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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
LITERATURA E JORNALISMO:
bases teóricas para análise do livro-reportagem
Cristiano Ramos
Recife
2010
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Cristiano Ramos
LITERATURA E JORNALISMO:
bases teóricas para análise do livro-reportagem
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras da UFPE, como requisito
à conclusão do mestrado em
Teoria da Literatura.
Área de concentração: Teoria da Literatura
Orientador: Prof. Dr. Anco Márcio Tenório Vieira
Recife
2010
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LITERATURA E JORNALISMO:
bases teóricas para análise do livro-reportagem
RESUMO
Reflexão sobre os pressupostos teóricos nas relações entre literatura e
jornalismo; mais especificamente, nas aproximações e divergências entre o
romance e o livro-reportagem. Dissertação que sugere e prepara futuras
análises práticas, a partir da delimitação de referenciais, da apresentação de
tópicos polêmicos e fundamentais ao debate, como a validade das
classificações de gênero, os princípios éticos e técnicos do ofício jornalístico,
o estatuto ficcional, a teoria do romance e as características da prosa
contemporânea.
Palavras-chave: gêneros, literatura, jornalismo, romance, livro-reportagem,
ficção.
LITERATURA E JORNALISMO:
bases teóricas para análise do livro-reportagem
ABSTRACT
Reflection on the theoretical assumptions in relations between literature and
journalism; more specifically, in the approximations and disparities between
the novel and the non-fiction novel. Dissertation that suggests and prepares
practices analyses, from the definition of references and presentation of
controversial and fundamental topics to argumentation, as the validity of
genre classifications, the ethical and technical principles of journalism, the
fictional status, the theory of the novel and the characteristics of
contemporary prose.
Key-words: genre, literature, journalism, novel, fiction, non-fiction novel.
A Luis Reis e Nelly Carvalho, examinadores
desta, testemunhas de tanto mais.
Aos professores, que refizeram
minha jornada.
Aos amigos e familiares,
tão negligenciados.
A Anco Márcio Tenório Vieira, candeia
com a qual ainda terei dívidas a pagar:
de melhores entrega e resultados.
A Mirella, meu sossego e minha vontade,
quando nem mais esperava...
ÍNDICE
Introdução ................................................................................... 3
PRIMEIRA PARTE
Jornalismo como literatura? ....................................................... 15
Do jornalismo ............................................................................ 28
Algo sobre os gêneros literários ................................................ 40
Por que distinguir? .................................................................... 55
SEGUNDA PARTE
Sobre o romance ........................................................................ 67
Pós-modernidade, história e ficção ............................................ 83
Esse tal livro-reportagem ........................................................... 96
Conclusão (ou ponto de partida) .............................................. 109
Bibliografia ............................................................................... 119
3
INTRODUÇÃO
Dada a eminência do tema, sempre impressiona a reduzida quantidade de
textos dedicados às relações entre a literatura e o jornalismo. Se buscarmos
fora dos recintos acadêmicos, indo às prateleiras de livrarias, torna-se então
uma garimpagem das mais árduas. Quando achamos algo, resta ainda
verificar o que acrescenta aos títulos existentes.
Até como resultado da escassa bibliografia, algumas das pesquisas
trazem problemas aparentados, repetem-se em frágeis conceituações e
confusas metodologias, daí assomando um estreito circuito de legitimação
de clichês. Além daqueles outros, apanhados de depoimentos de escritores
e jornalistas, que não objetivam o rigor acadêmico, e talvez rigor nenhum,
somente registrar impressões de quem acumulou experiência nas duas
áreas.
Ocorre que foi principalmente das obras que consideramos mais
equivocadas ou despretensiosas que esta dissertação surgiu. Nelas, o
gérmen das reflexões aqui desenvolvidas. Porque, independente das
conclusões que formamos dessas leituras, tópicos essenciais foram
registrados, lacunas foram percebidas, os erros nos desenvolvimentos
teóricos nos serviram de alerta.
Entre as primeiras observações, constatamos que os estudos sobre
o tema se ocupam bastante (ou mesmo excessivamente) da discussão
4
genológica, algo natural, dada a importância do tópico. Mas ali também
reside a maioria dos argumentos que julgamos problemáticos. Nem poderia
ser diferente, que as teorias dos gêneros implicam questões
extremamente controversas e das mais longevas: o que caracteriza um
gênero, suas fronteiras podem ser definidas, identificá-los ainda tem algum
valor? Ou, sendo mais específico, o que faz um gênero ser literário ou
jornalístico? O que é literatura? O que é jornalismo? Quais os perigos dessa
relação? Assim, algumas das publicações apresentam ligeiros apontamentos
dos pressupostos, com os raciocínios sendo explicitados sem que saibamos
quais seus fundamentos teóricos.
Mas estudar as convergências e afastamentos entre o romance e o
livro-reportagem, subentende sim o enfrentamento dessa espinhosa etapa
ainda que terminemos a jornada com as mesmas dúvidas do início e mais
algumas. Se vivemos uma época apressada, se assistimos ao declínio das
reflexões filosóficas e da lapidação dos pressupostos, ou qualquer que seja
a razão, negligenciar os alicerces invariavelmente implica ideias ou
conclusões controversas.
Quando fazem parte dessa etapa considerações sobre os gêneros
(literários ou do discurso), a dificuldade é sentida também entre aqueles que
conhecem e lidam com o assunto cotidianamente, mesmo se o enfoque é
sobre temas com crescente fortuna bibliográfica, como o emprego dos
gêneros textuais em sala de aula. Segundo Marcuschi:
Podemos afirmar que estamos presenciando uma
espécie de ‘explosão’ de estudos da área, a ponto de essa
vertente de trabalho ter-se tornado uma moda. A qualidade
dos trabalhos é muito variada e não se pode esquecer que
muita coisa publicada é de grande qualidade, mas boa parte
é repetitiva e pouco proveitosa.
(Marcuschi, 2008: 146)
5
Embora as dissertações, teses e livros sobre o convívio entre a
literatura e o jornalismo sejam realmente escassos, se comparados a outros
estudos que lidam com o debate genológico, a variedade qualitativa não
deixa de ser igualmente expressiva. A tal ponto que, adequando-nos aos
limites de tempo de uma dissertação, optamos por deixar de lado os
relativistas absolutos, aqueles que defendem que as fronteiras entre os
gêneros se tornaram tão pálidas que a própria discussão é inócua, ou que a
preocupação em discernir jamais teve motivo de ser. Os seus argumentos
costumam ser impressionistas demais para colaborar em algo. Curioso é:
entre esses que negam radicalmente a validade dos gêneros, quem leve
dezenas ou centenas de páginas protestando mudanças em classificações,
tais quais os defensores das narrativas jornalísticas como autênticos
romances, das crônicas como contos etc.
Mais frequentes, porém, além de merecedores de especial
observação, são os que reconhecem a existência dos gêneros (ainda que
complexa e problemática), que percebem a literatura e o jornalismo como
tipos de discurso diferentes, e ainda assim defendem a ocorrência de textos
igualmente pertencentes aos dois domínios. Entre esses teóricos, então, os
que concluem pelo livro-reportagem (ou, especificamente, pelo romance-
reportagem
1
) como gênero autônomo, ambíguo, tanto literário quanto
jornalístico. também os que consideram que tais narrativas são um
1
Muitos desses trabalhos utilizam os dois termos sem diferenciação clara. Excetuando-se as citações,
buscamos na presente dissertação usar livro-reportagem como a designação ampla, das obras
jornalísticas publicadas no formato livro, enquanto por romance-reportagem tomamos os títulos
escritos por jornalistas no Brasil, a partir dos anos 1970, com narrativas que apresentam características
romanescas, e consideradas por alguns críticos como literatura.
6
gênero textual nem literário nem jornalístico, “uma ficção que se quer factual
ou de fatos que se querem ficcionais” (Cosson, 2001:83).
Outras perguntas sendo por quem se dedica ao diálogo entre esses
“dois gêneros separados pela mesma língua”, para usar a elegante imagem
de Daniel Piza (Castro, 2002:133). Caso do obrigatório Pena de Aluguel,
onde, a partir de questionário aplicado a escritores com passagens pelas
redações, Cristiane Costa indaga sobre como o exercício diário de escrever
notícias interfere no processo de criação literária, terminando por receber
também depoimentos sobre os privilégios editoriais que um lugar na
imprensa pode conferir ao romancista ansioso por contatos e visibilidade,
além de outros picos. Na verdade, ela repete a iniciativa de João do Rio,
que, em 1904, realizou enquete questionando se a atividade jornalística mais
atrapalhava ou ajudava os ficcionistas.
Nada seduz tantas análises, porém, como a fronteira em si, a
distinção entre os gêneros. A mesma Cristiane Costa dedica parte do livro
ao assunto. Entre as diversas referências consultadas, está a tese de que a
separação entre os discursos foi decisiva na constituição do romance
moderno, e a autora do Pena de Aluguel cita Sandra Vasconcelos, para
quem:
Nos seus estágios iniciais, o romance se
apresentava como uma forma ambígua, uma ficção factual
que negava sua ficcionalidade e produziu em seus leitores
um sentimento de ambivalência quanto ao seu conteúdo de
verdade. Essa indiferenciação teria que ser desfeita para
que as narrativas factuais pudessem se distinguir das
ficcionais e se pudessem constituir os dois tipos de discurso
originários daquela matriz: o jornalismo e a história, de um
lado, e o romance, do outro.
(Vasconcelos, 2002 apud Costa, 2005:293)
7
Não encontramos no excelente livro de Costa, entretanto, uma
contextualização sobre as teorias genológicas (inclusive, as posteriores a
Bakhtin), mesmo porque isso escaparia aos seus intentos declarados.
Contudo, a ausência dessas referências é comum, até entre pesquisas que
se dispõem a discutir as relações entre os gêneros literários e os
jornalísticos.
O interesse pelos gêneros do discurso tem se ampliado
expressivamente desde meados dos anos 80, entre profissionais das mais
diversas áreas, da linguística à sociologia, da gestão de pessoas ao
marketing. As graduações e pós-graduações de comunicação social não são
exceção. Essa crescente atração, entretanto, o subentende que as
investidas genológicas sobre o tema desta dissertação ocorram em
compasso com as contribuições teóricas recentes. Às vezes, até referências
essenciais são deixadas de lado, numa opção metodológica legítima, mas
que tende ao empobrecimento.
Em alguns desses trabalhos, os pressupostos estão envoltos em
anacronismo, espantoso túnel do tempo que nos faz sentir como se
fizéssemos parte da mesma geração que Alceu Amoroso Lima e seu O
jornalismo como gênero literário (do qual nos ocuparemos logo no primeiro
capítulo); como se ainda lutássemos para livrar a literatura da influência de
Brunetière e suas ideias evolucionistas; ou mesmo como se tivéssemos há
pouco redescoberto a Poética de Aristóteles, e novamente lhe
impuséssemos uma lente normativa.
Os trabalhos podem não conter bibliografia datada, rias
omissões, como também se utilizar de conceitos sem ressalvar sobre as
variações de significados que os mesmos frequentemente apresentam de
um autor para outro, ainda que sejam flutuações exatamente nos conceitos
8
essenciais à argumentação, tais como estilo, enunciado, gênero ou discurso.
Pior: mesmo quando o autor explica não estar preocupado com a
diversidade conceitual e de correntes, sequer a sua própria concepção dos
termos fica clara.
quando da observação dos títulos, é possível encontrar
jornalismo literário, romance de não-ficção, livro-reportagem e romance-
reportagem, cujos usos e definições oscilarão durante o texto, para além do
que seria razoável (reconhecendo as armadilhas do terreno). Felipe Pena,
por exemplo, alerta sobre os diferentes entendimentos do que seja o
jornalismo literário, lembra que, na Espanha, ele está dividido em periodismo
de creación, que corresponde à simples veiculação de textos literários em
jornais, e periodismo informativo de creación, que diz respeito às narrativas
informativas de estética apurada, e que:
No Brasil, o Jornalismo Literário também é classificado
de diferentes maneiras. Para alguns autores, trata-se
simplesmente do período da história do jornalismo em que
os escritores assumiram as funções de editores, articulistas,
cronistas e autores de folhetins, mais especificamente o
século XIX. Para outros, refere-se à crítica de obras
literárias veiculadas em jornais. ainda os que identificam
o conceito com o movimento conhecido como New
Journalism, iniciado nas redações americanas da década de
1960. E também os que incluem as biografias, os romances-
reportagem e a ficção-jornalística.
(Pena, 2006:21)
Depois, resolvido a considerar todas essas concepções como
válidas, e defendendo que o jornalismo literário se trata de um terceiro
gênero, o mesmo Felipe Pena chega a uma conceituação no mínimo
curiosa: “linguagem de transformação expressiva e informacional [..] não se
trata nem de Jornalismo, nem de Literatura, mas sim de melodia” (Pena,
9
2006:21). E recomenda: “Ouça este livro, meu caro leitor. E estará próximo
[sic] do que quero dizer".
Um ponto ainda é preciso juntar a essa lista de problemas: as
afirmações generalistas, que o reproduzidas independentemente dos
objetos selecionados para a análise. Ora, o discurso jornalístico, verbi gratia,
abarca o editorial, a notícia, a reportagem, a coluna, a crônica etc. Isso para
ficar na mídia impressa. E cada um desses espaços possui características
distintas, tornando suspeitas as conclusões que se queiram válidas para
qualquer corpus. Não se pode citar algum excerto que se referia às
possibilidades poéticas da crônica para advogar que jornalismo e literatura
são gêneros imbricados. Tampouco será o resgate histórico dos folhetins
publicados em jornais um dado suficiente para resolver a questão em favor
da não distinção entre os gêneros.
* * *
Desnecessário estender esta introdução para dar nitidez aos nossos
objetivos: dissertar sobre as relações entre a literatura e o jornalismo,
partindo de uma reflexão teórica sobre pontos recorrentes nas poéticas
clássicas e demais teorias dos gêneros sem prescindir das recentes
proposições dos estudiosos do discurso; buscar na diversidade aqueles
postulados mais constantes, seja sobre discurso, gêneros, texto literário ou
jornalístico. Analisar, enfim, traços comuns e distintivos entre o romance e o
livro-reportagem, por acreditar que a dedicação ao estudo comparativo
10
desses textos enriquece as possibilidades críticas, independente dos
resultados da batalha em torno das fronteiras genológicas.
Longe de negar a dinâmica dos gêneros, a possibilidade de
desdobramentos ou junções que resultem em novas categorias, apoiamo-
nos na complexidade dos processos que levam à sedimentação genológica
para desconfiar dos “hibridismos” e anúncios a varejo de novos gêneros. Os
gêneros do discurso, não apenas aqueles correntes no domínio literário, são
parte essencial das interações sociais, além de resultados das mesmas.
Como tal, requerem construção de memória e repertório, existência de
propósitos e aceitação da comunidade, entre tantos outros fatores. O que
nos leva a crer, desde sempre, que quaisquer modificações naturalmente
acontecem mais dentro de cada gênero existente do que através da
formação de novos.
Se atentamos com menos preconceitos e mais racionalidade para a
permanência de certas ideias e classificações, podemos concordar com
Compagnon, que a genologia é “um ramo desenvolvido e digno de
confiança” (2001:157). Bastando-nos não fazer dos mecanismos de
diferenciação uma cortina sob a qual seja impossível identificar os
movimentos constantes em cada uma dessas esferas discursivas. Todorov,
que alertou para os riscos de atribuir fixidez aos gêneros, foi também quem
afirmou:
Nunca houve literatura sem gêneros: é um sistema em
contínua transformação e a questão das origens não pode
abandonar, historicamente, o terreno dos próprios gêneros:
no tempo, nada há de anterior aos gêneros.
(Todorov, 1980:46)
11
Sim, decerto as teorias literárias e da comunicação atuais divergem
sensivelmente das poéticas clássicas. Contudo, seja da estética ou da física,
do direito ou da medicina, qual postulado com origem tão longínqua, e que
tenha de alguma forma permanecido entre nós, não sofreu profundas
revisões? Sem que, com isso, seus campos de investigação tenham caído
em descrédito. A capa preceptiva que a Poética recebeu quando de sua
redescoberta, ou qualquer outro argumento simplificador, não conta de
justificar a rejeição à genologia que finda como preconceito que se escora
na retórica e cansativa acusação de que os teóricos dos gêneros é que são
preconceituosos e conservadores.
Em nossa intensificada e tão negada modernidade, ainda
convivemos com embates entre antigos e modernos, e a repetição rasa e
descuidada desse paradigma também veste as discussões sobre os
gêneros. Para muitos, somos todos antigos: o autor desta dissertação, o
editor que está fechando seu caderno convicto de que o gênero em que está
inserido exige o respeito à verdade, o leitor que entra numa livraria desejoso
de um romance, e não de um conto, ou de um livro de poesias...
decerto um romantismo que se presta a impor a liberdade
artística como álibi para falta de senso crítico. Acreditar que os fenômenos
linguísticos, ainda que lembrado todo potencial de mudança que
apresentam, não estão com e sob influência dos gêneros? Ou que algumas
dezenas de livros o capazes de fundar um gênero literário (ou híbrido e
autônomo), mesmo que este suposto novo gênero não tenha características
distintivas suficientes e reconhecimento da comunidade discursiva (entre
outros critérios)?
Na parte inicial desta dissertação, apresentamos os principais
argumentos de que se valem os defensores do jornalismo como literatura, e
12
começas a citar os que advogam a existência de alguns casos específicos,
como o do romance-reportagem, que a um tempo seria uma e outra
coisa. Como dito, diferente dos relativistas absolutos, esses merecem
atenção, seus posicionamentos oferecem um horizonte de confrontação com
os nossos próprios pressupostos, e, portanto, facilitam a identificação de
tópicos a serem trabalhados com maior cuidado, enriquecem nossa busca.
Apesar de oportunos, não deixamos de registrar que muitos desses estudos
geralmente têm discutível fundamentação, utilizam-se de alicerces datados,
e ignoram ou distorcem as teorias dos gêneros, principalmente as
desenvolvidas após Bakhtin.
Nas seções seguintes, começamos a desenvolver os pressupostos a
uma análise das relações entre textos literários e jornalísticos, entre o
romance e o livro-reportagem. Buscamos algumas das principais teorias do
discurso, que, por mais díspares que sejam, terminam em conclusões
bastante próximas, como a inscrição histórica dos gêneros, sua origem
sócio-comunicativa, sua natureza dinâmica, a recorrência formal, a
capacidade de revelar e também orientar práticas etc. Além de juntar bases
às nossas opiniões sequentes, a intenção é também superar a ideia de que
as classificações genológicas sejam meras abstrações desprovidas de
sentido e função.
A segunda parte do trabalho aborda o estatuto ficcional, o romance
e o livro-reportagem, entre outros tópicos, e não mais objetivando a
discussão genológica (embora esta se mantenha presente). Mais que a
preocupação com as fronteiras, qualquer diferença serve agora para a
definição de elementos teóricos, de balizas a futuras pesquisas sobre o
tema. E completamos com uma conclusão (ponto de partida), em que
revisitamos as aproximações e convergências entre literatura e jornalismo,
13
entre o romance e o livro-reportagem, unindo à base teórica proposta
também algumas antecipações críticas e perspectivas dessa relação tão
problemática quanto generosa.
Entre as margens de cada uma destas páginas, sobretudo o
profundo respeito pelos que têm nas palavras seu objeto de trabalho. Ainda
que para uns elas sejam também fim, enquanto outros são movidos mais por
princípios éticos, pela busca (ainda que utópica) da verdade e do interesse
público. O êxito ou não das duas empreitadas não os define tanto quanto
seus compromissos, que são igualmente fascinantes.
14
PRIMEIRA PARTE
Os enunciados e seus tipos, isto é, os
gêneros discursivos, são correias de transmissão
entre a história da sociedade e a história da
linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético,
léxico, gramatical) pode integrar o sistema da
língua sem ter percorrido um complexo e longo
caminho de experimentação e elaboração de
gêneros e estilos.
Bakhtin
O historiador e o poeta não diferem pelo
fato de um escrever em prosa e o outro em verso
(se tivéssemos posto em verso a obra de
Heródoto, com verso ou sem verso ela não
perderia absolutamente nada do seu caráter de
História). Diferem é pelo fato de um relatar o que
aconteceu e o outro o que poderia acontecer.
Aristóteles
À instância midiática cabe autenticar os
fatos, descrevê-los de maneira verossímil,
sugerir as causas e justificar as explicações
dadas.
Charaudeau
15
JORNALISMO COMO LITERATURA?
Várias das pesquisas sobre o assunto começam por citar O
jornalismo como gênero literário
2
, escrito na segunda metade da década de
1950 por Alceu Amoroso Lima (também conhecido pelo pseudônimo de
Tristão de Athayde), e reimpresso em 1990. Ou melhor, aqueles tantos
estudos não apenas se referem a este livro, mas também ratificam a sua
tese e repetem bastante do esquema argumentativo. Se as tantas visitas à
obra indicam a eminência de seu autor e a atualidade das questões ali
propostas, por outro lado demonstram quão necessárias são outras
abordagens, principalmente as que considerem contribuições mais recentes
ao estudo dos gêneros, sejam originadas da teoria da literatura ou da
lingüística, para citar apenas dois ramos entre os muitos que têm se
dedicado ao tema.
Amoroso Lima defende sumariamente que o bom texto jornalístico é
também literatura. Começa com uma lista rápida de algumas teorias
genológicas, para então destacar a concepção de Welleck e Warren
3
, a qual
2
Utilizamos a edição da EDUSP (1990). A primeira saiu pela editora carioca Agir, em 1960.
3
Em Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários (Wellek; Warren, 2003:320),
encontramos: “A moderna teoria dos gêneros é claramente descritiva, não limita o número de tipos
possíveis e não prescreve regras aos autores. Supõe que os tipos tradicionais podem ser ‘misturados’ e
produzir um novo tipo (como a tragicomédia). Percebemos que os gêneros podem ser construídos com
base na abrangência ou “riqueza” assim como “pureza” (gênero por acréscimo assim como por
redução). Em vez de enfatizar a distinção entre tipo e tipo, está interessada segundo a ênfase
romântica na singularidade de cada ‘gênio original’ e de cada obra de arte em encontrar o
denominador comum de um tipo, os seus recursos literários compartilhados e o objetivo literário”.
16
acredita que seus próprios argumentos estão filiados, por ela ser mais
flexível, mais dinâmica do que as noções preceptivas inspiradas nos antigos
pensadores gregos e romanos.
Os gêneros literários, para Amoroso Lima, são potencialmente
ilimitados, podem se multiplicar, misturar-se. E, ainda apresentando a
moldura de suas convicções, ele adianta a sua abrangente visão da
literatura, que
[...] não exclui nem a verdade, nem o bem, nem a
história, nem a autobiografia, nem a filosofia, nem as
ciências, nada. Tudo é literatura desde que no seu meio de
expressão, a palavra, haja uma acentuação, uma ênfase no
próprio meio de expressão, que é seu valor de beleza.
