente de analfabetos, criou-se meticulosa organi-
zação de higiene pública, e decretaram-se múltiplos deveres hi-
giênicos, esquecidos todos, higienistas e legisladores, de que, no
tempo oportuno, não foi ensinada à população essa necessária
higiene, hoje exigida; não lhe foram dados, nem os rudimentos
de instrução para que possam ler, hoje, as leis, editais e tabuletas,
onde tais exigências vêm inscritas...
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81
***
Fora dessa feição geral, nacional, no simples papel de defensor
dos direitos individuais, não é menos imperioso o dever do Esta-
do em garantir a cada um a indispensável educação.
O caráter geral da evolução política, em todos os países pro-
gressistas, é a transformação da ação policial do Estado, na de-
fesa dos direitos individuais, em ação preventiva, educadora.
Assim, esses direitos se garantem também, mais eficazmente, até,
desde que devido à educação, haja menor tendência em atentar
contra eles.
Com isso, unifica-se a função do Estado, incorporando-se na
mesma atividade política – a formação do espírito nacional e a
defesa ou garantia dos direitos individuais; e, destarte, unificada,
harmonizada, a ação que se desenvolva será sempre mais humana
e producente: o Estado educará para realizar os elementos da de-
mocracia em que vive, para garantir a tradição nacional e para
evitar os choques, as turbações e os conflitos que a falta de pre-
paro social podem produzir. Com essa política, o presente é reali-
zação do momento e é construção do futuro. Não podemos es-
quecer que o Estado é o responsável efetivo do futuro da nação.
Opondo-se a essas concepções, levantam-se os que, reservando
todas as receitas do Estado para os que o desfrutam, querem salvar
as aparências com a fingida indignação contra o que chamam de –
Estado-Providência. Em verdade, o que se pretende, com essa po-
lítica de indiferença pelos destinos da nação, é que o Estado seja,
apenas, um proveito imediato para aqueles que dele se apoderaram.
Os recursos do Estado convertem-se em patrimônio de uma classe;
o poder do Estado é a força com que essa classe mantém a política
absurda e criminosa, de que se aproveita.
Então, o ideal é conservar-se eternamente o Estado nesse pa-
pel arcaico, de gendarme, simples organização coercitiva – para
cobrar tributos, manter polícia, impor as formas de serviços pú-
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blicos que convêm aos privilegiados, e dar à população um míni-
mo de justiça e de defesa aos fracos, por meio dos tribunais.
Que seja assim: mesmo nessa miserável estreiteza política, a
educação devia ser atendida. A criança, para quem se pede a edu-
cação, é a criatura nimiamente fraca. Se não se lhe pode negar o
direito de viver; se a vida, humanamente entendida, não lhe é pos-
sível sem ser a intervenção educativa; como proteção sua reconhe-
cida fraqueza; em nome dos seus deveres policiais; tem o Estado a
obrigação de garantir, a toda criança a indispensável educação. Só
desse modo a defenderá e protegerá eficazmente.
Desde que o Estado não cumpra esse dever de elementar jus-
tiça, não tem nenhum direito para intervir na vida das populações,
como órgão de força – punir quem tenha delinquido. É em nome
da Justiça, expressão superior do interesse coletivo; é como órgão
da sociedade constituída, para assegurar direitos, que o Estado se
fez executor, punindo os que infringem a lei; ora, como pode a
sociedade pretender punir os que infringem as normas da vida
moral-social, se, por meio dos seus órgãos efetivos, não procura
educar os indivíduos para o viver social?
A própria pena, nas doutrinas de verdadeira justiça, já não é
considerada como vindicta ou simples castigo, e, sim, como pro-
cesso de defesa social, consistindo num suplemento de educação,
aplicada a indivíduos insuficientemente educados, e que precisam
de regime especial. Em verdade, só se pode admitir moralmente a
pena com esse propósito pedagógico; de outro modo a ação
corretora do Estado seria contraproducente, porque, como fato-
res morais, os atos de força, coagindo o criminoso ou delinquente,
fazendo-o sofrer, privando-o de direitos essenciais, não passariam
de novos crimes. Fora monstruosamente absurdo pretender curar
o crime com outros crimes.
Aliás, cinco minutos de reflexão bastam para trazer a convic-
ção de que, para o progresso moral e a segurança social – punir
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crimes nada significa; todo o problema de moralidade está em
corrigir o criminoso, tanto vale dizer: reeducá-lo, tornando-o ca-
paz de aceitar e realizar uma forma de vida útil e respeitar os
direitos dos outros. Não há outro meio de, sem eliminar o
delinquente, garantir eficazmente os direitos de cada um.
A prática está a mostrar que, por toda parte em que um excesso
de legislação empírica, e exageradamente policial e garantidora, se
estende sobre a sociedade, a moral decai, e os crimes se multiplicam.
Parece, então, que o desenvolvimento da moral codificada está em
oposição com o sentimento de moralidade pessoal. Isso, que real-
mente se nota em muitos casos, não chega a ser uma oposição es-
sencial, e resulta, apenas, da queda dos esforços educativos: desde
que a lei exige como dever, sob a ameaça de penas, uma prática
moral, afrouxam-se as influências da educação intencional, quanto
aos sentimentos que devem garantir aquela prática, uma vez que ela
já tem a garantia legal. É mais comum encontrarem-se filhos que
procurem fugir ao dever de auxiliar os velhos pais, nos países em
que esse dever é legal, do que naqueles onde é simplesmente moral.
Por fim, a justiça codificada, se não é aplicada sob a inspiração de
um elevado sentimento de humanidade, suplanta a verdadeira justi-
ça, e dissolve a moralidade essencial, a moralidade de consciência.
Não pareça que essas observações vêm contradizer a necessida-
de da educação, garantida pelo Estado, como órgão da atividade e
das garantias sociais. O que haja de inconveniente e mau, não é por-
que o Estado intervém na vida moral-social, e, sim, porque inter-
vém de modo absurdo: em vez de preparar os indivíduos para
viverem humanamente, abandona-os, esquece-os em crianças, para,
mais tarde, cercá-los de leis e de tribunais, como única possibilidade
de uma vida que não seja uma secessão de atentados e de crimes.
A legislação empírica, excessiva e casuística, prejudica a mo-
ral, justamente porque é antieducativa. As leis coercitivas se mul-
tiplicam quando a educação se faz tibiamente e mal orientada. A
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verdadeira educação é, de fato, adaptação à vida moral e social;
se, mal-educados, os indivíduos são inaptos ao viver social, o
número de infrações e desvios nos costumes há de aumentar. O
primeiro alvitre que acode é esse – de coagir a respeitar a regra
moral, e fazem-se leis como se fazem çaímas
74
: leis para que es-
ses, que se tornaram maus por deficiência educativa, não possam
fazer mal.
O remédio resulta ser inteiramente contraproducente; o mal,
no caso, só se pode curar pelo apuro da educação, para refazer o
sentimento moral, e dar, a cada um, a possibilidade de realizar sua
vida sem dano para os outros. O simples receio da punição não
basta para garantir a normalidade do viver social; as leis punitivas
dão a ilusão de garantia, provocam maior tibieza na ação educativa,
e trazem, afinal, uma agravação do mal-estar social.
***
Se há uma conclusão a tirar de tudo que foi argumentado até
aqui, é esta: o Estado não pode deixar de intervir na educação,
único meio de garantir à criança seu direito a viver humanamente.
Certos preconceitos se alarmarão diante da singeleza incisiva des-
sas expressões – intervenção do Estado na educação. Nos zelos e
receios dos abstencionistas, que pretendem negar ao Estado essa
função essencial, há, somente, um grande medo de palavras ou
incapacidade de julgar as coisas no que elas são realmente.
A intervenção do Estado na educação já existe, por toda par-
te, em todos os países policiados, porque, em nenhum deles se
deixa aos pais a faculdade de educarem os filhos como quiserem,
abandonando-os à imoralidade, pervertendo-os, iniciando-os no
crime... Que tal se dê, imediatamente, intervêm os órgãos do Es-
74
A palavra não identificada foi publicada assim no jornal. No texto reproduzido na obra
Cultura e educação do povo brasileiro, a palavra foi alterada para “calmas”. Cf. Bomfim,
Manoel. Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1932, p. 27.
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tado, com toda sua aparelhagem legal, coercitiva, punindo os pro-
genitores imorais, arrancando-lhes os filhos para dar-lhes, sob a
tutela oficial, a educação considerada conveniente.
É intervenção definitiva, e que só se pode admitir, quando
admitido – que a criança deve ser garantida no seu direito de ser
educada para a vida moral social. É intervenção formal, mas in-
completa e ilógica. Incompleta, nula, realmente, porque se mani-
festa quando o mal já está produzido: ilógica, porque se faz sem a
boa orientação de um plano político e social elaborado em vista
dessa necessidade geral de educar.
Nos seus atos de intervenção, quanto à educação, o Estado
procede como se fosse a expressão de um programa educativo
explícito como o é quanto às finanças, ou diplomacia; procede
como se as famílias devessem seguir um regime educativo legal-
mente instituído, em exigências explícitas, quando, de fato, não há
nenhum programa definido. E, na incúria em que se mantém esse
assunto, nem sabem as famílias solicitadas, como hão de cumprir a
parte que lhes incumbe na educação das novas gerações.
A política realizada, especialmente aqui, tem como princípios
correntes a abstenção do Estado, abstenção que se explica real-
mente pela inaptidão dos dirigentes, mas que se mascara na hipo-
crisia de fórmulas doutrinárias, sob a alegação – de respeito à
liberdade de consciência dos progenitores, como se o proteger a
criança contra a falta de preparo para a vida, e proteger a socie-
dade contra os males resultantes de cidadãos inaptos, inúteis e imo-
rais pudesse, jamais, ter a significação de ataque a direitos. Na rea-
lidade dos fatos, tal doutrina seria o direito aos pais de deixar os
filhos ineducados, o que lhes é formalmente contestado, por oca-
sião das esporádicas e contraproducentes intervenções punitivas.
Tais intervenções só se realizam quando, pela falta de cumpri-
mento de dever essencial, dá lugar, o Estado, a crimes manifestos;
são improfícuas, mas servem para patentear o dever absoluto que
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lhe cabe – de garantir a todo futuro cidadão a educação indispen-
sável para ser, de fato, um cidadão.
Meditando tudo isso, quando o pensamento se demora um pou-
co em apreciar o conjunto da situação, formula-se necessariamente a
conclusão: se a sociedade se organiza legalmente para ter meios de
defesa e de garantias; se a nação institui órgãos permanentes para ter
os meios de realização; não se compreende que uma das garantias e
uma das realizações essenciais não seja o preparo geral dos cidadãos,
naquilo que a própria sociedade considera como indispensável.
No entanto, é justo reconhecer que não se pode esperar que já
existam, principalmente aqui, organizadas pelo Estado, as conve-
nientes instituições educativas. O assunto não merece, sequer, a aten-
ção dos dirigentes. O fato tem explicação muito simples.
O extraordinário desenvolvimento econômico e industrial dos
últimos tempos veio influir poderosamente na forma de ação do
Estado, e levou os políticos a ocuparem-se mais dos interesses
materiais, que dos interesses morais da nação. Para isso, concor-
rem duas ordens de causas: a inferioridade mental e moral dos que
cultivam a política usual, em que se valem e só prendem a atenção
os baixos manejos, que lhes permitam aparecer e conservarem-se;
e a tendência natural, nos que encarnam o Estado a conservá-lo
como órgão de força.
O incremento da produção, os esforços da sedução e de capta-
ção desenvolvidos pelas empresas financeiras e comerciais, os gran-
des orçamentos... são outras tantas expressões de força, e se tornam
fatores decisivos dessa política, em que a grande
75
material constitui
a preocupação principal. Além disso, mesmo num simples embuste
de democracia, como é nosso caso, os dirigentes, não podem es-
quecer a opinião, e têm de, pelo menos, embaí-la
76
com um simula-
75
No original: “a grande”. No texto reproduzido no livro Cultura e educação do povo brasileiro,
op. cit., p. 31, a palavra foi substituída por “a grandeza”. Talvez se trate de “o ganho material”.
76
No original: embail-a. No texto reproduzido no livro Cultura educação do povo brasileiro, op.
cit., p. 31, a palavra foi alterada para “embaial-a”. Talvez o autor tenha querido dizer “imbuí-la”.
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87
cro de bem público. Elas sentem, instintivamente, o que há de efêmero
nas situações que ocupam; querem alimento para a vaidade, aspiram
o prestígio de quem realizou uma obra, e apelam, então, para essas
coisas, cuja realização é relativamente fácil, de efeitos imediatos, per-
feitamente apresentável em gráficos e em cifras. Cada um quer mos-
trar o que fez, para receber pessoalmente, bem em vida, a respectiva
consagração, e todos se empenham na obra de riqueza e de grande-
za material, com um afã tanto mais sincero, quanto é verdade que o
reflexo dessa riqueza, e toda essa grandeza vão servir como instru-
mentos de força e de poder nas mãos deles, que têm o Estado e o
desfrutam como patrimônio da classe.
Nessa forma, a evolução natural do Estado se desviou muito
do verdadeiro progresso político. Hoje em dia, o Estado deixou
de ser um simples órgão de força coercitiva, para ser, principal-
mente, a organização legal dos grandes interesses coletivos; mas de
fato, só os interesses materiais merecem boa atenção, e é para a
prosperidade material que todos olham, quando o essencial, mes-
mo para a boa ordem econômica, é a aptidão para o viver moral,
na realização da verdadeira solidariedade humana.
Todas as revoluções generosas, reivindicadoras de liberdade e de
justiça, pretendem, justamente, fazer do Estado o órgão de uma na-
ção que quer viver e progredir, assegurando a todos o máximo de
felicidade ou, pelo menos, de possibilidades. Mas, em todas elas, uma
vez reconstituído o Estado, o exercício de poder vai viciando o cará-
ter dos dirigentes, a volúpia do mando se lhes vai infiltrando no cora-
ção, até que se corrompem completamente os sentimentos políticos, e
eles acabam confundindo os interesses da nação, os ideais orientadores,
programas, democracias, República... com suas ideias, seus caprichos,
seu poder pessoal. É assim, mesmo nos bem-intencionados.
Como fator moral, o Estado é ainda um órgão bárbaro, de
certo modo desmoralizador, pelos múltiplos exemplos de opres-
são, exação e parasitismo que oferece; mas o motivo essencial da
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88
sua existência se define como garantia de direitos; o ideal que ins-
pira suas reformas é fazer dele sincera realização de justiça, órgão
de coordenação e cooperação direta de todos os interesses gerais.
Dir-se-á que essas observações contradizem a função educa-
dora indicada para o Estado. A contradição se refere, apenas, a
um momento histórico. O Estado é uma evolução – imperfeito
aqui, mais humano ali... Tudo quanto dissemos do seu papel se
aplica ao Estado como deve ser, numa nação progressista, huma-
namente solidária, o Estado – fórmula prática das aspirações
morais e sociais consagradas pela opinião, instituição política efi-
caz, para garantir o destino da sociedade contra os interesses e as
paixões meramente individuais.
Se reclamamos que o Estado se faça garantia da conveniente
educação geral, é justamente para vê-lo transformar-se, de instru-
mento de opressão, em órgão de cultura social.
A organização e a superintendência da educação, em tudo quan-
to ela tem de geral devem considerar-se como serviço público em
primeiro lugar, porque, nesse caso, a intervenção do Estado res-
ponde a uma necessidade, ao mesmo tempo, essencial e coletiva,
de igual significação para todos, depois, porque só o Estado pode
definir, condensar e consagrar as aspirações morais aceitas pela
opinião, só ele pode formular esse programa explícito de educa-
ção moral, relativamente às exigências sociais comuns. Esse papel
lhe vem das próprias condições de existência: o Estado, em si
mesmo, como garantia de justiça, é órgão imparcial de toda a
nação, é a única instituição com capacidade política para dar um
programa de vida geral. Por outras palavras: ao Estado, que vai
exigir observância e forma de proceder, cabe o papel de indicar
essa forma de proceder, e assegurar aos jovens indivíduos a con-
dições de bom preparo para essa observância.
Para segurança da própria nação, é indispensável que a educa-
ção torne cada vez mais viva e mais explícita, na consciência de
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89
todos a tradição nacional. Com isso, se reforça, de geração em
geração, a unidade nacional; mas tal resultado só é possível na edu-
cação orientada por um programa geral, inspirado numa política
essencialmente nacional, cuja realização efetiva é o Estado.
***
Dito e repetido – que Estado deve garantir e superintender a
educação para a vida moral social, surge a objeção: de que o Estado
não tem moral. Em verdade, nessa fórmula, repete-se, apenas, o
princípio da neutralidade do Estado, entre as propagandas morais,
sociais, religiosas, filosóficas. A fórmula é incompleta, por muito
sintética. O Estado não tem certa moral, representativa de determi-
nado sistema. O Estado é a consagração do que está aceito pela
coletividade como melhor, mais humano. Ele não tem preferências;
é superior aos sistemas, às crenças, às propagandas. Essa condição
lhe é indispensável, porque, finalmente, é o Estado quem decide e
determina em que medida as diferentes crenças e propagandas con-
cordam com a moralidade essencial ou o podem prejudicá-la.
O Estado, instituição de atividade social seria nimiamente
desmoralizador, se suas instituições não tivessem uma orientação
moral. O Estado é expressão da própria vida moral; nele se faz
explícito o consenso dessa moralidade essencial, base de todas as
leis, e do que o Estado é o garantidor.
