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ROSEMARY TONHOSOLO JORDÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A COMUNICAÇÃO COMO ESTRAGIA DE AÇÃO
SOCIAL: O BANCO DO POVO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CÁSPER LÍBERO
São Paulo
2006
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ROSEMARY TONHOSOLO JORDÃO
A COMUNICAÇÃO COMO ESTRAGIA DE AÇÃO
SOCIAL: O BANCO DO POVO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação no programa stricto sensu, da
Faculdade de Comunicação Social Cásper
Líbero, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Comunicação.
Orientadora: Professora Doutora Heloiza
Helena Gomes de Matos
.
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CÁSPER LÍBERO
São Paulo
2006
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Banca Examinadora
________________________________
________________________________
________________________________
São Paulo, 18 de dezembro de 2006.
Dedico este trabalho a
minha amada filha Maria Carolina Jordão e
ao meu querido marido Antonio Narciso.
Por sua orientação e amizade, agradeço a
Profa. Dra. Heloiza Matos, e também o
Coordenador do Curso de Pós-Graduação da
Cásper Líbero, Prof. Dr. Laan Mendes de
Barros, que tornou possível esta conquista.
Uma paz duradoura não pode ser alcançada se a população não
encontrar maneiras de sair da pobreza. O desenvolvimento econômico
contribui para a democracia e os Direitos Humanos.
Comitê do Nobel
Noruega, Oslo, 2006.
RESUMO
Esta dissertação de mestrado inspirou-se no modelo mundial do banco dos
pobres, ou Banco do Povo, idealizado por Mohammed Yunus, Prêmio Nobel da
Paz 2006. Assim, em primeiro lugar, buscou-se mostrar um panorama histórico
acerca das relações de trabalho e dos modelos produtivos que vêm sendo
adotados no mundo a partir da Revolução Industrial, e que são preponderantes
até hoje. Depois, em contraponto a esses padrões, apresentou-se o
cooperativismo como alternativa, inclusive na sua modalidade de microcrédito.
Dado o contexto, a pesquisa procurou compreender o funcionamento do Banco
do Povo, mais especificamente. Desde o princípio, na tentativa de captar os
fatores conjunturais responsáveis pelo sucesso do projeto, notou-se ser a
Comunicação um elemento estratégico a contribuir diretamente na eficiência dos
programas do Banco do Povo e o alcance de sua ação social. Portanto, pode-se
afirmar que o objetivo desta dissertação é verificar se as teorias da comunicação
interpessoal e de comunicação de pequenos grupos aplicam-se ao caso
concreto.
ABSTRACT
This master’s degree thesis found its inspirations on the world-wide success
reached by the Grameen Bank (literally, "Bank of the Villages", in Bangla)
idealized by the 2006 Nobel Peace Prize,
Mr Mohammed Yunus. Firstly, a study
has been made to show a historical overview about the relationships between
work and the productive models which have been adopted around the world since
the Industrial Revolution, which are still prevalent nowadays. Later, in opposition
to these relationship patterns, an alternative emerged - the cooperative system,
as well as in its modality of microcredit. Given the context, the research focused
specifically on the understanding of the Grameen Bank way of functioning. From
the beginning, the attempt was to find out the circumstantial factors responsible
for this project’s success and it was noticed that Communication was a strategic
element that contributed directly towards the efficiency of the Grameen Bank’s
programs. Therefore, one could make the affirmation that the objective of this
thesis was to verify whether the interpersonal communication and the
communication of small group theories applied to this concrete case, the so
called “bank of the villages”.
LISTA DE FIGURAS
Quadro 1 Atuação das Cooperativas em Diversas Localidades 49
Quadro 2 Conceituações Usadas no Cooperativismo 50
Quadro 3 Princípios Doutrinários do Cooperativismo 51
Quadro 4 Os Ramos do Cooperativismo 52
Quadro 5 Relação das Instituições 69
Quadro 6 Localidades com Modelo Grameen 79
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Evolução do nº de indigentes pobres – 2001/2004– Brasil 36
Tabela 2 Proporção da população em situação de pobreza –
2001/2004 – Brasil e regiões 36
Tabela 3 Nº de pobres – 2001/2004 – Brasil e regiões 37
Tabela 4 Evolução do nº de pobres – 2001/2004 – Brasil e regiões 38
GRÁFICOS
Gráfico 1 Proporção da população em situação de indigência –
2001/2004 – Brasil 36
Gráfico 2 Proporção da população em situação de pobreza –
2001/2004 – Brasil 37
Gráfico 3 Nº de indigentes –2001/2004 – Brasil 37
Gráfico 4 Nº de pobres – 2001/2004 – Brasil 38
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 1. A CONTA SOCIAL DO CAPITALISMO E
DA GLOBALIZAÇÃO 16
1.1 A Dinâmica do Capitalismo 16
1.2 O Pós-Capitalismo e a Globalização 22
1.3 Modelos de Desenvolvimento no Pós-Capitalismo 27
1.4 Desigualdade, Pobreza e Indigência 31
CAPÍTULO 2. A GÊNESE DO COOPERATIVISMO COMO
ALTERNATIVA AO CAPITALISMO 40
2.1 A Mudança na Natureza do Trabalho 40
2.2 O Trabalho no Cooperativismo 45
2.3 As Cooperativas de Crédito como Modalidade do
Cooperativismo 53
2.4 O Banco de Crédito Popular do Brasil 55
CAPÍTULO 3. O BANCO DO POVO ATUA COMO BANCO
SOCIAL 58
3.1 As Microfinanças e o Microcrédito 58
3.2 Os Organismos de Apoio 65
3.3 A Rede CEAPE 68
3.3.1 Missão e Objetivo 71
3.3.2 Acesso ao crédito 71
3.3.3 Modalidades de Microcrédito 72
3.3.4 Valor e forma de pagamento 73
3.3.5 Exercício da cidadania 74
3.4 Breve Histórico do Bank Grameen 74
3.4.1 O Prêmio Nobel da Paz 2006 79
CAPÍTULO 4. A CONTRIBUIÇÃO DA COMUNICAÇÃO PARA O
BANCO DO POVO 81
4.1 A Percepção de Mundo e a Formação de Grupos 81
4.2 A Importância da Comunicação nos Pequenos Grupos 83
4.3 Prestígio, Influência Pessoal e Credibilidade 88
CONCLUSÃO 94
BIBLIOGRAFIA 97
ANEXOS O BANCO DO POVO E O NOBEL DA PAZ 2006 101
ANEXO I Clipping Jornais
ANEXO II Clipping Eletrônico
13
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem por objeto de pesquisa o Banco do Povo, ou como é
chamado, o banco dos pobres, e visa identificar a comunicação como elemento
determinante na formação de grupos de cooperação e ajuda mútua. Para que
possamos abordar as formas e características pelas quais as organizações que
operam o microcrédito interagem com a sociedade civil, é preciso que se retorne
às questões estruturais e conjunturais que propiciaram a sua criação.
O Capítulo 1 aborda as formas e características pelas quais as
organizações que operam o microcrédito interagem com a sociedade civil e a
gênese do microcrédito, ou seja, a análise das questões estruturais e
conjunturais que propiciaram a criação do Banco do Povo, para atender os
pobres. O estudo da dinâmica do capitalismo e do fenômeno da globalização são
as duas linhas mestras desta reflexão. Fenômenos tais como a pobreza, a
desigualdade e a indigência, por exemplo, são conseqüências claras de modelos
econômicos vigentes a partir do século XVIII. O método mais eficiente de se
contextualizar os modelos de desenvolvimento que vêm sendo praticados e os
seus naturais efeitos, é o histórico. Mesmo que en passant, o regresso diacrônico
nos permite cadenciar os fatos, além de nos conceder maior clareza para
estabelecer relações causídicas.
Nessa linha, o Capítulo 2 busca mostrar a reação da sociedade civil
organizada diante das condições nada favoráveis de vida expostas no Capítulo
anterior. Logo, como toda e qualquer alteração dentro do sistema produtivo,
discutir-se-á, em primeiro lugar, as mudanças presentes nas relações de
trabalho. Dito isto, o cooperativismo será apontado como alternativa ao sistema
produtivo atual, uma vez que se baseia em pilares como a ajuda mútua e a auto-
sustentabilidade. Não obstante, pretende-se ir além: na crença da possibilidade
de oferecer acesso ao crédito como uma alternativa para a promoção da parcela
14
de cidadãos mais pobres. O pressuposto é que um novo modelo de
desenvolvimento econômico, baseado na formação de grupos de cooperação e
ajuda mútua poderia representar um insumo fundamental para o êxito dos
programas e processos de autogestão local. O objetivo deste Capítulo é, em
suma, apresentar o cooperativismo e o crédito, como uma alternativa viável ao
modo de produção do capital.
Depois de apresentar um panorama histórico-social e alternativas
econômicas buscadas pela sociedade civil, o Capítulo 3, desenvolve uma análise
do objeto de pesquisa do presente estudo, o Banco do Povo, como modelo fático
que melhor representa o espírito cooperativista, na sua modalidade de crédito
direcionada para aqueles que estão à margem da sociedade. Assim, pretende-se
explicar, neste Capítulo, os mecanismos de financiamento do Banco do Povo e
analisar as relações entre as modalidades de microcrédito, os Bancos Sociais, o
Banco do Povo e o Bank Grameen, este como matriz daquele. O estudo também
aborda outras iniciativas e modelos de promoção e concessão de benefícios que
resultaram de parcerias entre Organizações não-Governamentais (ONG’s),
governos, grupos privados e sociedades de crédito, apresentando diversos
desenhos institucionais.
O Capítulo 4 refere-se ao processo comunicacional praticado por estas
organizações e analisa o uso da comunicação como uma estratégia para o
fomento e a difusão dessa modalidade de economia solidária. Neste sentido,
encontra-se o ponto central dessa pesquisa, uma vez que a concessão assistida
do crédito é pautada tanto na comunicação interpessoal como na formação de
pequenos grupos, baseada na confiança mútua. Assim, é possível reconhecer
um sistema de garantias diferenciado do tradicional. As mensagens atingem as
pessoas mais influentes consideradas líderes ou condutores de opinião que as
difundem, essencialmente nas relações face-a-face mantidas dentro desses
grupos restritos. Estes se comunicam entre si e com outros grupos, multiplicando
a mensagem carregada de significados sociais. Portanto, não se trata aqui de
15
mero procedimento comunicacional intrínseco a toda atividade humana que
requeira a transmissão de mensagens. O que se busca com a pesquisa, é
verificar como a Comunicação constitui um elemento importante para o êxito do
Banco do Povo, um banco social.
Num contexto global em que múltiplas interações o praticadas em
tempo real, e num momento em que a comunicação de massa está engendrada
ao habitus das novas gerações, pretende-se mostrar a eficácia dos meios
primários de comunicação no tocante a uma experiência ousada no sistema
social e econômico contemporâneo.
16
CAPÍTULO 1 A CONTA SOCIAL DO CAPITALISMO E DA
GLOBALIZAÇÃO
1.1
A Dinâmica do Capitalismo
Na década de 1960, após o período pós-guerra, o modelo taylorista-
fordista, aliado à regulação do capitalismo, começou a apresentar ruptura. Nas
empresas observou-se o início de uma sucessão de crises de rentabilidade
ocasionada pelo processo de realimentação da inflação para assegurar a
demanda interna. Ao relatar este período, Kumar analisa:
[...] esse modo de desenvolvimento taylorista-fordista é o responsável
pelo grande surto de crescimento do pós-guerra e que prevaleceu até o
final da década de 1960 [...]. Esse fato é demonstrado principalmente
pela produtividade declinante, na medida em que a intensificação
taylorista-fordista do processo de trabalho gera retornos decrescentes,
em parte por causa do aumento de alienação e resistência do
trabalhador. Desde fins da década de 1960, observou-se uma violenta
queda na taxa de lucro em todo o mundo capitalista. (1996, p. 68).
No modelo fordista de produção de massa, a mão-de-obra sem
especialização trabalha em máquinas de tarefa única para produzir bens
padronizados e por isso são assegurados altos salários e representatividade
sindical aos trabalhadores. Devido à estabilidade do compromisso fordista, os
empresários viram-se na necessidade de aumentar o preço de seus produtos e,
conseqüentemente, também os salários. Aliado a esse fato, a substituição do
capital fixo pelo variável ocasionou o início de uma espiral inflacionária e, assim,
cada novo investimento passou a gerar menos emprego. O cenário, contudo, foi
se agravando consecutivamente, em parte devido à ajuda ao desemprego e aos
programas sociais.
17
No entender de Alain Lipietz a crise do fordismo é uma crise interna do
modelo, pois essas transferências sociais que tinham de ser financiadas com
impostos acabaram se mostrando demasiado onerosas para a economia, tanto
no que se refere aos salários pagos como para os lucros aferidos. “Assim,
diminuíram ainda mais a rentabilidade dos investimentos, agravando o problema.
Finalmente, a legitimidade mesma do welfare state e das transferências sociais
foi atacada, e com ela todo o compromisso fordista”. (1997, apud DUPAS, 1996,
p. 171).
Autores também apontam a internacionalização da economia como outro
fator motivador da crise fordista levando a economia à perda do controle dos
mercados nacionais por parte do Estado, uma vez que o fordismo não teve
paralelo em sua capacidade de produzir bens padronizados e em escala de
massa
.
Tudo isso estava muito bem enquanto havia grupos suficientes na
população ainda à espera por sua vez de saborear os frutos da produção
em massa. Mas o que acontece quando esses novos grupos de
consumidores de massa se esgotam? O que acontece quando a
demanda muda de forma significativa? [...] E quando o mercado de
massa se fragmenta em uma grande diversidade de grupos de
consumidores, cada um deles querendo coisas diferentes, todos eles
incansável e rapidamente descartando padrões correntes de consumo
em busca de novos? [...] Surge um novo modelo de produção e consumo
novo pelo menos em escala –, o modelo da ‘especialização flexível’.
(KUMAR, 1996, p. 55).
Ao referir-se à especialização flexível, Kumar aponta fatores relacionados
à tecnologia da informação e destaca a interpenetração e a coincidência parcial
das atuais teorias de mudança social. “Máquinas-ferramentas numericamente
controladas permitem a produção econômica de pequenos lotes de bens tanto
de capital quanto de consumo –, voltados para setores especializados do
mercado”. (ibidem). A especialização flexível exige perícia tanto das máquinas
quanto dos homens. Sendo assim, a qualificação profissional não pode mais ser
definida, principalmente, como a capacidade individual para realizar operações
18
no posto de trabalho. “A atividade de gestão da produção se encontra,
sobretudo, nas indústrias ditas flexíveis, que aplicam o método just-in-time. A
responsabilização da oficina na gestão do fluxo é a solução organizacional mais
eficiente, razão pela qual as direções das empresas começam a adotá-la”.
(ZARAFIAN, 1991, p. 121).
A análise clássica do trabalho nos processos automatizados parte da
constatação física entre a atividade humana e a atividade mecânica. Entretanto,
a mesma corrente constata que os gestos humanos de transformação direta da
matéria têm importância secundária ou nula frente ao fluxo físico da produção.
Contudo, esta dissociação corporal entre máquina-homem não significa a
inexistência da relação entre sistema de trabalho e sistema mecânico. “Para
designar a maneira pelas quais os vínculos se estabelecem entre trabalhadores
e o sistema técnico, costuma-se dizer que se acha introduzido um elemento
mediador: o sistema de informação”. (Id. Ibid., p. 120).
O conceito de informação aqui é colocado como elemento existente
mesmo em uma linha de montagem taylorista tradicional, pois a matéria, ao ser
trabalhada, passa de posto a posto e informa o homem sobre seu estado atual e
indica o passo subseqüente. “O que há, atualmente, de realmente novo, é que a
informação se destaca das operações sicas de produção e de seu
encadeamento, ela se autonomiza”.(id. ibid., 123).
Assim, a informação se distingue e se superpõe ao sistema físico de
produção. “Por um lado, ela permanece um sinal, transmitido a partir de sensores
de estado para o calculador, no funcionamento alogaritimizado. Mas, por outro
lado, e, sobretudo, ela se torna um símbolo lingüístico, um signo com força
significante”. (Ibidem). Nessa cadeia de produção flexível e autônoma a
cooperação é o elemento que entrelaça a coordenação das atividades do
19
conjunto das pessoas. Assim novas idéias podem ser transformadas em novos
produtos imediatos.
Kumar (1996) relata que Adam Smith insistia no conceito de que a divisão
do trabalho é limitada pela extensão do mercado e que a segmentação deste e
de seus padrões sofrem rápida mutação. Como conseqüência, a redução da
divisão do trabalho dentro das empresas e assim, a produção passa a ser
realizada de acordo com as exigências do cliente e a curto prazo. Esse modo de
produção “[...] não requer fábricas de grande porte ou a tecnologia necessária
para obter economias de escala (que podem ser justificadas por produção em
séries longas), nem pode depender do trabalhador sem especialização ou
apenas semi-especializado e detalhista, comum nos estabelecimentos industriais
do tipo fordista”. (KUMAR, 1996, p. 60).
Outro caminho encontrado pelas empresas para restabelecer suas
margens de lucro foi a desagregação de seu sistema produtivo pelos países
periféricos, o que lhes possibilitou a sub-contratação de mão-de-obra
diversificada e fornecedores diversificados de matéria-prima. Por outro lado, ao
falar sobre essa flexibilização, Lipietz acredita que o centro do problema estava
no trabalho, tanto na legislação do Estado quanto nas pressões sindicais em
curso naquele momento, e que o aumento do poder aquisitivo, mesmo que
brandamente, traria como conseqüência imediata, o aumento da demanda
exigida pelas próprias empresas. “Com a internacionalização, não acontecia o
mesmo: os fornecedores estrangeiros estavam presentes. Agora, o aumento do
poder aquisitivo que implicava um aumento do consumo e do investimento
poderia implicar um aumento das importações e não necessariamente da
produção nacional”. (1977, apud DUPAS, 1999, p. 171). Ainda acredita que a
saída encontrada pelo capitalismo é o que se convencionou chamar de liberal-
20
produtivismo, que consistia de fato, novos modelos de relação salarial: o
neotaylorismo e californiano
1
.
O capitalismo organizado que se seguiu ao capitalismo liberal
consistia de alguns aspectos conhecidos da sociedade industrial:
concentração, centralização e controle de empreendimentos econômicos
na estrutura da nação-estado; produção em massa, segundo os
princípios fordistas e tayloristas; padrão corporativo de relações
industriais; concentração geográfica e espacial de indivíduos e produção
em cidades industriais; modernismo cultura. (KUMAR, 1996, p. 60).
O trabalho em tempo parcial, empregos subvencionados e os programas
de qualidade total são algumas práticas presentes no liberal-produtivismo que
podem ser usadas em outros modelos sociais alternativos que romperam com o
taylorismo
2
.
O capitalismo desorganizado, processo este ainda em andamento cujo
início variou em diferentes países, mas que, basicamente começou na
década de 1960, inverte ou modifica muitos desses aspectos
fundamentais. O desenvolvimento de um mercado mundial integrado
resultou numa descartelização e desconcentração do capital, conforme
visto pela perspectiva da nação-estado. A especialização flexível e as
formas flexíveis de organização do trabalho substituem cada vez mais a
produção de massa. A classe trabalhadora industrial de massa se contrai
e se fragmenta, dando origem a um declínio da política de classe e à
dissolução do sistema nacional corporativista de relações industriais.
(Ibidem).
Kumar faz referência a uma classe trabalhadora separada originalmente
de um efeito do capitalismo organizado, que se tornou, em seu desenvolvimento
posterior, uma fonte de novos valores e novos movimentos sociais, que pouco a
pouco desorganizaram o capitalismo. “A desconcentração industrial é
1
Alain Lipietz (1977) define que o neotaylorismo teria a máxima eliminação de qualquer compromisso entre
executantes de tarefas e empresas, estabelecendo entre eles um vínculo que seja o mais débil possível. O
modelo californiano seria a negociação individual do envolvimento daqueles assalariados que
necessariamente tenham um papel ativo na empresa.
