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amamentação é diferenciado, a ele são acrescidos valores de outra natureza, como
conversas, troca de olhares, contato mais próximo com a pele do bebê, carícias.
O modo como acontece desde cedo o alimentar-se proporciona outros
aspectos e torna-se, então, uma oferta de prazeres mistos, entre eles o gosto de
estar com, de compartilhar a presença de um semelhante. Criando, deste modo, um
alargamento de sensações que vão além do ato em si, tornando-se ritualizado,
simbólico, encantado, especial.
A boca, nesse sentido, exerce uma função especial, pois, faz o elo, trazendo
ao bebê, num simples movimento de sucção, seu alimento. É dela que vem o
primeiro sorriso, que gera o encantamento do lado inverso, o da mãe.
A boca também produz outras formas de trazer o congênere para si. Não
menos simples que um sorriso de bebê, ou o beijo carinhoso que provoca corpo e
alma, é a partir de um aparelho fonador, que nela se articula, que se engendram as
palavras que lançam o homem em uma outra espécie de encantamento.
A partir da imitação que os sinais corporais – que a princípio movem o corpo
todo do bebê em direção à mãe, - vão sendo substituídos, quando estes começam a
falar, esta modalidade de linguagem funciona, então, como veículo das emoções
corporais, signo delas, visto que as substituem, as sistematizam, organizam.
A motivação da fala, que se sustenta pelas palavras, não se perde, continua
sendo a busca pelo outro, pois, ela substitui uma parte das emoções do corpo, mas
leva, consigo qualidades essenciais desta. De acordo com Alfredo Bosi:
O fenômeno verbal é uma conquista na história dos modos de
franquear o intervalo que medeia entre corpo e objeto [parágrafo] Os
estudiosos da pré-história têm confirmado a intuição genial de São
Gregório de Nissa, que, no Tratado da criação do homem (379 d. C.),
associa o gesto à palavra: desenvolvendo as mãos e os instrumentos
que estendem o seu uso, os homens puderam exercer mais
eficazmente a sua ação sobre o mundo exterior. O resultado foi a
liberação dos órgãos da boca (outrora só ocupados na preensão dos
alimentos) para o serviço da palavra. Em posição ereta e com a face
distanciada do solo, o homem pôde, mediante a voz, criar uma nova
função e codificar o ausente. (
Bosi
, 2000. p. 28)
As palavras lançam o homem em uma outra espécie de encantamento, que
tem como início também o corpo, mas, que se infiltra nos pensamentos e alma
humanos, pois elas (as palavras) o lançam no mundo das imagens, servindo de
mediadoras para a criação de um universo novo, sonhado, sentido, idealizado.