A moral do Estado são as próprias verdades morais – a honesti-
dade, a liberdade política, a atividade profícua, a justiça humanamente
entendida, a veracidade, a cooperação, a solidariedade. Nela se enfeixam
os preceitos do bem e de justiça, comuns a todos os credos e sistemas,
porque ela se inspira nas eternas aspirações de humanidade, e que lhe
orientam o progresso. Toda constituição política é consagração de
uma moral; toda lei é uma experiência de moralidade.
E, agora: se o Estado tem o dever de educar, como realizá-lo?
Que é que lhe incumbe fazer?
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90
Não é o momento de formular programas explícitos, quando
ainda se discute o próprio dever. Pode-se, porém, dar uma defini-
ção geral do problema: tornar efetiva, para todos, a instrução geral,
indispensável a todo indivíduo para viver humanamente a vida de
hoje, conhecer sua condição, conhecer as relações essenciais no meio
em que se encontra; realizar essa indispensável instrução em proces-
sos nimiamente educativos – educação da inteligência, aquisição dos
bons métodos de pensar, utilização racional dos conhecimentos,
educação da atividade, metodização dos esforços, incitamento à te-
nacidade e aos empreendimentos, aceitação do trabalho, domínio
crescente sobre os impulsos, análise das possibilidades, compreensão
do bem, entusiasmo pelas ações generosas...
Com esses intuitos, em escolas que sejam realmente centros
estimulantes da atividade juvenil, escolas que, sem sacrificar a saú-
de e alegria da criança, a ocupem de modo interessante e racional,
como cultura do espírito e do caráter, escolas, que, no entanto, são
muito simples e muito fáceis de realizar – em tais escolas, tem-se o
essencial para a educação geral do indivíduo.
Para que cheguemos lá, basta que os responsáveis se convençam
de que, em educação, o dever da família é subsidiário, porque seus
meios de realização, precários, são sempre incompletos; o dever
essencial, primordial, é o do Estado.
***
TEXTO 4
Cultura progressiva da ignorância...
77
Uma nação é a associação completa de todas as criaturas hu-
manas fixadas num território, e vale pelo que valem os indivíduos
que a compõem. Para elevar o país; para dar-lhe vida, força e
progresso, há um meio seguro – preparar e elevar o homem que
77
Bomfim, Manoel. “Cultura progressiva da ignorância”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
28/6/1919, p. 4.
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91
povoa, e que resume a própria vida e força da nação. É o meio
absolutamente necessário, e único: Não pode haver progresso, nem
grandeza para um povo, se, na sua maioria, ele permanece anu-
lado, aviltado, na ignorância e no analfabetismo.
Essas são verdades proclamadas há mais de um século, verda-
des a que, mesmo aqui no Brasil, nenhum espírito medianamente
lúcido se pode recusar. No entanto, verifica-se que na própria ca-
pital do país, o analfabetismo cresce de dia para dia, e agora, com
a política administrativa do novo prefeito, a instrução popular foi
inteiramente sacrificada às pomposas exibições de obras materiais
e de embelezamentos, consagrando-se esse programa, realmente,
como a cultura intensiva do analfabetismo.
A verificação desse fato entristece e revolta: e, para que não
pareça declamação vã e exagerada, destaquemos dos últimos rela-
tórios oficiais da prefeitura a demonstração completa da triste si-
tuação em que se encontra a instrução popular nesse distrito.
O relatório da Diretoria de Estatística fixa a cifra da popula-
ção do Distrito Federal, para o ano de 1917, em 908
819, apenas:
admite que o número de crianças em idade de frequentar a escola
primária corresponde somente a 17% do total da população, e
calcula a cifra dessas crianças em:
Notemos, em primeiro lugar, que essas cifras podem ser con-
sideradas escassas. É convicção geral que a população desse distri-
to já ultrapassa 1,2 milhão. Ao mesmo tempo, ocorre que, em
todos os países onde a instrução se generalizou, o número de alu-
nos das escolas primárias corresponde a 20% da população. Não
será exagerado, por conseguinte, elevar a cifra da população esco-
lar, aqui, a 220 mil crianças. Aceitemos, porém, os números oficiais
da Prefeitura: havia, o ano passado, nessa capital, 170 mil crianças
em idade escolar: delas 50 mil frequentaram escolas públicas e 15
500 frequentaram escolas, ficando 105 mil na absoluta ignorância,
para engrossar a fortíssima proporção de analfabetos que já exis-
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92
tem. Quer dizer: aqui, na capital da República, dois terços das cri-
anças são deixadas sem nenhuma instrução.
***
A constatação desse fato, que já é por si mesmo um atestado
vergonhoso da incapacidade dos nossos governantes, torna-se alar-
mante quando, em face dessas mesmas cifras, verificamos que a massa
de analfabetos, em vez de reduzir-se, vai aumentando constantemen-
te, progressivamente, como aumenta a população do distrito. Para
que tal não se desse, fôra preciso que, crescendo como cresce o nú-
mero de habitantes, também crescessem, e, na mesma proporção, se
desenvolvessem os serviços da instrução. Desse modo: se em 1917
houve mais 5 mil crianças que em 1916, que a capacidade das escolas
aumentasse o bastante para mais 5 mil alunos; em 1918, aumentasse
ainda mais para 5
150; em 1919, aumentasse para mais 5
300...
Então, se o número absoluto de analfabetos não diminui, tam-
bém não aumenta. Evidentemente, não é somente isso que se espe-
ra, nem podemos ficar por muito tempo nessa triste e deplorável
inferioridade – de termos uma população cuja grande maioria se
compõe de anulados e ignorantes. Desenvolver a instrução o bas-
tante para impedir que aumente o número de analfabetos, não se
chega a ser um programa: mas é o mínimo que se pode esperar de
um governo medianamente capaz e patriota. Nem isso, no entanto,
aqui se realizava com a instrução popular. Ela se tem desenvolvido,
é verdade, mas numa proporção inferior ao aumento da população,
de sorte que a massa de analfabetos crescia constantemente. Agora,
o analfabetismo cresce consideravelmente, porque esse mesmo es-
casso desenvolvimento foi suspenso, e crescerá de modo formidá-
vel, pois que o afluxo às escolas primárias está diminuindo.
Eis as cifras oficiais onde todas essas afirmações se patenteiam.
Já ficou assinalado: o número de crianças em idade de receber
instrução elementar, de 7 a 14 anos, aumenta, aqui, de 5 mil e mais
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93
por ano, nesta progressão – 4
987 – 5
143 – 5
302. Enquanto isso, o
desenvolvimento da instrução apenas correspondia a dois terços
desse aumento.
Começou o incremento da instrução popular em 1897. Nesse
período de 22 anos, nota-se que, na primeira metade – de 1897 a
1908 – a frequência às escolas públicas subiu de 8
514 a 22
320,
quase ao triplo; ao passo que, de 1908 até este ano, o aumento foi
de pouco mais do duplo.
Para bem julgar da situação atual, convém contemplar especial-
mente as cifras de frequência correspondentes aos últimos seis anos.
Subindo sempre, a frequência passou de:
A cifra do ano passado é a média de frequência de 1
o
de março
ao último dia de aula, em outubro, quando a gripe já assolava essa
cidade.
***
O exame dessas cifras nos mostra que, até o ano passado,
houve sempre aumento de frequência, mas que esse aumento não
acompanhava a proporção de aumento da população escolar. É
um aumento constante, mas irregular, e que não compensa o acrés-
cimo verificado no número de crianças em idade de receber ins-
trução primária. Depois, assinalaremos a causa dessa irregularida-
de. Por enquanto, devemos acentuar que, buscando a média do
acréscimo da frequência nesses últimos seis anos, achamos 3
731,
cifra quase igual ao aumento que se deu em 1913; quer dizer: além
de ser inferior ao movimento da população escolar, o desenvolvi-
mento da instrução não tem sido crescente como o que se verifica
na população. Então, concretamente, encontramos, em:
Nessas condições, no ano passado, já houve um “defícit”
bem sensível – de 536. Este ano, em que a frequência de março
é inferior a março do ano passado, e em que a matrícula se en-
cerrou com uma cifra muito inferior a que foi atingida em 1918.
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94
Pode-se garantir que não haverá aumento de frequência média.
A própria mensagem do prefeito, com toda a boa vontade, che-
ga a uma cifra que é inferior a de alguns meses do ano passado.
Por conseguinte, esse ano, as 5
302 crianças com que aumentou a
população escolar deste distrito irão todas engrossar a massa
dos analfabetos.
A frequência de março de 1918 foi – 43
374.
A frequência de março de 1919 foi – 42
396.
***
Fica assim demonstrado, com valor indiscutível dos fatos e
das cifras:
1
o
– que, nessa capital, em 1917-1918, apenas 38% das crianças
em idade escolar recebiam instrução elementar;
2
o
– que o desenvolvimento da instrução não compensava o
aumento da população escolar, e que o analfabetismo em vez
de diminuir, aumentava;
3
o
– que, agora, com as reformas postas em prática, o incre-
mento da instrução popular se suspendeu completamente, e
que o número de analfabetos vai crescer, pelo menos, na mes-
ma proporção em que cresce o número de crianças em idade
escolar.
Este ano, a matrícula se encerrou com 76
256, ao passo que
ano passado chegou a 78
093.
Em 1896, há 23 anos, nem 15% das crianças receberam ins-
trução primária; hoje apenas 38% frequentam escolas; com muito
otimismo, pode-se admitir – que o total da população contenha
30% de não analfabetos. Temos, por conseguinte, cerca de 700 mil
analfabetos. Dentro de dez anos, essa enorme cifra estará reforça-
da com esses muitos milhares de crianças que aumentam a infância
escolar do distrito, e que vão ser deixadas sem escolas. Os peritos
poderão dizer com precisão qual será a horrorosa cifra. Em face
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95
dela, inscreveríamos, então, a repetida afirmação oficial – de que já
temos instrução e professores demais.
Os que se recusam, ainda, a admitir que o desenvolvimento da
instrução primária tenha parado, e que o afluxo às escolas tenha
diminuído, devem lembrar-se que não há ensino sem mestres. Para
realizar esse desenvolvimento constante da instrução, os poderes
municipais vinham aumentando de ano para ano o número de
professores. Não era um aumento regular, nem suficiente. Agora,
mesmo diante desta situação, o prefeito afirma que temos profes-
sores demais, e, em vez de crescer o número de mestres, como o
aumento constante da frequência o reclamava, o reduziu. Este ano
há 94 professores a menos que no ano passado. A frequência es-
colar não poderia deixar de ressentir-se disso, e de diminuir. Em
1918, o magistério primário compreendia 150 auxiliares de ensino,
que, no fim do ano, foram dispensados. Para substituí-los, o pre-
feito nomeou, muito tarde, 93 novos adjuntos de terceira classe; é
preciso, porém deduzir 35 correspondentes às vagas existentes no
quadro dos professores efetivos (por morte e por jubilação); en-
tão, para compensar os 150 auxiliares, há somente 56 novos ad-
juntos. Os cinquenta normalistas ultimamente designados foram
bem expressamente nomeados interinamente, para substituírem
os do quadro que estão licenciados dessa redução no número de
professores deve resultar uma diminuição de frequência – de 2
400 alunos, no mínimo. Se até o ano passado, a frequência escolar
vinha constantemente crescendo, é porque o número de mestres
se tem aumentado sempre – todos os anos –, desenvolvendo-se,
assim, a capacidade docente das escolas. É esse um efeito capaz de
ser compreendido por qualquer lógica. Diminui-se, agora, o nú-
mero de mestres; o número de alunos diminuirá forçosamente, se
não já, pelo menos quando for verificado pelos pais o não apro-
veitamento das crianças nessas classes – de cinquenta, sessenta, se-
tenta alunos para um professor. De 1913 para cá, a frequência
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96
média escolar é sempre numa proporção de 25,5 a 27 alunos para
cada adjunto.
O desenvolvimento da frequência tem sido irregular porque o
aumento dos quadros se tem feito irregularmente; num ano, nomei-
am-se 220 professores a mais: nos anos seguintes nomeiam-se ape-
nas setenta. Os efeitos não se fazem sentir imediatamente, porque as
famílias procuram, ou abandonam as escolas segundo os resultados.
Também concorre muito para essa irregularidade a má distribuição
dos adjuntos. Agora mesmo, há escolas em que a média de alunos
por adjunto é de menos de 25, ao passo que noutros é de mais de
trinta. De todo modo, o número de alunos tem de ser proporcional
ao número de mestres. O movimento da instrução primária do dis-
trito, nos últimos 25 anos, permite concluir com absoluta segurança:
a população está ansiosa por elevar-se e redimir-se da miséria inte-
lectual e da ignorância. O analfabetismo será eliminado no dia em os
poderes públicos se decidirem a cumprir seu dever; ora, é evidente
que a nação não há de ficar eternamente a esperar que os governantes
se decidam a abandonar as exibições espalhafatosas e fúteis, para
tratar dos problemas realmente vitais; a nação não poderá admitir
que, nessa hora do mundo, na capital do país, deixemos o analfabe-
tismo crescer na proporção absoluta em que cresce a própria popu-
lação. O menos que se pode exigir, hoje, aqui, como programa de
instrução é que, desenvolvendo metodicamente o ensino popular,
cheguemos, dentro de 21 anos (em 1940), a dar instrução elementar
a todas as crianças, e eliminemos, assim, o analfabetismo das que
serão as gerações futuras de então.
Para isso, é indispensável que, desde já, de modo invariável e
seguro, façamos aumentar a frequência escolar, anualmente, de 10
300 alunos e mais, seguindo essa mesma proporção em que cresce
a população escolar, até que, em 1940, o aumento atinja aproxi-
madamente 12
150. Desse aumento, 5 mil correspondem ao que é
necessário para ir gradativamente diminuindo o número dos que
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97
ficam sem receber instrução (105 mil agora), e o restante será para
compensar o aumento natural da população escolar.
Então, será preciso, além dos locais, crescer o quadro dos adjun-
tos, de ano para ano, numa progressão que, começando com 385,
deve atingir aproximadamente 459, em 1940. É o meio absolutamen-
te necessário. Haverá forte aumento de despesas, mas os resultados
comprovados pela experiência dos últimos 23 anos o justificam ple-
namente. O aumento dos quadros tem trazido, de forma invariável,
um aumento proporcional de frequência. Nessa forma, o desenvolvi-
mento da instrução exigirá que o respectivo orçamento aumente tam-
bém, numa média de 1
500 contos por ano. Será pesado; mas, como
seja absolutamente necessário, é lícito esperar que a União traga seu
auxílio, que poderia corresponder à metade das novas despesas. Nes-
se caso, o aumento anual de 750 contos seria perfeitamente suportado
pelas finanças municipais. O desenvolvimento da cidade, trazendo in-
cremento das receitas, compensará sobejamente os ônus com que a
difusão do ensino agravará o orçamento municipal.
***
Se assim não for, procure-se, então, outra espécie de recursos.
Procure-se com a firme resolução de achar, porque é de toda a
evidência – que não podemos pretender um lugar entre as nações
modernas, se continuamos a ser um país em cuja população, mes-
mo na capital, o número de analfabetos – 70% – em vez de dimi-
nuir, aumenta progressivamente. Não será com a fachada de ridí-
culos jardinetes de burgueses apatacados, ou a ostentação de var-
rer de hora em hora as avenidas bonitas, que firmaremos a situa-
ção de povo capaz de fazer dignamente sua vida entre os outros
povos. Essa fragilíssima casca de progresso, essa fútil exterioridade
ou fingimento de civilização, nem a nós mesmos ilude. A nação
brasileira continuará a valer o que realmente vale a massa geral da
população. Se formos sinceros, ao contemplarmos os cem anos
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98
que a nação já tem vivido, temos de reconhecer que bem pouco
temos progredido. Somos 25 milhões numa terra propícia, e vale-
mos como 8 ou 10 milhões – porque a ignorância e o impreparo
da maioria nos anulam.
Compreendam isso os que buscaram a responsabilidade de
conduzir nossos destinos. Compreendam que do estadista se exige
que forme e eleve a nação, e que a nação é o homem. Os que hoje
procuram glórias nas fáceis exibições de obras materiais, iludem-
se; são gloríolas efêmeras. O julgamento definitivo e o verdadeiro
mérito se afirmarão depois. E nesse julgamento os melhoramen-
tos exibicionistas só serão lembrados para comparar a insignifi-
cância dos seus efeitos às desastrosas consequências de manter e
de fazer aumentar a ignorância do povo. Às consciências justas,
de parecer sempre, e cada vez mais – inumano e monstruoso que
se sacrifique a instrução popular ao empenho de rasgar febrilmen-
te rochedos e rochedos, e, da noite para o dia, erguer pontes, para
estender avenidas nas praias longínquas e desertas.
Não confundamos louvores mercenários com a consagração
nacional.
Quando chegar o momento de dar nome aos que realmente
formaram o Brasil, os verdadeiros estadistas hão de ser reconhe-
cidos. Serão os que tiveram sentido as necessidades essenciais da
nação, e a elas tiverem atendido.
***
TEXTO 5
Valor positivo da educação
78
II
Para indicar explicitamente a extensão da ação educativa sobre
a vontade, é indispensável analisar o processo íntimo das reações
78
Bomfim, Manoel. Valor positivo da educação II. Jornal do Commercio, 4/7/1919, p. 5.
Trata-se, aparentemente, da segunda parte de um texto. A primeira não foi localizada nos
dias anteriores à publicação de 4 de julho.
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99
voluntárias. Todo ato de vontade corresponde a uma excitação
(de origem interna ou externa), que suscita tendências diversas, po-
dendo, por conseguinte, determinar reações diferentes.
É essa possibilidade de reações diferentes para terminar uma
mesma situação que caracteriza a vontade. Por isso mesmo, a von-
tade se simboliza na resolução, que é a escolha de uma das reações,
entre as muitas que se pode realizar.