(Lima, A.A., 1990:36-37)
Depois, acrescenta que “a palavra, como natureza, é um simples
instrumento de comunicação. Como arte é um meio de transmissão, com
caráter de fim. É arte da palavra. É literatura” (LIma, A.A., 1990:43). Não
poucas vezes, seus comentadores traçaram paralelos com a teoria das
funções, embora saibamos que a literariedade para os formalistas russos
implicava mais fatores do que essa acentuação diferenciada sobre a
mensagem, mais do que conceitos como desvio e estranhamento. Os modos
como os elementos textuais se integram também eram observados, assim
como as tradições e convenções literárias. O próprio Jakobson alertou que
“qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia ou de
confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessivamente
enganadora” (Jakobson, 2005:128).
Alceu Amoroso Lima defende, portanto, que o literários os textos
jornalísticos, bem como a crítica, a biografia, a oratória, a epistolografia e a
17
conversação. Isso tudo acompanhado de ressalvas que precisam ser bem
observadas. Antecipando-se às possíveis contestações, pois, ele define seu
esquema como um pensar em voz alta, sujeito a correções, reduções e
aumentos:
Trata-se apenas de um andaime. De uma caderneta
de campo. De um rascunho. Não tem a mínima pretensão a
ser uma carta de marear, de terrear ou de arear para pilotos.
É apenas um roteiro primitivo para uso próprio.
(Lima, A.A., 1990:42)
Apesar de suas inegáveis capacidade intelectual e erudição, o autor
empreendeu essa viagem em baixa altitude, com frágeis visibilidade e
instrumentação, mesmo se consideramos a sua legítima opção por um
ensaísmo desprovido de rigor acadêmico. Suas páginas se contradizem,
como na introdução, em que, se o livro defende uma compreensão
extremamente dinâmica dos gêneros e da imprensa, também afirma: há
fortes argumentos pró e contra a tese do jornalismo como gênero literário;
entretanto, feitas as necessárias distinções, pode-se chegar a uma solução
definitiva (Lima, A.A., 1990:23-24). Ora, a expectativa de oferecer uma
resposta dessa ordem não trai aquela crença do autor na infinita
capacidade de transformação dos gêneros?
A obra foi erguida sobre terreno movediço, bem como o louvável,
porém, não realizado ideário jornalístico de Alceu, onde o profissional teria
um texto enxuto, preciso, preocupado sim com a veiculação de uma
informação honesta, sem, no entanto, abdicar da criatividade; os jornais
seriam mais parecidos com as revistas, permitindo aos repórteres
desenvolverem seus estilos, publicarem matérias que permaneceriam, cuja
18
beleza seria essencialmente ligada ao seu papel social (que, segundo ele,
ultrapassa a beleza estética). O que hoje são exceções, circunscritas às
esferas da crônica e da grande reportagem, seriam então a regra do ofício.
Pery Cotta, em estudo que defende que o jornalismo está mais
próximo da retórica do que da literatura, comenta a tese de Amoroso Lima,
antes de admitir que o texto jornalístico realmente se apropria de “formas e
gêneros literários (pode produzir e resultar, por exemplo, uma narração e
descrição também épica, romântica ou dramática, conforme o modo de ser
ou aparentar do fato ou acontecimento que narra)” (2005:9). Mas a relação
se encerra. Não se pode sequer dizer que o texto jornalístico seja uma
literatura menor. O jornalismo apresenta
Fundamentos básicos de uma arte de expressão do
pensamento, do raciocínio ao narrar os fatos e do falar bem
para comunicar-se com a sociedade, arte estruturada há
muitos séculos por Aristóteles, no tempo em que comunicar
era exatamente a capacidade de expressar-se para o
público.
(Cotta, 2005:9)
Oportuno recordar também aquela reflexão bakhtiniana, que trata da
convivência entre o discurso romanesco e os gêneros retóricos:
E no curso de toda evolução ulterior do romance, a
sua profunda interação (tanto pacífica, quanto hostil) com os
gêneros retóricos vivos (jornalísticos, morais, filosóficos e
outros), não se interrompeu e não foi, talvez, tão
interrompida quanto a sua interação com os gêneros
literários (épicos, dramáticos e ricos). Porém, nesta
constante inter-relação mútua o discurso romanesco
conservou sua originalidade qualitativa irredutível à palavra
retórica.
(Bakhtin, 2002:80)
19
Bastante das ideias de Amoroso Lima estava já em outra obra,
publicada alguns anos antes, em 1955, e até hoje considerada de leitura
obrigatória: Jornalismo e literatura, de Antonio Olinto. Nela, o texto produzido
nas redações, apesar de ser algo geralmente tido como efêmero, busca
captar o que existe de permanente nos fatos relatados. O livro defende
também que a lida jornalística é capaz de produzir peças autenticamente
literárias, arte de fato. O excerto a seguir é esclarecedor sobre as
semelhanças entre os dois pensadores:
Lembremo-nos, antes de tudo, de que a base do que
faz o jornalista, a matéria-prima de que se utiliza, é a
palavra. O que serve de caminho para a poesia, transmite
também a notícia da morte de uma criança sobre o asfalto.
Entre os dois elementos, não há diferença técnica, a não ser
em espécie e intensidade. Espécie e intensidade, no
entanto, separam também uma forma literária de outra, um
ensaio de um romance.
(Olinto, 2008:19)
Respeitados intelectuais e suas personalíssimas opiniões sobre a
literatura e o exercício jornalístico, escolhendo e frequentemente
interpretando de forma equivocada algumas fontes que lhes respaldem
minimamente.
Lembramos, todavia, que Olinto e Amoroso Lima jamais se quiseram
como referências basilares para futuros estudos. Além do que, esses dois
títulos foram escritos em um contexto muito diferente, quando já existiam sim
resistências à chamada “literatice”, às pretensões de se fazer literatura em
sítio noticioso, mas a distância entre os gêneros era consideravelmente
menor. Essa maior proximidade entre os dois domínios discursivos podia ser
20
constatada também em outros países. Portugal, por exemplo, teve Marques
Gastão como um dos primeiros a pensar tais fronteiras. A nobre condição do
jornalista perante a literatura
4
foi resultado de uma conferência e, publicada
em 1959, apresenta notáveis similaridades com a obra de Antonio Olinto.
Parentesco que não é mera coincidência o brasileiro é citado algumas
vezes nas três dezenas de páginas.
Marques Gastão admite que o texto jornalístico deve cumprir certos
requisitos (concisão, clareza, exatidão etc.), mas nada que lhe retire a
essência como ato de criação; ele pondera que a forte resistência a esta
condição comum entre os dois gêneros reside na natureza geralmente
efêmera da notícia, e que, para converter sua produção em “literatura diária”,
o jornalista não pode se preocupar apenas com o estilo, faz-se necessário
tentar a permanência. Sobre as reportagens, ele afirma que são contos
escritos com dados atuais e factuais.
Escapa aos propósitos desta dissertação esmiuçar o que veio após
essas obras pioneiras, descrevendo assim a progressiva massificação dos
meios, a ratificação da notícia como produto e a difusão dos chamados
manuais de redação (com os espaços jornalísticos vaticinados por Olinto e
Amoroso Lima se tornando ainda mais raros, mesmo com o posterior
advento da internet). Com o explicitado, parece-nos clara a impropriedade
de, hoje, teorizar a partir daqueles parâmetros, embora os mesmos não
possam deixar de ser considerados enquanto testemunho historicamente
dado de certas expectativas quanto ao futuro do jornalismo e da literatura.
Aos interessados em explorar o empobrecimento criativo e a
tendência mecanicista que definiram os rumos da atividade jornalística,
4
Comentado no artigo de Souza, J. P. et. al., A teorização do jornalismo em Portugal a 1974.
Disponível, sem data de publicação, em: <http://www.bocc.uff.br/pag/sousa-jorge-pedro-teorizacao-
do-jornalismo-1974.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2009.
21
existe um título bem específico, de Carlos Alberto Viacchiatti
5
, que, além de
refletir sobre o mesmo tema deste nosso trabalho, dedica-se principalmente
a evidenciar o caráter mecânico do cotidiano jornalístico e o despreparo dos
profissionais em responder às demandas da sociedade. O painel desenhado
pelo autor é exatamente oposto ao que esperavam Amoroso Lima e Olinto,
embora não deixe de ser otimista quanto ao futuro, onde ele acredita que
Cada vez mais se exigirá do profissional um pleno
conhecimento do setor temático de sua responsabilidade
para transmitir, pela televisão e pelo rádio, as informações
essenciais do dia ou conduzir entrevistas e debates. Ou
para ser capaz de investigar, contextualizar ou interpretar
acontecimentos e processos no jornal impresso, que
penosamente vai descobrindo, após a perda do controle do
fato em bruto, alternativas mais nobres e sofisticadas de
informação, para assegurar a sua sobrevivência.
(Viacchiatti, 2005:102)
* * *
Mesmo se consideramos a tardia chegada da imprensa ao país, não
deixa de espantar o parco número de publicações sobre o fazer jornalístico,
algo que somente começou a mudar a partir da segunda metade do século
XX. José Marques de Melo (2006) lembra que, no Brasil, as primeiras
experiências acadêmicas de preparação de profissionais e reflexão sobre o
ofício ocorreram em fins dos anos 40. Não eram, entretanto, voltadas a
questões cnicas, ou aos estudos comparados. A ênfase estava nos
aspectos éticos, jurídicos e filosóficos.
5
Jornalismo: comunicação, literatura e compromisso social. São Paulo: Paulus, 2005.
22
Revisando a estrutura curricular dos cursos de
jornalismo durante toda a década de 1950 e meados de
1960, constata-se a permanência da corrente deontológica e
jurídico-social nos seus programas de ensino. Igualmente se
observa que os trabalhos gestados e posteriormente
divulgados sob forma impressa voltam-se constantemente
para indagar sobre as implicações legais da atividade
profissional, para refletir sobre os fundamentos morais da
prática noticiosa e para delinear parâmetros filosóficos
peculiares aos processos jornalísticos vigentes.
(Melo, 2006:19)
Por ocasião do regime militar, em 1964, como não mais existia
ambiente propício sequer para aquele debate ético-social, os cursos passam
a investir em temas formais e tecnológicos, as atenções são direcionadas
para a cnica jornalística e a melhoria dos padrões editoriais. “Os trabalhos
publicados pelos docentes dos cursos de jornalismo assumem o caráter de
manuais técnicos ou de textos didáticos que pretendem oferecer suporte à
profissionalização” (Melo, 2006:25).
Durante a ditadura e a posterior transição democrática, assomam
outras duas correntes: uma político-ideológica, interessada principalmente
na indústria cultural, e uma crítico-profissional, cujos objetivos o
sistematizar e melhor compreender o jornalismo. Sobre esta última, José
Marques de Melo explica que ela busca construir uma identidade da
profissão, o que implica “utilizar o arsenal metodológico alicerçado pelas
ciências humanas (e não apenas por uma ciência em particular)” (2006:32).
E, neste momento, sublinhando-se a década de 1980, não esqueçamos que
diversas áreas de pesquisa iniciam um novo e profícuo ciclo genológico,
fundado sobretudo no pensamento bakhtiniano.
O enriquecimento teórico, porém, não impede que muitos dos
jornalistas que publicam trabalhos sobre as relações entre literatura e
23
jornalismo se apóiem em Olinto e Amoroso Lima. Ou, o que é ainda mais
problemático, assim como em O jornalismo como gênero literário, nesses
estudos até existe algum diálogo com contribuições mais recentes, mas
atravessados por distorcidas interpretações.
Rildo Cosson, por exemplo, que tanto tem se dedicado ao tema, em
Romance-reportagem: o gênero, apresenta três momentos das teorias
genológicas após a Idade Média: um preceptivo, com funções de controle e
organização da produção poética, onde ele cita o século XVII e Boileau; um
segundo, em que a tripartição dos gêneros passa a ser relativizada, e cujos
representantes encontram-se espalhados ao longo do tempo, indo de Victor
Hugo a Genette e Emil Staiger; e o atual, que “consiste, basicamente, numa
recusa da tradição e no alargamento da noção do gênero para além dos
limites do literário, fundamentando a questão na linguagem” (Cosson,
2001:27). Esta é, então, a deixa para que o autor abra seção sobre os
gêneros do discurso, na qual ele lança um brevíssimo inventário de
proposições.
Cosson mistura sentenças diversas sobre os gêneros discursivos,
emendando-as com suas próprias conclusões. Em um dos trechos, após
resumir algumas das ideias de Bakhtin, o autor decreta que, “a partir delas, a
teoria dos gêneros passa decisivamente da condição de literária à de
discursiva” (Cosson, 2001:29). Depois, chega em Todorov e na necessidade
de apresentar as distinções como princípios dinâmicos, onde os novos
gêneros surgem pela transformação de antigos (por inversão, deslocamento
ou combinação).
Ainda nesse capítulo, Cosson retoma a questão da substituição de
foco. Com Constanzo di Girolamo, reafirma que os gêneros o podem ser
circunscritos ao campo literário, que podem ser distinguidos em vários
24
códigos e registros. E, por fim, retorna à dinamicidade dos gêneros, com a
“contaminação” de gêneros literários por não literários. O saldo das quatro
páginas, com seu vai-e-vem argumentativo, é que:
Teoricamente, o romance-reportagem pode ser visto
como um gênero que resultou do entrecruzamento do
gênero “literário” romance com o gênero “não literário”
reportagem, ou, em outras palavras, da intersecção das
marcas constitutivas e condicionadoras da narrativa
romanesca e da narrativa jornalística.
(Cosson, 2001:32)
O pesquisador em questão tem contribuições essenciais ao debate
sobre o romance-reportagem, diga-se. Mas surpreende que um pesquisador
escreva sobre gêneros do discurso, hoje, e além de Bakhtin cite apenas
Todorov e Girolamo. Quando se aborda o tema, geralmente a dificuldade é
exatamente contrária, delimitar quais teóricos (entre tantos) serão
selecionados. Cosson, opta por passar (ou simplesmente passa) ao largo de
todas as correntes, ignorando Adam, Bronckart, Kress, Miller, Bazerman,
Fairclough, Swales, Bathia, Maingueneau etc. E não aumentemos essa lista,
saindo do campo “discursivo”, sugerido por ele mesmo como novo lugar do
debate genológico.
Algo ainda: Rildo Cosson mistura tópicos e monta as peças para
chegar o mais rápido possível à sua meta. O resultado só poderia apresentar
simplificações e questionáveis associações de teorias. Quando não
produzidos em departamentos de lingüística, os trabalhos sobre jornalismo e
literatura frequentemente oferecem esse tipo de abordagem dos gêneros do
discurso.
Como veremos no capítulo Por que distinguir?, Rildo Cosson acerta
quando aponta uma mudança de lentes, passando o debate genológico do
25
campo estritamente literário para o discursivo, bem como é verdade que
todos os estudos ressaltam a dinâmica dos gêneros. Suas conclusões,
contudo, não são precedidas por uma necessária exposição da
complexidade de fatores necessários ao estabelecimento de um novo
gênero, do recuo nas interpretações da obra de Bakhtin que tendiam ao
relativismo absoluto, dos rumos tomados pelas teorias da literatura e da
comunicação (que reforçam o dialogismo sem, no entanto, negar as
especificidades dos discursos literário e jornalístico).
Como não é nosso objetivo dissertar apenas com base na
contestadora leitura de outras pesquisas, seria enfadonho e desnecessário o
esforço de comentar outros casos dessa espécie. Certo é que aqueles que
defendem que o texto jornalístico é (ou pode ser) também literário são em
grande maioria devedores de Amoroso Lima e Olinto e apenas fazem
ligeiras referências à Bakhtin e alguma outra fonte mais recente. Assim,
tomando resumidamente os seus argumentos mais costumeiros, pois a eles
voltaremos em capítulos seguintes, temos:
As distinções genológicas o têm sentido. Para alguns,
seriam abstrações sem razão alguma, invenções de
intelectuais, princípios que, destituídos de sua normatividade
clássica, não se justificam; para outros, as fronteiras entre
os gêneros até existem, mas respondem a uma dinâmica tal
que qualquer exercício de classificação é inócuo.
A matéria-prima é a mesma: a palavra. E basta, como na tese
de Amoroso Lima, que o texto jornalístico apresente uma
“acentuação” no próprio meio, na mensagem, para que se
26
torne também literatura. Um exemplo é Carlos Ribeiro, para
quem escritor
[...] é aquele que desenvolve, de forma mais marcante,
o sentido expressivo da linguagem [...] Pode-se dizer que
um jornalista criativo e imaginativo (pois a imaginação é, ao
contrário do que muitos pensam, um elemento importante da
atividade jornalística) pode ser melhor ‘escritordo que um
ficcionista medíocre.
(Brito, 2007:55-56)
A narrativa como elemento-chave. Fim das contas, o que
aproxima ou mesmo coaduna um texto literário e um
jornalístico é a narratividade. “Produzir textos narrativos, ou
seja, que contam uma sequência de eventos que se sucedem
no tempo, é algo que inclui tanto a vivência literária quanto a
jornalística” (Bulhões, 2007:40). quem simplifique ainda
mais, dizendo que fazer literatura é contar histórias, sob
qualquer forma, sejam ficcionais, documentais, jornalísticas
ou quaisquer outras.
Diferenciar jornalismo e literatura com base na busca do real
é inapropriado. Muitos teóricos citam o compromisso com a
verdade como o principal veto à literariedade dos textos
jornalísticos, mormente baseados na máxima aristotélica de
que a poesia (literatura) trata do que poderia ocorrer, não do
que aconteceu. Mas o argumento não caberia, pois hoje as
verdades absolutas estão sendo banidas do debate,
27
evaporam-se conceitos como realidade e ficção, e as
representações estão todas em cheque.
Busquemos, portanto, trilhar sobre a poeira de tantos paradigmas
supostamente mortos, seguir entre margens de ruínas teóricas, assumindo
riscos – além das próprias limitações que encontramos no próprio espaço de
tempo reservado ao mestrado.
28
DO JORNALISMO
Muito se comenta sobre as incontáveis concepções acerca do
literário, das definições que a literatura recebeu ao longo da história, e da
provável inconsistência de todas elas. Eis aí uma das aproximações entre os
dois campos discursivos: em jornalismo, as dificuldades de teorização não
são menos sentidas. Dos livros publicados na área que realmente se
arriscam em conceitos, a atividade jornalística acaba sendo mais descrita e
categorizada, os autores cercam seu objeto através da enumeração de suas
funções, relações, suportes etc., evitando assim apresentações sumárias ou,
pelo menos, mais precisas. Marques de Melo comenta que, após mais de
século de pesquisas,
Pode parecer paradoxal que o avanço do
conhecimento científico a respeito da informação de
atualidades nos meios de difusão não tenha logrado rigor
conceitual, exatidão analítica. Parece, mas não é. Porque o
progresso da pesquisa mantém-se descompassado em
relação às mutações vertiginosas do próprio campo.
(Melo, 2003:13)
Curioso é que, diferente do ofício literário, onde o escritor ainda não
está completamente afastado das especulações metafísicas, o cotidiano do
jornalista há muito se vestiu de pragmática e normatividade incontestes, sem
29
que, por outro lado, tenhamos deixado de encontrar estudiosos assumindo
um extremado respeito para com o exercício jornalístico. Traquina chega a
afirmar que seria absurdo um único livro responder à pergunta “o que é
jornalismo?”, ele faz esse alerta antes de, corajosamente (segundo suas
palavras), arriscar que jornalismo é a vida, em todas as dimensões, como
uma enciclopédia (Traquina, 2005:19). Note-se que, conscientemente ou
não, ao citar o enciclopedismo, o autor se trai, finda nos recordando que
existem obras variadas com tarefas aparentemente mais hercúleas do que a
definição de uma profissão, por mais complexa que esta seja.
Além da dinâmica dos meios, portanto, alguns pesquisadores
envolvem o debate em uma aura que até os seus vizinhos, teóricos da
literatura, têm frequentemente negado ao seu objeto. E nos deparamos com
receios apoiados em argumentos discutíveis, dentre os quais podemos
lembrar a acusação de que qualquer tentativa de conceituar o jornalismo
resultaria falha, pois deixaria brechas para questionamentos. Acaso existem
conceitos que escapem totalmente ao risco da contestação, independente
da esfera de conhecimento?
Parece-nos que qualquer álibi para a fuga conceitual poderia ser
colocado em dúvida, seja a dinâmica dos meios, o ethos da profissão ou a
relação do jornalismo com outros discursos porque, consideradas as
óbvias e não desprezíveis particularidades, cada um desses complicadores
encontra eco em outras tantas ocupações. Não haverá aí, recalcado, o
anseio por uma definição essencialista, que se mostre inconteste, indiferente
às mudanças da sociedade e capaz de abarcar até a visão mais romântica
do que seja o jornalismo?
Traquina acredita também que ainda não exista uma teoria do
jornalismo, enquanto conjunto elaborado de princípios e preposições, mas
30
sim tentativas de responder por quais motivos as notícias são como são.
Opinião que é compartilhada por outros teóricos. Segundo Alfredo Vizeu
6
, o
que há são explicações sobre o dia-a-dia do jornalista, são teorias
intermediárias, que visam identificar particularidades da atividade
jornalística.
Jorge Pedro Souza (2002) concorda que existe uma tendência de
fundamentalmente compreender as notícias e suas conseqüências, embora
tenha posição contrária sobre a impossibilidade de uma base teórica sólida.
Para ele, e outros mais, é sim possível estabelecer uma teoria do jornalismo.
De qualquer modo, não existe perigo em afirmar que, entre aqueles que
buscaram conceituar o ofício, ou desenvolver uma teoria sobre o mesmo, a
notícia foi sempre o caminho mais adotado.
Na década de 1920, o americano Robert Ezra Park realizou um dos
primeiros estudos com maior repercussão, já tendo como baliza a veiculação
de notícias, que seria uma forma de produzir conhecimento. Ideia que fez
escola, inclusive no Brasil, desde as pesquisas pioneiras de Luiz Beltrão, a
partir dos anos 60, até obras bem mais recentes, como a de Cláudio Jorge
Ribeiro (Sempre Alerta, de1994). Em um dos mais conhecidos livros sobre o
assunto, Fraser Bond (1962) resume, assegurando que o jornalismo é a
veiculação de notícias, em suas mais diversas formas.