2
Frederick Taylor (1911) foi o pioneiro da administração científica e sua teoria teve como princípio a
mecanização, especialização e burocratização da vida, de forma geral. Os princípios do taylorismo previam,
além de mecanizar, organizar as pessoas e o trabalho. Esperava que os trabalhadores fossem confiáveis,
previsíveis e eficientes como robôs defendia a separação do homem entre mãos e cérebro. Ele utilizava
técnicas que eram centradas do operário para a direção, através do estudo de tempos e movimentos, na
fragmentação das tarefas e na especialização do trabalhador. Como conceito de produção incentivava o
operário a produzir mais.
A administração científica de Taylor em sua abordagem mecanicista reduzia os trabalhadores a aumatos.
A superespecialização robotizava o operário e a visão microscópica do homem era tomada apenas e como
parte da maquinaria industrial.
21
acompanhada da desconcentração espacial, na medida em que trabalhadores e
trabalho deixam as cidades e regiões industriais mais antigas e que a produção é
descentralizada [...] grande parte dela tomando direção ao Terceiro Mundo”.
(ibidem).
Lipietz destaca que “(...) os modelos da Itália, do Japão e da Alemanha
mostram que é possível construir uma alternativa ao modelo taylorista, sem
grandes custos sociais”. Entretanto, ressalta que: “(...) enquanto países como
Estados Unidos e Reino Unido estão conseguindo enfrentar melhor a crise do
taylorismo, a grande maioria dos países do mundo enfrenta atualmente
crescente desemprego [...] onde haveria, no final do milênio, cerca de 35 milhões
de pessoas desempregadas e mais 15 milhões subempregadas, dos quais, 35%
seriam constituídos por jovens recém-formados”. (1977, apud DUBAS, 1999, p.
172).
Na década de 1990, a crise asiática (1997-1998) abalou os trabalhadores
japoneses e provocou a procura de um novo modelo abarcando a melhoria da
qualidade e da produtividade, tendo em contrapartida o compromisso das
organizações com a reestruturação empresarial e a discussão democrática das
reais necessidades sociais.
Na economia, o surgimento de um mercado global e de empresas globais
e o declínio das empresas nacionais e das nacões-estado como unidades
eficientes de produção e controle; especialização flexível e dispersão de
massa; hierarquias mais niveladas nas empresas e ênfase em
comunicação, e não em comando; desintegração vertical e horizontal e
aumento da terceirização, franquias, marketing interno entre empresas e
extinção de funções; aumentou do número de trabalhadores em tempo
flexível, parcial, temporário, autônomo ou que trabalham em casa.
(KUMAR, 1996, p. 64).
O findar da dicotomia sociedade política/sociedade civil e da oposição
Estado/mercado estabelece que, segundo Lipietz, “(...) de um lado, haveria o
livre jogo do mercado visando lucros e a criação de posto de trabalho; de outro, o
22
Estado subvencionando os excluídos. O Estado do bem-social deveria ser
substituído por uma comunidade de bem-estar social’”. (1977, apud DUBAS,
1999, p. 172-173).
Nesse sentido, o autor aponta também que a garantia dinâmica do
emprego pode ser efetiva se sua responsabilidade for coletiva, não
envolvendo somente uma empresa particular, mas sim uma coletividade de
empresas, em cooperação com os sindicatos, a comunidade, os bancos e o
sistema escolar locais. “Essa é uma visão de mundo alternativo, segundo a qual
a responsabilidade pelo emprego seria uma responsabilidade da sociedade por
inteiro, por razões de eficácia democrática e solidariedade”. (DUPAS, 1999, p.
172). Nesse sentido, a ambiência toma para si a promoção do desenvolvimento
econômico e social relacionados à cidadania, à excelência, à flexibilidade e à
ética.
1.2 O Pós-Capitalismo e a Globalização
A diversificação e a descentralização aparecem correntemente na
globalização, tanto na teoria do pós-industrialismo, com a sociedade da
informação, como na teoria do pós-fordismo, no pós-modernismo. “As diferenças
são, certamente, mais do que ênfase, embora reapareçam em todas elas alguns
temas e números. A TI, por exemplo, que de certa forma define a idéia relativa à
sociedade da informação, é também fundamental para a análise das duas outras
teorias”. (KUMAR, 1996, p. 48-49).
Ao referir-se sobre os parâmetros que os teóricos adotam para distinguir o
sentido dado para a análise do desenvolvimento tecnológico, o autor afirma que
estes procuram adotar um enfoque otimista e evolucionista, que coloca toda a
ênfase em novos e grandes pacotes de inovações tecnológicas.
23
A revolução da informação é o último e, de longe, o passo mais
progressista, na seqüência de mudanças que m transformando a
sociedade humana desde os tempos mais remotos. [...] Tal como as
anteriores revoluções agrícola e industrial, tem por base novas técnicas e
novos tipos de energia, novas formas e forças de produção [...] A nova
tecnologia determina, em toda parte e de uma forma mais ou menos
regular, novas formas de vida. Trabalho, diversão, educação, relações
familiares e estruturas de opiniões adaptam-se de forma gradual ou
sucumbem às pressões e oportunidades das novas forças técnicas
.
(id.
ibid., p. 49).
Pode-se entender, a partir daqui, que o desenvolvimento em termos
estritamente econômico é uma ilusão. O importante é que por intermédio da
economia aumente também a liberdade, o respeito aos direitos humanos, a
soberania individual; as oportunidades de trabalho e ascensão, bem como a
proteção jurídica, tal como expressa Touraine (1997), ao classificar a questão
como extremamente complexa, pois: “(...) nela reside o espaço para a liberdade,
a solidariedade e a igualdade”. (apud DUPAS, p. 199-200).
Ao tocar neste ponto Touraine vem ao encontro ao fato constatado por
Gramsci (1931), em Americanism and Fordism, para quem o crescimento
econômico exclusivo não suporta por si o progresso e a felicidade para o
conjunto de toda a sociedade.
O fordismo havia inaugurado uma nova época na civilização capitalista.
Assinara a passagem para uma ‘economia planejada’. Mas não só a
produção era planejada, como também a pessoa. O fordismo não parava
na porta da fábrica; invadia o lar e as esferas mais privadas e íntimas da
vida do trabalhador. O objetivo era a criação de ‘um novo tipo de
trabalhador e de homem’. O fordismo significava linha de montagem, mas
também Lei Seca e ‘puritanismo’, a tentativa de regular a vida sexual e
familiar do trabalhador, e não apenas sua vida de trabalho. ‘Os novos
métodos de trabalho’, dizia Gramsci, ‘são inseparáveis de um modo
específico de viver, pensar e sentir’. (KUMAR, 1996, p. 63
).
O progresso deve vir acompanhado de políticas públicas e de um novo
papel do Estado sancionado por instituições verdadeiramente democráticas,
enquanto que a felicidade se por meio da educação e da socialização. Em
24
ambos os aspectos cabem a reestruturação dos meios de comunicação de
massa nas indústrias da informação voltada para novas formas e padrões de
produção e consumo.
Da mesma forma que o fordismo representou não só uma forma de
organização econômica, mas uma cultura inteira...o pós-fordismo, de
idêntica maneira, é também símbolo de um desenvolvimento social e
cultural muito amplo e profundo... A transição, portanto, é de marcar
época não no sentido da transição clássica do feudalismo para o
capitalismo, mas tão fundamental e de tão grande alcance como,
digamos, a transição, nas fases finais do século XIX, do estágio
‘empresarial’ para o avançado ou organizado no capitalismo. (Ibidem)
Reforçando o enunciado, Kumar afirma que “(...) em termos marxistas,
preocupa-se tanto com a reprodução das relações sociais de produção quanto
com o próprio sistema de produção”. (Ibidem). Isso significa chamar a atenção
para mudanças na educação e na socialização para um novo papel do Estado,
para a reestruturação dos meios de comunicação de massa nas indústrias da
informação e para novas formas e padrões de consumo e comportamento do
consumidor.
Os pós-fordistas da escola dos ‘Novos Tempos’ foram analogamente
ambiciosos em suas descrições desses tempos. Como outros pós-
fordistas, escolhiam a especialização flexível como a força que ‘está
orquestrando e impelindo a evolução do novo mundo’. Mas, de acordo
com o espírito de Gramsci, argumentam que ‘diversidade, diferenciação e
fragmentação’ – os mbolos do pós-fordismo estão substituindo a
‘homogeneidade, a padronização e as economias e empresas de escala’
em mais do que apenas na esfera econômica. (KUMAR, 1996, p. 63).
Assim, a construção de novos parâmetros passa pela mediação entre o
capital e o trabalho e envolve o ser humano em todo o seu complexo produtivo e
intelectual, por meio de processos que viabilizem a materialização do capital a
novas condições humanas.
Ianni (2002) relata que a globalização remonta aos séculos XV e XVI pela
expansão ultramarina européia que deu lugar a uma impressionante diversidade
étnico-cultural. Uma mescla de pessoas, uma tendência a misturar culturas e
25
diluir origens; um novo modelo de estruturação societária que se desenvolveu de
forma singular pelo tipo renovado de escravismo e servidão continuada do
mercado mundial.
A era atual é caracterizada como sendo a da globalização, da revolução
tecnológica e da democratização. Nesse sentido, o papel da Comunicação é
fundamental para os regimes democráticos e de economia globalizada, tanto no
setor público quanto no privado, pois assume uma dimensão ideológica.
Contudo, ao referir-se à globalização, o autor identifica que esta denominação é
usada inadequadamente, pois acredita que: “O neoliberalismo está quase
sempre entrelaçado com uma profunda crença na capacidade dos mercados de
usar a nova tecnologia para resolver problemas sociais de forma muito melhor
que qualquer caminho alternativo”. (MACCHESNEY, 2003, p. 218).
A globalização, em seu aspecto econômico, não é somente um fenômeno
da crescente interdependência do planeta pelo entrelaçamento dos mercados.
Também crescente integração dos países em muitos outros âmbitos,
começando pelo das comunicações de massa e seguindo pelo da técnica, da
ciência, da cultura, dos valores, dos usos e costumes e, embora mais
brandamente, os da saúde, da justiça e da política. Outro aspecto fundamental
da globalização é o avanço da legalidade e da liberdade pelo mundo, que o
sistema democrático garante.
Em seu conjunto, a comunicação alicerça o sistema de referências
culturais da evolução humana nas esferas local, regional e global.
Diferentemente das sociedades primitivas limitadas à comunicação oral durante
milhares de anos, o século XX é caracterizado como o século da informação e
nele foram inventados em um curto espaço de tempo os três meios de
comunicação mais expressivos e abrangentes: rádio (1907), televisão (1924) e
26
internet (1969). “A noção de aldeia global é bem uma expressão da globalidade
das idéias, padrões e valores sócio-culturais, imaginários”. (IANNI, 2002, p. 119).
Todo o desenvolvimento das primeiras civilizações e suas práticas
organizadas de agricultura, criação de animais, metalurgia, escultura, sistemas
religiosos e políticos, eram transmitidos de forma oral a sucessivas gerações que
aprimoraram os conhecimentos acumulados. As grandes transformações da
humanidade apoiaram-se na comunicação e conquistaram outra dimensão –
passam a utilizar modernos instrumentos, como sítios na internet e complexos de
multimídia.
A redução das fronteiras decorrente da expansão do suporte eletrônico,
convencionalmente chamada de “revolução tecnológica”, vem acompanhada da
globalização e da democratização e passa a influenciar o mercado para os
valores de consumo. “Os meios de comunicação de massa, potenciados por
essas tecnologias, rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas,
religiões, regimes políticos, diversidades e desigualdades sócio-econômicas e
hierarquias raciais, de sexo e idade”. (IANNI, 2002, p. 119-120).
A expansão tecnológica implementa o desenvolvimento da comunicação
digital e da informação, juntamente com o mercado e os sistemas de mídia
comercial. As relações de poder e dominação estão relacionadas ao potencial de
crescimento das organizações de maneira local e global. Segundo Ianni:
A noção de aldeia global é uma expressão da globalidade das idéias, [...]
Pode ser vista como uma teoria da cultura mundial, entendida como
cultura de massa, mercado de bens culturais, universo de signos e
símbolos, linguagens e significados que povoam o modo pelo qual uns e
outros situam-se no mundo, ou pensam, imaginam, sentem e agem.
(2002, p. 119).
27
As políticas adotadas com a globalização não reduziram as desigualdades
econômicas e culturais, mas o impacto negativo da abertura de mercados sem o
fortalecimento do setor público aparece em todo o planeta.
Toda a tecnologia, na medida em que é inserida na vida da sociedade ou
no jogo das forças sociais, transforma-se em técnica social; podendo
servir a distintas finalidades. Mas, como técnica monopolizada ou
administrada pelos que detém o poder, em sociedades atravessadas por
desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais, é evidente que
ela tende a ser manipulada de modo a reiterar e desenvolver as
estruturas prevalecentes, em suas diversidades e desigualdades. (IANNI,
2002, p. 199).
Assim, segundo Ianni (2003), junto com o capitalismo ocidental e a
modernização tecnológica houve o aumento dos mecanismos de controle social
acompanhados de fatores favoráveis ao aumento da produção, sem levar em
conta as implicações ou custos sociais decorrentes dessa dinâmica.
Nesse cenário histórico do século XX os projetos nacionais e locais
defrontam-se com os interesses oligárquicos dos países e blocos econômicos
comprometidos com a extração das economias primárias exportadoras,
empenhas em manter o modelo agrário-comercial, as estruturas de poder e
agências governamentais. Entretanto, o autor reconhece que alguns projetos
nacionais alcançaram notáveis realizações. “Iniciaram e desenvolveram a
industrialização, a urbanização, a democratização do sistema de ensino, a
reforma agrária e outras mudaas”. (2003, p. 51).
1.3 Modelos de Desenvolvimento no Pós-Capitalismo
O fortalecimento do mercado doméstico e o estímulo à formação de
pequenas empresas são modelos de desenvolvimento alternativo e atrai
pensadores e acadêmicos sobre a questão da pobreza. Segundo a ambientalista
e economista Hazel:
28
Somos forçados a
olhar o mundo pelos olhos desses economistas e
banqueiros de visão estreita, que acham que alguns países são pobres
porque não possuem reservas internacionais. O mesmo acontece com a
economia informal. Na maioria dos países, pelo menos 50% do trabalho
não é remunerado ou pertence à economia informal. Essas pessoas
podem comercializar e fazer escambo, cultivar seus próprios alimentos e
ter um nível de vida bastante adequado, apesar de serem consideradas
pobres pelos economistas. (2003, p. 48).
Por ano, ao praticar o escambo, as empresas transnacionais
comercializam o equivalente a um trilhão de dólares internamente, trocando
passagem, hospedagem, espaço em escritório e publicidade. Segundo Hazel
(2003), na visão capitalista ocidental esta atitude pode ser interpretada como
uma pregação marxista. Entretanto, com a falta de moeda forte nos países em
desenvolvimento, o escambo é uma alternativa e com o uso das novas
tecnologias é possível criar plataformas eletrônicas para essa prática.
O professor Joseph Stiglitz
3
, Nobel de Economia em 2001, relata em seu
livro A globalização e seus malefícios: A promessa não-cumprida de benefícios
globais, os erros cometidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) nas duas
crises mais importantes do final do século passado: a do leste asiático, em 1977,
e a transição russa, em 1989, após a queda do muro de Berlim. Ele critica a
forma como a globalização evoluiu, ao expor vários países a um processo
acelerado de pobreza, “(...) o sofrimento sentido pelos países em
desenvolvimento no processo de globalização e desenvolvimento, na maneira
como tem sido conduzido pelo FMI e pelas organizações internacionais, é muito
maior do que o necessário”. (2002, prefácio).
Segundo Stiglitz (2002) o caminho para a inserção das nações no
processo global com êxito é a estabilidade de suas economias acompanhada por
um objetivo de crescimento com distribuição de renda e princípios democráticos.
3
Joseph Stiglitz é professor de economia (licenciado) na Universidade Stanford e membro sênior do
Instituto Brookings. Foi economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial. Participou do conselho de
assessores econômicos da Presidência dos EUA de 1993 a 1997.O norte-americano é o formulador da Nova
Teoria do Desenvolvimento.
29
A pressão do FMI em favor de uma privatização em ritmo forçado antes de exigir
um sistema legal que garantisse a propriedade privada, no caso da transição
russa, dentre outras conseqüências, causou a expansão do desemprego e a
transferência de empresas públicas para o domínio de antigos burocratas do
sistema governamental. Ao referir-se sobre o acontecido, Murray narra:
Após a queda do Muro de Berlim, as empresas russas sofreram um
processo de privatização e liquidação e o capital resultante foi levado para fora
do país. As empresas que permaneceram passaram a fazer parte de grandes
conglomerados industriais e comerciais, muitas vezes protegidos pelos
monopólios já existentes no antigo regime a grupos favorecidos.
A crise é especialmente aguda para os socialistas da Europa Oriental, à
medida que suas sociedades se desfazem de seu próprio tipo de herança
fordista. “O planejamento do tipo soviético”, [...] “é o apogeu do fordismo.
Lênin recebeu de braços abertos Taylor e o cronômetro. A
industrialização soviética baseou-se na construção de fábricas
gigantescas, a maioria delas baseada em tecnologia ocidental de
produção de massa” [...] “Suas formas sociais, econômicas e políticas
estadistas e inflexíveis foram solapadas não só na concorrência com o
Ocidente, mas por sua própria versão de fordismo a obsessão pela
quantidade, o planejamento centralizado, a supressão da variedade, o
domínio sufocante do centralismo e do autoritarismo”, (1989, apud
KUMAR, 1996, p. 65).
A globalização em seu aspecto econômico coloca-se como se o fenômeno
de crescente interdependência do planeta ao comércio. Contudo, por mais
importante que seja o papel da economia, não esgota em si a crescente
integração dos países em muitos outros âmbitos, a começar pelo da
comunicação de massa e seguido pelo da técnica, da ciência, da cultura, dos
valores, dos usos e costumes e, forma menos intensa nos da saúde, da justiça e
da política.
Segundo Murray (1989) e Stiglitz (2002) o desenvolvimento não pode nem
deve ser dissociado da democratização para assumir seu pleno sentido. Assim,
deve-se acrescentar aos planos de desenvolvimento, uma agenda democrática
30
nos campos político e institucional para os países em desenvolvimento.
Principalmente para o Terceiro Mundo não é recomendável um modelo de uma
ditadura vertical que liberaliza a economia e abre mercados, a exemplo da China
e, tampouco, aquele que conserva um sistema totalitário e miliciano no qual está
proibida toda forma de dissidência, adesão ou associação de classes, como no
caso de Cuba.
No entendimento de Baumann (1999), Ianni, (2003) e Canclini, (2003) o
sistema global tornou-se instável, pois apesar do neoliberalismo trazer muitas
vantagens para a classe abastada da sociedade, evidencia a dissociação dos
pobres do sistema de produção competitiva.
O que está em causa, na base da política de reestruturação do Estado,
destina a criar o Estado mínimo e decretar a formação de “mercados
emergentes”, é a destruição de projetos de capitalismo nacional e de
socialismo nacional, bem como a transformação dessas nações em
províncias do capitalismo global. (IANNI, 2003, p. 57).
Ianni (2003) ainda alerta para a necessidade de grupos sociais em
condições subalternas criarem e desenvolverem novas formas de
conscientização e organização, para formular e por em prática alternativas em
âmbito local, regional, nacional e mundial. Essa nova dimensão do papel do
Estado-Nação na sociedade contemporânea remete a reformulação do papel do
Estado e a idéia da erradicação do welfare state
4
.