Nesses casos – em que a excitação suscita tendências diver-
sas, ela se propaga sempre às partes superiores do cérebro, e o
primeiro efeito de tais excitações é uma inibição, quer dizer –
parada, suspensão ou sofreamento da reação, determinados pela
própria excitação.
A parada inibitória permite, então, a elucidação da conjuntura
que se apresenta; permite a intervenção da experiência adquirida; e o
ato de vontade – que é sempre lúcido – processa-se intimamente
como um jogo entre os estímulos que animam o indivíduo e suas
inibições, isto é, seus sofreamentos.
Assim, todo ato de vontade começa por uma inibição, e por
entre inibições se desenvolve. É essa parada inibitória inicial, que
torna possível o afluxo, à consciência, dos múltiplos dados da ex-
periência adquirida, até que se defina o que mais convém aos inte-
resses suscitados, e que se firme a resolução.
Há tipos psicologicamente anormais quanto a capacidade de
vontade – por deficiência de estímulo (tíbios, hesitantes...), por
deficiência de inibição (impulsivos, violentos, caprichosos...) A
estes a educação nunca poderá dar uma forma de querer perfei-
tamente lúcida, eficaz e disciplinada: mas nos tipos normais, o
bom regime educativo desenvolverá necessariamente a suficiente
capacidade de vontade, com o justo equilíbrio entre os impulsos
dos desejos e interesses e o poder de inibição e de self-control.
ficou assinalado – que de toda a atividade física, é a vontade o
que mais diretamente reflete a influência da educação.
MANOEL BOMFIM_fev2010.pmd 21/10/2010, 08:2399
100
Para completar o conceito, acentuemos que no domínio da
vontade, a capacidade de self-control, ou de bem governar os im-
pulsos, é decerto o índice formal e imediato do grau de educação.
Não há critério mais justo para julgar até que ponto o indivíduo
merece, ou não, o epíteto de educado.
A ação voluntária é sempre a resultante de estados afetivos –
desejos, inclinações, sentimentos, interesses... e de conhecimentos –
a experiência adquirida; mas os dois fatores não têm a mesma
significação, nem o mesmo valor. Os elementos afetivos são os
verdadeiros determinantes dos nossos atos; não há relação sem
um sentimento, sem um interesse que, finalmente, a impõe ao espí-
rito. A inteligência tem, apenas, uma função elucidativa; quer dizer:
a inteligência intervém para a justa significação dos elementos afetivos
que nos impelem e das tendências que nos acionam em cada con-
juntura, até reconhecermos onde está o verdadeiro interesse – o
que deve ser satisfeito ou atendido. Nisso consiste a deliberação,
que é uma sorte de escolha entre os diferentes motivos de agir –
desse ou daquele modo, nesse ou naquele sentido. Então, a mani-
festação da vontade (que é sempre consequência de excitações que
suscitam em nós mais de uma tendência, mais de um sentimento,
ou de um interesse) toma seu caráter – com essa intervenção
elucidativa da inteligência. E, em verdade, é esta a função real da
inteligência: elucidar as situações que constantemente a vida nos vai
apresentando e orientar a ação, de acordo com as condições que
nos são dadas. Ora, a atividade intelectual é sempre uma expressão
direta da educação. Há toda uma série de qualidades da vontade
que se sintetizam na capacidade de pensar, julgar lucidamente, e
com segurança, cotejando os motivos que se opõem na consciên-
cia, para proceder com pleno conhecimento da situação. Um ho-
mem que pensa confusamente, vagamente, é, por força, pessoa de
vontade hesitante e insegura; para proceder com justeza e seguran-
ça faz-se preciso saber julgar com lucidez e precisão.
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101
Todas essas qualidades se obtêm – e se podem obter – pela
educação. Além disso, a calma e a serenidade de espírito, indis-
pensáveis à deliberação razoável, assim como a prontidão na re-
solução e a tenacidade na realização, só existem, de fato quando
se tornam outros tantos hábitos – superiores – e, como hábitos,
têm de ser preparados e implantados, mediante um regime
educativo conveniente.
É, pois, com esses dois objetivos que a educação intervém na
formação da vontade da criança: reforçar-lhe o poder de inibição
e de self-control, habituando-a a sopitar os primeiros impulsos, e
ensinar-lhe a bem utilizar a experiência adquirida, a fim de agir
com oportunidade, da melhor forma possível, de acordo com os
interesses mais importantes.
O papel do educador consiste em completar com sua autori-
dade, seu exemplo e suas sugestões, a capacidade de inibição ainda
deficiente na criança, assim como proporcionar-lhe, em conselhos
e ensinamentos, a experiência mental que ela ainda não tem. E,
destarte, organiza-se conveniente a função da vontade, porque a
criança se habitua a decidir. O educador a sustém e a orienta; é ela,
porém, a criança, quem decide e quer, afirmando e reforçando
constantemente seu poder de vontade.
Eis a obra da boa educação, quanto à vontade.
***
Se considerarmos especialmente as diferentes formas dos pro-
cessos volitivos, compreenderemos mais perfeitamente como se
exerce sobre eles a ação educativa.
Qualquer que seja a conjuntura em que tenhamos de querer, o
ato de vontade corresponde sempre a um destes três tipos ou
casos: aquele em que toda a deliberação e a resolução se referem à
oportunidade; o caso em que o importante da decisão é achar a
forma propriamente dita do ato a realizar; e aquele em que a deli-
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102
beração consiste principalmente em optar ou escolher entre ten-
dências e interesses que se contrapõem na consciência (como quando
temos de escolher entre o desejo imediato e o cumprimento do
dever). Isso posto, desde logo se vê que, nos dois primeiros casos,
a justeza e a perfeição da resolução dependem, sobretudo, da ca-
pacidade intelectual, que é produto direto e necessário da educa-
ção. São casos em que toda a deliberação se reduz a um trabalho
de elucidação inteligente para reconhecer o momento apropriado,
ou achar e definir a forma conveniente da ação. Por outras pala-
vras: nas duas primeiras hipóteses, as boas qualidades de vontade
obtêm-se mediante a educação.
No último caso, quando a deliberação assume a forma de uma
luta de tendências e escolha de motivos, é preciso distinguir bem
nitidamente: o valor moral do ato e seu valor ou suas qualidades
como lucidez, segurança, prontidão, vigor e tenacidade de resolu-
ção. O primeiro aspecto constitui a própria natureza do querer e da
conduta, depende dos sentimentos, e será objeto de análise especial.
Quanto ao segundo aspecto, isto é, as boas qualidades da forma de
querer – nos casos em que há luta de tendências e inclinações – essas
qualidades resultam, também, principalmente, da educação. Dado
que existam boas tendências morais, contrastando com tendências e
apetites inferiores, os defeitos de querer consistem sobretudo em:
ceder irrefletidamente aos primeiros impulsos, não calcular os efei-
tos, próximos e remotos, da satisfação de certos desejos, incapaci-
dade de atenção para manter, com firmeza, na consciência, a repre-
sentação dos motivos superiores
79
; imperfeita compreensão dos
deveres; volubilidade e caprichos de resoluções; hesitações por des-
confiança na própria capacidade de realização...
79
Para W. James, o esforço de vontade, em tais casos, é um esforço de atenção, para
manter intensamente, na consciência, a ideia de um determinado ato ou propósito: “O
esforço de atenção é o ato essencial da vontade...” São as próprias expressões de W. J.
Ora, a capacidade de atenção depende principalmente da educação.
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Desses defeitos, alguns, como a incompreensão dos deveres, a
falta de confiança nas próprias capacidades, resultam de uma educa-
ção intelectual imperfeita, assim como da insuficiência de preparo
técnico e de hábito do trabalho. Quer dizer, são defeitos de educa-
ção: uma educação conveniente pode sempre evitá-los, produzindo
as boas qualidades opostas. Todas as outras apontadas imperfeições
e fragilidades de querer se evitam e se corrigem, necessariamente,
com a cultura metódica da atenção, o reforço educativo da inibição
e uma instrução racional, donde resultará para o indivíduo – a vir-
tude de sofrimento lúcido, ou poder sobre si mesmo, a capacidade
de reflexão, e a boa utilização da experiência adquirida, resumindo-
-se tudo na formação do poder da vontade.
Há uma parte da educação que tanto depende da educação
geral como da técnica ou especial; é ao mesmo tempo educação
física, educação intelectual e educação moral; concorre grandemente
para dar ao indivíduo confiança em si mesmo, e tem influência
decisiva no êxito pessoal. É a parte da educação que apura direta-
mente a capacidade de realização.
Não será preciso dizer a significação que tem, no caso, a pro-
ficiência técnica, que é produto exclusivo da educação. Mas con-
vém mostrar que a educação geral concorre de modo absoluto
para essa capacidade de realização, dando ao indivíduo as quali-
dades de eficácia e tenacidade de ação, que se resumem na virtude
do trabalho. E verifica-se que a boa educação leva à atividade útil,
como a educação imperfeita leva ao diletantismo.
Essa eficiência da ação resulta da educação física, porque é aí
que o indivíduo aprende a coordenar convenientemente a ativida-
de muscular e a metodizar os respectivos esforços, e de sorte a
produzir, sempre o máximo e o melhor, com o mínimo de traba-
lho, poupando-se, assim, às fadigas inúteis: ao mesmo tempo, ad-
quire trainning, e aumenta seu poder muscular. Mediante a boa edu-
cação intelectual, chega-se à plena autonomia mental, que é a capa-
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cidade de por em contribuição, em cada exigência concreta, todos
os recursos da inteligência para aperfeiçoar a ação e reformar os
processos respectivos; é a faculdade de iniciativa e de discernimento,
que ilumina a ação, e livra o indivíduo de ser um simples repetidor.
Tudo isso tem suma importância; mas o essencial para que se
possa garantir, em qualquer circunstância, o indispensável para a exis-
tência pessoal, é que o indivíduo tenha adquirido o hábito do esfor-
ço metódico, continuado e inteligente, tornando-se capaz de produ-
zir, diariamente, seis ou oito horas de trabalho útil. É esse um dos
resultados mais seguros, e, relativamente, mais fáceis da educação.
De todo indivíduo, são de corpo e de espírito, é possível fazer um
bom produtor, porque é sempre possível organizar um regime
educativo em que se leve a criança e o adolescente a realizarem es-
forços seguidos, em trabalhos e exercícios metódicos e estimulantes.
Assim feito, cria-se, necessariamente, o hábito do trabalho. As pró-
prias condições orgânicas e psicológicas da criança muito concor-
rem para esse resultado feliz: por um lado, a energia estuante do
jovem organismo a pedir exercício e a deleitar-se com a atividade;
por outro lado, a íntima necessidade que tem a jovem personalidade
de afirmar-se objetivamente pela ação. No entanto, força é convir:
na sua maior parte os insucessos em que tantos felizes naufragam e
se degradam, são devidos a essa incapacidade de produzir utilmen-
te. Criminosos e parasitas são, na sua grande maioria, desgraçados
que chegaram à miséria moral por que lhes repugna, ou não sabem
produzir, no decorrer da existência, a quantidade de trabalho que a
vida exige de cada um de nós. Desde que a natureza moral não seja
acentuadamente robusta e honesta, medíocres nas tendências ínti-
mas, esses inaptos para a atividade útil e metódica resolvem o pro-
blema da existência pelo crime e o parasitismo ao passo que outros,
igualmente medíocres nas tendências e nos sentimentos conseguem
fazer sua vida dentro do regime moral, porque se sentem com apti-
dão para produzir, e o trabalho não lhes repugna.
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105
Como se explica, então, que sendo a capacidade de trabalho
um predicado sempre realizável pela educação, tantos inaptos e
incapazes se encontrem? É que aí se reflete o defeito mais sensível
e comum das educações imperfeitas e incompletas. A esse propó-
sito, podemos distinguir quatro formas de educação: a) o regime
de inteira liberdade, no qual só se fazem sentir quase, as influências
da educação natural, sendo a educação doméstica deficiente e a
educação escolar nula; b) um regime doméstico carinhoso, cuida-
doso, mas desvirtuado por preconceitos afetivos, e que procura,
principalmente, evitar a criança tudo que parece – pena, perigo,
fadiga, risco...; c) uma educação incompleta, mal orientada, tirânica
muitas vezes, mas que se caracteriza justamente pela imposição de
um regime de trabalho regular; d) o regime educativo, racional e
completo, em que, sem martirizar a criança, antes acudindo aos
seus desejos de agir e de produzir, lhe dá habilidade e hábito do
esforço metódico e inteligente. São as duas primeiras formas que
dão a generalidade dos inaptos e preguiçosos.
Abandonada a si mesma, raramente se habitua a criança ao
trabalho aturado e metódico. O organismo juvenil pede atividade;
mas essa atividade é naturalmente dispersiva, porque, então, a vida
física está imediatamente subordinada ao exercício dos sentidos. A
criança vive como à mercê das impressões que vai recebendo, e,
naturalmente, só dá sua atenção e atividade àquilo que a interessa
diretamente, de modo bem vivo.
Toda ação que lhe pedimos, ou lhe impomos, fora dessas con-
dições, causa-lhe desprazer; a criança entrega-se a um mesmo brin-
quedo horas inteiras, mas tem horror às tarefas.
Além disso, a habilidade produtora exige, de modo absoluto, a
intervenção educativa sob a forma de ensinamento. Dessa sorte, é
evidente que, entregue a si mesmo, abandonado, o infante não se
fará um trabalhador eficiente. Não são menos frequentes e funestos
os efeitos dos exagerados desvelos da educação doméstica perver-
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tida pelos preconceitos afetivos. Progenitores que consideram, de
modo geral, o trabalho uma pena, e veem a criança fugir às tarefas
fastidiosas e desinteressantes, nos seus excessos paternais, resolvem
o caso evitando para os filhos tudo que parece trabalho; e assim o
jovem indivíduo se vicia na atividade dispersiva, que é a própria
preguiça dos sãos; mais tarde, mesmo quando reconheça os incon-
venientes dessa incapacidade para o trabalho, só muito dificilmente
se corrigirá, porque a capacidade para o trabalho pressupõe hábitos
orgânicos que só se formam conveniente na infância e na adolescên-
cia. Os perniciosos preconceitos donde resultam esses zelos excessi-
vos só se explicam pela veemência dos afetos paternais, tão exclusi-
vos e espontâneos que chegam à cegueira e à insensatez. De outro
modo, quando se procura atender racionalmente às necessidades
educativas, a atividade metódica e aturada, a prática repetida do
trabalho não podem ser dispensados no curso da educação, sem
que seja preciso, no entanto, tiranizar a criança. Em verdade, o traba-
lho só é penoso: ou pela fadiga natural que produz; ou pela falta de
interesse com que ele se apresente. O primeiro motivo é facilmente
afastado, desde que, segundo a fórmula higiênica proporcionemos
o tempo e o esforço dos exercícios à capacidade orgânica do jovem
indivíduo. O segundo motivo de pena é o fastio das tarefas impos-
tas, esse, também, pode e deve ser afastado. Basta, para isso, que o
trabalho e os exercícios pedidos se apresentem sob uma forma atra-
ente, interessante como o próprio brinquedo. Não serão simples-
mente brinquedos, porque, desde cedo, deve a criança aprender que
na vida não há só brinquedo; mas, quanto à forma e o desenvolvi-
mento, é indispensável que a criança se sinta tão interessada como no
brincar. Toda a atividade pressupõe um estímulo nervoso; na ativi-
dade consciente, esse estímulo resulta do interesse que se desperta.
Para o adulto, experiente e refletido, basta o interesse longínquo para
gerar estímulo; para a criança, incapaz de pressentir os remotos efei-
tos da sua conduta, só o interesse imediato – a curiosidade, o desejo
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vivo, a impressão do momento – só isso pode trazer o estímulo, e
manter a atenção, aturadamente, num mesmo desenvolvimento de
atividade. Mas estejamos certos de que, se assim se fazem as coisas,
a pouco e pouco, sem penas, nem dificuldades, a criança se vai habi-
tuando ao exercício continuado, aos esforços aturados e cuidado-
sos, até que, ajudada com os ensinamentos necessários, por fim ad-
quire o essencial como aptidão de trabalho o ser capaz de produzir,
diariamente, cinco ou seis horas de esforço metódico e inteligente.
Na realização, essa parte da educação se faz com a cultura
física, com a instrução e com o preparo técnico; mas, em si mes-
mo, o hábito do trabalho tem tanta importância para o êxito geral
da vida, tanta significação nos traços pessoais, que o temos de
considerar fator de moralidade, e incluí-lo na educação moral. Não
é um ser moral completo quem não se sente capaz de dar a cons-
tante quantidade de trabalho que a manutenção da existência exige
de cada um. Ora, essa é uma capacidade que a educação pode
sempre assegurar. Só a educação a pode trazer.
Para completar a enumeração dos bons resultados que a edu-
cação pode assegurar, falta-nos estudar e indicar explicitamente
sua influência sobre a natureza do proceder.
Convém acentuar, desde logo, que essa é a parte capital da
obra educativa, porque na natureza do querer e do proceder está a
essência da capacidade moral do indivíduo. O conjunto da educa-
ção se faz com vistas à vida moral, que é o característico do ho-
mem. Todos os outros recursos e capacidades de que ele é dotado
devem ser considerados como recursos e meios; a moralidade é o
fim. Essa concepção não destoa, de modo nenhum, da apreciação
científica e positiva que vimos fazendo até aqui.
