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Maria comentou comigo achar muito alta a dificuldade para aquele chute, mas foi
incentivada por Liliam, Roberto e Lauro para ao menos tentar. Ela executou o chute e, ao final do mesmo,
escorregou e caiu de costas no “tatame”. Levantou em gargalhada, junto com todo o grupo. Disse não ter
se machucado, rindo da própria situação. Ela não foi à única a cair e tanto as crianças do Dojo, quanto do
Gonzaga, tiveram dificuldades com esse chute, no entanto, demonstravam grande motivação em executá-
lo.
Ao final, o grupo que atingisse menos pontos na soma, deveria fazer 20 polichinelos,
porém, algo surpreendeu ao Professor Celso e eu, quando foram executar os polichinelos, em vez de
apenas uma das filas executar o movimento e algumas crianças do Jardim Gonzaga realizarem juntos, em
poucas repetições, todos os participantes da aula fizeram juntos, numa grande brincadeira, novamente,
sem pensar naquilo como “castigo”. Professor Celso olhou-me e disse: “Eles querem fazer tudo! Tem
uma energia e tanto!” (14) Sorrindo e aproveitando para recolher os aparatos.
Após o exercício, pediu para as crianças do Jardim Gonzaga sentarem-se nas bordas do
“tatame”, para que os outros alunos e alunas da academia, em pé, demonstrassem o primeiro Kata
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(Heian
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Shodan) todos juntos e sem contagem para os movimentos. Conforme terminavam o “Kata”,
aprendido durante o período em que o Karateca está na faixa de cor branca
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, foi solicitando os “Kata”
seguintes e aqueles que não sabiam, poderiam sentar-se nas bordas do “tatame” e assistir a demonstração
com as crianças do Jardim Gonzaga.
No último “Kata”, “Heian Godan”, praticado na faixa de cor verde, ficaram apenas os
dois faixas verdes. Quando terminaram, havia muitos conversando sobre as técnicas que viram e alguns
meninos do Gonzaga (Tomas, Joel e Michael Jackson), ficaram em pé no fundo do Dojo, procurando
reproduzir os movimentos demonstrados (15).
Professor Celso, educadamente, pediu-me para demonstrar um “Kata” diferente para as
crianças. Optei pelo “Kata” chamado “Bassai-dai”
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, o qual tenho praticado e estudado com mais
dedicação nos últimos anos.
Após a apresentação, perfilamos e sentamos novamente em “seiza”, oportunidade na
qual conversamos um pouco sobre a aula. O Professor perguntou aos meninos e meninas do Gonzaga se
gostaram da aula. Liliam, Joel, Lauro e outros comentaram em voz alta que sim e enfatizaram por meio de
frases como “Gostamos muito!”. Maria também disse ter gostado da aula e elogiou o Professor.
Ele comentou sobre a importância de se praticar Karatê, de não utilizar aqueles golpes
vistos naquela aula, fora do Dojo, evitarem brigas. Argumentou com grande insistência: “Se vocês
puderem sair daqui hoje e lembrar de alguma coisa... de alguma coisa daqui da aula, é que devemos ser
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“Kata” seria uma combinação de movimentos de defesa, contra-ataques e deslocamentos que se
desenvolvem segundo ordem, ritmo e coordenação precisa e simbolizam um combate real contra vários
adversários (FEDERAÇÃO, 2008).
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“Hei”= “paz”; “an” = “tranqüilidade”. Assim, “Heian” em japonês é entendido como “paz e
tranqüilidade”, o qual compõe o nome dos cinco primeiros “Kata” praticados pelo estilo Shotokan de
Karatê.
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No Brasil, a JKA (instituição responsável pela estruturação do ensino do estilo Shotokan de Karatê),
estabeleceu algumas cores para as faixas amarradas ao kimono dos praticantes, as quais servem como
indicativo do estágio em que o praticante encontra-se no aprendizado desta luta. Em ordem crescente, as
cores das faixas são: branco, amarelo, vermelho, laranja, verde, roxo, marrom, preto.
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“Bassai-Daí” composto pelos ideogramas: “batsu” = “extrair, desobstruir” + “dai” = “grande”, sendo
geralmente traduzido como “penetrar/romper a fortaleza”.