Rifkin (1995), ao referir-se ao capitalismo global frente à exclusão social e
o fim dos empregos, acredita que o Estado-Nação, dentro da nova economia
global, estaria perdendo espaço e que uma solução a ser dada é o fortalecimento
do apoio as Organização não-Governamentais (ONG’s). Dessa maneira, essas
organizações teriam cada vez mais poder, construindo uma nova relação de
força mundial. Ao desaparecerem as funções do Estado, somente o terceiro
setor poderia assumi-las: passariam de um welfare state a um welfare da
4
Estado cujo governo proporciona o bem-estar de seus cidadãos, por meio de leis sociais.
31
cidadania. Além disso, para se fortalecer o terceiro setor a relação entre renda e
trabalho deveria ser rompida
”.
(Id. ibidem).
1.4 Desigualdade, Pobreza e Indigência
Criado por Mahbud ul Hag com a colaboração do economista indiano
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1988, o objetivo da
elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi oferecer um
contraponto ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a
dimensão econômica do desenvolvimento.
A queda no índice de desenvolvimento humano (IDH) de 54 países, dentre
eles a Rússia, é reflexo da globalização neoliberal iniciada na década de 1990.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2003 da Organização das
Nações Unidas (ONU), na década de 1960 os 20% mais ricos tinham renda 30
vezes maior que os 20% mais pobres; em 1995, tinham 82 vezes mais. Sendo
assim, pode-se verificar que as políticas adotadas com a globalização o
reduziram as desigualdades entre pobres e ricos, mas segundo sua trajetória, a
pobreza será maior no Terceiro do que no Primeiro Mundo. Como apontado por
Sen:
Se quisermos identificar a pobreza em termos de renda, não podemos
olhar somente a renda independentemente da capacidade de funcionar
derivada desta renda. A suficiência desta renda para fugir da pobreza
varia parametricamente com as características e as circunstâncias
pessoais. [...] A pobreza deve ser definida, então, a partir da variabilidade
interpessoal na conexão entre renda e capacidades. A suficiência de
determinados níveis de renda deve ser julgada em termos de
capacidades (1995, apud DUBAS, 1999).
A questão da desigualdade, da pobreza e da indigência está
peculiarmente interligada. O autor, ao estabelecer uma conexão sobre a
temática, realiza uma importante contribuição para a economia política ao
invocar Adam Smith e sua obra ao referir-se a expressão "poder apresentar-se
em público sem sentir vergonha".
32
Para levar a vida sem sentir vergonha, para ser capaz de visitar e cultivar
amigos, para manter-se a par do que está acontecendo e sobre o que os
outros estão falando, e assim por diante, é preciso um conjunto mais caro
de bens e serviços em uma sociedade geralmente mais rica, e na qual
um grande número de pessoas tem, digamos, meios de transporte,
vestimenta adequada, aparelhos de rádio e televisão, etc. (1999, p. 18).
Neste caso, a pobreza relativa ganha grande relevância. As referências ao
mundo pessoal expressam as verdadeiras referências do mundo social global e o
reconhecimento da relatividade social e cultural das necessidades parece
conectar as realizações de uns aos outros que conseguem reduzir ou eliminar os
sentimentos de vergonha e baixa estima resultantes de uma comparação sempre
desfavorável com os mais bem situados. (http://www.scielo.br. Acesso em: 06
set. 2006).
Para efeito estatístico, segundo a ONU, uma definição sobre o que são
pobreza e indigência. Foram estabelecidas duas grandes linhas. Uma é a da
pobreza, abaixo da qual estão aqueles de renda insuficiente para cobrir os
custos mínimos de manutenção da vida humana: alimentação, moradia,
transporte e vestuário. Isso em um contexto social em que a educação e a saúde
são fornecidas gratuitamente pelo governo. Outra é a linha da miséria, ou da
indigência, que determina quem não consegue ganhar o bastante para garantir a
necessidadesica de alimentação. A União Européia considera oficialmente
abaixo da linha de pobreza as pessoas que têm renda de até 60% da renda
média e estão abaixo dessa linha, 18% da população, o que remete a 60 milhões
de pessoas. (http://www.sebrae.com.br. Acesso em 26 set. 2006).
A Ásia concentra 63% dos miseráveis do mundo. O caso mais relevante é
o da Índia, onde mais de 300 milhões de pessoas vivem em estado de privação
absoluta. A África é considera o epicentro da miséria mundial. Nesse continente,
um em cada quatro habitantes passa fome; são 180 milhões de indigentes em
uma população de 800 milhões de pessoas. Tanto a pobreza quanto a indigência
são o resultado da falta de alimentos. Em 1333, a fome matou quatro milhões de
chineses em uma única região. Em 1770, vitimou pelo menos 10 milhões de
indianos. A Etiópia, que virou sinônimo de fome na década de 1970, perdeu um
33
terço de sua população na miséria entre 1888 e 1892. (http://www.fnpi.org.
Acesso em: 25 nov. 2006).
O Nobel Sen relata que em alguns países a fome se pela falta de
dinheiro de uma grande parcela da população e em outros, pela ausência de
alimentos, como no caso da Ásia e da África. A concepção de desigualdade
reside na diferente oferta de oportunidades devido à privação de liberdades
básicas; na desigualdade do indivíduo isolado e na ausência de condições iguais
básicas de existência, tais como o acesso à saúde, educação, saneamento
básico e alimentos, únicos elementos capazes de igualar os indivíduos. É a
constituição dessas “liberdades” como, por exemplo, liberar o indivíduo da fome,
que são capazes de dar às pessoas sua “condição de agentes” para atuar
livremente e construir seu futuro como queiram. (2000, p. 333-334).
O combate à pobreza e à miséria exige um conjunto de políticas
integradas que ofereçam os meios básicos de sobrevivência às famílias sem
condições econômicas e ao mesmo tempo criem mecanismos dinâmicos de
superação da pobreza e da concentração de renda. Os especialistas consideram
que uma política ampla de combate à desigualdade de renda deve
necessariamente atuar em três frentes:
a) da desigualdade de acesso à capacidades produtivas (escolaridade e
qualificação profissional etc.), informações e meios de produção
(terra, crédito etc);
b) do tratamento desigual no mercado de trabalho, seja por causa de
práticas discriminatórias ou devido a um acentuado grau de
diferenciações que leva a que trabalhadores igualmente produtivos
recebam diferentes remunerações, de acordo com o segmento do
mercado de trabalho em que se inserem diferenças regionais, inter-
setoriais, e entre os setores formal e informal, entre outras;
c) da escassez de empregos, que gera um acesso desigual ao trabalho
na medida em que parte da força de trabalho não está ocupada,
nem todos os trabalhadores têm oportunidade para utilizar suas
capacidades produtivas. (Radar Social, IPEA, 2006).
Ainda, na opinião dos especialistas, basicamente três linhas políticas
articuladas entre si. A primeira: políticas estruturais, com foco na segurança
34
alimentar, entendida como a garantia do acesso a uma alimentação adequada à
sobrevivência e à saúde em termos de quantidade, qualidade e regularidade. A
segunda, a das específicas voltadas para atender diretamente às famílias sem
condições de viver dignamente. E, complementando as duas primeiras, a linha
das políticas locais, que podem ser implantadas por prefeituras ou pela própria
sociedade civil.
Um bilhão e duzentos milhões de pessoas sobrevivem com menos do
que o equivalente a $ 1,00 (PPC paridade do poder de compra, que
elimina a diferença de preços entre os países) por dia. Mas tal situação já
começou a mudar em pelo menos 43 países, cujos povos somam 60% da
população mundial. Nesses lugares avanços rumo à meta de, até
2015, reduzir pela metade o número de pessoas que ganham quase
nada e que — por falta de emprego e de renda - não consomem e
passam fome. ( http://www.pnud.org.br/ . Acesso em: 17 nov. 2006).
Desde a década de 1980, a Organização para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) colocou em prática cerca de dois mil projetos de assistência
em Bangladesh, na América Central, na Tailândia, no Camboja, na Etiópia, no
Sudão, na Somália, em Angola, em Ruanda, na Coréia do Norte, na África do Sul
e em quase todas as regiões do mundo. Em Johannesburgo, o Parlamento
Europeu propôs a discussão sobre os mecanismos para anular a dívida externa
dos países mais pobres, ou os chamados “países em desenvolvimento”
5
. Esse
conjunto de países pobres deve US$ 2,5 trilhões; paga mais de um bilhão de
dólares por dia em juros. A projeção da FAO relativa ao cenário de 140 países
analisados é a de que a população mundial estará mais bem alimentada em
2030, mas centenas de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento
continuarão sendo vítimas de fome crônica. A ênfase particularmente pessimista
é para algumas áreas do sul da Ásia e parte da África, que não estarão melhor
do que hoje.
Na cúpula do Rio-92 foi assumido o compromisso de se formar um fundo
de ajuda aos países pobres do planeta. Fixou-se uma meta para que, até 2010,
os países ricos destinassem parcela crescente de contribuição, atingindo o
5
Atualmente, a denominação mais utilizada é “paises não desenvolvidos” (PND).
35
montante de 0,7% de seu PIB. O que se verificou, no entanto, é que até o fim do
milênio a União Européia contribuiu com apenas 0,22% em média.
No Brasil, o desempenho da economia tem uma ligação direta entre
crescimento e movimento ascendente dos pobres na escala social. Entre as
décadas de 1950-1970, a taxa de pobreza caiu. Nas décadas de 1980-1990, a
taxa de miséria subiu e passou de 11% da população para 24%. Chegou a 25%,
no auge da recessão de 1983, e atingiu seu ponto mais baixo em 1986, durante
o Plano Cruzado, com 9,8%. Mas, o fracasso do plano trouxe de volta intensa
inflação e o número de pobres foi alterado para 21,4% da população, em 1990.
Com a implantação do Plano Real em 2001, essa taxa caiu para15%.
Desde 2001, a desigualdade no Brasil vem declinando, mas o país é um
dos que apresenta o mais alto índice de desigualdade, o que faz da
sustentabilidade dessa redução é uma questão fundamental para o
governo.Segundo os índices apurados pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), referente a 2001-2004, a desigualdade de renda é importante
quando comparada a outros países, inclusive da América Latina.
A pesquisa Radar Social 2006 demonstra que houve redução no índice da
pobreza e indigência no Brasil entre 2001 e 2004. Considera que um conjunto de
medidas tomadas, principalmente por meio de projetos assistenciais pelo atual
governo conseguiu reduzir a pobreza e a desigualdade, principalmente, em
relação aos ganhos de rendimentos constatados em meio à população mais
pobre. A análise da pobreza está restrita ao dimensionamento dos rendimentos
que se divide em dois patamares:
Um refere-se à indigência (ou extrema pobreza) definida como a
condição da população que sobrevive com menos de ¼ de salário
mínimo domiciliar mensal per capita. Outro concerne à pobreza,
propriamente dita, conceituada com a situação daquele que vive com
rendimentos entre ¼ e ½ salário mínimo. ( http://www.pnud.org.br/.
Acesso em: 17 nov. 2006).
36
37
38
A pesquisa mostra que houve uma redução de indigência que passou de
14,3%, em 2003, a 11,3%, em 2004, ou seja, de 24,6 milhões passou para 19,8
milhões de pessoas, respectivamente. No que se refere à pobreza, passou de
33,9% em 2003, para 30,1%, em 2004, ou seja: de 58,4 milhões de pessoas para
ou 52,5 milhões. Trata-se de uma queda muito pequena diante do
amadurecimento social, econômico e político registrado no período.
Em 2000, firmou-se a Declaração do Milênio pelos países membros da
Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, como um documento-
síntese dos avanços alcançados na construção de valores e objetivos comuns
entre os povos. Ela estabeleceu um compromisso compartilhado para enfrentar
39
os desafios globais mais urgentes nos campos econômico, social e ambiental,
compostos por oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs)
.
Expressos num conjunto de alvos, por 124 chefes de Estado e de
Governo, os objetivos a serem atingidos até 2015 e se tornaram conhecidos, no
Brasil, como Metas do Milênio. As oito metas fixas da Conferência do Milênio
são:
1) Erradicar a extrema pobreza e a fome;
2) Atingir o ensino básico universal;
3) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
4) Reduzir a mortalidade infantil;
5) Melhorar a saúde Maternidade;
6) Combater o HIV/AIDS, a Malária e outras doenças;
7) Garantir a sustentabilidade ambiental;
8) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
Esses objetivos, se alcançados pelos países membros, vão contribuir para
melhorar a qualidade de vida de todo o planeta. Para reduzir pela metade, entre
1990 e 2015, a proporção da população que sofre de fome, seria preciso que a
economia dos países em desenvolvimento cresça em média 3,6% ao ano, o que
não tem se verificado, inclusive no Brasil.
40
CAPÍTULO 2 A GÊNESE DO COOPERATIVISMO COMO
ALTERNATIVA AO CAPITALISMO
2.1 A Mudança na Natureza do Trabalho
É provável que o papel do trabalho na vida das pessoas constitua o
aspecto do futuro a respeito do qual a sociedade moderna está mais confusa.
Um dos motivos básicos dessa confusão é o precário reconhecimento de todas
as implicações das mudanças tecnológicas que vêm ocorrendo. Os atuais
conceitos sobre o trabalho foram formulados numa época em que a sua função
social primária era produzir os bens e os serviços necessários ou desejados.
Uma era em que ainda não se previa a utilização de progressos tecnológicos
para aumentar a produtividade econômica individual.
Na atualidade vive-se um dilema conceitual. Por um lado, se um país não
aumentar continuamente a produtividade do trabalho, sua indústria terá poucas
chances de se tornar competitiva no mercado internacional. Por outro, se a
produtividade crescer, então, por definição, para manter o número de
empregados, o produto econômico deve crescer. E, nesse caso, com as várias
restrições de recursos naturais, ambientais, políticas e sociais que limitam o
crescimento econômico, o desemprego crônico torna-se uma característica
intrínseca do futuro.
O outro lado do dilema do trabalho é o subemprego, ou seja, trabalhar
abaixo da própria capacidade produtiva total. Nos países industrializados, o
subemprego está intimamente ligado ao conceito vigente de educação. A
educação na sociedade moderna é, em sua essência, vista como preparação
para um emprego dentro da economia oficial.
41
Na medida em que se elevam os índices de inteligência e educação de um
povo – e estes ocorrem em longo prazo –, um número cada vez maior de
pessoas não consegue encontrar um emprego que exija as habilidades e os
conhecimentos por eles adquiridos. Resultam aí, o descontentamento e a
alienação. A educação não representa mais a certeza de um trabalho capaz
de proporcionar em si desafios ou oportunidades de atuação criativa ou de auto-
expressão.
Na economia, o surgimento de um mercado global e de empresas globais
e o declínio das empresas nacionais e das nações-estado como unidades
eficientes de produção e controle; especialização flexível e dispersão e
descentralização da produção, substituindo o marketing e a produção de
massa; hierarquias mais niveladas nas empresas e ênfase em
comunicação, e não em comando: desintegração vertical e horizontal e
aumento de terceirização, franquias, marketing interno entre empresas e
extinção de funções; aumento do número de trabalhadores em tempo
flexível, parcial, temporário, autônomo ou que trabalham em casa.
Em relações políticas e industriais: a fragmentação de classes sociais, o
declínio de partidos políticos nacionais baseados em classe e em votação
de acordo com a classe, e o surgimento de movimentos e “redes” sociais
baseados em região, raça, sexo ou política de assunto único [...].
(KUMAR, 1996, p. 64).
Nas sociedades em desenvolvimento, o subemprego não é, em geral,
uma conseqüência da sub educação, mas sim da destruição das formas
tradicionais dos padrões culturais da vida rural. Diversas cidades do Terceiro
Mundo incham com a migração de camponeses que conseguem uma
sobrevivência em péssimas condições de vida, com ocupações das mais
ignóbeis. Em alguns países, o subemprego é a condição da grande maioria da
população urbana. Admite-se hoje, embora com relutância, na América do
Norte e no norte da Europa, que, apesar do consumismo de massa e de uma
improdutiva indústria financeira, o futuro a longo prazo dessas sociedades será
o de criar mais necessidades, ou seja, tornar a massa obcecada pelo consumo,
para o aumento da produção, e conseqüentemente, do trabalho.
Os problemas associados ao trabalho e ao seu significado envolvem
muito mais do que as preocupações a respeito do desemprego e da demanda
42
por um trabalho significativo. Nesse contexto pode-se destacar também o papel
dos meios de comunicação que conseguem às vezes ser substitutivos de
papéis de outras instituições e processos.
A essa questão fundamental, por trás de todos os aspectos mais óbvios
dos problemas relacionados com o trabalho, que vão desde o desemprego e ao
subemprego, à miséria urbana crônica e aos sem-terra, até os impactos
ambientais do crescimento econômico, está o “trabalho significativo”. Não é
necessariamente um trabalho instigante e cheio de desafios a todo o momento;
será suficiente que faça parte de uma iniciativa maior, esta sim, repleta de
significados. É principalmente essa iniciativa “maior” que falta à sociedade
moderna de consumo de massa. Além de melhorias permanentes na ação
social do Estado é necessária a mobilização social.
A transposição da sociedade agrícola à sociedade informatizada
ocorreu de maneira relativamente breve. A onda de industrialização se
espalhou pelo planeta, afetando praticamente todas as sociedades do globo,
seduzindo seus expectadores, tanto na forma de empregados como
consumidores, levando a todos a uma sensação de que a vida material gera
melhor bem-estar humano. Ao referir-se sobre essa transposição, Giddens
considera:
Os sociólogos debateram muitas vezes a transição do mundo
tradicional para o moderno com base nos conceitos de diferenciação”
ou de “especialização funcional”. A passagem dos sistemas de pequena
escala para as civilizações agrárias e, depois, para as sociedades
modernas, de acordo com esta perspectiva, pode ser vista como um
processo de progressiva diversificação interna. Podem fazer-se várias
objecções a essa interpretação tende a estar ligada a um ponto de
vista evolucionista, não presta atenção ao problema da fronteira” na
análise dos sistemas sociais e es muitas vezes dependente de
conceitos funcionalistas. (2000, p. 15).
Uma das primeiras conseqüências da evolução do paradigma industrial do
Ocidente foi a mudança nos padrões de trabalho a produção de bens através
de novos métodos industriais e o número de pessoas empregadas na produção
43
industrial começou a aumentar. Houve um grande deslocamento da força
trabalhadora agrícola para a produção industrial e num período de menos de dois
séculos, a mão-de-obra caiu de 90% para poucos percentuais nos países
tecnologicamente avançados. Por meio de novos métodos agrícolas de
produção, um número menor de pessoas era necessário para trabalhar a terra, e
os desocupados migraram em levas numerosas para os centros industriais, a fim
de trabalhar nas fábricas e nos escritórios. A socióloga De Liberal relata que:
“Perante a dificuldade de se encontrarem saídas, os pesquisadores fazem uma
avaliação tanto pessimista quanto otimista da situação, porque todo momento
grave da história da humanidade vem carregado de novidade. Nele, se
encontra presente o novo, na expectativa, tão-somente, de adquirir forças para
romper com o velho”. (2004, p. 15).
O medo do desemprego tecnológico surgiu em muitos países europeus
e na América do Norte, quando no início da década 1960 tornou-se evidente a
possibilidade da força-trabalho humana ser substituída pela automação
computadorizada dos processos de produção industrial. Na década de 1980, a
maior parte da força-trabalho de muitos países estava entrando na condição
de “sociedade informatizada”. BAUMANN (1999) e, CASTELLS (1999), por
meio de estudos realizados em diversos campos do saber mostram como o
trabalho ocupa um lugar central na vida das pessoas e das sociedades
industrializadas.