A educação é a formação do indivíduo humano para a vida de
relação, e consiste na aquisição dos recursos e processos adaptativos;
mas é preciso notar que a espécie humana evoluiu, caracterizou-se e
firmou sua supremacia na natureza com o viver social; quer dizer,
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ela própria se constituiu num meio especial, superposto ao meio
cósmico – a sociedade, meio que é absolutamente indispensável à
realização de cada existência pessoal, e ao qual os indivíduos se de-
vem adaptar, em nome de necessidades tão imperiosas como as
próprias exigências meramente biológicas. Toda nossa atividade de
relação é socializada. Nas suas reações contra o meio cósmico, os
indivíduos aproveitam a experiência geral da espécie, adquirida por
processos sociais, e conta, de modo absoluto, com a solidariedade
social: higiene, transporte, produção de alimentos... Nessas condi-
ções, a adaptação à vida social (que é a própria vida moral) domina
todas as outras adaptações, e a capacidade para a vida moral e social
nos aparece, então, como o objetivo último da educação.
80
No entanto, devemos acentuar, também, que, sendo essa a
parte mais importante da obra educativa, é a menos eficaz e a
menos extensa, porque se refere a qualidades inatas.
A natureza do proceder se define pela dose de bem ou de mal
que o indivíduo produz no decorrer das suas relações sociais, e é
determinada, finalmente, pelas tendências que o animam. Essas
tendências se manifestam como sentimentos, emoções, paixões...
que se desenvolvem em torno desse ou daquele motivo; mas, em
si mesmas, elas são inclinações inatas, orientações permanentes de
impulsos; são exigências íntimas de cada temperamento, e, por
isso mesmo, elas existem como fontes de energia física: desde que
um fato qualquer nos fale a uma das nossas tendências, eis-nos
excitados, estimulados, prontos a reagir. As tendências corres-
pondem, realmente, às solicitações íntimas da vida, na sua incoercível
necessidade de conservar-se e de expandir-se. De sorte que, todo
ato, toda resolução, é a expressão de um sentimento ou de um
interesse triunfante, isto é, de uma tendência que, concretizada num
motivo, se impôs à consciência, e determinou a decisão. Somos
organismos muito complexos, animados de múltiplas e diferentes
80
A frase não está completa no original.
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tendências, possuindo, ao mesmo tempo, grande poder de inteli-
gência, o que nos permite compreender e prever as consequências
na satisfação das tendências que nos solicitam a consciência, quan-
do umas se opõem às outras. Torna-se preciso, então, fazer uma
escolha. A moralidade é, pois, essa capacidade de escolher entre as
diferentes tendências e interesses que a elas se ligam. O ato moral
se traduz, por conseguinte, na preferência que damos às reações
que nos parecem realizar o bem, isto é, o que é favorável aos
interesses gerais da espécie. Então, quanto à natureza do proceder,
a educação se aplica às tendências, no sentido de atenuar as más e
reforçar as boas. É propriamente a educação afetiva. De fato, o
ideal, no caso, seria eliminar ou suprimir as tendências turbadoras
da vida moral, e substituí-las por tendências favoráveis ao bem.
Seria a educação criadora de caracteres, divinamente regeneradora,
e de efeitos ilimitados. É preciso não esperar por tal resultado,
pois que, pelo contrário, sobre a natureza afetiva, a educação é de
efeitos bem limitados. Predisposições hereditárias, surtos íntimos,
solicitações explícitas e necessárias da vida, as tendências são con-
dições essenciais, indestrutíveis, insubstituíveis, e às quais a edu-
cação se tem de ajustar. Podem ser apuradas, mas devem ser res-
peitadas. Objetivamente, as tendências gerais, inatas, têm a signi-
ficação de organizações e sistematizações nervosas fixadas pela
herança. Têm a constância e o vigor do próprio organismo. Todas
as formas de reação que se instituam, todos os hábitos que esta-
beleçam, têm de basear-se nessas organizações permanentes, de
sorte que as chamadas tendências adquiridas, resultantes, da edu-
cação, não passam de expansões ou derivações delas – das ten-
dências gerais, inatas.
***
Em verdade, cada existência individual é a realização de umas
tantas tendências predominantes, com as quais devemos contar de
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110
modo absoluto, porque nelas se resume o próprio surto de vida
pessoal. Pretender suprimi-las, equivale a fazer calar as vozes em que
a personalidade se afirma. Finalmente, tudo se resume em reconhe-
cer que a educação apura e prepara os dons e as energias naturais;
não lhe é dado criar tendências, nem transformar caracteres. Aliás, é
de toda a vantagem que seja assim: de outro modo, os indivíduos se
nivelariam, e os caracteres se dissolveriam em moldes comuns. É
pelo vigor das tendências essenciais que se fazem os talentos especí-
ficos e a individualização das pessoas. Apesar de todas essas restri-
ções, não deixa de ser preciosismo o resultado da boa educação
sobre a natureza moral. Em todo tipo normal, é sempre possível:
apurar e harmonizar as respectivas tendências, orientá-las e aplicá-las
convenientemente, reforçar e cultivar os pendores humanos e bons,
e atenuar ou desviar os maus, mover as inclinações naturais para
concepções elevadas pela justa compreensão dos fins morais... de
sorte a formar, em cada indivíduo, um moralizado autônomo, dis-
ciplinado dentro das exigências sociais, e capaz de concorrer numa
certa medida para o progresso moral.
A educação influi sobre a natureza do proceder, já diretamen-
te, já indiretamente. A ação direta se realiza sob a forma de cultura
especial das tendências (educação afetiva propriamente dita), e pela
boa aplicação dessas mesmas tendências naturais. A ação indireta
se faz: reforçando a capacidade de inibição; instituindo derivativos
para a sensibilidade; e apelando para a inteligência.
Quanto à sua natureza, os atos voluntários são determinados
pelas tendências; mas, no seu processo íntimo, eles se fazem como
deliberação, que é o cotejo das tendências e dos interesses, elucidado
pela inteligência, cuja intervenção tem significação especial, e pode,
por conseguinte, modificar o caráter da ação. O conhecimento
dos desastrosos efeitos da intemperança e do alcoolismo bastará,
muitas vezes, para levar o indivíduo a abandonar a embriaguez.
De forma bem explícita, a cultura intelectual pode melhorar a na-
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tureza do proceder de três modos: dando ao indivíduo a neces-
sária instrução moral e cívica, isto é, levando-o a conhecer especi-
almente seus deveres, e fazendo-o compreender a importância de-
les; dando-lhe a capacidade de bem representar os motivos da
vontade e de reforçar, assim, as tendências boas e de resistir às
más; e proporcionando as ideias e noções em que se objetivam os
sentimentos superiores, importantes para a vida moral.
Não será preciso insistir muito para patentear a importância de
cada um dos aspectos com que se faz a intervenção da inteligência
na moralidade. Pois não são tantas as situações em que o difícil, para
o indivíduo, está em saber qual o dever?... Em tal caso, a natureza da
ação – o erro, ou a desídia – resulta da insuficiência intelectual. Quanto
às tendências, é certo que delas vêm o impulso para a ação. Não
esqueçamos, porém, que, despertadas as tendências, elas se chocam
e se opõem umas às outras concretizadas em motivos. É assim que
se afirmam e que valem, na consciência. Esses motivos são repre-
sentações ideias de atos a realizar, de consequências, próximas ou
remotas, a suportar; são lembranças de resultados já obtidos; são
imagens de efeitos previstos... A tendência à ambição política im-
põe-se à consciência com a ideia dos programas a realizar, e do
poder a adquirir... Dessa sorte, as tendências como que se reforçam,
à medida que se multiplicam os motivos em que se concretizam.
São as tendências superiores, em contraste com os apetites inferio-
res, as que mais aproveitam desse apelo à inteligência. É assim que
conseguimos, muitas vezes, convencer e persuadir evocando lem-
branças, fazendo conhecer efeitos, sugerindo imagens...
Ao mesmo tempo, ocorre que as manifestações afetivas ten-
dem a estabilizar-se; as mesmas tendências, sob as mesmas causas,
tomam o caráter permanente. Assim se formam os sentimentos e as
paixões. Mas, para a harmonia da vida afetiva e o bom aproveita-
mento da experiência adquirida, é de toda a conveniência que, sem
perder em vigor, essas manifestações se normalizem como senti-
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mentos, isto é, sem a veemência turbadora e extenuante das emo-
ções e das paixões. Então, um dos propósitos essenciais na edu-
cação moral é o de normalizar em sentimentos, refletidos e profun-
dos, todos os bons impulsos. Da solidariedade, faz-se o sentimento
de amizade, de patriotismo, de humanidade, de justiça, de dever
moral... da compaixão, faz-se bondade, filantropia, generosidade...
da instintiva defesa, o sentimento de honra, de dignidade pessoal...
Ora, para que se realize essa evolução das manifestações afetivas, é
indispensável a intervenção da inteligência, porque os sentimentos se
estabelecem e se afirmam sob a forma de uma concentração e nor-
malização de impulsos em torno de ideias e de imagens, principal-
mente de ideias. A ideia, ou a imagem representativa, vem a ser o
objeto do sentimento. É o característico da afetividade humana: a
ideia da pátria, de justiça, de verdade... são indispensáveis para a
realidade dos respectivos sentimentos. O sentimento é o estímulo
físico definitivamente captado, conduzindo o pensamento e coor-
denando a ação, pela sequência e a lucidez. Sob a forma de senti-
mentos, faz-se da afetividade uma sinfonia de impulsos, cujo mo-
tivo geral é a própria concepção da vida moral.
***
Criando derivativos para a sensibilidade, também multiplica-
mos os motivos para a ação moral; e facilitamos a resistência aos
estímulos inferiores. Todo indivíduo busca sentir, porque é, princi-
palmente, no sentir que temos consciência de viver. Ocorre, no en-
tanto, que é limitada, em cada um de nós, a dose de energia para
sentir; por isso mesmo, em muitas circunstâncias, temos de escolher
a natureza e o objeto dos nossos movimentos afetivos. As primeiras
solicitações que nos tentam a sensibilidade, pedindo satisfação,
correspondem a apetites inferiores, animais. Se o indivíduo teve,
apenas, uma educação rudimentar, imperfeita, com o mínimo de
cultura intelectual e estética, permanecerá sob o domínio quase que
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exclusivo desses baixos apetites, e sentirá vivamente, agradável ou
desagradável, sempre que esses apetites foram suscitados; mas se ele
tem a inteligência esclarecida, se recebeu educação artística, é bem
possível (é quase certo) que, em muita conjuntura, preferirá o gozo
estético, o gozo intelectual, o prazer do esporte, a prazeres baixos e
degradantes que o tentem. Será sempre vantajoso oferecer ao ho-
mem a possibilidade de sentir e de vibrar por outros motivos que
não seja o puro sensualismo. Essa questão – da educação estética –
faz lembrar, é certo, que aos artistas é atribuída, geralmente, uma
moralidade muito frágil, e que, por conseguinte, a cultura estética
parece contraproducente para a moralidade. Reconheçamos, em
primeiro lugar, que esse conceito geral traduz tão somente o pre-
conceito do vulgo, relativamente a temperamentos intensamente
afetivos, mal compreendidos e mal interpretados. Terá havido artis-
tas amorais, e, por isso mesmo, anormais; ora, todas as conclusões a
que chegamos se referem a tipos normais. Além disso, devemos
assinalar que a educação estética não tem por intuito fazer de cada
indivíduo um artista, e sim o tornar os indivíduos comuns capazes
de algumas emoções estéticas e sensíveis a certas formas de beleza,
o que é sempre possível e vantajoso. Os verdadeiros artistas são
exceções; e os amorais são exceções dentro de exceção; para con-
trapor a esses de baixa moralidade, há muitos e muitos exemplos de
grandes artistas – artistas exclusivos, votados aos seus sonhos de
beleza, e realizando com isso uma moral puríssima.
O reforço da capacidade de inibição e de self-control tem, inega-
velmente, grande influência na natureza do proceder. Desde que há
luta de tendências, sob o impulso dos desejos inferiores, o indivíduo
só perderá proceder moralmente resistindo, contendo-se, dominan-
do-se... Em tais condições, a natureza da conduta depende de modo
absoluto do domínio que a pessoa tenha sobre si mesma. Ora, esse
reforço da capacidade inibitória é apanágio da educação: para isso, a
educação é sempre necessária, assim como é sempre eficaz.
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A temperança é também uma qualidade adquirida na educa-
ção, e de grande influência quanto à natureza do proceder. Não a
exclusiva temperança, mas uma relativa sobriedade, aliada à virili-
dade de ânimo e a essa coragem orgânica, superior às solicitações
amolentadoras do sensualismo, e ao receio das fadigas e dores.
Um bom regime higiênico, são e simples como alimentação; a
educação do esforço: a exigência, racional, comedida, mas inflexí-
vel, do dever; a intransigência para com os caprichos alimentares
da criança, e outros que tragam hábitos de preguiça e de disper-
são... eis os meios seguros e necessários para dar ao indivíduo a
rigeza (sic) de fibra, indispensável à realização da vida moral. Não
se trata de formar ascetas, mas de tornar a criatura humana supe-
rior a umas tantas contingências animais, e que, transformadas em
hábitos orgânicos, por deficiência da educação, a escravizam, e
degradam, e desfibram, por todo o resto da existência.
***
A boa aplicação das tendências é resultado exclusivo da educa-
ção, e tem importância capital, não só para o êxito pessoal, como
para a própria moralidade do indivíduo. Não há dúvida de que a
ninguém é dado sair das tendências essenciais, herdadas com a vida;
mas não esqueçamos que as tendências naturais, inatas, são impulsos
e virtualidades que projetam o indivíduo para a ação, mas que só se
definem pela situação que a vida lhes cria, isto é, pela aplicação que
lhe damos. E é por isso que será sempre possível educar e adaptar à
vida moral o indivíduo normal, quaisquer que sejam seus pendores
herdados. O emprego que se faça de uma mesma tendência pode
tirar dela qualidades concretas inteiramente diversas e moralmente
opostas. O egoísmo defensivo afirma-se nuns como desconfiança,
benevolência... noutros como pundonor, sentimento de dignidade
pessoal... O egoísmo agressivo, ou tendência a afirmar a estender a
ação pessoal, será, nuns, ambição de poder e de mando... noutros, o
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apostolado e a propaganda; noutros, sede de riqueza ou de glória...
A capacidade de induzir de forma lúcida e de decidir prontamente
faz; deste o bom comerciante, deslumbrado pelos lucros materiais,
e, daquele, o general que salva a pátria... A capacidade de sentir por
motivos ideais produz os sábios e os amadores de arte... A tendên-
cia ao método tanto leva a coletar e ordenar fatos, como objetos,
como recursos pecuniários...
Além disso, devemos considerar que, sendo todo indivíduo
animado de diversas tendências, à educação cabe combiná-las
convenientemente: este – metódico, mas tímido e defensivo –
nunca será um bom soldado, ou bom comerciante, ao passo que
servirá muito bem como subalterno num escritório, o que não
poderia convir a um aventureiro e ousado. Aquele, ambicioso e
instável, será um propagandista porque terá sempre ensejo de
renovar sua ação e seus processos... Não há dúvida de que a
educação propriamente dita não fica a acompanhar o indivíduo
pela existência, até que lhe seja dado aplicar convenientemente
todas as aptidões. A completa aplicação já se faz na vida autôno-
ma, orientada pela experiência que o indivíduo por si mesmo
adquire; mas não é menos certo que as primeiras aplicações têm
em geral uma influência decisiva.
***
Chegamos ao mais importante e difícil da educação moral quanto
à natureza do proceder: a educação afetiva propriamente dita, ou a
cultura das tendências. E, sendo a parte mais difícil, é também, já o
vimos, a mais limitada. A educação apura as tendências essenciais:
harmoniza-as, reforça umas, atenua outras; mas não se deve esperar
criar tendências novas, em oposição com os pendores inatos, nem
transformar caracteres. Para ser eficaz, a educação tem de realizar-se
como a formação e o apuro da personalidade dentro das suas qua-
lidades essenciais, de caráter e de temperamento.
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116
No entanto, apesar de restrita, a cultura afetiva será sempre a
parte capital da educação, porque se o homem vale realmente como
ser moral, a natureza da moralidade está nas tendências. Demais,
assim mesmo limitada, essa parte da educação, bem orientada e
bem conduzida, é de efeitos inestimáveis. O primeiro resultado a
procurar – e sempre possível – é o justo e lúcido equilíbrio dos
pendores naturais. As tendências essenciais não se substituem; não
se criam tendências novas; mas minoram-se, mitigam-se, reduzem-
se um tanto, tanto, as que derivam para o mal; fortalecem-se e
multiplicam-se as que são propícias à moralidade. Desvia-se o
impulso dessa, que não convém, para uma tendência congênere e
de valor moral. Contra o ímpeto de uma paixão funesta atira-se o
entusiasmo de outra paixão, generosa e dignificante. É a luta no
íntimo da consciência, luta necessária, porque não há cultura moral
sem esse combate do indivíduo contra si mesmo. Então, busca-se
o apoio nas próprias tendências: que o indivíduo se firme numas
para resistir a outras. O resultado será necessariamente o desejado.
Nem poderia ser de outro modo porque, na realidade, as
tendências correspondem a organizações e sistematizações ner-
vosas: são organicamente dispositivos e sistemas funcionais, sem-
pre suscetíveis de cultura. Para atenuar o que se deve atenuar ou
enfraquecer, e reforçar o que se quer mais forte e mais ativo,
basta deixar em silêncio ou em repouso daquelas, e dar constante
exercício a estas. O exercício faz o órgão; ora as tendências são
organizações funcionais. As tendências se realizam e se exercem
nas respectivas manifestações. Frequentemente suscitada, frequen-
temente vibrando e manifestando-se, uma tendência há de ne-
cessariamente crescer e reforçar-se. Esquecida, deixada em silên-
cio, na ausência das respectivas manifestações, e a tendência aban-
donada como que desaparece.