As reflexões sempre recorreram a dicotomias, e muito. Como lembra
Kunczik, embora sejam tipos que não se excluem, o comuns dois perfis
fundamentarem a visão idealista do que seja o profissional: um seria o do
jornalista “objetivo e neutro, distanciado passivamente dos eventos de que
trata. O oposto é o jornalismo ativamente comprometido, participativo e
6
Em conferência realizada no XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
(INTERCOM), realizado em Belo Horizonte, em 2003. Texto disponível em
<<http://www.bocc.ubi.pt/pag/vizeu-alfredo-jornalismo-teorias-intermediarias.pdf>. Acesso: 9 de
junho de 2010.
31
socialmente engajado, que promove causas”. (1997:97) Mas, apesar dessa
recorrência às dicotomias, o autor explicita a existência de outras
concepções sociais da atividade: o jornalista defensor, o mediador, aquele
que se apresenta como professor ou guia, o objetivo e preciso, o de
entretenimento. Em comum, entretanto, o reconhecimento de uma ética
muito específica, ainda que sujeita a variações. Voltaremos a esse tópico em
breve, quando tratarmos da oposição paradigmática entre os pensamentos
de Marques de Melo e de Chaparro.
Junto com o lugar de destaque dado à notícia, outra vertente
persistiu, apesar de cada vez mais anacrônica: mesmo após o surgimento e
popularização de outros veículos, a maioria das reflexões na área da
comunicação foi construída sobre parâmetros do meio impresso. Jornalismo
e imprensa são mesmo utilizados em várias obras como sinônimos,
ignorando que muitas das reflexões bem específicas, dizem respeito ao
trabalho em redações de jornais e revistas.
José Marques de Melo recorda que Otto Groth, nos anos 60,
sublinhou a complexidade da ação jornalística, que seria baseada em quatro
características: periodicidade, universalidade, atualidade e difusão.
Trata-se portanto de um processo contínuo, ágil,
veloz, determinado pela atualidade. O fio de ligação entre
emissor e receptor é o conjunto dos fatos que estão
acontecendo. [...] Assim cada processo jornalístico tem suas
próprias peculiaridades, variando de acordo com a estrutura
sócio-cultural em que se localiza, com a disponibilidade de
canais de difusão coletiva e com a natureza do ambiente
político e econômico que rege a vida da coletividade.
(Melo, 2003:17-18)
32
Mas o reconhecimento de que cada processo tem suas
particularidades conviveu por muito tempo, e paradoxalmente, com análises
onde o jornalismo era visto a partir do meio impresso, daí assomando
considerações generalizantes. Ao presente estudo, contudo, por cotejarmos
os textos jornalísticos e os literários, mais especificamente o livro-
reportagem e o romance, essa tendência legou obras mais que oportunas. E
a atenção sobre as mesmas nos leva a concluir que também entre os
teóricos da comunicação e não entre os literários a defesa do texto
jornalístico como literatura encontra razoável resistência, e frágil amparo
teórico.
Das definições supracitadas aos parágrafos em que seguiremos, e
mesmo nas demais referências que não podemos aqui esmiuçar,
antecipamos que, pesquisa após pesquisa, os estudos sobre jornalismo
mais o afastaram do que o aproximaram da literatura. Exceção feita aos que
publicaram trabalhos dedicados exatamente ao chamado livro-reportagem,
que parecem regidos por uma lógica própria, perigosamente dirigida,
disposta a anacronismos, simplificações e distorções o que, contudo, não
lhes tira a legitimidade do posicionamento.
* * *
Nas reflexões sobre o jornalismo, poucas dicotomias são tão
expressivas quanto a que encontramos (quase invariavelmente) nas obras
que trazem uma categorização genológica. Nelas, predominou a distinção
entre textos informativos e opinativos. E mesmo entre os que acusam esse
33
horizonte de simplista, de ineficaz, ele também ocupa espaço, estimula
debates, colabora com o tema deste nosso trabalho.
Um dos maiores desafios ao estudo dos gêneros jornalísticos são
as peculiaridades de cada país. As variações formais entre os periódicos
espalhados pelo mundo são, sem dúvida, bem mais sentidas do que as
fisionomias particulares que as suas obras ficcionais possam apresentar. Se,
como afirma Octavio Paz, “nada distingue a literatura argentina da uruguaia,
nem a mexicana da guatematelca”, pois “a literatura é mais ampla do que as
fronteiras”, não havendo “escolas ou estilos nacionais” (2006:126), o mesmo
não se pode dizer da imprensa nos países hispano-americanos.
Observando os jornais dos Estados Unidos, as diferenças são ainda
maiores, pois, como constata Martinez de Souza, praticamente dois
gêneros: comments e story (1981 apud Melo, 2003:42), ao contrário da
maior diversidade de espaços que encontramos nos jornais espanhóis, na
América hispânica e no Brasil. Ainda assim, é possível dizer que a
separação entre textos informativos e opinativos tem sido classificação
recorrente nas pesquisas sobre gêneros jornalísticos, para além das
fronteiras e idiossincrasias.
Desde os anos 40 e 50, quando começaram a proliferar os estudos
sobre o assunto, principalmente na Europa, até os dias atuais, em que
mesmo nações com menor tradição de pesquisas na área possuem
análises relevantes, outra tendência que muito interessa aos estudiosos
dos chamados livros-reportagem: o gênero jornalístico reportagem é quase
sempre considerado como informativo, apesar do maior aprofundamento e
da diferenciada liberdade formal que apresenta.
Martínez Albertos, expoente professor do grupo de Navarra, é dos
defensores da reportagem como pertencente à categoria dos informativos,
34
assim como a notícia, enquanto textos como o editorial, o ensaio, a crítica e
o artigo seriam interpretativos e a crônica surge como único gênero
híbrido. José Marques de Melo explica:
Assim sendo, os gêneros interpretativos
correspondem ao jornalismo de gabinete, ou seja, aquela
produção de textos que ocorre dentro da própria redação, e
os gêneros informativos correspondem ao jornalismo de rua,
provindo do contato direto entre os repórteres e a realidade.
O caso da crônica seria ambivalente, nutrindo-se tanto da
atividade externa quanto do trabalho interno.
(Melo, 2003: 52)
Essa classificação, como comenta José Marques de Melo, é
basicamente uma adaptação para o contexto espanhol de uma terminologia,
onde, após a Primeira Guerra Mundial, os pesquisadores da Comunicação
passaram a se preocupar sobremaneira com a objetividade das notícias
(Amaral, 1996), vide Carl Warren e Fraser Bond.
O espanhol López de Zuazo apresenta classificação bem
semelhante, e o argentino Eugenio Castelli também opõe o jornalismo
informativo, do qual faz parte a reportagem, ao de opinião mas inclui um
terceiro tipo, o jornalismo ameno, reservado às notas pitorescas. E Marques
de Melo cita outros autores que adotam como principal lente de análise a
preponderância da informação ou da opinião, como o alemão Dovifat e o
italiano Domenico de Gregorio.
No Brasil, Luiz Beltrão endossa a tese de que a reportagem não é
opinativa. Porém, ele traz uma novidade: defende que existem dois tipos, a
reportagem (informativa) e a reportagem em profundidade (interpretativa).
35
Na verdade, afiguram-se como espécies de um
mesmo gênero a reportagem uma, a pequena
reportagem (inevitavelmente superficial pela contingência da
celeridade com que os fatos devem ser divulgados no seu
acontecer); outra, a grande reportagem (naturalmente mais
profunda, pela disponibilidade de tempo que se oferece ao
repórter ou à equipe de reportagem para pesquisar, refletir,
avaliar, distanciando-se portanto da pressão analítica que
caracteriza os relatos jornalísticos imediatos).
(Melo, 2003:61)
Não esqueçamos que o próprio José Marques de Melo chega à sua
classificação, seguindo a distinção entre gêneros opinativos e informativos
nestes residindo a reportagem, que o pesquisador define como “relato
ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e
produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística “(Melo,
2003:66).
Se, afinal, comparamos as classificações de Beltrão e Melo, dois
nomes referenciais às pesquisas nos cursos de Comunicação Social
brasileiros, temos:
Luiz Beltrão
JORNALISMO INFORMATIVO
Notícia
Reportagem
História de interesse humano
Informação pela imagem
JORNALISMO INTERPRETATIVO
José Marques de Melo
JORNALISMO INFORMATIVO
Notícia
Reportagem
Nota
Entrevista
JORNALISMO OPINATIVO
36
Reportagem em profundidade
JORNALISMO OPINATIVO
Editorial
Artigo
Crônica
Opinião ilustrada
Opinião do leitor
Editorial
Artigo
Crônica
Coluna
Comentário
Resenha
Caricatura
Carta
Alguns outros teóricos preferiram distinguir os textos narrativos dos
argumentativos, como Héctor Borrat e o estudioso do discurso Teun van
Dijk. Neles o encontramos, porém, um rumo tão diferenciado. Final de
contas, não seriam opções aparentadas, falar de informativos x opinativos
ou narrativos x argumentativos?
O pesquisador Manuel Carlos Chaparro também rejeita a tradicional
distinção do jornalismo entre informativo e opinativo, mas a contundência de
sua crítica requer mais atenção:
Devemos às crenças da objetividade a criação e a
manutenção do velho paradigma que propõe a divisão do
jornalismo em classes de textos opinativos e textos
informativos. Trata-se de uma fraude teórica
surpreendentemente persistente, já secular.
(Chaparro, 2007:13)
Chaparro nega a oposição e defende a existência de uma relação
dialética e permanente entre informação e opinião. Aqui os dois elementos
não são base para uma clivagem dos textos jornalísticos, pelo contrário, seu
37
diálogo é o cimento constitutivo dos mesmos, seja nos esquemas da
narração ou da argumentação (em Manuel Carlos Chaparro também
encontramos uma visão esquemática, embora seja alternativa à de Marques
de Melo, e sempre acompanhada de ressalvas sobre o perigo de reduzirmos
o debate através das categorizações).
Chaparro realizou estudo comparativo entre os jornalismos lusitano e
brasileiro. Em Sotaques d’aquém e d’além mar, ele classifica os textos como
pertencentes ao gênero comentário ou ao gênero relato. Neste, ele distingue
ainda as espécies práticas (agendamentos, indicadores, cartas-consulta,
orientações úteis, previsão do tempo e roteiros) e as narrativas (coluna,
entrevista, coluna e reportagem). E, especificamente sobre a reportagem,
Chaparro esclarece que, embora seja pertencente às espécies narrativas, no
caso dos meios impressos portugueses ela recebe um acentuado tom
argumentativo ao relatar os acontecimentos (2008:29).
Bonini explicita os dois principais pontos de discordância entre
Chaparro e Marques de Melo:
O primeiro deles é o de que o paradigma
informação/opinião não serve mais, se é que já serviu, como
critério para tipificação das formas discursivas no jornal, pois
a atividade jornalística não se orienta, guiada pelo critério da
objetividade, para um ou outro desses compartimentos [...] A
segunda crítica de Chaparro é a de que as classificações
acadêmicas, com critérios inadequados e insuficientes, são
incapazes de classificar e explicar as espécies utilitárias,
comumente rotuladas como “serviço”.
(Bonini, 2003:214)
E continua, pois, ao incorporar uma metodologia aristotélica na
análise dos gêneros do jornal, “Chaparro cai na própria armadilha epistêmica
38
que critica nos demais autores: ignorar o aspecto constitutivo da linguagem
nas atividades humanas” (Bonini, 2003:216).
Toda classificação não deixa mesmo de ser uma forma de
simplificação, de redução, mas que tem como objetivo sugerir pontos de
partida, não se encerrando na categorização. Se o paradigma “textos
informativos x opinativos” o atende às demandas das pesquisas em
comunicação, decerto as reflexões dela decorrentes não podem ser
totalmente descartas. Daí entendermos como não procedente a acusação de
fraude teórica, dado que uma proposição que não se confirma é equivocada,
mas não necessariamente fraudulenta.
Bonini, que vem realizando vários e importantes trabalhos sobre os
gêneros jornalísticos, chega a duas conclusões:
A primeira delas é que a literatura da área de
comunicação, em sua maioria, trabalha com um conceito de
gênero ultrapassado em outros campos do debate
acadêmico. [...] A segunda conclusão é a de que essa
literatura oferece uma rica quantidade de rótulos relativos
aos gêneros e às atividades com gêneros, embora se tenha
que desenvolver critérios de seleção para escolher com
quais trabalhar.
(Bonini, 2003:227)
E por qual razão chegamos aqui, por que ressaltamos tanto essa
recorrência das reportagens dentro da categoria informativa? Nosso objetivo
não é reproduzir abordagens restritivas. Buscamos sim demonstrar como os
próprios pesquisadores da comunicação dificilmente veem a reportagem fora
da esfera dos gêneros eminentemente informativos (quando tentam se
apoiar em teorias e metodologias, ao invés de apenas repetir as costumeiras
39
impressões de jornalistas descomprometidos com critérios e fundamentação
mais rigorosa).
As variações de estilo, o aprofundamento, o tamanho da narrativa,
os ornatos... Nada disso costuma dar em análises que tirem da reportagem
aquele compromisso primeiro, de informar, de veicular a verdade (ainda que
ilusória), de se apoiar em dados comprováveis. E esse contrato importa,
sobremaneira.
Esse tópico, do compromisso com a verdade e com a função
informativa enquanto prerrogativas da reportagem, são importantes para o
desenvolvimento de nossa reflexão sobre as aproximações e divergências
entre o romance e o livro-reportagem. Bem como resgatar um pouco das
teorias genológicas e registrar o atual momento das pesquisas sobre
gêneros do discurso – o que faremos nos capítulos seguintes.
40
ALGO SOBRE OS GÊNEROS LITERÁRIOS
Será a função das classificações, enfim, o que define a validade da
genologia, seja ela descritiva, normativa ou de qualquer outro tipo? Ou essa
legitimidade é possibilitada pelo maior ou menor grau de flexibilidade das
categorias propostas? Em qualquer época, sob os mais diversos aspectos,
os gêneros literários permanecem sendo utilizados ou discutidos porque,
ainda que antiteticamente, oferecem uma maneira de pensar as obras,
correntes e perspectivas literárias de uma dada sociedade, além de serem
partícipes inegáveis na própria configuração dos discursos – ou seja, sem os
gêneros, quais textos literários conhecidos ainda existiriam? E, sendo assim,
como ignorar ou utilizar negligentemente o debate genológico?
Mesmo os mais contundentes ataques a gêneros vêm de autores
que, de algum modo, fizeram óbvio uso das leituras genológicas que os
antecederam. Porque tais distinções oferecem registros, reflexões,
sugestões, que não necessariamente precisam subsistir acompanhadas da
carga normativa ou hierarquizante que as fomentou.
Tentar provar a inocuidade dos gêneros através da exposição de
algumas classificações que já não funcionam é, esse sim, um modo de
pensar essencialista, argumentação ingênua, posto que nenhum tópico, de
área alguma do conhecimento, tem entre os requisitos para sua valorização
a existência de uma anacrônica trajetória, onde contextos diferentes
41
apresentem as mesmas classificações, conceitos e usos. E, mesmo as
tentativas teóricas mais contestadas, desde que em seu tempo tenham
exercido influência, dificilmente serão esquecidas.
Tanto assim, que os estudos sobre as teorias dos gêneros literários
geralmente partem do filósofo cuja prioridade era a formação de uma cidade
ideal. Como sói acontecer às reflexões estéticas decorrentes de
engajamento político, de projetos sociais mais amplos, os textos platônicos
não conseguiram perpetuar suas concepções, seus juízos de valor sobre a
poesia. No entanto, o constante retorno aos seus diálogos demonstra que o
pensador grego lidou com questões pertinentes, antecipou problemas que
por milhares de anos têm guiado muitas das discussões literárias.
Bom lembrar que, para os gregos, a poesia servia à comunicação
cotidiana e perpetuação de costumes, à exaltação dos deuses, aos rituais
etc. Preciso é sempre ter isso em mente, que os poetas exerciam funções
muito diferentes das que nos são mais próximas, sendo natural que as
discussões sobre o seu papel tivessem lugar em reflexões além das
estéticas estas conquistariam força e autonomia muito, muito depois
dos helênicos.
Platão era um filósofo à procura de uma legislação para a arte,
julgando o ofício dos aedos no projeto de uma polis que seria erigida sob a
razão e a justiça. No Livro II de A República, afirma que é dos governantes a
competência sobre os modelos a serem seguidos na criação das fábulas,
pois esses guardiões são responsáveis pela boa educação dos cidadãos.
Sua preocupação primeira é com a busca da verdade, da qual o poeta
também não deve se afastar. Na parte seguinte da obra, defende que
somente os líderes devem mentir (e somente quando em benefício da
42
cidade). Interessa-nos aqui, sobretudo, o seu interesse por um tema que
segue como pedra de toque nas teorias dos gêneros: a mímesis.
Para o filósofo, a poesia estava dividida em três categorias: uma
inteiramente imitativa (dramática), adequada à tragédia e à comédia; outra
onde o poeta falava pela sua própria voz (lírica), tal qual nos ditirambos;
mais uma mista (épica), formada pela combinação das anteriores, e onde se
enquadrava a epopéia. Quanto menos mimética, igualmente menor seria o
prejuízo para os cidadãos. E, se os aedos tivessem de imitar, que fossem
então virtudes como a coragem, a sensatez e a pureza.
Esse “grande combate”, anunciado logo no início da República,
intensifica-se no Livro X. Se antes ainda há a aceitação da narração simples,
destinando-se as críticas mais severas à tragédia e à comédia, neste
encontramos uma total e quase irremediável rejeição à poesia e todas as
demais artes miméticas. Muito se especulou se essa seção derradeira
teria sido escrita após considerável intervalo de tempo, capaz de radicalizar
as opiniões platônicas. Fato é que nela não mais se trata de imprimir
modelos, toda poesia mimética é considerada uma imitação de terceiro grau,
devendo ser retirada não da educação, mas extirpada completamente,
evitando assim os malefícios provenientes do exagero, da inútil ficção, das
cópias imperfeitas, simulacros muito inferiores às próprias aparências. Mas
Platão ressalva:
[...] se a poesia imitativa puder provar-nos com boas
razões que tem o seu lugar numa cidade bem policiada,
vamos recebê-la com alegria, porquanto temos consciência
do encanto que ela exerce sobre nós, mas seria ímpio trair o
que se considera a verdade [...] Permitiremos até que os
seus defensores que não são poetas, mas que amam
poesia, falem por ela em prosa e nos demonstrem que não é
apenas agradável, mas também útil, ao governo dos
Estados e à vida humana.
43
(Platão, 2008:337)
Spina lembra que, em outros textos, como no Filebo, Platão também
admite a existência da poesia em sua cidade modelar, desde que não se
ocupe apenas das aparências. O banimento platônico tão citado, portanto, é
um pouco mais complexo do que muitos textos sugerem.
Na arte da cópia, em que o poeta deve respeitar a
essência do objeto a ser reproduzido, todo poeta em
princípio deve ter um conhecimento preliminar dos modelos
que vai imitar; com uma formação teorética suficiente para
descobrir, então, a unicidade da ideia atrás da multiplicidade
cintilante das aparências, ele se aproximaria assim do
filósofo.
(Spina, 1995:8
5)
Além da tutela dos governantes sobre a criação, em Platão a arte
poética somente tem motivo justo de ser quando assume a tarefa metafísica
de fixar as coisas não como elas se nos apresentam, e sim o mais
semelhante possível de como são na verdade, naquele orbe superior que
nos escapa, no mundo das ideias. Citando outro diálogo, o Fedro, diz
Benedito Nunes que não se trata de uma simples condenação à poesia:
A alternativa platônica é, portanto, a seguinte: ou o
poeta é inspirado ou é um imitador vulgar [...] Considerando-
se os aspectos éticos da condenação do poeta em A
República, que recai sobre o mimethes, atingindo os autores
trágicos e épicos, e, mais ainda, a oposição da nova forma
do Diálogo à tragédia, conforme Nietzsche apontou, o que
prevalece, diante da alternativa antes exposta, é a elevação
do poeta inspirado e o rebaixamento do imitador.
(Nunes, 1999:24)
44
na Poética, que desde fins da Idade Média foi sendo
redescoberta, a se tornar a principal referência para os estudos dos
gêneros literários, Aristóteles mantém a discussão a partir da mímesis.
Porém, não mais como mera produção de cópias, simulacros de objetos ou
ações humanas. Tampouco se trata de revelar verdades que residem sob ou
sobre as aparências. O poeta não se rege por buscas essencialistas, nem
pelo relato fidedigno de acontecimentos, ele trabalha por transposição, recria
a natureza, idealiza mundos verossímeis, embora não reais.
Tratando da classificação das formas poéticas, o estagirita diferencia
os gêneros pelos meios, objetos e modos da operação mimética. Assim, dos
meios pelos quais se opera a mímesis, o filósofo busca separar as obras
segundo aspectos formais, da mesma forma que se distingue uma pintura de
outra através das cores e traços.
algumas artes que se servem de todos os meios
mencionados, a saber, o ritmo, a melodia e o metro, tal
como a poesia dos ditirambos e a dos nomos e ainda a
tragédia e a comédia. São diferentes porque umas aplicam-
nos todos ao mesmo tempo e outras parcialmente.
Considero, pois, estas as diferenças dos meios com os
quais se realiza a imitação.
(Aristóteles, 2004:39)
Partindo dos objetos mimetizados, Aristóteles separa as tragédias
das comédias. Enquanto estas apresentam personagens piores do que as
pessoas geralmente são, aquelas as representam superiores. Ou, como
sintetiza Spina, a partir de suas ações os homens podem ser:
[…] 1º) melhores do que são na realidade
(idealização); 2º) tais como são na realidade (realismo); 3º)
piores do que são (deformismo). Assim: Homero pinta, nos
45
seus poemas, os homens melhores do que são; Cleofonte
(autor desconhecido) os pinta como são; e Heguemon de
Tasa (o primeiro a compor paródias épicas), bem como
Nicóxares, piores do que são.
(Spina, 1995:86)
Finalmente, se consideradas as maneiras de realização da mímesis,
o filósofo classifica as obras de dramáticas, quando as personagens estão
em movimento e atuam sem a mediação do poeta, e de narrativas, se o
autor se põe, seja com sua própria voz ou assumindo outras identidades.
Esses três critérios combinados estabelecem a teoria dos gêneros
aristotélica, que obviamente era um estudo da poesia de então, não uma
empreitada normativa, tampouco um modelo de análise para as futuras
criações literárias. Nada disso impediu que suas reflexões permanecessem
como a base da genologia moderna, enquanto as ideias de Platão se
tornaram das mais contestadas entre as obras de referência sobre o
assunto. Mas, se observarmos as duas teorizações, com todas as
divergências, sempre é possível alargar as interpretações, adotar trilhas
oportunas, como no distanciamento entre a arte e a realidade, que, da
República à Poética, vai da impossibilidade de se imitar as coisas como elas
realmente são até a negação da mímesis poética como imitação de qualquer
tipo.