Algumas características da “sociedade da informação” suscitam
investigação, pois a matéria prima “a informação” é uma mercadoria limpa, se
comparada com o
carvão, com o aço e com os produtos químicos. É uma
sociedade em que as pessoas trabalham em empregos agradáveis, operando
muitas vezes a partir de uma central, igualmente agradável, instalada em suas
casas, onde obtêm renda e também lazer onde gastá-la. Estas imagens
atraentes, descritas em livros e artigos, incorreram no equívoco típico de ignorar
a desconcertante questão de porquê, diante da atual economia mais produtiva
44
que se viu na história, um número cada vez maior de famílias m
constatando que têm menos lazer e que já não pode sobreviver com a renda de
apenas de um dos seus integrantes. Acompanhado dessa constatação, outro
fato recorrente é a sensação generalizada da “falta de tempo” e perda de
“qualidade de vida”. O sociólogo espanhol Castells, que estuda o papel das
novas tecnologias na sociedade atual afirma:
[...] tudo impactou radicalmente nos hábitos de pensar, de produzir, de
consumir, de negociar, de administrar, de comunicar, de viver, de
morrer, de fazer guerra e de fazer amor. Constitui-se uma economia
global, dinâmica, no planeta, ligando pessoas e atividades importantes
de todo o mundo e, ao mesmo tempo, desconectando das redes e
poder e riquezas as pessoas e os territórios considerados não
pertinentes sob a perspectiva dos interesses dominantes. Uma cultura
de virtualidade real, construída em torno de um universo audiovisual
cada vez mais interativo permeou a representação mental e a
comunicação em todos os lugares, integrando a diversidade de culturas
em um hipertexto eletrônico. (1999, p. 19).
Ocorre que os conceitos contemporâneos sobre negócios e trabalho,
sobre a teoria do emprego e do bem-estar, sobre as análises liberais e
marxistas, baseiam-se todos numa sociedade cujo objetivo principal é a
produção. E é este conceito central que se tornou obsoleto. Tão pouco esse
conceito de “sociedade da informação” se reporta a um problema mais
fundamental. O espetacular sucesso do avanço industrial e tecnológico levou a
sociedade de consumo a uma crise relativamente desapercebida, envolvendo
significados e valores, que é tão séria quanto às crises mais óbvias da
deterioração do meio ambiente global, dos confrontos com armas químicas e
nucleares e do dilema da miséria na população do hemisfério sul.
Numa sociedade tecnologicamente avançada, na qual a produção de
bens e serviços em quantidades suficientes pode ser controlada com facilidade,
o emprego existe, sobremaneira, para o autodesenvolvimento e a preocupação
com a produção de bens e serviços passa a ser apenas secundária. Aqui o
significado de autodesenvolvimento implica tudo o que enriquece o indivíduo e
inclui o apenas o desenvolvimento pessoal e profissional, mas
45
relacionamentos de qualidade e a prestação de serviços significativos a
terceiros.
Esta redefinição do significado do trabalho contém uma noção
revolucionária. Para todos os efeitos, a noção de que a renda de um indivíduo é
determinada pela produtividade do seu trabalho, tornou-se obsoleta. Para
substituí-la, a sociedade tem apresentado racionalizações confusas acerca da
distribuição e renda, valendo-se de princípios vagamente definidos de bem-
estar e eqüidade. O trabalho ainda é a forma menos controvertida de
distribuição de renda, mas tem se tornado cada vez menos adequado para esse
propósito.
Algo semelhante ocorre com relação à função social do trabalho, pois
esta é uma das formas socialmente mais aceitas e potencialmente mais
construtivas, de acordo com as normas sociais. Entretanto, numa economia
industrial baseada no consumo, as oportunidades de trabalho que traga uma
profunda satisfação tendem a se tornar cada vez mais escassas.
Por fim, o antigo conceito de educação como preparo para um emprego
é totalmente insatisfatório tanto do ponto de vista individual como do social, pois
o único tipo de educação que faz sentido é a aprendizagem ininterrupta.
Portanto, o local de trabalho pode ser considerado um local de ensino, mas a
economia tem dificuldade para se ajustar a essa idéia, pois o trabalho é algo
pelo qual se recebe e a educação é algo pelo qual se paga.
2.2 O Trabalho no Cooperativismo
Na luta pela sobrevivência, os povos antigos praticavam a cooperação
na caça, na pesca e na habitação. Uma das formas mais bem-definidas de
cooperação foi constatada no século XV, quando do descobrimento da América;
46
as civilizações Asteca, Maia e Inca viviam em regime de verdadeira “ajuda
mútua”.
O sistema era sustentado pela organização agrária e o rei mantinha
soberania sobre a terra, repartindo-a entre os súditos para exploração e usufruto,
na modalidade de propriedade familiar, passando de pai para filho. relatos de
que normas rígidas deviam ser cumpridas; dentre tantas, podemos citar: a
divisão do resultado das colheitas, proporcional ao trabalho de cada um; a
reserva de uma parte como tributo ao rei e outra para o sustento das crianças e
idosos e a adoção, pelo grupo, do costume de empréstimo de sementes para o
próximo plantio, àquele que perdesse a colheita.
A partir do século XVI, em meio à convulsão social das classes populares
de diversos países europeus, surgem propostas de organização das classes
trabalhadoras. Estudiosos da Inglaterra, França, Alemanha e outras nações da
Europa mostram o surgimento de uma nova ordem socioeconômica, conduzindo
à reformulação comunitária, em busca do bem-estar.
Robert Owen (1771), preocupado com o baixo nível de vida dos operários
ingleses, introduz reformas em suas fábricas: reduz a jornada de trabalho,
regulamenta o emprego da mulher e do menor e concede participação nos
resultados a todos os seus empregados. Ao ver que os demais empresários de
seu país não se interessam por suas idéias, parte para os Estados Unidos, onde
tenta fundar, sem êxito, colônias baseadas na propriedade coletiva e investe em
inúmeras iniciativas de organização de trabalhadores. Mesmo sem obter
relevante sucesso em empreendimentos dessa natureza, a sociedade inglesa e a
de outros países ficam devendo a ele e a seus inúmeros seguidores, a fundão
de cooperativas e sindicatos. Talvez a mais importante lição comunitária na
sociedade moderna tenha advindo da experiência de Owen, quando tenta
conciliar o incentivo individual com uma eficiente intervenção no processo
democrático.
47
Na história moderna do século XVIII, na Inglaterra, explode a Revolução
Industrial, com o advento do novo modelo que substituía o trabalho artesanal
pelas máquinas. Este século foi marcado pelo grande salto tecnológico nos
transportes e máquinas. Em Rochadle, Inglaterra, um grupo de trabalhadores
teve de enfrentar os inconvenientes do desemprego em virtude da mão-de-obra
excedente, sendo levados a se preocupar com alternativas para garantir o
sustento de suas famílias.
Discutindo suas dificuldades e buscando soluções para problemas que
se tornavam angustiantes nesse prenúncio de sociedade de consumo baseado
no cooperativismo puro, combinaram que cada um economizaria pequenas
parcelas de seus poucos rendimentos (mesmo submetendo-se a inúmeras
privações) no período de um ano, para tentar formar algo que pudesse tirá-los da
aflitiva situação de penúria. Essa reunião que teve a participação de 27 tecelões
e uma tece aconteceu em 1843 e repetiu-se em 1844, para fundação de um
armazém comunitário, com capital inicial de 28 libras, representando uma libra
que cada um do grupo havia economizado. Dispondo de pequenos estoques de
açúcar, farinha e outros neros de primeira necessidade, o pequeno
estabelecimento, administrado pelos próprios fundadores, foi alvo da
incredulidade e da inveja dos tradicionais comerciantes da cidade. Despertou,
porém, a atenção dos consumidores locais e, principalmente, das classes
trabalhadoras, pela considerável eficiência e prosperidade.
Logo no primeiro ano de funcionamento, o capital da empresa aumentou
para 180 libras e, cerca de dez anos mais tarde, o Armazém de Rochdale
contava com 1400 cooperantes. A sociedade prosperava economicamente,
funcionando de forma democrática e exercendo sua função social. Essa atitude
representou uma reação à ganância capitalista que, na época, submetia crianças
e mulheres a jornadas de até 16 horas de trabalho. O êxito dessa iniciativa
chamada de “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale” passou a ser um
exemplo para outros grupos. Preocupados com o progresso de sua idéia,
48
embora existissem sociedades similares modelo cooperativista na própria
Inglaterra e Escócia, aperfeiçoaram um sistema de reuniões denominado “Sala
da Temperança”. Ali, desenvolveram um conjunto de princípios, conhecidos mais
tarde como “Princípios Básicos do Cooperativismo”, adotados posteriormente por
cooperativas surgidas em diversos países do mundo.
Os valores de ajuda mútua e de igualdade de direitos e deveres cultivados
pelos tecelões ingleses são fundamentais, pois, passados mais de 120 anos,
permanecem como o cerne desse movimento que se expandiu pelo mundo
através dos tempos e em diferentes campos de atividade humana. A partir da
experiência dos Pioneiros, as cooperativas se multiplicaram por setores como
produção, moagem, panificação, consumo, crédito, saúde, transporte, pesca,
seguro e outras atividades em diversos países, originando o movimento
cooperativista.
Na década de 1970, uma experiência que tem registro na história do
cooperativismo é a do movimento ocorrido no Norte da Itália, quando
empregadores das grandes fábricas reagiram às greves maciças e perturbações
trabalhistas de fins da década de 1960, descentralizando a produção e
recorrendo ao regime de empreitadas em grande escala. “A Terceira Itália, para
os apologistas, não é apenas um fenômeno econômico. É também um fenômeno
social, cultural e político de primeira magnitude. E indica a possibilidade, talvez
pela primeira vez na história do industrialismo, de reunificação do trabalho
intelectual e braçal, de trabalho e comunidade”. (KUMAR, 1996, p. 53).
Ao expressar-se sobre a experiência da Itália, Amin (1989) descreve:
Não estamos falando de pequenas firmas independentes, no sentido
tradicional, nem de sub-empreiteiras de grandes empresas, mas sobre o
desenvolvimento de um sistema industrial (quase uma corporação)
composto de unidades de produto interligadas, porém com proprietários
independentes... [...]. Os elementos isolados do sistema florescerem em
sua razão de independência. (apud KUMAR, 1996, p. 51).
49
A Aliança Cooperativa Internacional (ACI), órgão do cooperativismo
mundial, foi criada em Londres, em 1895, com o objetivo de continuar a obra dos
Pioneiros de Rochdale e constitui-se na maior Organização não-Governamental
(ONG) do mundo.
Quadro 1 Atuação das Cooperativas em Diversas Localidades
Polônia Mais de 75% das moradias existentes foram construídas por
cooperativas.
Suécia A cadeia de cooperativas O. K. possui a maior refinaria de
petróleo do país e é responsável pela distribuição de 20% do
total de combustíveis e produtos petrolíferos; as cooperativas
são responsáveis por 99% da produção de laticínios.
Malásia O maior sistema de seguros é o do movimento cooperativista.
Índia As cooperativas leiteiras têm usinas de transformação de leite
que estão entre as maiores e mais modernas do mundo e fazem
chegar o leite às regiões mais longínquas. Cerca da metade da
produção de açúcar vem de cooperativas.
Islândia A pequena ilha no mar do Norte é comumente conhecida como
“Islândia Cooperativista”, devido ao elevado vel de
desenvolvimento das cooperativas em todos os setores da
economia.
França O segundo lugar no sistema bancário mundial de crédito é
ocupado pelas caixas cooperativistas agrícolas francesas.
Itália As cooperativas de turismo e viagens romenas o de extrema
importância devido à amplitude de sua rede e ao grande número
de estações de férias.
Espanha As cooperativas de Mondragon são grandes produtoras de
refrigeradores e eletrodomésticos e estão entre as 10 maiores
empresas do país.
Japão As cooperativas polivalentes japonesas, responsáveis por 95%
da colheita de arroz, agregam quase a totalidade dos
agricultores e ocupam um lugar de destaque no
desenvolvimento econômico das regiões rurais daquele país.
Todos os pescadores são cooperados.
Estados Unidos
As cooperativas de eletrificação rural foram responsáveis pela
quase totalidade da energia elétrica implantada no setor rural do
país.
Fonte: Disponível em: http://www.portaltributario.com.br. Acesso em: 02 de set. 2006.
50
A ACI foi uma das primeiras organizações não governamentais a ter uma
cadeira no Conselho da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1977 o
brasileiro Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do governo Lula (2002-
2006), foi eleito presidente da ACI. Atualmente, com sede em Genebra a ACI é
composta por 236 organismos nacionais e regionais, em 93 países,
representando um total de 724 milhões de cooperados. Seus comitês e
congressos quadrienais têm por finalidade coordenar as políticas internacionais e
as estratégias relacionadas com as cooperativas. O cooperativismo evoluiu e
conquistou espaço próprio, definido por uma nova forma de pensar: o homem, o
trabalho e o desenvolvimento social, calcada nas conceituações:
(http://www.portaldocooperativismo.org.br. Acesso em: 07 jun. 2006).
Quadro 2 Conceituações Usadas no Cooperativismo
Cooperação
[Do lat. Cooperatione.] S. f. ato ou efeito de cooperar
Cooperado
[Part. Substantivado de cooperar.] S. m. Econ. Rur.
Membro ou participante de uma cooperativa,
cooperador, cooperativado.
Cooperar
[Do lat. *cooperare, por cooperari.] V.t.i. 1. Operar ou
obrar simultaneamente, trabalhar em comum; colaborar:
cooperar para o bem público; cooperar em trabalhos de
equipe. Int. 2. Ajudar; auxiliar; colaborar.
Cooperativa
[Fem. Substantivado de cooperativo.]. S.f. Sociedade ou
empresa constituída por membros de determinado grupo
econômico ou social, e que objetiva desempenhar, em
benefício comum, determinada atividade econômica.
Fonte: Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986, p. 472.
Os valores do cooperativismo baseiam-se em ajuda mútua e
responsabilidade democrática, igualdade, eqüidade e solidariedade. Na tradição
dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam na ética,
honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação com o seu
semelhante.
51
Quadro 3 Princípios Doutrinários do Cooperativismo
Adesão livre e voluntária
As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a
todas as pessoas aptas a usarem seus serviços e dispostas
a aceitarem as responsabilidades de sócios, sem
discriminação social, racial, política, religiosa e sexual.
Controle democrático pelos
sócios
As cooperativas são organizações democráticas,
controladas por seus sócios que participam ativamente do
estabelecimento de suas políticas e da tomada de decisões.
Homens e mulheres, eleitos como representantes, são
responsáveis para com os sócios. Nas cooperativas
singulares, os sócios têm igualdade na votação (um sócio,
um voto); as cooperativas de outros graus são também
organizadas de maneira democrática.
Participação econômica dos
sócios
Os sócios contribuem de forma eqüitativa e controlam
democraticamente o capital de suas cooperativas. Parte
desse capital é propriedade comum dos cooperados.
Usualmente, os sócios recebem juros limitados (se houver
algum) sobre o capital, como condição de sociedade e
destinam as sobras para os seguintes propósitos:
desenvolvimento das cooperativas, possibilitando a
formação de reservas, podendo parte delas ser indivisível;
retorno aos sócios, na proporção de suas transações com as
cooperativas e apoio a outras atividades que forem
aprovadas pelos sócios.
Autonomia e independência
As cooperativas são organizações autônomas para ajuda
mútua controlada pelos seus membros. Entrando em acordo
operacional com outras entidades inclusive governamentais
ou recebendo o capital de origem externa, devem fazê-lo em
termos que preservem seu controle democrático pelos
sócios e mantenham sua autonomia.
Educação, treinamento e
informação
As cooperativas oferecem educação e treinamento para os
sócios, representantes eleitos, administradores e
funcionários, de modo a contribuírem efetivamente para seu
desenvolvimento. Informam o público em geral,
particularmente os jovens e os líderes formadores de
opinião, sobre a natureza e os benefícios da cooperação.
Intercooperativismo
As cooperativas atendem a seus sócios mais efetivamente e
fortalecem o movimento cooperativo trabalhando juntas em
estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.
Preocupação com a comunidade
As cooperativas trabalham pelo desenvolvimento
sustentável de suas comunidades, praticando políticas
aprovadas por seus membros.
Fonte: Congresso do Centenário da Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Inglaterra,
Manchester, 1995.
52
Quadro 4 Os Ramos do Cooperativismo
Consumo
Tem por objetivo a compra em comum de produtos (alimentos, roupas,
medicamentos etc.), buscando melhor preço e qualidade.
Serviços
Tem como objetivo primordial administrar um serviço de que o quadro
social necessite e que não se encontra disponível ou é mais caro no
mercado. As mais conhecidas são de eletrificação rural, saneamento e
limpeza pública. Esse tipo de cooperativa não deve ser confundido
com a de trabalho, pois, nela, o cooperado o executa o serviço. A
cooperativa compra insumos (postes, fios, tubos etc.) e contrata
terceiros para realizar seus objetivos.
Educacional
A cooperativa de ensino é formada por pais de alunos que têm como
objetivo a fundação de estabelecimentos de ensino e sua manutenção.
Por meio dela, os pais podem influir em todo o processo educacional,
desde a escolha dos professores até o projeto pedagógico. Surgiu
como uma via intermediária entre o alto custo do ensino privado e a
escola pública. Muitas chegam a construir escolas, adquirindo material
escolar com economia de escala e participam do planejamento de
atividades.
Habitacional
São estruturadas para viabilizar a compra ou construção de moradias
ou ainda para manter e administrar conjuntos habitacionais por um
custo menor e dentro das possibilidades dos cooperados. A
cooperativa, neste caso, substitui a incorporadora e a construtora e
muitas vezes os cooperados trabalham na própria construção nas
horas vagas, em sistema de mutirão.
Agropecuária
São cooperativas formadas por produtores rurais que têm como
objetivo organizar, em comum e em maior escala, os serviços
econômicos e assistenciais de interesse de seus associados
agricultores, integrando e orientando suas atividades, bem como
facilitando a utilização recíproca dos serviços (adquirir insumos, dividir
custos de assistência técnica, difundir o uso de novas tecnologias
produtivas, comercializar a produção) e, em muitos casos, beneficiar e
industrializar as matérias-primas.
Trabalho
Denominam-se cooperativas de trabalho tanto as que produzem bens
como as que produzem serviços sempre pelos próprios cooperados.
São trabalhadores cooperados todos os associados da empresa
cooperativa, tanto os que executam os trabalhos mais simples
(pedreiros, carregadores) como os especializados (médicos,
engenheiros). O grupo, ao organizar uma cooperativa de trabalho,
passa a ter melhores condições para atuar no mercado e, em várias
situações, elimina a figura do intermediário. Os trabalhadores em uma
cooperativa de trabalho são, ao mesmo tempo, usuários e donos do
negócio. A cooperativa de trabalho é autenticamente auto-gestionária.
Crédito
Pode ser urbano ou rural. O objetivo principal de uma cooperativa de
economia e crédito mútuo (urbano) é o estímulo à poupança: seus
cooperados se beneficiam do auxílio mútuo e de empréstimos a juros
baixos. É uma alternativa econômico-financeira e social. Os setores de
crédito rural são, em sua maioria, ligados às cooperativas
agropecuárias.
Fonte: Disponível em: http://www.portaltributario.com.br. Acesso em: 02 de set. 2006.
53
2.3 As Cooperativas de Crédito como Modalidade do Cooperativismo
Segundo historiadores, a primeira cooperativa brasileira foi a Cooperativa
de Consumo dos Funcionários da Companhia Telefônica de Limeira, São Paulo,
fundada em 1891. O cooperativismo evoluiu e conquistou espaço próprio,
definido por novos paradigmas: o homem, o trabalho e o desenvolvimento social.
As cooperativas brasileiras são responsáveis por 75% do trigo, 40% do açúcar,
32% do álcool, 25% do leite desnatado e por 23% da capacidade nacional de
armazenagem de grãos.