81
81
Darwin assinala que, na mocidade, amava vivamente a poesia, e sentia grande prazer
na leitura dos bons poetas, mas os trabalhos científicos chegaram a absorvê-lo tanto que
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O essencial para isso será sempre: estimular, fazer vibrar a ten-
dência boa, e impedir as manifestações da tendência má. Por isso
mesmo, a educação afetiva, para ser eficaz, deve ser concreta e
prática: não um simples preparo instrutivo para a vida, mas a pró-
pria realização da vida moral. Seus resultados serão mais eficazes
ainda, se as manifestações afetivas e os movimentos de coração
chegarem até a ação.
Por outras palavras: para cultivar e robustecer uma tendência é
indispensável criar a situação capaz de fazer sentir o que convém
sentir, e, se possível for, levar a praticar a ação para onde o senti-
mento conduz; educa-se a generosidade na ação generosa, e a jus-
tiça, no horror da injustiça e na prática da justiça. Nesse sentido,
tem razão Aristóteles quando diz que o homem se forma de fora
para dentro, porque, geralmente, nos afirmamos pelas qualidades
relativas aos atos que com continuidade praticamos.
***
No problema geral da educação, esta será a questão mais fácil
de resolver: indicar o valor positivo das influências educativas; mas
é inegável que para chegar à solução integral, faz-se absolutamente
necessário atender de modo bem explícito a essa questão prelimi-
nar, porque o programa educativo conveniente e exequível só pode
ser formulado quando se sabe com segurança e precisão que é que
racionalmente podemos pedir à educação. E, agora, aceitos os
princípios que assinalamos, para formular a doutrina completa da
educação, será preciso indicar a função humana da educação, isto
é, acentuar seu aspecto social; analisar os processos físicos e as
nem achava tempo para tais leituras, e, assim, deixou descuidados e abandonados
esses pendores estéticos. Mais tarde, já na maturidade, quis renovar os gozos estéticos
da poesia, voltou a essa leitura, e encontrou apagadas, atrofiadas, as respectivas
tendências; a poesia não lhe trazia nenhum prazer, parecia-lhe [sem sabor], enfadonha.
É um caso patente de atenuação ou silêncio de tendências naturais pela falta da cultura.
“I have tried lately to read Shakespeare, and found an intolerably dull that it nauseated
me (Life of C. Darwin, p. 50).
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condições da atividade consciente da criança, processos e condi-
ções que permitem e asseguram a obra educativa (é o aspecto
psicológico); traçar os métodos gerais que devem orientar e con-
duzir a obra educativa, instituir e justificar os recursos e os meios
de realizar de forma concreta a educação (é o aspecto especial-
mente pedagógico). Tudo isso deve ser feito com o espírito estri-
tamente científico, e deve ser considerado como a necessidade mais
urgente e importante das que interessam ao progresso humano.
Que é que pode haver de mais decisivo para o destino da humani-
dade, e dos indivíduos isoladamente, do que a própria formação
do homem? Não se compreende mesmo que, nessa hora do mun-
do, quando todos os problemas são estudados e encaminhados sob
a inspiração racional da ciência, seja a educação desprezada e esque-
cida, condenando-se então a realização educativa ao empirismo e
aos puros instintos, sob o influxo dos preconceitos, da rotina ou
dos afetos desordenados e irrefletidos.
A educação, a formação da pessoa humana, no que ela tem de
característico e superior, é, e será sempre, o problema capital para
a orientação dos nossos destinos.
***
Resumindo a análise da influência positiva da educação, pode-
mos concluir que seus efeitos são sempre relativos às condições e
tendências naturais do indivíduo. A educação não cria tendências
essenciais, nem transforma caracteres; mas, dentro dessa relativi-
dade, bem orientada e bem conduzida, seu êxito será completo –
quanto à atividade fisiológica (educação física), quanto à atividade
e capacidade intelectual, quanto à capacidade da vontade, e quanto
à capacidade de realização ou de produção. Isto é, nesses domíni-
os, a educação pode sempre levar o indivíduo ao máximo e ao
melhor, que a própria natureza lhe permite. Quanto à vida afetiva,
de cujas manifestações resulta a moralidade, ou natureza do pro-
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ceder, a educação pode sempre fazer do indivíduo normal um ser
moral, autônomo e disciplinado.
Explicitamente, assim se enumeram os resultados que a edu-
cação pode produzir:
preparar o indivíduo para defender de modo eficaz a saúde,
dotando-o de boa e lúcida higiene;
desenvolver sensivelmente a força muscular, crescendo ao
mesmo tempo o total das energias orgânicas;
apurar, harmonizar e coordenar a atividade motora, dando
ao respectivo aparelho – vigor, destreza, precisão, proprie-
dade e resistência, de modo a obter sempre, como trabalho, o
máximo e o melhor, com o mínimo possível de esforço;
dar a suficiente instrução, para “que o indivíduo conheça a si
mesmo e ao meio” o bastante para adaptar-se conveniente-
mente às suas exigências, aproveitando quanto possível a ex-
periência geral da humanidade;
dotar a inteligência de bons métodos de pensar, hábitos de
atenção e observação, e qualidades de iniciativa e de crítica, de
tal sorte que o indivíduo possa achar sempre, e oportunamen-
te, na lucidez e na atividade do seu espírito, os recursos para
resolver os incessantes problemas da existência;
cultivar, à luz da inteligência, o poder de inibição, formando
uma vontade segura, esclarecida, de resolução oportuna e tenaz;
tornar o indivíduo, na medida das suas forças, um realizador
eficaz e ótimo produtor, capaz de dar diariamente, sem re-
pugnância, nem fadiga mórbida, sete ou oito horas de esforço
metódico e inteligente;
atenuar as tendências inferiores e nocivas, ao mesmo que se
reforcem as tendências superiores, essenciais à moralidade;
dirigir os impulsos afetivos e harmonizá-los em sentimentos
úteis à vida moral;
orientar as cogitações pessoais de forma a dar boa e mora-
lizada aplicação às tendências inatas e aos dotes naturais.
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Esse inventário – de que se pode obter da educação – não a
consagra como panaceia universal; mas acentua sua influência decisi-
va nos destinos de cada indivíduo, e da sociedade em geral, e faz-
nos compreender que o problema educativo merece bem atenção;
muita atenção.
***
TEXTO 6
O Pedagogium do Distrito Federal
82
Um ofício do diretor do Pedagogium ao diretor da Instrução
O Dr. Manoel Bomfim, diretor do Pedagogium, endereçou o
sr. Raul Faria, diretor geral de Instrução Municipal, o ofício do
teor seguinte:
“Considero meu dever, independentemente de qualquer de-
terminação explícita, informar-vos quanto às condições da repar-
tição de que sou diretor, e, depois de explicar sua inatividade, indi-
car a natureza dos serviços que ela pode prestar.
Diretor do Pedagogium desde 1896, estive afastado dessa fun-
ção, no desempenho de diferentes comissões, de fins de 1905 a
fins de 1911. Nessa data, em novembro, ao reassumir meu lugar,
encontrei o Pedagogium incluído na reforma geral por que passa-
ra o ensino municipal, e reduzido a um museu – mostruário, com
biblioteca. Ora, as condições materiais do prédio eram péssimas;
fora possível realizar o que determinava o novo regulamento. As-
sim o demonstrei às autoridades do distrito a quem devia conta
dos meus atos, e, incessantemente, reclamei as obras e outras pro-
vidências indispensáveis para dar efetividade a essa repartição. Em
resposta aos meus reclamos, nos fins de 1912, resolveu a Diretoria
de Instrução fazer encaixotar todo o material dessa repartição, e
depositá-lo nos apartamentos inocupados de uma escola primária
82
Bomfim, Manoel. “O Pedagogium do Districto Federal”. Jornal do Commercio, Rio de
Janeiro, 10/2/1919, p. 4.
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121
próxima, a fim de que o antigo edifício do Pedagogium, desocupa-
do, fosse entregue à Diretoria de Obras. No entanto, só em outubro
de 1914, foram ordenadas as respectivas obras, que seriam a re-
construção total do prédio.
Entrementes, veio nova administração, e as obras foram
revogadas, antes mesmo de iniciar-se a demolição já contratada. Ao
mesmo tempo, foram retirados para outras repartições quase todos
os funcionários do Pedagogium, e, do orçamento votado para 1915,
foram eliminadas todas as rubricas de material, afora os serventes. A
mim pessoalmente, o prefeito de então disse francamente que, “por
economia, não faria o que era indispensável para essa repartição”.
Foi nessas condições que, em 3 de março de 1915, dirigi a essa
diretoria o ofício de nº 5, cuja cópia, com a devida vênia, junto aqui.
Tudo que obtive foi que o material, desencaixotado, fosse reinstalado
no velho edifício, tido como imprestável. Novas e novas modifi-
cações se fizeram na administração municipal, sem cessarem minhas
reclamações. Finalmente, em meados do ano próximo findo, conse-
gui que o prefeito e o diretor geral de Instrução viessem conhecer de
visu as condições do Pedagogium, e, ainda dessa vez, ouvi do pre-
feito “que, pelas dificuldades financeiras, nada podia fazer.”
Apesar de tudo, julgo-me obrigado a insistir, e renovo as solicita-
ções no sentido de levar o Pedagogium a prestar os serviços que ele
pode e deve prestar. Realmente, nas condições atuais, o edifício é
inaproveitável, mas, de fato, só uma parte do prédio precisa ser
reconstruída. Trata-se de um prédio com dois corpos bem distintos –
um anterior, a fachada da rua, de dois andares, com 22 metros por
19, e que está quase em ruínas, e um posterior, de três andares, com 22
metros por 18, e que foi de todo reconstruído em 1905. Sucede,
porém; que essa segunda parte é inteiramente dependente da primei-
ra, que lhe dá entrada, e está, por isso, inutilizável. Nessas condições, a
reconstrução da parte anterior, ainda que lhe conservando os dois
andares, viria dotar a Instrução Pública Municipal de um edifício com
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122
área, nos três pavimentos, de 2
200 metros quadrados. Além disso, há,
neste Pedagogium, um copioso e importante material: laboratórios –
de física, de química, de psicologia, custosas coleções de história natu-
ral, de geografia, de lições de coisas, de trabalhos manuais; pequena
biblioteca e bom mobiliário. Tudo isso, muito recente, mas conserva
seu valor, pois se trata de material clássico e indispensável; tudo isso
pode ser facilmente reparado e renovado.
O Pedagogium, pela sua índole, de acordo com os fins para
que foi criado, propõe-se (e, numa certa medida, já o realizou) a ser
um centro de estímulo e de orientação mental, assim como um
auxiliar do magistério primário desse distrito. Através de todas suas
reformas, ao Pedagogium foi sempre consignada a função de “for-
necer a todos que se interessam pela instrução pública e aos profes-
sores especialmente, todos os meios e elementos de estudo”. O
magistério primário é uma função de ordem intelectual, e que exige
como as outras profissões intelectuais, o estudo constante e o apuro
do preparo profissional. As doutrinas da educação evoluem; os
métodos de ensino progridem e se reformam incessantemente: há
um movimento pedagógico e um progresso das formas de ensino,
e os mestres precisam conhecer esse movimento e acompanhar o
progresso da didática. O Pedagogium é a organização que os pode-
res municipais, responsáveis pela instrução popular, oferecem para
fomentar o apuro dos métodos de ensino. Sua existência como ins-
tituto oficial se explica pela circunstância de que a instrução primária
é quase toda oficial; os respectivos serventuários, número de mais
de 2 mil, devem receber uma orientação geral pedagógica, além das
instruções e indicações que dizem imediatamente com a escola. São
os serviços do Pedagogium que proporcionam à Diretoria de Ins-
trução os meios de trazer ao magistério essa orientação geral, quan-
to aos métodos de ensino e sua realização.
Para preencher seus fins, o Pedagogium pode utilizar estas seis
ordens de recursos e de processos: a) manter uma biblioteca especia-
lizada – obras que interessem à pedagogia, coleções de livros didá-
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123
ticos, documentos oficiais referentes à instrução, revistas de ensino...;
b) organizar um museu – mostruário, onde se encontrem, além dos
tipos de mobiliário escolar, espécimes de todo o material utilizável
nas classes para o ensino concreto e intuitivo; c) manter laboratórios
de física e química, e gabinetes de história natural, à disposição do
público estudioso, e oferecidos especialmente aos professores mu-
nicipais, que desejem fazer experiências e demonstrações com um
material científico e experimental mais completo que os rudimenta-
res laboratórios existentes nas escolas primárias; professores levarão
as turmas de alunos ao Pedagogium como as levam às fábricas e a
outros museus; d) organizar e ter à disposição dos especialistas, um
laboratório de psicologia experimental, onde se possam fazer estu-
dos aplicáveis à pedagogia; e) publicar uma revista pedagógica, f)
realizar séries de conferências sobre assuntos que digam com o pre-
paro do magistério, e organizar exposições pedagógicas.
Nesse momento, apesar da inevitável deterioração do material,
o Pedagogium dispõe do essencial para recomeçar com seus servi-
ços; quanto ao pessoal, a verba orçamentária atual é bem suficiente.
Para o material, feitos os concertos e as aquisições mais urgentes, a
verba, que era dada anteriormente, é também suficiente. Parece-me
de toda conveniência dar efetividade a esses serviços. Não será pre-
ciso insistir para demonstrar que essa repartição não pode continuar
nas condições em que se acha, inútil como é. Renovo as solicitações
e insisto em pedir providências porque, não o nego – pesa-me estar
condenado a essa inutilidade. Não procuro realçar minhas funções
como recurso para fazer reputação. Insignificante como seja meu
nome no ensino municipal, sei bem que devo contentar-me com a
modéstia em que me acho, e já vivi o bastante para ir deixando
ambições frívolas. Tão pouco, é a minha situação pessoal que defen-
do, porque, diretor vitalício há mais de vinte anos, tenho os meus
direitos de funcionário garantidos. Limito minha aspiração a não ser
um inútil; sinto que é dever concorrer com minha obscura atividade
na medida das garantias que me são dadas. Minhas funções – aquilo
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124
que posso fazer – são de caráter minimamente técnico e especializa-
do, e não implicam outra sorte de confiança além da que derive das
provas que tenho dado de estudo e de preparo nessa especialidade.
Entrado bem moço para as funções em que me acho, a elas me
dediquei exclusivamente; a elas limitei minhas ambições, nesse gêne-
ro de estudos deixei exclusivamente seu espírito, e, por isso, mais me
pesa a inatividade. Não posso pensar em recomeçar noutra pro-
fissão, e entristece-me ser inútil, antes de ser inválido.
É ocasião de referir-me a uma reforma, em tempos projetada,
de juntar-se o Pedagogium à Escola Normal. Essa junção significa
simplesmente a supressão do Pedagogium. Escola Normal e
Pedagogium são instituições de funções paralelas, que se completam,
mas não se podem fundir. A Normal prepara o candidato ao magis-
tério; existe exclusivamente para o normalista; não pode admitir outro
público. O Pedagogium é principalmente um centro de propaganda;
não inicia professores: limita-se a fomentar o progresso dos métodos
de ensino, e deve estar à disposição de todo público. Nenhum dos seis
serviços que o Pedagogium tem de realizar pode ser feito pela Escola
Normal. A projetada fusão será, apenas, a entrega do material do
Pedagogium à Escola Normal. Nessas observações, não penso no
meu caso pessoal: meus direitos estão garantidos, e a dignidade do
funcionário vale, principalmente, pela correção do seu proceder e a
dignidade dos seus atos. Meu intuito exclusivo é deixar patente a soli-
citude pela função que me foi dada. Saudações.
***
TEXTO 7
Nacionalização da escola
83
Não é meu empenho agora demonstrar as vantagens da nacio-
nalização do ensino e sua absoluta necessidade na solução do pro-
83
Bomfim, Manoel. “Nacionalização da escola”. Educação e Ensino: Revista Pedagógica da
Instrução Pública Municipal (publicação mensal), Rio de Janeiro, ano I, n. 1, julho de 1897.
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blema pedagógico: isso equivaleria a querer discutir se devemos,
ou não, educar o espírito das crianças com uma orientação patrió-
tica, se devemos formar cidadãos, ou indivíduos vazios de todo o
sentimento patriótico ignorante e indiferentes à sua pátria.
Em teoria, são esses princípios universalmente reconhecidos e
aceitos; sobre eles toda a discussão é ociosa. As preleções teóricas
sobre patriotismo, deveres cívicos etc., pouca influência têm sobre
o ânimo das crianças, e não será assim que se há de identificá-las
com a pátria, ensinando-lhes a amá-la e conhecê-la. É falando-lhes
de coisas brasileiras, buscando pontos de referência no mundo
que elas conhecem, interessando-as pela natureza e pela sociedade
que as cercam, fazendo-lhes ver as dependências em que elas estão
para com o meio onde vivem e as demais, que de futuro criarão,
que se poderá implantar na alma das crianças esse misto de senti-
mentos que chamamos patriotismo.
Entretanto, se a tese da nacionalização da escola já não deve
servir de tema para discussões, a aplicação os princípios, que essa
tese encerra, será por muitos anos, ainda, objeto de séria propa-
ganda por parte daqueles que se interessam pelo progresso do
ensino. Estamos tão longe dessa aplicação como de negarmos sua
vantagem. A escola brasileira é uma coisa, não direi cosmopolita,
mas informe. A escola, principalmente a escola primária, tem de
ser, forçosamente, nacional. Enquanto ela não reveste esse papel, é
uma coisa incaracterizada, de resultados pouco mais que nulos,
porque, se a nacionalização do ensino é vantajosa para a nação,
formando cidadãos, não o é menos para a causa do ensino, facili-
tando-o extraordinariamente. É o único modo de concretizá-lo,
principalmente para as crianças.