[…] a função do poeta não é contar o que aconteceu
mas aquilo que poderia acontecer, o que é possível de
acordo com o princípio da verossimilhança e da
necessidade. O historiador e o poeta não diferem pelo facto
de um escrever em prosa e o outro em verso (se tivéssemos
posto em verso a obra de Heródoto, com verso ou sem
verso ela não perderia absolutamente nada do seu caráter
de História). Diferem é pelo facto de um relatar o que
aconteceu e o outro o que poderia acontecer.
(Aristóteles, 2004:54)
46
* * *
Antes de um avanço maior nessa linha temporal, vale citar ainda
Horácio e sua Arte Poética, a Epistula ad Pisones, que se debruça sobre as
qualidades e princípios necessários ao poeta em sua busca pelo equilíbrio,
pela perfeição. Se a normatividade em Aristóteles é produto de releituras
enviesadas, na obra horaciana ela é resultado das preocupações didáticas e
morais do autor. Daí sua eminência a partir do século XVI, onde exerceu
profunda influência sobre retóricos e classicistas, cultivadores de normas
preceptivas inspiradas nos textos clássicos.
Para Horácio, o poeta é um indivíduo dotado de aptidões
diferenciadas, mas o talento não é suficiente. Trabalhar com disciplina, ouvir
críticas, cortar o excesso, manter-se sob a ordem e unidade, almejar a exata
relação entre forma e conteúdo tudo está a serviço desse talento, que tem
por necessidade se colocar além da aurea mediocritas.
Se havia entre os clássicos, teóricos e poetas, um
conceito que se furtava completamente à noção do meio-
termo era o da Beleza. Ainda que muitos poetas não
tivessem consciência da frouxidão da sua poesia, o conceito
de perfeição era absoluto: em poesia é inadmissível a
mediocridade apregoavam eles; a poesia não admite
meio-termo.
(Spina, 1995:43)
O reconhecimento do gênero se faz preciso devido à tarefa do
poeta: achar tom, metro e estilo adequados à realização de uma obra
47
perfeita. As regras não o, portanto, mera imposição, elas resultam dessa
empresa, que a poesia seja algo de elevado, de útil à cidade, para que
alcance o seu fim educativo e estético (Rosado Fernandes, 1984). E
outro ponto a se destacar na Arte Poética, o papel do receptor, como
destaca Brandão
7
, ao afirmar que o destinatário de certa maneira funciona
como co-produtor da obra, pois sua expectativa determina as exigências
estruturais da mesma.
Se passamos de Horácio ao fim da Idade Média, nenhum prejuízo
ao resumo, porque intervalo sem reflexões que alterem ou reinterpretem os
princípios genológicos existentes. Angélica Soares ainda registra a
classificação de Dante Alighieri, que classifica o estilo em nobre, médio e
humilde, “situando-se no primeiro a epopéia e a tragédia, no segundo a
comédia (também diferenciada da tragédia pelo seu final feliz) e no último a
elegia” (Soares, 2007:12). Mas as principais reflexões deste período dizem
respeito à Beleza, ao sublime, à relação da arte com a Verdade, com a
natureza, seu papel enquanto instrução etc.
No século XVI, temos o resgate das poéticas de Aristóteles e
Horácio, tendo como mudança mais expressiva a substituição da bipartição
aristotélica (poesia dramática e poesia narrativa) por uma tripartição em
“dramática, épica e lírica, esquema este destinado a vasta e duradoura
fortuna” (Aguiar e Silva, 1974: 207). As categorias recebem subdivisões,
fronteiras rígidas e eminência, seu cumprimento tornando-se condição para
o reconhecimento da obra.
A difusão e valorização dos gêneros não significa que não houvesse
discordâncias quanto às categorias. Eram questionados o lugar da liberdade
7
Roberto de Oliveira Brandão, na Introdução à edição da Cultrix, A poética clássica, onde estão
traduzidos por Jaime Bruna a Poética de Aristóteles, a Arte Poética de Horácio e o Do Sublime de
Longino.
48
criativa sob tais normas, os critérios de caracterização dos gêneros e a
própria dinâmica das mudanças nessas classificações – tópicos que nos são
bem familiares. Aguiar e Silva também lembra que se iniciava o debate entre
antigos e modernos:
[...] os antigos consideram as obras literárias greco-
latinas como modelos ideais e imutáveis e negam a
possibilidade de criar novos gêneros literários ou de
estabelecer novas regras para os gêneros tradicionais; os
modernos, reconhecendo a existência de uma evolução nos
costumes, nas crenças religiosas, na organização social,
etc. , defendem a legitimidade de novas formas literárias,
diferentes das dos gregos e latinos, admitem que os
gêneros tradicionais, como o poema épico, possam revestir
novas modalidades, e chegam mesmo a afirmar a
superioridade das literaturas modernas em relação às letras
Greco-latinas.
(Aguiar e Silva, 1974:210-211)
Os adeptos e divulgadores dos valores clássicos nem sempre se
davam ao trabalho de justificar o emprego preceptivo das poéticas greco-
latinas. Em sua maioria, não eram teóricos dos gêneros, antes exercitavam
uma leitura dos antigos e sua adaptação como normas a serem
empregadas, baseadas no respeito a virtudes literárias que seriam
historicamente comprováveis. Daí, incoerências e omissões de critérios
classificatórios. Wellek e Warren lembram, como exemplo, que Boileau inclui
em seu cânone o pastoral, a elegia, a ode, o epigrama, a sátira, a tragédia, a
comédia e a epopéia;
[...] não obstante, Boileau não define a base dessa
tipologia (talvez porque pensa na própria tipologia como
dada historicamente, não como uma construção
racionalista). Os seus gêneros são diferenciados por tema,
estrutura, forma do verso, magnitude, tom emocional,
weltanschauung ou pelo público? Não podemos responder.
49
(Wellek; Warren, 2003:312)
Se muitos contemporâneos de Boileau questionavam alicerces
das teorias clássicas, como a unidade, a historicidade e a pureza dos
gêneros, com o Sturm und drang, movimento pré-romântico alemão, a
rejeição a tais princípios ganha força. Apesar de reconhecer que mesmo
entre os românticos ainda existiriam vozes advogando a validade das
classificações genológicas e do pensamento clássico, Vitor Manuel de
Aguiar e Silva lembra que, no século XVIII, prepondera “a absoluta
individualidade e a autonomia de cada obra literária, e sublinhando o
absurdo de estabelecer partições dentro de uma actividade criadora única”
(1974, 213).
Entre a releitura de Schlegel sobre o lugar dos gêneros e a
radicalidade de um Victor Hugo, por exemplo, que no prefácio ao Cromwell
(1827) desfere o mais violento ataque às categorizações, dois reflexos
daquelas décadas são imperativos, pois seguiram rumos decisivos em
discussões nossas contemporâneas: qualquer que sejam as posições e
argumentos, os gêneros continuaram a ser problematizados; e os debates
em torno dos conceitos de antigo e moderno não cessaram, mesmo que sob
díspares aparências, ainda que acusados de ultrapassados.
Perdido seu lugar hegemônico, sua influência normativa, a teoria
dos gêneros, durante muito, sobreviveu como algo a ser negado ou
relativizado. Muito correu para que outro teórico de expressão defendesse
as classificações genológicas, e, quando aconteceu, teve como base os
princípios positivistas.
50
Enquanto dura o Romantismo e reina inquestionável a
concepção da poesia como expressão do individual, a
questão dos gêneros é vista como uma antiqualha. Com
efeito, ao longo do século XIX a única teorização
usualmente lembrada é a de Brunerière. Não por acaso,
ainda que ela se fizesse com termos da ciência
contemporânea, sua imagem favorita de literatura mantinha
o desenho do classicismo.
(Lima, L.C., 2002a:263)
Segundo a proposição positivista e evolucionista de Brunetière
(1849-1906), um gênero nasce, cresce, alcança sua perfeição, declina e
finalmente morre ou se transforma. Nessa trajetória, as obras pertencentes a
uma dada classe são determinadas por fatores genéticos, históricos e
geográficos, não se resumindo à individualidade do gênio criador. Tal
posição, para Brunetière, seria comprovável através da observação dos
cânones literários.
A tragédia clássica teria sucumbido ante o drama
romântico, exactamente como, no domínio biológico, uma
espécie enfraquecida sucumbe perante uma espécie mais
forte. Outros géneros, porém, através de um mais ou menos
longo processo evolutivo, transformar-se-iam em géneros
novos, tal como algumas espécies diferentes: assim,
segundo Brunetière, a eloquência sagrada do século XVII
ter-se-ia transformado na poesia lírica do período romântico.
(Aguiar e Silva, 1974:216)
Temos com o italiano Benedetto Croce (1886-1952) a paradigmática
oposição ao pensamento de Brunetière, e seus argumentos exercem ainda
enorme influência sobre as discussões genológicas do século XX. Como
afirma Luis Costa Lima, a repercussão de suas análises somente pouco
começou a ser sistematizada.
51
Se para Brunetière o classicismo francês e o positivismo eram os
horizontes do pensamento genológico, com Croce o Romantismo é a
referência, e toda vertente científica deve ser evitada. A criação literária não
se subordina a qualquer elemento além da intuição do autor, tampouco as
obras podem ser enquadradas em categorias. Na estética crociana, os
“gêneros são o oposto de objetos reais; fantasmagorias tomadas como
substâncias por decorrência do cio de confundir-se o conhecimento com a
produção conceitual” (Lima, L.C., 2002a:267).
Este posicionamento é reavaliado posteriormente,
quando admite que podem ser refeitos gêneros de
diferentes e remotas procedências, mas sobre novos
pressupostos: o da valorização e o da qualificação. O
primeiro produziria "gêneros" como a poesia clássica ou
romântica e o segundo as qualificaria em poesia serena,
pequena, grandiosa... O importante era que as designações
não passassem de rótulos, sendo os gêneros o oposto dos
objetos reais.
(Soares, 2007:16)
* * *
O apressado e multiplicado século XX assistiu a incontáveis ataques
aos gêneros literários, fossem realizados na esteira de Croce, sob a
influência romântica, buscando novas rotas ou mesmo alheios a qualquer
necessidade de fundamentação teórica. Mas são equivocados os resumos
que tentam encontrar nesse século uma preponderância do descrédito ou
até da indiferença aos gêneros.
Com os formalistas, as classificações não tiveram seu valor negado,
mas foram redimensionadas. Como lembra Costa Lima, após um período
52
inicial de parentesco com Croce, o formalismo reintroduziu a ideia de
gêneros, agora como fenômenos dinâmicos, em constante processo de
mudança. Mais que isso: outro elemento passa a ser considerado neste
debate, pois “a experiência ou reconhecimento do gênero se impõe
previamente tanto ao produtor quanto ao receptor, pois está entranhada na
própria expectativa histórica do fato literário” (Lima, L.C., 2002a:269).
E, mesmo que a recordação dos formalistas russos seja de uma
leitura dinâmica, histórica e até ligada à recepção, o século XX não só
testemunhou teorizações genológicas, como também muitas delas sequer
trouxeram essa concepção social, mutável e historicamente condicionada.
André Jolles, por exemplo, resgata a ideia de Goethe, da existência de
“formas naturais” (epos, lírica e drama), sobre as quais a criação literária se
desenvolve, inova, mas nunca assoma do nada, antes continuando
baseadas em formas fundamentais: lenda, gesta, mito, adivinhação, locução,
caso, memoráveis, conto, rasgo de espírito. Essas nove elementares
“corresponderiam a uma ‘disposição mental’ diferenciada, que permaneceria
malgrado a diversidade das configurações histórico-culturais” (Lima, L.C.,
2002a:275).
Emil Staiger, em Conceitos fundamentais da poética, publicado
em 1952, a partir de Goethe, Heidegger e um tanto de biologia, retoma o
esquema tripartido dos gêneros ou melhor, de “estilos”, como ele prefere.
Staiger trabalha com a relação entre conceitos estilísticos básicos de poética
e a própria existência humana.
Staiger caracteriza o lírico como “recordação”, o épico
como “observação” e o dramático como “expectativa”. Tais
caracteres distintivos conexionam-se obviamente com a
tridimensionalidade do tempo existencial: a recordação
53
implica o passado, a observação situa-se no presente, a
expectativa projeta-se no futuro.
(Aguiar e Silva, 1974:223-224)
Para Emil Staiger, não pureza estilística nos textos, é possível
neles encontrar traços líricos, épicos e dramáticos, apesar de sempre
ocorrer dominância de algum e, a partir desta, sendo possível caracterizar
ontologicamente a obra. Costa Lima chama a tentativa de desvario, de
falaciosa, e junta suas observações a de outros críticos para citar, entre
outros problemas possíveis, o equivocado apoio lingüístico utilizado por
Staiger e o fato de ele tomar como certas e transistóricas ideias de estilo que
não são válidas para quaisquer idiomas e culturas. Costa Lima, em
consonância com o Hempfer, de Gattungstheorie (1973), afirma que, após
enxugar o “tom patético-metafísico”, somente consegue encontrar uma
contribuição – em negativo – legada pela poética de Staiger: o caráter
falsificado das teorias dos gêneros edificadas sobre esquemas permanentes,
preexistentes.
O mesmo aspecto estático é acusado em Northrop Frye, que, em
sua Anatomia da Crítica, define quatro gêneros básicos: os conhecidos
epos, drama e lírica, agora acompanhados da Ficção. O epos apresentado
pela mimesis do discurso direto; a ficção, da escrita assertiva; o drama, pela
mímesis externa ou da convenção; a lírica, pela interna. Costa Lima que
concordara nisso com Staiger, explica também que Frye não pensa em
representantes puros de cada modalidade.
Tais acréscimos e respectivos contestadores seriam suficientes
para rejeitar a tese segundo a qual os gêneros teriam se tornado assunto
caduco no século XX. Restaria ao defensores de tal posição mal citar
54
Bakhtin e seus sucessores. No entanto, como veremos no capítulo seguinte,
a abertura do debate aos demais campos discursivos e o estabelecimento
de tópicos como o dialogismo e o hibridismo bem longe estão de tornar
decrépitas as teorias genológicas, embora tenham assumido
indubitavelmente uma trajetória de complexidade e aprofundamento
crescentes, sempre mais distante da metafísica, do transistórico, do
preceptivo.
55
POR QUE DISTINGUIR?
A partir dos anos 80, especialistas das mais diversas áreas deram
um novo ritmo às discussões genológicas. Fundados sobretudo na obra de
Bakhtin, expandiram seus estudos para além dos textos literários. Hoje,
dedicam expressiva atenção às atividades discursivas em ambientes de
trabalho, às possíveis abordagens sobre o assunto no ensino de línguas, e
outras tantas aplicações, numa lista que não para de crescer. No Brasil,
desde os anos 90 o assunto foi incluído nos PCN's (Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa) o que funcionou como estímulo extra
para novas pesquisas.
A abertura de foco, no entanto, não significa que as investigações
sobre gêneros específicos tenham perdido vigor. Elas seguem como uma
das linhas de pesquisa mais adotadas, inclusive nas universidades
brasileiras, embora o tema desta dissertação (o diálogo entre o romance e o
livro reportagem) continue sendo modestamente explorado. É de se esperar
que esse quadro mude, posto que as contribuições decorrentes desse
esforço multidisciplinar são indispensáveis também ao debate sobre as
relações entre a literatura e o jornalismo, independente de terem origem em
teorias literárias ou linguísticas.
Tal efervescência em torno dos gêneros do discurso possibilitou a
multiplicação de correntes teóricas e publicações. O que não nos impede,
56
entretanto, de verificar proposições recorrentes. A existência desses pontos
de convergência em campos de pesquisa tão díspares quanto o linguístico, o
antropológico e o sociológico pode ser explicada, em parte (e
principalmente), pela fonte comum bakhtiniana. Lembra Marcuschi:
Como Bakhtin é um autor que apenas fornece
subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias
mais amplas, pode ser assimilado por todos de forma
bastante proveitosa. Bakhtin representa uma espécie de
bom senso teórico em relação à concepção de linguagem.
(Marchuschi, 2008:152)
Exatamente o que buscamos nesta seção essencialmente
linguística: conceitos e princípios que, mesmo com a conhecida diversidade,
tornaram-se referenciais aos estudos dos gêneros; identificar aqueles termos
e ideias que, como constatam Brait e Melo
8
, apesar dos sentidos diversos
que lhes o atribuídos, podem ser “concebidos e compreendidos, cada um
deles, de maneira distinta, mas teoricamente coerente” (BRAIT, 2007:63).
Começando com o próprio Bakhtin e a paradigmática definição dos gêneros:
O emprego da língua efetua-se em forma de
enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos
pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade
humana. Esses enunciados refletem as condições
específicas e as finalidades de cada referido campo não
por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou
seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. (...) Evidentemente, cada
enunciado particular é individual, mas cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do
discurso.
8
BRAIT, Beth; MELO, Roseineide. Enunciado / enunciado concreto / enunciação. In: BRAIT,
Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2007.
57
(Bakhtin, 2003:261-262)
Esses gêneros nos chegam como a língua materna. Assim como
aprendemos a falar, vamos os assimilando através das interações
cotidianas. Habituamo-nos, também no dia-a-dia, a reconhecer a qual
gênero pertencem os enunciados alheios, processo indispensável à
atividade discursiva. Sem o reconhecimento tácito dessas formas
“relativamente estáveis”, a própria comunicação seria impossível.
Graças ao nosso conhecimento dos gêneros do
discurso, não precisamos prestar atenção constante a todos
os detalhes de todos os enunciados que ocorrem à nossa
volta. Em um instante somos capazes de identificar um dado
enunciado como sendo um folheto publicitário ou como uma
fatura e, então, podemos nos concentrar apenas em um
número reduzido de elementos.
(Maingueneau, 2008:64)
Alguém pode dominar as regras gramaticais e o vocabulário de um
idioma, e com isso interagir nos campos cotidianos, mas ser absolutamente
incapaz de se comunicar com os participantes de uma dada esfera
discursiva, como entre físicos ou advogados, por exemplo. De modo
semelhante, um leitor pode devorar romances com facilidade e não ir além
da primeira página de um tratado de fisiologia – é quando, então, a realidade
dos gêneros e tipos de discurso é bem percebida
9
.
9
Seguiremos Marcuschi, e o tipo ou domínio discursivo constituirá uma esfera mais ampla (do
discurso jurídico, do jornalístico, do religioso etc.), na qual, por sua vez, ocorrem os gêneros textuais.
Estes, em Marcuschi, Adam e Bronckart, são relacionados com a ênfase na forma, na composição, na
materialidade do texto, enquanto os gêneros do discurso se referem à própria enunciação, ao
fenômeno social. Nesta dissertação, porém, utilizaremos os termos sem tanta preocupação em
distingui-los, assim como evitaremos utilizar dicotomicamente texto x discurso, pois, como reconhece
o próprio Marchuschi, “a tendência atual é ver um contínuo entre ambos com uma espécie de
condicionamento mútuo” (2008:81).
58
E o que seria o enunciado? Bakhtin desenvolveu ao longo de suas
obras um conceito que o responde a definições claras, sintéticas, antes
sendo apreendido através da relação com outros termos e da dialética
existente entre as diferentes fases de sua produção teórica. Entre os pós-
bakhtinianos, o termo foi se tornando ainda mais polissêmico, sendo um
caminho provavelmente menos nebuloso tentar delimitá-lo através de seu
uso, como fazem Charaudeau e Maingueneau (2006). Assim, do ponto de
vista linguístico, enunciado pode ser aquela parte mais primitiva até do que a
palavra, a frase, o morfema etc.; ou, do ponto de vista sintático, seria uma
sequência verbal completa, investida de sentido (e a frase seria o enunciado
organizado em torno do verbo); ou, ainda, ser a estrutura onde encontramos
o sentido, enquanto à frase caberia a significação.
Em análise do discurso, observar o texto “sob a perspectiva de sua
estruturação ‘em ngua’ permite tomá-lo como um enunciado; um estudo
linguístico sobre as condições de produção desse texto possibilita considerá-
lo um discurso” (Guespin, 1971 apud Charaudeau; Maingueneau, 2006:
196). Compreender a natureza do enunciado, e por conseguinte dos
gêneros, através do seu emprego, além de simplificar a exposição, é
também maneira de reforçar que, em Bakhtin e quase todos os seus
sucessores, esses conceitos estão sempre além da materialidade textual.
Tanto assim que, para Beaugrande, o próprio texto pode ser entendido
como “um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas,
sociais e cognitivas” (Beaugrande, 1970 apud Marcuschi, 2008:72).
Admitir a validade dos gêneros, portanto, não se trata de endossar
classificações artificiais, de obedecer fronteiras prescritivas herdadas das
poéticas clássicas, e que não teriam função nos dias de hoje, senão a de
59
facilitar o estudo das obras. Pelo contrário: para além dos textos literários, as
diferenciações passaram a ser consideradas como fundamentos dinâmicos e
essenciais ao entendimento de como articulamos e com quais propósitos
empregamos os nossos discursos, ao invés de abstrações metodológicas
arbitrárias. Daí o equívoco dos autores que rejeitam as teorias genológicas,
referindo-se às mesmas como se ainda baseadas em categorias normativas
estanques; ou, contrariamente (e de modo igualmente errôneo), tratando os
gêneros como campos de limites reais mas tão tênues que já nem é possível
acompanhar a velocidade de suas transformações.
Dada a natureza complexa, de envolver em sua formação e difusão
questões formais e culturais, por exigirem amplo reconhecimento da
comunidade discursiva, por serem sim também resultado de convenções, os
gêneros não se descaracterizam, surgem ou deixam de existir em algumas
centenas de alvoros. O que a história tem provado é que levam anos,
séculos ou até milênios para se estabelecer. E as propagandas em torno de
novos gêneros comumente não vão além de insólitas esparrelas que, pouco
depois, caem no esquecimento. Tais quais os anúncios de
desaparecimentos que são posteriormente desmentidos pelos fatos. O que
acontece, mais das vezes, é uma constante dinâmica dentro dos próprios
gêneros diálogos, inovações, reordenação no uso e nas hierarquias.
Mesmo em Bakhtin (que muitos buscam na hora de basear suas crenças na
intangibilidade dos gêneros), encontramos essa percepção:
Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros
discursivos, são correias de transmissão entre a história da
sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno
novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da
língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de
experimentação e elaboração de gêneros e estilos.
(Bakhtin, 2003:268)
60
Outro postulado essencial aos estudos recentes é a divisão
bakhtiniana entre gêneros discursivos primários e secundários. Para o
teórico russo, estes incorporam e reelaboram muitos daqueles como o
romance, por exemplo, que se vale de formas mais simples, tais quais
missivas, diários, réplicas do diálogo cotidiano etc.
Os gêneros discursivos secundários (complexos
romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os
grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições
de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito
desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito)
artístico, científico, sociopolítico, etc.