O ramo de crédito surgiu em 1902, aplicado preferencialmente junto a
pequenas comunidades rurais ou a pequenas vilas localizadas no Rio Grande do
Sul. A cooperativa admitia qualquer pessoa que nela colocasse suas economias.
Toda movimentação financeira era feita pelos aplicadores por meio de depósitos.
Com as sobras eventualmente apuradas eram feitas reservas para enfrentar,
com mais segurança, momentos de incerteza.
Com as cooperativas de crédito, cria-se um instrumento alternativo de
concessão de crédito, pois se trata de um sistema em que o custo operacional é
menor do que o das instituições financeiras. Os bancos convivem com taxas de
inadimplência muito altas, o que faz com que necessitem de estruturas de
cobrança muito bem equipadas. Nas cooperativas menor grau de
inadimplência não o recolhimento de compulsórios e menor Contribuição
ao Programa Integrado Social (PIS).
O ato cooperativo de intermediação financeira atua como vasos
comunicantes entre quem tem poupança para investir e quem quer contrair
empréstimos. Ambos têm de ser cooperados e participam dos resultados
operacionais. O cliente é também o dono, pois só ele pode operar com a
cooperativa de crédito.
54
O crédito atende a faixas demandantes muito variadas da
macroeconomia. Vai das necessidades individuais até a aquisição de imóveis e
capital de giro. É um tipo de negócio que depende de atos de confiança
recíproca e compartilhada, com a certeza de retorno do capital emprestado.
Juntamente a esse fenômeno particular, outro se manifesta de forma incisiva e
está presente em todas as sociedades cooperativas: a desconcentração do
capital, ou seja, a sua democratização sem ideologia.
Embora tenham por princípio o empréstimo de valores monetários, as
cooperativas de crédito estão no caminho diverso das instituições bancárias
tradicionais, as quais privilegiam o capital que se sobrepõe aos interesses do
indivíduo. O significado expresso deve, num primeiro momento, estar voltado
para dentro, diferentemente da ação das empresas capitalistas, direcionadas
para fora.
A natureza do dinheiro tem sido amplamente discutida na sociologia e
constitui obviamente uma preocupação permanente da economia. Nos
seus primeiros escritos, Marx referia-se ao dinheiro como “a prostituta
universal”, um meio de troca que anula o conteúdo dos bens ou
serviços, colocando em seu lugar um padrão impessoal. O dinheiro
permite a troca de tudo por tudo, independentemente de os bens
envolvidos partilharem quaisquer qualidades substantivas em comum
uns com os outros. Os comentários críticos de Marx sobre o dinheiro
prefiguram a sua distinção ulterior entre valor de uso e valor de troca. O
dinheiro torna a generalização do segundo possível devido ao seu papel
de “pura mercadoria”. (GIDDENS, 2000, p. 15).
As cooperativas de crédito, por meio do princípio da justiça social, tratam o
capital de forma humana. O dinheiro é disposto a serviço da sociedade de forma
democrática e inteligente e a desconcentração do capital possibilita tanto a
elevação econômica e social dos cooperados como o acesso ao crédito.
Na elaboração do Plano Plurianual (PPA) para o período de 2004 a 2007,
em comum acordo com o presidente da República, governadores e prefeitos,
foram estabelecidos quatro objetivos: estimular o setor exportador; fortalecer a
infra-estrutura; reduzir as desigualdades regionais e estimular o surgimento de
55
um mercado de massa no País. Esse conjunto de medidas destina-se à elevação
do volume e redução do custo do crédito no Brasil. Dentre as ações também foi
prevista a concessão de microcrédito que promove empréstimos de pequeno
valor para pessoas que não teriam condições de obter um empréstimo bancário,
por falta de renda e de garantias a oferecer. Dessa forma, pretende-se fazer o
crédito chegar até essas pessoas, com a finalidade de lhes proporcionar uma
alternativa de trabalho que gere renda.
Esta estratégia baseia-se na avaliação do governo de que o crédito é um
dos fatores que contribui com resultados imediatos para o avanço da economia.
As dificuldades de criar empregos no curto prazo obrigam a um forte avanço no
mercado de concessão de crédito para informais e também na área do
microcrédito, incentivando o mercado da informalidade, quer por meio de
cooperativas, quer por intermédio de ONG’s, concedendo empréstimos, baseado
no passado cadastral das pessoas ou pequenos grupos solidários de pessoas.
2.4 O Banco de Crédito Popular do Brasil
Por volta de 1610, quando foram fundadas no Brasil as primeiras missões
jesuíticas, houve a tentativa da criação de um Estado em que prevalecesse a
ajuda mútua. Esse modelo de sociedade solidária envolvendo a participação de
missionários, indígenas e colonizadores visava, em primeiro lugar, ao bem-estar
do indivíduo e de sua família, acima dos interesses econômicos da produção. A
prática dos “mutirões” incentivada pelos padres jesuítas, já vivenciada pelos
povos primitivos, vigorou por cerca de 150 anos entre os índios guaranis, nas
diversas missões.
Em 1890, o então ministro da Fazenda Rui Barbosa, no governo de
Marechal Deodoro da Fonseca, por meio de decreto, criou uma instituição
chamada Banco de Crédito Popular do Brasil. Segundo historiadores, o propósito
56
era criar uma algibeira popular, para fazer frente à usura de terceiros ao salário
das classes trabalhadoras. Com capital inicial de 20 mil contos de réis, o banco
passou a emitir títulos em valores inferiores aos das notas em circulação na
época. Além de empréstimos com prazo de até três anos, a juros de até 9% ao
ano, para operários e agricultores. A instituição atuava também na área de
penhores, organização de cooperativas e armazéns, financiamento de núcleos
coloniais e serviços de migração.
Segundo dados da Fundação de Economia Álvares Penteado (Fecap),
fundada em 1902, o plano de desenvolvimento de Rui Barbosa era ambicioso e
consistia em estimular a industrialização para compensar, sem indenização, os
prejuízos decorrentes da abolição da escravatura. A emissão monetária buscava
ampliar a circulação de bens e gerar riquezas o que compensaria o sistema
inflacionário inicial. Porém, as medidas resultaram no surgimento de centenas de
empresas-fantasma, com projetos inviáveis para o mercado financeiro
As agências de fomento são resultado do Programa de Incentivo à
Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária instituído pelo governo
brasileiro em 1966 para socorrer os bancos estaduais em dificuldades, o que
efetivamente se realizou envolvendo um empréstimo de cerca de R$ 50 bilhões.
Mas, entre outras condições estabelecidas, ficou determinado que as carteiras
de fomento dos bancos estaduais, ou os bancos de desenvolvimento, quando
houvesse, deveriam se transformar em agências. Foram implantadas agências
nos Estados da Bahia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Amazonas,
Goiás, Rio Grande do Norte, Amapá e Roraima.
Em junho de 2003, o Banco do Brasil criou nova subsidiária destinada
exclusivamente à reativação da economia, denominada pelo próprio presidente
da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva, Banco Popular do Brasil. Trata-se de
uma subsidiária destinada unicamente para esse fim, o que evita interferência
direta nos resultados do banco e, conseqüentemente, no retorno dos
57
investimentos de seus acionistas minoritários. O foco é o setor informal e os
segmentos de baixa renda. A criação do Banco Popular é uma parte de um
programa destinado a facilitar e baratear os empréstimos à parte da população
classificada como de baixa renda.
58
CAPÍTULO 3 O BANCO DO POVO ATUA COMO BANCO
SOCIAL
3.1 As Microfinanças e o Microcrédito
Nas últimas décadas, surgiram organizações governamentais e não-
governamentais em diversos países preocupadas basicamente com a redução
da pobreza. O Banco Social, também denominado “o banco dos pobres”, ou
definido como Banco do Povo, atua como uma Organização não-Governamental
(ONG) de distribuição de microcrédito. A ONU definiu 2005 como o ano do
microcrédito com o objetivo de unir Estados membros, agências das Nações
Unidas e Instituições de Microfinanças no interesse comum de construir um
sistema financeiro sustentável para alcançar as Metas do Milênio.
Estas organizações que operam como uma cadeia de instituições de
cooperação tem como estratégia oferecer financiamento direto às
microempresas, quer por intermédio de sociedades de crédito a micro-
empreendedores, quer por meio de organizações não-governamentais ou da
sociedade civil. Parte-se da premissa de que são essas entidades que conhecem
as necessidades e vocações das comunidades onde trabalham.
Embora experiências de crédito rotativo ou poupança conjunta fossem
praticadas tempos por colônias de imigrantes, somente a partir da década de
1990 é que sua prática ganhou força no Brasil. Também nas últimas décadas,
surgiram diversas organizações governamentais e não-governamentais em
diversos países preocupados basicamente com a redução da pobreza. Iniciada
em 1974, a experiência de Bangladesh é um marco que estimulou experiências
em todo o mundo. A idéia chegou à América Latina na década de 1980 no Peru,
Chile e Bolívia.
59
Em 2005 foi comemorado o Ano Internacional do Microcrédito com
iniciativas para promover a tomada de consciência em relação ao
microfinanciamento. O Ano foi um esforço global, composto por representantes
de 215 instituições governamentais, escritórios locais das Nações Unidas, 59
organizações multinacionais, 265 redes de microfinanciamento, 33 centrais, e
membros do setor privado e da sociedade civil. Durante todo o ano foram
realizados conferências e seminários, em mais de 71 países e foram lançadas
campanhas de sensibilização da sociedade para o tema.
A pauta para a organização de Campanhas de Comunicação teve como
objetivos, o compromisso de:
Os governos: para garantir que seus sistemas legais, fiscais e
normativos promovam as microfinanças em lugar de restringi-las;
Organismos e doadores multinacionais: para que considerem as
microfinanças como um elemento essencial do setor financeiro e
não como um projeto de desenvolvimento;
Setor privado e ONG: para que promovam serviços financeiros às
pessoas pobres e de baixa renda principalmente como uma
oportunidade comercial e não como um ato de caridade.
Foram também estabelecidas as seguintes mensagens preferenciais para
serem usadas nas Campanhas de Comunicação: (http:// www. [email protected].
Acesso em: 19 dez. 2005).
As microfinanças são um assunto comercial, não um ato de caridade;
Por meio das microfinanças as pessoas pobres e de baixa renda podem
investir de acordo com as suas prioridades particulares;
As microfinanças sustentáveis garantem um maior impacto nas pessoas
de menor recurso e possuem um efeito duradouro na redução da pobreza
e no processo de desenvolvimento social e humano;
60
As microfinanças constituem uma parte fundamental de um sistema
financeiro integral;
Cerca da metade da população mundial não tem acesso a serviços
financeiros básicos, o por que o possa custeá-los, mas sim porque
não estão à sua disposição;
As microfinanças têm efeitos positivos nas pessoas e lares e fortalecem
as economias ao investir na capacidade produtiva das comunidades
locais;
As microfinanças facilitam a inclusão dos pobres em um sistema
econômico, ao apoiar o crescimento dos mercados locais e ao estender
oportunidades econômicas através de novos empregos, investimentos e
infraestrutura.
O programa de microfinanças é voltado principalmente ao pequeno
empreendedor que exerce atividades econômicas formais e informais nas zonas
rurais e urbanas e, de forma secundária, no comércio e prestação de serviços.
Os tomadores de empréstimos são pequenas unidades de produção, geralmente
artesanais, com pouco capital ou uso de tecnologia, que fornecem seus produtos
e serviços diretamente ao consumidor. O produto de suas operações, em sua
grande maioria, apenas gera renda mínima para a subsistência da família. Os
empréstimos e financiamentos concedidos por meio do microcrédito às classes
de baixa renda C, D e E têm efeito imediato no consumo das classes D e E e
ajuda criar novos meios de subsistência e reforça o espírito empresarial com
incentivo à diversidade.
O crescimento de um sistema eficaz de crédito popular tem importância
vital para o desenvolvimento econômico em qualquer país, principalmente no
Brasil, cujo grau de informalidade atinge o número próximo aos 30% do PIB.
Assim, as microfinanças tornam-se fator decisivo para a expansão e também
para a interiorização do desenvolvimento econômico. Dados do Ministério da
Fazenda confirmam a exclusão detectada e, segundo esses cálculos, a relação
61
crédito/PIB no Brasil está em 28,5% contra a média de 50% a 70% em países
como Coréia do Sul, Estados Unidos, Chile, Itália e Indonésia, o que reflete a
realidade de que grandes bancos tenham interesse em emprestar dinheiro a
empreendedores que não possuam garantias a oferecer nem histórico financeiro
que comprove sua capacidade de pagamento.
O chamado mercado do microcrédito é dividido em dois braços: as próprias
instituições de microcrédito, ou Bancos do Povo, e as Cooperativas de Crédito.
Os Bancos do Povo são inspirados na experiência pioneira de Bangladesh e
estão mais concentrados nas áreas urbanas. as cooperativas de crédito
atendem apenas a clientes cooperados e atuam principalmente nas áreas rurais.
Existem instituições que oferecem crédito a pequenos juros e podem ser
públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos. As privadas são chamadas
Sociedades de Crédito ao Microcrédito (SCM) e são regidas pelo Banco Central.
As demais são ONG’s ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP's) e podem estar ligadas ou o a prefeituras ou governos estaduais.
Fazem empréstimos dos recursos obtidos de instituições blicas ou não-
governamentais, do Brasil ou do exterior. As mais de 1400 cooperativas de
crédito existentes no Brasil são consideradas instituições financeiras e
controladas pelo Banco Central. Têm, contudo, limitações operacionais: não têm
acesso à câmara de compensação de cheques nem ao mercado intrafinanceiro.
Milhões de pessoas no mundo não têm conta bancária, o que é fato
marcante nos países em desenvolvimento. Sem acesso aos meios formais, os
mais pobres buscam alternativas informais recorrendo a agiotas, o que restringe
o vigor da atividade econômica dos tomadores devido ao custo alto do dinheiro.
Entretanto, ao ter acesso ao crédito as famílias tornam-se empreendedoras e
podem investir de acordo com suas prioridades. Segundo Paul Singer:
62
Sempre que possível é melhor emprestar do que doar. A doação
desmoraliza. É humilhante ter de depender da ajuda, seja do Estado ou
da igreja [...] A medida provisória que permitiu a criação de bancos do
povo os define não como bancos, mas como ONG’s de distribuição de
microcrédito. Elas são proibidas de receber depósitos e, portanto, não
têm condição de crescer com o resultado de sua atividade. Essa é uma
característica fundamental da experiência do Grameen Bank, experiência
que é inspiração dos bancos do povo. (OESP, 03 fev. 2003, Caderno A8).
Em 2002 os programas de microcrédito contavam com quase 3.000
instituições de microfinanças ao redor do mundo servindo a 67 milhões de
pessoas, de acordo com o economista. Entretanto, a idéia central do microcrédito
vem de longa data de acordo com trabalhos de pesquisadores que tratam das
experiências de crédito no norte italiano na Idade Média. Nos séculos passados
várias experiências criadas muitas vezes em torno de igrejas e paróquias
financiaram produtores em tempos de crise, principalmente garantindo
seguridade social ou promovendo financiamentos quando do aumento da
demanda (Alemanha, 1846 e Canadá, 1900). (http://www. [email protected]. Acesso
em: 19 dez. 2005).
O grau de subsídios das instituições de microcrédito costuma gerar
polêmica, pois remete a um debate mais profundo da indústria de microfinanças,
que envolve a auto-sustentação das instituições. A taxa não pode ser muito baixa
em razão do elevado custo de operar contratos de pequenos valores para uma
clientela pulverizada. Por outro lado, o juro não deve ser muito elevado para
evitar inadimplência, fator que inviabiliza a continuidade da instituição. E é a
inadimplência o fator de maior preocupação, não nas organizações de
microfinanças, como também em todo sistema bancário. Um exemplo é o próprio
Grameen, ícone mundial do sistema, que, no final de 2001, tinha 19% dos seus
empréstimos com um ano de atraso e 10% deles não eram pagos mais de
dois anos. Portanto, a inadimplência e a auto-sustentabilidade são elementos
importantes para análise do segmento.
No Brasil, é crescente a constatação do papel estratégico dos pequenos
empreendimentos em um projeto de desenvolvimento nacional. Considera-se
63
que a retomada do crescimento econômico e das atividades no setor formal ou
estruturado da economia é incapaz, por si só, de absorver a demanda por postos
de trabalho do país, que aponta para a necessidade de incorporação de dois
milhões de novos ocupados a cada ano. Em contrapartida, a existência de
atividades econômicas de pequeno porte não constitui fenômeno transitório,
limitado aos períodos de retração da atividade econômica, adequando-se
também aos ciclos de expansão.
A microempresa é o principal cliente das agências estaduais de fomento,
criadas pelo Banco Central em 2001 para substituir os antigos bancos de
desenvolvimento. As agências ajustaram seu foco nos pequenos empresários,
ao constatar que as grandes e médias empresas sempre encontram alternativas
para captar financiamento. Especialmente a partir da década de 1980, tem sido
cada vez maior a importância das micro-unidades econômicas no contexto
brasileiro.
De acordo com o levantamento mais amplo realizado no Brasil sobre os
pequenos empreendimentos, o Censo de Microempresas do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), em 1985, representavam 77% dos
estabelecimentos existentes no país. Dados mais recentes do mesmo órgão
indicam que os empreendimentos com até cinco ocupados absorvem cerca de
50% da força de trabalho em atividade. Portanto, as unidades de pequeno porte
vêm ocupando papel proeminente na vida de dezenas de milhões de brasileiros,
além de apresentarem um enorme potencial de geração de postos de trabalho, a
despeito de todas as dificuldades que enfrentam para sua consolidação.
Os pequenos empreendimentos familiares se constituem de centenas das
mais variadas atividades econômicas nos setores de produção: (alimentos,
vestuário, móveis, calçados, artigos de limpeza, cerâmica, bordados etc.),
comércio (comestíveis, armarinhos, confecções, sapatos, utilidades domésticas
etc.) e serviços (reparo de eletrodomésticos, conserto de móveis, de automóveis,
64
salão de beleza etc.), criados por seus próprios protagonistas, como resposta à
necessidade de sobrevivência.
Os chamados pequenos empreendimentos (ou microempreendimentos,
em termos literais) além de seu peso relativo e sua densidade social
apresentam características e potencialidades que lhes são próprias,
como a geração de ocupações de baixo custo, a função relevante na
renda familiar e flexibilidade para se adaptar aos movimentos do
mercado, em curto espaço de tempo. Por outro lado, não obstante seu
potencial e o papel que desempenham na vida de dezenas de milhões de
pessoas, é reconhecida a vulnerabilidade que caracteriza estas
atividades, mesmo quando se abstrai a dinâmica geral da retração ou
expansão da economia. Cotidianamente, estes empreendimentos, muitas
vezes informais, enfrentam dificuldades para sua consolidação e
expansão: restrições burocráticas e legais, carência de plano gerencial e
barreiras de acesso a mercados e fontes de financiamento
.
(http://www.iets.inf.br/. Acesso em: 01 set. 2006).
O apoio a essas unidades se justifica pelas seguintes razões: 1) criam
ocupação a baixo custo; 2) suscitam poupanças pessoais; 3) têm maior
flexibilidade para se ajustar às situações de mercado e, 4) permitem recuperar a
renda familiar com repercussões positivas na alimentação, moradia e saúde.
em 1990, no país como um todo, 42% das pessoas ocupadas no meio
urbano trabalhavam em empreendimentos com até 5 pessoas, elevando-
se esse percentual para 51,2% na região Nordeste. Esta distribuição
inclui empreendimentos e não registrados e informais. De lá paraessa
proporção tendeu a crescer, como indica – tomada a posição ocupacional
como proxi o aumento da categoria dos conta própria entre 1990 e
1999. Isto se deve em parte a fatores cíclicos e em muito a tendências
estruturais do mundo do trabalho, tal como se expressam no Brasil, com
a mescla de aspectos perversos e potencialidades, estes menos visíveis
que aqueles. (http://www.iets.inf.br/. Acesso em: 01 set. 2006).