Como todos nós sabemos, todo o ensino que não é concreto,
sobre ser extremamente fatigante, é quase nulo em resultados. A
criança há de aprender visando o meio em que vive. Se ela não
pode, de momento, fazer a aplicação das noções que recebeu, está
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fatigando inutilmente o cérebro e, quiçá, viciando-o. É preciso que
ela veja, sinta e possa verificar, numa certa medida, as verdades
que se lhe ensina. O ensino deve ter, em si, seu próprio estímulo, e
isso só se consegue interessando a criança pelo cenário em que ela
vive e pelas coisas que ela conhece.
Entre nós o ensino está muito longe de ter essa feição. Não tem
pontos de referência, e as mais concretas lições, ministradas nas es-
colas, são verdadeiras abstrações. O próprio ensino prático, objeti-
vo, de aplicação imediata, é calcado sobre um material tão estranho
ao nosso meio, trata de fenômenos e objetos tão fora das nossas
coisas e toma um caráter tão alheio ao nosso ambiente social, que é
como se fora uma demonstração de geometria analítica.
Se se percorre nossas casas de ensino, examinando as coleções e
material, que por elas existem, tem-se a sensação exata do que aca-
bamos de dizer. Se aprofundarmos mais esse exame e chegarmos a
assistir as lições feitas sobre esse material, chegamos à convicção
absoluta de sua ineficácia. Aqueles objetos, aqueles espécimes de
animais, plantas etc., que a criança nunca viu, de que nunca ouviu
falar, cujo valor desconhece, deixam-nas inteiramente impassíveis.
Como se pratica, por exemplo, entre nós, os jardins de infân-
cia, esse sistema de educação e ensino, que tem por fim, principal-
mente, ensinar às crianças o valor dos objetos e dos fenômenos
que as rodeiam?...
Com um material de importação, arranjado por industriosos
com um fim puramente comercial, alheios e indiferentes, em ab-
soluto, ao nosso meio e às nossas coisas.
Por outro lado, também a parte moral e intelectual do ensino,
não é feita de acordo com nossas ideias, tradições, costumes e
necessidades, como devera ser. Salvo honrosas exceções, cingimo-
nos a uma cópia servil e inassimilada do que se pratica no estran-
geiro. Uma simples pesquisa dos nossos programas e sistemas
adotados é prova bastante dessa asserção.
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Há bem pouco tempo, ainda, tive ocasião de ler, numa revista
prática de ensino, na parte dedicada ao jardim de infância, um conto
em que se falava às crianças de nossa terra: fayas, carvalhos, prima-
veras, neve, árvores despidas e quejandas coisas e fenômenos, cujo
valor e existência elas desconhecem e que, por conseguinte, deixam-
-nas inteiramente desinteressadas.
Não quero, com isso, dizer que tenhamos de arvorar o siste-
ma das originalidades, nem que tenhamos necessidade de criar prá-
ticas, métodos e teorias originais. Não. A arte de ensinar está hoje
tão adiantada nos vários países civilizados, que, quase não precisa-
mos de inventar para o fim de ensinar e educar. Basta que acom-
panhemos, com interesse, o progresso que a pedagogia vai fazen-
do nesses países, para que obtenhamos elementos bastantes para
desenvolvermos convenientemente o ensino entre nós. Mas é pre-
ciso que, colhendo os frutos desse progredir, não o façamos ser-
vilmente. As descobertas, os novos métodos e os novos sistemas,
antes de empregados, precisam ser inteligentemente estudados e
criteriosamente adaptados ao nosso meio, com as competentes
correções, e só depois de uma assimilação perfeita é que devemos
praticá-los, sem o que, o que poderia ser útil, pode ser funesto. É
principalmente ao mestre que incumbe efetuar essa adaptação. Para
isso, torna-se preciso que ele conheça devidamente nosso meio e
suas necessidades, assim como o do país onde foi buscar os exem-
plos e métodos. É necessário que ele saiba descobrir a excelência
do novo processo e o modo justo de aplicá-lo aqui.
A verdade desses conceitos avalia-se bem pelo que se dá com
o estudo das ciências naturais nas escolas primárias.
Está reconhecido hoje, geralmente, a vantagem e a necessida-
de mesmo do ensino das ciências naturais nessas escolas. Esse estu-
do tem-se divulgado por toda a parte, e em quase todos os nossos
colégios e escolas primárias ensina-se a história natural. Mas,
porventura, esse estudo dá algum dos resultados previstos por
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128
aqueles que o preconizaram em princípio, e produz os mesmos
fins alcançados em outros países?... Não. E isso porque entre nós
ainda não se compreendeu o alcance desse estudo, nem os intuitos
com que ele é recomendado. Supõe-se, comumente, que seu inte-
resse está em que as crianças adquiram algumas noções, estreitas e
desalinhavadas, de botânica e zoologia, e carrega-se a memória
dos alunos com um acervo de nomes rebarbativos, repetindo-se-
lhes o contexto de livros arranjados pelos exploradores do ensino.
No fim, a criança nada lucrou, a não ser uma legítima prevenção
contra essas ciências, pela aridez com que elas lhe foram apresenta-
das e fica o mestre com a pretensão de ter posto em prática a
última palavra da pedagogia. Depois de certo tempo, verifica a
inanidade do decantado estudo e naturalmente condena-o.
Entretanto, se ele soubesse que o estudo da história natural é
feito nesse período, não para que as crianças adquiram conheci-
mentos de plantas e animais, mas, sim, para levá-las a interessa-
rem-se pelo estudo da natureza, para desenvolver-lhes as faculda-
des de observação e raciocínio, para ensinar-lhes a ver, a compa-
rar, a exprimir e a comunicar, bem depressa o professor despre-
zaria o livro e compreenderia que esse ensino não pode ser feito
senão sobre animais, plantas e objetos comuns ao mundo em que
vive a criança, com material que ela conhece.
O que se dá com o estudo da história natural, dá-se com o de
todas as outras disciplinas, principalmente no ensino primário, onde
todas as noções devem ser concretas, e que por conseguinte po-
dem ser relacionadas à vida material.
Entre outros, o estudo da história, que não deve ser, nesse
caso, senão um curso de biografias, pode ser um elemento
valiosíssimo nesse intuito de nacionalização do ensino. Relacionan-
do-se tanto quanto possível, a parte histórica com a topográfica e
a geografia, e limitando-a aos assuntos e episódios mais emocio-
nantes e patrióticos, o professor inteligente muito fará, desde que
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se queira dar ao trabalho de descriminar, escolher e modificar os
detalhes para adaptá-los às necessidades locais.
A esse estudo, que “fornece a melhor educação do patriotismo
e aumenta a simpatia e os interesses” devemos dedicar toda nossa
atenção, principalmente porque ele é um dos ramos que mais deixa
a desejar no tocante a esse ponto. É doloroso contemplar-se quanto
a nossa mocidade se desinteressa pela história pátria. Disso não é ela
culpada, senão os que não a sabem ensinar: tarefa dificílima, bem sei,
porque como bem diz uma escritora americana: “para gravar a ideia
da unidade da história no espírito dos meus filhos... é preciso que eu
própria a sinta em todos seus detalhes... É necessário que eu sinta os
pontos de semelhança e diferença entre os dicastérios atenienses e o
sistema de júri americano...
***
A conveniente organização e governo de um Estado é a mais
elevada tarefa que se apresenta ao homem. É por isso que o maior
esforço do trabalho de classe deve ser posto na história política e
constitucional... Acho que minhas discípulas estudam com o maior
interesse os problemas constitucionais da história, se elas sentem sua
importância política nos sucessos dos nossos dias. Uma das minhas
meninas disse-me, não há muito tempo: “Eu estou tão interessada
em acompanhar o desenvolvimento da Câmara dos Deputados
como em acompanhar o crescimento das plantas da minha janela”.
O estudo da geografia é outra fonte de inesgotáveis recursos
para interessar as crianças pelas coisas de sua pátria.
Falando daquilo que ela conhece, pode-se, com as noções de
geografia, levar um contingente valiosíssimo a esse desiderato, prin-
cipalmente se essas noções geográficas forem convenientemente
aliadas ao elemento histórico, chamando sua atenção para os tra-
ços físicos gerais do país, nas suas referências com as produções
agrícolas, industriais etc., e também quanto ao movimento e de-
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senvolvimento das raças, progresso da colonização e formações
de cidades etc. Assim a criança compreenderá com facilidade a
razão por que o Rio de Janeiro, a Bahia, o Pará, tornaram-se, tão
depressa, cidades importantes. Aí as crianças compreenderão o
alcance e as vantagens da facilidade das vias de comunicação e de
haver um abrigo seguro às embarcações do comércio.
Todos os exemplos de composição e redação; todos os pro-
blemas da matemática; todos os exemplos de moral, de política e
de sociologia, podem ser referidos à vida nacional e são elementos
de que pode se servir todo o professor inteligente e apto para dar
sua escola um caráter nacional.
***
TEXTO 8
Intervenção da União
84
Veio depois a maior agitação que é o período “post” Floriano.
Não era fácil ter ação sobre o público. Só a política interessava a
governantes e governados. Convenci-me, então, da nulidade do es-
forço, no momento. Veio o atentado contra Prudente de Moraes.
Não havia opinião para atender ao problema; não havia dirigentes
com capacidade para solucioná-lo. Não havia calma para a iniciação
de uma obra que devia ser longa, bem conjugada e melhor conduzida.
Passaram-se dois ou três anos. Ingressei no magistério, tratei
de preparar-me para o exercício das minhas funções, partindo
para a Europa, a fim de estudar psicologia experimental. No Ve-
lho Continente, fui empolgado pela atividade da vida política e
social, a ponto de refletir-se em meus sentimentos toda aquela
agitação. Todavia, doía-me muito a má reputação feita para a
América do Sul e o Brasil, até. Veio a reação forte e impetuosa e
84
Bomfim, Manoel. Cultura e educação do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti, 1932,
pp. 69-85. O texto apresenta, na primeira parte, uma narrativa autobiográfica, em que o
autor privilegia suas atividades em prol da educação.
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131
assim escrevia A America Latina. Quem o ler compreenderá e
perceberá como entra ali o coração. Esse livro foi escrito, sobretu-
do, para chegar à conclusão que lá está: os povos sul-americanos
são vítimas da formação colonial que tiveram. Sob essa causa,
desenvolveram-se os vícios que turbaram e vêm turbando a vida
política. Não há nesses povos inferioridade essencial. Os males são
curáveis: questão de educação.
Armado dessas páginas, voltei ao Brasil, certo de que iria par-
ticipar de um movimento de regeneração política e social de mi-
nha pátria. O livro obteve sucesso. O grande Silvio Romero repli-
cou a ele com um volume da mesma espessura. Mas através dessa
consagração ninguém viu a conclusão. Inteiramente inexistente para
todos aqueles que tiveram a atenção presa às páginas do meu livro
e que sobre ela se manifestaram por todas as formas.
Os anos passaram sobre conceitos, escritos em 1897; todos
escreviam sobre o livro que os continha e ninguém aludiu a eles...
Foi assim que os resultados do esforço, se não me desanima-
ram, trouxeram, pelo menos, uma sorte de desilusões, quanto à
propaganda pela imprensa, ou pelo livro, se bem que, então, eu
fosse companheiro de Olavo Bilac e de Medeiros e Albuquerque,
que sempre foram vozes em favor da instrução popular. Nesses
dias de que falo, porém, não havia espaço para a propaganda que
o caso exigia. Foi a fase do governo Rodrigues Alves, que contou
com a atividade boa dos seus grandes auxiliares. Foi a hora feliz,
em que se entregou o serviço de higiene carioca a Oswaldo Cruz.
A turma de auxiliares votados ao programa com que se apresen-
tava fez uma obra que agitou a opinião e se impôs às atenções. Foi
um período mais cheio na vida normal da República, pois que não
lhe faltaram nem os motins de soldadesca.
Não havia brecha por onde o problema da educação pudesse
vir impor-se à opinião. O período se fechou na disputa da cadeira
presidencial, cabendo, finalmente, a Minas a situação dominante. A
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situação política se concertou na fórmula – João Pinheiro – Carlos
Peixoto – Pinheiro Machado.
Em boas relações para os dois lados, alimentando as ambi-
ções de sempre, pareceu-me que, entrando explicitamente para a
atividade política, poderia concorrer a solução do problema, na
forma que sempre me pareceu possível e consentânea, com a par-
ticipação do governo da União. Consegui fazer-me eleger deputa-
do para um fim de legislatura. Na anormalidade política do mo-
mento, a Câmara estava entregue a Carlos Peixoto, o Senado mais
ou menos a Pinheiro Machado, mas sobre todos reinava o prestígio
do presidente, como queria o mandamento republicano.
Como é de praxe, a situação instituída pelo presidente Afonso
Penna entrou com sua série de reformas e entre elas a do ensino
público.
Era ministro da Justiça e Negócios Interiores o Tavares de
Lyra. O projeto apresentado era uma codificação do ensino se-
cundário e superior, e que de fato em nada melhorava o estado
deplorável em que se achava a instrução. Aproveitei o ensejo e
apresentei na Câmara uma série de emendas, com o intuito de
criar a questão da instrução popular, colocando o problema nas
atribuições da política federal.
Felizmente já havia uma ponta de legislação nesse sentido. A
Lei Barbosa Lima, autorizando o governo da União a auxiliar os
estados na manutenção da instrução pública.
Por essa brecha, justifiquei as emendas que apresentei e que
visavam explicitamente três objetivos: recursos financeiros para a
instrução primária, unificação do ensino e multiplicação de estabe-
lecimentos de instrução.
Nessas emendas, propusera a criação de três escolas nor-
mais, a cargo da União, e situadas em centros populosos do Norte,
Centro e Sul, para formar professores capazes de servir à instru-
ção primária do país. Criação de escolas primárias, mantidas e
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133
regidas diretamente pelo governo da União. Organização de con-
gressos pedagógicos, para a adoção dos livros didáticos e orga-
nização dos programas, com o intuito bem explícito de concor-
rer para a uniformização da escola nacional. E, finalmente, con-
cessão de subsídios, pela União, aos estados que os solicitassem,
sempre na proporção que se estabelecesse entre os orçamentos
locais e a população.
Minha intervenção no assunto foi assim apreciada no resumo oficial
dos trabalhos legislativos: “Efetivamente se trata nesse projeto de duas
questões distintas: uma, a seu ver, capital, talvez a mais importante de
quantas nesse momento interessam à nacionalidade brasileira; outra,
de importância relativa, de natureza puramente didática.
No projeto aparece pela primeira vez a ideia da intervenção
direta e imediata da União na questão da instrução primária. É ago-
ra que se procura trazer a ação eficaz do governo central para a
instrução popular, e precisamente é esse o problema que ao orador
se afigura ser de importância capital.
Ao mesmo tempo, o projeto se ocupa da reorganização do
ensino secundário e do superior. Essa é a questão que denomina
meramente didática.
Há dez anos, essas mesmas ideias apresentadas no projeto o
orador as defendia e mostrava como seria possível a intervenção
da União na questão da instrução primária.
Pede licença para ler o que disse então a esse respeito.
É um artigo publicado em agosto de 1897.
Após a leitura que faz, observa o orador que seu parecer não
está modificado.
Depois, escrevendo um livro em que resumiu seu modo de
pensar sobre todos os problemas que mais interessam o Brasil,
chegava a estas conclusões: o remédio eficaz para a crise e para os
males de que nos queixamos atualmente é a realização da instrução
popular, que efetivamente não temos.
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134
Uma das críticas mais veementes que sofreu o projeto em de-
bate foi a falta de ideias, afirmando-se que as medidas nele conti-
das
85
são o resultado de colaborações diversas”.
86
Não encontrei dificuldade em fazer aceitar as medidas pro-
postas. Nenhuma foi rejeitada in-limine. Apenas pude verificar que é
longo e penoso o movimento de ideias no mecanismo da política
que se fazia e que se faz no Brasil.
Li ao relator do projeto o texto das emendas. Ele não se deu ao
trabalho de tomar conhecimento do conteúdo, mas acentuava: “Vai
ao Carlos. Isso é com ele”. E o Carlos me respondia: Ah! É preciso
que o Lyra aceite”. E o Lyra, de dentro da sua mansuetude: “Ainda
tenho de falar ao presidente...” E este, sem desesperançar-me, ape-
nas me mostrava que o Carlos não tinha maior importância.
Assim, costeando a indiferença, desatenção e desamor pelo
assunto, as emendas foram aceitas e o projeto foi para o Senado.
Nesse tempo era viva a contenda Pinheiro Machado-Carlos
Peixoto.
Na lógica das coisas, para a honra da política nacional, o Sena-
do não podia dar realidade a um projeto que nascera no jardim da
infância.
Sepultaram-no muito bem sepultado em qualquer comissão.
Falta-nos povo para a livre vida contemporânea. Falta-nos; mas
um povo se faz em duas ou três gerações, como também rapida-
mente se amesquinha. Verso e reverso do mesmo motivo, nos mes-
mos processos, daí resultam todas as vicissitudes que enchem a his-
tória: povos que se elevam e se valorizam, enquanto outros decli-
nam, às vezes, até a degradação... Então, se procuramos alcançar o
porquê e o como, de tais variações, encontramo-nos fatalmente com
estes dois fatos: nos que se engrandecem, um explícito ideal como
85
Bomfim transcreve um trecho de seu único discurso na Câmara dos Deputados: Bomfim,
Manoel. Discurso proferido na sessão de 5 de novembro de 1907.