(Bakhtin, 2003:263)
E algo que merece ser sublinhado é que os gêneros primários
absorvidos se transformam e adquirem um caráter especial. Apesar de
mantidas a forma e o significado cotidiano, os gêneros incorporados em um
romance ou numa peça de teatro têm acesso à realidade concreta somente
através do conjunto da obra.
Em contatos como esses, ambas as esferas se
modificam e se complementam. Assim um diálogo perde sua
relação com o contexto de comunicação ordinária quando
entra, por exemplo, para um texto artístico, uma entrevista
jornalística, um romance ou uma crônica. Adquire, assim, os
matizes desse novo contexto.
(Brait, 2007:156)
Jean-Michel Adam parte dessa classificação de gêneros secundários
e primários, tratando estes como sequências textuais, estruturas nucleares
61
que perpassam os textos mais complexos. Formas elementares, que, apesar
de relativamente autônomas, mantêm com a obra na qual são incorporadas
uma concomitante relação de dependência. o os recursos de composição
dos gêneros, sendo sua delimitação mais simples do que as distinções
genológicas, pois possuem menor variabilidade (característica não
mencionada por Bakhtin).
Certo modo, Adam prossegue o trabalho de Barttlet e sua teoria dos
esquemas, de Rosch com os protótipos, Teun van Dijk com as
superestruturas.
Próxima da teoria das superestruturas, ela [a teoria
das sequências] considera que existe, entre a frase e o
texto, um vel intermediário de estruturação, aquele dos
períodos e das macroproposições. Um pequeno número de
tipos de sequência de base guia os empacotamentos
prototípicos de proposições que formam as diversas
macroproposições (narrativas, descritivas, explicativas,
argumentativas, dialogais, segundo o que tipo de sequência
correspondente).
(Charaudeau;Maingueneau, 2006:444)
Inicialmente como estudioso da narrativa, Adam alicerçou muitas de
suas proposições a partir das pesquisas empreendidas pela escola francesa,
das obras de autores como Barthes e Genette, mas logo estabeleceu
divergências, principalmente quanto à hipótese do todo narrativo. “Na
perspectiva de Greimas, tudo é enunciado narrativo, e o se vê mais aquilo
que podia distinguir uma fábula de uma receita de cozinha ou de uma oração
fúnebre” (Adam, 2009:134). Esse retorno às partes nucleares, segundo jean-
Michel Adam, evitaria que o todo fosse interpretado erroneamente.
Ele reduz a observação a cinco sequências prototípicas: narrativa,
descritiva, argumentativa, explicativa e a dialogal-cenversacional. Os textos
62
quase sempre possuem uma estrutura heterogênea, com ocorrência de
diferentes tipos de sequências. E, embora seu objetivo não seja a
delimitação dos gêneros, sugere que esta requer uma análise
sóciodiscursiva, mas também a investigação de quais o as sequências
presentes, quais as dominantes, como foram estruturadas etc.
Bronckart admite que as sequências ou os tipos de discurso
10
podem colaborar com a identificação dos gêneros textuais essas grandes
famílias de textos , desde que considerados outros critérios. Embora seja
comumente elencado juntamente com Adam na corrente de analistas dos
gêneros textuais, em contraposição aos estudiosos dos gêneros do discurso,
ele toma a pesquisa desses segmentos como etapa metodológica, não como
objetivo principal. Para Bronckart, os gêneros interessam enquanto
necessários às nossas ações, que por sua vez edificam nossas atividades.
Ou seja, a linguagem enquanto um dos elementos do agir.
Temos, portanto, os gêneros como algumas das coordenadas
necessárias às ações da linguagem, como modelos, referências
sedimentadas historicamente, mas que jamais são reproduzidos com
exatidão. Além dessa diferença entre o gênero adotado e o texto produzido,
junte-se a infinidade de combinações possíveis de tipos de discurso (de
narração, teórico, interativo e relato interativo), e o resultado é que essas
famílias de textos estão permanentemente sujeitas a modificações.
Diversos outros autores, e de variadas correntes, pensam o texto ou
as distinções genológicas como tarefas que exigem observância de mais
aspectos que apenas os formais, porque partilham essa concepção
eminentemente social da linguagem. Kress nos gêneros um modo de
10
Aqui os tipos de discurso diferem daquelas esferas citadas por Marcuschi (científico, jurídico,
religioso, jornalístico etc.). Eles são quatro tipos de segmentos constitutivos do texto: interativo,
narração, teórico e relato interativo.
63
acessar propósitos e características dos eventos sociais nos quais os
discursos (orais ou escritos) foram produzidos, considera-os variáveis sócio-
históricas. E, como em Bronckart e seu interacionismo sóciodiscursivo,
também afirma a necessidade de romper com a investigação exclusivamente
linguística.
Sócio-retóricos como Charles Bazerman, Carolyn Miller e John M.
Swales, ainda que apresentem algumas divergências entre si, veem os
discursos como ações, e a assimilação dos gêneros como essencial para
que o sujeito realize linguisticamente objetivos sociais nos contextos em que
está inserido. Ou seja, as classes genológicas são eventos sociais, que têm
objetivos, repertório e léxico que são partilhados pela comunidade
discursiva. Sem qualquer desses quesitos, um gênero não se legitima, ele
sequer chega a existir enquanto tal.
Bathia ratifica que esses propósitos comunicativos são a chave para
identificação e compreensão dos gêneros, e defende que as classes
genológicas apresentam uma natural tendência à inovação, à criação de
variações formais que lhes permitam responder às demandas.
Fairclough, por sua vez, sublinha que os discursos são atravessados
por questões ideológicas, por relações de poder, o que ratifica o papel dos
mesmos na configuração social, na representação da realidade e na
percepção de nossa própria identidade. Eles são produtos, mas também
prática social, instrumentos de transformação. Logo, estudá-los jamais se
um simples e abstrato meio de tornar mais fácil a análise de textos, literários
ou não.
* * *
64
Ainda que atenta à interdisciplinaridade, esta é uma dissertação de
teoria literária. Não é nosso intuito esmiuçar pressupostos linguísticos,
demorar em divergências terminológicas ou conceituais, até porque
nenhuma dessas correntes sebase de nossas conclusões. A recorrência
de certas ideias, entretanto, é importante pois demonstram que alguns dos
argumentos que nos servirão estão longe de serem anacrônicos, arbitrários
ou restritos à área da literatura.
Apesar da “profusão de terminologias, teorias e posições”, e partindo
da relação fala-escrita, Marchuschi faz um inventário, um resumo das
características comuns à maioria dos postulados genológicos desenvolvidos
desde meados dos anos 80. Os gêneros:
são históricos e têm origem em práticas sociais
são sociocomunicativos e revelam práticas
estabilizam determinadas rotinas de realização
tendem a ter uma forma característica
nem tudo neles pode ser definido sob o aspecto formal
sua funcionalidade lhes maleabilidade e definição
são eventos com contrapartes tanto orais como escritas
(Marcuschi, 2008:191)
A revolução bakhtiniana, enfim, ao ampliar o foco para além dos
textos literários, ao orbitar em torno dos enunciados e trazer conceitos como
dialogismo, polifonia e carnavalização, não sublimou a importância dos
estudos genológicos, bem pelo contrário. E a dificuldade encontrada em
Bakhtin, assim como em seus sucessores, de ter noções mais claras e
conclusivas, nunca representou um abandono do debate genológico. As
65
teorias dos gêneros apenas tomaram outra dimensão, e deixaram de ser
vistas como tema de interesse exclusivo dos críticos literários e autores.
Como atestam Meurer, Bonini e Motta-Roth, prefaciando o livro Gêneros:
teorias, métodos, debates:
Pode-se dizer, hoje, que estão inclinados a discutir
questões relacionadas aos gêneros, entre outros, críticos
literários, retóricos, sociólogos, jornalistas, cientistas
cognitivistas, especialistas em tradução automática,
linguistas computacionais, analistas do discurso,
especialistas em inglês para fins específicos, professores de
língua, publicitários, jornalistas e especialistas em
comunicação empresarial [...] o gênero passou a ser uma
noção central na definição da própria linguagem.
(2005:8)
66
SEGUNDA PARTE
Ao passo que os textos assertivos podem
ser corrigidos pela realidade, os textos ficcionais
são, no sentido próprio, textos de ficção apenas
quando se possa contar com a possibilidade de
um desvio do dado, desvio na verdade não
sujeito à correção, mas apenas interpenetrável
ou criticável.
Karlheinz Stierle
O verdadeiro e o falso como noções
remetendo a uma realidade ontológica não
pertencem a uma problemática lingüística.
Entretanto, acham-se no domínio lingüístico
noções como as de significar o verdadeiro ou
significar o falso, isto é, produzir um valor de
verdadeiro ou de falso por meio do discurso. [...]
enfim, o verdadeiro seria fornecer a prova das
explicações; o falso seria fornecer as
explicações sem prova.
Patrick Charaudeau
Entendemos que a aparente rejeição à
literariedade, à ficção, não é uma opção gratuita
feita pelo autor, mas passa a ser uma exigência
a partir do momento em que ele, como jornalista
que também é, se propõe a ser fiel aos fatos, ou
pelo menos, a contá-los como ele os viu e
percebeu.
Neila Bianchin
67
SOBRE O ROMANCE
De ascensão problemática como talvez nenhum outro, o mundo
burguês não tardou a perceber seus atávicos impasses, os nós que suas
teias primevas apertavam. E pensadores das mais diversas áreas logo
identificaram nas contradições uma chave (senão a única) para melhor
compreendê-lo.
Foi o século XX, contudo, que trouxe a incontornável ansiedade, o
desejo de inaugurar nova época, que findou em rótulos como o da “pós-
modernidade”, e anunciou como mortos vários símbolos da era que aspirava
superar: história, autor, romance... Não mais se tratava de resolver os
dilemas do capitalismo ou encontrar uma saída para as angústias
existenciais do homem cindido.
A despeito de tudo isso, quando nos movemos em direção às lentes
de maior alcance, saindo dos ciclos menores e abarcando as órbitas em
torno de tantas tradições e rupturas, os indícios engrossam a tese de que
ainda vivemos a tal modernidade. Basta refletir sobre a polêmica em torno
da condição pós-moderna (que, em si, pelo acirrado debate, indica que as
diferenças com a época anterior são menos decisivas do que querem seus
teóricos), e verificar também se aqueles esquifes não estão vazios, com
seus mortos perambulando até mais vigorosamente.
68
Ora, as instituições de ensino, embora busquem novos caminhos,
empreendem investimentos crescentes no estudo da história (além do
mercado editorial e da mídia estarem fascinados como nunca pelo tema); o
fim do autor, decretado por Barthes, convence cada vez menos gente,
embora siga como instigante motivo de discussões; e os romances, milhares
deles chegam às livrarias todos os anos, gênero que permanece como pauta
principal de críticos e resenhistas. Mais que isso: além de os romancistas
seguirem expandindo os horizontes estilísticos, avançando fronteiras
(quando muitas vezes desejavam aniquilá-las), há filas de escritores de
outras lidas reivindicando o estatuto romanesco, reclamando lugar entre
essas paredes acusadas de ruínas – caso dos autores de livros-reportagens,
por exemplo.
Em defesa do romance (como se fosse necessário), somos muitos,
afirmando que existe ainda bastante por dizer sobre a modernidade; sobre
países de independência recente e depositários de muita experiência por
narrar, ou sobre as incontáveis e ainda pouco romanceadas multidões de
excluídos – mormente quando nos referimos a obras escritas sob o ponto de
vista mesmo dessa gente à margem; além de temas como sexualidade e
preconceito, que agora contam três ou quatro décadas, desde que
juntaram maior fôlego e coragem.
Ainda que o universo moderno não estivesse mais à disposição,
quem garante que o discurso romanesco não encontraria outras sendas que
lhe dessem sentido?
Preferimos aquela linha vertebral de argumentação, onde a vontade
de liberdade é o que mais define o romance. Sua constante busca de
emancipação tanto esteve para a ascensão burguesa, como também se
coaduna com as demandas nossas, contemporâneas, pois seu arrivismo tão
69
comentado o capacita a assimilar e ecoar mudanças até limites não
divisados.
Terminada a modernidade, talvez uma sociedade vindoura que
fosse baseada na privação de direitos pudesse apagar sua flama (isso
quando os romancistas não mais encontrassem meios de driblar o meio, os
mecanismos de controle). O mais pessimista dos leitores, entretanto, de
concordar que nem todas as violações à liberdade praticadas hoje indicam
que sejamos menos emancipados enquanto cidadãos do que éramos
décadas ou séculos atrás. E, como nunca fomos tão modernos, tão
angustiadamente livres, jamais precisamos tanto dos romances. Os números
e a história o provam porém, como sabemos, a teoria literária costuma
tomar como suspeitas essas duas fontes.
Essa trajetória de emancipação do romance, além de acreditarmos
ser mais esclarecedora sobre o gênero, também é bastante elucidativa sobre
as diferenças e aproximações entre o romance e a prosa jornalística,
inclusive a reportagem. Ainda que ambos sejam instrumentos de informação
e, portanto, construtos de uma era dos direitos, existe uma diferença que
não pode ser ignorada: no que se refere aos aspectos formais, o jornalismo
tomou o caminho da normatividade, enquanto o romance tem na forma a
própria expressão de sua cruzada emancipatória, valendo-se de tudo que
lhe chegou, disposto ao desconhecido que esteja por vir.
Partamos de uma ponderação de Ferenc Féher, oportuna e muito
sugestiva: ele rejeita o entendimento do romance como um gênero
problemático, preferindo chamá-lo de ambivalente, e explica:
Entendemos por esta distinção que o conjunto de
suas estruturas comporta, em parte, traços que derivam do
mimetismo da construção específica de uma “sociedade
social” concreta (o capitalismo no qual se enraíza) e, por
70
outro lado, traços que caracterizam todas as sociedades
desta espécie.
(Féher, 1972:12)
Para Féher, essa idiossincrasia do discurso romanesco apenas
começou a ter importância quando a herança feudal foi realmente
suplantada, quando não mais se falava em dirimir os resquícios medievais, e
outra sociedade passou a ser tema de especulações, de engajamento;
quando começamos a imaginar que um outro mundo é possível, além desse
burguês, capitalista, excludente. Porque a mesma revolução que proclamara
os direitos do homem passou a infligi-los em nome da propriedade privada e
do comércio (PAZ, 2006). Com essa desconfiança, veio a compreensão:
[...] a ingênua segurança com que o gênero bastardo
saído da esteira da epopéia tomava posse do universo era a
segurança da emancipação burguesa que, liberada da
pressão de seus adversários, se transformava em
suficiência e burguês bem posto.
(Féher, 1972:13)
As contradições que passaram a acompanhar o gênero, e que
muitos chamam de a “crise do romance”, mais do que torná-lo problemático,
deram-lhe a ambivalência que (o futuro provaria) se tornaria uma solução.
Assumir na carne essa encruzilhada não foi o que lhe proporcionou
longevidade e força expressiva? Ao lidar com um universo de dilemas, sem
totalidade à vista, com crises de representação, giros cada vez mais céleres,
o romance teve que cumprir um itinerário que o habilitou a abrigar tantas e
tão contraditórias vozes.
71
Não se trata de ingenuamente negar o dialogismo às demais
escritas. Ocorre que nenhum outro gênero teve como diferencial justamente
esse apetite por incorporar elementos dos diversos campos discursivos
(sem, no entanto, neles se diluir). Porque, no caso do romance, tal
característica não se resume como decorrência genológica natural, como
outro fenômeno lingüístico comum; trata-se da própria razão ser, enquanto
escrita hegemônica e necessária.
Se há dialogismo por toda a parte, isto é, uma
interação social dos discursos, se o dialogismo é a condição
do discurso, Bakhtine distingue gêneros mais ou menos
dialógicos. Assim, o romance é o gênero dialógico por
excelência [...].
(Compagnon, 2001:111)
No primeiro volume do monumental projeto “O romance”
11
, o
conjunto de ensaios sugere uma guinada nas teorias romanescas. O bordão
do fim do romance não guia a obra, a rejeição nervosa a qualquer noção de
progresso é deixada de lado, são colocados em discussão lugares-comuns
como o da filiação entre narrativas orais e o desenvolvimento da prosa
romanesca. E a apresentação geral de Franco Moretti nos aparece
obrigatória neste instante da presente dissertação, por dirimir a necessidade
de outras páginas introdutórias:
Uma sociedade democrática e livre tem necessidade
de cidadãos responsáveis e críticos, conscientes da
necessidade de submeter continuamente a exame o mundo
em que vivemos para procurar aproximá-lo empresa
sempre quimérica daquele em que queremos viver; mas,
graças a sua obstinação em querer realizar aquele sonho
11
Que constará de cinco volumes, com ensaios organizados por Franco Moretti. Em 2010, saiu o
primeiro, A cultura do romance, pela editora Cosac Naify.
72
inalcançável conjugar a realidade com os desejos –,
graças a isso é que a civilização nasceu e progrediu, e que
o ser humano foi levado a derrotar muitos – não todos,
naturalmente demônios que o submetiam. E não existe
melhor fermento de insatisfação diante do existente do que
boa literatura. Para formar cidadãos críticos e
independentes, difíceis de manipular, em permanente
mobilização espiritual e com uma imaginação inquieta, nada
melhor do que bons romances.
(Moretti, 2009:27)
* * *
Como lembram tantos autores, o romanice loqui era o latim outro,
mudado, o dos povos conquistados pelos romanos durante a Idade Média.
Língua que, em criação poética (literária), gerou obras consideradas
vulgares ou folclóricas, fossem em verso ou prosa. Romanzo, romanz,
romance, entre outras designações, e em cada nação ele apresentou
variações das composições, diferentes trilhas de estabelecimento. Todas, no
entanto, ligadas ao desenvolvimento da escrita, à multiplicação dos leitores,
à unificação lingüística “que será realmente realizada no século XX
graças às mutações políticas (centralização e papel do Estado), econômicas,
comerciais e ao peso da escola” (Reuter, 2004:5).
Assim, lentamente, o romance foi se encorpando. Em três séculos,
com grande dificuldade, ele amealhou respeito, conviveu e sobreviveu aos
mecanismos de controle, nessa ascensão de um gênero com vocação para
o novo, para a busca de liberdade, por responder às demandas de seu
tempo – destinação que implicou a impossibilidade de sua conformação
definitiva, algo que inevitavelmente o levaria ao ocaso.
73
O anseio emancipatório e a voraz incorporação de elementos de
outros gêneros, todavia, poderiam ser percebidas como marcas
definidoras após razoável distância percorrida, bem mais estrada do que a
demandada para que o romance fizesse de seu aspecto “problemático” um
meio de expressão. A teorização do romance é coisa recente. Mais que isso:
Dionísio de Oliveira Toledo nos recorda que a lacuna está além e é anterior
ao primado do romance.
É quase ocioso historiar o descaso da velha poética
ou da retórica tradicional pela prosa de ficção.
Teoricamente, salvo alguma página perdida, os gregos, os
romanos, os autores medievais despreocuparam-se com
ela. [...] A situação não se modificou muito após o
Renascimento. Na verdade, conforme explicou Antonio
Candido, desde essa época, as considerações teóricas
sobre a prosa de ficção foram dos comentadores da
“Poética” de Aristóteles ou de observações contidas em
prefácios e romances, feitas pelos seus próprios autores (as
mais importantes são de F. Robortello, Vossius,
Giambattista, Giraldi Cintio, Huet, Fielding etc.).
(Muir, 1975:VIII-IX)
O século XX assistiu à tardia teorização, enquanto conjunto de obras
capaz de difundir não visões particulares, como também paradigmáticos
confrontos de concepções e vaticínios. E, se os formalistas russos são
citados como um divisor quando o assunto é teoria literária, o jovem Lukács
é lembrado como referência inicial do moderno debate sobre o discurso
romanesco. De 1916, a sua Teoria do Romance se debruça sobre o gênero
como escrita desse homem moderno, cindido; aprofunda-se numa trilha
aberta antes mesmo dos românticos (ainda que por outras vias e objetivos),
a da leitura da arte através da oposição entre antigos e modernos.
74
Com argumentação bem mais abstrata do que exigiria a sua
posterior opção teórica (disparidade que seria exposta em prefácio de 1962,
pelo próprio autor), Lukács parte do romance enquanto prosa representativa
do universo burguês, lugar da definitiva separação entre o “eu” e o “mundo”;
instâncias que, embora tão afastadas, o romancista tenta de algum modo
conciliar, posto que reintegrá-las é impossível. A baliza da análise é a
comparação entre o romance e o seu antecedente clássico:
Epopéia e romance, ambas as objetivações da grande
épica, não diferem pelas intenções configuradoras, mas
pelos dados histórico-filosóficos com que se deparam para a
configuração. O romance é a epopéia de uma era para a
qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de
modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida
tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por
intenção a totalidade.
(Lukács, 2000:55)
Nesse abismo entre a interioridade do sujeito e o mundo exterior,
pela forma é que o romance busca saída, alguma totalidade oculta,
inexistente fora do texto. O romancista não tem como escapar à
ambivalência, antes precisa lidar com o estigma, assim ele constrói
narrativas cuja chave está em sua própria configuração. “O romance é a
forma da virilidade madura: isso significa que a completude de seu mundo,
sob a perspectiva objetiva, é uma imperfeição, e em termos da experiência
subjetiva uma resignação” (Lukács, 2000:71).
Recebido o fardo, o romance precisou necessariamente se
emancipar, retirar os grilhões, procurar meios de acompanhar as
personagens desse novo mundo, em estruturas narrativas que, sob qualquer
pretexto, não podiam ignorar a desagregação, a solidão, a angústia que se
75
estabeleceu como preço cobrado pela ascensão do indivíduo burguês. Tudo
levou, então, a um gênero muito diferente, centrado no sujeito, enquanto na
epopéia não interessavam os destinos pessoais, mas sim as origens e
rumos da comunidade. A epopéia trazia o espírito de um povo, enquanto o
romancista exprime histórias privadas (Féher, 1972).
A eminência de seu papel tardou a produzir obras que sobreviveram
às agruras da ascensão, e o prestígio também não chegou sem a devida
resistência. Nada mais esperado, se considerarmos que o discurso
romanesco rompia com valores e preceitos narrativos milenares e que até
bem pouco eram retomados, ao invés de superados.
De cavalaria, sentimentais, pastoris, barrocos... Por muito, o
romance foi considerado menor, leitura amena e inútil, quando não nocivo.
Se a popularidade veio no período napoleônico eram quatro mil tulos
publicados anualmente – foi acompanhada com antipatia e receios. “Além da
sua situação inferior num plano puramente literário, o romance era ainda
considerado um perigoso elemento de perturbação passional e de corrupção
dos bons costumes” (Aguiar e Silva, 1974:255). Tanto assim que poucos
gêneros (ou seria mais correto dizer nenhum) sofreram tantos mecanismos
de controle.