Em termos abrangentes, o fortalecimento das pequenas unidades
familiares representa uma importante medida para a distribuição de renda e
democratização das oportunidades econômicas e viabiliza o direito básico de
cidadania.
Assim, como o projeto de microcrédito criado em Blangladesh e que se
tornou ícone mundial do sistema, o próprio Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
65
Pequenas Empresas (Sebrae) oferece suporte técnico e capacitação a quem
recorre a financiamentos.
Nesse quadro, o Sebrae e as cooperativas de microcrédito atuam de
maneira marcante. Essas entidades procuram os clientes nas empresas ou em
casa. A relação do “agente de crédito” e o tomador de crédito constitui um
diferencial do sistema gerido pelas instituições pertencentes ao campo do
microcrédito.
Os agentes de crédito avaliam as necessidades de crédito e condições de
pagamento e pedem referência a vizinhos e amigos. Após a concessão do
empréstimo, os agentes acompanham a evolução do negócio por meio de
capacitação técnico-gerencial do empreendedor e apoio à comercialização, uma
vez que a preocupação do programa é com o sucesso do empreendimento.
3.2 Os Organismos de Apoio
O Nobel da Economia, Amartya Sen ao desenvolver sua lógica do
desenvolvimento, também caminha no sentido da lógica de liberdade do
indivíduo isolado em sua própria condição de existência. Ao ampliar esse
conceito em relação a microfinanças, define o perfeito funcionamento do
mercado local onde os indivíduos trocam seus trabalhos particulares,
transformando o interesse individual em benefício social.
Dar condição de existência básica a esse homem econômico é, portanto,
a chave para a promoção do desenvolvimento via mercado. Assim, é possível
concluir, como o fazem os organismos multilaterais, que ao promover a
igualdade de condições mínimas de existência, como livrar os indivíduos da
fome, dar-lhes melhores condições de saúde e educação, estão oferecendo os
elementos básicos centrais para a transformação das pessoas em agentes em
66
condição de participar e garantir o pleno funcionamento dos mercados. Assim,
estaria garantido o desenvolvimento. “Com oportunidades sociais adequadas, os
indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos
outros” (SEN, 2000, p. 26).
O programa pioneiro de crédito popular, denominado Projeto UNO, era
uma organização não-governamental especializada em microcrédito e
capacitação para trabalhadores de baixa renda no setor informal, cujas
operações eram lastreadas por uma espécie de aval solidário. Nasceu no Recife,
em 1973 e serviu de base para o nascimento do Centro de Apoio aos Pequenos
Empreendedores (CEAPE), uma Organização Não-Governamental (ONG) que
se encontra, atualmente, em 230 municípios de todo o País.
Concomitante à concessão do crédito, a UNO capacitava os clientes em
temas básicos de gerenciamento. Além disso, produzia pesquisas sobre
o perfil do microempresário informal e o impacto do crédito. Todo esse
trabalho resultou no fomento ao associativismo, com a criação de
cooperativas, associações de artesãos e grupos de compra. (BARONI,
LIMA, DANTAS, 2002).
A política de estímulo iniciada pelo BNDES, em 1996, com a criação do
Programa de Crédito Popular, teve como objetivo principal auxiliar o crescimento
dos negócios de pequeno porte sejam eles formais ou não, e tem como uma de
suas ações prioritárias promover o crescimento das micro, pequenas e médias
empresas do país, dos setores industrial, de infra-estrutura, de comércio e
serviços e agropecuário. Segundo dados disponíveis, estas representam cerca
de 98% do total de empresas existentes hoje no Brasil, respondem por cerca de
60% dos empregos gerados e participam com 43% da renda total dos setores
industrial, comercial e de serviços. As micro e pequenas empresas respondem
por cerca de 2% do total das exportações do país e, considerando que uma das
prioridades da economia brasileira é o crescimento sustentado, forte apoio a
ampliação a essas empresas.
67
Também com base no conceito de auto-sustentação, surgiram modelos
não vinculados unicamente a ONGs. Dentre as instituições que recebem
recursos do BNDES em busca de auto-sustentabilidade constam instituições
tradicionais. Como exemplo: o Banco Real ABN AMRO Bank que, em julho de
2002, inaugurou a Real Microcrédito Assessoria Financeira Ltda., com o objetivo
de conceder crédito e assim, participar do fomento ao desenvolvimento
econômico e social de pessoas que não tinham acesso ao sistema financeiro
convencional. O público-alvo era composto por pessoas que mantinham
pequenos negócios no setor informal, como borracheiros, costureiras, donos de
armarinhos ou pese etc. As principais condições para concessão de crédito são
atuar no mesmo negócio há pelo menos um ano e não ter pendências financeiras
na praça. Esse projeto também contou com a consultoria da organização não-
governamental norte-americana Acción International. Agentes de crédito visitam
os interessados em suas residências ou local de trabalho. Em substituição à falta
de comprovação de renda, o cadastro se realiza com base em ferramentas da
Acción um questionário abrangente, que permite avaliar a capacidade de
pagamento do tomador.
Também os programas desenvolvidos pelo Banco Mundial (Bird) e pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) dispõem de uma estratégia de redução da
pobreza: o programa de financiamento e de assistência adotados em 1999. São
créditos em condições especiais, concedidos a países também beneficiados, em
muitos casos, por um programa de redução da dívida externa. Os programas
conduzidos pelas duas instituições envolvem além do dinheiro, uma experiência
de campo acumulada em décadas de trabalho, que inclui o contato com
populações de diferentes culturas, em diferentes meios naturais e com governos
de países de tradição e instituições políticas diversas.
68
3.3 A Rede CEAPE
A partir da experiência da Acción Internacional e de organizações não-
governamentais colombianas, a metodologia dos Grupos Solidários, que utilizam
o aval solidário, foi replicada no Brasil (BARONI; LIMA; DANTAS, 2002). A partir
da iniciativa do Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos surgiram mais
outros 12 Centros similares em 13 estados brasileiros que formaram a
Federação Nacional de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (FENAPE), hoje
denominada CEAPEs Nacional. Os CEAPEs configuram uma Rede e esta é
composta por associações civis de direito privado, sem fins lucrativos, com o
objetivo de promover o crescimento socioeconômico de famílias de baixa renda
que desenvolvem atividades de produção, comércio e serviços. Trabalham para
elevar a capacitação e auto-estima das pessoas, conscientizando-as de que,
como cidadãos produtivos, são agentes importantes no processo de
desenvolvimento do País. Os CEAPEs estão articulados na Rede CEAPE, de
forma independente, mas adota a mesma metodologia do crédito produtivo
orientado, o mesmo princípio da sustentabilidade e a mesma metodologia de
apoio aos empreendedores excluídos do sistema financeiro tradicional,
principalmente o informal”. (idibidem).
A Rede CEAPE estabeleceu parcerias de cooperação técnica com
organismos nacionais e internacionais, tanto com órgãos da área governamental
como do setor privado. Entre eles estão: o BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social), SEBRAE, UNICEF, Accion International, FNN e DED (cooperação
alemã), DISOP (belga) e ESSOR (francesa), Comunidade Solidária, Ministério do
Trabalho, além de Associações Comerciais e Industriais em vários Estados. Em
1999, a Rede CEAPE foi classificada pela Fundação Getúlio Vargas e o Banco
Mundial como uma das dez principais experiências brasileiras de combate à
pobreza. “O público dos CEAPE’s compreende pequenos empreendedores,
geralmente sem acesso ao crédito institucional. São mulheres e homens
69
integrantes de famílias de baixa renda que têm na atividade por conta própria,
uma alternativa de vida. (http://www.iets.inf.br. Acesso em: 01 set. 2006).
Quadro 5 Relação de Instituições
Instituições Limite Crédito em R$ Taxa Juros Mensal
Ceape Nacional De 100 a 15 mil 5%
Ceape Pará Até 5 mil 5,34%
Ceape Paraíba De 100 a 15 mil 1,5 + taxa única de 4,5%
Ceape Pernambuco De 500 a 10 mil 3,85%
Ceape Bahia De 200 a 3 mil 4,9% + taxa única de 6%
Banco do Povo Mato Grosso Sul De 300 a 2 mil 2,6%
Banco do Povo Belo Horizonte De 500 a 3 mil 3,9% + taxa única de 5%
Ceape Espírito Santo De 300 a 6 mil 5,5%
Banco da Mulher do Rio de Janeiro
Até 5 mil 4%
Banco do Povo Paulista De 200 a 5 mil 1%
Banco do Povo de Santo André Até 10 mil 3,1% a 3,9%
Banco Social de Curitiba Até 5 mil 1,5% + taxa única de 1,5%
Banco da Mulher do Paraná De 300 a 5 mil 4,5%
Banco da Mulher de Lages De 200 a 10 mil 3,95%
Ceape Rio Grande do Sul Até 10 mil 5,5%
Fonte: Disponível em: http://www.iets.inf.br/. Acesso em: 01 set. 2006.
O processo de um novo cliente, até a liberação do primeiro crédito envolve
os seguintes passos: 1) fornecimento de informações básicas; 2) formalização do
grupo (ou do cliente com o avalista) e preenchimento da solicitação de crédito; 3)
visita ao cliente; 4) análise da solicitação de crédito; 5) liberação do crédito
.
No primeiro momento, é efetuado o contato com o interessado que
formaliza seu pedido de crédito e escolhe a forma como se dará a fiança:
formação de grupo solidário ou crédito individual. Após este passo, é efetuada a
consolidação do grupo solidário seguida da visita do agente de crédito ao local
de trabalho do empreendedor. Este momento é decisivo para atestar a
70
necessidade do empréstimo; a existência do negócio e sua dimensão para o
atendimento da solicitação.
Na maioria das vezes as atividades são informais, sem registros, mas os
técnicos são treinados justamente para lidar com este universo. Através
do diálogo com o cliente, em seu local cotidiano de trabalho, o técnico
dispõe de critérios e instrumentos para analisar a viabilidade econômico-
financeira do empreendimento. E também a credibilidade pessoal do
cliente, o que é reforçado em contatos com seu rculo local de relações.
Quando da visita, é preenchida a Ficha de Informações Básicas da
Atividade Econômica (FIBAE), contendo um conjunto de dados sobre o
empreendimento e o titular da família. A FIBAE é um instrumento-chave
para diagnosticar a situação do cliente no momento de seu ingresso no
CEAPE, servindo como referência na avaliação do impacto do programa
junto aos beneficiários diretos, quando cotejados com momentos
posteriores. (http://www.iets.inf.br/. Acesso em: 01 set. 2006).
O empréstimo é concedido principalmente para capital de giro com prazo
de até 180 dias, renováveis, quase sempre, com valores crescentes que podem
variar de R$ 200,00 a R$ 3.000,00. Dessa forma, estabelece-se um pagamento
em dia: ele sabe que, ao pagá-lo corretamente, estará se tornando apto a
receber outro empréstimo do mesmo valor ou maior e dispor de recursos para
manter seu capital de giro. (http://www.iets.inf.br. Acesso em: 01 set. 2006).
Também é oferecida uma assessoria empresarial que complementa a
capacitação gerencial que consiste na realização de reuniões mensais entre um
técnico e cada grupo de clientes, quando busca-se avaliar a situação de cada
empreendimento, com ênfase na aplicação do crédito e nas estratégias de
gerenciamento do negócio.
Nas diversas etapas do processo, papel central é desempenhado pelos
agentes ou técnicos em crédito, cuja atividade requer perfil e treinamento
específico. Diferentemente do técnico do sistema bancário tradicional, o
agente mantém uma relação individualizada com os clientes e um
monitoramento das atividades financiadas. Sua prática é considerada
elemento-chave dentro do conceito definido pela rede como tecnologia do
microcrédito orientado para o seu desempenho pessoal.
(http://www.iets.inf.br/. Acesso em: 01 set. 2006).
71
Com esta medida é estabelecido um estreito relacionamento com os
pequeno empresário durante todo o período de vigência do financiamento, o que
consiste em uma estratégia de supervisão de suas atividades.
3.3.1 Missão e objetivo
A rede CEAPE tem como missão: “a melhoria da qualidade de vida dos
pequenos empreendedores, através da massificação do crédito orientado, em
âmbito nacional, como estratégia de combate à pobreza”. (http://www.iets.inf.br>.
Acesso em: 01 set. 2006).
Seu objetivo é melhorar o nível de renda dos pequenos empreendedores;
fortalecer os pequenos empreendimentos; contribuir para a diminuição da evasão
escolar e permanência de crianças e adolescentes na escola; contribuir para o
exercício da cidadania; criar novos postos de trabalho e fortalecer os existentes e
possibilitar condições para a valorização e o reconhecimento do papel da mulher
que trabalha por conta própria, no seu contexto socioeconômico e cultural.
Os empréstimos são concedidos mediante o acompanhamento gerencial
dos negócios do cliente por técnicos especializados, objetivando a promoção e o
aperfeiçoamento da capacidade gerencial do empreendedor. É uma relação de
longo prazo, pois o sistema prevê a renovação dos pequenos empréstimos em
valores crescentes, de acordo com as exigências da atividade.
3.3.2 Acesso ao crédito
Os primeiros créditos devem ser pequenos e fáceis de devolver, como
parte de um processo educativo em relação ao uso adequado do crédito, para
evitar sobrecarregar o negócio com o dinheiro acima de sua capacidade de
72
inversão. À medida que o cliente se familiariza com o uso do crédito, desenvolve
sua capacidade de aplicá-lo bem e pode ter acesso a maiores valores. Dessa
maneira, aprende a controlar o fluxo de capital e a desenvolver sua capacidade
de planejar o próximo pagamento.
Por dispor de capital próprio muito reduzido, o pequeno empreendedor
informal necessita ter acesso permanente ao crédito e ter sempre à mão seu
capital de trabalho, o que implica na renovação imediata do crédito, tão logo seja
liquidada a dívida anterior. Ao mesmo tempo, ele é motivado para pagar em dia,
pois, sabendo, que ao pagar a dívida de seu crédito anterior receberá um novo,
estará mais motivado a fazê-lo.
3.3.3 Modalidades de Microcrédito
Fiança Solidária: consiste na formação de um grupo de pequenos
empreendedores interessados na obtenção de crédito, com objetivos
semelhantes e baseados na confiança mútua adquirida, fundamentada na
convivência, sendo que cada participante se disponibiliza a ser avalista dos
outros participantes.
Crédito individual: caso o empreendedor não aceite ou não tenha
condições de formar um grupo, pode tomar um empréstimo com a apresentação
de um avalista e eventualmente uma garantia complementar.
Para determinar esses elementos, é levado em conta o setor e o tipo de
atividade econômica que está sendo financiado. Por se tratar de atividades de
pequenas dimensões, os créditos são de pequeno valor, curto prazo e
pagamentos freqüentes. “Isto significa que o aval individual não exige condições
de renda que poderiam ser inatingíveis no círculo social do cliente”. (Disponível
em: http://iets.inf.br. Acesso em: 01 set. 2006).
73
A diferenciação desses dois tipos de créditos permite que o cliente
continue renovando seu crédito para capital de trabalho em pequenos períodos,
o que facilita o reembolso de ambos os créditos.
3.3.4 Valor e forma de pagamento
Para determinar esses elementos, é levado em conta o setor e o tipo de
atividade econômica que está sendo financiado e, principalmente, seu "ciclo de
giro do capital". Por se tratar de atividades de pequenas dimensões, os créditos
são de pequeno valor, curto prazo e pagamentos freqüentes. O aumento do valor
dos créditos seguintes deve refletir o crescimento do negócio, ou seja, os efeitos
positivos dos créditos anteriores.
Essas estratégias são benéficas para o negócio, pois estabelecem uma
rede de cooperação e arranjos produtivos pelos seguintes fatores:
1) A dívida é assumida de acordo com a capacidade de inversão e
pagamento.
2) Não sobra dinheiro, que seria facilmente desviado para outras
necessidades básicas não-atendidas;
3) Em pequeno espaço de tempo terá sempre dinheiro novo para aplicar;
4) Prestações de pequeno valor facilitam a liquidação do débito sem que
haja descapitalização.
Dessa forma, é mantido um estreito relacionamento por meio do diálogo
com os empreendedores populares durante todo o período de vigência do
financiamento, constituindo uma ação estratégica de microcrédito produtivo e
orientado.
74
3.3.5 Exercício da cidadania
Além de fortalecer iniciativas de economia solidária, o programa
desenvolve atividades que estimulam o exercício da cidadania, como a
organização dos pequenos empreendedores na busca de soluções para
problemas comuns: promover palestras, seminários e reflexões em torno de
temas relevantes à sua formação como cidadão; trabalhar a especificidade da
mulher no contexto da família e da sociedade, visando a superar a desigualdade
da sociedade
.
3.4 Breve Histórico do Bank Grameen
Em 1976, o economista Muhammad Yunus implanta uma experiência
pioneira em Bangladesh, um dos países mais desfavorecidos da Ásia, pela qual
acredita que o crédito poderia acabar com a situação de extrema pobreza que
assola a população de seu país, concedendo pequeníssimos empréstimos a uma
parcela dos 12 milhões de cidadãos que não tinham acesso a nenhum outro
meio para obter qualquer resultado concreto de mudar sua situação. A
necessidade de disponibilizar recursos para crédito produtivo popular motivou o
professor Muhammad Yunus, diretor principal e fundador do Grameen, o qual
continua a ser um grande defensor e promotor do microcrédito, com o argumento
de que é a única maneira de existir um crédito bilateral de maneira gratuita,
tornando-o possível, particularmente para mulheres pobres.
As primeiras discussões sobre a importância do microcrédito para aliviar a
pobreza em Bangladesh tiveram início em junho de 1976, com o trabalho de
mobilização de 42 pessoas que tomaram emprestado um total de menos de 27
dólares para sobreviver por si mesmas. Na ausência de instituições financeiras
capazes de atender a este mercado de crédito os agiotas fornecedores
informais de crédito tomavam conta do espaço cobrando juros astronômicos e
75
levavam seus clientes a se aprofundarem mais e mais na pobreza. Assim, os
bancos acabavam criando uma categoria de pessoas cada vez mais
empobrecida. Foi por desespero que o banco Grameen aboliu as regras
bancárias elementares e, para grande surpresa, o pagamento dos empréstimos
sem caução funciona muito melhor do que quando a garantia é importante. Mais
de 98% dos empréstimos concedidos são pagos, porque os pobres sabem que
essa é a única oportunidade de saírem da pobreza e não podem recuar ainda
mais, pois não têm outra maneira de sobreviver se forem excluídos desse
sistema.
O caminho percorrido dos 27 dólares emprestados pelo professor Yunus a
42 famílias naquele ano foi longo até chegar a 2,3 bilhões de dólares
emprestados a 2,4 milhões de pessoas pobres que vivem em 39 mil vilas e
aldeias de Bangladesh. Na reunião realizada em Washington, em fevereiro de
1997, a meta estimada foi alcançar 100 milhões de famílias mais pobres com o
microcrédito – preferencialmente as mulheres dessas famílias – até o ano 2005.
Atualmente, os programas do Grameen se estendem por todo o planeta,
atendendo sempre aos pobres que não podem oferecer garantias. Dentro de
princípios humanistas, suas ações beneficiam àqueles que atendem a regras
simples; como exemplo: o empréstimo é feito a grupos de pessoas que se
responsabilizam mutuamente pela devolução ou no atendimento às
necessidades das mulheres, na maior parte das vezes mantenedoras dos lares.
Os bancos tradicionais pedem aos clientes que se dirijam a suas agências.