86
Anais da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. VII, primeira
parte, 1908, pp. 63-69.
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135
estímulo, o prosseguir de uma acurada educação, como processo. O
ideal marca o ponto a alcançar, a educação faz o treino de virtudes
precisas, na realização da ação que é o programa exigido pelo mes-
mo ideal. Apaga-se o ideal, afrouxa-se a educação, é o declínio, tal-
vez, em degeneração. E, com isso, não há inferioridades essenciais,
nem irrecusáveis superioridades, nem degradações incuráveis... nem,
sobretudo, milagres, que dispensem o ideal vivificante e a educação
formadora. Em compensação, nem mesmo os gênios são indis-
pensáveis para a grandeza de um povo. O ideal romano, assistido
por aquela tenacíssima educação, bastou para que os medíocres
Metellos, Cincinatos e Scipiões afirmassem o incontrastável valor de
Roma, mesmo em contestação com os maiores gênios do Mediter-
râneo. Aí no mundo antigo: o primeiro romano que conheceu os
germanos pintou-os tribos bárbaras, num viver primitivo e selvático,
só comparável ao do nosso gentio tupi. Nem povoações estáveis,
nem indústrias evoluídas, nem comércio regular, nem riqueza feita,
nem propriedade individual, nem capacidade política... Montavam
pirogas cavadas nos troncos, mudavam de terra de ano para ano,
moviam-se para guerrear e saquear... Davam o maior tempo às
festanças, celebravam e cantavam as façanhas guerreiras, cultivavam
o heroísmo... Lutavam heroicamente, mas não sabiam fazer a guer-
ra, registra César. Lutavam principalmente contra a civilização, em
vista das suas restrições policiais e fórmulas jurídicas. Em verdade,
nossos potiguaras e tamoios não eram mais irredutíveis, nem mais
ciosos das franquias comunistas da tribo do que as hordas germânicas
em face do romano.
César assim as conheceu, e Tácito repete os conceitos de César,
justificando-os numa experiência do século. E assim Pomponius
Mela, Velleius Paterculus, Dion Cassius.
Dir-se-ia a irremissível inferioridade, cara a ciência fácil dos
arianizantes. Mommsen, alemão, em são critério germânico, teve
de acentuar a condição dos seus antepassados... “Não tinham re-
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136
gistros históricos, nem outros nomes que os distribuíssem, além
das de nômades, soldados de fronteiras (suevos, marcomanos)...”
A própria tenacidade romana teve de ceder ante a selvageria dos
indisciplinados germanos. Do Reno para lá, aquilo teve de conti-
nuar como o viveiro de onde saíam as ondas de bárbaros, a inva-
direm a civilização, que só aceitaram como dominadores. Os que
por lá ficavam, continuavam a barbaria selvática dos tempos de
César. E assim os encontrou Carlos Magno. Vigor teutônico, em
fórmulas latinas, o Franco empreendeu, não a conquista; mas a
educação de sua gente; organizou-a, e, antes de três gerações, os
irredutíveis germanos tinham subido ao nível da civilização galo-
romana. Antes de um século, dos encouraçados guerreiros, havia
saído um povo que nunca mais deixou de ser fronteira de novas
perspectivas no pensamento humano.
Os mesmos efeitos – de preparo e elevação, destacam-se em
todas as nações modernas, sempre que lhes tem sido preciso valor
específico para manter o nível de civilização, ou para disputar a
primazia entre rivais.
Na Inglaterra do começo do século XVIII, esgotada a aura da
grande revolução e da reação restauradora, quando pareciam anu-
lados, por todos os lados a questão da educação foi tratada como
– o recurso mais próprio para soerguer as forças sociais e reviver
o desenvolvimento do país.
E o apelo se repetirá em 1882... quando, finalmente, a palavra
miséria andava em todas as bocas, como também em 1885-90,
como remédio à flacidez em que se pronunciava o fim do perío-
do vitoriano. Na Alemanha, abatida a Prússia em Iena, quando o
desastre já parecia queda definitiva, eleva-se a voz de Fichte, em
deprecação de profeta, a pedir a educação do povo alemão como
o único remédio possível na suprema desgraça. “Fichte moveu os
espíritos e foi consagrado depois” como o fundador da grande
pátria germânica, essa que se impôs em Sadowa e Sedan. E o
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137
próprio Bismark, a justificar o sucesso explicava: Quem venceu
foi o mestre-escola alemão...
O conceito foi repetido, sobretudo, na França derrotada, e
que, imediatamente, se voltou para o recurso infalível, em que
poderia remir o desastre. E a terceira República definiu seu intento
no programa dos chamados ministros-pedagogos Ferry, Paul Ber...
Começou pelo próprio Gambetta, o glorioso libertador do terri-
tório, quando afirmava: “A instrução é mais do que a libertação do
território nacional, porque é a libertação do gênio nacional”.
Ainda há pouco, nos transes tremendos da Grande Guerra,
foi no mais duro da campanha, em 1916, que a Alemanha, a pro-
curar remédio para a crise em que se via, criou a escola nacional
única, reformando, então, por meio da instrução, o processo de
formação de elites, ao mesmo tempo que instituía o ensino profis-
sional obrigatório – dos 14 aos 17 anos.
Na Inglaterra, também, em plena luta – 1917, o governo se
volta para o problema da educação e, reformando os respectivos
serviços, elevou sua dotação de 10 milhões de libras, quando o
total era de 30 milhões. Foi quando o ministro Fischer, ao justificar
o aumento, não hesitou em afirmar: “o dinheiro de mais rendi-
mento é o que se emprega nos serviços da instrução”. Por isso
mesmo, a República dos Soviets empenhada em fazer obra durá-
vel, apesar de empenhada numa extensa reconstrução, em luta com
todos os governos da Entente, combatida pelas diversas facções
reacionárias, quando ali ainda se morria de fome, deu à instrução
todos os recursos possíveis, a ponto de que, logo no ano seguinte
ao da Revolução, a imparcialidade de Wells, apesar de toda sua
antipatia pelo comunismo, teve de registrar – um serviço de ensi-
no primário melhor que o de Inglaterra.
Das verificações feitas nos fatos resultam deduções irrecusáveis.
O homem como produto da natureza não existe: é a educação
que o forma.
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138
Sim, como todo ser vivo, ele só pode subsistir, adaptado ao
meio; mas, no seu caso, a importante adaptação refere-se ao meio
moral-social, adaptação que resulta exclusivamente da educação.
Tanto vale dizer: é a educação que socializa o homem. E, por
isso, ela se torna, cada vez mais, uma função da vida social. Referimo-
nos, explicitamente, à sociedade-nação, representada no Estado
como fórmula ativa dos direitos da coletividade. Então, impõem-
se a conclusão: educar não é somente o dever correlato do direito
que tem a criança de ser levada à plena condição de homem; mas,
sobretudo, o interesse social-nacional de melhorarem-se as unida-
des, a fim de elevar-se o nível da nação. Somos, talvez, 42 milhões
de brasileiros, gente plástica, accessível ao progresso, inteligência
alerta, livre de preconceitos, cordialmente unida, numa terra farta
de recursos... e valemos como qualquer amesquinhada nação de
rala população, em esgotamento. É que, nesses 42 milhões de cri-
aturas, nem 20% estão nas condições de preparo, indispensáveis à
plenitude da vida contemporânea. E, se tal perdura, o Brasil se
perderá – para a tradição realmente brasileira. Incapacidade
sobrenadando à ignorância: não poderia prevalecer uma tal fór-
mula nacional. Imaginemos, porém, que se formam e se prepa-
ram, próprios para o momento, esses milhões de brasileiros... Ah!
no dia em que eles forem criaturas capazes de compreender a vida
moderna, bem servindo-se daquilo que o progresso lhe tem trazi-
do; nesse dia, os destinos nacionais se dobrarão no sentido do
mesmo progresso. E há que começar pela inteligência, início ne-
cessário de toda obra educativa: a consciência há de conhecer e
aceitar, antes de conformar-se, e isso exige, antes de tudo, que se
ilumine a inteligência. Ainda há objeções, quando se alega que a
cultura da inteligência também se aproveita para o crime.
São conceitos de ignorância, ou de quem se interessa pela ig-
norância. Nem há mais deslavada mentira do que o afirmar-se que
a instrução tenha tornado em qualquer parte a massa popular mais
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139
imoral, ou degradada. Aí estão, para provas,os países onde mais
difundida se acha a instrução popular – Suíça, Bélgica, Alemanha,
além da Norte América e dos países escandinavos... Quem ousará
afirmar que aí, alfabetizadas, relativamente instruídas, as popula-
ções tenham decaído para o crime?
Além de valorizar as inteligências e definir lucidamente os de-
veres, a campanha de que resultasse a efetiva instrução, tinha de ser,
antes de tudo, excelente escola de disciplina e de apuro moral:
estudar significa metodizar o esforço, tomar conhecimento de si
mesmo, conter-se para o trabalho assíduo e conscientemente livre.
No entanto, admitimos que se indague: finalmente, em que consis-
tirá a educação? Em verdade, não basta repetir o termo, como se
nele houvesse qualquer mirífica virtude.
Para dar a significação da obra educativa e destacar-lhe o va-
lor, é preciso caracterizá-la, definindo-lhe muito nitidamente os
motivos, para os efeitos necessários: uma corrente que se orienta
com o prosseguir da vida consciente, na afirmação de novos va-
lores humanos. Então, a educação que hoje se reclama tem de ser
um treino sincero para as conquistas morais e sociais que se inclu-
em no indiscutido ideal de humanidade, no sentido de uma solida-
riedade cada vez mais perfeita. A nação, organização natural, viva,
faz-se, por igual do passado, presente e futuro, e é a educação que,
guardando do passado o bem já conquistado, o depura, alivian-
do-o de todo peso morto, cuja conservação é mal, pois significa a
própria fixação na morte. A humanidade se realiza em grupos
nacionais, cujas glórias verdadeiras são as que incorporam as reali-
zações de progresso e as instituições definidoras da civilização. Ora,
a parte primeira da educação consiste na aquisição desse patrimônio
– conhecimentos, métodos, fórmulas de ascendente moralidade.
Daí, derivará, necessariamente, com o poder de cada nova gera-
ção, maior valor do homem, socialização mais perfeita da espécie,
concretizada nos grupos nacionais. E temos o progresso assegu-
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rado com a consciência mais lúcida do interesse social e da eleva-
ção humana, o que significa ascendência do espírito sobre a
materialidade, a justiça lavrando nos corações. Com isso, nenhum
dos interesses legitimamente nacionais será sacrificado, e os grupos
pátrios ganharão na medida em que se eleva o conjunto humano.
Mas tanto será possível sem o preparo educativo? A vida social é
a atividade harmônica que progride como se complica. Se, ainda
humildes, queremos participar do progresso e, porque somos hu-
mildes, temos de educar-nos para o complexo das relações huma-
nas, compensando, na mesma educação, toda a inferioridade de
que sofremos. Harmonia instável, móbil, a vida social se torna
cada vez mais exigente, mais pedindo ao caráter e ao pensamento,
à proporção que avança e se complica. Destarte, hoje, só há possi-
bilidade de garantir seus destinos, para os grupos nacionais em
que cada indivíduo é um fator ativo e consciente. E porque a
educação é, assim, função social, eminentemente garantidora, todas
as grandes nações a incluem nos serviços nacionais, como dever
essencial do Estado.
O órgão da nação deve formar as unidades capazes de assegu-
rar-lhe soberania e progresso. De fato, quando a tradição se desdo-
bra em tantas instituições; quando, em cada pátria tantas atividades
diversas cooperam, fora impossível ter população homogênea em
sentimentos, unida em destinos, sem um preparo especialmente di-
rigido nesse intuito. Passemos agora ao nosso caso – tanta coisa que
nos falta, do indispensável a um povo livre, na vida moderna. Só
grande esforço educativo poderá levar o Brasil à condição de ser,
de fato, senhor dos seus destinos. Temos de formar homens, e pre-
parar brasileiros, para uma vida realmente próspera, disciplinarmente
livre, na melhor aproximação da verdadeira justiça.
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141
***
TEXTO 9
Atração
87
Quando pretendemos que se deve destacar, sem confusão pos-
sível, o problema da difusão do ensino, isolando-o da questão dos
métodos, não achamos com isso que esse problema, de forma ou
de processo, não deve ser desde logo atendido e que não tem
importância. Há, no caso, duas sortes de instituições ou formas de
significação ou valor, muito diferentes: as instituições para a ins-
trução de anormais, aí se incluindo o jardim da infância, e as insti-
tuições ligadas à vida das escolas comuns. Pretendemos que não se
deve tratar do ensino para esses casos anormais, débeis, jardim da
infância – enquanto não se tem o necessário para a totalidade dos
normais. Mas, quanto às instituições anexas às escolas comuns,
delas é preciso dizer que são vantajosas, indispensáveis mesmo,
como recurso de difusão. Nesse intuito, é necessário tornar a esco-
la bem interessante, atraente, de utilidade muito sensível, de reali-
zação fácil. Ora, as caixas escolares, as cooperativas, os círculos de
pais, as obras e os cursos pós-escolares, assim como as associações
de antigos alunos, os ensaios de jornalismo e de atividade civil, a
existência dos comitês peculiares a cada classe, a cada escola, a
prática dos esportes, tudo isso, multiplicando a vida da escola, mul-
tiplicaria também o interesse.
Há a atender a questão da utilidade bem sensível para a popula-
ção. Aqui, como pelo resto do mundo, a conquista de uma situação
econômica na vida é de importância capital.
Donde se verificar que a escola concorre para a solução desse
problema e facilita seu poder de atração, que será irresistível. Não
é difícil obter; o objetivo da instrução é justamente este: ensinar a
87
Bomfim, Manoel. Atração. In: _______. Cultura e educação do povo brasileiro. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1932, pp. 95-98. O texto apresenta uma crítica à “escola ativa”, talvez
recuperando ideias do artigo “Crítica à escola ativa”, publicado no periódico A Academia
(1929), não localizado.
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142
todos aquilo que todos devem saber, levando cada indivíduo à
condição de se situar convenientemente na vida que tem de viver.
Isso que por aí existe, ou já existiu, de escolas divididas em
literárias e profissionais é um erro, desgalhando numa tolice. A
escola deve ser única, preparando indivíduos capazes de garantir a
própria subsistência. Ela não especializa obreiros, nem é preciso,
porque, de modo geral, a instrução profissional não é especializa-
ção, nem o fora quando os maquinismos chegam ao grau de com-
plicação a que chegaram hoje, e ainda quando os próprios proces-
sos se substituem repetidamente. A especialização é a indústria que
a faz. A instrução e educação que a coletividade faz consiste em
tornar o indivíduo capaz de bem se servir dos seus sentidos, dos
seus músculos, da sua inteligência, capaz de passar de uma ativida-
de a outra, sem maior dificuldade, podendo fazê-lo, principal-
mente, porque, da escola, ele trará o hábito do trabalho disciplina-
do, em cooperação, e mesmo do esforço aturado.
É nesse sentido que na chamada “escola ativa”, que aliás não
chega a ser uma novidade, tem uma importância capital, definitiva,
as fórmulas em que se desponta a orientação dela – Montessori,
Claparéde, Decroly. Centro de interesse, renovação de atenção...
são expressões que perdem de interesse, ou são talvez tropeços,
quando se perde de vista que o essencial está em instituírem um
regime de classes em que a criança, mantendo-se na plenitude da
sua atividade espontânea, alegre, curiosa e ávida de aquisição, vá na
medida do desenvolvimento natural, adquirindo as noções que a
realização da vida lhe oferece e o traquejo que o meio lhe propor-
ciona. Assim, ela passa naturalmente, aprendendo sempre do brin-
quedo, da infantilidade, para a ocupação útil, ou trabalho sistemá-
tico e inteligente. Fora para estimar – e é preciso mesmo obtê-lo –
que o perestylo
de cada escola seja como que a passagem para a
vida, como extensão dos círculos de pais, cada escola deverá ter
seu comitê consultivo, protetor, fora do pessoal pedagógico, ca-
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143
paz de concorrer para a vida do estabelecimento, facilitando re-
cursos financeiros, encaminhando antigos alunos para situações que
lhes fossem meios de vida. Tal existem em muitas escolas france-
sas, sobretudo aquelas que, pela natureza das zonas a que servem,
têm, desde logo, um caráter especializado, as do litoral, pescadores,
marinheiros, as das zonas agrícolas, caracterizadas, vinho, trigo, as
das regiões da pecuárias etc. etc.
Nessas escolas, esses comitês não só se interessam pela ques-
tão financeira e concorrem para a colocação dos antigos alunos,
como intervêm na organização dos programas.
HISTÓRIA E POLÍTICA – TEXTO 1
O Brasil modelou a América
88
(extrato)
O zelo de uma tradição impõe como primeiro cuidado – pro-
curar, acentuar e afirmar seus títulos históricos, para bem marcar a
situação que lhe cabe no cômputo das influências que vêm condu-
zindo a humanidade. Quando a apreciamos a esse respeito, a tradi-
ção brasileira parece-nos insignificante, nula. O mundo moderno,
como existe, apresenta-se nos quadros das grandes histórias, que
nada concedem à tradição brasileira, ao distribuírem os valores em
que hierarquizam os méritos dos povos. Seria até irrisório – que o
pobre Brasil pretendesse ter lugar entre os fatores históricos que
colaboraram na geografia do mundo moderno. No entanto, a me-
nos que se negue qualquer significação à distribuição da América,
com as nações que definitivamente aí se formaram, havemos de
reconhecer que, nessa distribuição, para a feição que é hoje a do
Novo Mundo, foi o Brasil um dos motivos mais importantes,
importante pelas suas mesmas energias de formação.