Mal definido, mal regulamentado e, portanto, mal
protegido contra os excessos de seus desejos imaginários,
o romance não tem teórico que não seja primordialmente
um censor, ou crítico que não se arvore em juiz de sua
moralidade.
(Robert, 2007:21)
Costa Lima nos lembra como na primeira teorização sobre o
romance, o Traité de l’origine des romans, escrito por Huet, o novo gênero é
76
visto a partir de sua vizinhança com a épica, sendo que nesta haveria mais
maravilhoso, enquanto no romance preponderaria o verossímil; os romances
também seriam mais dados ao amor, relegando temas como a guerra e a
política. Ao opinar sobre a ficção, Huet afirma que os cultos e interessados
em algo mais consistente, rejeitaram esses relatos falsos e com aparência
de verdadeiros. Mas Costa Lima ressalva:
Em síntese, seria desarrazoado esperar que,
naquelas circunstâncias e vindo de tal autoridade, o primeiro
tratado legitimador do romance se destacasse por apontar
suas propriedades formais. (...) O seu mérito esteve em
explicitar as razões institucionais da suspeita e hostilidade
contra o gênero que, com moderação, louvava. Em poucas
palavras, em evidenciar os mecanismos vigentes de
controle.
(Lima, L.C., 2009:162)
Para Dionísio de Oliveira Toledo, foi somente com Lukács e a
inserção histórica do romance que o quadro realmente mudou, que o gênero
teve sua importância não reconhecida, mas refletida em consistente
teorização. E, depois,
[...] os escritores ingleses, ao estudarem o romance
na perspectiva da teoria literária, deram o último passo para
assegurar à prosa artística dignidade literária. Dividiram-no
em partes, pensaram todos os seus elementos,
determinaram a sua literariedade, enfim, igualaram-no
definitivamente aos demais gêneros.
(Muir, 1975:X)
Oliveira Toledo se refere às teorias do romance que conseguiram se
destacar entre as inúmeras tentativas posteriores a Lukács, ou seja, às
obras de Percy lubbock, E. M. Forster, Edwin Muir. Podemos incluir outra
77
contribuição desses estudos: ir além da análise comparativa entre a épica
antiga e o romance, que mantinha a discussão dentro de uma perspectiva
romântica. Mudança exigida para maior elucidação da incomparável
versatilidade do gênero, da sua vocação para o novo, seu indelével anseio
(sempre inconcluso) de liberdade.
Não se pode negar que algo das narrativas épicas tenha se
misturado à argamassa nas origens do romance e no desenvolvimento de
sua forma moderna. Porém, é preciso cuidado ao traçar filiações. Como
lembra Marthe Robert, os laços com os gêneros que o antecederam são
frouxos, e a postura do romance para com a tradição literária esteve desde
sempre muito mais para o arrivismo. Mas a autora, que baseia a discussão
romanesca sobre essa vocação para a liberdade, quando se refere ao
controle, não deixa de lembrar que
Nunca o romance gozou oficialmente da liberdade que
é e permanece, não obstante, seu patrimônio. Pois as
diversas escolas que se esforçam para ‘libertá-lo’ fazem
no final das contas substituir um tribunal considerado
caduco por outro mais moderno então a tirania da ciência
experimental, do realismo, socialista ou não, do
engajamento social), igualmente autoritário, embora sua
competência não seja mais comprovada.
(Robert, 2007:23)
* * *
O século XVIII representou a etapa em que o novo gênero não só se
estabeleceu, encontrando uma forma relativamente estável e público leitor
crescente, mas também foi ali que assomou alguma consciência crítica de
78
seu papel na sociedade, enquanto expressão e meio de difusão dos valores
burgueses. Processo reflexivo que, adiante, perpassadas diversas escolas e
demandas, será intensificado, até o momento mesmo de assumir papel
central na própria configuração do discurso romanesco.
Uma ressalva: de que não subscrevemos uma visão simplificadora
do que seja o mundo burguês. Se a economia exigida pela condição
mestranda a entender preconceito ou miopia histórica, que sirva como
defesa nossa concordância com Nancy Armstrong:
À diferença da opinião crítica mais difundida, a moral
burguesa não é tanto um valor em si, e sim um modo de ler,
avaliar e rever categorias de identidade existentes e os
aparatos culturais que as autorizam, entre eles o próprio
romance. [...] Não definirei esse aspecto da moral burguesa
como um componente “material” na acepção comum do
termo. Mas acredito que a moral burguesa plasma a riqueza
material de uma nação moderna com a mesma força com
que o berço e a casta plasmaram as primeiras nações
modernas e a antiga aristocracia.
(Armstrong in Moretti, 2009:335-336)
No XIX, o romance encontrou prestígio e condições materiais para
se tornar a forma literária hegemônica. Flaubert, Maupassant, Henry James,
Tolstoi, Dostoiévski... Das experiências (com sucessivos recuos e
conquistas) ao manto do positivismo, o gênero seguiu acumulando
possibilidades, em sua jornada de expressão dos sentimentos de uma
sociedade em constante mudança. Isso para, no século seguinte,
apresentar-se definitivamente como o campo de encontro e batalha das mais
diversas alternativas estilísticas e temáticas.
Desde as origens, um dos elementos que melhor expressaram a
consonância do romance com o espírito de seu tempo foi a personagem. O
79
gênero rompeu com as formas ligadas aos tipos e concepções universais.
Como lembra Watt (1990), o enredo passou a envolver pessoas específicas
em circunstâncias específicas. Personagens e cenários recebem, então,
tratamento que era desconhecido de outros gêneros, independente dos
rumos tomados pelo romance nesses três culos. Trata-se da noção de
indivíduo que surge, pois ele (assim como as personagens da ficção) não
mais pode ser resumido
[...] em um simples emblema de sua casta social (o
cavaleiro, o camponês...) ou um símbolo das atitudes
possíveis no mundo (as diferenças entre os cavaleiros da
Távola Redonda). Ele se singulariza, complexifica-se
psicologicamente, é digno de existir independentemente de
seu nascimento.
(Reuter, 2004:15)
Não confundidos, e jamais dissociados, o homem e as personagens
são motivo e lastro do romance. muito aconteceu de livros com roteiros e
cenários paupérrimos serem salvos pelo bom desenvolvimento das
personagens; o inverso, entretanto, é que se mostra bastante raro. E a
crescente complexidade de nossa visão do humano requer que o romancista
uma resposta à altura. Estereotipar excessivamente, empobrecer o
protagonista, reduzi-lo, somente tem êxito quando é intencional, planejado,
quando os planos secundários justificam o recurso.
Esse adensamento o significa, porém, ausência de simplificações
pela lógica da criação ficcional, porque a competência narrativa também
reside na seleção de caracteres, de sentimentos. Se cada leitor traz sua
própria interpretação do personagem, por outro lado
80
[...] o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de
coerência fixada para sempre, delimitando a curva de sua
existência e a natureza de seu modo-se-ser, Daí ser ela
relativamente mais lógica, mais fixa do que nós. E isto não
quer dizer que seja menos profunda; mas que a sua
profundidade é um universo cujos dados estão todos à
mostra, foram pré-estabelecidos pelo seu criador, que os
selecionou e limitou em busca de uma lógica. A força das
grandes personagens vem do fato de que o sentimento que
temos de sua complexidade é máximo; mas isso, devido à
unidade, à simplificação estrutural que o romancista lhe deu.
(Candido, 2007:59)
Durante o século XX, uma dicotomia será muito presente nas
análises literárias. Como resume Reuter, duas tendências de construção das
personagens se estabeleceram:
Por um lado, o refinamento do tratamento psicológico
da personagem sob a notável influência da psicanálise. [...]
Por outro lado, manifesta-se, sob influência do
estruturalismo, um questionamento do personagem como
“reflexo” da pessoa. [...] Significativamente, a psicologia que
abrira caminhos para o desenvolvimento das personagens
tornou-se a principal acusada, assim como o realismo, como
se o romance quisesse afastar tudo o que pesa sobre ele a
partir do exterior.
(Reuter, 2004:24-25)
Como decorrência natural disso tudo, o julgamento crítico das obras
se tornou mais exigente. Dessa tendência de a ficção acompanhar a
complexidade na percepção do humano, as narrativas têm buscado mais a
fragmentação, o descentramento, a ocultação dos motivos, de maneira que,
se ainda não reproduzem os dramas e o trágico humanos, dão relevo ao
processo, fazem mais destacada a linguagem e, portanto, explicitam o
quanto é na forma que o gênero anseia atingir uma totalidade outra, tão
81
distante daquela que os antigos conheceram. Ao chamar a atenção para si,
os romances também atraíram maior rigor dos exegetas.
Ponderação seja feita, ou ratificada: que nossa concepção do
romanesco é aqui apresentada sumariamente. Por isso mesmo, deixando de
esmiuçar os ciclos, o eventual retorno de tendências como o naturalismo.
Algo que pode largar a enganosa impressão de que o gênero seguiu uma
carta de navegação ou ininterrupta marcha de progresso. Nosso objetivo é
trazer uma visão suficientemente clara e concisa, para que possamos
comparar literatura e jornalismo, o romance com a reportagem sem
pretensão alguma de esgotar o tema. Logo, tópico fundamental é o da
vocação romanesca para a liberdade, mesmo que nunca totalmente
cumprida.
Diferente do percurso em direção à normatividade (que, com
raríssimas exceções contrárias, foi adotado pelo texto jornalístico), o
romance, sobrepujando regras e as sempre renovadas artimanhas de
controle, é ainda fundado na tentativa de expressar o sentimento do homem
moderno. Enquanto o jornalismo optou pela regra, por sacrificar a
criatividade, sob pretexto de assim informar com mais objetividade, em
compasso com as demandas de uma indústria da notícia, o romancista hoje
traz a consciência da liberdade conquistada e de como sua prosa pode ir
ainda mais longe.
Atitude que provoca mudanças não só nas personagens, também no
tempo e espaço das narrativas, com a maior opção pela não-linearidade e
pelo “não-lugar”, por exemplo (e para usar um termo bem ao gosto dos
teóricos da pós-modernidade). Não o que é expresso no texto traz as
marcas dessa tensão: as lacunas se tornam mais frequentes, sensíveis, o
82
não-dito coloca em ação como nunca aquela “máquina preguiçosa”, a qual
se refere Umberto Eco (2004a).
Nossa filiação se com autores que veem os rumos das artes (e
mais especificamente da literatura) dentro de um paradigma de continuidade
com avanço, com aprofundamento das contradições, intensidades, etc., ao
invés de assumir a defesa de que uma “pós-modernidade” realmente exista
como um tempo novo, cultural e economicamente, e não um outro estágio
da modernidade.
Pós-modernidade, ficção, história... São questões que abordaremos no
capítulo seguinte. Neste, procuramos fundamentalmente uma reflexão sobre
a busca de emancipação, de diálogo, do novo, que marca a trajetória do
romance, quando o observamos para além dos breves círculos, no espectro
maior e ainda inconcluso da modernidade. A próxima seção detalha um
pouco mais picos essenciais às reflexões sobre o tema das aproximações
e divergências entre literatura e jornalismo, entre o romance e o livro-
reportagem.
83
PÓS-MODERNIDADE, HISTÓRIA E FICÇÃO
A indiferença ao debate sobre o “pós-moderno” seria tão ou mais
danosa do que qualquer equívoco que tenha sido cometido pelos
divulgadores do mesmo. O fenômeno (pelo menos o teórico) existe, há
décadas, com partícipes das mais diversas áreas e correntes ideológicas,
resultando numa fortuna bibliográfica de extraordinário vigor. A questão,
portanto, não é de negar legitimidade à discussão, mas de se posicionar e
decidir como abordar o tema.
Não assumimos aqui a pós-modernidade como a superação que o
próprio termo sugere e que é advogada por muitos, mas como outra etapa
da modernidade: saber-se em crise, ansiar pela ruptura, antecipar os
espólios de uma era inacabada, ambicioso processo de reflexão histórica
misturado com uma relativização sem precedentes.
No Brasil, entre os questionadores da pós-modernidade como ruptura,
o texto mais comentado é, sem dúvida, o de José Guilherme Merquior:
Aranha e abelha: para uma crítica da ideologia pós-moderna
12
. Nele, um
sumário de pontos nevrálgicos do debate, começando pela indagação: será
a arte pós-moderna realmente tão diferente da arte moderna? E, depois de
12
Publicado originalmente na famosa edição especial da Revista do Brasil, de 1986, que teve como
tema exatamente a pós-modernidade. Lá, também outros textos paradigmáticos, como os de Sérgio
Paulo Rouanet e Silviano Santiago.
84
elencar vários argumentos, de montar um breve histórico com características
relacionadas ao moderno, o crítico apresenta duas conclusões:
Primeiro: que o pós-modernismo ainda é em grande
parte uma sequência, antes que uma negação, do
modernismo sem qualquer aprimoramento visível deste.
[...] Em segundo lugar, funciona como uma ideologia cultural
cuja função é ocultar muito daquilo que poderia ser mais
contestável nos falsos humanismos de nosso tempo.
(Merquior, 1990:401).
Como o segundo ponto nos parece mais controverso, além de muito
relacionado ao espírito crítico do momento em que foi produzido, sigamos
naquela linha inicial. em 1979, com Modernity an incomplete project,
Habermas ofereceu sua contribuição ao debate, ao reforçar essa ideia de
que a própria modernidade não teve ainda seu ciclo concluído, requerendo,
por outro lado, redirecionamentos para seguir sua jornada da razão,
principiada ainda no Iluminismo.
Quando Jürgen Habermas escreveu o texto, final da década 1970, o
debate sobre pós-modernidade havia chegado às mais diversas formas de
expressão artística. De tal forma a discussão continuou se propagando que,
nessas três décadas, por tanto abranger, “de Madonna a metanarrativa, do
pós-fordismo à ficção sensacionalista, ameaça, assim, sucumbir ao peso da
trivialidade” (Eagleton, 2006:350). E justamente Terry Eagleton, em rumo
contrário ao de Habermas, é quem também resume algumas das diversas
correntes:
Pós-modernidade significa o fim da modernidade, no
sentido daquelas grandes narrativas da razão, verdade,
ciência, progresso e emancipação universal que, como se
85
acredita, caracterizam o pensamento moderno a partir do
Iluminismo.
(Eagleton, 2006:350)
No entanto, essas grandes narrativas sempre expressaram mais uma
busca do que significaram concretização. Os impasses da modernidade
foram enclaves sentidos desde cedo (ou sempre), embora não fossem tão
problematizados. O que os pós-modernos apontam como novo, acreditamos
ser o estágio em que esses questionamentos se tornam a própria
essência/tradição, alicerçando mais a modernidade desta virada de século
XXI do que as repostas às indagações jamais poderiam. O mesmo Eagleton
traz uma caracterização, seguida de comentário, que sugere a continuidade:
A verdade é o produto da interpretação, os fatos são
construções do discurso, a objetividade é apenas aquilo que
qualquer interpretação questionável das coisas tenha
conseguido impor, e o sujeito humano é uma ficção, tanto
quanto a realidade que contempla uma entidade difusa e
autodividida que carece de qualquer natureza ou essência
fixa. Em tudo isso, a pós-modernidade é uma espécie de
rodapé acrescida à filosofia de Friedrich Nietzsche, que
antecipou quase todas essas posições na Europa do século
XIX.
(Eagleton, 2006:352)
Fredric Jameson, um dos principais teóricos da pós-modernidade, a
emergência de uma nova ordem sócio-econômica, o fim dos últimos
obstáculos ao capitalismo e uma terceira onda de industrialização, com o
protagonismo de outras nações. Uma sociedade marcada pelo consumo
global, de velocidade crescente, onde os significados sequer chegam a
aderir à profusão de signos. Eis, portanto, uma proposta mais palpável.
Porque, em sua maioria, os autores sequer estabelecem uma concepção,
86
fundamentos (ainda que turvos) a essa ruptura advogada. Sintomático, por
exemplo, que,logo na abertura de outra obra bastante conhecida, a Poética
do Pós-modernismo, Linda Hutcheon afirme:
[...] o pós-modernismo é um fenômeno contraditório,
que usa e abusa, instala e depois subverte, os próprios
conceitos que desafia seja na arquitetura, na literatura, na
pintura, na escultura, no cinema, no deo, na dança, na
televisão, na música, na filosofia, na teoria estética, na
psicanálise, na lingüística ou na historiografia.
(Hutcheon, 1991:19)
Nada é oferecido. A pós-modernidade seria marcada pela negação dos
valores modernos, ou pela expressão das suas contradições, de suas
precariedades. Ora, como temos lembrado, a própria modernidade
tempos se encarregou dessa tarefa, alimentou-se dessa consciência critica,
resultando numa sociedade que não se define por destinações, apego a
mitos, narrativas passadas, ou qualquer outro horizonte externo ao próprio
ser. O espelho da modernidade é sua própria condição.
E, quando existe alguma proposição pós-moderna, antes reitera do
que supera tais paradigmas. Afinal, a instituição modernidade faz muito que
testemunha a tentação de “voltar a formas pré-modernas”, ou de “citar,
pastichar ou reciclar, com uma vaga ironia desprovida de qualquer projeto,
as conquistas formais dos modernos(Perrone-Moisés, 1998:177). Franco
Moretti, refere-se a essa tentação, argumentando também por uma análise
diferenciada da relação entre o romance e a modernidade:
Tipicamente, as grandes teorias do romance têm sido
teorias da modernidade, e minha insistência com o mercado
é uma versão particularmente brutal delas. Mas com uma
complicação, sugerida por outro programa de pesquisa com
87
o qual estou presentemente envolvido, sobre a figura do
burguês, no curso do qual fui frequentemente surpreendido
por o quão limitada parece ter sido a difusão de valores
burgueses. O capitalismo se espalhou por toda parte, [...]
não mais como a forma “natural” da modernidade burguesa,
mas como aquela por meio da qual o imaginário pré-
moderno continua presente no mundo capitalista.
(Moretti, 200b:211)
Ou seja, ao invés da radical defesa do novo que encontramos nas
postulações pós-modernas, muitos autores não só relativizam a originalidade
dessa corrente, como reavalia a própria concepção de novo difundida sobre
a modernidade.
Leyla Perrone Moisés levanta outra contradição: aos que propõem
como uma das posturas pós-modernas a negação do tempo sucessivo, do
progresso, o se torna problemática a tendência a ver a pós-modernidade
como movimento que veio em seguida à modernidade? “Entretanto, vários
arautos da pós-modernidade sucumbem, explícita ou implicitamente, a essa
concepção moderna do pós-moderno” (Perrone-Moisés, 1998:180).
Nada disso, entretanto, anula a capacidade sugestiva que o debate
trouxe. O projeto da pós-modernidade (mesmo que ultramoderno) têm sido
eficiente em atrair a atenção dos estudiosos para alguns tópicos. Mais que
isso, ele tem alimentado o próprio investimento de escritores nesses tópicos.
Fragmentação, não-lugar, fim das narrativas-mestras (totalizantes,
totalitárias etc.), relativização...
Esse relativismo, sempre à beira do absoluto, baseia muito das
análises sobre as aproximações entre o jornalismo e a literatura, ao negar a
validade dos gêneros, a concretude do real, os riscos da ficção para o ofício
jornalístico. ”O que vai desaparecendo em virtude desse tipo de contestação
88
é qualquer fundamento solido que sirva de base à representação e à
narração, seja na ficção ou na historiografia” (Hutcheon, 1991:125).
Não se trata de um desequilíbrio teórico, porque muitos dos estudiosos
engajados na afirmação do pós-moderno optam, de fato, em abordar
relações como a da história e da ficção a partir fundamentalmente das
convergências, das semelhanças, escamoteando qualquer indício de que a
sociedade em que estão inseridos não partilha dessa negação radical às
convenções. Saber que os conceitos de história e ficção variam, que são
construções sociais, além de não ser descoberta dos pós-modernos, não
nos torna incólumes às instituições históricas, literárias, jornalísticas etc.
Ainda que Linda Hutcheon tente fazer essa ressalva – de que a história
não pode ser negada, mas revista a atitude também confessa de os pós-
modernistas se negarem a oferecer estruturas, projetos sólidos e novos
conceitos, termina por obrigar suas teorias à relativização. Não falta de
“sim”, todo “não” é naturalmente reforçado.
[...] o pós-moderno “desafia” (challenges), “parodia”,
“desmitistifica”, “questiona”, “ironiza”, vive na contradição
etc.; a autora [Hutcheon] nunca diz o que pretende ou
consegue com isso, porque, justamente, o pós-moderno
recusa projetos, objetivos, metanarrativas, afirmações. É
negação sem dialética.
(Perrone-Moisés, 1998:185)
Não à toa, Barthes se tornou referência exaustiva nas teorizações pós-
modernas. Suas opiniões caíram como uma luva para o apetite relativista,
principalmente quanto o assunto é o realismo (que tanto nos interessa, como
meio de compreensão das relações entre literatura e jornalismo). Roland
Barthes questiona a ilusão de realidade, trabalha a referencialidade como
código, arranjo arbitrário de signos, disfarçado pelas convenções.
89
Para Barthes, por exemplo, na Introduction à
l’Analyse Struturale des Récits [Introdução à análise
estrutural da narrativa] (1966), texto chave da narratologia
francesa, o realismo e a imitação só merecem o último
parágrafo desse longo artigo-manifesto, como desencargo
de consciência, porque é preciso, apesar de tudo, falar
desses velhos tempos [...].
(Compagnon, 2001:101)
Tentemos, pois, não ignorar os pontos de convergência sugeridos pelo
debate pós-moderno. Sem que, no entanto, consideremos caducas as
contribuições dos que preferem oferecer mais do que a negação como
ferramenta de análise. Alguns autores serão suficientes para ilustrar nossas
reflexões sobre os pressupostos teóricos à discussão sobre as
aproximações e divergências entre literatura e jornalismo, romance e livro-
reportagem.
* * *
É bem conhecida a sentença de Paul Veyne (1998), de que, assim
como o romance, a História também seleciona os acontecimentos, simplifica-
os, organiza-os, resume um século numa página. Os atuais debates sobre o
discurso histórico estão muito centrados nesse reconhecimento, bem como
no questionamento do antigo conceito de realidade como ontologicamente
viável, em favor da preocupação contemporânea em explicitar que o real é
também uma construção social. Isso, mesmo entre autores que não estão
preocupados com a afirmação da pós-modernidade.
90
Antes terreno de filósofos, historiadores e teóricos da literatura, a
relação entre ficção e realidade tem sido objeto de análise de grupos cada
vez mais diversos de pesquisadores. Em quase todos eles, encontramos
reflexões sobre a natureza das narrativas e as diferenças de contrato entre
obras e leitores presentes nas diversas escritas.