Para um pobre e ainda por cima analfabeto –, uma agência tem algo de
terrível, de ameaçador. Ela cria uma distância suplementar. Por isso
resolvemos que iríamos até o cliente. Todo o sistema bancário do
Grameen parte da idéia de que não cabe às pessoas ir ao banco, mas o
banco ir até às pessoas, princípio que de saída nós adotamos. Isso não
é apenas uma estratégia de relações públicas, mas um elemento
determinante de nossas operações comerciais. (YUNUS, 1997, p. 151).
76
O grande diferencial nas operações do Grameen e que atua como
determinante para o sucesso
das operações comerciais está no modelo de
comunicação adotado que atua com dois princípios fundamentais.
Se for visitar uma agência do banco Grameen em Bangladesch, vai ver
que nunca fila no caixa. Talvez veja algumas pessoas trabalhando,
mas na inauguração do banco afixamos em todas as nossas agências
essa advertência: A presença de qualquer membro da equipe será
considerada uma violação das regras do banco Grameen’.(YUNNUS,
1987, p. 151).
O primeiro é o da adoção da comunicação dirigida se dá face-a-face
quando os funcionários do Banco vão ao local onde vivem os clientes. Justifica-
se esta comunicação interpessoal, pois, na visão de Yunus, o dinheiro é
endereçado aos pobres os quais vêem nas instituições financeiras uma barreira.
Segundo seu idealizador, o banco é quem deveria ir às pessoas, facilitando o
acesso dos pobres aos negócios, principalmente em se tratando de uma mulher
como parte envolvida. O escritório bancário é uma parte da instituição, o que
representa uma ameaça para uma pessoa pobre. Assim, os agentes passam
todo o seu tempo andando pelos lugares e falando com as pessoas – é o
trabalho de campo e ficam em suas agências o tempo necessário para
contabilizar os documentos. Os agentes de crédito avaliam as necessidades de
crédito e condições de pagamento e pedem referência a vizinhos e amigos.
Diferentemente do que ocorre nas instituições financeiras tradicionais,
esses funcionários são pessoas que concluíram a universidade, mas não têm
experiência alguma no mercado financeiro e são treinados pelo próprio
Grameen. Sua missão consiste em se familiarizar com a região e fazer um
levantamento detalhado de tudo o que lhes diga respeito para que possam
instalar novas agências em lugares carentes. O objetivo é ter funcionários
técnicos que se impregnem de todo o contexto cultural, social e político sem o
qual a percepção do problema econômico será insuficiente. Ou seja, os
profissionais locais vivem os problemas de dentro e, por exemplo, conhecem a
77
idiossincrasia de seu povo na hora de elaborar e conceder empréstimos. Após
sua concessão, os agentes acompanham a evolução do negócio.
Os funcionários não fazem discriminação sobre a atividade econômica que
seus financiados têm intenção de realizar e os empréstimos são bem diversos,
indo da produção de conservas, velas, temperos a atividades agrícolas. Contudo,
com a realização de visitas semanais e mensais, os agentes regularmente
medem a saúde financeira de seus financiados para garantir que eles poderão
pagar com os devidos juros os empréstimos recebidos e também que toda a
família esteja dele se beneficiando.
O Grameen procura não apenas gerar mudanças econômicas como
também sociais. Parte do pressuposto que emprestar será mais benéfico do que
uma doação, pois melhora a dignidade das pessoas, posto que é humilhante
para o ser humano depender de uma ajuda, seja do Estado ou da Igreja para
sobreviver.
O segundo princípio determinante para o sucesso é o fato da organização
dos tomadores de crédito ser realizada por meio de pequenos grupos
homogêneos denominados de grupos solidários. Este grupo é formado pela auto-
seleção de seus membros, obedecendo a uma condição básica de que as
pessoas que vão participar do grupo tenham um relacionamento anterior, sejam
amigas e gozem de confiança recíproca, desta forma, é criada uma espécie de
rede de apoio que, ao mesmo tempo, exerce pressão. Essa condição facilita a
coesão grupal, aumentando o nível de cumprimento das responsabilidades
assumidas, da participação e do rendimento do grupo.
O grupo solidário é formado com um mínimo de três pessoas e máximo de
seis: seu tamanho facilita o processo de comunicação interpessoal, a
organização e administração dos conflitos, a obtenção de consenso e a
78
participação equilibrada entre os seus membros. Uma vez auto-selecionadas, as
pessoas que dele vão participar iniciam as atividades do programa.
Assim é estabelecida a fiança solidária que consiste na associação de
pessoas que assumem coletivamente as obrigações quanto ao retorno dos
empréstimos. A opção pelo grupo solidário, formado pela auto-seleção de seus
membros, supõe a convivência anterior e a confiança, pois seus integrantes são
co-avalistas: se um não pagar sua dívida, os outros devem assumi-la.
Os empréstimos concedidos por ele são de pequena monta e de curto
prazo e ajustados de acordo com as possibilidades das pessoas. Às vezes o
pagamento é diário. Em 1982, o número de membros do Grameen atingiu 28 mil
pessoas dos quais metade era composta por mulheres, pelo seu papel
fundamental como responsáveis pela administração familiar. Isso tem funcionado
perfeitamente, pois a mulher discute preços, pechinchando cada centavo e
aumentando, assim, seu poder de compra. Atualmente as mulheres compõem
cerca de 95% do total de tomadores de empréstimos, principalmente na área
rural.
Várias entidades sérias como o Grameen acabam tendo esse tipo de
iniciativa de programa de expansão do microcrédito porque precisam de recursos
para suprir carências sociais imensas, deixadas por um estado incompetente,
para gerar empregos, crescimento econômico e redes de proteção social,
situação ainda mais acentuada pelos efeitos negativos da globalização.
O Grameen é um banco privado de auto-assistência e o lucro auferido em
suas operações é reinvestido em novas habitações, escolas e serviços de saúde.
Defende objetivos sociais, como: eliminar a pobreza, fornecer educação a todos,
assistência médica e emprego, atingir a igualdade às mulheres e o bem-estar
social às pessoas idosas. É o que poderia ser chamado de setor privado
orientado para a consciência social e não pela busca do lucro:
79
Quadro 6 Localidades com Modelo Grameen
Fonte: http://integracao.fgvsp.br/. Acesso em: 28 nov. 2006.
3.4.1 O Prêmio Nobel da Paz 2006
O Comi Norueguês do Nobel decidiu premiar o bangalês Muhammad
Yunus (1940), fundador e presidente do Banco Grameen, como o ganhador do
Prêmio Nobel da Paz 2006. Yunus concorreu com outros 191 candidatos e a
premiação ocorreu em 10 de dezembro de 2006, na cidade de Oslo, Noruega,
por ocasião do aniversário da morte de Alfred Nobel. Criado em 1901, o Nobel da
80
Paz é dotado de 1,1 milhões de euros e, com o passar dos anos, passou a incluir
os direitos humanos e o meio-ambiente.
Em 1974, ao retornar de um período de estudos nos Estados Unidos,
Yunus ficou chocado com a fome em Bangladesh e passou a visitar as vilas
pobres para tentar achar uma solução. Em suas visitas, ele percebeu que muitas
mulheres de vilarejos pobres tinham altas dívidas com agiotas e decidiu tentar
persuadir o banco local a dar crédito regular aos moradores locais. Yunus
enfrentou resistência dos dirigentes do banco, que argumentavam que não
haveria garantia de que os beneficiados pobres conseguissem pagar suas
dívidas. Fundado em 1976, o Grameen Bank obteve status de banco em 1983 e
foi exportado para mais de 40 países. Desde então, mais de US$ 5,7 bilhões
foram emprestados pelo sistema de microcrédito em Bangladesh, dos quais US$
5 bilhões foram pagos. Mais de 6,6 milhões de pessoas foram beneficiadas
96% delas mulheres. (ANEXOS I e II).
Muhammed Yunus, é conhecido como o “banqueiro dos pobres”, e o seu
banco como “banco do povo”, uma referência ao conceito do banco Grameen,
que significa povoado. A sua escolha é vista com surpresa, mas é interpretada
como uma mensagem do Comitê Norueguês do Nobel contra o neoliberalismo
econômico e a uma globalização que não levam em conta as necessidades dos
pobres. "A paz duradoura não pode ser obtida sem abrir um caminho para que
uma ampla parte da população saia da pobreza". (http://www.uol.com.br. Acesso
em: 22 nov. 2006)
81
CAPÍTULO 4 A CONTRIBUIÇÃO DA COMUNICAÇÃO PARA O
BANCO DO POVO
4.1 A Percepção de Mundo e a Formação de Grupos
Saber porquê a configuração de pessoas em pequenos grupos foi
favorável para o sucesso do banco dos pobres ou Banco do Povo e descobrir os
motivos pelos quais, num mundo que oferece quase que infinitas oportunidades
de interação, os pequenos grupos são uma escolha é um desafio a que nos
propomos. Para tal, é preciso que se retorne aos meios mais primários de
percepção de mundo, já que é essa que guia nossas ões, mesmo que de
forma inconsciente.
Existem fatores estruturais e funcionais responsáveis por formatarem, na
mente do homem, uma imagem do mundo. Os primeiros passam
necessariamente pelos meios físicos e biológicos de transmissão. Assim, os
estímulos estruturais derivam dos efeitos que os objetos e acontecimentos
presentes no mundo dos fenômenos produz em nosso sistema nervoso. Os
estímulos funcionais, por sua vez, são aqueles que derivam primordialmente das
necessidades, do estado de ânimo, das experiências anteriores e da memória
dos indivíduos. Ou seja, trata-se de fatores responsáveis por atribuir sentido a
um estímulo qualquer, segundo a conformidade do indivíduo.
A despeito da existência de fatores funcionais e estruturais, vale dizer
sobre a seletividade funcional da percepção. Uma pessoa, hodiernamente,
depara-se com uma infinidade de informações todos os dias, principalmente se
viver em uma grande cidade. Para que tenha uma mente saudável, ver-se-á
obrigada a selecionar as informações que lhe são apresentadas, e o melhor
critério é a funcionalidade. As pessoas tendem a escolher aqueles dados que
82
lhes são mais úteis e também aqueles que seus fatores funcionais lhes permite
escolher.
O que parece mais plausível afirmar, a partir daqui, é que uma estrutura
de pequenos grupos faz com que as pessoas tenham maior domínio das
informações circundantes, por essas não serem muitas; outro motivo é que cada
integrante de um grupo geralmente faz parte de um mesmo sistema cognitivo, o
que solidifica as relações e reitera coletivamente os objetivos a serem
alcançados. Este, além de solidificar uma identidade comum aos membros do
grupo, também ajuda quanto à interpretação dos estímulos. Nesse sentido,
relatam Krech e Crutchfiel:
Quando um indivíduo é percebido como membro de um grupo, cada uma
das características do indivíduo que correspondem às características do
grupo está afetada pelo fato de que o indivíduo pertencer ao grupo, e o
efeito segue a direção da assimilação ou do contraste. Entre outros usos,
esta formulação pode nos ajudar a compreender porquê, em nossa
percepção das pessoas, somos com freqüência ‘parciais’ ou ‘injustos.’
(
In: SCHRAMM, 1969, p. 109).
uma outra questão a ser levantada, atinente a ética. A aparente
contradição do mundo globalizado nos conduz ao falso raciocínio de que, por
haver acesso quase irrestrito a diversas culturas, as pessoas tendem a
distanciar-se de suas raízes. Outro tipo de prospecção leva à idéia de uma
preservação veraz de identidades, no sentido de um retorno a uma etnicidade
idealizada. Sem adentrar nessa discussão nada profícua para o trabalho,
tratemos da questão da multiplicidade.
As presentes dicotomias da cultura ocidental, juntamente ao raciocínio
cartesiano, nos impediram, por vezes, de perceber a multi-funcionalidade do ser
humano. Não há que se falar de um aspecto físico sem considerar suas
implicações sociais, não se deve tratar o plano do intelecto sem abordar o plano
emocional e assim por diante. Desse modo, um modelo produtivo que seja capaz
de capacitar o ser humano nessas diversas esferas da vida sem dúvida terá para
83
si um ser humano mais completo, o que afeta diretamente a força de trabalho.
Essa percepção orgânica das relações humanas é capaz de aproximar o homem
de seu ethos, indubitavelmente.
Os pequenos grupos aos quais o Banco do Povo concede crédito agem
sempre solidariamente, no lucro e no prejuízo; visam a uma melhora em todos os
planos de vida do indivíduo, encarando-o de maneira global; servem para,
futuramente, fomentarem projetos daqueles grupos iguais ao seu e, por fim têm
por base um projeto ético de ascensão social.
4.2 A Importância da Comunicação nos Pequenos Grupos
Em um primeiro momento, é importante deixar claro que a opção de
estudo pela comunicação dos pequenos grupos de modo algum pretende
diminuir a importância das outras modalidades interacionais. A comunicação
interpessoal, antes, é a praticada entre os indivíduos do grupo. Depois, uma
eficiente comunicação de grupo ensejo para que se elaborem sistemas
comunicacionais mais vastos tais como a comunicação de massa. De acordo
com a definição de Marvin E. Shaw (1971) em seu trabalho Group dynamics: the
psychology of small goup behavior:
[...] um grupo é definido como duas ou mais pessoas que estão
interatuando mutuamente de tal maneira que cada pessoa influencia e é
influenciada por cada uma das outras pessoas. Um pequeno grupo é um
grupo que tem 20 ou menos membros, se bem que, na maioria dos
casos, estaremos interessados em grupos de cinco membros ou menos.
(apud LITTLEJOHN, 1988, p. 254).
Além dessa definição extrínseca, existe a percepção de pertencimento
que parte do indivíduo e inclui a Comunicação como uma característica essencial
do grupo. Ainda segundo Shaw “(...) os grupos mais interessantes são aqueles
84
que perduram por um período de tempo relativamente longo, possuem um
objetivo ou objetivos, e certo grau de estrutura interacional”. (Id. ibidem).
Para que seja possível saber se alguém faz parte de um grupo, deve-se
analisar os seguintes requisitos: a pessoa se autodenominar como integrante;
achar o grupo gratificante; esforçar-se em prol de um resultado coletivo; ocupar
um papel específico no grupo e ser definida como membro pelos outros
participantes do grupo. Para que se inicie a análise propriamente dita, faremos
uma cisão qualitativa sobre o conceito de grupo. (LITTLEJOHN, 1988).
Conforme o critério numérico, são os pequenos grupos os mais
interessantes à pesquisa. Agora, vale explicar a diferença entre grupos
funcionais e estatísticos. Ao passo que estes recitam os grupos segundo um
critério geográfico como idade, sexo, religião, instrução etc, aqueles são
constituídos por membros que compartilham um objetivo em comum. É claro que
os membros de um mesmo grupo estatístico tendem muitas vezes a responder
mais ou menos da mesma forma a certos estímulos da informação, mas sem
dúvida são os membros de grupo funcional em comum que irão exercitar seu
senso crítico semelhante. Nesse tipo de grupo as pessoas tendem a prestar mais
atenção à opinião alheia, justamente por ser o desejo que as une. O grupo
funcional, logo, é o lugar primordial de estudo da comunicação coletiva.
As famílias são quem mais recebem o fomento do Banco do Povo e
inquestionavelmente são grupos estatísticos. Por outro lado, da maneira em que
se configuram são grupos funcionais, já que o incentivo do microcrédito passa a
ser uma tarefa comum para aqueles indivíduos. Não só, a existência do grupo
funcional como tal depende também de um constante campo de forças interno e
externo. No campo da psicologia social, uma das contribuições mais importantes
foi a de Kurt Lewin (1947) ao adotar um conceito sistêmico de grupo:
85
O grupo existe num estado dinâmico de quase-equilíbrio. O estado do
grupo, em qualquer momento, é determinado por várias forças opostas.
Essas forças criam uma tensão e o potencial para movimento de
mudança. Essa noção leva-nos ao método de Lewin de análise do campo
da força, o qual, reconhece que o estado do grupo, em determinado
momento, é um resultado de forças pró-mudança e forças contra a
mudança. (Apud LITTLEJOHN, 1988, p. 260).
Desses excertos pode-se extrair duas lições. A primeira delas passa por
uma questão de gradiente de forças. Na medida em que os benefícios de estar
em grupo e realizar uma tarefa em comum forem tantos que possibilitem às
pessoas afastarem-se de sua condição inicial, as forças externas favorecerão a
comunhão de grupos; do contrário, os interesses pessoais irão prevalecer, o que
irá propiciar uma postura individualista. Nesse sentido, percebe-se que os grupos
que se beneficiam do microcrédito, por viverem em condições sociais muito
precárias, sofrem muitas forças externas que lhes conduzem ao associativismo.
Outra lição que podemos levar é a respeito da bagagem cultural do grupo.
Mesmo que as forças externas incentivem a mobilização de um grupo ao ponto
que ele faça movimentos, é imprescindível que seus valores sejam respeitados.
Isso é patente para provar que não basta oferecer crédito aos mais pobres, é
necessário que isso se faça de acordo com a sua linguagem. O Banco do Povo,
diferente dos demais, soube utilizar-se dos agentes de créditos para tal
finalidade. Aqueles cidadãos que se sentiam ameaçados pelo ambiente das
agências bancárias passaram a receber, em suas próprias casas, a oportunidade
que consideravam estar tão distante.
Com o intuito de demonstrar a dinâmica sistêmica do comportamento
social, mais que o campo de forças externo versus o interno para ser citado.
Mais de uma frente de análise existe, mesmo quando o objeto é simplesmente o
interior do grupo. Trata-se aqui das atividades, da interação e dos sentimentos. O
método de separar os campos de trabalho das relações pessoais e esses últimos
dos sentimentos pessoais não é eficaz quando se trata de pequenos grupos. Os
86
atores sociais pretendem sempre uma melhora pessoal através do projeto
coletivo, obviamente, mas isso não impede que a comunicação grupal seja algo
que tenha uma importância maior. De acordo com Émile Durkheim, um grupo
social não é a mera soma de seus indivíduos, os ultrapassa. Aqui, pode-se
afirmar que a interação do grupo tampouco depende de fatores administrativos
isolados, mas sim, de uma gerência própria de interação.
A despeito da visão holística é evidente que haja uma certa padronização
na interação dos pequenos grupos, e é a sua formatação que se pretende agora
mostrar. À medida que o sistema social de um grupo se desenvolve, são
percebidos alguns posicionamentos recorrentes. Cada membro do grupo tende a
incorporar um papel específico, ao encarregar-se de determinadas funções. Essa
padronização de comportamento vem juntamente a uma homogeneização das
atividades, que são naturalmente arranjadas em seu modo mais produtivo. A
partir desse momento espera-se que os agentes sociais ajam de acordo com
essas disposições; essa expectativa de conduta nada mais é que o conjunto de
normas de um grupo. Finalmente, são estabelecidos graus hierárquicos dentro
do grupo, os quais serão mais bem abordados no item subseqüente.
Seria desleal para as Ciências Sociais admitir somente pontos positivos na
existência dos pequenos grupos. Estes, evidentemente, têm seu custo de
funcionamento. Para que o trade off valha a pena adentremos melhor a esses
pormenores. Quando um grupo de pessoas reúne-se para realizar certa
atividade, nem toda a energia de trabalho despendida é dirigida a esta produção.
O grupo, em si, demanda uma quantidade de energia para manter seu
funcionamento; seja para ordenar tarefas, seja para que a comunicação entre
seus membros se estabeleça sem ruídos. Segundo
Litterjohn, Cattell (1984)
tratou dessa questão em sua teoria da sinergia:
87
A sinergia de grupo é o resultado das atitudes dos membros para
com o grupo. Na medida em que os membros têm atitudes
diferentes em relação ao grupo e suas operações, resultará um
conflito, aumentando a proporção de energia necessária à
manutenção do grupo. Assim, quanto mais indivíduos possuem
atitudes semelhantes, menor é a necessidade de investimento
intrínseco e maior a sinergia ativa. (1988, p. 261).