88
Bomfim, Manoel. Deturpações e insuficiências da história do Brasil – parte 12: O Brasil
modelou a América. In: _______. O Brasil na história: deturpação das tradições, degrada-
ção política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930, pp. 73-76.
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144
Essa anulação da tradição brasileira quanto a efeitos mundiais
vem a ser a deturpação exterior a que nos referimos (pág. 68).
89
É
indispensável levantar a depressão em que nos afundam. Se fora
sombra de outras causas, simples e passiva matéria plástica, sob o
influxo de energias estranhas, a nação brasileira ofereceria poucas
constantes de garantia. Iríamos com ela, no apego necessário, mas
timorato, porque teríamos de provar ainda, a nós mesmos, e aos
outros, capacidade de ação fecunda. Felizmente, não é nosso caso.
A história moderna se tem arranjado para mais grandeza das gran-
des nações, arbitrariamente, sem nós, esquecendo-nos... Pouco
importa. Por isso mesmo, é ela inconsequente, avessa à lógica, como
quando consigna a constituição definitiva da América em nações –
todas ibéricas, no Sul, quase nada dessa origem, no Norte, isso,
depois de haver contado como, na primeira distribuição, o Novo
Mundo era exclusivamente das nações ibéricas. Ciosas de lógica, as
histórias que procurassem a causa de tal singularidade, encontrari-
am, em função dominante, as energias em que se formou o Brasil,
sobretudo as energias em que ele mesmo se revelou.
Para que não pareça parvoíce de orgulho nacional, destringe-
-se o caso.
Quando se formularam definitivamente pretensões portugue-
sas e espanholas às terras descobertas, o Tratado de Tordesilhas di-
vidiu o mundo, de sorte que: a Portugal coube a grande saliência da
América do Sul, no Atlântico, e, a Castela, o resto do continente –
toda a América do Norte, e a América do Sul, a oesse da linha
fixada no mesmo tratado. Os limites entre as extremas pretensões
portuguesas e castelhanas não coincidiam. Pouco importa, uma vez
que para o Brasil ficou quase tudo quanto era reivindicado por Por-
tugal, muito mais do que de boa mente lhe concediam os castelhanos.
89
A página indicada entre parênteses diz respeito ao livro, mas especificamente, ao
capítulo 2, Deturpações e insuficiências da história do Brasil, parte 10: Causas de
deturpação na história do Brasil.
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Pouco importa, também, que as outras nações negassem valimento
ao mesmo Tratado de Tordesilhas.
90
Pelo contrário: para a verifica-
ção dos valores que distribuíram a América, devemos começar por
assinalar os protestos dos ingleses, franceses e holandeses, contra a
famosa partilha do mundo, como a fizeram os descobridores. Essas
nações reagiram do modo realmente eficaz: investindo sobre os
territórios americanos, e daí resultou que, onde não houve capaci-
dade de defesa, onde as energias colonizadoras não chegavam se-
quer para tornar efetiva a posse da terra, franceses, ingleses e holan-
deses fizeram colonização sua, para a feição geográfica que hoje
apresenta a América. Dá-se mesmo o caso de que, no continente
Norte, a colonização se caracteriza por tantas flutuações que a feição
dos fins do século XVI não faz esperar o estado em que ela se
encontra nos fins do século seguinte, o qual, por sua vez, não dá os
antecedentes lógicos da distribuição definitiva.
Por toda a primeira metade do século XVIII ainda predomina-
vam na América do Norte espanhóis e franceses, de modo a fazer
acreditar-se que a maior parte do continente seria para seus descen-
dentes. Os colonos britânicos limitaram-se, por mais de século, à
faixa que a brisa do mar afagava. Em verdade, a grande expansão
territorial dos Estados Unidos foi uma simples posse por compra,
no transbordar de uma grandeza sem contraste. Por si mesma, e nos
povos que formou, até os fins do século XVIII, a Espanha não
soube defender seus territórios, que estiveram, sempre, para quem
os quis. No tempo de Felipe II, era tão ostensivo seu domínio por
90
Logo de começo, o rei católico deu a Pinzon terras do Brasil porque as reputava do
dominio da sua corôa. Logo em 1500, o mesmo Pinzon e Diego de Lepe estiveram no
Amazonas. Cinquenta anos depois, nos dias de Hans Staden, Castella se considera
senhora dos territorios de Santa Catharina, tanto que D. Juan Calazar mandou para ali –
a 18 léguas de São Vicente, representantes seus, para que fundassem um estabeleci-
mento, e fizessem culturas, em se abastecessem as frotas espanholas. Hans Staden
esteve nesse estabelecimento.
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toda parte da América, que os estadistas de Madri já pensaram em
rasgar o istmo para ter a franca passagem entre seus mares. No
entanto, que resta hoje dos seus estabelecimentos no continente Norte?
Em contraste com as flutuações do Norte, no continente Sul,
a colonização tem, desde o primeiro momento, caráter definitivo.
Não é que faltassem, contra ela, tentativas porfiadas e poderosas,
cujos efeitos ali estão ainda, nas Guianas, em terras de Castela.
Enquanto isso, o que coube a Portugal, quaisquer que fossem as
investidas, foi intransigentemente conservado para a tradição por-
tuguesa, ou, mais propriamente, para a nascente tradição brasileira,
pois que, de fato, o mais eficaz, na defesa definitiva, já foi feito de
brasileiros, na realidade do respectivo patriotismo, defendendo-se
contra ataques mais duros e prolongados do que os que as colônias
espanholas jamais sofreram.
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CRONOLOGIA
A cronologia a seguir indica alguns marcos da trajetória de Manoel
Bomfim como médico e educador. Além disso, inclui algumas datas e
acontecimentos importantes do período em que viveu, destacando
aqueles referentes à história da educação no Brasil. O objetivo é con-
tribuir para que o leitor possa melhor situar o autor em seu contexto.
1868 - Nasce Manoel José do Bomfim, filho de Paulino José do Bomfim e Maria
Joaquina do Bomfim, em 8 de agosto, em Aracaju, Sergipe. O pai, vaquei-
ro na infância, tornou-se comerciante e dono de engenho de açúcar.
1886 - Matricula-se na Faculdade de Medicina da Bahia.
1888 - Viaja para o Rio de Janeiro, onde é recebido no cais por Alcindo Guanabara
e Olavo Bilac.
Lei Áurea.
1889 - Proclamação da República.
1890 - Bomfim conclui a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com a tese
Das Nephrites.
Reforma Benjamim Constant. Criação do Pedagogium, no Rio de Janeiro,
anexo à Escola Normal, na Rua Visconde do Rio Branco, 13. Espécie de
academia de educadores, centro de propaganda da educação e museu
pedagógico.
1891 - Bomfim é nomeado médico da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro e,
devido a essa função, acompanha expedição ao Rio Doce em busca de
remanescentes dos índios botocudos.
Casamento com jovem portuguesa, Natividade Aurora de Oliveira (1874),
que foi criada por Hermenegildo de Barros.
A Constituição de 1891 dá autonomia a cada unidade da federação para
legislar sobre as questões educacionais.
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1892 - Em julho, é nomeado tenente-cirurgião da Brigada Policial. Nessa época
publica seus primeiros artigos na imprensa.
1893 - Devido à perseguição política, muda-se para Mococa, no interior de São
Paulo, onde vivia seu irmão, José. Por essa ocasião, vários intelectuais
foram perseguidos, por se oporem ao presidente Floriano Peixoto: Alcindo
Guanabara foi preso, enquanto Olavo Bilac e Guimarães Passos fugiram
da capital.
Nascimento da filha, Maria.
1894 - Morre Paulino José, pai de Bomfim;
Morte da filha Maria (1 ano e 10 meses de idade), durante epidemia de tifo.
Em agosto, nasce o filho, Aníbal.
Retorna ao Rio e abandona a medicina. É demitido da Secretaria de
Polícia.
1896 - É nomeado pelo prefeito Francisco Furquim Werneck de Almeida subdiretor
do Pedagogium. Pela mesma época, torna-se redator e secretário do perió-
dico A República.
1897 - Em artigo publicado no periódico A República (2/9/1897) menciona que
o interesse pelo tema da instrução pública lhe havia sido despertado pela
leitura do Report of the Commissioner of Educations, produzido pelo governo
norte-americano em 1893, com dados relativos ao biênio 1889-1890.
Em março, recebe a efetivação no cargo de diretor geral do Pedagogium.
Assume o cargo de redator e secretário da Revista Pedagógica; também
funda e dirige o mensário Educação e Ensino – revista oficial da Diretoria
de Instrução Pública.
Inauguração da Academia Brasileira de Letras em 20 de julho, em sala do
Pedagogium.
É indicado para a cadeira de moral e cívica da Escola Normal, onde passa
a lecionar a partir de outubro.
1898 - Diretor interino da Escola Normal, função que exerceu de maio a outubro;
também o nomeia diretor de Instrução Pública do Distrito Federal, cargo
que exercerá durante um ano.
1899 - Bomfim publica, com Olavo Bilac, o Livro de composição para o curso comple-
mentar das escolas primárias.
Bilac é nomeado inspetor de instrução pública pelo prefeito Cesário Alvim,
a pedido de Bomfim.
Em julho, Bomfim é dispensado do cargo de diretor do Pedagogium;
Bilac assume em seu lugar.
1900 - Deixa a Diretoria Geral de Instrução Pública em fevereiro; em março,
retorna à diretoria do Pedagogium e à Escola Normal, como professor.
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1901 - Funda, com Thomas Delphino e Rivadávia Correia, a revista quinzenal
Universal; entre os colaboradores estão: Olavo Bilac, Machado de Assis,
Tavares Bastos, Vicente de Carvalho e Luiz Delfino. A revista teve vida
curta: deixou de circular no primeiro semestre de 1902.
Publica, com Olavo Bilac, o Livro de leitura para o curso complementar das
escolas primárias.
1902 - Extinta a cadeira de moral e cívica, Bomfim é transferido para a de
pedagogia.
Em comissão pedagógica nomeada pela prefeitura, segue para a Europa
(em agosto) para estudar psicologia. Em Paris, é aluno de Alfred Binet e
Georges Dumas, cujo laboratório – também frequentado pelo jovem
Piaget – funcionava anexo à Clínica de Jouffroy, em Saint’Anne. No
mesmo ano, publica o Compêndio de zoologia geral (Paris: Garnier).
1903 - Retorno da Europa (abril).
1904 - Participa da criação da Universidade Popular de Ensino Livre (Upel),
com Elysio de Carvalho, José Veríssimo, Rocha Pombo e outros.
1905 - É nomeado diretor interino da Instrução Pública Municipal, em dezembro;
e deixa a direção do Pedagogium.
Com Renato de Castro e Luís Bartolomeu, cria a revista O Tico-Tico,
destinada ao público infantil. Por essa época, faz parte da roda boêmia
em torno de Coelho Neto, participando das famosas “Conferências” que
tinham lugar no Instituto Nacional de Música, onde costumava falar
sobre uma de suas paixões: o cinema. Nesse mesmo ano publica A Amé-
rica Latina, males de origem (Rio de Janeiro/Paris: Garnier), estudo do
parasitismo social, escrito durante sua viagem a Paris.
1906 - Sílvio Romero publica em Os Annaes (n
o
. 63 a 70), uma série de dezesseis
artigos sob o título de “Uma suposta teoria nova da história latino-
americana”, criticando o livro A América Latina, de Bomfim. No mesmo
ano, Bomfim publica Uma carta. A propósito da crítica do sr. Sylvio
Romero ao livro A América Latina, na revista Os Annaes (Ano III, nº 74,
pp. 169-170).
É nomeado diretor interino da Instrução Pública do Distrito Federal, em
comissão, por ato de 27 de abril. No mesmo ano, inaugura no Pedagogium
o primeiro laboratório de psicologia experimental do país.
Criada a Liga Internacional para a Instrução Racional da Infância, que
defende o estabelecimento da “Escola Moderna” para a educação infantil,
sobre princípios laicos (não-religiosos), racionais e científicos.
1907 - É exonerado do cargo de diretor interino da Instrução Pública Municipal,
em abril, e assume vaga aberta na Câmara dos Deputados; torna-se depu-
tado federal por Sergipe.
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1908 - Candidata-se à reeleição, mas não se reelege.
1909 - Primeira escola moderna fundada no Brasil, a Escola Nova, em São Paulo.
Até 1919, serão fundadas outras dezoito escolas do tipo, em Porto Alegre,
Rio de Janeiro, Niterói, Belém do Pará e Fortaleza, entre outras cidades.
1910 - Publica com Bilac o livro de leitura Através do Brasil, que até 1962 teve 64
edições.
Com Alcindo Guanabara e Francisco Alves, cria uma companhia de im-
portação de equipamentos gráficos.
1911 - Retorna ao Pedagogium como diretor.
Morre Maria Joaquina, mãe de Bomfim.
Reforma do ensino (Rivadávia Correia).
1912 - Fundada a Universidade do Paraná (UFPR), desintegrada em 1920 e
federalizada em 1951.
1915 - Bomfim publica Lições de pedagogia:teoria e prática, que reúne suas aulas na
Escola Normal.
Reforma do ensino (Carlos Maximiliano).
Fundada a Universidade Popular de Cultura Racionalista e Científica,
por Florentino de Carvalho em São Paulo, dentro do movimento da
Escola Moderna.
1916 - Bomfim é nomeado professor de psicologia aplicada e educação da Escola
Normal.
Publica Noções de psychologia, que reúne as notas de seu curso ministrado
na Escola Normal.
1918 - É condecorado em 22 de novembro pelo Rei da Bélgica com o oficialato
da Ordem de Leopoldo. O prêmio se deve à doação dos recursos obtidos
com a venda do plaquete A obra do germanismo à Cruz Vermelha Belga.
1919 - Um Decreto Municipal, nº 1360, de 19 de julho, extingue o Pedagogium.
Governo cassa as autorizações de funcionamento das escolas modernas.
1920 - Fundação da Liga Brasileira de Higiene Mental, no Rio de Janeiro, da qual
Bomfim fará parte.
1923 - Publica Pensar e dizer: estudo do símbolo no pensamento e na linguagem (Rio de
Janeiro: Casa Electros).
1924 - Bomfim participa, com Maurício de Medeiros, de uma comissão para
implantação dos testes de inteligência no ensino primário. O empreendi-
mento resultou na publicação do livro O método dos testes (1926).
1925 - Participa da Seção de Deficiência Mental da Liga Brasileira de Higiene
Mental.
Desfaz-se de todo seu patrimônio, para ajudar o filho, cuja firma falira.
Reforma do ensino (João Luiz Alves da Rocha Vaz).
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1926 - Publica O Método dos testes, escrito com Narbal e Ofélia Fontes.
1927 - Anísio Teixeira viaja para os EUA, onde trava contato com as ideias do
pedagogo John Dewey.
Lourenço Filho organiza, através da recém-fundada Cia. Melhoramentos
de São Paulo, a Biblioteca de Educação, primeira coleção especializada
no gênero do país, publicando autores nacionais e traduções de Claparède,
Piéron, Durkheim, Binet-Simon e Leon Walter.
I Congresso Nacional de Educação.
1929 - Publica O Brasil na América, caracterização da formação brasileira (Rio de
Janeiro: Francisco Alves).
Participa da Seção de Psicologia Aplicada e Psychanalyse da Liga Brasi-
leira de Higiene Mental.
1930 - Publica O Brasil na história, deturpação das tradições, degradação política (Rio
de Janeiro: Francisco Alves).
1931 - Publica O Brasil nação, realidade da soberania brasileira (Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 2 vols.).
Reforma do ensino (Francisco Campos), que estabelece um currículo
seriado de frequência obrigatória; atribui ao Ministério da Educação e
Saúde Pública o dever de elaborar todas as normas administrativas e
programáticas. O curso secundário torna-se obrigatório para o acesso ao
ensino superior. Até então predominavam os cursos “preparatórios” e os
exames parcelados, sendo permitido aos estudantes não cursar regular-
mente as várias séries. Anísio Teixeira assume a Diretoria de Educação
Pública do Rio de Janeiro.
1932 - Morre Manoel Bomfim em 19 de abril.
Pouco antes de morrer, ditou ao teatrólogo Joracy Camargo parte de seu
último livro. Em seguida, seu filho Aníbal organizou, com Camargo, a
obra Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária,
reunindo, além dos textos ditados, um conjunto de artigos dispersos em
periódicos. O livro recebeu o prêmio Francisco Alves, da Academia Bra-
sileira de Letras.
Lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em defesa do
ensino público gratuito, laico e obrigatório.
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BIBLIOGRAFIA
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Francisco Alves, 1929.
______. O Brasil na história: deturpação das tradições, degradação política. Rio
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Janeiro: Casa Electros, 1923. (Reeditado em 2006 pela Casa do Psicólogo)
______. A plástica da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Casa Electros, [no prelo em
1923, obra inacabada]
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diplomas às normalistas de 1905) Rio de Janeiro: Typ. do Instituto Profissional,
1906. (Reeditado em 1933 pela Tipografia São Benedito)
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leitura para o curso médio das escolas primárias. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
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Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1899.
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BECHELLI, Ricardo Sequeira. Nacionalismos antirracistas: Manoel Bomfim e
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BERTONHA, Ivonne. Manoel Bomfim: um ilustre desconhecido. São Paulo: PUC,
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil,
e foi composto nas fontes Garamond e BellGothic, pela Entrelinhas,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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