Benedito Nunes
13
, por exemplo, destaca uma equivalência entre os
pactos ficcionais de diversos gêneros literários: a crença no passado que a
voz narrativa invoca, seja em um conto, uma novela ou um romance.
Desenvolvendo o seu raciocínio a partir de Ricoeur, ele apresenta alguns
aspectos na construção desse pacto, dentre os quais a suspensão da
referência pelo próprio mundo fabricado ou fingido na obra, condição
necessária para liberação da força referencial de segundo grau.
Desse modo, impõe-se concluir que a irrealidade do
que chamamos de ficção é uma forma de redescrição do
real tomando-se porém essa última palavra não mais no
sentido de realidade empírica. Ampliando a conclusão,
diremos que a ficção está para o discurso poético assim
como a força heurística dos modelos está para a teoria
científica.
(Nunes in Riedel, 1988:25)
Proposição que nos leva a um texto obrigatório: Os atos de fingir ou o
que é fictício no texto ficcional
14
, de Wolfgang Iser. Neste, assim como o
texto ficcional o se esgota no que contém de real, tampouco o que nele
existe de ficção é o objetivo, uma finalidade em si mesma, mas uma
preparação do imaginário. Iser também afirma que as realidades o se
transformam em ficção ao serem incorporadas ao texto ficcional; antes,
13
No texto Narrativa histórica e narrativa ficcional, um dos ensaios presentes em Narrativa: ficção e
história, organizado por Dirce Côrtes Riedel (Rio de Janeiro: Imago, 1988).
14
Utilizamos a tradução publicada no segundo volume de Teoria da literatura em suas fontes,
organizado por Luiz Costa Lima (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002).
91
tornam-se signos, numa configuração que tem como efeito a produção
desse imaginário. Em outros termos, ocorre uma “irrealização” na conversão
da realidade que se torna signo de outra coisa, assim como acontece a
“realização” do imaginário, que passa a ser determinado e não difuso.
A seleção que se opera naquela realidade (que será
“irrealizada” na ficção) “é uma transgressão de limites na
medida em que os elementos colhidos pelo texto agora se
desvinculam da estruturação semântica ou sistemática de
que foram tomados”.
(Iser in Lima, L.C., 2002c:961)
Iser fala não do processo de seleção que se opera nessa
“irrealização” do real, mas também das combinações e do desnudamento do
ficcional – são, portanto, três elementos chaves à análise.
Os atos de fingir reconhecíveis no texto ficcional se
caracterizam então por darem lugar a determinadas
configurações, distinguíveis entre si: a seleção, na
configuração da intencionalidade, a combinação, na
configuração do relacionamento, e o autodesnudamento, na
configuração do pôr entre parênteses.
(Iser in Lima, L.C., 2002c:983)
Antes que aqui se confunda (pela síntese dos argumentos) o que ele
considera que seja essa intenção passível de ser apreendida com projetos
anteriores de busca da intencionalidade autoral, não esqueçamos a hipótese
do próprio Iser:
É provável que a intenção não se revele nem na
psique, nem na consciência, mas que possa ser abordada
apenas através das qualidades que se evidenciam na
seletividade do texto face a seus sistemas contextuais. Não
92
é possível o conhecimento da intenção autoral pelo que o
tenha inspirado ou pelo que tenha desejado. Ela se revela
na decomposição dos sistemas com que o texto se articula,
para que, neste processo, deles se desprenda.
(Iser in Lima, L.C., 2002c:962)
Ainda entre autores da estética da recepção, recordemos também que
Stierle
15
alerta: se os passos recepcionais para apreensão são pressuposto
necessário quando se trata de um texto pragmático, o mesmo acontece com
o ficcional, sem que, contudo, nestes eles sejam suficientes a ficção exige
mais. O texto pragmático deve ser esgotado, é sempre uma estrutura para
ser gasta, o leitor procura exauri-lo, ele “é centrífugo”, no sentido de que
“sua meta sempre se encontra além de si mesmo, no campo da ação”. E
algo importantíssimo ao objetivo da presente dissertação:
Ao passo que os textos assertivos podem ser
corrigidos pela realidade, os textos ficcionais são, no sentido
próprio, textos de ficção apenas quando se possa contar
com a possibilidade de um desvio do dado, desvio na
verdade não sujeito à correção, mas apenas interpenetrável
ou criticável.
(Iser in Lima, L.C., 2002a:132)
de se notar que, sejam argumentos lingüísticos, filosóficos ou de
qualquer outra ordem, estamos sempre girando em torno da narrativa. Ou
melhor seria dizer enredo? Benedito Nunes registra que Paul Ricoeur, em
Temps et Récit, afirmava: em comum entre o discurso histórico, o literário
e o jornalístico, o que existe é justamente o enredo uma operação de
configuração que liga os fatos e confere unidade à história. E, neste terreno
15
Em A literatura e o leitor: textos de estética da recepção, também organizado por Luiz Costa Lima
(Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002).
93
fundamental, todo passo simplificador implica enorme risco (do qual, decerto
e infelizmente, não conseguiremos aqui escapar. Em trecho também caro à
nossa demanda, Benedito Nunes adverte:
Seria um equívoco ver no enredo um modelo
puramente formal. Recondicionam-no os tipos, resultantes
das obras singulares, e os gêneros. Enquanto paradigmas,
formas, gêneros e tipos produzem efeitos cumulativos
reguladores a sedimentação sob o fundo da qual se
concretiza o desvio das inovações, fonte de outras regras,
suscetíveis de se tradicionalizarem.
(Nunes in Riedel, 1988: 21)
O equívoco de algumas defesas do jornalismo como literatura advém
de considerar o enredo de uma reportagem, por exemplo, por meio
unicamente de seus aspectos formais. Se bem que ainda ali seja preciso
considerar os limites impostos por alguns princípios estilísticos do ofício
jornalístico, a análise do enredo deve provocar mais: a devida atenção ao
redor do enredo, como as convenções, pactos de leitura e todos os
elementos constituintes do gênero.
No mesmo Narrativa: ficção e história, José Américo Motta Pessanha
enriquece a reflexão sobre o tema, e exatamente com algo que vai além dos
aspectos formais. Ainda que reconheça que a objetividade do discurso
histórico é também construída, precisando ser constantemente retificada
(ponto de convergência com a proposta dos s-modernos), ele diferencia
os dois ramos (algo que não interessa aos pós-modernos):
Essa forma de conceber a História não faz dela ficção:
a arbitragem não o arbítrio do historiador não se
confunde com o ato de vontade que institui ou cria ficções.
Se inevitavelmente “fabula”, ao ligar eventos ou momentos
isolados, ao relacionar elementos dispersos no tempo e no
94
espaço, realiza uma fabulação controlada pelo auditório de
especialistas diante do qual a tese que defende como um
advogado perante um tribunal – é permanentemente julgada
através de argumentos e contra-argumentos.
(Pessanha in Riedel, 1988:297)
A análise formal, entretanto, é sim importante fonte de diferenciação. O
mesmo Benedito Nunes propõe que a “irrealidade” da ficção é
estruturalmente oposta à da História porque, entre outros motivos, é
submetida às exigências narrativas da própria obra, enquanto no discurso
histórico pesa o constrangimento do tempo cronológico. Mesmo que um
século seja resumido em uma página, esse século se contado numa
temporalidade linear que o gênero adota (as exceções não anulam tal
postulado).
Como esse tempo contado nos livros de História não é o tempo
histórico de fato, nem o tempo vivido, mas um terceiro, mediado por
conectores como calendários e vestígios do passado inscritos no presente,
deriva a necessidade de documentos, testemunhos, identificação das fontes
etc. Conquanto tudo isso são inferências do passado, e não o próprio,
resulta também, paradoxalmente, o comum entre a “realidade histórica” e a
“irrealidade” da ficção:
Nesta, os acontecimentos inventados, formando um
mundo fictício, escapam a qualquer espécie de confirmação
empírica. Naquela, os dados empíricos (documentos),
signos de um mundo que foi real, remetem a
acontecimentos passados, conhecidos por inferência, e que
se confirmam, fora de toda comprovação empírica, pela
reconstrução desse mesmo mundo. [...] Mediante esses
recursos, o historiador conhece reconstruindo, mas sua
reconstrução é uma figuração.
(Nunes in Riedel:32-33)
95
Aonde chegamos, senão naquela afirmação que se insinua em cada
capítulo desta dissertação: os pontos que aproximam textos literários,
jornalísticos e históricos são também os que disponibilizam as maneiras
pelas quais o leitor os toma como distintos. A realidade afirmada pelos textos
pragmáticos não é confiável, assim como o real “Irrealizado” na ficção é
outro? Sim e não. Sobre a desconfiança que os une, diversos processos
estilísticos e aspectos não formais a diferenciá-los sem que, com isso,
interrompam sua trajetória de constante e produtivo diálogo.
96
ESSE TAL LIVRO-REPORTAGEM
Antes de mais, é preciso lembrar que o termo livro-reportagem é
bastante amplo. Dependendo dos critérios de quem aborda o assunto, se
muito generosos, torna-se praticamente um sinônimo para todo livro
produzido por jornalista, ou originado em veículo jornalístico.
Romance-reportagem é outra coisa (apesar do uso indiscriminado que
é possível encontrar em alguns autores). Como explicaremos no decorrer do
capítulo, este segundo termo costuma ser empregado em um recorte
específico, de obras publicadas a partir da década de 1970, onde o efeito de
realidade é construído a partir de recursos típicos da linguagem jornalística.
Edvaldo Pereira Lima (2009) demonstra a abrangência que se esconde
por trás do termo livro-reportagem. O autor, baseado nos fatores função
narrativa (de informar e orientar com profundidade) e tema, identifica e lista
uma série de grupos:
Livro-reportagem-perfil procura evidenciar o lado humano de uma
personalidade pública ou de uma personagem anônima;
Livro-reportagem-depoimento reconstitui um acontecimento
relevante, de acordo com a visão de um participante ou de uma
testemunha privilegiada;
97
Livro-reportagem-retrato ao contrário do livro perfil, focaliza uma
região, um setor da sociedade, um segmento econômico etc.;
Livro-reportagem-ciência – geralmente sobre um tema específico,
serve ao propósito da divulgação científica;
Livro-reportagem-ambiente vincula-se aos interesses
ambientalistas, às causas ecológicas;
Livro-reportagem-história focaliza um tema do passado recente ou
algo mais distante no tempo;
Livro-reportagem-nova consciência sobre temas das novas
correntes comportamentais, sociais, culturais, econômicas e religiosas,
surgidas nos anos 60;
Livro-reportagem-instantâneo – debruça-se sobre um fato recém-
concluído, cujos contornos finais já podem ser identificados;
Livro-reportagem-atualidade diferencia-se do instantâneo por
selecionar temas atuais de maior perenidade;
Livro-reportagem-antologia reúne reportagens agrupadas sob os
mais distintos critérios, e previamente publicadas;
Livro-reportagem-denúncia focaliza casos marcados pelo
escândalo, apelando para o clamor popular;
Livro-reportagem-ensaio como no ensaio, evidenciam-se o autor e
suas opiniões;
Livro-reportagem-viagem tem como fio condutor uma viagem, mas
não é guia turístico, segue os princípios de pesquisa e exame do
gênero jornalístico reportagem.
O autor adverte que não se trata de uma classificação final (se
nenhuma categorização é definitiva, não seria de outro modo justamente em
98
domínio tão dinâmico quanto o jornalístico), assim como explica que um
mesmo livro pode estar simultaneamente enquadrado em mais de um grupo.
“O esforço é de sistematizar uma classificação que elucide o alcance do
campo livro-reportagem, não mais que isso” (Lima, E.P., 2009:59)
* * *
Entre as publicações sobre o tema, uma que se destaca, seja por
sua clareza e equilíbrio, seja pela síntese sem maiores prejuízos à
discussão. Temos, porém, outro motivo para explorar bastante neste
capítulo o Romance-reportagem: onde a semelhança o é mera
coincidência, de Neila Bianchin: o rigor. Logo na introdução, a autora dá uma
explicação que é bastante elucidativa sobre o universo de textos que, a partir
de critérios mais bem definidos, realmente tornam árdua a distinção entre o
romance e o livro-reportagem. Bianchin buscou delimitar seu corpus com
títulos que
[...] são apontados por todos os críticos como sendo
romances-reportagem; todos foram escritos por jornalistas;
todos propõem a contar a “história verdadeira” de casos
verídicos, comprovados e comprováveis e, principalmente, a
história contada tem a feição de romance, ou seja, as
narrativas possuem os mesmos elementos identificadores
do romance.
(Bianchin, 1997:11)
Trata-se de um recorte que reúne questões formais e também outros
tópicos que temos listado como essenciais nesta dissertação: a recepção, a
99
discussão ético-profissional, o estatuto ficcional. Talvez Bianchin seja um
tanto mais aguda do que o necessário ao selecionar apenas obras de
jornalistas, mas o cuidado de sua seleção é justo, além de proporcionar
uma reflexão a priori, pois, sob tais critérios, ela chega a cinco livros: Lúcio
Flávio, o passageiro da agonia e Infância dos mortos, de José Louzeiro;
Porque Cláudia Lessin vai morrer e Avestruz, águia e... cocaína, de
Valério Meinel; A menina que comeu césio, de Fernando Pinto.
Esse dado é importante porque, se é verdade que alguma obra pode
ultrapassar os limites das classificações, também é fato que o
desenvolvimento e o reconhecimento de um gênero novo requerem mais
que um ou alguns poucos livros. Do contrário, ele tende a dar novo fôlego ao
gênero mais próximo existente (na medida em que fomenta inovações,
transgride), ou a indicar a iminência de um novo gênero, sem que possa ser
apresentado como prova antecipada deste. A razão para assim pensarmos é
razoavelmente simples: podem algumas dezenas ou menos de títulos
responderem àquelas condições elencadas por Marcuschi? Recordemos: os
gêneros do discurso
são históricos e têm origem em práticas sociais
são sociocomunicativos e revelam práticas
estabilizam determinadas rotinas de realização
tendem a ter uma forma característica
nem tudo neles pode ser definido sob o aspecto formal
sua funcionalidade lhes maleabilidade e definição
são eventos com contrapartes tanto orais como escritas
(Marcuschi, 2008:191)
Quando o estudioso adota um recorte menos frouxo, que não destoa
tanto das contribuições recentes à análise dos gêneros (do discurso ou
literários), acontece como na abordagem de Bianchin, deparamo-nos com
100
escassos livros-reportagens apesar de as teorizações sobre os mesmos
terem começado na década de 1970, ou seja, de termos quatro décadas de
produção de possíveis objetos de estudo.
Óbvio que isso pode mudar, que podemos testemunhar um boom de
narrativas que preencham aqueles parâmetros adotados por Bianchin, por
exemplo. Sem falar que nenhum gênero assomou com criações em
pencas que o legitimassem. Esse questionamento, todavia, precisa
acompanhar o debate sobre o tema, desde que o objetivo seja a análise de
um gênero, e não a defesa engajada e intransigente de um projeto
genológico.
Deixemos a celeuma de lado, para verificar o que alguns dos
pesquisadores entendem por livro-reportagem. O mesmo Edvaldo Pereira
Lima – que, em Páginas Ampliadas, propõe a classificação da abertura
deste capítulo a partir da Teoria Geral dos Sistemas, formulada por
Bertalanffy, conceitua o livro-reportagem como um subsistema brido,
ligado em primeiro plano ao sistema jornalismo, e, em segundo plano, ao
sistema editorial, tendo como função aparente:
[...] informar e orientar em profundidade sobre
ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos
duradouros, situações, ideias e figuras humanas, de modo
que ofereça ao leitor um quadro da contemporaneidade
capaz de situa-lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe
mostrar o sentido, o significado do mundo contemporâneo.
[...] Então, se cabe ao jornalismo informar e orientar, cabe
ao seu subsistema, o livro-reportagem, informar e orientar
com profundidade, transformando-se este último papel num
instrumento complementador e extensor dessa função
declarada, individualizadora do jornalismo.
(Lima, E.P., 2009:39-49)
101
O outro conceito, mais específico, de romance-reportagem, como
lembra Rildo Cosson, é uma expressão que aparece no Brasil como título de
uma coleção da editora Civilização Brasileira, publicada na primeira metade
da década de 1970. O editor Ênio Silveira resolveu publicar obras baseadas
em fatos e em personagens reais narrados dentro dos moldes de uma obra
de ficção (Cosson, 2001).
Davi Arrigucci Jr. (1979) apontou o naturalismo dessas narrativas
publicadas na década de 70. E, em Tal Brasil, qual romance?, Flora
Süssekind também fez a aproximação, vendo nos livros-reportagens da
época um terceiro momento da escola naturalista, onde imperou uma cadeia
de alegorias:
Toma-se “secção policial” por “jornal”, assim como se
toma “redação de jornal” por “sociedade brasileira”.
“Repórter de polícia” vira sinônimo de “jornalista” e este
funciona, por sua vez, como herói da nacionalidade”.
“informar equivale a transmitir “notícias policiais”. “Romance
é apenas uma “reportagem” um pouco mais longa. E
“História” são casos policiais tomados como típicos da
sociedade brasileira.
(Süssekind, 1984:183)
Para ssekind, o naturalismo foi o atributo encontrado pelos livro-
reportagem para ir além da singularização, do “retrato 2x2 da realidade
brasileira”, o que restringiria as possibilidades de êxito das obras, pois
estariam resumidas a uma forma empobrecida, repetitiva, cheia de lugares-
comuns.
Esses livros eram quase todos baseados (e não apenas inspirados) em
casos policiais e notórios. Além de oferecerem matéria-prima para uma
literatura ansiosa por se aproximar da realidade, nos jornais o ambiente
102
havia se tornado insuportável, estimulando a busca pelos livros-reportagens
embora concordemos com os estudiosos que alertam sobre o perigo de
simplificar a produção de tais narrativas, tratando-as como consequência do
regime ditatorial que governava o país.
Se a ditadura não basta, o “mimetismo do colonizado” teria sido o outro
elemento motivador. Esse mimetismo, ao qual se refere Wilson Coutinho,
seria a cópia, por parte dos autores brasileiros, de um modelo literário que
fazia sucesso nos Estados Unidos: o chamado romance de não ficção,
expressão criada por Truman Capote quando do lançamento, em 1966, de
seu paradigmático A sangue frio.
No Brasil, a revista Cruzeiro, surgida nos anos 1920, e a Diretrizes, nos
40, trouxeram grandes reportagens, com utilização de elementos comuns
aos discursos jornalístico e literário. E, nos anos 60, com a Realidade, os
repórteres conquistaram uma maior autonomia de enfoque, estabelecendo
essas narrativas como espaço de maior criatividade e liberdade do
jornalismo. Condição que se intensificou nas décadas seguintes, como
registra Eduardo Belo – autor que, por outro lado, está entre os que reforçam
a influência da censura:
O jornalista brasileiro tomou gosto pela reportagem
em livro no final do século XX. Os anos 1980 são
recheados de relatos sobre os bastidores da política e da
economia nacional precisamente os setores da sociedade
que mais mudaram. Parte desses relatos esteve
contemplado pelas publicações periódicas, mas a
necessidade de aprofundamento, as terríveis dimensões de
eventos como a ditadura militar e a abertura política
proporcionaram espaço para a publicação de inúmeras
reportagens em livro.
(Belo, 2006:32)
103
Neila Bianchin rejeita essa tese de que a censura foi a principal
motivação do romance-reportagem, preferindo elencar outras razões:
A inspiração da forma, acreditamos, veio, em grande
parte, da ex-revista Realidade, publicada pela editora Abril,
que traz, desde o primeiro número, em abril de 1966,
inúmeras reportagens que se utilizam de uma narrativa bem
pouco convencional, em se tratando de jornalismo. [...] Para
além de Realidade é bom não esquecer da proposta
narrativa que, nos Estados Unidos, foi chamada de New
Journalism (Novo Jornalismo) e que foi intensamente
praticado naquele país a partir do começo dos anos 60,
primeiro na revista Esquire, com jornalistas como Jimmy
Breslim, Gay Talese e Tom Wolfe, entre outros.
(Bianchin, 1997:35)
O New Journalism partia de acontecimentos reais e utilizava técnicas
narrativas típicas do realismo social. Se desde os anos 60 o realismo
americano se desenvolveu paralelamente ao jornalismo, com escritores que
eram também jornalistas combinando técnicas das duas lidas, sobretudo
emprestando a objetividade das redações aos textos literários,
[...] o new journalism fez o caminho inverso,
adaptando técnicas ficcionais às reportagens, como as
variações de ponto de vista, os monólogos interiores de um
narrador autoconsciente e participante, a ênfase na
composição dos personagens, e, principalmente, na
transcendência da objetividade.
(Costa, 2005:267)
O mais conhecido dos livros surgidos da vertente new journalism, A
sangue frio (1965), suscitou como nenhum outro o debate sobre os perigos
desse relacionamento entre os gêneros. A obra, que enfoca a chacina de
uma família no interior do Kansas, foi definida pelo autor como “non-fiction
104
novel” (romance de não-ficção). E as perguntas legadas por ele o: um
gênero novo foi criado, jornalístico e literário (ou autônomo, embora nascido
de ambos)? Terá conseguido ir além de um romance extremamente realista,
ficção com utilização excessiva de técnicas de redação? Será jornalismo?
Capote se envolveu emocionalmente com os dois criminosos (que
terminaram enforcados), e A sangue frio tem trechos comprovadamente
inventados (até porque o autor nem sempre anotava o conteúdo das
entrevistas). A New Yorker fez mais de uma verificação dos dados citados
na obra, porém, o fato de sempre chegarem à conclusão de que as
manipulações e condutas heterodoxas não comprometeram o resultado é
algo que precisa ser relativizado. O êxito editorial de Truman Capote gerou
um inequívoco fascínio, estimulou várias outras narrativas similares,
despertou na imprensa a necessidade de textos mais aprofundados,
atraentes, sem falar que estamos nos referindo a um título da década de 60,
apenas dez anos após o O jornalismo como gênero literário, de Amoroso
Lima (que, sabemos, reflete concepção e expectativas sobre o ofício da
imprensa bem diferentes das atuais).
Seguindo esse raciocínio, Neila Bianchin afirma que, para
compreensão do surgimento do romance-reportagem no Brasil, além da
influência do new journalism, realmente merecem consideração a crise da
reportagem nos jornais e a insatisfação com as amarras técnicas do texto
jornalístico (Bianchin, 1997:36). De fato, apesar de termos antes destacado
as disparidades entre o jornalismo praticado pelo mundo, alguns fenômenos
foram sentidos simultaneamente em vários países, entre eles a preocupação
com a objetividade (após a Primeira Grande Guerra) e, algumas décadas
depois, a busca por textos mais trabalhados, com maior profundidade, de
estilo sedutor.