Ao passo em que as interações forem mais bem sucedidas, maior é o grau
de coesão do grupo. E quanto maior a coesão de um grupo for, maximizadas
serão as recompensas e minimizados serão os custos dessa união. Mais uma
vez, no caso em tela, verifica-se a aplicação prática desta teoria. A unidade
social mínima da família, sem dúvida, gasta menor quantidade de sinergia na
manutenção de grupo que demais configurações sociais, e por dois motivos
básicos. Em primeiro lugar, as famílias têm laços fortes de estabelecimento, e
não se romperão devido a motivos sem importância; depois, é indelével o nível
de conhecimento mútuo entre seus membros, o que poupa tempo e esforços de
interação. Assim, a família beneficiada pela concessão de crédito possui um
elevado grau de coesão no momento de decisão de investimento.
Não basta, porém, uma família comprometida e coesa. Os grupos, para
que funcionem bem em suas unidades, precisam que haja uma rede de
funcionamento entre outros grupos:
É claro, seria uma falácia ver todos os grupos como entidades
independentes. Como as pessoas aderem a muitos grupos, estes
sobrepõem-se e apóiam-se ou chocam-se mutuamente. Além disso, os
grupos organizam-se hierarquicamente. Quando um grupo é usado por
outro grupo como instrumento para se atingir um objeto supra-ordenado,
diz-se existir subsidiação. Assim como indivíduos são subsidiários de
grupos, alguns grupos são subsidiários de outros grupos. O inter-
relacionamento entre os grupos numa esfera pode ser definido como
entrelaçamento dinâmico. (...) O que acontece num entrelaçamento de
grupos e subgrupos é que a sinergia se reparte entre os grupos
subsidiados”. (CATTELL, 1984, apud LITTERJOHN, 1988, p. 281).
88
Fica clara, a partir desse extrato, a importância da coordenação exercida
pelo Banco do Povo. Nesse contexto, a energia empregada pelos agentes de
crédito é repartida entre as diversas famílias e sub-grupos incluídos no
programa. Qualquer esforço empregado por uma dessas partes entrelaçadas
acaba por ser reempregada na mesma empreitada. O lucro auferido pelo Banco
através dos juros será imediatamente convertido em diversos projetos sociais:
incentivo de cooperativas locais, geração de mais microcrédito a mais grupos e
assim por diante. Portanto, pode-se concluir que as relações consumeristas
passam longe do modelo empregado pelo Banco do Povo. Disposto numa
estrutura de grupo, com o intuito de estabelecer parcerias com fins comuns,
depara-se com um simples, porém eficiente projeto comunicacional de pequenos
grupos.
4.3 Prestígio, Influência Pessoal e Credibilidade
Na tentativa de reconstruir, embora apenas intelectualmente, as relações
de grupo, ficou demonstrada a organicidade do conjunto. É justamente para
captar melhor tal mecanismo comunicacional que este subitem vem trazer à tona
a questão da liderança pessoal. Antes disso, vale discorrer a respeito das
relações de poder inerentes a estrutura grupal: “Por meio de cooperação e
interação, pode ocorrer uma redução dos custos conjuntos. Os membros podem
produzir recompensas mútuas e instigar a facilitação social de satisfações. Nos
grupos poderá existir certo número de situações contingentes redundando cada
uma delas numa diferente relação de poder”. (LITTERJOHN, 1988, p. 269).
Em outras palavras, uma relação hierárquica de opiniões é intrínseca ao
grupo. Uma vez que este precisa dedicar certa energia para as diversas
exigências interpessoais presentes em seu interior, um dos fatores que mais
comumente aparecem são as relações de poder. Ainda, pode existir, co-
89
relacionado às relações de poder, um delicado sistema de recompensas mútuas.
Continuando:
Outras fontes podem levar indiretamente ao poder. Uma dessas
situações ocorre quando o grupo, como um todo, é punido ou
recompensado. Um tal destino comum acarreta uma identificação
crescente entre os membros. Quando isso acontece, a atração
interpessoal aumenta entre os membros, elevando assim o grau de
influência interpessoal do grupo. O poder não é simplesmente o atributo
de uma pessoa, em detrimento de outras pessoas; sempre que pessoas
se influenciam reciprocamente, diz-se que existe poder. (LITTERJOHN,
1988, p. 263).
Certamente, a esta altura, o leitor está confuso. Como falar em liderança
pessoal numa estrutura ratificada como horizontal, na qual quaisquer relações
são definidas como relações de poder? A influência pessoal, para que possa ser
legitimada, precisa exercer uma função clara dentro do grupo, convertendo-se,
assim que possível, em gratificações pessoais e em maior coesão dos
integrantes.
Dito isto, adentremos a influência pessoal, mais especificamente. Para tal,
é preciso que façamos a distinção, primeiramente, entre prestígio e influência
pessoal, propriamente dita. O prestígio diz respeito, indubitavelmente, a uma
proeminência social. Contudo, ele é alcançado por via indireta, sempre por
intermédio de uma posição de destaque, seja ela artística, política, esportiva,
eclesiástica ou intelectual. Assim, aquele dotado de prestígio geralmente o é
devido ao cargo” que ocupa. O prestígio garante respeito àquele que o detém,
mas junto a ele está associado um distanciamento respeitoso. Isso traduz que o
prestígio, muitas vezes, adquire proporções sobre-humanas, conferindo atributos
que nem o próprio prestigiado seria capaz de ter. Ao fazer uma analogia das
considerações de Marx para o campo pessoal, diríamos que o prestígio é um
processo de fetichismo de um determinado ser humano.
90
Por outro lado, a influência pessoal age mediante os contatos pessoais
diretos. Diferentemente do ícone de prestígio, a influência pessoal tem o dia-a-
dia como mediador; as bases de confiança vão se estabelecendo aos poucos,
até o momento em que certa pessoa fica conhecida como aquela que possui a
”opinião correta”. Essas pessoas nada mais são que os próprios líderes de
opinião. Porquanto, para ser um líder de opinião, não é preciso estar posicionado
em alto pico da escala social, mas somente que exista verdadeiro capital social.
Os líderes de opinião, grosso modo, podem ser associados à imagem do sábio
presente no inconsciente coletivo: humilde e discreto. Trata-se de alguém de
trato cotidiano, em cuja palavra se confia.
Logo, os meios de difusão por excelência da imagem de prestígio são
aqueles de comunicação de massa, pois esses são os capazes em transformar
rapidamente as pessoas em “celebridades”. os líderes de opinião, exercem
sua influência em lugares de natureza neutra tais como o café, o mercado, a rua,
a fila da padaria, etc. Todos esses contrastes, contudo, são de caráter mais
didático que efetivos. Nada obsta que, no plano da realidade, haja uma
interseção entre as figuras do prestigiado e do líder de opinião, embora essa
fusão seja mais difícil de se observar.
Num constante exercício relacional, tem-se o caso estudado:
Nos países onde estão menos difundidos os meios de comunicação
coletiva pode-se desempenhar um papel ainda mais importante da
comunicação e das idéias mediante o contato pessoal. De acordo com as
entrevistas reunidas pelo Bureau of Applied Social Research
(Departamento de Investigação Social Aplicada) nas aldeias de um país
do Oriente próximo, não encontra comumente senão um exemplar de
jornal, geralmente no café. As notícias são recebidas em grande parte por
meio verbal, transmitidas pelo funcionário, pelo professor e pelo
sacerdote mulçumano da aldeia, pelo carteiro e por outras pessoas cujos
trabalhos as coloca em freqüente contato com pessoas de diferentes
lugares. As notícias que são passadas de uma pessoa a outra, em
lugares, tais como, a Mesquita ou o cabeleireiro, são depois objeto de
discussão no café. (BIGMAN, In: SCHRAMM, 1969, p. 347).
91
Desde agora, pode-se afirmar que o líder de opinião é um papel
fundamental presente na cadeia do microcrédito. Os agentes de crédito, ao
conversarem de maneira afável, direta e pessoal com os possíveis beneficiados,
conquistam, mesmo que de modo de efêmero, o status de der de opinião. no
interior do grupo que recebeu o benefício, o papel de líder de opinião é
fundamental para que haja uma centralização de condutas em prol de uma meta
comum, e também para que necessidades estritamente pessoais não tirem o
foco do grupo. Em sua maioria, como mostrado no Capítulo 3, esse papel cabe
às mulheres, que agem como empreendedoras no interior do seio familiar. Por
último, numa sistemática aldeã, toda a comunidade passa a interessar-se pelo
projeto, sendo que são os líderes pessoais, quase que anonimamente, os
responsáveis por essa difusão de informações e valores.
Afinal, existem duas características básicas presentes na influência
pessoal. Uma delas é a informalidade. Não qualquer estratégia de marketing
pessoal, muito menos de relações públicas por detrás da imagem do líder de
opinião. Em estudo realizado em 1948, Lazarsfeld, Barelson e Gaudet, publicam
o artigo “A escolha da Pessoa” dedicado à análise do processo de decisão do
voto durante a campanha de eleição presidencial de 1940, nos Estados Unidos.
Nesse tratado afirmaram ser a comunicação face-a-face mais eficaz em virtude
de características tais como a flexibilidade, a provisão imediata de recompensa
ou de castigo, dentre outras. Isso representa que a maleabilidade da
comunicação face-a-face proporciona ajustes mais rápidos, tornando a
comunicação mais efetiva. Corrobora para este raciocínio a afirmação de
Klapper: “As vantagens únicas que se atribuem a este modo de comunicação,
derivam diretamente do feito da relação interpessoal e é provável que sejam
tanto mais fortes quanto mais individual é a situação, e menos forte enquanto a
situação se faz formal ou implica a um público numeroso” (In: SCHRAMM, 1969,
p. 83).
92
Apesar de já ter sido constatado que na União Soviética os líderes de
opinião eram sistematicamente treinados dentro da propaganda oficial, parte-se
do princípio que a verdadeira essência da influência pessoal está nas conversas
constantes, na formação de pares situacionais. Sem dúvida é plausível
questionar-se se os agentes de crédito do Banco do Povo não seriam, na
verdade, oficialmente treinados para serem líderes de opinião. A resposta é
negativa e tem sua razão de ser; os agentes de crédito trabalham o menor tempo
possível nas agências bancárias, justamente com o intuito de impregnarem-se da
ambientação social de sua clientela. Ademais, os agentes de crédito são
selecionados dentre os profissionais que ainda não foram contaminados pelos
vícios do mercado financeiro.
A outra característica básica da influência pessoal é a sua especialidade.
Como as pessoas consideram os líderes de opinião justamente por esses
“saberem o que dizem”, e como é raríssimo que haja alguém bil a discorrer
com muita propriedade sobre os mais diversos assuntos, conclui-se que há
múltiplos líderes de opinião, dependendo da sua esfera de atuação. No mais, a
despeito das características do líder em si, é importante preocupar-se com o
fluxo da informação. Qual caminho ela percorre até que chegue no próprio líder
de opinião é questão patente de curiosidade:
A distribuição da informação e das opiniões se efetua como a da maior
parte das mercadorias: através de uma rede de grandes distribuidores
por atacado e de pequenos distribuidores por varejo. Os meios de
comunicação coletiva atuam como distribuidores por atacado, enquanto
que os ‘líderes’ de opinião desempenham um papel de provedores de
idéias por varejo. Os ‘líderes’ de opinião formam um escalão
intermediário vital naquilo que se chamou de ‘corrente de informação em
duas direções’, desde a rádio e do material impresso até os ‘líderes de
opinião’, e desses até a parte menos ativa da população. (BIGMAN, In:
SCHRAMM, 1969, p. 351).
A esse respeito, Hovland e Weiss inclusive defendem que a importância
dos meios, pura e simplesmente, é relativa quanto ao sucesso da transmissão da
93
informação, o que reforça a importância do líder de opinião como mediador. (In:
SCHRAMM, 1969, p. 89).
Em suma, é por meio dessa função de filtro e de difusor que, lentamente,
os líderes de opinião vão adquirindo credibilidade. Não é por menos, assim, que
a retenção de informações apresentadas por fontes confiáveis têm maior
durabilidade nas pessoas que aquelas apresentadas por fontes distantes, ou
sem credibilidade. E, como sempre se discute em linhas de via dupla, a
credibilidade estende-se a largos passos. Os pequenos grupos, por confiarem na
oportunidade oferecida pelo Banco do Povo, tornam-se, em si, confiáveis.
Estabelece-se uma relação recíproca de comprometimento e de mera
informação cria-se um projeto mútuo.
94
CONCLUSÃO
O presente trabalho está pautado numa premissa, sendo que a partir dela
vamos desenvolver toda a argumentação cabível. Tem-se aqui como postulado
que uma sociedade que não se estrutura de forma a que todos possam ter
acesso suficiente aos fatores causadores de seu desenvolvimento é injusta e
excludente. É exatamente por isso que se observou a necessidade de se estudar
a evolução das relações de trabalho uma vez que a inclusão social
necessariamente perpassa por elas.
Uma das primeiras conseqüências da evolução do paradigma industrial do
Ocidente foi a mudança nos padrões de trabalho. A produção de bens por meio
de novos métodos industriais aumentou significativamente. Houve um grande
deslocamento da força trabalhadora agrícola para a produção industrial, re-
configurando em definitivo as relações produtivas. Contudo, com o advento cada
vez mais veloz de inovações tecnológicas, o setor secundário da economia
deixou de demandar a força de trabalho humana em larga escala. Assim, é certo
que o papel do trabalho na vida do indivíduo se constitua em um dos aspectos
mais intrigantes da sociedade contemporânea. Um dos motivos básicos dessa
confusão é o precário reconhecimento de todas as implicações das mudanças
tecnológicas. O cooperativismo, dessa maneira, surge na esteira de tal contexto,
apresentando-se como alternativa tanto econômica como socialmente viável.
Ora, chegou-se aqui no objeto de estudo do nosso trabalho. A gênese
cooperativista como alternativa ao modo de produção do capital foi ao longo da
pesquisa depurada, até chegarmos ao modelo do Banco do Povo, o verdadeiro
Banco dos Pobres, como ideal para o nosso estudo. Indubitavelmente, ao
percorrer este caminho fez-se necessário adentrar em conceitos como crédito e
microcrédito além de entender a experiência do Grameen Bank como pioneira
dos Bancos Sociais. Mas o nosso objetivo principal de pesquisa é útil a partir
95
do momento em que se tem uma hipótese; esta, por sua vez, passa
obrigatoriamente pelo campo da Comunicação. É imperativo que se estabeleça,
pois, a relação de influência da Comunicação para a viabilização do Banco do
Povo.
Por mais importante que seja o papel da economia, as grandes
transformações da humanidade sempre se apoiaram na Comunicação. Hoje, por
outro lado, além de ser suporte de transformação, as ferramentas
comunicacionais, tais como a Internet e demais complexos de multimídia, são
responsáveis por viabilizar interações que transpõem facilmente as limitações
físicas. A era atual é caracterizada como sendo a da globalização, da revolução
tecnológica e da democratização. Nesse sentido, o papel da Comunicação é
fundamental para os regimes democráticos e de economia globalizada, tanto no
setor público quanto no privado, pois assume uma dimensão ideológica.
O papel da Comunicação na globalização é evidente, mas discorrer sobre
este tema exigiria um outro trabalho de enorme complexidade; porquanto, após
relatar, simplesmente, sobre a função da Comunicação no panorama atual,
pretende-se captar em que medida e de que forma a Comunicação auxilia para o
funcionamento do Banco do Povo. Tratou-se de desafio interessante, que o
Banco do Povo, sendo uma modalidade cooperativista, historicamente pode vir a
ser tomado como a síntese hegeliana dentre as modalidades de fomento à
produção, após os modelos puramente feudal e capitalista.
Por um lado, não está pautado em preceitos socialistas, que todo o
crédito concedido individualmente deve ser destinado a um fomento produtivo;
tampouco é capitalista, pois apesar do Banco do Povo ser uma instituição
inserida no sistema financeiro, possui desentraves burocráticos os quais
permitem o acesso dos menos favorecidos; por fim, todo o lucro auferido, se
auferido o for, será re-investido para a geração de mais crédito. Logo, o sucesso
96
do Banco do Povo depende, conforme esse raciocínio, de gestão comunicacional
ímpar.
Evidentemente, os meios de comunicação tecnologicamente mais
desenvolvidos contribuíram para que diversos países do mundo tivessem acesso
à experiência do Grameen Bank com tal rapidez, que passaram imediatamente a
implementá-la. Não obstante, o sucesso do mecanismo do Banco do Povo
depende de elemento bem mais palpável: a comunicação face-a-face.
O processo comunicacional se estabelece sempre em pequenos grupos
ou apenas dentro de uma unidade social mínima, qual seja a família. A
possibilidade de entrar no programa oferecido pelo Banco é transmitida em rede,
ganhando credibilidade através dos líderes de opinião. Ademais, a cessão de
crédito é estabelecida a partir do elemento confiança, a qual se mostra capaz de
garantir um ínfimo índice de inadimplência. Mais que isso, a comunicação
interpessoal praticada com o intuito de formar grupos restritos de cooperação
demonstrou ser método eficaz, gerando liquidez financeira aos dois pólos do
processo. Ainda, tal cadeia, quando engrenada, somente fará com que mais
pessoas sejam beneficiadas, devido à horizontalidade do procedimento. A
comunicação de pequenos grupos é, pois, concomitantemente à comunicação
interpessoal, parte do êxito do Banco do Povo.
A ausência de campanhas publicitárias, a inexistência de formalidades
atravancadoras, a solidariedade passiva dos credores e a desobrigação de se
oferecer garantias reais, nos induzem a crer numa frágil estratégia
comunicacional. O fato, entretanto, nos mostra o contrário. Os agentes de
crédito” idealizados por Muhammed Yunus foram capazes de dar ímpeto a
múltiplas relações face-a-face. Estas, sempre restritas a pequenos grupos e
estabelecidas de maneira concreta, transformam até hoje crédito em mudança
de vida e confiabilidade em garantia de sucesso.
97
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101
ANEXOS
O Banco do Povo e o Nobel da Paz 2006
ANEXO I - Clipping jornais
ANEXO II – Clipping eletrônico
JORNAL DO BRASIL
14 de Outubro de 2006
“Banco leva Nobel da Paz”
Caderno Internacional – Pág. A23
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Um Nobel da Paz contra a pobreza
Capa
FOLHA DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Nobel da Paz vai para “banqueiro
dos pobres”
Caderno Mundo – A16.
O GLOBO
14 de Outubro de 2006
Nobel da Paz vai para “banqueiro
dos pobres”
Caderno Mundo – A16.
O ESTADO DE S. PAULO
03 de Novembro de 2006
Governo tenta de novo acertar
o passo do microcrédito
Caderno Economia – B04
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
‘Banqueiro dos pobres’
de Bangladesh ganha o
Nobel da Paz
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Muhammad Yunus, prêmio
Nobel da paz
Espaço Aberto – A02
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Pequenos empréstimos já se
espalham por 57 países
Caderno Internacional – A15
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
BNDES diz que Bolsa Família
vai ter microcrédito
Caderno Internacional – A15
O ESTADO DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Banqueiro dos pobres
Caderno Economia – B02
FOLHA DE S. PAULO
14 de Outubro de 2006
Banqueiro ganha Nobel da Paz por
criar microcrédito em Bangladesh
Capa
O GLOBO
14 de Outubro de 2006
Banqueiro dos pobres ganha Nobel
Capa
JORNAL DO COMÉRCIO
14 de Outubro de 2006
Yunnus e o Bolsa-Família
Caderno de Economia – p. 02
FOLHA DE S. PAULO
15 de Outubro de 2006
Entre política social e mercado
Caderno Mundo – A32
JORNAL DO COMÉRCIO
19 de Outubro de 2006
O banqueiro dos pobres e da paz
Opinião – p. 7
O ESTADO DE S. PAULO
28 de Outubro de 2006
O microcrédito não avança
Caderno Economia – B02
Livros Grátis
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