105
Incontáveis romances não eram baseados em fatos reais, muito?
Sem dúvida. Além de asseverar que suas histórias eram verdadeiras, alguns
autores chegaram, inclusive, a rejeitar o rótulo de romancistas.
Rildo Cosson defende que, no caso do romance-reportagem, o aspecto
factual é dado não apenas pela inspiração tirada de acontecimentos reais,
mas pela forma e lugares com as quais são construídas as narrativas. Por
não ser romance, a factualidade que o romance-reportagem “afirma possuir
será sempre excessiva. Por não ser reportagem, os contornos de discurso
literário que possui serão sempre objeto de desconfiança e de recusa da
verdade anunciada” (Cosson, 2001:80).
Ou seja, o compromisso do jornalista impõe ao romance-reportagem
não o mesmo desfecho encontrado nas páginas de jornais ou livros de
história; ele também determina a própria maneira de contar. limites que
não podem ser desconsiderados, caso o autor deseje atribuir à narrativa o
caráter jornalístico. Esses limites são muito diferentes de qualquer tipo de
controle que seja exercido sobre o romancista.
Ainda que o formato livro propicie e solicite maior profundidade, com
atenção à complexidade dos fatos, com humanização do relato, esmero da
forma, maior diálogo com outros gêneros, esse tipo de narrativa deve
basicamente responder aos mesmos princípios da reportagem, sob o risco
de perder a credibilidade, que é um dos seus atrativos e esse é um ponto
de concordância em todos os estudos que encontramos.
Mesmo nas páginas de jornais e revistas, a reportagem sempre foi um
formato mais livre, aprofundado e autônomo, se comparado às notícias e
demais espaços da imprensa, à exceção da crônica, que sequer chega a ter
moldura esperada. Os pesquisadores costumam não esmiuçar essa
comparação com o trabalho dos cronistas, e entendemos que isso não traz
106
prejuízo às análises. Muito já foi dito, por exemplo, que a única característica
mais ou menos geral da crônica é lidar com o efêmero e, algumas vezes,
conseguir transformá-lo em algo belo e duradouro. A crônica é caso muito,
muito à parte.
A reportagem, por sua vez, tem aspectos bem mais definidos e
comentados, existe expressiva bibliografia sobre suas formas e funções, sua
liberdade é vigiada por um horizonte de expectativas conhecido pelos
profissionais das redações. Seus textos “abordam eventos que transcorrem
no tempo, subordinando seqüências e sentença-tópico, eventualmente
intercalando entrevistas, diálogos significativos e análises de situação”
(Lage, 2005:145). Gênero jornalístico que, para Nilson Lage, teria sua matriz
no romance realista e no romance social.
A estética da reportagem nunca se desvincula de seus compromissos
éticos e princípios formais previamente estabelecidos. Uma ocorrência ou
outra de transgressão é comum, mas certa arquitetura da reportagem é
sempre mantida, como, por exemplo, a apresentação das “intenções, pela
evidência das relevâncias nos elementos de titulação e introdução do texto”,
para que o leitor possa “decidir se a mensagem lhe interessa ou não”
(Chaparro, 2007150).
Como obedecem a parâmetros semelhantes, os romances-reportagem
ratificam constantemente sua não ficcionalidade, estão sempre “desnudando
sua ficcionalidade através de notas, introduções, posfácios, material
iconográfico etc.
Entendemos que a aparente rejeição à literariedade, à
ficção, não é uma opção gratuita feita pelo autor, mas passa
a ser uma exigência a partir do momento em que ele, como
jornalista que também é, se propõe a ser fiel aos fatos, ou
pelo menos, a contá-los como ele os viu e percebeu. [...] o
107
autor do romance-reportagem precisa explicitar por palavras
seu compromisso de fidelidade aos fatos, função que é
cumprida pelas notas introdutórias
(Bianchin, 1997:94)
Neila Bianchi também aponta diferenças entre as narrativas
jornalísticas e históricas: O jornalismo se constrói sobre os fatos do
presente, “os momentos mais tensos e explosivos do cotidiano são sua
matéria prima”. Enquanto que “a história está voltada para o passado, para
os arquivos, para os documentos dos fatos passados” (Bianchin, 1997:53).
Quando comenta sobre o principal ponto de convergência entre o
romance e o romance-reportagem – a narrativa –, Bianchin lembra que
nunca ficou bem explicado, no entanto, onde especificamente essa literatura
se faz jornalismo, e vice-versa. Curioso é que, com tudo isso, apesar de
todas as ponderações feitas por ela, a autora defende que o romance-
reportagem representa “o exercício da liberdade de expressão e um
momento de plena libertação das regras que amarram o discurso
jornalístico” (Bianchin, 1997:11).
Observando todo o Romance-reportagem: onde a semelhança não é
mera coincidência, essas pequenas ressalvas que fazemos não diminuem a
importância da análise de Neila Bianchin, que, insistimos, é das mais
equilibradas, mais dispostas a investigar do que a pleitear
intransigentemente para esses livros o status de gênero literário novo (ou
nem literário, nem jornalístico, como pretende Cosson). Concordamos com
ela, sobremaneira, que o fato realmente importante não é “encontrar um
lugar para o romance-reportagem. Melhor seria que o lêssemos como um
texto que propõe a leitura das fronteiras entre jornalismo e literatura, como
108
aproximação e não separação (Bianchin, 1997:139). Assim como
endossamos outra de suas assertivas:
[...] que o texto jornalístico, apesar de sua
efemeridade, de sua ligação indissolúvel com o singular,
apesar de tratar do cotidiano que, às vezes, parece tão
corriqueiro e vulgar, não precisa do aval da literatura para
apresentar qualidade.
(Bianchin, 1997:64)
Afinal de contas, esse debate em torno do livro-reportagem (e do
romance-reportagem) nos chega indispensável, enriquece nossa percepção
e interpretação dos rumos tomados pelos dois gêneros, literário e
jornalístico. Ele se cobre de superficialidade e despropositado sectarismo
quando o que está em questão é um sentimento de inferioridade, uma
demanda pelo respeito que, para alguns, parece ser impossível dentro da
esfera jornalística. Até porque, como disseram, um jornalista criativo pode
ser melhor “escritor” do que um ficcionista medíocre. E ser escritor, bem,
isso é outra coisa, que não está atrelada às discussões genológicas, ainda
são chamados de escritores aqueles que publicam livros, independente de
como, para quem e o que estes dizem.
109
CONCLUSÃO
OU PONTO DE PARTIDA)
Durante a realização desta reflexão teórica, em debates e programa de
rádio em que surgiu o questionamento sobre a validade das distinções
genológicas, tentamos chamar a atenção para como as indagações eram
construídas: “nós, escritores, não estamos preocupados com os gêneros,
queremos é romper com essas barreiras”, “os gêneros hoje não estão sendo
muito mais atravessados do que obedecidos?”, “o rumo da prosa de ficção
não é se confundir cada vez mais com a poesia?”.
Ora, sem perceberem, ou decididas a ignorar o fato, essas plateias que
colaboravam com ceticismo sempre acabavam por usar termos como
“romper barreiras”, “atravessar fronteiras”, “confundir os limites”; em cada
uma dessas sentenças, não está o horizonte do gênero? O raciocínio é
sempre edificado sobre esses mortos. O modo de pensar de quem contesta
os gêneros está, portanto, profundamente ligado às noções genológicas.
uma dificuldade notável em problematizar essa nova literatura sem ter como
parâmetros os gêneros que ela tanto deseja negar.
Outro argumento usado nessas ocasiões foi: “ninguém se interessa
pelos gêneros, fora dos muros da academia e dos espaços de crítica ou
teoria literária”. Nenhum dos que defenderam essa tese soube dizer, no
entanto, de onde tirou a assertiva, qual era o dado empírico que nos
comprovaria que o leitor que vai a uma livraria não dedica menor atenção a
essa velharia inútil. Pelo contrário, concordamos que, apesar de toda
diversidade estilística e temática da literatura contemporânea, esses
110
mesmos leitores ainda dizem “comprei um romance”, “gostei daquele livro de
contos”, “ganhei de presente um livro de poesias” etc.
Nas mesas de bar, conversas de apartamento e demais oportunidades
em que a literatura esteja entre os assuntos tratados, quanto não nos
referimos a tais fronteiras? Discute-se, por exemplo, “o novo romance de
Bernardo Carvalho”, “a coletânea de contos que reúne jovens autores”, outra
“com poesias escritas por mulheres”... Por mais que nos títulos citados e na
recepção das pessoas que os comentam exista um anseio de se desligar
dos gêneros, estes são citados.
Em Pragmática para o discurso literário (1996), de Dominique
Maingueneau ou seja, de um pesquisador da análise do discurso, que está
longe de ignorar a dinâmica das categorias dois parágrafos que
resumem bem a posição que tentamos estabelecer durante a presente
dissertação:
Mesmo quando uma obra pretende legitimar-se sem a
menor referência aos gêneros estabelecidos, sua pretensão
à autodefinição pode ser parcial; o contrato singular que
ela estabelece não passa de uma ilha no conjunto de regras
tácitas que ela respeita (mesmo que apenas pela inscrição
nessa instituição que a literatura é).
(Maingueneau, 1996:141)
O escritor que, através de sua obra, transgride uma lei
do discurso, sabe que o destinatário vai normalmente
recorrer a um mecanismo interpretativo comparável ao do
subentendido para conciliar essa transgressão com o
permitido respeito às normas. Por exemplo, confrontado a
uma obra que apresentaria evidências continuamente
(transgressão da lei da informatividade) dará crédito ao
autor (pelo menos se este é reconhecido) e buscará uma
interpretação compatível com as leis do discurso: por
exemplo, que a obra é irônica, que pretende denunciar os
lugares comuns, que mostra aos homens sua triste condição
etc.
111
(Maingueneau, 1996:143)
Como sugerimos, prova disso é também a preocupação dos
pesquisadores em atribuir ao livro-reportagem (ou ao romance-reportagem)
o reconhecimento de que se trata de literatura, ou de que representa um
gênero novo, autônomo, estabelecido entre a literatura e o jornalismo. Isso
acontece até quando os autores dos trabalhos repetem insistentemente sua
crença na inocuidade das classificações.
Acreditamos, assim, que uma leitura do livro-reportagem, ou de
qualquer outro texto marcado pelo dialogismo, passa obrigatoriamente por
uma reflexão cuidadosa sobre as teorias dos gêneros ainda que sob essa
hercúlea empresa que é tentar superá-los. Reflexão que não pode ser
marcada por radicais simplificações, distorções severas, ou qualquer outra
manipulação grosseira que colabore com a tese defendida.
A proposta teórica que trazemos, na verdade, sugere a suspensão
(mesmo que temporária) de qualquer relativismo castrador. Porque, entre
outros clichês, se é dito que não cabe discutir o que é literatura, que este
é um conceito dinâmico, que mudou bastante ao longo da história, notemos
que essa sim é uma posição muito mais próxima do essencialismo, pois dá a
entender que somente podemos discutir concepções a cerca de fenômenos
imutáveis, que são hoje o que foram ontem, e que continuarão sendo.
Caso abordemos a natureza do romance-reportagem, ou nos
limitaremos ao resgate histórico de seus antecedentes, ou necessariamente
teremos que levar em consideração o que nos parece que ele seja agora
(sem ingenuamente descrer que mudanças futuras são prováveis). Esse
relativismo quase absoluto, muito difundido juntamente com a ideia de uma
112
pós-modernidade, em última instância, levaria ao sumiço de todo debate que
não fosse baseado em negações. Por uma lógica dialética simples, devemos
atentar ao seguinte: sem proposições afirmativas que participem do
processo, qualquer negação é vazia, desconstrução sem finalidade, além de
esgotar-se em si mesma.
* * *
Uma das conclusões antecipadas a que chegamos (antecipadas
porque objetivamos, na verdade, uma base teórica para futuras análises,
evitando fechar ideias que pedem a posterior investigação pragmática de
livros-reportagem) é que os mesmos pontos de convergência entre literatura
e jornalismo frequentemente apontados são também os lugares de
divergência. Disso resultam outras conclusões que adiantamos, com forte
suspeita que, tantos quantos forem os livros-reportagem observados em
seus detalhes, essas convicções mais serão confirmadas.
Se voltarmos aquela lista de argumentos usuais na aproximação dos
gêneros, temos o de que as distinções genológicas não têm sentido. Mas
este foi exatamente o que serviu de mote para o início desta seção.
Lembremo-nos dele, então, juntamente com aquele outro: A matéria-prima é
a mesma: a palavra. Quando se trata de literatura, apesar de todo esforço
científico que se queira sobre a mesma, toda opinião finda por ser legítima.
Nem por isso, entretanto, deixa de ser discutível. Se nos damos ao esforço
de teorizar é porque, mesmo que não interditando posição alguma, sentimos
a demanda por fundamentar as nossas próprias posições. Acontece que, no
caso dos defensores do jornalismo como literatura, encontramos uma
inconteste tendência nostálgica. Os alicerces para a afirmação de que a
113
matéria-prima comum a palavra une os textos literários e os produzidos
pelo jornalismo, recorrem décadas ou séculos atrás, quando as
atividades eram realmente confundidas, quando as redações de jornais e
revistas não eram orientadas por uma especialização crescente, pelo
estabelecimento de normas inscritas em manuais, por uma ética cada vez
mais particular.
Da mesma forma, as definições de literatura são buscadas em lugares
que respondem a essa aproximação, sejam teorias produzidas para outros
contextos, sejam ecos do pós-modernismo que a tudo quer relativizar, ainda
que sem projeto ou explicação convincente de como esse vazio conceitual
ocorre. A presente dissertação também considera as referências antigas
(bem longínquas, para ser mais justo), mas procurando confrontá-las com o
horizonte contemporâneo, fazendo-as dialogar com contexto e teorias atuais.
Ainda que não neguemos o valor das contribuições de Antonio Olinto e
de Alceu Amoroso Lima, que ainda são a bússola de muitos pesquisadores
da comunicação, eles são fontes muito fincadas historicamente, erigidas
sobre expectativas quanto ao ofício jornalístico que o se confirmaram.
Sim, eles acertaram ao vaticinar a flexibilização dos gêneros; esse processo,
contudo, chegando aos dias atuais, não elidiu as fronteiras, não transformou
toda obra com “ênfase na palavra” em literatura.
O reconhecimento do caráter dinâmico dos gêneros tem se
estabelecido concomitantemente com a ressalva sobre o complexo universo
de requisitos que leva a concretude dos mesmos. o nos parece caber
essa empoeirada visão beletrista, que teima na literatura apenas como
escrita elegante, centrada na própria mensagem, atraente. As teorias do
discurso, que são tão (e mal) exploradas pelos advogados do livro-
reportagem como igualmente pertencente aos dois domínios, tem ratificado
114
que a existência dos gêneros subentende que são historicamente dados e
inseridos nas práticas sociais, que o meios de acesso às rotinas de uma
comunidade discursiva, que têm formas características (ainda que em
constante diálogo com outros gêneros), e que não podem ser explicados
exclusivamente pelos seus aspectos formais, sendo essencial que
corroborem elementos como a recepção dos leitores.
Neila Bianchin, em Romance-reportagem: onde a semelhança não é
mera coincidência, que indicamos como sendo das melhores publicações
sobre o tema, possui um excerto aqui oportuno, e que traz outro tópico, o da
relação entre ficção e realidade:
Pode o jornalismo fazer bons textos, com um bom
trabalho de linguagem, sem desviar-se de seus
compromissos com a singularidade e com o real imediato?
Pode e deve. Pode usar técnicas literárias para fazer
emergir a dramaticidade imanente do cotidiano? Pode e
deve, mas nada disso fará com que a narrativa jornalística
passe a ser também literária. Isso porque entre jornalismo e
literatura um confronto essencial: o jornalismo não tem a
liberdade de ficcionalizar a realidade.
(Bianchin, 1997:60)
Transpor para esse debate a relativização absoluta de conceitos como
realidade e verdade é um erro. Não só porque são ideias ainda vivas,
percebidas em cada prática social (assim como também violentadas em
todos os campos da atividade humana). O equívoco é devido a um paradoxo
fundamental: se excluída qualquer base ética ao exercício jornalístico, se lhe
negarmos as prerrogativas da referencialidade e da credibilidade, ele deixa
de existir enquanto discurso. Como explicitamos ao longo deste trabalho,
todas as teorizações sobre o jornalismo dependem das relações com tais
paradigmas, e a sobrevivência material dos veículos jornalísticos também
115
dependem disso. Quantos leitores compram um jornal na banca, por
exemplo, sem terem em mente que suas informações são razoavelmente
confiáveis? Quantos adquirem uma revista semanal sem que, apesar de
sujeira a interesses e pressões, ele veicule informações úteis para
compreensão da realidade?
Logicamente que podemos coadunar muita coisa às fontes que
utilizamos nesta dissertação. Uma delas, todavia, guardamos
propositalmente, por acharmos que devem marcar bem esses derradeiros
parágrafos. Patrick Charaudeau, em Discurso das mídias, explica que a
tarefa cotidiana do profissional da comunicação de lidar com a verdade não
pode ser exposta do ponto de vista filosófico, ontológico, mas a partir de
uma visada lingüística:
O verdadeiro e o falso como noções remetendo a uma
realidade ontológica o pertencem a uma problemática
lingüística. Entretanto, acham-se no domínio lingüístico
noções como as de significar o verdadeiro ou significar o
falso, isto é, produzir um valor de verdadeiro ou de falso por
meio do discurso. [...] enfim, o verdadeiro seria fornecer a
prova das explicações; o falso seria fornecer as explicações
sem prova.
(Charaudeau, 2009:88)
Quando nos referimos ao real do qual se ocupam os jornalistas, temos
sim a certeza de que é uma realidade construída socialmente, de que não se
trata de uma substância, de um essencial, de algo transcendente, mas de
um terreno escorregadio e sempre em movimento. Por isso mesmo, por ser
um objeto lingüístico e não ontológico, podemos alcançá-lo, ele não reside
em orbes superiores que somente podem ser atingidos por empresas
metafísicas. Como afirma Charaudeau, ao invés de significar o verdadeiro, é
116
questão de produzir o valor de verdadeiro. E esse processo acontece de
modo muito singular no discurso jornalístico.
Marconi Oliveira da Silva, que tem como principal objetivo destacar a
construção social da linguagem e como a objetividade jornalística é, em
última análise, algo o confiável, baseado em um mundo “indeterminado,
ambíguo e vago”, não deixa de reconhece a existência de um acordo com a
realidade nas notícias, feito pelos participantes do processo comunicativo:
Linguisticamente, esse acordo se exprime pelo uso de
pressuposições, protótipos, categorias e por uma forma de
intersubjetividade que se traduz numa “objetividade do
mundo”. Também se fazem presentes na elaboração da
notícia o contexto de situação, o discurso, o repertório, o co-
texto e a dêixis. A dêixis, por exemplo, mostra as
coordenadas de ação dentro de uma racionalidade narrativa
passando ao leitor um efeito de realidade”.
(Silva, 2006:191)
Esse “efeito de realidade” até pode ser relacionado com aquele real
“irrealizado” na obra de ficção, sobre o qual escreveu Iser. No caso da
literatura, porém, essa referencialidade não é uma amarra. No romance, o
valor de verdade não pode ser uma obrigação, uma demanda que interfira
diretamente nas possibilidades narrativas. Pelo menos não a literatura e o
romance como hoje o percebemos e isso naturalmente pode mudar, pois
em nenhum momento somos indiferentes às suas dinâmicas.
Com isso, estamos tratando daquele último argumento visitado
pela maioria dos defensores da ausência de fronteiras claras entre literatura
e jornalismo: o da narrativa como elemento-chave e comum aos dois
gêneros. Nele também acontece de a convergência ser ferramenta para se
distinguir.
117
A reportagem (em decorrência, também o livro-reportagem e o
romance-reportagem) é verdadeiro espaço para maior ousadia, onde a
narrativa pode respirar, dialogar com outros gêneros, explorar
possibilidades. Ela, no entanto, não deixa de ser jornalismo. Como tal,
responde a princípios éticos e rotinas estilísticas de uma profissão que, em
rumo contrário ao da literatura, pede de seus profissionais o respeito a
normas.
Se a palavra e a narrativa desenham a estrada comum ao
romancista e ao repórter, por exemplo, podemos afirmar que se trata de uma
via de mão dupla, em que aquele (o romancista) a percorre objetivando a
direção da liberdade; este (o jornalista) segue jornada que, apesar de todo
esforço eventual de resistência, tem levado à normatividade.
* * *
Dissertar sobre o tema já não prova nosso interesse pelo livro-
reportagem, pelas aproximações entre os gêneros, pela relação entre
literatura e jornalismo? Caso pareça que desconstruir ou ser arrivista foi o
propósito do trabalho, encerraremos com um aspecto ainda não citado...
Em diversas ocasiões, sejam eventos ou publicações periódicas,
temos nos filiado a Octavio Paz, poeta-ensaísta para quem vivemos outra
etapa da modernidade. Ao invés de termos superado os valores modernos,
nós os intensificamos. Os ciclos de rupturas e tradicionalizações foram
encurtados; os conflitos, aprofundados; a consciência crítica, levada ao
limite. E a convivência entre esses dois gêneros separados pela mesma
118
língua (para voltarmos à imagem de Daniel Pizza) é extremamente rica em
possibilidades de ganchos ao debate sobre os paradoxos e (des)caminhos
da modernidade.
Talvez, debruçar-se sobre as relações entre literatura e jornalismo
seja mais que oportuno. Quem sabe, rota inescapável? Cada vez mais
recorremos aos textos jornalísticos para construir nossos discursos
históricos, nossos balanços sobre a trajetória da sociedade moderna.
Mesmo as academias começam a aceitar nas bibliografias de suas
pesquisas a presença de livros-reportagem, jornais, revistas, e até de
notícias publicadas na internet. Ou seja, além de isso implicar cuidado,
maior responsabilidade nessas aproximações com a prosa literária, com a
ficção, cada estudioso precisa ter a preocupação de seguir as contribuições
teóricas de perto, de se negarem a assumir posições impermeáveis, não
sujeitas a propostas dialéticas; ele deve estar receptivo a argumentos, a
oposições, ainda que estas sejam geralmente rotuladas de velhas e inúteis.
Corresponde-se o bordão de nosso tempo, que tudo muda, sem cessar,
aquilo que acusamos de velho não pode muito bem se tornar novamente
necessário
Daí, não o interesse pelo livro-reportagem, mas também nosso
respeito por todas as referências citadas neste esforço de construção de
uma base teórica de análise. Gratidão e respeito, sobretudo, pelos autores
que nos desmentem – neles está parte essencial de nosso lento (e ainda em
início) processo de amadurecimento.
119
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